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Universidade do MinhoInstituto de Educação
abril de 2018
Levar a música à Creche: a importância de vivências musicais
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8
Ana Cecília Fernandes Pinto
Ana Cecília Fernandes Pinto
abril de 2018
Levar a música à Creche: a importância de vivências musicais
Universidade do MinhoInstituto de Educação
Trabalho realizado sob a orientação doProfessor Doutor António José Pacheco Ribeiro
Relatório de Estágio
Mestrado em Educação Pré-Escolar
ii
DECLARAÇÃO
Nome: Ana Cecília Fernandes Pinto
Endereço eletrónico: ceciliapinto.1907@gmail.com
Cartão de Cidadão: 14856501
Relatório de Estágio: Levar a música à Creche: a importância de vivências musicais
Supervisor: Professor Doutor António José Pacheco Ribeiro
Ano de conclusão: 2018
Designação do Mestrado: Mestrado em Educação Pré-Escolar
É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTE RELATÓRIO APENAS PARA
EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO,
QUE A TAL SE COMPROMETE.
Universidade do Minho, ___/___/___
_____________________________________________
(Ana Cecília Fernandes Pinto)
iii
«Ser Educador de Infância é permitir que as crianças possam pintar um cão cor-de-rosa e
um gato azul, uma árvore amarela e um ser humano cordeburroquandofoge. Ser Educador de
Infância é dar o direito às crianças de contestarem: «Não quero pintar um ovo na Páscoa nem um
coração no dia dos namorados». Ser Educador de Infância é permitir que os artistas se possam
expressar, livremente. É permitir que as crianças possam criar, e que as criações possam fruir
naturalmente. Sem pressões.
Ser Educador de Infância é permitir que o Natal seja quando as crianças quiserem.
Literalmente quando quiserem.» (Anónimo)
iv
v
Agradecimentos
A todas as crianças, àquelas que participaram neste projeto, àquelas com quem contacto no meu trabalho diário e a todas aquelas que já cruzaram o meu caminho. São elas que me inspiram e é por elas que sonho um mundo melhor.
Ao Professor Doutor António Pacheco, pelo apoio e paciência nos momentos em que a ansiedade falou mais alto. Pela calma que sempre me transmitiu e por me ter permitido desbravar caminho na área da música.
À minha mãe, por ser sinónimo de amor incondicional. Ao meu pai, por me desafiar e me fazer acreditar que sou sempre capaz de mais e melhor. À minha irmã, Catarina, pelo apoio criativo e por me ajudar a construir o gosto pela música.
À minha avó, Maria, e ao meu avô, Francisco, por fazerem notar o orgulho.
À Carla Martins, ao Ricardo Mateus e à Luísa Alves por terem partilhado comigo grandes momentos e se terem tornado os meus; e à Marisa Machado, por ser companheira de todas as horas.
À minha família do coração, Júnior Pinheiro, Mariana Ferreira, Margarida Alves, Adriana Figueiras, Margarida Machado, Filipa Carvalho e Ana Sofia Moreira, por me acompanhar numa etapa tão especial da minha vida.
Aos meus que já cá não estão, para que brilhem sempre e me iluminem, em especial à vó Luísa, por ser o meu anjo sem asas.
Ao meu Miguel, por tudo, já que não tenho como colocar em palavras tanto amor.
A todos, o meu mais sincero obrigado!
vi
vii
Levar a música à Creche: a importância de vivências musicais
Ana Cecília Fernandes Pinto
Mestrado em Educação Pré-Escolar
Universidade do Minho
2017/2018
Resumo
O presente relatório foi desenvolvido no âmbito do Estágio – Intervenção Pedagógica I, realizado no contexto de Creche, integrado no plano de estudos do Mestrado em Educação Pré-Escolar e pretende dar a conhecer o trabalho realizado durante a implementação do Projeto de Intervenção intitulado Levar a música à Creche: a importância de vivências musicais. Com a implementação do Projeto de Intervenção pretendi investir na aculturação musical das crianças, através de propostas lúdicas que assumiram como principais objetivos: permitir o usufruto musical; potenciar atividades musicais diversificadas; promover o contacto com diversas formas de expressão e comunicação; promover a aprendizagem ativa através da música; e compreender o potencial da música na infância. O trabalho desenvolvido teve por base uma aposta na observação e reflexão como forma de resolver problemas e adequar práticas, e por isso, a metodologia de investigação usada foi uma aproximação à Investigação-Ação. Como suporte da reflexão, os instrumentos de recolha de dados utilizados foram, para além da necessária observação, as notas de campo e o registo fotográfico. De mencionar ainda a utilização da Escala de Envolvimento da Criança: Manual DQP – Desenvolvendo a Qualidade em Parceria (Bertram e Pascal, 2009) – que utilizei para avaliar as atividades propostas ao grupo. Os objetivos propostos para este trabalho foram cumpridos com sucesso, já que os momentos de intervenção se revelaram momentos de investimento na aculturação musical do grupo, criando oportunidades para explorar e usufruir dos diversos momentos, de modo a construir conhecimento ativamente. As crianças participaram com empenho, dedicação e mostraram-se muito interessadas pelas propostas apresentadas, revelando progressos nas suas aprendizagens, tornando-se mais autónomas e desenvolvendo o sentido de convivência em grupo. Apesar de o processo de estágio não ter contribuído com dados concretos para a clarificação do último objetivo, relacionado com o papel da música na infância, a análise de referenciais teóricos associada à reflexão do percurso, levam-me a aferir que a aposta na aculturação musical das crianças desde tenra idade representa um investimento na educação holística da criança e contribui em grande medida para o estabelecimento de atitudes positivas perante a música.
Palavras-Chave: música, infância, Creche, aculturação musical.
viii
ix
Bring music to the Nursery: the importance of musical experiences
Ana Cecília Fernandes Pinto
Master’s in Pre-School Education
University of Minho
2017/2018
Abstract
This report was developed in the internship – Pedagogical Intervention I, held in the context of Nursery, integrated into the plan of studies of a Master's degree in Pre-School Education and want to make known the work carried out during the implementation of the Intervention Project entitled Bring music to the Nursery: the importance of musical experiences. With the implementation of the Intervention Project I intended to invest on children’s musical acculturation, through playful proposals that took over as main objectives: allow musical enjoyment; enhance diverse musical activities; promote the contact with various forms of expression and communication; promote active learning through music; and understand the potential of music in childhood. The work developed was based on a bet on the observation and reflection as a way to solve problems and adapt practices, and that is why, the research methodology used was based on the research-action approach. As a resource for the reflection, the data collection instruments used were, in addition of the necessary observation, the field notes and photographic record. To mention also, the use of the Scale of Involvement of the Child: Manual DQP -Desenvolvendo a Qualidade em Parceria (Bertram e Pascal, 2009) – that I used to assess the proposed activities to the group. The proposed objectives for this work were completed successfully , since the times of intervention showed moments of musical acculturation investment, creating opportunities to explore and enjoy the various moments in order to construct knowledge actively. The children took part with commitment, dedication and showed themselves very interested by proposals, revealing progresses in their learning, becoming more autonomous and developing the sense of group coexistence. Although the process don't have contributed with concrete data for clarifying the final goal, related to the role of music in childhood, the analysis of theoretical references associated with the reflection of the route, lead me to determine that the musical acculturation of children from an early age represents an investment in the holistic education of children and contributes largely to the establishment of positive attitudes towards the music.
Keywords: music, childhood, Nursery, musical acculturation
x
xi
Índice Agradecimentos .................................................................................................................... v
Resumo ..............................................................................................................................vii
Abstract .............................................................................................................................. ix
Índice ................................................................................................................................. xi
Índice de ilustrações ............................................................................................................xii
Siglas e abreviaturas utilizadas............................................................................................. xiii
Capítulo I. Introdução ............................................................................................................1
1.1 Pertinência do tema e motivações ....................................................................................1
1.2 Objetivos ........................................................................................................................2
1.3Estrutura geral do relatório ...............................................................................................3
Capítulo II. Enquadramento teórico.........................................................................................5
2.1 Música e Infância ............................................................................................................5
2.2 Importância atribuída à música na infância: diferentes abordagens .....................................9
2.2.1 O valor intrínseco da música .........................................................................................9
2.2.2 O valor utilitário da música..........................................................................................13
2.3 Importância do contexto educativo e da família no desenvolvimento musical da criança .....19
Capítulo III. Metodologia de Investigação...............................................................................25
3.1 A Investigação – Ação ...................................................................................................25
3.2 Instrumentos de recolha de dados..................................................................................28
Capítulo IV. Filosofia Educacional subjacente à intervenção pedagógica...................................31
4.1 A abordagem High/Scope .............................................................................................31
Capítulo V. Enquadramento Contextual .................................................................................37
5.1 Caracterização da instituição..........................................................................................37
5.2 Caracterização do grupo ................................................................................................38
5.3 Caracterização do espaço e materiais .............................................................................39
5.4 Caracterização da rotina ................................................................................................42
Capítulo VI. Projeto de Intervenção Pedagógica .....................................................................47
6.1 Atividade: Vamos conhecer o Bernardino e muitos instrumentos musicais .........................49
6.2 Atividade: Depressa, devagar, saltar e rastejar.................................................................55
6.3 Atividade: Somos uma orquestra! ...................................................................................59
6.4 Atividade: Os sons naturais também são música .............................................................63
6.5 Atividade: Vamos escutar para adivinhar! ........................................................................67
6.6 Atividade: Vamos ouvir e ver a música ............................................................................72
6.7 Atividade: Construímos as nossas maracas .....................................................................77
xii
6.8 Atividade: Somos uma orquestra! ...................................................................................83
6.9 Breves considerações ....................................................................................................86
Capítulo VII. Considerações Finais ........................................................................................87
7.1 Considerações acerca do percurso de estágio .................................................................87
7.2 Resultados obtidos através da implementação do projeto de intervenção...........................89
Referências Bibliográficas ....................................................................................................93
Índice de ilustrações Figura 1 Parte do quadro que apresenta a organização das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (2016) ...............................................................................................27 Figura 2 Gráfico baseado em A Roda da Aprendizagem Pré-Escolar High/Scope (Hohmann e Weikart, 1997)....................................................................................................................32 Figura 3 Gráfico baseado em Roda da Aprendizagem High/Scope de bebés e crianças (Post e Hohmann, 2003) ................................................................................................................33 Figura 4 Planta da sala........................................................................................................40 Figura 5 Tabela referente à Rotina Diária do grupo ................................................................43 Figura 6 Exploração da obra ................................................................................................50 Figura 7 Exploração das flautas............................................................................................51 Figura 8 Exploração livre dos instrumentos ...........................................................................53 Figura 9 Momento final da atividade .....................................................................................53 Figura 10 Introdução das primeiras regras ............................................................................56 Figura 11 Introdução das regras associadas às maracas........................................................57 Figura 12 Momento em que algumas crianças perderam o interesse no jogo ..........................58 Figura 13 Visualização do vídeo ...........................................................................................60 Figura 14 Primeira parte do jogo Somos uma Orquestra! .......................................................61 Figura 15 Introdução de regras relacionadas com o andamento .............................................61 Figura 16 Momento em que algumas crianças pedem para trocar de instrumento ...................62 Figura 17 Desenvolvimento da atividade com um dos grupos .................................................64 Figura 18 Demonstração de entusiasmo por parte dos diferentes grupos ................................65 Figura 19 Exemplo de diapositivo da apresentação em PowerPoint .........................................68 Figura 20 Desenvolvimento da atividade ...............................................................................68 Figura 21 Desenvolvimento da atividade ...............................................................................69 Figura 22 Momento posterior à realização da atividade ..........................................................70 Figura 23 Realização da pintura ao som da música ...............................................................73 Figura 24 Momento em que algumas crianças pintam os pés ................................................74 Figura 25 Momento em que uma criança utiliza também as mãos na pintura..........................74 Figura 26 Resultado final da proposta apresentada................................................................76 Figura 27 Realização da primeira tarefa ................................................................................78 Figura 28 Momento em que outras crianças se juntam ao redor da mesa ...............................79
xiii
Figura 29 Realização da segunda tarefa................................................................................80 Figura 30 Exploração do resultado final ................................................................................80 Figura 31 Visualização do vídeo ...........................................................................................84 Figura 32 Exploração inicial dos instrumentos .......................................................................85 Figura 33 Realização do jogo ...............................................................................................85
Siglas e abreviaturas utilizadas Manual DQP: Manual DQP – Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias (Bertram e Pascal, 2009)
ATL: Atividades de Tempos Livres
xiv
1
Capítulo I. Introdução
O presente relatório foi desenvolvido no âmbito do Estágio – Intervenção Pedagógica I, do
Mestrado em Educação Pré-Escolar, do Instituto de Educação da Universidade do Minho. A Prática
de Ensino Supervisionada foi levada a cabo entre fevereiro e junho de 2017 (ano letivo
2016/2017) com um grupo de crianças de dois e três anos, do contexto de Creche, onde
planifiquei e propus um conjunto de atividades que visaram proporcionar ao grupo o contacto
intencional com a música. O título do projeto de intervenção Levar a música à Creche: a
importância de vivências musicais resultou de inúmeras observações realizadas no contexto
e posterior reflexão. Este relatório tem como objetivo dar a conhecer o trabalho realizado ao longo
do percurso do estágio em Creche.
1.1 Pertinência do tema e motivações
A música está na nossa vida e faz parte dela nos mais variados momentos. É praticamente
impossível passar um dia sem ouvir música. Para além de ser um elemento presente no nosso
dia a dia desde o nascimento (ou até antes), a música representa também uma parte importante
da nossa cultura.
Por conseguinte, torna-se importante que todos os indivíduos sejam capazes de compreender
aquilo que ouvem e a aposta nesta compreensão tem especial enfoque no período da primeira
infância (Gordon, 2000a, 2000b), momento em que se deve iniciar a aculturação musical de todas
as crianças, de forma lúdica e incluída na sua vida quotidiana.
A falta deste investimento musical durante a infância resulta, em grande medida, na criação
de estigmas e ideias, de que a aptidão musical é um dom atribuído apenas a um pequeno grupo
de eleitos. Os estigmas provocam um afastamento que, por sua vez, causa dificuldades e
insucesso escolar aquando do contacto formal com a música. Deste modo, como forma de evitar
o insucesso, as crianças devem, desde cedo, ser incentivadas a ouvir, imitar e criar música.
No caso específico dos contextos de educação de infância, a música é diversas vezes
confinada a momentos de grande grupo onde se cantam canções que incentivam conversas
relativas a temas a ser trabalhados como as estações do ano, festividades e regras de
2
comportamento. A música é ainda muitas vezes encarada como uma forma de acalmar as
crianças ou de alternar entre momentos da rotina. Acabando por obter resultados positivos com
este tipo de abordagem, os educadores de infância tendem a adotar uma visão instrumental da
música na infância, assumindo este elemento tão importante da cultura de cada um como
secundário, marginalizando-o em relação a outros que são, não poucas vezes, considerados mais
importantes, como é o caso da linguagem verbal e da matemática. A música e o investimento na
aculturação musical das crianças acaba por ser desvalorizado, na medida em que muitos
educadores não lhe destinam qualquer tempo diário ou semanal que vá para além de canções
sobre temas específicos ou de episódios musicais de passagem entre momentos da rotina.
Apesar de, hoje em dia, se notar um maior investimento das instituições na área, com a
contratação de professores de música e a criação de atividades extracurriculares, parece-me que
ainda estamos longe de uma aposta séria na aculturação musical das nossas crianças. Sobretudo
porque mesmo quando existe esta aposta das instituições, as atividades musicais acabam por se
realizar de forma isolada, um dia da semana e hora específica, como uma espécie de aula de
Educação Musical.
Assumindo uma visão de desafio e numa tentativa de alterar este paradigma, ainda que numa
escala tão diminuta como um grupo de crianças, o Projeto de Intervenção por mim criado surgiu
da necessidade de, por um lado, levar algo de novo ao grupo que me acolheu, já que considero
que a inclusão de estágio serve também para isto – para oferecermos algum contributo para o
desenvolvimento das crianças e o trabalho com elas realizado; e, por outro lado, materializou-se
como um contributo para uma área que me pareceu estar a ser desvalorizada em detrimento de
outras.
Pelo exposto, esforcei-me no sentido de Levar a música à Creche, de forma lúdica, visando a
aculturação musical e o desenvolvimento integral e saudável das crianças.
1.2 Objetivos
Ao longo do meu estágio procurei investir na aculturação musical das crianças,
proporcionando-lhes momentos lúdicos e prazerosos, tendo como principais objetivos:
I. Permitir o usufruto da música;
3
II. Potenciar atividades musicais diversificadas;
III. Promover o contacto com diversas formas de expressão e comunicação;
IV. Promover a aprendizagem ativa através da música;
V. Compreender o potencial da música na infância.
1.3Estrutura geral do relatório O presente relatório encontra-se organizado em sete capítulos. No Capítulo I é feita uma
pequena introdução ao relatório, onde são apresentados elementos como a pertinência do tema e
motivações e os objetivos do projeto. O Capítulo II contempla o enquadramento teórico, onde se
apresenta uma revisão da literatura associada à música e ao período da infância. No Capítulo III é
apresentada a metodologia de investigação adotada e uma breve fundamentação teórica relativa
à mesma. No Capítulo IV apresenta-se a filosofia educacional que esteve na base da criação e
desenvolvimento do Projeto de Intervenção apresentado neste relatório. No Capítulo V é
caracterizado o contexto de intervenção, com enfoque em tópicos como a instituição, o grupo, o
espaço e materiais e a rotina. O Capítulo VI refere-se à descrição e reflexão de excertos do projeto
de intervenção. No último capítulo (Capítulo VII) são apresentadas as considerações finais.
4
5
Capítulo II. Enquadramento teórico
2.1 Música e Infância A música está, incontornavelmente, presente na vida do ser humano, desde o seu inicio.
Alguns autores acreditam até que ainda no útero, os bebés já ouvem e respondem a estímulos
sonoros, produzindo movimentos de reconhecimento de sons e canções, por exemplo. Moog
(1976) defende que os batimentos bruscos dos bebés no útero da mãe são respostas fiéis a
estímulos musicais. Também Lecanuet (1996) e Parncutt (1993) acreditam que, nos últimos
quatro meses de gestação, os fetos já respondem à estimulação sonora através dos seus
movimentos.
A música apresenta-se, muitas vezes, como um elemento de continuidade entre o
ambiente familiar e o ambiente escolar, já que pais e educadores cantam as mesmas canções de
embalar, ajudando, assim, a criança na adaptação ao meio desconhecido. Hohmann e Weikart,
autores respeitados na área da educação de infância, acreditam que a música se torna importante
na vida da criança já que transmite emoções, «sublinha experiências e marca ocasiões pessoais
e históricas» (Hohmann e Weikart, 1997, p.658).
Assim, as crianças constroem uma cultura musical autêntica, ouvindo os sons e músicas
do seu meio, explorando o som de objetos e os sons que são capazes de produzir vocalmente, de
modo a expressar desejos e necessidades ou apenas por pura brincadeira sonora. E, de facto,
esta cultura é construída com a família e através de outras relações sociais, dando especial enfâse
ao ambiente da educação de infância, que se revela um meio, por excelência, para trocas
musicais, quer entre crianças, quer entre crianças e adultos. Neste sentido, parece -me pertinente
apresentar a ideia de Romanelli (2014, p.63):
Se tomarmos como referência uma das melhores definições de música que conheço, «Arte de coordenar fenómenos acústicos para produzir efeitos estéticos» (Barsa, 1994, p.219), podemos afirmar que a criança faz música desde muito cedo.1
1 Perceba-se que o autor elucida o conceito de «efeito estético» como a «percepção de uma emissão sonora que não é prioritariamente utilitária e tem como objetivo principal provocar algum tipo de sensação no ouvinte (considerando também como ouvinte o próprio emissor do som)».
6
Apesar deste carácter aparentemente informal da música, muitos são os pedagogos
musicais que lhe atribuem extrema importância logo desde a primeira infância já que, e de acordo
com Gordon (2000b, p.4) existem períodos críticos para a aprendizagem, associados ao
surgimento de conexões neurológicas e sinapses, que ocorrem antes do nascimento e durante a
primeira infância. Neste sentido, se as oportunidades que a Natureza oferece às crianças não
forem usadas durante estes períodos cruciais, acabam por se perder. Por este motivo Gordon
(2000b, p.3) defende que «o nosso potencial para aprender música nunca é tão elevado como no
momento em que se nasce, e que a partir daí diminui gradualmente».
Esta capacidade intrínseca para absorver todo o tipo de estímulos é (ou devia ser) motivo
suficiente para justificar uma abordagem musical desde o nascimento, com vista ao
desenvolvimento holístico e à formação pessoal e social equilibrada da criança, que significa,
intransigentemente, um contacto apropriado com as diversas formas de arte, expressão e
comunicação, sem que umas sejam valorizadas em detrimento de outras. Esta ideia é, também
ela, defendida por Gordon (2000a, 2000b), que acredita que é particularmente importante que a
criança se inicie na aculturação musical antes que o desenvolvimento da linguagem se torne tão
envolvente que faça com que a música pareça de importância secundária.
