View
221
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
1/167
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC SP
Maria Cecilia Menegatti Chequini
Resilincia e Espiritualidade em Pacientes
Oncolgicos: Uma Abordagem Junguiana
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLNICA
So Paulo
2009
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
2/167
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC SP
Maria Cecilia Menegatti Chequini
Resilincia e Espiritualidade em Pacientes
Oncolgicos: Uma Abordagem Junguiana
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLNICA
Dissertao apresentada BancaExaminadora da Pontifcia Universidade
Catlica de So Paulo como exignciaparcial para obteno do ttulo deMESTRE no Ncleo de Psicossomticae Psicologia Hospitalar do Programa deEstudos Ps-Graduados em PsicologiaClnica, sob a orientao da Profa. Dra.Ceres Alves de Arajo.
So Paulo
2009
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
3/167
Banca Examinadora
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
4/167
Aos meus pais, fontes de amor e dedicao
que produziram em mim a possibilidade
de resilincia e espiritualidade.
Ao meu marido, cujo companheirismo, apoio e
incentivo, possibilitaram a realizao deste trabalho.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
5/167
- AGRADECIMENTOS -
Ao Mysterium Tremendum, ainda que eu no quisesse, minha eternareverncia.
Agradeo vida pela oportunidade de realizar este trabalho, para mim
muito especial, junto com presenas to especiais. Todos os seres envolvidos
tiveram participaes essenciais na sua elaborao. Todos os erros e acertos,
assim como todos vieses e acontecimentos, contriburam para que ele se
compusesse tal como , no perfeito, mas inteiro. Pude sentir desde o incio o
destino pulsar em cada uma das etapas, atravs das mos amigas de minha
orientadora e demais companheiros. No existiu acaso, nenhum, e, durante o
tempo todo, percebi que eu era apenas mais uma colaboradora na sua construo.
Por isso sou imensamente agradecida.
querida Profa. Dra. Ceres Alves de Arajo, em especial, pela confiana
e oportunidade de desenvolver este trabalho sob sua sbia orientao. Seu
exemplo de vida e apoio serviram de inspirao e me guiaram nesta jornada.
Muito obrigada.
Aos membros da banca: Profa. Dra. Edna M. Peters Kahhale, serei
sempre grata pela pacincia acolhedora com que me conduziu na descoberta deste
fantstico mundo da pesquisa cientfica; ao Prof. Dr. Elizeu Coutinho de Macedo,
pelas ricas contribuies que orientaram a construo deste trabalho sob bases
cientficas; Profa. Dra. Maria Tereza Nappi Moreno, pela disposio e interesse
e Profa. Dra. Mathilde Neder, pioneira no estudo da psicossomtica no Brasil,
pela honra dos ensinamentos recebidos.
Aos professores Dr. Esdras Guerreiro Vasconcellos e Dra. Liliana L.
Wahba, pelo carinho e contribuies acadmicas.
s professoras coordenadoras do Programa de Estudos Ps-Graduados
em Psicologia Clnica da PUCSP, Dra. Marlise A. Bassani e Dra. Denise Ramos,
pela convivncia amiga e solicitaes atendidas.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
6/167
Ao Capes e, mais uma vez, aos professores do Ncleo de Psicossomtica e
Psicologia Hospitalar da PUCSP, por todos os meses em que fui contemplada
com bolsa de estudos.
querida amiga Mariangela Gargioni Donice, pelo carinho e disposiosolidria que me levaram at a equipe de profissionais do Centro Paulista de
Oncologia.
A Alexandre de Jesus Viana, pela generosidade de ter disponibilizado seu
tempo e energia para a coleta dos dados. Sua ajuda foi fundamental.
A toda equipe do Centro Paulista de Oncologia, especialmente ao Dr.
Ren Cludio, por ter autorizado a realizao desta pesquisa.
A todos os pacientes que compuseram este estudo, pois, num momento to
delicado de suas vidas, acreditaram e colaboraram com esta pesquisa, dando sinais
claros de f, coragem e solidariedade.
Profa. Dra. Yara de Castro e Natlia M. Dias pela prontido, carinho e
eficincia com que me ajudaram nas anlises estatsticas.
Profa. Dra. Luciana F. Marques, que atendeu prontamente a todas as
minhas solicitaes.
Ana Rios, exemplo de solidariedade, agradeo por mim e por todos
aqueles a quem ajudou neste percurso.
A todos aqueles com quem convivi e tantas trocas realizamos,
principalmente Mrcia Barreto, Maria Mello, Cristina Masiero, Rosana Watson,
Elisa sper, Renata e todo grupo de orientao.
Ao Chequini, por ter me lanado o desafio do mestrado e por ter me
acompanhado em cada uma de suas etapas.
A toda minha famlia, meus pais sempre presentes, minhas irms, irmo e
principalmente Arlete pelo interesse e ajuda.
A todos os meus amigos queridos que sempre contriburam imensamente
com ideias, sugestes e, principalmente, com suas companhias amorosas e
acolhedoras.
Ao querido Worney Albiero (in memorian), que tanto me incentivou,
ajudou e inspirou.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
7/167
Depois dessa doena comeou um perodo de
grande produtividade. Muitas de minhas obras
principais surgiram ento. O conhecimento ou
a intuio do fim de todas as coisas deram-me
a coragem de procurar novas formas de
expresso. [...]
Foi s depois de minha doena que
compreendo o quanto importante aceitar
o destino. Porque assim h um eu que no
recua, quando surge o incompreensvel. Um
eu que resiste, que suporta a verdade e que
est a altura do mundo e do destino. Ento
uma derrota pode ser, ao mesmo tempo, uma
vitria. Nada se perturba, nem dentro nem
fora, porque nossa prpria continuidade
resistiu torrente da vida e do tempo.
Mas isso s acontece se no impedirmos que o
destino manifeste suas intenes.
G. Jung (s/d, p. 259)
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
8/167
RESUMO
MENEGATTI-CHEQUINI, M. C. Resilincia e espiritualidade em pacientesoncolgicos: uma abordagem junguiana. 2009, 152 p. Dissertao (Mestrado).
Programa de Estudos Ps- Graduados em Psicologia Clnica. Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo, 2009.
Este trabalho teve como objetivo estudar a interrelao entre resilincia e
espiritualidade em pacientes oncolgicos, utilizando como referncia a linha
terica junguiana. O termo resilincia foi empregado no sentido de processo
atravs do qual uma pessoa, grupo ou comunidade, superam situaes de
adversidades, transformando-as em desenvolvimento pessoal e coletivo.
Espiritualidade referiu-se experincia com o Self, que traz sentido e significado
para a existncia. Foram aplicados a Escala de Resilincia (WAGNILD e
YOUNG, 1993), a Escala de Bem-Estar Espiritual (PAULOTIZIAN e ELLISON,
1982) e um questionrio para levantamento de dados sociodemogrficos,
religiosos/espirituais e de sade em uma amostra de 60 pessoas, entre 27 e 72
anos (14 homens e 46 mulheres), residentes na capital de So Paulo. Todos os
participantes foram diagnosticados com algum tipo de cncer e estavam em fase
de tratamento. A anlise estatstica dos dados mostrou que h uma relao
positiva significativa entre resilincia e bem-estar espiritual. As aplicaes deste
estudo apontam a espiritualidade como um fator importante no processo resiliente
e eficaz no desenvolvimento de mtodos para sua promoo.
Palavras-chave:Resilincia, Espiritualidade, Religiosidade, Self.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
9/167
ABSTRACT
MENEGATTI-CHEQUINI, M. C. Resilience and Spirituality in Oncological
Patients: a Jungian approach. 2009, 152 p. Dissertation (Master Degree). Post-
graduate Study Program in Clinical Psychology. Pontificia Universidade Catlica
- So Paulo, 2009.
This works objective is to explore the interrelationship between resilience and
spirituality in oncological patients, using as reference the Jungian theories. The
term resilience was used here to describe the process through which an individual,
a group or a community overcome adverse situations, transforming these in
personal and collective development opportunities. Spirituality refers to the
experience with the Self, which brings meaning and significance to existence. The
Resilience Scale (WAGNILD e YOUNG, 1993) and the Spiritual Well-Being
Scale (PALOUTZIAN e ELLISON, 1982), and a questionnaire collecting
demographic religious/ spiritual and health data, were applied in a sample group
of 60 people between 27 and 72 years of age (14 men and 46 women), all So
Paulo City residents. At the time, all participants had been diagnosed with some
type of cancer and were undergoing treatment. The statistic analysis of data
showed that there is a considerably positive relationship between resilience and
spiritual well-being. The applications of this study indicate that spirituality is an
important factor in the process of recovery and efficient in the development of
methods for the promotion of resilience.
