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LETICIA TARQUINIO DE SOUZA PARENTE ) ') c', \)-
A CIENCIA QU!r-nCA - ENSINO E PESQUISA NA UNIVERS IDADE
BRASILEIRA
Dissertao submetida como
requisito parcial para a
obteno do Grau de mestre
em Educao.
Orientadora:
Prefa. Zi1ah Xavier de Almeida
Rio de Janeiro
Fundao Getlio Vargas
Instituto de Estudos Avanados em Educao
1985
ii
A memria de Juliana Joffily
que muito nos ensinou sobre a ami-
zade e a vida.
Aos meus alunos do primrio,
ginasial, cientfico, graduao e
ps-graduao.
iii
AGRADECII1ENTOS
- Profa. Zilah Xavier de Almeida pela disponibilidade,
solicitude e orientao.
- Ao Prof. Sergio Fernandes pela contribuio eficiente
na seleo do tema.
- Ao Prof. Ricardo Ferreira pelos conselhos cientficos.
- Aos colegas e professores do Instituto de Estudos Avan-
ados em Educao (IESAE).
- Aos colegas e professores do Departamento de Qumica
Orgnic~ e Inorgnica da Universidade Federal do Cear
que distribuiram minha carga horria e. apoiaram ,a
solicitao para realizar esse Mestrado.
- Aos colegas LeQ~ilde Jatahy, Eliana Teixeira, Airton
Marques, Afranio Craveiro pela busca e envio de docu-
mentao.
- Aos colegas professores-pesquisadores que responderam
aos questionrios.
- AoProf. Mrio Guerreiro pelos esclarecimentos.
- Ao Dr. Andreas Hauser pelo estmulo e comentrios.
iv
- A Maria Luiza Borges pela esmerada e precisa reviso
do texto.
- A Ana Lucia Germano e Clair Freeman pela ajuda na apura-
o dos dados e tabulao dos mesmos.
- A Mari a Eugenia Guimares pela indispensvel colabora-
-ao.
- A Universidade Federal do Cear pela oportunidade de ou-
tra Ps-graduao. ,
- A Coordenao do Aperfeioamento de Pessoal de Ensino
Superior pela concesso de bolsa.
- E a todos mais cujos nomes no esto aqui mas que possi-
bilitaram por gestos, compreenso e apoio a finalizao
dessa dissertao.
v
L'avenir des connaissances de la rnatiere a pris, en deux
petits siecles, une telle variet de perspectives qu'acun
cervau hurnain. ne peut prevoir les plus prochains bilans
des decouvertes experirnentales, non plus que les rnutations
thoriques probables. Bachelard, MR. p.4.
La nature voulant faire vrairnent de la chirnie a finalernent
cre le Chirniste. Bachelard, MR. p.33
La chirnie proprernent dite est dans les rnetarnorphoses,
dans les generations de la rnatiere, c'est la son caractere
fondarnental. Elle devoile, dans les corps, leur origine
et leur fine La physique ne les considere qu'en tant qu'il
persistente (Gerhardt, Introduction a l'etude de la chirnie
par le systerne unitaire, p. 9 - Bachelard, MR. p. 34.
V1.
SUH~RIO
pgs.
LISTA DE TABELAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IX LISTA DE FIGURAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . X LISTA DE QUADROS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XI LISTA DE ABHEVIAOES . XII
RESUMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XIV RESU~ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xv INTRODUAO . 1
1. CARACTER! ZAO DA PROBLEHTICA DA ASSOCIAO
ENTRE PESQUISA E ENSINO ... 29
1.1 O Discurso da Lei . ~............. 29
1 2 A D 'd~t' D' ~ 1 1 a 1ca 1spon1ve 46
1.3 Questionrio sobre ~ Prtica da Pesquisa
e do Ensino da Qumica 54
1.4 O Livro Didtico de Qumica 80 -
1.5 Pesquisa sobre Ensino de Qumica .. 90
2. ALGT.mS ASPECTOS TE6RICOS DA EPISTEHOLOGIA DE
BACHELARD ..... 100
3. PROPOSTAS DE ATUAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182 3.1 Embasamento epistemolgico do ensino e da
, pesqul.sa ................ 183
3.2 A Socializao Efetiva ~ Ampla da Qumica
com Anlise de suas Conseqncias 234
v-i!
-Pgs.
3.3 A Localizao, Caracterizao e Avaliao da
Cidade dos Cientistas Qumicos ....... I 245
CONCLUSO 249
BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269
NOTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291
ANEXO
Questionrio Sobre Pesquisa e Ensino . . . . . . . . . . . . . 293
viii
LISTA DE TABELAS
Tabela pgs.
1.3.1 Temas de Pesquisa 56
1.3.2 Grupo de trabalho 58
1.3.3 Disponibilidade de apoio tcnico 59
1.3.4 Disponibilidade de apoio administrativo 59
1.3.5 Disponibilidade de. apoio para manuteno 60
1.3.6 Organizao e Desenvolvimento da Pesquisa 61
1.3.7 Relao ensino-pesquisa 65
1.3.8 preparao
1.3.9 Preparao
1.3.10 Aplicao
1.3.11 Mtodos e
e planejamento de curso
de material instrucional
de material bibliogrfico
estratgias de ensino
69
70
71
72
1.3.12 participao dos alunos 73
1.3.13: Atendimento pessoal aos alunos 73
1.3.~ participao em 5rgos colegiados 74
1.3.15 participao em associaes profissionais 74
1.3.16 Produo 75
1.3.11 Auto-crItica 75
1.3.18 Avaliao de aprendizagem 75
1.3.19~ Adoo de linha didtica 75
1. 3 .20 utilizao de Polmica 76
LISTA DE FIGURAS
Figuras
2.1 Frmula do tetracloreto de carbono
2.2 Frmula do cloreto de amnio
2.3 Frmula da gua
2.4 Frmula pela notao de Eistert
2.5 Seqncia de frmulas da gua
2.6 Frmula e representao por difrao de Rx
da molcula do cido ox1ico hidratado
-pgs.
119
120
121
121
121
122
2. 7 Frmulas do benze no 123
2.8 Proposta "realista da frmula do benzeno 123
2.9 Representao do benzno por orbitais mo-
leculares
2.10 Estruturas de ressonancia do antraceno
2.11 Carter da dupla ligao representado na
frmula do antraceno
.2.12 Perfil epistemolgico da noao de massa
2.13 Espectro ~-fi1osfico
3.1.4~lBullvaleno
3.1.4~2Mo1cu1as Topolgicas
x
124
125
128
153
163
226
227
..
LISTA DE QUADROS
QUADRO pgs.
1.1.1 Or~ento da Universidade Federal do Cear 43
1.1.2 Oramento do Departamento de QuImica Org-
nica e Inorgnica
1.1.3 Verbas destinadas ao ensino Superior
1.1.4 Evoluo do FNDCT
1.4.1 Livros textos mais usados em disciplinas
43
44
de Gr . .'~duao de QuImica 86
.1.5.1 Distribuio de pesquisas por tema
(Comunicaes) 95
1.5.2 Relao das Comunicae~ com tendncias
Ep~.stem01gicas 96
1.5~3 Artigos Publicados em Qumica (1982/1984) 98
3~1.1;1Erros em Livros Didti'cos 189.
3.1.2.'~Revo1ues do conceito de Campo do Ligante 206
3.1.2.2E1etroquimica: uma pespectiva a maior dis-
t~~cia: Principais eventos na evoluo da
elotzoquimica 207
3.1.2.3Principais eventos considerados na recons-
tituio da histria da teoria atmica 211
3.3.1 Histria das Sociedades Qumica do Brasil 248
" ---
ABREVIATURA DAS OBRAS DE BACHELARD
TITULOS ABREVIATURAS
Essai sur la connaissanche approche,
Ed., Vrin, 1928. E
Etude sur l'evo1ution d'un prob1eme de
physique, Ed. Vrin, 1928. Etd
Lo va1eur inductive de la re1ativit,
Ed. Crin, 1929. VI
Le p1ura1isme coherent de la chime moderne,
Ed. Vrin, 1973. P
Les intuitions atomistiques, Ed. Boivin, 1933. I
Le nouve1 esprit scientifique,Presses Uni ver-
sitaires de France, 1983. NES
La dia1ectique de la dure, Presses Universi-
taires de France, 1936. D
L'experience de l'espace dans la physique con-
temporaine, Presses Universitaires de France,
1937. Ex
TITULOS
La Formation de l'Esprit Scientifique,
Ed. Vrin, 1980.
La Phi1osophie du Non, Presses Universi-
taires de France, 1975.
Le Rationa1isme App1ique, Presses Univer-
sitaires de France, 1975.
L'activite rationa1iste de la physique
contemporaine, Presses Universitaires de
France, 1951.
Le Materia1isme rationne1, Presses Univer-
sitaires de France, 1972.
La Psychiana1yse du feu, G11imard,
co11ection, Ides.
Etudes, Ed. Vrin, 1970.
L'Engagement Rationa1iste, Presses Univer-
sitaires de France, 1972.
ABREVIATURAS
FES
RA
Act
MR
Psy
Et
ER
Epistemo1ogie, Presses Universitaires de Fran-
ce, 1980. Ep
xiii
RESUMO
Esta dissertao contm a caracterizao crtica
de prtica do ensino e da pesquisa em Qumica na univer-
sidade brasileira a partir dos conceitos de base extra-
dos da obra de Gaston Bachelard.
A validade das idias de Bachelard permite a colo-
caa0 de propostas de pesquisas pedaggicas e epistemol-
gicas que possivelmente abriro novos caminhos de encon-
tro e enriquecimento mtuo entre o ensino e a pesquisa
no campo da Qumica.
xiv
RESUMt
Cette etude porte sur la caracterization critique
de la pratique de l'enseignernent et recherche en chirnie
dans l'universit bresilienne, a partir des concepts de
base extraits de l'oeuvre de Gaston Bachelard.
Le validit des ides de Bachelard a permis la
colocation des propositions de recherches pedagogiques et
episternologiques qui possiblernent ouvriront des nouveaux
chernins de rencontre et rnutuel enrichissernent entre
l'enseignernent et la recherche dans le champ de la Chirnie.
xv
INTRODUO
A questo das relaes entre a produo de conheci-
mento e sua transmisso na prtica docente um assunto
que polariza a preocupaao da comunidade qumica do pas.
Constantemente vem tona no dia-a-dia dos departamentos
universitrios, nos questionrios e relatrios das agn-
cias governamentais (como em recentes questionrios da Co-
ordenao de Aperfeioamento do Pessoal de Nvel Superior
~APES)l, nos debates e nas mesas redondas de encontros re
gionais e nacionais das sociedades cientficas.
Na crise global da universidade, o problema da re-
lao entre ensino e pesquisa chegou tambm ao clmax do
exacerbamento; e est a exigir, no regras fixas, ou sa-
idas demarcadas, mas novos enfoques de avaliao, subsi-
dios para um nvel mais profundo de anlise, enfim, ali-
mento substancial para se desvendarem novos sentidos em
termos desgastados pelo uso repetitivo e formal.
