View
3
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Rosangela Faria Rangel
Assistência no Rio de Janeiro: elite, filantropia e poder na Primeira República
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Serviço Social.
Orientador: Profa. Inez Trezinha Stampa
Co-Orientador: Profa. Gisele Porto Sanglard
Rio de Janeiro Setembro de 2013
Rosangela Faria Rangel
Assistência no Rio de Janeiro: elite, filantropia e poder na Primeira República
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social do Departamento de Serviço Social do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Profa. Inez Trezinha Stampa Orientador
Departamento de Serviço Social – PUC-Rio
Profa. Gisele Porto Sanglard Co-Orientador
FIOCRUZ
Profa. Ana Maria Quiroga PUC-Rio
Prof. Rafael Soares Gonçalves PUC-Rio
Profa. Claudia Maria Ribeiro Viscardi UFJF
Profa. Lobélia da Silva Faceira UNIRIO
Prof. Marcio Eduardo Brotto PUC-Rio
Profa. Mônica Herz Vice-Decana de Pós-Graduação do
Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 20 de setembro de 2013
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora
e do orientador.
Rosangela Faria Rangel
Graduou-se em Serviço Social pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro, em 1990. Realizou mestrado em Serviço Social
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1996.
Participou, como bolsista de aperfeiçoamento do CNPq, na
pesquisa ”Políticas de Assistência: controle do conflito e
práticas de reapropriação”, realizada na Escola de Serviço
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nesta
instituição também participou da pesquisa “Modernização e
Exclusão Social: novos perfis da clientela do Serviço Social” e,
como pesquisadora, no Instituto Superior de Estudos da
Religião (ISER) no “Estudo sobre as famílias ocupantes do
Campus de Jacarepaguá da Fiocruz” e na “Avaliação de
Programas de Intervenção em Áreas Carentes: o Viva Rio e os
desafios da intervenção social”. Foi professora substituta da
Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro em 1997 e em 2002. Tem experiência na área de
Serviço Social, com ênfase em projetos comunitários.
Ficha Catalográfica
CDD: 361
Rangel, Rosangela Faria Assistência no Rio de Janeiro: elite, filantropia e poder na Primeira República / Rosangela Faria Rangel ; orientadora: Inez Terezinha Stampa ; co-orientadora: Gisele Porto Sanglard. – 2013. 223 f. : il.; 30 cm Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Serviço Social, 2013. Inclui bibliografia. 1. Serviço social – Teses. 2. Assistência. 3. Filantropia. 4. Elites. 5. Questão Social. 6. Primeira República. I. Stampa, Inez Terezinha. II. Sanglard, Gisele Porto. III. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Serviço Social. IV. Título.
Ao meu pai, Renato (in memorian)
À minha mãe Esther
Agradecimentos
Muitas pessoas participaram direta ou indiretamente da trajetória de construção
deste trabalho. Gostaria, entretanto, de agradecer em especial:
À minha mãe Esther Rangel, por compreender minhas ausências e pelo apoio e
amor incondicionais.
À Profª Ana Quiroga, com quem tive a honra de conviver profissionalmente por
mais de vinte anos e com quem iniciei esse processo de pesquisa. À minha mestra
com carinho, que me incentivou a ingressar no doutorado e me deixou um legado
intelectual que carrego como um tesouro precioso, dedico minha admiração,
minha amizade e meu respeito.
À Profª Inez Stampa, agradeço por ter me aceitado, “no meio do caminho”, como
sua orientanda, por seu apoio e orientação para a conclusão deste percurso
intelectual.
À Profª Gisele Sanglard, por ter aceitado o convite para co-orientar esta tese. Com
certeza, sua orientação eficiente, sua dedicação e disponibilidade foram
imprescindíveis para a elaboração deste trabalho. Sou muito grata pelas valiosas
contribuições para o desenvolvimento da pesquisa.
À Profª Maria Dina Nogueira Pinto, pela sua providencial e generosa ajuda no
processo de pesquisa.
Aos docentes que gentilmente aceitaram participar de minha banca de doutorado.
À Profª Joana Angélica Garcia, da Escola de Serviço Social/UFRJ, que aceitou
participar da suplência de minha banca de doutorado.
Aos companheiros (as) de doutorado, pela possibilidade de partilhar ideias e
novos conhecimentos, em especial à Laura Olivieri Carneiro e Marcio Eduardo
Brotto.
Aos funcionários da Biblioteca Nacional e do Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro, pela presteza e generosidade que possibilitaram a elaboração de grande
parte desta pesquisa.
Ao Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, em especial ao professor Rafael
Soares Gonçalves pelo aprendizado e incentivo. À Joana Maria Félix pela atenção
e solicitude.
À PUC-Rio e à CAPES, pela oportunidade de realizar este trabalho.
Resumo
Rangel, Rosangela Faria; Stampa, Inez Terezinha. Assistência no Rio de
Janeiro: elite, filantropia e poder na Primeira República. Rio de Janeiro,
2013. 223 p. Tese de Doutorado – Departamento de Serviço Social,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Esta pesquisa consiste no estudo da filantropia na cidade do Rio de Janeiro
durante a Primeira República. Para tanto, compreende a ação filantrópica como
uma nova forma de intervenção social frente aos problemas da cidade,
identificando-a, por outro lado, como expressão do pensamento político de uma
elite urbana em formação no país e de sua vinculação com o poder. O estudo
centra-se, assim, nas propostas de assistência aos pobres defendidas pela elite
dominante enquanto projeto político que visava a “reforma social e moral” da
sociedade brasileira; na influência de ideias de reformadores sociais franceses; em
uma intrincada relação entre o público e o privado na configuração da assistência
e, ainda, nas preocupações das elites relacionadas à emergência da questão social.
A investigação abrangeu tanto o campo das ideias como o campo das ações dos
filantropos, enquanto fundadores de instituições e organizações sociais. Quanto ao
primeiro campo, a análise destacou dois marcos importantes na história da
assistência no Brasil: o Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada e a
publicação da obra Assistência Pública e Privada no Rio de Janeiro, ambos
estreitamente vinculados às “vitrines sociais” do capitalismo na época, a
Exposição Nacional de 1908 e a Exposição Universal de 1922. Quanto às ações
dos filantropos, foram analisados tanto os estudos pioneiros divulgados nestes
eventos como, igualmente, o quadro de membros fundadores de duas instituições
filantrópicas de destaque no período: a Liga Brasileira contra a Tuberculose e o
Instituto de Proteção e Assistência à Infância.
Palavras-chave
Assistência; Filantropia; Elites; Questão Social; Primeira República.
Abstract
Rangel, Rosangela Faria; Stampa, Inez Terezinha (Advisor). Assistance in
Rio de Janeiro: elite, philanthropy and power in the First Brazilian
Republic. Rio de Janeiro, 2013. 223 p. Doctoral Thesis - Departamento de
Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This research consists of the study of philanthropy in the city of Rio de
Janeiro during the First Republic. Therefore, it comprises the philanthropic action
as a new form of social intervention to the problems facing the city, identifying
the other hand, as an expression of the elite political thought and its relationship
with power. The study focuses, thereby, on proposals to assist the poor advocated
by the ruling elite as a political project that aimed to "social and moral reform" of
Brazilian society; on the influence of ideas of French social reformers; in an
intricate relationship between public and private in the configuration assistance,
and also the concerns of the elites related to the emergence of the social question.
The investigation included both the realm of ideas as also the field of actions of
philanthropists, as founders of institutions and social organizations. About the first
field, the analysis highlighted two important milestones in the history of
assistance in Brazil: the National Congress of Private and Public Assistance and
the publication of the work Public and Private Assistance in Rio de Janeiro, both
closely linked to "social showcase" of capitalism in time, the National Exhibition
of 1908 and the Universal Exhibition of 1922. As for the actions of
philanthropists, were analyzed both pioneering studies reported at these events as
also the box of founding member of two philanthropic institutions outstanding
during the period: the Brazilian League Against Tuberculosis and the Institute for
the Protection and Care of Children.
Keywords
Assistance; Philanthropy; Elites; Social Question; First Brazilian Republic.
Sumário
Introdução 17
1. Elementos para pensar a constituição da assistência no Brasil
31
1.1. Assistência e questão social nas sociedades capitalistas europeias
34
1.2. Assistência e ideário da modernidade na construção do Brasil
49
1.3. O Brasil nas “vitrines” do capitalismo: a assistência como objeto de exposição
57
1.4. Filantropia e elites republicanas: ilusões do progresso na capital da República
64
2. Assistência Pública e Privada: o debate dos reformadores sociais brasileiros
76
2.1. Congressos Científicos & Exposições: a Exposição de 1908
78
2.2. O Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada
89
2.3. As Teses do Congresso 101
2.3.1. “Assistência Gratuita ao Doente”: relatórios de Garfield de Almeida e Juliano Moreira
102
2.3.2. “Assistência à Infância”, mortalidade infantil e educação dos deficientes: relatório de Fernandes Figueira
110
2.3.3 “Assistência à Infância Moralmente Abandonada” e a legislação - conclusões aprovadas no Congresso
115
2.3.4. Assistência pelo Trabalho” - conclusões aprovadas no Congresso
120
2.3.5. “Assistência Metódica”: por uma aliança permanente entre a assistência pública e privada – tese de Ataulpho de Paiva
122
2.4. As Resoluções do Congresso 127
3. A Exposição Internacional e a Sistematização da assistência em 1922
130
3.1. A comemoração do Centenário da Independência do Brasil
133
3.2. A primeira Sistematização Oficial da Assistência no Rio de Janeiro: aliança entre o público e o privado
147
4. Elites urbanas e Poder Republicano: a criação de instituições filantrópicas na virada do século XIX para o XX no Rio de Janeiro
172
4.1. A Liga Brasileira contra a Tuberculose 176
4.2. O Instituto de Proteção e Assistência à Infância 191
5. Considerações Finais 205
6. Referências Bibliográficas 212
Lista de Tabelas
Tabela 1- Membros da comissão organizadora do Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada (1908)
95
Tabela 2 - Institutos de Beneficência em 1912 152 Tabela 3 - Institutos de Beneficência – 1913-1920 152 Tabela 4 - Subvenções federais destinadas à Liga Brasileira contra a Tuberculose – 1907-1913
184
Tabela 5 - Subvenções municipais destinadas à Liga Brasileira contra a Tuberculose – 1902-1913
184
Tabela 6 - Quotas da loteria federal destinadas à Liga Brasileira contra a Tuberculose – 1904-1913
185
Tabela 7 - Quotas de loteria recebidas pelo sanatório Rainha D. Amélia – 1911-1913
189
Lista de Figuras
Figura 1- Exposição Universal de 1889 – vista panorâmica
35
Figura 2 - Primeira Exposição Nacional em 1861 – Jardim Imperial localizado no palco central do Palácio da Exposição
58
Figura 3 - Álbum da Exposição de 1908: órgão de propaganda nacional
79
Figura 4 - Exposição Nacional de 1908. Porta monumental vista de dentro da Exposição para fora
80
Figura 5- Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Fotografia tomada do Morro do Castelo
84
Figura 6 - Posto Central de Assistência Municipal 88 Figura 7- Instituto Profissional João Alfredo. Homens trabalhando em máquinas no interior do Instituto
88
Figura 8 - Prédios iluminados pertencentes à Exposição de 1922. Visão noturna
135
Figura 9 - Desmonte do Morro do Castelo com uso de força hidráulica
136
Figura 10 - Ladeira do Morro do Castelo, antes de ser derrubado pelas obras de modernização da cidade
137
Figura 11- Portal de entrada da Exposição Internacional de 1922
138
Figura 12 - Pavilhões da Estatística e da Caça e da Pesca (em obras). Exposição de 1922
139
Figura 13 - Pavilhão dos Estados e Pavilhão das Indústrias. Exposição de 1922
139
Figura 14 - Pavilhão da Brahma (em obras). Exposição Internacional de 1922
140
Figura 15 - Pavilhão da Fábrica de Tecidos Nova América. Exposição Internacional de 1922. Ao fundo, vê-se o Morro do Castelo em processo de desmonte
145
Figura 16 - Asilo São Francisco de Assis. Idosos sentados em bancos no pátio externo do asilo
167
Figura 17 - Asilo São Luís (1913) 169 Figura 18 - Prédio da Liga Brasileira contra Tuberculose
178
Figura 19 - Dispensário Viscondessa de Moraes, 1911
187
Figura 20 - Preventório Rainha D. Amélia, Ilha de Paquetá [s.d.]
190
Figura 21 - Instituto de Proteção e Assistência à Infância ainda em construção [s.d.]
192
Figura 22 - Fachada do Instituto de Proteção e Assistência à Infância [s.d.]
192
Figura 23 - Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro
197
Figura 24 - Os concorrentes do 19° Concurso de Robustez do IPAI [s.d.]
199
Lista de Quadros
Quadro 1 - Comissão Brasileira na Exposição Universal da Filadélfia
61
Quadro 2 - Instituições pertencentes à Santa Casa do Rio de Janeiro em 1908
85
Quadro 3 - Membros da comissão organizadora do Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada de 1908
91
Quadro 4 - Membros da Liga Brasileira contra a Tuberculose
179
Quadro 5 - Membros Fundadores do Instituto de Proteção e Assistência à Infância
193
Quadro 6 - Dotação Orçamentária IPAI – 1912 196 Quadro 7 - Dotação Orçamentária IPAI – 1913-1915 196
Lista de Abreviaturas
ABL - Academia Brasileira de Letras
ACRJ - Associação Comercial do Rio de Janeiro
AEC - Associação dos Empregados no Comércio
AGCRJ – Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro
ANM - Academia Nacional de Medicina
CEBAS - Certificado de Entidade Beneficente
CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social
CNSS - Conselho Nacional de Serviço Social
DNSP - Departamento Nacional de Saúde Pública
FMRJ – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro
IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
IPAI - Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro
LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social
NOB-SUAS/2005 - Norma Operacional Básica
PNAS - Política Nacional de Assistência Social
PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SUAS - Sistema Único de Assistência Social
Rememorar, não esquecer é apresentado como um dever
pessoal dirigido a cada um de nós. Mas uma tal memória não
é transmissão, mas reconstrução: história.
François Hartog
Introdução
Esta tese consiste no estudo da filantropia como uma forma de pensamento
político de uma nova elite urbana em formação no país e sua vinculação com o
poder na Primeira República (1889-1930), em particular, na cidade do Rio de
Janeiro. Parte-se do pressuposto que a assistência se configurou, para esse grupo
social, como um poderoso operador de legitimação na sociedade, em estreita
vinculação com o poder político na capital da República. Dessa forma, verifica-se
uma articulação entre a legitimação pela assistência de um grupo social urbano e a
formação de esferas sociais e políticas na sociedade brasileira nesse período.
Esta investigação busca contribuir com a produção de conhecimento sobre a
história da assistência e, em particular, da assistência social. O processo de
pesquisa teve seu início com os estudos sobre as Irmandades da Misericórdia, nos
quais verificamos que a assistência sempre teve, desde a colonização portuguesa,
uma dimensão legitimadora do poder, o que nos levou a colocá-la em outro
patamar na dinâmica da sociedade brasileira, pois historicamente ela “foi
concebida como ocupando um lugar subalterno e/ou residual na estruturação
econômica e na formação e manutenção das elites no país” (Quiroga, 2008, p.15).
Além disso, esses estudos possibilitaram uma percepção de que a vinculação
do passado da profissão com os valores religiosos e as práticas sociais da Igreja
Católica em relação aos pobres não se constituía em uma história única e
imutável, tanto em relação à realidade européia (ocidental cristã) como à realidade
brasileira.
Assim, o percurso da pesquisa veio a se delinear como uma possível
releitura do passado profissional a partir de novos referenciais de análise. Esse
interesse em “revisitar” o passado, obviamente, exigiu tanto a elaboração de
recortes temáticos quanto uma certa coragem teórico-metodológica de navegar
pelos campos da história social e política.
18
No entanto, não se tratava de “tornar-se historiadora”, mas de empreender
uma leitura histórica de um campo profissional. Este deveria ser recortado de
forma a demarcar mais nitidamente as prioridades de estudo. Foi, portanto,
realizada uma sucessão de delimitações.
O primeiro recorte refere-se a uma releitura do passado da profissão, no
Brasil, através de um setor importante do campo profissional, isto é, a área da
assistência social. Essa área permanece como socialmente importante e é
responsável pelo próprio nome atribuído ao profissional: assistente social.
Convém ressaltar que a história oficial da profissão é só uma pequena parte
dela, reconstituída a partir de um “trabalho de enquadramento da memória”
(Pollak, 1989).
Pollak (1989) aponta que os estudos de memória abrangem processos e
atores que intervêm no trabalho de constituição e de formalização das memórias.
O autor indica que o trabalho de enquadramento da memória alimenta-se do
material fornecido pela história, o qual é interpretado a partir do que grupos
hegemônicos consideram importante reconstituir. Constitui-se, portanto, em uma
reinterpretação incessante do passado em função dos combates do presente e do
futuro.
Na historiografia profissional mais clássica, as origens da profissão remetem
à Igreja Católica e ao seu projeto de recristianização da sociedade. A Igreja, com o
objetivo de reconquistar sua soberania abalada com o início da República,
buscava ampliar e modernizar sua tradicional atuação na área da assistência.
Configuravam-se, assim, as bases do Serviço Social através da chamada “reação
católica” (Backx, 1994). Nessa perspectiva histórica, o enquadramento da
memória profissional implicou em vincular a emergência da profissão
estritamente à assistência promovida pela Igreja Católica, o que limitou o
entendimento de um processo muito mais complexo.
A partir da década de 1970, o movimento de reconceituação marcou uma
nova fase na historiografia do Serviço Social. A reconceituação, ao caracterizar-se
como um movimento de ruptura e crítica à concepção assistencialista até então
19
predominante na formação e atuação profissional, também “reconceitualiza” a
história profissional.
Nessa reconstituição histórica prioriza-se a década de 1930, quando a
profissão implanta suas primeiras instituições de formação1. Nesse período, o
Serviço Social é reconhecido na divisão sócio-técnica do trabalho, situando-se no
processo de reprodução das relações sociais na sociedade capitalista (Iamamoto &
Carvalho, 1986). Na leitura realizada pelo Serviço Social “reconceituado”, o
passado assistencial é considerado como uma pré-história profissional e suas
concepções e práticas passam a ser conscienciosamente evitadas pela memória
oficializada.
No entanto, “memórias subterrâneas” (Pollak, 1989) de um passado
expurgado insistem em emergir tanto na denominação profissional - assistente
social -, como na própria definição da atual Política Nacional de Assistência
Social (PNAS).
Segundo Pollak (1989), memórias subterrâneas prosseguem seu trabalho de
oposição à memória oficial no silêncio e de maneira imperceptível. Desse modo,
entre as referências do Serviço Social enquanto profissão e do assistente social
enquanto profissional, há uma clivagem entre memória oficial e dominante e
memória subterrânea, as quais entram em disputa numa revisão (auto) crítica do
passado.
Observa-se que na constituição disciplinar do Serviço Social, a assistência
social não ultrapassa a condição de um setor específico e, por longo tempo, pouco
valorizado política e ideologicamente. Entretanto, ao invés de representar uma
esfera secundária, a assistência exerceu um papel fundamental na formação social
brasileira.
Quiroga (2008, p.15) indica que a assistência foi “usualmente considerada
como vinculada a valores religiosos, à caridade cristã, e às instituições de ajuda e
socorro aos pobres”, sendo “relativamente pouco estudada enquanto esfera de
acumulação e mobilização de recursos e formação de elites [...]”.
1 Maiores informações consultar: Yazbek (1980); Backx (1994); Dahmer (2007).
20
Tratava-se então de voltar ao campo da assistência, acompanhando seu
período de história comum a outras áreas sociais, posteriormente constituídas em
campos disciplinares diferenciados (como a saúde, a educação). Aqui se incluiria
outra delimitação prévia.
Não se tratava de desvendar todo o potencial de análise da assistência na
formação social brasileira, mas de observar mais atentamente sua articulação com
a formação e manutenção das elites republicanas.
A segunda delimitação importante para a elaboração desta tese diz respeito a
um recorte dentro da assistência social, ou seja, o estudo da filantropia como uma
forma de intervenção social aparentemente sucessora ou racionalizadora da
caridade cristã.
Nossa grande hipótese de trabalho é que a filantropia deveria ser tratada
como uma forma de relação público-privado fundamentalmente política, e não um
modelo de intervenção de bases religiosas e confessionais.
É importante ressaltar que adotamos uma concepção de caridade e
filantropia enquanto práticas sociais diferenciadas, uma vez que correspondem a
modelos de intervenção distintos, ainda que possuam aspectos comuns. Sanglard
(2008a) e Horne (2004), ao citarem a historiadora francesa Catherine Duprat,
apontam que a filantropia pode ser entendida, grosso modo, como a expressão de
um processo de laicização da caridade cristã.
Destacamos aqui dois modelos de assistência implantados historicamente no
país: no primeiro, a assistência era representada socialmente sob o manto das
“Misericórdias”, onde a caridade se constituía em operador de legitimação de um
conjunto de entidades e irmandades, com as Santas Casas de Misericórdia se
configurando como o caso mais exemplar.
No segundo, a filantropia instaurou no campo da assistência, enunciados e
valores relacionados ao altruísmo e a solidariedade, renovando, assim, o universo
de justificações morais para a atuação de entidades privadas na área social. Desse
modo, a assistência era representada socialmente como uma atuação social “em
21
favor do outro”, o que dava legitimidade e prestígio social àqueles que a
executavam.
A lógica filantrópica desenvolveu-se articulada à ideia de progresso e
civilização, ancorando-se no conhecimento “mais racional” dos problemas sociais
em oposição ao mero voluntarismo caritativo. Consideramos que a filantropia,
mais articulada às esferas científico-profissionais, tornou-se o modelo de
assistência predominante na Primeira República, exercendo um papel fundamental
na estruturação das instituições sociais e na formação das elites e de quadros
profissionais.
Quanto ao terceiro recorte temático, este implica em considerar a filantropia
como um ideário de elites republicanas que marcou a estruturação de diversas
áreas profissionais (como a saúde e a educação), e de forma mais duradoura a
assistência social. Esse ideário estruturou atores sociais, garantindo seu acesso ao
poder e construiu grande parte das instituições de atendimento às áreas sociais
deste país.
