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FERNANDO PEREIRA DE ARAÚJO
JULGAMENTO LIMINAR DE IMPROCEDÊNCIA
Considerações acerca do art. 285-A do Código de Processo Civil
Monografia apresentada à Escola Paulista da Magistratura, como exigência parcial para aprovação no 5º Curso de Pós-Graduação ‘Lato Sensu’ – Especialização em Direito Processual Civil
São Paulo
2010
FERNANDO PEREIRA DE ARAÚJO
JULGAMENTO LIMINAR DE IMPROCEDÊNCIA
Considerações acerca do art. 285-A do Código de Processo Civil
Monografia apresentada à Escola Paulista da Magistratura, como exigência parcial para aprovação no 5º Curso de Pós-Graduação ‘Lato Sensu’ – Especialização em Direito Processual Civil
______________________________________
______________________________________
______________________________________
São Paulo
2010
À Eunice.Encanto da minha vida.
Pessoa com quem viverei.
Obrigado, Juliana.Irmã querida e tradutora da família.
RESUMO
Este trabalho destina-se aos estudiosos interessados nos novos rumos do
direito processual civil brasileiro. Seu foco é o art. 285-A do Código de Processo
Civil, regra que introduziu no ordenamento brasileiro o julgamento liminar de
improcedência, ou rejeição imediata da petição inicial.
O trabalho busca mostrar a importância do novo dispositivo, inserindo-o
no contexto das reformas que o Código de Processo Civil vem sofrendo desde os
anos 1990.
Inicia-se com a apresentação do Projeto de Lei nº 4.728/2004 e sua
rápida tramitação e aprovação nas duas Casas do Congresso Nacional. Também se
dá atenção às modificações propostas pelos parlamentares, que resultaram na
redação definitiva da Lei nº 11.277/2006.
Discute-se a importância do princípio constitucional do contraditório e
quais são as implicações da formação da coisa julgada sem a participação do réu.
Conclui-se que o julgamento prima facie de improcedência não causa nenhum
prejuízo à parte contrária.
Também é apresentada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.695-
5, medida tomada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil com o
intuito de extirpar a nova regra do Código de Processo Civil. Busca-se demonstrar
que a ação não deverá obter êxito no Supremo Tribunal Federal, pois o art. 285-A
não ofende nenhum princípio constitucional.
Posteriormente, são analisados os pressupostos de incidência do art.
285-A, a saber: a) matéria controvertida; b) unicamente de direito; c) sentença de
total improcedência em casos idênticos no mesmo juízo. Enfatiza-se que o
entendimento a ser reproduzido na sentença de improcedência deve ser aquele
formado nos Tribunais.
O trabalho também explora as sucessivas fases de reformas do Código
de Processo Civil, visto por parte da doutrina como verdadeira colcha de retalhos.
Faz considerações acerca da necessidade de sua substituição por um novo Código.
É mostrada a redação do art. 317 do Anteprojeto de novo Código, dispositivo que
aprimora a regra atual contida no art. 285-A.
Por fim, analisa-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a
respeito do tema.
PALAVRAS-CHAVES: Julgamento, rejeição, improcedência, liminar, demanda,
inicial, citação, réu.
RESUMEN
Este trabajo está direccionado a los estudiosos interesados en los nuevos
rumbos del derecho procesal civil brasileño. El foco de esta disertación es el Artículo
285-A del Código de Proceso Civil, que ha introducido el juicio de improcedencia
liminar en el sistema legal brasileño, a que también podemos llamar de rechazo
inmediato de la petición inicial.
El trabajo pretende enseñar la importancia del nuevo dispositivo, y
insertarlo em el contexto de reformas que el Código de Proceso Civil sufre desde los
años 1990.
La introducción se hace com la apresentación del Proyecto de Ley nº
4.728/2004 y su rápida tramitación y aprovación em las dos Casas del Congreso
Nacional. Las modificaciones propuestas por los parlamentares también reciben
atención aqui, ya que ellas han resultado em la redacción definitiva de la Ley nº
11.277/2006.
También se dicute aqui la importancia del principio constitucional del
contradictorio y las implicaciones de la formación de la cosa juzgada sin la
participación del reo. Se concluye que el juicio prima facie de improcedencia no
causa ningún daño a la parte contraria.
También es introduccida la Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.695-
5, medida tomada por El Conselho Federal de la Orden de los Abogados de Brasil
con el objetivo de extirpar la nueva regla del Código de Proceso Civil. Buscase
demostrar que la acción no deberá obtener éxito en el Supremo Tribunal Federal, ya
que el artículo 285-A no ofende a ningún principio constitucional.
Posteriormente, serán analisados los presupuestos de la aplicación del
artículo 285-A, que són: a) matéria controvertida, b) unicamente de derecho; c)
sentencia de total improcedencia en casos idénticos en el mismo juicio. El trabajo
enfatiza que el entendimiento a ser reproduzido en la sentencia de improcedencia
deve ser lo que fue formado en los Tribunales.
La disertación también explora las sucesivas etapas de reformas del
Código de Proceso Civil, considerado por parte de la doctrina como una verdadera
colcha de patchwork. Son hechas consideraciones sobre la necesidad de su
sustitución por um nuevo Código. Está enseñada la redacción del artículo 317 del
Anteproyecto del nuevo Código, dispositivo que perfecciona la regla actual que está
en el art. 285-A.
Por fin, se hace un análisis de la jurisprudencia del Superior Tribunal de
Justiça sobre el tema.
SUMÁRIO
Introdução 11
Capítulo 1 Projeto de Lei nº 4.728/2004 12
Capítulo 2 Improcedência sem contraditório 18
2.1. Nova técnica de julgamento sumário 18
2.2. Princípio do contraditório 19
2.3. Coisa julgada em relação processual linear 20
2.4. Ausência de prejuízo para o réu 22
Capítulo 3 A ação direta de inconstitucionalidade nº 3.695-5 23
Capítulo 4 Pressupostos de incidência do art. 285-A 27
4.1. Matéria controvertida 27
4.2. Unicamente de direito 28
4.3. Sentença de total improcedência em casos idênticos
no mesmo juízo
29
Capítulo 5 A apelação do autor 34
Capítulo 6 A rejeição liminar da demanda no Anteprojeto do Código de
Processo Civil
37
6.1. Reformas do Código de Processo Civil 37
6.2. Um novo Código de Processo Civil 39
6.3. Redação do art. 317 do Anteprojeto 40
Capítulo 7 Jurisprudência envolvendo o art. 285-A no Superior Tribunal
de Justiça
42
7.1. Recurso Especial nº 780.825/RS 42
7.2. Recurso Especial nº 972.973/RS 44
7.3. Recurso Especial nº 976.143/RS 46
7.4. Recurso Especial nº 984.552/RS 46
7.5. Recurso Especial nº 1.110.549/RS 48
7.6. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº
31.585/PR
52
Conclusão 53
Bibliografia 54
INTRODUÇÃO
O intérprete do direito, em especial aquele que lida com o direito
processual civil, tem como condição de sobrevivência a capacidade de compreender
e criticar as novas regras que se lhe são apresentadas pelo legislador.
Uma das que despertou maior discórdia na comunidade jurídica foi aquela
introduzida no ordenamento por meio da Lei nº 11.277/2006. O art. 285-A foi
recebido com alguma perplexidade por alterar paradigmas desde sempre instalados
nas mentes dos profissionais do direito. Afinal, o dispositivo permite, de forma
inédita, que o magistrado analise a questão de direito e rejeite liminarmente a
petição inicial sem a participação do réu.
Neste trabalhou buscou-se afastar algumas dúvidas que rondam a nova
técnica de julgamento sumário, como aquelas suscitadas pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil em relação à sua constitucionalidade. Também são
apresentadas as formas como a doutrina interpreta o dispositivo, de modo a se
tornar eficaz naquilo a que se propõe: debelar processos repetitivos sem ofender a
segurança jurídica, pressuposto do Estado Democrático de Direito.
Assim, resta saudar, com algumas ressalvas, como se verá a seguir, a
nova técnica de aceleração da prestação jurisdicional, cujo escopo maior, sem
dúvida, é a efetivação da garantia constitucional da razoável duração do processo.
1. PROJETO DE LEI Nº 4.728/2004
O dispositivo legal que se irá analisar ao longo deste trabalho tem como
origem o Projeto de Lei nº 4.728/2004, de autoria do Poder Executivo, apresentado à
Câmara dos Deputados em 27/12/2004.
O acréscimo do art. 285-A ao Código de Processo Civil foi proposto pela
Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça1, sem a participação do
Instituto Brasileiro de Direito Processual. O Projeto integrou o pacote legislativo do
Primeiro Pacto Republicano assinado pelos presidentes dos três Poderes da
República em 20042.
Por se tratar de verdadeiro registro das preocupações daquele período e
exprimir os valores que a regra pretende prestigiar, vale a leitura da exposição de
motivos do Projeto de Lei nº 4.728/2004, elaborada pelo então Ministro da Justiça,
Marcio Thomaz Bastos, em mensagem ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula
da Silva:
“Brasília, 19 de novembro de 2004Excelentíssimo Senhor Presidente da República,Submeto à consideração de Vossa Excelência o anexo projeto de lei que “Acresce o art. 285-A à Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 -
1 “A Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça foi criada com o objetivo de promover, coordenar, sistematizar e angariar propostas referentes à reforma do Judiciário. Tem como papel principal ser um órgão de articulação entre o Executivo, o Judiciário, o Legislativo, o Ministério Público, governos estaduais, entidades da sociedade civil e organismos internacionais com o objetivo de propor e difundir ações e projetos de aperfeiçoamento do Poder Judiciário. Esta articulação acontece em relação a propostas de modernização da gestão do Judiciário e em relação à reforma constitucional e outras alterações legislativas em tramitação no Congresso Nacional.”: Informação institucional disponível em http://www.mj.gov.br
2 “O 1º Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo, assinado pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em 2004, trouxe medidas que culminaram em reformas processuais e atualização de normas legais. Dos 32 projetos que constavam na lista, vinte e quatro foram transformados em leis e um já foi enviado para sanção do Presidente da República. Outros 15 ainda se encontram em tramitação na Câmara e no Senado e apenas dois foram arquivados.Os 11 compromissos fundamentais firmados à época tinham como principal preocupação combater a morosidade dos processos judiciais e prevenir a multiplicação de demandas em torno do mesmo tema. As reformas eram reclamadas por toda a comunidade jurídica, que desejava regras capazes de agilizar e simplificar os julgamentos, sem prejuízo das garantias individuais.”:Notícia publicada em 20/04/2009 no site do Supremo Tribunal Federal: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=106429
Código de Processo Civil, relativo à racionalização do julgamento de processos repetitivo”.2. Sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da Justiça, faz-se necessária a alteração do sistema processual brasileiro com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa.3. De há muito surgem propostas e sugestões, nos mais variados âmbitos e setores, de reforma do processo civil. Manifestações de entidades representativas, como o Instituto Brasileiro de Direito Processual, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juizes Federais do Brasil, de órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio Poder Executivo são acordes em afirmar a necessidade de alteração de dispositivos do Código de Processo Civil e da lei de juizados especiais, para conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade que atualmente caracteriza a atividade em questão.4. A proposta vai nesse sentido ao criar mecanismo que permite ao juiz, nos casos de processos repetitivos, em que a matéria controvertida for unicamente de direito, e no juízo já houver sentença de total improcedência, dispensar a citação e proferir decisão reproduzindo a anteriormente prolatada.5. A sugestão encontra-se acorde com os preceitos que orientam a política legislativa de reforma infra-constitucional do processo, ressaltando que a proposta resguarda o direito do autor apelar da decisão, possibilitando, ainda, a cassação da mesma pelo juiz, e o prosseguimento da demanda em primeira instância.6. Estas, Senhor Presidente, as razões que me levam a submeter a anexa proposta ao elevado descortino de Vossa Excelência, acreditando que, se aceita, estará contribuindo para a efetivação das medidas que se fazem necessárias para conferir celeridade ao ritos do processo civil.Respeitosamente,Marcio Thomaz Bastos”
A ideologia que norteou esse Projeto de Lei e as demais reformas do
Código de Processo Civil pode ser facilmente compreendida a partir de conceitos
como “racionalidade”, “celeridade” e “eficiência”, tudo de acordo com as “diretrizes
estabelecidas para a reforma da Justiça”, em oposição à “morosidade” na tramitação
dos feitos.