Key-words:Resilience, Spirituality, Religiosity and Self.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
10/167
- SUMRIO -
INTRODUO ......................................................................................................................... 1
OBJETIVOS .............................................................................................................................. 6
CAPTULO I RESILINCIA .............................................................................................. 7
1.1. ORIGEM E EVOLUO DO CONCEITO ............................................................ 7
1.1.1. Situaes de risco ......................................................................................... 10
1.1.2. Situaes de proteo e fatores de resilincia .............................................. 12
1.1.3. A dinmica do processo resiliente ................................................................ 16
1.2. O CNCER ENQUANTO ADVERSIDADE ....................................................... 20
1.3. RESILINCIA E PSICOLOGIA ANALTICA .................................................... 24
CAPTULO II ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE ........................................... 29
2.1. OS CONCEITOS DE ESPIRITUALIDADE E DE RELIGIOSIDADE ............... 29
2.2. A ESPIRITUALIDADE E A RELIGIOSIDADE NA PSICOLOGIA
ANALTICA ........................................................................................................... 36
CAPTULO III RESILINCIA E ESPIRITUALIDADE ............................................... 44
3.1. DEFINIO OPERACIONAL DOS TERMOS ESPIRITUALIDADEE RESILINCIA E INSTRUMENTOS DE AVALIAO .................................. 44
3.1.1. Espiritualidade e a escala de Bem-Estar Espiritual de
Paloutizian e Ellison (1982) ......................................................................... 44
3.1.2. Resilincia e a escala de Resilincia de Wagnild e Young (1993) ............... 48
3.1.3. Utilizao das escalas de Resilincia e Bem-Estar Espiritual
em estudos anteriores ................................................................................... 50
3.2. A ESPIRITUALIDADE COMO FATOR DE RESILINCIA ............................... 55
3.3. IMAGENS DE RESILINCIA E DE ESPIRITUALIDADE ................................. 60
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
11/167
CAPTULO IV MTODO ................................................................................................... 64
4.1. CARACTERSTICAS DO ESTUDO .................................................................... 64
4.2. LOCAL DA COLETA ........................................................................................... 64
4.3. SUJEITOS .............................................................................................................. 66
4.4. INSTRUMENTOS ................................................................................................. 66
4.4.1. Questionrio de dados sociodemogrficos, religiosos/espirituais
e de sade ..................................................................................................... 67
4.4.2. Escala de Resilincia de Wagnild e Young (1993) adaptada por
Pesce et al. (2005) ...................................................................................... 67
4.4.3. Escala de Bem-Estar Espiritual de Paloutizian e Ellison (1982)
adaptada por Marques (2000) ........................................................................ 69
4.5. PROCEDIMENTOS .............................................................................................. 72
4.5.1. Familiarizao com o local da pesquisa ........................................................ 72
4.5.2. Treinamento da pessoa do auxiliar de pesquisa ............................................ 72
4.5.3. Coleta de dados ............................................................................................. 72
4.6. CUIDADOS TICOS ............................................................................................ 73
4.7. ANLISE ESTATSTICA .................................................................................... 74
CAPTULO V RESULTADOS .......................................................................................... 75
5.1. CARACTERIZAO DA AMOSTRA QUANTO AOS DADOS OBTIDOS
NO QUESTIONRIO DE DADOS SOCIODEMOGRAFICOS,
RELIGIOSOS/ESPIRITUAIS E DE SADE ........................................................ 75
5.2. CARACTERIZAO DA AMOSTRA QUANTO AOS RESULTADOS
OBTIDOS NAS ESCALAS DE RESILINCIA E BEM-ESTAR
ESPIRITUAL ......................................................................................................... 80
5.2.1. Correlao entre os dados obtidos nas escalas de Resilincia, Bem Estar
Espiritual e subescalas de Bem-Estar Religioso e Existencial ...................... 82
5.2.2. Cruzamentos das classificaes das escalas de Resilincia, Bem-EstarEspiritual e subescalas de Bem-Estar Religioso e Existencial ...................... 83
5.2.3. Anlise das diferenas entre os escores das subescalas de Bem-Estar
Religioso e Existencial e as classificaes em resilincia ............................. 87
5.2.3.1. Comparao entre as mdias das diferenas entre os escores
de bem-estar religioso e existencial e as classificaes em resilincia ......... 88
5.2.3.2. Comparao do desempenho nas subescalas de Bem-Estar
Religioso e Existencial e as classificaes em resilincia ............................ 89
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
12/167
5.3. COMPARAES ENTRE DADOS OBTIDOS NAS ESCALAS DE
RESILINCIA, BEM-ESTAR ESPIRITUAL E NO QUESTIONRIO DE
DADOS SOCIODEMOGRFICOS RELIGIOSOS/ESPIRITUAIS
E DE SADE .......................................................................................................... 90
5.4. CLASSIFICAO HIERRQUICA PARA CONSTRUO
DE AGRUPAMENTOS (CLUSTERS) ................................................................ 100
CAPTULO VI DISCUSSO ........................................................................................... 111
CAPTULO VII CONSIDERAES FINAIS ............................................................... 127
REFERNCIAS .................................................................................................................... 130
ANEXOS ............................................................................................................................... 143
ANEXO A -QUESTIONRIO DE DADOS SCIODEMOGRFICOS,
RELIGIOSOS/ESPIRITUAIS E DE SADE ................................................................ 144
ANEXO B - ESCALA DE RESILINCIA ................................................................... 147
ANEXO C -ESCALA DE BEM-ESTAR ESPIRITUAL ............................................. 148
ANEXO D - DOCUMENTO CONTENDO A AUTORIZAO
DA INSTITUIO PARA A REALIZAO DA PESQUISA .................................... 149
ANEXO E - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ............... 151
ANEXO F -PARECER DO COMIT DE TICA EM PESQUISA
DA PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO .......................... 152
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
13/167
- LISTA DE TABELAS -
1 - Distribuio da variveis Sociodemogrficas ..................................................... 77
2 - Distribuio das variveis relacionadas a Crenas, Afiliao
religiosa e Sade .................................................................................................. 78
3 - Distribuio quanto aos escores parciais e totais obtidos por cada
participante nas escalas de Resilincia, Bem-Estar Espiritual e nas
subescalas de Bem-Estar Religioso e Existencial ............................................... 804 - Classificao da amostra nas escalas de Resilincia, Bem-Estar Espiritual
e nas subescalas, Bem-Estar Religioso e Existencial .......................................... 81
5 - Matriz de Correlao de Pearson dos resultados obtidos pelas escalas de
Resilincia e Bem Estar Espiritual, incluindo as correspondentes subescalas
de Bem-Estar Religioso e Bem-Estar Existencial ............................................... 82
6 - Distribuio dos resultados do cruzamento entre as classificaes nas
escalas de Bem-Estar Espiritual e Resilincia ..................................................... 837 - Distribuio dos resultados do cruzamento entre as classificaes nas
escalas de Bem-Estar Existencial e Resilincia .................................................. 84
8 - Distribuio dos resultados do cruzamento entre as classificaes nas
escalas de Bem-Estar Religiosos e Resilincia ................................................... 86
9 - Distribuio dos resultados da comparao entre as mdias das diferenas
entre os escores de bem-estar religioso e existencial e as classificaes na
escala de Resilincia ............................................................................................ 88
10 - Distribuio dos resultados da comparao entre as mdias dos
desempenhos nas subescalas de Bem-Estar Religioso e Existencial e as
classificaes em resilincia ................................................................................ 89
11 - Sumrio dos resultados dos Testes t e das Anovas (efeito das variveis sexo,
filhos, ocupao, estado civil, idade, escolaridade e religiosobre as
medida de resilincia, bem-estar espiritual, religioso e existencial) ................... 91
12 - Comparao de Mdias entre a varivel, participao em instituio
religiosae os ndices de resilincia, bem-estar espiritual, bem-estar
existencial e bem-estar religioso ......................................................................... 92
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
14/167
13 - Cruzamento entre a varivelpertencer a instituies religiosase as
classificaes na escala de Resilincia ................................................................ 92
14 - Cruzamento entre afrequncia a instituies religiosase as classificaes
na escala de Resilincia ....................................................................................... 93
15 - Teste t para comparao de mdias entre amostras independentes:prticas
espirituaisindividuais e os ndices de resilincia, bem-estar espiritual,
bem-estar existencial e bem-estar religioso ......................................................... 94
16 - Cruzamento entre afrequncia de prticas espirituais individuaise as
classificaes na escala de Resilincia ................................................................ 95
17 - Anlise de Varincia para comparao de Mdias entre a varivel
em que medida a f contribuiu para o enfrentamento da doena e os
ndices de resilincia, bem-estar espiritual, existencial e religioso ..................... 96
18 - Distribuio das mdias entre a varivel em que medida a f
contribuiu para o enfrentamento da doenae os ndices de resilincia ............. 98
19 - Anlise de Varincia para comparao das Mdias entre a varivel
considerar que a doena tenha transformado sua vida (em que medida)
e os ndices de resilincia .................................................................................... 99
20 - Distribuio dos resultados das variveis resilincia, competncia
pessoal, aceitao de si mesmo e da vida, bem-estar espiritual,
bem-estar religioso ebem-estar existencialpor agrupamentos (Clusters) ....... 101
21 - Cruzamento entre agrupamentos ou clusterse a varivel acreditar em Deus,
ou poder superior, ou energia etc. .................................................................... 104
22 - Cruzamento entre agrupamentos ou clusters, com a varivel acredita
que a f, religiosidade ou espiritualidade ajudaram a enfrentar a doena...... 105
23 - Cruzamento entre agrupamentos ou clusters, com a varivel em que
medida o participante considera que a doena o levou maior
conexo com suas crenas, religiosidade ou espiritualidade .......................... 107
24 - Distribuio dos resultados da varivel idadepor agrupamento (cluster) ........ 108
25 - Relao entre Agrupamentos (clusters) e situao ocupacional ...................... 108
26 - Relao entre Agrupamentos (clusters) e sexo .................................................. 109
27 - Relao entre Agrupamentos (clusters) e terfilhos ........................................... 109
28 - Relao entre Agrupamentos (clusters) e religio............................................. 110
29 - Relao entre Agrupamentos (clusters) e escolaridade .................................... 110
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
15/167
- LISTA DE GRFICOS -
1 - Distribuio dos resultados do cruzamento entre as classificaes nas escalas
de Bem-Estar Espiritual e Resilincia ................................................................. 83
2 - Distribuio dos resultados do cruzamento entre as classificaes nas escalas
de Bem-Estar Existencial e Resilincia ............................................................... 85
3 - Distribuio dos resultados do cruzamento entre as classificaes nas
escalas de Bem-Estar Religioso e Resilincia ..................................................... 86
4 - Distribuio dos resultados da comparao entre as mdias dos desempenhos
nas subescalas de Bem-Estar Religioso e Existencial e as classificaes em
resilincia ............................................................................................................. 89
5 - Distribuio das mdias entre a varivel em que medida a f contribuiu para
o enfrentamento da doenae os ndices de resilincia ....................................... 98
6 - Resultado da anlise fatorial de construo de agrupamentos ou dos clusters
da escala de Bem-Estar Espiritual ..................................................................... 102
7 - Resultado da anlise fatorial de construo de agrupamento ou dos clusters
da escala de Resilincia .................................................................................... 103
8 - Cruzamento entre agrupamentos ou clusterse a varivel acreditar em Deus,
ou poder superior, ou energia etc...................................................................... 104
9 - Cruzamento entre agrupamentos ou clusters, com a varivel acredita que a
f, religiosidade ou espiritualidade ajudaram a enfrentar a doena ............... 106
10 - Cruzamento entre agrupamentos ou clusters, com a varivel em que
medida o participante considera que a doena o levou maior conexo
com suascrenas, religiosidade ou espiritualidade ......................................... 107
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
16/167
1
INTRODUO
Vocatus atque non vocatus, Deus aderit.1
interesse e a motivao para pesquisar a relao entre resilincia e
espiritualidade surgiu h trs anos, quando a pesquisadora passou a
integrar um grupo de ps-graduandos orientados pela Professora Dra.