Pode-se considerar que na Primeira República, a filantropia, além de ter se
constituído enquanto ideologia de indivíduos e instituições sociais, também
penetrou no cotidiano da vida social, tornando-se um ideário para a sociedade
brasileira.
Entre as ideias e ideários da época destacam-se: a) a construção de um
projeto de modernidade que inserisse o país no contexto das nações “modernas”;
b) as ideias relativas à construção da nação brasileira; c) o ideário filantrópico que
impulsionou uma nova concepção de assistência.
Verifica-se, entretanto, uma estreita relação do ideário filantrópico com o
projeto de modernidade que políticos e intelectuais se mobilizavam para construir
nesse período.
Desse modo, parte-se do pressuposto que a filantropia se configurou,
historicamente, como uma forma de relação entre as elites e o poder político, a
qual viabilizava a utilização de recursos públicos para a criação e/ou manutenção
de instituições privadas “em nome dos pobres”.
22
Portanto, a filantropia, mais articulada às esferas científico-profissionais, foi
o modelo predominante de assistência na Primeira República, exercendo um papel
fundamental na estruturação das instituições sociais e na formação das elites e de
quadros profissionais, estabelecendo leis e regulações que marcaram um tipo de
relação público-privado que, de diferentes formas, permanece até os dias atuais.
Na Primeira República, as subvenções federais e municipais a entidades
assistenciais podem ser consideradas como o mecanismo inaugural da relação do
Estado com a filantropia que possibilitou as ações dos filantropos no período.
Esta intrincada relação público-privado, no caso da assistência social,
permaneceu sob o predomínio do privado através de uma forte atuação de
entidades de caráter confessional ou laicas. Mesmo quando o setor público passou
a regular e gerir políticas de proteção social, a assistência social continuou
amplamente estruturada por entidades privadas reconhecidas pelo Estado através
de vários mecanismos, dentre os quais, as certificações de utilidade pública,
diferentes tipos de isenções e subsídios, redução de impostos, etc. (Abong, 2005).
Como bem coloca Raichelis (2010, p15), a área da assistência social,
[...] não foi concebida como campo de definição política no universo das políticas
sociais, constituindo-se num mix de ações dispersas e descontínuas de órgãos
governamentais e entidades assistenciais privadas que, gravitando em torno do
Estado, com ele construíram relações de apropriação e intransparência.
Pode-se afirmar que o campo da assistência social desenvolveu-se mediado
por instituições reconhecidas como filantrópicas, onde subsídios estatais às ações
sociais realizadas por essas instituições acabaram por constituir um “obscuro
campo de publicização do privado, sem delinear claramente o que nesse campo
era público ou era privado” (Mestriner, 2008, p.17).
A partir de uma perspectiva histórica, essa apropriação do público pelo
privado na constituição do campo da assistência social no Brasil poderia ser
compreendida como um tipo de estrutura de longa duração. Segundo o
historiador Fernand Braudel (2007), entende-se por estrutura de longa duração
uma articulação, uma arquitetura que o tempo veicula muito longamente.
23
Para o referido autor, “certas estruturas, por viverem muito tempo, tornam-
se elementos estáveis de uma infinidade de gerações [...]”, sendo “ao mesmo
tempo sustentáculos e obstáculos dos quais o homem e suas experiências não
podem libertar-se” (Braudel, 2007, p.49-50).
Portanto, essa imbricada relação entre o público e o privado é um legado
histórico, enraizado na formação social brasileira, pautado por um modo peculiar
de realização da política. Dessa forma, a transição do campo da assistência social
para o campo da política pública se constituiu em um longo processo, no qual os
“avanços possibilitaram o enfrentamento do núcleo duro da relação público-
privado na assistência social” (Raichelis, 2010, p.18-19).
Entretanto, sob nosso ponto de vista, alguns aspectos dessa configuração
histórica podem ser identificados, atualmente, no campo da assistência social, na
medida em que ações assistenciais ainda são utilizadas como possibilidade de
troca política.
A quarta delimitação que marcou a “aventura histórica” desse
empreendimento de estudo refere-se à definição da cidade do Rio de Janeiro como
base da pesquisa. Esta escolha se deveu ao fato de que, na época, a cidade
desfrutava a condição de centro político, administrativo, comercial, financeiro e
cultural do país. Assim, buscamos analisar como a filantropia se apresentou
enquanto uma nova forma de intervenção social frente aos problemas sociais da
então capital da República.
Este estudo, portanto, tem por objetivo contribuir para uma releitura da
constituição da área da assistência social no Brasil. Consideramos que “revisitar”
o passado assistencial no país constitui uma necessidade fundamental, na medida
em que se verifica o renascimento de matrizes políticas e lógicas de atuação
institucional cuja compreensão exige o reexame de questões aparentemente
superadas.
Trata-se, portanto, de retomar a história profissional que antecede ao
período de institucionalização da profissão. Esse retorno ao passado, de certa
forma, também representa uma captura do presente, uma vez que é possível
24
observar o renascimento de matrizes e lógicas de atuação institucional, onde esse
passado filantrópico, travestido com novos discursos e formatos, se faz presente.
Desse modo, pode-se perceber que novas configurações não excluem as
antigas estruturas. Estas vão se recolocando num convívio entre mudanças e
permanências inerentes à sua própria natureza histórica. No entanto, como
assinala Koselleck (2006), ao se desviar o olhar da história corrente e passar a se
ocupar com as histórias do passado, nos deparamos com diversos estratos de
experiências já vividas, às quais recorremos e organizamos a partir de perguntas
atuais.
Entre passado e futuro ou, como indica Koselleck (2006), entre espaço de
experiência e horizonte de expectativa, constitui-se um tempo histórico. No
entanto, nenhum relato de coisas passadas pode incluir tudo o que então existiu ou
ocorreu, pois “tanto no acontecer quanto depois de acontecida, toda história é algo
diferente do que sua articulação linguística consegue nos transmitir” (p.268).
Nesse sentido, nenhuma narrativa histórica pode reivindicar prioridade em relação
às histórias com que se ocupa.
Segundo Koselleck (2006), espaço de experiência e horizonte de
expectativa são duas categorias históricas que revelam e produzem a relação entre
passado e futuro. O autor aponta que estas duas categorias podem ser percebidas
em uma relação com o tempo presente: a experiência é o passado atual, ou seja,
aquele no qual acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados.
Quanto à expectativa, esta se realiza no hoje, é futuro presente voltado para o
“ainda não”, para o que apenas pode ser previsto. Contudo, a possibilidade de se
predizer o futuro a partir da experiência passada encontra um limite: a expectativa
não pode ser experimentada.
O que distingue, portanto, estas duas categorias é o fato da experiência
elaborar acontecimentos passados e poder torná-los presentes. No entanto,
Koselleck (2006) destaca que a experiência não se configura como um espaço
inalterável; ao contrário, é um espaço que pode ser modificado e reelaborado a
partir de novas experiências ou novas recordações:
25
Seja porque a experiência contém recordações errôneas, que podem ser corrigidas,
seja porque novas experiências abriram perspectivas diferentes. Aprendemos com o
tempo, reunimos novas experiências. Portanto, também as experiências já
adquiridas podem modificar-se com o tempo (Ibid., p.312).
Sem dúvida, a década de 1930 constitui-se como marco inaugural da
história oficial relacionada à organização social da profissão e à fundação das
primeiras escolas de Serviço Social e sua incorporação ao espectro das profissões
de nível superior2. No entanto, ao retomar a experiência que antecede ao seu
marco inaugural, parte-se do pressuposto de que a profissão assimilou ideias e
práticas gestadas anteriormente à sua institucionalização.
Portanto, esta pesquisa tem por objetivo o estudo da filantropia como
ideário político e social de uma nova elite urbana e sua articulação com o poder na
Primeira República, em particular, na cidade do Rio de Janeiro.
A pesquisa abrange os seguintes eixos de análise: a) o estudo das propostas
de assistência aos pobres defendidas pela elite dominante enquanto projeto
político que visava à “reforma social e moral” da sociedade brasileira;
b) as ideias de reformadores sociais franceses e sua influência tanto no
discurso como na atuação dos filantropos da época; c) uma imbricada relação
entre o público e o privado na configuração da assistência no período; d) as
preocupações das elites relacionadas à emergência da questão social.
A forma pela qual a investigação visa explorar as condições históricas de
constituição da filantropia reside em considerar duas dimensões da vida social: o
campo das ideias e o campo das ações assistenciais. Buscamos, dessa maneira,
tanto apreender o sentido que o contexto sociopolítico conferia à filantropia na
época, como entender as relações entre os discursos e as ações dos filantropos,
pois ações e representações são duas faces da mesma moeda.
2 As primeiras escolas de Serviço Social surgiram no Brasil no final da década de 1930. A Escola
de Serviço Social de São Paulo, criada em 1936, foi a primeira escola de Serviço Social do Brasil.
Posteriormente, esta escola foi incorporada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP), fundada em 1946. Desse modo, a PUC/SP foi a primeira universidade do país a
oferecer curso nessa modalidade. No Rio de Janeiro, em 1937 foram criados os cursos de Serviço
Social do Instituto Social do Rio de Janeiro (atual PUC-Rio) e o da Escola Ana Neri (atual UFRJ).
Nas décadas de 1940 e 1950 houve um reconhecimento da importância da profissão, que foi
regulamentada em 1957, com a Lei 3252.
26
Quanto ao primeiro campo, a análise destacou dois marcos importantes na
história da assistência no Brasil: o Congresso Nacional de Assistência Pública e
Privada (1908) e a obra Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro,
publicada pela Prefeitura do Distrito Federal, em 1922, ambos estreitamente
vinculados às vitrines sociais do capitalismo na época, ou seja, suas Exposições
Nacionais e Universais.
Realizadas na cidade do Rio de Janeiro, tanto a Exposição Nacional de
1908, como, posteriormente, a Exposição Universal de 1922, tiveram a presença
da assistência como um elemento emblemático na representação do “progresso da
nação” e na legitimação social do projeto político das elites republicanas.
Quanto ao segundo campo, este se refere às ações dos filantropos enquanto
fundadores de instituições e organizações sociais. Analisamos tanto os estudos
pioneiros divulgados nestes eventos como o quadro de membros fundadores de
duas instituições filantrópicas de destaque no período.
O processo de investigação viabilizou-se através de pesquisa bibliográfica e
de pesquisa documental, com a utilização de fontes primárias e secundárias. Com
relação à pesquisa documental, foram analisados tanto documentos oficiais como
periódicos da época. A pesquisa foi realizada em instituições arquivísticas e
congêneres, como o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, a Biblioteca
Nacional, a Biblioteca da Fundação Oswaldo Cruz e a Biblioteca da Academia
Brasileira de Letras.
É importante frisar que esta pesquisa não buscou elaborar uma genealogia
da assistência no Brasil com enfoque na Primeira República. Ao contrário, este
trabalho procurou, a partir dos documentos analisados, pensar a filantropia não
somente do ponto de vista das práticas de auxílio aos “desamparados”, num
período em que a questão social já se fazia presente na sociedade brasileira, mas
também buscou captar os usos e sentidos atribuídos a ela pela elite da Primeira
República.
Para tanto, o estudo mergulha em fontes diversas, destacando-se: relatórios,
decretos, leis, ofícios, atas, álbuns, boletins, almanaques, revistas, livros e jornais
de época, dentre outros, cujo conteúdo remete à Exposição Nacional de 1908, ao
27
Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada de 1908, à Exposição
Internacional do Centenário da Independência de 1922.
Igualmente variados são os temas que figuram nestas fontes, encontrando-se
desde informações administrativas referentes às instituições filantrópicas até
debates sobre a questão da assistência pública e privada enquanto o modelo
vigente de assistência na época aqui retratada.
Em virtude dessa variedade, o cuidado com as fontes de pesquisa foi uma
preocupação constante, pois somente uma leitura interna da fonte consultada, e a
consequente análise detalhada da mesma, não seriam capazes de dar conta da
multiplicidade de informações (e representações) que nelas residiam. Por essa
razão, procurou-se estabelecer uma relação constante entre as informações
contidas nas fontes e a conjuntura sócio-histórica e cultural, na qual as mesmas
foram produzidas.
No que diz respeito às teses do Congresso de Assistência estudado, estas
registram a direção política adotada pelo Estado e pelos intelectuais, considerados
especialistas em diversos campos de saber, o que nos possibilitou perceber os
referenciais teórico-metodológicos que marcavam os discursos e práticas da elite
dominante, bem como a forma de organização da assistência que predominava na
época.
Entretanto, na trajetória de pesquisa, nos deparamos com obstáculos que não
foram possíveis de serem transpostos, uma vez que duas teses do congresso3 não
foram encontradas, apesar dos esforços empreendidos para obter sua localização.
A solução encontrada, para suprir a indisponibilidade dessas fontes documentais,
foi buscar informações sobre as respectivas teses no documento final que engloba
todas as resoluções aprovadas no conclave.
As análises das teses do Congresso Nacional de Assistência e Privada
(1908) foram de fundamental importância para a compreensão da imbricada
3 No processo de pesquisa, não encontramos disponíveis as seguintes teses referentes ao Congresso
Nacional de Assistência Pública e Privada (1908): “Assistência à Infância Moralmente
Abandonada. Modificações que se devem fazer na legislação atual” - Relator: João Carneiro de
Souza Bandeira e “Assistência pelo Trabalho” - Relator: Xavier da Silveira Junior.
28
relação entre discursos, saberes e práticas e, em especial, da intrincada relação
entre o público e o privado no período estudado.
Neste sentido, nossa preocupação esteve voltada não em verificar ou
demonstrar as “verdades” dos conteúdos das fontes de pesquisa, mas em analisar
as condições históricas que possibilitaram formas de organização dos discursos e
das práticas que circunscreveram a assistência no período. Desse modo, os
documentos analisados foram fundamentais para a compreensão do campo de
saber, práticas e disputas que foi a assistência na cidade do Rio de Janeiro na
Primeira República.
Quanto à pesquisa bibliográfica, foram analisadas publicações de autores
que tomaram como objeto de preocupação a emergência da questão social tanto na
Europa como no Brasil, a formação das elites cariocas no período denominado
Belle Époque brasileira4 e a história da assistência na Primeira República, período
em que predominava a filantropia, com ênfase na cidade do Rio de Janeiro. Além
de trabalhos sobre as exposições nacionais e internacionais, nos quais a assistência
foi tanto objeto de debate como parte integrante da mostra.
Para sistematizar a pesquisa realizada, esta tese foi estruturada em quatro
capítulos, além da introdução e das considerações finais.
O primeiro capítulo refere-se ao debate que se desenvolvia na Europa no
século XIX, em particular, na França, acerca das propostas de assistência,
apresentadas pelos reformadores sociais franceses, que visavam amenizar os
problemas relativos à denominada questão social, as quais inspiraram intelectuais
e políticos brasileiros que buscavam adaptar e adequar à realidade do país as
ideias oriundas do continente europeu.
4 Ressalte-se que consideramos a periodização do historiador Nicolau Sevcenko (1998a), pela qual
a Belle Époque brasileira teve seu início na virada do século XIX para o XX e chegou ao fim na
década de 1920, quando o poder oligárquico da Primeira República começa a ser contestado
(contestações operárias e das camadas médias urbanas que exigiam maior participação na vida
política). Na Europa, esse período abrangeu do final do século XIX até a Primeira Guerra Mundial,
caracterizando-se pela expansão dos negócios, plena confiança no crescimento econômico, novas
descobertas científicas e mudanças no modo de vida da burguesia europeia. No Brasil, a Belle
Époque também foi um período de “entusiasmo capitalista e da sensação entre as elites de que o
país havia se posto em harmonia com as forças inexoráveis do progresso e da civilização” (Ibid.,
p.34). No caso brasileiro, destacamos o estudo do historiador Jeffrey Needell (1993) que analisa a
influência da cultura de origem europeia (França e Inglaterra) na elite carioca durante o período
que ele denominou de Belle Époque tropical.
29
Assim, buscamos investigar como se estruturou a ação dos reformadores
brasileiros face à emergência da questão social enquanto problema central para as
elites republicanas do país na época. Também abordamos, neste capítulo, a
importância do ideário da modernidade na construção do Brasil, bem como a
presença do país nas exposições internacionais. Enfatizamos o papel dessas
exposições enquanto elemento de divulgação do capitalismo, onde a assistência
era apresentada como um desses elementos.
No segundo capítulo, abordamos as propostas de assistência defendidas pela
elite dominante brasileira enquanto projetos políticos que visavam à reforma
moral e social na República recém instaurada no país. Para tal, buscamos analisar
as teses apresentadas no Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada,
realizado no âmbito da Exposição Nacional de 1908, as quais revelam tanto a
influência das ideias dos reformadores sociais franceses no pensamento dos
intelectuais, como as principais preocupações das elites relacionadas à emergência
da questão social e a intrincada relação entre o público e o privado na
configuração da assistência nesse período.
No terceiro capítulo, analisamos o contexto da Exposição Internacional de
1922. Essa exposição, além de reeditar os ideais propagandísticos do capitalismo,
presentes e caracterizadores das demais Exposições, tentava apresentar como que
um “balanço” da situação do país, na comemoração dos cem anos de sua
independência. Nesse contexto tem-se a presença da assistência como um dos
elementos da emblemática representação do progresso da nação, constituindo-se
como mais uma vitrine do projeto político das elites republicanas de 1922.
Paralelamente, buscamos averiguar tanto a influência do debate francês
enquanto referência para os intelectuais brasileiros, como relacionar as propostas
debatidas no Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada de 1908 com
as que foram apresentadas por Ataulpho de Paiva, na obra Assistencia Publica e
Privada no Rio de Janeiro, publicada em 1922, visando identificar as mudanças
e/ou permanências ocorridas.
O quarto capítulo centra-se nas ações dos filantropos enquanto fundadores
de instituições/organizações sociais, particularmente no início do primeiro regime
30
republicano na Cidade do Rio de Janeiro. Desse modo, buscamos analisar o
quadro de membros fundadores de duas instituições filantrópicas de destaque
nesse período: a Liga Brasileira contra a Tuberculose, fundada em 1900, e o
Instituto de Proteção e Assistência à Infância, criado em 1889. Estas instituições,
mesmo com objetivos ligados ao campo da saúde, se notabilizaram por realizar
um trabalho de mobilização social de famílias, notadamente pobres, sendo
apresentadas como exemplos emblemáticos da ação filantrópica enquanto uma das
facetas da elite carioca nesse período.
31
1 Elementos para pensar a constituição da assistência no Brasil
Ao final do século XIX, com o fim da escravidão, a instauração do regime
de trabalho livre, o desenvolvimento da urbanização, e a emergência de uma
incipiente classe operária e de suas reivindicações e mobilizações, a questão social
se coloca como a questão maior a ser discutida, diagnosticada e equacionada. Isso
significa que a questão social emerge em um período de constituição do
capitalismo no Brasil, em especial nos seus principais centros urbanos na época
(Rio de Janeiro e São Paulo).
Neste capítulo, buscamos investigar como se estruturou a ação dos
reformadores brasileiros face à questão social enquanto problema central para o
desenvolvimento capitalista de uma sociedade que empreendia sua
“modernização”. Concordamos com a perspectiva de análise de Gomes (1979)
que questiona a concepção propalada de que a questão social, na Primeira
República brasileira, era apenas um “caso de polícia”. Para a autora, a questão
social constituía-se num dos mais importantes problemas políticos da época,
sendo a dimensão policial (enfrentamento meramente repressivo) insuficiente para
a sua caracterização.
A historiadora Ângela de Castro Gomes aponta que já havia algumas
medidas relativas à questão da proteção e assistência ao trabalho, desde o início
do período republicano, principalmente no que dizia respeito ao trabalho do
menor e aos benefícios destinados aos funcionários públicos. Porém, “estas
primeiras iniciativas, de um lado, destinavam-se aos empregados do Estado, não
atingindo o trabalhador da iniciativa privada e, de outro, tinham uma explícita
preocupação sanitária e moral” (1979, p.56). Logo, não se tratava de regulamentos
que pudessem ser situados no campo da formação de um direito social. Entretanto,
o Estado incentivava outras iniciativas para cobrir a ausência de políticas sociais:
32
[...] desde fins do século XIX, com o intuito de facilitar o movimento associativo
no país, sem que neste movimento estivessem incluídos os trabalhadores,
promulgou-se o Decreto n° 173 de 10/09/1893, que regulava a organização de
associações com fins religiosos, morais, científicos, artísticos, políticos ou de
simples recreio. No que se refere à formação de sindicatos propriamente ditos,
elaboraram-se o Decreto n° 979 de 06/01/1903, que facultava aos profissionais da
agricultura e indústria rurais a organização de associações para a defesa de seus
interesses, e o Decreto n° 1637, de 05/01/1907, que criava sindicatos profissionais
e sociedades cooperativas (Gomes, 1979, p.57).
Em seus estudos sobre o período que antecede a década de 30, Gomes
(1979) também identifica a constituição de “uma burguesia industrial e comercial
atuante, constituindo-se como agente social e político e tendo como instrumento
de organização e participação as associações de classe do setor” (p.117). A autora
sustenta que esta fração da classe burguesa interferiu “no curso do processo
decisório de algumas questões essenciais – entre elas a questão social – com
grande eficácia e sucesso” (Ibid., p117).
Com relação à atuação de uma burguesia urbana em formação no país, a
referida autora indica que não havia uma coerência teórica com relação ao
liberalismo, pois este não se pautava pelo princípio de intervenção ou não-
intervenção estatal. “Sua coerência seria de outra natureza, orientando-se por uma
visão de total pragmatismo e situando-se em questões tais como: onde, de que
forma e com que limites o Estado pode intervir?” (Gomes, 1979, p.44).
Ao analisar as mudanças referentes à assistência a pobreza, tendo como base
as propostas apresentadas por representantes da elite da época, “percebe-se que,
naquele momento, questionamentos e incertezas cercavam o liberalismo da
nascente República, e identifica-se ali o surgimento de propostas e ações que
seriam implementadas durante a década de 1930” (Sanglard, 2008a, p.61).
Por outro lado, é importante destacar uma expansão da indústria brasileira
no período da Primeira Guerra Mundial devido ao corte das exportações dos
produtos industrializados e da conseqüente necessidade de substituição das
importações (Sevcenko, 1998a). Em decorrência dessa expansão das atividades
industriais houve um aumento do contingente de trabalhadores organizados, o que
fortaleceu o movimento operário. Além das diversas greves que ocorreram entre
33
1917 e 1920, o debate sobre a questão social e as medidas para o seu
enfrentamento ganharam força e destaque no cenário político nacional5.