Foi-me dado o privilgio de presenciar, ao longo de
mais de 20 anos de vivncia universitria, vrios modelos
de implantao e desenvolvimento do ensino e da pesquisa.
Tendo trabalhado em trs universidades, acompanhei em
trs diferentes departamentos o processo de convivncia
dessas duas funes: a de ensinar e a de pesquisar.
lQuestionrios para Professores e Ps-Graduados de Avalia-o da Reforma Universitria.
-2-
Dessa forma pude assistir:
a) transformao ou converso de uma unidade de
pesquisa, no caso o Instituto de Qumica da Universidade
Federal do Ceari tUFC)--'do_qril eu era bolsista auxiliar
de pesquisa --, em unidade de graduao, na qual foram cri
ados quatro cursos na irea de qumica: bacharelado, licen-
ciatura qumica industrial e engenharia qumica. Dissolvi-
da a unidade com a reforma de 1968, seus departamentos con
tinuaram, sob a nova organizao administrativa, ligados
ao Centro de Cincias Exatas da UFC.
b) ao advento da reforma universitiria de 1968, que
obrigou implantao da pesquisa em unidades at ento
quase exclusivamente de ensino e, sobretudo, vinculou to-
do o corpo de professores de 40 horas a compromissos de
pesquisa. Pude acompanhar no Instituto de Qumica da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1974 urna
etapa dessa evoluo no setor de qumica geral e inorgni-
ca.
c) ao desenvolvimento de projetos de ensino e pes-
quisa integrados desde sua origem, em instituies que ji
se tinham assim articulado antes de 1968, e de influncia
nitidamente europia, pelo menos quando de sua fundao.
Refiro-me, como exemplo, ao Departamento de Qumica da Pon
tifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC) ,
fundado em 1959, e onde fiz curso de mestrado a partir de
1971, e ao Instituto de Qumica da Universidade de so
-3-
QSP Paulo (SUP) com que mantive estreito contato e intercm-
bio desde 1966 e no qual foram cursar a ps-graduao os
primeiros professores do ento Instituto de Qumica da
Universidade Federal do Cear (UFC) , cujo Departamento de
Qumica Orgnica e Inorgnica eu tambm integrava nessa
ocasio.
d) finalmente, ao desenrolar da implantao do bi
nmio ensino-pesquisa nos seus 15 anos iniciais na univer
sidade brasileira, experincia acompanhada por mim atra-
vs do intercmbio com colegas de outros centros, inter-
cmbio tornado possvel atravs da militncia na Socieda-
de Brasileira de Qumica, desde a sua fundao.
Em 1980 o Departamento de Qumica Orgnica e Inor-
gnica da Universidade Federal do Cear abriu-me a possi-
bi1idade de fazer um curso de mestrado em Filosofia da Edu
cao. Pareceu-me ento que seria um feliz consrcio a jun
o do acervo de vivncias e experincias universitrias
acima referido com os princpios filosficos e educacio-
nais que o curso do Instituto de Estudos Avanados em Edu-
cao (IESAE) me permitiu adquirir atravs das disciplinas
e do intercmbio com os professores e os colegas, oriun-
dos dos mais ricos e variados rinces da vida e do saber.
Dessa forma pretendi buscar subsdios, na forma de
um corpo de princpios querne permitisse levantar proble-
mas, articular critrios de julgamento, esboar linhas de
diagnstico, enfim, para propor modestas perspectivas de
-4-
anlise e transformao, j ento no mbito da prtica de
modo a que o ensino e a pesquisa pudessem se harmonizar e
se enriquecer mutuamente. Antes porm de resumir as inten
es desta dissertao, cabe-me tomar posio a respeito
da pesquisa, uma vez que alguns questionam sua validade no
mbito da universidade, ao passo que ningum discute a
relevncia do ensino em qualquer de suas formas na mesma
instituio.
Considero de importncia vital para a sobrevivncia
da universidade a permanncia e a expansao da pesquisa. E
valorizo sobretudo a pesquisa bsica ou fundamental. Se fa
o, no por subestimar a pesquisa aplicada, mas por con-
-siderar que uma nao se realiza sem a outra. Ademais, a pe~ quisa fundamental est ligada aos interesses mais profun-
dos do esprito humano, interesses exploratrios respon-
sveis pelo patrimnio cultural da humanidade, e em razo
dos quais o ser humano vem repetindo desde a sua origem as
mesmas perguntas: quem sou eu? que a vida? de que so
feitas as coisas?
Tambm porque uma das conseqncias primeiras da
pesquisa bsica a formao de recursos humanos exc~pc~
nais. S a pesquisa fundamental voltada para a resposta
aos grandes desafios capaz de motivar as inteligncias
apaixonadas e curiosas, com flego para os grandes vos
e os saltos perigosos. Nelas, por seu aspecto de inutili-
dade, de louco desperdcio, "que se mergulha fundo no
desconhecido para encontrar o novo".l
INUSSENZVEI'.G, Ciencia Hoje, n9 4, p. 60.
-5-
A maioria dos progressos tecnolgicos adveiode
dados fornecidos pela pesquisa bsica. Ora, ns brasilei-
ros temos questes no mbito da pesquisa bsica e aplica-
da, que ningum, seno ns mesmos, est interessado em re
solver. No comum, como no caso da malria acharmos uma
universidade como a de New York, disposta a financi-la
para pesquisadores brasileiros da rea fundamental. S o
deSenvolvimento da pesquisa bsica servir de lastro para
um desenvolvimento tecnolgico autnomo. Os resultados se
cundrios da primeira sempre deram bons frutos. Mesmo quan
do a resposta central almejada no imediatamente aplic
vel, ela remunera generosamente em lucros futuros suas es
cassas despesas no presente.
O treinamento em pesquisa bsica valoriza o esprito inventivo, a originalidade e a independncia de pensamento, uma atitude rigoro sa e crtica. ~ preciso saber de= senvolver ~todos novos para re-solver problemas inesperados. O teste crucial do acordo entre mo-delo e realidade, em condies cu! dadosamente controladas, prevale-ce sobre qualquer argumento de autoridade. 1
A dissertao, cujo plano apresentarei a seguir,
pretende primariamente:
Aprofundar e caracterizar a problemtica da asso-
lNUSSENZVEIG, M. Cincia Hoje, n9 4, p. 60.
-6-
ciao entre a pesquisa e o ensino da quimica no Brasil,
partindo da anlise da imposio legal e chegando ao esbo-
o de uma descrio baseada em dados de observao parti-
cipante natural e de colheita empirica.
Propor uma sintese dos pensamentos de Gaston Bache-
lard, como fundamento para uma reflexo critica sobre o
problema colocado e como fonte de subsidios para uma co-
existncia equilibrada e interativa entre essas duas fun-
es do magistrio superior, na rea da quimica.
Finalmente,' ensaiar a utilizao de alguns concei-
tos tericos tomados do referido autor, aplicando-os
elaborao de propostas de atuao capazes de viabilizar
um relacionamento positivo e enriquecedor entre ambas as
atividades no campo da quimica.
A primeira parte do trabalho pretende analisar o
discurso da lei que criou o liame indissoiv.el entre o
ensino e a pesquisa na pessoa do professor universitrio,
conferindo-lhe um carter obrigatrio.
Foram desenvolvidos comentrios sobre o texto da
Lei n9 5540 de 28/11/1968 e sobre o Relatrio do Grupo de
Trabalho que a elaborou.
A seguir um outro tpico foi julgado necessrio.
Consistiria em apresentar a sucesso das correntes did-
ticas que, historicamente, no Brasil, foram veiculadas
desde as origens dos cursos de licenciatura e, simultanea
mente, infundidas no corpo docente atravs dos especia-
listas em pedagogia que ministravam os cursos de aperfei-
-7-
oamento em disciplinas da rea pedaggica nas universida-
des. Demos a essa passagem o ttulo de "Didtica dispon-
vel".
Em seguida, procurei caracterizar a prtica do en-
sino e da pesquisa na rea da qumica no espao da univer-
sidade brasileira.
Apesar da longa convivncia que me permitiu uma ob
servao participante natural no ambiente investigado, on
de se realizaou a colheita de dados, pareceu-me convenien
te reforar as constataes pessoais com outros dados em-
pricos advindo de respostas a questionirios enviados a
colegas da rea da qumica.
A amostragem constituiu-se de:
- professores com 'tItulo do doutor, possibilitan-
do a abrangncia da gama completa das atividades
de ensino e pesquisai
- docentes lotados, dispostos a acolher o questio-
nrio e a respond-lo i
Segue-se a relao desses centros e o nmero de
professores que responderam ao questionrio:
- Universidade Federal do Cear (UFC) 6
- Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) 2*
- Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) 3
- Universidade Federal Fluminense (UFF) 5
lEram 3, um deles respondeu parcialmente. no sendo aprove! tado.
-8-
- Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro
PUC/RJ 4
- Universidade de so Paulo (USP-SP) 8
- Universidade de so Paulo (USP-CRibeiro Preto) 2
- Universidade Estadual de so Paulo (UNESP -
Araraquara)
- Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP -
Campinas)
TOTAL
4
5
39
Alm desses centros, foram enviados questionrios
a dois outros, cujas respostas no chegaram.
A amostra compe-se, portanto, de 39'questionrios
respondidos, num total de 100 enviados. Esse nmero cor-
responde a cerca de 12% da populao alvo. A aproximao
deve-se ao fato de no se saber exatamente as oscilaes
entre o nmero de professores vinculados e os efetivamen-
te presentes, no momento, nos departamentos.
No considerando aqui as limitaes peculiares aos
meus questionrios, gostaria de lembrar que, de qualquer
modo, haveria sempre possibilidade de crticas de carter
genrico contra "o empiri,cismo sociolgico inerente a es
se instrumento", formuladas por autores de diferentes es-
colas e nacionalidades, a partir de diferentes problem-
ticas. P.A. Sorokin & C. Wright l1ills (americanos); Adoitt-
-9-
no e outros da sociologia alemi Pierre Bourdieu e Thiol-
lent, da francesa, alm de outros de orientao althusse-
riana, todos colocam restries a essa tcnia de sondagem.
Thiollent143 , por exemplo, aponta as seguintes fa-
lhas intrnsecas aos questionrios:
- "aus~ncia de respostas por causa da desconfiana
ou intimidao"i no caso, apesar do sigilo espo,!!
tneo sobre o nome,a identificao da institui-
ao torna a pessoa identificvel e a revelao de
seu padro de_ao poder deixar mostra os pon-
tos vulnerveis de seu trabalho;
as respostas de opinio sao distorcidas por "ra-
cionalizaes" que o entrevistado utiliza em fun-
o de seu envolvimento no assuntoi
- o carter abstrato de certas palavras, dando
margem a imprecises na interpretaoi
a tend~ncia a responder mais facilmente sim d
que naOi
- a induo da. resposta pelos termos da perguntai
a manipulao da resposta pelo uso, na pergunta,
de esteritipos com conotaes negativas ou dra
mticas.
