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LUCIELE GONÇALVES DA SILVA
INTERFERÊNCIA DE FATORES CULTURAIS DA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA NA ADAPTAÇÃO DO CONTO DE FADAS PARA O CINEMA
Porto Alegre
2015
LUCIELE GONÇALVES DA SILVA
INTERFERÊNCIA DE FATORES CULTURAIS DA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA NA ADAPTAÇÃO DO CONTO DE FADAS PARA O CINEMA
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Letras pelo Programa de Pós-Graduação Centro Universitário Ritter dos Reis Laureate International Universities.
Orientadora: Profa. Dra. Rejane Pivetta de Oliveira
Porto Alegre
2015
LUCIELE GONÇALVES DA SILVA
INTERFERÊNCIA DE FATORES CULTURAIS DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA NA ADAPTAÇÃO DO CONTO DE FADAS PARA
O CINEMA
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Letras pela banca examinadora constituída por:
_____________________________________________ Profa. Dra. Rejane Pivetta de Oliveira Centro Universitário Ritter dos Reis
_____________________________________________ Prof. Dr. Wagner Coriolano de Abreu Centro Universitário Ritter dos Reis
_____________________________________________ Profa. Dra. Márcia Ivana de Lima e Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Porto Alegre
2015
AGRADECIMENTOS
À professora e orientadora, Rejane Pivetta, por dedicar-me momentos de
aprendizagem, compreensão, paciência e competência em suas valiosas
orientações.
Ao meu esposo, Guilherme da Cunha, por sua dedicação e apoio, parceiro de todas
as horas, um grande incentivador.
Aos meus pais, Feliciano e Zeni, a gratidão por todo o esforço e carinho dedicado a
mim e a minha irmã.
À CAPES ( Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal e Nível Superior-
Ministério da Educação), pelo apoio financeiro.
Aos colegas do mestrado e aos professores do Programa de Pós- Graduação em
Letras da UniRitter. Obrigada pela oportunidade de aprender e conviver com cada
um de vocês.
À colega e amiga, Maria Dorothea Barone Franco, por suas sugestões e paciência
ao ouvir-me em momentos de inquietações, por acreditar em mim e ser uma grande
incentivadora.
Muito Obrigada!
Back Home
We don’t matter where we go
Because we always find a way back home. (Unknown author).
RESUMO
As adaptações cinematográficas, usualmente, refletem os anseios da
sociedade e da cultura onde são realizadas e consumidas. No caso das adaptações
de conto de fadas, observamos a clara intenção dos cineastas em atualizar os temas
expostos no conto original, tal como acontece na adaptação do conto Branca de
Neve, recolhido pelos Irmãos Grimm. O objetivo principal deste trabalho é explicitar a
interferência de questões sociais contemporâneas presentes nas adaptações Branca
de Neve e o Caçador (2012), e Espelho, Espelho Meu (2012), evidenciando que
temas como a vaidade, a beleza e as disputas de poder não apenas são atualizados
como transformados em fatores determinantes na estrutura das adaptações. Para
tanto, este trabalho desenvolve-se em quatro capítulos. No primeiro, são
examinadas as vinculações do conto original com elementos sociais e culturais
característicos da Idade Média, contexto onde o gênero desenvolveu-se, além de se
proceder à análise do conto Branca de Neve, destacando-se seus motivos principais
e aspectos da estrutura narrativa, conforme postulados por Vladimir Propp.
Segundo, discute-se o processo de adaptação cinematográfica dos contos de fadas,
com base na teorização de Linda Hutcheon e Robert Stam; num terceiro momento
são analisados os filmes que compõem o corpus, identificando-se os fatores
culturais na estruturação da narrativa fílmica e as modificações sofridas no processo
de transposição. Por fim, o último capítulo reflete sobre a interferência das questões
culturais presentes nas adaptações, relacionando-as ao contexto social
contemporâneo, a partir das formulações de Gilles Lipovetsky e Zygmunt Bauman. A
pesquisa demonstrou que, embora as adaptações cinematográficas atualizem os
contos clássicos, elas mantêm a sua estrutura narrativa tradicional, conservando
fórmulas populares de recepção, que proporcionam ao grande público a retomada
de temas, personagens e experiências fixados pelo gênero literário e ressignificados
contemporaneamente pelo cinema.
Palavras-chave: Contos de Fadas; Questões Sociais; Adaptação Cinematográfica.
ABSTRACT
Nowadays, film adaptations are reflecting to contemporary society and culture
issues where such adaptations are consumed. In the matter of fairy tales, in turn
impregnated of historic and cultural motivations, we clearly observe the filmmaker’s
intention to actualize issues that were exposed in the original fairy tale, such as in the
adaptation of Snow White which was collected by the Grimm Brothers. We defined as
main goal of this work clarify the influence of contemporary social issues that have
been demonstrated in film adaptations of Snow White, namely, Snow White and the
huntsman (2012) and Mirror Mirror (2012), in order to explain that social issues and
cultural aspects such as vanity, beauty, and clashes for power are determinant
factors in the structure of adaptations. In order to reach it, this work is divided in 4
stages. First, it examines links between the original fairy tale and social issues and
cultural aspects from middle ages, it is necessary because such fairy tales were
originated and developed in this historic context. In addition, we perform an analysis
about Snow White highlighting their main motivation and aspects from their narrative
structure in accordance to Vladimir Propp. Second, it discusses the adaptations of
cinematographic process to fairy tales based on authors such as Linda Hutcheon and
Robert Stam. Third, it analyses the movies to identify the importance of cultural
factors in structuration of film narrative along with modifications in transcription
process. Finally, it discusses about the influence of social issues presented in film
adaptations in order to understand the relationship of both of them and the
contemporary social context based on authors such as Gilles Lipovetsky e Zygmunt
Bauman. This research demonstrates that film adaptations have updated fairy tales,
despite film adaptations have maintained its traditional narrative structure, keeping
the popular reception formulas, which provides to the audience an resumption of
themes, characters, and experiences brought in by literary genre and, presenting a
contemporary resignified to the cinema.
Keywords: Fairy Tales; Social Issues, Film Adaptation
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................1
2 O CONTO DE FADAS COMO GÊNERO LITERÁRIO E SUA VINCULAÇÃO
HISTÓRICO-CULTURAL ............................................................................................4
2.1 INTERAÇÃO SOCIAL E FORMA NARRATIVA .....................................................4
2.2 CONTOS DE FADAS E O CONTEXTO SOCIOCULTURAL ...............................17
2.3 BRANCA DE NEVE: ESTRUTURA NARRATIVA E REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS NO CONTEXTO DA IDADE MÉDIA...........................................................22
3. CAMINHOS DA ADAPTAÇÃO .............................................................................29
4. RECRIAÇÃO DO CONTO DE FADAS PARA AS TELAS ....................................43
4.1 BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR ..................................................................43
4.2 ESPELHO, ESPELHO MEU................................................................................57
5. SOCIEDADE E CULTURA CONTEMPORÀNEA NAS ADAPTAÇÕES DE
BRANCA DE NEVE .................................................................................................74
5.1 VAIDADE E BELEZA...........................................................................................74
5.2 AFIRMAÇÃO DA MULHER ................................................................................76
5.3 DISPUTA PELO PODER .....................................................................................80
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................83
REFERÊNCIAS.........................................................................................................86
1
1 INTRODUÇÃO
Os primeiros contos infantis foram publicados no século XVII, na França,
durante o reinado de Luís XIV. Trata-se de uma coletânea denominada Contos da
Mãe Gansa (1697), de Charles Perrault, composta por algumas histórias coletadas
da memória do povo, entre as quais, A Bela Adormecida no Bosque, Chapeuzinho
Vermelho, O Gato de Botas, O Barba Azul, entre outras. A Literatura Infantil foi
constituída e reconhecida um século após as primeiras pesquisas filológicas
realizadas pelos Irmãos Grimm, na Alemanha, no século XVIII. Outros prestigiosos
intelectuais dedicaram-se a resgatar as antigas estórias, armazenadas na memória
popular, tais como Jean de La Fontaine e Hans Christian Andersen. Cada um
desses autores, a seu tempo e a sua hora, em seu contexto, contribuiu para que os
contos de fadas fossem explorados e reconhecidos mundialmente.
Ao longo dos séculos, surgiram várias histórias, contos e mitos, simbolizando
as ansiedades e aspirações da sociedade, muitas vezes histórias que ilustravam um
herói, as intrigas, injustiças e desequilíbrios recorrentes na vida do povo e da corte,
todas fundamentadas na sabedoria popular. Muitas dessas histórias receberam
releituras, adaptações que estão presentes até hoje, em histórias em quadrinhos,
óperas, filmes, na literatura, mantendo-se, assim, inseridas na cultura em geral.
O conto Branca de Neve possui algumas versões contemporâneas
importantes para cinema e televisão, dentre elas o filme a Branca de Neve e o
Caçador, dirigido por Rupert Sanders, em 2012; o filme Blancanieves, dirigido por
Pablo Berger, em 2012; o seriado Once Upon a Time criado por Edward Kitsis e
Adam Horowitz, estreado no Brasil em 2012 no canal Sony. Acrescente-se ainda
Espelho, Espelho Meu, dirigido por Tarsem Singh, em 2012.
A adaptação Blancanieves é um filme mudo, preto e branco, a trama é
ambientada na Espanha, em que o roteirista apresenta a personagem Branca de
Neve em volta ao universo das touradas, uma vez que mistura símbolos do
imaginário popular do país à adaptação do conto de fadas.
A trama do seriado se passa na cidade fictícia de Storybrooke, em Maine,
EUA, na qual a filha e o neto de Branca de Neve tentam quebrar uma maldição
2
poderosa que transportou os personagens dos contos de fadas para essa cidade.
A adaptação Branca de Neve e o Caçador apresenta como principais
características a disputa de poder entre a Rainha Ravenna e Branca de Neve, a
vingança e a busca eterna pela beleza, aspectos bastante característicos do
comportamento na sociedade atual, reconhecida pelo individualismo, pela
valorização das aparências e pelo hiperconsumo, tal como afirmam Gilles Lipovetsky
(2000) e Zygmunt Bauman (2008). Espelho, Espelho Meu apresenta características
sociais semelhantes à adaptação Branca de Neve e o Caçador, como a disputa de
poder entre a Rainha e Branca de Neve, a disputa pelo amor do príncipe e a busca
eterna pela beleza, aspectos estes, como já citados, bastante presentes no cotidiano
contemporâneo.
Num primeiro momento, estudamos a vinculação dos contos de fadas a
aspectos culturais do contexto medieval onde se desenvolveram, centrando a
análise especialmente no conto Branca de Neve, uma vez que as adaptações dessa
história têm sido recorrentes no cinema atual. Nessas adaptações, observamos a
clara intenção dos cineastas em atualizar os temas clássicos expostos no conto
original, tais como a vaidade, a beleza, a disputa de poder e a afirmação da mulher,
os quais assumem relevância na reflexão sobre as relações sociais
contemporâneas. Desse modo, elegemos para análise, neste trabalho, dois filmes
representativos dessa produção cinematográfica, quais sejam, Branca de Neve e o
Caçador e Espelho, Espelho Meu, no intuito de explicitar a interferência de questões
sociais contemporâneas, determinantes na estrutura das adaptações
cinematográficas do conto. O trabalho desdobra-se em três objetivos específicos.
Primeiro, examinar as vinculações do conto original com elementos sociais e
culturais característicos da Idade Média, contexto onde o gênero se originou e
desenvolveu. Segundo, abordar o processo de adaptação cinematográfica dos
contos de fadas e a importância dos fatores culturais na estruturação da narrativa
fílmica. Terceiro, examinar a interferência das questões sociais presentes nas
adaptações e relacioná-las com o contexto social contemporâneo.
Tendo como corpus o conto clássico Branca de Neve e as releituras
cinematográficas aqui citadas, pretendemos explicitar o modo como valores e
comportamentos da sociedade contemporânea estão presentes e se traduzem em
3
escolhas no que concerne à caracterização de atitudes e pensamentos das
personagens, bem como aspectos da forma narrativa fílmica. Esta pesquisa permite-
nos avaliar o aproveitamento da literatura, especialmente dos contos de fadas, como
suporte para a compreensão de fatores culturais estruturantes de processos de
significação atuantes na sociedade contemporânea, transpostos para o cinema, uma
das manifestações artísticas e culturais de maior visibilidade e abrangência de
público.
O presente trabalho organiza-se em quatro capítulos. No primeiro, apresenta-
se o gênero literário conto de fadas, em especial o conto Branca de Neve, como
forma narrativa e de interação social, enfatizando sua vinculação ao contexto
histórico-cultural de onde emerge, valendo-nos da concepção bakhtiniana de que os
gêneros não podem ser estudados fora do contexto social. No segundo capítulo
abordam-se os caminhos da adaptação, a fim de compreendermos os aspectos que
caracterizam uma adaptação cinematográfica, de acordo com estudos de Linda
Hutcheon e Robert Stam. No terceiro capítulo analisam-se as recriações
cinematográficas, atentando-se para aspectos da estruturação narrativa e as
modificações operadas na passagem para a tela. No quarto e último capítulo
tecemos algumas reflexões sobre os termos em que o aproveitamento de temas
como a vaidade, a beleza, o poder e a afirmação da mulher traduzem
comportamentos da sociedade contemporânea, de acordo com formulações de
Zygmunt Bauman e Gilles Lipovetsky.
Com este trabalho, esperamos contribuir para a compreensão da presença
dos contos tradicionais em nossos dias, alimentando e inspirando novas produções
culturais, sobretudo cinematográficas.
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2 O CONTO DE FADAS COMO GÊNERO LITERÁRIO E SUA VINCULAÇÃO HISTÓRICO- CULTURAL
2.1 – INTERAÇÃO SOCIAL E FORMA NARRATIVA
Segundo Bakhtin (1997), os gêneros estão presentes em toda e qualquer
esfera da comunicação humana, possuem características próprias, podem estar
representados oralmente ou na escrita, nos diversos usos da linguagem, e
funcionam como um instrumento de interação social entre os indivíduos. Para
Bakhtin, (1997), “o gênero é um tipo relativamente estável de enunciado”. (Bakhtin,
1997, p. 279).
O agir é que motiva e ativa certos tipos de enunciados, determinados pelas
condições e objetivos de cada esfera da linguagem. Logo, a utilização da língua
elabora tipos relativamente estáveis de enunciados, que mudam em função das
alterações das práticas sociais. Segundo afirma Bakhtin,
“Não há razão para minimizar a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso e, consequentemente dificuldade quando se trata de definir o caráter genérico do enunciado. Importa, nesse ponto, levar em consideração a diferença essencial existente entre gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário (complexo). Os gêneros secundários do discurso – o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico etc. – aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica. Durante todo o processo de sua formação, esses gêneros secundários absorvem os primários (simples) de todas as espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea”. (Bakhtin, 1997, p. 281).
Entretanto, cabe salientar que os estudos relacionados aos gêneros, orais e
escritos da língua, não podem ser estudados separados do contexto da sociedade,
tampouco do uso diário, principalmente, por estarem envolvidos nas manifestações
da linguagem, tendo em vista uma situação comunicativa. Tal entendimento é
reiterado por Bronckart (2003):
“tipos relativamente estáveis de enunciados são elaborados, sociohistoricamente, por diferentes esferas das atividades humanas, sempre apresentando conteúdo, estruturação, relação entre os interlocutores e estilo específicos. Seu estudo deve, obrigatoriamente, considerar usos e funções numa situação comunicativa”. (Bronckart, 2003, p. 101 –102).
Assim, compreende-se que o conceito de gênero resulta de uma abordagem
discursiva, fruto da interação das vozes sociais. Logo, a comunicação humana não é
5
para simples manifestação e decodificação de informações. Há agentes envolvidos,
participantes do processo comunicativo, da situação social. Desse modo, considera-
se a presença das múltiplas vozes, tanto implícitas quanto explícitas, que produzem
o discurso.
Cabe destacar que os gêneros fazem parte de um interacionismo
sociodiscursivo, com implicações para estudos no âmbito da teoria literária, no que
tange às condições de circulação social dos gêneros. Desse modo, o gênero é uma
interação social, conforme postula Schneuwly,
“Na perspectiva, do interacionismo social, a atividade é necessariamente concebida como tripolar: a ação é mediada por objetos específicos, socialmente elaborados, frutos das experiências das gerações precedentes, através das quais se transmitem e se alargam as experiências possíveis. Os instrumentos encontram-se entre o indivíduo que age e o objeto sobre o qual ou a situação na qual ele age: eles determinam seu comportamento, guiam-no, afinam e diferenciam sua percepção da situação na qual é levado a agir. A intervenção do instrumento – objeto socialmente elaborado – nessa estrutura diferenciada dá a atividade uma certa forma; a transformação do instrumento transforma evidentemente as maneiras de nos comportarmos numa situação”. (Schneuwly, 2004, p.23).
Nesse contexto, compreende-se que os gêneros possuem abordagens tanto
na escala dialógica, enquanto instrumento de interação social, como também, na
escala entre gêneros primários e secundários.
Os gêneros primários são aqueles abrangentes da vida cotidiana,
pertencentes à esfera oral, ou seja, à comunicação verbal espontânea, e possuem
relação direta com o contexto imediato como, por exemplo, o bilhete, a conversa
telefônica, entre outros.
Por outro lado, os gêneros secundários abrangem as esferas de comunicação
mais elaboradas, como a religiosa, a acadêmica, roteiros, a jornalística, a artística,
entre outras. Os gêneros secundários são pertencentes à esfera escrita, abrangem
os primários, quer dizer, os absorvem, transformando-os, devido à perda da relação
com o contexto imediato.
Além disso, os gêneros têm sua unidade garantida pela relação entre as
características concentradas no enunciado, as quais são carregadas de valor que
dão sentido ao enunciado. Tais características são denominadas tema ou conteúdo
temático, pragmático ou contextual; composição, ou elemento estrutural da
6
construção textual; e estilo, as opções de expressividade e enunciação. Segundo
Bakhtin,
“A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais - , mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos de gêneros do discurso”. (BAKHTIN, 1997, p. 279).
Na perspectiva bakhtiniana (1997), o tema está para o conjunto de elementos
externos de que o falante se apropria para construir significação em uma ação
comunicativa. De um ponto de vista mais abrangente, tema é o conjunto de
informações trazidas pelos interlocutores em determinadas situações, tendo em
vista a construção textual. Em outras palavras, o tema está associado a condições
que definem os usos específicos de gêneros, é o domínio de sentido do qual trata o
gênero. Além disso, o tema é um modo particular de orientação da realidade, e seus
fatores essenciais são os modos de ver, a avaliação social e a relação com o
interlocutor. Dessa forma, compreende-se que o tema é um elemento constitutivo de
gênero, indissociável do contexto de produção, o que reforça, em outras palavras,
conforme Schneuwly (2004, p. 26), a ideia de que “o que deve ser dito define a
escolha de um gênero”.
Logo, a escolha de um gênero é alicerçada em parâmetros como finalidade,
interlocutores, situação e conteúdo. Nesse sentido, Bronckart (2003), na perspectiva
relacionada ao interacionismo social, à ação social, ao condicionamento histórico
ideológico e psicológico, diz que um texto é produto de fatores que estão na relação
entre o indivíduo e o meio social. Conforme o autor, “a tese central do interacionismo
sociodiscursivo é que a ação constitui o resultado da apropriação, pelo organismo
humano, das propriedades da atividade social mediada pela linguagem”. (Bronckart,
2003, p. 42).
Entretanto, o autor apresenta um aspecto do contexto de produção da
linguagem, que pode ser definido como “parâmetros externos que exercem
influência sobre a forma como um texto é organizado”. (Bronckart, 2003, p. 93).
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Desse modo, os parâmetros são classificados em duas ordens: física e social. A
primeira é o lugar de produção, o momento de produção, o emissor e o receptor. Já
a segunda é a ação social, cujos parâmetros são mediados por condições sociais.
Então, na segunda ordem, estão: o lugar social; a posição social do emissor; a
posição social do receptor; e o objetivo do texto ou ponto de vista que o emissor
quer passar ao receptor.
Além disso, ainda de acordo com Bronckart (2003), há nesses parâmetros
mais fatores que influem na produção textual. Além do conteúdo temático, há,
também, o intertexto. O primeiro é visto pelo autor como uma construção discursiva,
já o segundo, o intertexto, como a área condicionada aos gêneros em que o falante
vai produzir seu texto.
Assim, o conteúdo temático não é apenas o conteúdo informacional ou
referencial do texto, ele é também uma reestruturação de verdades do mundo, no
mundo discursivo. Quanto ao intertexto, é nele que os falantes fazem suas escolhas,
aquele que está na história dos gêneros, ou melhor, na construção dos gêneros.
Logo, os gêneros, como instrumentos sociais de interação comunicativa, têm raízes
históricas, que os originaram. Dessa forma, conforme Bronckart (2003), “ o
intertexto é constituído pelo conjunto de gêneros de textos elaborados pelas
gerações precedentes, tais como são utilizados e eventualmente transformados e
reorientados pelas formações sociais contemporâneas”. (Bronckart, 2003, p. 100).
Sob este aspecto, como no caso da adaptação cinematográfica, por exemplo,
o filme é um gênero cinematográfico, transformado e reorientado nas formações
sociais contemporâneas. Cabe ainda ressaltar que cada formação social conta com
sua criação comunicativa, como é o caso, por exemplo, da literatura, que em um
contexto significativo e vasto criou os gêneros literários. Assim, o papel social do
produtor do texto é instigar a leitura do indivíduo interessado pelo texto, seja esse
apresentado através de narrativas, em suportes como livros, como também, nas
telas do cinema. Nesse sentido, produtor e receptor estão envolvidos nessa tarefa
social, em que o papel do expectador é colocar-se disponível à recepção, ficando a
cargo do produtor a tarefa de instigar e convencer o público receptor.
Por esse motivo, não há como diferenciar texto de gênero, ambos coexistem,
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realizando-se em si, ou melhor, os textos realizam um gênero e todos os gêneros
realizam sequências típicas. Assim, os gêneros são em geral tipologicamente
heterogêneos.
Acrescente-se ainda, de acordo com Bronckart (2003), que o intertexto é o
papel do agente produtor, que escolhe o modelo textual orientado historicamente
pelo intertexto. Dessa forma, há uma relação entre indivíduo, mundo e linguagem,
fundamentada pela escolha do gênero, uma vez que esse faz parte do contexto de
produção, ao lado dos papéis sociais dos interlocutores, seguidos de seus objetivos
e do lugar social. Assim, conforme Bronckart (2003),
Essa escolha apresenta características de uma verdadeira decisão estratégica: o gênero adotado para realizar a ação da linguagem deverá ser eficaz em relação ao objetivo visado, deverá ser apropriado aos valores do lugar social implicado e aos papéis que este gera e, enfim, deverá contribuir para promover a “imagem de si” que o agente submete à avaliação social de sua ação. (Bronckart, 2003, p. 101).