Esta ideia vem ao encontro de uma outra do mesmo autor (2000, p.6) que afirma que «a
música (…) como as outras artes, é tão básica como a linguagem para a existência e o
desenvolvimento humano».
Deste paralelo entre música e linguagem se percebe que o que se sucede em termos de
desenvolvimento musical é muito semelhante ao desenvolvimento linguístico: os primeiros anos
de vida têm uma importância fulcral para que a criança oiça a língua da sua cultura, se familiarize,
explore e a reproduza; da mesma forma, os primeiros anos são igualmente imprescindíveis no que
respeita a experiências de escuta, exploração e aquisição de vocabulário musical.
Gordon (2000b), recorrendo às experiências de Torson Wiesel e David Hubel, (que
verificaram que se se tapasse um olho a um gato bebé durante um período de tempo considerável,
mesmo depois de destapado, a visão desse olho estava irremediavelmente perdida), explica que
os recém nascidos têm um número elevado de neurónios que podem ser utilizados para
7
desenvolver sinapses associadas à sensibilidade auditiva para a música mas que, se não
receberem essa estimulação, acabam por se demitir da sua função, direcionando-se, no melhor
dos casos, para outros sentidos.
A aptidão musical de uma criança é inata: tal como não existem crianças sem inteligência,
também não existem crianças sem aptidão musical. A aptidão é afetada pela qualidade do meio
em que se vive – «Dado que, para a maior parte dos recém-nascidos, o ambiente musical não é
tão rico como deveria ser, é de esperar que o nível de aptidão musical com que as crianças nascem
decresça» (Gordon, 2000b, p.16). Esta ideia, de que a música não é um dom reservado apenas
a um grupo de eleitos, é também defendida por François Delalande (1982) e por Patricia Campbell
(1998) cit. por Rommanelli (2014, p.63) que afirmam, respetivamente, que «até aos dois anos de
idade todas as crianças são igualmente talentosas, ou seja, todas têm enorme potencial para se
desenvolver musicalmente» e que «não existe uma criança que seja a-musical».
Assim, o facto de o nível mais elevado de aptidão musical se verificar no momento do
nascimento e de esta aptidão depender da qualidade musical do meio, torna inestimável a
importância de desde cedo se usufruir de um ambiente musical adequado.
Contudo, Gordon enfatiza que a crucial importância da música na infância não significa
que as crianças pequenas devam ser forçadas a aprender e a escutar música, já que «uma tal
coerção seria mais prejudicial para o desenvolvimento musical (…) do que pouco ou nenhum
contacto com a música» (Gordon, 2000a, p.306). Neste sentido, parece oportuno referir a ideia
de Joly (2003, p.116), que nos diz que «a criança, por meio da brincadeira, relaciona-se com o
mundo que descobre a cada dia e é dessa forma que faz música: brincando».
O caráter lúdico da orientação para a música na primeira infância é, de igual modo,
afiançado por Agosti-Gherban e Rapp-Hess (1988, p.23), que acreditam que se deve investir tempo
com a aculturação musical, «habituando as crianças (…) a ouvir o que nos rodeia, a brincar com
os sons»2. Assim sendo e segundo as Orientações Curriculares para a Educação Pré -Escolar
(Lopes da Silva, 2016, p.58), a abordagem à música deve dar continuidade às emoções e afetos
vividos nas experiências quotidianas da criança, contribuindo para o seu prazer e bem-estar.
2 Tradução minha de «habituando a los ninõs (…) a escuchar lo que nos rodea, a jugar com los sonidos».
8
Por conseguinte, defendo a ideia de que, de facto, a música tem um papel importante no
desenvolvimento da criança desde a primeira infância já que, tal como Rodrigues (1998, pp.39 -
41), acredito que estimular o pensamento musical é «possibilitar que a criança estabeleça com a
música uma relação de compreensão, permitindo-lhe o acesso a uma experiência única de uma
parte importante da sua cultura». Por se revelar um elemento presente na vida da criança desde
o seu nascimento, ou até antes, a música e a aculturação musical devem ser uma aposta de pais
e educadores, tendo em vista o desenvolvimento holístico e equilibrado da criança, o que significa
proporcionar-lhe o acesso e o contacto a diferentes formas de arte, comunicação e linguagem.
9
2.2 Importância atribuída à música na infância: diferentes abordagens
As conceptualizações relativas à influência da música nas crianças e sua consequente
importância na infância, não são unívocas, destacando-se, especialmente, duas grandes visões.
De um lado, defensores do valor da música por si só, da sua importância na infância por
mérito próprio, defendendo a importância da aculturação musical das crianças no sentido do
contacto com uma forma de arte e uma parte da cultura humana. Do outro lado, os que acreditam
que a exposição à música e o treino de execução podem, simultaneamente, desenvolver ou
reforçar o desenvolvimento cognitivo, físico e social das crianças, atribuindo à música o papel de
meio para e não de fim por si só.
Assim, contrapõem-se, sobretudo, duas visões justificativas de uma aposta musical na
infância: uma perspetiva que defende o valor intrínseco da música, declarando o seu valor inato
como uma das linguagens humanas; e outra perspetiva que faz valer uma visão utilitária da
música, como um meio de facilitação do desenvolvimento ou reforço de outras capacidades.
Apresentarei, por isso, em seguida, um aprofundamento, ainda que breve, sobre estas
duas conceções, tendo sobretudo como base a obra de Spodek (2010) – Manual de Investigação
em Educação de Infância – em específico o capítulo de J. Craig Perry – A música na Educação de
Infância.
2.2.1 O valor intrínseco da música Uma visão que valoriza o valor intrínseco da música é defendida por diversos profissionais
da área que, como Maria Helena Vieira, professora doutora do Instituto da Educação da
Universidade de Minho, acreditam que as verdadeiras vantagens da aculturação musical desde a
primeira infância estão relacionadas com as experiências que a música proporciona a cada um. A
investigadora explica, em entrevista a um sítio da internet ligado à área da educação3, que «tocar,
cantar, conhecer reportório, participar em grupos musicais, corais ou instrumentais, aceder a um
reportório cultural vastíssimo e poder mesmo criar musicalmente» são as verdadeiras vantagens
da aculturação musical desde cedo. Do mesmo modo, acrescenta ainda que «desenvolver a
3 www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=14159&, acedido pela primeira vez a 30 de março de 2017.
10
memória, a persistência, o raciocínio lógico e outros aspetos cognitivos são apenas ‘side-effects’
da verdadeira experiência musical».
Segundo Perry (2010, p.464), «muitos pais sentem que a exposição à música e a
formação musical constituem uma parte enriquecedora e positiva da experiência humana» e por
isso defendem a aculturação musical desde a infância. O mesmo autor (2010, p.464) explica que
a investigação disponível sobre a conceção da música pela música, que defende o seu valor
intrínseco desde a primeira infância, se divide em oito tópicos de estudo (preferências musicais,
cognição musical, audição, perceção, aptidão musical, competências de execução, prática, e
aspetos culturais) que, de forma breve, abordarei em seguida, no sentido de perceber de que
modo uma aculturação musical desde o nascimento tem ou não influencia no seu
desenvolvimento.
Preferências musicais
Schuter e Mcdonald (1968) cit. por Perry (2010, p.466) não foram, nos seus estudos,
capazes de influenciar as preferências musicais de crianças em idade pré-escolar apenas através
da sua exposição a músicas que eram menos da sua preferência.
Contudo, a investigação coloca três hipóteses para a formação de preferências musicais
das crianças que, para além das qualidades inerentes à música, como o estilo, se prendem com
a repetição e as experiências sociais. Quer isto dizer que se acredita que a formação musical ou
a exposição repetida a determinada música ou tipo de música desenvolve o gosto pela mesma; do
mesmo modo que se acredita que as crianças «tendem a moldar as suas preferências musicais
pelas preferências das pessoas que têm importância nas suas vidas» (Radocy, 1976, cit. por Perry
(2010, p.465).
Cognição musical
A investigação mostra que as crianças são capazes de compreender o significado
emocional ou afetivo da música: segundo Cunningham e Sterling (1988), cit. por Perry (2010,
p.467), as crianças possuem uma «capacidade considerável» para compreender o significado e
as ideias musicais.
11
Perry (2010, p.468), fazendo referência a Hildebrandt (1987), afirma que «as crianças
exibem uma capacidade crescente para reconhecerem variantes e invariantes nos elementos
musicais».
O que se sabe da investigação é que a experiência musical e a exposição à música detêm
importância extrema no reforço das capacidades de cognição musical, já que, segundo Perry
(2010, p.469), «poucas das competências de cognição musical são inatas», pelo que quanto
maior for a exposição das crianças à música, mais rápida parece ser a sua evolução das suas
capacidades para captar as ideias musicais.
Audição
No que respeita às competências de audição e discriminação, acredita -se que tanto a
experiência como a maturidade biológica têm um peso significativo nas mudanças individuais, de
modo que se acredita que os dois fatores em simultâneo são hábeis de produzir mudanças, em
muito diferentes daquelas que resultam quando um dos fatores atua separadamente (Perry,
2010).
Também a revisão literária realizada por Eugênio, Escalda e Lemos (2011) parece
demonstrar a existência de uma relação positiva entre a aculturação musical e o desenvolvimento
de habilidades auditivas, contudo, os autores confirmam a existência de um número reduzido de
artigos que relacionem os dois tópicos.
Perceção
Perry (2010, p.470), referindo Trehub, Morrongiello e Thorpe (1985), afirma que «a
sensibilidade ao contorno melódico, intervalos e clave musical está presente em todas as crianças,
mas aumenta com a idade».
Aptidão musical
Segundo Gordon (2000b, pp.15-16), todas as crianças nascem «com pelo menos alguma
aptidão para a música».
Romanelli (2014, p.63) cita autores como Delalande (1982) e Campbell (1998), que
defendem que todas as crianças nascem com talento para música e que nenhuma criança é «a-
musical».
12
Freeman (1976) cit. por Perry (2010, p.471), defende que a diferença entre crianças, no
que respeita à aptidão para a música, reside «não numa diferença de capacidades inatas (…) mas
nas diferenças de oportunidades e encorajamento dados em casa pelos pais». Neste sentido,
percebe-se que o talento, o jeito para a música, pode ser estimulado por um tipo de ambiente que
privilegie a aculturação musical.
Competências de execução
No que respeita à evolução de competências de execução, a investigação parece mostrar
que estas relacionam-se sobretudo com o treino e não propriamente com o talento ou o contacto
musical precoce. Segundo Perry (2010, p.474), «as crianças entre os 4 e os 7 anos parecem
particularmente suscetíveis de aperfeiçoamento das suas capacidades motoras de execução
através do treino», o que pode relacionar-se com a maturação biológica das crianças.
Prática
Perry (2010, p.475) afirma que a necessidade de prática musical é um dos principais
motivos para a desistência das aulas de música. Referindo investigações de Sosniak (1985), o
autor sublinha que estudos mostram que pianistas excecionais gastavam, na sua infância, mais
tempo a praticar do que a maioria das crianças a realizar qualquer tipo de atividade.
Parecendo não existir grande informação sobre a relação entre a aculturação musical na
infância e a prática musical, fica no ar uma questão bastante pertinente: «Não podemos deixar de
nos perguntar qual seria o efeito, em grande escala, de se porem as crianças mais pequenas a
praticar música em vez de verem tanta televisão» (Perry, 2010, p.475).
Aspetos culturais
Perry (2010, p.475), referindo Gordon (1967) defende que os aspetos culturais podem
influenciar a aculturação musical, já que um contexto doméstico musical é significativo na
revelação das aptidões musicais das crianças. Gordon (2000a, 2000b) acredita que a aculturação
musical precoce e a aposta dos pais e educadores no estímulo musical das crianças influenciam
a sua aptidão musical já que nenhum momento é tão propício ao desenvolvimento de capacidades
como os primeiros anos de vida. O mesmo autor defende que:
13
quanto mais cedo uma criança começar a beneficiar de um ambiente musical rico, mais cedo a sua aptidão musical começará a aumentar em direção ao nível do nascimento e mais próxima ficará de o atingir e de nele permanecer através da vida.
(Gordon, 2000b, p.16)
2.2.2 O valor utilitário da música
Ainda hoje, depois de trabalhos como os de Edwin Gordon (2000a, 2000b), que defendem
e demonstram o valor intrínseco da música, é percetível a hegemonia de conceções pedagógicas
tradicionais, nas quais a música serve (quase sempre) como estratégia para, por exemplo, a
obtenção de padrões de comportamento (lanchar, fazer fila, lavar os dentes…) ou a fixação de
conteúdos relativos a outras áreas de conhecimento.
A visão da música como um meio para, tem na sua base a crença de que o
desenvolvimento de competências musicais pode trazer benefícios que se generalizam a outras
áreas; daí que, segundo Perry (2010, p.476), exista uma longa tradição de «justificação do
desenvolvimento das capacidades de execução, audição e apreciação musical das crianças, em
termos de ganhos contingentes no seu desenvolvimento cognitivo, físico e social».
O mesmo autor (2010, p.476) afirma que a música talvez seja um «catalisador contextual
para muitos resultados desenvolvimentais», assim como é possível que «a música e as tarefas
musicais promovam na verdade resultados desenvolvimentais específicos», contudo, mostra -se
reticente na aceitação desta última conceptualização, já que parece acreditar não existirem provas
suficientes para a sua justificação.
Assim sendo, apresentarei, brevemente, em seguida, um conjunto de nove tópicos que
Perry (2010) apresenta no capítulo da sua autoria, na obra Manual de Investigação em Educação
de Infância (Spodek, 2010), no sentido de perceber o estabelecimento de uma possível relação
entre os mesmos e a aculturação e treino musical. São eles: personalidade, cognição, leitura,
linguagem, competências motoras, socialização das atitudes, autoestima, interação social, e locus
de controlo.
14
Personalidade
Segundo Perry (2010, pp.476-477), uma hipótese há muito colocada é o facto de as
preferências musicais serem uma indicação do estilo de personalidade. Contudo, apesar de
investigações de autores como Cattell e Anderson (1953) e Catte ll e Saunders (1954), não é claro
que estas relações sejam detetadas na infância.
Cognição
Perry (2010, pp.477-478), referindo estudos de autores como Schmidt e Lewis (1987),
Leithwood e Fowler (1971) e Karma (1986), afirma que a aposta numa pedagogia musical e o
treino musical parecem trazer benefícios para a capacidade espacial, a adaptação social e a
capacidade analítica. Segundo os estudos de Wagley (1978), referidos por Perry (2010, p.478),
as crianças parecem gostar mais de aprender destrezas cognitivas quando o treino é
acompanhado de experiências musicais.
Contudo, Perry (2010, p.478), afirma ainda que, depois de uma recensão de investigações
de diferentes autores, parece não existir «qualquer relação provável entre inteligência e
preferências musicais». O mesmo é defendido por Gordon (2000b, p.25) que acredita que (até
que a evidência empírica prove o contrário), «não existe nenhuma relação entre aptidão musical e
inteligência».
Ainda assim, autores como Eugênio, Escalda e Lemos (2011) parecem postular uma
relação positiva entre prática musical e cognição ao defenderem que «indivíduos com prática
musical apresentam melhor desempenho em tarefas de matemática, leitura, vocabulário, sintaxe
e habilidades visuoespaciais e motoras».
Ainda sobre cognição, Perry (2010, p.478) aborda, brevemente, a capacidade criativa,
destacando estudos de autores como Plummeridge (1980), Cleall (1981) e Lowery (1982),
confirmando o facto de as atividades musicais fomentarem experiências criativas, através da
exploração de diferentes instrumentos e melodias, por exemplo. Neste sentido percebe-se o porquê
de Cleall (1981) defender que se deve deixar as crianças brincar com a música, como forma de
estimulação da criatividade.
15
Parece-me ainda importante referir a questão da complexidade cognitiva e a posição que
vários autores parecem assumir relativamente a uma possível relação entre esta e as preferências
e vivências musicais. Segundo Heyduk (1975), cit. por Perry (2010, pp.480-481), «os indivíduos
acostumados a níveis mais elevados de complexidade psicológica tenderão a preferir uma música
mais complexa», tal como indivíduos acostumados a música mais complexa, tenderão a encontrar-
se em níveis de complexidade psicológica superiores. Desde modo, se o desenvolvimento das
preferências musicais está associado ao pensamento complexo, pode afirmar -se que o
encorajamento, desde a primeira infância, à audição de música mais complexa (como é o caso da
música erudita), poderá fomentar a complexidade cognitiva.
Leitura
No que diz respeito ao aperfeiçoamento de competências de leitura em crianças com
contacto com música e treino musical, Perry (2010, pp.481-482) acredita que é necessária uma
maior investigação neste campo. Ainda assim, refere o currículo musical desenvolvido por Maria
Montessori como um exemplo da existência de «paralelismo entre a aprendizagem da música e
os outros tipos de aprendizagem», do mesmo modo que refere os estudos de Hurwitz et al.(1975),
que registaram um aperfeiçoamento das competências de leitura de crianças envo lvidas no
currículo de música Kodály – «as crianças com 2 anos de treino Kodály (…) continuam a obter
resultados mais elevados na leitura do que o grupo de controlo, o que indicava um
aperfeiçoamento de longo alcance em competências de leitura cada vez mais complexas» (Perry,
2010, p.481).
De qualquer modo, existem autores que acreditam na existência de uma relação entre a
prática musical e a melhoria das competências de leitura, como é o caso de Eugênio, Escalda e
Lemos (2011), anteriormente referidos.
Linguagem
Sobre o desenvolvimento de competências de linguagem associadas à aculturação
musical, parece não haver ainda informação suficiente para comprovar tal relação. Porém, Perry
(2010, p.482) refere alguns autores como Papousek e Papousek (1981), Jalong e Bromley (1984)
e Kuhmerker (1969), que parecem acreditar que todas as crianças beneficiam linguisticamente
com a exposição e o contacto com canções, que não só constituem um incentivo para as atividades
16
de ensino e aprendizagem, como ajudam as crianças a estabelecer associações entre palavras e
experiências linguísticas mais vastas.
Competências motoras
Sobre o desenvolvimento de competências motoras, Perry (2010, pp.482-483), refere
Groves (1966) e os seus estudos, dizendo que «não encontrou qualquer relação entre o treino ou
um contexto doméstico musical e a capacidade das crianças para sincronizar movimentos
corporais com estímulos rítmicos». O que vários autores, como Groves (1966) e Christianson
(1938) parecem ter percebido é que a capacidade para movimentos rítmicos está relacionada com
a capacidade motora geral e com a idade.
Socialização das atitudes
Perry (2010, p.483) refere Saffle (1983) e a sua ideia de que a música pode ser uma
forma de comunicação de informação acerca da cultura e da estética de diferentes culturas. Deste
modo, Perry acredita que, confirmando-se a hipótese da generalização da aprendizagem, «a
capacidade de a música alargar o gosto pela estética e os aspectos adicionais de outras culturas
pode ser uma das razões mais potentes» para justificar a aculturação musical diversificada desde
a primeira infância.
Autoestima
Crianças que mostram competências elevadas de execução musical e participam em
concursos, por exemplo, recebem frequentemente o apoio e admiração de toda a família; e, de
facto, a atenção positiva pode promover a autoestima das crianças. Mas este apoio e admiração
pode, de igual modo, advir de um talento especial para qualquer outra arte. Esta questão acaba
por coincidir com a ideia de Perry (2010, p.484) que admite não ter sido capaz de encontrar
qualquer trabalho que relacione música e autoestima.
Interação social
Sabe-se que muitas vezes a música é utilizada como forma de interação social, quer se
fale em salas de atividades escolares (e pré-escolares) ou em claques de futebol ou bandas de
música. Assim sendo, pode afirmar-se que facilitar a interação social é muitas vezes considerada
uma das principais funções da música.
17
Perry (2010, pp.484-485) refere Kalliopuska e Ruokonen (1986) e o facto de os autores
terem constatado que «um programa de educação musical holístico (…) facilitava o
desenvolvimento da empatia nas crianças em idade pré-escolar».
Apesar de a aculturação e execução musical serem inerentemente sociais, segundo Perry
(2010, p.485), pouco se sabe acerca da sua interação no desenvolvimento da criança.
Locus de controlo
Perry (2010, p.486) refere que a relação de um locus de controlo com o desenvolvimento
de competências musicais não foi ainda estudada. De qualquer forma, refere os trabalhos de
Lowrence e Dachinger (1967) que «constataram que as crianças que tinham aprendido sozinhas
a tocar piano continuavam ligadas à música quando adultos, ao passo que as crianças que tinham
tido lições formais (…) se desligavam com frequência da música quando adultos», o que pode
sugerir que um locus de controlo interno pode ajudar a manter o interesse.
Apesar de não existirem ainda, tal como nos diz Gordon (2000a e 2000b), evidências
científicas que nos permitam comprovar eficientemente a relação entre a música e o
desenvolvimento de outras competências, autores como Eugênio, Escalda e Lemos (2011)
parecem acreditar que existe, de facto, uma relação positiva entre os dois fatores.
