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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICACcedilAtildeO
DEPARTAMENTO DE LETRAS
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM LETRAS
Gustavo da Silveira Amorim
MARCACcedilAtildeO NO CONTATO LINGUIacuteSTICO O portuguecircs falado pelos Latundecirc
Recife 2015
GUSTAVO DA SILVEIRA AMORIM
MARCACcedilAtildeO NO CONTATO LINGUIacuteSTICO O portuguecircs falado pelos Latundecirc
Tese apresentada agrave Coordenaccedilatildeo do Curso de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Letras da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de Doutor em Linguiacutestica Orientadora Profordf Drordf Stella Virgiacutenia Telles de Arauacutejo Pereira Lima
Recife 2015
Catalogaccedilatildeo na fonte
Bibliotecaacuteria Nathaacutelia Sena CRB4-1719
A524m Amorim Gustavo da Silveira Marcaccedilatildeo no contato linguumliacutestico o portuguecircs falado pelos Latundecirc
Gustavo da Silveira Amorim ndash Recife 2015 241 f il
Orientadora Stella Virgiacutenia Telles de Arauacutejo Pereira Lima Tese (Doutorado) ndash Universidade Federal de Pernambuco Centro de
Artes e Comunicaccedilatildeo Letras 2015
Inclui referecircncias
1 Fonologia 2 Liacutenguas em contato 3 Marcaccedilatildeo e liacutenguas indiacutegenas I Lima Stella Virgiacutenia Telles de Arauacutejo Pereira (Orientadora) II Tiacutetulo
410 CDD (22ed) UFPE (CAC 2017- 213)
For from him and through him and to him are all things To him be glory forever Amen
Romans 1136
AGRADECIMENTOS
A Deus por me capacitar e me fazer sentir o teu zelo cuidado e proteccedilatildeo
constantemente
Aos meus familiares em especial a minha matildee e o meu pai pelo suporte
coragem e exemplos a mim transmitidos
A minha esposa Jane pelo carinho e compreensatildeo pelas horas que natildeo
pude estar ao seu lado dedicando-me a este trabalho
Aos meus filhos Breno e Estela meu tesouros por me fazerem acreditar
que o mundo pode ser melhor
A minha orientadora Stella Telles pelo carinho compreensatildeo
engajamento e ensino por me fazer acreditar que podemos ser altruiacutestas sem
perdermos a essecircncia da humildade Por compartilhar-me com despreendemento
os seus dados
Agraves coordenadoras do PG-Letras Evandra Gligoletto e Fabiele Stockmans
pela presteza sempre que necessaacuterio
Aos meus mestres do Doutorado pelo trabalho que foi realizado durante o
curso em especial Stella Telles Marlos Pessoa Claacuteudia Roberta Siane Goes
Benedito Bezerra Virgiacutenia Leal Alberto Poza e Nelly Carvalho
Aos professores do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (UFPE)
Flaacutevio Brainer Artur Gomes Maacutercia Mendonccedila e Joatildeo Batista pela colaboraccedilatildeo
na trajetoacuteria acadecircmica
A Abuecircndia Padilha e Gilda Lins (in memoriam) pela dedicaccedilatildeo e carinho
que demonstraram durante as aulas
Aos meus colegas do Doutorado Solange Carvalho Ana Cristina Cleber
Morgana Jaciara Carolina Pires Juliane Acircngela Socircnia Ismar Rinalda Ludimila
e Clara por me ajudarem nos momentos de dificuldades e de (muitas)
necessidades
Aos colegas da GER ndash Vale do Capibaribe pela ajuda sempre que
necessaacuterio em especial Marta Morgana Edjane e Janecleide
Aos colegas e alunos do IFAL (Instituto Federal de Alagoas) pela grande
ajuda e carinho que demonstraram durante a realizaccedilatildeo deste trabalho Pela
compreensatildeo das faltas e substituiccedilotildees que de mim foram demandadas
Aos membros da banca que tatildeo gentilmente aceitaram o convite
Aos meus amigos familiares entes queridos todos que direta ou
diretamente me ajudaram nesta caminhada Nenhum trabalho eacute feito sozinho
portanto os meacuteritos tambeacutem satildeo de vocecircs
RESUMO
O presente trabalho eacute o resultado de um estudo sobre a Marcaccedilatildeo no Contato
Linguiacutestico entre o Latundecirc e o Portuguecircs Trata-se de uma investigaccedilatildeo com
base na abordagem tipoloacutegica da linguiacutestica visando agrave elucidaccedilatildeo das unidades
mais e as menos marcadas que satildeo ou natildeo transferidas no processo de
acomodaccedilatildeo dos inventaacuterios foneacuteticos de ambas as liacutenguas Utilizamos como
base os pressupostos teoacutericos defendidos por CROFT (1990) JAKOBSON
(1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS amp ELSIK (2006) e LACY (2006) para a
descriccedilatildeo dos universais linguiacutesticos e da marcaccedilatildeo No que tange ao contato
linguiacutestico nos respaldamos nas reflexotildees de ROMAINE (2000) THOMASON
(2001) AIKHENVALD (2007) e HYMES (1971) Para descriccedilatildeo linguiacutestica e
histoacuterica dos Latundecirc nos baseamos em TELLES (2002) ANOMBY (2009) e
PRICE (1977) No que tange ao aporte foneacutetico para descriccedilatildeo do contato entre
ambas as liacutenguas nos valemos dos escritos de WEINREICH (1953) BISOL
(1996) VAN COETSEM (1988) e MATRAS (2009) Quanto agraves anaacutelises nos
fundamentamos nas observaccedilotildees de SPENCER (1996) LASS (2000) e RICE
(2007) O nosso corpus eacute formado de trinta horas de fala transcritas
foneticamente de acordo com IPA de vinte informantes da comunidade Latundecirc
Os dados fazem parte do acervo do NEI (Nuacutecleo de Estudos Indigenistas) da
UFPE A partir da nossa pesquisa chegamos agrave conclusatildeo que os mais jovens
tendem a natildeo transferir os padrotildees mais marcados da sua liacutengua para a liacutengua
adquirida enquanto os mais velhos reproduzem com menor frequecircncia os
padrotildees mais marcados do Portuguecircs alguns contextos licenciam enquanto
outros bloqueiam a marcaccedilatildeo gerando um caraacuteter variaacutevel que demonstra o quatildeo
conflitante eacute a situaccedilatildeo do contato embora natildeo haja uma padronizaccedilatildeo no que
tange agrave estrutura silaacutebica o padratildeo CV eacute o mais recorrente e menos marcado
corroborando o que apregoa os pressupostos da tipologia linguiacutestica os
processos que envolvem perda e permuta de segmentos satildeo mais numerosos e
mais marcados dos que os que envolvem ganho de segmento os fonemas natildeo
presentes no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc tendem a ser apagados ou
reinterpretados pelo segmento mais proacuteximo do Portuguecircs quanto agrave manutenccedilatildeo
ou perda o comportamento dos traccedilos mais marcados do Latundecirc depende natildeo
categoricamente da fonologia do Portuguecircs a marcaccedilatildeo natildeo estaacute condicionada
apenas aos universais linguiacutesticos mas agraves especificidades da liacutengua
PALAVRAS-CHAVE Fonologia Liacutenguas em Contato Marcaccedilatildeo e Liacutenguas
Indiacutegenas
ABSTRACT
The present work describes phenomena of phonological transference of Latundecirc
a Brazilian indigenous language in Portuguese in language contact situation The
observed phenomena were examined under the light of the assumptions of
Linguistic Marking in its typological approach As basis we used CROFT (1990)
JAKOBSON (1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS ELSIK (2006) and LACY
(2006) studies for the description of linguistic universals and marking About
language contact we were supported by the reflections of ROMAINE (2000)
THOMASON (2001) AIKHENVALD (2007) and HYMES (1971) For the linguistic
and historical description of Latundecirc we were based on TELLES (2002)
ANOMBY (2009) and PRICE (1977) About the phonology of Portuguese we were
supported by BISOL (1996) For description of the contact between both
languages we used the writings of WEINREICH (1953) VAN COETSEM (1988)
and MATRAS (2009) The one of phonological phenomena observed was backed
in SPENCER (1996) LASS (2000) and RICE (2007) Our corpus is formed of thirty
hours of talk phonetically transcribed according to IPA In the survey we used the
speech production of 20 individuals from the Ladundecirc people among these 8
belonging to the pre-contact generation with the non- indigenous society and 12
belonging to the post-contact generation The data are part of the acquis of NEI
(Nuacutecleo de Estudos Indiacutegenas) of UFPE With our research we came to the
following results post-contact generation tends not to transfer most marked
patterns of their language to the acquired language while the native of pre-contact
generation do in a lower frequency the more marked standards of Portuguese
The processes that involve loss and exchange of segments are more numerous
than those involving segment gain The phonemes of Portuguese that do not exist
in Latundecirc tend to be erased or reinterpreted by the closest segment to
Portuguese resulting in the loss of contrast and in the emergence of the
unmarked through the phonological neutralisation There are phenomena that
show a tendency towards the universal as the deletion of the coda in favor of CV
standard syllabic and others that are arising out of restrictions of Latundecirc as the
monophthongization of nasal diphthong and the change of vowel quality in word-
final position In the set of phenomena we noticed that the interference is variable
and not always motivated by phonological or natural marking
KEYWORDS Phonology Marking Languages in contact Portuguese and
Latundecirc
RESUMEN
El presente estudio describe los fenoacutemenos de la transferencia fonoloacutegica del
Latundeacute una lengua indiacutegena Brasilera en el portugueacutes en una situacioacuten de
contacto linguumliacutestico Los fenoacutemenos observados fueron examinados a la luz de los
presupuestos de marcacioacuten linguumliacutestica en su abordaje tipoloacutegico Como modelo
de fundamentacioacuten se han utilizado los estudios de CROFT (1990) JAKOBSON
(1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS amp ELSIK (2006) y LACY (2006) para las
descripcioacuten de los universales linguumliacutesticos y de la marcacioacuten Sobre el contacto
linguumliacutestico fueron tomados como soporte cientiacutefico las reflexiones de ROMAINE
(2000) THOMASON (2001) AIKHENVALD (2007) y HYMES (1971) Para la
descripcioacuten linguumliacutestica de los Lantundeacute esta investigacioacuten se basoacute en TELLES
(2002) ANOMBY (2009)y PRICE (1977) Sobre la fonologiacutea del portugueacutes se
tuvieron en cuenta los estudios de BISOL (1996) Para la descripcioacuten del contacto
entre ambas lenguas fueron necesarios los escritos de WEINREICH (1053) VAN
COETSEM(1988) y MATRAS (2009) Finalmente el estudio de los fenoacutemenos
fonoloacutegicos observados fueron abordados en las investigaciones de SPENCER
(1996) LASS (2000) y RICE (2007) El corpus de este trabajo acadeacutemico estaacute
compuesto por treinta horas de diaacutelogos transcritos foneacuteticamente de acuerdo con
el IPA En la investigacioacuten se ha utilizado la produccioacuten del diaacutelogo de 20
individuos del pueblo Latundeacute dentro de ellos 8 pertenecientes a la generacioacuten
del pre contacto con la sociedad no indiacutegena y 12 pertenecientes a la generacioacuten
del post contacto Los datos hacen parte del acervo del Nuacutecleo de Estudios
Indigenistas (NEI) de la UFPE Con esta investigacioacuten se ha llegado a la siguiente
conclusioacuten La generacioacuten post contacto tiende a no transferir los patrones maacutes
acentuados de su lengua hacia la lengua adquirida mientras que los indiacutegenas de
la generacioacuten del pre contacto realizan con menor frecuencia los patrones maacutes
marcados del portugueacutes Los procesos que envuelven la peacuterdida y permuta de los
segmentos son maacutes numerosos de aquellos que involucran la ganancia del
segmento Los fonemas del portugueacutes que no existen en el Latundeacute tienden a ser
borrados o reinterpretados por el segmento maacutes proacuteximo al portugueacutes resultando
en una peacuterdida de contraste y en la emergencia del no marcado a traveacutes de la
neutralizacioacuten fonoloacutegica Hay fenoacutemenos que revelan una tendencia a lo
universal como desvanecimiento de la coda en a favor de patroacuten silaacutebico CV y
otros que son consecuencia de las restricciones del Latundeacute como la
monoptongacioacuten de diptongo nasal y la mudanza de la cualidad vocaacutelica en
posicioacuten final de la palabra El en conjunto de fenoacutemenos verificamos que la
interferencia es variable y no siempre estaacute motivada por la acentuacioacuten fonoloacutegica
o natural
Palabras Clave Fonologiacutea Acentuacioacuten Lenguas en Contacto Portugueacutes y
Latundeacute
LISTA DE SIacuteMBOLOS
Transcriccedilatildeo
Transcriccedilatildeo foneacutetica
Transcriccedilatildeo fonoloacutegica
[ ]
Vogais
Vogal meacutedio-baixa anterior [ɛ]
Vogal meacutedio-alta anterior [e]
Vogal alta anterior [i]
Vogal baixa central [a]
Vogal meacutedio-baixa posterior [ɔ]
Vogal meacutedio-alta posterior [o]
Vogal alta posterior [u]
Vogal alta anterior nasal [ i ]
Vogal meacutedio-alta anterior nasal [e ]
Vogal baixa central nasal [atilde]
Vogal meacutedio-alta posterior nasal [otilde]
Vogal alta posterior nasal [u ]
Consoantes
Oclusiva alveolar surda [t]
Oclusiva alveolar sonora [d]
Fricativa alveolar surda [s]
Fricativa alveolar sonora [z]
Nasal alveolar [n]
Lateral alveolar [l]
Africada alveopalatal surda [tʃ]
Africada alveopalatal sonora [dʒ]
Lateral palatal [ʎ]
Nasal palatal [ɳ]
Fricativa palatal surda [ʃ]
Fricativa palatal sonora [ʒ]
Oclusiva velar surda [k]
Oclusiva velar sonora [g]
Fricativa velar [x]
Oclusiva bilabial surda [p]
Oclusiva bilabial sonora [b]
Nasal bilabial [m]
Fricativa labiodental surda [f]
Fricativa labiodental sonora [v]
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Diagrama de Hall
67
FIGURA 2 Configuraccedilotildees da Mescla Linguiacutestica segundo Romaine (2000 p185)
71
FIGURA 3 Esquema de representaccedilatildeo do bilinguismo social segundo Appel e Muysken (1986 p 23)
74
FIGURA 4 Escolha de liacutengua e code-switching conforme Grosjean (1982 p127)
82
FIGURA 5 Classificaccedilatildeo das liacutenguas da Famiacutelia Nambikwaacutera de acordo com Rodrigues (1986 p 134)
87
FIGURA 6 Localizaccedilatildeo e aacuterea dos Nambikwaacutera de acordo com Roquete-Pinto (1919)
88
FIGURA 7 Territoacuterio Nambikwaacutera descrito por Price (1983)
89
FIGURA 8 Localizaccedilatildeo atual dos Nambikwaacutera
91
FIGURA 9
Localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc
94
FIGURA 10
Primeiros contatos com os Latundecirc (Foto Price 1977)
97
FIGURA 11 Iacutendios Latundecirc na TI Tubaratildeo-Latundecirc
104
FIGURA 12
Ligaccedilotildees entre a intensidade do bilinguismo o tipo de processo de acomodaccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo entre os sistemas fonoloacutegicos
118
FIGURA 13
Correspondecircncia entre liacutenguas e contato linguiacutestico
120
FIGURA 14 Agentividade da Liacutengua Recipiente de acordo Van Coetsem 1988 p10
122
FIGURA 15 Agentividade da Liacutengua de Origem de acordo Van Coetsem 1988 p11
122
FIGURA 16 Relaccedilatildeo de agentividade entre o Portuguecircs e o Latundecirc
123
FIGURA 17 Estrutura silaacutebica do Latundecirc
168
FIGURA 18 Estrutura silaacutebica do Portuguecircs (Cacircmara-Juacutenior)
169
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Unidades e estruturas mais marcadas conforme
levantamento de Moreira da Silva (2011)
50
Quadro 2 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Leacutevi-Strauss (1948)
92
Quadro 3 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Price e Cook (1969)
93
Quadro 4 Distribuiccedilatildeo dos povos pertencentes a TI Tubaratildeo-Latundecirc
95
Quadro 5 Nuacutecleos familiares de acordo com a habitaccedilatildeo em 1999
98
Quadro 6 Situaccedilatildeo sociolinguiacutestica dos Latundecirc (dados de 1999)
101
Quadro 7 Quadro Comparativo dos Sistemas Foneacuteticos do Romansh e do Schweizerdeutsch de acordo com Weinreich (1953)
111
Quadro 8 Tipos de processos que conduzem a mudanccedila fonoloacutegica induzida por contato
116
Quadro 9 Fonemas consonantais do Latundecirc
125
Quadro 10 Fonemas vocaacutelicos do Latundecirc
125
Quadro 11 Ditongos do Latundecirc
126
Quadro 12 Descriccedilatildeo dos fonemas consonantais (Retirada de Telles 2002)
126
Quadro 13 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos orais (Com base em Telles 2002)
149
Quadro 14
Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos nasais (Com base em Telles 2002)
153
Quadro 15
Vogais no Portuguecircs (Cacircmara Jr 1970)
154
Quadro 16
Consoantes no Portuguecircs (Silva 2002)
155
Quadro 17 Sistemas consonantais x Sistemas vocaacutelicos
156
Quadro 18 Resultado mais frequente do processo de monotongaccedilatildeo em Latundecirc
162
Quadro 19 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
166
Quadro 20 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Portuguecircs
167
Quadro 21 Escala de Sonoridade (Bonet e Mascaroacute 1997 p 109)
196
SUMAacuteRIO
1 SOBRE A PESQUISA 20
11 INTRODUCcedilAtildeO 20
12 JUSTIFICATIVA 24
13 OBJETIVOS 25
14 METODOLOGIA 26
15
DISPOSICcedilAtildeO DA TESE 27
2 MARCACcedilAtildeO LINGUIacuteSTICA 29
21 INTRODUCcedilAtildeO 29
22 MARCACcedilAtildeO 31
221 A concepccedilatildeo de Jakobson e Trubetzkoy 35
222 Abordagem Gerativa 37
223 Abordagem Tipoloacutegica (Interlinguiacutestica) 39
224 Abordagem Naturalista (Morfologia Natural) 41
23 CRITEacuteRIOS DE MARCACcedilAtildeO 42
24 MARCACcedilAtildeO MUDANCcedilA E CONTATO LINGUIacuteSTICO 45
25 JAKOBSON E A ABORDAGEM FONOLOacuteGICA DA
MARCACcedilAtildeO
48
3 O CONTATO LINGUIacuteSTICO 54
31 INTRODUCcedilAtildeO 54
32 SOBRE O CONTATO LINGUIacuteSTICO 57
33 MESCLAS DE CONTATO PIDGIN CRIOULO LIacuteNGUA
FRANCA E JARGAtildeO
60
331 Pidgin 63
332 Crioulo 65
333 Liacutengua Franca ou Sapir 69
334 Jargatildeo 71
34 IMPLICACcedilOtildeES DO CONTATO LINGUIacuteSTICO 72
341 Bilinguismo 72
342 Diglossia 78
343 Alternacircncia de coacutedigo 80
344 Morte da liacutengua
83
4 COMUNIDADE DE ESTUDO OS LATUNDEcirc 86
41 INTRODUCcedilAtildeO 86
42 A FAMIacuteLIA NAMBIKWARA 86
43 OS LATUNDEcirc
94
5 INTERFEREcircNCIA FONEacuteTICO-FONOLOacuteGICA DO LATUNDEcirc
NO PORTUGUEcircS
106
51 INTRODUCcedilAtildeO 106
52 INTERFEREcircNCIA FUSAtildeO COEXISTEcircNCIA E
TRANSFEREcircNCIA LINGUIacuteSTICA
107
53 FONOLOGIA DO LATUNDEcirc 124
54 FONOLOGIA DO PORTUGUEcircS 154
55 COMPARACcedilAtildeO ENTRE OS SISTEMAS FONEacuteTICOS DO
PORTUGUEcircS E DO LATUNDEcirc
156
6 PROCESSOS FONOLOacuteGICOS DO PORTUGUEcircS FALADO
PELOS LATUNDEcirc
158
61 Introduccedilatildeo 158
611 Perda de elementos 161
6111 Monotongaccedilatildeo 161
6112 Siacutencope em onset complexo de l e r 168
6113 Apagamento da coda 171
6114 Reduccedilatildeo do geruacutendio ndash Anteriorizaccedilatildeo da vogal final 173
6115 Reduccedilatildeo das palatais (nasal e lateral) 174
6116 Afeacuterese 177
6117 Apoacutecope 178
6118 Siacutencope 180
612 Ganho de elementos (Inserccedilatildeo de elementos) 181
613 Alteraccedilatildeo de elementos (permuta ou transposiccedilatildeo) 184
6131 Despalatalizaccedilatildeo de [ʃ] e [ʒ] 184
6132 Palatalizaccedilatildeo 186
6133 Vozeamento e desvozeamento 189
6134 Abaixamento e elevaccedilatildeo das vogais orais 191
6135 Nasalizaccedilatildeo e desnasalizaccedilatildeo 194
6136 Fenocircmenos envolvendo os roacuteticos 195
6137 Labializaccedilatildeo e deslabializaccedilatildeo 197
6138 Metaacutetese 198
6139 Siacutestole 199
61310 Fortalecimento
200
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
201
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
208
ANEXOS 221
20
1 SOBRE A PESQUISA
O estudo dessas liacutenguas eacute evidentemente de grande importacircncia para o incremento dos conhecimentos linguiacutesticos Cada nova liacutengua que se investiga traz novas contribuiccedilotildees agrave linguiacutestica cada nova liacutengua eacute outra manifestaccedilatildeo de como se pode realizar a linguagem
humana Cacircmara Jr (1977 p 4)
11 INTRODUCcedilAtildeO
Neste capiacutetulo discorreremos sobre a diversidade e a situaccedilatildeo das liacutenguas
indiacutegenas brasileiras1 bem como a motivaccedilatildeo para o presente estudo Tambeacutem
faratildeo parte desta introduccedilatildeo a justificativa para a realizaccedilatildeo desta pesquisa os
objetivos almejados os procedimentos metodoloacutegicos e a descriccedilatildeo da estrutura
da tese
Por se tratar de um estudo que diz respeito agrave linguiacutestica indigenista brasileira vale
iniciar a discussatildeo situando aqueles que satildeo os sujeitos da nossa pesquisa os
iacutendios Sabe-se que os povos indiacutegenas satildeo vistos geralmente como personagens
passivos na da nossa histoacuteria Eacute um equiacutevoco concebecirc-los na nossa narrativa
dessa forma pois seja no papel de aliados ou de inimigos esses povos tiveram
um papel importante na formaccedilatildeo de sociedades coloniais e poacutes-coloniais
(ALMEIDA 2013 p9)
1 Aleacutem do portuguecircs haacute no Brasil aproximadamente 180 liacutenguas indiacutegenas faladas por 225 etnias
Dessas liacutenguas 110 satildeo consideradas em extinccedilatildeo pelo fato de serem faladas por menos de 500 pessoas Estima-se que em 1500 cerca de seis milhotildees de iacutendios falavam 1078 idiomas Hoje a populaccedilatildeo indiacutegena brasileira chega a no maacuteximo entre 440 mil e 500 mil indiviacuteduos Atribui-se o desaparecimento das liacutenguas indiacutegenas agraves pressotildees poliacuteticas do colonizador e posteriormente agraves necessidades de sobrevivecircncia das populaccedilotildees indiacutegenas Revista Liacutengua portuguesa n 26 p 57 2010
21
Embora natildeo seja amplamente divulgado no Brasil haacute cerca de 180 liacutenguas
indiacutegenas o que nos torna um paiacutes plurilinguiacutestico Esse percentual era de 1200
antes da chegada dos portugueses Durante esses cinco seacuteculos de colonizaccedilatildeo
um glotociacutedio foi visto intensificamente no nosso territoacuterio
Mesmo sendo viacutetimas de um processo de colonizaccedilatildeo desenfreado e
escravizador estes povos com o tempo passaram a ser reconhecidos como
agentes na sociedade Suas accedilotildees satildeo vistas a partir de um recente periacuteodo
histoacuterico como importantes para explicar a histoacuteria deles e consequentemente a
nossa Saindo de um quadro de contato onde eram vistos como coadjuvantes
passando a ser tambeacutem protagonistas
Hoje os estudos indigenistas satildeo mais frequentes uma vez que na antropologia
atual os povos que foram definidos como aculturados passaram a ser
coadjuvantes de um processo histoacuterico e participativo
A reportagem da Revista Continente Maio de 2009 sobre os Fulniocirc faz parte de
um arsenal que descreve o que jaacute eacute sabido pela comunidade cientiacutefica as liacutenguas
indiacutegenas brasileiras estatildeo desaparecendo em ritmo acelerado Posto dessa
forma podemos perceber que haacute urgecircncia em descrever como tais liacutenguas se
comportam em si e em contatos com outras
Cacircmara-Juacutenior (1977 p 7) postula que os estudos indigenistas mais
precisamente sobre os de suas liacutenguas constitui no Brasil uma tarefa natildeo
somente enorme mas tambeacutem urgente Hoje meio seacuteculo depois esta citaccedilatildeo se
faz atual Os estudos indigenistas ainda se monstram tiacutemidos e carentes de
recursos e pesquisadores
22
Em continuidade o autor afirma que
Jaacute desapareceram no Brasil muitas liacutenguas agora totalmente irrecuperaacuteveis para a ciecircncia Eacute muito difiacutecil avaliar hoje em dia quantas liacutenguas se teriam falado no Brasil haacute 400 anos na eacutepoca do descobrimento do paiacutes pelos europeus Mas a quantidade de liacutenguas que subsistem ainda hoje () eacute ainda um nuacutemero consideraacutevel ndash cento e tantas Todas elas entretanto estatildeo ameaccediladas de desaparecer dentro de muitos poucos anos
O fato eacute que precisamos catalogar essas liacutenguas e como elas agem durante o
contato linguiacutestico Esses estudos satildeo de grande valia porque podem mostrar
como se deu analogicamente o contato do portuguecircs com outras liacutenguas E as
evidecircncias aqui encontradas contribuiratildeo para a descriccedilatildeo linguiacutestica aleacutem de
proporcionar agraves geraccedilotildees futuras o conhecimento mais apurado sobre as liacutenguas
de contato
Sobre esta relaccedilatildeo Almeida (idem p 14) afirma que
[] As relaccedilotildees de contato com sociedades envolventes e vaacuterios processos de mudanccedila cultural vivenciados pelos grupos indiacutegenas eram considerados simples relaccedilotildees de dominaccedilatildeo impostas aos iacutendios de tal forma que natildeo lhes restava nenhuma margem de manobra a natildeo ser a submissatildeo passiva a um processo de mudanccedilas culturais que os levaria a serem assimilados e confundidos com a massa da populaccedilatildeo
A autora ainda reitera que ldquoas relaccedilotildees de contato eram entatildeo grosso modo
vistas como relaccedilotildees de dominaccedilatildeo submissatildeo na qual uma cultura se impunha
sobre a outra anulando-ardquo p16
23
O contato entre liacutenguas contribuiu para o leacutexico portuguecircs2 E eacute o contato
linguiacutestico um dos fatores que coloca o iacutendio em situaccedilatildeo ativa na histoacuteria do
Brasil mesmo apoacutes o decreto do Marquecircs de Pombal3
Todavia assim como ocorrera com os negros eacute possiacutevel que o contato com
iacutendios possa ter influenciado outros niacuteveis da nossa gramaacutetica 4
Seki (1995 p 33) ao discutir sobre a situaccedilatildeo das liacutenguas indiacutegenas brasileiras
diz que
Essas estimativas devem ser ainda consideradas com certa cautela pois as liacutenguas indiacutegenas encontram-se sob as mais diferentes pressotildees sofrendo o impacto do crescente contato com a populaccedilatildeo envolvente e a liacutengua majoritaacuteria Contudo natildeo haacute em geral levantamentos que permitam estabelecer com maior margem de exatidatildeo os reflexos do impacto do Portuguecircs nos distintos grupos em termos de deslocamento de liacutengua indiacutegena tanto no que se refere a graus de bilinguismo monolinguismo quanto no que se refere agrave interferecircncia do Portuguecircs nessas liacutenguas nem sempre claramente perceptiacutevel nas fases iniciais mas que vai aos poucos contribuindo para a perda da liacutengua minoritaacuteria
2 Citamos aqui como exemplos o caso dos grupos de palavras oriundos de outros povos que
foram acoplados ao nosso leacutexico como indianismos e africanismos 3 Para estabelecer uma comunicaccedilatildeo com os nativos os portugueses foram aprendendo os
dialetos e idiomas indiacutegenas A partir do tupinambaacute falado pelos grupos mais abertos ao contato com os colonizadores criou-se uma liacutengua geral comum a iacutendios e natildeo-iacutendios O crescente nuacutemero de falantes do portuguecircs comeccedila a tornar o bilinguumlismo das famiacutelias portuguesas no paiacutes cada vez menor Em 17 de agosto de 1758 a liacutengua portuguesa se torna idioma oficial do Brasil atraveacutes de um decreto do Marquecircs de Pombal que tambeacutem proiacutebe o uso da liacutengua geral Disponiacutevel em httpwwwcomcienciabrreportagenslinguagemling03htm em 18122014 4 Alguns estudiosos afirmam que as influecircncias natildeo se restringiram apenas ao vocabulaacuterio
Jacques Raimundo em O Elemento Afro-Negro na Liacutengua Portuguesa aponta algumas mudanccedilas foneacuteticas iniciadas na fala dos escravos que ainda se mantecircm em algumas variedades do portuguecircs do Brasil as vogais meacutedias pretocircnicas e e o passam a ser pronunciadas como vogais altas respectivamente i e u (mininu nuticcedila) as vogais tocircnicas de palavras oxiacutetonas terminadas em s mesmo as grafadas com z se tornam ditongos (atrais mecircis vecircis) a marca de terceira pessoa do plural nos verbos do preteacuterito perfeito se reduz a o (fizero caiacutero tocaro)Em 1822 Jeroacutenimo Soares Barbosa registrava em sua Grammatica Philosophica uma peculiaridade sintaacutetica originada na fala dos escravos que ateacute hoje eacute apontada como uma das distinccedilotildees entre o portuguecircs falado em Portugal e o que se fala no Brasil a colocaccedilatildeo de pronomes aacutetonos antes dos verbos (mi deu ti falocirc) Disponiacutevel em httpwwwcomcienciabrreportagenslinguagemling03htm em 18122014
24
Embora a preocupaccedilatildeo da maioria dos estudiosos de liacutenguas indiacutegenas seja com
as liacutenguas minoritaacuterias esta pesquisa trafega no sentido contraacuterio ao buscar
descrever a influecircncia dessas liacutenguas tidas como fraacutegeis no indioma nacional
Vale ressaltar que mesmo em territoacuterio nacional o portuguecircs aqui eacute tido como
segunda liacutengua
12 JUSTIFICATIVA
O contato linguiacutestico e suas consequecircncias se datildeo em todas as liacutenguas do
mundo No entanto no que tange ao desaparecimento de liacutenguas o prejuiacutezo eacute
maior uma vez que a natildeo catalogaccedilatildeo dessas liacutenguas geraria um deacuteficit linguiacutestico
que poderia prejudicar os estudos linguiacutesticos vigentes e futuros aleacutem dos
problemas humanos advindos do processo de aculturaccedilatildeo entre povos
Ao corroborar com esta acertiva Telles (2009 p25) afirma que
Quando um povo perde uma liacutengua tambeacutem perde diversidade humana perdem-se meios de compreensatildeo e explicaccedilatildeo do mundo perdem-se soluccedilotildees de adaptalidade do homem ao meio perde-se o conhecimento do potencial e do usufruto sustentaacutevel deste meio Enfim perdem-se conhecimentos fundamentais que venham a coloborar para a continuidade da sobrevivecircncia do homem no planeta
O estudo de uma liacutengua diferente da nossa pode nos dar a impressatildeo de que
vamos encontrar algo distante da nossa realidade O que natildeo eacute verdade visto
que as semelhanccedilas linguiacutesticas satildeo em maior nuacutemero Cacircmara-Juacutenior (1977
p18)
25
Antes da perda total de uma liacutengua que pode ser assim configurado ou natildeo o
processo inicial se daacute pelo contato entre elas Soacute depois de existirem lado a lado
eacute que tais liacutenguas podem a depender da dinacircmica se fundirem desaparecerem
ou conviverem entre si
No caso do relacionamento entre o Latundecirc e o Portuguecircs percebe-se que tal
contato caminha para o desparecimento do Latundecirc dado as circunstacircncias
histoacutericas e sociais pelas quais esta liacutengua tem passado Hoje este povo eacute
composto de 20 falantes dispersos Como os mais novos natildeo podem coabitar
entre si a continuidade da etnia estaacute com os dias marcados Logo torna-se
urgente as tentativas de descriccedilatildeo da liacutengua e de seu comportamento
Analisar e descrever o contato com base nos padrotildees de marcaccedilatildeo e simetria
contribuiraacute com o princiacutepio de naturalidade que eacute pre-requesito para a tipologia
linguiacutestica No mais as investigaccedilotildees sobre o contato linguiacutestico satildeo de grande
valia para o conhecimento mais apurado das liacutenguas do mundo e da nossa liacutengua
especificamente
13 OBJETIVOS
Esta pesquisa objetiva o estudo da interferecircncia foneacutetica do Latundecirc no
Portuguecircs levando em consideraccedilatildeo o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
entre estas liacutenguas Tambeacutem busca refletir sobre os processos foneacuteticos oriundos
do contato e como eles se evidenciam a partir das liacutenguas em xeque
26
No decorrer da tese aleacutem dos objetivos postos aqui buscaremos responder as
questotildees postuladas
Investigar se os fatores internos (linguiacutesticos) e externos (estruturais)
interagem com os princiacutepios da marcaccedilatildeo
Identificar qual o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
Verificar se e quais os traccedilos mais marcados da liacutengua dominada passam
para a dominante
Dessa forma ao refletirmos sobre as questotildees acima esperamos contribuir com
os estudos dos universais linguiacutesticos e da cogniccedilatildeo humana
14 METODOLOGIA
O corpus utilizado nesta pesquisa foi coletado pela professora Stella Virgiacutenia
Telles e faz parte do NEI ndash Nuacutecleo de Estudos Indigenistas ndash da Universidade
Federal de Pernambuco Os dados foram gravados em CDrsquos em formato wave e
estruturados em forma de perguntas e respostas DID ndash Diaacutelogo entre
entrevistador e entrevistado
Foram escutados aproximadamente 30 horas de gravaccedilatildeo de fala dos 20
informantes Latundecirc Incialmente analisamos de oitiva os dados que foram
depois transcritos foneticamente com base no Alfabeto Foneacutetico Internacional -
IPA e organizados em tabelas Apoacutes segunda anaacutelise em caso de duacutevidas os
dados foram submetidos ao programa PRAAT para melhor audiccedilatildeo No que tange
27
agrave anaacutelise os dados foram disponibilizados em tabelas e enumerados com os
respectivos comentaacuterios abaixo
15 DISPOSICcedilAtildeO DA TESE
Para este estudo utilizamos os pressupostos cientiacuteficos da tipolologia linguiacutestica
de base aleacutem de autores que foquem em seus estudos contato interferecircncia
foneacutetica marcaccedilatildeo e naturalidade
No capiacutetulo 1 discorremos sobre os elementos basilares da tese justificativa
objetivos perguntas norteadoras metodologia e disposiccedilatildeo da tese
No capiacutetulo 2 trataremos sobre a marcaccedilatildeo Nele abordaremos o conceito de
marcaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com os princiacutepios de simetria e naturalidade Veremos a
partir do panorama de Matras amp Elsik (2006) Battistella (1996) Lacy (2006) as
abordagens de marcaccedilatildeo estruturalista gerativa tipoloacutegica e naturalista
Na seccedilatildeo 23 discorreremos sobre os criteacuterios de marcaccedilatildeo e na seccedilatildeo 24
sobre a mudanccedila linguiacutestica contato e marcaccedilatildeo Nos deteremos aos estudos de
Jakobson na abordagem fonoloacutegica na seccedilatildeo 25 bem como os universais
linguiacutesticos para a marcaccedilatildeo observados por Moreira da Silva (2011) em
contraponto com os padrotildees mais marcados do Latundecirc
No Capiacutetulo 3 o contato linguiacutestico seraacute nosso escopo Nele discutiremos os tipos
de mesclas de contato pidgin crioulo liacutengua Franca e jargatildeo a partir dos
pressupostos de Tarallo e Alkimin (1987) Calvet (2004) Couto (2001) Hall
28
(1996) Hymes (1971) Romaine (2000) e AiKhenvald e Dixon (2006)
Abordaremos tambeacutem a diglossia conforme Ferguson (1991) a alternacircncia de
coacutedigo de acordo com Auer (1999) Morte de liacutengua segundo Mcmahon (1994)
Trask (2004) e Cristoacutefaro-Silva (2002)
No capiacutetulo 4 apresentaremos a comunidade de estudo os Latundecirc Inicialmente
com base em Rodrigues (1995) Roquete-Pinto (1919) Leacutevi-Strauss (1946) Price
e Cook (1969) Anomby (2009) e Telles (2002) faremos uma descriccedilatildeo dos povos
e famiacutelias indiacutegenas do Brasil e dos Latundecirc especificamente Recapitularemos o
contexto histoacuterico formaccedilatildeo contato com os outros povos indiacutegenas e com os
natildeo iacutendios limites geograacuteficos e situaccedilatildeo atual
No capiacutetulo 5 trataremos da interferecircncia e transferecircncia foneacutetica do Latundecirc
para o Portuguecircs Com base em Cristoacutefaro-Silva (2002) Bisol (1996) Weinreich
(1953) Van Coetesem (1988) e Matras (2009) discutiremos os processos de
interferecircncia fusatildeo coexistecircncia e transferecircncia linguiacutestica Apresentaremos os
aspectos mais relevantes da fonologia Latundecirc e do Portuguecircs
No capiacutetulo 6 faremos as anaacutelises dos processos foneacuteticos presentes no contato
do Latundecirc com o Portuguecircs A partir da perspectiva claacutessica de perda
manutenccedilatildeo ou ganho de elementos discutiremos sobre quais os processos
foneacuteticos mais marcados do Latundecirc permanecem ou natildeo atestados no
Portuguecircs falado por Latundecirc
Por fim chegaremos agraves divagaccedilotildees finais dos resultados configurados na
pesquisa e agrave perspectiva de continuidade do trabalho Nos anexos encontram-se
os dados analisados transcritos foneticamente e dispostos em tabelas
29
2 MARCACcedilAtildeO LINGUIacuteSTICA
A nossa vida eacute mesmo assim Crescemos uns qual aacutervore indivisa levados pela forccedila de um destino retiliacuteneo como as palmeiras crescem
outros com a vida ramificada pelos empuxos ambientes Pretendemos Tentamos Retrocedemos
Afinal caminhamos na diretriz primitivamente escolhida quando o tempo nos concede alcanccedilar crescemos como as lianas5
(ROQUETTE-PINTO 1919 p 37)
21 INTRODUCcedilAtildeO
Eacute fato que o universo eacute regido por leis naturais O que aparentemente demonstra
ser fruto da eventualidade eacute um conjunto de princiacutepios explicaacuteveis que agem de
forma complementar sob as forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas Com a liacutengua(gem)
natildeo diferentemente enquanto sistema de relaccedilotildees ela reflete estas
caracteriacutesticas Para Croft (2003 p 25) ela reflete a tensatildeo entre duas tendecircncias
concorrentes - uma em direccedilatildeo agrave regularidade a outra em direccedilatildeo agrave
hierarquizaccedilatildeo
Com o objetivo de melhor compreensatildeo dos pressupostos da tese neste capiacutetulo
nos deteremos agrave compreensatildeo dos conceitos de marcaccedilatildeo assimetria e
naturalidade Oriundos da linguiacutestica de base estes termos estatildeo relacionados
aos universais linguiacutesticos A complexidade destes conceitos por outro lado
apontam para o que eacute individual e para o que eacute geral Tem a ver com o que jaacute
defendia Chomsky ao estabelecer a dicotomia Princiacutepios x Paracircmetros
Obviamente posta a complexidade da liacutengua esses ldquoagentesrdquo da linguagem
5 Espeacutecie de trepadeira que manteacutem sua raiz no solo mas necessita de um suporte para manter-
se ereta e crescer em direccedilatildeo agrave luz
30
estatildeo submetidos tambeacutem aos fatores internos e externos nas liacutenguas do mundo
Logo o que eacute marcado numa liacutengua pode natildeo ser em outra ou podem ocorrer
marcaccedilotildees mais globais
Matras e Elsik (2006 p12) discorrem que
A tarefa da teoria linguiacutestica eacute a nosso ver descrever como essas tendecircncias concorrentes satildeo responsaacuteveis pela formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas Trata-se de um jogo a niacutevel local de vaacuterios fatores a estrutura e sua funccedilatildeo na comunicaccedilatildeo o membro e o valor que ela representa tanto dentro do paradigma e em um quadro conceitual mais universal a natureza do processo especiacutefico envolvido na formaccedilatildeo a estrutura e a motivaccedilatildeo para aplicar esse processo para o paradigma ou partes dele Esta complexa interaccedilatildeo de fatores nunca eacute preacute-determinada uma vez que diferentes combinaccedilotildees de fatores tornaratildeo resultados diferentes A este respeito tomamos uma visatildeo imparcial do que condiccedilatildeo marcada eacute e se eacute ou natildeo uma estrutura eacute marcado ldquoem comparaccedilatildeo com a outrardquo Em vez disso nosso interesse eacute em explorar padrotildees nos resultados de diferentes combinaccedilotildees de fatores em niacutevel local
A assimetria e a naturalidade efetivamente teriam uma relaccedilatildeo direta com a
marcaccedilatildeo O que eacute assimeacutetrico tende a ser mais marcado e menos natural Por
outro lado o que eacute mais natural tende a ser menos marcado e mais simeacutetrico
Esta eacute uma condiccedilatildeo elementar mas natildeo totalitaacuteria para as liacutenguas do mundo
Para Batistella (1996 p115) haacute um nuacutemero de pesquisadores que sugerem
formas especiacuteficas em que as condiccedilotildees de marcaccedilatildeo desempenham um papel
na descriccedilatildeo na alteraccedilatildeo ou na aquisiccedilatildeo da liacutengua(gem) exercendo uma
funccedilatildeo relevante na definiccedilatildeo da gramaacutetica oacutetima agravequela que eacute o resultado
satisfatoacuterio na teoria da otimalidade6
6 Mesmo natildeo trabalhando diretamente com a teoria da otimalidade nesta tese eacute vaacutelido ressaltar
que os princiacutepios de marcaccedilatildeo simetria e naturalidade fazem parte do arcabouccedilo teoacuterico de seu axioma
31
No que diz respeito agrave fonologia aacuterea da linguiacutestica sob a qual se debruccedila o objeto
de estudo desse trabalho Battistella (1966 p65) observa que condiccedilatildeo marcada
eacute uma propriedade da relaccedilatildeo entre os dois sinais de um paradigma diacriacutetico
que eacute em parte independente da substacircncia linguiacutestica articulaccedilatildeo e percepccedilatildeo e
deve ser definido principalmente como conceitual
No que se refere aos conceitos postos aqui utilizaremos os pressupostos teoacutericos
defendidos por CROFT (1996 2003) JAKOBSON (1953) BATTISTELLA (1996)
MATRAS amp ELSIK (2006) para descriccedilatildeo teoacuterica e abordagem histoacuterica e LACY
(2006) para a descriccedilatildeo dos universais marcados para tratarmos das elucidaccedilotildees
sobre Marcaccedilatildeo Tipoloacutegica (no contato linguiacutestico) e Naturalidade
22 MARCACcedilAtildeO
Battistella (1996 p7) afirma que em muitas aacutereas alguns conceitos apresentam
problemas quanto agrave sua complexidade axioloacutegica Natildeo diferentemente no campo
da linguiacutestica tais discussotildees emblemaacuteticas ainda hoje se fazem presentes Uma
dessas discussotildees gira em torno do conceito de marcaccedilatildeo pois segundo ele
A dicotomia natildeo-marcado versus marcado eacute um dos conceitos-chave tanto a teoria da gramaacutetica gerativa desenvolvida por Noam Chomsky e a teoria da linguiacutestica estrutural desenvolvida por Roman Jakobson Ela tem sido usada em aacutereas da linguiacutestica que vatildeo desde a descritiva e tipoloacutegica ateacute a aplicada e foi emprestado para campos tatildeo diversos como a antropologia arte muacutesica poesia e literatura
O termo que fora introduzido na linguiacutestica na deacutecada de 1920 pelos linguistas
europeus da Escola de Praga cujo significado da condiccedilatildeo marcada natildeo
32
permaneceu constante mesmo dentro de uma uacutenica estrutura intelectual hoje eacute
um marco central na linguiacutestica O conceito de marcaccedilatildeo estaacute relacionado agrave
frequecircncia daquilo que eacute menos comum na liacutengua Logo a relaccedilatildeo deste conceito
se coaduna agrave noccedilatildeo de naturalidade Se um elemento eacute mais natural ele seraacute
menos marcado Se o oposto seraacute mais marcado Deste modo as liacutenguas teriam
uma tendecircncia a optar por padrotildees natildeo marcados
Battistella (2006 p13) expotildee que
A possibilidade de relaccedilotildees universais marcado natildeo-marcado eacute atenuada por outros fatores Um deles eacute a observaccedilatildeo de que a assimetria eacute muitas vezes sensiacutevel ao contexto Isso faz com que uma condiccedilatildeo local marcada em vez de um fenocircmeno geral signifique que contexto deve sempre ser considerado ao determinar valores de condiccedilatildeo marcada Poderia ser eacute claro que o aspecto contextual da condiccedilatildeo marcada seja dado universalmente mas este natildeo eacute de modo algum faacutecil de mostrar aleacutem do niacutevel de fonologia Uma preocupaccedilatildeo relacionada sobre as implicaccedilotildees universais decorre do fato de que muitas assimetrias podem ser revertidas entre as diferentes comunidades de fala periacuteodos de tempo ou registradores
Para Trask (2004 p187) os vaacuterios criteacuterios para entender que uma forma ou
construccedilatildeo eacute marcada podem natildeo coincidir e os valores da alternativa marcado
natildeo-marcado podem tambeacutem mudar ao longo do tempo A complexidade posta na
interaccedilatildeo de fatores nunca eacute previamente estabelecida uma vez que as
diferentes combinaccedilotildees deles tornaratildeo consequentemente os resultados
diferentes
Em continuidade ele afirma que
Ser marcado eacute uma noccedilatildeo muito ampla que se aplica em todos os niacuteveis de anaacutelise Em termos gerais eacute marcada qualquer forma linguiacutestica que ndash sob qualquer ponto de vista ndash menos usual ou menos neutra do que alguma outra forma a forma natildeo-
33
marcada Uma forma marcada pode distinguir-se de outra tambeacutem marcada pela presenccedila de mais material de maior quantidade de matizes de significado por ser mais rara numa determinada liacutengua ou nas liacutenguas em geral ou de vaacuterios outros modos (idem p129)
Na e para a fonologia eacute sugerido que processos fonoloacutegicos estejam diretamente
sensiacuteveis agrave distinccedilatildeo entre os elementos marcados e os natildeo marcados Nesta
relaccedilatildeo a marcaccedilatildeo dos segmentos foneacuteticos estaacute relacionada a propriedades
linguiacutesticas como i) serem pouco comuns ii) serem pouco frequentes iii) serem
adquiridos tardiamente iv) serem pouco estaacuteveis quanto agrave mudanccedila sonora
(CRISTOacuteFARO-SILVA 2011 p148)
Segundo Battistella (2006 p 13) ldquoa condiccedilatildeo marcada na fonologia eacute uma
propriedade da relaccedilatildeo entre os dois sinais de um paradigma diacriacutetico que eacute em
parte independente da substacircncia linguiacutestica (articulaccedilatildeo e percepccedilatildeo) e deve ser
definida principalmente como conceitualrdquo
O conceito de marcaccedilatildeo estaacute diretamente relacionado ao de simetria propriedade
matemaacutetica que consiste na correspondecircncia e permuta de elementos dentro de
um conjunto onde mesmo com a troca de lugares eles continuam tendo o
mesmo valor Neste caso a marcaccedilatildeo estaria ligada ao conceito de assimetria
posto que esta seja a quebra da valoraccedilatildeo de correspondecircncia dos elementos
Trask 2007
Para Matras e Elsik (2006 p 8)
Assimetrias de paradigmas tecircm vindo a ser associado com a noccedilatildeo de condiccedilatildeo marcadardquo O conceito pressupotildee que a relaccedilatildeo estrutural entre os dois polos de um paradigma eacute previsiacutevel em certa medida Ele tambeacutem assume que um dos
34
polos marcado seraacute sempre exibir propriedades que o outro polo desmarcado natildeo tem
Os referidos autores tratam dos aspectos sobre assimetria afirmando que a
simetria eacute mais simples por ser explicada ldquoem termos formais ao niacutevel do
paradigma e em termos funcionais atraveacutes de regularidade na posiccedilatildeo e
formas das estruturas que executam operaccedilotildees lineares semelhantes na
organizaccedilatildeo de informaccedilatildeo de enunciadosrdquo Eles ainda afirmam que as ldquoas forccedilas
que provocam a assimetria satildeo muito mais opacasrdquo pois ldquoelas competem em
vaacuterios niacuteveis locais contra o poder aparentemente esmagador e sempre presente
da busca pela simetriardquo (idem p 10)
A noccedilatildeo de valores dos conceitos de marcados e natildeo marcados foi inicialmente
desenvolvido para sistemas fonoloacutegicos por Trubetzkoy (1931) e primeiro aplicado
a categorias morfossintaacuteticas e semacircnticas por Jakobson (1932) Croft (1990 p
87) afirma que Markedness has since been adopted by both the generative and
the typological approaches to linguistic theory not surprisingly in rather different
ways7 Por isso a depender da corrente teoacuterica adotada o conceito de marcaccedilatildeo
pode ser compreendido de forma distinta dadas as interpretaccedilotildees e as
abrangecircncias a que elas se propotildeem
Conforme Battistella (1996 p 12) O termo marcaccedilatildeo abrange uma seacuterie de
conceitos
algumas tentativas foram feitas para separar os conceitos subjacentes a este termo e distinguir entre diferentes tipos de condiccedilotildees marcadas Jakobson por exemplo manteacutem uma
7 O conceito de marcaccedilatildeo tem sido adotado nas abordagens gerativista e tipoloacutegica natildeo surpreendentemente de maneiras bastante diferentes
35
distinccedilatildeo entre condiccedilatildeo fonoloacutegica marcada que envolve categorias cujos significados satildeo meros diferenciadores e condiccedilatildeo marcada semacircntica que envolve categorias conceituais que sinalizam o que significa bem como distinguem os vocaacutebulos
Com os passar do tempo os modelos teoacutericos sobre marcaccedilatildeo tambeacutem foram
discutidos e repensados de acordo com a corrente a que se propunha Nos
paraacutegrafos que seguem discorremos seguindo o percurso histoacuterico descrito por
Battistella 2006 sobre estes modelos estruturalista gerativista tipoloacutegica e
naturalista
221 A concepccedilatildeo de Jakobson e Trubetzkoy
A abordagem estruturalista estaacute diretamente ligada agraves pessoas de Jakobson e
Trubetzkoy componentes do Ciacuterculo de Praga para quem as correlaccedilotildees
fonoloacutegicas satildeo compartilhadas em um elemento definidor comum A partir da
observaccedilatildeo do comportamento dos traccedilos fonoloacutegicos eles introduzem os termos
marcado e natildeo-marcado It was in the context of the search for correlations
among phonemes that the terms marked and unmarked were first proposed
Battistella (2006 p 19)
Na visatildeo semioacutetica estruturalista de acordo com Matras e Elsik (2006 p 15)
Trubetzkoy (1939) introduziu o conceito de condiccedilatildeo marcada no contexto de sua
pesquisa sobre correlaccedilotildees fonoloacutegicas com base nas relaccedilotildees entre a presenccedila
de alguma caracteriacutestica fonoloacutegica e sua ausecircncia na consciecircncia dos falantes
Mais adiante ele restringiu a aplicaccedilatildeo da condiccedilatildeo marcada agraves neutralizaacuteveis
36
oposiccedilotildees fonoloacutegicas A partir daiacute a neutralizaccedilatildeo tornou-se o criteacuterio de
marcaccedilatildeo
Por isso diz-se que a neutralizaccedilatildeo eacute um criteacuterio originalmente fonoloacutegico que foi
estendido (nem sempre bem) para a situaccedilatildeo em que algum contexto requer o
cancelamento do contraste entre os membros de uma oposiccedilatildeo Battistella (1996
p 11)
Batistella (idem p12) tambeacutem afirma que Jakobson aplicou o conceito de
marcaccedilatildeo em vaacuterias direccedilotildees e aleacutem da fonologia a outros niacuteveis linguiacutesticos e
domiacutenios da semioacutetica com base natildeo apenas nos atributos linguiacutesticos mas nas
categorias semacircnticas da gramaacutetica e da cultura Ele tambeacutem afirmou que a
condiccedilatildeo marcada pode ser vista como uma relaccedilatildeo binaacuteria
O autor em estudo ainda discorre que Jakobson observando aleacutem disso ldquouma
seacuterie de correlaccedilotildees de condiccedilatildeo marcada notou que os valores natildeo marcados
tendem a ser representado por zero formardquo sugerindo que existe uma
correspondecircncia entre as caracteriacutesticas semacircnticas e sua expressatildeo fonoloacutegica
ldquonatildeo apenas os valores marcados tendem a ser codificados por meio de
marcadores manifestados mas tambeacutem valores semanticamente proacuteximos de
uma categoria que tendem a ser expressos fonologicamente ou marcadores
fonotaticamente semelhantesrdquo Os valores marcados tambeacutem tendem a mostrar
diferenciaccedilatildeo menos formal do que os valores natildeo marcados
Jakobson tambeacutem teria evidenciado seus estudos com base nas observaccedilotildees
sobre a aquisiccedilatildeo de primeira liacutengua e sobre a afasia Em suas pesquisas ele
descobriu correlatos extralinguiacutesticos de condiccedilatildeo marcada propondo uma
37
hierarquia das caracteriacutesticas fonoloacutegicas universais ao coletar dados
corroboradores da tese de que as caracteriacutesticas ou segmentos marcados satildeo
mais difiacuteceis de serem adquiridos por crianccedilas e de serem apreendidos por
afaacutesicos Battistella (idem 16)
222 Abordagem Gerativa
Para Matras amp Elsik (2006 p10) a visatildeo de Chomsky de marcaccedilatildeo mostra uma
flexibilidade notaacutevel uma vez que o conceito natildeo foi desenvolvido de forma
sistemaacutetica e que eacute difiacutecil falar sobre a existecircncia de um trabalho mais bem
elaborado sobre marcaccedilatildeo em sua obra
Battistella afirma que na concepccedilatildeo gerativista o conceito de marcaccedilatildeo exposto
por Chomsky estaacute relacionado a duas ideias centrais i) a condiccedilatildeo marcada eacute
concebida como codificaccedilatildeo de uma estrutura de preferecircncia ou a estrutura
padratildeo para a aquisiccedilatildeo da linguagem e ii) a condiccedilatildeo marcada eacute vista como
aquela que reflete o custo de determinadas opccedilotildees analiacuteticas Em tal conceito as
duas ideias estatildeo interligadas na abordagem gerativa na medida em que uma
teoria formal eacute necessaacuteria para expor a adequaccedilatildeo explicativa no que diz respeito
agrave aquisiccedilatildeo da linguagem (1996 p18)
Ainda segundo o autor Chomsky tambeacutem distinguiu dois tipos de condiccedilatildeo
marcada a distinccedilatildeo entre uma gramaacutetica sem marcaccedilatildeo do nuacutecleo e uma
periferia marcada e as estruturas de preferecircncia dentro do nuacutecleo e dentro da
periferia
38
No que tange agrave fonologia para Moreira da Silva (2011 p 31)
No contexto da Gramaacutetica Gerativa Chomsky amp Halle (1968 p 402) propotildeem uma teoria de marcaccedilatildeo baseada num conjunto de convenccedilotildees de marcaccedilatildeo ou definiccedilotildees dos valores ldquomarcadordquo ldquonatildeo-marcadordquo para os traccedilos fonoloacutegicos em contextos particulares A marcaccedilatildeo concebe uma estrutura como preferida ou que surge por defeito omissatildeo Os elementos marcados e natildeo marcados satildeo compreendidos como os que apresentam maior ou menor custo Satildeo as regras da Gramaacutetica Universal que atribuem um valor natildeo marcado aos traccedilos Com efeito os valores por omissatildeo estatildeo codificados na Gramaacutetica Universal havendo um conjunto de regras que fazem emergir os valores marcados
Chomsky amp Halle (idem p 425) propotildeem uma marcaccedilatildeo universal e inata Os
segmentos marcados ou os valores dos traccedilos satildeo estabelecidos de acordo com
universais interlinguiacutesticos frequecircncia distribucional mudanccedila linguiacutestica e
aquisiccedilatildeo da liacutengua
Eacute no final dos anos 70 e durante a deacutecada de 80 que segundo Battistella (1996
p 10)
a condiccedilatildeo marcada comeccedilou a ser tratada como parte de uma teoria do nuacutecleo da gramaacutetica A Gramaacutetica nuclear consistia em alguns paracircmetros que deveriam ser corrigidos durante a aquisiccedilatildeo de uma linguagem real O conceito de condiccedilatildeo marcada foi aplicado duplamente neste quadro Em primeiro lugar todo o nuacutecleo da gramaacutetica foi considerado como natildeo marcado contra a periferia marcada A condiccedilatildeo marcada de uma construccedilatildeo foi determinada pela sua regularidade estabilidade e centralidade para o nuacutecleo de uma linguagem particular bem como por generalizaccedilotildees intralinguiacutesticas sobre os tipos de construccedilatildeo Em segundo lugar a condiccedilatildeo marcada seria tambeacutem aplicada aos valores de paracircmetros no interior do nuacutecleo e no interior da periferia Assim condiccedilatildeo marcada tambeacutem foi visto como uma estrutura de preferecircncia dentro dos dois componentes da gramaacutetica
Moreira da Silva (2011 p32) afirma que no que diz respeito agrave Teoria da
Otimidade formulada por Prince amp Smolensky (1993) a marcaccedilatildeo eacute vista como a
39
violaccedilatildeo de uma restriccedilatildeo ou princiacutepio da liacutengua Segundo esta teoria cada liacutengua
eacute definida como um conjunto de hierarquizaccedilotildees de princiacutepios universais As
restriccedilotildees numa posiccedilatildeo mais elevada e que satildeo raramente violadas indicam os
aspetos natildeo marcados enquanto as menos importantes e que satildeo violadas
frequentemente mostram os aspetos mais marcados
223 Abordagem Tipoloacutegica (Interlinguiacutestica)
Croft (1996 p4) afirma que a principal caracteriacutestica da tipologia linguiacutestica eacute
verificar as regras de comparaccedilatildeo nas liacutenguas do mundo A comparaccedilatildeo
Interlinguiacutestica coloca a explicaccedilatildeo dos fenocircmenos linguiacutesticos de uma uacutenica
liacutengua em uma nova e diferente perspectiva
A fim de distinguir o conceito de marcaccedilatildeo de outras escolas teoacutericas Croft
(1996) introduziu a concepccedilatildeo de marcaccedilatildeo tipoloacutegica Para ele
Marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute uma rede de relaccedilotildees causais aparentes entre um subtipo de assimetrias interlinguiacutesticas todas as quais tecircm a ver com a forma como a funccedilatildeo eacute codificada em forma gramatical O tema geral da assimetria tambeacutem sugere um link para os padrotildees assimeacutetricos na ordem das palavras e na fonologia que diferem de marcaccedilatildeo tipoloacutegica de forma significativa Marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute uma propriedade universal de uma categoria conceitual natildeo uma propriedade de uma linguagem especiacutefica ou de uma categoria gramatical de linguagem particular como eacute concebida em marcaccedilatildeo para a Escola de Praga (p87 - 88)8
8 Typological markedness is a network of apparent causal relationships among a subtype of cross-
linguistic asymmetries all of which have to do with how function is encoded into grammatical form The general theme of asymmetry also suggests a link to asymmetrical patterns in word order and phonology which differ from typological markedness in significant ways Typological markedness is a universal property of a conceptual category not a language-particular property of a language-particular grammatical category as it is in Prague School markedness
40
Quanto agrave marcaccedilatildeo na abordagem tipoloacutegica autores como Croft (1996) e Givoacuten
(1990) se utilizaram da perspectiva estruturalista para embasar a sua teoria Esta
concepccedilatildeo se vale dos fenocircmenos interlinguiacutesticos e universais que eacute a sua
caracteriacutestica definidora Battistella (2006 p19) A marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute
portanto uma ferramenta importante para o tipologista porque fornece um meio
para ligar diretamente propriedades linguiacutesticas (estruturais) formais em todos os
idiomas
A condiccedilatildeo marcada eacute assegurada por padrotildees interlinguiacutesticos que podem ser
formulados como restriccedilotildees sobre possiacuteveis combinaccedilotildees de propriedades
linguiacutesticas Na abordagem tipoloacutegica a marcaccedilatildeo eacute vista como uma rede de
relacionamentos que engloba uma seacuterie de padrotildees gerais logicamente
independentes Croft (1990 p87) reclassifica os criteacuterios utilizados pelos
estruturalistas em trecircs estruturais comportamentais e de frequecircncia de token
Na abordagem tipoloacutegica um valor de categoria eacute mais ou menos marcado em
vez de individualmente ou duplamente marcadas como na abordagem semioacutetica
De acordo com Croft (2003 p87) o fato de que a neutralizaccedilatildeo natildeo eacute um
conceito relativo explica por que eacute um criteacuterio vaacutelido de condiccedilatildeo marcada
tipoloacutegica
Para Matras e Elsik o reconhecimento do caraacuteter relativo (gradual ou escalar) da
condiccedilatildeo marcada permite que se desenhe em alguns conceitos fundamentais da
tipologia linguiacutestica o que diz respeito agrave condiccedilatildeo de marcada Aleacutem de simples
implicacionais universais hierarquias e protoacutetipos tambeacutem podem ser vistos como
padrotildees da condiccedilatildeo marcada (2006 p18)
41
224 Abordagem Naturalista9 (Morfologia Natural)
Na abordagem naturalista de acordo com Matras amp Elsik (2006 p13) a condiccedilatildeo
marcada foi desenvolvida na escola de Morfologia Natural que surgiu na Aacuteustria e
na Alemanha em meados dos anos 1970 Os estudos de Dressler et al (1987)
para quem ldquoa naturalidade universal corresponde agrave facilidade para o ceacuterebro
humano (Dressler et all 1987 p11) fazem parte desta corrente que se debruccedilou
sobre a morfologia natural para dar sustentaccedilatildeo a sua tese Ainda para estes
autores
Os proponentes da Morfologia Natural caracterizam sua abordagem como semioacutetica e ao mesmo tempo funcional A escola foi inspirada entre outros pela teoria da marcaccedilatildeo desenvolvida na Escola de Praga Por outro lado morfologistas naturais compartilham de uma seacuterie de pontos de vista teoacutericos com o paradigma funcionalista e principalmente com orientaccedilatildeo de funccedilatildeo tipoloacutegica como a assunccedilatildeo do caraacuteter relativo da condiccedilatildeo marcada a suposiccedilatildeo de protoacutetipos e a dependecircncia de motivaccedilotildees e evidecircncias extralinguiacutesticas e intralinguiacutesticas (Idem p12)
Ainda de acordo com Matras amp Elsik (idem p 14) a Teoria da Morfologia Natural
eacute concebida como uma teoria da Naturalidade onde satildeo reconhecidos vaacuterios
niacuteveis de anaacutelise linguiacutestica que satildeo organizados por outras subteorias
correspondentes
A Morfologia Natural objetiva nesse aspecto estabelecer conflitos entre os
princiacutepios de naturalidade Dois desses satildeo i) os conflitos entre princiacutepios de
naturalidade (o que eacute natural e o que eacute especiacutefico do idioma) e ii) os conflitos
entre os diferentes componentes do sistema de linguagem
9 The naturalness approach
42
Comumente a naturalidade eacute vista por ter fundamentos extralinguiacutesticos que
determinam ou proiacutebem favorecem ou desfavorecem as estruturas linguiacutesticas
restringindo as possibilidades e especificam as preferecircncias da faculdade da
linguagem universal No entanto embora a morfologia privilegie os fatores
extralinguiacutesticos (neurobioloacutegicos e sociocomunicativos) os fatores linguiacutesticos
natildeo satildeo redutiacuteveis aos extralinguiacutesticos (ibidem p14)
23 CRITEacuteRIOS DE MARCACcedilAtildeO
Matras amp Elsik (2006 p15) elencam quatro criteacuterios relevantes para a marcaccedilatildeo
Satildeo eles i) frequecircncia ii) complexidade conceitual iii) complexidade estrutural iv)
distribuiccedilatildeo
A frequecircncia tem ocupado uma posiccedilatildeo central na abordagem tipoloacutegica da
condiccedilatildeo marcada Embora acredite-se que os elementos natildeo marcados satildeo
mais frequentes que os marcados este criteacuterio eacute relativo e universalmente
aplicaacutevel sendo bastante questionaacutevel na abordagem tipoloacutegica chegando a ser
abandonado por Croft 1990 p84 ao afirmar que ldquoo criteacuterio de frequecircncia mostra
uma conexatildeo direta entre as propriedades de estrutura da linguagem e
propriedades de uso da linguagemrdquo
Ainda segundo Croft (idem p159) a condiccedilatildeo marcada eacute mais do que uma
manifestaccedilatildeo de motivaccedilatildeo econocircmica havendo a necessidade de olhar para
outras causas da frequecircncia de certos valores gramaticais na fala
43
Na abordagem estruturalista semioacutetica a complexidade conceitual eacute a
propriedade que define a condiccedilatildeo semanticamente marcada Para Jakobson a
marcaccedilatildeo eacute definida como uma relaccedilatildeo assimeacutetrica entre sinalizaccedilatildeo e natildeo-
sinalizaccedilatildeo de uma determinada propriedade Assim o membro marcado da
oposiccedilatildeo eacute por definiccedilatildeo mais complexo semanticamente que o membro natildeo
marcado como outros criteacuterios melhores correlatos da condiccedilatildeo marcada de
diagnoacutesticos de complexidade conceitual (Matras amp Elsik 2006 p 17)
Ainda segundo estes autores (Idem p 19) o reconhecimento da extensatildeo e da
complexidade de um marcador em termos fonoloacutegicos como um fator relevante
em vez de um morfoloacutegico eacute tido por outros autores que trabalham com a
tipologia linguiacutestica Como exemplo eles citam a codificaccedilatildeo morfossintaacutetica que
eacute chamada de codificaccedilatildeo zero onde natildeo existe evidente formal de marcaccedilatildeo de
um valor de categoria
Os criteacuterios de marcaccedilatildeo com base na distribuiccedilatildeo compreendem os criteacuterios
comportamentais e o criteacuterio de valor neutro Os criteacuterios comportamentais foram
desenvolvidos especificamente na abordagem tipoloacutegica e dizem respeito a
qualquer tipo de evidecircncia do comportamento linguiacutestico dos elementos que
demonstram que um valor de uma categoria conceitual eacute gramaticalmente mais
versaacutetil do que outro Croft (1990 p 93)
Jaacute o criteacuterio de valor neutro diz respeito agrave neutralizaccedilatildeo de contrastes
paradigmaacuteticos em determinados contextos O criteacuterio foi desenvolvido na Escola
de Praga e tomado por Greenberg (1966) No entanto o valor neutro eacute
descartado como um criteacuterio vaacutelido de marcaccedilatildeo tipoloacutegica visto que natildeo haacute
44
consistecircncia interlinguiacutestica Natildeo existe um padratildeo interlinguiacutestico consistente de
contextos neutros que podem ser ligados agrave codificaccedilatildeo estrutural ou potencial
comportamental (Croft idem p96)
A razatildeo para a introduccedilatildeo de criteacuterios dependentes do sistema em Morfologia
Natural segundo Matras amp Elsik (2006 p 19) eacute que o conceito de naturalidade
baseada exclusivamente em fatores independentes de sistema resulta em
prediccedilotildees incorretas especialmente na mudanccedila de linguagem Eles consideram
certos aspectos da normalidade dependente de idioma para ser parte de
naturalidade
Segundo Croft (1990 p 97) no que tange aos criteacuterios externos da marcaccedilatildeo os
proponentes da abordagem naturalista introduziram uma seacuterie de criteacuterios ou
correlatos extralinguiacutesticos da condiccedilatildeo marcada como
evoluccedilatildeo da linguagem (o mais tarde o mais marcado)
maturaccedilatildeo ontogeneacutetica (o mais tarde o mais marcado)
fala do bebecirc (menos elementos marcados preferidos pelos adultos no
maiecircs)
aquisiccedilatildeo da linguagem (menos marcado adquirido antes do mais
marcado)
distuacuterbios da linguagem e da fala (mais marcado afetado anteriormente
menos marcado)
testes de percepccedilatildeo (menos marcado mais facilmente percebida do que
mais marcado)
45
e erros linguiacutesticos (mais marcados evocam mais erros do que os menos
marcados)
Esses criteacuterios satildeo basilares e dariam conta de uma seacuterie de elementos
universais linguiacutesticos
24 MARCACcedilAtildeO MUDANCcedilA E CONTATO LINGUIacuteSTICO
Matras amp Elsik (2006 p 22) garantem que em muitas abordagens a
mudanccedila linguiacutestica eacute vista como cooperadora para compreensatildeo da marcaccedilatildeo
Logo a mudanccedila de idioma eacute tida como criteacuterio de marcaccedilatildeo Esta assertiva faz
sentido nesse trabalho visto que o objeto de anaacutelise o portuguecircs resultante do
contato entre o Portuguecircs e o Latundecirc trata de cacircmbio de materiais linguiacutesticos
Neste caso especificamente dos elementos foneacuteticos
Ainda de acordo com estes autores
A existecircncia de estruturas marcadas eacute um resultado inevitaacutevel da compartimentaccedilatildeo e da abertura do sistema de linguagem E uma vez que diferentes componentes da linguagem tecircm funccedilotildees divergentes e tendem a seguir diferentes princiacutepios de naturalidade o abandono das estruturas marcadas em um niacutevel implica em estruturas marcadas em outro niacutevel (Idem p
25)
Em outras palavras a mudanccedila linguiacutestica leva agrave condiccedilatildeo de marcaccedilatildeo na
mudanccedila de um componente da liacutengua para outro ao inveacutes de uma reduccedilatildeo
global de condiccedilatildeo marcada Tais estruturas marcadas satildeo obrigadas a existir em
qualquer momento na histoacuteria de uma liacutengua
46
Os estudiosos apontam para os dois tipos de forccedilas que agem no contato
linguiacutestico a interna e a externa Assim tais forccedilas podem simplificar ou complicar
a gramaacutetica de uma liacutengua Givoacuten (1979 p 123) diz que os falantes satildeo
propensos a recorrer a estruturas natildeo marcadas da Gramaacutetica Universal em
situaccedilotildees cujo contato estaacute ligado ao estresse comunicativo enquanto situaccedilotildees
de contato menos marcados aquelas que prosseguem de forma mais gradual
natildeo precisam
Givoacuten (idem 124) diz que nas situaccedilotildees de pidgin a condiccedilatildeo de marcaccedilatildeo eacute
reduzida e situaccedilotildees de contato entre liacutenguas podem resultar em aumento de
elementos marcados As categorias marcadas satildeo reduzidas em pidgins
enquanto as natildeo-marcadas satildeo as primeiras a serem inovadas durante o
processo de crioulizaccedilatildeo A marcaccedilatildeo sugere que em situaccedilotildees de contato
envolvendo a interferecircncia deve favorecer a reduccedilatildeo da condiccedilatildeo marcada
Na aquisiccedilatildeo de segunda liacutengua o grau relativo de dificuldade para o aprendiz
estaacute relacionado a fatores extralinguiacutesticos como idade Eacute fato que na aquisiccedilatildeo
de uma segunda liacutengua os adultos tendem a terem dificuldades com os padrotildees
mais marcados enquanto os mais novos natildeo a tem Estruturas marcadas da
liacutengua em aquisiccedilatildeo podem deixar de serem adquiridas durante a aprendizagem
caso sejam os adultos que a esteja adquirindo Por isso estruturas natildeo marcadas
satildeo mais propensas a surgir em grandes sociedades caracterizadas por um
intenso contato linguiacutestico levando agraves liacutenguas a simplificaccedilatildeo dos seus sistemas
linguiacutesticos Croft (2000 p 192-193)
47
Jakobson (1978 p 35-37) afirma que quanto maior a funccedilatildeo socioespacial de um
dialeto mais simples seraacute o seu sistema linguiacutestico Dialetos e liacutenguas
relativamente isoladas satildeo mais propensas a desenvolverem condiccedilotildees marcadas
e estruturas redundantes como conjunto de fonemas complexos com um elevado
nuacutemero de contrastes fonoloacutegicos complexidade alofocircnica e alomoacuterfica
irregularidade morfoloacutegica e padrotildees de concordacircncia complexos Por outro lado
os casos de alto contato dialeacutetico que satildeo caracterizadas por redes sociais
relativamente abertas satildeo susceptiacuteveis agrave produccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas natildeo
marcadas pela diminuiccedilatildeo da irregularidade da redundacircncia e da complexidade
Apesar de os empreacutestimos serem um aspecto do aumento da condiccedilatildeo marcada
ela (a condiccedilatildeo) eacute operativamente especiacutefica de cada empreacutestimo Esta condiccedilatildeo
marcada do empreacutestimo coodetermina quais as formas e funccedilotildees satildeo mais
susceptiacuteveis de serem emprestadas do que outras Quanto mais transparente e
menos integrador for um elemento na liacutengua de origem torna-se mais provaacutevel de
ser emprestado A condiccedilatildeo marcada eacute relativa ao contexto agrave saliecircncia agrave
frequecircncia agrave ocorrecircncia e agrave distacircncia tipoloacutegica da situaccedilatildeo do contato Matras amp
Elsik (2006 p 26)
Croft (2000 p198) estende a noccedilatildeo de condiccedilatildeo marcada natildeo soacute para os
mecanismos de mudanccedila mas tambeacutem para as formas de contextos de difusatildeo
ou seja padrotildees de realizaccedilatildeo Ele afirma que enquanto na mudanccedila interna as
inovaccedilotildees entram nos pontos menos marcados e estendem a ambientes mais
acentuados em empreacutestimos e outras inovaccedilotildees mudanccedilas motivadas
externamente se espalham de pontos marcados para menos contextos marcados
48
25 JAKOBSON E A ABORDAGEM FONOLOacuteGICA DA MARCACcedilAtildeO
O termo marcaccedilatildeo recebeu o tratamento mais expansivo nos estudos de Roman
Jakobson a partir de 1930 Ele e Trubetzkoy difundiram a ideia de correlaccedilatildeo
fonoloacutegica como uma seacuterie de oposiccedilotildees binaacuterias que compartilham elementos
em comum Eacute Jakobson que afirma que a neutralizaccedilatildeo e o estaacutegio onde as
posiccedilotildees marcadas natildeo estatildeo em estado de marcaccedilatildeo
Eacute tambeacutem Jakobson quem introduz a concepccedilatildeo de niacuteveis de marcaccedilatildeo propondo
que a forma natildeo marcada tanto tem uma forma geral como uma parcial Ele
descobriu uma relaccedilatildeo entre a marcaccedilatildeo em uma hierarquia universal de traccedilos
fonoloacutegicos os traccedilos marcados implicam maior dificuldade de aprendizagem e
uma maior facilidade de perda por parte de pessoas com afasia Ele ainda diz
que
O padratildeo do desenvolvimento fonoloacutegico universal consiste numa progressatildeo de diferenciaccedilotildees cada vez mais finas entre traccedilos distintivos inicialmente distinccedilatildeo entre consoantes e vogais formando-se posteriormente oposiccedilotildees cada vez menos universais A dissoluccedilatildeo da competecircncia linguiacutestica individual nas patologias da linguagem eacute governada pela mesma regularidade a perda do valor primaacuterio pressupotildee a perda do valor secundaacuterio e eacute por isso que se fala da infantilidade da fala dos afaacutesicos A dissoluccedilatildeo do sistema de sons nos afaacutesicos fornece uma imagem de espelho do desenvolvimento fonoloacutegico da crianccedila ndash os sons a serem adquiridos mais tardiamente satildeo os primeiros a serem perdidos (1941 p 60-63)
No percurso da fonologia Jakobson (1941 p 84) viu a representaccedilatildeo fonecircmica
como um niacutevel sem redundacircncia de representaccedilatildeo que conteacutem apenas
informaccedilotildees distintivas A praacutetica descritiva da informaccedilatildeo teoacuterica de Jakobson
49
teve uma grande e importante influecircncia sobre a notaccedilatildeo livre da redundacircncia na
fonologia e na sintaxe gerativas
Com base na literatura meacutedica Jakobson examinou a aquisiccedilatildeo da linguagem e a
afasia da fala agrave luz dos universais linguiacutesticos propondo uma relaccedilatildeo entre uma
hierarquia universal dos traccedilos fonoloacutegicos a aquisiccedilatildeo da linguagem na infacircncia
e a perda dela durante a afasia A aquisiccedilatildeo fonoloacutegica da crianccedila e os distuacuterbios
dos afaacutesicos baseiam-se nas mesmas leis de solidariedade como o inventaacuterio
fonoloacutegico o percurso fonoloacutegico das liacutenguas do mundo
Os estudos de Jakobson e de Trubetzkoy sobre a tipologia fonoloacutegica levaram
Jakobson a propor que os sistemas de sons satildeo organizados hierarquicamente e
que certas oposiccedilotildees fonoloacutegicas fornecem o nuacutecleo do sistema de som de todas
as liacutenguas Estas satildeo as oposiccedilotildees que definem os sons mais prototiacutepicos mdash
vogais e consoantes que ocorreratildeo em todos os idiomas vogais cardeais a i
u consoantes plosivas p t k e as nasais m n Estes sons satildeo
encontrados em praticamente todas as liacutenguas do mundo
Jakobson propotildee novas leis implicativas entre estes sons e os sons fora do
inventaacuterio baacutesico Dessa forma as leis tipoloacutegicas preveem que em nenhuma
liacutengua haveraacute vogais nasais a menos que haja vogais orais nenhuma liacutengua teraacute
uma vogal arredondada posterior a menos que ela tambeacutem tenha uma vogal
anterior fechada natildeo arredondada nenhuma liacutengua teraacute uma vogal fechada natildeo
arredondada a menos que ela tambeacutem tenha uma arredondada nenhuma liacutengua
teraacute uma fricativa dental simples sem uma fricativa dental estridente (Idem 1941
p 86)
50
Jakobson tambeacutem observa que certos sons satildeo muito raros nas liacutenguas do
mundo por exemplo as fricativas laterais e o r tcheco estridente Ele propotildee que
esses sons satildeo mais afastados do nuacutecleo e portanto menor nesta hierarquia
A hierarquia de oposiccedilotildees fonoloacutegicas definida pela tipologia encontra-se tambeacutem
no desenvolvimento do sistema foneacutetico da crianccedila Com base em estudos diaacuterios
de aquisiccedilatildeo da linguagem ele confirma a hierarquia na aquisiccedilatildeo dos padrotildees e
os padrotildees mais marcados seriam adquiridos tardiamente
Moreira da Silva (2011 p36) elenca os criteacuterios de marcaccedilatildeo No entanto a
autora chama a atenccedilatildeo para o fato de que eles nem sempre funcionam do modo
esperado Satildeo eles frequecircncia distribuiccedilatildeo aquisiccedilatildeo da liacutengua patologias da
linguagem histoacuteria da liacutengua facilidade de produccedilatildeo e percepccedilatildeo universalidade
implicaccedilatildeo e processos fonoloacutegicos Ela tambeacutem apresenta algumas unidades e
estruturas consideradas mais marcadas como podemos ver a seguir
Quadro 1 Unidades e estruturas mais marcadas conforme levantamento de Moreira da
Silva (2011)
Segmentos e estruturas mais marcadas Autores
1 Vogais nasais Ferguson amp Chowdbury 1960
Greenberg 1966 14 Durand 1990
74 Kenstowicz 1994 63
2 Vogais longas Zipf 1935 1963 Greenberg 1966
14
3 Vogais meacutedias em comparaccedilatildeo com as
vogais altas
Kenstowicz 1994 65
4 Consoantes aspiradas Greenberg 1966 14
5 Consoantes glotalizadas Greenberg 1966 17
6 Obstruintes [+vozeadas] por oposiccedilatildeo agraves [- Greenberg 1966 14 24
51
vozeadas] Lass1984 155 Kenstowicz 1994
62
7 Consoantes fricativas por oposiccedilatildeo agraves
oclusivas
Kenstowicz 1994 65
8 Articulaccedilotildees secundaacuterias como labializaccedilatildeo
palatalizaccedilatildeo e velarizaccedilatildeo
Kenstowicz 1994 65
9 A regiatildeo dental alveolar eacute preferida com
exceccedilatildeo das africadas o que pode ser
observado pelo fato de este ser o ponto de
articulaccedilatildeo usado quando numa liacutengua
existe apenas uma obstruinte Nas nasais
esta tendecircncia ainda se faz notar mais
resultando na preferecircncia por n
Lass 1984 154-156
10 Segmentos com articulaccedilotildees muacuteltiplas e
complexas no geral satildeo mais marcados em
comparaccedilatildeo com segmentos com
articulaccedilotildees singulares
Kenstowicz 1994 65
11 Quanto agraves liacutequidas a lateral seraacute a menos
marcada jaacute que as liacutenguas que possuem
duas ou mais liacutequidas tecircm provavelmente
uma lateral e um contraste lateral natildeo
lateral
Lass 1984 158
12 Em termos de semivogais haacute uma
preferecircncia por j embora a maioria das
liacutenguas possua tambeacutem w as outras
semivogais satildeo raras
Lass 1984 158
13 Siacutelabas acentuadas ndash nem todas as liacutenguas
tecircm siacutelabas acentuadas embora estas
surjam cedo na aquisiccedilatildeo talvez devido agrave
sua saliecircncia perceptiva e no caso do inglecircs
devido ao fato de as palavras lexicais serem
iniciadas por siacutelaba toacutenica
Demuth 1996 121
14 Quanto agrave siacutelaba existe a preferecircncia pelo
formato natildeo marcado CV
Blevins 1995 213
15 De acordo com a TO a siacutelaba estaacute sujeita agraves Archangeli 1997 7 Hammond
52
seguintes restriccedilotildees universais
a) As siacutelabas comeccedilam com consoante -
Ataque
b) As siacutelabas tecircm uma vogal - Nuacutecleo
c) As siacutelabas acabam com uma vogal - Natildeo
Coda
d) As siacutelabas tecircm no maacuteximo uma consoante
numa margem - Complexo
(significa que os ataques complexos e codas
complexas satildeo inaceitaacuteveis)
e) As siacutelabas satildeo compostas por consoantes
e vogais - Ataque e Nuacutecleo
1997 36
As estruturas elencadas no quadro acima satildeo validadas interlinguisticamente
Com relaccedilatildeo agraves liacutenguas em contato objeto deste estudo podemos afirmar que o
portuguecircs apresenta menos estruturas marcadas do que o Latundecirc No caso do
portuguecircs as estruturas em 2 4 5 e 10 constantes do quadro acima natildeo satildeo
observadas
Jaacute no Latundecirc aleacutem de todas as estruturas apresentadas no quadro ainda satildeo
observadas as seguintes estruturas mais marcadas
estrutura silaacutebica bastante complexa
inventaacuterio vocaacutelico maior do que o consonantal
53
combinaccedilatildeo de dois traccedilos mais marcados em um segmento (vogais
nasais e laringais) e
acento e tom lexicais
Para refletirmos sobre a marcaccedilatildeo no processo de interferecircncia Latundecirc ndash
Portuguecircs trataremos no capiacutetulo seguinte de conceitos a cerca do contato
linguiacutestico
54
3 CONTATO LINGUIacuteSTICO
ldquoBilingualism is for me the fundamental problem of linguisticsrdquo Jakobson10
31 INTRODUCcedilAtildeO
A histoacuteria em grande parte gira em torno de lendas e mitos Um desses mitos eacute o
surgimento das liacutenguas do mundo Questionamentos de como e quando elas
sugiram permeiam ainda hoje as mentes dos filoacutesofos e cientistas Natildeo
diferentemente das demais aacutereas a perspectiva teoloacutegica descreve a narrativa da
construccedilatildeo da Torre de Babel como uma dessas tentativas de explicaccedilatildeo no que
tange agrave miscelacircnea de liacutenguas existentes Jackob Bohme teoacutelogo do seacuteculo XVII
afirma em seu De Signatura Rerum11 que a liacutengua divina original raiz ou matildee de
todas as liacutenguas do mundo eacute chave para um conhecimento verdadeiro e perfeito
de todas as coisas Eacute no ato da criaccedilatildeo que o primeiro homem Adatildeo
contemplando as obras do Criador de toda a natureza nomeara todas as
criaturas de acordo com suas proacuteprias qualidades essenciais usando a
linguagem humana como meio
A hipoacutetese defendida por Bohme tambeacutem fora amplamente sustentada pelos
filoacutelogos e comparatistas do final do seacuteculo XVIII Sem viacutenculo com a teologia
estes estudiosos buscavam atraveacutes da reconstruccedilatildeo da aacutervore linguiacutestica a
protoliacutengua a liacutengua-matildee geradora das demais liacutenguas
10
Apud Romaine 1995 p1 11
De Signatura Rerum (Desde o nascimento e o nome de todos os seres) 1622
55
Jacob Grimm filoacutelogo alematildeo com base nas descobertas de Rasmus Rask
aperfeiccediloou o meacutetodo comparatista sobretudo o que fora denominada de
ldquomudanccedila de somrdquo ou ldquoLei de Grimmrdquo12 com intuito de descrever as mudanccedilas
ocorridas na liacutengua-matildee o proto-indo-europeu (PIE) A Lei de Grimm estava na
base das discussotildees ocorridas mais tarde na Universidade de Leipzig
Alemanha no conhecido grupo dos neogramaacuteticos Os estudiosos desse ciacuterculo
questionaram os estudos de Grimm e seus compatriotas ao apontarem para o fato
de que os estudos comparatistas se basearem em dados de liacutengua escrita e natildeo
de liacutengua falada (GABAS JR 2008 p 80)
Humberto Eco em A busca da liacutengua perfeita13 nos relata sobre os projetos de
reconstruccedilatildeo em busca da liacutengua sagrada No seu livro o autor nos mostra que a
tentativa de procura de correlatos entre as liacutenguas do mundo eacute interesse antigo
das civilizaccedilotildees Ele afirma que na Europa no seacuteculo XIX houve 173 projetos de
reconstruccedilatildeo linguiacutestica
Dadas ateacute aqui as investigaccedilotildees eacute comum pensarmos que pelo prisma
teoloacutegico o surgimento das liacutenguas no planeta eacute fruto da desobediecircncia e
soberba humanas Eco idem nos mostra que haacute um equiacutevoco quanto a esta
interpretaccedilatildeo uma vez que no capiacutetulo XI v 1 do livro de Gecircnesis a Biacuteblia
12
A Lei de Grimm analisou sobre o vieacutes da fonologia as relaccedilotildees que havia entre as liacutenguas indo-
europeias As similaridades entre o alematildeo claacutessico grego e inglecircs antigo eram previstas a partir de leis foneacuteticas i) as consoantes oclusivas surdas (p t k kw) do PIE mudaram em fricativas surdas correspondentes (f θ h hw) nas liacutenguas germacircnicas ii) as consoantes oclusivas sonoras (bdggw) do PIE mudaram em oclusivas surdas correspondentes (p t k kw) nas liacutenguas germacircnicas iii) as consoantes aspiradas sonoras (bh dh gh gwh) do PIE mudaram em oclusivas natildeo-aspiradas sonoras correspondentes (bdggw) nas liacutenguas germacircnicas (GABAS JR 2008 p 78) 13
ECO Humberto A busca da liacutengua perfeita Traduccedilatildeo de Antonio Angonese Bauru Edusc
2001
56
discorre sobre a existecircncia de uma uacutenica genealogia de uma mesma liacutengua e de
uma mesma fala
Diferentemente no capiacutetulo que antecede a narrativa de Babel a proacutepria Biacuteblia
aponta para a existecircncia de famiacutelias linguiacutesticas distintas conforme Gecircnesis 11
v 5 Por estes foram repartidas as ilhas dos gentios nas suas
terras cada qual segundo a sua liacutengua segundo as suas
famiacutelias entre as suas naccedilotildees
v20 Estes satildeo os filhos de Catildeo segundo as suas famiacutelias
segundo as suas liacutenguas em suas terras em suas naccedilotildees
v 31 Estes satildeo os filhos de Sem segundo as suas famiacutelias
segundo as suas liacutenguas nas suas terras segundo as suas
naccedilotildees
Uma explicaccedilatildeo para tal passagem se daacute a partir da perspectiva dos filoacutesofos
gregos que concebiam os povos que falava de forma diferente como bagraverbaroi
seres que balbuciavam falando de forma incompreensiacutevel Logo acreditavam que
aqueles outros eram serem inferiores que natildeo falavam a liacutengua verdadeira da
razatildeo e do pensamento o logos
Tal conflito entre as liacutenguas existentes apontam para uma poliacutetica linguiacutestica que
muito explica a hierarquia (status) linguiacutestica ainda hoje atuante O status
linguiacutestico resultante das relaccedilotildees assimeacutetricas entre sociedades ou subgrupos de
uma sociedade decorre tambeacutem das circunstacircncias e condiccedilotildees que envolvem o
contato linguiacutestico Esse por sua vez evolue da dinacircmica proacutepria do processo em
que ocorrem conflitos e acomodaccedilotildees e que pode derivar pidgins crioulos e
mudanccedila linguiacutestica
57
No reconhecimento de um universo entrelaccedilado compartilhamos com o ponto de
vista de Eco (2001) e assumimos a ideia de que a existecircncia de cada liacutengua e de
sua historicidade eacute reveladora do entendimento do mundo
ldquoCada liacutengua constitui um determinado modelo de Universo um sistema semioacutetico de compreensatildeo do mundo e se temos quatro mil modos diferentes de descrever o mundo isto nos torna mais ricos Deveriacuteamos nos preocupar pela preservaccedilatildeo das liacutenguas tal como nos preocupamos com a ecologiardquo (ECO 2001 p234)
32 SOBRE O CONTATO LINGUIacuteSTICO
Pouco eacute sabido sobre o contato entre as liacutenguas do mundo quando diante da
imensidatildeo que eacute o universo linguiacutestico com o qual nos deparamos14 A
necessidade que os humanos tecircm de se comunicarem a partir do momento que a
interaccedilatildeo foi estabelecida eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o contato linguiacutestico
Trask (2004 p 66) afirma que poucas liacutenguas estatildeo - ou estiveram -
suficientemente isoladas para evitar todo tipo de proximidade e portanto toda
liacutengua mostra alguma prova de um contato antigo ou moderno entre liacutenguas
Thurston (1987 p 34) afirma que
toda liacutengua deve ter sofrido alguma influecircncia de seus vizinhos em um determinado ponto e tempo Para ele todos os idiomas satildeo liacutenguas mistas na medida em que todos copiaram formas lexicais e outros recursos linguumliacutesticos de liacutenguas vizinhas
Embora natildeo saibamos exatamente como se deu o contato entre as liacutenguas do
mundo as evidecircncias do contato podem ser observadas de forma objetiva
atraveacutes de empreacutestimos lexicais O contato linguiacutestico entretanto natildeo se reduz
14
Eacute estimado o nuacutemero de sete mil liacutenguas vivas atualmente ao redor do mundo (httpwwwethnologuecomworld Em 21 de janeiro de 2015)
58
apenas a itens lexicais oriundos dos empreacutestimos entre culturas distintas com
base na dominaccedilatildeo na expansatildeo do comeacutercio ou em qualquer circunstacircncia que
promova a necessidade de comunicaccedilatildeo entre culturas de liacutenguas diferentes
O contato a depender das liacutenguas envolvidas pode trazer consequecircncias muito
devastadoras Em casos extremos o impacto do contato pode ser avassalador
fazendo com que uma das liacutenguas seja extinta quer seja pelo deslocamento
linguiacutestico que seja pelo etnociacutedio Nestes casos ocorre a morte de uma das
liacutenguas em contato aspecto que discorremos na seccedilatildeo sobre as consequecircncias
do contato
No tocante aos efeitos do contato em relaccedilatildeo aos niacuteveis linguiacutesticos Trask Idem
afirma que o contato linguiacutestico pode ir mais longe que a interferecircncia lexical
afetando a gramaacutetica e a pronuacutencia
Concordando com o que afirma Trask Thomason postula que embora seja senso
comum que o resultado mais comum da mescla linguiacutestica seja o empreacutestimo de
palavras este eacute apenas a consequecircncia mais comum quando se trata da
intersecccedilatildeo linguiacutestica
When the agents of change are fluent speakers of the receiving language the first and redominant interference features are lexical items belonging to the nonbasic vocabulary later under increasingly intense contact conditions structural features and basic vocabulary may also be transferred from one language to the other (THOMASON 2001 p 36)
Natildeo obstante podem-se detectar exemplos de transferecircncias em todos os
aspectos linguiacutesticos uma vez que todos os niacuteveis da estrutura linguiacutestica satildeo
59
possiacuteveis de serem transferidos entre idiomas muacutetuos sem qualquer tipo de
restriccedilatildeo dadas as possibilidades de conjunturas sociais e estruturais
Quando as liacutenguas entram em contato as suas gramaacuteticas tambeacutem satildeo
intercruzadas Tal processo natildeo eacute algo simples e justo Diversos fatores externos
satildeo responsaacuteveis por esta miscelacircnea que devido a tais fatores nem sempre eacute
concebida de forma inocente
Em meio a condicionantes sociolinguiacutesticas assumimos que as gramaacuteticas
(sendo tambeacutem reflexo das relaccedilotildees intersocietaacuterias) entram num jogo em que
as peccedilas satildeo acomodadas de acordo com as necessidades comunicativas dos
interlocutores (GILES e CUPLAND 1991) Em meio a esse ldquojogordquo nos importa
refletir como os fenocircmenos que emergem do contato entre liacutenguas podem refletir
questotildees que envolvem a marcaccedilatildeo e universais linguiacutesticos
Para Aikhenvald (2007 p1)
As liacutenguas podem assemelhar-se umas as outras em categorias construccedilotildees e significados e nas formas reais usadas para expressaacute-las As categorias podem ser semelhantes porque satildeo universais e cada liacutengua tem alguma forma de fazer uma pergunta ou a elaboraccedilatildeo de um comando Ocasionalmente duas liacutenguas compartilham a forma por pura coincidecircncia
A literatura linguiacutestica atesta que a semelhanccedila interlinguiacutestica motiva estudos
tipoloacutegicos haacute deacutecadas (CROFT 1990 COMRIE 1989 WHALEY 1997) Embora
liacutenguas apresentem padrotildees regulares de desemelhanccedilas aquelas podem ser
agrupadas em tipos baacutesicos Essa realidade induz a reflexatildeo acerca da existecircncia
de universais linguiacutesticos
60
As liacutenguas individuais independentemente das semelhanccedilas tipoloacutegicas eou
geneacuteticas observadas entre elas satildeo sujeitas a mudanccedilas continuadas que
ocorrem tambeacutem devido ao contato linguiacutestico Para Thomason (2001 p14) as
influecircncias e consequecircncias do contato linguiacutestico satildeo descritas em trecircs niacuteveis i)
mudanccedila induzida pelo contato ii) mescla linguiacutestica extrema o que resulta em
pidgin crioulo e liacutenguas biliacutengues e iii) morte da liacutengua
A seguir abordaremos fenocircmenos decorrentes do contato linguiacutestico
33 MESCLAS DE CONTATO PIDGIN CRIOULO LIacuteNGUA FRANCA E JARGAtildeO
Um ponto saliente dos estudos sobre o contato linguiacutestio eacute o conceito de
ldquomescla15rdquo Este termo utilizado por Tarallo e Alkimin (1987 p7) descreve a
relaccedilatildeo entre as liacutenguas e seus resultados Inicialmente eles chamam a atenccedilatildeo
para o fato de a mescla ser interpretada como algo impuro definhamento
deterioraccedilatildeo Esta impureza linguiacutestica historicamente levou a sociedade a
alimentar a ideia de contaminaccedilatildeo e obviamente construir a discriminaccedilatildeo
linguiacutestica
Ao pensarmos sobre o processo de simbiose que as coisas e os elementos do
mundo estatildeo sujeitos em todo o tempo podemos ter uma ideia clara de que o
processo de amaacutelgama eacute proacuteprio natildeo apenas da natureza linguiacutestica mas de tudo
o que pode existir Apesar disso as mesclas com graus niacuteveis e saliecircncias
variadas nem sempre satildeo refletidas ou percebidas pelos usuaacuterios das liacutenguas do
15 Mescla eacute mistura contato amaacutelgama etc Tarallo e Alkimin (1987 p7)
61
mundo Focalizando a natureza da mescla o estudo das liacutenguas por seu turno
seja sincrocircnico ou diacrocircnico pode evidenciar os fenocircmenos do contato nos
diferentes niacuteveis linguiacutesticos
Tarallo e Alkimin (idem p9) salientam que o dinamismo linguiacutestico se daacute nas
ldquocomunidades de falardquo16 Eacute nelas e entre elas que se concretizam o contato
linguiacutestico que por sua vez produzem fenocircmenos de mescla ou de convivecircncia
coexistecircncia mecanismo ativado pelos indiviacuteduos que integram tais comunidades
Esse fato se alinha agrave perspectiva de que uma comunidade de fala natildeo eacute em
absoluto homogecircnea Nela podem coexistir processos de ordem interna e
externa assim como forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas (BAKHTIN 2010)17
A dinacircmica social eacute tambeacutem pontuada por Tarallo e Alkimin (ibidem p9) Esses
autores mencionam que a mescla linguiacutestica resultante da dinacircmica pode ser
intracomunidade ou intercomunidade No primeiro caso as variantes convivem
eou se entrecruzam em uma mesma comunidade de fala em que apenas uma
liacutengua eacute falada No segundo liacutenguas distintas coexistem e se misturam em uma
mesma comunidade Como exemplo de mesclas intracomunidades podemos citar
o portuguecircs e suas variantes questotildees geograacuteficas histoacutericas e sociais Satildeo
variantes que convivem ldquopacificamenterdquo em territoacuterio nacional Jaacute para as mesclas
intercomunidades tomemos o exemplo do conviacutevio do portuguecircs e demais liacutenguas
16
Labov (1972) conceitua comunidade de fala como grupo de falantes que segue as mesmas normas relativas ao uso da liacutengua Para Romaine (2000) trata-se de um grupo de falantes que natildeo compartilham necessariamente a mesma liacutengua poreacutem compartilham um conjunto de normas
e regras no uso da liacutengua 17
Bakhtin aponta a luta entre classes as forccedilas que agem de dentro para fora do sujeito ou das instituiccedilotildees assim como as forccedilas que agem fazendo o movimento oposto Eacute imprescindiacutevel vislumbrar o poder poliacutetico que a liacutengua tem
62
(alematildeo polonecircs e italiano) na regiatildeo sul bem como a coexistecircncia espaccedilo-
temporal entre diferentes liacutenguas indiacutegenas e entre elas e a liacutengua portuguesa
Ao discutir a mescla linguiacutestica sob a eacutegide do contato linguiacutestico Calvet (2004
p35) considera que haacute aproximadamente na Terra cerca de 5000 liacutenguas e
cerca de 150 paiacuteses Com base nesses nuacutemeros o autor nos diz que cada paiacutes
poderia ter 30 liacutenguas Apesar de em termos reais a distribuiccedilatildeo das liacutenguas natildeo
corresponder a esse cenaacuterio o pesquisador aponta para o fato de
que o mundo eacute pluriliacutengue em cada um de seus pontos e que as comunidades linguiacutesticas se costeiam se superpotildeem continuamente O plurilinguismo faz com que as liacutenguas estejam constantemente em contato O lugar desses contatos pode ser o indiviacuteduo (biliacutengue ou em situaccedilatildeo de aquisiccedilatildeo) ou a comunidade Idem (2002 p 35)
Os dados de Calvet deixam claro que desde sempre o contato linguiacutestico eacute uma
realidade da vivecircncia do humano Os acontecimentos histoacutericos de guerra
expansatildeo e colonizaccedilatildeo apontam para a mescla linguiacutestica Diante deste
contexto vemos que o relacionamento entre as liacutenguas do mundo eacute um processo
feacutertil para a diversidade linguiacutestica Outro aspecto de interesse decorre do fato de
o contato permitir a emergecircncia de padrotildees estruturais os quais trazem luzes
para a compreensatildeo da faculdade da linguagem
A depender do contato podemos avaliar diferentes fenocircmenos resultantes A
intensidade o contato linguiacutestico pode derivar instrumentos mais ou menos
elaborados de comunicaccedilatildeo definidos como jargatildeo pidgin e crioulo
63
Os primeiros estudiosos a se aterem sobre o estudo das liacutenguas pidgins e
crioulas se utilizaram dos dados (relatos) de missionaacuterios e comerciantes que
viajaram e mantiveram contato com as aacutereas das mesclas18
331 Pidgin
O termo pidgin foi usado pela primeira vez em 1850 para conceituar o conviacutevio do
inglecircs e o chinecircs19 Mas outras duas hipoacuteteses tambeacutem satildeo colocadas quando
se trata de pidgin A segunda afirma que o termo fora transportado da Ameacuterica do
Sul no iniacutecio do seacuteculo XVII pelos marinheiros e comerciantes ingleses da colocircnia
de Leigh ao estabelecerem contato com os iacutendios Pidiam A terceira explicaccedilatildeo eacute
a origem a partir da palavra portuguesa ocupaccedilatildeo que teria sofrido algumas
mudanccedilas foneacuteticas ateacute resultar em pidgin (TARALLO e ALKMIN 1987 p80)20
Para Couto (2001 p 1) o pidgin eacute uma liacutengua com uma reduccedilatildeo draacutestica da
gramaacutetica Esta reduccedilatildeo se daacute sobre a morfologia e o leacutexico Natildeo eacute liacutengua
materna de ningueacutem pois entre si os povos dominados soacute falam suas respectivas
liacutenguas ao passo que os dominadores nunca se datildeo ao trabalho de falar outra
liacutengua que natildeo a sua proacutepria
Crystal (2008 p 201) afirma que aleacutem do processo de reduccedilatildeo para o
surgimento do pidgin as comunidades de falas envolvidas neste processo
18
Tarallo e Alkimin 1987 p 109-114 citam Francisco Adolfo Coelho Hugo Schuchardt e Dirk Christiaan Hesseling como os pioneiros neste campo de estudo Este uacuteltimo atribui aos escravos europeus a forccedila linguiacutestica Foram eles (os escravos) os responsaacuteveis pelas alteraccedilotildees sofridas pelas liacutenguas maternas 19
Neste caso o termo business ao ser empregada na expressatildeo do pidgin chinecircs de base inglesa
dɛacuteju pidzIn significando thatrsquos your business 20
Ocupaccedilatildeo gt parsquosaw ou pasaɳ
64
necessitam cada uma delas se aproximarem sucessivamente dos traccedilos mais
oacutebvios da outra liacutengua Trata-se de uma intersecccedilatildeo nem sempre consciente mas
motivada por aspectos econocircmicos como o comeacutercio Daiacute o grande surgimento de
pidgins em aacutereas de intenso comeacutercio e desenvolvimento econocircmico
Dubois et all (1998 p 469) discorre que o pidgin mesmo natildeo sendo uma liacutengua
em si mesma eacute um sistema mais completo que o sabir pois seu vocabulaacuterio
cobre numerosas atividades O sabir ou liacutengua franca21 por sua vez eacute um
sistema linguiacutestico reduzido a algumas regras de combinaccedilatildeo e ao vocabulaacuterio de
determinado campo lexical
Ainda de acordo com Tarallo e Alkmin (1987 p 88)
Fontes histoacutericas indicam que no tempo das cruzadas nas regiotildees de batalhas entre mulccedilumanos e cristatildeos teria florescido uma liacutengua de contato denominada Liacutengua Franca ou sabir Com documentaccedilatildeo precaacuteria a existecircncia dessa liacutengua eacute contestada por alguns estudiosos Originalmente usada entre aacuterabes e europeus essa liacutengua teria se expandido tendo sido usada ao longo da costa do Mediterracircneo especialmente na Aacutefrica do Norte
Em Trask (2004 p228) o conceito de liacutengua franca eacute mais explorado Para ele a
liacutengua franca se distingue do pidgin quando por ventura um dos grupos
ldquoaprenderdquo a liacutengua do outro Neste caso a gramaacutetica e o leacutexico de uma
21
Na atualidade conforme Tarallo e Alkmin 1987 p 90 a expressatildeo liacutengua franca refere-se a um
fenocircmeno mais amplo a mescla de contato para intercomunicaccedilatildeo em situaccedilotildees biliacutengues e pluriliacutengues Como exemplo os autores citam a liacutengua wolof no Senegal do swahili no Quecircnia na Tanzacircnia e em Comores do Tucano no Nordeste da Amazocircnia
65
sobressaem agrave outra O pidgin eacute compreendido entatildeo como uma colcha de
retalhos que permite uma forma bastante rudimentar de comunicaccedilatildeo22
Ainda de acordo com Trasky (p229) um pidgin pode seguir caminhos distintos i)
ele pode cair em desuso ii) ele pode continuar em uso por vaacuterias geraccedilotildees e
durar seacuteculos iii) ele pode sofre algumas alteraccedilotildees e se transformar em liacutengua
materna Neste uacuteltimo caso trata-se do processo de crioulizaccedilatildeo do qual
abordaremos mais agrave frente
Hall apud Tarallo e Alkmin (1987 p 86) ao tratar do caraacuteter reducionista que o
pidgin apresenta em sua estrutura e leacutexico aponta algumas caracteriacutesticas que
definem tais simplificaccedilotildees
Niacutevel fonoloacutegico ndash o nuacutemero de contrastes empregados eacute reduzido As vogais representadas satildeo em geral as chamadas vogais cardinais (a e i o u) enquanto os grupos consonantais satildeo caracteristicamente evitados
Niacutevel morfoloacutegico ndash ausecircncia de algumas categorias flexionadas como gecircnero nuacutemero e tempo verbal
Niacutevel sintaacutetico ndash as estruturas sentenciais satildeo simples as sequecircncias tendem a ser coordenadas evitando-se as estruturas complexas e subordinaccedilatildeo extensiva
Niacutevel lexical ndash nuacutemero reduzido de vocaacutebulos cuja accedilatildeo se norteia pela extensatildeo de significados e por polissemias significativas
332 Crioulo
O crioulo eacute um pidgin consolidado Quando os falantes crianccedilas oriundos dessa
mescla linguiacutestica utilizam o pidgin como uacutenica liacutengua ou a liacutengua que passa a
ganhar mais evidecircncia esta se consolida como liacutengua materna
22
Conforme Tarallo e Alkmin (idem p 8) algumas caracteriacutesticas do pidgin satildeo i) seu caraacuteter
auxiliar e secundaacuterio para os dois grupos cada um dos grupos manteacutem sua proacutepria liacutengua no conviacutevio social do cotidiano e do habitual ii) as liacutenguas pidgin preenchem funccedilotildees sociais limitadas sobretudo aquelas vinculadas a atividades comerciais mercantilistas
66
Para Couto (2001 p2)
Liacutengua crioula eacute um pidgin que foi adquirido como liacutengua nativa como preconiza a chamada teoria da nativizaccedilatildeo De acordo com essa concepccedilatildeo o crioulo eacute um ex-pidgin ou seja um pidgin que virou liacutengua materna de uma comunidade
Ainda para Tarallo e Alkmin (1987 p 95) as liacutenguas crioulas constituem um
conjunto de liacutenguas cuja histoacuteria conhecida eacute ligada a uma situaccedilatildeo de contato
entre populaccedilotildees linguiacutesticas cultural e etnicamente distintas Estas satildeo
distinguidas das liacutenguas pidgin por possuiacuterem uma comunidade de falantes
nativos e consequentemente por desempenharem funccedilotildees sociais amplas como
qualquer liacutengua natural
Em Dubois et all (1998 p 161) daacute-se o nome de crioulos a sabires pseudo-
sabires ou pidgins que por motivos diversos de ordem histoacuterica ou sociocultural
se tornaram liacutenguas maternas de toda uma comunidade
As liacutenguas tipo pidgin de acordo com autores como Tarallo e Alkimin (1987 p
96) aleacutem de serem as liacutenguas que daratildeo origem aos crioulos (pois todo crioulo se
origina de um pidgin embora nem todo pidgin se transforme em crioulo) satildeo
associadas a atividades de comeacutercio enquanto os crioulos satildeo marcados pela
relaccedilatildeo de escravidatildeo
Quanto ao aspecto funcional as liacutenguas crioulas datildeo conta das necessidades
comunicativas totais de seus falantes nativos e usuaacuterios uma vez que a
passagem do estaacutegio de pidgin a crioulo eacute marcada por uma ampliaccedilatildeo do leacutexico
67
e de estrutura Neste caso para os estudiosos os crioulos nada mais satildeo que
pidgins enriquecidos23
O processo de evoluccedilatildeo de um pidgin em crioulo eacute descrito por Hall (1996 p 4)
em um diagrama Nele podemos ver que inicialmente o pidgin eacute configurado a
partir de um jargatildeo uma espeacutecie de pidgin instaacutevel Depois o pidgin ganha
estabilidade se configurando como um preacute-crioulo Por fim jaacute estabilizado o
pidgin se transforma em crioulo
Figura 1 Diagrama de Hall
LL = Liacutengua lexificadora ou de superstrato LS = Liacutengua de Substrato
De acordo com Hall (idem p 5) a evoluccedilatildeo do jargatildeo para o pidgin estaacutevel eacute
chamada de pidginizaccedilatildeo A evoluccedilatildeo do pidgin estaacutevel para o crioulo eacute
23
Valdman apud Tarallo e Alkimin 1987 p 96 cita um conjunto de traccedilos negativos dos crioulos franceses do Haiti de Guadalupe Martinica Reuniatildeo Mauriacutecio Seychelles e Rodrigues como i) ausecircncia de distinccedilatildeo de gecircnero ii) natildeo-obrigatoriedade de marcador de plural iii) verbos natildeo-flexionados iv) relacionamento parataacutetico no interior do sintagma nominal v) ausecircncia de hipotaxe vi) construccedilotildees passivas vii) vogais arredondadas viii) certos grupos consonantais
I = LL + LS pidgin instaacutevel jargatildeo
crioulo = III II = pidgin estaacutevel
68
denominada crioulizaccedilatildeo A volta do crioulo para o jargatildeo processo tambeacutem
possiacutevel eacute conhecido como descrioulizaccedilatildeo
Obviamente o crioulo eacute consequecircncia natural de situaccedilotildees de contato No
entanto nem todo contato linguiacutestico gera automaticamente um pidgin ou um
crioulo Os contatos podem daacute origem a fenocircmenos de mesclas diversas que
podem ou natildeo desaparecer ou serem absorvidas pelas liacutenguas presentes na
alquimia (TARALLO e ALKMIN 1987 p 103)
Quanto ao processo de desenvolvimento e de formaccedilatildeo de um pidgin e de
crioulos Hymes (1971 p 93) afirma que
A pidginizaccedilatildeo e a crioulizaccedilatildeo da linguagem natildeo satildeo processos marginais ao contraacuterio satildeo processos que ocorrem nas liacutenguas em geral Tais processos de natureza bastante complexa compreendem a ocorrecircncia de outros subprocessos os de mudanccedila A incidecircncia desses processos ocorre principalmente 1) na forma interna das liacutenguas (fala-se assim em reduccedilatildeo ou expansatildeo) 2) na forma externa das liacutenguas (daiacute se falar em amplificaccedilatildeo e complicaccedilatildeo) 3) no escopo de uso (o domiacutenio) de uma variedade linguiacutestica (fala-se assim em restriccedilatildeo ou extensatildeo)
Hymes (idem p 94) ainda explica que diferentemente da posiccedilatildeo claacutessica onde
um crioulo era oriundo (ou natildeo) de um pidgin nesta segunda proposta a
evoluccedilatildeo de um pidgin natildeo produz necessariamente um crioulo mas um conjunto
de variedades concorrentes chamada de contiacutenuo preacute-pidgin24
24
Para Hymes o contiacutenuo preacute-pidgin poderia evoluir e gerar a cristalizaccedilatildeo de um pidgin e teria autonomia enquanto sistema de comunicaccedilatildeo Com base nesta assertiva um pidgin seria o resultado de um processo que ganharia autonomia Esse pidgin constituiacutedo poderia se transformar em crioulo Mas o contiacutenuo preacute-pidgin natildeo evolui para um pidgin Torna-se possiacutevel supor a cristalizaccedilatildeo de um crioulo sem a existecircncia de um pidgin anterior (TARALLO E ALKMIN 1987 p 105)
69
Na concepccedilatildeo final deste autor o contexto inicial em que fora estabelecido o
contiacutenuo preacute-pidgin poderia alccedilar trecircs resultados aceitaacuteveis i) a cristalizaccedilatildeo de
um pidigin ii) a cristalizaccedilatildeo de um pidgin que se criouliza iii) a cristalizaccedilatildeo de
um crioulo sem necessariamente ter sido oriundo de um pidgin anterior
Tarallo e Alkimin (1987 p 106) afirma que a cristalizaccedilatildeo de um crioulo eacute apenas
uma das trecircs possibilidades para a mescla de contato que pode ser descrita da
seguinte forma i) o crioulo pode submergir ii) o crioulo pode se estabilizar sem
muitas variaccedilotildees iii) o crioulo pode se mesclar com liacutengua padratildeo oficial
De acordo com o que vimos ateacute aqui podemos descrever o processo de
hibridizaccedilatildeo linguiacutestica com base na mescla a partir dos seguintes estaacutegios i)
contiacutenuo preacute-pidgin ii) pidgin cristalizado iii) pidgin em processo de
despidginizaccedilatildeo iv) pidgin em processo de crioulizaccedilatildeo v) crioulo cristalizado vi)
crioulo em processo de descrioulizaccedilatildeo (contiacutenuo poacutes-crioulo)
333 Liacutengua Franca ou Sapir
O termo liacutengua franca refere-se agrave liacutengua de contato entre grupos ou membros de
grupos de liacutenguas distintas com finalidade para o comeacutercio Durante o Impeacuterio
Romano o grego serviu como liacutengua franca no oriente e no milecircnio seguinte o
latim no ocidente Esta liacutengua (o sapir) tambeacutem eacute conhecida como liacutengua de
marinheiro No mundo moderno o inglecircs desempenha este papel ao ser
considerado como liacutengua do comeacutercio e das ciecircncias
70
Devido agrave natureza colonizadora dos falantes suas liacutenguas serviram de liacutengua
franca em certos momentos da histoacuteria Eacute o caso do portuguecircs e do espanhol
durante a expansatildeo mariacutetima e do francecircs durante o seacuteculo VII
Trask (2004 p 167) relata que a expressatildeo lingua franca fora originadamente
utilizada para as liacutenguas dos francos francocircnio mas teve o sentido modificado
assumindo o sentido de liacutengua europeia ou liacutengua cristatilde Ele ainda assegura que
a liacutengua franca
era uma variedade de italiano fortemente suplementada com palavras derivadas do francecircs do espanhol do grego do aacuterabe e do turco que se usava como liacutengua do comeacutercio no Mediterracircneo oriental no final da Idade Meacutedia Desde entatildeo a denominaccedilatildeo aplica-se a toda liacutengua que desfruta de um amplo entre falantes de um grande nuacutemero de liacutenguas numa dada regiatildeo
No presente o termo eacute utilizado para designar uma liacutengua estabelecida haacute algum
tempo tida como materna em um grupo influente e que serve de comunicaccedilatildeo
entre os falantes de outras liacutenguas como por exemplo o papel que o inglecircs
exerce em Cingapura
Atualmente aleacutem do inglecircs inuacutemeras liacutenguas servem de liacutengua franca para
comunicaccedilatildeo entre os povos como por exemplo o tupi No entanto um caso que
merece destaque eacute o do esperanto liacutengua que vem sendo incorporada no mundo
desde a deacutecada de 80 com a finalidade de ser a liacutengua franca universal Vale
ressaltar que neste caso os interesses para que tal liacutengua se propagasse
eficientemente eacute diferente das liacutenguas francas da Idade Meacutedia uma vez que se
trata de uma liacutengua artificial criada com ideologias poliacuteticas filosoacuteficas e
religiosas
71
334 Jargatildeo
O jargatildeo eacute um pidgin instaacutevel Sua concepccedilatildeo se aproxima do sabir ou liacutengua
franca Romaine (2000 p182) faz uso desse termo para exemplificar o processo
de criaccedilatildeo de um crioulo
A simplificaccedilatildeo e a instabilidade satildeo as marcas mais salientes de um jargatildeo No
pidgin as normas satildeo mais estaacuteveis enquanto que no jargatildeo as normas natildeo satildeo
afixadas Segundo esta autora eacute a partir do jargatildeo que a mescla linguiacutestica se
configura
Figura 2 Configuraccedilotildees da Mescla Linguiacutestica segundo Romaine (2000 p185)
Tipo 1 Jargatildeo
Tipo 2 Jargatildeo
Tipo 3 Jargatildeo
Pidgin estabilizado
Pidgin estabilizado
Pidgin expandido
Crioulo
Crioulo
Crioulo
No tipo 1 o jargatildeo deu origem diretamente a um crioulo De forma diferente no 2
o crioulo natildeo se originou diretamente de um jargatildeo Este deu origem a um pidgin
estabilizado para posteriormente chegar a um crioulo No tipo 3 o jargatildeo evolui
se transformando em um pidgin estabilizado depois em um pidgin expandido ateacute
chegar a um crioulo O fato eacute que a origem nos trecircs casos estaacute em um jargatildeo
72
34 IMPLICACcedilOtildeES DO CONTATO LINGUIacuteSTICO
Todo contato resulta em processos linguiacutesticos que alteram e dinamizam as
liacutenguas do mundo que passam por transformaccedilotildees que advecircm tanto da sua
motivaccedilatildeo interna quanto da externa No que tange agraves motivaccedilotildees externas
podemos afirmar que satildeo os contatos os grandes responsaacuteveis por muitas dessas
transformaccedilotildees podendo resultar enoutros processos orirundos ou que se
assentam no contato
341 Bilinguismo
Os estudos e as correntes linguiacutesticas na sua maioria tecircm como base liacutenguas
uacutenicas ou comunidades monoliacutengues Contudo o bilinguismo ocorre amplamente
atraveacutes do mundo e permanece apresentando um leque de questionamento para
a comunidade cientiacutefica atual Embora natildeo seja de hoje o questionamento em
torno do bilinguismo25 soacute agora podemos vislumbrar o descortinar desse tema
Estudiosos do passado jaacute reconheciam a relevacircncia do fenocircmeno Jakobson
(1953) por exemplo assumiu que ldquobilingualism is for me the fundamental problem
of linguiacutesticsrdquo
Romaine (1995 p6) elenca alguns questionamentos com base no que deve ser
observado ao estudar o contato linguiacutestico
O que eacute que o desempenho dos falantes diante do processo biliacutengue nos diz
sobre a competecircncia de pessoas e das comunidades multiliacutengues
25
Do inglecircs bilingualism
73
Eacute a troca de elementos linguiacutesticos por acaso comportamento linguiacutestico e o
cacircmbio linguiacutestico aleatoacuterio
Isto eacute indicativo de fluecircncia pobre e inabilidade em uma ou ambas as liacutenguas em
outras palavras o resultado de competecircncia imperfeita
Ao contraacuterio com qual criteacuterio medimos a competecircncia dos biliacutengues
Pode-se distinguir entre troca empreacutestimo e interferecircncia linguiacutestica
Satildeo a mudanccedila de coacutedigo e o bilinguismo generalizado em uma comunidade
sinais de atrito de uma liacutengua minoritaacuteria
Satildeo os sistemas de idiomas que estatildeo disponiacuteveis para um indiviacuteduo biliacutengue
fundidos ou separados
Aleacutem desses questionamentos outros de base sociofilosoacutefica tambeacutem estatildeo
inseridos nos estudos sobre o bilinguismo Para alguns pesquisadores muitas
liacutenguas minoritaacuterias foram exterminadas devido agrave forte influecircncia e agrave troca
linguiacutestica No entanto mesmo sendo acusado por estes como um passo para o
extermiacutenio das liacutenguas minoritaacuterias o bilinguismo natildeo deve ser visto como o
responsaacutevel pela extinccedilatildeo pelo contraacuterio o estudo dele aliado ao conhecimento
metacognitivo poderatildeo contribuir para o salvamento de muitas dessas liacutenguas
ainda que no plano escrito jaacute que na oralidade muitas natildeo gozam do status de
suas liacutenguas como oficiais nas atividades sociais sendo relegadas aos rituais de
suas sociedades
O comportamento linguiacutestico de uma determinada sociedade natildeo pode servir
unicamente de paracircmetro para outras Assim se algumas comunidades
apresentam mais facilidade em absorver outra forma linguiacutestica umas tecircm maior
resistecircncia enquanto que outras convivem por centenas de anos lado a lado com
determinadas liacutenguas
74
O bilinguismo tambeacutem pode ser classificado como social ou individual Segundo
Appel e Muysken (1986) o bilinguismo social ocorre quando em determinada
sociedade duas ou mais formas linguiacutesticas satildeo faladas quando cedo toda
sociedade se torna biliacutengue mas elas podem se tornar diferentes no que se
relaciona ao niacutevel ou forma de bilinguismo conforme figura abaixo
Figura 3 Esquema de representaccedilatildeo do bilinguismo social segundo Appel e Muysken
(1986)26
De acordo com a figura na comunidade I as duas liacutenguas satildeo faladas por dois
diferentes grupos monoliacutengues No entanto um grupo reduzido de falantes
biliacutengues seraacute necessaacuterio para fazer a comunicaccedilatildeo entre os grupos Esta forma
de bilinguismo social geralmente ocorre no periacuteodo colonial dos paiacuteses Pode-se
tomar por exemplo o Brasil quando os portugueses aqui chegaram
Em sociedades representadas pela forma II todos os falantes satildeo biliacutengues Em
paiacuteses como Aacutefrica Iacutendia e Brasil existem muitas sociedades totalmente
biliacutengues em que os falantes dominam as duas formas linguiacutesticas existentes
26
Apud Appel e Muysken (1986) p 2
75
Na forma III um grupo dessa comunidade eacute biliacutengue enquanto a outra eacute
monoliacutengue sendo este grupo na maioria das vezes a minoria Pois geralmente
o grupo biliacutengue eacute o dominante e o outro o dominado Tal circunstacircncia eacute tiacutepica
das assimetrias comuns nas relaccedilotildees entre os sujeitos do contato Situaccedilatildeo
como essa evidencia o papel da liacutengua para uma sociedade a qual pode ser
objeto de libertaccedilatildeo e tambeacutem de dominaccedilatildeo
Como dito anteriormente estas formas de bilinguismo social natildeo satildeo uniformes
nem tatildeo pouco refletem em detalhe de todas as existentes no interior das
sociedades Em muitas comunidades a situaccedilatildeo linguiacutestica eacute extremamente
complexa com mais de dois grupos e linguagens envolvidos
Com relaccedilatildeo aos aspectos linguiacutesticos o estudo do bilinguismo pode responder e
explicitar os fenocircmenos decorrentes da situaccedilatildeo do contato Fenocircmenos no
domiacutenio do leacutexico ou da sintaxe podem ser muito produtivos Entretanto podemos
considerar que eacute o niacutevel da foneacuteticafonologia que marcadamente sofre a
interferecircncia com o contato linguiacutestico
No contato duas ou mais formas linguiacutesticas podem perdurar por anos conforme
os quadros I e III na figura 3 No entanto alguns fenocircmenos linguiacutesticos podem
ocorrer paralelamente Um embate linguiacutestico pode surgir dentro dessas
comunidades linguiacutesticas e estas liacutenguas podem cambiar o leacutexico uma da outra
Sobre isso Bloomfield (1961 p 25) classifica esses empreacutestimos em iacutentimos
culturais e dialetais
76
O empreacutestimo externo ou cultural sempre eacute motivado por contatos poliacutetico sociais
e comerciais inclusive militares sempre com a dominaccedilatildeo de um dos povos Jaacute
os empreacutestimos dialetais se datildeo entre os contatos dentro de uma mesma liacutengua
satildeo as variantes regionais
O que particularmente nos interessa - o empreacutestimo iacutentimo - ocorre quando as
duas liacutenguas passam a conviverem no mesmo campo geograacutefico Dessa forma
se a liacutengua A domina a liacutengua B poderatildeo ocorrer trecircs hipoacuteteses i) B desaparece
e deixa um substrato em A ii) A desaparece e deixa um superstrato em B iii)
permanecem as duas trocando elementos na condiccedilatildeo de adstrato No entanto
natildeo devemos esquecer que as motivaccedilotildees pelas quais os falantes se apropriam
ou satildeo obrigados a se apropriarem para adquirem outra(s) liacutengua(s) extrapolam
os aspectos aqui vislumbrados
Os exemplos dados por Romaine (1995 p 2) demonstram como pode ocorrer o
cacircmbio linguiacutestico entre a liacutengua materna e a liacutengua adquirida posteriormente A
partir desses exemplos a estudiosa elenca os questionamentos mais relevantes
que deveratildeo ser observados em pesquisas que tratam da anaacutelise das
comunidades biliacutengues
(a) Kio Ke six sevem hours te school de vie spend karde ne they are speaking English all the time (Panjabi Inglecircs)
Because they spend six or seven hours a day at school they are speaking English all the time27
(b) Will you rubim off Ol man will come (Tok Pisin Inglecircs)
27
ldquoPorque eles passam seis ou sete horas por dia na escola eles estatildeo falando inglecircs o tempo todordquo
77
Will you rub [that off the blackboard] The men will come28
(c) Sano esttaacute tulla tanne ettaacute Iacutem very sick (Finlandecircs Inglecircs)
Tell them to come here that Iacutem very sick 29
(d) Kodomotachi liked it (Japonecircs Inglecircs)
The children liked it 30
(e) Won o arrest a single person (Yoruba Inglecircs)
They did not arrest a single person 31
(f) This morning I hantar my baby tu dekat babysitter tu lah (Malay Inglecircs)
This morning I took my baby to the babysitter 32
De acordo com AiKhenvald e Dixon (2006 p 2)
Se duas ou mais liacutenguas estatildeo em contato os falantes de uma tendo conhecimento da outra eles podem compartilhar traccedilos linguiacutesticos incluindo haacutebitos de pronuacutencia Historicamente todo idioma deve ter sofrido certa influecircncia de seus vizinhos O impacto do contato eacute mais forte e mais faacutecil de ser discernido em alguns idiomas enquanto em outros eacute mais fraco
O que fora dito acima pode ser comprovado em qualquer comunidade em que a
liacutengua do colonizador fora imposta durante o ato de conquista ou de contato Em
algumas comunidades a situaccedilatildeo de bilinguismo eacute motivada por outras
28
ldquoVocecirc esfregaraacute [o quadro-negro de fora] Os homens viratildeordquo 29
ldquoChame-os aqui que eu estou muito doenterdquo 30
ldquoAs crianccedilas gostam dissordquo 31
ldquoEles natildeo prenderam uma uacutenica pessoardquo 32
ldquoEsta manhatilde eu ocupei meu bebecirc agrave babaacuterdquo
78
necessidades que se fazem presente nessa sociedade O portuguecircs eacute a liacutengua de
contato que eacute utilizada por todos os membros em situaccedilotildees diaacuterias e em contatos
com a comunidade externa Enquanto a liacutengua interna eacute utilizada em seus rituais
e eacute utilizada em contexto familiar que exige mais aproximaccedilatildeo familiar entre os
membros 33
342 Diglossia
O processo de diglossia pode ser compreendido conforme Dubois et all (1998 p
190) como i) situaccedilatildeo de bilinguismo ii) situaccedilatildeo biliacutengue na qual uma das
liacutenguas eacute de status sociopoliacutetico inferior iii) aptidatildeo que tem um indiviacuteduo de
praticar corretamente outra liacutengua aleacutem da liacutengua materna
Embora seja entendida tambeacutem como uma competecircncia linguiacutestica em que o
falante de uma determinada liacutengua possa conhecer os niacuteveis formal e informal de
sua gramaacutetica para este trabalho o conceito que recorremos eacute o de diglossia
enquanto situaccedilatildeo de conviacutevio de duas ou mais liacutenguas em uma comunidade
Trata-se neste caso da utilizaccedilatildeo de uma das liacutenguas como liacutengua oficial
enquanto a outra fica a cabo das situaccedilotildees de conviacutevio Geralmente a liacutengua do
dominador eacute a liacutengua das relaccedilotildees comerciais a outra eacute utilizada nos rituais ou no
seio das famiacutelias (comunidade)
Devido agraves colonizaccedilotildees e agrave globalizaccedilatildeo a diglossia eacute muito comum no mundo
poacutes-moderno Em paiacuteses que foram colocircnias portuguesas como Moccedilambique e
33
Como exemplo podemos citar o que ocorre com o Fulni-ocirc Conforme COSTA1993 p 58
79
Timor Leste por exemplo o Portuguecircs eacute a liacutengua oficial enquanto as liacutenguas
nativas satildeo conservadas no acircmbito familiar e em ciclos informais Assim como
nas comunidades mais desenvolvidas o aprendizado de mais de uma segunda
liacutengua faz com que as comunidades se tornem pluriliacutengues
Por causa desta competecircncia linguiacutestica em que o sujeito passa a dominar dois
ou mais coacutedigos o conceito de diglossia fora ampliado agraves comunidades
monoliacutengues Neste caso entende-se que o sujeito pode ser bi- ou multiliacutengue
fora e dentro da sua proacutepria liacutengua34
Para Ferguson (1991 p 5) a diglossia eacute
Uma situaccedilatildeo linguiacutestica relativamente estaacutevel em que junto aos dialetos primaacuterios da liacutengua (que podem incluir a variante padratildeo ou as normas regionais) haacute um dialeto muito divergente altamente codificado (muitas vezes bastante complexo gramaticalmente) sobrepondo-se agrave variedade Eacute o veiacuteculo de um grande e respectivo corpo de literatura escrita tanto de periacuteodo anterior ou de outra comunidade de fala eacute aprendido atraveacutes da educaccedilatildeo formal usado na escrita e na fala em contextos formais mas natildeo eacute usado em qualquer uma das seccedilotildees de comunidade para conversaccedilatildeo coloquial
Fishman (1967 p 8) afirma que a diglossia eacute gradual e variaacutevel Para ele o
conceito de diglossia estaacute ligado ao aspecto social enquanto o bilinguismo ao
individual Dessa forma a relaccedilatildeo entre bilinguismo e diglossia na situaccedilatildeo do
contato pode se dar das seguintes formas i) diglossia e bilinguismo atuando
juntos ii) bilinguismo sem diglossia iii) diglossia sem bilinguismo e iv) nem
diglossia nem bilinguismo
34
Crystal (1985 p 82) discorre que em geral os sociolinguistas se referem a uma variedade alta (A) e outra baixa (B) correspondendo grosso modo a uma diferenccedila de formalidade A variedade alta eacute apreendida na escola costuma ser usada nos locais cuja formalidade eacute maior A variedade baixa eacute usada em outros ambientes relativamente informais
80
O referido autor complementa afirmando que
O bilinguismo sem a diglossia tende a ser transicional tanto em termos de repertoacuterios linguiacutesticos de comunidade de fala como em termos das variedades de fala envolvidas per si Sem separar no entanto as normas complementares e valores para estabelecer e manter a separaccedilatildeo funcional das variedades de fala aquela liacutengua ou variedade que seja o bastante favoraacutevel para ser associada ao movimento predominante das forccedilas sociais tende a substituir a(s) outra (s) (idem p7)
No caso dos Latundecirc a diglossia se configura como um processo em que os
falantes foram obrigados a aprender a liacutengua dos brancos utilizando-a nas
atividades em contexto de contato com o natildeo iacutendio No entanto o grupo conserva
a liacutengua original nos rituais e no reduto familiar como fora explicado
anteriormente 35
343 Alternacircncia de coacutedigo36
O processo de diglossia quando eacute configurado entre duas liacutenguas distintas resulta
em bilinguismo O bilinguismo abordado no item 231 pode ser analisado de
diversos pontos de vista mas um em especial que seraacute tratado neste toacutepico eacute a
alternacircncia de coacutedigo ou code-switching Trata-se de um processo linguiacutestico
inerente ao falante biliacutengue desenvolto ou natildeo na liacutengua que aprendera como
segunda liacutengua no caso do biliacutengue ou da terceira por diante como nos
pluriliacutengues
35
Vale ressaltar que atualmente devido agrave incorporaccedilatildeo da cultura do branco os Latundecirc estatildeo
falando mais frequentemente o Portuguecircs em diversas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo ateacute mesmos nas mais informais Isso se deve ao fato de as geraccedilotildees mais novas serem menos conservadoras e resistentes ao contato 36
Tratamos tambeacutem deste processo ao discorremos sobre o bilinguismo na seccedilatildeo 231
81
Dessa forma o falante biliacutengue ao se comunicar com outro falante que detenha
suas mesmas liacutenguas poderaacute fazer escolhas linguiacutesticas dentro de cada coacutedigo
ou alternando os coacutedigos Por isso os pesquisadores dizem que o falante biliacutengue
apresenta um comportamento proacuteprio em seu processo de interaccedilatildeo que eacute a
utilizaccedilatildeo do code-switching que se caracteriza por ser uma estrateacutegia de
adequaccedilatildeo interativa desejaacutevel e favoraacutevel do ponto de vista pragmaacutetico Este
processo constitui um processo de ativaccedilatildeo e desativaccedilatildeo de uma ou de outra
liacutengua
Para Auer (1999 p 46)
O termo code-switching reserva-se para os casos em que a justaposiccedilatildeo dos dois coacutedigos eacute percebida e interpretada como um ato localmente significativo pelos participantes Contrapotildee-se assim ao code-switching tambeacutem denominado language mixing (mistura de coacutedigo ou de liacutenguas) em que a justaposiccedilatildeo dos coacutedigos tem significaccedilatildeo para os participantes em sentido mais global sendo um padratildeo recorrente de comunicaccedilatildeo
Um falante biliacutengue decide primeiramente qual deveraacute ser a liacutengua de base para
ser utilizada com o outro falante que domina suas liacutenguas tambeacutem e a partir daiacute
decide se faraacute uso ou natildeo do code-switching eacute o que afirma Grosjean (1982 p
127) a partir do esquema abaixo
82
Figura 4 Escolha de liacutengua e code-switching conforme Grosjean (1982 p127)
Conforme o esquema acima o falante biliacutengue apresenta competecircncia linguiacutestica
para se comunicar tanto com um falante monoliacutengue quanto outro biliacutengue Ao se
comunicar com o falante monoliacutengue o referido falante biliacutengue faraacute a escolha de
uma liacutengua A ou a liacutengua B Neste caso natildeo poderaacute fazer uso das duas No
processo comunicativo com outro falante biliacutengue ele poderaacute utilizar a liacutengua A
com ou sem alternacircncia com a liacutengua B Ou utilizar a liacutengua B com ou sem
alternacircncia com a liacutengua A O que determina tais escolhas satildeo as vantagens e
desvantagens do cacircmbio linguiacutestico
Neste trabalho natildeo trataremos diretamente do code-switching por entendermos
que nos desviariacuteamos do objetivo basilar desta pesquisa que eacute o enfoque nos
segmentos foneacuteticos Outro aspecto seria o fato de os falantes latundecirc soacute
apresentarem a alternacircncia de coacutedigo durante as narrativas discorridas nas
83
entrevistas quando solicitados para que narrassem os acontecimentos e lendas
do seu povo
344 Morte da liacutengua
O contato linguiacutestico eacute um processo tambeacutem poliacutetico cujas consequecircncias podem
ser apenas o de mixagem ou mais intensamente a morte da liacutengua Muitas
vezes o contato eacute tatildeo devastador que extermina as liacutenguas minoritaacuterias trata-se
de um verdadeiro glotociacutedio37
Para Mcmahon (1994 p 228) a morte de uma liacutengua
Envolve essencialmente uma transferecircncia de obediecircncia de parte de uma populaccedilatildeo a partir de uma liacutengua que foi nativa na aacuterea para uma liacutengua mais recentemente introduzida na qual a populaccedilatildeo indiacutegena tornou-se biliacutengue A nova linguagem eacute geralmente falada nativamente por falantes mais potentes que podem tambeacutem ser mais numerosos e normalmente eacute associada pelos falantes da liacutengua minoritaacuteria com a riqueza prestiacutegio e progresso a liacutengua minoritaacuteria eacute entatildeo efetivamente abandonada por seus falantes tornando-se apropriada para uso em cada vez menor (e menor) contexto ateacute que seja inteiramente suplantada pela liacutengua que estaacute entrando
Dubois et all (1998 p 422) afirma que uma liacutengua morta eacute uma liacutengua que deixou
de ser falada mas cujo estatuto numa comunidade sociocultura eacute agraves vezes
desempenhar ainda um papel no ensino nas cerimocircnias rituais etc como o
latim
Para Trask (2004 p 200) a liacutengua eacute considerada moribunda ou estaacute prestes a
morrer quando o resultado de morte eacute praticamente inevitaacutevel Segundo o autor
37
Calcula-se que no iniacutecio da colonizaccedilatildeo portuguesa existiam aqui cerca de 1200 liacutenguas que
apoacutes anos de ocupaccedilatildeo de territoacuterio se resume a 180 Conforme Rodrigues 2002 p19 muitas delas estatildeo moribundas e carecem ser catalogadas
84
a cabo de uma ou duas geraccedilotildees ningueacutem mais seraacute capaz de falar esta liacutengua
pura e simplesmente Eacute a morte da liacutengua que resulta do processo denominado
substituiccedilatildeo da liacutengua
Ao dar continuidade ao seu argumento o referido autor assegura que a morte de
uma liacutengua eacute um processo gradual Assim exemplifica o pesquisador
em um dado lugar em um determinado momento algumas crianccedilas ainda estatildeo aprendendo - como sua liacutengua materna - a liacutengua que estaacute morrendo enquanto outras a estatildeo aprendendo apenas imperfeitamente e outras ainda natildeo estatildeo aprendendo de maneira nenhuma A liacutengua pode desaparecer por completo em certas aacutereas e sobreviver em outras Idem p 201
Ainda segundo Trask ibidem satildeo caracteriacutesticas da morte de uma liacutengua i) a
perda das irregularidades ii) a queda em desuso das formas e dos esquemas de
construccedilatildeo sentencial mais complexos ou menos frequente iii) a substituiccedilatildeo
maciccedila das palavras nativas por palavras tiradas da liacutengua de prestiacutegio iv) a
mudanccedila de pronuacutencia que se torna mais proacutexima da liacutengua de prestiacutegio v) a
perda da variaccedilatildeo estiliacutestica que leva agrave sobrevivecircncia de um uacutenico estilo
invariaacutevel
Nem sempre a morte de uma liacutengua estaacute diretamente ligada a aspectos
linguiacutesticos Cristoacutefaro-Silva (2002 p 56) elenca trecircs aspectos natildeo linguiacutesticos
que contribuem para a aniquilaccedilatildeo de uma liacutengua O primeiro diz respeito ao fato
de o pesquisador natildeo poder investigar o processo de morte devido agrave presenccedila de
uns poucos falantes da liacutengua O segundo trata da opressatildeo poliacutetica imposta aos
falantes que neste caso deixam de falar a liacutengua para natildeo serem perseguidos E
85
o terceiro ocorre quando a liacutengua eacute mantida apenas em rituais em que os falantes
natildeo sabem mais o teor semacircntico do que verbalizam
Natildeo diferente do aqui fora apresentado a situaccedilatildeo da liacutengua Latundecirc eacute bastante
delicada uma vez que a comunidade passou por diversos transtornos que
impactaram a forma como se organizavam socialmente O nuacutemero de nuacutemero de
falantes diminuiu e consequentemente a liacutengua se encontra altamente
ameaccedilada O portuguecircs sendo a liacutengua dominante de prestiacutegio e funcional para
a relaccedilatildeo com o mundo natildeo indiacutegena ganha espaccedilo crescente entre os Latundecirc
Esta eacute a situaccedilatildeo natildeo soacute do Latundecirc mas de vaacuterios grupos indiacutegenas
86
4 COMUNIDADE DE ESTUDO OS LATUNDEcirc
Que gente eacute essa que fala idioma tatildeo diferente das liacutenguas conhecidas tatildeo diferente da liacutengua dos seus mais proacuteximos vizinhos
que tem costumes tatildeo estranhos aos que vivem perto que natildeo conhece os objetos essenciais da vida dos seus companheiros de sertatildeo
De onde veio Por onde passou que natildeo deixou rastros Quando chegou agravequelas matas onde vive haacute tanto tempo
Que ligaccedilotildees tem com os outros filhos do Brasil Roquete-Pinto (1975 p121)
41 INTRODUCcedilAtildeO
Discorremos neste capiacutetulo sobre o povo Latundecirc e a sua comunidade descriccedilatildeo
contexto histoacuterico cultural e geograacutefico desta etnia Histoacuteria do contato conflitos
internos e externos dificuldades enfrentadas pelo grupo ao longo de sua
existecircncia denominaccedilatildeo acesso hierarquia social padratildeo e constituiccedilatildeo familiar
contatos intereacutetnico bilinguismo e ensino na aldeia
42 A FAMIacuteLIA NAMBIKWAacuteRA38 39 40
Os Nambikwaacutera41 satildeo conhecidos na etnologia brasileira por terem sido
oficialmente contatados pelo Marechal Rodom e por terem sido estudados por
Leacutevi-Strauss De origem Tupi o vocaacutebulo Nambikwaacutera eacute o resultado da fusatildeo dos
38
Os Nambikwara se auto denominam Anunsu Conforme Price amp Cook Jr The Nambikwara call
themselves aacute nu suacute people This name written anunzecirc has apereared throughout the literature but has been erroneously thought to be a band name (1969 p 690) 39
Os Nambikwra satildeo famosos na etnologia brasileira por terem sido oficialmente contatados pelo Marechal Rodom e por terem sido estudados por Leacutevi-Strauss 40
Os Nambikwara natildeo estatildeo ligados aos troncos Tupi e Macro-Jecirc Trata-se de uma famiacutelia linguiacutestica isolada com caracteriacutesticas especiacuteficas que natildeo se enquadra em nenhum desses dois grupos 41
Leacutevi-Strauss (1946 p 139) afirma que se trata de uma palavra Tupi e que deve ser escrita como Nhambikwara
87
termos ldquonambirdquo que significa ldquoorelhardquo e ldquokuarardquo cujo significado eacute ldquoburacordquo
Portanto Nambikwaacutera42 eacute ldquoburaco de orelhardquo
Coforme Leacutevi-Strauss (1946 p 48)
The name Nambikwra was mentioned for the first time and only by hearsay by Antonio Pires de Campos in the beginning of the 18th century Since then it appeared several times with reference to an unknown tribe located on the headwaters of Tapajoz There is a great discrepancy between the different spellings When General Candido Mariano da Silva Rondon began to explore the land between the Tapajoz and Gi-Parana in 1907 he met with unknown group of a unknown language and he did not hesitate to identify them with the tribe often mentioned in the early documents It was at that time that the name Nhambikwara was
definitely adopted its spelling fixed and that it was recognized as a Tupi nickname the meaning of which is big ears
A famiacutelia Nambikwara eacute dividida em dois grandes grupos aleacutem de outra
remanescente conforme figura abaixo
Figura 5 Classificaccedilatildeo das liacutenguas da Famiacutelia Nambikwaacutera de acordo com Rodrigues
(1986 p 134)
42
Seguimos neste trabalho a orientaccedilatildeo da Associaccedilatildeo de Antropologia Brasileira que em 1953
estabeleceu a fim de padronizar os nomes dos povos indiacutegenas do Brasil com o intuito de facilitar os estudos etnograacuteficos e Linguiacutesticos a nomenclatura padratildeo
88
Conforme figura acima o povo Latundecirc faz parte da famiacutelia Nambikwaacutera que se
divide em Nambikwaacutera do Norte Nambikwaacutera do Sul e Sabanecirc Os Latundecirc
juntamente com os Lakondecirc os Tawandecirc os Mamaindecirc e os Negarotecirc
pertencem ao grupo Nambikwaacutera do Norte Jaacute o Nambikwaacutera do Sul eacute composto
pelos povos Galera Kabixi Munduacuteka e Nambikwaacutera do Campo cada um
correspondendo a um complexo dialetal O Sabanecirc eacute uma liacutengua agrave parte por se
acreditar que natildeo haacute muitas semelhanccedilas entre as estruturas linguiacutesticas dessa
liacutengua e as demais liacutenguas desse grupo
Situado na aacuterea entre os rios Juruena e Comemoraccedilatildeo o territoacuterio consta do
registro de muitos autores Roquete-Pinto (1919) Leacutevi-Strauss (1946) Price e
Cook (1969) Price (1977) Mas eacute de Roquete-Pinto (1919) e Price (1983) a
exposiccedilatildeo mais aceita Em ambos os limites geograacuteficos desses povos satildeo
relatados da seguinte forma pelo Rio Papagaio (sul) pelo rio Gi-Paranaacute (norte)
pelo rio Tapajoacutes (leste) e pelo rio Guaporeacute (oeste)
Figura 6 Localizaccedilatildeo e aacuterea dos Nambikwaacutera de acordo com Roquete-Pinto (1919)
89
De acordo com a FUNAI43 os dados atuais indicam que os Nambikwaacutera hoje
com cerca de dois mil iacutendios estatildeo distribuiacutedos em seis Terras indiacutegenas (TI)
vivem no sudoeste do Mato Grosso e aacutereas proacuteximas de Rondocircnia entre a
floresta amazocircnica e o cerrado
Figura 7 Territoacuterio Nambikwaacutera descrito por Price (1983)
No que tange ao conhecimento desses povos eacute de meados do seacuteculo XVIII que
obtemos os primeiros contatos com os Nambikwaacutera Foi Luiz Pinto de Souza
Coutinho terceiro capitatildeo geral do Estado do Mato Grosso o organizador de uma
expediccedilatildeo pelas margens do Rio Guaporeacute com o propoacutesito de abrir caminhos
entre a capital de entatildeo Proviacutencia de Mato Grosso e o Forte Braganccedila
43
Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
90
Os relatos histoacutericos nos mostram que era prioridade do Governo Militar apoacutes a
Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica em 1889 a integraccedilatildeo de todas as terras brasileiras
Uma das accedilotildees dessa integraccedilatildeo foi a determinaccedilatildeo do governo em construir
linhas telegraacuteficas em terras indiacutegenas da Amazocircnia com o propoacutesito de interligar
o Rio de Janeiro a Cuiabaacute Agrave frente dessa empreitada estava o Major Antonio
Gomes Carneiro e entre a comitiva o seu aluno Cacircndido Mariano da Silva
Rondon
Eacute Rodon o principal agente de contato entre os iacutendios Nambikwaacutera e os natildeo
iacutendios Pois como eacute sabido dele partia o discurso de apaziguamento entre o
contato preferindo antes de qualquer coisa ser atingido a atingir os silviacutecolas
Aleacutem da motivaccedilatildeo de expansatildeo para a implantaccedilatildeo das linhas telegraacuteficas
Rondon era conduzido por um desejo ardente de respeito e proteccedilatildeo aos povos
daquela regiatildeo
Dessa forma os iacutendios Nambikwaacutera estavam entre os indiacutegenas que ajudaram a
comissatildeo do governo a alcanccedilar os lugares mais hostis Este encontro entre
indiacutegenas e brancos culminou em invasotildees e conflitos entre povos aleacutem das
doenccedilas que foram trazidas pelos natildeo indiacutegenas por isso a extinccedilatildeo de vaacuterias
tribos e povos aleacutem do prejuiacutezo linguiacutestico resultante da aculturaccedilatildeo dos
indiacutegenas frente agrave presenccedila do natildeo iacutendio uma vez que para que ocorresse o
processo de interaccedilatildeo os indiacutegenas se viram obrigados a aprender o portuguecircs
O contato entre os grupos Nambikwaacutera natildeo se deu de forma paciacutefica Os
Nambikwaacutera do Norte natildeo foram receptivos e os planos dos governos foram
frustrados De forma diferente o contato com os Nambikwaacutera do Sul se deu de
91
forma mais intensa Mesmo apoacutes os constantes conflitos o contato perdurou por
mais tempo que com os do Norte acarretando mudanccedilas culturais de costumes e
da liacutengua
Telles (2002 p 10) afirma que
Do grupo linguiacutestico do Norte hoje restam apenas remanescentes de cinco etnias Tawandecirc Lakondecirc Mamaindecirc Negarotecirc e Latundecirc Destes os trecircs uacuteltimos permanecem em aacutereas proacuteximas de seus territoacuterios tradicionais e se preservam enquanto grupos relativamente autocircnomos Estes povos natildeo habitavam tradicionalmente a regiatildeo norte do territoacuterio Nambikwaacutera e esse fato pode ter favorecido a sua independecircncia grupal ao longo do percurso histoacuterico
Figura 8 Localizaccedilatildeo atual dos Nambikwaacutera
Como consequecircncia do contato no final do seacuteculo XX a populaccedilatildeo desses povos
foi reduzida a mais ou menos 650 sendo 50 deles crianccedilas Price (1985 p 312)
92
chama a atenccedilatildeo para o processo de aculturaccedilatildeo pois para as crianccedilas ldquoseria
mais confortaacutevel falar portuguecircs que a liacutengua dos seus paisrdquo44
Ainda com relaccedilatildeo agrave classificaccedilatildeo linguiacutestica alguns estudiosos utilizam
classificaccedilotildees diferentes para organizar os povos Nambikwaacutera A divisatildeo claacutessica
de Leacutevi-Strauss (1948) distribui os Nambikwaacutera de acordo com a aproximaccedilatildeo
linguiacutestica que haacute entre eles Para ele haacute trecircs grupos principais que se subdividem
formando cinco unidades constituiacutedas por vaacuterios dialetos de uma mesma liacutengua
Price e Cook (1969) em trabalho posterior sugerem outra classificaccedilatildeo para a
famiacutelia Nambikwaacutera Para eles haacute dois grandes grupos os Sabanecirc e os
Nambikwaacutera Entretanto embora o Sabanecirc natildeo seja compreensiacutevel para os
outros grupos linguiacutesticos por razotildees estruturais Price (1972) com base num
estudo comparativo considera o Sabanecirc como integrante da famiacutelia linguiacutestica
Nambikwaacutera Para uma visualizaccedilatildeo das propostas de Leacutevi-Strauss e de Price e
Cook apresentamos as respectivas classificaccedilotildees nas tabelas a seguir
Quadro 2 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Leacutevi-Strauss (1948)
44
ldquofifty were children who are probably more comfortable speaking Portuguese than the languages of their parents
Grupo a
Grupo b
Grupo c
Subgrupo a1
Subgrupo a2
Subgrupo b1
Subgrupo b2
Oakleacutetosu
Haloacutetesu
Kiaaacuteru
Kuritsu
Soaacutelesu
Kodaacuteteli
Munuacutekoti
Nikedeacutetosu
Taruacutende
Maimatildende
Toatildende
Ioacutelola
Naseacutelate
Lakotildende
Sovaacuteinte
Sabaacutene
93
Quadro 3 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Price e Cook (1969)
Leacutevi-Strass natildeo aponta os Latundecirc como pertencente ao grupo Nambikwaacutera
devido ao natildeo contato com este povo que soacute fora inicialmente descobertos
(contatados) em 1975 pelos Aikanaacute conforme veremos a seguir
43 OS LATUNDEcirc
O povo Latundecirc pertencente ao Nambikwaacutera do Norte habita uma aacuterea de
116613671 hec no municiacutepio de Chupinguaia na regiatildeo sudoeste do estado de
Rondocircnia Com eles convivem outros dois grupos que natildeo possuem nenhum
Navaacuteite
Taiate
Nambikwaacutera
Sabanecirc
Do Norte
Do Sul
Latundecirc
Lakundecirc
Tawandecirc
Mamaindecirc
Negarotecirc
Vale do Jurema
Vale do Guaporeacute
Vale do Sarareacute
Haloteacutesu
Kithaulhu
Sawenteacutesu
Wakalitesu
Wasusu
Sarareacute
Alacircntesu
Waikisu
Hahatildetesu
94
grau de parentesco linguiacutestico Satildeo os Aikanaacute e os Kwazaacute que fazem parte da
Terra Indiacutegena (TI) Tubaratildeo-Latundecirc45
No mapa abaixo pode-se obervar a localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc que se
situa entre a RO 370 e a BR 364
Figura 9 Localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc46
A reserva estaacute localizada a oeste do municiacutepio de Vilhena Nela haacute trecircs vilas Rio
do Ouro Barroso e Gleba (tambeacutem conhecida como Tubaratildeo) Gleba eacute a que
conteacutem a maior populaccedilatildeo mista De faacutecil acesso pode ser adentrada pela cidade
de Chupinguaia que fica a 19 km da TI Rio do Ouro possui uma populaccedilatildeo
exclusivamente Aikanatilde e estaacute a 20 km da Gleba Barroso conteacutem a menor
populaccedilatildeo e corresponde a uma aacuterea de ocupaccedilatildeo esparsa em que se distribuem
45
Conforme Anonby the Tubaratildeo-Latundecirc Indian Reserve is inhabited by people from several tribes the tree main linguistically-unrelated Aikanatilde (also known as Tubaratildeo) Kwazaacute and Latundecirc 2009 p3 46
Inicialmente estes povos ocupavam uma aacuterea de ricas florestas no oeste do rio Pimenta Bueno
proacuteximo a uma pequena vila denominada de Satildeo Pedro
95
remanescentes Kwazaacute Aikanaacute e Latundecirc A meacutedia de distacircncia do Barroso para a
Gleba eacute de aproximadamente 25 km O acesso se daacute por uma estrada
parcialmente carroccedilaacutevel de difiacutecil locomoccedilatildeo
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo de cada povo Anomby (2009 p5) afirma que o
quantitativo total de pessoas eacute de 219 iacutendios Deles 175 satildeo Aikanatilde 25 satildeo
Kwazaacute e 19 satildeo Latundecirc Haacute ainda 189 iacutendios distribuiacutedos por outras localidades
fora da TI 47
Quadro 4 Distribuiccedilatildeo dos povos pertencentes a TI Tubaratildeo-Latundecirc
TI Rio do Ouro 67
Gleba 48
Barroso 34
Outras localidades
Satildeo Pedro 18
Vilhena 15
Chupinguaia 7
Total 189
Durante muitos anos os Latundecirc os Kwazaacute e os Aikanatilde viveram em contato com
grupos vizinhos como os Kanoecirc Mekens Sakirap Tupariacute Salamatildei entre outros
povos que tecircm sido acolhidos pela populaccedilatildeo local da TI Mesmo com diferentes
liacutenguas eles se relacionavam com festivais e casamentos intergrupais A cultura
desses povos tornou-se muito similar devido ao contato intenso entre eles De
acordo com Anomby (2009 p 6) os traccedilos mais comuns entre este povos
incluem cestas de fibra de marico casas em forma de colmeia para
47
Em conversa com os professores desses povos Anomby Idem natildeo afirma os motivos pelos
quais tais iacutendios estatildeo afastados dos demais
96
aproximadamente dez famiacutelias bebida de milho fermentado canibalismo e
divisatildeo de clatildes
Quanto ao contato sabe-se que foram os iacutendios Aikanaacute os primeiros a contatarem
com os Latundecirc Price (1977 p 72 - 73) descreve que o entatildeo Capataz Rural
Jorge Falcatildeo fora informalmente designado encarregado da operaccedilatildeo de contato
No ano de 1976 acompanhado por cinco iacutendios Aikanaacute e um serigueiro apoacutes
cinco dias de intensa caminhada ocorreu o encontro com os Latundecirc Neste
primeiro momento o desconhecido povo tremia de medo mas se posicionaram
ainda que fragilmente na linha de defesa Apoacutes dormirem no campo o capataz e
demais membros da excursatildeo conseguiram no outro dia um contato comprovado
por poucas fotografias com o povo Latundecirc Jorge descreveu que tais iacutendios natildeo
conseguiram se comunicar com os Aikanaacute e que eram em nuacutemero de 10 homens
e 8 crianccedilas afora poucas crianccedilas que afirma natildeo tecirc-las visto
A FUNAI em 1977 com a ajuda do Capataz Rural realizou uma nova excursatildeo
aos iacutendios Latundecirc Desta vez aleacutem de Jorge juntos a ele estavam presentes
David Price e dois iacutendios Nambikwara do Norte (Lakondecirc) que conseguiram
identificar os Latundecirc como tambeacutem pertencentes agrave etnia Nambikwara do Norte
Foram mensurados como uma aldeia composta por oito casas e dezenove
habitantes 48
48
Para uma descriccedilatildeo mais detalhada ver Telles 2002 p17
97
Figura 10 Primeiros contatos com os Latundecirc (Foto Price 1977)
Em 1999 o povo era composto por vinte pessoas Entre 1999 e 2000 a grupo ficou
ainda menor com a saiacuteda de trecircs dos membros Faacutetima (irmatilde de Terezinha49)
Batataacute (a anciatilde do grupo) e Joatildeo (irmatildeo solteiro de Terezinha) As crianccedilas e os
jovens do grupo satildeo na sua maioria parentes consanguiacuteneos De acordo com as
relaccedilotildees de parentesco os mais novos natildeo poderatildeo coabitar entre si o que
implica a natildeo autonomia e a natildeo perpetuaccedilatildeo do grupo Latundecirc
49
Trata-se de a informante deste projeto de pesquisa
98
Quadro 5 Nuacutecleos familiares de acordo com a habitaccedilatildeo em 199950
Casa 1
Pais Filhos Agregados
Maneacute Torto (60) Terezinha (45)
Luiz (22) Antocircnio (20) Lorena (12) Catarino (10) Justino (8) Jaelson (4)
Joatildeo (26) Francisco (25) Irmatildeos de Terezinha
Maneacute Torto (60) Faacutetima (30)
Maria (13)
Casa 2
Joseacute (40) Lurdes (40)
Jair (13) Dido (11) Lourival (3) Lorimar (6 meses)
Cinzeiro (50) Irmatildeo de Lurdes
Casa 3 Batataacute (65)
Dados atuais51 noticiam que o grupo se enfraqueceu politicamente Tereza
mudou-se para uma aldeia de outro grupo Nambikwaacutera do Norte e Maria e Lorena
foram morar na Gleba
No que concerne agraves atividades econocircmicas a extraccedilatildeo de borracha foi a grande
atividade econocircmica na deacutecada de 30 do seacuteculo passado no sul de Rondocircnia
Durante o apogeu dessa atividade os Aikanatilde e os Kwazaacute trabalharam para
barotildees da borracha em troca de cafeacute accediluacutecar e armas de fogo
Consequentemente apoacutes aprenderem as estrateacutegias de negociaccedilatildeo na deacutecada
de 70 os proacuteprios iacutendios agora independentes passaram a vender a sua proacutepria
borracha nas cidades vizinhas (Van der Voort 1998)
50
Telles 2002 p 19 51
Informaccedilatildeo proveniente de comunicaccedilatildeo pessoal com Stella Telles janeiro de 2015
99
A comercializaccedilatildeo da borracha tambeacutem fora um pano de fundo para o processo
de bilinguismo ocorrente entre os povos dessa regiatildeo O portuguecircs se tornara
uma espeacutecie de liacutengua franca utilizada para a comercializaccedilatildeo do produto no
exterior e na interaccedilatildeo com os seringalistas Contudo as liacutenguas indiacutegenas
permaneciam sendo usadas mais provavelmente na retirada e no processamento
da borracha nas reservas52
A economia na aldeia diferentemente do que fora no passado representa a atual
situaccedilatildeo dos iacutendios Haacute pouca lavoura de subsistecircncia53 o que faz com que a
produccedilatildeo de comida seja escassa Os integrantes da aldeia quando precisam de
provimentos compram sua comida na cidade ou recebem-na dos parentes que
vivem em Rio do Ouro
Ainda de acordo com Anomby (2009 p7)
As principais fontes de dinheiro em ambas as aldeias como a maioria das aldeias no Brasil satildeo as remessas de aposentadoria para os idosos e da venda de artesanato indiacutegena aleacutem da venda de madeira e os pequenos serviccedilos prestados aos demais moradores e visitantes
No que diz respeito agrave religiatildeo atualmente a presenccedila do protestantismo eacute muito
forte na TI Tubaratildeo-Latundecirc Missionaacuterios UNIEDAS54 (iacutendios da tribo Terena)
comeccedilaram a trabalhar na aacuterea em 1980 e como resultado a maioria das
pessoas que vivem na reserva iacutendios Tubaratildeo-Latundecirc hoje se consideram
52
Neste contexto histoacuterico pode-se perceber claramente a hierarquizaccedilatildeo linguiacutestica no que tange agrave utilizaccedilatildeo da liacutengua materna Para os iacutendios jaacute ocorria o processo de contato oriundo do dominador Mesmo reconhecendo a necessidade advinda da dependecircncia econocircmica os iacutendios relutavam em manter a liacutengua matildee no interior da aldeia ou seja no seio familiar 53
Devido agrave cultura errocircnea da terra e a constante presenccedila das aposentadorias concedidas aos idosos e invaacutelidos a rotina desses povos estaacute sendo fortemente alterada 54
Uniatildeo das Igrejas Evangeacutelicas da Ameacuterica do Sul criada por missionaacuterios americanos em 1912 que eacute atualmente conduzida por lideranccedila indiacutegena
100
protestantes Os Terenas ministram suas pregaccedilotildees exclusivamente em
Portuguecircs
Uma outra famiacutelia missionaacuteria protestante pertencente agrave missatildeo ALEM55 vivem
na aldeia Rio do Ouro onde o marido Warrisson eacute um professor e sua esposa
Ana eacute uma liacuteder de igreja Eles trabalham na reserva haacute doze anos e soacute falam
Portuguecircs
Anomby (2009 p8) relata o fato de os iacutendios ainda hoje rejeitarem os esforccedilos
dos missionaacuterios da ALEM para usar o Aikanatilde na igreja
Quando Ana veio pela primeira vez a Gleba 12 anos atraacutes as pessoas disse-lhe que queria igreja em Portuguecircs e natildeo em Aikanatilde Eles especificamente disse-nos Noacutes natildeo quer um linguista Queremos algueacutem que vai fazer igreja em Portuguecircs Ana compocircs algumas canccedilotildees em Aikanatilde mas quando ela cantou para os iacutendios eles disseram que soava feio Ana pediu que as pessoas orassem em Aikanatilde mas eles sempre recusam Em um culto que participou no Rio do Ouro Ana escolheu cinco pessoas aleatoriamente para ler partes do Biacuteblia Todos foram fluentes Ana disse-nos que ateacute hoje os iacutendios nunca pediu nada em Aikanatilde - eles parecem sentir que igreja deve ser em Portuguecircs
Os Latundecirc em particular natildeo se converteram ao protestantismo Localizados
mais remotamente o difiacutecil acesso agraves igrejas existentes da Gleba e no Rio do
Ouro natildeo favoreceu ao longo de anos a frenquecircncia do Latundecirc nos cultos
A educaccedilatildeo escolar tambeacutem tem situaccedilatildeo similar entre os Latundecirc Nunca houve
escola no Barroso nas proximidades das casas dos Latundecirc Dessa forma
apenas com a ida mais sistemaacutetica dos mais jovens Latundecirc para as aldeias
Aikanaacute - sobretudo a partir do ano de 2000 - eacute que as crianccedilas Latundecirc passaram
55
Associaccedilatildeo Linguiacutestica Evangeacutelica Missionaacuteria eacute uma organizaccedilatildeo missionaacuteria fundada em 1982
sob a inspiraccedilatildeo da Wycliffe Bible Translators
101
a frequentar escola Sobre isso Anomby Idem nos relata que eacute ensinado ateacute
quarta seacuterie em todas as aldeias e a maioria dos Aikanatilde e Kwazaacute satildeo
alfabetizados em Portuguecircs Em Rio do Ouro haacute dois professores um brasileiro
que leciona em Portuguecircs e um professor biliacutengue que explica os assuntos em
Aikanatilde Trecircs moradores estatildeo terminando o ensino meacutedio dois da Gleba e um
do Rio do Ouro A liacutengua Latundecirc natildeo eacute objeto de conteuacutedo escolar
Com relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo linguiacutestica dos Latundecirc56 sabe-se que com exceccedilatildeo de
Maneacute Torto que eacute falante nativo de uma liacutengua Nabikwaacutera do Norte muito proacutexima
do Latundecirc o nuacutemero de falantes do Latundecirc eacute de dezenove pessoas O grupo
excetuando a Batataacute que natildeo fala portuguecircs apresenta bilinguismo em Latundecirc
Portuguecircs O bilinguismo resultante do contato que se deu em 1976 se firmou
com o contato crescente com os Aikanaacute com quem se comunicam em portuguecircs
A complexidade linguiacutestica que se instaurou entre os Latundecirc pode ser observada
na tabela seguinte
Quadro 6 Situaccedilatildeo sociolinguiacutestica dos Latundecirc (dados de 1999)
Membros
Situaccedilatildeo Social
Situaccedilatildeo Linguacuteiacutestica
Maneacute Torto (60) Liacuteder interno da tribo Natildeo Latundecirc
Cinzeiro (50)
Batataacute (65)
Membros mais velhos
da tribo
Satildeo monoliacutengues em Latundecirc
Lurdes (40) Matriarca da casa 2 Apresenta distuacuterbio de fala Eacute considerada
uma falante ruim pela proacutepria tribo Fala um
pidgin com seus filhos
Joseacute (40) Patriarca da casa 2 Fala um portuguecircs pouco claro
56
Anomby (2009 p 5) chama a atenccedilatildeo para o fato de os povos presentes na TI Tubaratildeo-Latundecirc
natildeo serem estudados extensivamente ainda Dos estudos realizados podem-se citar as pesquisas realizadas no acircmbito antropoloacutegico e no linguiacutestico Leacutevi-Strauss (1930) Lieuntenabt Zack (1942) Melatti e Price (1970) Carlson (1984) Vasconcelos (19931996) Van der Voort (19951998) e Telles (2002)
102
Jair (13)
Dido (11)
Filhos mais velhos da
casa 2
Devido ao desempenho dos pais
apresentam problemas de comunicaccedilatildeo em
ambas as liacutenguas
Lourival (3)
Lorimar (6 meses)
Filhos mais novos da
casa 2
Estatildeo em processo de aquisiccedilatildeo da
linguagem
Terezinha (45)
Matriarca da casa 1
uma das mulheres de
Maneacute Torto
Apresenta boa competecircncia comunicativa
Apesar de ser considerada biliacutengue
apresenta problemas com relaccedilatildeo agrave
compreensatildeo do Portuguecircs
Joatildeo (26)
Francisco (25)
Irmatildeos de Terezinha Falam Portuguecircs sem muita fluecircncia
Faacutetima (30)
Irmatilde de Terezinha Apresenta niacutevel de compreensatildeo muito
inferior ao da sua fala
Luiz (22)
Antocircnio (20)
Lorena (12)
Catarino (10)
Justino (8)
Jaelson (4)
Filhos de Terezinha e
Maneacute Torto
Falam um bom Portuguecircs
Maria (13) Tambeacutem fala um bom Portuguecircs
Entre 1995 e 2000 Telles (comunicaccedilatildeo pessoal em novembro de 2014) verificou
que o aprendizado do Latundecirc na comunidade eacute mais tardio do que o Portuguecircs
mesmo sendo as crianccedilas desde o nascimento expostas e estimuladas agraves duas
liacutenguas simultaneamente Na avaliaccedilatildeo subjetiva dos indiacutegenas o Latundecirc eacute uma
liacutengua mais difiacutecil sendo essa a razatildeo de as crianccedilas apresentarem melhor
desempenho no Portuguecircs Soacute em torno dos dez anos comeccedilam a utilizar com
fluecircncia o Latundecirc embora apresentem conhecimento passivo da liacutengua desde a
primeira infacircncia quando atendem com pertinecircncia aos comandos em Latundecirc
Outro fator que pode responder ao fato de a produccedilatildeo linguiacutestica ocorrer
103
primeiramente em Portuguecirc deve ser o prestiacutegio social que essa liacutengua alcanccedila
entre comunidades minoritaacuterias57
Essa situaccedilatildeo decorrente do contato linguiacutestico se daacute devido agrave mescla linguiacutestica
presente na TI e agraves necessidades de os indiacutegenas se ausentarem das terras da
TI Os povos que vivem em Rio do Ouro viajam a cidade pelo menos uma vez por
mecircs para fazer compras ou ir buscar assistecircncia meacutedica Os da Gleba se
deslocam para a cidade todos os dias quando precisam ir para a sede do
municiacutepio de Chupinguaia Dependendo da necessidade eles ficam hospedados
na casa de algueacutem conhecido ou na Casa do Iacutendio uma espeacutecie de guarita
para os iacutendios A Casa do Iacutendio mais proacutexima da TI se localiza em Vilhena
Ainda quanto ao contato linguiacutestico estudos mostram que os iacutendios do sul de
Rondocircnia tecircm o haacutebito de casar-se com iacutendios de tribos amigas Isto pode ser
comprovado com a presenccedila de palavras no leacutexico das liacutenguas em que foram
coadunadas
Conforme dados mais recentes na Gleba cerca de cinquenta por cento dos
casamentos satildeo mistos com iacutendios de outras etnias ou com natildeo iacutendios Embora
haja certa rivalidade entre os povos da Gleba e os do Rio dos Ouros o nuacutemero de
casamentos entre os iacutendios dessas duas aldeias satildeo muito frequentes
Quanto aos iacutendios Latundecirc Anomby (2009 p 9) discorre que
Os iacutendios da aldeia de Latundecirc Barroso tecircm o menor prestiacutegio e satildeo um pouco culturalmente e economicamente subjugados pelo Aikanatilde e Kwazaacute Devido agraves pequenas populaccedilotildees de Kwazaacute e Latundecirc eacute quase impossiacutevel para eles para se casar dentro de
57
Discorreremos com mais detalhes sobre o processo de bilinguismo no povo Latundecirc no trabalho proposto a ser desenvolvido
104
sua tribo Assim a sobrevivecircncia das liacutenguas e ateacute mesmo o povo como um grupo distinto eacute muito tecircnue
Devido agraves constantes necessidades de cuidado desses povos a OSCIP Creatio58
realizou estudos sobre os impactos soacutecio-antropoloacutegicos-ambientais na TI
Tubaratildeo-Latundecirc jaacute que toda regiatildeo estaacute sobre a influecircncia da PCH59 Cascata
que estaacute sendo construiacuteda no Rio Pimenta Bueno Tais estudos visam objetivar
informaccedilotildees que subsidiem a descriccedilatildeo dos possiacuteveis impactos oriundos da PCH
sobre esta TI
Figura 11 Iacutendios Latundecirc na TI Tubaratildeo-Latundecirc
Outro ponto que deve ser levado em conta ao considerar falantes biliacutengues e
monoliacutengues eacute que eles natildeo podem ser nitidamente diferenciados A avaliaccedilatildeo do
grau de bilinguismo eacute complexa dado que a sua medidade eacute escalar ou seja o
58
Organizaccedilatildeo da Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico 59
Pequena Central Hidreleacutetrica
105
conhecimento de outra liacutengua eacute uma questatildeo de grau que vai desde 0 ateacute a
ldquoperfeiccedilatildeordquo (Van Coetesem 1988 p 9)
106
5 INTERFEREcircNCIA FONEacuteTICO-FONOLOacuteGICA DO LATUNDEcirc NO
PORTUGUEcircS
ldquoO contato linguiacutestico eacute apenas um aspecto do contato cultural e a interferecircncia linguiacutestica eacute uma face da difusatildeo lexical e aculturaccedilatildeordquo
Weinreich (1953 p 5)
51 INTRODUCcedilAtildeO
Para Thomason (2001 p 5) o contato entre liacutenguas estaacute em toda a parte muitos
paiacuteses tecircm mais do que uma liacutengua oficial e muito provavelmente a maior parte
da populaccedilatildeo mundial fala duas ou mais liacutenguas Posto dessa maneira
compreende-se que satildeo muitos os estudos que abordam sob formas aacutereas
concepccedilotildees diversas e interdisciplinares o contato linguiacutestico No que concerne agrave
linguiacutestica estes estudos satildeo de igual abundacircncia De acordo com Weinreich
(1953) grande ou pequena as diferenccedilas e similaridades entre as liacutenguas em
contato podem ser exaustivamente estabelecidas em muitos domiacutenios Todavia
quando se trata da investigaccedilatildeo do contato sob a eacutegide da fonologia e da foneacutetica
o nuacutemero destes estudos diminui consideravelmente Tal constataccedilatildeo corrobora
com a necessidade de estudos linguiacutesticos que tratem dos aspectos foneacuteticos
quando observados no contato entre liacutenguas
Por se tratar de uma sessatildeo importante para as elucidaccedilotildees dos processos
ocorridos no Portuguecircs falado pelos Latundecirc a serem discorridos no Capiacutetulo VI
descrevemos neta seccedilatildeo os segmentos das liacutenguas em anaacutelise e quais satildeos mais
suscetiacuteveis agrave influecircncia do contado linguiacutestico Devido agrave escassez de pesquisas
107
foneacuteticas fonoloacutegicas na aacuterea especificamente no Latundecirc e no Portuguecircs
Brasileiro seratildeo utilizadas como cabedal para esta anaacutelise as pesquisas de
TELLES (2002) e para a investigaccedilatildeo do inventaacuterio do sistema fonoloacutegico do
Portuguecircs a de BISOL (1996) e de SILVA (2002)
Dada a profundidade investigativa da natureza do contato cabe-nos ressaltar aqui
que o presente estudo natildeo se encarregaraacute de tratar de todas a suas nuances
visto que seu objeto estaacute delimitado quanto aos processos foneacuteticos resultantes
de tal contato
Quanto ao aporte teoacuterico seratildeo citados os trabalhos de WEINREICH (1953)
pioneiro a tratar das questotildees de interferecircncia foneacuteticas oriundas do contato entre
liacutenguas VAN COETSEM (1988) e MATRAS (2009) para elucidar os processos
ocorrentes no contato em questatildeo
52 INTERFEREcircNCIA FUSAtildeO COEXISTEcircNCIA E TRANSFEREcircNCIA
LINGUIacuteSTICA
Um dos precursores dos estudos sobre contatos linguiacutesticos Uriel Weinreich
descreve em seu livro Language in Contact (1953) os mecanismos foneacuteticos que
regem a intersecccedilatildeo existente no contato
No que concerne aos aspectos extralinguiacutesticos que regem os efeitos do contato
sobre a fala de determinado componente social Weinreich chama a atenccedilatildeo para
os fatores que estatildeo aleacutem das diferenccedilas estruturais bem como das
inadequaccedilotildees lexicais da liacutengua Segundo ele esses fatores natildeo estruturais satildeo
inerentes aos falantes que estatildeo expostos agrave situaccedilatildeo do contato por exemplo
108
a) A facilidade de o falante se expressar verbalmente e sua
debilidade de lidar coma as duas liacutenguas separadamente
b) Proficiecircncia relativa em cada liacutengua
c) Especializaccedilatildeo no uso de cada liacutengua por toacutepicos e
interlocutores
d) Forma de aprendizado em cada liacutengua
e) Atitudes para cada liacutengua se idiossincraacutetico ou estereotipado
f) A dimensatildeo do grupo biliacutengue e sua homogeneidade
sociocultural ou diferenciaccedilatildeo colapso entre subgrupos usando
uma ou outra liacutengua como sua liacutengua-matildee fatos demograacuteficos
sociais e as relaccedilotildees poliacuteticas entre esses subgrupos
g) Prevalecircncia individuais de bilinguismo com dadas caracteriacutesticas
de comportamento de fala em subgrupos em geral
h) Atitudes estereotipadas em relaccedilatildeo a cada liacutengua (prestiacutegio)
status indiacutegena ou imigrante da liacutengua em xeque
i) Atitudes em relaccedilatildeo agrave cultura de cada comunidade linguiacutestica
j) Atitudes em relaccedilatildeo ao bilinguismo como tal
k) Toleracircncia ou intoleracircncia com respeito agrave mistura linguiacutestica e
com a fala incorreta de cada um
l) Relaccedilatildeo entre o grupo biliacutengue e cada um das duas
comunidades em que ela eacute um segmento marginal (Weinreich
1953 p 4)
Um dos pressupostos baacutesicos agrave natureza do falante diz respeito ao fato de duas
ou mais liacutenguas soacute poderem estar em contato se usadas alternadamente pelas
mesmas pessoas O uso individual da liacutengua seraacute o locus do contato Quando isto
ocorre a transferecircncia de elementos foneacuteticos seraacute a motivadora pela
reorganizaccedilatildeo de todo o velho sistema de oposiccedilatildeo Ele assegura que the term
interference implies the rearrangement of patterns that result from the introduction
of foreign elements into the more highly structured domains of language such as
the bulk of the phonemic system a larger part of the morphology and syntax and
some areas of the vocabulary (p 1)60
60
O termo interferecircncia implica a reorganizaccedilatildeo de padrotildees que resultam na introduccedilatildeo de elementos no mais alto (profundo) domiacutenio de estruturas da linguagem tal como a maior parte do sistema fonecircmico uma larga parte da morfologia e sintaxe e algumas aacutereas do vocabulaacuterio
109
Quando dois sistemas satildeo confrontados no contato pode ocorrer o
reordenamento de padrotildees ou interferecircncia ou exclusatildeo Na interferecircncia
linguiacutestica o problema de maior interesse eacute a accedilatildeo reciacuteproca dos fatores
estruturais e dos natildeo estruturais ao promoverem estimularem ou impedirem cada
interferecircncia
Concernente aos ldquoMecanismos e causas estruturais de interferecircnciardquo Weinreich
idem p7 coloca que haacute um tipo de interferecircncia que eacute extremamente comum no
contato linguiacutestico trata-se da relaccedilatildeo de empreacutestimo na qual natildeo haacute uma total
transferecircncia de todos os elementos Logo percebe-se que eacute comum a
transferecircncia de parte de um sistema ou de traccedilos desse sistema fazendo com
que haja uma ldquocoexistecircncia de fusatildeo de sistemasrdquo
A coexistecircncia ou fusatildeo de sistemas linguiacutesticos pode de acordo com este
estudioso afetar a natureza de um signo linguiacutestico jaacute que esta eacute a combinaccedilatildeo
de uma unidade de expressatildeo e uma de conteuacutedo Neste niacutevel de bilinguismo ou
de interferecircncia de sistemas pode-se entendender que a relaccedilatildeo de significado e
significante natildeo se daacute de maneira uniacutevoca
Diante da complexidade que eacute a transferecircncia linguiacutestica a ilustraccedilatildeo por ele
adotada eacute a de que a interferecircncia eacute como areia carregada por um fluxo de aacutegua
Na liacutengua ela estaacute sedimentada no fundo de um lago E este fenocircmeno se daacute em
todos os niacuteveis da gramaacutetica p 11
Ao tratar dos tipos de interferecircncia nos sistemas foneacuteticos Weinreich afirma que
The problem of phonic interference concerns the manner in which a speaker perceives and reproduces the sounds of one
110
language which might be designated secondary in terms of another to be called primary Interference arises when a bilingual identifies a phoneme of the secondary system with one in the primary system and in reproducing it subjects it to the fonetic rules of the primary language (1953 p 15)61
Neste caso a interferecircncia resulta quando um falante identifica na segunda liacutengua
elementos foneacuteticos presentes na primeira liacutengua Ao reproduzir o segmento o
falante o sujeita agraves regras foneacuteticas da primeira liacutengua a liacutengua matildee
Ao prosseguir Weinreich tambeacutem aponta dois tipos de interferecircncia a partir do
quadro comparatoacuterio entre os sistemas linguiacutesticos do Romansh62 e do
Schweizerdeutsch63 liacutenguas coexistentes no Cantatildeo de Grisons na Suiacuteccedila No
primeiro caso o sistema foneacutetico do Romansh se configura como o sistema
primaacuterio e o Schweizerdeutsch como secundaacuterio No segundo caso os sistemas
satildeo alternados o sistema foneacutetico do Schweizerdeutsch assume o lugar do
sistema primaacuterio e o Romansh o secundaacuterio
61
O problema da interferecircncia foneacutetica consiste na maneira como o falante percebe (reconhece) e reproduz os sons de uma liacutengua que pode ser designado secundaacuterio em outros termos primaacuterio A interferecircncia surge quando um biliacutenguumle identifica um fonema do sistema secundaacuterio com um no sistema primaacuterio e em reproduzi-lo sujeitando-o agraves regras foneacuteticas da primeira liacutengua 62
Eacute uma das quatro liacutenguas nacionais da Suiacuteccedila juntamente com a liacutengua alematilde a liacutengua italiana e a liacutengua francesa Trata-se de uma liacutengua romacircnica do ramo ocidental que se acredita descender do latim vulgar falado pelos romanos que ocuparam a aacuterea na Antiguidade 63
Eacute qualquer um dos dialetos alemacircnicos falados na Suiacuteccedila no Liechtenstein e nas zonas fronteiriccedilas da Aacuteustria
111
Quadro 7 Quadro Comparativo dos Sistemas Foneacuteticos do Romansh e do
Schweizerdeutsch de acordo com Weinreich (1953)
Mais adiante seraacute observada a influecircncia do Latundecirc no Portuguecircs Desta forma
o Portuguecircs mesmo sendo a segunda liacutengua adquirida seraacute visto como o objeto
influenciado do contato linguiacutestico
112
Quando observou o contato entre os dois sistemas linguiacutesticos em voga
Weinreich (idem p 18 e 19) examinou o processo de interferecircncia representado
no segundo sistema fonecircmico Assim ele elencou quatro tipos de interferecircncias i)
subdiferenciaccedilatildeo de fonemas ii) superdiferenciaccedilatildeo de fonemas iii)
reinterpretaccedilatildeo de traccedilos relevantes iv) substituiccedilatildeo de fone atual
A subdiferenciaccedilatildeo de fonemas ocorre quando dois sons de um segundo sistema
cujos correspondentes que natildeo se distinguem no sistema primaacuterio natildeo satildeo bem
definidos Tal confusatildeo eacute evidenciada pela alternacircncia que o falante do Romansh
faz ao pronunciar os segmentos y e i do Schweizerdeutsch ou quando o falante
do Schweizerdeutsch faz ao pronunciar de forma insegura os segmentos i e
O processo de superdiferenciaccedilatildeo envolve a imposiccedilatildeo de distinccedilotildees fonecircmicas
do sistema primaacuterio sobre os sons do sistema secundaacuterio onde eles natildeo satildeo
necessaacuterios O processo pode ser inferido a partir de uma comparaccedilatildeo entre os
sistemas de som em contacto mesmo que nem sempre seja perceptiacutevel No
contanto entre os dois dialetos o vocaacutebulo rsquolada lsquoamplorsquo do Romansh eacute
pronunciado como acutelada no Schwyzertutsch
A reinterpretaccedilatildeo de traccedilos relevantes ocorre quando o falante biliacutengue distingue
fonemas do sistema secundaacuterio cujas caracteriacutesticas que nesse sistema satildeo
meramente concomitante ou redundante mas que satildeo relevantes no seu sistema
principal Por exemplo a palavra do dialeto Romansh [lsquomєsbullɐ] bagunccedila pode
ser interpretada quase como no Schwyzertutsch rsquomesa
Por fim o processo de substituiccedilatildeo de fone atual eacute aplicado aos fonemas que satildeo
definidos de forma idecircntica nos dois idiomas mas que se comportam de froma
113
distintas Na situaccedilatildeo descrita o segmento do Romanche e o do
Schwyzertatsch satildeo ambos definidos como vogais frontais de abertura
maacutexima mas o fonema do sistema Schwyzertfitsch eacute pronunciado mais aberto
Os fonemas b do Romansh e o B do Schwyzertfitsch satildeo ambos definidos por
suas oposiccedilotildees tensa (sem voz) consoante aspirante e nasal homorgacircnica mas
b eacute sempre vozeado B apenas ocasionalmente
Quando ao tratar dos fatores estruturais favorecedores ou inibidores da
interferecircncia foneacutetica o pesquisador em questatildeo afirma que a anaacutelise contrastiva
dos fonemas de duas liacutenguas e a forma como eles satildeo usados produz uma lista
de formas de interferecircncias focircnicas esperada em uma situaccedilatildeo de contato
particular Quando os sons satildeo vistos como parte de um sistema focircnico certos
fatores adicionais emergem favorecendo ou inibindo a reproduccedilatildeo de som
defeituoso (pg 23)
Em continuidade ele afirma que ldquoum fator que elimina certos ruiacutedos na fala em
liacutengua estrangeira eacute a existecircncia de vazios no padratildeo no sistema fonecircmico
primaacuterio em que fonemas estranhos do sistema secundaacuterio podem ser
recuperados (rotulados)rdquo Isso se daacute devido agrave semelhanccedila com o(s) segmento(s)
cujas caracteriacutesticas satildeo mais aproximadas
Sobre a difusatildeo dos fenocircmenos de interferecircncia foneacutetica Weinreich assegura que
no estudo da propagaccedilatildeo de sons oriundos do contato linguiacutestico sobretudo na
influecircncia da liacutengua estrangeira (liacutengua de contato) seria relevante que
investigasse se o resultado de muitos tipos de interferecircncia eacute difundido da mesma
forma ou com igual facilidade
114
Ao citar Sapir ele afirma que
Podemos supor que as variaccedilotildees individuais decorrentes em fronteiras linguiacutesticas tecircm sido gradualmente incorporadas ao desvio foneacutetico de uma liacutengua Isto mostra aliaacutes que um sistema de som que eacute conhecido por ter sido influenciada por um estrangeiro natildeo precisa esperar para representar uma reacuteplica exata do sistema influenciando (1949 p213)64
Para ele um dos motivos que contribuiria para a interferecircncia foneacutetica seria
agravequela desencadeada pelo status
Com base na reduplicaccedilatildeo de som de Weinreich Matra (2009 p 241) descreve
que a produccedilatildeo de segmentos foneacuteticos eacute vulneraacutevel No entanto
A replicaccedilatildeo fonoloacutegica (interferecircncia transferecircncia ou ldquoempreacutestimordquo) pode afetar qualquer niacutevel da estrutura de som a articulaccedilatildeo de fonemas individuais ou fonemas dentro das palavras o comprimento e a geminaccedilatildeo acento e tom prosoacutedia e entonaccedilatildeo Em fonologia os empreacutestimos foram muitas vezes considerados como estrateacutegias para preencher as chamadas lacunas estruturais no sistema destinataacuterio65
Matras ainda defende que a mudanccedila induzida pelo contato fonoloacutegico eacute o
resultado da incapacidade ou da relutacircncia dos falantes para manter a separaccedilatildeo
completa e consistente entre os sistemas fonoloacutegicos de duas liacutenguas Ele cita
como exemplo o fato de os falantes da liacutengua receptora lidarem com a pronuacutencia
de termos da liacutengua de origem66
64
We may suppose that individual variations arising at linguistic borderlands - whether by the unconscious suggestive influence of foreign speech or the actual transfer of foreign sounds into the speech of bilingual individuals - have been gradually incorporate into the phonetic drift of a language This shows incidentally that a sound system which is known to have been influenced by a foreign one need not be expected to represent an exact replica of the influencing system 66
Isso ocorre mais frequentemente quando uma palavra estrangeira eacute introduzida na liacutengua de
destino por apenas um pequeno grupo de biliacutengues ou semibiliacutengues e se espalha por toda fala da comunidade inclusive para os monoliacutengues natildeo estatildeo familiarizados com os sons originais da
115
Quando emprestado de uma liacutengua doadora um vocaacutebulo natildeo acarretaraacute
necessariamente em mudanccedila no sistema fonoloacutegico da liacutengua receptora O que
ocorre como jaacute fora colocado aqui eacute o processo de acomodaccedilatildeo fonoloacutegica O
vocaacutebulo emprestado passa a ser pronunciado com os segmentos foneacuteticos da
liacutengua receptora
Todavia Matra (2009 p 222-223) chama a atenccedilatildeo para um segundo tipo de
processo em que ldquoos sons que aparecem nos vocaacutebulos emprestados que satildeo
normalmente ausentes do sistema da liacutengua destinataacuteria podem ser replicados
juntamente com o proacuteprio vocaacutebulordquo fazendo com que haja um enriquecimento no
inventaacuterio foneacutetico na liacutengua receptora 67
Segundo o autor este tipo de processo ocorre com normalidade em situaccedilotildees
em que o bilinguismo eacute muito generalizado Logo ldquomembros biliacutengues de uma
comunidade que estatildeo cientes da forma original da pronuacutencia da liacutengua doadora
fazem um esforccedilo para autenticar o vocaacutebulo emprestado replicando sua forma
originalrdquo
Em continuidade ele afirma que
Uma vez que a liacutengua doadora goza de alguma forma de prestiacutegio muitas vezes devido a associaccedilotildees com comeacutercio tecnologia conhecimento e outros tipos de inovaccedilatildeo ou de poder a replicaccedilatildeo de pronuacutencias originais da liacutengua doadora satildeo imitadas por muitos monoliacutengues (natildeo falantes da liacutengua doadora) como tal levando agrave propagaccedilatildeo dentro da liacutengua destinataacuteria dos novos fonemas nos vocaacutebulos emprestados que satildeo relevantes Isso comprova o respeito dos falantes para a linguagem dos doadores e agrave sua flexibilidade no uso de sua liacutengua materna (a liacutengua do destinataacuterio) indicando que os
liacutengua doadora Em tais situaccedilotildees haacute uma forte lealdade para com a liacutengua de destino e geralmente apenas com superficial conhecimento com a liacutengua de origem (p 242) 67
Como exemplo eacute citado o caso da africada dʒ que em situaccedilatildeo de empreacutestimo pode ser
pronunciada como tʃ em palavras que oriundas do inglecircs
116
falantes se contentam em atribuir fonologicamente autenticidade agrave replicaccedilatildeo de empreacutestimos lexicais prioritaacuterios maiores do que para a preservaccedilatildeo das estruturas fonoloacutegicas coerentes de sua liacutengua nativa (idem p 224)
Em uma situaccedilatildeo onde o bilinguismo eacute estabelecido e prolongado os falantes (na
maioria de uma liacutengua minoritaacuteria como o caso dos Latundecirc) podem ajustar o
inventaacuterio de sons e as regras que regem a sua distribuiccedilatildeo para coincidir com as
do outro
Matras (2009 p 225) atraveacutes de um quadro descreve os quatro tipos de
mudanccedilas fonoloacutegicas oriundas do contato linguiacutestico com base nos perfis dos
falantes linguagem e atitudes
Quadro 8 Tipos de processos que conduzem a mudanccedila fonoloacutegica induzida por contato
117
Com base no quadro anterior depreende-se que
i) O tipo A eacute diferente na medida em que natildeo envolve nenhuma mudanccedila no
sistema fonoloacutegico mas apenas uma mudanccedila de palavras individuais
enquanto os tipos B-D todas envolvem algum grau de modificaccedilatildeo para o
sistema tal como utilizado por colunas numa base regular No entanto
existem semelhanccedilas entre os tipos de aspectos individuais
ii) Os tipos A e B satildeo semelhantes e giram em torno de palavras emprestadas
individualmente
iii) Os tipos A e C satildeo semelhantes em que ambos envolvem a transferecircncia
de recursos de liacutengua nativa para material diferente
iv) Os tipos B e D satildeo semelhantes em que ambos envolvem a adoccedilatildeo de
padrotildees sonoros estrangeiros e sua integraccedilatildeo na liacutengua nativa
v) Os tipos C e D mostram como mencionado acima o fato de que os
falantes tentam evitar que para selecionar os sons de dois conjuntos
distintos de inventaacuterio e ateacute generalize apenas um conjunto de sons para
serem usadas em ambas as liacutenguas isto eacute em toda a interaccedilatildeo contextos
Os falantes do portuguecircs falado por Latundecirc se estendem em duas direccedilotildees Em
tipos A e C onde os falantes reinterpretam os sons dos vocaacutebulos emprestados
da liacutengua doadora alinhando-os aos padrotildees e inventaacuterio da liacutengua receptora
(nativa) No tipo D os falantes modificam os segmentos foneacuteticos com base no
inventaacuterio externo A aplicaccedilatildeo de uma determinada regra fonoloacutegica pode
resultar na perda ou em ganho de fonemas p226
118
O contato linguiacutestico pode ser representado ainda como um contiacutenuo Nele
ocorrem forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas que dinamizam os sistemas linguiacutesticos
Para Matras idem p 226 fatores como normas sociais lealdade e consciecircncia
de identidade podem interferir e ateacute mesmo neutralizar os fenocircmenos advindos do
contato O empreacutestimo sofreria portanto estas pressotildees
Figura 12 Ligaccedilotildees entre a intensidade do bilinguismo o tipo de processo de acomodaccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo entre os sistemas fonoloacutegicos
Quanto menor for o bilinguismo maior seraacute a separaccedilatildeo de sistemas Por outro
lado quanto mais intenso for o bilinguismo maior seraacute a convergecircncia de
sistemas fonoloacutegicos
No que concerne agrave integraccedilatildeo fonoloacutegica Matras (2009 p 227) explica que a
substituiccedilatildeo de fonemas eacute uma das formas mais comuns posto que este
processo permite uma aproximaccedilatildeo de caracteriacutesticas entre o sistema interno e
externo Dessa forma a substituiccedilatildeo eacute mais comum uma vez que os fonemas
satildeo combinaccedilotildees de recursos articulatoacuterios e as caracteriacutesticas em comum satildeo
mantidas em detrimento agraves complexidades dos fonemas que natildeo compartilham de
traccedilos em comum
119
Ele tambeacutem chama a atenccedilatildeo para a estrutura silaacutebica dos sistemas fonoloacutegicos
que entram em contato afirmando que ldquoos estrangeirismos podem acomodar a
siacutelaba e a estrutura do acentordquo (idem p 228)
A aplicaccedilatildeo de regras sobre a distribuiccedilatildeo de fonemas oriundos do empreacutestimo
pode resultar na perda de um traccedilo ou de um fonema A integraccedilatildeo de fonemas
tambeacutem pode levar agrave omissatildeo de outros fonemas que natildeo fazem parte o
inventaacuterio fonoloacutegico da liacutengua receptora E a omissatildeo de certas caracteriacutesticas
durante a replicaccedilatildeo de fonemas pode ser prejudicial para o sistema como um
todo e isso pode resultar em uma reduccedilatildeo de pares miacutenimos
Sobre a convergecircncia dos sistemas fonoloacutegicos Matras (2009 p 229) assegura
que um fator que retarda o processo de substituiccedilatildeo de som eacute a presenccedila de
vaacuterios pares de vocaacutebulos que contam com o contraste Neste caso a
convergecircncia aumenta as semelhanccedilas entre os inventaacuterios fonoloacutegicos das duas
liacutenguas E a replicaccedilatildeo da variaccedilatildeo alofocircnica eacute uma via comum para a
convergecircncia
Quanto aos segmentos foneacuteticos ainda de acordo com o pesquisador em
questatildeo as consoantes satildeo as mais introduzidas nos estrangeirismos Uma vez
que nas liacutenguas do mundo o nuacutemero de segmentos consonantais eacute maior que o
das vogais Logo os vocaacutebulos emprestados satildeo mais propensos a introduzir
mais consoantes que vogais
No caso Portuguecircs falado por Latundecirc tal assertiva em parte se configura A
anaacutelise dos dados prova que satildeo as consoantes as mais favoraacuteveis para a
realizaccedilatildeo dos processos foneacuteticos Todavia o nuacutemero de consoantes nessa
120
liacutengua eacute menor que o de vogais conforme descriccedilatildeo de Telles 2002 a qual
veremos na proacutexima seccedilatildeo
Van Coetsem (1988 p7) tambeacutem aborda os processos e comportamentos
oriundos do contato linguiacutestico68 E para que este contato seja estabelecido eacute
necessaacuterio que se tenha uma liacutengua de origem (SL) e uma liacutengua destinataacuteria
(RL)
Figura 13 Correspondecircncia entre liacutenguas e contato linguiacutestico
Embora o modelo de Van Coetesem seja universal e demonstre que na maioria
dos contatos linguiacutesticos a liacutengua de origem seja uma liacutengua dominante
ressaltamos que neste trabalho a liacutengua de origem (SL) eacute a liacutengua minoritaacuteria o
Latundecirc E o substrato analisado eacute uma modalidade de portuguecircs falado pelos
Latundecirc
Em continuidade este estudioso afirma que
Um empreacutestimo fonoloacutegico eacute uma imitaccedilatildeo uma reacuteplica ou uma reproduccedilatildeo na liacutengua recipiente (RL) de um elemento estrangeiro ou uma pronuacutencia da liacutengua de origem (SL) Esse tipo de imitaccedilatildeo eacute muitas vezes apenas uma aproximaccedilatildeo Para o imitador a imitaccedilatildeo implica o uso de algo que ele natildeo tem na sua proacutepria liacutengua Um empreacutestimo fonoloacutegico como uma imitaccedilatildeo eacute portanto algo que o falante imitador da RL natildeo tem em sua fonologia integrada ou nativa ou seja algo
68
Para Van Coetsen o termo ldquoempreacutestimo fonoloacutegicordquo indica qualquer forma de empreacutestimo no acircmbito da fonologia segmentar ou suprassegmental independentemente se isto afeta a dimensatildeo paradigmaacutetica a dimensatildeo sintagmaacutetica ou ambas (p7)
121
fonoloacutegico ou subfonoloacutegico que deriva de seu sistema fonoloacutegico nativo (Idem p 8)69
A intenccedilatildeo do falante ao fazer uso do segmento emprestado eacute reproduzi-lo da
melhor forma possiacutevel Ao fazer isso ele obedece agraves consideraccedilotildees sociais O
proacuteprio fato de que o segmento natildeo esteja inserido em seu proacuteprio sistema faz
com que na pressatildeo de se adaptar a diferentes pronuacutencias ele (o falante) procure
o equivalente mais proacuteximo em seu sistema
Para que isso ocorra ldquoo falante faz uso de dois processos a imitaccedilatildeo e a
adaptaccedilatildeo p 9rdquo Ambos pressupotildeem a existecircncia de um conjunto organizado de
segmentos fonoloacutegicos e distribuiccedilatildeo de unidades inseridas pelo falante da liacutengua
recipiente por um lado e por outro o confronto das pronuacutencias estrangeiras com
que o falante tem que lidar
Aleacutem dos processos de imitaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo Van Coetesem tambeacutem utiliza a
noccedilatildeo de integraccedilatildeo ldquoque eacute a incorporaccedilatildeo de elementos em uma dada liacutengua
advindos de outra(s) liacutengua(s)rdquo A imitaccedilatildeo seria portanto o preacute-requisito para a
integraccedilatildeo No caso do portuguecircs falado pelos Latundecirc natildeo haacute indiacutecios de
integraccedilatildeo de fonemas especiacuteficos da sua liacutengua de origem
Para que ocorra o processo de imitaccedilatildeo eacute necessaacuterio que haja uma agentividade
que eacute um tipo especiacutefico de transferecircncia onde o falante de uma dada liacutengua eacute
ativo e o outro passivo O inverso tambeacutem pode ocorrer
69
A phonological loan is an imitation replication or reproduction in the RL of a foreign or SL
pronunciation such an imitation is often only an approximation For the imitator imitation implies the use of something that he does not (yet) have of his own A phonological loan as an imitation is thus something that the imitating RL speaker does not have in his integrated or native phonology something phonemic or subphonemic that deviates from his native phonological system
122
Figura 14 Agentividade da Liacutengua Recipiente de acordo Van Coetsem 1988 p10
Na agentividade da liacutengua recipiente (RL)70 o segmento dominante na relaccedilatildeo
entre a liacutengua recipiente e a liacutengua de origem71 eacute o da liacutengua recipiente Logo o
domiacutenio linguiacutestico seraacute o da liacutengua recipiente
Figura 15 Agentividade da Liacutengua de Origem de acordo Van Coetsem (1988 p11)
Na agentividade da liacutengua de origem (SL) o segmento dominante na relaccedilatildeo
entre a liacutengua recipiente e a liacutengua de origem eacute o da liacutengua de origem Sendo
assim o domiacutenio linguiacutestico seraacute o da liacutengua de origem
Tomando como referencial os modelos apresentados podemos estabelecer um
contiacutenuo cronoloacutegico para compreender como se daacute a agentividade sobre o
contado do Portuguecircs com o Latundecirc
70
No caso em questatildeo a modalidade do portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute a liacutengua recipiente 71
Consequentemente a liacutengua de origem (SL) eacute o Latundecirc
123
Figura 16 Relaccedilatildeo de agentividade entre o Portuguecircs e o Latundecirc
Historicamente devido aos fatores socioeconocircmicos o contato inicial se daacute entre
o Portuguecircs influenciando o Latundecirc Aquele como liacutengua majoritaacuteria e este como
minoritaacuteria
O Latundecirc por ser a liacutengua do povo dominado eacute submetido agraves interferecircncias da
liacutengua de domiacutenio Deste contato resulta uma modalidade especiacutefica do
Portuguecircs que eacute o falado por Latundecirc
Em suma podemos afirmar que embora seja o Portuguecircs a liacutengua dominante e
que inicialmente seja ele o agente sobre o Latundecirc a posteriori fora o Latundecirc o
agente pelas transformaccedilotildees ocorrentes no Portuguecircs de contato Posto dessa
forma a agentividade se daacute em ambos os contextos a partir do referencial que se
tenha uma vez que o Portuguecircs e o Latundecirc tanto influenciaram como foram
influenciados Mas vale ressalvar que para este recorte o Portuguecircs eacute a liacutengua
que sofre influecircncia Eacute este o fio condutor da nossa pesquisa
Portuguecircs Latundecirc Portuguecircs falado por Latundecirc
124
53 FONOLOGIA DO LATUNDEcirc
Para uma melhor compreensatildeo futura passaremos agora a descrever os
sistemas fonoloacutegicos das liacutenguas em estudo
Elencamos abaixo as principais caracteriacutesticas fonoloacutegicas do Latundecirc
Eacute uma liacutengua com maior quantidade de elementos vocaacutelicos (dezesseis)
em detrimento aos consonantais (onze) Eacute uma liacutengua vocaacutelica portanto
Apresenta dez vogais orais e seis nasais Dessas oito satildeo laringais72
As vogais nasais satildeo contrativas apenas na posiccedilatildeo do acento
Os glides w j quando em posiccedilatildeo de onset sofrem o processo de
consonantizaccedilatildeo
Apresenta seis tipos de siacutelabas fonoloacutegicas que satildeo derivadas da extensatildeo
(C)V(C)(C) V VC VCC VC CVC e CVCC
O nuacutecleo silaacutebico eacute sempre preenchido por uma vogal
Dos segmentos consonantais apenas a oclusiva glotal ʔ natildeo eacute observada
em posiccedilatildeo de onset
A coda pode ter desdobramento ramificado sendo a primeira posiccedilatildeo
preenchida sempre por um glide
Os padrotildees silaacutebicos VC e CVC satildeo os mais frequentes e ocorrem tanto
em siacutelaba tocircnica como aacutetona
Tem uma forte tendecircncia agrave monotongaccedilatildeo
O sistema acentual eacute misto que associa o acento lexical ao acento foneacutetico
72
Telles explica que as mais novas geraccedilotildees Latundecirc abaixo de 20 anos realizam o traccedilo laringal com menor frequecircncia e audibilidade
125
O acento eacute realizado foneticamente como tom (pitch) alto
Eacute uma liacutengua de caracteriacutestica de liacutenguas pitch accent
Apresenta processos fonoloacutegicos em niacutevel poacutes-lexical fundamentalmente
Estes processos satildeo agrupados em assimilaccedilatildeo (harmonia vocaacutelica e
vozeamento das oclusivas) dissimilaccedilatildeo reduccedilatildeo apagamento silaacutebico e
epecircntese
Quadro 9 Fonemas consonantais do Latundecirc
Fonemas Consonantais
Labiais Coronais Dorsal Glotais
+ anterior - anterior + anterior - anterior - anterior - anterior
Plosivas p t k
Nasais m n
Fricativas s h
Lateral l
Glide w j
Quadro 10 Fonemas vocaacutelicos do Latundecirc
Fonemas Vocaacutelicos
Vogais Vogais Laringais
Altas i u i u
Altas Nasais ĩ ũ i u
Meacutedias e o e o
Baixa a a
Baixa Nasal a a
126
Quadro 11 Ditongos do Latundecirc
Ditongos
Crescentes Decrescentes
w j w J
i wi iw
e e we we je je ej e j
a a a a wa wa ja ja ja aw a w a w aj a j atildej
o o wo jo ow
u u u ju ju ju
Quadro 12 Descriccedilatildeo dos fonemas consonantais (Retirada de Telles 2002)
Segmento - Descriccedilatildeo - Contexto de realizaccedilatildeo e especificidades
Exemplos
Traduccedilatildeo
p73 - Oclusiva bilabial surda
Eacute de extrema limitaccedilatildeo de realizaccedilatildeo na liacutengua
Ocorre em posiccedilatildeo de onset formando
siacutelabas com as vogais i a atilde o u
Pode se realizar como [p] oclusiva bilabial surda [b] oclusiva bilabial
sonora [ɓ] oclusiva bilabial sonora
implosiva
Em iniacutecio de palavras realiza-se [p]
diante da vogal coronal [i] e [b ɓ] e
diante da vogal baixa [a]
Em meio de palavra ou enunciado quando precedido por oclusiva glotal realiza-se [p]
[pite]
piʔ-te
[ιɓ
pan-tatilden
[diʔpa natildenʌ]
jaliʔ pan-tatilden-ta
[kotildebayte] ~ [kotildebayte]
kownpayt-te
[sabagnĩde]
Espeacutecie de paacutessaro chupito Satildeo dois Satildeo dois colares Tatu espeacutecie de
73
Outros estudos com liacutenguas proacuteximas tambeacutem indicam a baixa frequecircncia da realizaccedilatildeo do p
nas liacutenguas desse grupo Kingston 1970 para o Mamaindecirc e Lowe 1961 para o Nambikwaacutera do sul (Galera Kabixi Munduacuteka Nambikwaacutera do Campo)
127
Em meio de palavras ou enunciados em ambiente intervocaacutelico ou nasal adjacente realiza-se [b]
sapan-kinĩn-te
[tʃabatildeʔginĩde]
sapatilden-kin-te
Pente Taioba
m - Nasal labial + anterior
Oclusiva bilabial nasal com distribuiccedilatildeo mais larga do que a do p
Apresenta ocorrecircncia restrita quanto comparada agrave nasal alveolar n
Realiza-se [m]
Ocorre em iniacutecio de siacutelaba diante das
vogais i i i i a a a u u u u
Natildeo forma siacutelaba com as vogais
meacutedias frontais e e e com as
posteriores o o
Apoacutes pausa e seguida de a pode se realizar como oclusiva bilabial nasal
preacute-glotalizada - [ ʔm ]
[ miɾatildenʌ]
mih-tatilden-ta
[katilde ɾatildenʌ]
kami h-tatilden-ta
[ a ĩ de]
e ĩn-te
[ e ĩ de]
e ĩ -te]
[ ma hɾatilden]
mah-tatilden
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[ka a ʔɾatildenʌ]
ka- a -tatilde-ta
[ datildena]
n-tatilden-ta
[tumuʔku ɾe]
tumuʔku-te
Estaacute chovendo Aacutegua estaacute suja Cobra espeacutecie de Couro Ele estaacute esperando Roupa Estaacute molhado Estaacute bonito Jacu
128
Em fronteira de morfema precedido pela fricativa glotal h teraacute a sua realizaccedilatildeo ensurdecida
[ a datildenʌ]
a n-tatilden-ta
[ʔ atilde ɳ datilden]~[ a n datilden]
atilden-tatilden
[ʔ atildeʔ n datilden] ~
[ atildeʔ ndatilden]
atilden- n-tatilden
[n h atildega tna ]
n - atilden-ka -tatilden-na
Estaacute inchado Estaacute queimando Vocecirc estaacute mandando Eacute nossa roupa
w - Glide labial - anterior
Glide laacutebio-velar sonoro
Ocupa as posiccedilotildees de onset e coda
Apresenta leve arredondamento nos laacutebios
Eacute o segmento mais frequente das labiais
Realiza-se como [w] em iniacutecio de
siacutelaba diante das vogais i e e a a o
tambeacutem podendo variar com [ʋ]
fricativa laacutebio-dental que eacute realizada com fraco grau de fricccedilatildeo
[ wi rsquoɾatilden] ~ [ ʋi ɾatilden]
wi -tatilden
[woda h de] ~ [ʋoda h de]
wotah-te
[na weʔrsquoa jrsquoɾe] ~ [na ʋeʔajrsquoɾe ]
na jn-weʔa jh-te
[ kowajna tatildenʌ]~ [koʋajna tatildenʌ]
hah-wa jn-ta-tatilden-ta
[daweʔgɾatilde ni]
taweʔ-ka-tatilden-ti
[ we jginĩdatildena]
we jn-kinĩn-tatilden-ta
[ wajkinĩ de]
wajʔ-kinĩn-te
Ele comeu Pomba Eacute para colocar na cabeccedila Satildeo poucos laacutepis Ele cozinhou Eacute fruto da bacaba
129
Em dissiacutelabos no onset de siacutelaba preacute-tocircnica aberta seguido de vogal a central baixa pode ocorrer a fusatildeo entre o w e a vogal a realizando-se como [ͻ o u]74
Na sequecircncia w + a o a pode sofrer harmonia vocaacutelica recebendo o ponto de articulaccedilatildeo da vogal acentuada sendo realizada [e]
Quando em final de siacutelaba segue as
vogais i o a a
E depois das vogais io pode alongar-se
Se a vogal precedente for a baixa a
a ocorreraacute a fusatildeo resultando as
posteriores ͻ ͻ
Quando em siacutelaba em siacutelaba
acentuada ͻ ͻ podem ser alongados
ou seguido de oclusatildeo glotal [ʔ] ou
ocorrer uma assimilaccedilatildeo regressiva
das baixas aa passando a [ͻ ͻ ]
Quanto agrave frequecircncia w se mais
ocorrente depois da vogal baixa a a
e baixiacutessima ocorrecircncia depois da vogal i o
Ao integrar uma siacutelaba (C)v wN onde a
vogal eacute nasalizada o glide pode ser nasalizado ou coalescer com a consoante nasal na coda
Em posiccedilatildeo de onset e pronunciada rapidamente eacute fortificada podendo ser realizada como [p] e [m]75
[ wa jkinĩ de]
wa jh-kinĩn-te
[waɾaɾwaɾaʔĩ datildenʌ] ~
[wͻɾaʔwͻɾaʔĩ datildenʌ] ~
[ͻɾaʔͻɾaʔĩ datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[weli nde] ~ [uli n de]
wa ĩn-te
[weɾe ɾatildena] ~ [ ɾe ɾatildena] ~
[ rsquoɾe ɾa na]
wateh-tatilden-ta
[giw ladaɾe] ~ [gi la de]
kiwlah-tah-te
[kowa ɾe] ~ [koa ɾe]
kowah-te
[a wde] ~ [ ͻ de] ~ [ ͻ ʔde]
a w-te
[aw de] ~ [ͻ de] ~ [ͻʔ de]
awh-te
[na w du] ~ [nͻ du] ~ [nͻ w du]
na wh-tu
[a wm datilden] ~ [atilde w m datilden] ~
Amendoim Fruto do accedilaiacute Estaacute fino Tamanduaacute Estaacute sumido Cascavel Andorinha Flexa Gaviatildeo
74
Conforme Telles (2002 p 42) Estas alofonias variam de acordo com a qualidade da vogal
tocircnica da siacutelaba seguinte com a qual sua vogal aacutetona nuclear se harmoniza 75
Tal ocorrecircncia eacute mais frequentemente constatada em falantes monoliacutengues em Latundecirc
130
[atilde m datilden]
atilde wn-tatilden
[woloʔʔnatildenʌ] ~ [polo ʔnatildenʌ]
walon-tatilde-ta
[wʌnaʔkinĩ de] ~ [mʌnaʔkinĩ de]
~ [wanaʔkinĩ de]
wanaʔ-kinĩn-te
[wo nut ʔna ] ~ [mo nut ʔna ]
wo nuʔ-tatilden-na
[wʌ na jginĩ datildenʌ] ~
[mana jginĩ datildenʌ] ~
wa -na jn-kin-tatilden-ta
[wa ʃi de] ~ [maʔ ʃi de]
wa-sin-te
Lontra Estaacute assando no burralho Estaacute podre Castanha do caju Eacute corpo inteiro Eacute tua cabeccedila Espeacutecie de abelha
t - Plosiva coronal + anterior
Oclusiva alveolar surda
Ocorre com as vogais ie e a
a atilde o o u ũ
t realiza-se [d] em siacutelaba acentuada podendo ainda variar em posiccedilatildeo medial como [|]
Em iniacutecio de palavra o alofone [d] pode ser realizado como preacute-
[diko lo n de]
tiʔ-ko lo n-te
[ de he ɾaɾe]
te h-tah-te
Paacutessaro pintado espeacutecie de paacutessaro Ele cozinhou
131
glotalizado realizando-se como
[ɗ]
Em fala lenta pode ser realizado como [d]
Em contexto fora do acento ocorre [t] com raros exemplos de variaccedilatildeo entre os alofones [d] e [t]
[ de geɾatilden]
te h-ka-tatilden
[daʔjͻ ratildena]
ta-jaw-tatilden-ta
[da jginĩ de]
ta jn-kinĩn-te
[ doɾatilden] ~ [d ɾatilden]
toh-tatilden
[do h gratilden]
to h-ka-tatilden
[du ɾatilden]
tu-tatilden
[d hdatilden]
tu-tatilden
[kͻdͻ ɾe]
kataw-te
[kado ndatildenʌ]
katon-tatilden-ta
[teda de]
teta-te
[toʔdatilde n de]
toʔtatilden-te
[tigi ɾe]
tikih-te
Sucuri Ele estaacute sentado Pedra Ele morreu Ele procurou Ele pegou Ele chupou Patuaacute Estaacute cru Jaoacute Nambu
132
As possibilidades alofocircnicas de t entre segmentos depende do acento e do contexto adjacente Estas duas condiccedilotildees definem as alofonias76
Precedido de vogal em ambiente
intervocaacutelico realiza-se [tdɾ]
sendo [d] o preferencial
Quando t eacute precedido por h
realiza-se como [tdɾ] A
presenccedila da fricativa favorece o rotacismo de t tornando-o em
[ɾ]
Quando t eacute precedido de ʔ ou
de t a realizaccedilatildeo pode ser [t] mas [d] pode permanecer em raros casos
Em contexto de nasalizaccedilatildeo trecircs realizaccedilotildees satildeo possiacuteveis para t i) vozeamento da oclusiva alveolar ii) preacute-nasalizaccedilatildeo da oclusiva alveolar em iniacutecio de siacutelaba tocircnica e iii) assimilaccedilatildeo total da nasal adjacente
[tabawdnͻde]
tapawn-naw-te
[tala de] ~ [dala de]
tala-te
[tolowm datilde ]
talown-tatilden
[lodo ɾa ɾe] ~ [lo to ɾa ɾe] ~
[loto ɾa ɾe]
loto-tah-te
[doʔ daj de] ~ [toʔ ɾaj de]
to-tajn-te
[nu h ɾe] ~ [ nu h de]
nu h-te
[lo hrsquoɾe] ~ [lo h de] ~
[lo h te]
loh-te
[hu te] ~ [hu de]
huʔ-te
[keja te] ~ [kejaʔ te]
kejat-te
[ĩ datildena] ~ [i ndatildena] ~ [i natildena]
Macaco pequeno Ombro Tipoia Ele terminou Rato grande Abelha vermelha Lagarto grande Urubu
76
Dessas alofonias o flap [ɾ] tem sua ocorrecircncia ligada ao acento
133
Em siacutelaba natildeo acentuada t pode sofrer fricatizaccedilatildeo passando a se realizar como [s]
ou [ts] ou [ʔs]
Ainda neste contexto permanecem possiacuteveis as realizaccedilotildees [t] e [d] se o t sofrer fricatizaccedilatildeo a aspiraccedilatildeo glotal precedente do h natildeo se realiza
Em travamento silaacutebico t realiza-se de preferecircncia como
ʔ Pode ser deletado
ocasionando o prolongamento da vogal tautossilaacutebico
in-tatilden-ta
[katilde datildena] ~ [katilde ndatildena] ~
[katilde natildena]
katilden-tatilden-ta]
[kejaʔ n da ɾe] ~ [kejaʔ na e]
kejan-tah-te
[losa na ʔ] ~ [lostsa na ʔ] ~
[lo ʔ sa na ʔ] ~ [lo h ta na ʔ]
loh-ta-na
[kejate] ~ [kejaʔte]
kejat-te
[kejaʔtiʔjoho]
kejat-ti-jo-ho
[lote] ~ [loʔte]
lot-te
[acute tʃjͻna ]
lot-ti-jaw-na
Arco Milho Estaacute apimentado Estaacute duro Lambari grande Eacute urubu Milho Talvez seja milho Paca A paca estava aiacute
134
n - Nasal coronal - anterior
Oclusiva alveolar nasal
Suas alofonias satildeo condicionadas pelo contexto adjacente agrave sua posiccedilatildeo de ocorrecircncia e agrave estrutura silaacutebica
Em onset realiza-se como [n] com as
vogais i i ĩ ĩ a a atilde atilde u u ũ ũ
Tambeacutem pode apresentar flutuaccedilatildeo em
onset realizando-se [ʔn]77 alveolar
nasal preacute-glotalizada com preferecircncia quando seguido por a
Em posiccedilatildeo de onset e em fronteira de morfema dependendo do seguimento seguinte sofreraacute alteraccedilatildeo
Quando precedido por h sofreraacute ensurdecimento
Quando precedido por outro n na coda silaacutebica precedente poderaacute ser
preacute-glotalizada [ʔn]
[ni du]
ni-tu
[ni ʔkinĩnatildena]
ni ʔ-kinĩn-tatilden-ta
[nagatilde de]
nakatilden-te
[katildena ratilden]
kana h-tatilden
[natildejd ]
natildejn-tu]
[ʔnatilde natilde ʌ]
natilde n-tatilden-ta
[nu h e]
nuʔ-te
[lsquon h ɾe]
nu h-te
[n n de]
n n-te
[n h n atildega tatildena]
Tipo de lenha Eacute fruto Lagarto Estaacute escuro Pacu Estaacute chorando Braccedilo Lagarto Espeacutecie de Bicho
77
Tal qual ocorre com m a glotalizaccedilatildeo de n deve-se em alguns casos aacute reduccedilatildeo da siacutelaba
inicial da palavra
135
Em posiccedilatildeo de coda de siacutelaba acentuada gera processo de assimilaccedilatildeo de dissimilaccedilatildeo e de elisatildeo resultando numa seacuterie de alofonias
Ainda em siacutelaba acentuada se a vogal tautossilaacutebica for oral e entre a coda nasal existir um glide labial-velar constituindo uma siacutelaba com ditongos awn own n se realiza como [m] preferencialmente
w e n em posiccedilatildeo de coda pode sofrer coalescecircncia realizando-se como [m] ou [n]
Se o glide ocupante da primeira posiccedilatildeo da coda for j ou se a siacutelaba tiver a coda preenchida pela nasal n a realizaccedilatildeo desta nasal seraacute [n]
Os glides que seguem a vogal na primeira posiccedilatildeo de coda podem
n -natilden-kah-tatilden-ta
[udʔna]
un-na
[iwm de]
iwn-te
[tʌlawm natildenʌ] ~ [tʌlaw natildenʌ]
talawn-tatilden-ta
[wawm datildenʌ] ~ [wͻwm datildenʌ]
wawn-tatilden-ta
[tolowm datildenʌ]
talown-tatilden-ta
[jatildew de] ~ [iɲatildew de] ~
[jatilde de]
jatildewn-te
[a wm datilden] ~ [atilde m datilden]
atilde wn-tatilden
[iʃɛʔ ɾʌ m datilden]
isaj-tatildewn-tatilden
[toʔkotilde datilden] ~ [t ʔkʌ datilden]
toʔkatildewn-tatilden
Eacute nosso Estaacute vivo Larva Estaacute grosso Estaacute vermelho Estaacute pronto Larva Estaacute assando no burralho
136
assimilar a nasalidade da consoante precedente 78
Se a vogal for nasal na maioria das ocorrecircncias a consoante nasal na coda seraacute apagada deixando seu tempo na vogal precedente e na consoante seguinte
Quando a coda nasal n segue ditongo formado por vogal nasal subjacente mais glide palatal j n em posiccedilatildeo de coda pode espalhar nasalidade regressiva para o glide precedente e pode ser apagada
Quando em coda nasal iraacute participar de outros processos fonoloacutegicos aleacutem da vogal precedente
Na posiccedilatildeo de siacutelaba acentuada em meio de palavra seguida por k n promove a sonorizaccedilatildeo de k e passa
a se realizar como [ʔ] oclusiva glotal
[kotilde baj te] ~ [kotildebay te]
kownpajt-te
[a ʔ n de] ~ [a n de]
a n-te
[je n datilden]
je n-tatilden
[i n datilde na ]
in-tatilden-na
[ hej ndatilden] ~ [ hej n datilden]
hejn-tatilden]
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
[ atildendatilden]
atilden-tatilden
[ atilde n datilden]
atilden tatilden]
[ mɔ de] ~ [ de]
n-te
[n n de]
n n-te
Eles estatildeo correndo Ele misturou Tatu Tatu galinha Estaacute sujo Ele estaacute mamando Ele lavou Pacu Ele atirou
78
Para uma descriccedilatildeo mais detalhada sobre o comportamento de n e os glides ver a tese de
Telles 2002 55-57
137
Ainda quanto ao contexto semelhantemente descrito acima n for seguida por uma oclusiva surda homorgacircnica t poderaacute ocorrer processos que possibilitem uma alofonia em variaccedilatildeo livre
n sonoriza t
n sofre desnasalizaccedilatildeo
Quando n sonoriza a consoante seguinte ocorre a elisatildeo podendo ocorrer ou natildeo o alongamento compensatoacuterio da vogal precedente ou a preacute-nasalizaccedilatildeo da consoante seguinte
Quando n sofre elisatildeo alonga a vogal precedente e a consoante seguinte se assimila progressivamente com o traccedilo nasal passando a se realizar como [n]
n se vocaliza e recebe os traccedilos da vogal central e realiza-se nasal
Se n for seguida em coda por uma consoante nasal idecircntica ocupando a posiccedilatildeo do onset da siacutelaba seguinte poderaacute haver duas possibilidades de comportamento da coda nasal dependendo de ser a sua vogal tautossilaacutebica assimilar ou natildeo
Se a vogal precedente for nasal a coda sofreraacute elisatildeo e a vogal se alongaraacute
Se a vogal central for oral a consoante nasal da coda que precede a nasal idecircntica no onset da siacutelaba seguinte sofreraacute dissimilaccedilatildeo do traccedilo nasal79
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
[ku ʔginĩ de]
ku n-kinĩn-te
[ dega tatilden]
te n-kaloh-tatilden
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[ ku ndatildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[ ku ddatildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[ ku n datildenʌ] ~ [ ku datildenʌ]
ku n-tatilde-ta
[ ku natildenʌ]
ku n-tatilden-ta
Estaacute branco Bom-dia espeacutecie de aacutervore Bicho Pacu Rolo de fio de algodatildeo Roupa velha Roupa Estaacute fumando
79
A liacutengua Latundecirc eacute caracterizada pelo OCP (Princiacutepio do Contorno Obrigatoacuterio)
138
[ku datildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[katilde na ]
katilden-na
[lidnu ɾe]
lin-nu-te
[lid na j ɾe]
lin-na jh-te
Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute duro Beiju de mandioca Raiz de mandioca
s - Fricativa alveolar surda
Fricativacoronal+ anterior forma siacutelaba
com as vogais i ĩ e a a atilde o uu ũ
Realiza-se como [s] [ʃ] [tʃ] [ʔs]
Em menor frequecircncia pode ser realizada como [t] e [t h]
Em siacutelaba acentuada em iniacutecio de palavras a fricativa pode se realizar
[tʃi ɾatilden] ~ [ʔsi ɾatilden]
sih-tatilden
[ ʔsitatilden] ~ [ sitatilden]
set-tan
Estaacute liso Trovejou
139
como palatal africada preacute-glotal ou como alveolar 80
Quando s se fortifica e passa a se realizar como [t] e ou como [t h] apresentam restriccedilatildeo ao contexto de vogal baixa seguinte podendo ocorrer em iniacutecio ou em meio de palavra Nestes contextos tambeacutem permanecem possiacuteveis as demais alofonias
A fortificaccedilatildeo de s eacute frequente em siacutelaba natildeo acentuada em iniacutecio de palavra Embora as siacutelabas acentuadas contenham maiores iacutendices Em posiccedilatildeo natildeo acentuada a alveolar ocorre em maior nuacutemero
A palatalizaccedilatildeo da fricativa eacute obrigatoacuteria quando precedida por i Sua realizaccedilatildeo eacute alveolar em posiccedilatildeo intervocaacutelica
[ʔsĩ du ɾatilden]
sĩn-tu-tatilden
[ʃa h ɾe] ~ [sa h ɾe]
sa h-te
[ tʃoɾatildenʌ] ~ [ ʃoɾatildenʌ]
soh-tatilden-ta
[ʃ de] ~ [s n de]
s n-te
[thathaʔi natildenʌ] ~ [ʃaʃaʔi natildenʌ]
sasan-tatilden-ta
[kejͻ ʔhe neʔt h o ɾeʔ] ~
[kejͻʔhe neʔto ɾeʔ]
keja w-haniʔ-s aw-te
[t datilde na ] ~ [t h datilde na ]
so-tatilden-na
[tʃamaj de] ~ [tamaj de] ~ [sama
de]
saman-te
[ʔʃamaʔdʌ ɾatildena]
saman-tah-tatilden-ta
[iʃatilde datilde na ]
isatilde n-tatilden-na
Estaacute arrastando Timboacute do mato Estaacute sujo Sol Estaacute mole Oacuteleo Eacute guarantatilde (espeacutecie de aacutervore) Tanajura Eacute tanajura
80
A africada eacute a mais utilizada pelos velhos enquanto a fricativa e a alveolar satildeo mais utilizadas
pelos jovens
140
[iʃu datildenʌ]
isu -tatilden-ta
[wasa h ɾe] - [wͻsa h ɾe]
wasah-te
Eacute folha Ele estaacute com frio Besouro
l- Lateral alveolar sonora
Lateral coronal + anterior
Forma siacutelaba em iniacutecio e meio de
palavras com as vogais i e a a o o
u
Fortifica-se em iniacutecio de palavras quando encontra-se na posiccedilatildeo de acento pode ser precedido por vogal aacutetona sem onset que tende a ser apagada
Diante do contexto acima realiza-se
[li tatilden]
lit-tatilden
[dale de]
tale-te
[giwla de]
kiwlah-te
[la ɾ e]
la h-te
[lo ɾatildena]
loh-tatilden-ta
[ko lo ko lo n de]
ko loʔ ko lo n-te
[toluʔ tatildena]
taluʔ-tatilden-ta
[ʔta e] ~ [da e]
la h-te
Ele saiu Embira Cobre cascavel Jacucaacuteca Estaacute comprido Pintado Ele tossiu
141
como alofones [ʔl] e [d]
Acompanhado por consoante nasal em onset silaacutebico pode assimilar progressivamente a nasalidade sendo realizado como [n]
Pode apresentar sobreposiccedilatildeo na maneira como se realizam
[t ~s ]
[t ~ n]
[n ~ l]
[t ~ l ]
[ʔlo tatilden] ~ [a tatilden]
atilde-loʔ-tatilden
[diʔ pa natildena] ~ [i iʔ pa natildena]
jaliʔ pan-tatilde-ta
[ naginila h ni ɾ atilden] ~
[ naginina h ni ɾatilden]
sapatilden-kinĩn-te
[kaas tatildena] ~ [kata tatildena]
kasaʔ-tatilden-ta
[tidit na j de] ~ [tidit ta de]
tatiʔ-najn-te
[nagatilde de] ~ [ agatilde n de]
nakatilden-te
[wota h ɾe] ~ [wola h ɾe]
wotah-te
Jacucaacuteca Ele estaacute afundado atolado Satildeo dois colares Eu natildeo sei se ele estaacute doente Taioba Estaacute grosso Mandioca mansa Lagarto do campo Pomba
142
j - Glide coronal - anterior
Eacute um glide palatal que ocupa a posiccedilatildeo de onset e de coda na siacutelaba
Em iniacutecio de siacutelaba j antecede as
vogais e e o a a atilde u u ũ
Quando em posiccedilatildeo inicial na siacutelaba e
acompanhado por e e em siacutelaba
acentuada ou seguido por a em siacutelaba aacutetona j pode se fortificar e se realizar
como [ʒ] sendo possiacutevel neste caso
ser seguido por um preacute glide [j] de fraca e raacutepida duraccedilatildeo
Quando seguido por a em siacutelaba aacutetona eacute opcional a fusatildeo entre o glide e a vogal derivando a vogal longa [i]
[je n datilden]
je n-tatilden
[ja te]
jaʔ-te
[ja te]
ja ʔ te
[jatildeʔ datilden] ~ [iɲatildeʔ datilden]
jatilden- n-tatilden
[jo ɾatilden]
joh-tatilden
[ju te]
ju-te
[ju te]
ju -rsquote
[j ginĩ de]
j n-kinĩn-te
[je natilden te] ~ [ʒe natilden te]
ja natilde-nu-te
[ j ʒe n datilden] ~ [ʒe n datilden] ~
[je n datilden]
je n-tatilden
[ʒɛge datilden] ~ [ʒɛga j datilden]
Estaacute sujo Maribondo espeacutecie Porco Vocecirc tem coragem Estaacute baixo Boca Peacute Pedra de gelo granizo Porco espinho Estaacute sujo
143
Se em posiccedilatildeo de onset e seguido de vogal nasal pode ocorrer uma consoante palatal seguindo o glide palatal e precedendo a vogal nuclear
Se for atilde a consoante intrusiva se realizaraacute com mais forccedila e separaraacute a sequecircncia jatilden em duas siacutelabas
Quando o glide vier antes da vogal ũ a consoante intrusiva poderaacute resultar no apagamento do glide podendo se realizar como consoante palatal ou preacute-glide
Em posiccedilatildeo final de siacutelabas
acompanha as vogais e e a a
jaka jn-tatilden
[inatilde de]
janatilde n-te
[jeda n de] ~ [ʒida n de] ~ [ida
n de]
jatan-te
[jatilde datilden] ~ [ iɲatildeʔ datilden]
jatilden- n-tatilden
[jatildew de] ~ [iɲatildew de] ~
[jatilde de]
jatildewn-te
[j ginĩ de] ~ [ j ɲ gibi de]
j n-kinĩn-te
[ ejdnirsquoɾatilde]
hejn-ten-ni-tatilde
[ e jtatilden]
e ʔ-tatilden
[wajkinĩ du]
wajʔ-kinĩn-tu
[na j de]
na j -te
[ natildejde]
natildejn-te
Eacute pica-pau pequeno espeacutecie Abelha do chatildeo espeacutecie veado espeacutecie Vocecirc tem coragem Larva espeacutecie Pedra de gelo granizo Eu vou lavar Ele fez fogo Amendoim
144
Maribondo espeacutecie Pacu espeacutecie de peixe
k- Plosiva dorsal - anterior
Eacute oclusiva velar surda Tem larga distribuiccedilatildeo e se realiza diante de todas as vogais do Latundecirc
Satildeo seus alofones [ʔk] [ɠ] [g] e [k]
Em iniacutecio de palavra se realiza preferencialmente como [k]
[kiliʔkinĩ de]
kiliʔ-kinĩn-te
[ki de]
ki -te
[ke ɾatildena]
keh-tatilden-ta
[ke ja ʔ n de]
ke ja jn-te
[ka ɾatildena]
kah-tatilde -ta
[ka
ka jn-te
[katilde natildena]
katilden-tatilden-ta
[ko h ɾe]
koh-te
[ko lo ʔko lo n datildeda]
ko lo ʔko lo n-tatilden-ta
Coco da palmeira inajaacute Macaco noturno Ele estaacute caccedilando Caititu Estaacute azedo Formiga Estaacute duro Tesoura
145
Em contexto de fala raacutepida em iniacutecio
de vocaacutebulos a velar preacute-glotal [ʔk]
pode ocorrer pode flutuar tambeacutem como velar plena [k]
Em mesmo contexto pode-se flutuar a velar sonora [g] ou a velar implosiva
[ɠ] ou a velar surda [k] ou a velar
surda preacute-glotalizada [ʔk]
Quando em meio de vocaacutebulo em contexto que envolve a consoante nasal lexical precedente a realizaccedilatildeo de [g] eacute categoacuterica
Entre vogais eacute possiacutevel que se encontre a variaccedilatildeo entre [k] e [g] sendo a surda a preferencial e em maior nuacutemero de realizaccedilotildees
[k n de]
k n-te
[ku n de]
ku n-te
[ʔkolo ɾe] ~ [kolo ɾe]
koloh-te
[ʔka laʔkala ɾe] ~ [ka laʔkala ɾe]
kalaʔkalaʔ-te
[golota taʔnatildena] ~
[kolota taʔ natildena]
kolon-sasan-tatilden-ta
[ gi natildena] ~ [ ɠi natildena]
ki n-tatilden-ta
[giʃaj n datildena] ~ [ɠiʃaj ndatildena] ~
[kiʃaj n datildena]
kisajn-tatilden-ta
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[j ginĩ de]
j n-kinĩn-te
[waka de]
waka-te
Eacute pintado Timboacute do campo Algodatildeo Barata Galinha Estaacute maduro Estaacute coccedilando Estaacute pontudo Roupa
146
Em onset da siacutelaba acentuada em final de vocaacutebulo k pode se realizar [k h]
[lukaj de]
lukajn-te
[nakatilde n de] ~ [naga n de]
nakatilden-te
[ iwgula ɾatilden]
iwkulah-tatilden
[ i ʔga laʔga na ]
iʔka la n-ka-na
[ ɛtduʔ da jowi k h e ]
ajhtu ta-jaw-wi-ka
Pedra de gelo granizo Garccedila Flecha Lagarto Ele subiu Eles estatildeo brincando Pega (o banco) vamos sentar
- Plosiva glotal - anterior
Eacute uma oclusiva glotal surda com
realizaccedilatildeo [ʔ] que se restringe agrave
posiccedilatildeo de coda silaacutebica81
Tem seu comportamento condicionado pela presenccedila das consoantes adjacentes p t k
Pode se realizar como [ʔ] em fala
raacutepida preceder a oclusiva velar surda k
Como [j] quando a vogal nuclear for a meacutedia frontal e ou a baixa a
Como [w] quando a vogal nuclear for a meacutedia posterior o
[huʔ kaʔ datilden] ~ [ kaʔ datilden]
huʔ-kah-tatilden
[kidiʔka tatilden]
kitiʔ-kah-tatilden
[ atilde ʔ tatilden] ~ [ atilde tatilden] ~
[malo h tatildeni]
atilden-loʔ-tatilden
Eacute arco Eacute furador Ele queimou
81
A entre l e s natildeo foi observada na liacutengua Latundecirc
147
E favorecer a deleccedilatildeo de motivando um alongamento que compensa a vogal nuclear ou alongar ainda alongar esta vogal seguindo de leve aspiraccedilatildeo
A realizaccedilatildeo de [ʔ] nas alofonias
acima soacute eacute notada quando na siacutelaba na qual estaacute presente quando apenas a oclusiva estiver no travamento
silaacutebico (CVʔ)
Quando em posiccedilatildeo de coda pode assimilar o ponto da consoante seguinte e se realizar como [t] ou [d] diante de tnl e [p] ou [b] diante de m Neste caso as realizaccedilotildees homorgacircnicas surdas satildeo sempre preferenciais
[wolo te] ~ [woloʔ te]
woloʔ-te
[ej tatilden] ~ [e tatilden]
eʔ-tatilden
[wajkinĩ de]
wajʔ-kinĩn-te
[loʔ tatilden] ~ [ tatilden] ~ [ wtatilden]
loʔ-tatilden
[tidit na jdatilde na ]
tatiʔ-na jn-tatilden-na
[wa jtna de]
wa jh-na n-te
[at natilde da na]
a ʔnatilde n-tatilden-ta
[a p otildedatildena] ~ [a b otildedatildena]
a ʔ n-tatilden-ta
Espeacutecie de paacutessaro Ele ralou Amendoin Ele afogou Eacute raiz de mandioca Palha da palmeira accedilaiacute Ele estaacute chorando muito Ele estaacute muito bonito
h- Fricativa glotal - anterior
Eacute fricativa glotal surda que em iniacutecio de
siacutelaba ocorre com as vogais i e a a
o u
Quando em iniacutecio de palavra e em siacutelaba acentuada seguida de i realiza-
se como [ʒ]
Quando entre vogais realiza-se como
[hu te] ~ [hu h de]
huʔ-te
[hej de]
hejn-te
Arco Buriti
148
fricativa glotal sonora [ɦ]
Se vier em iniacutecio de palavra em fala raacutepida e em raiacutezes dissilaacutebicas na posiccedilatildeo de onset de siacutelaba natildeo acentuada poderaacute ser apagado
Quando em onset de siacutelaba acentuada acompanhada de consoante nasal assimila a nasalidade da consoante
adjacente sendo realizada como [n ]
Em final de siacutelaba eacute produzido com pouca fricccedilatildeo Em coda acentuada motiva o alongamento da vogal com frequecircncia como resultado teremos uma vogal com leve aspiraccedilatildeo
Demais realizaccedilotildees de h em coda tendem a seguir o comportamento da
oclusiva glotal ʔ
[hata tatilden]
hat-ta-tatilden]
[ha de]
ha n-te
[hoɦo h de]
hohoʔ-te
[hi ɾ e] ~ [ʒi ɾe]
hih-te
[hiwa n de] ~ [iwa n de]
hiwan-te
[ e ĩ n de] ~ [e ĩ n de]
e ĩ n-te
[ɛ hejdn a ]
ajhhejn-ha
[o h datildeda]
o hna-tatilden-ta
[ lo h tatilde na ]
loh-tatilden-na
[ʃi h ɾe]
sih- te
[ke h atilden] ~ [ke atilden]
Eu natildeo tenho Caraacute Espeacutecie de coruja Pau lenha Gambaacute Couro Vamos lavar (algo) Estaacute alto Eacute onccedila
149
keh-tatilden
[nakadʔnatilde na ]
naka natilde n-na
[ka ɾatilden]
kah-tatilden
[naw ɾe] ~ [nͻ e]
na wh-te
[wede e] ~ [wede ʔ ɾe]
wate h-te
[sej ɾatilde]
sih-tatilden
Casa Ele caccedilou Ela ainda estaacute chorando Estaacute azedo Lontra Espeacutecie de tamanduaacute Eacute largo
Quadro 13 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos orais (Com base em Telles 2002)
i - vogal alta frontal e i - vogal alta
frontal laringal
Realiza-se como [i] e [i ] podem ser
nuacutecleo de siacutelaba e podem tambeacutem iniciam palavras
i segue qualquer consoante enquanto
i ocorre apenas apoacutes as consoantes
m k h
Quando a coda eacute apagada realiza-se como [i] compensando tal apagamento
[ iɾatilden]
i-tatilden
[i n datildenʌ]
i n-tatilden-ta
[giw lada ɾe] ~ [gi la de]
kiwlah-tah-te
Ele mordeu Estaacute quente Cobra cascavel espeacutecie de cobra
150
e - vogal meacutedia frontal e e - vogal
meacutedia frontal laringal
Realizam-se como [e] e [e ] e correm em
iniacutecio de palavras
Quando seguem consoantes natildeo se realizam apoacutes pmn
Tambeacutem natildeo foram detectadas diante de s l h
Ao serem seguidos pelo glide palatal j favorecem a fusatildeo entre as vogais e o
glide realizando-se como [i] e [i ]
O alongamento tambeacutem se daacute em casos de queda de coda
Em siacutelaba aacutetona de morfemas dissiacutelabos poderaacute ocorrer harmonizaccedilatildeo entre a vogal meacutedia frontal e a vogal tocircnica mais alta da siacutelaba seguinte
Pode ocorrer harmonizaccedilatildeo entre a vogal da raiz lexical e a vogal do sufixo classificatoacuterio
[e ɾatilden]
e-tatilden
[ etatilden]
e ʔ-tatilden
[ sejtatilden] ~ [sitatilden]
set-tatilden
[ weʔkinĩde] ~ [ wiʔkinĩde]
wet-kinĩn-te
[kenĩ de] ~ [kinĩ de]
kanĩn-te
Ele viu Ele fez fogo Ele falou Crianccedila Esquilo
a - vogal baixa central e a - vogal
baixa central laringal
A vogal baixa central a apresenta larga distribuiccedilatildeo e segue qualquer consoante e os dois glides
A vogal baixa central laringal segue quase todas as consoante e dos dois glides
Ambas iniciam palavras e apresentam
vaacuterias alofonias [a] [ʌ] [ͻ] [o] [u] [e]
[ɛ] [aelig] e [i] que podem ser ou natildeo
laringais dependendo da vogal subjacente e da condiccedilatildeo do tom e da harmonia vocaacutelica
Quando em siacutelaba tocircnica a se realiza como [a] [ͻ] e [ͻ]
[ͻ] pode ocorrer quando o nuacutecleo vocaacutelico a assimila o traccedilo labial da coda tautossilaacutebica de w
A segunda variaccedilatildeo [ͻ] resulta da fusatildeo
[a h ɾe]
ah-te
[awde] ~ [ͻ de] ~ [ͻʔ de]
awh-te
[ a wde] ~ [ ͻde] ~ [ ͻʔde]
a w-te
[a wm de] ~ [ ͻ m de] ~ [ͻ m de]
a wn-te
Espeacutecie de abelha Gaviatildeo Flecha Louro
151
entre o nuacutecleo a e a coda w
O alongamento da vogal nuclear ou da coda eacute necessaacuterio agrave preservaccedilatildeo do peso silaacutebico para a aposiccedilatildeo do acento
Em siacutelaba tocircnica se a a eacute seguida por j na coda (nuacutecleo do ditongo) pode se
realizar como [a] [ɛ] [ɛ] e [aelig]
Em siacutelaba aacutetona a realiza-se como [ʌ] preferencialmente
Quanto em posiccedilatildeo aacutetona a se harmoniza com a vogal tocircnica da siacutelaba seguinte quando esta for meacutedia ou alta
As realizaccedilotildees provenientes dessa harmonia vocaacutelica satildeo as vogais [ieou]
O processo de assimilaccedilatildeo pode ocorrer em iniacutecio de siacutelaba aacutetona fazendo com que a se realize como [ͻ] a partir de segmento adjacente seja tautossilaacutebico ou natildeo
[ ajɾatildena] ~ [ ɛatildena]
ajh-tatilden-ta
[a j ɾatilden] ~ [aelig ɾatilden] ~ [ɛ ɾatilden]
a jh-tatilden
[ a j atilde m datilden] ~ [ aelig ʔatildem datilden]
a jn atilde wn-tatilden
[ͻ ɾaʔͻɾaʔi datildenʌ] ~
[ͻ ɾɛʔͻɾɛʔi datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[wͻdaʔ nde] ~ [wadaʔ nde]
watan-te
[i n dacircnʌ]
i n-tatilden-ta
[tʌlawm natildenʌ]
talawn-tatilden-ta
[kimi ɾatildena] ~ [kͻmi ɾatildena]
kamih-tatilden-ta
[walin de] ~ [weli de]
walin-te
[tʌlow natildena] ~ [tolow natildenʌ]
talown-tatilden-ta
[tunu ratildeni]
tanũh-tatilden
Eacute roccedila Ele foi Ele assou peixe Eacute fino Panela Estaacute quente Estaacute grosso Estaccedilatildeo seca Tamanduaacute
152
Devido agrave labializaccedilatildeo de a a realizaccedilatildeo resultante sofre assimilaccedilatildeo de palatalizaccedilatildeo altura de glide precedente ou se funde quando o glide eacute tautossilaacutebico e ocupa onset de siacutelaba em que a eacute a vogal nuclear
[kʌmaʔ matilde n de] ~
[kͻmaʔ matilde n de]
kama-matilden-te
[ͻ ɾaʔͻɾaʔĩ datildenʌ] ~
[ͻ ɾɛʔͻɾɛʔĩ datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[wada n de] ~ [wͻda n de]
watan-te
[jeda n de] ~ [ʒida n de] ~
[ida n de]
Estaacute terminado Ele deu Borboleta Eacute fino Panela cabaccedila Espeacutecie de veado
o - vogal meacutedia fechada posterior e
o - vogal meacutedia fechada laringal
Realizam-se [o] e [o ] respectivamente
Natildeo se realizam apoacutes as consoantes nasais mn
o soacute foi realizada apoacutes as consoantes
t l k
Ambas podem ser realizadas em iniacutecio de vocaacutebulo
As realizaccedilotildees [o] e [o ] satildeo resultados
do alongamento compensatoacuterio que provem da delaccedilatildeo de coda
[o ɾatilden]
oh-tatilden
[o te]
o h-te
[ko n de] ~ [kow n de]
kon-te
Ele misturou massa Macuco Espeacutecie Jabuti
u - vogal alta posterior e u - vogal
alta posterior laringal
Apresentam larga frequecircncia nas realizaccedilotildees
u segue qualquer consoante
[ke ju ɾe]
kejuh-te
Macaco da noite
153
u ocorre apoacutes m n s k j
Ambas iniciam palavras
As realizaccedilotildees alongadas [u] e [u ] satildeo
provenientes de alongamento compensatoacuterio quando a coda eacute elidida
[ku n datildenʌ] ~ [ku datildenʌ]
ku n-tatilden-ta
Ele estaacute fumando
Quadro 14 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos nasais (Com base em Telles 2002)
ĩ - vogal nasal alta anterior
Sua ocorrecircncia soacute fora verificada a partir do comportamento do morfema ĩ- que eacute uma raiz lexical semanticamente vazia prefixada a morfemas classificadores nominais para funcionar como nuacutecleo nominal
A subjacecircncia de ĩ- sem coda nasal pode ser evidenciada na sonorizaccedilatildeo opcional da oclusiva velar k e no natildeo alongamento da vogal ĩ
[ ĩkalo ɾe] ~ [ ĩgaloɾe]
ĩ-kaloh-te
Taacutebua
atilde - vogal nasal baixa
Eacute encontrada a partir do condicionamento morfoloacutegico no prefixo verbal atildel-
Este prefixo tem valor causativo resultativo
Quanto agrave subjacecircncia de atilde pode-se interpretar que a realizaccedilatildeo do morfema agentivo [atildel- atilde-] estaacute condicionada ao segmento inicial da raiz lexical a qual o prefixo se apotildee
[atildelͻwtatildenʌ] ~ [ a lͻtatildenʌ]
atildel-awt-tatilden-ta
[atilde laj n datildenʌ] ~ [a laj n datildenʌ]
atildel-ajn-tatilden-ta
[atildelo tatildenʌ] ~ [alo tatildenʌ]
atildel-loʔ-tatilden-ta
[atildemũmaj na ]
atildel-mumaʔ-na
[ũba tatildenʌ] ~ [atildeba tatildenʌ]
atildel-pat-tatilden-ta
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
Estaacute foi quebrado (algo) Estaacute foi cortado (algo) Estaacute foi afundado (algo) Estaacute foi amansado (algo) Estaacute foi colocado (algo)
154
Quando a raiz verbal eacute iniciada por vogal a forma sobrejacente eacute [atilde-] quando a raiz verbal eacute iniciada por vogal a forma sobrejacente eacute [atildel-]
Outra forma de ocorrecircncia da vogal atilde eacute confirmada na base do contraste entre os ditongos orais aj aw e nasais atildej atildewmesmo quando seguidos por coda nasal formando as sequecircncias ajn awn atildejn atildewn
[ aj n datildeni] ~ [ aj n datildeni]
ajn-tatilden
[jatildewm de] ~ [jatildemde]
jatildewn-te
[wawm datildena] ~ [wͻwm datildena]
wawn-tatilden-ta
Pacu espeacutecie de peixe Ele cortou (algo) Espeacutecie de larva Estaacute vermelho amarelo
ũ - vogal nasal alta posterior
Observada a partir da construccedilatildeo interna e comportamento do morfema prefixal nũh - possessivo de 1pp e de seu homoacutefono nũh - verbo adjetival estar soacute
Quanto agrave subjacecircncia de u eacute observada quando a coda fricativa glotal eacute ressilibificada ao se afixar agrave raiz iniciada por vogal ou glide
[ nũhju te]
nũh-ju -te
[ nũhaj ɾatilden]
[nũhajh-oslash-tatilden
Nossos peacutes Ele vai sozinho
54 FONOLOGIA DO PORTUGUEcircS
Diferentemente do Latundecirc o sistema fonoloacutegico do portuguecircs eacute formado
conforme Cacircmara Jr (1970 p33 ndash 34) por sete vogais que se mantecircm na
mesma quantidade em posiccedilatildeo tocircnica que satildeo reduzidas a cinco quando em
posiccedilatildeo tocircnica diante de nasal em posiccedilatildeo pretocircnica em posiccedilatildeo postocircnica natildeo-
final e em postocircnica final
Quadro 15 Vogais no Portuguecircs (Cacircmara Jr 1970)
Natildeo-arredondadas Arredondadas
Altas i u
Meacutedias Altas e o 2ordm Grau
155
Meacutedias Baixas ɛ ɔ 1ordm Grau
Baixa a
Anterior Central Posterior
Quanto aos segmentos consonantais o portuguecircs dispotildee de acordo com Lopez
1979 p5482 de vinte e dois fonemas que ocupam as posiccedilotildees de onset e coda
Os segmentos consonantais satildeo classificados quanto ao modo e ao ponto de
articulaccedilatildeo
Os segmentos consonantais do portuguecircs ainda podem ser influenciados por
articulaccedilotildees secundaacuterias labializaccedilatildeo palatalizaccedilatildeo velarizaccedilatildeo e dentalizaccedilatildeo
Quadro 16 Consoantes no Portuguecircs (Silva 2002)
Articulaccedilatildeo
Bilabial Labiodental Dental ou alveolar
Alveopalatal Palatal Velar Glotal
Oclusiva p b t d k g Africada tʃ dʒ
Fricativa f v s z ʃ ʒ X Ɣ h ɦ
Nasal m n ɲ y
Tepe ɾ
Vibrante ř
Retroflexa ɹ
Lateral l ɫ ʎ l j
82
Apud Bisol 1996 p198
156
55 COMPARACcedilAtildeO ENTRE OS SISTEMAS FONEacuteTICOS DO PORTUGUEcircS E
DO LATUNDEcirc
Passemos entatildeo agrave comparaccedilatildeo ds sistemas fonoloacutegicos do Portuguecircs e do
Latundecirc para melhor compreensatildeo dos processos foneacuteticos oriundos desse
contato
Quadro 17 Sistemas consonantais x Sistemas vocaacutelicos
Consoantes Vogais
Portuguecircs p b m w t d s z l j n f v ɾ k g h ɹ ɲ ʎ X a ɛ e i ɔ o u
Latundecirc p m w t s l j n k h a atilde a a e e i i i i o o u u u u
Como podemos perceber as liacutenguas apresentam padrotildees distintos no que tange
agrave quantidade de segmentos consonantais e de segmentos vocaacutelicos O portuguecircs
eacute uma liacutengua com mais consoantes enquanto o Latundecirc eacute uma liacutengua
extremamente vocaacutelica
No que tange aos fonemas consonantais o Latundecirc natildeo apresenta muitos dos
fonemas vozeados que compotildeem os pares miacutenimos aleacutem das labiodentais [f v]
Tambeacutem natildeo apresenta as fricativas alvopalatais [ʃ ʒ] nem as palatais nasal e
lateral [ɲ ʎ]
O portuguecircs natildeo dispotildee de vogais laringais enquanto o Latundecirc tem o seu
inventaacuterio basicamente composto por elas
157
A disposiccedilatildeo e presenccedila desses elementos tecircm uma ligaccedilatildeo direta com os
processos fonoloacutegicos ocorrentes o portuguecircs resultante do contato do Portuguecircs
com o Latundecirc como veremos no capiacutetulo VI
158
6 PROCESSOS FONOLOacuteGICOS NO PORTUGUEcircS FALADO PELOS LATUNDEcirc
ldquoComo a liacutengua estaacute a todo momento se equilibrando entre
tendecircncias potencialmente conflitantes e ateacute mesmo opostas estaacute sujeita a sofrer mudanccedilas pois esse equiliacutebrio pode vir a ser alterado por qualquer tipo de fator interno ou
externordquo Chagas (2004 p 151)
61 INTRODUCcedilAtildeO
Eacute senso comum entre os estudiosos que as liacutenguas mudam em diversos
aspectos Certamente a variaccedilatildeo e a mudanccedila lhes satildeo inerentes conforme
Cezario amp Votre (2008 p 141)
Em face da mudanccedila a assertiva acima abarca um conjunto de motivaccedilotildees
internas a uma dada liacutengua bem como outras decorrentes de forccedilas externas em
que se inserem aquelas oriundas do contato linguiacutestico Isso nos chama a
atenccedilatildeo para o fato de que aleacutem do fator tempo outros aspectos podem estar
diretamente ligados agraves transformaccedilotildees pelas quais uma liacutengua passa
A forma como as mudanccedilas sonoras operam na liacutengua eacute tema de discussatildeo haacute
seacuteculos Sobre essa temaacutetica Labov (1981 p269) nos diz que
Sound change appears to be systematic in that a particular change affects all eligible words in a lexicon (McMahon 1994) It is not known however how this process takes place A group of 19th century German linguists called the Neogrammarians originally proposed that sound change occurs abruptly across the lexicon This view is still accepted by many linguists (eg Hock 1991 Labov 1994) In contrast others have argued that sound change spreads gradually across the lexicon (eg Chen amp Wang 1975 Krishnamurti 1978) The same language data is sometimes used to support each hypothesis For instance the
159
English Great Vowel Shift which brought about a series of vowel changes in Early Modern English is used as an example of gradual change (Ogura 1987 Aitchison 1991) as well as abrupt change (Hock 1991 Labov 1994) So the argument over whether sound change occurs abruptly or gradually presents a paradox ldquoboth (views) are right but both cannot be right 269)rdquo
A discussatildeo acerca da natureza da mudanccedila sonora no sentido das duas visotildees
pontuadas acima ainda alcanccedila uma dimensatildeo mais larga quando o contato
intersocietaacuterio eacute considerado As implicaccedilotildees que a variaccedilatildeo assume quando a
emergecircncia das escolhas linguiacutesticas envolve o impacto das interaccedilotildees entre
liacutenguas satildeo multifatoriais Devido agrave complexidade das transformaccedilotildees linguiacutesticas
natildeo podemos estabelecer um uacutenico molde para explicar estas modificaccedilotildees haja
vista que cada caso eacute particular quando tratamos de mudanccedila linguiacutestica
Como fora tratado no capiacutetulo sobre Contato linguiacutestico o encontro de duas ou
mais liacutenguas pode resultar ou natildeo em outras liacutenguas O niacutevel de interferecircncia
oriundo do contato pode fazer com que uma das liacutenguas desapareccedila o que
ocasionaria a sua morte e geralmente neste caso sobreviveria a liacutengua do
dominador ou a permanecircncia dos dois coacutedigos linguiacutesticos tal qual ocorre entre
os Latundecirc
A complexidade da fusatildeo de duas liacutenguas desencadeia por si soacute uma seacuterie de
processos que perpassa os diferentes niacuteveis da gramaacutetica No entanto eacute no niacutevel
foneacutetico fonoloacutegico que estes processos satildeo provavelmente mais evidentes e
mais frutiacuteferos Sendo assim podemos afirmar que os niacuteveis foneacuteticos e
fonoloacutegicos apresentam o maior iacutendice de mudanccedila e variaccedilatildeo de uma liacutengua Por
outro lado de acordo com Cavaliere (2005 p 56)
160
Os estudos desses processos nos auxiliam enquanto estudiosos da liacutengua a entender como se comporta a mudanccedila da liacutengua mediante verificaccedilatildeo dos fatos ocorridos no passado que se mantecircm no presente bem como os que natildeo mais se manifestam as mudanccedilas dos sons nos usos hodiernos
A anaacutelise realizada dos processos fonoloacutegicos do Portuguecircs falado pelos Latundecirc
teraacute como base a estrutura silaacutebica do Portuguecircs e do Latundecirc Para a anaacutelise
consideramos uacutetil adotar a classificaccedilatildeo tradicional dos processos focircnicos
encontrados na linguiacutestica histoacuterica (HOCK1991) por nomear em detalhe os
variados tipos de processos observados Aleacutem disso nos pautamos nos trabalhos
de Spencer (1996) e Lass (2000) que associam reflexotildees mais abstratas para
explicar as ocorrecircncias encontradas Esclarecemos que natildeo eacute nosso propoacutesito
realizar uma anaacutelise fonoloacutegica per si Neste trabalho partimos da descriccedilatildeo dos
processos fonoloacutegicos operantes a fim de refletir sobre o resultado do contato
linguiacutestico de uma liacutengua minoritaacuteria (o Latundecirc) com uma liacutengua
sociohistoricamente dominante o portuguecircs e avaliar o papel da marcaccedilatildeo
linguiacutestica no contexto da interferecircncia Os dados como jaacute afirmamos fazem
parte do acervo do NEI (Nuacutecleo de Estudos Indigenistas) da UFPE
Para uma melhor compreensatildeo a anaacutelise dos fenocircmenos observados segue
distribuiacuteda em quatro subgrupos que evolvem os processos foneacutetico-fonoloacutegicos
observados i) perda de elementos ii) ganho iii) alteraccedilatildeo (transposiccedilatildeo ou
permuta) que estatildeo diretamente ligados aos processos fonoloacutegicos de
assimilaccedilatildeo (progressiva e regressiva) fortalecimento leniccedilatildeo apagamento
inserccedilatildeo e coalescecircncia A classificaccedilatildeo desses processos nos remete agrave
termonoligia claacutessica da linguiacutestica de base
161
611 Perda de elementos
Seguindo a tendecircncia das liacutenguas do mundo os processos que envolvem perda
de elementos tambeacutem satildeo os mais recorrentes no portuguecircs falado pelos
Latundecirc Dessa feita estes processos satildeo os que tecircm uma relaccedilatildeo direta com a
estrutura silaacutebica do Portuguecircs que se vecirc obrigada a rearranjar os componentes
da siacutelaba para o padratildeo (CV)
Quanto agrave marcaccedilatildeo o portuguecircs assimilado pelos Latundecirc nem sempre tende a
preservar os padrotildees mais marcados de sua liacutengua conforme descriccedilatildeo nos
processos que se seguem
6111 Monotongaccedilatildeo
Assim como no Portuguecircs a monotongaccedilatildeo eacute um processo natural e bastante
atuante no Latundecirc que eacute uma liacutengua propensa a tal fenocircmeno Eacute uma tendecircncia
geral observada na produccedilatildeo da fala da comunidade Latundecirc verifica-se que os
ditongos crescentes e decrescentes estatildeo sendo frequentemente fusionados
realizando-se como monotongos (TELLES 2002 p100 - 102)
Quanto aos ditongos crescentes Telles (idem p 103) afirma que a tendecircncia ao
processo de monotongaccedilatildeo em ditongos crescentes eacute quase categoacuterica nas
siacutelabas aacutetonas de raiacutezes dissilaacutebicas quando a vogal nuclear eacute a central baixa a
Outros aspectos observados pela autora que fazem menccedilatildeo agrave monotongaccedilatildeo
apontam que a geraccedilatildeo poacutes-contato realizam sistematicamente e com frequecircncia
162
a fusatildeo entre os ditongos decrescentes Os ditongos aw a w aj a j satildeo os que
mais regularmente sofrem processo dos quais decorrem as realizaccedilotildees meacutedias
baixas [ɔ ɔ ɛ ɛ ] que natildeo fazem parte do inventaacuterio fonoloacutegico das vogais do
Latundecirc
Os ditongos iw ow que ocorrem em menor frequecircncia satildeo mais marcados
Nestes a monotongaccedilatildeo se daacute com a preservaccedilatildeo da vogal do nuacutecleo i o O
ditongo e j apresenta pouquiacutessimos casos de fusatildeo mantendo a qualidade do
glide diferentemente dos demais ditongos que satildeo constituiacutedos por vogais natildeo
baixas Sua realizaccedilatildeo seraacute a vogal alta anterior [i]
Apresentamos abaixo os dados apresentados por Telles (idem 101) onde os
resultados foneacuteticos do processo de monotongaccedilatildeo satildeo mais frequentes
Quadro 18 Resultado mais frequente do processo de monotongaccedilatildeo em Latundecirc
Em tritongos a fusatildeo eacute mais frequente quando o glide labial w preenche a
posiccedilatildeo da coda diferentemente da palatal j que pouco se fusiona Nos dois
casos a fusatildeo se daacute apenas com o apagamento do glide poacutes-nuclear
aw gt ɔ [lsquoɔɾe] rsquoawh-lsquote Gaviatildeo
a w gt ɔ [ɔ rsquode] a w-lsquote Fleche
aj gt ɛ [ɛrsquoɾatildena] ajh-lsquotatilden-ta eacute roccedila
aj gt ɛ [ɛ rsquoɾatildena] rsquoa jh-lsquotatilden-ta ele tem andado
iw gt i [lsquogilade] rsquokiwlah-lsquote cobra cascavel
ow gt o [torsquolodatildena] tarsquolown-lsquotatilden-ta ele tem terminado
163
No que se refere ao comportamento de ditongos decrescentes diante de
consoante nasal tautossilaacutebica podem ocorrer diferentes manifestaccedilotildees de
superfiacutecie a depender do ponto do glide Se os ditongos decrescentes terminarem
com glide laacutebio-dorsal w e seguidos por elemento nasal tautossilaacutebico awn a wn
atildewn own apagaratildeo o glide da coda e a vogal nuclear preservaraacute o ponto de
articulaccedilatildeo
Caso o ditongo seja oral a realizaccedilatildeo preferencial seraacute a da manutenccedilatildeo do
ditongo com o glide ocorrendo na superfiacutecie Se o ditongo for nasal o glide pode
ser nasalizado regressivamente Todavia a realizaccedilatildeo preferencial seraacute o glide
Em preferecircncia o glide j eacute mantido conservando sua palatalidade em ditongos
decrescentes que terminam com o glide j constituindo os ditongos ajn a jn atildejn
jn
Os glides wj na posiccedilatildeo de onset podem ser consonantizados O glide j natildeo se
apresenta como fator motivador para este processo Nos poucos casos
apresentados a vogal nuclear eacute a anterior e ou a central a
De acordo com a literatura existente para o Portuguecircs a monotongaccedilatildeo se aplica
a todos os ditongos Entretanto alguns contextos licenciam o processo enquanto
outros o bloqueiam No portuguecircs falado pelos Latundecirc os ditongos decrescentes
