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PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DA CIDADE DE SÃO MIGUEL DO
OESTE, SC
Suély Thaís Bazzotti1
Paulo Ricardo Bavaresco2
Introdução
Preservar o patrimônio histórico e cultural de um município, garante a preservação da
identidade do local e do povo. As pessoas passam a se reconhecer como indivíduo e como
cidadão que pertence àquele espaço e lugar, fazendo parte da memória e das lembranças.
Além disso, garante a própria constituição da identidade do indivíduo.
Para que a cidade de São Miguel do Oeste preserve sua história e sua identidade
cultural, no artigo, procura-se analisar os patrimônios históricos e culturais existentes na
cidade. Verificar se estão sendo preservados e se há medidas manutentivas no plano diretor
ou nas legislações do município. Além de observar como estão sendo usados pela população
e como fazem parte do cotidiano, traçamos um histórico dos patrimônios.
A fim de alcançar os objetivos propostos, foram realizadas visitas ao museu municipal
Ruy Arcadio Luchesi, à Prefeitura Municipal de São Miguel do Oeste e ao departamento de
cultura. Essa etapa foi complementada com leituras que subsidiaram as visitas e, por fim,
arrolados os Patrimônios existentes na cidade. Por meio de questionários semiestruturados,
coletamos informações com alguns dos primeiros colonizadores e proprietários ou
responsáveis pelos imóveis arrolados anteriormente. Para manter o sigilo sobre a identidade
dos entrevistados utilizamos a representação E 01, E 02 ... quando nos referimos a fala dos
participantes.
Políticas de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural
Institucionalizou-se no Brasil, inicialmente na década de 1930, a política federal de
preservação, e nessa mesma década, oficialmente em 1937, criou-se o Serviço de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – SPHAN. Já em 1990, durante o governo Collor, passou a se
chamar Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural- IBPC e atualmente recebe o nome de
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) reconhecia aspectos estéticos e históricos mais
1 Acadêmica do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo. Bolsista do Programa de Iniciação Científica da
Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc, Campus de São Miguel do Oeste. E-mail: subazzotti@yahoo.com.br 2 Doutor em Ciências Sociais. Professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc, Campus de São Miguel do
Oeste. E-mail: paulo.bavaresco@unoesc.edu.br
vinculados à produção erudita ou fatos memoráveis da história nacional que se encontravam
ameaçados. Com o tempo o conceito de patrimônio histórico e artístico mudou, pois passou a
abranger outros valores, transformando-se em patrimônio cultural e se aproximando mais dos
valores próprios de cada local (MEIRA, 2004).
Atualmente, a fim de garantir a conservação desses patrimônios, existem inúmeras
instituições e medidas, como o tombamento. De acordo com O Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional - IPHAN:
Etimologicamente, a palavra tombamento originou-se do verbo tombar, que no
Direito português tem o sentido de registrar, inventariar, arrolar e inscrever bens.
[...] Assim, o tombamento é um dos dispositivos legais que o Poder Público
(Federal, Estadual e Municipal) utiliza para preservar a memória nacional. Ele pode,
também, ser definido como o ato administrativo que tem por finalidade proteger,
por intermédio da aplicação de leis específicas, bens de valor histórico, cultural,
arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo
que venham a ser destruídos ou descaracterizados.
Além do tombamento, existem alguns Institutos e Organizações que se dedicam à
preservação do patrimônio. De acordo com o CREA-SP (2007), a nível mundial, ou seja, os
bens de interesse da humanidade, devem ser inscritos na Lista do Patrimônio Universal pela
UNESCO. Já os bens de interesse nacional são tombados pelo IPHAN e os que são de
interesse local, devem ser tombados por órgãos de defesa do patrimônio existentes nas
cidades.
No Brasil, ainda existem duas leis que amparam o patrimônio histórico, são elas o
Decreto-Lei federal no. 25, de 30 de novembro de 1937 e a Lei Estadual no. 1211, de 16 de
setembro de 1953. Por sua importância, a Constituição Federal ainda estabelece que é função
da União, dos estados e municípios, com o apoio das comunidades, preservar os bens
culturais e naturais brasileiros (LEMOS, 2010).