Nas primeiras décadas do século XX a questão social assumiu importância
no debate entre políticos e intelectuais republicanos, prevalecendo a ideia de que a
solução dos problemas sociais passava por propostas de cunho reformista,
principalmente devido ao interesse governamental em racionalizar as ações
assistenciais. Esse ideário reformista articulava-se com o debate que já se
processava na Europa sobre as alternativas de combate à pobreza urbana.
Portanto, ao buscar averiguar de que forma os representantes da elite
republicana adaptaram e adequaram as ideias oriundas do continente europeu à
realidade brasileira, iniciamos este capítulo com a discussão que já se desenvolvia
na Europa acerca da questão social e as propostas de assistência que visavam
amenizar os problemas a ela relativos. Ainda que a expansão capitalista e
industrial já se apresentasse em diferentes nações europeias, será dada aqui
atenção especial à experiência inglesa e ao debate francês pelas repercussões que
tiveram nos debates que se instalaram no Brasil acerca da assistência na Primeira
República brasileira.
Ressalte-se que em relação às nações europeias, nossa tradição assistencial
teve características específicas que remontam ao período colonial. Assim,
examinar as propostas relacionadas com a assistência na cidade do Rio de Janeiro
implica tanto numa breve análise da discussão sobre a questão social na Europa,
como numa caracterização dos primórdios da experiência assistencial no Brasil.
Além dessas duas dimensões, também constituem como conteúdo do presente
capítulo, a importância do ideário da modernidade para a construção do Brasil e o
papel das exposições internacionais enquanto elemento de divulgação do
capitalismo, onde a assistência era apresentada como um desses elementos.
5 Yazbeck (2012) aponta que somente a partir dos anos 1930 foi reconhecida a legitimidade da
questão social no âmbito das relações entre capital e trabalho, o que impulsionou sua
transformação em problema de administração e desenvolvimento de políticas sociais. Portanto, no
período Vargas, a questão social se institucionalizou, mesmo que parcialmente. Afinal, na década
de 30, apenas os trabalhadores formais e sindicalizados tiveram acesso aos benefícios sociais.
Segundo Sposati (1994), “enquanto os trabalhadores formais eram transformados em sujeitos
coletivos, pelo sindicato, os informais, enquadrados como pobres, eram diluídos em ações
individualizadas” (p.7).
34
1.1. Assistência e questão social nas sociedades capitalistas europeias
As Exposições Universais da segunda metade do século XIX e início do
século XX se constituíram em espaços de reprodução da ideologia do progresso
articulada à imagem de universalização da civilização ocidental. Buscava-se,
portanto, consolidar os valores, tidos como universais, de progresso e civilização
através dessas grandes mostras.
No momento em que Paris se preparava para o espetáculo do século, a
Exposição Universal de 1889, a França vivia um período conturbado, de
profundas mudanças políticas e sociais. Os conflitos no mundo do trabalho,
agravados durante a década de 1880, tornavam-se uma característica permanente
no cenário social. Enquanto a Exposição Universal de 1889 visava marcar com
brilho a alvorada da nova República, o movimento operário organizava sua
exibição paralela em um manifesto de convocação para a Segunda Internacional
Operária:
A classe capitalista convida os ricos a vir contemplar e admirar a Exposição
Nacional, obra dos trabalhadores condenados à miséria em meio às mais colossais
riquezas que nenhuma sociedade humana jamais possuiu. Nós, socialistas,
perseguimos a libertação do trabalho, a abolição do regime de salários, a criação de
uma ordem de coisas na qual, sem distinção de sexo nem de nacionalidade, todos e
todas tenham direito às riquezas frutificadas no trabalho comum. São os produtores
a quem nós convocamos a Paris para o dia 14 de julho (Amaro, Del Rosal, 1975
apud Foot Hardman, 1988, p.65).
A Exposição Universal de 1889 foi a oitava exposição realizada no mundo.
Apesar de ter sido organizada para comemorar os cem anos da Revolução
Francesa, a mostra também tinha por objetivo celebrar o triunfo da indústria. Uma
das características dessas exposições era criar seus próprios símbolos,
representativos do triunfo burguês, através de monumentais construções
arquitetônicas. Tanto o Palácio de Cristal, construído para a Primeira Exposição
Universal realizada em Londres (1851), como a Torre Eiffel erguida em Paris para
a Exposição de 1889, são exemplos de monumentos especialmente construídos
para esses eventos.
35
Figura 1- Exposição Universal de 1889 - vista panorâmica.
Fonte: Exposition Universelle-1889-Paris. Disponível em: <http://www.fau.ufrj.br/brasilexpos/1889.html>.
Essas exposições corporificavam o otimismo progressista que imperava na
atmosfera da sociedade burguesa em formação. Para a historiadora Margarida
Neves (1986), esse otimismo relacionava-se a uma nova fé laicizada como
substituta da crença na providência divina.
Por outro lado, Michael Löwy (1992) indica que a ideia de progresso
encontrava-se estreitamente vinculada ao conceito de modernidade, ou seja, à
valorização positiva da novidade:
[...] o progresso por excelência é aquele que se manifesta na novidade industrial,
técnica e científica - assim como nas transformações sociais, políticas e culturais
correspondentes: urbanização, racionalização, democratização, secularização, etc.
(Ibid., p.119).
Portanto, a ideologia do progresso buscou afirmar-se como uma meta a ser
alcançada por todas as nações, sendo as exposições universais espaços
privilegiados de sua divulgação. Até a Primeira Guerra Mundial, além de alguns
países da Europa Ocidental, apenas os EUA figuraram como país-sede desses
espetáculos.
Walter Benjamin, em seu artigo “Paris, capital do século XIX”, analisa tais
exibições como lugares de adoração à mercadoria fetiche, ou seja, “centros de
peregrinação ao fetiche mercadoria” (2006, p.43). Para o referido autor, as
36
exposições universais transfiguram o valor de troca das mercadorias, passando o
valor de uso para segundo plano. “Assim, elas dão acesso a uma fantasmagoria
onde o homem entra para se deixar distrair” (Ibid., p.57). Portanto, muito além do
brilho da distração, as exposições mediavam o processo de “entronização da
mercadoria” (Ibid, p.57).
Foot Hardman (1988), seguindo a linha de pensamento benjaminiano,
analisa essas exibições como precursoras de uma cultura de massas, servindo ao
entretenimento das multidões que se deixavam levar pelo “transe lúdico do
fetiche-mercadoria” (p.50). Essas festas da modernidade significaram a própria
exibição universal da civilização burguesa: “de certo modo, a ideia de um mundo
construído à imagem e semelhança da burguesia, frase de cunho bíblico e
emblemático do Manifesto Comunista, ganhava, no espaço das exposições, foros
de notável materialidade” (Ibid., p. 51).
Em uma época de espetaculização do capitalismo, essas exposições tinham
um caráter de antecipação, de exibição de novos processos técnicos com os olhos
postos no futuro. Nesse sentido, as exposições internacionais anunciavam a
passagem da manufatura à fábrica moderna, sendo o Estado um dos maiores
agentes patrocinadores desses eventos. Neves (1986) ressalta que essas exposições
singularizavam-se enquanto espaços onde as mercadorias estavam “dispostas para
serem vistas, contempladas como ícones dos novos tempos”, não se constituindo
em mercados de compra desses produtos (p.26, grifo do autor).
Esses eventos também imprimiam uma ideia de hierarquia universal no que
tange à comparação das nações e de seus respectivos produtos: através da
arquitetura ou do desenvolvimento tecnológico exibido, julgava-se o nível de
civilidade e progresso das nações. Havia um clima de disputa implícito nos
sistemas de premiação aos melhores exibidores nas diversas categorias. A
competição tinha um caráter amigável, “uma espécie de olimpíadas das proezas
industriais” o que transformava o espetáculo numa forma de diluição e
sublimação dos conflitos (Foot Hardman, 1988, p.60-61).
Cabe enfatizar que a principal característica dessas exposições era o seu
caráter de celebração das efemérides nacionais ou internacionais. Gomes (2002)
37
ressalta que a magnitude da Exposição Comemorativa do Centenário da
Revolução Francesa se justificava devido aos valores que se desejava reafirmar:
os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade que a Revolução Francesa
tornara universais. Desse modo, a construção de uma enorme torre de ferro
inteiramente iluminada (Torre Eiffel), criada para tornar-se símbolo do evento, de
fato se tornou, desde 1889, o símbolo de uma cidade e de um país.
Paralelamente, nos bastidores da Exposição de 1889, o engenheiro Émile
Cheysson6 junto com um grupo de amigos reformadores, elaboravam uma
estratégia para montar o seu próprio espetáculo durante o evento: um “Museu
Social” para ser a vitrine não apenas dos produtos da era industrial, mas também
de seus problemas sociais. Esses homens eram republicanos liberais tão
conservadores quanto os que possuíam o poder político na França no final do
século XIX. Partidários do crescimento industrial e fortemente preocupados com
os levantes operários, eles acrescentavam uma retórica muito peculiar à
celebração enfática do reino industrial: buscar soluções preventivas para os
perigos e as revoltas geradas pela industrialização.
Enquanto os últimos detalhes do grande evento estavam sendo finalizados, o
palco já estava pronto para receber as elites francesas determinadas a enfrentar o
desafio que se constituía para a República: a recondução do contrato social na era
da indústria. Se por um lado surgia um novo mundo de usinas, de trens, de
cidades, ou seja, a produção de um fantástico acúmulo de riquezas materiais; por
outro, a opulência material contrastava com uma miséria maciça da maioria da
população.
Nos centros urbanos surge uma indigência onipresente, insistente e
numerosa, fruto da industrialização e da nova organização do trabalho. Desse
modo, os danos sociais provocados pelas mudanças econômicas obscureciam o
projeto político que os republicanos haviam acabado de criar, ameaçando o sonho
burguês da sociedade industrial.
Aqueles que apoiavam o Museu Social de Cheysson não eram líderes
políticos famosos, nem faziam parte dos grupos de intelectuais mais conhecidos
6 Émile Cheysson era um engenheiro francês. Discípulo de Fréderic Le Play, foi um importante
reformador social do final do século XIX e um dos fundadores do Museu Social da França.
38
do país. Entretanto, pretendiam alçar o estatuto de elite. Eles pertenciam a uma
classe média em crescimento (engenheiros, médicos, professores, arquitetos,
advogados e estudantes) e compartilhavam da convicção de que na França do final
do século XIX, a reforma social havia se tornado uma urgência devido ao
crescimento industrial e urbano.
A historiadora Janet Horne (2004), em seu trabalho sobre o Museu Social
francês, indica que ao final do século XIX, grupos de reformadores surgem da
sociedade civil constituindo-se em uma esfera que atuava como mediadora entre
os interesses públicos do Estado e os interesses particulares dos indivíduos. Nesse
período, formavam-se redes de intercâmbio internacionais, pois as tentativas
reformistas também aconteciam em outros países industrializados.
Além de beneficiar-se desses intercâmbios, os reformadores franceses, desse
período, também se inspiravam nas ideias de seus predecessores acerca dos
perigos inerentes à era industrial. Desse modo, eles davam continuidade ao debate
sobre a natureza da sociedade liberal, sobre as vantagens e as desvantagens da
assistência pública e da caridade privada, e sobre a legitimação da intervenção do
Estado nos problemas sociais. Nesse movimento de reforma social na França, o
Museu Social coordenava os esforços dos grupos reformadores que se focavam na
questão social.
Se a Inglaterra foi o berço da Revolução Industrial, o ponto inicial de uma
forma de vida que se tornaria generalizada nos países denominados civilizados; na
França, a Revolução Industrial ocorreu mais tardiamente. O país se industrializou
lentamente, com o predomínio das atividades rurais e a coexistência de formas
antigas e de novas organizações do trabalho. Na experiência francesa, o
surgimento da classe operária moderna, caracterizada pelo operário fabril e por
um êxodo rural massivo em direção às cidades, ocorreu tardiamente, no final do
século XIX.
Esse processo de industrialização gradual não só levou a uma urbanização
desenvolvida de forma lenta, como também propiciou, na indústria francesa, uma
estreita relação entre a introdução da máquina e a participação política do
operário. Por outro lado, essas características dominantes do desenvolvimento
39
econômico da França tiveram repercussões na maneira como a questão social foi
formulada nas primeiras décadas do século XIX e reformulada nos anos 1880, no
momento em que o capitalismo industrial afirmou-se plenamente (Horne, 2004).
No debate sobre a questão social discutia-se tanto as chances da nova ordem
social como o medo de seu fracasso. Esse debate relacionava-se à formação de
uma nova elite urbana, à mudança de natureza da pobreza com o surgimento do
pauperismo7, o deslocamento das funções exercidas pelas instituições laicas e
religiosas e as lacunas percebíveis de uma economia política liberal.
Por outro lado, a herança revolucionária confiada à França do século XIX
carregava consigo uma nova definição do indivíduo como cidadão, bem como a
noção de direito à liberdade e igualdade de tratamento diante da lei. Até 1848, a
República na França aparecia como uma resposta global aos problemas da vida
em sociedade, constituindo-se no único meio verdadeiro para conter as revoluções
(Donzelot, 2007).
No ideal republicano, somente uma forma injusta e irracional de legitimação
do poder manteria formas correspondentes de opressão e falta de harmonia na
sociedade. Nesse período, era quase inexistente um debate público sobre as
questões da indigência e do trabalho. As críticas à pobreza londrina serviam de
argumento para os teóricos franceses elaborarem projeções sobre as futuras
condições de vida em Paris. Os franceses também criticavam a “caridade legal”
inglesa, acusada de um custo financeiro exorbitante e de manter entre os pobres
uma mentalidade de assistidos (Castel, 1998).
É verdade que na Inglaterra, as intervenções públicas promoveram a
construção de um amplo sistema de socorros alimentado por uma taxa obrigatória
destinada à ajuda aos pobres. Em 1795, foi implantada a “Speenhamland Law” ou
“sistema de abonos” que assegurava ao pobre uma renda mínima independente de
seus proventos, proveniente do imposto dos pobres (poor rate).
7 A noção de pauperismo surge na Inglaterra para designar uma “nova pobreza”, uma forma de
miséria que parecia acompanhar o desenvolvimento da riqueza e o progresso da civilização. Esse
novo fenômeno emerge enquanto custo social da industrialização (CASTEL, 1998).
40
Segundo Polanyi (2000), a sociedade inglesa do séc. XVIII resistiu à sua
transformação, uma vez que a Speenhamland impediu o estabelecimento de um
mercado de trabalho competitivo, introduzindo uma inovação social e econômica:
“o direito de viver”. Para o autor, cronologicamente, a Speenhamland antecedeu a
economia de mercado e se destinou a diminuir o ritmo da proletarização do
homem comum.
Nas primeiras décadas do século XIX, o debate a favor ou contra a
“caridade legal” dominou o cenário político na Inglaterra. Em 1834, a legislação
sobre a pobreza é alterada, sendo implementada a “Poor Law Reform” 8 que,
solidária às doutrinas liberais da economia política, considerava pernicioso
qualquer auxílio financeiro aos pobres. A Nova Lei manteve o princípio de auxílio
aos sem trabalho, mas modificou drasticamente as condições para o seu
recebimento: todos os requerentes ao auxílio público deveriam ingressar nas
Workhouses9 (Casas de Trabalho), onde o trabalho obrigatório era imputado aos
indigentes em condições frequentemente desumanas.
Brunhoff (1985) indica que “a insegurança do emprego, condição da
disciplina operária, contradiz, no entanto, a necessidade capitalista de um estoque
indefinido de mão-de-obra para assalariar” (p.23). Desse modo, “a existência de
instituições não capitalistas” tornava-se, então, indispensável para assegurar a
“gestão” de um estoque de força de trabalho necessária ao capitalista, mas que ele
próprio não podia assegurar diretamente (Ibid., p.8). A forma dessa gestão devia
manter a insegurança do emprego, apenas remediando suas conseqüências. Desse
ponto de vista, a instituição característica era a Workhouse inglesa do século XIX,
que atuava com a supressão da ajuda em dinheiro e em gêneros, financiada pelas
8 No início do século XIX, na Inglaterra, as teorias demográficas do economista Malthus e o
darwinismo social do filósofo Herbert Spencer influenciaram as principais lideranças políticas que
buscaram limitar a ação do Estado no âmbito da assistência. Nesse contexto, a Lei dos Pobres é
reformulada em 1834, o que implicou na redução dos investimentos estatais. Segundo Viscardi
(2011), a “Poor Law Reform” enrijeceu ainda mais a separação entre os pobres considerados
merecedores ou não merecedores de assistência, excluindo, assim, dos socorros todos os
trabalhadores desempregados. Dessa forma, passaram a receber ajuda apenas os indigentes e os
inválidos, os quais eram encaminhados para as casas de trabalho (Workhouses). 9 As workhouses (casas de trabalho) foram implantadas a partir da reforma da Lei dos Pobres em
1834. O sistema público de socorros passou a centralizar-se nas casas de trabalho, que se
constituíam em verdadeiros depósitos de mendicância onde o trabalho obrigatório dos indigentes
era realizado em condições desumanas (CASTEL, 1998). “A ideia era torná-las detestáveis ao
máximo, para que a elas só recorressem os completamente destituídos de condições mínimas de
sobrevivência” (KIDD, 1999 apud VISCARDI, 2011, p.186).
41
taxas locais e configurando-se como “metade prisão e metade empresa sem ser
verdadeiramente uma coisa nem outra” (Ibid., p.8).
O Estado, desse modo, promovia intervenções tanto no combate à
indigência e mendicância como na obrigatoriedade ao trabalho. Na sociedade
inglesa a miséria era vista como contágio moral e ameaça social, representando
“um perigo ao bom desempenho econômico e à moralidade da população”
(Bresciani, 1994, p.19).
Com relação ao tratamento à pobreza, fazia-se uma distinção entre a pobreza
assistida pela “caridade legal”, a qual atendia aqueles ainda não absorvidos pelo
mercado de trabalho, e a “miséria sem esperança de recuperação”. Dessa forma, o
sistema de socorro aos pobres baseava-se em uma diferenciação entre os
desempregados circunstanciais e os desocupados permanentes. Essa separação
entre pobreza e pauperismo tinha por objetivo a adoção de medidas, por parte do
poder público, para afastar a ameaça social que o pauperismo10
representava. A
nova Lei dos Pobres vigorou por dez anos em toda a Inglaterra, sob forte
resistência dos trabalhadores que consideravam as Workhouses verdadeiras
prisões.
Portanto, na Inglaterra, a questão social levou à criação de um verdadeiro
sistema público de socorros, através do qual o Estado amortecia as crises,
contendo assim uma reação da sociedade. O próprio processo de industrialização
foi modulado pelo Estado, o qual sancionava leis que ora impediam, ora
favoreciam o seu desenvolvimento.
Castel (1998) aponta que, antes de 1848, não havia na França quase nenhum
debate público acerca da indigência e da nova organização do trabalho. Segundo o
referido autor, em contraste com a amplitude da “caridade legal” existente na
Inglaterra, na França predominava a beneficência privada. No quadro do
liberalismo vigente, a recusa em elaborar políticas públicas tinha como
contrapartida a preocupação em implantar outro tipo de regulação dos problemas
sociais: as práticas filantrópicas. Estas eram estimuladas pelo próprio governo.
Portanto, paralelamente à assistência confessional, a sociedade francesa da
10
Marx apud Ianni (1994) indica que “o pauperismo constitui o asilo dos inválidos do exército
ativo dos trabalhadores e o peso morto do exército industrial de reserva” (p.128).
42
primeira metade do século XIX elaborou estratégias não-estatais de intervenção
social. Desse modo, entra em cena uma nova concepção de assistência: a
filantropia.
Sanglard (2008a), ao citar a historiadora francesa Catherine Duprat, aponta
uma diferenciação entre os conceitos de caridade e filantropia na França, quando
os filósofos das Luzes buscaram esvaziar a modalidade caritativa da filantropia e
demarca-la como um gesto de utilidade social. Assim, a caridade seria uma
virtude cristã que, ao se apresentar como obra piedosa, pressuporia a abdicação de
toda vaidade, o que significaria o anonimato como valor máximo. Ao passo que a
filantropia seria uma virtude social, e sua dimensão mais racionalizante e utilitária
tinha na publicidade uma de suas ferramentas mais importantes de atuação na
sociedade. Conforme este ideário, os filantropos não agiam no anonimato como
muitos praticantes da caridade cristã.
Horne (2004) também indica que a filantropia enraizou-se na esfera da
sociedade civil francesa legitimando-se através do ideário iluminista. Os filósofos
das Luzes haviam rompido com as práticas tradicionais da esmola estimuladas
pela Igreja Católica e propugnavam que a filantropia pretendia não somente a
realização de um ato de generosidade, mas também de utilidade social. Desse
modo, a filantropia, através de um discurso moral e social, era entendida como a
expressão de um processo de laicização da caridade cristã.
A historiadora Lorelay Kury (2003) indica que a filantropia desenvolveu-se
em toda a Europa cristã ocidental, mas fundamentalmente na França iluminista,
articulada à ideia de progresso e civilização. Ela se constituiu na ideologia
justificadora da expansão colonialista do século XIX, norteando as ações dos
viajantes europeus que sentiam-se portadores de uma missão civilizatória em
nome do progresso e do bem da humanidade.
Apesar dos franceses terem transferido, gradativamente, suas expectativas
com relação à proteção social da Igreja e do rei para o Estado laico, o modelo
caritativo de inspiração cristã continuou exercendo forte influência nas práticas
assistenciais. Na França, as ações filantrópicas não se diferenciavam muito da
43
prática caritativa tradicional, e esta tradição católica permaneceu como parte
constitutiva da reforma social no século XIX.
Por outro lado, enquanto elites próximas do poder político, os filantropos do
final do século XVIII buscaram influir na política pública, e o seu exemplo foi
seguido pela economia moral e social do século XIX.
A economia social, nas décadas de 1820 e 1830 produziu um discurso
reformista sobre a industrialização na França. No debate que vinha crescendo em
torno da questão social, muitos reformadores aderiram a uma nova crença laica: a
análise cientificista da sociedade industrial. A economia social apoiava-se no
positivismo, ressaltando as dimensões morais da vida econômica.