Ainda, na tríade bakhtiniana (1997), relacionada ao gêneros e suas
características, faz-se necessário abordar a estrutura composicional ou composição
do gênero discursivo.
O elemento composicional são as estruturas comunicativas e semióticas
compartilhadas pelos textos pertencentes aos gêneros. Assim, conforme Bakhtin,
“se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos; se
tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala; se tivéssemos de
construir cada um dos nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase
impossível”. (Bakhtin, 1997, p. 302).
No entanto, a estrutura composicional é o modo de organizar os elementos
textuais, ela apresenta a estrutura própria de cada gênero. Com tal organização, por
exemplo, é possível imaginar a estrutura de uma narrativa, ou a estrutura de uma
opinião. Uma vez que as narrativas primordiais eram constituídas de uma sequência
caracterizada por uma situação inicial, seguida de ação, complicação, solução e
moral final, isso faz com que, no contexto atual, possamos prever essa sequência,
seja em um conto, em um filme, em um romance, ou até mesmo em novelas.
Quanto aos gêneros secundários, os formatos textuais desses estão ligados
ao círculo acadêmico, mais complexos, como é o caso, por exemplo, de textos que
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exijam técnicas de escrita, como os artigos científicos, ensaios, ofícios, teses, e
dissertações, ou seja, são textos relacionados à cultura letrada.
A última característica a ser abordada, e não menos importante, é o estilo.
Compreende-se que o estilo é a marca do autor, ou seja, é a forma particular como
ele atuará no texto, o tratamento dado por ele ao texto, seguido de graus de
formalidade e valor, em outras palavras, o estilo é a voz do autor, que por meio de
seleção linguística e enunciativa preocupa-se com o interlocutor e com a
compreensão ativa e responsiva do enunciado. Compreende-se, então, que o estilo
é uma espécie de marca de autoria, em que o autor é responsável pela sua voz e
pelas vozes dos demais interlocutores, já que, no momento da escrita, o autor-
narrador considera o outro, e se posiciona de modo responsivo, a fim de que o
enunciado se torne compreensível, podendo estar embasado de forma avaliativa ou
crítica. Adicionalmente, cabe destacar que os gêneros discursivos estão disponíveis
na cultura. Nesse sentido, os gêneros são construídos pelos indivíduos, que ao
produzir um texto, seja em forma oral ou escrita, consideram variados elementos,
formais ou informais da linguagem, a relação social entre os interlocutores, o tipo de
situação e a finalidade da atividade social. Entretanto, a composição de um texto se
dá pela escolha das palavras e frases, assim como o gênero em que irá se realizar
este texto dependerá dos objetivos e da imagem que o indivíduo, construtor do
texto, tem dos seus interlocutores.
Poderíamos, aqui, falar mais a respeito das sequências de natureza
linguística, entretanto, é necessário destacar que o objeto de nosso estudo é o
conto Branca de Neve, bem como as interferências sociais e culturais nas
adaptações do conto para o cinema, por este motivo, abordaremos a seguir a
sequência narrativa, justamente porque filme e conto, embora sejam artes distintas,
apresentam caracteres semelhantes, por serem narrativas.
A sequência narrativa está presente desde os primeiros relatos míticos, de
Homero aos textos contemporâneos. A narrativa constitui-se de um padrão
estrutural, conservado ao longo da história, absorvido tanto pela tradição oral como
letrada, constituindo um campo específico de estudos da teoria literária.
Nesse sentido, encontramos em Propp (1984) alguns elementos que
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configuram a construção narrativa, entre eles, as funções dos personagen. A teoria
narrativa de base estrutural passou a embasar-se nestas características básicas, a
partir da década de 1960, utilizadas para os estudos sobre contos e romances.
Conforme Propp (1984, p. 3), o estudo de “narrativas segundo as funções dos
personagens se revela útil também para os gêneros narrativos não só do folclore,
mas também da literatura”.
Antes de atentarmos para os critérios que configuram a construção narrativa,
é necessário descrever uma definição para o “conto maravilhoso”. Em princípio,
conforme Propp (1984), o conto de magia é uma narrativa construída de acordo com
a sucessão ordenada das funções em suas diferentes formas, com ausência de
algumas e repetição de outras, conforme o caso.
Portanto, os contos possuem uma construção peculiar, independente dos
seus personagens, antropomórficos ou não. Outro aspecto importante a ser
considerado a respeito dos contos refere-se ao termo magia e sua definição, ora
chamado de magia, ora maravilhoso. Há de considerar-se que lendas, fábulas, entre
outros gêneros, possuem a mesma construção por conta da sucessão de funções.
Conforme o autor, o termo “magia” não define todos os contos, mas ele prefere
conservar essa denominação, que poderá ser modificada quando se estudarem
outras categorias de contos. (PROPP, 1984, p. 92).
Além disso, cabe destacar que não se pode estudar os contos, tampouco
classificá-los de forma imediata, em virtude de sua dimensão. O conto maravilhoso
atribui as mesmas ações aos homens, aos objetos e aos animais, considerando os
atributos desses, ou seja, os aspectos e particularidades externas dos personagens,
que podem ser: situação, sexo, idade, condição social, entre outros. Esses atributos
proporcionam encanto, colorido e beleza ao conto. Sendo assim, é notório que, ao
falarmos de conto maravilhoso, é impossível não relembrarmos das fadas,
princesas, castelos, da floresta e dos mistérios envolvendo os personagens.
Uma vez que o conto sofre a influência da realidade histórica, ele se
caracteriza por um processo metamórfico e suas transformações estão sujeitas a
determinadas leis. Logo, por esse motivo, não há como definir uma única fonte para
os contos, podendo ter raízes psicológicas, como também, próprias da realidade
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cotidiana. Sendo assim, os contos, em virtude de sua natureza herética, podem ser
narrados em qualquer tempo, por serem descendentes dos mitos, carregam consigo
uma construção similar, desse modo, alguns contos apresentam esta construção,
por assemelhar-se à fonte originária ao mito. Da mesma forma, essa estrutura pode
ser encontrada em outros exemplos, como os romances de cavalaria, uma vez que
naturalmente este gênero tenha seu elo no conto maravilhoso.
Entretanto, cabe mencionar que os enredos dos contos maravilhosos estão
estreitamente ligados uns aos outros, já que se pode encontrar diversas estórias,
com personagens diferentes, porém com o mesmo enredo. Desse modo, conforme
Propp (1984), “por enredo entendo o tema, no qual se interprenetram diferentes
situações – os motivos”. (Propp, 1984, p. 20). Desse modo, entende-se como motivo
algo que desencadeou um ou mais conflitos, e todos os outros impasses presentes
no conto maravilhoso. Ainda de acordo com o autor, há de considerar que o motivo é
a unidade mais simples da narração, não é uno, nem indivisível, logo, o motivo não
é único e pode ser dividido, até mesmo em diversos motivos menores.
Nesse cenário, faz-se necessário destacar que nos contos maravilhosos há
ações constantes, as quais foram denominadas pelo autor de funções. Essas ações
são frequentemente iguais em personagens diferentes, assim o que não muda são
as ações ou funções, e os personagens. Em outras palavras, a função seria a ação
de um personagem, definido do ponto de vista de sua importância para o desenrolar
da ação, ou seja, o nó da intriga.
Logo, tais funções ou ações constantes não dependem dos personagens que
as praticam e sim podem ser executadas por diversos personagens e das mais
variadas maneiras. Assim, compreende-se que os personagens do conto
maravilhoso, por mais diferentes que sejam, realizam constantemente as mesmas
ações. O meio em si, pelo qual se realiza uma função, desvela-se de uma grandeza
variável. O que se diversifica nos contos no que tange aos personagens são os
nomes e, consequentemente, também os atributos, que permitem análises
relacionadas ao contexto histórico-cultural. Por essa razão, o conto maravilhoso
pode ser estudado em diferentes contextos e épocas, pois assim é uma forma de
resgatar o folclore, mitos, costumes, a cultura em geral de outros povos, como
também atentarmos a questões contemporâneas da sociedade.
12
Contudo, já que as funções de alguns personagens dos contos maravilhosos
se transferem para outros personagens, cabe lembrar que há, então, numerosos
personagens e isso explica a dupla perspectiva do conto maravilhoso: há de um
lado, uma extraordinária diversidade e, de outro lado, uniformidade e repetição.
Dessa maneira, Propp (1984) focou seu estudo nas ações/funções dos
personagens, e não na comparação dos personagens em si, e disso resulta a
definição de uma especialidade do conto popular maravilhoso como gênero. Por
esse viés o autor procurou aproximar uma explicação histórica para a uniformidade
dos contos em todas as regiões, do Oriente ao Ocidente.
Assim, o autor definiu as ações como funções, as quais estruturam a
narrativa. Além disso, há funções constantes e funções variáveis. E, entre essas,
constantes e variáveis, denominou-as de invariantes e variantes dos contos.
Observemos os seguintes exemplos de contos, (PROPP, 1984, p. 25) que
apresentam essas invariantes e variantes:
1- O rei dá uma águia ao destemido. A águia o leva para outro reino;
2- O velho dá um cavalo ao camponês. O cavalo o leva para outro reino;
3- O feiticeiro dá a Ivan um barquinho. O barquinho o leva para outro reino;
Nesses exemplos, a invariante é ordem (dar) e a consequente partida,
vinculada a uma busca. Já as variantes são os agentes da ordem, os sujeitos da
partida e da busca, como também os objetos de busca.
Sob este ponto de vista, o autor estabeleceu o estudo sobre os contos, a
partir das funções dos personagens, estabelecendo 31 funções invariantes dos
contos maravilhosos. São elas: (PROPP, p.30).
1) ausência/ afastamento: um dos membros da família distancia-se de casa;
2) proibição/interdição: uma proibição é imposta ao herói;
3) transgressão/interdição: a proibição/transgressão é transgredida, essa
função constitue um par, juntamente com a função 2.
13
4) interrogatório: tem como finalidade descobrir o lugar onde se encontra um
personagem, ou objeto. O antagonista tenta esclarecimentos.
5) Informação/esclarecimento: o antagonista recebe informações sobre a
vítima.
6) Ardil/perfídia: O antagonista tenta enganar sua vítima, assume feições
alheias, como por exemplo, “dragão” se transforma em “cabra” e assim aproveita-se
da vítima ou de seus bens.
7) Cumplicidade: o herói deixa-se persuadir em tudo pelo antagonista e
involuntariamente o primeiro ajuda o segundo, por exemplo, o herói deixa-se
convencer pega o anel.
8) Dano/malfeito: O antagonista causa um dano, um mal a um membro da
família, por exemplo, o dragão rapta a filha do rei.
9) Mediação: o malfeito é anunciado, faz-se um pedido ou uma prece ao
herói, ele é mandado embora, é enviado em expedição.
10) Início da reação/ decisão: O herói decide reagir ou assente no que lhe
pedem, geralmente este momento se caracteriza, por exemplo, quando são diferidas
palavras como: “Permita-me partir em busca da tua filha, a princesa”.
11) Partida/ o herói deixa a casa: a partida do herói.
12) O herói é submetido a uma Prova: O doador/mediador - auxiliar submete
o herói à prova ajeitando-o para receber um objeto ou ajuda mágica.
13) Reação: O herói reage diante das ações do futuro doador ou mediador-
auxiliar.
14) A posse do objeto mágico: o herói apropria-se do meio mágico, como
exemplo, espadas, animais, objetos, etc.
15) Transporte: O herói é transportado ou levado ao lugar onde se encontra o
objeto que procura, geralmente, este lugar fica entre reinos distantes, outra terra.
16) Luta/Combate: O herói e o antagonista entram em combate, em uma
14
briga, uma luta.
17) A marca: O herói é marcado, fica ferido em combate lhe conferindo uma
cicatriz.
18) Vitória: O antagonista é vencido.
19) Dano inicial ou a carência são reparados: eliminação do mal.
20) Regresso/ a volta: O herói retorna, depois da vitória,
21) Perseguição: O herói é perseguido.
22) Salvação: O herói é resgatado da perseguição.
23) O oculto: O herói chega incógnito à sua casa ou a outro país.
24) A falsidade: um falso herói pretende tomar a vitória e glória do herói.
25) Desafio: tarefa difícil é proposta ao herói.
26) Realização: a tarefa é cumprida com sucesso.
27) Reconhecimento: O herói é reconhecido.
28) Desmascaramento: O falso herói ou malfeitor é desmascarado.
29) Transfiguração/metamorfose: o herói recebe nova aparência.
30) Castigo: O antagonista, o inimigo é castigado.
31) Final feliz: O herói casa e sobe ao trono.
Como vimos, o autor estabeleceu em trinta e uma as funções dos contos,
sendo que tais não excluem uma a outra, pois pertencem a vários eixos ao mesmo
tempo, e com isso sobrepõem-se, fundem-se uma a outra. Dessa forma, um vasto
número de funções agrupam-se em pares, e outras podem reunir-se em grupos. Por
um lado, há a proibição – transgressão; interrogatório - informação; combate -
vitória, e assim sucessivamente, formando e reunindo novos grupos de funções. Por
outro lado, o dano, o envio, a reação, a partida do lar, constituem o nó da intriga, da
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trama.
Entretanto, se muitas das funções podem se repetir não excluindo uma a
outra, por serem narrativas complexas, a estrutura do conto pode ser reduzida em
algumas funções invariantes, desse modo, teremos: uma situação de crise ou
mudança; aspiração, desígnio ou obediência; viagem; desafio ou obstáculo;
mediação; e por último a conquista. Adicionalmente, destaca-se, de acordo com
Propp (1984), que nem todas as funções se encontram obrigatoriamente num conto,
mas, geralmente, uma função conduz a outra. Conforme o autor, as funções se
realizam de modo absolutamente idêntico em virtude da assimilação de uma forma a
outra, reconhece-se uma função somente pelas suas consequências. Como
exemplo de assimilação de funções, o autor fala de alguns casos em que o envio
inicial do herói é assimilado à função da tarefa difícil, assim como certos exemplos
de prova à qual o herói é submetido pelo agressor ou pelo doador. Além disso, é
preciso atentar-se para não confundir a primeira função do doador com a tarefa
difícil imposta pelo antagonista, uma vez que a contraposição destas duas funções,
ou seja, a prova preliminar que proporciona ao herói o objeto mágico, e a prova
fundamental que leva à reparação da carência ou do dano, estão relacionadas com
a forma dos contos de magia, como gênero.
Conforme vimos, Propp (1984) estudou os contos a partir da sua estrutura,
em que sua composição se dá por meio de funções ou ações dos personagens.
Entretanto, para o autor, o motivo no qual a história está inserida é o tema, que pode
ser dividido em vários sub-temas ou tópicos dentro de um único motivo/tema. Além
disso, há também o estilo, e a respeito desse entende-se que é a escolha, a forma
como o autor/ contador irá contar o conto.
Sob a perspectiva de Bakhtin (1997), como vimos, o autor aborda o gênero e
suas características, enfatizando o tema, composição e estilo. O autor compreende
que o gênero está na esfera da comunicação oral de todos os indivíduos e tem
como finalidade a interação social. A perspectiva de ambos os autores mostra-se
produtiva e, até certo ponto, convergente para o estudo do conto, na medida em que
suas teorias fornecem elementos que orientam a análise dos aspectos
característicos dos contos, cujas transformações importam considerar na passagem
para a mídia cinematográfica.
16
Os autores tratam da composição do gênero em si, e definem suas
características, sendo que cada um deles trata de explicar um mesmo objeto, com
abordagens e perspectivas diferenciadas. Nesse sentido, ambos tratam da narrativa
oral, o gênero, tema, composição e estilo. Para Propp (1984), o enredo é o tema, e
esse não é uno nem indivisível, compreende-se que a partir de um tema, pode-se
gerar sub-temas, que por sua vez dizem respeito ao contexto em que a história está
inserida, considerando os aspectos culturais e sociais desse contexto, sendo assim,
o tema, ou o enredo, como o autor também o chama, em outras palavras, pode ser
adaptado, já que considera o contexto histórico-social. A estrutura composicional,
sob o ponto de vista do autor, foi definida em funções ou ações dos personagens da
narrativa, e o estilo diz respeito ao produtor/contador/narrador da história que levará
em conta o seu entendimento e responsabilidade acerca do tema, para o público
leitor/espectador/ouvinte da história.
Contudo, compreende-se, sob a perspectiva bakhtiniana, que o tema é o
conjunto de elementos externos de que o falante se apropria para construir
significação em uma ação comunicativa. Em outras palavras, entende-se que o
tema é o conjunto de informações trazidas pelos interlocutores em determinadas
situações, tendo em vista a construção textual. Logo, é um modo particular de
orientação da realidade, e seus fatores essenciais são os modos de ver, a avaliação
social e a relação com o interlocutor. Além disso, está associado a condições que
definem os usos específicos de gêneros, é o domínio de sentido do qual trata o
gênero.
O estilo, por sua vez, é a forma particular como o autor age no texto, uma
espécie de marca do autor, em que a voz desse está presente. Na narrativa oral, o
estilo está relacionado à performance do contador, que leva em conta a presença do
interlocutor. Mas também o texto escrito atenta a compreensão responsiva do
enunciado, tendo em vista a orientação para o leitor, que determina as escolhas
linguísticas do autor-narrador. Muito embora esse autor também seja o responsável
pela sua voz, como também, pelas vozes dos interlocutores, pois no momento da
escrita, da fala, geralmente, o autor considera o outro, e assim, de uma forma
responsiva, posiciona-se, com a finalidade de que o enunciado se torne
compreensível, embora fundamentado de modo crítico ou avaliativo.
17
Desse modo, é possível identificar a estrutura de uma narrativa, por exemplo,
sobretudo das narrativas primordiais, já que essa apresenta sequência
caracterizada por situação inicial, uma ação, complicação e uma moral final.
Nesse sentido, por estar na esfera sociohistóricocultural, os contos clássicos
sofreram adaptações ao longo dos séculos, desde a época de sua recolha,
entretanto, ainda fazem parte do cotidiano atual, ou seja, fazem-se presentes na
contemporaneidade, embora a narrativa oral tenha perdido espaço para outras
mídias, o que não quer dizer que ela tenha desaparecido. Essas novas mídias
exploram os contos maravilhosos de forma diferenciada, mas sempre com o
propósito de recontar essas histórias, atualizando-as para o presente. Dessa forma,
esses contos inserem-se no contexto histórico atual e, ao mesmo tempo,
apresentam o contexto histórico passado, trazendo e valorizando culturas antigas,
ao mesmo tempo que se incorporam na atual.
Dessa forma, temos a narrativa oral, conto maravilhoso, como gênero
explorado pelas novas mídias, sendo alvo de releituras, reveladoras de novas
formas de interação social. Sendo assim, as adaptações desse gênero estão
presentes em diversos esferas da sociedade contemporânea, passando de um
contexto de oralidade para explorações em novas mídias, seja a televisão, os
quadrinhos, cartoons, que subtituíram, aos poucos, o papel do contador de histórias.
Logo, as adaptações dos contos clássicos vão ganhando novos espaços, sobretudo
releituras cinematográficas, passando do gênero narrativa literária para outro,
fílmica. O cinema, por apresentar caracteres diferenciados a respeito da nova forma
de contar histórias, serviu-se dos seus recursos próprios, como som, imagem, além
de outras técnicas cinematográficas, para encantar e reencantar o público
leitor/espectador.
2.2 CONTOS DE FADAS E O CONTEXTO SOCIOCULTURAL
Os contos de fadas são narrativas, ou estórias, transmitidas de geração em
geração, e apresentam em seu conteúdo elementos que remetem às experiências
de vida, que dizem do modo como os seres humanos evoluem e se afirmam como
comunidade, povo ou nação.
Conforme Mendes (2000), os contos permitem entender a realidade social de
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um povo, sua economia, seu sistema político, seus costumes e suas crenças.
Através das histórias é que eram explicadas a vida individual e social, passada,
presente e futura.
Da mesma forma, destacamos Italo Calvino, em relação à fábula, forma
narrativa das mais antigas:
“... as fábulas são verdadeiras. São, tomadas em conjunto, em sua sempre repetida e variada casuística de vivências humanas, uma explicação geral da vida, nascida em tempos remotos e alimentada pela lenta ruminação das consciências camponesas até nossos dias; são o catálogo do destino que pode caber a um homem e a uma mulher, sobretudo pela parte da vida que justamente é o perfazer de um destino: a juventude, do nascimento que tantas vezes carrega consigo um auspício ou uma condenação, ao afastamento de casa, às provas para tornar-se adulto e depois maduro, para confirmar-se como ser humano”. (CALVINO, 1992, p.15).
Segundo Darnton (1986), os contos mostram o contexto da sociedade da
época, o modo de pensar e o comportamento social. Esses contos não eram
destinados a crianças, e sim a adultos, que aprenderam a narrar histórias desde
cedo, transmitindo de geração em geração essas narrativas orais. Tais narrativas
eram uma forma de superar tamanhas tristezas, fome, pobreza e conflitos sociais,
resultantes de uma sociedade conturbada por guerras.
Na sociedade medieval, onde surgiram os contos de fadas, eram constantes
a fome, a pobreza e a mortalidade, como também, grande número de madrastas,
órfãos, magias e sacrifícios. Essas condições sociais, além do misticismo medieval,
influenciavam os contos, quase sempre com o intuito de passar uma mensagem de
ajuda ou superação. Os contos eram narrados e adaptados pelos camponeses, de
acordo com o contexto e a realidade em que viviam.
Sendo assim, grande parte dessa sociedade era influenciada pelo misticismo
medieval e vivia sob a constante demonstração do sobrenatural, podendo estar
representado em Deus, como na floresta, ou em alguma criatura, simbolizando
mistérios e perigos. Nesses contos, os símbolos são tanto de danação como de
salvação, caso típico da tão recorrente presença da floresta, que pode funcionar
tanto como refúgio dos males, uma vez que sob a luz diurna tornava-se tranquila e
fácil à busca de um caminho novo, sem fome, misérias e pestes, onde a felicidade e
o sagrado se manifestavam. Por outro lado, o imaginário medievo acreditava,
também, que a floresta simbolizava um lugar de maldades, bruxarias e de trevas,
pois em sua escura mansidão noturna abrigavam-se criaturas temerosas com sons
19
horripilantes e desconhecidos.
Nesse cenário, surgiram várias histórias, contos e mitos, simbolizando as
ansiedades e aspirações daquela sociedade, muitas vezes histórias que ilustravam
um herói, podendo estar representando um senhor feudal, visto como um civilizador,
como também um ser divino, visto como sagrado.
Dessa forma, encontramos, por exemplo, o caso do rei Arthur, representado
como um herói de guerra, que lutava com bravura contra invasões em seu país.
Outro exemplo é o personagem Robin Hood, representando um rebelde justiceiro,
que vivia na floresta, e roubava as carruagens dos comerciantes ricos para dar aos
pobres, já que naquela sociedade a fome, misérias, doenças e desgraças climáticas
eram constantes. Robin Hood, então, defendia as camadas mais pobres da
sociedade, excluídas da partilha dos bens.