São Miguel do Oeste, SC: A Cidade e seus Espaços Edificados
O povoamento de São Miguel do Oeste ocorre com a iniciativa do Governo do Estado
de Santa Catarina que objetivava a ocupação definitiva do território promovendo um plano de
colonização do Oeste Catarinense, em 1912. O governo concedeu às empresas colonizadoras
as áreas a serem destinadas aos colonos. Essas empresas tinham dois objetivos principais,
explorar a madeira e comercializar os lotes de terra.
Além da empresa, passaram pela história de São Miguel do Oeste algumas figuras
marcantes, como o Sr. Olímpio Dal Magro que elaborou o projeto de loteamento das terras e
providenciou a abertura da Avenida Getúlio Vargas com 25 metros de largura e das demais
ruas com 20 metros (DE BONA, 2004).
E, a partir das necessidades dos indivíduos, Vila Oeste, que recebia esse nome para
denominar o local da sede da firma Barth, Benetti e Cia, deixou de ser vila e passou a ser
distrito em 21 de dezembro de 1949, recebendo o nome de São Miguel do Oeste, em
homenagem a São Miguel Arcanjo, protetor dos madeireiros. Posteriormente, em 30 de
dezembro de 1953 passa a ser município (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO,
2002).
Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo
A atual Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo é a quarta Igreja construída pela
comunidade católica da cidade. Todas foram construídas na mesma quadra, sendo a primeira
no ano de 1943 (FIORINI, 1999).
O desejo de construir a Igreja partiu de Pe. Aurélio Canzi, primeiro Padre a chegar a Vila
Oeste, em 1943. Ele pretendia edificá-la em dois anos, no entanto, a construção iniciou em
1966 e foi finalizada apenas em 1978, doze anos depois, pelo Pe. Alpidio Magrin, Vigário na
época. O projeto, apresentado em 1965, grandioso e de alto custo financeiro, foi elaborado
por um arquiteto italiano que morava em Curitiba. De acordo com Fiorini (1999, p. 60) Canzi
queria “construir em São Miguel do Oeste uma das mais lindas e maiores Igrejas do Brasil”
(FIORINI, 1999; PARÓQUIA SÃO MIGUEL ARCANJO, 2000).
A obra foi considerada uma das maiores do Estado de Santa Catarina pela quantidade de
material utilizado em sua construção. Para edificar um projeto tão arrojado foi necessária a
participação de toda comunidade católica que promoveu campanhas, mutirões, doações das
famílias, doação de madeira e material das firmas, festas populares nas comunidades e
numerosas plantações em mutirão (FIORINI, 1999; PARÓQUIA SÃO MIGUEL ARCANJO,
2000).
A Igreja encontra-se edificada na Rua Duque de Caxias, em terreno doado pela firma
colonizadora Barth, Benetti e Cia, e não considerou a construção da torre, pelos recursos que
demandaria, nem a colocação do altar no centro, mas manteve a essência original do projeto
(FIORINI, 1999).
Praça Walnir Bottaro Daniel
Existente desde o início do processo de colonização, quando se chamava Praça
Ipiranga. Era um campo aberto com mata abundante. Leva esta denominação em homenagem
ao segundo Prefeito eleito do município de São Miguel do Oeste, SC (FIORINI, 1999).
Ela é hoje uma grande área verde, com calçadas em estilo português, localizada no
centro da cidade e atrai visitantes pela sua beleza e encanto proporcionado pelas espécies de
flores e árvores ali existentes.
A Praça figura ainda como ponto das principais comemorações, festividades,
manifestações e encontros mais importantes do município. Sua importância é notória desde
tempos passados, quando era comum os militares do Exército realizarem manobras e
treinamentos na Praça, devido à mata abundante existente no local.