Autores como Rodrigues (2003, p.51), apoiam uma conceptualização do valor inato da
música, defendendo que «a experiência humana e o contacto com outras realidades
proporcionado pela experiência musical são únicos, insubstituíveis e, portanto, suficientes para se
autojustificarem»; da mesma forma, rejeitam argumentos relacionados com a conceptuali zação
da música como ferramenta, considerando-os irrelevantes, tendo em conta a sua riqueza
intrínseca. A mesma visão é partilhada por Romanelli (2014, p.64):
Sem negar as possibilidades interdisciplinares que a música apresenta, ela é antes de tudo uma forma de conhecimento que deve fazer parte do cotidiano das crianças com o objetivo de desenvolvimento musical.
18
Importa referir ainda a ideia de Campbell e Scott-Kassner (1994, p.5) que acreditam que
«a música é a sua própria disciplina ao mesmo tempo que informa as crianças acerca do seu
mundo, de forma interdisciplinar»4.
Por outro lado, Sousa (2003) parece, de certo modo, defender o carater utilitário da
música, no sentido em que mais do que atribuir-lhe um valor inato e relevante, aparenta considera-
la «uma ferramenta educacional, usada por educadores e professores» (Sousa, 2003, p.20).
Embora não defenda o desenvolvimento de competências relacionadas com outras áreas, as
palavras do autor vão ao encontro das de Schafer, por ele referido, de que a música não deverá
ser o principal objetivo: «O objetivo da educação musical não será a música, mas a educação»
(Sousa, 2003, p.120).
A revisão de literatura mostra, de facto, divergências no modo de conceptualizar a música
na infância, mas, independentemente da conceptualização defendida, é inequívoca a sua
importância. O que tem vindo a acontecer é uma luta em defesa da valorização da música no
sentido de mostrar a sua importância enquanto forma de arte e de expressão/comunicação e
como parte importante de cada cultura.
Partilhando uma ou outra visão, certa é a responsabilidade que os educadores de infância
têm na aculturação musical das crianças, tendo por dever apostar numa pedagogia que a valorize,
que possibilite a experimentação de diversos tipos e géneros de música e a vivência de inúmeros
momentos onde esta seja a atriz principal, já que a música integra a cultura de todas as crianças
e o principal objetivo da educação de infância deve ser, sempre, tal como defende Sousa (2003,
p.18) «a formação como ser, como pessoa, o desenvolvimento equilibrado da sua personalidade».
Do mesmo modo, Agosti-Gherban e Rapp-Hess (1988, p.17) acreditam que «o mais
importante é que as crianças aprendam desde a sua tenra infância a escutar, não para virem a
ser músicos, mas sim para se desenvolverem harmoniosamente»5.
4 Tradução minha de «Music is its own discipline, while it also informs children of their world in interdisciplinar ways». 5 Tradução minha de «lo importante es que los ninõs aprendan desde su más tierna infância a escuchar, no para llegar a ser músicos, sino para desarrollarse harmoniosamente».
19
2.3 Importância do contexto educativo e da família no desenvolvimento musical da
criança
Gordon, cujos trabalhos têm desbravado caminho no sentido de fazer valer a importância
da música na infância, apresenta uma razão principal para o declínio da qualidade da Educação
Musical: a falta de investimento na área durante a infância, que resulta na falta de preparação
para aprender música quando se ingressa na escolaridade formal.
Enquanto as crianças pequenas não receberem uma aculturação à música do mesmo tipo da que lhes é dada em linguagem pelos pais durante os cerca de 5 anos anteriores à sua entrada na escola, não existe qualquer esperança de alguma vez se ultrapassar o problema da pouca consideração que geralmente se tem pela música.
Gordon (2000b, p.1)
De acordo com as ideias do autor, tal como constroem, em termos de linguagem, as bases
de vocabulário, através da audição e fala, muito antes de ingressarem no primeiro ciclo, as
crianças precisam também de criar alicerces de vocabulário musical. Neste sentido, percebe-se
que o período anterior à entrada na escola é fulcral para o estabelecimento de bases firmes na
aculturação musical das crianças. O mesmo autor (2000, p.3), acredita que «quanto mais cedo
os pais ou professores iniciarem uma criança na orientação informal que cria estes alicerces de
aprendizagem, melhor aproveitamento a criança tirará da educação futura».
Sabe-se que com a adequada orientação, as crianças aprendem, por si próprias, a pensar
– sobretudo no contacto com o seu meio e os seus pares, na vivência de experiências novas e
quotidianas. O mesmo deve acontecer com a música e a audição já que, tal como nos diz Gordon
(2000b, p.2), «a audiação6 é para a música o que o pensamento é para a linguagem».
No sentido de deslindar o significado do termo acima apresentado, atente -se nas palavras
de Rodrigues (2003, p.41):
6 Audiação é um termo criado por Edwin Gordon, que se prende com a capacidade de ouvir com compreensão sons que podem ou não estar fisicamente presentes.
20
através da “audiação” é-se capaz de pensar musicalmente, como alguém que compreende a linguagem musical e a utiliza de um modo autónomo e independente (…) do mesmo modo que o sujeito pode, através da palavra, expressar o seu próprio pensamento.
O termo audiação, pela sua especificidade, tem um papel fundamental nos trabalhos de
Gordon, assim como representa um papel importante em trabalhos de outros autores que têm o
primeiro como referência. Importa-me, por agora, citar Bluestine (1995, p.12): «para audiar
música, os nossos alunos devem fazer mais do que apenas ‘ouvir internamente’ (…). E para fazer
isso, eles devem aprender a perceber a música. Um trabalho para toda a vida7».
Sabendo-se que é durante a primeira infância que a criança apresenta maior
disponibilidade biológica para a aprendizagem, disponibilidade esta associada ao surgimento de
conexões neurológicas e sinapses, percebe-se a importância de um investimento na aculturação
musical desde cedo, no sentido de proporcionar à criança a possibilidade de viver experiências
musicais diversificadas, que se relacionem com a audição (e audiação), a imitação, a
experimentação e a criação musical. Isto porque se sabe não ser possível colmatar as falhas de
aprendizagem causadas pela perda de oportunidades que uma criança sofre no período chave de
estabelecimento dos fundamentos de aprendizagem, que é a primeira infância.
De qualquer modo, importa perceber: antes da educação musical formal, é necessária a
orientação para a música. E esta orientação tem (ou deve ter) lugar exatamente durante estes
períodos críticos, que correspondem, grosso modo, à educação não obrigatória – Creche e Pré-
Escolar.
Trata-se de orientação para a música e não de Educação Musical, pelo que não devem
ser impostas competências e conhecimentos às crianças tendo em conta os objetivos da Educação
Musical. Espera-se, sobretudo, que as crianças sejam postas em contacto com a música e sejam
encorajadas a absorvê-la, e isso só é possível se os adultos tiverem em consideração os seus
interesses. Trata-se, nestes primeiros anos, de aprender brincando!
7 Tradução minha de «To audiate music, our students must do more than “inner hear”: they must process musical information. And to do that, they must learn to understand music. A lifetime job».
21
Posto isto, percebe-se a ideia de Gordon (2000b, p.6), ao defender que «os pais não
precisam ser músicos para serem capazes de orientar e instruir os filhos no desenvolvimento da
sua compreensão musical». Este é também o pensamento de Sousa (2003, p.18), que afirma que
o mais importante é «a formação psicopedagógica dos professores e não os seus conhecimentos
musicais».
Importa ressalvar que, de facto, tal como em todas as questões relacionadas com a
educação de infância, todo o trabalho com as crianças deve ter como base uma relação de
cooperação escola/família e como principal objetivo o desenvolvimento holístico da criança.
No que à música diz respeito, recorrendo ao documento orientador da Educação Pré-
Escolar – Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (Lopes da Silva, 2016, pp.58-60)
– espera-se que o educador de infância proporcione o contacto com diferentes manifestações
musicais, facilitando e promovendo a exploração e experimentação de sons, canções e
instrumentos, recorrendo ao jogo e ao lúdico, no sentido de tornar os momentos de aculturação
musical momentos de prazer e bem-estar para as crianças.
A ideia presente nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (Lopes da
Silva, 2016) é também defendida por Sousa (2003, p.19) que afirma que «é a integração neste
universo sonoro que deverá interessar em primeiro lugar ao educador (ouvir, localizar, explorar,
experimentar, entender)».
Sobre o papel dos pais, importa referir a importância do facto de esta aculturação musical
dever ser feita de uma forma natural, incluída no quotidiano da casa e nas atividades da família,
ressalvando-se, assim, o seu caráter de orientação para a música e não de Educação Musical.
Agosti-Ghearban e Rapp-Hess (1988, p.15) defendem que o papel dos pais «é o de ajudar a criança
a ‘abrir-se’, isto é, despertá-la para o mundo que a rodeia»8. Deste modo, se os adultos (pais e
educadores) dedicarem o tempo necessário ao desenvolvimento musical das crianças desde o
nascimento, «elas virão a sentir-se mais à vontade com todos os tipos de música numa idade mais
8 Tradução minha de «es el de ayudar al ninõ a ‘abrirse’, es decir, a despertar al mundo que le rodea».
22
precoce e desenvolverão atitudes positivas em relação à música que persistirão ao longo da vida»
(Gordon, 2000b, p.7).
O papel do adulto na orientação musical da criança é uma questão abordada também por
Hohmann e Weikart na sua obra Educar a Criança (1997), onde os autores defendem que é sua
função proporcionar o máximo de experiências musicais possíveis, no sentido de fazer florescer
as suas capacidades musicais. Segundo os autores, importa ainda que os adultos «abordem as
experiências musicais com entusiasmo e compreendam que as crianças necessitam de gerar e
dar forma às suas ideias musicais. Com efeito, cada adulto age com as crianças como um parceiro
musical» (Hohmann e Weikart, 1997, p.659).
Este investimento de tempo na aculturação musical das crianças deve ter por base a ideia
de que estas aprendem música de uma forma muito semelhante à que aprendem a sua língua
materna. Agosti-Gherban e Rapp-Hess (1988, p.15) acreditam que é através do ‘banho de
linguagem falada’ que as crianças aprendem a falar; do mesmo modo, será através do ‘banho
musical’ que se familiarizarão com a música.
Assim, é preciso que tenham, em casa e no contexto educativo, uma orientação musical
semelhante à proporcionada para os encorajar a se iniciarem no balbucio da língua e progredirem
na sua aprendizagem, já que, segundo Gordon (2000b, p.9), quanto mais cedo uma criança
emergir da fase de balbucio musical, «mais musical se espera que venha a ser durante a sua
vida». Todavia, para além de se cantar menos do que se fala para as crianças, estas também têm
menor contacto com a música do que com a linguagem falada. Portanto, percebe-se, assim, que
não é dada às crianças a oportunidade de absorver os sons da música da mesma forma que lhes
é possibilitada a absorção dos sons da linguagem, restringindo, por isso, a sua capacidade de
progredir através do balbucio musical. Não desenvolvendo as suas capacidades musicais (o
vocabulário musical, anteriormente referido), as crianças não serão, de acordo com Gordon
(2000b, pp.9-10), «capazes de perceber nem de se relacionar com a música da sua cultura». Isto
significa, inevitavelmente, tal como tenho vindo a defender, que um ambiente (familiar e educativo)
musicalmente fértil é detentor de inestimável importância na infância, assim como é o principal
influenciador da aptidão musical das crianças.
23
Percebendo-se a necessidade de apoio das crianças para descodificar a música, percebe-
se o valor que um investimento concreto na aculturação musical detém, do mesmo modo que se
percebe a importância atribuída à família e aos contextos educativos, no sentido de orientar as
crianças, permitindo-lhes o desenvolvimento de competências, de modo a que venham a construir
bases para compreender e comunicar através da música, tendo a competência de assumi -la como
uma das muitas linguagens humanas, porque como dizem Sousa e Neto (2003, p.35), «a música
é uma linguagem universal».
Para terminar, gostaria de referir Sousa (2003, pp.120-122), no sentido de afirmar que o
principal objetivo deve ser o constante estímulo da criança para «experimentar novas situações
sonoras e usufruir desse prazer». Assim sendo, a importância das famílias e dos contextos
educativos na aculturação musical das crianças prende-se com a assunção do seu papel enquanto
orientadores, enquanto motivadores permanentes e estimuladores das experimentações e
descobertas das suas crianças, já que, tal como acredita Gordon (2000b, p.6), não se vive sem
música e, por isso, é-lhes vantajoso que a compreendam.
24
25
Capítulo III. Metodologia de Investigação
3.1 A Investigação – Ação A importância de os profissionais da área da educação se assumirem como reflexivos e
críticos é inquestionável e, de facto, todo o percurso realizado no âmbito dos estágios em Creche
e Pré-Escolar proporcionou oportunidades de desenvolvimento de competências ao nível da
observação, da reflexão crítica e da autoavaliação, já que me esforcei no sentido de me apresentar
como profissional com capacidade de adequar a minha prática, baseando-me, para tal, nestas
competências. Neste sentido, a adoção de uma metodologia próxima da Investigação – Ação
auxiliou-me na perceção dos resultados que iam surgindo fruto do meu trabalho, assim como
serviu de metodologia auxiliar na resolução de problemas, tendo por base a compreensão do
contexto e seus intervenientes.
A visão do professor – investigador, que recorre à reflexão crítica para se autoavaliar e
resolver problemas da sua prática, é defendida por Coutinho, Sousa, Dias, Bessa, Ferreira e Vieira
(2009, p.358), que justificam a interdependência reflexão – prática «na medida em que a prática
educativa traz à luz inúmeros problemas para resolver, inúmeras questões para responder, (…) ou
seja, inúmeras oportunidades para refletir». De igual forma, os mesmos autores (2009, p.375)
acreditam que é pela prática e reflexão desta que o professor «pode verdadeiramente iluminar a
sua consciência introduzindo-lhe o elemento crítico, tão necessário ao conhecimento objetivo
daquilo que faz e de si próprio».
Latorre defende que para que seja possível mudar a escola é fundamental que se alterem
as práticas docentes e a própria visão que os profissionais têm do seu trabalho e, para que tudo
isto mude é imperioso que os profissionais passem a ser e ver-se capazes de «refletir, analisar e
indagar a sua prática docente»9 (Latorre, 2003, p.11), de forma a que se constituam
investigadores da sua própria prática profissional.
Quando o professor se assume como investigador percebe que a teoria e a prática
merecem espaço comum e que é no decorrer da própria prática que surgem questões e dúvidas
que, também com o recurso à teoria, se analisam e resolvem. Esta assunção da função de
9 Tradução minha de «reflexionar, analizar e indagar su prática docente».
26
investigador é fulcral, já que, como acredita Latorre (2003, p.13) «ninguém melhor que ele
[professor] possui as condições para identificar, analisar e dar uma resposta pertinente aos
problemas educativos»10.
Percebe-se, tendo em conta esta visão, a ideia creditada por Oliveira, Pereira e Santiago
(2004, p.15), de que «o professor não se pode limitar ao papel passivo de consumidor da
investigação realizada por profissionais exteriores ao contexto real das escolas». Assim, tal como
acreditam Costa e Paixão (2004, p.90), parece-me que «a investigação deve ser levada a cabo
pelos professores, interessados em analisar os seus problemas e em utilizar os resultados dessa
análise como instrumentos de mudança e de inovação». Latorre (2003, p.20) coloca e responde
a uma questão pertinente sobre esta visão do professor: «Das metodologias que aponta a
investigação educativa, qual é a que melhor se ajusta ao perfil de um professor como investigador
(…)? Sem lugar para dúvidas (…) optamos pela investigação – ação»11. De facto, parece-me que o
essencial da metodologia de investigação – ação é esta exploração reflexiva que o professor faz
da sua prática, que tenho vindo a abordar, e que contribui não só para a resolução de problemas,
como também para a planificação e introdução de alterações e inovações, no sentido de melhorar
a sua atuação.
A legitimidade da investigação – ação decorre, por isso, e segundo Máximo-Esteves (2008,
p.15) da procura de resposta para o fosso entre a teoria e a prática, no sentido em que a prática
educativa não pode basear-se apenas na teoria da investigação tradicional, já que requer a
compreensão dos ambientes educativos e das ações dos seus intervenientes. Para Latorre (2003,
pp.23-24) a investigação – ação tem como principais finalidades o desenvolvimento curricular, o
desenvolvimento profissional do professor – investigador, a melhoria dos programas educativos e
dos sistemas de planificação. O autor defende que estas finalidades têm em comum «a
identificação de estratégias de ação que são implementadas e, mais tarde, submetidas a
observação, reflexão e mudança»12. Pode afirmar-se, por isso, o carácter cíclico ou em espiral
desta metodologia, que tem por base a melhoria da prática educativa através de ciclos de ação e
10 Tradução minha de «nadie mejor que el [professor] posee las condiciones para identificar, analizar y dar pertinente respuesta a los problemas educativos». 11 Tradução minha de «De las metodologias que aponta la investigación educativa, ¿ cual es la que se ajusta mejor al perfil del professorado como investigador (…)? Sin lugar a dudas (…) optamos por la investigación – acción» 12 Tradução minha de «la identificación de estratégias de acción que son implementadas y más tarde sometidas a observación, reflexión y cambio».
27
reflexão. Coutinho et al (2009, p.360) afirmam, neste sentido, que a investigação – ação
pressupõe «ação (ou mudança) e investigação (ou compreensão) ao mesmo tempo, utilizando um
processo cíclico ou em espiral, que alterna entre ação e reflexão critica». O mesmo pode ler-se no
trabalho de Latorre (2003, p.32), que afirma que a espiral de ciclos é o procedimento base da
investigação – ação e identifica quatro fases dentro de cada ciclo: planificar, atuar, observar e
refletir.
No que à educação de infância diz respeito, este desenrolar de ações parece, sem nunca
ser mencionada a investigação – ação, ser também defendida nas Orientações Curriculares para
a Educação Pré-Escolar (Lopes da Silva, 2016, p.8), ao ser abordada a intencionalidade educativa,
como é possível ver em seguida:
Por toda a sua importância e singularidade na compreensão dos ambientes educativos e
seus intervenientes e no apoio à atuação prática, concordar com Coutinho et al. (2009, p.375)
que acreditam que a investigação – ação «mais do que uma metodologia tende a afirmar-se como
um modus faciendi intrínseco à atividade docente», já que para desenvolver um bom trabalho, o
professor necessita obrigatoriamente de conhecer o meio, refletindo sobre ele e as suas práticas.
Acreditando, tal como Medeiros (2004, p.42) que nem todos os professores são ou serão
investigadores, defendo a ideia de Coutinho et al. (2009, p.360), de que todos os professores
devem ter a capacidade de se assumir como protagonistas ativos e autónomos, capazes de
conduzir o processo de investigação que se baseia na compreensão e reflexão da prática, no
sentido de melhorar o processo educativo e permitir o seu próprio desenvolvimento profissional.
Figura 1 Parte do quadro que apresenta a organização das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (2016)
28
3.2 Instrumentos de recolha de dados
Importa agora tecer algumas referências relativas aos instrumentos de recolha de dados
que suportaram não só a construção e desenvolvimento do meu Projeto de Intervenção, mas
também toda a minha atuação; referir que os instrumentos que em seguida mencionarei se
mostraram essenciais para os ajustes que fui realizando no projeto durante o seu decurso.
A visão da criança como um ser ativo e capaz de construir o seu próprio conhecimento
esteve na base da importância que atribuí à escuta e observação atenta da criança, que me
permitiram a criação de um projeto de intervenção contextualizado e significativo, que foi não só
ao encontro dos interesses das crianças, mas também ao encontro daquilo que considerei serem
as suas necessidades.
Acredito, tal como Parente (2002, p.180), que a observação consistente é um
procedimento capaz de contribuir para a tomada de decisões educativas, já que permite a
obtenção de «elementos de todas as áreas de desenvolvimento e informações que [podem] ser
utilizadas para planear e adequar materiais e atividades ao interesses e necessidades das
crianças», desempenhando, deste modo, um papel fundamental na educação de infância.
Neste sentido, atente-se nas palavras de Oliveira-Formosinho (2013, p.77) que refere:
não há ação educativa que possa ser mais adequada do que aquela que tenha a observação da criança como base para a planificação educativa. É que isso permite ao adulto programar e agir com base na tensão criativa entre uma perspetiva curricular teoricamente sustentada e um conhecimento real dos interesses, necessidades, competência e possibilidades da criança.
A importância atribuída à observação vai ao encontro da ideia defendida nas Orientações
Curriculares para a Educação Pré-Escolar (Lopes da Silva, 2016, p.15) de que «observar o que as
crianças fazem, dizem e como interagem e aprendem constitui uma estratégia fundamental de
recolha de informação». O objetivo foi, por isso, desenvolver a capacidade de observação, tornando
o processo cada vez mais autónomo e sistemático já que, tal como defende Parente (2002, p.168):
29
só a observação consistentemente realizada poderá permitir obter informações sobre os interesses e as necessidades das crianças; só a observação sistematicamente realizada permitirá obter dados exactos, precisos e significativos, capazes de informar o professor ou educador sobra as necessárias modificações a implementar.
Como suporte da adoção da metodologia de investigação – ação e havendo a clara
necessidade de refletir sobre aquilo que observava, assim como sobre o trabalho que ia
desenvolvendo com o grupo, apoiei-me em outros dois instrumentos de recolha de dados: as notas
de campo e as fotografias.