A redação primitiva da regra no Projeto era a seguinte:
“Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito, em processos repetitivos e sem qualquer singularidade, e no juízo já houver sentença de total improcedência em caso análogo, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença reproduzindo a anteriormente prolatada.§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz, no prazo de cinco dias, cassar a sentença e determinar o prosseguimento da demanda.
§ 2º Caso mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.”
Em 27/12/2004, o Projeto de Lei nº 4.728/2004 foi apresentado pelo
Poder Executivo ao Plenário da Câmara dos Deputados, onde tramitou em regime
de prioridade.
Em 04/02/2005, a Mesa Diretora daquela Casa determinou seu
encaminhamento à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) para
que discutisse e votasse a constitucionalidade e a juridicidade da matéria, nos
termos dos arts. 24, II3, e 544 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados
(RICD).
Já no âmbito da CCJC, em 11/03/2005, o Deputado Federal Roberto
Magalhães (PFL/PE) apresentou emenda supressiva para o fim de retirar da
proposição a expressão: “em processos repetitivos e sem qualquer singularidade”.
Segundo sua justificativa, a finalidade da emenda foi
“tornar o dispositivo a ser incluído mais claro e objetivo, sem que haja ofensa, conforme original, à realidade fática. A singularidade exigida é inviável, pois em algum ponto os processos serão diferenciados, como por exemplo, na diferenciação das partes, valores, etc.”
Em 17/06/2005, o Deputado Relator João Almeida (PSDB-BA) deu
parecer favorável à constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa do Projeto,
3 Art. 24. Às Comissões Permanentes, em razão da matéria de sua competência, e às demais Comissões, no que lhes for aplicável, cabe:II - discutir e votar projetos de lei, dispensada a competência do Plenário, salvo o disposto no § 2º do art. 132 e excetuados os projetos:a) de lei complementar;b) de código;c) de iniciativa popular;d) de Comissão;e) relativos a matéria que não possa ser objeto de delegação, consoante o § 1º do art. 68 da Constituição Federal;f) oriundos do Senado, ou por ele emendados, que tenham sido aprovados pelo Plenário de qualquer das Casas;g) que tenham recebido pareceres divergentes;h) em regime de urgência;4 Art. 54. Será terminativo o parecer:I - da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, quanto à constitucionalidade ou juridicidade da matéria;II - da Comissão de Finanças e Tributação, sobre a adequação financeira ou orçamentária da proposição;III - da Comissão Especial referida no art. 34, II, acerca de ambas as preliminares.
mas sugeriu, em substitutivo, a alteração do texto da proposição para substituir o
verbo “cassar” pela expressão “decidir por não manter”. Isso porque considerou que
a palavra extirpada é “bastante repudiada por seu cunho autoritário”. Também
asseverou que sua sugestão, que acabou por se incorporar definitivamente ao § 1º
do dispositivo, tinha como intuito conferir-lhe “mais clareza e objetividade e evitar
interpretações que não se coadunem com os propósitos que orientaram a sua
apresentação.”
A expressão “caso análogo”, constante do texto original, foi substituída
por “outros casos idênticos”.
Em 10/08/2005, o substitutivo foi aprovado por todos os integrantes da
CCJC, exceto pelo Deputado Darci Coelho (PP-TO), único parlamentar a enxergar
vícios quanto aos aspectos de constitucionalidade e juridicidade do Projeto.
Por adiantar discussão acerca das questões controvertidas do art. 285-A,
de rigor a transcrição de parte de seu voto divergente, publicado no Diário da
Câmara dos Deputados em 17/08/2005:
“Quer-se estabelecer em seu texto um mecanismo semelhante ao da tão propalada súmula vinculante, com a diferença, porém, de já se a prever para aplicação pelo juiz competente para o exercício da jurisdição em primeiro grau. A sua adoção feriria gravemente o princípio geral de direito processual da garantia do duplo grau de jurisdição, eis que estabeleceria a possibilidade de se suprimir o primeiro grau da jurisdição, à medida que se autoriza o juiz a proferir sentença apenas reproduzindo o teor de outra anteriormente prolatada no juízo.Além disso, vislumbra-se, no conteúdo da proposição em comento, ofensa também aos princípios e normas gerais que regem a coisa julgada formal, tendo em vista que se pretende permitir ao juiz do primeiro grau de jurisdição a prolação de sentença terminativa em duas oportunidades, quais sejam, no momento anterior à citação da parte contrária e posteriormente à prática de tal ato, se então houver apelação e se decidir não a manter e dar prosseguimento normal ao feito.Há afronta ainda aos princípios constitucionais da garantia da ampla defesa e do contraditório, no âmbito do mencionado projeto de lei. Isto porque se facultaria ao juiz dispensar a citação da parte contrária e, como se deve saber, tal ato constitui, na sistemática adotada pelo nosso direito processual, requisito essencial e indispensável para a regular defesa do réu.”
Diante do decurso in albis do prazo para interposição do recurso previsto
no art. 58, § 1º5, do RICD e no art. 58, § 2º, I6, da Constituição Federal, a Mesa
Diretora encaminhou o Projeto à CCJC para elaboração da redação final, nos termos
dos arts. 58, § 4º7, e 24, II, do RICD.
O texto definitivo do que veio a se tornar a Lei nº 11.277/2006 foi
apresentado pelo Deputado Relator Roberto Magalhães em 14/09/2005 e aprovado
por unanimidade pela CCJC em 29/09/2005.
Então, em 14/10/2005, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados
remeteu o Projeto ao Senado Federal, onde foi identificado como Projeto de Lei da
Câmara nº 101 de 2005 e teve a redação alterada para se substituir “demanda” por
“ação”.
Na CCJC do Senado Federal, o Projeto foi distribuído ao Senador Aloizio
Mercadante (PT-SP), que, em 18/01/2006, emitiu parecer favorável à sua
aprovação, de acordo com os seguintes fundamentos.
“Quanto à constitucionalidade, a proposta não apresenta qualquer vício, uma vez que é de competência privativa da União legislar sobre direito processual civil, legítima a iniciativa e adequada a elaboração de lei ordinária (arts. 22, I, 48 e 61, caput, da Constituição Federal).Não há tampouco qualquer obstáculo no que tange à juridicidade do Projeto, restando observados os princípios do nosso ordenamento jurídico. Por sua vez, a técnica legislativa empregada no Projeto de Lei em exame encontra-se adequada aos ditames da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998.No mérito, a proposta tem o condão de racionalizar a atividade jurisdicional, pois confere aos magistrados poderes necessários para decidir de forma rápida e definitiva os conflitos repetitivos, desde que os mesmos envolvam matéria exclusivamente de direito, sobre a qual já exista entendimento consolidado no mesmo juízo. Dessa forma, o Projeto desonerará as partes injustamente demandadas e também a estrutura do próprio Poder Judiciário.
5 Art. 58. Encerrada a apreciação conclusiva da matéria, a proposição e respectivos pareceres serão mandados a publicação e remetidos à Mesa até a sessão subseqüente, para serem anunciados na Ordem do Dia.§ 1º Dentro de cinco sessões da publicação referida no caput, poderá ser apresentado o recurso de que trata o art. 58, § 2º, I, da Constituição Federal.6 Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.§ 2º - às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa;7 § 4º Fluído o prazo sem interposição de recurso, ou improvido este, a matéria será enviada à redação final ou arquivada, conforme o caso.
A alteração proposta não prejudica as garantias processuais das partes envolvidas, uma vez que apenas antecipa o momento de prolação da sentença, tendo em vista a possibilidade do magistrado antever, com elevado grau de certeza, o desfecho da demanda e evitar a prática de uma série de atos processuais, os quais mostram-se desnecessários frente à total improcedência da matéria veiculada na ação.A demanda fundada em controvérsia exclusivamente de direito é baseada apenas em dispositivos normativos ou jurisprudenciais, não exigindo o desenvolvimento de instrução probatória para sua solução. Assim, este tipo de demanda, cuja improcedência seja manifesta e pacificada no Tribunal, não depende de qualquer ato processual prévio para ser julgada, sendo possível decidi-la logo após a distribuição.Assim, os casos tratados pelo projeto prescindem da manifestação do réupara ser decidida, uma vez que os elementos contidos na petição inicial, por si só, já são suficientes para fundamentar o julgamento definitivo da lide. Com isso, além de deixar de ser citado desnecessariamente, o réu deixará de arcar com os ônus da defesa judicial em demanda manifestamente improcedente.Nesse sentido, a proposta insere em nosso ordenamento mecanismos que permitem aos magistrados realizarem o julgamento das referidas ações sem a necessidade de citação do réu, o que não prejudicará o autor - pois será apenas uma antecipação do resultado que seria obtido ao final da demanda e este não perde os direitos recursais que possui - e também não prejudicará o réu - pois a sentença de improcedência não terá efeitos na sua esfera jurídica - demonstrando a compatibilidade da proposta com as garantias processuais previstas em nosso ordenamento.”
Após a aprovação do Projeto da CCJC do Senado, a Lei nº 11.277
finalmente foi sancionada pelo Presidente da República em 07/02/2006 e publicada
um dia depois no Diário Oficial da União. De acordo com seu artigo 3º, a entrada em
vigor ocorreu 90 dias após a data de sua publicação.
O texto definitivo do art. 285-A do Código de Processo Civil acabou sendo
o seguinte:
“Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.”
2. IMPROCEDÊNCIA SEM CONTRADITÓRIO
2.1. NOVA TÉCNICA DE JULGAMENTO SUMÁRIO
O art. 285-A não é o primeiro caso em que o Código de Processo Civil
admite a possibilidade de um julgamento imediato de rejeição do pedido. “Já
constava do art. 295, inc. IV, do Código de Processo Civil, desde sua promulgação,
a previsão de que a petição inicial seria indeferida quando o juiz verificasse, desde
logo, a decadência ou a prescrição.”8 É que, nos termos do art. 269, IV, o legislador
determinou serem de mérito essas matérias, acolhendo lição de Liebman9.