Abriga um dos símbolos do município, o Monumento ao Desbravador, construído em
ferro, pesando aproximadamente duas toneladas, e que lembra um lenhador. Seu intuito é
representar a força de vontade do povo colonizador que aqui chegou na década de 1940,
encontrando uma densa mata fechada. A obra possui seis metros de altura e o artista, Paulo de
Siqueira, utilizou material de sucata encontrado na Garagem da Prefeitura e trabalhou lá
mesmo, por aproximadamente uma semana. Depois o monumento foi levado até a Praça e
inaugurado em agosto de 1979.
Gruta Nossa Senhora de Lourdes.
Em 1950 Pe. Aurélio idealizou a construção da Gruta, tendo Nossa Senhora de
Lourdes como patrona, mas apenas a partir do final dos anos 50 que se iniciou sua
construção, no centro da cidade, ao lado da Praça Walnir Bottaro Daniel. Logo a Gruta foi
aceita pelo povo como um lugar de meditações e orações. Em sua construção, respeitou-se a
geografia do terreno e a vegetação existente no local, constituída por espécies nativas
(FIORINI, 1999).
Ademais, é lá que está sepultado Pe. Aurelio Canzi, o primeiro padre de São Miguel
do Oeste, no topo da Gruta, exatamente onde foi colocada a Cruz quando ela ainda estava em
construção. Desde a época, até hoje, são realizadas missas na Gruta, principalmente em dias
especiais, como o Natal, data em que o local recebe decoração especial (FIORINI, 1999).
Casas de alvenaria
Primeira
A primeira casa de alvenaria de São Miguel do Oeste foi construída entre 1942 e
1944, na época em que a cidade se chamava Sede Oeste, e está localizada na Rua Almirante
Tamandaré, Centro.
Foi construída para ser a moradia de uma família que veio do Rio Grande do Sul em
1942, e pelo bom poder aquisitivo construiu uma casa de alvenaria já naquela época. Além
disso, a família construiu, pouco tempo depois, um pequeno armazém ao lado da casa. Era
semelhante a um galpão, constituído por tabuinhas de 30 cm de pinheiro lascado e mata junta
para unir as tábuas. Os principais produtos comercializados por eles eram café, açúcar, coalho
e outro itens de primeira necessidade.
Segundo relatos do E 05
Em frente à casa, no meio da estrada ainda tinha tocos de Pinheiro, ainda não havia
sido aberta a estrada, só passava carroça, e jipe e algum caminhãozinho quando
vinha trazer alguma mudança. Pra subir pra cima, tinha estrada até em frente ao
antigo cinema e depois colocaram um Hotel, o Hotel Holtz, porque aqueles que
vinham não sabiam onde comprar a terra, daí eles ficavam lá. E de lá pra cima não
tinha rua, não tinha nada. E logo pro lado de baixo da casa morava o Romeo e
morava a Miloca.
Esse imóvel representou uma importância e um estímulo para a população na década
de1940, pois de acordo com Entrevistado 05, “Para a família era um orgulho, e para o povo
também, a população, a colônia se orgulhavam de ver uma casa tão bonita assim, porque eles
tinham tudo aquelas casinhas precárias”.
Em relação à arquitetura da residência, ela possui porão, a exemplo das outras
construções da época. Os tijolos vieram do Rio Grande do Sul, pois ainda não existia estrada
para Chapecó e o assoalho é de madeira. Possui muitas aberturas, uma clarabóia, e também
algumas aberturas no telhado, com telhas em material transparente, para permitir a entrada de
iluminação e claridade, já que não existia iluminação elétrica.
A casa passou por algumas alterações, como a troca das telhas, reconstrução do muro
na fachada frontal, pintura e uma pequena ampliação. No entanto, a maior parte da edificação
se mantém original e é um reduto da arquitetura local, por suas peculiaridades arrojadas para
a época.
Segunda
A construção da primeira e da segunda casa de alvenaria de São Miguel do Oeste se
deu ao mesmo tempo, porém, uma ficou pronta antes devido ao fato de o proprietário ter mais
recursos para finalizar a construção. Sobre a data de inauguração da casa há divergências,
mas sabe-se que ocorreu entre 1943 e 1956, e foi construída para abrigar uma família, que
assim como as outras, queria formar um futuro na crescente Vila Oeste.