Em favor dos critrios escolhidos na elaborao
-10-
temos os seguintes conselhos:
- sem dvida a "traduo" das palavras abstratas
em palavras mais concretas um procedimento ine
vitvel embora imperfeito. Sua utilizao supe
que se tomem, como o faz o autor citado, muitas
precauoes ao n!vel da captao da resposta. A
principal delas consiste em anotar a totalidade
da verbalizao do respondente, na qual se trata
de detectar o quadro de referncia que d sentido
-. 143 a resposta
deve-se utilizar uma linguagem acess!vel ao su-
jeito menos sofisticado (no caso, menos sofisti-
cado em pedagogia), evitando-se ao mesmo tempo
a aparncia de simplificao exagerada.
os quadros de referncia sao definidos pelo con~~
texto da fala do entrevistado Pressupe-se que
ambos (investigador e investigado) operem dentro
do senso comum.
convm observar somente que, na sondagem sobre a
pesquisa, tratava-se de expor uma lista de gestos, aes e
responsabilidades de maneira simplificada mas reconhec!-
vel, de modo a expandir ao mximo a listagem a fim de que,
uma lembrando a outra, (nesse ponto desejei o mximo de
"contgio") no ficasse de fora nenhuma particularidade ou
detalhe do exerc!cio profissional.
-11-
Criou-se um sistema escalar aproximativo para ava-
liar a freq~ncia com que as "a~es" sio praticadas pe-
los docentes. Para isso o respondedor assinalaria uma das
respostas:
"sempre" ; h;S vezes"; "nunca".
A finalidade principa1~seria obter o quadro o mais
minucioso possvel da vida profissional, com a listagem
exaustiva de todas as tarefas e tipos de ocupaao j pre-
senciada por mim no dia a dia de nossa profissio. Obvia-
mente, vrias foram omitidas, apesar do meu cuidado. O ob-
jetivo principal seria atender eterna questo da utili-
zao do tempo: "o ensino toma demasiada tempo; pesquisa
ou a pesquisa torna demasiado tempo ao ensino?" J que ~
essa a formulao que freqentemente se d ao assunto nas
discusses que se travam a seu respeito.
A relao de tarefas ou ocupaes presumidas como
de competncia dos pesquisadores foi apresentada a partir
dos seguintes tens subdivididos em outros.
Pesquisa:
1. Programao
- discusso do projeto
- escolha do terna
2. Elaborao do projeto
3 . Avaliao dos recursos necessrios
-12-
4. -Cronograma de execuao 5. Recrutamento de pessoal
6 .'Contato com agncia financiadora
7. Instalao de infra-estrutura administrativa
8. Recursos humanos
9. Implantao e desenvolvimento
10. Processamento de informaes
11. Manuteno
12. Administrao de pesquisa
13. Registros e publicaes
14. Atividades e tarefas avulsas.
Aps o recebimento das respostas, para configurar
a situao concreta, considerei melhor reagrupar os tens
da seguinte forma:
I. Sobre que assuntos trabalha o pesquisador?
1. Temtica da pesquisa.
II. Com que meios trabalha o pesquisador?
1. Recursos humanos
Grupo de trahalho:
- composio
- recrutamento
- expansao
-13-
2. Infra-estrutura
- disponibilidade de apoio tcnico
- disponibilidade de apoio administrativo
disponibilidade de apoio para manuteno
III. Corno e em que trabalha o pesquisador?
1. Organizao e desenvolvimento da pesquisa
- elaborao do projeto
- busca de financiamento
implantao e manuteno
- processamento de informaes
- aperfeioamento profissional
- formao de pessoal
- registros e publicaes
Quanto ao questionrio dedicado s tarefas e aoes
no mbito do ensino, montei-o a partir das indicaes tc-
nicas j expostas, passando em seguida fase de labora-
-ao.
Falava-se nesse ocasio de um questionrio, que cir
culava nos meios universitrios, sobre a formao dos ge-
logos, cuja finalidade era subsidiar a redao de um curr
cu lo mnimo de geologia levado a cabo pela Secretaria do
Ensino Superior do Ministirio de Educao e Cultura (SESU/
rmc) atravs de grupos de estudo compostos por entidades
universitrias e a Sociedade Brasileira de Geologia. No
-14-
que dizia respeito ao ensino, esse questionrio foi obje-
to de comentrios e elogios.
Veio-me a idia de utilizar algumas de suas ques-
tes, adaptar outras e acrescentar novas, aproveitando sua
utilizao prvia -- notoriamente bem aceita, -- corno uma
forma de pr-teste. Assim, repeti a estrutura desse ques-
tionrio. Ao lado de um procedimento pedaggico, o respon-
dente assinalaria uma das colunas: "sempre" "s vezes" e
"nunca".
Achei que seria aconselhvel utilizar o "jargo"
corrente entre professores de cincias; a modificao in-
troduzida foi a inverso da ordem, para descaracterizar
-as aoes corno pertencentes a um determinado estilo peda-ggico e a expanso do nmero de Itens de 18 para 38. No
convinha rotular qualquer conjunto de passos formais com
um tItulo, por exemplo, "ensino expositivo". Os diversos
sujeitos associariam esses tItulos a atividades diferen-
tes, segundo sua interpretao do rtulo. Por outro lado,
apresentar as seqncias completas e ordenadas das eta-
pas que constituem um mtodo ou estratgica, poderia fa-
zer agir o efeito de "contgio", pelo qual a5es agrupa-
das induzem resposta de algumas que na prtica no foram
cumpridas em decorrncia de sua associao na memria ou
na teoria. Tive o cuidado, pois, de desarticular as seq~
cias, e, em cada momento do processo de ensino, apresen-
tar um rol de tarefas e atividades fora de sua ordem ha-
bitual, dissolvendo assim a ligao de urnas com as outras.
-15-
Os diversos momentos do processo de ensino foram
assim arrolados:
-- preparaao - ministrao de aulas
- atividades docentes outras
- relacionamento aluno-professor
- procedimentos referentes ao manual
- particjpao em rgos colegiados e em socieda-
des profissionais
- produo de material instrucional
produo de pesquisa em ensino de qumica
- avaliao crtica das atividades de ensino
No que concerne s respostas a essa parte do ques-
tionrio, elas foram grupadas de maneira a possibilitar
o sentido da realidade sondada.
L preparaao e planejamento de aula
2. preparaao de mlterial instrucional
3. aplicao de material bibliogrfico
4. mtodos e estratgias de ensino.
5. participao dos alunos na programao, na
escolha do mtodo e na avaliao
6. atendimento pessoal ao aluno
7. participao em rgos colegiados e em associa-
es profissionais
-16-
8. produo de pesquisa qumica e em ensino de
~ . qU1m1ca
9. autocrtica
10. avaliao da aprendizagem
11. posicionamento com relao a linhas pedaggicas
12. utilizao de polmica.
Reconhecendo posteriormente algumas deficincias
do questionrio, tentei san-las. Para isso dirigi uma
consulta aos professores de qumica de alguns centros, de
modo a constituir uma amostragem significativa para a fu-
tura elaborao de uma relao dos livros-texto mais ado-
tados nas disciplinas bsicas de qumica: qumica analti
ca, qumica inorgnica, fsico-qumica e qumica orgni-
ca. Os centros consultadas forma os das seguintes univer-
sidades: Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ),
PUC/RJ, UFF, UFRJ e UFC.
Os resultados e comentrios s respostas sao apre-
sentados como complemento composio do quadro descri-
tivo da prtica de ensino.
Julguei ainda necessrio entrar em contato com as
atividades de pesquisa sobre ensino de qumica que vm
sendo desenvolvidas no Brasil. Escolhi como significati-
va, pelo porte e crescente evoluo, a produo apresen-
tada nas trs ltimas reunies da Sociedade Brasileira de
Qumica (1982, 1983 e 1984) e os artigos publicados na
-17-
seo Educao Qumica da Revista'Qumica Nova do mesmo
perodo.
Procurei interpretar as inf?rmaes.recolhidas pri
vilegiando, ao faz-lo, os aspectos qualitativos sobre os
quantitativos, embora estes no sejam de todo desconside-
rados.
o que se pretendeu indicar nesta caracteriza~o da
prtica do ensino e da pesquisa de qumica; como subsdio
para a lnterminvel discusso sobre a cOIl~orrncia das duas
tarefas, que no o tempo consumido com qualquer delas
que priva o professor da requerida disponibilidadepara a
outra. O que seviu' que ambas convivem melhor entre si
do que qualquer delas convive com as tarefasCcmpulsrias
de cunho administrativo e,burocrtico, ou com o esforo
despendido para suprir lacunas infra-estruturais tais co-
mo a manuteno de aparelhagem e o processamento eficaz de
informaes cientficas.
Na. segunda parte deste trabalho, proposta uma in
terpretao da epistemologia de Gaston Ba~helard, f~~dada
na explorao de lguns conceitos pertinentes aos proble-
mas visados.
Ningum fez uma ligao to profunda quanto, Bache-
lard entre o desenvolvimento filog~ntico da cincia ao
longo do desenvolvimento da espcie huma.na e a construo
do pensamento cientfico de modo ontogentico no momento ,pessoal de cada cientista, de cada aluno ou de v+ios em
-18-
comunho. No toa que Piaget assim fala:
pelo que se possa dizer da epis-temologia gentica especializada no estudo do acres cimento como tal dos conhecimentos, a obra de Ba-chelard constitui a soldagem mais ntima entre anlise histrica e preocupao ~entica, pela cons-tante precisa0 com que localiza o problema epistemolgico nas trans-formaes das prprias.l
Portanto, ningum mais adequado a ser ouvido e
at mesmo seguido no momento em que se pretende aproximar en
sino .. -"espao onde se promove a gerao ontogentica dos
conhecimentos -- da pesquisa -- espao da gerao filoge-
ntica da produo cientfica.
J tendo optado, desde remotas leituras da obra de
Piaget, realizadas durante a docncia do ensino secund-
rio no incio da dcada de 1960, pela orientao episte-
molgica dos mtodos de ensino, o encontro da obra de Ba-
chelard reforou e ampliou a faixa de afinidade.
Se escolhi Bachelard como o principal autor para
fundamentar teoricamente este trabalho foi antes de tudo
pela sua contribuio epistemologia. Mesmo consideran-
do que ele encerra esta disciplina apenas na dimenso co2
nitiva necessrio que se tome contato com o conjunto de
lpIAGET. Introduction a Espistemologie Genetique T.II, p. 330.
-19-
suas especulaes. Na sua obra, a epistemologia trata-
da como a disciplina que 'estuda as leis que regulamentam
a produo da cincia como tipo peculiar de conhecimento,
tanto no aspecto no a~~e~~ gentico quanto no transforma-
cional.