Em geral, os contos narrados pelos camponeses, no período medieval,
segundo Darnton (1986), ligavam-se à subnutrição, visto que o tópico alimentação e
sobrevivência mantêm-se como prioridade em várias narrativas. A busca por
alimentos é um assunto importante em vários contos, os quais cabem ser
destacados: O Pequeno Polegar, João e Maria, Branca de Neve e os Sete Anões.
As estórias possuem características semelhantes por tratarem da triste e dura
realidade da Europa Medieval de fome e pobreza. As guerras, os invernos rigorosos,
as constantes secas e a falta de técnicas agrícolas ocasionavam a escassez de
alimentos. Em conseqüência, a comida tornou-se um assunto constante, um sonho
para muitos que almejavam ter a sua mesa farta e assim obter sua realização
pessoal. Conforme Darnton, “Comer até se encher, comer até a exaustão do apetite
(manger à faim), era o principal prazer que tentava a imaginação dos camponeses e
que eles raramente realizavam em vida”. (Darnton, 1986, p. 53).
Sob este aspecto, compreendemos que os camponeses buscavam sobreviver
e almejavam uma nova ordem social, entretanto, as dívidas aumentavam, da mesma
forma que o ódio e a inveja também, logo, os conflitos de interesse perseguiam a
sociedade.
Diante disso, muitas famílias abandonavam seus filhos na floresta, a exemplo
da estória de o Pequeno Polegar, como também os deixavam nas portas das igrejas,
20
para que as famílias ricas os adotassem, e a sorte dessas crianças assim era
lançada, na tentativa de salvá-las. Outras famílias os expulsam de casa, colocando-
os sob provas da vida, por acreditarem que eles deveriam buscar seu próprio
caminho, amadurecerem, logo alcançariam ascensão social, espiritual e assim
constituir-se-iam como seres humanos.
Por outro lado, nem sempre a comida era sinônimo de sonho e realização
pessoal. Esse é o caso das histórias de João e Maria e Branca de Neve, pois ambas
possuem em comum não só a fome, miséria e abandono na floresta, como também,
a comida representando um perigo.
Na estória de João e Maria, duas crianças abandonadas e perdidas na
floresta, vagando por ela, encontram uma casa de doces, onde vivia uma velha
bruxa, que planejava engordar as crianças, para depois comê-las. Da mesma forma,
encontramos no conto da Branca de Neve a maçã envenenada, oferecida por uma
bruxa. Desse modo, ambas as histórias valem-se da alimentação como um
componente fundamental de sua trama, com forte poder de atração sobre os heróis,
usada como elemento de dominação sobre eles. Porém, ao mesmo tempo, a oferta
de comida por pessoas estranhas, por mais tentadora que seja, representa sempre
um perigo de morte. Contudo, nem sempre os contos foram assim, as temáticas
dependiam dos lugares, das regiões. Por serem narrativas orais, cada um que as
contava apresentava versões diferenciadas de acordo com o contexto. Conforme
esclarece Darnton,
Enquanto os contos franceses tendem a serem realistas, grosseiros,
libidinosos e cômicos, os alemães partem para o sobrenatural, o poético, o
exótico e o violento. Naturalmente, as diferenças culturais não podem ser
reduzidas a uma fórmula – astúcia francesa contra crueldade alemã – mas
as comparações possibilitam que se identifique o tom peculiar que os
franceses davam a essas histórias; e a maneira como eles contam histórias
fornece pistas quanto à sua maneira de encarar o mundo. (DARNTON,
1986, p. 75).
No contexto medieval, marcado por várias disputas de reinos, constantes
alterações geográficas, sociais e políticas, é que os contos de fadas foram
desenvolvidos. Tal configuração histórica serviu de pano de fundo para os contos,
mostrando sua estreita vinculação às condições sociais e culturais em que eram
21
produzidos e veiculados. Assim, a despeito do caráter maravilhoso do conto de
fadas, não podemos subestimar as questões ideológicas que perpassam essas
histórias à época de sua recolha pelos irmãos Grimm. Contradições sociais e as
questões relacionadas aos princípios de conduta individual, por exemplo, são uma
constante, pois os contos trazem características da sociedade medieval marcada
por conflitos.
Sob esta perspectiva, destacamos Propp,
...a vida real cria sempre figuras novas, brilhantes, coloridas, que se sobrepõem aos personagens imaginários; o conto sofre a influência da realidade histórica contemporânea, do epos dos povos vizinhos, e também da literatura e da religião, tanto dos dogmas cristãos como das crenças populares locais. O conto guarda em seu seio traços do paganismo mais antigo, dos costumes e ritos da antiguidade. Pouco a pouco, vai sofrendo uma metamorfose, e suas transformações também estão sujeitas a determinadas leis”. (Propp, 1984, pág. 80).
No entanto, compreendemos que os contos não eram destinados às crianças,
nem sequer usados para preveni-las a respeito dos perigos e da desobediência aos
pais, logo, não poderiam ser referidos a vinculações pedagógicas. Isso implica que
os contos foram transformados, pois a modernidade trouxe os códigos civis e o
reconhecimento das crianças como sujeitos dotados de uma especificidade. Nesse
contexto, os contos de fadas começaram a ser vistos a partir de novos horizontes,
principalmente estudos com enfoques psicanalítico e pedagógico, passando a fazer
parte do cotidiano das crianças, como também do nosso. Além disso, as narrativas
tradicionais tratam de temas que atravessam o tempo, relacionados aos dilemas do
crescimento, aos ritos de passagem, às relações familiares, uma vez que cultos
primitivos valorizavam a iniciação, ou seja, a formação do ser social. Com isso,
preparavam e ensinavam os sujeitos para desempenharem seus papéis e valores no
grupo, tribo, ou sociedade. Essas narrativas tradicionais estavam também
relacionadas aos fenômenos da natureza, às questões climáticas, demonstradas
através da passagem de uma estação para outra, de forma que carregam consigo o
simbolismo dos nossos antepassados e de seus rituais. Todavia, cabe destacar, as
relações familiares e os conflitos psíquicos também se prestam a uma série de
releituras, que incorporam elementos sociais e culturais de cada época. Nesse
sentido, é importante abordar a forma como os contos de fadas são estruturados e
22
apresentados, visto que a caracterização destes se dá através das ações dos
personagens, bem como apresentam os anseios da sociedade da época.
2.3 BRANCA DE NEVE: ESTRUTURA NARRATIVA E REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS NO CONTEXTO DA IDADE MÉDIA
No início do conto Branca de Neve, a protagonista era a princesa em um
reino onde imperava a felicidade e a harmonia.
A narrativa nos conta que, num reino distante havia uma rainha que, em certo
dia de inverno, estava sentada costurando e admirando a neve cair, até que num
momento de distração espeta o dedo com uma agulha e três gotas de sangue caem
sobre a neve. A rainha logo desejou ter uma filha tão branca quanto a neve, tão
corada como sangue, e de cabelos tão negros quanto o ébano desta janela.
Passado algum tempo, seu desejo é concretizado, a rainha dá à luz a uma linda
menina, e a chama de Branca de Neve. Logo após o nascimento da princesa, a
rainha morre, pouco tempo depois, o Rei casa-se novamente.
Neste ponto, podemos relacionar a opção dos autores da história em retratar
questões sociais vividas naquele contexto, como mortes precoces que ocorriam por
diversos motivos, conforme assinala Darnton (1986), seja por doenças causadas por
falta de higiene, fatores climáticos, fome, epidemias, guerras, entre outros.
A narrativa de Branca de Neve desenvolve-se a partir do medo que a rainha
tem de que Branca de Neve a supere em beleza e poder tal medo é alimentado na
narrativa pela vaidade e ciúmes da rainha em relação à princesa. Para Bettelheim a
disputa também é pela atenção do olhar masculino, representado pelo espelho
mágico. (BETTELHEIM, 2000, p. 246).
Neste sentido, é possível relacionar o conflito entre a rainha/madrasta e
Branca de Neve, mediado pelo espelho ao julgamento social. Portanto, o espelho
enquanto reflexo do olhar masculino, socialmente dominante, reforça as
características da personalidade, tais como vaidade, beleza, e poder.
Entretanto, cabe destacar que a morte precoce da rainha mãe causa uma
ruptura na história. Tal ruptura ocorre logo nos primeiros trechos do conto, e todo o
desenrolar da trama se dá em virtude desta ação. Esta ação é denominada por
23
Propp (1984) como ausência/afastamento, visto que a personagem da rainha, mãe
de Branca de Neve, distancia-se de casa, neste caso definitivamente. Portanto, os
dois itens iniciais da estrutura básica de Propp encontram-se destacados aqui, ou
seja, o início e a ruptura. No entanto, o pai de Branca de Neve, o Rei, casa-se com
uma bela mulher, essa, porém, orgulhosa e vaidosa, não admite que nenhuma
mulher no mundo seja mais formosa do que ela. Por isso, incansavelmente
contempla sua bela imagem, por horas, diante de seu fiel amigo, o espelho mágico,
a quem sempre pergunta:
“Dize a pura verdade, dize, espelho meu” “Há no mundo mulher mais bela do que eu”? E num belo dia, o espelho respondeu: “Aqui neste quarto sois vós, com certeza”, “Mas Branca de Neve possui mais beleza”. (GRIMM, p.359).
A partir desse momento, dá-se o confronto segundo a estrutura básica de
Propp (1986), pois a rainha, então, passa a odiar e invejar Branca de Neve com todo
rancor que poderia existir na face da Terra. Inicia, então, o martírio da jovem
ingênua e órfã Branca de Neve. A madrasta, possessa de ódio e rancor, chama um
caçador e dize-lhe:
“Leva a menina para a floresta, bem longe. Não suporto mais vê-la perto de mim. Mata-a e, como prova de que cumpriste a minha ordem, traze-me o seu pulmão e o seu fígado”. (GRIMM, p.359).
Cabe destacar, conforme Propp, que a ação do personagem da madrasta em
chamar o caçador para levar Branca de Neve até a floresta caracteriza um
dano/malfeito, uma vez que o mal, um dano, é desejado e feito à heroína, pois o
caçador rapta a princesa e a leva para a floresta. Dessa forma, a rainha caracteriza-
se por ser uma mulher bela, porém ambiciosa e invejosa. Branca de Neve, além de
ser uma concorrente em virtude da sua beleza, também é um obstáculo para ela em
sua ascensão ao poder, uma vez que o anseio da rainha era reinar linda e soberana,
e Branca de Neve era herdeira legítima do trono. Por este motivo a rainha manda
matar Branca de Neve. Conforme Bettelheim (2000), embora a morte não signifique
o fim da vida, pois Branca de Neve ressuscita, a morte nesse sentido simboliza que
a madrasta deseja sumir com a princesa. (BETTELHEIM, 2000, p. 234).
O fato de a rainha desejar comer o pulmão e o fígado da Branca de Neve
está relacionado, conforme Bettelheim (2000), com os costumes primitivos ligados à
antropofagia, segundo os quais adquirimos os poderes e características daquilo que
24
comemos. Conforme Bettelheim (2000), a rainha, com ciúmes de Branca de Neve,
deseja incorporar o encanto, a beleza da mesma, simbolizado pelos seus órgãos
internos. (BETTELHEIM, 2000, p. 246).
Por outro lado, numa outra perspectiva de interpretação, o canibalismo da
rainha está relacionado à metáfora da fome – nesse caso, uma fome de beleza,
para manter o corpo vivo e atraente, em contraste com a fome real, por falta de
alimentos, enfrentada pela gente do povo, os súditos da rainha. O caçador,
apiedando-se da menina, que implorava a ele que não a matasse, observando-a tão
bela e tão jovem, a solta, dizendo para que fugisse e não retornasse mais. Esse
episódio alude a sociedade medieval, pois frequentemente eram abandonados os
filhos e as crianças na floresta, para que as feras os devorassem, ou até mesmo
para tentarem a sorte longe dos seus familiares, os quais careciam de cuidados
consigo mesmos, e um filho era problema ainda maior. Neste ponto, segundo Propp
(1986), inicia-se a superação de obstáculos e perigos que envolvem a heroína. Por
outro lado, ao receber informações a respeito de Branca de Neve, através de seu
espelho mágico, através da ação denominada, conforme Propp, de
informação/esclarecimento, a madrasta vai até a casa dos anões e tenta enganar a
princesa. De fato, consegue, pois assume outra feição, já que disfarça-se para
conseguir eliminar a princesa de seu caminho. Esta ação, segundo Propp
denomina-se ardil/perfídia, assumida pela madrasta para enganar sua vítima,
Branca de Neve.
Ainda referente aos tópicos de sobrevivência e alimentação, destacamos que
a madrasta, na tentativa de tirar a vida de Branca de Neve, só obtém êxito quando
esta come a maçã envenenada. Neste aspecto, a maçã representa não apenas um
alimento, desejado por todos, era também um alimento incomum e fresco,
considerado uma relíquia.
Após Branca de Neve ter mordido a maçã, ela morre. Os anões a encontram,
e tristes com o acontecimento, choram por três dias. Logo, resolvem colocar Branca
de Neve em um caixão de vidro transparente, com letras de ouro escrevem o nome
dela e acrescentam que era filha de um rei. Depois a põem no alto de uma colina
para que possam continuar vendo-a, e um dos anões sempre fica ao lado, montando
guarda. Um belo dia um príncipe passa por aquela floresta, vê o caixão no alto da
25
colina com Branca de Neve e diz aos anões que pagaria por ele todo o ouro do
mundo. Quando o príncipe e seus servos estavam levando o caixão, um dos servos
tropeça em uma raiz, com isso o caixão balança e Branca de Neve começa acordar,
pois estava engasgada com o pedaço de maçã que havia comido. A princesa, então,
retorna à vida, ponto em que se encerra a fase de superação de obstáculos e
perigos. O príncipe encanta-se com Branca de Neve, a leva até o seu castelo e a
pede em casamento; logo os preparativos para festa começam acontecer,
caracterizando a fase de restauração. Por fim, o desfecho inicia quando a madrasta
aceita o convite para ir ao casamento, curiosa em conhecer a rainha mais bela de
todas. Concretiza-se, assim, o castigo, pois a rainha má é obrigada a calçar
sapatinhos em brasa e dançar até morrer.
Além de aspectos estruturais, fatores sociais, políticos e econômicos, estão
representados nos contos de fadas, e, portanto, devem fazer parte da sua análise.
O conto Branca de Neve foi coletado pelos filólogos e folcloristas irmãos
Grimm, preocupados em relatar a realidade histórica da época, em pesquisar
elementos lingüísticos para fundamentarem a língua alemã, a fim de que futuros
estudos de caráter filológico pudessem acontecer. Os irmãos Grimm não dedicaram
suas pesquisas apenas com foco em estudos lingüísticos, também se preocupavam
com elementos culturais, uma vez que defendiam a fixação de textos do folclore
literário germânico como expressão cultural do povo. Para isso os irmãos reuniam-
se em sessões de contos, em que contavam histórias guardadas na mente, como
também ouviam os demais narradores que transmitiam conhecimentos sobre o
folclore. Dessa forma, registraram as narrativas orais contadas pelos camponeses,
sendo esses indispensáveis para o registro dos primeiros contos. Após a troca de
experiências, ao ouvirem muitas histórias na roda de amigos, tais ações ajudaram
os irmãos a estruturar de forma definitiva os contos. Os irmãos Grimm então foram
dando forma aos contos, publicando-os a partir de 1812, transformando-os em obras
clássicas da Literatura Infantil, mundialmente reconhecidas. Conforme Aguiar
(1985), tal sucesso está relacionado ao estilo de escrita dos irmãos, pois a
capacidade de condensar de forma mágica as histórias, assim como a trajetória das
ações dos personagens, os anseios e aspirações humanas, bem como a utilização
de uma linguagem despojada de artificialismo e expressões, contribuíram para que
os contos alcançassem sucesso, abordando uma temática que trata do crescimento
26
e das experiências humanas da sociedade.
Os variados contos como Branca de Neve e os Sete Anões, O Pequeno
Polegar, João e Maria, A Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho, entre outros,
representam situações cotidianas da sociedade da época, conforme pretendemos
explicitar especificamente através do conto da Branca de Neve e os Sete Anões.
O conto, assim como muitos outros que hoje tornaram-se leitura para
crianças não eram destinados a esse público. Na maioria das vezes, os contos
eram transmitidos em momentos de descontração, em reuniões à beira da lareira,
em que mulheres e homens trabalhavam, elas fiando, eles em meio às suas caixas
de ferramentas. Os objetivos das histórias eram diversos, poderiam servir tanto para
divertir os adultos, quanto para assustar as crianças.
A história da Branca de Neve apresenta caracteres semelhantes às demais
personagens, como Cinderela e Bela Adormecida, e tantas outras, em que jovens
sofrem com maus tratos de suas madrastas. Esses contos não só apresentavam
aspectos sociais e culturais semelhantes, como também mortes precoces, fome,
miséria, raiva, ódio, inveja, impostos abusivos, problemas financeiros, entre outros.
Diante das dificuldades, encontramos, também, órfãos, madrastas, magias,
bruxas, rituais, senhoras e senhores viúvos que carregam a responsabilidade de
manter seus filhos. Nesse sentido, a luta pela sobrevivência é travada, em um
contexto de emoções reprimidas, onde a inveja e o ódio estão presentes. Os contos
Branca de Neve e Cinderela, por exemplo, representam questões relacionadas à
morte de um dos pais, pois ambas perdem as mães, e ficam sob a responsabilidade
de madrastas cruéis.
O conto Branca de Neve baseia-se em uma estrutura básica, reconhecível,
isso é possível em virtude de possuir raízes orais. O conto foi recontado várias
vezes, transmitido de geração em geração, agregando valores culturais, políticos e
sociais, muitas vezes ganhando novos elementos, novos pontos de vista, mantendo
seu tema original, por vezes complementado por sub-temas até chegar aos dias
atuais.
Ainda a respeito dos contos, é necessário destacar que o conto de fadas por
ser um gênero narrativo está na esfera da comunicação oral, relatando um fato ou
determinado acontecimento, tendo em vista uma situação comunicativa, como
27
também a interação social entre os indivíduos. Conforme Bakhtin (1997), os gêneros
estão presentes em toda e qualquer esfera da comunicação humana, possuem
características próprias, podem estar representados oralmente ou na escrita,
funcionam como instrumento de interação social. Para o autor, “o gênero é um tipo
relativamente estável de enunciado, que muda em função das alterações das
práticas sociais”. (BAKHTIN, 1997, p. 279). Tal conceito é reiterado por Bronckart
(2003, p. 101-102), tipos relativamente estáveis de enunciados são elaborados
sociohistoricamente, por diferentes esferas das atividades humanas, sempre
apresentando conteúdo, estruturação, relação entre os interlocutores e estilo
específicos. Sendo assim, o gênero resulta de uma abordagem discursiva, fruto da
interação das vozes sociais.
Seja no tema, na composição ou no estilo, elementos analisados por Bakhtin,
o conto incorpora os valores sociais, como podemos identificar nas características
que descrevem as personagens. A rainha madrasta é uma mulher bela, vaidosa e
mística. A característica de beleza é proveniente, talvez, de uma boa alimentação,
pois a rainha possui uma boa condição de vida, e com isso bom acesso a alimentos,
o que a diferencia em relação aos demais membros da sociedade da época. É
extremamente vaidosa, característica que se apresenta, por exemplo, todas as
vezes que ela contempla o seu espelho. Cabe destacar que conforme Bettelheim
(2000), o espelho mágico pode representar um olhar masculino. No contexto deste
trabalho, podemos definir que o olhar do espelho também representa a forma como
o olhar do outro é assimilado à perspectiva do sujeito que olha para si, buscando
confirmar a expectativa do olhar alheio. Portanto, a imagem que a rainha tem de si é
um reflexo de uma visão social. Por outro lado, a rainha caracteriza-se por ser uma
mulher que se utiliza da magia, representada na maçã envenenada e no próprio
espelho mágico. Na época, por conta do misticismo medieval, a mulher que fizesse
uso da magia e de outras crenças era mal vista pelo povo, pois tais práticas estavam
relacionadas, segundo a sabedoria popular, a pestes, maldições, bruxaria e magia
negra. Neste sentido, podemos observar diversas questões presentes na sociedade
da época internalizadas no conto.
A princesa Branca de Neve, por sua vez, caracteriza-se por ser uma moça
piedosa, ingênua e dedicada, além, das características físicas marcantes, como
cabelos negros, pele branca como a neve e bochechas coradas como o sangue.
28
A piedade de Branca de Neve pode ser exemplificada pelo fato de ela deixar-
se comover pela madrasta em algumas situações, motivada pelo sentimento de
compaixão, como por exemplo, na cena em que aquela pobre velhinha vendedora
oferece-lhe uma maçã.
Por outro lado, outra característica da Branca de Neve é ser ingênua, essa
característica fica em evidência, por exemplo, quando atende ao chamado da
madrasta disfarçada, embora os anões tivessem alertado-a para não deixar ninguém
entrar na casa deles, enquanto estivessem fora, trabalhando.
Com relação à dedicação de Branca de Neve, cabe destacar a realização de
tarefas domésticas para os anões, condizentes com o perfil da mulher desejada pela
sociedade da época.
Sob este aspecto é importante destacar que tais características apresentadas
pela princesa eram valorizadas pela sociedade medieval (não de todo ausente nos
dias de hoje). A idealização feminina está diretamente relacionada à ideia de que a
mulher é submetida aos homens, ao seu poder e controle. As ações da mulher
diziam respeito à vontade do homem, e não à sua própria vontade, conforme a
expectativa da sociedade.
Em virtude destes aspectos, a mulher ideal era aquela dedicada, ingênua,
piedosa, a perfeita dona de casa, a rainha do lar que cuidava do marido e dos filhos,
características apresentadas por Branca de Neve, representada, nesses aspectos,
exatamente de acordo com padrões instituídos pela sociedade, que assim
determinava um modo de pensar e agir para a mulher.
29
3 CAMINHOS DA ADAPTAÇÃO
As adaptações, atualmente, estão presentes nos mais variados tipos de
segmentos, sendo o cinema uma das principais mídias onde esse fenômeno é
incidente. O cinema, ao mesmo tempo que projeta imagens, preocupa-se em
apresentar o seu sentido ao público. O cinema é um meio de comunicação de
grande impacto, uma vez que combina várias artes em uma só, como música, artes
visuais, teatro, literatura, fotografia, entre outras. Além disso, o cinema,
principalmente no âmbito das adaptações, é feito por uma série de convenções e
regras acatadas pelas pessoas que trabalham com esta modalidade, pois no cinema
não trabalham apenas atores e artistas. Adaptar é uma arte complexa e exige
esforço de roteiristas, técnicos de som, de equipamentos, produtores e diretores, e
muitos outros colaboradores. Com isso, adaptar abrange vários estilos artísticos,
criando ao mesmo tempo uma forma representativa única.