Ao chegar, a família se abrigou em uma casa de madeira, construída no mesmo lote da
atual casa de alvenaria. Contudo, talvez as idas frequentes do proprietário a Caxias do Sul,
Passo Fundo e Carazinho RS, que já eram cidades com maior densidade populacional, o
tenham incentivado a construir algo melhor. E até arquitetonicamente parecido, uma vez que
a pintura da casa foi feita com pedrinhas brilhantes misturadas na massa do cimento e
aplicadas nas paredes externas. Sendo assim, desde aquela época a casa nunca mais foi
pintada.
O E 07, explica ainda que “os tijolos tinha que trazer de Caxias, por isso o pai teve
facilidade de construir, porque ele tinha a oportunidade de trazer o material, porque se não o
pessoal tinha que sair daqui e ir pra lá, era difícil, imagina, era tudo estrada de chão”.
Já a pintura interna possui detalhes e desenhos feitos com o auxílio de uma pena,
quando a massa, que era bem fina, ainda estava molhada. Técnica chamada de Escaiola.
Destaca-se que serviu a três gerações da família e continua habitada, deu pouso
também para Pe. Aurélio temporariamente, figurando um imóvel importante para a história
de São Miguel do Oeste. Localiza-se na esquina da Rua Marcílio Dias com a Rua Sete de
Setembro, e é possível encontrar ainda hoje um “Balanço Duplo” de 1969 e a estrutura
original da casa, pois foram trocadas apenas algumas aberturas feitas de Imbuia e Cedro.
Residências
01
Construída em 1953, essa talvez seja a residência mais conhecida daquele tempo, pois
de acordo com o E 15, o proprietário “[...] era o único médico que tinha aqui e todo mundo ia
lá na casa, porque não tinha telefone, então os caras iam lá. Eles chegavam correndo, fora de
hora, dentro da hora eles iam lá no hospital”. Assim sendo, não é difícil entender que as
pessoas se sentiam confiantes e seguranças de poder ir até a casa, para receber os cuidados.
Além disso, ao chegar ao povoado em 1950, convidados pela SICAN (Sociedade
Indústria e Comércio Aparício Nunes LTDA), por intermédio de Olimpio Dal Magro, em
razão da necessidade de um médico, a família preocupou-se antes em edificar um Hospital
particular, inaugurado no ano de 1952.
Como é típico da região, foi construída com madeira de Pinheiro, que se mantém
original no interior da edificação até hoje, com exceção da parte externa, que teve elementos
substituídos em razão da deterioração.
Possuía garagem com moradia nos fundos, que é ainda habitada por familiares, uma
sala grande, três quartos e um banheiro fora de casa, como de costume. Contudo, em 1956 a
residência precisou passar por uma reforma para receber um membro da família que estava
doente. Nessa época a casa foi ampliada e instalaram um banheiro dentro de casa. Além
disso, a família adotou algumas medidas preventivas como pintura e troca de algumas telhas.
Localiza-se na Rua XV de Novembro, próximo ao Calçadão, no Centro da cidade, que no
passado apresentava outra configuração urbana e espacial por existir apenas Pinheiros.
02
A casa foi edifica em 1948 com o intuito de ser a moradia de uma família cujo
patriarca chegou em 1942, contratado para fazer a medição das terras e averiguar onde eram
as divisas do lote de um e de outro. Ele foi um dos três primeiros pioneiros enviados pela
firma Barth, Benetti & Cia (DE BONA, 2004).
No entanto, segundo relatos do E 10
Não foi a primeira casa na qual a família morou, nos primeiros anos ficaram no
Barracão, que ficaria próximo ao cemitério e depois foram morar perto de onde é a
AABB agora, mas não era terra deles. A terra eles compraram onde está a
Imobiliária Apolo hoje, que foi o imóvel onde eles moraram. O terreno era de
25x50m, hoje está ocupado por comércios. Todos os terrenos eram grandes, e com o
tempo iam retalhando, dando para os filhos, vendendo por necessidade. O terreno ia
até onde tem a Igreja Internacional da Graça de Deus hoje.