Por outro lado, a preocupação crescente com a pobreza urbana e com a
disseminação de doenças, nesse período, determinou o recrudescimento do
higienismo11
que preconizava a observação e a intervenção no domínio social em
nome do bem público. Os higienistas acumulavam uma grande quantidade de
estatísticas com o objetivo de influenciar o processo de edificação de uma política
social.
A criação dos Registros de Higiene Pública e Medicina Legal foi o
sustentáculo do movimento higienista francês, ao publicar pesquisas sobre as
consequências da industrialização e da urbanização na ordem social. No entanto,
foram as epidemias de cólera que colocaram o higienismo na linha de frente dos
movimentos de reforma social do século XIX.
É importante destacar que François Guizot, Ministro da Educação em 1832,
foi o primeiro a posicionar-se a favor das investigações sociais que permitissem a
elaboração de uma estatística global sobre a vida industrial e urbana. No mesmo
ano, foi reaberta a Academia de Ciências Morais e Políticas para conduzir
investigações sociais que, segundo Horne (2004), contavam com a colaboração
11
“O século XIX pode ser considerado como o período do higienismo na França. O controle de
epidemias e as ações de saúde pública em geral estavam baseados, desde o século anterior, no
controle da pobreza. Se no século XVIII se concebia a higiene como um atributo moral, a
modernidade dos séculos XIX e XX lhe daria uma dimensão social e política” (COSTA e
SANGLARD, 2006, p. 494).
44
ativa de particulares, havendo uma interpenetração das estruturas governamentais
e da sociedade civil na elaboração desses estudos.
Esse conhecimento estatístico da sociedade era indispensável à viabilização
da dominação política da burguesia, o que levou cidades e fábricas a
transformarem-se em observatórios sociais. Ao observar, contar e classificar, os
novos estatísticos buscavam fazer um retrato da questão social.
É interessante destacar que essas preocupações com a contabilidade, a
descrição e classificação dos operários e moradores dos bairros e periferias das
cidades industriais, também se fazia presente na Inglaterra (Bresciani, 1994).
Horne (2004) ressalta que esses estudos se caracterizavam por uma obsessão
pela vida privada e doméstica dos operários, acumulando dados empíricos sobre o
seu modo de vida: seus hábitos alimentares, suas moradias, suas relações sociais.
Os investigadores sociais da época tinham como pressuposto que os
comportamentos da vida privada tinham necessariamente repercussão nos
comportamentos públicos. Dessa forma, essas informações também tinham por
objetivo aliviar as preocupações com relação a eventuais novas revoltas sociais.
Contudo, Horne (2004) analisa que essa invasão do espaço doméstico do
operário representava o avesso do fetichismo da vida privada, característico da
burguesia que buscava afirmar-se como classe dominante. Portanto, o debate
sobre a questão social, nesse período, incorporava tanto as transformações
tangíveis na vida dos trabalhadores induzidas pela industrialização, como as
especulações da burguesia sobre as conseqüências dessas novas formas de
organização do trabalho para a sociedade francesa.
Castel (1998) aponta que Guizot marcou a política e a sociedade francesas
até 1848, sendo uma das figuras mais representativas da abordagem liberal da
questão social. Ele foi um dos principais representantes da corrente filantrópica
que defendia a beneficência voltada para as “classes inferiores” da sociedade.
Desse modo, é importante ressaltar a dimensão de classe embutida na lógica
filantrópica. A esfera do dever moral, justificadora das ações beneficentes,
comportava relações desiguais: as classes “esclarecidas” tinham o dever de
45
proteger as classes consideradas inferiores, através do “exercício de uma tutela
moral” (Ibid., p.305).
Guizot foi um dos fundadores da Sociedade de Moral Cristã12
em 1821, a
qual reunia protestantes, banqueiros e industriais preocupados com os custos
sociais da industrialização. A Sociedade reunia igualmente católicos sociais como
Alban de Villeneuve-Bargemont e aristocratas liberais como o Duque de La
Rochefoucauld-Liancourt e o Barão de Gérando, e representava uma corrente
extremamente conservadora que propunha a volta às tutelas do Antigo Regime.
Paralelamente a esse modelo, definido pelos conservadores mais radicais
como o “governo dos melhores”, havia uma corrente mais moderada, da qual
Fréderic Le Play e seus discípulos foram seus principais representantes. Os
“moderados” preocupavam-se em transpor para o novo contexto da
industrialização “a relação tradicional de proteção que os notáveis exerciam em
relação a seus dependentes” através de uma “combinação de nostalgias arcaicas e
de aspirações modernistas” (Castel, 1998, p.310-313). No entanto, ambas as
correntes se posicionavam contra uma política social que fosse da
responsabilidade do Estado, preconizando que as elites esclarecidas é que
deveriam assumir a proteção das classes populares.
Formado pela Escola Politécnica no final dos anos de 1820, Fréderic Le
Play elaborou um sistema de estudo empírico original e bem mais complexo em
relação ao que já havia sido produzido pelos observadores sociais até então:
monografias focadas no estudo de famílias operárias. Os seus estudos lhe
trouxeram notoriedade nos círculos de engenheiros e industriais da época.
Cortejado por Tocqueville, que o considerava um especialista em problemas
sociais, Le Play ganhou prestígio nos salões intelectuais de Paris (Horne, 2004).
A publicação do livro Os Operários Europeus (1855), composto por mais
de trezentas monografias de famílias operárias, lançou sua carreira de homem
público. Le Play foi nomeado comissário geral da Exposição Universal de 1855
12
Associação protestante que reunia a intelligentsia da época. Também foram membros da
Sociedade de Moral Cristã, figuras como Benjamin Constant, Barão de Dupin, Aléxis de
Tocqueville e outros (CASTEL, 1998 e HORNE, 2004).
46
em Paris. A partir daí, desempenhou o papel de conselheiro de Napoleão III e
fundou a Sociedade de Economia Social (1856), cujo objetivo era o estudo de
famílias operárias dentro de uma perspectiva de moralização e controle social
sobre elas. Posteriormente, o livro A Reforma Social na França (1864), fortaleceu
sua reputação de especialista social, sendo novamente nomeado comissário geral
da França na Exposição de 1867.
Consternado pela queda do Império, pela Comuna de Paris e pela
proclamação da Terceira República, Le Play isolou-se para dedicar-se à vida
privada. Entretanto, suas ideias e seus escritos sobre economia social forneceram
para muitos reformadores republicanos do final do século XIX, como Émile
Cheysson13
, um modelo de reforma social, o qual eles adaptaram aos seus
próprios projetos políticos.
Após a Revolução de 1848, quando a forma democrática de governo se pôs
em prática, todas as certezas e promessas contidas no ideal republicano foram
afetadas. A aplicação, pela primeira vez, do sufrágio universal fez surgir o
contraste entre a soberania política proclamada como igual para todos e o
submetimento econômico das classes trabalhadoras. A ideia de igual soberania,
para todos, na prática democrática, mostrava-se incapaz de modificar a
inferioridade da condição civil dos mais despossuídos.
Para Donzelot (2007), a questão que se colocava na França, nesse período,
era como reduzir o distanciamento da realidade social em relação ao imaginário
político da República e assegurar a credibilidade da ordem política e a
estabilidade da ordem social. Segundo o referido autor,
A questão social aparece, pois, antes de tudo, como a comprovação de um déficit
da realidade social em relação ao imaginário político da República. Era um déficit
gerador de desencanto e temor: desencanto daqueles que esperavam dessa
ampliação da soberania política uma modificação conseqüente e imediata de sua
condição civil; temor, e inclusive pânico, por parte daqueles que temiam que esse
poder para o povo viesse a servir para instaurar o poder do povo de Paris sobre o
resto da nação (Donzelot, 2007, p. 26, grifos do autor).
13
Fréderic Le Play foi o mentor de Émile Cheysson, criador do Museu Social francês.
47
Desse modo, a questão social se referia à capacidade de se manter a coesão
de uma sociedade frente à ameaça de sua ruptura, pois a miséria passou a ser vista
na França como uma ameaça política. São inúmeras as declarações de pensadores
franceses que exprimem o temor causado pela existência de um contingente
populacional novo e temível pelas suas proporções. A exteriorização da pobreza
alcançou uma dimensão assustadora: a ameaça contida na multidão, devido à
imprevisibilidade da movimentação do povo, levou ao temor de um retorno à
barbárie, o que colocaria em risco a estrutura política do país (Bresiciani, 1994).
Estabelecia-se, assim, uma associação entre cidade, pobreza e criminalidade,
uma vez que, para as elites da época, não havia diferenciação entre homem
trabalhador, pobre e criminoso. Estes se constituíam em níveis de uma mesma
degradada condição humana: a de trabalhador dos grandes centros urbanos. A
elaboração de uma identidade social do trabalhador, em contraste com o
vagabundo e o criminoso (classes laboriosas x classes perigosas) se processou
com dificuldade na França.
Bresciani (1994) aponta que, na França, “a frágil distinção entre classe
trabalhadora e classe perigosa, presente nos textos dos observadores sociais,
aponta sempre para a criminalidade latente em meio à população pobre” (p.22).
Segundo o ideal republicano, o direito ao trabalho era o que deveria reunir
as novas aspirações da sociedade e a nova legitimidade da política, estabelecendo
uma articulação entre o registro civil e o registro político. Entretanto, o debate
político entre concepções diferentes e opostas do papel do Estado na sociedade
levou a uma fratura do direito e do modelo social da República. A noção de
solidariedade surge como resposta, fundamentando uma nova modalidade de
intervenção do Estado: o direito social
Portanto, como indica Donzelot (2007), em torno da noção de solidariedade
se constitui um novo paradigma da vida social para substituir o velho sonho do
contrato rousseauniano: surge o “Social” como um modo específico de
organização da sociedade, na intersecção do civil e do político, mediatizando
esses dois registros, onde antes se acreditava ser possível uma articulação
imediata.
48
A Constituição de 1848 outorgou o direito à assistência, o qual substituiu a
luta dos trabalhadores pela garantia do direito ao trabalho. A afirmação do direito
assistencial teve em Adolphe Thiers seu principal opositor. Com sua postura
liberal, Thiers negava que o Estado devesse assumir a assistência à pobreza dentre
suas funções. Em oposição à noção de direito à assistência pública, ele defendia
os princípios da poupança individual e da previdência como as únicas ferramentas
válidas no combate à pobreza.
Apenas no final do século XIX, no Primeiro Congresso Internacional de
Assistência Pública e Privada, realizado em Paris, no âmbito da Exposição
Universal de 1889, ganha hegemonia uma concepção de equilíbrio entre as duas
posições: nesse congresso foram criadas as bases de uma aliança entre a
assistência pública e a assistência privada, sendo essas duas formas de assistência
pensadas como complementares (Paiva, 1916).
Nesse congresso tendeu-se à instituição de uma divisão do trabalho entre a
assistência pública, voltada para os indivíduos em estado de carência absoluta, e o
setor privado com intervenções mais pontuais, cuja perspectiva de moralização do
pobre era priorizada em relação às ajudas materiais.
Portanto, nos anos 1880, quando Émile Cheysson e seus companheiros
começaram a sua campanha estratégica a favor da reforma, a questão social na
França ainda não havia recebido respostas adequadas. As soluções propostas
durante as décadas anteriores haviam permanecido ineficientes. As soluções
paternalistas haviam se mostrado caras demais para a maioria dos industriais e só
se aplicavam a uma pequena fração do mundo operário. Paralelamente, os
socialistas organizavam partidos políticos, congressos, sindicatos, cooperativas,
jornais e sociedades de socorro mútuo (Horne, 2004).
No entanto, os pais fundadores da geração liberal da Terceira República
francesa (1870-1940)14
haviam alcançado vários objetivos políticos. Entre estes, o
estabelecimento da escola fundamental laica e obrigatória (1881) que
desempenhou o papel mais importante na difusão dos princípios liberais com a
introdução da instrução cívica no programa oficial de ensino.
14
A Terceira República francesa foi declarada durante a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) e
terminou com a Segunda Guerra Mundial.
49
A formação cívica insistia na higiene pessoal e nas noções de economia e de
poupança. Dessa forma, os manuais de instrução cívica eram utilizados para
introjetar a ideia de que o autocontrole e a autonomia do indivíduo eram garantias
indispensáveis para o sucesso de uma república liberal. A principal mensagem que
esses manuais buscavam disseminar era “o governo de si mesmo”, ou seja, o
cidadão de uma República devia, em primeiro lugar, contar consigo mesmo
(Horne, 2004). Dessa forma, a pobreza era tratada como um problema individual e
continuava a crescer amplamente, tornando-se uma ameaça à República liberal.
Nesse contexto político, críticos da ortodoxia liberal dominante pediam a
intervenção do Estado para acabar com uma produção industrial não
regulamentada que consideravam ser responsável pelos problemas sociais. Como
já mencionado anteriormente, alguns desses críticos eram discípulos de Le Play,
como Émile Cheysson, e as ideias leplaysianas acerca de uma economia social
acabaram por constituir-se em abrigo conceitual para os reformadores do final do
século XIX.
1.2. Assistência e ideário da modernidade na construção do Brasil
Os primórdios da assistência no Brasil nos remetem à implantação das
Misericórdias no período colonial, quando a religião serviu de base legitimadora
da ocupação portuguesa. O uso ideológico da religião por parte do poder político
refere-se ao fenômeno da confessionalização15
, o qual emerge com o nascimento
dos Estados modernos na Europa ocidental.
O conceito de “confessionalização” é utilizado por Palomo (2006)16
para
analisar “as bases sobre as quais assentou a confessionalização católica” (p.14) em
15
O movimento confessional não envolveu apenas o catolicismo, mas também englobou o
protestantismo (luteranismo e calvinismo), na medida em que tanto príncipes católicos como
protestantes concebiam a religião como instrumento de legitimação e reforço de seu poder
absolutista (CANTIMORI, 1937 apud RODRIGUES, 2009). 16
O autor utiliza como paradigma de interpretação os estudos de historiadores alemães das
décadas de 1960 e de 1980 acerca dos processos e fenômenos políticos, sociais, religiosos e
50
Portugal, identificando as estratégias de intervenção e de controle da monarquia
portuguesa sobre as estruturas da Igreja. Os vínculos estreitos entre o poder régio
e as instituições do poder eclesiástico referem-se a “uma progressiva incorporação
da Igreja ao corpo do Estado” (Ibid., p.12).
No contexto português da Contra-Reforma, o poder régio se beneficiou da
Igreja Católica como “um excelente instrumento de comunicação com os súditos”
e como “um veículo extraordinário de divulgação de uma disciplina social
favorecedora da ordem política” (Palomo, 2006, p.12). Com a expansão
ultramarina, esse processo estendeu-se aos domínios coloniais, pois a Coroa
portuguesa teve a Igreja Católica como “companheira de viagem”, uma vez que o
empreendimento colonizador se legitimava na expansão da fé cristã (Abreu,
2001).
Por outro lado, o fortalecimento das monarquias europeias através da
centralização do poder refletiu-se no campo assistencial17
(Mesgravis, 1976). É
importante destacar que Portugal foi o primeiro país europeu onde ocorreu a
unificação monárquica, a qual promoveu o reagrupamento e a unificação das
instituições assistenciais, alterando-se o quadro de uma assistência local e
fragmentária. A partir dessa política centralizadora, desenvolvida pela Coroa
Portuguesa, as obras de assistência concentraram-se nas Irmandades da
Misericórdia18
, a princípio implantadas em todo o território continental,
expandiram-se pelo vasto e descontínuo império colonial.
O modelo colonial português de vinculação da assistência às irmandades
não envolvia apenas a Igreja e particulares, pois tinha a Coroa portuguesa como
culturais que se constituíram simultaneamente, tanto para responder à necessidade de regrar as
relações sociais cada vez mais complexas a partir da era moderna, como para possibilitar o reforço
da identidade nacional ou territorial nos Estados absolutistas europeus. 17
Segundo Mesgravis (1976), cada país adotou seu modelo particular: na França, as instituições
assistenciais passaram ao controle da Coroa; na Itália, a assistência foi municipalizada, atribuindo-
se sua administração às cidades sob supervisão religiosa; na Alemanha e na Inglaterra também foi
implantada a municipalização ou paroquialização da assistência; na Espanha, além das instituições
municipais e eclesiásticas, desenvolveu-se o sistema mutualista, de origem corporativa (p.28). 18
A Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia foi criada em Portugal, no final do século XV,
por D. Leonor, irmã do Rei D. Manuel. A Irmandade organizava-se em torno das chamadas
quatorze obras de caridade (sete espirituais e sete corporais) a saber: ensinar os ignorantes; dar
bom conselho; punir os transgressores; consolar os infelizes; perdoar as injúrias recebidas;
suportar as deficiências do próximo; orar a Deus pelos vivos e mortos; resgatar os cativos e visitar
prisioneiros; tratar dos doentes; vestir os nus; alimentar os famintos; dar de beber aos sedentos;
abrigar os viajantes e os pobres; sepultar os mortos (RUSSEL-WOOD, 1981, p 15).
51
financiadora de seus serviços de assistência, patrocinando e conferindo privilégios
a essas instituições. Desse modo, os papéis do Estado e da Igreja se confundiam
nas ações das Misericórdias quando a religião serviu de base legitimadora das
conquistas ultramarinas.
Esse modelo assistencial, inicialmente colocado em prática em Lisboa,
estendeu-se rapidamente a todas as regiões de Portugal, expandindo-se
posteriormente para as colônias do “além-mar”, inclusive o Brasil. As
historiadoras Sá (2001a), Abreu (2001) e Sanglard (2008a) apontam que o
Império Colonial Português reproduziu esse modelo de assistência em suas
colônias, o qual concentrava suas ações nas Irmandades da Misericórdia.
Essas instituições tiveram origem em doações privadas, com uma tradição
administrativa laica e, sobretudo, local. A caridade como fundamento da
assistência financiou, em grande parte, o orçamento dessas irmandades por meio
de esmolas e doações feitas através de testamentos, e o caráter devocional é que as
transformava em instituições religiosas.
De acordo com Sá (2001a), “os privilégios concedidos às Misericórdias
funcionaram sempre como um importante estímulo à sua criação e
desenvolvimento, ultrapassando em muito a importância de aspectos espirituais ou
meramente devocionais” (p.39). Esses privilégios significavam vantagens
econômicas e prestígio social para os irmãos que faziam parte do corpo decisório
dessas irmandades, além de condições preferenciais para angariar recursos. Além
disso, os privilégios também “homologavam a supremacia das elites locais” uma
vez que os membros da mesa diretora frequentemente ocupavam simultaneamente
cargos de autoridade na administração pública local (Ibid., p.39).
A citada autora também ressalta que as elites locais obtinham benefícios ao
nível da produção de consensos e consentimentos de dominação através do
exercício da caridade. Por outro lado, a composição interna dessas irmandades
projetava a hierarquia social, reproduzindo as clivagens sociais existentes (SÁ,
2001b).
No Brasil, as Irmandades da Misericórdia, responsáveis pela administração
dos serviços das Santas Casas, foram contemporâneas da fundação das primeiras
52
cidades (Russel-Wood, 1981), ocupando um lugar de destaque devido à amplitude
de suas práticas assistenciais19
e constituindo-se como “instrumentos
moralizadores das comunidades” e “como núcleos de poder” (Quiroga, 2008,
p.18).
No percurso histórico da assistência no país, esse modelo institucional pode
ser considerado como os primórdios de uma articulação entre assistência e poder
político. Se por um lado, as práticas de caridade legitimavam o poder, pois o
discurso doutrinal e moral do catolicismo configurava-se como estratégia sutil e
eficaz de dominação; por outro, essas irmandades representaram o poder
colonial20
e, posteriormente, compuseram a elite política do Império.
O processo de Independência emancipou as Misericórdias brasileiras de sua
subordinação à matriz lisboeta. Entretanto, elas mantiveram uma forte vinculação
com o poder. Se no período colonial essas irmandades ligavam-se à Coroa por
meio da instituição do Padroado Régio21
, com a Independência, essa relação
passou a ser estabelecida com o Estado imperial brasileiro. Desse modo, ao
permanecerem vinculadas ao poder, as Santas Casas destacaram-se como o
principal instrumento de intervenção do governo imperial em diferentes áreas de
atuação social (orfanatos, abrigos, preventórios, etc.) com ênfase nos serviços
relativos à saúde pública, embora continuassem a fazer parte de uma organização
de caráter privado (Rocha, 2005).
As Misericórdias no Brasil configuraram, portanto, um modelo institucional
herdado da colonização portuguesa. Entretanto, apesar dos valores religiosos
terem predominado ao longo dos anos no campo da assistência no Brasil
conforme a tradição portuguesa, seria um reducionismo analisar as Misericórdias
19
A atuação das Santas Casas abrangia um leque de ações bastante diversificado: assistência nos
hospitais, assistência aos presos, doação de esmolas, concessão de dotes às órfãs pobres,
acolhimento de crianças abandonadas e serviços funerários, além das atividades não diretamente
relacionadas à área da assistência, como a execução de testamentos e o exercício de funções
bancárias e creditícias (RUSSEL-WOOD, 1981). 20
As Misericórdias do Rio de Janeiro e da Bahia foram as que concentraram maior poderio, com a
nomeação de provedores pertencentes às elites locais. Estas cidades foram os centros vitais do
projeto colonizador português (GANDELMAN, 2001). 21
O Padroado Régio português esteve diretamente ligado ao processo de expansão ultramarina. O
regime conferido pela Sé Apostólica aos reis de Portugal assentava-se no princípio da “doação” à
Coroa do domínio das terras conquistadas e, como recompensa, o rei tinha a obrigação de sustentar
a organização da Igreja nos novos territórios. Várias instituições seculares e religiosas adquiriram
direitos e assumiram obrigações através do regime do Padroado (PALOMO, 2006).
53
apenas como simples organizações de caridade, pois as dimensões devocionais
constituíram-se apenas como um dos elementos para entender o caráter e as
múltiplas funções assumidas por essas instituições (Quiroga, 2008).
No entanto, a introdução de novos saberes no ambiente intelectual brasileiro
gerou mudanças na concepção de assistência no país, as quais foram marcadas
pela transição de um modelo de assistência caritativa para um modelo
filantrópico. Essa passagem pode ser caracterizada pela emergência do ideário
filantrópico, o qual começou a estruturar-se no século XIX, ainda que de forma
incipiente. Gradativamente, novas tecnologias de intervenção social foram sendo
incorporadas através de um rearranjo nas antigas instituições de caridade. Dessa
forma, a prática da caridade foi transferindo-se cada vez mais para uma ação
orientada por preceitos mais “técnicos”, principalmente nas instituições
hospitalares.