Alguns dos seus conceitos, como os de corte episte-
molgico, obstculo epistemolgico e algunas prticas como
a sugesto aos cientistas e seus aprendizes de elaborar
seu prprio perfil epistemolgico, parecem-nos da maior
importncia no sentido de integrar numa raiz de fundamentos
e de gestos comuns os atos de ensinar e de pesquisar.
Em nachelard o cientista encontrar subsdios para
uma reflexo filosfica sobre a prpria atividade, que lhe permitir alcanar uma lucidez maior com relao
qualidade epistmica de seu trabalho. Ademais~ sua contri-
buio possibilita a descoberta de mecanismos cegos sub-
jacentes que, como um peso morto, invalidam as asas do
pensamento cientfico que busca ser livre e mais transpa-
rente verdade.
A demonstrao do carter social da cincia, como
um valor a ser conservado e aprimorado, mas bastante com-
prometido com todos os nveis e formas de poder, d-nos
matria farta reflexo e a uma tomada de posio mais
consciente.
Optamos enfim por Bachelard:
Pela esperana com que envolve a conquista da
I
I I .
I I
I I ,
-20-
verdade, essa meta sempre buscada e nunca alcanada em
sua plenitude, esse ser que sempre cresce e no entanto
sempre testemunho da prpria incompletude.
Por ser um dos poucos filsofos que tem como assun-
to central de suas reflexes a qumica, cincia a que de-
dicou seus primeiros anos de TIlagistrio.
Por nos ter proporcionado uma viso da cincia qu-
mica CQffiO uma realidade aberta, em crescimento incessante,
capaz de, pelo seu exerccio, fecundar o esprito humano
para outras manifestaes igualmente necessrias de racio-
nalidade demonstrando ento seu carter formativo e cul
tural.
Igualmente, por ter valorizado a linguagem cient-
fica, que destacou como parte integrante do prprio corpo
da cincia. Com relao a essa linguagem demonstrou honro-
sa exigncia, conferindo-lhe a justa amplitude. Liberou-a
dos estreitos limites da nomenclatura e notao, para lan-
-Ia num campo mais vasto, em que aprecem outras modali-
dades de representao.
Por fim, pela eqllidade com que considera, embora
distinguindo-as, a relevncia das funes de ensinar e de
pesquisar. Ligando-as por recproca dependncia, fez de
uma a serva da outra, nos limites da cidade dos cientis-
tas, esta transformada ao mesmo tempo em matriz e escola
dessa cincia.
Se h ressalvas a fazer ao pensamento de Bachelard
I
I i
I l I
t ,
I
I I t
i I I j
I I I I
I j
1
1 J
J
i i I 1 .
-21-
por teree-deixado fora -dadiscu~so'problemasque sao p~
ra muitos de extrema relevncia. Muitos deles so meneio
nados pelo autor, que reconhece assim a sua existncia,
mas como que implicitamente, e arrola-os como temas a se-
rem tratados posteriormente. ~ o caso do problema da neu-
tralidade da cincia e o da competio entre os cientistas.
Nestes casos, nao teriam sido relegados por irrelevantes,
mas ao contrrio, pela sua complexidade, a impossibilitar
sua abrangncia nas orlas de uma obra quase exclusivamen-
te dedicada aos aspectos cognitivos e pedaggicos da cria-
ao cientfica.
Essas limitaes perceptveis em Bachelard no lhe
diminuem a importncia nem a aplicabilidade. Como diz Can-
guillem Bachelard, "rotulado de idealista o homem que
utiliza o erro como um elemento que tem primazia sobre a
certeza" na construo da verdade, postura que nada tem
de idealista. E, concordando com Lecourt, o pensador que
aponta o movimento dialtico contnuo do processo de cria-
o cientfica do esprito' humano, pelo qual d-nos ins-
trumentos de superao do empirismo, do positivismo, do
historicismo cronolgico, do realismo das primeiras im-
pressoes.
Uma primeira indagao que surge da obra de Ba-
chelard diz respeito ao problema gerado pela relao en-
tre o que ele chama de ruptura-epistemolgica e o obst-
culo epistemolgico. Para abordar essa questo, procura-
rei sUmariamente, como cabe nessa introduo, definir os
-22-
conceitos de ruptura e de obstculo.
A ruptura epistemolgica surge em meio ao pro-
blema da emergncia do conhecimento prprio da cincia.
Bachelard foi o primeiro a utilizar este termo para indi-
car uma descontinuidade entre o conhecimento comum e o
conhecimento cientfico. Depois ele se tornou uma catego-
ria de uso freqente no discurso contemporneo. Para Ba-
chelard, no h uma passagem inconstil no tecido do
conhecimento vulgar que, amadurecendo, transforme-se em
cientfico. No, ele argumenta fortemente a favor de um
corte, de um salto de natureza qualitativa, essencial.
H ainda uma outra ruptura, esta identificada por
Bachelard no domnio mesmo da cincia. Nessa segunda aceE
o, ela aparece quando, no territrio da cincia, pas-
sa-se de um estgio do desenvolvimento de um conceito pa-
ra outro mediante aquele passo, ou salto, a que se costu-
ma designar por "revoluo cientfica".
Com relao ao obstculo epistemolgico, ele
definido por Bachelard
como uma espcie de necessidade funcional de lentido e perturba o que causa inrcia esta~na e r~gresso relativamente a aq~! siao do conhecimento ( ). Nao
-23-
advm da complexidade dos fenme-nos, nem da fraqueza do esprito ou dos sentidos ( . ). Advm de um impedimento que aparece no pr prio ato de conhecer. l
No nos interessa, como diz Lecourt denunciar ou
constatar simplesmente as limitaes de Bachelard; se as
referimos, antes para "pensi-Ias e, em.pensando-as, achar
um meio de superi-Ias".
A primeira questo seria a seguinte: Bachelard nao
situa a ruptura do conhecimento cientifico com relao s
ideologias ou ideologia subreptciamente presente no ci-
entista e na cincia.
Falta a ele uma histria da cincia relacionada
ideologia e sua histria. A ideologia tomada aqui no
sentido "d ~elao imaginiria dos'homens com suas condi-
es materiais de existncia" (Marx - Ideologia alem . ).
Sobrecarrega a libido', como argumento psicanaltico a per
mear o fundo donde se extraem os conceitos cientficos,
mas encobre a dificuldade de pensar uma histria "dife-
rencial" da ci~ncia e da tecnologia. 2
Uma outra questo tacitamente formulada e nao res-
pondida, seria: ---- por que, apesar do corte da cincia com
o pensamento comum, por que apesar da ruptura, permanecem
e continuam se formando na geraao de cientistas, uma aps
1 FES, p. 13.
2LECOURT,D. Pour une critique de L'epistemologie, p. 35.
-24-
outra, antigos e novos obstculos epistemolgicos?
Bachelard no deixa de aludir vagamente influn-
cia da classe social sobre a feitura de livros pr-cientfi-
cos no sculo passado. Mas no aprofunda ou estende a an-1
lise do fenmeno~
Por fim, ainda em outro aspecto~ desta vez relativo
criatividade, Bachelard no faz o seu panegrico como
vem sendo tradio entre os psiclogos e os antroplogos da
cincia. No entra no mrito do momento da descoberta: no
mrito de pensamento do criador. S se preocupa com a des-
coberta a partir de sua validao pela cidade cientfica,
na fase da prova. Assim sendo, atribui maior valor ao "ins
tinto de objetividade social" que ao "instinto de origina-
lidade" .
Foram realadas 'principalmente as acepoes em que
Bachelard emprega as seguintes categorias: realidade, racio-
nalismo, dialetizao ou dialtica. Procurei expor de for-
ma analtica e exemplificada alguns conceitos criados pe-
lo autor: a dvida potencial, o valor do ~, a ruptura
epistemolgica com relao ao senso comum, ~ ruptura epis-
emolgica que chama de histrica,' ~ obstculos epistemo-
lgicos e a cidade cientfica. Expus seus principais argu~
mentos para a valorizao da polmica como o clima mais
propcio cincia; 'seu enfoque dos assuntos especializao
e epistemologias reqionai~.
Finalmente, tentei recolher da obra de Bachelard
as contribuies julgadas mais importantes para fundamen-
i
i I I I I I
I I
I 1
I
-25-
tar uma pedagogia adequada cincia. Hesse sentido, ele
oferece sugestes como a prtica dialtica no ensino, a
identificao do obstculo epistemolgico, a importncia
do erro. Prope ainda sugestes sobre o relacionamento
aluno-professor, o ensino experimental ligado teoria; o
livro-texto e a socializao do ensino.
Considero a leitura empreendida e" seu comentrio um
ponto de partida. Qualquer estudo posterior requerer um
retorno a ela,. bem como o recurso a outras obras no li-
das e que, embora talvez de menor importncia, podero
tambm contribuir para a consecuo de outros objetivos
mais amplos, que transcendem este trabalho.
Na terceira parte deste trabalho, ainda fundamenta-
da em Bachelard~ pretendo apresentar sugestes de atuao,
que passam por uma etapa obrigatria de pesquisa, preferen-
cialmente de cunho interdisciplinar,' abrangendo a colabo-
rao, quando possvel, do epistemlgo, o-ps;tclgo r-do
pedagogo, do professor e pesquisador qumico.
o contedo dessa parte final desdobra-se em trs
tens. O primeiro prope a fundamentao do ensino e da
pesquisa em bases epistemolgicas. Os aspectos tratados
no tm a pretenso de esgotar toda a abrangncia da ru-
brica. S foram privilegiados sobre outros em decorrncia
de nossas deficincias e da natureza do problema proposto,
que seria o da equilibrao das relaes entre o ensino e
a pesquisa.
Por fundamentao epistemolgica do ensino, enten-
-26-
do a orienta~o metodo15gica ou o enfoque te5rico, que,
sob a forma de princpios aplicados, tornariam o ensino
da qumica mais de acordo com a maneira de atuar da pr5-
pria qumica. A fundamenta~o epistemo15gica da pesquisa
seria a retomada da produo qumica de forma mais lcida
e mais coerente com a pr5pria natureza da cincia.
Isso teria por resultado inevitvel relacionar as
tarefas de ensino e pesquisa n~o arbitrariamente pela di-
vis~o ou justaposio de horrios, mas pela sua unio me-
diante a implantao de fundamentos comuns.
Assim, inspirando-me em Bachelard, privilegio para
a realizao do objetivo mencionado, os seguintes pontos:
- a utiliza~o do erro.
- o emprego mais fundamentado do mtodo da desco-
berta articulado sob a forma de projetos ou pro-
blemas;
- a reconstitui~o de quadros hist5rico-crtico-
-epistmiCOs em que se possam perceber os momen-
tos de desenvolvimento dos conceitos e princ-
pios bsicos mais significativos da cincia qu-
mica.
- a dialetizao da prtica do ensino e da pesquisa.