Ocorre que a decretação da prescrição ou da decadência “não reclamava
maior pesquisa de fato, resumindo-se a uma questão de direito, constatável após
simples operação aritmética de contagem do tempo de inércia do titular do direito
afetado pela causa extintiva.”10
Já o art. 285-A do Código de Processo Civil inovou ao permitir o
pronunciamento sobre a questão de fundo sem a participação do réu. Essa nova
técnica de julgamento sumário causou desconforto àqueles que defendem a
manutenção do sistema processual brasileiro tal como fora instituído em 1973.
De fato, à primeira vista, a regra parece atingir o próprio conceito de
processo, que é
8 THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 149 Prescrição e decadência “atingem o mérito, consolidam definitivamente uma situação de direito substancial e tornam improcedente o pedido que foi formulado pelo autor. Tanto basta para poder-se afirmar que dão lugar a questões compreendidas no mérito e não podem ser examinadas no despacho saneador. É verdade que, entre as questões da lide, a prescrição e a decadência deverão ser examinadas em primeiro lugar, porque, se subsistentes, tornam inútil qualquer outra investigação. Mas esse caráter preliminar compete-lhes dentro da órbita da lide, considerada em seu sentido próprio e restrito, como matéria a ser decidida na sentença final, que será proferida depois de realizada a audiência de instrução e julgamento. LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras-SP: Bestbook, 2001, p. 114.10 THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 14
“o procedimento realizado mediante o desenvolvimento da relação entre seus sujeitos, presente o contraditório. Ao garantir a observância do contraditório a todos os ‘litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral’, está a Constituição (art. 5º, inc. LV) formulando a solene exigência política de que a preparação de sentenças e demais provimentos estatais se faça mediante o desenvolvimento da relação jurídica processual.” 11
2.2. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Não se duvida da imprescindibilidade do contraditório, princípio que, junto
com a ampla defesa, é corolário do devido processo legal.
“O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal) .”12
“O contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.” 13
Tanto o direito de ação como o direito de defesa são manifestações do
princípio do contraditório.
“A garantia do contraditório compreende para o autor a possibilidade de poder deduzir ação em juízo, alegar e provar fatos constitutivos
11 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 285.
12 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 257.
13 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 258.
de seu direito e, quanto ao réu, ser informado sobre a existência e conteúdo do processo e poder reagir, isto é, fazer-se ouvir. Para tanto, é preciso dar as mesmas oportunidades para as partes (Chancengleichheit) e os mesmos instrumentos processuais (Waffengleichheit) para que possam fazer valer em juízo os seus direitos.”14
Tamanha é a importância do princípio constitucional do contraditório que
parte da doutrina considera a existência da citação um pressuposto processual
objetivo intrínseco15. Cabe lembrar que os pressupostos processuais e as condições
da ação formam categoria mais ampla denominada “pressupostos de
admissibilidade de julgamento de mérito” ou “requisitos de admissibilidade do
provimento jurisdicional”.
No processo de conhecimento, a sentença de mérito só poderá ser dada
(não importando ainda se favorável ou desfavorável) se estiverem presentes esses
requisitos gerais16.
2.3. COISA JULGADA EM RELAÇÃO PROCESSUAL LINEAR
Embora a sentença de mérito exija o preenchimento dos pressupostos
processuais, o art. 285-A faculta ao magistrado negar a pretensão deduzida pelo
demandante mesmo sem se ter formado a relação jurídica processual triangular,
cujos integrantes são autor, Estado e réu. Em outras palavras, o dispositivo em
análise possibilita o julgamento de mérito e a consequente formação da coisa
14 NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 145.
15 Também seria pressuposto processual objetivo intrínseco a regularidade procedimental. A ausência de impedimentos como coisa julgada, litispendência e compromisso arbitral seria pressuposto objetivo extrínseco. Os pressupostos subjetivos em relação ao juiz seriam investidura, competência e imparcialidade. Em relação às partes seriam capacidade de ser parte, capacidade de estar em juízo e capacidade postulatória.
16 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 289.
julgada material17 a partir de uma relação processual meramente linear, entre autor e
Estado, haja vista a dispensa de citação do réu. Assim, a regra causa verdadeiro
rompimento do sistema processual tradicional.
Fundamental observar que
“em razão do referido artigo, os efeitos projetados para fora do processo, sujeitos à imutabilidade decorrente da coisa julgada material, poderão atingir a esfera jurídica do réu – ressalve-se desde já que apenas positivamente, para favorecê-lo –, sem que este sequer tenha sido chamado a comparecer ao processo: bastará para tanto que o autor não apele da sentença proferida nos moldes do artigo 285-A. Introduziu-se no Código, portanto, a possibilidade de o réu ausente, receber tutela jurisdicional plena18, como conseqüência do julgamento de plano de total improcedência do pedido do autor.”19
2.4. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O RÉU
17 Nelson Nery Junior e Rosa Nery afirmam que o julgamento de improcedência previsto no art. 285-A gera apenas coisa julgada formal, dada a ausência de citação do réu: “A situação expressa na norma comentada é assemelhada àquela do indeferimento da petição inicial (CPC 295). A citação é elemento de existência do processo (CPC 267 IV), caracterizado como relação jurídica trilateral (autor-réu-juiz). Sem a citação o processo, quanto ao réu, ainda não existe. No entanto, mesmo sem a citação do réu, pode haver processo, consubstanciado em relação bilateral (autor-juiz). Entretanto, sem a integração do réu pela citação não há litígio (CPC 219 caput), de modo que se o juiz julgar o pedido improcedente e não houver recurso, a sentença faz coisa julgada formal, mas não material. Ademais, o CPC 472 determina a vinculação da coisa julgada às partes. Se o réu não tiver sido citado não haverá partes e, consequentemente, não haverá coisa julgada, nem para o autor. Neste caso o autor pode repropor a mesma ação. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 580.18 “Assentado que tutela jurisdicional plena será outorgada sempre àquele dos litigantes que tiver razão segundo os ditames do direito substancial, segue-se que a tutela ministrada ao réu em caso de improcedência da demanda do autor consiste em aliviá-lo da pretensão deste. A sentença de improcedência da demanda do autor tem sempre o mesmo teor de uma sentença que julgasse procedente ação meramente declaratória movida por ele, réu. Como é notório, a sentença que rejeita a demanda do autor, negando-lhe a tutela pretendida, tem sempre natureza declaratória e declara sempre algo a favor do réu: ou a existência da relação jurídica que o autor pedira que fosse declarada inexistente (na improcedência da ação declaratória negativa), ou a inexistência de qualquer direito ou relação jurídica entre as partes (na improcedência de todas as demais ações). Ocorrendo a coisa julgada material, será definitivo o afastamento da pretensão do autor, tanto quanto são definitivos os efeitos da sentença irrecorrível que acolha a demanda do autor” (Cândido Rangel Dinamarco. Tutela jurisdicional. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo: Malheiros, 2001. v. II, p. 828-829).19 BRESOLIN, Umberto Bara. Reflexões sobre a reforma do código de processo civil. (Coord. Carlos Alberto Carmona). São Paulo: Atlas, 2007, p. 384.
Ainda a respeito da necessidade de citação do réu, válido o ensinamento
de Enrico Tullio Liebman:
“Primeiro e fundamental requisito para a existência de um processo sempre foi, é, e sempre será, a citação do réu, para que possa ser ouvido em defesas. Audiatur et altera pars. É com a citação que se instaura o processo. Sem esse ato essencial não há verdadeiramente processo, nem pode valer a sentença que vai ser proferida. Um cidadão não pode ser posto em face de uma sentença que o condena quando não teve oportunidade de se defender. Sempre foi assim e façamos votos para que sempre assim seja.” 20
De fato, o caput do art. 214 do Código de Processo Civil afirma que a
citação inicial do réu é indispensável para a validade do processo.
Cabe observar que Liebman volta suas preocupações apenas para o
perigo de condenação de alguém que foi privado de defesa. Porém, não trata da
possibilidade de julgamento de improcedência sem a oitiva do réu. Obviamente,
nessa hipótese não há motivo para aflição, dada a ausência de prejuízo para quem
foi processado, mas não foi condenado.
Isso porque,
“Se o pedido do autor é rejeitado liminarmente e o decisório transita em julgado, nenhum prejuízo terá suportado o demandado, diante da proclamação judicial de inexistência do direito subjetivo que contra este pretendeu exercitar o demandante. Somente como vantajosa deve ser vista, para o réu, a definitiva declaração de certeza negativa pronunciada contra o autor.”21
Dessa forma, o princípio do contraditório não é um fim em si mesmo, ou
seja, não pode ser imposto quando é inútil, como é o caso do art. 285-A, sob pena
de tornar desnecessariamente custosa a marcha do processo, em prejuízo da
efetividade.
20 Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras-SP: Bestbook, 2001, p. 141.
21 THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 18
3. A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3.695-5
O art. 285-A do Código de Processo Civil prestigia a celeridade ao
encerrar abruptamente o processo após a distribuição, sem prever sequer a
intimação da parte contrária para se manifestar ou ao menos tomar ciência da
demanda que lhe foi movida.
Como era de se esperar, essa pontual subversão do sistema processual
tradicional atingiu diretamente a classe dos advogados, profissionais que não são
mais necessários para responder a teses já repetidamente repelidas no juízo em que
proposta a ação.
Com isso, criou-se o risco de milhares de processos que discutem uma
mesma questão de direito serem decididos sem a contratação de um defensor, o
que, por óbvio, fere interesses corporativos.
Sintomaticamente, foi o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil quem bateu às portas do Supremo Tribunal Federal para questionar a
constitucionalidade da nova regra. Assim, em 29/03/2006 foi ajuizada a Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 3.695-5.
A despeito dos interesses que conduziram ao ajuizamento da ADIN, os
argumentos utilizados pelo Conselho Federal da OAB merecem discussão, pois
evidenciam a falta de técnica do legislador e orientam a forma como o dispositivo
deve ser interpretado. Porém, decididamente, não são suficientes para que o
Supremo venha a declarar a lei inconstitucional.
Segundo a petição inicial da ADIN, “a possibilidade de dispensa da
apresentação de defesa e a reprodução de sentença em outro feito prolatada
(sentença emprestada), está a macular o art. 5º, caput, com os incisos XXXV, LIV e
LV da Constituição Federal.”22
Para sustentar a tese de que a norma afronta a isonomia, afirma-se que,
22 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
“na administração do aparelho judiciário, juízes dispõem-se em varas diversas, havendo, em algumas, além do titular, um substituto auxiliar. Muitas vezes, varas permanecem sem titular por longos períodos, havendo sucessivos juízes substitutos que por elas passam em períodos nem sempre longos. Proferem os juízes, por outro lado, sentenças aos milhares, cuja publicidade restringe-se, de fato, aos litigantes dos feitos nos quais são proferidas, uma vez que, como regra, não são publicadas na íntegra, nem se encontram disponíveis nos meios ordinários de pesquisa de jurisprudência. A norma atacada permite a utilização de sentença prolatada em outro processo, no mesmo juízo, para dar fim a processo proposto posteriormente. Institui entre nós uma sentença vinculante, impeditiva do curso do processo em primeiro grau. Ante a diversidade de juízes e varas, o diploma normativo permite que os processos debatendo o mesmo tema, mas distribuídos a diferentes magistrados, tenham curso normal ou abreviado, conforme tenha sido proferida ou não sentença relativa ao mesmo assunto no juízo. Quebra, desse modo, o princípio da isonomia.”