O cinema e a literatura são artes próximas, ambos alimentam-se um do outro,
num contínuo processo de transformações e reconfigurações. Isso não quer dizer
que haja prevalência de uma arte sobre a outra, pois apesar da proximidade, cada
qual explora as potencialidades de sua própria linguagem. A literatura permanece no
cerne do texto, e isso não torna o cinema vazio. Por este motivo, ambas as artes
(re) significam-se, uma com o silêncio que as letras carregam, e a outra com a
inquietude dos sons, luzes e imagens.
As histórias são formas de representação, são variantes do tempo e da
cultura e, por isso, as adaptações são companheiras antigas, Shakespeare, por
exemplo, contou a história de sua cultura através das páginas dos livros, que logo
foram adaptadas para o palco, e mais tarde para o cinema, tornando-as disponíveis
para diferentes públicos. Desse modo, as adaptações são fundamentais às culturas
de diferentes contextos, conforme lembra Linda Hutcheon: “contar histórias, é
sempre a arte de repetir histórias”. Uma adaptação tem sua própria aura, sua
própria presença no tempo e no espaço, uma existência única no local onde ocorre”.
(HUTCHEON, 2011, p. 16).
30
Em vista disso, ao longo dos anos, muitos adaptadores1, sem dar ouvidos a
críticas relacionadas à adaptação, compreenderam o que para alguns deles já era
óbvio, a arte deriva de outra arte; as histórias nascem de outras histórias. No
entanto, continuamente a adaptação é mal vista para alguns. Críticas foram tecidas
a respeito da adaptação, muitos textos acadêmicos e resenhas jornalísticas
disseminam uma ideia de que adaptações, principalmente as populares
contemporâneas, também conhecidas como Best Sellers, são secundárias e
inferiores culturalmente. Consequentemente, uma vez propagada a ideia de que o
cinema vem prestando um desserviço à literatura, são recorrentes ainda avaliações
de caráter discriminatório. Conforme Stam (2008, p.20), termos como “infidelidade,
traição, deformação, violação, vulgarização, adulteração e profanação”, carregam e
veiculam sua própria carga de opróbrio, apesar dos variados termos e acusações, a
sua motriz parece ser sempre a mesma: a de que o livro era melhor.
Para Stam (2008) uma adaptação é automaticamente diferente e original
devido à mudança do meio de comunicação. Sob este aspecto, o autor diz que a
passagem de um meio unicamente verbal como o romance para um meio
multifacetado como o filme, que joga não somente com palavras, sejam escritas ou
faladas, como também com efeitos sonoros e visuais, há pouca probabilidade de
uma fidelidade literal, podendo ser qualificada até como indesejável.
Da mesma forma, compartilha Hutcheon (2011), se a adaptação é tida como
vulgar na história, em conformidade com alguma hierarquia de mídia e gênero
imaginada, tem tudo para ser negativa. Hutcheon observa que a arte do cinema
sofreu com as primeiras adaptações grande preconceito, sendo acusado de
simplificar a obra literária tornando-se assim seu “parasita”, culpado de fazer da
literatura sua “presa e vítima”. Ainda assim, para a autora, o cinema tem potencial
para desenvolver e falar por ele próprio: “o cinema tem em seu alcance inúmeros
símbolos para emoções que até hoje não encontraram expressão nas palavras”.
(HUTCHEON, 2011, p. 23).
Por outro lado, sob a perspectiva da psicanálise, Metz afirma que o cinema
“nos conta histórias contínuas; ele diz coisas as quais poderiam ser expressas na 1 O termo adaptadores é usado no sentido de definir todos os participantes do processo de adaptação. Em virtude
do cinema abranger muitos colaboradores, ou seja, realizadores, não significa que estamos atribuindo a uma
só pessoa o processo que envolve as transformações que englobam a passagem da literatura para o cinema.
31
linguagem das palavras, porém, as diz de modo distinto”. (METZ, 1980, p. 44).
Entretanto, as histórias contadas provêm de outros lugares, e não são
integralmente inventadas, as adaptações possuem uma relação com textos
anteriores, esses chamados de fonte. Os adaptadores reconsideram, ampliam,
selecionam as histórias, contando-as a sua maneira, usam a mesma forma dos
contadores de histórias, conforme Hutcheon (2011, p. 24). As histórias que contam,
entretanto, são tomadas de outros lugares, e não inteiramente inventadas. Tal como
as paródias, as adaptações têm uma relação declarada e definitiva com textos
anteriores, mas diferentemente das paródias, costumam anunciar abertamente sua
relação.
Sob este aspecto, conforme Stam (2008), há teorias que lançam ideias e
dúvidas acerca da pureza, origem e essência da adaptação, ou seja, acerca da
fidelidade oriunda de textos anteriores. Para ele, embora no passado fossem tecidas
críticas acerca da adaptação, muitos estudos manifestando-se a favor da adaptação
avançaram no assunto, desde a narratologia à teoria da recepção, além da teoria
performativa e filosófica, assim como os estudos propostos por Gérard Genette, que
define a intertextualidade como tudo aquilo que coloca um texto em relação com
outros textos, seja essa relação manifesta ou secreta, conforme estabelecido por
Julia Kristeva, baseada em estudos anteriores como o dialogismo de Bakhtin. Desse
modo, a teoria da intertextualidade, trazida por Kristeva, enfatizou a permutação de
traços textuais, e não a fidelidade de um texto em relação ao anterior, abordando
assim o tema de forma menos discriminatória.
Para tanto, conforme Stam (2006, p.23), o propósito bakhtiniano é uma
reavaliação em relação à originalidade artística. Para Bakhtin, a expressão artística
é uma construção híbrida que mistura a palavra de uma pessoa com a de outra.
Uma vez que, para o autor, a literatura é vista como uma construção híbrida, isso
também é válido para um meio que abrange colaboração como, por exemplo, o
filme. Sendo assim, compreende-se, de acordo com autor, que a arte revitaliza-se,
recorrendo a estratégias de formas e gêneros anteriormente marginalizadas,
canonizando o que outrora fora desprezado.
Ainda sob o aspecto das críticas a respeito da adaptação, Stam (2006, p.21)
32
enumera diversas questões, nominadas por ele como preconceito, que estão
relacionadas a outras formas de manifestação da arte. São elas:
1) Antiguidade: o pressuposto de que as artes antigas são
necessariamente artes melhores.
2) Pensamento dicotômico: o pressuposto de que o ganho do cinema
constitui perdas para a literatura.
3) Iconofobia: o preconceito culturalmente enraizado contra as artes
visuais, cujas origens remontam não só às proibições judaico-islâmico-
protestantes dos ícones, mas também à depreciação platônica e neo-
platônica do mundo das aparências dos fenômenos.
4) Logofilia: a valorização oposta, típica de culturas enraizadas na
“religião do livro”, a qual Bakhtin chama de “palavra sagrada” dos
textos escritos.
5) Anti-corporalidade: um desgosto pela incorporação imprópria do texto
fílmico, com seus personagens de carne e osso, interpretados e
encarnados, e seus lugares reais e objetos de cenografia palpáveis;
sua carnalidade e choques viscerais ao sistema nervoso.
6) A carga de parasitismo: adaptações vistas como duplamente “menos”:
menos do que o romance porque uma cópia, e menos do que um filme
por não ser um filme puro.
Dessa forma, a originalidade completa não é possível, tampouco desejável. A
originalidade da adaptação já não é tão valorizada, pois não é configurada como
uma traição à adaptação de um texto, já que muitos deles podem gerar inúmeras
leituras e, consequentemente, seja qual for o romance, ou texto-fonte, pode ser
adaptado.
Por isso, a adaptação herda raízes do dialogismo intertextual e do gênero. O
primeiro, contribui para superar os paradoxos da fidelidade, assim, a adaptação não
é a ressuscitação de uma palavra original, porém uma volta no processo dialógico
em andamento. O segundo, (o gênero) está para uma espécie de compromisso com
33
o gênero no gênero, ou melhor, um conjunto de convenções de gêneros, já que as
adaptações cinematográficas de romances, sobrepõem uma espécie de acordo de
gênero, uma vez que é derivada do intertexto genérico do próprio romance-fonte, e
por outro lado também é composta pelos gêneros utilizados pela mídia tradutória do
filme. Desse modo, a adaptação cinematográfica é uma arte, que consiste na
escolha de quais convenções de gênero são possíveis transpor para o novo meio, e
quais necessitam ser transcodificadas, descartadas, ou substituídas.
Ainda de acordo com Stam (2008, p. 23), é importante ressaltar que o gênero
antes mesmo de ser destacado como gênero fílmico/cinematográfico ou literário é
proveniente de tensões históricas, sociais e culturais. Sendo assim, o gênero
geralmente vem acompanhado de avaliações sociais e conotações de classe já que
é através da narrativa que os indivíduos usam as histórias, principalmente, dão
forma e sentido às coisas, não exclusivamente na escrita, mas em diferentes
linguagens e meios.
A arte narrativa faz da história o seu gene, que se manifesta especificamente
no texto, o que faz da narrativa ser polimorfa, uma vez que assume as mais
variadas formas, tanto pessoais, quanto públicas esboçadas no dia a dia, entre
essas, por exemplo, há histórias em quadrinhos, notícias, o cinema, e a publicidade
em geral, entre outras. Por esse motivo, conforme o autor, a literatura e o romance
não mais ocupam um lugar privilegiado, a adaptação por implicação assume um
lugar legítimo ao lado do romance como apenas mais um meio narratológico. Logo,
o romance e o filme não são retratos de uma realidade pré-existente, e sim são
expressões comunicativas situadas no âmbito social moldadas historicamente.
Sob este aspecto, Hutcheon (2011, p. 230-231) diz que os contextos culturais
são considerados nas adaptações, citando como exemplo o cineasta africano
Ousmane Sembène, considerado na África um griot, ou contador de histórias orais
moderno, pois utiliza o cinema para recontar relatos tradicionais. Por outro lado, há
também adaptações que podem desestabilizar a identidade cultural e, desse modo,
mudar as relações de poder. O caráter subversivo de algumas adaptações contribui
para que essa exerça poder e fascínio sobre os adaptadores e o público.
Sob este viés, a autora toma como exemplo o poeta inglês Percy Bysshe
34
Shelley que, no século XIX, ao ler um manuscrito o qual tratava de uma jovem
italiana que sofrera com incesto e assassinato, resolveu escrever uma peça em
versos, contando a história da jovem. Tal peça caracterizava-se por uma espécie de
protesto histórico, contra o que foi uma tragédia privada, e um escândalo público, já
que a jovem foi presa e morta em praça pública por ter planejado e executado a
morte de seu abusador e um decreto papal autorizou a execução da jovem. Desse
modo, compreende-se que a adaptação trata de contextos históricos, sociais e
culturais, assim como possíveis mudanças relacionadas ao poder, desigualdades de
gêneros, autoridades tiranas, entre outras situações.
Além disso, cabe destacar que a adaptação também está relacionada com o
mercado financeiro, pois alguns adaptadores tendem a adaptar conforme o
mercado, ou seja, de forma mais segura, com romances, textos-fontes confiáveis e
consagrados, tanto financeiramente quanto em relação à censura. Alguns se
arriscaram a adaptar romances populares, como os filmes de Hollywood, no período
clássico, outros, como o cinema britânico, no entanto, preferiram romances já
consagrados dos séculos XVIII e XIX, como por exemplo, os romances de Jane
Austen.
Entretanto, as adaptações são motivadas tanto por questões econômicas,
quanto por motivos pessoais e políticos, pois conforme Hutcheon (2011) as
adaptações são coletivas, quando preparadas em mídias performativas ou
participativas, sendo que para compreendê-las é importante considerar o processo
criativo do adaptador, já que esse aborda questões estéticas e políticas do contexto
criativo, entre outras peculiaridades. Stam (2008) compreende que as adaptações
fílmicas se encaixam no conceito de palimpsesto, cunhado por Gerárd Genette, em
que um texto ensaia mais de um texto em uma mesma obra, sendo hipertextos
nascidos de hipotextos preexistentes, transformados por operações de seleção,
ampliação, concretização e realização. E ainda acrescenta Stam que as adaptações
fílmicas caem no contínuo redemoinho de transformações e referências
intertextuais, de textos que geram outros textos, num interminável processo de
reciclagem, transformação e transmutação, sem um ponto de origem visível.
Sendo assim, também para Hutcheon (2011) a ideia de fidelidade da
adaptação não pode ser referendada, uma vez que termos como alterar, tornar
35
adequado ou ajustar, entre outros, podem ser referidos ao conceito de adaptação.
Além disso, outras perspectivas podem ser designadas à adaptação, tais
como processo de criação, produto formal e processo de recepção, apesar de
perspectivas diferenciadas, essas estão sempre inter-relacionadas. Desse modo, a
adaptação poderá envolver uma mudança de mídia, de um gênero, e de foco. No
primeiro, mudança de mídia, entende-se, por exemplo, como uma mudança de um
poema (contar) para um filme (mostrar). Já no segundo, no gênero, compreende-se,
como uma mudança entre gêneros. Por exemplo, uma adaptação do romance para
o cinema, ou teatro. No último e não menos importante, há mudança de foco, que
pode ser compreendida como uma mudança de contexto, ou seja, recontar a
mesma história com ponto de vista diferente, assim, desencadeando uma
interpretação distinta. Cabe destacar que mudança de forma (ex: poesia, imagens,
sons), gênero (ex: romance, teatro), modo/foco (narrativo, dramático), foram
explorados pela autora como formas de engajamento, como: contar, mostrar e
interagir. Como processo de criação, a adaptação é vista tanto como uma (re)
interpretação, quanto uma (re) criação. Já na perspectiva que envolve o processo de
recepção, a adaptação é uma forma de intertextualidade.
Ainda nesse cenário é importante destacar que a arte tem sua especificidade
material e formal. Segundo Hutcheon (2011, p. 62), cada mídia, conforme as formas
que utiliza para explorar, combinar e multiplicar os materiais familiares de expressão
– como ritmo, movimento, gesto, música, fala, imagem, escrita, cada mídia possui
sua própria energia comunicativa.
Para tanto, a mudança de mídia e as formas de engajamento,
especificamente, do contar para mostrar, isto é, da literatura para o cinema, é
considerada como uma transposição angustiante, uma vez que envolve uma longa e
complexa mudança, pois muitas delas podem reduzir, ampliar, cortar, principalmente
se estiverem envolvidas, por exemplo, com os romances. Por isso, muitos dos
discursos sobre a adaptação para o cinema concentram-se em termos de perda.
Conforme Hutcheon (2011, p. 66), em alguns casos isso que chamam de perda é
simplesmente uma redução no escopo: modifica-se a extensão, eliminando detalhes
e alguns comentários.
36
Por outro lado, as adaptações cinematográficas também inserem na narrativa
vozes, músicas, corpos, sons, assim, configurando uma nova roupagem ao texto
literário. Ao mesmo tempo em que o valoriza, a adaptação também valoriza a si
mesma, por ser um processo que (re) transforma, (re) cria, seja no espaço do
cinema ou da própria literatura.
Dessa maneira, a autora explora o cinema enquanto mídia, desafiando
conceitos já pré-estabelecidos, como por exemplo, a ideia de que o cinema presta
um desserviço às demais artes. Conforme Hutcheon (2011), historicamente o
romance sucedeu o drama, porém, absorveu algumas de suas qualidades
(personagem, diálogo), ao mesmo tempo acrescentou novas possibilidades
(monólogo interior, ponto de vista, reflexão, comentário, ironia, entre outros). Logo,
compreende-se que o cinema inicialmente seguiu os princípios básicos da narrativa
em prosa e copiou o teatro de palco, enquanto desenvolvia suas próprias técnicas e
formas, assim como mecanismos particulares de produção e distribuição de
consumo.
Por outro lado, encontramos em Stam (2008) que a teoria da adaptação
herda questões anteriores relativas à intertextualidade e gênero. A palavra gênero
etimologicamente é proveniente do latim, genus, que significa “tipo”, além disso,
através da classificação dos diversos tipos de textos literários e a evolução das
formas literárias, foram aparecendo teorizações acerca dos gêneros, surgidas no
Ocidente. Sendo assim, temos, por exemplo, Aristóteles, que faz a distinção entre o
meio de representação, os objetos representados e o modo de apresentação,
resultando, na clássica distinção entre o épico e o dramático, à qual se acrescenta o
lírico como desdobramento posterior. Logo, o mundo do cinema herdou esse antigo
hábito de classificar as obras em “tipos”, alguns extraídos da literatura, como por
exemplo, comédia, tragédia, melodrama. Por outro lado, há outros mais visuais e
cinemáticos, como animações. Assim, as adaptações fílmicas de romance-fonte
sobrepõem um conjunto de convenções de gênero, sendo que uma é extraída do
intertexto genérico do próprio romance-fonte, a outra é constituída pelos gêneros
empregados pela mídia tradutória do filme.
Ainda nesse cenário, outro ponto a considerar, de acordo com Hutcheon
(2011), é que a adaptação é o processo de criação, pois envolve-se em uma (re)
37
interpretação, uma (re) criação, podendo ser chamados de apropriação ou
recriação. Dessa forma, essa perspectiva diz respeito à preservação de relatos
valiosos que muito pouco comunicaria a um público contemporâneo, sem certa
“recriação”, reanimação criativa. Como no caso das lendas orais tradicionais
africanas, em que a adaptação preserva uma rica herança em um modo visual e
auditivo, a um público contemporâneo que pouco compreenderia tal contexto da
história e sua importância, sem o auxílio da reanimação criativa.
A última perspectiva é o processo de recepção. Sob esta perspectiva, a
adaptação é uma forma de intertextualidade, caracteriza-se por uma transposição
declarada de uma ou mais obras reconhecíveis; um ato criativo e interpretativo de
apropriação/recuperação. Nesse sentido, a adaptação é uma derivação que não é
derivativa, uma segunda obra não secundária, e sim ela mesma é sua própria coisa
palimpséstica. Sendo assim, a adaptação abrange desde filmes a videogames e arte
interativa, é tanto um desejo de repetição quanto de mudança, já que é baseada em
uma ou mais obras preexistentes, todavia, reencenada, transformada.
Sob este aspecto, explica Stam (2008, p.24), em termos históricos e de
gênero, o romance e o filme reinventam-se, através dos gêneros e mídias
antecedentes. Logo o romance iniciou harmonizando uma diversidade polifônica de
materiais, literatura de viagem, alegoria religiosa, entre outras, transformados em
uma nova narrativa, reafirmando, anexando artes vizinhas, criando novos híbridos,
romances dramáticos, poéticos, epistolares, entre outros.
Entretanto, o cinema enquanto meio de comunicação, linguagem rica e
sensorialmente composta, é aberto aos mais variados tipos de energias literárias,
imagísticas, enfim, aos diversos tipos de simbolismo, e a todas as representações
coletivas, ideológicas, tendência estéticas, como também ao infinito jogo de
influências nas demais artes e da cultura em geral. Ademais, o cinema carrega a
intertextualidade consigo, já que a trilha da imagem tem suas raízes na história da
pintura e das artes visuais, enquanto o som herda a história da música, seguido do
diálogo e da sonoridade. Desse modo, compreende-se, de acordo com Stam, que a
adaptação é a ampliação do texto-fonte através de múltiplos intertextos, o núcleo é
transportado para outras mídias e gêneros, sobre as diferentes formas de empenho,
desde o contar, até o mostrar e interagir. Assim a adaptação visa a uma passível
38
equidade relacionada ao sistema simbólico para os mais variados aspectos da
história, como: temas, personagens, eventos, motivações, contextos,
consequências, ponto de vista, entre outros.
Contudo, a adaptação ocorre de forma material em particular, cujos
adaptadores (teóricos/cineastas) refletem acerca de elementos históricos,
individualmente, muito embora estejam motivados por questões técnicas ou pelas
diferentes mídias seguidas de seus elementos distintos. Com isso, é previsível que o
tema, seja adaptado mais vezes, entre mídias, gêneros e contextos, uma vez que
através de uma história é possível trabalhar vários temas tradicionais variáveis,
como aspectos da natureza, amor, tristeza, ódio, vingança, revelação, elementos
mágicos, entre outros. Além disso, os personagens da história podem ser
transportados de um texto ao outro, tornando-se importantes tanto para efeitos
retóricos, quanto estéticos da narrativa, e assim aguçando o imaginário dos
leitores/espectadores.
No entanto, além do tema e dos personagens da história, podem ser
adaptadas as unidades da história, da fábula, do conto, ou seja, resumidas,
expandidas, traduzidas para demais idiomas, com a finalidade de tornar
compreendidas essas histórias. Por mais que tais mudanças ocorram na adaptação,
seja por motivos técnicos, ou por ponto de vista, conduzem a variações relevantes.
Por outro lado, conforme Hutcheon (2011), há de considerar que algumas
adaptações também transformam o ponto de partida, a conclusão da história, ou até
mesmo o próprio enredo pode ser substituído, como, por exemplo, o caso de uma
crise política, no contexto histórico social no momento em que a adaptação está
sendo preparada, tal crise poderá ser substituída por uma crise pessoal, a depender
dos objetivos e circuntâncias do adaptador. Além disso, esses fatos, geralmente,
ocorrem porque cada forma envolve um modo diferenciado, tanto pela parte do
adaptador quanto pelo público. Cada forma adapta diferentes coisas de diferentes
maneiras, ou seja, contar uma história é diferente de mostrar, interagir, pois, numa
história contada, como no caso de romances e contos, o contador/narrador percorre
o tempo e o espaço, relatando, resumindo, expondo e por vezes, ousa empreender
mergulhos na mente do personagem.
39
Por outro lado, mostrar uma história implica envolver elementos auditivos,
visuais, palavras, sons, luzes, já que estas histórias, geralmente, são apresentações
de teatro, musicais, filmes, óperas, como também as adaptações demandam dos
adaptadores contrair, subtrair, cenas dos romances, por exemplo.
Outro ponto a destacar a respeito das adaptações é que nem todas se
envolvem em atos de corte, em termos técnicos, quer dizer, subtração ou contração,
já que os contos, por exemplo, são adaptados, sem que o adaptador necessite
utilizar de ferramentas como o corte, para que a adaptação aconteça em tal modelo
narrativo. Desse modo, em muitas ocasiões, os contos, ou seja, as fontes precisam
ser ampliadas, de qualquer maneira, o adaptador fará tal procedimento da forma
mais apropriada que este julgue pertinente, independente das razões, embora essas
sejam muitas, o adaptador poderá transcodificar uma mídia para outra ou um gênero
específico.