- a ativa~o da polrnica como momento construtor.
Obviamente, muitas propostas de pesquisa e atua~o
-27-
da maior importncia foram deixadas de lado. Algumas,
por j constiturem assunto de preocupao presente, como
-e o caso do esforo para tornar mais experimental, no ver-dadeiro sentido, o ensino da qumica, atravs da insero
do experimento na teoria e vice-versa: um verificando a
outra.
Assim tambm o problema da diferenciao dos con-
tedos que so objeto do ensino e da pesquisa. Enquanto
aquele no pode prescindir de transmitir o saber j con-
quistado, esta ltima visa exclusivamente a ampliao do sa
ber. Descobrindo novos fatos e princpios j notrios, a
qumica vai se corporificando em novos- construtos. Obvia-
mente essa dualidade no absoluta uma vez que todo fato
descoberto torna-se cincia morta, mas esse processo leva
tempo. O que preciso cuidar de encurtar esse limbo, de
modo a que o ensino seja revigorado e inovado em seus con-
tedos, fazendo-se avanar as fronteiras dos seus domnios
e tornando contemporneo o saber transmitido. Isso, que
parece bvio, nem sempre pacfico no dia-a-dia da prti-
ca pesquisa-ensino. Nesse particular, a contribuio da-
queles que predominantemente fazem pesquisa indispens-
vel, sendo sem dvida alguma sua grande responsabilidade.
Alguns tens escolhidos para traar a histria
epistemolgica do desenvolvimento da qumica permitiriam
criar um clima de entusiasmo em torno dessa cincia, e
quem sabe sensibilizar queles que, no universo docente,
so refratrios s atividades de pesquisa. Por outro lado,
-28-
por suas exigncias de aprofundamento na prpria qumica,
a recomposio histrico-epistmica do surgimento de um
princpio ou de uma lei, tornaria sedutora ao pesquisador
da qumica as pesquisas voltadas para o ensino, uma vez
que elas esto tambm ligadas s prprias razes de sua
motivao: a produo cientfica.
o segundo tem dessa parte diz respeito tentati-
va de aprofundrunento no plano da pesquisa, e da possvel
atuao no sentido de se alcanar a socializao mais efe-
tiva e ampla da qumica, com a anlise de suas conseqn-
cias. Essa meta de transformao ou de interferncia pro-
vocar uma reviso cabal da cincia qumica com relao a
seus comprometimentos e vinculaes.
o terciro tem trata da cidade dos cientistas. Es-
sa entidad~ onceitual criada por Bach~lard de grande
utilidade para a avaliao de nossas comunidades cient-
ficas historicamente constitudas. Nos limites desse te-
ma, muitos aspectos crticos surgiro, exig~do a locali-
zaao, a caracterizao e a avaliao da cidade dos cien-
tistas qumicos existente entre ns, seja qual for seu
nvel de maturidd~ ou grau de existncia.
Finalmente esclareo que, na bibliografia, nao omi-
ti nenhuma das obras consultadas, mesmo que no citadas,
urna vez que indiretamente contribuiram para nutrir e arti-
cular meu pensamento.
.. ( ,-' - , : ~,- '.
I i I
I I f t f , t
r r
-29-
1. CARACTERIZAO DA PROBLEMTICA DA ASSOCIAO ENTRE PESQUI-
SA E ENSINO
1.1 O Discurso da Lei
Comeo a anlise da relao ensino-pesquisa pelo c~
mentrio do texto de lei que a positivou. Trata-se da Lei
n9 5.540 de 28 de Novembro de 1968 que "Fixa normas de ~
ganizao e funcionamento,do ensino superior e ~ articu-
lao com a escola mdia e d outras providncias".
Nesse texto, a expresso "ensino superior" (vincu-
lada a estabelecimentos de ) aparece 19 (dezenove) ve-
zesi a palavra ensino, isoladamente, 6 (seis) vezes, en-
quanto a palavra pesquisa, tambm isoladaQente, aparece 2
(duas) vezeSi uma e outra palavra, contudo, ligdas, apa-
recem 9 (nove) vezes como se numa tentativa de fortalecer,
pela repetio, o vnculo recm-institudo.
Procurarei retirar do tecto suas ioplicaes e, ao
coment-lo exporei suas contradies, lacunas e ambiglli-
dades mais aparentes.
No se poderia esperar outra coisa de um documento
que, apesar da sua seriedade, foi redigido em um ms, se-I
gundo o "Relatrio" do Grupo de Trabalho que o elaborou
Algumas das perspectivas que apresentarei refletem
opinies sobretudo de dois autores, Saviar~127 e Vieira154
com os quais estou de inteiro acordo. Outras so pessoais.
~RASIL MEC. Relatrio Geral do Grupo de 7rabalho para a Reforma Universitria Brasileira, agosto/1968.Concluso.
I \-
i I I I I
I I !
-30-
o artigo primeiro do decreto nada esclarece. Enun-
cia que "o ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o
desenvolvimento das cincias, letras e artes e a formao
de profissionais de nvel universitrio". ~ como se o con-
tedo da palavra pesquisa antecedesse, quanto ao seu sig-
nificado, a acepo tomada no artigo na conformao s-
cio-cultural, sendo apenas transferida para dentro da Uni-
versidade. No hi a preocupao de definir e relacionar.
Art. 19 - O ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o desen vo1vimento das cincias, 1etras-e artes e a formao de profissio-nais de nvel universitirio.1
-Conclui-se por esse enunciado que pesquisa nao se confunde, para os autores do texto de lei, com o "desen-
vo1vimento das cincias, letras e artes". Ora, consideran-
do-se que desenvolvimento expanso, aparecimento de no-
vos contedos, digamos que a expresso abrangeria aquilo
a que se chama comumente de Produo. E o que sobraria en-
to, subsumido pelo termo pesquisa para lhe definir a ati-
vidade?
- d 1 t V' . 154 Na interpretaao e a guns au ores, como 1e1ra ,
o que esti mal colocado o termo ensino, que ocupa na
frase o lugar da palavra educao, que, substituindo-o,
tornaria claro todo o texto.
1Lei n9 5.540 de 28/11/1968.
-31-
Compreende-se portanto que o que permanece sem de-
finio a palavra Pesquisa.
Logo a seguir, o artigo segundo estabelece que: "o
ensino superior indissociive1 da pesquisa". Ora,
o postulado da unio ensino-pes-quisa no , de forma alguma, au-to-evidente. As universidades bra-sileiras so organizadas em funo da educao profissiona1 1
A indissociabilidade pesa sobre ambas as realidades, obs-
curecendo diferenciaes necessirias e indestrutIveis, e
dificultando a inter-relao livre e a colaborao indis-
pensvel. O legislador no se d conta de que a vincula-
o inelutive1 pode dar cabo da relao.
Art. 29 - O ensino superior, in-dissocivel da pesquisa, ser mi nistrado em universidade e, excee cionalmente, em estabelecimentos isolados, organizados como insti-tuies de direito pblico ou pri vado. 2
Do ponto de vista organizacional, a Universidade
dever {ainda art. 11 Item c} ter "unidade de funes de
ensino e pesquisa, vedada a duplicao de meios para fins
idinticos ou equivalentes" o que na prtica impossIve1,
lSCHWARTZMANN, S. Cincia, Universidade e Ideologia, p. 58.
2Lei n9 5.540 de 28/11/1968.
f l
I
I . I
-32-
por exemplo, quando se trata de laboratrios de ensino
insuficientes para a pesquisa, se a 'identidade' da rea
do conhecimento for considerada um 'idntico fim'.
Ainda dentro da organizaio (art. II tem b), lia
estrutura orgnica com base em departamento" no to or-
gnica assim. Em funio do ensino estabelece-se a dicoto-
mia departamento e coordenao de curso. Para Saviani127
perpetuou-se no ensino a separa-io entre meios e objetivos; en-tre contedos curriculares e sua finalidade educativa; entre as for mas de transmissio do saber e as -formas de produio e sistematiza-io do saber; entre o pedaggico e o cientfico. Teoricamente, os meios, os contedos, as formas de produio e sistematizao do sa-ber, o aspecto cientfico, ficaram sob a jurisdio do departamento. Os objetivos, as finalidades, as formas de transmisso do saber, o aspecto pedaggico a cargo da co-ordenao de curso. Paradoxalmen-te, acentuou-se o divrcio entre o ensino e a pesquisa no momento mesmo em que a reforma se preocu-pa em realizar sua unidade. Na pr ca a dependncia da coordenao de curso em relaio ao departamento, esvaziado este de preocupaes pe daggicas, significou, em terrnos-de estrutura de ensino, a subordi nao dos fins aos meios.l -
O que se observa efetivamente algumas Universida
des (corno Universidade Federal do Cear (UFC ,numa ten
tativa de recuperao, reestruturarem as coordenaes, mas
ISAVIANI. Ensino Pblico e algumas falas sobre Universida-de. p. 90.
-33-
sao sempre remendos de boa vontade.
Art. 11_- As universidades organi-zar-se-ao com as seguintes carac-terIsticas: a) unidade de patrimnio e adminis trao;
b) estrutura orgnica com base em departamentos reunidos ou nao em unidades mais amplas;
c) unidade de funes de ensino e pesquisa, vedada a duplicao de meios para fins idnticos ou equi-valentes;
d) racionalidade de organizao, com plena utilizao dos recursos materiais e humanos;
e) universalidade de campo, pelo cultivo das reas fundamentais dos conhecimentos humanos, estudados em si mesmos ou em razo de ulte-riores aplicaes e de uma ou mais reas tcnico-profissionais;
f) flexibilidade de mtodos e cri-trios, com vistas s diferenas individuais dos alunos, s pecu-liaridades regionais e s possibi 1idades de combinao dos conheci tos para novos cursos e programas de pesquisa. 1
Com relao ao agente desse binmio ensino-pesqui-
sa, o artigo 32 designa como talo professor. Exp1icita co-
mo atividades do magistrio superior "as que, pertinentes
ao sistema indissocivel de ensino e pesquisa, se exeram
para fins de transmisso e ampliao do saber". Continuam
por conseguinte sem resposta muitas questes e entre elas,
obviamente, esta: ~~p1iao do saber, corno? pela simples
~
1Lei n9 5.540 de 28/11/1968. r
I f
l
I J I t I i
I I i I !
I I I
-34-
transferncia ou pela criao? Sim, porque em lugar al-
gum se explicita a produo do saber, s aparecendo esta
-expressa0 em literatura paralela, e em discursos poste-riores, fora j da legislao.
Ora, a questo mais grave est na indiferenciao
das atividades de pesquisa e ensino. Mesmo sem concordar
com a "incompatibilidade quase natural entre as ativida-
des cientIficas e as atividades docentes de formao pro-
fissional ll postulada 133 - - fcil por Schwartzmann . , , nao e lIadmitir a unicidade da carreira docente, obedecendo -a integrao de ensino e pesquisa", quando se sabe que nem
todo este - integrado, havendo, processo e por vezes no ma-gistrio, predominncia de capacitao para um, sobre o
outro.