Ceres Alves de Arajo, na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. O grupo tinha
como tema o estudo da resilincia, abordada em seus vrios aspectos e perspectivas
tericas. No decorrer do semestre, pode-se discutir e ampliar os conhecimentos sobre a
matria e passou-se a pensar na hiptese de existir uma ligao entre resilincia e
espiritualidade.
Os estudos sobre resilincia investigam a capacidade do indivduo, grupo ou
sociedade de superar adversidades; buscam responder a questes relacionadas aos
processos atravs dos quais se d essa superao, o que leva uma pessoa ou comunidade
a ultrapassar situaes de extrema dificuldade e sobreviver de forma renovada e
fortalecida. Procuram responder quais seriam os fatores que atuam no processo e que
garantem o sucesso mesmo diante do infortnio.
Arajo (2006, p. 85) define resilincia como a capacidade universal que
permite pessoa, grupo ou comunidade previnir, minimizar ou superar os efeitos
danosos da adversidade, refere-se a um potencial humano, presente nos indivduos de
todas as culturas e em todos os tempos e apresenta a resilincia como parte de um
processo evolutivo que pode ser promovido desde o nascimento.
Mais do que uma simples resposta adversidade, a resilincia, segundo Grotberg
(2005, p. 15) enfrentar, vencer e ser fortalecido ou transformado por experincias de
1 Inscrio latina, que quer dizer: Invocado ou no invocado, Deus est presente. Est gravado em
pedra acima da porta de entrada de minha casa em Ksnacht perto de Zurique. Alm disso encontra-se nacoletnea dos Adagia, de Erasmo (sc. XVI) [Collectanea Adagiorum]. Contudo, um orculo dlfico(JUNG, 2003, p. 304).
O
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
17/167
2
adversidade, ou seja, no basta o enfrentamento, a resilincia implica em ganhos, j
que a superao resulta em transformaes e fortalecimento.
Definido como uma rea especfica no estudo do desenvolvimento humano, o
complexo processo resiliente considera a dinmica de vrios elementos que interatuampara a adaptao do indivduo, grupo ou comunidade, apontando diretamente para a
responsabilidade da sociedade no desenvolvimento de polticas pblicas para sua
promoo.
Hoje, considerado um processo que vai alm da simples adaptao do indivduo
ao seu meio, uma vez que resulta em transformaes positivas para o indivduo e para a
sociedade a que pertence, o estudo da resilincia aborda, dentre vrios fatores, aqueles
referentes subjetividade humana, inclusive os relacionados espiritualidade e religiosidade, ao quais este estudo se destina.
A espiritualidade , neste trabalho, tomada no sentido em que considera fatores
como o nvel de conhecimento pessoal, o entendimento ou sentido de conexo com algo
alm-ego, que remete a questes de significado e sentido da existncia e no apenas a
um sistema especfico de crena ou qualquer prtica religiosa. Trata-se da convico de
que a existncia imbuda de propsitos e significados que vo alm das percepes
individuais em direo ao coletivo, revelando a cada ser sua participao em umuniverso maior e trazendo, assim, uma sensao de paz e plenitude com o mundo
(ELLISON, 1983).
Dentro de tais parmetros, a espiritualidade liga-se diretamente prpria prtica,
experincia direta com o transcendente, no se prende a dogmas, doutrinas, ritos,
celebraes, que podem apenas servir como vias institucionais capazes de acolher a
espiritualidade.
Assim, existe a possibilidade de se encontrar a espiritualidade calcada na
religiosidade, da mesma maneira que a espiritualidade pode se apresentar sem lastro em
qualquer tipo de religiosidade. Ainda: encontra-se a prpria religiosidade desprovida do
carter de espiritualidade, manifestada por pessoas que mantm um vnculo meramente
formal e superficial com determinada instituio religiosa.
Observa-se no comeo deste sculo uma crescente busca, por parte do pblico
em geral, por questes relacionadas espiritualidade e religiosidade, fenmeno que se
pode constatar pelo crescimento dos mais variados tipos de prticas msticas,
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
18/167
3
renovadoras ou inovadoras, a busca cada vez maior por doutrinas religiosas orientais, a
disseminao de cultos evanglicos, o retorno de cultos pagos, dentre outros.
crescente, ademais, o consumo de literatura a respeito de espiritualidade, de livros de
autoajuda, de terapias alternativas, de sites que oferecem servios de orientao
espiritual, astrolgica etc. (TEIXEIRA, 2005)
Pesquisas apontam que 95% dos americanos acreditam em Deus sendo que,
daqueles 5% dos que no acreditam, 4% no tm certeza da resposta e apenas 1% esto
convictos de sua opinio (GALLUP, 2005). Embora o fenmeno da busca pela
espiritualidade ou religiosidade seja global, no Brasil esta ocorrncia atinge aspectos
surpreendentes. Dados de pesquisa realizada pelo instituto Vox Populi, encomendada e
publicada pela revista Veja (2001, p. 124), mostram que em resposta pergunta vocacredita em Deus?, 99% dos entrevistados respondem que sim e, informaes obtidas
a partir do censo demogrfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatstica IBGE (2000), apontam que apenas 7,4% dos brasileiros afirmam no ter
religio.
Assim, diante do cenrio atual, tambm a psicologia no poderia continuar ao
largo desta nova demanda por respostas s questes da f e da espiritualidade que hoje,
necessariamente, despontam no mundo das cincias empricas, deixando de serconsideradas apenas objetos de estudo da teologia e filosofia.
Aos setenta e cinco anos de idade, Jung (2001, p. 391) alertou: da maior
importncia2 que as pessoas cultas e esclarecidas reconheam a verdade religiosa
como algo vivo na alma humana e no como uma relquia abstrusa e irracional do
passado, j que alguns fenmenos prprios da religio acabam se convertendo em
ismos e podem se transformar em verdadeiros riscos psicossociais. A vivncia
equivocada da experincia religiosa pode resultar em grandes adversidades comoguerras, atos terroristas, campos de extermnio e vrias outras formas de adoecimento
do indivduo e sociedade.
Para dar sustentao terica a este estudo optou-se pela Psicologia Analtica. A
escolha deu-se pelo fato de seu fundador, Carl Gustav Jung, ter sido um dos pioneiros,
dentro da psicologia, a interessar-se pela dimenso espiritual na psique.
2Grifo do autor.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
19/167
4
So muitas as crticas e polmicas que suas afirmaes no ortodoxas sobre
religio causam; para alguns cientistas considerado um mstico e para alguns telogos
um herege. Em uma poca em que vigoravam o empirismo e o racionalismo cientfico,
ele declarou: [...] a psicologia analtica s serve para encontrar o caminho que leva
experincia religiosa (JUNG, 2002a, p. 432).
A experincia religiosa para Jung caracteriza-se pelo religar do indivduo ao
divino, que se d atravs da vivncia daquilo que ele chamou de processo de
individuao. Na psicologia analtica, a espiritualidade refere-se ao processo de conexo
entre o eu consciente e o nosso centro interior mais profundo, inconsciente, na busca de
sentido para a existncia e de realizao do Si-mesmo. Refere-se integrao entre o
ego e o Self.
So recentes no campo da psicologia clnica os estudos que tm por objetivo
rever o conceito da resilincia no seu confronto com os atributos da espiritualidade, o
que justifica um aprofundamento da investigao desta possvel relao. Almeja-se,
assim, no s uma contribuio s pesquisas sobre a resilincia, mas tambm a anlise
especfica da espiritualidade enquanto mediador da pessoa que tem como adversidade o
adoecimento por cncer.
Elegeu-se o cncer como adversidade, neste estudo, por se tratar de uma doenaque est cada vez mais sendo diagnosticada e, portanto, cada vez mais presente,
acometendo as pessoas, seno direta, ao menos indiretamente, atravs de seus entes
queridos; no mnimo aterrorizando-as com um nmero considervel de medidas de
preveno.
Segundo dados atuais da Word Health Organization WHO (2009), o cncer,
alm de ser a doena que mais est sendo diagnosticada, a segunda na lista das que
mais matam, s perdendo para as doenas cardiovasculares. A neoplasia responde por13% da mortalidade mundial, com 7,6 milhes de mortes, o que representa quase o
dobro da terceira causa de bito, que so as doenas respiratrias. Por isso, entende-se
que o cncer represente, na atualidade, uma adversidade de todos.
Pretendemos com esse trabalho comear a entender se, ou at que ponto, o
acesso espiritualidade pode servir como mediador no tratamento de pacientes
oncolgicos. A tentativa de colaborar com o desenvolvimento de formas de
promoo de resilincia nesta situao to comum nos dias atuais, que o adoecimentopor cncer.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
20/167
5
Para tanto, os temas sobre os quais esta dissertao discorre esto distribudos
em captulos apresentados da seguinte forma: o Captulo 1 aborda teoricamente o
conceito de resilincia, inclusive dentro da psicologia analtica e apresenta o cncer
enquanto adversidade; o Captulo 2 apresenta os conceitos de espiritualidade e
religiosidade no mundo contemporneo e na psicologia analtica; o Captulo 3 mostra as
relaes entre os conceitos de resilincia e espiritualidade; o Captulo 4 indica o mtodo
utilizado no estudo; o Captulo 5, apresenta os resultados da pesquisa; o Captulo 6
mostra a discusso dos resultados obtidos e o Captulo 7 traz as consideraes finais.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
21/167
6
OBJETIVOS
Objetivo geral
Verificar a existncia de correlao entre espiritualidade e resilincia em
pacientes, em fase de tratamento, que tiveram por adversidade o adoecimento por
cncer.