Essas mudanças podem ser observadas no conjunto arquitetônico da Santa
Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. O hospital e suas múltiplas funções
“passam a ser consideradas o veículo de inúmeras contaminações físicas e
morais”, apresentando “incômodas inadequações às novas noções de higiene e
planejamento” (Gandelman, 2001, p.218). As reformulações22
na principal
instituição de assistência da época estavam relacionadas às ideias da filantropia
higienista, preocupada em reorganizar não só os espaços institucionais como a
própria cidade, visando responder às necessidades de modernização da sociedade
carioca.
Desse modo, como coloca Adorno Abreu e Castro (1985), uma aliança entre
a filantropia e a medicina social, ao longo do século XIX, possibilitou a
implantação de um projeto político de assistência médico-filantrópica. A
introdução e presença constante dos higienistas nos problemas de assistência à
pobreza inauguram um corte decisivo com o passado da assistência aos
desafortunados:
22
Dentre as reformulações pode-se destacar a construção de novo hospital com 11 enfermarias;
novas acomodações para o Recolhimento das Órfãs e a Roda dos Expostos; a criação de um prédio
especial para os alienados a fim de separa-los de outros doentes, além da transferência do
cemitério para o bairro do Caju (SANGLARD, 2008a, p.51).
54
Não mais se trata de transferir prédios para abrigar novos assistidos sociais, porém
se trata, mais do que nunca, de organizar as instalações, mediante a racionalização
dos recursos técnicos, materiais e humanos. Em conseqüência, no último quartel do
século XIX triplica o número de doentes hospitalizados, de alienados no hospício,
de delinqüentes nas Cadeias Públicas, de órfãos nos educandários, de inválidos nos
asilos. Um nova era na história da filantropia encontrava-se à vista. Assistência e
repressão, embora referidas uma à outra, distinguiam-se. Agora, assistência e
prevenção associavam-se (Adorno Abreu & Castro, 1985, p.52).
Portanto, a lógica filantrópica desenvolveu-se articulada à ideia de
progresso e civilização, ancorando-se no conhecimento “mais racional” dos
problemas sociais em oposição ao mero voluntarismo caritativo.
A ideia de progresso e civilização desenvolvida na Europa Ocidental foi a
ideologia justificadora da expansão colonialista, norteando as ações das elites
brasileiras que desejavam e projetavam uma nação a ser construída pelos artifícios
da razão europeia. O sentimento de estar à margem do mundo (visto e
representado como) civilizado, conferiu sentido ao esforço de civilização, ainda
que à custa da exclusão de grandes parcelas da população (Naxara, 2004).
A expressão do viajante francês Louis Couty, “Le Brèsil n’a pas du peuple”
(O Brasil não tem povo) encontrou grande ressonância entre os intelectuais
brasileiros na época, preocupados com a identidade do que seria a nação brasileira
e o seu povo. Segundo a historiadora Márcia Naxara (2004), pela impossibilidade
de alcançar o ideal de civilização imaginado, as elites excluíram o “povo” para
pensar o Brasil.
Desse modo, as ideias e percepções sobre o Brasil no século XIX,
representativas do cientificismo e da sensibilidade romântica predominantes no
período, levaram a uma atitude contraditória: o enaltecimento da sua complexa
natureza, tendo como contrapartida a desqualificação de grande parte da sua
população (Naxara, 2004).
Tal contradição esteve presente tanto na visão de viajantes e observadores
estrangeiros como dos próprios brasileiros. Aliás, o discurso liberal ufanista
vigente no período, enfatizava a natureza (o território brasileiro e suas riquezas
naturais) e ignorava o povo brasileiro, o qual era visto em negativo (Gomes,
2005).
55
Na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império, a densidade de escravos
contrastava com as pretensões civilizadoras da Corte e da Coroa23
. Após a
independência, o Brasil surgia como nação moderna ao optar por uma monarquia
constitucional de base liberal onde, teoricamente, todos os homens seriam
cidadãos livres e iguais. Entretanto, a instituição da escravidão permaneceu
garantida pelo direito de propriedade reconhecido na nova Constituição (Mattos,
2000). Esta tem sido apontada como uma distorção típica do processo de
emancipação política do Brasil: a existência de um sistema escravista em uma
sociedade que professava os princípios liberais predominantes na economia, na
política e na sociedade europeia (Alencastro, 1997). Logo, a questão que se
colocava era como modernizar com a permanência da instituição da escravidão?
Desse modo, a singularidade da formação social brasileira deve ser
entendida no âmbito de uma ordem escravista e de seus efeitos sobre todas as
dimensões da vida social. Como aponta Burity (2006), “nossa modernidade
construiu-se, assim, pela adaptação dos modelos externos à matriz moral da
escravidão” (p.28).
A partir de 1870, novas correntes de pensamento (o evolucionismo, o
positivismo e o darwinismo social), oriundas do contexto europeu, foram
introduzidas no ambiente cultural brasileiro. Entretanto, não se tratava de mera
importação de ideias estrangeiras, uma vez que estas sofreram adaptações às
necessidades econômico-político-culturais locais. Longe de serem “ideias fora do
lugar”, como indicaria Schwarz (2000), elas foram utilizadas politicamente para
justificar o encaminhamento de formas autoritárias de intervenção no cotidiano
das populações urbanas.
O movimento de renovação intelectual no país, denominado “a geração de
1870”, foi caracterizado por alguns autores como a “ilustração brasileira”.
Segundo a socióloga Angela Alonso (2002), este foi um movimento intelectual e
político composto por uma diversidade de grupos de intelectuais que tinham como
experiência em comum a marginalização política em relação ao centro estamental
de distribuição do poder social e político.
23
Em 1849, havia na cidade do Rio de Janeiro 110.000 escravos para 266.000 habitantes. Entre
1841 e 1850, 335.000 africanos foram importados para o Rio de Janeiro (ALENCASTRO, 1997,
p.24).
56
O movimento era composto por uma elite de intelectuais que disputava o
poder no período imperial, utilizando as novas ideias das escolas de pensamento
europeias para construir uma crítica coletiva às instituições e aos modos de pensar
cristalizados como tradição político-intelectual do Segundo Reinado. Dessa
forma, suas obras tinham um caráter deliberado de ação política, sendo na
imprensa independente, em pequenas associações e em eventos públicos que esses
contestadores se manifestavam.
A referida autora aponta o caráter elitista e reformista do movimento
intelectual de 1870, o qual comungava com o establishment monárquico a opção
pela reforma ao invés da revolução: “a revolução podia ser carreada pelas massas,
mas a reforma podia ser conduzida por uma nova elite” (Alonso, 2002, p.259).
Não por acaso ele ocorreu paralelamente ao início de um processo de
modernização alavancado pela dinâmica expansionista do capitalismo mundial.
A aplicação de novas descobertas científicas aos processos produtivos
desencadeou a chamada Segunda Revolução Industrial ou Revolução Científico-
Tecnológica, em meados do séc. XIX, nos países desenvolvidos da Europa. Esse
novo salto produtivo impulsionou a consolidação de um mercado capitalista mais
internacionalizado tanto pela disputa por matérias-primas em outras partes do
mundo, como pela ampliação de novos mercados para consumo dos excedentes da
produção. Essa dinâmica de expansão capitalista resultou num avanço acelerado
sobre as sociedades tradicionais, entre elas o Império brasileiro (Sevcenko,
1998a).
Nesse sentido, no que se refere ao processo de modernização, ou seja, às
concreções que a modernidade, como projeto civilizatório, assumiu no país dentro
de uma perspectiva de integração ao concerto das nações modernas, o Império
brasileiro foi dragado pelo novo ritmo da industrialização europeia. Assim, como
processo histórico, a modernização foi vivida de forma desigual, acionada por
mecanismos que refletiam histórias e heranças específicas de cada sociedade.
57
1.3. O Brasil nas “vitrines” do capitalismo: a assistência como objeto de exposição
O ideário da modernidade expandido para todo mundo ocidental, como já
frisado anteriormente, teve nas exposições universais espaços importantes para
sua reprodução e divulgação. Pode-se dizer que no período de expansão do
capitalismo mundial, essas exposições foram suas grandes vitrines.
O Brasil não participou da Primeira Exposição Universal, realizada na
cidade de Londres, em 1851. Neves (1986) assinala que o país ingressou “com
atraso na experiência moderna das Exposições Industriais” (p.39).
Entretanto, o Império brasileiro se fez representar em quase todas as
exibições subseqüentes. Até o fim da monarquia, o Brasil participou das
exposições de 1862 (Londres), 1867 (Paris), 1873 (Viena), 1876 (Filadélfia) e
1889 (Paris).
Foot Hardman (1988, p.68) ressalta a presença constante do Brasil nesses
certames, enfatizando que “apenas uma década após a Great Exhibition do Crystal
Palace24
, realizava-se no Rio de Janeiro, a Primeira Exposição Nacional sob o
patrocínio do Estado monárquico (1861)”.
24
O Palácio de Cristal foi palco da Primeira Exposição Universal realizada em Londres (1851).
Idealizado pelo arquiteto e paisagista Joseph Paxton, ele foi todo construído em ferro fundido e
vidro. Sua estrutura podia ser desmontada e montada posteriormente, sendo esta uma característica
inovadora para as construções da época. O Palácio de Cristal representou o símbolo da nova era
industrial (FOOT HARDMAN, 1988).
58
Figura 2- Primeira Exposição Nacional em 1861 - Jardim Imperial localizado no palco central do Palácio da Exposição. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em: <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.
Posteriormente, foram organizadas exposições nacionais em 1866, 1873,
1875 e 1889, todas patrocinadas pelo poder público. É importante assinalar que
todas as Exposições Nacionais realizadas durante o período imperial
caracterizavam-se como ensaios preparatórios, ou seja, uma prévia da participação
brasileira nas Exposições Internacionais. A tendência das exposições era buscar
ressaltar a produção manufatureira. Entretanto, o conceito de indústria era
suficientemente abrangente para abrigar as atividades agrícolas. De todo modo,
países como o Brasil destacavam-se inevitavelmente no setor da produção agro-
pastoril.
Se por um lado, a entrada do Brasil no universo das exposições já
significava congregar-se, no concerto das nações, aos cânones da ideologia do
progresso; por outro, as estruturas da desigualdade não se bastavam a si mesmas,
e por isso deviam “renovar seus rituais, fazendo dos espetáculos laicos uma fonte
de legitimidade”, ou seja, “era preciso enobrecer as artes mecânicas e conferir
estatuto de dignidade ao trabalho industrial. Mesmo com escravos” (Foot
Hardman, 1988, p.72).
59
Na Exposição de 1876, na Filadélfia, tanto as casas de correção e suas
oficinas como os estabelecimentos de caridade – os asilos de desvalidos, as Santas
Casas, leprosários e hospícios – lá estavam representados, pois o Império
brasileiro incluía as instituições assistenciais25
no rol das criações nacionais.
A presença brasileira nesses eventos gerava a elaboração de extensos
trabalhos redigidos pelos integrantes das comissões brasileiras, compostas por
intelectuais renomados do período, que organizavam previamente a apresentação
do Brasil nessas exposições. Em 1875, foi publicado um estudo sobre “O Império
do Brasil na Exposição Universal de 1876 em Philadelphia”, elaborado pela
Comissão Brasileira na Exposição Universal da Filadélfia, no qual, em sua
primeira página, encontramos o seguinte parágrafo sob o título “Advertencia”:
Se as exposições universais não podem, ainda, por parte do Brasil, servir para
competência industrial, é inegável, que lhe têm proporcionado ensejo para ser
melhor conhecido, e apreciado, como região agrícola de solo fertilíssimo, e
nacionalidade pacífica, inteligente e laboriosa (Brasil, 1875, p.1)
Na citada publicação encontramos um inventário das instituições de
assistência existentes na época, com destaque para a Santa Casa de Misericórdia
do Rio de Janeiro, identificada como o principal estabelecimento de caridade do
Império, pois “sua administração é auxiliada pelos poderes do Estado e pela
caridade pública” (Brasil, 1875, p.506). No documento encontramos uma
descrição detalhada sobre a instituição, o que indica sua forte vinculação com o
Estado Imperial, e um relato sucinto das outras Santas Casas de Misericórdia
existentes nas demais províncias do Império.
Ainda de acordo com o texto da Comissão, a Santa Casa de Misericórdia do
Rio de Janeiro, naquele período (1874-1875), já contava com seu Hospital-Geral e
o Hospício de Alienados (Hospício D. Pedro II); enfermarias separadas em outros
lugares da cidade; o Asilo dos Expostos; o Recolhimento de Órfãs; o
25
No século XIX, mas principalmente em sua segunda metade, acompanhando a modernização da
cidade e a instauração das primeiras unidades fabris, essas instituições assistenciais voltavam-se
para o atendimento aos pobres “livres e nacionais” (órfãos, desvalidos, párias e negros) que
ingressavam no aparelho militar do Estado ou nos núcleos fabris. Eles antecederam os imigrantes,
conviveram com os escravos, lutaram pela pátria, estiveram nos primeiros ofícios manufatureiros.
(FOOT HARDMAN, 1988, p.90-91).
60
Recolhimento de Santa Thereza para meninas desvalidas; um hospital na Gamboa
com 300 leitos para moléstias contagiosas e epidêmicas; dois cemitérios (São João
Baptista da Lagoa e São Francisco Xavier). Também é feito um relato minucioso
acerca do quantitativo de atendimentos e do número de óbitos nessas instituições.
O documento aponta que “as associações de caridade e beneficência são
numerosíssimas em todo o Império, e atestam, irrecusavelmente, os sentimentos
de caridade do povo brasileiro”, porém “há muitas que gozam da proteção de Sua
Majestade, o Imperador” (Brasil, 1875, p.510).
É importante destacar que nas tipologias utilizadas no documento, faz-se
uma distinção entre a Santa Casa de Misericórdia e as outras irmandades, sendo
esta a única definida como estabelecimento de caridade. Ressalte-se que, na
época, a Santa Casa era a única instituição que, apesar de privada, exercia uma
função pública, sendo subsidiada pelo Estado Imperial e pela caridade (legados e
esmolas).
Portanto, essa classificação diferenciada indica a sua importância nesse
período, devido a abrangência de seu atendimento (não restrito apenas aos irmãos
e seus dependentes) e a amplitude de suas práticas assistenciais. Apesar da
existência de outras irmandades e ordens terceiras, pode-se considerar que as
Irmandades da Misericórdia, também conhecidas como Santas Casas, se
constituíram como o primeiro modelo de assistência implantado no Brasil. As
Misericórdias acompanharam o processo colonial e detiveram a hegemonia da
assistência durante o Império e a Primeira República.
Essas instituições fundamentaram o processo de organização da assistência
no país, pois através de suas obras definiu-se tanto um campo de atuação gerador
de instituições sociais como os principais segmentos a serem atendidos (pobres,
doentes, loucos, presos, velhos, etc.). A partir do modelo dessas associações leigas
foram se definindo diferentes áreas que se transformaram posteriormente em
objeto de intervenção de políticas sociais (Quiroga, 2001).
Com relação às associações caritativas e beneficentes, o texto da comissão
distingue dois gêneros de associações:
61
a) aquelas que aliavam fins temporais aos espirituais, unindo a prática da
beneficência à prática do culto. Nesta classificação estão incluídas as Ordens
Terceiras, as Confrarias e as Irmandades, exceto a Irmandade da Misericórdia, a
qual foi classificada separadamente. Como já visto, essas associações foram
listadas, no documento, por ordem de importância.
b) aquelas que não possuíam caráter religioso e que se aplicavam apenas a
beneficência. Destas, umas eram puramente nacionais, outras mistas, outras
constituídas por imigrantes que realizavam ações de proteção aos estrangeiros.
No quadro abaixo, apresentamos as instituições de acordo com a
classificação apresentada no documento:
Quadro 1 - Comissão Brasileira na Exposição Universal da Filadélfia
1875 - 1876
Estabelecimentos de Caridade
1)Santa Casa de Misericórdia
Associações Caritativas e Beneficentes que aliavam fins temporais aos espirituais
1)Ordem Terceira de S. Franscisco da Penitencia (fundada em 1619)
2)Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo (fundada em 1638)
3)Ordem Terceira dos Mínimos de S. Francisco de Paula (fundada em 1756)
4)Ordem Terceira do Senhor Bom Jesus do Calvario
5)Ordem Terceira da Immaculada Conceição
6)Irmandade do Santíssimo Sacramento de Nossa Sra da Candelaria (teve a seu cargo
o Hospital dos Lazaros)
7)Irmandade de Santa Cruz dos Militares (criada por militares)
8)Irmandade de S. Pedro Apostolo (formada por clérigos)
9)Irmandade de Nossa Sra do Rosario e S. Benedicto (fundada por pretos, admite
entre os seus irmãos os próprios escravos, promovendo sua liberdade segundo os
meios de que dispõe o seu cofre especial de caridade)
Associações Caritativas e Beneficentes que não possuíam caráter religioso e se
aplicavam apenas a beneficência
1)Sociedade União Beneficente Acadêmica (ajudar os estudantes da Escola
Polytechnica que não tinham recursos para prosseguir seus estudos)
2)União Beneficente Commercio e Artes
3)União e Beneficencia
4)União Beneficente das Familias Honestas
5)União Funerária Primeiro de Julho
6)Brazileira de Beneficencia
7)Associação Industrial de Beneficencia
8)Previdencia Associação de Socorros á Invalidez
9)Rio Grandense Beneficente e Humanitaria
10)Beneficente Paulista José Bonifacio
11)Typographica Fluminense
12)Caixa Municipal de Beneficencia e Congregação de Santa Thereza de Jesus
(inaugurada pela Camara Municipal, em 1860, para socorrer a “pobreza recolhida”,
62
dotar moças pobres de exemplar moralidade e erigir um asilo p/velhice desamparada)
13)Amante da Instrução
14)Asylo da Velhice Desvalida
15)Philantropica Suissa
16)Beneficente Ingleza
17)Allemã de Beneficencia
18)Belga de Beneficencia
19)Italiana de Beneficencia
20)Franceza de Beneficencia
21)Franceza de Socorros Mutuos
22)Hespanhola de Beneficencia
23)Portugueza de Beneficencia
24)Caixa de Spocorros D. Pedro V(portuguesa)
25)Beneficencia União Israelita do Brazil Fonte: Brasil, Comissão Brasileira na Exposição Universal da Filadélfia. O Imperio do Brazil na Exposição Universal de 1876 em Filadelphia. Rio de Janeiro, Typ. Nacional, 1875.
O documento aponta que tanto na capital como nas muitas províncias do
Império havia casas de correção ou de detenção para sentenciados e presos. O
texto faz uma distinção entre as duas: as casas de correção ou “prisões
penitenciárias” seria o sistema preferível, “mais em harmonia com os preceitos da
ciência, no generoso empenho de fazer da pena, também, meio de educação”
(Brasil, 1875, p.524).
Em 1875, a casa de correção da capital do Império ainda estava por ser
concluída. A construção havia sido projetada para comportar 800 condenados,
com quatro compartimentos para prisões e outros tantos para oficinas. No entanto,
foram concluídos apenas um dos compartimentos para prisões e dois para oficinas
e uma enfermaria para tratamento dos penitenciados que enlouqueciam. O
estabelecimento contava com escola de primeiras letras, biblioteca, lavanderia,
padaria, uma pedreira que abastecia de granito a oficina de canteiros e um
laboratório fotográfico utilizado tanto pela casa como pela polícia.
Além da oficina de canteiros, havia oficinas de marceneiros, carpinteiros;
alfaiates, sapateiros, encadernadores, funileiros, ferreiros, marmoristas e
caldeireiros. O documento indica que as Casas de Correção da capital do Império,
da cidade de São Paulo, do Recife e da Bahia eram as que mais se adaptavam ao
seu fim penitenciário, pois seguiam o modelo prisional da Filadélfia.
63
Com relação às oficinas, os artefatos produzidos pelos presos foram
expostos e premiados em exposições nacionais, e na última exposição universal
realizada em Viena (1873). Além disso, a maioria das oficinas recebia frequentes
encomendas, sendo a mais procurada a de marceneiros, na qual eram produzidas
obras de luxo, e móveis de esmerado trabalho para estações públicas e casas
particulares (Brasil, 1875, p.524).
Portanto, em um contexto marcado por mudanças nas relações de produção
e, consequentemente, pela necessidade de formação de uma força de trabalho
qualificada para o trabalho fabril, a organização tanto da assistência como do
sistema prisional tornavam-se objeto de discussão e divulgação nas Exposições
Nacionais e Internacionais. Isso mostra que as formas de assistência aos pobres
significavam importantes representações, que conferiam sentido ao esforço para
dar ao mundo a imagem de um país que caminhava rumo ao progresso.
Por outro lado, Foot Hardman (1988) indica que as instituições de
assistência, as Casas de Correção, companhias de aprendizes da Marinha e outros
organismos similares constituíam-se em locais de preparação, no século XIX, de
um contingente de proletários modernos. O autor aponta que em obras clássicas
sobre as origens da indústria têxtil faz-se referência à importância desses pobres
“livres e nacionais” para os núcleos fabris modernos da nação.
No fim da monarquia, o Brasil participou da Exposição Universal
Comemorativa do Centenário da Revolução Francesa, em 1889. Na França aquela
era um exposição que saudava a República. Segundo Gomes (2002), foi com esse
entendimento que todos os regimes monárquicos se negaram a participar da festa,
com exceção do Brasil. Isso demonstra o esforço do Império brasileiro em marcar
sua presença nesta exposição, pois enquanto o Brasil monárquico estava se
mostrando em Paris, a República brasileira foi proclamada.
Portanto, o Brasil que se exibe em 1889 já é uma “nação que se republica”
(Neves, 1986, p.89) e a República intensificou a ânsia de progresso.