orais83 assim como no portuguecircs de longe foram os mais monotongados Aleacutem
destes o ditongo nasal decrescente [atildew] tanto em final de verbos quanto de
nomes mostrou-se recorrente na reduccedilatildeo
83
[aj][ aw] [ej] [ew] [ow] [oj]
164
Enquanto processo natural a monotongaccedilatildeo no portuguecircs falado por Latundecirc
visa simplificar os padrotildees silaacutebicos mais marcados sobretudo na posiccedilatildeo final de
vocaacutebulos jaacute que no Latundecirc natildeo haacute a ocorrecircncia deles
Esclarecemos que os processos observados na fala dos Latundecirc que tambeacutem
ocorrem no portuguecircs atual natildeo foram incluiacutedos nos dados discutidos neste
capiacutetulo ressalvando-se situaccedilotildees nas quais eram necessaacuterios agraves nossas
reflexotildees
De acordo com os exemplos
acima o processo de
monotongaccedilatildeo pode se dar de
duas formas i) apagamento
de um segmento geralmente
o glide ii) fusatildeo de elementos
Os ditongos mais propensos agrave
monotongaccedilatildeo satildeo os
decrescentes Quanto agraves classes de palavras os ditongos presentes nas formas
verbais satildeo mais frequentemente monotongados
No portuguecircs o processo de monotogaccedilatildeo eacute operante porem haacute restriccedilotildees que
natildeo coincidem com o observado na fala dos Latundecirc Bisol (2001 p 112) afirma
(1) [keme] queimei (2) [satildersquogɾaɾi] sangraram
[firsquokaɾi]
ficaram
(3) [fakotilde] facatildeo [motilde] matildeo [koɾasotilde] coraccedilatildeo
[gɾatildedotilde] grandatildeo
[tubaɾotilde]
tubaratildeo
(4) [kaze]
causa
(5) [note]
noite
(6) [lsquotaba] taacutebua (7) lsquomatildeoslash matildersquodava matildee mandava
165
que apenas os ditongos decrescentes satildeo verdadeiros Os crescentes de acordo
com ela seriam falsos pois podem ser realizados como hiato e tecircm variaccedilatildeo livre
Aleacutem disso com respeito aos ditongos decrescentes a autora ainda considera
que haacute dois diferentes tipos de ditongos um considerado pesado que natildeo sofre
reduccedilatildeo (leite) e outro leve passiacutevel de reduccedilatildeo (couro) Ela elenca alguns
ambientes que condicionam a monotongaccedilatildeo como a presenccedila da tepe ou da
palatal em posiccedilatildeo seguinte
Entretanto os dados de (1) a (7) acima nos mostram ocorrecircncias da
monotongaccedilatildeo em contextos muito distintos do que ocorre em Portuguecircs Sobre
estes avaliamos sua ocorrecircncia como segue
Quando em final de vocaacutebulos principalmente nas formas verbais do passado
simples conforme visto em (2) o que ocorre natildeo eacute um fenocircmeno de
monotongaccedilatildeo em que se espera o apagamento de um dos segmentos ou a
fusatildeo dos formadores do ditongo Nos dados em (2) entretanto encontra-se a
substituiccedilatildeo do ditongo por um segmento que articulatoriamente natildeo deriva da
estrutura lexical A vogal anterior com traccedilo de ponto coronal84 realizada em
[firsquokaɾi] ldquoficaramrdquo [satildersquogɾaɾi] ldquosangraramrdquo ocorre em posiccedilatildeo aacutetona final Essa
realizaccedilatildeo pode ser decorrente do espraiamento da coronalidade da consoante
precedente Outros aspectos de relevo para explicar esse fenocircmeno satildeo a
posiccedilatildeo final dos segmentos e a atonicidade Esses condicionantes favorecem a
substituiccedilatildeo total do ditongo nasal para a vogal anterior alta Essa produccedilatildeo eacute
84
Assumimos largamente neste trabalho a terminologia da fonologia claacutessica estrutural (GLEASON 1969) Entretanto termos mais teacutecnicos provenientes da teoria dos traccedilos distintivos (JAKOBSON 1952 CHOMSKY e HALE 1968) satildeo introduzidos quando favorecem a elucidaccedilatildeo dos fatos Da mesma forma ocasionalmente nos referimos a processos ancorados na fonologia poacutes-gerativa (CLEMENTS e HUME 1995)
166
restrita agrave fala dos indiacutegenas da geraccedilatildeo preacute-contato que adquiriram o portuguecircs
pelo menos no iniacutecio da idade adulta
A relevacircncia da tonicidade tambeacutem se evidencia nos dados em (3) Nesses casos
([fakotilde] ldquo facatildeordquo [lsquomotilde] ldquomatildeordquo [koɾasotilde] ldquocoraccedilatildeordquo) apesar de o ditongo nasal atildew
sofrer a fusatildeo passando a ser realizado [otilde] a posiccedilatildeo do acento preserva a
identidade de parte da estrutura nasalizaccedilatildeo e posteriorizaccedilatildeo com
arredondamento A tendecircncia aacute preservaccedilatildeo da estrutura tambeacutem eacute encontrada
no dado em (1) A monotongaccedilatildeo na siacutelaba tocircnica preserva a qualidade da vogal
nuclear em [kersquome] ldquoqueimeirdquo
O Latundecirc evita coda Esse comportamento se alinha agrave ideia de que The CV
syllable is a prototypical example widely considered to be the universally
unmarked syllable type (HUME 2004)
A monotongaccedilatildeo do ditongo nasal atildej em matildej gt matilde natildeo eacute encontrado
regularmente na fala latundecirc Esse fenocircmeno deve ter sido engatilhado pela
juntura externa na qual se observa que a siacutelaba da palavra seguinte conteacutem
sequecircncia focircnica semelhante agrave da siacutelaba que sofreu supressatildeo da semivogal
Um mesmo ditongo pode ou natildeo apresentar diferentes realizaccedilotildees em cada
liacutenguas Por exemplo os ditongos aw atildew aj atildej que existem tanto no Latundecirc
quanto no Portuguecircs se comportam da seguinte forma
Quadro 19 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
aw ɔ [lsquoɔɾe] ˈawh-te lsquogaviatildeorsquo
atildew atildew ~ AM [ˈjatildewmde] ~ [ˈjatildemde] ˈjatildewm-te lsquolarvarsquo
aj ɛ [єrsquoɾatildena] ˈajh-ˈtatilden-ta lsquoeacute roccedilarsquo
atildej atildej ~ atildej [ˌatildejˈdatildeni] ~ [atildejndatildeni] ˈatildejn-tatilden lsquoele cortoursquo
167
Quadro 20 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
aw aw [lsquopaw] pau lsquopaursquo atildew otilde [ˈsotilde] satildew lsquosatildeorsquo atildew i [satildeˈgɾaɾi] sangɾaɾatildew lsquosangraratildeorsquo
atildej atildej [ˈmatildej] matildej lsquomatildeersquo
aj aj [ˈpaj] pai lsquopairsquo
Os ditongos aw em posiccedilatildeo do acento resultam nas vogais meacutedias baixas ɔ e
ɛ no proacuteprio Latundecirc mesmo sendo essas vogais mais marcadas e natildeo
fonoloacutegicas na liacutengua Entretanto no portuguecircs esses ditongos natildeo sofrem
processo de fusatildeo quando ocorrem em siacutelaba tocircnica
A uacutenica vogal nasal constatada na reduccedilatildeo do ditongo eacute [otilde] resultante do ditongo
decrescente nasal atildew Neste caso eacute proacutepria vogal nasal que favorece a vogal
resultante da fusatildeo
Diferentemente do Portuguecircs em Latundecirc os ditongos natildeo se realizam em fim de
vocaacutebulos Desta forma o Portuguecircs falado por Latundecirc tende a seguir o que eacute
posto no Portuguecircs utilizando as vogais menos marcadas [satildegɾaɾɪ] ~ sangraram
[desaɾƱ] ~ deixaram
O que podemos verificar quanto agrave monotongaccedilatildeo eacute que em termos gerais o
Latundecirc natildeo transfere os traccedilos e caracteriacutesticas mais marcadas na liacutengua para o
Portuguecircs falado por eles
168
6112 Siacutencope em onset complexo de l e ɾ
A reduccedilatildeo do onset complexo em Portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute um processo
muito comum que se daacute devido a natildeo aceitaccedilatildeo de um segundo elemento no
onset Como podemos observar eacute um processo variante que estaacute atrelado agrave
reorganizaccedilatildeo da siacutelaba e que eacute passiacutevel de sistematicidade
De acordo com Telles (2002 p105) a estrutura silaacutebica do Latundecirc permite a
composiccedilatildeo de seis padrotildees V VC VCC CV CVC CVCC que se
incluem na extensatildeo (C)V(C)(C) que podem ser representados de acordo com
estrutura silaacutebica descrita abaixo
Figura 17 Estrutura silaacutebica do Latundecirc
Os elementos que se encontram entre parecircnteses satildeo opcionais Em Latundecirc as
sequecircncias CV V VC CVC VCC e CVCC ocorrem com frequecircncia
169
sendo os dois primeiros padrotildees os mais frequentes Isso nos mostra o quanto o
Latundecirc evita onsets complexos e codas
A estrutura silaacutebica do portuguecircs de acordo com Mattoso Cacircmara (1969) define
o molde silaacutebico CCVCC conforme figura abaixo
Figura 18 Estrutura silaacutebica do Latundecirc (Cacircmara-Juacutenior)
Seguindo a proposta de Mattoso Cacircmara com respeito agrave distribuiccedilatildeo interna dos
constituintes da siacutelaba as uacutenicas consoantes que preenchem a segunda posiccedilatildeo
do onset satildeo as liacutequidas l e ɾ A coda pode ser preenchida pelas consoantes l
e pelos arquifonemas R S N
No Latundecirc o grupo consonantal no onset natildeo eacute fonoloacutegico Entretanto eacute
atestada a ocorrecircncia dos [tɾ dɾ kɾ gɾ] no plano foneacutetico como resultado da
reduccedilatildeo em siacutelaba pretocircnica de sufixo nominal e verbal A formaccedilatildeo de onset
complexo eacute estrutura marcada no Latundecirc como tambeacutem interlinguisticamente
A estrutura mais complexa e menos frequente (marcada) do encontro consonantal
no onset tende a ser simplificada no portuguecircs falado pelos Latundecirc Como
170
podemos observar em (8) e (9) os grupos consonantais satildeo pronunciados como
um soacute elemento Trata-se do apagamento da tepe e da lateral liacutequida Eacute um
processo em acomodaccedilatildeo que estaacute diretamente ligado agrave faixa etaacuteria dos falantes
Assim os mais novos seguem a tendecircncia de pronunciar o onset complexo
diferentemente dos mais velhos
(8) [bi ka nƱ] brincando
[de tƱ] dentro
[kɛbapƱ] quebraram
[otƱ] outro
(9) [buza] blusa [biciketɪ] bicicleta Embora a reduccedilatildeo do onset complexo seja um fenocircmeno variaacutevel para algumas
variedades do portuguecircs as realizaccedilotildees acima natildeo correspondem agrave fala de
adultos sendo resultantes no processo da aquisiccedilatildeo da liacutengua
Jaacute entre os Latundecirc satildeo os mais velhos que apresentam a realizaccedilatildeo do onset
simplificado como um fenocircmeno variaacutevel conforme observamos em (10)
(10) [b ɾ ĩkarƱ] brincaram [sotildebrasotilde] assombraccedilatildeo [pɾimeɾɪ] primeiro
[febrƱ] febre [fɾɛsa] flecha
O rotacismo (l gt ɾ) da lateral presente em lsquoflecharsquo acima que eacute muito frequente
no portuguecircs menos escolarizado tambeacutem ocorre na fala dos indiacutegenas
171
6113 Apagamento da coda
Em portuguecircs quatro elementos podem ocupar a posiccedilatildeo de coda RSlN aleacutem
dos glides wj85 Em Latundecirc a coda pode ser ramificada e satildeo seis os
segmentos que podem preencher o espaccedilo da coda os glides w j aleacutem das
consoantes t h n Ɂ Como a coda pode ter ateacute duas posiccedilotildees preenchidas os
primeiros elementos satildeo sempre neste caso os glides w j Embora a coda da
siacutelaba fonoloacutegica possa ser preenchida pelas consoantes acima o Latundecirc eacute uma
liacutengua que evita coda na superfiacutecie O fenocircmeno que decorre dessa tendecircncia eacute o
alongamento compensatoacuterio (Clements e Hume 1995)
(11) [ˌn ˈh te]
ˈn h-ˈ Ɂ -te
lsquonossos peacutesrsquo
No dado acima podemos observar a natildeo realizaccedilatildeo da coda fricativa glotal h na
marca de posse ˈnu h- e da coda oclusiva glotal Ɂ o item lexical ldquopeacuterdquo ˈju Ɂ
Nos dois casos o apagamento da coda eacute compensado pelo alongamento
vocaacutelico No caso do morfema de posse ocorre a ressilabaccedilatildeo da coda fricativa
Do ponto de vista da marcaccedilatildeo a siacutelaba menos marcada eacute a que apresenta o
padratildeo CV (Hume 2004 p 183) O Latundecirc tem a tendecircncia a seguir esse
padratildeo de forma que para a liacutengua a coda embora fonoloacutegica eacute mais marcada
A simplificaccedilatildeo da estrutura mais marcada (presenccedila de coda) eacute transferida para
o portuguecircs Conforme os dados descritos abaixo os segmentos que mais satildeo
apagados em posiccedilatildeo de coda satildeo os glides j w e as consoantes h s Como o
85
Mattoso Cacircmara (1969) considera que os glides pertencem ao nuacutecleo Neste caso trata-se de um nuacutecleo ramificado
172
Latundecirc natildeo tem na sua estrutura silaacutebica a coda fricativa alveolar s esse
segmento natildeo eacute licenciado no portuguecircs dos indiacutegenas (dados em 13) Esse
fenocircmeno eacute categoacuterico na fala dos mais velhos e eacute variaacutevel na fala dos indiacutegenas
da geraccedilatildeo poacutes-contato
(12) [m to] muito [koɾƱ] couro
[voto] voltou (13) [dumi] durmir [pig ta] pergunta [pota] porta [kota] corta [pɛtƱ] perto
[kotildekorsquodo] concordou [barsquobudƱ] barbudo (14) [hipotildersquodew] respondeu [gorsquotozƱ] gostoso [iˈtɛla] Stella ([isˈtɛla])
A coda eacute um elemento universalmente marcado No Latundecirc a sua realizaccedilatildeo eacute
em menor frequecircncia do que o Portuguecircs apesar de sua larga presenccedila na
subjacecircncia O que percebemos ademais eacute que o apagamento do R e do s em
coda contribui para a elevaccedilatildeo da vogal meacutedia pretocircnica tautossilaacutebica conforme
os dados ldquocorta e portardquo em (12)
A regra abaixo sintetiza o comportamento da coda no portuguecircs dos Latundecirc
C ou V [oslash] coda
173
Como vimos no Portuguecircs falado por Latundecirc qualquer consoante ou vogal
poderaacute ser apagada em posiccedilatildeo de coda Esta regra tem se mostrado menos
produtiva nas faixas etaacuterias mais novas Nessas geraccedilotildees o apagamento eacute mais
produtivo quando coincide com a realizaccedilatildeo encontrada por nativos em
portuguecircs ([ˈfosa] lsquoforccedilardquo)
6114 Reduccedilatildeo do geruacutendio ndash Anteriorizaccedilatildeo da vogal final
A reduccedilatildeo do geruacutendio eacute um processo comum em alguns dialetos brasileiros
sobretudo em registro menos tenso Esse eacute mais um processo que resulta no
apagamento de segmentos No portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute praticamente
categoacuterica a ocorrecircncia da assimilaccedilatildeo da alveolar em geruacutendio
(15) [falatildenƱ] falando [b ɾ ĩgatildenƱ] brigando [kume nƱ] comendo
[bersquobe nƱ] bebendo
[sorsquo ɾ anƱ] chorando
[mersquosenƱ] mexendo [mi ti nƱ] mentindo
Por ser esse um fenocircmeno de larga frequecircncia no portuguecircs nativo entendemos
que a simplificaccedilatildeo segmental da estrutura gerundiva natildeo eacute surpreendente no
portuguecircs indiacutegena Entretanto na produccedilatildeo da geraccedilatildeo preacute-contato a
assimilaccedilatildeo total da oclusiva alveolar eacute acompanhada pela anteriorizaccedilatildeo da
vogal final conforme dados a seguir
174
(16) [dimuɾatildenɪ] demorando
[asinatildenɪ] ensinando [tiɾatildenɪ] tirando
[katildetatildenɪ] catando [kɾese nɪ] crescendo
Para anaacutelise das ocorrecircncias acima precisamos considerar a estrutura do
Latundecirc nessa liacutengua uma terminaccedilatildeo verbal altamente produtiva eacute o morfema
aspectual acentuado -ˈtatilden Esse morfema pode ser seguido pelo morfema de
modo neutro -i resultando nas sequecircncias -ˈtatildeni conforme exemplo abaixo
(17) [keˈja ˌdaˈɾatildeni]
keˈjat ˈta-tatilden-i milho deitar-imperfectivo-neutro
eacute milho deitado (espalhado no chatildeo)
Como no Latundecirc o verbo (e nome) natildeo termina em vogal posterior tal restriccedilatildeo
pode explicar a anteriorizaccedilatildeo do geruacutendio do portuguecircs
6115 Reduccedilatildeo das palatais nasal e lateral
A reduccedilatildeo das palatais nasal e lateral estaacute diretamente ligada agrave natildeo existecircncia
destes segmentos no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc No entanto Clements e
Hume (1995) em seus estudos apontam estes fonemas como complexos do ponto
de vista de seu comportamento
175
Os segmentos ɲ e ʎ satildeo consoantes mais marcadas A natildeo realizaccedilatildeo destas
consoantes no Latundecirc jaacute eacute um fator para a natildeo realizaccedilatildeo no Portuguecircs devido agrave
complexidade inerente de tais segmentos Enquanto segmentos mais complexos
as palatais satildeo sujeitas ao enfraquecimento atraveacutes da iotizaccedilatildeo (vocalizaccedilatildeo)
Mesmo no portuguecircs esse eacute um processo operante particularmente em
variedades populares Mattoso Cacircmara (1981 p 149) descreve que se trata de
ldquomudanccedila de uma vogal ou consoante para a vogal anterior alta i ou para a semivogal correspondente ou iode Nos falares crioulos portugueses haacute a iotizaccedilatildeo das consoantes molhadas ʎ e ɲ ex mulher gt muyeacute nhonho gt ioiocirc (africanismo)rdquo
Aleacutem da iotizaccedilatildeo o portuguecircs apresenta a despalatizaccedilatildeo da lateral em que ʎ
realiza-se [l] como em [muˈlɛ] lsquomulherrsquo
No portuguecircs dos Latundecirc o enfraquecimento se daacute mais frequentemente pela
iotizaccedilatildeo como em (18) Estas realizaccedilotildees ocorrem na fala dos mais velhos na
geraccedilatildeo anterior ao contato
18) [muˈjɛ] mulher
[baɾuj] barulho
[ojˈatildenƱ] olhando
[vimej] vermelho (19) [fila] filha [fola] folha
Weinreich (1953 p 18) explica que quando em sistemas foneacuteticos em contato
podem ocorrer os processos de reinterpretaccedilatildeo de fone que leva a substituiccedilatildeo
de segmento Eacute o que acontece nos exemplos acima
176
Em (20) e (21) o processo de despalatalizaccedilatildeo resulta no apagamento total da
palatal
(20) [miƱ] milho [fii] filho (21) [mia] minha A reduccedilatildeo tem menos restriccedilotildees se comparada com os fatos do portuguecircs falado
por nativo Em (20) as ocorrecircncias satildeo atestadas no portuguecircs enquanto primeira
liacutengua Diante da vogal posterior natildeo apenas o apagamento da palatal pode
ocorrer como tambeacutem o da siacutelaba inteira Em (21) observamos uma realizaccedilatildeo
particular dos Latundecirc em que a consoante palatal nasal eacute apagada plenamente
sem deixar vestiacutegio nasal na vogal que a precede Esse fato tem relaccedilatildeo com a
complexidade que envolve as nasais na liacutengua indiacutegena a qual natildeo coincide com
os processos existentes no portuguecircs
No caso de (22) ocorre o apagamento da siacutelaba em que se encontra a palatal
nasal do diminutivo eacute comum a variedades populares do portuguecircs
(22) [pikinĩnĩ ] pequenininho [faki ] faquinha
Como afirmamos no iniacutecio da seccedilatildeo os segmentos palatais natildeo existem em
Latundecirc o que torna sua produccedilatildeo no Portuguecircs falado pelos Latundecirc mais
marcada e de difiacutecil ocorrecircncia
177
6116 Afeacuterese
A afeacuterese eacute um processo foneacutetico que consiste na queda de elementos iniciais do
vocaacutebulo Este processo que fora responsaacutevel pelas modificaccedilotildees foneacuteticas do
Latim para o Portuguecircs ainda eacute atuante no estaacutegio atual da liacutengua
A queda da siacutelaba inicial es- em verbos como esperar e estar e do a- em
vocaacutebulos como aqui e acabar eacute muito comum em alguns dialetos brasileiros
Entretanto este tipo de delaccedilatildeo no portuguecircs falado pelos Latundecirc se expande
para outros vocaacutebulos da liacutengua conforme os exemplos abaixo
(23) [kutatildeni] escutando [kapa] escapa [kapo] escapou [peɾatildenƱ] esperando
[pi gada] espingarda
(24) [tupiw] entupiu [gatildeno] enganou [tehaɾƱ] enterraram
(25) [kɪ] aqui [lsquokelɪ] aquele [bɾasadƱ] abraccedilado
[meto] aumentou [korsquodadƱ] acordado [batildedono] abandonou [kaboʃe] acabou-se
(26) [fiɾe tɪ] diferente
[pitaw] hospital
178
Natildeo consta no inventaacuterio fonoloacutegico dessa liacutengua a presenccedila da fricativa alveolar
surda em posiccedilatildeo de coda Essa restriccedilatildeo eacute transferida para o portuguecircs falado
por Latundecirc conforme (23)
Outra razatildeo para esse fenocircmeno pode estar na estrutura prosoacutedica da palavra no
Latundecirc Nessa liacutengua as palavras satildeo monossilaacutebicas ou dissilaacutebicas Raiacutezes
com mais de duas siacutelabas satildeo raras (TELLES 2002) Associado a isso o acento
eacute morfoloacutegico em raiacutezes Nas dissilaacutebicas o acento recai na segunda siacutelaba
(27) [ˈmatilde ginĩde] ˈmatildejn-kiˈnĩn-te caju-redondo-Sufixo Nominal
lsquocastanha de cajursquo
No dado (27) encontramos exemplos de raiz monossilaacutebica e de raiz dissilaacutebica
Jaacute no portuguecircs haacute um nuacutemero relevante de palavras trissiacutelabas e polissiacutelabas
Diante disso a afeacuterese pode ser uma interferecircncia da estrutura do leacutexico da
liacutengua indiacutegena para simplificar a estrutura do portuguecircs - mais marcada no
Latundecirc Este fenocircmeno natildeo afeta o acento e eacute operante sobretudo quando a
siacutelaba inicial natildeo tem onset
6117 Apoacutecope
A apoacutecope eacute uma das formas de apagamento de segmentos que estaacute
relacionada assim como a afeacuterese a outros processos foneacuteticos
179
A queda de elementos finais eacute uma das formas de reduccedilatildeo ou reorganizaccedilatildeo
silaacutebica e de palavras Assim como nos demais processos a siacutelaba tocircnica eacute
preservada de qualquer alteraccedilatildeo
Embora alguns processos explicados aqui tratem da apoacutecope como a reduccedilatildeo do
geruacutendio e ditongo finais ou apagamento da nasal palatal a exemplo de (27)
estes exemplos jaacute foram mecionados nas seccedilotildees anteriores A presenccedila deles
aqui eacute para mostrar que os outros processos foneacuteticos resultam na apoacutecope
(28) [ ʒ rsquotaɾɪ] juntaram
[tursquodĩ] tudinho [ti ] tinha
[lsquovE ] velho [kabersquosĩ] cabecinha [lsquonatilde] natildeo [lsquomatilde] matildee (29) [lsquove] ver [lsquokɛ] quer (30) [nɔj] noacutes
[maj] mais [dirsquofisɪ] difiacutecil [dirsquofisƱ] difiacutecil [tatildersquome j] tambeacutem
(31) [virsquoa] viado [lsquoluɾɪ] Lurdes
[lsquote ] dele
Em (29) a apoacutecope do R final eacute processo muito comum no portuguecircs atual
Diante de tal explicaccedilatildeo natildeo nos cabe assegurar se o processo eacute proacuteprio do
180
Latundecirc ou se da variedade atraveacutes da qual os indiacutegenas adquiriram o portuguecircs
Os dados em (30) tambeacutem apontam para a interpretaccedilatildeo dos dados mostrados
em (29)
Em (31) os dados apresentam um apagamento incomum ao portuguecircs de
nativos A fala espontacircnea e natildeo tensa eacute uma possibilidade explicativa uma vez
que essas ocorrecircncias natildeo satildeo sistemaacuteticas
Os dados de apoacutecope natildeo evidenciam a transferecircncia de traccedilos mais marcados
do Latundecirc para o portuguecircs
6118 Siacutencope86
A forma mais comum deste processo se apresenta no portuguecircs nas
proparoxiacutetonas Em alguns dialetos a depender do contexto linguiacutestico eacute
categoacuterico a ocorrecircncia da reduccedilatildeo interna no vocaacutebulo
Nos exemplos elencados em (32) no caso das proparoxiacutetonas tal reduccedilatildeo eacute
motivada pelo padratildeo acentual do portuguecircs que permite com mais toleracircncia o
padratildeo paroxiacutetono ao proparoxiacutetono conforme Silva (2006 p78)
Quando ocorrente no Portuguecircs este processo estaacute relacionado ao apagamento
da vogal postocircnica medial Com a reduccedilatildeo vocaacutelica a consoante precedente
pode tomar dois caminhos i) eacute incorporado agrave siacutelaba tocircnica na posiccedilatildeo de coda ii)
86
Os exemplos apresentados demonstram que o processo ocorrente eacute muito mais motivado pelo
Portuguecircs do que pelo Latundecirc A nossa classificaccedilatildeo fica aqui a caraacuteter de registro
181
passa a onset da siacutelaba aacutetona seguinte o que afeta sua constituiccedilatildeo O
apagamento vocaacutelico resulta em uma palavra paroxiacutetona
(32) [lsquomuʒka] muacutesica [lsquohapƱ] raacutepido [lsquokOʃka] coacutecega [lsquoavɾɪ] aacutervore
Entendemos que muitas destas ocorrecircncias no Latundecirc se datildeo pelo portuguecircs de
contato Isso eacute confirmado pela produccedilatildeo de ldquomuacutesicardquo e ldquocoacutecegardquo que licencia
uma restriccedilatildeo forte no Latundecirc a fricativa sibilante em coda Aleacutem disso a
produccedilatildeo de ldquoraacutepidordquo ([ˈhapƱ]) tambeacutem coincide com a realizaccedilatildeo encontrada no
portuguecircs popular na qual a consoante em onset da siacutelaba apagada passa a
onset da siacutelaba seguinte devido agrave restriccedilatildeo no portuguecircs de onda oclusiva
612 Ganho de elementos (Inserccedilatildeo de elementos)
Embora em menor nuacutemero os processos que resultam em ganhos de elementos
tambeacutem ocorrem no Portuguecircs falado pelos Latundecirc Satildeo poucos os processos e
menores ainda os casos em que eles ocorrem Isso pode ser explicado como jaacute
fora dito devido ao fato de as liacutenguas em geral terem um dinamismo proacuteprio que
favorece mais agrave perda do que o ganho de elemento Em alguns casos a
motivaccedilatildeo para o ganho de material foneacutetico satildeo as restriccedilotildees fonotaacuteticas da
liacutengua e ou a tendecircncia agrave formaccedilatildeo de padratildeo silaacutebico menos marcado No caso
do portuguecircs de acordo com Collischonn (2004 p 67) um tipo de ganho de
material precisamente a epecircntese vocaacutelica
ocorre mais quando a consoante perdida estaacute em posiccedilatildeo pretocircnica como em objeto magneacutetico e opccedilatildeo ocorrendo em apenas 24 dos vocaacutebulos na posiccedilatildeo postocircnica em palavras como egiacutepcios eacutetnico ou ritmo Mais especificamente estes resultados mostram que a epecircntese que em outros contextos
182
ocorre numa taxa bastante alta eacute dramaticamente reduzida em posiccedilatildeo postocircnica
Exemplos do que a autora descreve seguem apresentados abaixo em (33) O
primeiro dado traz a inserccedilatildeo da vogal epenteacutetica default no portuguecircs a anterior
alta [i] e a segundo natildeo ocorrecircncia da inserccedilatildeo
(33) [lsquoabiˈsuhdƱ] absurdo [koˈlapisƱ] colapso
A epecircntese vocaacutelica nos dados examinados natildeo foi muito expressiva sobretudo
pelo fato de natildeo termos encontrado um nuacutemero significativo de palavras com
encontro consonantal no leacutexico dos indiacutegenas Entretanto alguns casos como em
(34) ilustram a ocorrecircncia no portuguecircs dos Latundecirc
(34) [ˈmɔgunƱ] mogno (35) [piˈnew] pneu
A estrutura que favorece a epecircntese no portuguecircs natildeo faz parte das regras
fonotaacuteticas do Latundecirc o que tambeacutem pode favorecer a vogal epenteacutetica nos
dados observados
(36) [haacutersquopazɪ] rapaz [haacutersquopazƱ] rapaz [parsquope sɪ] papeacuteis [dorsquose zɪ] de vocecircs [lsquonͻ zɪ] noacutes
183
Diferentemente do que ocorre em (34 - 35) os dados de (36) nos direcionam para
a paragoge processo que se caracteriza pela inserccedilatildeo de elemento(s) no final do
vocaacutebulo Este processo tambeacutem estaacute diretamente ligado agrave presenccedila da fricativa
alveolar desvozeada em coda sendo esse segmento proibido nessa posiccedilatildeo no
Latundecirc No caso citado a inserccedilatildeo pode ser da vogal alta posterior rapaz
[hapazƱ] mas a preferecircncia eacute pela vogal alta anterior que eacute a vogal menos
marcada [hapazɪ] rapaz noacutes [lsquonͻ zɪ]
Em (37) o processo de paragoge ocorre apoacutes o processo de monotongaccedilatildeo
ocorrendo no ditongo [atildew] que passa a ser realizado como a vogal nasal meacutedia
posterior conforme discutido em 5111 Apoacutes esse processo haacute a inserccedilatildeo do
consoante nasal seguida da vogal alta anterior A paragoge eacute variaacutevel com a
reduccedilatildeo do ditongo ([tubaˈɾotilde]) A inserccedilatildeo da siacutelaba final [-ni] pode decorrer da
existecircncia produtiva de terminaccedilatildeo sonora semelhante em vocaacutebulos (nominais e
verbais) no Latundecirc
(37) [tubarsquoɾotildenɪ] tubaratildeo
Em (38) o processo ocorrente eacute a proacutetese Se para o processo inverso - a afeacuterese
- os dados satildeo em maior quantidade para a proacutetese satildeo pouquiacutessimos os
contextos em que ela ocorre No caso deste exemplo a proacutetese se daacute a presenccedila
da vogal baixa diante do verbo Este tipo de proacutetese eacute bem recorrente no
Portuguecircs em dados como ([alemˈbra]) Entretanto o caraacuteter pontual da
ocorrecircncia do fenocircmeno natildeo favorece uma interpretaccedilatildeo mais segura
(38) [atorsquomaɾu] tomaram
184
Outra forma de ganho de elementos pode ser o prolongamento da vogal final O
exemplo de (39) nos mostra o prolongamento da vogal meacutedia anterior Essa
ocorrecircncia foi observada no contexto especiacutefico de ecircnfase
(39) [dese] desse [se] esse
613 Alteraccedilatildeo de elementos (Permuta ou transposiccedilatildeo)
A alteraccedilatildeo de elementos linguiacutesticos eacute considerada na literatura histoacuterica como o
terceiro tipo de alternacircncia focircnica inerente agraves liacutenguas Os contextos em que o
cacircmbio eacute permitido satildeo diversos e direcionados por distintas regras fonoloacutegicas
Muitos desses processos natildeo alteram a estrutura silaacutebica nem atinge a estrutura
lexical O que ocorre de fato eacute a acomodaccedilatildeo de alguns segmentos no dialeto
falado seja pela mudanccedila de traccedilo(s) ou seja pela de segmento(s)
6131 Despalatalizaccedilatildeo de [ʃ] e [ʒ]
Tratamos na seccedilatildeo 5115 do processo da reduccedilatildeo das palatais [ʎ] e [ɳ] que
tambeacutem se configura como um caso de despalatalizaccedilatildeo Todavia tal
classificaccedilatildeo se daacute devido ao fato de estaacute ligada agrave perda de elementos enquanto
a que trataremos agora se configura da permuta ou da reduccedilatildeo de traccedilos
185
Em Latundecirc a presenccedila das palatais [ʃ] e [tʃ] satildeo realizaccedilotildees de s Estas podem
vir em iniacutecio e em meio de palavras As realizaccedilotildees [ʃ] e [s] satildeo preferidas pelos
mais novos enquanto os mais velhos optam pela africada alveolo-palatal surda
Diferentemente no Portuguecircs falado por Latundecirc as realizaccedilotildees natildeo
palatalizadas satildeo preferidas Os Latundecirc natildeo transferem o segmento mais
marcado para o Portuguecircs Contudo conforme seccedilatildeo a seguir veremos que este
processo eacute variaacutevel e pode se dar em qualquer posiccedilatildeo do vocaacutebulo conforme
dados de (40)
(40) [sersquogo] chegou [sersquogamƱ] chegamos [sorsquoɾanƱ] chorando [sursquopaha] chupava [satildematildedƱ] chamando [dersquosaɾƱ] deixaram [casueɾƱ] cachoeira
[mersquosenƱ] mexendo [bisƱ] bicho [baso] baixo [debasƱ] debaixo [lsquopesƱ] peixe [dirsquoso] deixou
Natildeo consta no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc as consoantes z e ʒ de forma
que a liacutengua natildeo apresenta oposiccedilatildeo entre surda e sonora para as fricativas
sibilantes Em (41) o processo de despalatalizaccedilatildeo atinge a fricativa alveopalatal
vozeada que passa a se comportar como fricativa alveolar em iniacutecio de siacutelaba e
em meio de palavras
(41) [lizeɾƱ] ligeiro
186
[lsquolotildezɪ] longe [lsquosuzɪ] suja [lsquosuzu] sujo [azursquoda] ajudar [lsquozudia] judia [azersquota] ajeitar
A escolha do segmento menos marcado segue o que ocorreu com s a
realizaccedilatildeo desses segmentos satildeo adquiridos analogicamente e a presenccedila se daacute
no interior do vocaacutebulo Trata-se da reinterpretaccedilatildeo e acomodaccedilatildeo do segmento
Neste caso do menos marcado jaacute que ambos satildeo menos naturais em sua liacutengua
(WEINREICH 1953)
6132 Palatalizaccedilatildeo
A quantidade de sons palatais do Latundecirc natildeo corresponde aos do Portuguecircs
Em Latundecirc a palatalizaccedilatildeo eacute um processo foneacutetico que ocorre com o segmento
s e em incidecircncia extremamente escassa com t em ambientes que jaacute foram
postos no Capiacutetulo IV que trata deste sistema foneacutetico Eacute um processo bastante
variaacutevel tendo em vista a natildeo presenccedila desse segmento na subjacecircncia da
liacutengua Essa variaccedilatildeo ocorre marcadamente na fala dos mais velhos Os mais
jovens que adquiriram ambas as liacutenguas (Portuguecircs e Latundecirc)
simultaneamente produzem em menor proporccedilatildeo este processo
A africada [tʃ] eacute um segmento que tambeacutem apresenta uma realizaccedilatildeo altamente
variaacutevel provavelmente devido agrave histoacuteria interna da liacutengua conforme Telles
187
(2002 p85) No Latundecirc natildeo haacute diferenccedila entre a oposiccedilatildeo foneacutetica entre as
alveolares de um lado e as palatais e alveacuteolo-palatais de outro
Em (42) e (43) a palatalizaccedilatildeo atinge tanto a fricativa alveolar vozeada quanto a
desvozeada
(42) [ʃu rsquomiɾƱ] sumiram
[ lsquoʃi ma] cima
[ʃigursquoɾow] segurou
(43) [lsquoua] usa
[bursquoʒoɾƱ] Besouro
Em (44) e (45) a palatalizaccedilatildeo abrange as consoantes oclusivas alveolares que
se realizam como africadas alveolo-palatais podendo ocorrer em qualquer
posiccedilatildeo ou contexto da palavra
(44) [lsquoĩdƱ] iacutendio
[matildersquodɔga] mandioca
[ɛrsquoĩ] zezinho
[odʒɪ] hoje [tʃi rsquodʒeɾƱ] cinzeiro
Embora no Portuguecircs o processo de africativizaccedilatildeo de oclusivas alveolares [t d]
seja comum a alguns dialetos como o do Rio de Janeiro [lsquotʃia] e do portuguecircs
popular no Nordeste [lsquoojtʃƱ] sua ocorrecircncia eacute condicionada agrave contiguidade de uma
vogal anterior alta [i] Diferentemente em Latundecirc a palatalizaccedilatildeo e a
188
fricativizaccedilatildeo variam entre si e ocorrem tambeacutem com a fricativa alveolar s Este
processo pode ocorrer em qualquer lugar da palavra
(45) [tʃai] sair [tʃiɾi ga] seringa
[barsquotʃotilde] batom [tʃͻ] soacute [tʃumiɾƱ] sumiram
[tʃobɾo] sobrou
[arsquotʃi ] assim
[tʃubi nƱ] subindo
[pɔtʃa] porta
[rsquotʃua] suja
Os exemplos de (46) apontam para um processo secundaacuterio o fortalecimento
Neste caso a fricativa alveopalatal passa a ser pronunciada como africada
(46) [ tʃoɾatildenƱ] chorando [tʃama] chama [tʃega] chega [ tʃursquoveɾƱ] chuveiro [kaharsquopitʃƱ] carrapicho
No que tange agrave abordagem das palatais a variaccedilatildeo no processo de acomodaccedilatildeo
desses inventaacuterios fonoloacutegicos eacute muito grande A partir das incidecircncias
percebemos que no Portuguecircs resultante do contato a ocorrecircncia desses
segmentos complexos se mostra tambeacutem na mesma proporccedilatildeo
Diante da palatalizaccedilatildeo incluindo a africativizaccedilatildeo observamos que os dados
apresentam duas direccedilotildees quanto ao processo Nos mesmos contextos tanto
ocorre a despalatalizaccedilatildeo quanto a palatalizaccedilatildeo Essa variaccedilatildeo no portuguecircs dos
189
indiacutegenas eacute engatilhada pela ausecircncia do contraste szʃʒ em sua primeira
liacutengua
6133 Desvozeamento e vozeamento
Diferente do portuguecircs no Latundecirc natildeo haacute oposiccedilatildeo das oclusivas quanto agrave
sonoridade As consoantes oclusivas subjacentes satildeo as surdas bilabial alveolar
e velar p t e k respectivamente Sua realizaccedilatildeo sonora eacute condicionada pela
posiccedilatildeo na palavra pelo ambiente (contiguidade nasal) e pelo acento O
vozeamente obrigatoacuterio ocorre quando elas precedidas por consoante nasal na
coda da siacutelaba anterior O processo ocorre tanto no interior quanto em fronteiras
de morfemas (TELLES 2002 p135)
A ausecircncia do contraste surdo-sonoro nas consoantes oclusivas do Latundecirc afeta
a realizaccedilatildeo das consoantes no portuguecircs resultante do contato Na produccedilatildeo dos
indiacutegenas mais velhos (esse fenocircmeno natildeo foi observado na geraccedilatildeo mais
jovem) o processo de desvozeamento atinge as consoantes oclusivas sonoras g
d do portuguecircs conforme (47) e (48)
A realizaccedilatildeo sonora Latundecirc envolve o traccedilo laringal Foneticamente em fala
lenta haacute a realizaccedilatildeo de [d] como alofone de t Telles (2002 p 45) explica que
os falantes mais jovens da geraccedilatildeo poacutes-contato que adquiriram o Portuguecircs
simultaneamente ao Latundecirc neutralizaram o contraste entre sons realizando
preferencialmente o som menos marcado natildeo-implodido Diferentemente dos
mais novos os mais velhos preferem o som implosivo [ɗ]
190
Quanto ao segmento [g] o Latundecirc o tem enquanto alofone de [k] e pode ser
encontrado em iniacutecio de palavra quando em fala raacutepida Mostra-se categoacuterico em
meio de palavra quando diante de uma nasal lexical Em ambiente intervocaacutelico
pode-se encontrar a variaccedilatildeo entre [k] e [g] das quais eacute preferencial a realizaccedilatildeo
da vogal surda (idem p73) A falta do contraste no Latundecirc explica as
realizaccedilotildees de (47)
(47) [lsquobɾika] briga [lsquokoʃta] gosta [kɔviotilde] gaviatildeo
[katildersquoba] gambaacute
A ausecircncia do segmento [d] em Latundecirc eacute a responsaacutevel pela variaccedilatildeo e pela natildeo
realizaccedilatildeo dessa consoante que ocorre como oclusiva alveacuteolo-palatal t
(48) [tipoj] depois [se rsquotatu] sentado
(49) [hatildega] arranca
Em (49) diferentemente do processo de desvozeamento a oclusiva velar se
realiza como sonora A contiguidade nasal em posiccedilatildeo precedente condiciona o
vozeamente da oclusiva velar
Em todos os casos observados acima fica evidente a interferecircncia do Latundecirc no
portuguecircs indiacutegena As consoantes sonoras que satildeo mais marcadas
interliguisticamente por natildeo fonoloacutegicas no Latundecirc se tornam ainda mais
marcadas nessa liacutengua Na produccedilatildeo do portuguecircs os Latundecirc mais velhos
191
preservam a marcaccedilatildeo e apresentam uma realizaccedilatildeo com condicionamento
emprestado da liacutengua indiacutegena
6134 Abaixamento e Elevaccedilatildeo das Vogais Orais
No portuguecircs falado pelos Latundecirc os processos de abaixamento e elevaccedilatildeo
diferenciam-se dos contextos em que ocorrem no portuguecircs Os de elevaccedilatildeo satildeo
em maior nuacutemero que os de abaixamento fato este tambeacutem verificado no
portuguecircs falado pelos Latundecirc
No caso de (50) o uacutenico caso de abaixamento ocorre na vogal anterior nasal e
que passa a ser pronunciada como vogal baixa oral
(50) [asina] ensinar [asinatildenɪ] ensinando
Em (51) a elevaccedilatildeo ocorre com a vogal central baixa final que passa a alta
anterior
(51) [suzɪ] suja [kazɪ] causa [kazɪ] casa [li gɪ] liacutengua
[pɾersquogisɪ] preguiccedila
Assim como em (51) em (52) a elevaccedilatildeo da vogal final tambeacutem eacute realizada como
alta anterior No segundo caso natildeo se trata de elevaccedilatildeo mas de anteriorizaccedilatildeo
uma vez que a vogal meacutedia posterior que ocorre em nomes no portuguecircs eacute
realizada como alta posterior
192
(52) [li pɪ] limpo
[kotildemɪ] como [pɾeti] preto
[saɾatildepɪ] sarampo
[pɾimeɾɪ] primeiro
[morsquosegɪ] morcego [morsquohe dɪ] morrendo
[novɪ ] novo
[kursquoɳadɪ] cunhado [otɪ] outro [fikatildenɪ] ficando
A elevaccedilatildeo e posteriorizaccedilatildeo tambeacutem ocorrem no final dos vocaacutebulos como em
(53)
(53) [kabesƱ] cabeccedila [kanɛlƱ] canela
[mini nadƱ] mininada
[malaɾƱ] malaacuteria
[kursquoru Ʊ] coruja
Em (54) temos tambeacutem a posteriorizaccedilatildeo da alta anterior Assim como a meacutedia
posterior em (52) a meacutedia anterior no portuguecircs eacute amplamente produzida como
alta anterior de forma que o alccedilamento em si natildeo se configura como um
processo do portuguecircs do contato
(54) [hedƱ] rede [bastatildetƱ] bastante [pesƱ] peixe [notƱ] noite [febɾƱ] febre
193
Apesar de natildeo encontrarmos itens que mostrassem a sistematicidade do
condicionamento entre [i] e [u] em final de palavras os dados nos mostram que
haacute uma tendecircncia na base das realizaccedilotildees Os vocaacutebulos terminados em [Ʊ]
tendem a ser produzidos com [ɪ] e os terminados por [a] tendem a ser realizados
com [Ʊ]
Nos dados observados a variaccedilatildeo entre [i] e [Ʊ] soacute ocorre em final de vocaacutebulo
quando se trata da paragoge conforme visto nos exemplos (36) em 512
[harsquopazɪ] ~ [harsquopazʊ]
Os dados em (55) ilustram a falta de regularidade no alccedilamento das vogais
pretocircnicas Como vemos em [fuˈkatildemƱ] e [virsquome ] a tonicidade ou a contiguidade
segmental natildeo condiciona a elevaccedilatildeo da pretocircnica
(55) [pig ta] pergunta [piskosƱ] pescoccedilo [hirsquopotildedew] respondeu [pigu rsquotatildenɪ] perguntando
[dimorsquoɾo] demorou
[virsquome ] vermelho [dimursquoɾatildenɪ] demorando
[fuˈkatildemƱ] ficamos
[kuˈmiw] comeu
194
6135 Nasalizaccedilatildeo e Desnasalizaccedilatildeo
No Latundecirc a nasalidade vocaacutelica eacute contrastiva para a central baixa a anterior
alta e a posterior alta seguidas por consoante nasal tautossilaacutebica A nasalizaccedilatildeo
alofocircnica soacute ocorre com vogais aacutetonas Apesar de a organizaccedilatildeo do traccedilo nasal
na fonologia do Latundecirc ser distinta da do portuguecircs o status contrastivo do traccedilo
em ambas as liacutenguas favorece sua percepccedilatildeo e realizaccedilatildeo na produccedilatildeo na sala
no portuguecircs Entretanto a nasal depende tambeacutem de outros fenocircmenos
cooperantes
Os dados a seguir ilustram a ocorrecircncia da nasalizaccedilatildeo em vogais A
contiguidade da vogal com uma consoante nasal mesmo heterossilaacutebica pode
resultar na nasalizaccedilatildeo O primeiro dado abaixo foge do esperado em liacutengua
portuguesa e tampouco decorre de uma interferecircncia do Latundecirc
(56) [mersquoatilde] meia [bɾĩrsquogatildenƱ] brigando [ʃu miɾƱ] sumiram
[mi mƱ] mesmo
Em (57) ocorre a desnasalizaccedilatildeo em palavras funcionais Esses casos natildeo satildeo
frequentes no leacutexico e natildeo podem ser analisados como resultados de interferecircncia
direta O apagamento da nasal em coda ou em onset seguinte impede a
nasalizaccedilatildeo
(57) [nɪ] nem (natildeo) [mia] minha
195
6136 Fenocircmenos evolvendo os roacuteticos
O tratamento do roacutetico requer uma consideraccedilatildeo sobre o seu comportamento
interlinguiacutestico Retomando as palavras de Bonet e Mascaroacute (1997 p 103)
It is well know that the phonetic realization of rhotics varies considerably from language to language even from dialect to dialect Rhotics can be realized as flaps taps trills (uvular coronal ou bilabial) or as assibilated or fricative variants They ca alternate with a lateral liquid with glides and in some cases a flap can occur as the phonetic realization of a coronal stop in specific environments
Os roacuteticos satildeo segmentos que apresentam uma grande variaccedilatildeo no portuguecircs
Natildeo diferentemente estes elementos tambeacutem se mostraram como motivadores
de vaacuterios processos fonoloacutegicos do portuguecircs falado pelos Latundecirc
Os exemplos dispostos em (58) apontam para a aspiraccedilatildeo do R em coda
silaacutebica Processo este que eacute comum a variedades do portuguecircs e que tambeacutem
no caso em tela pode ser motivado pela preferecircncia de natildeo coda da liacutengua
Latundecirc que favorece o seu enfraquecimento atraveacutes de uma realizaccedilatildeo fricativa
glotal
(58) [duhmɪ] Dormi [mɛgursquola] mergulhar
[fosa] Forsa
O rotacismo eacute um fenocircmeno presente no portuguecircs dos Latundecirc especialmente
entre os mais velhos Fonemas distintos podem sofrer o processo Em (59) a
realizaccedilatildeo do flap tem na base uma sibilante uma lateral palatal e uma oclusiva
196
alveolar Em ldquotrabalhavardquo a lateral palatal inexistente no Latundecirc poderia ser
subtituida pela lateral alveolar constante do inventaacuterio da liacutengua indiacutegena
Entretanto o flap apesar de natildeo fonoloacutegico no Latundecirc eacute um segmento muito
frequente na liacutengua decorrente de processo de enfraquecimento Essa tendecircncia
do Latundecirc pode estar na base da realizaccedilatildeo do portuguecircs Dentre as ocorrecircncias
abaixo a uacuteltima se coloca como um processo frequente no proacuteprio Latundecirc no
qual uma oclusiva passa a flap em ambiente intervocaacutelico
(59) [karsquoboɾe] acabou-se
[tabaɾava] trabalhava
[poɾɪ] pode
Em Portuguecircs particularmente falado por sujeitos menos escolarizados o
fenocircmeno do rotacismo tambeacutem eacute frequente em encontros consonantais
tautossilaacutebicos em que a segunda consoante eacute a lateral alveolar l Dessa forma
produccedilatildeo encontrada em (60) pode ser devido ao contato com o Portuguecircs local
(60) [pɾatildeta] planta
[gɾɛba] gleba
[fɾɛsa] flecha
Em termos da organizaccedilatildeo da fonologia de ambas as liacutenguas os dados em (60)
assim como aqueles em (59) podem ser refletidos a partir da escala de
sonoridade proposta por Bonet e Mascaroacute (1997 p 109)
197
Quadro 21 Escala de Sonoridade adaptada de Bonet e Mascaroacute 1997 p 109)
0 1 2 3 4
Obstruintes
(oclusivas
fricativas trill)
nasais laterais glides
flap
vogais
Considerando a posiccedilatildeo do flap na escala de Bonet e Mascaroacute podemos
interpretar tanto o rotacimo no portuguecircs natildeo padratildeo quanto aquele presente no
Latundecirc como resultado de enfraquecimento de diferentes segmentos situados
mais agrave esquerda no ranking de sonoridade Entre esses segmentos como
observamos na escala acima encontra-se a proacutepria lateral alveolar que apesar
de tradicionalmente formar a classe das liacutequidas ao lado dos roacuteticos natildeo
apresenta a mesma sonoridade que o flap
6137 Labializaccedilatildeo e Deslabializaccedilatildeo
No Portuguecircs falado pelos Latundecirc os processos que envolvem articulaccedilatildeo
secundaacuteria especificamente a labializaccedilatildeo e a deslabializaccedilatildeo estatildeo
relacionados agraves consoantes oclusivas velares e se realizam praticamente nos
mesmos contextos Trata-se de um processo foneacutetico variaacutevel
(61) [kƱɪ] que [kƱelɪ] com ele (62) [kazɪ] quase [katildedƱ] quando
198
[karsquokƱɛ] qualquer
[li gɪ] liacutengua
No Latundecirc a labializaccedilatildeo pode ser derivada de processo mas eacute restrita em
ocorrecircncia Aleacutem disso a sequecircncia da olusiva seguida do glide formando
encontro consonantal tambeacutem natildeo faz parte da fonologia do Latundecirc Esses fatos
favorecem a produccedilatildeo irregular do portuguecircs em que observamos a
deslabializaccedilatildeo (ou o apagamento do glide) como em (62) e a labializaccedilatildeo (ou
inserccedilatildeo do glide) em (61)
6138 Metaacutetese
A alternacircncia de segmentos no portuguecircs falado pelos Latundecirc pode ocorrer
entres siacutelabas diferentes ou entre elementos da mesma siacutelaba Aleacutem disso
ocorre nas duas direccedilotildees (da esquerda para a direita e da direita para a
esquerda)
(63) [bahiƱ] bairro [fɾevenƱ] fervendo [parsquoguo] apagou
Como vemos acima no primeiro dado de (63) ocorre natildeo apenas a metaacutetese
como tambeacutem o avanccedilo do acento resultando numa palavra oxiacutetona Nos demais
dados a tranposiccedilatildeo segmental natildeo interfere na estrutura suprassegmental O
segundo dado de ldquofervendordquo eacute tiacutepico do portuguecircs e pode decorrer da variedade
de contato sobretudo pelo fato de o onset complexo natildeo fazer parte da liacutengua
indiacutegena Em ldquoapaguordquo a metaacutetese resulta na labializaccedilatildeo da oclusiva velar Essa
199
forma de palavra tem como realizaccedilatildeo foneacutetica frequente mesmo no portuguecircs
nativo a monotongaccedilatildeo Nesse caso a metaacutetese resulta de processo irregular e
pontual nos dados observados
Como vimos nas seccedilotildees anteriores os resultados da metaacutetese natildeo correspondem
a estruturas fonoloacutegicas no Latundecirc sendo sua ocorrecircncia derivada de processo
foneacutetico sem condicionamento prosoacutedico
6139 Siacutestole
Alguns casos de siacutestole em que ocorre o recuo do acento foram encontrados na
fala dos mais velhos Natildeo identificamos contexto linguiacutestico como o
sequenciamento focircnico do enunciado fonoloacutegico que justificasse essas
realizaccedilotildees Considerando o fato de a produccedilatildeo ter sido encontrada apenas na
fala da geraccedilatildeo mais velha e de o acento lexial no Latundecirc ser morfoloacutegico
ancorado em uma das duas promeiras siacutelabas da raiz da palavra (TELLES 2002)
eacute plausiacutevel supor uma interferecircncia do padratildeo acentual da liacutengua indiacutegena no
portuguecircs dos Latundecirc Os dados em (64) evidencia o recuo do acento
(64) [mɔhe] morrer
[kalo] calor [katɪ] quati [pega] pegar
Nos dados acima importa considerar tambeacutem o fato de se tratarem de itens
nominais (incluindo as formas nominais dos verbos) Diante disso uma analogia
possiacutevel dos Latundecirc seria a de considerar a raiz monossilaacutebica que eacute altamente
200
produtiva na liacutengua indiacutegena o que tambeacutem justificaria o acento na primeira
siacutelaba da palavra
61310 Fortalecimento
Casos de fortalecimento jaacute foram abordados nas seccedilotildees anteriores em que
tratamos da palatalizaccedilatildeo e da dessonorizaccedilatildeo Nesta seccedilatildeo outro fenocircmeno de
fortalecimento eacute apresentado no qual ocorre a oclusivizaccedilatildeo de fricativas
Salientamos entretanto que essas foram realizaccedilotildees mais esporaacutedicas e menos
recorrentes que as demais
(65) [istubidƱ] subindo [tiguɾa] segura
[torsquoteɾƱ] solteiro
[batitaɾƱ] batizaram
O processo ocorre no iniacutecio e em meio de palavra No primeiro dado em fato haacute
uma epecircntese da oclusiva alveolar surda [t] tendo em vista a preservaccedilatildeo de uma
sutil sibilaccedilatildeo do s em coda da siacutelaba precedente
Na fonologia do Latundecirc o fonema s tem como alofone o fone [t] que ocorre em
siacutelaba aacutetona (TELLES 2002) Embora essa natildeo seja a realizaccedilatildeo mais frequente
a interferecircncia do Latundecirc natildeo pode ser desconsiderada Em todos os dados de
(65) haacute a presenccedila de segmento oclusivo em siacutelaba contiacutegua que tambeacutem pode
ter motivado o fortalecimento do s
201
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
No que concerne agraves poliacuteticas linguiacutesticas diante do glotociacutedio que tem se
instaurado no Brasil desde a chegada dos portugueses dado o estado em que se
encontram as liacutenguas indiacutegenas brasileiras eacute de grande valia qualquer estudo
que vise agrave contribuiccedilatildeo e que favoreccedila natildeo soacute a proteccedilatildeo como o conhecimento
cientiacutefico dessas liacutenguas
O Latundecirc como jaacute mencionamos eacute uma dessas liacutenguas minoritaacuterias Ela se
encontra em extinccedilatildeo uma vez que hoje dispotildee de menos de 20 falantes com
autonomia poliacutetica Devido agrave populaccedilatildeo restrita e agraves relaccedilotildees tradicionais de
parentesco os jovens Latundecirc natildeo podem coabitar entre si de forma que a
interaccedilatildeo com o mundo externo eacute a via de perpetuaccedilatildeo social e ao mesmo
tempo de crescente e natildeo planejado contato linguiacutestico Tais circunstacircncias
implicam a urgecircncia de mais estudos sobre a realidade desse povo
Entedemos que estudar as liacutenguas menos conhecidas eacute de grande valia para o
incremento da ciecircncia linguiacutestica A investigaccedilatildeo de cada nova liacutengua eacute uma
maneira de conceber a linguagem humana e de contribuir dessa forma com os
universais linguiacutesticos e com o entendimento da faculdade humana da linguagem
(CAcircMARA-JR 1977 p6)
Seja entre si ou em contato com outras estas liacutenguas natildeo estatildeo (ou natildeo
estiveram) suficientemente isoladas para evitar algum tipo de proximidade
Thurston (1987 p 165) propaga que toda liacutengua deve ter sofrido alguma
202
influecircncia de seus vizinhos em um determinado ponto e tempo Todos os idiomas
satildeo portanto liacutenguas mistas na medida em que todos copiaram formas lexicais e
outros recursos linguiacutesticos de liacutenguas vizinhas
Thomason (2001 p 17) afirma que o contato linguiacutestico estaacute em toda a parte
muitos paiacuteses tecircm mais do que uma liacutengua oficial e muito provavelmente a maior
parte da populaccedilatildeo mundial fala duas ou mais liacutenguas
Contudo mesmo em grande quantidade os estudos que se encarregam da
observaccedilatildeo do contato linguiacutestico se debruccedilam ainda timidamente nos aspectos
foneacuteticos Com base nesta assertiva este trabalho se propocircs a observar como se
daacute o comportamento entre o Portuguecircs e o Latundecirc a partir da verificaccedilatildeo dos
padrotildees mais e menos marcados nos processos foneacuteticos de acomodaccedilatildeo Eacute um
estudo descritivo em que o Portuguecircs eacute a segunda liacutengua mesmo em face de seu
caraacuteter nacional Essa pluralidade linguiacutestica ainda existente no paiacutes demanda a
concretizaccedilatildeo das poliacuteticas a favor da salvaguarda da diversidade no planeta
Posto que toda liacutengua sofra influecircncia das forccedilas internas e externas que agem
sobre ela partimos do pressuposto de que em qualquer pesquisa linguiacutestica natildeo
encontraremos nada de extraordinaacuterio nada que exceda a experiecircncia do
humano Dessa sorte vamos encontrar () uma estrutura linguiacutestica como
qualquer outra e em muita coisa ateacute possivelmente semelhante agrave nossa
(MATTOSO CAcircMARA-JR 1977 p7)
E quando sistemas entram em contado fenocircmenos emergentes podem ajudar a
esclarecer os princiacutepios e as restriccedilotildees que regem as liacutenguas particulares Com
base na complexidade e na riqueza que advecircm do contato linguiacutestico analisamos
203
estas forccedilas conflitantes com base nos princiacutepios de hierarquizaccedilatildeo e
regularidade que satildeo forccedilas motrizes da marcaccedilatildeo nos processos foneacuteticos Aleacutem
do fator tempo outros aspectos podem estar diretamente ligados agraves
transformaccedilotildees pelas quais uma liacutengua passa como relaccedilotildees de poder
influecircncias de outras liacutenguas subjetividade de seus falantes etc
A marcaccedilatildeo estaacute diretamente ligada agrave simetria frequecircncia e naturalidade
Entretanto Rice (2007) apresenta as caracteriacutesticas da marcaccedilatildeo agrupando-as
em dois conjuntos O primeiro envolve os termos relativos a uma marcaccedilatildeo
considerada natural ou pautada na frequecircncia e diz respeito em larga medida a
ldquophonetic basis of an oppositionrdquo Nele se encontram oposiccedilatildeo como ldquomais ou
menos naturalrdquo ldquomais ou menos complexordquo ldquomais ou menos estaacutevelrdquo ldquosujeito agrave
aquisiccedilatildeo mais ou menos tardiardquo etc (Rice 2007 p 81) O segundo grupo eacute
relativo a comportamentos de sistemas fonoloacutegicos como ser ldquosujeito ou
resultado de neutralizaccedilatildeordquo ldquoser gatilho ou alvo de assimilaccedilatildeordquo Esse grupo
portanto diz respeito agrave marcaccedilatildeo fonoloacutegica ou estrutural
No que diz respeito agrave anaacutelise dos dados quanto aos processos foneacuteticos
percebemos em nosso estudo que
Ainda que com algumas restriccedilotildees a tendecircncia agrave monotongaccedilatildeo eacute
transferida para o Portuguecircs falado por Latundecirc [satildersquogɾaɾi] ldquosangraramrdquo
[kaze] ldquocausardquo
Mesmo em variaccedilatildeo a reduccedilatildeo do onset complexo eacute transferida para o
Portuguecircs seguindo a tendecircncia que o Latundecirc tem de evitar esse tipo de
sequecircncia [bĩ katildenƱ] ldquobrincandordquo [kɛbaɾƱ] ldquoquebraramrdquo
204
O preenchimento da coda eacute evitado pelo Latundecirc processo esse que
tambeacutem eacute atestado no Portuguecircs falado por Latundecirc [pi gũta] ldquoperguntardquo
[gorsquotozƱ] ldquogostosordquo
As consoantes ɲ e ʎ mais marcadas interlinguisticamente tambeacutem o
satildeo no Latundecirc que natildeo os tecircm no seu inventaacuterio fonoloacutegico Como
resultado esses segmentos natildeo satildeo produzidos no Portuguecircs falado pelos
Latundecirc Alternativamente ocorre a substituiccedilatildeo desses fonemas por
segmentos articulatoriamente mais proacuteximos ou o seu apagamento [vimej]
ldquovermelhordquo [fila] ldquofilhardquo [farsquokĩ] ldquofaquinhardquo
A reduccedilatildeo silaacutebica eacute atuante tambeacutem atraveacutes da afeacuterese Como natildeo consta
no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc a presenccedila da fricativa alveolar surda
em posiccedilatildeo de coda essa restriccedilatildeo eacute transferida para o portuguecircs dos
Latundecirc que tambeacutem evita vocaacutebulos com mais de trecircs siacutelabas [kutatildeni]
ldquoescutandordquo [bɾa sadƱ] ldquoabraccediladordquo [fiɾ tɪ] ldquodiferenterdquo
O Latundecirc evita o onset em final de palavra adicionando uma vogal para
reorganizar o padratildeo silaacutebico A vogal mais frequente seraacute a alta anterior
[i] [harsquopazɪ] ldquorapazrdquo [dorsquosejzɪ] ldquode vocecircsrdquo
Os sons [ʃ] [ʒ] [tʃ] e [dʒ] satildeo evitados por natildeo fazerem parte do inventaacuterio
fonoloacutegico do Latundecirc de forma que a sua realizaccedilatildeo eacute mais marcada na
liacutengua O comportamento desses segmentos eacute muito variaacutevel Nos mais
jovens satildeo realizados com mais frequecircncia e nos mais velhos satildeo
reinterpretados envolvendo processos diversos [sersquogamƱ] ldquochegamosrdquo
205
[dersquosaɾƱ] ldquodeixaramrdquo [lizeɾƱ] ldquoligeirordquo [azersquota] ldquoajeitarrdquo [ʃũrsquomiɾƱ] ldquosumiramrdquo
[bursquoʒoɾƱ] ldquobesourordquo [tʃĩrsquodʒeɾƱ] ldquocinzeirordquo
A ausecircncia do contraste surdo-sonoro nas consoantes oclusivas t e k do
Latundecirc promove sua neutralizaccedilatildeo na realizaccedilatildeo das consoantes no
portuguecircs dos indiacutegenas [lsquobɾika] ~ [lsquobriga] ldquobrigardquo [s rsquotatu] ~ [se rsquotado]
ldquosentadordquo
No que tange ao comportamento das vogais meacutedias postocircnicas os
vocaacutebulos terminados em [Ʊ] tendem a ser produzidos com [ɪ] e os
terminados por [a] tendem a ser realizados com [Ʊ] que satildeo vogais menos
marcadas [kazɪ] ldquocausardquo [ lĩpɪ] ldquolimpordquo [ka besƱ] ldquocabeccedilardquo [bas tatildetƱ]
ldquobastanterdquo
A partir dos fenocircmenos observados buscamos responder agraves perguntas
norteadoras da nossa pesquisa abaixo retomadas
Fatores internos (linguiacutesticos) e externos (estruturais) interagem com os
princiacutepios da marcaccedilatildeo
Resposta Quanto aos fatores externos no que diz respeito agrave faixa etaacuteria
os mais jovens tendem a natildeo transferir os padrotildees mais marcados da sua
liacutengua para a liacutengua adquirida Em contrapartida os mais velhos
reproduzem com menor frequecircncia os padrotildees mais marcados do
Portuguecircs (liacutengua dominante)
Qual o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
206
Resposta A marcaccedilatildeo considerada natural responde pela escolha de
padrotildees mais ou menos marcados interlinguisticamente Por essa razatildeo
prevalece a tendecircncia agrave siacutelaba CV do que decorre o apagamento da coda e
a simplificaccedilatildeo de onset complexo De outro lado haacute o natildeo repasse da
laringalizaccedilatildeo vocaacutelica que mesmo fonoloacutegica no Latunecirc eacute menos natural
e mais marcada nas liacutenguas do mundo A marcaccedilatildeo fonoloacutegica eacute
observada na neutralizaccedilatildeo de oposiccedilotildees vaacutelidas no portuguecircs poreacutem
inexitentes na liacutengua indiacutegena como o contraste quanto agrave sonoridade nas
oclusivas e agrave escolha da vogal em posiccedilatildeo final de nomes
Efetivamente um aspecto da marcaccedilatildeo natural pode responder pelo
comportamento da marcaccedilatildeo fonoloacutegica de maneira que natildeo satildeo
caracteriacutesticas de marcaccedilatildeo oponentes entre si No caso em estudo as
duas marcaccedilotildees operam mas natildeo respondem por todos os fenocircmenos
observados Aleacutem disso o caraacuteter altamente variaacutevel das realizaccedilotildees e as
condicionantes sociais dos falantes datildeo chance para a emergecircncia de
processos mais decorrentes da falha na percepccedilatildeo do sinal sem que se
estabeleccedila a regularidade na sua produccedilatildeo
Os traccedilos mais marcados da liacutengua dominada passam para a dominante
Resposta Em alguns caso sim como a africativizaccedilatildeo do s Em outros
natildeo como o natildeo repasse da larinzalizaccedilatildeo vocaacutelica e a oposinccedilatildeo entre
vogais orais e nasais
Ademais em face dos fenocircmenos observados podemos pontuar algums
aspectos relevantes os processos que envolvem perda e permuta de segmentos
satildeo mais frequentes dos que os que envolvem ganho de segmento os segmentos
207
natildeo presentes no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc (liacutengua originaacuteria) tendem a
ser apagados ou reinterpretados pelo segmento mais proacuteximo do portuguecircs
sendo este uacuteltimo o mais frequente os traccedilos mais marcados do Latundecirc estatildeo
mais evidentes nas falas da geraccedilatildeo preacute-contato e a marcaccedilatildeo natildeo estaacute
condicionada apenas aos universais linguiacutesticos mas agraves especificidades das
liacutenguas
Por fim salientamos que o nosso propoacutesito neste estudo foi o de contribuir para a
descriccedilatildeo de liacutenguas incluindo as indiacutegenas e de abrir caminhos para o estudo
do contato linguiacutestico especialmente em niacutevel da foneacutetica e da fonologia
Ressaltamos que este trabalho natildeo encerra o estudo sobre o contato entre as
duas liacutenguas Reconhecemos que os nossos resultados representam um ponto de
partida para investigaccedilotildees posteriores as quais poderatildeo expandir o tema e
avanccedilar no campo da inter-relaccedilatildeo entre contato linguiacutestico e a marcaccedilatildeo
208
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221
ANEXOS
(Dados Transcritos)
parsquoguo Apagou marsquoma Mamar pegũrsquotatildenu Perguntando barsquoʃo Vassoura rsquokɔsa Coccedilar
marsquoduu Mais duro
rsquokati Quati
arsquoh ti A gente rsquootu Outro irsquoarsquov j E jaacute vem v rsquone ni Veneno pɛgũrsquoto Perguntou rsquofoʃ Foi pɾatildersquoto Plantou rsquosuzu Sujo karsquobeli Cabelo gursquoduɾu Gordura rsquootildemi Homem rsquogodu Gordo rsquopega Pegar dersquotadu Deitado
marsquotau Mataram
korsquokin Coquinho guɾirsquozĩ Gurizinho rsquotakorsquosotildenu Taacute com sono (manutenccedilatildeo) mũdi Mundo ʃursquov ni Chovendo pigũrsquota ni Perguntando sursquov ni Chovendo rsquopɔtʃa Porta kursquomigi Comigo kũversquosatildeni Conversando larsquovatildeni Lavando morsquoh di Morrendo ikursquotatildenu Escutando mursquohidu Morrido marsquohadu Amarrado irsquokutu Escuto
persquohu torsquose Pergunto a vocecirc
rsquoseja Cheia rsquoozi Hoje
rsquoʃuʊ Sujo
222
ursquozotursquopatildejrsquoagʊa Os outros apanham aacutegua
rsquotʃua Suja
bu rsquonitu Bonito
rsquokɛla Aquela
rsquomu tu Muito
vehrsquomejo Vermelho rsquomasu Manso marsquosatildedu Amansando arsquoɾisi Arisco hursquoo Avoou rsquoaga Aacutegua
rsquode tu Dentro
rsquomu tu Muito
rsquotud Tudo irsquopia Espirra isrsquopritu Espiacuterito
rsquofɔti Forte
timirsquotɛi Cemiteacuterio
tɛrsquoha Enterrar
ɔʊrsquoa Jogar (o bicho fora)
tersquoou Enterrou rsquoela Ela matildersquodatilden Mandando batorsquose Bater em vocecirc rsquotokursquotatildenu Tocirc escutando rsquobatildej Banho bɾab Brabo
rsquosɛtu Certo
Kabirsquosela Cabeceira (do rio)
karsquosi bu Cachimbo
tʃursquoveɾu Chuveiro (pau de) rsquoleti Leite rsquofutu Fruto karsquoɾoʃi Caroccedilo kaharsquopitʃu Carrapicho rsquokɾu Crua rsquomasu Massa
pe rsquoʃa Pensar
ojrsquoatildedu Olhando (idem)
pe rsquoʃatilden
Pensando
i te rsquode nu Entendendo
223
irsquokuta Escuta
kwatildedu ew piki nĩnĩ Quando eu era pequenininha
ew bĩrsquokava rorsquodeɾa cũ a lɔrsquoɾĩne
Eu brincava de roda com a Lorine
katildendu pi ĩ
Quando piin
ew tatildebȇĩ cũ a lorsquoɾine
Eu tambeacutem com a Lorine
i lsquoluɾi ku a marsquoɾi
E Lurdes com a Mariacute
mĩa matildey natildew deʃa bɾĩrsquoka
Minha matildee natildeo deixava brincar
eli bɾika corsquomigu
Ela brigava comigo
e koʃta brinrsquoka ni lsquoKotildepu E gostava de brincar no campo
mĩa matildej natildew deʃa bɾĩka Minha matildee natildeo deixava brincar
ersquoli tatildebe j diskuti Ela tambeacutem discutia
tatildebej kɾiatildesa natildew paɾa lsquonɛ Tambeacutem crianccedila natildeo para neacute
fika bahaka bɾĩkatildeni lsquonɛ Fica na barraca brincando neacute
fika gɾitatildeni Fica gritando
a mĩa matilde matildedava bɾĩka lotildeʒi A minha matildee mandava brincar longe
natildew kɛ ve baɾuj na bahaka natildew Natildeo quer ver barulho na barraca natildeo
ki falatildenu O que eu tocirc falando
ki lsquota bɾĩganu nu katildepu Que eu tava brincando no campo
a fruta kirsquoli cotildepi nɛ
A fruta que ele come neacute
kinotildemi di fɾuta Que nome de fruta
akeli iogrii nɛ
Aquele neacute
nɔy sursquopaha lsquo deli Noacutes chupava dele
so eli komenu fɾuta Soacute ali comendo fruta
noj fike mu arsquotɛ ʃersquoga meatilde note
sersquoga
Noacutes ficamos ateacute a meia noite chegar
mĩa matildej bɾiga kumigu Minha matildee brigava comigo
224
tava se ew levatildeta sedu se ew levatildeta sedu
Estava ʔ
va la nu katildepu bɾĩrsquoka Vaacute laacute no campo brincar
u katildepu lsquota satildematildedu orsquosejs O campo taacute chamando vocecircs
noj levatildersquota pɾa bɾĩrsquoka nu kotildepu Noacutes levantaacutevamos para brincar no campo
o katildepu ɛ u maj limpi O campo eacute o mais limpo
eli bɾĩkaru eli istubidu Eles brincaram eles subiram
ɛ ke katildepu num ɛ awto katildepu mũto
baso
Eacute que o campo natildeo eacute alto O campo eacute muito baixo
nɔj sersquogamu bersquobe nu i corsquome nu Noacutes chegamos bebendo e comendo
miu asadu batata e bebe nu
Milho assado batata e bebendo
ew nũm fikej ew bɾĩkava dinoti Eu natildeo fiquei eu brincava de noite
mĩa matildej natildew desa duhmi mĩa matildej bɾiga kumigo
Minha matildee natildeo deixa dormir minha matildee briga comigo
mĩa paj farsquolo sej dumi sedu se pikaɾu cobɾa Kotildemu ki darsquoi
Meu pai falou vocecircs durmam cedo se cobra picar e daiacute
vai sarsquoɾa ou vai a mɔhe Vai sarar ou vai morrer
mĩa paj bɾĩkow diskuti dele natildew Meu pai brigou porque eu natildeo escutava ele natildeo
dohmi amatildersquoɳatilde sedu vorsquose bɾĩrsquoka corsquome mũĩtu fɾuta
Dorme amanhatilde cedo vocecirc vai brincar comer muito fruto
mĩa paj natildew desa ew bɾĩka natildew Meu pai natildeo deixava eu brincar natildeo
natildew icuti dele natildew Natildeo escutei ele natildeo
cɾiatildesa icursquoto crianccedila escutou
iheni fala icursquoto ɛ A gente fala escutou eacute (a gente fala e ela ndash a crianccedila ndash escutou eacute
ni batia natilde mi batia na Natildeo batia natildeo me batia maj eli nũ sabe barsquotih Mas ele natildeo sabia bater
225
falava di bɾabu mihmu Falava bravo mesmo
matildeda agwa matildedƷɔga Mandava buscar aacutegua buscar mandioca
asa biƷu kome Assar beiju comer
nĩ tĩ aacutegua pɾa eli natildew Natildeo tinha aacutegua pra ele natildeo
mĩa matildej natildeo desa ew vĩrsquoga Minha matildee natildeo deixava eu brincar
mĩa povu
Meu povo
bĩ botilde natildew Bem bom natildeo
esi aki bisu bɾabu Esse aqui bicho brabo
mĩa povu matatildedu nosu tudo Meu povo matando o nosso tudo
e ki nomi dee ɛ E que o nome dele eacute
nũ pe rsquosa nisu aki la Natildeo pensar nisso aqui laacute
mĩa matildee falo natildew podi bɾĩka de tu
dagwa notilde
Minha matildee falou natildeo pode brincar dentro drsquoaacutegua natildeo
agwa e mũitu peɾigoso A aacutegua eacute muito perigoso
ĩdƷu vĩ i mata tudĩ nũ iscapa ũ notilde Iacutendio veio e matar tudinho natildeo escapa um natildeo
distotildena kohpu sɔ leva sɔ cabesu Destrona corpo soacute leva soacute a cabeccedila
isu aki nũ ɛ mĩa pare ti notilde Isso aqui natildeo eacute meu parente natildeo
io mimu Eu mesma
nĩge j notilde sabi Ningueacutem natildeo sabe
esi ki ĩdiu moɾava ki i uvi Esse aqui iacutendio morava aqui e ouvi
kɛbaɾu asĩ levo di Quebraram assim levou de Alternacircncia de coacutedigo
demorsquoɾo i ew sersquoge tame j Demorou e eu cheguei tambeacutem
Komi ki rapaɾi kebɾo
Como eacute que o rapaz morreu
226
ai fala pɾa eli nɛ isu ku hapazu Aiacute falou pra ele neacute Isso com o rapaz
eli moɾa debasu di paw nɛ Ele morava debaixo de pau neacute
ve tu dehubo caiw cima deli na
hedu
Vento derrubou caiu em cima dele na rede
sɔ o paj deli capow Soacute o pai dele escapou
vose da mujɛ notilde Vocecirc da mulher natildeo
akeli povu deli mĩ mata todo mĩa povu
Aquele povo dele mata todo meu povo
ĩ via pɾetu Em Veado Preto
paɾEsi kũ ƷEƷĩ Parece com Zezinho
ew moɾa hũtu aki Eu moro junto daqui
keli otɾu Aquele outro
patɾaj iɾe boɾa Para traz ir embora
ai dimorsquoɾo Aiacute demorou
sersquogo Chegou
keli cahĩ sersquogo Aquele Carlinhos chegou
sarsquoi hora orsquoʎa Saiacute fora pra olhar
arsquoi farsquolo dersquosaɾu Aiacute falou deixaram
ota lĩgwa difire ti Outra liacutengua diferente
ta sorsquoɾanu Taacute chorando
ta bĩbotilde natildew Taacute bem bom natildeo
fika tʃorsquoɾatildenu Fica chorando
mĩa pare ti desaɾu mĩa mursquoje Meus parentes deixaram minha mulher
te j bastatildeti Tem bastante
pigũta pa eli Pergunta pra ele
227
maselu kwidava Marcelo cuidava
oti tipu Outro tipo
kotildevɛsa deli nũte di notilde A conversa dele natildeo entendo natildeo
komu ki fala fire ti Como eacute que fala diferente (afeacuterese)
na kohpu uƷa No corpo usa
lizeɾu Ligeiro
tʃarsquoma eli Chamar ele
matildersquodo sabotilde pa eli Mandou sabatildeo pra ele
abɾiw pota Abriu a porta
lava motilde lava pɛ lava bɾasu Lavei a matildeo lavei o peacute lavei o braccedilo
ai ew fikej oiatildenu ai Aiacute eu fiquei olhando aiacute
fikej na pota oiatildenu cutatildeni Eu fiquei na porta olhando
nũ capa niũ Natildeo escapa nenhum
marsquoto cota piskosu Matou e cortou o pescoccedilo
kabesĩn Cabecinha
cusivi kimigu Inclusive comigo
batildeku busa sĩ Branco blusa assim
kursquomiɾu a karsquobesa da lsquoge ti Comeram a cabeccedila da gente
ũ nũ firsquokaɾi Um natildeo ficou
otirsquoĩdʒu Outro iacutendio
ʒũrsquotaɾu Juntaram
bɾirsquogamu pɾa eli Explicamos pra ele
ɔto dii ele vorsquoto dinovu Outro dia ele voltou de novo
ew sarsquoi hora Eu saiacute fora
otoɾapaj cursquoto Outro rapaz escutou
228
oʎa lotildezi Olhou longe
ew lsquoho
Eu vou
desa notilde Deixava natildeo
kuta baɾuj Escuta barulho
marsquoto tudi noɔɾa Matou tudo na hora
sɔ cabesu levo kumew Soacute a cabeccedila levou e comeu
mi a matildej cu tava Minha matildee contava
agwa tupiw tudo A aacutegua entupiu
agwa be j pɾeti mehmu Aacutegua bem preta mesmo
agwa suzi Aacutegua suja
pɾimiɾu kanɛlu Primeiro canela
i totilde paɾi Entatildeo eu parei
nu sarsquobi Natildeo sabia
pɾimeɾu u tigu Primeiro antigo
bastatildetu
Bastante
bastatildetu Bastante
todu tiɾatildenu levatildenu Tudo tirando levando
rsquokaze disu ficaɾu Por causa disso ficaram
tu kɾiatildesa Tudo crianccedila
lersquova todu mini nadu Levar toda meninada
eli mi tinu Ele mentindo
kotildemu orsquose pɾatildeta mu ito Como vocecirc planta muito (rotacismo)
nɔj kume nu aki Noacutes comendo aqui
nɔj seskɛse nu fukamu Noacutes nos esquecemos e ficamos
a noti marsquotaɾu tudu Agrave noite mataram tudo
229
eli sego gatildersquono Ele chegou enganou
kotildemiɾu Comeram
eli kotildersquoto soɾatildeni Ele contou chorando
ke j kwi kiɾo Quem que tirou
mi da mi a filu Me daacute meu filho
sɔ u ki karsquopo Soacute um que escapou
kɾirsquoa na kolu Criar no colo
vi de la u motildeti di he ti Veio de laacute um monte de gente
ew tatildebe j gotava
Eu tambeacutem gostava
na kɔba no basu
Na cobra no braccedilo
bisi u Bichinho
kabeseɾa pɛtu Cabeceira perto
mɔɾa pa basu Mora pra baixo
dirsquofisu marsquota Difiacutecil matar
sɔ bisotilde Soacute bichatildeo
ɛ h~undo Eacute fundo
pohku Porco
fɾɛsa Flecha
mi a matildej falaɾu Minha matildee falou
mi a matildej fikaɾu Minha matildee ficaram (ficou)
pɾimi mehmi Primo mesmo
tatɾa paj tambe j Trata pai tambeacutem
mi atilde ihmatilde maj vɛj Minha irmatilde mais velha
tu tia vɛj ta i Tua tia velha ta aiacute
tɾata gwau gwau ahe ti Trata igual igual a gente
230
halu hɛlarsquodo Ralo ralador
basoɾa ipi Vassoura espinho
fakotilde kotaɾu Facatildeo cortaram
hɛla matildersquodʒɔka Rala mandioca
ai dipoj Aiacute depois
ku faki pike nu Com faquinha pequena
hɛla tatildeme j Rela tambeacutem
mi a paj asirsquona Meu pai ensinar
kɔtaɾu kotilde a taba Cortaram com a taacutebua
disaɾu Deixaram
nu kotildepu No campo
la i basu Laacute embaixo
mi a paj nu hipotildedew natildew Meu pai natildeo respondeu natildeo
pesu Peixe
a notu toda A noite toda
baztatildeti poɹku la Bastante porco laacute
u digu vi Um dia que vim
mi atilde matildej kotildekorsquodo Minha matildee quando acordou
mi atilde matildej forsquola Minha matildee foi laacute
kazi gɾatildedi Quase grande
nɔj te j medu dosejzi Noacutes temos medo de vocecircs
bersquozu kumiw Beiju comeu
mohew saɾatildepi Morreu de sarampo
pigu tatildeni Perguntando
na katildepa No campo kahni asadu Carne assada
231
morsquohe tudi a Morrer tudinho
depoj ʃu miɾu Depois sumiram
dimorsquoɾo mujtu Demorou muito
mɔdi tehu Por causa da terra
ja vaj tʃarsquoi Jaacute vai sair
batildedorsquono Abandonou
fike mu arsquoi Ficamos aiacute
aʒe ti ojrsquoo A gente olhou
hatildeka karsquoɾa Arranca caraacute
tʃiɾi ga basi na Seringa para vacina
barsquotʃotilde Batom
nɔj peɾatildenu Noacutes esperando
mi asu rsquoto Me assustou
i odʒi E hoje
be j vimej Bem vermelho
otu di ʃi ma Outro de cima
sersquogo corsquohe Chegou correr
i te di be j Entende bem
mi asursquoto Me assustou
matatildenu nɔjzi Matando noacutes
mi a fila Minha filha
kumiɾu Comeram
azersquota korsquola pɾa eli Ajeitar colar pra ele
sarsquoma eli
Chamar ele
tʃega logu Chega logo
ʃiguɾow di novʊ Segurou de novo
232
dirsquoso firsquoko Deixou ficou
arsquotɛ dɛrsquozoɾa Ateacute dez horas
tʃɔ ɔjrsquoa Soacute olhar
pi gada Espingarda
pɛhtu casueɾu Perto da cachoeira
maj pɛtu Mais perto
ote la Outra laacute
pɛga pesi Pega peixe
oti kazi Outra casa
pɛga milu Pegar milho
depoj tʃumiɾu bɾatildeku Depois sumiu o branco
mi rsquode ɾu Me deram
satildegɾaɾi asi Sangraram assim
bastatildetu Bastante
atildersquoda karsquosatildedu
Andar caccedilando
mi atilde filu Meu filho
nɔj fikatildeni Noacutes ficamos
ki kursquoto Que escutou
sɔ sorsquoɾatildenu Soacute chorando
depoj deli mohidu Depois dele morrer
nu ta vɛj Natildeo taacute velho
ta noj i da Taacute novo ainda
mi atilde matildej ta bii noj i da Minha matildee ta bem nova ainda
pɛrsquoga baʒtatildetu Pegar bastante
ew persquoge Eu peguei
233
mi atilde lsquoho farsquolo Meu avocirc falou
dimuɾatildeni Demorando
tehaɾu la mehmu Enterraram laacute mesmo
mi atilde matildej soɾatildenu Minha matildee chorando
mi atilde imatilde Minha irmatilde
E cursquoɳadi deli Eacute cunhado dele
E fii deli Eacute filho dele
kursquoɳadi deli Cunhado dele
hɔba demaj Rouba demais
ta difisi Ta difiacutecil
eli tʃobɾo Ele sobrou
saɾatildepi persquogo Sarampo pegou
pɾimeɾi morsquohe Primeiro morreu
ew kutej Eu escutei
sarsquoma matildej Chamar matildee
ta dirsquovisi Taacute difiacutecil
mohew ve me nadu Morreu envenenado
ki kɾirsquoari Que criaram
mi atorsquomaɾu Me tomaram
i ew torsquoteɾu E eu solteiro
kazadu kotildersquose Casado com vocecirc
natildew firsquoka diɾetu Natildeo ficar direito
firsquoka kweli Ficar com ele
mersquosenu Mexendo
ta setu Ta certo
234
bɾabu persquoeli Bravo por ele
tasirsquooma komigu Tem ciuacutemes de mim
E gotozu Eacute gostoso
tipu bursquoʒohu Tipo besouro
tʃi rsquodʒeɾu Cinzeiro
na li gi Na liacutengua
bɾatildeku batirsquotaɾu Brancos batizaram
katildedu eɾa novi Quando era novinho
arsquoi tipoj Aiacute depois
karsquoboɾe Acabou-se
tiguɾa na matildew Segura na matildeo
rsquoɛ lsquopɾimɛ lsquodeli Eacute primo dele
asinatildeni Ensinando
ew kersquome Eu queimei
pɾatildersquota maj Plantar mais
ew vo lsquopɾatildeta Eu vou plantar
karsquokwɛ Qualquer
tabaɾava Trabalhava
tubaɾotildeni Tubaratildeo
poɾi pɛɾa Pode esperar
mi ti nu Mentindo
eli sersquogo Ele chegou
atildersquototilde Entatildeo
ta lsquosetu natildew Ta certo natildeo
mesew kotildersquomigu Mexeu comigo
235
ʃersquoga dinote Chegar de noite
lersquova pirsquotaw Levar pro hospital
ta suzu Ta sujo
rsquobahio Bairro
atildebɾarsquosada Abraccedilada
masɛlu babudo Marcelo barbudo
pɾatildeta milu Planta milho
na gɾɛba Na gleba
bɾasadu Abraccedilado
komi he tʃi Comi gente
kɛ azursquoda Quer ajudar
sotildebɾasotilde Assombraccedilatildeo
nu podi atildersquoda Natildeo pode andar
pɛga na tiheɾu Pega no terreiro
kɔviotilde Gaviatildeo
sɔ eli karsquopo Soacute ele escapou
me rsquoto Aumentou
levava uz vɛio Levava os velhos
matildenɛ desaɾu Maneacute deixaram
pusa no kabelu Puxa no cabelo
kabelu ge ti hatildega Cabelo de gente arranca
iɔga ge ti pɾa la Joga gente pra laacute
hu tu Junto
kɛma he ti queima a gente
ki sɔ a oti Que soacute haacute outro
bagas~i Bagacinho
236
tiɾatildeni katildetatildeni Tirando cantando
kɾese ni Crescendo
dirsquoɾetu Direito
febɾu marsquolaɾu Febre malaacuteria
maj sarsquobiw Mais sabia
tiɾaɾu Tiraram
batildei Banho
ipia deli Espirro dele
Korsquodadu mehmo Acordado mesmo di notu De noite
kasu Caccedila
baɾizadu otu Batizado outro
atʃi mi a ihmatilde fala Assim minha irmatilde fala
kotadu Encostado
nu zudia deli natildew Natildeo judia dele natildeo
gɔta maj deli Gosta mais dele
samatildedu otu Chamando outro
mi atilde subɾi Meu sobrinho
mi atilde pohu Meu povo
mi atilde matilde Minha irmatilde
mi atilde muʒka Minha muacutesica
sɔ bɾi ga Soacute brinca
tʃubi nu Subindo
kahega na koʃta Carrega nas costas dese Desse aiacute istu Isto katildersquoba Gambaacute
237
kursquotia Cutia kursquotʃia Cutia
marsquoɾɛlu Amarelo
versquomela versquomelo Vermelha vermelho rsquose Esse
te natildeʊ te natilde Tem natildeo
esersquoki Esse aqui
rsquoɛmarsquokakupɾersquogisi Eacute macaco preguiccedila
morsquosegi Morcego
defersquore ti Diferente
rsquopodƷi Pode
rsquosersquonatilde Sei natildeo
rsquosersquoviw Vocecirc viu
arsquoinrsquoɛgarsquoviatildew Aiacute eacute gaviatildeo
jabutʃi Jabuti
parsquoɾɛsirsquokele Parece aquele
ɛrsquokele Eacute aquele
rsquoessersquote Esse tem
be i natildeu Tambeacutem natildeo
kursquoruja Coruja
pike nu Pequeno
defersquore ti Diferente
rsquokelersquoɛrsquootro Aquele eacute outro
rsquoejarsquobutʃi E jabuti gɾatildersquodatilde grandatildeo rsquomesmu mesmo
rsquomemu Mesmo
ɔrsquoɾɔpa Europa
arsquobeja Abelha
iscɔhpiatildew escorpiatildeo
ewmɔrsquoʎa Eu molhar ~ Eu molho
pirsquodi pedir tasrsquocɾitu Ta escrito
pɛdƷi Pedi (a gente )
Kersquoma queimar
mode nu Mordendo
morsquodemas Mordeu mais rsquonoj rsquodoj Noacutes dois
aʃe ti A gente (noacutes)
rsquopadirsquoze Pra dizer
238
rsquokɔta Corta
ahatildejrsquoo Arranhou
mujrsquoɛ Mulher
ahajrsquoaelig Arranhou orsquosersquomehm Vocecirc mesmo
isrsquopi Espinho
sorsquome Somente
rsquokalo ~karsquolo Calor doi Dois
tatildebe Tambeacutem
ispi rsquogada Espingarda
persquode Perdeu
se rsquotatu Sentado
rsquohe ti Gente
arsquodidu Ardido rsquokoda Corda mərsquota Matar marsquotani matando
rsquoʃɔmarsquota Soacute matar
rsquobisu Bicho rsquoota Outra
patildersquota ~rsquopɾatildeta Plantar
atildersquodatildeni Andando
ve tatildeni Ventando
defersquore ti Diferente
hursquoatildenu Voando vorsquoto Voltou rsquopodirsquoze Pode dizer marsquotaforsquogatilden Matar afogando rsquodaga Da aacutegua (drsquoaacutegua) arsquoɾea Areia
rsquofu da Afunda
rsquokɛlaforsquogo Que ela afogou
mɛgursquola Mergulhar
eʃpɾersquome Espremer
hɛlatilden Ralando (verbo ralar)
mɔrsquolada Amolada
kwatildeni Quando arsquotia Ateia (verbo atear)
239
i pursquoha Empurrar
epursquohej Eu empurrei
pursquoha Empurrar rsquofoti Forte
rsquofosa Forccedila
rsquohapu Raacutepido
ku rsquopɛ Com o peacute
eki pursquohe Eu que empurrei
sirsquonɛlu Chinelo
i pursquohan Empurrando
sɔrsquose Soacute vocecirc
rsquotapursquohanu Taacute empurrando
sɔrsquozi Sozinho
rsquohatildeka Arrancar
rsquosɔhatildersquoka Soacute arrancar
jrsquoahatildersquoke Jaacute arranquei
arsquohatildekui rsquoʃada Arranco com a enxada
rsquopuʃa Puxar cabelo pursquoʃo Puxou pursquoʃe Puxei haʃrsquoto Arrastou haʃrsquote Arrastei
tʃirsquoa Tirar
buʃrsquoca Buscar buʃrsquoke Busquei (eu passado) rsquooto Outra rsquohopa Roupa rsquomemo Mesmo rsquodeʃa Deixa
tirsquoe Tirei
rsquosɛtu Certo
rsquohejtu Jeito iskujrsquoe Escolher rsquotakujrsquoenu Taacute escolhendo ojrsquoan Olhando
tʃumi Sumiu
dimursquoranu Demorando kersquoma Queimar ursquozotu Os outros kersquome Queimei
rsquonɔj Noacutes
rsquopejsi Peixe
Ku rsquome Comer
240
pɾicirsquoza Precisar pɾisirsquozanu Precisando korsquoseɾa Coceira mirsquoƷatilden Mijando atildersquodatildenu Andando
barsquote nu Batendo
i rsquoʃima Encima
rsquokatildem Cama atirsquoɾo Atirou
rsquohaʃarsquole Racha lenha
vɔrsquota Voltar
tursquomatilden Tomando
varsquoɾi Varinha
gɾitrsquoatilden Gritando
fɾɛrsquoga Esfregar
mirsquodi Medir
mi rsquotinu Mentindo
rsquokɔʃka Coacutecega
barsquosi u Baixinho
pɔdirsquoze Pode dizer
pe rsquota Pentear
rsquobatildej Banho rsquomaiƷrsquotadi Mais tarde rsquofoja Folha batildenarsquodo Abanador bursquonitu Bonito
rsquosersquokirsquode Vocecirc que deu
siparsquoradu Separado rsquosatildew Chatildeo
tursquodi Tudinho
karsquoe Cair kersquobɾe Quebrei arsquohatildejorsquose Arranho vocecirc rsquomuja Molha rsquosevi Serve rsquopaj Palha pirsquodi Pedir dersquosa Deixar rsquomoj Molho fɾersquovenu Fervendo pursquolo Pulou
norsquovi Novinho
241
firsquodido Fedido mursquolada Amolada
rsquonɔʃi Nosso
patildersquoneɾu Paneiro motildersquodeli Matildeo dele dursquozotu Dos outros
rsquonɔj Noacutes
rsquopodi Podre firsquodid Fedido dersquota Deitar dersquotadu Deitado cuʃtursquoɾa Costurar
barsquote m Batendo
dersquosa Deixar
rsquofɾɛʃa ~rsquofɾEʃ Flecha
iskersquosidu Esquecido
tatildersquome j Tambeacutem
abersquoli Abelhinha
me rsquodu i Amendoim
pɔrsquodirsquoze Pode dizer
rsquoavi Aacutervore
rsquopesi Peixe
tatursquozi Tatuzinho
rsquovɛja Velha
arsquodea Aldeia
rsquode tu Dentro
rsquohe ti Gente
rsquohadu Raacutedio rsquohejtu Jeito iʃtɾarsquogadu Estragado
rsquode tirsquokaza Dentro de casa
rsquopoku Porco
pihu rsquotatildenu Perguntando
gwahrsquode Guardei firsquogeɾa Figueira
kɔrsquota Cortar
ojrsquoa Olhar
pi dursquoɾa pendurar
mitʃursquoɾa Misturar
rsquofɔtʃi Forte
242
matildersquodƷɔka Mandioca
birsquoƷu Beiju
marsquoɾɛlu Amarelo
atildersquozɔ Anzol
rsquopɛda Pedra
GUSTAVO DA SILVEIRA AMORIM
MARCACcedilAtildeO NO CONTATO LINGUIacuteSTICO O portuguecircs falado pelos Latundecirc
Tese apresentada agrave Coordenaccedilatildeo do Curso de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Letras da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenccedilatildeo do grau de Doutor em Linguiacutestica Orientadora Profordf Drordf Stella Virgiacutenia Telles de Arauacutejo Pereira Lima
Recife 2015
Catalogaccedilatildeo na fonte
Bibliotecaacuteria Nathaacutelia Sena CRB4-1719
A524m Amorim Gustavo da Silveira Marcaccedilatildeo no contato linguumliacutestico o portuguecircs falado pelos Latundecirc
Gustavo da Silveira Amorim ndash Recife 2015 241 f il
Orientadora Stella Virgiacutenia Telles de Arauacutejo Pereira Lima Tese (Doutorado) ndash Universidade Federal de Pernambuco Centro de
Artes e Comunicaccedilatildeo Letras 2015
Inclui referecircncias
1 Fonologia 2 Liacutenguas em contato 3 Marcaccedilatildeo e liacutenguas indiacutegenas I Lima Stella Virgiacutenia Telles de Arauacutejo Pereira (Orientadora) II Tiacutetulo
410 CDD (22ed) UFPE (CAC 2017- 213)
For from him and through him and to him are all things To him be glory forever Amen
Romans 1136
AGRADECIMENTOS
A Deus por me capacitar e me fazer sentir o teu zelo cuidado e proteccedilatildeo
constantemente
Aos meus familiares em especial a minha matildee e o meu pai pelo suporte
coragem e exemplos a mim transmitidos
A minha esposa Jane pelo carinho e compreensatildeo pelas horas que natildeo
pude estar ao seu lado dedicando-me a este trabalho
Aos meus filhos Breno e Estela meu tesouros por me fazerem acreditar
que o mundo pode ser melhor
A minha orientadora Stella Telles pelo carinho compreensatildeo
engajamento e ensino por me fazer acreditar que podemos ser altruiacutestas sem
perdermos a essecircncia da humildade Por compartilhar-me com despreendemento
os seus dados
Agraves coordenadoras do PG-Letras Evandra Gligoletto e Fabiele Stockmans
pela presteza sempre que necessaacuterio
Aos meus mestres do Doutorado pelo trabalho que foi realizado durante o
curso em especial Stella Telles Marlos Pessoa Claacuteudia Roberta Siane Goes
Benedito Bezerra Virgiacutenia Leal Alberto Poza e Nelly Carvalho
Aos professores do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (UFPE)
Flaacutevio Brainer Artur Gomes Maacutercia Mendonccedila e Joatildeo Batista pela colaboraccedilatildeo
na trajetoacuteria acadecircmica
A Abuecircndia Padilha e Gilda Lins (in memoriam) pela dedicaccedilatildeo e carinho
que demonstraram durante as aulas
Aos meus colegas do Doutorado Solange Carvalho Ana Cristina Cleber
Morgana Jaciara Carolina Pires Juliane Acircngela Socircnia Ismar Rinalda Ludimila
e Clara por me ajudarem nos momentos de dificuldades e de (muitas)
necessidades
Aos colegas da GER ndash Vale do Capibaribe pela ajuda sempre que
necessaacuterio em especial Marta Morgana Edjane e Janecleide
Aos colegas e alunos do IFAL (Instituto Federal de Alagoas) pela grande
ajuda e carinho que demonstraram durante a realizaccedilatildeo deste trabalho Pela
compreensatildeo das faltas e substituiccedilotildees que de mim foram demandadas
Aos membros da banca que tatildeo gentilmente aceitaram o convite
Aos meus amigos familiares entes queridos todos que direta ou
diretamente me ajudaram nesta caminhada Nenhum trabalho eacute feito sozinho
portanto os meacuteritos tambeacutem satildeo de vocecircs
RESUMO
O presente trabalho eacute o resultado de um estudo sobre a Marcaccedilatildeo no Contato
Linguiacutestico entre o Latundecirc e o Portuguecircs Trata-se de uma investigaccedilatildeo com
base na abordagem tipoloacutegica da linguiacutestica visando agrave elucidaccedilatildeo das unidades
mais e as menos marcadas que satildeo ou natildeo transferidas no processo de
acomodaccedilatildeo dos inventaacuterios foneacuteticos de ambas as liacutenguas Utilizamos como
base os pressupostos teoacutericos defendidos por CROFT (1990) JAKOBSON
(1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS amp ELSIK (2006) e LACY (2006) para a
descriccedilatildeo dos universais linguiacutesticos e da marcaccedilatildeo No que tange ao contato
linguiacutestico nos respaldamos nas reflexotildees de ROMAINE (2000) THOMASON
(2001) AIKHENVALD (2007) e HYMES (1971) Para descriccedilatildeo linguiacutestica e
histoacuterica dos Latundecirc nos baseamos em TELLES (2002) ANOMBY (2009) e
PRICE (1977) No que tange ao aporte foneacutetico para descriccedilatildeo do contato entre
ambas as liacutenguas nos valemos dos escritos de WEINREICH (1953) BISOL
(1996) VAN COETSEM (1988) e MATRAS (2009) Quanto agraves anaacutelises nos
fundamentamos nas observaccedilotildees de SPENCER (1996) LASS (2000) e RICE
(2007) O nosso corpus eacute formado de trinta horas de fala transcritas
foneticamente de acordo com IPA de vinte informantes da comunidade Latundecirc
Os dados fazem parte do acervo do NEI (Nuacutecleo de Estudos Indigenistas) da
UFPE A partir da nossa pesquisa chegamos agrave conclusatildeo que os mais jovens
tendem a natildeo transferir os padrotildees mais marcados da sua liacutengua para a liacutengua
adquirida enquanto os mais velhos reproduzem com menor frequecircncia os
padrotildees mais marcados do Portuguecircs alguns contextos licenciam enquanto
outros bloqueiam a marcaccedilatildeo gerando um caraacuteter variaacutevel que demonstra o quatildeo
conflitante eacute a situaccedilatildeo do contato embora natildeo haja uma padronizaccedilatildeo no que
tange agrave estrutura silaacutebica o padratildeo CV eacute o mais recorrente e menos marcado
corroborando o que apregoa os pressupostos da tipologia linguiacutestica os
processos que envolvem perda e permuta de segmentos satildeo mais numerosos e
mais marcados dos que os que envolvem ganho de segmento os fonemas natildeo
presentes no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc tendem a ser apagados ou
reinterpretados pelo segmento mais proacuteximo do Portuguecircs quanto agrave manutenccedilatildeo
ou perda o comportamento dos traccedilos mais marcados do Latundecirc depende natildeo
categoricamente da fonologia do Portuguecircs a marcaccedilatildeo natildeo estaacute condicionada
apenas aos universais linguiacutesticos mas agraves especificidades da liacutengua
PALAVRAS-CHAVE Fonologia Liacutenguas em Contato Marcaccedilatildeo e Liacutenguas
Indiacutegenas
ABSTRACT
The present work describes phenomena of phonological transference of Latundecirc
a Brazilian indigenous language in Portuguese in language contact situation The
observed phenomena were examined under the light of the assumptions of
Linguistic Marking in its typological approach As basis we used CROFT (1990)
JAKOBSON (1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS ELSIK (2006) and LACY
(2006) studies for the description of linguistic universals and marking About
language contact we were supported by the reflections of ROMAINE (2000)
THOMASON (2001) AIKHENVALD (2007) and HYMES (1971) For the linguistic
and historical description of Latundecirc we were based on TELLES (2002)
ANOMBY (2009) and PRICE (1977) About the phonology of Portuguese we were
supported by BISOL (1996) For description of the contact between both
languages we used the writings of WEINREICH (1953) VAN COETSEM (1988)
and MATRAS (2009) The one of phonological phenomena observed was backed
in SPENCER (1996) LASS (2000) and RICE (2007) Our corpus is formed of thirty
hours of talk phonetically transcribed according to IPA In the survey we used the
speech production of 20 individuals from the Ladundecirc people among these 8
belonging to the pre-contact generation with the non- indigenous society and 12
belonging to the post-contact generation The data are part of the acquis of NEI
(Nuacutecleo de Estudos Indiacutegenas) of UFPE With our research we came to the
following results post-contact generation tends not to transfer most marked
patterns of their language to the acquired language while the native of pre-contact
generation do in a lower frequency the more marked standards of Portuguese
The processes that involve loss and exchange of segments are more numerous
than those involving segment gain The phonemes of Portuguese that do not exist
in Latundecirc tend to be erased or reinterpreted by the closest segment to
Portuguese resulting in the loss of contrast and in the emergence of the
unmarked through the phonological neutralisation There are phenomena that
show a tendency towards the universal as the deletion of the coda in favor of CV
standard syllabic and others that are arising out of restrictions of Latundecirc as the
monophthongization of nasal diphthong and the change of vowel quality in word-
final position In the set of phenomena we noticed that the interference is variable
and not always motivated by phonological or natural marking
KEYWORDS Phonology Marking Languages in contact Portuguese and
Latundecirc
RESUMEN
El presente estudio describe los fenoacutemenos de la transferencia fonoloacutegica del
Latundeacute una lengua indiacutegena Brasilera en el portugueacutes en una situacioacuten de
contacto linguumliacutestico Los fenoacutemenos observados fueron examinados a la luz de los
presupuestos de marcacioacuten linguumliacutestica en su abordaje tipoloacutegico Como modelo
de fundamentacioacuten se han utilizado los estudios de CROFT (1990) JAKOBSON
(1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS amp ELSIK (2006) y LACY (2006) para las
descripcioacuten de los universales linguumliacutesticos y de la marcacioacuten Sobre el contacto
linguumliacutestico fueron tomados como soporte cientiacutefico las reflexiones de ROMAINE
(2000) THOMASON (2001) AIKHENVALD (2007) y HYMES (1971) Para la
descripcioacuten linguumliacutestica de los Lantundeacute esta investigacioacuten se basoacute en TELLES
(2002) ANOMBY (2009)y PRICE (1977) Sobre la fonologiacutea del portugueacutes se
tuvieron en cuenta los estudios de BISOL (1996) Para la descripcioacuten del contacto
entre ambas lenguas fueron necesarios los escritos de WEINREICH (1053) VAN
COETSEM(1988) y MATRAS (2009) Finalmente el estudio de los fenoacutemenos
fonoloacutegicos observados fueron abordados en las investigaciones de SPENCER
(1996) LASS (2000) y RICE (2007) El corpus de este trabajo acadeacutemico estaacute
compuesto por treinta horas de diaacutelogos transcritos foneacuteticamente de acuerdo con
el IPA En la investigacioacuten se ha utilizado la produccioacuten del diaacutelogo de 20
individuos del pueblo Latundeacute dentro de ellos 8 pertenecientes a la generacioacuten
del pre contacto con la sociedad no indiacutegena y 12 pertenecientes a la generacioacuten
del post contacto Los datos hacen parte del acervo del Nuacutecleo de Estudios
Indigenistas (NEI) de la UFPE Con esta investigacioacuten se ha llegado a la siguiente
conclusioacuten La generacioacuten post contacto tiende a no transferir los patrones maacutes
acentuados de su lengua hacia la lengua adquirida mientras que los indiacutegenas de
la generacioacuten del pre contacto realizan con menor frecuencia los patrones maacutes
marcados del portugueacutes Los procesos que envuelven la peacuterdida y permuta de los
segmentos son maacutes numerosos de aquellos que involucran la ganancia del
segmento Los fonemas del portugueacutes que no existen en el Latundeacute tienden a ser
borrados o reinterpretados por el segmento maacutes proacuteximo al portugueacutes resultando
en una peacuterdida de contraste y en la emergencia del no marcado a traveacutes de la
neutralizacioacuten fonoloacutegica Hay fenoacutemenos que revelan una tendencia a lo
universal como desvanecimiento de la coda en a favor de patroacuten silaacutebico CV y
otros que son consecuencia de las restricciones del Latundeacute como la
monoptongacioacuten de diptongo nasal y la mudanza de la cualidad vocaacutelica en
posicioacuten final de la palabra El en conjunto de fenoacutemenos verificamos que la
interferencia es variable y no siempre estaacute motivada por la acentuacioacuten fonoloacutegica
o natural
Palabras Clave Fonologiacutea Acentuacioacuten Lenguas en Contacto Portugueacutes y
Latundeacute
LISTA DE SIacuteMBOLOS
Transcriccedilatildeo
Transcriccedilatildeo foneacutetica
Transcriccedilatildeo fonoloacutegica
[ ]
Vogais
Vogal meacutedio-baixa anterior [ɛ]
Vogal meacutedio-alta anterior [e]
Vogal alta anterior [i]
Vogal baixa central [a]
Vogal meacutedio-baixa posterior [ɔ]
Vogal meacutedio-alta posterior [o]
Vogal alta posterior [u]
Vogal alta anterior nasal [ i ]
Vogal meacutedio-alta anterior nasal [e ]
Vogal baixa central nasal [atilde]
Vogal meacutedio-alta posterior nasal [otilde]
Vogal alta posterior nasal [u ]
Consoantes
Oclusiva alveolar surda [t]
Oclusiva alveolar sonora [d]
Fricativa alveolar surda [s]
Fricativa alveolar sonora [z]
Nasal alveolar [n]
Lateral alveolar [l]
Africada alveopalatal surda [tʃ]
Africada alveopalatal sonora [dʒ]
Lateral palatal [ʎ]
Nasal palatal [ɳ]
Fricativa palatal surda [ʃ]
Fricativa palatal sonora [ʒ]
Oclusiva velar surda [k]
Oclusiva velar sonora [g]
Fricativa velar [x]
Oclusiva bilabial surda [p]
Oclusiva bilabial sonora [b]
Nasal bilabial [m]
Fricativa labiodental surda [f]
Fricativa labiodental sonora [v]
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Diagrama de Hall
67
FIGURA 2 Configuraccedilotildees da Mescla Linguiacutestica segundo Romaine (2000 p185)
71
FIGURA 3 Esquema de representaccedilatildeo do bilinguismo social segundo Appel e Muysken (1986 p 23)
74
FIGURA 4 Escolha de liacutengua e code-switching conforme Grosjean (1982 p127)
82
FIGURA 5 Classificaccedilatildeo das liacutenguas da Famiacutelia Nambikwaacutera de acordo com Rodrigues (1986 p 134)
87
FIGURA 6 Localizaccedilatildeo e aacuterea dos Nambikwaacutera de acordo com Roquete-Pinto (1919)
88
FIGURA 7 Territoacuterio Nambikwaacutera descrito por Price (1983)
89
FIGURA 8 Localizaccedilatildeo atual dos Nambikwaacutera
91
FIGURA 9
Localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc
94
FIGURA 10
Primeiros contatos com os Latundecirc (Foto Price 1977)
97
FIGURA 11 Iacutendios Latundecirc na TI Tubaratildeo-Latundecirc
104
FIGURA 12
Ligaccedilotildees entre a intensidade do bilinguismo o tipo de processo de acomodaccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo entre os sistemas fonoloacutegicos
118
FIGURA 13
Correspondecircncia entre liacutenguas e contato linguiacutestico
120
FIGURA 14 Agentividade da Liacutengua Recipiente de acordo Van Coetsem 1988 p10
122
FIGURA 15 Agentividade da Liacutengua de Origem de acordo Van Coetsem 1988 p11
122
FIGURA 16 Relaccedilatildeo de agentividade entre o Portuguecircs e o Latundecirc
123
FIGURA 17 Estrutura silaacutebica do Latundecirc
168
FIGURA 18 Estrutura silaacutebica do Portuguecircs (Cacircmara-Juacutenior)
169
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Unidades e estruturas mais marcadas conforme
levantamento de Moreira da Silva (2011)
50
Quadro 2 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Leacutevi-Strauss (1948)
92
Quadro 3 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Price e Cook (1969)
93
Quadro 4 Distribuiccedilatildeo dos povos pertencentes a TI Tubaratildeo-Latundecirc
95
Quadro 5 Nuacutecleos familiares de acordo com a habitaccedilatildeo em 1999
98
Quadro 6 Situaccedilatildeo sociolinguiacutestica dos Latundecirc (dados de 1999)
101
Quadro 7 Quadro Comparativo dos Sistemas Foneacuteticos do Romansh e do Schweizerdeutsch de acordo com Weinreich (1953)
111
Quadro 8 Tipos de processos que conduzem a mudanccedila fonoloacutegica induzida por contato
116
Quadro 9 Fonemas consonantais do Latundecirc
125
Quadro 10 Fonemas vocaacutelicos do Latundecirc
125
Quadro 11 Ditongos do Latundecirc
126
Quadro 12 Descriccedilatildeo dos fonemas consonantais (Retirada de Telles 2002)
126
Quadro 13 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos orais (Com base em Telles 2002)
149
Quadro 14
Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos nasais (Com base em Telles 2002)
153
Quadro 15
Vogais no Portuguecircs (Cacircmara Jr 1970)
154
Quadro 16
Consoantes no Portuguecircs (Silva 2002)
155
Quadro 17 Sistemas consonantais x Sistemas vocaacutelicos
156
Quadro 18 Resultado mais frequente do processo de monotongaccedilatildeo em Latundecirc
162
Quadro 19 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
166
Quadro 20 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Portuguecircs
167
Quadro 21 Escala de Sonoridade (Bonet e Mascaroacute 1997 p 109)
196
SUMAacuteRIO
1 SOBRE A PESQUISA 20
11 INTRODUCcedilAtildeO 20
12 JUSTIFICATIVA 24
13 OBJETIVOS 25
14 METODOLOGIA 26
15
DISPOSICcedilAtildeO DA TESE 27
2 MARCACcedilAtildeO LINGUIacuteSTICA 29
21 INTRODUCcedilAtildeO 29
22 MARCACcedilAtildeO 31
221 A concepccedilatildeo de Jakobson e Trubetzkoy 35
222 Abordagem Gerativa 37
223 Abordagem Tipoloacutegica (Interlinguiacutestica) 39
224 Abordagem Naturalista (Morfologia Natural) 41
23 CRITEacuteRIOS DE MARCACcedilAtildeO 42
24 MARCACcedilAtildeO MUDANCcedilA E CONTATO LINGUIacuteSTICO 45
25 JAKOBSON E A ABORDAGEM FONOLOacuteGICA DA
MARCACcedilAtildeO
48
3 O CONTATO LINGUIacuteSTICO 54
31 INTRODUCcedilAtildeO 54
32 SOBRE O CONTATO LINGUIacuteSTICO 57
33 MESCLAS DE CONTATO PIDGIN CRIOULO LIacuteNGUA
FRANCA E JARGAtildeO
60
331 Pidgin 63
332 Crioulo 65
333 Liacutengua Franca ou Sapir 69
334 Jargatildeo 71
34 IMPLICACcedilOtildeES DO CONTATO LINGUIacuteSTICO 72
341 Bilinguismo 72
342 Diglossia 78
343 Alternacircncia de coacutedigo 80
344 Morte da liacutengua
83
4 COMUNIDADE DE ESTUDO OS LATUNDEcirc 86
41 INTRODUCcedilAtildeO 86
42 A FAMIacuteLIA NAMBIKWARA 86
43 OS LATUNDEcirc
94
5 INTERFEREcircNCIA FONEacuteTICO-FONOLOacuteGICA DO LATUNDEcirc
NO PORTUGUEcircS
106
51 INTRODUCcedilAtildeO 106
52 INTERFEREcircNCIA FUSAtildeO COEXISTEcircNCIA E
TRANSFEREcircNCIA LINGUIacuteSTICA
107
53 FONOLOGIA DO LATUNDEcirc 124
54 FONOLOGIA DO PORTUGUEcircS 154
55 COMPARACcedilAtildeO ENTRE OS SISTEMAS FONEacuteTICOS DO
PORTUGUEcircS E DO LATUNDEcirc
156
6 PROCESSOS FONOLOacuteGICOS DO PORTUGUEcircS FALADO
PELOS LATUNDEcirc
158
61 Introduccedilatildeo 158
611 Perda de elementos 161
6111 Monotongaccedilatildeo 161
6112 Siacutencope em onset complexo de l e r 168
6113 Apagamento da coda 171
6114 Reduccedilatildeo do geruacutendio ndash Anteriorizaccedilatildeo da vogal final 173
6115 Reduccedilatildeo das palatais (nasal e lateral) 174
6116 Afeacuterese 177
6117 Apoacutecope 178
6118 Siacutencope 180
612 Ganho de elementos (Inserccedilatildeo de elementos) 181
613 Alteraccedilatildeo de elementos (permuta ou transposiccedilatildeo) 184
6131 Despalatalizaccedilatildeo de [ʃ] e [ʒ] 184
6132 Palatalizaccedilatildeo 186
6133 Vozeamento e desvozeamento 189
6134 Abaixamento e elevaccedilatildeo das vogais orais 191
6135 Nasalizaccedilatildeo e desnasalizaccedilatildeo 194
6136 Fenocircmenos envolvendo os roacuteticos 195
6137 Labializaccedilatildeo e deslabializaccedilatildeo 197
6138 Metaacutetese 198
6139 Siacutestole 199
61310 Fortalecimento
200
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
201
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
208
ANEXOS 221
20
1 SOBRE A PESQUISA
O estudo dessas liacutenguas eacute evidentemente de grande importacircncia para o incremento dos conhecimentos linguiacutesticos Cada nova liacutengua que se investiga traz novas contribuiccedilotildees agrave linguiacutestica cada nova liacutengua eacute outra manifestaccedilatildeo de como se pode realizar a linguagem
humana Cacircmara Jr (1977 p 4)
11 INTRODUCcedilAtildeO
Neste capiacutetulo discorreremos sobre a diversidade e a situaccedilatildeo das liacutenguas
indiacutegenas brasileiras1 bem como a motivaccedilatildeo para o presente estudo Tambeacutem
faratildeo parte desta introduccedilatildeo a justificativa para a realizaccedilatildeo desta pesquisa os
objetivos almejados os procedimentos metodoloacutegicos e a descriccedilatildeo da estrutura
da tese
Por se tratar de um estudo que diz respeito agrave linguiacutestica indigenista brasileira vale
iniciar a discussatildeo situando aqueles que satildeo os sujeitos da nossa pesquisa os
iacutendios Sabe-se que os povos indiacutegenas satildeo vistos geralmente como personagens
passivos na da nossa histoacuteria Eacute um equiacutevoco concebecirc-los na nossa narrativa
dessa forma pois seja no papel de aliados ou de inimigos esses povos tiveram
um papel importante na formaccedilatildeo de sociedades coloniais e poacutes-coloniais
(ALMEIDA 2013 p9)
1 Aleacutem do portuguecircs haacute no Brasil aproximadamente 180 liacutenguas indiacutegenas faladas por 225 etnias
Dessas liacutenguas 110 satildeo consideradas em extinccedilatildeo pelo fato de serem faladas por menos de 500 pessoas Estima-se que em 1500 cerca de seis milhotildees de iacutendios falavam 1078 idiomas Hoje a populaccedilatildeo indiacutegena brasileira chega a no maacuteximo entre 440 mil e 500 mil indiviacuteduos Atribui-se o desaparecimento das liacutenguas indiacutegenas agraves pressotildees poliacuteticas do colonizador e posteriormente agraves necessidades de sobrevivecircncia das populaccedilotildees indiacutegenas Revista Liacutengua portuguesa n 26 p 57 2010
21
Embora natildeo seja amplamente divulgado no Brasil haacute cerca de 180 liacutenguas
indiacutegenas o que nos torna um paiacutes plurilinguiacutestico Esse percentual era de 1200
antes da chegada dos portugueses Durante esses cinco seacuteculos de colonizaccedilatildeo
um glotociacutedio foi visto intensificamente no nosso territoacuterio
Mesmo sendo viacutetimas de um processo de colonizaccedilatildeo desenfreado e
escravizador estes povos com o tempo passaram a ser reconhecidos como
agentes na sociedade Suas accedilotildees satildeo vistas a partir de um recente periacuteodo
histoacuterico como importantes para explicar a histoacuteria deles e consequentemente a
nossa Saindo de um quadro de contato onde eram vistos como coadjuvantes
passando a ser tambeacutem protagonistas
Hoje os estudos indigenistas satildeo mais frequentes uma vez que na antropologia
atual os povos que foram definidos como aculturados passaram a ser
coadjuvantes de um processo histoacuterico e participativo
A reportagem da Revista Continente Maio de 2009 sobre os Fulniocirc faz parte de
um arsenal que descreve o que jaacute eacute sabido pela comunidade cientiacutefica as liacutenguas
indiacutegenas brasileiras estatildeo desaparecendo em ritmo acelerado Posto dessa
forma podemos perceber que haacute urgecircncia em descrever como tais liacutenguas se
comportam em si e em contatos com outras
Cacircmara-Juacutenior (1977 p 7) postula que os estudos indigenistas mais
precisamente sobre os de suas liacutenguas constitui no Brasil uma tarefa natildeo
somente enorme mas tambeacutem urgente Hoje meio seacuteculo depois esta citaccedilatildeo se
faz atual Os estudos indigenistas ainda se monstram tiacutemidos e carentes de
recursos e pesquisadores
22
Em continuidade o autor afirma que
Jaacute desapareceram no Brasil muitas liacutenguas agora totalmente irrecuperaacuteveis para a ciecircncia Eacute muito difiacutecil avaliar hoje em dia quantas liacutenguas se teriam falado no Brasil haacute 400 anos na eacutepoca do descobrimento do paiacutes pelos europeus Mas a quantidade de liacutenguas que subsistem ainda hoje () eacute ainda um nuacutemero consideraacutevel ndash cento e tantas Todas elas entretanto estatildeo ameaccediladas de desaparecer dentro de muitos poucos anos
O fato eacute que precisamos catalogar essas liacutenguas e como elas agem durante o
contato linguiacutestico Esses estudos satildeo de grande valia porque podem mostrar
como se deu analogicamente o contato do portuguecircs com outras liacutenguas E as
evidecircncias aqui encontradas contribuiratildeo para a descriccedilatildeo linguiacutestica aleacutem de
proporcionar agraves geraccedilotildees futuras o conhecimento mais apurado sobre as liacutenguas
de contato
Sobre esta relaccedilatildeo Almeida (idem p 14) afirma que
[] As relaccedilotildees de contato com sociedades envolventes e vaacuterios processos de mudanccedila cultural vivenciados pelos grupos indiacutegenas eram considerados simples relaccedilotildees de dominaccedilatildeo impostas aos iacutendios de tal forma que natildeo lhes restava nenhuma margem de manobra a natildeo ser a submissatildeo passiva a um processo de mudanccedilas culturais que os levaria a serem assimilados e confundidos com a massa da populaccedilatildeo
A autora ainda reitera que ldquoas relaccedilotildees de contato eram entatildeo grosso modo
vistas como relaccedilotildees de dominaccedilatildeo submissatildeo na qual uma cultura se impunha
sobre a outra anulando-ardquo p16
23
O contato entre liacutenguas contribuiu para o leacutexico portuguecircs2 E eacute o contato
linguiacutestico um dos fatores que coloca o iacutendio em situaccedilatildeo ativa na histoacuteria do
Brasil mesmo apoacutes o decreto do Marquecircs de Pombal3
Todavia assim como ocorrera com os negros eacute possiacutevel que o contato com
iacutendios possa ter influenciado outros niacuteveis da nossa gramaacutetica 4
Seki (1995 p 33) ao discutir sobre a situaccedilatildeo das liacutenguas indiacutegenas brasileiras
diz que
Essas estimativas devem ser ainda consideradas com certa cautela pois as liacutenguas indiacutegenas encontram-se sob as mais diferentes pressotildees sofrendo o impacto do crescente contato com a populaccedilatildeo envolvente e a liacutengua majoritaacuteria Contudo natildeo haacute em geral levantamentos que permitam estabelecer com maior margem de exatidatildeo os reflexos do impacto do Portuguecircs nos distintos grupos em termos de deslocamento de liacutengua indiacutegena tanto no que se refere a graus de bilinguismo monolinguismo quanto no que se refere agrave interferecircncia do Portuguecircs nessas liacutenguas nem sempre claramente perceptiacutevel nas fases iniciais mas que vai aos poucos contribuindo para a perda da liacutengua minoritaacuteria
2 Citamos aqui como exemplos o caso dos grupos de palavras oriundos de outros povos que
foram acoplados ao nosso leacutexico como indianismos e africanismos 3 Para estabelecer uma comunicaccedilatildeo com os nativos os portugueses foram aprendendo os
dialetos e idiomas indiacutegenas A partir do tupinambaacute falado pelos grupos mais abertos ao contato com os colonizadores criou-se uma liacutengua geral comum a iacutendios e natildeo-iacutendios O crescente nuacutemero de falantes do portuguecircs comeccedila a tornar o bilinguumlismo das famiacutelias portuguesas no paiacutes cada vez menor Em 17 de agosto de 1758 a liacutengua portuguesa se torna idioma oficial do Brasil atraveacutes de um decreto do Marquecircs de Pombal que tambeacutem proiacutebe o uso da liacutengua geral Disponiacutevel em httpwwwcomcienciabrreportagenslinguagemling03htm em 18122014 4 Alguns estudiosos afirmam que as influecircncias natildeo se restringiram apenas ao vocabulaacuterio
Jacques Raimundo em O Elemento Afro-Negro na Liacutengua Portuguesa aponta algumas mudanccedilas foneacuteticas iniciadas na fala dos escravos que ainda se mantecircm em algumas variedades do portuguecircs do Brasil as vogais meacutedias pretocircnicas e e o passam a ser pronunciadas como vogais altas respectivamente i e u (mininu nuticcedila) as vogais tocircnicas de palavras oxiacutetonas terminadas em s mesmo as grafadas com z se tornam ditongos (atrais mecircis vecircis) a marca de terceira pessoa do plural nos verbos do preteacuterito perfeito se reduz a o (fizero caiacutero tocaro)Em 1822 Jeroacutenimo Soares Barbosa registrava em sua Grammatica Philosophica uma peculiaridade sintaacutetica originada na fala dos escravos que ateacute hoje eacute apontada como uma das distinccedilotildees entre o portuguecircs falado em Portugal e o que se fala no Brasil a colocaccedilatildeo de pronomes aacutetonos antes dos verbos (mi deu ti falocirc) Disponiacutevel em httpwwwcomcienciabrreportagenslinguagemling03htm em 18122014
24
Embora a preocupaccedilatildeo da maioria dos estudiosos de liacutenguas indiacutegenas seja com
as liacutenguas minoritaacuterias esta pesquisa trafega no sentido contraacuterio ao buscar
descrever a influecircncia dessas liacutenguas tidas como fraacutegeis no indioma nacional
Vale ressaltar que mesmo em territoacuterio nacional o portuguecircs aqui eacute tido como
segunda liacutengua
12 JUSTIFICATIVA
O contato linguiacutestico e suas consequecircncias se datildeo em todas as liacutenguas do
mundo No entanto no que tange ao desaparecimento de liacutenguas o prejuiacutezo eacute
maior uma vez que a natildeo catalogaccedilatildeo dessas liacutenguas geraria um deacuteficit linguiacutestico
que poderia prejudicar os estudos linguiacutesticos vigentes e futuros aleacutem dos
problemas humanos advindos do processo de aculturaccedilatildeo entre povos
Ao corroborar com esta acertiva Telles (2009 p25) afirma que
Quando um povo perde uma liacutengua tambeacutem perde diversidade humana perdem-se meios de compreensatildeo e explicaccedilatildeo do mundo perdem-se soluccedilotildees de adaptalidade do homem ao meio perde-se o conhecimento do potencial e do usufruto sustentaacutevel deste meio Enfim perdem-se conhecimentos fundamentais que venham a coloborar para a continuidade da sobrevivecircncia do homem no planeta
O estudo de uma liacutengua diferente da nossa pode nos dar a impressatildeo de que
vamos encontrar algo distante da nossa realidade O que natildeo eacute verdade visto
que as semelhanccedilas linguiacutesticas satildeo em maior nuacutemero Cacircmara-Juacutenior (1977
p18)
25
Antes da perda total de uma liacutengua que pode ser assim configurado ou natildeo o
processo inicial se daacute pelo contato entre elas Soacute depois de existirem lado a lado
eacute que tais liacutenguas podem a depender da dinacircmica se fundirem desaparecerem
ou conviverem entre si
No caso do relacionamento entre o Latundecirc e o Portuguecircs percebe-se que tal
contato caminha para o desparecimento do Latundecirc dado as circunstacircncias
histoacutericas e sociais pelas quais esta liacutengua tem passado Hoje este povo eacute
composto de 20 falantes dispersos Como os mais novos natildeo podem coabitar
entre si a continuidade da etnia estaacute com os dias marcados Logo torna-se
urgente as tentativas de descriccedilatildeo da liacutengua e de seu comportamento
Analisar e descrever o contato com base nos padrotildees de marcaccedilatildeo e simetria
contribuiraacute com o princiacutepio de naturalidade que eacute pre-requesito para a tipologia
linguiacutestica No mais as investigaccedilotildees sobre o contato linguiacutestico satildeo de grande
valia para o conhecimento mais apurado das liacutenguas do mundo e da nossa liacutengua
especificamente
13 OBJETIVOS
Esta pesquisa objetiva o estudo da interferecircncia foneacutetica do Latundecirc no
Portuguecircs levando em consideraccedilatildeo o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
entre estas liacutenguas Tambeacutem busca refletir sobre os processos foneacuteticos oriundos
do contato e como eles se evidenciam a partir das liacutenguas em xeque
26
No decorrer da tese aleacutem dos objetivos postos aqui buscaremos responder as
questotildees postuladas
Investigar se os fatores internos (linguiacutesticos) e externos (estruturais)
interagem com os princiacutepios da marcaccedilatildeo
Identificar qual o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
Verificar se e quais os traccedilos mais marcados da liacutengua dominada passam
para a dominante
Dessa forma ao refletirmos sobre as questotildees acima esperamos contribuir com
os estudos dos universais linguiacutesticos e da cogniccedilatildeo humana
14 METODOLOGIA
O corpus utilizado nesta pesquisa foi coletado pela professora Stella Virgiacutenia
Telles e faz parte do NEI ndash Nuacutecleo de Estudos Indigenistas ndash da Universidade
Federal de Pernambuco Os dados foram gravados em CDrsquos em formato wave e
estruturados em forma de perguntas e respostas DID ndash Diaacutelogo entre
entrevistador e entrevistado
Foram escutados aproximadamente 30 horas de gravaccedilatildeo de fala dos 20
informantes Latundecirc Incialmente analisamos de oitiva os dados que foram
depois transcritos foneticamente com base no Alfabeto Foneacutetico Internacional -
IPA e organizados em tabelas Apoacutes segunda anaacutelise em caso de duacutevidas os
dados foram submetidos ao programa PRAAT para melhor audiccedilatildeo No que tange
27
agrave anaacutelise os dados foram disponibilizados em tabelas e enumerados com os
respectivos comentaacuterios abaixo
15 DISPOSICcedilAtildeO DA TESE
Para este estudo utilizamos os pressupostos cientiacuteficos da tipolologia linguiacutestica
de base aleacutem de autores que foquem em seus estudos contato interferecircncia
foneacutetica marcaccedilatildeo e naturalidade
No capiacutetulo 1 discorremos sobre os elementos basilares da tese justificativa
objetivos perguntas norteadoras metodologia e disposiccedilatildeo da tese
No capiacutetulo 2 trataremos sobre a marcaccedilatildeo Nele abordaremos o conceito de
marcaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com os princiacutepios de simetria e naturalidade Veremos a
partir do panorama de Matras amp Elsik (2006) Battistella (1996) Lacy (2006) as
abordagens de marcaccedilatildeo estruturalista gerativa tipoloacutegica e naturalista
Na seccedilatildeo 23 discorreremos sobre os criteacuterios de marcaccedilatildeo e na seccedilatildeo 24
sobre a mudanccedila linguiacutestica contato e marcaccedilatildeo Nos deteremos aos estudos de
Jakobson na abordagem fonoloacutegica na seccedilatildeo 25 bem como os universais
linguiacutesticos para a marcaccedilatildeo observados por Moreira da Silva (2011) em
contraponto com os padrotildees mais marcados do Latundecirc
No Capiacutetulo 3 o contato linguiacutestico seraacute nosso escopo Nele discutiremos os tipos
de mesclas de contato pidgin crioulo liacutengua Franca e jargatildeo a partir dos
pressupostos de Tarallo e Alkimin (1987) Calvet (2004) Couto (2001) Hall
28
(1996) Hymes (1971) Romaine (2000) e AiKhenvald e Dixon (2006)
Abordaremos tambeacutem a diglossia conforme Ferguson (1991) a alternacircncia de
coacutedigo de acordo com Auer (1999) Morte de liacutengua segundo Mcmahon (1994)
Trask (2004) e Cristoacutefaro-Silva (2002)
No capiacutetulo 4 apresentaremos a comunidade de estudo os Latundecirc Inicialmente
com base em Rodrigues (1995) Roquete-Pinto (1919) Leacutevi-Strauss (1946) Price
e Cook (1969) Anomby (2009) e Telles (2002) faremos uma descriccedilatildeo dos povos
e famiacutelias indiacutegenas do Brasil e dos Latundecirc especificamente Recapitularemos o
contexto histoacuterico formaccedilatildeo contato com os outros povos indiacutegenas e com os
natildeo iacutendios limites geograacuteficos e situaccedilatildeo atual
No capiacutetulo 5 trataremos da interferecircncia e transferecircncia foneacutetica do Latundecirc
para o Portuguecircs Com base em Cristoacutefaro-Silva (2002) Bisol (1996) Weinreich
(1953) Van Coetesem (1988) e Matras (2009) discutiremos os processos de
interferecircncia fusatildeo coexistecircncia e transferecircncia linguiacutestica Apresentaremos os
aspectos mais relevantes da fonologia Latundecirc e do Portuguecircs
No capiacutetulo 6 faremos as anaacutelises dos processos foneacuteticos presentes no contato
do Latundecirc com o Portuguecircs A partir da perspectiva claacutessica de perda
manutenccedilatildeo ou ganho de elementos discutiremos sobre quais os processos
foneacuteticos mais marcados do Latundecirc permanecem ou natildeo atestados no
Portuguecircs falado por Latundecirc
Por fim chegaremos agraves divagaccedilotildees finais dos resultados configurados na
pesquisa e agrave perspectiva de continuidade do trabalho Nos anexos encontram-se
os dados analisados transcritos foneticamente e dispostos em tabelas
29
2 MARCACcedilAtildeO LINGUIacuteSTICA
A nossa vida eacute mesmo assim Crescemos uns qual aacutervore indivisa levados pela forccedila de um destino retiliacuteneo como as palmeiras crescem
outros com a vida ramificada pelos empuxos ambientes Pretendemos Tentamos Retrocedemos
Afinal caminhamos na diretriz primitivamente escolhida quando o tempo nos concede alcanccedilar crescemos como as lianas5
(ROQUETTE-PINTO 1919 p 37)
21 INTRODUCcedilAtildeO
Eacute fato que o universo eacute regido por leis naturais O que aparentemente demonstra
ser fruto da eventualidade eacute um conjunto de princiacutepios explicaacuteveis que agem de
forma complementar sob as forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas Com a liacutengua(gem)
natildeo diferentemente enquanto sistema de relaccedilotildees ela reflete estas
caracteriacutesticas Para Croft (2003 p 25) ela reflete a tensatildeo entre duas tendecircncias
concorrentes - uma em direccedilatildeo agrave regularidade a outra em direccedilatildeo agrave
hierarquizaccedilatildeo
Com o objetivo de melhor compreensatildeo dos pressupostos da tese neste capiacutetulo
nos deteremos agrave compreensatildeo dos conceitos de marcaccedilatildeo assimetria e
naturalidade Oriundos da linguiacutestica de base estes termos estatildeo relacionados
aos universais linguiacutesticos A complexidade destes conceitos por outro lado
apontam para o que eacute individual e para o que eacute geral Tem a ver com o que jaacute
defendia Chomsky ao estabelecer a dicotomia Princiacutepios x Paracircmetros
Obviamente posta a complexidade da liacutengua esses ldquoagentesrdquo da linguagem
5 Espeacutecie de trepadeira que manteacutem sua raiz no solo mas necessita de um suporte para manter-
se ereta e crescer em direccedilatildeo agrave luz
30
estatildeo submetidos tambeacutem aos fatores internos e externos nas liacutenguas do mundo
Logo o que eacute marcado numa liacutengua pode natildeo ser em outra ou podem ocorrer
marcaccedilotildees mais globais
Matras e Elsik (2006 p12) discorrem que
A tarefa da teoria linguiacutestica eacute a nosso ver descrever como essas tendecircncias concorrentes satildeo responsaacuteveis pela formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas Trata-se de um jogo a niacutevel local de vaacuterios fatores a estrutura e sua funccedilatildeo na comunicaccedilatildeo o membro e o valor que ela representa tanto dentro do paradigma e em um quadro conceitual mais universal a natureza do processo especiacutefico envolvido na formaccedilatildeo a estrutura e a motivaccedilatildeo para aplicar esse processo para o paradigma ou partes dele Esta complexa interaccedilatildeo de fatores nunca eacute preacute-determinada uma vez que diferentes combinaccedilotildees de fatores tornaratildeo resultados diferentes A este respeito tomamos uma visatildeo imparcial do que condiccedilatildeo marcada eacute e se eacute ou natildeo uma estrutura eacute marcado ldquoem comparaccedilatildeo com a outrardquo Em vez disso nosso interesse eacute em explorar padrotildees nos resultados de diferentes combinaccedilotildees de fatores em niacutevel local
A assimetria e a naturalidade efetivamente teriam uma relaccedilatildeo direta com a
marcaccedilatildeo O que eacute assimeacutetrico tende a ser mais marcado e menos natural Por
outro lado o que eacute mais natural tende a ser menos marcado e mais simeacutetrico
Esta eacute uma condiccedilatildeo elementar mas natildeo totalitaacuteria para as liacutenguas do mundo
Para Batistella (1996 p115) haacute um nuacutemero de pesquisadores que sugerem
formas especiacuteficas em que as condiccedilotildees de marcaccedilatildeo desempenham um papel
na descriccedilatildeo na alteraccedilatildeo ou na aquisiccedilatildeo da liacutengua(gem) exercendo uma
funccedilatildeo relevante na definiccedilatildeo da gramaacutetica oacutetima agravequela que eacute o resultado
satisfatoacuterio na teoria da otimalidade6
6 Mesmo natildeo trabalhando diretamente com a teoria da otimalidade nesta tese eacute vaacutelido ressaltar
que os princiacutepios de marcaccedilatildeo simetria e naturalidade fazem parte do arcabouccedilo teoacuterico de seu axioma
31
No que diz respeito agrave fonologia aacuterea da linguiacutestica sob a qual se debruccedila o objeto
de estudo desse trabalho Battistella (1966 p65) observa que condiccedilatildeo marcada
eacute uma propriedade da relaccedilatildeo entre os dois sinais de um paradigma diacriacutetico
que eacute em parte independente da substacircncia linguiacutestica articulaccedilatildeo e percepccedilatildeo e
deve ser definido principalmente como conceitual
No que se refere aos conceitos postos aqui utilizaremos os pressupostos teoacutericos
defendidos por CROFT (1996 2003) JAKOBSON (1953) BATTISTELLA (1996)
MATRAS amp ELSIK (2006) para descriccedilatildeo teoacuterica e abordagem histoacuterica e LACY
(2006) para a descriccedilatildeo dos universais marcados para tratarmos das elucidaccedilotildees
sobre Marcaccedilatildeo Tipoloacutegica (no contato linguiacutestico) e Naturalidade
22 MARCACcedilAtildeO
Battistella (1996 p7) afirma que em muitas aacutereas alguns conceitos apresentam
problemas quanto agrave sua complexidade axioloacutegica Natildeo diferentemente no campo
da linguiacutestica tais discussotildees emblemaacuteticas ainda hoje se fazem presentes Uma
dessas discussotildees gira em torno do conceito de marcaccedilatildeo pois segundo ele
A dicotomia natildeo-marcado versus marcado eacute um dos conceitos-chave tanto a teoria da gramaacutetica gerativa desenvolvida por Noam Chomsky e a teoria da linguiacutestica estrutural desenvolvida por Roman Jakobson Ela tem sido usada em aacutereas da linguiacutestica que vatildeo desde a descritiva e tipoloacutegica ateacute a aplicada e foi emprestado para campos tatildeo diversos como a antropologia arte muacutesica poesia e literatura
O termo que fora introduzido na linguiacutestica na deacutecada de 1920 pelos linguistas
europeus da Escola de Praga cujo significado da condiccedilatildeo marcada natildeo
32
permaneceu constante mesmo dentro de uma uacutenica estrutura intelectual hoje eacute
um marco central na linguiacutestica O conceito de marcaccedilatildeo estaacute relacionado agrave
frequecircncia daquilo que eacute menos comum na liacutengua Logo a relaccedilatildeo deste conceito
se coaduna agrave noccedilatildeo de naturalidade Se um elemento eacute mais natural ele seraacute
menos marcado Se o oposto seraacute mais marcado Deste modo as liacutenguas teriam
uma tendecircncia a optar por padrotildees natildeo marcados
Battistella (2006 p13) expotildee que
A possibilidade de relaccedilotildees universais marcado natildeo-marcado eacute atenuada por outros fatores Um deles eacute a observaccedilatildeo de que a assimetria eacute muitas vezes sensiacutevel ao contexto Isso faz com que uma condiccedilatildeo local marcada em vez de um fenocircmeno geral signifique que contexto deve sempre ser considerado ao determinar valores de condiccedilatildeo marcada Poderia ser eacute claro que o aspecto contextual da condiccedilatildeo marcada seja dado universalmente mas este natildeo eacute de modo algum faacutecil de mostrar aleacutem do niacutevel de fonologia Uma preocupaccedilatildeo relacionada sobre as implicaccedilotildees universais decorre do fato de que muitas assimetrias podem ser revertidas entre as diferentes comunidades de fala periacuteodos de tempo ou registradores
Para Trask (2004 p187) os vaacuterios criteacuterios para entender que uma forma ou
construccedilatildeo eacute marcada podem natildeo coincidir e os valores da alternativa marcado
natildeo-marcado podem tambeacutem mudar ao longo do tempo A complexidade posta na
interaccedilatildeo de fatores nunca eacute previamente estabelecida uma vez que as
diferentes combinaccedilotildees deles tornaratildeo consequentemente os resultados
diferentes
Em continuidade ele afirma que
Ser marcado eacute uma noccedilatildeo muito ampla que se aplica em todos os niacuteveis de anaacutelise Em termos gerais eacute marcada qualquer forma linguiacutestica que ndash sob qualquer ponto de vista ndash menos usual ou menos neutra do que alguma outra forma a forma natildeo-
33
marcada Uma forma marcada pode distinguir-se de outra tambeacutem marcada pela presenccedila de mais material de maior quantidade de matizes de significado por ser mais rara numa determinada liacutengua ou nas liacutenguas em geral ou de vaacuterios outros modos (idem p129)
Na e para a fonologia eacute sugerido que processos fonoloacutegicos estejam diretamente
sensiacuteveis agrave distinccedilatildeo entre os elementos marcados e os natildeo marcados Nesta
relaccedilatildeo a marcaccedilatildeo dos segmentos foneacuteticos estaacute relacionada a propriedades
linguiacutesticas como i) serem pouco comuns ii) serem pouco frequentes iii) serem
adquiridos tardiamente iv) serem pouco estaacuteveis quanto agrave mudanccedila sonora
(CRISTOacuteFARO-SILVA 2011 p148)
Segundo Battistella (2006 p 13) ldquoa condiccedilatildeo marcada na fonologia eacute uma
propriedade da relaccedilatildeo entre os dois sinais de um paradigma diacriacutetico que eacute em
parte independente da substacircncia linguiacutestica (articulaccedilatildeo e percepccedilatildeo) e deve ser
definida principalmente como conceitualrdquo
O conceito de marcaccedilatildeo estaacute diretamente relacionado ao de simetria propriedade
matemaacutetica que consiste na correspondecircncia e permuta de elementos dentro de
um conjunto onde mesmo com a troca de lugares eles continuam tendo o
mesmo valor Neste caso a marcaccedilatildeo estaria ligada ao conceito de assimetria
posto que esta seja a quebra da valoraccedilatildeo de correspondecircncia dos elementos
Trask 2007
Para Matras e Elsik (2006 p 8)
Assimetrias de paradigmas tecircm vindo a ser associado com a noccedilatildeo de condiccedilatildeo marcadardquo O conceito pressupotildee que a relaccedilatildeo estrutural entre os dois polos de um paradigma eacute previsiacutevel em certa medida Ele tambeacutem assume que um dos
34
polos marcado seraacute sempre exibir propriedades que o outro polo desmarcado natildeo tem
Os referidos autores tratam dos aspectos sobre assimetria afirmando que a
simetria eacute mais simples por ser explicada ldquoem termos formais ao niacutevel do
paradigma e em termos funcionais atraveacutes de regularidade na posiccedilatildeo e
formas das estruturas que executam operaccedilotildees lineares semelhantes na
organizaccedilatildeo de informaccedilatildeo de enunciadosrdquo Eles ainda afirmam que as ldquoas forccedilas
que provocam a assimetria satildeo muito mais opacasrdquo pois ldquoelas competem em
vaacuterios niacuteveis locais contra o poder aparentemente esmagador e sempre presente
da busca pela simetriardquo (idem p 10)
A noccedilatildeo de valores dos conceitos de marcados e natildeo marcados foi inicialmente
desenvolvido para sistemas fonoloacutegicos por Trubetzkoy (1931) e primeiro aplicado
a categorias morfossintaacuteticas e semacircnticas por Jakobson (1932) Croft (1990 p
87) afirma que Markedness has since been adopted by both the generative and
the typological approaches to linguistic theory not surprisingly in rather different
ways7 Por isso a depender da corrente teoacuterica adotada o conceito de marcaccedilatildeo
pode ser compreendido de forma distinta dadas as interpretaccedilotildees e as
abrangecircncias a que elas se propotildeem
Conforme Battistella (1996 p 12) O termo marcaccedilatildeo abrange uma seacuterie de
conceitos
algumas tentativas foram feitas para separar os conceitos subjacentes a este termo e distinguir entre diferentes tipos de condiccedilotildees marcadas Jakobson por exemplo manteacutem uma
7 O conceito de marcaccedilatildeo tem sido adotado nas abordagens gerativista e tipoloacutegica natildeo surpreendentemente de maneiras bastante diferentes
35
distinccedilatildeo entre condiccedilatildeo fonoloacutegica marcada que envolve categorias cujos significados satildeo meros diferenciadores e condiccedilatildeo marcada semacircntica que envolve categorias conceituais que sinalizam o que significa bem como distinguem os vocaacutebulos
Com os passar do tempo os modelos teoacutericos sobre marcaccedilatildeo tambeacutem foram
discutidos e repensados de acordo com a corrente a que se propunha Nos
paraacutegrafos que seguem discorremos seguindo o percurso histoacuterico descrito por
Battistella 2006 sobre estes modelos estruturalista gerativista tipoloacutegica e
naturalista
221 A concepccedilatildeo de Jakobson e Trubetzkoy
A abordagem estruturalista estaacute diretamente ligada agraves pessoas de Jakobson e
Trubetzkoy componentes do Ciacuterculo de Praga para quem as correlaccedilotildees
fonoloacutegicas satildeo compartilhadas em um elemento definidor comum A partir da
observaccedilatildeo do comportamento dos traccedilos fonoloacutegicos eles introduzem os termos
marcado e natildeo-marcado It was in the context of the search for correlations
among phonemes that the terms marked and unmarked were first proposed
Battistella (2006 p 19)
Na visatildeo semioacutetica estruturalista de acordo com Matras e Elsik (2006 p 15)
Trubetzkoy (1939) introduziu o conceito de condiccedilatildeo marcada no contexto de sua
pesquisa sobre correlaccedilotildees fonoloacutegicas com base nas relaccedilotildees entre a presenccedila
de alguma caracteriacutestica fonoloacutegica e sua ausecircncia na consciecircncia dos falantes
Mais adiante ele restringiu a aplicaccedilatildeo da condiccedilatildeo marcada agraves neutralizaacuteveis
36
oposiccedilotildees fonoloacutegicas A partir daiacute a neutralizaccedilatildeo tornou-se o criteacuterio de
marcaccedilatildeo
Por isso diz-se que a neutralizaccedilatildeo eacute um criteacuterio originalmente fonoloacutegico que foi
estendido (nem sempre bem) para a situaccedilatildeo em que algum contexto requer o
cancelamento do contraste entre os membros de uma oposiccedilatildeo Battistella (1996
p 11)
Batistella (idem p12) tambeacutem afirma que Jakobson aplicou o conceito de
marcaccedilatildeo em vaacuterias direccedilotildees e aleacutem da fonologia a outros niacuteveis linguiacutesticos e
domiacutenios da semioacutetica com base natildeo apenas nos atributos linguiacutesticos mas nas
categorias semacircnticas da gramaacutetica e da cultura Ele tambeacutem afirmou que a
condiccedilatildeo marcada pode ser vista como uma relaccedilatildeo binaacuteria
O autor em estudo ainda discorre que Jakobson observando aleacutem disso ldquouma
seacuterie de correlaccedilotildees de condiccedilatildeo marcada notou que os valores natildeo marcados
tendem a ser representado por zero formardquo sugerindo que existe uma
correspondecircncia entre as caracteriacutesticas semacircnticas e sua expressatildeo fonoloacutegica
ldquonatildeo apenas os valores marcados tendem a ser codificados por meio de
marcadores manifestados mas tambeacutem valores semanticamente proacuteximos de
uma categoria que tendem a ser expressos fonologicamente ou marcadores
fonotaticamente semelhantesrdquo Os valores marcados tambeacutem tendem a mostrar
diferenciaccedilatildeo menos formal do que os valores natildeo marcados
Jakobson tambeacutem teria evidenciado seus estudos com base nas observaccedilotildees
sobre a aquisiccedilatildeo de primeira liacutengua e sobre a afasia Em suas pesquisas ele
descobriu correlatos extralinguiacutesticos de condiccedilatildeo marcada propondo uma
37
hierarquia das caracteriacutesticas fonoloacutegicas universais ao coletar dados
corroboradores da tese de que as caracteriacutesticas ou segmentos marcados satildeo
mais difiacuteceis de serem adquiridos por crianccedilas e de serem apreendidos por
afaacutesicos Battistella (idem 16)
222 Abordagem Gerativa
Para Matras amp Elsik (2006 p10) a visatildeo de Chomsky de marcaccedilatildeo mostra uma
flexibilidade notaacutevel uma vez que o conceito natildeo foi desenvolvido de forma
sistemaacutetica e que eacute difiacutecil falar sobre a existecircncia de um trabalho mais bem
elaborado sobre marcaccedilatildeo em sua obra
Battistella afirma que na concepccedilatildeo gerativista o conceito de marcaccedilatildeo exposto
por Chomsky estaacute relacionado a duas ideias centrais i) a condiccedilatildeo marcada eacute
concebida como codificaccedilatildeo de uma estrutura de preferecircncia ou a estrutura
padratildeo para a aquisiccedilatildeo da linguagem e ii) a condiccedilatildeo marcada eacute vista como
aquela que reflete o custo de determinadas opccedilotildees analiacuteticas Em tal conceito as
duas ideias estatildeo interligadas na abordagem gerativa na medida em que uma
teoria formal eacute necessaacuteria para expor a adequaccedilatildeo explicativa no que diz respeito
agrave aquisiccedilatildeo da linguagem (1996 p18)
Ainda segundo o autor Chomsky tambeacutem distinguiu dois tipos de condiccedilatildeo
marcada a distinccedilatildeo entre uma gramaacutetica sem marcaccedilatildeo do nuacutecleo e uma
periferia marcada e as estruturas de preferecircncia dentro do nuacutecleo e dentro da
periferia
38
No que tange agrave fonologia para Moreira da Silva (2011 p 31)
No contexto da Gramaacutetica Gerativa Chomsky amp Halle (1968 p 402) propotildeem uma teoria de marcaccedilatildeo baseada num conjunto de convenccedilotildees de marcaccedilatildeo ou definiccedilotildees dos valores ldquomarcadordquo ldquonatildeo-marcadordquo para os traccedilos fonoloacutegicos em contextos particulares A marcaccedilatildeo concebe uma estrutura como preferida ou que surge por defeito omissatildeo Os elementos marcados e natildeo marcados satildeo compreendidos como os que apresentam maior ou menor custo Satildeo as regras da Gramaacutetica Universal que atribuem um valor natildeo marcado aos traccedilos Com efeito os valores por omissatildeo estatildeo codificados na Gramaacutetica Universal havendo um conjunto de regras que fazem emergir os valores marcados
Chomsky amp Halle (idem p 425) propotildeem uma marcaccedilatildeo universal e inata Os
segmentos marcados ou os valores dos traccedilos satildeo estabelecidos de acordo com
universais interlinguiacutesticos frequecircncia distribucional mudanccedila linguiacutestica e
aquisiccedilatildeo da liacutengua
Eacute no final dos anos 70 e durante a deacutecada de 80 que segundo Battistella (1996
p 10)
a condiccedilatildeo marcada comeccedilou a ser tratada como parte de uma teoria do nuacutecleo da gramaacutetica A Gramaacutetica nuclear consistia em alguns paracircmetros que deveriam ser corrigidos durante a aquisiccedilatildeo de uma linguagem real O conceito de condiccedilatildeo marcada foi aplicado duplamente neste quadro Em primeiro lugar todo o nuacutecleo da gramaacutetica foi considerado como natildeo marcado contra a periferia marcada A condiccedilatildeo marcada de uma construccedilatildeo foi determinada pela sua regularidade estabilidade e centralidade para o nuacutecleo de uma linguagem particular bem como por generalizaccedilotildees intralinguiacutesticas sobre os tipos de construccedilatildeo Em segundo lugar a condiccedilatildeo marcada seria tambeacutem aplicada aos valores de paracircmetros no interior do nuacutecleo e no interior da periferia Assim condiccedilatildeo marcada tambeacutem foi visto como uma estrutura de preferecircncia dentro dos dois componentes da gramaacutetica
Moreira da Silva (2011 p32) afirma que no que diz respeito agrave Teoria da
Otimidade formulada por Prince amp Smolensky (1993) a marcaccedilatildeo eacute vista como a
39
violaccedilatildeo de uma restriccedilatildeo ou princiacutepio da liacutengua Segundo esta teoria cada liacutengua
eacute definida como um conjunto de hierarquizaccedilotildees de princiacutepios universais As
restriccedilotildees numa posiccedilatildeo mais elevada e que satildeo raramente violadas indicam os
aspetos natildeo marcados enquanto as menos importantes e que satildeo violadas
frequentemente mostram os aspetos mais marcados
223 Abordagem Tipoloacutegica (Interlinguiacutestica)
Croft (1996 p4) afirma que a principal caracteriacutestica da tipologia linguiacutestica eacute
verificar as regras de comparaccedilatildeo nas liacutenguas do mundo A comparaccedilatildeo
Interlinguiacutestica coloca a explicaccedilatildeo dos fenocircmenos linguiacutesticos de uma uacutenica
liacutengua em uma nova e diferente perspectiva
A fim de distinguir o conceito de marcaccedilatildeo de outras escolas teoacutericas Croft
(1996) introduziu a concepccedilatildeo de marcaccedilatildeo tipoloacutegica Para ele
Marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute uma rede de relaccedilotildees causais aparentes entre um subtipo de assimetrias interlinguiacutesticas todas as quais tecircm a ver com a forma como a funccedilatildeo eacute codificada em forma gramatical O tema geral da assimetria tambeacutem sugere um link para os padrotildees assimeacutetricos na ordem das palavras e na fonologia que diferem de marcaccedilatildeo tipoloacutegica de forma significativa Marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute uma propriedade universal de uma categoria conceitual natildeo uma propriedade de uma linguagem especiacutefica ou de uma categoria gramatical de linguagem particular como eacute concebida em marcaccedilatildeo para a Escola de Praga (p87 - 88)8
8 Typological markedness is a network of apparent causal relationships among a subtype of cross-
linguistic asymmetries all of which have to do with how function is encoded into grammatical form The general theme of asymmetry also suggests a link to asymmetrical patterns in word order and phonology which differ from typological markedness in significant ways Typological markedness is a universal property of a conceptual category not a language-particular property of a language-particular grammatical category as it is in Prague School markedness
40
Quanto agrave marcaccedilatildeo na abordagem tipoloacutegica autores como Croft (1996) e Givoacuten
(1990) se utilizaram da perspectiva estruturalista para embasar a sua teoria Esta
concepccedilatildeo se vale dos fenocircmenos interlinguiacutesticos e universais que eacute a sua
caracteriacutestica definidora Battistella (2006 p19) A marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute
portanto uma ferramenta importante para o tipologista porque fornece um meio
para ligar diretamente propriedades linguiacutesticas (estruturais) formais em todos os
idiomas
A condiccedilatildeo marcada eacute assegurada por padrotildees interlinguiacutesticos que podem ser
formulados como restriccedilotildees sobre possiacuteveis combinaccedilotildees de propriedades
linguiacutesticas Na abordagem tipoloacutegica a marcaccedilatildeo eacute vista como uma rede de
relacionamentos que engloba uma seacuterie de padrotildees gerais logicamente
independentes Croft (1990 p87) reclassifica os criteacuterios utilizados pelos
estruturalistas em trecircs estruturais comportamentais e de frequecircncia de token
Na abordagem tipoloacutegica um valor de categoria eacute mais ou menos marcado em
vez de individualmente ou duplamente marcadas como na abordagem semioacutetica
De acordo com Croft (2003 p87) o fato de que a neutralizaccedilatildeo natildeo eacute um
conceito relativo explica por que eacute um criteacuterio vaacutelido de condiccedilatildeo marcada
tipoloacutegica
Para Matras e Elsik o reconhecimento do caraacuteter relativo (gradual ou escalar) da
condiccedilatildeo marcada permite que se desenhe em alguns conceitos fundamentais da
tipologia linguiacutestica o que diz respeito agrave condiccedilatildeo de marcada Aleacutem de simples
implicacionais universais hierarquias e protoacutetipos tambeacutem podem ser vistos como
padrotildees da condiccedilatildeo marcada (2006 p18)
41
224 Abordagem Naturalista9 (Morfologia Natural)
Na abordagem naturalista de acordo com Matras amp Elsik (2006 p13) a condiccedilatildeo
marcada foi desenvolvida na escola de Morfologia Natural que surgiu na Aacuteustria e
na Alemanha em meados dos anos 1970 Os estudos de Dressler et al (1987)
para quem ldquoa naturalidade universal corresponde agrave facilidade para o ceacuterebro
humano (Dressler et all 1987 p11) fazem parte desta corrente que se debruccedilou
sobre a morfologia natural para dar sustentaccedilatildeo a sua tese Ainda para estes
autores
Os proponentes da Morfologia Natural caracterizam sua abordagem como semioacutetica e ao mesmo tempo funcional A escola foi inspirada entre outros pela teoria da marcaccedilatildeo desenvolvida na Escola de Praga Por outro lado morfologistas naturais compartilham de uma seacuterie de pontos de vista teoacutericos com o paradigma funcionalista e principalmente com orientaccedilatildeo de funccedilatildeo tipoloacutegica como a assunccedilatildeo do caraacuteter relativo da condiccedilatildeo marcada a suposiccedilatildeo de protoacutetipos e a dependecircncia de motivaccedilotildees e evidecircncias extralinguiacutesticas e intralinguiacutesticas (Idem p12)
Ainda de acordo com Matras amp Elsik (idem p 14) a Teoria da Morfologia Natural
eacute concebida como uma teoria da Naturalidade onde satildeo reconhecidos vaacuterios
niacuteveis de anaacutelise linguiacutestica que satildeo organizados por outras subteorias
correspondentes
A Morfologia Natural objetiva nesse aspecto estabelecer conflitos entre os
princiacutepios de naturalidade Dois desses satildeo i) os conflitos entre princiacutepios de
naturalidade (o que eacute natural e o que eacute especiacutefico do idioma) e ii) os conflitos
entre os diferentes componentes do sistema de linguagem
9 The naturalness approach
42
Comumente a naturalidade eacute vista por ter fundamentos extralinguiacutesticos que
determinam ou proiacutebem favorecem ou desfavorecem as estruturas linguiacutesticas
restringindo as possibilidades e especificam as preferecircncias da faculdade da
linguagem universal No entanto embora a morfologia privilegie os fatores
extralinguiacutesticos (neurobioloacutegicos e sociocomunicativos) os fatores linguiacutesticos
natildeo satildeo redutiacuteveis aos extralinguiacutesticos (ibidem p14)
23 CRITEacuteRIOS DE MARCACcedilAtildeO
Matras amp Elsik (2006 p15) elencam quatro criteacuterios relevantes para a marcaccedilatildeo
Satildeo eles i) frequecircncia ii) complexidade conceitual iii) complexidade estrutural iv)
distribuiccedilatildeo
A frequecircncia tem ocupado uma posiccedilatildeo central na abordagem tipoloacutegica da
condiccedilatildeo marcada Embora acredite-se que os elementos natildeo marcados satildeo
mais frequentes que os marcados este criteacuterio eacute relativo e universalmente
aplicaacutevel sendo bastante questionaacutevel na abordagem tipoloacutegica chegando a ser
abandonado por Croft 1990 p84 ao afirmar que ldquoo criteacuterio de frequecircncia mostra
uma conexatildeo direta entre as propriedades de estrutura da linguagem e
propriedades de uso da linguagemrdquo
Ainda segundo Croft (idem p159) a condiccedilatildeo marcada eacute mais do que uma
manifestaccedilatildeo de motivaccedilatildeo econocircmica havendo a necessidade de olhar para
outras causas da frequecircncia de certos valores gramaticais na fala
43
Na abordagem estruturalista semioacutetica a complexidade conceitual eacute a
propriedade que define a condiccedilatildeo semanticamente marcada Para Jakobson a
marcaccedilatildeo eacute definida como uma relaccedilatildeo assimeacutetrica entre sinalizaccedilatildeo e natildeo-
sinalizaccedilatildeo de uma determinada propriedade Assim o membro marcado da
oposiccedilatildeo eacute por definiccedilatildeo mais complexo semanticamente que o membro natildeo
marcado como outros criteacuterios melhores correlatos da condiccedilatildeo marcada de
diagnoacutesticos de complexidade conceitual (Matras amp Elsik 2006 p 17)
Ainda segundo estes autores (Idem p 19) o reconhecimento da extensatildeo e da
complexidade de um marcador em termos fonoloacutegicos como um fator relevante
em vez de um morfoloacutegico eacute tido por outros autores que trabalham com a
tipologia linguiacutestica Como exemplo eles citam a codificaccedilatildeo morfossintaacutetica que
eacute chamada de codificaccedilatildeo zero onde natildeo existe evidente formal de marcaccedilatildeo de
um valor de categoria
Os criteacuterios de marcaccedilatildeo com base na distribuiccedilatildeo compreendem os criteacuterios
comportamentais e o criteacuterio de valor neutro Os criteacuterios comportamentais foram
desenvolvidos especificamente na abordagem tipoloacutegica e dizem respeito a
qualquer tipo de evidecircncia do comportamento linguiacutestico dos elementos que
demonstram que um valor de uma categoria conceitual eacute gramaticalmente mais
versaacutetil do que outro Croft (1990 p 93)
Jaacute o criteacuterio de valor neutro diz respeito agrave neutralizaccedilatildeo de contrastes
paradigmaacuteticos em determinados contextos O criteacuterio foi desenvolvido na Escola
de Praga e tomado por Greenberg (1966) No entanto o valor neutro eacute
descartado como um criteacuterio vaacutelido de marcaccedilatildeo tipoloacutegica visto que natildeo haacute
44
consistecircncia interlinguiacutestica Natildeo existe um padratildeo interlinguiacutestico consistente de
contextos neutros que podem ser ligados agrave codificaccedilatildeo estrutural ou potencial
comportamental (Croft idem p96)
A razatildeo para a introduccedilatildeo de criteacuterios dependentes do sistema em Morfologia
Natural segundo Matras amp Elsik (2006 p 19) eacute que o conceito de naturalidade
baseada exclusivamente em fatores independentes de sistema resulta em
prediccedilotildees incorretas especialmente na mudanccedila de linguagem Eles consideram
certos aspectos da normalidade dependente de idioma para ser parte de
naturalidade
Segundo Croft (1990 p 97) no que tange aos criteacuterios externos da marcaccedilatildeo os
proponentes da abordagem naturalista introduziram uma seacuterie de criteacuterios ou
correlatos extralinguiacutesticos da condiccedilatildeo marcada como
evoluccedilatildeo da linguagem (o mais tarde o mais marcado)
maturaccedilatildeo ontogeneacutetica (o mais tarde o mais marcado)
fala do bebecirc (menos elementos marcados preferidos pelos adultos no
maiecircs)
aquisiccedilatildeo da linguagem (menos marcado adquirido antes do mais
marcado)
distuacuterbios da linguagem e da fala (mais marcado afetado anteriormente
menos marcado)
testes de percepccedilatildeo (menos marcado mais facilmente percebida do que
mais marcado)
45
e erros linguiacutesticos (mais marcados evocam mais erros do que os menos
marcados)
Esses criteacuterios satildeo basilares e dariam conta de uma seacuterie de elementos
universais linguiacutesticos
24 MARCACcedilAtildeO MUDANCcedilA E CONTATO LINGUIacuteSTICO
Matras amp Elsik (2006 p 22) garantem que em muitas abordagens a
mudanccedila linguiacutestica eacute vista como cooperadora para compreensatildeo da marcaccedilatildeo
Logo a mudanccedila de idioma eacute tida como criteacuterio de marcaccedilatildeo Esta assertiva faz
sentido nesse trabalho visto que o objeto de anaacutelise o portuguecircs resultante do
contato entre o Portuguecircs e o Latundecirc trata de cacircmbio de materiais linguiacutesticos
Neste caso especificamente dos elementos foneacuteticos
Ainda de acordo com estes autores
A existecircncia de estruturas marcadas eacute um resultado inevitaacutevel da compartimentaccedilatildeo e da abertura do sistema de linguagem E uma vez que diferentes componentes da linguagem tecircm funccedilotildees divergentes e tendem a seguir diferentes princiacutepios de naturalidade o abandono das estruturas marcadas em um niacutevel implica em estruturas marcadas em outro niacutevel (Idem p
25)
Em outras palavras a mudanccedila linguiacutestica leva agrave condiccedilatildeo de marcaccedilatildeo na
mudanccedila de um componente da liacutengua para outro ao inveacutes de uma reduccedilatildeo
global de condiccedilatildeo marcada Tais estruturas marcadas satildeo obrigadas a existir em
qualquer momento na histoacuteria de uma liacutengua
46
Os estudiosos apontam para os dois tipos de forccedilas que agem no contato
linguiacutestico a interna e a externa Assim tais forccedilas podem simplificar ou complicar
a gramaacutetica de uma liacutengua Givoacuten (1979 p 123) diz que os falantes satildeo
propensos a recorrer a estruturas natildeo marcadas da Gramaacutetica Universal em
situaccedilotildees cujo contato estaacute ligado ao estresse comunicativo enquanto situaccedilotildees
de contato menos marcados aquelas que prosseguem de forma mais gradual
natildeo precisam
Givoacuten (idem 124) diz que nas situaccedilotildees de pidgin a condiccedilatildeo de marcaccedilatildeo eacute
reduzida e situaccedilotildees de contato entre liacutenguas podem resultar em aumento de
elementos marcados As categorias marcadas satildeo reduzidas em pidgins
enquanto as natildeo-marcadas satildeo as primeiras a serem inovadas durante o
processo de crioulizaccedilatildeo A marcaccedilatildeo sugere que em situaccedilotildees de contato
envolvendo a interferecircncia deve favorecer a reduccedilatildeo da condiccedilatildeo marcada
Na aquisiccedilatildeo de segunda liacutengua o grau relativo de dificuldade para o aprendiz
estaacute relacionado a fatores extralinguiacutesticos como idade Eacute fato que na aquisiccedilatildeo
de uma segunda liacutengua os adultos tendem a terem dificuldades com os padrotildees
mais marcados enquanto os mais novos natildeo a tem Estruturas marcadas da
liacutengua em aquisiccedilatildeo podem deixar de serem adquiridas durante a aprendizagem
caso sejam os adultos que a esteja adquirindo Por isso estruturas natildeo marcadas
satildeo mais propensas a surgir em grandes sociedades caracterizadas por um
intenso contato linguiacutestico levando agraves liacutenguas a simplificaccedilatildeo dos seus sistemas
linguiacutesticos Croft (2000 p 192-193)
47
Jakobson (1978 p 35-37) afirma que quanto maior a funccedilatildeo socioespacial de um
dialeto mais simples seraacute o seu sistema linguiacutestico Dialetos e liacutenguas
relativamente isoladas satildeo mais propensas a desenvolverem condiccedilotildees marcadas
e estruturas redundantes como conjunto de fonemas complexos com um elevado
nuacutemero de contrastes fonoloacutegicos complexidade alofocircnica e alomoacuterfica
irregularidade morfoloacutegica e padrotildees de concordacircncia complexos Por outro lado
os casos de alto contato dialeacutetico que satildeo caracterizadas por redes sociais
relativamente abertas satildeo susceptiacuteveis agrave produccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas natildeo
marcadas pela diminuiccedilatildeo da irregularidade da redundacircncia e da complexidade
Apesar de os empreacutestimos serem um aspecto do aumento da condiccedilatildeo marcada
ela (a condiccedilatildeo) eacute operativamente especiacutefica de cada empreacutestimo Esta condiccedilatildeo
marcada do empreacutestimo coodetermina quais as formas e funccedilotildees satildeo mais
susceptiacuteveis de serem emprestadas do que outras Quanto mais transparente e
menos integrador for um elemento na liacutengua de origem torna-se mais provaacutevel de
ser emprestado A condiccedilatildeo marcada eacute relativa ao contexto agrave saliecircncia agrave
frequecircncia agrave ocorrecircncia e agrave distacircncia tipoloacutegica da situaccedilatildeo do contato Matras amp
Elsik (2006 p 26)
Croft (2000 p198) estende a noccedilatildeo de condiccedilatildeo marcada natildeo soacute para os
mecanismos de mudanccedila mas tambeacutem para as formas de contextos de difusatildeo
ou seja padrotildees de realizaccedilatildeo Ele afirma que enquanto na mudanccedila interna as
inovaccedilotildees entram nos pontos menos marcados e estendem a ambientes mais
acentuados em empreacutestimos e outras inovaccedilotildees mudanccedilas motivadas
externamente se espalham de pontos marcados para menos contextos marcados
48
25 JAKOBSON E A ABORDAGEM FONOLOacuteGICA DA MARCACcedilAtildeO
O termo marcaccedilatildeo recebeu o tratamento mais expansivo nos estudos de Roman
Jakobson a partir de 1930 Ele e Trubetzkoy difundiram a ideia de correlaccedilatildeo
fonoloacutegica como uma seacuterie de oposiccedilotildees binaacuterias que compartilham elementos
em comum Eacute Jakobson que afirma que a neutralizaccedilatildeo e o estaacutegio onde as
posiccedilotildees marcadas natildeo estatildeo em estado de marcaccedilatildeo
Eacute tambeacutem Jakobson quem introduz a concepccedilatildeo de niacuteveis de marcaccedilatildeo propondo
que a forma natildeo marcada tanto tem uma forma geral como uma parcial Ele
descobriu uma relaccedilatildeo entre a marcaccedilatildeo em uma hierarquia universal de traccedilos
fonoloacutegicos os traccedilos marcados implicam maior dificuldade de aprendizagem e
uma maior facilidade de perda por parte de pessoas com afasia Ele ainda diz
que
O padratildeo do desenvolvimento fonoloacutegico universal consiste numa progressatildeo de diferenciaccedilotildees cada vez mais finas entre traccedilos distintivos inicialmente distinccedilatildeo entre consoantes e vogais formando-se posteriormente oposiccedilotildees cada vez menos universais A dissoluccedilatildeo da competecircncia linguiacutestica individual nas patologias da linguagem eacute governada pela mesma regularidade a perda do valor primaacuterio pressupotildee a perda do valor secundaacuterio e eacute por isso que se fala da infantilidade da fala dos afaacutesicos A dissoluccedilatildeo do sistema de sons nos afaacutesicos fornece uma imagem de espelho do desenvolvimento fonoloacutegico da crianccedila ndash os sons a serem adquiridos mais tardiamente satildeo os primeiros a serem perdidos (1941 p 60-63)
No percurso da fonologia Jakobson (1941 p 84) viu a representaccedilatildeo fonecircmica
como um niacutevel sem redundacircncia de representaccedilatildeo que conteacutem apenas
informaccedilotildees distintivas A praacutetica descritiva da informaccedilatildeo teoacuterica de Jakobson
49
teve uma grande e importante influecircncia sobre a notaccedilatildeo livre da redundacircncia na
fonologia e na sintaxe gerativas
Com base na literatura meacutedica Jakobson examinou a aquisiccedilatildeo da linguagem e a
afasia da fala agrave luz dos universais linguiacutesticos propondo uma relaccedilatildeo entre uma
hierarquia universal dos traccedilos fonoloacutegicos a aquisiccedilatildeo da linguagem na infacircncia
e a perda dela durante a afasia A aquisiccedilatildeo fonoloacutegica da crianccedila e os distuacuterbios
dos afaacutesicos baseiam-se nas mesmas leis de solidariedade como o inventaacuterio
fonoloacutegico o percurso fonoloacutegico das liacutenguas do mundo
Os estudos de Jakobson e de Trubetzkoy sobre a tipologia fonoloacutegica levaram
Jakobson a propor que os sistemas de sons satildeo organizados hierarquicamente e
que certas oposiccedilotildees fonoloacutegicas fornecem o nuacutecleo do sistema de som de todas
as liacutenguas Estas satildeo as oposiccedilotildees que definem os sons mais prototiacutepicos mdash
vogais e consoantes que ocorreratildeo em todos os idiomas vogais cardeais a i
u consoantes plosivas p t k e as nasais m n Estes sons satildeo
encontrados em praticamente todas as liacutenguas do mundo
Jakobson propotildee novas leis implicativas entre estes sons e os sons fora do
inventaacuterio baacutesico Dessa forma as leis tipoloacutegicas preveem que em nenhuma
liacutengua haveraacute vogais nasais a menos que haja vogais orais nenhuma liacutengua teraacute
uma vogal arredondada posterior a menos que ela tambeacutem tenha uma vogal
anterior fechada natildeo arredondada nenhuma liacutengua teraacute uma vogal fechada natildeo
arredondada a menos que ela tambeacutem tenha uma arredondada nenhuma liacutengua
teraacute uma fricativa dental simples sem uma fricativa dental estridente (Idem 1941
p 86)
50
Jakobson tambeacutem observa que certos sons satildeo muito raros nas liacutenguas do
mundo por exemplo as fricativas laterais e o r tcheco estridente Ele propotildee que
esses sons satildeo mais afastados do nuacutecleo e portanto menor nesta hierarquia
A hierarquia de oposiccedilotildees fonoloacutegicas definida pela tipologia encontra-se tambeacutem
no desenvolvimento do sistema foneacutetico da crianccedila Com base em estudos diaacuterios
de aquisiccedilatildeo da linguagem ele confirma a hierarquia na aquisiccedilatildeo dos padrotildees e
os padrotildees mais marcados seriam adquiridos tardiamente
Moreira da Silva (2011 p36) elenca os criteacuterios de marcaccedilatildeo No entanto a
autora chama a atenccedilatildeo para o fato de que eles nem sempre funcionam do modo
esperado Satildeo eles frequecircncia distribuiccedilatildeo aquisiccedilatildeo da liacutengua patologias da
linguagem histoacuteria da liacutengua facilidade de produccedilatildeo e percepccedilatildeo universalidade
implicaccedilatildeo e processos fonoloacutegicos Ela tambeacutem apresenta algumas unidades e
estruturas consideradas mais marcadas como podemos ver a seguir
Quadro 1 Unidades e estruturas mais marcadas conforme levantamento de Moreira da
Silva (2011)
Segmentos e estruturas mais marcadas Autores
1 Vogais nasais Ferguson amp Chowdbury 1960
Greenberg 1966 14 Durand 1990
74 Kenstowicz 1994 63
2 Vogais longas Zipf 1935 1963 Greenberg 1966
14
3 Vogais meacutedias em comparaccedilatildeo com as
vogais altas
Kenstowicz 1994 65
4 Consoantes aspiradas Greenberg 1966 14
5 Consoantes glotalizadas Greenberg 1966 17
6 Obstruintes [+vozeadas] por oposiccedilatildeo agraves [- Greenberg 1966 14 24
51
vozeadas] Lass1984 155 Kenstowicz 1994
62
7 Consoantes fricativas por oposiccedilatildeo agraves
oclusivas
Kenstowicz 1994 65
8 Articulaccedilotildees secundaacuterias como labializaccedilatildeo
palatalizaccedilatildeo e velarizaccedilatildeo
Kenstowicz 1994 65
9 A regiatildeo dental alveolar eacute preferida com
exceccedilatildeo das africadas o que pode ser
observado pelo fato de este ser o ponto de
articulaccedilatildeo usado quando numa liacutengua
existe apenas uma obstruinte Nas nasais
esta tendecircncia ainda se faz notar mais
resultando na preferecircncia por n
Lass 1984 154-156
10 Segmentos com articulaccedilotildees muacuteltiplas e
complexas no geral satildeo mais marcados em
comparaccedilatildeo com segmentos com
articulaccedilotildees singulares
Kenstowicz 1994 65
11 Quanto agraves liacutequidas a lateral seraacute a menos
marcada jaacute que as liacutenguas que possuem
duas ou mais liacutequidas tecircm provavelmente
uma lateral e um contraste lateral natildeo
lateral
Lass 1984 158
12 Em termos de semivogais haacute uma
preferecircncia por j embora a maioria das
liacutenguas possua tambeacutem w as outras
semivogais satildeo raras
Lass 1984 158
13 Siacutelabas acentuadas ndash nem todas as liacutenguas
tecircm siacutelabas acentuadas embora estas
surjam cedo na aquisiccedilatildeo talvez devido agrave
sua saliecircncia perceptiva e no caso do inglecircs
devido ao fato de as palavras lexicais serem
iniciadas por siacutelaba toacutenica
Demuth 1996 121
14 Quanto agrave siacutelaba existe a preferecircncia pelo
formato natildeo marcado CV
Blevins 1995 213
15 De acordo com a TO a siacutelaba estaacute sujeita agraves Archangeli 1997 7 Hammond
52
seguintes restriccedilotildees universais
a) As siacutelabas comeccedilam com consoante -
Ataque
b) As siacutelabas tecircm uma vogal - Nuacutecleo
c) As siacutelabas acabam com uma vogal - Natildeo
Coda
d) As siacutelabas tecircm no maacuteximo uma consoante
numa margem - Complexo
(significa que os ataques complexos e codas
complexas satildeo inaceitaacuteveis)
e) As siacutelabas satildeo compostas por consoantes
e vogais - Ataque e Nuacutecleo
1997 36
As estruturas elencadas no quadro acima satildeo validadas interlinguisticamente
Com relaccedilatildeo agraves liacutenguas em contato objeto deste estudo podemos afirmar que o
portuguecircs apresenta menos estruturas marcadas do que o Latundecirc No caso do
portuguecircs as estruturas em 2 4 5 e 10 constantes do quadro acima natildeo satildeo
observadas
Jaacute no Latundecirc aleacutem de todas as estruturas apresentadas no quadro ainda satildeo
observadas as seguintes estruturas mais marcadas
estrutura silaacutebica bastante complexa
inventaacuterio vocaacutelico maior do que o consonantal
53
combinaccedilatildeo de dois traccedilos mais marcados em um segmento (vogais
nasais e laringais) e
acento e tom lexicais
Para refletirmos sobre a marcaccedilatildeo no processo de interferecircncia Latundecirc ndash
Portuguecircs trataremos no capiacutetulo seguinte de conceitos a cerca do contato
linguiacutestico
54
3 CONTATO LINGUIacuteSTICO
ldquoBilingualism is for me the fundamental problem of linguisticsrdquo Jakobson10
31 INTRODUCcedilAtildeO
A histoacuteria em grande parte gira em torno de lendas e mitos Um desses mitos eacute o
surgimento das liacutenguas do mundo Questionamentos de como e quando elas
sugiram permeiam ainda hoje as mentes dos filoacutesofos e cientistas Natildeo
diferentemente das demais aacutereas a perspectiva teoloacutegica descreve a narrativa da
construccedilatildeo da Torre de Babel como uma dessas tentativas de explicaccedilatildeo no que
tange agrave miscelacircnea de liacutenguas existentes Jackob Bohme teoacutelogo do seacuteculo XVII
afirma em seu De Signatura Rerum11 que a liacutengua divina original raiz ou matildee de
todas as liacutenguas do mundo eacute chave para um conhecimento verdadeiro e perfeito
de todas as coisas Eacute no ato da criaccedilatildeo que o primeiro homem Adatildeo
contemplando as obras do Criador de toda a natureza nomeara todas as
criaturas de acordo com suas proacuteprias qualidades essenciais usando a
linguagem humana como meio
A hipoacutetese defendida por Bohme tambeacutem fora amplamente sustentada pelos
filoacutelogos e comparatistas do final do seacuteculo XVIII Sem viacutenculo com a teologia
estes estudiosos buscavam atraveacutes da reconstruccedilatildeo da aacutervore linguiacutestica a
protoliacutengua a liacutengua-matildee geradora das demais liacutenguas
10
Apud Romaine 1995 p1 11
De Signatura Rerum (Desde o nascimento e o nome de todos os seres) 1622
55
Jacob Grimm filoacutelogo alematildeo com base nas descobertas de Rasmus Rask
aperfeiccediloou o meacutetodo comparatista sobretudo o que fora denominada de
ldquomudanccedila de somrdquo ou ldquoLei de Grimmrdquo12 com intuito de descrever as mudanccedilas
ocorridas na liacutengua-matildee o proto-indo-europeu (PIE) A Lei de Grimm estava na
base das discussotildees ocorridas mais tarde na Universidade de Leipzig
Alemanha no conhecido grupo dos neogramaacuteticos Os estudiosos desse ciacuterculo
questionaram os estudos de Grimm e seus compatriotas ao apontarem para o fato
de que os estudos comparatistas se basearem em dados de liacutengua escrita e natildeo
de liacutengua falada (GABAS JR 2008 p 80)
Humberto Eco em A busca da liacutengua perfeita13 nos relata sobre os projetos de
reconstruccedilatildeo em busca da liacutengua sagrada No seu livro o autor nos mostra que a
tentativa de procura de correlatos entre as liacutenguas do mundo eacute interesse antigo
das civilizaccedilotildees Ele afirma que na Europa no seacuteculo XIX houve 173 projetos de
reconstruccedilatildeo linguiacutestica
Dadas ateacute aqui as investigaccedilotildees eacute comum pensarmos que pelo prisma
teoloacutegico o surgimento das liacutenguas no planeta eacute fruto da desobediecircncia e
soberba humanas Eco idem nos mostra que haacute um equiacutevoco quanto a esta
interpretaccedilatildeo uma vez que no capiacutetulo XI v 1 do livro de Gecircnesis a Biacuteblia
12
A Lei de Grimm analisou sobre o vieacutes da fonologia as relaccedilotildees que havia entre as liacutenguas indo-
europeias As similaridades entre o alematildeo claacutessico grego e inglecircs antigo eram previstas a partir de leis foneacuteticas i) as consoantes oclusivas surdas (p t k kw) do PIE mudaram em fricativas surdas correspondentes (f θ h hw) nas liacutenguas germacircnicas ii) as consoantes oclusivas sonoras (bdggw) do PIE mudaram em oclusivas surdas correspondentes (p t k kw) nas liacutenguas germacircnicas iii) as consoantes aspiradas sonoras (bh dh gh gwh) do PIE mudaram em oclusivas natildeo-aspiradas sonoras correspondentes (bdggw) nas liacutenguas germacircnicas (GABAS JR 2008 p 78) 13
ECO Humberto A busca da liacutengua perfeita Traduccedilatildeo de Antonio Angonese Bauru Edusc
2001
56
discorre sobre a existecircncia de uma uacutenica genealogia de uma mesma liacutengua e de
uma mesma fala
Diferentemente no capiacutetulo que antecede a narrativa de Babel a proacutepria Biacuteblia
aponta para a existecircncia de famiacutelias linguiacutesticas distintas conforme Gecircnesis 11
v 5 Por estes foram repartidas as ilhas dos gentios nas suas
terras cada qual segundo a sua liacutengua segundo as suas
famiacutelias entre as suas naccedilotildees
v20 Estes satildeo os filhos de Catildeo segundo as suas famiacutelias
segundo as suas liacutenguas em suas terras em suas naccedilotildees
v 31 Estes satildeo os filhos de Sem segundo as suas famiacutelias
segundo as suas liacutenguas nas suas terras segundo as suas
naccedilotildees
Uma explicaccedilatildeo para tal passagem se daacute a partir da perspectiva dos filoacutesofos
gregos que concebiam os povos que falava de forma diferente como bagraverbaroi
seres que balbuciavam falando de forma incompreensiacutevel Logo acreditavam que
aqueles outros eram serem inferiores que natildeo falavam a liacutengua verdadeira da
razatildeo e do pensamento o logos
Tal conflito entre as liacutenguas existentes apontam para uma poliacutetica linguiacutestica que
muito explica a hierarquia (status) linguiacutestica ainda hoje atuante O status
linguiacutestico resultante das relaccedilotildees assimeacutetricas entre sociedades ou subgrupos de
uma sociedade decorre tambeacutem das circunstacircncias e condiccedilotildees que envolvem o
contato linguiacutestico Esse por sua vez evolue da dinacircmica proacutepria do processo em
que ocorrem conflitos e acomodaccedilotildees e que pode derivar pidgins crioulos e
mudanccedila linguiacutestica
57
No reconhecimento de um universo entrelaccedilado compartilhamos com o ponto de
vista de Eco (2001) e assumimos a ideia de que a existecircncia de cada liacutengua e de
sua historicidade eacute reveladora do entendimento do mundo
ldquoCada liacutengua constitui um determinado modelo de Universo um sistema semioacutetico de compreensatildeo do mundo e se temos quatro mil modos diferentes de descrever o mundo isto nos torna mais ricos Deveriacuteamos nos preocupar pela preservaccedilatildeo das liacutenguas tal como nos preocupamos com a ecologiardquo (ECO 2001 p234)
32 SOBRE O CONTATO LINGUIacuteSTICO
Pouco eacute sabido sobre o contato entre as liacutenguas do mundo quando diante da
imensidatildeo que eacute o universo linguiacutestico com o qual nos deparamos14 A
necessidade que os humanos tecircm de se comunicarem a partir do momento que a
interaccedilatildeo foi estabelecida eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o contato linguiacutestico
Trask (2004 p 66) afirma que poucas liacutenguas estatildeo - ou estiveram -
suficientemente isoladas para evitar todo tipo de proximidade e portanto toda
liacutengua mostra alguma prova de um contato antigo ou moderno entre liacutenguas
Thurston (1987 p 34) afirma que
toda liacutengua deve ter sofrido alguma influecircncia de seus vizinhos em um determinado ponto e tempo Para ele todos os idiomas satildeo liacutenguas mistas na medida em que todos copiaram formas lexicais e outros recursos linguumliacutesticos de liacutenguas vizinhas
Embora natildeo saibamos exatamente como se deu o contato entre as liacutenguas do
mundo as evidecircncias do contato podem ser observadas de forma objetiva
atraveacutes de empreacutestimos lexicais O contato linguiacutestico entretanto natildeo se reduz
14
Eacute estimado o nuacutemero de sete mil liacutenguas vivas atualmente ao redor do mundo (httpwwwethnologuecomworld Em 21 de janeiro de 2015)
58
apenas a itens lexicais oriundos dos empreacutestimos entre culturas distintas com
base na dominaccedilatildeo na expansatildeo do comeacutercio ou em qualquer circunstacircncia que
promova a necessidade de comunicaccedilatildeo entre culturas de liacutenguas diferentes
O contato a depender das liacutenguas envolvidas pode trazer consequecircncias muito
devastadoras Em casos extremos o impacto do contato pode ser avassalador
fazendo com que uma das liacutenguas seja extinta quer seja pelo deslocamento
linguiacutestico que seja pelo etnociacutedio Nestes casos ocorre a morte de uma das
liacutenguas em contato aspecto que discorremos na seccedilatildeo sobre as consequecircncias
do contato
No tocante aos efeitos do contato em relaccedilatildeo aos niacuteveis linguiacutesticos Trask Idem
afirma que o contato linguiacutestico pode ir mais longe que a interferecircncia lexical
afetando a gramaacutetica e a pronuacutencia
Concordando com o que afirma Trask Thomason postula que embora seja senso
comum que o resultado mais comum da mescla linguiacutestica seja o empreacutestimo de
palavras este eacute apenas a consequecircncia mais comum quando se trata da
intersecccedilatildeo linguiacutestica
When the agents of change are fluent speakers of the receiving language the first and redominant interference features are lexical items belonging to the nonbasic vocabulary later under increasingly intense contact conditions structural features and basic vocabulary may also be transferred from one language to the other (THOMASON 2001 p 36)
Natildeo obstante podem-se detectar exemplos de transferecircncias em todos os
aspectos linguiacutesticos uma vez que todos os niacuteveis da estrutura linguiacutestica satildeo
59
possiacuteveis de serem transferidos entre idiomas muacutetuos sem qualquer tipo de
restriccedilatildeo dadas as possibilidades de conjunturas sociais e estruturais
Quando as liacutenguas entram em contato as suas gramaacuteticas tambeacutem satildeo
intercruzadas Tal processo natildeo eacute algo simples e justo Diversos fatores externos
satildeo responsaacuteveis por esta miscelacircnea que devido a tais fatores nem sempre eacute
concebida de forma inocente
Em meio a condicionantes sociolinguiacutesticas assumimos que as gramaacuteticas
(sendo tambeacutem reflexo das relaccedilotildees intersocietaacuterias) entram num jogo em que
as peccedilas satildeo acomodadas de acordo com as necessidades comunicativas dos
interlocutores (GILES e CUPLAND 1991) Em meio a esse ldquojogordquo nos importa
refletir como os fenocircmenos que emergem do contato entre liacutenguas podem refletir
questotildees que envolvem a marcaccedilatildeo e universais linguiacutesticos
Para Aikhenvald (2007 p1)
As liacutenguas podem assemelhar-se umas as outras em categorias construccedilotildees e significados e nas formas reais usadas para expressaacute-las As categorias podem ser semelhantes porque satildeo universais e cada liacutengua tem alguma forma de fazer uma pergunta ou a elaboraccedilatildeo de um comando Ocasionalmente duas liacutenguas compartilham a forma por pura coincidecircncia
A literatura linguiacutestica atesta que a semelhanccedila interlinguiacutestica motiva estudos
tipoloacutegicos haacute deacutecadas (CROFT 1990 COMRIE 1989 WHALEY 1997) Embora
liacutenguas apresentem padrotildees regulares de desemelhanccedilas aquelas podem ser
agrupadas em tipos baacutesicos Essa realidade induz a reflexatildeo acerca da existecircncia
de universais linguiacutesticos
60
As liacutenguas individuais independentemente das semelhanccedilas tipoloacutegicas eou
geneacuteticas observadas entre elas satildeo sujeitas a mudanccedilas continuadas que
ocorrem tambeacutem devido ao contato linguiacutestico Para Thomason (2001 p14) as
influecircncias e consequecircncias do contato linguiacutestico satildeo descritas em trecircs niacuteveis i)
mudanccedila induzida pelo contato ii) mescla linguiacutestica extrema o que resulta em
pidgin crioulo e liacutenguas biliacutengues e iii) morte da liacutengua
A seguir abordaremos fenocircmenos decorrentes do contato linguiacutestico
33 MESCLAS DE CONTATO PIDGIN CRIOULO LIacuteNGUA FRANCA E JARGAtildeO
Um ponto saliente dos estudos sobre o contato linguiacutestio eacute o conceito de
ldquomescla15rdquo Este termo utilizado por Tarallo e Alkimin (1987 p7) descreve a
relaccedilatildeo entre as liacutenguas e seus resultados Inicialmente eles chamam a atenccedilatildeo
para o fato de a mescla ser interpretada como algo impuro definhamento
deterioraccedilatildeo Esta impureza linguiacutestica historicamente levou a sociedade a
alimentar a ideia de contaminaccedilatildeo e obviamente construir a discriminaccedilatildeo
linguiacutestica
Ao pensarmos sobre o processo de simbiose que as coisas e os elementos do
mundo estatildeo sujeitos em todo o tempo podemos ter uma ideia clara de que o
processo de amaacutelgama eacute proacuteprio natildeo apenas da natureza linguiacutestica mas de tudo
o que pode existir Apesar disso as mesclas com graus niacuteveis e saliecircncias
variadas nem sempre satildeo refletidas ou percebidas pelos usuaacuterios das liacutenguas do
15 Mescla eacute mistura contato amaacutelgama etc Tarallo e Alkimin (1987 p7)
61
mundo Focalizando a natureza da mescla o estudo das liacutenguas por seu turno
seja sincrocircnico ou diacrocircnico pode evidenciar os fenocircmenos do contato nos
diferentes niacuteveis linguiacutesticos
Tarallo e Alkimin (idem p9) salientam que o dinamismo linguiacutestico se daacute nas
ldquocomunidades de falardquo16 Eacute nelas e entre elas que se concretizam o contato
linguiacutestico que por sua vez produzem fenocircmenos de mescla ou de convivecircncia
coexistecircncia mecanismo ativado pelos indiviacuteduos que integram tais comunidades
Esse fato se alinha agrave perspectiva de que uma comunidade de fala natildeo eacute em
absoluto homogecircnea Nela podem coexistir processos de ordem interna e
externa assim como forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas (BAKHTIN 2010)17
A dinacircmica social eacute tambeacutem pontuada por Tarallo e Alkimin (ibidem p9) Esses
autores mencionam que a mescla linguiacutestica resultante da dinacircmica pode ser
intracomunidade ou intercomunidade No primeiro caso as variantes convivem
eou se entrecruzam em uma mesma comunidade de fala em que apenas uma
liacutengua eacute falada No segundo liacutenguas distintas coexistem e se misturam em uma
mesma comunidade Como exemplo de mesclas intracomunidades podemos citar
o portuguecircs e suas variantes questotildees geograacuteficas histoacutericas e sociais Satildeo
variantes que convivem ldquopacificamenterdquo em territoacuterio nacional Jaacute para as mesclas
intercomunidades tomemos o exemplo do conviacutevio do portuguecircs e demais liacutenguas
16
Labov (1972) conceitua comunidade de fala como grupo de falantes que segue as mesmas normas relativas ao uso da liacutengua Para Romaine (2000) trata-se de um grupo de falantes que natildeo compartilham necessariamente a mesma liacutengua poreacutem compartilham um conjunto de normas
e regras no uso da liacutengua 17
Bakhtin aponta a luta entre classes as forccedilas que agem de dentro para fora do sujeito ou das instituiccedilotildees assim como as forccedilas que agem fazendo o movimento oposto Eacute imprescindiacutevel vislumbrar o poder poliacutetico que a liacutengua tem
62
(alematildeo polonecircs e italiano) na regiatildeo sul bem como a coexistecircncia espaccedilo-
temporal entre diferentes liacutenguas indiacutegenas e entre elas e a liacutengua portuguesa
Ao discutir a mescla linguiacutestica sob a eacutegide do contato linguiacutestico Calvet (2004
p35) considera que haacute aproximadamente na Terra cerca de 5000 liacutenguas e
cerca de 150 paiacuteses Com base nesses nuacutemeros o autor nos diz que cada paiacutes
poderia ter 30 liacutenguas Apesar de em termos reais a distribuiccedilatildeo das liacutenguas natildeo
corresponder a esse cenaacuterio o pesquisador aponta para o fato de
que o mundo eacute pluriliacutengue em cada um de seus pontos e que as comunidades linguiacutesticas se costeiam se superpotildeem continuamente O plurilinguismo faz com que as liacutenguas estejam constantemente em contato O lugar desses contatos pode ser o indiviacuteduo (biliacutengue ou em situaccedilatildeo de aquisiccedilatildeo) ou a comunidade Idem (2002 p 35)
Os dados de Calvet deixam claro que desde sempre o contato linguiacutestico eacute uma
realidade da vivecircncia do humano Os acontecimentos histoacutericos de guerra
expansatildeo e colonizaccedilatildeo apontam para a mescla linguiacutestica Diante deste
contexto vemos que o relacionamento entre as liacutenguas do mundo eacute um processo
feacutertil para a diversidade linguiacutestica Outro aspecto de interesse decorre do fato de
o contato permitir a emergecircncia de padrotildees estruturais os quais trazem luzes
para a compreensatildeo da faculdade da linguagem
A depender do contato podemos avaliar diferentes fenocircmenos resultantes A
intensidade o contato linguiacutestico pode derivar instrumentos mais ou menos
elaborados de comunicaccedilatildeo definidos como jargatildeo pidgin e crioulo
63
Os primeiros estudiosos a se aterem sobre o estudo das liacutenguas pidgins e
crioulas se utilizaram dos dados (relatos) de missionaacuterios e comerciantes que
viajaram e mantiveram contato com as aacutereas das mesclas18
331 Pidgin
O termo pidgin foi usado pela primeira vez em 1850 para conceituar o conviacutevio do
inglecircs e o chinecircs19 Mas outras duas hipoacuteteses tambeacutem satildeo colocadas quando
se trata de pidgin A segunda afirma que o termo fora transportado da Ameacuterica do
Sul no iniacutecio do seacuteculo XVII pelos marinheiros e comerciantes ingleses da colocircnia
de Leigh ao estabelecerem contato com os iacutendios Pidiam A terceira explicaccedilatildeo eacute
a origem a partir da palavra portuguesa ocupaccedilatildeo que teria sofrido algumas
mudanccedilas foneacuteticas ateacute resultar em pidgin (TARALLO e ALKMIN 1987 p80)20
Para Couto (2001 p 1) o pidgin eacute uma liacutengua com uma reduccedilatildeo draacutestica da
gramaacutetica Esta reduccedilatildeo se daacute sobre a morfologia e o leacutexico Natildeo eacute liacutengua
materna de ningueacutem pois entre si os povos dominados soacute falam suas respectivas
liacutenguas ao passo que os dominadores nunca se datildeo ao trabalho de falar outra
liacutengua que natildeo a sua proacutepria
Crystal (2008 p 201) afirma que aleacutem do processo de reduccedilatildeo para o
surgimento do pidgin as comunidades de falas envolvidas neste processo
18
Tarallo e Alkimin 1987 p 109-114 citam Francisco Adolfo Coelho Hugo Schuchardt e Dirk Christiaan Hesseling como os pioneiros neste campo de estudo Este uacuteltimo atribui aos escravos europeus a forccedila linguiacutestica Foram eles (os escravos) os responsaacuteveis pelas alteraccedilotildees sofridas pelas liacutenguas maternas 19
Neste caso o termo business ao ser empregada na expressatildeo do pidgin chinecircs de base inglesa
dɛacuteju pidzIn significando thatrsquos your business 20
Ocupaccedilatildeo gt parsquosaw ou pasaɳ
64
necessitam cada uma delas se aproximarem sucessivamente dos traccedilos mais
oacutebvios da outra liacutengua Trata-se de uma intersecccedilatildeo nem sempre consciente mas
motivada por aspectos econocircmicos como o comeacutercio Daiacute o grande surgimento de
pidgins em aacutereas de intenso comeacutercio e desenvolvimento econocircmico
Dubois et all (1998 p 469) discorre que o pidgin mesmo natildeo sendo uma liacutengua
em si mesma eacute um sistema mais completo que o sabir pois seu vocabulaacuterio
cobre numerosas atividades O sabir ou liacutengua franca21 por sua vez eacute um
sistema linguiacutestico reduzido a algumas regras de combinaccedilatildeo e ao vocabulaacuterio de
determinado campo lexical
Ainda de acordo com Tarallo e Alkmin (1987 p 88)
Fontes histoacutericas indicam que no tempo das cruzadas nas regiotildees de batalhas entre mulccedilumanos e cristatildeos teria florescido uma liacutengua de contato denominada Liacutengua Franca ou sabir Com documentaccedilatildeo precaacuteria a existecircncia dessa liacutengua eacute contestada por alguns estudiosos Originalmente usada entre aacuterabes e europeus essa liacutengua teria se expandido tendo sido usada ao longo da costa do Mediterracircneo especialmente na Aacutefrica do Norte
Em Trask (2004 p228) o conceito de liacutengua franca eacute mais explorado Para ele a
liacutengua franca se distingue do pidgin quando por ventura um dos grupos
ldquoaprenderdquo a liacutengua do outro Neste caso a gramaacutetica e o leacutexico de uma
21
Na atualidade conforme Tarallo e Alkmin 1987 p 90 a expressatildeo liacutengua franca refere-se a um
fenocircmeno mais amplo a mescla de contato para intercomunicaccedilatildeo em situaccedilotildees biliacutengues e pluriliacutengues Como exemplo os autores citam a liacutengua wolof no Senegal do swahili no Quecircnia na Tanzacircnia e em Comores do Tucano no Nordeste da Amazocircnia
65
sobressaem agrave outra O pidgin eacute compreendido entatildeo como uma colcha de
retalhos que permite uma forma bastante rudimentar de comunicaccedilatildeo22
Ainda de acordo com Trasky (p229) um pidgin pode seguir caminhos distintos i)
ele pode cair em desuso ii) ele pode continuar em uso por vaacuterias geraccedilotildees e
durar seacuteculos iii) ele pode sofre algumas alteraccedilotildees e se transformar em liacutengua
materna Neste uacuteltimo caso trata-se do processo de crioulizaccedilatildeo do qual
abordaremos mais agrave frente
Hall apud Tarallo e Alkmin (1987 p 86) ao tratar do caraacuteter reducionista que o
pidgin apresenta em sua estrutura e leacutexico aponta algumas caracteriacutesticas que
definem tais simplificaccedilotildees
Niacutevel fonoloacutegico ndash o nuacutemero de contrastes empregados eacute reduzido As vogais representadas satildeo em geral as chamadas vogais cardinais (a e i o u) enquanto os grupos consonantais satildeo caracteristicamente evitados
Niacutevel morfoloacutegico ndash ausecircncia de algumas categorias flexionadas como gecircnero nuacutemero e tempo verbal
Niacutevel sintaacutetico ndash as estruturas sentenciais satildeo simples as sequecircncias tendem a ser coordenadas evitando-se as estruturas complexas e subordinaccedilatildeo extensiva
Niacutevel lexical ndash nuacutemero reduzido de vocaacutebulos cuja accedilatildeo se norteia pela extensatildeo de significados e por polissemias significativas
332 Crioulo
O crioulo eacute um pidgin consolidado Quando os falantes crianccedilas oriundos dessa
mescla linguiacutestica utilizam o pidgin como uacutenica liacutengua ou a liacutengua que passa a
ganhar mais evidecircncia esta se consolida como liacutengua materna
22
Conforme Tarallo e Alkmin (idem p 8) algumas caracteriacutesticas do pidgin satildeo i) seu caraacuteter
auxiliar e secundaacuterio para os dois grupos cada um dos grupos manteacutem sua proacutepria liacutengua no conviacutevio social do cotidiano e do habitual ii) as liacutenguas pidgin preenchem funccedilotildees sociais limitadas sobretudo aquelas vinculadas a atividades comerciais mercantilistas
66
Para Couto (2001 p2)
Liacutengua crioula eacute um pidgin que foi adquirido como liacutengua nativa como preconiza a chamada teoria da nativizaccedilatildeo De acordo com essa concepccedilatildeo o crioulo eacute um ex-pidgin ou seja um pidgin que virou liacutengua materna de uma comunidade
Ainda para Tarallo e Alkmin (1987 p 95) as liacutenguas crioulas constituem um
conjunto de liacutenguas cuja histoacuteria conhecida eacute ligada a uma situaccedilatildeo de contato
entre populaccedilotildees linguiacutesticas cultural e etnicamente distintas Estas satildeo
distinguidas das liacutenguas pidgin por possuiacuterem uma comunidade de falantes
nativos e consequentemente por desempenharem funccedilotildees sociais amplas como
qualquer liacutengua natural
Em Dubois et all (1998 p 161) daacute-se o nome de crioulos a sabires pseudo-
sabires ou pidgins que por motivos diversos de ordem histoacuterica ou sociocultural
se tornaram liacutenguas maternas de toda uma comunidade
As liacutenguas tipo pidgin de acordo com autores como Tarallo e Alkimin (1987 p
96) aleacutem de serem as liacutenguas que daratildeo origem aos crioulos (pois todo crioulo se
origina de um pidgin embora nem todo pidgin se transforme em crioulo) satildeo
associadas a atividades de comeacutercio enquanto os crioulos satildeo marcados pela
relaccedilatildeo de escravidatildeo
Quanto ao aspecto funcional as liacutenguas crioulas datildeo conta das necessidades
comunicativas totais de seus falantes nativos e usuaacuterios uma vez que a
passagem do estaacutegio de pidgin a crioulo eacute marcada por uma ampliaccedilatildeo do leacutexico
67
e de estrutura Neste caso para os estudiosos os crioulos nada mais satildeo que
pidgins enriquecidos23
O processo de evoluccedilatildeo de um pidgin em crioulo eacute descrito por Hall (1996 p 4)
em um diagrama Nele podemos ver que inicialmente o pidgin eacute configurado a
partir de um jargatildeo uma espeacutecie de pidgin instaacutevel Depois o pidgin ganha
estabilidade se configurando como um preacute-crioulo Por fim jaacute estabilizado o
pidgin se transforma em crioulo
Figura 1 Diagrama de Hall
LL = Liacutengua lexificadora ou de superstrato LS = Liacutengua de Substrato
De acordo com Hall (idem p 5) a evoluccedilatildeo do jargatildeo para o pidgin estaacutevel eacute
chamada de pidginizaccedilatildeo A evoluccedilatildeo do pidgin estaacutevel para o crioulo eacute
23
Valdman apud Tarallo e Alkimin 1987 p 96 cita um conjunto de traccedilos negativos dos crioulos franceses do Haiti de Guadalupe Martinica Reuniatildeo Mauriacutecio Seychelles e Rodrigues como i) ausecircncia de distinccedilatildeo de gecircnero ii) natildeo-obrigatoriedade de marcador de plural iii) verbos natildeo-flexionados iv) relacionamento parataacutetico no interior do sintagma nominal v) ausecircncia de hipotaxe vi) construccedilotildees passivas vii) vogais arredondadas viii) certos grupos consonantais
I = LL + LS pidgin instaacutevel jargatildeo
crioulo = III II = pidgin estaacutevel
68
denominada crioulizaccedilatildeo A volta do crioulo para o jargatildeo processo tambeacutem
possiacutevel eacute conhecido como descrioulizaccedilatildeo
Obviamente o crioulo eacute consequecircncia natural de situaccedilotildees de contato No
entanto nem todo contato linguiacutestico gera automaticamente um pidgin ou um
crioulo Os contatos podem daacute origem a fenocircmenos de mesclas diversas que
podem ou natildeo desaparecer ou serem absorvidas pelas liacutenguas presentes na
alquimia (TARALLO e ALKMIN 1987 p 103)
Quanto ao processo de desenvolvimento e de formaccedilatildeo de um pidgin e de
crioulos Hymes (1971 p 93) afirma que
A pidginizaccedilatildeo e a crioulizaccedilatildeo da linguagem natildeo satildeo processos marginais ao contraacuterio satildeo processos que ocorrem nas liacutenguas em geral Tais processos de natureza bastante complexa compreendem a ocorrecircncia de outros subprocessos os de mudanccedila A incidecircncia desses processos ocorre principalmente 1) na forma interna das liacutenguas (fala-se assim em reduccedilatildeo ou expansatildeo) 2) na forma externa das liacutenguas (daiacute se falar em amplificaccedilatildeo e complicaccedilatildeo) 3) no escopo de uso (o domiacutenio) de uma variedade linguiacutestica (fala-se assim em restriccedilatildeo ou extensatildeo)
Hymes (idem p 94) ainda explica que diferentemente da posiccedilatildeo claacutessica onde
um crioulo era oriundo (ou natildeo) de um pidgin nesta segunda proposta a
evoluccedilatildeo de um pidgin natildeo produz necessariamente um crioulo mas um conjunto
de variedades concorrentes chamada de contiacutenuo preacute-pidgin24
24
Para Hymes o contiacutenuo preacute-pidgin poderia evoluir e gerar a cristalizaccedilatildeo de um pidgin e teria autonomia enquanto sistema de comunicaccedilatildeo Com base nesta assertiva um pidgin seria o resultado de um processo que ganharia autonomia Esse pidgin constituiacutedo poderia se transformar em crioulo Mas o contiacutenuo preacute-pidgin natildeo evolui para um pidgin Torna-se possiacutevel supor a cristalizaccedilatildeo de um crioulo sem a existecircncia de um pidgin anterior (TARALLO E ALKMIN 1987 p 105)
69
Na concepccedilatildeo final deste autor o contexto inicial em que fora estabelecido o
contiacutenuo preacute-pidgin poderia alccedilar trecircs resultados aceitaacuteveis i) a cristalizaccedilatildeo de
um pidigin ii) a cristalizaccedilatildeo de um pidgin que se criouliza iii) a cristalizaccedilatildeo de
um crioulo sem necessariamente ter sido oriundo de um pidgin anterior
Tarallo e Alkimin (1987 p 106) afirma que a cristalizaccedilatildeo de um crioulo eacute apenas
uma das trecircs possibilidades para a mescla de contato que pode ser descrita da
seguinte forma i) o crioulo pode submergir ii) o crioulo pode se estabilizar sem
muitas variaccedilotildees iii) o crioulo pode se mesclar com liacutengua padratildeo oficial
De acordo com o que vimos ateacute aqui podemos descrever o processo de
hibridizaccedilatildeo linguiacutestica com base na mescla a partir dos seguintes estaacutegios i)
contiacutenuo preacute-pidgin ii) pidgin cristalizado iii) pidgin em processo de
despidginizaccedilatildeo iv) pidgin em processo de crioulizaccedilatildeo v) crioulo cristalizado vi)
crioulo em processo de descrioulizaccedilatildeo (contiacutenuo poacutes-crioulo)
333 Liacutengua Franca ou Sapir
O termo liacutengua franca refere-se agrave liacutengua de contato entre grupos ou membros de
grupos de liacutenguas distintas com finalidade para o comeacutercio Durante o Impeacuterio
Romano o grego serviu como liacutengua franca no oriente e no milecircnio seguinte o
latim no ocidente Esta liacutengua (o sapir) tambeacutem eacute conhecida como liacutengua de
marinheiro No mundo moderno o inglecircs desempenha este papel ao ser
considerado como liacutengua do comeacutercio e das ciecircncias
70
Devido agrave natureza colonizadora dos falantes suas liacutenguas serviram de liacutengua
franca em certos momentos da histoacuteria Eacute o caso do portuguecircs e do espanhol
durante a expansatildeo mariacutetima e do francecircs durante o seacuteculo VII
Trask (2004 p 167) relata que a expressatildeo lingua franca fora originadamente
utilizada para as liacutenguas dos francos francocircnio mas teve o sentido modificado
assumindo o sentido de liacutengua europeia ou liacutengua cristatilde Ele ainda assegura que
a liacutengua franca
era uma variedade de italiano fortemente suplementada com palavras derivadas do francecircs do espanhol do grego do aacuterabe e do turco que se usava como liacutengua do comeacutercio no Mediterracircneo oriental no final da Idade Meacutedia Desde entatildeo a denominaccedilatildeo aplica-se a toda liacutengua que desfruta de um amplo entre falantes de um grande nuacutemero de liacutenguas numa dada regiatildeo
No presente o termo eacute utilizado para designar uma liacutengua estabelecida haacute algum
tempo tida como materna em um grupo influente e que serve de comunicaccedilatildeo
entre os falantes de outras liacutenguas como por exemplo o papel que o inglecircs
exerce em Cingapura
Atualmente aleacutem do inglecircs inuacutemeras liacutenguas servem de liacutengua franca para
comunicaccedilatildeo entre os povos como por exemplo o tupi No entanto um caso que
merece destaque eacute o do esperanto liacutengua que vem sendo incorporada no mundo
desde a deacutecada de 80 com a finalidade de ser a liacutengua franca universal Vale
ressaltar que neste caso os interesses para que tal liacutengua se propagasse
eficientemente eacute diferente das liacutenguas francas da Idade Meacutedia uma vez que se
trata de uma liacutengua artificial criada com ideologias poliacuteticas filosoacuteficas e
religiosas
71
334 Jargatildeo
O jargatildeo eacute um pidgin instaacutevel Sua concepccedilatildeo se aproxima do sabir ou liacutengua
franca Romaine (2000 p182) faz uso desse termo para exemplificar o processo
de criaccedilatildeo de um crioulo
A simplificaccedilatildeo e a instabilidade satildeo as marcas mais salientes de um jargatildeo No
pidgin as normas satildeo mais estaacuteveis enquanto que no jargatildeo as normas natildeo satildeo
afixadas Segundo esta autora eacute a partir do jargatildeo que a mescla linguiacutestica se
configura
Figura 2 Configuraccedilotildees da Mescla Linguiacutestica segundo Romaine (2000 p185)
Tipo 1 Jargatildeo
Tipo 2 Jargatildeo
Tipo 3 Jargatildeo
Pidgin estabilizado
Pidgin estabilizado
Pidgin expandido
Crioulo
Crioulo
Crioulo
No tipo 1 o jargatildeo deu origem diretamente a um crioulo De forma diferente no 2
o crioulo natildeo se originou diretamente de um jargatildeo Este deu origem a um pidgin
estabilizado para posteriormente chegar a um crioulo No tipo 3 o jargatildeo evolui
se transformando em um pidgin estabilizado depois em um pidgin expandido ateacute
chegar a um crioulo O fato eacute que a origem nos trecircs casos estaacute em um jargatildeo
72
34 IMPLICACcedilOtildeES DO CONTATO LINGUIacuteSTICO
Todo contato resulta em processos linguiacutesticos que alteram e dinamizam as
liacutenguas do mundo que passam por transformaccedilotildees que advecircm tanto da sua
motivaccedilatildeo interna quanto da externa No que tange agraves motivaccedilotildees externas
podemos afirmar que satildeo os contatos os grandes responsaacuteveis por muitas dessas
transformaccedilotildees podendo resultar enoutros processos orirundos ou que se
assentam no contato
341 Bilinguismo
Os estudos e as correntes linguiacutesticas na sua maioria tecircm como base liacutenguas
uacutenicas ou comunidades monoliacutengues Contudo o bilinguismo ocorre amplamente
atraveacutes do mundo e permanece apresentando um leque de questionamento para
a comunidade cientiacutefica atual Embora natildeo seja de hoje o questionamento em
torno do bilinguismo25 soacute agora podemos vislumbrar o descortinar desse tema
Estudiosos do passado jaacute reconheciam a relevacircncia do fenocircmeno Jakobson
(1953) por exemplo assumiu que ldquobilingualism is for me the fundamental problem
of linguiacutesticsrdquo
Romaine (1995 p6) elenca alguns questionamentos com base no que deve ser
observado ao estudar o contato linguiacutestico
O que eacute que o desempenho dos falantes diante do processo biliacutengue nos diz
sobre a competecircncia de pessoas e das comunidades multiliacutengues
25
Do inglecircs bilingualism
73
Eacute a troca de elementos linguiacutesticos por acaso comportamento linguiacutestico e o
cacircmbio linguiacutestico aleatoacuterio
Isto eacute indicativo de fluecircncia pobre e inabilidade em uma ou ambas as liacutenguas em
outras palavras o resultado de competecircncia imperfeita
Ao contraacuterio com qual criteacuterio medimos a competecircncia dos biliacutengues
Pode-se distinguir entre troca empreacutestimo e interferecircncia linguiacutestica
Satildeo a mudanccedila de coacutedigo e o bilinguismo generalizado em uma comunidade
sinais de atrito de uma liacutengua minoritaacuteria
Satildeo os sistemas de idiomas que estatildeo disponiacuteveis para um indiviacuteduo biliacutengue
fundidos ou separados
Aleacutem desses questionamentos outros de base sociofilosoacutefica tambeacutem estatildeo
inseridos nos estudos sobre o bilinguismo Para alguns pesquisadores muitas
liacutenguas minoritaacuterias foram exterminadas devido agrave forte influecircncia e agrave troca
linguiacutestica No entanto mesmo sendo acusado por estes como um passo para o
extermiacutenio das liacutenguas minoritaacuterias o bilinguismo natildeo deve ser visto como o
responsaacutevel pela extinccedilatildeo pelo contraacuterio o estudo dele aliado ao conhecimento
metacognitivo poderatildeo contribuir para o salvamento de muitas dessas liacutenguas
ainda que no plano escrito jaacute que na oralidade muitas natildeo gozam do status de
suas liacutenguas como oficiais nas atividades sociais sendo relegadas aos rituais de
suas sociedades
O comportamento linguiacutestico de uma determinada sociedade natildeo pode servir
unicamente de paracircmetro para outras Assim se algumas comunidades
apresentam mais facilidade em absorver outra forma linguiacutestica umas tecircm maior
resistecircncia enquanto que outras convivem por centenas de anos lado a lado com
determinadas liacutenguas
74
O bilinguismo tambeacutem pode ser classificado como social ou individual Segundo
Appel e Muysken (1986) o bilinguismo social ocorre quando em determinada
sociedade duas ou mais formas linguiacutesticas satildeo faladas quando cedo toda
sociedade se torna biliacutengue mas elas podem se tornar diferentes no que se
relaciona ao niacutevel ou forma de bilinguismo conforme figura abaixo
Figura 3 Esquema de representaccedilatildeo do bilinguismo social segundo Appel e Muysken
(1986)26
De acordo com a figura na comunidade I as duas liacutenguas satildeo faladas por dois
diferentes grupos monoliacutengues No entanto um grupo reduzido de falantes
biliacutengues seraacute necessaacuterio para fazer a comunicaccedilatildeo entre os grupos Esta forma
de bilinguismo social geralmente ocorre no periacuteodo colonial dos paiacuteses Pode-se
tomar por exemplo o Brasil quando os portugueses aqui chegaram
Em sociedades representadas pela forma II todos os falantes satildeo biliacutengues Em
paiacuteses como Aacutefrica Iacutendia e Brasil existem muitas sociedades totalmente
biliacutengues em que os falantes dominam as duas formas linguiacutesticas existentes
26
Apud Appel e Muysken (1986) p 2
75
Na forma III um grupo dessa comunidade eacute biliacutengue enquanto a outra eacute
monoliacutengue sendo este grupo na maioria das vezes a minoria Pois geralmente
o grupo biliacutengue eacute o dominante e o outro o dominado Tal circunstacircncia eacute tiacutepica
das assimetrias comuns nas relaccedilotildees entre os sujeitos do contato Situaccedilatildeo
como essa evidencia o papel da liacutengua para uma sociedade a qual pode ser
objeto de libertaccedilatildeo e tambeacutem de dominaccedilatildeo
Como dito anteriormente estas formas de bilinguismo social natildeo satildeo uniformes
nem tatildeo pouco refletem em detalhe de todas as existentes no interior das
sociedades Em muitas comunidades a situaccedilatildeo linguiacutestica eacute extremamente
complexa com mais de dois grupos e linguagens envolvidos
Com relaccedilatildeo aos aspectos linguiacutesticos o estudo do bilinguismo pode responder e
explicitar os fenocircmenos decorrentes da situaccedilatildeo do contato Fenocircmenos no
domiacutenio do leacutexico ou da sintaxe podem ser muito produtivos Entretanto podemos
considerar que eacute o niacutevel da foneacuteticafonologia que marcadamente sofre a
interferecircncia com o contato linguiacutestico
No contato duas ou mais formas linguiacutesticas podem perdurar por anos conforme
os quadros I e III na figura 3 No entanto alguns fenocircmenos linguiacutesticos podem
ocorrer paralelamente Um embate linguiacutestico pode surgir dentro dessas
comunidades linguiacutesticas e estas liacutenguas podem cambiar o leacutexico uma da outra
Sobre isso Bloomfield (1961 p 25) classifica esses empreacutestimos em iacutentimos
culturais e dialetais
76
O empreacutestimo externo ou cultural sempre eacute motivado por contatos poliacutetico sociais
e comerciais inclusive militares sempre com a dominaccedilatildeo de um dos povos Jaacute
os empreacutestimos dialetais se datildeo entre os contatos dentro de uma mesma liacutengua
satildeo as variantes regionais
O que particularmente nos interessa - o empreacutestimo iacutentimo - ocorre quando as
duas liacutenguas passam a conviverem no mesmo campo geograacutefico Dessa forma
se a liacutengua A domina a liacutengua B poderatildeo ocorrer trecircs hipoacuteteses i) B desaparece
e deixa um substrato em A ii) A desaparece e deixa um superstrato em B iii)
permanecem as duas trocando elementos na condiccedilatildeo de adstrato No entanto
natildeo devemos esquecer que as motivaccedilotildees pelas quais os falantes se apropriam
ou satildeo obrigados a se apropriarem para adquirem outra(s) liacutengua(s) extrapolam
os aspectos aqui vislumbrados
Os exemplos dados por Romaine (1995 p 2) demonstram como pode ocorrer o
cacircmbio linguiacutestico entre a liacutengua materna e a liacutengua adquirida posteriormente A
partir desses exemplos a estudiosa elenca os questionamentos mais relevantes
que deveratildeo ser observados em pesquisas que tratam da anaacutelise das
comunidades biliacutengues
(a) Kio Ke six sevem hours te school de vie spend karde ne they are speaking English all the time (Panjabi Inglecircs)
Because they spend six or seven hours a day at school they are speaking English all the time27
(b) Will you rubim off Ol man will come (Tok Pisin Inglecircs)
27
ldquoPorque eles passam seis ou sete horas por dia na escola eles estatildeo falando inglecircs o tempo todordquo
77
Will you rub [that off the blackboard] The men will come28
(c) Sano esttaacute tulla tanne ettaacute Iacutem very sick (Finlandecircs Inglecircs)
Tell them to come here that Iacutem very sick 29
(d) Kodomotachi liked it (Japonecircs Inglecircs)
The children liked it 30
(e) Won o arrest a single person (Yoruba Inglecircs)
They did not arrest a single person 31
(f) This morning I hantar my baby tu dekat babysitter tu lah (Malay Inglecircs)
This morning I took my baby to the babysitter 32
De acordo com AiKhenvald e Dixon (2006 p 2)
Se duas ou mais liacutenguas estatildeo em contato os falantes de uma tendo conhecimento da outra eles podem compartilhar traccedilos linguiacutesticos incluindo haacutebitos de pronuacutencia Historicamente todo idioma deve ter sofrido certa influecircncia de seus vizinhos O impacto do contato eacute mais forte e mais faacutecil de ser discernido em alguns idiomas enquanto em outros eacute mais fraco
O que fora dito acima pode ser comprovado em qualquer comunidade em que a
liacutengua do colonizador fora imposta durante o ato de conquista ou de contato Em
algumas comunidades a situaccedilatildeo de bilinguismo eacute motivada por outras
28
ldquoVocecirc esfregaraacute [o quadro-negro de fora] Os homens viratildeordquo 29
ldquoChame-os aqui que eu estou muito doenterdquo 30
ldquoAs crianccedilas gostam dissordquo 31
ldquoEles natildeo prenderam uma uacutenica pessoardquo 32
ldquoEsta manhatilde eu ocupei meu bebecirc agrave babaacuterdquo
78
necessidades que se fazem presente nessa sociedade O portuguecircs eacute a liacutengua de
contato que eacute utilizada por todos os membros em situaccedilotildees diaacuterias e em contatos
com a comunidade externa Enquanto a liacutengua interna eacute utilizada em seus rituais
e eacute utilizada em contexto familiar que exige mais aproximaccedilatildeo familiar entre os
membros 33
342 Diglossia
O processo de diglossia pode ser compreendido conforme Dubois et all (1998 p
190) como i) situaccedilatildeo de bilinguismo ii) situaccedilatildeo biliacutengue na qual uma das
liacutenguas eacute de status sociopoliacutetico inferior iii) aptidatildeo que tem um indiviacuteduo de
praticar corretamente outra liacutengua aleacutem da liacutengua materna
Embora seja entendida tambeacutem como uma competecircncia linguiacutestica em que o
falante de uma determinada liacutengua possa conhecer os niacuteveis formal e informal de
sua gramaacutetica para este trabalho o conceito que recorremos eacute o de diglossia
enquanto situaccedilatildeo de conviacutevio de duas ou mais liacutenguas em uma comunidade
Trata-se neste caso da utilizaccedilatildeo de uma das liacutenguas como liacutengua oficial
enquanto a outra fica a cabo das situaccedilotildees de conviacutevio Geralmente a liacutengua do
dominador eacute a liacutengua das relaccedilotildees comerciais a outra eacute utilizada nos rituais ou no
seio das famiacutelias (comunidade)
Devido agraves colonizaccedilotildees e agrave globalizaccedilatildeo a diglossia eacute muito comum no mundo
poacutes-moderno Em paiacuteses que foram colocircnias portuguesas como Moccedilambique e
33
Como exemplo podemos citar o que ocorre com o Fulni-ocirc Conforme COSTA1993 p 58
79
Timor Leste por exemplo o Portuguecircs eacute a liacutengua oficial enquanto as liacutenguas
nativas satildeo conservadas no acircmbito familiar e em ciclos informais Assim como
nas comunidades mais desenvolvidas o aprendizado de mais de uma segunda
liacutengua faz com que as comunidades se tornem pluriliacutengues
Por causa desta competecircncia linguiacutestica em que o sujeito passa a dominar dois
ou mais coacutedigos o conceito de diglossia fora ampliado agraves comunidades
monoliacutengues Neste caso entende-se que o sujeito pode ser bi- ou multiliacutengue
fora e dentro da sua proacutepria liacutengua34
Para Ferguson (1991 p 5) a diglossia eacute
Uma situaccedilatildeo linguiacutestica relativamente estaacutevel em que junto aos dialetos primaacuterios da liacutengua (que podem incluir a variante padratildeo ou as normas regionais) haacute um dialeto muito divergente altamente codificado (muitas vezes bastante complexo gramaticalmente) sobrepondo-se agrave variedade Eacute o veiacuteculo de um grande e respectivo corpo de literatura escrita tanto de periacuteodo anterior ou de outra comunidade de fala eacute aprendido atraveacutes da educaccedilatildeo formal usado na escrita e na fala em contextos formais mas natildeo eacute usado em qualquer uma das seccedilotildees de comunidade para conversaccedilatildeo coloquial
Fishman (1967 p 8) afirma que a diglossia eacute gradual e variaacutevel Para ele o
conceito de diglossia estaacute ligado ao aspecto social enquanto o bilinguismo ao
individual Dessa forma a relaccedilatildeo entre bilinguismo e diglossia na situaccedilatildeo do
contato pode se dar das seguintes formas i) diglossia e bilinguismo atuando
juntos ii) bilinguismo sem diglossia iii) diglossia sem bilinguismo e iv) nem
diglossia nem bilinguismo
34
Crystal (1985 p 82) discorre que em geral os sociolinguistas se referem a uma variedade alta (A) e outra baixa (B) correspondendo grosso modo a uma diferenccedila de formalidade A variedade alta eacute apreendida na escola costuma ser usada nos locais cuja formalidade eacute maior A variedade baixa eacute usada em outros ambientes relativamente informais
80
O referido autor complementa afirmando que
O bilinguismo sem a diglossia tende a ser transicional tanto em termos de repertoacuterios linguiacutesticos de comunidade de fala como em termos das variedades de fala envolvidas per si Sem separar no entanto as normas complementares e valores para estabelecer e manter a separaccedilatildeo funcional das variedades de fala aquela liacutengua ou variedade que seja o bastante favoraacutevel para ser associada ao movimento predominante das forccedilas sociais tende a substituir a(s) outra (s) (idem p7)
No caso dos Latundecirc a diglossia se configura como um processo em que os
falantes foram obrigados a aprender a liacutengua dos brancos utilizando-a nas
atividades em contexto de contato com o natildeo iacutendio No entanto o grupo conserva
a liacutengua original nos rituais e no reduto familiar como fora explicado
anteriormente 35
343 Alternacircncia de coacutedigo36
O processo de diglossia quando eacute configurado entre duas liacutenguas distintas resulta
em bilinguismo O bilinguismo abordado no item 231 pode ser analisado de
diversos pontos de vista mas um em especial que seraacute tratado neste toacutepico eacute a
alternacircncia de coacutedigo ou code-switching Trata-se de um processo linguiacutestico
inerente ao falante biliacutengue desenvolto ou natildeo na liacutengua que aprendera como
segunda liacutengua no caso do biliacutengue ou da terceira por diante como nos
pluriliacutengues
35
Vale ressaltar que atualmente devido agrave incorporaccedilatildeo da cultura do branco os Latundecirc estatildeo
falando mais frequentemente o Portuguecircs em diversas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo ateacute mesmos nas mais informais Isso se deve ao fato de as geraccedilotildees mais novas serem menos conservadoras e resistentes ao contato 36
Tratamos tambeacutem deste processo ao discorremos sobre o bilinguismo na seccedilatildeo 231
81
Dessa forma o falante biliacutengue ao se comunicar com outro falante que detenha
suas mesmas liacutenguas poderaacute fazer escolhas linguiacutesticas dentro de cada coacutedigo
ou alternando os coacutedigos Por isso os pesquisadores dizem que o falante biliacutengue
apresenta um comportamento proacuteprio em seu processo de interaccedilatildeo que eacute a
utilizaccedilatildeo do code-switching que se caracteriza por ser uma estrateacutegia de
adequaccedilatildeo interativa desejaacutevel e favoraacutevel do ponto de vista pragmaacutetico Este
processo constitui um processo de ativaccedilatildeo e desativaccedilatildeo de uma ou de outra
liacutengua
Para Auer (1999 p 46)
O termo code-switching reserva-se para os casos em que a justaposiccedilatildeo dos dois coacutedigos eacute percebida e interpretada como um ato localmente significativo pelos participantes Contrapotildee-se assim ao code-switching tambeacutem denominado language mixing (mistura de coacutedigo ou de liacutenguas) em que a justaposiccedilatildeo dos coacutedigos tem significaccedilatildeo para os participantes em sentido mais global sendo um padratildeo recorrente de comunicaccedilatildeo
Um falante biliacutengue decide primeiramente qual deveraacute ser a liacutengua de base para
ser utilizada com o outro falante que domina suas liacutenguas tambeacutem e a partir daiacute
decide se faraacute uso ou natildeo do code-switching eacute o que afirma Grosjean (1982 p
127) a partir do esquema abaixo
82
Figura 4 Escolha de liacutengua e code-switching conforme Grosjean (1982 p127)
Conforme o esquema acima o falante biliacutengue apresenta competecircncia linguiacutestica
para se comunicar tanto com um falante monoliacutengue quanto outro biliacutengue Ao se
comunicar com o falante monoliacutengue o referido falante biliacutengue faraacute a escolha de
uma liacutengua A ou a liacutengua B Neste caso natildeo poderaacute fazer uso das duas No
processo comunicativo com outro falante biliacutengue ele poderaacute utilizar a liacutengua A
com ou sem alternacircncia com a liacutengua B Ou utilizar a liacutengua B com ou sem
alternacircncia com a liacutengua A O que determina tais escolhas satildeo as vantagens e
desvantagens do cacircmbio linguiacutestico
Neste trabalho natildeo trataremos diretamente do code-switching por entendermos
que nos desviariacuteamos do objetivo basilar desta pesquisa que eacute o enfoque nos
segmentos foneacuteticos Outro aspecto seria o fato de os falantes latundecirc soacute
apresentarem a alternacircncia de coacutedigo durante as narrativas discorridas nas
83
entrevistas quando solicitados para que narrassem os acontecimentos e lendas
do seu povo
344 Morte da liacutengua
O contato linguiacutestico eacute um processo tambeacutem poliacutetico cujas consequecircncias podem
ser apenas o de mixagem ou mais intensamente a morte da liacutengua Muitas
vezes o contato eacute tatildeo devastador que extermina as liacutenguas minoritaacuterias trata-se
de um verdadeiro glotociacutedio37
Para Mcmahon (1994 p 228) a morte de uma liacutengua
Envolve essencialmente uma transferecircncia de obediecircncia de parte de uma populaccedilatildeo a partir de uma liacutengua que foi nativa na aacuterea para uma liacutengua mais recentemente introduzida na qual a populaccedilatildeo indiacutegena tornou-se biliacutengue A nova linguagem eacute geralmente falada nativamente por falantes mais potentes que podem tambeacutem ser mais numerosos e normalmente eacute associada pelos falantes da liacutengua minoritaacuteria com a riqueza prestiacutegio e progresso a liacutengua minoritaacuteria eacute entatildeo efetivamente abandonada por seus falantes tornando-se apropriada para uso em cada vez menor (e menor) contexto ateacute que seja inteiramente suplantada pela liacutengua que estaacute entrando
Dubois et all (1998 p 422) afirma que uma liacutengua morta eacute uma liacutengua que deixou
de ser falada mas cujo estatuto numa comunidade sociocultura eacute agraves vezes
desempenhar ainda um papel no ensino nas cerimocircnias rituais etc como o
latim
Para Trask (2004 p 200) a liacutengua eacute considerada moribunda ou estaacute prestes a
morrer quando o resultado de morte eacute praticamente inevitaacutevel Segundo o autor
37
Calcula-se que no iniacutecio da colonizaccedilatildeo portuguesa existiam aqui cerca de 1200 liacutenguas que
apoacutes anos de ocupaccedilatildeo de territoacuterio se resume a 180 Conforme Rodrigues 2002 p19 muitas delas estatildeo moribundas e carecem ser catalogadas
84
a cabo de uma ou duas geraccedilotildees ningueacutem mais seraacute capaz de falar esta liacutengua
pura e simplesmente Eacute a morte da liacutengua que resulta do processo denominado
substituiccedilatildeo da liacutengua
Ao dar continuidade ao seu argumento o referido autor assegura que a morte de
uma liacutengua eacute um processo gradual Assim exemplifica o pesquisador
em um dado lugar em um determinado momento algumas crianccedilas ainda estatildeo aprendendo - como sua liacutengua materna - a liacutengua que estaacute morrendo enquanto outras a estatildeo aprendendo apenas imperfeitamente e outras ainda natildeo estatildeo aprendendo de maneira nenhuma A liacutengua pode desaparecer por completo em certas aacutereas e sobreviver em outras Idem p 201
Ainda segundo Trask ibidem satildeo caracteriacutesticas da morte de uma liacutengua i) a
perda das irregularidades ii) a queda em desuso das formas e dos esquemas de
construccedilatildeo sentencial mais complexos ou menos frequente iii) a substituiccedilatildeo
maciccedila das palavras nativas por palavras tiradas da liacutengua de prestiacutegio iv) a
mudanccedila de pronuacutencia que se torna mais proacutexima da liacutengua de prestiacutegio v) a
perda da variaccedilatildeo estiliacutestica que leva agrave sobrevivecircncia de um uacutenico estilo
invariaacutevel
Nem sempre a morte de uma liacutengua estaacute diretamente ligada a aspectos
linguiacutesticos Cristoacutefaro-Silva (2002 p 56) elenca trecircs aspectos natildeo linguiacutesticos
que contribuem para a aniquilaccedilatildeo de uma liacutengua O primeiro diz respeito ao fato
de o pesquisador natildeo poder investigar o processo de morte devido agrave presenccedila de
uns poucos falantes da liacutengua O segundo trata da opressatildeo poliacutetica imposta aos
falantes que neste caso deixam de falar a liacutengua para natildeo serem perseguidos E
85
o terceiro ocorre quando a liacutengua eacute mantida apenas em rituais em que os falantes
natildeo sabem mais o teor semacircntico do que verbalizam
Natildeo diferente do aqui fora apresentado a situaccedilatildeo da liacutengua Latundecirc eacute bastante
delicada uma vez que a comunidade passou por diversos transtornos que
impactaram a forma como se organizavam socialmente O nuacutemero de nuacutemero de
falantes diminuiu e consequentemente a liacutengua se encontra altamente
ameaccedilada O portuguecircs sendo a liacutengua dominante de prestiacutegio e funcional para
a relaccedilatildeo com o mundo natildeo indiacutegena ganha espaccedilo crescente entre os Latundecirc
Esta eacute a situaccedilatildeo natildeo soacute do Latundecirc mas de vaacuterios grupos indiacutegenas
86
4 COMUNIDADE DE ESTUDO OS LATUNDEcirc
Que gente eacute essa que fala idioma tatildeo diferente das liacutenguas conhecidas tatildeo diferente da liacutengua dos seus mais proacuteximos vizinhos
que tem costumes tatildeo estranhos aos que vivem perto que natildeo conhece os objetos essenciais da vida dos seus companheiros de sertatildeo
De onde veio Por onde passou que natildeo deixou rastros Quando chegou agravequelas matas onde vive haacute tanto tempo
Que ligaccedilotildees tem com os outros filhos do Brasil Roquete-Pinto (1975 p121)
41 INTRODUCcedilAtildeO
Discorremos neste capiacutetulo sobre o povo Latundecirc e a sua comunidade descriccedilatildeo
contexto histoacuterico cultural e geograacutefico desta etnia Histoacuteria do contato conflitos
internos e externos dificuldades enfrentadas pelo grupo ao longo de sua
existecircncia denominaccedilatildeo acesso hierarquia social padratildeo e constituiccedilatildeo familiar
contatos intereacutetnico bilinguismo e ensino na aldeia
42 A FAMIacuteLIA NAMBIKWAacuteRA38 39 40
Os Nambikwaacutera41 satildeo conhecidos na etnologia brasileira por terem sido
oficialmente contatados pelo Marechal Rodom e por terem sido estudados por
Leacutevi-Strauss De origem Tupi o vocaacutebulo Nambikwaacutera eacute o resultado da fusatildeo dos
38
Os Nambikwara se auto denominam Anunsu Conforme Price amp Cook Jr The Nambikwara call
themselves aacute nu suacute people This name written anunzecirc has apereared throughout the literature but has been erroneously thought to be a band name (1969 p 690) 39
Os Nambikwra satildeo famosos na etnologia brasileira por terem sido oficialmente contatados pelo Marechal Rodom e por terem sido estudados por Leacutevi-Strauss 40
Os Nambikwara natildeo estatildeo ligados aos troncos Tupi e Macro-Jecirc Trata-se de uma famiacutelia linguiacutestica isolada com caracteriacutesticas especiacuteficas que natildeo se enquadra em nenhum desses dois grupos 41
Leacutevi-Strauss (1946 p 139) afirma que se trata de uma palavra Tupi e que deve ser escrita como Nhambikwara
87
termos ldquonambirdquo que significa ldquoorelhardquo e ldquokuarardquo cujo significado eacute ldquoburacordquo
Portanto Nambikwaacutera42 eacute ldquoburaco de orelhardquo
Coforme Leacutevi-Strauss (1946 p 48)
The name Nambikwra was mentioned for the first time and only by hearsay by Antonio Pires de Campos in the beginning of the 18th century Since then it appeared several times with reference to an unknown tribe located on the headwaters of Tapajoz There is a great discrepancy between the different spellings When General Candido Mariano da Silva Rondon began to explore the land between the Tapajoz and Gi-Parana in 1907 he met with unknown group of a unknown language and he did not hesitate to identify them with the tribe often mentioned in the early documents It was at that time that the name Nhambikwara was
definitely adopted its spelling fixed and that it was recognized as a Tupi nickname the meaning of which is big ears
A famiacutelia Nambikwara eacute dividida em dois grandes grupos aleacutem de outra
remanescente conforme figura abaixo
Figura 5 Classificaccedilatildeo das liacutenguas da Famiacutelia Nambikwaacutera de acordo com Rodrigues
(1986 p 134)
42
Seguimos neste trabalho a orientaccedilatildeo da Associaccedilatildeo de Antropologia Brasileira que em 1953
estabeleceu a fim de padronizar os nomes dos povos indiacutegenas do Brasil com o intuito de facilitar os estudos etnograacuteficos e Linguiacutesticos a nomenclatura padratildeo
88
Conforme figura acima o povo Latundecirc faz parte da famiacutelia Nambikwaacutera que se
divide em Nambikwaacutera do Norte Nambikwaacutera do Sul e Sabanecirc Os Latundecirc
juntamente com os Lakondecirc os Tawandecirc os Mamaindecirc e os Negarotecirc
pertencem ao grupo Nambikwaacutera do Norte Jaacute o Nambikwaacutera do Sul eacute composto
pelos povos Galera Kabixi Munduacuteka e Nambikwaacutera do Campo cada um
correspondendo a um complexo dialetal O Sabanecirc eacute uma liacutengua agrave parte por se
acreditar que natildeo haacute muitas semelhanccedilas entre as estruturas linguiacutesticas dessa
liacutengua e as demais liacutenguas desse grupo
Situado na aacuterea entre os rios Juruena e Comemoraccedilatildeo o territoacuterio consta do
registro de muitos autores Roquete-Pinto (1919) Leacutevi-Strauss (1946) Price e
Cook (1969) Price (1977) Mas eacute de Roquete-Pinto (1919) e Price (1983) a
exposiccedilatildeo mais aceita Em ambos os limites geograacuteficos desses povos satildeo
relatados da seguinte forma pelo Rio Papagaio (sul) pelo rio Gi-Paranaacute (norte)
pelo rio Tapajoacutes (leste) e pelo rio Guaporeacute (oeste)
Figura 6 Localizaccedilatildeo e aacuterea dos Nambikwaacutera de acordo com Roquete-Pinto (1919)
89
De acordo com a FUNAI43 os dados atuais indicam que os Nambikwaacutera hoje
com cerca de dois mil iacutendios estatildeo distribuiacutedos em seis Terras indiacutegenas (TI)
vivem no sudoeste do Mato Grosso e aacutereas proacuteximas de Rondocircnia entre a
floresta amazocircnica e o cerrado
Figura 7 Territoacuterio Nambikwaacutera descrito por Price (1983)
No que tange ao conhecimento desses povos eacute de meados do seacuteculo XVIII que
obtemos os primeiros contatos com os Nambikwaacutera Foi Luiz Pinto de Souza
Coutinho terceiro capitatildeo geral do Estado do Mato Grosso o organizador de uma
expediccedilatildeo pelas margens do Rio Guaporeacute com o propoacutesito de abrir caminhos
entre a capital de entatildeo Proviacutencia de Mato Grosso e o Forte Braganccedila
43
Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
90
Os relatos histoacutericos nos mostram que era prioridade do Governo Militar apoacutes a
Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica em 1889 a integraccedilatildeo de todas as terras brasileiras
Uma das accedilotildees dessa integraccedilatildeo foi a determinaccedilatildeo do governo em construir
linhas telegraacuteficas em terras indiacutegenas da Amazocircnia com o propoacutesito de interligar
o Rio de Janeiro a Cuiabaacute Agrave frente dessa empreitada estava o Major Antonio
Gomes Carneiro e entre a comitiva o seu aluno Cacircndido Mariano da Silva
Rondon
Eacute Rodon o principal agente de contato entre os iacutendios Nambikwaacutera e os natildeo
iacutendios Pois como eacute sabido dele partia o discurso de apaziguamento entre o
contato preferindo antes de qualquer coisa ser atingido a atingir os silviacutecolas
Aleacutem da motivaccedilatildeo de expansatildeo para a implantaccedilatildeo das linhas telegraacuteficas
Rondon era conduzido por um desejo ardente de respeito e proteccedilatildeo aos povos
daquela regiatildeo
Dessa forma os iacutendios Nambikwaacutera estavam entre os indiacutegenas que ajudaram a
comissatildeo do governo a alcanccedilar os lugares mais hostis Este encontro entre
indiacutegenas e brancos culminou em invasotildees e conflitos entre povos aleacutem das
doenccedilas que foram trazidas pelos natildeo indiacutegenas por isso a extinccedilatildeo de vaacuterias
tribos e povos aleacutem do prejuiacutezo linguiacutestico resultante da aculturaccedilatildeo dos
indiacutegenas frente agrave presenccedila do natildeo iacutendio uma vez que para que ocorresse o
processo de interaccedilatildeo os indiacutegenas se viram obrigados a aprender o portuguecircs
O contato entre os grupos Nambikwaacutera natildeo se deu de forma paciacutefica Os
Nambikwaacutera do Norte natildeo foram receptivos e os planos dos governos foram
frustrados De forma diferente o contato com os Nambikwaacutera do Sul se deu de
91
forma mais intensa Mesmo apoacutes os constantes conflitos o contato perdurou por
mais tempo que com os do Norte acarretando mudanccedilas culturais de costumes e
da liacutengua
Telles (2002 p 10) afirma que
Do grupo linguiacutestico do Norte hoje restam apenas remanescentes de cinco etnias Tawandecirc Lakondecirc Mamaindecirc Negarotecirc e Latundecirc Destes os trecircs uacuteltimos permanecem em aacutereas proacuteximas de seus territoacuterios tradicionais e se preservam enquanto grupos relativamente autocircnomos Estes povos natildeo habitavam tradicionalmente a regiatildeo norte do territoacuterio Nambikwaacutera e esse fato pode ter favorecido a sua independecircncia grupal ao longo do percurso histoacuterico
Figura 8 Localizaccedilatildeo atual dos Nambikwaacutera
Como consequecircncia do contato no final do seacuteculo XX a populaccedilatildeo desses povos
foi reduzida a mais ou menos 650 sendo 50 deles crianccedilas Price (1985 p 312)
92
chama a atenccedilatildeo para o processo de aculturaccedilatildeo pois para as crianccedilas ldquoseria
mais confortaacutevel falar portuguecircs que a liacutengua dos seus paisrdquo44
Ainda com relaccedilatildeo agrave classificaccedilatildeo linguiacutestica alguns estudiosos utilizam
classificaccedilotildees diferentes para organizar os povos Nambikwaacutera A divisatildeo claacutessica
de Leacutevi-Strauss (1948) distribui os Nambikwaacutera de acordo com a aproximaccedilatildeo
linguiacutestica que haacute entre eles Para ele haacute trecircs grupos principais que se subdividem
formando cinco unidades constituiacutedas por vaacuterios dialetos de uma mesma liacutengua
Price e Cook (1969) em trabalho posterior sugerem outra classificaccedilatildeo para a
famiacutelia Nambikwaacutera Para eles haacute dois grandes grupos os Sabanecirc e os
Nambikwaacutera Entretanto embora o Sabanecirc natildeo seja compreensiacutevel para os
outros grupos linguiacutesticos por razotildees estruturais Price (1972) com base num
estudo comparativo considera o Sabanecirc como integrante da famiacutelia linguiacutestica
Nambikwaacutera Para uma visualizaccedilatildeo das propostas de Leacutevi-Strauss e de Price e
Cook apresentamos as respectivas classificaccedilotildees nas tabelas a seguir
Quadro 2 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Leacutevi-Strauss (1948)
44
ldquofifty were children who are probably more comfortable speaking Portuguese than the languages of their parents
Grupo a
Grupo b
Grupo c
Subgrupo a1
Subgrupo a2
Subgrupo b1
Subgrupo b2
Oakleacutetosu
Haloacutetesu
Kiaaacuteru
Kuritsu
Soaacutelesu
Kodaacuteteli
Munuacutekoti
Nikedeacutetosu
Taruacutende
Maimatildende
Toatildende
Ioacutelola
Naseacutelate
Lakotildende
Sovaacuteinte
Sabaacutene
93
Quadro 3 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Price e Cook (1969)
Leacutevi-Strass natildeo aponta os Latundecirc como pertencente ao grupo Nambikwaacutera
devido ao natildeo contato com este povo que soacute fora inicialmente descobertos
(contatados) em 1975 pelos Aikanaacute conforme veremos a seguir
43 OS LATUNDEcirc
O povo Latundecirc pertencente ao Nambikwaacutera do Norte habita uma aacuterea de
116613671 hec no municiacutepio de Chupinguaia na regiatildeo sudoeste do estado de
Rondocircnia Com eles convivem outros dois grupos que natildeo possuem nenhum
Navaacuteite
Taiate
Nambikwaacutera
Sabanecirc
Do Norte
Do Sul
Latundecirc
Lakundecirc
Tawandecirc
Mamaindecirc
Negarotecirc
Vale do Jurema
Vale do Guaporeacute
Vale do Sarareacute
Haloteacutesu
Kithaulhu
Sawenteacutesu
Wakalitesu
Wasusu
Sarareacute
Alacircntesu
Waikisu
Hahatildetesu
94
grau de parentesco linguiacutestico Satildeo os Aikanaacute e os Kwazaacute que fazem parte da
Terra Indiacutegena (TI) Tubaratildeo-Latundecirc45
No mapa abaixo pode-se obervar a localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc que se
situa entre a RO 370 e a BR 364
Figura 9 Localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc46
A reserva estaacute localizada a oeste do municiacutepio de Vilhena Nela haacute trecircs vilas Rio
do Ouro Barroso e Gleba (tambeacutem conhecida como Tubaratildeo) Gleba eacute a que
conteacutem a maior populaccedilatildeo mista De faacutecil acesso pode ser adentrada pela cidade
de Chupinguaia que fica a 19 km da TI Rio do Ouro possui uma populaccedilatildeo
exclusivamente Aikanatilde e estaacute a 20 km da Gleba Barroso conteacutem a menor
populaccedilatildeo e corresponde a uma aacuterea de ocupaccedilatildeo esparsa em que se distribuem
45
Conforme Anonby the Tubaratildeo-Latundecirc Indian Reserve is inhabited by people from several tribes the tree main linguistically-unrelated Aikanatilde (also known as Tubaratildeo) Kwazaacute and Latundecirc 2009 p3 46
Inicialmente estes povos ocupavam uma aacuterea de ricas florestas no oeste do rio Pimenta Bueno
proacuteximo a uma pequena vila denominada de Satildeo Pedro
95
remanescentes Kwazaacute Aikanaacute e Latundecirc A meacutedia de distacircncia do Barroso para a
Gleba eacute de aproximadamente 25 km O acesso se daacute por uma estrada
parcialmente carroccedilaacutevel de difiacutecil locomoccedilatildeo
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo de cada povo Anomby (2009 p5) afirma que o
quantitativo total de pessoas eacute de 219 iacutendios Deles 175 satildeo Aikanatilde 25 satildeo
Kwazaacute e 19 satildeo Latundecirc Haacute ainda 189 iacutendios distribuiacutedos por outras localidades
fora da TI 47
Quadro 4 Distribuiccedilatildeo dos povos pertencentes a TI Tubaratildeo-Latundecirc
TI Rio do Ouro 67
Gleba 48
Barroso 34
Outras localidades
Satildeo Pedro 18
Vilhena 15
Chupinguaia 7
Total 189
Durante muitos anos os Latundecirc os Kwazaacute e os Aikanatilde viveram em contato com
grupos vizinhos como os Kanoecirc Mekens Sakirap Tupariacute Salamatildei entre outros
povos que tecircm sido acolhidos pela populaccedilatildeo local da TI Mesmo com diferentes
liacutenguas eles se relacionavam com festivais e casamentos intergrupais A cultura
desses povos tornou-se muito similar devido ao contato intenso entre eles De
acordo com Anomby (2009 p 6) os traccedilos mais comuns entre este povos
incluem cestas de fibra de marico casas em forma de colmeia para
47
Em conversa com os professores desses povos Anomby Idem natildeo afirma os motivos pelos
quais tais iacutendios estatildeo afastados dos demais
96
aproximadamente dez famiacutelias bebida de milho fermentado canibalismo e
divisatildeo de clatildes
Quanto ao contato sabe-se que foram os iacutendios Aikanaacute os primeiros a contatarem
com os Latundecirc Price (1977 p 72 - 73) descreve que o entatildeo Capataz Rural
Jorge Falcatildeo fora informalmente designado encarregado da operaccedilatildeo de contato
No ano de 1976 acompanhado por cinco iacutendios Aikanaacute e um serigueiro apoacutes
cinco dias de intensa caminhada ocorreu o encontro com os Latundecirc Neste
primeiro momento o desconhecido povo tremia de medo mas se posicionaram
ainda que fragilmente na linha de defesa Apoacutes dormirem no campo o capataz e
demais membros da excursatildeo conseguiram no outro dia um contato comprovado
por poucas fotografias com o povo Latundecirc Jorge descreveu que tais iacutendios natildeo
conseguiram se comunicar com os Aikanaacute e que eram em nuacutemero de 10 homens
e 8 crianccedilas afora poucas crianccedilas que afirma natildeo tecirc-las visto
A FUNAI em 1977 com a ajuda do Capataz Rural realizou uma nova excursatildeo
aos iacutendios Latundecirc Desta vez aleacutem de Jorge juntos a ele estavam presentes
David Price e dois iacutendios Nambikwara do Norte (Lakondecirc) que conseguiram
identificar os Latundecirc como tambeacutem pertencentes agrave etnia Nambikwara do Norte
Foram mensurados como uma aldeia composta por oito casas e dezenove
habitantes 48
48
Para uma descriccedilatildeo mais detalhada ver Telles 2002 p17
97
Figura 10 Primeiros contatos com os Latundecirc (Foto Price 1977)
Em 1999 o povo era composto por vinte pessoas Entre 1999 e 2000 a grupo ficou
ainda menor com a saiacuteda de trecircs dos membros Faacutetima (irmatilde de Terezinha49)
Batataacute (a anciatilde do grupo) e Joatildeo (irmatildeo solteiro de Terezinha) As crianccedilas e os
jovens do grupo satildeo na sua maioria parentes consanguiacuteneos De acordo com as
relaccedilotildees de parentesco os mais novos natildeo poderatildeo coabitar entre si o que
implica a natildeo autonomia e a natildeo perpetuaccedilatildeo do grupo Latundecirc
49
Trata-se de a informante deste projeto de pesquisa
98
Quadro 5 Nuacutecleos familiares de acordo com a habitaccedilatildeo em 199950
Casa 1
Pais Filhos Agregados
Maneacute Torto (60) Terezinha (45)
Luiz (22) Antocircnio (20) Lorena (12) Catarino (10) Justino (8) Jaelson (4)
Joatildeo (26) Francisco (25) Irmatildeos de Terezinha
Maneacute Torto (60) Faacutetima (30)
Maria (13)
Casa 2
Joseacute (40) Lurdes (40)
Jair (13) Dido (11) Lourival (3) Lorimar (6 meses)
Cinzeiro (50) Irmatildeo de Lurdes
Casa 3 Batataacute (65)
Dados atuais51 noticiam que o grupo se enfraqueceu politicamente Tereza
mudou-se para uma aldeia de outro grupo Nambikwaacutera do Norte e Maria e Lorena
foram morar na Gleba
No que concerne agraves atividades econocircmicas a extraccedilatildeo de borracha foi a grande
atividade econocircmica na deacutecada de 30 do seacuteculo passado no sul de Rondocircnia
Durante o apogeu dessa atividade os Aikanatilde e os Kwazaacute trabalharam para
barotildees da borracha em troca de cafeacute accediluacutecar e armas de fogo
Consequentemente apoacutes aprenderem as estrateacutegias de negociaccedilatildeo na deacutecada
de 70 os proacuteprios iacutendios agora independentes passaram a vender a sua proacutepria
borracha nas cidades vizinhas (Van der Voort 1998)
50
Telles 2002 p 19 51
Informaccedilatildeo proveniente de comunicaccedilatildeo pessoal com Stella Telles janeiro de 2015
99
A comercializaccedilatildeo da borracha tambeacutem fora um pano de fundo para o processo
de bilinguismo ocorrente entre os povos dessa regiatildeo O portuguecircs se tornara
uma espeacutecie de liacutengua franca utilizada para a comercializaccedilatildeo do produto no
exterior e na interaccedilatildeo com os seringalistas Contudo as liacutenguas indiacutegenas
permaneciam sendo usadas mais provavelmente na retirada e no processamento
da borracha nas reservas52
A economia na aldeia diferentemente do que fora no passado representa a atual
situaccedilatildeo dos iacutendios Haacute pouca lavoura de subsistecircncia53 o que faz com que a
produccedilatildeo de comida seja escassa Os integrantes da aldeia quando precisam de
provimentos compram sua comida na cidade ou recebem-na dos parentes que
vivem em Rio do Ouro
Ainda de acordo com Anomby (2009 p7)
As principais fontes de dinheiro em ambas as aldeias como a maioria das aldeias no Brasil satildeo as remessas de aposentadoria para os idosos e da venda de artesanato indiacutegena aleacutem da venda de madeira e os pequenos serviccedilos prestados aos demais moradores e visitantes
No que diz respeito agrave religiatildeo atualmente a presenccedila do protestantismo eacute muito
forte na TI Tubaratildeo-Latundecirc Missionaacuterios UNIEDAS54 (iacutendios da tribo Terena)
comeccedilaram a trabalhar na aacuterea em 1980 e como resultado a maioria das
pessoas que vivem na reserva iacutendios Tubaratildeo-Latundecirc hoje se consideram
52
Neste contexto histoacuterico pode-se perceber claramente a hierarquizaccedilatildeo linguiacutestica no que tange agrave utilizaccedilatildeo da liacutengua materna Para os iacutendios jaacute ocorria o processo de contato oriundo do dominador Mesmo reconhecendo a necessidade advinda da dependecircncia econocircmica os iacutendios relutavam em manter a liacutengua matildee no interior da aldeia ou seja no seio familiar 53
Devido agrave cultura errocircnea da terra e a constante presenccedila das aposentadorias concedidas aos idosos e invaacutelidos a rotina desses povos estaacute sendo fortemente alterada 54
Uniatildeo das Igrejas Evangeacutelicas da Ameacuterica do Sul criada por missionaacuterios americanos em 1912 que eacute atualmente conduzida por lideranccedila indiacutegena
100
protestantes Os Terenas ministram suas pregaccedilotildees exclusivamente em
Portuguecircs
Uma outra famiacutelia missionaacuteria protestante pertencente agrave missatildeo ALEM55 vivem
na aldeia Rio do Ouro onde o marido Warrisson eacute um professor e sua esposa
Ana eacute uma liacuteder de igreja Eles trabalham na reserva haacute doze anos e soacute falam
Portuguecircs
Anomby (2009 p8) relata o fato de os iacutendios ainda hoje rejeitarem os esforccedilos
dos missionaacuterios da ALEM para usar o Aikanatilde na igreja
Quando Ana veio pela primeira vez a Gleba 12 anos atraacutes as pessoas disse-lhe que queria igreja em Portuguecircs e natildeo em Aikanatilde Eles especificamente disse-nos Noacutes natildeo quer um linguista Queremos algueacutem que vai fazer igreja em Portuguecircs Ana compocircs algumas canccedilotildees em Aikanatilde mas quando ela cantou para os iacutendios eles disseram que soava feio Ana pediu que as pessoas orassem em Aikanatilde mas eles sempre recusam Em um culto que participou no Rio do Ouro Ana escolheu cinco pessoas aleatoriamente para ler partes do Biacuteblia Todos foram fluentes Ana disse-nos que ateacute hoje os iacutendios nunca pediu nada em Aikanatilde - eles parecem sentir que igreja deve ser em Portuguecircs
Os Latundecirc em particular natildeo se converteram ao protestantismo Localizados
mais remotamente o difiacutecil acesso agraves igrejas existentes da Gleba e no Rio do
Ouro natildeo favoreceu ao longo de anos a frenquecircncia do Latundecirc nos cultos
A educaccedilatildeo escolar tambeacutem tem situaccedilatildeo similar entre os Latundecirc Nunca houve
escola no Barroso nas proximidades das casas dos Latundecirc Dessa forma
apenas com a ida mais sistemaacutetica dos mais jovens Latundecirc para as aldeias
Aikanaacute - sobretudo a partir do ano de 2000 - eacute que as crianccedilas Latundecirc passaram
55
Associaccedilatildeo Linguiacutestica Evangeacutelica Missionaacuteria eacute uma organizaccedilatildeo missionaacuteria fundada em 1982
sob a inspiraccedilatildeo da Wycliffe Bible Translators
101
a frequentar escola Sobre isso Anomby Idem nos relata que eacute ensinado ateacute
quarta seacuterie em todas as aldeias e a maioria dos Aikanatilde e Kwazaacute satildeo
alfabetizados em Portuguecircs Em Rio do Ouro haacute dois professores um brasileiro
que leciona em Portuguecircs e um professor biliacutengue que explica os assuntos em
Aikanatilde Trecircs moradores estatildeo terminando o ensino meacutedio dois da Gleba e um
do Rio do Ouro A liacutengua Latundecirc natildeo eacute objeto de conteuacutedo escolar
Com relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo linguiacutestica dos Latundecirc56 sabe-se que com exceccedilatildeo de
Maneacute Torto que eacute falante nativo de uma liacutengua Nabikwaacutera do Norte muito proacutexima
do Latundecirc o nuacutemero de falantes do Latundecirc eacute de dezenove pessoas O grupo
excetuando a Batataacute que natildeo fala portuguecircs apresenta bilinguismo em Latundecirc
Portuguecircs O bilinguismo resultante do contato que se deu em 1976 se firmou
com o contato crescente com os Aikanaacute com quem se comunicam em portuguecircs
A complexidade linguiacutestica que se instaurou entre os Latundecirc pode ser observada
na tabela seguinte
Quadro 6 Situaccedilatildeo sociolinguiacutestica dos Latundecirc (dados de 1999)
Membros
Situaccedilatildeo Social
Situaccedilatildeo Linguacuteiacutestica
Maneacute Torto (60) Liacuteder interno da tribo Natildeo Latundecirc
Cinzeiro (50)
Batataacute (65)
Membros mais velhos
da tribo
Satildeo monoliacutengues em Latundecirc
Lurdes (40) Matriarca da casa 2 Apresenta distuacuterbio de fala Eacute considerada
uma falante ruim pela proacutepria tribo Fala um
pidgin com seus filhos
Joseacute (40) Patriarca da casa 2 Fala um portuguecircs pouco claro
56
Anomby (2009 p 5) chama a atenccedilatildeo para o fato de os povos presentes na TI Tubaratildeo-Latundecirc
natildeo serem estudados extensivamente ainda Dos estudos realizados podem-se citar as pesquisas realizadas no acircmbito antropoloacutegico e no linguiacutestico Leacutevi-Strauss (1930) Lieuntenabt Zack (1942) Melatti e Price (1970) Carlson (1984) Vasconcelos (19931996) Van der Voort (19951998) e Telles (2002)
102
Jair (13)
Dido (11)
Filhos mais velhos da
casa 2
Devido ao desempenho dos pais
apresentam problemas de comunicaccedilatildeo em
ambas as liacutenguas
Lourival (3)
Lorimar (6 meses)
Filhos mais novos da
casa 2
Estatildeo em processo de aquisiccedilatildeo da
linguagem
Terezinha (45)
Matriarca da casa 1
uma das mulheres de
Maneacute Torto
Apresenta boa competecircncia comunicativa
Apesar de ser considerada biliacutengue
apresenta problemas com relaccedilatildeo agrave
compreensatildeo do Portuguecircs
Joatildeo (26)
Francisco (25)
Irmatildeos de Terezinha Falam Portuguecircs sem muita fluecircncia
Faacutetima (30)
Irmatilde de Terezinha Apresenta niacutevel de compreensatildeo muito
inferior ao da sua fala
Luiz (22)
Antocircnio (20)
Lorena (12)
Catarino (10)
Justino (8)
Jaelson (4)
Filhos de Terezinha e
Maneacute Torto
Falam um bom Portuguecircs
Maria (13) Tambeacutem fala um bom Portuguecircs
Entre 1995 e 2000 Telles (comunicaccedilatildeo pessoal em novembro de 2014) verificou
que o aprendizado do Latundecirc na comunidade eacute mais tardio do que o Portuguecircs
mesmo sendo as crianccedilas desde o nascimento expostas e estimuladas agraves duas
liacutenguas simultaneamente Na avaliaccedilatildeo subjetiva dos indiacutegenas o Latundecirc eacute uma
liacutengua mais difiacutecil sendo essa a razatildeo de as crianccedilas apresentarem melhor
desempenho no Portuguecircs Soacute em torno dos dez anos comeccedilam a utilizar com
fluecircncia o Latundecirc embora apresentem conhecimento passivo da liacutengua desde a
primeira infacircncia quando atendem com pertinecircncia aos comandos em Latundecirc
Outro fator que pode responder ao fato de a produccedilatildeo linguiacutestica ocorrer
103
primeiramente em Portuguecirc deve ser o prestiacutegio social que essa liacutengua alcanccedila
entre comunidades minoritaacuterias57
Essa situaccedilatildeo decorrente do contato linguiacutestico se daacute devido agrave mescla linguiacutestica
presente na TI e agraves necessidades de os indiacutegenas se ausentarem das terras da
TI Os povos que vivem em Rio do Ouro viajam a cidade pelo menos uma vez por
mecircs para fazer compras ou ir buscar assistecircncia meacutedica Os da Gleba se
deslocam para a cidade todos os dias quando precisam ir para a sede do
municiacutepio de Chupinguaia Dependendo da necessidade eles ficam hospedados
na casa de algueacutem conhecido ou na Casa do Iacutendio uma espeacutecie de guarita
para os iacutendios A Casa do Iacutendio mais proacutexima da TI se localiza em Vilhena
Ainda quanto ao contato linguiacutestico estudos mostram que os iacutendios do sul de