Objetivos especficos
Verificar a existncia de correlao entre bem-estar espiritual, os seus fatores
de bem-estar religioso e existencial e resilincia em pacientes, em fase de tratamento,
que tiveram por adversidade o adoecimento por cncer.
Analisar as diferenas entre os fatores de bem-estar religioso e existencial
relacionando-as com resilincia em pacientes, em fase de tratamento, que tiveram por
adversidade o adoecimento por cncer.
Analisar as relaes entre resilincia, bem-estar espiritual, religioso e
existencial e dados sociodemogrficos, religiosos/espirituais e de sade em pacientes,
em fase de tratamento, que tiveram por adversidade o adoecimento por cncer.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
22/167
7
CAPTULO I
RESILINCIA
Na postura resiliente frente ao mundo e frente a si mesmo preciso que se tenha um esprito que acredite, uma mente que
imagine e um corpo que viva a ao criativa. importantetambm que se tenha um psicopompo3que d suporte e guiapara o desenvolvimento e, se possvel, um mito para viver.
Arajo (2006, p. 94)
1.1. ORIGEM E EVOLUO DO CONCEITOesilincia termo tomado de emprstimo Fsica e, neste campo,
significa a propriedade particular de alguns corpos retomarem sua
forma original aps a absoro de energia deformadora. Traz em si a
idia de ir alm, de superar, de transpor obstculos. O fenmeno chamou a ateno dos
estudiosos das cincias humanas na dcada de 70 do sculo passado, no momento em
que comearam a questionar o porqu de algumas crianas, colocadas sob condio de
extrema adversidade, no confirmarem as predies de seus observadores econseguirem, de uma maneira ento no explicada, alcanar um desenvolvimento sadio
e dentro de padres de normalidade (ARAJO, 2006; YUNES e SZYMANSKI, 2002;
MELILLO et al., 2005; RUTTER, 1970, 1993 e 1999; LUTHAR et al., 2000;
GROTBERG, 2005; INFANTE, 2005; MASTEN, 2001).
As primeiras associaes do fenmeno da resilincia se fizeram em termos de
invencibilidade e invulnerabilidade (YUNES e SZYMANSKI, 2002), como que
buscando respostas para o surgimento de um ser sobre-humano, imune s vicissitudes eadversidades da vida. Segundo Souza e Cerveny (2006, p. 119), os estudos pioneiros
sobre resilincia estavam ligados s teorias da psicopatologia, estresse e
desenvolvimento, sendo definida, ento, como "um conjunto de traos de personalidade
3Figura que guia a alma em ocasies de INICIAO e transio: uma funo tradicionalmente atribudaa Hermes no MITO grego, pois ele acompanhava as almas dos mortos e era capaz de transitar entre aspolaridades (no somente morte e vida, mas tambm noite e dia, cu e terra). [...] Jung no alterava osignificado da palavra, porm a usava para descrever a funo da ANIMA e do ANIMUS em conectar
uma pessoa a um sentimento de seu propsito ltimo, sua decisiva vocao ou destino; em termospsicolgicos, atuando como intermedirio ligando o EGO e o INCONSCIENTE (SAMUELS, et al.,1988, p. 174).
R
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
23/167
8
e capacidades" individuais. No entanto, logo esses parmetros foram superados, mudou-
se o foco das investigaes e a pergunta deixou de ser o indivduo, passando a ser,
principalmente, aquela que investiga as interaes da pessoa com o meio e suas formas
de superao ou adaptao da adversidade dentro de um panorama ambiental.
Os autores mais atuais veem a resilincia como um processo dinmico, de vrios
fatores que atuam entre si. Entendem a resilincia como um processo, em que se
alinham diversos componentes e circunstncias, no s prprios e individuais de cada
pessoa, mas tambm aqueles coletivos, decorrentes do ambiente scio-cultural e
ecolgico onde est inserido o indivduo. Esta complexa interao que trilha o
caminho para o estudo do constructo (ARAJO, 2006; MASTEN, 2001; WALLER,
2001; MELILLO et al., 2005; OJEDA, 2005; RUTTER, 1999).
A temtica abrange vrias linhas de pesquisas de diversas abordagens o que,
alm de gerar muitas controvrsias, algumas vezes resultam em polticas de atuao
diferentes. Uma delas, bastante referida na atualidade, segundo relato de Luthar e
Brown (2007), a busca por influncias genticas ou a predominncia de fatores
biolgicos na investigao do fenmeno da resilincia. Alertam Luthar et al. (2006, p. 110)
que, embora sejam campos de investigao que exeram certo fascnio nos pesquisadores e,
ao mesmo tempo, prestem enorme contribuio para a ampliao do conhecimento sobre o
desenvolvimento humano, preciso ter em conta "nossa limitao em mudar tais fatores",
alm de representar um deslocamento dos "limitados recursos para as investigaes
genticas e biolgicas, em prejuzo das polticas de sua promoo.
Segundo Yunes (2006), muitos estudos sobre resilincia partem de uma nova
epistemologia, a chamada psicologia positiva, em contraposio vertente ortodoxa,
tradicional, da psicologia, estudada com base nas manifestaes psicopatolgicas. Anova abordagem d nfase aos aspectos positivos do universo psquico, tais como
felicidade, otimismo, altrusmo, esperana, alegria, tidos como salutognicos, em face
dos correspondentes de depresso, ansiedade, angstia e agressividade.
De acordo com Arajo (2006, p. 92), a resilincia tem suas razes no
desenvolvimento humano: "uma auto-estima valorizada pode ser considerada a base
para que o processo de resilincia se instale"; explica que adquirida e se desenvolve
"na inter-relao com os outros significativos" ao longo da vida do indivduo. Afirma,
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
24/167
9
ainda, que "resilincia um potencial humano, presente nos seres humanos em todas as
culturas e em todos os tempos, parte de um processo evolutivo e pode ser promovida
desde o nascimento" (idem, p. 86). Segundo a autora, tm surgido na ltima dcada
muitos trabalhos que do importncia competncia social como facilitador ou
promotor de um desenvolvimento adequado, lembrando que a condio adversa, ou
adversidade, est relacionada a "uma relao entre o indivduo e o ambiente, que
ameaa a satisfao das necessidades bsicas e as competncias para desenvolver papis
sociais e de valor. Assim, a autora relaciona o bem-estar e o crescimento como
decorrncia "de um processo de desenvolvimento onde existiu um entendimento e um
atendimento s necessidades bsicas de nutrio, proteo, segurana, valorizao e
amor" ao longo da vida do indivduo, "favorecendo a possibilidade de aproveitar os
recursos do ambiente, para treinar as competncias necessrias em cada fase da vida"
(idem, p. 88).
Tambm para Mellilo (2005), o apoio de um adulto significativo, ou o amor
recebido de seu entorno, est na base para o sucesso do desenvolvimento humano e na
base do comportamento resiliente. Assim, segundo Infante (2005, p. 36), a resilincia
permite nova epistemologia do desenvolvimento humano, pois enfatiza seu potencial,
especfica de cada cultura e faz um chamado responsabilidade coletiva.
So vrios os aspectos abordados nas pesquisas e trabalhos sobre resilincia. Os
estudos so complexos e alguns conceitos envolvidos precisam se esclarecidos e bem
delineados, a fim de que as investigaes na rea possam ganhar ainda mais
consistncia e credibilidade; conceitos como risco, adversidade, vulnerabilidade,
estressse, enfrentamento, proteo, competncia e outros (ARAJO, 2006; TAVARES,
2002; YUNES e SZYMANSKI, 2002).
Embora seja um tema bastante atual e que abrigue uma srie de polmicas e
controvrsias, existem algumas consideraes que caminham praticamente unnimes
entre os tericos do assunto. Trata-se dos vrios fatores que interatuam para que haja
resilincia, os chamados riscos, tambm entendidos como as circunstncias que
representam ou favorecem as situaes adversas; as situaes de proteo, que so as
contingncias capazes de transformar os riscos no sentido de repar-los ou at mesmo
preveni-los e os fatores de resilincia, que so aqueles que enfrentam os riscos ou
adversidades.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
25/167
10
1.1.1. Situaes de risco
Em geral a palavra risco usada com o significado de perigo ou possibilidade de
perigo. Traduz aquele fator que pode acarretar um dano ou prejuzo pessoa
(FERREIRA, 2004). De acordo com Rutter (1987, p. 317), no plano psicolgico, riscodeixa de ser uma concepo fixa, imutvel e constante e passa a ser entendido como
`mecanismos de risco, e no apenas como `fatores de risco, podendo um mesmo
evento mostrar-se risco numa determinada situao e proteo em outra . O risco deve
ser sempre abordado em termos de processo de risco e no como uma varivel isolada;
est sempre relacionado s adversidades da vida, mas sua proporo extremamente
varivel de um indivduo para outro, ou de um grupo para outro; pode, tambm, variar
em diferentes perodos do desenvolvimento e em funo de inmeras outrascircunstncias que devem ser consideradas quando o risco delimitado. De acordo com
Luthar et al. (2000), quando se trata de resilincia deve-se fazer referncia aos riscos
significativos, ou seja, devemos considerar o significado do evento adverso na
perspectiva do indivduo.
Em funo destas peculiaridades que conferem ao conceito grande relatividade,
os autores mais atuais tm preferido o uso da expresso situao de risco e no mais
fatores de risco, uma vez que este tem conotao mais esttica, menos dinmica. Noentanto, seu uso ainda muito frequente.