64
1.4. Filantropia e elites republicanas: ilusões do progresso na capital da República
No final do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro apresentava um ritmo de
crescimento demográfico acelerado26
. Esse crescimento populacional encontrava-
se estreitamente relacionado à migração de escravos libertos da zona rural para a
urbana e pela intensificação do fluxo imigratório na cidade. Além disso, como
destaca Chalhoub (1986), as mudanças na demografia da cidade devem ser
percebidas dentro do quadro mais amplo de constituição do capitalismo no Brasil,
especialmente no Rio de Janeiro, entre o final do século XIX e as duas primeiras
décadas do século XX, quando são vividas transformações sócio-econômicas
associadas à transição de relações sociais do tipo senhorial escravista para
relações sociais do tipo burguês capitalista.
O regime republicano tinha como seu projeto político mais urgente a
transformação do homem livre, fosse o imigrante pobre ou o ex-escravo, em
trabalhador assalariado. Segundo Miskolci (2004), a questão que se colocava era
como incorporar ao novo regime político uma massa de “desvalidos”?
Em um período de progressiva afirmação do capitalismo no Brasil, a tarefa
de construção do “Brasil Moderno” implicava na criação de um modelo de nação
brasileira que correspondesse aos ideais republicanos, em princípio baseados em
concepções de justiça e direitos. Entretanto, a degradante condição de vida da
maioria da população urbana, constituída em sua maior parte por ex-escravos,
pobres e imigrantes, gerava um descompasso com o ideal republicano.
A República representou um compromisso de modernização da economia
por meio do estímulo à industrialização. Todavia, o início do processo de
formação de uma sociedade capitalista implicou em um projeto de modernidade
que viabilizasse a construção de um modelo de nação brasileira. Nesse contexto, a
26
Em 1872 moravam na capital 274.972 pessoas; em 1890 este número cresce para 522.651,
atingindo a 811.443 em 1906. A densidade populacional era cerca de 247 habitantes por km² em
1872, passou a 409 em 1890 e a 722 em 1906. Neste último ano, o Rio de Janeiro era a única
cidade do Brasil com mais de 500mil habitantes, e abaixo dela vinham São Paulo e Salvador, com
apenas um pouco mais de 200 mil habitantes cada uma (CHALHOUB, 1986, p. 24-25).
65
cidade do Rio de Janeiro conheceu um crescimento urbano-industrial que gerou
um impacto na organização social: a desestabilização da sociedade e cultura
tradicionais fez emergir “uma percepção da cidade como locus da decadência
moral” (Adorno, 1990, p. 9). Assim, a reforma social e moral da população urbana
era vista como o caminho para a inserção do país na modernidade.
Portanto, em um período de reorganização da sociedade e de constituição de
uma nova identidade nacional instaurou-se uma dinâmica que abalou as relações
sociais: hábitos e atitudes das populações urbanas deveriam ser transformados
com o objetivo de adaptá-las às necessidades da nova ordem burguesa em
construção. Nesse contexto, buscava-se ajustar a complexa realidade social do
país a padrões europeus de gestão social.
Por outro lado, o Rio de Janeiro, então capital da República, desaguou numa
profunda crise urbana. Nessa época, a cidade “ocupava a incômoda posição de
sétima cidade mais insalubre” do mundo (Pechman & Fritsch, 1985, p.140):
A percepção crescente de que a vida das cidades ameaçava paralizar-se em função
da ocorrência freqüente de epidemias criou as condições básicas para que médicos,
engenheiros sanitários, políticos e autoridades governamentais se debruçassem na
busca de soluções para o enfrentamento da questão da saúde pública (Ibid., 1985,
p.142).
Dessa forma, o movimento higienista emerge na Primeira República para
promover uma “cultura da reforma” (Rezende de Carvalho, 1989). Constituído
principalmente por médicos e engenheiros27
, esse movimento teve forte presença
nas interpretações sobre os dilemas e as alternativas colocadas para a construção
de um “Brasil Moderno”.
O positivismo de Augusto Comte foi utilizado como recurso teórico não
apenas para o movimento compor uma interpretação da conjuntura, como também
para elaborar um conjunto de princípios e técnicas de gestão dos problemas da
cidade e das diferenças sociais nela existentes. Esse repertório intelectual28
unia os
27
Os Educadores também tiveram papel de destaque na difusão de novos modelos sociais, mais
compatíveis com a modernidade social que se pretendia implantar (HERSCHMANN, 1994). 28
“Um repertório é o conjunto de recursos intelectuais disponível numa dada sociedade em certo
tempo. É composto de padrões analíticos; noções; argumentos; conceitos; teorias; esquemas
66
diversos grupos que compunham o movimento, dando suporte às ações
“saneadoras” de engenheiros e médicos nesse período.
A instauração da República representou o compromisso de um ordenamento
do sistema jurídico-político baseado na federação, o qual alterou
significativamente a organização das competências municipal e federal, passando
as ações de higiene urbana29
à competência dos municípios. No Rio de Janeiro,
então Distrito Federal, um ano após a promulgação da lei que deu plenos poderes
à prefeitura de atuar na higiene da cidade, uma das primeiras medidas tomadas foi
a derrubada do cortiço “Cabeça de Porco” em 1893. A destruição do “Cabeça de
Porco”, na gestão do prefeito Barata Ribeiro (1892-1893), reforçou a vitória da
política higienista ao mesmo tempo que inaugurou um período de forte
intervenção na cidade (Chalhoub,1996).
Posteriormente, foi concebido um plano de reurbanização do Rio de Janeiro,
sede política e cultural do país, que potencializou conflitos e contradições sociais.
No Rio do “bota abaixo” do prefeito Pereira Passos (1902-1906) foram demolidos
inúmeros cortiços localizados na área central, nos quais residia a população pobre
da cidade. Essas habitações coletivas eram consideradas focos de epidemias e uma
ameaça à ordem e à moralidade públicas (Chalhoub, 1996).
Também foi realizada uma campanha para a erradicação da varíola, na qual
visitadores acompanhados da força policial invadiam casas a pretexto de vistoria e
vacinação dos moradores. Quando se constatava risco sanitário, as residências
eram condenadas à demolição compulsória e seus moradores não tinham direito à
indenização. Essa situação fez com que uma massa de cidadãos se voltasse contra
a força policial num motim que ficou conhecido como a Revolta da Vacina.
(Sevcenko, 1998a).
Dessa forma, tomava corpo a ideia de uma engenharia sanitária preocupada
em reorganizar o espaço da cidade com o objetivo de transformá-la em uma nova
explicativos; formas estilísticas; figuras de linguagem; metáforas, etc.” (SWINDLER, 1986 apud
ALONSO, 2002, p.39). 29
Desde o Império, foram inúmeras as tentativas de destruir os cortiços ou de impedir que fossem
construídos. Entretanto, durante a vigência do sistema escravista, o governo imperial temia que
essas medidas pudessem abrir precedentes no que tange a posse de escravos, os quais eram
considerados propriedade privada. Portanto, a questão do escravismo no Império impedia a
demolição dos cortiços (CHALHOUB, 1996).
67
metrópole racional, higiênica e cosmopolita. Chalhoub (1996) aponta que a
Higiene era o suporte ideológico para essas ações saneadoras que submetiam a
política à técnica “supostamente acima dos interesses particulares e dos conflitos
sociais” (p.35).
Se por um lado, o frenesi da modernização buscou tornar a capital da
República o símbolo da modernidade brasileira, por outro implicou em
mecanismos sociais de racionalização da vida social que se concretizaram em
ações de extrema opressão às populações pobres: o “bota-abaixo” e a Revolta da
Vacina, citados anteriormente, são os exemplos mais emblemáticos na cidade do
Rio de Janeiro.
Carvalho (1986), através de uma concepção clássica de política, analisa que
os primeiros anos da República caracterizaram-se por uma ausência de
participação popular na política, posto que a ação popular “se dava fora dos canais
e mecanismos previstos pela legislação e pelo arranjo institucional da República”
(p.7).
A Revolta da Vacina, enquanto síntese dos movimentos de massa da época,
foi caracterizada por Carvalho (1986) como uma ação não política, devido ao
caráter “defensivo, desorganizado, fragmentado da ação popular” (p.7). Segundo o
autor, esse movimento revelava apenas convicções sobre o que o Estado não
podia fazer, mas não reivindicava a participação nas decisões do governo:
“defendiam-se valores e direitos considerados acima da esfera de intervenção do
Estado, ou protestava-se contra o que era visto como distorção ou abuso” (Ibid.,
p.7).
Entretanto, partindo-se de uma concepção de política que tenha por base o
dissenso, pode-se verificar uma intensa atividade política nas revoltas populares
na Primeira República. Rancière (1996, p.44) aponta que “o que constitui o
caráter político de uma ação não é seu objeto ou o lugar onde é exercida, mas
unicamente sua forma, a que inscreve a averiguação da igualdade na instituição de
um litígio”. A partir dessa concepção, para além dos canais formais de
participação ou dos fóruns políticos tradicionais, ações políticas são exercidas.
68
Para o citado autor, a produção do consenso, ao contrário, é a anulação da
política, pois “não há política porque os homens, pelo privilégio da palavra, põem
seus interesses em comum” (Ibid., p.40). O ato político se dá pela reivindicação
da parcela daqueles que não têm parcela, pela reivindicação da fala daqueles que
não têm fala, pois é o “jogo do próprio litígio que institui a política” (Ibid., p.35).
Desse modo, a população pobre do Rio e Janeiro que não tinha parcela e não
tinha fala, ao protestar contra o arbítrio das autoridades no episódio da Revolta da
Vacina, reivindicava a sua parte no todo: era o sujeito do dano que reivindicava
ser ouvido.
Assim, nos termos de Rancière, as revoltas populares da época podem ser
interpretadas como tentativas de fala daqueles que não tinham fala, pois eram
vistos pelas elites republicanas como a plebe ignorante incapaz de compreender o
curso inexorável do progresso.
Dessa forma, os manifestantes, ao entrincheiram-se nas ruas do centro da
cidade, literalizaram como “espaço público” as vias de comunicação urbana.
Portanto, as revoltas populares representaram formas de resistência que podem ser
traduzidas como importante participação popular na vida social e política do país
na Primeira República.
Considera-se, assim, a atividade política, nas palavras de Rancière, “a que
rompe a configuração sensível na qual se definem as parcelas e as partes ou sua
ausência a partir de um pressuposto que por definição não tem cabimento ali: a de
uma parcela dos sem-parcela” (Rancière, 1996, p.42).
Nesse sentido, os grupos populares tiveram uma importante participação na
vida social e política do país, seja pela irrupção tanto de greves operárias como de
revoltas populares, as quais podem ser percebidas como manifestações de
denúncia ou de resistência contra a opressão do Estado vigente nesse período.
Como bem coloca Francisco de Oliveira (1999, p.60), “todo o esforço de
democratização, de criação de uma esfera pública, de fazer política, enfim, no
Brasil, decorreu, quase por inteiro, da ação das classes dominadas”.
69
Outra perspectiva de análise é colocada por Nicolau Sevcenko (1998) que
ao enfocar a vida privada no início do período republicano, busca analisa-la a
partir do campo de tensões entre as elites e as camadas pobres. O autor coloca
que, se por um lado, o impulso da participação na esfera pública e os recessos da
experiência privada foram privilégios de poucos, por outro, tornaram-se foco de
tensões na medida em que grupos cada vez maiores ansiavam “por compartilhar
das gratificações latentes nesses dois contextos” (Ibid., p.31).
Esse fenômeno dual difundiu-se com a expansão internacional do
capitalismo. A instauração do regime republicano intensificou os contatos e as
trocas internacionais, acelerando o curso dessas transformações históricas.
Segundo Sevcenko (1998), a dinâmica da nova ordem republicana, possibilitou
tanto a construção de uma esfera pública, reforçada pelo crescimento da imprensa,
como intensificou os valores associados às novas experiências de privacidade.
Entretanto, as camadas subordinadas da população ficaram excluídas da
promessa republicana, pois as condições históricas do país tornaram um privilégio
de poucos, tanto a participação na esfera pública como a experiência da própria
privacidade. Assim, o episódio da Revolta da Vacina é apontado pelo referido
autor como um exemplo expressivo do quanto a autoridade pública não hesitava
em invadir lares nem destruir cortiços. Portanto, no âmbito da vida privada, nem
casas, nem corpos, nem vidas, tinham garantias quando se tratava de grupos
populares.
Com relação ao combate à insalubridade promovido pelos higienistas, este
englobava a adoção de medidas tão amplas que transcendiam a competência do
médico sanitarista (Pechman & Fritsch, 1985). Desse modo, os médicos, apesar de
terem sido os pioneiros das ideias higienistas, foram aos poucos “perdendo
terreno” para os engenheiros. Entretanto, certo tipo de “medicina social”
conquistou espaço, dedicando-se à reforma moral da população pobre.
Quanto à diversidade de grupos e especializações profissionais que
integravam o movimento higienista, Herschmann (1994) destaca duas correntes da
medicina com tradições distintas, vinculadas às Faculdades do Rio de Janeiro e da
Bahia: a corrente da saúde pública no Rio de Janeiro, liderada por Oswaldo Cruz e
70
a corrente da medicina legal na Bahia, que seguia uma orientação lombrosiana,
representada por Nina Rodrigues. O médico baiano foi um dos principais
articuladores da entrada das teses eugênicas no Brasil:
Enquanto a tendência entre os médicos cariocas [...] era combater principalmente
as doenças (as epidemias) e os ‘maus hábitos’ cotidianos da população, a tendência
entre os médicos baianos [...] era concentrar-se sobre o doente e as características
transmissíveis de forma hereditária (Herschmann, 1994, p.51).
Se por um lado, o higienismo monopolizou o debate sobre as implicações da
insalubridade para o desenvolvimento econômico do país; por outro, introduziu a
questão racial no diagnóstico das mazelas do Brasil. A noção de degeneração
racial e a composição étnica da população assumiram crescente importância tanto
nas polêmicas sobre “identidade nacional” e “nação” como no próprio discurso
higienista no prelúdio republicano.
O higienismo contribuiu para a consolidação da nova ordem política e social
republicana através da implementação de novas formas de controle social, pois a
degradação das condições de vida da maioria da população urbana gerava um
descompasso com o ideal de República.
A cidade do Rio de Janeiro, então capital republicana, tornou-se palco de
reformas urbanísticas e locus privilegiado de novos arranjos sociais com a
emergência de uma nova elite carioca.
Com a República, surge uma nova elite de intelectuais, portadora de um
saber técnico e especializado, que reivindicava para si a responsabilidade pelas
diretrizes básicas da sociedade brasileira. Rezende de Carvalho (1989) também
aponta que “a consolidação da experiência republicana isolou dramaticamente os
literatos, convocando, substitutivamente, um novo tipo de intelectual, o
especialista” (p.316).
No entanto, o contato dessa nova elite com a antiga nobreza egressa do
Império implicou em uma acoplagem das estruturas arcaicas com as forças sociais
portadoras do progresso. Needell (1993) aponta que “sob a República, até mesmo
71
aqueles membros da elite mais representativos das mudanças na economia e na
função política do Rio recriaram um meio aristocrático” (p. 41).
Pode-se considerar que os clubes de sociabilidade e os salões da belle
époque carioca, como locais de formação embrionária de uma cultura burguesa.
Esses espaços de sociabilidade não se configuravam apenas como um modus
vivendi de uma nova elite urbana, uma vez que possuíam muito mais um caráter
político. Needell (1993, p.137) ressalta que o salão da belle époque
“proporcionava as condições ideais para aquela atmosfera seleta tão útil à
condução dos negócios da classe dominante”, configurando-se enquanto espaço
informal do sistema de poder.
Portanto, uma nova elite fundamentalmente urbana em formação no país
buscava ter acesso ao poder, empenhando-se em ações filantrópicas que davam
prestígio social aos seus executores. Nesse contexto, ao se configurar como uma
ação típica dessa nova elite, a filantropia realiza uma poderosa articulação com o
poder republicano.
O gesto filantrópico, como já discutido no início deste capítulo, encontrava
sentido na ideia de “utilidade social”, considerada, aos olhos dessa nova elite
republicana, como um valor, na medida em que servia como um pano de fundo
para justificar as ambições nacionais e pessoais, já que os interesses privados
eram vistos como coletivos. Os filantropos compunham uma espécie de “elite
pensante” que atuava no que consideravam a modernização de concepções e
instituições sociais de diferentes áreas e domínios.
Por outro lado, a publicização de suas propostas políticas e de suas obras
sociais foram estratégias importantes para esses atores. Sua presença nos jornais e
periódicos da época, assim como a organização de exposições e eventos
constituíram-se em embriões da presença de um setor de opinião pública,
principalmente na então capital da República, a cidade do Rio de Janeiro.
Do ponto de vista de uma condução política para os pobres, a filantropia
instaurou uma política moral, cabendo à beneficência privada, o dever de
“proteção” (ou tutela) aos mais fragilizados. Para Castel (1998), a política moral
não se reduz ao privado. A moral pública refere-se às “obrigações que
72
regulamentam certas relações sociais sem sanção jurídica” (p.304). Desse modo, a
política moral implica numa concepção de assistência como obrigação moral e
não enquanto uma obrigação legal, ou seja, uma questão de direitos.
O caráter modernizador em princípio presente no modelo filantrópico se
constituiu, portanto, num complexo tutelar no qual a modernização dizia respeito
apenas a uma administração tecnicista dos problemas sociais. Dessa forma, os
valores morais e religiosos vestem nova roupagem - o cientificismo, e a caridade
transforma-se em tutela. Entretanto, com o predomínio do pensamento liberal na
Primeira República, a concepção filantrópica aliou-se à assistência caritativa na
busca de respostas não-estatais para a emergente questão social.
A filantropia configurou-se, assim, sob o estatuto da tutela: as práticas
filantrópicas se estabeleciam por meio de uma troca desigual, onde a relação do
pobre com o seu benfeitor encontrava-se aquém da esfera do direito. Isto significa
que a esfera do direito tornava-se a esfera das obrigações morais em relação aos
grupos considerados “socialmente inferiores”.
Desse modo, as noções de tutela e proteção são fundadoras de um plano de
governabilidade que vai desenvolver-se em múltiplos domínios sociais,
fundamentando uma nova autoridade social: o benfeitor. Logo, a filantropia
organizou-se através da mobilização das elites sociais para desenvolver um poder
tutelar em relação aos “desafortunados”.
Com a instauração do trabalho livre e o início do processo de
industrialização no Brasil, as estratégias de dominação voltaram-se para a
disciplinarização de uma classe operária em formação, a regulação dos
comportamentos da população pobre em geral e a reorganização dos espaços
urbanos.
A República, evidentemente, deparou-se com os problemas sociais herdados
do Império, e frente à massa de analfabetos e miseráveis que, em princípio,
deveria ser incluída ao novo regime, a lógica positivista das elites republicanas
acabou predominando sobre a lógica da cidadania, definindo-se graus e tipos
diferenciados de liberdade para os diferentes estratos sociais.
73
Como bem coloca Sales (2009), a cidadania continuou concedida após a
proclamação da República, pois “o domínio do liberalismo enquanto doutrina em
pouco ou nada contribuiu para a instauração dos direitos elementares de
cidadania” (p.8). Pelo contrário, com o liberalismo não-democrático vigente no
período, o campo dos direitos não se configurou como um operador de
legitimação do Estado na Primeira República.
Em um contexto sócio-cultural avesso à ideia de transformação, o ideal
republicano de construir uma sociedade organizada em torno do modelo jurídico-
político contratual não se concretizou. O Estado da Primeira República deu
continuidade à lógica estamental do Império, ao invés de assegurar direitos
políticos ao conjunto de segmentos sociais, pois o fim das instituições imperiais e
escravistas não representou o fim dos valores vigentes neste período, mantendo-se
a velha sociedade excludente e hierarquizadora.
Desse modo, a solução dos problemas sociais na Primeira República
relacionava-se a propostas de cunho assistencialista que não implicavam na
extensão da cidadania. Sposati (1994) aponta que na primeira Constituição
Republicana (1891) não há nenhuma referência à atenção aos pobres, nem às
entidades filantrópicas. “Nesta Constituição ainda se percebe a posição imperial
do Estado em detrimento do indivíduo, pautado pela centralização política”
(p.12).
De acordo com o pensamento liberal da Primeira República, o governo não
podia encarregar-se sozinho da manutenção do pobre. Dessa forma, a pobreza
deveria ficar sob a salvaguarda da comiseração geral e da proteção das pessoas
abastadas através da beneficência privada.
Um Governo que anunciasse que só ele concederia socorros completos aos
indigentes, quaisquer que fossem as idades destes, carregaria um fardo enorme,
aniquilaria a indústria, favoreceria a indolência do rico, do pobre mesmo, e
quebraria a grande mola da sociabilidade - a beneficência privada (Paiva, 1916,
p.310).
Ao Estado, ou mais propriamente na época, aos estados, devido a autonomia
dessas esferas subnacionais no recém-instaurado regime republicano, cabia a
74
responsabilidade de controlar e prevenir os eventos que perturbassem a ordem
pública (Cohn, 2000).
Portanto, no quadro do liberalismo vigente, as práticas de beneficência eram
recomendadas inclusive por parte do governo, o que se percebe no pedido de J. J.
Seabra, então Ministro da Justiça do governo de Rodrigues Alves (1902-1906),
para que o Congresso levasse a efeito essas medidas:
O Governo, tomando a iniciativa e a deliberação de realizar, sob fundamentos
ponderados, a sistematização de assistência em geral, conta, por isso mesmo,
demonstrar o interesse que liga à ação da beneficência particular, que tantos e reais
serviços presta a nossa população, e tentará por esse meio fazer uma justa e
proveitosa harmonia e aliança dos interesses do Estado com os da Assistência
Privada, na forma das recentes decisões dos Congressos especiais realizados no
mundo civilizado, fazendo com que dessa concórdia resulte a efetividade dos
intuitos que tem em vista a filantropia social” (Paiva, 1916, p.308).
Nessa época, como bem coloca Sanglard (2008b), “entendia-se como
assistência pública um vasto e abrangente leque de ações às quais se atribuía
caráter público” (p.61). Essas ações envolviam um sistema público ou parapúblico
de socorros, constituído “por um conjunto de instituições públicas e privadas,
laicas e religiosas - hospitais, asilos, orfanatos, colônias, creches, ligas, postos
médicos, maternidades, hospícios, dispensários, policlínicas” (Ibid., p.61).
Portanto, pode-se afirmar que, na Primeira República, o campo da
assistência no Brasil traduzia-se em uma estruturação institucional permeada por
uma ambígua relação público-privado. Esse processo de configuração
institucional híbrido teve sua origem, conforme mencionado anteriormente, na
tradição católica de socorro à pobreza.