Art. 32 - Entendem-se corno ativi-dades de magistrio superior, pa-ra efeitos desta lei: a) as que, pertinentes ao sistema indissocivel de ensino e pesqui-sa, se exeram nas universidades e nos estabelecimentos isolados, em nIvel de graduao, ou mais ele vado, para fins de transmisso e-ampliao do saber;
b) as inerentes administrao es colar e universitria exercida por professores.
19 Haver apenas uma carreira docente, obedecendo ao princIpio da integrao de ensino e pesqui-sas.
29 Sero considerados, em car-ter preferencial, para o ingresso e a promoxo na carreira docente do magisterio superior, os tItulos universitrios e o teor cientIfi-
-35-
co dos trabalhos dos candidatos. l
Considere-se, adernais que a formao do pesquisador
- -nao e a mesma do professor; que aquele, alm da exigncia de longo contacto com a cincia, ainda teria que 'decodi-
ficar' sua linguagem para transmitir o contedo de suas
pesquisas, ou s ter por alunos cientistas como ele (alu-
nos de ps graduao?) E abriremos um amplo campo para
a problematizao de alguns aspectos, aos quais\voltarei
mais adiante.
Na verdade, o que facilmente constatvel que a
coexistncia ensino-pesquisa no de modo algum tranqui-
la no mbito da vida acadmica brasileira. O que eram ex-
perincias esparsas, voluntrias e valiosas tornou-se por
imposio da lei um fato compulsrio, que no respeita vo-
caa0, nem permite universidade sua prpria definio _ 2
ante a materia.
Por fim, ao se referir formao do seu pessoal
docente, a lei fere de morte a autonomia da Universidade
estabelecendo uma relao de obedincia polltica nacio-
nal (art. 36) definida pelo Conselho Federal de Educao
e promovida por urna comisso executiva composta por repre
sentantes do Conselho Nacional de Pesquisas, Coordenao
do Aperfeioamento do Pessoal de Nlvel Superior, Conselho
Federal de Educao, Ministrio do Planejamento, Coorde-
lLei n9 5.540 de 28/11/1968. 2 Ver bibliografia 145 a 150.
I
-36-
nao-Geral, Fundo de Desenvolvimento Tcnico-Cientfico
e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao e das uni
versidades.
Art. 36 - A formao e o aperfei-oamento do pessoal docente de en-sino superior obedecer a urna poli tica nacional e regional, definida pelo Conselho Federal de Educao e promovida por meio de urna comis-so e~ecutiva em cuja composio deverao incluir-se representantes do Conselho Nacional de Pesquisas, da Coordenao do Aperfeioamento do Pessoal de Nvel Superior, do Conselho Federal de Educao, do Ministrio do Planejamento e Coor-denao-Geral, do Fundo de Desen-volvimento Tcnico-CientIfico, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao e das universidades. (Redao dada pelo Decreto-lei n9 464, de 11/2/1967).1
Querendo promover a reforma universitria, o gover-
no federal estabeleceu, no Ministrio de Educao e Cultu-
ra,
um grupo de trabalho, com 11 (on-ze) membros designados pelo Presi-dente da Repblica, para estudar a reforma da Universidade Brasilei-ra, visando sua eficincia, mo-dernizao e fle~ibilidade adrnini~ trativa e forrnaao de recursos hu-manos de alto nIvel para o desen-volvimento do pas.. (Decreto n9 62, 397 de 02 de julho de 1968 art.19).
lLei n9 5.540 de 28/11/1968.
-37-
Segundo est dito na concluso do prprio Relatrio do
Grupo que elaborou o projeto de lei, o trabalho foi reali-
zado 'em trinta dias'.
Passo agora a tecer alguns comentrios a respeito
desse relatrio, urna vez que, sendo explicativo, supe-se
ser possvel nele encontrar a filosofia e inspirao da no-
va Lei.
o "Relatrio do Grupo de Trabalho" para a reforma
Universitria, que elaborou o projeto depois convertido em
Lei n9 5.540 de 28 de novembro de 1968, no esclarece a
questo da relao ensino-pesquisa muito mais do que o faz
a prpria lei.
Preceitua um ensino que flua da pesquisa: "todo pe!!
quisador deve ensinar e de alguma forma transmitir direta-
mente ao estudante o resultado de sua pesquisa". (Relat-
rio 1.6 Corpo Docente)
Embora admita que:
Pouco importa que alguns sejam mais professores e outros mais pesquisa dores: o que se quer no , afinaI, dividir mecanicamente na mesma pro-poro docncia e pesquisa, mas tornar expressa a idia do lao que as une, da associao contnua que devem manter para o cumprimento in tegral da tarefa universitria. l -
lBRASIL MEC. Relatrio Geral do Grupo de Trabalho para a Reforma Universitria, Braslia, agosto/1968 - 1.6 - Cor-po Docente.
i
i I
I !
I !
I ~
~
I l
I I ,
I
! t I I ! l ,
I I
I I !
-38-
No pargrafo seguinte, o Grupo de Trabalho parece
tender a propor a indissolubilidade entre a pesquisa e o
ensino no mbito da instituio, ,ou seja, nota-se uma li-
geira tentativa nesse sentido.
"No teria sentido separar em compartimentos estan-
ques os homens que ensinam o que j patrimnio comum da
humanidade dos que exploram as humanas virtualidades do co
nhecimento" (Relatrio 1.6 - Corpo Docente).
Infelizmente, porm, h,'um recuo e o encargo de en-
sinar e pesquisar ficam indissociados na pessoa mesma do
professor.
Da o princpio implcito na idia de unificao da carreira univer-sitria segundo o qual todo pro-fessor deve investigar e de algum modo criar e de acordo com o qual tambm todo pesquisador deve en-sinar 1
Prestigiando a pesquisa, o relatrio encontra nova
forma de increment-la liA implantao sistemtica dos es-
tudos ps-graduados condio bsica para transformar a
Universidade Brasileira em centro criador de cincias, de
cultura e de novas tcnicas" (Relatrio 1.7 - Implantao
de Ps-Graduao) .
lBRASIL MEC. Relatrio Geral do Grupo de Trabalho para a Reforma Universitria, Braslia agosto/1968 - 1.6 - Cor-po Docente.
-39-
E essa ps-graduao seria:
o sistema especial de cursos regu-lares, exigido pelas condies da pesquisa cientfica, pela necessi-dade da formao tecnolgica avan-ada como imperativo do preparo de professores de ensino superior. l (Relatrio 1.7 ~ Implantao da Ps-Graduao)
Nerece destaque no Relatrio do Grupo de Trabalho
a parte referente aos recursos para Educao, sem os quais
-nao se poderia efetivar a reforma.
No seu tem 1.10.1 encontra-se:
lBRASIL MEC - Idem.
1. Medidas principais a adotar pa-ra aumento dos recursos destinados Educao, notadamente quanto ao ensino superior: a)Os recursos da Unio provenien-tes de fontes j existentes -- prin cipalmente o oramento federal -- -devero ser substancialmente aumen tados.
b)A liberao dos recursos orame~ trios dever ocorrer rigorosamen-te dentro de programao preestabe lecida.
c)A liberao dos recursos oramen-trios deve ser excluda de progra-mas de economia ou fundos de conten ao.
d)Novas fontes de recursos para Edu cao, a nvel do Governo Federal,-devero ser criadas de imediato, co mo proposto a seguir, concretamente,
I I I I 1 1
1 I 1 I , , I
I I I ! I I
em 1.10.2
lBRASIL MEC - Idem.
-40-
a fim de suplementar as fontes tra dicionais e permitir impacto real= mente poderoso de ampliao dos dis pndios federais em Educao.
2. A previso de dippndios pbli-cos em Educao, para o perodO 1968/1970, apresenta o seguinte re sultado: a)- ----
b)-
c)O montante de dispndio pblicos previstos representa uma partici-pao no PIB (sem incluso dos dis pndios privados) de 3,6%, 4,2% e-4,4%, respectivamente, em 1968, 1969 e 1970. Essas percentagens so comparveis mesmo de pases de ele-vado nvel de renda. Se acrescen-tarmos uma estimativa preliminar dos dispndios com recursos priva-dos, aquela participao se eleva para 3,9%, 4,6% e 4,8% em 1968, 1969 e 1970, respectivamente.
3. Se considerarmos apenas o Gover no Federal, no tocante s fontes de recursos j existentes, a programa-o estabelece: a)-
b)A participao das despesas de Edu cao no Oramento Federal (inclu--do o salrio-educao) j dever a! canar, em 1969, a ordem de 12% ul-trapassando-a da em diante. l
c)-
em 1.16.4
-41-
4. No tocant~ liberaxo de recuE sos oramentarios propoe o GT: a)-
b)Que se baixe ato presidencial (minuta de decreto anexa) isentan-do de fundos de conteno os recur sos destinados Educao.
Com relao qumica, especialmente, cabe citar o
tem 1. 9 2 3 a
3. Alm do estabelecimento de metas globais, ser necessrio prever me-tas especficas, no sentido de: a)levando em_conta a importncia de evitar a continuao do problema de "excelentes", concentrar o aumento de vagas em carreiras prioritrias para o desenvolvimento econmico e social, notadamente em quatro reas: professores de nvel mdio, a rea de maior dficit, atualmente; medi-cina e outras profisses de sade (enfermagem, bioqumica, odontolo-gia); engenharia (principalmente engenharia de operao) e outras profisses da rea tecnolgica (en genharia ~imica, qumica indus- -trial); tecnicos intermedirios (carreiras curtas de nvel supe-rior};l
Observe-se que estava no esprito da reforma a in-
teno de dotar a universidade de amplos recursos humanos
capazes de corresponder s suas novas dimenses (1.9.3.3).
~RASIL MEC - Idem. f ~
I
J
-42-
b)Atendimento do deficit atravs, principalmente, do melhor aprovei tamento da capacidade eXistente,-mediante convnios a serem efeti-vados.
3. O programa de implantao gra-dual do tempo integral pOder ter incio imediato, atravs de ora-mento suplementar para o corrente exerccio, estimado em NCr$ 25 mi-1h5es. Destinar-se-ia a financiar a contratao de at 1.000 monito-res, a concesso de tempo integral a 3.000 professores e de tempo se-mi-integral a 4.500 docentes medi-ante estmulo financeiro adequado. Para financiamento do programa a partir de 1969, abrir-se-ia conta especial no FNDE.1
~ importante notar que em nenhuma passagem do tex-
to h referncia a equipamentos e "recursos materiais", a
no ser do ponto de vista de sua fiscalizao:
1.9.3.5 e
Ao estudar-se a concesso de finan c!amento para programas de expan-sao: I --adotar-se- orientao rigorosa dos programas de obras e equipamen tos no sentido de evitar desperd= cio de recursos e assegurar a efi-cincia sem aparato
O que sobrou para a Universidade Brasileira a par-
tir dessa proposta de lei?