Nesse sentido, outro aspecto relevante a ser destacado é que existem
também os propósitos econômicos, políticos, históricos, sociais, culturais e
artísticos, de interesse do adaptador e do mercado que orientam a adaptação de
uma obra, de um texto literário. Esses aspectos são um dos motivos pelos quais é
um equívoco a preocupação com o quesito fidelidade à obra. Por outro lado, cabe
mencionar, conforme Hutcheon (2011), que a adaptação é uma ação um tanto
quanto de recuperação, como também de apropriação, envolvendo ao mesmo
tempo um processo duplo de interpretação, quanto à criação de algo novo. Por isso,
compreende-se que a adaptação, enquanto adaptação, é uma espécie de
intertextualidade e o adaptador, geralmente, considera o seu público, seja esse
leitor, espectador, ou ouvinte.
Para tanto, é importante dizer que cada processo possui suas especificidades
em diferentes mídias, para que a imaginação seja despertada, e assim entremos no
universo do imaginário. Quer seja no mostrar uma história, como em filmes e peças,
ou no contar, como em contos e romances, entranhamo-nos no mundo da
percepção sensorial. Há também o modo participativo, esse por sua vez mais afeito
às mídias interativas, como o videogame, diferenciando-se, assim, das demais
mídias, principalmente pelo seu aspecto de lançarmo-nos no mundo físico e
sinestésico. Embora esse processo adaptativo possua suas especificidades, ambos
40
carregam caracteres ativos, tanto imaginativos, quanto cognitivos. Ainda nesse
sentido, cabe destacar, em virtude de o foco do nosso trabalho estar relacionado
com a passagem da literatura para o cinema, aspectos que caracterizam a
adaptação, assim como os meios de passagem de um gênero a outro, de uma
mídia a outra.
Por isso, a passagem do gênero literário narrativo para o cinema, ou seja, do
contar para mostrar, passa primeiramente pelo campo da imaginação, para depois
envolver questões visuais, auditivas, entre outras técnicas que o cinema engloba.
Logo, é o processo da imaginação, guiado pelas palavras, essas já selecionadas,
que conduzem o texto, do contar para o mostrar, aspecto apresentado
principalmente no cinema, ou peças teatrais, entre outros. Assim, a imaginação
passa para o campo da linguagem do cinema, misturando ao mesmo tempo
detalhes, em um eixo ampliado. Uma vez que um filme embase-se em uma
estrutura de três atos, o primeiro deles é o começo que estabelece o conflito; o
segundo é um meio que explora as implicações do conflito; e o terceiro é um fim que
resolve o conflito. (Hutcheon, 2011, p. 37). Logo, compreende-se que um filme
possui a mesma estrutura de um conto, uma narrativa.
Dessa forma, conforme Hutcheon (2011), o modo performativo nos ensina
que a linguagem não é a única forma de expressar o significado ou de relacionar
histórias. Logo, as representações visuais e gestuais são ricas e complexas, a
música corresponde às emoções dos personagens, provocando reações afetivas no
público. Desse modo, o som, geralmente, tanto reforça, quanto realça, como
também contradiz os elementos visuais e verbais. Nesse sentido, não há diferença
entre texto verbal e imagens visuais, pois atos comunicativos, expressivos, -
narração, argumentação, descrição, exposição e outros dos chamados “atos de fala”
- não possuem mídia específica, não “pertencem” a uma mídia ou outra.
Sendo assim, compreende-se que não há mídia performativa melhor ou pior,
boa ou ruim, uma vez que tais mídias possuem uma essência em si, utilizam
diferentes meios de expressão. Por outro lado, há de considerar que contar uma
história, seja escrita ou falada, diferencia-se de mostrar. Conforme já dito, o campo
do mostrar envolve elementos que perpassam desde o som a luzes, cada qual com
sua peculiaridade conquistam o público, leitor/espectador. Além disso, as histórias
41
não se resumem apenas a uma mera transmissão de elementos, como meio,
regras, a passagem de uma mídia a outra, ou de gênero para gênero. Ao contrário,
esses elementos harmonizam e ao mesmo tempo regulam os objetivos da narrativa,
uma vez que essa faz sentido para um indivíduo em algum contexto, ao mesmo
tempo em que é criada por um indivíduo com o mesmo propósito. Dessa forma, a
teoria da adaptação abrange um vasto contexto significativo, com a finalidade de
significar a narrativa na adaptação.
Diante disso, faz-se necessário destacar que Stam (2006, 51: 35) entende a
adaptação como uma realidade pré-existente seja na obra ou no filme, ambas são
expressões comunicativas, situadas no âmbito social e moldadas historicamente.
Ademais, o autor considera que para uma adaptação seja considerada adequada, é
necessário que haja consideração entre tema e estilo. Além disso, é importante a
afinidade entre autor literário e adaptador/cineasta, como também as questões
relacionadas com as modificações e permutas da história.
Outro elemento considerado importante para Stam para refletir sobre a
adaptação relaciona-se com os personagens, refletir de que modo as adaptações
adicionam, eliminam ou condensam os personagens, contribui para o
leitor/espectador refletir sobre a adaptação enquanto adaptação. E o último
elemento que o autor considera é o contexto. O contexto é muito importante, já que
as adaptações, como os romances, são capazes de refletir questões ideológicas e
culturais, assim como discursos dominantes à época em que foi produzida.
No entanto, sob a mesma perspectiva, para Hutcheon (2011), o contexto pode
modificar o significado, não importa onde ou quando, pois no geral, as adaptações
transculturais provocam mudanças nas políticas, tanto raciais quanto de gênero. Por
outro lado, também pode haver mudanças dentro de uma única cultura, tais
mudanças podem abranger uma mesma sociedade, e assim podem ocorrer
adaptações transculturais em um nível local. Entretanto, a autora considera que uma
adaptação mostra como as histórias evoluem, transformando-se e adequando-se a
novos tempos e a diferentes lugares, já que uma história pode ser adaptada para o
uso em diferentes contextos, países e culturas, uma vez que um novo escritor e
adaptador incluam novos temas em obras anteriores, possibilitando a reflexão
acerca de novas ou antigas demandas sociais. Por este motivo, entende-se que a
42
adaptação é repetição sem replicação.
Neste capítulo, procurou-se refletir acerca da teoria da adaptação, mais
especificamente, adaptações transculturais. Como vimos, Stam e Hutcheon
apresentam considerações inter-relacionadas acerca da adaptação, pois baseiam-se
em pesquisas anteriores, essencialmente, fundamentadas nos estudos sobre o
dialogismo de Bakhtin. Tanto Hutcheon quanto Stam refletem sobre a literatura e o
cinema enquanto narrativas, uma vez que a adaptação envolve dois textos que
comunicam a mesma narrativa, e assim lançam base e fundamentam a Teoria da
Adaptação.
Nesse sentido, questões em comum são abordadas pelos autores, uma delas
está relacionada à fidelidade à obra anterior, literária, pois ambos acreditam que
essa questão não é possível, uma vez que um texto engloba outro texto, assim
como um indivíduo engloba a fala de outro em sua fala, ou seja, em seu discurso.
Por este motivo, a questão que engloba a fidelidade à obra enquanto adaptação,
não passa de um ideal teórico.
Outro aspecto elencado pelos autores no que diz respeito à literatura e às
adaptações cinematográficas é que ambos entendem que as adaptações são
provenientes da narrativa, pois cabe lembrar que antes mesmo de definirem os
gêneros, como literários, cinematográficos, fantasia, entre outros, estes eram
resultados de fatores históricos, sociais, e culturais. Além disso, os gêneros são
baseados no dialogismo intertextual de gênero, permitindo assim que a adaptação
reoriente-se em um processo dialógico em movimento, já que os indivíduos também
utilizam a narrativa para dar sentido e forma a acontecimentos.
Ainda nesse sentido, os autores entendem que as histórias são consideradas
formas de representação, e, portanto, variam com o tempo e a cultura, por isso, não
é diferente com o processo de adaptação literária para o cinema.
43
4 RECRIAÇÃO DO CONTO DE FADAS PARA AS TELAS
4.1 BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR
A adaptação fílmica Branca de Neve e o Caçador (2012) foi dirigida por
Rupert Sanders, sendo uma das mais atuais versões para o cinema. Cabe destacar
que, em virtude de o conto ter sido adaptado várias vezes, tais adaptações inspiram
as versões atuais a inovarem, como um processo de reciclagem, pois muitas vezes
inserem novos elementos, às vezes os mantêm, ou ainda, os substituem, a fim de
manter a versão atualizada com o contexto, sem apegar-se somente ao texto
original. Nesse sentido, conforme Stam, “a existência de tantas adaptações
anteriores alivia a pressão pela fidelidade, ao mesmo tempo que estimula a
necessidade de inovação”. (STAM, 2006:43).
Por este motivo existem traços de adaptações anteriores nas adaptações
atuais, uma vez que as adaptações possuem relação recíproca com textos
anteriores, e não visa à fidelidade de um texto em relação ao outro, esses
chamados de fonte. É o caso das adaptações escolhidas para este trabalho, uma
vez que ambas apresentam em comum a exploração dos temas da vaidade e da
beleza, da relação de poder e da afirmação da mulher, cada qual com seu processo
de inovação e de acordo com as demandas da sociedade contemporânea.
No intuito de melhor apresentar o desenvolvimento da adaptação do conto
Branca de Neve para o filme Branca de Neve e o Caçador, valeremo-nos dos
aspectos que compõem a estrutura básica, propostos por Propp (1984), a saber,
início, ruptura, confronto, superação de obstáculos e perigos, restauração e
desfecho. Entretanto, descreveremos primeiramente o tema, o estilo e a
caracterização dos personagens de acordo com sua ação.
O tema da narrativa fílmica Branca de Neve e o Caçador desenvolve-se a
partir da afirmação da mulher representada, principalmente, por Branca de Neve, tal
tema é embasado nas características e objetivos da personagem. Adicionalmente,
temas como vaidade, beleza e poder também são destacados nesta adaptação. A
vaidade e a beleza são representadas pela rainha, visto que ela é obcecada pela
44
juventude, pois não aceita o envelhecimento e não mede esforços para preservar
sua beleza e jovialidade. Com relação ao poder, a rainha utiliza-se deste para
subjugar o povo, e conseguir recursos sempre no intuito de manter-se jovem.
Diferentemente do conto literário, o estilo da adaptação fílmica não é
caracterizada pelo contar e sim pelo mostrar. Nesse contexto, podemos analisar o
estilo proposto nesta adaptação por Rupert Sanders através, por exemplo, dos
figurinos, dos cenários e da própria caracterização visual dos personagens. Estes
apresentam traços sombrios e negros, como se sempre houvesse algo mágico por
trás dos acontecimentos. Assim, o adaptador quis reforçar o seu ponto de vista
acerca do tema não só através da representação das características e ações dos
personagens, como também através de um cenário místico medieval representado
pelo castelo, assim como pelo figurino da rainha Ravenna. A personagem usa
vestidos imponentes e sombrios, o que está relacionado aos aspectos sombrios e
amargurados apresentados pelo perfil da rainha. Neste ponto, cabe destacar que
embora o figurino represente, talvez, os aspectos sombrios de Ravenna, este
também pode estar representando uma questão social, pois a rainha veste-se
diferente dos demais membros do reino, destacando as grandes desigualdades
sociais. Além disso, o cenário também está representado através do espelho mágico
de Ravenna, de forma a reforçar o ponto de vista do adaptador, utilizando
características visuais no espelho que lembram o metal precioso, o ouro, dessa
forma ressaltando a característica da vaidade da rainha.
Com relação à caracterização dos personagens em conformidade com sua
ação, descreveremos a caracterização da rainha Ravenna e Branca de Neve. A
personagem da madrasta, representada pela rainha Ravenna, caracteriza-se por ser
uma mulher vaidosa, bela, mística e que nutre um ódio profundo pelos homens.
A característica relacionada ao ódio de Ravenna pode ser observada na
cena, descrita na Figura 1, em que ela e o rei encontram-se no quarto em sua
primeira noite juntos, após o casamento. Nesta cena, por exemplo, ela diz ao rei que
já foi levada à ruína por outro rei, quando substituía a esposa dele, pois essa era
muito velha, e com o tempo Ravenna também sabia que seria substituída. Neste
ponto, compreende-se que o ódio de Ravenna provém do fato de ela ter sido
substituta da mulher do rei, por ser mais jovem do que ela. Sob esta cena ainda
45
podemos observar que outra característica de Ravenna se torna visível, a afirmação
da mulher. A rainha busca a independência e demonstra tomar as rédeas de seu
destino, por si própria, sem que um homem escolhesse por ela, o que seria uma
escolha dela mesma. Tal característica da afirmação da mulher é representada pela
rainha, no desejo de afirmar-se como mulher, e está presente no fato de ela
demonstrar que pode buscar seus meios de subsistência sem a necessidade de um
provedor masculino.
Fonte: Adaptação fílmica Branca de Neve e o caçador, 2012.
Cabe destacar que diferentemente do conto literário dos irmãos Grimm, esta
adaptação cinematográfica agrega a característica da afirmação da mulher,
representada pelo desejo de afirmação da rainha, o que considera o contexto atual,
uma vez que o perfil de mulheres contemporâneas aproxima-se do desejo da rainha
de afirmar-se na sociedade atual enquanto mulher independente que não necessita
de um provedor masculino.
As características da vaidade e da beleza da rainha Ravenna apresentam-se,
principalmente, todas as vezes que ela consulta o seu espelho mágico. (conforme
Figura 2). De modo semelhante ao conto literário, o espelho pode ser compreendido
como a maneira que a sociedade observa a rainha.
Figura 1 - Rainha Ravenna em sua noite de núpcias
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Fonte: Adaptação fílmica Branca de Neve e o caçador, 2012.
A preocupação da rainha com a beleza está relacionada à alimentação, uma
vez que ela come as entranhas dos animais, como, por exemplo, os pulmões e o
coração, visando adquirir beleza, juventude e vitalidade, conforme vemos na Figura
3.
Figura 3 – A rainha Ravenna come as entranhas dos animais.
Fonte: Adaptação fílmica Branca de Neve e o caçador, 2012.
Tal aspecto, conforme Bettelheim (2000), está relacionado com costumes e
pensamentos primitivos, segundo os quais são adquiridos os poderes e
características daquilo que comemos. Outro ponto a destacar diz a respeito às
jovens mulheres do reino, das quais Ravenna consome seus corpos, incorporando
Figura 2 – O espelho mágico e a rainha Ravenna
47
tais características das jovens, a fim de manter-se sempre bela.
Neste ponto, é importante destacar que estas ações diferem do conto literário
dos irmãos Grimm, pois, no conto a rainha deseja comer os pulmões e o fígado de
Branca de Neve a fim de incorporar as características da princesa. Na adaptação de
Branca de Neve e o caçador, tal desejo está representado nas entranhas dos
animais, e na espécie de magia que Ravenna pratica com as jovens mulheres
prisioneiras do castelo consumindo-lhes a beleza, juventude e vitalidade com a
finalidade de com isso o poder se manter em suas mãos para sempre, como
observamos na Figura 4.
Fonte: Adaptação fílmica Branca de Neve e o caçador, 2012.
Como podemos observar na figura 4, destacamos a cena onde a rainha
Ravenna alimenta-se da juventude de uma jovem prisioneira do castelo. Nesta cena
é a juventude o alimento que a rainha utiliza para manter a sua aparência jovem,
uma vez que, conforme Ravenna envelhece, necessita subtrair tal característica de
outras mulheres. Cabe destacar que, ao utilizar sua magia Ravenna consome sua
própria aparência juvenil. Portanto, quanto mais Ravenna apela para a magia mais
ela necessita de corpos jovens. Ainda neste contexto se faz necessário destacar
uma questão social escolhida para este trabalho, representada pela forma como a
mulher é tratada ao ficar velha. Nesse sentido, observa-se que tal característica
Figura 4 - Rainha Ravenna consome corpos de jovens.
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aproxima-se do contexto da sociedade contemporânea, pois, como sabemos, a
sociedade atual costuma valorizar o jovem em detrimento do mais velho.
Ainda sobre as características apresentadas pela rainha Ravenna, a última
característica representa o místico. O misticismo da rainha nesta adaptação é
abordado diferentemente do que no conto literário dos irmãos Grimm. Mesmo que
Ravenna utilize-se da magia diversas vezes, como vemos, na Figura 5, da maçã
envenenada, tal qual no conto original, o consumo de corpos de jovens mulheres
para nutrir sua beleza e juventude é introduzido apenas nesta adaptação. Da
mesma forma, para controlar o exército e manter-se no poder, utiliza a magia para
enganar o rei e usurpar o seu trono, e ainda para enganar o caçador, uma vez que
ela faz falsas promessas a ele, pois seu objetivo é que ele traga a princesa de volta.
Assim que prende a princesa, da primeira vez, o caçador descobre o ardil e se torna
aliado da princesa.
Fonte: Adaptação fílmica Branca de Neve e o caçador, 2012.
Cabe destacar que, na sociedade atual, podemos relacionar os mais
diversos procedimentos estéticos utilizados pelas mulheres, no intuito de que elas
pareçam mais jovens, à questão da magia e do místico apresentada nesta
adaptação. Quando a mulher moderna busca alternativas estéticas para tentar
parecer mais jovem, ela nada mais está fazendo do que buscar alternativas que
Figura 5 – A maçã envenenada oferecida a Branca de Neve pela Rainha
49
muitas vezes não passam de promessas mágicas. Por este motivo, a rainha
encaixa-se nessas características, uma vez que a adaptação aborda a utilização da
magia pela personagem de Ravenna, de forma a trazer prejuízos às demais
mulheres, em benefício próprio. Visto que Ravenna concentra todos os seus
pensamentos, emoções e sua vontade em ações que dizem respeito à jovialidade
eterna, apoiando-se na magia praticada em quase todos os seus atos, a fim de
encontrar a juventude eterna, a magia apresentada na adaptação está relacionada à
personalidade de Ravenna, uma vez que o egocentrismo dela é evidente, pois
submete tudo em prol de sua vontade e vaidade.
As características de Branca de Neve estão representadas através das suas
ações de astúcia, liderança e bravura. Branca de Neve é astuta e líder porque
consegue convencer o caçador, os anões, e mais tarde os demais membros da
sociedade que apenas ela conseguiria destronar a rainha e reaver o trono, não só
por ela ser da realeza e descendente direta do rei, e com isso ter direito sobre este,
mas também por ela conseguir cativar e reconquistar a esperança de um povo
cansado das maldades da rainha.
Para caracterizar a astúcia de Branca de Neve, podemos, por exemplo,
destacar, na Figura 6, a cena em que a princesa consegue convencer o caçador a
não entregá-la para a rainha.
Fonte: Adaptação fílmica Branca de Neve e o caçador, 2012.
Figura 6 – Branca de Neve convence o caçador a não entregá-la para a rainha.
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Também é possível observar a característica de astúcia da princesa, na cena
em que convence os anões a dar ajuda a ela e ao caçador afim de esconderem-se
do exército da rainha Ravenna. A característica de liderança está presente na cena
em que Branca de Neve consegue convencer o povo a confiar nela para que juntos
derrotem a rainha, conforme é possível observar na Figura 7.
Fonte: Adaptação fílmica Branca de Neve e o caçador, 2012.
A outra característica de Branca de Neve está representada em sua bravura,
pois a princesa busca por seus objetivos e luta por eles, além disso, não apenas
convoca o povo a ajudá-la, como também se coloca na situação de batalha, uma
vez que tal característica está representada na cena em que a princesa, vestida com
armadura e de espada em punho, trava uma batalha com a rainha para reaver o
trono e o reino, conforme vemos na Figura 8.
Fonte: Adaptação fílmica Branca de Neve e o caçador, 2012.
Figura 7 – Branca de Neve exerce sua liderança e
convence o povo a lutar contra a rainha
Figura 8 – Batalha no castelo, em que Branca de Neve retoma o reino
derrotando a rainha
51
Tais características apresentadas por Branca de Neve nesta adaptação
representam características identificadas nas mulheres da sociedade atual, pois
todas as características são relacionadas com a questão do feminismo,
representadas pela afirmação da mulher contemporânea. A mulher atual é brava e
toma as rédeas do seu destino, é astuta para vencer as adversidades impostas, por
exemplo, pelo mercado de trabalho e em muitas vezes a mulher se torna líder, pois
necessita, por exemplo, chefiar sua família.
Descrevemos as características apresentadas pela rainha Ravenna e por
Branca de Neve, resta-nos agora procederemos à análise da adaptação baseada na
estrutura proposta por Propp (1984).
O início dá-se quando a rainha, a primeira, admirava a neve cair, quando vê
uma rosa desafiando o frio; ao tocá-la, espeta o dedo, e gotas de sangue caem
sobre a neve, logo ela desejou que, se um dia tivesse uma filha tão branca quanto a
neve, lábios tão rubros quanto aquele sangue e cabelos negros como as asas de
um corvo e como a força desta rosa. Após algum tempo, o seu desejo é realizado, e
assim dá a luz a uma menina que a chamou de Branca de Neve. Neste ponto, surge
nos braços do rei e da rainha, um bebê representando a princesa, a heroína da
adaptação.
No início destacamos a cena em que a rainha, mãe de Branca de Neve, fala à
filha, essa ainda uma criança, - “Que é a rara a beleza que você possui, conserve-a,
pois será de grande valia quando for rainha”. Nesta cena encontramos o aspecto da
beleza apresentado pela Rainha mãe, no sentido figurado quando fala que a filha
possui beleza interior, ou seja, bondade em seu coração.
A ruptura, ou seja, o problema que desestabiliza a paz inicial ocorre em três
momentos, o primeiro surge com a morte da rainha, mãe de Branca de Neve. O
segundo se dá com o casamento do pai, o rei. O terceiro momento onde há ruptura
ocorre com a morte do rei. Na ruptura destacamos a seguinte cena, após o
casamento, o rei e a rainha encontram-se no quarto, ele diz a ela: “Você será minha
ruína”, ela responde: “De fato meu senhor”, e prossegue falando a ele, - “que já
havia sido levada à ruína por um rei como ele”, - “substituía a rainha dele, pois ela
era muito velha e com o tempo, eu também serei substituída”. – “quando uma
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mulher consegue ficar jovem e bonita para sempre, o mundo é dela”. Logo após,
Ravenna domina o rei, enquanto diz a ele: - “primeiro tirarei a sua vida, meu senhor,
depois usurparei seu trono”. E assim, um dos seus objetivos se concretiza, o rei está
morto.
Além disso, nesta cena é possível observarmos a primeira evidência em
relação aos aspectos sociais abordados neste trabalho, pois aspectos relacionados
à afirmação da mulher são apresentados também pela rainha Ravenna, entre os
quais, a busca pela independência, o desejo de tomar as rédeas de seu destino por
si própria, sem que primeiro um homem escolhesse por ela, para só após decidir o
que ou não a mulher pudesse fazer. Outro aspecto da cena que podemos observar
está relacionado à vaidade e à beleza, em que a conquista do ser belo para sempre
é motivo de preocupação para rainha, uma vez que ela expõe a forma como uma
mulher é tratada após ficar velha. Tal questão está relacionada ao contexto atual, já
que muitas das ações do ser humano baseiam-se em uma espécie de ensejo
descartável, fazendo com que seja jogado no lixo, seja por estar velho demais, ou
por não se prestar mais à sua finalidade, assim como muitas ações de mulheres que
vão em busca do belo por crerem que após conquistar o corpo, cabelo ou a
maquiagem perfeita, o mundo também foi conquistado por elas.