As notas de campo tornaram-se a base para a construção das minhas reflexões, já que
me permitiram, à posteriori dos acontecimentos, revivê-los, perceber o que tinha sentido, pensado
e experienciado, permitindo-me relembrar tópicos que, algum tempo depois de sucedidos,
poderiam ter caído no esquecimento. Assim, como referem Bogdan e Biklen (1994, p.150), as
notas de campo são, de facto, «o relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e
pensa durante o decurso da recolha».
Esta aposta nas notas de campo como diário pessoal do percurso permitiu-me tomar
consciência do meu trabalho e do desenvolvimento do meu projeto de intervenção, dando-me a
possibilidade de, agora, perceber de que forma este se foi transformando pelo que ia observando,
pensando e sentindo ao longo do tempo. As minhas notas de campo incluíram, por isso, registos
informais, descrições de incidentes críticos e comentários a eles relativos, e transcrições de
comentários feitos pelas crianças.
No âmbito dos instrumentos de recolha de dados, é de referir, ainda, a importância do
registo fotográfico que, a par das notas de campo, apoiaram, em grande medida, os momentos
de reflexão crítica, já que me permitiram prestar atenção a detalhes que durante a observação
participante ou a intervenção podiam ser subvalorizados.
As fotografias tiradas por mim no decorrer da observação serviram sobretudo para reforçar
e ilustrar as ideias e opiniões que ia defendendo. No caso das fotografias tiradas pelos elementos
da equipa educativa durante as minhas intervenções, dizer que serviram sobretudo como «meio
de lembrar e estudar detalhes que poderiam ser descurados se uma imagem fotográfica não
tivesse disponível para os refletir» (Bogdan e Biklen, 1994, p.189).
30
Para terminar as referências aos instrumentos de recolha de dados utilizados, menciono,
ainda, a Escala de Envolvimento da Criança, incluída no documento disponibilizado pelo Ministério
da Educação – Manual DQP – Desenvolvendo a Qualidade em Parceria (Bertram e Pascal, 2009)
que utilizei na avaliação de todas as atividades propostas ao grupo e que serviu, de acordo com
os seus indicadores e níveis de atividade, para perceber de que forma as crianças se envolveram
nas tarefas, dando, dessa forma, uma ideia do sucesso ou insucesso da sua adequabilidade e
realização.
31
Capítulo IV. Filosofia Educacional subjacente à intervenção pedagógica
4.1 A abordagem High/Scope Os modelos pedagógicos para a educação de infância surgem no sentido de alicerçar a
prática educativa do educador de infância num referencial teórico, onde se encontrem explícitos
«os fundamentos da ação diária, isto é, os valores, as teorias e a ética subjacentes a essa ação»
(Formosinho, 2013, p.16). Apresentam-se, por isso, como referenciais teóricos para
conceptualizar a criança e o seu processo educativo, auxiliando o educador na reflexão do antes,
durante e depois da prática.
Os modelos pedagógicos participativos defendem a ideia da criança como ser pensante,
agente construtor do seu próprio conhecimento, que já é pessoa e participa como tal – com
identidade própria – na vida da família, da escola e da comunidade.
A adoção deste tipo de pedagogia exige aos educadores, como refere Formosinho (2013,
p.21), «a desconstrução da pedagogia em que se foi socializado», já que mesmo que o educador
inicie a sua prática pedagógica através de um modelo pedagógico participativo, provavelmente já
adquiriu a cultura pedagógica tradicional enquanto aluno, durante a sua própria formação.
A tentativa de enquadrar a minha intervenção na abordagem High/Scope (modelo
pedagógico participativo) exigiu, por isso, este esforço no sentido de perceber toda a teoria, valores
e ética subjacentes ao trabalho do educador que adota este modelo pedagógico.
De acordo com Oliveira-Formosinho (2013, p78), uma análise aos referenciais teóricos
disponibilizados pela Fundação High/Scope permite perceber que a teoria do desenvolvimento
central presente é a de Piaget. Só por isto, talvez se perceba a importância atribuída à criança e à
passagem de heteronomia para a tão valorizada autonomia, uma preocupação central na obra do
psicólogo e também objetivo principal desta abordagem pedagógica. Neste sentido, é possível
perceber toda uma estrutura curricular pensada para concretizar a construção da autonomia
intelectual da criança.
Criança que é, na abordagem High/Scope, considerada o motor central do modelo, sendo
sobre ela que gira todo o trabalho do educador, reduzindo-se o papel diretivo deste, numa tentativa
32
de permitir à criança maior ação, maior iniciativa e maior decisão. Para tal, importa que o adulto
não seja intrusivo, não sobreponha a sua vontade à vontade da criança.
Na abordagem High/Scope as crianças constroem um entendimento próprio do mundo,
através do envolvimento ativo com pessoas, materiais e ideias. Desta forma, a mais importante
função do educador é a de observar atentamente a criança individual e conhecer o grupo no seu
todo, no sentido de ser capaz de tomar as decisões mais adequadas. Ao contrário do que possa
parecer, este modelo pedagógico participativo não minimiza o papel do adulto; pelo contrário,
atribui ao educador a organização do espaço e do tempo e a criação de ambientes de
aprendizagem ricos, de modo a proporcionar a atividade da criança. Segundo Oliveira -Formosinho
(2013, p.89), «o papel do adulto é basicamente o de criar situações que desafiem o pensamento
atual da criança e, assim, provoquem conflito cognitivo».
Amy Powell (1991) cit por Post e Hohmann (2003, p.1) explica que as crianças
adquirem conhecimento experimentando ativamente o mundo à sua volta – escolhendo, explorando, manipulando, praticando, transformando, fazendo experiências. A amplitude e a profundidade da compreensão que a criança tem do mundo está em constante mudança e expande-se como resultado das suas interações do dia-a-dia.
A Roda da Aprendizagem apresentada por Hohmann e Weikart (1997, p.6), representada
em termos genéricos, na figura que se segue, revela as ideias fundamentais que orientam os
profissionais envolvidos na abordagem High/Scope na sua prática com crianças em contexto pré -
escolar:
Figura 2 Gráfico baseado em A Roda da Aprendizagem Pré-Escolar High/Scope (Hohmann e Weikart, 1997)
Aprendizagem pela Ação
Interação Adulto-Criança
Ambiente de aprendizagem
RotinaDiária
Avaliação
33
Da mesma forma, Post e Hohmann (2003, p.11) apresentam uma Roda da Aprendizagem
semelhante, ilustrando os princípios fundamentais da mesma abordagem para bebés e crianças
pequenas (em idade referente ao contexto de Creche), que se encontra ilustrada pela figura
seguinte:
Figura 3 Gráfico baseado em Roda da Aprendizagem High/Scope de bebés e crianças (Post e Hohmann, 2003)
Nas duas Rodas da Aprendizagem é apresentado o elemento central: a aprendizagem
ativa, orientada pelas experiências-chave de desenvolvimento. Atualmente, a Fundação
High/Scope já disponibilizou uma versão mais adequada destas experiências, intitulando -as de
Indicadores Chave de Desenvolvimento (Key Developmental Indicators).
As experiências-chave são descritas por Post e Hohmann (2003, p.36) como o «retrato
vivo do que as crianças de muito tenra idade fazem, e do conhecimento e das competências que
emergem das suas ações»; as mesmas experiências-chave, por Hohmann e Weikart (1997, p.32),
são apresentadas como «uma série de descrições de ações típicas inerentes ao desenvolvimento
social, cognitivo e físico das crianças». É, assim, possível afirmar-se que se materializam numa
referência teórica ao auxílio do educador de infância na reflexão e planificação de oportunidades
de aprendizagem que devem ser proporcionadas às crianças - «as experiências-chave ajudam os
educadores a organizarem, interpretarem e agirem (…)» (Post e Hohmann, 2003, p.52).
A importância atribuída à aprendizagem ativa tem a sua base na ideia de que a
estimulação à compreensão individual do mundo envolvente resulta no desenvolvimento de um
sentimento de autoconfiança, que permite às crianças tornarem-se curiosas e autónomas na sua
aprendizagem.
Aprendizagem Ativa
Interação Adulto-Criança
Ambiente Físico
Horários e Rotinas
Observação da Criança
34
Post e Hohmann (2003) e Hohmann e Weikart (1997) apelam para o estabelecimento de
interações adulto – criança baseadas na confiança, no sentido de proporcionar o combustível
emocional necessário à exploração do mundo. Nas obras dos autores é dada bastante enfâse à
criação de relações e interações positivas, baseadas no encorajamento e no apoio, na partilha do
controlo e na adoção de uma abordagem de resolução de problemas face ao conflito. Neste
modelo pedagógico importa a criação de um ambiente psicológico seguro, onde o educador
valoriza e apoia as iniciativas da criança, estando atento aos seus indícios, ao invés de tentar impor
as suas próprias ideias.
No sentido de satisfazer necessidades de exploração e autonomia, um contexto
High/Scope deve organizar o ambiente de aprendizagem ativa de modo a dar às crianças
oportunidades permanentes para escolher e tomar decisões. Atribui -se elevada relevância à
diversidade de materiais, à qualidade e à acessibilidade – a arrumação dos materiais deve ser
consistente e acessível, de forma a facilitar a autonomia da criança.
Hohmann e Weikart (1997) e Post e Hohmann (2003) fazem ainda referência à
organização do espaço por áreas de interesse específicas, adequadas à faixa etária do grupo .
Segundo Oliveira-Formosinho (2013, pp.83-84) esta divisão «permite às crianças uma vivência
plural da realidade e a construção de experiências dessa pluralidade», tornando possível a vivência
e experimentação de papéis sociais, relações interpessoais e estilos de interação.
Também a organização do tempo é valorizada na Roda da Aprendizagem High/Scope.
Hohmann e Weikart (1997, p.8) acreditam que uma rotina diária consistente apoia a
aprendizagem ativa, pois «permite às crianças antecipar aquilo que se passará a seguir e dá-lhes
um grande sentido de controlo sobre aquilo que fazem em cada momento». De igual forma, Post
e Hohmann (2003, p.194) afiançam que quando se proporciona uma rotina previsível e tranquila,
«estão a dar-se às crianças muitas oportunidades de realizarem as suas ações e ideias».
Nos referenciais teóricos disponibilizados pela Fundação High/Scope aos quais tenho
vindo a fazer referência, percebe-se a importância de o educador pensar na rotina diária de forma
a encontrar tempos para a experimentação diversificada de objetos, situações e acontecimentos,
permitindo tipos de interação variada.
35
De acordo com Oliveira-Formosinho (2013, p.87) a importância de uma estruturação
temporal adequada relaciona-se com o estabelecimento de «um fluir para o tempo diário, que,
tendo flexibilidade, é estável», permitindo às crianças a apropriação desse fluir e a caminhada
para a autonomia. Hohmann e Weikart (1997, p.8), cuja obra orienta educadores no seu trabalho
com crianças em idade pré-escolar, apontam ainda a necessidade da inclusão do processo Planear
– Fazer – Rever, que «permite que as crianças expressem as suas intenções, as ponham em
prática e reflitam naquilo que fizeram».
Apesar de uma adoção diferenciada de terminologia, entre os autores citados,
parece-me que as ideias subjacentes à observação da criança e à avaliação são idênticas:
Avaliar, na abordagem High/Scope, significa trabalhar em equipa para construir e apoiar o trabalho nos interesses e competências de cada criança.
Hohmann e Weikart (1997, p.9)
(…) utilizam essas observações para orientar o seu próprio comportamento de apoio às crianças no dia seguinte.
Post e Hohmann (2003, p.16)
É bastante explícito o valor atribuído à observação da criança individual e do grupo, no
sentido de moldar interações e planear para favorecer aprendizagens através da ação. Percebe-
se, então, que os educadores que adotam este modelo pedagógico (seja em contexto de creche
ou pré-escolar) «tomam decisões sobre o espaço, materiais, horários, rotinas e responsabilidades
diárias; e debatem e planificam em função das suas observações diárias das crianças» (Post e
Hohmann, 2003, pp.15-16).
Torna-se ainda importante referir o trabalho em equipa como um marco desta abordagem
pedagógica, onde todos os adultos são considerados capazes, sejam educadores ou auxiliares,
tomando notas ilustrativas diárias de cada criança e refletindo, em equipa, sobre as mesmas. De
igual modo, também os pais são vistos como parceiros e o trabalho cooperativo entre o contexto
educativo e a família é muito valorizado, já que se acredita que o encorajamento que os educadores
dão aos pais para participarem na vida do grupo resulta em experiências partilhadas que
36
«fortalecem o laço tripartido estabelecido entre as crianças, os pais e o educador» (Post e
Hohmann, 2003, p.356).
Tendo sempre em mente a possibilidade de acrescentar algo ao contexto que me acolheu,
toda a minha intervenção pedagógica se materializou, tendo por referência o modelo pedagógico
High/Scope, numa tentativa de proporcionar ao grupo diversidade de experiências e interações,
facilitando a aprendizagem ativa e recorrendo à observação e reflexão, de forma a adequar a minha
prática.
37
Capítulo V. Enquadramento Contextual
5.1 Caracterização da instituição
O Estágio – Intervenção Pedagógica I, foi levado a cabo numa Instituição Particular de
Solidariedade Social (IPSS), em funcionamento desde março de 1981, e que, desde então, tem
desenvolvido atividades com o principal objetivo de «proporcionar uma educação de qualidade e
um serviço salutar»13.
A instituição conta com 11 grupos de crianças (berçário, 1A, 1B, 2A, 2B, 3A, 3B, 4A, 4B,
5A, 5B), todos eles a cargo de uma educadora e auxiliares (três no berçário, duas em salas de
creche e uma no caso das salas de pré-escolar).
O infantário contabiliza, assim, com 12 educadoras, 19 auxiliares e 11 funcionários de
apoio e manutenção. Conta ainda com um apoio especializado de professores de inglês, música ,
psicomotricidade e dança; uma nutricionista; uma psicóloga; um médico; uma terapeuta de fala;
uma fisioterapeuta; e uma equipa de controlo e higiene alimentar.
No que diz respeito à filosofia educacional, a instituição adotou o Modelo Curricular
High/Scope em cruzamento com a Pedagogia de Projeto (implementado sobretudo no Pré-
Escolar). A valência de Creche tem ainda por base as orientações do Manual de Processos Chave
para a Creche, documento disponibilizado pela Segurança Social que apresenta elementos para a
implementação de um serviço de qualidade. O modelo identifica seis processos -chave de
prestação de serviços, sendo eles: candidatura; admissão e acolhimento; plano individual;
planeamento e acompanhamento das atividades; cuidados pessoais; e nutrição e alimentação.
O Projeto Pedagógico de Instituição no ano letivo 2016/2017 (ano no qual ocorreu o meu
estágio) intitulou-se A Criança e a (re)conquista do tempo, para aprender brincando!, que exprimia
a crença da necessidade de «afeto, de alegria pela magia de vida, de contacto com o meio
ambiente, de respeito pela sua enorme sensibilidade, diferença e inteligência, de uma escuta
genuína (…)»14 e enfatizava a importância de reservar tempo às crianças para brincar. O Projeto
Pedagógico da Instituição primou, por isso, pela escuta cada vez mais atenta da criança no sentido
de responder aos seus interesses e necessidades, deixando de lado as típicas planificações de
13 www.inf-ns.pt, acedido pela primeira vez a 7 de março de 2017. 14 www.inf-ns.pt, acedido pela primeira vez a 7 de março de 2017.
38
atividades feitas pelos educadores de acordo com aquilo que consideravam mais pertinente, dando
espaço para se observar a criança de modo a planificar de acordo com os seus interesses e
carências e a proporcionar mais oportunidades para brincar e aprender brincando.
5.2 Caracterização do grupo
O grupo de crianças no qual fui inserida pertencia à valência de Creche e era composto
por crianças com dois e três anos, intitulado, assim, por 2A. O grupo era composto por 20
crianças, oito meninos e 12 meninas. Das 20 crianças, cinco frequentaram, no ano letivo transato,
pela primeira vez o infantário. Apenas 11 crianças tinham, até à data, irmãos, sendo cinco deles
utentes da mesma instituição, em salas de 4 e 5 anos.
Nesta breve contextualização do grupo, considero ainda importante referir que todas as
crianças pertencem a uma classe económica e social média alta, sem dificuldades financeiras
aparentes.
No que respeita à capacidade motora, já todas apresentavam facilidade em andar sem
auxílio do adulto; ao nível da alimentação, poucas necessitavam de auxílio, apesar de muitas vezes
ser necessária a intervenção do adulto nos momentos de refeição, pelo tempo e distração que
muitas crianças exibiam nestes momentos do dia. Ao nível da linguagem, notei ser um grupo
bastante expressivo, apesar de algumas crianças utilizarem ainda, aquando do meu estágio, frases
muito rudimentares e comunicarem, sobretudo, de forma não verbal. Ainda assim, a grande
maioria das crianças apresentava facilidade comunicacional, sendo perfeitamente capaz de
estabelecer uma comunicação verbal. Ao nível da socialização, apresentavam sobretudo
dificuldades em partilhar e algum egocentrismo. Desde o inicio do meu estágio com o grupo,
apercebi-me que demonstravam particular interesse pela área da música e do faz de conta.
O grupo era bastante autónomo e independente, mostrando gosto em comer sozinhos,
independência nos momentos de higiene e na arrumação de materiais. Foi também notável o
sentido de responsabilidade de algumas das crianças mais velhas no auxílio das mais novas, no
decorrer dos diferentes momentos do dia.
A equipa educativa era constituída por uma educadora e duas auxiliares, que dividiam
tarefas e trabalhavam em conjunto durante a grande parte do dia. A equipa educativa mostrava
relacionar-se positivamente, com todos os elementos a participar das planificações dos momentos
e a contribuir para a observação atenta das crianças. A educadora demonstrou sempre confiança
39
nas auxiliares e no seu trabalho, assumindo estas, algumas vezes, a condução de importantes
momentos da rotina como o acolhimento ou o tempo de grande grupo.
5.3 Caracterização do espaço e materiais
Acreditamos que os centros de educação infantil devem proporcionar a bebés e crianças de tenra idade ambientes bonitos que apoiem o jogo centrado na criança, iniciado pela criança e facilitado pelo educador.
Louis Torelli e charles Durret (1998) in Post e Hohmann (2003, p.99)
A organização do ambiente educativo exige reflexão por parte do educador, no sentido de
perceber de que forma a disposição da sala e a arrumação dos materiais favorece a aprendizagem
ativa das crianças e, nesse sentido, a sua crescente capacidade e necessidade de autonomia e
independência em relação ao adulto. Desta forma, um ambiente bem pensado e organizado
oferece às crianças oportunidades de desenvolvimento físico, social, comunicacional e cognitivo.
De modo a proporcionar à criança um sentimento de segurança e fomentar a sua
autonomia, o espaço físico deve estar bem organizado e dividido em áreas diferenciadas, com
materiais arrumados de forma consistente. Porém, no sentido de responder ao desenvolvimento
das crianças e às suas necessidades de aprendizagem ativa, importa que o espaço seja também
flexível, que cresça e se desenvolva com o próprio grupo.
A sala de atividades do grupo 2A diferenciava-se pela amplitude, pelos seus acessos
diretos ao espaço exterior e pelo seu enorme potencial de obtenção de luz natural, já que uma das
paredes da sala é totalmente composta por janelas.
O espaço físico encontrava-se dividido em sete áreas de interesse distintas (somo é
possível ver na figura seguinte), sendo todas elas do conhecimento das crianças. Seis delas
organizavam-se ao redor da sala e uma no espaço central; existia ainda um espaço destinado à
higiene e uma área de repouso que surgia apenas nos momentos de descanso.
40
A área central (J) era constituída apenas pelo tapete central da sala, de grandes
dimensões, onde se realizavam os momentos de acolhimento e praticamente todas as atividades
de grande grupo que aconteciam no espaço interior. Este espaço, livre e descongestionado, servia
também aos mais variados interesses das crianças, sobretudo nos momentos de escolha livre,
sendo utilizado para saltar, correr, gatinhar, rebolar e criar pseudo-áreas de interesse, conjugando
materiais.
A área de repouso surgia através da colocação de catres ao longo de todo o espaço da
sala. Os catres eram colocados pela equipa de apoio e manutenção durante os períodos de
refeição e retirados logo após os momentos de descanso. A disposição dos catres não era aleatória,
pelo contrário, respeitava diariamente uma escolha feita pela equipa educativa, de modo a
proporcionar a todos as melhores condições de descanso.
O espaço de higiene (H) aglomerava o fraldário e um pequeno lavatório, feito à medida
das crianças. Incluído no fraldário existia ainda um armário, onde eram guardadas as fraldas,
cremes para muda de fralda, toalhitas e outros pertences das crianças que não haviam ainda
realizado o desfralde. Por cima do lavatório, fora do alcance das crianças, existiam duas prateleiras
onde se guardavam os cremes de rosto e protetores solares de todas as crianças, assim como
escovas de cabelo e medicamentos. Em cima do lavatório encontrava-se, ainda, um tabuleiro com
as garrafas de água de todas as crianças, e um garrafão do qual se iam enchendo as garrafas. A
escolha de arrumação deste tabuleiro foi pensada no sentido de proporcionar ao grupo a maior
autonomia possível quando necessitavam de beber água, dependendo dos adultos apenas quando
acabava a água da sua garrafa.