Rondocircnia tecircm o haacutebito de casar-se com iacutendios de tribos amigas Isto pode ser
comprovado com a presenccedila de palavras no leacutexico das liacutenguas em que foram
coadunadas
Conforme dados mais recentes na Gleba cerca de cinquenta por cento dos
casamentos satildeo mistos com iacutendios de outras etnias ou com natildeo iacutendios Embora
haja certa rivalidade entre os povos da Gleba e os do Rio dos Ouros o nuacutemero de
casamentos entre os iacutendios dessas duas aldeias satildeo muito frequentes
Quanto aos iacutendios Latundecirc Anomby (2009 p 9) discorre que
Os iacutendios da aldeia de Latundecirc Barroso tecircm o menor prestiacutegio e satildeo um pouco culturalmente e economicamente subjugados pelo Aikanatilde e Kwazaacute Devido agraves pequenas populaccedilotildees de Kwazaacute e Latundecirc eacute quase impossiacutevel para eles para se casar dentro de
57
Discorreremos com mais detalhes sobre o processo de bilinguismo no povo Latundecirc no trabalho proposto a ser desenvolvido
104
sua tribo Assim a sobrevivecircncia das liacutenguas e ateacute mesmo o povo como um grupo distinto eacute muito tecircnue
Devido agraves constantes necessidades de cuidado desses povos a OSCIP Creatio58
realizou estudos sobre os impactos soacutecio-antropoloacutegicos-ambientais na TI
Tubaratildeo-Latundecirc jaacute que toda regiatildeo estaacute sobre a influecircncia da PCH59 Cascata
que estaacute sendo construiacuteda no Rio Pimenta Bueno Tais estudos visam objetivar
informaccedilotildees que subsidiem a descriccedilatildeo dos possiacuteveis impactos oriundos da PCH
sobre esta TI
Figura 11 Iacutendios Latundecirc na TI Tubaratildeo-Latundecirc
Outro ponto que deve ser levado em conta ao considerar falantes biliacutengues e
monoliacutengues eacute que eles natildeo podem ser nitidamente diferenciados A avaliaccedilatildeo do
grau de bilinguismo eacute complexa dado que a sua medidade eacute escalar ou seja o
58
Organizaccedilatildeo da Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico 59
Pequena Central Hidreleacutetrica
105
conhecimento de outra liacutengua eacute uma questatildeo de grau que vai desde 0 ateacute a
ldquoperfeiccedilatildeordquo (Van Coetesem 1988 p 9)
106
5 INTERFEREcircNCIA FONEacuteTICO-FONOLOacuteGICA DO LATUNDEcirc NO
PORTUGUEcircS
ldquoO contato linguiacutestico eacute apenas um aspecto do contato cultural e a interferecircncia linguiacutestica eacute uma face da difusatildeo lexical e aculturaccedilatildeordquo
Weinreich (1953 p 5)
51 INTRODUCcedilAtildeO
Para Thomason (2001 p 5) o contato entre liacutenguas estaacute em toda a parte muitos
paiacuteses tecircm mais do que uma liacutengua oficial e muito provavelmente a maior parte
da populaccedilatildeo mundial fala duas ou mais liacutenguas Posto dessa maneira
compreende-se que satildeo muitos os estudos que abordam sob formas aacutereas
concepccedilotildees diversas e interdisciplinares o contato linguiacutestico No que concerne agrave
linguiacutestica estes estudos satildeo de igual abundacircncia De acordo com Weinreich
(1953) grande ou pequena as diferenccedilas e similaridades entre as liacutenguas em
contato podem ser exaustivamente estabelecidas em muitos domiacutenios Todavia
quando se trata da investigaccedilatildeo do contato sob a eacutegide da fonologia e da foneacutetica
o nuacutemero destes estudos diminui consideravelmente Tal constataccedilatildeo corrobora
com a necessidade de estudos linguiacutesticos que tratem dos aspectos foneacuteticos
quando observados no contato entre liacutenguas
Por se tratar de uma sessatildeo importante para as elucidaccedilotildees dos processos
ocorridos no Portuguecircs falado pelos Latundecirc a serem discorridos no Capiacutetulo VI
descrevemos neta seccedilatildeo os segmentos das liacutenguas em anaacutelise e quais satildeos mais
suscetiacuteveis agrave influecircncia do contado linguiacutestico Devido agrave escassez de pesquisas
107
foneacuteticas fonoloacutegicas na aacuterea especificamente no Latundecirc e no Portuguecircs
Brasileiro seratildeo utilizadas como cabedal para esta anaacutelise as pesquisas de
TELLES (2002) e para a investigaccedilatildeo do inventaacuterio do sistema fonoloacutegico do
Portuguecircs a de BISOL (1996) e de SILVA (2002)
Dada a profundidade investigativa da natureza do contato cabe-nos ressaltar aqui
que o presente estudo natildeo se encarregaraacute de tratar de todas a suas nuances
visto que seu objeto estaacute delimitado quanto aos processos foneacuteticos resultantes
de tal contato
Quanto ao aporte teoacuterico seratildeo citados os trabalhos de WEINREICH (1953)
pioneiro a tratar das questotildees de interferecircncia foneacuteticas oriundas do contato entre
liacutenguas VAN COETSEM (1988) e MATRAS (2009) para elucidar os processos
ocorrentes no contato em questatildeo
52 INTERFEREcircNCIA FUSAtildeO COEXISTEcircNCIA E TRANSFEREcircNCIA
LINGUIacuteSTICA
Um dos precursores dos estudos sobre contatos linguiacutesticos Uriel Weinreich
descreve em seu livro Language in Contact (1953) os mecanismos foneacuteticos que
regem a intersecccedilatildeo existente no contato
No que concerne aos aspectos extralinguiacutesticos que regem os efeitos do contato
sobre a fala de determinado componente social Weinreich chama a atenccedilatildeo para
os fatores que estatildeo aleacutem das diferenccedilas estruturais bem como das
inadequaccedilotildees lexicais da liacutengua Segundo ele esses fatores natildeo estruturais satildeo
inerentes aos falantes que estatildeo expostos agrave situaccedilatildeo do contato por exemplo
108
a) A facilidade de o falante se expressar verbalmente e sua
debilidade de lidar coma as duas liacutenguas separadamente
b) Proficiecircncia relativa em cada liacutengua
c) Especializaccedilatildeo no uso de cada liacutengua por toacutepicos e
interlocutores
d) Forma de aprendizado em cada liacutengua
e) Atitudes para cada liacutengua se idiossincraacutetico ou estereotipado
f) A dimensatildeo do grupo biliacutengue e sua homogeneidade
sociocultural ou diferenciaccedilatildeo colapso entre subgrupos usando
uma ou outra liacutengua como sua liacutengua-matildee fatos demograacuteficos
sociais e as relaccedilotildees poliacuteticas entre esses subgrupos
g) Prevalecircncia individuais de bilinguismo com dadas caracteriacutesticas
de comportamento de fala em subgrupos em geral
h) Atitudes estereotipadas em relaccedilatildeo a cada liacutengua (prestiacutegio)
status indiacutegena ou imigrante da liacutengua em xeque
i) Atitudes em relaccedilatildeo agrave cultura de cada comunidade linguiacutestica
j) Atitudes em relaccedilatildeo ao bilinguismo como tal
k) Toleracircncia ou intoleracircncia com respeito agrave mistura linguiacutestica e
com a fala incorreta de cada um
l) Relaccedilatildeo entre o grupo biliacutengue e cada um das duas
comunidades em que ela eacute um segmento marginal (Weinreich
1953 p 4)
Um dos pressupostos baacutesicos agrave natureza do falante diz respeito ao fato de duas
ou mais liacutenguas soacute poderem estar em contato se usadas alternadamente pelas
mesmas pessoas O uso individual da liacutengua seraacute o locus do contato Quando isto
ocorre a transferecircncia de elementos foneacuteticos seraacute a motivadora pela
reorganizaccedilatildeo de todo o velho sistema de oposiccedilatildeo Ele assegura que the term
interference implies the rearrangement of patterns that result from the introduction
of foreign elements into the more highly structured domains of language such as
the bulk of the phonemic system a larger part of the morphology and syntax and
some areas of the vocabulary (p 1)60
60
O termo interferecircncia implica a reorganizaccedilatildeo de padrotildees que resultam na introduccedilatildeo de elementos no mais alto (profundo) domiacutenio de estruturas da linguagem tal como a maior parte do sistema fonecircmico uma larga parte da morfologia e sintaxe e algumas aacutereas do vocabulaacuterio
109
Quando dois sistemas satildeo confrontados no contato pode ocorrer o
reordenamento de padrotildees ou interferecircncia ou exclusatildeo Na interferecircncia
linguiacutestica o problema de maior interesse eacute a accedilatildeo reciacuteproca dos fatores
estruturais e dos natildeo estruturais ao promoverem estimularem ou impedirem cada
interferecircncia
Concernente aos ldquoMecanismos e causas estruturais de interferecircnciardquo Weinreich
idem p7 coloca que haacute um tipo de interferecircncia que eacute extremamente comum no
contato linguiacutestico trata-se da relaccedilatildeo de empreacutestimo na qual natildeo haacute uma total
transferecircncia de todos os elementos Logo percebe-se que eacute comum a
transferecircncia de parte de um sistema ou de traccedilos desse sistema fazendo com
que haja uma ldquocoexistecircncia de fusatildeo de sistemasrdquo
A coexistecircncia ou fusatildeo de sistemas linguiacutesticos pode de acordo com este
estudioso afetar a natureza de um signo linguiacutestico jaacute que esta eacute a combinaccedilatildeo
de uma unidade de expressatildeo e uma de conteuacutedo Neste niacutevel de bilinguismo ou
de interferecircncia de sistemas pode-se entendender que a relaccedilatildeo de significado e
significante natildeo se daacute de maneira uniacutevoca
Diante da complexidade que eacute a transferecircncia linguiacutestica a ilustraccedilatildeo por ele
adotada eacute a de que a interferecircncia eacute como areia carregada por um fluxo de aacutegua
Na liacutengua ela estaacute sedimentada no fundo de um lago E este fenocircmeno se daacute em
todos os niacuteveis da gramaacutetica p 11
Ao tratar dos tipos de interferecircncia nos sistemas foneacuteticos Weinreich afirma que
The problem of phonic interference concerns the manner in which a speaker perceives and reproduces the sounds of one
110
language which might be designated secondary in terms of another to be called primary Interference arises when a bilingual identifies a phoneme of the secondary system with one in the primary system and in reproducing it subjects it to the fonetic rules of the primary language (1953 p 15)61
Neste caso a interferecircncia resulta quando um falante identifica na segunda liacutengua
elementos foneacuteticos presentes na primeira liacutengua Ao reproduzir o segmento o
falante o sujeita agraves regras foneacuteticas da primeira liacutengua a liacutengua matildee
Ao prosseguir Weinreich tambeacutem aponta dois tipos de interferecircncia a partir do
quadro comparatoacuterio entre os sistemas linguiacutesticos do Romansh62 e do
Schweizerdeutsch63 liacutenguas coexistentes no Cantatildeo de Grisons na Suiacuteccedila No
primeiro caso o sistema foneacutetico do Romansh se configura como o sistema
primaacuterio e o Schweizerdeutsch como secundaacuterio No segundo caso os sistemas
satildeo alternados o sistema foneacutetico do Schweizerdeutsch assume o lugar do
sistema primaacuterio e o Romansh o secundaacuterio
61
O problema da interferecircncia foneacutetica consiste na maneira como o falante percebe (reconhece) e reproduz os sons de uma liacutengua que pode ser designado secundaacuterio em outros termos primaacuterio A interferecircncia surge quando um biliacutenguumle identifica um fonema do sistema secundaacuterio com um no sistema primaacuterio e em reproduzi-lo sujeitando-o agraves regras foneacuteticas da primeira liacutengua 62
Eacute uma das quatro liacutenguas nacionais da Suiacuteccedila juntamente com a liacutengua alematilde a liacutengua italiana e a liacutengua francesa Trata-se de uma liacutengua romacircnica do ramo ocidental que se acredita descender do latim vulgar falado pelos romanos que ocuparam a aacuterea na Antiguidade 63
Eacute qualquer um dos dialetos alemacircnicos falados na Suiacuteccedila no Liechtenstein e nas zonas fronteiriccedilas da Aacuteustria
111
Quadro 7 Quadro Comparativo dos Sistemas Foneacuteticos do Romansh e do
Schweizerdeutsch de acordo com Weinreich (1953)
Mais adiante seraacute observada a influecircncia do Latundecirc no Portuguecircs Desta forma
o Portuguecircs mesmo sendo a segunda liacutengua adquirida seraacute visto como o objeto
influenciado do contato linguiacutestico
112
Quando observou o contato entre os dois sistemas linguiacutesticos em voga
Weinreich (idem p 18 e 19) examinou o processo de interferecircncia representado
no segundo sistema fonecircmico Assim ele elencou quatro tipos de interferecircncias i)
subdiferenciaccedilatildeo de fonemas ii) superdiferenciaccedilatildeo de fonemas iii)
reinterpretaccedilatildeo de traccedilos relevantes iv) substituiccedilatildeo de fone atual
A subdiferenciaccedilatildeo de fonemas ocorre quando dois sons de um segundo sistema
cujos correspondentes que natildeo se distinguem no sistema primaacuterio natildeo satildeo bem
definidos Tal confusatildeo eacute evidenciada pela alternacircncia que o falante do Romansh
faz ao pronunciar os segmentos y e i do Schweizerdeutsch ou quando o falante
do Schweizerdeutsch faz ao pronunciar de forma insegura os segmentos i e
O processo de superdiferenciaccedilatildeo envolve a imposiccedilatildeo de distinccedilotildees fonecircmicas
do sistema primaacuterio sobre os sons do sistema secundaacuterio onde eles natildeo satildeo
necessaacuterios O processo pode ser inferido a partir de uma comparaccedilatildeo entre os
sistemas de som em contacto mesmo que nem sempre seja perceptiacutevel No
contanto entre os dois dialetos o vocaacutebulo rsquolada lsquoamplorsquo do Romansh eacute
pronunciado como acutelada no Schwyzertutsch
A reinterpretaccedilatildeo de traccedilos relevantes ocorre quando o falante biliacutengue distingue
fonemas do sistema secundaacuterio cujas caracteriacutesticas que nesse sistema satildeo
meramente concomitante ou redundante mas que satildeo relevantes no seu sistema
principal Por exemplo a palavra do dialeto Romansh [lsquomєsbullɐ] bagunccedila pode
ser interpretada quase como no Schwyzertutsch rsquomesa
Por fim o processo de substituiccedilatildeo de fone atual eacute aplicado aos fonemas que satildeo
definidos de forma idecircntica nos dois idiomas mas que se comportam de froma
113
distintas Na situaccedilatildeo descrita o segmento do Romanche e o do
Schwyzertatsch satildeo ambos definidos como vogais frontais de abertura
maacutexima mas o fonema do sistema Schwyzertfitsch eacute pronunciado mais aberto
Os fonemas b do Romansh e o B do Schwyzertfitsch satildeo ambos definidos por
suas oposiccedilotildees tensa (sem voz) consoante aspirante e nasal homorgacircnica mas
b eacute sempre vozeado B apenas ocasionalmente
Quando ao tratar dos fatores estruturais favorecedores ou inibidores da
interferecircncia foneacutetica o pesquisador em questatildeo afirma que a anaacutelise contrastiva
dos fonemas de duas liacutenguas e a forma como eles satildeo usados produz uma lista
de formas de interferecircncias focircnicas esperada em uma situaccedilatildeo de contato
particular Quando os sons satildeo vistos como parte de um sistema focircnico certos
fatores adicionais emergem favorecendo ou inibindo a reproduccedilatildeo de som
defeituoso (pg 23)
Em continuidade ele afirma que ldquoum fator que elimina certos ruiacutedos na fala em
liacutengua estrangeira eacute a existecircncia de vazios no padratildeo no sistema fonecircmico
primaacuterio em que fonemas estranhos do sistema secundaacuterio podem ser
recuperados (rotulados)rdquo Isso se daacute devido agrave semelhanccedila com o(s) segmento(s)
cujas caracteriacutesticas satildeo mais aproximadas
Sobre a difusatildeo dos fenocircmenos de interferecircncia foneacutetica Weinreich assegura que
no estudo da propagaccedilatildeo de sons oriundos do contato linguiacutestico sobretudo na
influecircncia da liacutengua estrangeira (liacutengua de contato) seria relevante que
investigasse se o resultado de muitos tipos de interferecircncia eacute difundido da mesma
forma ou com igual facilidade
114
Ao citar Sapir ele afirma que
Podemos supor que as variaccedilotildees individuais decorrentes em fronteiras linguiacutesticas tecircm sido gradualmente incorporadas ao desvio foneacutetico de uma liacutengua Isto mostra aliaacutes que um sistema de som que eacute conhecido por ter sido influenciada por um estrangeiro natildeo precisa esperar para representar uma reacuteplica exata do sistema influenciando (1949 p213)64
Para ele um dos motivos que contribuiria para a interferecircncia foneacutetica seria
agravequela desencadeada pelo status
Com base na reduplicaccedilatildeo de som de Weinreich Matra (2009 p 241) descreve
que a produccedilatildeo de segmentos foneacuteticos eacute vulneraacutevel No entanto
A replicaccedilatildeo fonoloacutegica (interferecircncia transferecircncia ou ldquoempreacutestimordquo) pode afetar qualquer niacutevel da estrutura de som a articulaccedilatildeo de fonemas individuais ou fonemas dentro das palavras o comprimento e a geminaccedilatildeo acento e tom prosoacutedia e entonaccedilatildeo Em fonologia os empreacutestimos foram muitas vezes considerados como estrateacutegias para preencher as chamadas lacunas estruturais no sistema destinataacuterio65
Matras ainda defende que a mudanccedila induzida pelo contato fonoloacutegico eacute o
resultado da incapacidade ou da relutacircncia dos falantes para manter a separaccedilatildeo
completa e consistente entre os sistemas fonoloacutegicos de duas liacutenguas Ele cita
como exemplo o fato de os falantes da liacutengua receptora lidarem com a pronuacutencia
de termos da liacutengua de origem66
64
We may suppose that individual variations arising at linguistic borderlands - whether by the unconscious suggestive influence of foreign speech or the actual transfer of foreign sounds into the speech of bilingual individuals - have been gradually incorporate into the phonetic drift of a language This shows incidentally that a sound system which is known to have been influenced by a foreign one need not be expected to represent an exact replica of the influencing system 66
Isso ocorre mais frequentemente quando uma palavra estrangeira eacute introduzida na liacutengua de
destino por apenas um pequeno grupo de biliacutengues ou semibiliacutengues e se espalha por toda fala da comunidade inclusive para os monoliacutengues natildeo estatildeo familiarizados com os sons originais da
115
Quando emprestado de uma liacutengua doadora um vocaacutebulo natildeo acarretaraacute
necessariamente em mudanccedila no sistema fonoloacutegico da liacutengua receptora O que
ocorre como jaacute fora colocado aqui eacute o processo de acomodaccedilatildeo fonoloacutegica O
vocaacutebulo emprestado passa a ser pronunciado com os segmentos foneacuteticos da
liacutengua receptora
Todavia Matra (2009 p 222-223) chama a atenccedilatildeo para um segundo tipo de
processo em que ldquoos sons que aparecem nos vocaacutebulos emprestados que satildeo
normalmente ausentes do sistema da liacutengua destinataacuteria podem ser replicados
juntamente com o proacuteprio vocaacutebulordquo fazendo com que haja um enriquecimento no
inventaacuterio foneacutetico na liacutengua receptora 67
Segundo o autor este tipo de processo ocorre com normalidade em situaccedilotildees
em que o bilinguismo eacute muito generalizado Logo ldquomembros biliacutengues de uma
comunidade que estatildeo cientes da forma original da pronuacutencia da liacutengua doadora
fazem um esforccedilo para autenticar o vocaacutebulo emprestado replicando sua forma
originalrdquo
Em continuidade ele afirma que
Uma vez que a liacutengua doadora goza de alguma forma de prestiacutegio muitas vezes devido a associaccedilotildees com comeacutercio tecnologia conhecimento e outros tipos de inovaccedilatildeo ou de poder a replicaccedilatildeo de pronuacutencias originais da liacutengua doadora satildeo imitadas por muitos monoliacutengues (natildeo falantes da liacutengua doadora) como tal levando agrave propagaccedilatildeo dentro da liacutengua destinataacuteria dos novos fonemas nos vocaacutebulos emprestados que satildeo relevantes Isso comprova o respeito dos falantes para a linguagem dos doadores e agrave sua flexibilidade no uso de sua liacutengua materna (a liacutengua do destinataacuterio) indicando que os
liacutengua doadora Em tais situaccedilotildees haacute uma forte lealdade para com a liacutengua de destino e geralmente apenas com superficial conhecimento com a liacutengua de origem (p 242) 67
Como exemplo eacute citado o caso da africada dʒ que em situaccedilatildeo de empreacutestimo pode ser
pronunciada como tʃ em palavras que oriundas do inglecircs
116
falantes se contentam em atribuir fonologicamente autenticidade agrave replicaccedilatildeo de empreacutestimos lexicais prioritaacuterios maiores do que para a preservaccedilatildeo das estruturas fonoloacutegicas coerentes de sua liacutengua nativa (idem p 224)
Em uma situaccedilatildeo onde o bilinguismo eacute estabelecido e prolongado os falantes (na
maioria de uma liacutengua minoritaacuteria como o caso dos Latundecirc) podem ajustar o
inventaacuterio de sons e as regras que regem a sua distribuiccedilatildeo para coincidir com as
do outro
Matras (2009 p 225) atraveacutes de um quadro descreve os quatro tipos de
mudanccedilas fonoloacutegicas oriundas do contato linguiacutestico com base nos perfis dos
falantes linguagem e atitudes
Quadro 8 Tipos de processos que conduzem a mudanccedila fonoloacutegica induzida por contato
117
Com base no quadro anterior depreende-se que
i) O tipo A eacute diferente na medida em que natildeo envolve nenhuma mudanccedila no
sistema fonoloacutegico mas apenas uma mudanccedila de palavras individuais
enquanto os tipos B-D todas envolvem algum grau de modificaccedilatildeo para o
sistema tal como utilizado por colunas numa base regular No entanto
existem semelhanccedilas entre os tipos de aspectos individuais
ii) Os tipos A e B satildeo semelhantes e giram em torno de palavras emprestadas
individualmente
iii) Os tipos A e C satildeo semelhantes em que ambos envolvem a transferecircncia
de recursos de liacutengua nativa para material diferente
iv) Os tipos B e D satildeo semelhantes em que ambos envolvem a adoccedilatildeo de
padrotildees sonoros estrangeiros e sua integraccedilatildeo na liacutengua nativa
v) Os tipos C e D mostram como mencionado acima o fato de que os
falantes tentam evitar que para selecionar os sons de dois conjuntos
distintos de inventaacuterio e ateacute generalize apenas um conjunto de sons para
serem usadas em ambas as liacutenguas isto eacute em toda a interaccedilatildeo contextos
Os falantes do portuguecircs falado por Latundecirc se estendem em duas direccedilotildees Em
tipos A e C onde os falantes reinterpretam os sons dos vocaacutebulos emprestados
da liacutengua doadora alinhando-os aos padrotildees e inventaacuterio da liacutengua receptora
(nativa) No tipo D os falantes modificam os segmentos foneacuteticos com base no
inventaacuterio externo A aplicaccedilatildeo de uma determinada regra fonoloacutegica pode
resultar na perda ou em ganho de fonemas p226
118
O contato linguiacutestico pode ser representado ainda como um contiacutenuo Nele
ocorrem forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas que dinamizam os sistemas linguiacutesticos
Para Matras idem p 226 fatores como normas sociais lealdade e consciecircncia
de identidade podem interferir e ateacute mesmo neutralizar os fenocircmenos advindos do
contato O empreacutestimo sofreria portanto estas pressotildees
Figura 12 Ligaccedilotildees entre a intensidade do bilinguismo o tipo de processo de acomodaccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo entre os sistemas fonoloacutegicos
Quanto menor for o bilinguismo maior seraacute a separaccedilatildeo de sistemas Por outro
lado quanto mais intenso for o bilinguismo maior seraacute a convergecircncia de
sistemas fonoloacutegicos
No que concerne agrave integraccedilatildeo fonoloacutegica Matras (2009 p 227) explica que a
substituiccedilatildeo de fonemas eacute uma das formas mais comuns posto que este
processo permite uma aproximaccedilatildeo de caracteriacutesticas entre o sistema interno e
externo Dessa forma a substituiccedilatildeo eacute mais comum uma vez que os fonemas
satildeo combinaccedilotildees de recursos articulatoacuterios e as caracteriacutesticas em comum satildeo
mantidas em detrimento agraves complexidades dos fonemas que natildeo compartilham de
traccedilos em comum
119
Ele tambeacutem chama a atenccedilatildeo para a estrutura silaacutebica dos sistemas fonoloacutegicos
que entram em contato afirmando que ldquoos estrangeirismos podem acomodar a
siacutelaba e a estrutura do acentordquo (idem p 228)
A aplicaccedilatildeo de regras sobre a distribuiccedilatildeo de fonemas oriundos do empreacutestimo
pode resultar na perda de um traccedilo ou de um fonema A integraccedilatildeo de fonemas
tambeacutem pode levar agrave omissatildeo de outros fonemas que natildeo fazem parte o
inventaacuterio fonoloacutegico da liacutengua receptora E a omissatildeo de certas caracteriacutesticas
durante a replicaccedilatildeo de fonemas pode ser prejudicial para o sistema como um
todo e isso pode resultar em uma reduccedilatildeo de pares miacutenimos
Sobre a convergecircncia dos sistemas fonoloacutegicos Matras (2009 p 229) assegura
que um fator que retarda o processo de substituiccedilatildeo de som eacute a presenccedila de
vaacuterios pares de vocaacutebulos que contam com o contraste Neste caso a
convergecircncia aumenta as semelhanccedilas entre os inventaacuterios fonoloacutegicos das duas
liacutenguas E a replicaccedilatildeo da variaccedilatildeo alofocircnica eacute uma via comum para a
convergecircncia
Quanto aos segmentos foneacuteticos ainda de acordo com o pesquisador em
questatildeo as consoantes satildeo as mais introduzidas nos estrangeirismos Uma vez
que nas liacutenguas do mundo o nuacutemero de segmentos consonantais eacute maior que o
das vogais Logo os vocaacutebulos emprestados satildeo mais propensos a introduzir
mais consoantes que vogais
No caso Portuguecircs falado por Latundecirc tal assertiva em parte se configura A
anaacutelise dos dados prova que satildeo as consoantes as mais favoraacuteveis para a
realizaccedilatildeo dos processos foneacuteticos Todavia o nuacutemero de consoantes nessa
120
liacutengua eacute menor que o de vogais conforme descriccedilatildeo de Telles 2002 a qual
veremos na proacutexima seccedilatildeo
Van Coetsem (1988 p7) tambeacutem aborda os processos e comportamentos
oriundos do contato linguiacutestico68 E para que este contato seja estabelecido eacute
necessaacuterio que se tenha uma liacutengua de origem (SL) e uma liacutengua destinataacuteria
(RL)
Figura 13 Correspondecircncia entre liacutenguas e contato linguiacutestico
Embora o modelo de Van Coetesem seja universal e demonstre que na maioria
dos contatos linguiacutesticos a liacutengua de origem seja uma liacutengua dominante
ressaltamos que neste trabalho a liacutengua de origem (SL) eacute a liacutengua minoritaacuteria o
Latundecirc E o substrato analisado eacute uma modalidade de portuguecircs falado pelos
Latundecirc
Em continuidade este estudioso afirma que
Um empreacutestimo fonoloacutegico eacute uma imitaccedilatildeo uma reacuteplica ou uma reproduccedilatildeo na liacutengua recipiente (RL) de um elemento estrangeiro ou uma pronuacutencia da liacutengua de origem (SL) Esse tipo de imitaccedilatildeo eacute muitas vezes apenas uma aproximaccedilatildeo Para o imitador a imitaccedilatildeo implica o uso de algo que ele natildeo tem na sua proacutepria liacutengua Um empreacutestimo fonoloacutegico como uma imitaccedilatildeo eacute portanto algo que o falante imitador da RL natildeo tem em sua fonologia integrada ou nativa ou seja algo
68
Para Van Coetsen o termo ldquoempreacutestimo fonoloacutegicordquo indica qualquer forma de empreacutestimo no acircmbito da fonologia segmentar ou suprassegmental independentemente se isto afeta a dimensatildeo paradigmaacutetica a dimensatildeo sintagmaacutetica ou ambas (p7)
121
fonoloacutegico ou subfonoloacutegico que deriva de seu sistema fonoloacutegico nativo (Idem p 8)69
A intenccedilatildeo do falante ao fazer uso do segmento emprestado eacute reproduzi-lo da
melhor forma possiacutevel Ao fazer isso ele obedece agraves consideraccedilotildees sociais O
proacuteprio fato de que o segmento natildeo esteja inserido em seu proacuteprio sistema faz
com que na pressatildeo de se adaptar a diferentes pronuacutencias ele (o falante) procure
o equivalente mais proacuteximo em seu sistema
Para que isso ocorra ldquoo falante faz uso de dois processos a imitaccedilatildeo e a
adaptaccedilatildeo p 9rdquo Ambos pressupotildeem a existecircncia de um conjunto organizado de
segmentos fonoloacutegicos e distribuiccedilatildeo de unidades inseridas pelo falante da liacutengua
recipiente por um lado e por outro o confronto das pronuacutencias estrangeiras com
que o falante tem que lidar
Aleacutem dos processos de imitaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo Van Coetesem tambeacutem utiliza a
noccedilatildeo de integraccedilatildeo ldquoque eacute a incorporaccedilatildeo de elementos em uma dada liacutengua
advindos de outra(s) liacutengua(s)rdquo A imitaccedilatildeo seria portanto o preacute-requisito para a
integraccedilatildeo No caso do portuguecircs falado pelos Latundecirc natildeo haacute indiacutecios de
integraccedilatildeo de fonemas especiacuteficos da sua liacutengua de origem
Para que ocorra o processo de imitaccedilatildeo eacute necessaacuterio que haja uma agentividade
que eacute um tipo especiacutefico de transferecircncia onde o falante de uma dada liacutengua eacute
ativo e o outro passivo O inverso tambeacutem pode ocorrer
69
A phonological loan is an imitation replication or reproduction in the RL of a foreign or SL
pronunciation such an imitation is often only an approximation For the imitator imitation implies the use of something that he does not (yet) have of his own A phonological loan as an imitation is thus something that the imitating RL speaker does not have in his integrated or native phonology something phonemic or subphonemic that deviates from his native phonological system
122
Figura 14 Agentividade da Liacutengua Recipiente de acordo Van Coetsem 1988 p10
Na agentividade da liacutengua recipiente (RL)70 o segmento dominante na relaccedilatildeo
entre a liacutengua recipiente e a liacutengua de origem71 eacute o da liacutengua recipiente Logo o
domiacutenio linguiacutestico seraacute o da liacutengua recipiente
Figura 15 Agentividade da Liacutengua de Origem de acordo Van Coetsem (1988 p11)
Na agentividade da liacutengua de origem (SL) o segmento dominante na relaccedilatildeo
entre a liacutengua recipiente e a liacutengua de origem eacute o da liacutengua de origem Sendo
assim o domiacutenio linguiacutestico seraacute o da liacutengua de origem
Tomando como referencial os modelos apresentados podemos estabelecer um
contiacutenuo cronoloacutegico para compreender como se daacute a agentividade sobre o
contado do Portuguecircs com o Latundecirc
70
No caso em questatildeo a modalidade do portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute a liacutengua recipiente 71
Consequentemente a liacutengua de origem (SL) eacute o Latundecirc
123
Figura 16 Relaccedilatildeo de agentividade entre o Portuguecircs e o Latundecirc
Historicamente devido aos fatores socioeconocircmicos o contato inicial se daacute entre
o Portuguecircs influenciando o Latundecirc Aquele como liacutengua majoritaacuteria e este como
minoritaacuteria
O Latundecirc por ser a liacutengua do povo dominado eacute submetido agraves interferecircncias da
liacutengua de domiacutenio Deste contato resulta uma modalidade especiacutefica do
Portuguecircs que eacute o falado por Latundecirc
Em suma podemos afirmar que embora seja o Portuguecircs a liacutengua dominante e
que inicialmente seja ele o agente sobre o Latundecirc a posteriori fora o Latundecirc o
agente pelas transformaccedilotildees ocorrentes no Portuguecircs de contato Posto dessa
forma a agentividade se daacute em ambos os contextos a partir do referencial que se
tenha uma vez que o Portuguecircs e o Latundecirc tanto influenciaram como foram
influenciados Mas vale ressalvar que para este recorte o Portuguecircs eacute a liacutengua
que sofre influecircncia Eacute este o fio condutor da nossa pesquisa
Portuguecircs Latundecirc Portuguecircs falado por Latundecirc
124
53 FONOLOGIA DO LATUNDEcirc
Para uma melhor compreensatildeo futura passaremos agora a descrever os
sistemas fonoloacutegicos das liacutenguas em estudo
Elencamos abaixo as principais caracteriacutesticas fonoloacutegicas do Latundecirc
Eacute uma liacutengua com maior quantidade de elementos vocaacutelicos (dezesseis)
em detrimento aos consonantais (onze) Eacute uma liacutengua vocaacutelica portanto
Apresenta dez vogais orais e seis nasais Dessas oito satildeo laringais72
As vogais nasais satildeo contrativas apenas na posiccedilatildeo do acento
Os glides w j quando em posiccedilatildeo de onset sofrem o processo de
consonantizaccedilatildeo
Apresenta seis tipos de siacutelabas fonoloacutegicas que satildeo derivadas da extensatildeo
(C)V(C)(C) V VC VCC VC CVC e CVCC
O nuacutecleo silaacutebico eacute sempre preenchido por uma vogal
Dos segmentos consonantais apenas a oclusiva glotal ʔ natildeo eacute observada
em posiccedilatildeo de onset
A coda pode ter desdobramento ramificado sendo a primeira posiccedilatildeo
preenchida sempre por um glide
Os padrotildees silaacutebicos VC e CVC satildeo os mais frequentes e ocorrem tanto
em siacutelaba tocircnica como aacutetona
Tem uma forte tendecircncia agrave monotongaccedilatildeo
O sistema acentual eacute misto que associa o acento lexical ao acento foneacutetico
72
Telles explica que as mais novas geraccedilotildees Latundecirc abaixo de 20 anos realizam o traccedilo laringal com menor frequecircncia e audibilidade
125
O acento eacute realizado foneticamente como tom (pitch) alto
Eacute uma liacutengua de caracteriacutestica de liacutenguas pitch accent
Apresenta processos fonoloacutegicos em niacutevel poacutes-lexical fundamentalmente
Estes processos satildeo agrupados em assimilaccedilatildeo (harmonia vocaacutelica e
vozeamento das oclusivas) dissimilaccedilatildeo reduccedilatildeo apagamento silaacutebico e
epecircntese
Quadro 9 Fonemas consonantais do Latundecirc
Fonemas Consonantais
Labiais Coronais Dorsal Glotais
+ anterior - anterior + anterior - anterior - anterior - anterior
Plosivas p t k
Nasais m n
Fricativas s h
Lateral l
Glide w j
Quadro 10 Fonemas vocaacutelicos do Latundecirc
Fonemas Vocaacutelicos
Vogais Vogais Laringais
Altas i u i u
Altas Nasais ĩ ũ i u
Meacutedias e o e o
Baixa a a
Baixa Nasal a a
126
Quadro 11 Ditongos do Latundecirc
Ditongos
Crescentes Decrescentes
w j w J
i wi iw
e e we we je je ej e j
a a a a wa wa ja ja ja aw a w a w aj a j atildej
o o wo jo ow
u u u ju ju ju
Quadro 12 Descriccedilatildeo dos fonemas consonantais (Retirada de Telles 2002)
Segmento - Descriccedilatildeo - Contexto de realizaccedilatildeo e especificidades
Exemplos
Traduccedilatildeo
p73 - Oclusiva bilabial surda
Eacute de extrema limitaccedilatildeo de realizaccedilatildeo na liacutengua
Ocorre em posiccedilatildeo de onset formando
siacutelabas com as vogais i a atilde o u
Pode se realizar como [p] oclusiva bilabial surda [b] oclusiva bilabial
sonora [ɓ] oclusiva bilabial sonora
implosiva
Em iniacutecio de palavras realiza-se [p]
diante da vogal coronal [i] e [b ɓ] e
diante da vogal baixa [a]
Em meio de palavra ou enunciado quando precedido por oclusiva glotal realiza-se [p]
[pite]
piʔ-te
[ιɓ
pan-tatilden
[diʔpa natildenʌ]
jaliʔ pan-tatilden-ta
[kotildebayte] ~ [kotildebayte]
kownpayt-te
[sabagnĩde]
Espeacutecie de paacutessaro chupito Satildeo dois Satildeo dois colares Tatu espeacutecie de
73
Outros estudos com liacutenguas proacuteximas tambeacutem indicam a baixa frequecircncia da realizaccedilatildeo do p
nas liacutenguas desse grupo Kingston 1970 para o Mamaindecirc e Lowe 1961 para o Nambikwaacutera do sul (Galera Kabixi Munduacuteka Nambikwaacutera do Campo)
127
Em meio de palavras ou enunciados em ambiente intervocaacutelico ou nasal adjacente realiza-se [b]
sapan-kinĩn-te
[tʃabatildeʔginĩde]
sapatilden-kin-te
Pente Taioba
m - Nasal labial + anterior
Oclusiva bilabial nasal com distribuiccedilatildeo mais larga do que a do p
Apresenta ocorrecircncia restrita quanto comparada agrave nasal alveolar n
Realiza-se [m]
Ocorre em iniacutecio de siacutelaba diante das
vogais i i i i a a a u u u u
Natildeo forma siacutelaba com as vogais
meacutedias frontais e e e com as
posteriores o o
Apoacutes pausa e seguida de a pode se realizar como oclusiva bilabial nasal
preacute-glotalizada - [ ʔm ]
[ miɾatildenʌ]
mih-tatilden-ta
[katilde ɾatildenʌ]
kami h-tatilden-ta
[ a ĩ de]
e ĩn-te
[ e ĩ de]
e ĩ -te]
[ ma hɾatilden]
mah-tatilden
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[ka a ʔɾatildenʌ]
ka- a -tatilde-ta
[ datildena]
n-tatilden-ta
[tumuʔku ɾe]
tumuʔku-te
Estaacute chovendo Aacutegua estaacute suja Cobra espeacutecie de Couro Ele estaacute esperando Roupa Estaacute molhado Estaacute bonito Jacu
128
Em fronteira de morfema precedido pela fricativa glotal h teraacute a sua realizaccedilatildeo ensurdecida
[ a datildenʌ]
a n-tatilden-ta
[ʔ atilde ɳ datilden]~[ a n datilden]
atilden-tatilden
[ʔ atildeʔ n datilden] ~
[ atildeʔ ndatilden]
atilden- n-tatilden
[n h atildega tna ]
n - atilden-ka -tatilden-na
Estaacute inchado Estaacute queimando Vocecirc estaacute mandando Eacute nossa roupa
w - Glide labial - anterior
Glide laacutebio-velar sonoro
Ocupa as posiccedilotildees de onset e coda
Apresenta leve arredondamento nos laacutebios
Eacute o segmento mais frequente das labiais
Realiza-se como [w] em iniacutecio de
siacutelaba diante das vogais i e e a a o
tambeacutem podendo variar com [ʋ]
fricativa laacutebio-dental que eacute realizada com fraco grau de fricccedilatildeo
[ wi rsquoɾatilden] ~ [ ʋi ɾatilden]
wi -tatilden
[woda h de] ~ [ʋoda h de]
wotah-te
[na weʔrsquoa jrsquoɾe] ~ [na ʋeʔajrsquoɾe ]
na jn-weʔa jh-te
[ kowajna tatildenʌ]~ [koʋajna tatildenʌ]
hah-wa jn-ta-tatilden-ta
[daweʔgɾatilde ni]
taweʔ-ka-tatilden-ti
[ we jginĩdatildena]
we jn-kinĩn-tatilden-ta
[ wajkinĩ de]
wajʔ-kinĩn-te
Ele comeu Pomba Eacute para colocar na cabeccedila Satildeo poucos laacutepis Ele cozinhou Eacute fruto da bacaba
129
Em dissiacutelabos no onset de siacutelaba preacute-tocircnica aberta seguido de vogal a central baixa pode ocorrer a fusatildeo entre o w e a vogal a realizando-se como [ͻ o u]74
Na sequecircncia w + a o a pode sofrer harmonia vocaacutelica recebendo o ponto de articulaccedilatildeo da vogal acentuada sendo realizada [e]
Quando em final de siacutelaba segue as
vogais i o a a
E depois das vogais io pode alongar-se
Se a vogal precedente for a baixa a
a ocorreraacute a fusatildeo resultando as
posteriores ͻ ͻ
Quando em siacutelaba em siacutelaba
acentuada ͻ ͻ podem ser alongados
ou seguido de oclusatildeo glotal [ʔ] ou
ocorrer uma assimilaccedilatildeo regressiva
das baixas aa passando a [ͻ ͻ ]
Quanto agrave frequecircncia w se mais
ocorrente depois da vogal baixa a a
e baixiacutessima ocorrecircncia depois da vogal i o
Ao integrar uma siacutelaba (C)v wN onde a
vogal eacute nasalizada o glide pode ser nasalizado ou coalescer com a consoante nasal na coda
Em posiccedilatildeo de onset e pronunciada rapidamente eacute fortificada podendo ser realizada como [p] e [m]75
[ wa jkinĩ de]
wa jh-kinĩn-te
[waɾaɾwaɾaʔĩ datildenʌ] ~
[wͻɾaʔwͻɾaʔĩ datildenʌ] ~
[ͻɾaʔͻɾaʔĩ datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[weli nde] ~ [uli n de]
wa ĩn-te
[weɾe ɾatildena] ~ [ ɾe ɾatildena] ~
[ rsquoɾe ɾa na]
wateh-tatilden-ta
[giw ladaɾe] ~ [gi la de]
kiwlah-tah-te
[kowa ɾe] ~ [koa ɾe]
kowah-te
[a wde] ~ [ ͻ de] ~ [ ͻ ʔde]
a w-te
[aw de] ~ [ͻ de] ~ [ͻʔ de]
awh-te
[na w du] ~ [nͻ du] ~ [nͻ w du]
na wh-tu
[a wm datilden] ~ [atilde w m datilden] ~
Amendoim Fruto do accedilaiacute Estaacute fino Tamanduaacute Estaacute sumido Cascavel Andorinha Flexa Gaviatildeo
74
Conforme Telles (2002 p 42) Estas alofonias variam de acordo com a qualidade da vogal
tocircnica da siacutelaba seguinte com a qual sua vogal aacutetona nuclear se harmoniza 75
Tal ocorrecircncia eacute mais frequentemente constatada em falantes monoliacutengues em Latundecirc
130
[atilde m datilden]
atilde wn-tatilden
[woloʔʔnatildenʌ] ~ [polo ʔnatildenʌ]
walon-tatilde-ta
[wʌnaʔkinĩ de] ~ [mʌnaʔkinĩ de]
~ [wanaʔkinĩ de]
wanaʔ-kinĩn-te
[wo nut ʔna ] ~ [mo nut ʔna ]
wo nuʔ-tatilden-na
[wʌ na jginĩ datildenʌ] ~
[mana jginĩ datildenʌ] ~
wa -na jn-kin-tatilden-ta
[wa ʃi de] ~ [maʔ ʃi de]
wa-sin-te
Lontra Estaacute assando no burralho Estaacute podre Castanha do caju Eacute corpo inteiro Eacute tua cabeccedila Espeacutecie de abelha
t - Plosiva coronal + anterior
Oclusiva alveolar surda
Ocorre com as vogais ie e a
a atilde o o u ũ
t realiza-se [d] em siacutelaba acentuada podendo ainda variar em posiccedilatildeo medial como [|]
Em iniacutecio de palavra o alofone [d] pode ser realizado como preacute-
[diko lo n de]
tiʔ-ko lo n-te
[ de he ɾaɾe]
te h-tah-te
Paacutessaro pintado espeacutecie de paacutessaro Ele cozinhou
131
glotalizado realizando-se como
[ɗ]
Em fala lenta pode ser realizado como [d]
Em contexto fora do acento ocorre [t] com raros exemplos de variaccedilatildeo entre os alofones [d] e [t]
[ de geɾatilden]
te h-ka-tatilden
[daʔjͻ ratildena]
ta-jaw-tatilden-ta
[da jginĩ de]
ta jn-kinĩn-te
[ doɾatilden] ~ [d ɾatilden]
toh-tatilden
[do h gratilden]
to h-ka-tatilden
[du ɾatilden]
tu-tatilden
[d hdatilden]
tu-tatilden
[kͻdͻ ɾe]
kataw-te
[kado ndatildenʌ]
katon-tatilden-ta
[teda de]
teta-te
[toʔdatilde n de]
toʔtatilden-te
[tigi ɾe]
tikih-te
Sucuri Ele estaacute sentado Pedra Ele morreu Ele procurou Ele pegou Ele chupou Patuaacute Estaacute cru Jaoacute Nambu
132
As possibilidades alofocircnicas de t entre segmentos depende do acento e do contexto adjacente Estas duas condiccedilotildees definem as alofonias76
Precedido de vogal em ambiente
intervocaacutelico realiza-se [tdɾ]
sendo [d] o preferencial
Quando t eacute precedido por h
realiza-se como [tdɾ] A
presenccedila da fricativa favorece o rotacismo de t tornando-o em
[ɾ]
Quando t eacute precedido de ʔ ou
de t a realizaccedilatildeo pode ser [t] mas [d] pode permanecer em raros casos
Em contexto de nasalizaccedilatildeo trecircs realizaccedilotildees satildeo possiacuteveis para t i) vozeamento da oclusiva alveolar ii) preacute-nasalizaccedilatildeo da oclusiva alveolar em iniacutecio de siacutelaba tocircnica e iii) assimilaccedilatildeo total da nasal adjacente
[tabawdnͻde]
tapawn-naw-te
[tala de] ~ [dala de]
tala-te
[tolowm datilde ]
talown-tatilden
[lodo ɾa ɾe] ~ [lo to ɾa ɾe] ~
[loto ɾa ɾe]
loto-tah-te
[doʔ daj de] ~ [toʔ ɾaj de]
to-tajn-te
[nu h ɾe] ~ [ nu h de]
nu h-te
[lo hrsquoɾe] ~ [lo h de] ~
[lo h te]
loh-te
[hu te] ~ [hu de]
huʔ-te
[keja te] ~ [kejaʔ te]
kejat-te
[ĩ datildena] ~ [i ndatildena] ~ [i natildena]
Macaco pequeno Ombro Tipoia Ele terminou Rato grande Abelha vermelha Lagarto grande Urubu
76
Dessas alofonias o flap [ɾ] tem sua ocorrecircncia ligada ao acento
133
Em siacutelaba natildeo acentuada t pode sofrer fricatizaccedilatildeo passando a se realizar como [s]
ou [ts] ou [ʔs]
Ainda neste contexto permanecem possiacuteveis as realizaccedilotildees [t] e [d] se o t sofrer fricatizaccedilatildeo a aspiraccedilatildeo glotal precedente do h natildeo se realiza
Em travamento silaacutebico t realiza-se de preferecircncia como
ʔ Pode ser deletado
ocasionando o prolongamento da vogal tautossilaacutebico
in-tatilden-ta
[katilde datildena] ~ [katilde ndatildena] ~
[katilde natildena]
katilden-tatilden-ta]
[kejaʔ n da ɾe] ~ [kejaʔ na e]
kejan-tah-te
[losa na ʔ] ~ [lostsa na ʔ] ~
[lo ʔ sa na ʔ] ~ [lo h ta na ʔ]
loh-ta-na
[kejate] ~ [kejaʔte]
kejat-te
[kejaʔtiʔjoho]
kejat-ti-jo-ho
[lote] ~ [loʔte]
lot-te
[acute tʃjͻna ]
lot-ti-jaw-na
Arco Milho Estaacute apimentado Estaacute duro Lambari grande Eacute urubu Milho Talvez seja milho Paca A paca estava aiacute
134
n - Nasal coronal - anterior
Oclusiva alveolar nasal
Suas alofonias satildeo condicionadas pelo contexto adjacente agrave sua posiccedilatildeo de ocorrecircncia e agrave estrutura silaacutebica
Em onset realiza-se como [n] com as
vogais i i ĩ ĩ a a atilde atilde u u ũ ũ
Tambeacutem pode apresentar flutuaccedilatildeo em
onset realizando-se [ʔn]77 alveolar
nasal preacute-glotalizada com preferecircncia quando seguido por a
Em posiccedilatildeo de onset e em fronteira de morfema dependendo do seguimento seguinte sofreraacute alteraccedilatildeo
Quando precedido por h sofreraacute ensurdecimento
Quando precedido por outro n na coda silaacutebica precedente poderaacute ser
preacute-glotalizada [ʔn]
[ni du]
ni-tu
[ni ʔkinĩnatildena]
ni ʔ-kinĩn-tatilden-ta
[nagatilde de]
nakatilden-te
[katildena ratilden]
kana h-tatilden
[natildejd ]
natildejn-tu]
[ʔnatilde natilde ʌ]
natilde n-tatilden-ta
[nu h e]
nuʔ-te
[lsquon h ɾe]
nu h-te
[n n de]
n n-te
[n h n atildega tatildena]
Tipo de lenha Eacute fruto Lagarto Estaacute escuro Pacu Estaacute chorando Braccedilo Lagarto Espeacutecie de Bicho
77
Tal qual ocorre com m a glotalizaccedilatildeo de n deve-se em alguns casos aacute reduccedilatildeo da siacutelaba
inicial da palavra
135
Em posiccedilatildeo de coda de siacutelaba acentuada gera processo de assimilaccedilatildeo de dissimilaccedilatildeo e de elisatildeo resultando numa seacuterie de alofonias
Ainda em siacutelaba acentuada se a vogal tautossilaacutebica for oral e entre a coda nasal existir um glide labial-velar constituindo uma siacutelaba com ditongos awn own n se realiza como [m] preferencialmente
w e n em posiccedilatildeo de coda pode sofrer coalescecircncia realizando-se como [m] ou [n]
Se o glide ocupante da primeira posiccedilatildeo da coda for j ou se a siacutelaba tiver a coda preenchida pela nasal n a realizaccedilatildeo desta nasal seraacute [n]
Os glides que seguem a vogal na primeira posiccedilatildeo de coda podem
n -natilden-kah-tatilden-ta
[udʔna]
un-na
[iwm de]
iwn-te
[tʌlawm natildenʌ] ~ [tʌlaw natildenʌ]
talawn-tatilden-ta
[wawm datildenʌ] ~ [wͻwm datildenʌ]
wawn-tatilden-ta
[tolowm datildenʌ]
talown-tatilden-ta
[jatildew de] ~ [iɲatildew de] ~
[jatilde de]
jatildewn-te
[a wm datilden] ~ [atilde m datilden]
atilde wn-tatilden
[iʃɛʔ ɾʌ m datilden]
isaj-tatildewn-tatilden
[toʔkotilde datilden] ~ [t ʔkʌ datilden]
toʔkatildewn-tatilden
Eacute nosso Estaacute vivo Larva Estaacute grosso Estaacute vermelho Estaacute pronto Larva Estaacute assando no burralho
136
assimilar a nasalidade da consoante precedente 78
Se a vogal for nasal na maioria das ocorrecircncias a consoante nasal na coda seraacute apagada deixando seu tempo na vogal precedente e na consoante seguinte
Quando a coda nasal n segue ditongo formado por vogal nasal subjacente mais glide palatal j n em posiccedilatildeo de coda pode espalhar nasalidade regressiva para o glide precedente e pode ser apagada
Quando em coda nasal iraacute participar de outros processos fonoloacutegicos aleacutem da vogal precedente
Na posiccedilatildeo de siacutelaba acentuada em meio de palavra seguida por k n promove a sonorizaccedilatildeo de k e passa
a se realizar como [ʔ] oclusiva glotal
[kotilde baj te] ~ [kotildebay te]
kownpajt-te
[a ʔ n de] ~ [a n de]
a n-te
[je n datilden]
je n-tatilden
[i n datilde na ]
in-tatilden-na
[ hej ndatilden] ~ [ hej n datilden]
hejn-tatilden]
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
[ atildendatilden]
atilden-tatilden
[ atilde n datilden]
atilden tatilden]
[ mɔ de] ~ [ de]
n-te
[n n de]
n n-te
Eles estatildeo correndo Ele misturou Tatu Tatu galinha Estaacute sujo Ele estaacute mamando Ele lavou Pacu Ele atirou
78
Para uma descriccedilatildeo mais detalhada sobre o comportamento de n e os glides ver a tese de
Telles 2002 55-57
137
Ainda quanto ao contexto semelhantemente descrito acima n for seguida por uma oclusiva surda homorgacircnica t poderaacute ocorrer processos que possibilitem uma alofonia em variaccedilatildeo livre
n sonoriza t
n sofre desnasalizaccedilatildeo
Quando n sonoriza a consoante seguinte ocorre a elisatildeo podendo ocorrer ou natildeo o alongamento compensatoacuterio da vogal precedente ou a preacute-nasalizaccedilatildeo da consoante seguinte
Quando n sofre elisatildeo alonga a vogal precedente e a consoante seguinte se assimila progressivamente com o traccedilo nasal passando a se realizar como [n]
n se vocaliza e recebe os traccedilos da vogal central e realiza-se nasal
Se n for seguida em coda por uma consoante nasal idecircntica ocupando a posiccedilatildeo do onset da siacutelaba seguinte poderaacute haver duas possibilidades de comportamento da coda nasal dependendo de ser a sua vogal tautossilaacutebica assimilar ou natildeo
Se a vogal precedente for nasal a coda sofreraacute elisatildeo e a vogal se alongaraacute
Se a vogal central for oral a consoante nasal da coda que precede a nasal idecircntica no onset da siacutelaba seguinte sofreraacute dissimilaccedilatildeo do traccedilo nasal79
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
[ku ʔginĩ de]
ku n-kinĩn-te
[ dega tatilden]
te n-kaloh-tatilden
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[ ku ndatildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[ ku ddatildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[ ku n datildenʌ] ~ [ ku datildenʌ]
ku n-tatilde-ta
[ ku natildenʌ]
ku n-tatilden-ta
Estaacute branco Bom-dia espeacutecie de aacutervore Bicho Pacu Rolo de fio de algodatildeo Roupa velha Roupa Estaacute fumando
79
A liacutengua Latundecirc eacute caracterizada pelo OCP (Princiacutepio do Contorno Obrigatoacuterio)
138
[ku datildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[katilde na ]
katilden-na
[lidnu ɾe]
lin-nu-te
[lid na j ɾe]
lin-na jh-te
Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute duro Beiju de mandioca Raiz de mandioca
s - Fricativa alveolar surda
Fricativacoronal+ anterior forma siacutelaba
com as vogais i ĩ e a a atilde o uu ũ
Realiza-se como [s] [ʃ] [tʃ] [ʔs]
Em menor frequecircncia pode ser realizada como [t] e [t h]
Em siacutelaba acentuada em iniacutecio de palavras a fricativa pode se realizar
[tʃi ɾatilden] ~ [ʔsi ɾatilden]
sih-tatilden
[ ʔsitatilden] ~ [ sitatilden]
set-tan
Estaacute liso Trovejou
139
como palatal africada preacute-glotal ou como alveolar 80
Quando s se fortifica e passa a se realizar como [t] e ou como [t h] apresentam restriccedilatildeo ao contexto de vogal baixa seguinte podendo ocorrer em iniacutecio ou em meio de palavra Nestes contextos tambeacutem permanecem possiacuteveis as demais alofonias
A fortificaccedilatildeo de s eacute frequente em siacutelaba natildeo acentuada em iniacutecio de palavra Embora as siacutelabas acentuadas contenham maiores iacutendices Em posiccedilatildeo natildeo acentuada a alveolar ocorre em maior nuacutemero
A palatalizaccedilatildeo da fricativa eacute obrigatoacuteria quando precedida por i Sua realizaccedilatildeo eacute alveolar em posiccedilatildeo intervocaacutelica
[ʔsĩ du ɾatilden]
sĩn-tu-tatilden
[ʃa h ɾe] ~ [sa h ɾe]
sa h-te
[ tʃoɾatildenʌ] ~ [ ʃoɾatildenʌ]
soh-tatilden-ta
[ʃ de] ~ [s n de]
s n-te
[thathaʔi natildenʌ] ~ [ʃaʃaʔi natildenʌ]
sasan-tatilden-ta
[kejͻ ʔhe neʔt h o ɾeʔ] ~
[kejͻʔhe neʔto ɾeʔ]
keja w-haniʔ-s aw-te
[t datilde na ] ~ [t h datilde na ]
so-tatilden-na
[tʃamaj de] ~ [tamaj de] ~ [sama
de]
saman-te
[ʔʃamaʔdʌ ɾatildena]
saman-tah-tatilden-ta
[iʃatilde datilde na ]
isatilde n-tatilden-na
Estaacute arrastando Timboacute do mato Estaacute sujo Sol Estaacute mole Oacuteleo Eacute guarantatilde (espeacutecie de aacutervore) Tanajura Eacute tanajura
80
A africada eacute a mais utilizada pelos velhos enquanto a fricativa e a alveolar satildeo mais utilizadas
pelos jovens
140
[iʃu datildenʌ]
isu -tatilden-ta
[wasa h ɾe] - [wͻsa h ɾe]
wasah-te
Eacute folha Ele estaacute com frio Besouro
l- Lateral alveolar sonora
Lateral coronal + anterior
Forma siacutelaba em iniacutecio e meio de
palavras com as vogais i e a a o o
u
Fortifica-se em iniacutecio de palavras quando encontra-se na posiccedilatildeo de acento pode ser precedido por vogal aacutetona sem onset que tende a ser apagada
Diante do contexto acima realiza-se
[li tatilden]
lit-tatilden
[dale de]
tale-te
[giwla de]
kiwlah-te
[la ɾ e]
la h-te
[lo ɾatildena]
loh-tatilden-ta
[ko lo ko lo n de]
ko loʔ ko lo n-te
[toluʔ tatildena]
taluʔ-tatilden-ta
[ʔta e] ~ [da e]
la h-te
Ele saiu Embira Cobre cascavel Jacucaacuteca Estaacute comprido Pintado Ele tossiu
141
como alofones [ʔl] e [d]
Acompanhado por consoante nasal em onset silaacutebico pode assimilar progressivamente a nasalidade sendo realizado como [n]
Pode apresentar sobreposiccedilatildeo na maneira como se realizam
[t ~s ]
[t ~ n]
[n ~ l]
[t ~ l ]
[ʔlo tatilden] ~ [a tatilden]
atilde-loʔ-tatilden
[diʔ pa natildena] ~ [i iʔ pa natildena]
jaliʔ pan-tatilde-ta
[ naginila h ni ɾ atilden] ~
[ naginina h ni ɾatilden]
sapatilden-kinĩn-te
[kaas tatildena] ~ [kata tatildena]
kasaʔ-tatilden-ta
[tidit na j de] ~ [tidit ta de]
tatiʔ-najn-te
[nagatilde de] ~ [ agatilde n de]
nakatilden-te
[wota h ɾe] ~ [wola h ɾe]
wotah-te
Jacucaacuteca Ele estaacute afundado atolado Satildeo dois colares Eu natildeo sei se ele estaacute doente Taioba Estaacute grosso Mandioca mansa Lagarto do campo Pomba
142
j - Glide coronal - anterior
Eacute um glide palatal que ocupa a posiccedilatildeo de onset e de coda na siacutelaba
Em iniacutecio de siacutelaba j antecede as
vogais e e o a a atilde u u ũ
Quando em posiccedilatildeo inicial na siacutelaba e
acompanhado por e e em siacutelaba
acentuada ou seguido por a em siacutelaba aacutetona j pode se fortificar e se realizar
como [ʒ] sendo possiacutevel neste caso
ser seguido por um preacute glide [j] de fraca e raacutepida duraccedilatildeo
Quando seguido por a em siacutelaba aacutetona eacute opcional a fusatildeo entre o glide e a vogal derivando a vogal longa [i]
[je n datilden]
je n-tatilden
[ja te]
jaʔ-te
[ja te]
ja ʔ te
[jatildeʔ datilden] ~ [iɲatildeʔ datilden]
jatilden- n-tatilden
[jo ɾatilden]
joh-tatilden
[ju te]
ju-te
[ju te]
ju -rsquote
[j ginĩ de]
j n-kinĩn-te
[je natilden te] ~ [ʒe natilden te]
ja natilde-nu-te
[ j ʒe n datilden] ~ [ʒe n datilden] ~
[je n datilden]
je n-tatilden
[ʒɛge datilden] ~ [ʒɛga j datilden]
Estaacute sujo Maribondo espeacutecie Porco Vocecirc tem coragem Estaacute baixo Boca Peacute Pedra de gelo granizo Porco espinho Estaacute sujo
143
Se em posiccedilatildeo de onset e seguido de vogal nasal pode ocorrer uma consoante palatal seguindo o glide palatal e precedendo a vogal nuclear
Se for atilde a consoante intrusiva se realizaraacute com mais forccedila e separaraacute a sequecircncia jatilden em duas siacutelabas
Quando o glide vier antes da vogal ũ a consoante intrusiva poderaacute resultar no apagamento do glide podendo se realizar como consoante palatal ou preacute-glide
Em posiccedilatildeo final de siacutelabas
acompanha as vogais e e a a
jaka jn-tatilden
[inatilde de]
janatilde n-te
[jeda n de] ~ [ʒida n de] ~ [ida
n de]
jatan-te
[jatilde datilden] ~ [ iɲatildeʔ datilden]
jatilden- n-tatilden
[jatildew de] ~ [iɲatildew de] ~
[jatilde de]
jatildewn-te
[j ginĩ de] ~ [ j ɲ gibi de]
j n-kinĩn-te
[ ejdnirsquoɾatilde]
hejn-ten-ni-tatilde
[ e jtatilden]
e ʔ-tatilden
[wajkinĩ du]
wajʔ-kinĩn-tu
[na j de]
na j -te
[ natildejde]
natildejn-te
Eacute pica-pau pequeno espeacutecie Abelha do chatildeo espeacutecie veado espeacutecie Vocecirc tem coragem Larva espeacutecie Pedra de gelo granizo Eu vou lavar Ele fez fogo Amendoim
144
Maribondo espeacutecie Pacu espeacutecie de peixe
k- Plosiva dorsal - anterior
Eacute oclusiva velar surda Tem larga distribuiccedilatildeo e se realiza diante de todas as vogais do Latundecirc
Satildeo seus alofones [ʔk] [ɠ] [g] e [k]
Em iniacutecio de palavra se realiza preferencialmente como [k]
[kiliʔkinĩ de]
kiliʔ-kinĩn-te
[ki de]
ki -te
[ke ɾatildena]
keh-tatilden-ta
[ke ja ʔ n de]
ke ja jn-te
[ka ɾatildena]
kah-tatilde -ta
[ka
ka jn-te
[katilde natildena]
katilden-tatilden-ta
[ko h ɾe]
koh-te
[ko lo ʔko lo n datildeda]
ko lo ʔko lo n-tatilden-ta
Coco da palmeira inajaacute Macaco noturno Ele estaacute caccedilando Caititu Estaacute azedo Formiga Estaacute duro Tesoura
145
Em contexto de fala raacutepida em iniacutecio
de vocaacutebulos a velar preacute-glotal [ʔk]
pode ocorrer pode flutuar tambeacutem como velar plena [k]
Em mesmo contexto pode-se flutuar a velar sonora [g] ou a velar implosiva
[ɠ] ou a velar surda [k] ou a velar
surda preacute-glotalizada [ʔk]
Quando em meio de vocaacutebulo em contexto que envolve a consoante nasal lexical precedente a realizaccedilatildeo de [g] eacute categoacuterica
Entre vogais eacute possiacutevel que se encontre a variaccedilatildeo entre [k] e [g] sendo a surda a preferencial e em maior nuacutemero de realizaccedilotildees
[k n de]
k n-te
[ku n de]
ku n-te
[ʔkolo ɾe] ~ [kolo ɾe]
koloh-te
[ʔka laʔkala ɾe] ~ [ka laʔkala ɾe]
kalaʔkalaʔ-te
[golota taʔnatildena] ~
[kolota taʔ natildena]
kolon-sasan-tatilden-ta
[ gi natildena] ~ [ ɠi natildena]
ki n-tatilden-ta
[giʃaj n datildena] ~ [ɠiʃaj ndatildena] ~
[kiʃaj n datildena]
kisajn-tatilden-ta
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[j ginĩ de]
j n-kinĩn-te
[waka de]
waka-te
Eacute pintado Timboacute do campo Algodatildeo Barata Galinha Estaacute maduro Estaacute coccedilando Estaacute pontudo Roupa
146
Em onset da siacutelaba acentuada em final de vocaacutebulo k pode se realizar [k h]
[lukaj de]
lukajn-te
[nakatilde n de] ~ [naga n de]
nakatilden-te
[ iwgula ɾatilden]
iwkulah-tatilden
[ i ʔga laʔga na ]
iʔka la n-ka-na
[ ɛtduʔ da jowi k h e ]
ajhtu ta-jaw-wi-ka
Pedra de gelo granizo Garccedila Flecha Lagarto Ele subiu Eles estatildeo brincando Pega (o banco) vamos sentar
- Plosiva glotal - anterior
Eacute uma oclusiva glotal surda com
realizaccedilatildeo [ʔ] que se restringe agrave
posiccedilatildeo de coda silaacutebica81
Tem seu comportamento condicionado pela presenccedila das consoantes adjacentes p t k
Pode se realizar como [ʔ] em fala
raacutepida preceder a oclusiva velar surda k
Como [j] quando a vogal nuclear for a meacutedia frontal e ou a baixa a
Como [w] quando a vogal nuclear for a meacutedia posterior o
[huʔ kaʔ datilden] ~ [ kaʔ datilden]
huʔ-kah-tatilden
[kidiʔka tatilden]
kitiʔ-kah-tatilden
[ atilde ʔ tatilden] ~ [ atilde tatilden] ~
[malo h tatildeni]
atilden-loʔ-tatilden
Eacute arco Eacute furador Ele queimou
81
A entre l e s natildeo foi observada na liacutengua Latundecirc
147
E favorecer a deleccedilatildeo de motivando um alongamento que compensa a vogal nuclear ou alongar ainda alongar esta vogal seguindo de leve aspiraccedilatildeo
A realizaccedilatildeo de [ʔ] nas alofonias
acima soacute eacute notada quando na siacutelaba na qual estaacute presente quando apenas a oclusiva estiver no travamento
silaacutebico (CVʔ)
Quando em posiccedilatildeo de coda pode assimilar o ponto da consoante seguinte e se realizar como [t] ou [d] diante de tnl e [p] ou [b] diante de m Neste caso as realizaccedilotildees homorgacircnicas surdas satildeo sempre preferenciais
[wolo te] ~ [woloʔ te]
woloʔ-te
[ej tatilden] ~ [e tatilden]
eʔ-tatilden
[wajkinĩ de]
wajʔ-kinĩn-te
[loʔ tatilden] ~ [ tatilden] ~ [ wtatilden]
loʔ-tatilden
[tidit na jdatilde na ]
tatiʔ-na jn-tatilden-na
[wa jtna de]
wa jh-na n-te
[at natilde da na]
a ʔnatilde n-tatilden-ta
[a p otildedatildena] ~ [a b otildedatildena]
a ʔ n-tatilden-ta
Espeacutecie de paacutessaro Ele ralou Amendoin Ele afogou Eacute raiz de mandioca Palha da palmeira accedilaiacute Ele estaacute chorando muito Ele estaacute muito bonito
h- Fricativa glotal - anterior
Eacute fricativa glotal surda que em iniacutecio de
siacutelaba ocorre com as vogais i e a a
o u
Quando em iniacutecio de palavra e em siacutelaba acentuada seguida de i realiza-
se como [ʒ]
Quando entre vogais realiza-se como
[hu te] ~ [hu h de]
huʔ-te
[hej de]
hejn-te
Arco Buriti
148
fricativa glotal sonora [ɦ]
Se vier em iniacutecio de palavra em fala raacutepida e em raiacutezes dissilaacutebicas na posiccedilatildeo de onset de siacutelaba natildeo acentuada poderaacute ser apagado
Quando em onset de siacutelaba acentuada acompanhada de consoante nasal assimila a nasalidade da consoante
adjacente sendo realizada como [n ]
Em final de siacutelaba eacute produzido com pouca fricccedilatildeo Em coda acentuada motiva o alongamento da vogal com frequecircncia como resultado teremos uma vogal com leve aspiraccedilatildeo
Demais realizaccedilotildees de h em coda tendem a seguir o comportamento da
oclusiva glotal ʔ
[hata tatilden]
hat-ta-tatilden]
[ha de]
ha n-te
[hoɦo h de]
hohoʔ-te
[hi ɾ e] ~ [ʒi ɾe]
hih-te
[hiwa n de] ~ [iwa n de]
hiwan-te
[ e ĩ n de] ~ [e ĩ n de]
e ĩ n-te
[ɛ hejdn a ]
ajhhejn-ha
[o h datildeda]
o hna-tatilden-ta
[ lo h tatilde na ]
loh-tatilden-na
[ʃi h ɾe]
sih- te
[ke h atilden] ~ [ke atilden]
Eu natildeo tenho Caraacute Espeacutecie de coruja Pau lenha Gambaacute Couro Vamos lavar (algo) Estaacute alto Eacute onccedila
149
keh-tatilden
[nakadʔnatilde na ]
naka natilde n-na
[ka ɾatilden]
kah-tatilden
[naw ɾe] ~ [nͻ e]
na wh-te
[wede e] ~ [wede ʔ ɾe]
wate h-te
[sej ɾatilde]
sih-tatilden
Casa Ele caccedilou Ela ainda estaacute chorando Estaacute azedo Lontra Espeacutecie de tamanduaacute Eacute largo
Quadro 13 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos orais (Com base em Telles 2002)
i - vogal alta frontal e i - vogal alta
frontal laringal
Realiza-se como [i] e [i ] podem ser
nuacutecleo de siacutelaba e podem tambeacutem iniciam palavras
i segue qualquer consoante enquanto
i ocorre apenas apoacutes as consoantes
m k h
Quando a coda eacute apagada realiza-se como [i] compensando tal apagamento
[ iɾatilden]
i-tatilden
[i n datildenʌ]
i n-tatilden-ta
[giw lada ɾe] ~ [gi la de]
kiwlah-tah-te
Ele mordeu Estaacute quente Cobra cascavel espeacutecie de cobra
150
e - vogal meacutedia frontal e e - vogal
meacutedia frontal laringal
Realizam-se como [e] e [e ] e correm em
iniacutecio de palavras
Quando seguem consoantes natildeo se realizam apoacutes pmn
Tambeacutem natildeo foram detectadas diante de s l h
Ao serem seguidos pelo glide palatal j favorecem a fusatildeo entre as vogais e o
glide realizando-se como [i] e [i ]
O alongamento tambeacutem se daacute em casos de queda de coda
Em siacutelaba aacutetona de morfemas dissiacutelabos poderaacute ocorrer harmonizaccedilatildeo entre a vogal meacutedia frontal e a vogal tocircnica mais alta da siacutelaba seguinte
Pode ocorrer harmonizaccedilatildeo entre a vogal da raiz lexical e a vogal do sufixo classificatoacuterio
[e ɾatilden]
e-tatilden
[ etatilden]
e ʔ-tatilden
[ sejtatilden] ~ [sitatilden]
set-tatilden
[ weʔkinĩde] ~ [ wiʔkinĩde]
wet-kinĩn-te
[kenĩ de] ~ [kinĩ de]
kanĩn-te
Ele viu Ele fez fogo Ele falou Crianccedila Esquilo
a - vogal baixa central e a - vogal
baixa central laringal
A vogal baixa central a apresenta larga distribuiccedilatildeo e segue qualquer consoante e os dois glides
A vogal baixa central laringal segue quase todas as consoante e dos dois glides
Ambas iniciam palavras e apresentam
vaacuterias alofonias [a] [ʌ] [ͻ] [o] [u] [e]
[ɛ] [aelig] e [i] que podem ser ou natildeo
laringais dependendo da vogal subjacente e da condiccedilatildeo do tom e da harmonia vocaacutelica
Quando em siacutelaba tocircnica a se realiza como [a] [ͻ] e [ͻ]
[ͻ] pode ocorrer quando o nuacutecleo vocaacutelico a assimila o traccedilo labial da coda tautossilaacutebica de w
A segunda variaccedilatildeo [ͻ] resulta da fusatildeo
[a h ɾe]
ah-te
[awde] ~ [ͻ de] ~ [ͻʔ de]
awh-te
[ a wde] ~ [ ͻde] ~ [ ͻʔde]
a w-te
[a wm de] ~ [ ͻ m de] ~ [ͻ m de]
a wn-te
Espeacutecie de abelha Gaviatildeo Flecha Louro
151
entre o nuacutecleo a e a coda w
O alongamento da vogal nuclear ou da coda eacute necessaacuterio agrave preservaccedilatildeo do peso silaacutebico para a aposiccedilatildeo do acento
Em siacutelaba tocircnica se a a eacute seguida por j na coda (nuacutecleo do ditongo) pode se
realizar como [a] [ɛ] [ɛ] e [aelig]
Em siacutelaba aacutetona a realiza-se como [ʌ] preferencialmente
Quanto em posiccedilatildeo aacutetona a se harmoniza com a vogal tocircnica da siacutelaba seguinte quando esta for meacutedia ou alta
As realizaccedilotildees provenientes dessa harmonia vocaacutelica satildeo as vogais [ieou]
O processo de assimilaccedilatildeo pode ocorrer em iniacutecio de siacutelaba aacutetona fazendo com que a se realize como [ͻ] a partir de segmento adjacente seja tautossilaacutebico ou natildeo
[ ajɾatildena] ~ [ ɛatildena]
ajh-tatilden-ta
[a j ɾatilden] ~ [aelig ɾatilden] ~ [ɛ ɾatilden]
a jh-tatilden
[ a j atilde m datilden] ~ [ aelig ʔatildem datilden]
a jn atilde wn-tatilden
[ͻ ɾaʔͻɾaʔi datildenʌ] ~
[ͻ ɾɛʔͻɾɛʔi datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[wͻdaʔ nde] ~ [wadaʔ nde]
watan-te
[i n dacircnʌ]
i n-tatilden-ta
[tʌlawm natildenʌ]
talawn-tatilden-ta
[kimi ɾatildena] ~ [kͻmi ɾatildena]
kamih-tatilden-ta
[walin de] ~ [weli de]
walin-te
[tʌlow natildena] ~ [tolow natildenʌ]
talown-tatilden-ta
[tunu ratildeni]
tanũh-tatilden
Eacute roccedila Ele foi Ele assou peixe Eacute fino Panela Estaacute quente Estaacute grosso Estaccedilatildeo seca Tamanduaacute
152
Devido agrave labializaccedilatildeo de a a realizaccedilatildeo resultante sofre assimilaccedilatildeo de palatalizaccedilatildeo altura de glide precedente ou se funde quando o glide eacute tautossilaacutebico e ocupa onset de siacutelaba em que a eacute a vogal nuclear
[kʌmaʔ matilde n de] ~
[kͻmaʔ matilde n de]
kama-matilden-te
[ͻ ɾaʔͻɾaʔĩ datildenʌ] ~
[ͻ ɾɛʔͻɾɛʔĩ datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[wada n de] ~ [wͻda n de]
watan-te
[jeda n de] ~ [ʒida n de] ~
[ida n de]
Estaacute terminado Ele deu Borboleta Eacute fino Panela cabaccedila Espeacutecie de veado
o - vogal meacutedia fechada posterior e
o - vogal meacutedia fechada laringal
Realizam-se [o] e [o ] respectivamente
Natildeo se realizam apoacutes as consoantes nasais mn
o soacute foi realizada apoacutes as consoantes
t l k
Ambas podem ser realizadas em iniacutecio de vocaacutebulo
As realizaccedilotildees [o] e [o ] satildeo resultados
do alongamento compensatoacuterio que provem da delaccedilatildeo de coda
[o ɾatilden]
oh-tatilden
[o te]
o h-te
[ko n de] ~ [kow n de]
kon-te
Ele misturou massa Macuco Espeacutecie Jabuti
u - vogal alta posterior e u - vogal
alta posterior laringal
Apresentam larga frequecircncia nas realizaccedilotildees
u segue qualquer consoante
[ke ju ɾe]
kejuh-te
Macaco da noite
153
u ocorre apoacutes m n s k j
Ambas iniciam palavras
As realizaccedilotildees alongadas [u] e [u ] satildeo
provenientes de alongamento compensatoacuterio quando a coda eacute elidida
[ku n datildenʌ] ~ [ku datildenʌ]
ku n-tatilden-ta
Ele estaacute fumando
Quadro 14 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos nasais (Com base em Telles 2002)
ĩ - vogal nasal alta anterior
Sua ocorrecircncia soacute fora verificada a partir do comportamento do morfema ĩ- que eacute uma raiz lexical semanticamente vazia prefixada a morfemas classificadores nominais para funcionar como nuacutecleo nominal
A subjacecircncia de ĩ- sem coda nasal pode ser evidenciada na sonorizaccedilatildeo opcional da oclusiva velar k e no natildeo alongamento da vogal ĩ
[ ĩkalo ɾe] ~ [ ĩgaloɾe]
ĩ-kaloh-te
Taacutebua
atilde - vogal nasal baixa
Eacute encontrada a partir do condicionamento morfoloacutegico no prefixo verbal atildel-
Este prefixo tem valor causativo resultativo
Quanto agrave subjacecircncia de atilde pode-se interpretar que a realizaccedilatildeo do morfema agentivo [atildel- atilde-] estaacute condicionada ao segmento inicial da raiz lexical a qual o prefixo se apotildee
[atildelͻwtatildenʌ] ~ [ a lͻtatildenʌ]
atildel-awt-tatilden-ta
[atilde laj n datildenʌ] ~ [a laj n datildenʌ]
atildel-ajn-tatilden-ta
[atildelo tatildenʌ] ~ [alo tatildenʌ]
atildel-loʔ-tatilden-ta
[atildemũmaj na ]
atildel-mumaʔ-na
[ũba tatildenʌ] ~ [atildeba tatildenʌ]
atildel-pat-tatilden-ta
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
Estaacute foi quebrado (algo) Estaacute foi cortado (algo) Estaacute foi afundado (algo) Estaacute foi amansado (algo) Estaacute foi colocado (algo)
154
Quando a raiz verbal eacute iniciada por vogal a forma sobrejacente eacute [atilde-] quando a raiz verbal eacute iniciada por vogal a forma sobrejacente eacute [atildel-]
Outra forma de ocorrecircncia da vogal atilde eacute confirmada na base do contraste entre os ditongos orais aj aw e nasais atildej atildewmesmo quando seguidos por coda nasal formando as sequecircncias ajn awn atildejn atildewn
[ aj n datildeni] ~ [ aj n datildeni]
ajn-tatilden
[jatildewm de] ~ [jatildemde]
jatildewn-te
[wawm datildena] ~ [wͻwm datildena]
wawn-tatilden-ta
Pacu espeacutecie de peixe Ele cortou (algo) Espeacutecie de larva Estaacute vermelho amarelo
ũ - vogal nasal alta posterior
Observada a partir da construccedilatildeo interna e comportamento do morfema prefixal nũh - possessivo de 1pp e de seu homoacutefono nũh - verbo adjetival estar soacute
Quanto agrave subjacecircncia de u eacute observada quando a coda fricativa glotal eacute ressilibificada ao se afixar agrave raiz iniciada por vogal ou glide
[ nũhju te]
nũh-ju -te
[ nũhaj ɾatilden]
[nũhajh-oslash-tatilden
Nossos peacutes Ele vai sozinho
54 FONOLOGIA DO PORTUGUEcircS
Diferentemente do Latundecirc o sistema fonoloacutegico do portuguecircs eacute formado
conforme Cacircmara Jr (1970 p33 ndash 34) por sete vogais que se mantecircm na
mesma quantidade em posiccedilatildeo tocircnica que satildeo reduzidas a cinco quando em
posiccedilatildeo tocircnica diante de nasal em posiccedilatildeo pretocircnica em posiccedilatildeo postocircnica natildeo-
final e em postocircnica final
Quadro 15 Vogais no Portuguecircs (Cacircmara Jr 1970)
Natildeo-arredondadas Arredondadas
Altas i u
Meacutedias Altas e o 2ordm Grau
155
Meacutedias Baixas ɛ ɔ 1ordm Grau
Baixa a
Anterior Central Posterior
Quanto aos segmentos consonantais o portuguecircs dispotildee de acordo com Lopez
1979 p5482 de vinte e dois fonemas que ocupam as posiccedilotildees de onset e coda
Os segmentos consonantais satildeo classificados quanto ao modo e ao ponto de
articulaccedilatildeo
Os segmentos consonantais do portuguecircs ainda podem ser influenciados por
articulaccedilotildees secundaacuterias labializaccedilatildeo palatalizaccedilatildeo velarizaccedilatildeo e dentalizaccedilatildeo
Quadro 16 Consoantes no Portuguecircs (Silva 2002)
Articulaccedilatildeo
Bilabial Labiodental Dental ou alveolar
Alveopalatal Palatal Velar Glotal
Oclusiva p b t d k g Africada tʃ dʒ
Fricativa f v s z ʃ ʒ X Ɣ h ɦ
Nasal m n ɲ y
Tepe ɾ
Vibrante ř
Retroflexa ɹ
Lateral l ɫ ʎ l j
82
Apud Bisol 1996 p198
156
55 COMPARACcedilAtildeO ENTRE OS SISTEMAS FONEacuteTICOS DO PORTUGUEcircS E
DO LATUNDEcirc
Passemos entatildeo agrave comparaccedilatildeo ds sistemas fonoloacutegicos do Portuguecircs e do
Latundecirc para melhor compreensatildeo dos processos foneacuteticos oriundos desse
contato
Quadro 17 Sistemas consonantais x Sistemas vocaacutelicos
Consoantes Vogais
Portuguecircs p b m w t d s z l j n f v ɾ k g h ɹ ɲ ʎ X a ɛ e i ɔ o u
Latundecirc p m w t s l j n k h a atilde a a e e i i i i o o u u u u
Como podemos perceber as liacutenguas apresentam padrotildees distintos no que tange
agrave quantidade de segmentos consonantais e de segmentos vocaacutelicos O portuguecircs
eacute uma liacutengua com mais consoantes enquanto o Latundecirc eacute uma liacutengua
extremamente vocaacutelica
No que tange aos fonemas consonantais o Latundecirc natildeo apresenta muitos dos
fonemas vozeados que compotildeem os pares miacutenimos aleacutem das labiodentais [f v]
Tambeacutem natildeo apresenta as fricativas alvopalatais [ʃ ʒ] nem as palatais nasal e
lateral [ɲ ʎ]
O portuguecircs natildeo dispotildee de vogais laringais enquanto o Latundecirc tem o seu
inventaacuterio basicamente composto por elas
157
A disposiccedilatildeo e presenccedila desses elementos tecircm uma ligaccedilatildeo direta com os
processos fonoloacutegicos ocorrentes o portuguecircs resultante do contato do Portuguecircs
com o Latundecirc como veremos no capiacutetulo VI
158
6 PROCESSOS FONOLOacuteGICOS NO PORTUGUEcircS FALADO PELOS LATUNDEcirc
ldquoComo a liacutengua estaacute a todo momento se equilibrando entre
tendecircncias potencialmente conflitantes e ateacute mesmo opostas estaacute sujeita a sofrer mudanccedilas pois esse equiliacutebrio pode vir a ser alterado por qualquer tipo de fator interno ou
externordquo Chagas (2004 p 151)
61 INTRODUCcedilAtildeO
Eacute senso comum entre os estudiosos que as liacutenguas mudam em diversos
aspectos Certamente a variaccedilatildeo e a mudanccedila lhes satildeo inerentes conforme
Cezario amp Votre (2008 p 141)
Em face da mudanccedila a assertiva acima abarca um conjunto de motivaccedilotildees
internas a uma dada liacutengua bem como outras decorrentes de forccedilas externas em
que se inserem aquelas oriundas do contato linguiacutestico Isso nos chama a
atenccedilatildeo para o fato de que aleacutem do fator tempo outros aspectos podem estar
diretamente ligados agraves transformaccedilotildees pelas quais uma liacutengua passa
A forma como as mudanccedilas sonoras operam na liacutengua eacute tema de discussatildeo haacute
seacuteculos Sobre essa temaacutetica Labov (1981 p269) nos diz que
Sound change appears to be systematic in that a particular change affects all eligible words in a lexicon (McMahon 1994) It is not known however how this process takes place A group of 19th century German linguists called the Neogrammarians originally proposed that sound change occurs abruptly across the lexicon This view is still accepted by many linguists (eg Hock 1991 Labov 1994) In contrast others have argued that sound change spreads gradually across the lexicon (eg Chen amp Wang 1975 Krishnamurti 1978) The same language data is sometimes used to support each hypothesis For instance the
159
English Great Vowel Shift which brought about a series of vowel changes in Early Modern English is used as an example of gradual change (Ogura 1987 Aitchison 1991) as well as abrupt change (Hock 1991 Labov 1994) So the argument over whether sound change occurs abruptly or gradually presents a paradox ldquoboth (views) are right but both cannot be right 269)rdquo
A discussatildeo acerca da natureza da mudanccedila sonora no sentido das duas visotildees
pontuadas acima ainda alcanccedila uma dimensatildeo mais larga quando o contato
intersocietaacuterio eacute considerado As implicaccedilotildees que a variaccedilatildeo assume quando a
emergecircncia das escolhas linguiacutesticas envolve o impacto das interaccedilotildees entre
liacutenguas satildeo multifatoriais Devido agrave complexidade das transformaccedilotildees linguiacutesticas
natildeo podemos estabelecer um uacutenico molde para explicar estas modificaccedilotildees haja
vista que cada caso eacute particular quando tratamos de mudanccedila linguiacutestica
Como fora tratado no capiacutetulo sobre Contato linguiacutestico o encontro de duas ou
mais liacutenguas pode resultar ou natildeo em outras liacutenguas O niacutevel de interferecircncia
oriundo do contato pode fazer com que uma das liacutenguas desapareccedila o que
ocasionaria a sua morte e geralmente neste caso sobreviveria a liacutengua do
dominador ou a permanecircncia dos dois coacutedigos linguiacutesticos tal qual ocorre entre
os Latundecirc
A complexidade da fusatildeo de duas liacutenguas desencadeia por si soacute uma seacuterie de
processos que perpassa os diferentes niacuteveis da gramaacutetica No entanto eacute no niacutevel
foneacutetico fonoloacutegico que estes processos satildeo provavelmente mais evidentes e
mais frutiacuteferos Sendo assim podemos afirmar que os niacuteveis foneacuteticos e
fonoloacutegicos apresentam o maior iacutendice de mudanccedila e variaccedilatildeo de uma liacutengua Por
outro lado de acordo com Cavaliere (2005 p 56)
160
Os estudos desses processos nos auxiliam enquanto estudiosos da liacutengua a entender como se comporta a mudanccedila da liacutengua mediante verificaccedilatildeo dos fatos ocorridos no passado que se mantecircm no presente bem como os que natildeo mais se manifestam as mudanccedilas dos sons nos usos hodiernos
A anaacutelise realizada dos processos fonoloacutegicos do Portuguecircs falado pelos Latundecirc
teraacute como base a estrutura silaacutebica do Portuguecircs e do Latundecirc Para a anaacutelise
consideramos uacutetil adotar a classificaccedilatildeo tradicional dos processos focircnicos
encontrados na linguiacutestica histoacuterica (HOCK1991) por nomear em detalhe os
variados tipos de processos observados Aleacutem disso nos pautamos nos trabalhos
de Spencer (1996) e Lass (2000) que associam reflexotildees mais abstratas para
explicar as ocorrecircncias encontradas Esclarecemos que natildeo eacute nosso propoacutesito
realizar uma anaacutelise fonoloacutegica per si Neste trabalho partimos da descriccedilatildeo dos
processos fonoloacutegicos operantes a fim de refletir sobre o resultado do contato
linguiacutestico de uma liacutengua minoritaacuteria (o Latundecirc) com uma liacutengua
sociohistoricamente dominante o portuguecircs e avaliar o papel da marcaccedilatildeo
linguiacutestica no contexto da interferecircncia Os dados como jaacute afirmamos fazem
parte do acervo do NEI (Nuacutecleo de Estudos Indigenistas) da UFPE
Para uma melhor compreensatildeo a anaacutelise dos fenocircmenos observados segue
distribuiacuteda em quatro subgrupos que evolvem os processos foneacutetico-fonoloacutegicos
observados i) perda de elementos ii) ganho iii) alteraccedilatildeo (transposiccedilatildeo ou
permuta) que estatildeo diretamente ligados aos processos fonoloacutegicos de
assimilaccedilatildeo (progressiva e regressiva) fortalecimento leniccedilatildeo apagamento
inserccedilatildeo e coalescecircncia A classificaccedilatildeo desses processos nos remete agrave
termonoligia claacutessica da linguiacutestica de base
161
611 Perda de elementos
Seguindo a tendecircncia das liacutenguas do mundo os processos que envolvem perda
de elementos tambeacutem satildeo os mais recorrentes no portuguecircs falado pelos
Latundecirc Dessa feita estes processos satildeo os que tecircm uma relaccedilatildeo direta com a
estrutura silaacutebica do Portuguecircs que se vecirc obrigada a rearranjar os componentes
da siacutelaba para o padratildeo (CV)
Quanto agrave marcaccedilatildeo o portuguecircs assimilado pelos Latundecirc nem sempre tende a
preservar os padrotildees mais marcados de sua liacutengua conforme descriccedilatildeo nos
processos que se seguem
6111 Monotongaccedilatildeo
Assim como no Portuguecircs a monotongaccedilatildeo eacute um processo natural e bastante
atuante no Latundecirc que eacute uma liacutengua propensa a tal fenocircmeno Eacute uma tendecircncia
geral observada na produccedilatildeo da fala da comunidade Latundecirc verifica-se que os
ditongos crescentes e decrescentes estatildeo sendo frequentemente fusionados
realizando-se como monotongos (TELLES 2002 p100 - 102)
Quanto aos ditongos crescentes Telles (idem p 103) afirma que a tendecircncia ao
processo de monotongaccedilatildeo em ditongos crescentes eacute quase categoacuterica nas
siacutelabas aacutetonas de raiacutezes dissilaacutebicas quando a vogal nuclear eacute a central baixa a
Outros aspectos observados pela autora que fazem menccedilatildeo agrave monotongaccedilatildeo
apontam que a geraccedilatildeo poacutes-contato realizam sistematicamente e com frequecircncia
162
a fusatildeo entre os ditongos decrescentes Os ditongos aw a w aj a j satildeo os que
mais regularmente sofrem processo dos quais decorrem as realizaccedilotildees meacutedias
baixas [ɔ ɔ ɛ ɛ ] que natildeo fazem parte do inventaacuterio fonoloacutegico das vogais do
Latundecirc
Os ditongos iw ow que ocorrem em menor frequecircncia satildeo mais marcados
Nestes a monotongaccedilatildeo se daacute com a preservaccedilatildeo da vogal do nuacutecleo i o O
ditongo e j apresenta pouquiacutessimos casos de fusatildeo mantendo a qualidade do
glide diferentemente dos demais ditongos que satildeo constituiacutedos por vogais natildeo
baixas Sua realizaccedilatildeo seraacute a vogal alta anterior [i]
Apresentamos abaixo os dados apresentados por Telles (idem 101) onde os
resultados foneacuteticos do processo de monotongaccedilatildeo satildeo mais frequentes
Quadro 18 Resultado mais frequente do processo de monotongaccedilatildeo em Latundecirc
Em tritongos a fusatildeo eacute mais frequente quando o glide labial w preenche a
posiccedilatildeo da coda diferentemente da palatal j que pouco se fusiona Nos dois
casos a fusatildeo se daacute apenas com o apagamento do glide poacutes-nuclear
aw gt ɔ [lsquoɔɾe] rsquoawh-lsquote Gaviatildeo
a w gt ɔ [ɔ rsquode] a w-lsquote Fleche
aj gt ɛ [ɛrsquoɾatildena] ajh-lsquotatilden-ta eacute roccedila
aj gt ɛ [ɛ rsquoɾatildena] rsquoa jh-lsquotatilden-ta ele tem andado
iw gt i [lsquogilade] rsquokiwlah-lsquote cobra cascavel
ow gt o [torsquolodatildena] tarsquolown-lsquotatilden-ta ele tem terminado
163
No que se refere ao comportamento de ditongos decrescentes diante de
consoante nasal tautossilaacutebica podem ocorrer diferentes manifestaccedilotildees de
superfiacutecie a depender do ponto do glide Se os ditongos decrescentes terminarem
com glide laacutebio-dorsal w e seguidos por elemento nasal tautossilaacutebico awn a wn
atildewn own apagaratildeo o glide da coda e a vogal nuclear preservaraacute o ponto de
articulaccedilatildeo
Caso o ditongo seja oral a realizaccedilatildeo preferencial seraacute a da manutenccedilatildeo do
ditongo com o glide ocorrendo na superfiacutecie Se o ditongo for nasal o glide pode
ser nasalizado regressivamente Todavia a realizaccedilatildeo preferencial seraacute o glide
Em preferecircncia o glide j eacute mantido conservando sua palatalidade em ditongos
decrescentes que terminam com o glide j constituindo os ditongos ajn a jn atildejn
jn
Os glides wj na posiccedilatildeo de onset podem ser consonantizados O glide j natildeo se
apresenta como fator motivador para este processo Nos poucos casos
apresentados a vogal nuclear eacute a anterior e ou a central a
De acordo com a literatura existente para o Portuguecircs a monotongaccedilatildeo se aplica
a todos os ditongos Entretanto alguns contextos licenciam o processo enquanto
outros o bloqueiam No portuguecircs falado pelos Latundecirc os ditongos decrescentes
orais83 assim como no portuguecircs de longe foram os mais monotongados Aleacutem
destes o ditongo nasal decrescente [atildew] tanto em final de verbos quanto de
nomes mostrou-se recorrente na reduccedilatildeo
83
[aj][ aw] [ej] [ew] [ow] [oj]
164
Enquanto processo natural a monotongaccedilatildeo no portuguecircs falado por Latundecirc
visa simplificar os padrotildees silaacutebicos mais marcados sobretudo na posiccedilatildeo final de
vocaacutebulos jaacute que no Latundecirc natildeo haacute a ocorrecircncia deles
Esclarecemos que os processos observados na fala dos Latundecirc que tambeacutem
ocorrem no portuguecircs atual natildeo foram incluiacutedos nos dados discutidos neste
capiacutetulo ressalvando-se situaccedilotildees nas quais eram necessaacuterios agraves nossas
reflexotildees
De acordo com os exemplos
acima o processo de
monotongaccedilatildeo pode se dar de
duas formas i) apagamento
de um segmento geralmente
o glide ii) fusatildeo de elementos
Os ditongos mais propensos agrave
monotongaccedilatildeo satildeo os
decrescentes Quanto agraves classes de palavras os ditongos presentes nas formas
verbais satildeo mais frequentemente monotongados
No portuguecircs o processo de monotogaccedilatildeo eacute operante porem haacute restriccedilotildees que
natildeo coincidem com o observado na fala dos Latundecirc Bisol (2001 p 112) afirma
(1) [keme] queimei (2) [satildersquogɾaɾi] sangraram
[firsquokaɾi]
ficaram
(3) [fakotilde] facatildeo [motilde] matildeo [koɾasotilde] coraccedilatildeo
[gɾatildedotilde] grandatildeo
[tubaɾotilde]
tubaratildeo
(4) [kaze]
causa
(5) [note]
noite
(6) [lsquotaba] taacutebua (7) lsquomatildeoslash matildersquodava matildee mandava
165
que apenas os ditongos decrescentes satildeo verdadeiros Os crescentes de acordo
com ela seriam falsos pois podem ser realizados como hiato e tecircm variaccedilatildeo livre
Aleacutem disso com respeito aos ditongos decrescentes a autora ainda considera
que haacute dois diferentes tipos de ditongos um considerado pesado que natildeo sofre
reduccedilatildeo (leite) e outro leve passiacutevel de reduccedilatildeo (couro) Ela elenca alguns
ambientes que condicionam a monotongaccedilatildeo como a presenccedila da tepe ou da
palatal em posiccedilatildeo seguinte
Entretanto os dados de (1) a (7) acima nos mostram ocorrecircncias da
monotongaccedilatildeo em contextos muito distintos do que ocorre em Portuguecircs Sobre
estes avaliamos sua ocorrecircncia como segue
Quando em final de vocaacutebulos principalmente nas formas verbais do passado
simples conforme visto em (2) o que ocorre natildeo eacute um fenocircmeno de
monotongaccedilatildeo em que se espera o apagamento de um dos segmentos ou a
fusatildeo dos formadores do ditongo Nos dados em (2) entretanto encontra-se a
substituiccedilatildeo do ditongo por um segmento que articulatoriamente natildeo deriva da
estrutura lexical A vogal anterior com traccedilo de ponto coronal84 realizada em
[firsquokaɾi] ldquoficaramrdquo [satildersquogɾaɾi] ldquosangraramrdquo ocorre em posiccedilatildeo aacutetona final Essa
realizaccedilatildeo pode ser decorrente do espraiamento da coronalidade da consoante
precedente Outros aspectos de relevo para explicar esse fenocircmeno satildeo a
posiccedilatildeo final dos segmentos e a atonicidade Esses condicionantes favorecem a
substituiccedilatildeo total do ditongo nasal para a vogal anterior alta Essa produccedilatildeo eacute
84
Assumimos largamente neste trabalho a terminologia da fonologia claacutessica estrutural (GLEASON 1969) Entretanto termos mais teacutecnicos provenientes da teoria dos traccedilos distintivos (JAKOBSON 1952 CHOMSKY e HALE 1968) satildeo introduzidos quando favorecem a elucidaccedilatildeo dos fatos Da mesma forma ocasionalmente nos referimos a processos ancorados na fonologia poacutes-gerativa (CLEMENTS e HUME 1995)
166
restrita agrave fala dos indiacutegenas da geraccedilatildeo preacute-contato que adquiriram o portuguecircs
pelo menos no iniacutecio da idade adulta
A relevacircncia da tonicidade tambeacutem se evidencia nos dados em (3) Nesses casos
([fakotilde] ldquo facatildeordquo [lsquomotilde] ldquomatildeordquo [koɾasotilde] ldquocoraccedilatildeordquo) apesar de o ditongo nasal atildew
sofrer a fusatildeo passando a ser realizado [otilde] a posiccedilatildeo do acento preserva a
identidade de parte da estrutura nasalizaccedilatildeo e posteriorizaccedilatildeo com
arredondamento A tendecircncia aacute preservaccedilatildeo da estrutura tambeacutem eacute encontrada
no dado em (1) A monotongaccedilatildeo na siacutelaba tocircnica preserva a qualidade da vogal
nuclear em [kersquome] ldquoqueimeirdquo
O Latundecirc evita coda Esse comportamento se alinha agrave ideia de que The CV
syllable is a prototypical example widely considered to be the universally
unmarked syllable type (HUME 2004)
A monotongaccedilatildeo do ditongo nasal atildej em matildej gt matilde natildeo eacute encontrado
regularmente na fala latundecirc Esse fenocircmeno deve ter sido engatilhado pela
juntura externa na qual se observa que a siacutelaba da palavra seguinte conteacutem
sequecircncia focircnica semelhante agrave da siacutelaba que sofreu supressatildeo da semivogal
Um mesmo ditongo pode ou natildeo apresentar diferentes realizaccedilotildees em cada
liacutenguas Por exemplo os ditongos aw atildew aj atildej que existem tanto no Latundecirc
quanto no Portuguecircs se comportam da seguinte forma
Quadro 19 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
aw ɔ [lsquoɔɾe] ˈawh-te lsquogaviatildeorsquo
atildew atildew ~ AM [ˈjatildewmde] ~ [ˈjatildemde] ˈjatildewm-te lsquolarvarsquo
aj ɛ [єrsquoɾatildena] ˈajh-ˈtatilden-ta lsquoeacute roccedilarsquo
atildej atildej ~ atildej [ˌatildejˈdatildeni] ~ [atildejndatildeni] ˈatildejn-tatilden lsquoele cortoursquo
167
Quadro 20 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
aw aw [lsquopaw] pau lsquopaursquo atildew otilde [ˈsotilde] satildew lsquosatildeorsquo atildew i [satildeˈgɾaɾi] sangɾaɾatildew lsquosangraratildeorsquo
atildej atildej [ˈmatildej] matildej lsquomatildeersquo
aj aj [ˈpaj] pai lsquopairsquo
Os ditongos aw em posiccedilatildeo do acento resultam nas vogais meacutedias baixas ɔ e
ɛ no proacuteprio Latundecirc mesmo sendo essas vogais mais marcadas e natildeo
fonoloacutegicas na liacutengua Entretanto no portuguecircs esses ditongos natildeo sofrem
processo de fusatildeo quando ocorrem em siacutelaba tocircnica
A uacutenica vogal nasal constatada na reduccedilatildeo do ditongo eacute [otilde] resultante do ditongo
decrescente nasal atildew Neste caso eacute proacutepria vogal nasal que favorece a vogal
resultante da fusatildeo
Diferentemente do Portuguecircs em Latundecirc os ditongos natildeo se realizam em fim de
vocaacutebulos Desta forma o Portuguecircs falado por Latundecirc tende a seguir o que eacute
posto no Portuguecircs utilizando as vogais menos marcadas [satildegɾaɾɪ] ~ sangraram
[desaɾƱ] ~ deixaram
O que podemos verificar quanto agrave monotongaccedilatildeo eacute que em termos gerais o
Latundecirc natildeo transfere os traccedilos e caracteriacutesticas mais marcadas na liacutengua para o
Portuguecircs falado por eles
168
6112 Siacutencope em onset complexo de l e ɾ
A reduccedilatildeo do onset complexo em Portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute um processo
muito comum que se daacute devido a natildeo aceitaccedilatildeo de um segundo elemento no
onset Como podemos observar eacute um processo variante que estaacute atrelado agrave
reorganizaccedilatildeo da siacutelaba e que eacute passiacutevel de sistematicidade
De acordo com Telles (2002 p105) a estrutura silaacutebica do Latundecirc permite a
composiccedilatildeo de seis padrotildees V VC VCC CV CVC CVCC que se
incluem na extensatildeo (C)V(C)(C) que podem ser representados de acordo com
estrutura silaacutebica descrita abaixo
Figura 17 Estrutura silaacutebica do Latundecirc
Os elementos que se encontram entre parecircnteses satildeo opcionais Em Latundecirc as
sequecircncias CV V VC CVC VCC e CVCC ocorrem com frequecircncia
169
sendo os dois primeiros padrotildees os mais frequentes Isso nos mostra o quanto o
Latundecirc evita onsets complexos e codas
A estrutura silaacutebica do portuguecircs de acordo com Mattoso Cacircmara (1969) define
o molde silaacutebico CCVCC conforme figura abaixo
Figura 18 Estrutura silaacutebica do Latundecirc (Cacircmara-Juacutenior)
Seguindo a proposta de Mattoso Cacircmara com respeito agrave distribuiccedilatildeo interna dos
constituintes da siacutelaba as uacutenicas consoantes que preenchem a segunda posiccedilatildeo
do onset satildeo as liacutequidas l e ɾ A coda pode ser preenchida pelas consoantes l
e pelos arquifonemas R S N
No Latundecirc o grupo consonantal no onset natildeo eacute fonoloacutegico Entretanto eacute
atestada a ocorrecircncia dos [tɾ dɾ kɾ gɾ] no plano foneacutetico como resultado da
reduccedilatildeo em siacutelaba pretocircnica de sufixo nominal e verbal A formaccedilatildeo de onset
complexo eacute estrutura marcada no Latundecirc como tambeacutem interlinguisticamente
A estrutura mais complexa e menos frequente (marcada) do encontro consonantal
no onset tende a ser simplificada no portuguecircs falado pelos Latundecirc Como
170
podemos observar em (8) e (9) os grupos consonantais satildeo pronunciados como
um soacute elemento Trata-se do apagamento da tepe e da lateral liacutequida Eacute um
processo em acomodaccedilatildeo que estaacute diretamente ligado agrave faixa etaacuteria dos falantes
Assim os mais novos seguem a tendecircncia de pronunciar o onset complexo
diferentemente dos mais velhos
(8) [bi ka nƱ] brincando
[de tƱ] dentro
[kɛbapƱ] quebraram
[otƱ] outro
(9) [buza] blusa [biciketɪ] bicicleta Embora a reduccedilatildeo do onset complexo seja um fenocircmeno variaacutevel para algumas
variedades do portuguecircs as realizaccedilotildees acima natildeo correspondem agrave fala de
adultos sendo resultantes no processo da aquisiccedilatildeo da liacutengua
Jaacute entre os Latundecirc satildeo os mais velhos que apresentam a realizaccedilatildeo do onset
simplificado como um fenocircmeno variaacutevel conforme observamos em (10)
(10) [b ɾ ĩkarƱ] brincaram [sotildebrasotilde] assombraccedilatildeo [pɾimeɾɪ] primeiro
[febrƱ] febre [fɾɛsa] flecha
O rotacismo (l gt ɾ) da lateral presente em lsquoflecharsquo acima que eacute muito frequente
no portuguecircs menos escolarizado tambeacutem ocorre na fala dos indiacutegenas
171
6113 Apagamento da coda
Em portuguecircs quatro elementos podem ocupar a posiccedilatildeo de coda RSlN aleacutem
dos glides wj85 Em Latundecirc a coda pode ser ramificada e satildeo seis os
segmentos que podem preencher o espaccedilo da coda os glides w j aleacutem das
consoantes t h n Ɂ Como a coda pode ter ateacute duas posiccedilotildees preenchidas os
primeiros elementos satildeo sempre neste caso os glides w j Embora a coda da
siacutelaba fonoloacutegica possa ser preenchida pelas consoantes acima o Latundecirc eacute uma
liacutengua que evita coda na superfiacutecie O fenocircmeno que decorre dessa tendecircncia eacute o
alongamento compensatoacuterio (Clements e Hume 1995)
(11) [ˌn ˈh te]
ˈn h-ˈ Ɂ -te
lsquonossos peacutesrsquo
No dado acima podemos observar a natildeo realizaccedilatildeo da coda fricativa glotal h na
marca de posse ˈnu h- e da coda oclusiva glotal Ɂ o item lexical ldquopeacuterdquo ˈju Ɂ
Nos dois casos o apagamento da coda eacute compensado pelo alongamento
vocaacutelico No caso do morfema de posse ocorre a ressilabaccedilatildeo da coda fricativa
Do ponto de vista da marcaccedilatildeo a siacutelaba menos marcada eacute a que apresenta o
padratildeo CV (Hume 2004 p 183) O Latundecirc tem a tendecircncia a seguir esse
padratildeo de forma que para a liacutengua a coda embora fonoloacutegica eacute mais marcada
A simplificaccedilatildeo da estrutura mais marcada (presenccedila de coda) eacute transferida para
o portuguecircs Conforme os dados descritos abaixo os segmentos que mais satildeo
apagados em posiccedilatildeo de coda satildeo os glides j w e as consoantes h s Como o
85
Mattoso Cacircmara (1969) considera que os glides pertencem ao nuacutecleo Neste caso trata-se de um nuacutecleo ramificado
172
Latundecirc natildeo tem na sua estrutura silaacutebica a coda fricativa alveolar s esse
segmento natildeo eacute licenciado no portuguecircs dos indiacutegenas (dados em 13) Esse
fenocircmeno eacute categoacuterico na fala dos mais velhos e eacute variaacutevel na fala dos indiacutegenas
da geraccedilatildeo poacutes-contato
(12) [m to] muito [koɾƱ] couro
[voto] voltou (13) [dumi] durmir [pig ta] pergunta [pota] porta [kota] corta [pɛtƱ] perto
[kotildekorsquodo] concordou [barsquobudƱ] barbudo (14) [hipotildersquodew] respondeu [gorsquotozƱ] gostoso [iˈtɛla] Stella ([isˈtɛla])
A coda eacute um elemento universalmente marcado No Latundecirc a sua realizaccedilatildeo eacute
em menor frequecircncia do que o Portuguecircs apesar de sua larga presenccedila na
subjacecircncia O que percebemos ademais eacute que o apagamento do R e do s em
coda contribui para a elevaccedilatildeo da vogal meacutedia pretocircnica tautossilaacutebica conforme
os dados ldquocorta e portardquo em (12)
A regra abaixo sintetiza o comportamento da coda no portuguecircs dos Latundecirc
C ou V [oslash] coda
173
Como vimos no Portuguecircs falado por Latundecirc qualquer consoante ou vogal
poderaacute ser apagada em posiccedilatildeo de coda Esta regra tem se mostrado menos
produtiva nas faixas etaacuterias mais novas Nessas geraccedilotildees o apagamento eacute mais
produtivo quando coincide com a realizaccedilatildeo encontrada por nativos em
portuguecircs ([ˈfosa] lsquoforccedilardquo)
6114 Reduccedilatildeo do geruacutendio ndash Anteriorizaccedilatildeo da vogal final
A reduccedilatildeo do geruacutendio eacute um processo comum em alguns dialetos brasileiros
sobretudo em registro menos tenso Esse eacute mais um processo que resulta no
apagamento de segmentos No portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute praticamente
categoacuterica a ocorrecircncia da assimilaccedilatildeo da alveolar em geruacutendio
(15) [falatildenƱ] falando [b ɾ ĩgatildenƱ] brigando [kume nƱ] comendo
[bersquobe nƱ] bebendo
[sorsquo ɾ anƱ] chorando
[mersquosenƱ] mexendo [mi ti nƱ] mentindo
Por ser esse um fenocircmeno de larga frequecircncia no portuguecircs nativo entendemos
que a simplificaccedilatildeo segmental da estrutura gerundiva natildeo eacute surpreendente no
portuguecircs indiacutegena Entretanto na produccedilatildeo da geraccedilatildeo preacute-contato a
assimilaccedilatildeo total da oclusiva alveolar eacute acompanhada pela anteriorizaccedilatildeo da
vogal final conforme dados a seguir
174
(16) [dimuɾatildenɪ] demorando
[asinatildenɪ] ensinando [tiɾatildenɪ] tirando
[katildetatildenɪ] catando [kɾese nɪ] crescendo
Para anaacutelise das ocorrecircncias acima precisamos considerar a estrutura do
Latundecirc nessa liacutengua uma terminaccedilatildeo verbal altamente produtiva eacute o morfema
aspectual acentuado -ˈtatilden Esse morfema pode ser seguido pelo morfema de
modo neutro -i resultando nas sequecircncias -ˈtatildeni conforme exemplo abaixo
(17) [keˈja ˌdaˈɾatildeni]
keˈjat ˈta-tatilden-i milho deitar-imperfectivo-neutro
eacute milho deitado (espalhado no chatildeo)
Como no Latundecirc o verbo (e nome) natildeo termina em vogal posterior tal restriccedilatildeo
pode explicar a anteriorizaccedilatildeo do geruacutendio do portuguecircs
6115 Reduccedilatildeo das palatais nasal e lateral
A reduccedilatildeo das palatais nasal e lateral estaacute diretamente ligada agrave natildeo existecircncia
destes segmentos no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc No entanto Clements e
Hume (1995) em seus estudos apontam estes fonemas como complexos do ponto
de vista de seu comportamento
175
Os segmentos ɲ e ʎ satildeo consoantes mais marcadas A natildeo realizaccedilatildeo destas
consoantes no Latundecirc jaacute eacute um fator para a natildeo realizaccedilatildeo no Portuguecircs devido agrave
complexidade inerente de tais segmentos Enquanto segmentos mais complexos
as palatais satildeo sujeitas ao enfraquecimento atraveacutes da iotizaccedilatildeo (vocalizaccedilatildeo)
Mesmo no portuguecircs esse eacute um processo operante particularmente em
variedades populares Mattoso Cacircmara (1981 p 149) descreve que se trata de
ldquomudanccedila de uma vogal ou consoante para a vogal anterior alta i ou para a semivogal correspondente ou iode Nos falares crioulos portugueses haacute a iotizaccedilatildeo das consoantes molhadas ʎ e ɲ ex mulher gt muyeacute nhonho gt ioiocirc (africanismo)rdquo
Aleacutem da iotizaccedilatildeo o portuguecircs apresenta a despalatizaccedilatildeo da lateral em que ʎ
realiza-se [l] como em [muˈlɛ] lsquomulherrsquo
No portuguecircs dos Latundecirc o enfraquecimento se daacute mais frequentemente pela
iotizaccedilatildeo como em (18) Estas realizaccedilotildees ocorrem na fala dos mais velhos na
geraccedilatildeo anterior ao contato
18) [muˈjɛ] mulher
[baɾuj] barulho
[ojˈatildenƱ] olhando
[vimej] vermelho (19) [fila] filha [fola] folha
Weinreich (1953 p 18) explica que quando em sistemas foneacuteticos em contato
podem ocorrer os processos de reinterpretaccedilatildeo de fone que leva a substituiccedilatildeo
de segmento Eacute o que acontece nos exemplos acima
176
Em (20) e (21) o processo de despalatalizaccedilatildeo resulta no apagamento total da
palatal
(20) [miƱ] milho [fii] filho (21) [mia] minha A reduccedilatildeo tem menos restriccedilotildees se comparada com os fatos do portuguecircs falado
por nativo Em (20) as ocorrecircncias satildeo atestadas no portuguecircs enquanto primeira
liacutengua Diante da vogal posterior natildeo apenas o apagamento da palatal pode
ocorrer como tambeacutem o da siacutelaba inteira Em (21) observamos uma realizaccedilatildeo
particular dos Latundecirc em que a consoante palatal nasal eacute apagada plenamente
sem deixar vestiacutegio nasal na vogal que a precede Esse fato tem relaccedilatildeo com a
complexidade que envolve as nasais na liacutengua indiacutegena a qual natildeo coincide com
os processos existentes no portuguecircs
No caso de (22) ocorre o apagamento da siacutelaba em que se encontra a palatal
nasal do diminutivo eacute comum a variedades populares do portuguecircs
(22) [pikinĩnĩ ] pequenininho [faki ] faquinha
Como afirmamos no iniacutecio da seccedilatildeo os segmentos palatais natildeo existem em
Latundecirc o que torna sua produccedilatildeo no Portuguecircs falado pelos Latundecirc mais
marcada e de difiacutecil ocorrecircncia
177
6116 Afeacuterese
A afeacuterese eacute um processo foneacutetico que consiste na queda de elementos iniciais do
vocaacutebulo Este processo que fora responsaacutevel pelas modificaccedilotildees foneacuteticas do
Latim para o Portuguecircs ainda eacute atuante no estaacutegio atual da liacutengua
A queda da siacutelaba inicial es- em verbos como esperar e estar e do a- em
vocaacutebulos como aqui e acabar eacute muito comum em alguns dialetos brasileiros
Entretanto este tipo de delaccedilatildeo no portuguecircs falado pelos Latundecirc se expande
para outros vocaacutebulos da liacutengua conforme os exemplos abaixo
(23) [kutatildeni] escutando [kapa] escapa [kapo] escapou [peɾatildenƱ] esperando
[pi gada] espingarda
(24) [tupiw] entupiu [gatildeno] enganou [tehaɾƱ] enterraram
(25) [kɪ] aqui [lsquokelɪ] aquele [bɾasadƱ] abraccedilado
[meto] aumentou [korsquodadƱ] acordado [batildedono] abandonou [kaboʃe] acabou-se
(26) [fiɾe tɪ] diferente
[pitaw] hospital
178
Natildeo consta no inventaacuterio fonoloacutegico dessa liacutengua a presenccedila da fricativa alveolar
surda em posiccedilatildeo de coda Essa restriccedilatildeo eacute transferida para o portuguecircs falado
por Latundecirc conforme (23)
Outra razatildeo para esse fenocircmeno pode estar na estrutura prosoacutedica da palavra no
Latundecirc Nessa liacutengua as palavras satildeo monossilaacutebicas ou dissilaacutebicas Raiacutezes
com mais de duas siacutelabas satildeo raras (TELLES 2002) Associado a isso o acento
eacute morfoloacutegico em raiacutezes Nas dissilaacutebicas o acento recai na segunda siacutelaba
(27) [ˈmatilde ginĩde] ˈmatildejn-kiˈnĩn-te caju-redondo-Sufixo Nominal
lsquocastanha de cajursquo
No dado (27) encontramos exemplos de raiz monossilaacutebica e de raiz dissilaacutebica
Jaacute no portuguecircs haacute um nuacutemero relevante de palavras trissiacutelabas e polissiacutelabas
Diante disso a afeacuterese pode ser uma interferecircncia da estrutura do leacutexico da
liacutengua indiacutegena para simplificar a estrutura do portuguecircs - mais marcada no
Latundecirc Este fenocircmeno natildeo afeta o acento e eacute operante sobretudo quando a
siacutelaba inicial natildeo tem onset
6117 Apoacutecope
A apoacutecope eacute uma das formas de apagamento de segmentos que estaacute
relacionada assim como a afeacuterese a outros processos foneacuteticos
179
A queda de elementos finais eacute uma das formas de reduccedilatildeo ou reorganizaccedilatildeo
silaacutebica e de palavras Assim como nos demais processos a siacutelaba tocircnica eacute
preservada de qualquer alteraccedilatildeo
Embora alguns processos explicados aqui tratem da apoacutecope como a reduccedilatildeo do
geruacutendio e ditongo finais ou apagamento da nasal palatal a exemplo de (27)
estes exemplos jaacute foram mecionados nas seccedilotildees anteriores A presenccedila deles
aqui eacute para mostrar que os outros processos foneacuteticos resultam na apoacutecope
(28) [ ʒ rsquotaɾɪ] juntaram
[tursquodĩ] tudinho [ti ] tinha
[lsquovE ] velho [kabersquosĩ] cabecinha [lsquonatilde] natildeo [lsquomatilde] matildee (29) [lsquove] ver [lsquokɛ] quer (30) [nɔj] noacutes
[maj] mais [dirsquofisɪ] difiacutecil [dirsquofisƱ] difiacutecil [tatildersquome j] tambeacutem
(31) [virsquoa] viado [lsquoluɾɪ] Lurdes
[lsquote ] dele
Em (29) a apoacutecope do R final eacute processo muito comum no portuguecircs atual
Diante de tal explicaccedilatildeo natildeo nos cabe assegurar se o processo eacute proacuteprio do
180
Latundecirc ou se da variedade atraveacutes da qual os indiacutegenas adquiriram o portuguecircs
Os dados em (30) tambeacutem apontam para a interpretaccedilatildeo dos dados mostrados
em (29)
Em (31) os dados apresentam um apagamento incomum ao portuguecircs de
nativos A fala espontacircnea e natildeo tensa eacute uma possibilidade explicativa uma vez
que essas ocorrecircncias natildeo satildeo sistemaacuteticas
Os dados de apoacutecope natildeo evidenciam a transferecircncia de traccedilos mais marcados
do Latundecirc para o portuguecircs
6118 Siacutencope86
A forma mais comum deste processo se apresenta no portuguecircs nas
proparoxiacutetonas Em alguns dialetos a depender do contexto linguiacutestico eacute
categoacuterico a ocorrecircncia da reduccedilatildeo interna no vocaacutebulo
Nos exemplos elencados em (32) no caso das proparoxiacutetonas tal reduccedilatildeo eacute
motivada pelo padratildeo acentual do portuguecircs que permite com mais toleracircncia o
padratildeo paroxiacutetono ao proparoxiacutetono conforme Silva (2006 p78)
Quando ocorrente no Portuguecircs este processo estaacute relacionado ao apagamento
da vogal postocircnica medial Com a reduccedilatildeo vocaacutelica a consoante precedente
pode tomar dois caminhos i) eacute incorporado agrave siacutelaba tocircnica na posiccedilatildeo de coda ii)
86
Os exemplos apresentados demonstram que o processo ocorrente eacute muito mais motivado pelo
Portuguecircs do que pelo Latundecirc A nossa classificaccedilatildeo fica aqui a caraacuteter de registro
181
passa a onset da siacutelaba aacutetona seguinte o que afeta sua constituiccedilatildeo O
apagamento vocaacutelico resulta em uma palavra paroxiacutetona
(32) [lsquomuʒka] muacutesica [lsquohapƱ] raacutepido [lsquokOʃka] coacutecega [lsquoavɾɪ] aacutervore
Entendemos que muitas destas ocorrecircncias no Latundecirc se datildeo pelo portuguecircs de
contato Isso eacute confirmado pela produccedilatildeo de ldquomuacutesicardquo e ldquocoacutecegardquo que licencia
uma restriccedilatildeo forte no Latundecirc a fricativa sibilante em coda Aleacutem disso a
produccedilatildeo de ldquoraacutepidordquo ([ˈhapƱ]) tambeacutem coincide com a realizaccedilatildeo encontrada no
portuguecircs popular na qual a consoante em onset da siacutelaba apagada passa a
onset da siacutelaba seguinte devido agrave restriccedilatildeo no portuguecircs de onda oclusiva
612 Ganho de elementos (Inserccedilatildeo de elementos)
Embora em menor nuacutemero os processos que resultam em ganhos de elementos
tambeacutem ocorrem no Portuguecircs falado pelos Latundecirc Satildeo poucos os processos e
menores ainda os casos em que eles ocorrem Isso pode ser explicado como jaacute
fora dito devido ao fato de as liacutenguas em geral terem um dinamismo proacuteprio que
favorece mais agrave perda do que o ganho de elemento Em alguns casos a
motivaccedilatildeo para o ganho de material foneacutetico satildeo as restriccedilotildees fonotaacuteticas da
liacutengua e ou a tendecircncia agrave formaccedilatildeo de padratildeo silaacutebico menos marcado No caso
do portuguecircs de acordo com Collischonn (2004 p 67) um tipo de ganho de
material precisamente a epecircntese vocaacutelica
ocorre mais quando a consoante perdida estaacute em posiccedilatildeo pretocircnica como em objeto magneacutetico e opccedilatildeo ocorrendo em apenas 24 dos vocaacutebulos na posiccedilatildeo postocircnica em palavras como egiacutepcios eacutetnico ou ritmo Mais especificamente estes resultados mostram que a epecircntese que em outros contextos
182
ocorre numa taxa bastante alta eacute dramaticamente reduzida em posiccedilatildeo postocircnica
Exemplos do que a autora descreve seguem apresentados abaixo em (33) O
primeiro dado traz a inserccedilatildeo da vogal epenteacutetica default no portuguecircs a anterior
alta [i] e a segundo natildeo ocorrecircncia da inserccedilatildeo
(33) [lsquoabiˈsuhdƱ] absurdo [koˈlapisƱ] colapso
A epecircntese vocaacutelica nos dados examinados natildeo foi muito expressiva sobretudo
pelo fato de natildeo termos encontrado um nuacutemero significativo de palavras com
encontro consonantal no leacutexico dos indiacutegenas Entretanto alguns casos como em
(34) ilustram a ocorrecircncia no portuguecircs dos Latundecirc
(34) [ˈmɔgunƱ] mogno (35) [piˈnew] pneu
A estrutura que favorece a epecircntese no portuguecircs natildeo faz parte das regras
fonotaacuteticas do Latundecirc o que tambeacutem pode favorecer a vogal epenteacutetica nos
dados observados
(36) [haacutersquopazɪ] rapaz [haacutersquopazƱ] rapaz [parsquope sɪ] papeacuteis [dorsquose zɪ] de vocecircs [lsquonͻ zɪ] noacutes
183
Diferentemente do que ocorre em (34 - 35) os dados de (36) nos direcionam para
a paragoge processo que se caracteriza pela inserccedilatildeo de elemento(s) no final do
vocaacutebulo Este processo tambeacutem estaacute diretamente ligado agrave presenccedila da fricativa
alveolar desvozeada em coda sendo esse segmento proibido nessa posiccedilatildeo no
Latundecirc No caso citado a inserccedilatildeo pode ser da vogal alta posterior rapaz
[hapazƱ] mas a preferecircncia eacute pela vogal alta anterior que eacute a vogal menos
marcada [hapazɪ] rapaz noacutes [lsquonͻ zɪ]
Em (37) o processo de paragoge ocorre apoacutes o processo de monotongaccedilatildeo
ocorrendo no ditongo [atildew] que passa a ser realizado como a vogal nasal meacutedia
posterior conforme discutido em 5111 Apoacutes esse processo haacute a inserccedilatildeo do
consoante nasal seguida da vogal alta anterior A paragoge eacute variaacutevel com a
reduccedilatildeo do ditongo ([tubaˈɾotilde]) A inserccedilatildeo da siacutelaba final [-ni] pode decorrer da
existecircncia produtiva de terminaccedilatildeo sonora semelhante em vocaacutebulos (nominais e
verbais) no Latundecirc
(37) [tubarsquoɾotildenɪ] tubaratildeo
Em (38) o processo ocorrente eacute a proacutetese Se para o processo inverso - a afeacuterese
- os dados satildeo em maior quantidade para a proacutetese satildeo pouquiacutessimos os
contextos em que ela ocorre No caso deste exemplo a proacutetese se daacute a presenccedila
da vogal baixa diante do verbo Este tipo de proacutetese eacute bem recorrente no
Portuguecircs em dados como ([alemˈbra]) Entretanto o caraacuteter pontual da
ocorrecircncia do fenocircmeno natildeo favorece uma interpretaccedilatildeo mais segura
(38) [atorsquomaɾu] tomaram
184
Outra forma de ganho de elementos pode ser o prolongamento da vogal final O
exemplo de (39) nos mostra o prolongamento da vogal meacutedia anterior Essa
ocorrecircncia foi observada no contexto especiacutefico de ecircnfase
(39) [dese] desse [se] esse
613 Alteraccedilatildeo de elementos (Permuta ou transposiccedilatildeo)
A alteraccedilatildeo de elementos linguiacutesticos eacute considerada na literatura histoacuterica como o
terceiro tipo de alternacircncia focircnica inerente agraves liacutenguas Os contextos em que o
cacircmbio eacute permitido satildeo diversos e direcionados por distintas regras fonoloacutegicas
Muitos desses processos natildeo alteram a estrutura silaacutebica nem atinge a estrutura
lexical O que ocorre de fato eacute a acomodaccedilatildeo de alguns segmentos no dialeto
falado seja pela mudanccedila de traccedilo(s) ou seja pela de segmento(s)
6131 Despalatalizaccedilatildeo de [ʃ] e [ʒ]
Tratamos na seccedilatildeo 5115 do processo da reduccedilatildeo das palatais [ʎ] e [ɳ] que
tambeacutem se configura como um caso de despalatalizaccedilatildeo Todavia tal
classificaccedilatildeo se daacute devido ao fato de estaacute ligada agrave perda de elementos enquanto
a que trataremos agora se configura da permuta ou da reduccedilatildeo de traccedilos
185
Em Latundecirc a presenccedila das palatais [ʃ] e [tʃ] satildeo realizaccedilotildees de s Estas podem
vir em iniacutecio e em meio de palavras As realizaccedilotildees [ʃ] e [s] satildeo preferidas pelos
mais novos enquanto os mais velhos optam pela africada alveolo-palatal surda
Diferentemente no Portuguecircs falado por Latundecirc as realizaccedilotildees natildeo
palatalizadas satildeo preferidas Os Latundecirc natildeo transferem o segmento mais
marcado para o Portuguecircs Contudo conforme seccedilatildeo a seguir veremos que este
processo eacute variaacutevel e pode se dar em qualquer posiccedilatildeo do vocaacutebulo conforme
dados de (40)
(40) [sersquogo] chegou [sersquogamƱ] chegamos [sorsquoɾanƱ] chorando [sursquopaha] chupava [satildematildedƱ] chamando [dersquosaɾƱ] deixaram [casueɾƱ] cachoeira
[mersquosenƱ] mexendo [bisƱ] bicho [baso] baixo [debasƱ] debaixo [lsquopesƱ] peixe [dirsquoso] deixou
Natildeo consta no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc as consoantes z e ʒ de forma
que a liacutengua natildeo apresenta oposiccedilatildeo entre surda e sonora para as fricativas
sibilantes Em (41) o processo de despalatalizaccedilatildeo atinge a fricativa alveopalatal
vozeada que passa a se comportar como fricativa alveolar em iniacutecio de siacutelaba e
em meio de palavras
(41) [lizeɾƱ] ligeiro
186
[lsquolotildezɪ] longe [lsquosuzɪ] suja [lsquosuzu] sujo [azursquoda] ajudar [lsquozudia] judia [azersquota] ajeitar
A escolha do segmento menos marcado segue o que ocorreu com s a
realizaccedilatildeo desses segmentos satildeo adquiridos analogicamente e a presenccedila se daacute
no interior do vocaacutebulo Trata-se da reinterpretaccedilatildeo e acomodaccedilatildeo do segmento
Neste caso do menos marcado jaacute que ambos satildeo menos naturais em sua liacutengua
(WEINREICH 1953)
6132 Palatalizaccedilatildeo
A quantidade de sons palatais do Latundecirc natildeo corresponde aos do Portuguecircs
Em Latundecirc a palatalizaccedilatildeo eacute um processo foneacutetico que ocorre com o segmento
s e em incidecircncia extremamente escassa com t em ambientes que jaacute foram
postos no Capiacutetulo IV que trata deste sistema foneacutetico Eacute um processo bastante
variaacutevel tendo em vista a natildeo presenccedila desse segmento na subjacecircncia da
liacutengua Essa variaccedilatildeo ocorre marcadamente na fala dos mais velhos Os mais
jovens que adquiriram ambas as liacutenguas (Portuguecircs e Latundecirc)
simultaneamente produzem em menor proporccedilatildeo este processo
A africada [tʃ] eacute um segmento que tambeacutem apresenta uma realizaccedilatildeo altamente
variaacutevel provavelmente devido agrave histoacuteria interna da liacutengua conforme Telles
187
(2002 p85) No Latundecirc natildeo haacute diferenccedila entre a oposiccedilatildeo foneacutetica entre as
alveolares de um lado e as palatais e alveacuteolo-palatais de outro
Em (42) e (43) a palatalizaccedilatildeo atinge tanto a fricativa alveolar vozeada quanto a
desvozeada
(42) [ʃu rsquomiɾƱ] sumiram
[ lsquoʃi ma] cima
[ʃigursquoɾow] segurou
(43) [lsquoua] usa
[bursquoʒoɾƱ] Besouro
Em (44) e (45) a palatalizaccedilatildeo abrange as consoantes oclusivas alveolares que
se realizam como africadas alveolo-palatais podendo ocorrer em qualquer
posiccedilatildeo ou contexto da palavra
(44) [lsquoĩdƱ] iacutendio
[matildersquodɔga] mandioca
[ɛrsquoĩ] zezinho
[odʒɪ] hoje [tʃi rsquodʒeɾƱ] cinzeiro
Embora no Portuguecircs o processo de africativizaccedilatildeo de oclusivas alveolares [t d]
seja comum a alguns dialetos como o do Rio de Janeiro [lsquotʃia] e do portuguecircs
popular no Nordeste [lsquoojtʃƱ] sua ocorrecircncia eacute condicionada agrave contiguidade de uma
vogal anterior alta [i] Diferentemente em Latundecirc a palatalizaccedilatildeo e a
188
fricativizaccedilatildeo variam entre si e ocorrem tambeacutem com a fricativa alveolar s Este
processo pode ocorrer em qualquer lugar da palavra
(45) [tʃai] sair [tʃiɾi ga] seringa
[barsquotʃotilde] batom [tʃͻ] soacute [tʃumiɾƱ] sumiram
[tʃobɾo] sobrou
[arsquotʃi ] assim
[tʃubi nƱ] subindo
[pɔtʃa] porta
[rsquotʃua] suja
Os exemplos de (46) apontam para um processo secundaacuterio o fortalecimento
Neste caso a fricativa alveopalatal passa a ser pronunciada como africada
(46) [ tʃoɾatildenƱ] chorando [tʃama] chama [tʃega] chega [ tʃursquoveɾƱ] chuveiro [kaharsquopitʃƱ] carrapicho
No que tange agrave abordagem das palatais a variaccedilatildeo no processo de acomodaccedilatildeo
desses inventaacuterios fonoloacutegicos eacute muito grande A partir das incidecircncias
percebemos que no Portuguecircs resultante do contato a ocorrecircncia desses
segmentos complexos se mostra tambeacutem na mesma proporccedilatildeo
Diante da palatalizaccedilatildeo incluindo a africativizaccedilatildeo observamos que os dados
apresentam duas direccedilotildees quanto ao processo Nos mesmos contextos tanto
ocorre a despalatalizaccedilatildeo quanto a palatalizaccedilatildeo Essa variaccedilatildeo no portuguecircs dos
189
indiacutegenas eacute engatilhada pela ausecircncia do contraste szʃʒ em sua primeira
liacutengua
6133 Desvozeamento e vozeamento
Diferente do portuguecircs no Latundecirc natildeo haacute oposiccedilatildeo das oclusivas quanto agrave
sonoridade As consoantes oclusivas subjacentes satildeo as surdas bilabial alveolar
e velar p t e k respectivamente Sua realizaccedilatildeo sonora eacute condicionada pela
posiccedilatildeo na palavra pelo ambiente (contiguidade nasal) e pelo acento O
vozeamente obrigatoacuterio ocorre quando elas precedidas por consoante nasal na
coda da siacutelaba anterior O processo ocorre tanto no interior quanto em fronteiras
de morfemas (TELLES 2002 p135)
A ausecircncia do contraste surdo-sonoro nas consoantes oclusivas do Latundecirc afeta
a realizaccedilatildeo das consoantes no portuguecircs resultante do contato Na produccedilatildeo dos
indiacutegenas mais velhos (esse fenocircmeno natildeo foi observado na geraccedilatildeo mais
jovem) o processo de desvozeamento atinge as consoantes oclusivas sonoras g
d do portuguecircs conforme (47) e (48)
A realizaccedilatildeo sonora Latundecirc envolve o traccedilo laringal Foneticamente em fala
lenta haacute a realizaccedilatildeo de [d] como alofone de t Telles (2002 p 45) explica que
os falantes mais jovens da geraccedilatildeo poacutes-contato que adquiriram o Portuguecircs
simultaneamente ao Latundecirc neutralizaram o contraste entre sons realizando
preferencialmente o som menos marcado natildeo-implodido Diferentemente dos
mais novos os mais velhos preferem o som implosivo [ɗ]
190
Quanto ao segmento [g] o Latundecirc o tem enquanto alofone de [k] e pode ser
encontrado em iniacutecio de palavra quando em fala raacutepida Mostra-se categoacuterico em
meio de palavra quando diante de uma nasal lexical Em ambiente intervocaacutelico
pode-se encontrar a variaccedilatildeo entre [k] e [g] das quais eacute preferencial a realizaccedilatildeo
da vogal surda (idem p73) A falta do contraste no Latundecirc explica as
realizaccedilotildees de (47)
(47) [lsquobɾika] briga [lsquokoʃta] gosta [kɔviotilde] gaviatildeo
[katildersquoba] gambaacute
A ausecircncia do segmento [d] em Latundecirc eacute a responsaacutevel pela variaccedilatildeo e pela natildeo
realizaccedilatildeo dessa consoante que ocorre como oclusiva alveacuteolo-palatal t
(48) [tipoj] depois [se rsquotatu] sentado
(49) [hatildega] arranca
Em (49) diferentemente do processo de desvozeamento a oclusiva velar se
realiza como sonora A contiguidade nasal em posiccedilatildeo precedente condiciona o
vozeamente da oclusiva velar
Em todos os casos observados acima fica evidente a interferecircncia do Latundecirc no
portuguecircs indiacutegena As consoantes sonoras que satildeo mais marcadas
interliguisticamente por natildeo fonoloacutegicas no Latundecirc se tornam ainda mais
marcadas nessa liacutengua Na produccedilatildeo do portuguecircs os Latundecirc mais velhos
191
preservam a marcaccedilatildeo e apresentam uma realizaccedilatildeo com condicionamento
emprestado da liacutengua indiacutegena
6134 Abaixamento e Elevaccedilatildeo das Vogais Orais
No portuguecircs falado pelos Latundecirc os processos de abaixamento e elevaccedilatildeo
diferenciam-se dos contextos em que ocorrem no portuguecircs Os de elevaccedilatildeo satildeo
em maior nuacutemero que os de abaixamento fato este tambeacutem verificado no
portuguecircs falado pelos Latundecirc
No caso de (50) o uacutenico caso de abaixamento ocorre na vogal anterior nasal e
que passa a ser pronunciada como vogal baixa oral
(50) [asina] ensinar [asinatildenɪ] ensinando
Em (51) a elevaccedilatildeo ocorre com a vogal central baixa final que passa a alta
anterior
(51) [suzɪ] suja [kazɪ] causa [kazɪ] casa [li gɪ] liacutengua
[pɾersquogisɪ] preguiccedila
Assim como em (51) em (52) a elevaccedilatildeo da vogal final tambeacutem eacute realizada como
alta anterior No segundo caso natildeo se trata de elevaccedilatildeo mas de anteriorizaccedilatildeo
uma vez que a vogal meacutedia posterior que ocorre em nomes no portuguecircs eacute
realizada como alta posterior
192
(52) [li pɪ] limpo
[kotildemɪ] como [pɾeti] preto
[saɾatildepɪ] sarampo
[pɾimeɾɪ] primeiro
[morsquosegɪ] morcego [morsquohe dɪ] morrendo
[novɪ ] novo
[kursquoɳadɪ] cunhado [otɪ] outro [fikatildenɪ] ficando
A elevaccedilatildeo e posteriorizaccedilatildeo tambeacutem ocorrem no final dos vocaacutebulos como em
(53)
(53) [kabesƱ] cabeccedila [kanɛlƱ] canela
[mini nadƱ] mininada
[malaɾƱ] malaacuteria
[kursquoru Ʊ] coruja
Em (54) temos tambeacutem a posteriorizaccedilatildeo da alta anterior Assim como a meacutedia
posterior em (52) a meacutedia anterior no portuguecircs eacute amplamente produzida como
alta anterior de forma que o alccedilamento em si natildeo se configura como um
processo do portuguecircs do contato
(54) [hedƱ] rede [bastatildetƱ] bastante [pesƱ] peixe [notƱ] noite [febɾƱ] febre
193
Apesar de natildeo encontrarmos itens que mostrassem a sistematicidade do
condicionamento entre [i] e [u] em final de palavras os dados nos mostram que
haacute uma tendecircncia na base das realizaccedilotildees Os vocaacutebulos terminados em [Ʊ]
tendem a ser produzidos com [ɪ] e os terminados por [a] tendem a ser realizados
com [Ʊ]
Nos dados observados a variaccedilatildeo entre [i] e [Ʊ] soacute ocorre em final de vocaacutebulo
quando se trata da paragoge conforme visto nos exemplos (36) em 512
[harsquopazɪ] ~ [harsquopazʊ]
Os dados em (55) ilustram a falta de regularidade no alccedilamento das vogais
pretocircnicas Como vemos em [fuˈkatildemƱ] e [virsquome ] a tonicidade ou a contiguidade
segmental natildeo condiciona a elevaccedilatildeo da pretocircnica
(55) [pig ta] pergunta [piskosƱ] pescoccedilo [hirsquopotildedew] respondeu [pigu rsquotatildenɪ] perguntando
[dimorsquoɾo] demorou
[virsquome ] vermelho [dimursquoɾatildenɪ] demorando
[fuˈkatildemƱ] ficamos
[kuˈmiw] comeu
194
6135 Nasalizaccedilatildeo e Desnasalizaccedilatildeo
No Latundecirc a nasalidade vocaacutelica eacute contrastiva para a central baixa a anterior
alta e a posterior alta seguidas por consoante nasal tautossilaacutebica A nasalizaccedilatildeo
alofocircnica soacute ocorre com vogais aacutetonas Apesar de a organizaccedilatildeo do traccedilo nasal
na fonologia do Latundecirc ser distinta da do portuguecircs o status contrastivo do traccedilo
em ambas as liacutenguas favorece sua percepccedilatildeo e realizaccedilatildeo na produccedilatildeo na sala
no portuguecircs Entretanto a nasal depende tambeacutem de outros fenocircmenos
cooperantes
Os dados a seguir ilustram a ocorrecircncia da nasalizaccedilatildeo em vogais A
contiguidade da vogal com uma consoante nasal mesmo heterossilaacutebica pode
resultar na nasalizaccedilatildeo O primeiro dado abaixo foge do esperado em liacutengua
portuguesa e tampouco decorre de uma interferecircncia do Latundecirc
(56) [mersquoatilde] meia [bɾĩrsquogatildenƱ] brigando [ʃu miɾƱ] sumiram
[mi mƱ] mesmo
Em (57) ocorre a desnasalizaccedilatildeo em palavras funcionais Esses casos natildeo satildeo
frequentes no leacutexico e natildeo podem ser analisados como resultados de interferecircncia
direta O apagamento da nasal em coda ou em onset seguinte impede a
nasalizaccedilatildeo
(57) [nɪ] nem (natildeo) [mia] minha
195
6136 Fenocircmenos evolvendo os roacuteticos
O tratamento do roacutetico requer uma consideraccedilatildeo sobre o seu comportamento
interlinguiacutestico Retomando as palavras de Bonet e Mascaroacute (1997 p 103)
It is well know that the phonetic realization of rhotics varies considerably from language to language even from dialect to dialect Rhotics can be realized as flaps taps trills (uvular coronal ou bilabial) or as assibilated or fricative variants They ca alternate with a lateral liquid with glides and in some cases a flap can occur as the phonetic realization of a coronal stop in specific environments
Os roacuteticos satildeo segmentos que apresentam uma grande variaccedilatildeo no portuguecircs
Natildeo diferentemente estes elementos tambeacutem se mostraram como motivadores
de vaacuterios processos fonoloacutegicos do portuguecircs falado pelos Latundecirc
Os exemplos dispostos em (58) apontam para a aspiraccedilatildeo do R em coda
silaacutebica Processo este que eacute comum a variedades do portuguecircs e que tambeacutem
no caso em tela pode ser motivado pela preferecircncia de natildeo coda da liacutengua
Latundecirc que favorece o seu enfraquecimento atraveacutes de uma realizaccedilatildeo fricativa
glotal
(58) [duhmɪ] Dormi [mɛgursquola] mergulhar
[fosa] Forsa
O rotacismo eacute um fenocircmeno presente no portuguecircs dos Latundecirc especialmente
entre os mais velhos Fonemas distintos podem sofrer o processo Em (59) a
realizaccedilatildeo do flap tem na base uma sibilante uma lateral palatal e uma oclusiva
196
alveolar Em ldquotrabalhavardquo a lateral palatal inexistente no Latundecirc poderia ser
subtituida pela lateral alveolar constante do inventaacuterio da liacutengua indiacutegena
Entretanto o flap apesar de natildeo fonoloacutegico no Latundecirc eacute um segmento muito
frequente na liacutengua decorrente de processo de enfraquecimento Essa tendecircncia
do Latundecirc pode estar na base da realizaccedilatildeo do portuguecircs Dentre as ocorrecircncias
abaixo a uacuteltima se coloca como um processo frequente no proacuteprio Latundecirc no
qual uma oclusiva passa a flap em ambiente intervocaacutelico
(59) [karsquoboɾe] acabou-se
[tabaɾava] trabalhava
[poɾɪ] pode
Em Portuguecircs particularmente falado por sujeitos menos escolarizados o
fenocircmeno do rotacismo tambeacutem eacute frequente em encontros consonantais
tautossilaacutebicos em que a segunda consoante eacute a lateral alveolar l Dessa forma
produccedilatildeo encontrada em (60) pode ser devido ao contato com o Portuguecircs local
(60) [pɾatildeta] planta
[gɾɛba] gleba
[fɾɛsa] flecha
Em termos da organizaccedilatildeo da fonologia de ambas as liacutenguas os dados em (60)
assim como aqueles em (59) podem ser refletidos a partir da escala de
sonoridade proposta por Bonet e Mascaroacute (1997 p 109)
197
Quadro 21 Escala de Sonoridade adaptada de Bonet e Mascaroacute 1997 p 109)
0 1 2 3 4
Obstruintes
(oclusivas
fricativas trill)
nasais laterais glides
flap
vogais
Considerando a posiccedilatildeo do flap na escala de Bonet e Mascaroacute podemos
interpretar tanto o rotacimo no portuguecircs natildeo padratildeo quanto aquele presente no
Latundecirc como resultado de enfraquecimento de diferentes segmentos situados
mais agrave esquerda no ranking de sonoridade Entre esses segmentos como
observamos na escala acima encontra-se a proacutepria lateral alveolar que apesar
de tradicionalmente formar a classe das liacutequidas ao lado dos roacuteticos natildeo
apresenta a mesma sonoridade que o flap
6137 Labializaccedilatildeo e Deslabializaccedilatildeo
No Portuguecircs falado pelos Latundecirc os processos que envolvem articulaccedilatildeo
secundaacuteria especificamente a labializaccedilatildeo e a deslabializaccedilatildeo estatildeo
relacionados agraves consoantes oclusivas velares e se realizam praticamente nos
mesmos contextos Trata-se de um processo foneacutetico variaacutevel
(61) [kƱɪ] que [kƱelɪ] com ele (62) [kazɪ] quase [katildedƱ] quando
198
[karsquokƱɛ] qualquer
[li gɪ] liacutengua
No Latundecirc a labializaccedilatildeo pode ser derivada de processo mas eacute restrita em
ocorrecircncia Aleacutem disso a sequecircncia da olusiva seguida do glide formando
encontro consonantal tambeacutem natildeo faz parte da fonologia do Latundecirc Esses fatos
favorecem a produccedilatildeo irregular do portuguecircs em que observamos a
deslabializaccedilatildeo (ou o apagamento do glide) como em (62) e a labializaccedilatildeo (ou
inserccedilatildeo do glide) em (61)
6138 Metaacutetese
A alternacircncia de segmentos no portuguecircs falado pelos Latundecirc pode ocorrer
entres siacutelabas diferentes ou entre elementos da mesma siacutelaba Aleacutem disso
ocorre nas duas direccedilotildees (da esquerda para a direita e da direita para a
esquerda)
(63) [bahiƱ] bairro [fɾevenƱ] fervendo [parsquoguo] apagou
Como vemos acima no primeiro dado de (63) ocorre natildeo apenas a metaacutetese
como tambeacutem o avanccedilo do acento resultando numa palavra oxiacutetona Nos demais
dados a tranposiccedilatildeo segmental natildeo interfere na estrutura suprassegmental O
segundo dado de ldquofervendordquo eacute tiacutepico do portuguecircs e pode decorrer da variedade
de contato sobretudo pelo fato de o onset complexo natildeo fazer parte da liacutengua
indiacutegena Em ldquoapaguordquo a metaacutetese resulta na labializaccedilatildeo da oclusiva velar Essa
199
forma de palavra tem como realizaccedilatildeo foneacutetica frequente mesmo no portuguecircs
nativo a monotongaccedilatildeo Nesse caso a metaacutetese resulta de processo irregular e
pontual nos dados observados
Como vimos nas seccedilotildees anteriores os resultados da metaacutetese natildeo correspondem
a estruturas fonoloacutegicas no Latundecirc sendo sua ocorrecircncia derivada de processo
foneacutetico sem condicionamento prosoacutedico
6139 Siacutestole
Alguns casos de siacutestole em que ocorre o recuo do acento foram encontrados na
fala dos mais velhos Natildeo identificamos contexto linguiacutestico como o
sequenciamento focircnico do enunciado fonoloacutegico que justificasse essas
realizaccedilotildees Considerando o fato de a produccedilatildeo ter sido encontrada apenas na
fala da geraccedilatildeo mais velha e de o acento lexial no Latundecirc ser morfoloacutegico
ancorado em uma das duas promeiras siacutelabas da raiz da palavra (TELLES 2002)
eacute plausiacutevel supor uma interferecircncia do padratildeo acentual da liacutengua indiacutegena no
portuguecircs dos Latundecirc Os dados em (64) evidencia o recuo do acento
(64) [mɔhe] morrer
[kalo] calor [katɪ] quati [pega] pegar
Nos dados acima importa considerar tambeacutem o fato de se tratarem de itens
nominais (incluindo as formas nominais dos verbos) Diante disso uma analogia
possiacutevel dos Latundecirc seria a de considerar a raiz monossilaacutebica que eacute altamente
200
produtiva na liacutengua indiacutegena o que tambeacutem justificaria o acento na primeira
siacutelaba da palavra
61310 Fortalecimento
Casos de fortalecimento jaacute foram abordados nas seccedilotildees anteriores em que
tratamos da palatalizaccedilatildeo e da dessonorizaccedilatildeo Nesta seccedilatildeo outro fenocircmeno de
fortalecimento eacute apresentado no qual ocorre a oclusivizaccedilatildeo de fricativas
Salientamos entretanto que essas foram realizaccedilotildees mais esporaacutedicas e menos
recorrentes que as demais
(65) [istubidƱ] subindo [tiguɾa] segura
[torsquoteɾƱ] solteiro
[batitaɾƱ] batizaram
O processo ocorre no iniacutecio e em meio de palavra No primeiro dado em fato haacute
uma epecircntese da oclusiva alveolar surda [t] tendo em vista a preservaccedilatildeo de uma
sutil sibilaccedilatildeo do s em coda da siacutelaba precedente
Na fonologia do Latundecirc o fonema s tem como alofone o fone [t] que ocorre em
siacutelaba aacutetona (TELLES 2002) Embora essa natildeo seja a realizaccedilatildeo mais frequente
a interferecircncia do Latundecirc natildeo pode ser desconsiderada Em todos os dados de
(65) haacute a presenccedila de segmento oclusivo em siacutelaba contiacutegua que tambeacutem pode
ter motivado o fortalecimento do s
201
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
No que concerne agraves poliacuteticas linguiacutesticas diante do glotociacutedio que tem se
instaurado no Brasil desde a chegada dos portugueses dado o estado em que se
encontram as liacutenguas indiacutegenas brasileiras eacute de grande valia qualquer estudo
que vise agrave contribuiccedilatildeo e que favoreccedila natildeo soacute a proteccedilatildeo como o conhecimento
cientiacutefico dessas liacutenguas
O Latundecirc como jaacute mencionamos eacute uma dessas liacutenguas minoritaacuterias Ela se
encontra em extinccedilatildeo uma vez que hoje dispotildee de menos de 20 falantes com
autonomia poliacutetica Devido agrave populaccedilatildeo restrita e agraves relaccedilotildees tradicionais de
parentesco os jovens Latundecirc natildeo podem coabitar entre si de forma que a
interaccedilatildeo com o mundo externo eacute a via de perpetuaccedilatildeo social e ao mesmo
tempo de crescente e natildeo planejado contato linguiacutestico Tais circunstacircncias
implicam a urgecircncia de mais estudos sobre a realidade desse povo
Entedemos que estudar as liacutenguas menos conhecidas eacute de grande valia para o
incremento da ciecircncia linguiacutestica A investigaccedilatildeo de cada nova liacutengua eacute uma
maneira de conceber a linguagem humana e de contribuir dessa forma com os
universais linguiacutesticos e com o entendimento da faculdade humana da linguagem
(CAcircMARA-JR 1977 p6)
Seja entre si ou em contato com outras estas liacutenguas natildeo estatildeo (ou natildeo
estiveram) suficientemente isoladas para evitar algum tipo de proximidade
Thurston (1987 p 165) propaga que toda liacutengua deve ter sofrido alguma
202
influecircncia de seus vizinhos em um determinado ponto e tempo Todos os idiomas
satildeo portanto liacutenguas mistas na medida em que todos copiaram formas lexicais e
outros recursos linguiacutesticos de liacutenguas vizinhas
Thomason (2001 p 17) afirma que o contato linguiacutestico estaacute em toda a parte
muitos paiacuteses tecircm mais do que uma liacutengua oficial e muito provavelmente a maior
parte da populaccedilatildeo mundial fala duas ou mais liacutenguas
Contudo mesmo em grande quantidade os estudos que se encarregam da
observaccedilatildeo do contato linguiacutestico se debruccedilam ainda timidamente nos aspectos
foneacuteticos Com base nesta assertiva este trabalho se propocircs a observar como se
daacute o comportamento entre o Portuguecircs e o Latundecirc a partir da verificaccedilatildeo dos
padrotildees mais e menos marcados nos processos foneacuteticos de acomodaccedilatildeo Eacute um
estudo descritivo em que o Portuguecircs eacute a segunda liacutengua mesmo em face de seu
caraacuteter nacional Essa pluralidade linguiacutestica ainda existente no paiacutes demanda a
concretizaccedilatildeo das poliacuteticas a favor da salvaguarda da diversidade no planeta
Posto que toda liacutengua sofra influecircncia das forccedilas internas e externas que agem
sobre ela partimos do pressuposto de que em qualquer pesquisa linguiacutestica natildeo
encontraremos nada de extraordinaacuterio nada que exceda a experiecircncia do
humano Dessa sorte vamos encontrar () uma estrutura linguiacutestica como
qualquer outra e em muita coisa ateacute possivelmente semelhante agrave nossa
(MATTOSO CAcircMARA-JR 1977 p7)
E quando sistemas entram em contado fenocircmenos emergentes podem ajudar a
esclarecer os princiacutepios e as restriccedilotildees que regem as liacutenguas particulares Com
base na complexidade e na riqueza que advecircm do contato linguiacutestico analisamos
203
estas forccedilas conflitantes com base nos princiacutepios de hierarquizaccedilatildeo e
regularidade que satildeo forccedilas motrizes da marcaccedilatildeo nos processos foneacuteticos Aleacutem
do fator tempo outros aspectos podem estar diretamente ligados agraves
transformaccedilotildees pelas quais uma liacutengua passa como relaccedilotildees de poder
influecircncias de outras liacutenguas subjetividade de seus falantes etc
A marcaccedilatildeo estaacute diretamente ligada agrave simetria frequecircncia e naturalidade
Entretanto Rice (2007) apresenta as caracteriacutesticas da marcaccedilatildeo agrupando-as
em dois conjuntos O primeiro envolve os termos relativos a uma marcaccedilatildeo
considerada natural ou pautada na frequecircncia e diz respeito em larga medida a
ldquophonetic basis of an oppositionrdquo Nele se encontram oposiccedilatildeo como ldquomais ou
menos naturalrdquo ldquomais ou menos complexordquo ldquomais ou menos estaacutevelrdquo ldquosujeito agrave
aquisiccedilatildeo mais ou menos tardiardquo etc (Rice 2007 p 81) O segundo grupo eacute
relativo a comportamentos de sistemas fonoloacutegicos como ser ldquosujeito ou
resultado de neutralizaccedilatildeordquo ldquoser gatilho ou alvo de assimilaccedilatildeordquo Esse grupo
portanto diz respeito agrave marcaccedilatildeo fonoloacutegica ou estrutural
No que diz respeito agrave anaacutelise dos dados quanto aos processos foneacuteticos
percebemos em nosso estudo que
Ainda que com algumas restriccedilotildees a tendecircncia agrave monotongaccedilatildeo eacute
transferida para o Portuguecircs falado por Latundecirc [satildersquogɾaɾi] ldquosangraramrdquo
[kaze] ldquocausardquo
Mesmo em variaccedilatildeo a reduccedilatildeo do onset complexo eacute transferida para o
Portuguecircs seguindo a tendecircncia que o Latundecirc tem de evitar esse tipo de
sequecircncia [bĩ katildenƱ] ldquobrincandordquo [kɛbaɾƱ] ldquoquebraramrdquo
204
O preenchimento da coda eacute evitado pelo Latundecirc processo esse que
tambeacutem eacute atestado no Portuguecircs falado por Latundecirc [pi gũta] ldquoperguntardquo
[gorsquotozƱ] ldquogostosordquo
As consoantes ɲ e ʎ mais marcadas interlinguisticamente tambeacutem o
satildeo no Latundecirc que natildeo os tecircm no seu inventaacuterio fonoloacutegico Como
resultado esses segmentos natildeo satildeo produzidos no Portuguecircs falado pelos
Latundecirc Alternativamente ocorre a substituiccedilatildeo desses fonemas por
segmentos articulatoriamente mais proacuteximos ou o seu apagamento [vimej]
ldquovermelhordquo [fila] ldquofilhardquo [farsquokĩ] ldquofaquinhardquo
A reduccedilatildeo silaacutebica eacute atuante tambeacutem atraveacutes da afeacuterese Como natildeo consta
no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc a presenccedila da fricativa alveolar surda
em posiccedilatildeo de coda essa restriccedilatildeo eacute transferida para o portuguecircs dos
Latundecirc que tambeacutem evita vocaacutebulos com mais de trecircs siacutelabas [kutatildeni]
ldquoescutandordquo [bɾa sadƱ] ldquoabraccediladordquo [fiɾ tɪ] ldquodiferenterdquo
O Latundecirc evita o onset em final de palavra adicionando uma vogal para
reorganizar o padratildeo silaacutebico A vogal mais frequente seraacute a alta anterior
[i] [harsquopazɪ] ldquorapazrdquo [dorsquosejzɪ] ldquode vocecircsrdquo
Os sons [ʃ] [ʒ] [tʃ] e [dʒ] satildeo evitados por natildeo fazerem parte do inventaacuterio
fonoloacutegico do Latundecirc de forma que a sua realizaccedilatildeo eacute mais marcada na
liacutengua O comportamento desses segmentos eacute muito variaacutevel Nos mais
jovens satildeo realizados com mais frequecircncia e nos mais velhos satildeo
reinterpretados envolvendo processos diversos [sersquogamƱ] ldquochegamosrdquo
205
[dersquosaɾƱ] ldquodeixaramrdquo [lizeɾƱ] ldquoligeirordquo [azersquota] ldquoajeitarrdquo [ʃũrsquomiɾƱ] ldquosumiramrdquo
[bursquoʒoɾƱ] ldquobesourordquo [tʃĩrsquodʒeɾƱ] ldquocinzeirordquo
A ausecircncia do contraste surdo-sonoro nas consoantes oclusivas t e k do
Latundecirc promove sua neutralizaccedilatildeo na realizaccedilatildeo das consoantes no
portuguecircs dos indiacutegenas [lsquobɾika] ~ [lsquobriga] ldquobrigardquo [s rsquotatu] ~ [se rsquotado]
ldquosentadordquo
No que tange ao comportamento das vogais meacutedias postocircnicas os
vocaacutebulos terminados em [Ʊ] tendem a ser produzidos com [ɪ] e os
terminados por [a] tendem a ser realizados com [Ʊ] que satildeo vogais menos
marcadas [kazɪ] ldquocausardquo [ lĩpɪ] ldquolimpordquo [ka besƱ] ldquocabeccedilardquo [bas tatildetƱ]
ldquobastanterdquo
A partir dos fenocircmenos observados buscamos responder agraves perguntas
norteadoras da nossa pesquisa abaixo retomadas
Fatores internos (linguiacutesticos) e externos (estruturais) interagem com os
princiacutepios da marcaccedilatildeo
Resposta Quanto aos fatores externos no que diz respeito agrave faixa etaacuteria
os mais jovens tendem a natildeo transferir os padrotildees mais marcados da sua
liacutengua para a liacutengua adquirida Em contrapartida os mais velhos
reproduzem com menor frequecircncia os padrotildees mais marcados do
Portuguecircs (liacutengua dominante)
Qual o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
206
Resposta A marcaccedilatildeo considerada natural responde pela escolha de
padrotildees mais ou menos marcados interlinguisticamente Por essa razatildeo
prevalece a tendecircncia agrave siacutelaba CV do que decorre o apagamento da coda e
a simplificaccedilatildeo de onset complexo De outro lado haacute o natildeo repasse da
laringalizaccedilatildeo vocaacutelica que mesmo fonoloacutegica no Latunecirc eacute menos natural
e mais marcada nas liacutenguas do mundo A marcaccedilatildeo fonoloacutegica eacute
observada na neutralizaccedilatildeo de oposiccedilotildees vaacutelidas no portuguecircs poreacutem
inexitentes na liacutengua indiacutegena como o contraste quanto agrave sonoridade nas
oclusivas e agrave escolha da vogal em posiccedilatildeo final de nomes
Efetivamente um aspecto da marcaccedilatildeo natural pode responder pelo
comportamento da marcaccedilatildeo fonoloacutegica de maneira que natildeo satildeo
caracteriacutesticas de marcaccedilatildeo oponentes entre si No caso em estudo as
duas marcaccedilotildees operam mas natildeo respondem por todos os fenocircmenos
observados Aleacutem disso o caraacuteter altamente variaacutevel das realizaccedilotildees e as
condicionantes sociais dos falantes datildeo chance para a emergecircncia de
processos mais decorrentes da falha na percepccedilatildeo do sinal sem que se
estabeleccedila a regularidade na sua produccedilatildeo
Os traccedilos mais marcados da liacutengua dominada passam para a dominante
Resposta Em alguns caso sim como a africativizaccedilatildeo do s Em outros
natildeo como o natildeo repasse da larinzalizaccedilatildeo vocaacutelica e a oposinccedilatildeo entre
vogais orais e nasais
Ademais em face dos fenocircmenos observados podemos pontuar algums
aspectos relevantes os processos que envolvem perda e permuta de segmentos
satildeo mais frequentes dos que os que envolvem ganho de segmento os segmentos
207
natildeo presentes no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc (liacutengua originaacuteria) tendem a
ser apagados ou reinterpretados pelo segmento mais proacuteximo do portuguecircs
sendo este uacuteltimo o mais frequente os traccedilos mais marcados do Latundecirc estatildeo
mais evidentes nas falas da geraccedilatildeo preacute-contato e a marcaccedilatildeo natildeo estaacute
condicionada apenas aos universais linguiacutesticos mas agraves especificidades das
liacutenguas
Por fim salientamos que o nosso propoacutesito neste estudo foi o de contribuir para a
descriccedilatildeo de liacutenguas incluindo as indiacutegenas e de abrir caminhos para o estudo
do contato linguiacutestico especialmente em niacutevel da foneacutetica e da fonologia
Ressaltamos que este trabalho natildeo encerra o estudo sobre o contato entre as
duas liacutenguas Reconhecemos que os nossos resultados representam um ponto de
partida para investigaccedilotildees posteriores as quais poderatildeo expandir o tema e
avanccedilar no campo da inter-relaccedilatildeo entre contato linguiacutestico e a marcaccedilatildeo
208
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221
ANEXOS
(Dados Transcritos)
parsquoguo Apagou marsquoma Mamar pegũrsquotatildenu Perguntando barsquoʃo Vassoura rsquokɔsa Coccedilar
marsquoduu Mais duro
rsquokati Quati
arsquoh ti A gente rsquootu Outro irsquoarsquov j E jaacute vem v rsquone ni Veneno pɛgũrsquoto Perguntou rsquofoʃ Foi pɾatildersquoto Plantou rsquosuzu Sujo karsquobeli Cabelo gursquoduɾu Gordura rsquootildemi Homem rsquogodu Gordo rsquopega Pegar dersquotadu Deitado
marsquotau Mataram
korsquokin Coquinho guɾirsquozĩ Gurizinho rsquotakorsquosotildenu Taacute com sono (manutenccedilatildeo) mũdi Mundo ʃursquov ni Chovendo pigũrsquota ni Perguntando sursquov ni Chovendo rsquopɔtʃa Porta kursquomigi Comigo kũversquosatildeni Conversando larsquovatildeni Lavando morsquoh di Morrendo ikursquotatildenu Escutando mursquohidu Morrido marsquohadu Amarrado irsquokutu Escuto
persquohu torsquose Pergunto a vocecirc
rsquoseja Cheia rsquoozi Hoje
rsquoʃuʊ Sujo
222
ursquozotursquopatildejrsquoagʊa Os outros apanham aacutegua
rsquotʃua Suja
bu rsquonitu Bonito
rsquokɛla Aquela
rsquomu tu Muito
vehrsquomejo Vermelho rsquomasu Manso marsquosatildedu Amansando arsquoɾisi Arisco hursquoo Avoou rsquoaga Aacutegua
rsquode tu Dentro
rsquomu tu Muito
rsquotud Tudo irsquopia Espirra isrsquopritu Espiacuterito
rsquofɔti Forte
timirsquotɛi Cemiteacuterio
tɛrsquoha Enterrar
ɔʊrsquoa Jogar (o bicho fora)
tersquoou Enterrou rsquoela Ela matildersquodatilden Mandando batorsquose Bater em vocecirc rsquotokursquotatildenu Tocirc escutando rsquobatildej Banho bɾab Brabo
rsquosɛtu Certo
Kabirsquosela Cabeceira (do rio)
karsquosi bu Cachimbo
tʃursquoveɾu Chuveiro (pau de) rsquoleti Leite rsquofutu Fruto karsquoɾoʃi Caroccedilo kaharsquopitʃu Carrapicho rsquokɾu Crua rsquomasu Massa
pe rsquoʃa Pensar
ojrsquoatildedu Olhando (idem)
pe rsquoʃatilden
Pensando
i te rsquode nu Entendendo
223
irsquokuta Escuta
kwatildedu ew piki nĩnĩ Quando eu era pequenininha
ew bĩrsquokava rorsquodeɾa cũ a lɔrsquoɾĩne
Eu brincava de roda com a Lorine
katildendu pi ĩ
Quando piin
ew tatildebȇĩ cũ a lorsquoɾine
Eu tambeacutem com a Lorine
i lsquoluɾi ku a marsquoɾi
E Lurdes com a Mariacute
mĩa matildey natildew deʃa bɾĩrsquoka
Minha matildee natildeo deixava brincar
eli bɾika corsquomigu
Ela brigava comigo
e koʃta brinrsquoka ni lsquoKotildepu E gostava de brincar no campo
mĩa matildej natildew deʃa bɾĩka Minha matildee natildeo deixava brincar
ersquoli tatildebe j diskuti Ela tambeacutem discutia
tatildebej kɾiatildesa natildew paɾa lsquonɛ Tambeacutem crianccedila natildeo para neacute
fika bahaka bɾĩkatildeni lsquonɛ Fica na barraca brincando neacute
fika gɾitatildeni Fica gritando
a mĩa matilde matildedava bɾĩka lotildeʒi A minha matildee mandava brincar longe
natildew kɛ ve baɾuj na bahaka natildew Natildeo quer ver barulho na barraca natildeo
ki falatildenu O que eu tocirc falando
ki lsquota bɾĩganu nu katildepu Que eu tava brincando no campo
a fruta kirsquoli cotildepi nɛ
A fruta que ele come neacute
kinotildemi di fɾuta Que nome de fruta
akeli iogrii nɛ
Aquele neacute
nɔy sursquopaha lsquo deli Noacutes chupava dele
so eli komenu fɾuta Soacute ali comendo fruta
noj fike mu arsquotɛ ʃersquoga meatilde note
sersquoga
Noacutes ficamos ateacute a meia noite chegar
mĩa matildej bɾiga kumigu Minha matildee brigava comigo
224
tava se ew levatildeta sedu se ew levatildeta sedu
Estava ʔ
va la nu katildepu bɾĩrsquoka Vaacute laacute no campo brincar
u katildepu lsquota satildematildedu orsquosejs O campo taacute chamando vocecircs
noj levatildersquota pɾa bɾĩrsquoka nu kotildepu Noacutes levantaacutevamos para brincar no campo
o katildepu ɛ u maj limpi O campo eacute o mais limpo
eli bɾĩkaru eli istubidu Eles brincaram eles subiram
ɛ ke katildepu num ɛ awto katildepu mũto
baso
Eacute que o campo natildeo eacute alto O campo eacute muito baixo
nɔj sersquogamu bersquobe nu i corsquome nu Noacutes chegamos bebendo e comendo
miu asadu batata e bebe nu
Milho assado batata e bebendo
ew nũm fikej ew bɾĩkava dinoti Eu natildeo fiquei eu brincava de noite
mĩa matildej natildew desa duhmi mĩa matildej bɾiga kumigo
Minha matildee natildeo deixa dormir minha matildee briga comigo
mĩa paj farsquolo sej dumi sedu se pikaɾu cobɾa Kotildemu ki darsquoi
Meu pai falou vocecircs durmam cedo se cobra picar e daiacute
vai sarsquoɾa ou vai a mɔhe Vai sarar ou vai morrer
mĩa paj bɾĩkow diskuti dele natildew Meu pai brigou porque eu natildeo escutava ele natildeo
dohmi amatildersquoɳatilde sedu vorsquose bɾĩrsquoka corsquome mũĩtu fɾuta
Dorme amanhatilde cedo vocecirc vai brincar comer muito fruto
mĩa paj natildew desa ew bɾĩka natildew Meu pai natildeo deixava eu brincar natildeo
natildew icuti dele natildew Natildeo escutei ele natildeo
cɾiatildesa icursquoto crianccedila escutou
iheni fala icursquoto ɛ A gente fala escutou eacute (a gente fala e ela ndash a crianccedila ndash escutou eacute
ni batia natilde mi batia na Natildeo batia natildeo me batia maj eli nũ sabe barsquotih Mas ele natildeo sabia bater
225
falava di bɾabu mihmu Falava bravo mesmo
matildeda agwa matildedƷɔga Mandava buscar aacutegua buscar mandioca
asa biƷu kome Assar beiju comer
nĩ tĩ aacutegua pɾa eli natildew Natildeo tinha aacutegua pra ele natildeo
mĩa matildej natildeo desa ew vĩrsquoga Minha matildee natildeo deixava eu brincar
mĩa povu
Meu povo
bĩ botilde natildew Bem bom natildeo
esi aki bisu bɾabu Esse aqui bicho brabo
mĩa povu matatildedu nosu tudo Meu povo matando o nosso tudo
e ki nomi dee ɛ E que o nome dele eacute
nũ pe rsquosa nisu aki la Natildeo pensar nisso aqui laacute
mĩa matildee falo natildew podi bɾĩka de tu
dagwa notilde
Minha matildee falou natildeo pode brincar dentro drsquoaacutegua natildeo
agwa e mũitu peɾigoso A aacutegua eacute muito perigoso
ĩdƷu vĩ i mata tudĩ nũ iscapa ũ notilde Iacutendio veio e matar tudinho natildeo escapa um natildeo
distotildena kohpu sɔ leva sɔ cabesu Destrona corpo soacute leva soacute a cabeccedila
isu aki nũ ɛ mĩa pare ti notilde Isso aqui natildeo eacute meu parente natildeo
io mimu Eu mesma
nĩge j notilde sabi Ningueacutem natildeo sabe
esi ki ĩdiu moɾava ki i uvi Esse aqui iacutendio morava aqui e ouvi
kɛbaɾu asĩ levo di Quebraram assim levou de Alternacircncia de coacutedigo
demorsquoɾo i ew sersquoge tame j Demorou e eu cheguei tambeacutem
Komi ki rapaɾi kebɾo
Como eacute que o rapaz morreu
226
ai fala pɾa eli nɛ isu ku hapazu Aiacute falou pra ele neacute Isso com o rapaz
eli moɾa debasu di paw nɛ Ele morava debaixo de pau neacute
ve tu dehubo caiw cima deli na
hedu
Vento derrubou caiu em cima dele na rede
sɔ o paj deli capow Soacute o pai dele escapou
vose da mujɛ notilde Vocecirc da mulher natildeo
akeli povu deli mĩ mata todo mĩa povu
Aquele povo dele mata todo meu povo
ĩ via pɾetu Em Veado Preto
paɾEsi kũ ƷEƷĩ Parece com Zezinho
ew moɾa hũtu aki Eu moro junto daqui
keli otɾu Aquele outro
patɾaj iɾe boɾa Para traz ir embora
ai dimorsquoɾo Aiacute demorou
sersquogo Chegou
keli cahĩ sersquogo Aquele Carlinhos chegou
sarsquoi hora orsquoʎa Saiacute fora pra olhar
arsquoi farsquolo dersquosaɾu Aiacute falou deixaram
ota lĩgwa difire ti Outra liacutengua diferente
ta sorsquoɾanu Taacute chorando
ta bĩbotilde natildew Taacute bem bom natildeo
fika tʃorsquoɾatildenu Fica chorando
mĩa pare ti desaɾu mĩa mursquoje Meus parentes deixaram minha mulher
te j bastatildeti Tem bastante
pigũta pa eli Pergunta pra ele
227
maselu kwidava Marcelo cuidava
oti tipu Outro tipo
kotildevɛsa deli nũte di notilde A conversa dele natildeo entendo natildeo
komu ki fala fire ti Como eacute que fala diferente (afeacuterese)
na kohpu uƷa No corpo usa
lizeɾu Ligeiro
tʃarsquoma eli Chamar ele
matildersquodo sabotilde pa eli Mandou sabatildeo pra ele
abɾiw pota Abriu a porta
lava motilde lava pɛ lava bɾasu Lavei a matildeo lavei o peacute lavei o braccedilo
ai ew fikej oiatildenu ai Aiacute eu fiquei olhando aiacute
fikej na pota oiatildenu cutatildeni Eu fiquei na porta olhando
nũ capa niũ Natildeo escapa nenhum
marsquoto cota piskosu Matou e cortou o pescoccedilo
kabesĩn Cabecinha
cusivi kimigu Inclusive comigo
batildeku busa sĩ Branco blusa assim
kursquomiɾu a karsquobesa da lsquoge ti Comeram a cabeccedila da gente
ũ nũ firsquokaɾi Um natildeo ficou
otirsquoĩdʒu Outro iacutendio
ʒũrsquotaɾu Juntaram
bɾirsquogamu pɾa eli Explicamos pra ele
ɔto dii ele vorsquoto dinovu Outro dia ele voltou de novo
ew sarsquoi hora Eu saiacute fora
otoɾapaj cursquoto Outro rapaz escutou
228
oʎa lotildezi Olhou longe
ew lsquoho
Eu vou
desa notilde Deixava natildeo
kuta baɾuj Escuta barulho
marsquoto tudi noɔɾa Matou tudo na hora
sɔ cabesu levo kumew Soacute a cabeccedila levou e comeu
mi a matildej cu tava Minha matildee contava
agwa tupiw tudo A aacutegua entupiu
agwa be j pɾeti mehmu Aacutegua bem preta mesmo
agwa suzi Aacutegua suja
pɾimiɾu kanɛlu Primeiro canela
i totilde paɾi Entatildeo eu parei
nu sarsquobi Natildeo sabia
pɾimeɾu u tigu Primeiro antigo
bastatildetu
Bastante
bastatildetu Bastante
todu tiɾatildenu levatildenu Tudo tirando levando
rsquokaze disu ficaɾu Por causa disso ficaram
tu kɾiatildesa Tudo crianccedila
lersquova todu mini nadu Levar toda meninada
eli mi tinu Ele mentindo
kotildemu orsquose pɾatildeta mu ito Como vocecirc planta muito (rotacismo)
nɔj kume nu aki Noacutes comendo aqui
nɔj seskɛse nu fukamu Noacutes nos esquecemos e ficamos
a noti marsquotaɾu tudu Agrave noite mataram tudo
229
eli sego gatildersquono Ele chegou enganou
kotildemiɾu Comeram
eli kotildersquoto soɾatildeni Ele contou chorando
ke j kwi kiɾo Quem que tirou
mi da mi a filu Me daacute meu filho
sɔ u ki karsquopo Soacute um que escapou
kɾirsquoa na kolu Criar no colo
vi de la u motildeti di he ti Veio de laacute um monte de gente
ew tatildebe j gotava
Eu tambeacutem gostava
na kɔba no basu
Na cobra no braccedilo
bisi u Bichinho
kabeseɾa pɛtu Cabeceira perto
mɔɾa pa basu Mora pra baixo
dirsquofisu marsquota Difiacutecil matar
sɔ bisotilde Soacute bichatildeo
ɛ h~undo Eacute fundo
pohku Porco
fɾɛsa Flecha
mi a matildej falaɾu Minha matildee falou
mi a matildej fikaɾu Minha matildee ficaram (ficou)
pɾimi mehmi Primo mesmo
tatɾa paj tambe j Trata pai tambeacutem
mi atilde ihmatilde maj vɛj Minha irmatilde mais velha
tu tia vɛj ta i Tua tia velha ta aiacute
tɾata gwau gwau ahe ti Trata igual igual a gente
230
halu hɛlarsquodo Ralo ralador
basoɾa ipi Vassoura espinho
fakotilde kotaɾu Facatildeo cortaram
hɛla matildersquodʒɔka Rala mandioca
ai dipoj Aiacute depois
ku faki pike nu Com faquinha pequena
hɛla tatildeme j Rela tambeacutem
mi a paj asirsquona Meu pai ensinar
kɔtaɾu kotilde a taba Cortaram com a taacutebua
disaɾu Deixaram
nu kotildepu No campo
la i basu Laacute embaixo
mi a paj nu hipotildedew natildew Meu pai natildeo respondeu natildeo
pesu Peixe
a notu toda A noite toda
baztatildeti poɹku la Bastante porco laacute
u digu vi Um dia que vim
mi atilde matildej kotildekorsquodo Minha matildee quando acordou
mi atilde matildej forsquola Minha matildee foi laacute
kazi gɾatildedi Quase grande
nɔj te j medu dosejzi Noacutes temos medo de vocecircs
bersquozu kumiw Beiju comeu
mohew saɾatildepi Morreu de sarampo
pigu tatildeni Perguntando
na katildepa No campo kahni asadu Carne assada
231
morsquohe tudi a Morrer tudinho
depoj ʃu miɾu Depois sumiram
dimorsquoɾo mujtu Demorou muito
mɔdi tehu Por causa da terra
ja vaj tʃarsquoi Jaacute vai sair
batildedorsquono Abandonou
fike mu arsquoi Ficamos aiacute
aʒe ti ojrsquoo A gente olhou
hatildeka karsquoɾa Arranca caraacute
tʃiɾi ga basi na Seringa para vacina
barsquotʃotilde Batom
nɔj peɾatildenu Noacutes esperando
mi asu rsquoto Me assustou
i odʒi E hoje
be j vimej Bem vermelho
otu di ʃi ma Outro de cima
sersquogo corsquohe Chegou correr
i te di be j Entende bem
mi asursquoto Me assustou
matatildenu nɔjzi Matando noacutes
mi a fila Minha filha
kumiɾu Comeram
azersquota korsquola pɾa eli Ajeitar colar pra ele
sarsquoma eli
Chamar ele
tʃega logu Chega logo
ʃiguɾow di novʊ Segurou de novo
232
dirsquoso firsquoko Deixou ficou
arsquotɛ dɛrsquozoɾa Ateacute dez horas
tʃɔ ɔjrsquoa Soacute olhar
pi gada Espingarda
pɛhtu casueɾu Perto da cachoeira
maj pɛtu Mais perto
ote la Outra laacute
pɛga pesi Pega peixe
oti kazi Outra casa
pɛga milu Pegar milho
depoj tʃumiɾu bɾatildeku Depois sumiu o branco
mi rsquode ɾu Me deram
satildegɾaɾi asi Sangraram assim
bastatildetu Bastante
atildersquoda karsquosatildedu
Andar caccedilando
mi atilde filu Meu filho
nɔj fikatildeni Noacutes ficamos
ki kursquoto Que escutou
sɔ sorsquoɾatildenu Soacute chorando
depoj deli mohidu Depois dele morrer
nu ta vɛj Natildeo taacute velho
ta noj i da Taacute novo ainda
mi atilde matildej ta bii noj i da Minha matildee ta bem nova ainda
pɛrsquoga baʒtatildetu Pegar bastante
ew persquoge Eu peguei
233
mi atilde lsquoho farsquolo Meu avocirc falou
dimuɾatildeni Demorando
tehaɾu la mehmu Enterraram laacute mesmo
mi atilde matildej soɾatildenu Minha matildee chorando
mi atilde imatilde Minha irmatilde
E cursquoɳadi deli Eacute cunhado dele
E fii deli Eacute filho dele
kursquoɳadi deli Cunhado dele
hɔba demaj Rouba demais
ta difisi Ta difiacutecil
eli tʃobɾo Ele sobrou
saɾatildepi persquogo Sarampo pegou
pɾimeɾi morsquohe Primeiro morreu
ew kutej Eu escutei
sarsquoma matildej Chamar matildee
ta dirsquovisi Taacute difiacutecil
mohew ve me nadu Morreu envenenado
ki kɾirsquoari Que criaram
mi atorsquomaɾu Me tomaram
i ew torsquoteɾu E eu solteiro
kazadu kotildersquose Casado com vocecirc
natildew firsquoka diɾetu Natildeo ficar direito
firsquoka kweli Ficar com ele
mersquosenu Mexendo
ta setu Ta certo
234
bɾabu persquoeli Bravo por ele
tasirsquooma komigu Tem ciuacutemes de mim
E gotozu Eacute gostoso
tipu bursquoʒohu Tipo besouro
tʃi rsquodʒeɾu Cinzeiro
na li gi Na liacutengua
bɾatildeku batirsquotaɾu Brancos batizaram
katildedu eɾa novi Quando era novinho
arsquoi tipoj Aiacute depois
karsquoboɾe Acabou-se
tiguɾa na matildew Segura na matildeo
rsquoɛ lsquopɾimɛ lsquodeli Eacute primo dele
asinatildeni Ensinando
ew kersquome Eu queimei
pɾatildersquota maj Plantar mais
ew vo lsquopɾatildeta Eu vou plantar
karsquokwɛ Qualquer
tabaɾava Trabalhava
tubaɾotildeni Tubaratildeo
poɾi pɛɾa Pode esperar
mi ti nu Mentindo
eli sersquogo Ele chegou
atildersquototilde Entatildeo
ta lsquosetu natildew Ta certo natildeo
mesew kotildersquomigu Mexeu comigo
235
ʃersquoga dinote Chegar de noite
lersquova pirsquotaw Levar pro hospital
ta suzu Ta sujo
rsquobahio Bairro
atildebɾarsquosada Abraccedilada
masɛlu babudo Marcelo barbudo
pɾatildeta milu Planta milho
na gɾɛba Na gleba
bɾasadu Abraccedilado
komi he tʃi Comi gente
kɛ azursquoda Quer ajudar
sotildebɾasotilde Assombraccedilatildeo
nu podi atildersquoda Natildeo pode andar
pɛga na tiheɾu Pega no terreiro
kɔviotilde Gaviatildeo
sɔ eli karsquopo Soacute ele escapou
me rsquoto Aumentou
levava uz vɛio Levava os velhos
matildenɛ desaɾu Maneacute deixaram
pusa no kabelu Puxa no cabelo
kabelu ge ti hatildega Cabelo de gente arranca
iɔga ge ti pɾa la Joga gente pra laacute
hu tu Junto
kɛma he ti queima a gente
ki sɔ a oti Que soacute haacute outro
bagas~i Bagacinho
236
tiɾatildeni katildetatildeni Tirando cantando
kɾese ni Crescendo
dirsquoɾetu Direito
febɾu marsquolaɾu Febre malaacuteria
maj sarsquobiw Mais sabia
tiɾaɾu Tiraram
batildei Banho
ipia deli Espirro dele
Korsquodadu mehmo Acordado mesmo di notu De noite
kasu Caccedila
baɾizadu otu Batizado outro
atʃi mi a ihmatilde fala Assim minha irmatilde fala
kotadu Encostado
nu zudia deli natildew Natildeo judia dele natildeo
gɔta maj deli Gosta mais dele
samatildedu otu Chamando outro
mi atilde subɾi Meu sobrinho
mi atilde pohu Meu povo
mi atilde matilde Minha irmatilde
mi atilde muʒka Minha muacutesica
sɔ bɾi ga Soacute brinca
tʃubi nu Subindo
kahega na koʃta Carrega nas costas dese Desse aiacute istu Isto katildersquoba Gambaacute
237
kursquotia Cutia kursquotʃia Cutia
marsquoɾɛlu Amarelo
versquomela versquomelo Vermelha vermelho rsquose Esse
te natildeʊ te natilde Tem natildeo
esersquoki Esse aqui
rsquoɛmarsquokakupɾersquogisi Eacute macaco preguiccedila
morsquosegi Morcego
defersquore ti Diferente
rsquopodƷi Pode
rsquosersquonatilde Sei natildeo
rsquosersquoviw Vocecirc viu
arsquoinrsquoɛgarsquoviatildew Aiacute eacute gaviatildeo
jabutʃi Jabuti
parsquoɾɛsirsquokele Parece aquele
ɛrsquokele Eacute aquele
rsquoessersquote Esse tem
be i natildeu Tambeacutem natildeo
kursquoruja Coruja
pike nu Pequeno
defersquore ti Diferente
rsquokelersquoɛrsquootro Aquele eacute outro
rsquoejarsquobutʃi E jabuti gɾatildersquodatilde grandatildeo rsquomesmu mesmo
rsquomemu Mesmo
ɔrsquoɾɔpa Europa
arsquobeja Abelha
iscɔhpiatildew escorpiatildeo
ewmɔrsquoʎa Eu molhar ~ Eu molho
pirsquodi pedir tasrsquocɾitu Ta escrito
pɛdƷi Pedi (a gente )
Kersquoma queimar
mode nu Mordendo
morsquodemas Mordeu mais rsquonoj rsquodoj Noacutes dois
aʃe ti A gente (noacutes)
rsquopadirsquoze Pra dizer
238
rsquokɔta Corta
ahatildejrsquoo Arranhou
mujrsquoɛ Mulher
ahajrsquoaelig Arranhou orsquosersquomehm Vocecirc mesmo
isrsquopi Espinho
sorsquome Somente
rsquokalo ~karsquolo Calor doi Dois
tatildebe Tambeacutem
ispi rsquogada Espingarda
persquode Perdeu
se rsquotatu Sentado
rsquohe ti Gente
arsquodidu Ardido rsquokoda Corda mərsquota Matar marsquotani matando
rsquoʃɔmarsquota Soacute matar
rsquobisu Bicho rsquoota Outra
patildersquota ~rsquopɾatildeta Plantar
atildersquodatildeni Andando
ve tatildeni Ventando
defersquore ti Diferente
hursquoatildenu Voando vorsquoto Voltou rsquopodirsquoze Pode dizer marsquotaforsquogatilden Matar afogando rsquodaga Da aacutegua (drsquoaacutegua) arsquoɾea Areia
rsquofu da Afunda
rsquokɛlaforsquogo Que ela afogou
mɛgursquola Mergulhar
eʃpɾersquome Espremer
hɛlatilden Ralando (verbo ralar)
mɔrsquolada Amolada
kwatildeni Quando arsquotia Ateia (verbo atear)
239
i pursquoha Empurrar
epursquohej Eu empurrei
pursquoha Empurrar rsquofoti Forte
rsquofosa Forccedila
rsquohapu Raacutepido
ku rsquopɛ Com o peacute
eki pursquohe Eu que empurrei
sirsquonɛlu Chinelo
i pursquohan Empurrando
sɔrsquose Soacute vocecirc
rsquotapursquohanu Taacute empurrando
sɔrsquozi Sozinho
rsquohatildeka Arrancar
rsquosɔhatildersquoka Soacute arrancar
jrsquoahatildersquoke Jaacute arranquei
arsquohatildekui rsquoʃada Arranco com a enxada
rsquopuʃa Puxar cabelo pursquoʃo Puxou pursquoʃe Puxei haʃrsquoto Arrastou haʃrsquote Arrastei
tʃirsquoa Tirar
buʃrsquoca Buscar buʃrsquoke Busquei (eu passado) rsquooto Outra rsquohopa Roupa rsquomemo Mesmo rsquodeʃa Deixa
tirsquoe Tirei
rsquosɛtu Certo
rsquohejtu Jeito iskujrsquoe Escolher rsquotakujrsquoenu Taacute escolhendo ojrsquoan Olhando
tʃumi Sumiu
dimursquoranu Demorando kersquoma Queimar ursquozotu Os outros kersquome Queimei
rsquonɔj Noacutes
rsquopejsi Peixe
Ku rsquome Comer
240
pɾicirsquoza Precisar pɾisirsquozanu Precisando korsquoseɾa Coceira mirsquoƷatilden Mijando atildersquodatildenu Andando
barsquote nu Batendo
i rsquoʃima Encima
rsquokatildem Cama atirsquoɾo Atirou
rsquohaʃarsquole Racha lenha
vɔrsquota Voltar
tursquomatilden Tomando
varsquoɾi Varinha
gɾitrsquoatilden Gritando
fɾɛrsquoga Esfregar
mirsquodi Medir
mi rsquotinu Mentindo
rsquokɔʃka Coacutecega
barsquosi u Baixinho
pɔdirsquoze Pode dizer
pe rsquota Pentear
rsquobatildej Banho rsquomaiƷrsquotadi Mais tarde rsquofoja Folha batildenarsquodo Abanador bursquonitu Bonito
rsquosersquokirsquode Vocecirc que deu
siparsquoradu Separado rsquosatildew Chatildeo
tursquodi Tudinho
karsquoe Cair kersquobɾe Quebrei arsquohatildejorsquose Arranho vocecirc rsquomuja Molha rsquosevi Serve rsquopaj Palha pirsquodi Pedir dersquosa Deixar rsquomoj Molho fɾersquovenu Fervendo pursquolo Pulou
norsquovi Novinho
241
firsquodido Fedido mursquolada Amolada
rsquonɔʃi Nosso
patildersquoneɾu Paneiro motildersquodeli Matildeo dele dursquozotu Dos outros
rsquonɔj Noacutes
rsquopodi Podre firsquodid Fedido dersquota Deitar dersquotadu Deitado cuʃtursquoɾa Costurar
barsquote m Batendo
dersquosa Deixar
rsquofɾɛʃa ~rsquofɾEʃ Flecha
iskersquosidu Esquecido
tatildersquome j Tambeacutem
abersquoli Abelhinha
me rsquodu i Amendoim
pɔrsquodirsquoze Pode dizer
rsquoavi Aacutervore
rsquopesi Peixe
tatursquozi Tatuzinho
rsquovɛja Velha
arsquodea Aldeia
rsquode tu Dentro
rsquohe ti Gente
rsquohadu Raacutedio rsquohejtu Jeito iʃtɾarsquogadu Estragado
rsquode tirsquokaza Dentro de casa
rsquopoku Porco
pihu rsquotatildenu Perguntando
gwahrsquode Guardei firsquogeɾa Figueira
kɔrsquota Cortar
ojrsquoa Olhar
pi dursquoɾa pendurar
mitʃursquoɾa Misturar
rsquofɔtʃi Forte
242
matildersquodƷɔka Mandioca
birsquoƷu Beiju
marsquoɾɛlu Amarelo
atildersquozɔ Anzol
rsquopɛda Pedra
Catalogaccedilatildeo na fonte
Bibliotecaacuteria Nathaacutelia Sena CRB4-1719
A524m Amorim Gustavo da Silveira Marcaccedilatildeo no contato linguumliacutestico o portuguecircs falado pelos Latundecirc
Gustavo da Silveira Amorim ndash Recife 2015 241 f il
Orientadora Stella Virgiacutenia Telles de Arauacutejo Pereira Lima Tese (Doutorado) ndash Universidade Federal de Pernambuco Centro de
Artes e Comunicaccedilatildeo Letras 2015
Inclui referecircncias
1 Fonologia 2 Liacutenguas em contato 3 Marcaccedilatildeo e liacutenguas indiacutegenas I Lima Stella Virgiacutenia Telles de Arauacutejo Pereira (Orientadora) II Tiacutetulo
410 CDD (22ed) UFPE (CAC 2017- 213)
For from him and through him and to him are all things To him be glory forever Amen
Romans 1136
AGRADECIMENTOS
A Deus por me capacitar e me fazer sentir o teu zelo cuidado e proteccedilatildeo
constantemente
Aos meus familiares em especial a minha matildee e o meu pai pelo suporte
coragem e exemplos a mim transmitidos
A minha esposa Jane pelo carinho e compreensatildeo pelas horas que natildeo
pude estar ao seu lado dedicando-me a este trabalho
Aos meus filhos Breno e Estela meu tesouros por me fazerem acreditar
que o mundo pode ser melhor
A minha orientadora Stella Telles pelo carinho compreensatildeo
engajamento e ensino por me fazer acreditar que podemos ser altruiacutestas sem
perdermos a essecircncia da humildade Por compartilhar-me com despreendemento
os seus dados
Agraves coordenadoras do PG-Letras Evandra Gligoletto e Fabiele Stockmans
pela presteza sempre que necessaacuterio
Aos meus mestres do Doutorado pelo trabalho que foi realizado durante o
curso em especial Stella Telles Marlos Pessoa Claacuteudia Roberta Siane Goes
Benedito Bezerra Virgiacutenia Leal Alberto Poza e Nelly Carvalho
Aos professores do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (UFPE)
Flaacutevio Brainer Artur Gomes Maacutercia Mendonccedila e Joatildeo Batista pela colaboraccedilatildeo
na trajetoacuteria acadecircmica
A Abuecircndia Padilha e Gilda Lins (in memoriam) pela dedicaccedilatildeo e carinho
que demonstraram durante as aulas
Aos meus colegas do Doutorado Solange Carvalho Ana Cristina Cleber
Morgana Jaciara Carolina Pires Juliane Acircngela Socircnia Ismar Rinalda Ludimila
e Clara por me ajudarem nos momentos de dificuldades e de (muitas)
necessidades
Aos colegas da GER ndash Vale do Capibaribe pela ajuda sempre que
necessaacuterio em especial Marta Morgana Edjane e Janecleide
Aos colegas e alunos do IFAL (Instituto Federal de Alagoas) pela grande
ajuda e carinho que demonstraram durante a realizaccedilatildeo deste trabalho Pela
compreensatildeo das faltas e substituiccedilotildees que de mim foram demandadas
Aos membros da banca que tatildeo gentilmente aceitaram o convite
Aos meus amigos familiares entes queridos todos que direta ou
diretamente me ajudaram nesta caminhada Nenhum trabalho eacute feito sozinho
portanto os meacuteritos tambeacutem satildeo de vocecircs
RESUMO
O presente trabalho eacute o resultado de um estudo sobre a Marcaccedilatildeo no Contato
Linguiacutestico entre o Latundecirc e o Portuguecircs Trata-se de uma investigaccedilatildeo com
base na abordagem tipoloacutegica da linguiacutestica visando agrave elucidaccedilatildeo das unidades
mais e as menos marcadas que satildeo ou natildeo transferidas no processo de
acomodaccedilatildeo dos inventaacuterios foneacuteticos de ambas as liacutenguas Utilizamos como
base os pressupostos teoacutericos defendidos por CROFT (1990) JAKOBSON
(1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS amp ELSIK (2006) e LACY (2006) para a
descriccedilatildeo dos universais linguiacutesticos e da marcaccedilatildeo No que tange ao contato
linguiacutestico nos respaldamos nas reflexotildees de ROMAINE (2000) THOMASON
(2001) AIKHENVALD (2007) e HYMES (1971) Para descriccedilatildeo linguiacutestica e
histoacuterica dos Latundecirc nos baseamos em TELLES (2002) ANOMBY (2009) e
PRICE (1977) No que tange ao aporte foneacutetico para descriccedilatildeo do contato entre
ambas as liacutenguas nos valemos dos escritos de WEINREICH (1953) BISOL
(1996) VAN COETSEM (1988) e MATRAS (2009) Quanto agraves anaacutelises nos
fundamentamos nas observaccedilotildees de SPENCER (1996) LASS (2000) e RICE
(2007) O nosso corpus eacute formado de trinta horas de fala transcritas
foneticamente de acordo com IPA de vinte informantes da comunidade Latundecirc
Os dados fazem parte do acervo do NEI (Nuacutecleo de Estudos Indigenistas) da
UFPE A partir da nossa pesquisa chegamos agrave conclusatildeo que os mais jovens
tendem a natildeo transferir os padrotildees mais marcados da sua liacutengua para a liacutengua
adquirida enquanto os mais velhos reproduzem com menor frequecircncia os
padrotildees mais marcados do Portuguecircs alguns contextos licenciam enquanto
outros bloqueiam a marcaccedilatildeo gerando um caraacuteter variaacutevel que demonstra o quatildeo
conflitante eacute a situaccedilatildeo do contato embora natildeo haja uma padronizaccedilatildeo no que
tange agrave estrutura silaacutebica o padratildeo CV eacute o mais recorrente e menos marcado
corroborando o que apregoa os pressupostos da tipologia linguiacutestica os
processos que envolvem perda e permuta de segmentos satildeo mais numerosos e
mais marcados dos que os que envolvem ganho de segmento os fonemas natildeo
presentes no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc tendem a ser apagados ou
reinterpretados pelo segmento mais proacuteximo do Portuguecircs quanto agrave manutenccedilatildeo
ou perda o comportamento dos traccedilos mais marcados do Latundecirc depende natildeo
categoricamente da fonologia do Portuguecircs a marcaccedilatildeo natildeo estaacute condicionada
apenas aos universais linguiacutesticos mas agraves especificidades da liacutengua
PALAVRAS-CHAVE Fonologia Liacutenguas em Contato Marcaccedilatildeo e Liacutenguas
Indiacutegenas
ABSTRACT
The present work describes phenomena of phonological transference of Latundecirc
a Brazilian indigenous language in Portuguese in language contact situation The
observed phenomena were examined under the light of the assumptions of
Linguistic Marking in its typological approach As basis we used CROFT (1990)
JAKOBSON (1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS ELSIK (2006) and LACY
(2006) studies for the description of linguistic universals and marking About
language contact we were supported by the reflections of ROMAINE (2000)
THOMASON (2001) AIKHENVALD (2007) and HYMES (1971) For the linguistic
and historical description of Latundecirc we were based on TELLES (2002)
ANOMBY (2009) and PRICE (1977) About the phonology of Portuguese we were
supported by BISOL (1996) For description of the contact between both
languages we used the writings of WEINREICH (1953) VAN COETSEM (1988)
and MATRAS (2009) The one of phonological phenomena observed was backed
in SPENCER (1996) LASS (2000) and RICE (2007) Our corpus is formed of thirty
hours of talk phonetically transcribed according to IPA In the survey we used the
speech production of 20 individuals from the Ladundecirc people among these 8
belonging to the pre-contact generation with the non- indigenous society and 12
belonging to the post-contact generation The data are part of the acquis of NEI
(Nuacutecleo de Estudos Indiacutegenas) of UFPE With our research we came to the
following results post-contact generation tends not to transfer most marked
patterns of their language to the acquired language while the native of pre-contact
generation do in a lower frequency the more marked standards of Portuguese
The processes that involve loss and exchange of segments are more numerous
than those involving segment gain The phonemes of Portuguese that do not exist
in Latundecirc tend to be erased or reinterpreted by the closest segment to
Portuguese resulting in the loss of contrast and in the emergence of the
unmarked through the phonological neutralisation There are phenomena that
show a tendency towards the universal as the deletion of the coda in favor of CV
standard syllabic and others that are arising out of restrictions of Latundecirc as the
monophthongization of nasal diphthong and the change of vowel quality in word-
final position In the set of phenomena we noticed that the interference is variable
and not always motivated by phonological or natural marking
KEYWORDS Phonology Marking Languages in contact Portuguese and
Latundecirc
RESUMEN
El presente estudio describe los fenoacutemenos de la transferencia fonoloacutegica del
Latundeacute una lengua indiacutegena Brasilera en el portugueacutes en una situacioacuten de
contacto linguumliacutestico Los fenoacutemenos observados fueron examinados a la luz de los
presupuestos de marcacioacuten linguumliacutestica en su abordaje tipoloacutegico Como modelo
de fundamentacioacuten se han utilizado los estudios de CROFT (1990) JAKOBSON
(1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS amp ELSIK (2006) y LACY (2006) para las
descripcioacuten de los universales linguumliacutesticos y de la marcacioacuten Sobre el contacto
linguumliacutestico fueron tomados como soporte cientiacutefico las reflexiones de ROMAINE
(2000) THOMASON (2001) AIKHENVALD (2007) y HYMES (1971) Para la
descripcioacuten linguumliacutestica de los Lantundeacute esta investigacioacuten se basoacute en TELLES
(2002) ANOMBY (2009)y PRICE (1977) Sobre la fonologiacutea del portugueacutes se
tuvieron en cuenta los estudios de BISOL (1996) Para la descripcioacuten del contacto
entre ambas lenguas fueron necesarios los escritos de WEINREICH (1053) VAN
COETSEM(1988) y MATRAS (2009) Finalmente el estudio de los fenoacutemenos
fonoloacutegicos observados fueron abordados en las investigaciones de SPENCER
(1996) LASS (2000) y RICE (2007) El corpus de este trabajo acadeacutemico estaacute
compuesto por treinta horas de diaacutelogos transcritos foneacuteticamente de acuerdo con
el IPA En la investigacioacuten se ha utilizado la produccioacuten del diaacutelogo de 20
individuos del pueblo Latundeacute dentro de ellos 8 pertenecientes a la generacioacuten
del pre contacto con la sociedad no indiacutegena y 12 pertenecientes a la generacioacuten
del post contacto Los datos hacen parte del acervo del Nuacutecleo de Estudios
Indigenistas (NEI) de la UFPE Con esta investigacioacuten se ha llegado a la siguiente
conclusioacuten La generacioacuten post contacto tiende a no transferir los patrones maacutes
acentuados de su lengua hacia la lengua adquirida mientras que los indiacutegenas de
la generacioacuten del pre contacto realizan con menor frecuencia los patrones maacutes
marcados del portugueacutes Los procesos que envuelven la peacuterdida y permuta de los
segmentos son maacutes numerosos de aquellos que involucran la ganancia del
segmento Los fonemas del portugueacutes que no existen en el Latundeacute tienden a ser
borrados o reinterpretados por el segmento maacutes proacuteximo al portugueacutes resultando
en una peacuterdida de contraste y en la emergencia del no marcado a traveacutes de la
neutralizacioacuten fonoloacutegica Hay fenoacutemenos que revelan una tendencia a lo
universal como desvanecimiento de la coda en a favor de patroacuten silaacutebico CV y
otros que son consecuencia de las restricciones del Latundeacute como la
monoptongacioacuten de diptongo nasal y la mudanza de la cualidad vocaacutelica en
posicioacuten final de la palabra El en conjunto de fenoacutemenos verificamos que la
interferencia es variable y no siempre estaacute motivada por la acentuacioacuten fonoloacutegica
o natural
Palabras Clave Fonologiacutea Acentuacioacuten Lenguas en Contacto Portugueacutes y
Latundeacute
LISTA DE SIacuteMBOLOS
Transcriccedilatildeo
Transcriccedilatildeo foneacutetica
Transcriccedilatildeo fonoloacutegica
[ ]
Vogais
Vogal meacutedio-baixa anterior [ɛ]
Vogal meacutedio-alta anterior [e]
Vogal alta anterior [i]
Vogal baixa central [a]
Vogal meacutedio-baixa posterior [ɔ]
Vogal meacutedio-alta posterior [o]
Vogal alta posterior [u]
Vogal alta anterior nasal [ i ]
Vogal meacutedio-alta anterior nasal [e ]
Vogal baixa central nasal [atilde]
Vogal meacutedio-alta posterior nasal [otilde]
Vogal alta posterior nasal [u ]
Consoantes
Oclusiva alveolar surda [t]
Oclusiva alveolar sonora [d]
Fricativa alveolar surda [s]
Fricativa alveolar sonora [z]
Nasal alveolar [n]
Lateral alveolar [l]
Africada alveopalatal surda [tʃ]
Africada alveopalatal sonora [dʒ]
Lateral palatal [ʎ]
Nasal palatal [ɳ]
Fricativa palatal surda [ʃ]
Fricativa palatal sonora [ʒ]
Oclusiva velar surda [k]
Oclusiva velar sonora [g]
Fricativa velar [x]
Oclusiva bilabial surda [p]
Oclusiva bilabial sonora [b]
Nasal bilabial [m]
Fricativa labiodental surda [f]
Fricativa labiodental sonora [v]
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Diagrama de Hall
67
FIGURA 2 Configuraccedilotildees da Mescla Linguiacutestica segundo Romaine (2000 p185)
71
FIGURA 3 Esquema de representaccedilatildeo do bilinguismo social segundo Appel e Muysken (1986 p 23)
74
FIGURA 4 Escolha de liacutengua e code-switching conforme Grosjean (1982 p127)
82
FIGURA 5 Classificaccedilatildeo das liacutenguas da Famiacutelia Nambikwaacutera de acordo com Rodrigues (1986 p 134)
87
FIGURA 6 Localizaccedilatildeo e aacuterea dos Nambikwaacutera de acordo com Roquete-Pinto (1919)
88
FIGURA 7 Territoacuterio Nambikwaacutera descrito por Price (1983)
89
FIGURA 8 Localizaccedilatildeo atual dos Nambikwaacutera
91
FIGURA 9
Localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc
94
FIGURA 10
Primeiros contatos com os Latundecirc (Foto Price 1977)
97
FIGURA 11 Iacutendios Latundecirc na TI Tubaratildeo-Latundecirc
104
FIGURA 12
Ligaccedilotildees entre a intensidade do bilinguismo o tipo de processo de acomodaccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo entre os sistemas fonoloacutegicos
118
FIGURA 13
Correspondecircncia entre liacutenguas e contato linguiacutestico
120
FIGURA 14 Agentividade da Liacutengua Recipiente de acordo Van Coetsem 1988 p10
122
FIGURA 15 Agentividade da Liacutengua de Origem de acordo Van Coetsem 1988 p11
122
FIGURA 16 Relaccedilatildeo de agentividade entre o Portuguecircs e o Latundecirc
123
FIGURA 17 Estrutura silaacutebica do Latundecirc
168
FIGURA 18 Estrutura silaacutebica do Portuguecircs (Cacircmara-Juacutenior)
169
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Unidades e estruturas mais marcadas conforme
levantamento de Moreira da Silva (2011)
50
Quadro 2 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Leacutevi-Strauss (1948)
92
Quadro 3 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Price e Cook (1969)
93
Quadro 4 Distribuiccedilatildeo dos povos pertencentes a TI Tubaratildeo-Latundecirc
95
Quadro 5 Nuacutecleos familiares de acordo com a habitaccedilatildeo em 1999
98
Quadro 6 Situaccedilatildeo sociolinguiacutestica dos Latundecirc (dados de 1999)
101
Quadro 7 Quadro Comparativo dos Sistemas Foneacuteticos do Romansh e do Schweizerdeutsch de acordo com Weinreich (1953)
111
Quadro 8 Tipos de processos que conduzem a mudanccedila fonoloacutegica induzida por contato
116
Quadro 9 Fonemas consonantais do Latundecirc
125
Quadro 10 Fonemas vocaacutelicos do Latundecirc
125
Quadro 11 Ditongos do Latundecirc
126
Quadro 12 Descriccedilatildeo dos fonemas consonantais (Retirada de Telles 2002)
126
Quadro 13 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos orais (Com base em Telles 2002)
149
Quadro 14
Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos nasais (Com base em Telles 2002)
153
Quadro 15
Vogais no Portuguecircs (Cacircmara Jr 1970)
154
Quadro 16
Consoantes no Portuguecircs (Silva 2002)
155
Quadro 17 Sistemas consonantais x Sistemas vocaacutelicos
156
Quadro 18 Resultado mais frequente do processo de monotongaccedilatildeo em Latundecirc
162
Quadro 19 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
166
Quadro 20 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Portuguecircs
167
Quadro 21 Escala de Sonoridade (Bonet e Mascaroacute 1997 p 109)
196
SUMAacuteRIO
1 SOBRE A PESQUISA 20
11 INTRODUCcedilAtildeO 20
12 JUSTIFICATIVA 24
13 OBJETIVOS 25
14 METODOLOGIA 26
15
DISPOSICcedilAtildeO DA TESE 27
2 MARCACcedilAtildeO LINGUIacuteSTICA 29
21 INTRODUCcedilAtildeO 29
22 MARCACcedilAtildeO 31
221 A concepccedilatildeo de Jakobson e Trubetzkoy 35
222 Abordagem Gerativa 37
223 Abordagem Tipoloacutegica (Interlinguiacutestica) 39
224 Abordagem Naturalista (Morfologia Natural) 41
23 CRITEacuteRIOS DE MARCACcedilAtildeO 42
24 MARCACcedilAtildeO MUDANCcedilA E CONTATO LINGUIacuteSTICO 45
25 JAKOBSON E A ABORDAGEM FONOLOacuteGICA DA
MARCACcedilAtildeO
48
3 O CONTATO LINGUIacuteSTICO 54
31 INTRODUCcedilAtildeO 54
32 SOBRE O CONTATO LINGUIacuteSTICO 57
33 MESCLAS DE CONTATO PIDGIN CRIOULO LIacuteNGUA
FRANCA E JARGAtildeO
60
331 Pidgin 63
332 Crioulo 65
333 Liacutengua Franca ou Sapir 69
334 Jargatildeo 71
34 IMPLICACcedilOtildeES DO CONTATO LINGUIacuteSTICO 72
341 Bilinguismo 72
342 Diglossia 78
343 Alternacircncia de coacutedigo 80
344 Morte da liacutengua
83
4 COMUNIDADE DE ESTUDO OS LATUNDEcirc 86
41 INTRODUCcedilAtildeO 86
42 A FAMIacuteLIA NAMBIKWARA 86
43 OS LATUNDEcirc
94
5 INTERFEREcircNCIA FONEacuteTICO-FONOLOacuteGICA DO LATUNDEcirc
NO PORTUGUEcircS
106
51 INTRODUCcedilAtildeO 106
52 INTERFEREcircNCIA FUSAtildeO COEXISTEcircNCIA E
TRANSFEREcircNCIA LINGUIacuteSTICA
107
53 FONOLOGIA DO LATUNDEcirc 124
54 FONOLOGIA DO PORTUGUEcircS 154
55 COMPARACcedilAtildeO ENTRE OS SISTEMAS FONEacuteTICOS DO
PORTUGUEcircS E DO LATUNDEcirc
156
6 PROCESSOS FONOLOacuteGICOS DO PORTUGUEcircS FALADO
PELOS LATUNDEcirc
158
61 Introduccedilatildeo 158
611 Perda de elementos 161
6111 Monotongaccedilatildeo 161
6112 Siacutencope em onset complexo de l e r 168
6113 Apagamento da coda 171
6114 Reduccedilatildeo do geruacutendio ndash Anteriorizaccedilatildeo da vogal final 173
6115 Reduccedilatildeo das palatais (nasal e lateral) 174
6116 Afeacuterese 177
6117 Apoacutecope 178
6118 Siacutencope 180
612 Ganho de elementos (Inserccedilatildeo de elementos) 181
613 Alteraccedilatildeo de elementos (permuta ou transposiccedilatildeo) 184
6131 Despalatalizaccedilatildeo de [ʃ] e [ʒ] 184
6132 Palatalizaccedilatildeo 186
6133 Vozeamento e desvozeamento 189
6134 Abaixamento e elevaccedilatildeo das vogais orais 191
6135 Nasalizaccedilatildeo e desnasalizaccedilatildeo 194
6136 Fenocircmenos envolvendo os roacuteticos 195
6137 Labializaccedilatildeo e deslabializaccedilatildeo 197
6138 Metaacutetese 198
6139 Siacutestole 199
61310 Fortalecimento
200
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
201
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
208
ANEXOS 221
20
1 SOBRE A PESQUISA
O estudo dessas liacutenguas eacute evidentemente de grande importacircncia para o incremento dos conhecimentos linguiacutesticos Cada nova liacutengua que se investiga traz novas contribuiccedilotildees agrave linguiacutestica cada nova liacutengua eacute outra manifestaccedilatildeo de como se pode realizar a linguagem
humana Cacircmara Jr (1977 p 4)
11 INTRODUCcedilAtildeO
Neste capiacutetulo discorreremos sobre a diversidade e a situaccedilatildeo das liacutenguas
indiacutegenas brasileiras1 bem como a motivaccedilatildeo para o presente estudo Tambeacutem
faratildeo parte desta introduccedilatildeo a justificativa para a realizaccedilatildeo desta pesquisa os
objetivos almejados os procedimentos metodoloacutegicos e a descriccedilatildeo da estrutura
da tese
Por se tratar de um estudo que diz respeito agrave linguiacutestica indigenista brasileira vale
iniciar a discussatildeo situando aqueles que satildeo os sujeitos da nossa pesquisa os
iacutendios Sabe-se que os povos indiacutegenas satildeo vistos geralmente como personagens
passivos na da nossa histoacuteria Eacute um equiacutevoco concebecirc-los na nossa narrativa
dessa forma pois seja no papel de aliados ou de inimigos esses povos tiveram
um papel importante na formaccedilatildeo de sociedades coloniais e poacutes-coloniais
(ALMEIDA 2013 p9)
1 Aleacutem do portuguecircs haacute no Brasil aproximadamente 180 liacutenguas indiacutegenas faladas por 225 etnias
Dessas liacutenguas 110 satildeo consideradas em extinccedilatildeo pelo fato de serem faladas por menos de 500 pessoas Estima-se que em 1500 cerca de seis milhotildees de iacutendios falavam 1078 idiomas Hoje a populaccedilatildeo indiacutegena brasileira chega a no maacuteximo entre 440 mil e 500 mil indiviacuteduos Atribui-se o desaparecimento das liacutenguas indiacutegenas agraves pressotildees poliacuteticas do colonizador e posteriormente agraves necessidades de sobrevivecircncia das populaccedilotildees indiacutegenas Revista Liacutengua portuguesa n 26 p 57 2010
21
Embora natildeo seja amplamente divulgado no Brasil haacute cerca de 180 liacutenguas
indiacutegenas o que nos torna um paiacutes plurilinguiacutestico Esse percentual era de 1200
antes da chegada dos portugueses Durante esses cinco seacuteculos de colonizaccedilatildeo
um glotociacutedio foi visto intensificamente no nosso territoacuterio
Mesmo sendo viacutetimas de um processo de colonizaccedilatildeo desenfreado e
escravizador estes povos com o tempo passaram a ser reconhecidos como
agentes na sociedade Suas accedilotildees satildeo vistas a partir de um recente periacuteodo
histoacuterico como importantes para explicar a histoacuteria deles e consequentemente a
nossa Saindo de um quadro de contato onde eram vistos como coadjuvantes
passando a ser tambeacutem protagonistas
Hoje os estudos indigenistas satildeo mais frequentes uma vez que na antropologia
atual os povos que foram definidos como aculturados passaram a ser
coadjuvantes de um processo histoacuterico e participativo
A reportagem da Revista Continente Maio de 2009 sobre os Fulniocirc faz parte de
um arsenal que descreve o que jaacute eacute sabido pela comunidade cientiacutefica as liacutenguas
indiacutegenas brasileiras estatildeo desaparecendo em ritmo acelerado Posto dessa
forma podemos perceber que haacute urgecircncia em descrever como tais liacutenguas se
comportam em si e em contatos com outras
Cacircmara-Juacutenior (1977 p 7) postula que os estudos indigenistas mais
precisamente sobre os de suas liacutenguas constitui no Brasil uma tarefa natildeo
somente enorme mas tambeacutem urgente Hoje meio seacuteculo depois esta citaccedilatildeo se
faz atual Os estudos indigenistas ainda se monstram tiacutemidos e carentes de
recursos e pesquisadores
22
Em continuidade o autor afirma que
Jaacute desapareceram no Brasil muitas liacutenguas agora totalmente irrecuperaacuteveis para a ciecircncia Eacute muito difiacutecil avaliar hoje em dia quantas liacutenguas se teriam falado no Brasil haacute 400 anos na eacutepoca do descobrimento do paiacutes pelos europeus Mas a quantidade de liacutenguas que subsistem ainda hoje () eacute ainda um nuacutemero consideraacutevel ndash cento e tantas Todas elas entretanto estatildeo ameaccediladas de desaparecer dentro de muitos poucos anos
O fato eacute que precisamos catalogar essas liacutenguas e como elas agem durante o
contato linguiacutestico Esses estudos satildeo de grande valia porque podem mostrar
como se deu analogicamente o contato do portuguecircs com outras liacutenguas E as
evidecircncias aqui encontradas contribuiratildeo para a descriccedilatildeo linguiacutestica aleacutem de
proporcionar agraves geraccedilotildees futuras o conhecimento mais apurado sobre as liacutenguas
de contato
Sobre esta relaccedilatildeo Almeida (idem p 14) afirma que
[] As relaccedilotildees de contato com sociedades envolventes e vaacuterios processos de mudanccedila cultural vivenciados pelos grupos indiacutegenas eram considerados simples relaccedilotildees de dominaccedilatildeo impostas aos iacutendios de tal forma que natildeo lhes restava nenhuma margem de manobra a natildeo ser a submissatildeo passiva a um processo de mudanccedilas culturais que os levaria a serem assimilados e confundidos com a massa da populaccedilatildeo
A autora ainda reitera que ldquoas relaccedilotildees de contato eram entatildeo grosso modo
vistas como relaccedilotildees de dominaccedilatildeo submissatildeo na qual uma cultura se impunha
sobre a outra anulando-ardquo p16
23
O contato entre liacutenguas contribuiu para o leacutexico portuguecircs2 E eacute o contato
linguiacutestico um dos fatores que coloca o iacutendio em situaccedilatildeo ativa na histoacuteria do
Brasil mesmo apoacutes o decreto do Marquecircs de Pombal3
Todavia assim como ocorrera com os negros eacute possiacutevel que o contato com
iacutendios possa ter influenciado outros niacuteveis da nossa gramaacutetica 4
Seki (1995 p 33) ao discutir sobre a situaccedilatildeo das liacutenguas indiacutegenas brasileiras
diz que
Essas estimativas devem ser ainda consideradas com certa cautela pois as liacutenguas indiacutegenas encontram-se sob as mais diferentes pressotildees sofrendo o impacto do crescente contato com a populaccedilatildeo envolvente e a liacutengua majoritaacuteria Contudo natildeo haacute em geral levantamentos que permitam estabelecer com maior margem de exatidatildeo os reflexos do impacto do Portuguecircs nos distintos grupos em termos de deslocamento de liacutengua indiacutegena tanto no que se refere a graus de bilinguismo monolinguismo quanto no que se refere agrave interferecircncia do Portuguecircs nessas liacutenguas nem sempre claramente perceptiacutevel nas fases iniciais mas que vai aos poucos contribuindo para a perda da liacutengua minoritaacuteria
2 Citamos aqui como exemplos o caso dos grupos de palavras oriundos de outros povos que
foram acoplados ao nosso leacutexico como indianismos e africanismos 3 Para estabelecer uma comunicaccedilatildeo com os nativos os portugueses foram aprendendo os
dialetos e idiomas indiacutegenas A partir do tupinambaacute falado pelos grupos mais abertos ao contato com os colonizadores criou-se uma liacutengua geral comum a iacutendios e natildeo-iacutendios O crescente nuacutemero de falantes do portuguecircs comeccedila a tornar o bilinguumlismo das famiacutelias portuguesas no paiacutes cada vez menor Em 17 de agosto de 1758 a liacutengua portuguesa se torna idioma oficial do Brasil atraveacutes de um decreto do Marquecircs de Pombal que tambeacutem proiacutebe o uso da liacutengua geral Disponiacutevel em httpwwwcomcienciabrreportagenslinguagemling03htm em 18122014 4 Alguns estudiosos afirmam que as influecircncias natildeo se restringiram apenas ao vocabulaacuterio
Jacques Raimundo em O Elemento Afro-Negro na Liacutengua Portuguesa aponta algumas mudanccedilas foneacuteticas iniciadas na fala dos escravos que ainda se mantecircm em algumas variedades do portuguecircs do Brasil as vogais meacutedias pretocircnicas e e o passam a ser pronunciadas como vogais altas respectivamente i e u (mininu nuticcedila) as vogais tocircnicas de palavras oxiacutetonas terminadas em s mesmo as grafadas com z se tornam ditongos (atrais mecircis vecircis) a marca de terceira pessoa do plural nos verbos do preteacuterito perfeito se reduz a o (fizero caiacutero tocaro)Em 1822 Jeroacutenimo Soares Barbosa registrava em sua Grammatica Philosophica uma peculiaridade sintaacutetica originada na fala dos escravos que ateacute hoje eacute apontada como uma das distinccedilotildees entre o portuguecircs falado em Portugal e o que se fala no Brasil a colocaccedilatildeo de pronomes aacutetonos antes dos verbos (mi deu ti falocirc) Disponiacutevel em httpwwwcomcienciabrreportagenslinguagemling03htm em 18122014
24
Embora a preocupaccedilatildeo da maioria dos estudiosos de liacutenguas indiacutegenas seja com
as liacutenguas minoritaacuterias esta pesquisa trafega no sentido contraacuterio ao buscar
descrever a influecircncia dessas liacutenguas tidas como fraacutegeis no indioma nacional
Vale ressaltar que mesmo em territoacuterio nacional o portuguecircs aqui eacute tido como
segunda liacutengua
12 JUSTIFICATIVA
O contato linguiacutestico e suas consequecircncias se datildeo em todas as liacutenguas do
mundo No entanto no que tange ao desaparecimento de liacutenguas o prejuiacutezo eacute
maior uma vez que a natildeo catalogaccedilatildeo dessas liacutenguas geraria um deacuteficit linguiacutestico
que poderia prejudicar os estudos linguiacutesticos vigentes e futuros aleacutem dos
problemas humanos advindos do processo de aculturaccedilatildeo entre povos
Ao corroborar com esta acertiva Telles (2009 p25) afirma que
Quando um povo perde uma liacutengua tambeacutem perde diversidade humana perdem-se meios de compreensatildeo e explicaccedilatildeo do mundo perdem-se soluccedilotildees de adaptalidade do homem ao meio perde-se o conhecimento do potencial e do usufruto sustentaacutevel deste meio Enfim perdem-se conhecimentos fundamentais que venham a coloborar para a continuidade da sobrevivecircncia do homem no planeta
O estudo de uma liacutengua diferente da nossa pode nos dar a impressatildeo de que
vamos encontrar algo distante da nossa realidade O que natildeo eacute verdade visto
que as semelhanccedilas linguiacutesticas satildeo em maior nuacutemero Cacircmara-Juacutenior (1977
p18)
25
Antes da perda total de uma liacutengua que pode ser assim configurado ou natildeo o
processo inicial se daacute pelo contato entre elas Soacute depois de existirem lado a lado
eacute que tais liacutenguas podem a depender da dinacircmica se fundirem desaparecerem
ou conviverem entre si
No caso do relacionamento entre o Latundecirc e o Portuguecircs percebe-se que tal
contato caminha para o desparecimento do Latundecirc dado as circunstacircncias
histoacutericas e sociais pelas quais esta liacutengua tem passado Hoje este povo eacute
composto de 20 falantes dispersos Como os mais novos natildeo podem coabitar
entre si a continuidade da etnia estaacute com os dias marcados Logo torna-se
urgente as tentativas de descriccedilatildeo da liacutengua e de seu comportamento
Analisar e descrever o contato com base nos padrotildees de marcaccedilatildeo e simetria
contribuiraacute com o princiacutepio de naturalidade que eacute pre-requesito para a tipologia
linguiacutestica No mais as investigaccedilotildees sobre o contato linguiacutestico satildeo de grande
valia para o conhecimento mais apurado das liacutenguas do mundo e da nossa liacutengua
especificamente
13 OBJETIVOS
Esta pesquisa objetiva o estudo da interferecircncia foneacutetica do Latundecirc no
Portuguecircs levando em consideraccedilatildeo o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
entre estas liacutenguas Tambeacutem busca refletir sobre os processos foneacuteticos oriundos
do contato e como eles se evidenciam a partir das liacutenguas em xeque
26
No decorrer da tese aleacutem dos objetivos postos aqui buscaremos responder as
questotildees postuladas
Investigar se os fatores internos (linguiacutesticos) e externos (estruturais)
interagem com os princiacutepios da marcaccedilatildeo
Identificar qual o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
Verificar se e quais os traccedilos mais marcados da liacutengua dominada passam
para a dominante
Dessa forma ao refletirmos sobre as questotildees acima esperamos contribuir com
os estudos dos universais linguiacutesticos e da cogniccedilatildeo humana
14 METODOLOGIA
O corpus utilizado nesta pesquisa foi coletado pela professora Stella Virgiacutenia
Telles e faz parte do NEI ndash Nuacutecleo de Estudos Indigenistas ndash da Universidade
Federal de Pernambuco Os dados foram gravados em CDrsquos em formato wave e
estruturados em forma de perguntas e respostas DID ndash Diaacutelogo entre
entrevistador e entrevistado
Foram escutados aproximadamente 30 horas de gravaccedilatildeo de fala dos 20
informantes Latundecirc Incialmente analisamos de oitiva os dados que foram
depois transcritos foneticamente com base no Alfabeto Foneacutetico Internacional -
IPA e organizados em tabelas Apoacutes segunda anaacutelise em caso de duacutevidas os
dados foram submetidos ao programa PRAAT para melhor audiccedilatildeo No que tange
27
agrave anaacutelise os dados foram disponibilizados em tabelas e enumerados com os
respectivos comentaacuterios abaixo
15 DISPOSICcedilAtildeO DA TESE
Para este estudo utilizamos os pressupostos cientiacuteficos da tipolologia linguiacutestica
de base aleacutem de autores que foquem em seus estudos contato interferecircncia
foneacutetica marcaccedilatildeo e naturalidade
No capiacutetulo 1 discorremos sobre os elementos basilares da tese justificativa
objetivos perguntas norteadoras metodologia e disposiccedilatildeo da tese
No capiacutetulo 2 trataremos sobre a marcaccedilatildeo Nele abordaremos o conceito de
marcaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com os princiacutepios de simetria e naturalidade Veremos a
partir do panorama de Matras amp Elsik (2006) Battistella (1996) Lacy (2006) as
abordagens de marcaccedilatildeo estruturalista gerativa tipoloacutegica e naturalista
Na seccedilatildeo 23 discorreremos sobre os criteacuterios de marcaccedilatildeo e na seccedilatildeo 24
sobre a mudanccedila linguiacutestica contato e marcaccedilatildeo Nos deteremos aos estudos de
Jakobson na abordagem fonoloacutegica na seccedilatildeo 25 bem como os universais
linguiacutesticos para a marcaccedilatildeo observados por Moreira da Silva (2011) em
contraponto com os padrotildees mais marcados do Latundecirc
No Capiacutetulo 3 o contato linguiacutestico seraacute nosso escopo Nele discutiremos os tipos
de mesclas de contato pidgin crioulo liacutengua Franca e jargatildeo a partir dos
pressupostos de Tarallo e Alkimin (1987) Calvet (2004) Couto (2001) Hall
28
(1996) Hymes (1971) Romaine (2000) e AiKhenvald e Dixon (2006)
Abordaremos tambeacutem a diglossia conforme Ferguson (1991) a alternacircncia de
coacutedigo de acordo com Auer (1999) Morte de liacutengua segundo Mcmahon (1994)
Trask (2004) e Cristoacutefaro-Silva (2002)
No capiacutetulo 4 apresentaremos a comunidade de estudo os Latundecirc Inicialmente
com base em Rodrigues (1995) Roquete-Pinto (1919) Leacutevi-Strauss (1946) Price
e Cook (1969) Anomby (2009) e Telles (2002) faremos uma descriccedilatildeo dos povos
e famiacutelias indiacutegenas do Brasil e dos Latundecirc especificamente Recapitularemos o
contexto histoacuterico formaccedilatildeo contato com os outros povos indiacutegenas e com os
natildeo iacutendios limites geograacuteficos e situaccedilatildeo atual
No capiacutetulo 5 trataremos da interferecircncia e transferecircncia foneacutetica do Latundecirc
para o Portuguecircs Com base em Cristoacutefaro-Silva (2002) Bisol (1996) Weinreich
(1953) Van Coetesem (1988) e Matras (2009) discutiremos os processos de
interferecircncia fusatildeo coexistecircncia e transferecircncia linguiacutestica Apresentaremos os
aspectos mais relevantes da fonologia Latundecirc e do Portuguecircs
No capiacutetulo 6 faremos as anaacutelises dos processos foneacuteticos presentes no contato
do Latundecirc com o Portuguecircs A partir da perspectiva claacutessica de perda
manutenccedilatildeo ou ganho de elementos discutiremos sobre quais os processos
foneacuteticos mais marcados do Latundecirc permanecem ou natildeo atestados no
Portuguecircs falado por Latundecirc
Por fim chegaremos agraves divagaccedilotildees finais dos resultados configurados na
pesquisa e agrave perspectiva de continuidade do trabalho Nos anexos encontram-se
os dados analisados transcritos foneticamente e dispostos em tabelas
29
2 MARCACcedilAtildeO LINGUIacuteSTICA
A nossa vida eacute mesmo assim Crescemos uns qual aacutervore indivisa levados pela forccedila de um destino retiliacuteneo como as palmeiras crescem
outros com a vida ramificada pelos empuxos ambientes Pretendemos Tentamos Retrocedemos
Afinal caminhamos na diretriz primitivamente escolhida quando o tempo nos concede alcanccedilar crescemos como as lianas5
(ROQUETTE-PINTO 1919 p 37)
21 INTRODUCcedilAtildeO
Eacute fato que o universo eacute regido por leis naturais O que aparentemente demonstra
ser fruto da eventualidade eacute um conjunto de princiacutepios explicaacuteveis que agem de
forma complementar sob as forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas Com a liacutengua(gem)
natildeo diferentemente enquanto sistema de relaccedilotildees ela reflete estas
caracteriacutesticas Para Croft (2003 p 25) ela reflete a tensatildeo entre duas tendecircncias
concorrentes - uma em direccedilatildeo agrave regularidade a outra em direccedilatildeo agrave
hierarquizaccedilatildeo
Com o objetivo de melhor compreensatildeo dos pressupostos da tese neste capiacutetulo
nos deteremos agrave compreensatildeo dos conceitos de marcaccedilatildeo assimetria e
naturalidade Oriundos da linguiacutestica de base estes termos estatildeo relacionados
aos universais linguiacutesticos A complexidade destes conceitos por outro lado
apontam para o que eacute individual e para o que eacute geral Tem a ver com o que jaacute
defendia Chomsky ao estabelecer a dicotomia Princiacutepios x Paracircmetros
Obviamente posta a complexidade da liacutengua esses ldquoagentesrdquo da linguagem
5 Espeacutecie de trepadeira que manteacutem sua raiz no solo mas necessita de um suporte para manter-
se ereta e crescer em direccedilatildeo agrave luz
30
estatildeo submetidos tambeacutem aos fatores internos e externos nas liacutenguas do mundo
Logo o que eacute marcado numa liacutengua pode natildeo ser em outra ou podem ocorrer
marcaccedilotildees mais globais
Matras e Elsik (2006 p12) discorrem que
A tarefa da teoria linguiacutestica eacute a nosso ver descrever como essas tendecircncias concorrentes satildeo responsaacuteveis pela formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas Trata-se de um jogo a niacutevel local de vaacuterios fatores a estrutura e sua funccedilatildeo na comunicaccedilatildeo o membro e o valor que ela representa tanto dentro do paradigma e em um quadro conceitual mais universal a natureza do processo especiacutefico envolvido na formaccedilatildeo a estrutura e a motivaccedilatildeo para aplicar esse processo para o paradigma ou partes dele Esta complexa interaccedilatildeo de fatores nunca eacute preacute-determinada uma vez que diferentes combinaccedilotildees de fatores tornaratildeo resultados diferentes A este respeito tomamos uma visatildeo imparcial do que condiccedilatildeo marcada eacute e se eacute ou natildeo uma estrutura eacute marcado ldquoem comparaccedilatildeo com a outrardquo Em vez disso nosso interesse eacute em explorar padrotildees nos resultados de diferentes combinaccedilotildees de fatores em niacutevel local
A assimetria e a naturalidade efetivamente teriam uma relaccedilatildeo direta com a
marcaccedilatildeo O que eacute assimeacutetrico tende a ser mais marcado e menos natural Por
outro lado o que eacute mais natural tende a ser menos marcado e mais simeacutetrico
Esta eacute uma condiccedilatildeo elementar mas natildeo totalitaacuteria para as liacutenguas do mundo
Para Batistella (1996 p115) haacute um nuacutemero de pesquisadores que sugerem
formas especiacuteficas em que as condiccedilotildees de marcaccedilatildeo desempenham um papel
na descriccedilatildeo na alteraccedilatildeo ou na aquisiccedilatildeo da liacutengua(gem) exercendo uma
funccedilatildeo relevante na definiccedilatildeo da gramaacutetica oacutetima agravequela que eacute o resultado
satisfatoacuterio na teoria da otimalidade6
6 Mesmo natildeo trabalhando diretamente com a teoria da otimalidade nesta tese eacute vaacutelido ressaltar
que os princiacutepios de marcaccedilatildeo simetria e naturalidade fazem parte do arcabouccedilo teoacuterico de seu axioma
31
No que diz respeito agrave fonologia aacuterea da linguiacutestica sob a qual se debruccedila o objeto
de estudo desse trabalho Battistella (1966 p65) observa que condiccedilatildeo marcada
eacute uma propriedade da relaccedilatildeo entre os dois sinais de um paradigma diacriacutetico
que eacute em parte independente da substacircncia linguiacutestica articulaccedilatildeo e percepccedilatildeo e
deve ser definido principalmente como conceitual
No que se refere aos conceitos postos aqui utilizaremos os pressupostos teoacutericos
defendidos por CROFT (1996 2003) JAKOBSON (1953) BATTISTELLA (1996)
MATRAS amp ELSIK (2006) para descriccedilatildeo teoacuterica e abordagem histoacuterica e LACY
(2006) para a descriccedilatildeo dos universais marcados para tratarmos das elucidaccedilotildees
sobre Marcaccedilatildeo Tipoloacutegica (no contato linguiacutestico) e Naturalidade
22 MARCACcedilAtildeO
Battistella (1996 p7) afirma que em muitas aacutereas alguns conceitos apresentam
problemas quanto agrave sua complexidade axioloacutegica Natildeo diferentemente no campo
da linguiacutestica tais discussotildees emblemaacuteticas ainda hoje se fazem presentes Uma
dessas discussotildees gira em torno do conceito de marcaccedilatildeo pois segundo ele
A dicotomia natildeo-marcado versus marcado eacute um dos conceitos-chave tanto a teoria da gramaacutetica gerativa desenvolvida por Noam Chomsky e a teoria da linguiacutestica estrutural desenvolvida por Roman Jakobson Ela tem sido usada em aacutereas da linguiacutestica que vatildeo desde a descritiva e tipoloacutegica ateacute a aplicada e foi emprestado para campos tatildeo diversos como a antropologia arte muacutesica poesia e literatura
O termo que fora introduzido na linguiacutestica na deacutecada de 1920 pelos linguistas
europeus da Escola de Praga cujo significado da condiccedilatildeo marcada natildeo
32
permaneceu constante mesmo dentro de uma uacutenica estrutura intelectual hoje eacute
um marco central na linguiacutestica O conceito de marcaccedilatildeo estaacute relacionado agrave
frequecircncia daquilo que eacute menos comum na liacutengua Logo a relaccedilatildeo deste conceito
se coaduna agrave noccedilatildeo de naturalidade Se um elemento eacute mais natural ele seraacute
menos marcado Se o oposto seraacute mais marcado Deste modo as liacutenguas teriam
uma tendecircncia a optar por padrotildees natildeo marcados
Battistella (2006 p13) expotildee que
A possibilidade de relaccedilotildees universais marcado natildeo-marcado eacute atenuada por outros fatores Um deles eacute a observaccedilatildeo de que a assimetria eacute muitas vezes sensiacutevel ao contexto Isso faz com que uma condiccedilatildeo local marcada em vez de um fenocircmeno geral signifique que contexto deve sempre ser considerado ao determinar valores de condiccedilatildeo marcada Poderia ser eacute claro que o aspecto contextual da condiccedilatildeo marcada seja dado universalmente mas este natildeo eacute de modo algum faacutecil de mostrar aleacutem do niacutevel de fonologia Uma preocupaccedilatildeo relacionada sobre as implicaccedilotildees universais decorre do fato de que muitas assimetrias podem ser revertidas entre as diferentes comunidades de fala periacuteodos de tempo ou registradores
Para Trask (2004 p187) os vaacuterios criteacuterios para entender que uma forma ou
construccedilatildeo eacute marcada podem natildeo coincidir e os valores da alternativa marcado
natildeo-marcado podem tambeacutem mudar ao longo do tempo A complexidade posta na
interaccedilatildeo de fatores nunca eacute previamente estabelecida uma vez que as
diferentes combinaccedilotildees deles tornaratildeo consequentemente os resultados
diferentes
Em continuidade ele afirma que
Ser marcado eacute uma noccedilatildeo muito ampla que se aplica em todos os niacuteveis de anaacutelise Em termos gerais eacute marcada qualquer forma linguiacutestica que ndash sob qualquer ponto de vista ndash menos usual ou menos neutra do que alguma outra forma a forma natildeo-
33
marcada Uma forma marcada pode distinguir-se de outra tambeacutem marcada pela presenccedila de mais material de maior quantidade de matizes de significado por ser mais rara numa determinada liacutengua ou nas liacutenguas em geral ou de vaacuterios outros modos (idem p129)
Na e para a fonologia eacute sugerido que processos fonoloacutegicos estejam diretamente
sensiacuteveis agrave distinccedilatildeo entre os elementos marcados e os natildeo marcados Nesta
relaccedilatildeo a marcaccedilatildeo dos segmentos foneacuteticos estaacute relacionada a propriedades
linguiacutesticas como i) serem pouco comuns ii) serem pouco frequentes iii) serem
adquiridos tardiamente iv) serem pouco estaacuteveis quanto agrave mudanccedila sonora
(CRISTOacuteFARO-SILVA 2011 p148)
Segundo Battistella (2006 p 13) ldquoa condiccedilatildeo marcada na fonologia eacute uma
propriedade da relaccedilatildeo entre os dois sinais de um paradigma diacriacutetico que eacute em
parte independente da substacircncia linguiacutestica (articulaccedilatildeo e percepccedilatildeo) e deve ser
definida principalmente como conceitualrdquo
O conceito de marcaccedilatildeo estaacute diretamente relacionado ao de simetria propriedade
matemaacutetica que consiste na correspondecircncia e permuta de elementos dentro de
um conjunto onde mesmo com a troca de lugares eles continuam tendo o
mesmo valor Neste caso a marcaccedilatildeo estaria ligada ao conceito de assimetria
posto que esta seja a quebra da valoraccedilatildeo de correspondecircncia dos elementos
Trask 2007
Para Matras e Elsik (2006 p 8)
Assimetrias de paradigmas tecircm vindo a ser associado com a noccedilatildeo de condiccedilatildeo marcadardquo O conceito pressupotildee que a relaccedilatildeo estrutural entre os dois polos de um paradigma eacute previsiacutevel em certa medida Ele tambeacutem assume que um dos
34
polos marcado seraacute sempre exibir propriedades que o outro polo desmarcado natildeo tem
Os referidos autores tratam dos aspectos sobre assimetria afirmando que a
simetria eacute mais simples por ser explicada ldquoem termos formais ao niacutevel do
paradigma e em termos funcionais atraveacutes de regularidade na posiccedilatildeo e
formas das estruturas que executam operaccedilotildees lineares semelhantes na
organizaccedilatildeo de informaccedilatildeo de enunciadosrdquo Eles ainda afirmam que as ldquoas forccedilas
que provocam a assimetria satildeo muito mais opacasrdquo pois ldquoelas competem em
vaacuterios niacuteveis locais contra o poder aparentemente esmagador e sempre presente
da busca pela simetriardquo (idem p 10)
A noccedilatildeo de valores dos conceitos de marcados e natildeo marcados foi inicialmente
desenvolvido para sistemas fonoloacutegicos por Trubetzkoy (1931) e primeiro aplicado
a categorias morfossintaacuteticas e semacircnticas por Jakobson (1932) Croft (1990 p
87) afirma que Markedness has since been adopted by both the generative and
the typological approaches to linguistic theory not surprisingly in rather different
ways7 Por isso a depender da corrente teoacuterica adotada o conceito de marcaccedilatildeo
pode ser compreendido de forma distinta dadas as interpretaccedilotildees e as
abrangecircncias a que elas se propotildeem
Conforme Battistella (1996 p 12) O termo marcaccedilatildeo abrange uma seacuterie de
conceitos
algumas tentativas foram feitas para separar os conceitos subjacentes a este termo e distinguir entre diferentes tipos de condiccedilotildees marcadas Jakobson por exemplo manteacutem uma
7 O conceito de marcaccedilatildeo tem sido adotado nas abordagens gerativista e tipoloacutegica natildeo surpreendentemente de maneiras bastante diferentes
35
distinccedilatildeo entre condiccedilatildeo fonoloacutegica marcada que envolve categorias cujos significados satildeo meros diferenciadores e condiccedilatildeo marcada semacircntica que envolve categorias conceituais que sinalizam o que significa bem como distinguem os vocaacutebulos
Com os passar do tempo os modelos teoacutericos sobre marcaccedilatildeo tambeacutem foram
discutidos e repensados de acordo com a corrente a que se propunha Nos
paraacutegrafos que seguem discorremos seguindo o percurso histoacuterico descrito por
Battistella 2006 sobre estes modelos estruturalista gerativista tipoloacutegica e
naturalista
221 A concepccedilatildeo de Jakobson e Trubetzkoy
A abordagem estruturalista estaacute diretamente ligada agraves pessoas de Jakobson e
Trubetzkoy componentes do Ciacuterculo de Praga para quem as correlaccedilotildees
fonoloacutegicas satildeo compartilhadas em um elemento definidor comum A partir da
observaccedilatildeo do comportamento dos traccedilos fonoloacutegicos eles introduzem os termos
marcado e natildeo-marcado It was in the context of the search for correlations
among phonemes that the terms marked and unmarked were first proposed
Battistella (2006 p 19)
Na visatildeo semioacutetica estruturalista de acordo com Matras e Elsik (2006 p 15)
Trubetzkoy (1939) introduziu o conceito de condiccedilatildeo marcada no contexto de sua
pesquisa sobre correlaccedilotildees fonoloacutegicas com base nas relaccedilotildees entre a presenccedila
de alguma caracteriacutestica fonoloacutegica e sua ausecircncia na consciecircncia dos falantes
Mais adiante ele restringiu a aplicaccedilatildeo da condiccedilatildeo marcada agraves neutralizaacuteveis
36
oposiccedilotildees fonoloacutegicas A partir daiacute a neutralizaccedilatildeo tornou-se o criteacuterio de
marcaccedilatildeo
Por isso diz-se que a neutralizaccedilatildeo eacute um criteacuterio originalmente fonoloacutegico que foi
estendido (nem sempre bem) para a situaccedilatildeo em que algum contexto requer o
cancelamento do contraste entre os membros de uma oposiccedilatildeo Battistella (1996
p 11)
Batistella (idem p12) tambeacutem afirma que Jakobson aplicou o conceito de
marcaccedilatildeo em vaacuterias direccedilotildees e aleacutem da fonologia a outros niacuteveis linguiacutesticos e
domiacutenios da semioacutetica com base natildeo apenas nos atributos linguiacutesticos mas nas
categorias semacircnticas da gramaacutetica e da cultura Ele tambeacutem afirmou que a
condiccedilatildeo marcada pode ser vista como uma relaccedilatildeo binaacuteria
O autor em estudo ainda discorre que Jakobson observando aleacutem disso ldquouma
seacuterie de correlaccedilotildees de condiccedilatildeo marcada notou que os valores natildeo marcados
tendem a ser representado por zero formardquo sugerindo que existe uma
correspondecircncia entre as caracteriacutesticas semacircnticas e sua expressatildeo fonoloacutegica
ldquonatildeo apenas os valores marcados tendem a ser codificados por meio de
marcadores manifestados mas tambeacutem valores semanticamente proacuteximos de
uma categoria que tendem a ser expressos fonologicamente ou marcadores
fonotaticamente semelhantesrdquo Os valores marcados tambeacutem tendem a mostrar
diferenciaccedilatildeo menos formal do que os valores natildeo marcados
Jakobson tambeacutem teria evidenciado seus estudos com base nas observaccedilotildees
sobre a aquisiccedilatildeo de primeira liacutengua e sobre a afasia Em suas pesquisas ele
descobriu correlatos extralinguiacutesticos de condiccedilatildeo marcada propondo uma
37
hierarquia das caracteriacutesticas fonoloacutegicas universais ao coletar dados
corroboradores da tese de que as caracteriacutesticas ou segmentos marcados satildeo
mais difiacuteceis de serem adquiridos por crianccedilas e de serem apreendidos por
afaacutesicos Battistella (idem 16)
222 Abordagem Gerativa
Para Matras amp Elsik (2006 p10) a visatildeo de Chomsky de marcaccedilatildeo mostra uma
flexibilidade notaacutevel uma vez que o conceito natildeo foi desenvolvido de forma
sistemaacutetica e que eacute difiacutecil falar sobre a existecircncia de um trabalho mais bem
elaborado sobre marcaccedilatildeo em sua obra
Battistella afirma que na concepccedilatildeo gerativista o conceito de marcaccedilatildeo exposto
por Chomsky estaacute relacionado a duas ideias centrais i) a condiccedilatildeo marcada eacute
concebida como codificaccedilatildeo de uma estrutura de preferecircncia ou a estrutura
padratildeo para a aquisiccedilatildeo da linguagem e ii) a condiccedilatildeo marcada eacute vista como
aquela que reflete o custo de determinadas opccedilotildees analiacuteticas Em tal conceito as
duas ideias estatildeo interligadas na abordagem gerativa na medida em que uma
teoria formal eacute necessaacuteria para expor a adequaccedilatildeo explicativa no que diz respeito
agrave aquisiccedilatildeo da linguagem (1996 p18)
Ainda segundo o autor Chomsky tambeacutem distinguiu dois tipos de condiccedilatildeo
marcada a distinccedilatildeo entre uma gramaacutetica sem marcaccedilatildeo do nuacutecleo e uma
periferia marcada e as estruturas de preferecircncia dentro do nuacutecleo e dentro da
periferia
38
No que tange agrave fonologia para Moreira da Silva (2011 p 31)
No contexto da Gramaacutetica Gerativa Chomsky amp Halle (1968 p 402) propotildeem uma teoria de marcaccedilatildeo baseada num conjunto de convenccedilotildees de marcaccedilatildeo ou definiccedilotildees dos valores ldquomarcadordquo ldquonatildeo-marcadordquo para os traccedilos fonoloacutegicos em contextos particulares A marcaccedilatildeo concebe uma estrutura como preferida ou que surge por defeito omissatildeo Os elementos marcados e natildeo marcados satildeo compreendidos como os que apresentam maior ou menor custo Satildeo as regras da Gramaacutetica Universal que atribuem um valor natildeo marcado aos traccedilos Com efeito os valores por omissatildeo estatildeo codificados na Gramaacutetica Universal havendo um conjunto de regras que fazem emergir os valores marcados
Chomsky amp Halle (idem p 425) propotildeem uma marcaccedilatildeo universal e inata Os
segmentos marcados ou os valores dos traccedilos satildeo estabelecidos de acordo com
universais interlinguiacutesticos frequecircncia distribucional mudanccedila linguiacutestica e
aquisiccedilatildeo da liacutengua
Eacute no final dos anos 70 e durante a deacutecada de 80 que segundo Battistella (1996
p 10)
a condiccedilatildeo marcada comeccedilou a ser tratada como parte de uma teoria do nuacutecleo da gramaacutetica A Gramaacutetica nuclear consistia em alguns paracircmetros que deveriam ser corrigidos durante a aquisiccedilatildeo de uma linguagem real O conceito de condiccedilatildeo marcada foi aplicado duplamente neste quadro Em primeiro lugar todo o nuacutecleo da gramaacutetica foi considerado como natildeo marcado contra a periferia marcada A condiccedilatildeo marcada de uma construccedilatildeo foi determinada pela sua regularidade estabilidade e centralidade para o nuacutecleo de uma linguagem particular bem como por generalizaccedilotildees intralinguiacutesticas sobre os tipos de construccedilatildeo Em segundo lugar a condiccedilatildeo marcada seria tambeacutem aplicada aos valores de paracircmetros no interior do nuacutecleo e no interior da periferia Assim condiccedilatildeo marcada tambeacutem foi visto como uma estrutura de preferecircncia dentro dos dois componentes da gramaacutetica
Moreira da Silva (2011 p32) afirma que no que diz respeito agrave Teoria da
Otimidade formulada por Prince amp Smolensky (1993) a marcaccedilatildeo eacute vista como a
39
violaccedilatildeo de uma restriccedilatildeo ou princiacutepio da liacutengua Segundo esta teoria cada liacutengua
eacute definida como um conjunto de hierarquizaccedilotildees de princiacutepios universais As
restriccedilotildees numa posiccedilatildeo mais elevada e que satildeo raramente violadas indicam os
aspetos natildeo marcados enquanto as menos importantes e que satildeo violadas
frequentemente mostram os aspetos mais marcados
223 Abordagem Tipoloacutegica (Interlinguiacutestica)
Croft (1996 p4) afirma que a principal caracteriacutestica da tipologia linguiacutestica eacute
verificar as regras de comparaccedilatildeo nas liacutenguas do mundo A comparaccedilatildeo
Interlinguiacutestica coloca a explicaccedilatildeo dos fenocircmenos linguiacutesticos de uma uacutenica
liacutengua em uma nova e diferente perspectiva
A fim de distinguir o conceito de marcaccedilatildeo de outras escolas teoacutericas Croft
(1996) introduziu a concepccedilatildeo de marcaccedilatildeo tipoloacutegica Para ele
Marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute uma rede de relaccedilotildees causais aparentes entre um subtipo de assimetrias interlinguiacutesticas todas as quais tecircm a ver com a forma como a funccedilatildeo eacute codificada em forma gramatical O tema geral da assimetria tambeacutem sugere um link para os padrotildees assimeacutetricos na ordem das palavras e na fonologia que diferem de marcaccedilatildeo tipoloacutegica de forma significativa Marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute uma propriedade universal de uma categoria conceitual natildeo uma propriedade de uma linguagem especiacutefica ou de uma categoria gramatical de linguagem particular como eacute concebida em marcaccedilatildeo para a Escola de Praga (p87 - 88)8
8 Typological markedness is a network of apparent causal relationships among a subtype of cross-
linguistic asymmetries all of which have to do with how function is encoded into grammatical form The general theme of asymmetry also suggests a link to asymmetrical patterns in word order and phonology which differ from typological markedness in significant ways Typological markedness is a universal property of a conceptual category not a language-particular property of a language-particular grammatical category as it is in Prague School markedness
40
Quanto agrave marcaccedilatildeo na abordagem tipoloacutegica autores como Croft (1996) e Givoacuten
(1990) se utilizaram da perspectiva estruturalista para embasar a sua teoria Esta
concepccedilatildeo se vale dos fenocircmenos interlinguiacutesticos e universais que eacute a sua
caracteriacutestica definidora Battistella (2006 p19) A marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute
portanto uma ferramenta importante para o tipologista porque fornece um meio
para ligar diretamente propriedades linguiacutesticas (estruturais) formais em todos os
idiomas
A condiccedilatildeo marcada eacute assegurada por padrotildees interlinguiacutesticos que podem ser
formulados como restriccedilotildees sobre possiacuteveis combinaccedilotildees de propriedades
linguiacutesticas Na abordagem tipoloacutegica a marcaccedilatildeo eacute vista como uma rede de
relacionamentos que engloba uma seacuterie de padrotildees gerais logicamente
independentes Croft (1990 p87) reclassifica os criteacuterios utilizados pelos
estruturalistas em trecircs estruturais comportamentais e de frequecircncia de token
Na abordagem tipoloacutegica um valor de categoria eacute mais ou menos marcado em
vez de individualmente ou duplamente marcadas como na abordagem semioacutetica
De acordo com Croft (2003 p87) o fato de que a neutralizaccedilatildeo natildeo eacute um
conceito relativo explica por que eacute um criteacuterio vaacutelido de condiccedilatildeo marcada
tipoloacutegica
Para Matras e Elsik o reconhecimento do caraacuteter relativo (gradual ou escalar) da
condiccedilatildeo marcada permite que se desenhe em alguns conceitos fundamentais da
tipologia linguiacutestica o que diz respeito agrave condiccedilatildeo de marcada Aleacutem de simples
implicacionais universais hierarquias e protoacutetipos tambeacutem podem ser vistos como
padrotildees da condiccedilatildeo marcada (2006 p18)
41
224 Abordagem Naturalista9 (Morfologia Natural)
Na abordagem naturalista de acordo com Matras amp Elsik (2006 p13) a condiccedilatildeo
marcada foi desenvolvida na escola de Morfologia Natural que surgiu na Aacuteustria e
na Alemanha em meados dos anos 1970 Os estudos de Dressler et al (1987)
para quem ldquoa naturalidade universal corresponde agrave facilidade para o ceacuterebro
humano (Dressler et all 1987 p11) fazem parte desta corrente que se debruccedilou
sobre a morfologia natural para dar sustentaccedilatildeo a sua tese Ainda para estes
autores
Os proponentes da Morfologia Natural caracterizam sua abordagem como semioacutetica e ao mesmo tempo funcional A escola foi inspirada entre outros pela teoria da marcaccedilatildeo desenvolvida na Escola de Praga Por outro lado morfologistas naturais compartilham de uma seacuterie de pontos de vista teoacutericos com o paradigma funcionalista e principalmente com orientaccedilatildeo de funccedilatildeo tipoloacutegica como a assunccedilatildeo do caraacuteter relativo da condiccedilatildeo marcada a suposiccedilatildeo de protoacutetipos e a dependecircncia de motivaccedilotildees e evidecircncias extralinguiacutesticas e intralinguiacutesticas (Idem p12)
Ainda de acordo com Matras amp Elsik (idem p 14) a Teoria da Morfologia Natural
eacute concebida como uma teoria da Naturalidade onde satildeo reconhecidos vaacuterios
niacuteveis de anaacutelise linguiacutestica que satildeo organizados por outras subteorias
correspondentes
A Morfologia Natural objetiva nesse aspecto estabelecer conflitos entre os
princiacutepios de naturalidade Dois desses satildeo i) os conflitos entre princiacutepios de
naturalidade (o que eacute natural e o que eacute especiacutefico do idioma) e ii) os conflitos
entre os diferentes componentes do sistema de linguagem
9 The naturalness approach
42
Comumente a naturalidade eacute vista por ter fundamentos extralinguiacutesticos que
determinam ou proiacutebem favorecem ou desfavorecem as estruturas linguiacutesticas
restringindo as possibilidades e especificam as preferecircncias da faculdade da
linguagem universal No entanto embora a morfologia privilegie os fatores
extralinguiacutesticos (neurobioloacutegicos e sociocomunicativos) os fatores linguiacutesticos
natildeo satildeo redutiacuteveis aos extralinguiacutesticos (ibidem p14)
23 CRITEacuteRIOS DE MARCACcedilAtildeO
Matras amp Elsik (2006 p15) elencam quatro criteacuterios relevantes para a marcaccedilatildeo
Satildeo eles i) frequecircncia ii) complexidade conceitual iii) complexidade estrutural iv)
distribuiccedilatildeo
A frequecircncia tem ocupado uma posiccedilatildeo central na abordagem tipoloacutegica da
condiccedilatildeo marcada Embora acredite-se que os elementos natildeo marcados satildeo
mais frequentes que os marcados este criteacuterio eacute relativo e universalmente
aplicaacutevel sendo bastante questionaacutevel na abordagem tipoloacutegica chegando a ser
abandonado por Croft 1990 p84 ao afirmar que ldquoo criteacuterio de frequecircncia mostra
uma conexatildeo direta entre as propriedades de estrutura da linguagem e
propriedades de uso da linguagemrdquo
Ainda segundo Croft (idem p159) a condiccedilatildeo marcada eacute mais do que uma
manifestaccedilatildeo de motivaccedilatildeo econocircmica havendo a necessidade de olhar para
outras causas da frequecircncia de certos valores gramaticais na fala
43
Na abordagem estruturalista semioacutetica a complexidade conceitual eacute a
propriedade que define a condiccedilatildeo semanticamente marcada Para Jakobson a
marcaccedilatildeo eacute definida como uma relaccedilatildeo assimeacutetrica entre sinalizaccedilatildeo e natildeo-
sinalizaccedilatildeo de uma determinada propriedade Assim o membro marcado da
oposiccedilatildeo eacute por definiccedilatildeo mais complexo semanticamente que o membro natildeo
marcado como outros criteacuterios melhores correlatos da condiccedilatildeo marcada de
diagnoacutesticos de complexidade conceitual (Matras amp Elsik 2006 p 17)
Ainda segundo estes autores (Idem p 19) o reconhecimento da extensatildeo e da
complexidade de um marcador em termos fonoloacutegicos como um fator relevante
em vez de um morfoloacutegico eacute tido por outros autores que trabalham com a
tipologia linguiacutestica Como exemplo eles citam a codificaccedilatildeo morfossintaacutetica que
eacute chamada de codificaccedilatildeo zero onde natildeo existe evidente formal de marcaccedilatildeo de
um valor de categoria
Os criteacuterios de marcaccedilatildeo com base na distribuiccedilatildeo compreendem os criteacuterios
comportamentais e o criteacuterio de valor neutro Os criteacuterios comportamentais foram
desenvolvidos especificamente na abordagem tipoloacutegica e dizem respeito a
qualquer tipo de evidecircncia do comportamento linguiacutestico dos elementos que
demonstram que um valor de uma categoria conceitual eacute gramaticalmente mais
versaacutetil do que outro Croft (1990 p 93)
Jaacute o criteacuterio de valor neutro diz respeito agrave neutralizaccedilatildeo de contrastes
paradigmaacuteticos em determinados contextos O criteacuterio foi desenvolvido na Escola
de Praga e tomado por Greenberg (1966) No entanto o valor neutro eacute
descartado como um criteacuterio vaacutelido de marcaccedilatildeo tipoloacutegica visto que natildeo haacute
44
consistecircncia interlinguiacutestica Natildeo existe um padratildeo interlinguiacutestico consistente de
contextos neutros que podem ser ligados agrave codificaccedilatildeo estrutural ou potencial
comportamental (Croft idem p96)
A razatildeo para a introduccedilatildeo de criteacuterios dependentes do sistema em Morfologia
Natural segundo Matras amp Elsik (2006 p 19) eacute que o conceito de naturalidade
baseada exclusivamente em fatores independentes de sistema resulta em
prediccedilotildees incorretas especialmente na mudanccedila de linguagem Eles consideram
certos aspectos da normalidade dependente de idioma para ser parte de
naturalidade
Segundo Croft (1990 p 97) no que tange aos criteacuterios externos da marcaccedilatildeo os
proponentes da abordagem naturalista introduziram uma seacuterie de criteacuterios ou
correlatos extralinguiacutesticos da condiccedilatildeo marcada como
evoluccedilatildeo da linguagem (o mais tarde o mais marcado)
maturaccedilatildeo ontogeneacutetica (o mais tarde o mais marcado)
fala do bebecirc (menos elementos marcados preferidos pelos adultos no
maiecircs)
aquisiccedilatildeo da linguagem (menos marcado adquirido antes do mais
marcado)
distuacuterbios da linguagem e da fala (mais marcado afetado anteriormente
menos marcado)
testes de percepccedilatildeo (menos marcado mais facilmente percebida do que
mais marcado)
45
e erros linguiacutesticos (mais marcados evocam mais erros do que os menos
marcados)
Esses criteacuterios satildeo basilares e dariam conta de uma seacuterie de elementos
universais linguiacutesticos
24 MARCACcedilAtildeO MUDANCcedilA E CONTATO LINGUIacuteSTICO
Matras amp Elsik (2006 p 22) garantem que em muitas abordagens a
mudanccedila linguiacutestica eacute vista como cooperadora para compreensatildeo da marcaccedilatildeo
Logo a mudanccedila de idioma eacute tida como criteacuterio de marcaccedilatildeo Esta assertiva faz
sentido nesse trabalho visto que o objeto de anaacutelise o portuguecircs resultante do
contato entre o Portuguecircs e o Latundecirc trata de cacircmbio de materiais linguiacutesticos
Neste caso especificamente dos elementos foneacuteticos
Ainda de acordo com estes autores
A existecircncia de estruturas marcadas eacute um resultado inevitaacutevel da compartimentaccedilatildeo e da abertura do sistema de linguagem E uma vez que diferentes componentes da linguagem tecircm funccedilotildees divergentes e tendem a seguir diferentes princiacutepios de naturalidade o abandono das estruturas marcadas em um niacutevel implica em estruturas marcadas em outro niacutevel (Idem p
25)
Em outras palavras a mudanccedila linguiacutestica leva agrave condiccedilatildeo de marcaccedilatildeo na
mudanccedila de um componente da liacutengua para outro ao inveacutes de uma reduccedilatildeo
global de condiccedilatildeo marcada Tais estruturas marcadas satildeo obrigadas a existir em
qualquer momento na histoacuteria de uma liacutengua
46
Os estudiosos apontam para os dois tipos de forccedilas que agem no contato
linguiacutestico a interna e a externa Assim tais forccedilas podem simplificar ou complicar
a gramaacutetica de uma liacutengua Givoacuten (1979 p 123) diz que os falantes satildeo
propensos a recorrer a estruturas natildeo marcadas da Gramaacutetica Universal em
situaccedilotildees cujo contato estaacute ligado ao estresse comunicativo enquanto situaccedilotildees
de contato menos marcados aquelas que prosseguem de forma mais gradual
natildeo precisam
Givoacuten (idem 124) diz que nas situaccedilotildees de pidgin a condiccedilatildeo de marcaccedilatildeo eacute
reduzida e situaccedilotildees de contato entre liacutenguas podem resultar em aumento de
elementos marcados As categorias marcadas satildeo reduzidas em pidgins
enquanto as natildeo-marcadas satildeo as primeiras a serem inovadas durante o
processo de crioulizaccedilatildeo A marcaccedilatildeo sugere que em situaccedilotildees de contato
envolvendo a interferecircncia deve favorecer a reduccedilatildeo da condiccedilatildeo marcada
Na aquisiccedilatildeo de segunda liacutengua o grau relativo de dificuldade para o aprendiz
estaacute relacionado a fatores extralinguiacutesticos como idade Eacute fato que na aquisiccedilatildeo
de uma segunda liacutengua os adultos tendem a terem dificuldades com os padrotildees
mais marcados enquanto os mais novos natildeo a tem Estruturas marcadas da
liacutengua em aquisiccedilatildeo podem deixar de serem adquiridas durante a aprendizagem
caso sejam os adultos que a esteja adquirindo Por isso estruturas natildeo marcadas
satildeo mais propensas a surgir em grandes sociedades caracterizadas por um
intenso contato linguiacutestico levando agraves liacutenguas a simplificaccedilatildeo dos seus sistemas
linguiacutesticos Croft (2000 p 192-193)
47
Jakobson (1978 p 35-37) afirma que quanto maior a funccedilatildeo socioespacial de um
dialeto mais simples seraacute o seu sistema linguiacutestico Dialetos e liacutenguas
relativamente isoladas satildeo mais propensas a desenvolverem condiccedilotildees marcadas
e estruturas redundantes como conjunto de fonemas complexos com um elevado
nuacutemero de contrastes fonoloacutegicos complexidade alofocircnica e alomoacuterfica
irregularidade morfoloacutegica e padrotildees de concordacircncia complexos Por outro lado
os casos de alto contato dialeacutetico que satildeo caracterizadas por redes sociais
relativamente abertas satildeo susceptiacuteveis agrave produccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas natildeo
marcadas pela diminuiccedilatildeo da irregularidade da redundacircncia e da complexidade
Apesar de os empreacutestimos serem um aspecto do aumento da condiccedilatildeo marcada
ela (a condiccedilatildeo) eacute operativamente especiacutefica de cada empreacutestimo Esta condiccedilatildeo
marcada do empreacutestimo coodetermina quais as formas e funccedilotildees satildeo mais
susceptiacuteveis de serem emprestadas do que outras Quanto mais transparente e
menos integrador for um elemento na liacutengua de origem torna-se mais provaacutevel de
ser emprestado A condiccedilatildeo marcada eacute relativa ao contexto agrave saliecircncia agrave
frequecircncia agrave ocorrecircncia e agrave distacircncia tipoloacutegica da situaccedilatildeo do contato Matras amp
Elsik (2006 p 26)
Croft (2000 p198) estende a noccedilatildeo de condiccedilatildeo marcada natildeo soacute para os
mecanismos de mudanccedila mas tambeacutem para as formas de contextos de difusatildeo
ou seja padrotildees de realizaccedilatildeo Ele afirma que enquanto na mudanccedila interna as
inovaccedilotildees entram nos pontos menos marcados e estendem a ambientes mais
acentuados em empreacutestimos e outras inovaccedilotildees mudanccedilas motivadas
externamente se espalham de pontos marcados para menos contextos marcados
48
25 JAKOBSON E A ABORDAGEM FONOLOacuteGICA DA MARCACcedilAtildeO
O termo marcaccedilatildeo recebeu o tratamento mais expansivo nos estudos de Roman
Jakobson a partir de 1930 Ele e Trubetzkoy difundiram a ideia de correlaccedilatildeo
fonoloacutegica como uma seacuterie de oposiccedilotildees binaacuterias que compartilham elementos
em comum Eacute Jakobson que afirma que a neutralizaccedilatildeo e o estaacutegio onde as
posiccedilotildees marcadas natildeo estatildeo em estado de marcaccedilatildeo
Eacute tambeacutem Jakobson quem introduz a concepccedilatildeo de niacuteveis de marcaccedilatildeo propondo
que a forma natildeo marcada tanto tem uma forma geral como uma parcial Ele
descobriu uma relaccedilatildeo entre a marcaccedilatildeo em uma hierarquia universal de traccedilos
fonoloacutegicos os traccedilos marcados implicam maior dificuldade de aprendizagem e
uma maior facilidade de perda por parte de pessoas com afasia Ele ainda diz
que
O padratildeo do desenvolvimento fonoloacutegico universal consiste numa progressatildeo de diferenciaccedilotildees cada vez mais finas entre traccedilos distintivos inicialmente distinccedilatildeo entre consoantes e vogais formando-se posteriormente oposiccedilotildees cada vez menos universais A dissoluccedilatildeo da competecircncia linguiacutestica individual nas patologias da linguagem eacute governada pela mesma regularidade a perda do valor primaacuterio pressupotildee a perda do valor secundaacuterio e eacute por isso que se fala da infantilidade da fala dos afaacutesicos A dissoluccedilatildeo do sistema de sons nos afaacutesicos fornece uma imagem de espelho do desenvolvimento fonoloacutegico da crianccedila ndash os sons a serem adquiridos mais tardiamente satildeo os primeiros a serem perdidos (1941 p 60-63)
No percurso da fonologia Jakobson (1941 p 84) viu a representaccedilatildeo fonecircmica
como um niacutevel sem redundacircncia de representaccedilatildeo que conteacutem apenas
informaccedilotildees distintivas A praacutetica descritiva da informaccedilatildeo teoacuterica de Jakobson
49
teve uma grande e importante influecircncia sobre a notaccedilatildeo livre da redundacircncia na
fonologia e na sintaxe gerativas
Com base na literatura meacutedica Jakobson examinou a aquisiccedilatildeo da linguagem e a
afasia da fala agrave luz dos universais linguiacutesticos propondo uma relaccedilatildeo entre uma
hierarquia universal dos traccedilos fonoloacutegicos a aquisiccedilatildeo da linguagem na infacircncia
e a perda dela durante a afasia A aquisiccedilatildeo fonoloacutegica da crianccedila e os distuacuterbios
dos afaacutesicos baseiam-se nas mesmas leis de solidariedade como o inventaacuterio
fonoloacutegico o percurso fonoloacutegico das liacutenguas do mundo
Os estudos de Jakobson e de Trubetzkoy sobre a tipologia fonoloacutegica levaram
Jakobson a propor que os sistemas de sons satildeo organizados hierarquicamente e
que certas oposiccedilotildees fonoloacutegicas fornecem o nuacutecleo do sistema de som de todas
as liacutenguas Estas satildeo as oposiccedilotildees que definem os sons mais prototiacutepicos mdash
vogais e consoantes que ocorreratildeo em todos os idiomas vogais cardeais a i
u consoantes plosivas p t k e as nasais m n Estes sons satildeo
encontrados em praticamente todas as liacutenguas do mundo
Jakobson propotildee novas leis implicativas entre estes sons e os sons fora do
inventaacuterio baacutesico Dessa forma as leis tipoloacutegicas preveem que em nenhuma
liacutengua haveraacute vogais nasais a menos que haja vogais orais nenhuma liacutengua teraacute
uma vogal arredondada posterior a menos que ela tambeacutem tenha uma vogal
anterior fechada natildeo arredondada nenhuma liacutengua teraacute uma vogal fechada natildeo
arredondada a menos que ela tambeacutem tenha uma arredondada nenhuma liacutengua
teraacute uma fricativa dental simples sem uma fricativa dental estridente (Idem 1941
p 86)
50
Jakobson tambeacutem observa que certos sons satildeo muito raros nas liacutenguas do
mundo por exemplo as fricativas laterais e o r tcheco estridente Ele propotildee que
esses sons satildeo mais afastados do nuacutecleo e portanto menor nesta hierarquia
A hierarquia de oposiccedilotildees fonoloacutegicas definida pela tipologia encontra-se tambeacutem
no desenvolvimento do sistema foneacutetico da crianccedila Com base em estudos diaacuterios
de aquisiccedilatildeo da linguagem ele confirma a hierarquia na aquisiccedilatildeo dos padrotildees e
os padrotildees mais marcados seriam adquiridos tardiamente
Moreira da Silva (2011 p36) elenca os criteacuterios de marcaccedilatildeo No entanto a
autora chama a atenccedilatildeo para o fato de que eles nem sempre funcionam do modo
esperado Satildeo eles frequecircncia distribuiccedilatildeo aquisiccedilatildeo da liacutengua patologias da
linguagem histoacuteria da liacutengua facilidade de produccedilatildeo e percepccedilatildeo universalidade
implicaccedilatildeo e processos fonoloacutegicos Ela tambeacutem apresenta algumas unidades e
estruturas consideradas mais marcadas como podemos ver a seguir
Quadro 1 Unidades e estruturas mais marcadas conforme levantamento de Moreira da
Silva (2011)
Segmentos e estruturas mais marcadas Autores
1 Vogais nasais Ferguson amp Chowdbury 1960
Greenberg 1966 14 Durand 1990
74 Kenstowicz 1994 63
2 Vogais longas Zipf 1935 1963 Greenberg 1966
14
3 Vogais meacutedias em comparaccedilatildeo com as
vogais altas
Kenstowicz 1994 65
4 Consoantes aspiradas Greenberg 1966 14
5 Consoantes glotalizadas Greenberg 1966 17
6 Obstruintes [+vozeadas] por oposiccedilatildeo agraves [- Greenberg 1966 14 24
51
vozeadas] Lass1984 155 Kenstowicz 1994
62
7 Consoantes fricativas por oposiccedilatildeo agraves
oclusivas
Kenstowicz 1994 65
8 Articulaccedilotildees secundaacuterias como labializaccedilatildeo
palatalizaccedilatildeo e velarizaccedilatildeo
Kenstowicz 1994 65
9 A regiatildeo dental alveolar eacute preferida com
exceccedilatildeo das africadas o que pode ser
observado pelo fato de este ser o ponto de
articulaccedilatildeo usado quando numa liacutengua
existe apenas uma obstruinte Nas nasais
esta tendecircncia ainda se faz notar mais
resultando na preferecircncia por n
Lass 1984 154-156
10 Segmentos com articulaccedilotildees muacuteltiplas e
complexas no geral satildeo mais marcados em
comparaccedilatildeo com segmentos com
articulaccedilotildees singulares
Kenstowicz 1994 65
11 Quanto agraves liacutequidas a lateral seraacute a menos
marcada jaacute que as liacutenguas que possuem
duas ou mais liacutequidas tecircm provavelmente
uma lateral e um contraste lateral natildeo
lateral
Lass 1984 158
12 Em termos de semivogais haacute uma
preferecircncia por j embora a maioria das
liacutenguas possua tambeacutem w as outras
semivogais satildeo raras
Lass 1984 158
13 Siacutelabas acentuadas ndash nem todas as liacutenguas
tecircm siacutelabas acentuadas embora estas
surjam cedo na aquisiccedilatildeo talvez devido agrave
sua saliecircncia perceptiva e no caso do inglecircs
devido ao fato de as palavras lexicais serem
iniciadas por siacutelaba toacutenica
Demuth 1996 121
14 Quanto agrave siacutelaba existe a preferecircncia pelo
formato natildeo marcado CV
Blevins 1995 213
15 De acordo com a TO a siacutelaba estaacute sujeita agraves Archangeli 1997 7 Hammond
52
seguintes restriccedilotildees universais
a) As siacutelabas comeccedilam com consoante -
Ataque
b) As siacutelabas tecircm uma vogal - Nuacutecleo
c) As siacutelabas acabam com uma vogal - Natildeo
Coda
d) As siacutelabas tecircm no maacuteximo uma consoante
numa margem - Complexo
(significa que os ataques complexos e codas
complexas satildeo inaceitaacuteveis)
e) As siacutelabas satildeo compostas por consoantes
e vogais - Ataque e Nuacutecleo
1997 36
As estruturas elencadas no quadro acima satildeo validadas interlinguisticamente
Com relaccedilatildeo agraves liacutenguas em contato objeto deste estudo podemos afirmar que o
portuguecircs apresenta menos estruturas marcadas do que o Latundecirc No caso do
portuguecircs as estruturas em 2 4 5 e 10 constantes do quadro acima natildeo satildeo
observadas
Jaacute no Latundecirc aleacutem de todas as estruturas apresentadas no quadro ainda satildeo
observadas as seguintes estruturas mais marcadas
estrutura silaacutebica bastante complexa