Além de moradia, vários comércios passaram pelo imóvel, antigamente o porão era
uma alfaiataria e atualmente uma Loja. No pavimento térreo, em uma das duas salas,
encontra-se a Imobiliária Apolo.
Outras reformas foram feitas, como a colocação de PVC apenas na fachada frontal,
em cima da madeira original pois estava muito deteriorada. Frisa-se que a madeira original
não foi tirada, apenas tapada com o material. Houve também a substituição do assoalho de
madeira da imobiliária, por cerâmica, e o acréscimo de uma porta de ferro para dar acesso a
Imobiliária, substituindo uma pequena porta que existia ali.
Apesar dessas alterações, muitos elementos ainda superam as ações do tempo, como
as telhas, embora algumas tenham sido trocadas, e a madeira que é de Pinheiro e nunca foi
pintada.
Sobre as peculiaridades de sua arquitetura, observa-se que o telhado possui uma
inclinação considerável, isso porque, de acordo com o E 08 “era feito assim por causa das
nevascas, do gelo, das pedras. Além do que, as telhas de barro pedem caimento, se não da
goteira”. Ainda, as paredes são duplas, e o telhado composto por barrotes de 8x15 cm.
Ao ser questionado sobre a relevância do imóvel, o E 10 comprova que foi importante
“para a família e para algumas pessoas que chegaram vindas de Caxias também, já se
conheciam de lá, e ficaram por um tempo na casa [...]. Tinha também um poço que servia
para as duas casas, e muita gente vinha pegar água para tomar, pois era muito boa”.
03
Essa residência foi construída para moradia em 1952, em lote na Rua Almirante
Tamandaré, próximo ao Hotel Brasil. De acordo com o proprietário (E 11), a casa hoje parece
estar alta em relação ao nível da rua porque “naquela época existia um barranco até chegar à
casa”. Além disso, a rua era de terra e estreita, e havia apenas dois moradores nas imediações.
Sua arquitetura não foge à regra dos outros imóveis da época, pois foi feita com
madeira de Pinheiro, trazida de Dionísio Cerqueira. Já as aberturas eram produzidas aqui. Foi
construída com três quartos, sala, cozinha e porão, no entanto, alguns anos depois a
disposição dos cômodos foi alterada, alguns quartos passaram a ser sala e o assoalho da
varanda foi substituído. Além disso, houve uma ampliação de 1,5m e a implantação de um
banheiro e de uma garagem dentro da casa.
Destaca-se que a madeira, o assoalho da parte interna e algumas telhas são originais.
Esse bom estado de conservação se deve ao fato de que, segundo o E 11, a edificação “foi
pintada naquela época com óleo de linhaça, que conserva muito a casa, ele penetra na
madeira e não deixa apodrecer e aguenta muitos anos”. Além do mais, é pintada a cada cinco
anos.
Hotel do Comércio
O Hotel do Comércio foi construído em 1950, na Rua Almirante Tamandaré, onde já
existia um Hotel, como explica o E 06: “do lado tinha outro hotel né, daí tinha dormitório e
cozinha tudo junto. Daí o pai achou pequeno e construiu esse que ta aí agora, daí ali tinha
restaurante, cozinha, e nós morava uma parte em baixo, uma parte em cima”. Depois, a
família edificou sua moradia ao lado, na Rua Padre Aurélio Canzi. No entanto, frisa-se que ao
longo do desenvolvimento da pesquisa, em 28/02/16, o Hotel foi demolido.
Nesse sentido, o Hotel encerrou valor social, como confirma o E 06: “acolhia o
pessoal que vinha de fora porque eles não tinham pra onde ir [até suas casas serem
edificadas], chegavam aqui, ia ter quem? Se tivesse algum parente aqui, era um ranchinho
com duas, três peças, então não tinha onde por as pessoas”. Além das famílias, o Hotel
acolhia os viajantes e os passantes, uma vez que Vila Oeste era rota de passagem para ir ao
Paraná.