Por outro lado, é importante destacar que as Exposições Universais
enquanto “vitrines do progresso” (Neves, 1986) representavam espaços tanto de
divulgação científico-tecnológica como ideológica do capitalismo, onde a
organização da assistência era um dos elementos apresentados como constitutivos
do grau de civilização e progresso alcançado no concerto das nações modernas.
Ressalte-se que a realização de congressos no âmbito dessas exposições foram
75
eventos importantes para sua divulgação científica e ideológica, o que buscaremos
aprofundar no próximo capítulo.
76
2 Assistência Pública e Privada: o debate dos reformadores brasileiros
O debate de ideias políticas e culturais na Primeira República investia na
construção de um Brasil “civilizado”. Buscava-se investigar o problema de nosso
“atraso” em relação às nações consideradas civilizadas, para então planejar um
grande projeto de modernização.
Acreditava-se que a herança do passado colonial e escravista do país
pudesse ser anulada com a República. A formulação de uma nova
institucionalidade a partir de 1889 parecia imprimir uma nova era considerada
como moderna: ideias como “ordem”, “progresso”, “reforma”, “civilização”,
caracterizavam o discurso e a ação política das elites republicanas.
Chalhoub (1986, p.29) aponta para uma redefinição do conceito de trabalho
nas últimas décadas do século XIX, o qual ganhou uma valoração positiva
articulado aos conceitos de “ordem” e “progresso”, para impulsionar o país no
sentido da “civilização”. Segundo o autor, a construção de uma nova ideologia do
trabalho tornava-se necessária à constituição de uma ordem social burguesa, ou
seja, a introjeção de uma noção de trabalho como um bem, um princípio regulador
da sociedade:
Era este princípio supremo, o trabalho, que iria, inclusive, despertar o nosso
sentimento de “nacionalidade”, superar a “preguiça” e a “rotina” associadas a uma
sociedade colonial, e abrir desta forma as portas do país à livre entrada dos
costumes civilizados – e do capital – das nações europeias mais avançadas
(Chalhoub, 1986, p.29).
Portanto, a redefinição do conceito de trabalho, a repressão policial e a
reformulação do campo da assistência constituíam-se em um tripé de controle
social na emergente ordem social capitalista, visando à transformação do homem
livre (ex-escravo ou imigrante pobre) em trabalhador assalariado, como já
apontado no capítulo anterior.
77
Por outro lado, Gomes (2010) aponta que os intelectuais brasileiros do final
do século XIX e início do século XX tomavam como desafio modernizar uma
sociedade pós-escravidão e pós-regime monárquico, movendo-se entre os diversos
campos disciplinares como produtores de bens culturais e interlocutores de
interpretações da realidade social de grande valor político.
Segundo Gomes (2010, p.11), “foi um tempo de intensa busca de
modernidade, que não era singular, mas plural, pois diferentes eram os projetos de
modernização que se articularam e entraram em disputa”. No entanto, a autora
indica que havia um ponto em comum entre eles: o Brasil não se tornaria um país
civilizado, sem o auxílio da ciência enquanto novo instrumental para o progresso
da humanidade.
Nesse período, portanto, não havia uma clara separação entre campo
intelectual e campo político, o que para a Gomes (2010, p.13) pode ser verificado
tanto pelas “diversas posições profissionais ocupadas por esses intelectuais”,
como “pela adoção de uma concepção de política ampliada”, não restrita à atuação
formal em funções representativas (executivas ou legislativas) que estendia-se à
defesa de ideias e/ou à formulação de projetos político-culturais.
De acordo com essa perspectiva é que temos por objetivo, neste capítulo, o
estudo das propostas de assistência defendidas pela elite dominante enquanto
projetos políticos que visavam à reforma social na República recém instaurada.
Para tal, buscamos analisar as teses apresentadas no Primeiro Congresso Nacional
de Assistência Pública e Privada, as quais revelam a influência das ideias dos
reformadores sociais franceses no pensamento dos intelectuais brasileiros, as
principais preocupações das elites relacionadas à emergência da questão social e a
intrincada relação entre público e privado na configuração da assistência nesse
período.
78
2.1. Congressos Científicos & Exposições: a Exposição de 1908
O Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada foi realizado no
âmbito da Exposição Nacional de 1908. É importante destacar que, nessa época,
havia uma estreita relação entre congressos científicos e exposições. Na América
Latina, os congressos já vinham sendo realizados durante exposições desde 1882,
ganhando maior relevância no início do século XX. De uma forma geral,
Kuhlman Jr. (2010) aponta que os Congressos e as Exposições Científicas tiveram
seu período de apogeu entre a segunda metade do século XIX e as primeiras
décadas do século XX enquanto fenômeno internacional, envolvendo também o
Brasil.
Nesse período, a República brasileira desejava exibir, ao olhar estrangeiro, a
cidade que havia passado por uma reforma de núcleos importantes de sua
estrutura urbana na gestão do prefeito Pereira Passos (1903-1906). Desse modo,
em um contexto de modernização da capital é lançada a ideia de se realizar uma
Exposição Nacional. As medidas implementadas em prol do saneamento físico e
moral da sociedade provocaram desde odes ao progresso até revoltas populares
face à dissolução de modos de vida e de práticas sociais das classes populares
consideradas como obstáculo ao processo de integração do país ao contexto das
nações modernas. Por outro lado, a reforma da capital não apenas demonstrava o
poder oligárquico, como a emergência de um novo modelo: o Rio da Belle
Époque que, em 1908, tenta deslocar a memória colonial e do Império.
79
Figura 3 - Álbum da Exposição de 1908: órgão de propaganda nacional.
Fonte: Jornal do Brasil, 11 de agosto de 1908, p.7.
A Exposição Nacional de 1908 foi realizada na cidade do Rio de Janeiro, na
Praia Vermelha, em comemoração ao Centenário da Abertura dos Portos
brasileiros às nações amigas. Foi inaugurada em 11 de agosto pelo então
presidente da República Affonso Penna, e esteve aberta ao público até 15 de
novembro. Como indica Neves (1986), ao analisar a construção da modernidade
na então Capital Federal: “o Rio de Janeiro remodelado por Pereira Passos e
saneado por Oswaldo Cruz já podia mostrar-se como capital moderna” e “o
pretexto foi encontrado na comemoração do centenário da abertura dos portos”
(p.50).
80
Figura 4- Exposição Nacional de 1908. Porta Monumental vista de dentro da Exposição para fora. Fonte: <www.brasilcult.pro.br/fascinio/catalogos/indice.htm>.
Segundo a historiadora Marta de Almeida (2010, p.201), os anos
subsequentes às reformas urbanas realizadas na administração Passos, “foram
marcados por discursos enaltecedores de uma nova era da história republicana, e
as exposições ocorridas nesse período funcionaram como espaços de
materialização de todo progresso pretensamente atingido”.
A exposição também tinha por objetivo compor um “retrato” da nação.
Nesse sentido, ela marca "uma inflexão ao propiciar a realização de um inventário
do país não para ser exibido para fora de suas fronteiras, mas para os próprios
brasileiros” (Pereira, 2010, p.25). Portanto, além da exibição de uma síntese das
riquezas naturais e da produção dos diversos estados da federação, foi elaborado o
Bolletim Commemorativo da Exposição Nacional de 1908, organizado pela
Diretoria Geral de Estatística, o qual era distribuído aos visitantes durante o
evento. A publicação subdividia-se em território, população, economia,
movimento social, entre outros, apresentando todos esses temas sob uma capa de
cientificidade das estatísticas a partir da análise de especialistas.
Entretanto, Neves (1986) indica que as estatísticas apresentadas que, em
princípio deveriam ser uma análise de todo país, tomavam “o Rio de Janeiro como
81
parâmetro para avaliação do progresso dos vários estados da federação e medida
do desenvolvimento nacional” (p.57).
Dessa forma, a Diretoria Geral de Estatística, órgão pertencente à
administração pública federal, buscava tanto conferir cientificidade à mensagem
ideológica de 1908 como destacar a importância da cidade do Rio de Janeiro no
processo de modernização do país, sendo esta apresentada como a capital da
modernidade brasileira.
De acordo com o relatório do Ministério da Indústria, Comércio, Viação e
Obras Públicas (1909, p.575-606), a ideia de realizar essa exposição nasceu em
1905, no seio do Congresso de Expansão Econômica. Em 1907, após votação do
Congresso Nacional, o projeto para a sua concretização foi convertido em lei pelo
decreto n° 6545 de 4 de julho de 1907. Ressalte-se que os preparativos da
exposição ficaram sob a responsabilidade deste ministério, na figura do então
Ministro Miguel Calmon du Pin e Almeida.
Após criterioso estudo sobre a localização ideal para instalar a exposição,
foi escolhida a área compreendida entre a Praia da Saudade e a Praia Vermelha, a
qual sofreu profundas transformações. A área, onde atualmente está localizado o
bairro da Urca, foi aterrada por moderna técnica de aterro hidráulico. O prédio da
antiga Escola Militar, que se encontrava em estado de abandono, foi totalmente
reformado para receber o Pavilhão das Indústrias. A obra do prédio da
Universidade do Brasil, que permanecia inacabada, foi concluída para abrigar o
Palácio dos Estados. A Revista Kósmos (1908) noticiou que os edifícios da Escola
Superior de Guerra foram derrubados, sendo erguidas novas construções para
abrigar o evento.
Destacam-se também a construção de um cais com balaustres para a
chegada dos visitantes, fontes luminosas, chafarizes e inclusive uma pequena via
férrea, para que o público pudesse locomover-se em trenzinhos no espaço da
exposição. Ali foram montados restaurantes, mirantes, jardins, cafés e múltiplas
diversões.
Pode-se constatar a emblemática representação do novo que esta exposição
imprimiu quando passados sete anos de sua realização, a Revista da Semana
82
(1915) publicou uma matéria cujo título era “um passeio às ruínas da Exposição
da Praia Vermelha”, referindo-se ao abandono do local onde foi realizada a
Exposição Nacional. Na matéria é relatado que “em volta de poucos edifícios,
ainda de pé, agrupavam-se as ruínas dos edifícios abandonados” (p.15), além de
comentar que “se ali não nasceu a cidade do Rio, como está provado, ali, porém,
nasceu ao contato da animação da Exposição, a vida nova no Rio” (Ibid., 17).
Por outro lado, Rainho & Heynemann (2010) ressaltam que as vestimentas
de influência francesa, presentes na moda indumentária da época, revelavam as
camadas sociais que visitavam a Praia Vermelha: “mulheres, crianças e homens,
todos bem vestidos, não deixam dúvidas de que a exposição não era acessível para
boa parte dos brasileiros” (p. 71).
A exposição ficou dividida em quatro seções: agricultura, indústria pastoril,
várias indústrias e artes liberais. Com relação à comissão organizadora, foi
instituído como presidente, o engenheiro Antonio Olynto dos Santos Pires.
Entretanto, o responsável direto pelas construções foi o engenheiro José Mattoso
Sampaio Correa que na época ocupava o cargo de Inspetor Geral de Obras
Públicas.
O Estado investiu maciçamente na montagem do evento. Todas as despesas
com o transporte dos objetos destinados à Exposição ficaram por conta do
governo federal. Além dos investimentos da União e da Prefeitura do Distrito
Federal, a exposição contou com recursos particulares e dos governos estaduais,
alguns dos quais, arcaram com a construção de seus próprios pavilhões, sendo
estes: Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina. Assim, o que a Exposição
de 1908 mostrava aos seus visitantes “era acima de tudo o Estado como agente da
modernização no Brasil” (Neves, 1986, p.60).
Para atrair o olhar estrangeiro, em menos de um ano foram construídos
imponentes edifícios para abrigar estandes exibidores da produção econômica
brasileira. A Exposição foi Nacional, mas abriu-se uma exceção para a antiga
metrópole, Portugal, que exibia seus produtos no único pavilhão estrangeiro
denominado “Palácio Manuelino”.
83
Os expositores ocuparam várias edificações, como o Palácio dos Estados,
que recebeu as representações de diversos estados da federação e o Palácio das
Indústrias, onde eram apresentados os principais produtos da economia nacional.
Além do Distrito Federal, de Portugal e dos quatros estados da federação30
que
construíram pavilhões especialmente para a ocasião, o Jardim Botânico construiu
um quiosque próprio para mostrar sua coleção, e a Inspetoria de Matas, Jardins,
Arborização, Caça e Pesca também apresentou sua mostra em uma área especial.
O pavilhão da imprensa, instalado no meio de jardins, destinava-se a impressão do
Jornal da Exposição, o qual era distribuído aos visitantes. Os Correios e
Telégrafos, a Estrada de Ferro Central do Brasil e a Fábrica de Tecidos Bangu
também tiveram seus próprios pavilhões.
No que se refere a Fábrica de Tecidos Bangu, a indústria têxtil era um dos
eixos da economia nacional e, portanto, destacava-se com um pavilhão exclusivo
para expor suas máquinas e produtos, ganhando duas medalhas de ouro na
exposição. É importante ressaltar que, nesse período, seus empregados tinham
uma jornada de trabalho de doze horas, e entre os seus nove mil operários havia
mil crianças empregadas nas 22 fábricas do Rio de Janeiro. Sem dúvida, “as
imponentes engrenagens do pavilhão da Bangu exibiam apenas a grandiosidade da
era fabril” (Rainho & Heynemann, 2010, p.74).
Cada repartição federal possuía salas próprias: a Casa de Correção do
Distrito Federal; o Hospício Nacional de Alienados; a Inspetoria Geral de Obras
Públicas da Capital Federal; o Corpo de Bombeiros; a Repartição Geral de
Estatística anteriormente mencionada; a Imprensa Nacional; o Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro (IHGB). Cabe ressaltar que o Instituto de Proteção e
Assistência à Infância do Rio de Janeiro (IPAI), uma instituição filantrópica,
também ocupou uma das salas do Palácio da Exposição.
O pavilhão do Distrito Federal abrigava as repartições públicas municipais
da Capital Federal. Neste pavilhão eram exibidas as obras da administração
municipal voltadas para a educação primária e profissional, saúde, higiene e
assistência pública.
30
Como visto anteriormente, os estados foram: Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina.
84
Se por um lado, a própria Assistência Municipal era objeto de
demonstração, pois estava incluída na agenda de modernização da cidade, por
outro, a assistência privada que exercia uma função pública também fazia a
divulgação de seu trabalho: a Santa Casa de Misericórdia distribuiu um livro para
os visitantes da Exposição, intitulado “Notícias dos diversos estabelecimentos
mantidos pela Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro”.
Figura 5 - Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Fotografia tomada do Morro do Castelo. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.
A publicação tinha por objetivo fazer propaganda dos estabelecimentos
criados e dirigidos pela Santa Casa do Rio de Janeiro. Essa estratégia de
divulgação, de certo modo, articulava-se à sua participação no Congresso
Nacional de Assistência Pública e Privada, realizado no âmbito da Exposição.
O caráter publicitário de suas ações fica evidente logo nas primeiras páginas
do livro:
Aos que quiserem conhecer num rápido golpe de vista porque meios exerce a
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia sua ação benéfica e se desempenha dos
diversos serviços de caridade a seu cargo, não só pelo Hospital Geral, mas por
todos os estabelecimentos que constituem o belo conjunto [...] (Exposição
Nacional de 1908, p.10-11).
85
Na referida publicação, além do Hospital Geral, considerado o maior
hospital do Brasil na época, foram apresentados históricos e outras informações
sobre treze instituições pertencentes à Santa Casa do Rio de Janeiro em 1908. As
informações foram organizadas por diversos membros e/ou funcionários da Santa
Casa que assinaram a autoria dos históricos/levantamento de dados dessas
instituições.
A organização do livro-propaganda contou com a colaboração do arquivista
do Instituto Pasteur; o diretor dos serviços sanitários do Hospício Nossa Srª das
Dores, o mordomo do Hospício S. João Batista; o mordomo do Hospício Nossa
Srª do Socorro; o arquivista e engenheiro civil que descreveu a construção do
prédio do Hospital das Crianças; o escrivão do Recolhimento das órfãs e
desvalidas de Santa Tereza; o mordomo do Asilo da Misericórdia; o mordomo do
Asilo São Cornélio; o Mordomo do Cemitério São João Batista, etc.
A seguir, apresentamos um quadro resumido das obras desta Irmandade:
Quadro 2 - Instituições pertencentes à Santa Casa do Rio de Janeiro em 1908
O Instituto Pasteur inaugurado em 25 de fevereiro de 1888, três anos após Pasteur
ter descoberto a vacina da raiva, em um imóvel arrendado, na Rua das Laranjeiras. O
Instituto recebeu material importado da Europa, por encomenda do governo, para
preparação da inoculação anti-rábica.
O Hospício Nossa Senhora das Dores inaugurado no dia oito de dezembro de 1884,
em Cascadura, em virtude da decisão de retirar da Santa Casa os enfermos
tuberculosos tratados em conjunto com os demais doentes. Os pacientes foram
removidos para a antiga Chácara Ferraz, onde foi instalado o referido Hospício, cujo
atendimento era restrito a pacientes do sexo masculino. Porém, os altos índices de
mortalidade levaram a Santa Casa a mudar os objetivos da instituição. A partir de
1896, o hospício passou a receber as meninas enfermas, asiladas da Santa Casa,
portadoras de tuberculose. As primeiras vieram do Recolhimento das Órfãs, e de
outros asilos e recolhimentos pertencentes à Santa Casa. Posteriormente, “menores”
pobres, embora não pertencentes a nenhum dos recolhimentos, também foram
internados nessa instituição.
O Hospício de Nossa Senhora da Saúde iniciou com uma enfermaria localizada na
Gamboa. Em 1850, o Rio de Janeiro foi assolado por uma epidemia de febre amarela,
deixando alarmada a população da cidade. A Assembléia Legislativa votou uma lei
que autorizava o Governo a contratar alguma irmandade ou associação civil ou
religiosa para fundação e administração de cemitérios, com o encargo de estabelecer
e conservar três enfermarias para tratamento e socorro da pobreza enferma. A partir
dessa lei, a Santa Casa passou a ficar responsável pela fundação e administração de
cemitérios e, em troca, instalou a Enfermaria da Gamboa para receber os primeiros
enfermos portadores de moléstias epidêmicas e contagiosas: varíola, febre amarela e
cólera. Em 1856 foram construídas mais quatro enfermarias que passaram a designar-
se como Hospício Nossa Senhora da Saúde. A partir de 1888, o Hospício ficou
86
encarregado do tratamento de outras moléstias contagiosas. Todos os enfermos que
não podiam ser tratados em outros hospitais da Santa Casa ou nos hospitais do
Exército e Armada, eram remetidos para este hospício na Gamboa. Anexo ao
Hospício, havia o asilo provisório das órfãs, destinado ao recolhimento de crianças
que acompanhavam suas mães enfermas até o seu restabelecimento ou permaneciam
em caso de seu falecimento.
O Hospício São João Batista foi construído na Rua da Passagem, em Botafogo, na
Chácara de Vigário Geral, de propriedade da Santa Casa. Era uma das três
enfermarias públicas criadas por decreto do Governo Imperial de 1851 e custeadas
pela Empresa Funerária da Santa Casa. Uma das cláusulas desse decreto determinava
que uma dessas enfermarias fosse instalada em lugar que pudesse prestar socorro à
pobreza enferma da freguesia de São João Baptista da Lagoa. A enfermaria de S. João
Batista foi instalada em 1852. Entretanto, ela foi fechada e reaberta várias vezes e
encerrada definitivamente em 1880. Este vai e vem correspondia aos períodos de
surto das doenças.
O Hospício Nossa Senhora do Socorro foi criado em 1853, em São Cristóvão. Ele
inicialmente era apenas uma enfermaria também denominada Nossa Senhora do
Socorro. O hospício foi instalado na Chácara do Murundu que posteriormente se
transformou em propriedade da Empresa Funerária da Santa Casa.
O Hospital das Crianças ainda não havia sido inaugurado no período da Exposição
de 1908. Entretanto, a Santa Casa já divulgava o projeto de construção do hospital,
que foi inaugurado em 1909, na Rua Miguel de Frias, em São Cristóvão.
O Asilo de Santa Maria formado por dois estabelecimentos de caridade: a
denominada assistência orfanológica, ou seja, um asilo para “moças desamparadas”, e
um asilo hospitalar para idosos enfermos. Localizado na Rua da Passagem, em uma
área que, na época, fazia parte da Chácara de Vigário Geral, adquirida pela Santa
Casa em 1838. Na casa senhorial da chácara foi instalada, em 1840, uma lavanderia
que servia ao Stranger Hospital, pertencente a uma associação inglesa.
Posteriormente, a lavanderia passou a cuidar também da lavagem e concerto das
roupas do Hospital Geral da Santa Casa e do Hospício São João Batista. Dessa forma,
o asilo era também um estabelecimento comercial. As meninas do Recolhimento das
Órfãs executavam o trabalho de lavagem das roupas sob a direção de Irmãs de
Caridade. O trabalho das internas era remunerado com mensalidades que constituíam
um fundo de pecúlio a lhes ser entregue quando atingissem a maioridade.
A Casa dos Expostos instituída pelo benfeitor Romão de Mattos Duarte, em 14 de
janeiro de 1738, com a finalidade de amparar as crianças abandonadas ao nascer.
Fundada em uma enfermaria do antigo Hospital da Santa Casa, esta mudou de
endereço várias vezes até a conclusão das obras de seu prédio próprio, localizado à
Rua Marques de Abrantes n. 20. Em 1908, a Casa dos Expostos tinha sob sua
responsabilidade 452 crianças. Destas, 236 permaneciam na instituição, 191 estavam
com criadeiras externas e 25 no Colégio Salesiano. As meninas eram recolhidas à
casa aos 8 anos e permaneciam até a maioridade (20 anos). Os meninos ficavam na
instituição até a idade de 12 anos.
O Recolhimento das Órfãs e Desvalidas de Santa Tereza foi criado em 1740, ao
lado do antigo hospital da Santa Casa da Misericórdia, com o objetivo de acolher
meninas, filhas de matrimônios ilegítimos. Em 1855, devido ao surto de uma
epidemia de cólera, o Recolhimento foi transferido para outras localidades e,
posteriormente para São Cristóvão, onde permaneceu por oito anos. Em 1866,
transferiu-se definitivamente para Botafogo. Atendendo a um decreto do Imperador, a
Santa Casa fundou, no espaço desta casa, o Recolhimento de Santa Tereza para
abrigar meninas “indigentes”.