Yunes e Szymanski (2002) esclarecem que o conceito de risco muitas vezes
confundido com vulnerabilidade que, no contexto dos estudos da resilincia, usado
para definir as suscetibilidades psicolgicas de cada indivduo frente s adversidades ou
situaes estressoras; seriam as predisposies individuais a respostas negativas que no
so definidas apenas por um componente gentico, mas pela interao deste com outros
fatores como o ambiente e a presena ou no de suporte social.
Nas sociedades do sculo XXI, o risco no est mais restrito s suas
manifestaes mais conhecidas, como a doena, a pobreza, a falta de recursos, a
desintegrao familiar, as crises sociais etc. Segundo Arajo (2006), so muitos os
riscos psicossociais aos quais todos esto sujeitos. A autora aponta o estresse como um
fenmeno inevitvel na condio do homem moderno, que vive em uma sociedade sob
o reinado do urgente, caracterizada pela agitao, pela voracidade, em que a velocidade
pode representar grande adversidade para o homem, que j no reclama mais da falta de
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
26/167
11
dinheiro, mas sim da falta de tempo. Para Vanistendael (2007, p. 227), parte as
situaes extremas h tambm uma resilincia muito presente na vida cotidiana da
grande maioria das pessoas, mas menos espetacular e, portanto, menos visvel, menos
documentada.
As situaes adversas, principalmente na vida das grandes metrpoles, so
agora, muito mais complexas e sutis, representadas pela sociedade do espetculo, neo-
narcisista, das imagens, das sensaes, na qual o indivduo corre o risco de estar sempre
na condio de espectador. Na sociedade hipermoderna os afetos foram substitudos
pela satisfao do consumo, da aquisio, do lazer e do conforto. Vive-se a era do
hiperconsumo e, consequentemente, da felicidade paradoxal: "as solicitaes
hedonsticas so onipresentes: as inquietudes, as decepes, as inseguranas sociais epessoais aumentam (LIPOVETSKY, 2007, p. 17).
A sociedade atual vive a mecanizao das relaes sociais, em que se valorizam
as relaes que agregam algum tipo de influncia social ou poltica, quais sejam,
aquelas que representam um vis utilitarista; e como consequncia assisti-se ao
enfraquecimento e superficialidade dos afetos, ausncia de envolvimento emocional
que, ento, so substitudos por uma falsa sensibilidade que se resume contemplao
do outro, sem qualquer envolvimento mais profundo (GALENDE, 2008).
A corrupo e a violncia moldam no s as relaes humanas como a prpria
relao do homem com seu planeta, hoje agredido e abalado por apelos
desenvolvimentistas e de acumulao de riquezas. Tm-se, ento, os desastres naturais
decorrentes da mudana climtica, os efeitos ainda no completamente apreendidos do
aquecimento global, a exposio cada vez mais direta do homem a altos nveis de
radiaes e intoxicao por produtos qumicos, elementos importantes na
determinao de doenas crnicas que caracterizam srias adversidades para o homem
moderno.
Grandes riscos, tambm, so representados pela ampliao dos conflitos tnicos
e raciais, expressos nas sociedades desiguais, nas guerras e ataques terroristas, hoje
disseminados na maior parte do planeta. Vale mencionar que o fato de que o mal
terrorista possa estar acobertado dentro da sua prpria sociedade levou os norte-
americanos a desenvolverem uma nova forma de ansiedade, cujo foco , exatamente, a
ameaa que passou a fazer parte do cotidiano dos Estados Unidos (SPIEGEL, 2005).
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
27/167
12
Esta nova adversidade, contudo, fez com que fosse amplamente difundido o termo
resilincia, que passou a ser empregado com frequncia na mdia e nos discursos
governamentais, ganhando um panorama mais proeminente desde os ataques terroristas
de 11 de setembro de 2001 (BROOKS e GOLDSTEIN, 2004, p. 12).
Exemplificando algumas adversidades da vida moderna e lembrando o carter
dinmico das situaes adversas, ou seja, que uma mesma situao pode caracterizar-se
como risco para alguns e proteo para outros, no se pode deixar de alertar para a
religio enquanto situao de risco. A religio que pode alienar, conformar e
submeter o indivduo afastando-o de sua essncia mais ntima, de seu mito; aquela que
impe uma interpretao de vida roubando-lhe a autonomia, a capacidade de reflexo e
a criatividade. importante lembrar que a religio, ao mesmo tempo em que pode funcionar
como uma situao protetora, no sentido de trazer aos fiis suporte social, como apoio e
amigos, elementos importantes no processo resiliente ainda que no traga,
necessariamente, a experincia com o sagrado, pode, tambm, mostrar sua face de risco.
So, portanto, inmeros os riscos e adversidades com as quais necessariamente
as pessoas se confrontam. Da a importncia de se investigar os mecanismos, hoje cada
vez mais complexos, de adaptao do homem ao seu meio e a relevncia dos estudossobre a resilincia que, nas palavras de Tavares (2002, p. 63), "urge passar ao",
assumindo a idia de que prioridade na formao do novo cidado o desenvolvimento
de seus potenciais, no sentido de tornar as pessoas e organizaes mais resilientes,
alertando que isso um imperativo social e comunitrio, no s no nvel local, mas
tambm regional e global, planetrio".
Tudo isto faz com que seja necessrio mais que uma conduta ou proceder
resiliente, mas que se desenvolva uma mentalidade resiliente, que conduza a um
estilo de vida resiliente (BROOKS e GOLDSTEIN, 2004, p. 310).
1.1.2. Situaes de proteo e fatores de resilincia
Associado idia do risco encontra-se o seu contraponto, ou seja, o fator de
proteo, tambm conhecido por mediador ou bufferque, de acordo com Rutter (1985,
p. 600), seriam as circunstncias ou influncias que modificam, melhoram ou alteramos prejuzos, efetivos ou potenciais, das situaes de risco ou de inadaptao, servindo
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
28/167
13
ora como reparadores, ora como eficazes medidas preventivas e promotoras do
desenvolvimento de comportamentos resilientes.
Werner e Smith (1989) dividem os fatores de proteo em trs categorias, ou
grupos, que atuam na mediao dos fatores estressores e no seu impacto na vida doindivduo. So aqueles atributos pessoais ou disposicionais do indivduo, como
inteligncia, competncia e sociabilidade; seus laos afetivos dentro de uma rbita
familiar, funcionando como suporte emocional e, finalmente, os chamados sistemas de
suporte social, assim entendidos aqueles crculos habitados pela pessoa, como igrejas,
escolas, entidades de apoio, que complementam ou suprem eventuais carncias, dando-
lhe um sentido de crena para a vida.
Grotberb (2005) alerta que os fatores de proteo no podem ser confundidoscom os fatores de resilincia, que so aqueles que enfrentam o risco; os fatores de
proteo buscam neutralizar o perigo e, quando isso acontece, no h a necessidade da
resilincia, uma vez que o indivduo torna-se imune ao risco. Walsh (2005) explica que
a resilincia no ocorre apesar da adversidade, mas em funo dela. Tambm Cyrulnik
(2007, p. 28) enfatiza que para se falar em resilincia h necessidade de ter sido
vulnerado, ferido, traumatizado, o que exclui, assim, a idia de invulnerabilidade do
constructo.Segundo Grotberg (2003, pp. 3-4), a conduta resiliente resultado da interao
de diversos fatores, denominados como `fatores resilientes, que so de trs ordens: a)
"eu tenho": como fatores externos ou de apoio, indicados na forma dos recursos que a
pessoa tem ao seu alcance. So figuras do entorno, em quem a pessoa confia e quer
incondicionalmente que lhe coloquem limites e a ensinem a evitar perigos, que lhe
sirvam de modelo, que estimulem sua independncia, que a ajudem em situao de
doena, perigo e outras necessidades; b) "eu sou/estou": representando fatores internosou intrapsquicos da pessoa que remetem ao sentimento de ser apreciada por outros,
demonstrando seus afetos numa relao de respeito por si e pelo outro, dispondo-se a
assumir seus atos, numa atitude otimista diante da vida e, finalmente, c) "eu posso":
como a capacidade de soluo de conflitos, descoberta ou aquisio de habilidades para
lidar com a adversidade. Estimulam o indivduo a falar sobre coisas que o assustam e
inquietam, a procurar a maneira certa de lidar com o problema, saber controlar-se diante
do erro e do perigo, procurar o momento e a pessoa certa para conversar quandonecessrio.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
29/167
14
Assim como Grotberg, outros autores tambm apresentam algumas categorias de
caractersticas como indicativas de fatores de resilincia, atuantes nas situaes de
adversidade e que, uma vez presentes, costumam resultar em comportamentos
resilientes. Podemos citar Reivich e Shatt (2002) psiclogos da Pensilvnia, autores do
livro O fator resilincia, em que apresentam o questionrio RQTeast, que avalia
sete fatores considerados constitutivos da resilincia: 1. Administrao das Emoes,
entendida como a habilidade de um indivduo manter-se calmo em situaes de presso;
2. Controle dos Impulsos, que seria a habilidade para no agir impulsivamente; 3.
Empatia, correspondendo capacidade de perceber o estado emocional de outro
indivduo e atuar neste sentido; 4. Otimismo, como habilidade em manter a esperana;
5.Anlise Causal, que diz respeito a habilidade de identificar as causas dos problemas e
adversidades; 6. Auto-Eficcia, referindo-se convico de ser eficaz nas aes e, 7.
Alcance das Pessoas, que diz respeito capacidade de se expor e arcar com os
resultados desta ao.