Entretanto, a utilização de sentença prolatada em outro processo em
nada ofende a isonomia. Isso porque a sentença emprestada será fruto do
entendimento reiterado do magistrado acerca de uma determinada questão de
direito. Para que seja reproduzido em casos análogos, esse entendimento deve ser
consolidado após vasta discussão acerca da matéria.
Dessa forma,
“para legitimar a aplicação da nova regra incorporada ao Código de Processo Civil, faz-se mister que, antes da fixação do ‘paradigma’ ou do ‘precedente’, que autorizará o proferimento da sentença de rejeição liminar da petição inicial, haja, na medida do possível – e cada caso será um caso –, a mais ampla e exauriente discussão sobre o tema. Fere o princípio do devido processo legal e do acesso à Justiça pensar diferentemente. Enquanto houver argumentos que pareçam, para quem os argúi, relevantes e pertinentes para levar o magistrado a decisão diversa daquela que lhe serve para proferir as decisões de rejeição liminar, é fundamental que o art. 285-A não seja aplicado. Sua aplicação escorreita, portanto, em perfeita harmonia com o ‘princípio constitucional do processo’, pressupõe que as teses jurídicas favoráveis e contrárias a um determinado ponto de vista sejam exaustivamente abordadas, enfrentadas e discutidas em juízo. Até porque, pelo sistema processual civil, a possibilidade de debate a posteriori da questão é apequenada não só pelo que é possível extrair da letra do art. 285-A mas também porque a apelação interposta da sentença que o aplicar nem sequer terá revisão (art. 551, § 3º).”23
23 BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil, volume 2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280, de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 64/65.
Cássio Scarpinella Bueno24 chega a propor que, antes da fixação do
paradigma, o “juízo” deve fazer publicar editais de convocação de entes
representativos da sociedade civil organizada e dos interesses específicos das
pessoas estatais e governamentais para que apresentem, perante seu juízo, as
teses favoráveis ou contrárias sobre a específica questão jurídica sub judice. Por
serem essenciais à função jurisdicional do Estado, conforme os arts. 127 e 133 da
Constituição Federal, também sugere que sejam oficiados o Ministério Público e a
Ordem dos Advogados do Brasil para que possam, querendo, levar ao “juízo” uma
proposta de solução para aquela tese jurídica.
Apesar das severas críticas feitas pela Ordem, a demora no deslinde da
Ação Direta de Inconstitucionalidade somente favorece a sedimentação do art. 285-
A entre os profissionais do direito.
Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região:
“Estando pendente de julgamento da ADI n. 3.695, em que foi argüida a tese de inconstitucionalidade de tal preceito legal, sem que tenha sido concedida qualquer medida de amparo à pretensão deduzida pela OAB, a presunção de constitucionalidade da lei (...) permite reconhecer legítimo o julgamento liminar que se proferiu na instância de origem.”(Apelação em Mandado de Segurança nº 304.507, 3ª Turma, Relator: Desembargador Carlos Muta, j. 12.6.2008, maioria).
“Cumpre esclarecer que a Lei n. 11.277/2006, que acrescentou o art. 285-A ao ordenamento processual pátrio, está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal por intermédio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.695, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Distribuída em 29.3.2006, a ADI em comento recebeu, em 5.7.2006, parecer da Procuradoria Geral da República, no sentido da improcedência do pedido da OAB, sendo que até o momento não há decisão a respeito por parte daquela Suprema Corte. Portanto, mantém-se imaculado o dispositivo legal em análise, não havendo razão para questionar a sua aplicabilidade.”(Apelação Cível nº 1239616, 3ª Turma, Relator: Desembargadora Cecília Marcondes, j. 14.2.2008, v.u.).
24 BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil, volume 2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280, de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 65/66.
4. PRESSUPOSTOS DE INCIDÊNCIA DO ART. 285-A
4.1. MATÉRIA CONTROVERTIDA
A utilização do termo “matéria controvertida” não conta com a simpatia de
boa parte da doutrina. Isso porque, diante da falta de citação e contestação, não
seria de boa técnica se falar em “controvérsia”: “a controvérsia nasce ao ensejo da
contestação, oportunidade em que o réu deve alegar toda a matéria útil à sua
defesa, por força do princípio da eventualidade”25
Assim, unicamente de direito seria a matéria deduzida na petição inicial
como causa de pedir.
Em razão da falta de citação, o julgamento previsto no art. 285-A ocorre
sem que se torne litigiosa a coisa, nos termos do art. 219, caput, do Código de
Processo Civil. Como somente a citação gera situação processual de existência de
“matéria controvertida”, a norma realmente padece de falta de técnica ao se valer
dessa expressão. Assim, na norma comentada, “onde está escrito ‘matéria
controvertida’ deve-se ler ‘pretensão que já tenha sido controvertida em outro
processo julgada improcedente pelo mesmo juízo’.”26
Entretanto, há quem considere as críticas exageradas, pois
“o fato de não ter havido citação e contestação não autoriza, por si, a conclusão de que não tenha se formado, no âmbito do direito material e em caráter pré-processual, uma controvérsia jurídica entre as partes. Aliás, se existir evidência, verificável de plano, de que não haja controvérsia pré-processual estabelecida entre as partes, o caso é de manifesta ausência de interesse de agir, o que impõe ao juiz, antes mesmo de chegar à fase do art. 285-A, do Código de Processo Civil, o indeferimento da petição inicial (art. 295, III, do Código) e conseqüente extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267, I, do Código).”27
25 LOPES, João Batista. Ação declaratória. 5ª ed. Coleção Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman, volume 10, São Paulo: RT, 2002, p. 135.26 NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 580.
27 JACOB, Luiz Guilherme de Almeida Ribeiro; SALVADOR, Antonio Raphael Silva. Notas ao art. 285-A, do Código de Processo Civil in Direito Processual Civil – Alterações do Código de Processo Civil. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p. 207.
4.2. UNICAMENTE DE DIREITO
Não é pacífico o emprego das expressões “matéria unicamente de direito”
ou “matéria exclusivamente de direito”.
Sua utilização no Código de Processo Civil não é nova. O art. 330, I,
prevê que o juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença quando a
questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não
houver necessidade de produzir prova em audiência. Já o art. 515, § 3º, dispõe que
nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal
pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e
estiver em condições de imediato julgamento.
A polêmica reside na inexistência de ação que envolva puramente, tão-
somente, questão de direito. Por trás dela sempre haverá algum fato.
Por isso, nesses três casos
“não há, propriamente, uma questão, unicamente de direito no sentido que consta da regra aqui comentada. Ela, a questão, é, no máximo, predominantemente de direito porque a mera existência de um autor, de um réu e de um substrato fático que reclama a incidência de uma norma jurídica já é suficiente para que haja questão de fato no caso concreto. Mas, e aqui reside o que releva para compreensão do art. 285-A, esta questão de fato é alheia a qualquer questionamento, a qualquer dúvida, ela é padronizada ou, quando menos, padronizável; ela, a situação de fato, não traz, em si, maiores questionamentos quanto à sua existência, seus contornos e seus limites. O que predomina, assim, é saber qual o direito aplicável sobre aqueles fatos que não geram dúvidas, que não geram controvérsia entre as partes e perante o juiz.”28
A regra prevista no art. 285-A será aplicável se, mesmo supondo
verdadeiros os fatos narrados na inicial (ou mesmo que haja prova documental de
sua ocorrência), “no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência
em outros casos idênticos”. Assim, é o fundamento jurídico da pretensão do autor o
28 BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil, volume 2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280, de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 68.
fator determinante para o julgamento liminar de improcedência ou o prosseguimento
da demanda, com a citação do réu para oferecer defesa.
É evidente a relação entre os arts. 285-A e 330:
“Ambos os institutos se apresentam como técnicas de abreviação do procedimento em prol da celeridade processual: o julgamento antecipado é juridicamente possível desde que manifestamente desnecessária a instrução, dada a condição de suficiência probatória; o julgamento antecipadíssimo é juridicamente possível desde que manifestamente desnecessária a apresentação da defesa, posto que, ainda tomando-se por verdadeiros os fatos alegados pelo autor, a solução jurídica não lhe favoreceria.”29
4.3. SENTENÇA DE TOTAL IMPROCEDÊNCIA EM CASOS IDÊNTICOS NO
MESMO JUÍZO
Mais uma vez fica visível a falta de técnica do legislador. Porém, desta
vez o problema não se restringe a questões meramente semânticas.
Exigir que o art. 285-A somente seja aplicado quando “no juízo já houver
sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos” significa,
a um só tempo, conceder poder excessivo a um único magistrado e desprezar a
importância da jurisprudência formada nos tribunais superiores.
Antes de abordar esses pontos, faz-se necessário um olhar sobre o
alcance de “improcedência em outros casos idênticos”:
“Para fins do art. 285-A, o que interessa é a existência de elementos para a total improcedência da demanda pendente de julgamento, e isso não passa necessariamente pela integral rejeição da demanda anterior, que podia ter objeto mais amplo. Por isso, não ficam descartadas para o conceito de casos idênticos sentenças de improcedência parcial, desde que a parcela julgada improcedente cubra todo o objeto do processo pendente.”30
29 JACOB, Luiz Guilherme de Almeida Ribeiro; SALVADOR, Antonio Raphael Silva. Notas ao art. 285-A, do Código de Processo Civil in Direito Processual Civil – Alterações do Código de Processo Civil. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p. 209.30 BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. O novo CPC: a terceira etapa da reforma. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 198.
Em relação à exigência de que o juízo se paute em “casos idênticos” que
já tenha julgado, cabe notar, mais uma vez, a imprecisão técnica da expressão. É
que as causas se identificam e se distinguem pelo pedido e pela causa de pedir.
Ademais, se a narrativa dos fatos em duas demandas for diversa, também não se
poderá falar em “casos idênticos”. Dessa forma,
“Se as causas fossem idênticas teriam de reproduzir partes, pedidos e causas de pedir. Ter-se-ia litispendência ou coisa julgada, o que provocaria extinção do processo sem julgamento de mérito (CPC, art. 301, §§ 1º, 2º e 3º, c/c art. 267, V). A identidade, portanto, que se reclama, para aplicar o art. 285-A, localiza-se no objeto da causa, isto é, na questão (ponto controvertido) presente nas diversas ações seriadas.”31
O art. 285-A prevê a reprodução do teor da sentença de improcedência
anteriormente prolatada. Assim, não há que se falar em juntada da sentença anterior
para fundamentar o a nova decisão no caso em julgamento. Ou seja,
“Se o magistrado já tiver concluído em outros processos, que aquela pretensão não deve ser acolhida, fica dispensado de citar o réu, podendo julgar antecipadamente o mérito da causa. O dispositivo não autoriza a simples juntada da sentença já proferida, mas sim que seu teor, seu conteúdo, seja reaproveitado para solucionar a nova demanda. É preciso demonstrar que a ‘ratio decidente’ da sentença-paradigma serve à solução do caso ora apresentado ao magistrado.”32
Um dos raros temas em que quase há unanimidade na doutrina se
relaciona com o emprego do termo “juízo” na redação do dispositivo. Poucos o
aceitam de bom grado. De início, cabe lembrar que “juízo tem o significado de órgão
judiciário. No mesmo foro, pode haver vários juízos, que são as varas de uma só
comarca.”33
E como ficariam as situações em que há divergência entre o juiz titular e
seu colega auxiliar, integrantes de uma mesma vara, para fins de aplicação do art.