inventaacuterio vocaacutelico maior do que o consonantal
53
combinaccedilatildeo de dois traccedilos mais marcados em um segmento (vogais
nasais e laringais) e
acento e tom lexicais
Para refletirmos sobre a marcaccedilatildeo no processo de interferecircncia Latundecirc ndash
Portuguecircs trataremos no capiacutetulo seguinte de conceitos a cerca do contato
linguiacutestico
54
3 CONTATO LINGUIacuteSTICO
ldquoBilingualism is for me the fundamental problem of linguisticsrdquo Jakobson10
31 INTRODUCcedilAtildeO
A histoacuteria em grande parte gira em torno de lendas e mitos Um desses mitos eacute o
surgimento das liacutenguas do mundo Questionamentos de como e quando elas
sugiram permeiam ainda hoje as mentes dos filoacutesofos e cientistas Natildeo
diferentemente das demais aacutereas a perspectiva teoloacutegica descreve a narrativa da
construccedilatildeo da Torre de Babel como uma dessas tentativas de explicaccedilatildeo no que
tange agrave miscelacircnea de liacutenguas existentes Jackob Bohme teoacutelogo do seacuteculo XVII
afirma em seu De Signatura Rerum11 que a liacutengua divina original raiz ou matildee de
todas as liacutenguas do mundo eacute chave para um conhecimento verdadeiro e perfeito
de todas as coisas Eacute no ato da criaccedilatildeo que o primeiro homem Adatildeo
contemplando as obras do Criador de toda a natureza nomeara todas as
criaturas de acordo com suas proacuteprias qualidades essenciais usando a
linguagem humana como meio
A hipoacutetese defendida por Bohme tambeacutem fora amplamente sustentada pelos
filoacutelogos e comparatistas do final do seacuteculo XVIII Sem viacutenculo com a teologia
estes estudiosos buscavam atraveacutes da reconstruccedilatildeo da aacutervore linguiacutestica a
protoliacutengua a liacutengua-matildee geradora das demais liacutenguas
10
Apud Romaine 1995 p1 11
De Signatura Rerum (Desde o nascimento e o nome de todos os seres) 1622
55
Jacob Grimm filoacutelogo alematildeo com base nas descobertas de Rasmus Rask
aperfeiccediloou o meacutetodo comparatista sobretudo o que fora denominada de
ldquomudanccedila de somrdquo ou ldquoLei de Grimmrdquo12 com intuito de descrever as mudanccedilas
ocorridas na liacutengua-matildee o proto-indo-europeu (PIE) A Lei de Grimm estava na
base das discussotildees ocorridas mais tarde na Universidade de Leipzig
Alemanha no conhecido grupo dos neogramaacuteticos Os estudiosos desse ciacuterculo
questionaram os estudos de Grimm e seus compatriotas ao apontarem para o fato
de que os estudos comparatistas se basearem em dados de liacutengua escrita e natildeo
de liacutengua falada (GABAS JR 2008 p 80)
Humberto Eco em A busca da liacutengua perfeita13 nos relata sobre os projetos de
reconstruccedilatildeo em busca da liacutengua sagrada No seu livro o autor nos mostra que a
tentativa de procura de correlatos entre as liacutenguas do mundo eacute interesse antigo
das civilizaccedilotildees Ele afirma que na Europa no seacuteculo XIX houve 173 projetos de
reconstruccedilatildeo linguiacutestica
Dadas ateacute aqui as investigaccedilotildees eacute comum pensarmos que pelo prisma
teoloacutegico o surgimento das liacutenguas no planeta eacute fruto da desobediecircncia e
soberba humanas Eco idem nos mostra que haacute um equiacutevoco quanto a esta
interpretaccedilatildeo uma vez que no capiacutetulo XI v 1 do livro de Gecircnesis a Biacuteblia
12
A Lei de Grimm analisou sobre o vieacutes da fonologia as relaccedilotildees que havia entre as liacutenguas indo-
europeias As similaridades entre o alematildeo claacutessico grego e inglecircs antigo eram previstas a partir de leis foneacuteticas i) as consoantes oclusivas surdas (p t k kw) do PIE mudaram em fricativas surdas correspondentes (f θ h hw) nas liacutenguas germacircnicas ii) as consoantes oclusivas sonoras (bdggw) do PIE mudaram em oclusivas surdas correspondentes (p t k kw) nas liacutenguas germacircnicas iii) as consoantes aspiradas sonoras (bh dh gh gwh) do PIE mudaram em oclusivas natildeo-aspiradas sonoras correspondentes (bdggw) nas liacutenguas germacircnicas (GABAS JR 2008 p 78) 13
ECO Humberto A busca da liacutengua perfeita Traduccedilatildeo de Antonio Angonese Bauru Edusc
2001
56
discorre sobre a existecircncia de uma uacutenica genealogia de uma mesma liacutengua e de
uma mesma fala
Diferentemente no capiacutetulo que antecede a narrativa de Babel a proacutepria Biacuteblia
aponta para a existecircncia de famiacutelias linguiacutesticas distintas conforme Gecircnesis 11
v 5 Por estes foram repartidas as ilhas dos gentios nas suas
terras cada qual segundo a sua liacutengua segundo as suas
famiacutelias entre as suas naccedilotildees
v20 Estes satildeo os filhos de Catildeo segundo as suas famiacutelias
segundo as suas liacutenguas em suas terras em suas naccedilotildees
v 31 Estes satildeo os filhos de Sem segundo as suas famiacutelias
segundo as suas liacutenguas nas suas terras segundo as suas
naccedilotildees
Uma explicaccedilatildeo para tal passagem se daacute a partir da perspectiva dos filoacutesofos
gregos que concebiam os povos que falava de forma diferente como bagraverbaroi
seres que balbuciavam falando de forma incompreensiacutevel Logo acreditavam que
aqueles outros eram serem inferiores que natildeo falavam a liacutengua verdadeira da
razatildeo e do pensamento o logos
Tal conflito entre as liacutenguas existentes apontam para uma poliacutetica linguiacutestica que
muito explica a hierarquia (status) linguiacutestica ainda hoje atuante O status
linguiacutestico resultante das relaccedilotildees assimeacutetricas entre sociedades ou subgrupos de
uma sociedade decorre tambeacutem das circunstacircncias e condiccedilotildees que envolvem o
contato linguiacutestico Esse por sua vez evolue da dinacircmica proacutepria do processo em
que ocorrem conflitos e acomodaccedilotildees e que pode derivar pidgins crioulos e
mudanccedila linguiacutestica
57
No reconhecimento de um universo entrelaccedilado compartilhamos com o ponto de
vista de Eco (2001) e assumimos a ideia de que a existecircncia de cada liacutengua e de
sua historicidade eacute reveladora do entendimento do mundo
ldquoCada liacutengua constitui um determinado modelo de Universo um sistema semioacutetico de compreensatildeo do mundo e se temos quatro mil modos diferentes de descrever o mundo isto nos torna mais ricos Deveriacuteamos nos preocupar pela preservaccedilatildeo das liacutenguas tal como nos preocupamos com a ecologiardquo (ECO 2001 p234)
32 SOBRE O CONTATO LINGUIacuteSTICO
Pouco eacute sabido sobre o contato entre as liacutenguas do mundo quando diante da
imensidatildeo que eacute o universo linguiacutestico com o qual nos deparamos14 A
necessidade que os humanos tecircm de se comunicarem a partir do momento que a
interaccedilatildeo foi estabelecida eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o contato linguiacutestico
Trask (2004 p 66) afirma que poucas liacutenguas estatildeo - ou estiveram -
suficientemente isoladas para evitar todo tipo de proximidade e portanto toda
liacutengua mostra alguma prova de um contato antigo ou moderno entre liacutenguas
Thurston (1987 p 34) afirma que
toda liacutengua deve ter sofrido alguma influecircncia de seus vizinhos em um determinado ponto e tempo Para ele todos os idiomas satildeo liacutenguas mistas na medida em que todos copiaram formas lexicais e outros recursos linguumliacutesticos de liacutenguas vizinhas
Embora natildeo saibamos exatamente como se deu o contato entre as liacutenguas do
mundo as evidecircncias do contato podem ser observadas de forma objetiva
atraveacutes de empreacutestimos lexicais O contato linguiacutestico entretanto natildeo se reduz
14
Eacute estimado o nuacutemero de sete mil liacutenguas vivas atualmente ao redor do mundo (httpwwwethnologuecomworld Em 21 de janeiro de 2015)
58
apenas a itens lexicais oriundos dos empreacutestimos entre culturas distintas com
base na dominaccedilatildeo na expansatildeo do comeacutercio ou em qualquer circunstacircncia que
promova a necessidade de comunicaccedilatildeo entre culturas de liacutenguas diferentes
O contato a depender das liacutenguas envolvidas pode trazer consequecircncias muito
devastadoras Em casos extremos o impacto do contato pode ser avassalador
fazendo com que uma das liacutenguas seja extinta quer seja pelo deslocamento
linguiacutestico que seja pelo etnociacutedio Nestes casos ocorre a morte de uma das
liacutenguas em contato aspecto que discorremos na seccedilatildeo sobre as consequecircncias
do contato
No tocante aos efeitos do contato em relaccedilatildeo aos niacuteveis linguiacutesticos Trask Idem
afirma que o contato linguiacutestico pode ir mais longe que a interferecircncia lexical
afetando a gramaacutetica e a pronuacutencia
Concordando com o que afirma Trask Thomason postula que embora seja senso
comum que o resultado mais comum da mescla linguiacutestica seja o empreacutestimo de
palavras este eacute apenas a consequecircncia mais comum quando se trata da
intersecccedilatildeo linguiacutestica
When the agents of change are fluent speakers of the receiving language the first and redominant interference features are lexical items belonging to the nonbasic vocabulary later under increasingly intense contact conditions structural features and basic vocabulary may also be transferred from one language to the other (THOMASON 2001 p 36)
Natildeo obstante podem-se detectar exemplos de transferecircncias em todos os
aspectos linguiacutesticos uma vez que todos os niacuteveis da estrutura linguiacutestica satildeo
59
possiacuteveis de serem transferidos entre idiomas muacutetuos sem qualquer tipo de
restriccedilatildeo dadas as possibilidades de conjunturas sociais e estruturais
Quando as liacutenguas entram em contato as suas gramaacuteticas tambeacutem satildeo
intercruzadas Tal processo natildeo eacute algo simples e justo Diversos fatores externos
satildeo responsaacuteveis por esta miscelacircnea que devido a tais fatores nem sempre eacute
concebida de forma inocente
Em meio a condicionantes sociolinguiacutesticas assumimos que as gramaacuteticas
(sendo tambeacutem reflexo das relaccedilotildees intersocietaacuterias) entram num jogo em que
as peccedilas satildeo acomodadas de acordo com as necessidades comunicativas dos
interlocutores (GILES e CUPLAND 1991) Em meio a esse ldquojogordquo nos importa
refletir como os fenocircmenos que emergem do contato entre liacutenguas podem refletir
questotildees que envolvem a marcaccedilatildeo e universais linguiacutesticos
Para Aikhenvald (2007 p1)
As liacutenguas podem assemelhar-se umas as outras em categorias construccedilotildees e significados e nas formas reais usadas para expressaacute-las As categorias podem ser semelhantes porque satildeo universais e cada liacutengua tem alguma forma de fazer uma pergunta ou a elaboraccedilatildeo de um comando Ocasionalmente duas liacutenguas compartilham a forma por pura coincidecircncia
A literatura linguiacutestica atesta que a semelhanccedila interlinguiacutestica motiva estudos
tipoloacutegicos haacute deacutecadas (CROFT 1990 COMRIE 1989 WHALEY 1997) Embora
liacutenguas apresentem padrotildees regulares de desemelhanccedilas aquelas podem ser
agrupadas em tipos baacutesicos Essa realidade induz a reflexatildeo acerca da existecircncia
de universais linguiacutesticos
60
As liacutenguas individuais independentemente das semelhanccedilas tipoloacutegicas eou
geneacuteticas observadas entre elas satildeo sujeitas a mudanccedilas continuadas que
ocorrem tambeacutem devido ao contato linguiacutestico Para Thomason (2001 p14) as
influecircncias e consequecircncias do contato linguiacutestico satildeo descritas em trecircs niacuteveis i)
mudanccedila induzida pelo contato ii) mescla linguiacutestica extrema o que resulta em
pidgin crioulo e liacutenguas biliacutengues e iii) morte da liacutengua
A seguir abordaremos fenocircmenos decorrentes do contato linguiacutestico
33 MESCLAS DE CONTATO PIDGIN CRIOULO LIacuteNGUA FRANCA E JARGAtildeO
Um ponto saliente dos estudos sobre o contato linguiacutestio eacute o conceito de
ldquomescla15rdquo Este termo utilizado por Tarallo e Alkimin (1987 p7) descreve a
relaccedilatildeo entre as liacutenguas e seus resultados Inicialmente eles chamam a atenccedilatildeo
para o fato de a mescla ser interpretada como algo impuro definhamento
deterioraccedilatildeo Esta impureza linguiacutestica historicamente levou a sociedade a
alimentar a ideia de contaminaccedilatildeo e obviamente construir a discriminaccedilatildeo
linguiacutestica
Ao pensarmos sobre o processo de simbiose que as coisas e os elementos do
mundo estatildeo sujeitos em todo o tempo podemos ter uma ideia clara de que o
processo de amaacutelgama eacute proacuteprio natildeo apenas da natureza linguiacutestica mas de tudo
o que pode existir Apesar disso as mesclas com graus niacuteveis e saliecircncias
variadas nem sempre satildeo refletidas ou percebidas pelos usuaacuterios das liacutenguas do
15 Mescla eacute mistura contato amaacutelgama etc Tarallo e Alkimin (1987 p7)
61
mundo Focalizando a natureza da mescla o estudo das liacutenguas por seu turno
seja sincrocircnico ou diacrocircnico pode evidenciar os fenocircmenos do contato nos
diferentes niacuteveis linguiacutesticos
Tarallo e Alkimin (idem p9) salientam que o dinamismo linguiacutestico se daacute nas
ldquocomunidades de falardquo16 Eacute nelas e entre elas que se concretizam o contato
linguiacutestico que por sua vez produzem fenocircmenos de mescla ou de convivecircncia
coexistecircncia mecanismo ativado pelos indiviacuteduos que integram tais comunidades
Esse fato se alinha agrave perspectiva de que uma comunidade de fala natildeo eacute em
absoluto homogecircnea Nela podem coexistir processos de ordem interna e
externa assim como forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas (BAKHTIN 2010)17
A dinacircmica social eacute tambeacutem pontuada por Tarallo e Alkimin (ibidem p9) Esses
autores mencionam que a mescla linguiacutestica resultante da dinacircmica pode ser
intracomunidade ou intercomunidade No primeiro caso as variantes convivem
eou se entrecruzam em uma mesma comunidade de fala em que apenas uma
liacutengua eacute falada No segundo liacutenguas distintas coexistem e se misturam em uma
mesma comunidade Como exemplo de mesclas intracomunidades podemos citar
o portuguecircs e suas variantes questotildees geograacuteficas histoacutericas e sociais Satildeo
variantes que convivem ldquopacificamenterdquo em territoacuterio nacional Jaacute para as mesclas
intercomunidades tomemos o exemplo do conviacutevio do portuguecircs e demais liacutenguas
16
Labov (1972) conceitua comunidade de fala como grupo de falantes que segue as mesmas normas relativas ao uso da liacutengua Para Romaine (2000) trata-se de um grupo de falantes que natildeo compartilham necessariamente a mesma liacutengua poreacutem compartilham um conjunto de normas
e regras no uso da liacutengua 17
Bakhtin aponta a luta entre classes as forccedilas que agem de dentro para fora do sujeito ou das instituiccedilotildees assim como as forccedilas que agem fazendo o movimento oposto Eacute imprescindiacutevel vislumbrar o poder poliacutetico que a liacutengua tem
62
(alematildeo polonecircs e italiano) na regiatildeo sul bem como a coexistecircncia espaccedilo-
temporal entre diferentes liacutenguas indiacutegenas e entre elas e a liacutengua portuguesa
Ao discutir a mescla linguiacutestica sob a eacutegide do contato linguiacutestico Calvet (2004
p35) considera que haacute aproximadamente na Terra cerca de 5000 liacutenguas e
cerca de 150 paiacuteses Com base nesses nuacutemeros o autor nos diz que cada paiacutes
poderia ter 30 liacutenguas Apesar de em termos reais a distribuiccedilatildeo das liacutenguas natildeo
corresponder a esse cenaacuterio o pesquisador aponta para o fato de
que o mundo eacute pluriliacutengue em cada um de seus pontos e que as comunidades linguiacutesticas se costeiam se superpotildeem continuamente O plurilinguismo faz com que as liacutenguas estejam constantemente em contato O lugar desses contatos pode ser o indiviacuteduo (biliacutengue ou em situaccedilatildeo de aquisiccedilatildeo) ou a comunidade Idem (2002 p 35)
Os dados de Calvet deixam claro que desde sempre o contato linguiacutestico eacute uma
realidade da vivecircncia do humano Os acontecimentos histoacutericos de guerra
expansatildeo e colonizaccedilatildeo apontam para a mescla linguiacutestica Diante deste
contexto vemos que o relacionamento entre as liacutenguas do mundo eacute um processo
feacutertil para a diversidade linguiacutestica Outro aspecto de interesse decorre do fato de
o contato permitir a emergecircncia de padrotildees estruturais os quais trazem luzes
para a compreensatildeo da faculdade da linguagem
A depender do contato podemos avaliar diferentes fenocircmenos resultantes A
intensidade o contato linguiacutestico pode derivar instrumentos mais ou menos
elaborados de comunicaccedilatildeo definidos como jargatildeo pidgin e crioulo
63
Os primeiros estudiosos a se aterem sobre o estudo das liacutenguas pidgins e
crioulas se utilizaram dos dados (relatos) de missionaacuterios e comerciantes que
viajaram e mantiveram contato com as aacutereas das mesclas18
331 Pidgin
O termo pidgin foi usado pela primeira vez em 1850 para conceituar o conviacutevio do
inglecircs e o chinecircs19 Mas outras duas hipoacuteteses tambeacutem satildeo colocadas quando
se trata de pidgin A segunda afirma que o termo fora transportado da Ameacuterica do
Sul no iniacutecio do seacuteculo XVII pelos marinheiros e comerciantes ingleses da colocircnia
de Leigh ao estabelecerem contato com os iacutendios Pidiam A terceira explicaccedilatildeo eacute
a origem a partir da palavra portuguesa ocupaccedilatildeo que teria sofrido algumas
mudanccedilas foneacuteticas ateacute resultar em pidgin (TARALLO e ALKMIN 1987 p80)20
Para Couto (2001 p 1) o pidgin eacute uma liacutengua com uma reduccedilatildeo draacutestica da
gramaacutetica Esta reduccedilatildeo se daacute sobre a morfologia e o leacutexico Natildeo eacute liacutengua
materna de ningueacutem pois entre si os povos dominados soacute falam suas respectivas
liacutenguas ao passo que os dominadores nunca se datildeo ao trabalho de falar outra
liacutengua que natildeo a sua proacutepria
Crystal (2008 p 201) afirma que aleacutem do processo de reduccedilatildeo para o
surgimento do pidgin as comunidades de falas envolvidas neste processo
18
Tarallo e Alkimin 1987 p 109-114 citam Francisco Adolfo Coelho Hugo Schuchardt e Dirk Christiaan Hesseling como os pioneiros neste campo de estudo Este uacuteltimo atribui aos escravos europeus a forccedila linguiacutestica Foram eles (os escravos) os responsaacuteveis pelas alteraccedilotildees sofridas pelas liacutenguas maternas 19
Neste caso o termo business ao ser empregada na expressatildeo do pidgin chinecircs de base inglesa
dɛacuteju pidzIn significando thatrsquos your business 20
Ocupaccedilatildeo gt parsquosaw ou pasaɳ
64
necessitam cada uma delas se aproximarem sucessivamente dos traccedilos mais
oacutebvios da outra liacutengua Trata-se de uma intersecccedilatildeo nem sempre consciente mas
motivada por aspectos econocircmicos como o comeacutercio Daiacute o grande surgimento de
pidgins em aacutereas de intenso comeacutercio e desenvolvimento econocircmico
Dubois et all (1998 p 469) discorre que o pidgin mesmo natildeo sendo uma liacutengua
em si mesma eacute um sistema mais completo que o sabir pois seu vocabulaacuterio
cobre numerosas atividades O sabir ou liacutengua franca21 por sua vez eacute um
sistema linguiacutestico reduzido a algumas regras de combinaccedilatildeo e ao vocabulaacuterio de
determinado campo lexical
Ainda de acordo com Tarallo e Alkmin (1987 p 88)
Fontes histoacutericas indicam que no tempo das cruzadas nas regiotildees de batalhas entre mulccedilumanos e cristatildeos teria florescido uma liacutengua de contato denominada Liacutengua Franca ou sabir Com documentaccedilatildeo precaacuteria a existecircncia dessa liacutengua eacute contestada por alguns estudiosos Originalmente usada entre aacuterabes e europeus essa liacutengua teria se expandido tendo sido usada ao longo da costa do Mediterracircneo especialmente na Aacutefrica do Norte
Em Trask (2004 p228) o conceito de liacutengua franca eacute mais explorado Para ele a
liacutengua franca se distingue do pidgin quando por ventura um dos grupos
ldquoaprenderdquo a liacutengua do outro Neste caso a gramaacutetica e o leacutexico de uma
21
Na atualidade conforme Tarallo e Alkmin 1987 p 90 a expressatildeo liacutengua franca refere-se a um
fenocircmeno mais amplo a mescla de contato para intercomunicaccedilatildeo em situaccedilotildees biliacutengues e pluriliacutengues Como exemplo os autores citam a liacutengua wolof no Senegal do swahili no Quecircnia na Tanzacircnia e em Comores do Tucano no Nordeste da Amazocircnia
65
sobressaem agrave outra O pidgin eacute compreendido entatildeo como uma colcha de
retalhos que permite uma forma bastante rudimentar de comunicaccedilatildeo22
Ainda de acordo com Trasky (p229) um pidgin pode seguir caminhos distintos i)
ele pode cair em desuso ii) ele pode continuar em uso por vaacuterias geraccedilotildees e
durar seacuteculos iii) ele pode sofre algumas alteraccedilotildees e se transformar em liacutengua
materna Neste uacuteltimo caso trata-se do processo de crioulizaccedilatildeo do qual
abordaremos mais agrave frente
Hall apud Tarallo e Alkmin (1987 p 86) ao tratar do caraacuteter reducionista que o
pidgin apresenta em sua estrutura e leacutexico aponta algumas caracteriacutesticas que
definem tais simplificaccedilotildees
Niacutevel fonoloacutegico ndash o nuacutemero de contrastes empregados eacute reduzido As vogais representadas satildeo em geral as chamadas vogais cardinais (a e i o u) enquanto os grupos consonantais satildeo caracteristicamente evitados
Niacutevel morfoloacutegico ndash ausecircncia de algumas categorias flexionadas como gecircnero nuacutemero e tempo verbal
Niacutevel sintaacutetico ndash as estruturas sentenciais satildeo simples as sequecircncias tendem a ser coordenadas evitando-se as estruturas complexas e subordinaccedilatildeo extensiva
Niacutevel lexical ndash nuacutemero reduzido de vocaacutebulos cuja accedilatildeo se norteia pela extensatildeo de significados e por polissemias significativas
332 Crioulo
O crioulo eacute um pidgin consolidado Quando os falantes crianccedilas oriundos dessa
mescla linguiacutestica utilizam o pidgin como uacutenica liacutengua ou a liacutengua que passa a
ganhar mais evidecircncia esta se consolida como liacutengua materna
22
Conforme Tarallo e Alkmin (idem p 8) algumas caracteriacutesticas do pidgin satildeo i) seu caraacuteter
auxiliar e secundaacuterio para os dois grupos cada um dos grupos manteacutem sua proacutepria liacutengua no conviacutevio social do cotidiano e do habitual ii) as liacutenguas pidgin preenchem funccedilotildees sociais limitadas sobretudo aquelas vinculadas a atividades comerciais mercantilistas
66
Para Couto (2001 p2)
Liacutengua crioula eacute um pidgin que foi adquirido como liacutengua nativa como preconiza a chamada teoria da nativizaccedilatildeo De acordo com essa concepccedilatildeo o crioulo eacute um ex-pidgin ou seja um pidgin que virou liacutengua materna de uma comunidade
Ainda para Tarallo e Alkmin (1987 p 95) as liacutenguas crioulas constituem um
conjunto de liacutenguas cuja histoacuteria conhecida eacute ligada a uma situaccedilatildeo de contato
entre populaccedilotildees linguiacutesticas cultural e etnicamente distintas Estas satildeo
distinguidas das liacutenguas pidgin por possuiacuterem uma comunidade de falantes
nativos e consequentemente por desempenharem funccedilotildees sociais amplas como
qualquer liacutengua natural
Em Dubois et all (1998 p 161) daacute-se o nome de crioulos a sabires pseudo-
sabires ou pidgins que por motivos diversos de ordem histoacuterica ou sociocultural
se tornaram liacutenguas maternas de toda uma comunidade
As liacutenguas tipo pidgin de acordo com autores como Tarallo e Alkimin (1987 p
96) aleacutem de serem as liacutenguas que daratildeo origem aos crioulos (pois todo crioulo se
origina de um pidgin embora nem todo pidgin se transforme em crioulo) satildeo
associadas a atividades de comeacutercio enquanto os crioulos satildeo marcados pela
relaccedilatildeo de escravidatildeo
Quanto ao aspecto funcional as liacutenguas crioulas datildeo conta das necessidades
comunicativas totais de seus falantes nativos e usuaacuterios uma vez que a
passagem do estaacutegio de pidgin a crioulo eacute marcada por uma ampliaccedilatildeo do leacutexico
67
e de estrutura Neste caso para os estudiosos os crioulos nada mais satildeo que
pidgins enriquecidos23
O processo de evoluccedilatildeo de um pidgin em crioulo eacute descrito por Hall (1996 p 4)
em um diagrama Nele podemos ver que inicialmente o pidgin eacute configurado a
partir de um jargatildeo uma espeacutecie de pidgin instaacutevel Depois o pidgin ganha
estabilidade se configurando como um preacute-crioulo Por fim jaacute estabilizado o
pidgin se transforma em crioulo
Figura 1 Diagrama de Hall
LL = Liacutengua lexificadora ou de superstrato LS = Liacutengua de Substrato
De acordo com Hall (idem p 5) a evoluccedilatildeo do jargatildeo para o pidgin estaacutevel eacute
chamada de pidginizaccedilatildeo A evoluccedilatildeo do pidgin estaacutevel para o crioulo eacute
23
Valdman apud Tarallo e Alkimin 1987 p 96 cita um conjunto de traccedilos negativos dos crioulos franceses do Haiti de Guadalupe Martinica Reuniatildeo Mauriacutecio Seychelles e Rodrigues como i) ausecircncia de distinccedilatildeo de gecircnero ii) natildeo-obrigatoriedade de marcador de plural iii) verbos natildeo-flexionados iv) relacionamento parataacutetico no interior do sintagma nominal v) ausecircncia de hipotaxe vi) construccedilotildees passivas vii) vogais arredondadas viii) certos grupos consonantais
I = LL + LS pidgin instaacutevel jargatildeo
crioulo = III II = pidgin estaacutevel
68
denominada crioulizaccedilatildeo A volta do crioulo para o jargatildeo processo tambeacutem
possiacutevel eacute conhecido como descrioulizaccedilatildeo
Obviamente o crioulo eacute consequecircncia natural de situaccedilotildees de contato No
entanto nem todo contato linguiacutestico gera automaticamente um pidgin ou um
crioulo Os contatos podem daacute origem a fenocircmenos de mesclas diversas que
podem ou natildeo desaparecer ou serem absorvidas pelas liacutenguas presentes na
alquimia (TARALLO e ALKMIN 1987 p 103)
Quanto ao processo de desenvolvimento e de formaccedilatildeo de um pidgin e de
crioulos Hymes (1971 p 93) afirma que
A pidginizaccedilatildeo e a crioulizaccedilatildeo da linguagem natildeo satildeo processos marginais ao contraacuterio satildeo processos que ocorrem nas liacutenguas em geral Tais processos de natureza bastante complexa compreendem a ocorrecircncia de outros subprocessos os de mudanccedila A incidecircncia desses processos ocorre principalmente 1) na forma interna das liacutenguas (fala-se assim em reduccedilatildeo ou expansatildeo) 2) na forma externa das liacutenguas (daiacute se falar em amplificaccedilatildeo e complicaccedilatildeo) 3) no escopo de uso (o domiacutenio) de uma variedade linguiacutestica (fala-se assim em restriccedilatildeo ou extensatildeo)
Hymes (idem p 94) ainda explica que diferentemente da posiccedilatildeo claacutessica onde
um crioulo era oriundo (ou natildeo) de um pidgin nesta segunda proposta a
evoluccedilatildeo de um pidgin natildeo produz necessariamente um crioulo mas um conjunto
de variedades concorrentes chamada de contiacutenuo preacute-pidgin24
24
Para Hymes o contiacutenuo preacute-pidgin poderia evoluir e gerar a cristalizaccedilatildeo de um pidgin e teria autonomia enquanto sistema de comunicaccedilatildeo Com base nesta assertiva um pidgin seria o resultado de um processo que ganharia autonomia Esse pidgin constituiacutedo poderia se transformar em crioulo Mas o contiacutenuo preacute-pidgin natildeo evolui para um pidgin Torna-se possiacutevel supor a cristalizaccedilatildeo de um crioulo sem a existecircncia de um pidgin anterior (TARALLO E ALKMIN 1987 p 105)
69
Na concepccedilatildeo final deste autor o contexto inicial em que fora estabelecido o
contiacutenuo preacute-pidgin poderia alccedilar trecircs resultados aceitaacuteveis i) a cristalizaccedilatildeo de
um pidigin ii) a cristalizaccedilatildeo de um pidgin que se criouliza iii) a cristalizaccedilatildeo de
um crioulo sem necessariamente ter sido oriundo de um pidgin anterior
Tarallo e Alkimin (1987 p 106) afirma que a cristalizaccedilatildeo de um crioulo eacute apenas
uma das trecircs possibilidades para a mescla de contato que pode ser descrita da
seguinte forma i) o crioulo pode submergir ii) o crioulo pode se estabilizar sem
muitas variaccedilotildees iii) o crioulo pode se mesclar com liacutengua padratildeo oficial
De acordo com o que vimos ateacute aqui podemos descrever o processo de
hibridizaccedilatildeo linguiacutestica com base na mescla a partir dos seguintes estaacutegios i)
contiacutenuo preacute-pidgin ii) pidgin cristalizado iii) pidgin em processo de
despidginizaccedilatildeo iv) pidgin em processo de crioulizaccedilatildeo v) crioulo cristalizado vi)
crioulo em processo de descrioulizaccedilatildeo (contiacutenuo poacutes-crioulo)
333 Liacutengua Franca ou Sapir
O termo liacutengua franca refere-se agrave liacutengua de contato entre grupos ou membros de
grupos de liacutenguas distintas com finalidade para o comeacutercio Durante o Impeacuterio
Romano o grego serviu como liacutengua franca no oriente e no milecircnio seguinte o
latim no ocidente Esta liacutengua (o sapir) tambeacutem eacute conhecida como liacutengua de
marinheiro No mundo moderno o inglecircs desempenha este papel ao ser
considerado como liacutengua do comeacutercio e das ciecircncias
70
Devido agrave natureza colonizadora dos falantes suas liacutenguas serviram de liacutengua
franca em certos momentos da histoacuteria Eacute o caso do portuguecircs e do espanhol
durante a expansatildeo mariacutetima e do francecircs durante o seacuteculo VII
Trask (2004 p 167) relata que a expressatildeo lingua franca fora originadamente
utilizada para as liacutenguas dos francos francocircnio mas teve o sentido modificado
assumindo o sentido de liacutengua europeia ou liacutengua cristatilde Ele ainda assegura que
a liacutengua franca
era uma variedade de italiano fortemente suplementada com palavras derivadas do francecircs do espanhol do grego do aacuterabe e do turco que se usava como liacutengua do comeacutercio no Mediterracircneo oriental no final da Idade Meacutedia Desde entatildeo a denominaccedilatildeo aplica-se a toda liacutengua que desfruta de um amplo entre falantes de um grande nuacutemero de liacutenguas numa dada regiatildeo
No presente o termo eacute utilizado para designar uma liacutengua estabelecida haacute algum
tempo tida como materna em um grupo influente e que serve de comunicaccedilatildeo
entre os falantes de outras liacutenguas como por exemplo o papel que o inglecircs
exerce em Cingapura
Atualmente aleacutem do inglecircs inuacutemeras liacutenguas servem de liacutengua franca para
comunicaccedilatildeo entre os povos como por exemplo o tupi No entanto um caso que
merece destaque eacute o do esperanto liacutengua que vem sendo incorporada no mundo
desde a deacutecada de 80 com a finalidade de ser a liacutengua franca universal Vale
ressaltar que neste caso os interesses para que tal liacutengua se propagasse
eficientemente eacute diferente das liacutenguas francas da Idade Meacutedia uma vez que se
trata de uma liacutengua artificial criada com ideologias poliacuteticas filosoacuteficas e
religiosas
71
334 Jargatildeo
O jargatildeo eacute um pidgin instaacutevel Sua concepccedilatildeo se aproxima do sabir ou liacutengua
franca Romaine (2000 p182) faz uso desse termo para exemplificar o processo
de criaccedilatildeo de um crioulo
A simplificaccedilatildeo e a instabilidade satildeo as marcas mais salientes de um jargatildeo No
pidgin as normas satildeo mais estaacuteveis enquanto que no jargatildeo as normas natildeo satildeo
afixadas Segundo esta autora eacute a partir do jargatildeo que a mescla linguiacutestica se
configura
Figura 2 Configuraccedilotildees da Mescla Linguiacutestica segundo Romaine (2000 p185)
Tipo 1 Jargatildeo
Tipo 2 Jargatildeo
Tipo 3 Jargatildeo
Pidgin estabilizado
Pidgin estabilizado
Pidgin expandido
Crioulo
Crioulo
Crioulo
No tipo 1 o jargatildeo deu origem diretamente a um crioulo De forma diferente no 2
o crioulo natildeo se originou diretamente de um jargatildeo Este deu origem a um pidgin
estabilizado para posteriormente chegar a um crioulo No tipo 3 o jargatildeo evolui
se transformando em um pidgin estabilizado depois em um pidgin expandido ateacute
chegar a um crioulo O fato eacute que a origem nos trecircs casos estaacute em um jargatildeo
72
34 IMPLICACcedilOtildeES DO CONTATO LINGUIacuteSTICO
Todo contato resulta em processos linguiacutesticos que alteram e dinamizam as
liacutenguas do mundo que passam por transformaccedilotildees que advecircm tanto da sua
motivaccedilatildeo interna quanto da externa No que tange agraves motivaccedilotildees externas
podemos afirmar que satildeo os contatos os grandes responsaacuteveis por muitas dessas
transformaccedilotildees podendo resultar enoutros processos orirundos ou que se
assentam no contato
341 Bilinguismo
Os estudos e as correntes linguiacutesticas na sua maioria tecircm como base liacutenguas
uacutenicas ou comunidades monoliacutengues Contudo o bilinguismo ocorre amplamente
atraveacutes do mundo e permanece apresentando um leque de questionamento para
a comunidade cientiacutefica atual Embora natildeo seja de hoje o questionamento em
torno do bilinguismo25 soacute agora podemos vislumbrar o descortinar desse tema
Estudiosos do passado jaacute reconheciam a relevacircncia do fenocircmeno Jakobson
(1953) por exemplo assumiu que ldquobilingualism is for me the fundamental problem
of linguiacutesticsrdquo
Romaine (1995 p6) elenca alguns questionamentos com base no que deve ser
observado ao estudar o contato linguiacutestico
O que eacute que o desempenho dos falantes diante do processo biliacutengue nos diz
sobre a competecircncia de pessoas e das comunidades multiliacutengues
25
Do inglecircs bilingualism
73
Eacute a troca de elementos linguiacutesticos por acaso comportamento linguiacutestico e o
cacircmbio linguiacutestico aleatoacuterio
Isto eacute indicativo de fluecircncia pobre e inabilidade em uma ou ambas as liacutenguas em
outras palavras o resultado de competecircncia imperfeita
Ao contraacuterio com qual criteacuterio medimos a competecircncia dos biliacutengues
Pode-se distinguir entre troca empreacutestimo e interferecircncia linguiacutestica
Satildeo a mudanccedila de coacutedigo e o bilinguismo generalizado em uma comunidade
sinais de atrito de uma liacutengua minoritaacuteria
Satildeo os sistemas de idiomas que estatildeo disponiacuteveis para um indiviacuteduo biliacutengue
fundidos ou separados
Aleacutem desses questionamentos outros de base sociofilosoacutefica tambeacutem estatildeo
inseridos nos estudos sobre o bilinguismo Para alguns pesquisadores muitas
liacutenguas minoritaacuterias foram exterminadas devido agrave forte influecircncia e agrave troca
linguiacutestica No entanto mesmo sendo acusado por estes como um passo para o
extermiacutenio das liacutenguas minoritaacuterias o bilinguismo natildeo deve ser visto como o
responsaacutevel pela extinccedilatildeo pelo contraacuterio o estudo dele aliado ao conhecimento
metacognitivo poderatildeo contribuir para o salvamento de muitas dessas liacutenguas
ainda que no plano escrito jaacute que na oralidade muitas natildeo gozam do status de
suas liacutenguas como oficiais nas atividades sociais sendo relegadas aos rituais de
suas sociedades
O comportamento linguiacutestico de uma determinada sociedade natildeo pode servir
unicamente de paracircmetro para outras Assim se algumas comunidades
apresentam mais facilidade em absorver outra forma linguiacutestica umas tecircm maior
resistecircncia enquanto que outras convivem por centenas de anos lado a lado com
determinadas liacutenguas
74
O bilinguismo tambeacutem pode ser classificado como social ou individual Segundo
Appel e Muysken (1986) o bilinguismo social ocorre quando em determinada
sociedade duas ou mais formas linguiacutesticas satildeo faladas quando cedo toda
sociedade se torna biliacutengue mas elas podem se tornar diferentes no que se
relaciona ao niacutevel ou forma de bilinguismo conforme figura abaixo
Figura 3 Esquema de representaccedilatildeo do bilinguismo social segundo Appel e Muysken
(1986)26
De acordo com a figura na comunidade I as duas liacutenguas satildeo faladas por dois
diferentes grupos monoliacutengues No entanto um grupo reduzido de falantes
biliacutengues seraacute necessaacuterio para fazer a comunicaccedilatildeo entre os grupos Esta forma
de bilinguismo social geralmente ocorre no periacuteodo colonial dos paiacuteses Pode-se
tomar por exemplo o Brasil quando os portugueses aqui chegaram
Em sociedades representadas pela forma II todos os falantes satildeo biliacutengues Em
paiacuteses como Aacutefrica Iacutendia e Brasil existem muitas sociedades totalmente
biliacutengues em que os falantes dominam as duas formas linguiacutesticas existentes
26
Apud Appel e Muysken (1986) p 2
75
Na forma III um grupo dessa comunidade eacute biliacutengue enquanto a outra eacute
monoliacutengue sendo este grupo na maioria das vezes a minoria Pois geralmente
o grupo biliacutengue eacute o dominante e o outro o dominado Tal circunstacircncia eacute tiacutepica
das assimetrias comuns nas relaccedilotildees entre os sujeitos do contato Situaccedilatildeo
como essa evidencia o papel da liacutengua para uma sociedade a qual pode ser
objeto de libertaccedilatildeo e tambeacutem de dominaccedilatildeo
Como dito anteriormente estas formas de bilinguismo social natildeo satildeo uniformes
nem tatildeo pouco refletem em detalhe de todas as existentes no interior das
sociedades Em muitas comunidades a situaccedilatildeo linguiacutestica eacute extremamente
complexa com mais de dois grupos e linguagens envolvidos
Com relaccedilatildeo aos aspectos linguiacutesticos o estudo do bilinguismo pode responder e
explicitar os fenocircmenos decorrentes da situaccedilatildeo do contato Fenocircmenos no
domiacutenio do leacutexico ou da sintaxe podem ser muito produtivos Entretanto podemos
considerar que eacute o niacutevel da foneacuteticafonologia que marcadamente sofre a
interferecircncia com o contato linguiacutestico
No contato duas ou mais formas linguiacutesticas podem perdurar por anos conforme
os quadros I e III na figura 3 No entanto alguns fenocircmenos linguiacutesticos podem
ocorrer paralelamente Um embate linguiacutestico pode surgir dentro dessas
comunidades linguiacutesticas e estas liacutenguas podem cambiar o leacutexico uma da outra
Sobre isso Bloomfield (1961 p 25) classifica esses empreacutestimos em iacutentimos
culturais e dialetais
76
O empreacutestimo externo ou cultural sempre eacute motivado por contatos poliacutetico sociais
e comerciais inclusive militares sempre com a dominaccedilatildeo de um dos povos Jaacute
os empreacutestimos dialetais se datildeo entre os contatos dentro de uma mesma liacutengua
satildeo as variantes regionais
O que particularmente nos interessa - o empreacutestimo iacutentimo - ocorre quando as
duas liacutenguas passam a conviverem no mesmo campo geograacutefico Dessa forma
se a liacutengua A domina a liacutengua B poderatildeo ocorrer trecircs hipoacuteteses i) B desaparece
e deixa um substrato em A ii) A desaparece e deixa um superstrato em B iii)
permanecem as duas trocando elementos na condiccedilatildeo de adstrato No entanto
natildeo devemos esquecer que as motivaccedilotildees pelas quais os falantes se apropriam
ou satildeo obrigados a se apropriarem para adquirem outra(s) liacutengua(s) extrapolam
os aspectos aqui vislumbrados
Os exemplos dados por Romaine (1995 p 2) demonstram como pode ocorrer o
cacircmbio linguiacutestico entre a liacutengua materna e a liacutengua adquirida posteriormente A
partir desses exemplos a estudiosa elenca os questionamentos mais relevantes
que deveratildeo ser observados em pesquisas que tratam da anaacutelise das
comunidades biliacutengues
(a) Kio Ke six sevem hours te school de vie spend karde ne they are speaking English all the time (Panjabi Inglecircs)
Because they spend six or seven hours a day at school they are speaking English all the time27
(b) Will you rubim off Ol man will come (Tok Pisin Inglecircs)
27
ldquoPorque eles passam seis ou sete horas por dia na escola eles estatildeo falando inglecircs o tempo todordquo
77
Will you rub [that off the blackboard] The men will come28
(c) Sano esttaacute tulla tanne ettaacute Iacutem very sick (Finlandecircs Inglecircs)
Tell them to come here that Iacutem very sick 29
(d) Kodomotachi liked it (Japonecircs Inglecircs)
The children liked it 30
(e) Won o arrest a single person (Yoruba Inglecircs)
They did not arrest a single person 31
(f) This morning I hantar my baby tu dekat babysitter tu lah (Malay Inglecircs)
This morning I took my baby to the babysitter 32
De acordo com AiKhenvald e Dixon (2006 p 2)
Se duas ou mais liacutenguas estatildeo em contato os falantes de uma tendo conhecimento da outra eles podem compartilhar traccedilos linguiacutesticos incluindo haacutebitos de pronuacutencia Historicamente todo idioma deve ter sofrido certa influecircncia de seus vizinhos O impacto do contato eacute mais forte e mais faacutecil de ser discernido em alguns idiomas enquanto em outros eacute mais fraco
O que fora dito acima pode ser comprovado em qualquer comunidade em que a
liacutengua do colonizador fora imposta durante o ato de conquista ou de contato Em
algumas comunidades a situaccedilatildeo de bilinguismo eacute motivada por outras
28
ldquoVocecirc esfregaraacute [o quadro-negro de fora] Os homens viratildeordquo 29
ldquoChame-os aqui que eu estou muito doenterdquo 30
ldquoAs crianccedilas gostam dissordquo 31
ldquoEles natildeo prenderam uma uacutenica pessoardquo 32
ldquoEsta manhatilde eu ocupei meu bebecirc agrave babaacuterdquo
78
necessidades que se fazem presente nessa sociedade O portuguecircs eacute a liacutengua de
contato que eacute utilizada por todos os membros em situaccedilotildees diaacuterias e em contatos
com a comunidade externa Enquanto a liacutengua interna eacute utilizada em seus rituais
e eacute utilizada em contexto familiar que exige mais aproximaccedilatildeo familiar entre os
membros 33
342 Diglossia
O processo de diglossia pode ser compreendido conforme Dubois et all (1998 p
190) como i) situaccedilatildeo de bilinguismo ii) situaccedilatildeo biliacutengue na qual uma das
liacutenguas eacute de status sociopoliacutetico inferior iii) aptidatildeo que tem um indiviacuteduo de
praticar corretamente outra liacutengua aleacutem da liacutengua materna
Embora seja entendida tambeacutem como uma competecircncia linguiacutestica em que o
falante de uma determinada liacutengua possa conhecer os niacuteveis formal e informal de
sua gramaacutetica para este trabalho o conceito que recorremos eacute o de diglossia
enquanto situaccedilatildeo de conviacutevio de duas ou mais liacutenguas em uma comunidade
Trata-se neste caso da utilizaccedilatildeo de uma das liacutenguas como liacutengua oficial
enquanto a outra fica a cabo das situaccedilotildees de conviacutevio Geralmente a liacutengua do
dominador eacute a liacutengua das relaccedilotildees comerciais a outra eacute utilizada nos rituais ou no
seio das famiacutelias (comunidade)
Devido agraves colonizaccedilotildees e agrave globalizaccedilatildeo a diglossia eacute muito comum no mundo
poacutes-moderno Em paiacuteses que foram colocircnias portuguesas como Moccedilambique e
33
Como exemplo podemos citar o que ocorre com o Fulni-ocirc Conforme COSTA1993 p 58
79
Timor Leste por exemplo o Portuguecircs eacute a liacutengua oficial enquanto as liacutenguas
nativas satildeo conservadas no acircmbito familiar e em ciclos informais Assim como
nas comunidades mais desenvolvidas o aprendizado de mais de uma segunda
liacutengua faz com que as comunidades se tornem pluriliacutengues
Por causa desta competecircncia linguiacutestica em que o sujeito passa a dominar dois
ou mais coacutedigos o conceito de diglossia fora ampliado agraves comunidades
monoliacutengues Neste caso entende-se que o sujeito pode ser bi- ou multiliacutengue
fora e dentro da sua proacutepria liacutengua34
Para Ferguson (1991 p 5) a diglossia eacute
Uma situaccedilatildeo linguiacutestica relativamente estaacutevel em que junto aos dialetos primaacuterios da liacutengua (que podem incluir a variante padratildeo ou as normas regionais) haacute um dialeto muito divergente altamente codificado (muitas vezes bastante complexo gramaticalmente) sobrepondo-se agrave variedade Eacute o veiacuteculo de um grande e respectivo corpo de literatura escrita tanto de periacuteodo anterior ou de outra comunidade de fala eacute aprendido atraveacutes da educaccedilatildeo formal usado na escrita e na fala em contextos formais mas natildeo eacute usado em qualquer uma das seccedilotildees de comunidade para conversaccedilatildeo coloquial
Fishman (1967 p 8) afirma que a diglossia eacute gradual e variaacutevel Para ele o
conceito de diglossia estaacute ligado ao aspecto social enquanto o bilinguismo ao
individual Dessa forma a relaccedilatildeo entre bilinguismo e diglossia na situaccedilatildeo do
contato pode se dar das seguintes formas i) diglossia e bilinguismo atuando
juntos ii) bilinguismo sem diglossia iii) diglossia sem bilinguismo e iv) nem
diglossia nem bilinguismo
34
Crystal (1985 p 82) discorre que em geral os sociolinguistas se referem a uma variedade alta (A) e outra baixa (B) correspondendo grosso modo a uma diferenccedila de formalidade A variedade alta eacute apreendida na escola costuma ser usada nos locais cuja formalidade eacute maior A variedade baixa eacute usada em outros ambientes relativamente informais
80
O referido autor complementa afirmando que
O bilinguismo sem a diglossia tende a ser transicional tanto em termos de repertoacuterios linguiacutesticos de comunidade de fala como em termos das variedades de fala envolvidas per si Sem separar no entanto as normas complementares e valores para estabelecer e manter a separaccedilatildeo funcional das variedades de fala aquela liacutengua ou variedade que seja o bastante favoraacutevel para ser associada ao movimento predominante das forccedilas sociais tende a substituir a(s) outra (s) (idem p7)
No caso dos Latundecirc a diglossia se configura como um processo em que os
falantes foram obrigados a aprender a liacutengua dos brancos utilizando-a nas
atividades em contexto de contato com o natildeo iacutendio No entanto o grupo conserva
a liacutengua original nos rituais e no reduto familiar como fora explicado
anteriormente 35
343 Alternacircncia de coacutedigo36
O processo de diglossia quando eacute configurado entre duas liacutenguas distintas resulta
em bilinguismo O bilinguismo abordado no item 231 pode ser analisado de
diversos pontos de vista mas um em especial que seraacute tratado neste toacutepico eacute a
alternacircncia de coacutedigo ou code-switching Trata-se de um processo linguiacutestico
inerente ao falante biliacutengue desenvolto ou natildeo na liacutengua que aprendera como
segunda liacutengua no caso do biliacutengue ou da terceira por diante como nos
pluriliacutengues
35
Vale ressaltar que atualmente devido agrave incorporaccedilatildeo da cultura do branco os Latundecirc estatildeo
falando mais frequentemente o Portuguecircs em diversas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo ateacute mesmos nas mais informais Isso se deve ao fato de as geraccedilotildees mais novas serem menos conservadoras e resistentes ao contato 36
Tratamos tambeacutem deste processo ao discorremos sobre o bilinguismo na seccedilatildeo 231
81
Dessa forma o falante biliacutengue ao se comunicar com outro falante que detenha
suas mesmas liacutenguas poderaacute fazer escolhas linguiacutesticas dentro de cada coacutedigo
ou alternando os coacutedigos Por isso os pesquisadores dizem que o falante biliacutengue
apresenta um comportamento proacuteprio em seu processo de interaccedilatildeo que eacute a
utilizaccedilatildeo do code-switching que se caracteriza por ser uma estrateacutegia de
adequaccedilatildeo interativa desejaacutevel e favoraacutevel do ponto de vista pragmaacutetico Este
processo constitui um processo de ativaccedilatildeo e desativaccedilatildeo de uma ou de outra
liacutengua
Para Auer (1999 p 46)
O termo code-switching reserva-se para os casos em que a justaposiccedilatildeo dos dois coacutedigos eacute percebida e interpretada como um ato localmente significativo pelos participantes Contrapotildee-se assim ao code-switching tambeacutem denominado language mixing (mistura de coacutedigo ou de liacutenguas) em que a justaposiccedilatildeo dos coacutedigos tem significaccedilatildeo para os participantes em sentido mais global sendo um padratildeo recorrente de comunicaccedilatildeo
Um falante biliacutengue decide primeiramente qual deveraacute ser a liacutengua de base para
ser utilizada com o outro falante que domina suas liacutenguas tambeacutem e a partir daiacute
decide se faraacute uso ou natildeo do code-switching eacute o que afirma Grosjean (1982 p
127) a partir do esquema abaixo
82
Figura 4 Escolha de liacutengua e code-switching conforme Grosjean (1982 p127)
Conforme o esquema acima o falante biliacutengue apresenta competecircncia linguiacutestica
para se comunicar tanto com um falante monoliacutengue quanto outro biliacutengue Ao se
comunicar com o falante monoliacutengue o referido falante biliacutengue faraacute a escolha de
uma liacutengua A ou a liacutengua B Neste caso natildeo poderaacute fazer uso das duas No
processo comunicativo com outro falante biliacutengue ele poderaacute utilizar a liacutengua A
com ou sem alternacircncia com a liacutengua B Ou utilizar a liacutengua B com ou sem
alternacircncia com a liacutengua A O que determina tais escolhas satildeo as vantagens e
desvantagens do cacircmbio linguiacutestico
Neste trabalho natildeo trataremos diretamente do code-switching por entendermos
que nos desviariacuteamos do objetivo basilar desta pesquisa que eacute o enfoque nos
segmentos foneacuteticos Outro aspecto seria o fato de os falantes latundecirc soacute
apresentarem a alternacircncia de coacutedigo durante as narrativas discorridas nas
83
entrevistas quando solicitados para que narrassem os acontecimentos e lendas
do seu povo
344 Morte da liacutengua
O contato linguiacutestico eacute um processo tambeacutem poliacutetico cujas consequecircncias podem
ser apenas o de mixagem ou mais intensamente a morte da liacutengua Muitas
vezes o contato eacute tatildeo devastador que extermina as liacutenguas minoritaacuterias trata-se
de um verdadeiro glotociacutedio37
Para Mcmahon (1994 p 228) a morte de uma liacutengua
Envolve essencialmente uma transferecircncia de obediecircncia de parte de uma populaccedilatildeo a partir de uma liacutengua que foi nativa na aacuterea para uma liacutengua mais recentemente introduzida na qual a populaccedilatildeo indiacutegena tornou-se biliacutengue A nova linguagem eacute geralmente falada nativamente por falantes mais potentes que podem tambeacutem ser mais numerosos e normalmente eacute associada pelos falantes da liacutengua minoritaacuteria com a riqueza prestiacutegio e progresso a liacutengua minoritaacuteria eacute entatildeo efetivamente abandonada por seus falantes tornando-se apropriada para uso em cada vez menor (e menor) contexto ateacute que seja inteiramente suplantada pela liacutengua que estaacute entrando
Dubois et all (1998 p 422) afirma que uma liacutengua morta eacute uma liacutengua que deixou
de ser falada mas cujo estatuto numa comunidade sociocultura eacute agraves vezes
desempenhar ainda um papel no ensino nas cerimocircnias rituais etc como o
latim
Para Trask (2004 p 200) a liacutengua eacute considerada moribunda ou estaacute prestes a
morrer quando o resultado de morte eacute praticamente inevitaacutevel Segundo o autor
37
Calcula-se que no iniacutecio da colonizaccedilatildeo portuguesa existiam aqui cerca de 1200 liacutenguas que
apoacutes anos de ocupaccedilatildeo de territoacuterio se resume a 180 Conforme Rodrigues 2002 p19 muitas delas estatildeo moribundas e carecem ser catalogadas
84
a cabo de uma ou duas geraccedilotildees ningueacutem mais seraacute capaz de falar esta liacutengua
pura e simplesmente Eacute a morte da liacutengua que resulta do processo denominado
substituiccedilatildeo da liacutengua
Ao dar continuidade ao seu argumento o referido autor assegura que a morte de
uma liacutengua eacute um processo gradual Assim exemplifica o pesquisador
em um dado lugar em um determinado momento algumas crianccedilas ainda estatildeo aprendendo - como sua liacutengua materna - a liacutengua que estaacute morrendo enquanto outras a estatildeo aprendendo apenas imperfeitamente e outras ainda natildeo estatildeo aprendendo de maneira nenhuma A liacutengua pode desaparecer por completo em certas aacutereas e sobreviver em outras Idem p 201
Ainda segundo Trask ibidem satildeo caracteriacutesticas da morte de uma liacutengua i) a
perda das irregularidades ii) a queda em desuso das formas e dos esquemas de
construccedilatildeo sentencial mais complexos ou menos frequente iii) a substituiccedilatildeo
maciccedila das palavras nativas por palavras tiradas da liacutengua de prestiacutegio iv) a
mudanccedila de pronuacutencia que se torna mais proacutexima da liacutengua de prestiacutegio v) a
perda da variaccedilatildeo estiliacutestica que leva agrave sobrevivecircncia de um uacutenico estilo
invariaacutevel
Nem sempre a morte de uma liacutengua estaacute diretamente ligada a aspectos
linguiacutesticos Cristoacutefaro-Silva (2002 p 56) elenca trecircs aspectos natildeo linguiacutesticos
que contribuem para a aniquilaccedilatildeo de uma liacutengua O primeiro diz respeito ao fato
de o pesquisador natildeo poder investigar o processo de morte devido agrave presenccedila de
uns poucos falantes da liacutengua O segundo trata da opressatildeo poliacutetica imposta aos
falantes que neste caso deixam de falar a liacutengua para natildeo serem perseguidos E
85
o terceiro ocorre quando a liacutengua eacute mantida apenas em rituais em que os falantes
natildeo sabem mais o teor semacircntico do que verbalizam
Natildeo diferente do aqui fora apresentado a situaccedilatildeo da liacutengua Latundecirc eacute bastante
delicada uma vez que a comunidade passou por diversos transtornos que
impactaram a forma como se organizavam socialmente O nuacutemero de nuacutemero de
falantes diminuiu e consequentemente a liacutengua se encontra altamente
ameaccedilada O portuguecircs sendo a liacutengua dominante de prestiacutegio e funcional para
a relaccedilatildeo com o mundo natildeo indiacutegena ganha espaccedilo crescente entre os Latundecirc
Esta eacute a situaccedilatildeo natildeo soacute do Latundecirc mas de vaacuterios grupos indiacutegenas
86
4 COMUNIDADE DE ESTUDO OS LATUNDEcirc
Que gente eacute essa que fala idioma tatildeo diferente das liacutenguas conhecidas tatildeo diferente da liacutengua dos seus mais proacuteximos vizinhos
que tem costumes tatildeo estranhos aos que vivem perto que natildeo conhece os objetos essenciais da vida dos seus companheiros de sertatildeo
De onde veio Por onde passou que natildeo deixou rastros Quando chegou agravequelas matas onde vive haacute tanto tempo
Que ligaccedilotildees tem com os outros filhos do Brasil Roquete-Pinto (1975 p121)
41 INTRODUCcedilAtildeO
Discorremos neste capiacutetulo sobre o povo Latundecirc e a sua comunidade descriccedilatildeo
contexto histoacuterico cultural e geograacutefico desta etnia Histoacuteria do contato conflitos
internos e externos dificuldades enfrentadas pelo grupo ao longo de sua
existecircncia denominaccedilatildeo acesso hierarquia social padratildeo e constituiccedilatildeo familiar
contatos intereacutetnico bilinguismo e ensino na aldeia
42 A FAMIacuteLIA NAMBIKWAacuteRA38 39 40
Os Nambikwaacutera41 satildeo conhecidos na etnologia brasileira por terem sido
oficialmente contatados pelo Marechal Rodom e por terem sido estudados por
Leacutevi-Strauss De origem Tupi o vocaacutebulo Nambikwaacutera eacute o resultado da fusatildeo dos
38
Os Nambikwara se auto denominam Anunsu Conforme Price amp Cook Jr The Nambikwara call
themselves aacute nu suacute people This name written anunzecirc has apereared throughout the literature but has been erroneously thought to be a band name (1969 p 690) 39
Os Nambikwra satildeo famosos na etnologia brasileira por terem sido oficialmente contatados pelo Marechal Rodom e por terem sido estudados por Leacutevi-Strauss 40
Os Nambikwara natildeo estatildeo ligados aos troncos Tupi e Macro-Jecirc Trata-se de uma famiacutelia linguiacutestica isolada com caracteriacutesticas especiacuteficas que natildeo se enquadra em nenhum desses dois grupos 41
Leacutevi-Strauss (1946 p 139) afirma que se trata de uma palavra Tupi e que deve ser escrita como Nhambikwara
87
termos ldquonambirdquo que significa ldquoorelhardquo e ldquokuarardquo cujo significado eacute ldquoburacordquo
Portanto Nambikwaacutera42 eacute ldquoburaco de orelhardquo
Coforme Leacutevi-Strauss (1946 p 48)
The name Nambikwra was mentioned for the first time and only by hearsay by Antonio Pires de Campos in the beginning of the 18th century Since then it appeared several times with reference to an unknown tribe located on the headwaters of Tapajoz There is a great discrepancy between the different spellings When General Candido Mariano da Silva Rondon began to explore the land between the Tapajoz and Gi-Parana in 1907 he met with unknown group of a unknown language and he did not hesitate to identify them with the tribe often mentioned in the early documents It was at that time that the name Nhambikwara was
definitely adopted its spelling fixed and that it was recognized as a Tupi nickname the meaning of which is big ears
A famiacutelia Nambikwara eacute dividida em dois grandes grupos aleacutem de outra
remanescente conforme figura abaixo
Figura 5 Classificaccedilatildeo das liacutenguas da Famiacutelia Nambikwaacutera de acordo com Rodrigues
(1986 p 134)
42
Seguimos neste trabalho a orientaccedilatildeo da Associaccedilatildeo de Antropologia Brasileira que em 1953
estabeleceu a fim de padronizar os nomes dos povos indiacutegenas do Brasil com o intuito de facilitar os estudos etnograacuteficos e Linguiacutesticos a nomenclatura padratildeo
88
Conforme figura acima o povo Latundecirc faz parte da famiacutelia Nambikwaacutera que se
divide em Nambikwaacutera do Norte Nambikwaacutera do Sul e Sabanecirc Os Latundecirc
juntamente com os Lakondecirc os Tawandecirc os Mamaindecirc e os Negarotecirc
pertencem ao grupo Nambikwaacutera do Norte Jaacute o Nambikwaacutera do Sul eacute composto
pelos povos Galera Kabixi Munduacuteka e Nambikwaacutera do Campo cada um
correspondendo a um complexo dialetal O Sabanecirc eacute uma liacutengua agrave parte por se
acreditar que natildeo haacute muitas semelhanccedilas entre as estruturas linguiacutesticas dessa
liacutengua e as demais liacutenguas desse grupo
Situado na aacuterea entre os rios Juruena e Comemoraccedilatildeo o territoacuterio consta do
registro de muitos autores Roquete-Pinto (1919) Leacutevi-Strauss (1946) Price e
Cook (1969) Price (1977) Mas eacute de Roquete-Pinto (1919) e Price (1983) a
exposiccedilatildeo mais aceita Em ambos os limites geograacuteficos desses povos satildeo
relatados da seguinte forma pelo Rio Papagaio (sul) pelo rio Gi-Paranaacute (norte)
pelo rio Tapajoacutes (leste) e pelo rio Guaporeacute (oeste)
Figura 6 Localizaccedilatildeo e aacuterea dos Nambikwaacutera de acordo com Roquete-Pinto (1919)
89
De acordo com a FUNAI43 os dados atuais indicam que os Nambikwaacutera hoje
com cerca de dois mil iacutendios estatildeo distribuiacutedos em seis Terras indiacutegenas (TI)
vivem no sudoeste do Mato Grosso e aacutereas proacuteximas de Rondocircnia entre a
floresta amazocircnica e o cerrado
Figura 7 Territoacuterio Nambikwaacutera descrito por Price (1983)
No que tange ao conhecimento desses povos eacute de meados do seacuteculo XVIII que
obtemos os primeiros contatos com os Nambikwaacutera Foi Luiz Pinto de Souza
Coutinho terceiro capitatildeo geral do Estado do Mato Grosso o organizador de uma
expediccedilatildeo pelas margens do Rio Guaporeacute com o propoacutesito de abrir caminhos
entre a capital de entatildeo Proviacutencia de Mato Grosso e o Forte Braganccedila
43
Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
90
Os relatos histoacutericos nos mostram que era prioridade do Governo Militar apoacutes a
Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica em 1889 a integraccedilatildeo de todas as terras brasileiras
Uma das accedilotildees dessa integraccedilatildeo foi a determinaccedilatildeo do governo em construir
linhas telegraacuteficas em terras indiacutegenas da Amazocircnia com o propoacutesito de interligar
o Rio de Janeiro a Cuiabaacute Agrave frente dessa empreitada estava o Major Antonio
Gomes Carneiro e entre a comitiva o seu aluno Cacircndido Mariano da Silva
Rondon
Eacute Rodon o principal agente de contato entre os iacutendios Nambikwaacutera e os natildeo
iacutendios Pois como eacute sabido dele partia o discurso de apaziguamento entre o
contato preferindo antes de qualquer coisa ser atingido a atingir os silviacutecolas
Aleacutem da motivaccedilatildeo de expansatildeo para a implantaccedilatildeo das linhas telegraacuteficas
Rondon era conduzido por um desejo ardente de respeito e proteccedilatildeo aos povos
daquela regiatildeo
Dessa forma os iacutendios Nambikwaacutera estavam entre os indiacutegenas que ajudaram a
comissatildeo do governo a alcanccedilar os lugares mais hostis Este encontro entre
indiacutegenas e brancos culminou em invasotildees e conflitos entre povos aleacutem das
doenccedilas que foram trazidas pelos natildeo indiacutegenas por isso a extinccedilatildeo de vaacuterias
tribos e povos aleacutem do prejuiacutezo linguiacutestico resultante da aculturaccedilatildeo dos
indiacutegenas frente agrave presenccedila do natildeo iacutendio uma vez que para que ocorresse o
processo de interaccedilatildeo os indiacutegenas se viram obrigados a aprender o portuguecircs
O contato entre os grupos Nambikwaacutera natildeo se deu de forma paciacutefica Os
Nambikwaacutera do Norte natildeo foram receptivos e os planos dos governos foram
frustrados De forma diferente o contato com os Nambikwaacutera do Sul se deu de
91
forma mais intensa Mesmo apoacutes os constantes conflitos o contato perdurou por
mais tempo que com os do Norte acarretando mudanccedilas culturais de costumes e
da liacutengua
Telles (2002 p 10) afirma que
Do grupo linguiacutestico do Norte hoje restam apenas remanescentes de cinco etnias Tawandecirc Lakondecirc Mamaindecirc Negarotecirc e Latundecirc Destes os trecircs uacuteltimos permanecem em aacutereas proacuteximas de seus territoacuterios tradicionais e se preservam enquanto grupos relativamente autocircnomos Estes povos natildeo habitavam tradicionalmente a regiatildeo norte do territoacuterio Nambikwaacutera e esse fato pode ter favorecido a sua independecircncia grupal ao longo do percurso histoacuterico
Figura 8 Localizaccedilatildeo atual dos Nambikwaacutera
Como consequecircncia do contato no final do seacuteculo XX a populaccedilatildeo desses povos
foi reduzida a mais ou menos 650 sendo 50 deles crianccedilas Price (1985 p 312)
92
chama a atenccedilatildeo para o processo de aculturaccedilatildeo pois para as crianccedilas ldquoseria
mais confortaacutevel falar portuguecircs que a liacutengua dos seus paisrdquo44
Ainda com relaccedilatildeo agrave classificaccedilatildeo linguiacutestica alguns estudiosos utilizam
classificaccedilotildees diferentes para organizar os povos Nambikwaacutera A divisatildeo claacutessica
de Leacutevi-Strauss (1948) distribui os Nambikwaacutera de acordo com a aproximaccedilatildeo
linguiacutestica que haacute entre eles Para ele haacute trecircs grupos principais que se subdividem
formando cinco unidades constituiacutedas por vaacuterios dialetos de uma mesma liacutengua
Price e Cook (1969) em trabalho posterior sugerem outra classificaccedilatildeo para a
famiacutelia Nambikwaacutera Para eles haacute dois grandes grupos os Sabanecirc e os
Nambikwaacutera Entretanto embora o Sabanecirc natildeo seja compreensiacutevel para os
outros grupos linguiacutesticos por razotildees estruturais Price (1972) com base num
estudo comparativo considera o Sabanecirc como integrante da famiacutelia linguiacutestica
Nambikwaacutera Para uma visualizaccedilatildeo das propostas de Leacutevi-Strauss e de Price e
Cook apresentamos as respectivas classificaccedilotildees nas tabelas a seguir
Quadro 2 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Leacutevi-Strauss (1948)
44
ldquofifty were children who are probably more comfortable speaking Portuguese than the languages of their parents
Grupo a
Grupo b
Grupo c
Subgrupo a1
Subgrupo a2
Subgrupo b1
Subgrupo b2
Oakleacutetosu
Haloacutetesu
Kiaaacuteru
Kuritsu
Soaacutelesu
Kodaacuteteli
Munuacutekoti
Nikedeacutetosu
Taruacutende
Maimatildende
Toatildende
Ioacutelola
Naseacutelate
Lakotildende
Sovaacuteinte
Sabaacutene
93
Quadro 3 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Price e Cook (1969)
Leacutevi-Strass natildeo aponta os Latundecirc como pertencente ao grupo Nambikwaacutera
devido ao natildeo contato com este povo que soacute fora inicialmente descobertos
(contatados) em 1975 pelos Aikanaacute conforme veremos a seguir
43 OS LATUNDEcirc
O povo Latundecirc pertencente ao Nambikwaacutera do Norte habita uma aacuterea de
116613671 hec no municiacutepio de Chupinguaia na regiatildeo sudoeste do estado de
Rondocircnia Com eles convivem outros dois grupos que natildeo possuem nenhum
Navaacuteite
Taiate
Nambikwaacutera
Sabanecirc
Do Norte
Do Sul
Latundecirc
Lakundecirc
Tawandecirc
Mamaindecirc
Negarotecirc
Vale do Jurema
Vale do Guaporeacute
Vale do Sarareacute
Haloteacutesu
Kithaulhu
Sawenteacutesu
Wakalitesu
Wasusu
Sarareacute
Alacircntesu
Waikisu
Hahatildetesu
94
grau de parentesco linguiacutestico Satildeo os Aikanaacute e os Kwazaacute que fazem parte da
Terra Indiacutegena (TI) Tubaratildeo-Latundecirc45
No mapa abaixo pode-se obervar a localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc que se
situa entre a RO 370 e a BR 364
Figura 9 Localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc46
A reserva estaacute localizada a oeste do municiacutepio de Vilhena Nela haacute trecircs vilas Rio
do Ouro Barroso e Gleba (tambeacutem conhecida como Tubaratildeo) Gleba eacute a que
conteacutem a maior populaccedilatildeo mista De faacutecil acesso pode ser adentrada pela cidade
de Chupinguaia que fica a 19 km da TI Rio do Ouro possui uma populaccedilatildeo
exclusivamente Aikanatilde e estaacute a 20 km da Gleba Barroso conteacutem a menor
populaccedilatildeo e corresponde a uma aacuterea de ocupaccedilatildeo esparsa em que se distribuem
45
Conforme Anonby the Tubaratildeo-Latundecirc Indian Reserve is inhabited by people from several tribes the tree main linguistically-unrelated Aikanatilde (also known as Tubaratildeo) Kwazaacute and Latundecirc 2009 p3 46
Inicialmente estes povos ocupavam uma aacuterea de ricas florestas no oeste do rio Pimenta Bueno
proacuteximo a uma pequena vila denominada de Satildeo Pedro
95
remanescentes Kwazaacute Aikanaacute e Latundecirc A meacutedia de distacircncia do Barroso para a
Gleba eacute de aproximadamente 25 km O acesso se daacute por uma estrada
parcialmente carroccedilaacutevel de difiacutecil locomoccedilatildeo
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo de cada povo Anomby (2009 p5) afirma que o
quantitativo total de pessoas eacute de 219 iacutendios Deles 175 satildeo Aikanatilde 25 satildeo
Kwazaacute e 19 satildeo Latundecirc Haacute ainda 189 iacutendios distribuiacutedos por outras localidades
fora da TI 47
Quadro 4 Distribuiccedilatildeo dos povos pertencentes a TI Tubaratildeo-Latundecirc
TI Rio do Ouro 67
Gleba 48
Barroso 34
Outras localidades
Satildeo Pedro 18
Vilhena 15
Chupinguaia 7
Total 189
Durante muitos anos os Latundecirc os Kwazaacute e os Aikanatilde viveram em contato com
grupos vizinhos como os Kanoecirc Mekens Sakirap Tupariacute Salamatildei entre outros
povos que tecircm sido acolhidos pela populaccedilatildeo local da TI Mesmo com diferentes
liacutenguas eles se relacionavam com festivais e casamentos intergrupais A cultura
desses povos tornou-se muito similar devido ao contato intenso entre eles De
acordo com Anomby (2009 p 6) os traccedilos mais comuns entre este povos
incluem cestas de fibra de marico casas em forma de colmeia para
47
Em conversa com os professores desses povos Anomby Idem natildeo afirma os motivos pelos
quais tais iacutendios estatildeo afastados dos demais
96
aproximadamente dez famiacutelias bebida de milho fermentado canibalismo e
divisatildeo de clatildes
Quanto ao contato sabe-se que foram os iacutendios Aikanaacute os primeiros a contatarem
com os Latundecirc Price (1977 p 72 - 73) descreve que o entatildeo Capataz Rural
Jorge Falcatildeo fora informalmente designado encarregado da operaccedilatildeo de contato
No ano de 1976 acompanhado por cinco iacutendios Aikanaacute e um serigueiro apoacutes
cinco dias de intensa caminhada ocorreu o encontro com os Latundecirc Neste
primeiro momento o desconhecido povo tremia de medo mas se posicionaram
ainda que fragilmente na linha de defesa Apoacutes dormirem no campo o capataz e
demais membros da excursatildeo conseguiram no outro dia um contato comprovado
por poucas fotografias com o povo Latundecirc Jorge descreveu que tais iacutendios natildeo
conseguiram se comunicar com os Aikanaacute e que eram em nuacutemero de 10 homens
e 8 crianccedilas afora poucas crianccedilas que afirma natildeo tecirc-las visto
A FUNAI em 1977 com a ajuda do Capataz Rural realizou uma nova excursatildeo
aos iacutendios Latundecirc Desta vez aleacutem de Jorge juntos a ele estavam presentes
David Price e dois iacutendios Nambikwara do Norte (Lakondecirc) que conseguiram
identificar os Latundecirc como tambeacutem pertencentes agrave etnia Nambikwara do Norte
Foram mensurados como uma aldeia composta por oito casas e dezenove
habitantes 48
48
Para uma descriccedilatildeo mais detalhada ver Telles 2002 p17
97
Figura 10 Primeiros contatos com os Latundecirc (Foto Price 1977)
Em 1999 o povo era composto por vinte pessoas Entre 1999 e 2000 a grupo ficou
ainda menor com a saiacuteda de trecircs dos membros Faacutetima (irmatilde de Terezinha49)
Batataacute (a anciatilde do grupo) e Joatildeo (irmatildeo solteiro de Terezinha) As crianccedilas e os
jovens do grupo satildeo na sua maioria parentes consanguiacuteneos De acordo com as
relaccedilotildees de parentesco os mais novos natildeo poderatildeo coabitar entre si o que
implica a natildeo autonomia e a natildeo perpetuaccedilatildeo do grupo Latundecirc
49
Trata-se de a informante deste projeto de pesquisa
98
Quadro 5 Nuacutecleos familiares de acordo com a habitaccedilatildeo em 199950
Casa 1
Pais Filhos Agregados
Maneacute Torto (60) Terezinha (45)
Luiz (22) Antocircnio (20) Lorena (12) Catarino (10) Justino (8) Jaelson (4)
Joatildeo (26) Francisco (25) Irmatildeos de Terezinha
Maneacute Torto (60) Faacutetima (30)
Maria (13)
Casa 2
Joseacute (40) Lurdes (40)
Jair (13) Dido (11) Lourival (3) Lorimar (6 meses)
Cinzeiro (50) Irmatildeo de Lurdes
Casa 3 Batataacute (65)
Dados atuais51 noticiam que o grupo se enfraqueceu politicamente Tereza
mudou-se para uma aldeia de outro grupo Nambikwaacutera do Norte e Maria e Lorena
foram morar na Gleba
No que concerne agraves atividades econocircmicas a extraccedilatildeo de borracha foi a grande
atividade econocircmica na deacutecada de 30 do seacuteculo passado no sul de Rondocircnia
Durante o apogeu dessa atividade os Aikanatilde e os Kwazaacute trabalharam para
barotildees da borracha em troca de cafeacute accediluacutecar e armas de fogo
Consequentemente apoacutes aprenderem as estrateacutegias de negociaccedilatildeo na deacutecada
de 70 os proacuteprios iacutendios agora independentes passaram a vender a sua proacutepria
borracha nas cidades vizinhas (Van der Voort 1998)
50
Telles 2002 p 19 51
Informaccedilatildeo proveniente de comunicaccedilatildeo pessoal com Stella Telles janeiro de 2015
99
A comercializaccedilatildeo da borracha tambeacutem fora um pano de fundo para o processo
de bilinguismo ocorrente entre os povos dessa regiatildeo O portuguecircs se tornara
uma espeacutecie de liacutengua franca utilizada para a comercializaccedilatildeo do produto no
exterior e na interaccedilatildeo com os seringalistas Contudo as liacutenguas indiacutegenas
permaneciam sendo usadas mais provavelmente na retirada e no processamento
da borracha nas reservas52
A economia na aldeia diferentemente do que fora no passado representa a atual
situaccedilatildeo dos iacutendios Haacute pouca lavoura de subsistecircncia53 o que faz com que a
produccedilatildeo de comida seja escassa Os integrantes da aldeia quando precisam de
provimentos compram sua comida na cidade ou recebem-na dos parentes que
vivem em Rio do Ouro
Ainda de acordo com Anomby (2009 p7)
As principais fontes de dinheiro em ambas as aldeias como a maioria das aldeias no Brasil satildeo as remessas de aposentadoria para os idosos e da venda de artesanato indiacutegena aleacutem da venda de madeira e os pequenos serviccedilos prestados aos demais moradores e visitantes
No que diz respeito agrave religiatildeo atualmente a presenccedila do protestantismo eacute muito
forte na TI Tubaratildeo-Latundecirc Missionaacuterios UNIEDAS54 (iacutendios da tribo Terena)
comeccedilaram a trabalhar na aacuterea em 1980 e como resultado a maioria das
pessoas que vivem na reserva iacutendios Tubaratildeo-Latundecirc hoje se consideram
52
Neste contexto histoacuterico pode-se perceber claramente a hierarquizaccedilatildeo linguiacutestica no que tange agrave utilizaccedilatildeo da liacutengua materna Para os iacutendios jaacute ocorria o processo de contato oriundo do dominador Mesmo reconhecendo a necessidade advinda da dependecircncia econocircmica os iacutendios relutavam em manter a liacutengua matildee no interior da aldeia ou seja no seio familiar 53
Devido agrave cultura errocircnea da terra e a constante presenccedila das aposentadorias concedidas aos idosos e invaacutelidos a rotina desses povos estaacute sendo fortemente alterada 54
Uniatildeo das Igrejas Evangeacutelicas da Ameacuterica do Sul criada por missionaacuterios americanos em 1912 que eacute atualmente conduzida por lideranccedila indiacutegena
100
protestantes Os Terenas ministram suas pregaccedilotildees exclusivamente em
Portuguecircs
Uma outra famiacutelia missionaacuteria protestante pertencente agrave missatildeo ALEM55 vivem
na aldeia Rio do Ouro onde o marido Warrisson eacute um professor e sua esposa
Ana eacute uma liacuteder de igreja Eles trabalham na reserva haacute doze anos e soacute falam
Portuguecircs
Anomby (2009 p8) relata o fato de os iacutendios ainda hoje rejeitarem os esforccedilos
dos missionaacuterios da ALEM para usar o Aikanatilde na igreja
Quando Ana veio pela primeira vez a Gleba 12 anos atraacutes as pessoas disse-lhe que queria igreja em Portuguecircs e natildeo em Aikanatilde Eles especificamente disse-nos Noacutes natildeo quer um linguista Queremos algueacutem que vai fazer igreja em Portuguecircs Ana compocircs algumas canccedilotildees em Aikanatilde mas quando ela cantou para os iacutendios eles disseram que soava feio Ana pediu que as pessoas orassem em Aikanatilde mas eles sempre recusam Em um culto que participou no Rio do Ouro Ana escolheu cinco pessoas aleatoriamente para ler partes do Biacuteblia Todos foram fluentes Ana disse-nos que ateacute hoje os iacutendios nunca pediu nada em Aikanatilde - eles parecem sentir que igreja deve ser em Portuguecircs
Os Latundecirc em particular natildeo se converteram ao protestantismo Localizados
mais remotamente o difiacutecil acesso agraves igrejas existentes da Gleba e no Rio do
Ouro natildeo favoreceu ao longo de anos a frenquecircncia do Latundecirc nos cultos
A educaccedilatildeo escolar tambeacutem tem situaccedilatildeo similar entre os Latundecirc Nunca houve
escola no Barroso nas proximidades das casas dos Latundecirc Dessa forma
apenas com a ida mais sistemaacutetica dos mais jovens Latundecirc para as aldeias
Aikanaacute - sobretudo a partir do ano de 2000 - eacute que as crianccedilas Latundecirc passaram
55
Associaccedilatildeo Linguiacutestica Evangeacutelica Missionaacuteria eacute uma organizaccedilatildeo missionaacuteria fundada em 1982
sob a inspiraccedilatildeo da Wycliffe Bible Translators
101
a frequentar escola Sobre isso Anomby Idem nos relata que eacute ensinado ateacute
quarta seacuterie em todas as aldeias e a maioria dos Aikanatilde e Kwazaacute satildeo
alfabetizados em Portuguecircs Em Rio do Ouro haacute dois professores um brasileiro
que leciona em Portuguecircs e um professor biliacutengue que explica os assuntos em
Aikanatilde Trecircs moradores estatildeo terminando o ensino meacutedio dois da Gleba e um
do Rio do Ouro A liacutengua Latundecirc natildeo eacute objeto de conteuacutedo escolar
Com relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo linguiacutestica dos Latundecirc56 sabe-se que com exceccedilatildeo de
Maneacute Torto que eacute falante nativo de uma liacutengua Nabikwaacutera do Norte muito proacutexima
do Latundecirc o nuacutemero de falantes do Latundecirc eacute de dezenove pessoas O grupo
excetuando a Batataacute que natildeo fala portuguecircs apresenta bilinguismo em Latundecirc
Portuguecircs O bilinguismo resultante do contato que se deu em 1976 se firmou
com o contato crescente com os Aikanaacute com quem se comunicam em portuguecircs
A complexidade linguiacutestica que se instaurou entre os Latundecirc pode ser observada
na tabela seguinte
Quadro 6 Situaccedilatildeo sociolinguiacutestica dos Latundecirc (dados de 1999)
Membros
Situaccedilatildeo Social
Situaccedilatildeo Linguacuteiacutestica
Maneacute Torto (60) Liacuteder interno da tribo Natildeo Latundecirc
Cinzeiro (50)
Batataacute (65)
Membros mais velhos
da tribo
Satildeo monoliacutengues em Latundecirc
Lurdes (40) Matriarca da casa 2 Apresenta distuacuterbio de fala Eacute considerada
uma falante ruim pela proacutepria tribo Fala um
pidgin com seus filhos
Joseacute (40) Patriarca da casa 2 Fala um portuguecircs pouco claro
56
Anomby (2009 p 5) chama a atenccedilatildeo para o fato de os povos presentes na TI Tubaratildeo-Latundecirc
natildeo serem estudados extensivamente ainda Dos estudos realizados podem-se citar as pesquisas realizadas no acircmbito antropoloacutegico e no linguiacutestico Leacutevi-Strauss (1930) Lieuntenabt Zack (1942) Melatti e Price (1970) Carlson (1984) Vasconcelos (19931996) Van der Voort (19951998) e Telles (2002)
102
Jair (13)
Dido (11)
Filhos mais velhos da
casa 2
Devido ao desempenho dos pais
apresentam problemas de comunicaccedilatildeo em
ambas as liacutenguas
Lourival (3)
Lorimar (6 meses)
Filhos mais novos da
casa 2
Estatildeo em processo de aquisiccedilatildeo da
linguagem
Terezinha (45)
Matriarca da casa 1
uma das mulheres de
Maneacute Torto
Apresenta boa competecircncia comunicativa
Apesar de ser considerada biliacutengue
apresenta problemas com relaccedilatildeo agrave
compreensatildeo do Portuguecircs
Joatildeo (26)
Francisco (25)
Irmatildeos de Terezinha Falam Portuguecircs sem muita fluecircncia
Faacutetima (30)
Irmatilde de Terezinha Apresenta niacutevel de compreensatildeo muito
inferior ao da sua fala
Luiz (22)
Antocircnio (20)
Lorena (12)
Catarino (10)
Justino (8)
Jaelson (4)
Filhos de Terezinha e
Maneacute Torto
Falam um bom Portuguecircs
Maria (13) Tambeacutem fala um bom Portuguecircs
Entre 1995 e 2000 Telles (comunicaccedilatildeo pessoal em novembro de 2014) verificou
que o aprendizado do Latundecirc na comunidade eacute mais tardio do que o Portuguecircs
mesmo sendo as crianccedilas desde o nascimento expostas e estimuladas agraves duas
liacutenguas simultaneamente Na avaliaccedilatildeo subjetiva dos indiacutegenas o Latundecirc eacute uma
liacutengua mais difiacutecil sendo essa a razatildeo de as crianccedilas apresentarem melhor
desempenho no Portuguecircs Soacute em torno dos dez anos comeccedilam a utilizar com
fluecircncia o Latundecirc embora apresentem conhecimento passivo da liacutengua desde a
primeira infacircncia quando atendem com pertinecircncia aos comandos em Latundecirc
Outro fator que pode responder ao fato de a produccedilatildeo linguiacutestica ocorrer
103
primeiramente em Portuguecirc deve ser o prestiacutegio social que essa liacutengua alcanccedila
entre comunidades minoritaacuterias57
Essa situaccedilatildeo decorrente do contato linguiacutestico se daacute devido agrave mescla linguiacutestica
presente na TI e agraves necessidades de os indiacutegenas se ausentarem das terras da
TI Os povos que vivem em Rio do Ouro viajam a cidade pelo menos uma vez por
mecircs para fazer compras ou ir buscar assistecircncia meacutedica Os da Gleba se
deslocam para a cidade todos os dias quando precisam ir para a sede do
municiacutepio de Chupinguaia Dependendo da necessidade eles ficam hospedados
na casa de algueacutem conhecido ou na Casa do Iacutendio uma espeacutecie de guarita
para os iacutendios A Casa do Iacutendio mais proacutexima da TI se localiza em Vilhena
Ainda quanto ao contato linguiacutestico estudos mostram que os iacutendios do sul de
Rondocircnia tecircm o haacutebito de casar-se com iacutendios de tribos amigas Isto pode ser
comprovado com a presenccedila de palavras no leacutexico das liacutenguas em que foram
coadunadas
Conforme dados mais recentes na Gleba cerca de cinquenta por cento dos
casamentos satildeo mistos com iacutendios de outras etnias ou com natildeo iacutendios Embora
haja certa rivalidade entre os povos da Gleba e os do Rio dos Ouros o nuacutemero de
casamentos entre os iacutendios dessas duas aldeias satildeo muito frequentes
Quanto aos iacutendios Latundecirc Anomby (2009 p 9) discorre que
Os iacutendios da aldeia de Latundecirc Barroso tecircm o menor prestiacutegio e satildeo um pouco culturalmente e economicamente subjugados pelo Aikanatilde e Kwazaacute Devido agraves pequenas populaccedilotildees de Kwazaacute e Latundecirc eacute quase impossiacutevel para eles para se casar dentro de
57
Discorreremos com mais detalhes sobre o processo de bilinguismo no povo Latundecirc no trabalho proposto a ser desenvolvido
104
sua tribo Assim a sobrevivecircncia das liacutenguas e ateacute mesmo o povo como um grupo distinto eacute muito tecircnue
Devido agraves constantes necessidades de cuidado desses povos a OSCIP Creatio58
realizou estudos sobre os impactos soacutecio-antropoloacutegicos-ambientais na TI
Tubaratildeo-Latundecirc jaacute que toda regiatildeo estaacute sobre a influecircncia da PCH59 Cascata
que estaacute sendo construiacuteda no Rio Pimenta Bueno Tais estudos visam objetivar
informaccedilotildees que subsidiem a descriccedilatildeo dos possiacuteveis impactos oriundos da PCH
sobre esta TI
Figura 11 Iacutendios Latundecirc na TI Tubaratildeo-Latundecirc
Outro ponto que deve ser levado em conta ao considerar falantes biliacutengues e
monoliacutengues eacute que eles natildeo podem ser nitidamente diferenciados A avaliaccedilatildeo do
grau de bilinguismo eacute complexa dado que a sua medidade eacute escalar ou seja o
58
Organizaccedilatildeo da Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico 59
Pequena Central Hidreleacutetrica
105
conhecimento de outra liacutengua eacute uma questatildeo de grau que vai desde 0 ateacute a
ldquoperfeiccedilatildeordquo (Van Coetesem 1988 p 9)
106
5 INTERFEREcircNCIA FONEacuteTICO-FONOLOacuteGICA DO LATUNDEcirc NO
PORTUGUEcircS
ldquoO contato linguiacutestico eacute apenas um aspecto do contato cultural e a interferecircncia linguiacutestica eacute uma face da difusatildeo lexical e aculturaccedilatildeordquo
Weinreich (1953 p 5)
51 INTRODUCcedilAtildeO
Para Thomason (2001 p 5) o contato entre liacutenguas estaacute em toda a parte muitos
paiacuteses tecircm mais do que uma liacutengua oficial e muito provavelmente a maior parte
da populaccedilatildeo mundial fala duas ou mais liacutenguas Posto dessa maneira
compreende-se que satildeo muitos os estudos que abordam sob formas aacutereas
concepccedilotildees diversas e interdisciplinares o contato linguiacutestico No que concerne agrave
linguiacutestica estes estudos satildeo de igual abundacircncia De acordo com Weinreich
(1953) grande ou pequena as diferenccedilas e similaridades entre as liacutenguas em
contato podem ser exaustivamente estabelecidas em muitos domiacutenios Todavia
quando se trata da investigaccedilatildeo do contato sob a eacutegide da fonologia e da foneacutetica
o nuacutemero destes estudos diminui consideravelmente Tal constataccedilatildeo corrobora
com a necessidade de estudos linguiacutesticos que tratem dos aspectos foneacuteticos
quando observados no contato entre liacutenguas
Por se tratar de uma sessatildeo importante para as elucidaccedilotildees dos processos
ocorridos no Portuguecircs falado pelos Latundecirc a serem discorridos no Capiacutetulo VI
descrevemos neta seccedilatildeo os segmentos das liacutenguas em anaacutelise e quais satildeos mais
suscetiacuteveis agrave influecircncia do contado linguiacutestico Devido agrave escassez de pesquisas
107
foneacuteticas fonoloacutegicas na aacuterea especificamente no Latundecirc e no Portuguecircs
Brasileiro seratildeo utilizadas como cabedal para esta anaacutelise as pesquisas de
TELLES (2002) e para a investigaccedilatildeo do inventaacuterio do sistema fonoloacutegico do
Portuguecircs a de BISOL (1996) e de SILVA (2002)
Dada a profundidade investigativa da natureza do contato cabe-nos ressaltar aqui
que o presente estudo natildeo se encarregaraacute de tratar de todas a suas nuances
visto que seu objeto estaacute delimitado quanto aos processos foneacuteticos resultantes
de tal contato
Quanto ao aporte teoacuterico seratildeo citados os trabalhos de WEINREICH (1953)
pioneiro a tratar das questotildees de interferecircncia foneacuteticas oriundas do contato entre
liacutenguas VAN COETSEM (1988) e MATRAS (2009) para elucidar os processos
ocorrentes no contato em questatildeo
52 INTERFEREcircNCIA FUSAtildeO COEXISTEcircNCIA E TRANSFEREcircNCIA
LINGUIacuteSTICA
Um dos precursores dos estudos sobre contatos linguiacutesticos Uriel Weinreich
descreve em seu livro Language in Contact (1953) os mecanismos foneacuteticos que
regem a intersecccedilatildeo existente no contato
No que concerne aos aspectos extralinguiacutesticos que regem os efeitos do contato
sobre a fala de determinado componente social Weinreich chama a atenccedilatildeo para
os fatores que estatildeo aleacutem das diferenccedilas estruturais bem como das
inadequaccedilotildees lexicais da liacutengua Segundo ele esses fatores natildeo estruturais satildeo
inerentes aos falantes que estatildeo expostos agrave situaccedilatildeo do contato por exemplo
108
a) A facilidade de o falante se expressar verbalmente e sua
debilidade de lidar coma as duas liacutenguas separadamente
b) Proficiecircncia relativa em cada liacutengua
c) Especializaccedilatildeo no uso de cada liacutengua por toacutepicos e
interlocutores
d) Forma de aprendizado em cada liacutengua
e) Atitudes para cada liacutengua se idiossincraacutetico ou estereotipado
f) A dimensatildeo do grupo biliacutengue e sua homogeneidade
sociocultural ou diferenciaccedilatildeo colapso entre subgrupos usando
uma ou outra liacutengua como sua liacutengua-matildee fatos demograacuteficos
sociais e as relaccedilotildees poliacuteticas entre esses subgrupos
g) Prevalecircncia individuais de bilinguismo com dadas caracteriacutesticas
de comportamento de fala em subgrupos em geral
h) Atitudes estereotipadas em relaccedilatildeo a cada liacutengua (prestiacutegio)
status indiacutegena ou imigrante da liacutengua em xeque
i) Atitudes em relaccedilatildeo agrave cultura de cada comunidade linguiacutestica
j) Atitudes em relaccedilatildeo ao bilinguismo como tal
k) Toleracircncia ou intoleracircncia com respeito agrave mistura linguiacutestica e
com a fala incorreta de cada um
l) Relaccedilatildeo entre o grupo biliacutengue e cada um das duas
comunidades em que ela eacute um segmento marginal (Weinreich
1953 p 4)
Um dos pressupostos baacutesicos agrave natureza do falante diz respeito ao fato de duas
ou mais liacutenguas soacute poderem estar em contato se usadas alternadamente pelas
mesmas pessoas O uso individual da liacutengua seraacute o locus do contato Quando isto
ocorre a transferecircncia de elementos foneacuteticos seraacute a motivadora pela
reorganizaccedilatildeo de todo o velho sistema de oposiccedilatildeo Ele assegura que the term
interference implies the rearrangement of patterns that result from the introduction
of foreign elements into the more highly structured domains of language such as
the bulk of the phonemic system a larger part of the morphology and syntax and
some areas of the vocabulary (p 1)60
60
O termo interferecircncia implica a reorganizaccedilatildeo de padrotildees que resultam na introduccedilatildeo de elementos no mais alto (profundo) domiacutenio de estruturas da linguagem tal como a maior parte do sistema fonecircmico uma larga parte da morfologia e sintaxe e algumas aacutereas do vocabulaacuterio
109
Quando dois sistemas satildeo confrontados no contato pode ocorrer o
reordenamento de padrotildees ou interferecircncia ou exclusatildeo Na interferecircncia
linguiacutestica o problema de maior interesse eacute a accedilatildeo reciacuteproca dos fatores
estruturais e dos natildeo estruturais ao promoverem estimularem ou impedirem cada
interferecircncia
Concernente aos ldquoMecanismos e causas estruturais de interferecircnciardquo Weinreich
idem p7 coloca que haacute um tipo de interferecircncia que eacute extremamente comum no
contato linguiacutestico trata-se da relaccedilatildeo de empreacutestimo na qual natildeo haacute uma total
transferecircncia de todos os elementos Logo percebe-se que eacute comum a
transferecircncia de parte de um sistema ou de traccedilos desse sistema fazendo com
que haja uma ldquocoexistecircncia de fusatildeo de sistemasrdquo
A coexistecircncia ou fusatildeo de sistemas linguiacutesticos pode de acordo com este
estudioso afetar a natureza de um signo linguiacutestico jaacute que esta eacute a combinaccedilatildeo
de uma unidade de expressatildeo e uma de conteuacutedo Neste niacutevel de bilinguismo ou
de interferecircncia de sistemas pode-se entendender que a relaccedilatildeo de significado e
significante natildeo se daacute de maneira uniacutevoca
Diante da complexidade que eacute a transferecircncia linguiacutestica a ilustraccedilatildeo por ele
adotada eacute a de que a interferecircncia eacute como areia carregada por um fluxo de aacutegua
Na liacutengua ela estaacute sedimentada no fundo de um lago E este fenocircmeno se daacute em
todos os niacuteveis da gramaacutetica p 11
Ao tratar dos tipos de interferecircncia nos sistemas foneacuteticos Weinreich afirma que
The problem of phonic interference concerns the manner in which a speaker perceives and reproduces the sounds of one
110
language which might be designated secondary in terms of another to be called primary Interference arises when a bilingual identifies a phoneme of the secondary system with one in the primary system and in reproducing it subjects it to the fonetic rules of the primary language (1953 p 15)61
Neste caso a interferecircncia resulta quando um falante identifica na segunda liacutengua
elementos foneacuteticos presentes na primeira liacutengua Ao reproduzir o segmento o
falante o sujeita agraves regras foneacuteticas da primeira liacutengua a liacutengua matildee
Ao prosseguir Weinreich tambeacutem aponta dois tipos de interferecircncia a partir do
quadro comparatoacuterio entre os sistemas linguiacutesticos do Romansh62 e do
Schweizerdeutsch63 liacutenguas coexistentes no Cantatildeo de Grisons na Suiacuteccedila No
primeiro caso o sistema foneacutetico do Romansh se configura como o sistema
primaacuterio e o Schweizerdeutsch como secundaacuterio No segundo caso os sistemas
satildeo alternados o sistema foneacutetico do Schweizerdeutsch assume o lugar do
sistema primaacuterio e o Romansh o secundaacuterio
61
O problema da interferecircncia foneacutetica consiste na maneira como o falante percebe (reconhece) e reproduz os sons de uma liacutengua que pode ser designado secundaacuterio em outros termos primaacuterio A interferecircncia surge quando um biliacutenguumle identifica um fonema do sistema secundaacuterio com um no sistema primaacuterio e em reproduzi-lo sujeitando-o agraves regras foneacuteticas da primeira liacutengua 62
Eacute uma das quatro liacutenguas nacionais da Suiacuteccedila juntamente com a liacutengua alematilde a liacutengua italiana e a liacutengua francesa Trata-se de uma liacutengua romacircnica do ramo ocidental que se acredita descender do latim vulgar falado pelos romanos que ocuparam a aacuterea na Antiguidade 63
Eacute qualquer um dos dialetos alemacircnicos falados na Suiacuteccedila no Liechtenstein e nas zonas fronteiriccedilas da Aacuteustria
111
Quadro 7 Quadro Comparativo dos Sistemas Foneacuteticos do Romansh e do
Schweizerdeutsch de acordo com Weinreich (1953)
Mais adiante seraacute observada a influecircncia do Latundecirc no Portuguecircs Desta forma
o Portuguecircs mesmo sendo a segunda liacutengua adquirida seraacute visto como o objeto
influenciado do contato linguiacutestico
112
Quando observou o contato entre os dois sistemas linguiacutesticos em voga
Weinreich (idem p 18 e 19) examinou o processo de interferecircncia representado
no segundo sistema fonecircmico Assim ele elencou quatro tipos de interferecircncias i)
subdiferenciaccedilatildeo de fonemas ii) superdiferenciaccedilatildeo de fonemas iii)
reinterpretaccedilatildeo de traccedilos relevantes iv) substituiccedilatildeo de fone atual
A subdiferenciaccedilatildeo de fonemas ocorre quando dois sons de um segundo sistema
cujos correspondentes que natildeo se distinguem no sistema primaacuterio natildeo satildeo bem
definidos Tal confusatildeo eacute evidenciada pela alternacircncia que o falante do Romansh
faz ao pronunciar os segmentos y e i do Schweizerdeutsch ou quando o falante
do Schweizerdeutsch faz ao pronunciar de forma insegura os segmentos i e
O processo de superdiferenciaccedilatildeo envolve a imposiccedilatildeo de distinccedilotildees fonecircmicas
do sistema primaacuterio sobre os sons do sistema secundaacuterio onde eles natildeo satildeo
necessaacuterios O processo pode ser inferido a partir de uma comparaccedilatildeo entre os
sistemas de som em contacto mesmo que nem sempre seja perceptiacutevel No
contanto entre os dois dialetos o vocaacutebulo rsquolada lsquoamplorsquo do Romansh eacute
pronunciado como acutelada no Schwyzertutsch
A reinterpretaccedilatildeo de traccedilos relevantes ocorre quando o falante biliacutengue distingue
fonemas do sistema secundaacuterio cujas caracteriacutesticas que nesse sistema satildeo
meramente concomitante ou redundante mas que satildeo relevantes no seu sistema
principal Por exemplo a palavra do dialeto Romansh [lsquomєsbullɐ] bagunccedila pode
ser interpretada quase como no Schwyzertutsch rsquomesa
Por fim o processo de substituiccedilatildeo de fone atual eacute aplicado aos fonemas que satildeo
definidos de forma idecircntica nos dois idiomas mas que se comportam de froma
113
distintas Na situaccedilatildeo descrita o segmento do Romanche e o do
Schwyzertatsch satildeo ambos definidos como vogais frontais de abertura
maacutexima mas o fonema do sistema Schwyzertfitsch eacute pronunciado mais aberto
Os fonemas b do Romansh e o B do Schwyzertfitsch satildeo ambos definidos por
suas oposiccedilotildees tensa (sem voz) consoante aspirante e nasal homorgacircnica mas
b eacute sempre vozeado B apenas ocasionalmente
Quando ao tratar dos fatores estruturais favorecedores ou inibidores da
interferecircncia foneacutetica o pesquisador em questatildeo afirma que a anaacutelise contrastiva
dos fonemas de duas liacutenguas e a forma como eles satildeo usados produz uma lista
de formas de interferecircncias focircnicas esperada em uma situaccedilatildeo de contato
particular Quando os sons satildeo vistos como parte de um sistema focircnico certos
fatores adicionais emergem favorecendo ou inibindo a reproduccedilatildeo de som
defeituoso (pg 23)
Em continuidade ele afirma que ldquoum fator que elimina certos ruiacutedos na fala em
liacutengua estrangeira eacute a existecircncia de vazios no padratildeo no sistema fonecircmico
primaacuterio em que fonemas estranhos do sistema secundaacuterio podem ser
recuperados (rotulados)rdquo Isso se daacute devido agrave semelhanccedila com o(s) segmento(s)
cujas caracteriacutesticas satildeo mais aproximadas
Sobre a difusatildeo dos fenocircmenos de interferecircncia foneacutetica Weinreich assegura que
no estudo da propagaccedilatildeo de sons oriundos do contato linguiacutestico sobretudo na
influecircncia da liacutengua estrangeira (liacutengua de contato) seria relevante que
investigasse se o resultado de muitos tipos de interferecircncia eacute difundido da mesma
forma ou com igual facilidade
114
Ao citar Sapir ele afirma que
Podemos supor que as variaccedilotildees individuais decorrentes em fronteiras linguiacutesticas tecircm sido gradualmente incorporadas ao desvio foneacutetico de uma liacutengua Isto mostra aliaacutes que um sistema de som que eacute conhecido por ter sido influenciada por um estrangeiro natildeo precisa esperar para representar uma reacuteplica exata do sistema influenciando (1949 p213)64
Para ele um dos motivos que contribuiria para a interferecircncia foneacutetica seria
agravequela desencadeada pelo status
Com base na reduplicaccedilatildeo de som de Weinreich Matra (2009 p 241) descreve
que a produccedilatildeo de segmentos foneacuteticos eacute vulneraacutevel No entanto
A replicaccedilatildeo fonoloacutegica (interferecircncia transferecircncia ou ldquoempreacutestimordquo) pode afetar qualquer niacutevel da estrutura de som a articulaccedilatildeo de fonemas individuais ou fonemas dentro das palavras o comprimento e a geminaccedilatildeo acento e tom prosoacutedia e entonaccedilatildeo Em fonologia os empreacutestimos foram muitas vezes considerados como estrateacutegias para preencher as chamadas lacunas estruturais no sistema destinataacuterio65
Matras ainda defende que a mudanccedila induzida pelo contato fonoloacutegico eacute o
resultado da incapacidade ou da relutacircncia dos falantes para manter a separaccedilatildeo
completa e consistente entre os sistemas fonoloacutegicos de duas liacutenguas Ele cita
como exemplo o fato de os falantes da liacutengua receptora lidarem com a pronuacutencia
de termos da liacutengua de origem66
64
We may suppose that individual variations arising at linguistic borderlands - whether by the unconscious suggestive influence of foreign speech or the actual transfer of foreign sounds into the speech of bilingual individuals - have been gradually incorporate into the phonetic drift of a language This shows incidentally that a sound system which is known to have been influenced by a foreign one need not be expected to represent an exact replica of the influencing system 66
Isso ocorre mais frequentemente quando uma palavra estrangeira eacute introduzida na liacutengua de
destino por apenas um pequeno grupo de biliacutengues ou semibiliacutengues e se espalha por toda fala da comunidade inclusive para os monoliacutengues natildeo estatildeo familiarizados com os sons originais da
115
Quando emprestado de uma liacutengua doadora um vocaacutebulo natildeo acarretaraacute
necessariamente em mudanccedila no sistema fonoloacutegico da liacutengua receptora O que
ocorre como jaacute fora colocado aqui eacute o processo de acomodaccedilatildeo fonoloacutegica O
vocaacutebulo emprestado passa a ser pronunciado com os segmentos foneacuteticos da
liacutengua receptora
Todavia Matra (2009 p 222-223) chama a atenccedilatildeo para um segundo tipo de
processo em que ldquoos sons que aparecem nos vocaacutebulos emprestados que satildeo
normalmente ausentes do sistema da liacutengua destinataacuteria podem ser replicados
juntamente com o proacuteprio vocaacutebulordquo fazendo com que haja um enriquecimento no
inventaacuterio foneacutetico na liacutengua receptora 67
Segundo o autor este tipo de processo ocorre com normalidade em situaccedilotildees
em que o bilinguismo eacute muito generalizado Logo ldquomembros biliacutengues de uma
comunidade que estatildeo cientes da forma original da pronuacutencia da liacutengua doadora
fazem um esforccedilo para autenticar o vocaacutebulo emprestado replicando sua forma
originalrdquo
Em continuidade ele afirma que
Uma vez que a liacutengua doadora goza de alguma forma de prestiacutegio muitas vezes devido a associaccedilotildees com comeacutercio tecnologia conhecimento e outros tipos de inovaccedilatildeo ou de poder a replicaccedilatildeo de pronuacutencias originais da liacutengua doadora satildeo imitadas por muitos monoliacutengues (natildeo falantes da liacutengua doadora) como tal levando agrave propagaccedilatildeo dentro da liacutengua destinataacuteria dos novos fonemas nos vocaacutebulos emprestados que satildeo relevantes Isso comprova o respeito dos falantes para a linguagem dos doadores e agrave sua flexibilidade no uso de sua liacutengua materna (a liacutengua do destinataacuterio) indicando que os
liacutengua doadora Em tais situaccedilotildees haacute uma forte lealdade para com a liacutengua de destino e geralmente apenas com superficial conhecimento com a liacutengua de origem (p 242) 67
Como exemplo eacute citado o caso da africada dʒ que em situaccedilatildeo de empreacutestimo pode ser
pronunciada como tʃ em palavras que oriundas do inglecircs
116
falantes se contentam em atribuir fonologicamente autenticidade agrave replicaccedilatildeo de empreacutestimos lexicais prioritaacuterios maiores do que para a preservaccedilatildeo das estruturas fonoloacutegicas coerentes de sua liacutengua nativa (idem p 224)
Em uma situaccedilatildeo onde o bilinguismo eacute estabelecido e prolongado os falantes (na
maioria de uma liacutengua minoritaacuteria como o caso dos Latundecirc) podem ajustar o
inventaacuterio de sons e as regras que regem a sua distribuiccedilatildeo para coincidir com as
do outro
Matras (2009 p 225) atraveacutes de um quadro descreve os quatro tipos de
mudanccedilas fonoloacutegicas oriundas do contato linguiacutestico com base nos perfis dos
falantes linguagem e atitudes
Quadro 8 Tipos de processos que conduzem a mudanccedila fonoloacutegica induzida por contato
117
Com base no quadro anterior depreende-se que
i) O tipo A eacute diferente na medida em que natildeo envolve nenhuma mudanccedila no
sistema fonoloacutegico mas apenas uma mudanccedila de palavras individuais
enquanto os tipos B-D todas envolvem algum grau de modificaccedilatildeo para o
sistema tal como utilizado por colunas numa base regular No entanto
existem semelhanccedilas entre os tipos de aspectos individuais
ii) Os tipos A e B satildeo semelhantes e giram em torno de palavras emprestadas
individualmente
iii) Os tipos A e C satildeo semelhantes em que ambos envolvem a transferecircncia
de recursos de liacutengua nativa para material diferente
iv) Os tipos B e D satildeo semelhantes em que ambos envolvem a adoccedilatildeo de
padrotildees sonoros estrangeiros e sua integraccedilatildeo na liacutengua nativa
v) Os tipos C e D mostram como mencionado acima o fato de que os
falantes tentam evitar que para selecionar os sons de dois conjuntos
distintos de inventaacuterio e ateacute generalize apenas um conjunto de sons para
serem usadas em ambas as liacutenguas isto eacute em toda a interaccedilatildeo contextos
Os falantes do portuguecircs falado por Latundecirc se estendem em duas direccedilotildees Em
tipos A e C onde os falantes reinterpretam os sons dos vocaacutebulos emprestados
da liacutengua doadora alinhando-os aos padrotildees e inventaacuterio da liacutengua receptora
(nativa) No tipo D os falantes modificam os segmentos foneacuteticos com base no
inventaacuterio externo A aplicaccedilatildeo de uma determinada regra fonoloacutegica pode
resultar na perda ou em ganho de fonemas p226
118
O contato linguiacutestico pode ser representado ainda como um contiacutenuo Nele
ocorrem forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas que dinamizam os sistemas linguiacutesticos
Para Matras idem p 226 fatores como normas sociais lealdade e consciecircncia
de identidade podem interferir e ateacute mesmo neutralizar os fenocircmenos advindos do
contato O empreacutestimo sofreria portanto estas pressotildees
Figura 12 Ligaccedilotildees entre a intensidade do bilinguismo o tipo de processo de acomodaccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo entre os sistemas fonoloacutegicos
Quanto menor for o bilinguismo maior seraacute a separaccedilatildeo de sistemas Por outro
lado quanto mais intenso for o bilinguismo maior seraacute a convergecircncia de
sistemas fonoloacutegicos
No que concerne agrave integraccedilatildeo fonoloacutegica Matras (2009 p 227) explica que a
substituiccedilatildeo de fonemas eacute uma das formas mais comuns posto que este
processo permite uma aproximaccedilatildeo de caracteriacutesticas entre o sistema interno e
externo Dessa forma a substituiccedilatildeo eacute mais comum uma vez que os fonemas
satildeo combinaccedilotildees de recursos articulatoacuterios e as caracteriacutesticas em comum satildeo
mantidas em detrimento agraves complexidades dos fonemas que natildeo compartilham de
traccedilos em comum
119
Ele tambeacutem chama a atenccedilatildeo para a estrutura silaacutebica dos sistemas fonoloacutegicos
que entram em contato afirmando que ldquoos estrangeirismos podem acomodar a
siacutelaba e a estrutura do acentordquo (idem p 228)
A aplicaccedilatildeo de regras sobre a distribuiccedilatildeo de fonemas oriundos do empreacutestimo
pode resultar na perda de um traccedilo ou de um fonema A integraccedilatildeo de fonemas
tambeacutem pode levar agrave omissatildeo de outros fonemas que natildeo fazem parte o
inventaacuterio fonoloacutegico da liacutengua receptora E a omissatildeo de certas caracteriacutesticas
durante a replicaccedilatildeo de fonemas pode ser prejudicial para o sistema como um
todo e isso pode resultar em uma reduccedilatildeo de pares miacutenimos
Sobre a convergecircncia dos sistemas fonoloacutegicos Matras (2009 p 229) assegura
que um fator que retarda o processo de substituiccedilatildeo de som eacute a presenccedila de
vaacuterios pares de vocaacutebulos que contam com o contraste Neste caso a
convergecircncia aumenta as semelhanccedilas entre os inventaacuterios fonoloacutegicos das duas
liacutenguas E a replicaccedilatildeo da variaccedilatildeo alofocircnica eacute uma via comum para a
convergecircncia
Quanto aos segmentos foneacuteticos ainda de acordo com o pesquisador em
questatildeo as consoantes satildeo as mais introduzidas nos estrangeirismos Uma vez
que nas liacutenguas do mundo o nuacutemero de segmentos consonantais eacute maior que o
das vogais Logo os vocaacutebulos emprestados satildeo mais propensos a introduzir
mais consoantes que vogais
No caso Portuguecircs falado por Latundecirc tal assertiva em parte se configura A
anaacutelise dos dados prova que satildeo as consoantes as mais favoraacuteveis para a
realizaccedilatildeo dos processos foneacuteticos Todavia o nuacutemero de consoantes nessa
120
liacutengua eacute menor que o de vogais conforme descriccedilatildeo de Telles 2002 a qual
veremos na proacutexima seccedilatildeo
Van Coetsem (1988 p7) tambeacutem aborda os processos e comportamentos
oriundos do contato linguiacutestico68 E para que este contato seja estabelecido eacute
necessaacuterio que se tenha uma liacutengua de origem (SL) e uma liacutengua destinataacuteria
(RL)
Figura 13 Correspondecircncia entre liacutenguas e contato linguiacutestico
Embora o modelo de Van Coetesem seja universal e demonstre que na maioria
dos contatos linguiacutesticos a liacutengua de origem seja uma liacutengua dominante
ressaltamos que neste trabalho a liacutengua de origem (SL) eacute a liacutengua minoritaacuteria o
Latundecirc E o substrato analisado eacute uma modalidade de portuguecircs falado pelos
Latundecirc
Em continuidade este estudioso afirma que
Um empreacutestimo fonoloacutegico eacute uma imitaccedilatildeo uma reacuteplica ou uma reproduccedilatildeo na liacutengua recipiente (RL) de um elemento estrangeiro ou uma pronuacutencia da liacutengua de origem (SL) Esse tipo de imitaccedilatildeo eacute muitas vezes apenas uma aproximaccedilatildeo Para o imitador a imitaccedilatildeo implica o uso de algo que ele natildeo tem na sua proacutepria liacutengua Um empreacutestimo fonoloacutegico como uma imitaccedilatildeo eacute portanto algo que o falante imitador da RL natildeo tem em sua fonologia integrada ou nativa ou seja algo
68
Para Van Coetsen o termo ldquoempreacutestimo fonoloacutegicordquo indica qualquer forma de empreacutestimo no acircmbito da fonologia segmentar ou suprassegmental independentemente se isto afeta a dimensatildeo paradigmaacutetica a dimensatildeo sintagmaacutetica ou ambas (p7)
121
fonoloacutegico ou subfonoloacutegico que deriva de seu sistema fonoloacutegico nativo (Idem p 8)69
A intenccedilatildeo do falante ao fazer uso do segmento emprestado eacute reproduzi-lo da
melhor forma possiacutevel Ao fazer isso ele obedece agraves consideraccedilotildees sociais O
proacuteprio fato de que o segmento natildeo esteja inserido em seu proacuteprio sistema faz
com que na pressatildeo de se adaptar a diferentes pronuacutencias ele (o falante) procure
o equivalente mais proacuteximo em seu sistema
Para que isso ocorra ldquoo falante faz uso de dois processos a imitaccedilatildeo e a
adaptaccedilatildeo p 9rdquo Ambos pressupotildeem a existecircncia de um conjunto organizado de
segmentos fonoloacutegicos e distribuiccedilatildeo de unidades inseridas pelo falante da liacutengua
recipiente por um lado e por outro o confronto das pronuacutencias estrangeiras com
que o falante tem que lidar
Aleacutem dos processos de imitaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo Van Coetesem tambeacutem utiliza a
noccedilatildeo de integraccedilatildeo ldquoque eacute a incorporaccedilatildeo de elementos em uma dada liacutengua
advindos de outra(s) liacutengua(s)rdquo A imitaccedilatildeo seria portanto o preacute-requisito para a
integraccedilatildeo No caso do portuguecircs falado pelos Latundecirc natildeo haacute indiacutecios de
integraccedilatildeo de fonemas especiacuteficos da sua liacutengua de origem
Para que ocorra o processo de imitaccedilatildeo eacute necessaacuterio que haja uma agentividade
que eacute um tipo especiacutefico de transferecircncia onde o falante de uma dada liacutengua eacute
ativo e o outro passivo O inverso tambeacutem pode ocorrer
69
A phonological loan is an imitation replication or reproduction in the RL of a foreign or SL
pronunciation such an imitation is often only an approximation For the imitator imitation implies the use of something that he does not (yet) have of his own A phonological loan as an imitation is thus something that the imitating RL speaker does not have in his integrated or native phonology something phonemic or subphonemic that deviates from his native phonological system
122
Figura 14 Agentividade da Liacutengua Recipiente de acordo Van Coetsem 1988 p10
Na agentividade da liacutengua recipiente (RL)70 o segmento dominante na relaccedilatildeo
entre a liacutengua recipiente e a liacutengua de origem71 eacute o da liacutengua recipiente Logo o
domiacutenio linguiacutestico seraacute o da liacutengua recipiente
Figura 15 Agentividade da Liacutengua de Origem de acordo Van Coetsem (1988 p11)
Na agentividade da liacutengua de origem (SL) o segmento dominante na relaccedilatildeo
entre a liacutengua recipiente e a liacutengua de origem eacute o da liacutengua de origem Sendo
assim o domiacutenio linguiacutestico seraacute o da liacutengua de origem
Tomando como referencial os modelos apresentados podemos estabelecer um
contiacutenuo cronoloacutegico para compreender como se daacute a agentividade sobre o
contado do Portuguecircs com o Latundecirc
70
No caso em questatildeo a modalidade do portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute a liacutengua recipiente 71
Consequentemente a liacutengua de origem (SL) eacute o Latundecirc
123
Figura 16 Relaccedilatildeo de agentividade entre o Portuguecircs e o Latundecirc
Historicamente devido aos fatores socioeconocircmicos o contato inicial se daacute entre
o Portuguecircs influenciando o Latundecirc Aquele como liacutengua majoritaacuteria e este como
minoritaacuteria
O Latundecirc por ser a liacutengua do povo dominado eacute submetido agraves interferecircncias da
liacutengua de domiacutenio Deste contato resulta uma modalidade especiacutefica do
Portuguecircs que eacute o falado por Latundecirc
Em suma podemos afirmar que embora seja o Portuguecircs a liacutengua dominante e
que inicialmente seja ele o agente sobre o Latundecirc a posteriori fora o Latundecirc o
agente pelas transformaccedilotildees ocorrentes no Portuguecircs de contato Posto dessa
forma a agentividade se daacute em ambos os contextos a partir do referencial que se
tenha uma vez que o Portuguecircs e o Latundecirc tanto influenciaram como foram
influenciados Mas vale ressalvar que para este recorte o Portuguecircs eacute a liacutengua
que sofre influecircncia Eacute este o fio condutor da nossa pesquisa
Portuguecircs Latundecirc Portuguecircs falado por Latundecirc
124
53 FONOLOGIA DO LATUNDEcirc
Para uma melhor compreensatildeo futura passaremos agora a descrever os
sistemas fonoloacutegicos das liacutenguas em estudo
Elencamos abaixo as principais caracteriacutesticas fonoloacutegicas do Latundecirc
Eacute uma liacutengua com maior quantidade de elementos vocaacutelicos (dezesseis)
em detrimento aos consonantais (onze) Eacute uma liacutengua vocaacutelica portanto
Apresenta dez vogais orais e seis nasais Dessas oito satildeo laringais72
As vogais nasais satildeo contrativas apenas na posiccedilatildeo do acento
Os glides w j quando em posiccedilatildeo de onset sofrem o processo de
consonantizaccedilatildeo
Apresenta seis tipos de siacutelabas fonoloacutegicas que satildeo derivadas da extensatildeo
(C)V(C)(C) V VC VCC VC CVC e CVCC
O nuacutecleo silaacutebico eacute sempre preenchido por uma vogal
Dos segmentos consonantais apenas a oclusiva glotal ʔ natildeo eacute observada
em posiccedilatildeo de onset
A coda pode ter desdobramento ramificado sendo a primeira posiccedilatildeo
preenchida sempre por um glide
Os padrotildees silaacutebicos VC e CVC satildeo os mais frequentes e ocorrem tanto
em siacutelaba tocircnica como aacutetona
Tem uma forte tendecircncia agrave monotongaccedilatildeo
O sistema acentual eacute misto que associa o acento lexical ao acento foneacutetico
72
Telles explica que as mais novas geraccedilotildees Latundecirc abaixo de 20 anos realizam o traccedilo laringal com menor frequecircncia e audibilidade
125
O acento eacute realizado foneticamente como tom (pitch) alto
Eacute uma liacutengua de caracteriacutestica de liacutenguas pitch accent
Apresenta processos fonoloacutegicos em niacutevel poacutes-lexical fundamentalmente
Estes processos satildeo agrupados em assimilaccedilatildeo (harmonia vocaacutelica e
vozeamento das oclusivas) dissimilaccedilatildeo reduccedilatildeo apagamento silaacutebico e
epecircntese
Quadro 9 Fonemas consonantais do Latundecirc
Fonemas Consonantais
Labiais Coronais Dorsal Glotais
+ anterior - anterior + anterior - anterior - anterior - anterior
Plosivas p t k
Nasais m n
Fricativas s h
Lateral l
Glide w j
Quadro 10 Fonemas vocaacutelicos do Latundecirc
Fonemas Vocaacutelicos
Vogais Vogais Laringais
Altas i u i u
Altas Nasais ĩ ũ i u
Meacutedias e o e o
Baixa a a
Baixa Nasal a a
126
Quadro 11 Ditongos do Latundecirc
Ditongos
Crescentes Decrescentes
w j w J
i wi iw
e e we we je je ej e j
a a a a wa wa ja ja ja aw a w a w aj a j atildej
o o wo jo ow
u u u ju ju ju
Quadro 12 Descriccedilatildeo dos fonemas consonantais (Retirada de Telles 2002)
Segmento - Descriccedilatildeo - Contexto de realizaccedilatildeo e especificidades
Exemplos
Traduccedilatildeo
p73 - Oclusiva bilabial surda
Eacute de extrema limitaccedilatildeo de realizaccedilatildeo na liacutengua
Ocorre em posiccedilatildeo de onset formando
siacutelabas com as vogais i a atilde o u
Pode se realizar como [p] oclusiva bilabial surda [b] oclusiva bilabial
sonora [ɓ] oclusiva bilabial sonora
implosiva
Em iniacutecio de palavras realiza-se [p]
diante da vogal coronal [i] e [b ɓ] e
diante da vogal baixa [a]
Em meio de palavra ou enunciado quando precedido por oclusiva glotal realiza-se [p]
[pite]
piʔ-te
[ιɓ
pan-tatilden
[diʔpa natildenʌ]
jaliʔ pan-tatilden-ta
[kotildebayte] ~ [kotildebayte]
kownpayt-te
[sabagnĩde]
Espeacutecie de paacutessaro chupito Satildeo dois Satildeo dois colares Tatu espeacutecie de
73
Outros estudos com liacutenguas proacuteximas tambeacutem indicam a baixa frequecircncia da realizaccedilatildeo do p
nas liacutenguas desse grupo Kingston 1970 para o Mamaindecirc e Lowe 1961 para o Nambikwaacutera do sul (Galera Kabixi Munduacuteka Nambikwaacutera do Campo)
127
Em meio de palavras ou enunciados em ambiente intervocaacutelico ou nasal adjacente realiza-se [b]
sapan-kinĩn-te
[tʃabatildeʔginĩde]
sapatilden-kin-te
Pente Taioba
m - Nasal labial + anterior
Oclusiva bilabial nasal com distribuiccedilatildeo mais larga do que a do p
Apresenta ocorrecircncia restrita quanto comparada agrave nasal alveolar n
Realiza-se [m]
Ocorre em iniacutecio de siacutelaba diante das
vogais i i i i a a a u u u u
Natildeo forma siacutelaba com as vogais
meacutedias frontais e e e com as
posteriores o o
Apoacutes pausa e seguida de a pode se realizar como oclusiva bilabial nasal
preacute-glotalizada - [ ʔm ]
[ miɾatildenʌ]
mih-tatilden-ta
[katilde ɾatildenʌ]
kami h-tatilden-ta
[ a ĩ de]
e ĩn-te
[ e ĩ de]
e ĩ -te]
[ ma hɾatilden]
mah-tatilden
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[ka a ʔɾatildenʌ]
ka- a -tatilde-ta
[ datildena]
n-tatilden-ta
[tumuʔku ɾe]
tumuʔku-te
Estaacute chovendo Aacutegua estaacute suja Cobra espeacutecie de Couro Ele estaacute esperando Roupa Estaacute molhado Estaacute bonito Jacu
128
Em fronteira de morfema precedido pela fricativa glotal h teraacute a sua realizaccedilatildeo ensurdecida
[ a datildenʌ]
a n-tatilden-ta
[ʔ atilde ɳ datilden]~[ a n datilden]
atilden-tatilden
[ʔ atildeʔ n datilden] ~
[ atildeʔ ndatilden]
atilden- n-tatilden
[n h atildega tna ]
n - atilden-ka -tatilden-na
Estaacute inchado Estaacute queimando Vocecirc estaacute mandando Eacute nossa roupa
w - Glide labial - anterior
Glide laacutebio-velar sonoro
Ocupa as posiccedilotildees de onset e coda
Apresenta leve arredondamento nos laacutebios
Eacute o segmento mais frequente das labiais
Realiza-se como [w] em iniacutecio de
siacutelaba diante das vogais i e e a a o
tambeacutem podendo variar com [ʋ]
fricativa laacutebio-dental que eacute realizada com fraco grau de fricccedilatildeo
[ wi rsquoɾatilden] ~ [ ʋi ɾatilden]
wi -tatilden
[woda h de] ~ [ʋoda h de]
wotah-te
[na weʔrsquoa jrsquoɾe] ~ [na ʋeʔajrsquoɾe ]
na jn-weʔa jh-te
[ kowajna tatildenʌ]~ [koʋajna tatildenʌ]
hah-wa jn-ta-tatilden-ta
[daweʔgɾatilde ni]
taweʔ-ka-tatilden-ti
[ we jginĩdatildena]
we jn-kinĩn-tatilden-ta
[ wajkinĩ de]
wajʔ-kinĩn-te
Ele comeu Pomba Eacute para colocar na cabeccedila Satildeo poucos laacutepis Ele cozinhou Eacute fruto da bacaba
129
Em dissiacutelabos no onset de siacutelaba preacute-tocircnica aberta seguido de vogal a central baixa pode ocorrer a fusatildeo entre o w e a vogal a realizando-se como [ͻ o u]74
Na sequecircncia w + a o a pode sofrer harmonia vocaacutelica recebendo o ponto de articulaccedilatildeo da vogal acentuada sendo realizada [e]
Quando em final de siacutelaba segue as
vogais i o a a
E depois das vogais io pode alongar-se
Se a vogal precedente for a baixa a
a ocorreraacute a fusatildeo resultando as
posteriores ͻ ͻ
Quando em siacutelaba em siacutelaba
acentuada ͻ ͻ podem ser alongados
ou seguido de oclusatildeo glotal [ʔ] ou
ocorrer uma assimilaccedilatildeo regressiva
das baixas aa passando a [ͻ ͻ ]
Quanto agrave frequecircncia w se mais
ocorrente depois da vogal baixa a a
e baixiacutessima ocorrecircncia depois da vogal i o
Ao integrar uma siacutelaba (C)v wN onde a
vogal eacute nasalizada o glide pode ser nasalizado ou coalescer com a consoante nasal na coda
Em posiccedilatildeo de onset e pronunciada rapidamente eacute fortificada podendo ser realizada como [p] e [m]75
[ wa jkinĩ de]
wa jh-kinĩn-te
[waɾaɾwaɾaʔĩ datildenʌ] ~
[wͻɾaʔwͻɾaʔĩ datildenʌ] ~
[ͻɾaʔͻɾaʔĩ datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[weli nde] ~ [uli n de]
wa ĩn-te
[weɾe ɾatildena] ~ [ ɾe ɾatildena] ~
[ rsquoɾe ɾa na]
wateh-tatilden-ta
[giw ladaɾe] ~ [gi la de]
kiwlah-tah-te
[kowa ɾe] ~ [koa ɾe]
kowah-te
[a wde] ~ [ ͻ de] ~ [ ͻ ʔde]
a w-te
[aw de] ~ [ͻ de] ~ [ͻʔ de]
awh-te
[na w du] ~ [nͻ du] ~ [nͻ w du]
na wh-tu
[a wm datilden] ~ [atilde w m datilden] ~
Amendoim Fruto do accedilaiacute Estaacute fino Tamanduaacute Estaacute sumido Cascavel Andorinha Flexa Gaviatildeo
74
Conforme Telles (2002 p 42) Estas alofonias variam de acordo com a qualidade da vogal
tocircnica da siacutelaba seguinte com a qual sua vogal aacutetona nuclear se harmoniza 75
Tal ocorrecircncia eacute mais frequentemente constatada em falantes monoliacutengues em Latundecirc
130
[atilde m datilden]
atilde wn-tatilden
[woloʔʔnatildenʌ] ~ [polo ʔnatildenʌ]
walon-tatilde-ta
[wʌnaʔkinĩ de] ~ [mʌnaʔkinĩ de]
~ [wanaʔkinĩ de]
wanaʔ-kinĩn-te
[wo nut ʔna ] ~ [mo nut ʔna ]
wo nuʔ-tatilden-na
[wʌ na jginĩ datildenʌ] ~
[mana jginĩ datildenʌ] ~
wa -na jn-kin-tatilden-ta
[wa ʃi de] ~ [maʔ ʃi de]
wa-sin-te
Lontra Estaacute assando no burralho Estaacute podre Castanha do caju Eacute corpo inteiro Eacute tua cabeccedila Espeacutecie de abelha
t - Plosiva coronal + anterior
Oclusiva alveolar surda
Ocorre com as vogais ie e a
a atilde o o u ũ
t realiza-se [d] em siacutelaba acentuada podendo ainda variar em posiccedilatildeo medial como [|]
Em iniacutecio de palavra o alofone [d] pode ser realizado como preacute-
[diko lo n de]
tiʔ-ko lo n-te
[ de he ɾaɾe]
te h-tah-te
Paacutessaro pintado espeacutecie de paacutessaro Ele cozinhou
131
glotalizado realizando-se como
[ɗ]
Em fala lenta pode ser realizado como [d]
Em contexto fora do acento ocorre [t] com raros exemplos de variaccedilatildeo entre os alofones [d] e [t]
[ de geɾatilden]
te h-ka-tatilden
[daʔjͻ ratildena]
ta-jaw-tatilden-ta
[da jginĩ de]
ta jn-kinĩn-te
[ doɾatilden] ~ [d ɾatilden]
toh-tatilden
[do h gratilden]
to h-ka-tatilden
[du ɾatilden]
tu-tatilden
[d hdatilden]
tu-tatilden
[kͻdͻ ɾe]
kataw-te
[kado ndatildenʌ]
katon-tatilden-ta
[teda de]
teta-te
[toʔdatilde n de]
toʔtatilden-te
[tigi ɾe]
tikih-te
Sucuri Ele estaacute sentado Pedra Ele morreu Ele procurou Ele pegou Ele chupou Patuaacute Estaacute cru Jaoacute Nambu
132
As possibilidades alofocircnicas de t entre segmentos depende do acento e do contexto adjacente Estas duas condiccedilotildees definem as alofonias76
Precedido de vogal em ambiente
intervocaacutelico realiza-se [tdɾ]
sendo [d] o preferencial
Quando t eacute precedido por h
realiza-se como [tdɾ] A
presenccedila da fricativa favorece o rotacismo de t tornando-o em
[ɾ]
Quando t eacute precedido de ʔ ou
de t a realizaccedilatildeo pode ser [t] mas [d] pode permanecer em raros casos
Em contexto de nasalizaccedilatildeo trecircs realizaccedilotildees satildeo possiacuteveis para t i) vozeamento da oclusiva alveolar ii) preacute-nasalizaccedilatildeo da oclusiva alveolar em iniacutecio de siacutelaba tocircnica e iii) assimilaccedilatildeo total da nasal adjacente
[tabawdnͻde]
tapawn-naw-te
[tala de] ~ [dala de]
tala-te
[tolowm datilde ]
talown-tatilden
[lodo ɾa ɾe] ~ [lo to ɾa ɾe] ~
[loto ɾa ɾe]
loto-tah-te
[doʔ daj de] ~ [toʔ ɾaj de]
to-tajn-te
[nu h ɾe] ~ [ nu h de]
nu h-te
[lo hrsquoɾe] ~ [lo h de] ~
[lo h te]
loh-te
[hu te] ~ [hu de]
huʔ-te
[keja te] ~ [kejaʔ te]
kejat-te
[ĩ datildena] ~ [i ndatildena] ~ [i natildena]
Macaco pequeno Ombro Tipoia Ele terminou Rato grande Abelha vermelha Lagarto grande Urubu
76
Dessas alofonias o flap [ɾ] tem sua ocorrecircncia ligada ao acento
133
Em siacutelaba natildeo acentuada t pode sofrer fricatizaccedilatildeo passando a se realizar como [s]
ou [ts] ou [ʔs]
Ainda neste contexto permanecem possiacuteveis as realizaccedilotildees [t] e [d] se o t sofrer fricatizaccedilatildeo a aspiraccedilatildeo glotal precedente do h natildeo se realiza
Em travamento silaacutebico t realiza-se de preferecircncia como
ʔ Pode ser deletado
ocasionando o prolongamento da vogal tautossilaacutebico
in-tatilden-ta
[katilde datildena] ~ [katilde ndatildena] ~
[katilde natildena]
katilden-tatilden-ta]
[kejaʔ n da ɾe] ~ [kejaʔ na e]
kejan-tah-te
[losa na ʔ] ~ [lostsa na ʔ] ~
[lo ʔ sa na ʔ] ~ [lo h ta na ʔ]
loh-ta-na
[kejate] ~ [kejaʔte]
kejat-te
[kejaʔtiʔjoho]
kejat-ti-jo-ho
[lote] ~ [loʔte]
lot-te
[acute tʃjͻna ]
lot-ti-jaw-na
Arco Milho Estaacute apimentado Estaacute duro Lambari grande Eacute urubu Milho Talvez seja milho Paca A paca estava aiacute
134
n - Nasal coronal - anterior
Oclusiva alveolar nasal
Suas alofonias satildeo condicionadas pelo contexto adjacente agrave sua posiccedilatildeo de ocorrecircncia e agrave estrutura silaacutebica
Em onset realiza-se como [n] com as
vogais i i ĩ ĩ a a atilde atilde u u ũ ũ
Tambeacutem pode apresentar flutuaccedilatildeo em
onset realizando-se [ʔn]77 alveolar
nasal preacute-glotalizada com preferecircncia quando seguido por a
Em posiccedilatildeo de onset e em fronteira de morfema dependendo do seguimento seguinte sofreraacute alteraccedilatildeo
Quando precedido por h sofreraacute ensurdecimento
Quando precedido por outro n na coda silaacutebica precedente poderaacute ser
preacute-glotalizada [ʔn]
[ni du]
ni-tu
[ni ʔkinĩnatildena]
ni ʔ-kinĩn-tatilden-ta
[nagatilde de]
nakatilden-te
[katildena ratilden]
kana h-tatilden
[natildejd ]
natildejn-tu]
[ʔnatilde natilde ʌ]
natilde n-tatilden-ta
[nu h e]
nuʔ-te
[lsquon h ɾe]
nu h-te
[n n de]
n n-te
[n h n atildega tatildena]
Tipo de lenha Eacute fruto Lagarto Estaacute escuro Pacu Estaacute chorando Braccedilo Lagarto Espeacutecie de Bicho
77
Tal qual ocorre com m a glotalizaccedilatildeo de n deve-se em alguns casos aacute reduccedilatildeo da siacutelaba
inicial da palavra
135
Em posiccedilatildeo de coda de siacutelaba acentuada gera processo de assimilaccedilatildeo de dissimilaccedilatildeo e de elisatildeo resultando numa seacuterie de alofonias
Ainda em siacutelaba acentuada se a vogal tautossilaacutebica for oral e entre a coda nasal existir um glide labial-velar constituindo uma siacutelaba com ditongos awn own n se realiza como [m] preferencialmente
w e n em posiccedilatildeo de coda pode sofrer coalescecircncia realizando-se como [m] ou [n]
Se o glide ocupante da primeira posiccedilatildeo da coda for j ou se a siacutelaba tiver a coda preenchida pela nasal n a realizaccedilatildeo desta nasal seraacute [n]
Os glides que seguem a vogal na primeira posiccedilatildeo de coda podem
n -natilden-kah-tatilden-ta
[udʔna]
un-na
[iwm de]
iwn-te
[tʌlawm natildenʌ] ~ [tʌlaw natildenʌ]
talawn-tatilden-ta
[wawm datildenʌ] ~ [wͻwm datildenʌ]
wawn-tatilden-ta
[tolowm datildenʌ]
talown-tatilden-ta
[jatildew de] ~ [iɲatildew de] ~
[jatilde de]
jatildewn-te
[a wm datilden] ~ [atilde m datilden]
atilde wn-tatilden
[iʃɛʔ ɾʌ m datilden]
isaj-tatildewn-tatilden
[toʔkotilde datilden] ~ [t ʔkʌ datilden]
toʔkatildewn-tatilden
Eacute nosso Estaacute vivo Larva Estaacute grosso Estaacute vermelho Estaacute pronto Larva Estaacute assando no burralho
136
assimilar a nasalidade da consoante precedente 78
Se a vogal for nasal na maioria das ocorrecircncias a consoante nasal na coda seraacute apagada deixando seu tempo na vogal precedente e na consoante seguinte
Quando a coda nasal n segue ditongo formado por vogal nasal subjacente mais glide palatal j n em posiccedilatildeo de coda pode espalhar nasalidade regressiva para o glide precedente e pode ser apagada
Quando em coda nasal iraacute participar de outros processos fonoloacutegicos aleacutem da vogal precedente
Na posiccedilatildeo de siacutelaba acentuada em meio de palavra seguida por k n promove a sonorizaccedilatildeo de k e passa
a se realizar como [ʔ] oclusiva glotal
[kotilde baj te] ~ [kotildebay te]
kownpajt-te
[a ʔ n de] ~ [a n de]
a n-te
[je n datilden]
je n-tatilden
[i n datilde na ]
in-tatilden-na
[ hej ndatilden] ~ [ hej n datilden]
hejn-tatilden]
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
[ atildendatilden]
atilden-tatilden
[ atilde n datilden]
atilden tatilden]
[ mɔ de] ~ [ de]
n-te
[n n de]
n n-te
Eles estatildeo correndo Ele misturou Tatu Tatu galinha Estaacute sujo Ele estaacute mamando Ele lavou Pacu Ele atirou
78
Para uma descriccedilatildeo mais detalhada sobre o comportamento de n e os glides ver a tese de
Telles 2002 55-57
137
Ainda quanto ao contexto semelhantemente descrito acima n for seguida por uma oclusiva surda homorgacircnica t poderaacute ocorrer processos que possibilitem uma alofonia em variaccedilatildeo livre
n sonoriza t
n sofre desnasalizaccedilatildeo
Quando n sonoriza a consoante seguinte ocorre a elisatildeo podendo ocorrer ou natildeo o alongamento compensatoacuterio da vogal precedente ou a preacute-nasalizaccedilatildeo da consoante seguinte
Quando n sofre elisatildeo alonga a vogal precedente e a consoante seguinte se assimila progressivamente com o traccedilo nasal passando a se realizar como [n]
n se vocaliza e recebe os traccedilos da vogal central e realiza-se nasal
Se n for seguida em coda por uma consoante nasal idecircntica ocupando a posiccedilatildeo do onset da siacutelaba seguinte poderaacute haver duas possibilidades de comportamento da coda nasal dependendo de ser a sua vogal tautossilaacutebica assimilar ou natildeo
Se a vogal precedente for nasal a coda sofreraacute elisatildeo e a vogal se alongaraacute
Se a vogal central for oral a consoante nasal da coda que precede a nasal idecircntica no onset da siacutelaba seguinte sofreraacute dissimilaccedilatildeo do traccedilo nasal79
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
[ku ʔginĩ de]
ku n-kinĩn-te
[ dega tatilden]
te n-kaloh-tatilden
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[ ku ndatildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[ ku ddatildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[ ku n datildenʌ] ~ [ ku datildenʌ]
ku n-tatilde-ta
[ ku natildenʌ]
ku n-tatilden-ta
Estaacute branco Bom-dia espeacutecie de aacutervore Bicho Pacu Rolo de fio de algodatildeo Roupa velha Roupa Estaacute fumando
79
A liacutengua Latundecirc eacute caracterizada pelo OCP (Princiacutepio do Contorno Obrigatoacuterio)
138
[ku datildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[katilde na ]
katilden-na
[lidnu ɾe]
lin-nu-te
[lid na j ɾe]
lin-na jh-te
Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute duro Beiju de mandioca Raiz de mandioca
s - Fricativa alveolar surda
Fricativacoronal+ anterior forma siacutelaba
com as vogais i ĩ e a a atilde o uu ũ
Realiza-se como [s] [ʃ] [tʃ] [ʔs]
Em menor frequecircncia pode ser realizada como [t] e [t h]
Em siacutelaba acentuada em iniacutecio de palavras a fricativa pode se realizar
[tʃi ɾatilden] ~ [ʔsi ɾatilden]
sih-tatilden
[ ʔsitatilden] ~ [ sitatilden]
set-tan
Estaacute liso Trovejou
139
como palatal africada preacute-glotal ou como alveolar 80
Quando s se fortifica e passa a se realizar como [t] e ou como [t h] apresentam restriccedilatildeo ao contexto de vogal baixa seguinte podendo ocorrer em iniacutecio ou em meio de palavra Nestes contextos tambeacutem permanecem possiacuteveis as demais alofonias
A fortificaccedilatildeo de s eacute frequente em siacutelaba natildeo acentuada em iniacutecio de palavra Embora as siacutelabas acentuadas contenham maiores iacutendices Em posiccedilatildeo natildeo acentuada a alveolar ocorre em maior nuacutemero
A palatalizaccedilatildeo da fricativa eacute obrigatoacuteria quando precedida por i Sua realizaccedilatildeo eacute alveolar em posiccedilatildeo intervocaacutelica
[ʔsĩ du ɾatilden]
sĩn-tu-tatilden
[ʃa h ɾe] ~ [sa h ɾe]
sa h-te
[ tʃoɾatildenʌ] ~ [ ʃoɾatildenʌ]
soh-tatilden-ta
[ʃ de] ~ [s n de]
s n-te
[thathaʔi natildenʌ] ~ [ʃaʃaʔi natildenʌ]
sasan-tatilden-ta
[kejͻ ʔhe neʔt h o ɾeʔ] ~
[kejͻʔhe neʔto ɾeʔ]
keja w-haniʔ-s aw-te
[t datilde na ] ~ [t h datilde na ]
so-tatilden-na
[tʃamaj de] ~ [tamaj de] ~ [sama
de]
saman-te
[ʔʃamaʔdʌ ɾatildena]
saman-tah-tatilden-ta
[iʃatilde datilde na ]
isatilde n-tatilden-na
Estaacute arrastando Timboacute do mato Estaacute sujo Sol Estaacute mole Oacuteleo Eacute guarantatilde (espeacutecie de aacutervore) Tanajura Eacute tanajura
80
A africada eacute a mais utilizada pelos velhos enquanto a fricativa e a alveolar satildeo mais utilizadas
pelos jovens
140
[iʃu datildenʌ]
isu -tatilden-ta
[wasa h ɾe] - [wͻsa h ɾe]
wasah-te
Eacute folha Ele estaacute com frio Besouro
l- Lateral alveolar sonora
Lateral coronal + anterior
Forma siacutelaba em iniacutecio e meio de
palavras com as vogais i e a a o o
u
Fortifica-se em iniacutecio de palavras quando encontra-se na posiccedilatildeo de acento pode ser precedido por vogal aacutetona sem onset que tende a ser apagada
Diante do contexto acima realiza-se
[li tatilden]
lit-tatilden
[dale de]
tale-te
[giwla de]
kiwlah-te
[la ɾ e]
la h-te
[lo ɾatildena]
loh-tatilden-ta
[ko lo ko lo n de]
ko loʔ ko lo n-te
[toluʔ tatildena]
taluʔ-tatilden-ta
[ʔta e] ~ [da e]
la h-te
Ele saiu Embira Cobre cascavel Jacucaacuteca Estaacute comprido Pintado Ele tossiu
141
como alofones [ʔl] e [d]
Acompanhado por consoante nasal em onset silaacutebico pode assimilar progressivamente a nasalidade sendo realizado como [n]
Pode apresentar sobreposiccedilatildeo na maneira como se realizam
[t ~s ]
[t ~ n]
[n ~ l]
[t ~ l ]
[ʔlo tatilden] ~ [a tatilden]
atilde-loʔ-tatilden
[diʔ pa natildena] ~ [i iʔ pa natildena]
jaliʔ pan-tatilde-ta
[ naginila h ni ɾ atilden] ~
[ naginina h ni ɾatilden]
sapatilden-kinĩn-te
[kaas tatildena] ~ [kata tatildena]
kasaʔ-tatilden-ta
[tidit na j de] ~ [tidit ta de]
tatiʔ-najn-te
[nagatilde de] ~ [ agatilde n de]
nakatilden-te
[wota h ɾe] ~ [wola h ɾe]
wotah-te
Jacucaacuteca Ele estaacute afundado atolado Satildeo dois colares Eu natildeo sei se ele estaacute doente Taioba Estaacute grosso Mandioca mansa Lagarto do campo Pomba
142
j - Glide coronal - anterior
Eacute um glide palatal que ocupa a posiccedilatildeo de onset e de coda na siacutelaba
Em iniacutecio de siacutelaba j antecede as
vogais e e o a a atilde u u ũ
Quando em posiccedilatildeo inicial na siacutelaba e
acompanhado por e e em siacutelaba
acentuada ou seguido por a em siacutelaba aacutetona j pode se fortificar e se realizar
como [ʒ] sendo possiacutevel neste caso
ser seguido por um preacute glide [j] de fraca e raacutepida duraccedilatildeo
Quando seguido por a em siacutelaba aacutetona eacute opcional a fusatildeo entre o glide e a vogal derivando a vogal longa [i]
[je n datilden]
je n-tatilden
[ja te]
jaʔ-te
[ja te]
ja ʔ te
[jatildeʔ datilden] ~ [iɲatildeʔ datilden]
jatilden- n-tatilden
[jo ɾatilden]
joh-tatilden
[ju te]
ju-te
[ju te]
ju -rsquote
[j ginĩ de]
j n-kinĩn-te
[je natilden te] ~ [ʒe natilden te]
ja natilde-nu-te
[ j ʒe n datilden] ~ [ʒe n datilden] ~
[je n datilden]
je n-tatilden
[ʒɛge datilden] ~ [ʒɛga j datilden]
Estaacute sujo Maribondo espeacutecie Porco Vocecirc tem coragem Estaacute baixo Boca Peacute Pedra de gelo granizo Porco espinho Estaacute sujo
143
Se em posiccedilatildeo de onset e seguido de vogal nasal pode ocorrer uma consoante palatal seguindo o glide palatal e precedendo a vogal nuclear
Se for atilde a consoante intrusiva se realizaraacute com mais forccedila e separaraacute a sequecircncia jatilden em duas siacutelabas
Quando o glide vier antes da vogal ũ a consoante intrusiva poderaacute resultar no apagamento do glide podendo se realizar como consoante palatal ou preacute-glide
Em posiccedilatildeo final de siacutelabas
acompanha as vogais e e a a
jaka jn-tatilden
[inatilde de]
janatilde n-te
[jeda n de] ~ [ʒida n de] ~ [ida
n de]
jatan-te
[jatilde datilden] ~ [ iɲatildeʔ datilden]
jatilden- n-tatilden
[jatildew de] ~ [iɲatildew de] ~
[jatilde de]
jatildewn-te
[j ginĩ de] ~ [ j ɲ gibi de]
j n-kinĩn-te
[ ejdnirsquoɾatilde]
hejn-ten-ni-tatilde
[ e jtatilden]
e ʔ-tatilden
[wajkinĩ du]
wajʔ-kinĩn-tu
[na j de]
na j -te
[ natildejde]
natildejn-te
Eacute pica-pau pequeno espeacutecie Abelha do chatildeo espeacutecie veado espeacutecie Vocecirc tem coragem Larva espeacutecie Pedra de gelo granizo Eu vou lavar Ele fez fogo Amendoim
144
Maribondo espeacutecie Pacu espeacutecie de peixe
k- Plosiva dorsal - anterior
Eacute oclusiva velar surda Tem larga distribuiccedilatildeo e se realiza diante de todas as vogais do Latundecirc
Satildeo seus alofones [ʔk] [ɠ] [g] e [k]
Em iniacutecio de palavra se realiza preferencialmente como [k]
[kiliʔkinĩ de]
kiliʔ-kinĩn-te
[ki de]
ki -te
[ke ɾatildena]
keh-tatilden-ta
[ke ja ʔ n de]
ke ja jn-te
[ka ɾatildena]
kah-tatilde -ta
[ka
ka jn-te
[katilde natildena]
katilden-tatilden-ta
[ko h ɾe]
koh-te
[ko lo ʔko lo n datildeda]
ko lo ʔko lo n-tatilden-ta
Coco da palmeira inajaacute Macaco noturno Ele estaacute caccedilando Caititu Estaacute azedo Formiga Estaacute duro Tesoura
145
Em contexto de fala raacutepida em iniacutecio
de vocaacutebulos a velar preacute-glotal [ʔk]
pode ocorrer pode flutuar tambeacutem como velar plena [k]
Em mesmo contexto pode-se flutuar a velar sonora [g] ou a velar implosiva
[ɠ] ou a velar surda [k] ou a velar
surda preacute-glotalizada [ʔk]
Quando em meio de vocaacutebulo em contexto que envolve a consoante nasal lexical precedente a realizaccedilatildeo de [g] eacute categoacuterica
Entre vogais eacute possiacutevel que se encontre a variaccedilatildeo entre [k] e [g] sendo a surda a preferencial e em maior nuacutemero de realizaccedilotildees
[k n de]
k n-te
[ku n de]
ku n-te
[ʔkolo ɾe] ~ [kolo ɾe]
koloh-te
[ʔka laʔkala ɾe] ~ [ka laʔkala ɾe]
kalaʔkalaʔ-te
[golota taʔnatildena] ~
[kolota taʔ natildena]
kolon-sasan-tatilden-ta
[ gi natildena] ~ [ ɠi natildena]
ki n-tatilden-ta
[giʃaj n datildena] ~ [ɠiʃaj ndatildena] ~
[kiʃaj n datildena]
kisajn-tatilden-ta
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[j ginĩ de]
j n-kinĩn-te
[waka de]
waka-te
Eacute pintado Timboacute do campo Algodatildeo Barata Galinha Estaacute maduro Estaacute coccedilando Estaacute pontudo Roupa
146
Em onset da siacutelaba acentuada em final de vocaacutebulo k pode se realizar [k h]
[lukaj de]
lukajn-te
[nakatilde n de] ~ [naga n de]
nakatilden-te
[ iwgula ɾatilden]
iwkulah-tatilden
[ i ʔga laʔga na ]
iʔka la n-ka-na
[ ɛtduʔ da jowi k h e ]
ajhtu ta-jaw-wi-ka
Pedra de gelo granizo Garccedila Flecha Lagarto Ele subiu Eles estatildeo brincando Pega (o banco) vamos sentar
- Plosiva glotal - anterior
Eacute uma oclusiva glotal surda com
realizaccedilatildeo [ʔ] que se restringe agrave
posiccedilatildeo de coda silaacutebica81
Tem seu comportamento condicionado pela presenccedila das consoantes adjacentes p t k
Pode se realizar como [ʔ] em fala
raacutepida preceder a oclusiva velar surda k
Como [j] quando a vogal nuclear for a meacutedia frontal e ou a baixa a
Como [w] quando a vogal nuclear for a meacutedia posterior o
[huʔ kaʔ datilden] ~ [ kaʔ datilden]
huʔ-kah-tatilden
[kidiʔka tatilden]
kitiʔ-kah-tatilden
[ atilde ʔ tatilden] ~ [ atilde tatilden] ~
[malo h tatildeni]
atilden-loʔ-tatilden
Eacute arco Eacute furador Ele queimou
81
A entre l e s natildeo foi observada na liacutengua Latundecirc
147
E favorecer a deleccedilatildeo de motivando um alongamento que compensa a vogal nuclear ou alongar ainda alongar esta vogal seguindo de leve aspiraccedilatildeo
A realizaccedilatildeo de [ʔ] nas alofonias
acima soacute eacute notada quando na siacutelaba na qual estaacute presente quando apenas a oclusiva estiver no travamento
silaacutebico (CVʔ)
Quando em posiccedilatildeo de coda pode assimilar o ponto da consoante seguinte e se realizar como [t] ou [d] diante de tnl e [p] ou [b] diante de m Neste caso as realizaccedilotildees homorgacircnicas surdas satildeo sempre preferenciais
[wolo te] ~ [woloʔ te]
woloʔ-te
[ej tatilden] ~ [e tatilden]
eʔ-tatilden
[wajkinĩ de]
wajʔ-kinĩn-te
[loʔ tatilden] ~ [ tatilden] ~ [ wtatilden]
loʔ-tatilden
[tidit na jdatilde na ]
tatiʔ-na jn-tatilden-na
[wa jtna de]
wa jh-na n-te
[at natilde da na]
a ʔnatilde n-tatilden-ta
[a p otildedatildena] ~ [a b otildedatildena]
a ʔ n-tatilden-ta
Espeacutecie de paacutessaro Ele ralou Amendoin Ele afogou Eacute raiz de mandioca Palha da palmeira accedilaiacute Ele estaacute chorando muito Ele estaacute muito bonito
h- Fricativa glotal - anterior
Eacute fricativa glotal surda que em iniacutecio de
siacutelaba ocorre com as vogais i e a a
o u
Quando em iniacutecio de palavra e em siacutelaba acentuada seguida de i realiza-
se como [ʒ]
Quando entre vogais realiza-se como
[hu te] ~ [hu h de]
huʔ-te
[hej de]
hejn-te
Arco Buriti
148
fricativa glotal sonora [ɦ]
Se vier em iniacutecio de palavra em fala raacutepida e em raiacutezes dissilaacutebicas na posiccedilatildeo de onset de siacutelaba natildeo acentuada poderaacute ser apagado
Quando em onset de siacutelaba acentuada acompanhada de consoante nasal assimila a nasalidade da consoante
adjacente sendo realizada como [n ]
Em final de siacutelaba eacute produzido com pouca fricccedilatildeo Em coda acentuada motiva o alongamento da vogal com frequecircncia como resultado teremos uma vogal com leve aspiraccedilatildeo
Demais realizaccedilotildees de h em coda tendem a seguir o comportamento da
oclusiva glotal ʔ
[hata tatilden]
hat-ta-tatilden]
[ha de]
ha n-te
[hoɦo h de]
hohoʔ-te
[hi ɾ e] ~ [ʒi ɾe]
hih-te
[hiwa n de] ~ [iwa n de]
hiwan-te
[ e ĩ n de] ~ [e ĩ n de]
e ĩ n-te
[ɛ hejdn a ]
ajhhejn-ha
[o h datildeda]
o hna-tatilden-ta
[ lo h tatilde na ]
loh-tatilden-na
[ʃi h ɾe]
sih- te
[ke h atilden] ~ [ke atilden]
Eu natildeo tenho Caraacute Espeacutecie de coruja Pau lenha Gambaacute Couro Vamos lavar (algo) Estaacute alto Eacute onccedila
149
keh-tatilden
[nakadʔnatilde na ]
naka natilde n-na
[ka ɾatilden]
kah-tatilden
[naw ɾe] ~ [nͻ e]
na wh-te
[wede e] ~ [wede ʔ ɾe]
wate h-te
[sej ɾatilde]
sih-tatilden
Casa Ele caccedilou Ela ainda estaacute chorando Estaacute azedo Lontra Espeacutecie de tamanduaacute Eacute largo
Quadro 13 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos orais (Com base em Telles 2002)
i - vogal alta frontal e i - vogal alta
frontal laringal
Realiza-se como [i] e [i ] podem ser
nuacutecleo de siacutelaba e podem tambeacutem iniciam palavras
i segue qualquer consoante enquanto
i ocorre apenas apoacutes as consoantes
m k h
Quando a coda eacute apagada realiza-se como [i] compensando tal apagamento
[ iɾatilden]
i-tatilden
[i n datildenʌ]
i n-tatilden-ta
[giw lada ɾe] ~ [gi la de]
kiwlah-tah-te
Ele mordeu Estaacute quente Cobra cascavel espeacutecie de cobra
150
e - vogal meacutedia frontal e e - vogal
meacutedia frontal laringal
Realizam-se como [e] e [e ] e correm em
iniacutecio de palavras
Quando seguem consoantes natildeo se realizam apoacutes pmn
Tambeacutem natildeo foram detectadas diante de s l h
Ao serem seguidos pelo glide palatal j favorecem a fusatildeo entre as vogais e o
glide realizando-se como [i] e [i ]
O alongamento tambeacutem se daacute em casos de queda de coda
Em siacutelaba aacutetona de morfemas dissiacutelabos poderaacute ocorrer harmonizaccedilatildeo entre a vogal meacutedia frontal e a vogal tocircnica mais alta da siacutelaba seguinte
Pode ocorrer harmonizaccedilatildeo entre a vogal da raiz lexical e a vogal do sufixo classificatoacuterio
[e ɾatilden]
e-tatilden
[ etatilden]
e ʔ-tatilden
[ sejtatilden] ~ [sitatilden]
set-tatilden
[ weʔkinĩde] ~ [ wiʔkinĩde]
wet-kinĩn-te
[kenĩ de] ~ [kinĩ de]
kanĩn-te
Ele viu Ele fez fogo Ele falou Crianccedila Esquilo
a - vogal baixa central e a - vogal
baixa central laringal
A vogal baixa central a apresenta larga distribuiccedilatildeo e segue qualquer consoante e os dois glides
A vogal baixa central laringal segue quase todas as consoante e dos dois glides
Ambas iniciam palavras e apresentam
vaacuterias alofonias [a] [ʌ] [ͻ] [o] [u] [e]
[ɛ] [aelig] e [i] que podem ser ou natildeo
laringais dependendo da vogal subjacente e da condiccedilatildeo do tom e da harmonia vocaacutelica
Quando em siacutelaba tocircnica a se realiza como [a] [ͻ] e [ͻ]
[ͻ] pode ocorrer quando o nuacutecleo vocaacutelico a assimila o traccedilo labial da coda tautossilaacutebica de w
A segunda variaccedilatildeo [ͻ] resulta da fusatildeo
[a h ɾe]
ah-te
[awde] ~ [ͻ de] ~ [ͻʔ de]
awh-te
[ a wde] ~ [ ͻde] ~ [ ͻʔde]
a w-te
[a wm de] ~ [ ͻ m de] ~ [ͻ m de]
a wn-te
Espeacutecie de abelha Gaviatildeo Flecha Louro
151
entre o nuacutecleo a e a coda w
O alongamento da vogal nuclear ou da coda eacute necessaacuterio agrave preservaccedilatildeo do peso silaacutebico para a aposiccedilatildeo do acento
Em siacutelaba tocircnica se a a eacute seguida por j na coda (nuacutecleo do ditongo) pode se
realizar como [a] [ɛ] [ɛ] e [aelig]
Em siacutelaba aacutetona a realiza-se como [ʌ] preferencialmente
Quanto em posiccedilatildeo aacutetona a se harmoniza com a vogal tocircnica da siacutelaba seguinte quando esta for meacutedia ou alta
As realizaccedilotildees provenientes dessa harmonia vocaacutelica satildeo as vogais [ieou]
O processo de assimilaccedilatildeo pode ocorrer em iniacutecio de siacutelaba aacutetona fazendo com que a se realize como [ͻ] a partir de segmento adjacente seja tautossilaacutebico ou natildeo
[ ajɾatildena] ~ [ ɛatildena]
ajh-tatilden-ta
[a j ɾatilden] ~ [aelig ɾatilden] ~ [ɛ ɾatilden]
a jh-tatilden
[ a j atilde m datilden] ~ [ aelig ʔatildem datilden]
a jn atilde wn-tatilden
[ͻ ɾaʔͻɾaʔi datildenʌ] ~
[ͻ ɾɛʔͻɾɛʔi datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[wͻdaʔ nde] ~ [wadaʔ nde]
watan-te
[i n dacircnʌ]
i n-tatilden-ta
[tʌlawm natildenʌ]
talawn-tatilden-ta
[kimi ɾatildena] ~ [kͻmi ɾatildena]
kamih-tatilden-ta
[walin de] ~ [weli de]
walin-te
[tʌlow natildena] ~ [tolow natildenʌ]
talown-tatilden-ta
[tunu ratildeni]
tanũh-tatilden
Eacute roccedila Ele foi Ele assou peixe Eacute fino Panela Estaacute quente Estaacute grosso Estaccedilatildeo seca Tamanduaacute
152
Devido agrave labializaccedilatildeo de a a realizaccedilatildeo resultante sofre assimilaccedilatildeo de palatalizaccedilatildeo altura de glide precedente ou se funde quando o glide eacute tautossilaacutebico e ocupa onset de siacutelaba em que a eacute a vogal nuclear
[kʌmaʔ matilde n de] ~
[kͻmaʔ matilde n de]
kama-matilden-te
[ͻ ɾaʔͻɾaʔĩ datildenʌ] ~
[ͻ ɾɛʔͻɾɛʔĩ datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[wada n de] ~ [wͻda n de]
watan-te
[jeda n de] ~ [ʒida n de] ~
[ida n de]
Estaacute terminado Ele deu Borboleta Eacute fino Panela cabaccedila Espeacutecie de veado
o - vogal meacutedia fechada posterior e
o - vogal meacutedia fechada laringal
Realizam-se [o] e [o ] respectivamente
Natildeo se realizam apoacutes as consoantes nasais mn
o soacute foi realizada apoacutes as consoantes
t l k
Ambas podem ser realizadas em iniacutecio de vocaacutebulo
As realizaccedilotildees [o] e [o ] satildeo resultados
do alongamento compensatoacuterio que provem da delaccedilatildeo de coda
[o ɾatilden]
oh-tatilden
[o te]
o h-te
[ko n de] ~ [kow n de]
kon-te
Ele misturou massa Macuco Espeacutecie Jabuti
u - vogal alta posterior e u - vogal
alta posterior laringal
Apresentam larga frequecircncia nas realizaccedilotildees
u segue qualquer consoante
[ke ju ɾe]
kejuh-te
Macaco da noite
153
u ocorre apoacutes m n s k j
Ambas iniciam palavras
As realizaccedilotildees alongadas [u] e [u ] satildeo
provenientes de alongamento compensatoacuterio quando a coda eacute elidida
[ku n datildenʌ] ~ [ku datildenʌ]
ku n-tatilden-ta
Ele estaacute fumando
Quadro 14 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos nasais (Com base em Telles 2002)
ĩ - vogal nasal alta anterior
Sua ocorrecircncia soacute fora verificada a partir do comportamento do morfema ĩ- que eacute uma raiz lexical semanticamente vazia prefixada a morfemas classificadores nominais para funcionar como nuacutecleo nominal
A subjacecircncia de ĩ- sem coda nasal pode ser evidenciada na sonorizaccedilatildeo opcional da oclusiva velar k e no natildeo alongamento da vogal ĩ
[ ĩkalo ɾe] ~ [ ĩgaloɾe]
ĩ-kaloh-te
Taacutebua
atilde - vogal nasal baixa
Eacute encontrada a partir do condicionamento morfoloacutegico no prefixo verbal atildel-
Este prefixo tem valor causativo resultativo
Quanto agrave subjacecircncia de atilde pode-se interpretar que a realizaccedilatildeo do morfema agentivo [atildel- atilde-] estaacute condicionada ao segmento inicial da raiz lexical a qual o prefixo se apotildee
[atildelͻwtatildenʌ] ~ [ a lͻtatildenʌ]
atildel-awt-tatilden-ta
[atilde laj n datildenʌ] ~ [a laj n datildenʌ]
atildel-ajn-tatilden-ta
[atildelo tatildenʌ] ~ [alo tatildenʌ]
atildel-loʔ-tatilden-ta
[atildemũmaj na ]
atildel-mumaʔ-na
[ũba tatildenʌ] ~ [atildeba tatildenʌ]
atildel-pat-tatilden-ta
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
Estaacute foi quebrado (algo) Estaacute foi cortado (algo) Estaacute foi afundado (algo) Estaacute foi amansado (algo) Estaacute foi colocado (algo)
154
Quando a raiz verbal eacute iniciada por vogal a forma sobrejacente eacute [atilde-] quando a raiz verbal eacute iniciada por vogal a forma sobrejacente eacute [atildel-]
Outra forma de ocorrecircncia da vogal atilde eacute confirmada na base do contraste entre os ditongos orais aj aw e nasais atildej atildewmesmo quando seguidos por coda nasal formando as sequecircncias ajn awn atildejn atildewn
[ aj n datildeni] ~ [ aj n datildeni]
ajn-tatilden
[jatildewm de] ~ [jatildemde]
jatildewn-te
[wawm datildena] ~ [wͻwm datildena]
wawn-tatilden-ta
Pacu espeacutecie de peixe Ele cortou (algo) Espeacutecie de larva Estaacute vermelho amarelo
ũ - vogal nasal alta posterior
Observada a partir da construccedilatildeo interna e comportamento do morfema prefixal nũh - possessivo de 1pp e de seu homoacutefono nũh - verbo adjetival estar soacute
Quanto agrave subjacecircncia de u eacute observada quando a coda fricativa glotal eacute ressilibificada ao se afixar agrave raiz iniciada por vogal ou glide
[ nũhju te]
nũh-ju -te
[ nũhaj ɾatilden]
[nũhajh-oslash-tatilden
Nossos peacutes Ele vai sozinho
54 FONOLOGIA DO PORTUGUEcircS
Diferentemente do Latundecirc o sistema fonoloacutegico do portuguecircs eacute formado
conforme Cacircmara Jr (1970 p33 ndash 34) por sete vogais que se mantecircm na
mesma quantidade em posiccedilatildeo tocircnica que satildeo reduzidas a cinco quando em
posiccedilatildeo tocircnica diante de nasal em posiccedilatildeo pretocircnica em posiccedilatildeo postocircnica natildeo-
final e em postocircnica final
Quadro 15 Vogais no Portuguecircs (Cacircmara Jr 1970)
Natildeo-arredondadas Arredondadas
Altas i u
Meacutedias Altas e o 2ordm Grau
155
Meacutedias Baixas ɛ ɔ 1ordm Grau
Baixa a
Anterior Central Posterior
Quanto aos segmentos consonantais o portuguecircs dispotildee de acordo com Lopez
1979 p5482 de vinte e dois fonemas que ocupam as posiccedilotildees de onset e coda
Os segmentos consonantais satildeo classificados quanto ao modo e ao ponto de
articulaccedilatildeo
Os segmentos consonantais do portuguecircs ainda podem ser influenciados por
articulaccedilotildees secundaacuterias labializaccedilatildeo palatalizaccedilatildeo velarizaccedilatildeo e dentalizaccedilatildeo
Quadro 16 Consoantes no Portuguecircs (Silva 2002)
Articulaccedilatildeo
Bilabial Labiodental Dental ou alveolar
Alveopalatal Palatal Velar Glotal
Oclusiva p b t d k g Africada tʃ dʒ
Fricativa f v s z ʃ ʒ X Ɣ h ɦ
Nasal m n ɲ y
Tepe ɾ
Vibrante ř
Retroflexa ɹ
Lateral l ɫ ʎ l j
82
Apud Bisol 1996 p198
156
55 COMPARACcedilAtildeO ENTRE OS SISTEMAS FONEacuteTICOS DO PORTUGUEcircS E
DO LATUNDEcirc
Passemos entatildeo agrave comparaccedilatildeo ds sistemas fonoloacutegicos do Portuguecircs e do
Latundecirc para melhor compreensatildeo dos processos foneacuteticos oriundos desse
contato
Quadro 17 Sistemas consonantais x Sistemas vocaacutelicos
Consoantes Vogais
Portuguecircs p b m w t d s z l j n f v ɾ k g h ɹ ɲ ʎ X a ɛ e i ɔ o u
Latundecirc p m w t s l j n k h a atilde a a e e i i i i o o u u u u
Como podemos perceber as liacutenguas apresentam padrotildees distintos no que tange
agrave quantidade de segmentos consonantais e de segmentos vocaacutelicos O portuguecircs
eacute uma liacutengua com mais consoantes enquanto o Latundecirc eacute uma liacutengua
extremamente vocaacutelica
No que tange aos fonemas consonantais o Latundecirc natildeo apresenta muitos dos
fonemas vozeados que compotildeem os pares miacutenimos aleacutem das labiodentais [f v]
Tambeacutem natildeo apresenta as fricativas alvopalatais [ʃ ʒ] nem as palatais nasal e
lateral [ɲ ʎ]
O portuguecircs natildeo dispotildee de vogais laringais enquanto o Latundecirc tem o seu
inventaacuterio basicamente composto por elas
157
A disposiccedilatildeo e presenccedila desses elementos tecircm uma ligaccedilatildeo direta com os
processos fonoloacutegicos ocorrentes o portuguecircs resultante do contato do Portuguecircs
com o Latundecirc como veremos no capiacutetulo VI
158
6 PROCESSOS FONOLOacuteGICOS NO PORTUGUEcircS FALADO PELOS LATUNDEcirc
ldquoComo a liacutengua estaacute a todo momento se equilibrando entre
tendecircncias potencialmente conflitantes e ateacute mesmo opostas estaacute sujeita a sofrer mudanccedilas pois esse equiliacutebrio pode vir a ser alterado por qualquer tipo de fator interno ou
externordquo Chagas (2004 p 151)
61 INTRODUCcedilAtildeO
Eacute senso comum entre os estudiosos que as liacutenguas mudam em diversos
aspectos Certamente a variaccedilatildeo e a mudanccedila lhes satildeo inerentes conforme
Cezario amp Votre (2008 p 141)
Em face da mudanccedila a assertiva acima abarca um conjunto de motivaccedilotildees
internas a uma dada liacutengua bem como outras decorrentes de forccedilas externas em
que se inserem aquelas oriundas do contato linguiacutestico Isso nos chama a
atenccedilatildeo para o fato de que aleacutem do fator tempo outros aspectos podem estar
diretamente ligados agraves transformaccedilotildees pelas quais uma liacutengua passa
A forma como as mudanccedilas sonoras operam na liacutengua eacute tema de discussatildeo haacute
seacuteculos Sobre essa temaacutetica Labov (1981 p269) nos diz que
Sound change appears to be systematic in that a particular change affects all eligible words in a lexicon (McMahon 1994) It is not known however how this process takes place A group of 19th century German linguists called the Neogrammarians originally proposed that sound change occurs abruptly across the lexicon This view is still accepted by many linguists (eg Hock 1991 Labov 1994) In contrast others have argued that sound change spreads gradually across the lexicon (eg Chen amp Wang 1975 Krishnamurti 1978) The same language data is sometimes used to support each hypothesis For instance the
159
English Great Vowel Shift which brought about a series of vowel changes in Early Modern English is used as an example of gradual change (Ogura 1987 Aitchison 1991) as well as abrupt change (Hock 1991 Labov 1994) So the argument over whether sound change occurs abruptly or gradually presents a paradox ldquoboth (views) are right but both cannot be right 269)rdquo
A discussatildeo acerca da natureza da mudanccedila sonora no sentido das duas visotildees
pontuadas acima ainda alcanccedila uma dimensatildeo mais larga quando o contato
intersocietaacuterio eacute considerado As implicaccedilotildees que a variaccedilatildeo assume quando a
emergecircncia das escolhas linguiacutesticas envolve o impacto das interaccedilotildees entre
liacutenguas satildeo multifatoriais Devido agrave complexidade das transformaccedilotildees linguiacutesticas
natildeo podemos estabelecer um uacutenico molde para explicar estas modificaccedilotildees haja
vista que cada caso eacute particular quando tratamos de mudanccedila linguiacutestica
Como fora tratado no capiacutetulo sobre Contato linguiacutestico o encontro de duas ou
mais liacutenguas pode resultar ou natildeo em outras liacutenguas O niacutevel de interferecircncia
oriundo do contato pode fazer com que uma das liacutenguas desapareccedila o que
ocasionaria a sua morte e geralmente neste caso sobreviveria a liacutengua do
dominador ou a permanecircncia dos dois coacutedigos linguiacutesticos tal qual ocorre entre
os Latundecirc
A complexidade da fusatildeo de duas liacutenguas desencadeia por si soacute uma seacuterie de
processos que perpassa os diferentes niacuteveis da gramaacutetica No entanto eacute no niacutevel
foneacutetico fonoloacutegico que estes processos satildeo provavelmente mais evidentes e
mais frutiacuteferos Sendo assim podemos afirmar que os niacuteveis foneacuteticos e
fonoloacutegicos apresentam o maior iacutendice de mudanccedila e variaccedilatildeo de uma liacutengua Por
outro lado de acordo com Cavaliere (2005 p 56)
160
Os estudos desses processos nos auxiliam enquanto estudiosos da liacutengua a entender como se comporta a mudanccedila da liacutengua mediante verificaccedilatildeo dos fatos ocorridos no passado que se mantecircm no presente bem como os que natildeo mais se manifestam as mudanccedilas dos sons nos usos hodiernos
A anaacutelise realizada dos processos fonoloacutegicos do Portuguecircs falado pelos Latundecirc
teraacute como base a estrutura silaacutebica do Portuguecircs e do Latundecirc Para a anaacutelise
consideramos uacutetil adotar a classificaccedilatildeo tradicional dos processos focircnicos
encontrados na linguiacutestica histoacuterica (HOCK1991) por nomear em detalhe os
variados tipos de processos observados Aleacutem disso nos pautamos nos trabalhos
de Spencer (1996) e Lass (2000) que associam reflexotildees mais abstratas para
explicar as ocorrecircncias encontradas Esclarecemos que natildeo eacute nosso propoacutesito
realizar uma anaacutelise fonoloacutegica per si Neste trabalho partimos da descriccedilatildeo dos
processos fonoloacutegicos operantes a fim de refletir sobre o resultado do contato
linguiacutestico de uma liacutengua minoritaacuteria (o Latundecirc) com uma liacutengua
sociohistoricamente dominante o portuguecircs e avaliar o papel da marcaccedilatildeo
linguiacutestica no contexto da interferecircncia Os dados como jaacute afirmamos fazem
parte do acervo do NEI (Nuacutecleo de Estudos Indigenistas) da UFPE
Para uma melhor compreensatildeo a anaacutelise dos fenocircmenos observados segue
distribuiacuteda em quatro subgrupos que evolvem os processos foneacutetico-fonoloacutegicos
observados i) perda de elementos ii) ganho iii) alteraccedilatildeo (transposiccedilatildeo ou
permuta) que estatildeo diretamente ligados aos processos fonoloacutegicos de
assimilaccedilatildeo (progressiva e regressiva) fortalecimento leniccedilatildeo apagamento
inserccedilatildeo e coalescecircncia A classificaccedilatildeo desses processos nos remete agrave
termonoligia claacutessica da linguiacutestica de base
161
611 Perda de elementos
Seguindo a tendecircncia das liacutenguas do mundo os processos que envolvem perda
de elementos tambeacutem satildeo os mais recorrentes no portuguecircs falado pelos
Latundecirc Dessa feita estes processos satildeo os que tecircm uma relaccedilatildeo direta com a
estrutura silaacutebica do Portuguecircs que se vecirc obrigada a rearranjar os componentes
da siacutelaba para o padratildeo (CV)
Quanto agrave marcaccedilatildeo o portuguecircs assimilado pelos Latundecirc nem sempre tende a
preservar os padrotildees mais marcados de sua liacutengua conforme descriccedilatildeo nos
processos que se seguem
6111 Monotongaccedilatildeo
Assim como no Portuguecircs a monotongaccedilatildeo eacute um processo natural e bastante
atuante no Latundecirc que eacute uma liacutengua propensa a tal fenocircmeno Eacute uma tendecircncia
geral observada na produccedilatildeo da fala da comunidade Latundecirc verifica-se que os
ditongos crescentes e decrescentes estatildeo sendo frequentemente fusionados
realizando-se como monotongos (TELLES 2002 p100 - 102)
Quanto aos ditongos crescentes Telles (idem p 103) afirma que a tendecircncia ao
processo de monotongaccedilatildeo em ditongos crescentes eacute quase categoacuterica nas
siacutelabas aacutetonas de raiacutezes dissilaacutebicas quando a vogal nuclear eacute a central baixa a
Outros aspectos observados pela autora que fazem menccedilatildeo agrave monotongaccedilatildeo
apontam que a geraccedilatildeo poacutes-contato realizam sistematicamente e com frequecircncia
162
a fusatildeo entre os ditongos decrescentes Os ditongos aw a w aj a j satildeo os que
mais regularmente sofrem processo dos quais decorrem as realizaccedilotildees meacutedias
baixas [ɔ ɔ ɛ ɛ ] que natildeo fazem parte do inventaacuterio fonoloacutegico das vogais do
Latundecirc
Os ditongos iw ow que ocorrem em menor frequecircncia satildeo mais marcados
Nestes a monotongaccedilatildeo se daacute com a preservaccedilatildeo da vogal do nuacutecleo i o O
ditongo e j apresenta pouquiacutessimos casos de fusatildeo mantendo a qualidade do
glide diferentemente dos demais ditongos que satildeo constituiacutedos por vogais natildeo
baixas Sua realizaccedilatildeo seraacute a vogal alta anterior [i]
Apresentamos abaixo os dados apresentados por Telles (idem 101) onde os
resultados foneacuteticos do processo de monotongaccedilatildeo satildeo mais frequentes
Quadro 18 Resultado mais frequente do processo de monotongaccedilatildeo em Latundecirc
Em tritongos a fusatildeo eacute mais frequente quando o glide labial w preenche a
posiccedilatildeo da coda diferentemente da palatal j que pouco se fusiona Nos dois
casos a fusatildeo se daacute apenas com o apagamento do glide poacutes-nuclear
aw gt ɔ [lsquoɔɾe] rsquoawh-lsquote Gaviatildeo
a w gt ɔ [ɔ rsquode] a w-lsquote Fleche
aj gt ɛ [ɛrsquoɾatildena] ajh-lsquotatilden-ta eacute roccedila
aj gt ɛ [ɛ rsquoɾatildena] rsquoa jh-lsquotatilden-ta ele tem andado
iw gt i [lsquogilade] rsquokiwlah-lsquote cobra cascavel
ow gt o [torsquolodatildena] tarsquolown-lsquotatilden-ta ele tem terminado
163
No que se refere ao comportamento de ditongos decrescentes diante de
consoante nasal tautossilaacutebica podem ocorrer diferentes manifestaccedilotildees de
superfiacutecie a depender do ponto do glide Se os ditongos decrescentes terminarem
com glide laacutebio-dorsal w e seguidos por elemento nasal tautossilaacutebico awn a wn
atildewn own apagaratildeo o glide da coda e a vogal nuclear preservaraacute o ponto de
articulaccedilatildeo
Caso o ditongo seja oral a realizaccedilatildeo preferencial seraacute a da manutenccedilatildeo do
ditongo com o glide ocorrendo na superfiacutecie Se o ditongo for nasal o glide pode
ser nasalizado regressivamente Todavia a realizaccedilatildeo preferencial seraacute o glide
Em preferecircncia o glide j eacute mantido conservando sua palatalidade em ditongos
decrescentes que terminam com o glide j constituindo os ditongos ajn a jn atildejn
jn
Os glides wj na posiccedilatildeo de onset podem ser consonantizados O glide j natildeo se
apresenta como fator motivador para este processo Nos poucos casos
apresentados a vogal nuclear eacute a anterior e ou a central a
De acordo com a literatura existente para o Portuguecircs a monotongaccedilatildeo se aplica
a todos os ditongos Entretanto alguns contextos licenciam o processo enquanto
outros o bloqueiam No portuguecircs falado pelos Latundecirc os ditongos decrescentes
orais83 assim como no portuguecircs de longe foram os mais monotongados Aleacutem
destes o ditongo nasal decrescente [atildew] tanto em final de verbos quanto de
nomes mostrou-se recorrente na reduccedilatildeo
83
[aj][ aw] [ej] [ew] [ow] [oj]
164
Enquanto processo natural a monotongaccedilatildeo no portuguecircs falado por Latundecirc
visa simplificar os padrotildees silaacutebicos mais marcados sobretudo na posiccedilatildeo final de
vocaacutebulos jaacute que no Latundecirc natildeo haacute a ocorrecircncia deles
Esclarecemos que os processos observados na fala dos Latundecirc que tambeacutem
ocorrem no portuguecircs atual natildeo foram incluiacutedos nos dados discutidos neste
capiacutetulo ressalvando-se situaccedilotildees nas quais eram necessaacuterios agraves nossas
reflexotildees
De acordo com os exemplos
acima o processo de
monotongaccedilatildeo pode se dar de
duas formas i) apagamento
de um segmento geralmente
o glide ii) fusatildeo de elementos
Os ditongos mais propensos agrave
monotongaccedilatildeo satildeo os
decrescentes Quanto agraves classes de palavras os ditongos presentes nas formas
verbais satildeo mais frequentemente monotongados
No portuguecircs o processo de monotogaccedilatildeo eacute operante porem haacute restriccedilotildees que
natildeo coincidem com o observado na fala dos Latundecirc Bisol (2001 p 112) afirma
(1) [keme] queimei (2) [satildersquogɾaɾi] sangraram
[firsquokaɾi]
ficaram
(3) [fakotilde] facatildeo [motilde] matildeo [koɾasotilde] coraccedilatildeo
[gɾatildedotilde] grandatildeo
[tubaɾotilde]
tubaratildeo
(4) [kaze]
causa
(5) [note]
noite
(6) [lsquotaba] taacutebua (7) lsquomatildeoslash matildersquodava matildee mandava
165
que apenas os ditongos decrescentes satildeo verdadeiros Os crescentes de acordo
com ela seriam falsos pois podem ser realizados como hiato e tecircm variaccedilatildeo livre
Aleacutem disso com respeito aos ditongos decrescentes a autora ainda considera
que haacute dois diferentes tipos de ditongos um considerado pesado que natildeo sofre
reduccedilatildeo (leite) e outro leve passiacutevel de reduccedilatildeo (couro) Ela elenca alguns
ambientes que condicionam a monotongaccedilatildeo como a presenccedila da tepe ou da
palatal em posiccedilatildeo seguinte
Entretanto os dados de (1) a (7) acima nos mostram ocorrecircncias da
monotongaccedilatildeo em contextos muito distintos do que ocorre em Portuguecircs Sobre
estes avaliamos sua ocorrecircncia como segue
Quando em final de vocaacutebulos principalmente nas formas verbais do passado
simples conforme visto em (2) o que ocorre natildeo eacute um fenocircmeno de
monotongaccedilatildeo em que se espera o apagamento de um dos segmentos ou a
fusatildeo dos formadores do ditongo Nos dados em (2) entretanto encontra-se a
substituiccedilatildeo do ditongo por um segmento que articulatoriamente natildeo deriva da
estrutura lexical A vogal anterior com traccedilo de ponto coronal84 realizada em
[firsquokaɾi] ldquoficaramrdquo [satildersquogɾaɾi] ldquosangraramrdquo ocorre em posiccedilatildeo aacutetona final Essa
realizaccedilatildeo pode ser decorrente do espraiamento da coronalidade da consoante
precedente Outros aspectos de relevo para explicar esse fenocircmeno satildeo a
posiccedilatildeo final dos segmentos e a atonicidade Esses condicionantes favorecem a
substituiccedilatildeo total do ditongo nasal para a vogal anterior alta Essa produccedilatildeo eacute
84
Assumimos largamente neste trabalho a terminologia da fonologia claacutessica estrutural (GLEASON 1969) Entretanto termos mais teacutecnicos provenientes da teoria dos traccedilos distintivos (JAKOBSON 1952 CHOMSKY e HALE 1968) satildeo introduzidos quando favorecem a elucidaccedilatildeo dos fatos Da mesma forma ocasionalmente nos referimos a processos ancorados na fonologia poacutes-gerativa (CLEMENTS e HUME 1995)
166
restrita agrave fala dos indiacutegenas da geraccedilatildeo preacute-contato que adquiriram o portuguecircs
pelo menos no iniacutecio da idade adulta
A relevacircncia da tonicidade tambeacutem se evidencia nos dados em (3) Nesses casos
([fakotilde] ldquo facatildeordquo [lsquomotilde] ldquomatildeordquo [koɾasotilde] ldquocoraccedilatildeordquo) apesar de o ditongo nasal atildew
sofrer a fusatildeo passando a ser realizado [otilde] a posiccedilatildeo do acento preserva a
identidade de parte da estrutura nasalizaccedilatildeo e posteriorizaccedilatildeo com
arredondamento A tendecircncia aacute preservaccedilatildeo da estrutura tambeacutem eacute encontrada
no dado em (1) A monotongaccedilatildeo na siacutelaba tocircnica preserva a qualidade da vogal
nuclear em [kersquome] ldquoqueimeirdquo
O Latundecirc evita coda Esse comportamento se alinha agrave ideia de que The CV
syllable is a prototypical example widely considered to be the universally
unmarked syllable type (HUME 2004)
A monotongaccedilatildeo do ditongo nasal atildej em matildej gt matilde natildeo eacute encontrado
regularmente na fala latundecirc Esse fenocircmeno deve ter sido engatilhado pela
juntura externa na qual se observa que a siacutelaba da palavra seguinte conteacutem
sequecircncia focircnica semelhante agrave da siacutelaba que sofreu supressatildeo da semivogal
Um mesmo ditongo pode ou natildeo apresentar diferentes realizaccedilotildees em cada
liacutenguas Por exemplo os ditongos aw atildew aj atildej que existem tanto no Latundecirc
quanto no Portuguecircs se comportam da seguinte forma
Quadro 19 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
aw ɔ [lsquoɔɾe] ˈawh-te lsquogaviatildeorsquo
atildew atildew ~ AM [ˈjatildewmde] ~ [ˈjatildemde] ˈjatildewm-te lsquolarvarsquo
aj ɛ [єrsquoɾatildena] ˈajh-ˈtatilden-ta lsquoeacute roccedilarsquo
atildej atildej ~ atildej [ˌatildejˈdatildeni] ~ [atildejndatildeni] ˈatildejn-tatilden lsquoele cortoursquo
167
Quadro 20 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
aw aw [lsquopaw] pau lsquopaursquo atildew otilde [ˈsotilde] satildew lsquosatildeorsquo atildew i [satildeˈgɾaɾi] sangɾaɾatildew lsquosangraratildeorsquo
atildej atildej [ˈmatildej] matildej lsquomatildeersquo
aj aj [ˈpaj] pai lsquopairsquo
Os ditongos aw em posiccedilatildeo do acento resultam nas vogais meacutedias baixas ɔ e
ɛ no proacuteprio Latundecirc mesmo sendo essas vogais mais marcadas e natildeo
fonoloacutegicas na liacutengua Entretanto no portuguecircs esses ditongos natildeo sofrem
processo de fusatildeo quando ocorrem em siacutelaba tocircnica
A uacutenica vogal nasal constatada na reduccedilatildeo do ditongo eacute [otilde] resultante do ditongo
decrescente nasal atildew Neste caso eacute proacutepria vogal nasal que favorece a vogal
resultante da fusatildeo
Diferentemente do Portuguecircs em Latundecirc os ditongos natildeo se realizam em fim de
vocaacutebulos Desta forma o Portuguecircs falado por Latundecirc tende a seguir o que eacute
posto no Portuguecircs utilizando as vogais menos marcadas [satildegɾaɾɪ] ~ sangraram
[desaɾƱ] ~ deixaram
O que podemos verificar quanto agrave monotongaccedilatildeo eacute que em termos gerais o
Latundecirc natildeo transfere os traccedilos e caracteriacutesticas mais marcadas na liacutengua para o
Portuguecircs falado por eles
168
6112 Siacutencope em onset complexo de l e ɾ
A reduccedilatildeo do onset complexo em Portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute um processo
muito comum que se daacute devido a natildeo aceitaccedilatildeo de um segundo elemento no
onset Como podemos observar eacute um processo variante que estaacute atrelado agrave
reorganizaccedilatildeo da siacutelaba e que eacute passiacutevel de sistematicidade
De acordo com Telles (2002 p105) a estrutura silaacutebica do Latundecirc permite a
composiccedilatildeo de seis padrotildees V VC VCC CV CVC CVCC que se
incluem na extensatildeo (C)V(C)(C) que podem ser representados de acordo com
estrutura silaacutebica descrita abaixo
Figura 17 Estrutura silaacutebica do Latundecirc
Os elementos que se encontram entre parecircnteses satildeo opcionais Em Latundecirc as
sequecircncias CV V VC CVC VCC e CVCC ocorrem com frequecircncia
169
sendo os dois primeiros padrotildees os mais frequentes Isso nos mostra o quanto o
Latundecirc evita onsets complexos e codas
A estrutura silaacutebica do portuguecircs de acordo com Mattoso Cacircmara (1969) define
o molde silaacutebico CCVCC conforme figura abaixo
Figura 18 Estrutura silaacutebica do Latundecirc (Cacircmara-Juacutenior)
Seguindo a proposta de Mattoso Cacircmara com respeito agrave distribuiccedilatildeo interna dos
constituintes da siacutelaba as uacutenicas consoantes que preenchem a segunda posiccedilatildeo
do onset satildeo as liacutequidas l e ɾ A coda pode ser preenchida pelas consoantes l
e pelos arquifonemas R S N
No Latundecirc o grupo consonantal no onset natildeo eacute fonoloacutegico Entretanto eacute
atestada a ocorrecircncia dos [tɾ dɾ kɾ gɾ] no plano foneacutetico como resultado da
reduccedilatildeo em siacutelaba pretocircnica de sufixo nominal e verbal A formaccedilatildeo de onset
complexo eacute estrutura marcada no Latundecirc como tambeacutem interlinguisticamente
A estrutura mais complexa e menos frequente (marcada) do encontro consonantal
no onset tende a ser simplificada no portuguecircs falado pelos Latundecirc Como
170
podemos observar em (8) e (9) os grupos consonantais satildeo pronunciados como
um soacute elemento Trata-se do apagamento da tepe e da lateral liacutequida Eacute um
processo em acomodaccedilatildeo que estaacute diretamente ligado agrave faixa etaacuteria dos falantes
Assim os mais novos seguem a tendecircncia de pronunciar o onset complexo
diferentemente dos mais velhos
(8) [bi ka nƱ] brincando
[de tƱ] dentro
[kɛbapƱ] quebraram
[otƱ] outro
(9) [buza] blusa [biciketɪ] bicicleta Embora a reduccedilatildeo do onset complexo seja um fenocircmeno variaacutevel para algumas
variedades do portuguecircs as realizaccedilotildees acima natildeo correspondem agrave fala de
adultos sendo resultantes no processo da aquisiccedilatildeo da liacutengua
Jaacute entre os Latundecirc satildeo os mais velhos que apresentam a realizaccedilatildeo do onset
simplificado como um fenocircmeno variaacutevel conforme observamos em (10)
(10) [b ɾ ĩkarƱ] brincaram [sotildebrasotilde] assombraccedilatildeo [pɾimeɾɪ] primeiro
[febrƱ] febre [fɾɛsa] flecha
O rotacismo (l gt ɾ) da lateral presente em lsquoflecharsquo acima que eacute muito frequente
no portuguecircs menos escolarizado tambeacutem ocorre na fala dos indiacutegenas
171
6113 Apagamento da coda
Em portuguecircs quatro elementos podem ocupar a posiccedilatildeo de coda RSlN aleacutem
dos glides wj85 Em Latundecirc a coda pode ser ramificada e satildeo seis os
segmentos que podem preencher o espaccedilo da coda os glides w j aleacutem das
consoantes t h n Ɂ Como a coda pode ter ateacute duas posiccedilotildees preenchidas os
primeiros elementos satildeo sempre neste caso os glides w j Embora a coda da
siacutelaba fonoloacutegica possa ser preenchida pelas consoantes acima o Latundecirc eacute uma
liacutengua que evita coda na superfiacutecie O fenocircmeno que decorre dessa tendecircncia eacute o
alongamento compensatoacuterio (Clements e Hume 1995)
(11) [ˌn ˈh te]
ˈn h-ˈ Ɂ -te
lsquonossos peacutesrsquo
No dado acima podemos observar a natildeo realizaccedilatildeo da coda fricativa glotal h na
marca de posse ˈnu h- e da coda oclusiva glotal Ɂ o item lexical ldquopeacuterdquo ˈju Ɂ
Nos dois casos o apagamento da coda eacute compensado pelo alongamento
vocaacutelico No caso do morfema de posse ocorre a ressilabaccedilatildeo da coda fricativa
Do ponto de vista da marcaccedilatildeo a siacutelaba menos marcada eacute a que apresenta o
padratildeo CV (Hume 2004 p 183) O Latundecirc tem a tendecircncia a seguir esse
padratildeo de forma que para a liacutengua a coda embora fonoloacutegica eacute mais marcada
A simplificaccedilatildeo da estrutura mais marcada (presenccedila de coda) eacute transferida para
o portuguecircs Conforme os dados descritos abaixo os segmentos que mais satildeo
apagados em posiccedilatildeo de coda satildeo os glides j w e as consoantes h s Como o
85
Mattoso Cacircmara (1969) considera que os glides pertencem ao nuacutecleo Neste caso trata-se de um nuacutecleo ramificado
172
Latundecirc natildeo tem na sua estrutura silaacutebica a coda fricativa alveolar s esse
segmento natildeo eacute licenciado no portuguecircs dos indiacutegenas (dados em 13) Esse
fenocircmeno eacute categoacuterico na fala dos mais velhos e eacute variaacutevel na fala dos indiacutegenas
da geraccedilatildeo poacutes-contato
(12) [m to] muito [koɾƱ] couro
[voto] voltou (13) [dumi] durmir [pig ta] pergunta [pota] porta [kota] corta [pɛtƱ] perto
[kotildekorsquodo] concordou [barsquobudƱ] barbudo (14) [hipotildersquodew] respondeu [gorsquotozƱ] gostoso [iˈtɛla] Stella ([isˈtɛla])
A coda eacute um elemento universalmente marcado No Latundecirc a sua realizaccedilatildeo eacute
em menor frequecircncia do que o Portuguecircs apesar de sua larga presenccedila na
subjacecircncia O que percebemos ademais eacute que o apagamento do R e do s em
coda contribui para a elevaccedilatildeo da vogal meacutedia pretocircnica tautossilaacutebica conforme
os dados ldquocorta e portardquo em (12)
A regra abaixo sintetiza o comportamento da coda no portuguecircs dos Latundecirc
C ou V [oslash] coda
173
Como vimos no Portuguecircs falado por Latundecirc qualquer consoante ou vogal
poderaacute ser apagada em posiccedilatildeo de coda Esta regra tem se mostrado menos
produtiva nas faixas etaacuterias mais novas Nessas geraccedilotildees o apagamento eacute mais
produtivo quando coincide com a realizaccedilatildeo encontrada por nativos em
portuguecircs ([ˈfosa] lsquoforccedilardquo)
6114 Reduccedilatildeo do geruacutendio ndash Anteriorizaccedilatildeo da vogal final
A reduccedilatildeo do geruacutendio eacute um processo comum em alguns dialetos brasileiros
sobretudo em registro menos tenso Esse eacute mais um processo que resulta no
apagamento de segmentos No portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute praticamente
categoacuterica a ocorrecircncia da assimilaccedilatildeo da alveolar em geruacutendio
(15) [falatildenƱ] falando [b ɾ ĩgatildenƱ] brigando [kume nƱ] comendo
[bersquobe nƱ] bebendo
[sorsquo ɾ anƱ] chorando
[mersquosenƱ] mexendo [mi ti nƱ] mentindo
Por ser esse um fenocircmeno de larga frequecircncia no portuguecircs nativo entendemos
que a simplificaccedilatildeo segmental da estrutura gerundiva natildeo eacute surpreendente no
portuguecircs indiacutegena Entretanto na produccedilatildeo da geraccedilatildeo preacute-contato a
assimilaccedilatildeo total da oclusiva alveolar eacute acompanhada pela anteriorizaccedilatildeo da
vogal final conforme dados a seguir
174
(16) [dimuɾatildenɪ] demorando
[asinatildenɪ] ensinando [tiɾatildenɪ] tirando
[katildetatildenɪ] catando [kɾese nɪ] crescendo
Para anaacutelise das ocorrecircncias acima precisamos considerar a estrutura do
Latundecirc nessa liacutengua uma terminaccedilatildeo verbal altamente produtiva eacute o morfema
aspectual acentuado -ˈtatilden Esse morfema pode ser seguido pelo morfema de
modo neutro -i resultando nas sequecircncias -ˈtatildeni conforme exemplo abaixo
(17) [keˈja ˌdaˈɾatildeni]
keˈjat ˈta-tatilden-i milho deitar-imperfectivo-neutro
eacute milho deitado (espalhado no chatildeo)
Como no Latundecirc o verbo (e nome) natildeo termina em vogal posterior tal restriccedilatildeo
pode explicar a anteriorizaccedilatildeo do geruacutendio do portuguecircs
6115 Reduccedilatildeo das palatais nasal e lateral
A reduccedilatildeo das palatais nasal e lateral estaacute diretamente ligada agrave natildeo existecircncia
destes segmentos no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc No entanto Clements e
Hume (1995) em seus estudos apontam estes fonemas como complexos do ponto
de vista de seu comportamento
175
Os segmentos ɲ e ʎ satildeo consoantes mais marcadas A natildeo realizaccedilatildeo destas
consoantes no Latundecirc jaacute eacute um fator para a natildeo realizaccedilatildeo no Portuguecircs devido agrave
complexidade inerente de tais segmentos Enquanto segmentos mais complexos
as palatais satildeo sujeitas ao enfraquecimento atraveacutes da iotizaccedilatildeo (vocalizaccedilatildeo)
Mesmo no portuguecircs esse eacute um processo operante particularmente em
variedades populares Mattoso Cacircmara (1981 p 149) descreve que se trata de
ldquomudanccedila de uma vogal ou consoante para a vogal anterior alta i ou para a semivogal correspondente ou iode Nos falares crioulos portugueses haacute a iotizaccedilatildeo das consoantes molhadas ʎ e ɲ ex mulher gt muyeacute nhonho gt ioiocirc (africanismo)rdquo
Aleacutem da iotizaccedilatildeo o portuguecircs apresenta a despalatizaccedilatildeo da lateral em que ʎ
realiza-se [l] como em [muˈlɛ] lsquomulherrsquo
No portuguecircs dos Latundecirc o enfraquecimento se daacute mais frequentemente pela
iotizaccedilatildeo como em (18) Estas realizaccedilotildees ocorrem na fala dos mais velhos na
geraccedilatildeo anterior ao contato
18) [muˈjɛ] mulher
[baɾuj] barulho
[ojˈatildenƱ] olhando
[vimej] vermelho (19) [fila] filha [fola] folha
Weinreich (1953 p 18) explica que quando em sistemas foneacuteticos em contato
podem ocorrer os processos de reinterpretaccedilatildeo de fone que leva a substituiccedilatildeo
de segmento Eacute o que acontece nos exemplos acima
176
Em (20) e (21) o processo de despalatalizaccedilatildeo resulta no apagamento total da
palatal
(20) [miƱ] milho [fii] filho (21) [mia] minha A reduccedilatildeo tem menos restriccedilotildees se comparada com os fatos do portuguecircs falado
por nativo Em (20) as ocorrecircncias satildeo atestadas no portuguecircs enquanto primeira
liacutengua Diante da vogal posterior natildeo apenas o apagamento da palatal pode
ocorrer como tambeacutem o da siacutelaba inteira Em (21) observamos uma realizaccedilatildeo
particular dos Latundecirc em que a consoante palatal nasal eacute apagada plenamente
sem deixar vestiacutegio nasal na vogal que a precede Esse fato tem relaccedilatildeo com a
complexidade que envolve as nasais na liacutengua indiacutegena a qual natildeo coincide com
os processos existentes no portuguecircs
No caso de (22) ocorre o apagamento da siacutelaba em que se encontra a palatal
nasal do diminutivo eacute comum a variedades populares do portuguecircs
(22) [pikinĩnĩ ] pequenininho [faki ] faquinha
Como afirmamos no iniacutecio da seccedilatildeo os segmentos palatais natildeo existem em
Latundecirc o que torna sua produccedilatildeo no Portuguecircs falado pelos Latundecirc mais
marcada e de difiacutecil ocorrecircncia
177
6116 Afeacuterese
A afeacuterese eacute um processo foneacutetico que consiste na queda de elementos iniciais do
vocaacutebulo Este processo que fora responsaacutevel pelas modificaccedilotildees foneacuteticas do
Latim para o Portuguecircs ainda eacute atuante no estaacutegio atual da liacutengua
A queda da siacutelaba inicial es- em verbos como esperar e estar e do a- em
vocaacutebulos como aqui e acabar eacute muito comum em alguns dialetos brasileiros
Entretanto este tipo de delaccedilatildeo no portuguecircs falado pelos Latundecirc se expande
para outros vocaacutebulos da liacutengua conforme os exemplos abaixo
(23) [kutatildeni] escutando [kapa] escapa [kapo] escapou [peɾatildenƱ] esperando
[pi gada] espingarda
(24) [tupiw] entupiu [gatildeno] enganou [tehaɾƱ] enterraram
(25) [kɪ] aqui [lsquokelɪ] aquele [bɾasadƱ] abraccedilado
[meto] aumentou [korsquodadƱ] acordado [batildedono] abandonou [kaboʃe] acabou-se
(26) [fiɾe tɪ] diferente
[pitaw] hospital
178
Natildeo consta no inventaacuterio fonoloacutegico dessa liacutengua a presenccedila da fricativa alveolar
surda em posiccedilatildeo de coda Essa restriccedilatildeo eacute transferida para o portuguecircs falado
por Latundecirc conforme (23)
Outra razatildeo para esse fenocircmeno pode estar na estrutura prosoacutedica da palavra no
Latundecirc Nessa liacutengua as palavras satildeo monossilaacutebicas ou dissilaacutebicas Raiacutezes
com mais de duas siacutelabas satildeo raras (TELLES 2002) Associado a isso o acento
eacute morfoloacutegico em raiacutezes Nas dissilaacutebicas o acento recai na segunda siacutelaba
(27) [ˈmatilde ginĩde] ˈmatildejn-kiˈnĩn-te caju-redondo-Sufixo Nominal
lsquocastanha de cajursquo
No dado (27) encontramos exemplos de raiz monossilaacutebica e de raiz dissilaacutebica
Jaacute no portuguecircs haacute um nuacutemero relevante de palavras trissiacutelabas e polissiacutelabas
Diante disso a afeacuterese pode ser uma interferecircncia da estrutura do leacutexico da
liacutengua indiacutegena para simplificar a estrutura do portuguecircs - mais marcada no
Latundecirc Este fenocircmeno natildeo afeta o acento e eacute operante sobretudo quando a
siacutelaba inicial natildeo tem onset
6117 Apoacutecope
A apoacutecope eacute uma das formas de apagamento de segmentos que estaacute
relacionada assim como a afeacuterese a outros processos foneacuteticos
179
A queda de elementos finais eacute uma das formas de reduccedilatildeo ou reorganizaccedilatildeo
silaacutebica e de palavras Assim como nos demais processos a siacutelaba tocircnica eacute
preservada de qualquer alteraccedilatildeo
Embora alguns processos explicados aqui tratem da apoacutecope como a reduccedilatildeo do
geruacutendio e ditongo finais ou apagamento da nasal palatal a exemplo de (27)
estes exemplos jaacute foram mecionados nas seccedilotildees anteriores A presenccedila deles
aqui eacute para mostrar que os outros processos foneacuteticos resultam na apoacutecope
(28) [ ʒ rsquotaɾɪ] juntaram
[tursquodĩ] tudinho [ti ] tinha
[lsquovE ] velho [kabersquosĩ] cabecinha [lsquonatilde] natildeo [lsquomatilde] matildee (29) [lsquove] ver [lsquokɛ] quer (30) [nɔj] noacutes
[maj] mais [dirsquofisɪ] difiacutecil [dirsquofisƱ] difiacutecil [tatildersquome j] tambeacutem
(31) [virsquoa] viado [lsquoluɾɪ] Lurdes
[lsquote ] dele
Em (29) a apoacutecope do R final eacute processo muito comum no portuguecircs atual
Diante de tal explicaccedilatildeo natildeo nos cabe assegurar se o processo eacute proacuteprio do
180
Latundecirc ou se da variedade atraveacutes da qual os indiacutegenas adquiriram o portuguecircs
Os dados em (30) tambeacutem apontam para a interpretaccedilatildeo dos dados mostrados
em (29)
Em (31) os dados apresentam um apagamento incomum ao portuguecircs de
nativos A fala espontacircnea e natildeo tensa eacute uma possibilidade explicativa uma vez
que essas ocorrecircncias natildeo satildeo sistemaacuteticas
Os dados de apoacutecope natildeo evidenciam a transferecircncia de traccedilos mais marcados
do Latundecirc para o portuguecircs
6118 Siacutencope86
A forma mais comum deste processo se apresenta no portuguecircs nas
proparoxiacutetonas Em alguns dialetos a depender do contexto linguiacutestico eacute
categoacuterico a ocorrecircncia da reduccedilatildeo interna no vocaacutebulo
Nos exemplos elencados em (32) no caso das proparoxiacutetonas tal reduccedilatildeo eacute
motivada pelo padratildeo acentual do portuguecircs que permite com mais toleracircncia o
padratildeo paroxiacutetono ao proparoxiacutetono conforme Silva (2006 p78)
Quando ocorrente no Portuguecircs este processo estaacute relacionado ao apagamento
da vogal postocircnica medial Com a reduccedilatildeo vocaacutelica a consoante precedente
pode tomar dois caminhos i) eacute incorporado agrave siacutelaba tocircnica na posiccedilatildeo de coda ii)
86
Os exemplos apresentados demonstram que o processo ocorrente eacute muito mais motivado pelo
Portuguecircs do que pelo Latundecirc A nossa classificaccedilatildeo fica aqui a caraacuteter de registro
181
passa a onset da siacutelaba aacutetona seguinte o que afeta sua constituiccedilatildeo O
apagamento vocaacutelico resulta em uma palavra paroxiacutetona
(32) [lsquomuʒka] muacutesica [lsquohapƱ] raacutepido [lsquokOʃka] coacutecega [lsquoavɾɪ] aacutervore
Entendemos que muitas destas ocorrecircncias no Latundecirc se datildeo pelo portuguecircs de
contato Isso eacute confirmado pela produccedilatildeo de ldquomuacutesicardquo e ldquocoacutecegardquo que licencia
uma restriccedilatildeo forte no Latundecirc a fricativa sibilante em coda Aleacutem disso a
produccedilatildeo de ldquoraacutepidordquo ([ˈhapƱ]) tambeacutem coincide com a realizaccedilatildeo encontrada no
portuguecircs popular na qual a consoante em onset da siacutelaba apagada passa a
onset da siacutelaba seguinte devido agrave restriccedilatildeo no portuguecircs de onda oclusiva
612 Ganho de elementos (Inserccedilatildeo de elementos)
Embora em menor nuacutemero os processos que resultam em ganhos de elementos
tambeacutem ocorrem no Portuguecircs falado pelos Latundecirc Satildeo poucos os processos e
menores ainda os casos em que eles ocorrem Isso pode ser explicado como jaacute
fora dito devido ao fato de as liacutenguas em geral terem um dinamismo proacuteprio que
favorece mais agrave perda do que o ganho de elemento Em alguns casos a
motivaccedilatildeo para o ganho de material foneacutetico satildeo as restriccedilotildees fonotaacuteticas da
liacutengua e ou a tendecircncia agrave formaccedilatildeo de padratildeo silaacutebico menos marcado No caso
do portuguecircs de acordo com Collischonn (2004 p 67) um tipo de ganho de
material precisamente a epecircntese vocaacutelica
ocorre mais quando a consoante perdida estaacute em posiccedilatildeo pretocircnica como em objeto magneacutetico e opccedilatildeo ocorrendo em apenas 24 dos vocaacutebulos na posiccedilatildeo postocircnica em palavras como egiacutepcios eacutetnico ou ritmo Mais especificamente estes resultados mostram que a epecircntese que em outros contextos
182
ocorre numa taxa bastante alta eacute dramaticamente reduzida em posiccedilatildeo postocircnica
Exemplos do que a autora descreve seguem apresentados abaixo em (33) O
primeiro dado traz a inserccedilatildeo da vogal epenteacutetica default no portuguecircs a anterior
alta [i] e a segundo natildeo ocorrecircncia da inserccedilatildeo
(33) [lsquoabiˈsuhdƱ] absurdo [koˈlapisƱ] colapso
A epecircntese vocaacutelica nos dados examinados natildeo foi muito expressiva sobretudo
pelo fato de natildeo termos encontrado um nuacutemero significativo de palavras com
encontro consonantal no leacutexico dos indiacutegenas Entretanto alguns casos como em
(34) ilustram a ocorrecircncia no portuguecircs dos Latundecirc
(34) [ˈmɔgunƱ] mogno (35) [piˈnew] pneu
A estrutura que favorece a epecircntese no portuguecircs natildeo faz parte das regras
fonotaacuteticas do Latundecirc o que tambeacutem pode favorecer a vogal epenteacutetica nos
dados observados
(36) [haacutersquopazɪ] rapaz [haacutersquopazƱ] rapaz [parsquope sɪ] papeacuteis [dorsquose zɪ] de vocecircs [lsquonͻ zɪ] noacutes
183
Diferentemente do que ocorre em (34 - 35) os dados de (36) nos direcionam para
a paragoge processo que se caracteriza pela inserccedilatildeo de elemento(s) no final do
vocaacutebulo Este processo tambeacutem estaacute diretamente ligado agrave presenccedila da fricativa
alveolar desvozeada em coda sendo esse segmento proibido nessa posiccedilatildeo no
Latundecirc No caso citado a inserccedilatildeo pode ser da vogal alta posterior rapaz
[hapazƱ] mas a preferecircncia eacute pela vogal alta anterior que eacute a vogal menos
marcada [hapazɪ] rapaz noacutes [lsquonͻ zɪ]
Em (37) o processo de paragoge ocorre apoacutes o processo de monotongaccedilatildeo
ocorrendo no ditongo [atildew] que passa a ser realizado como a vogal nasal meacutedia
posterior conforme discutido em 5111 Apoacutes esse processo haacute a inserccedilatildeo do
consoante nasal seguida da vogal alta anterior A paragoge eacute variaacutevel com a
reduccedilatildeo do ditongo ([tubaˈɾotilde]) A inserccedilatildeo da siacutelaba final [-ni] pode decorrer da
existecircncia produtiva de terminaccedilatildeo sonora semelhante em vocaacutebulos (nominais e
verbais) no Latundecirc
(37) [tubarsquoɾotildenɪ] tubaratildeo
Em (38) o processo ocorrente eacute a proacutetese Se para o processo inverso - a afeacuterese
- os dados satildeo em maior quantidade para a proacutetese satildeo pouquiacutessimos os
contextos em que ela ocorre No caso deste exemplo a proacutetese se daacute a presenccedila
da vogal baixa diante do verbo Este tipo de proacutetese eacute bem recorrente no
Portuguecircs em dados como ([alemˈbra]) Entretanto o caraacuteter pontual da
ocorrecircncia do fenocircmeno natildeo favorece uma interpretaccedilatildeo mais segura
(38) [atorsquomaɾu] tomaram
184
Outra forma de ganho de elementos pode ser o prolongamento da vogal final O
exemplo de (39) nos mostra o prolongamento da vogal meacutedia anterior Essa
ocorrecircncia foi observada no contexto especiacutefico de ecircnfase
(39) [dese] desse [se] esse
613 Alteraccedilatildeo de elementos (Permuta ou transposiccedilatildeo)
A alteraccedilatildeo de elementos linguiacutesticos eacute considerada na literatura histoacuterica como o
terceiro tipo de alternacircncia focircnica inerente agraves liacutenguas Os contextos em que o
cacircmbio eacute permitido satildeo diversos e direcionados por distintas regras fonoloacutegicas
Muitos desses processos natildeo alteram a estrutura silaacutebica nem atinge a estrutura
lexical O que ocorre de fato eacute a acomodaccedilatildeo de alguns segmentos no dialeto
falado seja pela mudanccedila de traccedilo(s) ou seja pela de segmento(s)
6131 Despalatalizaccedilatildeo de [ʃ] e [ʒ]
Tratamos na seccedilatildeo 5115 do processo da reduccedilatildeo das palatais [ʎ] e [ɳ] que
tambeacutem se configura como um caso de despalatalizaccedilatildeo Todavia tal
classificaccedilatildeo se daacute devido ao fato de estaacute ligada agrave perda de elementos enquanto
a que trataremos agora se configura da permuta ou da reduccedilatildeo de traccedilos
185
Em Latundecirc a presenccedila das palatais [ʃ] e [tʃ] satildeo realizaccedilotildees de s Estas podem
vir em iniacutecio e em meio de palavras As realizaccedilotildees [ʃ] e [s] satildeo preferidas pelos
mais novos enquanto os mais velhos optam pela africada alveolo-palatal surda
Diferentemente no Portuguecircs falado por Latundecirc as realizaccedilotildees natildeo
palatalizadas satildeo preferidas Os Latundecirc natildeo transferem o segmento mais
marcado para o Portuguecircs Contudo conforme seccedilatildeo a seguir veremos que este
processo eacute variaacutevel e pode se dar em qualquer posiccedilatildeo do vocaacutebulo conforme
dados de (40)
(40) [sersquogo] chegou [sersquogamƱ] chegamos [sorsquoɾanƱ] chorando [sursquopaha] chupava [satildematildedƱ] chamando [dersquosaɾƱ] deixaram [casueɾƱ] cachoeira
[mersquosenƱ] mexendo [bisƱ] bicho [baso] baixo [debasƱ] debaixo [lsquopesƱ] peixe [dirsquoso] deixou
Natildeo consta no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc as consoantes z e ʒ de forma
que a liacutengua natildeo apresenta oposiccedilatildeo entre surda e sonora para as fricativas
sibilantes Em (41) o processo de despalatalizaccedilatildeo atinge a fricativa alveopalatal
vozeada que passa a se comportar como fricativa alveolar em iniacutecio de siacutelaba e
em meio de palavras
(41) [lizeɾƱ] ligeiro
186
[lsquolotildezɪ] longe [lsquosuzɪ] suja [lsquosuzu] sujo [azursquoda] ajudar [lsquozudia] judia [azersquota] ajeitar
A escolha do segmento menos marcado segue o que ocorreu com s a
realizaccedilatildeo desses segmentos satildeo adquiridos analogicamente e a presenccedila se daacute
no interior do vocaacutebulo Trata-se da reinterpretaccedilatildeo e acomodaccedilatildeo do segmento
Neste caso do menos marcado jaacute que ambos satildeo menos naturais em sua liacutengua
(WEINREICH 1953)
6132 Palatalizaccedilatildeo
A quantidade de sons palatais do Latundecirc natildeo corresponde aos do Portuguecircs
Em Latundecirc a palatalizaccedilatildeo eacute um processo foneacutetico que ocorre com o segmento
s e em incidecircncia extremamente escassa com t em ambientes que jaacute foram
postos no Capiacutetulo IV que trata deste sistema foneacutetico Eacute um processo bastante
variaacutevel tendo em vista a natildeo presenccedila desse segmento na subjacecircncia da
liacutengua Essa variaccedilatildeo ocorre marcadamente na fala dos mais velhos Os mais
jovens que adquiriram ambas as liacutenguas (Portuguecircs e Latundecirc)
simultaneamente produzem em menor proporccedilatildeo este processo
A africada [tʃ] eacute um segmento que tambeacutem apresenta uma realizaccedilatildeo altamente
variaacutevel provavelmente devido agrave histoacuteria interna da liacutengua conforme Telles
187
(2002 p85) No Latundecirc natildeo haacute diferenccedila entre a oposiccedilatildeo foneacutetica entre as
alveolares de um lado e as palatais e alveacuteolo-palatais de outro
Em (42) e (43) a palatalizaccedilatildeo atinge tanto a fricativa alveolar vozeada quanto a
desvozeada
(42) [ʃu rsquomiɾƱ] sumiram
[ lsquoʃi ma] cima
[ʃigursquoɾow] segurou
(43) [lsquoua] usa
[bursquoʒoɾƱ] Besouro
Em (44) e (45) a palatalizaccedilatildeo abrange as consoantes oclusivas alveolares que
se realizam como africadas alveolo-palatais podendo ocorrer em qualquer
posiccedilatildeo ou contexto da palavra
(44) [lsquoĩdƱ] iacutendio
[matildersquodɔga] mandioca
[ɛrsquoĩ] zezinho
[odʒɪ] hoje [tʃi rsquodʒeɾƱ] cinzeiro
Embora no Portuguecircs o processo de africativizaccedilatildeo de oclusivas alveolares [t d]
seja comum a alguns dialetos como o do Rio de Janeiro [lsquotʃia] e do portuguecircs
popular no Nordeste [lsquoojtʃƱ] sua ocorrecircncia eacute condicionada agrave contiguidade de uma
vogal anterior alta [i] Diferentemente em Latundecirc a palatalizaccedilatildeo e a
188
fricativizaccedilatildeo variam entre si e ocorrem tambeacutem com a fricativa alveolar s Este
processo pode ocorrer em qualquer lugar da palavra
(45) [tʃai] sair [tʃiɾi ga] seringa
[barsquotʃotilde] batom [tʃͻ] soacute [tʃumiɾƱ] sumiram
[tʃobɾo] sobrou
[arsquotʃi ] assim
[tʃubi nƱ] subindo
[pɔtʃa] porta
[rsquotʃua] suja
Os exemplos de (46) apontam para um processo secundaacuterio o fortalecimento
Neste caso a fricativa alveopalatal passa a ser pronunciada como africada
(46) [ tʃoɾatildenƱ] chorando [tʃama] chama [tʃega] chega [ tʃursquoveɾƱ] chuveiro [kaharsquopitʃƱ] carrapicho
No que tange agrave abordagem das palatais a variaccedilatildeo no processo de acomodaccedilatildeo
desses inventaacuterios fonoloacutegicos eacute muito grande A partir das incidecircncias
percebemos que no Portuguecircs resultante do contato a ocorrecircncia desses
segmentos complexos se mostra tambeacutem na mesma proporccedilatildeo
Diante da palatalizaccedilatildeo incluindo a africativizaccedilatildeo observamos que os dados
apresentam duas direccedilotildees quanto ao processo Nos mesmos contextos tanto
ocorre a despalatalizaccedilatildeo quanto a palatalizaccedilatildeo Essa variaccedilatildeo no portuguecircs dos
189
indiacutegenas eacute engatilhada pela ausecircncia do contraste szʃʒ em sua primeira
liacutengua
6133 Desvozeamento e vozeamento
Diferente do portuguecircs no Latundecirc natildeo haacute oposiccedilatildeo das oclusivas quanto agrave
sonoridade As consoantes oclusivas subjacentes satildeo as surdas bilabial alveolar
e velar p t e k respectivamente Sua realizaccedilatildeo sonora eacute condicionada pela
posiccedilatildeo na palavra pelo ambiente (contiguidade nasal) e pelo acento O
vozeamente obrigatoacuterio ocorre quando elas precedidas por consoante nasal na
coda da siacutelaba anterior O processo ocorre tanto no interior quanto em fronteiras
de morfemas (TELLES 2002 p135)
A ausecircncia do contraste surdo-sonoro nas consoantes oclusivas do Latundecirc afeta
a realizaccedilatildeo das consoantes no portuguecircs resultante do contato Na produccedilatildeo dos
indiacutegenas mais velhos (esse fenocircmeno natildeo foi observado na geraccedilatildeo mais
jovem) o processo de desvozeamento atinge as consoantes oclusivas sonoras g
d do portuguecircs conforme (47) e (48)
A realizaccedilatildeo sonora Latundecirc envolve o traccedilo laringal Foneticamente em fala
lenta haacute a realizaccedilatildeo de [d] como alofone de t Telles (2002 p 45) explica que
os falantes mais jovens da geraccedilatildeo poacutes-contato que adquiriram o Portuguecircs
simultaneamente ao Latundecirc neutralizaram o contraste entre sons realizando
preferencialmente o som menos marcado natildeo-implodido Diferentemente dos
mais novos os mais velhos preferem o som implosivo [ɗ]
190
Quanto ao segmento [g] o Latundecirc o tem enquanto alofone de [k] e pode ser
encontrado em iniacutecio de palavra quando em fala raacutepida Mostra-se categoacuterico em
meio de palavra quando diante de uma nasal lexical Em ambiente intervocaacutelico
pode-se encontrar a variaccedilatildeo entre [k] e [g] das quais eacute preferencial a realizaccedilatildeo
da vogal surda (idem p73) A falta do contraste no Latundecirc explica as
realizaccedilotildees de (47)
(47) [lsquobɾika] briga [lsquokoʃta] gosta [kɔviotilde] gaviatildeo
[katildersquoba] gambaacute
A ausecircncia do segmento [d] em Latundecirc eacute a responsaacutevel pela variaccedilatildeo e pela natildeo
realizaccedilatildeo dessa consoante que ocorre como oclusiva alveacuteolo-palatal t
(48) [tipoj] depois [se rsquotatu] sentado
(49) [hatildega] arranca
Em (49) diferentemente do processo de desvozeamento a oclusiva velar se
realiza como sonora A contiguidade nasal em posiccedilatildeo precedente condiciona o
vozeamente da oclusiva velar
Em todos os casos observados acima fica evidente a interferecircncia do Latundecirc no
portuguecircs indiacutegena As consoantes sonoras que satildeo mais marcadas
interliguisticamente por natildeo fonoloacutegicas no Latundecirc se tornam ainda mais
marcadas nessa liacutengua Na produccedilatildeo do portuguecircs os Latundecirc mais velhos
191
preservam a marcaccedilatildeo e apresentam uma realizaccedilatildeo com condicionamento
emprestado da liacutengua indiacutegena
6134 Abaixamento e Elevaccedilatildeo das Vogais Orais
No portuguecircs falado pelos Latundecirc os processos de abaixamento e elevaccedilatildeo
diferenciam-se dos contextos em que ocorrem no portuguecircs Os de elevaccedilatildeo satildeo
em maior nuacutemero que os de abaixamento fato este tambeacutem verificado no
portuguecircs falado pelos Latundecirc
No caso de (50) o uacutenico caso de abaixamento ocorre na vogal anterior nasal e
que passa a ser pronunciada como vogal baixa oral
(50) [asina] ensinar [asinatildenɪ] ensinando
Em (51) a elevaccedilatildeo ocorre com a vogal central baixa final que passa a alta
anterior
(51) [suzɪ] suja [kazɪ] causa [kazɪ] casa [li gɪ] liacutengua
[pɾersquogisɪ] preguiccedila
Assim como em (51) em (52) a elevaccedilatildeo da vogal final tambeacutem eacute realizada como
alta anterior No segundo caso natildeo se trata de elevaccedilatildeo mas de anteriorizaccedilatildeo
uma vez que a vogal meacutedia posterior que ocorre em nomes no portuguecircs eacute
realizada como alta posterior
192
(52) [li pɪ] limpo
[kotildemɪ] como [pɾeti] preto
[saɾatildepɪ] sarampo
[pɾimeɾɪ] primeiro
[morsquosegɪ] morcego [morsquohe dɪ] morrendo
[novɪ ] novo
[kursquoɳadɪ] cunhado [otɪ] outro [fikatildenɪ] ficando
A elevaccedilatildeo e posteriorizaccedilatildeo tambeacutem ocorrem no final dos vocaacutebulos como em
(53)
(53) [kabesƱ] cabeccedila [kanɛlƱ] canela
[mini nadƱ] mininada
[malaɾƱ] malaacuteria
[kursquoru Ʊ] coruja
Em (54) temos tambeacutem a posteriorizaccedilatildeo da alta anterior Assim como a meacutedia
posterior em (52) a meacutedia anterior no portuguecircs eacute amplamente produzida como
alta anterior de forma que o alccedilamento em si natildeo se configura como um
processo do portuguecircs do contato
(54) [hedƱ] rede [bastatildetƱ] bastante [pesƱ] peixe [notƱ] noite [febɾƱ] febre
193
Apesar de natildeo encontrarmos itens que mostrassem a sistematicidade do
condicionamento entre [i] e [u] em final de palavras os dados nos mostram que
haacute uma tendecircncia na base das realizaccedilotildees Os vocaacutebulos terminados em [Ʊ]
tendem a ser produzidos com [ɪ] e os terminados por [a] tendem a ser realizados
com [Ʊ]
Nos dados observados a variaccedilatildeo entre [i] e [Ʊ] soacute ocorre em final de vocaacutebulo
quando se trata da paragoge conforme visto nos exemplos (36) em 512
[harsquopazɪ] ~ [harsquopazʊ]
Os dados em (55) ilustram a falta de regularidade no alccedilamento das vogais
pretocircnicas Como vemos em [fuˈkatildemƱ] e [virsquome ] a tonicidade ou a contiguidade
segmental natildeo condiciona a elevaccedilatildeo da pretocircnica
(55) [pig ta] pergunta [piskosƱ] pescoccedilo [hirsquopotildedew] respondeu [pigu rsquotatildenɪ] perguntando
[dimorsquoɾo] demorou
[virsquome ] vermelho [dimursquoɾatildenɪ] demorando
[fuˈkatildemƱ] ficamos
[kuˈmiw] comeu
194
6135 Nasalizaccedilatildeo e Desnasalizaccedilatildeo
No Latundecirc a nasalidade vocaacutelica eacute contrastiva para a central baixa a anterior
alta e a posterior alta seguidas por consoante nasal tautossilaacutebica A nasalizaccedilatildeo
alofocircnica soacute ocorre com vogais aacutetonas Apesar de a organizaccedilatildeo do traccedilo nasal
na fonologia do Latundecirc ser distinta da do portuguecircs o status contrastivo do traccedilo
em ambas as liacutenguas favorece sua percepccedilatildeo e realizaccedilatildeo na produccedilatildeo na sala
no portuguecircs Entretanto a nasal depende tambeacutem de outros fenocircmenos
cooperantes
Os dados a seguir ilustram a ocorrecircncia da nasalizaccedilatildeo em vogais A
contiguidade da vogal com uma consoante nasal mesmo heterossilaacutebica pode
resultar na nasalizaccedilatildeo O primeiro dado abaixo foge do esperado em liacutengua
portuguesa e tampouco decorre de uma interferecircncia do Latundecirc
(56) [mersquoatilde] meia [bɾĩrsquogatildenƱ] brigando [ʃu miɾƱ] sumiram
[mi mƱ] mesmo
Em (57) ocorre a desnasalizaccedilatildeo em palavras funcionais Esses casos natildeo satildeo
frequentes no leacutexico e natildeo podem ser analisados como resultados de interferecircncia
direta O apagamento da nasal em coda ou em onset seguinte impede a
nasalizaccedilatildeo
(57) [nɪ] nem (natildeo) [mia] minha
195
6136 Fenocircmenos evolvendo os roacuteticos
O tratamento do roacutetico requer uma consideraccedilatildeo sobre o seu comportamento
interlinguiacutestico Retomando as palavras de Bonet e Mascaroacute (1997 p 103)
It is well know that the phonetic realization of rhotics varies considerably from language to language even from dialect to dialect Rhotics can be realized as flaps taps trills (uvular coronal ou bilabial) or as assibilated or fricative variants They ca alternate with a lateral liquid with glides and in some cases a flap can occur as the phonetic realization of a coronal stop in specific environments
Os roacuteticos satildeo segmentos que apresentam uma grande variaccedilatildeo no portuguecircs
Natildeo diferentemente estes elementos tambeacutem se mostraram como motivadores
de vaacuterios processos fonoloacutegicos do portuguecircs falado pelos Latundecirc
Os exemplos dispostos em (58) apontam para a aspiraccedilatildeo do R em coda
silaacutebica Processo este que eacute comum a variedades do portuguecircs e que tambeacutem
no caso em tela pode ser motivado pela preferecircncia de natildeo coda da liacutengua
Latundecirc que favorece o seu enfraquecimento atraveacutes de uma realizaccedilatildeo fricativa
glotal
(58) [duhmɪ] Dormi [mɛgursquola] mergulhar
[fosa] Forsa
O rotacismo eacute um fenocircmeno presente no portuguecircs dos Latundecirc especialmente
entre os mais velhos Fonemas distintos podem sofrer o processo Em (59) a
realizaccedilatildeo do flap tem na base uma sibilante uma lateral palatal e uma oclusiva
196
alveolar Em ldquotrabalhavardquo a lateral palatal inexistente no Latundecirc poderia ser
subtituida pela lateral alveolar constante do inventaacuterio da liacutengua indiacutegena
Entretanto o flap apesar de natildeo fonoloacutegico no Latundecirc eacute um segmento muito
frequente na liacutengua decorrente de processo de enfraquecimento Essa tendecircncia
do Latundecirc pode estar na base da realizaccedilatildeo do portuguecircs Dentre as ocorrecircncias
abaixo a uacuteltima se coloca como um processo frequente no proacuteprio Latundecirc no
qual uma oclusiva passa a flap em ambiente intervocaacutelico
(59) [karsquoboɾe] acabou-se
[tabaɾava] trabalhava
[poɾɪ] pode
Em Portuguecircs particularmente falado por sujeitos menos escolarizados o
fenocircmeno do rotacismo tambeacutem eacute frequente em encontros consonantais
tautossilaacutebicos em que a segunda consoante eacute a lateral alveolar l Dessa forma
produccedilatildeo encontrada em (60) pode ser devido ao contato com o Portuguecircs local
(60) [pɾatildeta] planta
[gɾɛba] gleba
[fɾɛsa] flecha
Em termos da organizaccedilatildeo da fonologia de ambas as liacutenguas os dados em (60)
assim como aqueles em (59) podem ser refletidos a partir da escala de
sonoridade proposta por Bonet e Mascaroacute (1997 p 109)
197
Quadro 21 Escala de Sonoridade adaptada de Bonet e Mascaroacute 1997 p 109)
0 1 2 3 4
Obstruintes
(oclusivas
fricativas trill)
nasais laterais glides
flap
vogais
Considerando a posiccedilatildeo do flap na escala de Bonet e Mascaroacute podemos
interpretar tanto o rotacimo no portuguecircs natildeo padratildeo quanto aquele presente no
Latundecirc como resultado de enfraquecimento de diferentes segmentos situados
mais agrave esquerda no ranking de sonoridade Entre esses segmentos como
observamos na escala acima encontra-se a proacutepria lateral alveolar que apesar
de tradicionalmente formar a classe das liacutequidas ao lado dos roacuteticos natildeo
apresenta a mesma sonoridade que o flap
6137 Labializaccedilatildeo e Deslabializaccedilatildeo
No Portuguecircs falado pelos Latundecirc os processos que envolvem articulaccedilatildeo
secundaacuteria especificamente a labializaccedilatildeo e a deslabializaccedilatildeo estatildeo
relacionados agraves consoantes oclusivas velares e se realizam praticamente nos
mesmos contextos Trata-se de um processo foneacutetico variaacutevel
(61) [kƱɪ] que [kƱelɪ] com ele (62) [kazɪ] quase [katildedƱ] quando
198
[karsquokƱɛ] qualquer
[li gɪ] liacutengua
No Latundecirc a labializaccedilatildeo pode ser derivada de processo mas eacute restrita em
ocorrecircncia Aleacutem disso a sequecircncia da olusiva seguida do glide formando
encontro consonantal tambeacutem natildeo faz parte da fonologia do Latundecirc Esses fatos
favorecem a produccedilatildeo irregular do portuguecircs em que observamos a
deslabializaccedilatildeo (ou o apagamento do glide) como em (62) e a labializaccedilatildeo (ou
inserccedilatildeo do glide) em (61)
6138 Metaacutetese
A alternacircncia de segmentos no portuguecircs falado pelos Latundecirc pode ocorrer
entres siacutelabas diferentes ou entre elementos da mesma siacutelaba Aleacutem disso
ocorre nas duas direccedilotildees (da esquerda para a direita e da direita para a
esquerda)
(63) [bahiƱ] bairro [fɾevenƱ] fervendo [parsquoguo] apagou
Como vemos acima no primeiro dado de (63) ocorre natildeo apenas a metaacutetese
como tambeacutem o avanccedilo do acento resultando numa palavra oxiacutetona Nos demais
dados a tranposiccedilatildeo segmental natildeo interfere na estrutura suprassegmental O
segundo dado de ldquofervendordquo eacute tiacutepico do portuguecircs e pode decorrer da variedade
de contato sobretudo pelo fato de o onset complexo natildeo fazer parte da liacutengua
indiacutegena Em ldquoapaguordquo a metaacutetese resulta na labializaccedilatildeo da oclusiva velar Essa
199
forma de palavra tem como realizaccedilatildeo foneacutetica frequente mesmo no portuguecircs
nativo a monotongaccedilatildeo Nesse caso a metaacutetese resulta de processo irregular e
pontual nos dados observados
Como vimos nas seccedilotildees anteriores os resultados da metaacutetese natildeo correspondem
a estruturas fonoloacutegicas no Latundecirc sendo sua ocorrecircncia derivada de processo
foneacutetico sem condicionamento prosoacutedico
6139 Siacutestole
Alguns casos de siacutestole em que ocorre o recuo do acento foram encontrados na
fala dos mais velhos Natildeo identificamos contexto linguiacutestico como o
sequenciamento focircnico do enunciado fonoloacutegico que justificasse essas
realizaccedilotildees Considerando o fato de a produccedilatildeo ter sido encontrada apenas na
fala da geraccedilatildeo mais velha e de o acento lexial no Latundecirc ser morfoloacutegico
ancorado em uma das duas promeiras siacutelabas da raiz da palavra (TELLES 2002)
eacute plausiacutevel supor uma interferecircncia do padratildeo acentual da liacutengua indiacutegena no
portuguecircs dos Latundecirc Os dados em (64) evidencia o recuo do acento
(64) [mɔhe] morrer
[kalo] calor [katɪ] quati [pega] pegar
Nos dados acima importa considerar tambeacutem o fato de se tratarem de itens
nominais (incluindo as formas nominais dos verbos) Diante disso uma analogia
possiacutevel dos Latundecirc seria a de considerar a raiz monossilaacutebica que eacute altamente
200
produtiva na liacutengua indiacutegena o que tambeacutem justificaria o acento na primeira
siacutelaba da palavra
61310 Fortalecimento
Casos de fortalecimento jaacute foram abordados nas seccedilotildees anteriores em que
tratamos da palatalizaccedilatildeo e da dessonorizaccedilatildeo Nesta seccedilatildeo outro fenocircmeno de
fortalecimento eacute apresentado no qual ocorre a oclusivizaccedilatildeo de fricativas
Salientamos entretanto que essas foram realizaccedilotildees mais esporaacutedicas e menos
recorrentes que as demais
(65) [istubidƱ] subindo [tiguɾa] segura
[torsquoteɾƱ] solteiro
[batitaɾƱ] batizaram
O processo ocorre no iniacutecio e em meio de palavra No primeiro dado em fato haacute
uma epecircntese da oclusiva alveolar surda [t] tendo em vista a preservaccedilatildeo de uma
sutil sibilaccedilatildeo do s em coda da siacutelaba precedente
Na fonologia do Latundecirc o fonema s tem como alofone o fone [t] que ocorre em
siacutelaba aacutetona (TELLES 2002) Embora essa natildeo seja a realizaccedilatildeo mais frequente
a interferecircncia do Latundecirc natildeo pode ser desconsiderada Em todos os dados de
(65) haacute a presenccedila de segmento oclusivo em siacutelaba contiacutegua que tambeacutem pode
ter motivado o fortalecimento do s
201
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
No que concerne agraves poliacuteticas linguiacutesticas diante do glotociacutedio que tem se
instaurado no Brasil desde a chegada dos portugueses dado o estado em que se
encontram as liacutenguas indiacutegenas brasileiras eacute de grande valia qualquer estudo
que vise agrave contribuiccedilatildeo e que favoreccedila natildeo soacute a proteccedilatildeo como o conhecimento
cientiacutefico dessas liacutenguas
O Latundecirc como jaacute mencionamos eacute uma dessas liacutenguas minoritaacuterias Ela se
encontra em extinccedilatildeo uma vez que hoje dispotildee de menos de 20 falantes com
autonomia poliacutetica Devido agrave populaccedilatildeo restrita e agraves relaccedilotildees tradicionais de
parentesco os jovens Latundecirc natildeo podem coabitar entre si de forma que a
interaccedilatildeo com o mundo externo eacute a via de perpetuaccedilatildeo social e ao mesmo
tempo de crescente e natildeo planejado contato linguiacutestico Tais circunstacircncias
implicam a urgecircncia de mais estudos sobre a realidade desse povo
Entedemos que estudar as liacutenguas menos conhecidas eacute de grande valia para o
incremento da ciecircncia linguiacutestica A investigaccedilatildeo de cada nova liacutengua eacute uma
maneira de conceber a linguagem humana e de contribuir dessa forma com os
universais linguiacutesticos e com o entendimento da faculdade humana da linguagem
(CAcircMARA-JR 1977 p6)
Seja entre si ou em contato com outras estas liacutenguas natildeo estatildeo (ou natildeo
estiveram) suficientemente isoladas para evitar algum tipo de proximidade
Thurston (1987 p 165) propaga que toda liacutengua deve ter sofrido alguma
202
influecircncia de seus vizinhos em um determinado ponto e tempo Todos os idiomas
satildeo portanto liacutenguas mistas na medida em que todos copiaram formas lexicais e
outros recursos linguiacutesticos de liacutenguas vizinhas
Thomason (2001 p 17) afirma que o contato linguiacutestico estaacute em toda a parte
muitos paiacuteses tecircm mais do que uma liacutengua oficial e muito provavelmente a maior
parte da populaccedilatildeo mundial fala duas ou mais liacutenguas
Contudo mesmo em grande quantidade os estudos que se encarregam da
observaccedilatildeo do contato linguiacutestico se debruccedilam ainda timidamente nos aspectos
foneacuteticos Com base nesta assertiva este trabalho se propocircs a observar como se
daacute o comportamento entre o Portuguecircs e o Latundecirc a partir da verificaccedilatildeo dos
padrotildees mais e menos marcados nos processos foneacuteticos de acomodaccedilatildeo Eacute um
estudo descritivo em que o Portuguecircs eacute a segunda liacutengua mesmo em face de seu
caraacuteter nacional Essa pluralidade linguiacutestica ainda existente no paiacutes demanda a
concretizaccedilatildeo das poliacuteticas a favor da salvaguarda da diversidade no planeta
Posto que toda liacutengua sofra influecircncia das forccedilas internas e externas que agem
sobre ela partimos do pressuposto de que em qualquer pesquisa linguiacutestica natildeo
encontraremos nada de extraordinaacuterio nada que exceda a experiecircncia do
humano Dessa sorte vamos encontrar () uma estrutura linguiacutestica como
qualquer outra e em muita coisa ateacute possivelmente semelhante agrave nossa
(MATTOSO CAcircMARA-JR 1977 p7)
E quando sistemas entram em contado fenocircmenos emergentes podem ajudar a
esclarecer os princiacutepios e as restriccedilotildees que regem as liacutenguas particulares Com
base na complexidade e na riqueza que advecircm do contato linguiacutestico analisamos
203
estas forccedilas conflitantes com base nos princiacutepios de hierarquizaccedilatildeo e
regularidade que satildeo forccedilas motrizes da marcaccedilatildeo nos processos foneacuteticos Aleacutem
do fator tempo outros aspectos podem estar diretamente ligados agraves
transformaccedilotildees pelas quais uma liacutengua passa como relaccedilotildees de poder
influecircncias de outras liacutenguas subjetividade de seus falantes etc
A marcaccedilatildeo estaacute diretamente ligada agrave simetria frequecircncia e naturalidade
Entretanto Rice (2007) apresenta as caracteriacutesticas da marcaccedilatildeo agrupando-as
em dois conjuntos O primeiro envolve os termos relativos a uma marcaccedilatildeo
considerada natural ou pautada na frequecircncia e diz respeito em larga medida a
ldquophonetic basis of an oppositionrdquo Nele se encontram oposiccedilatildeo como ldquomais ou
menos naturalrdquo ldquomais ou menos complexordquo ldquomais ou menos estaacutevelrdquo ldquosujeito agrave
aquisiccedilatildeo mais ou menos tardiardquo etc (Rice 2007 p 81) O segundo grupo eacute
relativo a comportamentos de sistemas fonoloacutegicos como ser ldquosujeito ou
resultado de neutralizaccedilatildeordquo ldquoser gatilho ou alvo de assimilaccedilatildeordquo Esse grupo
portanto diz respeito agrave marcaccedilatildeo fonoloacutegica ou estrutural
No que diz respeito agrave anaacutelise dos dados quanto aos processos foneacuteticos
percebemos em nosso estudo que
Ainda que com algumas restriccedilotildees a tendecircncia agrave monotongaccedilatildeo eacute
transferida para o Portuguecircs falado por Latundecirc [satildersquogɾaɾi] ldquosangraramrdquo
[kaze] ldquocausardquo
Mesmo em variaccedilatildeo a reduccedilatildeo do onset complexo eacute transferida para o
Portuguecircs seguindo a tendecircncia que o Latundecirc tem de evitar esse tipo de
sequecircncia [bĩ katildenƱ] ldquobrincandordquo [kɛbaɾƱ] ldquoquebraramrdquo
204
O preenchimento da coda eacute evitado pelo Latundecirc processo esse que
tambeacutem eacute atestado no Portuguecircs falado por Latundecirc [pi gũta] ldquoperguntardquo
[gorsquotozƱ] ldquogostosordquo
As consoantes ɲ e ʎ mais marcadas interlinguisticamente tambeacutem o
satildeo no Latundecirc que natildeo os tecircm no seu inventaacuterio fonoloacutegico Como
resultado esses segmentos natildeo satildeo produzidos no Portuguecircs falado pelos
Latundecirc Alternativamente ocorre a substituiccedilatildeo desses fonemas por
segmentos articulatoriamente mais proacuteximos ou o seu apagamento [vimej]
ldquovermelhordquo [fila] ldquofilhardquo [farsquokĩ] ldquofaquinhardquo
A reduccedilatildeo silaacutebica eacute atuante tambeacutem atraveacutes da afeacuterese Como natildeo consta
no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc a presenccedila da fricativa alveolar surda
em posiccedilatildeo de coda essa restriccedilatildeo eacute transferida para o portuguecircs dos
Latundecirc que tambeacutem evita vocaacutebulos com mais de trecircs siacutelabas [kutatildeni]
ldquoescutandordquo [bɾa sadƱ] ldquoabraccediladordquo [fiɾ tɪ] ldquodiferenterdquo
O Latundecirc evita o onset em final de palavra adicionando uma vogal para
reorganizar o padratildeo silaacutebico A vogal mais frequente seraacute a alta anterior
[i] [harsquopazɪ] ldquorapazrdquo [dorsquosejzɪ] ldquode vocecircsrdquo
Os sons [ʃ] [ʒ] [tʃ] e [dʒ] satildeo evitados por natildeo fazerem parte do inventaacuterio
fonoloacutegico do Latundecirc de forma que a sua realizaccedilatildeo eacute mais marcada na
liacutengua O comportamento desses segmentos eacute muito variaacutevel Nos mais
jovens satildeo realizados com mais frequecircncia e nos mais velhos satildeo
reinterpretados envolvendo processos diversos [sersquogamƱ] ldquochegamosrdquo
205
[dersquosaɾƱ] ldquodeixaramrdquo [lizeɾƱ] ldquoligeirordquo [azersquota] ldquoajeitarrdquo [ʃũrsquomiɾƱ] ldquosumiramrdquo
[bursquoʒoɾƱ] ldquobesourordquo [tʃĩrsquodʒeɾƱ] ldquocinzeirordquo
A ausecircncia do contraste surdo-sonoro nas consoantes oclusivas t e k do
Latundecirc promove sua neutralizaccedilatildeo na realizaccedilatildeo das consoantes no
portuguecircs dos indiacutegenas [lsquobɾika] ~ [lsquobriga] ldquobrigardquo [s rsquotatu] ~ [se rsquotado]
ldquosentadordquo
No que tange ao comportamento das vogais meacutedias postocircnicas os
vocaacutebulos terminados em [Ʊ] tendem a ser produzidos com [ɪ] e os
terminados por [a] tendem a ser realizados com [Ʊ] que satildeo vogais menos
marcadas [kazɪ] ldquocausardquo [ lĩpɪ] ldquolimpordquo [ka besƱ] ldquocabeccedilardquo [bas tatildetƱ]
ldquobastanterdquo
A partir dos fenocircmenos observados buscamos responder agraves perguntas
norteadoras da nossa pesquisa abaixo retomadas
Fatores internos (linguiacutesticos) e externos (estruturais) interagem com os
princiacutepios da marcaccedilatildeo
Resposta Quanto aos fatores externos no que diz respeito agrave faixa etaacuteria
os mais jovens tendem a natildeo transferir os padrotildees mais marcados da sua
liacutengua para a liacutengua adquirida Em contrapartida os mais velhos
reproduzem com menor frequecircncia os padrotildees mais marcados do
Portuguecircs (liacutengua dominante)
Qual o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
206
Resposta A marcaccedilatildeo considerada natural responde pela escolha de
padrotildees mais ou menos marcados interlinguisticamente Por essa razatildeo
prevalece a tendecircncia agrave siacutelaba CV do que decorre o apagamento da coda e
a simplificaccedilatildeo de onset complexo De outro lado haacute o natildeo repasse da
laringalizaccedilatildeo vocaacutelica que mesmo fonoloacutegica no Latunecirc eacute menos natural
e mais marcada nas liacutenguas do mundo A marcaccedilatildeo fonoloacutegica eacute
observada na neutralizaccedilatildeo de oposiccedilotildees vaacutelidas no portuguecircs poreacutem
inexitentes na liacutengua indiacutegena como o contraste quanto agrave sonoridade nas
oclusivas e agrave escolha da vogal em posiccedilatildeo final de nomes
Efetivamente um aspecto da marcaccedilatildeo natural pode responder pelo
comportamento da marcaccedilatildeo fonoloacutegica de maneira que natildeo satildeo
caracteriacutesticas de marcaccedilatildeo oponentes entre si No caso em estudo as
duas marcaccedilotildees operam mas natildeo respondem por todos os fenocircmenos
observados Aleacutem disso o caraacuteter altamente variaacutevel das realizaccedilotildees e as
condicionantes sociais dos falantes datildeo chance para a emergecircncia de
processos mais decorrentes da falha na percepccedilatildeo do sinal sem que se
estabeleccedila a regularidade na sua produccedilatildeo
Os traccedilos mais marcados da liacutengua dominada passam para a dominante
Resposta Em alguns caso sim como a africativizaccedilatildeo do s Em outros
natildeo como o natildeo repasse da larinzalizaccedilatildeo vocaacutelica e a oposinccedilatildeo entre
vogais orais e nasais
Ademais em face dos fenocircmenos observados podemos pontuar algums
aspectos relevantes os processos que envolvem perda e permuta de segmentos
satildeo mais frequentes dos que os que envolvem ganho de segmento os segmentos
207
natildeo presentes no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc (liacutengua originaacuteria) tendem a
ser apagados ou reinterpretados pelo segmento mais proacuteximo do portuguecircs
sendo este uacuteltimo o mais frequente os traccedilos mais marcados do Latundecirc estatildeo
mais evidentes nas falas da geraccedilatildeo preacute-contato e a marcaccedilatildeo natildeo estaacute
condicionada apenas aos universais linguiacutesticos mas agraves especificidades das
liacutenguas
Por fim salientamos que o nosso propoacutesito neste estudo foi o de contribuir para a
descriccedilatildeo de liacutenguas incluindo as indiacutegenas e de abrir caminhos para o estudo
do contato linguiacutestico especialmente em niacutevel da foneacutetica e da fonologia
Ressaltamos que este trabalho natildeo encerra o estudo sobre o contato entre as
duas liacutenguas Reconhecemos que os nossos resultados representam um ponto de
partida para investigaccedilotildees posteriores as quais poderatildeo expandir o tema e
avanccedilar no campo da inter-relaccedilatildeo entre contato linguiacutestico e a marcaccedilatildeo
208
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ANEXOS
(Dados Transcritos)
parsquoguo Apagou marsquoma Mamar pegũrsquotatildenu Perguntando barsquoʃo Vassoura rsquokɔsa Coccedilar
marsquoduu Mais duro
rsquokati Quati
arsquoh ti A gente rsquootu Outro irsquoarsquov j E jaacute vem v rsquone ni Veneno pɛgũrsquoto Perguntou rsquofoʃ Foi pɾatildersquoto Plantou rsquosuzu Sujo karsquobeli Cabelo gursquoduɾu Gordura rsquootildemi Homem rsquogodu Gordo rsquopega Pegar dersquotadu Deitado
marsquotau Mataram
korsquokin Coquinho guɾirsquozĩ Gurizinho rsquotakorsquosotildenu Taacute com sono (manutenccedilatildeo) mũdi Mundo ʃursquov ni Chovendo pigũrsquota ni Perguntando sursquov ni Chovendo rsquopɔtʃa Porta kursquomigi Comigo kũversquosatildeni Conversando larsquovatildeni Lavando morsquoh di Morrendo ikursquotatildenu Escutando mursquohidu Morrido marsquohadu Amarrado irsquokutu Escuto
persquohu torsquose Pergunto a vocecirc
rsquoseja Cheia rsquoozi Hoje
rsquoʃuʊ Sujo
222
ursquozotursquopatildejrsquoagʊa Os outros apanham aacutegua
rsquotʃua Suja
bu rsquonitu Bonito
rsquokɛla Aquela
rsquomu tu Muito
vehrsquomejo Vermelho rsquomasu Manso marsquosatildedu Amansando arsquoɾisi Arisco hursquoo Avoou rsquoaga Aacutegua
rsquode tu Dentro
rsquomu tu Muito
rsquotud Tudo irsquopia Espirra isrsquopritu Espiacuterito
rsquofɔti Forte
timirsquotɛi Cemiteacuterio
tɛrsquoha Enterrar
ɔʊrsquoa Jogar (o bicho fora)
tersquoou Enterrou rsquoela Ela matildersquodatilden Mandando batorsquose Bater em vocecirc rsquotokursquotatildenu Tocirc escutando rsquobatildej Banho bɾab Brabo
rsquosɛtu Certo
Kabirsquosela Cabeceira (do rio)
karsquosi bu Cachimbo
tʃursquoveɾu Chuveiro (pau de) rsquoleti Leite rsquofutu Fruto karsquoɾoʃi Caroccedilo kaharsquopitʃu Carrapicho rsquokɾu Crua rsquomasu Massa
pe rsquoʃa Pensar
ojrsquoatildedu Olhando (idem)
pe rsquoʃatilden
Pensando
i te rsquode nu Entendendo
223
irsquokuta Escuta
kwatildedu ew piki nĩnĩ Quando eu era pequenininha
ew bĩrsquokava rorsquodeɾa cũ a lɔrsquoɾĩne
Eu brincava de roda com a Lorine
katildendu pi ĩ
Quando piin
ew tatildebȇĩ cũ a lorsquoɾine
Eu tambeacutem com a Lorine
i lsquoluɾi ku a marsquoɾi
E Lurdes com a Mariacute
mĩa matildey natildew deʃa bɾĩrsquoka
Minha matildee natildeo deixava brincar
eli bɾika corsquomigu
Ela brigava comigo
e koʃta brinrsquoka ni lsquoKotildepu E gostava de brincar no campo
mĩa matildej natildew deʃa bɾĩka Minha matildee natildeo deixava brincar
ersquoli tatildebe j diskuti Ela tambeacutem discutia
tatildebej kɾiatildesa natildew paɾa lsquonɛ Tambeacutem crianccedila natildeo para neacute
fika bahaka bɾĩkatildeni lsquonɛ Fica na barraca brincando neacute
fika gɾitatildeni Fica gritando
a mĩa matilde matildedava bɾĩka lotildeʒi A minha matildee mandava brincar longe
natildew kɛ ve baɾuj na bahaka natildew Natildeo quer ver barulho na barraca natildeo
ki falatildenu O que eu tocirc falando
ki lsquota bɾĩganu nu katildepu Que eu tava brincando no campo
a fruta kirsquoli cotildepi nɛ
A fruta que ele come neacute
kinotildemi di fɾuta Que nome de fruta
akeli iogrii nɛ
Aquele neacute
nɔy sursquopaha lsquo deli Noacutes chupava dele
so eli komenu fɾuta Soacute ali comendo fruta
noj fike mu arsquotɛ ʃersquoga meatilde note
sersquoga
Noacutes ficamos ateacute a meia noite chegar
mĩa matildej bɾiga kumigu Minha matildee brigava comigo
224
tava se ew levatildeta sedu se ew levatildeta sedu
Estava ʔ
va la nu katildepu bɾĩrsquoka Vaacute laacute no campo brincar
u katildepu lsquota satildematildedu orsquosejs O campo taacute chamando vocecircs
noj levatildersquota pɾa bɾĩrsquoka nu kotildepu Noacutes levantaacutevamos para brincar no campo
o katildepu ɛ u maj limpi O campo eacute o mais limpo
eli bɾĩkaru eli istubidu Eles brincaram eles subiram
ɛ ke katildepu num ɛ awto katildepu mũto
baso
Eacute que o campo natildeo eacute alto O campo eacute muito baixo
nɔj sersquogamu bersquobe nu i corsquome nu Noacutes chegamos bebendo e comendo
miu asadu batata e bebe nu
Milho assado batata e bebendo
ew nũm fikej ew bɾĩkava dinoti Eu natildeo fiquei eu brincava de noite
mĩa matildej natildew desa duhmi mĩa matildej bɾiga kumigo
Minha matildee natildeo deixa dormir minha matildee briga comigo
mĩa paj farsquolo sej dumi sedu se pikaɾu cobɾa Kotildemu ki darsquoi
Meu pai falou vocecircs durmam cedo se cobra picar e daiacute
vai sarsquoɾa ou vai a mɔhe Vai sarar ou vai morrer
mĩa paj bɾĩkow diskuti dele natildew Meu pai brigou porque eu natildeo escutava ele natildeo
dohmi amatildersquoɳatilde sedu vorsquose bɾĩrsquoka corsquome mũĩtu fɾuta
Dorme amanhatilde cedo vocecirc vai brincar comer muito fruto
mĩa paj natildew desa ew bɾĩka natildew Meu pai natildeo deixava eu brincar natildeo
natildew icuti dele natildew Natildeo escutei ele natildeo
cɾiatildesa icursquoto crianccedila escutou
iheni fala icursquoto ɛ A gente fala escutou eacute (a gente fala e ela ndash a crianccedila ndash escutou eacute
ni batia natilde mi batia na Natildeo batia natildeo me batia maj eli nũ sabe barsquotih Mas ele natildeo sabia bater
225
falava di bɾabu mihmu Falava bravo mesmo
matildeda agwa matildedƷɔga Mandava buscar aacutegua buscar mandioca
asa biƷu kome Assar beiju comer
nĩ tĩ aacutegua pɾa eli natildew Natildeo tinha aacutegua pra ele natildeo
mĩa matildej natildeo desa ew vĩrsquoga Minha matildee natildeo deixava eu brincar
mĩa povu
Meu povo
bĩ botilde natildew Bem bom natildeo
esi aki bisu bɾabu Esse aqui bicho brabo
mĩa povu matatildedu nosu tudo Meu povo matando o nosso tudo
e ki nomi dee ɛ E que o nome dele eacute
nũ pe rsquosa nisu aki la Natildeo pensar nisso aqui laacute
mĩa matildee falo natildew podi bɾĩka de tu
dagwa notilde
Minha matildee falou natildeo pode brincar dentro drsquoaacutegua natildeo
agwa e mũitu peɾigoso A aacutegua eacute muito perigoso
ĩdƷu vĩ i mata tudĩ nũ iscapa ũ notilde Iacutendio veio e matar tudinho natildeo escapa um natildeo
distotildena kohpu sɔ leva sɔ cabesu Destrona corpo soacute leva soacute a cabeccedila
isu aki nũ ɛ mĩa pare ti notilde Isso aqui natildeo eacute meu parente natildeo
io mimu Eu mesma
nĩge j notilde sabi Ningueacutem natildeo sabe
esi ki ĩdiu moɾava ki i uvi Esse aqui iacutendio morava aqui e ouvi
kɛbaɾu asĩ levo di Quebraram assim levou de Alternacircncia de coacutedigo
demorsquoɾo i ew sersquoge tame j Demorou e eu cheguei tambeacutem
Komi ki rapaɾi kebɾo
Como eacute que o rapaz morreu
226
ai fala pɾa eli nɛ isu ku hapazu Aiacute falou pra ele neacute Isso com o rapaz
eli moɾa debasu di paw nɛ Ele morava debaixo de pau neacute
ve tu dehubo caiw cima deli na
hedu
Vento derrubou caiu em cima dele na rede
sɔ o paj deli capow Soacute o pai dele escapou
vose da mujɛ notilde Vocecirc da mulher natildeo
akeli povu deli mĩ mata todo mĩa povu
Aquele povo dele mata todo meu povo
ĩ via pɾetu Em Veado Preto
paɾEsi kũ ƷEƷĩ Parece com Zezinho
ew moɾa hũtu aki Eu moro junto daqui
keli otɾu Aquele outro
patɾaj iɾe boɾa Para traz ir embora
ai dimorsquoɾo Aiacute demorou
sersquogo Chegou
keli cahĩ sersquogo Aquele Carlinhos chegou
sarsquoi hora orsquoʎa Saiacute fora pra olhar
arsquoi farsquolo dersquosaɾu Aiacute falou deixaram
ota lĩgwa difire ti Outra liacutengua diferente
ta sorsquoɾanu Taacute chorando
ta bĩbotilde natildew Taacute bem bom natildeo
fika tʃorsquoɾatildenu Fica chorando
mĩa pare ti desaɾu mĩa mursquoje Meus parentes deixaram minha mulher
te j bastatildeti Tem bastante
pigũta pa eli Pergunta pra ele
227
maselu kwidava Marcelo cuidava
oti tipu Outro tipo
kotildevɛsa deli nũte di notilde A conversa dele natildeo entendo natildeo
komu ki fala fire ti Como eacute que fala diferente (afeacuterese)
na kohpu uƷa No corpo usa
lizeɾu Ligeiro
tʃarsquoma eli Chamar ele
matildersquodo sabotilde pa eli Mandou sabatildeo pra ele
abɾiw pota Abriu a porta
lava motilde lava pɛ lava bɾasu Lavei a matildeo lavei o peacute lavei o braccedilo
ai ew fikej oiatildenu ai Aiacute eu fiquei olhando aiacute
fikej na pota oiatildenu cutatildeni Eu fiquei na porta olhando
nũ capa niũ Natildeo escapa nenhum
marsquoto cota piskosu Matou e cortou o pescoccedilo
kabesĩn Cabecinha
cusivi kimigu Inclusive comigo
batildeku busa sĩ Branco blusa assim
kursquomiɾu a karsquobesa da lsquoge ti Comeram a cabeccedila da gente
ũ nũ firsquokaɾi Um natildeo ficou
otirsquoĩdʒu Outro iacutendio
ʒũrsquotaɾu Juntaram
bɾirsquogamu pɾa eli Explicamos pra ele
ɔto dii ele vorsquoto dinovu Outro dia ele voltou de novo
ew sarsquoi hora Eu saiacute fora
otoɾapaj cursquoto Outro rapaz escutou
228
oʎa lotildezi Olhou longe
ew lsquoho
Eu vou
desa notilde Deixava natildeo
kuta baɾuj Escuta barulho
marsquoto tudi noɔɾa Matou tudo na hora
sɔ cabesu levo kumew Soacute a cabeccedila levou e comeu
mi a matildej cu tava Minha matildee contava
agwa tupiw tudo A aacutegua entupiu
agwa be j pɾeti mehmu Aacutegua bem preta mesmo
agwa suzi Aacutegua suja
pɾimiɾu kanɛlu Primeiro canela
i totilde paɾi Entatildeo eu parei
nu sarsquobi Natildeo sabia
pɾimeɾu u tigu Primeiro antigo
bastatildetu
Bastante
bastatildetu Bastante
todu tiɾatildenu levatildenu Tudo tirando levando
rsquokaze disu ficaɾu Por causa disso ficaram
tu kɾiatildesa Tudo crianccedila
lersquova todu mini nadu Levar toda meninada
eli mi tinu Ele mentindo
kotildemu orsquose pɾatildeta mu ito Como vocecirc planta muito (rotacismo)
nɔj kume nu aki Noacutes comendo aqui
nɔj seskɛse nu fukamu Noacutes nos esquecemos e ficamos
a noti marsquotaɾu tudu Agrave noite mataram tudo
229
eli sego gatildersquono Ele chegou enganou
kotildemiɾu Comeram
eli kotildersquoto soɾatildeni Ele contou chorando
ke j kwi kiɾo Quem que tirou
mi da mi a filu Me daacute meu filho
sɔ u ki karsquopo Soacute um que escapou
kɾirsquoa na kolu Criar no colo
vi de la u motildeti di he ti Veio de laacute um monte de gente
ew tatildebe j gotava
Eu tambeacutem gostava
na kɔba no basu
Na cobra no braccedilo
bisi u Bichinho
kabeseɾa pɛtu Cabeceira perto
mɔɾa pa basu Mora pra baixo
dirsquofisu marsquota Difiacutecil matar
sɔ bisotilde Soacute bichatildeo
ɛ h~undo Eacute fundo
pohku Porco
fɾɛsa Flecha
mi a matildej falaɾu Minha matildee falou
mi a matildej fikaɾu Minha matildee ficaram (ficou)
pɾimi mehmi Primo mesmo
tatɾa paj tambe j Trata pai tambeacutem
mi atilde ihmatilde maj vɛj Minha irmatilde mais velha
tu tia vɛj ta i Tua tia velha ta aiacute
tɾata gwau gwau ahe ti Trata igual igual a gente
230
halu hɛlarsquodo Ralo ralador
basoɾa ipi Vassoura espinho
fakotilde kotaɾu Facatildeo cortaram
hɛla matildersquodʒɔka Rala mandioca
ai dipoj Aiacute depois
ku faki pike nu Com faquinha pequena
hɛla tatildeme j Rela tambeacutem
mi a paj asirsquona Meu pai ensinar
kɔtaɾu kotilde a taba Cortaram com a taacutebua
disaɾu Deixaram
nu kotildepu No campo
la i basu Laacute embaixo
mi a paj nu hipotildedew natildew Meu pai natildeo respondeu natildeo
pesu Peixe
a notu toda A noite toda
baztatildeti poɹku la Bastante porco laacute
u digu vi Um dia que vim
mi atilde matildej kotildekorsquodo Minha matildee quando acordou
mi atilde matildej forsquola Minha matildee foi laacute
kazi gɾatildedi Quase grande
nɔj te j medu dosejzi Noacutes temos medo de vocecircs
bersquozu kumiw Beiju comeu
mohew saɾatildepi Morreu de sarampo
pigu tatildeni Perguntando
na katildepa No campo kahni asadu Carne assada
231
morsquohe tudi a Morrer tudinho
depoj ʃu miɾu Depois sumiram
dimorsquoɾo mujtu Demorou muito
mɔdi tehu Por causa da terra
ja vaj tʃarsquoi Jaacute vai sair
batildedorsquono Abandonou
fike mu arsquoi Ficamos aiacute
aʒe ti ojrsquoo A gente olhou
hatildeka karsquoɾa Arranca caraacute
tʃiɾi ga basi na Seringa para vacina
barsquotʃotilde Batom
nɔj peɾatildenu Noacutes esperando
mi asu rsquoto Me assustou
i odʒi E hoje
be j vimej Bem vermelho
otu di ʃi ma Outro de cima
sersquogo corsquohe Chegou correr
i te di be j Entende bem
mi asursquoto Me assustou
matatildenu nɔjzi Matando noacutes
mi a fila Minha filha
kumiɾu Comeram
azersquota korsquola pɾa eli Ajeitar colar pra ele
sarsquoma eli
Chamar ele
tʃega logu Chega logo
ʃiguɾow di novʊ Segurou de novo
232
dirsquoso firsquoko Deixou ficou
arsquotɛ dɛrsquozoɾa Ateacute dez horas
tʃɔ ɔjrsquoa Soacute olhar
pi gada Espingarda
pɛhtu casueɾu Perto da cachoeira
maj pɛtu Mais perto
ote la Outra laacute
pɛga pesi Pega peixe
oti kazi Outra casa
pɛga milu Pegar milho
depoj tʃumiɾu bɾatildeku Depois sumiu o branco
mi rsquode ɾu Me deram
satildegɾaɾi asi Sangraram assim
bastatildetu Bastante
atildersquoda karsquosatildedu
Andar caccedilando
mi atilde filu Meu filho
nɔj fikatildeni Noacutes ficamos
ki kursquoto Que escutou
sɔ sorsquoɾatildenu Soacute chorando
depoj deli mohidu Depois dele morrer
nu ta vɛj Natildeo taacute velho
ta noj i da Taacute novo ainda
mi atilde matildej ta bii noj i da Minha matildee ta bem nova ainda
pɛrsquoga baʒtatildetu Pegar bastante
ew persquoge Eu peguei
233
mi atilde lsquoho farsquolo Meu avocirc falou
dimuɾatildeni Demorando
tehaɾu la mehmu Enterraram laacute mesmo
mi atilde matildej soɾatildenu Minha matildee chorando
mi atilde imatilde Minha irmatilde
E cursquoɳadi deli Eacute cunhado dele
E fii deli Eacute filho dele
kursquoɳadi deli Cunhado dele
hɔba demaj Rouba demais
ta difisi Ta difiacutecil
eli tʃobɾo Ele sobrou
saɾatildepi persquogo Sarampo pegou
pɾimeɾi morsquohe Primeiro morreu
ew kutej Eu escutei
sarsquoma matildej Chamar matildee
ta dirsquovisi Taacute difiacutecil
mohew ve me nadu Morreu envenenado
ki kɾirsquoari Que criaram
mi atorsquomaɾu Me tomaram
i ew torsquoteɾu E eu solteiro
kazadu kotildersquose Casado com vocecirc
natildew firsquoka diɾetu Natildeo ficar direito
firsquoka kweli Ficar com ele
mersquosenu Mexendo
ta setu Ta certo
234
bɾabu persquoeli Bravo por ele
tasirsquooma komigu Tem ciuacutemes de mim
E gotozu Eacute gostoso
tipu bursquoʒohu Tipo besouro
tʃi rsquodʒeɾu Cinzeiro
na li gi Na liacutengua
bɾatildeku batirsquotaɾu Brancos batizaram
katildedu eɾa novi Quando era novinho
arsquoi tipoj Aiacute depois
karsquoboɾe Acabou-se
tiguɾa na matildew Segura na matildeo
rsquoɛ lsquopɾimɛ lsquodeli Eacute primo dele
asinatildeni Ensinando
ew kersquome Eu queimei
pɾatildersquota maj Plantar mais
ew vo lsquopɾatildeta Eu vou plantar
karsquokwɛ Qualquer
tabaɾava Trabalhava
tubaɾotildeni Tubaratildeo
poɾi pɛɾa Pode esperar
mi ti nu Mentindo
eli sersquogo Ele chegou
atildersquototilde Entatildeo
ta lsquosetu natildew Ta certo natildeo
mesew kotildersquomigu Mexeu comigo
235
ʃersquoga dinote Chegar de noite
lersquova pirsquotaw Levar pro hospital
ta suzu Ta sujo
rsquobahio Bairro
atildebɾarsquosada Abraccedilada
masɛlu babudo Marcelo barbudo
pɾatildeta milu Planta milho
na gɾɛba Na gleba
bɾasadu Abraccedilado
komi he tʃi Comi gente
kɛ azursquoda Quer ajudar
sotildebɾasotilde Assombraccedilatildeo
nu podi atildersquoda Natildeo pode andar
pɛga na tiheɾu Pega no terreiro
kɔviotilde Gaviatildeo
sɔ eli karsquopo Soacute ele escapou
me rsquoto Aumentou
levava uz vɛio Levava os velhos
matildenɛ desaɾu Maneacute deixaram
pusa no kabelu Puxa no cabelo
kabelu ge ti hatildega Cabelo de gente arranca
iɔga ge ti pɾa la Joga gente pra laacute
hu tu Junto
kɛma he ti queima a gente
ki sɔ a oti Que soacute haacute outro
bagas~i Bagacinho
236
tiɾatildeni katildetatildeni Tirando cantando
kɾese ni Crescendo
dirsquoɾetu Direito
febɾu marsquolaɾu Febre malaacuteria
maj sarsquobiw Mais sabia
tiɾaɾu Tiraram
batildei Banho
ipia deli Espirro dele
Korsquodadu mehmo Acordado mesmo di notu De noite
kasu Caccedila
baɾizadu otu Batizado outro
atʃi mi a ihmatilde fala Assim minha irmatilde fala
kotadu Encostado
nu zudia deli natildew Natildeo judia dele natildeo
gɔta maj deli Gosta mais dele
samatildedu otu Chamando outro
mi atilde subɾi Meu sobrinho
mi atilde pohu Meu povo
mi atilde matilde Minha irmatilde
mi atilde muʒka Minha muacutesica
sɔ bɾi ga Soacute brinca
tʃubi nu Subindo
kahega na koʃta Carrega nas costas dese Desse aiacute istu Isto katildersquoba Gambaacute
237
kursquotia Cutia kursquotʃia Cutia
marsquoɾɛlu Amarelo
versquomela versquomelo Vermelha vermelho rsquose Esse
te natildeʊ te natilde Tem natildeo
esersquoki Esse aqui
rsquoɛmarsquokakupɾersquogisi Eacute macaco preguiccedila
morsquosegi Morcego
defersquore ti Diferente
rsquopodƷi Pode
rsquosersquonatilde Sei natildeo
rsquosersquoviw Vocecirc viu
arsquoinrsquoɛgarsquoviatildew Aiacute eacute gaviatildeo
jabutʃi Jabuti
parsquoɾɛsirsquokele Parece aquele
ɛrsquokele Eacute aquele
rsquoessersquote Esse tem
be i natildeu Tambeacutem natildeo
kursquoruja Coruja
pike nu Pequeno
defersquore ti Diferente
rsquokelersquoɛrsquootro Aquele eacute outro
rsquoejarsquobutʃi E jabuti gɾatildersquodatilde grandatildeo rsquomesmu mesmo
rsquomemu Mesmo
ɔrsquoɾɔpa Europa
arsquobeja Abelha
iscɔhpiatildew escorpiatildeo
ewmɔrsquoʎa Eu molhar ~ Eu molho
pirsquodi pedir tasrsquocɾitu Ta escrito
pɛdƷi Pedi (a gente )
Kersquoma queimar
mode nu Mordendo
morsquodemas Mordeu mais rsquonoj rsquodoj Noacutes dois
aʃe ti A gente (noacutes)
rsquopadirsquoze Pra dizer
238
rsquokɔta Corta
ahatildejrsquoo Arranhou
mujrsquoɛ Mulher
ahajrsquoaelig Arranhou orsquosersquomehm Vocecirc mesmo
isrsquopi Espinho
sorsquome Somente
rsquokalo ~karsquolo Calor doi Dois
tatildebe Tambeacutem
ispi rsquogada Espingarda
persquode Perdeu
se rsquotatu Sentado
rsquohe ti Gente
arsquodidu Ardido rsquokoda Corda mərsquota Matar marsquotani matando
rsquoʃɔmarsquota Soacute matar
rsquobisu Bicho rsquoota Outra
patildersquota ~rsquopɾatildeta Plantar
atildersquodatildeni Andando
ve tatildeni Ventando
defersquore ti Diferente
hursquoatildenu Voando vorsquoto Voltou rsquopodirsquoze Pode dizer marsquotaforsquogatilden Matar afogando rsquodaga Da aacutegua (drsquoaacutegua) arsquoɾea Areia
rsquofu da Afunda
rsquokɛlaforsquogo Que ela afogou
mɛgursquola Mergulhar
eʃpɾersquome Espremer
hɛlatilden Ralando (verbo ralar)
mɔrsquolada Amolada
kwatildeni Quando arsquotia Ateia (verbo atear)
239
i pursquoha Empurrar
epursquohej Eu empurrei
pursquoha Empurrar rsquofoti Forte
rsquofosa Forccedila
rsquohapu Raacutepido
ku rsquopɛ Com o peacute
eki pursquohe Eu que empurrei
sirsquonɛlu Chinelo
i pursquohan Empurrando
sɔrsquose Soacute vocecirc
rsquotapursquohanu Taacute empurrando
sɔrsquozi Sozinho
rsquohatildeka Arrancar
rsquosɔhatildersquoka Soacute arrancar
jrsquoahatildersquoke Jaacute arranquei
arsquohatildekui rsquoʃada Arranco com a enxada