Figura 4 Planta da sala
41
A área da casa(I), dividida em quarto e cozinha, encontrava-se logo à entrada da sala,
constituída por mobiliário de quarto e de cozinha. A parte da cozinha era composta por diversos
materiais, desde loiças em plástico e madeira, vassouras a apanhadores, aventais, uma mesa e
bancos. Na parte do quarto, era possível encontrar-se mobiliário de quarto, diversos bonecos,
carrinhos de bebés e inúmeras roupas, quer para os bonecos, quer para as próprias crianças,
além de acessórios e outros objetos como telemóveis e computadores.
A área do supermercado (G) surgia numa pequena estrutura em plástico resistente e com
cores alegres, dentro da qual se encontravam diversos alimentos em plástico e embalagens de
alimentos em diversos materiais, uma máquina registadora e um carrinho de compras. A
existência desta área explica a falta de alimentos na área da cozinha e esta questão levava a uma
experimentação muitas vezes conjunta das duas áreas e, outras vezes, permitia momentos de
brincadeira que envolviam as crianças das duas áreas.
A área da expressão plástica (F) estava situada na extremidade da sala mais afastada da
porta e era constituída por duas mesas de trabalho e cadeiras; a utilização destas mesas nos
momentos de escolha livre era, na grande maioria das vezes, divida entre manuseamento de
plasticina e desenho/pintura. Junto a estas mesas existiam duas grandes prateleiras, através das
quais as crianças tinham acesso a folhas brancas, desenhos impressos, lápis de cor, marcadores,
lápis de cera, plasticina e utensílios, e onde se guardavam diversos materiais utilizados para a
realização de trabalhos de artes plásticas como tecidos com diferentes cores e texturas, colas,
tesouras, revistas, papéis diferenciados. A organização desta área parecia fazer adivinhar uma
anterior reflexão da educadora, já que apesar de aportar diferentes materiais, só estavam ao
alcance das crianças aqueles que permitiam o seu uso autónomo com segurança.
A área das construções (E) era composta por uma grande variedade de materiais, blocos
de madeira, blocos de encaixe de plástico (grandes e pequenos), diversos animais em plástico,
carros de corrida em formato pequeno e outros maiores. Por ser constituída apenas por caixas de
arrumação (etiquetadas) com os materiais, encostadas a uma das paredes da sala, ao brincar
nesta área as crianças ocupavam, muitas vezes, uma parte do espaço central.
A área da biblioteca (D) localizava-se num dos cantos da sala e apresentava um pequeno
espaço de descanso, confortável, com um sofá e uma manta, nos quais as crianças tinham a
42
oportunidade de explorar diversos livros, que se organizavam numa prateleira também ela ao
alcance das crianças.
A prateleira dos livros, a par de uma outra com jogos, marcava a divisão entre a área
anterior e a área dos jogos (C), composta também por uma mesa e algumas cadeiras. Neste
espaço as crianças podiam encontrar diferentes jogos de encaixe, puzzles e outros jogos de mesa.
Relativamente à organização do espaço, saliento, ainda, a existência de um espelho de
dimensões consideráveis, colocado ao nível das crianças, numa das paredes da sala. Devo
mencionar, também, os esforços da equipa educativa no sentido de facilitar ao grupo a arrumação
dos materiais, existindo uma etiquetagem fotográfica de todos os elementos em cada uma das
áreas.
No que respeita ao espaço exterior, como anteriormente referi, a sala apresentava uma
parede composta por janelas, com portadas de acesso ao exterior, composto por um espaço de
areia com escorrega, uma parte de terreno relvado, com baloiços e muito espaço livre e ainda
uma parte em cimento, onde era permitido às crianças andar de triciclo e jogar à bola, por
exemplo. A facilidade de acesso ao exterior que a sala apresentava levou à realização, em diversos
momentos, de atividades de grande e pequeno grupo neste espaço.
5.4 Caracterização da rotina
Uma rotina é mais do que saber a que horas o bebé come, dorme, toma banho ou se vai deitar. É também saber como as coisas são feitas… as experiências do dia-a-dia das crianças são as matérias-primas do seu crescimento.
Judith Evans e Ellen Ilfield (1982b) in Post e Hohmann (2003, p.193)
A organização da rotina é uma das principais funções do educador, já que só através de
uma sequência de tempos pensada e previsível é possível transmitir às crianças o sentimento de
segurança e controlo que lhes permite iniciarem-se nas suas explorações e vivências de
aprendizagem ativa. Ainda assim, importa também que a rotina diária tenha um carácter flexivo,
no sentido em que se adequa às necessidades das crianças. Neste contexto, previsibilidade e
43
flexibilidade devem ser as duas principais características para a organização de uma rotina diária
em contextos de educação de infância, no sentido de construir um dia calmo e centrado na criança.
De acordo com o Plano Curricular do Grupo 2A (2016/2017), a rotina diária apresentava,
como é possível verificar na figura que se chegue, diferentes momentos, vividos de modo
relativamente repetitivo, em cada dia, sendo eles: momento de chegada, acolhimento, tempo de
grande grupo, tempo de pequeno grupo, tempo de escolha livre, tempo de exterior, tempo de
repouso, momentos de higiene, momentos de refeição, atividades de animação socioeducativa e
momento de partida.
Os momentos de chegada eram vividos, pela maioria das crianças, no refeitório, já que
quando estas entravam na instituição o grupo se encontrava a fazer o reforço da manhã. As
Horas Rotina Diária
9h00 Receção
Reforço da manhã
10h00 Acolhimento na sala
Tempo de grande grupo
10h15 Higiene
10h30 Tempo de pequeno grupo/ Tempo de escolha livre
11h00 Tempo de exterior
11h30 Higiene
11h40 Almoço
12h30 Higiene
Tempo de repouso
15h00 Despertar
Higiene
15h30 Tempo de grande grupo
15h40 Lanche
16h30 Higiene
17h00 Atividades de animação socioeducativa
18h15 Reforço do lanche
Saída
Figura 5 Tabela referente à Rotina Diária do grupo
44
crianças que chegavam antes das nove horas eram recebidas por uma das auxiliares da equipa
educativa, depois das nove horas era a educadora quem assumia esse momento. Vividos com a
educadora ou a auxiliar, estes momentos eram sempre marcados pela calma e alegria com que a
equipa educativa recebia as crianças, no sentido de facilitar a separação, o que nem sempre era
fácil. Quando as crianças se mostravam com maior dificuldade em se separar do familiar, eram
notórios os esforços dos adultos no sentido de acalmar a criança e a fazer abstrair do momento.
Este momento era também marcado pela passagem de informações dos pais aos adultos
responsáveis.
O acolhimento, realizado já dentro da sala, era um momento bastante alegre, no qual se
cantavam canções de bons dias, se marcavam presenças e estabeleciam pequenas conversas
com as crianças sobre a sua vida diária e onde se dava também a possibilidade às próprias
crianças de iniciar comunicações, contando novidades ao grupo.
Durante o tempo de grande grupo e o tempo de pequeno grupo, a educadora e as
auxiliares apresentavam às crianças propostas de atividades, com o objetivo de permitir uma
panóplia de experiências e vivências, quer em grande grupo, quer em grupos mais pequenos,
onde as crianças estavam todas envolvidas na realização de algo comum, permit indo atitudes de
colaboração.
Nos momentos de escolha livre as crianças tinham oportunidade de escolher o que fazer,
a área e os materiais mais adequados à concretização dos seus planos, tendo também
oportunidade de o fazer sozinhas ou com outras crianças. Durante estes momentos, notou-se um
esforço por parte da equipa educativa no sentido de implementar uma dinâmica inicial, uma
espécie de planeamento, onde cada criança individualmente partilhava com o grupo as suas
intenções. As expansões feitas neste planeamento inicial dependiam sempre do desenvolvimento
individual de cada criança – enquanto algumas eram capazes de comunicar verbalmente áreas e
materiais de interesse, outras apenas se sentiam capazes de indicar a área de interesse através
de comunicação não-verbal. Os momentos de escolha livre incluíam também, posteriormente, os
momentos de arrumação, facilitados pela etiquetagem fotográfica dos materiais.
O tempo de exterior era normalmente também um momento de escolha livre, no qual era
permitido às crianças escolher o espaço desejado e eram postos à sua disposição alguns materiais
como bolas de diferentes tamanhos e triciclos, com os quais podiam brincar.
45
Os momentos de repouso aconteciam após o almoço e consequente higiene, no interior
da sala e com uma duração de duas horas. Este tempo surgia como resposta às necessidades de
descanso das crianças, que aproveitavam o momento para dormir ou para relaxar no ambiente
acolhedor e calmo criado na sala.
Os momentos de higiene aconteciam ao longo de dia e de acordo com as necessidades
das crianças, que se mostravam cada vez mais autónomas para ir à casa de banho sem auxílio,
havendo algumas crianças a realizar o desfralde com sucesso. Para além destes momentos não
planeados, o tempo para a higiene pessoal acontecia sempre antes e após as refeições e era
muitas vezes acompanhado de canções e pequenas brincadeiras, permitindo o estabelecimento
de relações de carinho e confiança entre adultos e crianças.
Os momentos de refeição davam oportunidade para explorações sensoriais e comestíveis
e demonstravam o esforço conjunto de adultos e crianças no sentido de tornar os segundos cada
vez mais autónomos e independentes dos primeiros.
As atividades socioeducativas eram dinamizadas por uma das auxiliares e aconteciam
após a saída da educadora. Durante este tempo, a auxiliar desenvolvia com as crianças do grupo
pequenas atividades como leitura de histórias, audição de música e dança, entre outras atividades.
Os momentos da partida eram, na maior parte das vezes, partilhados por crianças e
auxiliares, já que a maioria deixava a instituição para lá do horário de saída da educadora. Tal
como acontecia nos momentos de acolhimento, os momentos de partida serviam para partilhar
informações sobre o dia da criança, dar recados e estimular o laço tripartido entre equipa
educativa, crianças e pais.
No que respeita à rotina semanal, o grupo via o seu tempo enriquecido com atividades de
enriquecimento curricular, disponibilizadas pela instituição:
• Oficina do Som (terça-feira entre as 09:30h e as 10:00h);
• Psicomotricidade Infantil (quarta-feira entre as 10:45h e as 11:45h).
46
47
Capítulo VI. Projeto de Intervenção Pedagógica
A aculturação musical precoce é fundamental para o desenvolvimento de atitudes positivas
perante a música, cabendo, por isso, a pais e educadores o papel de perceber o potencial de
diferentes atividades, no sentido de, acima de tudo, proporcionar usufruto musical. Mas, para que
o educador acredite no potencial da música na infância é preciso que perceba que a música é
para os seres humanos tão natural como a linguagem verbal e que acredite sobretudo que «a
música não é uma aptidão especial concedida a um pequeno grupo de eleitos; todo o ser humano
tem algum potencial para entender a música» (Gordon, 2000b, p.6) e, assim, se sinta capaz de
investir na aculturação musical das crianças que tem a seu cargo.
De acordo com Perry (2010, p.49), uma planificação cuidada das experiências musicais
para crianças pode fazer a diferença no modo como estas aprendem a apreciar a música. Neste
sentido, todas as propostas apresentadas ao grupo tiveram por base uma planificação cuidadosa,
baseada na interligação entre experiências-chave e indicadores chave de desenvolvimento
(instrumentos disponibilizados pela Fundação High/Scope), com o principal objetivo de oferecer
às crianças oportunidades de aprendizagem ativa e usufruto musical, através de atividades
diversificadas e estimuladoras. As propostas apresentadas foram cuidadosamente refletidas e
avaliadas, no sentido de serem cada vez mais adequadas aos interesses e necessidades do grupo.
Adiante apresentarei, por isso, as propostas mais relevantes que desenvolvi com o grupo
e uma breve reflexão avaliativa sobre cada uma delas, que foi realizada com o principal objetivo
de adequar a minha prática.
A avaliação de cada atividade teve por base os Indicadores de Envolvimento da Criança
(Manual DPQ - Desenvolvendo a Qualidade em Parceria, Bertram e Pascal, 2009), no sentido de
comprovar ou não o interesse e motivação do grupo e, consequentemente, o sucesso ou insucesso
das propostas. A opção pela Escala de Envolvimento da Criança deveu-se ao facto de acreditar
que a aprendizagem só acontece quando as crianças se encontram absorvidas na realização das
atividades e, portanto, envolvidas nelas. Assim sendo, os indicadores que tive em conta foram:
Concentração, Energia, Complexidade e Criatividade, Expressão Facial e Postura, Persistência,
Precisão, Tempo de Reação, Linguagem e Satisfação.
48
Importa-me ainda referir que foi meu objetivo ao longo de todo o projeto que as propostas
assumissem um carácter lúdico e a forma de jogo, proporcionando momentos prazerosos e de
brincadeira durante a sua realização, não só porque me parece que esta é a melhor forma de
proporcionar oportunidades de aprendizagem, como também porque me pareceu importante
assumir esta posição tendo em conta o Projeto Educativo da instituição para a valência de Creche,
que, intitulando-se de A Criança e a (Re)conquista do tempo, para prender brincando!, deu especial
ênfase ao tempo disponível para as crianças brincarem.
49
6.1 Atividade: Vamos conhecer o Bernardino e muitos instrumentos musicais
Uma das grandes potencialidades da leitura de histórias é a criação de relações afetivas
com as crianças. Da mesma opinião são Hohmann e Weikart (1997, p.547) que referem que:
através da leitura de histórias às crianças, pelos pais, outros membros da família ou quaisquer adultos significativos, cria-se um laço emocional e pessoal muito forte, de forma que as crianças passam a associar a satisfação intrínseca a uma relação humana muito significativa com as histórias e a leitura.
Este foi o principal motivo para a escolha desta primeira atividade: iniciar o projeto com
uma proposta que permitisse, desde logo, o contacto direto e natural com as crianças. Mas, a
leitura da obra Bernardino, de Manuela Bacelar, e a exploração da história foram apenas o início
da atividade: aproveitando o facto de o Leão Bernardino ter ficado a perceber, ao longo do tempo
da história, que gostava de música e de tocar flauta e que a música assume possibilidades de
união entre pessoas, o objetivo foi também proporcionar às crianças a exploração livre de diversos
instrumentos musicais, muitos dos quais estas crianças nunca tinham visto, permitindo que
executassem individualmente e em grupo, que trocassem impressões e comentários e se
divertissem durante o momento de exploração. De igual modo, a atividade materializou-se como
uma oportunidade de contacto com uma obra de literatura infantil que, associada à música
promoveu a aprendizagem ativa e o usufruto musical. Assim sendo, era meu objetivo que as
crianças fossem capazes de: participar no diálogo de análise da história, explorar diferentes
instrumentos musicais demonstrando iniciativa durante a mesma, e explorar tons vocais, cantando
e tocando em simultâneo.
A escolha da obra prendeu-se sobretudo com a adequação do texto à faixa etária do grupo.
Apesar da obra de Manuela Bacelar estar, segundo o Plano Nacional de Leitura, recomendada
para o 1º ano de escolaridade do Ensino Básico, quando me deparei com ela pela primeira vez
gostei bastante do texto e das ilustrações, pelo que decidi usá-lo com o grupo, apesar de saber
que a leitura e a exploração da obra se fariam, inevitavelmente, de uma forma diferente
considerando a faixa etária do meu grupo de trabalho. De qualquer modo, considero que a forma
como se conduz a leitura e a exploração é fundamental no sentido de adequar a obra à faixa etária
em questão.
50
A escolha dos instrumentos musicais a explorar regeu-se por dois critérios: instrumentos
cuja quantidade fosse considerável e instrumentos de manuseamento fácil. Desta forma, importa
agora apresentar a sequência de momentos vivida com o grupo:
I. Exploração da capa, contracapa, título e abas iniciais e finais da obra;
II. Leitura da história;
III. Diálogo sobre a flauta e exploração da mesma;
IV. Diálogo sobre outros instrumentos conhecidos do grupo;
V. Exploração livre de outros instrumentos (castanholas, maracas, tamborins e pandeiretas);
VI. Canção de canções conhecidas do grupo, com o acompanhamento dos instrumentos.
O balanço geral da atividade foi extremamente positivo. A obra escolhida para iniciar a
proposta era curta e foi apresentada ao grupo de forma interativa, intercalando a leitura da história
com questões e tentativas de previsão do que aconteceria a seguir. As distrações durante a leitura
foram em número muito reduzido (apenas duas crianças apresentaram alguma distração) e de
curta duração, já que quando me apercebia de distrações falava diretamente para a criança em
questão, de modo a conseguir envolvê-la na leitura. Neste sentido, o decorrer do primeiro momento
foi extremamente satisfatório, já que a atenção das crianças se encontrava virada para a atividade.
Nem mesmo quando alguma criança apresentava uma distração pontual, o grupo se distraía da
leitura, mostrando profunda concentração e persistência. Tendo em conta que era sobretudo uma
atividade de observação e escuta, a energia mental que as crianças depositaram na atividade foi
visível através das suas expressões faciais e postura, que revelaram atenção e concentração.
Importa ainda mencionar que sempre que estimuladas, com perguntas ou previsões, as crianças
responderam com rapidez. «As crianças que estão envolvidas estão atentas e reagem com rapidez
a estímulos» (Bertram e Pascal, 2009, p.130 – Manual DQP). A satisfação do grupo foi visível,
mais uma vez, quer através da sua linguagem corporal, quer da sua linguagem verbal.
Figura 6 Exploração da obra
51
Terminada a leitura, foi tempo de apresentar em tamanho real e ao vivo o instrumento
musical referido na história: a flauta de bisel. Foi interessante perceber que praticamente todas as
crianças desconheciam o instrumento e ficaram surpreendidas quando o ouviram – muito
provavelmente pela primeira vez.
A exploração individual das flautas também se revelou bastante positiva. Todas as crianças
quiseram experimentar e exploraram-na durante bastante tempo. Mais uma vez, as expressões
faciais e a postura revelaram que o grupo estava envolvido e motivado. A persistência e a
concentração são um ponto importante a referir, sendo que também neste momento as crianças
continuaram a apresentar-se empenhadas na tarefa. O tempo de reação revelou-se um incador
importante, sendo que depois de apresentada a flauta e distribuidas várias flautas pelas crianças ,
não foi necessário qualquer tipo de incitação ou apelo, todos experimentaram de livre vontade e
durante cerca de quatro minutos, o que me parece um tempo bastante razoável. Também a
linguagem verbal se mostrou um indicador do envolvimento do grupo, sendo que para além dos
risos de satisfação, as crianças chamavam-me: «Cecília, olha!», para os ver e ouvir tocar.
Figura 7 Exploração das flautas
52
O terceiro momento da minha proposta foi aquele que mais satisfação me proporcionou,
e prendeu-se com o diálogo acerca dos instrumentos conhecidos do grupo e exploração livre de
diferentes instrumentos disponibilizados. Como ainda havia algumas crianças na sala com pouca
independência, não estava à espera que fossem todos tão autónomos e participantes, num
momento cujo objetivo era que explorassem sozinhos, escolhessem instrumentos, alterassem as
suas escolhas, se necessário, e usufruíssem da oportunidade de criar música. Foi muito
satisfatório perceber que todos se envolveram no processo de exploração e criação, demonstrando
emoções e participando ativamente.
Registo de Incidente
Noma da(s) criança(s): D.C. Idade: 2 anos Observador: Cecília (estagiária) Data: 26/04/2017 Incidente Interpretação O D. escolheu um instrumento (pandeireta) da caixa que estava no chão. Explorou o instrumento. Pouco tempo depois, o D. vem ter comigo e coloca -se ao lado da caixa dos instrumentos. Não fala. Cecília: O que foi D.? Não gostas da pandeireta? D. olha fixamente para mim e aponta para dentro da caixa. Pega nas castanholas. Cecília: É este que queres? D. abana a cabeça negativamente e aponta para as maracas. Entrego-lhe uma maraca. Cecília: É a maraca que queres experimentar? D. abana com a cabeça afirmativamente e sorri.
Este foi o momento da atividade que mais me marcou já que desde o início do meu estágio me apercebi que o D. era uma criança muito pouco comunicativa e participativa. Foi importante perceber que foi capaz de explorar um instrumento e procurar um outro que lhe agradava mais. Apesar de não ter participado na comunicação verbal foi capaz de se expressar através de gestos e expressões faciais, demonstrando iniciativa.
Neste contexto, mais uma vez, tendo em conta os indicadores propostos no Manual DQP,
é possível comprovar o envolvimento das crianças: demonstraram muita energia, tocando
ruidosamente os seus instrumentos; persistência, tocando mais e mais até que lhes fosse pedido
para fazerem silêncio, transparecendo satisfação, sobretudo verbalmente, tecendo comentários,
rindo e chamando a atenção dos adultos para o seu trabalho.