285-A? Prevaleceria a posição do titular? Daquele que julgou a matéria antes?
31 THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 16/1732 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 12 ed. Salvador: Podivm, 2010, p. 473).33 DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário de direito processual. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo: Malheiros, 2001. v. 1, p.185.
Daquele que acompanha a orientação jurisprudencial do Tribunal? Afinal, seria
necessário que ambos julgassem da mesma forma?
Umberto Bara Bresolin afirma que
“se num mesmo juízo houver precedentes de lavra de outros juízes (que porque há mais de um juiz no mesmo juízo, quer porque os anteriores juízes daquele juízo tenham sido promovidos, transferidos, aposentados etc.), nada obsta que aquele magistrado que pessoalmente não tenha julgado precedente algum possa aplicar o art. 285-A se estiver convencido do acerto da decisão. Por outro lado, se aquele juiz não tiver decidido precedentes naquele juízo (por mais que o tenha feito em outros juízos que integrou), o novo dispositivo não poderá incidir.”34
No mesmo sentido, Luiz Guilherme de Almeida Ribeiro Jacob e Antonio
Raphael Silva Salvador entendem que
“em face do claríssimo texto da lei, é certo que o juiz de uma vara não pode invocar, como precedente apto a justificar a invocação do art. 285-A, um julgamento anterior de outra vara, posto que se estaria diante de julgamentos oriundos de juízos diversos.”35
Interpretação mais ampliativa permitiria que um mesmo órgão fracionário
de Tribunal utilizasse o art. 285-A para julgar improcedentes ações de sua
competência originária.
A despeito de toda a controvérsia que rodeia a forma de interpretação do
termo “juízo”, a solução encontrada pelo legislador não ajuda a aperfeiçoar o
sistema processual. Incentivar o surgimento de jurisprudência oriunda de órgãos
monocráticos pode afrontar a isonomia entre os jurisdicionados, criando grave
problema de insegurança jurídica.
Por isso, parece mais correto o entendimento segundo o qual, para ser
aplicado, o art. 285-A
“depende da existência de decisões uniformes não dos próprios juízos de primeiro grau de jurisdição (leia-se sentenças) mas, bem diferentemente, dos Tribunais superiores ou, quando menos, dos
34 Reflexões sobre a reforma do código de processo civil. (Coord. Carlos Alberto Carmona). São Paulo: Atlas, 2007, p. 388/389.35 JACOB, Luiz Guilherme de Almeida Ribeiro; SALVADOR, Antonio Raphael Silva. Notas ao art. 285-A, do Código de Processo Civil in Direito Processual Civil – Alterações do Código de Processo Civil. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p. 210.
Tribunais de segundo grau de jurisdição. (...) a melhor interpretação a ser dada ao art. 285-A é aquela que admite a rejeição liminar da petição inicial apenas quando a ‘tese repetitiva’ já tenha sido repelida pelos Tribunais superiores, como objetivamente podem demonstrar suas súmulas ou, quando menos, a sua jurisprudência notoriamente dominante.”36
O raciocínio exposto acima colide com a posição majoritária, que aceita
sem maiores questionamentos que o entendimento singelo do juízo de primeiro grau
seja suficiente para a rejeição liminar da petição inicial. Porém, ela vem sendo aceita
pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme recentes julgados:
“Não se configura a violação do art. 285-A do CPC quando a causa tenha sido julgada de acordo com o entendimento consolidado sobre o tema nesta Corte Superior.”(EDcl no AgRg no Ag 1161425/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe 14/06/2010)
"Afasta-se a alegação de violação do artigo 285-A do CPC, tendo em vista que a causa foi julgada de acordo com o entendimento consolidado sobre o tema nesta Corte Superior.”(AgRg no Ag 1161425/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/05/2010, DJe 13/05/2010)
Adotando-se essa orientação interpretativa, esvaem-se as críticas como a
de que a regra permitiria ao juízo criar precedentes vinculantes: Apesar da
discordância em relação a elas, é preciso conhecê-las para criticá-las:
“O julgamento de processos repetitivos, com base em precedentes do juízo, objeto do disposto no art. 285-A do CPC, é uma excrescência. Fere o direito de ação e a garantia do contraditório, que não pode ser vista, apenas, na perspectiva do réu, uma vez que, hodiernamente, essa garantia traduz-se no direito atribuído à parte de influir em todos os atos processuais, assistindo, portanto, também ao autor e impondo-se, igualmente, à observância do juiz. Ademais, o citado artigo confere ao juiz de primeiro grau poderes análogos ao que resulta da súmula vinculante, privativa do Supremo Tribunal Federal e decorrente de norma expressa da Constituição. No caso, tem-se um precedente vinculante, sem súmula que o consubstancie e sem disposição constitucional que o autorize!”37
36 BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil, volume 2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280, de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 54/55.37 MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. As reformas do CPC. Revista Eletrônica “Atualidades Jurídicas” do Conselho Federal da OAB, março/abril de 2008, número 1. Disponível em http://www.oab.org.br/oabeditora/revista/0803.html
Por fim, registre-se que a interpretação sugerida está em conformidade
com o contexto normativo em que se inserem os arts. 518, § 1º, 120, parágrafo
único, 475, § 3º, 481, parágrafo único, e 557, caput e § 1º-A, todos do Código de
Processo Civil. Observe-se que esses dispositivos prestigiam precedentes
jurisprudenciais consolidados, e não precedentes de órgãos de primeiro grau, como
aparentemente faz o art. 285-A.
5. A APELAÇÃO DO AUTOR
A regra inscrita no art. 285-A tem por escopo pôr fim ao processo
imediatamente após seu surgimento. Talvez esse seja o motivo do pouco cuidado
com que trata da hipótese de apelação do autor em face da sentença proferida
liminarmente.
O § 1º do art. 285-A prevê que “se o autor apelar, é facultado ao juiz
decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o
prosseguimento da ação.”
Assim, em caso de apelação, ao juiz é permitido reconsiderar sua
sentença no prazo de cinco dias. Possibilidade semelhante é prevista nos casos de
indeferimento da petição inicial, nos termos do art. 296: “Indeferida a petição inicial,
o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas,
reformar sua decisão.” Sendo destinado ao juiz, o prazo é impróprio, de modo que o
juiz pode se retratar até que determine a citação do réu.”
Mais comum que a hipótese de retratação é aquela em que o juiz decide
manter a sentença liminar de rejeição da petição inicial e determinar a citação do réu
para responder à apelação, conforme disposição do § 2º: “caso seja mantida a
sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.”
Naturalmente, o autor/apelante poderá questionar toda a matéria
relacionada à sentença, inclusive seu enquadramento no art. 285-A, comparando-a
com a forma como os tribunais superiores decidem a mesma questão
predominantemente de direito.
Uma vez mantida a sentença, haverá citação do réu para responder, ou
seja, apresentar contrarrazões. Essa citação é imperiosa para que o réu tenha
“condições de participar ativamente do procedimento, trazendo as razões que
entender oportunas para a manutenção da sentença e quiçá, até mesmo, para ver o
autor condenado no pagamento de litigância de má-fé.”38
Por representarem a primeira manifestação do réu no processo, as
contrarrazões passam a ter conteúdo de resposta à apelação. Assim,
38 BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil, volume 2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280, de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 77.
“Cumpre analisar se o réu pode se valer das demais modalidades de resposta (...). O réu não pode reconvir em contra-razões de apelação. Como a demanda inicial e a reconvenção devem ser julgadas na mesma sentença (CPC, art. 318), se o réu ingressa no processo com a causa já julgada, ele só poderá reconvir por ocasião de eventual invalidação da sentença liminar, hipótese em que o feito voltaria a correr com a sua intimação para oferecer as respostas cabíveis (art. 297). Caso porém não surja para o réu essa oportunidade de reconvir, ele ainda poderá demandar contra o autor autonomamente em outro processo.Resta verificar se o réu pode suscitar exceções de impedimento, de suspeição e de incompetência relativa. Salvo para esta última, a solução é negativa. É que eventual reconhecimento de suspeição ou impedimento não tem relevância na designação do tribunal de segundo grau que julgará o recurso e eventualmente a causa. Nessas condições, portanto, somente o reconhecimento de incompetência relativa teria a aptidão de interferir no julgamento da apelação. Trata-se de direito legítimo do réu que não pode ser tolhido, mas – frisa-se – exclusivamente nas hipóteses em que o juízo declinado na exceção de incompetência relativa estiver vinculado a outro tribunal local. Assim, o réu pode formular, nas contra-razões, um último pedido subsidiário – e dependente da sorte da apelação – de reconhecimento da incompetência e de remessa dos autos ao juízo competente.(...) Semelhante solução deve ser adotada no que tange ao direito do réu de provocar a intervenção de terceiros no processo, por meio da denunciação da lide ou do chamamento ao processo. (...) Considerando o custo e a eventual desnecessidade de trazer outras pessoas e demandas para o processo, a melhor forma de viabilizar a preservação desse legítimo interesse do réu é novamente o pedido subsidiário nas contra-razões.”39
Questão pertinente é saber se o Tribunal pode aplicar a Teoria da Causa
Madura (art. 515, § 3º), julgando desde logo a lide que esteja em condições para
tanto. A resposta é positiva, pois o réu já terá tido oportunidade de se defender
amplamente em suas contrarrazões. Nesse caso, essa peça assume verdadeiro
papel de contestação, razão pela qual o princípio do contraditório estará
suficientemente garantido. Portanto, ausente peculiaridade fática que exija produção
de provas na caso concreto, não haveria sentido em determinar a devolução dos
autos ao juízo monocrático, que já se pronunciou a respeito da questão de direito.
39 FONSECA, João Francisco Naves da. O julgamento liminar de improcedência da demanda (art. 285-A): questões polêmicas. Disponível em http://www.google.com.br/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBcQFjAA&url=http%3A%2F%2Fnovo.direitoprocessual.org.br%2FfileManager%2FJoo_Francisco_Naves_da_Fonseca___O_julgamento_liminar_de_improcedncia_da_demanda_art_285_A.doc&ei=GP_4TLCAIs2r8Ab-nPSKCQ&usg=AFQjCNE1afNU6K5vw1uiiv67uDMTvgNPvg
Outra dúvida que pode surgir diz respeito à possibilidade de o Relator dar
provimento monocrático ao recurso de apelação quando se defrontar com a situação
do art. 557, § 1º-A, qual seja, decisão recorrida em manifesto confronto com súmula
ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal
Superior. Nesse caso, deve-se reformar a sentença, “reconhecendo-se, desde logo,
razão ao autor, afinando o julgado, de uma vez, à diretriz jurisprudencial superior,
em nome da racionalidade e economia da atividade jurisdicional.”40
40 BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil, volume 2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280, de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 81.