rsquopuʃa Puxar cabelo pursquoʃo Puxou pursquoʃe Puxei haʃrsquoto Arrastou haʃrsquote Arrastei
tʃirsquoa Tirar
buʃrsquoca Buscar buʃrsquoke Busquei (eu passado) rsquooto Outra rsquohopa Roupa rsquomemo Mesmo rsquodeʃa Deixa
tirsquoe Tirei
rsquosɛtu Certo
rsquohejtu Jeito iskujrsquoe Escolher rsquotakujrsquoenu Taacute escolhendo ojrsquoan Olhando
tʃumi Sumiu
dimursquoranu Demorando kersquoma Queimar ursquozotu Os outros kersquome Queimei
rsquonɔj Noacutes
rsquopejsi Peixe
Ku rsquome Comer
240
pɾicirsquoza Precisar pɾisirsquozanu Precisando korsquoseɾa Coceira mirsquoƷatilden Mijando atildersquodatildenu Andando
barsquote nu Batendo
i rsquoʃima Encima
rsquokatildem Cama atirsquoɾo Atirou
rsquohaʃarsquole Racha lenha
vɔrsquota Voltar
tursquomatilden Tomando
varsquoɾi Varinha
gɾitrsquoatilden Gritando
fɾɛrsquoga Esfregar
mirsquodi Medir
mi rsquotinu Mentindo
rsquokɔʃka Coacutecega
barsquosi u Baixinho
pɔdirsquoze Pode dizer
pe rsquota Pentear
rsquobatildej Banho rsquomaiƷrsquotadi Mais tarde rsquofoja Folha batildenarsquodo Abanador bursquonitu Bonito
rsquosersquokirsquode Vocecirc que deu
siparsquoradu Separado rsquosatildew Chatildeo
tursquodi Tudinho
karsquoe Cair kersquobɾe Quebrei arsquohatildejorsquose Arranho vocecirc rsquomuja Molha rsquosevi Serve rsquopaj Palha pirsquodi Pedir dersquosa Deixar rsquomoj Molho fɾersquovenu Fervendo pursquolo Pulou
norsquovi Novinho
241
firsquodido Fedido mursquolada Amolada
rsquonɔʃi Nosso
patildersquoneɾu Paneiro motildersquodeli Matildeo dele dursquozotu Dos outros
rsquonɔj Noacutes
rsquopodi Podre firsquodid Fedido dersquota Deitar dersquotadu Deitado cuʃtursquoɾa Costurar
barsquote m Batendo
dersquosa Deixar
rsquofɾɛʃa ~rsquofɾEʃ Flecha
iskersquosidu Esquecido
tatildersquome j Tambeacutem
abersquoli Abelhinha
me rsquodu i Amendoim
pɔrsquodirsquoze Pode dizer
rsquoavi Aacutervore
rsquopesi Peixe
tatursquozi Tatuzinho
rsquovɛja Velha
arsquodea Aldeia
rsquode tu Dentro
rsquohe ti Gente
rsquohadu Raacutedio rsquohejtu Jeito iʃtɾarsquogadu Estragado
rsquode tirsquokaza Dentro de casa
rsquopoku Porco
pihu rsquotatildenu Perguntando
gwahrsquode Guardei firsquogeɾa Figueira
kɔrsquota Cortar
ojrsquoa Olhar
pi dursquoɾa pendurar
mitʃursquoɾa Misturar
rsquofɔtʃi Forte
242
matildersquodƷɔka Mandioca
birsquoƷu Beiju
marsquoɾɛlu Amarelo
atildersquozɔ Anzol
rsquopɛda Pedra
For from him and through him and to him are all things To him be glory forever Amen
Romans 1136
AGRADECIMENTOS
A Deus por me capacitar e me fazer sentir o teu zelo cuidado e proteccedilatildeo
constantemente
Aos meus familiares em especial a minha matildee e o meu pai pelo suporte
coragem e exemplos a mim transmitidos
A minha esposa Jane pelo carinho e compreensatildeo pelas horas que natildeo
pude estar ao seu lado dedicando-me a este trabalho
Aos meus filhos Breno e Estela meu tesouros por me fazerem acreditar
que o mundo pode ser melhor
A minha orientadora Stella Telles pelo carinho compreensatildeo
engajamento e ensino por me fazer acreditar que podemos ser altruiacutestas sem
perdermos a essecircncia da humildade Por compartilhar-me com despreendemento
os seus dados
Agraves coordenadoras do PG-Letras Evandra Gligoletto e Fabiele Stockmans
pela presteza sempre que necessaacuterio
Aos meus mestres do Doutorado pelo trabalho que foi realizado durante o
curso em especial Stella Telles Marlos Pessoa Claacuteudia Roberta Siane Goes
Benedito Bezerra Virgiacutenia Leal Alberto Poza e Nelly Carvalho
Aos professores do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (UFPE)
Flaacutevio Brainer Artur Gomes Maacutercia Mendonccedila e Joatildeo Batista pela colaboraccedilatildeo
na trajetoacuteria acadecircmica
A Abuecircndia Padilha e Gilda Lins (in memoriam) pela dedicaccedilatildeo e carinho
que demonstraram durante as aulas
Aos meus colegas do Doutorado Solange Carvalho Ana Cristina Cleber
Morgana Jaciara Carolina Pires Juliane Acircngela Socircnia Ismar Rinalda Ludimila
e Clara por me ajudarem nos momentos de dificuldades e de (muitas)
necessidades
Aos colegas da GER ndash Vale do Capibaribe pela ajuda sempre que
necessaacuterio em especial Marta Morgana Edjane e Janecleide
Aos colegas e alunos do IFAL (Instituto Federal de Alagoas) pela grande
ajuda e carinho que demonstraram durante a realizaccedilatildeo deste trabalho Pela
compreensatildeo das faltas e substituiccedilotildees que de mim foram demandadas
Aos membros da banca que tatildeo gentilmente aceitaram o convite
Aos meus amigos familiares entes queridos todos que direta ou
diretamente me ajudaram nesta caminhada Nenhum trabalho eacute feito sozinho
portanto os meacuteritos tambeacutem satildeo de vocecircs
RESUMO
O presente trabalho eacute o resultado de um estudo sobre a Marcaccedilatildeo no Contato
Linguiacutestico entre o Latundecirc e o Portuguecircs Trata-se de uma investigaccedilatildeo com
base na abordagem tipoloacutegica da linguiacutestica visando agrave elucidaccedilatildeo das unidades
mais e as menos marcadas que satildeo ou natildeo transferidas no processo de
acomodaccedilatildeo dos inventaacuterios foneacuteticos de ambas as liacutenguas Utilizamos como
base os pressupostos teoacutericos defendidos por CROFT (1990) JAKOBSON
(1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS amp ELSIK (2006) e LACY (2006) para a
descriccedilatildeo dos universais linguiacutesticos e da marcaccedilatildeo No que tange ao contato
linguiacutestico nos respaldamos nas reflexotildees de ROMAINE (2000) THOMASON
(2001) AIKHENVALD (2007) e HYMES (1971) Para descriccedilatildeo linguiacutestica e
histoacuterica dos Latundecirc nos baseamos em TELLES (2002) ANOMBY (2009) e
PRICE (1977) No que tange ao aporte foneacutetico para descriccedilatildeo do contato entre
ambas as liacutenguas nos valemos dos escritos de WEINREICH (1953) BISOL
(1996) VAN COETSEM (1988) e MATRAS (2009) Quanto agraves anaacutelises nos
fundamentamos nas observaccedilotildees de SPENCER (1996) LASS (2000) e RICE
(2007) O nosso corpus eacute formado de trinta horas de fala transcritas
foneticamente de acordo com IPA de vinte informantes da comunidade Latundecirc
Os dados fazem parte do acervo do NEI (Nuacutecleo de Estudos Indigenistas) da
UFPE A partir da nossa pesquisa chegamos agrave conclusatildeo que os mais jovens
tendem a natildeo transferir os padrotildees mais marcados da sua liacutengua para a liacutengua
adquirida enquanto os mais velhos reproduzem com menor frequecircncia os
padrotildees mais marcados do Portuguecircs alguns contextos licenciam enquanto
outros bloqueiam a marcaccedilatildeo gerando um caraacuteter variaacutevel que demonstra o quatildeo
conflitante eacute a situaccedilatildeo do contato embora natildeo haja uma padronizaccedilatildeo no que
tange agrave estrutura silaacutebica o padratildeo CV eacute o mais recorrente e menos marcado
corroborando o que apregoa os pressupostos da tipologia linguiacutestica os
processos que envolvem perda e permuta de segmentos satildeo mais numerosos e
mais marcados dos que os que envolvem ganho de segmento os fonemas natildeo
presentes no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc tendem a ser apagados ou
reinterpretados pelo segmento mais proacuteximo do Portuguecircs quanto agrave manutenccedilatildeo
ou perda o comportamento dos traccedilos mais marcados do Latundecirc depende natildeo
categoricamente da fonologia do Portuguecircs a marcaccedilatildeo natildeo estaacute condicionada
apenas aos universais linguiacutesticos mas agraves especificidades da liacutengua
PALAVRAS-CHAVE Fonologia Liacutenguas em Contato Marcaccedilatildeo e Liacutenguas
Indiacutegenas
ABSTRACT
The present work describes phenomena of phonological transference of Latundecirc
a Brazilian indigenous language in Portuguese in language contact situation The
observed phenomena were examined under the light of the assumptions of
Linguistic Marking in its typological approach As basis we used CROFT (1990)
JAKOBSON (1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS ELSIK (2006) and LACY
(2006) studies for the description of linguistic universals and marking About
language contact we were supported by the reflections of ROMAINE (2000)
THOMASON (2001) AIKHENVALD (2007) and HYMES (1971) For the linguistic
and historical description of Latundecirc we were based on TELLES (2002)
ANOMBY (2009) and PRICE (1977) About the phonology of Portuguese we were
supported by BISOL (1996) For description of the contact between both
languages we used the writings of WEINREICH (1953) VAN COETSEM (1988)
and MATRAS (2009) The one of phonological phenomena observed was backed
in SPENCER (1996) LASS (2000) and RICE (2007) Our corpus is formed of thirty
hours of talk phonetically transcribed according to IPA In the survey we used the
speech production of 20 individuals from the Ladundecirc people among these 8
belonging to the pre-contact generation with the non- indigenous society and 12
belonging to the post-contact generation The data are part of the acquis of NEI
(Nuacutecleo de Estudos Indiacutegenas) of UFPE With our research we came to the
following results post-contact generation tends not to transfer most marked
patterns of their language to the acquired language while the native of pre-contact
generation do in a lower frequency the more marked standards of Portuguese
The processes that involve loss and exchange of segments are more numerous
than those involving segment gain The phonemes of Portuguese that do not exist
in Latundecirc tend to be erased or reinterpreted by the closest segment to
Portuguese resulting in the loss of contrast and in the emergence of the
unmarked through the phonological neutralisation There are phenomena that
show a tendency towards the universal as the deletion of the coda in favor of CV
standard syllabic and others that are arising out of restrictions of Latundecirc as the
monophthongization of nasal diphthong and the change of vowel quality in word-
final position In the set of phenomena we noticed that the interference is variable
and not always motivated by phonological or natural marking
KEYWORDS Phonology Marking Languages in contact Portuguese and
Latundecirc
RESUMEN
El presente estudio describe los fenoacutemenos de la transferencia fonoloacutegica del
Latundeacute una lengua indiacutegena Brasilera en el portugueacutes en una situacioacuten de
contacto linguumliacutestico Los fenoacutemenos observados fueron examinados a la luz de los
presupuestos de marcacioacuten linguumliacutestica en su abordaje tipoloacutegico Como modelo
de fundamentacioacuten se han utilizado los estudios de CROFT (1990) JAKOBSON
(1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS amp ELSIK (2006) y LACY (2006) para las
descripcioacuten de los universales linguumliacutesticos y de la marcacioacuten Sobre el contacto
linguumliacutestico fueron tomados como soporte cientiacutefico las reflexiones de ROMAINE
(2000) THOMASON (2001) AIKHENVALD (2007) y HYMES (1971) Para la
descripcioacuten linguumliacutestica de los Lantundeacute esta investigacioacuten se basoacute en TELLES
(2002) ANOMBY (2009)y PRICE (1977) Sobre la fonologiacutea del portugueacutes se
tuvieron en cuenta los estudios de BISOL (1996) Para la descripcioacuten del contacto
entre ambas lenguas fueron necesarios los escritos de WEINREICH (1053) VAN
COETSEM(1988) y MATRAS (2009) Finalmente el estudio de los fenoacutemenos
fonoloacutegicos observados fueron abordados en las investigaciones de SPENCER
(1996) LASS (2000) y RICE (2007) El corpus de este trabajo acadeacutemico estaacute
compuesto por treinta horas de diaacutelogos transcritos foneacuteticamente de acuerdo con
el IPA En la investigacioacuten se ha utilizado la produccioacuten del diaacutelogo de 20
individuos del pueblo Latundeacute dentro de ellos 8 pertenecientes a la generacioacuten
del pre contacto con la sociedad no indiacutegena y 12 pertenecientes a la generacioacuten
del post contacto Los datos hacen parte del acervo del Nuacutecleo de Estudios
Indigenistas (NEI) de la UFPE Con esta investigacioacuten se ha llegado a la siguiente
conclusioacuten La generacioacuten post contacto tiende a no transferir los patrones maacutes
acentuados de su lengua hacia la lengua adquirida mientras que los indiacutegenas de
la generacioacuten del pre contacto realizan con menor frecuencia los patrones maacutes
marcados del portugueacutes Los procesos que envuelven la peacuterdida y permuta de los
segmentos son maacutes numerosos de aquellos que involucran la ganancia del
segmento Los fonemas del portugueacutes que no existen en el Latundeacute tienden a ser
borrados o reinterpretados por el segmento maacutes proacuteximo al portugueacutes resultando
en una peacuterdida de contraste y en la emergencia del no marcado a traveacutes de la
neutralizacioacuten fonoloacutegica Hay fenoacutemenos que revelan una tendencia a lo
universal como desvanecimiento de la coda en a favor de patroacuten silaacutebico CV y
otros que son consecuencia de las restricciones del Latundeacute como la
monoptongacioacuten de diptongo nasal y la mudanza de la cualidad vocaacutelica en
posicioacuten final de la palabra El en conjunto de fenoacutemenos verificamos que la
interferencia es variable y no siempre estaacute motivada por la acentuacioacuten fonoloacutegica
o natural
Palabras Clave Fonologiacutea Acentuacioacuten Lenguas en Contacto Portugueacutes y
Latundeacute
LISTA DE SIacuteMBOLOS
Transcriccedilatildeo
Transcriccedilatildeo foneacutetica
Transcriccedilatildeo fonoloacutegica
[ ]
Vogais
Vogal meacutedio-baixa anterior [ɛ]
Vogal meacutedio-alta anterior [e]
Vogal alta anterior [i]
Vogal baixa central [a]
Vogal meacutedio-baixa posterior [ɔ]
Vogal meacutedio-alta posterior [o]
Vogal alta posterior [u]
Vogal alta anterior nasal [ i ]
Vogal meacutedio-alta anterior nasal [e ]
Vogal baixa central nasal [atilde]
Vogal meacutedio-alta posterior nasal [otilde]
Vogal alta posterior nasal [u ]
Consoantes
Oclusiva alveolar surda [t]
Oclusiva alveolar sonora [d]
Fricativa alveolar surda [s]
Fricativa alveolar sonora [z]
Nasal alveolar [n]
Lateral alveolar [l]
Africada alveopalatal surda [tʃ]
Africada alveopalatal sonora [dʒ]
Lateral palatal [ʎ]
Nasal palatal [ɳ]
Fricativa palatal surda [ʃ]
Fricativa palatal sonora [ʒ]
Oclusiva velar surda [k]
Oclusiva velar sonora [g]
Fricativa velar [x]
Oclusiva bilabial surda [p]
Oclusiva bilabial sonora [b]
Nasal bilabial [m]
Fricativa labiodental surda [f]
Fricativa labiodental sonora [v]
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Diagrama de Hall
67
FIGURA 2 Configuraccedilotildees da Mescla Linguiacutestica segundo Romaine (2000 p185)
71
FIGURA 3 Esquema de representaccedilatildeo do bilinguismo social segundo Appel e Muysken (1986 p 23)
74
FIGURA 4 Escolha de liacutengua e code-switching conforme Grosjean (1982 p127)
82
FIGURA 5 Classificaccedilatildeo das liacutenguas da Famiacutelia Nambikwaacutera de acordo com Rodrigues (1986 p 134)
87
FIGURA 6 Localizaccedilatildeo e aacuterea dos Nambikwaacutera de acordo com Roquete-Pinto (1919)
88
FIGURA 7 Territoacuterio Nambikwaacutera descrito por Price (1983)
89
FIGURA 8 Localizaccedilatildeo atual dos Nambikwaacutera
91
FIGURA 9
Localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc
94
FIGURA 10
Primeiros contatos com os Latundecirc (Foto Price 1977)
97
FIGURA 11 Iacutendios Latundecirc na TI Tubaratildeo-Latundecirc
104
FIGURA 12
Ligaccedilotildees entre a intensidade do bilinguismo o tipo de processo de acomodaccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo entre os sistemas fonoloacutegicos
118
FIGURA 13
Correspondecircncia entre liacutenguas e contato linguiacutestico
120
FIGURA 14 Agentividade da Liacutengua Recipiente de acordo Van Coetsem 1988 p10
122
FIGURA 15 Agentividade da Liacutengua de Origem de acordo Van Coetsem 1988 p11
122
FIGURA 16 Relaccedilatildeo de agentividade entre o Portuguecircs e o Latundecirc
123
FIGURA 17 Estrutura silaacutebica do Latundecirc
168
FIGURA 18 Estrutura silaacutebica do Portuguecircs (Cacircmara-Juacutenior)
169
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Unidades e estruturas mais marcadas conforme
levantamento de Moreira da Silva (2011)
50
Quadro 2 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Leacutevi-Strauss (1948)
92
Quadro 3 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Price e Cook (1969)
93
Quadro 4 Distribuiccedilatildeo dos povos pertencentes a TI Tubaratildeo-Latundecirc
95
Quadro 5 Nuacutecleos familiares de acordo com a habitaccedilatildeo em 1999
98
Quadro 6 Situaccedilatildeo sociolinguiacutestica dos Latundecirc (dados de 1999)
101
Quadro 7 Quadro Comparativo dos Sistemas Foneacuteticos do Romansh e do Schweizerdeutsch de acordo com Weinreich (1953)
111
Quadro 8 Tipos de processos que conduzem a mudanccedila fonoloacutegica induzida por contato
116
Quadro 9 Fonemas consonantais do Latundecirc
125
Quadro 10 Fonemas vocaacutelicos do Latundecirc
125
Quadro 11 Ditongos do Latundecirc
126
Quadro 12 Descriccedilatildeo dos fonemas consonantais (Retirada de Telles 2002)
126
Quadro 13 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos orais (Com base em Telles 2002)
149
Quadro 14
Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos nasais (Com base em Telles 2002)
153
Quadro 15
Vogais no Portuguecircs (Cacircmara Jr 1970)
154
Quadro 16
Consoantes no Portuguecircs (Silva 2002)
155
Quadro 17 Sistemas consonantais x Sistemas vocaacutelicos
156
Quadro 18 Resultado mais frequente do processo de monotongaccedilatildeo em Latundecirc
162
Quadro 19 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
166
Quadro 20 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Portuguecircs
167
Quadro 21 Escala de Sonoridade (Bonet e Mascaroacute 1997 p 109)
196
SUMAacuteRIO
1 SOBRE A PESQUISA 20
11 INTRODUCcedilAtildeO 20
12 JUSTIFICATIVA 24
13 OBJETIVOS 25
14 METODOLOGIA 26
15
DISPOSICcedilAtildeO DA TESE 27
2 MARCACcedilAtildeO LINGUIacuteSTICA 29
21 INTRODUCcedilAtildeO 29
22 MARCACcedilAtildeO 31
221 A concepccedilatildeo de Jakobson e Trubetzkoy 35
222 Abordagem Gerativa 37
223 Abordagem Tipoloacutegica (Interlinguiacutestica) 39
224 Abordagem Naturalista (Morfologia Natural) 41
23 CRITEacuteRIOS DE MARCACcedilAtildeO 42
24 MARCACcedilAtildeO MUDANCcedilA E CONTATO LINGUIacuteSTICO 45
25 JAKOBSON E A ABORDAGEM FONOLOacuteGICA DA
MARCACcedilAtildeO
48
3 O CONTATO LINGUIacuteSTICO 54
31 INTRODUCcedilAtildeO 54
32 SOBRE O CONTATO LINGUIacuteSTICO 57
33 MESCLAS DE CONTATO PIDGIN CRIOULO LIacuteNGUA
FRANCA E JARGAtildeO
60
331 Pidgin 63
332 Crioulo 65
333 Liacutengua Franca ou Sapir 69
334 Jargatildeo 71
34 IMPLICACcedilOtildeES DO CONTATO LINGUIacuteSTICO 72
341 Bilinguismo 72
342 Diglossia 78
343 Alternacircncia de coacutedigo 80
344 Morte da liacutengua
83
4 COMUNIDADE DE ESTUDO OS LATUNDEcirc 86
41 INTRODUCcedilAtildeO 86
42 A FAMIacuteLIA NAMBIKWARA 86
43 OS LATUNDEcirc
94
5 INTERFEREcircNCIA FONEacuteTICO-FONOLOacuteGICA DO LATUNDEcirc
NO PORTUGUEcircS
106
51 INTRODUCcedilAtildeO 106
52 INTERFEREcircNCIA FUSAtildeO COEXISTEcircNCIA E
TRANSFEREcircNCIA LINGUIacuteSTICA
107
53 FONOLOGIA DO LATUNDEcirc 124
54 FONOLOGIA DO PORTUGUEcircS 154
55 COMPARACcedilAtildeO ENTRE OS SISTEMAS FONEacuteTICOS DO
PORTUGUEcircS E DO LATUNDEcirc
156
6 PROCESSOS FONOLOacuteGICOS DO PORTUGUEcircS FALADO
PELOS LATUNDEcirc
158
61 Introduccedilatildeo 158
611 Perda de elementos 161
6111 Monotongaccedilatildeo 161
6112 Siacutencope em onset complexo de l e r 168
6113 Apagamento da coda 171
6114 Reduccedilatildeo do geruacutendio ndash Anteriorizaccedilatildeo da vogal final 173
6115 Reduccedilatildeo das palatais (nasal e lateral) 174
6116 Afeacuterese 177
6117 Apoacutecope 178
6118 Siacutencope 180
612 Ganho de elementos (Inserccedilatildeo de elementos) 181
613 Alteraccedilatildeo de elementos (permuta ou transposiccedilatildeo) 184
6131 Despalatalizaccedilatildeo de [ʃ] e [ʒ] 184
6132 Palatalizaccedilatildeo 186
6133 Vozeamento e desvozeamento 189
6134 Abaixamento e elevaccedilatildeo das vogais orais 191
6135 Nasalizaccedilatildeo e desnasalizaccedilatildeo 194
6136 Fenocircmenos envolvendo os roacuteticos 195
6137 Labializaccedilatildeo e deslabializaccedilatildeo 197
6138 Metaacutetese 198
6139 Siacutestole 199
61310 Fortalecimento
200
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
201
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
208
ANEXOS 221
20
1 SOBRE A PESQUISA
O estudo dessas liacutenguas eacute evidentemente de grande importacircncia para o incremento dos conhecimentos linguiacutesticos Cada nova liacutengua que se investiga traz novas contribuiccedilotildees agrave linguiacutestica cada nova liacutengua eacute outra manifestaccedilatildeo de como se pode realizar a linguagem
humana Cacircmara Jr (1977 p 4)
11 INTRODUCcedilAtildeO
Neste capiacutetulo discorreremos sobre a diversidade e a situaccedilatildeo das liacutenguas
indiacutegenas brasileiras1 bem como a motivaccedilatildeo para o presente estudo Tambeacutem
faratildeo parte desta introduccedilatildeo a justificativa para a realizaccedilatildeo desta pesquisa os
objetivos almejados os procedimentos metodoloacutegicos e a descriccedilatildeo da estrutura
da tese
Por se tratar de um estudo que diz respeito agrave linguiacutestica indigenista brasileira vale
iniciar a discussatildeo situando aqueles que satildeo os sujeitos da nossa pesquisa os
iacutendios Sabe-se que os povos indiacutegenas satildeo vistos geralmente como personagens
passivos na da nossa histoacuteria Eacute um equiacutevoco concebecirc-los na nossa narrativa
dessa forma pois seja no papel de aliados ou de inimigos esses povos tiveram
um papel importante na formaccedilatildeo de sociedades coloniais e poacutes-coloniais
(ALMEIDA 2013 p9)
1 Aleacutem do portuguecircs haacute no Brasil aproximadamente 180 liacutenguas indiacutegenas faladas por 225 etnias
Dessas liacutenguas 110 satildeo consideradas em extinccedilatildeo pelo fato de serem faladas por menos de 500 pessoas Estima-se que em 1500 cerca de seis milhotildees de iacutendios falavam 1078 idiomas Hoje a populaccedilatildeo indiacutegena brasileira chega a no maacuteximo entre 440 mil e 500 mil indiviacuteduos Atribui-se o desaparecimento das liacutenguas indiacutegenas agraves pressotildees poliacuteticas do colonizador e posteriormente agraves necessidades de sobrevivecircncia das populaccedilotildees indiacutegenas Revista Liacutengua portuguesa n 26 p 57 2010
21
Embora natildeo seja amplamente divulgado no Brasil haacute cerca de 180 liacutenguas
indiacutegenas o que nos torna um paiacutes plurilinguiacutestico Esse percentual era de 1200
antes da chegada dos portugueses Durante esses cinco seacuteculos de colonizaccedilatildeo
um glotociacutedio foi visto intensificamente no nosso territoacuterio
Mesmo sendo viacutetimas de um processo de colonizaccedilatildeo desenfreado e
escravizador estes povos com o tempo passaram a ser reconhecidos como
agentes na sociedade Suas accedilotildees satildeo vistas a partir de um recente periacuteodo
histoacuterico como importantes para explicar a histoacuteria deles e consequentemente a
nossa Saindo de um quadro de contato onde eram vistos como coadjuvantes
passando a ser tambeacutem protagonistas
Hoje os estudos indigenistas satildeo mais frequentes uma vez que na antropologia
atual os povos que foram definidos como aculturados passaram a ser
coadjuvantes de um processo histoacuterico e participativo
A reportagem da Revista Continente Maio de 2009 sobre os Fulniocirc faz parte de
um arsenal que descreve o que jaacute eacute sabido pela comunidade cientiacutefica as liacutenguas
indiacutegenas brasileiras estatildeo desaparecendo em ritmo acelerado Posto dessa
forma podemos perceber que haacute urgecircncia em descrever como tais liacutenguas se
comportam em si e em contatos com outras
Cacircmara-Juacutenior (1977 p 7) postula que os estudos indigenistas mais
precisamente sobre os de suas liacutenguas constitui no Brasil uma tarefa natildeo
somente enorme mas tambeacutem urgente Hoje meio seacuteculo depois esta citaccedilatildeo se
faz atual Os estudos indigenistas ainda se monstram tiacutemidos e carentes de
recursos e pesquisadores
22
Em continuidade o autor afirma que
Jaacute desapareceram no Brasil muitas liacutenguas agora totalmente irrecuperaacuteveis para a ciecircncia Eacute muito difiacutecil avaliar hoje em dia quantas liacutenguas se teriam falado no Brasil haacute 400 anos na eacutepoca do descobrimento do paiacutes pelos europeus Mas a quantidade de liacutenguas que subsistem ainda hoje () eacute ainda um nuacutemero consideraacutevel ndash cento e tantas Todas elas entretanto estatildeo ameaccediladas de desaparecer dentro de muitos poucos anos
O fato eacute que precisamos catalogar essas liacutenguas e como elas agem durante o
contato linguiacutestico Esses estudos satildeo de grande valia porque podem mostrar
como se deu analogicamente o contato do portuguecircs com outras liacutenguas E as
evidecircncias aqui encontradas contribuiratildeo para a descriccedilatildeo linguiacutestica aleacutem de
proporcionar agraves geraccedilotildees futuras o conhecimento mais apurado sobre as liacutenguas
de contato
Sobre esta relaccedilatildeo Almeida (idem p 14) afirma que
[] As relaccedilotildees de contato com sociedades envolventes e vaacuterios processos de mudanccedila cultural vivenciados pelos grupos indiacutegenas eram considerados simples relaccedilotildees de dominaccedilatildeo impostas aos iacutendios de tal forma que natildeo lhes restava nenhuma margem de manobra a natildeo ser a submissatildeo passiva a um processo de mudanccedilas culturais que os levaria a serem assimilados e confundidos com a massa da populaccedilatildeo
A autora ainda reitera que ldquoas relaccedilotildees de contato eram entatildeo grosso modo
vistas como relaccedilotildees de dominaccedilatildeo submissatildeo na qual uma cultura se impunha
sobre a outra anulando-ardquo p16
23
O contato entre liacutenguas contribuiu para o leacutexico portuguecircs2 E eacute o contato
linguiacutestico um dos fatores que coloca o iacutendio em situaccedilatildeo ativa na histoacuteria do
Brasil mesmo apoacutes o decreto do Marquecircs de Pombal3
Todavia assim como ocorrera com os negros eacute possiacutevel que o contato com
iacutendios possa ter influenciado outros niacuteveis da nossa gramaacutetica 4
Seki (1995 p 33) ao discutir sobre a situaccedilatildeo das liacutenguas indiacutegenas brasileiras
diz que
Essas estimativas devem ser ainda consideradas com certa cautela pois as liacutenguas indiacutegenas encontram-se sob as mais diferentes pressotildees sofrendo o impacto do crescente contato com a populaccedilatildeo envolvente e a liacutengua majoritaacuteria Contudo natildeo haacute em geral levantamentos que permitam estabelecer com maior margem de exatidatildeo os reflexos do impacto do Portuguecircs nos distintos grupos em termos de deslocamento de liacutengua indiacutegena tanto no que se refere a graus de bilinguismo monolinguismo quanto no que se refere agrave interferecircncia do Portuguecircs nessas liacutenguas nem sempre claramente perceptiacutevel nas fases iniciais mas que vai aos poucos contribuindo para a perda da liacutengua minoritaacuteria
2 Citamos aqui como exemplos o caso dos grupos de palavras oriundos de outros povos que
foram acoplados ao nosso leacutexico como indianismos e africanismos 3 Para estabelecer uma comunicaccedilatildeo com os nativos os portugueses foram aprendendo os
dialetos e idiomas indiacutegenas A partir do tupinambaacute falado pelos grupos mais abertos ao contato com os colonizadores criou-se uma liacutengua geral comum a iacutendios e natildeo-iacutendios O crescente nuacutemero de falantes do portuguecircs comeccedila a tornar o bilinguumlismo das famiacutelias portuguesas no paiacutes cada vez menor Em 17 de agosto de 1758 a liacutengua portuguesa se torna idioma oficial do Brasil atraveacutes de um decreto do Marquecircs de Pombal que tambeacutem proiacutebe o uso da liacutengua geral Disponiacutevel em httpwwwcomcienciabrreportagenslinguagemling03htm em 18122014 4 Alguns estudiosos afirmam que as influecircncias natildeo se restringiram apenas ao vocabulaacuterio
Jacques Raimundo em O Elemento Afro-Negro na Liacutengua Portuguesa aponta algumas mudanccedilas foneacuteticas iniciadas na fala dos escravos que ainda se mantecircm em algumas variedades do portuguecircs do Brasil as vogais meacutedias pretocircnicas e e o passam a ser pronunciadas como vogais altas respectivamente i e u (mininu nuticcedila) as vogais tocircnicas de palavras oxiacutetonas terminadas em s mesmo as grafadas com z se tornam ditongos (atrais mecircis vecircis) a marca de terceira pessoa do plural nos verbos do preteacuterito perfeito se reduz a o (fizero caiacutero tocaro)Em 1822 Jeroacutenimo Soares Barbosa registrava em sua Grammatica Philosophica uma peculiaridade sintaacutetica originada na fala dos escravos que ateacute hoje eacute apontada como uma das distinccedilotildees entre o portuguecircs falado em Portugal e o que se fala no Brasil a colocaccedilatildeo de pronomes aacutetonos antes dos verbos (mi deu ti falocirc) Disponiacutevel em httpwwwcomcienciabrreportagenslinguagemling03htm em 18122014
24
Embora a preocupaccedilatildeo da maioria dos estudiosos de liacutenguas indiacutegenas seja com
as liacutenguas minoritaacuterias esta pesquisa trafega no sentido contraacuterio ao buscar
descrever a influecircncia dessas liacutenguas tidas como fraacutegeis no indioma nacional
Vale ressaltar que mesmo em territoacuterio nacional o portuguecircs aqui eacute tido como
segunda liacutengua
12 JUSTIFICATIVA
O contato linguiacutestico e suas consequecircncias se datildeo em todas as liacutenguas do
mundo No entanto no que tange ao desaparecimento de liacutenguas o prejuiacutezo eacute
maior uma vez que a natildeo catalogaccedilatildeo dessas liacutenguas geraria um deacuteficit linguiacutestico
que poderia prejudicar os estudos linguiacutesticos vigentes e futuros aleacutem dos
problemas humanos advindos do processo de aculturaccedilatildeo entre povos
Ao corroborar com esta acertiva Telles (2009 p25) afirma que
Quando um povo perde uma liacutengua tambeacutem perde diversidade humana perdem-se meios de compreensatildeo e explicaccedilatildeo do mundo perdem-se soluccedilotildees de adaptalidade do homem ao meio perde-se o conhecimento do potencial e do usufruto sustentaacutevel deste meio Enfim perdem-se conhecimentos fundamentais que venham a coloborar para a continuidade da sobrevivecircncia do homem no planeta
O estudo de uma liacutengua diferente da nossa pode nos dar a impressatildeo de que
vamos encontrar algo distante da nossa realidade O que natildeo eacute verdade visto
que as semelhanccedilas linguiacutesticas satildeo em maior nuacutemero Cacircmara-Juacutenior (1977
p18)
25
Antes da perda total de uma liacutengua que pode ser assim configurado ou natildeo o
processo inicial se daacute pelo contato entre elas Soacute depois de existirem lado a lado
eacute que tais liacutenguas podem a depender da dinacircmica se fundirem desaparecerem
ou conviverem entre si
No caso do relacionamento entre o Latundecirc e o Portuguecircs percebe-se que tal
contato caminha para o desparecimento do Latundecirc dado as circunstacircncias
histoacutericas e sociais pelas quais esta liacutengua tem passado Hoje este povo eacute
composto de 20 falantes dispersos Como os mais novos natildeo podem coabitar
entre si a continuidade da etnia estaacute com os dias marcados Logo torna-se
urgente as tentativas de descriccedilatildeo da liacutengua e de seu comportamento
Analisar e descrever o contato com base nos padrotildees de marcaccedilatildeo e simetria
contribuiraacute com o princiacutepio de naturalidade que eacute pre-requesito para a tipologia
linguiacutestica No mais as investigaccedilotildees sobre o contato linguiacutestico satildeo de grande
valia para o conhecimento mais apurado das liacutenguas do mundo e da nossa liacutengua
especificamente
13 OBJETIVOS
Esta pesquisa objetiva o estudo da interferecircncia foneacutetica do Latundecirc no
Portuguecircs levando em consideraccedilatildeo o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
entre estas liacutenguas Tambeacutem busca refletir sobre os processos foneacuteticos oriundos
do contato e como eles se evidenciam a partir das liacutenguas em xeque
26
No decorrer da tese aleacutem dos objetivos postos aqui buscaremos responder as
questotildees postuladas
Investigar se os fatores internos (linguiacutesticos) e externos (estruturais)
interagem com os princiacutepios da marcaccedilatildeo
Identificar qual o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
Verificar se e quais os traccedilos mais marcados da liacutengua dominada passam
para a dominante
Dessa forma ao refletirmos sobre as questotildees acima esperamos contribuir com
os estudos dos universais linguiacutesticos e da cogniccedilatildeo humana
14 METODOLOGIA
O corpus utilizado nesta pesquisa foi coletado pela professora Stella Virgiacutenia
Telles e faz parte do NEI ndash Nuacutecleo de Estudos Indigenistas ndash da Universidade
Federal de Pernambuco Os dados foram gravados em CDrsquos em formato wave e
estruturados em forma de perguntas e respostas DID ndash Diaacutelogo entre
entrevistador e entrevistado
Foram escutados aproximadamente 30 horas de gravaccedilatildeo de fala dos 20
informantes Latundecirc Incialmente analisamos de oitiva os dados que foram
depois transcritos foneticamente com base no Alfabeto Foneacutetico Internacional -
IPA e organizados em tabelas Apoacutes segunda anaacutelise em caso de duacutevidas os
dados foram submetidos ao programa PRAAT para melhor audiccedilatildeo No que tange
27
agrave anaacutelise os dados foram disponibilizados em tabelas e enumerados com os
respectivos comentaacuterios abaixo
15 DISPOSICcedilAtildeO DA TESE
Para este estudo utilizamos os pressupostos cientiacuteficos da tipolologia linguiacutestica
de base aleacutem de autores que foquem em seus estudos contato interferecircncia
foneacutetica marcaccedilatildeo e naturalidade
No capiacutetulo 1 discorremos sobre os elementos basilares da tese justificativa
objetivos perguntas norteadoras metodologia e disposiccedilatildeo da tese
No capiacutetulo 2 trataremos sobre a marcaccedilatildeo Nele abordaremos o conceito de
marcaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com os princiacutepios de simetria e naturalidade Veremos a
partir do panorama de Matras amp Elsik (2006) Battistella (1996) Lacy (2006) as
abordagens de marcaccedilatildeo estruturalista gerativa tipoloacutegica e naturalista
Na seccedilatildeo 23 discorreremos sobre os criteacuterios de marcaccedilatildeo e na seccedilatildeo 24
sobre a mudanccedila linguiacutestica contato e marcaccedilatildeo Nos deteremos aos estudos de
Jakobson na abordagem fonoloacutegica na seccedilatildeo 25 bem como os universais
linguiacutesticos para a marcaccedilatildeo observados por Moreira da Silva (2011) em
contraponto com os padrotildees mais marcados do Latundecirc
No Capiacutetulo 3 o contato linguiacutestico seraacute nosso escopo Nele discutiremos os tipos
de mesclas de contato pidgin crioulo liacutengua Franca e jargatildeo a partir dos
pressupostos de Tarallo e Alkimin (1987) Calvet (2004) Couto (2001) Hall
28
(1996) Hymes (1971) Romaine (2000) e AiKhenvald e Dixon (2006)
Abordaremos tambeacutem a diglossia conforme Ferguson (1991) a alternacircncia de
coacutedigo de acordo com Auer (1999) Morte de liacutengua segundo Mcmahon (1994)
Trask (2004) e Cristoacutefaro-Silva (2002)
No capiacutetulo 4 apresentaremos a comunidade de estudo os Latundecirc Inicialmente
com base em Rodrigues (1995) Roquete-Pinto (1919) Leacutevi-Strauss (1946) Price
e Cook (1969) Anomby (2009) e Telles (2002) faremos uma descriccedilatildeo dos povos
e famiacutelias indiacutegenas do Brasil e dos Latundecirc especificamente Recapitularemos o
contexto histoacuterico formaccedilatildeo contato com os outros povos indiacutegenas e com os
natildeo iacutendios limites geograacuteficos e situaccedilatildeo atual
No capiacutetulo 5 trataremos da interferecircncia e transferecircncia foneacutetica do Latundecirc
para o Portuguecircs Com base em Cristoacutefaro-Silva (2002) Bisol (1996) Weinreich
(1953) Van Coetesem (1988) e Matras (2009) discutiremos os processos de
interferecircncia fusatildeo coexistecircncia e transferecircncia linguiacutestica Apresentaremos os
aspectos mais relevantes da fonologia Latundecirc e do Portuguecircs
No capiacutetulo 6 faremos as anaacutelises dos processos foneacuteticos presentes no contato
do Latundecirc com o Portuguecircs A partir da perspectiva claacutessica de perda
manutenccedilatildeo ou ganho de elementos discutiremos sobre quais os processos
foneacuteticos mais marcados do Latundecirc permanecem ou natildeo atestados no
Portuguecircs falado por Latundecirc
Por fim chegaremos agraves divagaccedilotildees finais dos resultados configurados na
pesquisa e agrave perspectiva de continuidade do trabalho Nos anexos encontram-se
os dados analisados transcritos foneticamente e dispostos em tabelas
29
2 MARCACcedilAtildeO LINGUIacuteSTICA
A nossa vida eacute mesmo assim Crescemos uns qual aacutervore indivisa levados pela forccedila de um destino retiliacuteneo como as palmeiras crescem
outros com a vida ramificada pelos empuxos ambientes Pretendemos Tentamos Retrocedemos
Afinal caminhamos na diretriz primitivamente escolhida quando o tempo nos concede alcanccedilar crescemos como as lianas5
(ROQUETTE-PINTO 1919 p 37)
21 INTRODUCcedilAtildeO
Eacute fato que o universo eacute regido por leis naturais O que aparentemente demonstra
ser fruto da eventualidade eacute um conjunto de princiacutepios explicaacuteveis que agem de
forma complementar sob as forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas Com a liacutengua(gem)
natildeo diferentemente enquanto sistema de relaccedilotildees ela reflete estas
caracteriacutesticas Para Croft (2003 p 25) ela reflete a tensatildeo entre duas tendecircncias
concorrentes - uma em direccedilatildeo agrave regularidade a outra em direccedilatildeo agrave
hierarquizaccedilatildeo
Com o objetivo de melhor compreensatildeo dos pressupostos da tese neste capiacutetulo
nos deteremos agrave compreensatildeo dos conceitos de marcaccedilatildeo assimetria e
naturalidade Oriundos da linguiacutestica de base estes termos estatildeo relacionados
aos universais linguiacutesticos A complexidade destes conceitos por outro lado
apontam para o que eacute individual e para o que eacute geral Tem a ver com o que jaacute
defendia Chomsky ao estabelecer a dicotomia Princiacutepios x Paracircmetros
Obviamente posta a complexidade da liacutengua esses ldquoagentesrdquo da linguagem
5 Espeacutecie de trepadeira que manteacutem sua raiz no solo mas necessita de um suporte para manter-
se ereta e crescer em direccedilatildeo agrave luz
30
estatildeo submetidos tambeacutem aos fatores internos e externos nas liacutenguas do mundo
Logo o que eacute marcado numa liacutengua pode natildeo ser em outra ou podem ocorrer
marcaccedilotildees mais globais
Matras e Elsik (2006 p12) discorrem que
A tarefa da teoria linguiacutestica eacute a nosso ver descrever como essas tendecircncias concorrentes satildeo responsaacuteveis pela formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas Trata-se de um jogo a niacutevel local de vaacuterios fatores a estrutura e sua funccedilatildeo na comunicaccedilatildeo o membro e o valor que ela representa tanto dentro do paradigma e em um quadro conceitual mais universal a natureza do processo especiacutefico envolvido na formaccedilatildeo a estrutura e a motivaccedilatildeo para aplicar esse processo para o paradigma ou partes dele Esta complexa interaccedilatildeo de fatores nunca eacute preacute-determinada uma vez que diferentes combinaccedilotildees de fatores tornaratildeo resultados diferentes A este respeito tomamos uma visatildeo imparcial do que condiccedilatildeo marcada eacute e se eacute ou natildeo uma estrutura eacute marcado ldquoem comparaccedilatildeo com a outrardquo Em vez disso nosso interesse eacute em explorar padrotildees nos resultados de diferentes combinaccedilotildees de fatores em niacutevel local
A assimetria e a naturalidade efetivamente teriam uma relaccedilatildeo direta com a
marcaccedilatildeo O que eacute assimeacutetrico tende a ser mais marcado e menos natural Por
outro lado o que eacute mais natural tende a ser menos marcado e mais simeacutetrico
Esta eacute uma condiccedilatildeo elementar mas natildeo totalitaacuteria para as liacutenguas do mundo
Para Batistella (1996 p115) haacute um nuacutemero de pesquisadores que sugerem
formas especiacuteficas em que as condiccedilotildees de marcaccedilatildeo desempenham um papel
na descriccedilatildeo na alteraccedilatildeo ou na aquisiccedilatildeo da liacutengua(gem) exercendo uma
funccedilatildeo relevante na definiccedilatildeo da gramaacutetica oacutetima agravequela que eacute o resultado
satisfatoacuterio na teoria da otimalidade6
6 Mesmo natildeo trabalhando diretamente com a teoria da otimalidade nesta tese eacute vaacutelido ressaltar
que os princiacutepios de marcaccedilatildeo simetria e naturalidade fazem parte do arcabouccedilo teoacuterico de seu axioma
31
No que diz respeito agrave fonologia aacuterea da linguiacutestica sob a qual se debruccedila o objeto
de estudo desse trabalho Battistella (1966 p65) observa que condiccedilatildeo marcada
eacute uma propriedade da relaccedilatildeo entre os dois sinais de um paradigma diacriacutetico
que eacute em parte independente da substacircncia linguiacutestica articulaccedilatildeo e percepccedilatildeo e
deve ser definido principalmente como conceitual
No que se refere aos conceitos postos aqui utilizaremos os pressupostos teoacutericos
defendidos por CROFT (1996 2003) JAKOBSON (1953) BATTISTELLA (1996)
MATRAS amp ELSIK (2006) para descriccedilatildeo teoacuterica e abordagem histoacuterica e LACY
(2006) para a descriccedilatildeo dos universais marcados para tratarmos das elucidaccedilotildees
sobre Marcaccedilatildeo Tipoloacutegica (no contato linguiacutestico) e Naturalidade
22 MARCACcedilAtildeO
Battistella (1996 p7) afirma que em muitas aacutereas alguns conceitos apresentam
problemas quanto agrave sua complexidade axioloacutegica Natildeo diferentemente no campo
da linguiacutestica tais discussotildees emblemaacuteticas ainda hoje se fazem presentes Uma
dessas discussotildees gira em torno do conceito de marcaccedilatildeo pois segundo ele
A dicotomia natildeo-marcado versus marcado eacute um dos conceitos-chave tanto a teoria da gramaacutetica gerativa desenvolvida por Noam Chomsky e a teoria da linguiacutestica estrutural desenvolvida por Roman Jakobson Ela tem sido usada em aacutereas da linguiacutestica que vatildeo desde a descritiva e tipoloacutegica ateacute a aplicada e foi emprestado para campos tatildeo diversos como a antropologia arte muacutesica poesia e literatura
O termo que fora introduzido na linguiacutestica na deacutecada de 1920 pelos linguistas
europeus da Escola de Praga cujo significado da condiccedilatildeo marcada natildeo
32
permaneceu constante mesmo dentro de uma uacutenica estrutura intelectual hoje eacute
um marco central na linguiacutestica O conceito de marcaccedilatildeo estaacute relacionado agrave
frequecircncia daquilo que eacute menos comum na liacutengua Logo a relaccedilatildeo deste conceito
se coaduna agrave noccedilatildeo de naturalidade Se um elemento eacute mais natural ele seraacute
menos marcado Se o oposto seraacute mais marcado Deste modo as liacutenguas teriam
uma tendecircncia a optar por padrotildees natildeo marcados
Battistella (2006 p13) expotildee que
A possibilidade de relaccedilotildees universais marcado natildeo-marcado eacute atenuada por outros fatores Um deles eacute a observaccedilatildeo de que a assimetria eacute muitas vezes sensiacutevel ao contexto Isso faz com que uma condiccedilatildeo local marcada em vez de um fenocircmeno geral signifique que contexto deve sempre ser considerado ao determinar valores de condiccedilatildeo marcada Poderia ser eacute claro que o aspecto contextual da condiccedilatildeo marcada seja dado universalmente mas este natildeo eacute de modo algum faacutecil de mostrar aleacutem do niacutevel de fonologia Uma preocupaccedilatildeo relacionada sobre as implicaccedilotildees universais decorre do fato de que muitas assimetrias podem ser revertidas entre as diferentes comunidades de fala periacuteodos de tempo ou registradores
Para Trask (2004 p187) os vaacuterios criteacuterios para entender que uma forma ou
construccedilatildeo eacute marcada podem natildeo coincidir e os valores da alternativa marcado
natildeo-marcado podem tambeacutem mudar ao longo do tempo A complexidade posta na
interaccedilatildeo de fatores nunca eacute previamente estabelecida uma vez que as
diferentes combinaccedilotildees deles tornaratildeo consequentemente os resultados
diferentes
Em continuidade ele afirma que
Ser marcado eacute uma noccedilatildeo muito ampla que se aplica em todos os niacuteveis de anaacutelise Em termos gerais eacute marcada qualquer forma linguiacutestica que ndash sob qualquer ponto de vista ndash menos usual ou menos neutra do que alguma outra forma a forma natildeo-
33
marcada Uma forma marcada pode distinguir-se de outra tambeacutem marcada pela presenccedila de mais material de maior quantidade de matizes de significado por ser mais rara numa determinada liacutengua ou nas liacutenguas em geral ou de vaacuterios outros modos (idem p129)
Na e para a fonologia eacute sugerido que processos fonoloacutegicos estejam diretamente
sensiacuteveis agrave distinccedilatildeo entre os elementos marcados e os natildeo marcados Nesta
relaccedilatildeo a marcaccedilatildeo dos segmentos foneacuteticos estaacute relacionada a propriedades
linguiacutesticas como i) serem pouco comuns ii) serem pouco frequentes iii) serem
adquiridos tardiamente iv) serem pouco estaacuteveis quanto agrave mudanccedila sonora
(CRISTOacuteFARO-SILVA 2011 p148)
Segundo Battistella (2006 p 13) ldquoa condiccedilatildeo marcada na fonologia eacute uma
propriedade da relaccedilatildeo entre os dois sinais de um paradigma diacriacutetico que eacute em
parte independente da substacircncia linguiacutestica (articulaccedilatildeo e percepccedilatildeo) e deve ser
definida principalmente como conceitualrdquo
O conceito de marcaccedilatildeo estaacute diretamente relacionado ao de simetria propriedade
matemaacutetica que consiste na correspondecircncia e permuta de elementos dentro de
um conjunto onde mesmo com a troca de lugares eles continuam tendo o
mesmo valor Neste caso a marcaccedilatildeo estaria ligada ao conceito de assimetria
posto que esta seja a quebra da valoraccedilatildeo de correspondecircncia dos elementos
Trask 2007
Para Matras e Elsik (2006 p 8)
Assimetrias de paradigmas tecircm vindo a ser associado com a noccedilatildeo de condiccedilatildeo marcadardquo O conceito pressupotildee que a relaccedilatildeo estrutural entre os dois polos de um paradigma eacute previsiacutevel em certa medida Ele tambeacutem assume que um dos
34
polos marcado seraacute sempre exibir propriedades que o outro polo desmarcado natildeo tem
Os referidos autores tratam dos aspectos sobre assimetria afirmando que a
simetria eacute mais simples por ser explicada ldquoem termos formais ao niacutevel do
paradigma e em termos funcionais atraveacutes de regularidade na posiccedilatildeo e
formas das estruturas que executam operaccedilotildees lineares semelhantes na
organizaccedilatildeo de informaccedilatildeo de enunciadosrdquo Eles ainda afirmam que as ldquoas forccedilas
que provocam a assimetria satildeo muito mais opacasrdquo pois ldquoelas competem em
vaacuterios niacuteveis locais contra o poder aparentemente esmagador e sempre presente
da busca pela simetriardquo (idem p 10)
A noccedilatildeo de valores dos conceitos de marcados e natildeo marcados foi inicialmente
desenvolvido para sistemas fonoloacutegicos por Trubetzkoy (1931) e primeiro aplicado
a categorias morfossintaacuteticas e semacircnticas por Jakobson (1932) Croft (1990 p
87) afirma que Markedness has since been adopted by both the generative and
the typological approaches to linguistic theory not surprisingly in rather different
ways7 Por isso a depender da corrente teoacuterica adotada o conceito de marcaccedilatildeo
pode ser compreendido de forma distinta dadas as interpretaccedilotildees e as
abrangecircncias a que elas se propotildeem
Conforme Battistella (1996 p 12) O termo marcaccedilatildeo abrange uma seacuterie de
conceitos
algumas tentativas foram feitas para separar os conceitos subjacentes a este termo e distinguir entre diferentes tipos de condiccedilotildees marcadas Jakobson por exemplo manteacutem uma
7 O conceito de marcaccedilatildeo tem sido adotado nas abordagens gerativista e tipoloacutegica natildeo surpreendentemente de maneiras bastante diferentes
35
distinccedilatildeo entre condiccedilatildeo fonoloacutegica marcada que envolve categorias cujos significados satildeo meros diferenciadores e condiccedilatildeo marcada semacircntica que envolve categorias conceituais que sinalizam o que significa bem como distinguem os vocaacutebulos
Com os passar do tempo os modelos teoacutericos sobre marcaccedilatildeo tambeacutem foram
discutidos e repensados de acordo com a corrente a que se propunha Nos
paraacutegrafos que seguem discorremos seguindo o percurso histoacuterico descrito por
Battistella 2006 sobre estes modelos estruturalista gerativista tipoloacutegica e
naturalista
221 A concepccedilatildeo de Jakobson e Trubetzkoy
A abordagem estruturalista estaacute diretamente ligada agraves pessoas de Jakobson e
Trubetzkoy componentes do Ciacuterculo de Praga para quem as correlaccedilotildees
fonoloacutegicas satildeo compartilhadas em um elemento definidor comum A partir da
observaccedilatildeo do comportamento dos traccedilos fonoloacutegicos eles introduzem os termos
marcado e natildeo-marcado It was in the context of the search for correlations
among phonemes that the terms marked and unmarked were first proposed
Battistella (2006 p 19)
Na visatildeo semioacutetica estruturalista de acordo com Matras e Elsik (2006 p 15)
Trubetzkoy (1939) introduziu o conceito de condiccedilatildeo marcada no contexto de sua
pesquisa sobre correlaccedilotildees fonoloacutegicas com base nas relaccedilotildees entre a presenccedila
de alguma caracteriacutestica fonoloacutegica e sua ausecircncia na consciecircncia dos falantes
Mais adiante ele restringiu a aplicaccedilatildeo da condiccedilatildeo marcada agraves neutralizaacuteveis
36
oposiccedilotildees fonoloacutegicas A partir daiacute a neutralizaccedilatildeo tornou-se o criteacuterio de
marcaccedilatildeo
Por isso diz-se que a neutralizaccedilatildeo eacute um criteacuterio originalmente fonoloacutegico que foi
estendido (nem sempre bem) para a situaccedilatildeo em que algum contexto requer o
cancelamento do contraste entre os membros de uma oposiccedilatildeo Battistella (1996
p 11)
Batistella (idem p12) tambeacutem afirma que Jakobson aplicou o conceito de
marcaccedilatildeo em vaacuterias direccedilotildees e aleacutem da fonologia a outros niacuteveis linguiacutesticos e
domiacutenios da semioacutetica com base natildeo apenas nos atributos linguiacutesticos mas nas
categorias semacircnticas da gramaacutetica e da cultura Ele tambeacutem afirmou que a
condiccedilatildeo marcada pode ser vista como uma relaccedilatildeo binaacuteria
O autor em estudo ainda discorre que Jakobson observando aleacutem disso ldquouma
seacuterie de correlaccedilotildees de condiccedilatildeo marcada notou que os valores natildeo marcados
tendem a ser representado por zero formardquo sugerindo que existe uma
correspondecircncia entre as caracteriacutesticas semacircnticas e sua expressatildeo fonoloacutegica
ldquonatildeo apenas os valores marcados tendem a ser codificados por meio de
marcadores manifestados mas tambeacutem valores semanticamente proacuteximos de
uma categoria que tendem a ser expressos fonologicamente ou marcadores
fonotaticamente semelhantesrdquo Os valores marcados tambeacutem tendem a mostrar
diferenciaccedilatildeo menos formal do que os valores natildeo marcados
Jakobson tambeacutem teria evidenciado seus estudos com base nas observaccedilotildees
sobre a aquisiccedilatildeo de primeira liacutengua e sobre a afasia Em suas pesquisas ele
descobriu correlatos extralinguiacutesticos de condiccedilatildeo marcada propondo uma
37
hierarquia das caracteriacutesticas fonoloacutegicas universais ao coletar dados
corroboradores da tese de que as caracteriacutesticas ou segmentos marcados satildeo
mais difiacuteceis de serem adquiridos por crianccedilas e de serem apreendidos por
afaacutesicos Battistella (idem 16)
222 Abordagem Gerativa
Para Matras amp Elsik (2006 p10) a visatildeo de Chomsky de marcaccedilatildeo mostra uma
flexibilidade notaacutevel uma vez que o conceito natildeo foi desenvolvido de forma
sistemaacutetica e que eacute difiacutecil falar sobre a existecircncia de um trabalho mais bem
elaborado sobre marcaccedilatildeo em sua obra
Battistella afirma que na concepccedilatildeo gerativista o conceito de marcaccedilatildeo exposto
por Chomsky estaacute relacionado a duas ideias centrais i) a condiccedilatildeo marcada eacute
concebida como codificaccedilatildeo de uma estrutura de preferecircncia ou a estrutura
padratildeo para a aquisiccedilatildeo da linguagem e ii) a condiccedilatildeo marcada eacute vista como
aquela que reflete o custo de determinadas opccedilotildees analiacuteticas Em tal conceito as
duas ideias estatildeo interligadas na abordagem gerativa na medida em que uma
teoria formal eacute necessaacuteria para expor a adequaccedilatildeo explicativa no que diz respeito
agrave aquisiccedilatildeo da linguagem (1996 p18)
Ainda segundo o autor Chomsky tambeacutem distinguiu dois tipos de condiccedilatildeo
marcada a distinccedilatildeo entre uma gramaacutetica sem marcaccedilatildeo do nuacutecleo e uma
periferia marcada e as estruturas de preferecircncia dentro do nuacutecleo e dentro da
periferia
38
No que tange agrave fonologia para Moreira da Silva (2011 p 31)
No contexto da Gramaacutetica Gerativa Chomsky amp Halle (1968 p 402) propotildeem uma teoria de marcaccedilatildeo baseada num conjunto de convenccedilotildees de marcaccedilatildeo ou definiccedilotildees dos valores ldquomarcadordquo ldquonatildeo-marcadordquo para os traccedilos fonoloacutegicos em contextos particulares A marcaccedilatildeo concebe uma estrutura como preferida ou que surge por defeito omissatildeo Os elementos marcados e natildeo marcados satildeo compreendidos como os que apresentam maior ou menor custo Satildeo as regras da Gramaacutetica Universal que atribuem um valor natildeo marcado aos traccedilos Com efeito os valores por omissatildeo estatildeo codificados na Gramaacutetica Universal havendo um conjunto de regras que fazem emergir os valores marcados
Chomsky amp Halle (idem p 425) propotildeem uma marcaccedilatildeo universal e inata Os
segmentos marcados ou os valores dos traccedilos satildeo estabelecidos de acordo com
universais interlinguiacutesticos frequecircncia distribucional mudanccedila linguiacutestica e
aquisiccedilatildeo da liacutengua
Eacute no final dos anos 70 e durante a deacutecada de 80 que segundo Battistella (1996
p 10)
a condiccedilatildeo marcada comeccedilou a ser tratada como parte de uma teoria do nuacutecleo da gramaacutetica A Gramaacutetica nuclear consistia em alguns paracircmetros que deveriam ser corrigidos durante a aquisiccedilatildeo de uma linguagem real O conceito de condiccedilatildeo marcada foi aplicado duplamente neste quadro Em primeiro lugar todo o nuacutecleo da gramaacutetica foi considerado como natildeo marcado contra a periferia marcada A condiccedilatildeo marcada de uma construccedilatildeo foi determinada pela sua regularidade estabilidade e centralidade para o nuacutecleo de uma linguagem particular bem como por generalizaccedilotildees intralinguiacutesticas sobre os tipos de construccedilatildeo Em segundo lugar a condiccedilatildeo marcada seria tambeacutem aplicada aos valores de paracircmetros no interior do nuacutecleo e no interior da periferia Assim condiccedilatildeo marcada tambeacutem foi visto como uma estrutura de preferecircncia dentro dos dois componentes da gramaacutetica
Moreira da Silva (2011 p32) afirma que no que diz respeito agrave Teoria da
Otimidade formulada por Prince amp Smolensky (1993) a marcaccedilatildeo eacute vista como a
39
violaccedilatildeo de uma restriccedilatildeo ou princiacutepio da liacutengua Segundo esta teoria cada liacutengua
eacute definida como um conjunto de hierarquizaccedilotildees de princiacutepios universais As
restriccedilotildees numa posiccedilatildeo mais elevada e que satildeo raramente violadas indicam os
aspetos natildeo marcados enquanto as menos importantes e que satildeo violadas
frequentemente mostram os aspetos mais marcados
223 Abordagem Tipoloacutegica (Interlinguiacutestica)
Croft (1996 p4) afirma que a principal caracteriacutestica da tipologia linguiacutestica eacute
verificar as regras de comparaccedilatildeo nas liacutenguas do mundo A comparaccedilatildeo
Interlinguiacutestica coloca a explicaccedilatildeo dos fenocircmenos linguiacutesticos de uma uacutenica
liacutengua em uma nova e diferente perspectiva
A fim de distinguir o conceito de marcaccedilatildeo de outras escolas teoacutericas Croft
(1996) introduziu a concepccedilatildeo de marcaccedilatildeo tipoloacutegica Para ele
Marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute uma rede de relaccedilotildees causais aparentes entre um subtipo de assimetrias interlinguiacutesticas todas as quais tecircm a ver com a forma como a funccedilatildeo eacute codificada em forma gramatical O tema geral da assimetria tambeacutem sugere um link para os padrotildees assimeacutetricos na ordem das palavras e na fonologia que diferem de marcaccedilatildeo tipoloacutegica de forma significativa Marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute uma propriedade universal de uma categoria conceitual natildeo uma propriedade de uma linguagem especiacutefica ou de uma categoria gramatical de linguagem particular como eacute concebida em marcaccedilatildeo para a Escola de Praga (p87 - 88)8
8 Typological markedness is a network of apparent causal relationships among a subtype of cross-
linguistic asymmetries all of which have to do with how function is encoded into grammatical form The general theme of asymmetry also suggests a link to asymmetrical patterns in word order and phonology which differ from typological markedness in significant ways Typological markedness is a universal property of a conceptual category not a language-particular property of a language-particular grammatical category as it is in Prague School markedness
40
Quanto agrave marcaccedilatildeo na abordagem tipoloacutegica autores como Croft (1996) e Givoacuten
(1990) se utilizaram da perspectiva estruturalista para embasar a sua teoria Esta
concepccedilatildeo se vale dos fenocircmenos interlinguiacutesticos e universais que eacute a sua
caracteriacutestica definidora Battistella (2006 p19) A marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute
portanto uma ferramenta importante para o tipologista porque fornece um meio
para ligar diretamente propriedades linguiacutesticas (estruturais) formais em todos os
idiomas
A condiccedilatildeo marcada eacute assegurada por padrotildees interlinguiacutesticos que podem ser
formulados como restriccedilotildees sobre possiacuteveis combinaccedilotildees de propriedades
linguiacutesticas Na abordagem tipoloacutegica a marcaccedilatildeo eacute vista como uma rede de
relacionamentos que engloba uma seacuterie de padrotildees gerais logicamente
independentes Croft (1990 p87) reclassifica os criteacuterios utilizados pelos
estruturalistas em trecircs estruturais comportamentais e de frequecircncia de token
Na abordagem tipoloacutegica um valor de categoria eacute mais ou menos marcado em
vez de individualmente ou duplamente marcadas como na abordagem semioacutetica
De acordo com Croft (2003 p87) o fato de que a neutralizaccedilatildeo natildeo eacute um
conceito relativo explica por que eacute um criteacuterio vaacutelido de condiccedilatildeo marcada
tipoloacutegica
Para Matras e Elsik o reconhecimento do caraacuteter relativo (gradual ou escalar) da
condiccedilatildeo marcada permite que se desenhe em alguns conceitos fundamentais da
tipologia linguiacutestica o que diz respeito agrave condiccedilatildeo de marcada Aleacutem de simples
implicacionais universais hierarquias e protoacutetipos tambeacutem podem ser vistos como
padrotildees da condiccedilatildeo marcada (2006 p18)
41
224 Abordagem Naturalista9 (Morfologia Natural)
Na abordagem naturalista de acordo com Matras amp Elsik (2006 p13) a condiccedilatildeo
marcada foi desenvolvida na escola de Morfologia Natural que surgiu na Aacuteustria e
na Alemanha em meados dos anos 1970 Os estudos de Dressler et al (1987)
para quem ldquoa naturalidade universal corresponde agrave facilidade para o ceacuterebro
humano (Dressler et all 1987 p11) fazem parte desta corrente que se debruccedilou
sobre a morfologia natural para dar sustentaccedilatildeo a sua tese Ainda para estes
autores
Os proponentes da Morfologia Natural caracterizam sua abordagem como semioacutetica e ao mesmo tempo funcional A escola foi inspirada entre outros pela teoria da marcaccedilatildeo desenvolvida na Escola de Praga Por outro lado morfologistas naturais compartilham de uma seacuterie de pontos de vista teoacutericos com o paradigma funcionalista e principalmente com orientaccedilatildeo de funccedilatildeo tipoloacutegica como a assunccedilatildeo do caraacuteter relativo da condiccedilatildeo marcada a suposiccedilatildeo de protoacutetipos e a dependecircncia de motivaccedilotildees e evidecircncias extralinguiacutesticas e intralinguiacutesticas (Idem p12)
Ainda de acordo com Matras amp Elsik (idem p 14) a Teoria da Morfologia Natural
eacute concebida como uma teoria da Naturalidade onde satildeo reconhecidos vaacuterios
niacuteveis de anaacutelise linguiacutestica que satildeo organizados por outras subteorias
correspondentes
A Morfologia Natural objetiva nesse aspecto estabelecer conflitos entre os
princiacutepios de naturalidade Dois desses satildeo i) os conflitos entre princiacutepios de
naturalidade (o que eacute natural e o que eacute especiacutefico do idioma) e ii) os conflitos
entre os diferentes componentes do sistema de linguagem
9 The naturalness approach
42
Comumente a naturalidade eacute vista por ter fundamentos extralinguiacutesticos que
determinam ou proiacutebem favorecem ou desfavorecem as estruturas linguiacutesticas
restringindo as possibilidades e especificam as preferecircncias da faculdade da
linguagem universal No entanto embora a morfologia privilegie os fatores
extralinguiacutesticos (neurobioloacutegicos e sociocomunicativos) os fatores linguiacutesticos
natildeo satildeo redutiacuteveis aos extralinguiacutesticos (ibidem p14)
23 CRITEacuteRIOS DE MARCACcedilAtildeO
Matras amp Elsik (2006 p15) elencam quatro criteacuterios relevantes para a marcaccedilatildeo
Satildeo eles i) frequecircncia ii) complexidade conceitual iii) complexidade estrutural iv)
distribuiccedilatildeo
A frequecircncia tem ocupado uma posiccedilatildeo central na abordagem tipoloacutegica da
condiccedilatildeo marcada Embora acredite-se que os elementos natildeo marcados satildeo
mais frequentes que os marcados este criteacuterio eacute relativo e universalmente
aplicaacutevel sendo bastante questionaacutevel na abordagem tipoloacutegica chegando a ser
abandonado por Croft 1990 p84 ao afirmar que ldquoo criteacuterio de frequecircncia mostra
uma conexatildeo direta entre as propriedades de estrutura da linguagem e
propriedades de uso da linguagemrdquo
Ainda segundo Croft (idem p159) a condiccedilatildeo marcada eacute mais do que uma
manifestaccedilatildeo de motivaccedilatildeo econocircmica havendo a necessidade de olhar para
outras causas da frequecircncia de certos valores gramaticais na fala
43
Na abordagem estruturalista semioacutetica a complexidade conceitual eacute a
propriedade que define a condiccedilatildeo semanticamente marcada Para Jakobson a
marcaccedilatildeo eacute definida como uma relaccedilatildeo assimeacutetrica entre sinalizaccedilatildeo e natildeo-
sinalizaccedilatildeo de uma determinada propriedade Assim o membro marcado da
oposiccedilatildeo eacute por definiccedilatildeo mais complexo semanticamente que o membro natildeo
marcado como outros criteacuterios melhores correlatos da condiccedilatildeo marcada de
diagnoacutesticos de complexidade conceitual (Matras amp Elsik 2006 p 17)
Ainda segundo estes autores (Idem p 19) o reconhecimento da extensatildeo e da
complexidade de um marcador em termos fonoloacutegicos como um fator relevante
em vez de um morfoloacutegico eacute tido por outros autores que trabalham com a
tipologia linguiacutestica Como exemplo eles citam a codificaccedilatildeo morfossintaacutetica que
eacute chamada de codificaccedilatildeo zero onde natildeo existe evidente formal de marcaccedilatildeo de
um valor de categoria
Os criteacuterios de marcaccedilatildeo com base na distribuiccedilatildeo compreendem os criteacuterios
comportamentais e o criteacuterio de valor neutro Os criteacuterios comportamentais foram
desenvolvidos especificamente na abordagem tipoloacutegica e dizem respeito a
qualquer tipo de evidecircncia do comportamento linguiacutestico dos elementos que
demonstram que um valor de uma categoria conceitual eacute gramaticalmente mais
versaacutetil do que outro Croft (1990 p 93)
Jaacute o criteacuterio de valor neutro diz respeito agrave neutralizaccedilatildeo de contrastes
paradigmaacuteticos em determinados contextos O criteacuterio foi desenvolvido na Escola
de Praga e tomado por Greenberg (1966) No entanto o valor neutro eacute
descartado como um criteacuterio vaacutelido de marcaccedilatildeo tipoloacutegica visto que natildeo haacute
44
consistecircncia interlinguiacutestica Natildeo existe um padratildeo interlinguiacutestico consistente de
contextos neutros que podem ser ligados agrave codificaccedilatildeo estrutural ou potencial
comportamental (Croft idem p96)
A razatildeo para a introduccedilatildeo de criteacuterios dependentes do sistema em Morfologia
Natural segundo Matras amp Elsik (2006 p 19) eacute que o conceito de naturalidade
baseada exclusivamente em fatores independentes de sistema resulta em
prediccedilotildees incorretas especialmente na mudanccedila de linguagem Eles consideram
certos aspectos da normalidade dependente de idioma para ser parte de
naturalidade
Segundo Croft (1990 p 97) no que tange aos criteacuterios externos da marcaccedilatildeo os
proponentes da abordagem naturalista introduziram uma seacuterie de criteacuterios ou
correlatos extralinguiacutesticos da condiccedilatildeo marcada como
evoluccedilatildeo da linguagem (o mais tarde o mais marcado)
maturaccedilatildeo ontogeneacutetica (o mais tarde o mais marcado)
fala do bebecirc (menos elementos marcados preferidos pelos adultos no
maiecircs)
aquisiccedilatildeo da linguagem (menos marcado adquirido antes do mais
marcado)
distuacuterbios da linguagem e da fala (mais marcado afetado anteriormente
menos marcado)
testes de percepccedilatildeo (menos marcado mais facilmente percebida do que
mais marcado)
45
e erros linguiacutesticos (mais marcados evocam mais erros do que os menos
marcados)
Esses criteacuterios satildeo basilares e dariam conta de uma seacuterie de elementos
universais linguiacutesticos
24 MARCACcedilAtildeO MUDANCcedilA E CONTATO LINGUIacuteSTICO
Matras amp Elsik (2006 p 22) garantem que em muitas abordagens a
mudanccedila linguiacutestica eacute vista como cooperadora para compreensatildeo da marcaccedilatildeo
Logo a mudanccedila de idioma eacute tida como criteacuterio de marcaccedilatildeo Esta assertiva faz
sentido nesse trabalho visto que o objeto de anaacutelise o portuguecircs resultante do
contato entre o Portuguecircs e o Latundecirc trata de cacircmbio de materiais linguiacutesticos
Neste caso especificamente dos elementos foneacuteticos
Ainda de acordo com estes autores
A existecircncia de estruturas marcadas eacute um resultado inevitaacutevel da compartimentaccedilatildeo e da abertura do sistema de linguagem E uma vez que diferentes componentes da linguagem tecircm funccedilotildees divergentes e tendem a seguir diferentes princiacutepios de naturalidade o abandono das estruturas marcadas em um niacutevel implica em estruturas marcadas em outro niacutevel (Idem p
25)
Em outras palavras a mudanccedila linguiacutestica leva agrave condiccedilatildeo de marcaccedilatildeo na
mudanccedila de um componente da liacutengua para outro ao inveacutes de uma reduccedilatildeo
global de condiccedilatildeo marcada Tais estruturas marcadas satildeo obrigadas a existir em
qualquer momento na histoacuteria de uma liacutengua
46
Os estudiosos apontam para os dois tipos de forccedilas que agem no contato
linguiacutestico a interna e a externa Assim tais forccedilas podem simplificar ou complicar
a gramaacutetica de uma liacutengua Givoacuten (1979 p 123) diz que os falantes satildeo
propensos a recorrer a estruturas natildeo marcadas da Gramaacutetica Universal em
situaccedilotildees cujo contato estaacute ligado ao estresse comunicativo enquanto situaccedilotildees
de contato menos marcados aquelas que prosseguem de forma mais gradual
natildeo precisam
Givoacuten (idem 124) diz que nas situaccedilotildees de pidgin a condiccedilatildeo de marcaccedilatildeo eacute
reduzida e situaccedilotildees de contato entre liacutenguas podem resultar em aumento de
elementos marcados As categorias marcadas satildeo reduzidas em pidgins
enquanto as natildeo-marcadas satildeo as primeiras a serem inovadas durante o
processo de crioulizaccedilatildeo A marcaccedilatildeo sugere que em situaccedilotildees de contato
envolvendo a interferecircncia deve favorecer a reduccedilatildeo da condiccedilatildeo marcada
Na aquisiccedilatildeo de segunda liacutengua o grau relativo de dificuldade para o aprendiz
estaacute relacionado a fatores extralinguiacutesticos como idade Eacute fato que na aquisiccedilatildeo
de uma segunda liacutengua os adultos tendem a terem dificuldades com os padrotildees
mais marcados enquanto os mais novos natildeo a tem Estruturas marcadas da
liacutengua em aquisiccedilatildeo podem deixar de serem adquiridas durante a aprendizagem
caso sejam os adultos que a esteja adquirindo Por isso estruturas natildeo marcadas
satildeo mais propensas a surgir em grandes sociedades caracterizadas por um
intenso contato linguiacutestico levando agraves liacutenguas a simplificaccedilatildeo dos seus sistemas
linguiacutesticos Croft (2000 p 192-193)
47
Jakobson (1978 p 35-37) afirma que quanto maior a funccedilatildeo socioespacial de um
dialeto mais simples seraacute o seu sistema linguiacutestico Dialetos e liacutenguas
relativamente isoladas satildeo mais propensas a desenvolverem condiccedilotildees marcadas
e estruturas redundantes como conjunto de fonemas complexos com um elevado
nuacutemero de contrastes fonoloacutegicos complexidade alofocircnica e alomoacuterfica
irregularidade morfoloacutegica e padrotildees de concordacircncia complexos Por outro lado
os casos de alto contato dialeacutetico que satildeo caracterizadas por redes sociais
relativamente abertas satildeo susceptiacuteveis agrave produccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas natildeo
marcadas pela diminuiccedilatildeo da irregularidade da redundacircncia e da complexidade
Apesar de os empreacutestimos serem um aspecto do aumento da condiccedilatildeo marcada
ela (a condiccedilatildeo) eacute operativamente especiacutefica de cada empreacutestimo Esta condiccedilatildeo
marcada do empreacutestimo coodetermina quais as formas e funccedilotildees satildeo mais
susceptiacuteveis de serem emprestadas do que outras Quanto mais transparente e
menos integrador for um elemento na liacutengua de origem torna-se mais provaacutevel de
ser emprestado A condiccedilatildeo marcada eacute relativa ao contexto agrave saliecircncia agrave
frequecircncia agrave ocorrecircncia e agrave distacircncia tipoloacutegica da situaccedilatildeo do contato Matras amp
Elsik (2006 p 26)
Croft (2000 p198) estende a noccedilatildeo de condiccedilatildeo marcada natildeo soacute para os
mecanismos de mudanccedila mas tambeacutem para as formas de contextos de difusatildeo
ou seja padrotildees de realizaccedilatildeo Ele afirma que enquanto na mudanccedila interna as
inovaccedilotildees entram nos pontos menos marcados e estendem a ambientes mais
acentuados em empreacutestimos e outras inovaccedilotildees mudanccedilas motivadas
externamente se espalham de pontos marcados para menos contextos marcados
48
25 JAKOBSON E A ABORDAGEM FONOLOacuteGICA DA MARCACcedilAtildeO
O termo marcaccedilatildeo recebeu o tratamento mais expansivo nos estudos de Roman
Jakobson a partir de 1930 Ele e Trubetzkoy difundiram a ideia de correlaccedilatildeo
fonoloacutegica como uma seacuterie de oposiccedilotildees binaacuterias que compartilham elementos
em comum Eacute Jakobson que afirma que a neutralizaccedilatildeo e o estaacutegio onde as
posiccedilotildees marcadas natildeo estatildeo em estado de marcaccedilatildeo
Eacute tambeacutem Jakobson quem introduz a concepccedilatildeo de niacuteveis de marcaccedilatildeo propondo
que a forma natildeo marcada tanto tem uma forma geral como uma parcial Ele
descobriu uma relaccedilatildeo entre a marcaccedilatildeo em uma hierarquia universal de traccedilos
fonoloacutegicos os traccedilos marcados implicam maior dificuldade de aprendizagem e
uma maior facilidade de perda por parte de pessoas com afasia Ele ainda diz
que
O padratildeo do desenvolvimento fonoloacutegico universal consiste numa progressatildeo de diferenciaccedilotildees cada vez mais finas entre traccedilos distintivos inicialmente distinccedilatildeo entre consoantes e vogais formando-se posteriormente oposiccedilotildees cada vez menos universais A dissoluccedilatildeo da competecircncia linguiacutestica individual nas patologias da linguagem eacute governada pela mesma regularidade a perda do valor primaacuterio pressupotildee a perda do valor secundaacuterio e eacute por isso que se fala da infantilidade da fala dos afaacutesicos A dissoluccedilatildeo do sistema de sons nos afaacutesicos fornece uma imagem de espelho do desenvolvimento fonoloacutegico da crianccedila ndash os sons a serem adquiridos mais tardiamente satildeo os primeiros a serem perdidos (1941 p 60-63)
No percurso da fonologia Jakobson (1941 p 84) viu a representaccedilatildeo fonecircmica
como um niacutevel sem redundacircncia de representaccedilatildeo que conteacutem apenas
informaccedilotildees distintivas A praacutetica descritiva da informaccedilatildeo teoacuterica de Jakobson
49
teve uma grande e importante influecircncia sobre a notaccedilatildeo livre da redundacircncia na
fonologia e na sintaxe gerativas
Com base na literatura meacutedica Jakobson examinou a aquisiccedilatildeo da linguagem e a
afasia da fala agrave luz dos universais linguiacutesticos propondo uma relaccedilatildeo entre uma
hierarquia universal dos traccedilos fonoloacutegicos a aquisiccedilatildeo da linguagem na infacircncia
e a perda dela durante a afasia A aquisiccedilatildeo fonoloacutegica da crianccedila e os distuacuterbios
dos afaacutesicos baseiam-se nas mesmas leis de solidariedade como o inventaacuterio
fonoloacutegico o percurso fonoloacutegico das liacutenguas do mundo
Os estudos de Jakobson e de Trubetzkoy sobre a tipologia fonoloacutegica levaram
Jakobson a propor que os sistemas de sons satildeo organizados hierarquicamente e
que certas oposiccedilotildees fonoloacutegicas fornecem o nuacutecleo do sistema de som de todas
as liacutenguas Estas satildeo as oposiccedilotildees que definem os sons mais prototiacutepicos mdash
vogais e consoantes que ocorreratildeo em todos os idiomas vogais cardeais a i
u consoantes plosivas p t k e as nasais m n Estes sons satildeo
encontrados em praticamente todas as liacutenguas do mundo
Jakobson propotildee novas leis implicativas entre estes sons e os sons fora do
inventaacuterio baacutesico Dessa forma as leis tipoloacutegicas preveem que em nenhuma
liacutengua haveraacute vogais nasais a menos que haja vogais orais nenhuma liacutengua teraacute
uma vogal arredondada posterior a menos que ela tambeacutem tenha uma vogal
anterior fechada natildeo arredondada nenhuma liacutengua teraacute uma vogal fechada natildeo
arredondada a menos que ela tambeacutem tenha uma arredondada nenhuma liacutengua
teraacute uma fricativa dental simples sem uma fricativa dental estridente (Idem 1941
p 86)
50
Jakobson tambeacutem observa que certos sons satildeo muito raros nas liacutenguas do
mundo por exemplo as fricativas laterais e o r tcheco estridente Ele propotildee que
esses sons satildeo mais afastados do nuacutecleo e portanto menor nesta hierarquia
A hierarquia de oposiccedilotildees fonoloacutegicas definida pela tipologia encontra-se tambeacutem
no desenvolvimento do sistema foneacutetico da crianccedila Com base em estudos diaacuterios
de aquisiccedilatildeo da linguagem ele confirma a hierarquia na aquisiccedilatildeo dos padrotildees e
os padrotildees mais marcados seriam adquiridos tardiamente
Moreira da Silva (2011 p36) elenca os criteacuterios de marcaccedilatildeo No entanto a
autora chama a atenccedilatildeo para o fato de que eles nem sempre funcionam do modo
esperado Satildeo eles frequecircncia distribuiccedilatildeo aquisiccedilatildeo da liacutengua patologias da
linguagem histoacuteria da liacutengua facilidade de produccedilatildeo e percepccedilatildeo universalidade
implicaccedilatildeo e processos fonoloacutegicos Ela tambeacutem apresenta algumas unidades e
estruturas consideradas mais marcadas como podemos ver a seguir
Quadro 1 Unidades e estruturas mais marcadas conforme levantamento de Moreira da
Silva (2011)
Segmentos e estruturas mais marcadas Autores
1 Vogais nasais Ferguson amp Chowdbury 1960
Greenberg 1966 14 Durand 1990
74 Kenstowicz 1994 63
2 Vogais longas Zipf 1935 1963 Greenberg 1966
14
3 Vogais meacutedias em comparaccedilatildeo com as
vogais altas
Kenstowicz 1994 65
4 Consoantes aspiradas Greenberg 1966 14
5 Consoantes glotalizadas Greenberg 1966 17
6 Obstruintes [+vozeadas] por oposiccedilatildeo agraves [- Greenberg 1966 14 24
51
vozeadas] Lass1984 155 Kenstowicz 1994
62
7 Consoantes fricativas por oposiccedilatildeo agraves
oclusivas
Kenstowicz 1994 65
8 Articulaccedilotildees secundaacuterias como labializaccedilatildeo
palatalizaccedilatildeo e velarizaccedilatildeo
Kenstowicz 1994 65
9 A regiatildeo dental alveolar eacute preferida com
exceccedilatildeo das africadas o que pode ser
observado pelo fato de este ser o ponto de
articulaccedilatildeo usado quando numa liacutengua
existe apenas uma obstruinte Nas nasais
esta tendecircncia ainda se faz notar mais
resultando na preferecircncia por n
Lass 1984 154-156
10 Segmentos com articulaccedilotildees muacuteltiplas e
complexas no geral satildeo mais marcados em
comparaccedilatildeo com segmentos com
articulaccedilotildees singulares
Kenstowicz 1994 65
11 Quanto agraves liacutequidas a lateral seraacute a menos
marcada jaacute que as liacutenguas que possuem
duas ou mais liacutequidas tecircm provavelmente
uma lateral e um contraste lateral natildeo
lateral
Lass 1984 158
12 Em termos de semivogais haacute uma
preferecircncia por j embora a maioria das
liacutenguas possua tambeacutem w as outras
semivogais satildeo raras
Lass 1984 158
13 Siacutelabas acentuadas ndash nem todas as liacutenguas
tecircm siacutelabas acentuadas embora estas
surjam cedo na aquisiccedilatildeo talvez devido agrave
sua saliecircncia perceptiva e no caso do inglecircs
devido ao fato de as palavras lexicais serem
iniciadas por siacutelaba toacutenica
Demuth 1996 121
14 Quanto agrave siacutelaba existe a preferecircncia pelo
formato natildeo marcado CV
Blevins 1995 213
15 De acordo com a TO a siacutelaba estaacute sujeita agraves Archangeli 1997 7 Hammond
52
seguintes restriccedilotildees universais
a) As siacutelabas comeccedilam com consoante -
Ataque
b) As siacutelabas tecircm uma vogal - Nuacutecleo
c) As siacutelabas acabam com uma vogal - Natildeo
Coda
d) As siacutelabas tecircm no maacuteximo uma consoante
numa margem - Complexo
(significa que os ataques complexos e codas
complexas satildeo inaceitaacuteveis)
e) As siacutelabas satildeo compostas por consoantes
e vogais - Ataque e Nuacutecleo
1997 36
As estruturas elencadas no quadro acima satildeo validadas interlinguisticamente
Com relaccedilatildeo agraves liacutenguas em contato objeto deste estudo podemos afirmar que o
portuguecircs apresenta menos estruturas marcadas do que o Latundecirc No caso do
portuguecircs as estruturas em 2 4 5 e 10 constantes do quadro acima natildeo satildeo
observadas
Jaacute no Latundecirc aleacutem de todas as estruturas apresentadas no quadro ainda satildeo
observadas as seguintes estruturas mais marcadas
estrutura silaacutebica bastante complexa
inventaacuterio vocaacutelico maior do que o consonantal
53
combinaccedilatildeo de dois traccedilos mais marcados em um segmento (vogais
nasais e laringais) e
acento e tom lexicais
Para refletirmos sobre a marcaccedilatildeo no processo de interferecircncia Latundecirc ndash
Portuguecircs trataremos no capiacutetulo seguinte de conceitos a cerca do contato
linguiacutestico
54
3 CONTATO LINGUIacuteSTICO
ldquoBilingualism is for me the fundamental problem of linguisticsrdquo Jakobson10
31 INTRODUCcedilAtildeO
A histoacuteria em grande parte gira em torno de lendas e mitos Um desses mitos eacute o
surgimento das liacutenguas do mundo Questionamentos de como e quando elas
sugiram permeiam ainda hoje as mentes dos filoacutesofos e cientistas Natildeo
diferentemente das demais aacutereas a perspectiva teoloacutegica descreve a narrativa da
construccedilatildeo da Torre de Babel como uma dessas tentativas de explicaccedilatildeo no que
tange agrave miscelacircnea de liacutenguas existentes Jackob Bohme teoacutelogo do seacuteculo XVII
afirma em seu De Signatura Rerum11 que a liacutengua divina original raiz ou matildee de
todas as liacutenguas do mundo eacute chave para um conhecimento verdadeiro e perfeito
de todas as coisas Eacute no ato da criaccedilatildeo que o primeiro homem Adatildeo
contemplando as obras do Criador de toda a natureza nomeara todas as
criaturas de acordo com suas proacuteprias qualidades essenciais usando a
linguagem humana como meio
A hipoacutetese defendida por Bohme tambeacutem fora amplamente sustentada pelos
filoacutelogos e comparatistas do final do seacuteculo XVIII Sem viacutenculo com a teologia
estes estudiosos buscavam atraveacutes da reconstruccedilatildeo da aacutervore linguiacutestica a
protoliacutengua a liacutengua-matildee geradora das demais liacutenguas
10
Apud Romaine 1995 p1 11
De Signatura Rerum (Desde o nascimento e o nome de todos os seres) 1622
55
Jacob Grimm filoacutelogo alematildeo com base nas descobertas de Rasmus Rask
aperfeiccediloou o meacutetodo comparatista sobretudo o que fora denominada de
ldquomudanccedila de somrdquo ou ldquoLei de Grimmrdquo12 com intuito de descrever as mudanccedilas
ocorridas na liacutengua-matildee o proto-indo-europeu (PIE) A Lei de Grimm estava na
base das discussotildees ocorridas mais tarde na Universidade de Leipzig
Alemanha no conhecido grupo dos neogramaacuteticos Os estudiosos desse ciacuterculo
questionaram os estudos de Grimm e seus compatriotas ao apontarem para o fato
de que os estudos comparatistas se basearem em dados de liacutengua escrita e natildeo
de liacutengua falada (GABAS JR 2008 p 80)
Humberto Eco em A busca da liacutengua perfeita13 nos relata sobre os projetos de
reconstruccedilatildeo em busca da liacutengua sagrada No seu livro o autor nos mostra que a
tentativa de procura de correlatos entre as liacutenguas do mundo eacute interesse antigo
das civilizaccedilotildees Ele afirma que na Europa no seacuteculo XIX houve 173 projetos de
reconstruccedilatildeo linguiacutestica
Dadas ateacute aqui as investigaccedilotildees eacute comum pensarmos que pelo prisma
teoloacutegico o surgimento das liacutenguas no planeta eacute fruto da desobediecircncia e
soberba humanas Eco idem nos mostra que haacute um equiacutevoco quanto a esta
interpretaccedilatildeo uma vez que no capiacutetulo XI v 1 do livro de Gecircnesis a Biacuteblia
12
A Lei de Grimm analisou sobre o vieacutes da fonologia as relaccedilotildees que havia entre as liacutenguas indo-
europeias As similaridades entre o alematildeo claacutessico grego e inglecircs antigo eram previstas a partir de leis foneacuteticas i) as consoantes oclusivas surdas (p t k kw) do PIE mudaram em fricativas surdas correspondentes (f θ h hw) nas liacutenguas germacircnicas ii) as consoantes oclusivas sonoras (bdggw) do PIE mudaram em oclusivas surdas correspondentes (p t k kw) nas liacutenguas germacircnicas iii) as consoantes aspiradas sonoras (bh dh gh gwh) do PIE mudaram em oclusivas natildeo-aspiradas sonoras correspondentes (bdggw) nas liacutenguas germacircnicas (GABAS JR 2008 p 78) 13
ECO Humberto A busca da liacutengua perfeita Traduccedilatildeo de Antonio Angonese Bauru Edusc
2001
56
discorre sobre a existecircncia de uma uacutenica genealogia de uma mesma liacutengua e de
uma mesma fala
Diferentemente no capiacutetulo que antecede a narrativa de Babel a proacutepria Biacuteblia
aponta para a existecircncia de famiacutelias linguiacutesticas distintas conforme Gecircnesis 11
v 5 Por estes foram repartidas as ilhas dos gentios nas suas
terras cada qual segundo a sua liacutengua segundo as suas
famiacutelias entre as suas naccedilotildees
v20 Estes satildeo os filhos de Catildeo segundo as suas famiacutelias
segundo as suas liacutenguas em suas terras em suas naccedilotildees
v 31 Estes satildeo os filhos de Sem segundo as suas famiacutelias
segundo as suas liacutenguas nas suas terras segundo as suas
naccedilotildees
Uma explicaccedilatildeo para tal passagem se daacute a partir da perspectiva dos filoacutesofos
gregos que concebiam os povos que falava de forma diferente como bagraverbaroi
seres que balbuciavam falando de forma incompreensiacutevel Logo acreditavam que
aqueles outros eram serem inferiores que natildeo falavam a liacutengua verdadeira da
razatildeo e do pensamento o logos
Tal conflito entre as liacutenguas existentes apontam para uma poliacutetica linguiacutestica que
muito explica a hierarquia (status) linguiacutestica ainda hoje atuante O status
linguiacutestico resultante das relaccedilotildees assimeacutetricas entre sociedades ou subgrupos de
uma sociedade decorre tambeacutem das circunstacircncias e condiccedilotildees que envolvem o
contato linguiacutestico Esse por sua vez evolue da dinacircmica proacutepria do processo em
que ocorrem conflitos e acomodaccedilotildees e que pode derivar pidgins crioulos e
mudanccedila linguiacutestica
57
No reconhecimento de um universo entrelaccedilado compartilhamos com o ponto de
vista de Eco (2001) e assumimos a ideia de que a existecircncia de cada liacutengua e de
sua historicidade eacute reveladora do entendimento do mundo
ldquoCada liacutengua constitui um determinado modelo de Universo um sistema semioacutetico de compreensatildeo do mundo e se temos quatro mil modos diferentes de descrever o mundo isto nos torna mais ricos Deveriacuteamos nos preocupar pela preservaccedilatildeo das liacutenguas tal como nos preocupamos com a ecologiardquo (ECO 2001 p234)
32 SOBRE O CONTATO LINGUIacuteSTICO
Pouco eacute sabido sobre o contato entre as liacutenguas do mundo quando diante da
imensidatildeo que eacute o universo linguiacutestico com o qual nos deparamos14 A
necessidade que os humanos tecircm de se comunicarem a partir do momento que a
interaccedilatildeo foi estabelecida eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o contato linguiacutestico
Trask (2004 p 66) afirma que poucas liacutenguas estatildeo - ou estiveram -
suficientemente isoladas para evitar todo tipo de proximidade e portanto toda
liacutengua mostra alguma prova de um contato antigo ou moderno entre liacutenguas
Thurston (1987 p 34) afirma que
toda liacutengua deve ter sofrido alguma influecircncia de seus vizinhos em um determinado ponto e tempo Para ele todos os idiomas satildeo liacutenguas mistas na medida em que todos copiaram formas lexicais e outros recursos linguumliacutesticos de liacutenguas vizinhas
Embora natildeo saibamos exatamente como se deu o contato entre as liacutenguas do
mundo as evidecircncias do contato podem ser observadas de forma objetiva
atraveacutes de empreacutestimos lexicais O contato linguiacutestico entretanto natildeo se reduz
14
Eacute estimado o nuacutemero de sete mil liacutenguas vivas atualmente ao redor do mundo (httpwwwethnologuecomworld Em 21 de janeiro de 2015)
58
apenas a itens lexicais oriundos dos empreacutestimos entre culturas distintas com
base na dominaccedilatildeo na expansatildeo do comeacutercio ou em qualquer circunstacircncia que
promova a necessidade de comunicaccedilatildeo entre culturas de liacutenguas diferentes
O contato a depender das liacutenguas envolvidas pode trazer consequecircncias muito
devastadoras Em casos extremos o impacto do contato pode ser avassalador
fazendo com que uma das liacutenguas seja extinta quer seja pelo deslocamento
linguiacutestico que seja pelo etnociacutedio Nestes casos ocorre a morte de uma das
liacutenguas em contato aspecto que discorremos na seccedilatildeo sobre as consequecircncias
do contato
No tocante aos efeitos do contato em relaccedilatildeo aos niacuteveis linguiacutesticos Trask Idem
afirma que o contato linguiacutestico pode ir mais longe que a interferecircncia lexical
afetando a gramaacutetica e a pronuacutencia
Concordando com o que afirma Trask Thomason postula que embora seja senso
comum que o resultado mais comum da mescla linguiacutestica seja o empreacutestimo de
palavras este eacute apenas a consequecircncia mais comum quando se trata da
intersecccedilatildeo linguiacutestica
When the agents of change are fluent speakers of the receiving language the first and redominant interference features are lexical items belonging to the nonbasic vocabulary later under increasingly intense contact conditions structural features and basic vocabulary may also be transferred from one language to the other (THOMASON 2001 p 36)
Natildeo obstante podem-se detectar exemplos de transferecircncias em todos os
aspectos linguiacutesticos uma vez que todos os niacuteveis da estrutura linguiacutestica satildeo
59
possiacuteveis de serem transferidos entre idiomas muacutetuos sem qualquer tipo de
restriccedilatildeo dadas as possibilidades de conjunturas sociais e estruturais
Quando as liacutenguas entram em contato as suas gramaacuteticas tambeacutem satildeo
intercruzadas Tal processo natildeo eacute algo simples e justo Diversos fatores externos
satildeo responsaacuteveis por esta miscelacircnea que devido a tais fatores nem sempre eacute
concebida de forma inocente
Em meio a condicionantes sociolinguiacutesticas assumimos que as gramaacuteticas
(sendo tambeacutem reflexo das relaccedilotildees intersocietaacuterias) entram num jogo em que
as peccedilas satildeo acomodadas de acordo com as necessidades comunicativas dos
interlocutores (GILES e CUPLAND 1991) Em meio a esse ldquojogordquo nos importa
refletir como os fenocircmenos que emergem do contato entre liacutenguas podem refletir
questotildees que envolvem a marcaccedilatildeo e universais linguiacutesticos
Para Aikhenvald (2007 p1)
As liacutenguas podem assemelhar-se umas as outras em categorias construccedilotildees e significados e nas formas reais usadas para expressaacute-las As categorias podem ser semelhantes porque satildeo universais e cada liacutengua tem alguma forma de fazer uma pergunta ou a elaboraccedilatildeo de um comando Ocasionalmente duas liacutenguas compartilham a forma por pura coincidecircncia
A literatura linguiacutestica atesta que a semelhanccedila interlinguiacutestica motiva estudos
tipoloacutegicos haacute deacutecadas (CROFT 1990 COMRIE 1989 WHALEY 1997) Embora
liacutenguas apresentem padrotildees regulares de desemelhanccedilas aquelas podem ser
agrupadas em tipos baacutesicos Essa realidade induz a reflexatildeo acerca da existecircncia
de universais linguiacutesticos
60
As liacutenguas individuais independentemente das semelhanccedilas tipoloacutegicas eou
geneacuteticas observadas entre elas satildeo sujeitas a mudanccedilas continuadas que
ocorrem tambeacutem devido ao contato linguiacutestico Para Thomason (2001 p14) as
influecircncias e consequecircncias do contato linguiacutestico satildeo descritas em trecircs niacuteveis i)
mudanccedila induzida pelo contato ii) mescla linguiacutestica extrema o que resulta em
pidgin crioulo e liacutenguas biliacutengues e iii) morte da liacutengua
A seguir abordaremos fenocircmenos decorrentes do contato linguiacutestico
33 MESCLAS DE CONTATO PIDGIN CRIOULO LIacuteNGUA FRANCA E JARGAtildeO
Um ponto saliente dos estudos sobre o contato linguiacutestio eacute o conceito de
ldquomescla15rdquo Este termo utilizado por Tarallo e Alkimin (1987 p7) descreve a
relaccedilatildeo entre as liacutenguas e seus resultados Inicialmente eles chamam a atenccedilatildeo
para o fato de a mescla ser interpretada como algo impuro definhamento
deterioraccedilatildeo Esta impureza linguiacutestica historicamente levou a sociedade a
alimentar a ideia de contaminaccedilatildeo e obviamente construir a discriminaccedilatildeo
linguiacutestica
Ao pensarmos sobre o processo de simbiose que as coisas e os elementos do
mundo estatildeo sujeitos em todo o tempo podemos ter uma ideia clara de que o
processo de amaacutelgama eacute proacuteprio natildeo apenas da natureza linguiacutestica mas de tudo
o que pode existir Apesar disso as mesclas com graus niacuteveis e saliecircncias
variadas nem sempre satildeo refletidas ou percebidas pelos usuaacuterios das liacutenguas do
15 Mescla eacute mistura contato amaacutelgama etc Tarallo e Alkimin (1987 p7)
61
mundo Focalizando a natureza da mescla o estudo das liacutenguas por seu turno
seja sincrocircnico ou diacrocircnico pode evidenciar os fenocircmenos do contato nos
diferentes niacuteveis linguiacutesticos
Tarallo e Alkimin (idem p9) salientam que o dinamismo linguiacutestico se daacute nas
ldquocomunidades de falardquo16 Eacute nelas e entre elas que se concretizam o contato
linguiacutestico que por sua vez produzem fenocircmenos de mescla ou de convivecircncia
coexistecircncia mecanismo ativado pelos indiviacuteduos que integram tais comunidades
Esse fato se alinha agrave perspectiva de que uma comunidade de fala natildeo eacute em
absoluto homogecircnea Nela podem coexistir processos de ordem interna e
externa assim como forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas (BAKHTIN 2010)17
A dinacircmica social eacute tambeacutem pontuada por Tarallo e Alkimin (ibidem p9) Esses
autores mencionam que a mescla linguiacutestica resultante da dinacircmica pode ser
intracomunidade ou intercomunidade No primeiro caso as variantes convivem
eou se entrecruzam em uma mesma comunidade de fala em que apenas uma
liacutengua eacute falada No segundo liacutenguas distintas coexistem e se misturam em uma
mesma comunidade Como exemplo de mesclas intracomunidades podemos citar
o portuguecircs e suas variantes questotildees geograacuteficas histoacutericas e sociais Satildeo
variantes que convivem ldquopacificamenterdquo em territoacuterio nacional Jaacute para as mesclas
intercomunidades tomemos o exemplo do conviacutevio do portuguecircs e demais liacutenguas
16
Labov (1972) conceitua comunidade de fala como grupo de falantes que segue as mesmas normas relativas ao uso da liacutengua Para Romaine (2000) trata-se de um grupo de falantes que natildeo compartilham necessariamente a mesma liacutengua poreacutem compartilham um conjunto de normas
e regras no uso da liacutengua 17
Bakhtin aponta a luta entre classes as forccedilas que agem de dentro para fora do sujeito ou das instituiccedilotildees assim como as forccedilas que agem fazendo o movimento oposto Eacute imprescindiacutevel vislumbrar o poder poliacutetico que a liacutengua tem
62
(alematildeo polonecircs e italiano) na regiatildeo sul bem como a coexistecircncia espaccedilo-
temporal entre diferentes liacutenguas indiacutegenas e entre elas e a liacutengua portuguesa
Ao discutir a mescla linguiacutestica sob a eacutegide do contato linguiacutestico Calvet (2004
p35) considera que haacute aproximadamente na Terra cerca de 5000 liacutenguas e
cerca de 150 paiacuteses Com base nesses nuacutemeros o autor nos diz que cada paiacutes
poderia ter 30 liacutenguas Apesar de em termos reais a distribuiccedilatildeo das liacutenguas natildeo
corresponder a esse cenaacuterio o pesquisador aponta para o fato de
que o mundo eacute pluriliacutengue em cada um de seus pontos e que as comunidades linguiacutesticas se costeiam se superpotildeem continuamente O plurilinguismo faz com que as liacutenguas estejam constantemente em contato O lugar desses contatos pode ser o indiviacuteduo (biliacutengue ou em situaccedilatildeo de aquisiccedilatildeo) ou a comunidade Idem (2002 p 35)
Os dados de Calvet deixam claro que desde sempre o contato linguiacutestico eacute uma
realidade da vivecircncia do humano Os acontecimentos histoacutericos de guerra
expansatildeo e colonizaccedilatildeo apontam para a mescla linguiacutestica Diante deste
contexto vemos que o relacionamento entre as liacutenguas do mundo eacute um processo
feacutertil para a diversidade linguiacutestica Outro aspecto de interesse decorre do fato de
o contato permitir a emergecircncia de padrotildees estruturais os quais trazem luzes
para a compreensatildeo da faculdade da linguagem
A depender do contato podemos avaliar diferentes fenocircmenos resultantes A
intensidade o contato linguiacutestico pode derivar instrumentos mais ou menos
elaborados de comunicaccedilatildeo definidos como jargatildeo pidgin e crioulo
63
Os primeiros estudiosos a se aterem sobre o estudo das liacutenguas pidgins e
crioulas se utilizaram dos dados (relatos) de missionaacuterios e comerciantes que
viajaram e mantiveram contato com as aacutereas das mesclas18
331 Pidgin
O termo pidgin foi usado pela primeira vez em 1850 para conceituar o conviacutevio do
inglecircs e o chinecircs19 Mas outras duas hipoacuteteses tambeacutem satildeo colocadas quando
se trata de pidgin A segunda afirma que o termo fora transportado da Ameacuterica do
Sul no iniacutecio do seacuteculo XVII pelos marinheiros e comerciantes ingleses da colocircnia
de Leigh ao estabelecerem contato com os iacutendios Pidiam A terceira explicaccedilatildeo eacute
a origem a partir da palavra portuguesa ocupaccedilatildeo que teria sofrido algumas
mudanccedilas foneacuteticas ateacute resultar em pidgin (TARALLO e ALKMIN 1987 p80)20
Para Couto (2001 p 1) o pidgin eacute uma liacutengua com uma reduccedilatildeo draacutestica da
gramaacutetica Esta reduccedilatildeo se daacute sobre a morfologia e o leacutexico Natildeo eacute liacutengua
materna de ningueacutem pois entre si os povos dominados soacute falam suas respectivas
liacutenguas ao passo que os dominadores nunca se datildeo ao trabalho de falar outra
liacutengua que natildeo a sua proacutepria
Crystal (2008 p 201) afirma que aleacutem do processo de reduccedilatildeo para o
surgimento do pidgin as comunidades de falas envolvidas neste processo
18
Tarallo e Alkimin 1987 p 109-114 citam Francisco Adolfo Coelho Hugo Schuchardt e Dirk Christiaan Hesseling como os pioneiros neste campo de estudo Este uacuteltimo atribui aos escravos europeus a forccedila linguiacutestica Foram eles (os escravos) os responsaacuteveis pelas alteraccedilotildees sofridas pelas liacutenguas maternas 19
Neste caso o termo business ao ser empregada na expressatildeo do pidgin chinecircs de base inglesa
dɛacuteju pidzIn significando thatrsquos your business 20
Ocupaccedilatildeo gt parsquosaw ou pasaɳ
64
necessitam cada uma delas se aproximarem sucessivamente dos traccedilos mais
oacutebvios da outra liacutengua Trata-se de uma intersecccedilatildeo nem sempre consciente mas
motivada por aspectos econocircmicos como o comeacutercio Daiacute o grande surgimento de
pidgins em aacutereas de intenso comeacutercio e desenvolvimento econocircmico
Dubois et all (1998 p 469) discorre que o pidgin mesmo natildeo sendo uma liacutengua
em si mesma eacute um sistema mais completo que o sabir pois seu vocabulaacuterio
cobre numerosas atividades O sabir ou liacutengua franca21 por sua vez eacute um
sistema linguiacutestico reduzido a algumas regras de combinaccedilatildeo e ao vocabulaacuterio de
determinado campo lexical
Ainda de acordo com Tarallo e Alkmin (1987 p 88)
Fontes histoacutericas indicam que no tempo das cruzadas nas regiotildees de batalhas entre mulccedilumanos e cristatildeos teria florescido uma liacutengua de contato denominada Liacutengua Franca ou sabir Com documentaccedilatildeo precaacuteria a existecircncia dessa liacutengua eacute contestada por alguns estudiosos Originalmente usada entre aacuterabes e europeus essa liacutengua teria se expandido tendo sido usada ao longo da costa do Mediterracircneo especialmente na Aacutefrica do Norte
Em Trask (2004 p228) o conceito de liacutengua franca eacute mais explorado Para ele a
liacutengua franca se distingue do pidgin quando por ventura um dos grupos
ldquoaprenderdquo a liacutengua do outro Neste caso a gramaacutetica e o leacutexico de uma
21
Na atualidade conforme Tarallo e Alkmin 1987 p 90 a expressatildeo liacutengua franca refere-se a um
fenocircmeno mais amplo a mescla de contato para intercomunicaccedilatildeo em situaccedilotildees biliacutengues e pluriliacutengues Como exemplo os autores citam a liacutengua wolof no Senegal do swahili no Quecircnia na Tanzacircnia e em Comores do Tucano no Nordeste da Amazocircnia
65
sobressaem agrave outra O pidgin eacute compreendido entatildeo como uma colcha de
retalhos que permite uma forma bastante rudimentar de comunicaccedilatildeo22
Ainda de acordo com Trasky (p229) um pidgin pode seguir caminhos distintos i)
ele pode cair em desuso ii) ele pode continuar em uso por vaacuterias geraccedilotildees e
durar seacuteculos iii) ele pode sofre algumas alteraccedilotildees e se transformar em liacutengua
materna Neste uacuteltimo caso trata-se do processo de crioulizaccedilatildeo do qual
abordaremos mais agrave frente
Hall apud Tarallo e Alkmin (1987 p 86) ao tratar do caraacuteter reducionista que o
pidgin apresenta em sua estrutura e leacutexico aponta algumas caracteriacutesticas que
definem tais simplificaccedilotildees
Niacutevel fonoloacutegico ndash o nuacutemero de contrastes empregados eacute reduzido As vogais representadas satildeo em geral as chamadas vogais cardinais (a e i o u) enquanto os grupos consonantais satildeo caracteristicamente evitados
Niacutevel morfoloacutegico ndash ausecircncia de algumas categorias flexionadas como gecircnero nuacutemero e tempo verbal
Niacutevel sintaacutetico ndash as estruturas sentenciais satildeo simples as sequecircncias tendem a ser coordenadas evitando-se as estruturas complexas e subordinaccedilatildeo extensiva
Niacutevel lexical ndash nuacutemero reduzido de vocaacutebulos cuja accedilatildeo se norteia pela extensatildeo de significados e por polissemias significativas
332 Crioulo
O crioulo eacute um pidgin consolidado Quando os falantes crianccedilas oriundos dessa
mescla linguiacutestica utilizam o pidgin como uacutenica liacutengua ou a liacutengua que passa a
ganhar mais evidecircncia esta se consolida como liacutengua materna
22
Conforme Tarallo e Alkmin (idem p 8) algumas caracteriacutesticas do pidgin satildeo i) seu caraacuteter
auxiliar e secundaacuterio para os dois grupos cada um dos grupos manteacutem sua proacutepria liacutengua no conviacutevio social do cotidiano e do habitual ii) as liacutenguas pidgin preenchem funccedilotildees sociais limitadas sobretudo aquelas vinculadas a atividades comerciais mercantilistas
66
Para Couto (2001 p2)
Liacutengua crioula eacute um pidgin que foi adquirido como liacutengua nativa como preconiza a chamada teoria da nativizaccedilatildeo De acordo com essa concepccedilatildeo o crioulo eacute um ex-pidgin ou seja um pidgin que virou liacutengua materna de uma comunidade
Ainda para Tarallo e Alkmin (1987 p 95) as liacutenguas crioulas constituem um
conjunto de liacutenguas cuja histoacuteria conhecida eacute ligada a uma situaccedilatildeo de contato
entre populaccedilotildees linguiacutesticas cultural e etnicamente distintas Estas satildeo
distinguidas das liacutenguas pidgin por possuiacuterem uma comunidade de falantes
nativos e consequentemente por desempenharem funccedilotildees sociais amplas como
qualquer liacutengua natural
Em Dubois et all (1998 p 161) daacute-se o nome de crioulos a sabires pseudo-
sabires ou pidgins que por motivos diversos de ordem histoacuterica ou sociocultural
se tornaram liacutenguas maternas de toda uma comunidade
As liacutenguas tipo pidgin de acordo com autores como Tarallo e Alkimin (1987 p
96) aleacutem de serem as liacutenguas que daratildeo origem aos crioulos (pois todo crioulo se
origina de um pidgin embora nem todo pidgin se transforme em crioulo) satildeo
associadas a atividades de comeacutercio enquanto os crioulos satildeo marcados pela
relaccedilatildeo de escravidatildeo
Quanto ao aspecto funcional as liacutenguas crioulas datildeo conta das necessidades
comunicativas totais de seus falantes nativos e usuaacuterios uma vez que a
passagem do estaacutegio de pidgin a crioulo eacute marcada por uma ampliaccedilatildeo do leacutexico
67
e de estrutura Neste caso para os estudiosos os crioulos nada mais satildeo que
pidgins enriquecidos23
O processo de evoluccedilatildeo de um pidgin em crioulo eacute descrito por Hall (1996 p 4)
em um diagrama Nele podemos ver que inicialmente o pidgin eacute configurado a
partir de um jargatildeo uma espeacutecie de pidgin instaacutevel Depois o pidgin ganha
estabilidade se configurando como um preacute-crioulo Por fim jaacute estabilizado o
pidgin se transforma em crioulo
Figura 1 Diagrama de Hall
LL = Liacutengua lexificadora ou de superstrato LS = Liacutengua de Substrato
De acordo com Hall (idem p 5) a evoluccedilatildeo do jargatildeo para o pidgin estaacutevel eacute
chamada de pidginizaccedilatildeo A evoluccedilatildeo do pidgin estaacutevel para o crioulo eacute
23
Valdman apud Tarallo e Alkimin 1987 p 96 cita um conjunto de traccedilos negativos dos crioulos franceses do Haiti de Guadalupe Martinica Reuniatildeo Mauriacutecio Seychelles e Rodrigues como i) ausecircncia de distinccedilatildeo de gecircnero ii) natildeo-obrigatoriedade de marcador de plural iii) verbos natildeo-flexionados iv) relacionamento parataacutetico no interior do sintagma nominal v) ausecircncia de hipotaxe vi) construccedilotildees passivas vii) vogais arredondadas viii) certos grupos consonantais
I = LL + LS pidgin instaacutevel jargatildeo
crioulo = III II = pidgin estaacutevel
68
denominada crioulizaccedilatildeo A volta do crioulo para o jargatildeo processo tambeacutem
possiacutevel eacute conhecido como descrioulizaccedilatildeo
Obviamente o crioulo eacute consequecircncia natural de situaccedilotildees de contato No
entanto nem todo contato linguiacutestico gera automaticamente um pidgin ou um
crioulo Os contatos podem daacute origem a fenocircmenos de mesclas diversas que
podem ou natildeo desaparecer ou serem absorvidas pelas liacutenguas presentes na
alquimia (TARALLO e ALKMIN 1987 p 103)
Quanto ao processo de desenvolvimento e de formaccedilatildeo de um pidgin e de
crioulos Hymes (1971 p 93) afirma que
A pidginizaccedilatildeo e a crioulizaccedilatildeo da linguagem natildeo satildeo processos marginais ao contraacuterio satildeo processos que ocorrem nas liacutenguas em geral Tais processos de natureza bastante complexa compreendem a ocorrecircncia de outros subprocessos os de mudanccedila A incidecircncia desses processos ocorre principalmente 1) na forma interna das liacutenguas (fala-se assim em reduccedilatildeo ou expansatildeo) 2) na forma externa das liacutenguas (daiacute se falar em amplificaccedilatildeo e complicaccedilatildeo) 3) no escopo de uso (o domiacutenio) de uma variedade linguiacutestica (fala-se assim em restriccedilatildeo ou extensatildeo)
Hymes (idem p 94) ainda explica que diferentemente da posiccedilatildeo claacutessica onde
um crioulo era oriundo (ou natildeo) de um pidgin nesta segunda proposta a
evoluccedilatildeo de um pidgin natildeo produz necessariamente um crioulo mas um conjunto
de variedades concorrentes chamada de contiacutenuo preacute-pidgin24
24
Para Hymes o contiacutenuo preacute-pidgin poderia evoluir e gerar a cristalizaccedilatildeo de um pidgin e teria autonomia enquanto sistema de comunicaccedilatildeo Com base nesta assertiva um pidgin seria o resultado de um processo que ganharia autonomia Esse pidgin constituiacutedo poderia se transformar em crioulo Mas o contiacutenuo preacute-pidgin natildeo evolui para um pidgin Torna-se possiacutevel supor a cristalizaccedilatildeo de um crioulo sem a existecircncia de um pidgin anterior (TARALLO E ALKMIN 1987 p 105)
69
Na concepccedilatildeo final deste autor o contexto inicial em que fora estabelecido o
contiacutenuo preacute-pidgin poderia alccedilar trecircs resultados aceitaacuteveis i) a cristalizaccedilatildeo de
um pidigin ii) a cristalizaccedilatildeo de um pidgin que se criouliza iii) a cristalizaccedilatildeo de
um crioulo sem necessariamente ter sido oriundo de um pidgin anterior
Tarallo e Alkimin (1987 p 106) afirma que a cristalizaccedilatildeo de um crioulo eacute apenas
uma das trecircs possibilidades para a mescla de contato que pode ser descrita da
seguinte forma i) o crioulo pode submergir ii) o crioulo pode se estabilizar sem
muitas variaccedilotildees iii) o crioulo pode se mesclar com liacutengua padratildeo oficial
De acordo com o que vimos ateacute aqui podemos descrever o processo de
hibridizaccedilatildeo linguiacutestica com base na mescla a partir dos seguintes estaacutegios i)
contiacutenuo preacute-pidgin ii) pidgin cristalizado iii) pidgin em processo de
despidginizaccedilatildeo iv) pidgin em processo de crioulizaccedilatildeo v) crioulo cristalizado vi)
crioulo em processo de descrioulizaccedilatildeo (contiacutenuo poacutes-crioulo)
333 Liacutengua Franca ou Sapir
O termo liacutengua franca refere-se agrave liacutengua de contato entre grupos ou membros de
grupos de liacutenguas distintas com finalidade para o comeacutercio Durante o Impeacuterio
Romano o grego serviu como liacutengua franca no oriente e no milecircnio seguinte o
latim no ocidente Esta liacutengua (o sapir) tambeacutem eacute conhecida como liacutengua de
marinheiro No mundo moderno o inglecircs desempenha este papel ao ser
considerado como liacutengua do comeacutercio e das ciecircncias
70
Devido agrave natureza colonizadora dos falantes suas liacutenguas serviram de liacutengua
franca em certos momentos da histoacuteria Eacute o caso do portuguecircs e do espanhol
durante a expansatildeo mariacutetima e do francecircs durante o seacuteculo VII
Trask (2004 p 167) relata que a expressatildeo lingua franca fora originadamente
utilizada para as liacutenguas dos francos francocircnio mas teve o sentido modificado
assumindo o sentido de liacutengua europeia ou liacutengua cristatilde Ele ainda assegura que
a liacutengua franca
era uma variedade de italiano fortemente suplementada com palavras derivadas do francecircs do espanhol do grego do aacuterabe e do turco que se usava como liacutengua do comeacutercio no Mediterracircneo oriental no final da Idade Meacutedia Desde entatildeo a denominaccedilatildeo aplica-se a toda liacutengua que desfruta de um amplo entre falantes de um grande nuacutemero de liacutenguas numa dada regiatildeo
No presente o termo eacute utilizado para designar uma liacutengua estabelecida haacute algum
tempo tida como materna em um grupo influente e que serve de comunicaccedilatildeo
entre os falantes de outras liacutenguas como por exemplo o papel que o inglecircs
exerce em Cingapura
Atualmente aleacutem do inglecircs inuacutemeras liacutenguas servem de liacutengua franca para
comunicaccedilatildeo entre os povos como por exemplo o tupi No entanto um caso que
merece destaque eacute o do esperanto liacutengua que vem sendo incorporada no mundo
desde a deacutecada de 80 com a finalidade de ser a liacutengua franca universal Vale
ressaltar que neste caso os interesses para que tal liacutengua se propagasse
eficientemente eacute diferente das liacutenguas francas da Idade Meacutedia uma vez que se
trata de uma liacutengua artificial criada com ideologias poliacuteticas filosoacuteficas e
religiosas
71
334 Jargatildeo
O jargatildeo eacute um pidgin instaacutevel Sua concepccedilatildeo se aproxima do sabir ou liacutengua
franca Romaine (2000 p182) faz uso desse termo para exemplificar o processo
de criaccedilatildeo de um crioulo
A simplificaccedilatildeo e a instabilidade satildeo as marcas mais salientes de um jargatildeo No
pidgin as normas satildeo mais estaacuteveis enquanto que no jargatildeo as normas natildeo satildeo
afixadas Segundo esta autora eacute a partir do jargatildeo que a mescla linguiacutestica se
configura
Figura 2 Configuraccedilotildees da Mescla Linguiacutestica segundo Romaine (2000 p185)
Tipo 1 Jargatildeo
Tipo 2 Jargatildeo
Tipo 3 Jargatildeo
Pidgin estabilizado
Pidgin estabilizado
Pidgin expandido
Crioulo
Crioulo
Crioulo
No tipo 1 o jargatildeo deu origem diretamente a um crioulo De forma diferente no 2
o crioulo natildeo se originou diretamente de um jargatildeo Este deu origem a um pidgin
estabilizado para posteriormente chegar a um crioulo No tipo 3 o jargatildeo evolui
se transformando em um pidgin estabilizado depois em um pidgin expandido ateacute
chegar a um crioulo O fato eacute que a origem nos trecircs casos estaacute em um jargatildeo
72
34 IMPLICACcedilOtildeES DO CONTATO LINGUIacuteSTICO
Todo contato resulta em processos linguiacutesticos que alteram e dinamizam as
liacutenguas do mundo que passam por transformaccedilotildees que advecircm tanto da sua
motivaccedilatildeo interna quanto da externa No que tange agraves motivaccedilotildees externas
podemos afirmar que satildeo os contatos os grandes responsaacuteveis por muitas dessas
transformaccedilotildees podendo resultar enoutros processos orirundos ou que se
assentam no contato
341 Bilinguismo
Os estudos e as correntes linguiacutesticas na sua maioria tecircm como base liacutenguas
uacutenicas ou comunidades monoliacutengues Contudo o bilinguismo ocorre amplamente
atraveacutes do mundo e permanece apresentando um leque de questionamento para
a comunidade cientiacutefica atual Embora natildeo seja de hoje o questionamento em
torno do bilinguismo25 soacute agora podemos vislumbrar o descortinar desse tema
Estudiosos do passado jaacute reconheciam a relevacircncia do fenocircmeno Jakobson
(1953) por exemplo assumiu que ldquobilingualism is for me the fundamental problem
of linguiacutesticsrdquo
Romaine (1995 p6) elenca alguns questionamentos com base no que deve ser
observado ao estudar o contato linguiacutestico
O que eacute que o desempenho dos falantes diante do processo biliacutengue nos diz
sobre a competecircncia de pessoas e das comunidades multiliacutengues
25
Do inglecircs bilingualism
73
Eacute a troca de elementos linguiacutesticos por acaso comportamento linguiacutestico e o
cacircmbio linguiacutestico aleatoacuterio
Isto eacute indicativo de fluecircncia pobre e inabilidade em uma ou ambas as liacutenguas em
outras palavras o resultado de competecircncia imperfeita
Ao contraacuterio com qual criteacuterio medimos a competecircncia dos biliacutengues
Pode-se distinguir entre troca empreacutestimo e interferecircncia linguiacutestica
Satildeo a mudanccedila de coacutedigo e o bilinguismo generalizado em uma comunidade
sinais de atrito de uma liacutengua minoritaacuteria
Satildeo os sistemas de idiomas que estatildeo disponiacuteveis para um indiviacuteduo biliacutengue
fundidos ou separados
Aleacutem desses questionamentos outros de base sociofilosoacutefica tambeacutem estatildeo
inseridos nos estudos sobre o bilinguismo Para alguns pesquisadores muitas
liacutenguas minoritaacuterias foram exterminadas devido agrave forte influecircncia e agrave troca
linguiacutestica No entanto mesmo sendo acusado por estes como um passo para o
extermiacutenio das liacutenguas minoritaacuterias o bilinguismo natildeo deve ser visto como o
responsaacutevel pela extinccedilatildeo pelo contraacuterio o estudo dele aliado ao conhecimento
metacognitivo poderatildeo contribuir para o salvamento de muitas dessas liacutenguas
ainda que no plano escrito jaacute que na oralidade muitas natildeo gozam do status de
suas liacutenguas como oficiais nas atividades sociais sendo relegadas aos rituais de
suas sociedades
O comportamento linguiacutestico de uma determinada sociedade natildeo pode servir
unicamente de paracircmetro para outras Assim se algumas comunidades
apresentam mais facilidade em absorver outra forma linguiacutestica umas tecircm maior
resistecircncia enquanto que outras convivem por centenas de anos lado a lado com
determinadas liacutenguas
74
O bilinguismo tambeacutem pode ser classificado como social ou individual Segundo
Appel e Muysken (1986) o bilinguismo social ocorre quando em determinada
sociedade duas ou mais formas linguiacutesticas satildeo faladas quando cedo toda
sociedade se torna biliacutengue mas elas podem se tornar diferentes no que se
relaciona ao niacutevel ou forma de bilinguismo conforme figura abaixo
Figura 3 Esquema de representaccedilatildeo do bilinguismo social segundo Appel e Muysken
(1986)26
De acordo com a figura na comunidade I as duas liacutenguas satildeo faladas por dois
diferentes grupos monoliacutengues No entanto um grupo reduzido de falantes
biliacutengues seraacute necessaacuterio para fazer a comunicaccedilatildeo entre os grupos Esta forma
de bilinguismo social geralmente ocorre no periacuteodo colonial dos paiacuteses Pode-se
tomar por exemplo o Brasil quando os portugueses aqui chegaram
Em sociedades representadas pela forma II todos os falantes satildeo biliacutengues Em
paiacuteses como Aacutefrica Iacutendia e Brasil existem muitas sociedades totalmente
biliacutengues em que os falantes dominam as duas formas linguiacutesticas existentes
26
Apud Appel e Muysken (1986) p 2
75
Na forma III um grupo dessa comunidade eacute biliacutengue enquanto a outra eacute
monoliacutengue sendo este grupo na maioria das vezes a minoria Pois geralmente
o grupo biliacutengue eacute o dominante e o outro o dominado Tal circunstacircncia eacute tiacutepica
das assimetrias comuns nas relaccedilotildees entre os sujeitos do contato Situaccedilatildeo
como essa evidencia o papel da liacutengua para uma sociedade a qual pode ser
objeto de libertaccedilatildeo e tambeacutem de dominaccedilatildeo
Como dito anteriormente estas formas de bilinguismo social natildeo satildeo uniformes
nem tatildeo pouco refletem em detalhe de todas as existentes no interior das
sociedades Em muitas comunidades a situaccedilatildeo linguiacutestica eacute extremamente
complexa com mais de dois grupos e linguagens envolvidos
Com relaccedilatildeo aos aspectos linguiacutesticos o estudo do bilinguismo pode responder e
explicitar os fenocircmenos decorrentes da situaccedilatildeo do contato Fenocircmenos no
domiacutenio do leacutexico ou da sintaxe podem ser muito produtivos Entretanto podemos
considerar que eacute o niacutevel da foneacuteticafonologia que marcadamente sofre a
interferecircncia com o contato linguiacutestico
No contato duas ou mais formas linguiacutesticas podem perdurar por anos conforme
os quadros I e III na figura 3 No entanto alguns fenocircmenos linguiacutesticos podem
ocorrer paralelamente Um embate linguiacutestico pode surgir dentro dessas
comunidades linguiacutesticas e estas liacutenguas podem cambiar o leacutexico uma da outra
Sobre isso Bloomfield (1961 p 25) classifica esses empreacutestimos em iacutentimos
culturais e dialetais
76
O empreacutestimo externo ou cultural sempre eacute motivado por contatos poliacutetico sociais
e comerciais inclusive militares sempre com a dominaccedilatildeo de um dos povos Jaacute
os empreacutestimos dialetais se datildeo entre os contatos dentro de uma mesma liacutengua
satildeo as variantes regionais
O que particularmente nos interessa - o empreacutestimo iacutentimo - ocorre quando as
duas liacutenguas passam a conviverem no mesmo campo geograacutefico Dessa forma
se a liacutengua A domina a liacutengua B poderatildeo ocorrer trecircs hipoacuteteses i) B desaparece
e deixa um substrato em A ii) A desaparece e deixa um superstrato em B iii)
permanecem as duas trocando elementos na condiccedilatildeo de adstrato No entanto
natildeo devemos esquecer que as motivaccedilotildees pelas quais os falantes se apropriam
ou satildeo obrigados a se apropriarem para adquirem outra(s) liacutengua(s) extrapolam
os aspectos aqui vislumbrados
Os exemplos dados por Romaine (1995 p 2) demonstram como pode ocorrer o
cacircmbio linguiacutestico entre a liacutengua materna e a liacutengua adquirida posteriormente A
partir desses exemplos a estudiosa elenca os questionamentos mais relevantes
que deveratildeo ser observados em pesquisas que tratam da anaacutelise das
comunidades biliacutengues
(a) Kio Ke six sevem hours te school de vie spend karde ne they are speaking English all the time (Panjabi Inglecircs)
Because they spend six or seven hours a day at school they are speaking English all the time27
(b) Will you rubim off Ol man will come (Tok Pisin Inglecircs)
27
ldquoPorque eles passam seis ou sete horas por dia na escola eles estatildeo falando inglecircs o tempo todordquo
77
Will you rub [that off the blackboard] The men will come28
(c) Sano esttaacute tulla tanne ettaacute Iacutem very sick (Finlandecircs Inglecircs)
Tell them to come here that Iacutem very sick 29
(d) Kodomotachi liked it (Japonecircs Inglecircs)
The children liked it 30
(e) Won o arrest a single person (Yoruba Inglecircs)
They did not arrest a single person 31
(f) This morning I hantar my baby tu dekat babysitter tu lah (Malay Inglecircs)
This morning I took my baby to the babysitter 32
De acordo com AiKhenvald e Dixon (2006 p 2)
Se duas ou mais liacutenguas estatildeo em contato os falantes de uma tendo conhecimento da outra eles podem compartilhar traccedilos linguiacutesticos incluindo haacutebitos de pronuacutencia Historicamente todo idioma deve ter sofrido certa influecircncia de seus vizinhos O impacto do contato eacute mais forte e mais faacutecil de ser discernido em alguns idiomas enquanto em outros eacute mais fraco
O que fora dito acima pode ser comprovado em qualquer comunidade em que a
liacutengua do colonizador fora imposta durante o ato de conquista ou de contato Em
algumas comunidades a situaccedilatildeo de bilinguismo eacute motivada por outras
28
ldquoVocecirc esfregaraacute [o quadro-negro de fora] Os homens viratildeordquo 29
ldquoChame-os aqui que eu estou muito doenterdquo 30
ldquoAs crianccedilas gostam dissordquo 31
ldquoEles natildeo prenderam uma uacutenica pessoardquo 32
ldquoEsta manhatilde eu ocupei meu bebecirc agrave babaacuterdquo
78
necessidades que se fazem presente nessa sociedade O portuguecircs eacute a liacutengua de
contato que eacute utilizada por todos os membros em situaccedilotildees diaacuterias e em contatos
com a comunidade externa Enquanto a liacutengua interna eacute utilizada em seus rituais
e eacute utilizada em contexto familiar que exige mais aproximaccedilatildeo familiar entre os
membros 33
342 Diglossia
O processo de diglossia pode ser compreendido conforme Dubois et all (1998 p
190) como i) situaccedilatildeo de bilinguismo ii) situaccedilatildeo biliacutengue na qual uma das
liacutenguas eacute de status sociopoliacutetico inferior iii) aptidatildeo que tem um indiviacuteduo de
praticar corretamente outra liacutengua aleacutem da liacutengua materna
Embora seja entendida tambeacutem como uma competecircncia linguiacutestica em que o
falante de uma determinada liacutengua possa conhecer os niacuteveis formal e informal de
sua gramaacutetica para este trabalho o conceito que recorremos eacute o de diglossia
enquanto situaccedilatildeo de conviacutevio de duas ou mais liacutenguas em uma comunidade
Trata-se neste caso da utilizaccedilatildeo de uma das liacutenguas como liacutengua oficial
enquanto a outra fica a cabo das situaccedilotildees de conviacutevio Geralmente a liacutengua do
dominador eacute a liacutengua das relaccedilotildees comerciais a outra eacute utilizada nos rituais ou no
seio das famiacutelias (comunidade)
Devido agraves colonizaccedilotildees e agrave globalizaccedilatildeo a diglossia eacute muito comum no mundo
poacutes-moderno Em paiacuteses que foram colocircnias portuguesas como Moccedilambique e
33
Como exemplo podemos citar o que ocorre com o Fulni-ocirc Conforme COSTA1993 p 58
79
Timor Leste por exemplo o Portuguecircs eacute a liacutengua oficial enquanto as liacutenguas
nativas satildeo conservadas no acircmbito familiar e em ciclos informais Assim como
nas comunidades mais desenvolvidas o aprendizado de mais de uma segunda
liacutengua faz com que as comunidades se tornem pluriliacutengues
Por causa desta competecircncia linguiacutestica em que o sujeito passa a dominar dois
ou mais coacutedigos o conceito de diglossia fora ampliado agraves comunidades
monoliacutengues Neste caso entende-se que o sujeito pode ser bi- ou multiliacutengue
fora e dentro da sua proacutepria liacutengua34
Para Ferguson (1991 p 5) a diglossia eacute
Uma situaccedilatildeo linguiacutestica relativamente estaacutevel em que junto aos dialetos primaacuterios da liacutengua (que podem incluir a variante padratildeo ou as normas regionais) haacute um dialeto muito divergente altamente codificado (muitas vezes bastante complexo gramaticalmente) sobrepondo-se agrave variedade Eacute o veiacuteculo de um grande e respectivo corpo de literatura escrita tanto de periacuteodo anterior ou de outra comunidade de fala eacute aprendido atraveacutes da educaccedilatildeo formal usado na escrita e na fala em contextos formais mas natildeo eacute usado em qualquer uma das seccedilotildees de comunidade para conversaccedilatildeo coloquial
Fishman (1967 p 8) afirma que a diglossia eacute gradual e variaacutevel Para ele o
conceito de diglossia estaacute ligado ao aspecto social enquanto o bilinguismo ao
individual Dessa forma a relaccedilatildeo entre bilinguismo e diglossia na situaccedilatildeo do
contato pode se dar das seguintes formas i) diglossia e bilinguismo atuando
juntos ii) bilinguismo sem diglossia iii) diglossia sem bilinguismo e iv) nem
diglossia nem bilinguismo
34
Crystal (1985 p 82) discorre que em geral os sociolinguistas se referem a uma variedade alta (A) e outra baixa (B) correspondendo grosso modo a uma diferenccedila de formalidade A variedade alta eacute apreendida na escola costuma ser usada nos locais cuja formalidade eacute maior A variedade baixa eacute usada em outros ambientes relativamente informais
80
O referido autor complementa afirmando que
O bilinguismo sem a diglossia tende a ser transicional tanto em termos de repertoacuterios linguiacutesticos de comunidade de fala como em termos das variedades de fala envolvidas per si Sem separar no entanto as normas complementares e valores para estabelecer e manter a separaccedilatildeo funcional das variedades de fala aquela liacutengua ou variedade que seja o bastante favoraacutevel para ser associada ao movimento predominante das forccedilas sociais tende a substituir a(s) outra (s) (idem p7)
No caso dos Latundecirc a diglossia se configura como um processo em que os
falantes foram obrigados a aprender a liacutengua dos brancos utilizando-a nas
atividades em contexto de contato com o natildeo iacutendio No entanto o grupo conserva
a liacutengua original nos rituais e no reduto familiar como fora explicado
anteriormente 35
343 Alternacircncia de coacutedigo36
O processo de diglossia quando eacute configurado entre duas liacutenguas distintas resulta
em bilinguismo O bilinguismo abordado no item 231 pode ser analisado de
diversos pontos de vista mas um em especial que seraacute tratado neste toacutepico eacute a
alternacircncia de coacutedigo ou code-switching Trata-se de um processo linguiacutestico
inerente ao falante biliacutengue desenvolto ou natildeo na liacutengua que aprendera como
segunda liacutengua no caso do biliacutengue ou da terceira por diante como nos
pluriliacutengues
35
Vale ressaltar que atualmente devido agrave incorporaccedilatildeo da cultura do branco os Latundecirc estatildeo
falando mais frequentemente o Portuguecircs em diversas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo ateacute mesmos nas mais informais Isso se deve ao fato de as geraccedilotildees mais novas serem menos conservadoras e resistentes ao contato 36
Tratamos tambeacutem deste processo ao discorremos sobre o bilinguismo na seccedilatildeo 231
81
Dessa forma o falante biliacutengue ao se comunicar com outro falante que detenha
suas mesmas liacutenguas poderaacute fazer escolhas linguiacutesticas dentro de cada coacutedigo
ou alternando os coacutedigos Por isso os pesquisadores dizem que o falante biliacutengue
apresenta um comportamento proacuteprio em seu processo de interaccedilatildeo que eacute a
utilizaccedilatildeo do code-switching que se caracteriza por ser uma estrateacutegia de
adequaccedilatildeo interativa desejaacutevel e favoraacutevel do ponto de vista pragmaacutetico Este
processo constitui um processo de ativaccedilatildeo e desativaccedilatildeo de uma ou de outra
liacutengua
Para Auer (1999 p 46)
O termo code-switching reserva-se para os casos em que a justaposiccedilatildeo dos dois coacutedigos eacute percebida e interpretada como um ato localmente significativo pelos participantes Contrapotildee-se assim ao code-switching tambeacutem denominado language mixing (mistura de coacutedigo ou de liacutenguas) em que a justaposiccedilatildeo dos coacutedigos tem significaccedilatildeo para os participantes em sentido mais global sendo um padratildeo recorrente de comunicaccedilatildeo
Um falante biliacutengue decide primeiramente qual deveraacute ser a liacutengua de base para
ser utilizada com o outro falante que domina suas liacutenguas tambeacutem e a partir daiacute
decide se faraacute uso ou natildeo do code-switching eacute o que afirma Grosjean (1982 p
127) a partir do esquema abaixo
82
Figura 4 Escolha de liacutengua e code-switching conforme Grosjean (1982 p127)
Conforme o esquema acima o falante biliacutengue apresenta competecircncia linguiacutestica
para se comunicar tanto com um falante monoliacutengue quanto outro biliacutengue Ao se
comunicar com o falante monoliacutengue o referido falante biliacutengue faraacute a escolha de
uma liacutengua A ou a liacutengua B Neste caso natildeo poderaacute fazer uso das duas No
processo comunicativo com outro falante biliacutengue ele poderaacute utilizar a liacutengua A
com ou sem alternacircncia com a liacutengua B Ou utilizar a liacutengua B com ou sem
alternacircncia com a liacutengua A O que determina tais escolhas satildeo as vantagens e
desvantagens do cacircmbio linguiacutestico
Neste trabalho natildeo trataremos diretamente do code-switching por entendermos
que nos desviariacuteamos do objetivo basilar desta pesquisa que eacute o enfoque nos
segmentos foneacuteticos Outro aspecto seria o fato de os falantes latundecirc soacute
apresentarem a alternacircncia de coacutedigo durante as narrativas discorridas nas
83
entrevistas quando solicitados para que narrassem os acontecimentos e lendas
do seu povo
344 Morte da liacutengua
O contato linguiacutestico eacute um processo tambeacutem poliacutetico cujas consequecircncias podem
ser apenas o de mixagem ou mais intensamente a morte da liacutengua Muitas
vezes o contato eacute tatildeo devastador que extermina as liacutenguas minoritaacuterias trata-se
de um verdadeiro glotociacutedio37
Para Mcmahon (1994 p 228) a morte de uma liacutengua
Envolve essencialmente uma transferecircncia de obediecircncia de parte de uma populaccedilatildeo a partir de uma liacutengua que foi nativa na aacuterea para uma liacutengua mais recentemente introduzida na qual a populaccedilatildeo indiacutegena tornou-se biliacutengue A nova linguagem eacute geralmente falada nativamente por falantes mais potentes que podem tambeacutem ser mais numerosos e normalmente eacute associada pelos falantes da liacutengua minoritaacuteria com a riqueza prestiacutegio e progresso a liacutengua minoritaacuteria eacute entatildeo efetivamente abandonada por seus falantes tornando-se apropriada para uso em cada vez menor (e menor) contexto ateacute que seja inteiramente suplantada pela liacutengua que estaacute entrando
Dubois et all (1998 p 422) afirma que uma liacutengua morta eacute uma liacutengua que deixou
de ser falada mas cujo estatuto numa comunidade sociocultura eacute agraves vezes
desempenhar ainda um papel no ensino nas cerimocircnias rituais etc como o
latim
Para Trask (2004 p 200) a liacutengua eacute considerada moribunda ou estaacute prestes a
morrer quando o resultado de morte eacute praticamente inevitaacutevel Segundo o autor
37
Calcula-se que no iniacutecio da colonizaccedilatildeo portuguesa existiam aqui cerca de 1200 liacutenguas que
apoacutes anos de ocupaccedilatildeo de territoacuterio se resume a 180 Conforme Rodrigues 2002 p19 muitas delas estatildeo moribundas e carecem ser catalogadas
84
a cabo de uma ou duas geraccedilotildees ningueacutem mais seraacute capaz de falar esta liacutengua
pura e simplesmente Eacute a morte da liacutengua que resulta do processo denominado
substituiccedilatildeo da liacutengua
Ao dar continuidade ao seu argumento o referido autor assegura que a morte de
uma liacutengua eacute um processo gradual Assim exemplifica o pesquisador
em um dado lugar em um determinado momento algumas crianccedilas ainda estatildeo aprendendo - como sua liacutengua materna - a liacutengua que estaacute morrendo enquanto outras a estatildeo aprendendo apenas imperfeitamente e outras ainda natildeo estatildeo aprendendo de maneira nenhuma A liacutengua pode desaparecer por completo em certas aacutereas e sobreviver em outras Idem p 201
Ainda segundo Trask ibidem satildeo caracteriacutesticas da morte de uma liacutengua i) a
perda das irregularidades ii) a queda em desuso das formas e dos esquemas de
construccedilatildeo sentencial mais complexos ou menos frequente iii) a substituiccedilatildeo
maciccedila das palavras nativas por palavras tiradas da liacutengua de prestiacutegio iv) a
mudanccedila de pronuacutencia que se torna mais proacutexima da liacutengua de prestiacutegio v) a
perda da variaccedilatildeo estiliacutestica que leva agrave sobrevivecircncia de um uacutenico estilo
invariaacutevel
Nem sempre a morte de uma liacutengua estaacute diretamente ligada a aspectos
linguiacutesticos Cristoacutefaro-Silva (2002 p 56) elenca trecircs aspectos natildeo linguiacutesticos
que contribuem para a aniquilaccedilatildeo de uma liacutengua O primeiro diz respeito ao fato
de o pesquisador natildeo poder investigar o processo de morte devido agrave presenccedila de
uns poucos falantes da liacutengua O segundo trata da opressatildeo poliacutetica imposta aos
falantes que neste caso deixam de falar a liacutengua para natildeo serem perseguidos E
85
o terceiro ocorre quando a liacutengua eacute mantida apenas em rituais em que os falantes
natildeo sabem mais o teor semacircntico do que verbalizam
Natildeo diferente do aqui fora apresentado a situaccedilatildeo da liacutengua Latundecirc eacute bastante
delicada uma vez que a comunidade passou por diversos transtornos que
impactaram a forma como se organizavam socialmente O nuacutemero de nuacutemero de
falantes diminuiu e consequentemente a liacutengua se encontra altamente
ameaccedilada O portuguecircs sendo a liacutengua dominante de prestiacutegio e funcional para
a relaccedilatildeo com o mundo natildeo indiacutegena ganha espaccedilo crescente entre os Latundecirc
Esta eacute a situaccedilatildeo natildeo soacute do Latundecirc mas de vaacuterios grupos indiacutegenas
86
4 COMUNIDADE DE ESTUDO OS LATUNDEcirc
Que gente eacute essa que fala idioma tatildeo diferente das liacutenguas conhecidas tatildeo diferente da liacutengua dos seus mais proacuteximos vizinhos
que tem costumes tatildeo estranhos aos que vivem perto que natildeo conhece os objetos essenciais da vida dos seus companheiros de sertatildeo
De onde veio Por onde passou que natildeo deixou rastros Quando chegou agravequelas matas onde vive haacute tanto tempo
Que ligaccedilotildees tem com os outros filhos do Brasil Roquete-Pinto (1975 p121)
41 INTRODUCcedilAtildeO
Discorremos neste capiacutetulo sobre o povo Latundecirc e a sua comunidade descriccedilatildeo
contexto histoacuterico cultural e geograacutefico desta etnia Histoacuteria do contato conflitos
internos e externos dificuldades enfrentadas pelo grupo ao longo de sua
existecircncia denominaccedilatildeo acesso hierarquia social padratildeo e constituiccedilatildeo familiar
contatos intereacutetnico bilinguismo e ensino na aldeia
42 A FAMIacuteLIA NAMBIKWAacuteRA38 39 40
Os Nambikwaacutera41 satildeo conhecidos na etnologia brasileira por terem sido
oficialmente contatados pelo Marechal Rodom e por terem sido estudados por
Leacutevi-Strauss De origem Tupi o vocaacutebulo Nambikwaacutera eacute o resultado da fusatildeo dos
38
Os Nambikwara se auto denominam Anunsu Conforme Price amp Cook Jr The Nambikwara call
themselves aacute nu suacute people This name written anunzecirc has apereared throughout the literature but has been erroneously thought to be a band name (1969 p 690) 39
Os Nambikwra satildeo famosos na etnologia brasileira por terem sido oficialmente contatados pelo Marechal Rodom e por terem sido estudados por Leacutevi-Strauss 40
Os Nambikwara natildeo estatildeo ligados aos troncos Tupi e Macro-Jecirc Trata-se de uma famiacutelia linguiacutestica isolada com caracteriacutesticas especiacuteficas que natildeo se enquadra em nenhum desses dois grupos 41
Leacutevi-Strauss (1946 p 139) afirma que se trata de uma palavra Tupi e que deve ser escrita como Nhambikwara
87
termos ldquonambirdquo que significa ldquoorelhardquo e ldquokuarardquo cujo significado eacute ldquoburacordquo
Portanto Nambikwaacutera42 eacute ldquoburaco de orelhardquo
Coforme Leacutevi-Strauss (1946 p 48)
The name Nambikwra was mentioned for the first time and only by hearsay by Antonio Pires de Campos in the beginning of the 18th century Since then it appeared several times with reference to an unknown tribe located on the headwaters of Tapajoz There is a great discrepancy between the different spellings When General Candido Mariano da Silva Rondon began to explore the land between the Tapajoz and Gi-Parana in 1907 he met with unknown group of a unknown language and he did not hesitate to identify them with the tribe often mentioned in the early documents It was at that time that the name Nhambikwara was
definitely adopted its spelling fixed and that it was recognized as a Tupi nickname the meaning of which is big ears
A famiacutelia Nambikwara eacute dividida em dois grandes grupos aleacutem de outra
remanescente conforme figura abaixo
Figura 5 Classificaccedilatildeo das liacutenguas da Famiacutelia Nambikwaacutera de acordo com Rodrigues
(1986 p 134)
42
Seguimos neste trabalho a orientaccedilatildeo da Associaccedilatildeo de Antropologia Brasileira que em 1953
estabeleceu a fim de padronizar os nomes dos povos indiacutegenas do Brasil com o intuito de facilitar os estudos etnograacuteficos e Linguiacutesticos a nomenclatura padratildeo
88
Conforme figura acima o povo Latundecirc faz parte da famiacutelia Nambikwaacutera que se
divide em Nambikwaacutera do Norte Nambikwaacutera do Sul e Sabanecirc Os Latundecirc
juntamente com os Lakondecirc os Tawandecirc os Mamaindecirc e os Negarotecirc
pertencem ao grupo Nambikwaacutera do Norte Jaacute o Nambikwaacutera do Sul eacute composto
pelos povos Galera Kabixi Munduacuteka e Nambikwaacutera do Campo cada um
correspondendo a um complexo dialetal O Sabanecirc eacute uma liacutengua agrave parte por se
acreditar que natildeo haacute muitas semelhanccedilas entre as estruturas linguiacutesticas dessa
liacutengua e as demais liacutenguas desse grupo
Situado na aacuterea entre os rios Juruena e Comemoraccedilatildeo o territoacuterio consta do
registro de muitos autores Roquete-Pinto (1919) Leacutevi-Strauss (1946) Price e
Cook (1969) Price (1977) Mas eacute de Roquete-Pinto (1919) e Price (1983) a
exposiccedilatildeo mais aceita Em ambos os limites geograacuteficos desses povos satildeo
relatados da seguinte forma pelo Rio Papagaio (sul) pelo rio Gi-Paranaacute (norte)
pelo rio Tapajoacutes (leste) e pelo rio Guaporeacute (oeste)
Figura 6 Localizaccedilatildeo e aacuterea dos Nambikwaacutera de acordo com Roquete-Pinto (1919)
89
De acordo com a FUNAI43 os dados atuais indicam que os Nambikwaacutera hoje
com cerca de dois mil iacutendios estatildeo distribuiacutedos em seis Terras indiacutegenas (TI)
vivem no sudoeste do Mato Grosso e aacutereas proacuteximas de Rondocircnia entre a
floresta amazocircnica e o cerrado
Figura 7 Territoacuterio Nambikwaacutera descrito por Price (1983)
No que tange ao conhecimento desses povos eacute de meados do seacuteculo XVIII que
obtemos os primeiros contatos com os Nambikwaacutera Foi Luiz Pinto de Souza
Coutinho terceiro capitatildeo geral do Estado do Mato Grosso o organizador de uma
expediccedilatildeo pelas margens do Rio Guaporeacute com o propoacutesito de abrir caminhos
entre a capital de entatildeo Proviacutencia de Mato Grosso e o Forte Braganccedila
43
Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
90
Os relatos histoacutericos nos mostram que era prioridade do Governo Militar apoacutes a
Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica em 1889 a integraccedilatildeo de todas as terras brasileiras
Uma das accedilotildees dessa integraccedilatildeo foi a determinaccedilatildeo do governo em construir
linhas telegraacuteficas em terras indiacutegenas da Amazocircnia com o propoacutesito de interligar
o Rio de Janeiro a Cuiabaacute Agrave frente dessa empreitada estava o Major Antonio
Gomes Carneiro e entre a comitiva o seu aluno Cacircndido Mariano da Silva
Rondon
Eacute Rodon o principal agente de contato entre os iacutendios Nambikwaacutera e os natildeo
iacutendios Pois como eacute sabido dele partia o discurso de apaziguamento entre o
contato preferindo antes de qualquer coisa ser atingido a atingir os silviacutecolas
Aleacutem da motivaccedilatildeo de expansatildeo para a implantaccedilatildeo das linhas telegraacuteficas
Rondon era conduzido por um desejo ardente de respeito e proteccedilatildeo aos povos
daquela regiatildeo
Dessa forma os iacutendios Nambikwaacutera estavam entre os indiacutegenas que ajudaram a
comissatildeo do governo a alcanccedilar os lugares mais hostis Este encontro entre
indiacutegenas e brancos culminou em invasotildees e conflitos entre povos aleacutem das
doenccedilas que foram trazidas pelos natildeo indiacutegenas por isso a extinccedilatildeo de vaacuterias
tribos e povos aleacutem do prejuiacutezo linguiacutestico resultante da aculturaccedilatildeo dos
indiacutegenas frente agrave presenccedila do natildeo iacutendio uma vez que para que ocorresse o
processo de interaccedilatildeo os indiacutegenas se viram obrigados a aprender o portuguecircs
O contato entre os grupos Nambikwaacutera natildeo se deu de forma paciacutefica Os
Nambikwaacutera do Norte natildeo foram receptivos e os planos dos governos foram
frustrados De forma diferente o contato com os Nambikwaacutera do Sul se deu de
91
forma mais intensa Mesmo apoacutes os constantes conflitos o contato perdurou por
mais tempo que com os do Norte acarretando mudanccedilas culturais de costumes e
da liacutengua
Telles (2002 p 10) afirma que
Do grupo linguiacutestico do Norte hoje restam apenas remanescentes de cinco etnias Tawandecirc Lakondecirc Mamaindecirc Negarotecirc e Latundecirc Destes os trecircs uacuteltimos permanecem em aacutereas proacuteximas de seus territoacuterios tradicionais e se preservam enquanto grupos relativamente autocircnomos Estes povos natildeo habitavam tradicionalmente a regiatildeo norte do territoacuterio Nambikwaacutera e esse fato pode ter favorecido a sua independecircncia grupal ao longo do percurso histoacuterico
Figura 8 Localizaccedilatildeo atual dos Nambikwaacutera
Como consequecircncia do contato no final do seacuteculo XX a populaccedilatildeo desses povos
foi reduzida a mais ou menos 650 sendo 50 deles crianccedilas Price (1985 p 312)
92
chama a atenccedilatildeo para o processo de aculturaccedilatildeo pois para as crianccedilas ldquoseria
mais confortaacutevel falar portuguecircs que a liacutengua dos seus paisrdquo44
Ainda com relaccedilatildeo agrave classificaccedilatildeo linguiacutestica alguns estudiosos utilizam
classificaccedilotildees diferentes para organizar os povos Nambikwaacutera A divisatildeo claacutessica
de Leacutevi-Strauss (1948) distribui os Nambikwaacutera de acordo com a aproximaccedilatildeo
linguiacutestica que haacute entre eles Para ele haacute trecircs grupos principais que se subdividem
formando cinco unidades constituiacutedas por vaacuterios dialetos de uma mesma liacutengua
Price e Cook (1969) em trabalho posterior sugerem outra classificaccedilatildeo para a
famiacutelia Nambikwaacutera Para eles haacute dois grandes grupos os Sabanecirc e os
Nambikwaacutera Entretanto embora o Sabanecirc natildeo seja compreensiacutevel para os
outros grupos linguiacutesticos por razotildees estruturais Price (1972) com base num
estudo comparativo considera o Sabanecirc como integrante da famiacutelia linguiacutestica
Nambikwaacutera Para uma visualizaccedilatildeo das propostas de Leacutevi-Strauss e de Price e
Cook apresentamos as respectivas classificaccedilotildees nas tabelas a seguir
Quadro 2 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Leacutevi-Strauss (1948)
44
ldquofifty were children who are probably more comfortable speaking Portuguese than the languages of their parents
Grupo a
Grupo b
Grupo c
Subgrupo a1
Subgrupo a2
Subgrupo b1
Subgrupo b2
Oakleacutetosu
Haloacutetesu
Kiaaacuteru
Kuritsu
Soaacutelesu
Kodaacuteteli
Munuacutekoti
Nikedeacutetosu
Taruacutende
Maimatildende
Toatildende
Ioacutelola
Naseacutelate
Lakotildende
Sovaacuteinte
Sabaacutene
93
Quadro 3 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Price e Cook (1969)
Leacutevi-Strass natildeo aponta os Latundecirc como pertencente ao grupo Nambikwaacutera
devido ao natildeo contato com este povo que soacute fora inicialmente descobertos
(contatados) em 1975 pelos Aikanaacute conforme veremos a seguir
43 OS LATUNDEcirc
O povo Latundecirc pertencente ao Nambikwaacutera do Norte habita uma aacuterea de
116613671 hec no municiacutepio de Chupinguaia na regiatildeo sudoeste do estado de
Rondocircnia Com eles convivem outros dois grupos que natildeo possuem nenhum
Navaacuteite
Taiate
Nambikwaacutera
Sabanecirc
Do Norte
Do Sul
Latundecirc
Lakundecirc
Tawandecirc
Mamaindecirc
Negarotecirc
Vale do Jurema
Vale do Guaporeacute
Vale do Sarareacute
Haloteacutesu
Kithaulhu
Sawenteacutesu
Wakalitesu
Wasusu
Sarareacute
Alacircntesu
Waikisu
Hahatildetesu
94
grau de parentesco linguiacutestico Satildeo os Aikanaacute e os Kwazaacute que fazem parte da
Terra Indiacutegena (TI) Tubaratildeo-Latundecirc45
No mapa abaixo pode-se obervar a localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc que se
situa entre a RO 370 e a BR 364
Figura 9 Localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc46
A reserva estaacute localizada a oeste do municiacutepio de Vilhena Nela haacute trecircs vilas Rio
do Ouro Barroso e Gleba (tambeacutem conhecida como Tubaratildeo) Gleba eacute a que
conteacutem a maior populaccedilatildeo mista De faacutecil acesso pode ser adentrada pela cidade
de Chupinguaia que fica a 19 km da TI Rio do Ouro possui uma populaccedilatildeo
exclusivamente Aikanatilde e estaacute a 20 km da Gleba Barroso conteacutem a menor
populaccedilatildeo e corresponde a uma aacuterea de ocupaccedilatildeo esparsa em que se distribuem
45
Conforme Anonby the Tubaratildeo-Latundecirc Indian Reserve is inhabited by people from several tribes the tree main linguistically-unrelated Aikanatilde (also known as Tubaratildeo) Kwazaacute and Latundecirc 2009 p3 46
Inicialmente estes povos ocupavam uma aacuterea de ricas florestas no oeste do rio Pimenta Bueno
proacuteximo a uma pequena vila denominada de Satildeo Pedro
95
remanescentes Kwazaacute Aikanaacute e Latundecirc A meacutedia de distacircncia do Barroso para a
Gleba eacute de aproximadamente 25 km O acesso se daacute por uma estrada
parcialmente carroccedilaacutevel de difiacutecil locomoccedilatildeo
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo de cada povo Anomby (2009 p5) afirma que o
quantitativo total de pessoas eacute de 219 iacutendios Deles 175 satildeo Aikanatilde 25 satildeo
Kwazaacute e 19 satildeo Latundecirc Haacute ainda 189 iacutendios distribuiacutedos por outras localidades
fora da TI 47
Quadro 4 Distribuiccedilatildeo dos povos pertencentes a TI Tubaratildeo-Latundecirc
TI Rio do Ouro 67
Gleba 48
Barroso 34
Outras localidades
Satildeo Pedro 18
Vilhena 15
Chupinguaia 7
Total 189
Durante muitos anos os Latundecirc os Kwazaacute e os Aikanatilde viveram em contato com
grupos vizinhos como os Kanoecirc Mekens Sakirap Tupariacute Salamatildei entre outros
povos que tecircm sido acolhidos pela populaccedilatildeo local da TI Mesmo com diferentes
liacutenguas eles se relacionavam com festivais e casamentos intergrupais A cultura
desses povos tornou-se muito similar devido ao contato intenso entre eles De
acordo com Anomby (2009 p 6) os traccedilos mais comuns entre este povos
incluem cestas de fibra de marico casas em forma de colmeia para
47
Em conversa com os professores desses povos Anomby Idem natildeo afirma os motivos pelos
quais tais iacutendios estatildeo afastados dos demais
96
aproximadamente dez famiacutelias bebida de milho fermentado canibalismo e
divisatildeo de clatildes
Quanto ao contato sabe-se que foram os iacutendios Aikanaacute os primeiros a contatarem
com os Latundecirc Price (1977 p 72 - 73) descreve que o entatildeo Capataz Rural
Jorge Falcatildeo fora informalmente designado encarregado da operaccedilatildeo de contato
No ano de 1976 acompanhado por cinco iacutendios Aikanaacute e um serigueiro apoacutes
cinco dias de intensa caminhada ocorreu o encontro com os Latundecirc Neste
primeiro momento o desconhecido povo tremia de medo mas se posicionaram
ainda que fragilmente na linha de defesa Apoacutes dormirem no campo o capataz e
demais membros da excursatildeo conseguiram no outro dia um contato comprovado
por poucas fotografias com o povo Latundecirc Jorge descreveu que tais iacutendios natildeo
conseguiram se comunicar com os Aikanaacute e que eram em nuacutemero de 10 homens
e 8 crianccedilas afora poucas crianccedilas que afirma natildeo tecirc-las visto
A FUNAI em 1977 com a ajuda do Capataz Rural realizou uma nova excursatildeo
aos iacutendios Latundecirc Desta vez aleacutem de Jorge juntos a ele estavam presentes
David Price e dois iacutendios Nambikwara do Norte (Lakondecirc) que conseguiram
identificar os Latundecirc como tambeacutem pertencentes agrave etnia Nambikwara do Norte
Foram mensurados como uma aldeia composta por oito casas e dezenove
habitantes 48
48
Para uma descriccedilatildeo mais detalhada ver Telles 2002 p17
97
Figura 10 Primeiros contatos com os Latundecirc (Foto Price 1977)
Em 1999 o povo era composto por vinte pessoas Entre 1999 e 2000 a grupo ficou
ainda menor com a saiacuteda de trecircs dos membros Faacutetima (irmatilde de Terezinha49)
Batataacute (a anciatilde do grupo) e Joatildeo (irmatildeo solteiro de Terezinha) As crianccedilas e os
jovens do grupo satildeo na sua maioria parentes consanguiacuteneos De acordo com as
relaccedilotildees de parentesco os mais novos natildeo poderatildeo coabitar entre si o que
implica a natildeo autonomia e a natildeo perpetuaccedilatildeo do grupo Latundecirc
49
Trata-se de a informante deste projeto de pesquisa
98
Quadro 5 Nuacutecleos familiares de acordo com a habitaccedilatildeo em 199950
Casa 1
Pais Filhos Agregados
Maneacute Torto (60) Terezinha (45)
Luiz (22) Antocircnio (20) Lorena (12) Catarino (10) Justino (8) Jaelson (4)
Joatildeo (26) Francisco (25) Irmatildeos de Terezinha
Maneacute Torto (60) Faacutetima (30)
Maria (13)
Casa 2
Joseacute (40) Lurdes (40)
Jair (13) Dido (11) Lourival (3) Lorimar (6 meses)
Cinzeiro (50) Irmatildeo de Lurdes
Casa 3 Batataacute (65)
Dados atuais51 noticiam que o grupo se enfraqueceu politicamente Tereza
mudou-se para uma aldeia de outro grupo Nambikwaacutera do Norte e Maria e Lorena
foram morar na Gleba
No que concerne agraves atividades econocircmicas a extraccedilatildeo de borracha foi a grande
atividade econocircmica na deacutecada de 30 do seacuteculo passado no sul de Rondocircnia
Durante o apogeu dessa atividade os Aikanatilde e os Kwazaacute trabalharam para
barotildees da borracha em troca de cafeacute accediluacutecar e armas de fogo
Consequentemente apoacutes aprenderem as estrateacutegias de negociaccedilatildeo na deacutecada
de 70 os proacuteprios iacutendios agora independentes passaram a vender a sua proacutepria
borracha nas cidades vizinhas (Van der Voort 1998)
50
Telles 2002 p 19 51
Informaccedilatildeo proveniente de comunicaccedilatildeo pessoal com Stella Telles janeiro de 2015
99
A comercializaccedilatildeo da borracha tambeacutem fora um pano de fundo para o processo
de bilinguismo ocorrente entre os povos dessa regiatildeo O portuguecircs se tornara
uma espeacutecie de liacutengua franca utilizada para a comercializaccedilatildeo do produto no
exterior e na interaccedilatildeo com os seringalistas Contudo as liacutenguas indiacutegenas
permaneciam sendo usadas mais provavelmente na retirada e no processamento
da borracha nas reservas52
A economia na aldeia diferentemente do que fora no passado representa a atual
situaccedilatildeo dos iacutendios Haacute pouca lavoura de subsistecircncia53 o que faz com que a
produccedilatildeo de comida seja escassa Os integrantes da aldeia quando precisam de
provimentos compram sua comida na cidade ou recebem-na dos parentes que
vivem em Rio do Ouro
Ainda de acordo com Anomby (2009 p7)
As principais fontes de dinheiro em ambas as aldeias como a maioria das aldeias no Brasil satildeo as remessas de aposentadoria para os idosos e da venda de artesanato indiacutegena aleacutem da venda de madeira e os pequenos serviccedilos prestados aos demais moradores e visitantes
No que diz respeito agrave religiatildeo atualmente a presenccedila do protestantismo eacute muito
forte na TI Tubaratildeo-Latundecirc Missionaacuterios UNIEDAS54 (iacutendios da tribo Terena)
comeccedilaram a trabalhar na aacuterea em 1980 e como resultado a maioria das
pessoas que vivem na reserva iacutendios Tubaratildeo-Latundecirc hoje se consideram
52
Neste contexto histoacuterico pode-se perceber claramente a hierarquizaccedilatildeo linguiacutestica no que tange agrave utilizaccedilatildeo da liacutengua materna Para os iacutendios jaacute ocorria o processo de contato oriundo do dominador Mesmo reconhecendo a necessidade advinda da dependecircncia econocircmica os iacutendios relutavam em manter a liacutengua matildee no interior da aldeia ou seja no seio familiar 53
Devido agrave cultura errocircnea da terra e a constante presenccedila das aposentadorias concedidas aos idosos e invaacutelidos a rotina desses povos estaacute sendo fortemente alterada 54
Uniatildeo das Igrejas Evangeacutelicas da Ameacuterica do Sul criada por missionaacuterios americanos em 1912 que eacute atualmente conduzida por lideranccedila indiacutegena
100
protestantes Os Terenas ministram suas pregaccedilotildees exclusivamente em
Portuguecircs
Uma outra famiacutelia missionaacuteria protestante pertencente agrave missatildeo ALEM55 vivem
na aldeia Rio do Ouro onde o marido Warrisson eacute um professor e sua esposa
Ana eacute uma liacuteder de igreja Eles trabalham na reserva haacute doze anos e soacute falam
Portuguecircs
Anomby (2009 p8) relata o fato de os iacutendios ainda hoje rejeitarem os esforccedilos
dos missionaacuterios da ALEM para usar o Aikanatilde na igreja
Quando Ana veio pela primeira vez a Gleba 12 anos atraacutes as pessoas disse-lhe que queria igreja em Portuguecircs e natildeo em Aikanatilde Eles especificamente disse-nos Noacutes natildeo quer um linguista Queremos algueacutem que vai fazer igreja em Portuguecircs Ana compocircs algumas canccedilotildees em Aikanatilde mas quando ela cantou para os iacutendios eles disseram que soava feio Ana pediu que as pessoas orassem em Aikanatilde mas eles sempre recusam Em um culto que participou no Rio do Ouro Ana escolheu cinco pessoas aleatoriamente para ler partes do Biacuteblia Todos foram fluentes Ana disse-nos que ateacute hoje os iacutendios nunca pediu nada em Aikanatilde - eles parecem sentir que igreja deve ser em Portuguecircs
Os Latundecirc em particular natildeo se converteram ao protestantismo Localizados
mais remotamente o difiacutecil acesso agraves igrejas existentes da Gleba e no Rio do
Ouro natildeo favoreceu ao longo de anos a frenquecircncia do Latundecirc nos cultos
A educaccedilatildeo escolar tambeacutem tem situaccedilatildeo similar entre os Latundecirc Nunca houve
escola no Barroso nas proximidades das casas dos Latundecirc Dessa forma
apenas com a ida mais sistemaacutetica dos mais jovens Latundecirc para as aldeias
Aikanaacute - sobretudo a partir do ano de 2000 - eacute que as crianccedilas Latundecirc passaram
55
Associaccedilatildeo Linguiacutestica Evangeacutelica Missionaacuteria eacute uma organizaccedilatildeo missionaacuteria fundada em 1982
sob a inspiraccedilatildeo da Wycliffe Bible Translators
101
a frequentar escola Sobre isso Anomby Idem nos relata que eacute ensinado ateacute
quarta seacuterie em todas as aldeias e a maioria dos Aikanatilde e Kwazaacute satildeo
alfabetizados em Portuguecircs Em Rio do Ouro haacute dois professores um brasileiro
que leciona em Portuguecircs e um professor biliacutengue que explica os assuntos em
Aikanatilde Trecircs moradores estatildeo terminando o ensino meacutedio dois da Gleba e um
do Rio do Ouro A liacutengua Latundecirc natildeo eacute objeto de conteuacutedo escolar
Com relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo linguiacutestica dos Latundecirc56 sabe-se que com exceccedilatildeo de
Maneacute Torto que eacute falante nativo de uma liacutengua Nabikwaacutera do Norte muito proacutexima
do Latundecirc o nuacutemero de falantes do Latundecirc eacute de dezenove pessoas O grupo
excetuando a Batataacute que natildeo fala portuguecircs apresenta bilinguismo em Latundecirc
Portuguecircs O bilinguismo resultante do contato que se deu em 1976 se firmou
com o contato crescente com os Aikanaacute com quem se comunicam em portuguecircs
A complexidade linguiacutestica que se instaurou entre os Latundecirc pode ser observada
na tabela seguinte
Quadro 6 Situaccedilatildeo sociolinguiacutestica dos Latundecirc (dados de 1999)
Membros
Situaccedilatildeo Social
Situaccedilatildeo Linguacuteiacutestica
Maneacute Torto (60) Liacuteder interno da tribo Natildeo Latundecirc
Cinzeiro (50)
Batataacute (65)
Membros mais velhos
da tribo
Satildeo monoliacutengues em Latundecirc
Lurdes (40) Matriarca da casa 2 Apresenta distuacuterbio de fala Eacute considerada
uma falante ruim pela proacutepria tribo Fala um
pidgin com seus filhos
Joseacute (40) Patriarca da casa 2 Fala um portuguecircs pouco claro
56
Anomby (2009 p 5) chama a atenccedilatildeo para o fato de os povos presentes na TI Tubaratildeo-Latundecirc
natildeo serem estudados extensivamente ainda Dos estudos realizados podem-se citar as pesquisas realizadas no acircmbito antropoloacutegico e no linguiacutestico Leacutevi-Strauss (1930) Lieuntenabt Zack (1942) Melatti e Price (1970) Carlson (1984) Vasconcelos (19931996) Van der Voort (19951998) e Telles (2002)
102
Jair (13)
Dido (11)
Filhos mais velhos da
casa 2
Devido ao desempenho dos pais
apresentam problemas de comunicaccedilatildeo em
ambas as liacutenguas
Lourival (3)
Lorimar (6 meses)
Filhos mais novos da
casa 2
Estatildeo em processo de aquisiccedilatildeo da
linguagem
Terezinha (45)
Matriarca da casa 1
uma das mulheres de
Maneacute Torto
Apresenta boa competecircncia comunicativa
Apesar de ser considerada biliacutengue
apresenta problemas com relaccedilatildeo agrave
compreensatildeo do Portuguecircs
Joatildeo (26)
Francisco (25)
Irmatildeos de Terezinha Falam Portuguecircs sem muita fluecircncia
Faacutetima (30)
Irmatilde de Terezinha Apresenta niacutevel de compreensatildeo muito
inferior ao da sua fala
Luiz (22)
Antocircnio (20)
Lorena (12)
Catarino (10)
Justino (8)
Jaelson (4)
Filhos de Terezinha e
Maneacute Torto
Falam um bom Portuguecircs
Maria (13) Tambeacutem fala um bom Portuguecircs
Entre 1995 e 2000 Telles (comunicaccedilatildeo pessoal em novembro de 2014) verificou
que o aprendizado do Latundecirc na comunidade eacute mais tardio do que o Portuguecircs
mesmo sendo as crianccedilas desde o nascimento expostas e estimuladas agraves duas
liacutenguas simultaneamente Na avaliaccedilatildeo subjetiva dos indiacutegenas o Latundecirc eacute uma
liacutengua mais difiacutecil sendo essa a razatildeo de as crianccedilas apresentarem melhor
desempenho no Portuguecircs Soacute em torno dos dez anos comeccedilam a utilizar com
fluecircncia o Latundecirc embora apresentem conhecimento passivo da liacutengua desde a
primeira infacircncia quando atendem com pertinecircncia aos comandos em Latundecirc
Outro fator que pode responder ao fato de a produccedilatildeo linguiacutestica ocorrer
103
primeiramente em Portuguecirc deve ser o prestiacutegio social que essa liacutengua alcanccedila
entre comunidades minoritaacuterias57
Essa situaccedilatildeo decorrente do contato linguiacutestico se daacute devido agrave mescla linguiacutestica
presente na TI e agraves necessidades de os indiacutegenas se ausentarem das terras da
TI Os povos que vivem em Rio do Ouro viajam a cidade pelo menos uma vez por
mecircs para fazer compras ou ir buscar assistecircncia meacutedica Os da Gleba se
deslocam para a cidade todos os dias quando precisam ir para a sede do
municiacutepio de Chupinguaia Dependendo da necessidade eles ficam hospedados
na casa de algueacutem conhecido ou na Casa do Iacutendio uma espeacutecie de guarita
para os iacutendios A Casa do Iacutendio mais proacutexima da TI se localiza em Vilhena
Ainda quanto ao contato linguiacutestico estudos mostram que os iacutendios do sul de
Rondocircnia tecircm o haacutebito de casar-se com iacutendios de tribos amigas Isto pode ser
comprovado com a presenccedila de palavras no leacutexico das liacutenguas em que foram
coadunadas
Conforme dados mais recentes na Gleba cerca de cinquenta por cento dos
casamentos satildeo mistos com iacutendios de outras etnias ou com natildeo iacutendios Embora
haja certa rivalidade entre os povos da Gleba e os do Rio dos Ouros o nuacutemero de
casamentos entre os iacutendios dessas duas aldeias satildeo muito frequentes
Quanto aos iacutendios Latundecirc Anomby (2009 p 9) discorre que
Os iacutendios da aldeia de Latundecirc Barroso tecircm o menor prestiacutegio e satildeo um pouco culturalmente e economicamente subjugados pelo Aikanatilde e Kwazaacute Devido agraves pequenas populaccedilotildees de Kwazaacute e Latundecirc eacute quase impossiacutevel para eles para se casar dentro de
57
Discorreremos com mais detalhes sobre o processo de bilinguismo no povo Latundecirc no trabalho proposto a ser desenvolvido
104
sua tribo Assim a sobrevivecircncia das liacutenguas e ateacute mesmo o povo como um grupo distinto eacute muito tecircnue
Devido agraves constantes necessidades de cuidado desses povos a OSCIP Creatio58
realizou estudos sobre os impactos soacutecio-antropoloacutegicos-ambientais na TI
Tubaratildeo-Latundecirc jaacute que toda regiatildeo estaacute sobre a influecircncia da PCH59 Cascata
que estaacute sendo construiacuteda no Rio Pimenta Bueno Tais estudos visam objetivar
informaccedilotildees que subsidiem a descriccedilatildeo dos possiacuteveis impactos oriundos da PCH
sobre esta TI
Figura 11 Iacutendios Latundecirc na TI Tubaratildeo-Latundecirc
Outro ponto que deve ser levado em conta ao considerar falantes biliacutengues e
monoliacutengues eacute que eles natildeo podem ser nitidamente diferenciados A avaliaccedilatildeo do
grau de bilinguismo eacute complexa dado que a sua medidade eacute escalar ou seja o
58
Organizaccedilatildeo da Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico 59
Pequena Central Hidreleacutetrica
105
conhecimento de outra liacutengua eacute uma questatildeo de grau que vai desde 0 ateacute a
ldquoperfeiccedilatildeordquo (Van Coetesem 1988 p 9)
106
5 INTERFEREcircNCIA FONEacuteTICO-FONOLOacuteGICA DO LATUNDEcirc NO
PORTUGUEcircS
ldquoO contato linguiacutestico eacute apenas um aspecto do contato cultural e a interferecircncia linguiacutestica eacute uma face da difusatildeo lexical e aculturaccedilatildeordquo
Weinreich (1953 p 5)
51 INTRODUCcedilAtildeO
Para Thomason (2001 p 5) o contato entre liacutenguas estaacute em toda a parte muitos
paiacuteses tecircm mais do que uma liacutengua oficial e muito provavelmente a maior parte
da populaccedilatildeo mundial fala duas ou mais liacutenguas Posto dessa maneira
compreende-se que satildeo muitos os estudos que abordam sob formas aacutereas
concepccedilotildees diversas e interdisciplinares o contato linguiacutestico No que concerne agrave
linguiacutestica estes estudos satildeo de igual abundacircncia De acordo com Weinreich
(1953) grande ou pequena as diferenccedilas e similaridades entre as liacutenguas em
contato podem ser exaustivamente estabelecidas em muitos domiacutenios Todavia
quando se trata da investigaccedilatildeo do contato sob a eacutegide da fonologia e da foneacutetica
o nuacutemero destes estudos diminui consideravelmente Tal constataccedilatildeo corrobora
com a necessidade de estudos linguiacutesticos que tratem dos aspectos foneacuteticos
quando observados no contato entre liacutenguas
Por se tratar de uma sessatildeo importante para as elucidaccedilotildees dos processos
ocorridos no Portuguecircs falado pelos Latundecirc a serem discorridos no Capiacutetulo VI
descrevemos neta seccedilatildeo os segmentos das liacutenguas em anaacutelise e quais satildeos mais
suscetiacuteveis agrave influecircncia do contado linguiacutestico Devido agrave escassez de pesquisas
107
foneacuteticas fonoloacutegicas na aacuterea especificamente no Latundecirc e no Portuguecircs
Brasileiro seratildeo utilizadas como cabedal para esta anaacutelise as pesquisas de
TELLES (2002) e para a investigaccedilatildeo do inventaacuterio do sistema fonoloacutegico do
Portuguecircs a de BISOL (1996) e de SILVA (2002)
Dada a profundidade investigativa da natureza do contato cabe-nos ressaltar aqui
que o presente estudo natildeo se encarregaraacute de tratar de todas a suas nuances
visto que seu objeto estaacute delimitado quanto aos processos foneacuteticos resultantes
de tal contato
Quanto ao aporte teoacuterico seratildeo citados os trabalhos de WEINREICH (1953)
pioneiro a tratar das questotildees de interferecircncia foneacuteticas oriundas do contato entre
liacutenguas VAN COETSEM (1988) e MATRAS (2009) para elucidar os processos
ocorrentes no contato em questatildeo
52 INTERFEREcircNCIA FUSAtildeO COEXISTEcircNCIA E TRANSFEREcircNCIA
LINGUIacuteSTICA
Um dos precursores dos estudos sobre contatos linguiacutesticos Uriel Weinreich
descreve em seu livro Language in Contact (1953) os mecanismos foneacuteticos que
regem a intersecccedilatildeo existente no contato
No que concerne aos aspectos extralinguiacutesticos que regem os efeitos do contato
sobre a fala de determinado componente social Weinreich chama a atenccedilatildeo para
os fatores que estatildeo aleacutem das diferenccedilas estruturais bem como das
inadequaccedilotildees lexicais da liacutengua Segundo ele esses fatores natildeo estruturais satildeo
inerentes aos falantes que estatildeo expostos agrave situaccedilatildeo do contato por exemplo
108
a) A facilidade de o falante se expressar verbalmente e sua
debilidade de lidar coma as duas liacutenguas separadamente
b) Proficiecircncia relativa em cada liacutengua
c) Especializaccedilatildeo no uso de cada liacutengua por toacutepicos e
interlocutores
d) Forma de aprendizado em cada liacutengua
e) Atitudes para cada liacutengua se idiossincraacutetico ou estereotipado
f) A dimensatildeo do grupo biliacutengue e sua homogeneidade
sociocultural ou diferenciaccedilatildeo colapso entre subgrupos usando
uma ou outra liacutengua como sua liacutengua-matildee fatos demograacuteficos
sociais e as relaccedilotildees poliacuteticas entre esses subgrupos
g) Prevalecircncia individuais de bilinguismo com dadas caracteriacutesticas
de comportamento de fala em subgrupos em geral
h) Atitudes estereotipadas em relaccedilatildeo a cada liacutengua (prestiacutegio)
status indiacutegena ou imigrante da liacutengua em xeque
i) Atitudes em relaccedilatildeo agrave cultura de cada comunidade linguiacutestica
j) Atitudes em relaccedilatildeo ao bilinguismo como tal
k) Toleracircncia ou intoleracircncia com respeito agrave mistura linguiacutestica e
com a fala incorreta de cada um
l) Relaccedilatildeo entre o grupo biliacutengue e cada um das duas
comunidades em que ela eacute um segmento marginal (Weinreich
1953 p 4)
Um dos pressupostos baacutesicos agrave natureza do falante diz respeito ao fato de duas
ou mais liacutenguas soacute poderem estar em contato se usadas alternadamente pelas
mesmas pessoas O uso individual da liacutengua seraacute o locus do contato Quando isto
ocorre a transferecircncia de elementos foneacuteticos seraacute a motivadora pela
reorganizaccedilatildeo de todo o velho sistema de oposiccedilatildeo Ele assegura que the term
interference implies the rearrangement of patterns that result from the introduction
of foreign elements into the more highly structured domains of language such as
the bulk of the phonemic system a larger part of the morphology and syntax and
some areas of the vocabulary (p 1)60
60
O termo interferecircncia implica a reorganizaccedilatildeo de padrotildees que resultam na introduccedilatildeo de elementos no mais alto (profundo) domiacutenio de estruturas da linguagem tal como a maior parte do sistema fonecircmico uma larga parte da morfologia e sintaxe e algumas aacutereas do vocabulaacuterio
109
Quando dois sistemas satildeo confrontados no contato pode ocorrer o
reordenamento de padrotildees ou interferecircncia ou exclusatildeo Na interferecircncia
linguiacutestica o problema de maior interesse eacute a accedilatildeo reciacuteproca dos fatores
estruturais e dos natildeo estruturais ao promoverem estimularem ou impedirem cada
interferecircncia
Concernente aos ldquoMecanismos e causas estruturais de interferecircnciardquo Weinreich
idem p7 coloca que haacute um tipo de interferecircncia que eacute extremamente comum no
contato linguiacutestico trata-se da relaccedilatildeo de empreacutestimo na qual natildeo haacute uma total
transferecircncia de todos os elementos Logo percebe-se que eacute comum a
transferecircncia de parte de um sistema ou de traccedilos desse sistema fazendo com
que haja uma ldquocoexistecircncia de fusatildeo de sistemasrdquo
A coexistecircncia ou fusatildeo de sistemas linguiacutesticos pode de acordo com este
estudioso afetar a natureza de um signo linguiacutestico jaacute que esta eacute a combinaccedilatildeo
de uma unidade de expressatildeo e uma de conteuacutedo Neste niacutevel de bilinguismo ou
de interferecircncia de sistemas pode-se entendender que a relaccedilatildeo de significado e
significante natildeo se daacute de maneira uniacutevoca
Diante da complexidade que eacute a transferecircncia linguiacutestica a ilustraccedilatildeo por ele
adotada eacute a de que a interferecircncia eacute como areia carregada por um fluxo de aacutegua
Na liacutengua ela estaacute sedimentada no fundo de um lago E este fenocircmeno se daacute em
todos os niacuteveis da gramaacutetica p 11
Ao tratar dos tipos de interferecircncia nos sistemas foneacuteticos Weinreich afirma que
The problem of phonic interference concerns the manner in which a speaker perceives and reproduces the sounds of one
110
language which might be designated secondary in terms of another to be called primary Interference arises when a bilingual identifies a phoneme of the secondary system with one in the primary system and in reproducing it subjects it to the fonetic rules of the primary language (1953 p 15)61
Neste caso a interferecircncia resulta quando um falante identifica na segunda liacutengua
elementos foneacuteticos presentes na primeira liacutengua Ao reproduzir o segmento o
falante o sujeita agraves regras foneacuteticas da primeira liacutengua a liacutengua matildee
Ao prosseguir Weinreich tambeacutem aponta dois tipos de interferecircncia a partir do
quadro comparatoacuterio entre os sistemas linguiacutesticos do Romansh62 e do
Schweizerdeutsch63 liacutenguas coexistentes no Cantatildeo de Grisons na Suiacuteccedila No
primeiro caso o sistema foneacutetico do Romansh se configura como o sistema
primaacuterio e o Schweizerdeutsch como secundaacuterio No segundo caso os sistemas
satildeo alternados o sistema foneacutetico do Schweizerdeutsch assume o lugar do
sistema primaacuterio e o Romansh o secundaacuterio
61
O problema da interferecircncia foneacutetica consiste na maneira como o falante percebe (reconhece) e reproduz os sons de uma liacutengua que pode ser designado secundaacuterio em outros termos primaacuterio A interferecircncia surge quando um biliacutenguumle identifica um fonema do sistema secundaacuterio com um no sistema primaacuterio e em reproduzi-lo sujeitando-o agraves regras foneacuteticas da primeira liacutengua 62
Eacute uma das quatro liacutenguas nacionais da Suiacuteccedila juntamente com a liacutengua alematilde a liacutengua italiana e a liacutengua francesa Trata-se de uma liacutengua romacircnica do ramo ocidental que se acredita descender do latim vulgar falado pelos romanos que ocuparam a aacuterea na Antiguidade 63
Eacute qualquer um dos dialetos alemacircnicos falados na Suiacuteccedila no Liechtenstein e nas zonas fronteiriccedilas da Aacuteustria
111
Quadro 7 Quadro Comparativo dos Sistemas Foneacuteticos do Romansh e do
Schweizerdeutsch de acordo com Weinreich (1953)
Mais adiante seraacute observada a influecircncia do Latundecirc no Portuguecircs Desta forma
o Portuguecircs mesmo sendo a segunda liacutengua adquirida seraacute visto como o objeto
influenciado do contato linguiacutestico
112
Quando observou o contato entre os dois sistemas linguiacutesticos em voga
Weinreich (idem p 18 e 19) examinou o processo de interferecircncia representado
no segundo sistema fonecircmico Assim ele elencou quatro tipos de interferecircncias i)
subdiferenciaccedilatildeo de fonemas ii) superdiferenciaccedilatildeo de fonemas iii)
reinterpretaccedilatildeo de traccedilos relevantes iv) substituiccedilatildeo de fone atual
A subdiferenciaccedilatildeo de fonemas ocorre quando dois sons de um segundo sistema
cujos correspondentes que natildeo se distinguem no sistema primaacuterio natildeo satildeo bem
definidos Tal confusatildeo eacute evidenciada pela alternacircncia que o falante do Romansh
faz ao pronunciar os segmentos y e i do Schweizerdeutsch ou quando o falante
do Schweizerdeutsch faz ao pronunciar de forma insegura os segmentos i e
O processo de superdiferenciaccedilatildeo envolve a imposiccedilatildeo de distinccedilotildees fonecircmicas
do sistema primaacuterio sobre os sons do sistema secundaacuterio onde eles natildeo satildeo
necessaacuterios O processo pode ser inferido a partir de uma comparaccedilatildeo entre os
sistemas de som em contacto mesmo que nem sempre seja perceptiacutevel No
contanto entre os dois dialetos o vocaacutebulo rsquolada lsquoamplorsquo do Romansh eacute
pronunciado como acutelada no Schwyzertutsch
A reinterpretaccedilatildeo de traccedilos relevantes ocorre quando o falante biliacutengue distingue
fonemas do sistema secundaacuterio cujas caracteriacutesticas que nesse sistema satildeo
meramente concomitante ou redundante mas que satildeo relevantes no seu sistema
principal Por exemplo a palavra do dialeto Romansh [lsquomєsbullɐ] bagunccedila pode
ser interpretada quase como no Schwyzertutsch rsquomesa
Por fim o processo de substituiccedilatildeo de fone atual eacute aplicado aos fonemas que satildeo
definidos de forma idecircntica nos dois idiomas mas que se comportam de froma
113
distintas Na situaccedilatildeo descrita o segmento do Romanche e o do
Schwyzertatsch satildeo ambos definidos como vogais frontais de abertura
maacutexima mas o fonema do sistema Schwyzertfitsch eacute pronunciado mais aberto
Os fonemas b do Romansh e o B do Schwyzertfitsch satildeo ambos definidos por
suas oposiccedilotildees tensa (sem voz) consoante aspirante e nasal homorgacircnica mas
b eacute sempre vozeado B apenas ocasionalmente
Quando ao tratar dos fatores estruturais favorecedores ou inibidores da
interferecircncia foneacutetica o pesquisador em questatildeo afirma que a anaacutelise contrastiva
dos fonemas de duas liacutenguas e a forma como eles satildeo usados produz uma lista
de formas de interferecircncias focircnicas esperada em uma situaccedilatildeo de contato
particular Quando os sons satildeo vistos como parte de um sistema focircnico certos
fatores adicionais emergem favorecendo ou inibindo a reproduccedilatildeo de som
defeituoso (pg 23)
Em continuidade ele afirma que ldquoum fator que elimina certos ruiacutedos na fala em
liacutengua estrangeira eacute a existecircncia de vazios no padratildeo no sistema fonecircmico
primaacuterio em que fonemas estranhos do sistema secundaacuterio podem ser
recuperados (rotulados)rdquo Isso se daacute devido agrave semelhanccedila com o(s) segmento(s)
cujas caracteriacutesticas satildeo mais aproximadas
Sobre a difusatildeo dos fenocircmenos de interferecircncia foneacutetica Weinreich assegura que
no estudo da propagaccedilatildeo de sons oriundos do contato linguiacutestico sobretudo na
influecircncia da liacutengua estrangeira (liacutengua de contato) seria relevante que
investigasse se o resultado de muitos tipos de interferecircncia eacute difundido da mesma
forma ou com igual facilidade
114
Ao citar Sapir ele afirma que
Podemos supor que as variaccedilotildees individuais decorrentes em fronteiras linguiacutesticas tecircm sido gradualmente incorporadas ao desvio foneacutetico de uma liacutengua Isto mostra aliaacutes que um sistema de som que eacute conhecido por ter sido influenciada por um estrangeiro natildeo precisa esperar para representar uma reacuteplica exata do sistema influenciando (1949 p213)64
Para ele um dos motivos que contribuiria para a interferecircncia foneacutetica seria
agravequela desencadeada pelo status
Com base na reduplicaccedilatildeo de som de Weinreich Matra (2009 p 241) descreve
que a produccedilatildeo de segmentos foneacuteticos eacute vulneraacutevel No entanto
A replicaccedilatildeo fonoloacutegica (interferecircncia transferecircncia ou ldquoempreacutestimordquo) pode afetar qualquer niacutevel da estrutura de som a articulaccedilatildeo de fonemas individuais ou fonemas dentro das palavras o comprimento e a geminaccedilatildeo acento e tom prosoacutedia e entonaccedilatildeo Em fonologia os empreacutestimos foram muitas vezes considerados como estrateacutegias para preencher as chamadas lacunas estruturais no sistema destinataacuterio65
Matras ainda defende que a mudanccedila induzida pelo contato fonoloacutegico eacute o
resultado da incapacidade ou da relutacircncia dos falantes para manter a separaccedilatildeo
completa e consistente entre os sistemas fonoloacutegicos de duas liacutenguas Ele cita
como exemplo o fato de os falantes da liacutengua receptora lidarem com a pronuacutencia
de termos da liacutengua de origem66
64
We may suppose that individual variations arising at linguistic borderlands - whether by the unconscious suggestive influence of foreign speech or the actual transfer of foreign sounds into the speech of bilingual individuals - have been gradually incorporate into the phonetic drift of a language This shows incidentally that a sound system which is known to have been influenced by a foreign one need not be expected to represent an exact replica of the influencing system 66
Isso ocorre mais frequentemente quando uma palavra estrangeira eacute introduzida na liacutengua de
destino por apenas um pequeno grupo de biliacutengues ou semibiliacutengues e se espalha por toda fala da comunidade inclusive para os monoliacutengues natildeo estatildeo familiarizados com os sons originais da
115
Quando emprestado de uma liacutengua doadora um vocaacutebulo natildeo acarretaraacute
necessariamente em mudanccedila no sistema fonoloacutegico da liacutengua receptora O que
ocorre como jaacute fora colocado aqui eacute o processo de acomodaccedilatildeo fonoloacutegica O
vocaacutebulo emprestado passa a ser pronunciado com os segmentos foneacuteticos da
liacutengua receptora
Todavia Matra (2009 p 222-223) chama a atenccedilatildeo para um segundo tipo de
processo em que ldquoos sons que aparecem nos vocaacutebulos emprestados que satildeo
normalmente ausentes do sistema da liacutengua destinataacuteria podem ser replicados
juntamente com o proacuteprio vocaacutebulordquo fazendo com que haja um enriquecimento no
inventaacuterio foneacutetico na liacutengua receptora 67
Segundo o autor este tipo de processo ocorre com normalidade em situaccedilotildees
em que o bilinguismo eacute muito generalizado Logo ldquomembros biliacutengues de uma
comunidade que estatildeo cientes da forma original da pronuacutencia da liacutengua doadora
fazem um esforccedilo para autenticar o vocaacutebulo emprestado replicando sua forma
originalrdquo
Em continuidade ele afirma que
Uma vez que a liacutengua doadora goza de alguma forma de prestiacutegio muitas vezes devido a associaccedilotildees com comeacutercio tecnologia conhecimento e outros tipos de inovaccedilatildeo ou de poder a replicaccedilatildeo de pronuacutencias originais da liacutengua doadora satildeo imitadas por muitos monoliacutengues (natildeo falantes da liacutengua doadora) como tal levando agrave propagaccedilatildeo dentro da liacutengua destinataacuteria dos novos fonemas nos vocaacutebulos emprestados que satildeo relevantes Isso comprova o respeito dos falantes para a linguagem dos doadores e agrave sua flexibilidade no uso de sua liacutengua materna (a liacutengua do destinataacuterio) indicando que os
liacutengua doadora Em tais situaccedilotildees haacute uma forte lealdade para com a liacutengua de destino e geralmente apenas com superficial conhecimento com a liacutengua de origem (p 242) 67
Como exemplo eacute citado o caso da africada dʒ que em situaccedilatildeo de empreacutestimo pode ser
pronunciada como tʃ em palavras que oriundas do inglecircs
116
falantes se contentam em atribuir fonologicamente autenticidade agrave replicaccedilatildeo de empreacutestimos lexicais prioritaacuterios maiores do que para a preservaccedilatildeo das estruturas fonoloacutegicas coerentes de sua liacutengua nativa (idem p 224)
Em uma situaccedilatildeo onde o bilinguismo eacute estabelecido e prolongado os falantes (na
maioria de uma liacutengua minoritaacuteria como o caso dos Latundecirc) podem ajustar o
inventaacuterio de sons e as regras que regem a sua distribuiccedilatildeo para coincidir com as
do outro
Matras (2009 p 225) atraveacutes de um quadro descreve os quatro tipos de
mudanccedilas fonoloacutegicas oriundas do contato linguiacutestico com base nos perfis dos
falantes linguagem e atitudes
Quadro 8 Tipos de processos que conduzem a mudanccedila fonoloacutegica induzida por contato
117
Com base no quadro anterior depreende-se que
i) O tipo A eacute diferente na medida em que natildeo envolve nenhuma mudanccedila no
sistema fonoloacutegico mas apenas uma mudanccedila de palavras individuais
enquanto os tipos B-D todas envolvem algum grau de modificaccedilatildeo para o
sistema tal como utilizado por colunas numa base regular No entanto
existem semelhanccedilas entre os tipos de aspectos individuais
ii) Os tipos A e B satildeo semelhantes e giram em torno de palavras emprestadas
individualmente
iii) Os tipos A e C satildeo semelhantes em que ambos envolvem a transferecircncia
de recursos de liacutengua nativa para material diferente
iv) Os tipos B e D satildeo semelhantes em que ambos envolvem a adoccedilatildeo de
padrotildees sonoros estrangeiros e sua integraccedilatildeo na liacutengua nativa
v) Os tipos C e D mostram como mencionado acima o fato de que os
falantes tentam evitar que para selecionar os sons de dois conjuntos
distintos de inventaacuterio e ateacute generalize apenas um conjunto de sons para
serem usadas em ambas as liacutenguas isto eacute em toda a interaccedilatildeo contextos
Os falantes do portuguecircs falado por Latundecirc se estendem em duas direccedilotildees Em
tipos A e C onde os falantes reinterpretam os sons dos vocaacutebulos emprestados
da liacutengua doadora alinhando-os aos padrotildees e inventaacuterio da liacutengua receptora
(nativa) No tipo D os falantes modificam os segmentos foneacuteticos com base no
inventaacuterio externo A aplicaccedilatildeo de uma determinada regra fonoloacutegica pode
resultar na perda ou em ganho de fonemas p226
118
O contato linguiacutestico pode ser representado ainda como um contiacutenuo Nele
ocorrem forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas que dinamizam os sistemas linguiacutesticos
Para Matras idem p 226 fatores como normas sociais lealdade e consciecircncia
de identidade podem interferir e ateacute mesmo neutralizar os fenocircmenos advindos do
contato O empreacutestimo sofreria portanto estas pressotildees
Figura 12 Ligaccedilotildees entre a intensidade do bilinguismo o tipo de processo de acomodaccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo entre os sistemas fonoloacutegicos
Quanto menor for o bilinguismo maior seraacute a separaccedilatildeo de sistemas Por outro
lado quanto mais intenso for o bilinguismo maior seraacute a convergecircncia de
sistemas fonoloacutegicos
No que concerne agrave integraccedilatildeo fonoloacutegica Matras (2009 p 227) explica que a
substituiccedilatildeo de fonemas eacute uma das formas mais comuns posto que este
processo permite uma aproximaccedilatildeo de caracteriacutesticas entre o sistema interno e
externo Dessa forma a substituiccedilatildeo eacute mais comum uma vez que os fonemas
satildeo combinaccedilotildees de recursos articulatoacuterios e as caracteriacutesticas em comum satildeo
mantidas em detrimento agraves complexidades dos fonemas que natildeo compartilham de
traccedilos em comum
119
Ele tambeacutem chama a atenccedilatildeo para a estrutura silaacutebica dos sistemas fonoloacutegicos
que entram em contato afirmando que ldquoos estrangeirismos podem acomodar a
siacutelaba e a estrutura do acentordquo (idem p 228)
A aplicaccedilatildeo de regras sobre a distribuiccedilatildeo de fonemas oriundos do empreacutestimo
pode resultar na perda de um traccedilo ou de um fonema A integraccedilatildeo de fonemas
tambeacutem pode levar agrave omissatildeo de outros fonemas que natildeo fazem parte o
inventaacuterio fonoloacutegico da liacutengua receptora E a omissatildeo de certas caracteriacutesticas
durante a replicaccedilatildeo de fonemas pode ser prejudicial para o sistema como um
todo e isso pode resultar em uma reduccedilatildeo de pares miacutenimos
Sobre a convergecircncia dos sistemas fonoloacutegicos Matras (2009 p 229) assegura
que um fator que retarda o processo de substituiccedilatildeo de som eacute a presenccedila de
vaacuterios pares de vocaacutebulos que contam com o contraste Neste caso a
convergecircncia aumenta as semelhanccedilas entre os inventaacuterios fonoloacutegicos das duas
liacutenguas E a replicaccedilatildeo da variaccedilatildeo alofocircnica eacute uma via comum para a
convergecircncia
Quanto aos segmentos foneacuteticos ainda de acordo com o pesquisador em
questatildeo as consoantes satildeo as mais introduzidas nos estrangeirismos Uma vez
que nas liacutenguas do mundo o nuacutemero de segmentos consonantais eacute maior que o
das vogais Logo os vocaacutebulos emprestados satildeo mais propensos a introduzir
mais consoantes que vogais
No caso Portuguecircs falado por Latundecirc tal assertiva em parte se configura A
anaacutelise dos dados prova que satildeo as consoantes as mais favoraacuteveis para a
realizaccedilatildeo dos processos foneacuteticos Todavia o nuacutemero de consoantes nessa
120
liacutengua eacute menor que o de vogais conforme descriccedilatildeo de Telles 2002 a qual
veremos na proacutexima seccedilatildeo
Van Coetsem (1988 p7) tambeacutem aborda os processos e comportamentos
oriundos do contato linguiacutestico68 E para que este contato seja estabelecido eacute
necessaacuterio que se tenha uma liacutengua de origem (SL) e uma liacutengua destinataacuteria
(RL)
Figura 13 Correspondecircncia entre liacutenguas e contato linguiacutestico
Embora o modelo de Van Coetesem seja universal e demonstre que na maioria
dos contatos linguiacutesticos a liacutengua de origem seja uma liacutengua dominante
ressaltamos que neste trabalho a liacutengua de origem (SL) eacute a liacutengua minoritaacuteria o
Latundecirc E o substrato analisado eacute uma modalidade de portuguecircs falado pelos
Latundecirc
Em continuidade este estudioso afirma que
Um empreacutestimo fonoloacutegico eacute uma imitaccedilatildeo uma reacuteplica ou uma reproduccedilatildeo na liacutengua recipiente (RL) de um elemento estrangeiro ou uma pronuacutencia da liacutengua de origem (SL) Esse tipo de imitaccedilatildeo eacute muitas vezes apenas uma aproximaccedilatildeo Para o imitador a imitaccedilatildeo implica o uso de algo que ele natildeo tem na sua proacutepria liacutengua Um empreacutestimo fonoloacutegico como uma imitaccedilatildeo eacute portanto algo que o falante imitador da RL natildeo tem em sua fonologia integrada ou nativa ou seja algo
68
Para Van Coetsen o termo ldquoempreacutestimo fonoloacutegicordquo indica qualquer forma de empreacutestimo no acircmbito da fonologia segmentar ou suprassegmental independentemente se isto afeta a dimensatildeo paradigmaacutetica a dimensatildeo sintagmaacutetica ou ambas (p7)
121
fonoloacutegico ou subfonoloacutegico que deriva de seu sistema fonoloacutegico nativo (Idem p 8)69
A intenccedilatildeo do falante ao fazer uso do segmento emprestado eacute reproduzi-lo da
melhor forma possiacutevel Ao fazer isso ele obedece agraves consideraccedilotildees sociais O
proacuteprio fato de que o segmento natildeo esteja inserido em seu proacuteprio sistema faz
com que na pressatildeo de se adaptar a diferentes pronuacutencias ele (o falante) procure
o equivalente mais proacuteximo em seu sistema
Para que isso ocorra ldquoo falante faz uso de dois processos a imitaccedilatildeo e a
adaptaccedilatildeo p 9rdquo Ambos pressupotildeem a existecircncia de um conjunto organizado de
segmentos fonoloacutegicos e distribuiccedilatildeo de unidades inseridas pelo falante da liacutengua
recipiente por um lado e por outro o confronto das pronuacutencias estrangeiras com
que o falante tem que lidar
Aleacutem dos processos de imitaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo Van Coetesem tambeacutem utiliza a
noccedilatildeo de integraccedilatildeo ldquoque eacute a incorporaccedilatildeo de elementos em uma dada liacutengua
advindos de outra(s) liacutengua(s)rdquo A imitaccedilatildeo seria portanto o preacute-requisito para a
integraccedilatildeo No caso do portuguecircs falado pelos Latundecirc natildeo haacute indiacutecios de
integraccedilatildeo de fonemas especiacuteficos da sua liacutengua de origem
Para que ocorra o processo de imitaccedilatildeo eacute necessaacuterio que haja uma agentividade
que eacute um tipo especiacutefico de transferecircncia onde o falante de uma dada liacutengua eacute
ativo e o outro passivo O inverso tambeacutem pode ocorrer
69
A phonological loan is an imitation replication or reproduction in the RL of a foreign or SL
pronunciation such an imitation is often only an approximation For the imitator imitation implies the use of something that he does not (yet) have of his own A phonological loan as an imitation is thus something that the imitating RL speaker does not have in his integrated or native phonology something phonemic or subphonemic that deviates from his native phonological system
122
Figura 14 Agentividade da Liacutengua Recipiente de acordo Van Coetsem 1988 p10
Na agentividade da liacutengua recipiente (RL)70 o segmento dominante na relaccedilatildeo
entre a liacutengua recipiente e a liacutengua de origem71 eacute o da liacutengua recipiente Logo o
domiacutenio linguiacutestico seraacute o da liacutengua recipiente
Figura 15 Agentividade da Liacutengua de Origem de acordo Van Coetsem (1988 p11)
Na agentividade da liacutengua de origem (SL) o segmento dominante na relaccedilatildeo
entre a liacutengua recipiente e a liacutengua de origem eacute o da liacutengua de origem Sendo
assim o domiacutenio linguiacutestico seraacute o da liacutengua de origem
Tomando como referencial os modelos apresentados podemos estabelecer um
contiacutenuo cronoloacutegico para compreender como se daacute a agentividade sobre o
contado do Portuguecircs com o Latundecirc
70
No caso em questatildeo a modalidade do portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute a liacutengua recipiente 71
Consequentemente a liacutengua de origem (SL) eacute o Latundecirc
123
Figura 16 Relaccedilatildeo de agentividade entre o Portuguecircs e o Latundecirc
Historicamente devido aos fatores socioeconocircmicos o contato inicial se daacute entre
o Portuguecircs influenciando o Latundecirc Aquele como liacutengua majoritaacuteria e este como
minoritaacuteria
O Latundecirc por ser a liacutengua do povo dominado eacute submetido agraves interferecircncias da
liacutengua de domiacutenio Deste contato resulta uma modalidade especiacutefica do
Portuguecircs que eacute o falado por Latundecirc
Em suma podemos afirmar que embora seja o Portuguecircs a liacutengua dominante e
que inicialmente seja ele o agente sobre o Latundecirc a posteriori fora o Latundecirc o
agente pelas transformaccedilotildees ocorrentes no Portuguecircs de contato Posto dessa
forma a agentividade se daacute em ambos os contextos a partir do referencial que se
tenha uma vez que o Portuguecircs e o Latundecirc tanto influenciaram como foram
influenciados Mas vale ressalvar que para este recorte o Portuguecircs eacute a liacutengua
que sofre influecircncia Eacute este o fio condutor da nossa pesquisa
Portuguecircs Latundecirc Portuguecircs falado por Latundecirc
124
53 FONOLOGIA DO LATUNDEcirc
Para uma melhor compreensatildeo futura passaremos agora a descrever os
sistemas fonoloacutegicos das liacutenguas em estudo
Elencamos abaixo as principais caracteriacutesticas fonoloacutegicas do Latundecirc
Eacute uma liacutengua com maior quantidade de elementos vocaacutelicos (dezesseis)
em detrimento aos consonantais (onze) Eacute uma liacutengua vocaacutelica portanto
Apresenta dez vogais orais e seis nasais Dessas oito satildeo laringais72
As vogais nasais satildeo contrativas apenas na posiccedilatildeo do acento
Os glides w j quando em posiccedilatildeo de onset sofrem o processo de
consonantizaccedilatildeo
Apresenta seis tipos de siacutelabas fonoloacutegicas que satildeo derivadas da extensatildeo
(C)V(C)(C) V VC VCC VC CVC e CVCC
O nuacutecleo silaacutebico eacute sempre preenchido por uma vogal
Dos segmentos consonantais apenas a oclusiva glotal ʔ natildeo eacute observada
em posiccedilatildeo de onset
A coda pode ter desdobramento ramificado sendo a primeira posiccedilatildeo
preenchida sempre por um glide
Os padrotildees silaacutebicos VC e CVC satildeo os mais frequentes e ocorrem tanto
em siacutelaba tocircnica como aacutetona
Tem uma forte tendecircncia agrave monotongaccedilatildeo
O sistema acentual eacute misto que associa o acento lexical ao acento foneacutetico
72
Telles explica que as mais novas geraccedilotildees Latundecirc abaixo de 20 anos realizam o traccedilo laringal com menor frequecircncia e audibilidade
125
O acento eacute realizado foneticamente como tom (pitch) alto
Eacute uma liacutengua de caracteriacutestica de liacutenguas pitch accent
Apresenta processos fonoloacutegicos em niacutevel poacutes-lexical fundamentalmente
Estes processos satildeo agrupados em assimilaccedilatildeo (harmonia vocaacutelica e
vozeamento das oclusivas) dissimilaccedilatildeo reduccedilatildeo apagamento silaacutebico e
epecircntese
Quadro 9 Fonemas consonantais do Latundecirc
Fonemas Consonantais
Labiais Coronais Dorsal Glotais
+ anterior - anterior + anterior - anterior - anterior - anterior
Plosivas p t k
Nasais m n
Fricativas s h
Lateral l
Glide w j
Quadro 10 Fonemas vocaacutelicos do Latundecirc
Fonemas Vocaacutelicos
Vogais Vogais Laringais
Altas i u i u
Altas Nasais ĩ ũ i u
Meacutedias e o e o
Baixa a a
Baixa Nasal a a
126
Quadro 11 Ditongos do Latundecirc
Ditongos
Crescentes Decrescentes
w j w J
i wi iw
e e we we je je ej e j
a a a a wa wa ja ja ja aw a w a w aj a j atildej
o o wo jo ow
u u u ju ju ju
Quadro 12 Descriccedilatildeo dos fonemas consonantais (Retirada de Telles 2002)
Segmento - Descriccedilatildeo - Contexto de realizaccedilatildeo e especificidades
Exemplos
Traduccedilatildeo
p73 - Oclusiva bilabial surda
Eacute de extrema limitaccedilatildeo de realizaccedilatildeo na liacutengua
Ocorre em posiccedilatildeo de onset formando
siacutelabas com as vogais i a atilde o u
Pode se realizar como [p] oclusiva bilabial surda [b] oclusiva bilabial
sonora [ɓ] oclusiva bilabial sonora
implosiva
Em iniacutecio de palavras realiza-se [p]
diante da vogal coronal [i] e [b ɓ] e
diante da vogal baixa [a]
Em meio de palavra ou enunciado quando precedido por oclusiva glotal realiza-se [p]
[pite]
piʔ-te
[ιɓ
pan-tatilden
[diʔpa natildenʌ]
jaliʔ pan-tatilden-ta
[kotildebayte] ~ [kotildebayte]
kownpayt-te
[sabagnĩde]
Espeacutecie de paacutessaro chupito Satildeo dois Satildeo dois colares Tatu espeacutecie de
73
Outros estudos com liacutenguas proacuteximas tambeacutem indicam a baixa frequecircncia da realizaccedilatildeo do p
nas liacutenguas desse grupo Kingston 1970 para o Mamaindecirc e Lowe 1961 para o Nambikwaacutera do sul (Galera Kabixi Munduacuteka Nambikwaacutera do Campo)
127
Em meio de palavras ou enunciados em ambiente intervocaacutelico ou nasal adjacente realiza-se [b]
sapan-kinĩn-te
[tʃabatildeʔginĩde]
sapatilden-kin-te
Pente Taioba
m - Nasal labial + anterior
Oclusiva bilabial nasal com distribuiccedilatildeo mais larga do que a do p
Apresenta ocorrecircncia restrita quanto comparada agrave nasal alveolar n
Realiza-se [m]
Ocorre em iniacutecio de siacutelaba diante das
vogais i i i i a a a u u u u
Natildeo forma siacutelaba com as vogais
meacutedias frontais e e e com as
posteriores o o
Apoacutes pausa e seguida de a pode se realizar como oclusiva bilabial nasal
preacute-glotalizada - [ ʔm ]
[ miɾatildenʌ]
mih-tatilden-ta
[katilde ɾatildenʌ]
kami h-tatilden-ta
[ a ĩ de]
e ĩn-te
[ e ĩ de]
e ĩ -te]
[ ma hɾatilden]
mah-tatilden
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[ka a ʔɾatildenʌ]
ka- a -tatilde-ta
[ datildena]
n-tatilden-ta
[tumuʔku ɾe]
tumuʔku-te
Estaacute chovendo Aacutegua estaacute suja Cobra espeacutecie de Couro Ele estaacute esperando Roupa Estaacute molhado Estaacute bonito Jacu
128
Em fronteira de morfema precedido pela fricativa glotal h teraacute a sua realizaccedilatildeo ensurdecida
[ a datildenʌ]
a n-tatilden-ta
[ʔ atilde ɳ datilden]~[ a n datilden]
atilden-tatilden
[ʔ atildeʔ n datilden] ~
[ atildeʔ ndatilden]
atilden- n-tatilden
[n h atildega tna ]
n - atilden-ka -tatilden-na
Estaacute inchado Estaacute queimando Vocecirc estaacute mandando Eacute nossa roupa
w - Glide labial - anterior
Glide laacutebio-velar sonoro
Ocupa as posiccedilotildees de onset e coda
Apresenta leve arredondamento nos laacutebios
Eacute o segmento mais frequente das labiais
Realiza-se como [w] em iniacutecio de
siacutelaba diante das vogais i e e a a o
tambeacutem podendo variar com [ʋ]
fricativa laacutebio-dental que eacute realizada com fraco grau de fricccedilatildeo
[ wi rsquoɾatilden] ~ [ ʋi ɾatilden]
wi -tatilden
[woda h de] ~ [ʋoda h de]
wotah-te
[na weʔrsquoa jrsquoɾe] ~ [na ʋeʔajrsquoɾe ]
na jn-weʔa jh-te
[ kowajna tatildenʌ]~ [koʋajna tatildenʌ]
hah-wa jn-ta-tatilden-ta
[daweʔgɾatilde ni]
taweʔ-ka-tatilden-ti
[ we jginĩdatildena]
we jn-kinĩn-tatilden-ta
[ wajkinĩ de]
wajʔ-kinĩn-te
Ele comeu Pomba Eacute para colocar na cabeccedila Satildeo poucos laacutepis Ele cozinhou Eacute fruto da bacaba
129
Em dissiacutelabos no onset de siacutelaba preacute-tocircnica aberta seguido de vogal a central baixa pode ocorrer a fusatildeo entre o w e a vogal a realizando-se como [ͻ o u]74
Na sequecircncia w + a o a pode sofrer harmonia vocaacutelica recebendo o ponto de articulaccedilatildeo da vogal acentuada sendo realizada [e]
Quando em final de siacutelaba segue as
vogais i o a a
E depois das vogais io pode alongar-se
Se a vogal precedente for a baixa a
a ocorreraacute a fusatildeo resultando as
posteriores ͻ ͻ
Quando em siacutelaba em siacutelaba
acentuada ͻ ͻ podem ser alongados
ou seguido de oclusatildeo glotal [ʔ] ou
ocorrer uma assimilaccedilatildeo regressiva
das baixas aa passando a [ͻ ͻ ]
Quanto agrave frequecircncia w se mais
ocorrente depois da vogal baixa a a
e baixiacutessima ocorrecircncia depois da vogal i o
Ao integrar uma siacutelaba (C)v wN onde a
vogal eacute nasalizada o glide pode ser nasalizado ou coalescer com a consoante nasal na coda
Em posiccedilatildeo de onset e pronunciada rapidamente eacute fortificada podendo ser realizada como [p] e [m]75
[ wa jkinĩ de]
wa jh-kinĩn-te
[waɾaɾwaɾaʔĩ datildenʌ] ~
[wͻɾaʔwͻɾaʔĩ datildenʌ] ~
[ͻɾaʔͻɾaʔĩ datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[weli nde] ~ [uli n de]
wa ĩn-te
[weɾe ɾatildena] ~ [ ɾe ɾatildena] ~
[ rsquoɾe ɾa na]
wateh-tatilden-ta
[giw ladaɾe] ~ [gi la de]
kiwlah-tah-te
[kowa ɾe] ~ [koa ɾe]
kowah-te
[a wde] ~ [ ͻ de] ~ [ ͻ ʔde]
a w-te
[aw de] ~ [ͻ de] ~ [ͻʔ de]
awh-te
[na w du] ~ [nͻ du] ~ [nͻ w du]
na wh-tu
[a wm datilden] ~ [atilde w m datilden] ~
Amendoim Fruto do accedilaiacute Estaacute fino Tamanduaacute Estaacute sumido Cascavel Andorinha Flexa Gaviatildeo
74
Conforme Telles (2002 p 42) Estas alofonias variam de acordo com a qualidade da vogal
tocircnica da siacutelaba seguinte com a qual sua vogal aacutetona nuclear se harmoniza 75
Tal ocorrecircncia eacute mais frequentemente constatada em falantes monoliacutengues em Latundecirc
130
[atilde m datilden]
atilde wn-tatilden
[woloʔʔnatildenʌ] ~ [polo ʔnatildenʌ]
walon-tatilde-ta
[wʌnaʔkinĩ de] ~ [mʌnaʔkinĩ de]
~ [wanaʔkinĩ de]
wanaʔ-kinĩn-te
[wo nut ʔna ] ~ [mo nut ʔna ]
wo nuʔ-tatilden-na
[wʌ na jginĩ datildenʌ] ~
[mana jginĩ datildenʌ] ~
wa -na jn-kin-tatilden-ta
[wa ʃi de] ~ [maʔ ʃi de]
wa-sin-te
Lontra Estaacute assando no burralho Estaacute podre Castanha do caju Eacute corpo inteiro Eacute tua cabeccedila Espeacutecie de abelha
t - Plosiva coronal + anterior
Oclusiva alveolar surda
Ocorre com as vogais ie e a
a atilde o o u ũ
t realiza-se [d] em siacutelaba acentuada podendo ainda variar em posiccedilatildeo medial como [|]
Em iniacutecio de palavra o alofone [d] pode ser realizado como preacute-
[diko lo n de]
tiʔ-ko lo n-te
[ de he ɾaɾe]
te h-tah-te
Paacutessaro pintado espeacutecie de paacutessaro Ele cozinhou
131
glotalizado realizando-se como
[ɗ]
Em fala lenta pode ser realizado como [d]
Em contexto fora do acento ocorre [t] com raros exemplos de variaccedilatildeo entre os alofones [d] e [t]
[ de geɾatilden]
te h-ka-tatilden
[daʔjͻ ratildena]
ta-jaw-tatilden-ta
[da jginĩ de]
ta jn-kinĩn-te
[ doɾatilden] ~ [d ɾatilden]
toh-tatilden
[do h gratilden]
to h-ka-tatilden
[du ɾatilden]
tu-tatilden
[d hdatilden]
tu-tatilden
[kͻdͻ ɾe]
kataw-te
[kado ndatildenʌ]
katon-tatilden-ta
[teda de]
teta-te
[toʔdatilde n de]
toʔtatilden-te
[tigi ɾe]
tikih-te
Sucuri Ele estaacute sentado Pedra Ele morreu Ele procurou Ele pegou Ele chupou Patuaacute Estaacute cru Jaoacute Nambu
132
As possibilidades alofocircnicas de t entre segmentos depende do acento e do contexto adjacente Estas duas condiccedilotildees definem as alofonias76
Precedido de vogal em ambiente
intervocaacutelico realiza-se [tdɾ]
sendo [d] o preferencial
Quando t eacute precedido por h
realiza-se como [tdɾ] A
presenccedila da fricativa favorece o rotacismo de t tornando-o em
[ɾ]
Quando t eacute precedido de ʔ ou
de t a realizaccedilatildeo pode ser [t] mas [d] pode permanecer em raros casos
Em contexto de nasalizaccedilatildeo trecircs realizaccedilotildees satildeo possiacuteveis para t i) vozeamento da oclusiva alveolar ii) preacute-nasalizaccedilatildeo da oclusiva alveolar em iniacutecio de siacutelaba tocircnica e iii) assimilaccedilatildeo total da nasal adjacente
[tabawdnͻde]
tapawn-naw-te
[tala de] ~ [dala de]
tala-te
[tolowm datilde ]
talown-tatilden
[lodo ɾa ɾe] ~ [lo to ɾa ɾe] ~
[loto ɾa ɾe]
loto-tah-te
[doʔ daj de] ~ [toʔ ɾaj de]
to-tajn-te
[nu h ɾe] ~ [ nu h de]
nu h-te
[lo hrsquoɾe] ~ [lo h de] ~
[lo h te]
loh-te
[hu te] ~ [hu de]
huʔ-te
[keja te] ~ [kejaʔ te]
kejat-te
[ĩ datildena] ~ [i ndatildena] ~ [i natildena]
Macaco pequeno Ombro Tipoia Ele terminou Rato grande Abelha vermelha Lagarto grande Urubu
76
Dessas alofonias o flap [ɾ] tem sua ocorrecircncia ligada ao acento
133
Em siacutelaba natildeo acentuada t pode sofrer fricatizaccedilatildeo passando a se realizar como [s]
ou [ts] ou [ʔs]
Ainda neste contexto permanecem possiacuteveis as realizaccedilotildees [t] e [d] se o t sofrer fricatizaccedilatildeo a aspiraccedilatildeo glotal precedente do h natildeo se realiza
Em travamento silaacutebico t realiza-se de preferecircncia como
ʔ Pode ser deletado
ocasionando o prolongamento da vogal tautossilaacutebico
in-tatilden-ta
[katilde datildena] ~ [katilde ndatildena] ~
[katilde natildena]
katilden-tatilden-ta]
[kejaʔ n da ɾe] ~ [kejaʔ na e]
kejan-tah-te
[losa na ʔ] ~ [lostsa na ʔ] ~
[lo ʔ sa na ʔ] ~ [lo h ta na ʔ]
loh-ta-na
[kejate] ~ [kejaʔte]
kejat-te
[kejaʔtiʔjoho]
kejat-ti-jo-ho
[lote] ~ [loʔte]
lot-te
[acute tʃjͻna ]
lot-ti-jaw-na
Arco Milho Estaacute apimentado Estaacute duro Lambari grande Eacute urubu Milho Talvez seja milho Paca A paca estava aiacute
134
n - Nasal coronal - anterior
Oclusiva alveolar nasal
Suas alofonias satildeo condicionadas pelo contexto adjacente agrave sua posiccedilatildeo de ocorrecircncia e agrave estrutura silaacutebica
Em onset realiza-se como [n] com as
vogais i i ĩ ĩ a a atilde atilde u u ũ ũ
Tambeacutem pode apresentar flutuaccedilatildeo em
onset realizando-se [ʔn]77 alveolar
nasal preacute-glotalizada com preferecircncia quando seguido por a
Em posiccedilatildeo de onset e em fronteira de morfema dependendo do seguimento seguinte sofreraacute alteraccedilatildeo
Quando precedido por h sofreraacute ensurdecimento
Quando precedido por outro n na coda silaacutebica precedente poderaacute ser
preacute-glotalizada [ʔn]
[ni du]
ni-tu
[ni ʔkinĩnatildena]
ni ʔ-kinĩn-tatilden-ta
[nagatilde de]
nakatilden-te
[katildena ratilden]
kana h-tatilden
[natildejd ]
natildejn-tu]
[ʔnatilde natilde ʌ]
natilde n-tatilden-ta
[nu h e]
nuʔ-te
[lsquon h ɾe]
nu h-te
[n n de]
n n-te
[n h n atildega tatildena]
Tipo de lenha Eacute fruto Lagarto Estaacute escuro Pacu Estaacute chorando Braccedilo Lagarto Espeacutecie de Bicho
77
Tal qual ocorre com m a glotalizaccedilatildeo de n deve-se em alguns casos aacute reduccedilatildeo da siacutelaba
inicial da palavra
135
Em posiccedilatildeo de coda de siacutelaba acentuada gera processo de assimilaccedilatildeo de dissimilaccedilatildeo e de elisatildeo resultando numa seacuterie de alofonias
Ainda em siacutelaba acentuada se a vogal tautossilaacutebica for oral e entre a coda nasal existir um glide labial-velar constituindo uma siacutelaba com ditongos awn own n se realiza como [m] preferencialmente
w e n em posiccedilatildeo de coda pode sofrer coalescecircncia realizando-se como [m] ou [n]
Se o glide ocupante da primeira posiccedilatildeo da coda for j ou se a siacutelaba tiver a coda preenchida pela nasal n a realizaccedilatildeo desta nasal seraacute [n]
Os glides que seguem a vogal na primeira posiccedilatildeo de coda podem
n -natilden-kah-tatilden-ta
[udʔna]
un-na
[iwm de]
iwn-te
[tʌlawm natildenʌ] ~ [tʌlaw natildenʌ]
talawn-tatilden-ta
[wawm datildenʌ] ~ [wͻwm datildenʌ]
wawn-tatilden-ta
[tolowm datildenʌ]
talown-tatilden-ta
[jatildew de] ~ [iɲatildew de] ~
[jatilde de]
jatildewn-te
[a wm datilden] ~ [atilde m datilden]
atilde wn-tatilden
[iʃɛʔ ɾʌ m datilden]
isaj-tatildewn-tatilden
[toʔkotilde datilden] ~ [t ʔkʌ datilden]
toʔkatildewn-tatilden
Eacute nosso Estaacute vivo Larva Estaacute grosso Estaacute vermelho Estaacute pronto Larva Estaacute assando no burralho
136
assimilar a nasalidade da consoante precedente 78
Se a vogal for nasal na maioria das ocorrecircncias a consoante nasal na coda seraacute apagada deixando seu tempo na vogal precedente e na consoante seguinte
Quando a coda nasal n segue ditongo formado por vogal nasal subjacente mais glide palatal j n em posiccedilatildeo de coda pode espalhar nasalidade regressiva para o glide precedente e pode ser apagada
Quando em coda nasal iraacute participar de outros processos fonoloacutegicos aleacutem da vogal precedente
Na posiccedilatildeo de siacutelaba acentuada em meio de palavra seguida por k n promove a sonorizaccedilatildeo de k e passa
a se realizar como [ʔ] oclusiva glotal
[kotilde baj te] ~ [kotildebay te]
kownpajt-te
[a ʔ n de] ~ [a n de]
a n-te
[je n datilden]
je n-tatilden
[i n datilde na ]
in-tatilden-na
[ hej ndatilden] ~ [ hej n datilden]
hejn-tatilden]
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
[ atildendatilden]
atilden-tatilden
[ atilde n datilden]
atilden tatilden]
[ mɔ de] ~ [ de]
n-te
[n n de]
n n-te
Eles estatildeo correndo Ele misturou Tatu Tatu galinha Estaacute sujo Ele estaacute mamando Ele lavou Pacu Ele atirou
78
Para uma descriccedilatildeo mais detalhada sobre o comportamento de n e os glides ver a tese de
Telles 2002 55-57
137
Ainda quanto ao contexto semelhantemente descrito acima n for seguida por uma oclusiva surda homorgacircnica t poderaacute ocorrer processos que possibilitem uma alofonia em variaccedilatildeo livre
n sonoriza t
n sofre desnasalizaccedilatildeo
Quando n sonoriza a consoante seguinte ocorre a elisatildeo podendo ocorrer ou natildeo o alongamento compensatoacuterio da vogal precedente ou a preacute-nasalizaccedilatildeo da consoante seguinte
Quando n sofre elisatildeo alonga a vogal precedente e a consoante seguinte se assimila progressivamente com o traccedilo nasal passando a se realizar como [n]
n se vocaliza e recebe os traccedilos da vogal central e realiza-se nasal
Se n for seguida em coda por uma consoante nasal idecircntica ocupando a posiccedilatildeo do onset da siacutelaba seguinte poderaacute haver duas possibilidades de comportamento da coda nasal dependendo de ser a sua vogal tautossilaacutebica assimilar ou natildeo
Se a vogal precedente for nasal a coda sofreraacute elisatildeo e a vogal se alongaraacute
Se a vogal central for oral a consoante nasal da coda que precede a nasal idecircntica no onset da siacutelaba seguinte sofreraacute dissimilaccedilatildeo do traccedilo nasal79
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
[ku ʔginĩ de]
ku n-kinĩn-te
[ dega tatilden]
te n-kaloh-tatilden
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[ ku ndatildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[ ku ddatildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[ ku n datildenʌ] ~ [ ku datildenʌ]
ku n-tatilde-ta
[ ku natildenʌ]
ku n-tatilden-ta
Estaacute branco Bom-dia espeacutecie de aacutervore Bicho Pacu Rolo de fio de algodatildeo Roupa velha Roupa Estaacute fumando
79
A liacutengua Latundecirc eacute caracterizada pelo OCP (Princiacutepio do Contorno Obrigatoacuterio)
138
[ku datildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[katilde na ]
katilden-na
[lidnu ɾe]
lin-nu-te
[lid na j ɾe]
lin-na jh-te
Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute duro Beiju de mandioca Raiz de mandioca
s - Fricativa alveolar surda
Fricativacoronal+ anterior forma siacutelaba
com as vogais i ĩ e a a atilde o uu ũ
Realiza-se como [s] [ʃ] [tʃ] [ʔs]
Em menor frequecircncia pode ser realizada como [t] e [t h]
Em siacutelaba acentuada em iniacutecio de palavras a fricativa pode se realizar
[tʃi ɾatilden] ~ [ʔsi ɾatilden]
sih-tatilden
[ ʔsitatilden] ~ [ sitatilden]
set-tan
Estaacute liso Trovejou
139
como palatal africada preacute-glotal ou como alveolar 80
Quando s se fortifica e passa a se realizar como [t] e ou como [t h] apresentam restriccedilatildeo ao contexto de vogal baixa seguinte podendo ocorrer em iniacutecio ou em meio de palavra Nestes contextos tambeacutem permanecem possiacuteveis as demais alofonias
A fortificaccedilatildeo de s eacute frequente em siacutelaba natildeo acentuada em iniacutecio de palavra Embora as siacutelabas acentuadas contenham maiores iacutendices Em posiccedilatildeo natildeo acentuada a alveolar ocorre em maior nuacutemero
A palatalizaccedilatildeo da fricativa eacute obrigatoacuteria quando precedida por i Sua realizaccedilatildeo eacute alveolar em posiccedilatildeo intervocaacutelica
[ʔsĩ du ɾatilden]
sĩn-tu-tatilden
[ʃa h ɾe] ~ [sa h ɾe]
sa h-te
[ tʃoɾatildenʌ] ~ [ ʃoɾatildenʌ]
soh-tatilden-ta
[ʃ de] ~ [s n de]
s n-te
[thathaʔi natildenʌ] ~ [ʃaʃaʔi natildenʌ]
sasan-tatilden-ta
[kejͻ ʔhe neʔt h o ɾeʔ] ~
[kejͻʔhe neʔto ɾeʔ]
keja w-haniʔ-s aw-te
[t datilde na ] ~ [t h datilde na ]
so-tatilden-na
[tʃamaj de] ~ [tamaj de] ~ [sama
de]
saman-te
[ʔʃamaʔdʌ ɾatildena]
saman-tah-tatilden-ta
[iʃatilde datilde na ]
isatilde n-tatilden-na
Estaacute arrastando Timboacute do mato Estaacute sujo Sol Estaacute mole Oacuteleo Eacute guarantatilde (espeacutecie de aacutervore) Tanajura Eacute tanajura
80
A africada eacute a mais utilizada pelos velhos enquanto a fricativa e a alveolar satildeo mais utilizadas
pelos jovens
140
[iʃu datildenʌ]
isu -tatilden-ta
[wasa h ɾe] - [wͻsa h ɾe]
wasah-te
Eacute folha Ele estaacute com frio Besouro
l- Lateral alveolar sonora
Lateral coronal + anterior
Forma siacutelaba em iniacutecio e meio de
palavras com as vogais i e a a o o
u
Fortifica-se em iniacutecio de palavras quando encontra-se na posiccedilatildeo de acento pode ser precedido por vogal aacutetona sem onset que tende a ser apagada
Diante do contexto acima realiza-se
[li tatilden]
lit-tatilden
[dale de]
tale-te
[giwla de]
kiwlah-te
[la ɾ e]
la h-te
[lo ɾatildena]
loh-tatilden-ta
[ko lo ko lo n de]
ko loʔ ko lo n-te
[toluʔ tatildena]
taluʔ-tatilden-ta
[ʔta e] ~ [da e]
la h-te
Ele saiu Embira Cobre cascavel Jacucaacuteca Estaacute comprido Pintado Ele tossiu
141
como alofones [ʔl] e [d]
Acompanhado por consoante nasal em onset silaacutebico pode assimilar progressivamente a nasalidade sendo realizado como [n]
Pode apresentar sobreposiccedilatildeo na maneira como se realizam
[t ~s ]
[t ~ n]
[n ~ l]
[t ~ l ]
[ʔlo tatilden] ~ [a tatilden]
atilde-loʔ-tatilden
[diʔ pa natildena] ~ [i iʔ pa natildena]
jaliʔ pan-tatilde-ta
[ naginila h ni ɾ atilden] ~
[ naginina h ni ɾatilden]
sapatilden-kinĩn-te
[kaas tatildena] ~ [kata tatildena]
kasaʔ-tatilden-ta
[tidit na j de] ~ [tidit ta de]
tatiʔ-najn-te
[nagatilde de] ~ [ agatilde n de]
nakatilden-te
[wota h ɾe] ~ [wola h ɾe]
wotah-te
Jacucaacuteca Ele estaacute afundado atolado Satildeo dois colares Eu natildeo sei se ele estaacute doente Taioba Estaacute grosso Mandioca mansa Lagarto do campo Pomba
142
j - Glide coronal - anterior
Eacute um glide palatal que ocupa a posiccedilatildeo de onset e de coda na siacutelaba
Em iniacutecio de siacutelaba j antecede as
vogais e e o a a atilde u u ũ
Quando em posiccedilatildeo inicial na siacutelaba e
acompanhado por e e em siacutelaba
acentuada ou seguido por a em siacutelaba aacutetona j pode se fortificar e se realizar
como [ʒ] sendo possiacutevel neste caso
ser seguido por um preacute glide [j] de fraca e raacutepida duraccedilatildeo
Quando seguido por a em siacutelaba aacutetona eacute opcional a fusatildeo entre o glide e a vogal derivando a vogal longa [i]
[je n datilden]
je n-tatilden
[ja te]
jaʔ-te
[ja te]
ja ʔ te
[jatildeʔ datilden] ~ [iɲatildeʔ datilden]
jatilden- n-tatilden
[jo ɾatilden]
joh-tatilden
[ju te]
ju-te
[ju te]
ju -rsquote
[j ginĩ de]
j n-kinĩn-te
[je natilden te] ~ [ʒe natilden te]
ja natilde-nu-te
[ j ʒe n datilden] ~ [ʒe n datilden] ~
[je n datilden]
je n-tatilden
[ʒɛge datilden] ~ [ʒɛga j datilden]
Estaacute sujo Maribondo espeacutecie Porco Vocecirc tem coragem Estaacute baixo Boca Peacute Pedra de gelo granizo Porco espinho Estaacute sujo
143
Se em posiccedilatildeo de onset e seguido de vogal nasal pode ocorrer uma consoante palatal seguindo o glide palatal e precedendo a vogal nuclear
Se for atilde a consoante intrusiva se realizaraacute com mais forccedila e separaraacute a sequecircncia jatilden em duas siacutelabas
Quando o glide vier antes da vogal ũ a consoante intrusiva poderaacute resultar no apagamento do glide podendo se realizar como consoante palatal ou preacute-glide
Em posiccedilatildeo final de siacutelabas
acompanha as vogais e e a a
jaka jn-tatilden
[inatilde de]
janatilde n-te
[jeda n de] ~ [ʒida n de] ~ [ida
n de]
jatan-te
[jatilde datilden] ~ [ iɲatildeʔ datilden]
jatilden- n-tatilden
[jatildew de] ~ [iɲatildew de] ~
[jatilde de]
jatildewn-te
[j ginĩ de] ~ [ j ɲ gibi de]
j n-kinĩn-te
[ ejdnirsquoɾatilde]
hejn-ten-ni-tatilde
[ e jtatilden]
e ʔ-tatilden
[wajkinĩ du]
wajʔ-kinĩn-tu
[na j de]
na j -te
[ natildejde]
natildejn-te
Eacute pica-pau pequeno espeacutecie Abelha do chatildeo espeacutecie veado espeacutecie Vocecirc tem coragem Larva espeacutecie Pedra de gelo granizo Eu vou lavar Ele fez fogo Amendoim
144
Maribondo espeacutecie Pacu espeacutecie de peixe
k- Plosiva dorsal - anterior
Eacute oclusiva velar surda Tem larga distribuiccedilatildeo e se realiza diante de todas as vogais do Latundecirc
Satildeo seus alofones [ʔk] [ɠ] [g] e [k]
Em iniacutecio de palavra se realiza preferencialmente como [k]
[kiliʔkinĩ de]
kiliʔ-kinĩn-te
[ki de]
ki -te
[ke ɾatildena]
keh-tatilden-ta
[ke ja ʔ n de]
ke ja jn-te
[ka ɾatildena]
kah-tatilde -ta
[ka
ka jn-te
[katilde natildena]
katilden-tatilden-ta
[ko h ɾe]
koh-te
[ko lo ʔko lo n datildeda]
ko lo ʔko lo n-tatilden-ta
Coco da palmeira inajaacute Macaco noturno Ele estaacute caccedilando Caititu Estaacute azedo Formiga Estaacute duro Tesoura
145
Em contexto de fala raacutepida em iniacutecio
de vocaacutebulos a velar preacute-glotal [ʔk]
pode ocorrer pode flutuar tambeacutem como velar plena [k]
Em mesmo contexto pode-se flutuar a velar sonora [g] ou a velar implosiva
[ɠ] ou a velar surda [k] ou a velar
surda preacute-glotalizada [ʔk]
Quando em meio de vocaacutebulo em contexto que envolve a consoante nasal lexical precedente a realizaccedilatildeo de [g] eacute categoacuterica
Entre vogais eacute possiacutevel que se encontre a variaccedilatildeo entre [k] e [g] sendo a surda a preferencial e em maior nuacutemero de realizaccedilotildees
[k n de]
k n-te
[ku n de]
ku n-te
[ʔkolo ɾe] ~ [kolo ɾe]
koloh-te
[ʔka laʔkala ɾe] ~ [ka laʔkala ɾe]
kalaʔkalaʔ-te
[golota taʔnatildena] ~
[kolota taʔ natildena]
kolon-sasan-tatilden-ta
[ gi natildena] ~ [ ɠi natildena]
ki n-tatilden-ta
[giʃaj n datildena] ~ [ɠiʃaj ndatildena] ~
[kiʃaj n datildena]
kisajn-tatilden-ta
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[j ginĩ de]
j n-kinĩn-te
[waka de]
waka-te
Eacute pintado Timboacute do campo Algodatildeo Barata Galinha Estaacute maduro Estaacute coccedilando Estaacute pontudo Roupa
146
Em onset da siacutelaba acentuada em final de vocaacutebulo k pode se realizar [k h]
[lukaj de]
lukajn-te
[nakatilde n de] ~ [naga n de]
nakatilden-te
[ iwgula ɾatilden]
iwkulah-tatilden
[ i ʔga laʔga na ]
iʔka la n-ka-na
[ ɛtduʔ da jowi k h e ]
ajhtu ta-jaw-wi-ka
Pedra de gelo granizo Garccedila Flecha Lagarto Ele subiu Eles estatildeo brincando Pega (o banco) vamos sentar
- Plosiva glotal - anterior
Eacute uma oclusiva glotal surda com
realizaccedilatildeo [ʔ] que se restringe agrave
posiccedilatildeo de coda silaacutebica81
Tem seu comportamento condicionado pela presenccedila das consoantes adjacentes p t k
Pode se realizar como [ʔ] em fala
raacutepida preceder a oclusiva velar surda k
Como [j] quando a vogal nuclear for a meacutedia frontal e ou a baixa a
Como [w] quando a vogal nuclear for a meacutedia posterior o
[huʔ kaʔ datilden] ~ [ kaʔ datilden]
huʔ-kah-tatilden
[kidiʔka tatilden]
kitiʔ-kah-tatilden
[ atilde ʔ tatilden] ~ [ atilde tatilden] ~
[malo h tatildeni]
atilden-loʔ-tatilden
Eacute arco Eacute furador Ele queimou
81
A entre l e s natildeo foi observada na liacutengua Latundecirc
147
E favorecer a deleccedilatildeo de motivando um alongamento que compensa a vogal nuclear ou alongar ainda alongar esta vogal seguindo de leve aspiraccedilatildeo
A realizaccedilatildeo de [ʔ] nas alofonias
acima soacute eacute notada quando na siacutelaba na qual estaacute presente quando apenas a oclusiva estiver no travamento
silaacutebico (CVʔ)
Quando em posiccedilatildeo de coda pode assimilar o ponto da consoante seguinte e se realizar como [t] ou [d] diante de tnl e [p] ou [b] diante de m Neste caso as realizaccedilotildees homorgacircnicas surdas satildeo sempre preferenciais
[wolo te] ~ [woloʔ te]
woloʔ-te
[ej tatilden] ~ [e tatilden]
eʔ-tatilden
[wajkinĩ de]
wajʔ-kinĩn-te
[loʔ tatilden] ~ [ tatilden] ~ [ wtatilden]
loʔ-tatilden
[tidit na jdatilde na ]
tatiʔ-na jn-tatilden-na
[wa jtna de]
wa jh-na n-te
[at natilde da na]
a ʔnatilde n-tatilden-ta
[a p otildedatildena] ~ [a b otildedatildena]
a ʔ n-tatilden-ta
Espeacutecie de paacutessaro Ele ralou Amendoin Ele afogou Eacute raiz de mandioca Palha da palmeira accedilaiacute Ele estaacute chorando muito Ele estaacute muito bonito
h- Fricativa glotal - anterior
Eacute fricativa glotal surda que em iniacutecio de
siacutelaba ocorre com as vogais i e a a
o u
Quando em iniacutecio de palavra e em siacutelaba acentuada seguida de i realiza-
se como [ʒ]
Quando entre vogais realiza-se como
[hu te] ~ [hu h de]
huʔ-te
[hej de]
hejn-te
Arco Buriti
148
fricativa glotal sonora [ɦ]
Se vier em iniacutecio de palavra em fala raacutepida e em raiacutezes dissilaacutebicas na posiccedilatildeo de onset de siacutelaba natildeo acentuada poderaacute ser apagado
Quando em onset de siacutelaba acentuada acompanhada de consoante nasal assimila a nasalidade da consoante
adjacente sendo realizada como [n ]
Em final de siacutelaba eacute produzido com pouca fricccedilatildeo Em coda acentuada motiva o alongamento da vogal com frequecircncia como resultado teremos uma vogal com leve aspiraccedilatildeo
Demais realizaccedilotildees de h em coda tendem a seguir o comportamento da
oclusiva glotal ʔ
[hata tatilden]
hat-ta-tatilden]
[ha de]
ha n-te
[hoɦo h de]
hohoʔ-te
[hi ɾ e] ~ [ʒi ɾe]
hih-te
[hiwa n de] ~ [iwa n de]
hiwan-te
[ e ĩ n de] ~ [e ĩ n de]
e ĩ n-te
[ɛ hejdn a ]
ajhhejn-ha
[o h datildeda]
o hna-tatilden-ta
[ lo h tatilde na ]
loh-tatilden-na
[ʃi h ɾe]
sih- te
[ke h atilden] ~ [ke atilden]
Eu natildeo tenho Caraacute Espeacutecie de coruja Pau lenha Gambaacute Couro Vamos lavar (algo) Estaacute alto Eacute onccedila
149
keh-tatilden
[nakadʔnatilde na ]
naka natilde n-na
[ka ɾatilden]
kah-tatilden
[naw ɾe] ~ [nͻ e]
na wh-te
[wede e] ~ [wede ʔ ɾe]
wate h-te
[sej ɾatilde]
sih-tatilden
Casa Ele caccedilou Ela ainda estaacute chorando Estaacute azedo Lontra Espeacutecie de tamanduaacute Eacute largo
Quadro 13 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos orais (Com base em Telles 2002)
i - vogal alta frontal e i - vogal alta
frontal laringal
Realiza-se como [i] e [i ] podem ser
nuacutecleo de siacutelaba e podem tambeacutem iniciam palavras
i segue qualquer consoante enquanto
i ocorre apenas apoacutes as consoantes
m k h
Quando a coda eacute apagada realiza-se como [i] compensando tal apagamento
[ iɾatilden]
i-tatilden
[i n datildenʌ]
i n-tatilden-ta
[giw lada ɾe] ~ [gi la de]
kiwlah-tah-te
Ele mordeu Estaacute quente Cobra cascavel espeacutecie de cobra
150
e - vogal meacutedia frontal e e - vogal
meacutedia frontal laringal
Realizam-se como [e] e [e ] e correm em
iniacutecio de palavras
Quando seguem consoantes natildeo se realizam apoacutes pmn
Tambeacutem natildeo foram detectadas diante de s l h
Ao serem seguidos pelo glide palatal j favorecem a fusatildeo entre as vogais e o
glide realizando-se como [i] e [i ]
O alongamento tambeacutem se daacute em casos de queda de coda
Em siacutelaba aacutetona de morfemas dissiacutelabos poderaacute ocorrer harmonizaccedilatildeo entre a vogal meacutedia frontal e a vogal tocircnica mais alta da siacutelaba seguinte
Pode ocorrer harmonizaccedilatildeo entre a vogal da raiz lexical e a vogal do sufixo classificatoacuterio
[e ɾatilden]
e-tatilden
[ etatilden]
e ʔ-tatilden
[ sejtatilden] ~ [sitatilden]
set-tatilden
[ weʔkinĩde] ~ [ wiʔkinĩde]
wet-kinĩn-te
[kenĩ de] ~ [kinĩ de]
kanĩn-te
Ele viu Ele fez fogo Ele falou Crianccedila Esquilo
a - vogal baixa central e a - vogal
baixa central laringal
A vogal baixa central a apresenta larga distribuiccedilatildeo e segue qualquer consoante e os dois glides
A vogal baixa central laringal segue quase todas as consoante e dos dois glides
Ambas iniciam palavras e apresentam
vaacuterias alofonias [a] [ʌ] [ͻ] [o] [u] [e]
[ɛ] [aelig] e [i] que podem ser ou natildeo
laringais dependendo da vogal subjacente e da condiccedilatildeo do tom e da harmonia vocaacutelica
Quando em siacutelaba tocircnica a se realiza como [a] [ͻ] e [ͻ]
[ͻ] pode ocorrer quando o nuacutecleo vocaacutelico a assimila o traccedilo labial da coda tautossilaacutebica de w
A segunda variaccedilatildeo [ͻ] resulta da fusatildeo
[a h ɾe]
ah-te
[awde] ~ [ͻ de] ~ [ͻʔ de]
awh-te
[ a wde] ~ [ ͻde] ~ [ ͻʔde]
a w-te
[a wm de] ~ [ ͻ m de] ~ [ͻ m de]
a wn-te
Espeacutecie de abelha Gaviatildeo Flecha Louro
151
entre o nuacutecleo a e a coda w
O alongamento da vogal nuclear ou da coda eacute necessaacuterio agrave preservaccedilatildeo do peso silaacutebico para a aposiccedilatildeo do acento
Em siacutelaba tocircnica se a a eacute seguida por j na coda (nuacutecleo do ditongo) pode se
realizar como [a] [ɛ] [ɛ] e [aelig]
Em siacutelaba aacutetona a realiza-se como [ʌ] preferencialmente
Quanto em posiccedilatildeo aacutetona a se harmoniza com a vogal tocircnica da siacutelaba seguinte quando esta for meacutedia ou alta
As realizaccedilotildees provenientes dessa harmonia vocaacutelica satildeo as vogais [ieou]
O processo de assimilaccedilatildeo pode ocorrer em iniacutecio de siacutelaba aacutetona fazendo com que a se realize como [ͻ] a partir de segmento adjacente seja tautossilaacutebico ou natildeo
[ ajɾatildena] ~ [ ɛatildena]
ajh-tatilden-ta
[a j ɾatilden] ~ [aelig ɾatilden] ~ [ɛ ɾatilden]
a jh-tatilden
[ a j atilde m datilden] ~ [ aelig ʔatildem datilden]
a jn atilde wn-tatilden
[ͻ ɾaʔͻɾaʔi datildenʌ] ~
[ͻ ɾɛʔͻɾɛʔi datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[wͻdaʔ nde] ~ [wadaʔ nde]
watan-te
[i n dacircnʌ]
i n-tatilden-ta
[tʌlawm natildenʌ]
talawn-tatilden-ta
[kimi ɾatildena] ~ [kͻmi ɾatildena]
kamih-tatilden-ta
[walin de] ~ [weli de]
walin-te
[tʌlow natildena] ~ [tolow natildenʌ]
talown-tatilden-ta
[tunu ratildeni]
tanũh-tatilden
Eacute roccedila Ele foi Ele assou peixe Eacute fino Panela Estaacute quente Estaacute grosso Estaccedilatildeo seca Tamanduaacute
152
Devido agrave labializaccedilatildeo de a a realizaccedilatildeo resultante sofre assimilaccedilatildeo de palatalizaccedilatildeo altura de glide precedente ou se funde quando o glide eacute tautossilaacutebico e ocupa onset de siacutelaba em que a eacute a vogal nuclear
[kʌmaʔ matilde n de] ~
[kͻmaʔ matilde n de]
kama-matilden-te
[ͻ ɾaʔͻɾaʔĩ datildenʌ] ~
[ͻ ɾɛʔͻɾɛʔĩ datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[wada n de] ~ [wͻda n de]
watan-te
[jeda n de] ~ [ʒida n de] ~
[ida n de]
Estaacute terminado Ele deu Borboleta Eacute fino Panela cabaccedila Espeacutecie de veado
o - vogal meacutedia fechada posterior e
o - vogal meacutedia fechada laringal
Realizam-se [o] e [o ] respectivamente
Natildeo se realizam apoacutes as consoantes nasais mn
o soacute foi realizada apoacutes as consoantes
t l k
Ambas podem ser realizadas em iniacutecio de vocaacutebulo
As realizaccedilotildees [o] e [o ] satildeo resultados
do alongamento compensatoacuterio que provem da delaccedilatildeo de coda
[o ɾatilden]
oh-tatilden
[o te]
o h-te
[ko n de] ~ [kow n de]
kon-te
Ele misturou massa Macuco Espeacutecie Jabuti
u - vogal alta posterior e u - vogal
alta posterior laringal
Apresentam larga frequecircncia nas realizaccedilotildees
u segue qualquer consoante
[ke ju ɾe]
kejuh-te
Macaco da noite
153
u ocorre apoacutes m n s k j
Ambas iniciam palavras
As realizaccedilotildees alongadas [u] e [u ] satildeo
provenientes de alongamento compensatoacuterio quando a coda eacute elidida
[ku n datildenʌ] ~ [ku datildenʌ]
ku n-tatilden-ta
Ele estaacute fumando
Quadro 14 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos nasais (Com base em Telles 2002)
ĩ - vogal nasal alta anterior
Sua ocorrecircncia soacute fora verificada a partir do comportamento do morfema ĩ- que eacute uma raiz lexical semanticamente vazia prefixada a morfemas classificadores nominais para funcionar como nuacutecleo nominal
A subjacecircncia de ĩ- sem coda nasal pode ser evidenciada na sonorizaccedilatildeo opcional da oclusiva velar k e no natildeo alongamento da vogal ĩ
[ ĩkalo ɾe] ~ [ ĩgaloɾe]
ĩ-kaloh-te
Taacutebua
atilde - vogal nasal baixa
Eacute encontrada a partir do condicionamento morfoloacutegico no prefixo verbal atildel-
Este prefixo tem valor causativo resultativo
Quanto agrave subjacecircncia de atilde pode-se interpretar que a realizaccedilatildeo do morfema agentivo [atildel- atilde-] estaacute condicionada ao segmento inicial da raiz lexical a qual o prefixo se apotildee
[atildelͻwtatildenʌ] ~ [ a lͻtatildenʌ]
atildel-awt-tatilden-ta
[atilde laj n datildenʌ] ~ [a laj n datildenʌ]
atildel-ajn-tatilden-ta
[atildelo tatildenʌ] ~ [alo tatildenʌ]
atildel-loʔ-tatilden-ta
[atildemũmaj na ]
atildel-mumaʔ-na
[ũba tatildenʌ] ~ [atildeba tatildenʌ]
atildel-pat-tatilden-ta
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
Estaacute foi quebrado (algo) Estaacute foi cortado (algo) Estaacute foi afundado (algo) Estaacute foi amansado (algo) Estaacute foi colocado (algo)
154
Quando a raiz verbal eacute iniciada por vogal a forma sobrejacente eacute [atilde-] quando a raiz verbal eacute iniciada por vogal a forma sobrejacente eacute [atildel-]
Outra forma de ocorrecircncia da vogal atilde eacute confirmada na base do contraste entre os ditongos orais aj aw e nasais atildej atildewmesmo quando seguidos por coda nasal formando as sequecircncias ajn awn atildejn atildewn
[ aj n datildeni] ~ [ aj n datildeni]
ajn-tatilden
[jatildewm de] ~ [jatildemde]
jatildewn-te
[wawm datildena] ~ [wͻwm datildena]
wawn-tatilden-ta
Pacu espeacutecie de peixe Ele cortou (algo) Espeacutecie de larva Estaacute vermelho amarelo
ũ - vogal nasal alta posterior
Observada a partir da construccedilatildeo interna e comportamento do morfema prefixal nũh - possessivo de 1pp e de seu homoacutefono nũh - verbo adjetival estar soacute
Quanto agrave subjacecircncia de u eacute observada quando a coda fricativa glotal eacute ressilibificada ao se afixar agrave raiz iniciada por vogal ou glide
[ nũhju te]
nũh-ju -te
[ nũhaj ɾatilden]
[nũhajh-oslash-tatilden
Nossos peacutes Ele vai sozinho
54 FONOLOGIA DO PORTUGUEcircS
Diferentemente do Latundecirc o sistema fonoloacutegico do portuguecircs eacute formado
conforme Cacircmara Jr (1970 p33 ndash 34) por sete vogais que se mantecircm na
mesma quantidade em posiccedilatildeo tocircnica que satildeo reduzidas a cinco quando em
posiccedilatildeo tocircnica diante de nasal em posiccedilatildeo pretocircnica em posiccedilatildeo postocircnica natildeo-
final e em postocircnica final
Quadro 15 Vogais no Portuguecircs (Cacircmara Jr 1970)
Natildeo-arredondadas Arredondadas
Altas i u
Meacutedias Altas e o 2ordm Grau
155
Meacutedias Baixas ɛ ɔ 1ordm Grau
Baixa a
Anterior Central Posterior
Quanto aos segmentos consonantais o portuguecircs dispotildee de acordo com Lopez
1979 p5482 de vinte e dois fonemas que ocupam as posiccedilotildees de onset e coda
Os segmentos consonantais satildeo classificados quanto ao modo e ao ponto de
articulaccedilatildeo
Os segmentos consonantais do portuguecircs ainda podem ser influenciados por
articulaccedilotildees secundaacuterias labializaccedilatildeo palatalizaccedilatildeo velarizaccedilatildeo e dentalizaccedilatildeo
Quadro 16 Consoantes no Portuguecircs (Silva 2002)
Articulaccedilatildeo
Bilabial Labiodental Dental ou alveolar
Alveopalatal Palatal Velar Glotal
Oclusiva p b t d k g Africada tʃ dʒ
Fricativa f v s z ʃ ʒ X Ɣ h ɦ
Nasal m n ɲ y
Tepe ɾ
Vibrante ř
Retroflexa ɹ
Lateral l ɫ ʎ l j
82
Apud Bisol 1996 p198
156
55 COMPARACcedilAtildeO ENTRE OS SISTEMAS FONEacuteTICOS DO PORTUGUEcircS E
DO LATUNDEcirc
Passemos entatildeo agrave comparaccedilatildeo ds sistemas fonoloacutegicos do Portuguecircs e do
Latundecirc para melhor compreensatildeo dos processos foneacuteticos oriundos desse
contato
Quadro 17 Sistemas consonantais x Sistemas vocaacutelicos
Consoantes Vogais
Portuguecircs p b m w t d s z l j n f v ɾ k g h ɹ ɲ ʎ X a ɛ e i ɔ o u
Latundecirc p m w t s l j n k h a atilde a a e e i i i i o o u u u u
Como podemos perceber as liacutenguas apresentam padrotildees distintos no que tange
agrave quantidade de segmentos consonantais e de segmentos vocaacutelicos O portuguecircs
eacute uma liacutengua com mais consoantes enquanto o Latundecirc eacute uma liacutengua
extremamente vocaacutelica
No que tange aos fonemas consonantais o Latundecirc natildeo apresenta muitos dos
fonemas vozeados que compotildeem os pares miacutenimos aleacutem das labiodentais [f v]
Tambeacutem natildeo apresenta as fricativas alvopalatais [ʃ ʒ] nem as palatais nasal e
lateral [ɲ ʎ]
O portuguecircs natildeo dispotildee de vogais laringais enquanto o Latundecirc tem o seu
inventaacuterio basicamente composto por elas
157
A disposiccedilatildeo e presenccedila desses elementos tecircm uma ligaccedilatildeo direta com os
processos fonoloacutegicos ocorrentes o portuguecircs resultante do contato do Portuguecircs
com o Latundecirc como veremos no capiacutetulo VI
158
6 PROCESSOS FONOLOacuteGICOS NO PORTUGUEcircS FALADO PELOS LATUNDEcirc
ldquoComo a liacutengua estaacute a todo momento se equilibrando entre
tendecircncias potencialmente conflitantes e ateacute mesmo opostas estaacute sujeita a sofrer mudanccedilas pois esse equiliacutebrio pode vir a ser alterado por qualquer tipo de fator interno ou
externordquo Chagas (2004 p 151)
61 INTRODUCcedilAtildeO
Eacute senso comum entre os estudiosos que as liacutenguas mudam em diversos
aspectos Certamente a variaccedilatildeo e a mudanccedila lhes satildeo inerentes conforme
Cezario amp Votre (2008 p 141)
Em face da mudanccedila a assertiva acima abarca um conjunto de motivaccedilotildees
internas a uma dada liacutengua bem como outras decorrentes de forccedilas externas em
que se inserem aquelas oriundas do contato linguiacutestico Isso nos chama a
atenccedilatildeo para o fato de que aleacutem do fator tempo outros aspectos podem estar
diretamente ligados agraves transformaccedilotildees pelas quais uma liacutengua passa
A forma como as mudanccedilas sonoras operam na liacutengua eacute tema de discussatildeo haacute
seacuteculos Sobre essa temaacutetica Labov (1981 p269) nos diz que
Sound change appears to be systematic in that a particular change affects all eligible words in a lexicon (McMahon 1994) It is not known however how this process takes place A group of 19th century German linguists called the Neogrammarians originally proposed that sound change occurs abruptly across the lexicon This view is still accepted by many linguists (eg Hock 1991 Labov 1994) In contrast others have argued that sound change spreads gradually across the lexicon (eg Chen amp Wang 1975 Krishnamurti 1978) The same language data is sometimes used to support each hypothesis For instance the
159
English Great Vowel Shift which brought about a series of vowel changes in Early Modern English is used as an example of gradual change (Ogura 1987 Aitchison 1991) as well as abrupt change (Hock 1991 Labov 1994) So the argument over whether sound change occurs abruptly or gradually presents a paradox ldquoboth (views) are right but both cannot be right 269)rdquo
A discussatildeo acerca da natureza da mudanccedila sonora no sentido das duas visotildees
pontuadas acima ainda alcanccedila uma dimensatildeo mais larga quando o contato
intersocietaacuterio eacute considerado As implicaccedilotildees que a variaccedilatildeo assume quando a
emergecircncia das escolhas linguiacutesticas envolve o impacto das interaccedilotildees entre
liacutenguas satildeo multifatoriais Devido agrave complexidade das transformaccedilotildees linguiacutesticas
natildeo podemos estabelecer um uacutenico molde para explicar estas modificaccedilotildees haja
vista que cada caso eacute particular quando tratamos de mudanccedila linguiacutestica
Como fora tratado no capiacutetulo sobre Contato linguiacutestico o encontro de duas ou
mais liacutenguas pode resultar ou natildeo em outras liacutenguas O niacutevel de interferecircncia
oriundo do contato pode fazer com que uma das liacutenguas desapareccedila o que
ocasionaria a sua morte e geralmente neste caso sobreviveria a liacutengua do
dominador ou a permanecircncia dos dois coacutedigos linguiacutesticos tal qual ocorre entre
os Latundecirc
A complexidade da fusatildeo de duas liacutenguas desencadeia por si soacute uma seacuterie de
processos que perpassa os diferentes niacuteveis da gramaacutetica No entanto eacute no niacutevel
foneacutetico fonoloacutegico que estes processos satildeo provavelmente mais evidentes e
mais frutiacuteferos Sendo assim podemos afirmar que os niacuteveis foneacuteticos e
fonoloacutegicos apresentam o maior iacutendice de mudanccedila e variaccedilatildeo de uma liacutengua Por
outro lado de acordo com Cavaliere (2005 p 56)
160
Os estudos desses processos nos auxiliam enquanto estudiosos da liacutengua a entender como se comporta a mudanccedila da liacutengua mediante verificaccedilatildeo dos fatos ocorridos no passado que se mantecircm no presente bem como os que natildeo mais se manifestam as mudanccedilas dos sons nos usos hodiernos
A anaacutelise realizada dos processos fonoloacutegicos do Portuguecircs falado pelos Latundecirc
teraacute como base a estrutura silaacutebica do Portuguecircs e do Latundecirc Para a anaacutelise
consideramos uacutetil adotar a classificaccedilatildeo tradicional dos processos focircnicos
encontrados na linguiacutestica histoacuterica (HOCK1991) por nomear em detalhe os
variados tipos de processos observados Aleacutem disso nos pautamos nos trabalhos
de Spencer (1996) e Lass (2000) que associam reflexotildees mais abstratas para
explicar as ocorrecircncias encontradas Esclarecemos que natildeo eacute nosso propoacutesito
realizar uma anaacutelise fonoloacutegica per si Neste trabalho partimos da descriccedilatildeo dos
processos fonoloacutegicos operantes a fim de refletir sobre o resultado do contato
linguiacutestico de uma liacutengua minoritaacuteria (o Latundecirc) com uma liacutengua
sociohistoricamente dominante o portuguecircs e avaliar o papel da marcaccedilatildeo
linguiacutestica no contexto da interferecircncia Os dados como jaacute afirmamos fazem
parte do acervo do NEI (Nuacutecleo de Estudos Indigenistas) da UFPE
Para uma melhor compreensatildeo a anaacutelise dos fenocircmenos observados segue
distribuiacuteda em quatro subgrupos que evolvem os processos foneacutetico-fonoloacutegicos
observados i) perda de elementos ii) ganho iii) alteraccedilatildeo (transposiccedilatildeo ou
permuta) que estatildeo diretamente ligados aos processos fonoloacutegicos de
assimilaccedilatildeo (progressiva e regressiva) fortalecimento leniccedilatildeo apagamento
inserccedilatildeo e coalescecircncia A classificaccedilatildeo desses processos nos remete agrave
termonoligia claacutessica da linguiacutestica de base
161
611 Perda de elementos
Seguindo a tendecircncia das liacutenguas do mundo os processos que envolvem perda
de elementos tambeacutem satildeo os mais recorrentes no portuguecircs falado pelos
Latundecirc Dessa feita estes processos satildeo os que tecircm uma relaccedilatildeo direta com a
estrutura silaacutebica do Portuguecircs que se vecirc obrigada a rearranjar os componentes
da siacutelaba para o padratildeo (CV)
Quanto agrave marcaccedilatildeo o portuguecircs assimilado pelos Latundecirc nem sempre tende a
preservar os padrotildees mais marcados de sua liacutengua conforme descriccedilatildeo nos
processos que se seguem
6111 Monotongaccedilatildeo
Assim como no Portuguecircs a monotongaccedilatildeo eacute um processo natural e bastante
atuante no Latundecirc que eacute uma liacutengua propensa a tal fenocircmeno Eacute uma tendecircncia
geral observada na produccedilatildeo da fala da comunidade Latundecirc verifica-se que os
ditongos crescentes e decrescentes estatildeo sendo frequentemente fusionados
realizando-se como monotongos (TELLES 2002 p100 - 102)
Quanto aos ditongos crescentes Telles (idem p 103) afirma que a tendecircncia ao
processo de monotongaccedilatildeo em ditongos crescentes eacute quase categoacuterica nas
siacutelabas aacutetonas de raiacutezes dissilaacutebicas quando a vogal nuclear eacute a central baixa a
Outros aspectos observados pela autora que fazem menccedilatildeo agrave monotongaccedilatildeo
apontam que a geraccedilatildeo poacutes-contato realizam sistematicamente e com frequecircncia
162
a fusatildeo entre os ditongos decrescentes Os ditongos aw a w aj a j satildeo os que
mais regularmente sofrem processo dos quais decorrem as realizaccedilotildees meacutedias
baixas [ɔ ɔ ɛ ɛ ] que natildeo fazem parte do inventaacuterio fonoloacutegico das vogais do
Latundecirc
Os ditongos iw ow que ocorrem em menor frequecircncia satildeo mais marcados
Nestes a monotongaccedilatildeo se daacute com a preservaccedilatildeo da vogal do nuacutecleo i o O
ditongo e j apresenta pouquiacutessimos casos de fusatildeo mantendo a qualidade do
glide diferentemente dos demais ditongos que satildeo constituiacutedos por vogais natildeo
baixas Sua realizaccedilatildeo seraacute a vogal alta anterior [i]
Apresentamos abaixo os dados apresentados por Telles (idem 101) onde os
resultados foneacuteticos do processo de monotongaccedilatildeo satildeo mais frequentes
Quadro 18 Resultado mais frequente do processo de monotongaccedilatildeo em Latundecirc
Em tritongos a fusatildeo eacute mais frequente quando o glide labial w preenche a
posiccedilatildeo da coda diferentemente da palatal j que pouco se fusiona Nos dois
casos a fusatildeo se daacute apenas com o apagamento do glide poacutes-nuclear
aw gt ɔ [lsquoɔɾe] rsquoawh-lsquote Gaviatildeo
a w gt ɔ [ɔ rsquode] a w-lsquote Fleche
aj gt ɛ [ɛrsquoɾatildena] ajh-lsquotatilden-ta eacute roccedila
aj gt ɛ [ɛ rsquoɾatildena] rsquoa jh-lsquotatilden-ta ele tem andado
iw gt i [lsquogilade] rsquokiwlah-lsquote cobra cascavel
ow gt o [torsquolodatildena] tarsquolown-lsquotatilden-ta ele tem terminado
163
No que se refere ao comportamento de ditongos decrescentes diante de
consoante nasal tautossilaacutebica podem ocorrer diferentes manifestaccedilotildees de
superfiacutecie a depender do ponto do glide Se os ditongos decrescentes terminarem
com glide laacutebio-dorsal w e seguidos por elemento nasal tautossilaacutebico awn a wn
atildewn own apagaratildeo o glide da coda e a vogal nuclear preservaraacute o ponto de