53
A parte final da atividade, onde pretendia que as crianças cantassem as canções que já
conheciam e que costumavam cantar em diversos momentos e acompanhassem o canto com os
seus instrumentos, foi também reveladora: apesar de não ter sido bem-sucedida, já que a maioria
das crianças não foi capaz de tocar e cantar ao mesmo tempo, foi reveladora do interesse do
grupo na exploração de instrumentos. A maior parte do grupo não cantou, apenas acompanhou,
tocando o seu instrumento o que, a meu ver, se deveu ao facto de se encontrarem imersos na
exploração e entusiasmados com a ideia de terem instrumentos suficientes para todos, sem terem
de experimentar durante breves momentos e partilhar com os colegas, mas sim podendo todos,
em conjunto, explorar e criar música, cada um com o seu instrumento.
Figura 8 Exploração livre dos instrumentos
Figura 9 Momento final da atividade
54
Registo de Incidente
Noma da(s) criança(s): I. Idade: 2 anos Observador: Cecília (estagiária) Data: 26/04/2017 Incidente Interpretação No final da atividade a caixa com os instrumentos estava aberta, em cima da mesa das artes plásticas. A I. volta a pegar numa pandeireta. I.: Eu quero tocar mais!
Este é um pequeno episódio que me parece ilustrativo do gosto demonstrado pelas crianças em tocar instrumentos e criar música. Mesmo quando a atividade já tinha terminado e as crianças estavam distribuídas pelas áreas a brincar, houve quem quisesse continuar a explorar instrumentos.
Neste sentido, importa salientar que apesar de o grupo estar habituado a experimentar
novos instrumentos com o professor de música, na Oficina do Som, nunca assisti em nenhum
momento, a um espaço onde pudessem escolher, trocar e tocar ao mesmo tempo, durante vários
minutos, daí ter iniciado o meu projeto com uma proposta que lhes permitisse, em grande grupo,
criar e usufruir da música.
55
6.2 Atividade: Depressa, devagar, saltar e rastejar
Desde a vida intrauterina que realizamos movimentos com o corpo e é a partir do
movimento que a criança amplia o uso significativo de gestos e posturas corporais, que expressa
sentimentos e ações. As crianças gostam naturalmente tanto de ouvir música como de se
movimentar. Segundo Mattos e Neira (2003, p.176) «o movimento, o brinquedo, os jogos
tradicionais da cultura popular preenchem de alguma forma determinadas lacunas na rotina das
salas (…)». Quando pensamos numa sala de Creche temos de pensar, obrigatoriamente, no
movimento corporal das crianças, que deve sempre fazer parte das propostas do adulto.
Esta atividade surgiu, deste modo, no sentido de responder, de forma estruturada, aos
gostos e necessidades do grupo – neste caso movimento e música: através da música e numa
espécie de jogo as crianças experimentaram diferentes andamentos – o rápido e o lento – e
diferentes formas de se moverem, respondendo à música de acordo com as instruções que lhes
foram fornecidas. Estamos perante um exercício de psicomotricidade simples que, com a inclusão
do aspeto musical, se transformou numa espécie de jogo, num momento lúdico.
Os principais objetivos da proposta prendem-se, por isso, com a potencialização do
desenvolvimento físico-motor de todas as crianças, promovendo a aprendizagem ativa através da
música e, ao assumir um carácter lúdico, proporcionar, igualmente, o usufruto musical.
Assim sendo, importa agora apresentar o conjunto de momentos vivido com o grupo:
I. Exploração livre do espaço ao som da música;
II. Apresentação da pandeireta e da primeira regra do jogo: quando a pandeireta tocar as
crianças devem andar, quando a pandeireta parar de tocar as crianças devem parar;
III. Continuação do jogo de acordo com a regra apresentada;
IV. Apresentação de uma nova regra: quando a batida da pandeireta for rápida as crianças
devem andar rápido, quando for lenta, devem andar lentamente;
V. Continuação do jogo de acordo com a nova regra;
VI. Apresentação de uma nova regra: quando tocarem as maracas as crianças devem
rastejar;
VII. Continuação do jogo de acordo com as regras apresentadas.
56
Neste sentido, o jogo iniciou-se com a colocação de uma música no leitor de CD,
permitindo-se às crianças a sua exploração de forma livre. Decorrido algum tempo, o grupo foi
convidado a parar e foi-lhe apresentado o primeiro instrumento, a pandeireta, e as regras a ela
associadas.
A introdução da primeira regra (quando a pandeireta tocar as crianças devem andar,
quando a pandeireta parar de tocar as crianças devem parar) teve um resultado muito positivo: as
crianças entusiasmaram-se sempre que a pandeireta tocava, investindo energia e esforço na sua
atuação e mostrando-se satisfeitos e concentrados. Os momentos em que a pandeireta parava de
tocar revelaram-se um tanto ao quanto mais complicados: o entusiasmo era tanto que por vezes
nem todas as crianças percebiam, imediatamente, que deveriam parar. Pelo contrário, quando a
pandeireta começava a tocar, a reação era imediata.
Assim, e apoiando-me nos Indicadores de Envolvimento da Criança (Manual DQP), penso
ser possível comprovar o envolvimento das crianças: a concentração, a energia depositada na
realização da atividade, o tempo de reação e a satisfação visível através das suas expressões
faciais e postura são a prova de que o grupo estava motivado.
A introdução da segunda regra (quando a pandeireta tocar rápido as crianças deveriam
andar rápido, quando tocar devagar as crianças deveriam andar lentamente) aconteceu também
de forma positiva. Neste momento apercebi-me das dificuldades de algumas crianças em andar
rápido, começando imediatamente a correr.
Também no decorrer desta etapa me apercebi que a estratégia escolhida (grande grupo)
poderá não ter sido a mais correta, já que, apesar de a sala ser grande e com bastante espaço
Figura 10 Introdução das primeiras regras
57
livre, ao correram, as crianças foram batendo umas contra as outras, o que causou alguns
constrangimentos no decorrer da atividade.
A introdução de uma nova regra (quando tocam as maracas é para rastejar) causou, num
momento inicial, alguma dificuldade que teve de ser colmatada com várias repetições e com o
auxílio verbal, que relembrava ao grupo as ações associadas aos instrumentos.
Ao contrário do que aconteceu inicialmente, com o decorrer da atividade algumas crianças
foram desmotivando, penso que por dois grandes motivos:
• Pelo stresse vivido pela educadora e auxiliar, que preparavam as prendas para o
dia da mãe dentro da sala enquanto decorria a atividade. Ao conversarem entre
si e mexerem com diferentes objetos, algumas crianças ficaram, como é normal,
curiosas com o que estariam a fazer, desconcentrando-se;
• Pelo facto de durante a própria atividade a auxiliar ter chamado algumas das
crianças para irem fora da sala tirar fotografias para a prenda do dia da mãe.
Quando voltavam, as crianças sentavam-se na manta porque já não se
conseguiam incluir no jogo. Mesmo com o meu apelo e explicação das novas
regras, aquelas que haviam saído mostravam-se confusas e incapazes de
continuar a participar.
Figura 11 Introdução das regras associadas às maracas
58
Dada esta conjuntura, é possível afirmar que algumas das crianças foram perdendo o
interesse, mostrando-se de certa forma perdidas e, apesar das minhas tentativas, não fui capaz
de voltar a envolve-las no jogo.
O desenvolvimento da atividade e posterior reflexão fez-me perceber que o ambiente que
prepararmos para a realização da atividade pode ser determinante para o desenrolar da mesma.
Penso que os pontos negativos apontados anteriormente como estando na base da perda de
interesse de algumas crianças, que passaram de momentos de atividade praticamente contínua
para momentos sem atividade ou atividade frequentemente interrompida, foram para além daquilo
que dependia apenas de mim, já que a postura adotada pela equipa educativa se revelou também
fulcral para este final. Neste sentido, a dinamização desta atividade e a reação do grupo à mesma
serviram sobretudo para me fazer refletir acerca da qualidade do ambiente que devemos criar no
sentido de manter o interesse das crianças.
Figura 12 Momento em que algumas crianças perderam o interesse no jogo
59
6.3 Atividade: Somos uma orquestra! (I)
A música é uma arte importante, por si só, para o desenvolvimento das crianças e deve,
por isso, estar presente na sua vida desde cedo. A importância da música prende -se, segundo
Maria Helena Vieira, professora da Universidade do Minho, com as experiências que esta
proporciona a cada um, no sentido em que cria oportunidades para ouvir, observar, experimentar,
tocar, cantar, copiar e criar15.
Segundo Homann e Weikart (1995, p.673),
as crianças (…) gostam de tocar instrumentos musicais simples, quer sozinhos quer com os seus amigos. Ao mesmo tempo que gostam de fazer barulho, estão também a começar a organizar os sons que fazem em compassos ritmados, ritmos particulares e frases musicais simples.
Esta proposta teve, por isso, como propósito a criação de uma oportunidade para que
cada criança escutasse música erudita, ouvindo e observando atentamente, e para que
experimentasse e comunicasse através da música, com recurso, mais uma vez, à exploração de
instrumentos musicais. Assim sendo, o esperado era que cada criança aprendesse ativamente
através da experiência e usufruísse do momento musical.
Importa, em seguida, apresentar o modo como se estruturou a proposta:
I. Apresentação do vídeo Cartoons in Concert, da Orquestra de Sopros de Novo Hamburgo;
II. Diálogo sobre o que é uma orquestra, o maestro e qual a sua função;
III. Escolha livre de instrumentos (maracas, castanholas, tamborins e pandeiretas);
IV. Exploração livre dos instrumentos escolhidos;
V. Apresentação das regras do jogo: braços esticados na horizontal com as mãos abertas,
todas as crianças tocam; braços esticados na horizontal com as mãos fechadas todos
fazem silêncio;
VI. Realização do jogo segundo as regras apresentadas;
15 www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=14159&, acedido pela primeira vez a 30 de março de 2017.
60
VII. Apresentação de novas regras: braços esticados para cima com as mãos abertas as
crianças tocam alto; braços esticados para baixo com as mãos abertas as crianças tocam
baixo;
VIII. Continuação do jogo de acordo com as regras apresentadas.
Ao iniciar a atividade com a visualização de um excerto, em formato vídeo, do concerto
Cartoons in Concert, da Orquestra de Sopros de Novo Hamburgo, senti algum receio, sobretudo o
medo de o grupo não se interessar por um vídeo de uma orquestra que, apesar de interpretar
bandas sonoras de desenhos animados, caracteristicamente alegres, não deixa de ser uma
orquestra e associar-se, por isso, à música erudita. Contrariando totalmente os meus receios, o
grupo mostrou-se sempre muito atento e interessado ao longo de toda a visualização do vídeo de
cerca de cinco minutos.
Reagindo muito para além do esperado, mostraram-se divertidos, sorrindo e batendo
palmas, e muito envolvidos na atividade: as suas expressões faciais e postura mostraram que
estavam a usufruir do momento, e que estavam concentrados e com atenção.
Surpreendentemente, no final, as crianças pediram para ver mais, pelo que lhes mostrei o vídeo
novamente.
Com uma atitude tão positiva do grupo na primeira parte da atividade, senti -me bastante
confiante para a realização da segunda, que consistia na escolhe e exploração livre dos
instrumentos e posterior desenvolvimento do jogo Somos uma Orquestra!. Comecei o jogo
explicando as primeiras regras, mais simples: braços esticados com as mãos abertas, todos
tocam; braços esticados com as mãos fechadas, todos fazem silêncio.
Figura 13 Visualização do vídeo
61
Mais uma vez, o grupo mostrou-se muito concentrado e atento, investindo bastante esforço
na realização da atividade, o que foi possível perceber não só através da sua postura e expressões
faciais, como também no tempo de reação, já que os movimentos das minhas mãos foram
acompanhados pela rapidez de resposta do grupo, ainda que, no início, com algum auxílio verbal.
Depois de repetidos, várias vezes, os movimentos associados às regras iniciais, decidi
apresentar novas as regras (braços esticados na vertical com as mãos abertas, as crianças tocam
alto; braços esticados para baixo com as mãos abertas, as crianças tocam baixo). A apresentação
destas regras trouxe algumas dificuldades ao grupo, que se revelou pouco capaz de tocar baixinho.
Assim sendo, decidi ajustar as regras e em vez de brincar com a dinâmica, decidi optar pelo
andamento, pedindo que tocassem ora rápido, ora lento. Depois deste ajuste, o grupo mostrou-se
de novo capaz de cumprir as regras do jogo, sempre muito concentrado e entusiasmado.
Figura 14 Primeira parte do jogo Somos uma Orquestra!
Figura 15 Introdução de regras relacionadas com o andamento
62
Para além de todo o interesse e entusiasmo demonstrado, um outro motivo que me leva
a considerar esta proposta um sucesso foi o facto de, no decorrer da atividade, algumas crianças
terem colocado os seus instrumentos na caixa e escolhido outros para continuar o jogo. Desde o
início do meu projeto que tenho como objetivo pessoal, enquanto futura profissional, dar tempo a
cada criança para experimentar e explorar, mesmo que isso faça a atividade prolongar-se para
além do tempo planeado. Estes momentos, em que as crianças expressam iniciativa ao trocar o
seu instrumento, mostram que se sentem à vontade e que sabem que lhes é permitido explorar,
ao mesmo tempo que se mostram autónomos e expressam iniciativa. Por isso mesmo, deixei que
escolhessem o seu novo instrumento e que depois voltassem a integrar o jogo.
O sucesso da atividade foi-se revelando ainda ao longo da semana, já que várias crianças,
mal eu chegava à instituição, me perguntavam: «Vamos jogar ao jogo do maestro?».
Penso que a minha postura e atitude ajudou bastante na motivação do grupo já que fui
capaz de lhes provocar curiosidade, explicar de forma simples o que é uma orquestra e as funções
do maestro e as próprias regras do jogo. Considero que a postura assumida pelo adulto é sempre
uma parte fundamental para o sucesso da proposta e fiquei, por isso, muito contente com os
resultados da minha atuação.
Da mesma forma, penso que o vídeo escolhido também acabou por se revelar um fator
importante, já que as músicas tocadas pela orquestra eram animadas e conhecidas do ouvido das
crianças. Também as regras do jogo e a própria alteração improvisada se revelaram pontos a
somar para a concretização rica e positiva da proposta.
Figura 16 Momento em que algumas crianças pedem para trocar de instrumento
63
6.4 Atividade: Os sons naturais também são música
A música é muito mais do que o conjunto de canções que as crianças estão habituadas a
ouvir na rádio e que aprenderam a cantar, ou mesmo o conjunto de sons produzidos pelos
instrumentos que conhecem, ouvem e exploram. É importante que percebam que a sua voz é um
instrumento, assim como a voz (timbre) dos animais; que podem fazer música com o próprio
corpo; e que, da mesma forma, os sons da Natureza também são música.
O objetivo desta atividade era que percebessem que, tal como se faz música com
instrumentos e através do canto, também os sons naturais são música. Com o decorrer da
atividade era espectável que as crianças se mostrassem capazes de participar ativamente na
comunicação, identificando e explorando as imagens fornecidas por mim e explorando tons vocais
através da imitação dos sons correspondentes às imagens apresentadas. Representava, também,
um objetivo, a exigência de concentração e atenção, assim como imaginação e criatividade. Deste
modo, tal como todas as atividades anteriores, também esta foi pensada no sentido de permitir
usufruto musical e promover a aprendizagem ativa através da música.
A atividade realizou-se em pequenos grupos, no espaço exterior, e seguiu a seguinte
sequência:
I. Diálogo com o pequeno grupo sobre a música e sobre os sons naturais enquanto música;
II. Explicação do sentido do jogo: a cada imagem apresentada as crianças deverão associar
o respetivo som, imitando-o;
III. Apresentação de imagens e exploração dos respetivos sons, com recurso a uma
apresentação PowerPoint;
IV. Apresentação do som real correspondente a cada imagem apresentada (depois da
exploração/imitação).
A cada grupo foi apresentada a seguinte sequência de imagens: chuva, cão, vento, galinha,
bebé a chorar, ovelha, ondas do mar, gato, vaca, trovão, porco, abelha, palmas, pássaros e bebé
a rir. Ao ver as imagens, as crianças identificavam-na e eram incentivadas a pensar sobre o seu
som. Depois de pensarem sobre ele e o tentarem reproduzir, ouviam o som real na apresentação.
A criação de uma apresentação em formato PowerPoint permitiu-me desencadear a atividade de
forma mais divertida, já que depois de imitarem e explorarem tons vocais, tinham a possibilidade
de ouvir o som real e adequar as suas imitações.
64
De uma maneira geral, as crianças responderam de forma muito positiva no que diz
respeito à correspondência imagem-som e na reprodução/imitação dos sons. As dificuldades
foram generalizadas aquando da apresentação da imagem do vento, das ondas do mar e do trovão.
Dificuldades que tentei sempre colmatar, quer exemplificando, quer reproduzindo o som da
apresentação mais do que uma vez e ajudando o grupo na imitação em simultâneo.
Ainda assim, o envolvimento e entusiasmo das crianças foi facilmente verificável através
das suas expressões faciais e postura, que revelaram satisfação. A concentração e esforço
investido na atividade expressaram-se, sobretudo, no seu tempo de reação, sempre muito rápido,
aquando de alguma questão. Mostraram-se interessados, fazendo, por vezes, outros comentários,
para além do aspeto sonoro, sobre as imagens que viam, aos quais tentei sempre responder de
forma expansiva. Mesmo aquelas crianças que se mostraram com mais dificuldade em imaginar
e produzir o som, facilmente o reproduziam quando se tratava de o fazer em conjunto com os
colegas.
O momento de audição do som real foi um momento que se pautou, também ele, por um
grande entusiasmo dos grupos, que ficavam sempre muito atentos. No final de cada imagem,
quando perguntava: «Vamos ver outra?», a resposta vinha sempre por entre muitos sorrisos,
palmas e remexeres na cadeira, um «Siiiim», sempre muito entusiasmante para mim.
Refletindo sobre a proposta apresentada e o seu desenrolar, considero que o sucesso se
deveu a três fatores essenciais:
• O ambiente físico: a atividade foi realizada no exterior, espaço que é sobretudo usado para
brincar e não para fazer atividades em pequeno grupo; decidi aproveitar o facto de
Figura 17 Desenvolvimento da atividade com um dos grupos
65
nenhum outro grupo de outra sala estar a usar o espaço exterior e usa-lo na realização da
atividade, já que o seu tema se relacionava com os sons naturais.
Quando me encontrava já na parte final da atividade, um outro grupo de outra sala foi
para o espaço exterior, o que me deixou com algum receio, já que o barulho e a agitação
das outras crianças a brincar podia comprometer a concentração necessária para a
realização da atividade. Obviamente que quando o grupo se deu conta da existência de
outras crianças, se virou para trás para ver, mas, ao contrário do que eu esperava, não se
distraiu muito, pelo contrário, ainda falou aos outros daquilo que estava a fazer, chamando
para assistir.
• O suporte digital utilizado: a construção do PowerPoint permitiu-me incluir não só as
imagens, como uma pequena gravação do som correspondente a cada imagem, o que se
tornou um elemento motivador, já que depois de imaginarem e produzirem o som, as
crianças tinham a oportunidade de ouvir o som real e o reproduzir, em simultâneo com a
gravação; por outro lado, este método revelou-se também muito importante nos
momentos em que os grupos iam apresentando dificuldades em imaginar algum som, já
que eu lhes dava a oportunidade de, não sabendo, aprenderem, ouvindo primeiro e
imitando depois.
• A minha postura enquanto mediadora da atividade: tentei sempre assumir uma postura
de provocação, no sentido em que ia alternando os tons vocais de acordo com os
momentos e as imagens, fazendo gestos e tentando sempre ser muito expressiva. Penso
que isto também contribuiu bastante já que fez as crianças entrarem mais facilmente na
exploração e, como eu imitava com elas os sons e gestos, nunca houve vergonha ou
inibição.
Figura 18 Demonstração de entusiasmo por parte dos diferentes grupos
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Registo de Incidente
Noma da(s) criança(s): D e AA Idade: 2 anos Observador: Cecília (estagiária) Data: 09/05/2017 Incidente Interpretação No momento da higiene da tarde, enquanto as crianças esperam pela sua vez de ir à casa de banho, vão à área da biblioteca escolher histórias para ver. O D vai ao cesto dos fantoches e pega no fantoche do porco. Corre para mim. D: Olha! A AA vê o D e corre na nossa direção. Cecília: Olha o porco D, falamos dele de manhã. Lembras-te do som do porco? D e AA imitam o grunhido do porco. Cecília: Boa! Muito bem. Que outros animais se lembram? AA: A vaca é assim… (imita o mugir da vaca). Cecília: É isso mesmo, muito bem!
Este momento, distanciado por bastantes horas do momento da atividade, parece-me mais uma prova do entusiasmo e interesse das crianças pela mesma. Mesmo num momento tão normal e rotineiro para o grupo, como o momento de higiene, as crianças são capazes de fazer associações e recordar o que fizeram, revelando construção de conhecimentos.