6. A REJEIÇÃO LIMINAR DA DEMANDA NO ANTEPROJETO DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
6.1. REFORMAS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O Código de Processo Civil passou por um consistente movimento de
reformas a partir do início dos anos 1990. O escopo de sua remodelação contínua
desde então foi a concretização das premissas postas na Constituição Federal, para
que a tutela jurisdicional pudesse ser mais efetiva e tempestiva, sem pôr em risco a
segurança jurídica.
E para que serviriam as reformas? A nova corregedora do Conselho
Nacional de Justiça, Eliana Calmon, chegou a afirmar que “há um atraso de cem
anos no modelo de julgamento da Justiça brasileira.” Esse diagnóstico precedeu
uma resposta em tom de desabafo para a indagação acima: “é preciso abandonar o
modelo de ser uma Justiça artesanal, de fazer julgamentos longos, com discussões
intermináveis sobre decisões que já estão pacificadas com jurisprudência ou
súmulas vinculantes.”41
Até meados de 2009, apostava-se na continuidade das mudanças
setoriais do Código vigente, como atesta Carlos Alberto Carmona ao comentar os
quinze anos de reformas:
“A primeira dúvida que assalta quem se interessa em reformar um conjunto sistemático de normas é o caminho a seguir: seria conveniente propor a redação de um novo código? Seria mais conveniente reformar o velho código, ainda que correndo o risco de transformá-lo numa ‘colcha de retalhos’ ou num ‘mosaico’, como acusaram alguns? A experiência traumática da tramitação do Código Civil provavelmente serviu de freio para aqueles que acreditavam na possibilidade de dotar o país de um novo diploma processual. Com efeito, a demora na revitalização do Código de Processo Civil seria desastrosa, aumentando de forma insuportável o que hoje convencionou-se denominar ‘custo Brasil’. A crise do processo recomendava remédio de ação rápida e, assim, o método que acabou adotado pelo grupo que se empenhou nas reformas foi o de apresentar propostas pontuais, que pouco a pouco moldaram a nova fisionomia do Código de Processo Civil.”42
41 Folha de S. Paulo, A7, 21/09/2010.42 Reflexões sobre a reforma do código de processo civil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 1/2.
As reformas verificadas durante últimas décadas foram fortemente
aplaudidas pela maior parte da doutrina, que as considerou exitosas em seu intuito
de modernizar o processo, tornando-o compatível com as necessidades e as
exigências da vida contemporânea. De fato, era preciso dar ouvidos à sociedade,
que ainda clama por uma justiça menos morosa.
Assim, em relação às reformas, Cândido Rangel Dinamarco diz que
“sua implantação depende da disposição a romper com preconceitos. As miradas na história das instituições processuais e em ordenamentos processuais estrangeiros deixam patente que muito pouco há de universal ou eterno nos técnicas adotadas em determinado país e em dado momento, sendo irracional o exagerado apego a dogmas herdados e atualmente cultivados. Nesse quadro, o desenho do futuro do processo civil brasileiro pode deixar de ser mero e tolo exercício de uma futurologia irracional para ser uma futurologia assentada na consciência de certas forças propulsoras. As previsíveis resistências culturais – que se fazem sentir sempre que se pensa em inovar – quando bem direcionadas servirão de prudentes advertências contra excessos ou sandices inovadoras, mas apesar delas tudo indica que, em certos pontos muito importantes, o processo civil brasileiro está a caminho de importantes aperfeiçoamentos.”43
Os preconceitos e resistências culturais a que esse autor se refere
parecem muito bem sintetizados nas palavras de José Ignacio Botelho de Mesquita,
para quem
“o movimento de ataque subterrâneo ao sistema processual começou na década de 1980. Seu primeiro marco, fadado ao completo malogro, já então perfeitamente previsível e hoje desavergonhadamente ocultado, foi a criação dos juizados de pequenas causas em 1984. De lá para cá sobrevieram mais de 20 anos de sucessivas "reformas" processuais, sempre a pretexto de conferir celeridade e eficiência ao processo. Na verdade, porém, sem outro escopo que o de inflar o poderio dos órgãos do Judiciário e do Ministério Público, chegando ao extremo de quebrar, além da coluna dorsal do processo civil, cada uma das suas articulações com o todo, a ponto de autorizar que do processo se dissesse - sem exagero algum note-se - ter-se transformado em um monstrengo invertebrado e fotofóbico, avesso às luzes da ciência, surdo às exigências da experiência concreta e aos reclamos do futuro. Sem exagero algum? É claro! A perversão do processo tornou-se tão evidente que acaba de receber certificado oficial, atestado de óbito do processo, passado pelo presidente do Senado. Reconhecendo
43 Instituições de direito processual civil, volume I. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 313/314
terem as sucessivas reformas conduzido o processo civil à ruptura fatal do seu sistema, concebeu uma comissão a quem encarregou da feitura de outro Código de Processo Civil, mandando ao lixo os trapos e farrapos do Código de 1973. É, pois, público, notório e oficial o reconhecimento da redução a frangalhos do CPC, de 1973, mercê da pseudociência que o avassalou.”44
6.2. UM NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Pois bem, nem mesmo transcorreu tempo suficiente para a perfeita
assimilação das mais recentes inovações, como é o caso do próprio art. 285-A, e o
Senado Federal “achou que chegara o momento de reformas mais profundas no
processo judiciário, há muito reclamadas pela sociedade e especialmente pelos
agentes do Direito, magistrados e advogados.”45
Assim, de acordo com o Ato do Presidente do Senado Federal nº 379, em
setembro de 2009 foi nomeada a Comissão de Juristas destinada a elaborar um
Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil. Esse grupo foi presidido pelo
Ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, e contou com a participação de
Teresa Arruda Alvim Wambier (Relatora) Adroaldo Furtado Fabrício Humberto
Theodoro Júnior, Paulo Cesar Pinheiro Carneiro, José Roberto dos Santos Bedaque
Almeida, José Miguel Garcia Medina, Bruno Dantas, Jansen Fialho de Almeida,
Benedito Cerezzo Pereira Filho, Marcus Vinicius Furtado Coelho e Elpídio Donizetti
Nunes.
Segundo José Sarney, então presidente do Senado Federal, a comissão
“trabalhou arduamente para atender aos anseios dos cidadãos no sentido de
garantir um novo Código de Processo Civil que privilegie a simplicidade da
linguagem e da ação processual, a celeridade do processo e a efetividade do
resultado da ação, além do estímulo à inovação e à modernização de
procedimentos, garantindo o respeito ao devido processo legal.”
44 Disponível em http://www.anpr.org.br/portal/index.php?option=com_newsclipping&Itemid=142&task=view&idNoticia=27434&dia=8&mes=1&ano=201045 Anteprojeto do novo código de processo civil. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf
Os ideais do anteprojeto podem ser assim resumidos: “o tempo é muito
lento para os que esperam e muito rápido para os que têm medo.”46
Observe-se que a iniciativa de elaboração de um novo estatuto
processual civil não interrompeu o movimento de reformas do código vigente. Prova
disso é a edição das Leis nos 12.32247, de 8.9.2010, 12.19548, de 14.1.2010, 12.12549,
de 16.12.2009, e 12.12250, de 15.12.2009.
6.3. REDAÇÃO DO ART. 317 DO ANTEPROJETO
O dispositivo correspondente ao atual art. 285-A do Código de Processo
Civil encontra-se no art. 317 do Anteprojeto, cuja transcrição é medida que se
impõe:
“Art. 317. Independentemente de citação do réu, o juiz rejeitará liminarmente a demanda se:I – manifestamente improcedente o pedido, desde que a decisão proferida não contrarie entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, sumulado ou adotado em julgamento de casos repetitivos;II – o pedido contrariar entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, sumulado ou adotado em julgamento de casos repetitivos;III – verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição;§ 1º Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença.§ 2º Aplica-se a este artigo, no que couber, o disposto no art. 316.”
Embora não seja possível adivinhar se esse será o texto definitivo do art.
317, as melhores em relação ao atual art. 285-A são visíveis.
46 Lição de William Shakespeare dirigida por Luiz Fux ao presidente do Senado Federal. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf47 Transforma o agravo de instrumento interposto contra decisão que não admite recurso extraordinário ou especial em agravo nos próprios autos.48 Altera o art. 990, para assegurar ao companheiro sobrevivente o mesmo tratamento legal conferido ao cônjuge supérstite, quanto à nomeação do inventariante.49 Acrescenta parágrafo ao art. 1.050, para dispensar, nos embargos de terceiro, a citação pessoal.50 Altera o art. 275, incluindo como sujeitas ao procedimento sumário as causas relativas à revogação de doação.
No Anteprojeto, prevaleceu a sugestão, aqui acatada, de que o
julgamento liminar de improcedência precisa estar de acordo com entendimento
reiterado dos Tribunais superiores. Ou, ao menos, a sentença não poderá contrariar
a jurisprudência dominante. Assim, ficará excluída a livre utilização de precedentes
do “juízo”, como ocorre hoje.
Outro ponto interessante é a exigência de intimação do réu acerca do
trânsito em julgado da sentença. Apesar de não haver previsão nesse sentido na
regra vigente, nada impede que se preste essa informação tão útil ao réu, que ficará
muito satisfeito em descobrir a existência de coisa julgada em seu favor.
7. JURISPRUDÊNCIA ENVOLVENDO O ART. 285-A NO SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA
7.1. RECURSO ESPECIAL Nº 780.825/RS
“Processo civil. Busca e apreensão proposta com fundamento em contrato de financiamento com alienação fiduciária. Demanda extinta, sem apreciação do mérito, em primeiro grau, antes da citação do réu. Apelação do requerente. Negativa de provimento e reforma, de ofício, pelo Tribunal, para o fim de julgar improcedente, no mérito, a demanda. Impossibilidade.- É ilegal a decisão do Tribunal que julga improcedente, de ofício, o pedido formulado em ação de busca e apreensão com fundamento em contrato de financiamento com alienação fiduciária, na hipótese em que o juízo de primeiro grau havia extinguido o processo antes mesmo da citação do réu.- O julgamento de mérito de uma demanda sem a citação do réu só veio a ser admitida posteriormente, em hipóteses específicas, pelo art. 285-A, do CPC, introduzido pela Lei nº 11.277/06, norma essa que não estava vigente à época do julgamento do processo sub judice e que, ainda que assim não fosse, não se aplicaria à controvérsia.Recurso especial provido.”(REsp 780.825/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/08/2006, DJ 05/03/2007, p. 282)
Cuida o caso de ação de busca e apreensão de bem objeto de contrato
de financiamento com alienação fiduciária.