articulaccedilatildeo
Caso o ditongo seja oral a realizaccedilatildeo preferencial seraacute a da manutenccedilatildeo do
ditongo com o glide ocorrendo na superfiacutecie Se o ditongo for nasal o glide pode
ser nasalizado regressivamente Todavia a realizaccedilatildeo preferencial seraacute o glide
Em preferecircncia o glide j eacute mantido conservando sua palatalidade em ditongos
decrescentes que terminam com o glide j constituindo os ditongos ajn a jn atildejn
jn
Os glides wj na posiccedilatildeo de onset podem ser consonantizados O glide j natildeo se
apresenta como fator motivador para este processo Nos poucos casos
apresentados a vogal nuclear eacute a anterior e ou a central a
De acordo com a literatura existente para o Portuguecircs a monotongaccedilatildeo se aplica
a todos os ditongos Entretanto alguns contextos licenciam o processo enquanto
outros o bloqueiam No portuguecircs falado pelos Latundecirc os ditongos decrescentes
orais83 assim como no portuguecircs de longe foram os mais monotongados Aleacutem
destes o ditongo nasal decrescente [atildew] tanto em final de verbos quanto de
nomes mostrou-se recorrente na reduccedilatildeo
83
[aj][ aw] [ej] [ew] [ow] [oj]
164
Enquanto processo natural a monotongaccedilatildeo no portuguecircs falado por Latundecirc
visa simplificar os padrotildees silaacutebicos mais marcados sobretudo na posiccedilatildeo final de
vocaacutebulos jaacute que no Latundecirc natildeo haacute a ocorrecircncia deles
Esclarecemos que os processos observados na fala dos Latundecirc que tambeacutem
ocorrem no portuguecircs atual natildeo foram incluiacutedos nos dados discutidos neste
capiacutetulo ressalvando-se situaccedilotildees nas quais eram necessaacuterios agraves nossas
reflexotildees
De acordo com os exemplos
acima o processo de
monotongaccedilatildeo pode se dar de
duas formas i) apagamento
de um segmento geralmente
o glide ii) fusatildeo de elementos
Os ditongos mais propensos agrave
monotongaccedilatildeo satildeo os
decrescentes Quanto agraves classes de palavras os ditongos presentes nas formas
verbais satildeo mais frequentemente monotongados
No portuguecircs o processo de monotogaccedilatildeo eacute operante porem haacute restriccedilotildees que
natildeo coincidem com o observado na fala dos Latundecirc Bisol (2001 p 112) afirma
(1) [keme] queimei (2) [satildersquogɾaɾi] sangraram
[firsquokaɾi]
ficaram
(3) [fakotilde] facatildeo [motilde] matildeo [koɾasotilde] coraccedilatildeo
[gɾatildedotilde] grandatildeo
[tubaɾotilde]
tubaratildeo
(4) [kaze]
causa
(5) [note]
noite
(6) [lsquotaba] taacutebua (7) lsquomatildeoslash matildersquodava matildee mandava
165
que apenas os ditongos decrescentes satildeo verdadeiros Os crescentes de acordo
com ela seriam falsos pois podem ser realizados como hiato e tecircm variaccedilatildeo livre
Aleacutem disso com respeito aos ditongos decrescentes a autora ainda considera
que haacute dois diferentes tipos de ditongos um considerado pesado que natildeo sofre
reduccedilatildeo (leite) e outro leve passiacutevel de reduccedilatildeo (couro) Ela elenca alguns
ambientes que condicionam a monotongaccedilatildeo como a presenccedila da tepe ou da
palatal em posiccedilatildeo seguinte
Entretanto os dados de (1) a (7) acima nos mostram ocorrecircncias da
monotongaccedilatildeo em contextos muito distintos do que ocorre em Portuguecircs Sobre
estes avaliamos sua ocorrecircncia como segue
Quando em final de vocaacutebulos principalmente nas formas verbais do passado
simples conforme visto em (2) o que ocorre natildeo eacute um fenocircmeno de
monotongaccedilatildeo em que se espera o apagamento de um dos segmentos ou a
fusatildeo dos formadores do ditongo Nos dados em (2) entretanto encontra-se a
substituiccedilatildeo do ditongo por um segmento que articulatoriamente natildeo deriva da
estrutura lexical A vogal anterior com traccedilo de ponto coronal84 realizada em
[firsquokaɾi] ldquoficaramrdquo [satildersquogɾaɾi] ldquosangraramrdquo ocorre em posiccedilatildeo aacutetona final Essa
realizaccedilatildeo pode ser decorrente do espraiamento da coronalidade da consoante
precedente Outros aspectos de relevo para explicar esse fenocircmeno satildeo a
posiccedilatildeo final dos segmentos e a atonicidade Esses condicionantes favorecem a
substituiccedilatildeo total do ditongo nasal para a vogal anterior alta Essa produccedilatildeo eacute
84
Assumimos largamente neste trabalho a terminologia da fonologia claacutessica estrutural (GLEASON 1969) Entretanto termos mais teacutecnicos provenientes da teoria dos traccedilos distintivos (JAKOBSON 1952 CHOMSKY e HALE 1968) satildeo introduzidos quando favorecem a elucidaccedilatildeo dos fatos Da mesma forma ocasionalmente nos referimos a processos ancorados na fonologia poacutes-gerativa (CLEMENTS e HUME 1995)
166
restrita agrave fala dos indiacutegenas da geraccedilatildeo preacute-contato que adquiriram o portuguecircs
pelo menos no iniacutecio da idade adulta
A relevacircncia da tonicidade tambeacutem se evidencia nos dados em (3) Nesses casos
([fakotilde] ldquo facatildeordquo [lsquomotilde] ldquomatildeordquo [koɾasotilde] ldquocoraccedilatildeordquo) apesar de o ditongo nasal atildew
sofrer a fusatildeo passando a ser realizado [otilde] a posiccedilatildeo do acento preserva a
identidade de parte da estrutura nasalizaccedilatildeo e posteriorizaccedilatildeo com
arredondamento A tendecircncia aacute preservaccedilatildeo da estrutura tambeacutem eacute encontrada
no dado em (1) A monotongaccedilatildeo na siacutelaba tocircnica preserva a qualidade da vogal
nuclear em [kersquome] ldquoqueimeirdquo
O Latundecirc evita coda Esse comportamento se alinha agrave ideia de que The CV
syllable is a prototypical example widely considered to be the universally
unmarked syllable type (HUME 2004)
A monotongaccedilatildeo do ditongo nasal atildej em matildej gt matilde natildeo eacute encontrado
regularmente na fala latundecirc Esse fenocircmeno deve ter sido engatilhado pela
juntura externa na qual se observa que a siacutelaba da palavra seguinte conteacutem
sequecircncia focircnica semelhante agrave da siacutelaba que sofreu supressatildeo da semivogal
Um mesmo ditongo pode ou natildeo apresentar diferentes realizaccedilotildees em cada
liacutenguas Por exemplo os ditongos aw atildew aj atildej que existem tanto no Latundecirc
quanto no Portuguecircs se comportam da seguinte forma
Quadro 19 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
aw ɔ [lsquoɔɾe] ˈawh-te lsquogaviatildeorsquo
atildew atildew ~ AM [ˈjatildewmde] ~ [ˈjatildemde] ˈjatildewm-te lsquolarvarsquo
aj ɛ [єrsquoɾatildena] ˈajh-ˈtatilden-ta lsquoeacute roccedilarsquo
atildej atildej ~ atildej [ˌatildejˈdatildeni] ~ [atildejndatildeni] ˈatildejn-tatilden lsquoele cortoursquo
167
Quadro 20 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
aw aw [lsquopaw] pau lsquopaursquo atildew otilde [ˈsotilde] satildew lsquosatildeorsquo atildew i [satildeˈgɾaɾi] sangɾaɾatildew lsquosangraratildeorsquo
atildej atildej [ˈmatildej] matildej lsquomatildeersquo
aj aj [ˈpaj] pai lsquopairsquo
Os ditongos aw em posiccedilatildeo do acento resultam nas vogais meacutedias baixas ɔ e
ɛ no proacuteprio Latundecirc mesmo sendo essas vogais mais marcadas e natildeo
fonoloacutegicas na liacutengua Entretanto no portuguecircs esses ditongos natildeo sofrem
processo de fusatildeo quando ocorrem em siacutelaba tocircnica
A uacutenica vogal nasal constatada na reduccedilatildeo do ditongo eacute [otilde] resultante do ditongo
decrescente nasal atildew Neste caso eacute proacutepria vogal nasal que favorece a vogal
resultante da fusatildeo
Diferentemente do Portuguecircs em Latundecirc os ditongos natildeo se realizam em fim de
vocaacutebulos Desta forma o Portuguecircs falado por Latundecirc tende a seguir o que eacute
posto no Portuguecircs utilizando as vogais menos marcadas [satildegɾaɾɪ] ~ sangraram
[desaɾƱ] ~ deixaram
O que podemos verificar quanto agrave monotongaccedilatildeo eacute que em termos gerais o
Latundecirc natildeo transfere os traccedilos e caracteriacutesticas mais marcadas na liacutengua para o
Portuguecircs falado por eles
168
6112 Siacutencope em onset complexo de l e ɾ
A reduccedilatildeo do onset complexo em Portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute um processo
muito comum que se daacute devido a natildeo aceitaccedilatildeo de um segundo elemento no
onset Como podemos observar eacute um processo variante que estaacute atrelado agrave
reorganizaccedilatildeo da siacutelaba e que eacute passiacutevel de sistematicidade
De acordo com Telles (2002 p105) a estrutura silaacutebica do Latundecirc permite a
composiccedilatildeo de seis padrotildees V VC VCC CV CVC CVCC que se
incluem na extensatildeo (C)V(C)(C) que podem ser representados de acordo com
estrutura silaacutebica descrita abaixo
Figura 17 Estrutura silaacutebica do Latundecirc
Os elementos que se encontram entre parecircnteses satildeo opcionais Em Latundecirc as
sequecircncias CV V VC CVC VCC e CVCC ocorrem com frequecircncia
169
sendo os dois primeiros padrotildees os mais frequentes Isso nos mostra o quanto o
Latundecirc evita onsets complexos e codas
A estrutura silaacutebica do portuguecircs de acordo com Mattoso Cacircmara (1969) define
o molde silaacutebico CCVCC conforme figura abaixo
Figura 18 Estrutura silaacutebica do Latundecirc (Cacircmara-Juacutenior)
Seguindo a proposta de Mattoso Cacircmara com respeito agrave distribuiccedilatildeo interna dos
constituintes da siacutelaba as uacutenicas consoantes que preenchem a segunda posiccedilatildeo
do onset satildeo as liacutequidas l e ɾ A coda pode ser preenchida pelas consoantes l
e pelos arquifonemas R S N
No Latundecirc o grupo consonantal no onset natildeo eacute fonoloacutegico Entretanto eacute
atestada a ocorrecircncia dos [tɾ dɾ kɾ gɾ] no plano foneacutetico como resultado da
reduccedilatildeo em siacutelaba pretocircnica de sufixo nominal e verbal A formaccedilatildeo de onset
complexo eacute estrutura marcada no Latundecirc como tambeacutem interlinguisticamente
A estrutura mais complexa e menos frequente (marcada) do encontro consonantal
no onset tende a ser simplificada no portuguecircs falado pelos Latundecirc Como
170
podemos observar em (8) e (9) os grupos consonantais satildeo pronunciados como
um soacute elemento Trata-se do apagamento da tepe e da lateral liacutequida Eacute um
processo em acomodaccedilatildeo que estaacute diretamente ligado agrave faixa etaacuteria dos falantes
Assim os mais novos seguem a tendecircncia de pronunciar o onset complexo
diferentemente dos mais velhos
(8) [bi ka nƱ] brincando
[de tƱ] dentro
[kɛbapƱ] quebraram
[otƱ] outro
(9) [buza] blusa [biciketɪ] bicicleta Embora a reduccedilatildeo do onset complexo seja um fenocircmeno variaacutevel para algumas
variedades do portuguecircs as realizaccedilotildees acima natildeo correspondem agrave fala de
adultos sendo resultantes no processo da aquisiccedilatildeo da liacutengua
Jaacute entre os Latundecirc satildeo os mais velhos que apresentam a realizaccedilatildeo do onset
simplificado como um fenocircmeno variaacutevel conforme observamos em (10)
(10) [b ɾ ĩkarƱ] brincaram [sotildebrasotilde] assombraccedilatildeo [pɾimeɾɪ] primeiro
[febrƱ] febre [fɾɛsa] flecha
O rotacismo (l gt ɾ) da lateral presente em lsquoflecharsquo acima que eacute muito frequente
no portuguecircs menos escolarizado tambeacutem ocorre na fala dos indiacutegenas
171
6113 Apagamento da coda
Em portuguecircs quatro elementos podem ocupar a posiccedilatildeo de coda RSlN aleacutem
dos glides wj85 Em Latundecirc a coda pode ser ramificada e satildeo seis os
segmentos que podem preencher o espaccedilo da coda os glides w j aleacutem das
consoantes t h n Ɂ Como a coda pode ter ateacute duas posiccedilotildees preenchidas os
primeiros elementos satildeo sempre neste caso os glides w j Embora a coda da
siacutelaba fonoloacutegica possa ser preenchida pelas consoantes acima o Latundecirc eacute uma
liacutengua que evita coda na superfiacutecie O fenocircmeno que decorre dessa tendecircncia eacute o
alongamento compensatoacuterio (Clements e Hume 1995)
(11) [ˌn ˈh te]
ˈn h-ˈ Ɂ -te
lsquonossos peacutesrsquo
No dado acima podemos observar a natildeo realizaccedilatildeo da coda fricativa glotal h na
marca de posse ˈnu h- e da coda oclusiva glotal Ɂ o item lexical ldquopeacuterdquo ˈju Ɂ
Nos dois casos o apagamento da coda eacute compensado pelo alongamento
vocaacutelico No caso do morfema de posse ocorre a ressilabaccedilatildeo da coda fricativa
Do ponto de vista da marcaccedilatildeo a siacutelaba menos marcada eacute a que apresenta o
padratildeo CV (Hume 2004 p 183) O Latundecirc tem a tendecircncia a seguir esse
padratildeo de forma que para a liacutengua a coda embora fonoloacutegica eacute mais marcada
A simplificaccedilatildeo da estrutura mais marcada (presenccedila de coda) eacute transferida para
o portuguecircs Conforme os dados descritos abaixo os segmentos que mais satildeo
apagados em posiccedilatildeo de coda satildeo os glides j w e as consoantes h s Como o
85
Mattoso Cacircmara (1969) considera que os glides pertencem ao nuacutecleo Neste caso trata-se de um nuacutecleo ramificado
172
Latundecirc natildeo tem na sua estrutura silaacutebica a coda fricativa alveolar s esse
segmento natildeo eacute licenciado no portuguecircs dos indiacutegenas (dados em 13) Esse
fenocircmeno eacute categoacuterico na fala dos mais velhos e eacute variaacutevel na fala dos indiacutegenas
da geraccedilatildeo poacutes-contato
(12) [m to] muito [koɾƱ] couro
[voto] voltou (13) [dumi] durmir [pig ta] pergunta [pota] porta [kota] corta [pɛtƱ] perto
[kotildekorsquodo] concordou [barsquobudƱ] barbudo (14) [hipotildersquodew] respondeu [gorsquotozƱ] gostoso [iˈtɛla] Stella ([isˈtɛla])
A coda eacute um elemento universalmente marcado No Latundecirc a sua realizaccedilatildeo eacute
em menor frequecircncia do que o Portuguecircs apesar de sua larga presenccedila na
subjacecircncia O que percebemos ademais eacute que o apagamento do R e do s em
coda contribui para a elevaccedilatildeo da vogal meacutedia pretocircnica tautossilaacutebica conforme
os dados ldquocorta e portardquo em (12)
A regra abaixo sintetiza o comportamento da coda no portuguecircs dos Latundecirc
C ou V [oslash] coda
173
Como vimos no Portuguecircs falado por Latundecirc qualquer consoante ou vogal
poderaacute ser apagada em posiccedilatildeo de coda Esta regra tem se mostrado menos
produtiva nas faixas etaacuterias mais novas Nessas geraccedilotildees o apagamento eacute mais
produtivo quando coincide com a realizaccedilatildeo encontrada por nativos em
portuguecircs ([ˈfosa] lsquoforccedilardquo)
6114 Reduccedilatildeo do geruacutendio ndash Anteriorizaccedilatildeo da vogal final
A reduccedilatildeo do geruacutendio eacute um processo comum em alguns dialetos brasileiros
sobretudo em registro menos tenso Esse eacute mais um processo que resulta no
apagamento de segmentos No portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute praticamente
categoacuterica a ocorrecircncia da assimilaccedilatildeo da alveolar em geruacutendio
(15) [falatildenƱ] falando [b ɾ ĩgatildenƱ] brigando [kume nƱ] comendo
[bersquobe nƱ] bebendo
[sorsquo ɾ anƱ] chorando
[mersquosenƱ] mexendo [mi ti nƱ] mentindo
Por ser esse um fenocircmeno de larga frequecircncia no portuguecircs nativo entendemos
que a simplificaccedilatildeo segmental da estrutura gerundiva natildeo eacute surpreendente no
portuguecircs indiacutegena Entretanto na produccedilatildeo da geraccedilatildeo preacute-contato a
assimilaccedilatildeo total da oclusiva alveolar eacute acompanhada pela anteriorizaccedilatildeo da
vogal final conforme dados a seguir
174
(16) [dimuɾatildenɪ] demorando
[asinatildenɪ] ensinando [tiɾatildenɪ] tirando
[katildetatildenɪ] catando [kɾese nɪ] crescendo
Para anaacutelise das ocorrecircncias acima precisamos considerar a estrutura do
Latundecirc nessa liacutengua uma terminaccedilatildeo verbal altamente produtiva eacute o morfema
aspectual acentuado -ˈtatilden Esse morfema pode ser seguido pelo morfema de
modo neutro -i resultando nas sequecircncias -ˈtatildeni conforme exemplo abaixo
(17) [keˈja ˌdaˈɾatildeni]
keˈjat ˈta-tatilden-i milho deitar-imperfectivo-neutro
eacute milho deitado (espalhado no chatildeo)
Como no Latundecirc o verbo (e nome) natildeo termina em vogal posterior tal restriccedilatildeo
pode explicar a anteriorizaccedilatildeo do geruacutendio do portuguecircs
6115 Reduccedilatildeo das palatais nasal e lateral
A reduccedilatildeo das palatais nasal e lateral estaacute diretamente ligada agrave natildeo existecircncia
destes segmentos no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc No entanto Clements e
Hume (1995) em seus estudos apontam estes fonemas como complexos do ponto
de vista de seu comportamento
175
Os segmentos ɲ e ʎ satildeo consoantes mais marcadas A natildeo realizaccedilatildeo destas
consoantes no Latundecirc jaacute eacute um fator para a natildeo realizaccedilatildeo no Portuguecircs devido agrave
complexidade inerente de tais segmentos Enquanto segmentos mais complexos
as palatais satildeo sujeitas ao enfraquecimento atraveacutes da iotizaccedilatildeo (vocalizaccedilatildeo)
Mesmo no portuguecircs esse eacute um processo operante particularmente em
variedades populares Mattoso Cacircmara (1981 p 149) descreve que se trata de
ldquomudanccedila de uma vogal ou consoante para a vogal anterior alta i ou para a semivogal correspondente ou iode Nos falares crioulos portugueses haacute a iotizaccedilatildeo das consoantes molhadas ʎ e ɲ ex mulher gt muyeacute nhonho gt ioiocirc (africanismo)rdquo
Aleacutem da iotizaccedilatildeo o portuguecircs apresenta a despalatizaccedilatildeo da lateral em que ʎ
realiza-se [l] como em [muˈlɛ] lsquomulherrsquo
No portuguecircs dos Latundecirc o enfraquecimento se daacute mais frequentemente pela
iotizaccedilatildeo como em (18) Estas realizaccedilotildees ocorrem na fala dos mais velhos na
geraccedilatildeo anterior ao contato
18) [muˈjɛ] mulher
[baɾuj] barulho
[ojˈatildenƱ] olhando
[vimej] vermelho (19) [fila] filha [fola] folha
Weinreich (1953 p 18) explica que quando em sistemas foneacuteticos em contato
podem ocorrer os processos de reinterpretaccedilatildeo de fone que leva a substituiccedilatildeo
de segmento Eacute o que acontece nos exemplos acima
176
Em (20) e (21) o processo de despalatalizaccedilatildeo resulta no apagamento total da
palatal
(20) [miƱ] milho [fii] filho (21) [mia] minha A reduccedilatildeo tem menos restriccedilotildees se comparada com os fatos do portuguecircs falado
por nativo Em (20) as ocorrecircncias satildeo atestadas no portuguecircs enquanto primeira
liacutengua Diante da vogal posterior natildeo apenas o apagamento da palatal pode
ocorrer como tambeacutem o da siacutelaba inteira Em (21) observamos uma realizaccedilatildeo
particular dos Latundecirc em que a consoante palatal nasal eacute apagada plenamente
sem deixar vestiacutegio nasal na vogal que a precede Esse fato tem relaccedilatildeo com a
complexidade que envolve as nasais na liacutengua indiacutegena a qual natildeo coincide com
os processos existentes no portuguecircs
No caso de (22) ocorre o apagamento da siacutelaba em que se encontra a palatal
nasal do diminutivo eacute comum a variedades populares do portuguecircs
(22) [pikinĩnĩ ] pequenininho [faki ] faquinha
Como afirmamos no iniacutecio da seccedilatildeo os segmentos palatais natildeo existem em
Latundecirc o que torna sua produccedilatildeo no Portuguecircs falado pelos Latundecirc mais
marcada e de difiacutecil ocorrecircncia
177
6116 Afeacuterese
A afeacuterese eacute um processo foneacutetico que consiste na queda de elementos iniciais do
vocaacutebulo Este processo que fora responsaacutevel pelas modificaccedilotildees foneacuteticas do
Latim para o Portuguecircs ainda eacute atuante no estaacutegio atual da liacutengua
A queda da siacutelaba inicial es- em verbos como esperar e estar e do a- em
vocaacutebulos como aqui e acabar eacute muito comum em alguns dialetos brasileiros
Entretanto este tipo de delaccedilatildeo no portuguecircs falado pelos Latundecirc se expande
para outros vocaacutebulos da liacutengua conforme os exemplos abaixo
(23) [kutatildeni] escutando [kapa] escapa [kapo] escapou [peɾatildenƱ] esperando
[pi gada] espingarda
(24) [tupiw] entupiu [gatildeno] enganou [tehaɾƱ] enterraram
(25) [kɪ] aqui [lsquokelɪ] aquele [bɾasadƱ] abraccedilado
[meto] aumentou [korsquodadƱ] acordado [batildedono] abandonou [kaboʃe] acabou-se
(26) [fiɾe tɪ] diferente
[pitaw] hospital
178
Natildeo consta no inventaacuterio fonoloacutegico dessa liacutengua a presenccedila da fricativa alveolar
surda em posiccedilatildeo de coda Essa restriccedilatildeo eacute transferida para o portuguecircs falado
por Latundecirc conforme (23)
Outra razatildeo para esse fenocircmeno pode estar na estrutura prosoacutedica da palavra no
Latundecirc Nessa liacutengua as palavras satildeo monossilaacutebicas ou dissilaacutebicas Raiacutezes
com mais de duas siacutelabas satildeo raras (TELLES 2002) Associado a isso o acento
eacute morfoloacutegico em raiacutezes Nas dissilaacutebicas o acento recai na segunda siacutelaba
(27) [ˈmatilde ginĩde] ˈmatildejn-kiˈnĩn-te caju-redondo-Sufixo Nominal
lsquocastanha de cajursquo
No dado (27) encontramos exemplos de raiz monossilaacutebica e de raiz dissilaacutebica
Jaacute no portuguecircs haacute um nuacutemero relevante de palavras trissiacutelabas e polissiacutelabas
Diante disso a afeacuterese pode ser uma interferecircncia da estrutura do leacutexico da
liacutengua indiacutegena para simplificar a estrutura do portuguecircs - mais marcada no
Latundecirc Este fenocircmeno natildeo afeta o acento e eacute operante sobretudo quando a
siacutelaba inicial natildeo tem onset
6117 Apoacutecope
A apoacutecope eacute uma das formas de apagamento de segmentos que estaacute
relacionada assim como a afeacuterese a outros processos foneacuteticos
179
A queda de elementos finais eacute uma das formas de reduccedilatildeo ou reorganizaccedilatildeo
silaacutebica e de palavras Assim como nos demais processos a siacutelaba tocircnica eacute
preservada de qualquer alteraccedilatildeo
Embora alguns processos explicados aqui tratem da apoacutecope como a reduccedilatildeo do
geruacutendio e ditongo finais ou apagamento da nasal palatal a exemplo de (27)
estes exemplos jaacute foram mecionados nas seccedilotildees anteriores A presenccedila deles
aqui eacute para mostrar que os outros processos foneacuteticos resultam na apoacutecope
(28) [ ʒ rsquotaɾɪ] juntaram
[tursquodĩ] tudinho [ti ] tinha
[lsquovE ] velho [kabersquosĩ] cabecinha [lsquonatilde] natildeo [lsquomatilde] matildee (29) [lsquove] ver [lsquokɛ] quer (30) [nɔj] noacutes
[maj] mais [dirsquofisɪ] difiacutecil [dirsquofisƱ] difiacutecil [tatildersquome j] tambeacutem
(31) [virsquoa] viado [lsquoluɾɪ] Lurdes
[lsquote ] dele
Em (29) a apoacutecope do R final eacute processo muito comum no portuguecircs atual
Diante de tal explicaccedilatildeo natildeo nos cabe assegurar se o processo eacute proacuteprio do
180
Latundecirc ou se da variedade atraveacutes da qual os indiacutegenas adquiriram o portuguecircs
Os dados em (30) tambeacutem apontam para a interpretaccedilatildeo dos dados mostrados
em (29)
Em (31) os dados apresentam um apagamento incomum ao portuguecircs de
nativos A fala espontacircnea e natildeo tensa eacute uma possibilidade explicativa uma vez
que essas ocorrecircncias natildeo satildeo sistemaacuteticas
Os dados de apoacutecope natildeo evidenciam a transferecircncia de traccedilos mais marcados
do Latundecirc para o portuguecircs
6118 Siacutencope86
A forma mais comum deste processo se apresenta no portuguecircs nas
proparoxiacutetonas Em alguns dialetos a depender do contexto linguiacutestico eacute
categoacuterico a ocorrecircncia da reduccedilatildeo interna no vocaacutebulo
Nos exemplos elencados em (32) no caso das proparoxiacutetonas tal reduccedilatildeo eacute
motivada pelo padratildeo acentual do portuguecircs que permite com mais toleracircncia o
padratildeo paroxiacutetono ao proparoxiacutetono conforme Silva (2006 p78)
Quando ocorrente no Portuguecircs este processo estaacute relacionado ao apagamento
da vogal postocircnica medial Com a reduccedilatildeo vocaacutelica a consoante precedente
pode tomar dois caminhos i) eacute incorporado agrave siacutelaba tocircnica na posiccedilatildeo de coda ii)
86
Os exemplos apresentados demonstram que o processo ocorrente eacute muito mais motivado pelo
Portuguecircs do que pelo Latundecirc A nossa classificaccedilatildeo fica aqui a caraacuteter de registro
181
passa a onset da siacutelaba aacutetona seguinte o que afeta sua constituiccedilatildeo O
apagamento vocaacutelico resulta em uma palavra paroxiacutetona
(32) [lsquomuʒka] muacutesica [lsquohapƱ] raacutepido [lsquokOʃka] coacutecega [lsquoavɾɪ] aacutervore
Entendemos que muitas destas ocorrecircncias no Latundecirc se datildeo pelo portuguecircs de
contato Isso eacute confirmado pela produccedilatildeo de ldquomuacutesicardquo e ldquocoacutecegardquo que licencia
uma restriccedilatildeo forte no Latundecirc a fricativa sibilante em coda Aleacutem disso a
produccedilatildeo de ldquoraacutepidordquo ([ˈhapƱ]) tambeacutem coincide com a realizaccedilatildeo encontrada no
portuguecircs popular na qual a consoante em onset da siacutelaba apagada passa a
onset da siacutelaba seguinte devido agrave restriccedilatildeo no portuguecircs de onda oclusiva
612 Ganho de elementos (Inserccedilatildeo de elementos)
Embora em menor nuacutemero os processos que resultam em ganhos de elementos
tambeacutem ocorrem no Portuguecircs falado pelos Latundecirc Satildeo poucos os processos e
menores ainda os casos em que eles ocorrem Isso pode ser explicado como jaacute
fora dito devido ao fato de as liacutenguas em geral terem um dinamismo proacuteprio que
favorece mais agrave perda do que o ganho de elemento Em alguns casos a
motivaccedilatildeo para o ganho de material foneacutetico satildeo as restriccedilotildees fonotaacuteticas da
liacutengua e ou a tendecircncia agrave formaccedilatildeo de padratildeo silaacutebico menos marcado No caso
do portuguecircs de acordo com Collischonn (2004 p 67) um tipo de ganho de
material precisamente a epecircntese vocaacutelica
ocorre mais quando a consoante perdida estaacute em posiccedilatildeo pretocircnica como em objeto magneacutetico e opccedilatildeo ocorrendo em apenas 24 dos vocaacutebulos na posiccedilatildeo postocircnica em palavras como egiacutepcios eacutetnico ou ritmo Mais especificamente estes resultados mostram que a epecircntese que em outros contextos
182
ocorre numa taxa bastante alta eacute dramaticamente reduzida em posiccedilatildeo postocircnica
Exemplos do que a autora descreve seguem apresentados abaixo em (33) O
primeiro dado traz a inserccedilatildeo da vogal epenteacutetica default no portuguecircs a anterior
alta [i] e a segundo natildeo ocorrecircncia da inserccedilatildeo
(33) [lsquoabiˈsuhdƱ] absurdo [koˈlapisƱ] colapso
A epecircntese vocaacutelica nos dados examinados natildeo foi muito expressiva sobretudo
pelo fato de natildeo termos encontrado um nuacutemero significativo de palavras com
encontro consonantal no leacutexico dos indiacutegenas Entretanto alguns casos como em
(34) ilustram a ocorrecircncia no portuguecircs dos Latundecirc
(34) [ˈmɔgunƱ] mogno (35) [piˈnew] pneu
A estrutura que favorece a epecircntese no portuguecircs natildeo faz parte das regras
fonotaacuteticas do Latundecirc o que tambeacutem pode favorecer a vogal epenteacutetica nos
dados observados
(36) [haacutersquopazɪ] rapaz [haacutersquopazƱ] rapaz [parsquope sɪ] papeacuteis [dorsquose zɪ] de vocecircs [lsquonͻ zɪ] noacutes
183
Diferentemente do que ocorre em (34 - 35) os dados de (36) nos direcionam para
a paragoge processo que se caracteriza pela inserccedilatildeo de elemento(s) no final do
vocaacutebulo Este processo tambeacutem estaacute diretamente ligado agrave presenccedila da fricativa
alveolar desvozeada em coda sendo esse segmento proibido nessa posiccedilatildeo no
Latundecirc No caso citado a inserccedilatildeo pode ser da vogal alta posterior rapaz
[hapazƱ] mas a preferecircncia eacute pela vogal alta anterior que eacute a vogal menos
marcada [hapazɪ] rapaz noacutes [lsquonͻ zɪ]
Em (37) o processo de paragoge ocorre apoacutes o processo de monotongaccedilatildeo
ocorrendo no ditongo [atildew] que passa a ser realizado como a vogal nasal meacutedia
posterior conforme discutido em 5111 Apoacutes esse processo haacute a inserccedilatildeo do
consoante nasal seguida da vogal alta anterior A paragoge eacute variaacutevel com a
reduccedilatildeo do ditongo ([tubaˈɾotilde]) A inserccedilatildeo da siacutelaba final [-ni] pode decorrer da
existecircncia produtiva de terminaccedilatildeo sonora semelhante em vocaacutebulos (nominais e
verbais) no Latundecirc
(37) [tubarsquoɾotildenɪ] tubaratildeo
Em (38) o processo ocorrente eacute a proacutetese Se para o processo inverso - a afeacuterese
- os dados satildeo em maior quantidade para a proacutetese satildeo pouquiacutessimos os
contextos em que ela ocorre No caso deste exemplo a proacutetese se daacute a presenccedila
da vogal baixa diante do verbo Este tipo de proacutetese eacute bem recorrente no
Portuguecircs em dados como ([alemˈbra]) Entretanto o caraacuteter pontual da
ocorrecircncia do fenocircmeno natildeo favorece uma interpretaccedilatildeo mais segura
(38) [atorsquomaɾu] tomaram
184
Outra forma de ganho de elementos pode ser o prolongamento da vogal final O
exemplo de (39) nos mostra o prolongamento da vogal meacutedia anterior Essa
ocorrecircncia foi observada no contexto especiacutefico de ecircnfase
(39) [dese] desse [se] esse
613 Alteraccedilatildeo de elementos (Permuta ou transposiccedilatildeo)
A alteraccedilatildeo de elementos linguiacutesticos eacute considerada na literatura histoacuterica como o
terceiro tipo de alternacircncia focircnica inerente agraves liacutenguas Os contextos em que o
cacircmbio eacute permitido satildeo diversos e direcionados por distintas regras fonoloacutegicas
Muitos desses processos natildeo alteram a estrutura silaacutebica nem atinge a estrutura
lexical O que ocorre de fato eacute a acomodaccedilatildeo de alguns segmentos no dialeto
falado seja pela mudanccedila de traccedilo(s) ou seja pela de segmento(s)
6131 Despalatalizaccedilatildeo de [ʃ] e [ʒ]
Tratamos na seccedilatildeo 5115 do processo da reduccedilatildeo das palatais [ʎ] e [ɳ] que
tambeacutem se configura como um caso de despalatalizaccedilatildeo Todavia tal
classificaccedilatildeo se daacute devido ao fato de estaacute ligada agrave perda de elementos enquanto
a que trataremos agora se configura da permuta ou da reduccedilatildeo de traccedilos
185
Em Latundecirc a presenccedila das palatais [ʃ] e [tʃ] satildeo realizaccedilotildees de s Estas podem
vir em iniacutecio e em meio de palavras As realizaccedilotildees [ʃ] e [s] satildeo preferidas pelos
mais novos enquanto os mais velhos optam pela africada alveolo-palatal surda
Diferentemente no Portuguecircs falado por Latundecirc as realizaccedilotildees natildeo
palatalizadas satildeo preferidas Os Latundecirc natildeo transferem o segmento mais
marcado para o Portuguecircs Contudo conforme seccedilatildeo a seguir veremos que este
processo eacute variaacutevel e pode se dar em qualquer posiccedilatildeo do vocaacutebulo conforme
dados de (40)
(40) [sersquogo] chegou [sersquogamƱ] chegamos [sorsquoɾanƱ] chorando [sursquopaha] chupava [satildematildedƱ] chamando [dersquosaɾƱ] deixaram [casueɾƱ] cachoeira
[mersquosenƱ] mexendo [bisƱ] bicho [baso] baixo [debasƱ] debaixo [lsquopesƱ] peixe [dirsquoso] deixou
Natildeo consta no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc as consoantes z e ʒ de forma
que a liacutengua natildeo apresenta oposiccedilatildeo entre surda e sonora para as fricativas
sibilantes Em (41) o processo de despalatalizaccedilatildeo atinge a fricativa alveopalatal
vozeada que passa a se comportar como fricativa alveolar em iniacutecio de siacutelaba e
em meio de palavras
(41) [lizeɾƱ] ligeiro
186
[lsquolotildezɪ] longe [lsquosuzɪ] suja [lsquosuzu] sujo [azursquoda] ajudar [lsquozudia] judia [azersquota] ajeitar
A escolha do segmento menos marcado segue o que ocorreu com s a
realizaccedilatildeo desses segmentos satildeo adquiridos analogicamente e a presenccedila se daacute
no interior do vocaacutebulo Trata-se da reinterpretaccedilatildeo e acomodaccedilatildeo do segmento
Neste caso do menos marcado jaacute que ambos satildeo menos naturais em sua liacutengua
(WEINREICH 1953)
6132 Palatalizaccedilatildeo
A quantidade de sons palatais do Latundecirc natildeo corresponde aos do Portuguecircs
Em Latundecirc a palatalizaccedilatildeo eacute um processo foneacutetico que ocorre com o segmento
s e em incidecircncia extremamente escassa com t em ambientes que jaacute foram
postos no Capiacutetulo IV que trata deste sistema foneacutetico Eacute um processo bastante
variaacutevel tendo em vista a natildeo presenccedila desse segmento na subjacecircncia da
liacutengua Essa variaccedilatildeo ocorre marcadamente na fala dos mais velhos Os mais
jovens que adquiriram ambas as liacutenguas (Portuguecircs e Latundecirc)
simultaneamente produzem em menor proporccedilatildeo este processo
A africada [tʃ] eacute um segmento que tambeacutem apresenta uma realizaccedilatildeo altamente
variaacutevel provavelmente devido agrave histoacuteria interna da liacutengua conforme Telles
187
(2002 p85) No Latundecirc natildeo haacute diferenccedila entre a oposiccedilatildeo foneacutetica entre as
alveolares de um lado e as palatais e alveacuteolo-palatais de outro
Em (42) e (43) a palatalizaccedilatildeo atinge tanto a fricativa alveolar vozeada quanto a
desvozeada
(42) [ʃu rsquomiɾƱ] sumiram
[ lsquoʃi ma] cima
[ʃigursquoɾow] segurou
(43) [lsquoua] usa
[bursquoʒoɾƱ] Besouro
Em (44) e (45) a palatalizaccedilatildeo abrange as consoantes oclusivas alveolares que
se realizam como africadas alveolo-palatais podendo ocorrer em qualquer
posiccedilatildeo ou contexto da palavra
(44) [lsquoĩdƱ] iacutendio
[matildersquodɔga] mandioca
[ɛrsquoĩ] zezinho
[odʒɪ] hoje [tʃi rsquodʒeɾƱ] cinzeiro
Embora no Portuguecircs o processo de africativizaccedilatildeo de oclusivas alveolares [t d]
seja comum a alguns dialetos como o do Rio de Janeiro [lsquotʃia] e do portuguecircs
popular no Nordeste [lsquoojtʃƱ] sua ocorrecircncia eacute condicionada agrave contiguidade de uma
vogal anterior alta [i] Diferentemente em Latundecirc a palatalizaccedilatildeo e a
188
fricativizaccedilatildeo variam entre si e ocorrem tambeacutem com a fricativa alveolar s Este
processo pode ocorrer em qualquer lugar da palavra
(45) [tʃai] sair [tʃiɾi ga] seringa
[barsquotʃotilde] batom [tʃͻ] soacute [tʃumiɾƱ] sumiram
[tʃobɾo] sobrou
[arsquotʃi ] assim
[tʃubi nƱ] subindo
[pɔtʃa] porta
[rsquotʃua] suja
Os exemplos de (46) apontam para um processo secundaacuterio o fortalecimento
Neste caso a fricativa alveopalatal passa a ser pronunciada como africada
(46) [ tʃoɾatildenƱ] chorando [tʃama] chama [tʃega] chega [ tʃursquoveɾƱ] chuveiro [kaharsquopitʃƱ] carrapicho
No que tange agrave abordagem das palatais a variaccedilatildeo no processo de acomodaccedilatildeo
desses inventaacuterios fonoloacutegicos eacute muito grande A partir das incidecircncias
percebemos que no Portuguecircs resultante do contato a ocorrecircncia desses
segmentos complexos se mostra tambeacutem na mesma proporccedilatildeo
Diante da palatalizaccedilatildeo incluindo a africativizaccedilatildeo observamos que os dados
apresentam duas direccedilotildees quanto ao processo Nos mesmos contextos tanto
ocorre a despalatalizaccedilatildeo quanto a palatalizaccedilatildeo Essa variaccedilatildeo no portuguecircs dos
189
indiacutegenas eacute engatilhada pela ausecircncia do contraste szʃʒ em sua primeira
liacutengua
6133 Desvozeamento e vozeamento
Diferente do portuguecircs no Latundecirc natildeo haacute oposiccedilatildeo das oclusivas quanto agrave
sonoridade As consoantes oclusivas subjacentes satildeo as surdas bilabial alveolar
e velar p t e k respectivamente Sua realizaccedilatildeo sonora eacute condicionada pela
posiccedilatildeo na palavra pelo ambiente (contiguidade nasal) e pelo acento O
vozeamente obrigatoacuterio ocorre quando elas precedidas por consoante nasal na
coda da siacutelaba anterior O processo ocorre tanto no interior quanto em fronteiras
de morfemas (TELLES 2002 p135)
A ausecircncia do contraste surdo-sonoro nas consoantes oclusivas do Latundecirc afeta
a realizaccedilatildeo das consoantes no portuguecircs resultante do contato Na produccedilatildeo dos
indiacutegenas mais velhos (esse fenocircmeno natildeo foi observado na geraccedilatildeo mais
jovem) o processo de desvozeamento atinge as consoantes oclusivas sonoras g
d do portuguecircs conforme (47) e (48)
A realizaccedilatildeo sonora Latundecirc envolve o traccedilo laringal Foneticamente em fala
lenta haacute a realizaccedilatildeo de [d] como alofone de t Telles (2002 p 45) explica que
os falantes mais jovens da geraccedilatildeo poacutes-contato que adquiriram o Portuguecircs
simultaneamente ao Latundecirc neutralizaram o contraste entre sons realizando
preferencialmente o som menos marcado natildeo-implodido Diferentemente dos
mais novos os mais velhos preferem o som implosivo [ɗ]
190
Quanto ao segmento [g] o Latundecirc o tem enquanto alofone de [k] e pode ser
encontrado em iniacutecio de palavra quando em fala raacutepida Mostra-se categoacuterico em
meio de palavra quando diante de uma nasal lexical Em ambiente intervocaacutelico
pode-se encontrar a variaccedilatildeo entre [k] e [g] das quais eacute preferencial a realizaccedilatildeo
da vogal surda (idem p73) A falta do contraste no Latundecirc explica as
realizaccedilotildees de (47)
(47) [lsquobɾika] briga [lsquokoʃta] gosta [kɔviotilde] gaviatildeo
[katildersquoba] gambaacute
A ausecircncia do segmento [d] em Latundecirc eacute a responsaacutevel pela variaccedilatildeo e pela natildeo
realizaccedilatildeo dessa consoante que ocorre como oclusiva alveacuteolo-palatal t
(48) [tipoj] depois [se rsquotatu] sentado
(49) [hatildega] arranca
Em (49) diferentemente do processo de desvozeamento a oclusiva velar se
realiza como sonora A contiguidade nasal em posiccedilatildeo precedente condiciona o
vozeamente da oclusiva velar
Em todos os casos observados acima fica evidente a interferecircncia do Latundecirc no
portuguecircs indiacutegena As consoantes sonoras que satildeo mais marcadas
interliguisticamente por natildeo fonoloacutegicas no Latundecirc se tornam ainda mais
marcadas nessa liacutengua Na produccedilatildeo do portuguecircs os Latundecirc mais velhos
191
preservam a marcaccedilatildeo e apresentam uma realizaccedilatildeo com condicionamento
emprestado da liacutengua indiacutegena
6134 Abaixamento e Elevaccedilatildeo das Vogais Orais
No portuguecircs falado pelos Latundecirc os processos de abaixamento e elevaccedilatildeo
diferenciam-se dos contextos em que ocorrem no portuguecircs Os de elevaccedilatildeo satildeo
em maior nuacutemero que os de abaixamento fato este tambeacutem verificado no
portuguecircs falado pelos Latundecirc
No caso de (50) o uacutenico caso de abaixamento ocorre na vogal anterior nasal e
que passa a ser pronunciada como vogal baixa oral
(50) [asina] ensinar [asinatildenɪ] ensinando
Em (51) a elevaccedilatildeo ocorre com a vogal central baixa final que passa a alta
anterior
(51) [suzɪ] suja [kazɪ] causa [kazɪ] casa [li gɪ] liacutengua
[pɾersquogisɪ] preguiccedila
Assim como em (51) em (52) a elevaccedilatildeo da vogal final tambeacutem eacute realizada como
alta anterior No segundo caso natildeo se trata de elevaccedilatildeo mas de anteriorizaccedilatildeo
uma vez que a vogal meacutedia posterior que ocorre em nomes no portuguecircs eacute
realizada como alta posterior
192
(52) [li pɪ] limpo
[kotildemɪ] como [pɾeti] preto
[saɾatildepɪ] sarampo
[pɾimeɾɪ] primeiro
[morsquosegɪ] morcego [morsquohe dɪ] morrendo
[novɪ ] novo
[kursquoɳadɪ] cunhado [otɪ] outro [fikatildenɪ] ficando
A elevaccedilatildeo e posteriorizaccedilatildeo tambeacutem ocorrem no final dos vocaacutebulos como em
(53)
(53) [kabesƱ] cabeccedila [kanɛlƱ] canela
[mini nadƱ] mininada
[malaɾƱ] malaacuteria
[kursquoru Ʊ] coruja
Em (54) temos tambeacutem a posteriorizaccedilatildeo da alta anterior Assim como a meacutedia
posterior em (52) a meacutedia anterior no portuguecircs eacute amplamente produzida como
alta anterior de forma que o alccedilamento em si natildeo se configura como um
processo do portuguecircs do contato
(54) [hedƱ] rede [bastatildetƱ] bastante [pesƱ] peixe [notƱ] noite [febɾƱ] febre
193
Apesar de natildeo encontrarmos itens que mostrassem a sistematicidade do
condicionamento entre [i] e [u] em final de palavras os dados nos mostram que
haacute uma tendecircncia na base das realizaccedilotildees Os vocaacutebulos terminados em [Ʊ]
tendem a ser produzidos com [ɪ] e os terminados por [a] tendem a ser realizados
com [Ʊ]
Nos dados observados a variaccedilatildeo entre [i] e [Ʊ] soacute ocorre em final de vocaacutebulo
quando se trata da paragoge conforme visto nos exemplos (36) em 512
[harsquopazɪ] ~ [harsquopazʊ]
Os dados em (55) ilustram a falta de regularidade no alccedilamento das vogais
pretocircnicas Como vemos em [fuˈkatildemƱ] e [virsquome ] a tonicidade ou a contiguidade
segmental natildeo condiciona a elevaccedilatildeo da pretocircnica
(55) [pig ta] pergunta [piskosƱ] pescoccedilo [hirsquopotildedew] respondeu [pigu rsquotatildenɪ] perguntando
[dimorsquoɾo] demorou
[virsquome ] vermelho [dimursquoɾatildenɪ] demorando
[fuˈkatildemƱ] ficamos
[kuˈmiw] comeu
194
6135 Nasalizaccedilatildeo e Desnasalizaccedilatildeo
No Latundecirc a nasalidade vocaacutelica eacute contrastiva para a central baixa a anterior
alta e a posterior alta seguidas por consoante nasal tautossilaacutebica A nasalizaccedilatildeo
alofocircnica soacute ocorre com vogais aacutetonas Apesar de a organizaccedilatildeo do traccedilo nasal
na fonologia do Latundecirc ser distinta da do portuguecircs o status contrastivo do traccedilo
em ambas as liacutenguas favorece sua percepccedilatildeo e realizaccedilatildeo na produccedilatildeo na sala
no portuguecircs Entretanto a nasal depende tambeacutem de outros fenocircmenos
cooperantes
Os dados a seguir ilustram a ocorrecircncia da nasalizaccedilatildeo em vogais A
contiguidade da vogal com uma consoante nasal mesmo heterossilaacutebica pode
resultar na nasalizaccedilatildeo O primeiro dado abaixo foge do esperado em liacutengua
portuguesa e tampouco decorre de uma interferecircncia do Latundecirc
(56) [mersquoatilde] meia [bɾĩrsquogatildenƱ] brigando [ʃu miɾƱ] sumiram
[mi mƱ] mesmo
Em (57) ocorre a desnasalizaccedilatildeo em palavras funcionais Esses casos natildeo satildeo
frequentes no leacutexico e natildeo podem ser analisados como resultados de interferecircncia
direta O apagamento da nasal em coda ou em onset seguinte impede a
nasalizaccedilatildeo
(57) [nɪ] nem (natildeo) [mia] minha
195
6136 Fenocircmenos evolvendo os roacuteticos
O tratamento do roacutetico requer uma consideraccedilatildeo sobre o seu comportamento
interlinguiacutestico Retomando as palavras de Bonet e Mascaroacute (1997 p 103)
It is well know that the phonetic realization of rhotics varies considerably from language to language even from dialect to dialect Rhotics can be realized as flaps taps trills (uvular coronal ou bilabial) or as assibilated or fricative variants They ca alternate with a lateral liquid with glides and in some cases a flap can occur as the phonetic realization of a coronal stop in specific environments
Os roacuteticos satildeo segmentos que apresentam uma grande variaccedilatildeo no portuguecircs
Natildeo diferentemente estes elementos tambeacutem se mostraram como motivadores
de vaacuterios processos fonoloacutegicos do portuguecircs falado pelos Latundecirc
Os exemplos dispostos em (58) apontam para a aspiraccedilatildeo do R em coda
silaacutebica Processo este que eacute comum a variedades do portuguecircs e que tambeacutem
no caso em tela pode ser motivado pela preferecircncia de natildeo coda da liacutengua
Latundecirc que favorece o seu enfraquecimento atraveacutes de uma realizaccedilatildeo fricativa
glotal
(58) [duhmɪ] Dormi [mɛgursquola] mergulhar
[fosa] Forsa
O rotacismo eacute um fenocircmeno presente no portuguecircs dos Latundecirc especialmente
entre os mais velhos Fonemas distintos podem sofrer o processo Em (59) a
realizaccedilatildeo do flap tem na base uma sibilante uma lateral palatal e uma oclusiva
196
alveolar Em ldquotrabalhavardquo a lateral palatal inexistente no Latundecirc poderia ser
subtituida pela lateral alveolar constante do inventaacuterio da liacutengua indiacutegena
Entretanto o flap apesar de natildeo fonoloacutegico no Latundecirc eacute um segmento muito
frequente na liacutengua decorrente de processo de enfraquecimento Essa tendecircncia
do Latundecirc pode estar na base da realizaccedilatildeo do portuguecircs Dentre as ocorrecircncias
abaixo a uacuteltima se coloca como um processo frequente no proacuteprio Latundecirc no
qual uma oclusiva passa a flap em ambiente intervocaacutelico
(59) [karsquoboɾe] acabou-se
[tabaɾava] trabalhava
[poɾɪ] pode
Em Portuguecircs particularmente falado por sujeitos menos escolarizados o
fenocircmeno do rotacismo tambeacutem eacute frequente em encontros consonantais
tautossilaacutebicos em que a segunda consoante eacute a lateral alveolar l Dessa forma
produccedilatildeo encontrada em (60) pode ser devido ao contato com o Portuguecircs local
(60) [pɾatildeta] planta
[gɾɛba] gleba
[fɾɛsa] flecha
Em termos da organizaccedilatildeo da fonologia de ambas as liacutenguas os dados em (60)
assim como aqueles em (59) podem ser refletidos a partir da escala de
sonoridade proposta por Bonet e Mascaroacute (1997 p 109)
197
Quadro 21 Escala de Sonoridade adaptada de Bonet e Mascaroacute 1997 p 109)
0 1 2 3 4
Obstruintes
(oclusivas
fricativas trill)
nasais laterais glides
flap
vogais
Considerando a posiccedilatildeo do flap na escala de Bonet e Mascaroacute podemos
interpretar tanto o rotacimo no portuguecircs natildeo padratildeo quanto aquele presente no
Latundecirc como resultado de enfraquecimento de diferentes segmentos situados
mais agrave esquerda no ranking de sonoridade Entre esses segmentos como
observamos na escala acima encontra-se a proacutepria lateral alveolar que apesar
de tradicionalmente formar a classe das liacutequidas ao lado dos roacuteticos natildeo
apresenta a mesma sonoridade que o flap
6137 Labializaccedilatildeo e Deslabializaccedilatildeo
No Portuguecircs falado pelos Latundecirc os processos que envolvem articulaccedilatildeo
secundaacuteria especificamente a labializaccedilatildeo e a deslabializaccedilatildeo estatildeo
relacionados agraves consoantes oclusivas velares e se realizam praticamente nos
mesmos contextos Trata-se de um processo foneacutetico variaacutevel
(61) [kƱɪ] que [kƱelɪ] com ele (62) [kazɪ] quase [katildedƱ] quando
198
[karsquokƱɛ] qualquer
[li gɪ] liacutengua
No Latundecirc a labializaccedilatildeo pode ser derivada de processo mas eacute restrita em
ocorrecircncia Aleacutem disso a sequecircncia da olusiva seguida do glide formando
encontro consonantal tambeacutem natildeo faz parte da fonologia do Latundecirc Esses fatos
favorecem a produccedilatildeo irregular do portuguecircs em que observamos a
deslabializaccedilatildeo (ou o apagamento do glide) como em (62) e a labializaccedilatildeo (ou
inserccedilatildeo do glide) em (61)
6138 Metaacutetese
A alternacircncia de segmentos no portuguecircs falado pelos Latundecirc pode ocorrer
entres siacutelabas diferentes ou entre elementos da mesma siacutelaba Aleacutem disso
ocorre nas duas direccedilotildees (da esquerda para a direita e da direita para a
esquerda)
(63) [bahiƱ] bairro [fɾevenƱ] fervendo [parsquoguo] apagou
Como vemos acima no primeiro dado de (63) ocorre natildeo apenas a metaacutetese
como tambeacutem o avanccedilo do acento resultando numa palavra oxiacutetona Nos demais
dados a tranposiccedilatildeo segmental natildeo interfere na estrutura suprassegmental O
segundo dado de ldquofervendordquo eacute tiacutepico do portuguecircs e pode decorrer da variedade
de contato sobretudo pelo fato de o onset complexo natildeo fazer parte da liacutengua
indiacutegena Em ldquoapaguordquo a metaacutetese resulta na labializaccedilatildeo da oclusiva velar Essa
199
forma de palavra tem como realizaccedilatildeo foneacutetica frequente mesmo no portuguecircs
nativo a monotongaccedilatildeo Nesse caso a metaacutetese resulta de processo irregular e
pontual nos dados observados
Como vimos nas seccedilotildees anteriores os resultados da metaacutetese natildeo correspondem
a estruturas fonoloacutegicas no Latundecirc sendo sua ocorrecircncia derivada de processo
foneacutetico sem condicionamento prosoacutedico
6139 Siacutestole
Alguns casos de siacutestole em que ocorre o recuo do acento foram encontrados na
fala dos mais velhos Natildeo identificamos contexto linguiacutestico como o
sequenciamento focircnico do enunciado fonoloacutegico que justificasse essas
realizaccedilotildees Considerando o fato de a produccedilatildeo ter sido encontrada apenas na
fala da geraccedilatildeo mais velha e de o acento lexial no Latundecirc ser morfoloacutegico
ancorado em uma das duas promeiras siacutelabas da raiz da palavra (TELLES 2002)
eacute plausiacutevel supor uma interferecircncia do padratildeo acentual da liacutengua indiacutegena no
portuguecircs dos Latundecirc Os dados em (64) evidencia o recuo do acento
(64) [mɔhe] morrer
[kalo] calor [katɪ] quati [pega] pegar
Nos dados acima importa considerar tambeacutem o fato de se tratarem de itens
nominais (incluindo as formas nominais dos verbos) Diante disso uma analogia
possiacutevel dos Latundecirc seria a de considerar a raiz monossilaacutebica que eacute altamente
200
produtiva na liacutengua indiacutegena o que tambeacutem justificaria o acento na primeira
siacutelaba da palavra
61310 Fortalecimento
Casos de fortalecimento jaacute foram abordados nas seccedilotildees anteriores em que
tratamos da palatalizaccedilatildeo e da dessonorizaccedilatildeo Nesta seccedilatildeo outro fenocircmeno de
fortalecimento eacute apresentado no qual ocorre a oclusivizaccedilatildeo de fricativas
Salientamos entretanto que essas foram realizaccedilotildees mais esporaacutedicas e menos
recorrentes que as demais
(65) [istubidƱ] subindo [tiguɾa] segura
[torsquoteɾƱ] solteiro
[batitaɾƱ] batizaram
O processo ocorre no iniacutecio e em meio de palavra No primeiro dado em fato haacute
uma epecircntese da oclusiva alveolar surda [t] tendo em vista a preservaccedilatildeo de uma
sutil sibilaccedilatildeo do s em coda da siacutelaba precedente
Na fonologia do Latundecirc o fonema s tem como alofone o fone [t] que ocorre em
siacutelaba aacutetona (TELLES 2002) Embora essa natildeo seja a realizaccedilatildeo mais frequente
a interferecircncia do Latundecirc natildeo pode ser desconsiderada Em todos os dados de
(65) haacute a presenccedila de segmento oclusivo em siacutelaba contiacutegua que tambeacutem pode
ter motivado o fortalecimento do s
201
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
No que concerne agraves poliacuteticas linguiacutesticas diante do glotociacutedio que tem se
instaurado no Brasil desde a chegada dos portugueses dado o estado em que se
encontram as liacutenguas indiacutegenas brasileiras eacute de grande valia qualquer estudo
que vise agrave contribuiccedilatildeo e que favoreccedila natildeo soacute a proteccedilatildeo como o conhecimento
cientiacutefico dessas liacutenguas
O Latundecirc como jaacute mencionamos eacute uma dessas liacutenguas minoritaacuterias Ela se
encontra em extinccedilatildeo uma vez que hoje dispotildee de menos de 20 falantes com
autonomia poliacutetica Devido agrave populaccedilatildeo restrita e agraves relaccedilotildees tradicionais de
parentesco os jovens Latundecirc natildeo podem coabitar entre si de forma que a
interaccedilatildeo com o mundo externo eacute a via de perpetuaccedilatildeo social e ao mesmo
tempo de crescente e natildeo planejado contato linguiacutestico Tais circunstacircncias
implicam a urgecircncia de mais estudos sobre a realidade desse povo
Entedemos que estudar as liacutenguas menos conhecidas eacute de grande valia para o
incremento da ciecircncia linguiacutestica A investigaccedilatildeo de cada nova liacutengua eacute uma
maneira de conceber a linguagem humana e de contribuir dessa forma com os
universais linguiacutesticos e com o entendimento da faculdade humana da linguagem
(CAcircMARA-JR 1977 p6)
Seja entre si ou em contato com outras estas liacutenguas natildeo estatildeo (ou natildeo
estiveram) suficientemente isoladas para evitar algum tipo de proximidade
Thurston (1987 p 165) propaga que toda liacutengua deve ter sofrido alguma
202
influecircncia de seus vizinhos em um determinado ponto e tempo Todos os idiomas
satildeo portanto liacutenguas mistas na medida em que todos copiaram formas lexicais e
outros recursos linguiacutesticos de liacutenguas vizinhas
Thomason (2001 p 17) afirma que o contato linguiacutestico estaacute em toda a parte
muitos paiacuteses tecircm mais do que uma liacutengua oficial e muito provavelmente a maior
parte da populaccedilatildeo mundial fala duas ou mais liacutenguas
Contudo mesmo em grande quantidade os estudos que se encarregam da
observaccedilatildeo do contato linguiacutestico se debruccedilam ainda timidamente nos aspectos
foneacuteticos Com base nesta assertiva este trabalho se propocircs a observar como se
daacute o comportamento entre o Portuguecircs e o Latundecirc a partir da verificaccedilatildeo dos
padrotildees mais e menos marcados nos processos foneacuteticos de acomodaccedilatildeo Eacute um
estudo descritivo em que o Portuguecircs eacute a segunda liacutengua mesmo em face de seu
caraacuteter nacional Essa pluralidade linguiacutestica ainda existente no paiacutes demanda a
concretizaccedilatildeo das poliacuteticas a favor da salvaguarda da diversidade no planeta
Posto que toda liacutengua sofra influecircncia das forccedilas internas e externas que agem
sobre ela partimos do pressuposto de que em qualquer pesquisa linguiacutestica natildeo
encontraremos nada de extraordinaacuterio nada que exceda a experiecircncia do
humano Dessa sorte vamos encontrar () uma estrutura linguiacutestica como
qualquer outra e em muita coisa ateacute possivelmente semelhante agrave nossa
(MATTOSO CAcircMARA-JR 1977 p7)
E quando sistemas entram em contado fenocircmenos emergentes podem ajudar a
esclarecer os princiacutepios e as restriccedilotildees que regem as liacutenguas particulares Com
base na complexidade e na riqueza que advecircm do contato linguiacutestico analisamos
203
estas forccedilas conflitantes com base nos princiacutepios de hierarquizaccedilatildeo e
regularidade que satildeo forccedilas motrizes da marcaccedilatildeo nos processos foneacuteticos Aleacutem
do fator tempo outros aspectos podem estar diretamente ligados agraves
transformaccedilotildees pelas quais uma liacutengua passa como relaccedilotildees de poder
influecircncias de outras liacutenguas subjetividade de seus falantes etc
A marcaccedilatildeo estaacute diretamente ligada agrave simetria frequecircncia e naturalidade
Entretanto Rice (2007) apresenta as caracteriacutesticas da marcaccedilatildeo agrupando-as
em dois conjuntos O primeiro envolve os termos relativos a uma marcaccedilatildeo
considerada natural ou pautada na frequecircncia e diz respeito em larga medida a
ldquophonetic basis of an oppositionrdquo Nele se encontram oposiccedilatildeo como ldquomais ou
menos naturalrdquo ldquomais ou menos complexordquo ldquomais ou menos estaacutevelrdquo ldquosujeito agrave
aquisiccedilatildeo mais ou menos tardiardquo etc (Rice 2007 p 81) O segundo grupo eacute
relativo a comportamentos de sistemas fonoloacutegicos como ser ldquosujeito ou
resultado de neutralizaccedilatildeordquo ldquoser gatilho ou alvo de assimilaccedilatildeordquo Esse grupo
portanto diz respeito agrave marcaccedilatildeo fonoloacutegica ou estrutural
No que diz respeito agrave anaacutelise dos dados quanto aos processos foneacuteticos
percebemos em nosso estudo que
Ainda que com algumas restriccedilotildees a tendecircncia agrave monotongaccedilatildeo eacute
transferida para o Portuguecircs falado por Latundecirc [satildersquogɾaɾi] ldquosangraramrdquo
[kaze] ldquocausardquo
Mesmo em variaccedilatildeo a reduccedilatildeo do onset complexo eacute transferida para o
Portuguecircs seguindo a tendecircncia que o Latundecirc tem de evitar esse tipo de
sequecircncia [bĩ katildenƱ] ldquobrincandordquo [kɛbaɾƱ] ldquoquebraramrdquo
204
O preenchimento da coda eacute evitado pelo Latundecirc processo esse que
tambeacutem eacute atestado no Portuguecircs falado por Latundecirc [pi gũta] ldquoperguntardquo
[gorsquotozƱ] ldquogostosordquo
As consoantes ɲ e ʎ mais marcadas interlinguisticamente tambeacutem o
satildeo no Latundecirc que natildeo os tecircm no seu inventaacuterio fonoloacutegico Como
resultado esses segmentos natildeo satildeo produzidos no Portuguecircs falado pelos
Latundecirc Alternativamente ocorre a substituiccedilatildeo desses fonemas por
segmentos articulatoriamente mais proacuteximos ou o seu apagamento [vimej]
ldquovermelhordquo [fila] ldquofilhardquo [farsquokĩ] ldquofaquinhardquo
A reduccedilatildeo silaacutebica eacute atuante tambeacutem atraveacutes da afeacuterese Como natildeo consta
no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc a presenccedila da fricativa alveolar surda
em posiccedilatildeo de coda essa restriccedilatildeo eacute transferida para o portuguecircs dos
Latundecirc que tambeacutem evita vocaacutebulos com mais de trecircs siacutelabas [kutatildeni]
ldquoescutandordquo [bɾa sadƱ] ldquoabraccediladordquo [fiɾ tɪ] ldquodiferenterdquo
O Latundecirc evita o onset em final de palavra adicionando uma vogal para
reorganizar o padratildeo silaacutebico A vogal mais frequente seraacute a alta anterior
[i] [harsquopazɪ] ldquorapazrdquo [dorsquosejzɪ] ldquode vocecircsrdquo
Os sons [ʃ] [ʒ] [tʃ] e [dʒ] satildeo evitados por natildeo fazerem parte do inventaacuterio
fonoloacutegico do Latundecirc de forma que a sua realizaccedilatildeo eacute mais marcada na
liacutengua O comportamento desses segmentos eacute muito variaacutevel Nos mais
jovens satildeo realizados com mais frequecircncia e nos mais velhos satildeo
reinterpretados envolvendo processos diversos [sersquogamƱ] ldquochegamosrdquo
205
[dersquosaɾƱ] ldquodeixaramrdquo [lizeɾƱ] ldquoligeirordquo [azersquota] ldquoajeitarrdquo [ʃũrsquomiɾƱ] ldquosumiramrdquo
[bursquoʒoɾƱ] ldquobesourordquo [tʃĩrsquodʒeɾƱ] ldquocinzeirordquo
A ausecircncia do contraste surdo-sonoro nas consoantes oclusivas t e k do
Latundecirc promove sua neutralizaccedilatildeo na realizaccedilatildeo das consoantes no
portuguecircs dos indiacutegenas [lsquobɾika] ~ [lsquobriga] ldquobrigardquo [s rsquotatu] ~ [se rsquotado]
ldquosentadordquo
No que tange ao comportamento das vogais meacutedias postocircnicas os
vocaacutebulos terminados em [Ʊ] tendem a ser produzidos com [ɪ] e os
terminados por [a] tendem a ser realizados com [Ʊ] que satildeo vogais menos
marcadas [kazɪ] ldquocausardquo [ lĩpɪ] ldquolimpordquo [ka besƱ] ldquocabeccedilardquo [bas tatildetƱ]
ldquobastanterdquo
A partir dos fenocircmenos observados buscamos responder agraves perguntas
norteadoras da nossa pesquisa abaixo retomadas
Fatores internos (linguiacutesticos) e externos (estruturais) interagem com os
princiacutepios da marcaccedilatildeo
Resposta Quanto aos fatores externos no que diz respeito agrave faixa etaacuteria
os mais jovens tendem a natildeo transferir os padrotildees mais marcados da sua
liacutengua para a liacutengua adquirida Em contrapartida os mais velhos
reproduzem com menor frequecircncia os padrotildees mais marcados do
Portuguecircs (liacutengua dominante)
Qual o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
206
Resposta A marcaccedilatildeo considerada natural responde pela escolha de
padrotildees mais ou menos marcados interlinguisticamente Por essa razatildeo
prevalece a tendecircncia agrave siacutelaba CV do que decorre o apagamento da coda e
a simplificaccedilatildeo de onset complexo De outro lado haacute o natildeo repasse da
laringalizaccedilatildeo vocaacutelica que mesmo fonoloacutegica no Latunecirc eacute menos natural
e mais marcada nas liacutenguas do mundo A marcaccedilatildeo fonoloacutegica eacute
observada na neutralizaccedilatildeo de oposiccedilotildees vaacutelidas no portuguecircs poreacutem
inexitentes na liacutengua indiacutegena como o contraste quanto agrave sonoridade nas
oclusivas e agrave escolha da vogal em posiccedilatildeo final de nomes
Efetivamente um aspecto da marcaccedilatildeo natural pode responder pelo
comportamento da marcaccedilatildeo fonoloacutegica de maneira que natildeo satildeo
caracteriacutesticas de marcaccedilatildeo oponentes entre si No caso em estudo as
duas marcaccedilotildees operam mas natildeo respondem por todos os fenocircmenos
observados Aleacutem disso o caraacuteter altamente variaacutevel das realizaccedilotildees e as
condicionantes sociais dos falantes datildeo chance para a emergecircncia de
processos mais decorrentes da falha na percepccedilatildeo do sinal sem que se
estabeleccedila a regularidade na sua produccedilatildeo
Os traccedilos mais marcados da liacutengua dominada passam para a dominante
Resposta Em alguns caso sim como a africativizaccedilatildeo do s Em outros
natildeo como o natildeo repasse da larinzalizaccedilatildeo vocaacutelica e a oposinccedilatildeo entre
vogais orais e nasais
Ademais em face dos fenocircmenos observados podemos pontuar algums
aspectos relevantes os processos que envolvem perda e permuta de segmentos
satildeo mais frequentes dos que os que envolvem ganho de segmento os segmentos
207
natildeo presentes no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc (liacutengua originaacuteria) tendem a
ser apagados ou reinterpretados pelo segmento mais proacuteximo do portuguecircs
sendo este uacuteltimo o mais frequente os traccedilos mais marcados do Latundecirc estatildeo
mais evidentes nas falas da geraccedilatildeo preacute-contato e a marcaccedilatildeo natildeo estaacute
condicionada apenas aos universais linguiacutesticos mas agraves especificidades das
liacutenguas
Por fim salientamos que o nosso propoacutesito neste estudo foi o de contribuir para a
descriccedilatildeo de liacutenguas incluindo as indiacutegenas e de abrir caminhos para o estudo
do contato linguiacutestico especialmente em niacutevel da foneacutetica e da fonologia
Ressaltamos que este trabalho natildeo encerra o estudo sobre o contato entre as
duas liacutenguas Reconhecemos que os nossos resultados representam um ponto de
partida para investigaccedilotildees posteriores as quais poderatildeo expandir o tema e
avanccedilar no campo da inter-relaccedilatildeo entre contato linguiacutestico e a marcaccedilatildeo
208
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ANEXOS
(Dados Transcritos)
parsquoguo Apagou marsquoma Mamar pegũrsquotatildenu Perguntando barsquoʃo Vassoura rsquokɔsa Coccedilar
marsquoduu Mais duro
rsquokati Quati
arsquoh ti A gente rsquootu Outro irsquoarsquov j E jaacute vem v rsquone ni Veneno pɛgũrsquoto Perguntou rsquofoʃ Foi pɾatildersquoto Plantou rsquosuzu Sujo karsquobeli Cabelo gursquoduɾu Gordura rsquootildemi Homem rsquogodu Gordo rsquopega Pegar dersquotadu Deitado
marsquotau Mataram
korsquokin Coquinho guɾirsquozĩ Gurizinho rsquotakorsquosotildenu Taacute com sono (manutenccedilatildeo) mũdi Mundo ʃursquov ni Chovendo pigũrsquota ni Perguntando sursquov ni Chovendo rsquopɔtʃa Porta kursquomigi Comigo kũversquosatildeni Conversando larsquovatildeni Lavando morsquoh di Morrendo ikursquotatildenu Escutando mursquohidu Morrido marsquohadu Amarrado irsquokutu Escuto
persquohu torsquose Pergunto a vocecirc
rsquoseja Cheia rsquoozi Hoje
rsquoʃuʊ Sujo
222
ursquozotursquopatildejrsquoagʊa Os outros apanham aacutegua
rsquotʃua Suja
bu rsquonitu Bonito
rsquokɛla Aquela
rsquomu tu Muito
vehrsquomejo Vermelho rsquomasu Manso marsquosatildedu Amansando arsquoɾisi Arisco hursquoo Avoou rsquoaga Aacutegua
rsquode tu Dentro
rsquomu tu Muito
rsquotud Tudo irsquopia Espirra isrsquopritu Espiacuterito
rsquofɔti Forte
timirsquotɛi Cemiteacuterio
tɛrsquoha Enterrar
ɔʊrsquoa Jogar (o bicho fora)
tersquoou Enterrou rsquoela Ela matildersquodatilden Mandando batorsquose Bater em vocecirc rsquotokursquotatildenu Tocirc escutando rsquobatildej Banho bɾab Brabo
rsquosɛtu Certo
Kabirsquosela Cabeceira (do rio)
karsquosi bu Cachimbo
tʃursquoveɾu Chuveiro (pau de) rsquoleti Leite rsquofutu Fruto karsquoɾoʃi Caroccedilo kaharsquopitʃu Carrapicho rsquokɾu Crua rsquomasu Massa
pe rsquoʃa Pensar
ojrsquoatildedu Olhando (idem)
pe rsquoʃatilden
Pensando
i te rsquode nu Entendendo
223
irsquokuta Escuta
kwatildedu ew piki nĩnĩ Quando eu era pequenininha
ew bĩrsquokava rorsquodeɾa cũ a lɔrsquoɾĩne
Eu brincava de roda com a Lorine
katildendu pi ĩ
Quando piin
ew tatildebȇĩ cũ a lorsquoɾine
Eu tambeacutem com a Lorine
i lsquoluɾi ku a marsquoɾi
E Lurdes com a Mariacute
mĩa matildey natildew deʃa bɾĩrsquoka
Minha matildee natildeo deixava brincar
eli bɾika corsquomigu
Ela brigava comigo
e koʃta brinrsquoka ni lsquoKotildepu E gostava de brincar no campo
mĩa matildej natildew deʃa bɾĩka Minha matildee natildeo deixava brincar
ersquoli tatildebe j diskuti Ela tambeacutem discutia
tatildebej kɾiatildesa natildew paɾa lsquonɛ Tambeacutem crianccedila natildeo para neacute
fika bahaka bɾĩkatildeni lsquonɛ Fica na barraca brincando neacute
fika gɾitatildeni Fica gritando
a mĩa matilde matildedava bɾĩka lotildeʒi A minha matildee mandava brincar longe
natildew kɛ ve baɾuj na bahaka natildew Natildeo quer ver barulho na barraca natildeo
ki falatildenu O que eu tocirc falando
ki lsquota bɾĩganu nu katildepu Que eu tava brincando no campo
a fruta kirsquoli cotildepi nɛ
A fruta que ele come neacute
kinotildemi di fɾuta Que nome de fruta
akeli iogrii nɛ
Aquele neacute
nɔy sursquopaha lsquo deli Noacutes chupava dele
so eli komenu fɾuta Soacute ali comendo fruta
noj fike mu arsquotɛ ʃersquoga meatilde note
sersquoga
Noacutes ficamos ateacute a meia noite chegar
mĩa matildej bɾiga kumigu Minha matildee brigava comigo
224
tava se ew levatildeta sedu se ew levatildeta sedu
Estava ʔ
va la nu katildepu bɾĩrsquoka Vaacute laacute no campo brincar
u katildepu lsquota satildematildedu orsquosejs O campo taacute chamando vocecircs
noj levatildersquota pɾa bɾĩrsquoka nu kotildepu Noacutes levantaacutevamos para brincar no campo
o katildepu ɛ u maj limpi O campo eacute o mais limpo
eli bɾĩkaru eli istubidu Eles brincaram eles subiram
ɛ ke katildepu num ɛ awto katildepu mũto
baso
Eacute que o campo natildeo eacute alto O campo eacute muito baixo
nɔj sersquogamu bersquobe nu i corsquome nu Noacutes chegamos bebendo e comendo
miu asadu batata e bebe nu
Milho assado batata e bebendo
ew nũm fikej ew bɾĩkava dinoti Eu natildeo fiquei eu brincava de noite
mĩa matildej natildew desa duhmi mĩa matildej bɾiga kumigo
Minha matildee natildeo deixa dormir minha matildee briga comigo
mĩa paj farsquolo sej dumi sedu se pikaɾu cobɾa Kotildemu ki darsquoi
Meu pai falou vocecircs durmam cedo se cobra picar e daiacute
vai sarsquoɾa ou vai a mɔhe Vai sarar ou vai morrer
mĩa paj bɾĩkow diskuti dele natildew Meu pai brigou porque eu natildeo escutava ele natildeo
dohmi amatildersquoɳatilde sedu vorsquose bɾĩrsquoka corsquome mũĩtu fɾuta
Dorme amanhatilde cedo vocecirc vai brincar comer muito fruto
mĩa paj natildew desa ew bɾĩka natildew Meu pai natildeo deixava eu brincar natildeo
natildew icuti dele natildew Natildeo escutei ele natildeo
cɾiatildesa icursquoto crianccedila escutou
iheni fala icursquoto ɛ A gente fala escutou eacute (a gente fala e ela ndash a crianccedila ndash escutou eacute
ni batia natilde mi batia na Natildeo batia natildeo me batia maj eli nũ sabe barsquotih Mas ele natildeo sabia bater
225
falava di bɾabu mihmu Falava bravo mesmo
matildeda agwa matildedƷɔga Mandava buscar aacutegua buscar mandioca
asa biƷu kome Assar beiju comer
nĩ tĩ aacutegua pɾa eli natildew Natildeo tinha aacutegua pra ele natildeo
mĩa matildej natildeo desa ew vĩrsquoga Minha matildee natildeo deixava eu brincar
mĩa povu
Meu povo
bĩ botilde natildew Bem bom natildeo
esi aki bisu bɾabu Esse aqui bicho brabo
mĩa povu matatildedu nosu tudo Meu povo matando o nosso tudo
e ki nomi dee ɛ E que o nome dele eacute
nũ pe rsquosa nisu aki la Natildeo pensar nisso aqui laacute
mĩa matildee falo natildew podi bɾĩka de tu
dagwa notilde
Minha matildee falou natildeo pode brincar dentro drsquoaacutegua natildeo
agwa e mũitu peɾigoso A aacutegua eacute muito perigoso
ĩdƷu vĩ i mata tudĩ nũ iscapa ũ notilde Iacutendio veio e matar tudinho natildeo escapa um natildeo
distotildena kohpu sɔ leva sɔ cabesu Destrona corpo soacute leva soacute a cabeccedila
isu aki nũ ɛ mĩa pare ti notilde Isso aqui natildeo eacute meu parente natildeo
io mimu Eu mesma
nĩge j notilde sabi Ningueacutem natildeo sabe
esi ki ĩdiu moɾava ki i uvi Esse aqui iacutendio morava aqui e ouvi
kɛbaɾu asĩ levo di Quebraram assim levou de Alternacircncia de coacutedigo
demorsquoɾo i ew sersquoge tame j Demorou e eu cheguei tambeacutem
Komi ki rapaɾi kebɾo
Como eacute que o rapaz morreu
226
ai fala pɾa eli nɛ isu ku hapazu Aiacute falou pra ele neacute Isso com o rapaz
eli moɾa debasu di paw nɛ Ele morava debaixo de pau neacute
ve tu dehubo caiw cima deli na
hedu
Vento derrubou caiu em cima dele na rede
sɔ o paj deli capow Soacute o pai dele escapou
vose da mujɛ notilde Vocecirc da mulher natildeo
akeli povu deli mĩ mata todo mĩa povu
Aquele povo dele mata todo meu povo
ĩ via pɾetu Em Veado Preto
paɾEsi kũ ƷEƷĩ Parece com Zezinho
ew moɾa hũtu aki Eu moro junto daqui
keli otɾu Aquele outro
patɾaj iɾe boɾa Para traz ir embora
ai dimorsquoɾo Aiacute demorou
sersquogo Chegou
keli cahĩ sersquogo Aquele Carlinhos chegou
sarsquoi hora orsquoʎa Saiacute fora pra olhar
arsquoi farsquolo dersquosaɾu Aiacute falou deixaram
ota lĩgwa difire ti Outra liacutengua diferente
ta sorsquoɾanu Taacute chorando
ta bĩbotilde natildew Taacute bem bom natildeo
fika tʃorsquoɾatildenu Fica chorando
mĩa pare ti desaɾu mĩa mursquoje Meus parentes deixaram minha mulher
te j bastatildeti Tem bastante
pigũta pa eli Pergunta pra ele
227
maselu kwidava Marcelo cuidava
oti tipu Outro tipo
kotildevɛsa deli nũte di notilde A conversa dele natildeo entendo natildeo
komu ki fala fire ti Como eacute que fala diferente (afeacuterese)
na kohpu uƷa No corpo usa
lizeɾu Ligeiro
tʃarsquoma eli Chamar ele
matildersquodo sabotilde pa eli Mandou sabatildeo pra ele
abɾiw pota Abriu a porta
lava motilde lava pɛ lava bɾasu Lavei a matildeo lavei o peacute lavei o braccedilo
ai ew fikej oiatildenu ai Aiacute eu fiquei olhando aiacute
fikej na pota oiatildenu cutatildeni Eu fiquei na porta olhando
nũ capa niũ Natildeo escapa nenhum
marsquoto cota piskosu Matou e cortou o pescoccedilo
kabesĩn Cabecinha
cusivi kimigu Inclusive comigo
batildeku busa sĩ Branco blusa assim
kursquomiɾu a karsquobesa da lsquoge ti Comeram a cabeccedila da gente
ũ nũ firsquokaɾi Um natildeo ficou
otirsquoĩdʒu Outro iacutendio
ʒũrsquotaɾu Juntaram
bɾirsquogamu pɾa eli Explicamos pra ele
ɔto dii ele vorsquoto dinovu Outro dia ele voltou de novo
ew sarsquoi hora Eu saiacute fora
otoɾapaj cursquoto Outro rapaz escutou
228
oʎa lotildezi Olhou longe
ew lsquoho
Eu vou
desa notilde Deixava natildeo
kuta baɾuj Escuta barulho
marsquoto tudi noɔɾa Matou tudo na hora
sɔ cabesu levo kumew Soacute a cabeccedila levou e comeu
mi a matildej cu tava Minha matildee contava
agwa tupiw tudo A aacutegua entupiu
agwa be j pɾeti mehmu Aacutegua bem preta mesmo
agwa suzi Aacutegua suja
pɾimiɾu kanɛlu Primeiro canela
i totilde paɾi Entatildeo eu parei
nu sarsquobi Natildeo sabia
pɾimeɾu u tigu Primeiro antigo
bastatildetu
Bastante
bastatildetu Bastante
todu tiɾatildenu levatildenu Tudo tirando levando
rsquokaze disu ficaɾu Por causa disso ficaram
tu kɾiatildesa Tudo crianccedila
lersquova todu mini nadu Levar toda meninada
eli mi tinu Ele mentindo
kotildemu orsquose pɾatildeta mu ito Como vocecirc planta muito (rotacismo)
nɔj kume nu aki Noacutes comendo aqui
nɔj seskɛse nu fukamu Noacutes nos esquecemos e ficamos
a noti marsquotaɾu tudu Agrave noite mataram tudo
229
eli sego gatildersquono Ele chegou enganou
kotildemiɾu Comeram
eli kotildersquoto soɾatildeni Ele contou chorando
ke j kwi kiɾo Quem que tirou
mi da mi a filu Me daacute meu filho
sɔ u ki karsquopo Soacute um que escapou
kɾirsquoa na kolu Criar no colo
vi de la u motildeti di he ti Veio de laacute um monte de gente
ew tatildebe j gotava
Eu tambeacutem gostava
na kɔba no basu
Na cobra no braccedilo
bisi u Bichinho
kabeseɾa pɛtu Cabeceira perto
mɔɾa pa basu Mora pra baixo
dirsquofisu marsquota Difiacutecil matar
sɔ bisotilde Soacute bichatildeo
ɛ h~undo Eacute fundo
pohku Porco
fɾɛsa Flecha
mi a matildej falaɾu Minha matildee falou
mi a matildej fikaɾu Minha matildee ficaram (ficou)
pɾimi mehmi Primo mesmo
tatɾa paj tambe j Trata pai tambeacutem
mi atilde ihmatilde maj vɛj Minha irmatilde mais velha
tu tia vɛj ta i Tua tia velha ta aiacute
tɾata gwau gwau ahe ti Trata igual igual a gente
230
halu hɛlarsquodo Ralo ralador
basoɾa ipi Vassoura espinho
fakotilde kotaɾu Facatildeo cortaram
hɛla matildersquodʒɔka Rala mandioca
ai dipoj Aiacute depois
ku faki pike nu Com faquinha pequena
hɛla tatildeme j Rela tambeacutem
mi a paj asirsquona Meu pai ensinar
kɔtaɾu kotilde a taba Cortaram com a taacutebua
disaɾu Deixaram
nu kotildepu No campo
la i basu Laacute embaixo
mi a paj nu hipotildedew natildew Meu pai natildeo respondeu natildeo
pesu Peixe
a notu toda A noite toda
baztatildeti poɹku la Bastante porco laacute
u digu vi Um dia que vim
mi atilde matildej kotildekorsquodo Minha matildee quando acordou
mi atilde matildej forsquola Minha matildee foi laacute
kazi gɾatildedi Quase grande
nɔj te j medu dosejzi Noacutes temos medo de vocecircs
bersquozu kumiw Beiju comeu
mohew saɾatildepi Morreu de sarampo
pigu tatildeni Perguntando
na katildepa No campo kahni asadu Carne assada
231
morsquohe tudi a Morrer tudinho
depoj ʃu miɾu Depois sumiram
dimorsquoɾo mujtu Demorou muito
mɔdi tehu Por causa da terra
ja vaj tʃarsquoi Jaacute vai sair
batildedorsquono Abandonou
fike mu arsquoi Ficamos aiacute
aʒe ti ojrsquoo A gente olhou
hatildeka karsquoɾa Arranca caraacute
tʃiɾi ga basi na Seringa para vacina
barsquotʃotilde Batom
nɔj peɾatildenu Noacutes esperando
mi asu rsquoto Me assustou
i odʒi E hoje
be j vimej Bem vermelho
otu di ʃi ma Outro de cima
sersquogo corsquohe Chegou correr
i te di be j Entende bem
mi asursquoto Me assustou
matatildenu nɔjzi Matando noacutes
mi a fila Minha filha
kumiɾu Comeram
azersquota korsquola pɾa eli Ajeitar colar pra ele
sarsquoma eli
Chamar ele
tʃega logu Chega logo
ʃiguɾow di novʊ Segurou de novo
232
dirsquoso firsquoko Deixou ficou
arsquotɛ dɛrsquozoɾa Ateacute dez horas
tʃɔ ɔjrsquoa Soacute olhar
pi gada Espingarda
pɛhtu casueɾu Perto da cachoeira
maj pɛtu Mais perto
ote la Outra laacute
pɛga pesi Pega peixe
oti kazi Outra casa
pɛga milu Pegar milho
depoj tʃumiɾu bɾatildeku Depois sumiu o branco
mi rsquode ɾu Me deram
satildegɾaɾi asi Sangraram assim
bastatildetu Bastante
atildersquoda karsquosatildedu
Andar caccedilando
mi atilde filu Meu filho
nɔj fikatildeni Noacutes ficamos
ki kursquoto Que escutou
sɔ sorsquoɾatildenu Soacute chorando
depoj deli mohidu Depois dele morrer
nu ta vɛj Natildeo taacute velho
ta noj i da Taacute novo ainda
mi atilde matildej ta bii noj i da Minha matildee ta bem nova ainda
pɛrsquoga baʒtatildetu Pegar bastante
ew persquoge Eu peguei
233
mi atilde lsquoho farsquolo Meu avocirc falou
dimuɾatildeni Demorando
tehaɾu la mehmu Enterraram laacute mesmo
mi atilde matildej soɾatildenu Minha matildee chorando
mi atilde imatilde Minha irmatilde
E cursquoɳadi deli Eacute cunhado dele
E fii deli Eacute filho dele
kursquoɳadi deli Cunhado dele
hɔba demaj Rouba demais
ta difisi Ta difiacutecil
eli tʃobɾo Ele sobrou
saɾatildepi persquogo Sarampo pegou
pɾimeɾi morsquohe Primeiro morreu
ew kutej Eu escutei
sarsquoma matildej Chamar matildee
ta dirsquovisi Taacute difiacutecil
mohew ve me nadu Morreu envenenado
ki kɾirsquoari Que criaram
mi atorsquomaɾu Me tomaram
i ew torsquoteɾu E eu solteiro
kazadu kotildersquose Casado com vocecirc
natildew firsquoka diɾetu Natildeo ficar direito
firsquoka kweli Ficar com ele
mersquosenu Mexendo
ta setu Ta certo
234
bɾabu persquoeli Bravo por ele
tasirsquooma komigu Tem ciuacutemes de mim
E gotozu Eacute gostoso
tipu bursquoʒohu Tipo besouro
tʃi rsquodʒeɾu Cinzeiro
na li gi Na liacutengua
bɾatildeku batirsquotaɾu Brancos batizaram
katildedu eɾa novi Quando era novinho
arsquoi tipoj Aiacute depois
karsquoboɾe Acabou-se
tiguɾa na matildew Segura na matildeo
rsquoɛ lsquopɾimɛ lsquodeli Eacute primo dele
asinatildeni Ensinando
ew kersquome Eu queimei
pɾatildersquota maj Plantar mais
ew vo lsquopɾatildeta Eu vou plantar
karsquokwɛ Qualquer
tabaɾava Trabalhava
tubaɾotildeni Tubaratildeo
poɾi pɛɾa Pode esperar
mi ti nu Mentindo
eli sersquogo Ele chegou
atildersquototilde Entatildeo
ta lsquosetu natildew Ta certo natildeo
mesew kotildersquomigu Mexeu comigo
235
ʃersquoga dinote Chegar de noite
lersquova pirsquotaw Levar pro hospital
ta suzu Ta sujo
rsquobahio Bairro
atildebɾarsquosada Abraccedilada
masɛlu babudo Marcelo barbudo
pɾatildeta milu Planta milho
na gɾɛba Na gleba
bɾasadu Abraccedilado
komi he tʃi Comi gente
kɛ azursquoda Quer ajudar
sotildebɾasotilde Assombraccedilatildeo
nu podi atildersquoda Natildeo pode andar
pɛga na tiheɾu Pega no terreiro
kɔviotilde Gaviatildeo
sɔ eli karsquopo Soacute ele escapou
me rsquoto Aumentou
levava uz vɛio Levava os velhos
matildenɛ desaɾu Maneacute deixaram
pusa no kabelu Puxa no cabelo
kabelu ge ti hatildega Cabelo de gente arranca
iɔga ge ti pɾa la Joga gente pra laacute
hu tu Junto
kɛma he ti queima a gente
ki sɔ a oti Que soacute haacute outro
bagas~i Bagacinho
236
tiɾatildeni katildetatildeni Tirando cantando
kɾese ni Crescendo
dirsquoɾetu Direito
febɾu marsquolaɾu Febre malaacuteria
maj sarsquobiw Mais sabia
tiɾaɾu Tiraram
batildei Banho
ipia deli Espirro dele
Korsquodadu mehmo Acordado mesmo di notu De noite
kasu Caccedila
baɾizadu otu Batizado outro
atʃi mi a ihmatilde fala Assim minha irmatilde fala
kotadu Encostado
nu zudia deli natildew Natildeo judia dele natildeo
gɔta maj deli Gosta mais dele
samatildedu otu Chamando outro
mi atilde subɾi Meu sobrinho
mi atilde pohu Meu povo
mi atilde matilde Minha irmatilde
mi atilde muʒka Minha muacutesica
sɔ bɾi ga Soacute brinca
tʃubi nu Subindo
kahega na koʃta Carrega nas costas dese Desse aiacute istu Isto katildersquoba Gambaacute
237
kursquotia Cutia kursquotʃia Cutia
marsquoɾɛlu Amarelo
versquomela versquomelo Vermelha vermelho rsquose Esse
te natildeʊ te natilde Tem natildeo
esersquoki Esse aqui
rsquoɛmarsquokakupɾersquogisi Eacute macaco preguiccedila
morsquosegi Morcego
defersquore ti Diferente
rsquopodƷi Pode
rsquosersquonatilde Sei natildeo
rsquosersquoviw Vocecirc viu
arsquoinrsquoɛgarsquoviatildew Aiacute eacute gaviatildeo
jabutʃi Jabuti
parsquoɾɛsirsquokele Parece aquele
ɛrsquokele Eacute aquele
rsquoessersquote Esse tem
be i natildeu Tambeacutem natildeo
kursquoruja Coruja
pike nu Pequeno
defersquore ti Diferente
rsquokelersquoɛrsquootro Aquele eacute outro
rsquoejarsquobutʃi E jabuti gɾatildersquodatilde grandatildeo rsquomesmu mesmo
rsquomemu Mesmo
ɔrsquoɾɔpa Europa
arsquobeja Abelha
iscɔhpiatildew escorpiatildeo
ewmɔrsquoʎa Eu molhar ~ Eu molho
pirsquodi pedir tasrsquocɾitu Ta escrito
pɛdƷi Pedi (a gente )
Kersquoma queimar
mode nu Mordendo
morsquodemas Mordeu mais rsquonoj rsquodoj Noacutes dois
aʃe ti A gente (noacutes)
rsquopadirsquoze Pra dizer
238
rsquokɔta Corta
ahatildejrsquoo Arranhou
mujrsquoɛ Mulher
ahajrsquoaelig Arranhou orsquosersquomehm Vocecirc mesmo
isrsquopi Espinho
sorsquome Somente
rsquokalo ~karsquolo Calor doi Dois
tatildebe Tambeacutem
ispi rsquogada Espingarda
persquode Perdeu
se rsquotatu Sentado
rsquohe ti Gente
arsquodidu Ardido rsquokoda Corda mərsquota Matar marsquotani matando
rsquoʃɔmarsquota Soacute matar
rsquobisu Bicho rsquoota Outra
patildersquota ~rsquopɾatildeta Plantar
atildersquodatildeni Andando
ve tatildeni Ventando
defersquore ti Diferente
hursquoatildenu Voando vorsquoto Voltou rsquopodirsquoze Pode dizer marsquotaforsquogatilden Matar afogando rsquodaga Da aacutegua (drsquoaacutegua) arsquoɾea Areia
rsquofu da Afunda
rsquokɛlaforsquogo Que ela afogou
mɛgursquola Mergulhar
eʃpɾersquome Espremer
hɛlatilden Ralando (verbo ralar)
mɔrsquolada Amolada
kwatildeni Quando arsquotia Ateia (verbo atear)
239
i pursquoha Empurrar
epursquohej Eu empurrei
pursquoha Empurrar rsquofoti Forte
rsquofosa Forccedila
rsquohapu Raacutepido
ku rsquopɛ Com o peacute
eki pursquohe Eu que empurrei
sirsquonɛlu Chinelo
i pursquohan Empurrando
sɔrsquose Soacute vocecirc
rsquotapursquohanu Taacute empurrando
sɔrsquozi Sozinho
rsquohatildeka Arrancar
rsquosɔhatildersquoka Soacute arrancar
jrsquoahatildersquoke Jaacute arranquei
arsquohatildekui rsquoʃada Arranco com a enxada
rsquopuʃa Puxar cabelo pursquoʃo Puxou pursquoʃe Puxei haʃrsquoto Arrastou haʃrsquote Arrastei
tʃirsquoa Tirar
buʃrsquoca Buscar buʃrsquoke Busquei (eu passado) rsquooto Outra rsquohopa Roupa rsquomemo Mesmo rsquodeʃa Deixa
tirsquoe Tirei
rsquosɛtu Certo
rsquohejtu Jeito iskujrsquoe Escolher rsquotakujrsquoenu Taacute escolhendo ojrsquoan Olhando
tʃumi Sumiu
dimursquoranu Demorando kersquoma Queimar ursquozotu Os outros kersquome Queimei
rsquonɔj Noacutes
rsquopejsi Peixe
Ku rsquome Comer
240
pɾicirsquoza Precisar pɾisirsquozanu Precisando korsquoseɾa Coceira mirsquoƷatilden Mijando atildersquodatildenu Andando
barsquote nu Batendo
i rsquoʃima Encima
rsquokatildem Cama atirsquoɾo Atirou
rsquohaʃarsquole Racha lenha
vɔrsquota Voltar
tursquomatilden Tomando
varsquoɾi Varinha
gɾitrsquoatilden Gritando
fɾɛrsquoga Esfregar
mirsquodi Medir
mi rsquotinu Mentindo
rsquokɔʃka Coacutecega
barsquosi u Baixinho
pɔdirsquoze Pode dizer
pe rsquota Pentear
rsquobatildej Banho rsquomaiƷrsquotadi Mais tarde rsquofoja Folha batildenarsquodo Abanador bursquonitu Bonito
rsquosersquokirsquode Vocecirc que deu
siparsquoradu Separado rsquosatildew Chatildeo
tursquodi Tudinho
karsquoe Cair kersquobɾe Quebrei arsquohatildejorsquose Arranho vocecirc rsquomuja Molha rsquosevi Serve rsquopaj Palha pirsquodi Pedir dersquosa Deixar rsquomoj Molho fɾersquovenu Fervendo pursquolo Pulou
norsquovi Novinho
241
firsquodido Fedido mursquolada Amolada
rsquonɔʃi Nosso
patildersquoneɾu Paneiro motildersquodeli Matildeo dele dursquozotu Dos outros
rsquonɔj Noacutes
rsquopodi Podre firsquodid Fedido dersquota Deitar dersquotadu Deitado cuʃtursquoɾa Costurar
barsquote m Batendo
dersquosa Deixar
rsquofɾɛʃa ~rsquofɾEʃ Flecha
iskersquosidu Esquecido
tatildersquome j Tambeacutem
abersquoli Abelhinha
me rsquodu i Amendoim
pɔrsquodirsquoze Pode dizer
rsquoavi Aacutervore
rsquopesi Peixe
tatursquozi Tatuzinho
rsquovɛja Velha
arsquodea Aldeia
rsquode tu Dentro
rsquohe ti Gente
rsquohadu Raacutedio rsquohejtu Jeito iʃtɾarsquogadu Estragado
rsquode tirsquokaza Dentro de casa
rsquopoku Porco
pihu rsquotatildenu Perguntando
gwahrsquode Guardei firsquogeɾa Figueira
kɔrsquota Cortar
ojrsquoa Olhar
pi dursquoɾa pendurar
mitʃursquoɾa Misturar
rsquofɔtʃi Forte
242
matildersquodƷɔka Mandioca
birsquoƷu Beiju
marsquoɾɛlu Amarelo
atildersquozɔ Anzol
rsquopɛda Pedra
AGRADECIMENTOS
A Deus por me capacitar e me fazer sentir o teu zelo cuidado e proteccedilatildeo
constantemente
Aos meus familiares em especial a minha matildee e o meu pai pelo suporte
coragem e exemplos a mim transmitidos
A minha esposa Jane pelo carinho e compreensatildeo pelas horas que natildeo
pude estar ao seu lado dedicando-me a este trabalho
Aos meus filhos Breno e Estela meu tesouros por me fazerem acreditar
que o mundo pode ser melhor
A minha orientadora Stella Telles pelo carinho compreensatildeo
engajamento e ensino por me fazer acreditar que podemos ser altruiacutestas sem
perdermos a essecircncia da humildade Por compartilhar-me com despreendemento
os seus dados
Agraves coordenadoras do PG-Letras Evandra Gligoletto e Fabiele Stockmans
pela presteza sempre que necessaacuterio
Aos meus mestres do Doutorado pelo trabalho que foi realizado durante o
curso em especial Stella Telles Marlos Pessoa Claacuteudia Roberta Siane Goes
Benedito Bezerra Virgiacutenia Leal Alberto Poza e Nelly Carvalho
Aos professores do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo (UFPE)
Flaacutevio Brainer Artur Gomes Maacutercia Mendonccedila e Joatildeo Batista pela colaboraccedilatildeo
na trajetoacuteria acadecircmica
A Abuecircndia Padilha e Gilda Lins (in memoriam) pela dedicaccedilatildeo e carinho
que demonstraram durante as aulas
Aos meus colegas do Doutorado Solange Carvalho Ana Cristina Cleber
Morgana Jaciara Carolina Pires Juliane Acircngela Socircnia Ismar Rinalda Ludimila
e Clara por me ajudarem nos momentos de dificuldades e de (muitas)
necessidades
Aos colegas da GER ndash Vale do Capibaribe pela ajuda sempre que
necessaacuterio em especial Marta Morgana Edjane e Janecleide
Aos colegas e alunos do IFAL (Instituto Federal de Alagoas) pela grande
ajuda e carinho que demonstraram durante a realizaccedilatildeo deste trabalho Pela
compreensatildeo das faltas e substituiccedilotildees que de mim foram demandadas
Aos membros da banca que tatildeo gentilmente aceitaram o convite
Aos meus amigos familiares entes queridos todos que direta ou
diretamente me ajudaram nesta caminhada Nenhum trabalho eacute feito sozinho
portanto os meacuteritos tambeacutem satildeo de vocecircs
RESUMO
O presente trabalho eacute o resultado de um estudo sobre a Marcaccedilatildeo no Contato
Linguiacutestico entre o Latundecirc e o Portuguecircs Trata-se de uma investigaccedilatildeo com
base na abordagem tipoloacutegica da linguiacutestica visando agrave elucidaccedilatildeo das unidades
mais e as menos marcadas que satildeo ou natildeo transferidas no processo de
acomodaccedilatildeo dos inventaacuterios foneacuteticos de ambas as liacutenguas Utilizamos como
base os pressupostos teoacutericos defendidos por CROFT (1990) JAKOBSON
(1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS amp ELSIK (2006) e LACY (2006) para a
descriccedilatildeo dos universais linguiacutesticos e da marcaccedilatildeo No que tange ao contato
linguiacutestico nos respaldamos nas reflexotildees de ROMAINE (2000) THOMASON
(2001) AIKHENVALD (2007) e HYMES (1971) Para descriccedilatildeo linguiacutestica e
histoacuterica dos Latundecirc nos baseamos em TELLES (2002) ANOMBY (2009) e
PRICE (1977) No que tange ao aporte foneacutetico para descriccedilatildeo do contato entre
ambas as liacutenguas nos valemos dos escritos de WEINREICH (1953) BISOL
(1996) VAN COETSEM (1988) e MATRAS (2009) Quanto agraves anaacutelises nos
fundamentamos nas observaccedilotildees de SPENCER (1996) LASS (2000) e RICE
(2007) O nosso corpus eacute formado de trinta horas de fala transcritas
foneticamente de acordo com IPA de vinte informantes da comunidade Latundecirc
Os dados fazem parte do acervo do NEI (Nuacutecleo de Estudos Indigenistas) da
UFPE A partir da nossa pesquisa chegamos agrave conclusatildeo que os mais jovens
tendem a natildeo transferir os padrotildees mais marcados da sua liacutengua para a liacutengua
adquirida enquanto os mais velhos reproduzem com menor frequecircncia os
padrotildees mais marcados do Portuguecircs alguns contextos licenciam enquanto
outros bloqueiam a marcaccedilatildeo gerando um caraacuteter variaacutevel que demonstra o quatildeo
conflitante eacute a situaccedilatildeo do contato embora natildeo haja uma padronizaccedilatildeo no que
tange agrave estrutura silaacutebica o padratildeo CV eacute o mais recorrente e menos marcado
corroborando o que apregoa os pressupostos da tipologia linguiacutestica os
processos que envolvem perda e permuta de segmentos satildeo mais numerosos e
mais marcados dos que os que envolvem ganho de segmento os fonemas natildeo
presentes no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc tendem a ser apagados ou
reinterpretados pelo segmento mais proacuteximo do Portuguecircs quanto agrave manutenccedilatildeo
ou perda o comportamento dos traccedilos mais marcados do Latundecirc depende natildeo
categoricamente da fonologia do Portuguecircs a marcaccedilatildeo natildeo estaacute condicionada
apenas aos universais linguiacutesticos mas agraves especificidades da liacutengua
PALAVRAS-CHAVE Fonologia Liacutenguas em Contato Marcaccedilatildeo e Liacutenguas
Indiacutegenas
ABSTRACT
The present work describes phenomena of phonological transference of Latundecirc
a Brazilian indigenous language in Portuguese in language contact situation The
observed phenomena were examined under the light of the assumptions of
Linguistic Marking in its typological approach As basis we used CROFT (1990)
JAKOBSON (1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS ELSIK (2006) and LACY
(2006) studies for the description of linguistic universals and marking About
language contact we were supported by the reflections of ROMAINE (2000)
THOMASON (2001) AIKHENVALD (2007) and HYMES (1971) For the linguistic
and historical description of Latundecirc we were based on TELLES (2002)
ANOMBY (2009) and PRICE (1977) About the phonology of Portuguese we were
supported by BISOL (1996) For description of the contact between both
languages we used the writings of WEINREICH (1953) VAN COETSEM (1988)
and MATRAS (2009) The one of phonological phenomena observed was backed
in SPENCER (1996) LASS (2000) and RICE (2007) Our corpus is formed of thirty
hours of talk phonetically transcribed according to IPA In the survey we used the
speech production of 20 individuals from the Ladundecirc people among these 8
belonging to the pre-contact generation with the non- indigenous society and 12
belonging to the post-contact generation The data are part of the acquis of NEI
(Nuacutecleo de Estudos Indiacutegenas) of UFPE With our research we came to the
following results post-contact generation tends not to transfer most marked
patterns of their language to the acquired language while the native of pre-contact
generation do in a lower frequency the more marked standards of Portuguese
The processes that involve loss and exchange of segments are more numerous
than those involving segment gain The phonemes of Portuguese that do not exist
in Latundecirc tend to be erased or reinterpreted by the closest segment to
Portuguese resulting in the loss of contrast and in the emergence of the
unmarked through the phonological neutralisation There are phenomena that
show a tendency towards the universal as the deletion of the coda in favor of CV
standard syllabic and others that are arising out of restrictions of Latundecirc as the
monophthongization of nasal diphthong and the change of vowel quality in word-
final position In the set of phenomena we noticed that the interference is variable
and not always motivated by phonological or natural marking
KEYWORDS Phonology Marking Languages in contact Portuguese and
Latundecirc
RESUMEN
El presente estudio describe los fenoacutemenos de la transferencia fonoloacutegica del
Latundeacute una lengua indiacutegena Brasilera en el portugueacutes en una situacioacuten de
contacto linguumliacutestico Los fenoacutemenos observados fueron examinados a la luz de los
presupuestos de marcacioacuten linguumliacutestica en su abordaje tipoloacutegico Como modelo
de fundamentacioacuten se han utilizado los estudios de CROFT (1990) JAKOBSON
(1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS amp ELSIK (2006) y LACY (2006) para las
descripcioacuten de los universales linguumliacutesticos y de la marcacioacuten Sobre el contacto
linguumliacutestico fueron tomados como soporte cientiacutefico las reflexiones de ROMAINE
(2000) THOMASON (2001) AIKHENVALD (2007) y HYMES (1971) Para la
descripcioacuten linguumliacutestica de los Lantundeacute esta investigacioacuten se basoacute en TELLES
(2002) ANOMBY (2009)y PRICE (1977) Sobre la fonologiacutea del portugueacutes se
tuvieron en cuenta los estudios de BISOL (1996) Para la descripcioacuten del contacto
entre ambas lenguas fueron necesarios los escritos de WEINREICH (1053) VAN
COETSEM(1988) y MATRAS (2009) Finalmente el estudio de los fenoacutemenos
fonoloacutegicos observados fueron abordados en las investigaciones de SPENCER
(1996) LASS (2000) y RICE (2007) El corpus de este trabajo acadeacutemico estaacute
compuesto por treinta horas de diaacutelogos transcritos foneacuteticamente de acuerdo con
el IPA En la investigacioacuten se ha utilizado la produccioacuten del diaacutelogo de 20
individuos del pueblo Latundeacute dentro de ellos 8 pertenecientes a la generacioacuten
del pre contacto con la sociedad no indiacutegena y 12 pertenecientes a la generacioacuten
del post contacto Los datos hacen parte del acervo del Nuacutecleo de Estudios
Indigenistas (NEI) de la UFPE Con esta investigacioacuten se ha llegado a la siguiente
conclusioacuten La generacioacuten post contacto tiende a no transferir los patrones maacutes
acentuados de su lengua hacia la lengua adquirida mientras que los indiacutegenas de
la generacioacuten del pre contacto realizan con menor frecuencia los patrones maacutes
marcados del portugueacutes Los procesos que envuelven la peacuterdida y permuta de los
segmentos son maacutes numerosos de aquellos que involucran la ganancia del
segmento Los fonemas del portugueacutes que no existen en el Latundeacute tienden a ser
borrados o reinterpretados por el segmento maacutes proacuteximo al portugueacutes resultando
en una peacuterdida de contraste y en la emergencia del no marcado a traveacutes de la
neutralizacioacuten fonoloacutegica Hay fenoacutemenos que revelan una tendencia a lo
universal como desvanecimiento de la coda en a favor de patroacuten silaacutebico CV y
otros que son consecuencia de las restricciones del Latundeacute como la
monoptongacioacuten de diptongo nasal y la mudanza de la cualidad vocaacutelica en
posicioacuten final de la palabra El en conjunto de fenoacutemenos verificamos que la
interferencia es variable y no siempre estaacute motivada por la acentuacioacuten fonoloacutegica
o natural
Palabras Clave Fonologiacutea Acentuacioacuten Lenguas en Contacto Portugueacutes y
Latundeacute
LISTA DE SIacuteMBOLOS
Transcriccedilatildeo
Transcriccedilatildeo foneacutetica
Transcriccedilatildeo fonoloacutegica
[ ]
Vogais
Vogal meacutedio-baixa anterior [ɛ]
Vogal meacutedio-alta anterior [e]
Vogal alta anterior [i]
Vogal baixa central [a]
Vogal meacutedio-baixa posterior [ɔ]
Vogal meacutedio-alta posterior [o]
Vogal alta posterior [u]
Vogal alta anterior nasal [ i ]
Vogal meacutedio-alta anterior nasal [e ]
Vogal baixa central nasal [atilde]
Vogal meacutedio-alta posterior nasal [otilde]
Vogal alta posterior nasal [u ]
Consoantes
Oclusiva alveolar surda [t]
Oclusiva alveolar sonora [d]
Fricativa alveolar surda [s]
Fricativa alveolar sonora [z]
Nasal alveolar [n]
Lateral alveolar [l]
Africada alveopalatal surda [tʃ]
Africada alveopalatal sonora [dʒ]
Lateral palatal [ʎ]
Nasal palatal [ɳ]
Fricativa palatal surda [ʃ]
Fricativa palatal sonora [ʒ]
Oclusiva velar surda [k]
Oclusiva velar sonora [g]
Fricativa velar [x]
Oclusiva bilabial surda [p]
Oclusiva bilabial sonora [b]
Nasal bilabial [m]
Fricativa labiodental surda [f]
Fricativa labiodental sonora [v]
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Diagrama de Hall
67
FIGURA 2 Configuraccedilotildees da Mescla Linguiacutestica segundo Romaine (2000 p185)
71
FIGURA 3 Esquema de representaccedilatildeo do bilinguismo social segundo Appel e Muysken (1986 p 23)
74
FIGURA 4 Escolha de liacutengua e code-switching conforme Grosjean (1982 p127)
82
FIGURA 5 Classificaccedilatildeo das liacutenguas da Famiacutelia Nambikwaacutera de acordo com Rodrigues (1986 p 134)
87
FIGURA 6 Localizaccedilatildeo e aacuterea dos Nambikwaacutera de acordo com Roquete-Pinto (1919)
88
FIGURA 7 Territoacuterio Nambikwaacutera descrito por Price (1983)
89
FIGURA 8 Localizaccedilatildeo atual dos Nambikwaacutera
91
FIGURA 9
Localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc
94
FIGURA 10
Primeiros contatos com os Latundecirc (Foto Price 1977)
97
FIGURA 11 Iacutendios Latundecirc na TI Tubaratildeo-Latundecirc
104
FIGURA 12
Ligaccedilotildees entre a intensidade do bilinguismo o tipo de processo de acomodaccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo entre os sistemas fonoloacutegicos
118
FIGURA 13
Correspondecircncia entre liacutenguas e contato linguiacutestico
120
FIGURA 14 Agentividade da Liacutengua Recipiente de acordo Van Coetsem 1988 p10
122
FIGURA 15 Agentividade da Liacutengua de Origem de acordo Van Coetsem 1988 p11
122
FIGURA 16 Relaccedilatildeo de agentividade entre o Portuguecircs e o Latundecirc
123
FIGURA 17 Estrutura silaacutebica do Latundecirc
168
FIGURA 18 Estrutura silaacutebica do Portuguecircs (Cacircmara-Juacutenior)
169
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Unidades e estruturas mais marcadas conforme
levantamento de Moreira da Silva (2011)
50
Quadro 2 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Leacutevi-Strauss (1948)
92
Quadro 3 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Price e Cook (1969)
93
Quadro 4 Distribuiccedilatildeo dos povos pertencentes a TI Tubaratildeo-Latundecirc
95
Quadro 5 Nuacutecleos familiares de acordo com a habitaccedilatildeo em 1999
98
Quadro 6 Situaccedilatildeo sociolinguiacutestica dos Latundecirc (dados de 1999)
101
Quadro 7 Quadro Comparativo dos Sistemas Foneacuteticos do Romansh e do Schweizerdeutsch de acordo com Weinreich (1953)
111
Quadro 8 Tipos de processos que conduzem a mudanccedila fonoloacutegica induzida por contato
116
Quadro 9 Fonemas consonantais do Latundecirc
125
Quadro 10 Fonemas vocaacutelicos do Latundecirc
125
Quadro 11 Ditongos do Latundecirc
126
Quadro 12 Descriccedilatildeo dos fonemas consonantais (Retirada de Telles 2002)
126
Quadro 13 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos orais (Com base em Telles 2002)
149
Quadro 14
Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos nasais (Com base em Telles 2002)
153
Quadro 15
Vogais no Portuguecircs (Cacircmara Jr 1970)
154
Quadro 16
Consoantes no Portuguecircs (Silva 2002)
155
Quadro 17 Sistemas consonantais x Sistemas vocaacutelicos
156
Quadro 18 Resultado mais frequente do processo de monotongaccedilatildeo em Latundecirc
162
Quadro 19 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
166
Quadro 20 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Portuguecircs
167
Quadro 21 Escala de Sonoridade (Bonet e Mascaroacute 1997 p 109)
196
SUMAacuteRIO
1 SOBRE A PESQUISA 20
11 INTRODUCcedilAtildeO 20
12 JUSTIFICATIVA 24
13 OBJETIVOS 25
14 METODOLOGIA 26
15
DISPOSICcedilAtildeO DA TESE 27
2 MARCACcedilAtildeO LINGUIacuteSTICA 29
21 INTRODUCcedilAtildeO 29
22 MARCACcedilAtildeO 31
221 A concepccedilatildeo de Jakobson e Trubetzkoy 35
222 Abordagem Gerativa 37
223 Abordagem Tipoloacutegica (Interlinguiacutestica) 39
224 Abordagem Naturalista (Morfologia Natural) 41
23 CRITEacuteRIOS DE MARCACcedilAtildeO 42
24 MARCACcedilAtildeO MUDANCcedilA E CONTATO LINGUIacuteSTICO 45
25 JAKOBSON E A ABORDAGEM FONOLOacuteGICA DA
MARCACcedilAtildeO
48
3 O CONTATO LINGUIacuteSTICO 54
31 INTRODUCcedilAtildeO 54
32 SOBRE O CONTATO LINGUIacuteSTICO 57
33 MESCLAS DE CONTATO PIDGIN CRIOULO LIacuteNGUA
FRANCA E JARGAtildeO
60
331 Pidgin 63
332 Crioulo 65
333 Liacutengua Franca ou Sapir 69
334 Jargatildeo 71
34 IMPLICACcedilOtildeES DO CONTATO LINGUIacuteSTICO 72
341 Bilinguismo 72
342 Diglossia 78
343 Alternacircncia de coacutedigo 80
344 Morte da liacutengua
83
4 COMUNIDADE DE ESTUDO OS LATUNDEcirc 86
41 INTRODUCcedilAtildeO 86
42 A FAMIacuteLIA NAMBIKWARA 86
43 OS LATUNDEcirc
94
5 INTERFEREcircNCIA FONEacuteTICO-FONOLOacuteGICA DO LATUNDEcirc
NO PORTUGUEcircS
106
51 INTRODUCcedilAtildeO 106
52 INTERFEREcircNCIA FUSAtildeO COEXISTEcircNCIA E
TRANSFEREcircNCIA LINGUIacuteSTICA
107
53 FONOLOGIA DO LATUNDEcirc 124
54 FONOLOGIA DO PORTUGUEcircS 154
55 COMPARACcedilAtildeO ENTRE OS SISTEMAS FONEacuteTICOS DO
PORTUGUEcircS E DO LATUNDEcirc
156
6 PROCESSOS FONOLOacuteGICOS DO PORTUGUEcircS FALADO
PELOS LATUNDEcirc
158
61 Introduccedilatildeo 158
611 Perda de elementos 161
6111 Monotongaccedilatildeo 161
6112 Siacutencope em onset complexo de l e r 168
6113 Apagamento da coda 171
6114 Reduccedilatildeo do geruacutendio ndash Anteriorizaccedilatildeo da vogal final 173
6115 Reduccedilatildeo das palatais (nasal e lateral) 174
6116 Afeacuterese 177
6117 Apoacutecope 178
6118 Siacutencope 180
612 Ganho de elementos (Inserccedilatildeo de elementos) 181
613 Alteraccedilatildeo de elementos (permuta ou transposiccedilatildeo) 184
6131 Despalatalizaccedilatildeo de [ʃ] e [ʒ] 184
6132 Palatalizaccedilatildeo 186
6133 Vozeamento e desvozeamento 189
6134 Abaixamento e elevaccedilatildeo das vogais orais 191
6135 Nasalizaccedilatildeo e desnasalizaccedilatildeo 194
6136 Fenocircmenos envolvendo os roacuteticos 195
6137 Labializaccedilatildeo e deslabializaccedilatildeo 197
6138 Metaacutetese 198
6139 Siacutestole 199
61310 Fortalecimento
200
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
201
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
208
ANEXOS 221
20
1 SOBRE A PESQUISA
O estudo dessas liacutenguas eacute evidentemente de grande importacircncia para o incremento dos conhecimentos linguiacutesticos Cada nova liacutengua que se investiga traz novas contribuiccedilotildees agrave linguiacutestica cada nova liacutengua eacute outra manifestaccedilatildeo de como se pode realizar a linguagem
humana Cacircmara Jr (1977 p 4)
11 INTRODUCcedilAtildeO
Neste capiacutetulo discorreremos sobre a diversidade e a situaccedilatildeo das liacutenguas
indiacutegenas brasileiras1 bem como a motivaccedilatildeo para o presente estudo Tambeacutem
faratildeo parte desta introduccedilatildeo a justificativa para a realizaccedilatildeo desta pesquisa os
objetivos almejados os procedimentos metodoloacutegicos e a descriccedilatildeo da estrutura
da tese
Por se tratar de um estudo que diz respeito agrave linguiacutestica indigenista brasileira vale
iniciar a discussatildeo situando aqueles que satildeo os sujeitos da nossa pesquisa os
iacutendios Sabe-se que os povos indiacutegenas satildeo vistos geralmente como personagens
passivos na da nossa histoacuteria Eacute um equiacutevoco concebecirc-los na nossa narrativa
dessa forma pois seja no papel de aliados ou de inimigos esses povos tiveram
um papel importante na formaccedilatildeo de sociedades coloniais e poacutes-coloniais
(ALMEIDA 2013 p9)
1 Aleacutem do portuguecircs haacute no Brasil aproximadamente 180 liacutenguas indiacutegenas faladas por 225 etnias
Dessas liacutenguas 110 satildeo consideradas em extinccedilatildeo pelo fato de serem faladas por menos de 500 pessoas Estima-se que em 1500 cerca de seis milhotildees de iacutendios falavam 1078 idiomas Hoje a populaccedilatildeo indiacutegena brasileira chega a no maacuteximo entre 440 mil e 500 mil indiviacuteduos Atribui-se o desaparecimento das liacutenguas indiacutegenas agraves pressotildees poliacuteticas do colonizador e posteriormente agraves necessidades de sobrevivecircncia das populaccedilotildees indiacutegenas Revista Liacutengua portuguesa n 26 p 57 2010
21
Embora natildeo seja amplamente divulgado no Brasil haacute cerca de 180 liacutenguas
indiacutegenas o que nos torna um paiacutes plurilinguiacutestico Esse percentual era de 1200
antes da chegada dos portugueses Durante esses cinco seacuteculos de colonizaccedilatildeo
um glotociacutedio foi visto intensificamente no nosso territoacuterio
Mesmo sendo viacutetimas de um processo de colonizaccedilatildeo desenfreado e
escravizador estes povos com o tempo passaram a ser reconhecidos como
agentes na sociedade Suas accedilotildees satildeo vistas a partir de um recente periacuteodo
histoacuterico como importantes para explicar a histoacuteria deles e consequentemente a
nossa Saindo de um quadro de contato onde eram vistos como coadjuvantes
passando a ser tambeacutem protagonistas
Hoje os estudos indigenistas satildeo mais frequentes uma vez que na antropologia
atual os povos que foram definidos como aculturados passaram a ser
coadjuvantes de um processo histoacuterico e participativo
A reportagem da Revista Continente Maio de 2009 sobre os Fulniocirc faz parte de
um arsenal que descreve o que jaacute eacute sabido pela comunidade cientiacutefica as liacutenguas
indiacutegenas brasileiras estatildeo desaparecendo em ritmo acelerado Posto dessa
forma podemos perceber que haacute urgecircncia em descrever como tais liacutenguas se
comportam em si e em contatos com outras
Cacircmara-Juacutenior (1977 p 7) postula que os estudos indigenistas mais
precisamente sobre os de suas liacutenguas constitui no Brasil uma tarefa natildeo
somente enorme mas tambeacutem urgente Hoje meio seacuteculo depois esta citaccedilatildeo se
faz atual Os estudos indigenistas ainda se monstram tiacutemidos e carentes de
recursos e pesquisadores
22
Em continuidade o autor afirma que
Jaacute desapareceram no Brasil muitas liacutenguas agora totalmente irrecuperaacuteveis para a ciecircncia Eacute muito difiacutecil avaliar hoje em dia quantas liacutenguas se teriam falado no Brasil haacute 400 anos na eacutepoca do descobrimento do paiacutes pelos europeus Mas a quantidade de liacutenguas que subsistem ainda hoje () eacute ainda um nuacutemero consideraacutevel ndash cento e tantas Todas elas entretanto estatildeo ameaccediladas de desaparecer dentro de muitos poucos anos
O fato eacute que precisamos catalogar essas liacutenguas e como elas agem durante o
contato linguiacutestico Esses estudos satildeo de grande valia porque podem mostrar
como se deu analogicamente o contato do portuguecircs com outras liacutenguas E as
evidecircncias aqui encontradas contribuiratildeo para a descriccedilatildeo linguiacutestica aleacutem de
proporcionar agraves geraccedilotildees futuras o conhecimento mais apurado sobre as liacutenguas
de contato
Sobre esta relaccedilatildeo Almeida (idem p 14) afirma que
[] As relaccedilotildees de contato com sociedades envolventes e vaacuterios processos de mudanccedila cultural vivenciados pelos grupos indiacutegenas eram considerados simples relaccedilotildees de dominaccedilatildeo impostas aos iacutendios de tal forma que natildeo lhes restava nenhuma margem de manobra a natildeo ser a submissatildeo passiva a um processo de mudanccedilas culturais que os levaria a serem assimilados e confundidos com a massa da populaccedilatildeo
A autora ainda reitera que ldquoas relaccedilotildees de contato eram entatildeo grosso modo
vistas como relaccedilotildees de dominaccedilatildeo submissatildeo na qual uma cultura se impunha
sobre a outra anulando-ardquo p16
23
O contato entre liacutenguas contribuiu para o leacutexico portuguecircs2 E eacute o contato
linguiacutestico um dos fatores que coloca o iacutendio em situaccedilatildeo ativa na histoacuteria do
Brasil mesmo apoacutes o decreto do Marquecircs de Pombal3
Todavia assim como ocorrera com os negros eacute possiacutevel que o contato com
iacutendios possa ter influenciado outros niacuteveis da nossa gramaacutetica 4
Seki (1995 p 33) ao discutir sobre a situaccedilatildeo das liacutenguas indiacutegenas brasileiras
diz que
Essas estimativas devem ser ainda consideradas com certa cautela pois as liacutenguas indiacutegenas encontram-se sob as mais diferentes pressotildees sofrendo o impacto do crescente contato com a populaccedilatildeo envolvente e a liacutengua majoritaacuteria Contudo natildeo haacute em geral levantamentos que permitam estabelecer com maior margem de exatidatildeo os reflexos do impacto do Portuguecircs nos distintos grupos em termos de deslocamento de liacutengua indiacutegena tanto no que se refere a graus de bilinguismo monolinguismo quanto no que se refere agrave interferecircncia do Portuguecircs nessas liacutenguas nem sempre claramente perceptiacutevel nas fases iniciais mas que vai aos poucos contribuindo para a perda da liacutengua minoritaacuteria
2 Citamos aqui como exemplos o caso dos grupos de palavras oriundos de outros povos que
foram acoplados ao nosso leacutexico como indianismos e africanismos 3 Para estabelecer uma comunicaccedilatildeo com os nativos os portugueses foram aprendendo os
dialetos e idiomas indiacutegenas A partir do tupinambaacute falado pelos grupos mais abertos ao contato com os colonizadores criou-se uma liacutengua geral comum a iacutendios e natildeo-iacutendios O crescente nuacutemero de falantes do portuguecircs comeccedila a tornar o bilinguumlismo das famiacutelias portuguesas no paiacutes cada vez menor Em 17 de agosto de 1758 a liacutengua portuguesa se torna idioma oficial do Brasil atraveacutes de um decreto do Marquecircs de Pombal que tambeacutem proiacutebe o uso da liacutengua geral Disponiacutevel em httpwwwcomcienciabrreportagenslinguagemling03htm em 18122014 4 Alguns estudiosos afirmam que as influecircncias natildeo se restringiram apenas ao vocabulaacuterio
Jacques Raimundo em O Elemento Afro-Negro na Liacutengua Portuguesa aponta algumas mudanccedilas foneacuteticas iniciadas na fala dos escravos que ainda se mantecircm em algumas variedades do portuguecircs do Brasil as vogais meacutedias pretocircnicas e e o passam a ser pronunciadas como vogais altas respectivamente i e u (mininu nuticcedila) as vogais tocircnicas de palavras oxiacutetonas terminadas em s mesmo as grafadas com z se tornam ditongos (atrais mecircis vecircis) a marca de terceira pessoa do plural nos verbos do preteacuterito perfeito se reduz a o (fizero caiacutero tocaro)Em 1822 Jeroacutenimo Soares Barbosa registrava em sua Grammatica Philosophica uma peculiaridade sintaacutetica originada na fala dos escravos que ateacute hoje eacute apontada como uma das distinccedilotildees entre o portuguecircs falado em Portugal e o que se fala no Brasil a colocaccedilatildeo de pronomes aacutetonos antes dos verbos (mi deu ti falocirc) Disponiacutevel em httpwwwcomcienciabrreportagenslinguagemling03htm em 18122014
24
Embora a preocupaccedilatildeo da maioria dos estudiosos de liacutenguas indiacutegenas seja com
as liacutenguas minoritaacuterias esta pesquisa trafega no sentido contraacuterio ao buscar
descrever a influecircncia dessas liacutenguas tidas como fraacutegeis no indioma nacional
Vale ressaltar que mesmo em territoacuterio nacional o portuguecircs aqui eacute tido como
segunda liacutengua
12 JUSTIFICATIVA
O contato linguiacutestico e suas consequecircncias se datildeo em todas as liacutenguas do
mundo No entanto no que tange ao desaparecimento de liacutenguas o prejuiacutezo eacute
maior uma vez que a natildeo catalogaccedilatildeo dessas liacutenguas geraria um deacuteficit linguiacutestico
que poderia prejudicar os estudos linguiacutesticos vigentes e futuros aleacutem dos
problemas humanos advindos do processo de aculturaccedilatildeo entre povos
Ao corroborar com esta acertiva Telles (2009 p25) afirma que
Quando um povo perde uma liacutengua tambeacutem perde diversidade humana perdem-se meios de compreensatildeo e explicaccedilatildeo do mundo perdem-se soluccedilotildees de adaptalidade do homem ao meio perde-se o conhecimento do potencial e do usufruto sustentaacutevel deste meio Enfim perdem-se conhecimentos fundamentais que venham a coloborar para a continuidade da sobrevivecircncia do homem no planeta
O estudo de uma liacutengua diferente da nossa pode nos dar a impressatildeo de que
vamos encontrar algo distante da nossa realidade O que natildeo eacute verdade visto
que as semelhanccedilas linguiacutesticas satildeo em maior nuacutemero Cacircmara-Juacutenior (1977
p18)
25
Antes da perda total de uma liacutengua que pode ser assim configurado ou natildeo o
processo inicial se daacute pelo contato entre elas Soacute depois de existirem lado a lado
eacute que tais liacutenguas podem a depender da dinacircmica se fundirem desaparecerem
ou conviverem entre si
No caso do relacionamento entre o Latundecirc e o Portuguecircs percebe-se que tal
contato caminha para o desparecimento do Latundecirc dado as circunstacircncias
histoacutericas e sociais pelas quais esta liacutengua tem passado Hoje este povo eacute
composto de 20 falantes dispersos Como os mais novos natildeo podem coabitar
entre si a continuidade da etnia estaacute com os dias marcados Logo torna-se
urgente as tentativas de descriccedilatildeo da liacutengua e de seu comportamento
Analisar e descrever o contato com base nos padrotildees de marcaccedilatildeo e simetria
contribuiraacute com o princiacutepio de naturalidade que eacute pre-requesito para a tipologia
linguiacutestica No mais as investigaccedilotildees sobre o contato linguiacutestico satildeo de grande
valia para o conhecimento mais apurado das liacutenguas do mundo e da nossa liacutengua
especificamente
13 OBJETIVOS
Esta pesquisa objetiva o estudo da interferecircncia foneacutetica do Latundecirc no
Portuguecircs levando em consideraccedilatildeo o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
entre estas liacutenguas Tambeacutem busca refletir sobre os processos foneacuteticos oriundos
do contato e como eles se evidenciam a partir das liacutenguas em xeque
26
No decorrer da tese aleacutem dos objetivos postos aqui buscaremos responder as
questotildees postuladas
Investigar se os fatores internos (linguiacutesticos) e externos (estruturais)
interagem com os princiacutepios da marcaccedilatildeo
Identificar qual o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
Verificar se e quais os traccedilos mais marcados da liacutengua dominada passam
para a dominante
Dessa forma ao refletirmos sobre as questotildees acima esperamos contribuir com
os estudos dos universais linguiacutesticos e da cogniccedilatildeo humana
14 METODOLOGIA
O corpus utilizado nesta pesquisa foi coletado pela professora Stella Virgiacutenia
Telles e faz parte do NEI ndash Nuacutecleo de Estudos Indigenistas ndash da Universidade
Federal de Pernambuco Os dados foram gravados em CDrsquos em formato wave e
estruturados em forma de perguntas e respostas DID ndash Diaacutelogo entre
entrevistador e entrevistado
Foram escutados aproximadamente 30 horas de gravaccedilatildeo de fala dos 20
informantes Latundecirc Incialmente analisamos de oitiva os dados que foram
depois transcritos foneticamente com base no Alfabeto Foneacutetico Internacional -
IPA e organizados em tabelas Apoacutes segunda anaacutelise em caso de duacutevidas os
dados foram submetidos ao programa PRAAT para melhor audiccedilatildeo No que tange
27
agrave anaacutelise os dados foram disponibilizados em tabelas e enumerados com os
respectivos comentaacuterios abaixo
15 DISPOSICcedilAtildeO DA TESE
Para este estudo utilizamos os pressupostos cientiacuteficos da tipolologia linguiacutestica
de base aleacutem de autores que foquem em seus estudos contato interferecircncia
foneacutetica marcaccedilatildeo e naturalidade
No capiacutetulo 1 discorremos sobre os elementos basilares da tese justificativa
objetivos perguntas norteadoras metodologia e disposiccedilatildeo da tese
No capiacutetulo 2 trataremos sobre a marcaccedilatildeo Nele abordaremos o conceito de
marcaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com os princiacutepios de simetria e naturalidade Veremos a
partir do panorama de Matras amp Elsik (2006) Battistella (1996) Lacy (2006) as
abordagens de marcaccedilatildeo estruturalista gerativa tipoloacutegica e naturalista
Na seccedilatildeo 23 discorreremos sobre os criteacuterios de marcaccedilatildeo e na seccedilatildeo 24
sobre a mudanccedila linguiacutestica contato e marcaccedilatildeo Nos deteremos aos estudos de
Jakobson na abordagem fonoloacutegica na seccedilatildeo 25 bem como os universais
linguiacutesticos para a marcaccedilatildeo observados por Moreira da Silva (2011) em
contraponto com os padrotildees mais marcados do Latundecirc
No Capiacutetulo 3 o contato linguiacutestico seraacute nosso escopo Nele discutiremos os tipos
de mesclas de contato pidgin crioulo liacutengua Franca e jargatildeo a partir dos
pressupostos de Tarallo e Alkimin (1987) Calvet (2004) Couto (2001) Hall
28
(1996) Hymes (1971) Romaine (2000) e AiKhenvald e Dixon (2006)
Abordaremos tambeacutem a diglossia conforme Ferguson (1991) a alternacircncia de
coacutedigo de acordo com Auer (1999) Morte de liacutengua segundo Mcmahon (1994)
Trask (2004) e Cristoacutefaro-Silva (2002)
No capiacutetulo 4 apresentaremos a comunidade de estudo os Latundecirc Inicialmente
com base em Rodrigues (1995) Roquete-Pinto (1919) Leacutevi-Strauss (1946) Price
e Cook (1969) Anomby (2009) e Telles (2002) faremos uma descriccedilatildeo dos povos
e famiacutelias indiacutegenas do Brasil e dos Latundecirc especificamente Recapitularemos o
contexto histoacuterico formaccedilatildeo contato com os outros povos indiacutegenas e com os
natildeo iacutendios limites geograacuteficos e situaccedilatildeo atual
No capiacutetulo 5 trataremos da interferecircncia e transferecircncia foneacutetica do Latundecirc
para o Portuguecircs Com base em Cristoacutefaro-Silva (2002) Bisol (1996) Weinreich
(1953) Van Coetesem (1988) e Matras (2009) discutiremos os processos de
interferecircncia fusatildeo coexistecircncia e transferecircncia linguiacutestica Apresentaremos os
aspectos mais relevantes da fonologia Latundecirc e do Portuguecircs
No capiacutetulo 6 faremos as anaacutelises dos processos foneacuteticos presentes no contato
do Latundecirc com o Portuguecircs A partir da perspectiva claacutessica de perda
manutenccedilatildeo ou ganho de elementos discutiremos sobre quais os processos
foneacuteticos mais marcados do Latundecirc permanecem ou natildeo atestados no
Portuguecircs falado por Latundecirc
Por fim chegaremos agraves divagaccedilotildees finais dos resultados configurados na
pesquisa e agrave perspectiva de continuidade do trabalho Nos anexos encontram-se
os dados analisados transcritos foneticamente e dispostos em tabelas
29
2 MARCACcedilAtildeO LINGUIacuteSTICA
A nossa vida eacute mesmo assim Crescemos uns qual aacutervore indivisa levados pela forccedila de um destino retiliacuteneo como as palmeiras crescem
outros com a vida ramificada pelos empuxos ambientes Pretendemos Tentamos Retrocedemos
Afinal caminhamos na diretriz primitivamente escolhida quando o tempo nos concede alcanccedilar crescemos como as lianas5
(ROQUETTE-PINTO 1919 p 37)
21 INTRODUCcedilAtildeO
Eacute fato que o universo eacute regido por leis naturais O que aparentemente demonstra
ser fruto da eventualidade eacute um conjunto de princiacutepios explicaacuteveis que agem de
forma complementar sob as forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas Com a liacutengua(gem)
natildeo diferentemente enquanto sistema de relaccedilotildees ela reflete estas
caracteriacutesticas Para Croft (2003 p 25) ela reflete a tensatildeo entre duas tendecircncias
concorrentes - uma em direccedilatildeo agrave regularidade a outra em direccedilatildeo agrave
hierarquizaccedilatildeo
Com o objetivo de melhor compreensatildeo dos pressupostos da tese neste capiacutetulo
nos deteremos agrave compreensatildeo dos conceitos de marcaccedilatildeo assimetria e
naturalidade Oriundos da linguiacutestica de base estes termos estatildeo relacionados
aos universais linguiacutesticos A complexidade destes conceitos por outro lado
apontam para o que eacute individual e para o que eacute geral Tem a ver com o que jaacute
defendia Chomsky ao estabelecer a dicotomia Princiacutepios x Paracircmetros
Obviamente posta a complexidade da liacutengua esses ldquoagentesrdquo da linguagem
5 Espeacutecie de trepadeira que manteacutem sua raiz no solo mas necessita de um suporte para manter-
se ereta e crescer em direccedilatildeo agrave luz
30
estatildeo submetidos tambeacutem aos fatores internos e externos nas liacutenguas do mundo
Logo o que eacute marcado numa liacutengua pode natildeo ser em outra ou podem ocorrer
marcaccedilotildees mais globais
Matras e Elsik (2006 p12) discorrem que
A tarefa da teoria linguiacutestica eacute a nosso ver descrever como essas tendecircncias concorrentes satildeo responsaacuteveis pela formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas Trata-se de um jogo a niacutevel local de vaacuterios fatores a estrutura e sua funccedilatildeo na comunicaccedilatildeo o membro e o valor que ela representa tanto dentro do paradigma e em um quadro conceitual mais universal a natureza do processo especiacutefico envolvido na formaccedilatildeo a estrutura e a motivaccedilatildeo para aplicar esse processo para o paradigma ou partes dele Esta complexa interaccedilatildeo de fatores nunca eacute preacute-determinada uma vez que diferentes combinaccedilotildees de fatores tornaratildeo resultados diferentes A este respeito tomamos uma visatildeo imparcial do que condiccedilatildeo marcada eacute e se eacute ou natildeo uma estrutura eacute marcado ldquoem comparaccedilatildeo com a outrardquo Em vez disso nosso interesse eacute em explorar padrotildees nos resultados de diferentes combinaccedilotildees de fatores em niacutevel local
A assimetria e a naturalidade efetivamente teriam uma relaccedilatildeo direta com a
marcaccedilatildeo O que eacute assimeacutetrico tende a ser mais marcado e menos natural Por
outro lado o que eacute mais natural tende a ser menos marcado e mais simeacutetrico
Esta eacute uma condiccedilatildeo elementar mas natildeo totalitaacuteria para as liacutenguas do mundo
Para Batistella (1996 p115) haacute um nuacutemero de pesquisadores que sugerem
formas especiacuteficas em que as condiccedilotildees de marcaccedilatildeo desempenham um papel
na descriccedilatildeo na alteraccedilatildeo ou na aquisiccedilatildeo da liacutengua(gem) exercendo uma
funccedilatildeo relevante na definiccedilatildeo da gramaacutetica oacutetima agravequela que eacute o resultado
satisfatoacuterio na teoria da otimalidade6
6 Mesmo natildeo trabalhando diretamente com a teoria da otimalidade nesta tese eacute vaacutelido ressaltar
que os princiacutepios de marcaccedilatildeo simetria e naturalidade fazem parte do arcabouccedilo teoacuterico de seu axioma
31
No que diz respeito agrave fonologia aacuterea da linguiacutestica sob a qual se debruccedila o objeto
de estudo desse trabalho Battistella (1966 p65) observa que condiccedilatildeo marcada
eacute uma propriedade da relaccedilatildeo entre os dois sinais de um paradigma diacriacutetico
que eacute em parte independente da substacircncia linguiacutestica articulaccedilatildeo e percepccedilatildeo e
deve ser definido principalmente como conceitual
No que se refere aos conceitos postos aqui utilizaremos os pressupostos teoacutericos
defendidos por CROFT (1996 2003) JAKOBSON (1953) BATTISTELLA (1996)
MATRAS amp ELSIK (2006) para descriccedilatildeo teoacuterica e abordagem histoacuterica e LACY
(2006) para a descriccedilatildeo dos universais marcados para tratarmos das elucidaccedilotildees
sobre Marcaccedilatildeo Tipoloacutegica (no contato linguiacutestico) e Naturalidade
22 MARCACcedilAtildeO
Battistella (1996 p7) afirma que em muitas aacutereas alguns conceitos apresentam
problemas quanto agrave sua complexidade axioloacutegica Natildeo diferentemente no campo
da linguiacutestica tais discussotildees emblemaacuteticas ainda hoje se fazem presentes Uma
dessas discussotildees gira em torno do conceito de marcaccedilatildeo pois segundo ele
A dicotomia natildeo-marcado versus marcado eacute um dos conceitos-chave tanto a teoria da gramaacutetica gerativa desenvolvida por Noam Chomsky e a teoria da linguiacutestica estrutural desenvolvida por Roman Jakobson Ela tem sido usada em aacutereas da linguiacutestica que vatildeo desde a descritiva e tipoloacutegica ateacute a aplicada e foi emprestado para campos tatildeo diversos como a antropologia arte muacutesica poesia e literatura
O termo que fora introduzido na linguiacutestica na deacutecada de 1920 pelos linguistas
europeus da Escola de Praga cujo significado da condiccedilatildeo marcada natildeo
32
permaneceu constante mesmo dentro de uma uacutenica estrutura intelectual hoje eacute
um marco central na linguiacutestica O conceito de marcaccedilatildeo estaacute relacionado agrave
frequecircncia daquilo que eacute menos comum na liacutengua Logo a relaccedilatildeo deste conceito
se coaduna agrave noccedilatildeo de naturalidade Se um elemento eacute mais natural ele seraacute
menos marcado Se o oposto seraacute mais marcado Deste modo as liacutenguas teriam
uma tendecircncia a optar por padrotildees natildeo marcados
Battistella (2006 p13) expotildee que
A possibilidade de relaccedilotildees universais marcado natildeo-marcado eacute atenuada por outros fatores Um deles eacute a observaccedilatildeo de que a assimetria eacute muitas vezes sensiacutevel ao contexto Isso faz com que uma condiccedilatildeo local marcada em vez de um fenocircmeno geral signifique que contexto deve sempre ser considerado ao determinar valores de condiccedilatildeo marcada Poderia ser eacute claro que o aspecto contextual da condiccedilatildeo marcada seja dado universalmente mas este natildeo eacute de modo algum faacutecil de mostrar aleacutem do niacutevel de fonologia Uma preocupaccedilatildeo relacionada sobre as implicaccedilotildees universais decorre do fato de que muitas assimetrias podem ser revertidas entre as diferentes comunidades de fala periacuteodos de tempo ou registradores
Para Trask (2004 p187) os vaacuterios criteacuterios para entender que uma forma ou
construccedilatildeo eacute marcada podem natildeo coincidir e os valores da alternativa marcado
natildeo-marcado podem tambeacutem mudar ao longo do tempo A complexidade posta na
interaccedilatildeo de fatores nunca eacute previamente estabelecida uma vez que as
diferentes combinaccedilotildees deles tornaratildeo consequentemente os resultados
diferentes
Em continuidade ele afirma que
Ser marcado eacute uma noccedilatildeo muito ampla que se aplica em todos os niacuteveis de anaacutelise Em termos gerais eacute marcada qualquer forma linguiacutestica que ndash sob qualquer ponto de vista ndash menos usual ou menos neutra do que alguma outra forma a forma natildeo-
33
marcada Uma forma marcada pode distinguir-se de outra tambeacutem marcada pela presenccedila de mais material de maior quantidade de matizes de significado por ser mais rara numa determinada liacutengua ou nas liacutenguas em geral ou de vaacuterios outros modos (idem p129)
Na e para a fonologia eacute sugerido que processos fonoloacutegicos estejam diretamente
sensiacuteveis agrave distinccedilatildeo entre os elementos marcados e os natildeo marcados Nesta
relaccedilatildeo a marcaccedilatildeo dos segmentos foneacuteticos estaacute relacionada a propriedades
linguiacutesticas como i) serem pouco comuns ii) serem pouco frequentes iii) serem
adquiridos tardiamente iv) serem pouco estaacuteveis quanto agrave mudanccedila sonora
(CRISTOacuteFARO-SILVA 2011 p148)
Segundo Battistella (2006 p 13) ldquoa condiccedilatildeo marcada na fonologia eacute uma
propriedade da relaccedilatildeo entre os dois sinais de um paradigma diacriacutetico que eacute em
parte independente da substacircncia linguiacutestica (articulaccedilatildeo e percepccedilatildeo) e deve ser
definida principalmente como conceitualrdquo
O conceito de marcaccedilatildeo estaacute diretamente relacionado ao de simetria propriedade
matemaacutetica que consiste na correspondecircncia e permuta de elementos dentro de
um conjunto onde mesmo com a troca de lugares eles continuam tendo o
mesmo valor Neste caso a marcaccedilatildeo estaria ligada ao conceito de assimetria
posto que esta seja a quebra da valoraccedilatildeo de correspondecircncia dos elementos
Trask 2007
Para Matras e Elsik (2006 p 8)
Assimetrias de paradigmas tecircm vindo a ser associado com a noccedilatildeo de condiccedilatildeo marcadardquo O conceito pressupotildee que a relaccedilatildeo estrutural entre os dois polos de um paradigma eacute previsiacutevel em certa medida Ele tambeacutem assume que um dos
34
polos marcado seraacute sempre exibir propriedades que o outro polo desmarcado natildeo tem
Os referidos autores tratam dos aspectos sobre assimetria afirmando que a
simetria eacute mais simples por ser explicada ldquoem termos formais ao niacutevel do
paradigma e em termos funcionais atraveacutes de regularidade na posiccedilatildeo e
formas das estruturas que executam operaccedilotildees lineares semelhantes na
organizaccedilatildeo de informaccedilatildeo de enunciadosrdquo Eles ainda afirmam que as ldquoas forccedilas
que provocam a assimetria satildeo muito mais opacasrdquo pois ldquoelas competem em
vaacuterios niacuteveis locais contra o poder aparentemente esmagador e sempre presente
da busca pela simetriardquo (idem p 10)
A noccedilatildeo de valores dos conceitos de marcados e natildeo marcados foi inicialmente
desenvolvido para sistemas fonoloacutegicos por Trubetzkoy (1931) e primeiro aplicado
a categorias morfossintaacuteticas e semacircnticas por Jakobson (1932) Croft (1990 p
87) afirma que Markedness has since been adopted by both the generative and
the typological approaches to linguistic theory not surprisingly in rather different
ways7 Por isso a depender da corrente teoacuterica adotada o conceito de marcaccedilatildeo
pode ser compreendido de forma distinta dadas as interpretaccedilotildees e as
abrangecircncias a que elas se propotildeem
Conforme Battistella (1996 p 12) O termo marcaccedilatildeo abrange uma seacuterie de
conceitos
algumas tentativas foram feitas para separar os conceitos subjacentes a este termo e distinguir entre diferentes tipos de condiccedilotildees marcadas Jakobson por exemplo manteacutem uma
7 O conceito de marcaccedilatildeo tem sido adotado nas abordagens gerativista e tipoloacutegica natildeo surpreendentemente de maneiras bastante diferentes
35
distinccedilatildeo entre condiccedilatildeo fonoloacutegica marcada que envolve categorias cujos significados satildeo meros diferenciadores e condiccedilatildeo marcada semacircntica que envolve categorias conceituais que sinalizam o que significa bem como distinguem os vocaacutebulos
Com os passar do tempo os modelos teoacutericos sobre marcaccedilatildeo tambeacutem foram
discutidos e repensados de acordo com a corrente a que se propunha Nos
paraacutegrafos que seguem discorremos seguindo o percurso histoacuterico descrito por
Battistella 2006 sobre estes modelos estruturalista gerativista tipoloacutegica e
naturalista
221 A concepccedilatildeo de Jakobson e Trubetzkoy
A abordagem estruturalista estaacute diretamente ligada agraves pessoas de Jakobson e
Trubetzkoy componentes do Ciacuterculo de Praga para quem as correlaccedilotildees
fonoloacutegicas satildeo compartilhadas em um elemento definidor comum A partir da
observaccedilatildeo do comportamento dos traccedilos fonoloacutegicos eles introduzem os termos
marcado e natildeo-marcado It was in the context of the search for correlations
among phonemes that the terms marked and unmarked were first proposed
Battistella (2006 p 19)
Na visatildeo semioacutetica estruturalista de acordo com Matras e Elsik (2006 p 15)
Trubetzkoy (1939) introduziu o conceito de condiccedilatildeo marcada no contexto de sua
pesquisa sobre correlaccedilotildees fonoloacutegicas com base nas relaccedilotildees entre a presenccedila
de alguma caracteriacutestica fonoloacutegica e sua ausecircncia na consciecircncia dos falantes
Mais adiante ele restringiu a aplicaccedilatildeo da condiccedilatildeo marcada agraves neutralizaacuteveis
36
oposiccedilotildees fonoloacutegicas A partir daiacute a neutralizaccedilatildeo tornou-se o criteacuterio de
marcaccedilatildeo
Por isso diz-se que a neutralizaccedilatildeo eacute um criteacuterio originalmente fonoloacutegico que foi
estendido (nem sempre bem) para a situaccedilatildeo em que algum contexto requer o
cancelamento do contraste entre os membros de uma oposiccedilatildeo Battistella (1996
p 11)
Batistella (idem p12) tambeacutem afirma que Jakobson aplicou o conceito de
marcaccedilatildeo em vaacuterias direccedilotildees e aleacutem da fonologia a outros niacuteveis linguiacutesticos e
domiacutenios da semioacutetica com base natildeo apenas nos atributos linguiacutesticos mas nas
categorias semacircnticas da gramaacutetica e da cultura Ele tambeacutem afirmou que a
condiccedilatildeo marcada pode ser vista como uma relaccedilatildeo binaacuteria
O autor em estudo ainda discorre que Jakobson observando aleacutem disso ldquouma
seacuterie de correlaccedilotildees de condiccedilatildeo marcada notou que os valores natildeo marcados
tendem a ser representado por zero formardquo sugerindo que existe uma
correspondecircncia entre as caracteriacutesticas semacircnticas e sua expressatildeo fonoloacutegica
ldquonatildeo apenas os valores marcados tendem a ser codificados por meio de
marcadores manifestados mas tambeacutem valores semanticamente proacuteximos de
uma categoria que tendem a ser expressos fonologicamente ou marcadores
fonotaticamente semelhantesrdquo Os valores marcados tambeacutem tendem a mostrar
diferenciaccedilatildeo menos formal do que os valores natildeo marcados
Jakobson tambeacutem teria evidenciado seus estudos com base nas observaccedilotildees
sobre a aquisiccedilatildeo de primeira liacutengua e sobre a afasia Em suas pesquisas ele
descobriu correlatos extralinguiacutesticos de condiccedilatildeo marcada propondo uma
37
hierarquia das caracteriacutesticas fonoloacutegicas universais ao coletar dados
corroboradores da tese de que as caracteriacutesticas ou segmentos marcados satildeo
mais difiacuteceis de serem adquiridos por crianccedilas e de serem apreendidos por
afaacutesicos Battistella (idem 16)
222 Abordagem Gerativa
Para Matras amp Elsik (2006 p10) a visatildeo de Chomsky de marcaccedilatildeo mostra uma
flexibilidade notaacutevel uma vez que o conceito natildeo foi desenvolvido de forma
sistemaacutetica e que eacute difiacutecil falar sobre a existecircncia de um trabalho mais bem
elaborado sobre marcaccedilatildeo em sua obra
Battistella afirma que na concepccedilatildeo gerativista o conceito de marcaccedilatildeo exposto
por Chomsky estaacute relacionado a duas ideias centrais i) a condiccedilatildeo marcada eacute
concebida como codificaccedilatildeo de uma estrutura de preferecircncia ou a estrutura
padratildeo para a aquisiccedilatildeo da linguagem e ii) a condiccedilatildeo marcada eacute vista como
aquela que reflete o custo de determinadas opccedilotildees analiacuteticas Em tal conceito as
duas ideias estatildeo interligadas na abordagem gerativa na medida em que uma
teoria formal eacute necessaacuteria para expor a adequaccedilatildeo explicativa no que diz respeito
agrave aquisiccedilatildeo da linguagem (1996 p18)
Ainda segundo o autor Chomsky tambeacutem distinguiu dois tipos de condiccedilatildeo
marcada a distinccedilatildeo entre uma gramaacutetica sem marcaccedilatildeo do nuacutecleo e uma
periferia marcada e as estruturas de preferecircncia dentro do nuacutecleo e dentro da
periferia
38
No que tange agrave fonologia para Moreira da Silva (2011 p 31)
No contexto da Gramaacutetica Gerativa Chomsky amp Halle (1968 p 402) propotildeem uma teoria de marcaccedilatildeo baseada num conjunto de convenccedilotildees de marcaccedilatildeo ou definiccedilotildees dos valores ldquomarcadordquo ldquonatildeo-marcadordquo para os traccedilos fonoloacutegicos em contextos particulares A marcaccedilatildeo concebe uma estrutura como preferida ou que surge por defeito omissatildeo Os elementos marcados e natildeo marcados satildeo compreendidos como os que apresentam maior ou menor custo Satildeo as regras da Gramaacutetica Universal que atribuem um valor natildeo marcado aos traccedilos Com efeito os valores por omissatildeo estatildeo codificados na Gramaacutetica Universal havendo um conjunto de regras que fazem emergir os valores marcados
Chomsky amp Halle (idem p 425) propotildeem uma marcaccedilatildeo universal e inata Os
segmentos marcados ou os valores dos traccedilos satildeo estabelecidos de acordo com
universais interlinguiacutesticos frequecircncia distribucional mudanccedila linguiacutestica e
aquisiccedilatildeo da liacutengua
Eacute no final dos anos 70 e durante a deacutecada de 80 que segundo Battistella (1996
p 10)
a condiccedilatildeo marcada comeccedilou a ser tratada como parte de uma teoria do nuacutecleo da gramaacutetica A Gramaacutetica nuclear consistia em alguns paracircmetros que deveriam ser corrigidos durante a aquisiccedilatildeo de uma linguagem real O conceito de condiccedilatildeo marcada foi aplicado duplamente neste quadro Em primeiro lugar todo o nuacutecleo da gramaacutetica foi considerado como natildeo marcado contra a periferia marcada A condiccedilatildeo marcada de uma construccedilatildeo foi determinada pela sua regularidade estabilidade e centralidade para o nuacutecleo de uma linguagem particular bem como por generalizaccedilotildees intralinguiacutesticas sobre os tipos de construccedilatildeo Em segundo lugar a condiccedilatildeo marcada seria tambeacutem aplicada aos valores de paracircmetros no interior do nuacutecleo e no interior da periferia Assim condiccedilatildeo marcada tambeacutem foi visto como uma estrutura de preferecircncia dentro dos dois componentes da gramaacutetica
Moreira da Silva (2011 p32) afirma que no que diz respeito agrave Teoria da
Otimidade formulada por Prince amp Smolensky (1993) a marcaccedilatildeo eacute vista como a
39
violaccedilatildeo de uma restriccedilatildeo ou princiacutepio da liacutengua Segundo esta teoria cada liacutengua
eacute definida como um conjunto de hierarquizaccedilotildees de princiacutepios universais As
restriccedilotildees numa posiccedilatildeo mais elevada e que satildeo raramente violadas indicam os
aspetos natildeo marcados enquanto as menos importantes e que satildeo violadas
frequentemente mostram os aspetos mais marcados
223 Abordagem Tipoloacutegica (Interlinguiacutestica)
Croft (1996 p4) afirma que a principal caracteriacutestica da tipologia linguiacutestica eacute
verificar as regras de comparaccedilatildeo nas liacutenguas do mundo A comparaccedilatildeo
Interlinguiacutestica coloca a explicaccedilatildeo dos fenocircmenos linguiacutesticos de uma uacutenica
liacutengua em uma nova e diferente perspectiva
A fim de distinguir o conceito de marcaccedilatildeo de outras escolas teoacutericas Croft
(1996) introduziu a concepccedilatildeo de marcaccedilatildeo tipoloacutegica Para ele
Marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute uma rede de relaccedilotildees causais aparentes entre um subtipo de assimetrias interlinguiacutesticas todas as quais tecircm a ver com a forma como a funccedilatildeo eacute codificada em forma gramatical O tema geral da assimetria tambeacutem sugere um link para os padrotildees assimeacutetricos na ordem das palavras e na fonologia que diferem de marcaccedilatildeo tipoloacutegica de forma significativa Marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute uma propriedade universal de uma categoria conceitual natildeo uma propriedade de uma linguagem especiacutefica ou de uma categoria gramatical de linguagem particular como eacute concebida em marcaccedilatildeo para a Escola de Praga (p87 - 88)8
8 Typological markedness is a network of apparent causal relationships among a subtype of cross-
linguistic asymmetries all of which have to do with how function is encoded into grammatical form The general theme of asymmetry also suggests a link to asymmetrical patterns in word order and phonology which differ from typological markedness in significant ways Typological markedness is a universal property of a conceptual category not a language-particular property of a language-particular grammatical category as it is in Prague School markedness
40
Quanto agrave marcaccedilatildeo na abordagem tipoloacutegica autores como Croft (1996) e Givoacuten
(1990) se utilizaram da perspectiva estruturalista para embasar a sua teoria Esta
concepccedilatildeo se vale dos fenocircmenos interlinguiacutesticos e universais que eacute a sua
caracteriacutestica definidora Battistella (2006 p19) A marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute
portanto uma ferramenta importante para o tipologista porque fornece um meio
para ligar diretamente propriedades linguiacutesticas (estruturais) formais em todos os
idiomas
A condiccedilatildeo marcada eacute assegurada por padrotildees interlinguiacutesticos que podem ser
formulados como restriccedilotildees sobre possiacuteveis combinaccedilotildees de propriedades
linguiacutesticas Na abordagem tipoloacutegica a marcaccedilatildeo eacute vista como uma rede de
relacionamentos que engloba uma seacuterie de padrotildees gerais logicamente
independentes Croft (1990 p87) reclassifica os criteacuterios utilizados pelos
estruturalistas em trecircs estruturais comportamentais e de frequecircncia de token
Na abordagem tipoloacutegica um valor de categoria eacute mais ou menos marcado em
vez de individualmente ou duplamente marcadas como na abordagem semioacutetica
De acordo com Croft (2003 p87) o fato de que a neutralizaccedilatildeo natildeo eacute um
conceito relativo explica por que eacute um criteacuterio vaacutelido de condiccedilatildeo marcada
tipoloacutegica
Para Matras e Elsik o reconhecimento do caraacuteter relativo (gradual ou escalar) da
condiccedilatildeo marcada permite que se desenhe em alguns conceitos fundamentais da
tipologia linguiacutestica o que diz respeito agrave condiccedilatildeo de marcada Aleacutem de simples
implicacionais universais hierarquias e protoacutetipos tambeacutem podem ser vistos como
padrotildees da condiccedilatildeo marcada (2006 p18)
41
224 Abordagem Naturalista9 (Morfologia Natural)
Na abordagem naturalista de acordo com Matras amp Elsik (2006 p13) a condiccedilatildeo
marcada foi desenvolvida na escola de Morfologia Natural que surgiu na Aacuteustria e
na Alemanha em meados dos anos 1970 Os estudos de Dressler et al (1987)
para quem ldquoa naturalidade universal corresponde agrave facilidade para o ceacuterebro
humano (Dressler et all 1987 p11) fazem parte desta corrente que se debruccedilou
sobre a morfologia natural para dar sustentaccedilatildeo a sua tese Ainda para estes
autores
Os proponentes da Morfologia Natural caracterizam sua abordagem como semioacutetica e ao mesmo tempo funcional A escola foi inspirada entre outros pela teoria da marcaccedilatildeo desenvolvida na Escola de Praga Por outro lado morfologistas naturais compartilham de uma seacuterie de pontos de vista teoacutericos com o paradigma funcionalista e principalmente com orientaccedilatildeo de funccedilatildeo tipoloacutegica como a assunccedilatildeo do caraacuteter relativo da condiccedilatildeo marcada a suposiccedilatildeo de protoacutetipos e a dependecircncia de motivaccedilotildees e evidecircncias extralinguiacutesticas e intralinguiacutesticas (Idem p12)
Ainda de acordo com Matras amp Elsik (idem p 14) a Teoria da Morfologia Natural
eacute concebida como uma teoria da Naturalidade onde satildeo reconhecidos vaacuterios
niacuteveis de anaacutelise linguiacutestica que satildeo organizados por outras subteorias
correspondentes
A Morfologia Natural objetiva nesse aspecto estabelecer conflitos entre os
princiacutepios de naturalidade Dois desses satildeo i) os conflitos entre princiacutepios de
naturalidade (o que eacute natural e o que eacute especiacutefico do idioma) e ii) os conflitos
entre os diferentes componentes do sistema de linguagem
9 The naturalness approach
42
Comumente a naturalidade eacute vista por ter fundamentos extralinguiacutesticos que
determinam ou proiacutebem favorecem ou desfavorecem as estruturas linguiacutesticas
restringindo as possibilidades e especificam as preferecircncias da faculdade da
linguagem universal No entanto embora a morfologia privilegie os fatores
extralinguiacutesticos (neurobioloacutegicos e sociocomunicativos) os fatores linguiacutesticos
natildeo satildeo redutiacuteveis aos extralinguiacutesticos (ibidem p14)
23 CRITEacuteRIOS DE MARCACcedilAtildeO
Matras amp Elsik (2006 p15) elencam quatro criteacuterios relevantes para a marcaccedilatildeo
Satildeo eles i) frequecircncia ii) complexidade conceitual iii) complexidade estrutural iv)
distribuiccedilatildeo
A frequecircncia tem ocupado uma posiccedilatildeo central na abordagem tipoloacutegica da
condiccedilatildeo marcada Embora acredite-se que os elementos natildeo marcados satildeo
mais frequentes que os marcados este criteacuterio eacute relativo e universalmente
aplicaacutevel sendo bastante questionaacutevel na abordagem tipoloacutegica chegando a ser
abandonado por Croft 1990 p84 ao afirmar que ldquoo criteacuterio de frequecircncia mostra
uma conexatildeo direta entre as propriedades de estrutura da linguagem e
propriedades de uso da linguagemrdquo
Ainda segundo Croft (idem p159) a condiccedilatildeo marcada eacute mais do que uma
manifestaccedilatildeo de motivaccedilatildeo econocircmica havendo a necessidade de olhar para
outras causas da frequecircncia de certos valores gramaticais na fala
43
Na abordagem estruturalista semioacutetica a complexidade conceitual eacute a
propriedade que define a condiccedilatildeo semanticamente marcada Para Jakobson a
marcaccedilatildeo eacute definida como uma relaccedilatildeo assimeacutetrica entre sinalizaccedilatildeo e natildeo-
sinalizaccedilatildeo de uma determinada propriedade Assim o membro marcado da
oposiccedilatildeo eacute por definiccedilatildeo mais complexo semanticamente que o membro natildeo
marcado como outros criteacuterios melhores correlatos da condiccedilatildeo marcada de
diagnoacutesticos de complexidade conceitual (Matras amp Elsik 2006 p 17)
Ainda segundo estes autores (Idem p 19) o reconhecimento da extensatildeo e da
complexidade de um marcador em termos fonoloacutegicos como um fator relevante
em vez de um morfoloacutegico eacute tido por outros autores que trabalham com a
tipologia linguiacutestica Como exemplo eles citam a codificaccedilatildeo morfossintaacutetica que
eacute chamada de codificaccedilatildeo zero onde natildeo existe evidente formal de marcaccedilatildeo de
um valor de categoria
Os criteacuterios de marcaccedilatildeo com base na distribuiccedilatildeo compreendem os criteacuterios
comportamentais e o criteacuterio de valor neutro Os criteacuterios comportamentais foram
desenvolvidos especificamente na abordagem tipoloacutegica e dizem respeito a
qualquer tipo de evidecircncia do comportamento linguiacutestico dos elementos que
demonstram que um valor de uma categoria conceitual eacute gramaticalmente mais
versaacutetil do que outro Croft (1990 p 93)
Jaacute o criteacuterio de valor neutro diz respeito agrave neutralizaccedilatildeo de contrastes
paradigmaacuteticos em determinados contextos O criteacuterio foi desenvolvido na Escola
de Praga e tomado por Greenberg (1966) No entanto o valor neutro eacute
descartado como um criteacuterio vaacutelido de marcaccedilatildeo tipoloacutegica visto que natildeo haacute
44
consistecircncia interlinguiacutestica Natildeo existe um padratildeo interlinguiacutestico consistente de
contextos neutros que podem ser ligados agrave codificaccedilatildeo estrutural ou potencial
comportamental (Croft idem p96)
A razatildeo para a introduccedilatildeo de criteacuterios dependentes do sistema em Morfologia
Natural segundo Matras amp Elsik (2006 p 19) eacute que o conceito de naturalidade
baseada exclusivamente em fatores independentes de sistema resulta em
prediccedilotildees incorretas especialmente na mudanccedila de linguagem Eles consideram
certos aspectos da normalidade dependente de idioma para ser parte de
naturalidade
Segundo Croft (1990 p 97) no que tange aos criteacuterios externos da marcaccedilatildeo os
proponentes da abordagem naturalista introduziram uma seacuterie de criteacuterios ou
correlatos extralinguiacutesticos da condiccedilatildeo marcada como
evoluccedilatildeo da linguagem (o mais tarde o mais marcado)
maturaccedilatildeo ontogeneacutetica (o mais tarde o mais marcado)
fala do bebecirc (menos elementos marcados preferidos pelos adultos no
maiecircs)
aquisiccedilatildeo da linguagem (menos marcado adquirido antes do mais
marcado)
distuacuterbios da linguagem e da fala (mais marcado afetado anteriormente
menos marcado)
testes de percepccedilatildeo (menos marcado mais facilmente percebida do que
mais marcado)
45
e erros linguiacutesticos (mais marcados evocam mais erros do que os menos
marcados)
Esses criteacuterios satildeo basilares e dariam conta de uma seacuterie de elementos
universais linguiacutesticos
24 MARCACcedilAtildeO MUDANCcedilA E CONTATO LINGUIacuteSTICO
Matras amp Elsik (2006 p 22) garantem que em muitas abordagens a
mudanccedila linguiacutestica eacute vista como cooperadora para compreensatildeo da marcaccedilatildeo
Logo a mudanccedila de idioma eacute tida como criteacuterio de marcaccedilatildeo Esta assertiva faz
sentido nesse trabalho visto que o objeto de anaacutelise o portuguecircs resultante do
contato entre o Portuguecircs e o Latundecirc trata de cacircmbio de materiais linguiacutesticos
Neste caso especificamente dos elementos foneacuteticos
Ainda de acordo com estes autores
A existecircncia de estruturas marcadas eacute um resultado inevitaacutevel da compartimentaccedilatildeo e da abertura do sistema de linguagem E uma vez que diferentes componentes da linguagem tecircm funccedilotildees divergentes e tendem a seguir diferentes princiacutepios de naturalidade o abandono das estruturas marcadas em um niacutevel implica em estruturas marcadas em outro niacutevel (Idem p
25)
Em outras palavras a mudanccedila linguiacutestica leva agrave condiccedilatildeo de marcaccedilatildeo na
mudanccedila de um componente da liacutengua para outro ao inveacutes de uma reduccedilatildeo
global de condiccedilatildeo marcada Tais estruturas marcadas satildeo obrigadas a existir em
qualquer momento na histoacuteria de uma liacutengua
46
Os estudiosos apontam para os dois tipos de forccedilas que agem no contato
linguiacutestico a interna e a externa Assim tais forccedilas podem simplificar ou complicar
a gramaacutetica de uma liacutengua Givoacuten (1979 p 123) diz que os falantes satildeo
propensos a recorrer a estruturas natildeo marcadas da Gramaacutetica Universal em
situaccedilotildees cujo contato estaacute ligado ao estresse comunicativo enquanto situaccedilotildees
de contato menos marcados aquelas que prosseguem de forma mais gradual
natildeo precisam
Givoacuten (idem 124) diz que nas situaccedilotildees de pidgin a condiccedilatildeo de marcaccedilatildeo eacute
reduzida e situaccedilotildees de contato entre liacutenguas podem resultar em aumento de
elementos marcados As categorias marcadas satildeo reduzidas em pidgins
enquanto as natildeo-marcadas satildeo as primeiras a serem inovadas durante o
processo de crioulizaccedilatildeo A marcaccedilatildeo sugere que em situaccedilotildees de contato
envolvendo a interferecircncia deve favorecer a reduccedilatildeo da condiccedilatildeo marcada
Na aquisiccedilatildeo de segunda liacutengua o grau relativo de dificuldade para o aprendiz
estaacute relacionado a fatores extralinguiacutesticos como idade Eacute fato que na aquisiccedilatildeo
de uma segunda liacutengua os adultos tendem a terem dificuldades com os padrotildees
mais marcados enquanto os mais novos natildeo a tem Estruturas marcadas da
liacutengua em aquisiccedilatildeo podem deixar de serem adquiridas durante a aprendizagem
caso sejam os adultos que a esteja adquirindo Por isso estruturas natildeo marcadas
satildeo mais propensas a surgir em grandes sociedades caracterizadas por um
intenso contato linguiacutestico levando agraves liacutenguas a simplificaccedilatildeo dos seus sistemas
linguiacutesticos Croft (2000 p 192-193)
47
Jakobson (1978 p 35-37) afirma que quanto maior a funccedilatildeo socioespacial de um
dialeto mais simples seraacute o seu sistema linguiacutestico Dialetos e liacutenguas
relativamente isoladas satildeo mais propensas a desenvolverem condiccedilotildees marcadas
e estruturas redundantes como conjunto de fonemas complexos com um elevado
nuacutemero de contrastes fonoloacutegicos complexidade alofocircnica e alomoacuterfica
irregularidade morfoloacutegica e padrotildees de concordacircncia complexos Por outro lado
os casos de alto contato dialeacutetico que satildeo caracterizadas por redes sociais
relativamente abertas satildeo susceptiacuteveis agrave produccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas natildeo
marcadas pela diminuiccedilatildeo da irregularidade da redundacircncia e da complexidade
Apesar de os empreacutestimos serem um aspecto do aumento da condiccedilatildeo marcada
ela (a condiccedilatildeo) eacute operativamente especiacutefica de cada empreacutestimo Esta condiccedilatildeo
marcada do empreacutestimo coodetermina quais as formas e funccedilotildees satildeo mais
susceptiacuteveis de serem emprestadas do que outras Quanto mais transparente e
menos integrador for um elemento na liacutengua de origem torna-se mais provaacutevel de
ser emprestado A condiccedilatildeo marcada eacute relativa ao contexto agrave saliecircncia agrave
frequecircncia agrave ocorrecircncia e agrave distacircncia tipoloacutegica da situaccedilatildeo do contato Matras amp
Elsik (2006 p 26)
Croft (2000 p198) estende a noccedilatildeo de condiccedilatildeo marcada natildeo soacute para os
mecanismos de mudanccedila mas tambeacutem para as formas de contextos de difusatildeo
ou seja padrotildees de realizaccedilatildeo Ele afirma que enquanto na mudanccedila interna as
inovaccedilotildees entram nos pontos menos marcados e estendem a ambientes mais
acentuados em empreacutestimos e outras inovaccedilotildees mudanccedilas motivadas
externamente se espalham de pontos marcados para menos contextos marcados
48
25 JAKOBSON E A ABORDAGEM FONOLOacuteGICA DA MARCACcedilAtildeO
O termo marcaccedilatildeo recebeu o tratamento mais expansivo nos estudos de Roman
Jakobson a partir de 1930 Ele e Trubetzkoy difundiram a ideia de correlaccedilatildeo
fonoloacutegica como uma seacuterie de oposiccedilotildees binaacuterias que compartilham elementos
em comum Eacute Jakobson que afirma que a neutralizaccedilatildeo e o estaacutegio onde as
posiccedilotildees marcadas natildeo estatildeo em estado de marcaccedilatildeo
Eacute tambeacutem Jakobson quem introduz a concepccedilatildeo de niacuteveis de marcaccedilatildeo propondo
que a forma natildeo marcada tanto tem uma forma geral como uma parcial Ele
descobriu uma relaccedilatildeo entre a marcaccedilatildeo em uma hierarquia universal de traccedilos
fonoloacutegicos os traccedilos marcados implicam maior dificuldade de aprendizagem e
uma maior facilidade de perda por parte de pessoas com afasia Ele ainda diz
que
O padratildeo do desenvolvimento fonoloacutegico universal consiste numa progressatildeo de diferenciaccedilotildees cada vez mais finas entre traccedilos distintivos inicialmente distinccedilatildeo entre consoantes e vogais formando-se posteriormente oposiccedilotildees cada vez menos universais A dissoluccedilatildeo da competecircncia linguiacutestica individual nas patologias da linguagem eacute governada pela mesma regularidade a perda do valor primaacuterio pressupotildee a perda do valor secundaacuterio e eacute por isso que se fala da infantilidade da fala dos afaacutesicos A dissoluccedilatildeo do sistema de sons nos afaacutesicos fornece uma imagem de espelho do desenvolvimento fonoloacutegico da crianccedila ndash os sons a serem adquiridos mais tardiamente satildeo os primeiros a serem perdidos (1941 p 60-63)
No percurso da fonologia Jakobson (1941 p 84) viu a representaccedilatildeo fonecircmica
como um niacutevel sem redundacircncia de representaccedilatildeo que conteacutem apenas
informaccedilotildees distintivas A praacutetica descritiva da informaccedilatildeo teoacuterica de Jakobson
49
teve uma grande e importante influecircncia sobre a notaccedilatildeo livre da redundacircncia na
fonologia e na sintaxe gerativas
Com base na literatura meacutedica Jakobson examinou a aquisiccedilatildeo da linguagem e a
afasia da fala agrave luz dos universais linguiacutesticos propondo uma relaccedilatildeo entre uma
hierarquia universal dos traccedilos fonoloacutegicos a aquisiccedilatildeo da linguagem na infacircncia
e a perda dela durante a afasia A aquisiccedilatildeo fonoloacutegica da crianccedila e os distuacuterbios
dos afaacutesicos baseiam-se nas mesmas leis de solidariedade como o inventaacuterio
fonoloacutegico o percurso fonoloacutegico das liacutenguas do mundo
Os estudos de Jakobson e de Trubetzkoy sobre a tipologia fonoloacutegica levaram
Jakobson a propor que os sistemas de sons satildeo organizados hierarquicamente e
que certas oposiccedilotildees fonoloacutegicas fornecem o nuacutecleo do sistema de som de todas
as liacutenguas Estas satildeo as oposiccedilotildees que definem os sons mais prototiacutepicos mdash
vogais e consoantes que ocorreratildeo em todos os idiomas vogais cardeais a i
u consoantes plosivas p t k e as nasais m n Estes sons satildeo
encontrados em praticamente todas as liacutenguas do mundo
Jakobson propotildee novas leis implicativas entre estes sons e os sons fora do
inventaacuterio baacutesico Dessa forma as leis tipoloacutegicas preveem que em nenhuma
liacutengua haveraacute vogais nasais a menos que haja vogais orais nenhuma liacutengua teraacute
uma vogal arredondada posterior a menos que ela tambeacutem tenha uma vogal
anterior fechada natildeo arredondada nenhuma liacutengua teraacute uma vogal fechada natildeo
arredondada a menos que ela tambeacutem tenha uma arredondada nenhuma liacutengua
teraacute uma fricativa dental simples sem uma fricativa dental estridente (Idem 1941
p 86)
50
Jakobson tambeacutem observa que certos sons satildeo muito raros nas liacutenguas do
mundo por exemplo as fricativas laterais e o r tcheco estridente Ele propotildee que
esses sons satildeo mais afastados do nuacutecleo e portanto menor nesta hierarquia
A hierarquia de oposiccedilotildees fonoloacutegicas definida pela tipologia encontra-se tambeacutem
no desenvolvimento do sistema foneacutetico da crianccedila Com base em estudos diaacuterios
de aquisiccedilatildeo da linguagem ele confirma a hierarquia na aquisiccedilatildeo dos padrotildees e
os padrotildees mais marcados seriam adquiridos tardiamente
Moreira da Silva (2011 p36) elenca os criteacuterios de marcaccedilatildeo No entanto a
autora chama a atenccedilatildeo para o fato de que eles nem sempre funcionam do modo
esperado Satildeo eles frequecircncia distribuiccedilatildeo aquisiccedilatildeo da liacutengua patologias da
linguagem histoacuteria da liacutengua facilidade de produccedilatildeo e percepccedilatildeo universalidade
implicaccedilatildeo e processos fonoloacutegicos Ela tambeacutem apresenta algumas unidades e
estruturas consideradas mais marcadas como podemos ver a seguir
Quadro 1 Unidades e estruturas mais marcadas conforme levantamento de Moreira da
Silva (2011)
Segmentos e estruturas mais marcadas Autores
1 Vogais nasais Ferguson amp Chowdbury 1960
Greenberg 1966 14 Durand 1990
74 Kenstowicz 1994 63
2 Vogais longas Zipf 1935 1963 Greenberg 1966
14
3 Vogais meacutedias em comparaccedilatildeo com as
vogais altas
Kenstowicz 1994 65
4 Consoantes aspiradas Greenberg 1966 14
5 Consoantes glotalizadas Greenberg 1966 17
6 Obstruintes [+vozeadas] por oposiccedilatildeo agraves [- Greenberg 1966 14 24
51
vozeadas] Lass1984 155 Kenstowicz 1994
62
7 Consoantes fricativas por oposiccedilatildeo agraves
oclusivas
Kenstowicz 1994 65
8 Articulaccedilotildees secundaacuterias como labializaccedilatildeo
palatalizaccedilatildeo e velarizaccedilatildeo
Kenstowicz 1994 65
9 A regiatildeo dental alveolar eacute preferida com
exceccedilatildeo das africadas o que pode ser
observado pelo fato de este ser o ponto de
articulaccedilatildeo usado quando numa liacutengua
existe apenas uma obstruinte Nas nasais
esta tendecircncia ainda se faz notar mais
resultando na preferecircncia por n
Lass 1984 154-156
10 Segmentos com articulaccedilotildees muacuteltiplas e
complexas no geral satildeo mais marcados em
comparaccedilatildeo com segmentos com
articulaccedilotildees singulares
Kenstowicz 1994 65
11 Quanto agraves liacutequidas a lateral seraacute a menos
marcada jaacute que as liacutenguas que possuem
duas ou mais liacutequidas tecircm provavelmente
uma lateral e um contraste lateral natildeo
lateral
Lass 1984 158
12 Em termos de semivogais haacute uma
preferecircncia por j embora a maioria das
liacutenguas possua tambeacutem w as outras
semivogais satildeo raras
Lass 1984 158
13 Siacutelabas acentuadas ndash nem todas as liacutenguas
tecircm siacutelabas acentuadas embora estas
surjam cedo na aquisiccedilatildeo talvez devido agrave
sua saliecircncia perceptiva e no caso do inglecircs
devido ao fato de as palavras lexicais serem
iniciadas por siacutelaba toacutenica
Demuth 1996 121
14 Quanto agrave siacutelaba existe a preferecircncia pelo
formato natildeo marcado CV
Blevins 1995 213
15 De acordo com a TO a siacutelaba estaacute sujeita agraves Archangeli 1997 7 Hammond
52
seguintes restriccedilotildees universais
a) As siacutelabas comeccedilam com consoante -
Ataque
b) As siacutelabas tecircm uma vogal - Nuacutecleo
c) As siacutelabas acabam com uma vogal - Natildeo
Coda
d) As siacutelabas tecircm no maacuteximo uma consoante
numa margem - Complexo
(significa que os ataques complexos e codas
complexas satildeo inaceitaacuteveis)
e) As siacutelabas satildeo compostas por consoantes
e vogais - Ataque e Nuacutecleo
1997 36
As estruturas elencadas no quadro acima satildeo validadas interlinguisticamente
Com relaccedilatildeo agraves liacutenguas em contato objeto deste estudo podemos afirmar que o
portuguecircs apresenta menos estruturas marcadas do que o Latundecirc No caso do
portuguecircs as estruturas em 2 4 5 e 10 constantes do quadro acima natildeo satildeo
observadas
Jaacute no Latundecirc aleacutem de todas as estruturas apresentadas no quadro ainda satildeo
observadas as seguintes estruturas mais marcadas
estrutura silaacutebica bastante complexa
inventaacuterio vocaacutelico maior do que o consonantal
53
combinaccedilatildeo de dois traccedilos mais marcados em um segmento (vogais
nasais e laringais) e
acento e tom lexicais
Para refletirmos sobre a marcaccedilatildeo no processo de interferecircncia Latundecirc ndash
Portuguecircs trataremos no capiacutetulo seguinte de conceitos a cerca do contato
linguiacutestico
54
3 CONTATO LINGUIacuteSTICO
ldquoBilingualism is for me the fundamental problem of linguisticsrdquo Jakobson10
31 INTRODUCcedilAtildeO
A histoacuteria em grande parte gira em torno de lendas e mitos Um desses mitos eacute o
surgimento das liacutenguas do mundo Questionamentos de como e quando elas
sugiram permeiam ainda hoje as mentes dos filoacutesofos e cientistas Natildeo
diferentemente das demais aacutereas a perspectiva teoloacutegica descreve a narrativa da
construccedilatildeo da Torre de Babel como uma dessas tentativas de explicaccedilatildeo no que
tange agrave miscelacircnea de liacutenguas existentes Jackob Bohme teoacutelogo do seacuteculo XVII
afirma em seu De Signatura Rerum11 que a liacutengua divina original raiz ou matildee de
todas as liacutenguas do mundo eacute chave para um conhecimento verdadeiro e perfeito
de todas as coisas Eacute no ato da criaccedilatildeo que o primeiro homem Adatildeo
contemplando as obras do Criador de toda a natureza nomeara todas as
criaturas de acordo com suas proacuteprias qualidades essenciais usando a
linguagem humana como meio
A hipoacutetese defendida por Bohme tambeacutem fora amplamente sustentada pelos
filoacutelogos e comparatistas do final do seacuteculo XVIII Sem viacutenculo com a teologia
estes estudiosos buscavam atraveacutes da reconstruccedilatildeo da aacutervore linguiacutestica a
protoliacutengua a liacutengua-matildee geradora das demais liacutenguas
10
Apud Romaine 1995 p1 11
De Signatura Rerum (Desde o nascimento e o nome de todos os seres) 1622
55
Jacob Grimm filoacutelogo alematildeo com base nas descobertas de Rasmus Rask
aperfeiccediloou o meacutetodo comparatista sobretudo o que fora denominada de
ldquomudanccedila de somrdquo ou ldquoLei de Grimmrdquo12 com intuito de descrever as mudanccedilas
ocorridas na liacutengua-matildee o proto-indo-europeu (PIE) A Lei de Grimm estava na
base das discussotildees ocorridas mais tarde na Universidade de Leipzig
Alemanha no conhecido grupo dos neogramaacuteticos Os estudiosos desse ciacuterculo
questionaram os estudos de Grimm e seus compatriotas ao apontarem para o fato
de que os estudos comparatistas se basearem em dados de liacutengua escrita e natildeo
de liacutengua falada (GABAS JR 2008 p 80)
Humberto Eco em A busca da liacutengua perfeita13 nos relata sobre os projetos de
reconstruccedilatildeo em busca da liacutengua sagrada No seu livro o autor nos mostra que a
tentativa de procura de correlatos entre as liacutenguas do mundo eacute interesse antigo
das civilizaccedilotildees Ele afirma que na Europa no seacuteculo XIX houve 173 projetos de
reconstruccedilatildeo linguiacutestica
Dadas ateacute aqui as investigaccedilotildees eacute comum pensarmos que pelo prisma
teoloacutegico o surgimento das liacutenguas no planeta eacute fruto da desobediecircncia e
soberba humanas Eco idem nos mostra que haacute um equiacutevoco quanto a esta
interpretaccedilatildeo uma vez que no capiacutetulo XI v 1 do livro de Gecircnesis a Biacuteblia
12
A Lei de Grimm analisou sobre o vieacutes da fonologia as relaccedilotildees que havia entre as liacutenguas indo-
europeias As similaridades entre o alematildeo claacutessico grego e inglecircs antigo eram previstas a partir de leis foneacuteticas i) as consoantes oclusivas surdas (p t k kw) do PIE mudaram em fricativas surdas correspondentes (f θ h hw) nas liacutenguas germacircnicas ii) as consoantes oclusivas sonoras (bdggw) do PIE mudaram em oclusivas surdas correspondentes (p t k kw) nas liacutenguas germacircnicas iii) as consoantes aspiradas sonoras (bh dh gh gwh) do PIE mudaram em oclusivas natildeo-aspiradas sonoras correspondentes (bdggw) nas liacutenguas germacircnicas (GABAS JR 2008 p 78) 13
ECO Humberto A busca da liacutengua perfeita Traduccedilatildeo de Antonio Angonese Bauru Edusc
2001
56
discorre sobre a existecircncia de uma uacutenica genealogia de uma mesma liacutengua e de
uma mesma fala
Diferentemente no capiacutetulo que antecede a narrativa de Babel a proacutepria Biacuteblia
aponta para a existecircncia de famiacutelias linguiacutesticas distintas conforme Gecircnesis 11
v 5 Por estes foram repartidas as ilhas dos gentios nas suas
terras cada qual segundo a sua liacutengua segundo as suas
famiacutelias entre as suas naccedilotildees
v20 Estes satildeo os filhos de Catildeo segundo as suas famiacutelias
segundo as suas liacutenguas em suas terras em suas naccedilotildees
v 31 Estes satildeo os filhos de Sem segundo as suas famiacutelias
segundo as suas liacutenguas nas suas terras segundo as suas
naccedilotildees
Uma explicaccedilatildeo para tal passagem se daacute a partir da perspectiva dos filoacutesofos
gregos que concebiam os povos que falava de forma diferente como bagraverbaroi
seres que balbuciavam falando de forma incompreensiacutevel Logo acreditavam que
aqueles outros eram serem inferiores que natildeo falavam a liacutengua verdadeira da
razatildeo e do pensamento o logos
Tal conflito entre as liacutenguas existentes apontam para uma poliacutetica linguiacutestica que
muito explica a hierarquia (status) linguiacutestica ainda hoje atuante O status
linguiacutestico resultante das relaccedilotildees assimeacutetricas entre sociedades ou subgrupos de
uma sociedade decorre tambeacutem das circunstacircncias e condiccedilotildees que envolvem o
contato linguiacutestico Esse por sua vez evolue da dinacircmica proacutepria do processo em
que ocorrem conflitos e acomodaccedilotildees e que pode derivar pidgins crioulos e
mudanccedila linguiacutestica
57
No reconhecimento de um universo entrelaccedilado compartilhamos com o ponto de
vista de Eco (2001) e assumimos a ideia de que a existecircncia de cada liacutengua e de
sua historicidade eacute reveladora do entendimento do mundo
ldquoCada liacutengua constitui um determinado modelo de Universo um sistema semioacutetico de compreensatildeo do mundo e se temos quatro mil modos diferentes de descrever o mundo isto nos torna mais ricos Deveriacuteamos nos preocupar pela preservaccedilatildeo das liacutenguas tal como nos preocupamos com a ecologiardquo (ECO 2001 p234)
32 SOBRE O CONTATO LINGUIacuteSTICO
Pouco eacute sabido sobre o contato entre as liacutenguas do mundo quando diante da
imensidatildeo que eacute o universo linguiacutestico com o qual nos deparamos14 A
necessidade que os humanos tecircm de se comunicarem a partir do momento que a
interaccedilatildeo foi estabelecida eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o contato linguiacutestico
Trask (2004 p 66) afirma que poucas liacutenguas estatildeo - ou estiveram -
suficientemente isoladas para evitar todo tipo de proximidade e portanto toda
liacutengua mostra alguma prova de um contato antigo ou moderno entre liacutenguas
Thurston (1987 p 34) afirma que
toda liacutengua deve ter sofrido alguma influecircncia de seus vizinhos em um determinado ponto e tempo Para ele todos os idiomas satildeo liacutenguas mistas na medida em que todos copiaram formas lexicais e outros recursos linguumliacutesticos de liacutenguas vizinhas
Embora natildeo saibamos exatamente como se deu o contato entre as liacutenguas do
mundo as evidecircncias do contato podem ser observadas de forma objetiva
atraveacutes de empreacutestimos lexicais O contato linguiacutestico entretanto natildeo se reduz
14
Eacute estimado o nuacutemero de sete mil liacutenguas vivas atualmente ao redor do mundo (httpwwwethnologuecomworld Em 21 de janeiro de 2015)
58
apenas a itens lexicais oriundos dos empreacutestimos entre culturas distintas com
base na dominaccedilatildeo na expansatildeo do comeacutercio ou em qualquer circunstacircncia que
promova a necessidade de comunicaccedilatildeo entre culturas de liacutenguas diferentes
O contato a depender das liacutenguas envolvidas pode trazer consequecircncias muito
devastadoras Em casos extremos o impacto do contato pode ser avassalador
fazendo com que uma das liacutenguas seja extinta quer seja pelo deslocamento
linguiacutestico que seja pelo etnociacutedio Nestes casos ocorre a morte de uma das
liacutenguas em contato aspecto que discorremos na seccedilatildeo sobre as consequecircncias
do contato
No tocante aos efeitos do contato em relaccedilatildeo aos niacuteveis linguiacutesticos Trask Idem
afirma que o contato linguiacutestico pode ir mais longe que a interferecircncia lexical
afetando a gramaacutetica e a pronuacutencia
Concordando com o que afirma Trask Thomason postula que embora seja senso
comum que o resultado mais comum da mescla linguiacutestica seja o empreacutestimo de
palavras este eacute apenas a consequecircncia mais comum quando se trata da
intersecccedilatildeo linguiacutestica
When the agents of change are fluent speakers of the receiving language the first and redominant interference features are lexical items belonging to the nonbasic vocabulary later under increasingly intense contact conditions structural features and basic vocabulary may also be transferred from one language to the other (THOMASON 2001 p 36)
Natildeo obstante podem-se detectar exemplos de transferecircncias em todos os
aspectos linguiacutesticos uma vez que todos os niacuteveis da estrutura linguiacutestica satildeo
59
possiacuteveis de serem transferidos entre idiomas muacutetuos sem qualquer tipo de
restriccedilatildeo dadas as possibilidades de conjunturas sociais e estruturais
Quando as liacutenguas entram em contato as suas gramaacuteticas tambeacutem satildeo
intercruzadas Tal processo natildeo eacute algo simples e justo Diversos fatores externos
satildeo responsaacuteveis por esta miscelacircnea que devido a tais fatores nem sempre eacute
concebida de forma inocente
Em meio a condicionantes sociolinguiacutesticas assumimos que as gramaacuteticas
(sendo tambeacutem reflexo das relaccedilotildees intersocietaacuterias) entram num jogo em que
as peccedilas satildeo acomodadas de acordo com as necessidades comunicativas dos
interlocutores (GILES e CUPLAND 1991) Em meio a esse ldquojogordquo nos importa
refletir como os fenocircmenos que emergem do contato entre liacutenguas podem refletir
questotildees que envolvem a marcaccedilatildeo e universais linguiacutesticos
Para Aikhenvald (2007 p1)
As liacutenguas podem assemelhar-se umas as outras em categorias construccedilotildees e significados e nas formas reais usadas para expressaacute-las As categorias podem ser semelhantes porque satildeo universais e cada liacutengua tem alguma forma de fazer uma pergunta ou a elaboraccedilatildeo de um comando Ocasionalmente duas liacutenguas compartilham a forma por pura coincidecircncia
A literatura linguiacutestica atesta que a semelhanccedila interlinguiacutestica motiva estudos
tipoloacutegicos haacute deacutecadas (CROFT 1990 COMRIE 1989 WHALEY 1997) Embora
liacutenguas apresentem padrotildees regulares de desemelhanccedilas aquelas podem ser
agrupadas em tipos baacutesicos Essa realidade induz a reflexatildeo acerca da existecircncia
de universais linguiacutesticos
60
As liacutenguas individuais independentemente das semelhanccedilas tipoloacutegicas eou
geneacuteticas observadas entre elas satildeo sujeitas a mudanccedilas continuadas que
ocorrem tambeacutem devido ao contato linguiacutestico Para Thomason (2001 p14) as
influecircncias e consequecircncias do contato linguiacutestico satildeo descritas em trecircs niacuteveis i)
mudanccedila induzida pelo contato ii) mescla linguiacutestica extrema o que resulta em
pidgin crioulo e liacutenguas biliacutengues e iii) morte da liacutengua
A seguir abordaremos fenocircmenos decorrentes do contato linguiacutestico
33 MESCLAS DE CONTATO PIDGIN CRIOULO LIacuteNGUA FRANCA E JARGAtildeO
Um ponto saliente dos estudos sobre o contato linguiacutestio eacute o conceito de
ldquomescla15rdquo Este termo utilizado por Tarallo e Alkimin (1987 p7) descreve a
relaccedilatildeo entre as liacutenguas e seus resultados Inicialmente eles chamam a atenccedilatildeo
para o fato de a mescla ser interpretada como algo impuro definhamento
deterioraccedilatildeo Esta impureza linguiacutestica historicamente levou a sociedade a
alimentar a ideia de contaminaccedilatildeo e obviamente construir a discriminaccedilatildeo
linguiacutestica
Ao pensarmos sobre o processo de simbiose que as coisas e os elementos do
mundo estatildeo sujeitos em todo o tempo podemos ter uma ideia clara de que o
processo de amaacutelgama eacute proacuteprio natildeo apenas da natureza linguiacutestica mas de tudo
o que pode existir Apesar disso as mesclas com graus niacuteveis e saliecircncias
variadas nem sempre satildeo refletidas ou percebidas pelos usuaacuterios das liacutenguas do
15 Mescla eacute mistura contato amaacutelgama etc Tarallo e Alkimin (1987 p7)
61
mundo Focalizando a natureza da mescla o estudo das liacutenguas por seu turno
seja sincrocircnico ou diacrocircnico pode evidenciar os fenocircmenos do contato nos
diferentes niacuteveis linguiacutesticos
Tarallo e Alkimin (idem p9) salientam que o dinamismo linguiacutestico se daacute nas
ldquocomunidades de falardquo16 Eacute nelas e entre elas que se concretizam o contato
linguiacutestico que por sua vez produzem fenocircmenos de mescla ou de convivecircncia
coexistecircncia mecanismo ativado pelos indiviacuteduos que integram tais comunidades
Esse fato se alinha agrave perspectiva de que uma comunidade de fala natildeo eacute em
absoluto homogecircnea Nela podem coexistir processos de ordem interna e
externa assim como forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas (BAKHTIN 2010)17
A dinacircmica social eacute tambeacutem pontuada por Tarallo e Alkimin (ibidem p9) Esses
autores mencionam que a mescla linguiacutestica resultante da dinacircmica pode ser
intracomunidade ou intercomunidade No primeiro caso as variantes convivem
eou se entrecruzam em uma mesma comunidade de fala em que apenas uma
liacutengua eacute falada No segundo liacutenguas distintas coexistem e se misturam em uma
mesma comunidade Como exemplo de mesclas intracomunidades podemos citar
o portuguecircs e suas variantes questotildees geograacuteficas histoacutericas e sociais Satildeo
variantes que convivem ldquopacificamenterdquo em territoacuterio nacional Jaacute para as mesclas
intercomunidades tomemos o exemplo do conviacutevio do portuguecircs e demais liacutenguas
16
Labov (1972) conceitua comunidade de fala como grupo de falantes que segue as mesmas normas relativas ao uso da liacutengua Para Romaine (2000) trata-se de um grupo de falantes que natildeo compartilham necessariamente a mesma liacutengua poreacutem compartilham um conjunto de normas
e regras no uso da liacutengua 17
Bakhtin aponta a luta entre classes as forccedilas que agem de dentro para fora do sujeito ou das instituiccedilotildees assim como as forccedilas que agem fazendo o movimento oposto Eacute imprescindiacutevel vislumbrar o poder poliacutetico que a liacutengua tem
62
(alematildeo polonecircs e italiano) na regiatildeo sul bem como a coexistecircncia espaccedilo-
temporal entre diferentes liacutenguas indiacutegenas e entre elas e a liacutengua portuguesa
Ao discutir a mescla linguiacutestica sob a eacutegide do contato linguiacutestico Calvet (2004
p35) considera que haacute aproximadamente na Terra cerca de 5000 liacutenguas e
cerca de 150 paiacuteses Com base nesses nuacutemeros o autor nos diz que cada paiacutes
poderia ter 30 liacutenguas Apesar de em termos reais a distribuiccedilatildeo das liacutenguas natildeo
corresponder a esse cenaacuterio o pesquisador aponta para o fato de
que o mundo eacute pluriliacutengue em cada um de seus pontos e que as comunidades linguiacutesticas se costeiam se superpotildeem continuamente O plurilinguismo faz com que as liacutenguas estejam constantemente em contato O lugar desses contatos pode ser o indiviacuteduo (biliacutengue ou em situaccedilatildeo de aquisiccedilatildeo) ou a comunidade Idem (2002 p 35)
Os dados de Calvet deixam claro que desde sempre o contato linguiacutestico eacute uma
realidade da vivecircncia do humano Os acontecimentos histoacutericos de guerra
expansatildeo e colonizaccedilatildeo apontam para a mescla linguiacutestica Diante deste
contexto vemos que o relacionamento entre as liacutenguas do mundo eacute um processo
feacutertil para a diversidade linguiacutestica Outro aspecto de interesse decorre do fato de
o contato permitir a emergecircncia de padrotildees estruturais os quais trazem luzes
para a compreensatildeo da faculdade da linguagem
A depender do contato podemos avaliar diferentes fenocircmenos resultantes A
intensidade o contato linguiacutestico pode derivar instrumentos mais ou menos
elaborados de comunicaccedilatildeo definidos como jargatildeo pidgin e crioulo
63
Os primeiros estudiosos a se aterem sobre o estudo das liacutenguas pidgins e
crioulas se utilizaram dos dados (relatos) de missionaacuterios e comerciantes que
viajaram e mantiveram contato com as aacutereas das mesclas18
331 Pidgin
O termo pidgin foi usado pela primeira vez em 1850 para conceituar o conviacutevio do
inglecircs e o chinecircs19 Mas outras duas hipoacuteteses tambeacutem satildeo colocadas quando
se trata de pidgin A segunda afirma que o termo fora transportado da Ameacuterica do
Sul no iniacutecio do seacuteculo XVII pelos marinheiros e comerciantes ingleses da colocircnia
de Leigh ao estabelecerem contato com os iacutendios Pidiam A terceira explicaccedilatildeo eacute
a origem a partir da palavra portuguesa ocupaccedilatildeo que teria sofrido algumas
mudanccedilas foneacuteticas ateacute resultar em pidgin (TARALLO e ALKMIN 1987 p80)20
Para Couto (2001 p 1) o pidgin eacute uma liacutengua com uma reduccedilatildeo draacutestica da
gramaacutetica Esta reduccedilatildeo se daacute sobre a morfologia e o leacutexico Natildeo eacute liacutengua
materna de ningueacutem pois entre si os povos dominados soacute falam suas respectivas
liacutenguas ao passo que os dominadores nunca se datildeo ao trabalho de falar outra
liacutengua que natildeo a sua proacutepria
Crystal (2008 p 201) afirma que aleacutem do processo de reduccedilatildeo para o
surgimento do pidgin as comunidades de falas envolvidas neste processo
18
Tarallo e Alkimin 1987 p 109-114 citam Francisco Adolfo Coelho Hugo Schuchardt e Dirk Christiaan Hesseling como os pioneiros neste campo de estudo Este uacuteltimo atribui aos escravos europeus a forccedila linguiacutestica Foram eles (os escravos) os responsaacuteveis pelas alteraccedilotildees sofridas pelas liacutenguas maternas 19
Neste caso o termo business ao ser empregada na expressatildeo do pidgin chinecircs de base inglesa
dɛacuteju pidzIn significando thatrsquos your business 20
Ocupaccedilatildeo gt parsquosaw ou pasaɳ
64
necessitam cada uma delas se aproximarem sucessivamente dos traccedilos mais
oacutebvios da outra liacutengua Trata-se de uma intersecccedilatildeo nem sempre consciente mas
motivada por aspectos econocircmicos como o comeacutercio Daiacute o grande surgimento de
pidgins em aacutereas de intenso comeacutercio e desenvolvimento econocircmico
Dubois et all (1998 p 469) discorre que o pidgin mesmo natildeo sendo uma liacutengua
em si mesma eacute um sistema mais completo que o sabir pois seu vocabulaacuterio
cobre numerosas atividades O sabir ou liacutengua franca21 por sua vez eacute um
sistema linguiacutestico reduzido a algumas regras de combinaccedilatildeo e ao vocabulaacuterio de
determinado campo lexical
Ainda de acordo com Tarallo e Alkmin (1987 p 88)
Fontes histoacutericas indicam que no tempo das cruzadas nas regiotildees de batalhas entre mulccedilumanos e cristatildeos teria florescido uma liacutengua de contato denominada Liacutengua Franca ou sabir Com documentaccedilatildeo precaacuteria a existecircncia dessa liacutengua eacute contestada por alguns estudiosos Originalmente usada entre aacuterabes e europeus essa liacutengua teria se expandido tendo sido usada ao longo da costa do Mediterracircneo especialmente na Aacutefrica do Norte
Em Trask (2004 p228) o conceito de liacutengua franca eacute mais explorado Para ele a
liacutengua franca se distingue do pidgin quando por ventura um dos grupos
ldquoaprenderdquo a liacutengua do outro Neste caso a gramaacutetica e o leacutexico de uma
21
Na atualidade conforme Tarallo e Alkmin 1987 p 90 a expressatildeo liacutengua franca refere-se a um
fenocircmeno mais amplo a mescla de contato para intercomunicaccedilatildeo em situaccedilotildees biliacutengues e pluriliacutengues Como exemplo os autores citam a liacutengua wolof no Senegal do swahili no Quecircnia na Tanzacircnia e em Comores do Tucano no Nordeste da Amazocircnia
65
sobressaem agrave outra O pidgin eacute compreendido entatildeo como uma colcha de
retalhos que permite uma forma bastante rudimentar de comunicaccedilatildeo22
Ainda de acordo com Trasky (p229) um pidgin pode seguir caminhos distintos i)
ele pode cair em desuso ii) ele pode continuar em uso por vaacuterias geraccedilotildees e
durar seacuteculos iii) ele pode sofre algumas alteraccedilotildees e se transformar em liacutengua
materna Neste uacuteltimo caso trata-se do processo de crioulizaccedilatildeo do qual
abordaremos mais agrave frente
Hall apud Tarallo e Alkmin (1987 p 86) ao tratar do caraacuteter reducionista que o
pidgin apresenta em sua estrutura e leacutexico aponta algumas caracteriacutesticas que
definem tais simplificaccedilotildees
Niacutevel fonoloacutegico ndash o nuacutemero de contrastes empregados eacute reduzido As vogais representadas satildeo em geral as chamadas vogais cardinais (a e i o u) enquanto os grupos consonantais satildeo caracteristicamente evitados
Niacutevel morfoloacutegico ndash ausecircncia de algumas categorias flexionadas como gecircnero nuacutemero e tempo verbal
Niacutevel sintaacutetico ndash as estruturas sentenciais satildeo simples as sequecircncias tendem a ser coordenadas evitando-se as estruturas complexas e subordinaccedilatildeo extensiva
Niacutevel lexical ndash nuacutemero reduzido de vocaacutebulos cuja accedilatildeo se norteia pela extensatildeo de significados e por polissemias significativas
332 Crioulo
O crioulo eacute um pidgin consolidado Quando os falantes crianccedilas oriundos dessa
mescla linguiacutestica utilizam o pidgin como uacutenica liacutengua ou a liacutengua que passa a
ganhar mais evidecircncia esta se consolida como liacutengua materna
22
Conforme Tarallo e Alkmin (idem p 8) algumas caracteriacutesticas do pidgin satildeo i) seu caraacuteter
auxiliar e secundaacuterio para os dois grupos cada um dos grupos manteacutem sua proacutepria liacutengua no conviacutevio social do cotidiano e do habitual ii) as liacutenguas pidgin preenchem funccedilotildees sociais limitadas sobretudo aquelas vinculadas a atividades comerciais mercantilistas
66
Para Couto (2001 p2)
Liacutengua crioula eacute um pidgin que foi adquirido como liacutengua nativa como preconiza a chamada teoria da nativizaccedilatildeo De acordo com essa concepccedilatildeo o crioulo eacute um ex-pidgin ou seja um pidgin que virou liacutengua materna de uma comunidade
Ainda para Tarallo e Alkmin (1987 p 95) as liacutenguas crioulas constituem um
conjunto de liacutenguas cuja histoacuteria conhecida eacute ligada a uma situaccedilatildeo de contato
entre populaccedilotildees linguiacutesticas cultural e etnicamente distintas Estas satildeo
distinguidas das liacutenguas pidgin por possuiacuterem uma comunidade de falantes
nativos e consequentemente por desempenharem funccedilotildees sociais amplas como
qualquer liacutengua natural
Em Dubois et all (1998 p 161) daacute-se o nome de crioulos a sabires pseudo-
sabires ou pidgins que por motivos diversos de ordem histoacuterica ou sociocultural
se tornaram liacutenguas maternas de toda uma comunidade
As liacutenguas tipo pidgin de acordo com autores como Tarallo e Alkimin (1987 p
96) aleacutem de serem as liacutenguas que daratildeo origem aos crioulos (pois todo crioulo se
origina de um pidgin embora nem todo pidgin se transforme em crioulo) satildeo
associadas a atividades de comeacutercio enquanto os crioulos satildeo marcados pela
relaccedilatildeo de escravidatildeo
Quanto ao aspecto funcional as liacutenguas crioulas datildeo conta das necessidades
comunicativas totais de seus falantes nativos e usuaacuterios uma vez que a
passagem do estaacutegio de pidgin a crioulo eacute marcada por uma ampliaccedilatildeo do leacutexico
67
e de estrutura Neste caso para os estudiosos os crioulos nada mais satildeo que
pidgins enriquecidos23
O processo de evoluccedilatildeo de um pidgin em crioulo eacute descrito por Hall (1996 p 4)
em um diagrama Nele podemos ver que inicialmente o pidgin eacute configurado a
partir de um jargatildeo uma espeacutecie de pidgin instaacutevel Depois o pidgin ganha
estabilidade se configurando como um preacute-crioulo Por fim jaacute estabilizado o
pidgin se transforma em crioulo
Figura 1 Diagrama de Hall
LL = Liacutengua lexificadora ou de superstrato LS = Liacutengua de Substrato
De acordo com Hall (idem p 5) a evoluccedilatildeo do jargatildeo para o pidgin estaacutevel eacute
chamada de pidginizaccedilatildeo A evoluccedilatildeo do pidgin estaacutevel para o crioulo eacute
23
Valdman apud Tarallo e Alkimin 1987 p 96 cita um conjunto de traccedilos negativos dos crioulos franceses do Haiti de Guadalupe Martinica Reuniatildeo Mauriacutecio Seychelles e Rodrigues como i) ausecircncia de distinccedilatildeo de gecircnero ii) natildeo-obrigatoriedade de marcador de plural iii) verbos natildeo-flexionados iv) relacionamento parataacutetico no interior do sintagma nominal v) ausecircncia de hipotaxe vi) construccedilotildees passivas vii) vogais arredondadas viii) certos grupos consonantais
I = LL + LS pidgin instaacutevel jargatildeo
crioulo = III II = pidgin estaacutevel
68
denominada crioulizaccedilatildeo A volta do crioulo para o jargatildeo processo tambeacutem
possiacutevel eacute conhecido como descrioulizaccedilatildeo
Obviamente o crioulo eacute consequecircncia natural de situaccedilotildees de contato No
entanto nem todo contato linguiacutestico gera automaticamente um pidgin ou um
crioulo Os contatos podem daacute origem a fenocircmenos de mesclas diversas que
podem ou natildeo desaparecer ou serem absorvidas pelas liacutenguas presentes na
alquimia (TARALLO e ALKMIN 1987 p 103)
Quanto ao processo de desenvolvimento e de formaccedilatildeo de um pidgin e de
crioulos Hymes (1971 p 93) afirma que
A pidginizaccedilatildeo e a crioulizaccedilatildeo da linguagem natildeo satildeo processos marginais ao contraacuterio satildeo processos que ocorrem nas liacutenguas em geral Tais processos de natureza bastante complexa compreendem a ocorrecircncia de outros subprocessos os de mudanccedila A incidecircncia desses processos ocorre principalmente 1) na forma interna das liacutenguas (fala-se assim em reduccedilatildeo ou expansatildeo) 2) na forma externa das liacutenguas (daiacute se falar em amplificaccedilatildeo e complicaccedilatildeo) 3) no escopo de uso (o domiacutenio) de uma variedade linguiacutestica (fala-se assim em restriccedilatildeo ou extensatildeo)
Hymes (idem p 94) ainda explica que diferentemente da posiccedilatildeo claacutessica onde
um crioulo era oriundo (ou natildeo) de um pidgin nesta segunda proposta a
evoluccedilatildeo de um pidgin natildeo produz necessariamente um crioulo mas um conjunto
de variedades concorrentes chamada de contiacutenuo preacute-pidgin24
24
Para Hymes o contiacutenuo preacute-pidgin poderia evoluir e gerar a cristalizaccedilatildeo de um pidgin e teria autonomia enquanto sistema de comunicaccedilatildeo Com base nesta assertiva um pidgin seria o resultado de um processo que ganharia autonomia Esse pidgin constituiacutedo poderia se transformar em crioulo Mas o contiacutenuo preacute-pidgin natildeo evolui para um pidgin Torna-se possiacutevel supor a cristalizaccedilatildeo de um crioulo sem a existecircncia de um pidgin anterior (TARALLO E ALKMIN 1987 p 105)
69
Na concepccedilatildeo final deste autor o contexto inicial em que fora estabelecido o
contiacutenuo preacute-pidgin poderia alccedilar trecircs resultados aceitaacuteveis i) a cristalizaccedilatildeo de
um pidigin ii) a cristalizaccedilatildeo de um pidgin que se criouliza iii) a cristalizaccedilatildeo de
um crioulo sem necessariamente ter sido oriundo de um pidgin anterior
Tarallo e Alkimin (1987 p 106) afirma que a cristalizaccedilatildeo de um crioulo eacute apenas
uma das trecircs possibilidades para a mescla de contato que pode ser descrita da
seguinte forma i) o crioulo pode submergir ii) o crioulo pode se estabilizar sem
muitas variaccedilotildees iii) o crioulo pode se mesclar com liacutengua padratildeo oficial
De acordo com o que vimos ateacute aqui podemos descrever o processo de
hibridizaccedilatildeo linguiacutestica com base na mescla a partir dos seguintes estaacutegios i)
contiacutenuo preacute-pidgin ii) pidgin cristalizado iii) pidgin em processo de
despidginizaccedilatildeo iv) pidgin em processo de crioulizaccedilatildeo v) crioulo cristalizado vi)
crioulo em processo de descrioulizaccedilatildeo (contiacutenuo poacutes-crioulo)
333 Liacutengua Franca ou Sapir
O termo liacutengua franca refere-se agrave liacutengua de contato entre grupos ou membros de
grupos de liacutenguas distintas com finalidade para o comeacutercio Durante o Impeacuterio
Romano o grego serviu como liacutengua franca no oriente e no milecircnio seguinte o
latim no ocidente Esta liacutengua (o sapir) tambeacutem eacute conhecida como liacutengua de
marinheiro No mundo moderno o inglecircs desempenha este papel ao ser
considerado como liacutengua do comeacutercio e das ciecircncias
70
Devido agrave natureza colonizadora dos falantes suas liacutenguas serviram de liacutengua
franca em certos momentos da histoacuteria Eacute o caso do portuguecircs e do espanhol
durante a expansatildeo mariacutetima e do francecircs durante o seacuteculo VII
Trask (2004 p 167) relata que a expressatildeo lingua franca fora originadamente
utilizada para as liacutenguas dos francos francocircnio mas teve o sentido modificado
assumindo o sentido de liacutengua europeia ou liacutengua cristatilde Ele ainda assegura que
a liacutengua franca
era uma variedade de italiano fortemente suplementada com palavras derivadas do francecircs do espanhol do grego do aacuterabe e do turco que se usava como liacutengua do comeacutercio no Mediterracircneo oriental no final da Idade Meacutedia Desde entatildeo a denominaccedilatildeo aplica-se a toda liacutengua que desfruta de um amplo entre falantes de um grande nuacutemero de liacutenguas numa dada regiatildeo
No presente o termo eacute utilizado para designar uma liacutengua estabelecida haacute algum
tempo tida como materna em um grupo influente e que serve de comunicaccedilatildeo
entre os falantes de outras liacutenguas como por exemplo o papel que o inglecircs
exerce em Cingapura
Atualmente aleacutem do inglecircs inuacutemeras liacutenguas servem de liacutengua franca para
comunicaccedilatildeo entre os povos como por exemplo o tupi No entanto um caso que
merece destaque eacute o do esperanto liacutengua que vem sendo incorporada no mundo
desde a deacutecada de 80 com a finalidade de ser a liacutengua franca universal Vale
ressaltar que neste caso os interesses para que tal liacutengua se propagasse
eficientemente eacute diferente das liacutenguas francas da Idade Meacutedia uma vez que se
trata de uma liacutengua artificial criada com ideologias poliacuteticas filosoacuteficas e
religiosas
71
334 Jargatildeo
O jargatildeo eacute um pidgin instaacutevel Sua concepccedilatildeo se aproxima do sabir ou liacutengua
franca Romaine (2000 p182) faz uso desse termo para exemplificar o processo
de criaccedilatildeo de um crioulo
A simplificaccedilatildeo e a instabilidade satildeo as marcas mais salientes de um jargatildeo No
pidgin as normas satildeo mais estaacuteveis enquanto que no jargatildeo as normas natildeo satildeo
afixadas Segundo esta autora eacute a partir do jargatildeo que a mescla linguiacutestica se
configura
Figura 2 Configuraccedilotildees da Mescla Linguiacutestica segundo Romaine (2000 p185)
Tipo 1 Jargatildeo
Tipo 2 Jargatildeo
Tipo 3 Jargatildeo
Pidgin estabilizado
Pidgin estabilizado
Pidgin expandido
Crioulo
Crioulo
Crioulo
No tipo 1 o jargatildeo deu origem diretamente a um crioulo De forma diferente no 2
o crioulo natildeo se originou diretamente de um jargatildeo Este deu origem a um pidgin
estabilizado para posteriormente chegar a um crioulo No tipo 3 o jargatildeo evolui
se transformando em um pidgin estabilizado depois em um pidgin expandido ateacute
chegar a um crioulo O fato eacute que a origem nos trecircs casos estaacute em um jargatildeo
72
34 IMPLICACcedilOtildeES DO CONTATO LINGUIacuteSTICO
Todo contato resulta em processos linguiacutesticos que alteram e dinamizam as
liacutenguas do mundo que passam por transformaccedilotildees que advecircm tanto da sua
motivaccedilatildeo interna quanto da externa No que tange agraves motivaccedilotildees externas
podemos afirmar que satildeo os contatos os grandes responsaacuteveis por muitas dessas
transformaccedilotildees podendo resultar enoutros processos orirundos ou que se
assentam no contato
341 Bilinguismo
Os estudos e as correntes linguiacutesticas na sua maioria tecircm como base liacutenguas
uacutenicas ou comunidades monoliacutengues Contudo o bilinguismo ocorre amplamente
atraveacutes do mundo e permanece apresentando um leque de questionamento para
a comunidade cientiacutefica atual Embora natildeo seja de hoje o questionamento em
torno do bilinguismo25 soacute agora podemos vislumbrar o descortinar desse tema
Estudiosos do passado jaacute reconheciam a relevacircncia do fenocircmeno Jakobson
(1953) por exemplo assumiu que ldquobilingualism is for me the fundamental problem
of linguiacutesticsrdquo
Romaine (1995 p6) elenca alguns questionamentos com base no que deve ser
observado ao estudar o contato linguiacutestico
O que eacute que o desempenho dos falantes diante do processo biliacutengue nos diz
sobre a competecircncia de pessoas e das comunidades multiliacutengues
25
Do inglecircs bilingualism
73
Eacute a troca de elementos linguiacutesticos por acaso comportamento linguiacutestico e o
cacircmbio linguiacutestico aleatoacuterio
Isto eacute indicativo de fluecircncia pobre e inabilidade em uma ou ambas as liacutenguas em
outras palavras o resultado de competecircncia imperfeita
Ao contraacuterio com qual criteacuterio medimos a competecircncia dos biliacutengues
Pode-se distinguir entre troca empreacutestimo e interferecircncia linguiacutestica
Satildeo a mudanccedila de coacutedigo e o bilinguismo generalizado em uma comunidade
sinais de atrito de uma liacutengua minoritaacuteria
Satildeo os sistemas de idiomas que estatildeo disponiacuteveis para um indiviacuteduo biliacutengue
fundidos ou separados
Aleacutem desses questionamentos outros de base sociofilosoacutefica tambeacutem estatildeo
inseridos nos estudos sobre o bilinguismo Para alguns pesquisadores muitas
liacutenguas minoritaacuterias foram exterminadas devido agrave forte influecircncia e agrave troca
linguiacutestica No entanto mesmo sendo acusado por estes como um passo para o
extermiacutenio das liacutenguas minoritaacuterias o bilinguismo natildeo deve ser visto como o
responsaacutevel pela extinccedilatildeo pelo contraacuterio o estudo dele aliado ao conhecimento
metacognitivo poderatildeo contribuir para o salvamento de muitas dessas liacutenguas
ainda que no plano escrito jaacute que na oralidade muitas natildeo gozam do status de
suas liacutenguas como oficiais nas atividades sociais sendo relegadas aos rituais de
suas sociedades
O comportamento linguiacutestico de uma determinada sociedade natildeo pode servir
unicamente de paracircmetro para outras Assim se algumas comunidades
apresentam mais facilidade em absorver outra forma linguiacutestica umas tecircm maior
resistecircncia enquanto que outras convivem por centenas de anos lado a lado com
determinadas liacutenguas
74
O bilinguismo tambeacutem pode ser classificado como social ou individual Segundo
Appel e Muysken (1986) o bilinguismo social ocorre quando em determinada
sociedade duas ou mais formas linguiacutesticas satildeo faladas quando cedo toda
sociedade se torna biliacutengue mas elas podem se tornar diferentes no que se
relaciona ao niacutevel ou forma de bilinguismo conforme figura abaixo
Figura 3 Esquema de representaccedilatildeo do bilinguismo social segundo Appel e Muysken
(1986)26
De acordo com a figura na comunidade I as duas liacutenguas satildeo faladas por dois
diferentes grupos monoliacutengues No entanto um grupo reduzido de falantes
biliacutengues seraacute necessaacuterio para fazer a comunicaccedilatildeo entre os grupos Esta forma
de bilinguismo social geralmente ocorre no periacuteodo colonial dos paiacuteses Pode-se
tomar por exemplo o Brasil quando os portugueses aqui chegaram
Em sociedades representadas pela forma II todos os falantes satildeo biliacutengues Em
paiacuteses como Aacutefrica Iacutendia e Brasil existem muitas sociedades totalmente
biliacutengues em que os falantes dominam as duas formas linguiacutesticas existentes
26
Apud Appel e Muysken (1986) p 2
75
Na forma III um grupo dessa comunidade eacute biliacutengue enquanto a outra eacute
monoliacutengue sendo este grupo na maioria das vezes a minoria Pois geralmente
o grupo biliacutengue eacute o dominante e o outro o dominado Tal circunstacircncia eacute tiacutepica
das assimetrias comuns nas relaccedilotildees entre os sujeitos do contato Situaccedilatildeo
como essa evidencia o papel da liacutengua para uma sociedade a qual pode ser
objeto de libertaccedilatildeo e tambeacutem de dominaccedilatildeo
Como dito anteriormente estas formas de bilinguismo social natildeo satildeo uniformes
nem tatildeo pouco refletem em detalhe de todas as existentes no interior das
sociedades Em muitas comunidades a situaccedilatildeo linguiacutestica eacute extremamente
complexa com mais de dois grupos e linguagens envolvidos
Com relaccedilatildeo aos aspectos linguiacutesticos o estudo do bilinguismo pode responder e
explicitar os fenocircmenos decorrentes da situaccedilatildeo do contato Fenocircmenos no
domiacutenio do leacutexico ou da sintaxe podem ser muito produtivos Entretanto podemos
considerar que eacute o niacutevel da foneacuteticafonologia que marcadamente sofre a
interferecircncia com o contato linguiacutestico
No contato duas ou mais formas linguiacutesticas podem perdurar por anos conforme
os quadros I e III na figura 3 No entanto alguns fenocircmenos linguiacutesticos podem
ocorrer paralelamente Um embate linguiacutestico pode surgir dentro dessas
comunidades linguiacutesticas e estas liacutenguas podem cambiar o leacutexico uma da outra
Sobre isso Bloomfield (1961 p 25) classifica esses empreacutestimos em iacutentimos
culturais e dialetais
76
O empreacutestimo externo ou cultural sempre eacute motivado por contatos poliacutetico sociais
e comerciais inclusive militares sempre com a dominaccedilatildeo de um dos povos Jaacute
os empreacutestimos dialetais se datildeo entre os contatos dentro de uma mesma liacutengua
satildeo as variantes regionais
O que particularmente nos interessa - o empreacutestimo iacutentimo - ocorre quando as
duas liacutenguas passam a conviverem no mesmo campo geograacutefico Dessa forma
se a liacutengua A domina a liacutengua B poderatildeo ocorrer trecircs hipoacuteteses i) B desaparece
e deixa um substrato em A ii) A desaparece e deixa um superstrato em B iii)
permanecem as duas trocando elementos na condiccedilatildeo de adstrato No entanto
natildeo devemos esquecer que as motivaccedilotildees pelas quais os falantes se apropriam
ou satildeo obrigados a se apropriarem para adquirem outra(s) liacutengua(s) extrapolam
os aspectos aqui vislumbrados
Os exemplos dados por Romaine (1995 p 2) demonstram como pode ocorrer o
cacircmbio linguiacutestico entre a liacutengua materna e a liacutengua adquirida posteriormente A
partir desses exemplos a estudiosa elenca os questionamentos mais relevantes
que deveratildeo ser observados em pesquisas que tratam da anaacutelise das
comunidades biliacutengues
(a) Kio Ke six sevem hours te school de vie spend karde ne they are speaking English all the time (Panjabi Inglecircs)
Because they spend six or seven hours a day at school they are speaking English all the time27
(b) Will you rubim off Ol man will come (Tok Pisin Inglecircs)
27
ldquoPorque eles passam seis ou sete horas por dia na escola eles estatildeo falando inglecircs o tempo todordquo
77
Will you rub [that off the blackboard] The men will come28
(c) Sano esttaacute tulla tanne ettaacute Iacutem very sick (Finlandecircs Inglecircs)
Tell them to come here that Iacutem very sick 29
(d) Kodomotachi liked it (Japonecircs Inglecircs)
The children liked it 30
(e) Won o arrest a single person (Yoruba Inglecircs)
They did not arrest a single person 31
(f) This morning I hantar my baby tu dekat babysitter tu lah (Malay Inglecircs)
This morning I took my baby to the babysitter 32
De acordo com AiKhenvald e Dixon (2006 p 2)
Se duas ou mais liacutenguas estatildeo em contato os falantes de uma tendo conhecimento da outra eles podem compartilhar traccedilos linguiacutesticos incluindo haacutebitos de pronuacutencia Historicamente todo idioma deve ter sofrido certa influecircncia de seus vizinhos O impacto do contato eacute mais forte e mais faacutecil de ser discernido em alguns idiomas enquanto em outros eacute mais fraco
O que fora dito acima pode ser comprovado em qualquer comunidade em que a
liacutengua do colonizador fora imposta durante o ato de conquista ou de contato Em
algumas comunidades a situaccedilatildeo de bilinguismo eacute motivada por outras
28
ldquoVocecirc esfregaraacute [o quadro-negro de fora] Os homens viratildeordquo 29
ldquoChame-os aqui que eu estou muito doenterdquo 30
ldquoAs crianccedilas gostam dissordquo 31
ldquoEles natildeo prenderam uma uacutenica pessoardquo 32
ldquoEsta manhatilde eu ocupei meu bebecirc agrave babaacuterdquo
78
necessidades que se fazem presente nessa sociedade O portuguecircs eacute a liacutengua de
contato que eacute utilizada por todos os membros em situaccedilotildees diaacuterias e em contatos
com a comunidade externa Enquanto a liacutengua interna eacute utilizada em seus rituais
e eacute utilizada em contexto familiar que exige mais aproximaccedilatildeo familiar entre os
membros 33
342 Diglossia
O processo de diglossia pode ser compreendido conforme Dubois et all (1998 p
190) como i) situaccedilatildeo de bilinguismo ii) situaccedilatildeo biliacutengue na qual uma das
liacutenguas eacute de status sociopoliacutetico inferior iii) aptidatildeo que tem um indiviacuteduo de
praticar corretamente outra liacutengua aleacutem da liacutengua materna
Embora seja entendida tambeacutem como uma competecircncia linguiacutestica em que o
falante de uma determinada liacutengua possa conhecer os niacuteveis formal e informal de
sua gramaacutetica para este trabalho o conceito que recorremos eacute o de diglossia
enquanto situaccedilatildeo de conviacutevio de duas ou mais liacutenguas em uma comunidade
Trata-se neste caso da utilizaccedilatildeo de uma das liacutenguas como liacutengua oficial
enquanto a outra fica a cabo das situaccedilotildees de conviacutevio Geralmente a liacutengua do
dominador eacute a liacutengua das relaccedilotildees comerciais a outra eacute utilizada nos rituais ou no
seio das famiacutelias (comunidade)
Devido agraves colonizaccedilotildees e agrave globalizaccedilatildeo a diglossia eacute muito comum no mundo
poacutes-moderno Em paiacuteses que foram colocircnias portuguesas como Moccedilambique e
33
Como exemplo podemos citar o que ocorre com o Fulni-ocirc Conforme COSTA1993 p 58
79
Timor Leste por exemplo o Portuguecircs eacute a liacutengua oficial enquanto as liacutenguas
nativas satildeo conservadas no acircmbito familiar e em ciclos informais Assim como
nas comunidades mais desenvolvidas o aprendizado de mais de uma segunda
liacutengua faz com que as comunidades se tornem pluriliacutengues
Por causa desta competecircncia linguiacutestica em que o sujeito passa a dominar dois
ou mais coacutedigos o conceito de diglossia fora ampliado agraves comunidades
monoliacutengues Neste caso entende-se que o sujeito pode ser bi- ou multiliacutengue
fora e dentro da sua proacutepria liacutengua34
Para Ferguson (1991 p 5) a diglossia eacute
Uma situaccedilatildeo linguiacutestica relativamente estaacutevel em que junto aos dialetos primaacuterios da liacutengua (que podem incluir a variante padratildeo ou as normas regionais) haacute um dialeto muito divergente altamente codificado (muitas vezes bastante complexo gramaticalmente) sobrepondo-se agrave variedade Eacute o veiacuteculo de um grande e respectivo corpo de literatura escrita tanto de periacuteodo anterior ou de outra comunidade de fala eacute aprendido atraveacutes da educaccedilatildeo formal usado na escrita e na fala em contextos formais mas natildeo eacute usado em qualquer uma das seccedilotildees de comunidade para conversaccedilatildeo coloquial
Fishman (1967 p 8) afirma que a diglossia eacute gradual e variaacutevel Para ele o
conceito de diglossia estaacute ligado ao aspecto social enquanto o bilinguismo ao
individual Dessa forma a relaccedilatildeo entre bilinguismo e diglossia na situaccedilatildeo do
contato pode se dar das seguintes formas i) diglossia e bilinguismo atuando
juntos ii) bilinguismo sem diglossia iii) diglossia sem bilinguismo e iv) nem
diglossia nem bilinguismo
34
Crystal (1985 p 82) discorre que em geral os sociolinguistas se referem a uma variedade alta (A) e outra baixa (B) correspondendo grosso modo a uma diferenccedila de formalidade A variedade alta eacute apreendida na escola costuma ser usada nos locais cuja formalidade eacute maior A variedade baixa eacute usada em outros ambientes relativamente informais
80
O referido autor complementa afirmando que
O bilinguismo sem a diglossia tende a ser transicional tanto em termos de repertoacuterios linguiacutesticos de comunidade de fala como em termos das variedades de fala envolvidas per si Sem separar no entanto as normas complementares e valores para estabelecer e manter a separaccedilatildeo funcional das variedades de fala aquela liacutengua ou variedade que seja o bastante favoraacutevel para ser associada ao movimento predominante das forccedilas sociais tende a substituir a(s) outra (s) (idem p7)
No caso dos Latundecirc a diglossia se configura como um processo em que os
falantes foram obrigados a aprender a liacutengua dos brancos utilizando-a nas
atividades em contexto de contato com o natildeo iacutendio No entanto o grupo conserva
a liacutengua original nos rituais e no reduto familiar como fora explicado
anteriormente 35
343 Alternacircncia de coacutedigo36
O processo de diglossia quando eacute configurado entre duas liacutenguas distintas resulta
em bilinguismo O bilinguismo abordado no item 231 pode ser analisado de
diversos pontos de vista mas um em especial que seraacute tratado neste toacutepico eacute a
alternacircncia de coacutedigo ou code-switching Trata-se de um processo linguiacutestico
inerente ao falante biliacutengue desenvolto ou natildeo na liacutengua que aprendera como
segunda liacutengua no caso do biliacutengue ou da terceira por diante como nos
pluriliacutengues
35
Vale ressaltar que atualmente devido agrave incorporaccedilatildeo da cultura do branco os Latundecirc estatildeo
falando mais frequentemente o Portuguecircs em diversas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo ateacute mesmos nas mais informais Isso se deve ao fato de as geraccedilotildees mais novas serem menos conservadoras e resistentes ao contato 36
Tratamos tambeacutem deste processo ao discorremos sobre o bilinguismo na seccedilatildeo 231
81
Dessa forma o falante biliacutengue ao se comunicar com outro falante que detenha
suas mesmas liacutenguas poderaacute fazer escolhas linguiacutesticas dentro de cada coacutedigo
ou alternando os coacutedigos Por isso os pesquisadores dizem que o falante biliacutengue
apresenta um comportamento proacuteprio em seu processo de interaccedilatildeo que eacute a
utilizaccedilatildeo do code-switching que se caracteriza por ser uma estrateacutegia de
adequaccedilatildeo interativa desejaacutevel e favoraacutevel do ponto de vista pragmaacutetico Este
processo constitui um processo de ativaccedilatildeo e desativaccedilatildeo de uma ou de outra
liacutengua
Para Auer (1999 p 46)
O termo code-switching reserva-se para os casos em que a justaposiccedilatildeo dos dois coacutedigos eacute percebida e interpretada como um ato localmente significativo pelos participantes Contrapotildee-se assim ao code-switching tambeacutem denominado language mixing (mistura de coacutedigo ou de liacutenguas) em que a justaposiccedilatildeo dos coacutedigos tem significaccedilatildeo para os participantes em sentido mais global sendo um padratildeo recorrente de comunicaccedilatildeo
Um falante biliacutengue decide primeiramente qual deveraacute ser a liacutengua de base para
ser utilizada com o outro falante que domina suas liacutenguas tambeacutem e a partir daiacute
decide se faraacute uso ou natildeo do code-switching eacute o que afirma Grosjean (1982 p
127) a partir do esquema abaixo
82
Figura 4 Escolha de liacutengua e code-switching conforme Grosjean (1982 p127)
Conforme o esquema acima o falante biliacutengue apresenta competecircncia linguiacutestica
para se comunicar tanto com um falante monoliacutengue quanto outro biliacutengue Ao se
comunicar com o falante monoliacutengue o referido falante biliacutengue faraacute a escolha de
uma liacutengua A ou a liacutengua B Neste caso natildeo poderaacute fazer uso das duas No
processo comunicativo com outro falante biliacutengue ele poderaacute utilizar a liacutengua A
com ou sem alternacircncia com a liacutengua B Ou utilizar a liacutengua B com ou sem
alternacircncia com a liacutengua A O que determina tais escolhas satildeo as vantagens e
desvantagens do cacircmbio linguiacutestico
Neste trabalho natildeo trataremos diretamente do code-switching por entendermos
que nos desviariacuteamos do objetivo basilar desta pesquisa que eacute o enfoque nos
segmentos foneacuteticos Outro aspecto seria o fato de os falantes latundecirc soacute
apresentarem a alternacircncia de coacutedigo durante as narrativas discorridas nas
83
entrevistas quando solicitados para que narrassem os acontecimentos e lendas
do seu povo
344 Morte da liacutengua
O contato linguiacutestico eacute um processo tambeacutem poliacutetico cujas consequecircncias podem
ser apenas o de mixagem ou mais intensamente a morte da liacutengua Muitas
vezes o contato eacute tatildeo devastador que extermina as liacutenguas minoritaacuterias trata-se
de um verdadeiro glotociacutedio37
Para Mcmahon (1994 p 228) a morte de uma liacutengua
Envolve essencialmente uma transferecircncia de obediecircncia de parte de uma populaccedilatildeo a partir de uma liacutengua que foi nativa na aacuterea para uma liacutengua mais recentemente introduzida na qual a populaccedilatildeo indiacutegena tornou-se biliacutengue A nova linguagem eacute geralmente falada nativamente por falantes mais potentes que podem tambeacutem ser mais numerosos e normalmente eacute associada pelos falantes da liacutengua minoritaacuteria com a riqueza prestiacutegio e progresso a liacutengua minoritaacuteria eacute entatildeo efetivamente abandonada por seus falantes tornando-se apropriada para uso em cada vez menor (e menor) contexto ateacute que seja inteiramente suplantada pela liacutengua que estaacute entrando
Dubois et all (1998 p 422) afirma que uma liacutengua morta eacute uma liacutengua que deixou
de ser falada mas cujo estatuto numa comunidade sociocultura eacute agraves vezes
desempenhar ainda um papel no ensino nas cerimocircnias rituais etc como o
latim
Para Trask (2004 p 200) a liacutengua eacute considerada moribunda ou estaacute prestes a
morrer quando o resultado de morte eacute praticamente inevitaacutevel Segundo o autor
37
Calcula-se que no iniacutecio da colonizaccedilatildeo portuguesa existiam aqui cerca de 1200 liacutenguas que
apoacutes anos de ocupaccedilatildeo de territoacuterio se resume a 180 Conforme Rodrigues 2002 p19 muitas delas estatildeo moribundas e carecem ser catalogadas
84
a cabo de uma ou duas geraccedilotildees ningueacutem mais seraacute capaz de falar esta liacutengua
pura e simplesmente Eacute a morte da liacutengua que resulta do processo denominado
substituiccedilatildeo da liacutengua
Ao dar continuidade ao seu argumento o referido autor assegura que a morte de
uma liacutengua eacute um processo gradual Assim exemplifica o pesquisador
em um dado lugar em um determinado momento algumas crianccedilas ainda estatildeo aprendendo - como sua liacutengua materna - a liacutengua que estaacute morrendo enquanto outras a estatildeo aprendendo apenas imperfeitamente e outras ainda natildeo estatildeo aprendendo de maneira nenhuma A liacutengua pode desaparecer por completo em certas aacutereas e sobreviver em outras Idem p 201
Ainda segundo Trask ibidem satildeo caracteriacutesticas da morte de uma liacutengua i) a
perda das irregularidades ii) a queda em desuso das formas e dos esquemas de
construccedilatildeo sentencial mais complexos ou menos frequente iii) a substituiccedilatildeo
maciccedila das palavras nativas por palavras tiradas da liacutengua de prestiacutegio iv) a
mudanccedila de pronuacutencia que se torna mais proacutexima da liacutengua de prestiacutegio v) a
perda da variaccedilatildeo estiliacutestica que leva agrave sobrevivecircncia de um uacutenico estilo
invariaacutevel
Nem sempre a morte de uma liacutengua estaacute diretamente ligada a aspectos
linguiacutesticos Cristoacutefaro-Silva (2002 p 56) elenca trecircs aspectos natildeo linguiacutesticos
que contribuem para a aniquilaccedilatildeo de uma liacutengua O primeiro diz respeito ao fato
de o pesquisador natildeo poder investigar o processo de morte devido agrave presenccedila de
uns poucos falantes da liacutengua O segundo trata da opressatildeo poliacutetica imposta aos
falantes que neste caso deixam de falar a liacutengua para natildeo serem perseguidos E
85
o terceiro ocorre quando a liacutengua eacute mantida apenas em rituais em que os falantes
natildeo sabem mais o teor semacircntico do que verbalizam
Natildeo diferente do aqui fora apresentado a situaccedilatildeo da liacutengua Latundecirc eacute bastante
delicada uma vez que a comunidade passou por diversos transtornos que
impactaram a forma como se organizavam socialmente O nuacutemero de nuacutemero de
falantes diminuiu e consequentemente a liacutengua se encontra altamente
ameaccedilada O portuguecircs sendo a liacutengua dominante de prestiacutegio e funcional para
a relaccedilatildeo com o mundo natildeo indiacutegena ganha espaccedilo crescente entre os Latundecirc
Esta eacute a situaccedilatildeo natildeo soacute do Latundecirc mas de vaacuterios grupos indiacutegenas
86
4 COMUNIDADE DE ESTUDO OS LATUNDEcirc
Que gente eacute essa que fala idioma tatildeo diferente das liacutenguas conhecidas tatildeo diferente da liacutengua dos seus mais proacuteximos vizinhos
que tem costumes tatildeo estranhos aos que vivem perto que natildeo conhece os objetos essenciais da vida dos seus companheiros de sertatildeo
De onde veio Por onde passou que natildeo deixou rastros Quando chegou agravequelas matas onde vive haacute tanto tempo
Que ligaccedilotildees tem com os outros filhos do Brasil Roquete-Pinto (1975 p121)
41 INTRODUCcedilAtildeO
Discorremos neste capiacutetulo sobre o povo Latundecirc e a sua comunidade descriccedilatildeo
contexto histoacuterico cultural e geograacutefico desta etnia Histoacuteria do contato conflitos
internos e externos dificuldades enfrentadas pelo grupo ao longo de sua
existecircncia denominaccedilatildeo acesso hierarquia social padratildeo e constituiccedilatildeo familiar
contatos intereacutetnico bilinguismo e ensino na aldeia
42 A FAMIacuteLIA NAMBIKWAacuteRA38 39 40
Os Nambikwaacutera41 satildeo conhecidos na etnologia brasileira por terem sido
oficialmente contatados pelo Marechal Rodom e por terem sido estudados por
Leacutevi-Strauss De origem Tupi o vocaacutebulo Nambikwaacutera eacute o resultado da fusatildeo dos
38
Os Nambikwara se auto denominam Anunsu Conforme Price amp Cook Jr The Nambikwara call
themselves aacute nu suacute people This name written anunzecirc has apereared throughout the literature but has been erroneously thought to be a band name (1969 p 690) 39
Os Nambikwra satildeo famosos na etnologia brasileira por terem sido oficialmente contatados pelo Marechal Rodom e por terem sido estudados por Leacutevi-Strauss 40
Os Nambikwara natildeo estatildeo ligados aos troncos Tupi e Macro-Jecirc Trata-se de uma famiacutelia linguiacutestica isolada com caracteriacutesticas especiacuteficas que natildeo se enquadra em nenhum desses dois grupos 41
Leacutevi-Strauss (1946 p 139) afirma que se trata de uma palavra Tupi e que deve ser escrita como Nhambikwara
87
termos ldquonambirdquo que significa ldquoorelhardquo e ldquokuarardquo cujo significado eacute ldquoburacordquo
Portanto Nambikwaacutera42 eacute ldquoburaco de orelhardquo
Coforme Leacutevi-Strauss (1946 p 48)
The name Nambikwra was mentioned for the first time and only by hearsay by Antonio Pires de Campos in the beginning of the 18th century Since then it appeared several times with reference to an unknown tribe located on the headwaters of Tapajoz There is a great discrepancy between the different spellings When General Candido Mariano da Silva Rondon began to explore the land between the Tapajoz and Gi-Parana in 1907 he met with unknown group of a unknown language and he did not hesitate to identify them with the tribe often mentioned in the early documents It was at that time that the name Nhambikwara was
definitely adopted its spelling fixed and that it was recognized as a Tupi nickname the meaning of which is big ears
A famiacutelia Nambikwara eacute dividida em dois grandes grupos aleacutem de outra
remanescente conforme figura abaixo
Figura 5 Classificaccedilatildeo das liacutenguas da Famiacutelia Nambikwaacutera de acordo com Rodrigues
(1986 p 134)
42
Seguimos neste trabalho a orientaccedilatildeo da Associaccedilatildeo de Antropologia Brasileira que em 1953
estabeleceu a fim de padronizar os nomes dos povos indiacutegenas do Brasil com o intuito de facilitar os estudos etnograacuteficos e Linguiacutesticos a nomenclatura padratildeo
88
Conforme figura acima o povo Latundecirc faz parte da famiacutelia Nambikwaacutera que se
divide em Nambikwaacutera do Norte Nambikwaacutera do Sul e Sabanecirc Os Latundecirc
juntamente com os Lakondecirc os Tawandecirc os Mamaindecirc e os Negarotecirc
pertencem ao grupo Nambikwaacutera do Norte Jaacute o Nambikwaacutera do Sul eacute composto
pelos povos Galera Kabixi Munduacuteka e Nambikwaacutera do Campo cada um
correspondendo a um complexo dialetal O Sabanecirc eacute uma liacutengua agrave parte por se
acreditar que natildeo haacute muitas semelhanccedilas entre as estruturas linguiacutesticas dessa
liacutengua e as demais liacutenguas desse grupo
Situado na aacuterea entre os rios Juruena e Comemoraccedilatildeo o territoacuterio consta do
registro de muitos autores Roquete-Pinto (1919) Leacutevi-Strauss (1946) Price e
Cook (1969) Price (1977) Mas eacute de Roquete-Pinto (1919) e Price (1983) a
exposiccedilatildeo mais aceita Em ambos os limites geograacuteficos desses povos satildeo
relatados da seguinte forma pelo Rio Papagaio (sul) pelo rio Gi-Paranaacute (norte)
pelo rio Tapajoacutes (leste) e pelo rio Guaporeacute (oeste)
Figura 6 Localizaccedilatildeo e aacuterea dos Nambikwaacutera de acordo com Roquete-Pinto (1919)
89
De acordo com a FUNAI43 os dados atuais indicam que os Nambikwaacutera hoje
com cerca de dois mil iacutendios estatildeo distribuiacutedos em seis Terras indiacutegenas (TI)
vivem no sudoeste do Mato Grosso e aacutereas proacuteximas de Rondocircnia entre a
floresta amazocircnica e o cerrado
Figura 7 Territoacuterio Nambikwaacutera descrito por Price (1983)
No que tange ao conhecimento desses povos eacute de meados do seacuteculo XVIII que
obtemos os primeiros contatos com os Nambikwaacutera Foi Luiz Pinto de Souza
Coutinho terceiro capitatildeo geral do Estado do Mato Grosso o organizador de uma
expediccedilatildeo pelas margens do Rio Guaporeacute com o propoacutesito de abrir caminhos
entre a capital de entatildeo Proviacutencia de Mato Grosso e o Forte Braganccedila
43
Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
90
Os relatos histoacutericos nos mostram que era prioridade do Governo Militar apoacutes a
Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica em 1889 a integraccedilatildeo de todas as terras brasileiras
Uma das accedilotildees dessa integraccedilatildeo foi a determinaccedilatildeo do governo em construir
linhas telegraacuteficas em terras indiacutegenas da Amazocircnia com o propoacutesito de interligar
o Rio de Janeiro a Cuiabaacute Agrave frente dessa empreitada estava o Major Antonio
Gomes Carneiro e entre a comitiva o seu aluno Cacircndido Mariano da Silva
Rondon
Eacute Rodon o principal agente de contato entre os iacutendios Nambikwaacutera e os natildeo
iacutendios Pois como eacute sabido dele partia o discurso de apaziguamento entre o
contato preferindo antes de qualquer coisa ser atingido a atingir os silviacutecolas
Aleacutem da motivaccedilatildeo de expansatildeo para a implantaccedilatildeo das linhas telegraacuteficas
Rondon era conduzido por um desejo ardente de respeito e proteccedilatildeo aos povos
daquela regiatildeo
Dessa forma os iacutendios Nambikwaacutera estavam entre os indiacutegenas que ajudaram a
comissatildeo do governo a alcanccedilar os lugares mais hostis Este encontro entre
indiacutegenas e brancos culminou em invasotildees e conflitos entre povos aleacutem das
doenccedilas que foram trazidas pelos natildeo indiacutegenas por isso a extinccedilatildeo de vaacuterias
tribos e povos aleacutem do prejuiacutezo linguiacutestico resultante da aculturaccedilatildeo dos
indiacutegenas frente agrave presenccedila do natildeo iacutendio uma vez que para que ocorresse o
processo de interaccedilatildeo os indiacutegenas se viram obrigados a aprender o portuguecircs
O contato entre os grupos Nambikwaacutera natildeo se deu de forma paciacutefica Os
Nambikwaacutera do Norte natildeo foram receptivos e os planos dos governos foram
frustrados De forma diferente o contato com os Nambikwaacutera do Sul se deu de
91
forma mais intensa Mesmo apoacutes os constantes conflitos o contato perdurou por
mais tempo que com os do Norte acarretando mudanccedilas culturais de costumes e
da liacutengua
Telles (2002 p 10) afirma que
Do grupo linguiacutestico do Norte hoje restam apenas remanescentes de cinco etnias Tawandecirc Lakondecirc Mamaindecirc Negarotecirc e Latundecirc Destes os trecircs uacuteltimos permanecem em aacutereas proacuteximas de seus territoacuterios tradicionais e se preservam enquanto grupos relativamente autocircnomos Estes povos natildeo habitavam tradicionalmente a regiatildeo norte do territoacuterio Nambikwaacutera e esse fato pode ter favorecido a sua independecircncia grupal ao longo do percurso histoacuterico
Figura 8 Localizaccedilatildeo atual dos Nambikwaacutera
Como consequecircncia do contato no final do seacuteculo XX a populaccedilatildeo desses povos
foi reduzida a mais ou menos 650 sendo 50 deles crianccedilas Price (1985 p 312)
92
chama a atenccedilatildeo para o processo de aculturaccedilatildeo pois para as crianccedilas ldquoseria
mais confortaacutevel falar portuguecircs que a liacutengua dos seus paisrdquo44
Ainda com relaccedilatildeo agrave classificaccedilatildeo linguiacutestica alguns estudiosos utilizam
classificaccedilotildees diferentes para organizar os povos Nambikwaacutera A divisatildeo claacutessica
de Leacutevi-Strauss (1948) distribui os Nambikwaacutera de acordo com a aproximaccedilatildeo
linguiacutestica que haacute entre eles Para ele haacute trecircs grupos principais que se subdividem
formando cinco unidades constituiacutedas por vaacuterios dialetos de uma mesma liacutengua
Price e Cook (1969) em trabalho posterior sugerem outra classificaccedilatildeo para a
famiacutelia Nambikwaacutera Para eles haacute dois grandes grupos os Sabanecirc e os
Nambikwaacutera Entretanto embora o Sabanecirc natildeo seja compreensiacutevel para os
outros grupos linguiacutesticos por razotildees estruturais Price (1972) com base num
estudo comparativo considera o Sabanecirc como integrante da famiacutelia linguiacutestica
Nambikwaacutera Para uma visualizaccedilatildeo das propostas de Leacutevi-Strauss e de Price e
Cook apresentamos as respectivas classificaccedilotildees nas tabelas a seguir
Quadro 2 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Leacutevi-Strauss (1948)
44
ldquofifty were children who are probably more comfortable speaking Portuguese than the languages of their parents
Grupo a
Grupo b
Grupo c
Subgrupo a1
Subgrupo a2
Subgrupo b1
Subgrupo b2
Oakleacutetosu
Haloacutetesu
Kiaaacuteru
Kuritsu
Soaacutelesu
Kodaacuteteli
Munuacutekoti
Nikedeacutetosu
Taruacutende
Maimatildende
Toatildende
Ioacutelola
Naseacutelate
Lakotildende
Sovaacuteinte
Sabaacutene
93
Quadro 3 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Price e Cook (1969)
Leacutevi-Strass natildeo aponta os Latundecirc como pertencente ao grupo Nambikwaacutera
devido ao natildeo contato com este povo que soacute fora inicialmente descobertos
(contatados) em 1975 pelos Aikanaacute conforme veremos a seguir
43 OS LATUNDEcirc
O povo Latundecirc pertencente ao Nambikwaacutera do Norte habita uma aacuterea de
116613671 hec no municiacutepio de Chupinguaia na regiatildeo sudoeste do estado de
Rondocircnia Com eles convivem outros dois grupos que natildeo possuem nenhum
Navaacuteite
Taiate
Nambikwaacutera
Sabanecirc
Do Norte
Do Sul
Latundecirc
Lakundecirc
Tawandecirc
Mamaindecirc
Negarotecirc
Vale do Jurema
Vale do Guaporeacute
Vale do Sarareacute
Haloteacutesu
Kithaulhu
Sawenteacutesu
Wakalitesu
Wasusu
Sarareacute
Alacircntesu
Waikisu
Hahatildetesu
94
grau de parentesco linguiacutestico Satildeo os Aikanaacute e os Kwazaacute que fazem parte da
Terra Indiacutegena (TI) Tubaratildeo-Latundecirc45
No mapa abaixo pode-se obervar a localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc que se
situa entre a RO 370 e a BR 364
Figura 9 Localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc46
A reserva estaacute localizada a oeste do municiacutepio de Vilhena Nela haacute trecircs vilas Rio
do Ouro Barroso e Gleba (tambeacutem conhecida como Tubaratildeo) Gleba eacute a que
conteacutem a maior populaccedilatildeo mista De faacutecil acesso pode ser adentrada pela cidade
de Chupinguaia que fica a 19 km da TI Rio do Ouro possui uma populaccedilatildeo
exclusivamente Aikanatilde e estaacute a 20 km da Gleba Barroso conteacutem a menor
populaccedilatildeo e corresponde a uma aacuterea de ocupaccedilatildeo esparsa em que se distribuem
45
Conforme Anonby the Tubaratildeo-Latundecirc Indian Reserve is inhabited by people from several tribes the tree main linguistically-unrelated Aikanatilde (also known as Tubaratildeo) Kwazaacute and Latundecirc 2009 p3 46
Inicialmente estes povos ocupavam uma aacuterea de ricas florestas no oeste do rio Pimenta Bueno
proacuteximo a uma pequena vila denominada de Satildeo Pedro
95
remanescentes Kwazaacute Aikanaacute e Latundecirc A meacutedia de distacircncia do Barroso para a
Gleba eacute de aproximadamente 25 km O acesso se daacute por uma estrada
parcialmente carroccedilaacutevel de difiacutecil locomoccedilatildeo
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo de cada povo Anomby (2009 p5) afirma que o
quantitativo total de pessoas eacute de 219 iacutendios Deles 175 satildeo Aikanatilde 25 satildeo
Kwazaacute e 19 satildeo Latundecirc Haacute ainda 189 iacutendios distribuiacutedos por outras localidades
fora da TI 47
Quadro 4 Distribuiccedilatildeo dos povos pertencentes a TI Tubaratildeo-Latundecirc
TI Rio do Ouro 67
Gleba 48
Barroso 34
Outras localidades
Satildeo Pedro 18
Vilhena 15
Chupinguaia 7
Total 189
Durante muitos anos os Latundecirc os Kwazaacute e os Aikanatilde viveram em contato com
grupos vizinhos como os Kanoecirc Mekens Sakirap Tupariacute Salamatildei entre outros
povos que tecircm sido acolhidos pela populaccedilatildeo local da TI Mesmo com diferentes
liacutenguas eles se relacionavam com festivais e casamentos intergrupais A cultura
desses povos tornou-se muito similar devido ao contato intenso entre eles De
acordo com Anomby (2009 p 6) os traccedilos mais comuns entre este povos
incluem cestas de fibra de marico casas em forma de colmeia para
47
Em conversa com os professores desses povos Anomby Idem natildeo afirma os motivos pelos
quais tais iacutendios estatildeo afastados dos demais
96
aproximadamente dez famiacutelias bebida de milho fermentado canibalismo e
divisatildeo de clatildes
Quanto ao contato sabe-se que foram os iacutendios Aikanaacute os primeiros a contatarem
com os Latundecirc Price (1977 p 72 - 73) descreve que o entatildeo Capataz Rural
Jorge Falcatildeo fora informalmente designado encarregado da operaccedilatildeo de contato
No ano de 1976 acompanhado por cinco iacutendios Aikanaacute e um serigueiro apoacutes
cinco dias de intensa caminhada ocorreu o encontro com os Latundecirc Neste
primeiro momento o desconhecido povo tremia de medo mas se posicionaram
ainda que fragilmente na linha de defesa Apoacutes dormirem no campo o capataz e
demais membros da excursatildeo conseguiram no outro dia um contato comprovado
por poucas fotografias com o povo Latundecirc Jorge descreveu que tais iacutendios natildeo
conseguiram se comunicar com os Aikanaacute e que eram em nuacutemero de 10 homens
e 8 crianccedilas afora poucas crianccedilas que afirma natildeo tecirc-las visto
A FUNAI em 1977 com a ajuda do Capataz Rural realizou uma nova excursatildeo
aos iacutendios Latundecirc Desta vez aleacutem de Jorge juntos a ele estavam presentes
David Price e dois iacutendios Nambikwara do Norte (Lakondecirc) que conseguiram
identificar os Latundecirc como tambeacutem pertencentes agrave etnia Nambikwara do Norte
Foram mensurados como uma aldeia composta por oito casas e dezenove
habitantes 48
48
Para uma descriccedilatildeo mais detalhada ver Telles 2002 p17
97
Figura 10 Primeiros contatos com os Latundecirc (Foto Price 1977)
Em 1999 o povo era composto por vinte pessoas Entre 1999 e 2000 a grupo ficou
ainda menor com a saiacuteda de trecircs dos membros Faacutetima (irmatilde de Terezinha49)
Batataacute (a anciatilde do grupo) e Joatildeo (irmatildeo solteiro de Terezinha) As crianccedilas e os
jovens do grupo satildeo na sua maioria parentes consanguiacuteneos De acordo com as
relaccedilotildees de parentesco os mais novos natildeo poderatildeo coabitar entre si o que
implica a natildeo autonomia e a natildeo perpetuaccedilatildeo do grupo Latundecirc
49
Trata-se de a informante deste projeto de pesquisa
98
Quadro 5 Nuacutecleos familiares de acordo com a habitaccedilatildeo em 199950
Casa 1
Pais Filhos Agregados
Maneacute Torto (60) Terezinha (45)
Luiz (22) Antocircnio (20) Lorena (12) Catarino (10) Justino (8) Jaelson (4)
Joatildeo (26) Francisco (25) Irmatildeos de Terezinha
Maneacute Torto (60) Faacutetima (30)
Maria (13)
Casa 2
Joseacute (40) Lurdes (40)
Jair (13) Dido (11) Lourival (3) Lorimar (6 meses)
Cinzeiro (50) Irmatildeo de Lurdes
Casa 3 Batataacute (65)
Dados atuais51 noticiam que o grupo se enfraqueceu politicamente Tereza
mudou-se para uma aldeia de outro grupo Nambikwaacutera do Norte e Maria e Lorena
foram morar na Gleba
No que concerne agraves atividades econocircmicas a extraccedilatildeo de borracha foi a grande
atividade econocircmica na deacutecada de 30 do seacuteculo passado no sul de Rondocircnia
Durante o apogeu dessa atividade os Aikanatilde e os Kwazaacute trabalharam para
barotildees da borracha em troca de cafeacute accediluacutecar e armas de fogo
Consequentemente apoacutes aprenderem as estrateacutegias de negociaccedilatildeo na deacutecada
de 70 os proacuteprios iacutendios agora independentes passaram a vender a sua proacutepria
borracha nas cidades vizinhas (Van der Voort 1998)
50
Telles 2002 p 19 51
Informaccedilatildeo proveniente de comunicaccedilatildeo pessoal com Stella Telles janeiro de 2015
99
A comercializaccedilatildeo da borracha tambeacutem fora um pano de fundo para o processo
de bilinguismo ocorrente entre os povos dessa regiatildeo O portuguecircs se tornara
uma espeacutecie de liacutengua franca utilizada para a comercializaccedilatildeo do produto no
exterior e na interaccedilatildeo com os seringalistas Contudo as liacutenguas indiacutegenas
permaneciam sendo usadas mais provavelmente na retirada e no processamento
da borracha nas reservas52
A economia na aldeia diferentemente do que fora no passado representa a atual
situaccedilatildeo dos iacutendios Haacute pouca lavoura de subsistecircncia53 o que faz com que a
produccedilatildeo de comida seja escassa Os integrantes da aldeia quando precisam de
provimentos compram sua comida na cidade ou recebem-na dos parentes que
vivem em Rio do Ouro
Ainda de acordo com Anomby (2009 p7)
As principais fontes de dinheiro em ambas as aldeias como a maioria das aldeias no Brasil satildeo as remessas de aposentadoria para os idosos e da venda de artesanato indiacutegena aleacutem da venda de madeira e os pequenos serviccedilos prestados aos demais moradores e visitantes
No que diz respeito agrave religiatildeo atualmente a presenccedila do protestantismo eacute muito
forte na TI Tubaratildeo-Latundecirc Missionaacuterios UNIEDAS54 (iacutendios da tribo Terena)
comeccedilaram a trabalhar na aacuterea em 1980 e como resultado a maioria das
pessoas que vivem na reserva iacutendios Tubaratildeo-Latundecirc hoje se consideram
52
Neste contexto histoacuterico pode-se perceber claramente a hierarquizaccedilatildeo linguiacutestica no que tange agrave utilizaccedilatildeo da liacutengua materna Para os iacutendios jaacute ocorria o processo de contato oriundo do dominador Mesmo reconhecendo a necessidade advinda da dependecircncia econocircmica os iacutendios relutavam em manter a liacutengua matildee no interior da aldeia ou seja no seio familiar 53
Devido agrave cultura errocircnea da terra e a constante presenccedila das aposentadorias concedidas aos idosos e invaacutelidos a rotina desses povos estaacute sendo fortemente alterada 54
Uniatildeo das Igrejas Evangeacutelicas da Ameacuterica do Sul criada por missionaacuterios americanos em 1912 que eacute atualmente conduzida por lideranccedila indiacutegena
100
protestantes Os Terenas ministram suas pregaccedilotildees exclusivamente em
Portuguecircs
Uma outra famiacutelia missionaacuteria protestante pertencente agrave missatildeo ALEM55 vivem
na aldeia Rio do Ouro onde o marido Warrisson eacute um professor e sua esposa
Ana eacute uma liacuteder de igreja Eles trabalham na reserva haacute doze anos e soacute falam
Portuguecircs
Anomby (2009 p8) relata o fato de os iacutendios ainda hoje rejeitarem os esforccedilos
dos missionaacuterios da ALEM para usar o Aikanatilde na igreja
Quando Ana veio pela primeira vez a Gleba 12 anos atraacutes as pessoas disse-lhe que queria igreja em Portuguecircs e natildeo em Aikanatilde Eles especificamente disse-nos Noacutes natildeo quer um linguista Queremos algueacutem que vai fazer igreja em Portuguecircs Ana compocircs algumas canccedilotildees em Aikanatilde mas quando ela cantou para os iacutendios eles disseram que soava feio Ana pediu que as pessoas orassem em Aikanatilde mas eles sempre recusam Em um culto que participou no Rio do Ouro Ana escolheu cinco pessoas aleatoriamente para ler partes do Biacuteblia Todos foram fluentes Ana disse-nos que ateacute hoje os iacutendios nunca pediu nada em Aikanatilde - eles parecem sentir que igreja deve ser em Portuguecircs
Os Latundecirc em particular natildeo se converteram ao protestantismo Localizados
mais remotamente o difiacutecil acesso agraves igrejas existentes da Gleba e no Rio do
Ouro natildeo favoreceu ao longo de anos a frenquecircncia do Latundecirc nos cultos
A educaccedilatildeo escolar tambeacutem tem situaccedilatildeo similar entre os Latundecirc Nunca houve
escola no Barroso nas proximidades das casas dos Latundecirc Dessa forma
apenas com a ida mais sistemaacutetica dos mais jovens Latundecirc para as aldeias
Aikanaacute - sobretudo a partir do ano de 2000 - eacute que as crianccedilas Latundecirc passaram
55
Associaccedilatildeo Linguiacutestica Evangeacutelica Missionaacuteria eacute uma organizaccedilatildeo missionaacuteria fundada em 1982
sob a inspiraccedilatildeo da Wycliffe Bible Translators
101
a frequentar escola Sobre isso Anomby Idem nos relata que eacute ensinado ateacute
quarta seacuterie em todas as aldeias e a maioria dos Aikanatilde e Kwazaacute satildeo
alfabetizados em Portuguecircs Em Rio do Ouro haacute dois professores um brasileiro
que leciona em Portuguecircs e um professor biliacutengue que explica os assuntos em
Aikanatilde Trecircs moradores estatildeo terminando o ensino meacutedio dois da Gleba e um
do Rio do Ouro A liacutengua Latundecirc natildeo eacute objeto de conteuacutedo escolar
Com relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo linguiacutestica dos Latundecirc56 sabe-se que com exceccedilatildeo de
Maneacute Torto que eacute falante nativo de uma liacutengua Nabikwaacutera do Norte muito proacutexima
do Latundecirc o nuacutemero de falantes do Latundecirc eacute de dezenove pessoas O grupo
excetuando a Batataacute que natildeo fala portuguecircs apresenta bilinguismo em Latundecirc
Portuguecircs O bilinguismo resultante do contato que se deu em 1976 se firmou
com o contato crescente com os Aikanaacute com quem se comunicam em portuguecircs
A complexidade linguiacutestica que se instaurou entre os Latundecirc pode ser observada
na tabela seguinte
Quadro 6 Situaccedilatildeo sociolinguiacutestica dos Latundecirc (dados de 1999)
Membros
Situaccedilatildeo Social
Situaccedilatildeo Linguacuteiacutestica
Maneacute Torto (60) Liacuteder interno da tribo Natildeo Latundecirc
Cinzeiro (50)
Batataacute (65)
Membros mais velhos
da tribo
Satildeo monoliacutengues em Latundecirc
Lurdes (40) Matriarca da casa 2 Apresenta distuacuterbio de fala Eacute considerada
uma falante ruim pela proacutepria tribo Fala um
pidgin com seus filhos
Joseacute (40) Patriarca da casa 2 Fala um portuguecircs pouco claro
56
Anomby (2009 p 5) chama a atenccedilatildeo para o fato de os povos presentes na TI Tubaratildeo-Latundecirc
natildeo serem estudados extensivamente ainda Dos estudos realizados podem-se citar as pesquisas realizadas no acircmbito antropoloacutegico e no linguiacutestico Leacutevi-Strauss (1930) Lieuntenabt Zack (1942) Melatti e Price (1970) Carlson (1984) Vasconcelos (19931996) Van der Voort (19951998) e Telles (2002)
102
Jair (13)
Dido (11)
Filhos mais velhos da
casa 2
Devido ao desempenho dos pais
apresentam problemas de comunicaccedilatildeo em
ambas as liacutenguas
Lourival (3)
Lorimar (6 meses)
Filhos mais novos da
casa 2
Estatildeo em processo de aquisiccedilatildeo da
linguagem
Terezinha (45)
Matriarca da casa 1
uma das mulheres de
Maneacute Torto
Apresenta boa competecircncia comunicativa
Apesar de ser considerada biliacutengue
apresenta problemas com relaccedilatildeo agrave
compreensatildeo do Portuguecircs
Joatildeo (26)
Francisco (25)
Irmatildeos de Terezinha Falam Portuguecircs sem muita fluecircncia
Faacutetima (30)
Irmatilde de Terezinha Apresenta niacutevel de compreensatildeo muito
inferior ao da sua fala
Luiz (22)
Antocircnio (20)
Lorena (12)
Catarino (10)
Justino (8)
Jaelson (4)
Filhos de Terezinha e
Maneacute Torto
Falam um bom Portuguecircs
Maria (13) Tambeacutem fala um bom Portuguecircs
Entre 1995 e 2000 Telles (comunicaccedilatildeo pessoal em novembro de 2014) verificou
que o aprendizado do Latundecirc na comunidade eacute mais tardio do que o Portuguecircs
mesmo sendo as crianccedilas desde o nascimento expostas e estimuladas agraves duas
liacutenguas simultaneamente Na avaliaccedilatildeo subjetiva dos indiacutegenas o Latundecirc eacute uma
liacutengua mais difiacutecil sendo essa a razatildeo de as crianccedilas apresentarem melhor
desempenho no Portuguecircs Soacute em torno dos dez anos comeccedilam a utilizar com
fluecircncia o Latundecirc embora apresentem conhecimento passivo da liacutengua desde a
primeira infacircncia quando atendem com pertinecircncia aos comandos em Latundecirc
Outro fator que pode responder ao fato de a produccedilatildeo linguiacutestica ocorrer
103
primeiramente em Portuguecirc deve ser o prestiacutegio social que essa liacutengua alcanccedila
entre comunidades minoritaacuterias57
Essa situaccedilatildeo decorrente do contato linguiacutestico se daacute devido agrave mescla linguiacutestica
presente na TI e agraves necessidades de os indiacutegenas se ausentarem das terras da
TI Os povos que vivem em Rio do Ouro viajam a cidade pelo menos uma vez por
mecircs para fazer compras ou ir buscar assistecircncia meacutedica Os da Gleba se
deslocam para a cidade todos os dias quando precisam ir para a sede do
municiacutepio de Chupinguaia Dependendo da necessidade eles ficam hospedados
na casa de algueacutem conhecido ou na Casa do Iacutendio uma espeacutecie de guarita
para os iacutendios A Casa do Iacutendio mais proacutexima da TI se localiza em Vilhena
Ainda quanto ao contato linguiacutestico estudos mostram que os iacutendios do sul de
Rondocircnia tecircm o haacutebito de casar-se com iacutendios de tribos amigas Isto pode ser
comprovado com a presenccedila de palavras no leacutexico das liacutenguas em que foram
coadunadas
Conforme dados mais recentes na Gleba cerca de cinquenta por cento dos