Por outro lado, o confronto inicia na cena em que a princesa vê seu pai morto,
a rainha então passa a comandar o castelo, e com isso faz com que o seu exército
expulse ou mate todos que no castelo vivem, entretanto, a princesa não consegue
fugir, tornando-se prisioneira da rainha Ravenna. Após anos trancada em uma torre
a princesa passou a incomodar a rainha, mesmo não sabendo disso, pois Ravenna
detinha um espelho mágico, seu fiel amigo, e sempre o consultava para saber se
havia alguém no mundo mais bela do que ela. E um dia o espelho diz que há uma
mulher mais bonita do que ela, e por este motivo os poderes da rainha estavam
perdendo força, Ravenna descobre que Branca de Neve havia se tornado uma
mulher bela.
Ainda sob o aspecto das questões sociais escolhidas para analisarmos neste
trabalho, é possível observarmos nesta cena a presença da vaidade e da beleza,
principalmente, quando o espelho fala à rainha que a princesa é mais bela do que
ela. Entretanto, o espelho diz que a pureza e inocência de Branca de Neve podem
53
destruí-la, como também podem salvá-la, e para isso ela deveria tomar o coração da
princesa. A rainha não consegue perceber que tomar o coração da princesa pode
estar relacionado ao amor, à compaixão e à amizade.
Neste aspecto compreendemos, conforme Propp (1984), que há o confronto
entre as personagens, embora Branca de Neve não saiba exatamente o que está
acontecendo, ela começa a imaginar que algo precisa ser feito para que ela deixe
de ser prisioneira da rainha. Assim, Branca de Neve reage ao irmão da rainha,
personagem acrescido na trama cinematográfica. Este, cumprindo ordens de
Ravenna, tentou retirar a princesa da prisão e levá-la até a rainha. Com tal fato, a
princesa consegue fugir do castelo, provocando ainda mais a ira de Ravenna.
Ainda nesse contexto, a rainha, possessa de ódio, ordena ao irmão que
encontre a princesa, inicia-se pelo reino a busca por Branca de Neve, sem
conseguir alcançá-la, a princesa foge para a floresta negra. Entretanto, a rainha não
desiste, e ordena novamente ao seu irmão que tragam a princesa, dessa vez é
necessário encontrar alguém que realmente conheça a floresta negra. O Caçador é
enviado a Ravenna, que determina que ele encontre a princesa, caso se recuse,
será morto.
Conforme a proposta deste trabalho, observamos nesta cena que um aspecto
social é abordado, isso ocorre quando a rainha, ao determinar que o Caçador
encontre a princesa na floresta, ilude-o, prometendo que se ele obedecer a sua
ordem trará sua esposa de volta à vida. É evidente que a rainha possui poderes
ocultos, poderes como matar ou preservar vidas, mas trazer de volta à vida alguém
é impossível, pois estes poderes não se prestam a fatos como este. Tais poderes
são possíveis observar, por exemplo, na cena em que houve duas lutas entre o
caçador e o irmão da rainha: na primeira, o caçador levou a melhor e feriu
mortalmente o irmão, que afunda ferido no pântano ou terra movediça. Na segunda,
o caçador também o fere mortalmente e o irmão chega a pedir ajuda, mas a rainha
está muito fraca e não consegue atendê-lo. Nesse sentido, uma questão social é
encontrada nesta cena, a ética, uma vez que a rainha faz promessas que não pode
cumprir, apenas no intuito de alcançar seu objetivo e mostrar-se poderosa, afinal ela
é a rainha, uma autoridade, e suas ordens devem ser acatadas.
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Ainda de acordo com a estrutura de Propp (1984), a superação ocorre na
cena em que Branca de Neve está na floresta, uma vez que ela encontra-se diante
de obstáculos, na floresta sombria, a princesa ouve sons e o medo a faz fantasiar
situações.
Desse modo, Branca de Neve, na tentativa de sair da floresta, é encontrada
pelo caçador, que decide não entregar a princesa, pois percebe que as promessas
feitas por Ravenna não serão cumpridas, e também é convencido por Branca de
Neve para que não a entregue, porque a rainha a quer morta. Com isso, o caçador
torna-se seu preceptor, passa a protegê-la e a ensiná-la a arte de defender-se.
Contudo, compreende-se que a superação é a fase de desafios e superar
obstáculos ocorre em vários momentos, um deles é quando a princesa chega à
floresta. O outro ocorre quando ela convence os anões a ajudá-la, e o outro
momento da superação prossegue ainda quando a princesa passa pela floresta e
chega até a aldeia. Por outro lado, ainda há superação quando a rainha oferece a
maçã à princesa, a garota morre, e após ela ressuscita. Desse modo, compreende-
se, segundo Propp (1984), que nesse momento houve a superação, uma vez que a
princesa superou novamente um obstáculo.
Ademais, Branca de Neve consegue convencer os anões e o príncipe a
seguir adiante com ela, a fim de derrotar a rainha. Não há dúvidas de que o fato de
conseguir convencer todos os que estão a sua volta demonstra características de
uma mulher valente e decidida, típicas de uma personalidade determinada.
Cabe destacar ainda, conforme a estrutura estabelecida por Propp (1984),
que a restauração inicia-se quando Branca de Neve consegue passar pela floresta
negra, com a ajuda do Caçador, eles chegam até uma aldeia, em que são recebidos
por mulheres com rostos mutilados. Nessa situação inicia-se também a descoberta e
a busca de algo novo, há esperança, uma vez que a princesa encontra refúgio na
aldeia, embora novas situações e obstáculos possam surgir, a princesa está segura.
Entretanto, a busca continua, já que o propósito da princesa é encontrar o castelo
do duque, e é neste caminho acompanhada pelo caçador que eles encontram os
anões na floresta. Uma situação inesperada ocorre, já que os anões prendem a
princesa e o Caçador, porque não confiam neles e querem desfazer-se de ambos,
55
visto que o Caçador é um antigo desafeto dos anões, esses logo imaginam que
Branca de Neve é uma cúmplice do Caçador. Porém, essa situação é logo desfeita,
devido à princesa mostrar-se astuta, em razão de desafiar os anões e conseguir
convencê-los de que eles são fugitivos da rainha, para que assim possam ser
libertados.
Nesta cena, Branca de Neve pergunta aos anões se eles lutariam contra a
rainha, e revela a eles que ela é a princesa, todavia os anões desconfiam. Por outro
lado, Branca de Neve também obtém êxito com os anões devido ao fato de que o
anão mais velho do grupo a observa, e consultado pelos demais anões, ele confirma
que a garota é mesmo quem diz ser, pois ela tem o sangue azul e está
predestinada, e dessa forma ele vê o fim para a escuridão, assim, os anões aceitam
ajudar ambos a encontrarem o castelo do duque.
Nestas cenas é possível observar mudanças de paradigma. Conforme Stam
(2008), o contexto é muito importante, já que as adaptações, como os romances, por
exemplo, são capazes de refletir questões ideológicas e culturais, assim como
discursos dominantes à sua época.
Sob este aspecto ainda, conforme (Hutcheon 2011), uma adaptação mostra
como as histórias evoluem, transformam e adequam-se a novos tempos e a
diferentes lugares, já que uma história pode ser adaptada para o uso em diferentes
contextos, países e culturas, uma vez que o novo escritor, e adaptador, incluam
novos temas em obras anteriores, possibilitando a reflexão acerca de novas ou
antigas demandas sociais.
Portanto, as cenas do filme apresentam-se diferentes em comparação ao
conto original. Na adaptação os anões não se mostram bonzinhos logo de primeira,
tampouco estão dispostos a ajudar a princesa de imediato, pelo contrário, precisam
ser conquistados, e de fato isso ocorre quando Branca de Neve apresenta as
características da afirmação da mulher, uma mulher que usa sua inteligência e
poder para influenciar os demais membros, e com isso conquistar o que almeja.
Portanto, compreende-se que o adaptador optou por utilizar as características da
mulher atual, ou seja, as características do contexto atual, de uma demanda social
que necessita valorizar a mulher continuamente, como também enviar um recado às
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demais que ainda se encontram mergulhadas em incertezas quanto ao seu destino.
Ainda conforme Propp (1984), sob o aspecto da restauração, temos a cena
em que Branca de Neve, acompanhada dos anões e do caçador no caminho para o
castelo do duque, encontram o santuário, é o lugar onde vivem as fadas.
Encantados com o lugar resolvem acampar. Nesta cena, há um momento de
restauração, porque se inicia novamente o processo do novo, e logo após inicia o de
superação, já que surgem novos obstáculos e perigos, pois os súditos de Ravenna
os encontram, e um novo confronto inicia-se, uma nova situação de desequilíbrio
ocorre, em razão de um dos anões morrer em batalha. Nessa situação, ocorre um
novo desequilíbrio para Branca de Neve, uma nova superação há de vir, antes da
restauração. Logo, o exército de Ravenna é derrotado, e seu irmão também é morto,
há neste ponto um desequilíbrio também para a rainha, ou seja, a situação sai do
seu controle, e uma superação e restauração surgem também para ela. Mesmo
assim, Branca de Neve, os demais anões e o Caçador permanecem acampados na
floresta. Porém, a rainha, sabendo que seu exército havia sido derrotado, insiste em
seguir adiante, Ravenna aparece com o corpo do flecheiro e embrenha-se na
floresta em busca da princesa, entretanto, a encontra e, seduzindo-a com uma
maçã, Branca de Neve morre e enfim a rainha sente-se poderosa e vencedora.
Os anões levam Branca de Neve para o castelo do duque, lá a princesa
desperta por meio do beijo do caçador e isso a faz mais forte do que antes, com
uma condição de líder convoca a todos que puderem unir-se a ela contra a rainha. É
nessa cena, de acordo com a estrutura proposta por Propp (1984), que ocorre a
superação, já que a princesa desperta com o beijo do caçador, pois o encanto se
quebrou, e assim Branca de Neve toma partido e deseja confrontar a rainha
convocando todos a auxiliá-la. Neste ponto ainda podemos interpretar que existe
uma espécie de transição do velho para o novo que fez com que a princesa
amadurecesse, tal amadurecimento pode ser compreendido como a representação
de muitas mulheres que necessitam passar por uma transição, decisão, uma
escolha importante em suas vidas, para conquistar o que almejam, ou o seu lugar na
sociedade. Nesse contexto, o universo maravilhoso do conto de fadas pode ajudar
a desenvolver as características de cada um, principalmente, em indivíduos em
formação, da infância e adolescência ao início da fase adulta, para que assim
possamos entender o universo humano e suas potencialidades.
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Por fim, o desfecho inicia na cena em que os aliados da princesa e ela
cavalgam em direção ao castelo da rainha Ravenna, os anões conseguem entrar no
castelo primeiro, abrem o caminho para princesa e seus aliados. No entanto, Branca
de Neve mostra-se decidida em honrar a sua palavra e buscar seu objetivo, derrotar
a rainha, tomar o poder para que a situação retorne a ser o que era antes, quando
seu pai, o rei, governava. E assim é feito, a princesa consegue derrotar a rainha,
após é coroada rainha, e o desfecho ocorre.
A princesa mostra-se decidida, uma mulher valente, apresentando
características de diversas mulheres na sociedade atual, aquela mulher que vai à
luta em busca de seus objetivos, que anseia crescimento, independência e
sabedoria, que confia em seu potencial. Sob este aspecto, é importante destacar
que houve nesta adaptação uma transformação em relação à Branca de Neve do
conto, texto fonte, pode-se perceber que o adaptador utilizou uma questão social
proposta neste trabalho, no caso, a afirmação da mulher, uma vez que nesta
adaptação é valorizada a mulher e todos os seus potenciais, pois na sociedade
contemporânea cada vez mais as mulheres vêm conquistando espaço e afirmando-
se. Além disso, como um gênero forte, aguerrido e que busca seu espaço, a mulher
está disposta a pagar o preço por suas escolhas, pensar e definir seu próprio
destino. Muitos espectadores talvez não tenham compreendido o final da história
adaptada, pois não houve casamento ou indício desse fato, houve, sim, indício de
que ela “aguardava” o Caçador. Entretanto, a adaptação mostrou que nem sempre
os finais felizes irão condizer com a expectativa do público, seja de um conto, ou
romance cinematográfico, e sim estará de acordo com as demandas vigentes na
sociedade contemporânea. Nesse sentido, as adaptações são importantes para
ajudar a desconstruir paradigmas que muitas vezes não condizem mais com os
anseios do público feminino.
4.2 ESPELHO, ESPELHO MEU
A adaptação fílmica Espelho, Espelho Meu (2012) é outra versão do conto
Branca de Neve recolhido pelos Irmãos Grimm, entre o final do século XVIII, início
do XIX, dirigida por Tarsem Singh.
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A narrativa fílmica desenvolve-se a partir do tema vaidade e beleza,
centralizando na personagem da rainha. Ademais, temas como poder e afirmação
da mulher também são destacados nesta adaptação. A afirmação da mulher é
representada por Branca de Neve, visto que a princesa adquire confiança e
liderança no decorrer da trama e afirma-se enquanto mulher. Em relação ao poder
este é representado através do personagem da rainha, que para manter sua
vaidade e vida de exibicionismo e opulência utiliza-se do poder para dominar o
povo, através de taxação de impostos para conseguir recursos para manter suas
futilidades.
É importante destacar que o estilo em uma adaptação fílmica é apresentado
de forma distinta ao do conto literário, uma vez que a narrativa fílmica destaca-se
pelo mostrar e não pelo contar. Desse modo, temos como resultado vários pontos de
vista envolvidos nesta construção, uma vez que é nesta construção criativa que o
adaptador, e os demais envolvidos na arte da recriação do conto para as telas do
cinema irão desenvolver uma perspectiva que pode estar representada no figurino,
no cenário, na caracterização visual das personagens, como também na escolha do
gênero, seja comédia, fantasia, drama, romance, entre outros. Nesse contexto, é
possível observar o estilo apresentado por Tarsem Singh nesta adaptação, através,
por exemplo, do figurino da rainha e de Branca de Neve. Tais figurinos apresentam
um visual aprimorado e um tanto quanto extravagante, talvez, para adaptação já ir
ganhando força, ao mesmo tempo que apresentando o estilo do adaptador. O
cenário é configurado por um castelo exuberante em que se observa a presença da
cor dourada, que lembra o ouro, símbolo da opulência, da vaidade e da obsessão
por dinheiro nutrida pela rainha. Além disso, tal cenário e a caracterização visual
das personagens apresentam traços alegres, extravagantes, visto que o adaptador
utilizou tais características para apresentar seu ponto de vista sobre o tema, ao
mesmo tempo em que apresenta o seu estilo na caracterização do figurino, do
cenário e na apresentação das personagens. Essas, por sua vez, apresentam-se de
maneira irônica e extravagante, principalmente a personagem da rainha. Dessa
forma, com a apresentação de tais elementos, o adaptador também reforça a
escolha do gênero pela comédia, pois o que ele pensa e quis dizer a respeito do
tema são apresentados em tons sarcásticos por parte da rainha. Da mesma forma,
reforça a questão social da vaidade, da beleza, do poder e da afirmação da mulher.
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As características que representam a rainha, madrasta de Branca de Neve,
continuam sendo a vaidade e a beleza, acrescidas de exibicionismo e misticismo. A
vaidade e beleza da rainha apresentam-se, por exemplo, na cena em que a rainha
solicita ao espelho um conselho, sendo esse representado por um reflexo sem rugas
dela mesma, conforme é possível observar na Figura 9.
Fonte: Adaptação fílmica Espelho, Espelho meu, 2012.
O espelho diz à rainha que ela passou muito tempo nutrindo sua vaidade, e
por isso está falida. Neste ponto, observamos a característica da vaidade
representada pela rainha. Tais características podem ser observadas, também, na
cena em que ela, ao oferecer uma festa no castelo para impressionar o príncipe,
prepara-se em um ritual de beleza, exagerando nos procedimentos de tal
preparação, conforme vemos na Figura 10.
Fonte: Adaptação fílmica Espelho, Espelho meu, 2012.
Figura 9 – A rainha e o espelho
Figura 10 – A rainha em ritual de beleza
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Assim, é possível observar que tais cenas podem fazer referência a atitudes
que a mulher moderna toma no sentido de preservar a sua juventude a qualquer
preço, como, por exemplo, o uso de substâncias prejudiciais e procedimentos
inadequados ao corpo. Dessa maneira, a adaptação fílmica vale-se de
comportamentos contemporâneos a fim de ironizar valores da sociedade atual.
A rainha é exibicionista, preocupa-se em mostrar que ela e seu próprio reino
possuem mais riquezas do que realmente possuem. A cena em que a rainha
promove uma grande festa para receber o príncipe de outro reino mais abastado
demonstra tal característica da rainha, conforme é possível observar na Figura 11.
Fonte: Adaptação fílmica Espelho, Espelho meu, 2012.
Cabe destacar aqui que a rainha utiliza-se de tal exibicionismo no intuito de
impressionar o príncipe para que este se case com ela e assim resolva seus
problemas de ordem financeira. Tal situação, diferentemente da adaptação Branca
de Neve e o caçador, mostra a rainha em busca de um provedor. Esta cena é
apresentada de maneira cômica e inteligente, demonstrando um toque irônico do
adaptador com relação a este tipo de união matrimonial que ainda ocorre na
sociedade atual, mas que a cada dia se torna menos recorrente, em virtude da
afirmação da mulher moderna.
Outra característica da rainha está representada pelo misticismo, uma vez
que ela utiliza de poderes mágicos, como, por exemplo, da magia negra para
conquistar o que almeja. Esta característica também é possível observar na cena
Figura 11 – Festa no castelo oferecida pela rainha
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em que a rainha manda marionetes até a casa dos anões para derrotar Branca de
Neve, sendo que tais marionetes eram controladas pela própria rainha, representada
pelo reflexo dela mesma. O misticismo da rainha também pode ser observado na
cena em que ela solicita ajuda ao espelho dizendo que deseja usar a magia para
encantar o príncipe, e assim poder casar-se com ele, conforme vemos na Figura 12.
Fonte: Adaptação fílmica Espelho, Espelho meu, 2012.
O espelho alerta que futuramente ela pagará o preço por utilizar a magia. Tal
característica é abordada nesta adaptação de modo semelhante à adaptação
cinematográfica Branca de Neve e o caçador, visto que a rainha desta adaptação
também utiliza da magia diversas vezes para alcançar seus objetivos, tendo em
vista a solução de seus problemas. Da mesma forma, na versão do conto literário,
compilado pelos irmãos Grimm, a magia é utilizada pela rainha diversas vezes, até
ela seduzir Branca de Neve com a maçã envenenada.
A adaptação Espelho, espelho meu difere do conto literário dos Grimm e
também da versão cinematográfica de Branca de Neve e o caçador, no aspecto da
apresentação do místico relacionado à alimentação. Como vimos, no conto literário
a característica do misticismo na alimentação é apresentada pelo desejo da rainha
comer o pulmão e o fígado de Branca de Neve, a fim de incorporar as
características da princesa.
Nesta adaptação tal desejo não é apresentado pela rainha, uma vez que seu
súdito, após ter cumprido a ordem de executar a princesa na floresta, retorna ao
castelo trazendo um pacote com as vísceras de um animal selvagem, dizendo à
Figura 12 – A rainha pede ajuda ao espelho para usar a magia.
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rainha que tais vísceras pertenciam a Branca de Neve, ao que a rainha ironicamente
responde ao súdito que isso não é necessário e ordena a ele que se retire
imediatamente e leve consigo tal pacote. Nesta cena, é possível perceber a intenção
do adaptador em aguçar a memória do espectador, fazendo com que ele relembre o
conto literário, como acontece também na adaptação Branca de Neve e o caçador.
Além disso, nesta cena também é possível observar a intenção do adaptador em
reforçar a escolha do gênero comédia na adaptação, representado na ironia e
sarcasmo das personagens.
Em Branca de Neve e o caçador, o misticismo está representado na cena em
que a rainha come tais órgãos, mas de uma ave. Neste sentido, pode ser observado
que o adaptador abordou o aspecto do misticismo da alimentação modificando a
forma de apresentar tal aspecto, ao mesmo tempo conservando elementos da
versão literária do conto, a fim de que o leitor/espectador reconheça este aspecto na
versão atual. Além disso, nesta adaptação a personagem da rainha utiliza a magia
mais no sentido de manter-se na imortalidade, sempre jovem e bela.
Por este motivo, em Espelho, espelho meu, o adaptador não aborda tal
característica. Embora a maçã apareça apenas no final da adaptação, esta não é
apresentada com a mesma finalidade que nas demais adaptações. Como vimos, no
conto literário e na adaptação de Branca de Neve e caçador, a maçã aparece sendo
oferecida pela rainha a Branca de Neve, que acaba comendo a maçã e
adormecendo. Assim a rainha acredita ter derrotado a princesa. Em Espelho,
espelho meu, a rainha também oferece a maçã a Branca de Neve, porém a
princesa, demonstrando de modo cômico e sagaz o seu conhecimento a respeito
dos contos de fadas, não a come, e ainda oferece a maçã para própria rainha.
Por outro lado, cabe lembrar que, nesta adaptação, o misticismo ocorre por
parte da rainha, principalmente, quando ela usa dos poderes da magia mais para
alcançar o que deseja. Neste ponto, assemelha-se ao objetivo do conto literário dos
irmãos Grimm, a rainha madrasta dessa versão também utiliza a magia com a
finalidade de alcançar seus objetivos.
As características de Branca de Neve estão representadas através da
astúcia, liderança e confiança. Tais características podem ser observadas, por
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exemplo, através de algumas cenas.
Na cena em que os anões tentam roubar a carruagem da rainha, é
apresentada a característica de astúcia da princesa, porque ela consegue
convencer os anões que roubar não é o ideal, mesmo que esse roubo seja praticado
contra a rainha, pois o dinheiro roubado provém dos impostos cobrados do próprio
povo conforme vemos na Figura 13.
Fonte: Adaptação fílmica Espelho, Espelho meu, 2012.
Na seqüência, ela devolve o dinheiro ao povo, dizendo a eles que os
responsáveis por tal restituição eram os anões, ao mesmo tempo em que destaca o
mérito dos anões, a princesa sugere ao povo que reconheçam eles como moradores
do reino, já que há algum tempo eles haviam sido expulsos do reino pela rainha, que
os considerava como indesejáveis, com isso impedindo-os de viver no reino. Neste
ponto, é possível observar que a rainha expulsou os anões do reino por conta de
sua condição física e com isso a questão social do ser belo está representada
negativamente na condição física deles.