Em primeiro grau, o processo foi extinto sem julgamento do mérito, com
fundamento na impossibilidade jurídica do pedido, antes mesmo da citação réu,
conforme possibilita o art. 295, inc. I, do CPC, combinado com o inciso III do
parágrafo único desse mesmo artigo.
Ao julgar o recurso interposto em face dessa sentença, o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento ao apelo do autor. Porém, de ofício,
desconstituiu a decisão de primeiro grau para julgar improcedente o pedido
formulado. Assim, o Tribunal gaúcho analisou e rejeitou o mérito da demanda sem
determinar a citação do réu, sob o argumento de que tal providência seria permitida
pelo art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, por se tratar de matéria unicamente
de direito.
Ocorre que, para Nancy Andrighi, Relatora do recurso especial interposto
pelo autor/apelante, “neste ponto excedeu-se o Tribunal. Não havia, no Código de
Processo Civil, à época em que foi decidido este processo, a possibilidade de se
julgar o mérito de uma ação sem, antes, proceder à citação do réu. Tal possibilidade
apenas surgiu com o acréscimo, promovido pela Lei nº 11.277/2006, do art. 285-A
no CPC, autorizando a extinção do processo com resolução de mérito nas hipóteses
de ajuizamento de demandas idênticas perante o mesmo juízo, nas quais já tenha
sido proferida sentença de total improcedência e em que a matéria discutida seja
exclusivamente de direito. À época do julgamento do processo sub judice, todavia, a
referida regra não existia. A autorização contida no art. 295 do CPC, de que se valeu
o Juízo de Primeiro Grau ao prolatar a sentença, refere-se apenas à extinção do
processo sem a apreciação do mérito.”
Para embasar sua decisão, a Ministra Nancy Andrighi se valeu do
seguinte julgado:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. APELAÇÃO. JULGAMENTO DE MÉRITO. ART. 515, § 3º, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE.1. "Nos casos de extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento" (art. 515, § 3º, do CPC).2. Indeferida a petição inicial (art. 295, II, c/c o art. 267, I), não pode o Tribunal, ao reformar a sentença, julgar, desde logo, o mérito da causa, tendo em vista a ausência de citação do demandado.3. Recurso especial a que se dá provimento.”(REsp 691.488/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/09/2005, DJ 26/09/2005, p. 228)
A Relatora descarta eventual argumento segundo o qual a improcedência
da demanda seria benéfica para o réu não citado. Isso porque
“a regularidade da decisão do mérito da ação tem de levar em conta a possibilidade de tal julgamento ser revertido em sede de recurso especial, inclusive em prejuízo do réu. Sem sua citação, isso seria impossível. A postura adotada pelo aresto recorrido, portanto, representa uma clara ofensa à norma do art. 515, §3º, do CPC.”
Portanto, tendo em vista que esse dispositivo autoriza o julgamento de
mérito da ação apenas nas hipóteses em que a causa estiver em condições de
imediato julgamento, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
“deveria, de duas, uma: (i) ou coadunar com o entendimento do Juízo de Primeiro Grau, no sentido de que seria juridicamente impossível a pretensão de busca e apreensão do bem diante da suposta ausência de mora; ou, (ii) entender que tal ausência é questão afeita ao mérito da controvérsia, determinando, como conseqüência, a reforma da sentença para que fosse regularmente formada a relação processual. Ao julgar improcedente o pedido, o Tribunal implicitamente reconheceu a presença das condições da ação e pressupostos processuais, cuja apreciação é prejudicial em relação ao mérito. Sendo assim, o procedimento correto seria o descrito no item "ii", supra.”
Por esses motivos, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça deu
provimento ao recurso especial e determinou a devolução do processo ao Juízo de
Primeiro Grau.
Nota-se que o juiz da comarca de origem tinha liberdade para julgar
extinto o feito sem exame de mérito. Se formou sua convicção no sentido de que o
caso era de impossibilidade jurídica do pedido, nada mais correto do que reconhecer
de plano a ausência dessa condição da ação e indeferir a petição inicial sem a
participação do réu.
Diante da interposição de recurso de apelação, o magistrado cumpriu o
que está previsto no art. 296 do Código de Processo Civil, encaminhando os autos
ao tribunal competente imediatamente após decidir pela manutenção de sua
sentença no prazo de 48 horas.
Ocorre que aí se encontra a origem do problema: ao considerar o pedido
juridicamente possível, a ausência de citação do réu impedia o Tribunal de julgar o
mérito da causa.
Nesse caso, parece que o Tribunal teria agido de forma mais prudente se,
de ofício, houvesse determinado a citação do réu/apelado para responder ao
recurso, tal como dispõe o art. 285-A, § 2º. Essa providência, além de possibilitar a
ampla defesa e o contraditório, tornaria possível a aplicação do referido art. 515, §
3º, pois apenas assim a causa estaria em condições de imediato julgamento.
7.2. RECURSO ESPECIAL 972.973/RS
“RECURSO ESPECIAL – PROCESSO CIVIL E DIREITO ADMINISTRATIVO – SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÕES – TELEFONIA FIXA – TARIFA DE ASSINATURA BÁSICA – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458 E 535, I E II, DO CPC – OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS.1. Descabe ao STJ, em sede de recurso especial, analisar possível ofensa a dispositivo constitucional.2. Acórdão recorrido que deixou de analisar questões oportunamente suscitadas em torno do art. 285-A do CPC e que, em tese, poderiam levar o julgamento a um resultado diverso.3. Retorno dos autos ao Tribunal a quo para suprir omissão.4. Recurso especial provido conhecido em parte e, nessa parte, provido.”(REsp 972.973/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/02/2008, DJe 22/02/2008)
Em primeiro grau, foi julgada improcedente, nos termos do art. 285-A,
ação declaratória de nulidade de cobrança de tarifa básica mensal, cumulada com
pedido de repetição de indébito.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento ao recurso
de apelação interposto pelo autor, sob o argumento de que não restou configurada
ilegalidade ou abusividade na cobrança, pois a relação de prestação de serviços de
telefonia fixa foi estabelecida entre a empresa telefônica e o consumidor.
A parte autora, desde a apelação, sustentou que não foram apreciadas as
questões fáticas deduzidas a partir dos documentos por ela juntados, que
comprovariam que a empresa concessionária de telefonia teria descumprido as
disposições legais do Código de Defesa do Consumidor e da Resolução 85/98 da
Anatel. Segundo essa norma, a ré é obrigada, no contrato de adesão firmado com o
usuário, a prever os valores das tarifas ou preços que cobra, o que não teria
ocorrido. Além disso, afirmou que o contrato de adesão sequer foi aprovado pela
Anatel. Por isso, concluiu que não poderia ter sido sentenciado o feito com amparo
no art. 285-A do Código de Processo Civil.
Nos embargos de declaração voltou o recorrente a suscitar a questão e o
Tribunal, não obstante ter sido oportunamente levantado o tema, deixou de
pronunciar-se especificamente a respeito da aplicabilidade do art. 285-A.
Ao decidir o recurso especial, a Relatora Eliana Calmon considerou que
“o julgador não está obrigado a responder a questionário da parte, mas não pode deixar de se manifestar sobre questão oportunamente suscitada e que, em tese, poderia levar o julgamento a um resultado diverso. Daí ter ocorrido, in casu, violação aos arts. 165, 458, II, e 535 do CPC.”
Com essas considerações, conheceu em parte do recurso especial e,
nessa parte, deu-lhe provimento, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal a
quo a fim de suprir omissão.
7.3. RECURSO ESPECIAL Nº 976.143/RS
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TARIFA DE ASSINATURA BÁSICA MENSAL. RECURSO ESPECIAL. ARTS. 165, 458 E 535, I E II, DO CPC.VIOLAÇÃO.1. Quando o acórdão recorrido deixa de analisar questões oportunamente suscitadas em torno do art. 285-A do CPC que, em tese, poderiam levar o julgamento a um resultado diverso, devem os autos retornar ao Tribunal de origem para suprimento da omissão.2. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.”(REsp 976.143/RS, Rel. MIN. CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 04/04/2008)
O presente caso é semelhante ao analisado no item anterior. Ambos têm
por objetivo a declaração de ilegalidade da cobrança da tarifa denominada
assinatura básica mensal de telefonia fixa, bem como a restituição das quantias
pagas.
Assim como decidiu a Ministra Eliana Calmon no julgamento do RESP
972.973/RS, o Relator Carlos Fernando Mathias considerou que
“embora não esteja o julgador obrigado a pronunciar-se sobre todas as alegações das partes, não pode deixar de se manifestar sobre questão oportunamente suscitada e que, em tese, poderia levar o julgamento a um resultado diverso. Daí configurar, in casu, a violação aos arts. 165, 458, II, e 535 do CPC.”
7.4. RECURSO ESPECIAL Nº 984.552/RS
Tendo em vista os dos dois casos acima, parecia que a Segunda Turma
do Superior Tribunal de Justiça havia firmado posição no sentido de que, nas
hipóteses de julgamento liminar de improcedência, os órgãos de segundo grau
deveriam analisar expressamente as questões relativas ao preenchimento dos
requisitos de aplicação do art. 285-A, sob pena de nulidade do acórdão.
Todavia, ao julgar novamente a questão pertinente à legalidade da tarifa
básica mensal de telefonia fixa, a Ministra Eliana Calmon reviu seu posicionamento,
conforme se depreende da seguinte ementa:
“RECURSO ESPECIAL – PROCESSO CIVIL E DIREITO ADMINISTRATIVO – SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÕES – TELEFONIA FIXA – TARIFA DE ASSINATURA BÁSICA – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458 E 535, I E II, DO CPC – OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS.1. Descabe ao STJ, em sede de recurso especial, analisar possível ofensa a dispositivo constitucional.2. Acórdão recorrido que deixou de analisar questões oportunamente suscitadas em torno do art. 285-A do CPC mas que, em razão do entendimento consolidado nesta Corte, adotado inclusive pelo Tribunal de origem, não poderiam levar o julgamento a um resultado diverso. Ausência de utilidade do retorno dos autos à origem.3. Recurso conhecido em parte e, nessa parte, não provido.”(REsp 984.552/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/03/2008, DJe 25/03/2008)
Ao decidir o recurso especial, a Relatora considerou que, no mérito, o
Tribunal de origem adotou entendimento consentâneo com o consolidado no
Superior Tribunal de Justiça. Por isso, não vislumbrou utilidade no pedido de retorno
dos autos ao Tribunal para que se manifestasse acerca da matéria relativa ao art.
285-A.
Em suas palavras:
“é certo que o julgador não está obrigado a responder a questionário da parte, mas não pode deixar de se manifestar sobre questão oportunamente suscitada e que, em tese, poderia levar o julgamento a um resultado diverso, o que não é o caso dos autos, pois o Tribunal de origem adotou entendimento consentâneo com o consolidado nesta Corte.”
Assim, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça negou
provimento à parte conhecida do recurso especial.