casamentos satildeo mistos com iacutendios de outras etnias ou com natildeo iacutendios Embora
haja certa rivalidade entre os povos da Gleba e os do Rio dos Ouros o nuacutemero de
casamentos entre os iacutendios dessas duas aldeias satildeo muito frequentes
Quanto aos iacutendios Latundecirc Anomby (2009 p 9) discorre que
Os iacutendios da aldeia de Latundecirc Barroso tecircm o menor prestiacutegio e satildeo um pouco culturalmente e economicamente subjugados pelo Aikanatilde e Kwazaacute Devido agraves pequenas populaccedilotildees de Kwazaacute e Latundecirc eacute quase impossiacutevel para eles para se casar dentro de
57
Discorreremos com mais detalhes sobre o processo de bilinguismo no povo Latundecirc no trabalho proposto a ser desenvolvido
104
sua tribo Assim a sobrevivecircncia das liacutenguas e ateacute mesmo o povo como um grupo distinto eacute muito tecircnue
Devido agraves constantes necessidades de cuidado desses povos a OSCIP Creatio58
realizou estudos sobre os impactos soacutecio-antropoloacutegicos-ambientais na TI
Tubaratildeo-Latundecirc jaacute que toda regiatildeo estaacute sobre a influecircncia da PCH59 Cascata
que estaacute sendo construiacuteda no Rio Pimenta Bueno Tais estudos visam objetivar
informaccedilotildees que subsidiem a descriccedilatildeo dos possiacuteveis impactos oriundos da PCH
sobre esta TI
Figura 11 Iacutendios Latundecirc na TI Tubaratildeo-Latundecirc
Outro ponto que deve ser levado em conta ao considerar falantes biliacutengues e
monoliacutengues eacute que eles natildeo podem ser nitidamente diferenciados A avaliaccedilatildeo do
grau de bilinguismo eacute complexa dado que a sua medidade eacute escalar ou seja o
58
Organizaccedilatildeo da Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico 59
Pequena Central Hidreleacutetrica
105
conhecimento de outra liacutengua eacute uma questatildeo de grau que vai desde 0 ateacute a
ldquoperfeiccedilatildeordquo (Van Coetesem 1988 p 9)
106
5 INTERFEREcircNCIA FONEacuteTICO-FONOLOacuteGICA DO LATUNDEcirc NO
PORTUGUEcircS
ldquoO contato linguiacutestico eacute apenas um aspecto do contato cultural e a interferecircncia linguiacutestica eacute uma face da difusatildeo lexical e aculturaccedilatildeordquo
Weinreich (1953 p 5)
51 INTRODUCcedilAtildeO
Para Thomason (2001 p 5) o contato entre liacutenguas estaacute em toda a parte muitos
paiacuteses tecircm mais do que uma liacutengua oficial e muito provavelmente a maior parte
da populaccedilatildeo mundial fala duas ou mais liacutenguas Posto dessa maneira
compreende-se que satildeo muitos os estudos que abordam sob formas aacutereas
concepccedilotildees diversas e interdisciplinares o contato linguiacutestico No que concerne agrave
linguiacutestica estes estudos satildeo de igual abundacircncia De acordo com Weinreich
(1953) grande ou pequena as diferenccedilas e similaridades entre as liacutenguas em
contato podem ser exaustivamente estabelecidas em muitos domiacutenios Todavia
quando se trata da investigaccedilatildeo do contato sob a eacutegide da fonologia e da foneacutetica
o nuacutemero destes estudos diminui consideravelmente Tal constataccedilatildeo corrobora
com a necessidade de estudos linguiacutesticos que tratem dos aspectos foneacuteticos
quando observados no contato entre liacutenguas
Por se tratar de uma sessatildeo importante para as elucidaccedilotildees dos processos
ocorridos no Portuguecircs falado pelos Latundecirc a serem discorridos no Capiacutetulo VI
descrevemos neta seccedilatildeo os segmentos das liacutenguas em anaacutelise e quais satildeos mais
suscetiacuteveis agrave influecircncia do contado linguiacutestico Devido agrave escassez de pesquisas
107
foneacuteticas fonoloacutegicas na aacuterea especificamente no Latundecirc e no Portuguecircs
Brasileiro seratildeo utilizadas como cabedal para esta anaacutelise as pesquisas de
TELLES (2002) e para a investigaccedilatildeo do inventaacuterio do sistema fonoloacutegico do
Portuguecircs a de BISOL (1996) e de SILVA (2002)
Dada a profundidade investigativa da natureza do contato cabe-nos ressaltar aqui
que o presente estudo natildeo se encarregaraacute de tratar de todas a suas nuances
visto que seu objeto estaacute delimitado quanto aos processos foneacuteticos resultantes
de tal contato
Quanto ao aporte teoacuterico seratildeo citados os trabalhos de WEINREICH (1953)
pioneiro a tratar das questotildees de interferecircncia foneacuteticas oriundas do contato entre
liacutenguas VAN COETSEM (1988) e MATRAS (2009) para elucidar os processos
ocorrentes no contato em questatildeo
52 INTERFEREcircNCIA FUSAtildeO COEXISTEcircNCIA E TRANSFEREcircNCIA
LINGUIacuteSTICA
Um dos precursores dos estudos sobre contatos linguiacutesticos Uriel Weinreich
descreve em seu livro Language in Contact (1953) os mecanismos foneacuteticos que
regem a intersecccedilatildeo existente no contato
No que concerne aos aspectos extralinguiacutesticos que regem os efeitos do contato
sobre a fala de determinado componente social Weinreich chama a atenccedilatildeo para
os fatores que estatildeo aleacutem das diferenccedilas estruturais bem como das
inadequaccedilotildees lexicais da liacutengua Segundo ele esses fatores natildeo estruturais satildeo
inerentes aos falantes que estatildeo expostos agrave situaccedilatildeo do contato por exemplo
108
a) A facilidade de o falante se expressar verbalmente e sua
debilidade de lidar coma as duas liacutenguas separadamente
b) Proficiecircncia relativa em cada liacutengua
c) Especializaccedilatildeo no uso de cada liacutengua por toacutepicos e
interlocutores
d) Forma de aprendizado em cada liacutengua
e) Atitudes para cada liacutengua se idiossincraacutetico ou estereotipado
f) A dimensatildeo do grupo biliacutengue e sua homogeneidade
sociocultural ou diferenciaccedilatildeo colapso entre subgrupos usando
uma ou outra liacutengua como sua liacutengua-matildee fatos demograacuteficos
sociais e as relaccedilotildees poliacuteticas entre esses subgrupos
g) Prevalecircncia individuais de bilinguismo com dadas caracteriacutesticas
de comportamento de fala em subgrupos em geral
h) Atitudes estereotipadas em relaccedilatildeo a cada liacutengua (prestiacutegio)
status indiacutegena ou imigrante da liacutengua em xeque
i) Atitudes em relaccedilatildeo agrave cultura de cada comunidade linguiacutestica
j) Atitudes em relaccedilatildeo ao bilinguismo como tal
k) Toleracircncia ou intoleracircncia com respeito agrave mistura linguiacutestica e
com a fala incorreta de cada um
l) Relaccedilatildeo entre o grupo biliacutengue e cada um das duas
comunidades em que ela eacute um segmento marginal (Weinreich
1953 p 4)
Um dos pressupostos baacutesicos agrave natureza do falante diz respeito ao fato de duas
ou mais liacutenguas soacute poderem estar em contato se usadas alternadamente pelas
mesmas pessoas O uso individual da liacutengua seraacute o locus do contato Quando isto
ocorre a transferecircncia de elementos foneacuteticos seraacute a motivadora pela
reorganizaccedilatildeo de todo o velho sistema de oposiccedilatildeo Ele assegura que the term
interference implies the rearrangement of patterns that result from the introduction
of foreign elements into the more highly structured domains of language such as
the bulk of the phonemic system a larger part of the morphology and syntax and
some areas of the vocabulary (p 1)60
60
O termo interferecircncia implica a reorganizaccedilatildeo de padrotildees que resultam na introduccedilatildeo de elementos no mais alto (profundo) domiacutenio de estruturas da linguagem tal como a maior parte do sistema fonecircmico uma larga parte da morfologia e sintaxe e algumas aacutereas do vocabulaacuterio
109
Quando dois sistemas satildeo confrontados no contato pode ocorrer o
reordenamento de padrotildees ou interferecircncia ou exclusatildeo Na interferecircncia
linguiacutestica o problema de maior interesse eacute a accedilatildeo reciacuteproca dos fatores
estruturais e dos natildeo estruturais ao promoverem estimularem ou impedirem cada
interferecircncia
Concernente aos ldquoMecanismos e causas estruturais de interferecircnciardquo Weinreich
idem p7 coloca que haacute um tipo de interferecircncia que eacute extremamente comum no
contato linguiacutestico trata-se da relaccedilatildeo de empreacutestimo na qual natildeo haacute uma total
transferecircncia de todos os elementos Logo percebe-se que eacute comum a
transferecircncia de parte de um sistema ou de traccedilos desse sistema fazendo com
que haja uma ldquocoexistecircncia de fusatildeo de sistemasrdquo
A coexistecircncia ou fusatildeo de sistemas linguiacutesticos pode de acordo com este
estudioso afetar a natureza de um signo linguiacutestico jaacute que esta eacute a combinaccedilatildeo
de uma unidade de expressatildeo e uma de conteuacutedo Neste niacutevel de bilinguismo ou
de interferecircncia de sistemas pode-se entendender que a relaccedilatildeo de significado e
significante natildeo se daacute de maneira uniacutevoca
Diante da complexidade que eacute a transferecircncia linguiacutestica a ilustraccedilatildeo por ele
adotada eacute a de que a interferecircncia eacute como areia carregada por um fluxo de aacutegua
Na liacutengua ela estaacute sedimentada no fundo de um lago E este fenocircmeno se daacute em
todos os niacuteveis da gramaacutetica p 11
Ao tratar dos tipos de interferecircncia nos sistemas foneacuteticos Weinreich afirma que
The problem of phonic interference concerns the manner in which a speaker perceives and reproduces the sounds of one
110
language which might be designated secondary in terms of another to be called primary Interference arises when a bilingual identifies a phoneme of the secondary system with one in the primary system and in reproducing it subjects it to the fonetic rules of the primary language (1953 p 15)61
Neste caso a interferecircncia resulta quando um falante identifica na segunda liacutengua
elementos foneacuteticos presentes na primeira liacutengua Ao reproduzir o segmento o
falante o sujeita agraves regras foneacuteticas da primeira liacutengua a liacutengua matildee
Ao prosseguir Weinreich tambeacutem aponta dois tipos de interferecircncia a partir do
quadro comparatoacuterio entre os sistemas linguiacutesticos do Romansh62 e do
Schweizerdeutsch63 liacutenguas coexistentes no Cantatildeo de Grisons na Suiacuteccedila No
primeiro caso o sistema foneacutetico do Romansh se configura como o sistema
primaacuterio e o Schweizerdeutsch como secundaacuterio No segundo caso os sistemas
satildeo alternados o sistema foneacutetico do Schweizerdeutsch assume o lugar do
sistema primaacuterio e o Romansh o secundaacuterio
61
O problema da interferecircncia foneacutetica consiste na maneira como o falante percebe (reconhece) e reproduz os sons de uma liacutengua que pode ser designado secundaacuterio em outros termos primaacuterio A interferecircncia surge quando um biliacutenguumle identifica um fonema do sistema secundaacuterio com um no sistema primaacuterio e em reproduzi-lo sujeitando-o agraves regras foneacuteticas da primeira liacutengua 62
Eacute uma das quatro liacutenguas nacionais da Suiacuteccedila juntamente com a liacutengua alematilde a liacutengua italiana e a liacutengua francesa Trata-se de uma liacutengua romacircnica do ramo ocidental que se acredita descender do latim vulgar falado pelos romanos que ocuparam a aacuterea na Antiguidade 63
Eacute qualquer um dos dialetos alemacircnicos falados na Suiacuteccedila no Liechtenstein e nas zonas fronteiriccedilas da Aacuteustria
111
Quadro 7 Quadro Comparativo dos Sistemas Foneacuteticos do Romansh e do
Schweizerdeutsch de acordo com Weinreich (1953)
Mais adiante seraacute observada a influecircncia do Latundecirc no Portuguecircs Desta forma
o Portuguecircs mesmo sendo a segunda liacutengua adquirida seraacute visto como o objeto
influenciado do contato linguiacutestico
112
Quando observou o contato entre os dois sistemas linguiacutesticos em voga
Weinreich (idem p 18 e 19) examinou o processo de interferecircncia representado
no segundo sistema fonecircmico Assim ele elencou quatro tipos de interferecircncias i)
subdiferenciaccedilatildeo de fonemas ii) superdiferenciaccedilatildeo de fonemas iii)
reinterpretaccedilatildeo de traccedilos relevantes iv) substituiccedilatildeo de fone atual
A subdiferenciaccedilatildeo de fonemas ocorre quando dois sons de um segundo sistema
cujos correspondentes que natildeo se distinguem no sistema primaacuterio natildeo satildeo bem
definidos Tal confusatildeo eacute evidenciada pela alternacircncia que o falante do Romansh
faz ao pronunciar os segmentos y e i do Schweizerdeutsch ou quando o falante
do Schweizerdeutsch faz ao pronunciar de forma insegura os segmentos i e
O processo de superdiferenciaccedilatildeo envolve a imposiccedilatildeo de distinccedilotildees fonecircmicas
do sistema primaacuterio sobre os sons do sistema secundaacuterio onde eles natildeo satildeo
necessaacuterios O processo pode ser inferido a partir de uma comparaccedilatildeo entre os
sistemas de som em contacto mesmo que nem sempre seja perceptiacutevel No
contanto entre os dois dialetos o vocaacutebulo rsquolada lsquoamplorsquo do Romansh eacute
pronunciado como acutelada no Schwyzertutsch
A reinterpretaccedilatildeo de traccedilos relevantes ocorre quando o falante biliacutengue distingue
fonemas do sistema secundaacuterio cujas caracteriacutesticas que nesse sistema satildeo
meramente concomitante ou redundante mas que satildeo relevantes no seu sistema
principal Por exemplo a palavra do dialeto Romansh [lsquomєsbullɐ] bagunccedila pode
ser interpretada quase como no Schwyzertutsch rsquomesa
Por fim o processo de substituiccedilatildeo de fone atual eacute aplicado aos fonemas que satildeo
definidos de forma idecircntica nos dois idiomas mas que se comportam de froma
113
distintas Na situaccedilatildeo descrita o segmento do Romanche e o do
Schwyzertatsch satildeo ambos definidos como vogais frontais de abertura
maacutexima mas o fonema do sistema Schwyzertfitsch eacute pronunciado mais aberto
Os fonemas b do Romansh e o B do Schwyzertfitsch satildeo ambos definidos por
suas oposiccedilotildees tensa (sem voz) consoante aspirante e nasal homorgacircnica mas
b eacute sempre vozeado B apenas ocasionalmente
Quando ao tratar dos fatores estruturais favorecedores ou inibidores da
interferecircncia foneacutetica o pesquisador em questatildeo afirma que a anaacutelise contrastiva
dos fonemas de duas liacutenguas e a forma como eles satildeo usados produz uma lista
de formas de interferecircncias focircnicas esperada em uma situaccedilatildeo de contato
particular Quando os sons satildeo vistos como parte de um sistema focircnico certos
fatores adicionais emergem favorecendo ou inibindo a reproduccedilatildeo de som
defeituoso (pg 23)
Em continuidade ele afirma que ldquoum fator que elimina certos ruiacutedos na fala em
liacutengua estrangeira eacute a existecircncia de vazios no padratildeo no sistema fonecircmico
primaacuterio em que fonemas estranhos do sistema secundaacuterio podem ser
recuperados (rotulados)rdquo Isso se daacute devido agrave semelhanccedila com o(s) segmento(s)
cujas caracteriacutesticas satildeo mais aproximadas
Sobre a difusatildeo dos fenocircmenos de interferecircncia foneacutetica Weinreich assegura que
no estudo da propagaccedilatildeo de sons oriundos do contato linguiacutestico sobretudo na
influecircncia da liacutengua estrangeira (liacutengua de contato) seria relevante que
investigasse se o resultado de muitos tipos de interferecircncia eacute difundido da mesma
forma ou com igual facilidade
114
Ao citar Sapir ele afirma que
Podemos supor que as variaccedilotildees individuais decorrentes em fronteiras linguiacutesticas tecircm sido gradualmente incorporadas ao desvio foneacutetico de uma liacutengua Isto mostra aliaacutes que um sistema de som que eacute conhecido por ter sido influenciada por um estrangeiro natildeo precisa esperar para representar uma reacuteplica exata do sistema influenciando (1949 p213)64
Para ele um dos motivos que contribuiria para a interferecircncia foneacutetica seria
agravequela desencadeada pelo status
Com base na reduplicaccedilatildeo de som de Weinreich Matra (2009 p 241) descreve
que a produccedilatildeo de segmentos foneacuteticos eacute vulneraacutevel No entanto
A replicaccedilatildeo fonoloacutegica (interferecircncia transferecircncia ou ldquoempreacutestimordquo) pode afetar qualquer niacutevel da estrutura de som a articulaccedilatildeo de fonemas individuais ou fonemas dentro das palavras o comprimento e a geminaccedilatildeo acento e tom prosoacutedia e entonaccedilatildeo Em fonologia os empreacutestimos foram muitas vezes considerados como estrateacutegias para preencher as chamadas lacunas estruturais no sistema destinataacuterio65
Matras ainda defende que a mudanccedila induzida pelo contato fonoloacutegico eacute o
resultado da incapacidade ou da relutacircncia dos falantes para manter a separaccedilatildeo
completa e consistente entre os sistemas fonoloacutegicos de duas liacutenguas Ele cita
como exemplo o fato de os falantes da liacutengua receptora lidarem com a pronuacutencia
de termos da liacutengua de origem66
64
We may suppose that individual variations arising at linguistic borderlands - whether by the unconscious suggestive influence of foreign speech or the actual transfer of foreign sounds into the speech of bilingual individuals - have been gradually incorporate into the phonetic drift of a language This shows incidentally that a sound system which is known to have been influenced by a foreign one need not be expected to represent an exact replica of the influencing system 66
Isso ocorre mais frequentemente quando uma palavra estrangeira eacute introduzida na liacutengua de
destino por apenas um pequeno grupo de biliacutengues ou semibiliacutengues e se espalha por toda fala da comunidade inclusive para os monoliacutengues natildeo estatildeo familiarizados com os sons originais da
115
Quando emprestado de uma liacutengua doadora um vocaacutebulo natildeo acarretaraacute
necessariamente em mudanccedila no sistema fonoloacutegico da liacutengua receptora O que
ocorre como jaacute fora colocado aqui eacute o processo de acomodaccedilatildeo fonoloacutegica O
vocaacutebulo emprestado passa a ser pronunciado com os segmentos foneacuteticos da
liacutengua receptora
Todavia Matra (2009 p 222-223) chama a atenccedilatildeo para um segundo tipo de
processo em que ldquoos sons que aparecem nos vocaacutebulos emprestados que satildeo
normalmente ausentes do sistema da liacutengua destinataacuteria podem ser replicados
juntamente com o proacuteprio vocaacutebulordquo fazendo com que haja um enriquecimento no
inventaacuterio foneacutetico na liacutengua receptora 67
Segundo o autor este tipo de processo ocorre com normalidade em situaccedilotildees
em que o bilinguismo eacute muito generalizado Logo ldquomembros biliacutengues de uma
comunidade que estatildeo cientes da forma original da pronuacutencia da liacutengua doadora
fazem um esforccedilo para autenticar o vocaacutebulo emprestado replicando sua forma
originalrdquo
Em continuidade ele afirma que
Uma vez que a liacutengua doadora goza de alguma forma de prestiacutegio muitas vezes devido a associaccedilotildees com comeacutercio tecnologia conhecimento e outros tipos de inovaccedilatildeo ou de poder a replicaccedilatildeo de pronuacutencias originais da liacutengua doadora satildeo imitadas por muitos monoliacutengues (natildeo falantes da liacutengua doadora) como tal levando agrave propagaccedilatildeo dentro da liacutengua destinataacuteria dos novos fonemas nos vocaacutebulos emprestados que satildeo relevantes Isso comprova o respeito dos falantes para a linguagem dos doadores e agrave sua flexibilidade no uso de sua liacutengua materna (a liacutengua do destinataacuterio) indicando que os
liacutengua doadora Em tais situaccedilotildees haacute uma forte lealdade para com a liacutengua de destino e geralmente apenas com superficial conhecimento com a liacutengua de origem (p 242) 67
Como exemplo eacute citado o caso da africada dʒ que em situaccedilatildeo de empreacutestimo pode ser
pronunciada como tʃ em palavras que oriundas do inglecircs
116
falantes se contentam em atribuir fonologicamente autenticidade agrave replicaccedilatildeo de empreacutestimos lexicais prioritaacuterios maiores do que para a preservaccedilatildeo das estruturas fonoloacutegicas coerentes de sua liacutengua nativa (idem p 224)
Em uma situaccedilatildeo onde o bilinguismo eacute estabelecido e prolongado os falantes (na
maioria de uma liacutengua minoritaacuteria como o caso dos Latundecirc) podem ajustar o
inventaacuterio de sons e as regras que regem a sua distribuiccedilatildeo para coincidir com as
do outro
Matras (2009 p 225) atraveacutes de um quadro descreve os quatro tipos de
mudanccedilas fonoloacutegicas oriundas do contato linguiacutestico com base nos perfis dos
falantes linguagem e atitudes
Quadro 8 Tipos de processos que conduzem a mudanccedila fonoloacutegica induzida por contato
117
Com base no quadro anterior depreende-se que
i) O tipo A eacute diferente na medida em que natildeo envolve nenhuma mudanccedila no
sistema fonoloacutegico mas apenas uma mudanccedila de palavras individuais
enquanto os tipos B-D todas envolvem algum grau de modificaccedilatildeo para o
sistema tal como utilizado por colunas numa base regular No entanto
existem semelhanccedilas entre os tipos de aspectos individuais
ii) Os tipos A e B satildeo semelhantes e giram em torno de palavras emprestadas
individualmente
iii) Os tipos A e C satildeo semelhantes em que ambos envolvem a transferecircncia
de recursos de liacutengua nativa para material diferente
iv) Os tipos B e D satildeo semelhantes em que ambos envolvem a adoccedilatildeo de
padrotildees sonoros estrangeiros e sua integraccedilatildeo na liacutengua nativa
v) Os tipos C e D mostram como mencionado acima o fato de que os
falantes tentam evitar que para selecionar os sons de dois conjuntos
distintos de inventaacuterio e ateacute generalize apenas um conjunto de sons para
serem usadas em ambas as liacutenguas isto eacute em toda a interaccedilatildeo contextos
Os falantes do portuguecircs falado por Latundecirc se estendem em duas direccedilotildees Em
tipos A e C onde os falantes reinterpretam os sons dos vocaacutebulos emprestados
da liacutengua doadora alinhando-os aos padrotildees e inventaacuterio da liacutengua receptora
(nativa) No tipo D os falantes modificam os segmentos foneacuteticos com base no
inventaacuterio externo A aplicaccedilatildeo de uma determinada regra fonoloacutegica pode
resultar na perda ou em ganho de fonemas p226
118
O contato linguiacutestico pode ser representado ainda como um contiacutenuo Nele
ocorrem forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas que dinamizam os sistemas linguiacutesticos
Para Matras idem p 226 fatores como normas sociais lealdade e consciecircncia
de identidade podem interferir e ateacute mesmo neutralizar os fenocircmenos advindos do
contato O empreacutestimo sofreria portanto estas pressotildees
Figura 12 Ligaccedilotildees entre a intensidade do bilinguismo o tipo de processo de acomodaccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo entre os sistemas fonoloacutegicos
Quanto menor for o bilinguismo maior seraacute a separaccedilatildeo de sistemas Por outro
lado quanto mais intenso for o bilinguismo maior seraacute a convergecircncia de
sistemas fonoloacutegicos
No que concerne agrave integraccedilatildeo fonoloacutegica Matras (2009 p 227) explica que a
substituiccedilatildeo de fonemas eacute uma das formas mais comuns posto que este
processo permite uma aproximaccedilatildeo de caracteriacutesticas entre o sistema interno e
externo Dessa forma a substituiccedilatildeo eacute mais comum uma vez que os fonemas
satildeo combinaccedilotildees de recursos articulatoacuterios e as caracteriacutesticas em comum satildeo
mantidas em detrimento agraves complexidades dos fonemas que natildeo compartilham de
traccedilos em comum
119
Ele tambeacutem chama a atenccedilatildeo para a estrutura silaacutebica dos sistemas fonoloacutegicos
que entram em contato afirmando que ldquoos estrangeirismos podem acomodar a
siacutelaba e a estrutura do acentordquo (idem p 228)
A aplicaccedilatildeo de regras sobre a distribuiccedilatildeo de fonemas oriundos do empreacutestimo
pode resultar na perda de um traccedilo ou de um fonema A integraccedilatildeo de fonemas
tambeacutem pode levar agrave omissatildeo de outros fonemas que natildeo fazem parte o
inventaacuterio fonoloacutegico da liacutengua receptora E a omissatildeo de certas caracteriacutesticas
durante a replicaccedilatildeo de fonemas pode ser prejudicial para o sistema como um
todo e isso pode resultar em uma reduccedilatildeo de pares miacutenimos
Sobre a convergecircncia dos sistemas fonoloacutegicos Matras (2009 p 229) assegura
que um fator que retarda o processo de substituiccedilatildeo de som eacute a presenccedila de
vaacuterios pares de vocaacutebulos que contam com o contraste Neste caso a
convergecircncia aumenta as semelhanccedilas entre os inventaacuterios fonoloacutegicos das duas
liacutenguas E a replicaccedilatildeo da variaccedilatildeo alofocircnica eacute uma via comum para a
convergecircncia
Quanto aos segmentos foneacuteticos ainda de acordo com o pesquisador em
questatildeo as consoantes satildeo as mais introduzidas nos estrangeirismos Uma vez
que nas liacutenguas do mundo o nuacutemero de segmentos consonantais eacute maior que o
das vogais Logo os vocaacutebulos emprestados satildeo mais propensos a introduzir
mais consoantes que vogais
No caso Portuguecircs falado por Latundecirc tal assertiva em parte se configura A
anaacutelise dos dados prova que satildeo as consoantes as mais favoraacuteveis para a
realizaccedilatildeo dos processos foneacuteticos Todavia o nuacutemero de consoantes nessa
120
liacutengua eacute menor que o de vogais conforme descriccedilatildeo de Telles 2002 a qual
veremos na proacutexima seccedilatildeo
Van Coetsem (1988 p7) tambeacutem aborda os processos e comportamentos
oriundos do contato linguiacutestico68 E para que este contato seja estabelecido eacute
necessaacuterio que se tenha uma liacutengua de origem (SL) e uma liacutengua destinataacuteria
(RL)
Figura 13 Correspondecircncia entre liacutenguas e contato linguiacutestico
Embora o modelo de Van Coetesem seja universal e demonstre que na maioria
dos contatos linguiacutesticos a liacutengua de origem seja uma liacutengua dominante
ressaltamos que neste trabalho a liacutengua de origem (SL) eacute a liacutengua minoritaacuteria o
Latundecirc E o substrato analisado eacute uma modalidade de portuguecircs falado pelos
Latundecirc
Em continuidade este estudioso afirma que
Um empreacutestimo fonoloacutegico eacute uma imitaccedilatildeo uma reacuteplica ou uma reproduccedilatildeo na liacutengua recipiente (RL) de um elemento estrangeiro ou uma pronuacutencia da liacutengua de origem (SL) Esse tipo de imitaccedilatildeo eacute muitas vezes apenas uma aproximaccedilatildeo Para o imitador a imitaccedilatildeo implica o uso de algo que ele natildeo tem na sua proacutepria liacutengua Um empreacutestimo fonoloacutegico como uma imitaccedilatildeo eacute portanto algo que o falante imitador da RL natildeo tem em sua fonologia integrada ou nativa ou seja algo
68
Para Van Coetsen o termo ldquoempreacutestimo fonoloacutegicordquo indica qualquer forma de empreacutestimo no acircmbito da fonologia segmentar ou suprassegmental independentemente se isto afeta a dimensatildeo paradigmaacutetica a dimensatildeo sintagmaacutetica ou ambas (p7)
121
fonoloacutegico ou subfonoloacutegico que deriva de seu sistema fonoloacutegico nativo (Idem p 8)69
A intenccedilatildeo do falante ao fazer uso do segmento emprestado eacute reproduzi-lo da
melhor forma possiacutevel Ao fazer isso ele obedece agraves consideraccedilotildees sociais O
proacuteprio fato de que o segmento natildeo esteja inserido em seu proacuteprio sistema faz
com que na pressatildeo de se adaptar a diferentes pronuacutencias ele (o falante) procure
o equivalente mais proacuteximo em seu sistema
Para que isso ocorra ldquoo falante faz uso de dois processos a imitaccedilatildeo e a
adaptaccedilatildeo p 9rdquo Ambos pressupotildeem a existecircncia de um conjunto organizado de
segmentos fonoloacutegicos e distribuiccedilatildeo de unidades inseridas pelo falante da liacutengua
recipiente por um lado e por outro o confronto das pronuacutencias estrangeiras com
que o falante tem que lidar
Aleacutem dos processos de imitaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo Van Coetesem tambeacutem utiliza a
noccedilatildeo de integraccedilatildeo ldquoque eacute a incorporaccedilatildeo de elementos em uma dada liacutengua
advindos de outra(s) liacutengua(s)rdquo A imitaccedilatildeo seria portanto o preacute-requisito para a
integraccedilatildeo No caso do portuguecircs falado pelos Latundecirc natildeo haacute indiacutecios de
integraccedilatildeo de fonemas especiacuteficos da sua liacutengua de origem
Para que ocorra o processo de imitaccedilatildeo eacute necessaacuterio que haja uma agentividade
que eacute um tipo especiacutefico de transferecircncia onde o falante de uma dada liacutengua eacute
ativo e o outro passivo O inverso tambeacutem pode ocorrer
69
A phonological loan is an imitation replication or reproduction in the RL of a foreign or SL
pronunciation such an imitation is often only an approximation For the imitator imitation implies the use of something that he does not (yet) have of his own A phonological loan as an imitation is thus something that the imitating RL speaker does not have in his integrated or native phonology something phonemic or subphonemic that deviates from his native phonological system
122
Figura 14 Agentividade da Liacutengua Recipiente de acordo Van Coetsem 1988 p10
Na agentividade da liacutengua recipiente (RL)70 o segmento dominante na relaccedilatildeo
entre a liacutengua recipiente e a liacutengua de origem71 eacute o da liacutengua recipiente Logo o
domiacutenio linguiacutestico seraacute o da liacutengua recipiente
Figura 15 Agentividade da Liacutengua de Origem de acordo Van Coetsem (1988 p11)
Na agentividade da liacutengua de origem (SL) o segmento dominante na relaccedilatildeo
entre a liacutengua recipiente e a liacutengua de origem eacute o da liacutengua de origem Sendo
assim o domiacutenio linguiacutestico seraacute o da liacutengua de origem
Tomando como referencial os modelos apresentados podemos estabelecer um
contiacutenuo cronoloacutegico para compreender como se daacute a agentividade sobre o
contado do Portuguecircs com o Latundecirc
70
No caso em questatildeo a modalidade do portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute a liacutengua recipiente 71
Consequentemente a liacutengua de origem (SL) eacute o Latundecirc
123
Figura 16 Relaccedilatildeo de agentividade entre o Portuguecircs e o Latundecirc
Historicamente devido aos fatores socioeconocircmicos o contato inicial se daacute entre
o Portuguecircs influenciando o Latundecirc Aquele como liacutengua majoritaacuteria e este como
minoritaacuteria
O Latundecirc por ser a liacutengua do povo dominado eacute submetido agraves interferecircncias da
liacutengua de domiacutenio Deste contato resulta uma modalidade especiacutefica do
Portuguecircs que eacute o falado por Latundecirc
Em suma podemos afirmar que embora seja o Portuguecircs a liacutengua dominante e
que inicialmente seja ele o agente sobre o Latundecirc a posteriori fora o Latundecirc o
agente pelas transformaccedilotildees ocorrentes no Portuguecircs de contato Posto dessa
forma a agentividade se daacute em ambos os contextos a partir do referencial que se
tenha uma vez que o Portuguecircs e o Latundecirc tanto influenciaram como foram
influenciados Mas vale ressalvar que para este recorte o Portuguecircs eacute a liacutengua
que sofre influecircncia Eacute este o fio condutor da nossa pesquisa
Portuguecircs Latundecirc Portuguecircs falado por Latundecirc
124
53 FONOLOGIA DO LATUNDEcirc
Para uma melhor compreensatildeo futura passaremos agora a descrever os
sistemas fonoloacutegicos das liacutenguas em estudo
Elencamos abaixo as principais caracteriacutesticas fonoloacutegicas do Latundecirc
Eacute uma liacutengua com maior quantidade de elementos vocaacutelicos (dezesseis)
em detrimento aos consonantais (onze) Eacute uma liacutengua vocaacutelica portanto
Apresenta dez vogais orais e seis nasais Dessas oito satildeo laringais72
As vogais nasais satildeo contrativas apenas na posiccedilatildeo do acento
Os glides w j quando em posiccedilatildeo de onset sofrem o processo de
consonantizaccedilatildeo
Apresenta seis tipos de siacutelabas fonoloacutegicas que satildeo derivadas da extensatildeo
(C)V(C)(C) V VC VCC VC CVC e CVCC
O nuacutecleo silaacutebico eacute sempre preenchido por uma vogal
Dos segmentos consonantais apenas a oclusiva glotal ʔ natildeo eacute observada
em posiccedilatildeo de onset
A coda pode ter desdobramento ramificado sendo a primeira posiccedilatildeo
preenchida sempre por um glide
Os padrotildees silaacutebicos VC e CVC satildeo os mais frequentes e ocorrem tanto
em siacutelaba tocircnica como aacutetona
Tem uma forte tendecircncia agrave monotongaccedilatildeo
O sistema acentual eacute misto que associa o acento lexical ao acento foneacutetico
72
Telles explica que as mais novas geraccedilotildees Latundecirc abaixo de 20 anos realizam o traccedilo laringal com menor frequecircncia e audibilidade
125
O acento eacute realizado foneticamente como tom (pitch) alto
Eacute uma liacutengua de caracteriacutestica de liacutenguas pitch accent
Apresenta processos fonoloacutegicos em niacutevel poacutes-lexical fundamentalmente
Estes processos satildeo agrupados em assimilaccedilatildeo (harmonia vocaacutelica e
vozeamento das oclusivas) dissimilaccedilatildeo reduccedilatildeo apagamento silaacutebico e
epecircntese
Quadro 9 Fonemas consonantais do Latundecirc
Fonemas Consonantais
Labiais Coronais Dorsal Glotais
+ anterior - anterior + anterior - anterior - anterior - anterior
Plosivas p t k
Nasais m n
Fricativas s h
Lateral l
Glide w j
Quadro 10 Fonemas vocaacutelicos do Latundecirc
Fonemas Vocaacutelicos
Vogais Vogais Laringais
Altas i u i u
Altas Nasais ĩ ũ i u
Meacutedias e o e o
Baixa a a
Baixa Nasal a a
126
Quadro 11 Ditongos do Latundecirc
Ditongos
Crescentes Decrescentes
w j w J
i wi iw
e e we we je je ej e j
a a a a wa wa ja ja ja aw a w a w aj a j atildej
o o wo jo ow
u u u ju ju ju
Quadro 12 Descriccedilatildeo dos fonemas consonantais (Retirada de Telles 2002)
Segmento - Descriccedilatildeo - Contexto de realizaccedilatildeo e especificidades
Exemplos
Traduccedilatildeo
p73 - Oclusiva bilabial surda
Eacute de extrema limitaccedilatildeo de realizaccedilatildeo na liacutengua
Ocorre em posiccedilatildeo de onset formando
siacutelabas com as vogais i a atilde o u
Pode se realizar como [p] oclusiva bilabial surda [b] oclusiva bilabial
sonora [ɓ] oclusiva bilabial sonora
implosiva
Em iniacutecio de palavras realiza-se [p]
diante da vogal coronal [i] e [b ɓ] e
diante da vogal baixa [a]
Em meio de palavra ou enunciado quando precedido por oclusiva glotal realiza-se [p]
[pite]
piʔ-te
[ιɓ
pan-tatilden
[diʔpa natildenʌ]
jaliʔ pan-tatilden-ta
[kotildebayte] ~ [kotildebayte]
kownpayt-te
[sabagnĩde]
Espeacutecie de paacutessaro chupito Satildeo dois Satildeo dois colares Tatu espeacutecie de
73
Outros estudos com liacutenguas proacuteximas tambeacutem indicam a baixa frequecircncia da realizaccedilatildeo do p
nas liacutenguas desse grupo Kingston 1970 para o Mamaindecirc e Lowe 1961 para o Nambikwaacutera do sul (Galera Kabixi Munduacuteka Nambikwaacutera do Campo)
127
Em meio de palavras ou enunciados em ambiente intervocaacutelico ou nasal adjacente realiza-se [b]
sapan-kinĩn-te
[tʃabatildeʔginĩde]
sapatilden-kin-te
Pente Taioba
m - Nasal labial + anterior
Oclusiva bilabial nasal com distribuiccedilatildeo mais larga do que a do p
Apresenta ocorrecircncia restrita quanto comparada agrave nasal alveolar n
Realiza-se [m]
Ocorre em iniacutecio de siacutelaba diante das
vogais i i i i a a a u u u u
Natildeo forma siacutelaba com as vogais
meacutedias frontais e e e com as
posteriores o o
Apoacutes pausa e seguida de a pode se realizar como oclusiva bilabial nasal
preacute-glotalizada - [ ʔm ]
[ miɾatildenʌ]
mih-tatilden-ta
[katilde ɾatildenʌ]
kami h-tatilden-ta
[ a ĩ de]
e ĩn-te
[ e ĩ de]
e ĩ -te]
[ ma hɾatilden]
mah-tatilden
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[ka a ʔɾatildenʌ]
ka- a -tatilde-ta
[ datildena]
n-tatilden-ta
[tumuʔku ɾe]
tumuʔku-te
Estaacute chovendo Aacutegua estaacute suja Cobra espeacutecie de Couro Ele estaacute esperando Roupa Estaacute molhado Estaacute bonito Jacu
128
Em fronteira de morfema precedido pela fricativa glotal h teraacute a sua realizaccedilatildeo ensurdecida
[ a datildenʌ]
a n-tatilden-ta
[ʔ atilde ɳ datilden]~[ a n datilden]
atilden-tatilden
[ʔ atildeʔ n datilden] ~
[ atildeʔ ndatilden]
atilden- n-tatilden
[n h atildega tna ]
n - atilden-ka -tatilden-na
Estaacute inchado Estaacute queimando Vocecirc estaacute mandando Eacute nossa roupa
w - Glide labial - anterior
Glide laacutebio-velar sonoro
Ocupa as posiccedilotildees de onset e coda
Apresenta leve arredondamento nos laacutebios
Eacute o segmento mais frequente das labiais
Realiza-se como [w] em iniacutecio de
siacutelaba diante das vogais i e e a a o
tambeacutem podendo variar com [ʋ]
fricativa laacutebio-dental que eacute realizada com fraco grau de fricccedilatildeo
[ wi rsquoɾatilden] ~ [ ʋi ɾatilden]
wi -tatilden
[woda h de] ~ [ʋoda h de]
wotah-te
[na weʔrsquoa jrsquoɾe] ~ [na ʋeʔajrsquoɾe ]
na jn-weʔa jh-te
[ kowajna tatildenʌ]~ [koʋajna tatildenʌ]
hah-wa jn-ta-tatilden-ta
[daweʔgɾatilde ni]
taweʔ-ka-tatilden-ti
[ we jginĩdatildena]
we jn-kinĩn-tatilden-ta
[ wajkinĩ de]
wajʔ-kinĩn-te
Ele comeu Pomba Eacute para colocar na cabeccedila Satildeo poucos laacutepis Ele cozinhou Eacute fruto da bacaba
129
Em dissiacutelabos no onset de siacutelaba preacute-tocircnica aberta seguido de vogal a central baixa pode ocorrer a fusatildeo entre o w e a vogal a realizando-se como [ͻ o u]74
Na sequecircncia w + a o a pode sofrer harmonia vocaacutelica recebendo o ponto de articulaccedilatildeo da vogal acentuada sendo realizada [e]
Quando em final de siacutelaba segue as
vogais i o a a
E depois das vogais io pode alongar-se
Se a vogal precedente for a baixa a
a ocorreraacute a fusatildeo resultando as
posteriores ͻ ͻ
Quando em siacutelaba em siacutelaba
acentuada ͻ ͻ podem ser alongados
ou seguido de oclusatildeo glotal [ʔ] ou
ocorrer uma assimilaccedilatildeo regressiva
das baixas aa passando a [ͻ ͻ ]
Quanto agrave frequecircncia w se mais
ocorrente depois da vogal baixa a a
e baixiacutessima ocorrecircncia depois da vogal i o
Ao integrar uma siacutelaba (C)v wN onde a
vogal eacute nasalizada o glide pode ser nasalizado ou coalescer com a consoante nasal na coda
Em posiccedilatildeo de onset e pronunciada rapidamente eacute fortificada podendo ser realizada como [p] e [m]75
[ wa jkinĩ de]
wa jh-kinĩn-te
[waɾaɾwaɾaʔĩ datildenʌ] ~
[wͻɾaʔwͻɾaʔĩ datildenʌ] ~
[ͻɾaʔͻɾaʔĩ datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[weli nde] ~ [uli n de]
wa ĩn-te
[weɾe ɾatildena] ~ [ ɾe ɾatildena] ~
[ rsquoɾe ɾa na]
wateh-tatilden-ta
[giw ladaɾe] ~ [gi la de]
kiwlah-tah-te
[kowa ɾe] ~ [koa ɾe]
kowah-te
[a wde] ~ [ ͻ de] ~ [ ͻ ʔde]
a w-te
[aw de] ~ [ͻ de] ~ [ͻʔ de]
awh-te
[na w du] ~ [nͻ du] ~ [nͻ w du]
na wh-tu
[a wm datilden] ~ [atilde w m datilden] ~
Amendoim Fruto do accedilaiacute Estaacute fino Tamanduaacute Estaacute sumido Cascavel Andorinha Flexa Gaviatildeo
74
Conforme Telles (2002 p 42) Estas alofonias variam de acordo com a qualidade da vogal
tocircnica da siacutelaba seguinte com a qual sua vogal aacutetona nuclear se harmoniza 75
Tal ocorrecircncia eacute mais frequentemente constatada em falantes monoliacutengues em Latundecirc
130
[atilde m datilden]
atilde wn-tatilden
[woloʔʔnatildenʌ] ~ [polo ʔnatildenʌ]
walon-tatilde-ta
[wʌnaʔkinĩ de] ~ [mʌnaʔkinĩ de]
~ [wanaʔkinĩ de]
wanaʔ-kinĩn-te
[wo nut ʔna ] ~ [mo nut ʔna ]
wo nuʔ-tatilden-na
[wʌ na jginĩ datildenʌ] ~
[mana jginĩ datildenʌ] ~
wa -na jn-kin-tatilden-ta
[wa ʃi de] ~ [maʔ ʃi de]
wa-sin-te
Lontra Estaacute assando no burralho Estaacute podre Castanha do caju Eacute corpo inteiro Eacute tua cabeccedila Espeacutecie de abelha
t - Plosiva coronal + anterior
Oclusiva alveolar surda
Ocorre com as vogais ie e a
a atilde o o u ũ
t realiza-se [d] em siacutelaba acentuada podendo ainda variar em posiccedilatildeo medial como [|]
Em iniacutecio de palavra o alofone [d] pode ser realizado como preacute-
[diko lo n de]
tiʔ-ko lo n-te
[ de he ɾaɾe]
te h-tah-te
Paacutessaro pintado espeacutecie de paacutessaro Ele cozinhou
131
glotalizado realizando-se como
[ɗ]
Em fala lenta pode ser realizado como [d]
Em contexto fora do acento ocorre [t] com raros exemplos de variaccedilatildeo entre os alofones [d] e [t]
[ de geɾatilden]
te h-ka-tatilden
[daʔjͻ ratildena]
ta-jaw-tatilden-ta
[da jginĩ de]
ta jn-kinĩn-te
[ doɾatilden] ~ [d ɾatilden]
toh-tatilden
[do h gratilden]
to h-ka-tatilden
[du ɾatilden]
tu-tatilden
[d hdatilden]
tu-tatilden
[kͻdͻ ɾe]
kataw-te
[kado ndatildenʌ]
katon-tatilden-ta
[teda de]
teta-te
[toʔdatilde n de]
toʔtatilden-te
[tigi ɾe]
tikih-te
Sucuri Ele estaacute sentado Pedra Ele morreu Ele procurou Ele pegou Ele chupou Patuaacute Estaacute cru Jaoacute Nambu
132
As possibilidades alofocircnicas de t entre segmentos depende do acento e do contexto adjacente Estas duas condiccedilotildees definem as alofonias76
Precedido de vogal em ambiente
intervocaacutelico realiza-se [tdɾ]
sendo [d] o preferencial
Quando t eacute precedido por h
realiza-se como [tdɾ] A
presenccedila da fricativa favorece o rotacismo de t tornando-o em
[ɾ]
Quando t eacute precedido de ʔ ou
de t a realizaccedilatildeo pode ser [t] mas [d] pode permanecer em raros casos
Em contexto de nasalizaccedilatildeo trecircs realizaccedilotildees satildeo possiacuteveis para t i) vozeamento da oclusiva alveolar ii) preacute-nasalizaccedilatildeo da oclusiva alveolar em iniacutecio de siacutelaba tocircnica e iii) assimilaccedilatildeo total da nasal adjacente
[tabawdnͻde]
tapawn-naw-te
[tala de] ~ [dala de]
tala-te
[tolowm datilde ]
talown-tatilden
[lodo ɾa ɾe] ~ [lo to ɾa ɾe] ~
[loto ɾa ɾe]
loto-tah-te
[doʔ daj de] ~ [toʔ ɾaj de]
to-tajn-te
[nu h ɾe] ~ [ nu h de]
nu h-te
[lo hrsquoɾe] ~ [lo h de] ~
[lo h te]
loh-te
[hu te] ~ [hu de]
huʔ-te
[keja te] ~ [kejaʔ te]
kejat-te
[ĩ datildena] ~ [i ndatildena] ~ [i natildena]
Macaco pequeno Ombro Tipoia Ele terminou Rato grande Abelha vermelha Lagarto grande Urubu
76
Dessas alofonias o flap [ɾ] tem sua ocorrecircncia ligada ao acento
133
Em siacutelaba natildeo acentuada t pode sofrer fricatizaccedilatildeo passando a se realizar como [s]
ou [ts] ou [ʔs]
Ainda neste contexto permanecem possiacuteveis as realizaccedilotildees [t] e [d] se o t sofrer fricatizaccedilatildeo a aspiraccedilatildeo glotal precedente do h natildeo se realiza
Em travamento silaacutebico t realiza-se de preferecircncia como
ʔ Pode ser deletado
ocasionando o prolongamento da vogal tautossilaacutebico
in-tatilden-ta
[katilde datildena] ~ [katilde ndatildena] ~
[katilde natildena]
katilden-tatilden-ta]
[kejaʔ n da ɾe] ~ [kejaʔ na e]
kejan-tah-te
[losa na ʔ] ~ [lostsa na ʔ] ~
[lo ʔ sa na ʔ] ~ [lo h ta na ʔ]
loh-ta-na
[kejate] ~ [kejaʔte]
kejat-te
[kejaʔtiʔjoho]
kejat-ti-jo-ho
[lote] ~ [loʔte]
lot-te
[acute tʃjͻna ]
lot-ti-jaw-na
Arco Milho Estaacute apimentado Estaacute duro Lambari grande Eacute urubu Milho Talvez seja milho Paca A paca estava aiacute
134
n - Nasal coronal - anterior
Oclusiva alveolar nasal
Suas alofonias satildeo condicionadas pelo contexto adjacente agrave sua posiccedilatildeo de ocorrecircncia e agrave estrutura silaacutebica
Em onset realiza-se como [n] com as
vogais i i ĩ ĩ a a atilde atilde u u ũ ũ
Tambeacutem pode apresentar flutuaccedilatildeo em
onset realizando-se [ʔn]77 alveolar
nasal preacute-glotalizada com preferecircncia quando seguido por a
Em posiccedilatildeo de onset e em fronteira de morfema dependendo do seguimento seguinte sofreraacute alteraccedilatildeo
Quando precedido por h sofreraacute ensurdecimento
Quando precedido por outro n na coda silaacutebica precedente poderaacute ser
preacute-glotalizada [ʔn]
[ni du]
ni-tu
[ni ʔkinĩnatildena]
ni ʔ-kinĩn-tatilden-ta
[nagatilde de]
nakatilden-te
[katildena ratilden]
kana h-tatilden
[natildejd ]
natildejn-tu]
[ʔnatilde natilde ʌ]
natilde n-tatilden-ta
[nu h e]
nuʔ-te
[lsquon h ɾe]
nu h-te
[n n de]
n n-te
[n h n atildega tatildena]
Tipo de lenha Eacute fruto Lagarto Estaacute escuro Pacu Estaacute chorando Braccedilo Lagarto Espeacutecie de Bicho
77
Tal qual ocorre com m a glotalizaccedilatildeo de n deve-se em alguns casos aacute reduccedilatildeo da siacutelaba
inicial da palavra
135
Em posiccedilatildeo de coda de siacutelaba acentuada gera processo de assimilaccedilatildeo de dissimilaccedilatildeo e de elisatildeo resultando numa seacuterie de alofonias
Ainda em siacutelaba acentuada se a vogal tautossilaacutebica for oral e entre a coda nasal existir um glide labial-velar constituindo uma siacutelaba com ditongos awn own n se realiza como [m] preferencialmente
w e n em posiccedilatildeo de coda pode sofrer coalescecircncia realizando-se como [m] ou [n]
Se o glide ocupante da primeira posiccedilatildeo da coda for j ou se a siacutelaba tiver a coda preenchida pela nasal n a realizaccedilatildeo desta nasal seraacute [n]
Os glides que seguem a vogal na primeira posiccedilatildeo de coda podem
n -natilden-kah-tatilden-ta
[udʔna]
un-na
[iwm de]
iwn-te
[tʌlawm natildenʌ] ~ [tʌlaw natildenʌ]
talawn-tatilden-ta
[wawm datildenʌ] ~ [wͻwm datildenʌ]
wawn-tatilden-ta
[tolowm datildenʌ]
talown-tatilden-ta
[jatildew de] ~ [iɲatildew de] ~
[jatilde de]
jatildewn-te
[a wm datilden] ~ [atilde m datilden]
atilde wn-tatilden
[iʃɛʔ ɾʌ m datilden]
isaj-tatildewn-tatilden
[toʔkotilde datilden] ~ [t ʔkʌ datilden]
toʔkatildewn-tatilden
Eacute nosso Estaacute vivo Larva Estaacute grosso Estaacute vermelho Estaacute pronto Larva Estaacute assando no burralho
136
assimilar a nasalidade da consoante precedente 78
Se a vogal for nasal na maioria das ocorrecircncias a consoante nasal na coda seraacute apagada deixando seu tempo na vogal precedente e na consoante seguinte
Quando a coda nasal n segue ditongo formado por vogal nasal subjacente mais glide palatal j n em posiccedilatildeo de coda pode espalhar nasalidade regressiva para o glide precedente e pode ser apagada
Quando em coda nasal iraacute participar de outros processos fonoloacutegicos aleacutem da vogal precedente
Na posiccedilatildeo de siacutelaba acentuada em meio de palavra seguida por k n promove a sonorizaccedilatildeo de k e passa
a se realizar como [ʔ] oclusiva glotal
[kotilde baj te] ~ [kotildebay te]
kownpajt-te
[a ʔ n de] ~ [a n de]
a n-te
[je n datilden]
je n-tatilden
[i n datilde na ]
in-tatilden-na
[ hej ndatilden] ~ [ hej n datilden]
hejn-tatilden]
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
[ atildendatilden]
atilden-tatilden
[ atilde n datilden]
atilden tatilden]
[ mɔ de] ~ [ de]
n-te
[n n de]
n n-te
Eles estatildeo correndo Ele misturou Tatu Tatu galinha Estaacute sujo Ele estaacute mamando Ele lavou Pacu Ele atirou
78
Para uma descriccedilatildeo mais detalhada sobre o comportamento de n e os glides ver a tese de
Telles 2002 55-57
137
Ainda quanto ao contexto semelhantemente descrito acima n for seguida por uma oclusiva surda homorgacircnica t poderaacute ocorrer processos que possibilitem uma alofonia em variaccedilatildeo livre
n sonoriza t
n sofre desnasalizaccedilatildeo
Quando n sonoriza a consoante seguinte ocorre a elisatildeo podendo ocorrer ou natildeo o alongamento compensatoacuterio da vogal precedente ou a preacute-nasalizaccedilatildeo da consoante seguinte
Quando n sofre elisatildeo alonga a vogal precedente e a consoante seguinte se assimila progressivamente com o traccedilo nasal passando a se realizar como [n]
n se vocaliza e recebe os traccedilos da vogal central e realiza-se nasal
Se n for seguida em coda por uma consoante nasal idecircntica ocupando a posiccedilatildeo do onset da siacutelaba seguinte poderaacute haver duas possibilidades de comportamento da coda nasal dependendo de ser a sua vogal tautossilaacutebica assimilar ou natildeo
Se a vogal precedente for nasal a coda sofreraacute elisatildeo e a vogal se alongaraacute
Se a vogal central for oral a consoante nasal da coda que precede a nasal idecircntica no onset da siacutelaba seguinte sofreraacute dissimilaccedilatildeo do traccedilo nasal79
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
[ku ʔginĩ de]
ku n-kinĩn-te
[ dega tatilden]
te n-kaloh-tatilden
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[ ku ndatildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[ ku ddatildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[ ku n datildenʌ] ~ [ ku datildenʌ]
ku n-tatilde-ta
[ ku natildenʌ]
ku n-tatilden-ta
Estaacute branco Bom-dia espeacutecie de aacutervore Bicho Pacu Rolo de fio de algodatildeo Roupa velha Roupa Estaacute fumando
79
A liacutengua Latundecirc eacute caracterizada pelo OCP (Princiacutepio do Contorno Obrigatoacuterio)
138
[ku datildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[katilde na ]
katilden-na
[lidnu ɾe]
lin-nu-te
[lid na j ɾe]
lin-na jh-te
Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute duro Beiju de mandioca Raiz de mandioca
s - Fricativa alveolar surda
Fricativacoronal+ anterior forma siacutelaba
com as vogais i ĩ e a a atilde o uu ũ
Realiza-se como [s] [ʃ] [tʃ] [ʔs]
Em menor frequecircncia pode ser realizada como [t] e [t h]
Em siacutelaba acentuada em iniacutecio de palavras a fricativa pode se realizar
[tʃi ɾatilden] ~ [ʔsi ɾatilden]
sih-tatilden
[ ʔsitatilden] ~ [ sitatilden]
set-tan
Estaacute liso Trovejou
139
como palatal africada preacute-glotal ou como alveolar 80
Quando s se fortifica e passa a se realizar como [t] e ou como [t h] apresentam restriccedilatildeo ao contexto de vogal baixa seguinte podendo ocorrer em iniacutecio ou em meio de palavra Nestes contextos tambeacutem permanecem possiacuteveis as demais alofonias
A fortificaccedilatildeo de s eacute frequente em siacutelaba natildeo acentuada em iniacutecio de palavra Embora as siacutelabas acentuadas contenham maiores iacutendices Em posiccedilatildeo natildeo acentuada a alveolar ocorre em maior nuacutemero
A palatalizaccedilatildeo da fricativa eacute obrigatoacuteria quando precedida por i Sua realizaccedilatildeo eacute alveolar em posiccedilatildeo intervocaacutelica
[ʔsĩ du ɾatilden]
sĩn-tu-tatilden
[ʃa h ɾe] ~ [sa h ɾe]
sa h-te
[ tʃoɾatildenʌ] ~ [ ʃoɾatildenʌ]
soh-tatilden-ta
[ʃ de] ~ [s n de]
s n-te
[thathaʔi natildenʌ] ~ [ʃaʃaʔi natildenʌ]
sasan-tatilden-ta
[kejͻ ʔhe neʔt h o ɾeʔ] ~
[kejͻʔhe neʔto ɾeʔ]
keja w-haniʔ-s aw-te
[t datilde na ] ~ [t h datilde na ]
so-tatilden-na
[tʃamaj de] ~ [tamaj de] ~ [sama
de]
saman-te
[ʔʃamaʔdʌ ɾatildena]
saman-tah-tatilden-ta
[iʃatilde datilde na ]
isatilde n-tatilden-na
Estaacute arrastando Timboacute do mato Estaacute sujo Sol Estaacute mole Oacuteleo Eacute guarantatilde (espeacutecie de aacutervore) Tanajura Eacute tanajura
80
A africada eacute a mais utilizada pelos velhos enquanto a fricativa e a alveolar satildeo mais utilizadas
pelos jovens
140
[iʃu datildenʌ]
isu -tatilden-ta
[wasa h ɾe] - [wͻsa h ɾe]
wasah-te
Eacute folha Ele estaacute com frio Besouro
l- Lateral alveolar sonora
Lateral coronal + anterior
Forma siacutelaba em iniacutecio e meio de
palavras com as vogais i e a a o o
u
Fortifica-se em iniacutecio de palavras quando encontra-se na posiccedilatildeo de acento pode ser precedido por vogal aacutetona sem onset que tende a ser apagada
Diante do contexto acima realiza-se
[li tatilden]
lit-tatilden
[dale de]
tale-te
[giwla de]
kiwlah-te
[la ɾ e]
la h-te
[lo ɾatildena]
loh-tatilden-ta
[ko lo ko lo n de]
ko loʔ ko lo n-te
[toluʔ tatildena]
taluʔ-tatilden-ta
[ʔta e] ~ [da e]
la h-te
Ele saiu Embira Cobre cascavel Jacucaacuteca Estaacute comprido Pintado Ele tossiu
141
como alofones [ʔl] e [d]
Acompanhado por consoante nasal em onset silaacutebico pode assimilar progressivamente a nasalidade sendo realizado como [n]
Pode apresentar sobreposiccedilatildeo na maneira como se realizam
[t ~s ]
[t ~ n]
[n ~ l]
[t ~ l ]
[ʔlo tatilden] ~ [a tatilden]
atilde-loʔ-tatilden
[diʔ pa natildena] ~ [i iʔ pa natildena]
jaliʔ pan-tatilde-ta
[ naginila h ni ɾ atilden] ~
[ naginina h ni ɾatilden]
sapatilden-kinĩn-te
[kaas tatildena] ~ [kata tatildena]
kasaʔ-tatilden-ta
[tidit na j de] ~ [tidit ta de]
tatiʔ-najn-te
[nagatilde de] ~ [ agatilde n de]
nakatilden-te
[wota h ɾe] ~ [wola h ɾe]
wotah-te
Jacucaacuteca Ele estaacute afundado atolado Satildeo dois colares Eu natildeo sei se ele estaacute doente Taioba Estaacute grosso Mandioca mansa Lagarto do campo Pomba
142
j - Glide coronal - anterior
Eacute um glide palatal que ocupa a posiccedilatildeo de onset e de coda na siacutelaba
Em iniacutecio de siacutelaba j antecede as
vogais e e o a a atilde u u ũ
Quando em posiccedilatildeo inicial na siacutelaba e
acompanhado por e e em siacutelaba
acentuada ou seguido por a em siacutelaba aacutetona j pode se fortificar e se realizar
como [ʒ] sendo possiacutevel neste caso
ser seguido por um preacute glide [j] de fraca e raacutepida duraccedilatildeo
Quando seguido por a em siacutelaba aacutetona eacute opcional a fusatildeo entre o glide e a vogal derivando a vogal longa [i]
[je n datilden]
je n-tatilden
[ja te]
jaʔ-te
[ja te]
ja ʔ te
[jatildeʔ datilden] ~ [iɲatildeʔ datilden]
jatilden- n-tatilden
[jo ɾatilden]
joh-tatilden
[ju te]
ju-te
[ju te]
ju -rsquote
[j ginĩ de]
j n-kinĩn-te
[je natilden te] ~ [ʒe natilden te]
ja natilde-nu-te
[ j ʒe n datilden] ~ [ʒe n datilden] ~
[je n datilden]
je n-tatilden
[ʒɛge datilden] ~ [ʒɛga j datilden]
Estaacute sujo Maribondo espeacutecie Porco Vocecirc tem coragem Estaacute baixo Boca Peacute Pedra de gelo granizo Porco espinho Estaacute sujo
143
Se em posiccedilatildeo de onset e seguido de vogal nasal pode ocorrer uma consoante palatal seguindo o glide palatal e precedendo a vogal nuclear
Se for atilde a consoante intrusiva se realizaraacute com mais forccedila e separaraacute a sequecircncia jatilden em duas siacutelabas
Quando o glide vier antes da vogal ũ a consoante intrusiva poderaacute resultar no apagamento do glide podendo se realizar como consoante palatal ou preacute-glide
Em posiccedilatildeo final de siacutelabas
acompanha as vogais e e a a
jaka jn-tatilden
[inatilde de]
janatilde n-te
[jeda n de] ~ [ʒida n de] ~ [ida
n de]
jatan-te
[jatilde datilden] ~ [ iɲatildeʔ datilden]
jatilden- n-tatilden
[jatildew de] ~ [iɲatildew de] ~
[jatilde de]
jatildewn-te
[j ginĩ de] ~ [ j ɲ gibi de]
j n-kinĩn-te
[ ejdnirsquoɾatilde]
hejn-ten-ni-tatilde
[ e jtatilden]
e ʔ-tatilden
[wajkinĩ du]
wajʔ-kinĩn-tu
[na j de]
na j -te
[ natildejde]
natildejn-te
Eacute pica-pau pequeno espeacutecie Abelha do chatildeo espeacutecie veado espeacutecie Vocecirc tem coragem Larva espeacutecie Pedra de gelo granizo Eu vou lavar Ele fez fogo Amendoim
144
Maribondo espeacutecie Pacu espeacutecie de peixe
k- Plosiva dorsal - anterior
Eacute oclusiva velar surda Tem larga distribuiccedilatildeo e se realiza diante de todas as vogais do Latundecirc
Satildeo seus alofones [ʔk] [ɠ] [g] e [k]
Em iniacutecio de palavra se realiza preferencialmente como [k]
[kiliʔkinĩ de]
kiliʔ-kinĩn-te
[ki de]
ki -te
[ke ɾatildena]
keh-tatilden-ta
[ke ja ʔ n de]
ke ja jn-te
[ka ɾatildena]
kah-tatilde -ta
[ka
ka jn-te
[katilde natildena]
katilden-tatilden-ta
[ko h ɾe]
koh-te
[ko lo ʔko lo n datildeda]
ko lo ʔko lo n-tatilden-ta
Coco da palmeira inajaacute Macaco noturno Ele estaacute caccedilando Caititu Estaacute azedo Formiga Estaacute duro Tesoura
145
Em contexto de fala raacutepida em iniacutecio
de vocaacutebulos a velar preacute-glotal [ʔk]
pode ocorrer pode flutuar tambeacutem como velar plena [k]
Em mesmo contexto pode-se flutuar a velar sonora [g] ou a velar implosiva
[ɠ] ou a velar surda [k] ou a velar
surda preacute-glotalizada [ʔk]
Quando em meio de vocaacutebulo em contexto que envolve a consoante nasal lexical precedente a realizaccedilatildeo de [g] eacute categoacuterica
Entre vogais eacute possiacutevel que se encontre a variaccedilatildeo entre [k] e [g] sendo a surda a preferencial e em maior nuacutemero de realizaccedilotildees
[k n de]
k n-te
[ku n de]
ku n-te
[ʔkolo ɾe] ~ [kolo ɾe]
koloh-te
[ʔka laʔkala ɾe] ~ [ka laʔkala ɾe]
kalaʔkalaʔ-te
[golota taʔnatildena] ~
[kolota taʔ natildena]
kolon-sasan-tatilden-ta
[ gi natildena] ~ [ ɠi natildena]
ki n-tatilden-ta
[giʃaj n datildena] ~ [ɠiʃaj ndatildena] ~
[kiʃaj n datildena]
kisajn-tatilden-ta
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[j ginĩ de]
j n-kinĩn-te
[waka de]
waka-te
Eacute pintado Timboacute do campo Algodatildeo Barata Galinha Estaacute maduro Estaacute coccedilando Estaacute pontudo Roupa
146
Em onset da siacutelaba acentuada em final de vocaacutebulo k pode se realizar [k h]
[lukaj de]
lukajn-te
[nakatilde n de] ~ [naga n de]
nakatilden-te
[ iwgula ɾatilden]
iwkulah-tatilden
[ i ʔga laʔga na ]
iʔka la n-ka-na
[ ɛtduʔ da jowi k h e ]
ajhtu ta-jaw-wi-ka
Pedra de gelo granizo Garccedila Flecha Lagarto Ele subiu Eles estatildeo brincando Pega (o banco) vamos sentar
- Plosiva glotal - anterior
Eacute uma oclusiva glotal surda com
realizaccedilatildeo [ʔ] que se restringe agrave
posiccedilatildeo de coda silaacutebica81
Tem seu comportamento condicionado pela presenccedila das consoantes adjacentes p t k
Pode se realizar como [ʔ] em fala
raacutepida preceder a oclusiva velar surda k
Como [j] quando a vogal nuclear for a meacutedia frontal e ou a baixa a
Como [w] quando a vogal nuclear for a meacutedia posterior o
[huʔ kaʔ datilden] ~ [ kaʔ datilden]
huʔ-kah-tatilden
[kidiʔka tatilden]
kitiʔ-kah-tatilden
[ atilde ʔ tatilden] ~ [ atilde tatilden] ~
[malo h tatildeni]
atilden-loʔ-tatilden
Eacute arco Eacute furador Ele queimou
81
A entre l e s natildeo foi observada na liacutengua Latundecirc
147
E favorecer a deleccedilatildeo de motivando um alongamento que compensa a vogal nuclear ou alongar ainda alongar esta vogal seguindo de leve aspiraccedilatildeo
A realizaccedilatildeo de [ʔ] nas alofonias
acima soacute eacute notada quando na siacutelaba na qual estaacute presente quando apenas a oclusiva estiver no travamento
silaacutebico (CVʔ)
Quando em posiccedilatildeo de coda pode assimilar o ponto da consoante seguinte e se realizar como [t] ou [d] diante de tnl e [p] ou [b] diante de m Neste caso as realizaccedilotildees homorgacircnicas surdas satildeo sempre preferenciais
[wolo te] ~ [woloʔ te]
woloʔ-te
[ej tatilden] ~ [e tatilden]
eʔ-tatilden
[wajkinĩ de]
wajʔ-kinĩn-te
[loʔ tatilden] ~ [ tatilden] ~ [ wtatilden]
loʔ-tatilden
[tidit na jdatilde na ]
tatiʔ-na jn-tatilden-na
[wa jtna de]
wa jh-na n-te
[at natilde da na]
a ʔnatilde n-tatilden-ta
[a p otildedatildena] ~ [a b otildedatildena]
a ʔ n-tatilden-ta
Espeacutecie de paacutessaro Ele ralou Amendoin Ele afogou Eacute raiz de mandioca Palha da palmeira accedilaiacute Ele estaacute chorando muito Ele estaacute muito bonito
h- Fricativa glotal - anterior
Eacute fricativa glotal surda que em iniacutecio de
siacutelaba ocorre com as vogais i e a a
o u
Quando em iniacutecio de palavra e em siacutelaba acentuada seguida de i realiza-
se como [ʒ]
Quando entre vogais realiza-se como
[hu te] ~ [hu h de]
huʔ-te
[hej de]
hejn-te
Arco Buriti
148
fricativa glotal sonora [ɦ]
Se vier em iniacutecio de palavra em fala raacutepida e em raiacutezes dissilaacutebicas na posiccedilatildeo de onset de siacutelaba natildeo acentuada poderaacute ser apagado
Quando em onset de siacutelaba acentuada acompanhada de consoante nasal assimila a nasalidade da consoante
adjacente sendo realizada como [n ]
Em final de siacutelaba eacute produzido com pouca fricccedilatildeo Em coda acentuada motiva o alongamento da vogal com frequecircncia como resultado teremos uma vogal com leve aspiraccedilatildeo
Demais realizaccedilotildees de h em coda tendem a seguir o comportamento da
oclusiva glotal ʔ
[hata tatilden]
hat-ta-tatilden]
[ha de]
ha n-te
[hoɦo h de]
hohoʔ-te
[hi ɾ e] ~ [ʒi ɾe]
hih-te
[hiwa n de] ~ [iwa n de]
hiwan-te
[ e ĩ n de] ~ [e ĩ n de]
e ĩ n-te
[ɛ hejdn a ]
ajhhejn-ha
[o h datildeda]
o hna-tatilden-ta
[ lo h tatilde na ]
loh-tatilden-na
[ʃi h ɾe]
sih- te
[ke h atilden] ~ [ke atilden]
Eu natildeo tenho Caraacute Espeacutecie de coruja Pau lenha Gambaacute Couro Vamos lavar (algo) Estaacute alto Eacute onccedila
149
keh-tatilden
[nakadʔnatilde na ]
naka natilde n-na
[ka ɾatilden]
kah-tatilden
[naw ɾe] ~ [nͻ e]
na wh-te
[wede e] ~ [wede ʔ ɾe]
wate h-te
[sej ɾatilde]
sih-tatilden
Casa Ele caccedilou Ela ainda estaacute chorando Estaacute azedo Lontra Espeacutecie de tamanduaacute Eacute largo
Quadro 13 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos orais (Com base em Telles 2002)
i - vogal alta frontal e i - vogal alta
frontal laringal
Realiza-se como [i] e [i ] podem ser
nuacutecleo de siacutelaba e podem tambeacutem iniciam palavras
i segue qualquer consoante enquanto
i ocorre apenas apoacutes as consoantes
m k h
Quando a coda eacute apagada realiza-se como [i] compensando tal apagamento
[ iɾatilden]
i-tatilden
[i n datildenʌ]
i n-tatilden-ta
[giw lada ɾe] ~ [gi la de]
kiwlah-tah-te
Ele mordeu Estaacute quente Cobra cascavel espeacutecie de cobra
150
e - vogal meacutedia frontal e e - vogal
meacutedia frontal laringal
Realizam-se como [e] e [e ] e correm em
iniacutecio de palavras
Quando seguem consoantes natildeo se realizam apoacutes pmn
Tambeacutem natildeo foram detectadas diante de s l h
Ao serem seguidos pelo glide palatal j favorecem a fusatildeo entre as vogais e o
glide realizando-se como [i] e [i ]
O alongamento tambeacutem se daacute em casos de queda de coda
Em siacutelaba aacutetona de morfemas dissiacutelabos poderaacute ocorrer harmonizaccedilatildeo entre a vogal meacutedia frontal e a vogal tocircnica mais alta da siacutelaba seguinte
Pode ocorrer harmonizaccedilatildeo entre a vogal da raiz lexical e a vogal do sufixo classificatoacuterio
[e ɾatilden]
e-tatilden
[ etatilden]
e ʔ-tatilden
[ sejtatilden] ~ [sitatilden]
set-tatilden
[ weʔkinĩde] ~ [ wiʔkinĩde]
wet-kinĩn-te
[kenĩ de] ~ [kinĩ de]
kanĩn-te
Ele viu Ele fez fogo Ele falou Crianccedila Esquilo
a - vogal baixa central e a - vogal
baixa central laringal
A vogal baixa central a apresenta larga distribuiccedilatildeo e segue qualquer consoante e os dois glides
A vogal baixa central laringal segue quase todas as consoante e dos dois glides
Ambas iniciam palavras e apresentam
vaacuterias alofonias [a] [ʌ] [ͻ] [o] [u] [e]
[ɛ] [aelig] e [i] que podem ser ou natildeo
laringais dependendo da vogal subjacente e da condiccedilatildeo do tom e da harmonia vocaacutelica
Quando em siacutelaba tocircnica a se realiza como [a] [ͻ] e [ͻ]
[ͻ] pode ocorrer quando o nuacutecleo vocaacutelico a assimila o traccedilo labial da coda tautossilaacutebica de w
A segunda variaccedilatildeo [ͻ] resulta da fusatildeo
[a h ɾe]
ah-te
[awde] ~ [ͻ de] ~ [ͻʔ de]
awh-te
[ a wde] ~ [ ͻde] ~ [ ͻʔde]
a w-te
[a wm de] ~ [ ͻ m de] ~ [ͻ m de]
a wn-te
Espeacutecie de abelha Gaviatildeo Flecha Louro
151
entre o nuacutecleo a e a coda w
O alongamento da vogal nuclear ou da coda eacute necessaacuterio agrave preservaccedilatildeo do peso silaacutebico para a aposiccedilatildeo do acento
Em siacutelaba tocircnica se a a eacute seguida por j na coda (nuacutecleo do ditongo) pode se
realizar como [a] [ɛ] [ɛ] e [aelig]
Em siacutelaba aacutetona a realiza-se como [ʌ] preferencialmente
Quanto em posiccedilatildeo aacutetona a se harmoniza com a vogal tocircnica da siacutelaba seguinte quando esta for meacutedia ou alta
As realizaccedilotildees provenientes dessa harmonia vocaacutelica satildeo as vogais [ieou]
O processo de assimilaccedilatildeo pode ocorrer em iniacutecio de siacutelaba aacutetona fazendo com que a se realize como [ͻ] a partir de segmento adjacente seja tautossilaacutebico ou natildeo
[ ajɾatildena] ~ [ ɛatildena]
ajh-tatilden-ta
[a j ɾatilden] ~ [aelig ɾatilden] ~ [ɛ ɾatilden]
a jh-tatilden
[ a j atilde m datilden] ~ [ aelig ʔatildem datilden]
a jn atilde wn-tatilden
[ͻ ɾaʔͻɾaʔi datildenʌ] ~
[ͻ ɾɛʔͻɾɛʔi datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[wͻdaʔ nde] ~ [wadaʔ nde]
watan-te
[i n dacircnʌ]
i n-tatilden-ta
[tʌlawm natildenʌ]
talawn-tatilden-ta
[kimi ɾatildena] ~ [kͻmi ɾatildena]
kamih-tatilden-ta
[walin de] ~ [weli de]
walin-te
[tʌlow natildena] ~ [tolow natildenʌ]
talown-tatilden-ta
[tunu ratildeni]
tanũh-tatilden
Eacute roccedila Ele foi Ele assou peixe Eacute fino Panela Estaacute quente Estaacute grosso Estaccedilatildeo seca Tamanduaacute
152
Devido agrave labializaccedilatildeo de a a realizaccedilatildeo resultante sofre assimilaccedilatildeo de palatalizaccedilatildeo altura de glide precedente ou se funde quando o glide eacute tautossilaacutebico e ocupa onset de siacutelaba em que a eacute a vogal nuclear
[kʌmaʔ matilde n de] ~
[kͻmaʔ matilde n de]
kama-matilden-te
[ͻ ɾaʔͻɾaʔĩ datildenʌ] ~
[ͻ ɾɛʔͻɾɛʔĩ datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[wada n de] ~ [wͻda n de]
watan-te
[jeda n de] ~ [ʒida n de] ~
[ida n de]
Estaacute terminado Ele deu Borboleta Eacute fino Panela cabaccedila Espeacutecie de veado
o - vogal meacutedia fechada posterior e
o - vogal meacutedia fechada laringal
Realizam-se [o] e [o ] respectivamente
Natildeo se realizam apoacutes as consoantes nasais mn
o soacute foi realizada apoacutes as consoantes
t l k
Ambas podem ser realizadas em iniacutecio de vocaacutebulo
As realizaccedilotildees [o] e [o ] satildeo resultados
do alongamento compensatoacuterio que provem da delaccedilatildeo de coda
[o ɾatilden]
oh-tatilden
[o te]
o h-te
[ko n de] ~ [kow n de]
kon-te
Ele misturou massa Macuco Espeacutecie Jabuti
u - vogal alta posterior e u - vogal
alta posterior laringal
Apresentam larga frequecircncia nas realizaccedilotildees
u segue qualquer consoante
[ke ju ɾe]
kejuh-te
Macaco da noite
153
u ocorre apoacutes m n s k j
Ambas iniciam palavras
As realizaccedilotildees alongadas [u] e [u ] satildeo
provenientes de alongamento compensatoacuterio quando a coda eacute elidida
[ku n datildenʌ] ~ [ku datildenʌ]
ku n-tatilden-ta
Ele estaacute fumando
Quadro 14 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos nasais (Com base em Telles 2002)
ĩ - vogal nasal alta anterior
Sua ocorrecircncia soacute fora verificada a partir do comportamento do morfema ĩ- que eacute uma raiz lexical semanticamente vazia prefixada a morfemas classificadores nominais para funcionar como nuacutecleo nominal
A subjacecircncia de ĩ- sem coda nasal pode ser evidenciada na sonorizaccedilatildeo opcional da oclusiva velar k e no natildeo alongamento da vogal ĩ
[ ĩkalo ɾe] ~ [ ĩgaloɾe]
ĩ-kaloh-te
Taacutebua
atilde - vogal nasal baixa
Eacute encontrada a partir do condicionamento morfoloacutegico no prefixo verbal atildel-
Este prefixo tem valor causativo resultativo
Quanto agrave subjacecircncia de atilde pode-se interpretar que a realizaccedilatildeo do morfema agentivo [atildel- atilde-] estaacute condicionada ao segmento inicial da raiz lexical a qual o prefixo se apotildee
[atildelͻwtatildenʌ] ~ [ a lͻtatildenʌ]
atildel-awt-tatilden-ta
[atilde laj n datildenʌ] ~ [a laj n datildenʌ]
atildel-ajn-tatilden-ta
[atildelo tatildenʌ] ~ [alo tatildenʌ]
atildel-loʔ-tatilden-ta
[atildemũmaj na ]
atildel-mumaʔ-na
[ũba tatildenʌ] ~ [atildeba tatildenʌ]
atildel-pat-tatilden-ta
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
Estaacute foi quebrado (algo) Estaacute foi cortado (algo) Estaacute foi afundado (algo) Estaacute foi amansado (algo) Estaacute foi colocado (algo)
154
Quando a raiz verbal eacute iniciada por vogal a forma sobrejacente eacute [atilde-] quando a raiz verbal eacute iniciada por vogal a forma sobrejacente eacute [atildel-]
Outra forma de ocorrecircncia da vogal atilde eacute confirmada na base do contraste entre os ditongos orais aj aw e nasais atildej atildewmesmo quando seguidos por coda nasal formando as sequecircncias ajn awn atildejn atildewn
[ aj n datildeni] ~ [ aj n datildeni]
ajn-tatilden
[jatildewm de] ~ [jatildemde]
jatildewn-te
[wawm datildena] ~ [wͻwm datildena]
wawn-tatilden-ta
Pacu espeacutecie de peixe Ele cortou (algo) Espeacutecie de larva Estaacute vermelho amarelo
ũ - vogal nasal alta posterior
Observada a partir da construccedilatildeo interna e comportamento do morfema prefixal nũh - possessivo de 1pp e de seu homoacutefono nũh - verbo adjetival estar soacute
Quanto agrave subjacecircncia de u eacute observada quando a coda fricativa glotal eacute ressilibificada ao se afixar agrave raiz iniciada por vogal ou glide
[ nũhju te]
nũh-ju -te
[ nũhaj ɾatilden]
[nũhajh-oslash-tatilden
Nossos peacutes Ele vai sozinho
54 FONOLOGIA DO PORTUGUEcircS
Diferentemente do Latundecirc o sistema fonoloacutegico do portuguecircs eacute formado
conforme Cacircmara Jr (1970 p33 ndash 34) por sete vogais que se mantecircm na
mesma quantidade em posiccedilatildeo tocircnica que satildeo reduzidas a cinco quando em
posiccedilatildeo tocircnica diante de nasal em posiccedilatildeo pretocircnica em posiccedilatildeo postocircnica natildeo-
final e em postocircnica final
Quadro 15 Vogais no Portuguecircs (Cacircmara Jr 1970)
Natildeo-arredondadas Arredondadas
Altas i u
Meacutedias Altas e o 2ordm Grau
155
Meacutedias Baixas ɛ ɔ 1ordm Grau
Baixa a
Anterior Central Posterior
Quanto aos segmentos consonantais o portuguecircs dispotildee de acordo com Lopez
1979 p5482 de vinte e dois fonemas que ocupam as posiccedilotildees de onset e coda
Os segmentos consonantais satildeo classificados quanto ao modo e ao ponto de
articulaccedilatildeo
Os segmentos consonantais do portuguecircs ainda podem ser influenciados por
articulaccedilotildees secundaacuterias labializaccedilatildeo palatalizaccedilatildeo velarizaccedilatildeo e dentalizaccedilatildeo
Quadro 16 Consoantes no Portuguecircs (Silva 2002)
Articulaccedilatildeo
Bilabial Labiodental Dental ou alveolar
Alveopalatal Palatal Velar Glotal
Oclusiva p b t d k g Africada tʃ dʒ
Fricativa f v s z ʃ ʒ X Ɣ h ɦ
Nasal m n ɲ y
Tepe ɾ
Vibrante ř
Retroflexa ɹ
Lateral l ɫ ʎ l j
82
Apud Bisol 1996 p198
156
55 COMPARACcedilAtildeO ENTRE OS SISTEMAS FONEacuteTICOS DO PORTUGUEcircS E
DO LATUNDEcirc
Passemos entatildeo agrave comparaccedilatildeo ds sistemas fonoloacutegicos do Portuguecircs e do
Latundecirc para melhor compreensatildeo dos processos foneacuteticos oriundos desse
contato
Quadro 17 Sistemas consonantais x Sistemas vocaacutelicos
Consoantes Vogais
Portuguecircs p b m w t d s z l j n f v ɾ k g h ɹ ɲ ʎ X a ɛ e i ɔ o u
Latundecirc p m w t s l j n k h a atilde a a e e i i i i o o u u u u
Como podemos perceber as liacutenguas apresentam padrotildees distintos no que tange
agrave quantidade de segmentos consonantais e de segmentos vocaacutelicos O portuguecircs
eacute uma liacutengua com mais consoantes enquanto o Latundecirc eacute uma liacutengua
extremamente vocaacutelica
No que tange aos fonemas consonantais o Latundecirc natildeo apresenta muitos dos
fonemas vozeados que compotildeem os pares miacutenimos aleacutem das labiodentais [f v]
Tambeacutem natildeo apresenta as fricativas alvopalatais [ʃ ʒ] nem as palatais nasal e
lateral [ɲ ʎ]
O portuguecircs natildeo dispotildee de vogais laringais enquanto o Latundecirc tem o seu
inventaacuterio basicamente composto por elas
157
A disposiccedilatildeo e presenccedila desses elementos tecircm uma ligaccedilatildeo direta com os
processos fonoloacutegicos ocorrentes o portuguecircs resultante do contato do Portuguecircs
com o Latundecirc como veremos no capiacutetulo VI
158
6 PROCESSOS FONOLOacuteGICOS NO PORTUGUEcircS FALADO PELOS LATUNDEcirc
ldquoComo a liacutengua estaacute a todo momento se equilibrando entre
tendecircncias potencialmente conflitantes e ateacute mesmo opostas estaacute sujeita a sofrer mudanccedilas pois esse equiliacutebrio pode vir a ser alterado por qualquer tipo de fator interno ou
externordquo Chagas (2004 p 151)
61 INTRODUCcedilAtildeO
Eacute senso comum entre os estudiosos que as liacutenguas mudam em diversos
aspectos Certamente a variaccedilatildeo e a mudanccedila lhes satildeo inerentes conforme
Cezario amp Votre (2008 p 141)
Em face da mudanccedila a assertiva acima abarca um conjunto de motivaccedilotildees
internas a uma dada liacutengua bem como outras decorrentes de forccedilas externas em
que se inserem aquelas oriundas do contato linguiacutestico Isso nos chama a
atenccedilatildeo para o fato de que aleacutem do fator tempo outros aspectos podem estar
diretamente ligados agraves transformaccedilotildees pelas quais uma liacutengua passa
A forma como as mudanccedilas sonoras operam na liacutengua eacute tema de discussatildeo haacute
seacuteculos Sobre essa temaacutetica Labov (1981 p269) nos diz que
Sound change appears to be systematic in that a particular change affects all eligible words in a lexicon (McMahon 1994) It is not known however how this process takes place A group of 19th century German linguists called the Neogrammarians originally proposed that sound change occurs abruptly across the lexicon This view is still accepted by many linguists (eg Hock 1991 Labov 1994) In contrast others have argued that sound change spreads gradually across the lexicon (eg Chen amp Wang 1975 Krishnamurti 1978) The same language data is sometimes used to support each hypothesis For instance the
159
English Great Vowel Shift which brought about a series of vowel changes in Early Modern English is used as an example of gradual change (Ogura 1987 Aitchison 1991) as well as abrupt change (Hock 1991 Labov 1994) So the argument over whether sound change occurs abruptly or gradually presents a paradox ldquoboth (views) are right but both cannot be right 269)rdquo
A discussatildeo acerca da natureza da mudanccedila sonora no sentido das duas visotildees
pontuadas acima ainda alcanccedila uma dimensatildeo mais larga quando o contato
intersocietaacuterio eacute considerado As implicaccedilotildees que a variaccedilatildeo assume quando a
emergecircncia das escolhas linguiacutesticas envolve o impacto das interaccedilotildees entre
liacutenguas satildeo multifatoriais Devido agrave complexidade das transformaccedilotildees linguiacutesticas
natildeo podemos estabelecer um uacutenico molde para explicar estas modificaccedilotildees haja
vista que cada caso eacute particular quando tratamos de mudanccedila linguiacutestica
Como fora tratado no capiacutetulo sobre Contato linguiacutestico o encontro de duas ou
mais liacutenguas pode resultar ou natildeo em outras liacutenguas O niacutevel de interferecircncia
oriundo do contato pode fazer com que uma das liacutenguas desapareccedila o que
ocasionaria a sua morte e geralmente neste caso sobreviveria a liacutengua do
dominador ou a permanecircncia dos dois coacutedigos linguiacutesticos tal qual ocorre entre
os Latundecirc
A complexidade da fusatildeo de duas liacutenguas desencadeia por si soacute uma seacuterie de
processos que perpassa os diferentes niacuteveis da gramaacutetica No entanto eacute no niacutevel
foneacutetico fonoloacutegico que estes processos satildeo provavelmente mais evidentes e
mais frutiacuteferos Sendo assim podemos afirmar que os niacuteveis foneacuteticos e
fonoloacutegicos apresentam o maior iacutendice de mudanccedila e variaccedilatildeo de uma liacutengua Por
outro lado de acordo com Cavaliere (2005 p 56)
160
Os estudos desses processos nos auxiliam enquanto estudiosos da liacutengua a entender como se comporta a mudanccedila da liacutengua mediante verificaccedilatildeo dos fatos ocorridos no passado que se mantecircm no presente bem como os que natildeo mais se manifestam as mudanccedilas dos sons nos usos hodiernos
A anaacutelise realizada dos processos fonoloacutegicos do Portuguecircs falado pelos Latundecirc
teraacute como base a estrutura silaacutebica do Portuguecircs e do Latundecirc Para a anaacutelise
consideramos uacutetil adotar a classificaccedilatildeo tradicional dos processos focircnicos
encontrados na linguiacutestica histoacuterica (HOCK1991) por nomear em detalhe os
variados tipos de processos observados Aleacutem disso nos pautamos nos trabalhos
de Spencer (1996) e Lass (2000) que associam reflexotildees mais abstratas para
explicar as ocorrecircncias encontradas Esclarecemos que natildeo eacute nosso propoacutesito
realizar uma anaacutelise fonoloacutegica per si Neste trabalho partimos da descriccedilatildeo dos
processos fonoloacutegicos operantes a fim de refletir sobre o resultado do contato
linguiacutestico de uma liacutengua minoritaacuteria (o Latundecirc) com uma liacutengua
sociohistoricamente dominante o portuguecircs e avaliar o papel da marcaccedilatildeo
linguiacutestica no contexto da interferecircncia Os dados como jaacute afirmamos fazem
parte do acervo do NEI (Nuacutecleo de Estudos Indigenistas) da UFPE
Para uma melhor compreensatildeo a anaacutelise dos fenocircmenos observados segue
distribuiacuteda em quatro subgrupos que evolvem os processos foneacutetico-fonoloacutegicos
observados i) perda de elementos ii) ganho iii) alteraccedilatildeo (transposiccedilatildeo ou
permuta) que estatildeo diretamente ligados aos processos fonoloacutegicos de
assimilaccedilatildeo (progressiva e regressiva) fortalecimento leniccedilatildeo apagamento
inserccedilatildeo e coalescecircncia A classificaccedilatildeo desses processos nos remete agrave
termonoligia claacutessica da linguiacutestica de base
161
611 Perda de elementos
Seguindo a tendecircncia das liacutenguas do mundo os processos que envolvem perda
de elementos tambeacutem satildeo os mais recorrentes no portuguecircs falado pelos
Latundecirc Dessa feita estes processos satildeo os que tecircm uma relaccedilatildeo direta com a
estrutura silaacutebica do Portuguecircs que se vecirc obrigada a rearranjar os componentes
da siacutelaba para o padratildeo (CV)
Quanto agrave marcaccedilatildeo o portuguecircs assimilado pelos Latundecirc nem sempre tende a
preservar os padrotildees mais marcados de sua liacutengua conforme descriccedilatildeo nos
processos que se seguem
6111 Monotongaccedilatildeo
Assim como no Portuguecircs a monotongaccedilatildeo eacute um processo natural e bastante
atuante no Latundecirc que eacute uma liacutengua propensa a tal fenocircmeno Eacute uma tendecircncia
geral observada na produccedilatildeo da fala da comunidade Latundecirc verifica-se que os
ditongos crescentes e decrescentes estatildeo sendo frequentemente fusionados
realizando-se como monotongos (TELLES 2002 p100 - 102)
Quanto aos ditongos crescentes Telles (idem p 103) afirma que a tendecircncia ao
processo de monotongaccedilatildeo em ditongos crescentes eacute quase categoacuterica nas
siacutelabas aacutetonas de raiacutezes dissilaacutebicas quando a vogal nuclear eacute a central baixa a
Outros aspectos observados pela autora que fazem menccedilatildeo agrave monotongaccedilatildeo
apontam que a geraccedilatildeo poacutes-contato realizam sistematicamente e com frequecircncia
162
a fusatildeo entre os ditongos decrescentes Os ditongos aw a w aj a j satildeo os que
mais regularmente sofrem processo dos quais decorrem as realizaccedilotildees meacutedias
baixas [ɔ ɔ ɛ ɛ ] que natildeo fazem parte do inventaacuterio fonoloacutegico das vogais do
Latundecirc
Os ditongos iw ow que ocorrem em menor frequecircncia satildeo mais marcados
Nestes a monotongaccedilatildeo se daacute com a preservaccedilatildeo da vogal do nuacutecleo i o O
ditongo e j apresenta pouquiacutessimos casos de fusatildeo mantendo a qualidade do
glide diferentemente dos demais ditongos que satildeo constituiacutedos por vogais natildeo
baixas Sua realizaccedilatildeo seraacute a vogal alta anterior [i]
Apresentamos abaixo os dados apresentados por Telles (idem 101) onde os
resultados foneacuteticos do processo de monotongaccedilatildeo satildeo mais frequentes
Quadro 18 Resultado mais frequente do processo de monotongaccedilatildeo em Latundecirc
Em tritongos a fusatildeo eacute mais frequente quando o glide labial w preenche a
posiccedilatildeo da coda diferentemente da palatal j que pouco se fusiona Nos dois
casos a fusatildeo se daacute apenas com o apagamento do glide poacutes-nuclear
aw gt ɔ [lsquoɔɾe] rsquoawh-lsquote Gaviatildeo
a w gt ɔ [ɔ rsquode] a w-lsquote Fleche
aj gt ɛ [ɛrsquoɾatildena] ajh-lsquotatilden-ta eacute roccedila
aj gt ɛ [ɛ rsquoɾatildena] rsquoa jh-lsquotatilden-ta ele tem andado
iw gt i [lsquogilade] rsquokiwlah-lsquote cobra cascavel
ow gt o [torsquolodatildena] tarsquolown-lsquotatilden-ta ele tem terminado
163
No que se refere ao comportamento de ditongos decrescentes diante de
consoante nasal tautossilaacutebica podem ocorrer diferentes manifestaccedilotildees de
superfiacutecie a depender do ponto do glide Se os ditongos decrescentes terminarem
com glide laacutebio-dorsal w e seguidos por elemento nasal tautossilaacutebico awn a wn
atildewn own apagaratildeo o glide da coda e a vogal nuclear preservaraacute o ponto de
articulaccedilatildeo
Caso o ditongo seja oral a realizaccedilatildeo preferencial seraacute a da manutenccedilatildeo do
ditongo com o glide ocorrendo na superfiacutecie Se o ditongo for nasal o glide pode
ser nasalizado regressivamente Todavia a realizaccedilatildeo preferencial seraacute o glide
Em preferecircncia o glide j eacute mantido conservando sua palatalidade em ditongos
decrescentes que terminam com o glide j constituindo os ditongos ajn a jn atildejn
jn
Os glides wj na posiccedilatildeo de onset podem ser consonantizados O glide j natildeo se
apresenta como fator motivador para este processo Nos poucos casos
apresentados a vogal nuclear eacute a anterior e ou a central a
De acordo com a literatura existente para o Portuguecircs a monotongaccedilatildeo se aplica
a todos os ditongos Entretanto alguns contextos licenciam o processo enquanto
outros o bloqueiam No portuguecircs falado pelos Latundecirc os ditongos decrescentes
orais83 assim como no portuguecircs de longe foram os mais monotongados Aleacutem
destes o ditongo nasal decrescente [atildew] tanto em final de verbos quanto de
nomes mostrou-se recorrente na reduccedilatildeo
83
[aj][ aw] [ej] [ew] [ow] [oj]
164
Enquanto processo natural a monotongaccedilatildeo no portuguecircs falado por Latundecirc
visa simplificar os padrotildees silaacutebicos mais marcados sobretudo na posiccedilatildeo final de
vocaacutebulos jaacute que no Latundecirc natildeo haacute a ocorrecircncia deles
Esclarecemos que os processos observados na fala dos Latundecirc que tambeacutem
ocorrem no portuguecircs atual natildeo foram incluiacutedos nos dados discutidos neste
capiacutetulo ressalvando-se situaccedilotildees nas quais eram necessaacuterios agraves nossas
reflexotildees
De acordo com os exemplos
acima o processo de
monotongaccedilatildeo pode se dar de
duas formas i) apagamento
de um segmento geralmente
o glide ii) fusatildeo de elementos
Os ditongos mais propensos agrave
monotongaccedilatildeo satildeo os
decrescentes Quanto agraves classes de palavras os ditongos presentes nas formas
verbais satildeo mais frequentemente monotongados
No portuguecircs o processo de monotogaccedilatildeo eacute operante porem haacute restriccedilotildees que
natildeo coincidem com o observado na fala dos Latundecirc Bisol (2001 p 112) afirma
(1) [keme] queimei (2) [satildersquogɾaɾi] sangraram
[firsquokaɾi]
ficaram
(3) [fakotilde] facatildeo [motilde] matildeo [koɾasotilde] coraccedilatildeo
[gɾatildedotilde] grandatildeo
[tubaɾotilde]
tubaratildeo
(4) [kaze]
causa
(5) [note]
noite
(6) [lsquotaba] taacutebua (7) lsquomatildeoslash matildersquodava matildee mandava
165
que apenas os ditongos decrescentes satildeo verdadeiros Os crescentes de acordo
com ela seriam falsos pois podem ser realizados como hiato e tecircm variaccedilatildeo livre
Aleacutem disso com respeito aos ditongos decrescentes a autora ainda considera
que haacute dois diferentes tipos de ditongos um considerado pesado que natildeo sofre
reduccedilatildeo (leite) e outro leve passiacutevel de reduccedilatildeo (couro) Ela elenca alguns
ambientes que condicionam a monotongaccedilatildeo como a presenccedila da tepe ou da
palatal em posiccedilatildeo seguinte
Entretanto os dados de (1) a (7) acima nos mostram ocorrecircncias da
monotongaccedilatildeo em contextos muito distintos do que ocorre em Portuguecircs Sobre
estes avaliamos sua ocorrecircncia como segue
Quando em final de vocaacutebulos principalmente nas formas verbais do passado
simples conforme visto em (2) o que ocorre natildeo eacute um fenocircmeno de
monotongaccedilatildeo em que se espera o apagamento de um dos segmentos ou a
fusatildeo dos formadores do ditongo Nos dados em (2) entretanto encontra-se a
substituiccedilatildeo do ditongo por um segmento que articulatoriamente natildeo deriva da
estrutura lexical A vogal anterior com traccedilo de ponto coronal84 realizada em
[firsquokaɾi] ldquoficaramrdquo [satildersquogɾaɾi] ldquosangraramrdquo ocorre em posiccedilatildeo aacutetona final Essa
realizaccedilatildeo pode ser decorrente do espraiamento da coronalidade da consoante
precedente Outros aspectos de relevo para explicar esse fenocircmeno satildeo a
posiccedilatildeo final dos segmentos e a atonicidade Esses condicionantes favorecem a
substituiccedilatildeo total do ditongo nasal para a vogal anterior alta Essa produccedilatildeo eacute
84
Assumimos largamente neste trabalho a terminologia da fonologia claacutessica estrutural (GLEASON 1969) Entretanto termos mais teacutecnicos provenientes da teoria dos traccedilos distintivos (JAKOBSON 1952 CHOMSKY e HALE 1968) satildeo introduzidos quando favorecem a elucidaccedilatildeo dos fatos Da mesma forma ocasionalmente nos referimos a processos ancorados na fonologia poacutes-gerativa (CLEMENTS e HUME 1995)
166
restrita agrave fala dos indiacutegenas da geraccedilatildeo preacute-contato que adquiriram o portuguecircs
pelo menos no iniacutecio da idade adulta
A relevacircncia da tonicidade tambeacutem se evidencia nos dados em (3) Nesses casos
([fakotilde] ldquo facatildeordquo [lsquomotilde] ldquomatildeordquo [koɾasotilde] ldquocoraccedilatildeordquo) apesar de o ditongo nasal atildew
sofrer a fusatildeo passando a ser realizado [otilde] a posiccedilatildeo do acento preserva a
identidade de parte da estrutura nasalizaccedilatildeo e posteriorizaccedilatildeo com
arredondamento A tendecircncia aacute preservaccedilatildeo da estrutura tambeacutem eacute encontrada
no dado em (1) A monotongaccedilatildeo na siacutelaba tocircnica preserva a qualidade da vogal
nuclear em [kersquome] ldquoqueimeirdquo
O Latundecirc evita coda Esse comportamento se alinha agrave ideia de que The CV
syllable is a prototypical example widely considered to be the universally
unmarked syllable type (HUME 2004)
A monotongaccedilatildeo do ditongo nasal atildej em matildej gt matilde natildeo eacute encontrado
regularmente na fala latundecirc Esse fenocircmeno deve ter sido engatilhado pela
juntura externa na qual se observa que a siacutelaba da palavra seguinte conteacutem
sequecircncia focircnica semelhante agrave da siacutelaba que sofreu supressatildeo da semivogal
Um mesmo ditongo pode ou natildeo apresentar diferentes realizaccedilotildees em cada
liacutenguas Por exemplo os ditongos aw atildew aj atildej que existem tanto no Latundecirc
quanto no Portuguecircs se comportam da seguinte forma
Quadro 19 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
aw ɔ [lsquoɔɾe] ˈawh-te lsquogaviatildeorsquo
atildew atildew ~ AM [ˈjatildewmde] ~ [ˈjatildemde] ˈjatildewm-te lsquolarvarsquo
aj ɛ [єrsquoɾatildena] ˈajh-ˈtatilden-ta lsquoeacute roccedilarsquo
atildej atildej ~ atildej [ˌatildejˈdatildeni] ~ [atildejndatildeni] ˈatildejn-tatilden lsquoele cortoursquo
167
Quadro 20 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
aw aw [lsquopaw] pau lsquopaursquo atildew otilde [ˈsotilde] satildew lsquosatildeorsquo atildew i [satildeˈgɾaɾi] sangɾaɾatildew lsquosangraratildeorsquo
atildej atildej [ˈmatildej] matildej lsquomatildeersquo
aj aj [ˈpaj] pai lsquopairsquo
Os ditongos aw em posiccedilatildeo do acento resultam nas vogais meacutedias baixas ɔ e
ɛ no proacuteprio Latundecirc mesmo sendo essas vogais mais marcadas e natildeo
fonoloacutegicas na liacutengua Entretanto no portuguecircs esses ditongos natildeo sofrem
processo de fusatildeo quando ocorrem em siacutelaba tocircnica
A uacutenica vogal nasal constatada na reduccedilatildeo do ditongo eacute [otilde] resultante do ditongo
decrescente nasal atildew Neste caso eacute proacutepria vogal nasal que favorece a vogal
resultante da fusatildeo
Diferentemente do Portuguecircs em Latundecirc os ditongos natildeo se realizam em fim de
vocaacutebulos Desta forma o Portuguecircs falado por Latundecirc tende a seguir o que eacute
posto no Portuguecircs utilizando as vogais menos marcadas [satildegɾaɾɪ] ~ sangraram
[desaɾƱ] ~ deixaram
O que podemos verificar quanto agrave monotongaccedilatildeo eacute que em termos gerais o
Latundecirc natildeo transfere os traccedilos e caracteriacutesticas mais marcadas na liacutengua para o
Portuguecircs falado por eles
168
6112 Siacutencope em onset complexo de l e ɾ
A reduccedilatildeo do onset complexo em Portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute um processo
muito comum que se daacute devido a natildeo aceitaccedilatildeo de um segundo elemento no
onset Como podemos observar eacute um processo variante que estaacute atrelado agrave
reorganizaccedilatildeo da siacutelaba e que eacute passiacutevel de sistematicidade
De acordo com Telles (2002 p105) a estrutura silaacutebica do Latundecirc permite a
composiccedilatildeo de seis padrotildees V VC VCC CV CVC CVCC que se
incluem na extensatildeo (C)V(C)(C) que podem ser representados de acordo com
estrutura silaacutebica descrita abaixo
Figura 17 Estrutura silaacutebica do Latundecirc
Os elementos que se encontram entre parecircnteses satildeo opcionais Em Latundecirc as
sequecircncias CV V VC CVC VCC e CVCC ocorrem com frequecircncia
169
sendo os dois primeiros padrotildees os mais frequentes Isso nos mostra o quanto o
Latundecirc evita onsets complexos e codas
A estrutura silaacutebica do portuguecircs de acordo com Mattoso Cacircmara (1969) define
o molde silaacutebico CCVCC conforme figura abaixo
Figura 18 Estrutura silaacutebica do Latundecirc (Cacircmara-Juacutenior)
Seguindo a proposta de Mattoso Cacircmara com respeito agrave distribuiccedilatildeo interna dos
constituintes da siacutelaba as uacutenicas consoantes que preenchem a segunda posiccedilatildeo
do onset satildeo as liacutequidas l e ɾ A coda pode ser preenchida pelas consoantes l
e pelos arquifonemas R S N
No Latundecirc o grupo consonantal no onset natildeo eacute fonoloacutegico Entretanto eacute
atestada a ocorrecircncia dos [tɾ dɾ kɾ gɾ] no plano foneacutetico como resultado da
reduccedilatildeo em siacutelaba pretocircnica de sufixo nominal e verbal A formaccedilatildeo de onset
complexo eacute estrutura marcada no Latundecirc como tambeacutem interlinguisticamente
A estrutura mais complexa e menos frequente (marcada) do encontro consonantal
no onset tende a ser simplificada no portuguecircs falado pelos Latundecirc Como
170
podemos observar em (8) e (9) os grupos consonantais satildeo pronunciados como
um soacute elemento Trata-se do apagamento da tepe e da lateral liacutequida Eacute um
processo em acomodaccedilatildeo que estaacute diretamente ligado agrave faixa etaacuteria dos falantes
Assim os mais novos seguem a tendecircncia de pronunciar o onset complexo
diferentemente dos mais velhos
(8) [bi ka nƱ] brincando
[de tƱ] dentro
[kɛbapƱ] quebraram
[otƱ] outro
(9) [buza] blusa [biciketɪ] bicicleta Embora a reduccedilatildeo do onset complexo seja um fenocircmeno variaacutevel para algumas
variedades do portuguecircs as realizaccedilotildees acima natildeo correspondem agrave fala de
adultos sendo resultantes no processo da aquisiccedilatildeo da liacutengua
Jaacute entre os Latundecirc satildeo os mais velhos que apresentam a realizaccedilatildeo do onset
simplificado como um fenocircmeno variaacutevel conforme observamos em (10)
(10) [b ɾ ĩkarƱ] brincaram [sotildebrasotilde] assombraccedilatildeo [pɾimeɾɪ] primeiro
[febrƱ] febre [fɾɛsa] flecha
O rotacismo (l gt ɾ) da lateral presente em lsquoflecharsquo acima que eacute muito frequente
no portuguecircs menos escolarizado tambeacutem ocorre na fala dos indiacutegenas
171
6113 Apagamento da coda
Em portuguecircs quatro elementos podem ocupar a posiccedilatildeo de coda RSlN aleacutem
dos glides wj85 Em Latundecirc a coda pode ser ramificada e satildeo seis os
segmentos que podem preencher o espaccedilo da coda os glides w j aleacutem das
consoantes t h n Ɂ Como a coda pode ter ateacute duas posiccedilotildees preenchidas os
primeiros elementos satildeo sempre neste caso os glides w j Embora a coda da
siacutelaba fonoloacutegica possa ser preenchida pelas consoantes acima o Latundecirc eacute uma
liacutengua que evita coda na superfiacutecie O fenocircmeno que decorre dessa tendecircncia eacute o
alongamento compensatoacuterio (Clements e Hume 1995)
(11) [ˌn ˈh te]
ˈn h-ˈ Ɂ -te
lsquonossos peacutesrsquo
No dado acima podemos observar a natildeo realizaccedilatildeo da coda fricativa glotal h na
marca de posse ˈnu h- e da coda oclusiva glotal Ɂ o item lexical ldquopeacuterdquo ˈju Ɂ
Nos dois casos o apagamento da coda eacute compensado pelo alongamento
vocaacutelico No caso do morfema de posse ocorre a ressilabaccedilatildeo da coda fricativa
Do ponto de vista da marcaccedilatildeo a siacutelaba menos marcada eacute a que apresenta o
padratildeo CV (Hume 2004 p 183) O Latundecirc tem a tendecircncia a seguir esse
padratildeo de forma que para a liacutengua a coda embora fonoloacutegica eacute mais marcada
A simplificaccedilatildeo da estrutura mais marcada (presenccedila de coda) eacute transferida para
o portuguecircs Conforme os dados descritos abaixo os segmentos que mais satildeo
apagados em posiccedilatildeo de coda satildeo os glides j w e as consoantes h s Como o
85
Mattoso Cacircmara (1969) considera que os glides pertencem ao nuacutecleo Neste caso trata-se de um nuacutecleo ramificado
172
Latundecirc natildeo tem na sua estrutura silaacutebica a coda fricativa alveolar s esse
segmento natildeo eacute licenciado no portuguecircs dos indiacutegenas (dados em 13) Esse
fenocircmeno eacute categoacuterico na fala dos mais velhos e eacute variaacutevel na fala dos indiacutegenas
da geraccedilatildeo poacutes-contato
(12) [m to] muito [koɾƱ] couro
[voto] voltou (13) [dumi] durmir [pig ta] pergunta [pota] porta [kota] corta [pɛtƱ] perto
[kotildekorsquodo] concordou [barsquobudƱ] barbudo (14) [hipotildersquodew] respondeu [gorsquotozƱ] gostoso [iˈtɛla] Stella ([isˈtɛla])
A coda eacute um elemento universalmente marcado No Latundecirc a sua realizaccedilatildeo eacute
em menor frequecircncia do que o Portuguecircs apesar de sua larga presenccedila na
subjacecircncia O que percebemos ademais eacute que o apagamento do R e do s em
coda contribui para a elevaccedilatildeo da vogal meacutedia pretocircnica tautossilaacutebica conforme
os dados ldquocorta e portardquo em (12)
A regra abaixo sintetiza o comportamento da coda no portuguecircs dos Latundecirc
C ou V [oslash] coda
173
Como vimos no Portuguecircs falado por Latundecirc qualquer consoante ou vogal
poderaacute ser apagada em posiccedilatildeo de coda Esta regra tem se mostrado menos
produtiva nas faixas etaacuterias mais novas Nessas geraccedilotildees o apagamento eacute mais
produtivo quando coincide com a realizaccedilatildeo encontrada por nativos em
portuguecircs ([ˈfosa] lsquoforccedilardquo)
6114 Reduccedilatildeo do geruacutendio ndash Anteriorizaccedilatildeo da vogal final
A reduccedilatildeo do geruacutendio eacute um processo comum em alguns dialetos brasileiros
sobretudo em registro menos tenso Esse eacute mais um processo que resulta no
apagamento de segmentos No portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute praticamente
categoacuterica a ocorrecircncia da assimilaccedilatildeo da alveolar em geruacutendio
(15) [falatildenƱ] falando [b ɾ ĩgatildenƱ] brigando [kume nƱ] comendo
[bersquobe nƱ] bebendo
[sorsquo ɾ anƱ] chorando
[mersquosenƱ] mexendo [mi ti nƱ] mentindo
Por ser esse um fenocircmeno de larga frequecircncia no portuguecircs nativo entendemos
que a simplificaccedilatildeo segmental da estrutura gerundiva natildeo eacute surpreendente no
portuguecircs indiacutegena Entretanto na produccedilatildeo da geraccedilatildeo preacute-contato a
assimilaccedilatildeo total da oclusiva alveolar eacute acompanhada pela anteriorizaccedilatildeo da
vogal final conforme dados a seguir
174
(16) [dimuɾatildenɪ] demorando
[asinatildenɪ] ensinando [tiɾatildenɪ] tirando
[katildetatildenɪ] catando [kɾese nɪ] crescendo
Para anaacutelise das ocorrecircncias acima precisamos considerar a estrutura do
Latundecirc nessa liacutengua uma terminaccedilatildeo verbal altamente produtiva eacute o morfema
aspectual acentuado -ˈtatilden Esse morfema pode ser seguido pelo morfema de
modo neutro -i resultando nas sequecircncias -ˈtatildeni conforme exemplo abaixo
(17) [keˈja ˌdaˈɾatildeni]
keˈjat ˈta-tatilden-i milho deitar-imperfectivo-neutro
eacute milho deitado (espalhado no chatildeo)
Como no Latundecirc o verbo (e nome) natildeo termina em vogal posterior tal restriccedilatildeo
pode explicar a anteriorizaccedilatildeo do geruacutendio do portuguecircs
6115 Reduccedilatildeo das palatais nasal e lateral
A reduccedilatildeo das palatais nasal e lateral estaacute diretamente ligada agrave natildeo existecircncia
destes segmentos no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc No entanto Clements e
Hume (1995) em seus estudos apontam estes fonemas como complexos do ponto
de vista de seu comportamento
175
Os segmentos ɲ e ʎ satildeo consoantes mais marcadas A natildeo realizaccedilatildeo destas
consoantes no Latundecirc jaacute eacute um fator para a natildeo realizaccedilatildeo no Portuguecircs devido agrave
complexidade inerente de tais segmentos Enquanto segmentos mais complexos
as palatais satildeo sujeitas ao enfraquecimento atraveacutes da iotizaccedilatildeo (vocalizaccedilatildeo)
Mesmo no portuguecircs esse eacute um processo operante particularmente em
variedades populares Mattoso Cacircmara (1981 p 149) descreve que se trata de
ldquomudanccedila de uma vogal ou consoante para a vogal anterior alta i ou para a semivogal correspondente ou iode Nos falares crioulos portugueses haacute a iotizaccedilatildeo das consoantes molhadas ʎ e ɲ ex mulher gt muyeacute nhonho gt ioiocirc (africanismo)rdquo
Aleacutem da iotizaccedilatildeo o portuguecircs apresenta a despalatizaccedilatildeo da lateral em que ʎ
realiza-se [l] como em [muˈlɛ] lsquomulherrsquo
No portuguecircs dos Latundecirc o enfraquecimento se daacute mais frequentemente pela
iotizaccedilatildeo como em (18) Estas realizaccedilotildees ocorrem na fala dos mais velhos na
geraccedilatildeo anterior ao contato
18) [muˈjɛ] mulher
[baɾuj] barulho
[ojˈatildenƱ] olhando
[vimej] vermelho (19) [fila] filha [fola] folha
Weinreich (1953 p 18) explica que quando em sistemas foneacuteticos em contato
podem ocorrer os processos de reinterpretaccedilatildeo de fone que leva a substituiccedilatildeo
de segmento Eacute o que acontece nos exemplos acima
176
Em (20) e (21) o processo de despalatalizaccedilatildeo resulta no apagamento total da
palatal
(20) [miƱ] milho [fii] filho (21) [mia] minha A reduccedilatildeo tem menos restriccedilotildees se comparada com os fatos do portuguecircs falado
por nativo Em (20) as ocorrecircncias satildeo atestadas no portuguecircs enquanto primeira
liacutengua Diante da vogal posterior natildeo apenas o apagamento da palatal pode
ocorrer como tambeacutem o da siacutelaba inteira Em (21) observamos uma realizaccedilatildeo
particular dos Latundecirc em que a consoante palatal nasal eacute apagada plenamente
sem deixar vestiacutegio nasal na vogal que a precede Esse fato tem relaccedilatildeo com a
complexidade que envolve as nasais na liacutengua indiacutegena a qual natildeo coincide com
os processos existentes no portuguecircs
No caso de (22) ocorre o apagamento da siacutelaba em que se encontra a palatal
nasal do diminutivo eacute comum a variedades populares do portuguecircs
(22) [pikinĩnĩ ] pequenininho [faki ] faquinha
Como afirmamos no iniacutecio da seccedilatildeo os segmentos palatais natildeo existem em
Latundecirc o que torna sua produccedilatildeo no Portuguecircs falado pelos Latundecirc mais
marcada e de difiacutecil ocorrecircncia
177
6116 Afeacuterese
A afeacuterese eacute um processo foneacutetico que consiste na queda de elementos iniciais do
vocaacutebulo Este processo que fora responsaacutevel pelas modificaccedilotildees foneacuteticas do
Latim para o Portuguecircs ainda eacute atuante no estaacutegio atual da liacutengua
A queda da siacutelaba inicial es- em verbos como esperar e estar e do a- em
vocaacutebulos como aqui e acabar eacute muito comum em alguns dialetos brasileiros
Entretanto este tipo de delaccedilatildeo no portuguecircs falado pelos Latundecirc se expande
para outros vocaacutebulos da liacutengua conforme os exemplos abaixo
(23) [kutatildeni] escutando [kapa] escapa [kapo] escapou [peɾatildenƱ] esperando
[pi gada] espingarda
(24) [tupiw] entupiu [gatildeno] enganou [tehaɾƱ] enterraram
(25) [kɪ] aqui [lsquokelɪ] aquele [bɾasadƱ] abraccedilado
[meto] aumentou [korsquodadƱ] acordado [batildedono] abandonou [kaboʃe] acabou-se
(26) [fiɾe tɪ] diferente
[pitaw] hospital
178
Natildeo consta no inventaacuterio fonoloacutegico dessa liacutengua a presenccedila da fricativa alveolar
surda em posiccedilatildeo de coda Essa restriccedilatildeo eacute transferida para o portuguecircs falado
por Latundecirc conforme (23)
Outra razatildeo para esse fenocircmeno pode estar na estrutura prosoacutedica da palavra no
Latundecirc Nessa liacutengua as palavras satildeo monossilaacutebicas ou dissilaacutebicas Raiacutezes
com mais de duas siacutelabas satildeo raras (TELLES 2002) Associado a isso o acento
eacute morfoloacutegico em raiacutezes Nas dissilaacutebicas o acento recai na segunda siacutelaba
(27) [ˈmatilde ginĩde] ˈmatildejn-kiˈnĩn-te caju-redondo-Sufixo Nominal
lsquocastanha de cajursquo
No dado (27) encontramos exemplos de raiz monossilaacutebica e de raiz dissilaacutebica
Jaacute no portuguecircs haacute um nuacutemero relevante de palavras trissiacutelabas e polissiacutelabas
Diante disso a afeacuterese pode ser uma interferecircncia da estrutura do leacutexico da
liacutengua indiacutegena para simplificar a estrutura do portuguecircs - mais marcada no
Latundecirc Este fenocircmeno natildeo afeta o acento e eacute operante sobretudo quando a
siacutelaba inicial natildeo tem onset
6117 Apoacutecope
A apoacutecope eacute uma das formas de apagamento de segmentos que estaacute
relacionada assim como a afeacuterese a outros processos foneacuteticos
179
A queda de elementos finais eacute uma das formas de reduccedilatildeo ou reorganizaccedilatildeo
silaacutebica e de palavras Assim como nos demais processos a siacutelaba tocircnica eacute
preservada de qualquer alteraccedilatildeo
Embora alguns processos explicados aqui tratem da apoacutecope como a reduccedilatildeo do
geruacutendio e ditongo finais ou apagamento da nasal palatal a exemplo de (27)
estes exemplos jaacute foram mecionados nas seccedilotildees anteriores A presenccedila deles
aqui eacute para mostrar que os outros processos foneacuteticos resultam na apoacutecope
(28) [ ʒ rsquotaɾɪ] juntaram
[tursquodĩ] tudinho [ti ] tinha
[lsquovE ] velho [kabersquosĩ] cabecinha [lsquonatilde] natildeo [lsquomatilde] matildee (29) [lsquove] ver [lsquokɛ] quer (30) [nɔj] noacutes
[maj] mais [dirsquofisɪ] difiacutecil [dirsquofisƱ] difiacutecil [tatildersquome j] tambeacutem
(31) [virsquoa] viado [lsquoluɾɪ] Lurdes
[lsquote ] dele
Em (29) a apoacutecope do R final eacute processo muito comum no portuguecircs atual
Diante de tal explicaccedilatildeo natildeo nos cabe assegurar se o processo eacute proacuteprio do
180
Latundecirc ou se da variedade atraveacutes da qual os indiacutegenas adquiriram o portuguecircs
Os dados em (30) tambeacutem apontam para a interpretaccedilatildeo dos dados mostrados
em (29)
Em (31) os dados apresentam um apagamento incomum ao portuguecircs de
nativos A fala espontacircnea e natildeo tensa eacute uma possibilidade explicativa uma vez
que essas ocorrecircncias natildeo satildeo sistemaacuteticas
Os dados de apoacutecope natildeo evidenciam a transferecircncia de traccedilos mais marcados
do Latundecirc para o portuguecircs
6118 Siacutencope86
A forma mais comum deste processo se apresenta no portuguecircs nas
proparoxiacutetonas Em alguns dialetos a depender do contexto linguiacutestico eacute
categoacuterico a ocorrecircncia da reduccedilatildeo interna no vocaacutebulo
Nos exemplos elencados em (32) no caso das proparoxiacutetonas tal reduccedilatildeo eacute
motivada pelo padratildeo acentual do portuguecircs que permite com mais toleracircncia o
padratildeo paroxiacutetono ao proparoxiacutetono conforme Silva (2006 p78)
Quando ocorrente no Portuguecircs este processo estaacute relacionado ao apagamento
da vogal postocircnica medial Com a reduccedilatildeo vocaacutelica a consoante precedente
pode tomar dois caminhos i) eacute incorporado agrave siacutelaba tocircnica na posiccedilatildeo de coda ii)
86
Os exemplos apresentados demonstram que o processo ocorrente eacute muito mais motivado pelo
Portuguecircs do que pelo Latundecirc A nossa classificaccedilatildeo fica aqui a caraacuteter de registro
181
passa a onset da siacutelaba aacutetona seguinte o que afeta sua constituiccedilatildeo O
apagamento vocaacutelico resulta em uma palavra paroxiacutetona
(32) [lsquomuʒka] muacutesica [lsquohapƱ] raacutepido [lsquokOʃka] coacutecega [lsquoavɾɪ] aacutervore
Entendemos que muitas destas ocorrecircncias no Latundecirc se datildeo pelo portuguecircs de
contato Isso eacute confirmado pela produccedilatildeo de ldquomuacutesicardquo e ldquocoacutecegardquo que licencia
uma restriccedilatildeo forte no Latundecirc a fricativa sibilante em coda Aleacutem disso a
produccedilatildeo de ldquoraacutepidordquo ([ˈhapƱ]) tambeacutem coincide com a realizaccedilatildeo encontrada no
portuguecircs popular na qual a consoante em onset da siacutelaba apagada passa a
onset da siacutelaba seguinte devido agrave restriccedilatildeo no portuguecircs de onda oclusiva
612 Ganho de elementos (Inserccedilatildeo de elementos)
Embora em menor nuacutemero os processos que resultam em ganhos de elementos
tambeacutem ocorrem no Portuguecircs falado pelos Latundecirc Satildeo poucos os processos e
menores ainda os casos em que eles ocorrem Isso pode ser explicado como jaacute
fora dito devido ao fato de as liacutenguas em geral terem um dinamismo proacuteprio que
favorece mais agrave perda do que o ganho de elemento Em alguns casos a
motivaccedilatildeo para o ganho de material foneacutetico satildeo as restriccedilotildees fonotaacuteticas da
liacutengua e ou a tendecircncia agrave formaccedilatildeo de padratildeo silaacutebico menos marcado No caso
do portuguecircs de acordo com Collischonn (2004 p 67) um tipo de ganho de
material precisamente a epecircntese vocaacutelica
ocorre mais quando a consoante perdida estaacute em posiccedilatildeo pretocircnica como em objeto magneacutetico e opccedilatildeo ocorrendo em apenas 24 dos vocaacutebulos na posiccedilatildeo postocircnica em palavras como egiacutepcios eacutetnico ou ritmo Mais especificamente estes resultados mostram que a epecircntese que em outros contextos
182
ocorre numa taxa bastante alta eacute dramaticamente reduzida em posiccedilatildeo postocircnica
Exemplos do que a autora descreve seguem apresentados abaixo em (33) O
primeiro dado traz a inserccedilatildeo da vogal epenteacutetica default no portuguecircs a anterior
alta [i] e a segundo natildeo ocorrecircncia da inserccedilatildeo
(33) [lsquoabiˈsuhdƱ] absurdo [koˈlapisƱ] colapso
A epecircntese vocaacutelica nos dados examinados natildeo foi muito expressiva sobretudo
pelo fato de natildeo termos encontrado um nuacutemero significativo de palavras com
encontro consonantal no leacutexico dos indiacutegenas Entretanto alguns casos como em
(34) ilustram a ocorrecircncia no portuguecircs dos Latundecirc
(34) [ˈmɔgunƱ] mogno (35) [piˈnew] pneu
A estrutura que favorece a epecircntese no portuguecircs natildeo faz parte das regras
fonotaacuteticas do Latundecirc o que tambeacutem pode favorecer a vogal epenteacutetica nos
dados observados
(36) [haacutersquopazɪ] rapaz [haacutersquopazƱ] rapaz [parsquope sɪ] papeacuteis [dorsquose zɪ] de vocecircs [lsquonͻ zɪ] noacutes
183
Diferentemente do que ocorre em (34 - 35) os dados de (36) nos direcionam para
a paragoge processo que se caracteriza pela inserccedilatildeo de elemento(s) no final do
vocaacutebulo Este processo tambeacutem estaacute diretamente ligado agrave presenccedila da fricativa
alveolar desvozeada em coda sendo esse segmento proibido nessa posiccedilatildeo no
Latundecirc No caso citado a inserccedilatildeo pode ser da vogal alta posterior rapaz
[hapazƱ] mas a preferecircncia eacute pela vogal alta anterior que eacute a vogal menos
marcada [hapazɪ] rapaz noacutes [lsquonͻ zɪ]
Em (37) o processo de paragoge ocorre apoacutes o processo de monotongaccedilatildeo
ocorrendo no ditongo [atildew] que passa a ser realizado como a vogal nasal meacutedia
posterior conforme discutido em 5111 Apoacutes esse processo haacute a inserccedilatildeo do
consoante nasal seguida da vogal alta anterior A paragoge eacute variaacutevel com a
reduccedilatildeo do ditongo ([tubaˈɾotilde]) A inserccedilatildeo da siacutelaba final [-ni] pode decorrer da
existecircncia produtiva de terminaccedilatildeo sonora semelhante em vocaacutebulos (nominais e
verbais) no Latundecirc
(37) [tubarsquoɾotildenɪ] tubaratildeo
Em (38) o processo ocorrente eacute a proacutetese Se para o processo inverso - a afeacuterese
- os dados satildeo em maior quantidade para a proacutetese satildeo pouquiacutessimos os
contextos em que ela ocorre No caso deste exemplo a proacutetese se daacute a presenccedila
da vogal baixa diante do verbo Este tipo de proacutetese eacute bem recorrente no
Portuguecircs em dados como ([alemˈbra]) Entretanto o caraacuteter pontual da
ocorrecircncia do fenocircmeno natildeo favorece uma interpretaccedilatildeo mais segura
(38) [atorsquomaɾu] tomaram
184
Outra forma de ganho de elementos pode ser o prolongamento da vogal final O
exemplo de (39) nos mostra o prolongamento da vogal meacutedia anterior Essa
ocorrecircncia foi observada no contexto especiacutefico de ecircnfase
(39) [dese] desse [se] esse
613 Alteraccedilatildeo de elementos (Permuta ou transposiccedilatildeo)
A alteraccedilatildeo de elementos linguiacutesticos eacute considerada na literatura histoacuterica como o
terceiro tipo de alternacircncia focircnica inerente agraves liacutenguas Os contextos em que o
cacircmbio eacute permitido satildeo diversos e direcionados por distintas regras fonoloacutegicas
Muitos desses processos natildeo alteram a estrutura silaacutebica nem atinge a estrutura
lexical O que ocorre de fato eacute a acomodaccedilatildeo de alguns segmentos no dialeto
falado seja pela mudanccedila de traccedilo(s) ou seja pela de segmento(s)
6131 Despalatalizaccedilatildeo de [ʃ] e [ʒ]
Tratamos na seccedilatildeo 5115 do processo da reduccedilatildeo das palatais [ʎ] e [ɳ] que
tambeacutem se configura como um caso de despalatalizaccedilatildeo Todavia tal
classificaccedilatildeo se daacute devido ao fato de estaacute ligada agrave perda de elementos enquanto
a que trataremos agora se configura da permuta ou da reduccedilatildeo de traccedilos
185
Em Latundecirc a presenccedila das palatais [ʃ] e [tʃ] satildeo realizaccedilotildees de s Estas podem
vir em iniacutecio e em meio de palavras As realizaccedilotildees [ʃ] e [s] satildeo preferidas pelos
mais novos enquanto os mais velhos optam pela africada alveolo-palatal surda
Diferentemente no Portuguecircs falado por Latundecirc as realizaccedilotildees natildeo
palatalizadas satildeo preferidas Os Latundecirc natildeo transferem o segmento mais
marcado para o Portuguecircs Contudo conforme seccedilatildeo a seguir veremos que este
processo eacute variaacutevel e pode se dar em qualquer posiccedilatildeo do vocaacutebulo conforme
dados de (40)
(40) [sersquogo] chegou [sersquogamƱ] chegamos [sorsquoɾanƱ] chorando [sursquopaha] chupava [satildematildedƱ] chamando [dersquosaɾƱ] deixaram [casueɾƱ] cachoeira
[mersquosenƱ] mexendo [bisƱ] bicho [baso] baixo [debasƱ] debaixo [lsquopesƱ] peixe [dirsquoso] deixou
Natildeo consta no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc as consoantes z e ʒ de forma
que a liacutengua natildeo apresenta oposiccedilatildeo entre surda e sonora para as fricativas
sibilantes Em (41) o processo de despalatalizaccedilatildeo atinge a fricativa alveopalatal
vozeada que passa a se comportar como fricativa alveolar em iniacutecio de siacutelaba e
em meio de palavras
(41) [lizeɾƱ] ligeiro
186
[lsquolotildezɪ] longe [lsquosuzɪ] suja [lsquosuzu] sujo [azursquoda] ajudar [lsquozudia] judia [azersquota] ajeitar
A escolha do segmento menos marcado segue o que ocorreu com s a
realizaccedilatildeo desses segmentos satildeo adquiridos analogicamente e a presenccedila se daacute
no interior do vocaacutebulo Trata-se da reinterpretaccedilatildeo e acomodaccedilatildeo do segmento
Neste caso do menos marcado jaacute que ambos satildeo menos naturais em sua liacutengua
(WEINREICH 1953)
6132 Palatalizaccedilatildeo
A quantidade de sons palatais do Latundecirc natildeo corresponde aos do Portuguecircs
Em Latundecirc a palatalizaccedilatildeo eacute um processo foneacutetico que ocorre com o segmento
s e em incidecircncia extremamente escassa com t em ambientes que jaacute foram
postos no Capiacutetulo IV que trata deste sistema foneacutetico Eacute um processo bastante
variaacutevel tendo em vista a natildeo presenccedila desse segmento na subjacecircncia da
liacutengua Essa variaccedilatildeo ocorre marcadamente na fala dos mais velhos Os mais
jovens que adquiriram ambas as liacutenguas (Portuguecircs e Latundecirc)
simultaneamente produzem em menor proporccedilatildeo este processo
A africada [tʃ] eacute um segmento que tambeacutem apresenta uma realizaccedilatildeo altamente
variaacutevel provavelmente devido agrave histoacuteria interna da liacutengua conforme Telles
187
(2002 p85) No Latundecirc natildeo haacute diferenccedila entre a oposiccedilatildeo foneacutetica entre as
alveolares de um lado e as palatais e alveacuteolo-palatais de outro
Em (42) e (43) a palatalizaccedilatildeo atinge tanto a fricativa alveolar vozeada quanto a
desvozeada
(42) [ʃu rsquomiɾƱ] sumiram
[ lsquoʃi ma] cima
[ʃigursquoɾow] segurou
(43) [lsquoua] usa
[bursquoʒoɾƱ] Besouro
Em (44) e (45) a palatalizaccedilatildeo abrange as consoantes oclusivas alveolares que
se realizam como africadas alveolo-palatais podendo ocorrer em qualquer
posiccedilatildeo ou contexto da palavra
(44) [lsquoĩdƱ] iacutendio
[matildersquodɔga] mandioca
[ɛrsquoĩ] zezinho
[odʒɪ] hoje [tʃi rsquodʒeɾƱ] cinzeiro
Embora no Portuguecircs o processo de africativizaccedilatildeo de oclusivas alveolares [t d]
seja comum a alguns dialetos como o do Rio de Janeiro [lsquotʃia] e do portuguecircs
popular no Nordeste [lsquoojtʃƱ] sua ocorrecircncia eacute condicionada agrave contiguidade de uma
vogal anterior alta [i] Diferentemente em Latundecirc a palatalizaccedilatildeo e a
188
fricativizaccedilatildeo variam entre si e ocorrem tambeacutem com a fricativa alveolar s Este
processo pode ocorrer em qualquer lugar da palavra
(45) [tʃai] sair [tʃiɾi ga] seringa
[barsquotʃotilde] batom [tʃͻ] soacute [tʃumiɾƱ] sumiram
[tʃobɾo] sobrou
[arsquotʃi ] assim
[tʃubi nƱ] subindo
[pɔtʃa] porta
[rsquotʃua] suja
Os exemplos de (46) apontam para um processo secundaacuterio o fortalecimento
Neste caso a fricativa alveopalatal passa a ser pronunciada como africada
(46) [ tʃoɾatildenƱ] chorando [tʃama] chama [tʃega] chega [ tʃursquoveɾƱ] chuveiro [kaharsquopitʃƱ] carrapicho
No que tange agrave abordagem das palatais a variaccedilatildeo no processo de acomodaccedilatildeo
desses inventaacuterios fonoloacutegicos eacute muito grande A partir das incidecircncias
percebemos que no Portuguecircs resultante do contato a ocorrecircncia desses
segmentos complexos se mostra tambeacutem na mesma proporccedilatildeo
Diante da palatalizaccedilatildeo incluindo a africativizaccedilatildeo observamos que os dados
apresentam duas direccedilotildees quanto ao processo Nos mesmos contextos tanto
ocorre a despalatalizaccedilatildeo quanto a palatalizaccedilatildeo Essa variaccedilatildeo no portuguecircs dos
189
indiacutegenas eacute engatilhada pela ausecircncia do contraste szʃʒ em sua primeira
liacutengua
6133 Desvozeamento e vozeamento
Diferente do portuguecircs no Latundecirc natildeo haacute oposiccedilatildeo das oclusivas quanto agrave
sonoridade As consoantes oclusivas subjacentes satildeo as surdas bilabial alveolar
e velar p t e k respectivamente Sua realizaccedilatildeo sonora eacute condicionada pela
posiccedilatildeo na palavra pelo ambiente (contiguidade nasal) e pelo acento O
vozeamente obrigatoacuterio ocorre quando elas precedidas por consoante nasal na
coda da siacutelaba anterior O processo ocorre tanto no interior quanto em fronteiras
de morfemas (TELLES 2002 p135)
A ausecircncia do contraste surdo-sonoro nas consoantes oclusivas do Latundecirc afeta
a realizaccedilatildeo das consoantes no portuguecircs resultante do contato Na produccedilatildeo dos
indiacutegenas mais velhos (esse fenocircmeno natildeo foi observado na geraccedilatildeo mais
jovem) o processo de desvozeamento atinge as consoantes oclusivas sonoras g
d do portuguecircs conforme (47) e (48)
A realizaccedilatildeo sonora Latundecirc envolve o traccedilo laringal Foneticamente em fala
lenta haacute a realizaccedilatildeo de [d] como alofone de t Telles (2002 p 45) explica que
os falantes mais jovens da geraccedilatildeo poacutes-contato que adquiriram o Portuguecircs
simultaneamente ao Latundecirc neutralizaram o contraste entre sons realizando
preferencialmente o som menos marcado natildeo-implodido Diferentemente dos
mais novos os mais velhos preferem o som implosivo [ɗ]
190
Quanto ao segmento [g] o Latundecirc o tem enquanto alofone de [k] e pode ser
encontrado em iniacutecio de palavra quando em fala raacutepida Mostra-se categoacuterico em
meio de palavra quando diante de uma nasal lexical Em ambiente intervocaacutelico
pode-se encontrar a variaccedilatildeo entre [k] e [g] das quais eacute preferencial a realizaccedilatildeo
da vogal surda (idem p73) A falta do contraste no Latundecirc explica as
realizaccedilotildees de (47)
(47) [lsquobɾika] briga [lsquokoʃta] gosta [kɔviotilde] gaviatildeo
[katildersquoba] gambaacute
A ausecircncia do segmento [d] em Latundecirc eacute a responsaacutevel pela variaccedilatildeo e pela natildeo
realizaccedilatildeo dessa consoante que ocorre como oclusiva alveacuteolo-palatal t
(48) [tipoj] depois [se rsquotatu] sentado
(49) [hatildega] arranca
Em (49) diferentemente do processo de desvozeamento a oclusiva velar se
realiza como sonora A contiguidade nasal em posiccedilatildeo precedente condiciona o
vozeamente da oclusiva velar
Em todos os casos observados acima fica evidente a interferecircncia do Latundecirc no
portuguecircs indiacutegena As consoantes sonoras que satildeo mais marcadas
interliguisticamente por natildeo fonoloacutegicas no Latundecirc se tornam ainda mais
marcadas nessa liacutengua Na produccedilatildeo do portuguecircs os Latundecirc mais velhos
191
preservam a marcaccedilatildeo e apresentam uma realizaccedilatildeo com condicionamento
emprestado da liacutengua indiacutegena
6134 Abaixamento e Elevaccedilatildeo das Vogais Orais
No portuguecircs falado pelos Latundecirc os processos de abaixamento e elevaccedilatildeo
diferenciam-se dos contextos em que ocorrem no portuguecircs Os de elevaccedilatildeo satildeo
em maior nuacutemero que os de abaixamento fato este tambeacutem verificado no
portuguecircs falado pelos Latundecirc
No caso de (50) o uacutenico caso de abaixamento ocorre na vogal anterior nasal e
que passa a ser pronunciada como vogal baixa oral
(50) [asina] ensinar [asinatildenɪ] ensinando
Em (51) a elevaccedilatildeo ocorre com a vogal central baixa final que passa a alta
anterior
(51) [suzɪ] suja [kazɪ] causa [kazɪ] casa [li gɪ] liacutengua
[pɾersquogisɪ] preguiccedila
Assim como em (51) em (52) a elevaccedilatildeo da vogal final tambeacutem eacute realizada como
alta anterior No segundo caso natildeo se trata de elevaccedilatildeo mas de anteriorizaccedilatildeo
uma vez que a vogal meacutedia posterior que ocorre em nomes no portuguecircs eacute
realizada como alta posterior
192
(52) [li pɪ] limpo
[kotildemɪ] como [pɾeti] preto
[saɾatildepɪ] sarampo
[pɾimeɾɪ] primeiro
[morsquosegɪ] morcego [morsquohe dɪ] morrendo
[novɪ ] novo
[kursquoɳadɪ] cunhado [otɪ] outro [fikatildenɪ] ficando
A elevaccedilatildeo e posteriorizaccedilatildeo tambeacutem ocorrem no final dos vocaacutebulos como em
(53)
(53) [kabesƱ] cabeccedila [kanɛlƱ] canela
[mini nadƱ] mininada
[malaɾƱ] malaacuteria
[kursquoru Ʊ] coruja
Em (54) temos tambeacutem a posteriorizaccedilatildeo da alta anterior Assim como a meacutedia
posterior em (52) a meacutedia anterior no portuguecircs eacute amplamente produzida como
alta anterior de forma que o alccedilamento em si natildeo se configura como um
processo do portuguecircs do contato
(54) [hedƱ] rede [bastatildetƱ] bastante [pesƱ] peixe [notƱ] noite [febɾƱ] febre
193
Apesar de natildeo encontrarmos itens que mostrassem a sistematicidade do
condicionamento entre [i] e [u] em final de palavras os dados nos mostram que
haacute uma tendecircncia na base das realizaccedilotildees Os vocaacutebulos terminados em [Ʊ]
tendem a ser produzidos com [ɪ] e os terminados por [a] tendem a ser realizados
com [Ʊ]
Nos dados observados a variaccedilatildeo entre [i] e [Ʊ] soacute ocorre em final de vocaacutebulo
quando se trata da paragoge conforme visto nos exemplos (36) em 512
[harsquopazɪ] ~ [harsquopazʊ]
Os dados em (55) ilustram a falta de regularidade no alccedilamento das vogais
pretocircnicas Como vemos em [fuˈkatildemƱ] e [virsquome ] a tonicidade ou a contiguidade
segmental natildeo condiciona a elevaccedilatildeo da pretocircnica
(55) [pig ta] pergunta [piskosƱ] pescoccedilo [hirsquopotildedew] respondeu [pigu rsquotatildenɪ] perguntando
[dimorsquoɾo] demorou
[virsquome ] vermelho [dimursquoɾatildenɪ] demorando
[fuˈkatildemƱ] ficamos
[kuˈmiw] comeu
194
6135 Nasalizaccedilatildeo e Desnasalizaccedilatildeo
No Latundecirc a nasalidade vocaacutelica eacute contrastiva para a central baixa a anterior
alta e a posterior alta seguidas por consoante nasal tautossilaacutebica A nasalizaccedilatildeo
alofocircnica soacute ocorre com vogais aacutetonas Apesar de a organizaccedilatildeo do traccedilo nasal
na fonologia do Latundecirc ser distinta da do portuguecircs o status contrastivo do traccedilo
em ambas as liacutenguas favorece sua percepccedilatildeo e realizaccedilatildeo na produccedilatildeo na sala
no portuguecircs Entretanto a nasal depende tambeacutem de outros fenocircmenos
cooperantes
Os dados a seguir ilustram a ocorrecircncia da nasalizaccedilatildeo em vogais A
contiguidade da vogal com uma consoante nasal mesmo heterossilaacutebica pode
resultar na nasalizaccedilatildeo O primeiro dado abaixo foge do esperado em liacutengua
portuguesa e tampouco decorre de uma interferecircncia do Latundecirc
(56) [mersquoatilde] meia [bɾĩrsquogatildenƱ] brigando [ʃu miɾƱ] sumiram
[mi mƱ] mesmo
Em (57) ocorre a desnasalizaccedilatildeo em palavras funcionais Esses casos natildeo satildeo
frequentes no leacutexico e natildeo podem ser analisados como resultados de interferecircncia
direta O apagamento da nasal em coda ou em onset seguinte impede a
nasalizaccedilatildeo
(57) [nɪ] nem (natildeo) [mia] minha
195
6136 Fenocircmenos evolvendo os roacuteticos
O tratamento do roacutetico requer uma consideraccedilatildeo sobre o seu comportamento
interlinguiacutestico Retomando as palavras de Bonet e Mascaroacute (1997 p 103)
It is well know that the phonetic realization of rhotics varies considerably from language to language even from dialect to dialect Rhotics can be realized as flaps taps trills (uvular coronal ou bilabial) or as assibilated or fricative variants They ca alternate with a lateral liquid with glides and in some cases a flap can occur as the phonetic realization of a coronal stop in specific environments
Os roacuteticos satildeo segmentos que apresentam uma grande variaccedilatildeo no portuguecircs
Natildeo diferentemente estes elementos tambeacutem se mostraram como motivadores
de vaacuterios processos fonoloacutegicos do portuguecircs falado pelos Latundecirc
Os exemplos dispostos em (58) apontam para a aspiraccedilatildeo do R em coda
silaacutebica Processo este que eacute comum a variedades do portuguecircs e que tambeacutem
no caso em tela pode ser motivado pela preferecircncia de natildeo coda da liacutengua
Latundecirc que favorece o seu enfraquecimento atraveacutes de uma realizaccedilatildeo fricativa
glotal
(58) [duhmɪ] Dormi [mɛgursquola] mergulhar
[fosa] Forsa
O rotacismo eacute um fenocircmeno presente no portuguecircs dos Latundecirc especialmente
entre os mais velhos Fonemas distintos podem sofrer o processo Em (59) a
realizaccedilatildeo do flap tem na base uma sibilante uma lateral palatal e uma oclusiva
196
alveolar Em ldquotrabalhavardquo a lateral palatal inexistente no Latundecirc poderia ser
subtituida pela lateral alveolar constante do inventaacuterio da liacutengua indiacutegena
Entretanto o flap apesar de natildeo fonoloacutegico no Latundecirc eacute um segmento muito
frequente na liacutengua decorrente de processo de enfraquecimento Essa tendecircncia
do Latundecirc pode estar na base da realizaccedilatildeo do portuguecircs Dentre as ocorrecircncias
abaixo a uacuteltima se coloca como um processo frequente no proacuteprio Latundecirc no
qual uma oclusiva passa a flap em ambiente intervocaacutelico
(59) [karsquoboɾe] acabou-se
[tabaɾava] trabalhava
[poɾɪ] pode
Em Portuguecircs particularmente falado por sujeitos menos escolarizados o
fenocircmeno do rotacismo tambeacutem eacute frequente em encontros consonantais
tautossilaacutebicos em que a segunda consoante eacute a lateral alveolar l Dessa forma
produccedilatildeo encontrada em (60) pode ser devido ao contato com o Portuguecircs local
(60) [pɾatildeta] planta
[gɾɛba] gleba
[fɾɛsa] flecha
Em termos da organizaccedilatildeo da fonologia de ambas as liacutenguas os dados em (60)
assim como aqueles em (59) podem ser refletidos a partir da escala de
sonoridade proposta por Bonet e Mascaroacute (1997 p 109)
197
Quadro 21 Escala de Sonoridade adaptada de Bonet e Mascaroacute 1997 p 109)
0 1 2 3 4
Obstruintes
(oclusivas
fricativas trill)
nasais laterais glides
flap
vogais
Considerando a posiccedilatildeo do flap na escala de Bonet e Mascaroacute podemos
interpretar tanto o rotacimo no portuguecircs natildeo padratildeo quanto aquele presente no
Latundecirc como resultado de enfraquecimento de diferentes segmentos situados
mais agrave esquerda no ranking de sonoridade Entre esses segmentos como
observamos na escala acima encontra-se a proacutepria lateral alveolar que apesar
de tradicionalmente formar a classe das liacutequidas ao lado dos roacuteticos natildeo
apresenta a mesma sonoridade que o flap
6137 Labializaccedilatildeo e Deslabializaccedilatildeo
No Portuguecircs falado pelos Latundecirc os processos que envolvem articulaccedilatildeo
secundaacuteria especificamente a labializaccedilatildeo e a deslabializaccedilatildeo estatildeo
relacionados agraves consoantes oclusivas velares e se realizam praticamente nos
mesmos contextos Trata-se de um processo foneacutetico variaacutevel
(61) [kƱɪ] que [kƱelɪ] com ele (62) [kazɪ] quase [katildedƱ] quando
198
[karsquokƱɛ] qualquer
[li gɪ] liacutengua
No Latundecirc a labializaccedilatildeo pode ser derivada de processo mas eacute restrita em
ocorrecircncia Aleacutem disso a sequecircncia da olusiva seguida do glide formando
encontro consonantal tambeacutem natildeo faz parte da fonologia do Latundecirc Esses fatos
favorecem a produccedilatildeo irregular do portuguecircs em que observamos a
deslabializaccedilatildeo (ou o apagamento do glide) como em (62) e a labializaccedilatildeo (ou
inserccedilatildeo do glide) em (61)
6138 Metaacutetese
A alternacircncia de segmentos no portuguecircs falado pelos Latundecirc pode ocorrer
entres siacutelabas diferentes ou entre elementos da mesma siacutelaba Aleacutem disso
ocorre nas duas direccedilotildees (da esquerda para a direita e da direita para a
esquerda)
(63) [bahiƱ] bairro [fɾevenƱ] fervendo [parsquoguo] apagou
Como vemos acima no primeiro dado de (63) ocorre natildeo apenas a metaacutetese
como tambeacutem o avanccedilo do acento resultando numa palavra oxiacutetona Nos demais
dados a tranposiccedilatildeo segmental natildeo interfere na estrutura suprassegmental O
segundo dado de ldquofervendordquo eacute tiacutepico do portuguecircs e pode decorrer da variedade
de contato sobretudo pelo fato de o onset complexo natildeo fazer parte da liacutengua
indiacutegena Em ldquoapaguordquo a metaacutetese resulta na labializaccedilatildeo da oclusiva velar Essa
199
forma de palavra tem como realizaccedilatildeo foneacutetica frequente mesmo no portuguecircs
nativo a monotongaccedilatildeo Nesse caso a metaacutetese resulta de processo irregular e
pontual nos dados observados
Como vimos nas seccedilotildees anteriores os resultados da metaacutetese natildeo correspondem
a estruturas fonoloacutegicas no Latundecirc sendo sua ocorrecircncia derivada de processo
foneacutetico sem condicionamento prosoacutedico
6139 Siacutestole
Alguns casos de siacutestole em que ocorre o recuo do acento foram encontrados na
fala dos mais velhos Natildeo identificamos contexto linguiacutestico como o
sequenciamento focircnico do enunciado fonoloacutegico que justificasse essas
realizaccedilotildees Considerando o fato de a produccedilatildeo ter sido encontrada apenas na
fala da geraccedilatildeo mais velha e de o acento lexial no Latundecirc ser morfoloacutegico
ancorado em uma das duas promeiras siacutelabas da raiz da palavra (TELLES 2002)
eacute plausiacutevel supor uma interferecircncia do padratildeo acentual da liacutengua indiacutegena no
portuguecircs dos Latundecirc Os dados em (64) evidencia o recuo do acento
(64) [mɔhe] morrer
[kalo] calor [katɪ] quati [pega] pegar
Nos dados acima importa considerar tambeacutem o fato de se tratarem de itens
nominais (incluindo as formas nominais dos verbos) Diante disso uma analogia
possiacutevel dos Latundecirc seria a de considerar a raiz monossilaacutebica que eacute altamente
200
produtiva na liacutengua indiacutegena o que tambeacutem justificaria o acento na primeira
siacutelaba da palavra
61310 Fortalecimento
Casos de fortalecimento jaacute foram abordados nas seccedilotildees anteriores em que
tratamos da palatalizaccedilatildeo e da dessonorizaccedilatildeo Nesta seccedilatildeo outro fenocircmeno de
fortalecimento eacute apresentado no qual ocorre a oclusivizaccedilatildeo de fricativas
Salientamos entretanto que essas foram realizaccedilotildees mais esporaacutedicas e menos
recorrentes que as demais
(65) [istubidƱ] subindo [tiguɾa] segura
[torsquoteɾƱ] solteiro
[batitaɾƱ] batizaram
O processo ocorre no iniacutecio e em meio de palavra No primeiro dado em fato haacute
uma epecircntese da oclusiva alveolar surda [t] tendo em vista a preservaccedilatildeo de uma
sutil sibilaccedilatildeo do s em coda da siacutelaba precedente
Na fonologia do Latundecirc o fonema s tem como alofone o fone [t] que ocorre em
siacutelaba aacutetona (TELLES 2002) Embora essa natildeo seja a realizaccedilatildeo mais frequente
a interferecircncia do Latundecirc natildeo pode ser desconsiderada Em todos os dados de
(65) haacute a presenccedila de segmento oclusivo em siacutelaba contiacutegua que tambeacutem pode
ter motivado o fortalecimento do s
201
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
No que concerne agraves poliacuteticas linguiacutesticas diante do glotociacutedio que tem se
instaurado no Brasil desde a chegada dos portugueses dado o estado em que se
encontram as liacutenguas indiacutegenas brasileiras eacute de grande valia qualquer estudo
que vise agrave contribuiccedilatildeo e que favoreccedila natildeo soacute a proteccedilatildeo como o conhecimento
cientiacutefico dessas liacutenguas
O Latundecirc como jaacute mencionamos eacute uma dessas liacutenguas minoritaacuterias Ela se
encontra em extinccedilatildeo uma vez que hoje dispotildee de menos de 20 falantes com
autonomia poliacutetica Devido agrave populaccedilatildeo restrita e agraves relaccedilotildees tradicionais de
parentesco os jovens Latundecirc natildeo podem coabitar entre si de forma que a
interaccedilatildeo com o mundo externo eacute a via de perpetuaccedilatildeo social e ao mesmo
tempo de crescente e natildeo planejado contato linguiacutestico Tais circunstacircncias
implicam a urgecircncia de mais estudos sobre a realidade desse povo
Entedemos que estudar as liacutenguas menos conhecidas eacute de grande valia para o
incremento da ciecircncia linguiacutestica A investigaccedilatildeo de cada nova liacutengua eacute uma
maneira de conceber a linguagem humana e de contribuir dessa forma com os
universais linguiacutesticos e com o entendimento da faculdade humana da linguagem
(CAcircMARA-JR 1977 p6)
Seja entre si ou em contato com outras estas liacutenguas natildeo estatildeo (ou natildeo
estiveram) suficientemente isoladas para evitar algum tipo de proximidade
Thurston (1987 p 165) propaga que toda liacutengua deve ter sofrido alguma
202
influecircncia de seus vizinhos em um determinado ponto e tempo Todos os idiomas
satildeo portanto liacutenguas mistas na medida em que todos copiaram formas lexicais e
outros recursos linguiacutesticos de liacutenguas vizinhas
Thomason (2001 p 17) afirma que o contato linguiacutestico estaacute em toda a parte
muitos paiacuteses tecircm mais do que uma liacutengua oficial e muito provavelmente a maior
parte da populaccedilatildeo mundial fala duas ou mais liacutenguas
Contudo mesmo em grande quantidade os estudos que se encarregam da
observaccedilatildeo do contato linguiacutestico se debruccedilam ainda timidamente nos aspectos
foneacuteticos Com base nesta assertiva este trabalho se propocircs a observar como se
daacute o comportamento entre o Portuguecircs e o Latundecirc a partir da verificaccedilatildeo dos
padrotildees mais e menos marcados nos processos foneacuteticos de acomodaccedilatildeo Eacute um
estudo descritivo em que o Portuguecircs eacute a segunda liacutengua mesmo em face de seu
caraacuteter nacional Essa pluralidade linguiacutestica ainda existente no paiacutes demanda a
concretizaccedilatildeo das poliacuteticas a favor da salvaguarda da diversidade no planeta
Posto que toda liacutengua sofra influecircncia das forccedilas internas e externas que agem
sobre ela partimos do pressuposto de que em qualquer pesquisa linguiacutestica natildeo
encontraremos nada de extraordinaacuterio nada que exceda a experiecircncia do
humano Dessa sorte vamos encontrar () uma estrutura linguiacutestica como
qualquer outra e em muita coisa ateacute possivelmente semelhante agrave nossa
(MATTOSO CAcircMARA-JR 1977 p7)
E quando sistemas entram em contado fenocircmenos emergentes podem ajudar a
esclarecer os princiacutepios e as restriccedilotildees que regem as liacutenguas particulares Com
base na complexidade e na riqueza que advecircm do contato linguiacutestico analisamos
203
estas forccedilas conflitantes com base nos princiacutepios de hierarquizaccedilatildeo e
regularidade que satildeo forccedilas motrizes da marcaccedilatildeo nos processos foneacuteticos Aleacutem
do fator tempo outros aspectos podem estar diretamente ligados agraves
transformaccedilotildees pelas quais uma liacutengua passa como relaccedilotildees de poder
influecircncias de outras liacutenguas subjetividade de seus falantes etc
A marcaccedilatildeo estaacute diretamente ligada agrave simetria frequecircncia e naturalidade
Entretanto Rice (2007) apresenta as caracteriacutesticas da marcaccedilatildeo agrupando-as
em dois conjuntos O primeiro envolve os termos relativos a uma marcaccedilatildeo
considerada natural ou pautada na frequecircncia e diz respeito em larga medida a
ldquophonetic basis of an oppositionrdquo Nele se encontram oposiccedilatildeo como ldquomais ou
menos naturalrdquo ldquomais ou menos complexordquo ldquomais ou menos estaacutevelrdquo ldquosujeito agrave
aquisiccedilatildeo mais ou menos tardiardquo etc (Rice 2007 p 81) O segundo grupo eacute
relativo a comportamentos de sistemas fonoloacutegicos como ser ldquosujeito ou
resultado de neutralizaccedilatildeordquo ldquoser gatilho ou alvo de assimilaccedilatildeordquo Esse grupo
portanto diz respeito agrave marcaccedilatildeo fonoloacutegica ou estrutural
No que diz respeito agrave anaacutelise dos dados quanto aos processos foneacuteticos
percebemos em nosso estudo que
Ainda que com algumas restriccedilotildees a tendecircncia agrave monotongaccedilatildeo eacute
transferida para o Portuguecircs falado por Latundecirc [satildersquogɾaɾi] ldquosangraramrdquo
[kaze] ldquocausardquo
Mesmo em variaccedilatildeo a reduccedilatildeo do onset complexo eacute transferida para o
Portuguecircs seguindo a tendecircncia que o Latundecirc tem de evitar esse tipo de
sequecircncia [bĩ katildenƱ] ldquobrincandordquo [kɛbaɾƱ] ldquoquebraramrdquo
204
O preenchimento da coda eacute evitado pelo Latundecirc processo esse que
tambeacutem eacute atestado no Portuguecircs falado por Latundecirc [pi gũta] ldquoperguntardquo
[gorsquotozƱ] ldquogostosordquo
As consoantes ɲ e ʎ mais marcadas interlinguisticamente tambeacutem o
satildeo no Latundecirc que natildeo os tecircm no seu inventaacuterio fonoloacutegico Como
resultado esses segmentos natildeo satildeo produzidos no Portuguecircs falado pelos
Latundecirc Alternativamente ocorre a substituiccedilatildeo desses fonemas por
segmentos articulatoriamente mais proacuteximos ou o seu apagamento [vimej]
ldquovermelhordquo [fila] ldquofilhardquo [farsquokĩ] ldquofaquinhardquo
A reduccedilatildeo silaacutebica eacute atuante tambeacutem atraveacutes da afeacuterese Como natildeo consta
no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc a presenccedila da fricativa alveolar surda
em posiccedilatildeo de coda essa restriccedilatildeo eacute transferida para o portuguecircs dos
Latundecirc que tambeacutem evita vocaacutebulos com mais de trecircs siacutelabas [kutatildeni]
ldquoescutandordquo [bɾa sadƱ] ldquoabraccediladordquo [fiɾ tɪ] ldquodiferenterdquo
O Latundecirc evita o onset em final de palavra adicionando uma vogal para
reorganizar o padratildeo silaacutebico A vogal mais frequente seraacute a alta anterior
[i] [harsquopazɪ] ldquorapazrdquo [dorsquosejzɪ] ldquode vocecircsrdquo
Os sons [ʃ] [ʒ] [tʃ] e [dʒ] satildeo evitados por natildeo fazerem parte do inventaacuterio
fonoloacutegico do Latundecirc de forma que a sua realizaccedilatildeo eacute mais marcada na
liacutengua O comportamento desses segmentos eacute muito variaacutevel Nos mais
jovens satildeo realizados com mais frequecircncia e nos mais velhos satildeo
reinterpretados envolvendo processos diversos [sersquogamƱ] ldquochegamosrdquo
205
[dersquosaɾƱ] ldquodeixaramrdquo [lizeɾƱ] ldquoligeirordquo [azersquota] ldquoajeitarrdquo [ʃũrsquomiɾƱ] ldquosumiramrdquo
[bursquoʒoɾƱ] ldquobesourordquo [tʃĩrsquodʒeɾƱ] ldquocinzeirordquo
A ausecircncia do contraste surdo-sonoro nas consoantes oclusivas t e k do
Latundecirc promove sua neutralizaccedilatildeo na realizaccedilatildeo das consoantes no
portuguecircs dos indiacutegenas [lsquobɾika] ~ [lsquobriga] ldquobrigardquo [s rsquotatu] ~ [se rsquotado]
ldquosentadordquo
No que tange ao comportamento das vogais meacutedias postocircnicas os
vocaacutebulos terminados em [Ʊ] tendem a ser produzidos com [ɪ] e os
terminados por [a] tendem a ser realizados com [Ʊ] que satildeo vogais menos
marcadas [kazɪ] ldquocausardquo [ lĩpɪ] ldquolimpordquo [ka besƱ] ldquocabeccedilardquo [bas tatildetƱ]
ldquobastanterdquo
A partir dos fenocircmenos observados buscamos responder agraves perguntas
norteadoras da nossa pesquisa abaixo retomadas
Fatores internos (linguiacutesticos) e externos (estruturais) interagem com os
princiacutepios da marcaccedilatildeo
Resposta Quanto aos fatores externos no que diz respeito agrave faixa etaacuteria
os mais jovens tendem a natildeo transferir os padrotildees mais marcados da sua
liacutengua para a liacutengua adquirida Em contrapartida os mais velhos
reproduzem com menor frequecircncia os padrotildees mais marcados do
Portuguecircs (liacutengua dominante)
Qual o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
206
Resposta A marcaccedilatildeo considerada natural responde pela escolha de
padrotildees mais ou menos marcados interlinguisticamente Por essa razatildeo
prevalece a tendecircncia agrave siacutelaba CV do que decorre o apagamento da coda e
a simplificaccedilatildeo de onset complexo De outro lado haacute o natildeo repasse da
laringalizaccedilatildeo vocaacutelica que mesmo fonoloacutegica no Latunecirc eacute menos natural
e mais marcada nas liacutenguas do mundo A marcaccedilatildeo fonoloacutegica eacute
observada na neutralizaccedilatildeo de oposiccedilotildees vaacutelidas no portuguecircs poreacutem
inexitentes na liacutengua indiacutegena como o contraste quanto agrave sonoridade nas
oclusivas e agrave escolha da vogal em posiccedilatildeo final de nomes
Efetivamente um aspecto da marcaccedilatildeo natural pode responder pelo
comportamento da marcaccedilatildeo fonoloacutegica de maneira que natildeo satildeo
caracteriacutesticas de marcaccedilatildeo oponentes entre si No caso em estudo as
duas marcaccedilotildees operam mas natildeo respondem por todos os fenocircmenos
observados Aleacutem disso o caraacuteter altamente variaacutevel das realizaccedilotildees e as
condicionantes sociais dos falantes datildeo chance para a emergecircncia de
processos mais decorrentes da falha na percepccedilatildeo do sinal sem que se
estabeleccedila a regularidade na sua produccedilatildeo
Os traccedilos mais marcados da liacutengua dominada passam para a dominante
Resposta Em alguns caso sim como a africativizaccedilatildeo do s Em outros
natildeo como o natildeo repasse da larinzalizaccedilatildeo vocaacutelica e a oposinccedilatildeo entre
vogais orais e nasais
Ademais em face dos fenocircmenos observados podemos pontuar algums
aspectos relevantes os processos que envolvem perda e permuta de segmentos
satildeo mais frequentes dos que os que envolvem ganho de segmento os segmentos
207
natildeo presentes no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc (liacutengua originaacuteria) tendem a
ser apagados ou reinterpretados pelo segmento mais proacuteximo do portuguecircs
sendo este uacuteltimo o mais frequente os traccedilos mais marcados do Latundecirc estatildeo
mais evidentes nas falas da geraccedilatildeo preacute-contato e a marcaccedilatildeo natildeo estaacute
condicionada apenas aos universais linguiacutesticos mas agraves especificidades das
liacutenguas
Por fim salientamos que o nosso propoacutesito neste estudo foi o de contribuir para a
descriccedilatildeo de liacutenguas incluindo as indiacutegenas e de abrir caminhos para o estudo
do contato linguiacutestico especialmente em niacutevel da foneacutetica e da fonologia
Ressaltamos que este trabalho natildeo encerra o estudo sobre o contato entre as
duas liacutenguas Reconhecemos que os nossos resultados representam um ponto de
partida para investigaccedilotildees posteriores as quais poderatildeo expandir o tema e
avanccedilar no campo da inter-relaccedilatildeo entre contato linguiacutestico e a marcaccedilatildeo
208
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ANEXOS
(Dados Transcritos)
parsquoguo Apagou marsquoma Mamar pegũrsquotatildenu Perguntando barsquoʃo Vassoura rsquokɔsa Coccedilar
marsquoduu Mais duro
rsquokati Quati
arsquoh ti A gente rsquootu Outro irsquoarsquov j E jaacute vem v rsquone ni Veneno pɛgũrsquoto Perguntou rsquofoʃ Foi pɾatildersquoto Plantou rsquosuzu Sujo karsquobeli Cabelo gursquoduɾu Gordura rsquootildemi Homem rsquogodu Gordo rsquopega Pegar dersquotadu Deitado
marsquotau Mataram
korsquokin Coquinho guɾirsquozĩ Gurizinho rsquotakorsquosotildenu Taacute com sono (manutenccedilatildeo) mũdi Mundo ʃursquov ni Chovendo pigũrsquota ni Perguntando sursquov ni Chovendo rsquopɔtʃa Porta kursquomigi Comigo kũversquosatildeni Conversando larsquovatildeni Lavando morsquoh di Morrendo ikursquotatildenu Escutando mursquohidu Morrido marsquohadu Amarrado irsquokutu Escuto
persquohu torsquose Pergunto a vocecirc
rsquoseja Cheia rsquoozi Hoje
rsquoʃuʊ Sujo
222
ursquozotursquopatildejrsquoagʊa Os outros apanham aacutegua
rsquotʃua Suja
bu rsquonitu Bonito
rsquokɛla Aquela
rsquomu tu Muito
vehrsquomejo Vermelho rsquomasu Manso marsquosatildedu Amansando arsquoɾisi Arisco hursquoo Avoou rsquoaga Aacutegua
rsquode tu Dentro
rsquomu tu Muito
rsquotud Tudo irsquopia Espirra isrsquopritu Espiacuterito
rsquofɔti Forte
timirsquotɛi Cemiteacuterio
tɛrsquoha Enterrar
ɔʊrsquoa Jogar (o bicho fora)
tersquoou Enterrou rsquoela Ela matildersquodatilden Mandando batorsquose Bater em vocecirc rsquotokursquotatildenu Tocirc escutando rsquobatildej Banho bɾab Brabo
rsquosɛtu Certo
Kabirsquosela Cabeceira (do rio)
karsquosi bu Cachimbo
tʃursquoveɾu Chuveiro (pau de) rsquoleti Leite rsquofutu Fruto karsquoɾoʃi Caroccedilo kaharsquopitʃu Carrapicho rsquokɾu Crua rsquomasu Massa
pe rsquoʃa Pensar
ojrsquoatildedu Olhando (idem)
pe rsquoʃatilden
Pensando
i te rsquode nu Entendendo
223
irsquokuta Escuta
kwatildedu ew piki nĩnĩ Quando eu era pequenininha
ew bĩrsquokava rorsquodeɾa cũ a lɔrsquoɾĩne
Eu brincava de roda com a Lorine
katildendu pi ĩ
Quando piin
ew tatildebȇĩ cũ a lorsquoɾine
Eu tambeacutem com a Lorine
i lsquoluɾi ku a marsquoɾi
E Lurdes com a Mariacute
mĩa matildey natildew deʃa bɾĩrsquoka
Minha matildee natildeo deixava brincar
eli bɾika corsquomigu
Ela brigava comigo
e koʃta brinrsquoka ni lsquoKotildepu E gostava de brincar no campo
mĩa matildej natildew deʃa bɾĩka Minha matildee natildeo deixava brincar
ersquoli tatildebe j diskuti Ela tambeacutem discutia
tatildebej kɾiatildesa natildew paɾa lsquonɛ Tambeacutem crianccedila natildeo para neacute
fika bahaka bɾĩkatildeni lsquonɛ Fica na barraca brincando neacute
fika gɾitatildeni Fica gritando
a mĩa matilde matildedava bɾĩka lotildeʒi A minha matildee mandava brincar longe
natildew kɛ ve baɾuj na bahaka natildew Natildeo quer ver barulho na barraca natildeo
ki falatildenu O que eu tocirc falando
ki lsquota bɾĩganu nu katildepu Que eu tava brincando no campo
a fruta kirsquoli cotildepi nɛ
A fruta que ele come neacute
kinotildemi di fɾuta Que nome de fruta
akeli iogrii nɛ
Aquele neacute
nɔy sursquopaha lsquo deli Noacutes chupava dele
so eli komenu fɾuta Soacute ali comendo fruta
noj fike mu arsquotɛ ʃersquoga meatilde note
sersquoga
Noacutes ficamos ateacute a meia noite chegar
mĩa matildej bɾiga kumigu Minha matildee brigava comigo
224
tava se ew levatildeta sedu se ew levatildeta sedu
Estava ʔ
va la nu katildepu bɾĩrsquoka Vaacute laacute no campo brincar
u katildepu lsquota satildematildedu orsquosejs O campo taacute chamando vocecircs
noj levatildersquota pɾa bɾĩrsquoka nu kotildepu Noacutes levantaacutevamos para brincar no campo
o katildepu ɛ u maj limpi O campo eacute o mais limpo
eli bɾĩkaru eli istubidu Eles brincaram eles subiram
ɛ ke katildepu num ɛ awto katildepu mũto
baso
Eacute que o campo natildeo eacute alto O campo eacute muito baixo
nɔj sersquogamu bersquobe nu i corsquome nu Noacutes chegamos bebendo e comendo
miu asadu batata e bebe nu
Milho assado batata e bebendo
ew nũm fikej ew bɾĩkava dinoti Eu natildeo fiquei eu brincava de noite
mĩa matildej natildew desa duhmi mĩa matildej bɾiga kumigo
Minha matildee natildeo deixa dormir minha matildee briga comigo
mĩa paj farsquolo sej dumi sedu se pikaɾu cobɾa Kotildemu ki darsquoi
Meu pai falou vocecircs durmam cedo se cobra picar e daiacute
vai sarsquoɾa ou vai a mɔhe Vai sarar ou vai morrer
mĩa paj bɾĩkow diskuti dele natildew Meu pai brigou porque eu natildeo escutava ele natildeo
dohmi amatildersquoɳatilde sedu vorsquose bɾĩrsquoka corsquome mũĩtu fɾuta
Dorme amanhatilde cedo vocecirc vai brincar comer muito fruto
mĩa paj natildew desa ew bɾĩka natildew Meu pai natildeo deixava eu brincar natildeo
natildew icuti dele natildew Natildeo escutei ele natildeo
cɾiatildesa icursquoto crianccedila escutou
iheni fala icursquoto ɛ A gente fala escutou eacute (a gente fala e ela ndash a crianccedila ndash escutou eacute
ni batia natilde mi batia na Natildeo batia natildeo me batia maj eli nũ sabe barsquotih Mas ele natildeo sabia bater
225
falava di bɾabu mihmu Falava bravo mesmo
matildeda agwa matildedƷɔga Mandava buscar aacutegua buscar mandioca
asa biƷu kome Assar beiju comer
nĩ tĩ aacutegua pɾa eli natildew Natildeo tinha aacutegua pra ele natildeo
mĩa matildej natildeo desa ew vĩrsquoga Minha matildee natildeo deixava eu brincar
mĩa povu
Meu povo
bĩ botilde natildew Bem bom natildeo
esi aki bisu bɾabu Esse aqui bicho brabo
mĩa povu matatildedu nosu tudo Meu povo matando o nosso tudo
e ki nomi dee ɛ E que o nome dele eacute
nũ pe rsquosa nisu aki la Natildeo pensar nisso aqui laacute
mĩa matildee falo natildew podi bɾĩka de tu
dagwa notilde
Minha matildee falou natildeo pode brincar dentro drsquoaacutegua natildeo
agwa e mũitu peɾigoso A aacutegua eacute muito perigoso
ĩdƷu vĩ i mata tudĩ nũ iscapa ũ notilde Iacutendio veio e matar tudinho natildeo escapa um natildeo
distotildena kohpu sɔ leva sɔ cabesu Destrona corpo soacute leva soacute a cabeccedila
isu aki nũ ɛ mĩa pare ti notilde Isso aqui natildeo eacute meu parente natildeo
io mimu Eu mesma
nĩge j notilde sabi Ningueacutem natildeo sabe
esi ki ĩdiu moɾava ki i uvi Esse aqui iacutendio morava aqui e ouvi
kɛbaɾu asĩ levo di Quebraram assim levou de Alternacircncia de coacutedigo
demorsquoɾo i ew sersquoge tame j Demorou e eu cheguei tambeacutem
Komi ki rapaɾi kebɾo
Como eacute que o rapaz morreu
226
ai fala pɾa eli nɛ isu ku hapazu Aiacute falou pra ele neacute Isso com o rapaz
eli moɾa debasu di paw nɛ Ele morava debaixo de pau neacute
ve tu dehubo caiw cima deli na
hedu
Vento derrubou caiu em cima dele na rede
sɔ o paj deli capow Soacute o pai dele escapou
vose da mujɛ notilde Vocecirc da mulher natildeo
akeli povu deli mĩ mata todo mĩa povu
Aquele povo dele mata todo meu povo
ĩ via pɾetu Em Veado Preto
paɾEsi kũ ƷEƷĩ Parece com Zezinho
ew moɾa hũtu aki Eu moro junto daqui
keli otɾu Aquele outro
patɾaj iɾe boɾa Para traz ir embora
ai dimorsquoɾo Aiacute demorou
sersquogo Chegou
keli cahĩ sersquogo Aquele Carlinhos chegou
sarsquoi hora orsquoʎa Saiacute fora pra olhar
arsquoi farsquolo dersquosaɾu Aiacute falou deixaram
ota lĩgwa difire ti Outra liacutengua diferente
ta sorsquoɾanu Taacute chorando
ta bĩbotilde natildew Taacute bem bom natildeo
fika tʃorsquoɾatildenu Fica chorando
mĩa pare ti desaɾu mĩa mursquoje Meus parentes deixaram minha mulher
te j bastatildeti Tem bastante
pigũta pa eli Pergunta pra ele
227
maselu kwidava Marcelo cuidava
oti tipu Outro tipo
kotildevɛsa deli nũte di notilde A conversa dele natildeo entendo natildeo
komu ki fala fire ti Como eacute que fala diferente (afeacuterese)
na kohpu uƷa No corpo usa
lizeɾu Ligeiro
tʃarsquoma eli Chamar ele
matildersquodo sabotilde pa eli Mandou sabatildeo pra ele
abɾiw pota Abriu a porta
lava motilde lava pɛ lava bɾasu Lavei a matildeo lavei o peacute lavei o braccedilo
ai ew fikej oiatildenu ai Aiacute eu fiquei olhando aiacute
fikej na pota oiatildenu cutatildeni Eu fiquei na porta olhando
nũ capa niũ Natildeo escapa nenhum
marsquoto cota piskosu Matou e cortou o pescoccedilo
kabesĩn Cabecinha
cusivi kimigu Inclusive comigo
batildeku busa sĩ Branco blusa assim
kursquomiɾu a karsquobesa da lsquoge ti Comeram a cabeccedila da gente
ũ nũ firsquokaɾi Um natildeo ficou
otirsquoĩdʒu Outro iacutendio
ʒũrsquotaɾu Juntaram
bɾirsquogamu pɾa eli Explicamos pra ele
ɔto dii ele vorsquoto dinovu Outro dia ele voltou de novo
ew sarsquoi hora Eu saiacute fora
otoɾapaj cursquoto Outro rapaz escutou
228
oʎa lotildezi Olhou longe
ew lsquoho
Eu vou
desa notilde Deixava natildeo
kuta baɾuj Escuta barulho
marsquoto tudi noɔɾa Matou tudo na hora
sɔ cabesu levo kumew Soacute a cabeccedila levou e comeu
mi a matildej cu tava Minha matildee contava
agwa tupiw tudo A aacutegua entupiu
agwa be j pɾeti mehmu Aacutegua bem preta mesmo
agwa suzi Aacutegua suja
pɾimiɾu kanɛlu Primeiro canela
i totilde paɾi Entatildeo eu parei
nu sarsquobi Natildeo sabia
pɾimeɾu u tigu Primeiro antigo
bastatildetu
Bastante
bastatildetu Bastante
todu tiɾatildenu levatildenu Tudo tirando levando
rsquokaze disu ficaɾu Por causa disso ficaram
tu kɾiatildesa Tudo crianccedila
lersquova todu mini nadu Levar toda meninada
eli mi tinu Ele mentindo
kotildemu orsquose pɾatildeta mu ito Como vocecirc planta muito (rotacismo)
nɔj kume nu aki Noacutes comendo aqui
nɔj seskɛse nu fukamu Noacutes nos esquecemos e ficamos
a noti marsquotaɾu tudu Agrave noite mataram tudo
229
eli sego gatildersquono Ele chegou enganou
kotildemiɾu Comeram
eli kotildersquoto soɾatildeni Ele contou chorando
ke j kwi kiɾo Quem que tirou
mi da mi a filu Me daacute meu filho
sɔ u ki karsquopo Soacute um que escapou
kɾirsquoa na kolu Criar no colo
vi de la u motildeti di he ti Veio de laacute um monte de gente
ew tatildebe j gotava
Eu tambeacutem gostava
na kɔba no basu
Na cobra no braccedilo
bisi u Bichinho
kabeseɾa pɛtu Cabeceira perto
mɔɾa pa basu Mora pra baixo
dirsquofisu marsquota Difiacutecil matar
sɔ bisotilde Soacute bichatildeo
ɛ h~undo Eacute fundo
pohku Porco
fɾɛsa Flecha
mi a matildej falaɾu Minha matildee falou
mi a matildej fikaɾu Minha matildee ficaram (ficou)
pɾimi mehmi Primo mesmo
tatɾa paj tambe j Trata pai tambeacutem
mi atilde ihmatilde maj vɛj Minha irmatilde mais velha
tu tia vɛj ta i Tua tia velha ta aiacute
tɾata gwau gwau ahe ti Trata igual igual a gente
230
halu hɛlarsquodo Ralo ralador
basoɾa ipi Vassoura espinho
fakotilde kotaɾu Facatildeo cortaram
hɛla matildersquodʒɔka Rala mandioca
ai dipoj Aiacute depois
ku faki pike nu Com faquinha pequena
hɛla tatildeme j Rela tambeacutem
mi a paj asirsquona Meu pai ensinar
kɔtaɾu kotilde a taba Cortaram com a taacutebua
disaɾu Deixaram
nu kotildepu No campo
la i basu Laacute embaixo
mi a paj nu hipotildedew natildew Meu pai natildeo respondeu natildeo
pesu Peixe
a notu toda A noite toda
baztatildeti poɹku la Bastante porco laacute
u digu vi Um dia que vim
mi atilde matildej kotildekorsquodo Minha matildee quando acordou
mi atilde matildej forsquola Minha matildee foi laacute
kazi gɾatildedi Quase grande
nɔj te j medu dosejzi Noacutes temos medo de vocecircs
bersquozu kumiw Beiju comeu
mohew saɾatildepi Morreu de sarampo
pigu tatildeni Perguntando
na katildepa No campo kahni asadu Carne assada
231
morsquohe tudi a Morrer tudinho
depoj ʃu miɾu Depois sumiram
dimorsquoɾo mujtu Demorou muito
mɔdi tehu Por causa da terra
ja vaj tʃarsquoi Jaacute vai sair
batildedorsquono Abandonou
fike mu arsquoi Ficamos aiacute
aʒe ti ojrsquoo A gente olhou
hatildeka karsquoɾa Arranca caraacute
tʃiɾi ga basi na Seringa para vacina
barsquotʃotilde Batom
nɔj peɾatildenu Noacutes esperando
mi asu rsquoto Me assustou
i odʒi E hoje
be j vimej Bem vermelho
otu di ʃi ma Outro de cima
sersquogo corsquohe Chegou correr
i te di be j Entende bem
mi asursquoto Me assustou
matatildenu nɔjzi Matando noacutes
mi a fila Minha filha
kumiɾu Comeram
azersquota korsquola pɾa eli Ajeitar colar pra ele
sarsquoma eli
Chamar ele
tʃega logu Chega logo
ʃiguɾow di novʊ Segurou de novo
232
dirsquoso firsquoko Deixou ficou
arsquotɛ dɛrsquozoɾa Ateacute dez horas
tʃɔ ɔjrsquoa Soacute olhar
pi gada Espingarda
pɛhtu casueɾu Perto da cachoeira
maj pɛtu Mais perto
ote la Outra laacute
pɛga pesi Pega peixe
oti kazi Outra casa
pɛga milu Pegar milho
depoj tʃumiɾu bɾatildeku Depois sumiu o branco
mi rsquode ɾu Me deram
satildegɾaɾi asi Sangraram assim
bastatildetu Bastante
atildersquoda karsquosatildedu
Andar caccedilando
mi atilde filu Meu filho
nɔj fikatildeni Noacutes ficamos
ki kursquoto Que escutou
sɔ sorsquoɾatildenu Soacute chorando
depoj deli mohidu Depois dele morrer
nu ta vɛj Natildeo taacute velho
ta noj i da Taacute novo ainda
mi atilde matildej ta bii noj i da Minha matildee ta bem nova ainda
pɛrsquoga baʒtatildetu Pegar bastante
ew persquoge Eu peguei
233
mi atilde lsquoho farsquolo Meu avocirc falou
dimuɾatildeni Demorando
tehaɾu la mehmu Enterraram laacute mesmo
mi atilde matildej soɾatildenu Minha matildee chorando
mi atilde imatilde Minha irmatilde
E cursquoɳadi deli Eacute cunhado dele
E fii deli Eacute filho dele
kursquoɳadi deli Cunhado dele
hɔba demaj Rouba demais
ta difisi Ta difiacutecil
eli tʃobɾo Ele sobrou
saɾatildepi persquogo Sarampo pegou
pɾimeɾi morsquohe Primeiro morreu
ew kutej Eu escutei
sarsquoma matildej Chamar matildee
ta dirsquovisi Taacute difiacutecil
mohew ve me nadu Morreu envenenado
ki kɾirsquoari Que criaram
mi atorsquomaɾu Me tomaram
i ew torsquoteɾu E eu solteiro
kazadu kotildersquose Casado com vocecirc
natildew firsquoka diɾetu Natildeo ficar direito
firsquoka kweli Ficar com ele
mersquosenu Mexendo
ta setu Ta certo
234
bɾabu persquoeli Bravo por ele
tasirsquooma komigu Tem ciuacutemes de mim
E gotozu Eacute gostoso
tipu bursquoʒohu Tipo besouro
tʃi rsquodʒeɾu Cinzeiro
na li gi Na liacutengua
bɾatildeku batirsquotaɾu Brancos batizaram
katildedu eɾa novi Quando era novinho
arsquoi tipoj Aiacute depois
karsquoboɾe Acabou-se
tiguɾa na matildew Segura na matildeo
rsquoɛ lsquopɾimɛ lsquodeli Eacute primo dele
asinatildeni Ensinando
ew kersquome Eu queimei
pɾatildersquota maj Plantar mais
ew vo lsquopɾatildeta Eu vou plantar
karsquokwɛ Qualquer
tabaɾava Trabalhava
tubaɾotildeni Tubaratildeo
poɾi pɛɾa Pode esperar
mi ti nu Mentindo
eli sersquogo Ele chegou
atildersquototilde Entatildeo
ta lsquosetu natildew Ta certo natildeo
mesew kotildersquomigu Mexeu comigo
235
ʃersquoga dinote Chegar de noite
lersquova pirsquotaw Levar pro hospital
ta suzu Ta sujo
rsquobahio Bairro
atildebɾarsquosada Abraccedilada
masɛlu babudo Marcelo barbudo
pɾatildeta milu Planta milho
na gɾɛba Na gleba
bɾasadu Abraccedilado
komi he tʃi Comi gente
kɛ azursquoda Quer ajudar
sotildebɾasotilde Assombraccedilatildeo
nu podi atildersquoda Natildeo pode andar
pɛga na tiheɾu Pega no terreiro
kɔviotilde Gaviatildeo
sɔ eli karsquopo Soacute ele escapou
me rsquoto Aumentou
levava uz vɛio Levava os velhos
matildenɛ desaɾu Maneacute deixaram
pusa no kabelu Puxa no cabelo
kabelu ge ti hatildega Cabelo de gente arranca
iɔga ge ti pɾa la Joga gente pra laacute
hu tu Junto
kɛma he ti queima a gente
ki sɔ a oti Que soacute haacute outro
bagas~i Bagacinho
236
tiɾatildeni katildetatildeni Tirando cantando
kɾese ni Crescendo
dirsquoɾetu Direito
febɾu marsquolaɾu Febre malaacuteria
maj sarsquobiw Mais sabia
tiɾaɾu Tiraram
batildei Banho
ipia deli Espirro dele
Korsquodadu mehmo Acordado mesmo di notu De noite
kasu Caccedila
baɾizadu otu Batizado outro
atʃi mi a ihmatilde fala Assim minha irmatilde fala
kotadu Encostado
nu zudia deli natildew Natildeo judia dele natildeo
gɔta maj deli Gosta mais dele
samatildedu otu Chamando outro
mi atilde subɾi Meu sobrinho
mi atilde pohu Meu povo
mi atilde matilde Minha irmatilde
mi atilde muʒka Minha muacutesica
sɔ bɾi ga Soacute brinca
tʃubi nu Subindo
kahega na koʃta Carrega nas costas dese Desse aiacute istu Isto katildersquoba Gambaacute
237
kursquotia Cutia kursquotʃia Cutia
marsquoɾɛlu Amarelo
versquomela versquomelo Vermelha vermelho rsquose Esse
te natildeʊ te natilde Tem natildeo
esersquoki Esse aqui
rsquoɛmarsquokakupɾersquogisi Eacute macaco preguiccedila
morsquosegi Morcego
defersquore ti Diferente
rsquopodƷi Pode
rsquosersquonatilde Sei natildeo
rsquosersquoviw Vocecirc viu
arsquoinrsquoɛgarsquoviatildew Aiacute eacute gaviatildeo
jabutʃi Jabuti
parsquoɾɛsirsquokele Parece aquele
ɛrsquokele Eacute aquele
rsquoessersquote Esse tem
be i natildeu Tambeacutem natildeo
kursquoruja Coruja
pike nu Pequeno
defersquore ti Diferente
rsquokelersquoɛrsquootro Aquele eacute outro
rsquoejarsquobutʃi E jabuti gɾatildersquodatilde grandatildeo rsquomesmu mesmo
rsquomemu Mesmo
ɔrsquoɾɔpa Europa
arsquobeja Abelha
iscɔhpiatildew escorpiatildeo
ewmɔrsquoʎa Eu molhar ~ Eu molho
pirsquodi pedir tasrsquocɾitu Ta escrito
pɛdƷi Pedi (a gente )
Kersquoma queimar
mode nu Mordendo
morsquodemas Mordeu mais rsquonoj rsquodoj Noacutes dois
aʃe ti A gente (noacutes)
rsquopadirsquoze Pra dizer
238
rsquokɔta Corta
ahatildejrsquoo Arranhou
mujrsquoɛ Mulher
ahajrsquoaelig Arranhou orsquosersquomehm Vocecirc mesmo
isrsquopi Espinho
sorsquome Somente
rsquokalo ~karsquolo Calor doi Dois
tatildebe Tambeacutem
ispi rsquogada Espingarda
persquode Perdeu
se rsquotatu Sentado
rsquohe ti Gente
arsquodidu Ardido rsquokoda Corda mərsquota Matar marsquotani matando
rsquoʃɔmarsquota Soacute matar
rsquobisu Bicho rsquoota Outra
patildersquota ~rsquopɾatildeta Plantar
atildersquodatildeni Andando
ve tatildeni Ventando
defersquore ti Diferente
hursquoatildenu Voando vorsquoto Voltou rsquopodirsquoze Pode dizer marsquotaforsquogatilden Matar afogando rsquodaga Da aacutegua (drsquoaacutegua) arsquoɾea Areia
rsquofu da Afunda
rsquokɛlaforsquogo Que ela afogou
mɛgursquola Mergulhar
eʃpɾersquome Espremer
hɛlatilden Ralando (verbo ralar)
mɔrsquolada Amolada
kwatildeni Quando arsquotia Ateia (verbo atear)
239
i pursquoha Empurrar
epursquohej Eu empurrei
pursquoha Empurrar rsquofoti Forte
rsquofosa Forccedila
rsquohapu Raacutepido
ku rsquopɛ Com o peacute
eki pursquohe Eu que empurrei
sirsquonɛlu Chinelo
i pursquohan Empurrando
sɔrsquose Soacute vocecirc
rsquotapursquohanu Taacute empurrando
sɔrsquozi Sozinho
rsquohatildeka Arrancar
rsquosɔhatildersquoka Soacute arrancar
jrsquoahatildersquoke Jaacute arranquei
arsquohatildekui rsquoʃada Arranco com a enxada
rsquopuʃa Puxar cabelo pursquoʃo Puxou pursquoʃe Puxei haʃrsquoto Arrastou haʃrsquote Arrastei
tʃirsquoa Tirar
buʃrsquoca Buscar buʃrsquoke Busquei (eu passado) rsquooto Outra rsquohopa Roupa rsquomemo Mesmo rsquodeʃa Deixa
tirsquoe Tirei
rsquosɛtu Certo
rsquohejtu Jeito iskujrsquoe Escolher rsquotakujrsquoenu Taacute escolhendo ojrsquoan Olhando
tʃumi Sumiu
dimursquoranu Demorando kersquoma Queimar ursquozotu Os outros kersquome Queimei
rsquonɔj Noacutes
rsquopejsi Peixe
Ku rsquome Comer
240
pɾicirsquoza Precisar pɾisirsquozanu Precisando korsquoseɾa Coceira mirsquoƷatilden Mijando atildersquodatildenu Andando
barsquote nu Batendo
i rsquoʃima Encima
rsquokatildem Cama atirsquoɾo Atirou
rsquohaʃarsquole Racha lenha
vɔrsquota Voltar
tursquomatilden Tomando
varsquoɾi Varinha
gɾitrsquoatilden Gritando
fɾɛrsquoga Esfregar
mirsquodi Medir
mi rsquotinu Mentindo
rsquokɔʃka Coacutecega
barsquosi u Baixinho
pɔdirsquoze Pode dizer
pe rsquota Pentear
rsquobatildej Banho rsquomaiƷrsquotadi Mais tarde rsquofoja Folha batildenarsquodo Abanador bursquonitu Bonito
rsquosersquokirsquode Vocecirc que deu
siparsquoradu Separado rsquosatildew Chatildeo
tursquodi Tudinho
karsquoe Cair kersquobɾe Quebrei arsquohatildejorsquose Arranho vocecirc rsquomuja Molha rsquosevi Serve rsquopaj Palha pirsquodi Pedir dersquosa Deixar rsquomoj Molho fɾersquovenu Fervendo pursquolo Pulou
norsquovi Novinho
241
firsquodido Fedido mursquolada Amolada
rsquonɔʃi Nosso
patildersquoneɾu Paneiro motildersquodeli Matildeo dele dursquozotu Dos outros
rsquonɔj Noacutes
rsquopodi Podre firsquodid Fedido dersquota Deitar dersquotadu Deitado cuʃtursquoɾa Costurar
barsquote m Batendo
dersquosa Deixar
rsquofɾɛʃa ~rsquofɾEʃ Flecha
iskersquosidu Esquecido
tatildersquome j Tambeacutem
abersquoli Abelhinha
me rsquodu i Amendoim
pɔrsquodirsquoze Pode dizer
rsquoavi Aacutervore
rsquopesi Peixe
tatursquozi Tatuzinho
rsquovɛja Velha
arsquodea Aldeia
rsquode tu Dentro
rsquohe ti Gente
rsquohadu Raacutedio rsquohejtu Jeito iʃtɾarsquogadu Estragado
rsquode tirsquokaza Dentro de casa
rsquopoku Porco
pihu rsquotatildenu Perguntando
gwahrsquode Guardei firsquogeɾa Figueira
kɔrsquota Cortar
ojrsquoa Olhar
pi dursquoɾa pendurar
mitʃursquoɾa Misturar
rsquofɔtʃi Forte
242
matildersquodƷɔka Mandioca
birsquoƷu Beiju
marsquoɾɛlu Amarelo
atildersquozɔ Anzol
rsquopɛda Pedra
A Abuecircndia Padilha e Gilda Lins (in memoriam) pela dedicaccedilatildeo e carinho
que demonstraram durante as aulas
Aos meus colegas do Doutorado Solange Carvalho Ana Cristina Cleber
Morgana Jaciara Carolina Pires Juliane Acircngela Socircnia Ismar Rinalda Ludimila
e Clara por me ajudarem nos momentos de dificuldades e de (muitas)
necessidades
Aos colegas da GER ndash Vale do Capibaribe pela ajuda sempre que
necessaacuterio em especial Marta Morgana Edjane e Janecleide
Aos colegas e alunos do IFAL (Instituto Federal de Alagoas) pela grande
ajuda e carinho que demonstraram durante a realizaccedilatildeo deste trabalho Pela
compreensatildeo das faltas e substituiccedilotildees que de mim foram demandadas
Aos membros da banca que tatildeo gentilmente aceitaram o convite
Aos meus amigos familiares entes queridos todos que direta ou
diretamente me ajudaram nesta caminhada Nenhum trabalho eacute feito sozinho
portanto os meacuteritos tambeacutem satildeo de vocecircs
RESUMO
O presente trabalho eacute o resultado de um estudo sobre a Marcaccedilatildeo no Contato
Linguiacutestico entre o Latundecirc e o Portuguecircs Trata-se de uma investigaccedilatildeo com
base na abordagem tipoloacutegica da linguiacutestica visando agrave elucidaccedilatildeo das unidades
mais e as menos marcadas que satildeo ou natildeo transferidas no processo de
acomodaccedilatildeo dos inventaacuterios foneacuteticos de ambas as liacutenguas Utilizamos como
base os pressupostos teoacutericos defendidos por CROFT (1990) JAKOBSON
(1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS amp ELSIK (2006) e LACY (2006) para a
descriccedilatildeo dos universais linguiacutesticos e da marcaccedilatildeo No que tange ao contato
linguiacutestico nos respaldamos nas reflexotildees de ROMAINE (2000) THOMASON
(2001) AIKHENVALD (2007) e HYMES (1971) Para descriccedilatildeo linguiacutestica e
histoacuterica dos Latundecirc nos baseamos em TELLES (2002) ANOMBY (2009) e
PRICE (1977) No que tange ao aporte foneacutetico para descriccedilatildeo do contato entre
ambas as liacutenguas nos valemos dos escritos de WEINREICH (1953) BISOL
(1996) VAN COETSEM (1988) e MATRAS (2009) Quanto agraves anaacutelises nos
fundamentamos nas observaccedilotildees de SPENCER (1996) LASS (2000) e RICE
(2007) O nosso corpus eacute formado de trinta horas de fala transcritas
foneticamente de acordo com IPA de vinte informantes da comunidade Latundecirc
Os dados fazem parte do acervo do NEI (Nuacutecleo de Estudos Indigenistas) da
UFPE A partir da nossa pesquisa chegamos agrave conclusatildeo que os mais jovens
tendem a natildeo transferir os padrotildees mais marcados da sua liacutengua para a liacutengua
adquirida enquanto os mais velhos reproduzem com menor frequecircncia os
padrotildees mais marcados do Portuguecircs alguns contextos licenciam enquanto
outros bloqueiam a marcaccedilatildeo gerando um caraacuteter variaacutevel que demonstra o quatildeo
conflitante eacute a situaccedilatildeo do contato embora natildeo haja uma padronizaccedilatildeo no que
tange agrave estrutura silaacutebica o padratildeo CV eacute o mais recorrente e menos marcado
corroborando o que apregoa os pressupostos da tipologia linguiacutestica os
processos que envolvem perda e permuta de segmentos satildeo mais numerosos e
mais marcados dos que os que envolvem ganho de segmento os fonemas natildeo
presentes no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc tendem a ser apagados ou
reinterpretados pelo segmento mais proacuteximo do Portuguecircs quanto agrave manutenccedilatildeo
ou perda o comportamento dos traccedilos mais marcados do Latundecirc depende natildeo
categoricamente da fonologia do Portuguecircs a marcaccedilatildeo natildeo estaacute condicionada
apenas aos universais linguiacutesticos mas agraves especificidades da liacutengua
PALAVRAS-CHAVE Fonologia Liacutenguas em Contato Marcaccedilatildeo e Liacutenguas
Indiacutegenas
ABSTRACT
The present work describes phenomena of phonological transference of Latundecirc
a Brazilian indigenous language in Portuguese in language contact situation The
observed phenomena were examined under the light of the assumptions of
Linguistic Marking in its typological approach As basis we used CROFT (1990)
JAKOBSON (1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS ELSIK (2006) and LACY
(2006) studies for the description of linguistic universals and marking About
language contact we were supported by the reflections of ROMAINE (2000)
THOMASON (2001) AIKHENVALD (2007) and HYMES (1971) For the linguistic
and historical description of Latundecirc we were based on TELLES (2002)
ANOMBY (2009) and PRICE (1977) About the phonology of Portuguese we were
supported by BISOL (1996) For description of the contact between both
languages we used the writings of WEINREICH (1953) VAN COETSEM (1988)
and MATRAS (2009) The one of phonological phenomena observed was backed
in SPENCER (1996) LASS (2000) and RICE (2007) Our corpus is formed of thirty
hours of talk phonetically transcribed according to IPA In the survey we used the
speech production of 20 individuals from the Ladundecirc people among these 8
belonging to the pre-contact generation with the non- indigenous society and 12
belonging to the post-contact generation The data are part of the acquis of NEI
(Nuacutecleo de Estudos Indiacutegenas) of UFPE With our research we came to the
following results post-contact generation tends not to transfer most marked
patterns of their language to the acquired language while the native of pre-contact
generation do in a lower frequency the more marked standards of Portuguese
The processes that involve loss and exchange of segments are more numerous
than those involving segment gain The phonemes of Portuguese that do not exist
in Latundecirc tend to be erased or reinterpreted by the closest segment to
Portuguese resulting in the loss of contrast and in the emergence of the
unmarked through the phonological neutralisation There are phenomena that
show a tendency towards the universal as the deletion of the coda in favor of CV
standard syllabic and others that are arising out of restrictions of Latundecirc as the
monophthongization of nasal diphthong and the change of vowel quality in word-
final position In the set of phenomena we noticed that the interference is variable
and not always motivated by phonological or natural marking
KEYWORDS Phonology Marking Languages in contact Portuguese and
Latundecirc
RESUMEN
El presente estudio describe los fenoacutemenos de la transferencia fonoloacutegica del
Latundeacute una lengua indiacutegena Brasilera en el portugueacutes en una situacioacuten de
contacto linguumliacutestico Los fenoacutemenos observados fueron examinados a la luz de los
presupuestos de marcacioacuten linguumliacutestica en su abordaje tipoloacutegico Como modelo
de fundamentacioacuten se han utilizado los estudios de CROFT (1990) JAKOBSON
(1953) BATTISTELLA (1996) MATRAS amp ELSIK (2006) y LACY (2006) para las
descripcioacuten de los universales linguumliacutesticos y de la marcacioacuten Sobre el contacto
linguumliacutestico fueron tomados como soporte cientiacutefico las reflexiones de ROMAINE
(2000) THOMASON (2001) AIKHENVALD (2007) y HYMES (1971) Para la
descripcioacuten linguumliacutestica de los Lantundeacute esta investigacioacuten se basoacute en TELLES
(2002) ANOMBY (2009)y PRICE (1977) Sobre la fonologiacutea del portugueacutes se
tuvieron en cuenta los estudios de BISOL (1996) Para la descripcioacuten del contacto
entre ambas lenguas fueron necesarios los escritos de WEINREICH (1053) VAN
COETSEM(1988) y MATRAS (2009) Finalmente el estudio de los fenoacutemenos
fonoloacutegicos observados fueron abordados en las investigaciones de SPENCER
(1996) LASS (2000) y RICE (2007) El corpus de este trabajo acadeacutemico estaacute
compuesto por treinta horas de diaacutelogos transcritos foneacuteticamente de acuerdo con
el IPA En la investigacioacuten se ha utilizado la produccioacuten del diaacutelogo de 20
individuos del pueblo Latundeacute dentro de ellos 8 pertenecientes a la generacioacuten
del pre contacto con la sociedad no indiacutegena y 12 pertenecientes a la generacioacuten
del post contacto Los datos hacen parte del acervo del Nuacutecleo de Estudios
Indigenistas (NEI) de la UFPE Con esta investigacioacuten se ha llegado a la siguiente
conclusioacuten La generacioacuten post contacto tiende a no transferir los patrones maacutes
acentuados de su lengua hacia la lengua adquirida mientras que los indiacutegenas de
la generacioacuten del pre contacto realizan con menor frecuencia los patrones maacutes
marcados del portugueacutes Los procesos que envuelven la peacuterdida y permuta de los
segmentos son maacutes numerosos de aquellos que involucran la ganancia del
segmento Los fonemas del portugueacutes que no existen en el Latundeacute tienden a ser
borrados o reinterpretados por el segmento maacutes proacuteximo al portugueacutes resultando
en una peacuterdida de contraste y en la emergencia del no marcado a traveacutes de la
neutralizacioacuten fonoloacutegica Hay fenoacutemenos que revelan una tendencia a lo
universal como desvanecimiento de la coda en a favor de patroacuten silaacutebico CV y
otros que son consecuencia de las restricciones del Latundeacute como la
monoptongacioacuten de diptongo nasal y la mudanza de la cualidad vocaacutelica en
posicioacuten final de la palabra El en conjunto de fenoacutemenos verificamos que la
interferencia es variable y no siempre estaacute motivada por la acentuacioacuten fonoloacutegica
o natural
Palabras Clave Fonologiacutea Acentuacioacuten Lenguas en Contacto Portugueacutes y
Latundeacute
LISTA DE SIacuteMBOLOS
Transcriccedilatildeo
Transcriccedilatildeo foneacutetica
Transcriccedilatildeo fonoloacutegica
[ ]
Vogais
Vogal meacutedio-baixa anterior [ɛ]
Vogal meacutedio-alta anterior [e]
Vogal alta anterior [i]
Vogal baixa central [a]
Vogal meacutedio-baixa posterior [ɔ]
Vogal meacutedio-alta posterior [o]
Vogal alta posterior [u]
Vogal alta anterior nasal [ i ]
Vogal meacutedio-alta anterior nasal [e ]
Vogal baixa central nasal [atilde]
Vogal meacutedio-alta posterior nasal [otilde]
Vogal alta posterior nasal [u ]
Consoantes
Oclusiva alveolar surda [t]
Oclusiva alveolar sonora [d]
Fricativa alveolar surda [s]
Fricativa alveolar sonora [z]
Nasal alveolar [n]
Lateral alveolar [l]
Africada alveopalatal surda [tʃ]
Africada alveopalatal sonora [dʒ]
Lateral palatal [ʎ]
Nasal palatal [ɳ]
Fricativa palatal surda [ʃ]
Fricativa palatal sonora [ʒ]
Oclusiva velar surda [k]
Oclusiva velar sonora [g]
Fricativa velar [x]
Oclusiva bilabial surda [p]
Oclusiva bilabial sonora [b]
Nasal bilabial [m]
Fricativa labiodental surda [f]
Fricativa labiodental sonora [v]
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Diagrama de Hall
67
FIGURA 2 Configuraccedilotildees da Mescla Linguiacutestica segundo Romaine (2000 p185)
71
FIGURA 3 Esquema de representaccedilatildeo do bilinguismo social segundo Appel e Muysken (1986 p 23)
74
FIGURA 4 Escolha de liacutengua e code-switching conforme Grosjean (1982 p127)
82
FIGURA 5 Classificaccedilatildeo das liacutenguas da Famiacutelia Nambikwaacutera de acordo com Rodrigues (1986 p 134)
87
FIGURA 6 Localizaccedilatildeo e aacuterea dos Nambikwaacutera de acordo com Roquete-Pinto (1919)
88
FIGURA 7 Territoacuterio Nambikwaacutera descrito por Price (1983)
89
FIGURA 8 Localizaccedilatildeo atual dos Nambikwaacutera
91
FIGURA 9
Localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc
94
FIGURA 10
Primeiros contatos com os Latundecirc (Foto Price 1977)
97
FIGURA 11 Iacutendios Latundecirc na TI Tubaratildeo-Latundecirc
104
FIGURA 12
Ligaccedilotildees entre a intensidade do bilinguismo o tipo de processo de acomodaccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo entre os sistemas fonoloacutegicos
118
FIGURA 13
Correspondecircncia entre liacutenguas e contato linguiacutestico
120
FIGURA 14 Agentividade da Liacutengua Recipiente de acordo Van Coetsem 1988 p10
122
FIGURA 15 Agentividade da Liacutengua de Origem de acordo Van Coetsem 1988 p11
122
FIGURA 16 Relaccedilatildeo de agentividade entre o Portuguecircs e o Latundecirc
123
FIGURA 17 Estrutura silaacutebica do Latundecirc
168
FIGURA 18 Estrutura silaacutebica do Portuguecircs (Cacircmara-Juacutenior)
169
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Unidades e estruturas mais marcadas conforme
levantamento de Moreira da Silva (2011)
50
Quadro 2 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Leacutevi-Strauss (1948)
92
Quadro 3 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Price e Cook (1969)
93
Quadro 4 Distribuiccedilatildeo dos povos pertencentes a TI Tubaratildeo-Latundecirc
95
Quadro 5 Nuacutecleos familiares de acordo com a habitaccedilatildeo em 1999
98
Quadro 6 Situaccedilatildeo sociolinguiacutestica dos Latundecirc (dados de 1999)
101
Quadro 7 Quadro Comparativo dos Sistemas Foneacuteticos do Romansh e do Schweizerdeutsch de acordo com Weinreich (1953)
111
Quadro 8 Tipos de processos que conduzem a mudanccedila fonoloacutegica induzida por contato
116
Quadro 9 Fonemas consonantais do Latundecirc
125
Quadro 10 Fonemas vocaacutelicos do Latundecirc
125
Quadro 11 Ditongos do Latundecirc
126
Quadro 12 Descriccedilatildeo dos fonemas consonantais (Retirada de Telles 2002)
126
Quadro 13 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos orais (Com base em Telles 2002)
149
Quadro 14
Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos nasais (Com base em Telles 2002)
153
Quadro 15
Vogais no Portuguecircs (Cacircmara Jr 1970)
154
Quadro 16
Consoantes no Portuguecircs (Silva 2002)
155
Quadro 17 Sistemas consonantais x Sistemas vocaacutelicos
156
Quadro 18 Resultado mais frequente do processo de monotongaccedilatildeo em Latundecirc
162
Quadro 19 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
166
Quadro 20 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Portuguecircs
167
Quadro 21 Escala de Sonoridade (Bonet e Mascaroacute 1997 p 109)
196
SUMAacuteRIO
1 SOBRE A PESQUISA 20
11 INTRODUCcedilAtildeO 20
12 JUSTIFICATIVA 24
13 OBJETIVOS 25
14 METODOLOGIA 26
15
DISPOSICcedilAtildeO DA TESE 27
2 MARCACcedilAtildeO LINGUIacuteSTICA 29
21 INTRODUCcedilAtildeO 29
22 MARCACcedilAtildeO 31
221 A concepccedilatildeo de Jakobson e Trubetzkoy 35
222 Abordagem Gerativa 37
223 Abordagem Tipoloacutegica (Interlinguiacutestica) 39
224 Abordagem Naturalista (Morfologia Natural) 41
23 CRITEacuteRIOS DE MARCACcedilAtildeO 42
24 MARCACcedilAtildeO MUDANCcedilA E CONTATO LINGUIacuteSTICO 45
25 JAKOBSON E A ABORDAGEM FONOLOacuteGICA DA
MARCACcedilAtildeO
48
3 O CONTATO LINGUIacuteSTICO 54
31 INTRODUCcedilAtildeO 54
32 SOBRE O CONTATO LINGUIacuteSTICO 57
33 MESCLAS DE CONTATO PIDGIN CRIOULO LIacuteNGUA
FRANCA E JARGAtildeO
60
331 Pidgin 63
332 Crioulo 65
333 Liacutengua Franca ou Sapir 69
334 Jargatildeo 71
34 IMPLICACcedilOtildeES DO CONTATO LINGUIacuteSTICO 72
341 Bilinguismo 72
342 Diglossia 78
343 Alternacircncia de coacutedigo 80
344 Morte da liacutengua
83
4 COMUNIDADE DE ESTUDO OS LATUNDEcirc 86
41 INTRODUCcedilAtildeO 86
42 A FAMIacuteLIA NAMBIKWARA 86
43 OS LATUNDEcirc
94
5 INTERFEREcircNCIA FONEacuteTICO-FONOLOacuteGICA DO LATUNDEcirc
NO PORTUGUEcircS
106
51 INTRODUCcedilAtildeO 106
52 INTERFEREcircNCIA FUSAtildeO COEXISTEcircNCIA E
TRANSFEREcircNCIA LINGUIacuteSTICA
107
53 FONOLOGIA DO LATUNDEcirc 124
54 FONOLOGIA DO PORTUGUEcircS 154
55 COMPARACcedilAtildeO ENTRE OS SISTEMAS FONEacuteTICOS DO
PORTUGUEcircS E DO LATUNDEcirc
156
6 PROCESSOS FONOLOacuteGICOS DO PORTUGUEcircS FALADO
PELOS LATUNDEcirc
158
61 Introduccedilatildeo 158
611 Perda de elementos 161
6111 Monotongaccedilatildeo 161
6112 Siacutencope em onset complexo de l e r 168
6113 Apagamento da coda 171
6114 Reduccedilatildeo do geruacutendio ndash Anteriorizaccedilatildeo da vogal final 173
6115 Reduccedilatildeo das palatais (nasal e lateral) 174
6116 Afeacuterese 177
6117 Apoacutecope 178
6118 Siacutencope 180
612 Ganho de elementos (Inserccedilatildeo de elementos) 181
613 Alteraccedilatildeo de elementos (permuta ou transposiccedilatildeo) 184
6131 Despalatalizaccedilatildeo de [ʃ] e [ʒ] 184
6132 Palatalizaccedilatildeo 186
6133 Vozeamento e desvozeamento 189
6134 Abaixamento e elevaccedilatildeo das vogais orais 191
6135 Nasalizaccedilatildeo e desnasalizaccedilatildeo 194
6136 Fenocircmenos envolvendo os roacuteticos 195
6137 Labializaccedilatildeo e deslabializaccedilatildeo 197
6138 Metaacutetese 198
6139 Siacutestole 199
61310 Fortalecimento
200
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
201
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
208
ANEXOS 221
20
1 SOBRE A PESQUISA
O estudo dessas liacutenguas eacute evidentemente de grande importacircncia para o incremento dos conhecimentos linguiacutesticos Cada nova liacutengua que se investiga traz novas contribuiccedilotildees agrave linguiacutestica cada nova liacutengua eacute outra manifestaccedilatildeo de como se pode realizar a linguagem
humana Cacircmara Jr (1977 p 4)
11 INTRODUCcedilAtildeO
Neste capiacutetulo discorreremos sobre a diversidade e a situaccedilatildeo das liacutenguas
indiacutegenas brasileiras1 bem como a motivaccedilatildeo para o presente estudo Tambeacutem
faratildeo parte desta introduccedilatildeo a justificativa para a realizaccedilatildeo desta pesquisa os
objetivos almejados os procedimentos metodoloacutegicos e a descriccedilatildeo da estrutura
da tese
Por se tratar de um estudo que diz respeito agrave linguiacutestica indigenista brasileira vale
iniciar a discussatildeo situando aqueles que satildeo os sujeitos da nossa pesquisa os
iacutendios Sabe-se que os povos indiacutegenas satildeo vistos geralmente como personagens
passivos na da nossa histoacuteria Eacute um equiacutevoco concebecirc-los na nossa narrativa
dessa forma pois seja no papel de aliados ou de inimigos esses povos tiveram
um papel importante na formaccedilatildeo de sociedades coloniais e poacutes-coloniais
(ALMEIDA 2013 p9)
1 Aleacutem do portuguecircs haacute no Brasil aproximadamente 180 liacutenguas indiacutegenas faladas por 225 etnias
Dessas liacutenguas 110 satildeo consideradas em extinccedilatildeo pelo fato de serem faladas por menos de 500 pessoas Estima-se que em 1500 cerca de seis milhotildees de iacutendios falavam 1078 idiomas Hoje a populaccedilatildeo indiacutegena brasileira chega a no maacuteximo entre 440 mil e 500 mil indiviacuteduos Atribui-se o desaparecimento das liacutenguas indiacutegenas agraves pressotildees poliacuteticas do colonizador e posteriormente agraves necessidades de sobrevivecircncia das populaccedilotildees indiacutegenas Revista Liacutengua portuguesa n 26 p 57 2010
21
Embora natildeo seja amplamente divulgado no Brasil haacute cerca de 180 liacutenguas
indiacutegenas o que nos torna um paiacutes plurilinguiacutestico Esse percentual era de 1200
antes da chegada dos portugueses Durante esses cinco seacuteculos de colonizaccedilatildeo
um glotociacutedio foi visto intensificamente no nosso territoacuterio
Mesmo sendo viacutetimas de um processo de colonizaccedilatildeo desenfreado e
escravizador estes povos com o tempo passaram a ser reconhecidos como
agentes na sociedade Suas accedilotildees satildeo vistas a partir de um recente periacuteodo
histoacuterico como importantes para explicar a histoacuteria deles e consequentemente a
nossa Saindo de um quadro de contato onde eram vistos como coadjuvantes
passando a ser tambeacutem protagonistas
Hoje os estudos indigenistas satildeo mais frequentes uma vez que na antropologia
atual os povos que foram definidos como aculturados passaram a ser
coadjuvantes de um processo histoacuterico e participativo
A reportagem da Revista Continente Maio de 2009 sobre os Fulniocirc faz parte de
um arsenal que descreve o que jaacute eacute sabido pela comunidade cientiacutefica as liacutenguas
indiacutegenas brasileiras estatildeo desaparecendo em ritmo acelerado Posto dessa
forma podemos perceber que haacute urgecircncia em descrever como tais liacutenguas se
comportam em si e em contatos com outras
Cacircmara-Juacutenior (1977 p 7) postula que os estudos indigenistas mais
precisamente sobre os de suas liacutenguas constitui no Brasil uma tarefa natildeo
somente enorme mas tambeacutem urgente Hoje meio seacuteculo depois esta citaccedilatildeo se
faz atual Os estudos indigenistas ainda se monstram tiacutemidos e carentes de
recursos e pesquisadores
22
Em continuidade o autor afirma que
Jaacute desapareceram no Brasil muitas liacutenguas agora totalmente irrecuperaacuteveis para a ciecircncia Eacute muito difiacutecil avaliar hoje em dia quantas liacutenguas se teriam falado no Brasil haacute 400 anos na eacutepoca do descobrimento do paiacutes pelos europeus Mas a quantidade de liacutenguas que subsistem ainda hoje () eacute ainda um nuacutemero consideraacutevel ndash cento e tantas Todas elas entretanto estatildeo ameaccediladas de desaparecer dentro de muitos poucos anos
O fato eacute que precisamos catalogar essas liacutenguas e como elas agem durante o
contato linguiacutestico Esses estudos satildeo de grande valia porque podem mostrar
como se deu analogicamente o contato do portuguecircs com outras liacutenguas E as
evidecircncias aqui encontradas contribuiratildeo para a descriccedilatildeo linguiacutestica aleacutem de
proporcionar agraves geraccedilotildees futuras o conhecimento mais apurado sobre as liacutenguas
de contato
Sobre esta relaccedilatildeo Almeida (idem p 14) afirma que
[] As relaccedilotildees de contato com sociedades envolventes e vaacuterios processos de mudanccedila cultural vivenciados pelos grupos indiacutegenas eram considerados simples relaccedilotildees de dominaccedilatildeo impostas aos iacutendios de tal forma que natildeo lhes restava nenhuma margem de manobra a natildeo ser a submissatildeo passiva a um processo de mudanccedilas culturais que os levaria a serem assimilados e confundidos com a massa da populaccedilatildeo
A autora ainda reitera que ldquoas relaccedilotildees de contato eram entatildeo grosso modo
vistas como relaccedilotildees de dominaccedilatildeo submissatildeo na qual uma cultura se impunha
sobre a outra anulando-ardquo p16
23
O contato entre liacutenguas contribuiu para o leacutexico portuguecircs2 E eacute o contato
linguiacutestico um dos fatores que coloca o iacutendio em situaccedilatildeo ativa na histoacuteria do
Brasil mesmo apoacutes o decreto do Marquecircs de Pombal3
Todavia assim como ocorrera com os negros eacute possiacutevel que o contato com
iacutendios possa ter influenciado outros niacuteveis da nossa gramaacutetica 4
Seki (1995 p 33) ao discutir sobre a situaccedilatildeo das liacutenguas indiacutegenas brasileiras
diz que
Essas estimativas devem ser ainda consideradas com certa cautela pois as liacutenguas indiacutegenas encontram-se sob as mais diferentes pressotildees sofrendo o impacto do crescente contato com a populaccedilatildeo envolvente e a liacutengua majoritaacuteria Contudo natildeo haacute em geral levantamentos que permitam estabelecer com maior margem de exatidatildeo os reflexos do impacto do Portuguecircs nos distintos grupos em termos de deslocamento de liacutengua indiacutegena tanto no que se refere a graus de bilinguismo monolinguismo quanto no que se refere agrave interferecircncia do Portuguecircs nessas liacutenguas nem sempre claramente perceptiacutevel nas fases iniciais mas que vai aos poucos contribuindo para a perda da liacutengua minoritaacuteria
2 Citamos aqui como exemplos o caso dos grupos de palavras oriundos de outros povos que
foram acoplados ao nosso leacutexico como indianismos e africanismos 3 Para estabelecer uma comunicaccedilatildeo com os nativos os portugueses foram aprendendo os
dialetos e idiomas indiacutegenas A partir do tupinambaacute falado pelos grupos mais abertos ao contato com os colonizadores criou-se uma liacutengua geral comum a iacutendios e natildeo-iacutendios O crescente nuacutemero de falantes do portuguecircs comeccedila a tornar o bilinguumlismo das famiacutelias portuguesas no paiacutes cada vez menor Em 17 de agosto de 1758 a liacutengua portuguesa se torna idioma oficial do Brasil atraveacutes de um decreto do Marquecircs de Pombal que tambeacutem proiacutebe o uso da liacutengua geral Disponiacutevel em httpwwwcomcienciabrreportagenslinguagemling03htm em 18122014 4 Alguns estudiosos afirmam que as influecircncias natildeo se restringiram apenas ao vocabulaacuterio
Jacques Raimundo em O Elemento Afro-Negro na Liacutengua Portuguesa aponta algumas mudanccedilas foneacuteticas iniciadas na fala dos escravos que ainda se mantecircm em algumas variedades do portuguecircs do Brasil as vogais meacutedias pretocircnicas e e o passam a ser pronunciadas como vogais altas respectivamente i e u (mininu nuticcedila) as vogais tocircnicas de palavras oxiacutetonas terminadas em s mesmo as grafadas com z se tornam ditongos (atrais mecircis vecircis) a marca de terceira pessoa do plural nos verbos do preteacuterito perfeito se reduz a o (fizero caiacutero tocaro)Em 1822 Jeroacutenimo Soares Barbosa registrava em sua Grammatica Philosophica uma peculiaridade sintaacutetica originada na fala dos escravos que ateacute hoje eacute apontada como uma das distinccedilotildees entre o portuguecircs falado em Portugal e o que se fala no Brasil a colocaccedilatildeo de pronomes aacutetonos antes dos verbos (mi deu ti falocirc) Disponiacutevel em httpwwwcomcienciabrreportagenslinguagemling03htm em 18122014
24
Embora a preocupaccedilatildeo da maioria dos estudiosos de liacutenguas indiacutegenas seja com
as liacutenguas minoritaacuterias esta pesquisa trafega no sentido contraacuterio ao buscar
descrever a influecircncia dessas liacutenguas tidas como fraacutegeis no indioma nacional
Vale ressaltar que mesmo em territoacuterio nacional o portuguecircs aqui eacute tido como
segunda liacutengua
12 JUSTIFICATIVA
O contato linguiacutestico e suas consequecircncias se datildeo em todas as liacutenguas do
mundo No entanto no que tange ao desaparecimento de liacutenguas o prejuiacutezo eacute
maior uma vez que a natildeo catalogaccedilatildeo dessas liacutenguas geraria um deacuteficit linguiacutestico
que poderia prejudicar os estudos linguiacutesticos vigentes e futuros aleacutem dos
problemas humanos advindos do processo de aculturaccedilatildeo entre povos
Ao corroborar com esta acertiva Telles (2009 p25) afirma que
Quando um povo perde uma liacutengua tambeacutem perde diversidade humana perdem-se meios de compreensatildeo e explicaccedilatildeo do mundo perdem-se soluccedilotildees de adaptalidade do homem ao meio perde-se o conhecimento do potencial e do usufruto sustentaacutevel deste meio Enfim perdem-se conhecimentos fundamentais que venham a coloborar para a continuidade da sobrevivecircncia do homem no planeta
O estudo de uma liacutengua diferente da nossa pode nos dar a impressatildeo de que
vamos encontrar algo distante da nossa realidade O que natildeo eacute verdade visto
que as semelhanccedilas linguiacutesticas satildeo em maior nuacutemero Cacircmara-Juacutenior (1977
p18)
25
Antes da perda total de uma liacutengua que pode ser assim configurado ou natildeo o
processo inicial se daacute pelo contato entre elas Soacute depois de existirem lado a lado
eacute que tais liacutenguas podem a depender da dinacircmica se fundirem desaparecerem
ou conviverem entre si
No caso do relacionamento entre o Latundecirc e o Portuguecircs percebe-se que tal
contato caminha para o desparecimento do Latundecirc dado as circunstacircncias
histoacutericas e sociais pelas quais esta liacutengua tem passado Hoje este povo eacute
composto de 20 falantes dispersos Como os mais novos natildeo podem coabitar
entre si a continuidade da etnia estaacute com os dias marcados Logo torna-se
urgente as tentativas de descriccedilatildeo da liacutengua e de seu comportamento
Analisar e descrever o contato com base nos padrotildees de marcaccedilatildeo e simetria
contribuiraacute com o princiacutepio de naturalidade que eacute pre-requesito para a tipologia
linguiacutestica No mais as investigaccedilotildees sobre o contato linguiacutestico satildeo de grande
valia para o conhecimento mais apurado das liacutenguas do mundo e da nossa liacutengua
especificamente
13 OBJETIVOS
Esta pesquisa objetiva o estudo da interferecircncia foneacutetica do Latundecirc no
Portuguecircs levando em consideraccedilatildeo o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
entre estas liacutenguas Tambeacutem busca refletir sobre os processos foneacuteticos oriundos
do contato e como eles se evidenciam a partir das liacutenguas em xeque
26
No decorrer da tese aleacutem dos objetivos postos aqui buscaremos responder as
questotildees postuladas
Investigar se os fatores internos (linguiacutesticos) e externos (estruturais)
interagem com os princiacutepios da marcaccedilatildeo
Identificar qual o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
Verificar se e quais os traccedilos mais marcados da liacutengua dominada passam
para a dominante
Dessa forma ao refletirmos sobre as questotildees acima esperamos contribuir com
os estudos dos universais linguiacutesticos e da cogniccedilatildeo humana
14 METODOLOGIA
O corpus utilizado nesta pesquisa foi coletado pela professora Stella Virgiacutenia
Telles e faz parte do NEI ndash Nuacutecleo de Estudos Indigenistas ndash da Universidade
Federal de Pernambuco Os dados foram gravados em CDrsquos em formato wave e
estruturados em forma de perguntas e respostas DID ndash Diaacutelogo entre
entrevistador e entrevistado
Foram escutados aproximadamente 30 horas de gravaccedilatildeo de fala dos 20
informantes Latundecirc Incialmente analisamos de oitiva os dados que foram
depois transcritos foneticamente com base no Alfabeto Foneacutetico Internacional -
IPA e organizados em tabelas Apoacutes segunda anaacutelise em caso de duacutevidas os
dados foram submetidos ao programa PRAAT para melhor audiccedilatildeo No que tange
27
agrave anaacutelise os dados foram disponibilizados em tabelas e enumerados com os
respectivos comentaacuterios abaixo
15 DISPOSICcedilAtildeO DA TESE
Para este estudo utilizamos os pressupostos cientiacuteficos da tipolologia linguiacutestica
de base aleacutem de autores que foquem em seus estudos contato interferecircncia
foneacutetica marcaccedilatildeo e naturalidade
No capiacutetulo 1 discorremos sobre os elementos basilares da tese justificativa
objetivos perguntas norteadoras metodologia e disposiccedilatildeo da tese
No capiacutetulo 2 trataremos sobre a marcaccedilatildeo Nele abordaremos o conceito de
marcaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com os princiacutepios de simetria e naturalidade Veremos a
partir do panorama de Matras amp Elsik (2006) Battistella (1996) Lacy (2006) as
abordagens de marcaccedilatildeo estruturalista gerativa tipoloacutegica e naturalista
Na seccedilatildeo 23 discorreremos sobre os criteacuterios de marcaccedilatildeo e na seccedilatildeo 24
sobre a mudanccedila linguiacutestica contato e marcaccedilatildeo Nos deteremos aos estudos de
Jakobson na abordagem fonoloacutegica na seccedilatildeo 25 bem como os universais
linguiacutesticos para a marcaccedilatildeo observados por Moreira da Silva (2011) em
contraponto com os padrotildees mais marcados do Latundecirc
No Capiacutetulo 3 o contato linguiacutestico seraacute nosso escopo Nele discutiremos os tipos
de mesclas de contato pidgin crioulo liacutengua Franca e jargatildeo a partir dos
pressupostos de Tarallo e Alkimin (1987) Calvet (2004) Couto (2001) Hall
28
(1996) Hymes (1971) Romaine (2000) e AiKhenvald e Dixon (2006)
Abordaremos tambeacutem a diglossia conforme Ferguson (1991) a alternacircncia de
coacutedigo de acordo com Auer (1999) Morte de liacutengua segundo Mcmahon (1994)
Trask (2004) e Cristoacutefaro-Silva (2002)
No capiacutetulo 4 apresentaremos a comunidade de estudo os Latundecirc Inicialmente
com base em Rodrigues (1995) Roquete-Pinto (1919) Leacutevi-Strauss (1946) Price
e Cook (1969) Anomby (2009) e Telles (2002) faremos uma descriccedilatildeo dos povos
e famiacutelias indiacutegenas do Brasil e dos Latundecirc especificamente Recapitularemos o
contexto histoacuterico formaccedilatildeo contato com os outros povos indiacutegenas e com os
natildeo iacutendios limites geograacuteficos e situaccedilatildeo atual
No capiacutetulo 5 trataremos da interferecircncia e transferecircncia foneacutetica do Latundecirc
para o Portuguecircs Com base em Cristoacutefaro-Silva (2002) Bisol (1996) Weinreich
(1953) Van Coetesem (1988) e Matras (2009) discutiremos os processos de
interferecircncia fusatildeo coexistecircncia e transferecircncia linguiacutestica Apresentaremos os
aspectos mais relevantes da fonologia Latundecirc e do Portuguecircs
No capiacutetulo 6 faremos as anaacutelises dos processos foneacuteticos presentes no contato
do Latundecirc com o Portuguecircs A partir da perspectiva claacutessica de perda
manutenccedilatildeo ou ganho de elementos discutiremos sobre quais os processos
foneacuteticos mais marcados do Latundecirc permanecem ou natildeo atestados no
Portuguecircs falado por Latundecirc
Por fim chegaremos agraves divagaccedilotildees finais dos resultados configurados na
pesquisa e agrave perspectiva de continuidade do trabalho Nos anexos encontram-se
os dados analisados transcritos foneticamente e dispostos em tabelas
29
2 MARCACcedilAtildeO LINGUIacuteSTICA
A nossa vida eacute mesmo assim Crescemos uns qual aacutervore indivisa levados pela forccedila de um destino retiliacuteneo como as palmeiras crescem
outros com a vida ramificada pelos empuxos ambientes Pretendemos Tentamos Retrocedemos
Afinal caminhamos na diretriz primitivamente escolhida quando o tempo nos concede alcanccedilar crescemos como as lianas5
(ROQUETTE-PINTO 1919 p 37)
21 INTRODUCcedilAtildeO
Eacute fato que o universo eacute regido por leis naturais O que aparentemente demonstra
ser fruto da eventualidade eacute um conjunto de princiacutepios explicaacuteveis que agem de
forma complementar sob as forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas Com a liacutengua(gem)
natildeo diferentemente enquanto sistema de relaccedilotildees ela reflete estas
caracteriacutesticas Para Croft (2003 p 25) ela reflete a tensatildeo entre duas tendecircncias
concorrentes - uma em direccedilatildeo agrave regularidade a outra em direccedilatildeo agrave
hierarquizaccedilatildeo
Com o objetivo de melhor compreensatildeo dos pressupostos da tese neste capiacutetulo
nos deteremos agrave compreensatildeo dos conceitos de marcaccedilatildeo assimetria e
naturalidade Oriundos da linguiacutestica de base estes termos estatildeo relacionados
aos universais linguiacutesticos A complexidade destes conceitos por outro lado
apontam para o que eacute individual e para o que eacute geral Tem a ver com o que jaacute
defendia Chomsky ao estabelecer a dicotomia Princiacutepios x Paracircmetros
Obviamente posta a complexidade da liacutengua esses ldquoagentesrdquo da linguagem
5 Espeacutecie de trepadeira que manteacutem sua raiz no solo mas necessita de um suporte para manter-
se ereta e crescer em direccedilatildeo agrave luz
30
estatildeo submetidos tambeacutem aos fatores internos e externos nas liacutenguas do mundo
Logo o que eacute marcado numa liacutengua pode natildeo ser em outra ou podem ocorrer
marcaccedilotildees mais globais
Matras e Elsik (2006 p12) discorrem que
A tarefa da teoria linguiacutestica eacute a nosso ver descrever como essas tendecircncias concorrentes satildeo responsaacuteveis pela formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas Trata-se de um jogo a niacutevel local de vaacuterios fatores a estrutura e sua funccedilatildeo na comunicaccedilatildeo o membro e o valor que ela representa tanto dentro do paradigma e em um quadro conceitual mais universal a natureza do processo especiacutefico envolvido na formaccedilatildeo a estrutura e a motivaccedilatildeo para aplicar esse processo para o paradigma ou partes dele Esta complexa interaccedilatildeo de fatores nunca eacute preacute-determinada uma vez que diferentes combinaccedilotildees de fatores tornaratildeo resultados diferentes A este respeito tomamos uma visatildeo imparcial do que condiccedilatildeo marcada eacute e se eacute ou natildeo uma estrutura eacute marcado ldquoem comparaccedilatildeo com a outrardquo Em vez disso nosso interesse eacute em explorar padrotildees nos resultados de diferentes combinaccedilotildees de fatores em niacutevel local
A assimetria e a naturalidade efetivamente teriam uma relaccedilatildeo direta com a
marcaccedilatildeo O que eacute assimeacutetrico tende a ser mais marcado e menos natural Por
outro lado o que eacute mais natural tende a ser menos marcado e mais simeacutetrico
Esta eacute uma condiccedilatildeo elementar mas natildeo totalitaacuteria para as liacutenguas do mundo
Para Batistella (1996 p115) haacute um nuacutemero de pesquisadores que sugerem
formas especiacuteficas em que as condiccedilotildees de marcaccedilatildeo desempenham um papel
na descriccedilatildeo na alteraccedilatildeo ou na aquisiccedilatildeo da liacutengua(gem) exercendo uma
funccedilatildeo relevante na definiccedilatildeo da gramaacutetica oacutetima agravequela que eacute o resultado
satisfatoacuterio na teoria da otimalidade6
6 Mesmo natildeo trabalhando diretamente com a teoria da otimalidade nesta tese eacute vaacutelido ressaltar
que os princiacutepios de marcaccedilatildeo simetria e naturalidade fazem parte do arcabouccedilo teoacuterico de seu axioma
31
No que diz respeito agrave fonologia aacuterea da linguiacutestica sob a qual se debruccedila o objeto
de estudo desse trabalho Battistella (1966 p65) observa que condiccedilatildeo marcada
eacute uma propriedade da relaccedilatildeo entre os dois sinais de um paradigma diacriacutetico
que eacute em parte independente da substacircncia linguiacutestica articulaccedilatildeo e percepccedilatildeo e
deve ser definido principalmente como conceitual
No que se refere aos conceitos postos aqui utilizaremos os pressupostos teoacutericos
defendidos por CROFT (1996 2003) JAKOBSON (1953) BATTISTELLA (1996)
MATRAS amp ELSIK (2006) para descriccedilatildeo teoacuterica e abordagem histoacuterica e LACY
(2006) para a descriccedilatildeo dos universais marcados para tratarmos das elucidaccedilotildees
sobre Marcaccedilatildeo Tipoloacutegica (no contato linguiacutestico) e Naturalidade
22 MARCACcedilAtildeO
Battistella (1996 p7) afirma que em muitas aacutereas alguns conceitos apresentam
problemas quanto agrave sua complexidade axioloacutegica Natildeo diferentemente no campo
da linguiacutestica tais discussotildees emblemaacuteticas ainda hoje se fazem presentes Uma
dessas discussotildees gira em torno do conceito de marcaccedilatildeo pois segundo ele
A dicotomia natildeo-marcado versus marcado eacute um dos conceitos-chave tanto a teoria da gramaacutetica gerativa desenvolvida por Noam Chomsky e a teoria da linguiacutestica estrutural desenvolvida por Roman Jakobson Ela tem sido usada em aacutereas da linguiacutestica que vatildeo desde a descritiva e tipoloacutegica ateacute a aplicada e foi emprestado para campos tatildeo diversos como a antropologia arte muacutesica poesia e literatura
O termo que fora introduzido na linguiacutestica na deacutecada de 1920 pelos linguistas
europeus da Escola de Praga cujo significado da condiccedilatildeo marcada natildeo
32
permaneceu constante mesmo dentro de uma uacutenica estrutura intelectual hoje eacute
um marco central na linguiacutestica O conceito de marcaccedilatildeo estaacute relacionado agrave
frequecircncia daquilo que eacute menos comum na liacutengua Logo a relaccedilatildeo deste conceito
se coaduna agrave noccedilatildeo de naturalidade Se um elemento eacute mais natural ele seraacute
menos marcado Se o oposto seraacute mais marcado Deste modo as liacutenguas teriam
uma tendecircncia a optar por padrotildees natildeo marcados
Battistella (2006 p13) expotildee que
A possibilidade de relaccedilotildees universais marcado natildeo-marcado eacute atenuada por outros fatores Um deles eacute a observaccedilatildeo de que a assimetria eacute muitas vezes sensiacutevel ao contexto Isso faz com que uma condiccedilatildeo local marcada em vez de um fenocircmeno geral signifique que contexto deve sempre ser considerado ao determinar valores de condiccedilatildeo marcada Poderia ser eacute claro que o aspecto contextual da condiccedilatildeo marcada seja dado universalmente mas este natildeo eacute de modo algum faacutecil de mostrar aleacutem do niacutevel de fonologia Uma preocupaccedilatildeo relacionada sobre as implicaccedilotildees universais decorre do fato de que muitas assimetrias podem ser revertidas entre as diferentes comunidades de fala periacuteodos de tempo ou registradores
Para Trask (2004 p187) os vaacuterios criteacuterios para entender que uma forma ou
construccedilatildeo eacute marcada podem natildeo coincidir e os valores da alternativa marcado
natildeo-marcado podem tambeacutem mudar ao longo do tempo A complexidade posta na
interaccedilatildeo de fatores nunca eacute previamente estabelecida uma vez que as
diferentes combinaccedilotildees deles tornaratildeo consequentemente os resultados
diferentes
Em continuidade ele afirma que
Ser marcado eacute uma noccedilatildeo muito ampla que se aplica em todos os niacuteveis de anaacutelise Em termos gerais eacute marcada qualquer forma linguiacutestica que ndash sob qualquer ponto de vista ndash menos usual ou menos neutra do que alguma outra forma a forma natildeo-
33
marcada Uma forma marcada pode distinguir-se de outra tambeacutem marcada pela presenccedila de mais material de maior quantidade de matizes de significado por ser mais rara numa determinada liacutengua ou nas liacutenguas em geral ou de vaacuterios outros modos (idem p129)
Na e para a fonologia eacute sugerido que processos fonoloacutegicos estejam diretamente
sensiacuteveis agrave distinccedilatildeo entre os elementos marcados e os natildeo marcados Nesta
relaccedilatildeo a marcaccedilatildeo dos segmentos foneacuteticos estaacute relacionada a propriedades
linguiacutesticas como i) serem pouco comuns ii) serem pouco frequentes iii) serem
adquiridos tardiamente iv) serem pouco estaacuteveis quanto agrave mudanccedila sonora
(CRISTOacuteFARO-SILVA 2011 p148)
Segundo Battistella (2006 p 13) ldquoa condiccedilatildeo marcada na fonologia eacute uma
propriedade da relaccedilatildeo entre os dois sinais de um paradigma diacriacutetico que eacute em
parte independente da substacircncia linguiacutestica (articulaccedilatildeo e percepccedilatildeo) e deve ser
definida principalmente como conceitualrdquo
O conceito de marcaccedilatildeo estaacute diretamente relacionado ao de simetria propriedade
matemaacutetica que consiste na correspondecircncia e permuta de elementos dentro de
um conjunto onde mesmo com a troca de lugares eles continuam tendo o
mesmo valor Neste caso a marcaccedilatildeo estaria ligada ao conceito de assimetria
posto que esta seja a quebra da valoraccedilatildeo de correspondecircncia dos elementos
Trask 2007
Para Matras e Elsik (2006 p 8)
Assimetrias de paradigmas tecircm vindo a ser associado com a noccedilatildeo de condiccedilatildeo marcadardquo O conceito pressupotildee que a relaccedilatildeo estrutural entre os dois polos de um paradigma eacute previsiacutevel em certa medida Ele tambeacutem assume que um dos
34
polos marcado seraacute sempre exibir propriedades que o outro polo desmarcado natildeo tem
Os referidos autores tratam dos aspectos sobre assimetria afirmando que a
simetria eacute mais simples por ser explicada ldquoem termos formais ao niacutevel do
paradigma e em termos funcionais atraveacutes de regularidade na posiccedilatildeo e
formas das estruturas que executam operaccedilotildees lineares semelhantes na
organizaccedilatildeo de informaccedilatildeo de enunciadosrdquo Eles ainda afirmam que as ldquoas forccedilas
que provocam a assimetria satildeo muito mais opacasrdquo pois ldquoelas competem em
vaacuterios niacuteveis locais contra o poder aparentemente esmagador e sempre presente
da busca pela simetriardquo (idem p 10)
A noccedilatildeo de valores dos conceitos de marcados e natildeo marcados foi inicialmente
desenvolvido para sistemas fonoloacutegicos por Trubetzkoy (1931) e primeiro aplicado
a categorias morfossintaacuteticas e semacircnticas por Jakobson (1932) Croft (1990 p
87) afirma que Markedness has since been adopted by both the generative and
the typological approaches to linguistic theory not surprisingly in rather different
ways7 Por isso a depender da corrente teoacuterica adotada o conceito de marcaccedilatildeo
pode ser compreendido de forma distinta dadas as interpretaccedilotildees e as
abrangecircncias a que elas se propotildeem
Conforme Battistella (1996 p 12) O termo marcaccedilatildeo abrange uma seacuterie de
conceitos
algumas tentativas foram feitas para separar os conceitos subjacentes a este termo e distinguir entre diferentes tipos de condiccedilotildees marcadas Jakobson por exemplo manteacutem uma
7 O conceito de marcaccedilatildeo tem sido adotado nas abordagens gerativista e tipoloacutegica natildeo surpreendentemente de maneiras bastante diferentes
35
distinccedilatildeo entre condiccedilatildeo fonoloacutegica marcada que envolve categorias cujos significados satildeo meros diferenciadores e condiccedilatildeo marcada semacircntica que envolve categorias conceituais que sinalizam o que significa bem como distinguem os vocaacutebulos
Com os passar do tempo os modelos teoacutericos sobre marcaccedilatildeo tambeacutem foram
discutidos e repensados de acordo com a corrente a que se propunha Nos
paraacutegrafos que seguem discorremos seguindo o percurso histoacuterico descrito por
Battistella 2006 sobre estes modelos estruturalista gerativista tipoloacutegica e
naturalista
221 A concepccedilatildeo de Jakobson e Trubetzkoy
A abordagem estruturalista estaacute diretamente ligada agraves pessoas de Jakobson e
Trubetzkoy componentes do Ciacuterculo de Praga para quem as correlaccedilotildees
fonoloacutegicas satildeo compartilhadas em um elemento definidor comum A partir da
observaccedilatildeo do comportamento dos traccedilos fonoloacutegicos eles introduzem os termos
marcado e natildeo-marcado It was in the context of the search for correlations
among phonemes that the terms marked and unmarked were first proposed
Battistella (2006 p 19)
Na visatildeo semioacutetica estruturalista de acordo com Matras e Elsik (2006 p 15)
Trubetzkoy (1939) introduziu o conceito de condiccedilatildeo marcada no contexto de sua
pesquisa sobre correlaccedilotildees fonoloacutegicas com base nas relaccedilotildees entre a presenccedila
de alguma caracteriacutestica fonoloacutegica e sua ausecircncia na consciecircncia dos falantes
Mais adiante ele restringiu a aplicaccedilatildeo da condiccedilatildeo marcada agraves neutralizaacuteveis
36
oposiccedilotildees fonoloacutegicas A partir daiacute a neutralizaccedilatildeo tornou-se o criteacuterio de
marcaccedilatildeo
Por isso diz-se que a neutralizaccedilatildeo eacute um criteacuterio originalmente fonoloacutegico que foi
estendido (nem sempre bem) para a situaccedilatildeo em que algum contexto requer o
cancelamento do contraste entre os membros de uma oposiccedilatildeo Battistella (1996
p 11)
Batistella (idem p12) tambeacutem afirma que Jakobson aplicou o conceito de
marcaccedilatildeo em vaacuterias direccedilotildees e aleacutem da fonologia a outros niacuteveis linguiacutesticos e
domiacutenios da semioacutetica com base natildeo apenas nos atributos linguiacutesticos mas nas
categorias semacircnticas da gramaacutetica e da cultura Ele tambeacutem afirmou que a
condiccedilatildeo marcada pode ser vista como uma relaccedilatildeo binaacuteria
O autor em estudo ainda discorre que Jakobson observando aleacutem disso ldquouma
seacuterie de correlaccedilotildees de condiccedilatildeo marcada notou que os valores natildeo marcados
tendem a ser representado por zero formardquo sugerindo que existe uma
correspondecircncia entre as caracteriacutesticas semacircnticas e sua expressatildeo fonoloacutegica
ldquonatildeo apenas os valores marcados tendem a ser codificados por meio de
marcadores manifestados mas tambeacutem valores semanticamente proacuteximos de
uma categoria que tendem a ser expressos fonologicamente ou marcadores
fonotaticamente semelhantesrdquo Os valores marcados tambeacutem tendem a mostrar
diferenciaccedilatildeo menos formal do que os valores natildeo marcados
Jakobson tambeacutem teria evidenciado seus estudos com base nas observaccedilotildees
sobre a aquisiccedilatildeo de primeira liacutengua e sobre a afasia Em suas pesquisas ele
descobriu correlatos extralinguiacutesticos de condiccedilatildeo marcada propondo uma
37
hierarquia das caracteriacutesticas fonoloacutegicas universais ao coletar dados
corroboradores da tese de que as caracteriacutesticas ou segmentos marcados satildeo
mais difiacuteceis de serem adquiridos por crianccedilas e de serem apreendidos por
afaacutesicos Battistella (idem 16)
222 Abordagem Gerativa
Para Matras amp Elsik (2006 p10) a visatildeo de Chomsky de marcaccedilatildeo mostra uma
flexibilidade notaacutevel uma vez que o conceito natildeo foi desenvolvido de forma
sistemaacutetica e que eacute difiacutecil falar sobre a existecircncia de um trabalho mais bem
elaborado sobre marcaccedilatildeo em sua obra
Battistella afirma que na concepccedilatildeo gerativista o conceito de marcaccedilatildeo exposto
por Chomsky estaacute relacionado a duas ideias centrais i) a condiccedilatildeo marcada eacute
concebida como codificaccedilatildeo de uma estrutura de preferecircncia ou a estrutura
padratildeo para a aquisiccedilatildeo da linguagem e ii) a condiccedilatildeo marcada eacute vista como
aquela que reflete o custo de determinadas opccedilotildees analiacuteticas Em tal conceito as
duas ideias estatildeo interligadas na abordagem gerativa na medida em que uma
teoria formal eacute necessaacuteria para expor a adequaccedilatildeo explicativa no que diz respeito
agrave aquisiccedilatildeo da linguagem (1996 p18)
Ainda segundo o autor Chomsky tambeacutem distinguiu dois tipos de condiccedilatildeo
marcada a distinccedilatildeo entre uma gramaacutetica sem marcaccedilatildeo do nuacutecleo e uma
periferia marcada e as estruturas de preferecircncia dentro do nuacutecleo e dentro da
periferia
38
No que tange agrave fonologia para Moreira da Silva (2011 p 31)
No contexto da Gramaacutetica Gerativa Chomsky amp Halle (1968 p 402) propotildeem uma teoria de marcaccedilatildeo baseada num conjunto de convenccedilotildees de marcaccedilatildeo ou definiccedilotildees dos valores ldquomarcadordquo ldquonatildeo-marcadordquo para os traccedilos fonoloacutegicos em contextos particulares A marcaccedilatildeo concebe uma estrutura como preferida ou que surge por defeito omissatildeo Os elementos marcados e natildeo marcados satildeo compreendidos como os que apresentam maior ou menor custo Satildeo as regras da Gramaacutetica Universal que atribuem um valor natildeo marcado aos traccedilos Com efeito os valores por omissatildeo estatildeo codificados na Gramaacutetica Universal havendo um conjunto de regras que fazem emergir os valores marcados
Chomsky amp Halle (idem p 425) propotildeem uma marcaccedilatildeo universal e inata Os
segmentos marcados ou os valores dos traccedilos satildeo estabelecidos de acordo com
universais interlinguiacutesticos frequecircncia distribucional mudanccedila linguiacutestica e
aquisiccedilatildeo da liacutengua
Eacute no final dos anos 70 e durante a deacutecada de 80 que segundo Battistella (1996
p 10)
a condiccedilatildeo marcada comeccedilou a ser tratada como parte de uma teoria do nuacutecleo da gramaacutetica A Gramaacutetica nuclear consistia em alguns paracircmetros que deveriam ser corrigidos durante a aquisiccedilatildeo de uma linguagem real O conceito de condiccedilatildeo marcada foi aplicado duplamente neste quadro Em primeiro lugar todo o nuacutecleo da gramaacutetica foi considerado como natildeo marcado contra a periferia marcada A condiccedilatildeo marcada de uma construccedilatildeo foi determinada pela sua regularidade estabilidade e centralidade para o nuacutecleo de uma linguagem particular bem como por generalizaccedilotildees intralinguiacutesticas sobre os tipos de construccedilatildeo Em segundo lugar a condiccedilatildeo marcada seria tambeacutem aplicada aos valores de paracircmetros no interior do nuacutecleo e no interior da periferia Assim condiccedilatildeo marcada tambeacutem foi visto como uma estrutura de preferecircncia dentro dos dois componentes da gramaacutetica
Moreira da Silva (2011 p32) afirma que no que diz respeito agrave Teoria da
Otimidade formulada por Prince amp Smolensky (1993) a marcaccedilatildeo eacute vista como a
39
violaccedilatildeo de uma restriccedilatildeo ou princiacutepio da liacutengua Segundo esta teoria cada liacutengua
eacute definida como um conjunto de hierarquizaccedilotildees de princiacutepios universais As
restriccedilotildees numa posiccedilatildeo mais elevada e que satildeo raramente violadas indicam os
aspetos natildeo marcados enquanto as menos importantes e que satildeo violadas
frequentemente mostram os aspetos mais marcados
223 Abordagem Tipoloacutegica (Interlinguiacutestica)
Croft (1996 p4) afirma que a principal caracteriacutestica da tipologia linguiacutestica eacute
verificar as regras de comparaccedilatildeo nas liacutenguas do mundo A comparaccedilatildeo
Interlinguiacutestica coloca a explicaccedilatildeo dos fenocircmenos linguiacutesticos de uma uacutenica
liacutengua em uma nova e diferente perspectiva
A fim de distinguir o conceito de marcaccedilatildeo de outras escolas teoacutericas Croft
(1996) introduziu a concepccedilatildeo de marcaccedilatildeo tipoloacutegica Para ele
Marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute uma rede de relaccedilotildees causais aparentes entre um subtipo de assimetrias interlinguiacutesticas todas as quais tecircm a ver com a forma como a funccedilatildeo eacute codificada em forma gramatical O tema geral da assimetria tambeacutem sugere um link para os padrotildees assimeacutetricos na ordem das palavras e na fonologia que diferem de marcaccedilatildeo tipoloacutegica de forma significativa Marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute uma propriedade universal de uma categoria conceitual natildeo uma propriedade de uma linguagem especiacutefica ou de uma categoria gramatical de linguagem particular como eacute concebida em marcaccedilatildeo para a Escola de Praga (p87 - 88)8
8 Typological markedness is a network of apparent causal relationships among a subtype of cross-
linguistic asymmetries all of which have to do with how function is encoded into grammatical form The general theme of asymmetry also suggests a link to asymmetrical patterns in word order and phonology which differ from typological markedness in significant ways Typological markedness is a universal property of a conceptual category not a language-particular property of a language-particular grammatical category as it is in Prague School markedness
40
Quanto agrave marcaccedilatildeo na abordagem tipoloacutegica autores como Croft (1996) e Givoacuten
(1990) se utilizaram da perspectiva estruturalista para embasar a sua teoria Esta
concepccedilatildeo se vale dos fenocircmenos interlinguiacutesticos e universais que eacute a sua
caracteriacutestica definidora Battistella (2006 p19) A marcaccedilatildeo tipoloacutegica eacute
portanto uma ferramenta importante para o tipologista porque fornece um meio
para ligar diretamente propriedades linguiacutesticas (estruturais) formais em todos os
idiomas
A condiccedilatildeo marcada eacute assegurada por padrotildees interlinguiacutesticos que podem ser
formulados como restriccedilotildees sobre possiacuteveis combinaccedilotildees de propriedades
linguiacutesticas Na abordagem tipoloacutegica a marcaccedilatildeo eacute vista como uma rede de
relacionamentos que engloba uma seacuterie de padrotildees gerais logicamente
independentes Croft (1990 p87) reclassifica os criteacuterios utilizados pelos
estruturalistas em trecircs estruturais comportamentais e de frequecircncia de token
Na abordagem tipoloacutegica um valor de categoria eacute mais ou menos marcado em
vez de individualmente ou duplamente marcadas como na abordagem semioacutetica
De acordo com Croft (2003 p87) o fato de que a neutralizaccedilatildeo natildeo eacute um
conceito relativo explica por que eacute um criteacuterio vaacutelido de condiccedilatildeo marcada
tipoloacutegica
Para Matras e Elsik o reconhecimento do caraacuteter relativo (gradual ou escalar) da
condiccedilatildeo marcada permite que se desenhe em alguns conceitos fundamentais da
tipologia linguiacutestica o que diz respeito agrave condiccedilatildeo de marcada Aleacutem de simples
implicacionais universais hierarquias e protoacutetipos tambeacutem podem ser vistos como
padrotildees da condiccedilatildeo marcada (2006 p18)
41
224 Abordagem Naturalista9 (Morfologia Natural)
Na abordagem naturalista de acordo com Matras amp Elsik (2006 p13) a condiccedilatildeo
marcada foi desenvolvida na escola de Morfologia Natural que surgiu na Aacuteustria e
na Alemanha em meados dos anos 1970 Os estudos de Dressler et al (1987)
para quem ldquoa naturalidade universal corresponde agrave facilidade para o ceacuterebro
humano (Dressler et all 1987 p11) fazem parte desta corrente que se debruccedilou
sobre a morfologia natural para dar sustentaccedilatildeo a sua tese Ainda para estes
autores
Os proponentes da Morfologia Natural caracterizam sua abordagem como semioacutetica e ao mesmo tempo funcional A escola foi inspirada entre outros pela teoria da marcaccedilatildeo desenvolvida na Escola de Praga Por outro lado morfologistas naturais compartilham de uma seacuterie de pontos de vista teoacutericos com o paradigma funcionalista e principalmente com orientaccedilatildeo de funccedilatildeo tipoloacutegica como a assunccedilatildeo do caraacuteter relativo da condiccedilatildeo marcada a suposiccedilatildeo de protoacutetipos e a dependecircncia de motivaccedilotildees e evidecircncias extralinguiacutesticas e intralinguiacutesticas (Idem p12)
Ainda de acordo com Matras amp Elsik (idem p 14) a Teoria da Morfologia Natural
eacute concebida como uma teoria da Naturalidade onde satildeo reconhecidos vaacuterios
niacuteveis de anaacutelise linguiacutestica que satildeo organizados por outras subteorias
correspondentes
A Morfologia Natural objetiva nesse aspecto estabelecer conflitos entre os
princiacutepios de naturalidade Dois desses satildeo i) os conflitos entre princiacutepios de
naturalidade (o que eacute natural e o que eacute especiacutefico do idioma) e ii) os conflitos
entre os diferentes componentes do sistema de linguagem
9 The naturalness approach
42
Comumente a naturalidade eacute vista por ter fundamentos extralinguiacutesticos que
determinam ou proiacutebem favorecem ou desfavorecem as estruturas linguiacutesticas
restringindo as possibilidades e especificam as preferecircncias da faculdade da
linguagem universal No entanto embora a morfologia privilegie os fatores
extralinguiacutesticos (neurobioloacutegicos e sociocomunicativos) os fatores linguiacutesticos
natildeo satildeo redutiacuteveis aos extralinguiacutesticos (ibidem p14)
23 CRITEacuteRIOS DE MARCACcedilAtildeO
Matras amp Elsik (2006 p15) elencam quatro criteacuterios relevantes para a marcaccedilatildeo
Satildeo eles i) frequecircncia ii) complexidade conceitual iii) complexidade estrutural iv)
distribuiccedilatildeo
A frequecircncia tem ocupado uma posiccedilatildeo central na abordagem tipoloacutegica da
condiccedilatildeo marcada Embora acredite-se que os elementos natildeo marcados satildeo
mais frequentes que os marcados este criteacuterio eacute relativo e universalmente
aplicaacutevel sendo bastante questionaacutevel na abordagem tipoloacutegica chegando a ser
abandonado por Croft 1990 p84 ao afirmar que ldquoo criteacuterio de frequecircncia mostra
uma conexatildeo direta entre as propriedades de estrutura da linguagem e
propriedades de uso da linguagemrdquo
Ainda segundo Croft (idem p159) a condiccedilatildeo marcada eacute mais do que uma
manifestaccedilatildeo de motivaccedilatildeo econocircmica havendo a necessidade de olhar para
outras causas da frequecircncia de certos valores gramaticais na fala
43
Na abordagem estruturalista semioacutetica a complexidade conceitual eacute a
propriedade que define a condiccedilatildeo semanticamente marcada Para Jakobson a
marcaccedilatildeo eacute definida como uma relaccedilatildeo assimeacutetrica entre sinalizaccedilatildeo e natildeo-
sinalizaccedilatildeo de uma determinada propriedade Assim o membro marcado da
oposiccedilatildeo eacute por definiccedilatildeo mais complexo semanticamente que o membro natildeo
marcado como outros criteacuterios melhores correlatos da condiccedilatildeo marcada de
diagnoacutesticos de complexidade conceitual (Matras amp Elsik 2006 p 17)
Ainda segundo estes autores (Idem p 19) o reconhecimento da extensatildeo e da
complexidade de um marcador em termos fonoloacutegicos como um fator relevante
em vez de um morfoloacutegico eacute tido por outros autores que trabalham com a
tipologia linguiacutestica Como exemplo eles citam a codificaccedilatildeo morfossintaacutetica que
eacute chamada de codificaccedilatildeo zero onde natildeo existe evidente formal de marcaccedilatildeo de
um valor de categoria
Os criteacuterios de marcaccedilatildeo com base na distribuiccedilatildeo compreendem os criteacuterios
comportamentais e o criteacuterio de valor neutro Os criteacuterios comportamentais foram
desenvolvidos especificamente na abordagem tipoloacutegica e dizem respeito a
qualquer tipo de evidecircncia do comportamento linguiacutestico dos elementos que
demonstram que um valor de uma categoria conceitual eacute gramaticalmente mais
versaacutetil do que outro Croft (1990 p 93)
Jaacute o criteacuterio de valor neutro diz respeito agrave neutralizaccedilatildeo de contrastes
paradigmaacuteticos em determinados contextos O criteacuterio foi desenvolvido na Escola
de Praga e tomado por Greenberg (1966) No entanto o valor neutro eacute
descartado como um criteacuterio vaacutelido de marcaccedilatildeo tipoloacutegica visto que natildeo haacute
44
consistecircncia interlinguiacutestica Natildeo existe um padratildeo interlinguiacutestico consistente de
contextos neutros que podem ser ligados agrave codificaccedilatildeo estrutural ou potencial
comportamental (Croft idem p96)
A razatildeo para a introduccedilatildeo de criteacuterios dependentes do sistema em Morfologia
Natural segundo Matras amp Elsik (2006 p 19) eacute que o conceito de naturalidade
baseada exclusivamente em fatores independentes de sistema resulta em
prediccedilotildees incorretas especialmente na mudanccedila de linguagem Eles consideram
certos aspectos da normalidade dependente de idioma para ser parte de
naturalidade
Segundo Croft (1990 p 97) no que tange aos criteacuterios externos da marcaccedilatildeo os
proponentes da abordagem naturalista introduziram uma seacuterie de criteacuterios ou
correlatos extralinguiacutesticos da condiccedilatildeo marcada como
evoluccedilatildeo da linguagem (o mais tarde o mais marcado)
maturaccedilatildeo ontogeneacutetica (o mais tarde o mais marcado)
fala do bebecirc (menos elementos marcados preferidos pelos adultos no
maiecircs)
aquisiccedilatildeo da linguagem (menos marcado adquirido antes do mais
marcado)
distuacuterbios da linguagem e da fala (mais marcado afetado anteriormente
menos marcado)
testes de percepccedilatildeo (menos marcado mais facilmente percebida do que
mais marcado)
45
e erros linguiacutesticos (mais marcados evocam mais erros do que os menos
marcados)
Esses criteacuterios satildeo basilares e dariam conta de uma seacuterie de elementos
universais linguiacutesticos
24 MARCACcedilAtildeO MUDANCcedilA E CONTATO LINGUIacuteSTICO
Matras amp Elsik (2006 p 22) garantem que em muitas abordagens a
mudanccedila linguiacutestica eacute vista como cooperadora para compreensatildeo da marcaccedilatildeo
Logo a mudanccedila de idioma eacute tida como criteacuterio de marcaccedilatildeo Esta assertiva faz
sentido nesse trabalho visto que o objeto de anaacutelise o portuguecircs resultante do
contato entre o Portuguecircs e o Latundecirc trata de cacircmbio de materiais linguiacutesticos
Neste caso especificamente dos elementos foneacuteticos
Ainda de acordo com estes autores
A existecircncia de estruturas marcadas eacute um resultado inevitaacutevel da compartimentaccedilatildeo e da abertura do sistema de linguagem E uma vez que diferentes componentes da linguagem tecircm funccedilotildees divergentes e tendem a seguir diferentes princiacutepios de naturalidade o abandono das estruturas marcadas em um niacutevel implica em estruturas marcadas em outro niacutevel (Idem p
25)
Em outras palavras a mudanccedila linguiacutestica leva agrave condiccedilatildeo de marcaccedilatildeo na
mudanccedila de um componente da liacutengua para outro ao inveacutes de uma reduccedilatildeo
global de condiccedilatildeo marcada Tais estruturas marcadas satildeo obrigadas a existir em
qualquer momento na histoacuteria de uma liacutengua
46
Os estudiosos apontam para os dois tipos de forccedilas que agem no contato
linguiacutestico a interna e a externa Assim tais forccedilas podem simplificar ou complicar
a gramaacutetica de uma liacutengua Givoacuten (1979 p 123) diz que os falantes satildeo
propensos a recorrer a estruturas natildeo marcadas da Gramaacutetica Universal em
situaccedilotildees cujo contato estaacute ligado ao estresse comunicativo enquanto situaccedilotildees
de contato menos marcados aquelas que prosseguem de forma mais gradual
natildeo precisam
Givoacuten (idem 124) diz que nas situaccedilotildees de pidgin a condiccedilatildeo de marcaccedilatildeo eacute
reduzida e situaccedilotildees de contato entre liacutenguas podem resultar em aumento de
elementos marcados As categorias marcadas satildeo reduzidas em pidgins
enquanto as natildeo-marcadas satildeo as primeiras a serem inovadas durante o
processo de crioulizaccedilatildeo A marcaccedilatildeo sugere que em situaccedilotildees de contato
envolvendo a interferecircncia deve favorecer a reduccedilatildeo da condiccedilatildeo marcada
Na aquisiccedilatildeo de segunda liacutengua o grau relativo de dificuldade para o aprendiz
estaacute relacionado a fatores extralinguiacutesticos como idade Eacute fato que na aquisiccedilatildeo
de uma segunda liacutengua os adultos tendem a terem dificuldades com os padrotildees
mais marcados enquanto os mais novos natildeo a tem Estruturas marcadas da
liacutengua em aquisiccedilatildeo podem deixar de serem adquiridas durante a aprendizagem
caso sejam os adultos que a esteja adquirindo Por isso estruturas natildeo marcadas
satildeo mais propensas a surgir em grandes sociedades caracterizadas por um
intenso contato linguiacutestico levando agraves liacutenguas a simplificaccedilatildeo dos seus sistemas
linguiacutesticos Croft (2000 p 192-193)
47
Jakobson (1978 p 35-37) afirma que quanto maior a funccedilatildeo socioespacial de um
dialeto mais simples seraacute o seu sistema linguiacutestico Dialetos e liacutenguas
relativamente isoladas satildeo mais propensas a desenvolverem condiccedilotildees marcadas
e estruturas redundantes como conjunto de fonemas complexos com um elevado
nuacutemero de contrastes fonoloacutegicos complexidade alofocircnica e alomoacuterfica
irregularidade morfoloacutegica e padrotildees de concordacircncia complexos Por outro lado
os casos de alto contato dialeacutetico que satildeo caracterizadas por redes sociais
relativamente abertas satildeo susceptiacuteveis agrave produccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas natildeo
marcadas pela diminuiccedilatildeo da irregularidade da redundacircncia e da complexidade
Apesar de os empreacutestimos serem um aspecto do aumento da condiccedilatildeo marcada
ela (a condiccedilatildeo) eacute operativamente especiacutefica de cada empreacutestimo Esta condiccedilatildeo
marcada do empreacutestimo coodetermina quais as formas e funccedilotildees satildeo mais
susceptiacuteveis de serem emprestadas do que outras Quanto mais transparente e
menos integrador for um elemento na liacutengua de origem torna-se mais provaacutevel de
ser emprestado A condiccedilatildeo marcada eacute relativa ao contexto agrave saliecircncia agrave
frequecircncia agrave ocorrecircncia e agrave distacircncia tipoloacutegica da situaccedilatildeo do contato Matras amp
Elsik (2006 p 26)
Croft (2000 p198) estende a noccedilatildeo de condiccedilatildeo marcada natildeo soacute para os
mecanismos de mudanccedila mas tambeacutem para as formas de contextos de difusatildeo
ou seja padrotildees de realizaccedilatildeo Ele afirma que enquanto na mudanccedila interna as
inovaccedilotildees entram nos pontos menos marcados e estendem a ambientes mais
acentuados em empreacutestimos e outras inovaccedilotildees mudanccedilas motivadas
externamente se espalham de pontos marcados para menos contextos marcados
48
25 JAKOBSON E A ABORDAGEM FONOLOacuteGICA DA MARCACcedilAtildeO
O termo marcaccedilatildeo recebeu o tratamento mais expansivo nos estudos de Roman
Jakobson a partir de 1930 Ele e Trubetzkoy difundiram a ideia de correlaccedilatildeo
fonoloacutegica como uma seacuterie de oposiccedilotildees binaacuterias que compartilham elementos
em comum Eacute Jakobson que afirma que a neutralizaccedilatildeo e o estaacutegio onde as
posiccedilotildees marcadas natildeo estatildeo em estado de marcaccedilatildeo
Eacute tambeacutem Jakobson quem introduz a concepccedilatildeo de niacuteveis de marcaccedilatildeo propondo
que a forma natildeo marcada tanto tem uma forma geral como uma parcial Ele
descobriu uma relaccedilatildeo entre a marcaccedilatildeo em uma hierarquia universal de traccedilos
fonoloacutegicos os traccedilos marcados implicam maior dificuldade de aprendizagem e
uma maior facilidade de perda por parte de pessoas com afasia Ele ainda diz
que
O padratildeo do desenvolvimento fonoloacutegico universal consiste numa progressatildeo de diferenciaccedilotildees cada vez mais finas entre traccedilos distintivos inicialmente distinccedilatildeo entre consoantes e vogais formando-se posteriormente oposiccedilotildees cada vez menos universais A dissoluccedilatildeo da competecircncia linguiacutestica individual nas patologias da linguagem eacute governada pela mesma regularidade a perda do valor primaacuterio pressupotildee a perda do valor secundaacuterio e eacute por isso que se fala da infantilidade da fala dos afaacutesicos A dissoluccedilatildeo do sistema de sons nos afaacutesicos fornece uma imagem de espelho do desenvolvimento fonoloacutegico da crianccedila ndash os sons a serem adquiridos mais tardiamente satildeo os primeiros a serem perdidos (1941 p 60-63)
No percurso da fonologia Jakobson (1941 p 84) viu a representaccedilatildeo fonecircmica
como um niacutevel sem redundacircncia de representaccedilatildeo que conteacutem apenas
informaccedilotildees distintivas A praacutetica descritiva da informaccedilatildeo teoacuterica de Jakobson
49
teve uma grande e importante influecircncia sobre a notaccedilatildeo livre da redundacircncia na
fonologia e na sintaxe gerativas
Com base na literatura meacutedica Jakobson examinou a aquisiccedilatildeo da linguagem e a
afasia da fala agrave luz dos universais linguiacutesticos propondo uma relaccedilatildeo entre uma
hierarquia universal dos traccedilos fonoloacutegicos a aquisiccedilatildeo da linguagem na infacircncia
e a perda dela durante a afasia A aquisiccedilatildeo fonoloacutegica da crianccedila e os distuacuterbios
dos afaacutesicos baseiam-se nas mesmas leis de solidariedade como o inventaacuterio
fonoloacutegico o percurso fonoloacutegico das liacutenguas do mundo
Os estudos de Jakobson e de Trubetzkoy sobre a tipologia fonoloacutegica levaram
Jakobson a propor que os sistemas de sons satildeo organizados hierarquicamente e
que certas oposiccedilotildees fonoloacutegicas fornecem o nuacutecleo do sistema de som de todas
as liacutenguas Estas satildeo as oposiccedilotildees que definem os sons mais prototiacutepicos mdash
vogais e consoantes que ocorreratildeo em todos os idiomas vogais cardeais a i
u consoantes plosivas p t k e as nasais m n Estes sons satildeo
encontrados em praticamente todas as liacutenguas do mundo
Jakobson propotildee novas leis implicativas entre estes sons e os sons fora do
inventaacuterio baacutesico Dessa forma as leis tipoloacutegicas preveem que em nenhuma
liacutengua haveraacute vogais nasais a menos que haja vogais orais nenhuma liacutengua teraacute
uma vogal arredondada posterior a menos que ela tambeacutem tenha uma vogal
anterior fechada natildeo arredondada nenhuma liacutengua teraacute uma vogal fechada natildeo
arredondada a menos que ela tambeacutem tenha uma arredondada nenhuma liacutengua
teraacute uma fricativa dental simples sem uma fricativa dental estridente (Idem 1941
p 86)
50
Jakobson tambeacutem observa que certos sons satildeo muito raros nas liacutenguas do
mundo por exemplo as fricativas laterais e o r tcheco estridente Ele propotildee que
esses sons satildeo mais afastados do nuacutecleo e portanto menor nesta hierarquia
A hierarquia de oposiccedilotildees fonoloacutegicas definida pela tipologia encontra-se tambeacutem
no desenvolvimento do sistema foneacutetico da crianccedila Com base em estudos diaacuterios
de aquisiccedilatildeo da linguagem ele confirma a hierarquia na aquisiccedilatildeo dos padrotildees e
os padrotildees mais marcados seriam adquiridos tardiamente
Moreira da Silva (2011 p36) elenca os criteacuterios de marcaccedilatildeo No entanto a
autora chama a atenccedilatildeo para o fato de que eles nem sempre funcionam do modo
esperado Satildeo eles frequecircncia distribuiccedilatildeo aquisiccedilatildeo da liacutengua patologias da
linguagem histoacuteria da liacutengua facilidade de produccedilatildeo e percepccedilatildeo universalidade
implicaccedilatildeo e processos fonoloacutegicos Ela tambeacutem apresenta algumas unidades e
estruturas consideradas mais marcadas como podemos ver a seguir
Quadro 1 Unidades e estruturas mais marcadas conforme levantamento de Moreira da
Silva (2011)
Segmentos e estruturas mais marcadas Autores
1 Vogais nasais Ferguson amp Chowdbury 1960
Greenberg 1966 14 Durand 1990
74 Kenstowicz 1994 63
2 Vogais longas Zipf 1935 1963 Greenberg 1966
14
3 Vogais meacutedias em comparaccedilatildeo com as
vogais altas
Kenstowicz 1994 65
4 Consoantes aspiradas Greenberg 1966 14
5 Consoantes glotalizadas Greenberg 1966 17
6 Obstruintes [+vozeadas] por oposiccedilatildeo agraves [- Greenberg 1966 14 24
51
vozeadas] Lass1984 155 Kenstowicz 1994
62
7 Consoantes fricativas por oposiccedilatildeo agraves
oclusivas
Kenstowicz 1994 65
8 Articulaccedilotildees secundaacuterias como labializaccedilatildeo
palatalizaccedilatildeo e velarizaccedilatildeo
Kenstowicz 1994 65
9 A regiatildeo dental alveolar eacute preferida com
exceccedilatildeo das africadas o que pode ser
observado pelo fato de este ser o ponto de
articulaccedilatildeo usado quando numa liacutengua
existe apenas uma obstruinte Nas nasais
esta tendecircncia ainda se faz notar mais
resultando na preferecircncia por n
Lass 1984 154-156
10 Segmentos com articulaccedilotildees muacuteltiplas e
complexas no geral satildeo mais marcados em
comparaccedilatildeo com segmentos com
articulaccedilotildees singulares
Kenstowicz 1994 65
11 Quanto agraves liacutequidas a lateral seraacute a menos
marcada jaacute que as liacutenguas que possuem
duas ou mais liacutequidas tecircm provavelmente
uma lateral e um contraste lateral natildeo
lateral
Lass 1984 158
12 Em termos de semivogais haacute uma
preferecircncia por j embora a maioria das
liacutenguas possua tambeacutem w as outras
semivogais satildeo raras
Lass 1984 158
13 Siacutelabas acentuadas ndash nem todas as liacutenguas
tecircm siacutelabas acentuadas embora estas
surjam cedo na aquisiccedilatildeo talvez devido agrave
sua saliecircncia perceptiva e no caso do inglecircs
devido ao fato de as palavras lexicais serem
iniciadas por siacutelaba toacutenica
Demuth 1996 121
14 Quanto agrave siacutelaba existe a preferecircncia pelo
formato natildeo marcado CV
Blevins 1995 213
15 De acordo com a TO a siacutelaba estaacute sujeita agraves Archangeli 1997 7 Hammond
52
seguintes restriccedilotildees universais
a) As siacutelabas comeccedilam com consoante -
Ataque
b) As siacutelabas tecircm uma vogal - Nuacutecleo
c) As siacutelabas acabam com uma vogal - Natildeo
Coda
d) As siacutelabas tecircm no maacuteximo uma consoante
numa margem - Complexo
(significa que os ataques complexos e codas
complexas satildeo inaceitaacuteveis)
e) As siacutelabas satildeo compostas por consoantes
e vogais - Ataque e Nuacutecleo
1997 36
As estruturas elencadas no quadro acima satildeo validadas interlinguisticamente
Com relaccedilatildeo agraves liacutenguas em contato objeto deste estudo podemos afirmar que o
portuguecircs apresenta menos estruturas marcadas do que o Latundecirc No caso do
portuguecircs as estruturas em 2 4 5 e 10 constantes do quadro acima natildeo satildeo
observadas
Jaacute no Latundecirc aleacutem de todas as estruturas apresentadas no quadro ainda satildeo
observadas as seguintes estruturas mais marcadas
estrutura silaacutebica bastante complexa
inventaacuterio vocaacutelico maior do que o consonantal
53
combinaccedilatildeo de dois traccedilos mais marcados em um segmento (vogais
nasais e laringais) e
acento e tom lexicais
Para refletirmos sobre a marcaccedilatildeo no processo de interferecircncia Latundecirc ndash
Portuguecircs trataremos no capiacutetulo seguinte de conceitos a cerca do contato
linguiacutestico
54
3 CONTATO LINGUIacuteSTICO
ldquoBilingualism is for me the fundamental problem of linguisticsrdquo Jakobson10
31 INTRODUCcedilAtildeO
A histoacuteria em grande parte gira em torno de lendas e mitos Um desses mitos eacute o
surgimento das liacutenguas do mundo Questionamentos de como e quando elas
sugiram permeiam ainda hoje as mentes dos filoacutesofos e cientistas Natildeo
diferentemente das demais aacutereas a perspectiva teoloacutegica descreve a narrativa da
construccedilatildeo da Torre de Babel como uma dessas tentativas de explicaccedilatildeo no que
tange agrave miscelacircnea de liacutenguas existentes Jackob Bohme teoacutelogo do seacuteculo XVII
afirma em seu De Signatura Rerum11 que a liacutengua divina original raiz ou matildee de
todas as liacutenguas do mundo eacute chave para um conhecimento verdadeiro e perfeito
de todas as coisas Eacute no ato da criaccedilatildeo que o primeiro homem Adatildeo
contemplando as obras do Criador de toda a natureza nomeara todas as
criaturas de acordo com suas proacuteprias qualidades essenciais usando a
linguagem humana como meio
A hipoacutetese defendida por Bohme tambeacutem fora amplamente sustentada pelos
filoacutelogos e comparatistas do final do seacuteculo XVIII Sem viacutenculo com a teologia
estes estudiosos buscavam atraveacutes da reconstruccedilatildeo da aacutervore linguiacutestica a
protoliacutengua a liacutengua-matildee geradora das demais liacutenguas
10
Apud Romaine 1995 p1 11
De Signatura Rerum (Desde o nascimento e o nome de todos os seres) 1622
55
Jacob Grimm filoacutelogo alematildeo com base nas descobertas de Rasmus Rask
aperfeiccediloou o meacutetodo comparatista sobretudo o que fora denominada de
ldquomudanccedila de somrdquo ou ldquoLei de Grimmrdquo12 com intuito de descrever as mudanccedilas
ocorridas na liacutengua-matildee o proto-indo-europeu (PIE) A Lei de Grimm estava na
base das discussotildees ocorridas mais tarde na Universidade de Leipzig