67
6.5 Atividade: Vamos escutar para adivinhar!
As crianças pequenas precisam, muitas vezes, de repetir o mesmo jogo ou exploração, de
forma a se integrarem completamente na dinâmica e serem capazes de extrair conhecimento. A
proposta anterior surgiu da ideia de clarificação do conceito de música e esta pe rmitiu a sua
continuação, alargando os horizontes musicais das crianças e respondendo ao entusiasmo e
motivação que haviam apresentado na atividade anterior. Os elementos a trabalhar foram os
mesmos, alterando-se apenas a forma como a exploração dos sons se processava – se na proposta
anteriormente apresentada pretendia que as crianças explorassem tons vocais e imitassem sons
naturais, nesta atividade o objetivo era que fossem capazes de escutar esses mesmos sons e
associá-los às imagens correspondentes, pondo à prova o que na atividade anterior haviam
aprendido.
Por se apresentar como uma reversão da atividade anterior, esta proposta serviu também
para perceber de que forma as crianças construíram conhecimento anteriormente,
proporcionando uma continuidade dessa mesma aprendizagem, baseada no usufruto musical.
Neste sentido, apresento em seguida, de forma breve, a sequência de momentos que
compôs a proposta que, desta vez, se realizou em grande grupo, no interior da sala:
I. Diálogo com o grupo para relembrar todos os elementos naturais apresentados nas
imagens da proposta anterior;
II. Apresentação do som, com recurso a uma apresentação em PowerPoint;
III. Diálogo com o grupo, com o objetivo de chegar a acordo sobre o elemento/imagem
correspondente;
IV. Apresentação da correspondência som – imagem;
V. Repetição do processo para os diferentes elementos.
Ao contrário do que havia acontecido na proposta que precedeu esta, o grupo realizou a
atividade em conjunto, no interior da sala e com recurso a uma apresentação em PowerPoint
projetada, que permitiu criar animações para que, primeiramente, as crianças somente ouvissem
o som e só depois visualizassem a imagem.
68
No inicio da atividade fiquei um pouco reticente pelo facto de o projetor e as colunas
ficarem nas costas das crianças e a projeção à sua frente, o que poderia causar alguma confusão
ou distração, pela necessidade de eu andar até ao computador para passar os diapositivos e
passar para a frente para falar com o grupo. Contrariando o meu receio, o grupo mostrou-se
sempre muito interessado e entusiasmado e a colocação das colunas, projetor e projeção pouco
influenciaram a sua concentração. Penso que isso também se deveu muito à forma como guiei o
desenvolvimento da atividade, provocando a curiosidade das crianças, causando suspense e
estimulando a participação, quer através de alterações no tom de voz de acordo com os diferentes
momentos, quer com a colocação de questões, quer utilizando os efeitos que havia preparado no
PowerPoint, onde as imagens apareciam ora muito lentamente, ora aparecendo e desaparecendo.
Tendo em conta os Indicadores de Envolvimento da Criança (Manual DQP), penso ser
possível afirmar a envolvência do grupo durante toda a atividade: as suas expressões faciais e
postura revelaram motivação e entusiasmo; a concentração e o esforço investido na atividade
mostraram que estavam envolvidos e satisfeitos, assim como o seu tempo de reação deixou
perceber a atenção que depositaram – reagiram sempre com muita rapidez a todos os estímulos,
fossem eles auditivos (audição dos sons ou questões) ou visuais (aparecimento das imagens e
efeitos).
Figura 20 Desenvolvimento da atividade Figura 19 Exemplo de diapositivo da apresentação em PowerPoint
69
O grupo mostrou-se sempre muito interessado em participar, responder e imitar os sons;
mesmo as crianças que não participaram verbalmente com tanta frequência, mostraram-se
sempre motivadas, batendo palmas e apresentando uma expressão facial de contentamento;
depois de ouvirem o som e verem a imagem correspondente, todas as crianças participaram na
imitação desse mesmo som. Mostravam-se muito interessados quando perguntava: «Vamos lá ver
outra?», respondendo por entre palmas e sorrisos, um prolongado «Sim!».
A concentração e energia investidas na atividade comprovou-se ainda quando, a meio da
mesma, uma das crianças do grupo entrou na sala com a sua mãe, se despediu e nenhuma das
crianças deu por isso, já que todos estavam embrulhados nos sons e imagens da televisão grande.
Também a criança que entrou, percebendo o que se estava a passar, sorriu, despediu-se com
rapidez e correu para a manta para participar. «As crianças que estão realmente envolvidas não
abandonam facilmente o que estão a fazer. Querem continuar a atividade que lhes interessa e dá
prazer, não se deixando distrair pelo que acontece à sua volta» (Bertram e Pascal, 2009, p.129 –
Manual DQP).
O grupo mostrou ainda que efetuou aprendizagens na atividade realizada anteriormente,
já que, se haviam tido dificuldades em imaginar o som das ondas do mar ou o som da trovoada,
durante o jogo anterior, ao ouvirem o som durante esta atividade, facilmente perceberam do que
se tratava e, desta vez, mostrando-se capazes de o imitar.
Depois de utilizar todos os diapositivos do suporte PowerPoint, continuei a questionar as
crianças sobre os sons, que me responderam sempre com o mesmo entusiasmo, imitando,
batendo palmas e sorrindo.
Figura 21 Desenvolvimento da atividade
70
Registo de Incidente
Noma da(s) criança(s): A Idade: 3 anos Observador: Cecília (estagiária) Data: 11/05/2017 Incidente Interpretação No final da utilização do PowerPoint. Cecília: Ora vamos lá ver, digam-me lá, qual é o som da chuva? O grupo imita o som da chuva. Cecília: E o som do cão? O grupo imita o ladrar do cão. (Continuo a pedir outros sons e o grupo continua a imita-los) Cecília: Muito bem! A.: Falta o som da vaca!
Este foi mais um momento que me serviu para perceber a envolvência das crianças na atividade. As crianças não só foram capazes de voltar a imitar os sons que solicitei como ainda protestaram, por não ter solicitado todos. O facto de se lembrarem dos elementos (sons e imagens) que aprenderam, mesmo sem qualquer suporte visual ou auditivo para as lembrar, leva-me a crer que se interessaram pela atividade e que, de facto, obtiveram conhecimento.
Assim, parece-me facilmente percetível o gosto que as crianças tiveram em desenvolver a
atividade, mostrando-se sempre muito envolvidas e cumprindo os objetivos, desde a escuta atenta,
ao usufruto do momento e à demonstração de emoções.
Um dos momentos mais marcantes do dia, e talvez de todo o meu tempo de estágio,
aconteceu no final da atividade, quando me encontrava a desligar os equipamentos e a arrumar
os materiais. A educadora estava a distribuir as crianças pelas áreas, quando algumas das
crianças se reuniram à volta do meu computador, começaram livremente a passar os diapositivos
da apresentação e a imitar o som correspondente a cada uma das imagens que ia aparecendo.
Diferentes crianças foram-se juntando ao grupo, sempre autonomamente. O único momento em
que intervim foi para ajudar as crianças na mudança do diapositivo final para o diapositivo inicial ,
já que, quando terminou a apresentação mostraram interesse em continuar a ver mais imagens.
Figura 22 Momento posterior à realização da atividade
71
Neste sentido, perceber que as crianças continuaram interessadas no fim da atividade foi
muito reconfortante e inspirador, assim como o foi perceber que aquela atitude havia sido
completamente autónoma, o que me leva a afirmar, uma vez mais, que a proposta foi bem
sucedida e muito apreciada pelo grupo. Penso que importa ainda referir que este momento de
exploração autónoma das crianças terminou por imposição da auxiliar, que lhes disse para irem
brincar para as áreas.
Em conclusão, penso que o sucesso da atividade se deveu aos seguintes fatores
(apresento aqueles que considero fundamentais, não excluindo a hipótese da contribuição de
outros):
• O suporte escolhido, que permitiu a criação de uma apresentação interativa e diferente
do habitual e que motivou as crianças, quer através dos sons, quer através dos efeitos
utilizados nas imagens;
• A postura por mim assumida, que foi sempre de provocação de curiosidade, de estímulo
ao pensamento e à criatividade e de motivação;
• O ambiente criado, calmo e acolhedor, silencioso e sem interferências de terceiros, com
a própria educadora e auxiliar a assistir à atividade;
• A atitude assumida pelo grupo, que, apesar de não menos importante, penso ter
acontecido pela conjugação dos fatores acima referidos.
72
6.6 Atividade: Vamos ouvir e ver a música
Após a concretização e posterior reflexão acerca de um conjunto de atividades
considerável já proposto ao grupo, achei ser momento de voltar a apostar no tipo de propostas em
que as crianças se mostraram interessadas, e apresentar atividades que motivassem e
envolvessem todo o grupo.
Apesar de a proposta onde tentei conjugar música e movimento não ter corrido da forma
esperada, o grupo sempre mostrou muito interesse em ouvir música e movimentar-se ao som da
mesma. Desta forma, optei por planear uma nova atividade que conjugasse música e movimento.
Desta vez, pretendi criar uma oportunidade para que as crianças ouvissem música e
respondessem aos seus estímulos através da dança e do movimento, construindo uma espécie
de obra de arte. Com os pés pintados, as crianças dançaram ao som da música sobre papel de
cenário e, no final, viram pintada a sua própria dança. As crianças ouviram e responderam à
música, dançando e, no término da atividade, perceberam de que forma a música que ouviram
se materializou no papel de cenário, como uma espécie de pintura que representava aquilo que
haviam sentido durante a dança. Neste contexto, a proposta foi pensada para ser realizada como
uma espécie de brincadeira livre, já que não era dada qualquer indicação ao grupo. Mais uma vez,
a expressão de emoções, de autonomia e iniciativa era expectável.
Deste modo, importa por agora, descrever a sequência de momentos que constituiu a
atividade:
I. Colocação da música e exploração livre;
II. Pintura das plantas dos pés de acordo com os gostos de cada criança;
III. Dança, em conjunto, de forma livre, sobre papel de cenário;
IV. Diálogo com o grupo sobre a música e o resultado final: devemos não só ouvir, mas
também sentir a música e, nesta atividade, aquilo que desenharam com o corpo
representa o que sentiram ao ouvir a música;
O balanço geral da atividade é bastante positivo, apesar de ter sido necessário reformular
as minhas estratégias de ação durante a sua realização. A atividade foi realizada no espaço
exterior e num primeiro momento levei apenas quatro crianças, já que a atividade foi pensada
para se desenvolver em pequeno grupo. Apesar de as crianças mostrarem, desde logo, estar a
desfrutar do momento, a situação tornou-se complicada já que, sozinha, tinha de as ajudar a
73
descalçar as sapatilhas, pintar-lhes os pés e depois limpá-los e ajudá-los a calçarem-se novamente.
Um outro problema que surgiu foi o facto de a tinta secar muito rapidamente, pelo que enquanto
estava a pintar os pés à segunda ou terceira criança, a primeira já não tinha tinta e pedia
desesperadamente para que voltasse a pintar-lhe os pés. Desta forma, deparando-me com grandes
dificuldades na continuação da atividade dentro dos mesmos moldes, decidi alterar, no próprio
momento, as estratégias e, falando com a equipa educativa, optei por realizar a atividade em
grande grupo. Neste contexto, levamos todo o grupo para o espaço exterior, e, à vez, fomos
descalçando todas as crianças e pintando os seus pés. Todos juntos, dançaram ao som da música
sobre o papel. Desta forma foi mais fácil responder aos apelos das crianças para voltar a pintar os
pés, já que eramos duas a fazê-lo. Algumas das crianças pediram insistentemente e várias vezes
para voltarem a pintar os pés, ao passo que outras, mesmo quando os seus pés já não carimbavam
o papel, continuaram a usufruir da música e a dançar alegremente com os colegas.
Figura 23 Realização da pintura ao som da música
74
As crianças mostram-se concentradas na atividade e empenhadas, apesar de no mesmo
espaço exterior estarem outras crianças a realizar outro tipo de atividades. Ao contrário do que
aconteceu com crianças de outras salas, que se interessaram em ver o que estava a acontecer
ali, o grupo 2A mostrou-se sempre focado na atividade que estava a realizar, pouco se importando
com o que ao seu redor se passava, apresentando-se muito interessado e motivado. Foi percetível
a energia investida na realização da atividade, quer através da sua postura e expressões faciais,
quer através dos seus comentários e intervenções como: «Quero pintar mais [os pés]!»; «E as
mãos? Pinta-me as mãos!»; «Põe mais música!». Foi fácil perceber que as crianças estavam a dar
o seu melhor; queriam dar o seu toque individual ao trabalho, expressando os seus gostos, através
da escolha das cores, da escolha da música e pedindo para pintar também as mãos. A postura
assumida pelas diferentes crianças foi de contentamento, descontração e sobretudo divertimento
e fruição – envolvimento!
Figura 25 Momento em que uma criança utiliza também as mãos na pintura
Figura 24 Momento em que algumas crianças pintam os pés
75
Nesta atividade, também o indicador Persistência (Indicadores de Envolvimento da
Criança – Manual DQP) fez notar o envolvimento do grupo, já que este se refere à duração da
concentração na atividade. Ao pedirem repetidamente para voltar a pintar os pés, as crianças
mostraram que continuar a desenvolver a atividade era algo que lhes interessava. «As crianças
que estão envolvidas não abandonam facilmente o que estão a fazer» (Bertram e Pascal, 2009,
p. 129 – Manual DQP).
A precisão e a atenção com os pormenores, ganharam forma no cuidado que as crianças
mostraram na colocação dos seus pés no papel, com a atenção prestada ao carimba-los. As
crianças que não se mostraram muito interessadas em pintar os pés mais do que uma vez,
mostraram continuar a divertir-se, dançando sobre o papel mesmo quando os seus pés já não o
carimbavam, e prestando atenção à prestação dos colegas, seguindo-os e querendo ver de perto
a tinta no papel.
Registo de Incidente
Noma da(s) criança(s): D Idade: 3 anos Observador: Cecília (estagiária) Data: 18/05/2017 Incidente Interpretação Quando todos se encontravam em cima do papel a dançar alegremente, apercebi-me que o D permaneceu tanto tempo no mesmo sítio que acabou por ficar com os pés colados ao papel. Mesmo com incentivos para dançar e se divertir, o D pareceu não estar a usufruir da atividade, pelo que retirei a criança do papel e a auxiliar limpou-lhe os pés e voltou a calça-lo. Depois disto, o D voltou autonomamente para cima do papel, dançando e brincando com as outras crianças.
A sensação de ter os pés com tinta não se revelou agradável para o D, fazendo com que não fosse capaz de usufruir da atividade da mesma forma que os colegas. A observação atenta da criança permitiu-me intervir, de forma a contornar o desconforto e tornar o momento prazeroso para a criança.
A atividade teve um resultado muito positivo, uma grande aderência e envolvimento do
grupo que penso ter surgido pelas seguintes razões:
• A atividade ter acontecido no exterior, espaço que é maioritariamente utilizado
para as crianças brincarem livremente e raramente para explorações diferentes;
76
• A atividade ter como base a música e o usufruto da mesma, que era, como tenho
vindo a dizer, um grande interesse do grupo;
• A atividade incluir a exploração de tinta com os pés e de forma, o que é, também,
pouco usual.
Figura 26 Resultado final da proposta apresentada
77
6.7 Atividade: Construímos as nossas maracas
Apesar de não ter anteriormente realizado com o grupo nenhuma atividade que incluísse
a criação de instrumentos não convencionais, desde o início me apercebi do seu prazer no
manuseamento e exploração de instrumentos musicais. Desta forma, com a presente proposta, o
grupo teve a oportunidade de construir o seu próprio instrumento musical – uma maraca – tendo
a possibilidade de determinar as cores e quantidades de material, participando em todo o processo
de criação do seu próprio instrumento.
Ao longo do processo de criação do instrumento, o objetivo era que cada criança
explorasse os materiais e as suas potencialidades e percebesse, assim, que o som produzido pela
maraca resultava do choque entre o material colocado no interior dos copos e os próprios copos.
A escolha dos materiais a disponibilizar prendeu-se, exatamente, com esta possibilidade: copos
transparentes para que ao tocar, a criança conseguisse perceber o que estava a acontecer lá
dentro. A escolha de materiais coloridos para colocar no interior dos copos relacionou-se com a
possibilidade de proporcionar estímulos visuais e auditivos em simultâneo. Dentro da
disponibilidade de materiais, cada criança teve oportunidade para escolher aqueles que mais lhe
agradavam, utilizando-os de forma criativa.
Importa, seguidamente, apresentar de forma sequencial os diferentes momentos que
deram forma à atividade:
I. Exploração livre dos materiais;
II. Construção do instrumento musical, de acordo com os gostos e decisões de cada
criança;
III. Exploração do instrumento.
Além da construção, propriamente dita, da maraca, havia também a necessidade de
decorar os copos, e, por isso, decidi apresentar a proposta dividida em duas tarefas: uma primeira,
onde explicava às crianças o que iriamos fazer e durante a qual deveriam decorar os seus dois
copos de plástico transparentes, com recurso a tinta acrílica de diferentes cores. A segunda tarefa
consistiu na seleção e posterior colocação de pedras coloridas num dos copos anteriormente
pintados e posterior colagem dos dois copos com recurso a fita cola colorida.
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Para a realização da primeira tarefa, coloquei uma mesa e duas cadeiras no espaço
exterior, espaço escolhido por permitir que estivesse sozinha com cada criança, longe do ruído da
sala onde outras crianças brincavam.
Para a pintura dos copos utilizei tintas acrílicas, disponibilizando várias cores, para que
cada criança pudesse escolher as que desejava e pintar a gosto os seus copos. Desse modo,
auxiliei cada criança segurando (quando necessário) os seus copos para que pintasse com mais
facilidade. Deixei que cada uma aproveitasse o momento, dando sempre tempo e espaço para
que pintasse livremente. Durante o momento de pintura as crianças mostraram-se sempre muito
entusiasmadas e empenhadas.
Registo de incidente Noma da(s) criança(s): I Idade: 3 anos Observador: Cecília (estagiária) Data: 23/05/2017 Incidente Interpretação A I senta-se na cadeira e eu explico o que vamos fazer: pintar os dois copos. Cecília: Qual é a cor que queres para pintar o teu copo? I: (aponta para o laranja) Cecília: Pinta o dedo então! I: E depois é este, e este, e este! (apontando para as diferentes cores).
A meu ver, o entusiasmo na hora de escolher as cores mostra que a criança se interessa pela atividade. Escolhe uma cor, mas faz imediatamente planos para, mais tarde, utilizar também todas as outras. Se não estivesse envolvida na atividade, a criança não mobilizaria, de livre vontade, as suas capacidades cognitivas, pensando numa sequência de ações, nas quais utilizaria as diferentes cores disponíveis.
Figura 27 Realização da primeira tarefa
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Registo de Incidente
Noma da(s) criança(s): CD Idade: 2 anos Observador: Cecília (estagiária) Data: 23/05/2017 Incidente Interpretação A CD tem um dos seus copos na mão. Não está a pintar, está concentrada a olhar para ele. Vai rodando o copo para o ver por completo. Cecília: Já acabaste C? CD: Não, ainda falta aqui! (apontando para um aparte do copo). Volta a mergulhar o dedo na tinta e continua a pintar o seu copo.
A energia depositada pela CD na tarefa é visível pelo tempo que despendeu a observar o seu copo, para ver onde ainda faltava pintar. O perfecionismo e a criatividade (toque pessoal) mostram o envolvimento da criança, que se materializou na sua preocupação na decoração do copo.
Parece-me ainda importante referir que, apesar de estar a desenvolver a atividade
individualmente e no exterior, na maior parte do tempo havia outras crianças perto da mesa que,
com curiosidade, saíam da sala para observar os colegas durante a sua exploração dos materiais.
Como havia anteriormente acontecido, as crianças demonstravam interesse na atividade e vontade
em desenvolvê-la, fazendo comentários como: «Eu ainda não fazi !» ou «Agora sou eu?».
Importa dizer que todas as crianças se envolveram na decoração dos seus copos, o que,
parece-me, se deveu sobretudo à liberdade que lhes foi dada para a realização da tarefa, já que
controlaram não só a escolha das cores, mas também a pintura do próprio copo, fazendo os
movimentos que queriam, o que não costumava acontecer em trabalhos que envolvem tinta.
Figura 28 Momento em que outras crianças se juntam ao redor da mesa
80
A segunda tarefa foi realizada de novo individualmente e no também exterior. Desta vez,
as crianças dispunham de diferentes conjuntos de pedras de pequenas dimensões, com diferentes
cores e os seus copos, com a tinta já seca. Num dos copos, as crianças iam colocando as pedras
que escolhiam; quando terminada a colocação, seguravam no segundo copo, pousando-o em cima
daquele que continha as pedras, para que eu colocasse a f ita cola. Optei por ser eu a coloca-la e
ser cada criança a segurar os copos, pelo facto de a fita cola não ser muito grossa e por isso a
sua colocação correta não ser, também, muito simples.
Terminada a construção da maraca, era dado tempo a cada criança para a exploração do
resultado final. Tal como havia acontecido na tarefa anterior, todas as crianças se mostram
animadas e envolvidas. Escolheram entusiasticamente as pedras que queriam colocar no seu copo
e, posteriormente, exploraram a sua maraca.
Figura 29 Realização da segunda tarefa
Figura 30 Exploração do resultado final
81
Registo de Incidente
Noma da(s) criança(s): CC Idade: 3 anos Observador: Cecília (estagiária) Data: 23/05/2017 Incidente Interpretação C.C.: (enquanto coloca pedras no copo) Ainda faltam estas! (apontando para o último monte de pedras que restava na mesa) Cecília: Mas não tens de pôr todas… C.C.: Mas eu quero!