Polk (1997, p. 5), buscando uma uniformidade no conceito de resilincia e
baseada em reviso de literatura, estabelece que resilincia pode se manifestar atravs
de quatro padres de desenvolvimento, referindo-se a fatores de resilincia, que so:
1. Padres Disposicionais: dizem respeito tanto aos atributos fsicos comopsicossociais da pessoa, entre os quais se encontram a inteligncia, a sade e o
temperamento e, como atributos psicossociais, dentre outros, competncia pessoal e
social, auto-estima e auto-disciplina;
2. Padres Relacionais: referem-se aos padres de relacionamento que a pessoa
apresenta para e com a sociedade, tanto na forma de estabelecer vnculos com outras
pessoas como, tambm, no sentido de facilitar entre outros o estabelecimento de tais
ligaes, constituindo verdadeira interao entre a pessoa e o meio. So exemplos:
comprometimento com as pessoas com as quais se relaciona, busca de modelos sociais
positivos, atuao como pacificador social, manifestao de vrios nveis de interesses e
`hobbies;
3. Padres Situacionais: identificam-se com a habilidade de fazer uma avaliao
ou anlise realstica de determinada situao e a capacidade de agir adequadamente
diante das expectativas ou consequncias desta situao. Diz respeito flexibilidade,
perseverana, curiosidade, criatividade e engenho;
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
30/167
15
4. Padres Filosficos: so aqueles relacionados a um sistema de crenas e
motivaes, de finalidade de vida e de propsitos, com uma viso positiva do mundo e
das pessoas, com suas diferenas e valores intrnsecos.
Quando so abordadas temticas relativas resilincia e seus fatores, no sepode deixar de citar o humor. Galende (2008) apresenta o humor como contraponto das
situaes estressantes e mostra que os seus comprovados efeitos fisiolgicos, favorveis
sade, do lhe um merecido lugar como elemento subjetivo de resistncia
adversidade. Vale aqui ressaltar que tambm Frankl (2008), Mellilo (2008), Arajo
(2006) e muitos outros apontam o humor como um fator muito importante no processo
resiliente.
Algumas caractersticas como a tica, a moralidade e o respeito pelo outro,
tambm so apontadas por vrios estudiosos como condies determinantes para que
haja resilincia. Referem-se conscincia do outro, solidariedade, ao altrusmo e
integridade de carter como elementos fundamentais para caracterizar a resilincia que,
necessariamente, inclui a vida em sociedade e resulta em benefcios positivos para
todos (ARAJO, 2006; WARSCHAW e BARLOW, 1995; MELILLO, 2008;
GALENDE, 2008; VANISTENDAEL e LECOMTE, 2008; FUCHS, 2007;
TOMKIEWICZ, 2007).
Em estudo prospectivo realizado na sequncia dos ataques terroristas aos
Estados Unidos em 11 de setembro de 2006, observa-se que as emoes positivas como
solidariedade, gratido, interesse e amor atuam como mediadores no ajustamento dos
indivduos diante dos eventos estressores. "As emoes positivas so ingredientes ativos
na resilincia" (FREDRICKSON et al., 2003, p. 365).
Como j exposto, a dinmica do processo resiliente no prescinde da ocorrncia
da adversidade. Assim, considera-se importante concluir pontuando que, embora o risco
seja componente inerente condio humana e possa ser revertido em ganhos positivos
para o indivduo, no pode ser relegado, nem mesmo colocado em segundo plano em
qualquer poltica de promoo da sade. Ao contrrio, importa, inicialmente, identific-
lo, depois, saber enfrent-lo, ameniz-lo, absorv-lo e, quando possvel, elimin-lo.
Trata-se de um aspecto de absoluta importncia, haja vista que, no mais das vezes, as
polticas pblicas podem reforar os mecanismos de absoro de impacto das condies
adversas de vida dos segmentos da populao mais expostos aos riscos, por exemplo e
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
31/167
16
principalmente, das classes sociais mais desfavorecidas do ponto de vista
socioeconmico.
1.1.3. A dinmica do processo resiliente
Como verificado anteriormente a adversidade fator necessrio para que haja
resilincia e se caracteriza quando os mecanismos de proteo no so suficientes para
neutralizar as situaes de risco, surgindo, ento, a necessidade da atuao dos fatores
de resilincia para estabelecer o processo resiliente que, por sua vez, resulta na
adaptao positiva e renovada do indivduo ao meio, apesar das dificuldades.
Naturalmente, existem situaes em que os indivduos sucumbem nas situaes
adversas e tornam-se apticos ou doentes, caracterizando exatamente o efeito inverso da
resilincia, que o processo em que a situao de risco foi superada, e o indivduo,
grupo ou comunidade vence, transforma e fortalecido pelas dificuldades.
Neste contexto Rodriguz (2005) mostra que a adversidade o elemento que
aciona a criatividade; sua presena desencadeia o aparecimento de solues criativas
que levam adaptao. Da mesma forma, para Galende (2008), a adversidade que
produz resilincia. So as mesmas circunstncias consideradas adversas para umindivduo que produzem nele o surgimento de condies subjetivas criativas, que
enriquecem seus recursos prticos de atuar sobre a realidade, no sentido de transformar-
se ou transform-la. Segundo Frankl (2008, p. 96), "muitas vezes justamente uma
situao exterior extremamente difcil que d pessoa a oportunidade de crescer
interiormente para alm de si mesma".
Kbler-Ross (2003), psiquiatra que trabalhou meio sculo com pacientes
terminais, mostra em seus registros, as adversidades ou as tragdias como chances ouoportunidades de crescimento, como desafios e sinais necessrios para que haja
transformao e desenvolvimento pessoal. Conta que seus pacientes, no final da vida,
costumavam se referir aos dias difceis ou de tormentas como aqueles que lhes
possibilitaram maior crescimento na vida. Afirma que do sofrimento da alma que se
origina toda criao espiritual e nasce todo homem enquanto esprito. As adversidades
s nos tornam mais fortes4(idem, 1998, p. 18).
4Grifo da autora.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
32/167
17
Segundo Arajo (2006, p. 89), o indivduo, o grupo ou a sociedade, ao enfrentar
uma adversidade, pode promover crescimento para alm do presente nvel de
funcionamento", ou seja, "resilincia mais que sobrevivncia, pois significa ganhos",
implica em transformao e fortalecimento atravs do "enfrentamento ativo e efetivo
dos eventos estressantes e cumulativos". Embora esteja ligada capacidade de
confronto, vai alm, mais do que uma resposta, "implica em uma capacidade de
adaptao flexvel e competente sob circunstncias ameaadoras, destruidoras e
desfavorveis".
O processo resiliente implica necessariamente em mudanas e ganhos positivos.
Grotberg (2005, p. 22) mostra que alguns indivduos que so transformados por
experincias de adversidade agregam para si maior capacidade de "empatia, altrusmo ecompaixo pelos outros, e que estes so os maiores benefcios da resilincia". Ainda,
Cyrulnik (2001, p. 129) afirma que a "a metfora da tecelagem da resilincia permite
dar uma imagem do processo da reconstruo de si. [...] h uma presso para a
metamorfose". Constitui "um processo, de um conjunto de fenmenos harmonizados,
em que o sujeito penetra dentro de um contexto afetivo, social e cultural. A resilincia
a arte de navegar nas torrentes" (ibid., p. 225).
Jung (1998[1930], 771) tambm v nas adversidades uma forma deamadurecimento. Entende que "o significado e o propsito de um problema no
parecem repousar em suas solues, mais sim no nosso incessante trabalho sobre ele".
Lembrando o Mestre Eckhart5que dizia ser o sofrimento o cavalo mais veloz que nos
leva perfeio, Jung (2003, p. 33) diz que o privilgio de se ter uma conscincia
superior resposta suficiente ao sofrimento, que sem isso [a vida] tornar-se-ia sem
sentido e insuportvel. Conclui que o sofrimento deve ser mitigado e receber sentido.
Assim tambm Frankl (2008, p. 101), lembrando as palavras de Nietzsche:"quem tem por que viver aguenta quase todo como", esclarece que para lidar com o
desespero necessrio encontrar sentido no sofrimento. Nesta busca, o autor prope que
as perguntas relacionadas s adversidades deixem de ser somente no sentido do "por
qu?", mas na busca de significado que induz a questo para a forma "para qu?"
5
Eckhart de Hochheim (1260-1328), conhecido como Mestre Eckhart, foi um pensador da filosofiamedieval alem. Frade dominicano, reconhecido por suas obras como telogo, filsofo e por suas visesmsticas. (BOFF, 2006).
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
33/167
18
Segundo o autor (ibid., p. 102), "a rigor nunca e jamais importa o que ns ainda temos a
esperar da vida, mas sim exclusivamente o que a vida espera de ns.
Para Gallende (2008, p. 23), pensar em resilincia " subverter a idia de
causalidade que governa o pensamento mdico positivista e de algumas concepes desade", uma vez que "induz ao aleatrio" e o sujeito passa a ser "capaz de valorao, de
criar sentidos de vida, de produzir significaes em relao aos acontecimentos de sua
existncia". Assim, " pensar no indivduo no como vtima passiva de suas
circunstncias, mas sim como sujeito ativo de sua experincia". O conceito de
"resilincia evoca a idia de complexidade" e a necessidade de ampliao da cincia no
sentido de integrar as vrias dimenses do ser humano. O construir da resilincia,
lembra Cyrulnik (2007, p. 175), requer um trabalho incessante, que articula aneurologia, o afetivo e ainda um discurso social, afastando qualquer idia exclusivista
de causalidade ou de um reducionismo mdico.
Nesta mesma perspectiva, Rodrguez (2005, p. 137) postula que o estudo da
resilincia incurciona em reas diferentes daquelas normalmente investigadas da vida
humana, aludindo a temticas relativas subjetividade que incluem, dentre outros
conceitos, a criatividade. Entende que a "resilincia uma forma de nomear a
singularidade e a criatividade da conduta humana individual e coletiva, quando obtmbons resultados em situaes adversas". Para ele, trata-se de um conceito que nasce da
investigao de resultados inesperados e mantm o fator-surpresa, do qual depende o
resultado final, como elemento inerente sua definio. Arajo (no prelo), igualmente,
referindo-se a pessoas que se mostram resilientes, declara que "por mais que se
descrevam as caractersticas ou os fatores de proteo dessas pessoas, resta o
impondervel, algo permanece inexplicvel".