Alemanha no conhecido grupo dos neogramaacuteticos Os estudiosos desse ciacuterculo
questionaram os estudos de Grimm e seus compatriotas ao apontarem para o fato
de que os estudos comparatistas se basearem em dados de liacutengua escrita e natildeo
de liacutengua falada (GABAS JR 2008 p 80)
Humberto Eco em A busca da liacutengua perfeita13 nos relata sobre os projetos de
reconstruccedilatildeo em busca da liacutengua sagrada No seu livro o autor nos mostra que a
tentativa de procura de correlatos entre as liacutenguas do mundo eacute interesse antigo
das civilizaccedilotildees Ele afirma que na Europa no seacuteculo XIX houve 173 projetos de
reconstruccedilatildeo linguiacutestica
Dadas ateacute aqui as investigaccedilotildees eacute comum pensarmos que pelo prisma
teoloacutegico o surgimento das liacutenguas no planeta eacute fruto da desobediecircncia e
soberba humanas Eco idem nos mostra que haacute um equiacutevoco quanto a esta
interpretaccedilatildeo uma vez que no capiacutetulo XI v 1 do livro de Gecircnesis a Biacuteblia
12
A Lei de Grimm analisou sobre o vieacutes da fonologia as relaccedilotildees que havia entre as liacutenguas indo-
europeias As similaridades entre o alematildeo claacutessico grego e inglecircs antigo eram previstas a partir de leis foneacuteticas i) as consoantes oclusivas surdas (p t k kw) do PIE mudaram em fricativas surdas correspondentes (f θ h hw) nas liacutenguas germacircnicas ii) as consoantes oclusivas sonoras (bdggw) do PIE mudaram em oclusivas surdas correspondentes (p t k kw) nas liacutenguas germacircnicas iii) as consoantes aspiradas sonoras (bh dh gh gwh) do PIE mudaram em oclusivas natildeo-aspiradas sonoras correspondentes (bdggw) nas liacutenguas germacircnicas (GABAS JR 2008 p 78) 13
ECO Humberto A busca da liacutengua perfeita Traduccedilatildeo de Antonio Angonese Bauru Edusc
2001
56
discorre sobre a existecircncia de uma uacutenica genealogia de uma mesma liacutengua e de
uma mesma fala
Diferentemente no capiacutetulo que antecede a narrativa de Babel a proacutepria Biacuteblia
aponta para a existecircncia de famiacutelias linguiacutesticas distintas conforme Gecircnesis 11
v 5 Por estes foram repartidas as ilhas dos gentios nas suas
terras cada qual segundo a sua liacutengua segundo as suas
famiacutelias entre as suas naccedilotildees
v20 Estes satildeo os filhos de Catildeo segundo as suas famiacutelias
segundo as suas liacutenguas em suas terras em suas naccedilotildees
v 31 Estes satildeo os filhos de Sem segundo as suas famiacutelias
segundo as suas liacutenguas nas suas terras segundo as suas
naccedilotildees
Uma explicaccedilatildeo para tal passagem se daacute a partir da perspectiva dos filoacutesofos
gregos que concebiam os povos que falava de forma diferente como bagraverbaroi
seres que balbuciavam falando de forma incompreensiacutevel Logo acreditavam que
aqueles outros eram serem inferiores que natildeo falavam a liacutengua verdadeira da
razatildeo e do pensamento o logos
Tal conflito entre as liacutenguas existentes apontam para uma poliacutetica linguiacutestica que
muito explica a hierarquia (status) linguiacutestica ainda hoje atuante O status
linguiacutestico resultante das relaccedilotildees assimeacutetricas entre sociedades ou subgrupos de
uma sociedade decorre tambeacutem das circunstacircncias e condiccedilotildees que envolvem o
contato linguiacutestico Esse por sua vez evolue da dinacircmica proacutepria do processo em
que ocorrem conflitos e acomodaccedilotildees e que pode derivar pidgins crioulos e
mudanccedila linguiacutestica
57
No reconhecimento de um universo entrelaccedilado compartilhamos com o ponto de
vista de Eco (2001) e assumimos a ideia de que a existecircncia de cada liacutengua e de
sua historicidade eacute reveladora do entendimento do mundo
ldquoCada liacutengua constitui um determinado modelo de Universo um sistema semioacutetico de compreensatildeo do mundo e se temos quatro mil modos diferentes de descrever o mundo isto nos torna mais ricos Deveriacuteamos nos preocupar pela preservaccedilatildeo das liacutenguas tal como nos preocupamos com a ecologiardquo (ECO 2001 p234)
32 SOBRE O CONTATO LINGUIacuteSTICO
Pouco eacute sabido sobre o contato entre as liacutenguas do mundo quando diante da
imensidatildeo que eacute o universo linguiacutestico com o qual nos deparamos14 A
necessidade que os humanos tecircm de se comunicarem a partir do momento que a
interaccedilatildeo foi estabelecida eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o contato linguiacutestico
Trask (2004 p 66) afirma que poucas liacutenguas estatildeo - ou estiveram -
suficientemente isoladas para evitar todo tipo de proximidade e portanto toda
liacutengua mostra alguma prova de um contato antigo ou moderno entre liacutenguas
Thurston (1987 p 34) afirma que
toda liacutengua deve ter sofrido alguma influecircncia de seus vizinhos em um determinado ponto e tempo Para ele todos os idiomas satildeo liacutenguas mistas na medida em que todos copiaram formas lexicais e outros recursos linguumliacutesticos de liacutenguas vizinhas
Embora natildeo saibamos exatamente como se deu o contato entre as liacutenguas do
mundo as evidecircncias do contato podem ser observadas de forma objetiva
atraveacutes de empreacutestimos lexicais O contato linguiacutestico entretanto natildeo se reduz
14
Eacute estimado o nuacutemero de sete mil liacutenguas vivas atualmente ao redor do mundo (httpwwwethnologuecomworld Em 21 de janeiro de 2015)
58
apenas a itens lexicais oriundos dos empreacutestimos entre culturas distintas com
base na dominaccedilatildeo na expansatildeo do comeacutercio ou em qualquer circunstacircncia que
promova a necessidade de comunicaccedilatildeo entre culturas de liacutenguas diferentes
O contato a depender das liacutenguas envolvidas pode trazer consequecircncias muito
devastadoras Em casos extremos o impacto do contato pode ser avassalador
fazendo com que uma das liacutenguas seja extinta quer seja pelo deslocamento
linguiacutestico que seja pelo etnociacutedio Nestes casos ocorre a morte de uma das
liacutenguas em contato aspecto que discorremos na seccedilatildeo sobre as consequecircncias
do contato
No tocante aos efeitos do contato em relaccedilatildeo aos niacuteveis linguiacutesticos Trask Idem
afirma que o contato linguiacutestico pode ir mais longe que a interferecircncia lexical
afetando a gramaacutetica e a pronuacutencia
Concordando com o que afirma Trask Thomason postula que embora seja senso
comum que o resultado mais comum da mescla linguiacutestica seja o empreacutestimo de
palavras este eacute apenas a consequecircncia mais comum quando se trata da
intersecccedilatildeo linguiacutestica
When the agents of change are fluent speakers of the receiving language the first and redominant interference features are lexical items belonging to the nonbasic vocabulary later under increasingly intense contact conditions structural features and basic vocabulary may also be transferred from one language to the other (THOMASON 2001 p 36)
Natildeo obstante podem-se detectar exemplos de transferecircncias em todos os
aspectos linguiacutesticos uma vez que todos os niacuteveis da estrutura linguiacutestica satildeo
59
possiacuteveis de serem transferidos entre idiomas muacutetuos sem qualquer tipo de
restriccedilatildeo dadas as possibilidades de conjunturas sociais e estruturais
Quando as liacutenguas entram em contato as suas gramaacuteticas tambeacutem satildeo
intercruzadas Tal processo natildeo eacute algo simples e justo Diversos fatores externos
satildeo responsaacuteveis por esta miscelacircnea que devido a tais fatores nem sempre eacute
concebida de forma inocente
Em meio a condicionantes sociolinguiacutesticas assumimos que as gramaacuteticas
(sendo tambeacutem reflexo das relaccedilotildees intersocietaacuterias) entram num jogo em que
as peccedilas satildeo acomodadas de acordo com as necessidades comunicativas dos
interlocutores (GILES e CUPLAND 1991) Em meio a esse ldquojogordquo nos importa
refletir como os fenocircmenos que emergem do contato entre liacutenguas podem refletir
questotildees que envolvem a marcaccedilatildeo e universais linguiacutesticos
Para Aikhenvald (2007 p1)
As liacutenguas podem assemelhar-se umas as outras em categorias construccedilotildees e significados e nas formas reais usadas para expressaacute-las As categorias podem ser semelhantes porque satildeo universais e cada liacutengua tem alguma forma de fazer uma pergunta ou a elaboraccedilatildeo de um comando Ocasionalmente duas liacutenguas compartilham a forma por pura coincidecircncia
A literatura linguiacutestica atesta que a semelhanccedila interlinguiacutestica motiva estudos
tipoloacutegicos haacute deacutecadas (CROFT 1990 COMRIE 1989 WHALEY 1997) Embora
liacutenguas apresentem padrotildees regulares de desemelhanccedilas aquelas podem ser
agrupadas em tipos baacutesicos Essa realidade induz a reflexatildeo acerca da existecircncia
de universais linguiacutesticos
60
As liacutenguas individuais independentemente das semelhanccedilas tipoloacutegicas eou
geneacuteticas observadas entre elas satildeo sujeitas a mudanccedilas continuadas que
ocorrem tambeacutem devido ao contato linguiacutestico Para Thomason (2001 p14) as
influecircncias e consequecircncias do contato linguiacutestico satildeo descritas em trecircs niacuteveis i)
mudanccedila induzida pelo contato ii) mescla linguiacutestica extrema o que resulta em
pidgin crioulo e liacutenguas biliacutengues e iii) morte da liacutengua
A seguir abordaremos fenocircmenos decorrentes do contato linguiacutestico
33 MESCLAS DE CONTATO PIDGIN CRIOULO LIacuteNGUA FRANCA E JARGAtildeO
Um ponto saliente dos estudos sobre o contato linguiacutestio eacute o conceito de
ldquomescla15rdquo Este termo utilizado por Tarallo e Alkimin (1987 p7) descreve a
relaccedilatildeo entre as liacutenguas e seus resultados Inicialmente eles chamam a atenccedilatildeo
para o fato de a mescla ser interpretada como algo impuro definhamento
deterioraccedilatildeo Esta impureza linguiacutestica historicamente levou a sociedade a
alimentar a ideia de contaminaccedilatildeo e obviamente construir a discriminaccedilatildeo
linguiacutestica
Ao pensarmos sobre o processo de simbiose que as coisas e os elementos do
mundo estatildeo sujeitos em todo o tempo podemos ter uma ideia clara de que o
processo de amaacutelgama eacute proacuteprio natildeo apenas da natureza linguiacutestica mas de tudo
o que pode existir Apesar disso as mesclas com graus niacuteveis e saliecircncias
variadas nem sempre satildeo refletidas ou percebidas pelos usuaacuterios das liacutenguas do
15 Mescla eacute mistura contato amaacutelgama etc Tarallo e Alkimin (1987 p7)
61
mundo Focalizando a natureza da mescla o estudo das liacutenguas por seu turno
seja sincrocircnico ou diacrocircnico pode evidenciar os fenocircmenos do contato nos
diferentes niacuteveis linguiacutesticos
Tarallo e Alkimin (idem p9) salientam que o dinamismo linguiacutestico se daacute nas
ldquocomunidades de falardquo16 Eacute nelas e entre elas que se concretizam o contato
linguiacutestico que por sua vez produzem fenocircmenos de mescla ou de convivecircncia
coexistecircncia mecanismo ativado pelos indiviacuteduos que integram tais comunidades
Esse fato se alinha agrave perspectiva de que uma comunidade de fala natildeo eacute em
absoluto homogecircnea Nela podem coexistir processos de ordem interna e
externa assim como forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas (BAKHTIN 2010)17
A dinacircmica social eacute tambeacutem pontuada por Tarallo e Alkimin (ibidem p9) Esses
autores mencionam que a mescla linguiacutestica resultante da dinacircmica pode ser
intracomunidade ou intercomunidade No primeiro caso as variantes convivem
eou se entrecruzam em uma mesma comunidade de fala em que apenas uma
liacutengua eacute falada No segundo liacutenguas distintas coexistem e se misturam em uma
mesma comunidade Como exemplo de mesclas intracomunidades podemos citar
o portuguecircs e suas variantes questotildees geograacuteficas histoacutericas e sociais Satildeo
variantes que convivem ldquopacificamenterdquo em territoacuterio nacional Jaacute para as mesclas
intercomunidades tomemos o exemplo do conviacutevio do portuguecircs e demais liacutenguas
16
Labov (1972) conceitua comunidade de fala como grupo de falantes que segue as mesmas normas relativas ao uso da liacutengua Para Romaine (2000) trata-se de um grupo de falantes que natildeo compartilham necessariamente a mesma liacutengua poreacutem compartilham um conjunto de normas
e regras no uso da liacutengua 17
Bakhtin aponta a luta entre classes as forccedilas que agem de dentro para fora do sujeito ou das instituiccedilotildees assim como as forccedilas que agem fazendo o movimento oposto Eacute imprescindiacutevel vislumbrar o poder poliacutetico que a liacutengua tem
62
(alematildeo polonecircs e italiano) na regiatildeo sul bem como a coexistecircncia espaccedilo-
temporal entre diferentes liacutenguas indiacutegenas e entre elas e a liacutengua portuguesa
Ao discutir a mescla linguiacutestica sob a eacutegide do contato linguiacutestico Calvet (2004
p35) considera que haacute aproximadamente na Terra cerca de 5000 liacutenguas e
cerca de 150 paiacuteses Com base nesses nuacutemeros o autor nos diz que cada paiacutes
poderia ter 30 liacutenguas Apesar de em termos reais a distribuiccedilatildeo das liacutenguas natildeo
corresponder a esse cenaacuterio o pesquisador aponta para o fato de
que o mundo eacute pluriliacutengue em cada um de seus pontos e que as comunidades linguiacutesticas se costeiam se superpotildeem continuamente O plurilinguismo faz com que as liacutenguas estejam constantemente em contato O lugar desses contatos pode ser o indiviacuteduo (biliacutengue ou em situaccedilatildeo de aquisiccedilatildeo) ou a comunidade Idem (2002 p 35)
Os dados de Calvet deixam claro que desde sempre o contato linguiacutestico eacute uma
realidade da vivecircncia do humano Os acontecimentos histoacutericos de guerra
expansatildeo e colonizaccedilatildeo apontam para a mescla linguiacutestica Diante deste
contexto vemos que o relacionamento entre as liacutenguas do mundo eacute um processo
feacutertil para a diversidade linguiacutestica Outro aspecto de interesse decorre do fato de
o contato permitir a emergecircncia de padrotildees estruturais os quais trazem luzes
para a compreensatildeo da faculdade da linguagem
A depender do contato podemos avaliar diferentes fenocircmenos resultantes A
intensidade o contato linguiacutestico pode derivar instrumentos mais ou menos
elaborados de comunicaccedilatildeo definidos como jargatildeo pidgin e crioulo
63
Os primeiros estudiosos a se aterem sobre o estudo das liacutenguas pidgins e
crioulas se utilizaram dos dados (relatos) de missionaacuterios e comerciantes que
viajaram e mantiveram contato com as aacutereas das mesclas18
331 Pidgin
O termo pidgin foi usado pela primeira vez em 1850 para conceituar o conviacutevio do
inglecircs e o chinecircs19 Mas outras duas hipoacuteteses tambeacutem satildeo colocadas quando
se trata de pidgin A segunda afirma que o termo fora transportado da Ameacuterica do
Sul no iniacutecio do seacuteculo XVII pelos marinheiros e comerciantes ingleses da colocircnia
de Leigh ao estabelecerem contato com os iacutendios Pidiam A terceira explicaccedilatildeo eacute
a origem a partir da palavra portuguesa ocupaccedilatildeo que teria sofrido algumas
mudanccedilas foneacuteticas ateacute resultar em pidgin (TARALLO e ALKMIN 1987 p80)20
Para Couto (2001 p 1) o pidgin eacute uma liacutengua com uma reduccedilatildeo draacutestica da
gramaacutetica Esta reduccedilatildeo se daacute sobre a morfologia e o leacutexico Natildeo eacute liacutengua
materna de ningueacutem pois entre si os povos dominados soacute falam suas respectivas
liacutenguas ao passo que os dominadores nunca se datildeo ao trabalho de falar outra
liacutengua que natildeo a sua proacutepria
Crystal (2008 p 201) afirma que aleacutem do processo de reduccedilatildeo para o
surgimento do pidgin as comunidades de falas envolvidas neste processo
18
Tarallo e Alkimin 1987 p 109-114 citam Francisco Adolfo Coelho Hugo Schuchardt e Dirk Christiaan Hesseling como os pioneiros neste campo de estudo Este uacuteltimo atribui aos escravos europeus a forccedila linguiacutestica Foram eles (os escravos) os responsaacuteveis pelas alteraccedilotildees sofridas pelas liacutenguas maternas 19
Neste caso o termo business ao ser empregada na expressatildeo do pidgin chinecircs de base inglesa
dɛacuteju pidzIn significando thatrsquos your business 20
Ocupaccedilatildeo gt parsquosaw ou pasaɳ
64
necessitam cada uma delas se aproximarem sucessivamente dos traccedilos mais
oacutebvios da outra liacutengua Trata-se de uma intersecccedilatildeo nem sempre consciente mas
motivada por aspectos econocircmicos como o comeacutercio Daiacute o grande surgimento de
pidgins em aacutereas de intenso comeacutercio e desenvolvimento econocircmico
Dubois et all (1998 p 469) discorre que o pidgin mesmo natildeo sendo uma liacutengua
em si mesma eacute um sistema mais completo que o sabir pois seu vocabulaacuterio
cobre numerosas atividades O sabir ou liacutengua franca21 por sua vez eacute um
sistema linguiacutestico reduzido a algumas regras de combinaccedilatildeo e ao vocabulaacuterio de
determinado campo lexical
Ainda de acordo com Tarallo e Alkmin (1987 p 88)
Fontes histoacutericas indicam que no tempo das cruzadas nas regiotildees de batalhas entre mulccedilumanos e cristatildeos teria florescido uma liacutengua de contato denominada Liacutengua Franca ou sabir Com documentaccedilatildeo precaacuteria a existecircncia dessa liacutengua eacute contestada por alguns estudiosos Originalmente usada entre aacuterabes e europeus essa liacutengua teria se expandido tendo sido usada ao longo da costa do Mediterracircneo especialmente na Aacutefrica do Norte
Em Trask (2004 p228) o conceito de liacutengua franca eacute mais explorado Para ele a
liacutengua franca se distingue do pidgin quando por ventura um dos grupos
ldquoaprenderdquo a liacutengua do outro Neste caso a gramaacutetica e o leacutexico de uma
21
Na atualidade conforme Tarallo e Alkmin 1987 p 90 a expressatildeo liacutengua franca refere-se a um
fenocircmeno mais amplo a mescla de contato para intercomunicaccedilatildeo em situaccedilotildees biliacutengues e pluriliacutengues Como exemplo os autores citam a liacutengua wolof no Senegal do swahili no Quecircnia na Tanzacircnia e em Comores do Tucano no Nordeste da Amazocircnia
65
sobressaem agrave outra O pidgin eacute compreendido entatildeo como uma colcha de
retalhos que permite uma forma bastante rudimentar de comunicaccedilatildeo22
Ainda de acordo com Trasky (p229) um pidgin pode seguir caminhos distintos i)
ele pode cair em desuso ii) ele pode continuar em uso por vaacuterias geraccedilotildees e
durar seacuteculos iii) ele pode sofre algumas alteraccedilotildees e se transformar em liacutengua
materna Neste uacuteltimo caso trata-se do processo de crioulizaccedilatildeo do qual
abordaremos mais agrave frente
Hall apud Tarallo e Alkmin (1987 p 86) ao tratar do caraacuteter reducionista que o
pidgin apresenta em sua estrutura e leacutexico aponta algumas caracteriacutesticas que
definem tais simplificaccedilotildees
Niacutevel fonoloacutegico ndash o nuacutemero de contrastes empregados eacute reduzido As vogais representadas satildeo em geral as chamadas vogais cardinais (a e i o u) enquanto os grupos consonantais satildeo caracteristicamente evitados
Niacutevel morfoloacutegico ndash ausecircncia de algumas categorias flexionadas como gecircnero nuacutemero e tempo verbal
Niacutevel sintaacutetico ndash as estruturas sentenciais satildeo simples as sequecircncias tendem a ser coordenadas evitando-se as estruturas complexas e subordinaccedilatildeo extensiva
Niacutevel lexical ndash nuacutemero reduzido de vocaacutebulos cuja accedilatildeo se norteia pela extensatildeo de significados e por polissemias significativas
332 Crioulo
O crioulo eacute um pidgin consolidado Quando os falantes crianccedilas oriundos dessa
mescla linguiacutestica utilizam o pidgin como uacutenica liacutengua ou a liacutengua que passa a
ganhar mais evidecircncia esta se consolida como liacutengua materna
22
Conforme Tarallo e Alkmin (idem p 8) algumas caracteriacutesticas do pidgin satildeo i) seu caraacuteter
auxiliar e secundaacuterio para os dois grupos cada um dos grupos manteacutem sua proacutepria liacutengua no conviacutevio social do cotidiano e do habitual ii) as liacutenguas pidgin preenchem funccedilotildees sociais limitadas sobretudo aquelas vinculadas a atividades comerciais mercantilistas
66
Para Couto (2001 p2)
Liacutengua crioula eacute um pidgin que foi adquirido como liacutengua nativa como preconiza a chamada teoria da nativizaccedilatildeo De acordo com essa concepccedilatildeo o crioulo eacute um ex-pidgin ou seja um pidgin que virou liacutengua materna de uma comunidade
Ainda para Tarallo e Alkmin (1987 p 95) as liacutenguas crioulas constituem um
conjunto de liacutenguas cuja histoacuteria conhecida eacute ligada a uma situaccedilatildeo de contato
entre populaccedilotildees linguiacutesticas cultural e etnicamente distintas Estas satildeo
distinguidas das liacutenguas pidgin por possuiacuterem uma comunidade de falantes
nativos e consequentemente por desempenharem funccedilotildees sociais amplas como
qualquer liacutengua natural
Em Dubois et all (1998 p 161) daacute-se o nome de crioulos a sabires pseudo-
sabires ou pidgins que por motivos diversos de ordem histoacuterica ou sociocultural
se tornaram liacutenguas maternas de toda uma comunidade
As liacutenguas tipo pidgin de acordo com autores como Tarallo e Alkimin (1987 p
96) aleacutem de serem as liacutenguas que daratildeo origem aos crioulos (pois todo crioulo se
origina de um pidgin embora nem todo pidgin se transforme em crioulo) satildeo
associadas a atividades de comeacutercio enquanto os crioulos satildeo marcados pela
relaccedilatildeo de escravidatildeo
Quanto ao aspecto funcional as liacutenguas crioulas datildeo conta das necessidades
comunicativas totais de seus falantes nativos e usuaacuterios uma vez que a
passagem do estaacutegio de pidgin a crioulo eacute marcada por uma ampliaccedilatildeo do leacutexico
67
e de estrutura Neste caso para os estudiosos os crioulos nada mais satildeo que
pidgins enriquecidos23
O processo de evoluccedilatildeo de um pidgin em crioulo eacute descrito por Hall (1996 p 4)
em um diagrama Nele podemos ver que inicialmente o pidgin eacute configurado a
partir de um jargatildeo uma espeacutecie de pidgin instaacutevel Depois o pidgin ganha
estabilidade se configurando como um preacute-crioulo Por fim jaacute estabilizado o
pidgin se transforma em crioulo
Figura 1 Diagrama de Hall
LL = Liacutengua lexificadora ou de superstrato LS = Liacutengua de Substrato
De acordo com Hall (idem p 5) a evoluccedilatildeo do jargatildeo para o pidgin estaacutevel eacute
chamada de pidginizaccedilatildeo A evoluccedilatildeo do pidgin estaacutevel para o crioulo eacute
23
Valdman apud Tarallo e Alkimin 1987 p 96 cita um conjunto de traccedilos negativos dos crioulos franceses do Haiti de Guadalupe Martinica Reuniatildeo Mauriacutecio Seychelles e Rodrigues como i) ausecircncia de distinccedilatildeo de gecircnero ii) natildeo-obrigatoriedade de marcador de plural iii) verbos natildeo-flexionados iv) relacionamento parataacutetico no interior do sintagma nominal v) ausecircncia de hipotaxe vi) construccedilotildees passivas vii) vogais arredondadas viii) certos grupos consonantais
I = LL + LS pidgin instaacutevel jargatildeo
crioulo = III II = pidgin estaacutevel
68
denominada crioulizaccedilatildeo A volta do crioulo para o jargatildeo processo tambeacutem
possiacutevel eacute conhecido como descrioulizaccedilatildeo
Obviamente o crioulo eacute consequecircncia natural de situaccedilotildees de contato No
entanto nem todo contato linguiacutestico gera automaticamente um pidgin ou um
crioulo Os contatos podem daacute origem a fenocircmenos de mesclas diversas que
podem ou natildeo desaparecer ou serem absorvidas pelas liacutenguas presentes na
alquimia (TARALLO e ALKMIN 1987 p 103)
Quanto ao processo de desenvolvimento e de formaccedilatildeo de um pidgin e de
crioulos Hymes (1971 p 93) afirma que
A pidginizaccedilatildeo e a crioulizaccedilatildeo da linguagem natildeo satildeo processos marginais ao contraacuterio satildeo processos que ocorrem nas liacutenguas em geral Tais processos de natureza bastante complexa compreendem a ocorrecircncia de outros subprocessos os de mudanccedila A incidecircncia desses processos ocorre principalmente 1) na forma interna das liacutenguas (fala-se assim em reduccedilatildeo ou expansatildeo) 2) na forma externa das liacutenguas (daiacute se falar em amplificaccedilatildeo e complicaccedilatildeo) 3) no escopo de uso (o domiacutenio) de uma variedade linguiacutestica (fala-se assim em restriccedilatildeo ou extensatildeo)
Hymes (idem p 94) ainda explica que diferentemente da posiccedilatildeo claacutessica onde
um crioulo era oriundo (ou natildeo) de um pidgin nesta segunda proposta a
evoluccedilatildeo de um pidgin natildeo produz necessariamente um crioulo mas um conjunto
de variedades concorrentes chamada de contiacutenuo preacute-pidgin24
24
Para Hymes o contiacutenuo preacute-pidgin poderia evoluir e gerar a cristalizaccedilatildeo de um pidgin e teria autonomia enquanto sistema de comunicaccedilatildeo Com base nesta assertiva um pidgin seria o resultado de um processo que ganharia autonomia Esse pidgin constituiacutedo poderia se transformar em crioulo Mas o contiacutenuo preacute-pidgin natildeo evolui para um pidgin Torna-se possiacutevel supor a cristalizaccedilatildeo de um crioulo sem a existecircncia de um pidgin anterior (TARALLO E ALKMIN 1987 p 105)
69
Na concepccedilatildeo final deste autor o contexto inicial em que fora estabelecido o
contiacutenuo preacute-pidgin poderia alccedilar trecircs resultados aceitaacuteveis i) a cristalizaccedilatildeo de
um pidigin ii) a cristalizaccedilatildeo de um pidgin que se criouliza iii) a cristalizaccedilatildeo de
um crioulo sem necessariamente ter sido oriundo de um pidgin anterior
Tarallo e Alkimin (1987 p 106) afirma que a cristalizaccedilatildeo de um crioulo eacute apenas
uma das trecircs possibilidades para a mescla de contato que pode ser descrita da
seguinte forma i) o crioulo pode submergir ii) o crioulo pode se estabilizar sem
muitas variaccedilotildees iii) o crioulo pode se mesclar com liacutengua padratildeo oficial
De acordo com o que vimos ateacute aqui podemos descrever o processo de
hibridizaccedilatildeo linguiacutestica com base na mescla a partir dos seguintes estaacutegios i)
contiacutenuo preacute-pidgin ii) pidgin cristalizado iii) pidgin em processo de
despidginizaccedilatildeo iv) pidgin em processo de crioulizaccedilatildeo v) crioulo cristalizado vi)
crioulo em processo de descrioulizaccedilatildeo (contiacutenuo poacutes-crioulo)
333 Liacutengua Franca ou Sapir
O termo liacutengua franca refere-se agrave liacutengua de contato entre grupos ou membros de
grupos de liacutenguas distintas com finalidade para o comeacutercio Durante o Impeacuterio
Romano o grego serviu como liacutengua franca no oriente e no milecircnio seguinte o
latim no ocidente Esta liacutengua (o sapir) tambeacutem eacute conhecida como liacutengua de
marinheiro No mundo moderno o inglecircs desempenha este papel ao ser
considerado como liacutengua do comeacutercio e das ciecircncias
70
Devido agrave natureza colonizadora dos falantes suas liacutenguas serviram de liacutengua
franca em certos momentos da histoacuteria Eacute o caso do portuguecircs e do espanhol
durante a expansatildeo mariacutetima e do francecircs durante o seacuteculo VII
Trask (2004 p 167) relata que a expressatildeo lingua franca fora originadamente
utilizada para as liacutenguas dos francos francocircnio mas teve o sentido modificado
assumindo o sentido de liacutengua europeia ou liacutengua cristatilde Ele ainda assegura que
a liacutengua franca
era uma variedade de italiano fortemente suplementada com palavras derivadas do francecircs do espanhol do grego do aacuterabe e do turco que se usava como liacutengua do comeacutercio no Mediterracircneo oriental no final da Idade Meacutedia Desde entatildeo a denominaccedilatildeo aplica-se a toda liacutengua que desfruta de um amplo entre falantes de um grande nuacutemero de liacutenguas numa dada regiatildeo
No presente o termo eacute utilizado para designar uma liacutengua estabelecida haacute algum
tempo tida como materna em um grupo influente e que serve de comunicaccedilatildeo
entre os falantes de outras liacutenguas como por exemplo o papel que o inglecircs
exerce em Cingapura
Atualmente aleacutem do inglecircs inuacutemeras liacutenguas servem de liacutengua franca para
comunicaccedilatildeo entre os povos como por exemplo o tupi No entanto um caso que
merece destaque eacute o do esperanto liacutengua que vem sendo incorporada no mundo
desde a deacutecada de 80 com a finalidade de ser a liacutengua franca universal Vale
ressaltar que neste caso os interesses para que tal liacutengua se propagasse
eficientemente eacute diferente das liacutenguas francas da Idade Meacutedia uma vez que se
trata de uma liacutengua artificial criada com ideologias poliacuteticas filosoacuteficas e
religiosas
71
334 Jargatildeo
O jargatildeo eacute um pidgin instaacutevel Sua concepccedilatildeo se aproxima do sabir ou liacutengua
franca Romaine (2000 p182) faz uso desse termo para exemplificar o processo
de criaccedilatildeo de um crioulo
A simplificaccedilatildeo e a instabilidade satildeo as marcas mais salientes de um jargatildeo No
pidgin as normas satildeo mais estaacuteveis enquanto que no jargatildeo as normas natildeo satildeo
afixadas Segundo esta autora eacute a partir do jargatildeo que a mescla linguiacutestica se
configura
Figura 2 Configuraccedilotildees da Mescla Linguiacutestica segundo Romaine (2000 p185)
Tipo 1 Jargatildeo
Tipo 2 Jargatildeo
Tipo 3 Jargatildeo
Pidgin estabilizado
Pidgin estabilizado
Pidgin expandido
Crioulo
Crioulo
Crioulo
No tipo 1 o jargatildeo deu origem diretamente a um crioulo De forma diferente no 2
o crioulo natildeo se originou diretamente de um jargatildeo Este deu origem a um pidgin
estabilizado para posteriormente chegar a um crioulo No tipo 3 o jargatildeo evolui
se transformando em um pidgin estabilizado depois em um pidgin expandido ateacute
chegar a um crioulo O fato eacute que a origem nos trecircs casos estaacute em um jargatildeo
72
34 IMPLICACcedilOtildeES DO CONTATO LINGUIacuteSTICO
Todo contato resulta em processos linguiacutesticos que alteram e dinamizam as
liacutenguas do mundo que passam por transformaccedilotildees que advecircm tanto da sua
motivaccedilatildeo interna quanto da externa No que tange agraves motivaccedilotildees externas
podemos afirmar que satildeo os contatos os grandes responsaacuteveis por muitas dessas
transformaccedilotildees podendo resultar enoutros processos orirundos ou que se
assentam no contato
341 Bilinguismo
Os estudos e as correntes linguiacutesticas na sua maioria tecircm como base liacutenguas
uacutenicas ou comunidades monoliacutengues Contudo o bilinguismo ocorre amplamente
atraveacutes do mundo e permanece apresentando um leque de questionamento para
a comunidade cientiacutefica atual Embora natildeo seja de hoje o questionamento em
torno do bilinguismo25 soacute agora podemos vislumbrar o descortinar desse tema
Estudiosos do passado jaacute reconheciam a relevacircncia do fenocircmeno Jakobson
(1953) por exemplo assumiu que ldquobilingualism is for me the fundamental problem
of linguiacutesticsrdquo
Romaine (1995 p6) elenca alguns questionamentos com base no que deve ser
observado ao estudar o contato linguiacutestico
O que eacute que o desempenho dos falantes diante do processo biliacutengue nos diz
sobre a competecircncia de pessoas e das comunidades multiliacutengues
25
Do inglecircs bilingualism
73
Eacute a troca de elementos linguiacutesticos por acaso comportamento linguiacutestico e o
cacircmbio linguiacutestico aleatoacuterio
Isto eacute indicativo de fluecircncia pobre e inabilidade em uma ou ambas as liacutenguas em
outras palavras o resultado de competecircncia imperfeita
Ao contraacuterio com qual criteacuterio medimos a competecircncia dos biliacutengues
Pode-se distinguir entre troca empreacutestimo e interferecircncia linguiacutestica
Satildeo a mudanccedila de coacutedigo e o bilinguismo generalizado em uma comunidade
sinais de atrito de uma liacutengua minoritaacuteria
Satildeo os sistemas de idiomas que estatildeo disponiacuteveis para um indiviacuteduo biliacutengue
fundidos ou separados
Aleacutem desses questionamentos outros de base sociofilosoacutefica tambeacutem estatildeo
inseridos nos estudos sobre o bilinguismo Para alguns pesquisadores muitas
liacutenguas minoritaacuterias foram exterminadas devido agrave forte influecircncia e agrave troca
linguiacutestica No entanto mesmo sendo acusado por estes como um passo para o
extermiacutenio das liacutenguas minoritaacuterias o bilinguismo natildeo deve ser visto como o
responsaacutevel pela extinccedilatildeo pelo contraacuterio o estudo dele aliado ao conhecimento
metacognitivo poderatildeo contribuir para o salvamento de muitas dessas liacutenguas
ainda que no plano escrito jaacute que na oralidade muitas natildeo gozam do status de
suas liacutenguas como oficiais nas atividades sociais sendo relegadas aos rituais de
suas sociedades
O comportamento linguiacutestico de uma determinada sociedade natildeo pode servir
unicamente de paracircmetro para outras Assim se algumas comunidades
apresentam mais facilidade em absorver outra forma linguiacutestica umas tecircm maior
resistecircncia enquanto que outras convivem por centenas de anos lado a lado com
determinadas liacutenguas
74
O bilinguismo tambeacutem pode ser classificado como social ou individual Segundo
Appel e Muysken (1986) o bilinguismo social ocorre quando em determinada
sociedade duas ou mais formas linguiacutesticas satildeo faladas quando cedo toda
sociedade se torna biliacutengue mas elas podem se tornar diferentes no que se
relaciona ao niacutevel ou forma de bilinguismo conforme figura abaixo
Figura 3 Esquema de representaccedilatildeo do bilinguismo social segundo Appel e Muysken
(1986)26
De acordo com a figura na comunidade I as duas liacutenguas satildeo faladas por dois
diferentes grupos monoliacutengues No entanto um grupo reduzido de falantes
biliacutengues seraacute necessaacuterio para fazer a comunicaccedilatildeo entre os grupos Esta forma
de bilinguismo social geralmente ocorre no periacuteodo colonial dos paiacuteses Pode-se
tomar por exemplo o Brasil quando os portugueses aqui chegaram
Em sociedades representadas pela forma II todos os falantes satildeo biliacutengues Em
paiacuteses como Aacutefrica Iacutendia e Brasil existem muitas sociedades totalmente
biliacutengues em que os falantes dominam as duas formas linguiacutesticas existentes
26
Apud Appel e Muysken (1986) p 2
75
Na forma III um grupo dessa comunidade eacute biliacutengue enquanto a outra eacute
monoliacutengue sendo este grupo na maioria das vezes a minoria Pois geralmente
o grupo biliacutengue eacute o dominante e o outro o dominado Tal circunstacircncia eacute tiacutepica
das assimetrias comuns nas relaccedilotildees entre os sujeitos do contato Situaccedilatildeo
como essa evidencia o papel da liacutengua para uma sociedade a qual pode ser
objeto de libertaccedilatildeo e tambeacutem de dominaccedilatildeo
Como dito anteriormente estas formas de bilinguismo social natildeo satildeo uniformes
nem tatildeo pouco refletem em detalhe de todas as existentes no interior das
sociedades Em muitas comunidades a situaccedilatildeo linguiacutestica eacute extremamente
complexa com mais de dois grupos e linguagens envolvidos
Com relaccedilatildeo aos aspectos linguiacutesticos o estudo do bilinguismo pode responder e
explicitar os fenocircmenos decorrentes da situaccedilatildeo do contato Fenocircmenos no
domiacutenio do leacutexico ou da sintaxe podem ser muito produtivos Entretanto podemos
considerar que eacute o niacutevel da foneacuteticafonologia que marcadamente sofre a
interferecircncia com o contato linguiacutestico
No contato duas ou mais formas linguiacutesticas podem perdurar por anos conforme
os quadros I e III na figura 3 No entanto alguns fenocircmenos linguiacutesticos podem
ocorrer paralelamente Um embate linguiacutestico pode surgir dentro dessas
comunidades linguiacutesticas e estas liacutenguas podem cambiar o leacutexico uma da outra
Sobre isso Bloomfield (1961 p 25) classifica esses empreacutestimos em iacutentimos
culturais e dialetais
76
O empreacutestimo externo ou cultural sempre eacute motivado por contatos poliacutetico sociais
e comerciais inclusive militares sempre com a dominaccedilatildeo de um dos povos Jaacute
os empreacutestimos dialetais se datildeo entre os contatos dentro de uma mesma liacutengua
satildeo as variantes regionais
O que particularmente nos interessa - o empreacutestimo iacutentimo - ocorre quando as
duas liacutenguas passam a conviverem no mesmo campo geograacutefico Dessa forma
se a liacutengua A domina a liacutengua B poderatildeo ocorrer trecircs hipoacuteteses i) B desaparece
e deixa um substrato em A ii) A desaparece e deixa um superstrato em B iii)
permanecem as duas trocando elementos na condiccedilatildeo de adstrato No entanto
natildeo devemos esquecer que as motivaccedilotildees pelas quais os falantes se apropriam
ou satildeo obrigados a se apropriarem para adquirem outra(s) liacutengua(s) extrapolam
os aspectos aqui vislumbrados
Os exemplos dados por Romaine (1995 p 2) demonstram como pode ocorrer o
cacircmbio linguiacutestico entre a liacutengua materna e a liacutengua adquirida posteriormente A
partir desses exemplos a estudiosa elenca os questionamentos mais relevantes
que deveratildeo ser observados em pesquisas que tratam da anaacutelise das
comunidades biliacutengues
(a) Kio Ke six sevem hours te school de vie spend karde ne they are speaking English all the time (Panjabi Inglecircs)
Because they spend six or seven hours a day at school they are speaking English all the time27
(b) Will you rubim off Ol man will come (Tok Pisin Inglecircs)
27
ldquoPorque eles passam seis ou sete horas por dia na escola eles estatildeo falando inglecircs o tempo todordquo
77
Will you rub [that off the blackboard] The men will come28
(c) Sano esttaacute tulla tanne ettaacute Iacutem very sick (Finlandecircs Inglecircs)
Tell them to come here that Iacutem very sick 29
(d) Kodomotachi liked it (Japonecircs Inglecircs)
The children liked it 30
(e) Won o arrest a single person (Yoruba Inglecircs)
They did not arrest a single person 31
(f) This morning I hantar my baby tu dekat babysitter tu lah (Malay Inglecircs)
This morning I took my baby to the babysitter 32
De acordo com AiKhenvald e Dixon (2006 p 2)
Se duas ou mais liacutenguas estatildeo em contato os falantes de uma tendo conhecimento da outra eles podem compartilhar traccedilos linguiacutesticos incluindo haacutebitos de pronuacutencia Historicamente todo idioma deve ter sofrido certa influecircncia de seus vizinhos O impacto do contato eacute mais forte e mais faacutecil de ser discernido em alguns idiomas enquanto em outros eacute mais fraco
O que fora dito acima pode ser comprovado em qualquer comunidade em que a
liacutengua do colonizador fora imposta durante o ato de conquista ou de contato Em
algumas comunidades a situaccedilatildeo de bilinguismo eacute motivada por outras
28
ldquoVocecirc esfregaraacute [o quadro-negro de fora] Os homens viratildeordquo 29
ldquoChame-os aqui que eu estou muito doenterdquo 30
ldquoAs crianccedilas gostam dissordquo 31
ldquoEles natildeo prenderam uma uacutenica pessoardquo 32
ldquoEsta manhatilde eu ocupei meu bebecirc agrave babaacuterdquo
78
necessidades que se fazem presente nessa sociedade O portuguecircs eacute a liacutengua de
contato que eacute utilizada por todos os membros em situaccedilotildees diaacuterias e em contatos
com a comunidade externa Enquanto a liacutengua interna eacute utilizada em seus rituais
e eacute utilizada em contexto familiar que exige mais aproximaccedilatildeo familiar entre os
membros 33
342 Diglossia
O processo de diglossia pode ser compreendido conforme Dubois et all (1998 p
190) como i) situaccedilatildeo de bilinguismo ii) situaccedilatildeo biliacutengue na qual uma das
liacutenguas eacute de status sociopoliacutetico inferior iii) aptidatildeo que tem um indiviacuteduo de
praticar corretamente outra liacutengua aleacutem da liacutengua materna
Embora seja entendida tambeacutem como uma competecircncia linguiacutestica em que o
falante de uma determinada liacutengua possa conhecer os niacuteveis formal e informal de
sua gramaacutetica para este trabalho o conceito que recorremos eacute o de diglossia
enquanto situaccedilatildeo de conviacutevio de duas ou mais liacutenguas em uma comunidade
Trata-se neste caso da utilizaccedilatildeo de uma das liacutenguas como liacutengua oficial
enquanto a outra fica a cabo das situaccedilotildees de conviacutevio Geralmente a liacutengua do
dominador eacute a liacutengua das relaccedilotildees comerciais a outra eacute utilizada nos rituais ou no
seio das famiacutelias (comunidade)
Devido agraves colonizaccedilotildees e agrave globalizaccedilatildeo a diglossia eacute muito comum no mundo
poacutes-moderno Em paiacuteses que foram colocircnias portuguesas como Moccedilambique e
33
Como exemplo podemos citar o que ocorre com o Fulni-ocirc Conforme COSTA1993 p 58
79
Timor Leste por exemplo o Portuguecircs eacute a liacutengua oficial enquanto as liacutenguas
nativas satildeo conservadas no acircmbito familiar e em ciclos informais Assim como
nas comunidades mais desenvolvidas o aprendizado de mais de uma segunda
liacutengua faz com que as comunidades se tornem pluriliacutengues
Por causa desta competecircncia linguiacutestica em que o sujeito passa a dominar dois
ou mais coacutedigos o conceito de diglossia fora ampliado agraves comunidades
monoliacutengues Neste caso entende-se que o sujeito pode ser bi- ou multiliacutengue
fora e dentro da sua proacutepria liacutengua34
Para Ferguson (1991 p 5) a diglossia eacute
Uma situaccedilatildeo linguiacutestica relativamente estaacutevel em que junto aos dialetos primaacuterios da liacutengua (que podem incluir a variante padratildeo ou as normas regionais) haacute um dialeto muito divergente altamente codificado (muitas vezes bastante complexo gramaticalmente) sobrepondo-se agrave variedade Eacute o veiacuteculo de um grande e respectivo corpo de literatura escrita tanto de periacuteodo anterior ou de outra comunidade de fala eacute aprendido atraveacutes da educaccedilatildeo formal usado na escrita e na fala em contextos formais mas natildeo eacute usado em qualquer uma das seccedilotildees de comunidade para conversaccedilatildeo coloquial
Fishman (1967 p 8) afirma que a diglossia eacute gradual e variaacutevel Para ele o
conceito de diglossia estaacute ligado ao aspecto social enquanto o bilinguismo ao
individual Dessa forma a relaccedilatildeo entre bilinguismo e diglossia na situaccedilatildeo do
contato pode se dar das seguintes formas i) diglossia e bilinguismo atuando
juntos ii) bilinguismo sem diglossia iii) diglossia sem bilinguismo e iv) nem
diglossia nem bilinguismo
34
Crystal (1985 p 82) discorre que em geral os sociolinguistas se referem a uma variedade alta (A) e outra baixa (B) correspondendo grosso modo a uma diferenccedila de formalidade A variedade alta eacute apreendida na escola costuma ser usada nos locais cuja formalidade eacute maior A variedade baixa eacute usada em outros ambientes relativamente informais
80
O referido autor complementa afirmando que
O bilinguismo sem a diglossia tende a ser transicional tanto em termos de repertoacuterios linguiacutesticos de comunidade de fala como em termos das variedades de fala envolvidas per si Sem separar no entanto as normas complementares e valores para estabelecer e manter a separaccedilatildeo funcional das variedades de fala aquela liacutengua ou variedade que seja o bastante favoraacutevel para ser associada ao movimento predominante das forccedilas sociais tende a substituir a(s) outra (s) (idem p7)
No caso dos Latundecirc a diglossia se configura como um processo em que os
falantes foram obrigados a aprender a liacutengua dos brancos utilizando-a nas
atividades em contexto de contato com o natildeo iacutendio No entanto o grupo conserva
a liacutengua original nos rituais e no reduto familiar como fora explicado
anteriormente 35
343 Alternacircncia de coacutedigo36
O processo de diglossia quando eacute configurado entre duas liacutenguas distintas resulta
em bilinguismo O bilinguismo abordado no item 231 pode ser analisado de
diversos pontos de vista mas um em especial que seraacute tratado neste toacutepico eacute a
alternacircncia de coacutedigo ou code-switching Trata-se de um processo linguiacutestico
inerente ao falante biliacutengue desenvolto ou natildeo na liacutengua que aprendera como
segunda liacutengua no caso do biliacutengue ou da terceira por diante como nos
pluriliacutengues
35
Vale ressaltar que atualmente devido agrave incorporaccedilatildeo da cultura do branco os Latundecirc estatildeo
falando mais frequentemente o Portuguecircs em diversas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo ateacute mesmos nas mais informais Isso se deve ao fato de as geraccedilotildees mais novas serem menos conservadoras e resistentes ao contato 36
Tratamos tambeacutem deste processo ao discorremos sobre o bilinguismo na seccedilatildeo 231
81
Dessa forma o falante biliacutengue ao se comunicar com outro falante que detenha
suas mesmas liacutenguas poderaacute fazer escolhas linguiacutesticas dentro de cada coacutedigo
ou alternando os coacutedigos Por isso os pesquisadores dizem que o falante biliacutengue
apresenta um comportamento proacuteprio em seu processo de interaccedilatildeo que eacute a
utilizaccedilatildeo do code-switching que se caracteriza por ser uma estrateacutegia de
adequaccedilatildeo interativa desejaacutevel e favoraacutevel do ponto de vista pragmaacutetico Este
processo constitui um processo de ativaccedilatildeo e desativaccedilatildeo de uma ou de outra
liacutengua
Para Auer (1999 p 46)
O termo code-switching reserva-se para os casos em que a justaposiccedilatildeo dos dois coacutedigos eacute percebida e interpretada como um ato localmente significativo pelos participantes Contrapotildee-se assim ao code-switching tambeacutem denominado language mixing (mistura de coacutedigo ou de liacutenguas) em que a justaposiccedilatildeo dos coacutedigos tem significaccedilatildeo para os participantes em sentido mais global sendo um padratildeo recorrente de comunicaccedilatildeo
Um falante biliacutengue decide primeiramente qual deveraacute ser a liacutengua de base para
ser utilizada com o outro falante que domina suas liacutenguas tambeacutem e a partir daiacute
decide se faraacute uso ou natildeo do code-switching eacute o que afirma Grosjean (1982 p
127) a partir do esquema abaixo
82
Figura 4 Escolha de liacutengua e code-switching conforme Grosjean (1982 p127)
Conforme o esquema acima o falante biliacutengue apresenta competecircncia linguiacutestica
para se comunicar tanto com um falante monoliacutengue quanto outro biliacutengue Ao se
comunicar com o falante monoliacutengue o referido falante biliacutengue faraacute a escolha de
uma liacutengua A ou a liacutengua B Neste caso natildeo poderaacute fazer uso das duas No
processo comunicativo com outro falante biliacutengue ele poderaacute utilizar a liacutengua A
com ou sem alternacircncia com a liacutengua B Ou utilizar a liacutengua B com ou sem
alternacircncia com a liacutengua A O que determina tais escolhas satildeo as vantagens e
desvantagens do cacircmbio linguiacutestico
Neste trabalho natildeo trataremos diretamente do code-switching por entendermos
que nos desviariacuteamos do objetivo basilar desta pesquisa que eacute o enfoque nos
segmentos foneacuteticos Outro aspecto seria o fato de os falantes latundecirc soacute
apresentarem a alternacircncia de coacutedigo durante as narrativas discorridas nas
83
entrevistas quando solicitados para que narrassem os acontecimentos e lendas
do seu povo
344 Morte da liacutengua
O contato linguiacutestico eacute um processo tambeacutem poliacutetico cujas consequecircncias podem
ser apenas o de mixagem ou mais intensamente a morte da liacutengua Muitas
vezes o contato eacute tatildeo devastador que extermina as liacutenguas minoritaacuterias trata-se
de um verdadeiro glotociacutedio37
Para Mcmahon (1994 p 228) a morte de uma liacutengua
Envolve essencialmente uma transferecircncia de obediecircncia de parte de uma populaccedilatildeo a partir de uma liacutengua que foi nativa na aacuterea para uma liacutengua mais recentemente introduzida na qual a populaccedilatildeo indiacutegena tornou-se biliacutengue A nova linguagem eacute geralmente falada nativamente por falantes mais potentes que podem tambeacutem ser mais numerosos e normalmente eacute associada pelos falantes da liacutengua minoritaacuteria com a riqueza prestiacutegio e progresso a liacutengua minoritaacuteria eacute entatildeo efetivamente abandonada por seus falantes tornando-se apropriada para uso em cada vez menor (e menor) contexto ateacute que seja inteiramente suplantada pela liacutengua que estaacute entrando
Dubois et all (1998 p 422) afirma que uma liacutengua morta eacute uma liacutengua que deixou
de ser falada mas cujo estatuto numa comunidade sociocultura eacute agraves vezes
desempenhar ainda um papel no ensino nas cerimocircnias rituais etc como o
latim
Para Trask (2004 p 200) a liacutengua eacute considerada moribunda ou estaacute prestes a
morrer quando o resultado de morte eacute praticamente inevitaacutevel Segundo o autor
37
Calcula-se que no iniacutecio da colonizaccedilatildeo portuguesa existiam aqui cerca de 1200 liacutenguas que
apoacutes anos de ocupaccedilatildeo de territoacuterio se resume a 180 Conforme Rodrigues 2002 p19 muitas delas estatildeo moribundas e carecem ser catalogadas
84
a cabo de uma ou duas geraccedilotildees ningueacutem mais seraacute capaz de falar esta liacutengua
pura e simplesmente Eacute a morte da liacutengua que resulta do processo denominado
substituiccedilatildeo da liacutengua
Ao dar continuidade ao seu argumento o referido autor assegura que a morte de
uma liacutengua eacute um processo gradual Assim exemplifica o pesquisador
em um dado lugar em um determinado momento algumas crianccedilas ainda estatildeo aprendendo - como sua liacutengua materna - a liacutengua que estaacute morrendo enquanto outras a estatildeo aprendendo apenas imperfeitamente e outras ainda natildeo estatildeo aprendendo de maneira nenhuma A liacutengua pode desaparecer por completo em certas aacutereas e sobreviver em outras Idem p 201
Ainda segundo Trask ibidem satildeo caracteriacutesticas da morte de uma liacutengua i) a
perda das irregularidades ii) a queda em desuso das formas e dos esquemas de
construccedilatildeo sentencial mais complexos ou menos frequente iii) a substituiccedilatildeo
maciccedila das palavras nativas por palavras tiradas da liacutengua de prestiacutegio iv) a
mudanccedila de pronuacutencia que se torna mais proacutexima da liacutengua de prestiacutegio v) a
perda da variaccedilatildeo estiliacutestica que leva agrave sobrevivecircncia de um uacutenico estilo
invariaacutevel
Nem sempre a morte de uma liacutengua estaacute diretamente ligada a aspectos
linguiacutesticos Cristoacutefaro-Silva (2002 p 56) elenca trecircs aspectos natildeo linguiacutesticos
que contribuem para a aniquilaccedilatildeo de uma liacutengua O primeiro diz respeito ao fato
de o pesquisador natildeo poder investigar o processo de morte devido agrave presenccedila de
uns poucos falantes da liacutengua O segundo trata da opressatildeo poliacutetica imposta aos
falantes que neste caso deixam de falar a liacutengua para natildeo serem perseguidos E
85
o terceiro ocorre quando a liacutengua eacute mantida apenas em rituais em que os falantes
natildeo sabem mais o teor semacircntico do que verbalizam
Natildeo diferente do aqui fora apresentado a situaccedilatildeo da liacutengua Latundecirc eacute bastante
delicada uma vez que a comunidade passou por diversos transtornos que
impactaram a forma como se organizavam socialmente O nuacutemero de nuacutemero de
falantes diminuiu e consequentemente a liacutengua se encontra altamente
ameaccedilada O portuguecircs sendo a liacutengua dominante de prestiacutegio e funcional para
a relaccedilatildeo com o mundo natildeo indiacutegena ganha espaccedilo crescente entre os Latundecirc
Esta eacute a situaccedilatildeo natildeo soacute do Latundecirc mas de vaacuterios grupos indiacutegenas
86
4 COMUNIDADE DE ESTUDO OS LATUNDEcirc
Que gente eacute essa que fala idioma tatildeo diferente das liacutenguas conhecidas tatildeo diferente da liacutengua dos seus mais proacuteximos vizinhos
que tem costumes tatildeo estranhos aos que vivem perto que natildeo conhece os objetos essenciais da vida dos seus companheiros de sertatildeo
De onde veio Por onde passou que natildeo deixou rastros Quando chegou agravequelas matas onde vive haacute tanto tempo
Que ligaccedilotildees tem com os outros filhos do Brasil Roquete-Pinto (1975 p121)
41 INTRODUCcedilAtildeO
Discorremos neste capiacutetulo sobre o povo Latundecirc e a sua comunidade descriccedilatildeo
contexto histoacuterico cultural e geograacutefico desta etnia Histoacuteria do contato conflitos
internos e externos dificuldades enfrentadas pelo grupo ao longo de sua
existecircncia denominaccedilatildeo acesso hierarquia social padratildeo e constituiccedilatildeo familiar
contatos intereacutetnico bilinguismo e ensino na aldeia
42 A FAMIacuteLIA NAMBIKWAacuteRA38 39 40
Os Nambikwaacutera41 satildeo conhecidos na etnologia brasileira por terem sido
oficialmente contatados pelo Marechal Rodom e por terem sido estudados por
Leacutevi-Strauss De origem Tupi o vocaacutebulo Nambikwaacutera eacute o resultado da fusatildeo dos
38
Os Nambikwara se auto denominam Anunsu Conforme Price amp Cook Jr The Nambikwara call
themselves aacute nu suacute people This name written anunzecirc has apereared throughout the literature but has been erroneously thought to be a band name (1969 p 690) 39
Os Nambikwra satildeo famosos na etnologia brasileira por terem sido oficialmente contatados pelo Marechal Rodom e por terem sido estudados por Leacutevi-Strauss 40
Os Nambikwara natildeo estatildeo ligados aos troncos Tupi e Macro-Jecirc Trata-se de uma famiacutelia linguiacutestica isolada com caracteriacutesticas especiacuteficas que natildeo se enquadra em nenhum desses dois grupos 41
Leacutevi-Strauss (1946 p 139) afirma que se trata de uma palavra Tupi e que deve ser escrita como Nhambikwara
87
termos ldquonambirdquo que significa ldquoorelhardquo e ldquokuarardquo cujo significado eacute ldquoburacordquo
Portanto Nambikwaacutera42 eacute ldquoburaco de orelhardquo
Coforme Leacutevi-Strauss (1946 p 48)
The name Nambikwra was mentioned for the first time and only by hearsay by Antonio Pires de Campos in the beginning of the 18th century Since then it appeared several times with reference to an unknown tribe located on the headwaters of Tapajoz There is a great discrepancy between the different spellings When General Candido Mariano da Silva Rondon began to explore the land between the Tapajoz and Gi-Parana in 1907 he met with unknown group of a unknown language and he did not hesitate to identify them with the tribe often mentioned in the early documents It was at that time that the name Nhambikwara was
definitely adopted its spelling fixed and that it was recognized as a Tupi nickname the meaning of which is big ears
A famiacutelia Nambikwara eacute dividida em dois grandes grupos aleacutem de outra
remanescente conforme figura abaixo
Figura 5 Classificaccedilatildeo das liacutenguas da Famiacutelia Nambikwaacutera de acordo com Rodrigues
(1986 p 134)
42
Seguimos neste trabalho a orientaccedilatildeo da Associaccedilatildeo de Antropologia Brasileira que em 1953
estabeleceu a fim de padronizar os nomes dos povos indiacutegenas do Brasil com o intuito de facilitar os estudos etnograacuteficos e Linguiacutesticos a nomenclatura padratildeo
88
Conforme figura acima o povo Latundecirc faz parte da famiacutelia Nambikwaacutera que se
divide em Nambikwaacutera do Norte Nambikwaacutera do Sul e Sabanecirc Os Latundecirc
juntamente com os Lakondecirc os Tawandecirc os Mamaindecirc e os Negarotecirc
pertencem ao grupo Nambikwaacutera do Norte Jaacute o Nambikwaacutera do Sul eacute composto
pelos povos Galera Kabixi Munduacuteka e Nambikwaacutera do Campo cada um
correspondendo a um complexo dialetal O Sabanecirc eacute uma liacutengua agrave parte por se
acreditar que natildeo haacute muitas semelhanccedilas entre as estruturas linguiacutesticas dessa
liacutengua e as demais liacutenguas desse grupo
Situado na aacuterea entre os rios Juruena e Comemoraccedilatildeo o territoacuterio consta do
registro de muitos autores Roquete-Pinto (1919) Leacutevi-Strauss (1946) Price e
Cook (1969) Price (1977) Mas eacute de Roquete-Pinto (1919) e Price (1983) a
exposiccedilatildeo mais aceita Em ambos os limites geograacuteficos desses povos satildeo
relatados da seguinte forma pelo Rio Papagaio (sul) pelo rio Gi-Paranaacute (norte)
pelo rio Tapajoacutes (leste) e pelo rio Guaporeacute (oeste)
Figura 6 Localizaccedilatildeo e aacuterea dos Nambikwaacutera de acordo com Roquete-Pinto (1919)
89
De acordo com a FUNAI43 os dados atuais indicam que os Nambikwaacutera hoje
com cerca de dois mil iacutendios estatildeo distribuiacutedos em seis Terras indiacutegenas (TI)
vivem no sudoeste do Mato Grosso e aacutereas proacuteximas de Rondocircnia entre a
floresta amazocircnica e o cerrado
Figura 7 Territoacuterio Nambikwaacutera descrito por Price (1983)
No que tange ao conhecimento desses povos eacute de meados do seacuteculo XVIII que
obtemos os primeiros contatos com os Nambikwaacutera Foi Luiz Pinto de Souza
Coutinho terceiro capitatildeo geral do Estado do Mato Grosso o organizador de uma
expediccedilatildeo pelas margens do Rio Guaporeacute com o propoacutesito de abrir caminhos
entre a capital de entatildeo Proviacutencia de Mato Grosso e o Forte Braganccedila
43
Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio
90
Os relatos histoacutericos nos mostram que era prioridade do Governo Militar apoacutes a
Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica em 1889 a integraccedilatildeo de todas as terras brasileiras
Uma das accedilotildees dessa integraccedilatildeo foi a determinaccedilatildeo do governo em construir
linhas telegraacuteficas em terras indiacutegenas da Amazocircnia com o propoacutesito de interligar
o Rio de Janeiro a Cuiabaacute Agrave frente dessa empreitada estava o Major Antonio
Gomes Carneiro e entre a comitiva o seu aluno Cacircndido Mariano da Silva
Rondon
Eacute Rodon o principal agente de contato entre os iacutendios Nambikwaacutera e os natildeo
iacutendios Pois como eacute sabido dele partia o discurso de apaziguamento entre o
contato preferindo antes de qualquer coisa ser atingido a atingir os silviacutecolas
Aleacutem da motivaccedilatildeo de expansatildeo para a implantaccedilatildeo das linhas telegraacuteficas
Rondon era conduzido por um desejo ardente de respeito e proteccedilatildeo aos povos
daquela regiatildeo
Dessa forma os iacutendios Nambikwaacutera estavam entre os indiacutegenas que ajudaram a
comissatildeo do governo a alcanccedilar os lugares mais hostis Este encontro entre
indiacutegenas e brancos culminou em invasotildees e conflitos entre povos aleacutem das
doenccedilas que foram trazidas pelos natildeo indiacutegenas por isso a extinccedilatildeo de vaacuterias
tribos e povos aleacutem do prejuiacutezo linguiacutestico resultante da aculturaccedilatildeo dos
indiacutegenas frente agrave presenccedila do natildeo iacutendio uma vez que para que ocorresse o
processo de interaccedilatildeo os indiacutegenas se viram obrigados a aprender o portuguecircs
O contato entre os grupos Nambikwaacutera natildeo se deu de forma paciacutefica Os
Nambikwaacutera do Norte natildeo foram receptivos e os planos dos governos foram
frustrados De forma diferente o contato com os Nambikwaacutera do Sul se deu de
91
forma mais intensa Mesmo apoacutes os constantes conflitos o contato perdurou por
mais tempo que com os do Norte acarretando mudanccedilas culturais de costumes e
da liacutengua
Telles (2002 p 10) afirma que
Do grupo linguiacutestico do Norte hoje restam apenas remanescentes de cinco etnias Tawandecirc Lakondecirc Mamaindecirc Negarotecirc e Latundecirc Destes os trecircs uacuteltimos permanecem em aacutereas proacuteximas de seus territoacuterios tradicionais e se preservam enquanto grupos relativamente autocircnomos Estes povos natildeo habitavam tradicionalmente a regiatildeo norte do territoacuterio Nambikwaacutera e esse fato pode ter favorecido a sua independecircncia grupal ao longo do percurso histoacuterico
Figura 8 Localizaccedilatildeo atual dos Nambikwaacutera
Como consequecircncia do contato no final do seacuteculo XX a populaccedilatildeo desses povos
foi reduzida a mais ou menos 650 sendo 50 deles crianccedilas Price (1985 p 312)
92
chama a atenccedilatildeo para o processo de aculturaccedilatildeo pois para as crianccedilas ldquoseria
mais confortaacutevel falar portuguecircs que a liacutengua dos seus paisrdquo44
Ainda com relaccedilatildeo agrave classificaccedilatildeo linguiacutestica alguns estudiosos utilizam
classificaccedilotildees diferentes para organizar os povos Nambikwaacutera A divisatildeo claacutessica
de Leacutevi-Strauss (1948) distribui os Nambikwaacutera de acordo com a aproximaccedilatildeo
linguiacutestica que haacute entre eles Para ele haacute trecircs grupos principais que se subdividem
formando cinco unidades constituiacutedas por vaacuterios dialetos de uma mesma liacutengua
Price e Cook (1969) em trabalho posterior sugerem outra classificaccedilatildeo para a
famiacutelia Nambikwaacutera Para eles haacute dois grandes grupos os Sabanecirc e os
Nambikwaacutera Entretanto embora o Sabanecirc natildeo seja compreensiacutevel para os
outros grupos linguiacutesticos por razotildees estruturais Price (1972) com base num
estudo comparativo considera o Sabanecirc como integrante da famiacutelia linguiacutestica
Nambikwaacutera Para uma visualizaccedilatildeo das propostas de Leacutevi-Strauss e de Price e
Cook apresentamos as respectivas classificaccedilotildees nas tabelas a seguir
Quadro 2 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Leacutevi-Strauss (1948)
44
ldquofifty were children who are probably more comfortable speaking Portuguese than the languages of their parents
Grupo a
Grupo b
Grupo c
Subgrupo a1
Subgrupo a2
Subgrupo b1
Subgrupo b2
Oakleacutetosu
Haloacutetesu
Kiaaacuteru
Kuritsu
Soaacutelesu
Kodaacuteteli
Munuacutekoti
Nikedeacutetosu
Taruacutende
Maimatildende
Toatildende
Ioacutelola
Naseacutelate
Lakotildende
Sovaacuteinte
Sabaacutene
93
Quadro 3 Classificaccedilatildeo dos Nambikwaacutera segundo Price e Cook (1969)
Leacutevi-Strass natildeo aponta os Latundecirc como pertencente ao grupo Nambikwaacutera
devido ao natildeo contato com este povo que soacute fora inicialmente descobertos
(contatados) em 1975 pelos Aikanaacute conforme veremos a seguir
43 OS LATUNDEcirc
O povo Latundecirc pertencente ao Nambikwaacutera do Norte habita uma aacuterea de
116613671 hec no municiacutepio de Chupinguaia na regiatildeo sudoeste do estado de
Rondocircnia Com eles convivem outros dois grupos que natildeo possuem nenhum
Navaacuteite
Taiate
Nambikwaacutera
Sabanecirc
Do Norte
Do Sul
Latundecirc
Lakundecirc
Tawandecirc
Mamaindecirc
Negarotecirc
Vale do Jurema
Vale do Guaporeacute
Vale do Sarareacute
Haloteacutesu
Kithaulhu
Sawenteacutesu
Wakalitesu
Wasusu
Sarareacute
Alacircntesu
Waikisu
Hahatildetesu
94
grau de parentesco linguiacutestico Satildeo os Aikanaacute e os Kwazaacute que fazem parte da
Terra Indiacutegena (TI) Tubaratildeo-Latundecirc45
No mapa abaixo pode-se obervar a localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc que se
situa entre a RO 370 e a BR 364
Figura 9 Localizaccedilatildeo da TI Tubaratildeo-Latundecirc46
A reserva estaacute localizada a oeste do municiacutepio de Vilhena Nela haacute trecircs vilas Rio
do Ouro Barroso e Gleba (tambeacutem conhecida como Tubaratildeo) Gleba eacute a que
conteacutem a maior populaccedilatildeo mista De faacutecil acesso pode ser adentrada pela cidade
de Chupinguaia que fica a 19 km da TI Rio do Ouro possui uma populaccedilatildeo
exclusivamente Aikanatilde e estaacute a 20 km da Gleba Barroso conteacutem a menor
populaccedilatildeo e corresponde a uma aacuterea de ocupaccedilatildeo esparsa em que se distribuem
45
Conforme Anonby the Tubaratildeo-Latundecirc Indian Reserve is inhabited by people from several tribes the tree main linguistically-unrelated Aikanatilde (also known as Tubaratildeo) Kwazaacute and Latundecirc 2009 p3 46
Inicialmente estes povos ocupavam uma aacuterea de ricas florestas no oeste do rio Pimenta Bueno
proacuteximo a uma pequena vila denominada de Satildeo Pedro
95
remanescentes Kwazaacute Aikanaacute e Latundecirc A meacutedia de distacircncia do Barroso para a
Gleba eacute de aproximadamente 25 km O acesso se daacute por uma estrada
parcialmente carroccedilaacutevel de difiacutecil locomoccedilatildeo
Com relaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo de cada povo Anomby (2009 p5) afirma que o
quantitativo total de pessoas eacute de 219 iacutendios Deles 175 satildeo Aikanatilde 25 satildeo
Kwazaacute e 19 satildeo Latundecirc Haacute ainda 189 iacutendios distribuiacutedos por outras localidades
fora da TI 47
Quadro 4 Distribuiccedilatildeo dos povos pertencentes a TI Tubaratildeo-Latundecirc
TI Rio do Ouro 67
Gleba 48
Barroso 34
Outras localidades
Satildeo Pedro 18
Vilhena 15
Chupinguaia 7
Total 189
Durante muitos anos os Latundecirc os Kwazaacute e os Aikanatilde viveram em contato com
grupos vizinhos como os Kanoecirc Mekens Sakirap Tupariacute Salamatildei entre outros
povos que tecircm sido acolhidos pela populaccedilatildeo local da TI Mesmo com diferentes
liacutenguas eles se relacionavam com festivais e casamentos intergrupais A cultura
desses povos tornou-se muito similar devido ao contato intenso entre eles De
acordo com Anomby (2009 p 6) os traccedilos mais comuns entre este povos
incluem cestas de fibra de marico casas em forma de colmeia para
47
Em conversa com os professores desses povos Anomby Idem natildeo afirma os motivos pelos
quais tais iacutendios estatildeo afastados dos demais
96
aproximadamente dez famiacutelias bebida de milho fermentado canibalismo e
divisatildeo de clatildes
Quanto ao contato sabe-se que foram os iacutendios Aikanaacute os primeiros a contatarem
com os Latundecirc Price (1977 p 72 - 73) descreve que o entatildeo Capataz Rural
Jorge Falcatildeo fora informalmente designado encarregado da operaccedilatildeo de contato
No ano de 1976 acompanhado por cinco iacutendios Aikanaacute e um serigueiro apoacutes
cinco dias de intensa caminhada ocorreu o encontro com os Latundecirc Neste
primeiro momento o desconhecido povo tremia de medo mas se posicionaram
ainda que fragilmente na linha de defesa Apoacutes dormirem no campo o capataz e
demais membros da excursatildeo conseguiram no outro dia um contato comprovado
por poucas fotografias com o povo Latundecirc Jorge descreveu que tais iacutendios natildeo
conseguiram se comunicar com os Aikanaacute e que eram em nuacutemero de 10 homens
e 8 crianccedilas afora poucas crianccedilas que afirma natildeo tecirc-las visto
A FUNAI em 1977 com a ajuda do Capataz Rural realizou uma nova excursatildeo
aos iacutendios Latundecirc Desta vez aleacutem de Jorge juntos a ele estavam presentes
David Price e dois iacutendios Nambikwara do Norte (Lakondecirc) que conseguiram
identificar os Latundecirc como tambeacutem pertencentes agrave etnia Nambikwara do Norte
Foram mensurados como uma aldeia composta por oito casas e dezenove
habitantes 48
48
Para uma descriccedilatildeo mais detalhada ver Telles 2002 p17
97
Figura 10 Primeiros contatos com os Latundecirc (Foto Price 1977)
Em 1999 o povo era composto por vinte pessoas Entre 1999 e 2000 a grupo ficou
ainda menor com a saiacuteda de trecircs dos membros Faacutetima (irmatilde de Terezinha49)
Batataacute (a anciatilde do grupo) e Joatildeo (irmatildeo solteiro de Terezinha) As crianccedilas e os
jovens do grupo satildeo na sua maioria parentes consanguiacuteneos De acordo com as
relaccedilotildees de parentesco os mais novos natildeo poderatildeo coabitar entre si o que
implica a natildeo autonomia e a natildeo perpetuaccedilatildeo do grupo Latundecirc
49
Trata-se de a informante deste projeto de pesquisa
98
Quadro 5 Nuacutecleos familiares de acordo com a habitaccedilatildeo em 199950
Casa 1
Pais Filhos Agregados
Maneacute Torto (60) Terezinha (45)
Luiz (22) Antocircnio (20) Lorena (12) Catarino (10) Justino (8) Jaelson (4)
Joatildeo (26) Francisco (25) Irmatildeos de Terezinha
Maneacute Torto (60) Faacutetima (30)
Maria (13)
Casa 2
Joseacute (40) Lurdes (40)
Jair (13) Dido (11) Lourival (3) Lorimar (6 meses)
Cinzeiro (50) Irmatildeo de Lurdes
Casa 3 Batataacute (65)
Dados atuais51 noticiam que o grupo se enfraqueceu politicamente Tereza
mudou-se para uma aldeia de outro grupo Nambikwaacutera do Norte e Maria e Lorena
foram morar na Gleba
No que concerne agraves atividades econocircmicas a extraccedilatildeo de borracha foi a grande
atividade econocircmica na deacutecada de 30 do seacuteculo passado no sul de Rondocircnia
Durante o apogeu dessa atividade os Aikanatilde e os Kwazaacute trabalharam para
barotildees da borracha em troca de cafeacute accediluacutecar e armas de fogo
Consequentemente apoacutes aprenderem as estrateacutegias de negociaccedilatildeo na deacutecada
de 70 os proacuteprios iacutendios agora independentes passaram a vender a sua proacutepria
borracha nas cidades vizinhas (Van der Voort 1998)
50
Telles 2002 p 19 51
Informaccedilatildeo proveniente de comunicaccedilatildeo pessoal com Stella Telles janeiro de 2015
99
A comercializaccedilatildeo da borracha tambeacutem fora um pano de fundo para o processo
de bilinguismo ocorrente entre os povos dessa regiatildeo O portuguecircs se tornara
uma espeacutecie de liacutengua franca utilizada para a comercializaccedilatildeo do produto no
exterior e na interaccedilatildeo com os seringalistas Contudo as liacutenguas indiacutegenas
permaneciam sendo usadas mais provavelmente na retirada e no processamento
da borracha nas reservas52
A economia na aldeia diferentemente do que fora no passado representa a atual
situaccedilatildeo dos iacutendios Haacute pouca lavoura de subsistecircncia53 o que faz com que a
produccedilatildeo de comida seja escassa Os integrantes da aldeia quando precisam de
provimentos compram sua comida na cidade ou recebem-na dos parentes que
vivem em Rio do Ouro
Ainda de acordo com Anomby (2009 p7)
As principais fontes de dinheiro em ambas as aldeias como a maioria das aldeias no Brasil satildeo as remessas de aposentadoria para os idosos e da venda de artesanato indiacutegena aleacutem da venda de madeira e os pequenos serviccedilos prestados aos demais moradores e visitantes
No que diz respeito agrave religiatildeo atualmente a presenccedila do protestantismo eacute muito
forte na TI Tubaratildeo-Latundecirc Missionaacuterios UNIEDAS54 (iacutendios da tribo Terena)
comeccedilaram a trabalhar na aacuterea em 1980 e como resultado a maioria das
pessoas que vivem na reserva iacutendios Tubaratildeo-Latundecirc hoje se consideram
52
Neste contexto histoacuterico pode-se perceber claramente a hierarquizaccedilatildeo linguiacutestica no que tange agrave utilizaccedilatildeo da liacutengua materna Para os iacutendios jaacute ocorria o processo de contato oriundo do dominador Mesmo reconhecendo a necessidade advinda da dependecircncia econocircmica os iacutendios relutavam em manter a liacutengua matildee no interior da aldeia ou seja no seio familiar 53
Devido agrave cultura errocircnea da terra e a constante presenccedila das aposentadorias concedidas aos idosos e invaacutelidos a rotina desses povos estaacute sendo fortemente alterada 54
Uniatildeo das Igrejas Evangeacutelicas da Ameacuterica do Sul criada por missionaacuterios americanos em 1912 que eacute atualmente conduzida por lideranccedila indiacutegena
100
protestantes Os Terenas ministram suas pregaccedilotildees exclusivamente em
Portuguecircs
Uma outra famiacutelia missionaacuteria protestante pertencente agrave missatildeo ALEM55 vivem
na aldeia Rio do Ouro onde o marido Warrisson eacute um professor e sua esposa
Ana eacute uma liacuteder de igreja Eles trabalham na reserva haacute doze anos e soacute falam
Portuguecircs
Anomby (2009 p8) relata o fato de os iacutendios ainda hoje rejeitarem os esforccedilos
dos missionaacuterios da ALEM para usar o Aikanatilde na igreja
Quando Ana veio pela primeira vez a Gleba 12 anos atraacutes as pessoas disse-lhe que queria igreja em Portuguecircs e natildeo em Aikanatilde Eles especificamente disse-nos Noacutes natildeo quer um linguista Queremos algueacutem que vai fazer igreja em Portuguecircs Ana compocircs algumas canccedilotildees em Aikanatilde mas quando ela cantou para os iacutendios eles disseram que soava feio Ana pediu que as pessoas orassem em Aikanatilde mas eles sempre recusam Em um culto que participou no Rio do Ouro Ana escolheu cinco pessoas aleatoriamente para ler partes do Biacuteblia Todos foram fluentes Ana disse-nos que ateacute hoje os iacutendios nunca pediu nada em Aikanatilde - eles parecem sentir que igreja deve ser em Portuguecircs
Os Latundecirc em particular natildeo se converteram ao protestantismo Localizados
mais remotamente o difiacutecil acesso agraves igrejas existentes da Gleba e no Rio do
Ouro natildeo favoreceu ao longo de anos a frenquecircncia do Latundecirc nos cultos
A educaccedilatildeo escolar tambeacutem tem situaccedilatildeo similar entre os Latundecirc Nunca houve
escola no Barroso nas proximidades das casas dos Latundecirc Dessa forma
apenas com a ida mais sistemaacutetica dos mais jovens Latundecirc para as aldeias
Aikanaacute - sobretudo a partir do ano de 2000 - eacute que as crianccedilas Latundecirc passaram
55
Associaccedilatildeo Linguiacutestica Evangeacutelica Missionaacuteria eacute uma organizaccedilatildeo missionaacuteria fundada em 1982
sob a inspiraccedilatildeo da Wycliffe Bible Translators
101
a frequentar escola Sobre isso Anomby Idem nos relata que eacute ensinado ateacute
quarta seacuterie em todas as aldeias e a maioria dos Aikanatilde e Kwazaacute satildeo
alfabetizados em Portuguecircs Em Rio do Ouro haacute dois professores um brasileiro
que leciona em Portuguecircs e um professor biliacutengue que explica os assuntos em
Aikanatilde Trecircs moradores estatildeo terminando o ensino meacutedio dois da Gleba e um
do Rio do Ouro A liacutengua Latundecirc natildeo eacute objeto de conteuacutedo escolar
Com relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo linguiacutestica dos Latundecirc56 sabe-se que com exceccedilatildeo de
Maneacute Torto que eacute falante nativo de uma liacutengua Nabikwaacutera do Norte muito proacutexima
do Latundecirc o nuacutemero de falantes do Latundecirc eacute de dezenove pessoas O grupo
excetuando a Batataacute que natildeo fala portuguecircs apresenta bilinguismo em Latundecirc
Portuguecircs O bilinguismo resultante do contato que se deu em 1976 se firmou
com o contato crescente com os Aikanaacute com quem se comunicam em portuguecircs
A complexidade linguiacutestica que se instaurou entre os Latundecirc pode ser observada
na tabela seguinte
Quadro 6 Situaccedilatildeo sociolinguiacutestica dos Latundecirc (dados de 1999)
Membros
Situaccedilatildeo Social
Situaccedilatildeo Linguacuteiacutestica
Maneacute Torto (60) Liacuteder interno da tribo Natildeo Latundecirc
Cinzeiro (50)
Batataacute (65)
Membros mais velhos
da tribo
Satildeo monoliacutengues em Latundecirc
Lurdes (40) Matriarca da casa 2 Apresenta distuacuterbio de fala Eacute considerada
uma falante ruim pela proacutepria tribo Fala um
pidgin com seus filhos
Joseacute (40) Patriarca da casa 2 Fala um portuguecircs pouco claro
56
Anomby (2009 p 5) chama a atenccedilatildeo para o fato de os povos presentes na TI Tubaratildeo-Latundecirc
natildeo serem estudados extensivamente ainda Dos estudos realizados podem-se citar as pesquisas realizadas no acircmbito antropoloacutegico e no linguiacutestico Leacutevi-Strauss (1930) Lieuntenabt Zack (1942) Melatti e Price (1970) Carlson (1984) Vasconcelos (19931996) Van der Voort (19951998) e Telles (2002)
102
Jair (13)
Dido (11)
Filhos mais velhos da
casa 2
Devido ao desempenho dos pais
apresentam problemas de comunicaccedilatildeo em
ambas as liacutenguas
Lourival (3)
Lorimar (6 meses)
Filhos mais novos da
casa 2
Estatildeo em processo de aquisiccedilatildeo da
linguagem
Terezinha (45)
Matriarca da casa 1
uma das mulheres de
Maneacute Torto
Apresenta boa competecircncia comunicativa
Apesar de ser considerada biliacutengue
apresenta problemas com relaccedilatildeo agrave
compreensatildeo do Portuguecircs
Joatildeo (26)
Francisco (25)
Irmatildeos de Terezinha Falam Portuguecircs sem muita fluecircncia
Faacutetima (30)
Irmatilde de Terezinha Apresenta niacutevel de compreensatildeo muito
inferior ao da sua fala
Luiz (22)
Antocircnio (20)
Lorena (12)
Catarino (10)
Justino (8)
Jaelson (4)
Filhos de Terezinha e
Maneacute Torto
Falam um bom Portuguecircs
Maria (13) Tambeacutem fala um bom Portuguecircs
Entre 1995 e 2000 Telles (comunicaccedilatildeo pessoal em novembro de 2014) verificou
que o aprendizado do Latundecirc na comunidade eacute mais tardio do que o Portuguecircs
mesmo sendo as crianccedilas desde o nascimento expostas e estimuladas agraves duas
liacutenguas simultaneamente Na avaliaccedilatildeo subjetiva dos indiacutegenas o Latundecirc eacute uma
liacutengua mais difiacutecil sendo essa a razatildeo de as crianccedilas apresentarem melhor
desempenho no Portuguecircs Soacute em torno dos dez anos comeccedilam a utilizar com
fluecircncia o Latundecirc embora apresentem conhecimento passivo da liacutengua desde a
primeira infacircncia quando atendem com pertinecircncia aos comandos em Latundecirc
Outro fator que pode responder ao fato de a produccedilatildeo linguiacutestica ocorrer
103
primeiramente em Portuguecirc deve ser o prestiacutegio social que essa liacutengua alcanccedila
entre comunidades minoritaacuterias57
Essa situaccedilatildeo decorrente do contato linguiacutestico se daacute devido agrave mescla linguiacutestica
presente na TI e agraves necessidades de os indiacutegenas se ausentarem das terras da
TI Os povos que vivem em Rio do Ouro viajam a cidade pelo menos uma vez por
mecircs para fazer compras ou ir buscar assistecircncia meacutedica Os da Gleba se
deslocam para a cidade todos os dias quando precisam ir para a sede do
municiacutepio de Chupinguaia Dependendo da necessidade eles ficam hospedados
na casa de algueacutem conhecido ou na Casa do Iacutendio uma espeacutecie de guarita
para os iacutendios A Casa do Iacutendio mais proacutexima da TI se localiza em Vilhena
Ainda quanto ao contato linguiacutestico estudos mostram que os iacutendios do sul de
Rondocircnia tecircm o haacutebito de casar-se com iacutendios de tribos amigas Isto pode ser
comprovado com a presenccedila de palavras no leacutexico das liacutenguas em que foram
coadunadas
Conforme dados mais recentes na Gleba cerca de cinquenta por cento dos
casamentos satildeo mistos com iacutendios de outras etnias ou com natildeo iacutendios Embora
haja certa rivalidade entre os povos da Gleba e os do Rio dos Ouros o nuacutemero de
casamentos entre os iacutendios dessas duas aldeias satildeo muito frequentes
Quanto aos iacutendios Latundecirc Anomby (2009 p 9) discorre que
Os iacutendios da aldeia de Latundecirc Barroso tecircm o menor prestiacutegio e satildeo um pouco culturalmente e economicamente subjugados pelo Aikanatilde e Kwazaacute Devido agraves pequenas populaccedilotildees de Kwazaacute e Latundecirc eacute quase impossiacutevel para eles para se casar dentro de
57
Discorreremos com mais detalhes sobre o processo de bilinguismo no povo Latundecirc no trabalho proposto a ser desenvolvido
104
sua tribo Assim a sobrevivecircncia das liacutenguas e ateacute mesmo o povo como um grupo distinto eacute muito tecircnue
Devido agraves constantes necessidades de cuidado desses povos a OSCIP Creatio58
realizou estudos sobre os impactos soacutecio-antropoloacutegicos-ambientais na TI
Tubaratildeo-Latundecirc jaacute que toda regiatildeo estaacute sobre a influecircncia da PCH59 Cascata
que estaacute sendo construiacuteda no Rio Pimenta Bueno Tais estudos visam objetivar
informaccedilotildees que subsidiem a descriccedilatildeo dos possiacuteveis impactos oriundos da PCH
sobre esta TI
Figura 11 Iacutendios Latundecirc na TI Tubaratildeo-Latundecirc
Outro ponto que deve ser levado em conta ao considerar falantes biliacutengues e
monoliacutengues eacute que eles natildeo podem ser nitidamente diferenciados A avaliaccedilatildeo do
grau de bilinguismo eacute complexa dado que a sua medidade eacute escalar ou seja o
58
Organizaccedilatildeo da Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico 59
Pequena Central Hidreleacutetrica
105
conhecimento de outra liacutengua eacute uma questatildeo de grau que vai desde 0 ateacute a
ldquoperfeiccedilatildeordquo (Van Coetesem 1988 p 9)
106
5 INTERFEREcircNCIA FONEacuteTICO-FONOLOacuteGICA DO LATUNDEcirc NO
PORTUGUEcircS
ldquoO contato linguiacutestico eacute apenas um aspecto do contato cultural e a interferecircncia linguiacutestica eacute uma face da difusatildeo lexical e aculturaccedilatildeordquo
Weinreich (1953 p 5)
51 INTRODUCcedilAtildeO
Para Thomason (2001 p 5) o contato entre liacutenguas estaacute em toda a parte muitos
paiacuteses tecircm mais do que uma liacutengua oficial e muito provavelmente a maior parte
da populaccedilatildeo mundial fala duas ou mais liacutenguas Posto dessa maneira
compreende-se que satildeo muitos os estudos que abordam sob formas aacutereas
concepccedilotildees diversas e interdisciplinares o contato linguiacutestico No que concerne agrave
linguiacutestica estes estudos satildeo de igual abundacircncia De acordo com Weinreich
(1953) grande ou pequena as diferenccedilas e similaridades entre as liacutenguas em
contato podem ser exaustivamente estabelecidas em muitos domiacutenios Todavia
quando se trata da investigaccedilatildeo do contato sob a eacutegide da fonologia e da foneacutetica
o nuacutemero destes estudos diminui consideravelmente Tal constataccedilatildeo corrobora
com a necessidade de estudos linguiacutesticos que tratem dos aspectos foneacuteticos
quando observados no contato entre liacutenguas
Por se tratar de uma sessatildeo importante para as elucidaccedilotildees dos processos
ocorridos no Portuguecircs falado pelos Latundecirc a serem discorridos no Capiacutetulo VI
descrevemos neta seccedilatildeo os segmentos das liacutenguas em anaacutelise e quais satildeos mais
suscetiacuteveis agrave influecircncia do contado linguiacutestico Devido agrave escassez de pesquisas
107
foneacuteticas fonoloacutegicas na aacuterea especificamente no Latundecirc e no Portuguecircs
Brasileiro seratildeo utilizadas como cabedal para esta anaacutelise as pesquisas de
TELLES (2002) e para a investigaccedilatildeo do inventaacuterio do sistema fonoloacutegico do
Portuguecircs a de BISOL (1996) e de SILVA (2002)
Dada a profundidade investigativa da natureza do contato cabe-nos ressaltar aqui
que o presente estudo natildeo se encarregaraacute de tratar de todas a suas nuances
visto que seu objeto estaacute delimitado quanto aos processos foneacuteticos resultantes
de tal contato
Quanto ao aporte teoacuterico seratildeo citados os trabalhos de WEINREICH (1953)
pioneiro a tratar das questotildees de interferecircncia foneacuteticas oriundas do contato entre
liacutenguas VAN COETSEM (1988) e MATRAS (2009) para elucidar os processos
ocorrentes no contato em questatildeo
52 INTERFEREcircNCIA FUSAtildeO COEXISTEcircNCIA E TRANSFEREcircNCIA
LINGUIacuteSTICA
Um dos precursores dos estudos sobre contatos linguiacutesticos Uriel Weinreich
descreve em seu livro Language in Contact (1953) os mecanismos foneacuteticos que
regem a intersecccedilatildeo existente no contato
No que concerne aos aspectos extralinguiacutesticos que regem os efeitos do contato
sobre a fala de determinado componente social Weinreich chama a atenccedilatildeo para
os fatores que estatildeo aleacutem das diferenccedilas estruturais bem como das
inadequaccedilotildees lexicais da liacutengua Segundo ele esses fatores natildeo estruturais satildeo
inerentes aos falantes que estatildeo expostos agrave situaccedilatildeo do contato por exemplo
108
a) A facilidade de o falante se expressar verbalmente e sua
debilidade de lidar coma as duas liacutenguas separadamente
b) Proficiecircncia relativa em cada liacutengua
c) Especializaccedilatildeo no uso de cada liacutengua por toacutepicos e
interlocutores
d) Forma de aprendizado em cada liacutengua
e) Atitudes para cada liacutengua se idiossincraacutetico ou estereotipado
f) A dimensatildeo do grupo biliacutengue e sua homogeneidade
sociocultural ou diferenciaccedilatildeo colapso entre subgrupos usando
uma ou outra liacutengua como sua liacutengua-matildee fatos demograacuteficos
sociais e as relaccedilotildees poliacuteticas entre esses subgrupos
g) Prevalecircncia individuais de bilinguismo com dadas caracteriacutesticas
de comportamento de fala em subgrupos em geral
h) Atitudes estereotipadas em relaccedilatildeo a cada liacutengua (prestiacutegio)
status indiacutegena ou imigrante da liacutengua em xeque
i) Atitudes em relaccedilatildeo agrave cultura de cada comunidade linguiacutestica
j) Atitudes em relaccedilatildeo ao bilinguismo como tal
k) Toleracircncia ou intoleracircncia com respeito agrave mistura linguiacutestica e
com a fala incorreta de cada um
l) Relaccedilatildeo entre o grupo biliacutengue e cada um das duas
comunidades em que ela eacute um segmento marginal (Weinreich
1953 p 4)
Um dos pressupostos baacutesicos agrave natureza do falante diz respeito ao fato de duas
ou mais liacutenguas soacute poderem estar em contato se usadas alternadamente pelas
mesmas pessoas O uso individual da liacutengua seraacute o locus do contato Quando isto
ocorre a transferecircncia de elementos foneacuteticos seraacute a motivadora pela
reorganizaccedilatildeo de todo o velho sistema de oposiccedilatildeo Ele assegura que the term
interference implies the rearrangement of patterns that result from the introduction
of foreign elements into the more highly structured domains of language such as
the bulk of the phonemic system a larger part of the morphology and syntax and
some areas of the vocabulary (p 1)60
60
O termo interferecircncia implica a reorganizaccedilatildeo de padrotildees que resultam na introduccedilatildeo de elementos no mais alto (profundo) domiacutenio de estruturas da linguagem tal como a maior parte do sistema fonecircmico uma larga parte da morfologia e sintaxe e algumas aacutereas do vocabulaacuterio
109
Quando dois sistemas satildeo confrontados no contato pode ocorrer o
reordenamento de padrotildees ou interferecircncia ou exclusatildeo Na interferecircncia
linguiacutestica o problema de maior interesse eacute a accedilatildeo reciacuteproca dos fatores
estruturais e dos natildeo estruturais ao promoverem estimularem ou impedirem cada
interferecircncia
Concernente aos ldquoMecanismos e causas estruturais de interferecircnciardquo Weinreich
idem p7 coloca que haacute um tipo de interferecircncia que eacute extremamente comum no
contato linguiacutestico trata-se da relaccedilatildeo de empreacutestimo na qual natildeo haacute uma total
transferecircncia de todos os elementos Logo percebe-se que eacute comum a
transferecircncia de parte de um sistema ou de traccedilos desse sistema fazendo com
que haja uma ldquocoexistecircncia de fusatildeo de sistemasrdquo
A coexistecircncia ou fusatildeo de sistemas linguiacutesticos pode de acordo com este
estudioso afetar a natureza de um signo linguiacutestico jaacute que esta eacute a combinaccedilatildeo
de uma unidade de expressatildeo e uma de conteuacutedo Neste niacutevel de bilinguismo ou
de interferecircncia de sistemas pode-se entendender que a relaccedilatildeo de significado e
significante natildeo se daacute de maneira uniacutevoca
Diante da complexidade que eacute a transferecircncia linguiacutestica a ilustraccedilatildeo por ele
adotada eacute a de que a interferecircncia eacute como areia carregada por um fluxo de aacutegua
Na liacutengua ela estaacute sedimentada no fundo de um lago E este fenocircmeno se daacute em
todos os niacuteveis da gramaacutetica p 11
Ao tratar dos tipos de interferecircncia nos sistemas foneacuteticos Weinreich afirma que
The problem of phonic interference concerns the manner in which a speaker perceives and reproduces the sounds of one
110
language which might be designated secondary in terms of another to be called primary Interference arises when a bilingual identifies a phoneme of the secondary system with one in the primary system and in reproducing it subjects it to the fonetic rules of the primary language (1953 p 15)61
Neste caso a interferecircncia resulta quando um falante identifica na segunda liacutengua
elementos foneacuteticos presentes na primeira liacutengua Ao reproduzir o segmento o
falante o sujeita agraves regras foneacuteticas da primeira liacutengua a liacutengua matildee
Ao prosseguir Weinreich tambeacutem aponta dois tipos de interferecircncia a partir do
quadro comparatoacuterio entre os sistemas linguiacutesticos do Romansh62 e do
Schweizerdeutsch63 liacutenguas coexistentes no Cantatildeo de Grisons na Suiacuteccedila No
primeiro caso o sistema foneacutetico do Romansh se configura como o sistema
primaacuterio e o Schweizerdeutsch como secundaacuterio No segundo caso os sistemas
satildeo alternados o sistema foneacutetico do Schweizerdeutsch assume o lugar do
sistema primaacuterio e o Romansh o secundaacuterio
61
O problema da interferecircncia foneacutetica consiste na maneira como o falante percebe (reconhece) e reproduz os sons de uma liacutengua que pode ser designado secundaacuterio em outros termos primaacuterio A interferecircncia surge quando um biliacutenguumle identifica um fonema do sistema secundaacuterio com um no sistema primaacuterio e em reproduzi-lo sujeitando-o agraves regras foneacuteticas da primeira liacutengua 62
Eacute uma das quatro liacutenguas nacionais da Suiacuteccedila juntamente com a liacutengua alematilde a liacutengua italiana e a liacutengua francesa Trata-se de uma liacutengua romacircnica do ramo ocidental que se acredita descender do latim vulgar falado pelos romanos que ocuparam a aacuterea na Antiguidade 63
Eacute qualquer um dos dialetos alemacircnicos falados na Suiacuteccedila no Liechtenstein e nas zonas fronteiriccedilas da Aacuteustria
111
Quadro 7 Quadro Comparativo dos Sistemas Foneacuteticos do Romansh e do
Schweizerdeutsch de acordo com Weinreich (1953)
Mais adiante seraacute observada a influecircncia do Latundecirc no Portuguecircs Desta forma
o Portuguecircs mesmo sendo a segunda liacutengua adquirida seraacute visto como o objeto
influenciado do contato linguiacutestico
112
Quando observou o contato entre os dois sistemas linguiacutesticos em voga
Weinreich (idem p 18 e 19) examinou o processo de interferecircncia representado
no segundo sistema fonecircmico Assim ele elencou quatro tipos de interferecircncias i)
subdiferenciaccedilatildeo de fonemas ii) superdiferenciaccedilatildeo de fonemas iii)
reinterpretaccedilatildeo de traccedilos relevantes iv) substituiccedilatildeo de fone atual
A subdiferenciaccedilatildeo de fonemas ocorre quando dois sons de um segundo sistema
cujos correspondentes que natildeo se distinguem no sistema primaacuterio natildeo satildeo bem
definidos Tal confusatildeo eacute evidenciada pela alternacircncia que o falante do Romansh
faz ao pronunciar os segmentos y e i do Schweizerdeutsch ou quando o falante
do Schweizerdeutsch faz ao pronunciar de forma insegura os segmentos i e
O processo de superdiferenciaccedilatildeo envolve a imposiccedilatildeo de distinccedilotildees fonecircmicas
do sistema primaacuterio sobre os sons do sistema secundaacuterio onde eles natildeo satildeo
necessaacuterios O processo pode ser inferido a partir de uma comparaccedilatildeo entre os
sistemas de som em contacto mesmo que nem sempre seja perceptiacutevel No
contanto entre os dois dialetos o vocaacutebulo rsquolada lsquoamplorsquo do Romansh eacute
pronunciado como acutelada no Schwyzertutsch
A reinterpretaccedilatildeo de traccedilos relevantes ocorre quando o falante biliacutengue distingue
fonemas do sistema secundaacuterio cujas caracteriacutesticas que nesse sistema satildeo
meramente concomitante ou redundante mas que satildeo relevantes no seu sistema
principal Por exemplo a palavra do dialeto Romansh [lsquomєsbullɐ] bagunccedila pode
ser interpretada quase como no Schwyzertutsch rsquomesa
Por fim o processo de substituiccedilatildeo de fone atual eacute aplicado aos fonemas que satildeo
definidos de forma idecircntica nos dois idiomas mas que se comportam de froma
113
distintas Na situaccedilatildeo descrita o segmento do Romanche e o do
Schwyzertatsch satildeo ambos definidos como vogais frontais de abertura
maacutexima mas o fonema do sistema Schwyzertfitsch eacute pronunciado mais aberto
Os fonemas b do Romansh e o B do Schwyzertfitsch satildeo ambos definidos por
suas oposiccedilotildees tensa (sem voz) consoante aspirante e nasal homorgacircnica mas
b eacute sempre vozeado B apenas ocasionalmente
Quando ao tratar dos fatores estruturais favorecedores ou inibidores da
interferecircncia foneacutetica o pesquisador em questatildeo afirma que a anaacutelise contrastiva
dos fonemas de duas liacutenguas e a forma como eles satildeo usados produz uma lista
de formas de interferecircncias focircnicas esperada em uma situaccedilatildeo de contato
particular Quando os sons satildeo vistos como parte de um sistema focircnico certos
fatores adicionais emergem favorecendo ou inibindo a reproduccedilatildeo de som
defeituoso (pg 23)
Em continuidade ele afirma que ldquoum fator que elimina certos ruiacutedos na fala em
liacutengua estrangeira eacute a existecircncia de vazios no padratildeo no sistema fonecircmico
primaacuterio em que fonemas estranhos do sistema secundaacuterio podem ser
recuperados (rotulados)rdquo Isso se daacute devido agrave semelhanccedila com o(s) segmento(s)
cujas caracteriacutesticas satildeo mais aproximadas
Sobre a difusatildeo dos fenocircmenos de interferecircncia foneacutetica Weinreich assegura que
no estudo da propagaccedilatildeo de sons oriundos do contato linguiacutestico sobretudo na
influecircncia da liacutengua estrangeira (liacutengua de contato) seria relevante que
investigasse se o resultado de muitos tipos de interferecircncia eacute difundido da mesma
forma ou com igual facilidade
114
Ao citar Sapir ele afirma que
Podemos supor que as variaccedilotildees individuais decorrentes em fronteiras linguiacutesticas tecircm sido gradualmente incorporadas ao desvio foneacutetico de uma liacutengua Isto mostra aliaacutes que um sistema de som que eacute conhecido por ter sido influenciada por um estrangeiro natildeo precisa esperar para representar uma reacuteplica exata do sistema influenciando (1949 p213)64
Para ele um dos motivos que contribuiria para a interferecircncia foneacutetica seria
agravequela desencadeada pelo status
Com base na reduplicaccedilatildeo de som de Weinreich Matra (2009 p 241) descreve
que a produccedilatildeo de segmentos foneacuteticos eacute vulneraacutevel No entanto
A replicaccedilatildeo fonoloacutegica (interferecircncia transferecircncia ou ldquoempreacutestimordquo) pode afetar qualquer niacutevel da estrutura de som a articulaccedilatildeo de fonemas individuais ou fonemas dentro das palavras o comprimento e a geminaccedilatildeo acento e tom prosoacutedia e entonaccedilatildeo Em fonologia os empreacutestimos foram muitas vezes considerados como estrateacutegias para preencher as chamadas lacunas estruturais no sistema destinataacuterio65
Matras ainda defende que a mudanccedila induzida pelo contato fonoloacutegico eacute o
resultado da incapacidade ou da relutacircncia dos falantes para manter a separaccedilatildeo
completa e consistente entre os sistemas fonoloacutegicos de duas liacutenguas Ele cita
como exemplo o fato de os falantes da liacutengua receptora lidarem com a pronuacutencia
de termos da liacutengua de origem66
64
We may suppose that individual variations arising at linguistic borderlands - whether by the unconscious suggestive influence of foreign speech or the actual transfer of foreign sounds into the speech of bilingual individuals - have been gradually incorporate into the phonetic drift of a language This shows incidentally that a sound system which is known to have been influenced by a foreign one need not be expected to represent an exact replica of the influencing system 66
Isso ocorre mais frequentemente quando uma palavra estrangeira eacute introduzida na liacutengua de
destino por apenas um pequeno grupo de biliacutengues ou semibiliacutengues e se espalha por toda fala da comunidade inclusive para os monoliacutengues natildeo estatildeo familiarizados com os sons originais da
115
Quando emprestado de uma liacutengua doadora um vocaacutebulo natildeo acarretaraacute
necessariamente em mudanccedila no sistema fonoloacutegico da liacutengua receptora O que
ocorre como jaacute fora colocado aqui eacute o processo de acomodaccedilatildeo fonoloacutegica O
vocaacutebulo emprestado passa a ser pronunciado com os segmentos foneacuteticos da
liacutengua receptora
Todavia Matra (2009 p 222-223) chama a atenccedilatildeo para um segundo tipo de
processo em que ldquoos sons que aparecem nos vocaacutebulos emprestados que satildeo
normalmente ausentes do sistema da liacutengua destinataacuteria podem ser replicados
juntamente com o proacuteprio vocaacutebulordquo fazendo com que haja um enriquecimento no
inventaacuterio foneacutetico na liacutengua receptora 67
Segundo o autor este tipo de processo ocorre com normalidade em situaccedilotildees
em que o bilinguismo eacute muito generalizado Logo ldquomembros biliacutengues de uma
comunidade que estatildeo cientes da forma original da pronuacutencia da liacutengua doadora
fazem um esforccedilo para autenticar o vocaacutebulo emprestado replicando sua forma
originalrdquo
Em continuidade ele afirma que
Uma vez que a liacutengua doadora goza de alguma forma de prestiacutegio muitas vezes devido a associaccedilotildees com comeacutercio tecnologia conhecimento e outros tipos de inovaccedilatildeo ou de poder a replicaccedilatildeo de pronuacutencias originais da liacutengua doadora satildeo imitadas por muitos monoliacutengues (natildeo falantes da liacutengua doadora) como tal levando agrave propagaccedilatildeo dentro da liacutengua destinataacuteria dos novos fonemas nos vocaacutebulos emprestados que satildeo relevantes Isso comprova o respeito dos falantes para a linguagem dos doadores e agrave sua flexibilidade no uso de sua liacutengua materna (a liacutengua do destinataacuterio) indicando que os
liacutengua doadora Em tais situaccedilotildees haacute uma forte lealdade para com a liacutengua de destino e geralmente apenas com superficial conhecimento com a liacutengua de origem (p 242) 67
Como exemplo eacute citado o caso da africada dʒ que em situaccedilatildeo de empreacutestimo pode ser
pronunciada como tʃ em palavras que oriundas do inglecircs
116
falantes se contentam em atribuir fonologicamente autenticidade agrave replicaccedilatildeo de empreacutestimos lexicais prioritaacuterios maiores do que para a preservaccedilatildeo das estruturas fonoloacutegicas coerentes de sua liacutengua nativa (idem p 224)
Em uma situaccedilatildeo onde o bilinguismo eacute estabelecido e prolongado os falantes (na
maioria de uma liacutengua minoritaacuteria como o caso dos Latundecirc) podem ajustar o
inventaacuterio de sons e as regras que regem a sua distribuiccedilatildeo para coincidir com as
do outro
Matras (2009 p 225) atraveacutes de um quadro descreve os quatro tipos de
mudanccedilas fonoloacutegicas oriundas do contato linguiacutestico com base nos perfis dos
falantes linguagem e atitudes
Quadro 8 Tipos de processos que conduzem a mudanccedila fonoloacutegica induzida por contato
117
Com base no quadro anterior depreende-se que
i) O tipo A eacute diferente na medida em que natildeo envolve nenhuma mudanccedila no
sistema fonoloacutegico mas apenas uma mudanccedila de palavras individuais
enquanto os tipos B-D todas envolvem algum grau de modificaccedilatildeo para o
sistema tal como utilizado por colunas numa base regular No entanto
existem semelhanccedilas entre os tipos de aspectos individuais
ii) Os tipos A e B satildeo semelhantes e giram em torno de palavras emprestadas
individualmente
iii) Os tipos A e C satildeo semelhantes em que ambos envolvem a transferecircncia
de recursos de liacutengua nativa para material diferente
iv) Os tipos B e D satildeo semelhantes em que ambos envolvem a adoccedilatildeo de
padrotildees sonoros estrangeiros e sua integraccedilatildeo na liacutengua nativa
v) Os tipos C e D mostram como mencionado acima o fato de que os
falantes tentam evitar que para selecionar os sons de dois conjuntos
distintos de inventaacuterio e ateacute generalize apenas um conjunto de sons para
serem usadas em ambas as liacutenguas isto eacute em toda a interaccedilatildeo contextos
Os falantes do portuguecircs falado por Latundecirc se estendem em duas direccedilotildees Em
tipos A e C onde os falantes reinterpretam os sons dos vocaacutebulos emprestados
da liacutengua doadora alinhando-os aos padrotildees e inventaacuterio da liacutengua receptora
(nativa) No tipo D os falantes modificam os segmentos foneacuteticos com base no
inventaacuterio externo A aplicaccedilatildeo de uma determinada regra fonoloacutegica pode
resultar na perda ou em ganho de fonemas p226
118
O contato linguiacutestico pode ser representado ainda como um contiacutenuo Nele
ocorrem forccedilas centriacutefugas e centriacutepetas que dinamizam os sistemas linguiacutesticos
Para Matras idem p 226 fatores como normas sociais lealdade e consciecircncia
de identidade podem interferir e ateacute mesmo neutralizar os fenocircmenos advindos do
contato O empreacutestimo sofreria portanto estas pressotildees
Figura 12 Ligaccedilotildees entre a intensidade do bilinguismo o tipo de processo de acomodaccedilatildeo e sobreposiccedilatildeo entre os sistemas fonoloacutegicos
Quanto menor for o bilinguismo maior seraacute a separaccedilatildeo de sistemas Por outro
lado quanto mais intenso for o bilinguismo maior seraacute a convergecircncia de
sistemas fonoloacutegicos
No que concerne agrave integraccedilatildeo fonoloacutegica Matras (2009 p 227) explica que a
substituiccedilatildeo de fonemas eacute uma das formas mais comuns posto que este
processo permite uma aproximaccedilatildeo de caracteriacutesticas entre o sistema interno e
externo Dessa forma a substituiccedilatildeo eacute mais comum uma vez que os fonemas
satildeo combinaccedilotildees de recursos articulatoacuterios e as caracteriacutesticas em comum satildeo
mantidas em detrimento agraves complexidades dos fonemas que natildeo compartilham de
traccedilos em comum
119
Ele tambeacutem chama a atenccedilatildeo para a estrutura silaacutebica dos sistemas fonoloacutegicos
que entram em contato afirmando que ldquoos estrangeirismos podem acomodar a
siacutelaba e a estrutura do acentordquo (idem p 228)
A aplicaccedilatildeo de regras sobre a distribuiccedilatildeo de fonemas oriundos do empreacutestimo
pode resultar na perda de um traccedilo ou de um fonema A integraccedilatildeo de fonemas
tambeacutem pode levar agrave omissatildeo de outros fonemas que natildeo fazem parte o
inventaacuterio fonoloacutegico da liacutengua receptora E a omissatildeo de certas caracteriacutesticas
durante a replicaccedilatildeo de fonemas pode ser prejudicial para o sistema como um
todo e isso pode resultar em uma reduccedilatildeo de pares miacutenimos
Sobre a convergecircncia dos sistemas fonoloacutegicos Matras (2009 p 229) assegura
que um fator que retarda o processo de substituiccedilatildeo de som eacute a presenccedila de
vaacuterios pares de vocaacutebulos que contam com o contraste Neste caso a
convergecircncia aumenta as semelhanccedilas entre os inventaacuterios fonoloacutegicos das duas
liacutenguas E a replicaccedilatildeo da variaccedilatildeo alofocircnica eacute uma via comum para a
convergecircncia
Quanto aos segmentos foneacuteticos ainda de acordo com o pesquisador em
questatildeo as consoantes satildeo as mais introduzidas nos estrangeirismos Uma vez
que nas liacutenguas do mundo o nuacutemero de segmentos consonantais eacute maior que o
das vogais Logo os vocaacutebulos emprestados satildeo mais propensos a introduzir
mais consoantes que vogais
No caso Portuguecircs falado por Latundecirc tal assertiva em parte se configura A
anaacutelise dos dados prova que satildeo as consoantes as mais favoraacuteveis para a
realizaccedilatildeo dos processos foneacuteticos Todavia o nuacutemero de consoantes nessa
120
liacutengua eacute menor que o de vogais conforme descriccedilatildeo de Telles 2002 a qual
veremos na proacutexima seccedilatildeo
Van Coetsem (1988 p7) tambeacutem aborda os processos e comportamentos
oriundos do contato linguiacutestico68 E para que este contato seja estabelecido eacute
necessaacuterio que se tenha uma liacutengua de origem (SL) e uma liacutengua destinataacuteria
(RL)
Figura 13 Correspondecircncia entre liacutenguas e contato linguiacutestico
Embora o modelo de Van Coetesem seja universal e demonstre que na maioria
dos contatos linguiacutesticos a liacutengua de origem seja uma liacutengua dominante
ressaltamos que neste trabalho a liacutengua de origem (SL) eacute a liacutengua minoritaacuteria o
Latundecirc E o substrato analisado eacute uma modalidade de portuguecircs falado pelos
Latundecirc
Em continuidade este estudioso afirma que
Um empreacutestimo fonoloacutegico eacute uma imitaccedilatildeo uma reacuteplica ou uma reproduccedilatildeo na liacutengua recipiente (RL) de um elemento estrangeiro ou uma pronuacutencia da liacutengua de origem (SL) Esse tipo de imitaccedilatildeo eacute muitas vezes apenas uma aproximaccedilatildeo Para o imitador a imitaccedilatildeo implica o uso de algo que ele natildeo tem na sua proacutepria liacutengua Um empreacutestimo fonoloacutegico como uma imitaccedilatildeo eacute portanto algo que o falante imitador da RL natildeo tem em sua fonologia integrada ou nativa ou seja algo
68
Para Van Coetsen o termo ldquoempreacutestimo fonoloacutegicordquo indica qualquer forma de empreacutestimo no acircmbito da fonologia segmentar ou suprassegmental independentemente se isto afeta a dimensatildeo paradigmaacutetica a dimensatildeo sintagmaacutetica ou ambas (p7)
121
fonoloacutegico ou subfonoloacutegico que deriva de seu sistema fonoloacutegico nativo (Idem p 8)69
A intenccedilatildeo do falante ao fazer uso do segmento emprestado eacute reproduzi-lo da
melhor forma possiacutevel Ao fazer isso ele obedece agraves consideraccedilotildees sociais O
proacuteprio fato de que o segmento natildeo esteja inserido em seu proacuteprio sistema faz
com que na pressatildeo de se adaptar a diferentes pronuacutencias ele (o falante) procure
o equivalente mais proacuteximo em seu sistema
Para que isso ocorra ldquoo falante faz uso de dois processos a imitaccedilatildeo e a
adaptaccedilatildeo p 9rdquo Ambos pressupotildeem a existecircncia de um conjunto organizado de
segmentos fonoloacutegicos e distribuiccedilatildeo de unidades inseridas pelo falante da liacutengua
recipiente por um lado e por outro o confronto das pronuacutencias estrangeiras com
que o falante tem que lidar
Aleacutem dos processos de imitaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo Van Coetesem tambeacutem utiliza a
noccedilatildeo de integraccedilatildeo ldquoque eacute a incorporaccedilatildeo de elementos em uma dada liacutengua
advindos de outra(s) liacutengua(s)rdquo A imitaccedilatildeo seria portanto o preacute-requisito para a
integraccedilatildeo No caso do portuguecircs falado pelos Latundecirc natildeo haacute indiacutecios de
integraccedilatildeo de fonemas especiacuteficos da sua liacutengua de origem
Para que ocorra o processo de imitaccedilatildeo eacute necessaacuterio que haja uma agentividade
que eacute um tipo especiacutefico de transferecircncia onde o falante de uma dada liacutengua eacute
ativo e o outro passivo O inverso tambeacutem pode ocorrer
69
A phonological loan is an imitation replication or reproduction in the RL of a foreign or SL
pronunciation such an imitation is often only an approximation For the imitator imitation implies the use of something that he does not (yet) have of his own A phonological loan as an imitation is thus something that the imitating RL speaker does not have in his integrated or native phonology something phonemic or subphonemic that deviates from his native phonological system
122
Figura 14 Agentividade da Liacutengua Recipiente de acordo Van Coetsem 1988 p10
Na agentividade da liacutengua recipiente (RL)70 o segmento dominante na relaccedilatildeo
entre a liacutengua recipiente e a liacutengua de origem71 eacute o da liacutengua recipiente Logo o
domiacutenio linguiacutestico seraacute o da liacutengua recipiente
Figura 15 Agentividade da Liacutengua de Origem de acordo Van Coetsem (1988 p11)
Na agentividade da liacutengua de origem (SL) o segmento dominante na relaccedilatildeo
entre a liacutengua recipiente e a liacutengua de origem eacute o da liacutengua de origem Sendo
assim o domiacutenio linguiacutestico seraacute o da liacutengua de origem
Tomando como referencial os modelos apresentados podemos estabelecer um
contiacutenuo cronoloacutegico para compreender como se daacute a agentividade sobre o
contado do Portuguecircs com o Latundecirc
70
No caso em questatildeo a modalidade do portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute a liacutengua recipiente 71
Consequentemente a liacutengua de origem (SL) eacute o Latundecirc
123
Figura 16 Relaccedilatildeo de agentividade entre o Portuguecircs e o Latundecirc
Historicamente devido aos fatores socioeconocircmicos o contato inicial se daacute entre
o Portuguecircs influenciando o Latundecirc Aquele como liacutengua majoritaacuteria e este como
minoritaacuteria
O Latundecirc por ser a liacutengua do povo dominado eacute submetido agraves interferecircncias da
liacutengua de domiacutenio Deste contato resulta uma modalidade especiacutefica do
Portuguecircs que eacute o falado por Latundecirc
Em suma podemos afirmar que embora seja o Portuguecircs a liacutengua dominante e
que inicialmente seja ele o agente sobre o Latundecirc a posteriori fora o Latundecirc o
agente pelas transformaccedilotildees ocorrentes no Portuguecircs de contato Posto dessa
forma a agentividade se daacute em ambos os contextos a partir do referencial que se
tenha uma vez que o Portuguecircs e o Latundecirc tanto influenciaram como foram
influenciados Mas vale ressalvar que para este recorte o Portuguecircs eacute a liacutengua
que sofre influecircncia Eacute este o fio condutor da nossa pesquisa
Portuguecircs Latundecirc Portuguecircs falado por Latundecirc
124
53 FONOLOGIA DO LATUNDEcirc
Para uma melhor compreensatildeo futura passaremos agora a descrever os
sistemas fonoloacutegicos das liacutenguas em estudo
Elencamos abaixo as principais caracteriacutesticas fonoloacutegicas do Latundecirc
Eacute uma liacutengua com maior quantidade de elementos vocaacutelicos (dezesseis)
em detrimento aos consonantais (onze) Eacute uma liacutengua vocaacutelica portanto
Apresenta dez vogais orais e seis nasais Dessas oito satildeo laringais72
As vogais nasais satildeo contrativas apenas na posiccedilatildeo do acento
Os glides w j quando em posiccedilatildeo de onset sofrem o processo de
consonantizaccedilatildeo
Apresenta seis tipos de siacutelabas fonoloacutegicas que satildeo derivadas da extensatildeo
(C)V(C)(C) V VC VCC VC CVC e CVCC
O nuacutecleo silaacutebico eacute sempre preenchido por uma vogal
Dos segmentos consonantais apenas a oclusiva glotal ʔ natildeo eacute observada
em posiccedilatildeo de onset
A coda pode ter desdobramento ramificado sendo a primeira posiccedilatildeo
preenchida sempre por um glide
Os padrotildees silaacutebicos VC e CVC satildeo os mais frequentes e ocorrem tanto
em siacutelaba tocircnica como aacutetona
Tem uma forte tendecircncia agrave monotongaccedilatildeo
O sistema acentual eacute misto que associa o acento lexical ao acento foneacutetico
72
Telles explica que as mais novas geraccedilotildees Latundecirc abaixo de 20 anos realizam o traccedilo laringal com menor frequecircncia e audibilidade
125
O acento eacute realizado foneticamente como tom (pitch) alto
Eacute uma liacutengua de caracteriacutestica de liacutenguas pitch accent
Apresenta processos fonoloacutegicos em niacutevel poacutes-lexical fundamentalmente
Estes processos satildeo agrupados em assimilaccedilatildeo (harmonia vocaacutelica e
vozeamento das oclusivas) dissimilaccedilatildeo reduccedilatildeo apagamento silaacutebico e
epecircntese
Quadro 9 Fonemas consonantais do Latundecirc
Fonemas Consonantais
Labiais Coronais Dorsal Glotais
+ anterior - anterior + anterior - anterior - anterior - anterior
Plosivas p t k
Nasais m n
Fricativas s h
Lateral l
Glide w j
Quadro 10 Fonemas vocaacutelicos do Latundecirc
Fonemas Vocaacutelicos
Vogais Vogais Laringais
Altas i u i u
Altas Nasais ĩ ũ i u
Meacutedias e o e o
Baixa a a
Baixa Nasal a a
126
Quadro 11 Ditongos do Latundecirc
Ditongos
Crescentes Decrescentes
w j w J
i wi iw
e e we we je je ej e j
a a a a wa wa ja ja ja aw a w a w aj a j atildej
o o wo jo ow
u u u ju ju ju
Quadro 12 Descriccedilatildeo dos fonemas consonantais (Retirada de Telles 2002)
Segmento - Descriccedilatildeo - Contexto de realizaccedilatildeo e especificidades
Exemplos
Traduccedilatildeo
p73 - Oclusiva bilabial surda
Eacute de extrema limitaccedilatildeo de realizaccedilatildeo na liacutengua
Ocorre em posiccedilatildeo de onset formando
siacutelabas com as vogais i a atilde o u
Pode se realizar como [p] oclusiva bilabial surda [b] oclusiva bilabial
sonora [ɓ] oclusiva bilabial sonora
implosiva
Em iniacutecio de palavras realiza-se [p]
diante da vogal coronal [i] e [b ɓ] e
diante da vogal baixa [a]
Em meio de palavra ou enunciado quando precedido por oclusiva glotal realiza-se [p]
[pite]
piʔ-te
[ιɓ
pan-tatilden
[diʔpa natildenʌ]
jaliʔ pan-tatilden-ta
[kotildebayte] ~ [kotildebayte]
kownpayt-te
[sabagnĩde]
Espeacutecie de paacutessaro chupito Satildeo dois Satildeo dois colares Tatu espeacutecie de
73
Outros estudos com liacutenguas proacuteximas tambeacutem indicam a baixa frequecircncia da realizaccedilatildeo do p
nas liacutenguas desse grupo Kingston 1970 para o Mamaindecirc e Lowe 1961 para o Nambikwaacutera do sul (Galera Kabixi Munduacuteka Nambikwaacutera do Campo)
127
Em meio de palavras ou enunciados em ambiente intervocaacutelico ou nasal adjacente realiza-se [b]
sapan-kinĩn-te
[tʃabatildeʔginĩde]
sapatilden-kin-te
Pente Taioba
m - Nasal labial + anterior
Oclusiva bilabial nasal com distribuiccedilatildeo mais larga do que a do p
Apresenta ocorrecircncia restrita quanto comparada agrave nasal alveolar n
Realiza-se [m]
Ocorre em iniacutecio de siacutelaba diante das
vogais i i i i a a a u u u u
Natildeo forma siacutelaba com as vogais
meacutedias frontais e e e com as
posteriores o o
Apoacutes pausa e seguida de a pode se realizar como oclusiva bilabial nasal
preacute-glotalizada - [ ʔm ]
[ miɾatildenʌ]
mih-tatilden-ta
[katilde ɾatildenʌ]
kami h-tatilden-ta
[ a ĩ de]
e ĩn-te
[ e ĩ de]
e ĩ -te]
[ ma hɾatilden]
mah-tatilden
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[ka a ʔɾatildenʌ]
ka- a -tatilde-ta
[ datildena]
n-tatilden-ta
[tumuʔku ɾe]
tumuʔku-te
Estaacute chovendo Aacutegua estaacute suja Cobra espeacutecie de Couro Ele estaacute esperando Roupa Estaacute molhado Estaacute bonito Jacu
128
Em fronteira de morfema precedido pela fricativa glotal h teraacute a sua realizaccedilatildeo ensurdecida
[ a datildenʌ]
a n-tatilden-ta
[ʔ atilde ɳ datilden]~[ a n datilden]
atilden-tatilden
[ʔ atildeʔ n datilden] ~
[ atildeʔ ndatilden]
atilden- n-tatilden
[n h atildega tna ]
n - atilden-ka -tatilden-na
Estaacute inchado Estaacute queimando Vocecirc estaacute mandando Eacute nossa roupa
w - Glide labial - anterior
Glide laacutebio-velar sonoro
Ocupa as posiccedilotildees de onset e coda
Apresenta leve arredondamento nos laacutebios
Eacute o segmento mais frequente das labiais
Realiza-se como [w] em iniacutecio de
siacutelaba diante das vogais i e e a a o
tambeacutem podendo variar com [ʋ]
fricativa laacutebio-dental que eacute realizada com fraco grau de fricccedilatildeo
[ wi rsquoɾatilden] ~ [ ʋi ɾatilden]
wi -tatilden
[woda h de] ~ [ʋoda h de]
wotah-te
[na weʔrsquoa jrsquoɾe] ~ [na ʋeʔajrsquoɾe ]
na jn-weʔa jh-te
[ kowajna tatildenʌ]~ [koʋajna tatildenʌ]
hah-wa jn-ta-tatilden-ta
[daweʔgɾatilde ni]
taweʔ-ka-tatilden-ti
[ we jginĩdatildena]
we jn-kinĩn-tatilden-ta
[ wajkinĩ de]
wajʔ-kinĩn-te
Ele comeu Pomba Eacute para colocar na cabeccedila Satildeo poucos laacutepis Ele cozinhou Eacute fruto da bacaba
129
Em dissiacutelabos no onset de siacutelaba preacute-tocircnica aberta seguido de vogal a central baixa pode ocorrer a fusatildeo entre o w e a vogal a realizando-se como [ͻ o u]74
Na sequecircncia w + a o a pode sofrer harmonia vocaacutelica recebendo o ponto de articulaccedilatildeo da vogal acentuada sendo realizada [e]
Quando em final de siacutelaba segue as
vogais i o a a
E depois das vogais io pode alongar-se
Se a vogal precedente for a baixa a
a ocorreraacute a fusatildeo resultando as
posteriores ͻ ͻ
Quando em siacutelaba em siacutelaba
acentuada ͻ ͻ podem ser alongados
ou seguido de oclusatildeo glotal [ʔ] ou
ocorrer uma assimilaccedilatildeo regressiva
das baixas aa passando a [ͻ ͻ ]
Quanto agrave frequecircncia w se mais
ocorrente depois da vogal baixa a a
e baixiacutessima ocorrecircncia depois da vogal i o
Ao integrar uma siacutelaba (C)v wN onde a
vogal eacute nasalizada o glide pode ser nasalizado ou coalescer com a consoante nasal na coda
Em posiccedilatildeo de onset e pronunciada rapidamente eacute fortificada podendo ser realizada como [p] e [m]75
[ wa jkinĩ de]
wa jh-kinĩn-te
[waɾaɾwaɾaʔĩ datildenʌ] ~
[wͻɾaʔwͻɾaʔĩ datildenʌ] ~
[ͻɾaʔͻɾaʔĩ datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[weli nde] ~ [uli n de]
wa ĩn-te
[weɾe ɾatildena] ~ [ ɾe ɾatildena] ~
[ rsquoɾe ɾa na]
wateh-tatilden-ta
[giw ladaɾe] ~ [gi la de]
kiwlah-tah-te
[kowa ɾe] ~ [koa ɾe]
kowah-te
[a wde] ~ [ ͻ de] ~ [ ͻ ʔde]
a w-te
[aw de] ~ [ͻ de] ~ [ͻʔ de]
awh-te
[na w du] ~ [nͻ du] ~ [nͻ w du]
na wh-tu
[a wm datilden] ~ [atilde w m datilden] ~
Amendoim Fruto do accedilaiacute Estaacute fino Tamanduaacute Estaacute sumido Cascavel Andorinha Flexa Gaviatildeo
74
Conforme Telles (2002 p 42) Estas alofonias variam de acordo com a qualidade da vogal
tocircnica da siacutelaba seguinte com a qual sua vogal aacutetona nuclear se harmoniza 75
Tal ocorrecircncia eacute mais frequentemente constatada em falantes monoliacutengues em Latundecirc
130
[atilde m datilden]
atilde wn-tatilden
[woloʔʔnatildenʌ] ~ [polo ʔnatildenʌ]
walon-tatilde-ta
[wʌnaʔkinĩ de] ~ [mʌnaʔkinĩ de]
~ [wanaʔkinĩ de]
wanaʔ-kinĩn-te
[wo nut ʔna ] ~ [mo nut ʔna ]
wo nuʔ-tatilden-na
[wʌ na jginĩ datildenʌ] ~
[mana jginĩ datildenʌ] ~
wa -na jn-kin-tatilden-ta
[wa ʃi de] ~ [maʔ ʃi de]
wa-sin-te
Lontra Estaacute assando no burralho Estaacute podre Castanha do caju Eacute corpo inteiro Eacute tua cabeccedila Espeacutecie de abelha
t - Plosiva coronal + anterior
Oclusiva alveolar surda
Ocorre com as vogais ie e a
a atilde o o u ũ
t realiza-se [d] em siacutelaba acentuada podendo ainda variar em posiccedilatildeo medial como [|]
Em iniacutecio de palavra o alofone [d] pode ser realizado como preacute-
[diko lo n de]
tiʔ-ko lo n-te
[ de he ɾaɾe]
te h-tah-te
Paacutessaro pintado espeacutecie de paacutessaro Ele cozinhou
131
glotalizado realizando-se como
[ɗ]
Em fala lenta pode ser realizado como [d]
Em contexto fora do acento ocorre [t] com raros exemplos de variaccedilatildeo entre os alofones [d] e [t]
[ de geɾatilden]
te h-ka-tatilden
[daʔjͻ ratildena]
ta-jaw-tatilden-ta
[da jginĩ de]
ta jn-kinĩn-te
[ doɾatilden] ~ [d ɾatilden]
toh-tatilden
[do h gratilden]
to h-ka-tatilden
[du ɾatilden]
tu-tatilden
[d hdatilden]
tu-tatilden
[kͻdͻ ɾe]
kataw-te
[kado ndatildenʌ]
katon-tatilden-ta
[teda de]
teta-te
[toʔdatilde n de]
toʔtatilden-te
[tigi ɾe]
tikih-te
Sucuri Ele estaacute sentado Pedra Ele morreu Ele procurou Ele pegou Ele chupou Patuaacute Estaacute cru Jaoacute Nambu
132
As possibilidades alofocircnicas de t entre segmentos depende do acento e do contexto adjacente Estas duas condiccedilotildees definem as alofonias76
Precedido de vogal em ambiente
intervocaacutelico realiza-se [tdɾ]
sendo [d] o preferencial
Quando t eacute precedido por h
realiza-se como [tdɾ] A
presenccedila da fricativa favorece o rotacismo de t tornando-o em
[ɾ]
Quando t eacute precedido de ʔ ou
de t a realizaccedilatildeo pode ser [t] mas [d] pode permanecer em raros casos
Em contexto de nasalizaccedilatildeo trecircs realizaccedilotildees satildeo possiacuteveis para t i) vozeamento da oclusiva alveolar ii) preacute-nasalizaccedilatildeo da oclusiva alveolar em iniacutecio de siacutelaba tocircnica e iii) assimilaccedilatildeo total da nasal adjacente
[tabawdnͻde]
tapawn-naw-te
[tala de] ~ [dala de]
tala-te
[tolowm datilde ]
talown-tatilden
[lodo ɾa ɾe] ~ [lo to ɾa ɾe] ~
[loto ɾa ɾe]
loto-tah-te
[doʔ daj de] ~ [toʔ ɾaj de]
to-tajn-te
[nu h ɾe] ~ [ nu h de]
nu h-te
[lo hrsquoɾe] ~ [lo h de] ~
[lo h te]
loh-te
[hu te] ~ [hu de]
huʔ-te
[keja te] ~ [kejaʔ te]
kejat-te
[ĩ datildena] ~ [i ndatildena] ~ [i natildena]
Macaco pequeno Ombro Tipoia Ele terminou Rato grande Abelha vermelha Lagarto grande Urubu
76
Dessas alofonias o flap [ɾ] tem sua ocorrecircncia ligada ao acento
133
Em siacutelaba natildeo acentuada t pode sofrer fricatizaccedilatildeo passando a se realizar como [s]
ou [ts] ou [ʔs]
Ainda neste contexto permanecem possiacuteveis as realizaccedilotildees [t] e [d] se o t sofrer fricatizaccedilatildeo a aspiraccedilatildeo glotal precedente do h natildeo se realiza
Em travamento silaacutebico t realiza-se de preferecircncia como
ʔ Pode ser deletado
ocasionando o prolongamento da vogal tautossilaacutebico
in-tatilden-ta
[katilde datildena] ~ [katilde ndatildena] ~
[katilde natildena]
katilden-tatilden-ta]
[kejaʔ n da ɾe] ~ [kejaʔ na e]
kejan-tah-te
[losa na ʔ] ~ [lostsa na ʔ] ~
[lo ʔ sa na ʔ] ~ [lo h ta na ʔ]
loh-ta-na
[kejate] ~ [kejaʔte]
kejat-te
[kejaʔtiʔjoho]
kejat-ti-jo-ho
[lote] ~ [loʔte]
lot-te
[acute tʃjͻna ]
lot-ti-jaw-na
Arco Milho Estaacute apimentado Estaacute duro Lambari grande Eacute urubu Milho Talvez seja milho Paca A paca estava aiacute
134
n - Nasal coronal - anterior
Oclusiva alveolar nasal
Suas alofonias satildeo condicionadas pelo contexto adjacente agrave sua posiccedilatildeo de ocorrecircncia e agrave estrutura silaacutebica
Em onset realiza-se como [n] com as
vogais i i ĩ ĩ a a atilde atilde u u ũ ũ
Tambeacutem pode apresentar flutuaccedilatildeo em
onset realizando-se [ʔn]77 alveolar
nasal preacute-glotalizada com preferecircncia quando seguido por a
Em posiccedilatildeo de onset e em fronteira de morfema dependendo do seguimento seguinte sofreraacute alteraccedilatildeo
Quando precedido por h sofreraacute ensurdecimento
Quando precedido por outro n na coda silaacutebica precedente poderaacute ser
preacute-glotalizada [ʔn]
[ni du]
ni-tu
[ni ʔkinĩnatildena]
ni ʔ-kinĩn-tatilden-ta
[nagatilde de]
nakatilden-te
[katildena ratilden]
kana h-tatilden
[natildejd ]
natildejn-tu]
[ʔnatilde natilde ʌ]
natilde n-tatilden-ta
[nu h e]
nuʔ-te
[lsquon h ɾe]
nu h-te
[n n de]
n n-te
[n h n atildega tatildena]
Tipo de lenha Eacute fruto Lagarto Estaacute escuro Pacu Estaacute chorando Braccedilo Lagarto Espeacutecie de Bicho
77
Tal qual ocorre com m a glotalizaccedilatildeo de n deve-se em alguns casos aacute reduccedilatildeo da siacutelaba
inicial da palavra
135
Em posiccedilatildeo de coda de siacutelaba acentuada gera processo de assimilaccedilatildeo de dissimilaccedilatildeo e de elisatildeo resultando numa seacuterie de alofonias
Ainda em siacutelaba acentuada se a vogal tautossilaacutebica for oral e entre a coda nasal existir um glide labial-velar constituindo uma siacutelaba com ditongos awn own n se realiza como [m] preferencialmente
w e n em posiccedilatildeo de coda pode sofrer coalescecircncia realizando-se como [m] ou [n]
Se o glide ocupante da primeira posiccedilatildeo da coda for j ou se a siacutelaba tiver a coda preenchida pela nasal n a realizaccedilatildeo desta nasal seraacute [n]
Os glides que seguem a vogal na primeira posiccedilatildeo de coda podem
n -natilden-kah-tatilden-ta
[udʔna]
un-na
[iwm de]
iwn-te
[tʌlawm natildenʌ] ~ [tʌlaw natildenʌ]
talawn-tatilden-ta
[wawm datildenʌ] ~ [wͻwm datildenʌ]
wawn-tatilden-ta
[tolowm datildenʌ]
talown-tatilden-ta
[jatildew de] ~ [iɲatildew de] ~
[jatilde de]
jatildewn-te
[a wm datilden] ~ [atilde m datilden]
atilde wn-tatilden
[iʃɛʔ ɾʌ m datilden]
isaj-tatildewn-tatilden
[toʔkotilde datilden] ~ [t ʔkʌ datilden]
toʔkatildewn-tatilden
Eacute nosso Estaacute vivo Larva Estaacute grosso Estaacute vermelho Estaacute pronto Larva Estaacute assando no burralho
136
assimilar a nasalidade da consoante precedente 78
Se a vogal for nasal na maioria das ocorrecircncias a consoante nasal na coda seraacute apagada deixando seu tempo na vogal precedente e na consoante seguinte
Quando a coda nasal n segue ditongo formado por vogal nasal subjacente mais glide palatal j n em posiccedilatildeo de coda pode espalhar nasalidade regressiva para o glide precedente e pode ser apagada
Quando em coda nasal iraacute participar de outros processos fonoloacutegicos aleacutem da vogal precedente
Na posiccedilatildeo de siacutelaba acentuada em meio de palavra seguida por k n promove a sonorizaccedilatildeo de k e passa
a se realizar como [ʔ] oclusiva glotal
[kotilde baj te] ~ [kotildebay te]
kownpajt-te
[a ʔ n de] ~ [a n de]
a n-te
[je n datilden]
je n-tatilden
[i n datilde na ]
in-tatilden-na
[ hej ndatilden] ~ [ hej n datilden]
hejn-tatilden]
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
[ atildendatilden]
atilden-tatilden
[ atilde n datilden]
atilden tatilden]
[ mɔ de] ~ [ de]
n-te
[n n de]
n n-te
Eles estatildeo correndo Ele misturou Tatu Tatu galinha Estaacute sujo Ele estaacute mamando Ele lavou Pacu Ele atirou
78
Para uma descriccedilatildeo mais detalhada sobre o comportamento de n e os glides ver a tese de
Telles 2002 55-57
137
Ainda quanto ao contexto semelhantemente descrito acima n for seguida por uma oclusiva surda homorgacircnica t poderaacute ocorrer processos que possibilitem uma alofonia em variaccedilatildeo livre
n sonoriza t
n sofre desnasalizaccedilatildeo
Quando n sonoriza a consoante seguinte ocorre a elisatildeo podendo ocorrer ou natildeo o alongamento compensatoacuterio da vogal precedente ou a preacute-nasalizaccedilatildeo da consoante seguinte
Quando n sofre elisatildeo alonga a vogal precedente e a consoante seguinte se assimila progressivamente com o traccedilo nasal passando a se realizar como [n]
n se vocaliza e recebe os traccedilos da vogal central e realiza-se nasal
Se n for seguida em coda por uma consoante nasal idecircntica ocupando a posiccedilatildeo do onset da siacutelaba seguinte poderaacute haver duas possibilidades de comportamento da coda nasal dependendo de ser a sua vogal tautossilaacutebica assimilar ou natildeo
Se a vogal precedente for nasal a coda sofreraacute elisatildeo e a vogal se alongaraacute
Se a vogal central for oral a consoante nasal da coda que precede a nasal idecircntica no onset da siacutelaba seguinte sofreraacute dissimilaccedilatildeo do traccedilo nasal79
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
[ku ʔginĩ de]
ku n-kinĩn-te
[ dega tatilden]
te n-kaloh-tatilden
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[ ku ndatildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[ ku ddatildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[ ku n datildenʌ] ~ [ ku datildenʌ]
ku n-tatilde-ta
[ ku natildenʌ]
ku n-tatilden-ta
Estaacute branco Bom-dia espeacutecie de aacutervore Bicho Pacu Rolo de fio de algodatildeo Roupa velha Roupa Estaacute fumando
79
A liacutengua Latundecirc eacute caracterizada pelo OCP (Princiacutepio do Contorno Obrigatoacuterio)
138
[ku datildenʌ]
ku n-tatilden-ta
[katilde na ]
katilden-na
[lidnu ɾe]
lin-nu-te
[lid na j ɾe]
lin-na jh-te
Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute fumando Estaacute duro Beiju de mandioca Raiz de mandioca
s - Fricativa alveolar surda
Fricativacoronal+ anterior forma siacutelaba
com as vogais i ĩ e a a atilde o uu ũ
Realiza-se como [s] [ʃ] [tʃ] [ʔs]
Em menor frequecircncia pode ser realizada como [t] e [t h]
Em siacutelaba acentuada em iniacutecio de palavras a fricativa pode se realizar
[tʃi ɾatilden] ~ [ʔsi ɾatilden]
sih-tatilden
[ ʔsitatilden] ~ [ sitatilden]
set-tan
Estaacute liso Trovejou
139
como palatal africada preacute-glotal ou como alveolar 80
Quando s se fortifica e passa a se realizar como [t] e ou como [t h] apresentam restriccedilatildeo ao contexto de vogal baixa seguinte podendo ocorrer em iniacutecio ou em meio de palavra Nestes contextos tambeacutem permanecem possiacuteveis as demais alofonias
A fortificaccedilatildeo de s eacute frequente em siacutelaba natildeo acentuada em iniacutecio de palavra Embora as siacutelabas acentuadas contenham maiores iacutendices Em posiccedilatildeo natildeo acentuada a alveolar ocorre em maior nuacutemero
A palatalizaccedilatildeo da fricativa eacute obrigatoacuteria quando precedida por i Sua realizaccedilatildeo eacute alveolar em posiccedilatildeo intervocaacutelica
[ʔsĩ du ɾatilden]
sĩn-tu-tatilden
[ʃa h ɾe] ~ [sa h ɾe]
sa h-te
[ tʃoɾatildenʌ] ~ [ ʃoɾatildenʌ]
soh-tatilden-ta
[ʃ de] ~ [s n de]
s n-te
[thathaʔi natildenʌ] ~ [ʃaʃaʔi natildenʌ]
sasan-tatilden-ta
[kejͻ ʔhe neʔt h o ɾeʔ] ~
[kejͻʔhe neʔto ɾeʔ]
keja w-haniʔ-s aw-te
[t datilde na ] ~ [t h datilde na ]
so-tatilden-na
[tʃamaj de] ~ [tamaj de] ~ [sama
de]
saman-te
[ʔʃamaʔdʌ ɾatildena]
saman-tah-tatilden-ta
[iʃatilde datilde na ]
isatilde n-tatilden-na
Estaacute arrastando Timboacute do mato Estaacute sujo Sol Estaacute mole Oacuteleo Eacute guarantatilde (espeacutecie de aacutervore) Tanajura Eacute tanajura
80
A africada eacute a mais utilizada pelos velhos enquanto a fricativa e a alveolar satildeo mais utilizadas
pelos jovens
140
[iʃu datildenʌ]
isu -tatilden-ta
[wasa h ɾe] - [wͻsa h ɾe]
wasah-te
Eacute folha Ele estaacute com frio Besouro
l- Lateral alveolar sonora
Lateral coronal + anterior
Forma siacutelaba em iniacutecio e meio de
palavras com as vogais i e a a o o
u
Fortifica-se em iniacutecio de palavras quando encontra-se na posiccedilatildeo de acento pode ser precedido por vogal aacutetona sem onset que tende a ser apagada
Diante do contexto acima realiza-se
[li tatilden]
lit-tatilden
[dale de]
tale-te
[giwla de]
kiwlah-te
[la ɾ e]
la h-te
[lo ɾatildena]
loh-tatilden-ta
[ko lo ko lo n de]
ko loʔ ko lo n-te
[toluʔ tatildena]
taluʔ-tatilden-ta
[ʔta e] ~ [da e]
la h-te
Ele saiu Embira Cobre cascavel Jacucaacuteca Estaacute comprido Pintado Ele tossiu
141
como alofones [ʔl] e [d]
Acompanhado por consoante nasal em onset silaacutebico pode assimilar progressivamente a nasalidade sendo realizado como [n]
Pode apresentar sobreposiccedilatildeo na maneira como se realizam
[t ~s ]
[t ~ n]
[n ~ l]
[t ~ l ]
[ʔlo tatilden] ~ [a tatilden]
atilde-loʔ-tatilden
[diʔ pa natildena] ~ [i iʔ pa natildena]
jaliʔ pan-tatilde-ta
[ naginila h ni ɾ atilden] ~
[ naginina h ni ɾatilden]
sapatilden-kinĩn-te
[kaas tatildena] ~ [kata tatildena]
kasaʔ-tatilden-ta
[tidit na j de] ~ [tidit ta de]
tatiʔ-najn-te
[nagatilde de] ~ [ agatilde n de]
nakatilden-te
[wota h ɾe] ~ [wola h ɾe]
wotah-te
Jacucaacuteca Ele estaacute afundado atolado Satildeo dois colares Eu natildeo sei se ele estaacute doente Taioba Estaacute grosso Mandioca mansa Lagarto do campo Pomba
142
j - Glide coronal - anterior
Eacute um glide palatal que ocupa a posiccedilatildeo de onset e de coda na siacutelaba
Em iniacutecio de siacutelaba j antecede as
vogais e e o a a atilde u u ũ
Quando em posiccedilatildeo inicial na siacutelaba e
acompanhado por e e em siacutelaba
acentuada ou seguido por a em siacutelaba aacutetona j pode se fortificar e se realizar
como [ʒ] sendo possiacutevel neste caso
ser seguido por um preacute glide [j] de fraca e raacutepida duraccedilatildeo
Quando seguido por a em siacutelaba aacutetona eacute opcional a fusatildeo entre o glide e a vogal derivando a vogal longa [i]
[je n datilden]
je n-tatilden
[ja te]
jaʔ-te
[ja te]
ja ʔ te
[jatildeʔ datilden] ~ [iɲatildeʔ datilden]
jatilden- n-tatilden
[jo ɾatilden]
joh-tatilden
[ju te]
ju-te
[ju te]
ju -rsquote
[j ginĩ de]
j n-kinĩn-te
[je natilden te] ~ [ʒe natilden te]
ja natilde-nu-te
[ j ʒe n datilden] ~ [ʒe n datilden] ~
[je n datilden]
je n-tatilden
[ʒɛge datilden] ~ [ʒɛga j datilden]
Estaacute sujo Maribondo espeacutecie Porco Vocecirc tem coragem Estaacute baixo Boca Peacute Pedra de gelo granizo Porco espinho Estaacute sujo
143
Se em posiccedilatildeo de onset e seguido de vogal nasal pode ocorrer uma consoante palatal seguindo o glide palatal e precedendo a vogal nuclear
Se for atilde a consoante intrusiva se realizaraacute com mais forccedila e separaraacute a sequecircncia jatilden em duas siacutelabas
Quando o glide vier antes da vogal ũ a consoante intrusiva poderaacute resultar no apagamento do glide podendo se realizar como consoante palatal ou preacute-glide
Em posiccedilatildeo final de siacutelabas
acompanha as vogais e e a a
jaka jn-tatilden
[inatilde de]
janatilde n-te
[jeda n de] ~ [ʒida n de] ~ [ida
n de]
jatan-te
[jatilde datilden] ~ [ iɲatildeʔ datilden]
jatilden- n-tatilden
[jatildew de] ~ [iɲatildew de] ~
[jatilde de]
jatildewn-te
[j ginĩ de] ~ [ j ɲ gibi de]
j n-kinĩn-te
[ ejdnirsquoɾatilde]
hejn-ten-ni-tatilde
[ e jtatilden]
e ʔ-tatilden
[wajkinĩ du]
wajʔ-kinĩn-tu
[na j de]
na j -te
[ natildejde]
natildejn-te
Eacute pica-pau pequeno espeacutecie Abelha do chatildeo espeacutecie veado espeacutecie Vocecirc tem coragem Larva espeacutecie Pedra de gelo granizo Eu vou lavar Ele fez fogo Amendoim
144
Maribondo espeacutecie Pacu espeacutecie de peixe
k- Plosiva dorsal - anterior
Eacute oclusiva velar surda Tem larga distribuiccedilatildeo e se realiza diante de todas as vogais do Latundecirc
Satildeo seus alofones [ʔk] [ɠ] [g] e [k]
Em iniacutecio de palavra se realiza preferencialmente como [k]
[kiliʔkinĩ de]
kiliʔ-kinĩn-te
[ki de]
ki -te
[ke ɾatildena]
keh-tatilden-ta
[ke ja ʔ n de]
ke ja jn-te
[ka ɾatildena]
kah-tatilde -ta
[ka
ka jn-te
[katilde natildena]
katilden-tatilden-ta
[ko h ɾe]
koh-te
[ko lo ʔko lo n datildeda]
ko lo ʔko lo n-tatilden-ta
Coco da palmeira inajaacute Macaco noturno Ele estaacute caccedilando Caititu Estaacute azedo Formiga Estaacute duro Tesoura
145
Em contexto de fala raacutepida em iniacutecio
de vocaacutebulos a velar preacute-glotal [ʔk]
pode ocorrer pode flutuar tambeacutem como velar plena [k]
Em mesmo contexto pode-se flutuar a velar sonora [g] ou a velar implosiva
[ɠ] ou a velar surda [k] ou a velar
surda preacute-glotalizada [ʔk]
Quando em meio de vocaacutebulo em contexto que envolve a consoante nasal lexical precedente a realizaccedilatildeo de [g] eacute categoacuterica
Entre vogais eacute possiacutevel que se encontre a variaccedilatildeo entre [k] e [g] sendo a surda a preferencial e em maior nuacutemero de realizaccedilotildees
[k n de]
k n-te
[ku n de]
ku n-te
[ʔkolo ɾe] ~ [kolo ɾe]
koloh-te
[ʔka laʔkala ɾe] ~ [ka laʔkala ɾe]
kalaʔkalaʔ-te
[golota taʔnatildena] ~
[kolota taʔ natildena]
kolon-sasan-tatilden-ta
[ gi natildena] ~ [ ɠi natildena]
ki n-tatilden-ta
[giʃaj n datildena] ~ [ɠiʃaj ndatildena] ~
[kiʃaj n datildena]
kisajn-tatilden-ta
[ atildega ɾe]
atilden-kaloh-te
[j ginĩ de]
j n-kinĩn-te
[waka de]
waka-te
Eacute pintado Timboacute do campo Algodatildeo Barata Galinha Estaacute maduro Estaacute coccedilando Estaacute pontudo Roupa
146
Em onset da siacutelaba acentuada em final de vocaacutebulo k pode se realizar [k h]
[lukaj de]
lukajn-te
[nakatilde n de] ~ [naga n de]
nakatilden-te
[ iwgula ɾatilden]
iwkulah-tatilden
[ i ʔga laʔga na ]
iʔka la n-ka-na
[ ɛtduʔ da jowi k h e ]
ajhtu ta-jaw-wi-ka
Pedra de gelo granizo Garccedila Flecha Lagarto Ele subiu Eles estatildeo brincando Pega (o banco) vamos sentar
- Plosiva glotal - anterior
Eacute uma oclusiva glotal surda com
realizaccedilatildeo [ʔ] que se restringe agrave
posiccedilatildeo de coda silaacutebica81
Tem seu comportamento condicionado pela presenccedila das consoantes adjacentes p t k
Pode se realizar como [ʔ] em fala
raacutepida preceder a oclusiva velar surda k
Como [j] quando a vogal nuclear for a meacutedia frontal e ou a baixa a
Como [w] quando a vogal nuclear for a meacutedia posterior o
[huʔ kaʔ datilden] ~ [ kaʔ datilden]
huʔ-kah-tatilden
[kidiʔka tatilden]
kitiʔ-kah-tatilden
[ atilde ʔ tatilden] ~ [ atilde tatilden] ~
[malo h tatildeni]
atilden-loʔ-tatilden
Eacute arco Eacute furador Ele queimou
81
A entre l e s natildeo foi observada na liacutengua Latundecirc
147
E favorecer a deleccedilatildeo de motivando um alongamento que compensa a vogal nuclear ou alongar ainda alongar esta vogal seguindo de leve aspiraccedilatildeo
A realizaccedilatildeo de [ʔ] nas alofonias
acima soacute eacute notada quando na siacutelaba na qual estaacute presente quando apenas a oclusiva estiver no travamento
silaacutebico (CVʔ)
Quando em posiccedilatildeo de coda pode assimilar o ponto da consoante seguinte e se realizar como [t] ou [d] diante de tnl e [p] ou [b] diante de m Neste caso as realizaccedilotildees homorgacircnicas surdas satildeo sempre preferenciais
[wolo te] ~ [woloʔ te]
woloʔ-te
[ej tatilden] ~ [e tatilden]
eʔ-tatilden
[wajkinĩ de]
wajʔ-kinĩn-te
[loʔ tatilden] ~ [ tatilden] ~ [ wtatilden]
loʔ-tatilden
[tidit na jdatilde na ]
tatiʔ-na jn-tatilden-na
[wa jtna de]
wa jh-na n-te
[at natilde da na]
a ʔnatilde n-tatilden-ta
[a p otildedatildena] ~ [a b otildedatildena]
a ʔ n-tatilden-ta
Espeacutecie de paacutessaro Ele ralou Amendoin Ele afogou Eacute raiz de mandioca Palha da palmeira accedilaiacute Ele estaacute chorando muito Ele estaacute muito bonito
h- Fricativa glotal - anterior
Eacute fricativa glotal surda que em iniacutecio de
siacutelaba ocorre com as vogais i e a a
o u
Quando em iniacutecio de palavra e em siacutelaba acentuada seguida de i realiza-
se como [ʒ]
Quando entre vogais realiza-se como
[hu te] ~ [hu h de]
huʔ-te
[hej de]
hejn-te
Arco Buriti
148
fricativa glotal sonora [ɦ]
Se vier em iniacutecio de palavra em fala raacutepida e em raiacutezes dissilaacutebicas na posiccedilatildeo de onset de siacutelaba natildeo acentuada poderaacute ser apagado
Quando em onset de siacutelaba acentuada acompanhada de consoante nasal assimila a nasalidade da consoante
adjacente sendo realizada como [n ]
Em final de siacutelaba eacute produzido com pouca fricccedilatildeo Em coda acentuada motiva o alongamento da vogal com frequecircncia como resultado teremos uma vogal com leve aspiraccedilatildeo
Demais realizaccedilotildees de h em coda tendem a seguir o comportamento da
oclusiva glotal ʔ
[hata tatilden]
hat-ta-tatilden]
[ha de]
ha n-te
[hoɦo h de]
hohoʔ-te
[hi ɾ e] ~ [ʒi ɾe]
hih-te
[hiwa n de] ~ [iwa n de]
hiwan-te
[ e ĩ n de] ~ [e ĩ n de]
e ĩ n-te
[ɛ hejdn a ]
ajhhejn-ha
[o h datildeda]
o hna-tatilden-ta
[ lo h tatilde na ]
loh-tatilden-na
[ʃi h ɾe]
sih- te
[ke h atilden] ~ [ke atilden]
Eu natildeo tenho Caraacute Espeacutecie de coruja Pau lenha Gambaacute Couro Vamos lavar (algo) Estaacute alto Eacute onccedila
149
keh-tatilden
[nakadʔnatilde na ]
naka natilde n-na
[ka ɾatilden]
kah-tatilden
[naw ɾe] ~ [nͻ e]
na wh-te
[wede e] ~ [wede ʔ ɾe]
wate h-te
[sej ɾatilde]
sih-tatilden
Casa Ele caccedilou Ela ainda estaacute chorando Estaacute azedo Lontra Espeacutecie de tamanduaacute Eacute largo
Quadro 13 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos orais (Com base em Telles 2002)
i - vogal alta frontal e i - vogal alta
frontal laringal
Realiza-se como [i] e [i ] podem ser
nuacutecleo de siacutelaba e podem tambeacutem iniciam palavras
i segue qualquer consoante enquanto
i ocorre apenas apoacutes as consoantes
m k h
Quando a coda eacute apagada realiza-se como [i] compensando tal apagamento
[ iɾatilden]
i-tatilden
[i n datildenʌ]
i n-tatilden-ta
[giw lada ɾe] ~ [gi la de]
kiwlah-tah-te
Ele mordeu Estaacute quente Cobra cascavel espeacutecie de cobra
150
e - vogal meacutedia frontal e e - vogal
meacutedia frontal laringal
Realizam-se como [e] e [e ] e correm em
iniacutecio de palavras
Quando seguem consoantes natildeo se realizam apoacutes pmn
Tambeacutem natildeo foram detectadas diante de s l h
Ao serem seguidos pelo glide palatal j favorecem a fusatildeo entre as vogais e o
glide realizando-se como [i] e [i ]
O alongamento tambeacutem se daacute em casos de queda de coda
Em siacutelaba aacutetona de morfemas dissiacutelabos poderaacute ocorrer harmonizaccedilatildeo entre a vogal meacutedia frontal e a vogal tocircnica mais alta da siacutelaba seguinte
Pode ocorrer harmonizaccedilatildeo entre a vogal da raiz lexical e a vogal do sufixo classificatoacuterio
[e ɾatilden]
e-tatilden
[ etatilden]
e ʔ-tatilden
[ sejtatilden] ~ [sitatilden]
set-tatilden
[ weʔkinĩde] ~ [ wiʔkinĩde]
wet-kinĩn-te
[kenĩ de] ~ [kinĩ de]
kanĩn-te
Ele viu Ele fez fogo Ele falou Crianccedila Esquilo
a - vogal baixa central e a - vogal
baixa central laringal
A vogal baixa central a apresenta larga distribuiccedilatildeo e segue qualquer consoante e os dois glides
A vogal baixa central laringal segue quase todas as consoante e dos dois glides
Ambas iniciam palavras e apresentam
vaacuterias alofonias [a] [ʌ] [ͻ] [o] [u] [e]
[ɛ] [aelig] e [i] que podem ser ou natildeo
laringais dependendo da vogal subjacente e da condiccedilatildeo do tom e da harmonia vocaacutelica
Quando em siacutelaba tocircnica a se realiza como [a] [ͻ] e [ͻ]
[ͻ] pode ocorrer quando o nuacutecleo vocaacutelico a assimila o traccedilo labial da coda tautossilaacutebica de w
A segunda variaccedilatildeo [ͻ] resulta da fusatildeo
[a h ɾe]
ah-te
[awde] ~ [ͻ de] ~ [ͻʔ de]
awh-te
[ a wde] ~ [ ͻde] ~ [ ͻʔde]
a w-te
[a wm de] ~ [ ͻ m de] ~ [ͻ m de]
a wn-te
Espeacutecie de abelha Gaviatildeo Flecha Louro
151
entre o nuacutecleo a e a coda w
O alongamento da vogal nuclear ou da coda eacute necessaacuterio agrave preservaccedilatildeo do peso silaacutebico para a aposiccedilatildeo do acento
Em siacutelaba tocircnica se a a eacute seguida por j na coda (nuacutecleo do ditongo) pode se
realizar como [a] [ɛ] [ɛ] e [aelig]
Em siacutelaba aacutetona a realiza-se como [ʌ] preferencialmente
Quanto em posiccedilatildeo aacutetona a se harmoniza com a vogal tocircnica da siacutelaba seguinte quando esta for meacutedia ou alta
As realizaccedilotildees provenientes dessa harmonia vocaacutelica satildeo as vogais [ieou]
O processo de assimilaccedilatildeo pode ocorrer em iniacutecio de siacutelaba aacutetona fazendo com que a se realize como [ͻ] a partir de segmento adjacente seja tautossilaacutebico ou natildeo
[ ajɾatildena] ~ [ ɛatildena]
ajh-tatilden-ta
[a j ɾatilden] ~ [aelig ɾatilden] ~ [ɛ ɾatilden]
a jh-tatilden
[ a j atilde m datilden] ~ [ aelig ʔatildem datilden]
a jn atilde wn-tatilden
[ͻ ɾaʔͻɾaʔi datildenʌ] ~
[ͻ ɾɛʔͻɾɛʔi datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[wͻdaʔ nde] ~ [wadaʔ nde]
watan-te
[i n dacircnʌ]
i n-tatilden-ta
[tʌlawm natildenʌ]
talawn-tatilden-ta
[kimi ɾatildena] ~ [kͻmi ɾatildena]
kamih-tatilden-ta
[walin de] ~ [weli de]
walin-te
[tʌlow natildena] ~ [tolow natildenʌ]
talown-tatilden-ta
[tunu ratildeni]
tanũh-tatilden
Eacute roccedila Ele foi Ele assou peixe Eacute fino Panela Estaacute quente Estaacute grosso Estaccedilatildeo seca Tamanduaacute
152
Devido agrave labializaccedilatildeo de a a realizaccedilatildeo resultante sofre assimilaccedilatildeo de palatalizaccedilatildeo altura de glide precedente ou se funde quando o glide eacute tautossilaacutebico e ocupa onset de siacutelaba em que a eacute a vogal nuclear
[kʌmaʔ matilde n de] ~
[kͻmaʔ matilde n de]
kama-matilden-te
[ͻ ɾaʔͻɾaʔĩ datildenʌ] ~
[ͻ ɾɛʔͻɾɛʔĩ datildenʌ]
watajwatajn-tatilden-ta
[wada n de] ~ [wͻda n de]
watan-te
[jeda n de] ~ [ʒida n de] ~
[ida n de]
Estaacute terminado Ele deu Borboleta Eacute fino Panela cabaccedila Espeacutecie de veado
o - vogal meacutedia fechada posterior e
o - vogal meacutedia fechada laringal
Realizam-se [o] e [o ] respectivamente
Natildeo se realizam apoacutes as consoantes nasais mn
o soacute foi realizada apoacutes as consoantes
t l k
Ambas podem ser realizadas em iniacutecio de vocaacutebulo
As realizaccedilotildees [o] e [o ] satildeo resultados
do alongamento compensatoacuterio que provem da delaccedilatildeo de coda
[o ɾatilden]
oh-tatilden
[o te]
o h-te
[ko n de] ~ [kow n de]
kon-te
Ele misturou massa Macuco Espeacutecie Jabuti
u - vogal alta posterior e u - vogal
alta posterior laringal
Apresentam larga frequecircncia nas realizaccedilotildees
u segue qualquer consoante
[ke ju ɾe]
kejuh-te
Macaco da noite
153
u ocorre apoacutes m n s k j
Ambas iniciam palavras
As realizaccedilotildees alongadas [u] e [u ] satildeo
provenientes de alongamento compensatoacuterio quando a coda eacute elidida
[ku n datildenʌ] ~ [ku datildenʌ]
ku n-tatilden-ta
Ele estaacute fumando
Quadro 14 Descriccedilatildeo dos fonemas vocaacutelicos nasais (Com base em Telles 2002)
ĩ - vogal nasal alta anterior
Sua ocorrecircncia soacute fora verificada a partir do comportamento do morfema ĩ- que eacute uma raiz lexical semanticamente vazia prefixada a morfemas classificadores nominais para funcionar como nuacutecleo nominal
A subjacecircncia de ĩ- sem coda nasal pode ser evidenciada na sonorizaccedilatildeo opcional da oclusiva velar k e no natildeo alongamento da vogal ĩ
[ ĩkalo ɾe] ~ [ ĩgaloɾe]
ĩ-kaloh-te
Taacutebua
atilde - vogal nasal baixa
Eacute encontrada a partir do condicionamento morfoloacutegico no prefixo verbal atildel-
Este prefixo tem valor causativo resultativo
Quanto agrave subjacecircncia de atilde pode-se interpretar que a realizaccedilatildeo do morfema agentivo [atildel- atilde-] estaacute condicionada ao segmento inicial da raiz lexical a qual o prefixo se apotildee
[atildelͻwtatildenʌ] ~ [ a lͻtatildenʌ]
atildel-awt-tatilden-ta
[atilde laj n datildenʌ] ~ [a laj n datildenʌ]
atildel-ajn-tatilden-ta
[atildelo tatildenʌ] ~ [alo tatildenʌ]
atildel-loʔ-tatilden-ta
[atildemũmaj na ]
atildel-mumaʔ-na
[ũba tatildenʌ] ~ [atildeba tatildenʌ]
atildel-pat-tatilden-ta
[ natildej de] ~ [ naj n de]
natildejn-te
Estaacute foi quebrado (algo) Estaacute foi cortado (algo) Estaacute foi afundado (algo) Estaacute foi amansado (algo) Estaacute foi colocado (algo)
154
Quando a raiz verbal eacute iniciada por vogal a forma sobrejacente eacute [atilde-] quando a raiz verbal eacute iniciada por vogal a forma sobrejacente eacute [atildel-]
Outra forma de ocorrecircncia da vogal atilde eacute confirmada na base do contraste entre os ditongos orais aj aw e nasais atildej atildewmesmo quando seguidos por coda nasal formando as sequecircncias ajn awn atildejn atildewn
[ aj n datildeni] ~ [ aj n datildeni]
ajn-tatilden
[jatildewm de] ~ [jatildemde]
jatildewn-te
[wawm datildena] ~ [wͻwm datildena]
wawn-tatilden-ta
Pacu espeacutecie de peixe Ele cortou (algo) Espeacutecie de larva Estaacute vermelho amarelo
ũ - vogal nasal alta posterior
Observada a partir da construccedilatildeo interna e comportamento do morfema prefixal nũh - possessivo de 1pp e de seu homoacutefono nũh - verbo adjetival estar soacute
Quanto agrave subjacecircncia de u eacute observada quando a coda fricativa glotal eacute ressilibificada ao se afixar agrave raiz iniciada por vogal ou glide
[ nũhju te]
nũh-ju -te
[ nũhaj ɾatilden]
[nũhajh-oslash-tatilden
Nossos peacutes Ele vai sozinho
54 FONOLOGIA DO PORTUGUEcircS
Diferentemente do Latundecirc o sistema fonoloacutegico do portuguecircs eacute formado
conforme Cacircmara Jr (1970 p33 ndash 34) por sete vogais que se mantecircm na
mesma quantidade em posiccedilatildeo tocircnica que satildeo reduzidas a cinco quando em
posiccedilatildeo tocircnica diante de nasal em posiccedilatildeo pretocircnica em posiccedilatildeo postocircnica natildeo-
final e em postocircnica final
Quadro 15 Vogais no Portuguecircs (Cacircmara Jr 1970)
Natildeo-arredondadas Arredondadas
Altas i u
Meacutedias Altas e o 2ordm Grau
155
Meacutedias Baixas ɛ ɔ 1ordm Grau
Baixa a
Anterior Central Posterior
Quanto aos segmentos consonantais o portuguecircs dispotildee de acordo com Lopez
1979 p5482 de vinte e dois fonemas que ocupam as posiccedilotildees de onset e coda
Os segmentos consonantais satildeo classificados quanto ao modo e ao ponto de
articulaccedilatildeo
Os segmentos consonantais do portuguecircs ainda podem ser influenciados por
articulaccedilotildees secundaacuterias labializaccedilatildeo palatalizaccedilatildeo velarizaccedilatildeo e dentalizaccedilatildeo
Quadro 16 Consoantes no Portuguecircs (Silva 2002)
Articulaccedilatildeo
Bilabial Labiodental Dental ou alveolar
Alveopalatal Palatal Velar Glotal
Oclusiva p b t d k g Africada tʃ dʒ
Fricativa f v s z ʃ ʒ X Ɣ h ɦ
Nasal m n ɲ y
Tepe ɾ
Vibrante ř
Retroflexa ɹ
Lateral l ɫ ʎ l j
82
Apud Bisol 1996 p198
156
55 COMPARACcedilAtildeO ENTRE OS SISTEMAS FONEacuteTICOS DO PORTUGUEcircS E
DO LATUNDEcirc
Passemos entatildeo agrave comparaccedilatildeo ds sistemas fonoloacutegicos do Portuguecircs e do
Latundecirc para melhor compreensatildeo dos processos foneacuteticos oriundos desse
contato
Quadro 17 Sistemas consonantais x Sistemas vocaacutelicos
Consoantes Vogais
Portuguecircs p b m w t d s z l j n f v ɾ k g h ɹ ɲ ʎ X a ɛ e i ɔ o u
Latundecirc p m w t s l j n k h a atilde a a e e i i i i o o u u u u
Como podemos perceber as liacutenguas apresentam padrotildees distintos no que tange
agrave quantidade de segmentos consonantais e de segmentos vocaacutelicos O portuguecircs
eacute uma liacutengua com mais consoantes enquanto o Latundecirc eacute uma liacutengua
extremamente vocaacutelica
No que tange aos fonemas consonantais o Latundecirc natildeo apresenta muitos dos
fonemas vozeados que compotildeem os pares miacutenimos aleacutem das labiodentais [f v]
Tambeacutem natildeo apresenta as fricativas alvopalatais [ʃ ʒ] nem as palatais nasal e
lateral [ɲ ʎ]
O portuguecircs natildeo dispotildee de vogais laringais enquanto o Latundecirc tem o seu
inventaacuterio basicamente composto por elas
157
A disposiccedilatildeo e presenccedila desses elementos tecircm uma ligaccedilatildeo direta com os
processos fonoloacutegicos ocorrentes o portuguecircs resultante do contato do Portuguecircs
com o Latundecirc como veremos no capiacutetulo VI
158
6 PROCESSOS FONOLOacuteGICOS NO PORTUGUEcircS FALADO PELOS LATUNDEcirc
ldquoComo a liacutengua estaacute a todo momento se equilibrando entre
tendecircncias potencialmente conflitantes e ateacute mesmo opostas estaacute sujeita a sofrer mudanccedilas pois esse equiliacutebrio pode vir a ser alterado por qualquer tipo de fator interno ou
externordquo Chagas (2004 p 151)
61 INTRODUCcedilAtildeO
Eacute senso comum entre os estudiosos que as liacutenguas mudam em diversos
aspectos Certamente a variaccedilatildeo e a mudanccedila lhes satildeo inerentes conforme
Cezario amp Votre (2008 p 141)
Em face da mudanccedila a assertiva acima abarca um conjunto de motivaccedilotildees
internas a uma dada liacutengua bem como outras decorrentes de forccedilas externas em
que se inserem aquelas oriundas do contato linguiacutestico Isso nos chama a
atenccedilatildeo para o fato de que aleacutem do fator tempo outros aspectos podem estar
diretamente ligados agraves transformaccedilotildees pelas quais uma liacutengua passa
A forma como as mudanccedilas sonoras operam na liacutengua eacute tema de discussatildeo haacute
seacuteculos Sobre essa temaacutetica Labov (1981 p269) nos diz que
Sound change appears to be systematic in that a particular change affects all eligible words in a lexicon (McMahon 1994) It is not known however how this process takes place A group of 19th century German linguists called the Neogrammarians originally proposed that sound change occurs abruptly across the lexicon This view is still accepted by many linguists (eg Hock 1991 Labov 1994) In contrast others have argued that sound change spreads gradually across the lexicon (eg Chen amp Wang 1975 Krishnamurti 1978) The same language data is sometimes used to support each hypothesis For instance the
159
English Great Vowel Shift which brought about a series of vowel changes in Early Modern English is used as an example of gradual change (Ogura 1987 Aitchison 1991) as well as abrupt change (Hock 1991 Labov 1994) So the argument over whether sound change occurs abruptly or gradually presents a paradox ldquoboth (views) are right but both cannot be right 269)rdquo
A discussatildeo acerca da natureza da mudanccedila sonora no sentido das duas visotildees
pontuadas acima ainda alcanccedila uma dimensatildeo mais larga quando o contato
intersocietaacuterio eacute considerado As implicaccedilotildees que a variaccedilatildeo assume quando a
emergecircncia das escolhas linguiacutesticas envolve o impacto das interaccedilotildees entre
liacutenguas satildeo multifatoriais Devido agrave complexidade das transformaccedilotildees linguiacutesticas
natildeo podemos estabelecer um uacutenico molde para explicar estas modificaccedilotildees haja
vista que cada caso eacute particular quando tratamos de mudanccedila linguiacutestica
Como fora tratado no capiacutetulo sobre Contato linguiacutestico o encontro de duas ou
mais liacutenguas pode resultar ou natildeo em outras liacutenguas O niacutevel de interferecircncia
oriundo do contato pode fazer com que uma das liacutenguas desapareccedila o que
ocasionaria a sua morte e geralmente neste caso sobreviveria a liacutengua do
dominador ou a permanecircncia dos dois coacutedigos linguiacutesticos tal qual ocorre entre
os Latundecirc
A complexidade da fusatildeo de duas liacutenguas desencadeia por si soacute uma seacuterie de
processos que perpassa os diferentes niacuteveis da gramaacutetica No entanto eacute no niacutevel
foneacutetico fonoloacutegico que estes processos satildeo provavelmente mais evidentes e
mais frutiacuteferos Sendo assim podemos afirmar que os niacuteveis foneacuteticos e
fonoloacutegicos apresentam o maior iacutendice de mudanccedila e variaccedilatildeo de uma liacutengua Por
outro lado de acordo com Cavaliere (2005 p 56)
160
Os estudos desses processos nos auxiliam enquanto estudiosos da liacutengua a entender como se comporta a mudanccedila da liacutengua mediante verificaccedilatildeo dos fatos ocorridos no passado que se mantecircm no presente bem como os que natildeo mais se manifestam as mudanccedilas dos sons nos usos hodiernos
A anaacutelise realizada dos processos fonoloacutegicos do Portuguecircs falado pelos Latundecirc
teraacute como base a estrutura silaacutebica do Portuguecircs e do Latundecirc Para a anaacutelise
consideramos uacutetil adotar a classificaccedilatildeo tradicional dos processos focircnicos
encontrados na linguiacutestica histoacuterica (HOCK1991) por nomear em detalhe os
variados tipos de processos observados Aleacutem disso nos pautamos nos trabalhos
de Spencer (1996) e Lass (2000) que associam reflexotildees mais abstratas para
explicar as ocorrecircncias encontradas Esclarecemos que natildeo eacute nosso propoacutesito
realizar uma anaacutelise fonoloacutegica per si Neste trabalho partimos da descriccedilatildeo dos
processos fonoloacutegicos operantes a fim de refletir sobre o resultado do contato
linguiacutestico de uma liacutengua minoritaacuteria (o Latundecirc) com uma liacutengua
sociohistoricamente dominante o portuguecircs e avaliar o papel da marcaccedilatildeo
linguiacutestica no contexto da interferecircncia Os dados como jaacute afirmamos fazem
parte do acervo do NEI (Nuacutecleo de Estudos Indigenistas) da UFPE
Para uma melhor compreensatildeo a anaacutelise dos fenocircmenos observados segue
distribuiacuteda em quatro subgrupos que evolvem os processos foneacutetico-fonoloacutegicos
observados i) perda de elementos ii) ganho iii) alteraccedilatildeo (transposiccedilatildeo ou
permuta) que estatildeo diretamente ligados aos processos fonoloacutegicos de
assimilaccedilatildeo (progressiva e regressiva) fortalecimento leniccedilatildeo apagamento
inserccedilatildeo e coalescecircncia A classificaccedilatildeo desses processos nos remete agrave
termonoligia claacutessica da linguiacutestica de base
161
611 Perda de elementos
Seguindo a tendecircncia das liacutenguas do mundo os processos que envolvem perda
de elementos tambeacutem satildeo os mais recorrentes no portuguecircs falado pelos
Latundecirc Dessa feita estes processos satildeo os que tecircm uma relaccedilatildeo direta com a
estrutura silaacutebica do Portuguecircs que se vecirc obrigada a rearranjar os componentes
da siacutelaba para o padratildeo (CV)
Quanto agrave marcaccedilatildeo o portuguecircs assimilado pelos Latundecirc nem sempre tende a
preservar os padrotildees mais marcados de sua liacutengua conforme descriccedilatildeo nos
processos que se seguem
6111 Monotongaccedilatildeo
Assim como no Portuguecircs a monotongaccedilatildeo eacute um processo natural e bastante
atuante no Latundecirc que eacute uma liacutengua propensa a tal fenocircmeno Eacute uma tendecircncia
geral observada na produccedilatildeo da fala da comunidade Latundecirc verifica-se que os
ditongos crescentes e decrescentes estatildeo sendo frequentemente fusionados
realizando-se como monotongos (TELLES 2002 p100 - 102)
Quanto aos ditongos crescentes Telles (idem p 103) afirma que a tendecircncia ao
processo de monotongaccedilatildeo em ditongos crescentes eacute quase categoacuterica nas
siacutelabas aacutetonas de raiacutezes dissilaacutebicas quando a vogal nuclear eacute a central baixa a
Outros aspectos observados pela autora que fazem menccedilatildeo agrave monotongaccedilatildeo
apontam que a geraccedilatildeo poacutes-contato realizam sistematicamente e com frequecircncia
162
a fusatildeo entre os ditongos decrescentes Os ditongos aw a w aj a j satildeo os que
mais regularmente sofrem processo dos quais decorrem as realizaccedilotildees meacutedias
baixas [ɔ ɔ ɛ ɛ ] que natildeo fazem parte do inventaacuterio fonoloacutegico das vogais do
Latundecirc
Os ditongos iw ow que ocorrem em menor frequecircncia satildeo mais marcados
Nestes a monotongaccedilatildeo se daacute com a preservaccedilatildeo da vogal do nuacutecleo i o O
ditongo e j apresenta pouquiacutessimos casos de fusatildeo mantendo a qualidade do
glide diferentemente dos demais ditongos que satildeo constituiacutedos por vogais natildeo
baixas Sua realizaccedilatildeo seraacute a vogal alta anterior [i]
Apresentamos abaixo os dados apresentados por Telles (idem 101) onde os
resultados foneacuteticos do processo de monotongaccedilatildeo satildeo mais frequentes
Quadro 18 Resultado mais frequente do processo de monotongaccedilatildeo em Latundecirc
Em tritongos a fusatildeo eacute mais frequente quando o glide labial w preenche a
posiccedilatildeo da coda diferentemente da palatal j que pouco se fusiona Nos dois
casos a fusatildeo se daacute apenas com o apagamento do glide poacutes-nuclear
aw gt ɔ [lsquoɔɾe] rsquoawh-lsquote Gaviatildeo
a w gt ɔ [ɔ rsquode] a w-lsquote Fleche
aj gt ɛ [ɛrsquoɾatildena] ajh-lsquotatilden-ta eacute roccedila
aj gt ɛ [ɛ rsquoɾatildena] rsquoa jh-lsquotatilden-ta ele tem andado
iw gt i [lsquogilade] rsquokiwlah-lsquote cobra cascavel
ow gt o [torsquolodatildena] tarsquolown-lsquotatilden-ta ele tem terminado
163
No que se refere ao comportamento de ditongos decrescentes diante de
consoante nasal tautossilaacutebica podem ocorrer diferentes manifestaccedilotildees de
superfiacutecie a depender do ponto do glide Se os ditongos decrescentes terminarem
com glide laacutebio-dorsal w e seguidos por elemento nasal tautossilaacutebico awn a wn
atildewn own apagaratildeo o glide da coda e a vogal nuclear preservaraacute o ponto de
articulaccedilatildeo
Caso o ditongo seja oral a realizaccedilatildeo preferencial seraacute a da manutenccedilatildeo do
ditongo com o glide ocorrendo na superfiacutecie Se o ditongo for nasal o glide pode
ser nasalizado regressivamente Todavia a realizaccedilatildeo preferencial seraacute o glide
Em preferecircncia o glide j eacute mantido conservando sua palatalidade em ditongos
decrescentes que terminam com o glide j constituindo os ditongos ajn a jn atildejn
jn
Os glides wj na posiccedilatildeo de onset podem ser consonantizados O glide j natildeo se
apresenta como fator motivador para este processo Nos poucos casos
apresentados a vogal nuclear eacute a anterior e ou a central a
De acordo com a literatura existente para o Portuguecircs a monotongaccedilatildeo se aplica
a todos os ditongos Entretanto alguns contextos licenciam o processo enquanto
outros o bloqueiam No portuguecircs falado pelos Latundecirc os ditongos decrescentes
orais83 assim como no portuguecircs de longe foram os mais monotongados Aleacutem
destes o ditongo nasal decrescente [atildew] tanto em final de verbos quanto de
nomes mostrou-se recorrente na reduccedilatildeo
83
[aj][ aw] [ej] [ew] [ow] [oj]
164
Enquanto processo natural a monotongaccedilatildeo no portuguecircs falado por Latundecirc
visa simplificar os padrotildees silaacutebicos mais marcados sobretudo na posiccedilatildeo final de
vocaacutebulos jaacute que no Latundecirc natildeo haacute a ocorrecircncia deles
Esclarecemos que os processos observados na fala dos Latundecirc que tambeacutem
ocorrem no portuguecircs atual natildeo foram incluiacutedos nos dados discutidos neste
capiacutetulo ressalvando-se situaccedilotildees nas quais eram necessaacuterios agraves nossas
reflexotildees
De acordo com os exemplos
acima o processo de
monotongaccedilatildeo pode se dar de
duas formas i) apagamento
de um segmento geralmente
o glide ii) fusatildeo de elementos
Os ditongos mais propensos agrave
monotongaccedilatildeo satildeo os
decrescentes Quanto agraves classes de palavras os ditongos presentes nas formas
verbais satildeo mais frequentemente monotongados
No portuguecircs o processo de monotogaccedilatildeo eacute operante porem haacute restriccedilotildees que
natildeo coincidem com o observado na fala dos Latundecirc Bisol (2001 p 112) afirma
(1) [keme] queimei (2) [satildersquogɾaɾi] sangraram
[firsquokaɾi]
ficaram
(3) [fakotilde] facatildeo [motilde] matildeo [koɾasotilde] coraccedilatildeo
[gɾatildedotilde] grandatildeo
[tubaɾotilde]
tubaratildeo
(4) [kaze]
causa
(5) [note]
noite
(6) [lsquotaba] taacutebua (7) lsquomatildeoslash matildersquodava matildee mandava
165
que apenas os ditongos decrescentes satildeo verdadeiros Os crescentes de acordo
com ela seriam falsos pois podem ser realizados como hiato e tecircm variaccedilatildeo livre
Aleacutem disso com respeito aos ditongos decrescentes a autora ainda considera
que haacute dois diferentes tipos de ditongos um considerado pesado que natildeo sofre
reduccedilatildeo (leite) e outro leve passiacutevel de reduccedilatildeo (couro) Ela elenca alguns
ambientes que condicionam a monotongaccedilatildeo como a presenccedila da tepe ou da
palatal em posiccedilatildeo seguinte
Entretanto os dados de (1) a (7) acima nos mostram ocorrecircncias da
monotongaccedilatildeo em contextos muito distintos do que ocorre em Portuguecircs Sobre
estes avaliamos sua ocorrecircncia como segue
Quando em final de vocaacutebulos principalmente nas formas verbais do passado
simples conforme visto em (2) o que ocorre natildeo eacute um fenocircmeno de
monotongaccedilatildeo em que se espera o apagamento de um dos segmentos ou a
fusatildeo dos formadores do ditongo Nos dados em (2) entretanto encontra-se a
substituiccedilatildeo do ditongo por um segmento que articulatoriamente natildeo deriva da
estrutura lexical A vogal anterior com traccedilo de ponto coronal84 realizada em
[firsquokaɾi] ldquoficaramrdquo [satildersquogɾaɾi] ldquosangraramrdquo ocorre em posiccedilatildeo aacutetona final Essa
realizaccedilatildeo pode ser decorrente do espraiamento da coronalidade da consoante
precedente Outros aspectos de relevo para explicar esse fenocircmeno satildeo a
posiccedilatildeo final dos segmentos e a atonicidade Esses condicionantes favorecem a
substituiccedilatildeo total do ditongo nasal para a vogal anterior alta Essa produccedilatildeo eacute
84
Assumimos largamente neste trabalho a terminologia da fonologia claacutessica estrutural (GLEASON 1969) Entretanto termos mais teacutecnicos provenientes da teoria dos traccedilos distintivos (JAKOBSON 1952 CHOMSKY e HALE 1968) satildeo introduzidos quando favorecem a elucidaccedilatildeo dos fatos Da mesma forma ocasionalmente nos referimos a processos ancorados na fonologia poacutes-gerativa (CLEMENTS e HUME 1995)
166
restrita agrave fala dos indiacutegenas da geraccedilatildeo preacute-contato que adquiriram o portuguecircs
pelo menos no iniacutecio da idade adulta
A relevacircncia da tonicidade tambeacutem se evidencia nos dados em (3) Nesses casos
([fakotilde] ldquo facatildeordquo [lsquomotilde] ldquomatildeordquo [koɾasotilde] ldquocoraccedilatildeordquo) apesar de o ditongo nasal atildew
sofrer a fusatildeo passando a ser realizado [otilde] a posiccedilatildeo do acento preserva a
identidade de parte da estrutura nasalizaccedilatildeo e posteriorizaccedilatildeo com
arredondamento A tendecircncia aacute preservaccedilatildeo da estrutura tambeacutem eacute encontrada
no dado em (1) A monotongaccedilatildeo na siacutelaba tocircnica preserva a qualidade da vogal
nuclear em [kersquome] ldquoqueimeirdquo
O Latundecirc evita coda Esse comportamento se alinha agrave ideia de que The CV
syllable is a prototypical example widely considered to be the universally
unmarked syllable type (HUME 2004)
A monotongaccedilatildeo do ditongo nasal atildej em matildej gt matilde natildeo eacute encontrado
regularmente na fala latundecirc Esse fenocircmeno deve ter sido engatilhado pela
juntura externa na qual se observa que a siacutelaba da palavra seguinte conteacutem
sequecircncia focircnica semelhante agrave da siacutelaba que sofreu supressatildeo da semivogal
Um mesmo ditongo pode ou natildeo apresentar diferentes realizaccedilotildees em cada
liacutenguas Por exemplo os ditongos aw atildew aj atildej que existem tanto no Latundecirc
quanto no Portuguecircs se comportam da seguinte forma
Quadro 19 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
aw ɔ [lsquoɔɾe] ˈawh-te lsquogaviatildeorsquo
atildew atildew ~ AM [ˈjatildewmde] ~ [ˈjatildemde] ˈjatildewm-te lsquolarvarsquo
aj ɛ [єrsquoɾatildena] ˈajh-ˈtatilden-ta lsquoeacute roccedilarsquo
atildej atildej ~ atildej [ˌatildejˈdatildeni] ~ [atildejndatildeni] ˈatildejn-tatilden lsquoele cortoursquo
167
Quadro 20 Comportamento dos ditongos aw atildew aj atildej em Latundecirc
aw aw [lsquopaw] pau lsquopaursquo atildew otilde [ˈsotilde] satildew lsquosatildeorsquo atildew i [satildeˈgɾaɾi] sangɾaɾatildew lsquosangraratildeorsquo
atildej atildej [ˈmatildej] matildej lsquomatildeersquo
aj aj [ˈpaj] pai lsquopairsquo
Os ditongos aw em posiccedilatildeo do acento resultam nas vogais meacutedias baixas ɔ e
ɛ no proacuteprio Latundecirc mesmo sendo essas vogais mais marcadas e natildeo
fonoloacutegicas na liacutengua Entretanto no portuguecircs esses ditongos natildeo sofrem
processo de fusatildeo quando ocorrem em siacutelaba tocircnica
A uacutenica vogal nasal constatada na reduccedilatildeo do ditongo eacute [otilde] resultante do ditongo
decrescente nasal atildew Neste caso eacute proacutepria vogal nasal que favorece a vogal
resultante da fusatildeo
Diferentemente do Portuguecircs em Latundecirc os ditongos natildeo se realizam em fim de
vocaacutebulos Desta forma o Portuguecircs falado por Latundecirc tende a seguir o que eacute
posto no Portuguecircs utilizando as vogais menos marcadas [satildegɾaɾɪ] ~ sangraram
[desaɾƱ] ~ deixaram
O que podemos verificar quanto agrave monotongaccedilatildeo eacute que em termos gerais o
Latundecirc natildeo transfere os traccedilos e caracteriacutesticas mais marcadas na liacutengua para o
Portuguecircs falado por eles
168
6112 Siacutencope em onset complexo de l e ɾ
A reduccedilatildeo do onset complexo em Portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute um processo
muito comum que se daacute devido a natildeo aceitaccedilatildeo de um segundo elemento no
onset Como podemos observar eacute um processo variante que estaacute atrelado agrave
reorganizaccedilatildeo da siacutelaba e que eacute passiacutevel de sistematicidade
De acordo com Telles (2002 p105) a estrutura silaacutebica do Latundecirc permite a
composiccedilatildeo de seis padrotildees V VC VCC CV CVC CVCC que se
incluem na extensatildeo (C)V(C)(C) que podem ser representados de acordo com
estrutura silaacutebica descrita abaixo
Figura 17 Estrutura silaacutebica do Latundecirc
Os elementos que se encontram entre parecircnteses satildeo opcionais Em Latundecirc as
sequecircncias CV V VC CVC VCC e CVCC ocorrem com frequecircncia
169
sendo os dois primeiros padrotildees os mais frequentes Isso nos mostra o quanto o
Latundecirc evita onsets complexos e codas
A estrutura silaacutebica do portuguecircs de acordo com Mattoso Cacircmara (1969) define
o molde silaacutebico CCVCC conforme figura abaixo
Figura 18 Estrutura silaacutebica do Latundecirc (Cacircmara-Juacutenior)
Seguindo a proposta de Mattoso Cacircmara com respeito agrave distribuiccedilatildeo interna dos
constituintes da siacutelaba as uacutenicas consoantes que preenchem a segunda posiccedilatildeo
do onset satildeo as liacutequidas l e ɾ A coda pode ser preenchida pelas consoantes l
e pelos arquifonemas R S N
No Latundecirc o grupo consonantal no onset natildeo eacute fonoloacutegico Entretanto eacute
atestada a ocorrecircncia dos [tɾ dɾ kɾ gɾ] no plano foneacutetico como resultado da
reduccedilatildeo em siacutelaba pretocircnica de sufixo nominal e verbal A formaccedilatildeo de onset
complexo eacute estrutura marcada no Latundecirc como tambeacutem interlinguisticamente
A estrutura mais complexa e menos frequente (marcada) do encontro consonantal
no onset tende a ser simplificada no portuguecircs falado pelos Latundecirc Como
170
podemos observar em (8) e (9) os grupos consonantais satildeo pronunciados como
um soacute elemento Trata-se do apagamento da tepe e da lateral liacutequida Eacute um
processo em acomodaccedilatildeo que estaacute diretamente ligado agrave faixa etaacuteria dos falantes
Assim os mais novos seguem a tendecircncia de pronunciar o onset complexo
diferentemente dos mais velhos
(8) [bi ka nƱ] brincando
[de tƱ] dentro
[kɛbapƱ] quebraram
[otƱ] outro
(9) [buza] blusa [biciketɪ] bicicleta Embora a reduccedilatildeo do onset complexo seja um fenocircmeno variaacutevel para algumas
variedades do portuguecircs as realizaccedilotildees acima natildeo correspondem agrave fala de
adultos sendo resultantes no processo da aquisiccedilatildeo da liacutengua
Jaacute entre os Latundecirc satildeo os mais velhos que apresentam a realizaccedilatildeo do onset
simplificado como um fenocircmeno variaacutevel conforme observamos em (10)
(10) [b ɾ ĩkarƱ] brincaram [sotildebrasotilde] assombraccedilatildeo [pɾimeɾɪ] primeiro
[febrƱ] febre [fɾɛsa] flecha
O rotacismo (l gt ɾ) da lateral presente em lsquoflecharsquo acima que eacute muito frequente
no portuguecircs menos escolarizado tambeacutem ocorre na fala dos indiacutegenas
171
6113 Apagamento da coda
Em portuguecircs quatro elementos podem ocupar a posiccedilatildeo de coda RSlN aleacutem
dos glides wj85 Em Latundecirc a coda pode ser ramificada e satildeo seis os
segmentos que podem preencher o espaccedilo da coda os glides w j aleacutem das
consoantes t h n Ɂ Como a coda pode ter ateacute duas posiccedilotildees preenchidas os
primeiros elementos satildeo sempre neste caso os glides w j Embora a coda da
siacutelaba fonoloacutegica possa ser preenchida pelas consoantes acima o Latundecirc eacute uma
liacutengua que evita coda na superfiacutecie O fenocircmeno que decorre dessa tendecircncia eacute o
alongamento compensatoacuterio (Clements e Hume 1995)
(11) [ˌn ˈh te]
ˈn h-ˈ Ɂ -te
lsquonossos peacutesrsquo
No dado acima podemos observar a natildeo realizaccedilatildeo da coda fricativa glotal h na
marca de posse ˈnu h- e da coda oclusiva glotal Ɂ o item lexical ldquopeacuterdquo ˈju Ɂ
Nos dois casos o apagamento da coda eacute compensado pelo alongamento
vocaacutelico No caso do morfema de posse ocorre a ressilabaccedilatildeo da coda fricativa
Do ponto de vista da marcaccedilatildeo a siacutelaba menos marcada eacute a que apresenta o
padratildeo CV (Hume 2004 p 183) O Latundecirc tem a tendecircncia a seguir esse
padratildeo de forma que para a liacutengua a coda embora fonoloacutegica eacute mais marcada
A simplificaccedilatildeo da estrutura mais marcada (presenccedila de coda) eacute transferida para
o portuguecircs Conforme os dados descritos abaixo os segmentos que mais satildeo
apagados em posiccedilatildeo de coda satildeo os glides j w e as consoantes h s Como o
85
Mattoso Cacircmara (1969) considera que os glides pertencem ao nuacutecleo Neste caso trata-se de um nuacutecleo ramificado
172
Latundecirc natildeo tem na sua estrutura silaacutebica a coda fricativa alveolar s esse
segmento natildeo eacute licenciado no portuguecircs dos indiacutegenas (dados em 13) Esse
fenocircmeno eacute categoacuterico na fala dos mais velhos e eacute variaacutevel na fala dos indiacutegenas
da geraccedilatildeo poacutes-contato
(12) [m to] muito [koɾƱ] couro
[voto] voltou (13) [dumi] durmir [pig ta] pergunta [pota] porta [kota] corta [pɛtƱ] perto
[kotildekorsquodo] concordou [barsquobudƱ] barbudo (14) [hipotildersquodew] respondeu [gorsquotozƱ] gostoso [iˈtɛla] Stella ([isˈtɛla])
A coda eacute um elemento universalmente marcado No Latundecirc a sua realizaccedilatildeo eacute
em menor frequecircncia do que o Portuguecircs apesar de sua larga presenccedila na
subjacecircncia O que percebemos ademais eacute que o apagamento do R e do s em
coda contribui para a elevaccedilatildeo da vogal meacutedia pretocircnica tautossilaacutebica conforme
os dados ldquocorta e portardquo em (12)
A regra abaixo sintetiza o comportamento da coda no portuguecircs dos Latundecirc
C ou V [oslash] coda
173
Como vimos no Portuguecircs falado por Latundecirc qualquer consoante ou vogal
poderaacute ser apagada em posiccedilatildeo de coda Esta regra tem se mostrado menos
produtiva nas faixas etaacuterias mais novas Nessas geraccedilotildees o apagamento eacute mais
produtivo quando coincide com a realizaccedilatildeo encontrada por nativos em
portuguecircs ([ˈfosa] lsquoforccedilardquo)
6114 Reduccedilatildeo do geruacutendio ndash Anteriorizaccedilatildeo da vogal final
A reduccedilatildeo do geruacutendio eacute um processo comum em alguns dialetos brasileiros
sobretudo em registro menos tenso Esse eacute mais um processo que resulta no
apagamento de segmentos No portuguecircs falado pelos Latundecirc eacute praticamente
categoacuterica a ocorrecircncia da assimilaccedilatildeo da alveolar em geruacutendio
(15) [falatildenƱ] falando [b ɾ ĩgatildenƱ] brigando [kume nƱ] comendo
[bersquobe nƱ] bebendo
[sorsquo ɾ anƱ] chorando
[mersquosenƱ] mexendo [mi ti nƱ] mentindo
Por ser esse um fenocircmeno de larga frequecircncia no portuguecircs nativo entendemos
que a simplificaccedilatildeo segmental da estrutura gerundiva natildeo eacute surpreendente no
portuguecircs indiacutegena Entretanto na produccedilatildeo da geraccedilatildeo preacute-contato a
assimilaccedilatildeo total da oclusiva alveolar eacute acompanhada pela anteriorizaccedilatildeo da
vogal final conforme dados a seguir
174
(16) [dimuɾatildenɪ] demorando
[asinatildenɪ] ensinando [tiɾatildenɪ] tirando
[katildetatildenɪ] catando [kɾese nɪ] crescendo
Para anaacutelise das ocorrecircncias acima precisamos considerar a estrutura do
Latundecirc nessa liacutengua uma terminaccedilatildeo verbal altamente produtiva eacute o morfema
aspectual acentuado -ˈtatilden Esse morfema pode ser seguido pelo morfema de
modo neutro -i resultando nas sequecircncias -ˈtatildeni conforme exemplo abaixo
(17) [keˈja ˌdaˈɾatildeni]
keˈjat ˈta-tatilden-i milho deitar-imperfectivo-neutro
eacute milho deitado (espalhado no chatildeo)
Como no Latundecirc o verbo (e nome) natildeo termina em vogal posterior tal restriccedilatildeo
pode explicar a anteriorizaccedilatildeo do geruacutendio do portuguecircs
6115 Reduccedilatildeo das palatais nasal e lateral
A reduccedilatildeo das palatais nasal e lateral estaacute diretamente ligada agrave natildeo existecircncia
destes segmentos no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc No entanto Clements e
Hume (1995) em seus estudos apontam estes fonemas como complexos do ponto
de vista de seu comportamento
175
Os segmentos ɲ e ʎ satildeo consoantes mais marcadas A natildeo realizaccedilatildeo destas
consoantes no Latundecirc jaacute eacute um fator para a natildeo realizaccedilatildeo no Portuguecircs devido agrave
complexidade inerente de tais segmentos Enquanto segmentos mais complexos
as palatais satildeo sujeitas ao enfraquecimento atraveacutes da iotizaccedilatildeo (vocalizaccedilatildeo)
Mesmo no portuguecircs esse eacute um processo operante particularmente em
variedades populares Mattoso Cacircmara (1981 p 149) descreve que se trata de
ldquomudanccedila de uma vogal ou consoante para a vogal anterior alta i ou para a semivogal correspondente ou iode Nos falares crioulos portugueses haacute a iotizaccedilatildeo das consoantes molhadas ʎ e ɲ ex mulher gt muyeacute nhonho gt ioiocirc (africanismo)rdquo
Aleacutem da iotizaccedilatildeo o portuguecircs apresenta a despalatizaccedilatildeo da lateral em que ʎ
realiza-se [l] como em [muˈlɛ] lsquomulherrsquo
No portuguecircs dos Latundecirc o enfraquecimento se daacute mais frequentemente pela
iotizaccedilatildeo como em (18) Estas realizaccedilotildees ocorrem na fala dos mais velhos na
geraccedilatildeo anterior ao contato
18) [muˈjɛ] mulher
[baɾuj] barulho
[ojˈatildenƱ] olhando
[vimej] vermelho (19) [fila] filha [fola] folha
Weinreich (1953 p 18) explica que quando em sistemas foneacuteticos em contato
podem ocorrer os processos de reinterpretaccedilatildeo de fone que leva a substituiccedilatildeo
de segmento Eacute o que acontece nos exemplos acima
176
Em (20) e (21) o processo de despalatalizaccedilatildeo resulta no apagamento total da
palatal
(20) [miƱ] milho [fii] filho (21) [mia] minha A reduccedilatildeo tem menos restriccedilotildees se comparada com os fatos do portuguecircs falado
por nativo Em (20) as ocorrecircncias satildeo atestadas no portuguecircs enquanto primeira
liacutengua Diante da vogal posterior natildeo apenas o apagamento da palatal pode
ocorrer como tambeacutem o da siacutelaba inteira Em (21) observamos uma realizaccedilatildeo
particular dos Latundecirc em que a consoante palatal nasal eacute apagada plenamente
sem deixar vestiacutegio nasal na vogal que a precede Esse fato tem relaccedilatildeo com a
complexidade que envolve as nasais na liacutengua indiacutegena a qual natildeo coincide com
os processos existentes no portuguecircs
No caso de (22) ocorre o apagamento da siacutelaba em que se encontra a palatal
nasal do diminutivo eacute comum a variedades populares do portuguecircs
(22) [pikinĩnĩ ] pequenininho [faki ] faquinha
Como afirmamos no iniacutecio da seccedilatildeo os segmentos palatais natildeo existem em
Latundecirc o que torna sua produccedilatildeo no Portuguecircs falado pelos Latundecirc mais
marcada e de difiacutecil ocorrecircncia
177
6116 Afeacuterese
A afeacuterese eacute um processo foneacutetico que consiste na queda de elementos iniciais do
vocaacutebulo Este processo que fora responsaacutevel pelas modificaccedilotildees foneacuteticas do
Latim para o Portuguecircs ainda eacute atuante no estaacutegio atual da liacutengua
A queda da siacutelaba inicial es- em verbos como esperar e estar e do a- em
vocaacutebulos como aqui e acabar eacute muito comum em alguns dialetos brasileiros
Entretanto este tipo de delaccedilatildeo no portuguecircs falado pelos Latundecirc se expande
para outros vocaacutebulos da liacutengua conforme os exemplos abaixo
(23) [kutatildeni] escutando [kapa] escapa [kapo] escapou [peɾatildenƱ] esperando
[pi gada] espingarda
(24) [tupiw] entupiu [gatildeno] enganou [tehaɾƱ] enterraram
(25) [kɪ] aqui [lsquokelɪ] aquele [bɾasadƱ] abraccedilado
[meto] aumentou [korsquodadƱ] acordado [batildedono] abandonou [kaboʃe] acabou-se
(26) [fiɾe tɪ] diferente
[pitaw] hospital
178
Natildeo consta no inventaacuterio fonoloacutegico dessa liacutengua a presenccedila da fricativa alveolar
surda em posiccedilatildeo de coda Essa restriccedilatildeo eacute transferida para o portuguecircs falado
por Latundecirc conforme (23)
Outra razatildeo para esse fenocircmeno pode estar na estrutura prosoacutedica da palavra no
Latundecirc Nessa liacutengua as palavras satildeo monossilaacutebicas ou dissilaacutebicas Raiacutezes
com mais de duas siacutelabas satildeo raras (TELLES 2002) Associado a isso o acento
eacute morfoloacutegico em raiacutezes Nas dissilaacutebicas o acento recai na segunda siacutelaba
(27) [ˈmatilde ginĩde] ˈmatildejn-kiˈnĩn-te caju-redondo-Sufixo Nominal
lsquocastanha de cajursquo
No dado (27) encontramos exemplos de raiz monossilaacutebica e de raiz dissilaacutebica
Jaacute no portuguecircs haacute um nuacutemero relevante de palavras trissiacutelabas e polissiacutelabas
Diante disso a afeacuterese pode ser uma interferecircncia da estrutura do leacutexico da
liacutengua indiacutegena para simplificar a estrutura do portuguecircs - mais marcada no
Latundecirc Este fenocircmeno natildeo afeta o acento e eacute operante sobretudo quando a
siacutelaba inicial natildeo tem onset
6117 Apoacutecope
A apoacutecope eacute uma das formas de apagamento de segmentos que estaacute
relacionada assim como a afeacuterese a outros processos foneacuteticos
179
A queda de elementos finais eacute uma das formas de reduccedilatildeo ou reorganizaccedilatildeo
silaacutebica e de palavras Assim como nos demais processos a siacutelaba tocircnica eacute
preservada de qualquer alteraccedilatildeo
Embora alguns processos explicados aqui tratem da apoacutecope como a reduccedilatildeo do
geruacutendio e ditongo finais ou apagamento da nasal palatal a exemplo de (27)
estes exemplos jaacute foram mecionados nas seccedilotildees anteriores A presenccedila deles
aqui eacute para mostrar que os outros processos foneacuteticos resultam na apoacutecope
(28) [ ʒ rsquotaɾɪ] juntaram
[tursquodĩ] tudinho [ti ] tinha
[lsquovE ] velho [kabersquosĩ] cabecinha [lsquonatilde] natildeo [lsquomatilde] matildee (29) [lsquove] ver [lsquokɛ] quer (30) [nɔj] noacutes
[maj] mais [dirsquofisɪ] difiacutecil [dirsquofisƱ] difiacutecil [tatildersquome j] tambeacutem
(31) [virsquoa] viado [lsquoluɾɪ] Lurdes
[lsquote ] dele
Em (29) a apoacutecope do R final eacute processo muito comum no portuguecircs atual
Diante de tal explicaccedilatildeo natildeo nos cabe assegurar se o processo eacute proacuteprio do
180
Latundecirc ou se da variedade atraveacutes da qual os indiacutegenas adquiriram o portuguecircs
Os dados em (30) tambeacutem apontam para a interpretaccedilatildeo dos dados mostrados
em (29)
Em (31) os dados apresentam um apagamento incomum ao portuguecircs de
nativos A fala espontacircnea e natildeo tensa eacute uma possibilidade explicativa uma vez
que essas ocorrecircncias natildeo satildeo sistemaacuteticas
Os dados de apoacutecope natildeo evidenciam a transferecircncia de traccedilos mais marcados
do Latundecirc para o portuguecircs
6118 Siacutencope86
A forma mais comum deste processo se apresenta no portuguecircs nas
proparoxiacutetonas Em alguns dialetos a depender do contexto linguiacutestico eacute
categoacuterico a ocorrecircncia da reduccedilatildeo interna no vocaacutebulo
Nos exemplos elencados em (32) no caso das proparoxiacutetonas tal reduccedilatildeo eacute
motivada pelo padratildeo acentual do portuguecircs que permite com mais toleracircncia o
padratildeo paroxiacutetono ao proparoxiacutetono conforme Silva (2006 p78)
Quando ocorrente no Portuguecircs este processo estaacute relacionado ao apagamento
da vogal postocircnica medial Com a reduccedilatildeo vocaacutelica a consoante precedente
pode tomar dois caminhos i) eacute incorporado agrave siacutelaba tocircnica na posiccedilatildeo de coda ii)
86
Os exemplos apresentados demonstram que o processo ocorrente eacute muito mais motivado pelo
Portuguecircs do que pelo Latundecirc A nossa classificaccedilatildeo fica aqui a caraacuteter de registro
181
passa a onset da siacutelaba aacutetona seguinte o que afeta sua constituiccedilatildeo O
apagamento vocaacutelico resulta em uma palavra paroxiacutetona
(32) [lsquomuʒka] muacutesica [lsquohapƱ] raacutepido [lsquokOʃka] coacutecega [lsquoavɾɪ] aacutervore
Entendemos que muitas destas ocorrecircncias no Latundecirc se datildeo pelo portuguecircs de
contato Isso eacute confirmado pela produccedilatildeo de ldquomuacutesicardquo e ldquocoacutecegardquo que licencia
uma restriccedilatildeo forte no Latundecirc a fricativa sibilante em coda Aleacutem disso a
produccedilatildeo de ldquoraacutepidordquo ([ˈhapƱ]) tambeacutem coincide com a realizaccedilatildeo encontrada no
portuguecircs popular na qual a consoante em onset da siacutelaba apagada passa a
onset da siacutelaba seguinte devido agrave restriccedilatildeo no portuguecircs de onda oclusiva
612 Ganho de elementos (Inserccedilatildeo de elementos)
Embora em menor nuacutemero os processos que resultam em ganhos de elementos
tambeacutem ocorrem no Portuguecircs falado pelos Latundecirc Satildeo poucos os processos e
menores ainda os casos em que eles ocorrem Isso pode ser explicado como jaacute
fora dito devido ao fato de as liacutenguas em geral terem um dinamismo proacuteprio que
favorece mais agrave perda do que o ganho de elemento Em alguns casos a
motivaccedilatildeo para o ganho de material foneacutetico satildeo as restriccedilotildees fonotaacuteticas da
liacutengua e ou a tendecircncia agrave formaccedilatildeo de padratildeo silaacutebico menos marcado No caso
do portuguecircs de acordo com Collischonn (2004 p 67) um tipo de ganho de
material precisamente a epecircntese vocaacutelica
ocorre mais quando a consoante perdida estaacute em posiccedilatildeo pretocircnica como em objeto magneacutetico e opccedilatildeo ocorrendo em apenas 24 dos vocaacutebulos na posiccedilatildeo postocircnica em palavras como egiacutepcios eacutetnico ou ritmo Mais especificamente estes resultados mostram que a epecircntese que em outros contextos
182
ocorre numa taxa bastante alta eacute dramaticamente reduzida em posiccedilatildeo postocircnica
Exemplos do que a autora descreve seguem apresentados abaixo em (33) O
primeiro dado traz a inserccedilatildeo da vogal epenteacutetica default no portuguecircs a anterior
alta [i] e a segundo natildeo ocorrecircncia da inserccedilatildeo
(33) [lsquoabiˈsuhdƱ] absurdo [koˈlapisƱ] colapso
A epecircntese vocaacutelica nos dados examinados natildeo foi muito expressiva sobretudo
pelo fato de natildeo termos encontrado um nuacutemero significativo de palavras com
encontro consonantal no leacutexico dos indiacutegenas Entretanto alguns casos como em
(34) ilustram a ocorrecircncia no portuguecircs dos Latundecirc
(34) [ˈmɔgunƱ] mogno (35) [piˈnew] pneu
A estrutura que favorece a epecircntese no portuguecircs natildeo faz parte das regras
fonotaacuteticas do Latundecirc o que tambeacutem pode favorecer a vogal epenteacutetica nos
dados observados
(36) [haacutersquopazɪ] rapaz [haacutersquopazƱ] rapaz [parsquope sɪ] papeacuteis [dorsquose zɪ] de vocecircs [lsquonͻ zɪ] noacutes
183
Diferentemente do que ocorre em (34 - 35) os dados de (36) nos direcionam para
a paragoge processo que se caracteriza pela inserccedilatildeo de elemento(s) no final do
vocaacutebulo Este processo tambeacutem estaacute diretamente ligado agrave presenccedila da fricativa
alveolar desvozeada em coda sendo esse segmento proibido nessa posiccedilatildeo no
Latundecirc No caso citado a inserccedilatildeo pode ser da vogal alta posterior rapaz
[hapazƱ] mas a preferecircncia eacute pela vogal alta anterior que eacute a vogal menos
marcada [hapazɪ] rapaz noacutes [lsquonͻ zɪ]
Em (37) o processo de paragoge ocorre apoacutes o processo de monotongaccedilatildeo
ocorrendo no ditongo [atildew] que passa a ser realizado como a vogal nasal meacutedia
posterior conforme discutido em 5111 Apoacutes esse processo haacute a inserccedilatildeo do
consoante nasal seguida da vogal alta anterior A paragoge eacute variaacutevel com a
reduccedilatildeo do ditongo ([tubaˈɾotilde]) A inserccedilatildeo da siacutelaba final [-ni] pode decorrer da
existecircncia produtiva de terminaccedilatildeo sonora semelhante em vocaacutebulos (nominais e
verbais) no Latundecirc
(37) [tubarsquoɾotildenɪ] tubaratildeo
Em (38) o processo ocorrente eacute a proacutetese Se para o processo inverso - a afeacuterese
- os dados satildeo em maior quantidade para a proacutetese satildeo pouquiacutessimos os
contextos em que ela ocorre No caso deste exemplo a proacutetese se daacute a presenccedila
da vogal baixa diante do verbo Este tipo de proacutetese eacute bem recorrente no
Portuguecircs em dados como ([alemˈbra]) Entretanto o caraacuteter pontual da
ocorrecircncia do fenocircmeno natildeo favorece uma interpretaccedilatildeo mais segura
(38) [atorsquomaɾu] tomaram
184
Outra forma de ganho de elementos pode ser o prolongamento da vogal final O
exemplo de (39) nos mostra o prolongamento da vogal meacutedia anterior Essa
ocorrecircncia foi observada no contexto especiacutefico de ecircnfase
(39) [dese] desse [se] esse
613 Alteraccedilatildeo de elementos (Permuta ou transposiccedilatildeo)
A alteraccedilatildeo de elementos linguiacutesticos eacute considerada na literatura histoacuterica como o
terceiro tipo de alternacircncia focircnica inerente agraves liacutenguas Os contextos em que o
cacircmbio eacute permitido satildeo diversos e direcionados por distintas regras fonoloacutegicas
Muitos desses processos natildeo alteram a estrutura silaacutebica nem atinge a estrutura
lexical O que ocorre de fato eacute a acomodaccedilatildeo de alguns segmentos no dialeto
falado seja pela mudanccedila de traccedilo(s) ou seja pela de segmento(s)
6131 Despalatalizaccedilatildeo de [ʃ] e [ʒ]
Tratamos na seccedilatildeo 5115 do processo da reduccedilatildeo das palatais [ʎ] e [ɳ] que
tambeacutem se configura como um caso de despalatalizaccedilatildeo Todavia tal
classificaccedilatildeo se daacute devido ao fato de estaacute ligada agrave perda de elementos enquanto
a que trataremos agora se configura da permuta ou da reduccedilatildeo de traccedilos
185
Em Latundecirc a presenccedila das palatais [ʃ] e [tʃ] satildeo realizaccedilotildees de s Estas podem
vir em iniacutecio e em meio de palavras As realizaccedilotildees [ʃ] e [s] satildeo preferidas pelos
mais novos enquanto os mais velhos optam pela africada alveolo-palatal surda
Diferentemente no Portuguecircs falado por Latundecirc as realizaccedilotildees natildeo
palatalizadas satildeo preferidas Os Latundecirc natildeo transferem o segmento mais
marcado para o Portuguecircs Contudo conforme seccedilatildeo a seguir veremos que este
processo eacute variaacutevel e pode se dar em qualquer posiccedilatildeo do vocaacutebulo conforme
dados de (40)
(40) [sersquogo] chegou [sersquogamƱ] chegamos [sorsquoɾanƱ] chorando [sursquopaha] chupava [satildematildedƱ] chamando [dersquosaɾƱ] deixaram [casueɾƱ] cachoeira
[mersquosenƱ] mexendo [bisƱ] bicho [baso] baixo [debasƱ] debaixo [lsquopesƱ] peixe [dirsquoso] deixou
Natildeo consta no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc as consoantes z e ʒ de forma
que a liacutengua natildeo apresenta oposiccedilatildeo entre surda e sonora para as fricativas
sibilantes Em (41) o processo de despalatalizaccedilatildeo atinge a fricativa alveopalatal
vozeada que passa a se comportar como fricativa alveolar em iniacutecio de siacutelaba e
em meio de palavras
(41) [lizeɾƱ] ligeiro
186
[lsquolotildezɪ] longe [lsquosuzɪ] suja [lsquosuzu] sujo [azursquoda] ajudar [lsquozudia] judia [azersquota] ajeitar
A escolha do segmento menos marcado segue o que ocorreu com s a
realizaccedilatildeo desses segmentos satildeo adquiridos analogicamente e a presenccedila se daacute
no interior do vocaacutebulo Trata-se da reinterpretaccedilatildeo e acomodaccedilatildeo do segmento
Neste caso do menos marcado jaacute que ambos satildeo menos naturais em sua liacutengua
(WEINREICH 1953)
6132 Palatalizaccedilatildeo
A quantidade de sons palatais do Latundecirc natildeo corresponde aos do Portuguecircs
Em Latundecirc a palatalizaccedilatildeo eacute um processo foneacutetico que ocorre com o segmento
s e em incidecircncia extremamente escassa com t em ambientes que jaacute foram
postos no Capiacutetulo IV que trata deste sistema foneacutetico Eacute um processo bastante
variaacutevel tendo em vista a natildeo presenccedila desse segmento na subjacecircncia da
liacutengua Essa variaccedilatildeo ocorre marcadamente na fala dos mais velhos Os mais
jovens que adquiriram ambas as liacutenguas (Portuguecircs e Latundecirc)
simultaneamente produzem em menor proporccedilatildeo este processo
A africada [tʃ] eacute um segmento que tambeacutem apresenta uma realizaccedilatildeo altamente
variaacutevel provavelmente devido agrave histoacuteria interna da liacutengua conforme Telles
187
(2002 p85) No Latundecirc natildeo haacute diferenccedila entre a oposiccedilatildeo foneacutetica entre as
alveolares de um lado e as palatais e alveacuteolo-palatais de outro
Em (42) e (43) a palatalizaccedilatildeo atinge tanto a fricativa alveolar vozeada quanto a
desvozeada
(42) [ʃu rsquomiɾƱ] sumiram
[ lsquoʃi ma] cima
[ʃigursquoɾow] segurou
(43) [lsquoua] usa
[bursquoʒoɾƱ] Besouro
Em (44) e (45) a palatalizaccedilatildeo abrange as consoantes oclusivas alveolares que
se realizam como africadas alveolo-palatais podendo ocorrer em qualquer
posiccedilatildeo ou contexto da palavra
(44) [lsquoĩdƱ] iacutendio
[matildersquodɔga] mandioca
[ɛrsquoĩ] zezinho
[odʒɪ] hoje [tʃi rsquodʒeɾƱ] cinzeiro
Embora no Portuguecircs o processo de africativizaccedilatildeo de oclusivas alveolares [t d]
seja comum a alguns dialetos como o do Rio de Janeiro [lsquotʃia] e do portuguecircs
popular no Nordeste [lsquoojtʃƱ] sua ocorrecircncia eacute condicionada agrave contiguidade de uma
vogal anterior alta [i] Diferentemente em Latundecirc a palatalizaccedilatildeo e a
188
fricativizaccedilatildeo variam entre si e ocorrem tambeacutem com a fricativa alveolar s Este
processo pode ocorrer em qualquer lugar da palavra
(45) [tʃai] sair [tʃiɾi ga] seringa
[barsquotʃotilde] batom [tʃͻ] soacute [tʃumiɾƱ] sumiram
[tʃobɾo] sobrou
[arsquotʃi ] assim
[tʃubi nƱ] subindo
[pɔtʃa] porta
[rsquotʃua] suja
Os exemplos de (46) apontam para um processo secundaacuterio o fortalecimento
Neste caso a fricativa alveopalatal passa a ser pronunciada como africada
(46) [ tʃoɾatildenƱ] chorando [tʃama] chama [tʃega] chega [ tʃursquoveɾƱ] chuveiro [kaharsquopitʃƱ] carrapicho
No que tange agrave abordagem das palatais a variaccedilatildeo no processo de acomodaccedilatildeo
desses inventaacuterios fonoloacutegicos eacute muito grande A partir das incidecircncias
percebemos que no Portuguecircs resultante do contato a ocorrecircncia desses
segmentos complexos se mostra tambeacutem na mesma proporccedilatildeo
Diante da palatalizaccedilatildeo incluindo a africativizaccedilatildeo observamos que os dados
apresentam duas direccedilotildees quanto ao processo Nos mesmos contextos tanto
ocorre a despalatalizaccedilatildeo quanto a palatalizaccedilatildeo Essa variaccedilatildeo no portuguecircs dos
189
indiacutegenas eacute engatilhada pela ausecircncia do contraste szʃʒ em sua primeira
liacutengua
6133 Desvozeamento e vozeamento
Diferente do portuguecircs no Latundecirc natildeo haacute oposiccedilatildeo das oclusivas quanto agrave
sonoridade As consoantes oclusivas subjacentes satildeo as surdas bilabial alveolar
e velar p t e k respectivamente Sua realizaccedilatildeo sonora eacute condicionada pela
posiccedilatildeo na palavra pelo ambiente (contiguidade nasal) e pelo acento O
vozeamente obrigatoacuterio ocorre quando elas precedidas por consoante nasal na
coda da siacutelaba anterior O processo ocorre tanto no interior quanto em fronteiras
de morfemas (TELLES 2002 p135)
A ausecircncia do contraste surdo-sonoro nas consoantes oclusivas do Latundecirc afeta
a realizaccedilatildeo das consoantes no portuguecircs resultante do contato Na produccedilatildeo dos
indiacutegenas mais velhos (esse fenocircmeno natildeo foi observado na geraccedilatildeo mais
jovem) o processo de desvozeamento atinge as consoantes oclusivas sonoras g
d do portuguecircs conforme (47) e (48)
A realizaccedilatildeo sonora Latundecirc envolve o traccedilo laringal Foneticamente em fala
lenta haacute a realizaccedilatildeo de [d] como alofone de t Telles (2002 p 45) explica que
os falantes mais jovens da geraccedilatildeo poacutes-contato que adquiriram o Portuguecircs
simultaneamente ao Latundecirc neutralizaram o contraste entre sons realizando
preferencialmente o som menos marcado natildeo-implodido Diferentemente dos
mais novos os mais velhos preferem o som implosivo [ɗ]
190
Quanto ao segmento [g] o Latundecirc o tem enquanto alofone de [k] e pode ser
encontrado em iniacutecio de palavra quando em fala raacutepida Mostra-se categoacuterico em
meio de palavra quando diante de uma nasal lexical Em ambiente intervocaacutelico
pode-se encontrar a variaccedilatildeo entre [k] e [g] das quais eacute preferencial a realizaccedilatildeo
da vogal surda (idem p73) A falta do contraste no Latundecirc explica as
realizaccedilotildees de (47)
(47) [lsquobɾika] briga [lsquokoʃta] gosta [kɔviotilde] gaviatildeo
[katildersquoba] gambaacute
A ausecircncia do segmento [d] em Latundecirc eacute a responsaacutevel pela variaccedilatildeo e pela natildeo
realizaccedilatildeo dessa consoante que ocorre como oclusiva alveacuteolo-palatal t
(48) [tipoj] depois [se rsquotatu] sentado
(49) [hatildega] arranca
Em (49) diferentemente do processo de desvozeamento a oclusiva velar se
realiza como sonora A contiguidade nasal em posiccedilatildeo precedente condiciona o
vozeamente da oclusiva velar
Em todos os casos observados acima fica evidente a interferecircncia do Latundecirc no
portuguecircs indiacutegena As consoantes sonoras que satildeo mais marcadas
interliguisticamente por natildeo fonoloacutegicas no Latundecirc se tornam ainda mais
marcadas nessa liacutengua Na produccedilatildeo do portuguecircs os Latundecirc mais velhos
191
preservam a marcaccedilatildeo e apresentam uma realizaccedilatildeo com condicionamento
emprestado da liacutengua indiacutegena
6134 Abaixamento e Elevaccedilatildeo das Vogais Orais
No portuguecircs falado pelos Latundecirc os processos de abaixamento e elevaccedilatildeo
diferenciam-se dos contextos em que ocorrem no portuguecircs Os de elevaccedilatildeo satildeo
em maior nuacutemero que os de abaixamento fato este tambeacutem verificado no
portuguecircs falado pelos Latundecirc
No caso de (50) o uacutenico caso de abaixamento ocorre na vogal anterior nasal e
que passa a ser pronunciada como vogal baixa oral
(50) [asina] ensinar [asinatildenɪ] ensinando
Em (51) a elevaccedilatildeo ocorre com a vogal central baixa final que passa a alta
anterior
(51) [suzɪ] suja [kazɪ] causa [kazɪ] casa [li gɪ] liacutengua
[pɾersquogisɪ] preguiccedila
Assim como em (51) em (52) a elevaccedilatildeo da vogal final tambeacutem eacute realizada como
alta anterior No segundo caso natildeo se trata de elevaccedilatildeo mas de anteriorizaccedilatildeo
uma vez que a vogal meacutedia posterior que ocorre em nomes no portuguecircs eacute
realizada como alta posterior
192
(52) [li pɪ] limpo
[kotildemɪ] como [pɾeti] preto
[saɾatildepɪ] sarampo
[pɾimeɾɪ] primeiro
[morsquosegɪ] morcego [morsquohe dɪ] morrendo
[novɪ ] novo
[kursquoɳadɪ] cunhado [otɪ] outro [fikatildenɪ] ficando
A elevaccedilatildeo e posteriorizaccedilatildeo tambeacutem ocorrem no final dos vocaacutebulos como em
(53)
(53) [kabesƱ] cabeccedila [kanɛlƱ] canela
[mini nadƱ] mininada
[malaɾƱ] malaacuteria
[kursquoru Ʊ] coruja
Em (54) temos tambeacutem a posteriorizaccedilatildeo da alta anterior Assim como a meacutedia
posterior em (52) a meacutedia anterior no portuguecircs eacute amplamente produzida como
alta anterior de forma que o alccedilamento em si natildeo se configura como um
processo do portuguecircs do contato
(54) [hedƱ] rede [bastatildetƱ] bastante [pesƱ] peixe [notƱ] noite [febɾƱ] febre
193
Apesar de natildeo encontrarmos itens que mostrassem a sistematicidade do
condicionamento entre [i] e [u] em final de palavras os dados nos mostram que
haacute uma tendecircncia na base das realizaccedilotildees Os vocaacutebulos terminados em [Ʊ]
tendem a ser produzidos com [ɪ] e os terminados por [a] tendem a ser realizados
com [Ʊ]
Nos dados observados a variaccedilatildeo entre [i] e [Ʊ] soacute ocorre em final de vocaacutebulo
quando se trata da paragoge conforme visto nos exemplos (36) em 512
[harsquopazɪ] ~ [harsquopazʊ]
Os dados em (55) ilustram a falta de regularidade no alccedilamento das vogais
pretocircnicas Como vemos em [fuˈkatildemƱ] e [virsquome ] a tonicidade ou a contiguidade
segmental natildeo condiciona a elevaccedilatildeo da pretocircnica
(55) [pig ta] pergunta [piskosƱ] pescoccedilo [hirsquopotildedew] respondeu [pigu rsquotatildenɪ] perguntando
[dimorsquoɾo] demorou
[virsquome ] vermelho [dimursquoɾatildenɪ] demorando
[fuˈkatildemƱ] ficamos
[kuˈmiw] comeu
194
6135 Nasalizaccedilatildeo e Desnasalizaccedilatildeo
No Latundecirc a nasalidade vocaacutelica eacute contrastiva para a central baixa a anterior
alta e a posterior alta seguidas por consoante nasal tautossilaacutebica A nasalizaccedilatildeo
alofocircnica soacute ocorre com vogais aacutetonas Apesar de a organizaccedilatildeo do traccedilo nasal
na fonologia do Latundecirc ser distinta da do portuguecircs o status contrastivo do traccedilo
em ambas as liacutenguas favorece sua percepccedilatildeo e realizaccedilatildeo na produccedilatildeo na sala
no portuguecircs Entretanto a nasal depende tambeacutem de outros fenocircmenos
cooperantes
Os dados a seguir ilustram a ocorrecircncia da nasalizaccedilatildeo em vogais A
contiguidade da vogal com uma consoante nasal mesmo heterossilaacutebica pode
resultar na nasalizaccedilatildeo O primeiro dado abaixo foge do esperado em liacutengua
portuguesa e tampouco decorre de uma interferecircncia do Latundecirc
(56) [mersquoatilde] meia [bɾĩrsquogatildenƱ] brigando [ʃu miɾƱ] sumiram
[mi mƱ] mesmo
Em (57) ocorre a desnasalizaccedilatildeo em palavras funcionais Esses casos natildeo satildeo
frequentes no leacutexico e natildeo podem ser analisados como resultados de interferecircncia
direta O apagamento da nasal em coda ou em onset seguinte impede a
nasalizaccedilatildeo
(57) [nɪ] nem (natildeo) [mia] minha
195
6136 Fenocircmenos evolvendo os roacuteticos
O tratamento do roacutetico requer uma consideraccedilatildeo sobre o seu comportamento
interlinguiacutestico Retomando as palavras de Bonet e Mascaroacute (1997 p 103)
It is well know that the phonetic realization of rhotics varies considerably from language to language even from dialect to dialect Rhotics can be realized as flaps taps trills (uvular coronal ou bilabial) or as assibilated or fricative variants They ca alternate with a lateral liquid with glides and in some cases a flap can occur as the phonetic realization of a coronal stop in specific environments
Os roacuteticos satildeo segmentos que apresentam uma grande variaccedilatildeo no portuguecircs
Natildeo diferentemente estes elementos tambeacutem se mostraram como motivadores
de vaacuterios processos fonoloacutegicos do portuguecircs falado pelos Latundecirc
Os exemplos dispostos em (58) apontam para a aspiraccedilatildeo do R em coda
silaacutebica Processo este que eacute comum a variedades do portuguecircs e que tambeacutem
no caso em tela pode ser motivado pela preferecircncia de natildeo coda da liacutengua
Latundecirc que favorece o seu enfraquecimento atraveacutes de uma realizaccedilatildeo fricativa
glotal
(58) [duhmɪ] Dormi [mɛgursquola] mergulhar
[fosa] Forsa
O rotacismo eacute um fenocircmeno presente no portuguecircs dos Latundecirc especialmente
entre os mais velhos Fonemas distintos podem sofrer o processo Em (59) a
realizaccedilatildeo do flap tem na base uma sibilante uma lateral palatal e uma oclusiva
196
alveolar Em ldquotrabalhavardquo a lateral palatal inexistente no Latundecirc poderia ser
subtituida pela lateral alveolar constante do inventaacuterio da liacutengua indiacutegena
Entretanto o flap apesar de natildeo fonoloacutegico no Latundecirc eacute um segmento muito
frequente na liacutengua decorrente de processo de enfraquecimento Essa tendecircncia
do Latundecirc pode estar na base da realizaccedilatildeo do portuguecircs Dentre as ocorrecircncias
abaixo a uacuteltima se coloca como um processo frequente no proacuteprio Latundecirc no
qual uma oclusiva passa a flap em ambiente intervocaacutelico
(59) [karsquoboɾe] acabou-se
[tabaɾava] trabalhava
[poɾɪ] pode
Em Portuguecircs particularmente falado por sujeitos menos escolarizados o
fenocircmeno do rotacismo tambeacutem eacute frequente em encontros consonantais
tautossilaacutebicos em que a segunda consoante eacute a lateral alveolar l Dessa forma
produccedilatildeo encontrada em (60) pode ser devido ao contato com o Portuguecircs local
(60) [pɾatildeta] planta
[gɾɛba] gleba
[fɾɛsa] flecha
Em termos da organizaccedilatildeo da fonologia de ambas as liacutenguas os dados em (60)
assim como aqueles em (59) podem ser refletidos a partir da escala de
sonoridade proposta por Bonet e Mascaroacute (1997 p 109)
197
Quadro 21 Escala de Sonoridade adaptada de Bonet e Mascaroacute 1997 p 109)
0 1 2 3 4
Obstruintes
(oclusivas
fricativas trill)
nasais laterais glides
flap
vogais
Considerando a posiccedilatildeo do flap na escala de Bonet e Mascaroacute podemos
interpretar tanto o rotacimo no portuguecircs natildeo padratildeo quanto aquele presente no
Latundecirc como resultado de enfraquecimento de diferentes segmentos situados
mais agrave esquerda no ranking de sonoridade Entre esses segmentos como
observamos na escala acima encontra-se a proacutepria lateral alveolar que apesar
de tradicionalmente formar a classe das liacutequidas ao lado dos roacuteticos natildeo
apresenta a mesma sonoridade que o flap
6137 Labializaccedilatildeo e Deslabializaccedilatildeo
No Portuguecircs falado pelos Latundecirc os processos que envolvem articulaccedilatildeo
secundaacuteria especificamente a labializaccedilatildeo e a deslabializaccedilatildeo estatildeo
relacionados agraves consoantes oclusivas velares e se realizam praticamente nos
mesmos contextos Trata-se de um processo foneacutetico variaacutevel
(61) [kƱɪ] que [kƱelɪ] com ele (62) [kazɪ] quase [katildedƱ] quando
198
[karsquokƱɛ] qualquer
[li gɪ] liacutengua
No Latundecirc a labializaccedilatildeo pode ser derivada de processo mas eacute restrita em
ocorrecircncia Aleacutem disso a sequecircncia da olusiva seguida do glide formando
encontro consonantal tambeacutem natildeo faz parte da fonologia do Latundecirc Esses fatos
favorecem a produccedilatildeo irregular do portuguecircs em que observamos a
deslabializaccedilatildeo (ou o apagamento do glide) como em (62) e a labializaccedilatildeo (ou
inserccedilatildeo do glide) em (61)
6138 Metaacutetese
A alternacircncia de segmentos no portuguecircs falado pelos Latundecirc pode ocorrer
entres siacutelabas diferentes ou entre elementos da mesma siacutelaba Aleacutem disso
ocorre nas duas direccedilotildees (da esquerda para a direita e da direita para a
esquerda)
(63) [bahiƱ] bairro [fɾevenƱ] fervendo [parsquoguo] apagou
Como vemos acima no primeiro dado de (63) ocorre natildeo apenas a metaacutetese
como tambeacutem o avanccedilo do acento resultando numa palavra oxiacutetona Nos demais
dados a tranposiccedilatildeo segmental natildeo interfere na estrutura suprassegmental O
segundo dado de ldquofervendordquo eacute tiacutepico do portuguecircs e pode decorrer da variedade
de contato sobretudo pelo fato de o onset complexo natildeo fazer parte da liacutengua
indiacutegena Em ldquoapaguordquo a metaacutetese resulta na labializaccedilatildeo da oclusiva velar Essa
199
forma de palavra tem como realizaccedilatildeo foneacutetica frequente mesmo no portuguecircs
nativo a monotongaccedilatildeo Nesse caso a metaacutetese resulta de processo irregular e
pontual nos dados observados
Como vimos nas seccedilotildees anteriores os resultados da metaacutetese natildeo correspondem
a estruturas fonoloacutegicas no Latundecirc sendo sua ocorrecircncia derivada de processo
foneacutetico sem condicionamento prosoacutedico
6139 Siacutestole
Alguns casos de siacutestole em que ocorre o recuo do acento foram encontrados na
fala dos mais velhos Natildeo identificamos contexto linguiacutestico como o
sequenciamento focircnico do enunciado fonoloacutegico que justificasse essas
realizaccedilotildees Considerando o fato de a produccedilatildeo ter sido encontrada apenas na
fala da geraccedilatildeo mais velha e de o acento lexial no Latundecirc ser morfoloacutegico
ancorado em uma das duas promeiras siacutelabas da raiz da palavra (TELLES 2002)
eacute plausiacutevel supor uma interferecircncia do padratildeo acentual da liacutengua indiacutegena no
portuguecircs dos Latundecirc Os dados em (64) evidencia o recuo do acento
(64) [mɔhe] morrer
[kalo] calor [katɪ] quati [pega] pegar
Nos dados acima importa considerar tambeacutem o fato de se tratarem de itens
nominais (incluindo as formas nominais dos verbos) Diante disso uma analogia
possiacutevel dos Latundecirc seria a de considerar a raiz monossilaacutebica que eacute altamente
200
produtiva na liacutengua indiacutegena o que tambeacutem justificaria o acento na primeira
siacutelaba da palavra
61310 Fortalecimento
Casos de fortalecimento jaacute foram abordados nas seccedilotildees anteriores em que
tratamos da palatalizaccedilatildeo e da dessonorizaccedilatildeo Nesta seccedilatildeo outro fenocircmeno de
fortalecimento eacute apresentado no qual ocorre a oclusivizaccedilatildeo de fricativas
Salientamos entretanto que essas foram realizaccedilotildees mais esporaacutedicas e menos
recorrentes que as demais
(65) [istubidƱ] subindo [tiguɾa] segura
[torsquoteɾƱ] solteiro
[batitaɾƱ] batizaram
O processo ocorre no iniacutecio e em meio de palavra No primeiro dado em fato haacute
uma epecircntese da oclusiva alveolar surda [t] tendo em vista a preservaccedilatildeo de uma
sutil sibilaccedilatildeo do s em coda da siacutelaba precedente
Na fonologia do Latundecirc o fonema s tem como alofone o fone [t] que ocorre em
siacutelaba aacutetona (TELLES 2002) Embora essa natildeo seja a realizaccedilatildeo mais frequente
a interferecircncia do Latundecirc natildeo pode ser desconsiderada Em todos os dados de
(65) haacute a presenccedila de segmento oclusivo em siacutelaba contiacutegua que tambeacutem pode
ter motivado o fortalecimento do s
201
7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
No que concerne agraves poliacuteticas linguiacutesticas diante do glotociacutedio que tem se
instaurado no Brasil desde a chegada dos portugueses dado o estado em que se
encontram as liacutenguas indiacutegenas brasileiras eacute de grande valia qualquer estudo
que vise agrave contribuiccedilatildeo e que favoreccedila natildeo soacute a proteccedilatildeo como o conhecimento
cientiacutefico dessas liacutenguas
O Latundecirc como jaacute mencionamos eacute uma dessas liacutenguas minoritaacuterias Ela se
encontra em extinccedilatildeo uma vez que hoje dispotildee de menos de 20 falantes com
autonomia poliacutetica Devido agrave populaccedilatildeo restrita e agraves relaccedilotildees tradicionais de
parentesco os jovens Latundecirc natildeo podem coabitar entre si de forma que a
interaccedilatildeo com o mundo externo eacute a via de perpetuaccedilatildeo social e ao mesmo
tempo de crescente e natildeo planejado contato linguiacutestico Tais circunstacircncias
implicam a urgecircncia de mais estudos sobre a realidade desse povo
Entedemos que estudar as liacutenguas menos conhecidas eacute de grande valia para o
incremento da ciecircncia linguiacutestica A investigaccedilatildeo de cada nova liacutengua eacute uma
maneira de conceber a linguagem humana e de contribuir dessa forma com os
universais linguiacutesticos e com o entendimento da faculdade humana da linguagem
(CAcircMARA-JR 1977 p6)
Seja entre si ou em contato com outras estas liacutenguas natildeo estatildeo (ou natildeo
estiveram) suficientemente isoladas para evitar algum tipo de proximidade
Thurston (1987 p 165) propaga que toda liacutengua deve ter sofrido alguma
202
influecircncia de seus vizinhos em um determinado ponto e tempo Todos os idiomas
satildeo portanto liacutenguas mistas na medida em que todos copiaram formas lexicais e
outros recursos linguiacutesticos de liacutenguas vizinhas
Thomason (2001 p 17) afirma que o contato linguiacutestico estaacute em toda a parte
muitos paiacuteses tecircm mais do que uma liacutengua oficial e muito provavelmente a maior
parte da populaccedilatildeo mundial fala duas ou mais liacutenguas
Contudo mesmo em grande quantidade os estudos que se encarregam da
observaccedilatildeo do contato linguiacutestico se debruccedilam ainda timidamente nos aspectos
foneacuteticos Com base nesta assertiva este trabalho se propocircs a observar como se
daacute o comportamento entre o Portuguecircs e o Latundecirc a partir da verificaccedilatildeo dos
padrotildees mais e menos marcados nos processos foneacuteticos de acomodaccedilatildeo Eacute um
estudo descritivo em que o Portuguecircs eacute a segunda liacutengua mesmo em face de seu
caraacuteter nacional Essa pluralidade linguiacutestica ainda existente no paiacutes demanda a
concretizaccedilatildeo das poliacuteticas a favor da salvaguarda da diversidade no planeta
Posto que toda liacutengua sofra influecircncia das forccedilas internas e externas que agem
sobre ela partimos do pressuposto de que em qualquer pesquisa linguiacutestica natildeo
encontraremos nada de extraordinaacuterio nada que exceda a experiecircncia do
humano Dessa sorte vamos encontrar () uma estrutura linguiacutestica como
qualquer outra e em muita coisa ateacute possivelmente semelhante agrave nossa
(MATTOSO CAcircMARA-JR 1977 p7)
E quando sistemas entram em contado fenocircmenos emergentes podem ajudar a
esclarecer os princiacutepios e as restriccedilotildees que regem as liacutenguas particulares Com
base na complexidade e na riqueza que advecircm do contato linguiacutestico analisamos
203
estas forccedilas conflitantes com base nos princiacutepios de hierarquizaccedilatildeo e
regularidade que satildeo forccedilas motrizes da marcaccedilatildeo nos processos foneacuteticos Aleacutem
do fator tempo outros aspectos podem estar diretamente ligados agraves
transformaccedilotildees pelas quais uma liacutengua passa como relaccedilotildees de poder
influecircncias de outras liacutenguas subjetividade de seus falantes etc
A marcaccedilatildeo estaacute diretamente ligada agrave simetria frequecircncia e naturalidade
Entretanto Rice (2007) apresenta as caracteriacutesticas da marcaccedilatildeo agrupando-as
em dois conjuntos O primeiro envolve os termos relativos a uma marcaccedilatildeo
considerada natural ou pautada na frequecircncia e diz respeito em larga medida a
ldquophonetic basis of an oppositionrdquo Nele se encontram oposiccedilatildeo como ldquomais ou
menos naturalrdquo ldquomais ou menos complexordquo ldquomais ou menos estaacutevelrdquo ldquosujeito agrave
aquisiccedilatildeo mais ou menos tardiardquo etc (Rice 2007 p 81) O segundo grupo eacute
relativo a comportamentos de sistemas fonoloacutegicos como ser ldquosujeito ou
resultado de neutralizaccedilatildeordquo ldquoser gatilho ou alvo de assimilaccedilatildeordquo Esse grupo
portanto diz respeito agrave marcaccedilatildeo fonoloacutegica ou estrutural
No que diz respeito agrave anaacutelise dos dados quanto aos processos foneacuteticos
percebemos em nosso estudo que
Ainda que com algumas restriccedilotildees a tendecircncia agrave monotongaccedilatildeo eacute
transferida para o Portuguecircs falado por Latundecirc [satildersquogɾaɾi] ldquosangraramrdquo
[kaze] ldquocausardquo
Mesmo em variaccedilatildeo a reduccedilatildeo do onset complexo eacute transferida para o
Portuguecircs seguindo a tendecircncia que o Latundecirc tem de evitar esse tipo de
sequecircncia [bĩ katildenƱ] ldquobrincandordquo [kɛbaɾƱ] ldquoquebraramrdquo
204
O preenchimento da coda eacute evitado pelo Latundecirc processo esse que
tambeacutem eacute atestado no Portuguecircs falado por Latundecirc [pi gũta] ldquoperguntardquo
[gorsquotozƱ] ldquogostosordquo
As consoantes ɲ e ʎ mais marcadas interlinguisticamente tambeacutem o
satildeo no Latundecirc que natildeo os tecircm no seu inventaacuterio fonoloacutegico Como
resultado esses segmentos natildeo satildeo produzidos no Portuguecircs falado pelos
Latundecirc Alternativamente ocorre a substituiccedilatildeo desses fonemas por
segmentos articulatoriamente mais proacuteximos ou o seu apagamento [vimej]
ldquovermelhordquo [fila] ldquofilhardquo [farsquokĩ] ldquofaquinhardquo
A reduccedilatildeo silaacutebica eacute atuante tambeacutem atraveacutes da afeacuterese Como natildeo consta
no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc a presenccedila da fricativa alveolar surda
em posiccedilatildeo de coda essa restriccedilatildeo eacute transferida para o portuguecircs dos
Latundecirc que tambeacutem evita vocaacutebulos com mais de trecircs siacutelabas [kutatildeni]
ldquoescutandordquo [bɾa sadƱ] ldquoabraccediladordquo [fiɾ tɪ] ldquodiferenterdquo
O Latundecirc evita o onset em final de palavra adicionando uma vogal para
reorganizar o padratildeo silaacutebico A vogal mais frequente seraacute a alta anterior
[i] [harsquopazɪ] ldquorapazrdquo [dorsquosejzɪ] ldquode vocecircsrdquo
Os sons [ʃ] [ʒ] [tʃ] e [dʒ] satildeo evitados por natildeo fazerem parte do inventaacuterio
fonoloacutegico do Latundecirc de forma que a sua realizaccedilatildeo eacute mais marcada na
liacutengua O comportamento desses segmentos eacute muito variaacutevel Nos mais
jovens satildeo realizados com mais frequecircncia e nos mais velhos satildeo
reinterpretados envolvendo processos diversos [sersquogamƱ] ldquochegamosrdquo
205
[dersquosaɾƱ] ldquodeixaramrdquo [lizeɾƱ] ldquoligeirordquo [azersquota] ldquoajeitarrdquo [ʃũrsquomiɾƱ] ldquosumiramrdquo
[bursquoʒoɾƱ] ldquobesourordquo [tʃĩrsquodʒeɾƱ] ldquocinzeirordquo
A ausecircncia do contraste surdo-sonoro nas consoantes oclusivas t e k do
Latundecirc promove sua neutralizaccedilatildeo na realizaccedilatildeo das consoantes no
portuguecircs dos indiacutegenas [lsquobɾika] ~ [lsquobriga] ldquobrigardquo [s rsquotatu] ~ [se rsquotado]
ldquosentadordquo
No que tange ao comportamento das vogais meacutedias postocircnicas os
vocaacutebulos terminados em [Ʊ] tendem a ser produzidos com [ɪ] e os
terminados por [a] tendem a ser realizados com [Ʊ] que satildeo vogais menos
marcadas [kazɪ] ldquocausardquo [ lĩpɪ] ldquolimpordquo [ka besƱ] ldquocabeccedilardquo [bas tatildetƱ]
ldquobastanterdquo
A partir dos fenocircmenos observados buscamos responder agraves perguntas
norteadoras da nossa pesquisa abaixo retomadas
Fatores internos (linguiacutesticos) e externos (estruturais) interagem com os
princiacutepios da marcaccedilatildeo
Resposta Quanto aos fatores externos no que diz respeito agrave faixa etaacuteria
os mais jovens tendem a natildeo transferir os padrotildees mais marcados da sua
liacutengua para a liacutengua adquirida Em contrapartida os mais velhos
reproduzem com menor frequecircncia os padrotildees mais marcados do
Portuguecircs (liacutengua dominante)
Qual o papel da marcaccedilatildeo no contato linguiacutestico
206
Resposta A marcaccedilatildeo considerada natural responde pela escolha de
padrotildees mais ou menos marcados interlinguisticamente Por essa razatildeo
prevalece a tendecircncia agrave siacutelaba CV do que decorre o apagamento da coda e
a simplificaccedilatildeo de onset complexo De outro lado haacute o natildeo repasse da
laringalizaccedilatildeo vocaacutelica que mesmo fonoloacutegica no Latunecirc eacute menos natural
e mais marcada nas liacutenguas do mundo A marcaccedilatildeo fonoloacutegica eacute
observada na neutralizaccedilatildeo de oposiccedilotildees vaacutelidas no portuguecircs poreacutem
inexitentes na liacutengua indiacutegena como o contraste quanto agrave sonoridade nas
oclusivas e agrave escolha da vogal em posiccedilatildeo final de nomes
Efetivamente um aspecto da marcaccedilatildeo natural pode responder pelo
comportamento da marcaccedilatildeo fonoloacutegica de maneira que natildeo satildeo
caracteriacutesticas de marcaccedilatildeo oponentes entre si No caso em estudo as
duas marcaccedilotildees operam mas natildeo respondem por todos os fenocircmenos
observados Aleacutem disso o caraacuteter altamente variaacutevel das realizaccedilotildees e as
condicionantes sociais dos falantes datildeo chance para a emergecircncia de
processos mais decorrentes da falha na percepccedilatildeo do sinal sem que se
estabeleccedila a regularidade na sua produccedilatildeo
Os traccedilos mais marcados da liacutengua dominada passam para a dominante
Resposta Em alguns caso sim como a africativizaccedilatildeo do s Em outros
natildeo como o natildeo repasse da larinzalizaccedilatildeo vocaacutelica e a oposinccedilatildeo entre
vogais orais e nasais
Ademais em face dos fenocircmenos observados podemos pontuar algums
aspectos relevantes os processos que envolvem perda e permuta de segmentos
satildeo mais frequentes dos que os que envolvem ganho de segmento os segmentos
207
natildeo presentes no inventaacuterio fonoloacutegico do Latundecirc (liacutengua originaacuteria) tendem a
ser apagados ou reinterpretados pelo segmento mais proacuteximo do portuguecircs
sendo este uacuteltimo o mais frequente os traccedilos mais marcados do Latundecirc estatildeo
mais evidentes nas falas da geraccedilatildeo preacute-contato e a marcaccedilatildeo natildeo estaacute
condicionada apenas aos universais linguiacutesticos mas agraves especificidades das
liacutenguas
Por fim salientamos que o nosso propoacutesito neste estudo foi o de contribuir para a
descriccedilatildeo de liacutenguas incluindo as indiacutegenas e de abrir caminhos para o estudo
do contato linguiacutestico especialmente em niacutevel da foneacutetica e da fonologia
Ressaltamos que este trabalho natildeo encerra o estudo sobre o contato entre as
duas liacutenguas Reconhecemos que os nossos resultados representam um ponto de
partida para investigaccedilotildees posteriores as quais poderatildeo expandir o tema e
avanccedilar no campo da inter-relaccedilatildeo entre contato linguiacutestico e a marcaccedilatildeo
208
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ANEXOS
(Dados Transcritos)
parsquoguo Apagou marsquoma Mamar pegũrsquotatildenu Perguntando barsquoʃo Vassoura rsquokɔsa Coccedilar
marsquoduu Mais duro
rsquokati Quati
arsquoh ti A gente rsquootu Outro irsquoarsquov j E jaacute vem v rsquone ni Veneno pɛgũrsquoto Perguntou rsquofoʃ Foi pɾatildersquoto Plantou rsquosuzu Sujo karsquobeli Cabelo gursquoduɾu Gordura rsquootildemi Homem rsquogodu Gordo rsquopega Pegar dersquotadu Deitado
marsquotau Mataram
korsquokin Coquinho guɾirsquozĩ Gurizinho rsquotakorsquosotildenu Taacute com sono (manutenccedilatildeo) mũdi Mundo ʃursquov ni Chovendo pigũrsquota ni Perguntando sursquov ni Chovendo rsquopɔtʃa Porta kursquomigi Comigo kũversquosatildeni Conversando larsquovatildeni Lavando morsquoh di Morrendo ikursquotatildenu Escutando mursquohidu Morrido marsquohadu Amarrado irsquokutu Escuto
persquohu torsquose Pergunto a vocecirc
rsquoseja Cheia rsquoozi Hoje
rsquoʃuʊ Sujo
222
ursquozotursquopatildejrsquoagʊa Os outros apanham aacutegua
rsquotʃua Suja
bu rsquonitu Bonito
rsquokɛla Aquela
rsquomu tu Muito
vehrsquomejo Vermelho rsquomasu Manso marsquosatildedu Amansando arsquoɾisi Arisco hursquoo Avoou rsquoaga Aacutegua
rsquode tu Dentro
rsquomu tu Muito
rsquotud Tudo irsquopia Espirra isrsquopritu Espiacuterito
rsquofɔti Forte
timirsquotɛi Cemiteacuterio
tɛrsquoha Enterrar
ɔʊrsquoa Jogar (o bicho fora)
tersquoou Enterrou rsquoela Ela matildersquodatilden Mandando batorsquose Bater em vocecirc rsquotokursquotatildenu Tocirc escutando rsquobatildej Banho bɾab Brabo
rsquosɛtu Certo
Kabirsquosela Cabeceira (do rio)
karsquosi bu Cachimbo
tʃursquoveɾu Chuveiro (pau de) rsquoleti Leite rsquofutu Fruto karsquoɾoʃi Caroccedilo kaharsquopitʃu Carrapicho rsquokɾu Crua rsquomasu Massa
pe rsquoʃa Pensar
ojrsquoatildedu Olhando (idem)
pe rsquoʃatilden
Pensando
i te rsquode nu Entendendo
223
irsquokuta Escuta
kwatildedu ew piki nĩnĩ Quando eu era pequenininha
ew bĩrsquokava rorsquodeɾa cũ a lɔrsquoɾĩne
Eu brincava de roda com a Lorine
katildendu pi ĩ
Quando piin
ew tatildebȇĩ cũ a lorsquoɾine
Eu tambeacutem com a Lorine
i lsquoluɾi ku a marsquoɾi
E Lurdes com a Mariacute
mĩa matildey natildew deʃa bɾĩrsquoka
Minha matildee natildeo deixava brincar
eli bɾika corsquomigu
Ela brigava comigo
e koʃta brinrsquoka ni lsquoKotildepu E gostava de brincar no campo
mĩa matildej natildew deʃa bɾĩka Minha matildee natildeo deixava brincar
ersquoli tatildebe j diskuti Ela tambeacutem discutia
tatildebej kɾiatildesa natildew paɾa lsquonɛ Tambeacutem crianccedila natildeo para neacute
fika bahaka bɾĩkatildeni lsquonɛ Fica na barraca brincando neacute
fika gɾitatildeni Fica gritando
a mĩa matilde matildedava bɾĩka lotildeʒi A minha matildee mandava brincar longe
natildew kɛ ve baɾuj na bahaka natildew Natildeo quer ver barulho na barraca natildeo
ki falatildenu O que eu tocirc falando
ki lsquota bɾĩganu nu katildepu Que eu tava brincando no campo
a fruta kirsquoli cotildepi nɛ
A fruta que ele come neacute
kinotildemi di fɾuta Que nome de fruta
akeli iogrii nɛ
Aquele neacute
nɔy sursquopaha lsquo deli Noacutes chupava dele
so eli komenu fɾuta Soacute ali comendo fruta
noj fike mu arsquotɛ ʃersquoga meatilde note
sersquoga
Noacutes ficamos ateacute a meia noite chegar
mĩa matildej bɾiga kumigu Minha matildee brigava comigo
224
tava se ew levatildeta sedu se ew levatildeta sedu
Estava ʔ
va la nu katildepu bɾĩrsquoka Vaacute laacute no campo brincar
u katildepu lsquota satildematildedu orsquosejs O campo taacute chamando vocecircs
noj levatildersquota pɾa bɾĩrsquoka nu kotildepu Noacutes levantaacutevamos para brincar no campo
o katildepu ɛ u maj limpi O campo eacute o mais limpo
eli bɾĩkaru eli istubidu Eles brincaram eles subiram
ɛ ke katildepu num ɛ awto katildepu mũto
baso
Eacute que o campo natildeo eacute alto O campo eacute muito baixo
nɔj sersquogamu bersquobe nu i corsquome nu Noacutes chegamos bebendo e comendo
miu asadu batata e bebe nu
Milho assado batata e bebendo
ew nũm fikej ew bɾĩkava dinoti Eu natildeo fiquei eu brincava de noite
mĩa matildej natildew desa duhmi mĩa matildej bɾiga kumigo
Minha matildee natildeo deixa dormir minha matildee briga comigo
mĩa paj farsquolo sej dumi sedu se pikaɾu cobɾa Kotildemu ki darsquoi
Meu pai falou vocecircs durmam cedo se cobra picar e daiacute
vai sarsquoɾa ou vai a mɔhe Vai sarar ou vai morrer
mĩa paj bɾĩkow diskuti dele natildew Meu pai brigou porque eu natildeo escutava ele natildeo
dohmi amatildersquoɳatilde sedu vorsquose bɾĩrsquoka corsquome mũĩtu fɾuta
Dorme amanhatilde cedo vocecirc vai brincar comer muito fruto
mĩa paj natildew desa ew bɾĩka natildew Meu pai natildeo deixava eu brincar natildeo
natildew icuti dele natildew Natildeo escutei ele natildeo
cɾiatildesa icursquoto crianccedila escutou
iheni fala icursquoto ɛ A gente fala escutou eacute (a gente fala e ela ndash a crianccedila ndash escutou eacute
ni batia natilde mi batia na Natildeo batia natildeo me batia maj eli nũ sabe barsquotih Mas ele natildeo sabia bater
225
falava di bɾabu mihmu Falava bravo mesmo
matildeda agwa matildedƷɔga Mandava buscar aacutegua buscar mandioca
asa biƷu kome Assar beiju comer
nĩ tĩ aacutegua pɾa eli natildew Natildeo tinha aacutegua pra ele natildeo
mĩa matildej natildeo desa ew vĩrsquoga Minha matildee natildeo deixava eu brincar
mĩa povu
Meu povo
bĩ botilde natildew Bem bom natildeo
esi aki bisu bɾabu Esse aqui bicho brabo
mĩa povu matatildedu nosu tudo Meu povo matando o nosso tudo
e ki nomi dee ɛ E que o nome dele eacute
nũ pe rsquosa nisu aki la Natildeo pensar nisso aqui laacute
mĩa matildee falo natildew podi bɾĩka de tu
dagwa notilde
Minha matildee falou natildeo pode brincar dentro drsquoaacutegua natildeo
agwa e mũitu peɾigoso A aacutegua eacute muito perigoso
ĩdƷu vĩ i mata tudĩ nũ iscapa ũ notilde Iacutendio veio e matar tudinho natildeo escapa um natildeo
distotildena kohpu sɔ leva sɔ cabesu Destrona corpo soacute leva soacute a cabeccedila
isu aki nũ ɛ mĩa pare ti notilde Isso aqui natildeo eacute meu parente natildeo
io mimu Eu mesma
nĩge j notilde sabi Ningueacutem natildeo sabe
esi ki ĩdiu moɾava ki i uvi Esse aqui iacutendio morava aqui e ouvi
kɛbaɾu asĩ levo di Quebraram assim levou de Alternacircncia de coacutedigo
demorsquoɾo i ew sersquoge tame j Demorou e eu cheguei tambeacutem
Komi ki rapaɾi kebɾo
Como eacute que o rapaz morreu
226
ai fala pɾa eli nɛ isu ku hapazu Aiacute falou pra ele neacute Isso com o rapaz
eli moɾa debasu di paw nɛ Ele morava debaixo de pau neacute
ve tu dehubo caiw cima deli na
hedu
Vento derrubou caiu em cima dele na rede
sɔ o paj deli capow Soacute o pai dele escapou
vose da mujɛ notilde Vocecirc da mulher natildeo
akeli povu deli mĩ mata todo mĩa povu
Aquele povo dele mata todo meu povo
ĩ via pɾetu Em Veado Preto
paɾEsi kũ ƷEƷĩ Parece com Zezinho
ew moɾa hũtu aki Eu moro junto daqui
keli otɾu Aquele outro
patɾaj iɾe boɾa Para traz ir embora
ai dimorsquoɾo Aiacute demorou
sersquogo Chegou
keli cahĩ sersquogo Aquele Carlinhos chegou
sarsquoi hora orsquoʎa Saiacute fora pra olhar
arsquoi farsquolo dersquosaɾu Aiacute falou deixaram
ota lĩgwa difire ti Outra liacutengua diferente
ta sorsquoɾanu Taacute chorando
ta bĩbotilde natildew Taacute bem bom natildeo
fika tʃorsquoɾatildenu Fica chorando
mĩa pare ti desaɾu mĩa mursquoje Meus parentes deixaram minha mulher
te j bastatildeti Tem bastante
pigũta pa eli Pergunta pra ele
227
maselu kwidava Marcelo cuidava
oti tipu Outro tipo
kotildevɛsa deli nũte di notilde A conversa dele natildeo entendo natildeo
komu ki fala fire ti Como eacute que fala diferente (afeacuterese)
na kohpu uƷa No corpo usa
lizeɾu Ligeiro
tʃarsquoma eli Chamar ele
matildersquodo sabotilde pa eli Mandou sabatildeo pra ele
abɾiw pota Abriu a porta
lava motilde lava pɛ lava bɾasu Lavei a matildeo lavei o peacute lavei o braccedilo
ai ew fikej oiatildenu ai Aiacute eu fiquei olhando aiacute
fikej na pota oiatildenu cutatildeni Eu fiquei na porta olhando
nũ capa niũ Natildeo escapa nenhum
marsquoto cota piskosu Matou e cortou o pescoccedilo
kabesĩn Cabecinha
cusivi kimigu Inclusive comigo
batildeku busa sĩ Branco blusa assim
kursquomiɾu a karsquobesa da lsquoge ti Comeram a cabeccedila da gente
ũ nũ firsquokaɾi Um natildeo ficou
otirsquoĩdʒu Outro iacutendio
ʒũrsquotaɾu Juntaram
bɾirsquogamu pɾa eli Explicamos pra ele
ɔto dii ele vorsquoto dinovu Outro dia ele voltou de novo
ew sarsquoi hora Eu saiacute fora
otoɾapaj cursquoto Outro rapaz escutou
228
oʎa lotildezi Olhou longe
ew lsquoho
Eu vou
desa notilde Deixava natildeo
kuta baɾuj Escuta barulho
marsquoto tudi noɔɾa Matou tudo na hora
sɔ cabesu levo kumew Soacute a cabeccedila levou e comeu
mi a matildej cu tava Minha matildee contava
agwa tupiw tudo A aacutegua entupiu
agwa be j pɾeti mehmu Aacutegua bem preta mesmo
agwa suzi Aacutegua suja
pɾimiɾu kanɛlu Primeiro canela
i totilde paɾi Entatildeo eu parei
nu sarsquobi Natildeo sabia
pɾimeɾu u tigu Primeiro antigo
bastatildetu
Bastante
bastatildetu Bastante
todu tiɾatildenu levatildenu Tudo tirando levando
rsquokaze disu ficaɾu Por causa disso ficaram
tu kɾiatildesa Tudo crianccedila
lersquova todu mini nadu Levar toda meninada
eli mi tinu Ele mentindo
kotildemu orsquose pɾatildeta mu ito Como vocecirc planta muito (rotacismo)
nɔj kume nu aki Noacutes comendo aqui
nɔj seskɛse nu fukamu Noacutes nos esquecemos e ficamos
a noti marsquotaɾu tudu Agrave noite mataram tudo
229
eli sego gatildersquono Ele chegou enganou
kotildemiɾu Comeram
eli kotildersquoto soɾatildeni Ele contou chorando
ke j kwi kiɾo Quem que tirou
mi da mi a filu Me daacute meu filho
sɔ u ki karsquopo Soacute um que escapou
kɾirsquoa na kolu Criar no colo
vi de la u motildeti di he ti Veio de laacute um monte de gente
ew tatildebe j gotava
Eu tambeacutem gostava
na kɔba no basu
Na cobra no braccedilo
bisi u Bichinho
kabeseɾa pɛtu Cabeceira perto
mɔɾa pa basu Mora pra baixo
dirsquofisu marsquota Difiacutecil matar
sɔ bisotilde Soacute bichatildeo
ɛ h~undo Eacute fundo
pohku Porco
fɾɛsa Flecha
mi a matildej falaɾu Minha matildee falou
mi a matildej fikaɾu Minha matildee ficaram (ficou)
pɾimi mehmi Primo mesmo
tatɾa paj tambe j Trata pai tambeacutem
mi atilde ihmatilde maj vɛj Minha irmatilde mais velha
tu tia vɛj ta i Tua tia velha ta aiacute
tɾata gwau gwau ahe ti Trata igual igual a gente
230
halu hɛlarsquodo Ralo ralador
basoɾa ipi Vassoura espinho
fakotilde kotaɾu Facatildeo cortaram
hɛla matildersquodʒɔka Rala mandioca
ai dipoj Aiacute depois
ku faki pike nu Com faquinha pequena
hɛla tatildeme j Rela tambeacutem
mi a paj asirsquona Meu pai ensinar
kɔtaɾu kotilde a taba Cortaram com a taacutebua
disaɾu Deixaram
nu kotildepu No campo
la i basu Laacute embaixo
mi a paj nu hipotildedew natildew Meu pai natildeo respondeu natildeo
pesu Peixe
a notu toda A noite toda
baztatildeti poɹku la Bastante porco laacute
u digu vi Um dia que vim
mi atilde matildej kotildekorsquodo Minha matildee quando acordou
mi atilde matildej forsquola Minha matildee foi laacute
kazi gɾatildedi Quase grande
nɔj te j medu dosejzi Noacutes temos medo de vocecircs
bersquozu kumiw Beiju comeu
mohew saɾatildepi Morreu de sarampo
pigu tatildeni Perguntando
na katildepa No campo kahni asadu Carne assada
231
morsquohe tudi a Morrer tudinho
depoj ʃu miɾu Depois sumiram
dimorsquoɾo mujtu Demorou muito
mɔdi tehu Por causa da terra
ja vaj tʃarsquoi Jaacute vai sair
batildedorsquono Abandonou
fike mu arsquoi Ficamos aiacute
aʒe ti ojrsquoo A gente olhou
hatildeka karsquoɾa Arranca caraacute
tʃiɾi ga basi na Seringa para vacina
barsquotʃotilde Batom
nɔj peɾatildenu Noacutes esperando
mi asu rsquoto Me assustou
i odʒi E hoje
be j vimej Bem vermelho
otu di ʃi ma Outro de cima
sersquogo corsquohe Chegou correr
i te di be j Entende bem
mi asursquoto Me assustou
matatildenu nɔjzi Matando noacutes
mi a fila Minha filha
kumiɾu Comeram
azersquota korsquola pɾa eli Ajeitar colar pra ele
sarsquoma eli
Chamar ele
tʃega logu Chega logo
ʃiguɾow di novʊ Segurou de novo
232
dirsquoso firsquoko Deixou ficou
arsquotɛ dɛrsquozoɾa Ateacute dez horas
tʃɔ ɔjrsquoa Soacute olhar
pi gada Espingarda
pɛhtu casueɾu Perto da cachoeira
maj pɛtu Mais perto
ote la Outra laacute
pɛga pesi Pega peixe
oti kazi Outra casa
pɛga milu Pegar milho
depoj tʃumiɾu bɾatildeku Depois sumiu o branco
mi rsquode ɾu Me deram
satildegɾaɾi asi Sangraram assim
bastatildetu Bastante
atildersquoda karsquosatildedu
Andar caccedilando
mi atilde filu Meu filho
nɔj fikatildeni Noacutes ficamos
ki kursquoto Que escutou
sɔ sorsquoɾatildenu Soacute chorando
depoj deli mohidu Depois dele morrer
nu ta vɛj Natildeo taacute velho
ta noj i da Taacute novo ainda
mi atilde matildej ta bii noj i da Minha matildee ta bem nova ainda
pɛrsquoga baʒtatildetu Pegar bastante
ew persquoge Eu peguei
233
mi atilde lsquoho farsquolo Meu avocirc falou
dimuɾatildeni Demorando
tehaɾu la mehmu Enterraram laacute mesmo
mi atilde matildej soɾatildenu Minha matildee chorando
mi atilde imatilde Minha irmatilde
E cursquoɳadi deli Eacute cunhado dele
E fii deli Eacute filho dele
kursquoɳadi deli Cunhado dele
hɔba demaj Rouba demais
ta difisi Ta difiacutecil
eli tʃobɾo Ele sobrou
saɾatildepi persquogo Sarampo pegou
pɾimeɾi morsquohe Primeiro morreu
ew kutej Eu escutei
sarsquoma matildej Chamar matildee
ta dirsquovisi Taacute difiacutecil
mohew ve me nadu Morreu envenenado
ki kɾirsquoari Que criaram
mi atorsquomaɾu Me tomaram
i ew torsquoteɾu E eu solteiro
kazadu kotildersquose Casado com vocecirc
natildew firsquoka diɾetu Natildeo ficar direito
firsquoka kweli Ficar com ele
mersquosenu Mexendo
ta setu Ta certo
234
bɾabu persquoeli Bravo por ele
tasirsquooma komigu Tem ciuacutemes de mim
E gotozu Eacute gostoso
tipu bursquoʒohu Tipo besouro
tʃi rsquodʒeɾu Cinzeiro
na li gi Na liacutengua
bɾatildeku batirsquotaɾu Brancos batizaram
katildedu eɾa novi Quando era novinho
arsquoi tipoj Aiacute depois
karsquoboɾe Acabou-se
tiguɾa na matildew Segura na matildeo
rsquoɛ lsquopɾimɛ lsquodeli Eacute primo dele
asinatildeni Ensinando
ew kersquome Eu queimei
pɾatildersquota maj Plantar mais
ew vo lsquopɾatildeta Eu vou plantar
karsquokwɛ Qualquer
tabaɾava Trabalhava
tubaɾotildeni Tubaratildeo
poɾi pɛɾa Pode esperar
mi ti nu Mentindo
eli sersquogo Ele chegou
atildersquototilde Entatildeo
ta lsquosetu natildew Ta certo natildeo
mesew kotildersquomigu Mexeu comigo
235
ʃersquoga dinote Chegar de noite
lersquova pirsquotaw Levar pro hospital
ta suzu Ta sujo
rsquobahio Bairro
atildebɾarsquosada Abraccedilada
masɛlu babudo Marcelo barbudo
pɾatildeta milu Planta milho
na gɾɛba Na gleba
bɾasadu Abraccedilado
komi he tʃi Comi gente
kɛ azursquoda Quer ajudar
sotildebɾasotilde Assombraccedilatildeo
nu podi atildersquoda Natildeo pode andar
pɛga na tiheɾu Pega no terreiro
kɔviotilde Gaviatildeo
sɔ eli karsquopo Soacute ele escapou
me rsquoto Aumentou
levava uz vɛio Levava os velhos
matildenɛ desaɾu Maneacute deixaram
pusa no kabelu Puxa no cabelo
kabelu ge ti hatildega Cabelo de gente arranca
iɔga ge ti pɾa la Joga gente pra laacute
hu tu Junto
kɛma he ti queima a gente
ki sɔ a oti Que soacute haacute outro
bagas~i Bagacinho
236
tiɾatildeni katildetatildeni Tirando cantando
kɾese ni Crescendo
dirsquoɾetu Direito
febɾu marsquolaɾu Febre malaacuteria
maj sarsquobiw Mais sabia
tiɾaɾu Tiraram
batildei Banho
ipia deli Espirro dele
Korsquodadu mehmo Acordado mesmo di notu De noite
kasu Caccedila
baɾizadu otu Batizado outro
atʃi mi a ihmatilde fala Assim minha irmatilde fala
kotadu Encostado
nu zudia deli natildew Natildeo judia dele natildeo
gɔta maj deli Gosta mais dele
samatildedu otu Chamando outro
mi atilde subɾi Meu sobrinho
mi atilde pohu Meu povo
mi atilde matilde Minha irmatilde
mi atilde muʒka Minha muacutesica
sɔ bɾi ga Soacute brinca
tʃubi nu Subindo
kahega na koʃta Carrega nas costas dese Desse aiacute istu Isto katildersquoba Gambaacute
237
kursquotia Cutia kursquotʃia Cutia
marsquoɾɛlu Amarelo
versquomela versquomelo Vermelha vermelho rsquose Esse
te natildeʊ te natilde Tem natildeo
esersquoki Esse aqui
rsquoɛmarsquokakupɾersquogisi Eacute macaco preguiccedila
morsquosegi Morcego
defersquore ti Diferente
rsquopodƷi Pode
rsquosersquonatilde Sei natildeo
rsquosersquoviw Vocecirc viu
arsquoinrsquoɛgarsquoviatildew Aiacute eacute gaviatildeo
jabutʃi Jabuti
parsquoɾɛsirsquokele Parece aquele
ɛrsquokele Eacute aquele
rsquoessersquote Esse tem
be i natildeu Tambeacutem natildeo
kursquoruja Coruja
pike nu Pequeno
defersquore ti Diferente
rsquokelersquoɛrsquootro Aquele eacute outro
rsquoejarsquobutʃi E jabuti gɾatildersquodatilde grandatildeo rsquomesmu mesmo
rsquomemu Mesmo
ɔrsquoɾɔpa Europa
arsquobeja Abelha
iscɔhpiatildew escorpiatildeo
ewmɔrsquoʎa Eu molhar ~ Eu molho
pirsquodi pedir tasrsquocɾitu Ta escrito
pɛdƷi Pedi (a gente )
Kersquoma queimar
mode nu Mordendo
morsquodemas Mordeu mais rsquonoj rsquodoj Noacutes dois
aʃe ti A gente (noacutes)
rsquopadirsquoze Pra dizer
238
rsquokɔta Corta
ahatildejrsquoo Arranhou
mujrsquoɛ Mulher
ahajrsquoaelig Arranhou orsquosersquomehm Vocecirc mesmo
isrsquopi Espinho
sorsquome Somente
rsquokalo ~karsquolo Calor doi Dois
tatildebe Tambeacutem
ispi rsquogada Espingarda
persquode Perdeu
se rsquotatu Sentado
rsquohe ti Gente
arsquodidu Ardido rsquokoda Corda mərsquota Matar marsquotani matando
rsquoʃɔmarsquota Soacute matar
rsquobisu Bicho rsquoota Outra
patildersquota ~rsquopɾatildeta Plantar
atildersquodatildeni Andando
ve tatildeni Ventando
defersquore ti Diferente
hursquoatildenu Voando vorsquoto Voltou rsquopodirsquoze Pode dizer marsquotaforsquogatilden Matar afogando rsquodaga Da aacutegua (drsquoaacutegua) arsquoɾea Areia
rsquofu da Afunda
rsquokɛlaforsquogo Que ela afogou
mɛgursquola Mergulhar
eʃpɾersquome Espremer
hɛlatilden Ralando (verbo ralar)
mɔrsquolada Amolada
kwatildeni Quando arsquotia Ateia (verbo atear)
239
i pursquoha Empurrar
epursquohej Eu empurrei
pursquoha Empurrar rsquofoti Forte
rsquofosa Forccedila
rsquohapu Raacutepido
ku rsquopɛ Com o peacute
eki pursquohe Eu que empurrei
sirsquonɛlu Chinelo
i pursquohan Empurrando
sɔrsquose Soacute vocecirc
rsquotapursquohanu Taacute empurrando
sɔrsquozi Sozinho
rsquohatildeka Arrancar
rsquosɔhatildersquoka Soacute arrancar
jrsquoahatildersquoke Jaacute arranquei
arsquohatildekui rsquoʃada Arranco com a enxada
rsquopuʃa Puxar cabelo pursquoʃo Puxou pursquoʃe Puxei haʃrsquoto Arrastou haʃrsquote Arrastei
tʃirsquoa Tirar
buʃrsquoca Buscar buʃrsquoke Busquei (eu passado) rsquooto Outra rsquohopa Roupa rsquomemo Mesmo rsquodeʃa Deixa
tirsquoe Tirei
rsquosɛtu Certo
rsquohejtu Jeito iskujrsquoe Escolher rsquotakujrsquoenu Taacute escolhendo ojrsquoan Olhando
tʃumi Sumiu
dimursquoranu Demorando kersquoma Queimar ursquozotu Os outros kersquome Queimei
rsquonɔj Noacutes
rsquopejsi Peixe
Ku rsquome Comer
240
pɾicirsquoza Precisar pɾisirsquozanu Precisando korsquoseɾa Coceira mirsquoƷatilden Mijando atildersquodatildenu Andando
barsquote nu Batendo
i rsquoʃima Encima
rsquokatildem Cama atirsquoɾo Atirou
rsquohaʃarsquole Racha lenha
vɔrsquota Voltar
tursquomatilden Tomando
varsquoɾi Varinha
gɾitrsquoatilden Gritando
fɾɛrsquoga Esfregar
mirsquodi Medir
mi rsquotinu Mentindo
rsquokɔʃka Coacutecega
barsquosi u Baixinho
pɔdirsquoze Pode dizer
pe rsquota Pentear
rsquobatildej Banho rsquomaiƷrsquotadi Mais tarde rsquofoja Folha batildenarsquodo Abanador bursquonitu Bonito
rsquosersquokirsquode Vocecirc que deu
siparsquoradu Separado rsquosatildew Chatildeo
tursquodi Tudinho
karsquoe Cair kersquobɾe Quebrei arsquohatildejorsquose Arranho vocecirc rsquomuja Molha rsquosevi Serve rsquopaj Palha pirsquodi Pedir dersquosa Deixar rsquomoj Molho fɾersquovenu Fervendo pursquolo Pulou
norsquovi Novinho
241
firsquodido Fedido mursquolada Amolada
rsquonɔʃi Nosso
patildersquoneɾu Paneiro motildersquodeli Matildeo dele dursquozotu Dos outros
rsquonɔj Noacutes
rsquopodi Podre firsquodid Fedido dersquota Deitar dersquotadu Deitado cuʃtursquoɾa Costurar
barsquote m Batendo
dersquosa Deixar
rsquofɾɛʃa ~rsquofɾEʃ Flecha
iskersquosidu Esquecido
tatildersquome j Tambeacutem
abersquoli Abelhinha
me rsquodu i Amendoim
pɔrsquodirsquoze Pode dizer
rsquoavi Aacutervore
rsquopesi Peixe
tatursquozi Tatuzinho
rsquovɛja Velha
arsquodea Aldeia
rsquode tu Dentro
rsquohe ti Gente
rsquohadu Raacutedio rsquohejtu Jeito iʃtɾarsquogadu Estragado
rsquode tirsquokaza Dentro de casa
rsquopoku Porco
pihu rsquotatildenu Perguntando
gwahrsquode Guardei firsquogeɾa Figueira
kɔrsquota Cortar
ojrsquoa Olhar
pi dursquoɾa pendurar
mitʃursquoɾa Misturar
rsquofɔtʃi Forte
242
matildersquodƷɔka Mandioca
birsquoƷu Beiju
marsquoɾɛlu Amarelo
atildersquozɔ Anzol
rsquopɛda Pedra
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