A precisão, a persistência e a criatividade da criança são indicadores que me permitem afirmar o seu envolvimento na atividade. A criança fez um plano para a colocação das pedras, mostrando a sua vontade em colocar todas aquelas que estavam em cima da mesa. Apesar do esforço exigido, pela quantidade de pedras e pelo seu tamanho bastante reduzido, a CC quis colocar todas as pedras dentro do seu copo, o que me leva a crer que estava realmente a gostar do que estava a fazer.
As crianças só se envolvem quando estão interessadas no que lhes é proposto, quando
aquilo que se pede que realizem vai ao encontro dos seus interesses e gostos. Assim, pela sua
postura e expressões faciais, foi possível ver que estavam concentradas na realização da atividade,
já que mesmo com a existência de outras crianças por perto, das repetidas chegadas e saídas dos
colegas do espaço, as crianças continuaram a focar a sua atenção no seu trabalho , mostrando
encontrar-se num nível de atividade contínua. «Mesmo quando há interrupções, o nível da
actividade é retomado. Outros estímulos do ambiente, por mais atraentes que sejam, não
conseguem distrair a criança do que está a fazer.» (Bertram e Pascal, p.131 – Manual DQP).
Investiram esforço e energia na construção do seu objeto, expressando a sua vontade e
mostrando-se autónomos. Da mesma forma, a criatividade e a persistência demonstradas foram
sinais do seu envolvimento; perderam tempo na realização da tarefa porque aquilo que estavam
a fazer lhes interessava. A satisfação foi visível ao longo de todo o processo de construção, mas
sobretudo nos momentos finais, nos quais as crianças tiveram oportunidade de terminar o seu
instrumento musical, vê-lo já acabado e explorá-lo livremente.
Esta foi uma atividade maioritariamente de expressão plástica, ainda que tenha tido por
base a construção de um instrumento musical. Ainda assim, a proposta teve o seu culminar com
a utilização das maracas na realização de um jogo, Somos uma orquestra!, que já havia sido
apresentado ao grupo anteriormente e que este pediu, diversas vezes, e insistentemente para
82
repetir16. Desse modo, decidi associar o contacto e criação de um instrumento musical não
convencional a um interesse das crianças.
Registo de Incidente Noma da(s) criança(s): CD Idade: 2 anos Observador: Cecília (estagiária) Data: 26/05/2017 Incidente Interpretação Ao ir embora a CD e outras crianças levaram para casa a sua maraca, sem que a auxiliar se apercebesse. Eu apercebi-me da situação no próprio dia, já que a CD foi buscar a irmã mais velha ao ATL onde trabalhava na altura e dirigiu-se a mim com a sua maraca na mão, mostrando-se entusiasmada.
Mesmo depois de terminadas, não estava planeado que as crianças levassem as maracas para casa, já que iriam ser utilizadas para a realização de um jogo na semana seguinte. Ao pegarem no instrumento que haviam produzido, levando-o para casa sem que ninguém incitasse tal ação, as crianças mostraram entusiasmo em relação ao produto final.
16 Cf Atividade: Somos uma orquestra! (II), p.83
83
6.8 Atividade: Somos uma orquestra! (II)
Uma atividade com o mesmo nome e dentro dos mesmos moldes foi realizada
anteriormente17 e foi possível perceber que as crianças gostaram bastante. Ao longo das semanas,
foram várias as vezes em que perguntaram se voltaríamos a fazer o Jogo do maestro.
Assim sendo, esta proposta surgiu no sentido de ir ao encontro deste interesse do grupo
pelo jogo, associando, desta vez, a atividade anterior: em vez de se realizar o jogo com recurso
aos instrumentos convencionais cedidos pela instituição, cada criança jogou utilizando a maraca
que havia anteriormente criado.
Deste modo, esta proposta surgiu, ainda que com algumas alterações comparativamente
à realizada antes, com os mesmos objetivos – proporcionar ao grupo um momento para escutar
música e para observar, experimentar, tocar e criar utilizando, desta vez, instrumentos não
convencionais. Assim, a estrutura de momentos foi praticamente a mesma:
I. Exploração livre das maracas construídas pelas crianças;
II. Diálogo com o grupo para recordar o jogo anteriormente realizado e relembrar a
função do maestro;
III. Recordação das regras do jogo: braços esticados na horizontal com as mãos
abertas, todas as crianças tocam; braços esticados na horizontal com as mãos
fechadas, todos fazem silêncio;
IV. Realização do jogo segundo as regras apresentadas;
V. Apresentação de novas regras: braços esticados para cima com as mãos abertas,
as crianças tocam rápido; braços esticados para baixo com as mãos abertas, as
crianças tocam lentamente;
VI. Continuação do jogo de acordo com as regras apresentadas.
À semelhança do que havia acontecido na primeira realização desta dinâmica, o grupo
mostrou-se sempre muito interessado na visualização do vídeo e muito entusiasmado na
exploração dos instrumentos e realização do jogo. Importa dizer que o vídeo apresentado ao grupo
foi, para mim, uma aposta arriscada, já que tinha uma duração de aproximadamente seis minutos
e 30 segundos. Ainda assim, apesar de ser um vídeo de música erudita – Tom and Jerry, pela
17 Cf Atividade: Somos uma orquestra! (I), p.59.
84
John Wilson Orchestra – e da sua duração relativamente longa, o grupo mostrou-se muito recetivo
e interessado, entusiasmando-se mais ainda nas partes mais aceleradas do vídeo.
O entusiasmo do grupo revelou-se desde cedo, já que sabiam que iriam realizar o jogo do
maestro. Assim, e tendo em conta que naquele dia recebemos uma visita na sala – o professor
supervisor António Pacheco – pedi às crianças que explicassem à nossa visita, em primeiro lugar,
como haviam construído as suas maracas e, depois, que explicitassem as regras do tão aguardado
jogo. A explicação acerca da elaboração das maracas prendeu-se sobretudo com colocação das
pedras coloridas nos copos, o que me parece ter sido o momento mais marcante da construção,
contudo, com algum apoio, o grupo foi capaz de expandir a explicando, referindo todos os
procedimentos de construção. Quanto às regras do jogo, foi impressionante e motivador perceber
que as crianças ainda se lembravam das principais regras. Quando as questionei, realizando os
movimentos associados a cada regra, rapidamente responderam dizendo o que deveriam fazer. O
facto de ainda se lembrarem das regras, mesmo passado todo o tempo que separou as duas
propostas, leva-me a acreditar que o grupo se encontrava, de facto, motivado.
Após recordar as regras em conjunto, procedi, com a ajuda da educadora, à distribuição
das respetivas maracas a cada criança e mesmo antes de iniciar o jogo foi visível o interesse das
crianças, que começaram de imediato a explorar o instrumento que haviam construído e a tocar
alegremente. Quando todas as crianças tinham o seu instrumento, começamos a realizar o jogo,
pelo qual o grupo ansiava e que já muitas vezes tinha pedido.
Figura 31 Visualização do vídeo
85
Apesar de terem insistido para a realização do jogo, senti algum receio pelo facto de, ao
não ser novidade, as crianças pudessem mostrar algum tédio durante a sua realização. Apesar de
anteriormente a dinâmica ter sido realizada com instrumentos convencionais e, desta vez, com
um instrumento não convencional com o toque pessoal de cada criança, a exploração desse
mesmo instrumento havia já sido feita. Contudo, todas as crianças demonstraram entusiasmo na
(re)exploração, divertindo-se e envolvendo-se na dinâmica, explorando e usufruindo do momento
musical, o que foi percetível quer através da sua linguagem verbal, que incluiu muitos risos de
satisfação, quer através da sua postura e expressões faciais. Mais uma vez, respeitaram a
comunicação não-verbal estabelecida em forma de regras de jogo, mobilizando as suas
capacidades cognitivas de forma a dar uma resposta rápida e adequada aos estímulos. A
persistência foi, ainda, um indicador em ter em consideração, tendo em conta que todo o grupo
investiu o seu tempo na atividade, mostrando-se atento e interessado em continuar, não se
deixando distrair.
Figura 32 Exploração inicial dos instrumentos
Figura 33 Realização do jogo
86
6.9 Breves considerações
Apesar de o Projeto de Intervenção ter sido pensado e planeado antes de ser posto em
prática, as diferentes propostas foram surgindo ao longo do tempo e através da convivência com
o grupo, na tentativa de adequar a prática às respostas mais ou menos positivas que as crianças
iam dando ao longo das diferentes atividades. O sucesso de algumas atividades e insucesso de
outras foi tido em consideração, de modo a planificar tendo em conta aquilo que resultou com o
grupo e de forma a reformular aspetos que se revelavam fundamentais.
Após reflexão, faço uma apreciação bastante positiva do processo, que foi dando os seus
frutos ao longo do tempo, com diversas crianças a demonstrar maior autonomia e interesse
relativamente à música e com o investimento claro e intencional na aculturação musical das
crianças do grupo.
Terminada a implementação do Projeto de Intervenção, importa salientar as oportunidades
que criei no sentido de proporcionar ao grupo o contacto com música de diferentes géneros, com
alguma ênfase na música erudita. De igual modo, salientar o contacto permanente com
instrumentos musicais convencionais, desconhecidos do grupo até então e a oportunidade de ver,
em formato digital, outros e conversar sobre eles; e ainda a oportunidade de criação de um
instrumento não convencional, fazendo perceber que é possível fazer música com objetivos
quotidianos. Na mesma linha de pensamento, foram proporcionadas oportunidades de reflexão
acerca dos sons naturais, colocando em perspetiva o conceito de música, ainda que de uma forma
descomplicada.
Referir, ainda, o envolvimento e entusiasmo do grupo em todo o tipo de atividades por
mim propostas, e a minha aposta pessoal em atividades de carácter lúdico, que permitissem o
usufruto musical. Este aspeto revelou-se fundamental ao longo do desenvolvimento do projeto por
acreditar que não há melhor forma de construir conhecimento do que brincando, afirmando
veemente, por isso, a tentativa sempre presente de promover a aprendizagem ativa através da
música.
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Capítulo VII. Considerações Finais
Os estágios académicos e a consequente integração em contextos reais permitem uma
aproximação à realidade da profissão. Integrar o trabalho de uma instituição educativa e tomar
parte de uma das suas equipas educativas abre caminho para a exploração e o teste à
adequabilidade e qualidade dos conhecimentos teóricos previamente adquiridos, da mesma forma
que potencia a compreensão de circunstâncias de trabalho e da exequibilidade de estratégias de
ação.
No caso específico da educação de infância e dos estágios no âmbito da formação de
educadores de infância, entender as especificidades do contexto, compreender a organização do
tempo, abrir canais de comunicação com adultos e crianças, construindo relações de confiança,
revelam-se aspetos centrais da atuação do estagiário. Neste sentido, a minha integração no
contexto de intervenção no qual realizei o meu estágio foi pautada pelo respeito à instituição e aos
seus intervenientes e por uma enorme curiosidade acerca do seu funcionamento. Curiosidade esta
que me definiu, enquanto estagiária, pela necessidade que demonstrei em conhecer todas as
dimensões do contexto, de forma a construir uma linha de intervenção e adaptar a minha prática.
Também a minha vontade de absorver todo o tipo de conhecimentos e o maior número de
experiências possível marcou o meu percurso, uma vez que me senti na obrigação de assumir o
processo de estágio como uma oportunidade para relacionar os conhecimentos teóricos obtidos
ao longo do meu percurso académico com competências práticas cujo desenvolvimento foi
possibilitado pelo estágio, de forma a construir a minha identidade profissional, assente numa
relação estreita entre teoria e prática.
7.1 Considerações acerca do percurso de estágio
A integração tão positiva e genuína no contexto que me acolheu proporcionou importantes
contributos na formação da minha identidade profissional. A excelente relação que construí com
os adultos proporcionou-me a possibilidade de viver os momentos de forma mais descontraída,
sendo que sempre me senti parte da equipa educativa, da mesma forma que me deixou à vontade
para questionar, tirar dúvidas, dar a minha opinião e participar, algumas vezes conduzindo
momentos cruciais do dia, como a receção das crianças e o contacto com os pais.
88
A vivência tão intensa de todo o processo de estágio ofereceu-me a possibilidade de
desenvolver diversas competências, de entre as quais algumas definidas no Perfil Geral de
Desempenho Profissional do Educador de Infância e dos Professores do Ensino Básico e
Secundário (Decreto-Lei 240/2002) e no Perfil Específico de Desempenho Profissional do
Educador de Infância e do Professor do 1º Ciclo do Ensino Básico (Decreto-Lei 241/2001).
No que respeita ao Perfil Geral de Desempenho Profissional do Educador de Infância e
dos Professores do Ensino Básico e Secundário, menciono, a título de exemplo, a dimensão
profissional, social e ética, deixando claro que ao longo de todo o estágio me esforcei por ser a
melhor profissional possível, baseando a minha prática na investigação e reflexão; apresentando
um conjunto de propostas no sentido de garantir aprendizagens e vivências diversas; dando
importância ao desenvolvimento da autonomia de cada criança e à sua inclusão no grupo;
promovendo a qualidade do contexto escolar, já que me esforcei por contribuir para a garantia do
bem-estar de todas as crianças e para o desenvolvimento da sua identidade individual e cultural;
e manifestando capacidade relacional e de comunicação e equilíbrio emocional na gestão das
várias circunstâncias. De mencionar, ainda, a dimensão do desenvolvimento profissional ao longo
da vida, já que o percurso de estágio me fez perceber a importância da reflexão, apoiada na
experiência, na investigação e na teoria como forma de autoavaliação e de desenvolvimento
profissional e me fez perceber, também, o trabalho de equipa como fator de enriquecimento da
formação e da atividade profissional.
Relativamente ao Perfil Específico de Desempenho Profissional do Educador de Infância,
mencionar: o desenvolvimento de competências de organização do ambiente educativo, existindo
sempre um esforço da minha parte no sentido de disponibilizar materiais e recursos diversificados
e uma organização temporal e espacial flexível; o desenvolvimento das capacidades de
organização, planificação e avaliação, capacidades estas que registaram evolução significativa ao
longo do processo e que se revelaram fulcrais para a criação e desenvolvimento do projeto de
intervenção (permitindo-me planificar de acordo com os dados recolhidos pela observação e avaliar
a minha intervenção e os processos educativos adotados); e ainda a aposta num olhar mais atento
às relações educativas, atribuindo a todo o processo de estágio muita relevância na assunção da
importância da criação de relações de confiança e cooperação com as crianças, baseadas na
segurança afetiva, na autonomia e na exigência de respeito, e da importância da criação de
89
relações entre a escola e as famílias que permitam o envolvimento dos pais e o trabalho
cooperativo como forma de fortalecimento da relação escola – criança – família.
Embora não constituindo uma competência do Perfil Especííico de Desempenho
Profissional do Educador de Infância, dizer que me foi possível, para além de todas as
competências supracitadas, desenvolver e aprofundar conhecimentos relacionados com o
desenvolvimento infantil (linguagem, motricidade, cuidados de higiene e alimentação), área que
foi bastante negligenciada na minha formação inicial
Importa ainda assumir o desafio que este processo de estágio representou, por se
desenvolver em contexto de Creche. Este foi, de facto, o primeiro contacto com esta valência da
educação de infância e, ao nervosismo inerente, somar a relativa falta de informação e referenciais
teóricos, o que tornou os momentos iniciais bastante stressantes. Percebo, agora, que a agitação
vivida pela experimentação de um contexto que representava uma novidade se relevou de
importância extrema para o meu crescimento enquanto profissional, já que me fez contactar quase
diariamente com a novidade, o desafio e me fez superar limitações. Esta dificuldade em perceber
de que forma se processava o trabalho educativo com crianças mais pequenas aumentou a minha
curiosidade, levando-me a constantes questionamentos e reflexões, no sentido de aprender e
apreender da prática toda a informação que me fosse possível. Agora, terminado todo o processo,
posso dizer que as dificuldades e limitações e toda a curiosidade e questionamento serviram para
construir bagagem que auxiliou não só para a criação e o desenvolvimento do meu projeto de
intervenção, mas também para o meu desempenho profissional futuro.
7.2 Resultados obtidos através da implementação do projeto de intervenção
No caso concreto do Projeto de Intervenção, importa referir que a principal dificuldade se
prendeu com a definição do tema do projeto, já que este deve surgir através da identificação de
alguma problemática ou interesse do grupo e o tempo tornou-se escasso para tal. Contudo, com
o apoio dos orientadores comecei a perceber de que forma seria possível avançar, indo ao encontro
tanto dos interesses como das necessidades do grupo.
Depois de me debater com algumas inseguranças relativas à área da música, a definição
das propostas a apresentar ao grupo acabou por acontecer de forma bastante orgânica, já que
90
comecei a perceber que não precisava, enquanto (futura) educadora, de saber tudo sobre música
ou ter elevada aptidão musical para contribuir para a aculturação musical daquelas crianças, e
porque o próprio grupo deu sempre bastantes indicações sobre o que mais lhe agradava. Desta
forma, afirmo que o trabalho que realizei no âmbito do Projeto de Intervenção não só se revelou
importante para o grupo, que teve oportunidades únicas para experienciar e usufruir de
experiências musicais, como também se revelou importante para mim, pela oportunidade de
crescimento profissional.
Ainda sobre o desenvolvimento do Projeto de Intervenção, importa dizer que os objetivos
que o sustentaram foram cumpridos com sucesso, com muitos indicadores de entusiasmo e
interesse nos momentos de experimentação e com comprovado usufruto dos momentos musicais.
Para além de terem experienciado e partilhado diversas vivências musicais, facto que, por si só,
constituía um dos principais objetivos do Projeto de Intervenção, as crianças mostraram-se
capazes de usufruir dos diversos momentos, apresentando empenho, envolvimento e dedicação,
para além de um enorme entusiasmo e uma certa ânsia em viver momentos lúdicos como o jogo
do maestro ou as diferentes explorações de instrumentos musicais.
Parece-me ainda importante referir que a aprendizagem ativa foi um objetivo sempre
presente quer na planificação das propostas, quer ao longo da sua execução, daí que estas tenham
adotado um carácter lúdico, muitas vezes em forma de jogo, já que acredito que é brincando que
as crianças aprendem.
O Projeto de Intervenção revelou-se ainda um importante fator de desenvolvimento da
autonomia e do sentido de convivência em grupo, já que muitas das explorações pe rmitiram a
escolha livre e a mudança dessa escolha, potenciando a autonomia (pouco visível em algumas
crianças do grupo). Do mesmo modo, as explorações realizadas em grande grupo possibilitaram
a troca de impressões e comentários durante o decorrer das atividades e promoveram a partilha,
quer de materiais, quer de experiências, estimulando o sentido de vivência em grupo e o
sentimento de pertença.
Por todos estes motivos, acredito ser possível comprovar o sucesso da implementação do
Projeto de Intervenção. Contudo, é ainda importante expor que o processo não contribuiu com
dados concretos para a clarificação do último objetivo (compreender o potencial da música na
91
infância). Contudo, a análise de referenciais teóricos, associada à reflexão das reações das
crianças às diferentes propostas, levam-me a aferir que a aposta na aculturação musical desde
tenra idade representa um investimento na educação holística da criança e contribui em grande
medida para a criação de atitudes positivas perante a música. Neste sentido, acredito que a música
tem um enorme potencial, que deve ser trabalhado com as crianças desde a primeira infância, no
sentido de criar oportunidades para que estabeleçam relações de afetividade com a música,
oferecendo-lhes a possibilidade de contactar com uma parte importante da sua cultura.
Para rematar, saliento que todo este percurso de estágio ficou marcado por três pontos
fundamentais:
• A minha inclusão no grupo como parte importante da equipa educativa e os meus
esforços no sentido de absorver experiências e conhecimentos, moldando a minha
identidade profissional;
• O meu esforço no sentido de proporcionar ao grupo um Projeto de Intervenção
significativo, tendo como ponto de partida o seu interesse pela música, mas que
oferecesse algo de novo, baseando-se na exploração e usufruto musical;
• A clarificação do papel do educador e a absorção da ideia de que com maior ou
menor aptidão musical, é-nos sempre possível contribuir de forma positiva para a
aculturação musical das crianças.
Por todos os tópicos anteriormente apresentados, permito-me concluir afirmando o
sucesso do Projeto de Intervenção e o sucesso de todo o meu percurso de estágio, que me dotou
de competências que serão certamente úteis, enquanto futura educadora. De igual modo, a minha
integração no grupo 2A potenciou o desenvolvimento individual de cada uma das crianças e a
reformulação da ideia de música e aculturação musical na infância.
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Decreto-Lei nº240/2001, de 30 de agosto – Perfil Geral de Desempenho Profissional do Educador
de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário.
Decreto-Lei nº241/2001, de 30 de agosto – Perfil Específico de Desempenho Profissional do
Educador de Infância e do Professor do 1ºciclo do Ensino Básico.
Sites
Infantário Nuno Simões: http://www.inf-ns.pt/
Educare – O Portal da Educação: https://www.educare.pt/
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