A história do imóvel de estilo Germânico iniciou com hotel, restaurante e moradia
para a família (durante duas gerações). Depois, de 1964 a 1966, passou a ser alugado para
acomodar o Clube Comercial, destruído em um incêndio. Em outra fase foi alugado e recebeu
o nome de Hotel Gaúcho. Por último, foi vendido e hoje se encontra demolido para dar lugar
a um novo empreendimento.
Sua arquitetura era encantadora e peculiar devido à presença da mansarda, que
abrigava a divisão de vários quartos. Como os outros estabelecimentos do período, a madeira
usada foi de Pinheiro e os barrotes de 8x15cm. Contava ainda com uma área de convivência,
onde nos domingos os hospedes e os vizinhos podiam escutar o Programa da Rádio
Farroupilha, Porto Alegre RS, já que a maioria não possuía radio.
Escritório da Madeireira São Vicente
Sendo o ramo madeireiro o principal coadjutor da colonização do extremo oeste, não
poderia faltar nesse artigo um imóvel desse âmbito. E esse, em especial, resiste ao tempo e ao
progresso. Foi construído em 1962, na Rua Almirante Barroso, nº 429, ao lado da Praça
Walnir Bottaro Daniel, no tempo em que era apenas um campo e a estrada de chão.
Ele era dividido em duas peças. Foi usado madeira de Pinheiro em sua construção,
que permanece original, mas recebeu pintura para conservação. O telhado é bem inclinado
em razão das grandes chuvas e nevascas e as telhas que o compõem são originais e foram
compradas em Carazinho.
Os idealizadores trabalharam em sociedade e fundaram a Madeireira São Vicente,
próximo ao município de Paraíso. O escritório foi importante para a região pois os caminhões
que vinham carregados de madeira paravam no Escritório, independente do horário, para
retirar a documentação necessária e transportar a madeira. Além do mais, a importância do
ramo madeireiro para essa região é inquestionável. A seguir relato do E 12 sobre o tema
Nossa Serraria ficava mais perto de Paraíso, então vinha os caminhões carregados,
paravam ali na frente do escritório e daí o meu marido ia atender fosse 10h da noite,
meia noite, de manha, as 16h da tarde, ele levantava para tirar uma nota e uma guia,
porque o motorista do carro dizia: Ai Nadir, por favor, vai me dar nota porque eu
não posso perder tempo porque a estrada é muito ruim.
A família afirma que o imóvel representa uma lembrança para eles e para a região,
uma vez que a “atualidade, o progresso vai deixando tudo de lado as coisas velhas, porque o
pessoal novo não valoriza tudo o que os antigos fizeram”. E 12.
Os patrimônios de interesse local devem ser tombados por órgãos de defesa do
patrimônio existentes nas cidades. Em São Miguel do Oeste, a lei orgânica trata do assunto,
mas não apresenta os meios que devem ser adotados para realizar a proteção. É o que dispõe
o inciso II do artigo 161:
Art. 161 Para assegurar a defesa e preservação do meio ambiente, incumbe ao Poder
Público Municipal, em conjunto com outros Poderes ou isoladamente, e onde se
omitirem os órgãos estaduais e federais competentes:
II - Proteger e restaurar a diversidade e a integridade do patrimônio genético,
biológico, ecológico, paisagístico, histórico, paleontológico e arquitetônico;
No entanto, nenhum dos bens relatados na pesquisa é tombado, eles são mantidos e
preservados pelos próprios proprietários, por meio de pinturas e substituição de alguns
materiais. Os motivos de não existir nenhum bem tombado são inúmeros, “[...] seja pelos
fatais caminhos do desgaste natural, [...] seja pelo descuido desses mesmos homens que o
edificaram, seja pelos ventos do progresso, talvez impiedosos para o antigo”. (MEIRA, 2004,
p. 06). Em São Miguel, os fatores relatados pela autora se concretizam, é o que explica o E
03:
Em 2014 o governo do Estado abriu um Edital, esse Edital previa recursos para os
municípios que tivessem prédios que pudessem vir a ser tombados. E a gente fez
um levantamento, e que se enquadrassem na proposta, a gente não encontrou aqui
no município. Claro, a gente foi em algumas comunidades, a gente viu algumas
residências, mas muitas delas já haviam sofrido reformas, algumas até reformas
profundas, e a residência em si não se adequava à proposta, mas sim um cômodo.