A ttulo de exemplo, examinando o oramento da
U.F.C. para o ano de 1984, verificamos:
1BRAS1L MEC. Idem.
1
I I i
t
I I
I I l 1
~
-43-
Quadro 1.1.1 - Oramento da Universidade Federal do Cear
1984
DESPESAS
Pessoal e encargos sociais
Outras despesas correntes
Despesas de capital (incorporao de reas fsicas - Campus Universitrio)
FONTE: U.F.C. - Oramento 1984.
Trilhes de Cr$
16,433
2,6389
11,153
O que restou para custeio foi portanto, apenas 8%
da verba total.
No aspecto departamental a ttulo de exemplo, a re
ceita destinada ao material de consumo do departamento de
Qumica Orgnica e Inorgnica, insuficiente para a man~
teno das aulas experimentais e para a compra de materiais
comum de expediente e limpeza.
Quadro 1.1.2 - Oramento do Departamento de Qumica org-
nica e Inorgnica 1982 e 1983
material de consumo
material permanente
1982 (Cr$l.OOO)
2.231
398,4
FONTE: Centro de Ci~ncias U.F.C.
1983 (Cr$l.OOO)
9.700
390,7
t I f i
I I 1 i
I i
I i
-44-
No conjunto da universidade brasileira, a diminui-
ao da receita um fenmeno que se dissemina. Este qua-
dro em valores reais (corrigida a inflao) nos d uma
idia:
Quadro 1.1~3.-.Verbas Destinadas ao Ensino Superior
( Trilhes de Cruzeiros )
1980 1981 1982 1983
Ensino Superior 6,3 7,2 6,2 3,2
FONTE: ?-lEC/SESU
O argumento mais convincente de domnio pblico,
prescindo pois de argumentos numricos, ao que se soma a
no vigncia da Lei Calmon, j aprovada pelo Congresso Bra
sileiro e ainda nao regulamentada e posta em prtica.
Completando a descrio da crescente rarefao de
recursos, resta citar o que ocorreu com os fundos que a-
tendiam de fora da universidade, embora parcamente, as
exigncias modestas de sua pesquisa.
Os auxlios para investigao provinham sobretudo
do Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnol-
gico (FNDCT) administrados pela FINEP. O quadro a seguir
mostra a evoluo destes recursos.
r !
r
I
-45-
Quadro 1.1.4-- Eyolu~~o~ao -PNDCT _.
(Valores em milhes de cruzeiros)
1981 - 120
1982 - 100
1983 80
1984 - 40
Relao FNDCT/Oramento da Unio
1975 1,1%
1980 - 0,6%
1984 - 0,2%
Oramento da Unio para Cincia Tecno1gica/PIB
1979 - 0,65%
1982 - 0,4%
1984 - 0,2%
FONTE: NUSSENZVEIG, M. cincia Hoje, 3, 13, p. 101, 1984.
!
[ ,
-46-
1.2. A Didtica Disponvel
Sem precisar investigar o bvio com medidas quanti-
tativas, pode-se dizer sem risco de errar, com base em con
-sideraes de autores como Thiollent e Brando, que, nao s entre os professores de quImica, mas no conjunto de
nossos professores universitrios, so trs as posies
mais comuns com respeito didtica:
-- distanciamento, como se ela nao existisse; - descrdito de sua eficcia;
- utilizao sem entusiasmo ou de maneira formal.
Sobretudo porque, como o diz Thiollent,
atravs de dupla constatao a) At hoje a didtica tem sido obje to de pesquisa e de experimentao no ensino para crianas ou para adultos em situao de alfabetiza o ou de 'formao permanente';-no campo universitrio, apesar de iniciativas localizadas (aqui se incluem os trabalhos de pesquisa em Ensino de QuImica comentados em Item parte) a didtica perma nece uma preocupao bastante se= cundria para a maioria dos docen teso b)Definida de maneira gerI como conjunto de tcnicas para di rigir ou orientar o ensino, a di= dtica problematizada principal mente por pedagogos e pSiclogos-que enfatizam os aspectos cogniti vos, perceptivos ou comportamen--tais relacionados com cada tipo de tcnica particular. l
lTHIOLLENT, Aspectos Sociais de Didtica Universitria: Educao e Sociedade n9 4, 1979, p. 173.
, t l
I ! I
-47-
A anlise da situao conduz a suposies j bem
confirmadas sobre as causas provveis:
Em primeiro lugar, parte dos professores universit-
rios, apesar de profissionais do ensino, reage segundo a
ideologia dominante, raramente se comportam fora dos dita-
mes do senso comum, ou por outra, tm as mesmas reaes dos
leigos em matria de pedagogia.
Assim sendo, na convivncia prolongada com colegas
nos nossos vrios ambientes de trabalho, do laboratrio
de ensino aos corredores de congressos colhem-se com mui-
ta facilidade comentrios dessa ordem, j transcritos por
- 1 Brandao:
o professor aprende a ensinar ensi nando nas condies concretas; -quando o professor gosta do que faz, soma a isso uma boa dose de entusiasmo e animao que influ-encia sua prtica e envolve o alu no possibilitando a este aprender.
Para alguns cabe didtica a responsabilidade da
- - 2 situaao: (apud Brandao)
- falta a ela o 'p na realidade', contextualizao ou enraizamento na realidade do nosso ensino;
lBruu~DO, Z. Abordagem alternativas para o ensino de didtica em A Didtica em Questo. p. 53.
2 Idem, p. 52.
-48-
- sao receitas sem aplicabilida-de na sala de aula;
- est cheia de modismos: 'traba-lho em grupo', 'criatividade', 'ob jetivos de Bloom', cuja conseqn= cia seria de entulhar de mais ta-refas ainda a vida do professor, sem resultados no ensino.
De qualquer modo, a didtica transmitida nos cur-
sos de licenciatura, ou nos cursos breves de informao
sobre prticas de ensino que algumas universidades implan
tam para melhoria do nvel docente, no se impe com sta-
tus de cincia.
E isto porque seu conteGdo est "coisificado" em
temas que se isolam ou se agregam caoticamente a partir,
sobretudo, dos seguintes assuntos: (apud Rays)l.
- as principais teorias instrucio-nais;
- a aprendizagem na didtica tra-dicional e na didtica renovada;
- os fundamentos dos mtodos e das tcnicas de ensino;
- os fundamentos psicopedaggicos da nova Tecnologia Educacional;
- os principais modelos tericos para a operacionalizao de obje-tivos de ensino;
- ppincpios e no Emas para a ~eleo e a organizaao dos conteudos de ensino;
lRAYS,O.A. Pressupostos tericos para o ensino da Didtica, in A DIDTICA EM QUESTO, Vozes, 1983, p. 40.
-49-
- funes, modalidades e instrumen tos de avaliao do rendimento es= colar.
Vejamos, em perspectiva, as principais correntes
didticas que perrnearam nosso ambiente acadmico:
Penetrando um pouco na dcada de 60, ternos a influ
ncia esmagadora da Didtica exposta nos livros de Luiz
Alves de Matos (ex-memria)' que, em 1978, continuava a
ser uma das treze publicaes mais presentes na literatu-
ra pedaggica, segundo constatao de inqurito feito em
Belo Horizonte) 1. No corno Candau a situa, isto , no co-
mo escolanovista, mas na melhor corrente tradicionalista
da didtica expositiva, das motivaes extrnsecas, dos
planos de aula cronometrados (10 minutos de motivao) e
pginas e mais pginas voltadas para o bom uso do quadro
negro. Seu fruto mais representativo o Colgio de Nova
Friburgo. Corno estagiria nessa instituio no ano de 1962,
assisti aulasd~ cincia em laboratrio atravs de kits,
e vi a inaugurao do uso'de udio visuais corno recursos instrucionais, mas, ainda assim, os esquemas rgidos de
exposio e de seqfincia de laboratrio eram exaltados e
dogmatizados.
Os passos formais de Herbart estavam difundidos no
livro de Didtica Geral de Aguayo, presente nas licencia-
turas.
ICf. CANDAU, V.H. in DIDTICA EM QUESTO, Vozes, 1983. p. 16.
-50-
De acordo com Candau, porm, na dcada de 60 foram
se fazendo notar as primeiras exteriorizaes dos impac-
tos produzidos pelo desenvolvimento da Tecnologia Educa-
cional, atravs dos primeiros usos do Ensino Programado.
Entre 1964 e 1968, perodo que corresponde ao auge
da influncia tecnocrtica, reforou-se o enfoque sistmi-
co, voltado sobretudo para a produtividade no processo de
ensino-aprendizagem. Visava-se eficincia, racionalizao,
operacionalizao e controle. Nessa fase, enorme nfase
dada aos objetivos instrucionais, s diferentes taxiono-
mias, construo de instrumentos de avaliao, plano
1 Keller, mdulos de ensino, etc.
As tendncias piagetianas, mais voltadas para os
nveis primrio e secundrio, j presentes em 1963 em gru-
pos de professores secundaristas d Cear agrupados em tor
no de Lauro de Oliveira Lima, ou em ncleos posteriormente
constitudos de estudos pSicogenticos no pas, comumente
no so citadas. Porm, no meio universitrio, onde essas
experincias praticamente no penetraram, a influncia
pequena.
Por outro lado, parte considervel do magistrio s~
perior no se sente atrada pela didtica na medida em que
ela se apresenta como um corpo de tcnicas e estratgias
isoladas de um embasamento mais profundo alm daquele cons
titudo pelas teorias da aprendizagem, a maior parte das
lCf. CANDAU, V.M. in DID~TICA EM QUESTKo, Vozes, 1983, p. 18.
i
I I I I I
I t ~ r I ~ t ~ < ~
I f
I ! I I ~
I f l f , I , J f l
-51-
vezes bastante mal apresentadas. Sua nica cincia de apoio
sem dvida a psicologia. Essa psicologia do conhecimen-
to no se baseia nem se enriquece com uma viso epistemo-
lgica. Acresce que as propostas tcnicas da didtica no
so nutridas por um referencial terico que explicite o
nexo entre essas prticas e a filosofia e a pOltica que
informam a perspectiva educacional a que servem. Consti-
tuem, por essa falha, mais um acervo de receitas, que se
pega ou se larga sem maiores conseqncias para ningum.
Alguns autores (Thiollent) 1 trazem discusso o
sempre presente binmio da aula expositiva versus ensino
livro-texto. Sem dvida alguma, sobretudo depois da expan
so das matrculas, so estas as modalidades de prtica de
ensino mais viveis, e por isso mais freqentes.
H quem defenda, como Saviani, o recurso ao velho
esquema dos "cinco passos formais" de Herbart, como um da-
do de tradio por onde caminhariam com mais segurana os
professores, j que fatalsticamente as circunstncias no
lhes permitem estruturas compatveis com inovaes didti-
cas. Antes um velho mtodo j comprovado, e com o qual fo-
mos ensinados, que outros (escola ativa) mal assimilados
e carentes de apoio logstico.