Ainda neste contexto, podemos observar que o adaptador optou por
apresentar duas questões sociais, uma delas é a negação do belo, representada
pela condição física dos anões, e a outra, representada pelo trabalho dos anões,
pois são ladrões. Diferentemente do que ocorre com os anões do conto literário dos
irmãos Grimm, no qual os anões são apresentados como trabalhadores das minas,
Figura 13 – A princesa devolve o dinheiro dos impostos ao povo
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que trabalham arduamente e voltam para casa no final do dia. Da mesma forma, é
possível observar esse aspecto na adaptação Branca de Neve e o caçador, pois os
anões são trabalhadores das minas, porém, o adaptador agregou rebeldia aos
anões desta adaptação, percebida pela resistência destes em colaborar com os
personagens de Branca de Neve e do caçador.
A característica de liderança da princesa é apresentada, por exemplo, na
cena em que Branca de Neve, treinada pelos anões, aprende a arte de lutar com
espadas e com resultado de seu desempenho, torna-se a líder dos anões, conforme
é possível ver nas Figuras 14 e 15.
Fonte: Adaptação fílmica Espelho, Espelho meu, 2012.
Fonte: Adaptação fílmica Espelho, Espelho meu, 2012.
Desse modo, é possível perceber que a princesa consegue se superar,
Figura 14 – Branca de Neve treina com espadas
Figura 15 – Branca de Neve torna-se líder dos anões.
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defender-se, e assim acreditar em si e que é capaz de enfrentar e destronar a
rainha. Nesse contexto, podemos relacionar tal condição de liderança ao papel
desempenhado pela mulher moderna nas instituições, visto que as instituições
visam contratar profissionais qualificados, treinados, preparados para o mercado de
trabalho.
Outra característica da princesa está representada na confiança que a
princesa desenvolve ao longo da trama, visto que no início da adaptação Branca de
Neve é uma menina insegura que vive dentro dos limites físicos e psicológicos
determinados pela Rainha. Por exemplo, ela não pode sair dos limites do reino e, ao
mesmo tempo, deve reportar todas as suas atividades à Rainha. Após a conversa
de Branca de Neve com uma das serviçais do castelo, ela toma coragem, sai do
castelo e observa como realmente o povo está sobrevivendo, conforme vemos na
Figura 16.
Fonte: Adaptação fílmica Espelho, Espelho meu, 2012.
Deste ponto em diante da adaptação, Branca de Neve passa por diversas
situações, principalmente relacionadas aos anões, mas também relacionadas ao
povo e ao príncipe, que a fazem amadurecer e se tornar confiante. A confiança
demonstrada por Branca de Neve, tal qual a liderança, são características que a
mulher atual deve possuir, visto que o perfil de mulher dependente e insegura que
Figura 16 – Branca de Neve conversa com a confeiteira.
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necessita de um provedor masculino já não é mais tolerável e aceitável como um
padrão na sociedade atual.
Cabe destacar que em Espelho, Espelho meu, o início ocorre com a
madrasta de Branca de Neve contando a história: uma vez num reino muito distante,
havia uma menininha que acabara de nascer, sua pele era branca como a neve, seu
cabelo era escuro como a noite, e seus pais a chamaram Branca de Neve.Trata-se
de um modo inovador de introduzir a heroína da história, mas a seqüência da
narrativa é preservada. Logo, após o parto a rainha mãe de Branca de Neve faleceu.
Assim, o rei, pai de Branca de Neve, sozinho, passa a cuidar da princesa, e a
prepara para governar o reino como ele. O reino era um ambiente feliz, seus
habitantes também, gostavam do rei e da princesa. Com o passar dos anos, o rei
percebeu que não conseguiria cuidar da princesa sozinho, pois havia certos pontos
na educação da menina que exigiam o auxílio de uma mulher, com isso o rei foi à
procura de uma nova rainha.
A mulher escolhida para ser a rainha era a mais bela, inteligente e forte, o rei,
apaixonado, fazia tudo pela rainha, que significava muito para o rei. Porém, uma
magia negra tomou conta do reino, e com isso o rei teve de ir embora, cavalgando
floresta adentro, deixando para Branca de Neve, sua adaga favorita, e assim a
princesa ficou sob os cuidados da madrasta. Os anos passaram e Branca de Neve
se tornou uma jovem linda, e sua beleza despertou o ciúme e a inveja da rainha, sua
madrasta. Com isso a rainha, para continuar sendo a mais bela das mulheres
daquele reino, teria de desbancar Branca de Neve. Como vimos na descrição da
cena acima, de acordo com Propp (1984), no início se dá o aparecimento da
heroína, logo após o adaptador opta por apresentar a história de uma forma
diferenciada, uma vez que a madrasta narra a história. Além disso, o início é
diferenciado, se comparado à adaptação Branca de Neve e o Caçador, pois a
rainha, mãe de Branca de Neve, já havia falecido, o rei cuidou da princesa sozinho,
a mimou, e passados alguns anos ele se deu conta que precisava de uma nova
esposa. Outro aspecto a ser destacado é que no início a história é apresentada sob
o ponto de vista da rainha. Essa hipótese é fundamentada no início da adaptação,
visto que essa é contada pela rainha. Cabe destacar, que tal trecho é narrado de
modo a reforçar a intenção do adaptador em utilizar o gênero comédia na adaptação
de Espelho, espelho meu, pois a rainha de uma forma sarcástica, conta a história de
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Branca de Neve como se fosse a sua própria história.
Já a ruptura se dá no instante em que Branca de Neve, ao completar
aniversário, ouve da confeiteira que ela continua ali trabalhando, pois sabe que um
dia a princesa terá o seu reino de volta, e gostaria de estar ali quando isso
acontecesse. Branca de Neve diz à confeiteira, que o reino não é dela, e sim da
rainha. A confeiteira reitera que sim, o reino pertence à princesa, já que o pai de
Branca de Neve desejava que assim fosse. Ainda na conversa, a mulher diz à
princesa o que houve, que a rainha convenceu o reino de que ela era uma garota
patética, insegura e incapaz de sair do castelo, e que ela acreditou nisso. Então, a
empregada, que havia guardado a adaga que pertenceu ao pai da princesa, dá o
objeto que lembra o pai à princesa e a incentiva para que ela veja com os próprios
olhos o que houve com o reino que pertence a ela: as pessoas não cantam mais,
tampouco dançam, por isso estão infelizes.
Ainda na ruptura, o contato da rainha com o espelho se dá pela primeira vez
devido à rainha pedir um conselho a ele, aqui também vemos o aspecto do poder e
da vaidade da rainha, sendo o espelho um reflexo dela mesmo. O espelho diz à
rainha que ela precisa casar imediatamente, já que ela passou muito tempo nutrindo
sua vaidade, e agora está falida. Neste aspecto, é importante destacar que a ruptura
ocorre em outros momentos na trama, como por exemplo, no caso em que Branca
de Neve precisa mudar de atitude, visto que necessita assumir o reino e assim é
preciso que ela encare os desafios de acreditar que dispõe de valentia para tal fato.
Por outro lado, a ruptura também ocorre em relação à rainha, pois ela precisa mudar
a situação financeira dela, e isso só acontecerá se ela encontrar um marido rico que
possa sustentá-la e assim tirar o reino da miséria. A ruptura ocorre ainda quando o
espelho diz à rainha que ele é apenas um reflexo dela, porém sem rugas. A rainha
retruca, dizendo que não são rugas, e sim marquinhas, nesse sentido, há aqui uma
das evidências da vaidade por parte da rainha.
Outra questão social evidenciada é afirmação da mulher, presente na cena
em que o príncipe fica em uma situação constrangedora, após o ataque dos anões
ladrões. Sob esse fato é importante dizer que nesta adaptação foi abordada de
forma contemporânea, como no aspecto do roubo e assalto, visto que essas
questões se fazem cada vez mais presentes no contexto da sociedade atual. O
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aspecto da afirmação da mulher também é destaque, visto que ocorre quando o
príncipe conhece Branca de Neve, que resolveu acatar o conselho oferecido pela
confeiteira de sair e conhecer o reino.
Ainda no caminho para a aldeia, na floresta, Branca de Neve se depara com o
príncipe e seu companheiro de viagem, esses estão amarrados, seminus e
dependurados em uma árvore, vítimas de um assalto. O príncipe então ordena a
Branca de Neve que os soltem, porém a garota não acata a ordem e diz que só fará
depois que o príncipe seja mais gentil e educado, e que lhe pedisse, “por favor”.
Nesse aspecto, é possível observar mesmo que sutilmente a presença da afirmação
da mulher, e manifestações de coragem e valentia da princesa, uma vez que ela não
acatou de imediato as ordens do príncipe.
De outro modo, é importante destacar, de acordo com Propp (1984), o
confronto, que inicia no momento em que a princesa conhece o príncipe, e mais
tarde a rainha o conhece, fazendo com que um interesse igual seja compartilhado
por ambas, no caso, o interesse é o príncipe. Como vimos, Branca de Neve ajuda o
príncipe e seu companheiro de viagem a soltarem-se da árvore, após ajudar Branca
de Neve se interessa afetivamente pelo príncipe, e ele por ela, entretanto, ambos
seguem caminhos diferentes, ele para o norte e ela para o sul.
Desse modo, cada um chega ao seu destino, ele encontra o castelo da
rainha e conta o que houve, apresenta-se a ela, pedindo desculpas pela forma como
se apresenta seminu, pois foi atacado por ladrões. Nesse instante, percebe-se que a
rainha se interessa por ele, já que ela procura um homem rico para casar, o príncipe
se encaixa nesse perfil, porque seu reino dispõe de recursos naturais, entre outras
riquezas. Já Branca de Neve chega até a aldeia e lá constata o que lhe fora dito, o
povo está infeliz e passando muitas dificuldades, por conta do descaso da rainha.
A rainha, empolgada com o príncipe, logo arquiteta um plano para
impressioná-lo, e manda seu súdito preparar uma festa no castelo, porém, o súdito,
preocupado, diz a ela que não há como cobrir as despesas, visto que a rainha e o
reino estão falidos, nesse caso ela ordena a ele que vá cobrar mais impostos do
povo, o súdito afirma que não sabe mais como fazer isso, porque o povo não
acredita mais nela. A rainha, sem se preocupar, manda que ele invente algo ao falar
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para o povo, porque para esses uma boa metáfora serve, pois o povo adora
metáforas. Neste ponto, encontramos uma das questões sociais abordadas neste
trabalho, pois vemos a relação de poder que a rainha mantém, ostenta, para com o
povo, por pensar apenas em si, e em atingir seus objetivos: o povo está faminto,
passando necessidades devido ao individualismo da rainha.
Outro aspecto que cabe destacar diz respeito à rainha, quando está se
preparando para a festa de boas-vindas ao príncipe, divertindo-se em um ritual de
beleza, esgotando os recursos possíveis do reino, pois ao exagerar na sua
preparação, não está considerando a falida situação financeira em que vive. Esta
situação abordada pela adaptação alude também à questão das loucuras e
bizarrices que muitas mulheres fazem ao cuidar da beleza, muitas vezes sem os
cuidados devidos com a saúde, adotando procedimentos não adequados, por vezes
mal feitos tanto por profissionais quanto por clínicas de beleza que oferecem estes
serviços, carecendo de recursos e capacitação para executar tais procedimentos.
Nesse aspecto, compreende-se que o adaptador, ao abordar tais questões nesta
adaptação cinematográfica, estava considerando o contexto contemporâneo.
É importante ressaltar, segundo Propp (1984), que ainda ocorre o confronto
na cena do baile, em que a rainha e Branca de Neve confrontam-se com olhares.
Branca de Neve dança com o príncipe sem a rainha saber, a princesa, na tentativa
de pedir ajuda a ele para recuperar o reino, conta ao príncipe os atos que a rainha
comete contra o povo.
Entretanto, Branca de Neve não consegue pedir ajuda ao príncipe, pois é
descoberta pela rainha, que manda seu súdito buscá-la no salão. O confronto
persiste, já que Branca de Neve violou as regras do castelo determinadas pela
rainha, tais regras consistiam em não andar pelo castelo quando houvesse festas, e
ainda não sair deste. Porém, como a própria rainha percebeu, Branca de Neve
sentiu-se encorajada a confrontá-la, visto que foi até a aldeia ver o que realmente
acontecia com o povo, como também encorajada pela confeiteira, saiu de seu
quarto e participou do baile, afrontou a rainha dizendo que ela não tinha o direito de
governar da forma que fazia, tratando mal o povo e o reino. Assim como relembrou a
rainha que era ela a líder legítima do reino, por ser a princesa. Além disso, o
interesse de ambas pelo príncipe é elemento de confronto entre as personagens,
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conforme é possível observar na Figura 17.
Fonte: Adaptação fílmica Espelho, Espelho meu, 2012.
Se, por um lado, a princesa violou as leis do castelo, por outro lado, aos
poucos ela se torna corajosa e demonstra que é capaz de enfrentar a rainha pelo
povo, e reviver os ideais do seu pai, o rei, ou seja, tratar o povo bem e dar a eles o
que mereciam para assim ser feliz.
Além disso, o confronto se torna mais evidente quando Branca de Neve diz à
rainha que era ela que possuía o direito de ser a líder legítima do reino, por ser a
princesa. Nesse ponto, o confronto acontece de forma evidente, uma vez que a
rainha não aprova a conversa de ambas, e solicita ao seu súdito que leve a princesa
para floresta e a deixe lá para que seja devorada pela fera. Nesse aspecto,
diferentemente do que ocorre na outra adaptação escolhida para este trabalho,
percebe-se que a rainha manda matar a princesa não pela vaidade e sim para
manter-se no trono e o poder prevalecer em suas mãos. Desse modo, a questão
social relacionada ao poder se faz presente também nessa cena.
Assim, Branca de Neve deixada na floresta, na tentativa de encontrar uma
saída, desmaia. Os anões que passavam por ali a encontram ajudam-na e a levam
Figura 17 – Branca de Neve confronta a rainha
71
para casa deles. Admiram a beleza da princesa enquanto ela não acorda. Após
despertar, a princesa diz aos anões quem é eles sem muito acreditar pensam em
devolvê-la, ao mesmo tempo em que sabem que ela é a filha do rei, então é rica e
assim podem pedir resgate em troca. Logo, uma reunião é iniciada entre os anões,
para que decidam se a princesa pode ficar na casa. Eles optam por Branca de Neve
permanecer com eles, em seguida saem para trabalhar e a princesa prepara o jantar
e arruma a casa. Ao voltarem, se deparam com tudo organizado.
Branca de Neve agradece a hospedagem aos anões de uma forma que
lembra uma mulher idealizada, dona de casa, sensível e adorada por todos. Branca
de Neve, ao mesmo tempo, segue em frente diante dos obstáculos, desse modo,
observa-se que a princesa está em uma transição, entre o perfil de uma mulher
tradicional e liberada.
Por outro lado, a adaptação aborda a questão social relacionada à corrupção
e ao roubo, observa-se que corrupção está por conta do súdito da rainha, ao buscar
o dinheiro do povo referente aos impostos, rouba algumas moedas de ouro do saco,
com tal atitude mostra-se antiético tanto como profissional, já que é empregado da
rainha, como também com o povo, pois está preocupado apenas com sua situação
financeira. Ainda nesse cenário, ao passar pela floresta, o súdito é assaltado pelos
anões que lhe roubam todo o dinheiro. Os anões, ao chegarem em casa, revelam a
Branca de Neve que são ladrões, roubam do povo e da realeza, a princesa chama a
atenção deles, pois roubar não é trabalho e os alerta que estes atos são
inapropriados, já que o reino está falido e os habitantes pouco dispõem de recursos.
Por este motivo a princesa pede a eles que o dinheiro seja devolvido ao povo,
entretanto, os anões revelam que o povo não gosta deles, uma vez que a rainha
expulsou os indesejáveis do reino, e o povo não ofereceu ajuda a eles. O fato de os
anões apresentarem características físicas diferentes dos demais, pois eram feios,
fez com que a rainha os banisse de conviver socialmente com o restante do povo.
Isso mostra o quão irresponsável é a rainha, além disso, é possível observar
novamente a questão social relacionada à vaidade, já que as condições físicas dos
anões para a rainha era um incômodo.
Sendo assim, Branca de Neve tenta ajudar os anões, encoraja-os, e segue
insistindo que eles devolvam o dinheiro ao povo, logo percebe que é inútil, assim ela
72
mesma resolve ir até a aldeia e devolver o dinheiro. Com segurança, independência
e valentia ela faz com que o povo volte a considerar as atitudes dos anões, e desse
modo eles são redimidos. Nesse sentido, compreende-se que Branca de Neve, com
essa atitude, supera obstáculos e perigos em virtude de seu ideal, e consegue
devolver o ouro ao povo.
Os anões, propõem à princesa que ela deve se juntar a eles nos assaltos, já
que pretendem roubar apenas da rainha, porém Branca de Neve impõe uma
condição, a de que todo o ouro roubado seja devolvido ao povo, os anões aceitam,
assim tornam-se tutores da princesa, e a ensinam a arte de lutar, defender-se e
acreditar, já que ela necessita aprender para se superar.
Cabe destacar, por outro lado, em relação à adaptação cinematográfica, que
o adaptador da trama utilizou traços de outras histórias, contos e demais
adaptações, pois ao observarmos a cena em que os anões assaltam, e após o fato
de Branca de Neve propor que devolvam o dinheiro ao povo, lembramos de outros
textos, histórias, assim como demais adaptações cinematográficas, como, por
exemplo, Robin Hood, devido ao fato de esse personagem roubar de comerciantes
ricos que transitavam pela floresta para dar ao povo.
Sob este aspecto, conforme Stam (2008), as adaptações são hipertextos
nascidos de outros textos preexistentes, transformados por operações de seleção,
ampliação, concretização e realização. Além disso, conforme o autor, adaptações
fílmicas caem no contínuo redemoinho de transformações e referências
intertextuais, de textos que geram outros textos num interminável processo de
reciclagem, transformação e transmutação, sem um ponto de origem visível, sendo
assim que ocorre a adaptação.
Ainda na questão sobre a superação, na cena em que Branca de Neve
descobre que o príncipe irá se casar com a rainha, essa envia uma magia negra
para casa dos anões, a fim de destruí-los juntamente com a princesa. Isso ocorre
através de bonecos de pau, representados através de marionetes que estão ligadas
à rainha. Compreende-se que estes bonecos aludem à própria princesa, já que ela
está em processo de transformação, pois necessita aprender e permanecer decidida
e valente para que não se torne mais manipulada nas mãos da rainha. Entretanto,
73
Branca de Neve e os anões lutam para derrotar tais bonecos, mas é a princesa que
consegue derrotá-los, e assim consegue superar a rainha, uma vez que os encantos
da magia foram rompidos. Além disso, outro momento da superação ocorre quando
Branca de Neve seqüestra o príncipe que está sob os efeitos de uma magia
realizada pela rainha. Ademais, Branca de Neve sabe que o encanto precisa ser
quebrado, e isso só ocorrerá com um beijo de amor verdadeiro, assim é feito, o
príncipe é beijado por ela e com isso livra-se do encanto, Branca de Neve mais uma
vez supera um obstáculo, e a rainha é impedida de realizar seu objetivo.
Outro aspecto a ser destacado, conforme a estrutura de Propp (1984), diz
respeito à restauração, isso ocorre no momento em que Branca de Neve luta com a
rainha. Já que essa não conseguiu atingir seus objetivos, vai atrás de Branca de
Neve na floresta, a encontra e a batalha entre ambas reinicia. A rainha põe uma fera
a lutar com a princesa, sendo que o final acontece no momento em que a princesa
mais uma vez corta um cordão que liga a fera às forças da rainha. Sem saber,
Branca e Neve acaba descobrindo que a fera é mais uma vítima manipulada pela
magia da rainha, esta fera é o rei. Desse modo, o encanto se quebrou, ou seja, a
magia é desfeita, e a rainha começa a pagar o preço por utilizar a magia e é
derrotada.
Ainda conforme Propp (1984), o desfecho se dá quando o rei retorna ao
trono, e concede o casamento entre Branca de Neve e o príncipe, assim a princesa
demonstrou-se decidida, corajosa e líder, pois não deixou de acreditar em seu
próprio potencial e dessa maneira alcançou seus ideais.
74
5 SOCIEDADE E CULTURA CONTEMPORÂNEA NAS ADAPTAÇÕES DE
BRANCA DE NEVE
5.1 VAIDADE E BELEZA
Atualmente, o culto da beleza e da vaidade em nossa sociedade é
influenciado por fatores como a moda e suas tendências, a indústria dos
cosméticos, personalidades da mídia, disputas de beleza, inveja, entre outros.
Nesse contexto, a questão da vaidade também é amplamente discutida em
praticamente todas as versões do conto da Branca de Neve. Sob este aspecto da
atual sociedade nos diz Bauman:
“a corrida aos inúmeros salões de beleza nasce, em parte, de preocupações existenciais, e o uso de cosméticos nem sempre é um luxo. Por medo de caírem em desuso como obsoletos, senhoras e cavalheiros tingem o cabelo, enquanto quarentões praticam esportes para se manterem esguios. “Como posso ficar bela?”, indaga o título de um folheto recém-lançado no mercado; os anúncios de jornal dizem que ele apresenta maneiras de “permanecer jovem e bonita agora e para sempre”. (BAUMAN, 2008, p.14).
Na famosa frase “Espelho, espelho, meu, existe alguém no mundo mais bela
do que eu” está em jogo a competição da rainha, motivada pela afirmação de sua
beleza e de seu poder em relação aos súditos de seu reino. O espelho é um símbolo
central dessa busca, abrindo dois eixos principais de debate sobre o comportamento
na sociedade contemporânea. Primeiro, quando nos analisamos no espelho, não
estamos apenas nos avaliando em relação a nós mesmos, por exemplo: “estou mais
magra”, “estou mais gorda”, “meu cabelo está mais ou menos bonito”. Estamos,
também, nos avaliando em relação a outras pessoas, pois ao se afirmar mais bela,
uma mulher nada mais está fazendo do que competir com outras, comparando-se
com as demais e avaliando o que em seu corpo pode ser mais belo do que em
outros corpos. Um exemplo disto é facilmente observado em nossa sociedade,
basta analisarmos o comportamento da mulher em relação à análise do vestuário e
aparência de outra, ou até mesmo na comparação entre partes do corpo como rosto,
cabelo, pernas, olhos, etc. Segundo, ao nos avaliarmos no espelho, também
estamos trazendo conosco questões sociais como, por exemplo: “o que determinada
pessoa vai pensar de minha roupa?”, “será que essa roupa está adequada para
determinado evento social?”, “a pessoa por quem me interesso afetivamente vai
apreciar?”.