Cabe observar que este julgado representa valioso avanço em relação ao
foi decidido nos Recursos Especiais 972.973/RS e 984.552/RS, pois prestigiou o
direito material e a orientação jurisprudencial pacificada na Corte superior. De nada
adiantaria anular um acórdão que julga questão exclusivamente de direito, como é a
da legalidade da assinatura mensal de telefonia fixa, e que está em consonância
com a jurisprudência predominante dos tribunais superiores.
7.5. RECURSO ESPECIAL Nº 1.110.549/RS
“RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. MACRO-LIDE. CORREÇÃO DE SALDOS DE CADERNETAS DE POUPANÇA.SUSTAÇÃO DE ANDAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE.1.- Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva.2.- Entendimento que não nega vigência aos aos arts. 51, IV e § 1º, 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672, de 8.5.2008).3.- Recurso Especial improvido.”(REsp 1.110.549/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 14/12/2009)
Causou celeuma na comunidade jurídica o posicionamento adotado pela
maioria dos integrantes da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, segundo
o qual “para os efeitos do artigo 543-C, do CPC, ajuizada ação coletiva, suspendem-
se as ações individuais até o julgamento da ação coletiva.”
De acordo com o voto do Relator, Ministro Sidnei Beneti, a legislação
atual permitiria a suspensão do andamento de milhares de processos individuais,
para o aguardo de prévio julgamento da mesma tese jurídica de fundo neles contida.
Assim, o julgamento definitivo da macro-lide multitudinária dispensaria a apreciação
da mesma questão inúmeras vezes, evitando verdadeiro estrangulamento dos
órgãos jurisdicionais, em prejuízo da totalidade dos jurisdicionados.
Para o Ministro Sidnei Beneti,
“o mais firme e decidido passo recente no sentido de ‘enxugamento’ da multidão de processos em poucos autos pelos quais seja julgada a mesma lide em todos contida veio na recente Lei dos Recursos Repetitivos (Lei 11.672, de 8.5.2008), que alterou o art. 543-C do Código de Processo Civil, para quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito.”
Ainda segundo o Relator,
“no atual contexto da evolução histórica do sistema processual relativo à efetividade da atividade jurisdicional nos Tribunais Superiores e nos próprios Tribunais de origem, as normas processuais infraconstitucionais devem ser interpretadas teleologicamente, tendo em vista não só a realização dos direitos dos consumidores mas também a própria viabilização da atividade judiciária, de modo a efetivamente assegurar o disposto no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, de forma que se deve manter a orientação firmada no Tribunal de origem, de aguardo do julgamento da ação coletiva, prevalecendo, pois, a suspensão do processo, tal como determinado pelo Juízo de 1º Grau e confirmado pelo Acórdão ora recorrido.Atualizando-se a interpretação jurisprudencial, de modo a adequar-se às exigências da realidade processual de agora, deve-se interpretar o disposto no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, preservando o direito de ajuizamento da pretensão individual na pendência de ação coletiva, mas suspendendo-se o prosseguimento desses processos individuais, para o aguardo do julgamento de processo de ação coletiva que contenha a mesma macro-lide. A suspensão do processo individual pode perfeitamente dar-se já ao início, assim que ajuizado, porque, diante do julgamento da tese central na Ação Civil Pública, o processo individual poderá ser julgado de plano, por sentença liminar de mérito (CPC, art. 285-A), para a extinção do processo, no caso de insucesso da tese na Ação Civil Pública, ou, no caso de sucesso da tese em aludida ação, poderá ocorrer a conversão da ação individual em cumprimento de sentença da ação coletiva.”
Dessa forma, vê-se que o Relator do Recurso Especial 1.110.549/RS tem
forte apreço pelas novas tendências do direito processual, chegando ao ponto de
defender a suspensão do processo individual tão logo seja distribuído. Tudo para dar
preferência ao julgamento da ação coletiva que trata de matéria comum. De fato, é
mais sensato aguardar o deslinde da macro-lide representativa da controvérsia do
que dar continuidade a milhares de ações que, no fim das contas, deverão se
submeter ao que os tribunais superiores vierem a decidir.
Como observado acima, o art. 285-A foi um dos fundamentos desse
polêmico acórdão. O raciocínio parece perfeito: se uma questão de direito for
decidida em sede de ação coletiva de forma contrária à pretensão de um
determinado grupo (ex: legalidade da tarifa básica mensal de telefonia fixa), a
tramitação das diversas ações individuais que tratam da mesma matéria terá sido
inútil.
Como medida de política judiciária e racionalização da marcha
processual, é preferível a suspensão das ações individuais logo em seu nascedouro,
antes da citação do réu. Isso porque, dependendo do que restar decidido na ação
coletiva, poderão ser julgadas improcedentes de plano, sem onerar toda a
sociedade.
Ademais, seja qual for o resultado da ação coletiva, a suspensão das
ações individuais sempre trará maior segurança jurídica, haja vista a impossibilidade
de surgirem decisões contraditórias sobre uma mesma matéria.
Em que pese a argumentação defendida pelo Relator, deve-se dar
ouvidos às indagações lançadas pelo Ministro Fernando Gonçalves, único a divergir
da maioria: “a) teria a titular do direito individual de submeter-se aos interesses de
uma ação coletiva? b) Seria a transmigração do individual ao coletivo de natureza
impositiva?”
Ele mesmo responde:
“Penso que não. Antes mesmo de se analisar que ação coletiva traria as conseqüências benéficas ao Tribunal de Justiça de origem, livrando-o de centenas e centenas de ações idênticas e este Tribunal Superior de iguais números de recursos que seriam incorporados a outras dezenas e dezenas de milhares de processo, não creio que se devam violar princípios fundamentais da cidadania, preconizado no inciso II do art. 1º da Constituição Federal. O direito à cidadania deve ser exercido nos limites da lei, certo de que ‘ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art. 5º, inciso II da Constituição Federal).A admissibilidade por parte da titular do direito de ação à substituição processual, disciplinada na Ação Coletiva, tem natureza facultativa. E, sendo de natureza facultativa, não pode a ação individual sofrer suspensão impositiva, se assim não o desejar o titular do direito material. Tem ela o direito de ver prosseguir a sua ação individual e os Tribunais não podem negar-lhe a jurisdição buscada porquanto “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, inc. XXV, CF). (...) Não há como se considerar o acúmulo de ações a serem julgadas, o assoberbamento dos tribunais, como princípio maior do que os
direitos constitucionais assegurados ao cidadão e que a eles afrontam.”
Assim como o Ministro Fernando Gonçalves, a maior parte da doutrina é
contrária à submissão obrigatória das ações individuais a uma determinada ação
coletiva.
Neste sentido, ensina Ada Pellegrini Grinover que
"mesmo sendo ela favorável e projetando-se seus efeitos erga omnes ou ultra partes (nos termos dos incis. I a III do art. 103 c/c seus §§ 1º e 2º), o autor que já pôs em juízo sua ação individual e que pretenda vê-la prosseguir em seu curso, não será beneficiado pela coisa julgada que poderá eventualmente formar-se na ação coletiva".51
Igualmente, ensina Hugo de Nigro Mazzilli que nas ações coletivas que
versem sobre interesses individuais homogêneos, em que se cogite de
litispendência com as ações individuais dos lesados que visem à reparação do
prejuízo divisível, naquilo que tenha de idêntico com o dos demais lesados, "se o
autor da ação individual preferir não requerer sua suspensão, sua ação prosseguirá
e não será afetada pelo julgamento da ação coletiva, mas se preferir a suspensão da
ação individual, poderá habilitar-se como litisconsorte na ação coletiva".52
O Desembargador Gilberto dos Santos, integrante da 11ª Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, invoca ainda a celeridade para
defender o prosseguimento das ações individuais:
“A simples propositura de ação coletiva é insuficiente para justificar a suspensão das ações individuais que estão em trâmite no primeiro grau de jurisdição, ainda que tenham objeto idêntico, sob pena de afronta ao princípio constitucional da celeridade processual. Isso porque, não raro, as ações individuais são julgadas (e até mesmo cumpridas) antes da ação coletiva, de modo que a suspensão acarretaria enormes prejuízos às partes e a efetividade da justiça. Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor é categórico ao estabelecer no seu artigo 104 que as ações coletivas não induzem litispendência, portanto devendo a ação individual prosseguir.” (Agravo de Instrumento nº 990.10.159384-0, j. 24/06/2010).
51 "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 5ª Ed. Revista e Ampliada, pág. 733"52 "A defesa dos interesses difusos em juízo, Ed. Saraiva, pág. 161"
7.6. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 31.585/PR
“PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO DE ICMS. PRECATÓRIO CEDIDO. DECRETO 418/2007. INDEFERIMENTO LIMINAR DA INICIAL. IMPOSSIBILIDADE.1. O indeferimento liminar da inicial do mandado de segurança pode ocorrer tanto pela não observância das regras processuais para o processamento do feito - ensejando a denegação do mandamus sem apreciação do mérito - como também pelo reconhecimento da decadência e pela aplicação do art. 285-A, do CPC, resultando no julgamento liminar de mérito. Aplica-se, subsidiariamente, o Código de Processo Civil ao procedimento previsto para a ação mandamental.2. O julgamento da demanda com base no art. 285-A, do CPC, sujeita-se aos seguintes requisitos: i) ser a matéria discutida exclusivamente de direito; ii) haver o juízo prolator do decisum julgado improcedente o pedido em outros feitos semelhantes, fazendo-se alusão aos fundamentos contidos na decisão paradigma, demonstrando-se que a ratio decidendi ali enunciada é suficiente para resolver a nova demanda proposta.3. No caso, o acórdão recorrido indeferiu a inicial, ao argumento de que não havia direito líquido e certo à compensação do tributo, tendo em vista precedente da Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que reconheceu a constitucionalidade do Decreto 418/2007. Não se indicou expressamente a aplicação do art. 285-A, do CPC, nem houve menção aos fundamentos de decisões anteriormente proferidas pelo mesmo juízo em processos semelhantes.4. O aresto impugnado deve ser anulado para que seja reapreciada a petição inicial do mandado de segurança, à luz dos dispositivos processuais incidentes na espécie.5. Recurso ordinário em mandado de segurança provido.”(RMS 31.585/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/04/2010, DJe 14/04/2010)
CONCLUSÃO
Conclui-se esta dissertação com a esperança de que tenha sido útil ao
leitor.
Como visto, um único artigo de lei pode suscitar infinitas questões,
cabendo ao intérprete optar pelos caminhos que melhor satisfaçam a finalidade do
processo, mero meio para a concretização do direito material.
O art. 285-A, a despeito das imprecisões técnicas, é regra que veio para
ficar. Prova disso é a sucessão de normas de abreviação e aceleração do processo,
resguardados os princípios e garantias constitucionais.
Espera-se que a magistratura não hesite em utilizar desta faculdade que a
lei lhe confere, que beneficia toda a coletividade ao abreviar a tramitação de
processos sabidamente improcedentes e que apenas assoberbam os tribunais
pátrios.
9. BIBLIOGRAFIA
BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. O novo CPC: a terceira etapa da reforma. São Paulo: Saraiva, 2006.
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CARMONA, Carlos Alberto. Reflexões sobre a reforma do código de processo civil. São Paulo: Atlas, 2007.
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DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário de direito processual. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo: Malheiros, 2001. v. 1.
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