Segundo Gallende (2008, p. 53), faz parte do processo de resilincia acriatividade, o enriquecimento subjetivo, a capacidade de ao racional, que esto
diretamente relacionados com condies reflexivas e crticas. Para ele, resilincia
representa muito mais do que uma simples adaptao ao meio, pois esta pode ser de
carter passivo e submissa realidade social em que se vive, seja por uma crena cega
no saber ideolgico ou religioso, ou pela adaptao resignada e impotente a uma
realidade imposta. Entende que o individuo capaz de resilincia aquele livre de todos
os tipos de fundamentalismos, um ser autnomo, racional, reflexivo e crtico. ticoportanto.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
34/167
19
O autor ainda prope que a evoluo do homem, quando governada pelos fatores
de resilincia, se d atravs dos elementos que outorgam ao indivduo ou grupo social
maior coeso, confiana em si mesmo e ambio, proporcionando-lhe um aumento do
poder de expanso que lhe assegura a promoo da resilincia. Neste sentido,
exemplifica mostrando que algumas vezes a religio, obviamente livre de seus
fundamentalismos, exerce coeso entre os adeptos, que "adquirem fora na idia
religiosa, na ambio em realiz-la e no sentimento de integrao do grupo", (ibid., p.
58) e que so estes os elementos que facilitam o poder resiliente de um comportamento.
Conclui que a resilincia no est nos genes, mas nas idias e ambies humanas
caracterizadas pelos laos sociais (ibid., p. 59).
Segundo Tavares (2002, p. 45), a noo de resilincia evoluiu do concreto parao abstrato, das realidades materiais, fsicas e biolgicas, para as realidades imateriais ou
espirituais. O autor chama a ateno para a responsabilidade de fortalecer e
desenvolver a capacidade humana de adaptao positiva por meio de estruturas mais
resilientes que, por sua vez, resultem em uma sociedade mais tolerante em que exista a
abertura para o outro, em que a liberdade, a responsabilidade, a confiana, o respeito, a
solidariedade, a tolerncia no sejam palavras vs (ibid., p. 51).
Arajo (2006, p. 93) aponta a importncia da tica no processo resiliente e
chama a ateno para o fato de que os primeiros estudos sobre o constructo salientavam
a astcia como fator importante para o um comportamento resiliente, mas que,
atualmente, ao lado do logro, a esperteza e a mentira no podem ser admitidos, pois tal
processo no se manteria a longo prazo. Mostra que os comportamentos resilientes
conduzem a resultados positivos para todos.
Esta incluso do outro em nossa maneira de ser e estar no mundo representa o
fundamento tico da construo de uma sociedade resiliente. Aqui encontramos,
portanto, o grande diferencial entre o indivduo resiliente e o ser aparentemente bem-
sucedido, ou simplesmente astuto; a justificao de seus juzos morais o vetor que
indica a direo da pessoa rumo resilincia. O ponto de bifurcao est, exatamente,
no reconhecimento de sua responsabilidade moral na sociedade. O motivo de suas
escolhas traduz no apenas ou exclusivamente um instinto de sobrevivncia, desprovido
de qualquer considerao altrusta e focado, por excelncia, na satisfao das
necessidades egoicas, como infelizmente tem sido a voga na sociedade contempornea.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
35/167
20
De acordo com Mellilo (2008, p. 89), "promover resilincia implica no
reconhecimento do outro como ser humano to legtimo como ns mesmos", e a plena
aceitao do outro oamor, a fonte essencial da produo de resilincia.
1.2. O CNCER ENQUANTO ADVERSIDADE
Como se observou at aqui, o processo resiliente supe a adaptao positiva do
indivduo frente a uma adversidade. Segundo Infante (2005, p. 26), o termo
adversidade (tambm usado como sinnimo de risco) pode designar uma constelao
de muitos fatores de risco (como viver na pobreza) ou uma situao especfica (a morte
de um familiar). A autora entende que para identificar a resilincia e criar programas
para sua promoo necessrio que se identifique a natureza do risco.
Neste sentido, escolheu-se o adoecimento por cncer como adversidade na
tentativa de avaliar a relao existente entre resilincia e espiritualidade, por tratar-se de
uma doena que atinge a todos jovens, idosos, pobres e ricos, homens, mulheres e
crianas - e representa uma grande adversidade no apenas para os doentes, mas para as
suas famlias e a prpria sociedade. O cncer uma das principais causas de morte no
mundo, particularmente nos pases em desenvolvimento(WHO, 2009).
Cncer uma designao genrica para um grupo de mais de 100 enfermidades
que podem afetar qualquer parte do organismo. Outros termos utilizados so neoplasia e
tumor maligno. Uma das caractersticas que definem o cncer a rpida criao de
clulas anormais, que crescem aceleradamente, alm de seus limites, e podem invadir
zonas adjacentes do organismo e se disseminar por outros rgos, num processo que d
lugar formao das chamadas metstases, que so a maior causa de morte por cncer
(WHO, 2009).
O cncer representa uma grande adversidade pois trata-se de uma doena
crnica. Embora existam muitos tumores malignos que tm cura, outros no apresentam
esta caracterstica. uma enfermidade cuja cura vai depender do tipo de cncer e do
estgio em que se encontra. Embora se saiba que mais de um tero do ndice mundial de
cncer pode ser evitado atravs de estratgias de preveno (WHO, 2009), dados
fornecidos pelo Instituto Nacional do Cncer - INCA (2007) apontam que em 2020
haver 15 milhes de casos novos, dos quais 60% ocorrero em pases em
desenvolvimento.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
36/167
21
A incidncia do cncer realmente aumentou nas ltimas dcadas representando,
ainda mais, uma ameaa a toda a sociedade. Para Yuones (2001), vrios fatores
explicam o fenmeno: um deles o aumento real dos casos de cncer devido maior
exposio das pessoas aos efeitos nocivos de produtos qumicos e radiaes. Outro fator
importante que o seu diagnstico, hoje, mais preciso, possibilitando a identificao
da doena de forma muito mais competente que outrora, quando muitas mortes no
eram diagnosticadas e, dentre elas, provavelmente, muitos casos de cncer, que no
eram registrados. Tambm contribuem os mtodos atuais de diagnsticos precoces ou
screening, que permitem o diagnstico em pacientes assintomticos, contribuindo j
num primeiro momento para aumentar a incidncia de identificao da doena.
Finalmente, o aumento da durao de vida mdia e da longevidade da populao
mundial, especialmente em pases desenvolvidos, contribui para incrementar o nmero
de casos de cncer, uma vez que aumenta o nmero de pessoas com maior risco de
desenvolvimento da patologia. Embora as neoplasias malignas possam ocorrer em
qualquer idade, inclusive em recm-nascidos e mesmo na fase intra-uterina, a incidncia
aumenta com o envelhecimento: apenas 1% dos casos aparecem antes dos 20 anos, e
55% so diagnosticadas depois dos 65 anos de idade.
De acordo com dados da American Cancer Society (2008), em 2007diagnosticaram-se mais de 12 milhes de novos casos de cncer no mundo todo e 7,6
milhes de pessoas morreram em funo da doena. Em seu relatrio Cancer Facts and
Figures (2008), registraram-se 5,4 milhes de casos de novos (com 2,9 milhes de
mortes) em pases industrializados e, em pases em desenvolvimento, 6,7 milhes de
casos (com 4,7 milhes de mortes).
Nos pases desenvolvidos, os tipos mais comuns nos homens foram o cncer de
prstata, pulmo e clon e, nas mulheres, o de mama, pulmo e clon. Nos pases emdesenvolvimento, entre os homens, o de pulmo, estmago e fgado e, nas mulheres, o
de mama, tero e estmago.
O INCA (2007), em seu ltimo relatrio bienal, estimou para 2008 e 2009
466.730 novos casos de cncer, 234.870 em mulheres, sendo os tipos mais incidentes,
respectivamente, o de pele tipo no-melanoma, o de mama e o de colo de tero. Entre os
231.860 casos masculinos, as maiores incidncias sero, tambm respectivamente, o
tipo de pele no-melanoma, o de prstata e os de pulmo e estmago. Essa a mesma
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
37/167
22
magnitude do problema no mundo. Dados pouco otimistas que evidenciam o cncer
como um grave problema que tem ameaado cada vez mais a sociedade.
Segundo Fernandes (2000), o cncer uma das patologias que mais vm
apavorando a humanidade; tal temor, relatado por Hipcrates h sculos, persiste at osdias atuais quando seu prognstico ainda guarda muitas surpresas e o seu diagnstico,
apesar do nmero crescente de curas reais ou de remisses significativas, continua
sendo visto como uma sentena de morte. Embora a Organizao Mundial da Sade,
tenha anunciado que mais de 40% de todos os cnceres podem ser prevenidos e outros
podem ser detectados precocemente, tratados e curados, ainda assim a neoplasia
maligna representa uma das maiores causas de morte da humanidade (WHO, 2009).
Apesar de todos os avanos tecnolgicos no sentido de prevenir e tratar estaenfermidade, da busca incessante de novos recursos, a cura definitiva ainda est por vir.
O diagnstico do cncer visto como a ruptura da noo de sade, sela uma fase
de mudanas do modo de viver, trabalhar e entender o processo sade-doena. Marca o
incio de um longo processo de resignificao e readaptao do sujeito em relao
doena e seu estigma (LINDENMEYERSAINT MARTIN, 2006; MARUYAMA e
ZAGO, 2005). Segundo Morse e Jonson (1991), constela vrios estgios que vai desde a
incerteza que precede o diagnstico at a reaquisio do bem-estar que sucede daestabilidade da situao.
Para Maruyama et al. (2006, p. 175), trata-se de uma vivncia que ultrapassa o
corpo. O indivduo v-se ameaado no apenas pela doena, mas pelo seu estigma, que
inclui o confronto com os significados coletivos a ele atribudos. Nesta dinmica, no
raro os sentidos e significados do cncer, ao se consubstanciarem em estigma contra a
doena e seu portador, compem um quinho a mais de sofrimentos e angstias para
quem o vivncia.