75
Na adaptação Branca de neve e o Caçador, tais questões estão relacionadas
a cenas em que Ravenna literalmente consome corpos de mulheres jovens, visando
subtrair a juventude e a beleza das mesmas e tornar-se mais bela, como se
seguisse, ao extremo, o apelo contemporâneo da indústria de cosméticos. O filme
ironiza o grande consumo de produtos de beleza e de procedimentos estéticos,
como substâncias butolínicas, rituais de beleza nos centros estéticos e ainda as
constantes idas e vindas às clínicas de cirurgia plástica, onde a corrida se dá em
busca do método mais avançado de cultuar o jovem e o belo ou do produto
milagroso que faz a mulher parecer mais jovem, ou ainda mais bela.
Analisando de outro ponto de vista, a vaidade aparece novamente em seu
contexto social. Podemos, a esse respeito, tomar como exemplo a cena em que os
anões encontram Branca de Neve e ficam, desde o primeiro olhar, encantados com
a jovem princesa. Na sociedade atual, a aparência é um valor fundamental, segundo
modelos impostos pela mídia, pelos ditos “famosos” e, em verdade, pela sociedade
como um todo. Em suma, quanto mais belo e bem apresentado o ser se mostra,
melhor é sua aceitação na sociedade. Assim, definitivamente, a aparência física é
melhor e mais importante que a beleza interior.
No filme Espelho, Espelho Meu, observamos que os fatores relacionados ao
consumismo, à vaidade e à beleza são apresentados principalmente pela rainha.
Observamos, por exemplo, que a beleza e a vaidade estão presentes na relação da
Rainha com o espelho, tal qual em Branca de Neve e o Caçador, em que ela, a
rainha, aparece transportando-se para um espaço, o espelho, em que existe apenas
ela e seu reflexo, competindo contra ela mesma, enquanto imagem refletida.
Segundo Ferber (2007), “o espelho da madrasta de Branca de Neve é tanto um
meio de magia e uma ferramenta mundana de vaidade”. (FERBER, 2007, p.126).
Essa situação, mesmo que inconsciente, acontece rotineiramente nos dias
atuais, pois o espelho tornou-se uma espécie de juiz, diante dele nos sentimos
constantemente avaliados, mesmo que, em muitos casos, sobretudo as mulheres,
não acreditem que estejam tão belas, ou tão feias.
Além disso, acrescente-se ainda, o celular tornou-se uma ferramenta
contemporânea ao espelho, pois com frequência ele faz as vezes de câmera
76
fotográfica, em busca da foto perfeita, “selfie”, a fim de ser compartilhada nas redes
sociais, na internet em geral, e com isso tornando-se um novo juiz de valor, já que,
em muitos casos, somos avaliados por tais atos. Desse modo, analogamente à
definição que Ferber (2007) fez do espelho da madrasta podemos compreender da
mesma forma o aparelho celular: “a câmera do celular tornou-se uma ferramenta,
um tanto que necessária, como também mundana de vaidade”.
Logo, as questões da vaidade e da beleza dizem respeito a comportamentos
em evidência em nossa sociedade. E, nesse sentido, o conto Branca de Neve,
expõe um tema ainda relevante, profundamente enraizado na cultura e na
sociedade contemporânea.
5.2 AFIRMAÇÃO DA MULHER MODERNA
Cabe destacar os perfis de mulher conceituados por Lipovetsky (2000). Se
tomarmos a figura da madrasta, podemos descrevê-la como um arquétipo, que se
encaixa no conceito de “primeira mulher”, cunhado por Lipovetsky (2000), como
aquela depreciada, diabólica, mal vista por todos. A madrasta do conto, como
sabemos, cultuava a beleza e a vaidade como determinantes em sua vida, fato que
não condiz com a sociedade da época, pobre e faminta. Portanto, existe aqui uma
grande desigualdade e um grande contraste social.
Por outro lado, após o conceito da primeira mulher, aquela vista como a
responsável pelas incertezas e infelicidade dos homens, eis que surge, então, o
arquétipo da “segunda mulher”. Sob este arquétipo, podemos definir o perfil da
Branca de Neve, uma vez que este arquétipo representa a figura da mulher
enaltecida, encantadora e sensível, “bem vista” e “aceita” pela sociedade. Segundo
Lipovetsky (2000), esta representação surgiu a partir do século XII, em que a
sociedade começou a cultuar a dama, valorizar a mulher, vê-la como musa
inspiradora, como um ser de luz, tão sublime quanto uma divindade e enaltecia o
homem, cujo destino era iluminado pela presença feminina.
Alguns séculos mais tarde, conforme Lipovetsky (2000), já em meados do
século XVIII e XIX, sacraliza-se a esposa, mãe, educadora. A mulher já era uma
espécie de fada do lar, nesse sentido era vista como a responsável pela educação
77
dos filhos, e zelosa com o marido e o lar. Sendo assim, o arquétipo da “segunda
mulher”, encaixa-se no perfil da Branca de Neve, já que essa zelava e cuidava dos
anões, em troca de abrigo e aconchego do lar.
Apesar da veneração da sociedade em relação à mulher, ela estava longe de
conquistar autonomia e igualdade, vivendo sem determinação em meio a uma
sociedade hierarquizada, a mulher permanecia presa ao domínio masculino, já que
as decisões tanto econômicas quanto políticas e intelectuais eram tomadas pelo
homem.
Desse modo, Branca de Neve representa o símbolo de mulher sensível,
amada e adorada, aquela reconhecível como dona do lar, mãe, e ao mesmo tempo
vivendo sem autonomia e determinação, já que na sociedade da época, o poder,
determinação e grandes decisões, principalmente as que não estivessem envolvidas
com o lar, eram sustentadas pelos homens.
Cabe ressaltar ainda, conforme Lipovetsky (2000), outro perfil de mulher,
esse denominado por terceira mulher. Neste perfil, a mulher apresenta
características de independência que não estão presente no conto original Branca
de Neve. Entretanto, tais características são apresentadas em adaptações
cinematográficas atuais, como Branca de Neve e o Caçador e Espelho, Espelho
Meu, analisadas nesse trabalho. Sob este aspecto, conforme Lipovetsky (2000), até
nossos dias a existência feminina sempre foi ordenada em função de caminhos
social e “naturalmente” pré-traçados: casar, ter filhos, exercer as tarefas subalternas
definidas pela comunidade social. Essa época termina sob os nossos olhos: com a
pós-mulher no lar, o destino do feminino entrou pela primeira vez em uma era de
imprevisibilidade ou de abertura estrutural. Dilemas da mulher hoje: O que estudar?
Tendo em vista qual profissão? Que plano de carreira adotar? Casar ou viver em
concubinato? Divorciar-se ou não? Que número de filhos e em que momento? Tê-
los no quadro da instituição matrimonial ou fora do casamento? Trabalhar em tempo
parcial ou tempo integral? Como conciliar vida profissional e vida maternal? Tudo,
na existência feminina, pelo menos nas sociedades ocidentais, tornou-se escolha,
objeto de interrogação e de arbitragem; nenhuma atividade mais está, em princípio,
fechada às mulheres, nada mais fixa imperativamente seu lugar na ordem social; ei-
las, da mesma maneira que os homens, entregues ao imperativo moderno de definir
78
e inventar inteiramente sua própria vida. Se for verdade que as mulheres não têm as
rédeas do poder político e econômico, não há dúvida de que ganharam o poder de
governar a si próprias sem caminho social pré-ordenado. Aos antigos poderes
mágicos, misteriosos, maléficos atribuídos às mulheres sucedeu o poder de se auto-
inventar, de projetar e construir um futuro indeterminado. Tanto a primeira como a
segunda mulher estavam subordinadas ao homem; a terceira mulher é sujeita de si
mesma. A segunda mulher era uma criação do ideal dos homens, a terceira mulher
é uma autocriação feminina.
O papel da mulher tem se alterado rapidamente nos últimos anos. A visão da
mulher que cuida do marido e dos filhos, definida por Lipovetsky (2000, p.232) como
a “segunda mulher”, tem dado lugar à mulher mais dinâmica que cada vez mais
assume papel de destaque nos mais variados setores da sociedade, como nas
artes, na política, nos esportes, na mídia, nos negócios, entre outros.
Em Branca de Neve e o caçador, temos um perfil de mulher decidida,
independente, líder, brava e valente, considerada por Lipovetsky (2000, p.232) a
“terceira mulher”. Nessa adaptação, observamos Branca de Neve com sinais
evidentes da mulher moderna, ela mostra-se como líder dos anões, como uma
princesa que não apenas é nobre, mas herdou o direito ao trono, visto que sua sede
de vingança da rainha não se dá apenas por ter perdido seu pai, mas também por
estar em busca do que é seu de direito, seu trono. Branca de Neve, portanto, não
faz, nessa adaptação, um papel da mulher frágil e que necessita de um provedor,
ela faz sim o papel de uma mulher decidida e que luta para atingir seus objetivos e
não necessita do amparo afetivo de um homem.
Ainda em Branca de Neve e o caçador, podemos destacar várias outras
relações em que Branca de Neve aparece com essa personalidade forte e
determinada, como no seu enfrentamento com a rainha, que, por conseguinte,
também se mostra determinada e de personalidade forte. Cabe destacar também o
perfil de liderança de Branca de Neve em sua relação com o duque, antigo amigo de
seu pai, e com a população que lhe dá suporte, por ver nela a evidente presença de
uma líder, motivadora e idealizadora.
É evidente, que o papel da Branca de Neve nas variadas versões do conto
79
apresenta mudanças de carácter social em relação à mulher. Entretanto, em Branca
de Neve e o caçador entendemos que esse papel é desempenhado de forma a
afirmar a independência feminina em nossa sociedade dos dias atuais.
Em Espelho, Espelho Meu, o perfil da terceira mulher aparece novamente,
pois Branca de Neve no decorrer da trama vai se tornando decidida, independente,
líder, brava e valente. Nessa adaptação, observamos Branca de Neve com sinais
evidentes da mulher moderna, ela mostra-se como líder dos anões, como uma
mulher que foi em busca da magia dentro de si, acreditou em si mesma, na ânsia de
encontrar seus potenciais, permitindo-se ver o quão era capaz de lutar pelos seus
ideais.
Sendo assim, os desígnios da personagem Branca de Neve estavam no
desejo de reencontrar o pai, o rei, já que esse ausentou-se devido a uma magia
negra lançada sobre o reino. Herdou o direito ao trono, visto que sua sede de
vingança da rainha não se dá apenas por ter perdido seu pai, mas também pelas
injustiças cometidas pela Rainha contra seu povo, e ainda por estar em busca do
que é seu de direito, seu trono. Branca de Neve, portanto, não faz, nessa
adaptação, um papel de mulher frágil e que necessita de um provedor, ela faz sim o
papel de uma mulher decidida e que luta para atingir seus objetivos e não necessita
do amparo afetivo de um homem. Embora Branca de Neve tenha se interessado
afetivamente pelo príncipe e, mais tarde, tal interesse tenha levado-os ao altar, cabe
destacar que essa união ocorreu pelo interesse afetivo da princesa, o que surgiu
aos poucos, no decorrer da trama, visto que, em um primeiro momento o objetivo da
princesa era retomar o reino, e reaver o trono e não necessitava de amparo
masculino para realizar tais objetivos. Diferentemente dos interesses da rainha que
era casar-se com um homem rico que pudesse pagar seus luxos, Branca de Neve
uniu-se ao príncipe por interesse afetivo e assim torna-se amiga e parceria de seu
esposo. Portanto, o perfil de Branca de Neve, em relação ao príncipe e com os
anões, é o de uma mulher de liderança, valente e idealizadora.
Assim, em Espelho, Espelho Meu, tal qual em Branca de Neve e o Caçador,
entendemos que o papel da Branca de Neve é desempenhado de forma a reforçar o
caráter de independência das mulheres na sociedade dos dias atuais.
80
5.3 DISPUTA PELO PODER
As relações entre vaidade, beleza e poder também são colocadas em
evidência em algumas passagens do conto Branca de Neve. Assim, tratamos desse
tópico, a fim de avaliarmos o contexto social no qual essas questões estão
inseridas.
Em Branca de Neve e o Caçador, a rainha Ravenna subjuga o povo em prol
de seu poder e da vontade de manter sua juventude. Exemplo disso é a cena em
que Ravenna toma banho com o mais puro leite e alimenta-se com o coração e as
entranhas dos animais, o que mostra o quão poderosa é, sobretudo no que se refere
à posse de dinheiro, deixando evidente que seu esbanjamento contrasta com a
pobreza e o descontentamento extremo do povo. O filme, portanto, nos traz um
questionamento ético, à medida que o outro é prejudicado em prol de um desejo
pessoal, conforme observamos nas Figuras 18 e 19.
Fonte: Adaptação fílmica Branca de Neve e o caçador, 2012.
Figura 18 – A rainha Ravenna em ritual de beleza banha-se no leite
81
Fonte: Adaptação fílmica Branca de Neve e o caçador, 2012.
Ainda em Branca de Neve e o Caçador, podemos destacar a forma como
Ravenna persuade o caçador a se embrenhar na floresta negra atrás de Branca de
Neve. Como uma forma de comprar os serviços dele, através de promessas que
não pode cumprir, a rainha promete a ele trazer sua esposa de volta à vida.Tal fato
nos instiga a refletir sobre práticas que ainda são comuns na sociedade atual,
quando algumas pessoas buscam atingir seus objetivos a qualquer custo, usando
artifícios, como a mentira que compromete a ética e a lisura.
Questões como essas estão evidentemente presentes em nossa sociedade
atual, pois o dinheiro e o poder norteiam muitas, senão grande parte, das decisões
da sociedade em que vivemos. A gratificação pessoal significa antes de tudo a
posse de bens e a possibilidade de ganhar prestígio social, com ampla cobertura
midiática. O poder do dinheiro parece sempre ter movido os atos humanos,
conforme vemos representado na versão do conto, compilada pelos Grimm, na cena
em que o príncipe tenta comprar os anões, revelando seu desejo de que gostaria de
levar Branca de Neve consigo para o castelo: “por favor, lhe dou muito ouro, mas
desde que deixem levá-la comigo” (GRIMM, p. 367).
Por outro lado, em Espelho, Espelho Meu, a rainha submete o povo a suas
mentiras uma vez que ela é a mulher mais poderosa do reino, e o desejo de manter
sua juventude, assim como manter-se no poder está acima do bem e do mal ou de
qualquer coerência. Exemplo disso é a cena em que a Rainha manda seu súdito
cobrar mais impostos do povo, para manter suas festas e rituais de beleza. Esse
fato ocorre no momento em que a rainha comenta que para enganar o povo, basta
Figura 19 – Ravenna em ritual de beleza banha-se no leite
82
uma boa metáfora.
Além disso, mostra o quão mesquinha e poderosa é, principalmente em
relação à posse de dinheiro. É notório que seu esbanjamento contrasta com a real
situação do povo, pobre e descontente.
Em Espelho, Espelho Meu, ainda podemos destacar a forma como os anões
agem em relação a suas atitudes, pois estes são ladrões e ao se depararem com
Branca de Neve na casa deles, interrogando-a descobrem que ela é a princesa, e
filha do rei, portanto, a família tem muito dinheiro, e logo seria uma forma fácil de
ganhar dinheiro, já que pensaram em pedir resgate pela princesa. Neste ponto,
vemos uma relação com a realidade da violência atual, principalmente nos centros e
regiões metropolitanas, infelizmente, sem a pitada de comédia que a adaptação
cinematográfica carrega consigo.
Outro ponto a considerar acerca da ética está relacionado ainda com os
anões, os quais roubam do povo que passa pela floresta, povo que se assemelha a
eles, ou seja, pobres miseráveis que mal conseguem se manter.
As questões relativas ao poder trabalhadas no filme são encontradas em
diversas passagens em que observamos a influência da rainha, como de Branca de
Neve e até mesmo a influência exercida dos anões sobre o reino. Tal situação não é
estranha à sociedade contemporânea, na medida em que a vaidade e o egoísmo
estão na raiz dos atos de corrupção e no desejo de domínio de governantes e
políticos que exercem o poder.
Assim, as versões contemporâneas de histórias clássicas como Branca de
Neve podem nos ajudar a compreender e avaliar melhor muitos aspectos da psique
humana, potencializados ou modificados na interação com diferentes condições
sociais e culturais.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho foram apresentadas as influências de algumas questões
sociais contemporâneas presentes nas adaptações cinematográficas do conto
Branca de Neve, a fim de demonstrar que tais questões sociais são fatores
determinantes na concepção das adaptações cinematográficas atuais. Nesse
contexto, selecionamos como estudo de caso as adaptações cinematográficas
Branca de Neve e o Caçador e Espelho, Espelho Meu.
Visando demonstrar as influências de tais questões sociais contemporâneas,
elencamos alguns temas, tais como vaidade, beleza, poder e papel da mulher
presentes no conto literário da Branca de Neve e nas adaptações selecionadas, com
o intuito de observar como os temas trabalhados nas adaptações relacionam-se
com o contexto social contemporâneo. Nesse sentido, compreendemos que
questões sociais como o feminismo ou afirmação da mulher moderna, por exemplo,
que não estavam presentes na versão literária do conto Branca de Neve, hoje são
questões sociais de destaque em ambas as adaptações cinematográficas avaliadas.
Tal conclusão nos leva a crer que os anseios da sociedade são representados em
adaptações de contos literários como apresentados neste trabalho. Ainda neste
contexto, apresentamos evidências de que questões como vaidade e beleza e até
mesmo poder são apresentadas de forma diferente nas adaptações
cinematográficas modernas em comparação com a versão original do conto dos
irmãos Grimm. Tais diferenças, quando relacionadas com a sociedade européia da
época em que os contos foram coletados e com a sociedade atual, nos comprovam
que a forma de pensar e agir de cada sociedade ao seu tempo está intrinsecamente
presente em cada obra em seu tempo.
Entretanto, mesmo que em ambas as adaptações sejam tratadas questões
sociais em comum, tais questões, na maioria das vezes, são apresentadas de
maneiras diferentes. A afirmação da mulher, por exemplo, é apresentada na
adaptação Branca de Neve e o Caçador, através dos personagens da Branca de
Neve e da rainha Ravenna. No caso da Branca de Neve, podemos encontrar
evidências de tal a partir do amadurecimento da personagem ao longo da trama,
pois no princípio Branca de Neve é apenas uma fugitiva do castelo, e ao final,
depois de diversas provações, ela se torna a líder de um povo que busca destronar
a rainha Ravenna. Com relação à Ravenna podemos exemplificar a sua afirmação
84
através da cena em que ela abre mão de seu provedor, o Rei, o esposo, e toma as
rédeas de seu destino matando o seu provedor, e principalmente, destacando
através de sua fala na cena que ela não necessita dele. Nesse contexto, embora as
personagens apresentem razões diferentes, elas demonstram traços de que
desejam se afirmar enquanto mulheres independentes. Quando relacionamos a
afirmação da mulher com o conto literário dos irmãos Grimm, podemos observar que
a presença dos anseios da sociedade da época estão representadas de forma
diferenciada, pois Branca de Neve busca segurança em um provedor, no caso o
príncipe e com relação ao provedor da rainha, este simplesmente desaparece.
Assim, podemos observar, utilizando como exemplo a afirmação da mulher, que tal
questão social apresenta-se apenas nas adaptações cinematográficas atuais, visto
que esse é um anseio da sociedade contemporânea.
Ao relacionarmos a afirmação da mulher com a adaptação cinematográfica
Espelho, Espelho Meu, observamos que esta é apenas representada através do
personagem Branca de Neve. Nessa adaptação, também está presente o fato de
Branca de Neve amadurecer no decorrer da trama, passando de uma menina
dependente e que até mesmo não tinha liberdade de sair do castelo, tal qual na
adaptação cinematográfica Branca de Neve e o Caçador, uma líder, que apoiada
pelo povo do reino, destrona a rainha. Entretanto, nesta adaptação, mesmo que
Branca de Neve apareça como uma líder, ela é apresentada como uma parceira do
príncipe, portanto, mesmo que ela se afirme enquanto mulher, não se apresenta
como independente, mas sim como uma companheira com direitos iguais.
Questões como vaidade, beleza e poder foram apresentadas neste trabalho
de modo a relacionar as diferentes maneiras com as quais elas se apresentam nas
diferentes adaptações. Assim, podemos derivar que, mesmo de maneiras diferentes,
as adaptações convergem na apresentação de questões sociais contemporâneas,
de forma a promover o debate acerca delas na sociedade atual. Por outro lado,
nossa análise também mostrou que, a despeito da atualização da temática do conto
clássico, a estrutura narrativa mantém a forma tradicional, revelando que o cinema
tem muito de uma arte popular, que atinge um grande público com as histórias
contadas e mostradas na tela. Neste contexto, as adaptações cinematográficas
Branca de Neve e o caçador, e Espelho, espelho meu, possuem grande apelo para
as personagens da rainha, visto que as características marcantes de ambas as
rainhas são apresentadas com papel de destaque em ambas as adaptações. Isto
85
demonstra a intenção dos adaptadores em destacar tais características através da
figura das rainhas, visto que é possível observar tal intenção, através do figurino,
cenário, como também na caracterização das personagens. Por outro lado, as
personagens das princesas também representam o ponto de vista dos adaptadores,
que em ambas as adaptações resgatam o feminino através da figura das princesas
enquanto essas afirmam-se quanto mulheres no desenrolar das tramas.
Portanto, concluímos que as questões sociais não só estavam presentes
quando a versão literária do conto dos Grimm foi coletada, mas como estas estão
evidentemente presentes nas adaptações cinematográficas contemporâneas. Neste
contexto, encontramos evidências de que as questões sociais contemporâneas
possuem papel de destaque nas adaptações cinematográficas, numa forma de fácil
apreensão ao público. Tal fato justifica a atualização dos contos clássicos de tempos
em tempos, pois esses sempre possuem questões adaptáveis e presentes no nosso
cotidiano. Por exemplo, podemos utilizar como base a questão da afirmação da
mulher analisada em ambas as adaptações e destacarmos que esta questão social
está em voga atualmente em nossa sociedade, visto que hoje encontramos diversos
assuntos relacionados, por exemplo, à liderança da mulher nos diversos setores da
sociedade como o profissional, o familiar, o político, entre outros. Além disso, cabe
destacar, que os contos clássicos são uma aposta certeira dos
adaptadores/cineastas, uma vez que ao adaptar estes contos os adaptadores
consideram o mercado financeiro, em virtude de já serem textos-fontes consagrados
tanto mercadologicamente quanto em relação à censura, e, portanto, já conhecidos
do público/espectador.
Assim, as versões contemporâneas de histórias clássicas como Branca de
Neve nos ajudam a refletir, a compreender e avaliar melhor muitos aspectos da
psique humana, potencializados ou modificados na interação com diferentes
condições sociais e culturais, representando os anseios e as modificações sociais
ao longo dos tempos.
Por outro lado, ambas as adaptações ganham força a partir das personagens
da rainha, uma vez que as características da rainha tanto em Espelho, espelho meu,
quanto em Branca de Neve e o caçador são características marcantes e tornam-se
destaque na adaptação.
86
REFERÊNCIAS
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