Para a captação de recursos, a casa tinha que estar intacta.
Além desse relato, sabe-se que, em algumas situações, o poder público não demonstra
interesse. Em outras, mesmo havendo incentivo do poder público, a família não entra em
acordo. Como ressalta o E 02:
A preservação é necessária, isso é sabido, mas deve-se observar de que meios ela
será viabilizada. É fácil dizermos que é necessária, pois o imóvel não nos pertence.
Devem-se criar mecanismos que se torne interessante para o proprietário também.
Porém destaca-se que “[...] o proprietário não pode, em nome de interesses egoísticos,
usar e fruir livremente seus bens se estes traduzem interesse público por atrelados a fatores de
ordem histórica, artística, cultural, científica, turística e paisagística”. (CARVALHO FILHO,
2008, p. 708).
Sobre a opinião dos proprietários, um pequeno número acredita que os imóveis não
devem ser tombados. Eles prezam pelo futuro do lote comprado com esforço há 60 anos,
como é o caso do E 11: “esse ponto merece um prédio, por estar na esquina”. Esse relato
confirma o fundamento de Lemos (2010) que os bens culturais estão à mercê das novas
solicitações exigidas pelas novas gerações, que possuem outras concepções de bem viver e
morar.
Outra questão apontada é que o município de São Miguel não tem estrutura para
tombamento. Dentro dessa discussão e da realidade local, é indispensável esclarecer que o
tombamento de um bem exige a aplicação de recursos para manter o imóvel em condições
seguras e passíveis de visitação (E 03).
Para o E 05, por exemplo, “seria uma casa de preservação para visitas, quando
visitantes vierem de fora, mostrar a primeira casa de tijolos”. E para o E 10: “Seria muito
importante, para ver como todo lugar tem uma história. Uma casa vira um museu para as
futuras gerações conhecerem, porque contar é uma coisa, mas ver é outra”.
CONCLUSÃO
Constatou-se ao longo da pesquisa que a grande maioria dos Miguel – oestinos, em
especial das duas últimas gerações, desconhecem os imóveis históricos que a cidade abriga.
Certamente, muitos deles já passaram pela primeira casa de alvenaria, por exemplo, sem
saber que é a primeira casa de tijolos construída na cidade.
Além disso, constata-se que os bens históricos e culturais do município não fazem
parte do dia-a-dia da comunidade, isso porque, a maioria dos bens que restaram são
residenciais e estão habitados, portanto não estão ligados às atividades e funções públicas da
cidade, exceto a Imobiliária Apolo, único imóvel que participa das movimentações urbanas.
Apesar disso, como proposto, comprova-se que toda cidade tem sua história e São
Miguel do Oeste não é diferente, a cidade possui Patrimônio Histórico e Cultural, mas não é
tombado. Suas construções e arquitetura, bem como os habitantes mais antigos do município
têm muito a contar. E a importância de preservar esses imóveis históricos é justificada ao
entender-se que manter viva a história de um município garante a preservação da identidade
do local e do povo para a posterioridade, além disso, ajudam a pessoa a se reconhecer como
indivíduo e como cidadão que pertence àquele espaço e lugar, pois fazem parte da memória,
da lembrança e da constituição do individuo. Mesmo que a cidade se modifique e se expanda,
o que é natural, a memória coletiva e a arquitetura da época estarão salvas para lembrança
dos antigos ou para o conhecimento das novas gerações.
REFERÊNCIAS
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