De acordo com Alves (2003), o diagnstico de cncer normalmente vem
associado a sentimentos de desesperana, dor, mutilao, punio e morte. O portador
de cncer muitas vezes submetido a cirurgias mutiladoras, pode ter sua auto-imagem
afetada, suas habilidades, desempenho e sexualidade comprometidos pelo medo
paralisante que vem acompanhado de depresso, angstia e, muitas vezes, culpa.
Segundo Oliveira (2003, p. 35), o diagnstico pressupe, embora erroneamente,
perspectivas sombrias das mais variadas formas, relacionadas alegria, vida amorosa
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
38/167
23
e sexual, s mudanas fsicas, danos beleza do corpo, como a perda do cabelo,
emagrecimento extremo, sofrimento, dores e morte; alm de outros temores como os
referentes irrupo de planos profissionais e pessoais, s mudanas no papel social e
no estilo de vida, s preocupaes financeiras e legais, entre outras.
A existncia do cncer configura uma srie de situaes adversas que envolvem
desde seu prognstico pouco previsvel, seu tratamento que provoca muitas alteraes
metablicas e patolgicas, at seu controle que se estende ao longo da vida do paciente,
muitas vezes impondo-lhe uma srie de restries. Caracteriza uma situao de
adversidade que no se restringe ao paciente e sua famlia, mas a todo o contexto social
a que pertence, uma vez que mobiliza vrios tipos de mudanas e adaptaes
necessrias para seu enfrentamento.O diagnstico do cncer, mesmo com a certeza da cura, causa um impacto no
apenas imediato mas tambm tardio na vida do paciente e de sua famlia. Segundo
Morais (2003), observa-se muitas vezes vrios tipos de mudanas, podendo at, em
alguns casos, caracterizar um desequilbrio crnico. A famlia v-se diante de uma
realidade completamente desconhecida, sendo forada a adotar novos hbitos no
cuidado do paciente. LeShan (1992), mostra que o estresse provocado pelo cncer pode
causar um amadurecimento na comunicao entre os membros de algumas famlias eem outras ter o efeito oposto. Aponta para vrios aspectos que podem levar a famlia ao
desgaste de suas estruturas emocionais e financeiras.
O autor explica que um dos aspectos mais exaustivos da enfermidade a
exigncia da maioria, incluindo equipe mdica, amigos, familiares e do prprio
paciente, para que os portadores da patologia se sintam sempre tranquilos em relao
doena, sendo necessrio que todos sejam sempre bem-comportados e esperanosos
diante de uma situao to aflitiva, o que justificaria o desejo de tirar frias da atitudeconstante de estar to bem controlados (ibid., p. 141).
Se no bastassem todos os aspectos adversos enfrentados pelo portador de
cncer, depois de vencida as primeiras etapas do tratamento, so constantemente
perseguidos pelo fantasma da recidiva, que se faz permanente atravs de inmeros
exames e procedimentos infindveis. De acordo com Morais (2003, p. 26), o
diagnstico da recidiva muitas vezes desencadeia o incio de um processo de
desconstruo da linguagem de cura que subverte os termos at ento empregados.
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
39/167
24
Aqui, no somente paciente e famlia, mas tambm o mdico sofrem um abalo nas suas
convices; a certeza da cura j no est mais presente e fazem-se necessrias coragem
e foras extras na busca de novas abordagens teraputicas.
No resta dvida de que o cncer representa uma complexa situao de risco eque, portanto, atende aos objetivos deste trabalho no sentido de configurar uma
adversidade que exige, de seus portadores, familiares, cuidadores e sociedade como um
todo, no apenas uma atitude de enfrentamento, mas um longo processo resiliente que
faa uso de todos os seus mediadores no sentido de super-la. Atende as caractersticas
de uma situao que deve ser classificada como adversa, condio necessria para que
haja resilincia e, portanto, para que possa ser investigada.
1.3. RESILINCIA E PSICOLOGIA ANALTICA
Nocreio, masconheoum poder de natureza bem pessoal ede influncia irresistvel. Eu o chamo de Deus.
Jung (2002a, p. 441)
Um dos pontos fundamentais na discusso do fenmeno da resilincia inclui o
conceito de adaptao positiva do indivduo diante de uma adversidade. Segundo Luthar
et al. (2000, p. 543) resilincia o processo dinmico de adaptao positiva em
contexto de significativa adversidade.
Na psicolgica analtica o processo de adaptao de um indivduo sugere o
equilbrio entre as suas necessidades externas, ambientais, e as suas necessidades
internas ou subjetivas.
O homem... s poder corresponder plenamente s exigncias danecessidade exterior, de maneira ideal, se se adaptar tambm ao interior,ou seja: se entrar em harmonia consigo mesmo. E, inversamente, spoder adaptar-se ao seu prprio mundo interior e estar em harmoniaconsigo mesmo se se adaptar tambm s condies do mundo ambiente(JUNG, 1998[1928], 75)
A Adaptao um processo dinmico e muito varivel, assim como as
condies da vida. Para Jung (1988[1958], 143), o contnuo fluxo da vida requer
uma sempre e cada vez mais nova adaptao. Ocorre desde o nascimento quando, na
formao da conscincia, a energia psquica flui para o mundo externo em busca de um
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
40/167
25
campo intersubjetivo a partir do qual possa encontrar cuidados e interlocuo. Este
fluxo de energia, ou libido, Jung (1998[1928], 77) chama de progresso, referindo-se
a um movimento vital que avana para frente, assim como o tempo, que no significa,
necessariamente, individuao ou desenvolvimento psicolgico, sendo apenas um
movimento natural que se d ao longo da vida. Pode ser entendido como um avanar
incessante do processo quotidiano de adaptao psicolgica (ibid., 60).
Porm, quando ocorre alguma dificuldade ou obstculo que impede o avano da
libido, ou seja, quando aquela forma anterior de adaptao s circunstncias deixa de ser
funcional no sentido do desenvolvimento da conscincia do indivduo, surge um
conflito. A progresso interrompida, e a libido se retroverte, dando lugar a um
processo que Jung chama de regresso, referindo-se ao movimento retrgrado dalibido (ibid., 62). Aqui o movimento do fluxo vital para trs, para um modo
anterior de adaptao, ou para o inconsciente, a partir do qual, em momento hbil, se
gestar um novo smbolo ou um ou uma nova viso de mundo.
A conscincia lida com os fenmenos de maneira dirigida e, portanto, durante o
contnuo processo de adaptao do homem, o que no serve para atender s suas
necessidades instantneas de adaptao excludo e vai para o inconsciente. Muitos
contedos so alojados nesta esfera, alm das atitudes que no so mais adequadas, ou
comportamentos indesejveis e potencialidades que no foram atualizadas. O processo
de regresso pode trazer de volta conscincia aquilo que foi eliminado anteriormente,
e embora neste processo possam ocorrer reativaes de desejos e fantasias infantis, ele
possibilita o aparecimento de atitudes que equilibram, ou contrabalanam, a atitude
consciente que se tornou inadequada adaptao. Diferentemente de Freud, Jung (ibid.,
63) entende que no devemos ver no inconsciente apenas restos incompatveis ou
rejeitados da vida ordinria ou experincias primevas desagradveis e censurveis dohomem animal, mas que a tambm se encontram os germes de novas possibilidades
de vida.
Naturalmente esses processos de adaptao podem falhar e o conflito levar
ciso da personalidade, dando origem aos quadros caractersticos dos transtornos
mentais. Caso contrrio, efetuada a adaptao interior, o processo de progresso
reiniciado, e assim por diante, at que nova atitude tenha que ser desenvolvida, sempre
que o fracasso da atitude consciente leve ao represamento da libido, forando a
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
41/167
26
conscincia a submeter-se aos valores regressivos, ou seja, a regresso conduz
necessidade de adaptao alma, adaptao ao mundo interior da psique (ibid., 66).
Desta forma, entende-se que a regresso enquanto adaptao s condies do prprio
mundo interior, assenta na necessidade vital de satisfazer as exigncias da individuao
(ibid., 75).
Portanto, em termos finalistas, a regresso to importante quanto a progresso
no processo de adaptao e desenvolvimento psicolgico. A concepo finalista v as
coisas como meios ordenados para um fim (ibid., 43) ou seja, indica uma orientao
mais para fins ou propsitos que para causas. Partindo do ponto de vista causal, pode-se
dizer que a regresso pode ser causada pela fixao me, porm em termos
finalistas, a libido regride imago da me para ali ativar associaes da memria,capazes de promoverem um desenvolvimento, no sentido de transcender de um sistema,
para outro mais evoludo, como no caso de um sistema sexual para um sistema
intelectual ou espiritual.
Jung insiste que o destino e o caminho de todo ser humano tende a ser rumo
totalidade, num movimento contnuo de evoluo. Entende que todas as circunstncias
(internas ou externas), sempre esto a servio da manuteno ou retomada do processo
de desenvolvimento do indivduo, que ele chama de individuao.Desta forma, dentro da psicologia analtica, podemos entender a adversidade
como uma situao que exige da conscincia recursos extras para adaptar-se, onde so
apresentados ao ego obstculos capazes de interromper o movimento natural de
adaptao da psique, ou seja, o processo de progresso. Na situao adversa instaura-se
o conflito, e os pares de opostos dentro da conscincia, que at ento caminhavam lado
a lado, em equilbrio de valores, deixam de faz-lo e acontece o represamento da libido,
pois um ou outro se neutraliza na coliso, paralisando o fluxo de energia da psique.Como resultado desta conteno, ocorre a regresso na qual os contedos, antes
inconscientes, adquirem fora e comeam a influenciar a conscincia, at que seus
elementos vo se integrando e passam a compor uma nova conscincia, agora
transformada e ampliada. isso exatamente o que requer o processo resiliente.
Depois de oscilaes inicialmente violentas, os opostos tendem aequilibrar-se e surge pouco a pouco nova atitude cuja estabilidadesubseqente ser tanto maior, quanto mais acentuada tiverem sido as
diferenas iniciais (JUNG, 1998[1928], 49).
7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana
42/167
27
O conflito caracterizado por atitudes opostas leva ao represamento da energia
vital, que s se desfaz porque a tenso entre os opostos p
Recommended