Quanto ao ensino por livro h o que distinguir en-
tre as reas das cincias humanas e das cincias exatas.
lTHIOLLENT, M. Educao e Sociedade 4, 1979, p. 125.
-52-
Nas primeiras, pode-se franquear ao aluno o acesso aos
textos originais dos autores; nas cincias f!sicas, o con
tato direto com a produo cient!fica nas publicaes ori
ginais impraticvel no n!vel de graduao, por carece-
rem os alunos do acervo de conhecimentos e do dom!nio de
l!nguas estrangeiras necessrias sua compreenso. Os
trabalhos so codificados para permearem o mais rapidamen-
te poss!vel o meio cientIfico nacional e internacional.
Resta ento aos estudantes de cincias a aprendi-
zagem pelo ensino-leitura (Thiollent)l.
o professor, nessa trilha, passa a ser de certo mo
do o intermedirio entre o aluno e o livro-texto. Suas au
las so a explicao das dificuldades do livro; sua lista
de problemas aquela escolhida pelo autor e seu prprio
programa , muitas vezes, a tbua da matria do manual es-
colhido.
A escolha do livro-texto est condicionada a fato-
res como: disponibilidade, preo, afinidade programtica
com o professor
No se pode excluir como atividade discente o es-
tudo atravs dos livros-texto. Mas seu uso depende de
determinadas idias diretrizes que podem torn-lo um bom
instrumento de ensino, desde que valorizado por uma filo-
sofia adequada e combinado a outros recursos instrucionais.
lTHIOLLENT, M. id ibid, p. 123.
I I
I
I -53-
A partir de 1970, continua Candau, aparecem as crI
ticas didtica:
a denncia da falsa neutralidade do tcnico e o desvelamento dos reais compromissos polticos so-ciais das afirmaes aparentemen-te 'neutrais'i a afirma1o da im-possibilidade de uma pratica peda ggica que no seja social e polI ticamente orientada, de uma forma implcita ou explcita i l
Nesse momento "alguns autores chegaram negao da pr-
pria dimenso tcnica da prtica docente".2
Essas idias no tomaram corpo no ambiente da quI-
mica; se alguns professavam essas perspectivas, sua voz
nao foi suficiente.
que se apresenta em seguida uma proposta de competncia pOltica associada competncia tcnica. Es-
ta ser objeto de anlise cuidadosa, mais adiante.
1 e 2 CANDAU,V.M. in DIDTICA EH QUESTO, Vozes, 1983, p. 19.
I I
~ f
r
I I I ~
f
I
I
-54-
1.3 Questionrio Sobre a Prtica da Pesquisa e do Ensino
de Qumica
o questionrio sobre a pesquisa deveria possibili-
tar um perfil da vivncia profissional do pesquisador atr~
v~s dos seguintes t6picos de inquiri~o:.temas de invest!
ga~o) condies de trabalho c tipos e etapas de trabalho.
Obteria assim uma lista de tarefas, atividades ou
desempenhos dos pesquisadores bem como um inventrio das
condies que lhes foram dadas ou por eles conquistadas
para produzir.
A forma usada para colher esses dados foi um ques-
tionrio. Nele ao lado da descri~o da atividade ou da
condi~o de trabalho, apresentam-se trs respostas a1ter-
nativas: "sempre"., "s vezes". Por razes 6bvias nao po-
deria exigir um "nmero de vezes dirio, semanal ou men-
sal" ou um total de horas empregado no desempenho da
fun~o, o que gerou certa dificuldade na interpretao e
apurao dos resultados.
Utilizaram-se os seguintes critrios:
No que toca s condies de trabalho, foram dis-
postas lado a lado, num mesmo quadro, a percentagem de
pesquisadores que a possuam sempre e a porcentagem daque
les as possuam eventualmente (s vezes).
As tarefas e trabalhos foram apresentados em qua-
dros diferentes: num deles as aoes a serem classificadas
I I
I I ! i I
I I
I , i
-55-
obrigatoriamente ou inevitveis em ordem decrescente de
respostas em cada tem;no outro, as aes ocasionais. O
critrio descriminador foi a porcentagem maior de confir-
ma5es entre o "sempre" e o "~s vezes". A coluna do "nun-
ca" serviu apenas para confirmar certas suposi5es.
Os resultados obtidos foram os seguintes:
- Temas de Investiga~o~
A pergunta dizia respeito ao assunto ou tema de
pesquisa: 53,91% responderam "sempre" e 30,81% responde-
ram "~s vezes", declarando optar sobre um assunto compa-
tivel com a infraestrutura instrumental; 43,61% responde-
ram "sempre" e 38,51% responderam "s vezes", declarando
optar por tema financivel por agncias brasileiras.
43,61% responderam "sempre" e 33,31% responderam
"~s vezes", declarando optar por tema que possibilitasse
forma~o de pessoal da ps-gradua~o e de baixo custo.
As outras respostas est~o nas tabelas a seguir:
TABELA 1.3.1
Temas 6e pesquisa
Motivo da Escolha
continuao do tema da
ps-graduao .
tema tradicional do gru
po de trabalho ..
terna novo ligado s ne-
cessidades brasileiras.
assunto de importncia
cientfica de vanguar-
da
terna com suporte estra~
geira ................ .
tema de importncia se-
cundria mas facilmente
financivel .
Outros
sempre %
"I 7 , ~
12,8
15,4-
23,0
2,6
7,7
-56-
.. as vezes
%
76,9
59,01
69,2
43,6
53,8
15,3
nunca %
5,17
12,8
28,2
48,7
I ,
-57-
- Condies de trabalho?
A anlise neste caso visa verificar os recursos e
as condies de trabalho.
Fornecer indicadores sobre os seguintes Itens:
1 - Recursos humanos (o grupo de trabalho e expanso)
2 - Infra-estrutur de apoio.
Os primeiros dados referem-se aos recursos humanos.
I 1 1
I TABELA 1.3.2 Grupo de trabalho.
a) Composio
Pessoal j existente
Alunos de Ps-Gradua-
ao ................ .
Outros pesquisadores.
Bolsistas de "inicia-
- . t"f' " ao clen 1 lca
Bolsistas de "aperfei
t " oamen o .
b) Recrutamento e Expanso
Colaborao com grupo do
mesmo local ou cidade .
Ampliao com bolsistas
e novos alunos
Colaborao com outro
centro nacional . . . . . . . . Colaborao com outro
estrangeiro . . . . . . . . . . . . Contrato de novas pes-
soas .....
sempre %
4,0
35,9
30,8
25,6
12,8
sempre
33,3
28,3
2,6
5,1
-58-
.. as vezes
..
%
41,0
43,6
46,1
48,7
41,0
as vezes
56,4
51,3
66,7
48,7
41,0
nunca %
2,6
2,1
5,1
7,7
25,6
nunca
2,6
15,4
30,8
5,1
l I J I
I f ~
f
I t
-59-
o que apresento a seguir o levantamento da infra-
estrutura de apoio com que conta o pesquisador. Vejamos os
resultados:
TABELA 1.3.3
pisponibilidade de apoio tcnico
t
I 1 I !
1 I
I j , 1.
I I
-60-
TABELA 1.3.5
- Disponibilidade de ~oio para manuten'i.o
.. sempre as vezes nunca
% % %
manuteno por fornece-
dores . . . . . . . . . . . . . . . . . 10,2 43,6 10,24 manuteno por tcnico ..
23,6 35,9 proprio . . . . . . . . . . . . . . . aparelhagem toda em uso 15,4 53,8
- Tipos e etapas de trabalho?
A relao das atividades e tarefas que constituem o
trabalho de Um pesquisador comporta enorme variedade de
tens. O questionrio procura abarcar o maior nmero pos-
sve1, deixando sempre uma abertura para outros .
Na sua apurao, pareceu-me que s teria significa-
do indicar as atividades que constitussem ao obrigat-
ria (coluna "sempre") de mais de 20%, ou ao eventuaL
(coluna "~s vezes") de mais de 50% dos respondedores.
Dessa forma, apresentamos as tabelas das respostas.
7,7
2,6
TABELA 1.3.6
- Orcranizao e Desenvolvimento da Pesquisa
Elaborao do Projeto
Controle bibliogrfico para garantia da origi nalidade ... -:
Levantamento de pesqui sadores, grupos e cen= tros que j trabalha-ram no assunto
Avalia~o dos recursos necessarlOS .
Cronograma de execuo
Contato com pessoas gru pos e centros com expe= rincia prvia ..
Busca de financiamento
Redao do projeto
Coordenao do projeto
Discusso do projeto
Pedido de faturas pro-forma
Planos de pesquisa
Coletas de preo
Correspondncia com r-gos financiadores .
Relatrios de pesquisa
Procura de fornecedores
sempre %
87,2
56,4
82,0
56,4
33,3
38,5
33,3
51,3
43,6
71,8
17,9
43,6
71,8
41,0
.. as vezes
%
2,6
35',9, I
10,2
33,3
56,4
33,3
30,8
33,3
38,5
10,4
23,0
20,6
7,7
30,8
-61-
nunca %
2,6
2,6
15,4
10,2
2,6
5,1
2,6
Compra de material
Prestao de contas
Pedido de contas
Implantao e Qanuteno
Adaptao de aparelhos
Instalao de laboratrio
Acoplamento de ~parelhos
Desenho de mdulos de vi-draria ................ .
I.1anuteno por conta prpria ............... .
Estoque de reagentes
Controle de estoque
Compra de reagentes
Aquisio em tempo hbil
Pedido de reagentes a co legas ................. .
sempre %
41,0
41,0
28,3
15,4
17,9
7,7
20,6
12,8
23,1
30,8
30,8
.7,7
12,8
Processamento da informao
Atualizao de arquivo bibliogrfico
Uso da biblioteca local
Pedido de separatas
Fotocpias de artigos
Leitura de alguns arti-gos de peridicos
Estudo crItico de traba-lhos da mesma rea
Listagem de artigos de-sejados ................ .
Listagem de artigos ar-quivados ...
Listagem de resumos CA
Leitura de sees CA
51,3
53,8
20,6
41,0
51,3
48,7
33,3
25,6
41,0
38,5
... as vezes
%
25,6
28,2
5,1
74,3
56,4
66,7
48,7
41,0
43,6
43,6
43,6
64,1
56,4
7,7
36,9
56,4
17,9
38,5
30,8
30,8
30,8
17,9
41,0
-62-
nunca %
2,56
5,1
5,1
10,2
.7,7
23,0
2,6
2,6
7,7
2,6
10,2
2,6
2,6
15,4
25,6
7,7
Pedido de cpias no exterior .
Correspondncia ...
Visita a biblioteca fo-ra do local de trabalho
Leitura de ndices de '''d' per10 1COS
sempre %
23,0
20,6
23,0
-as
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