O Asilo da Misericórdia inaugurado em 1890, devido ao aumento do número de
meninas que se encontravam no hospital da Santa Casa convivendo com os doentes
internados. A Santa Casa tinha por tradição acolher filhas de pacientes falecidas no
87
hospital. Além destas, o hospital também acolhia muitas meninas que se encontravam
nas ruas da cidade, encaminhadas ao hospital pelas autoridades. A partir das
reformulações nas regras do hospital, impulsionadas pelos preceitos higienistas, este
passou a ser um espaço exclusivo para enfermos. O asilo localizava-se na Rua São
Clemente, em Botafogo, sob a direção das irmãs de caridade. Todo o serviço interno
era feito pelas asiladas, que também ficavam responsáveis pela manufatura dos
lençóis e das camisas fornecidas aos doentes do hospital.
O Asilo São Cornélio inaugurado em 16 de agosto de 1900, na Rua do Catete. A
instituição destinava-se a receber meninas maiores de 12 anos, vindas de outras
instituições da Santa Casa, para aprenderem os ofícios de costureiras, bordadeiras,
floristas, engomadeiras, etc. Muitas asiladas tornavam-se empregadas domésticas. O
asilo era muito conhecido pelos trabalhos das meninas em bordar paramentos para
sacerdotes e estandartes para diversas sociedades recreativas.
Com relação aos cemitérios de São Francisco Xavier e de São João Batista, até a
primeira metade do século XIX, as famílias abastadas enterravam os corpos de seus
parentes no interior das igrejas, nas chamadas catacumbas. Eram excluídos destes
espaços os não católicos, os suicidas e os pobres, então sepultados em chãos nas
proximidades dos centros populosos: chão que o povo chamava piedosamente de
Campos Santos. As epidemias que assolaram o Rio de Janeiro, entre 1838 a 1885,
levaram as autoridades a implementar normas de higiene pública, o que resultou na
criação de cemitérios públicos fora das áreas mais populosas e na proibição dos
sepultamentos dentro das igrejas. Coube à Irmandade da Santa Casa administrar este
novo serviço público. Fonte: Exposição Nacional de 1908. Notícias dos Diversos Estabelecimentos Mantidos pela Santa Casa do Rio de Janeiro (1908).
Por outro lado, é importante ressaltar a realização de uma Exposição de
Higiene e Assistência Pública31
no Pavilhão do Distrito Federal da Exposição
Nacional de 1908, ou seja, “uma exposição dentro de uma Exposição”. Foi
organizada paralelamente ao Congresso Nacional de Assistência Pública e
Privada, na qual foram expostas fotografias32
de importantes estabelecimentos de
assistência da época, como o Posto Central de Assistência Pública Municipal
(atualmente Hospital Souza Aguiar), os Institutos Profissionais (como o Instituto
João Alfredo)33
, entre outros34
.
31
O decreto municipal n° 685 de 6 de fevereiro de 1908, o qual deliberou sobre o Regulamento
Geral do Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada, em seu artigo 10° estabeleceu a
realização de uma Exposição de Higiene e Assistência Pública, anexa ao Congresso. A seguinte
comissão ficou encarregada de organizar tal exposição: Dr. J.J. de Azevedo Lima, (presidente), Dr.
Ismael da Rocha, Dr. Paulino Werneck, Paulo Barreto, Dr. Plácido Barbosa, Dr. Emílio Portela,
Luiz Freitas Lima e Dr. Oscar Rodrigues Alves. (PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL,
1908). 32
O fotógrafo oficial foi Augusto Malta (Exposição de Hygiene e Assistência Pública, 1908). 33
O Instituto João Alfredo foi o antigo Asilo dos Meninos Desvalidos criado no Império. Na
Primeira República, o governo federal entregou o asilo para a Municipalidade da Capital Federal.
Em 1894, o asilo foi transferido da Diretoria de Higiene e Assistência Pública para a Diretoria de
Instrução Pública, passando a denominar-se Instituto Profissional (Assistencia Publica e Privada,
1922). 34
São eles: Hospitais da Misericórdia e anexos, Hospitais das Ordens Terceiras, Hospital da
Beneficência Portuguesa, Posto Vacínico Municipal, Casa São José, Asilo São Francisco de Assis,
88
Figura 6 - Posto Central de Assistência Municipal.
Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.
Figura 7 - Instituto Profissional João Alfredo. Homens trabalhando em máquinas no interior do Instituto. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.
Escola Premonitória Quinze de Novembro, Asilo dos Inválidos da Pátria, Asilo Isabel e da Velhice
Desamparada, Maçonaria (PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL, 1908).
89
2.2. O Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada
A Prefeitura do Distrito Federal, na administração de Francisco Marcelino
de Souza Aguiar (1906-1909) promoveu o Primeiro Congresso Nacional de
Assistência Pública e Privada, realizado entre 23 de setembro e 13 de outubro de
1908, durante a Exposição comemorativa do centenário da abertura dos portos.
Segundo Kuhlman Jr. (2010), esses congressos não se caracterizavam
apenas como locus de atividades essencialmente científicas, pois se constituíam
como espaços de articulações políticas que serviam para “legitimar modelos e
critérios de integração ao chamado ‘concerto das nações civilizadas’” (p.179). A
ciência, portanto, embora representada como protagonista, era o suporte para que
as propostas, sob o aval “científico”, ganhassem legitimidade.
No decreto n° 685 de 6 de fevereiro de 1908 que deliberou a realização do
Congresso, o prefeito Souza Aguiar ressalta a importância de uma “assembléia
científica” para a elaboração de um plano de assistência para o Distrito Federal:
A municipalidade do RJ, tendo a seu cargo várias instituições de assistência, se
acha legitimamente interessada em resolver o problema, atendendo aos moldes e
aos sistemas já praticados com êxito nos países de adiantada cultura e
civilização, não lhe sendo lícito cuidar somente dos empreendimentos materiais da
cidade, ficando indiferente à sorte dos infelizes e desamparados de toda a espécie
(Prefeitura do Distrito Federal, 1908, p.2, grifos nossos)
O Jornal da Exposição35
publicou em 22 em setembro de 1908, que em
sessão preparatória, os membros do Congresso reuniram-se no Edifício do Silogeu
(então sede do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) para a eleição da mesa
definitiva e da coordenação das sessões. O Congresso foi dividido em quatro
sessões: Assistência Pública em Geral, Assistência Médica, Assistência à Infância
e Assistência Externa.
35
O Jornal da Exposição, fundado em 6 de setembro de 1908, sob a direção de Olavo Bilac
(secretário geral do congresso) publicava informes sobre a Exposição Nacional e também sobre o
Congresso realizado durante a Exposição. No Pavilhão do Distrito Federal, na Exposição
Nacional, foram realizadas as três sessões plenas do congresso: de inauguração, de votação geral e
de encerramento.
90
O Congresso foi realizado sob os auspícios de uma comissão protetora
formada tanto por representantes dos poderes públicos (Ministro da Justiça e
Negócios Interiores, Prefeito do Distrito Federal, Presidente do Conselho
Municipal, Diretor Geral de Saúde Pública, Diretor Geral de Higiene e
Assistência Pública e Diretor da Polícia Civil), como pelo Provedor da Santa Casa
de Misericórdia (Dr. Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho), o qual era Senador da
República na época.
Por ter sido um Congresso Nacional, foram enviados convites aos governos
estaduais que nomearam seus delegados e representantes36
, os quais eram
políticos e/ou intelectuais que faziam parte da elite republicana da época.
O convite também foi dirigido às sociedades científicas, às faculdades, às
administrações hospitalares públicas e privadas, aos estabelecimentos públicos e
privados de assistência, as sociedades de beneficência em geral, e a todas as
pessoas que pelos seus trabalhos e suas funções se preocupavam com as questões
sociais em geral, e com a assistência, em particular.
Entre as associações que participaram do congresso destaca-se a Associação
dos Empregados no Comércio37
(AEC) que apresentou a seguinte memória: “A
Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro, seu papel na
Assistência”. Na conferência preparatória, proferida na sede da AEC, o Dr.
Adolpho Possolo, representante da AEC no congresso, avaliou que a assistência
privada, aquela que prestava auxílio e socorro sem a intervenção do Estado, era
exercida em primeiro lugar pelas 181 associações leigas, seguida pelas 21
associações “operárias” e 41 associações de “classe”. Ele incluía a AEC dentre
estas últimas, como “a mais forte pelo número de associados (18.734); a mais
pródiga pelos inúmeros socorros que proporciona; a mais rica pelos bens que
possui e pela receita que arrecada [...]” (Possolo, 1908, p.8-9).
36
Participaram do Congresso os seguintes delegados dos estados: Senador José Maria Metello -
Mato Grosso; Deputado Xavier de Almeida - Goiás; Senador Lauro Miller - Santa Catarina;
Deputado Palmeira Ripper - São Paulo; Deputado Josino Alcântara de Araújo – Minas Gerais; Dr.
Alfredo Augusto da Matta – Amazonas; Dr. Teophilo Torres – Rio de Janeiro; Deputado Estácio
Coimbra – Pernambuco; Dr. Gil Goulart Filho – Espírito Santo; Deputado Joviniano de Carvalho –
Sergipe; Dr. Antonio Rodrigues Lima – Bahia; Senador Pedro Augusto Borges – Ceará; Deputado
Diogo Fortuna – Rio Grande do Sul; Senador Manoel Alencar Guimarães – Paraná; Dr. João Paulo
da Silva Brito – Piauí; Dr. Álvaro da Silva Rego – Alagoas (Jornal da Exposição, n°19,
setembro/1908, p.1). 37
Maiores informações sobre a AEC ver Popinigis (1999).
91
No entanto, apesar do aparente perfil de cooperação de classes, uma vez que
a AEC foi criada em 1880 por um negociante (Victorino José de Carvalho) e por
um caixeiro (Antônio Mathias Pinto Júnior), seus dirigentes pertenciam à classe
patronal e muitos de seus associados eram políticos ou pessoas influentes
(Popinigis, 1999). O próprio representante da AEC no congresso, Adolpho
Possolo, era um médico influente, cirurgião efetivo da referida associação e livre
docente da Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Com relação à comissão organizadora do congresso, esta era formada pelos
médicos Benjamin Antônio da Rocha Faria, Antônio Fernandes Figueira e
Alfredo da Graça Couto, pelos juristas Ataulfo Nápoles de Paiva e João Carneiro
de Souza Bandeira, pelo jornalista e escritor José de Medeiros e Albuquerque e
pelo poeta Olavo Bilac, entre outros.
No quadro abaixo, elaboramos uma caracterização geral de todos os
membros da comissão organizadora do congresso, tanto da mesa diretora como
das coordenações de cada sessão.
Quadro 3- Membros da comissão organizadora do Congresso Nacional de
Assistência Pública e Privada de 190838
Alfredo da Graça Couto (Secretário da Comissão Organizadora do Congresso)
Médico sanitarista; chefe da Inspetoria dos Serviços de Profilaxia da Diretoria Geral
de Saúde Pública; Chefe da Clínica Médica do Hospital da Venerável e
Arquiepiscopal Ordem Terceira do Carmo; membro titular da Academia Nacional de
Medicina; membro da Academia Brasileira de Letras.
Antonio Fernandes Figueira (Secretário da Comissão Organizadora e relator da 3ª
Tese do Congresso)
Médico sanitarista; membro titular da Academia Nacional de Medicina (1903);
ingressou na saúde pública através do médico sanitarista Oswaldo Cruz que o
convidou para dirigir a enfermaria de doenças infecciosas de crianças do Instituto
Estadual de Infectologia São Sebastião (Hospital São Sebastião), Diretor da
Policlínica das Crianças da Santa Casa de Misericórdia (1909); Fundador da
Sociedade Brasileira de Pediatria, associação que presidiu por 17 anos; como Gestor
de Saúde Pública, implantou o serviço modelar de assistência à infância, criando
postos de higiene infantil e creches nos bairros e fábricas; sua gestão na saúde pública
culminou com a criação do Abrigo-Hospital Artur Bernardes (atualmente Instituto
Fernandes Figueira); membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB),
38
Este quadro foi elaborado a partir de informações fornecidas por PREFEITURA DO DISTRITO
FEDERAL (1908) e Jornal da Exposição (1908), acrescentando-se os dados biográficos buscados
nos seguintes sítios: sites da Academia Nacional de Medicina, Academia Brasileira de Letras,
JusBrasil, e Supremo Tribunal Federal.
92
da Sociedade de Medicina e Cirurgia, das Sociedades de Pediatria do Uruguai,
Argentina e Paris, da Sociedade de Psiquiatria e Neurologia e da Liga de Higiene
Mental.
Ataulpho Nápoles de Paiva (1° Vice-Presidente da Comissão Organizadora e
relator da 1ª Tese do Congresso)
Jurista e filantropo; Juiz Municipal da Comarca de Pindamonhangaba (1889); foi
nomeado Pretor da Justiça no Distrito Federal (1890); Juiz do Tribunal Civil e
Criminal do Distrito Federal (1897); Desembargador da Corte de Apelação do
Distrito Federal (1905); Presidente do Conselho Nacional do Trabalho; sócio-
fundador da Liga Brasileira contra a Tuberculose (1900) e seu presidente perpétuo;
criou o Serviço de Vacinação Antituberculose pelo BCG realizado pela Liga (1927);
fundou o Preventório Rainha D. Amélia, na ilha de Paquetá, destinado a filhas de
tuberculosos; Ministro do Supremo Tribunal Federal (1934-1937); membro da
Academia Brasileira de Letras onde também foi Presidente em 1937; presidiu a
Comissão do Livro do Mérito Nacional; membro honorário do Instituto Histórico e
Geográfico; Presidente do Conselho de Serviço Social em 1938, cargo que exerceu
por 18 anos.
Benjamin Antonio da Rocha Faria (Presidente da Comissão Organizadora e um
dos relatores da 2ª Tese do Congresso)
Médico; higienista; Professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1888-
1916), lente da cadeira de Higiene; Diretor do Instituto de Higiene da Faculdade de
Medicina do RJ; Membro da Academia Nacional de Medicina, patrono da cadeira
n.13; foi professor de Oswaldo Cruz no Instituto de Higiene.
Conselheiro Manoel José Espínola (Presidente da 4ª sessão do Congresso)
Jurista; funcionário público; formou-se na Faculdade de Direito do Recife (1861); foi
agraciado com o título de Conselheiro por D. Pedro II em 1889; Juiz Municipal de
Órfãos do Termo de Rio Preto-MG (1863); Juiz Municipal de Órfãos do Termo de
Cantagalo-RJ (1864); Chefe de Polícia da Província do Piauí (março/1870); 1ª Vice-
Presidente da Província do Piauí (maio/1870), foi exonerado em 1873 por estar
exercendo cargo de comissão fora da Província; Juiz de Direito na Comarca de
Macapá (1871); Chefe de Polícia em Sergipe (1872); Chefe de Polícia na Bahia
(fevereiro/1874); Juiz de Direito da Comarca de Santa Maria Madalena-RJ
(novembro/1874); Chefe de Polícia na capital do Império (1886-1889); Juiz da Corte
de Apelação (1890-1906); Ministro do Supremo Tribunal Federal (1906-1912).
Ernesto do Nascimento e Silva (Presidente da 2ª sessão do Congresso)
Médico; professor catedrático de Medicina Legal da Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro; membro da Academia Nacional de Medicina (1901).
Esmeraldino Bandeira (Presidente da 1ª sessão do Congresso)
Bacharel em Direito; Político; Professor; Deputado Estadual por Pernambuco (1893-
1895); Procurador Geral da República no governo de Prudente de Moraes; Prefeito de
Recife (1898-1902); Deputado Federal em várias legislaturas; Ministro da Justiça e
Negócios Interiores (1909-1910); Professor de Direito Criminal da Faculdade de
Direito do Rio de Janeiro.
Félix Pacheco (Secretário da 4ª sessão do Congresso)
Bacharel em Direito; político; jornalista (um dos co-proprietários do Jornal do
Commercio); funcionário público; escritor; poeta; Deputado Federal pelo Piauí
(1909) com sucessivas reeleições até 1921; Ministro das Relações Exteriores (1922-
1926); Senador (1927); pioneiro defensor da introdução no Brasil do método de
identificação pelas impressões digitais; foi fundador e primeiro Diretor do Gabinete
de Identificação e Estatística da Polícia do Distrito Federal (posteriormente
denominado Instituto Félix Pacheco); membro da Academia Brasileira de Letras
(1912) e membro da Academia Piauiense de Letras.
Francisco Marcelino de Souza Aguiar (Prefeito do Distrito Federal (1906-1909)
que deliberou a realização do Congresso)
93
Engenheiro; militar; político; em sua gestão criou o Posto Central de Assistência em
1907; foi Comandante da Escola Militar do Rio Grande do Sul; Comandante do
Corpo de Bombeiros do Distrito Federal em 1904; promovido a General-de-brigada
em 1904; Diretor Geral dos Telégrafos; autor do projeto de construção da Biblioteca
Nacional e do Palácio Monroe; Presidente da Comissão do Brasil na Exposição de
Saint Louis (EUA), na qual ganhou o Grande Prêmio com o projeto do Palácio
Monroe; responsável pelo projeto de construção do Hospital Central do Exército.
Garfield de Almeida (Secretário da 2ª sessão e um dos relatores da 2ª Tese do
Congresso)
Médico; sanitarista; foi médico do Hospital São Sebastião; Secretário Geral de Saúde
Pública do Distrito Federal; Chefe da Comissão Sanitária Federal encarregada em
debelar a peste bubônica na Paraíba em 1912; patrono da Academia Nacional de
Medicina.
Humberto Gotuzzo (Secretário da 1ª sessão do Congresso)
Médico; jornalista; contemporâneo de Juliano Moreira com quem trabalhou no
Hospital Nacional de Alienados; como jornalista, escrevia para o Jornal do
Commercio.
João Carneiro de Souza Bandeira (Tesoureiro da Comissão Organizadora e relator
da 4ª Tese do Congresso)
Bacharel em Direito; escritor; ensaísta; diplomata; professor de direito; lente da
Faculdade de Direito do Rio de Janeiro; membro da Academia Brasileira de Letras;
membro do Instituto dos Advogados do Brasil.
Joaquim Pinto Portela (Presidente da 3ª sessão do Congresso)
Médico; Cirurgião do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia e da
Beneficência Portuguesa; Chefe do Serviço de Ortopedia e Cirurgia Pediátrica do
Hospital São Zacarias; membro titular da Academia Nacional de Medicina (1889);
Vice-Presidente da Academia Nacional de Medicina (1897-1899) e depois Presidente
(1903-1905), tornando-se membro emérito em 1925; patrono da cadeira n.76.
José Medeiros e Albuquerque (2° Vice-Presidente da Comissão Organizadora do
Congresso)
Jornalista (fundou os jornais O Clarim e O Figaro); funcionário público; professor;
literato; Político (Deputado Federal por Pernambuco em 1894 e deputado pelo
Distrito Federal); simultaneamente às atividades de funcionário público exercia as de
jornalista; Diretor da Instrução Pública do Distrito Federal (1897) e Vice-Diretor do
Ginásio Nacional (nome que a 1ª República deu ao Colégio Pedro II); Secretário do
Ministério do Interior nomeado por Aristides Lobo; professor da Escola de Belas
Artes; sócio-fundador da Academia Brasileira de Letras; membro da Academia de
Ciências de Lisboa; autor da letra do Hino da Proclamação da República.
Juliano Moreira (Vice-Presidente da 2ª sessão do Congresso e um dos relatores da
2ª Tese do Congresso)
Médico; professor; funcionário público; professor da Faculdade de Medicina da
Bahia (1896) onde se formou; Diretor do Hospital Nacional de Alienados do Distrito
Federal (1903-1930), posteriormente Serviço Nacional de Assistência a Psicopatas
(1911); organizou a Assistência aos Alienados e insistiu junto ao governo para a
aprovação da Legislação Federal da Assistência aos Alienados, a qual foi promulgada
em 1903; fundou a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina
(1907); em sua gestão conseguiu o terreno para a implantação da Colônia Juliano
Moreira; criou a Colônia de Mulheres no Engenho de Dentro; representante do Brasil
no Comitê Internacional da Liga Internacional de Epilepsia (1913); implantou o
primeiro Manicômio Judiciário (1921); membro da diretoria da Academia Brasileira
de Ciências (1917-1919); Presidente de Honra da Academia Nacional de Medicina;
ajudou na fundação da Sociedade de Medicina Legal do Brasil; membro de diversas
sociedades médicas internacionais; membro do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB); Presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise–seção Rio;
94
membro da Academia de Letras da Bahia; membro da Liga de Higiene Mental.
Julio Ottoni (Vice-Presidente da 4ª sessão do Congresso)
Bacharel em Direito; funcionário público; Primeiro Promotor Público da Corte;
Benemérito da Real Sociedade Portugueza de Beneficência;
Mario Franco Vaz (Secretário da 3ª sessão do Congresso)
Bacharel em Direito; educador; literato; funcionário público; Diretor da Escola
Premonitória 15 de Novembro (1905-1915); autor do livro A Infância Abandonada,
publicado em 1905, o qual foi um trabalho encomendado pelo então Ministro do
Interior J.J.Seabra.
Moncorvo Filho (Presidente da 3ª sessão do Congresso)
Médico; Filantropo; durante o curso de medicina, trabalhou na Policlínica Geral do
Rio de Janeiro (instituição fundada por seu pai em 1881); com o falecimento do pai,
em 1901, tornou-se Diretor da Policlínica Geral do RJ; criou em 1889 o Instituto de
Proteção e Assistência à Infância. Fundou o Departamento da Criança no Brasil
dentro do IPAI (1919); membro honorário da Academia Nacional de Medicina
(1919); sócio remido da Sociedade de Medicina e Cirurgia (1921); Presidente da
Sociedade Brasileira de Pediatria (1933); patrono da cadeira n.2 da Academia
Brasileira de Pediatria.
Olavo Bilac (Secretário Geral do Congresso)
Poeta; jornalista; membro fundador da Academia Brasileira de Letras; sua
proximidade com políticos o conduziu a um cargo público de Inspetor Escolar; eleito
o Príncipe dos Poetas Brasileiros pela Revista Fon Fon; escreveu a letra do Hino à
Bandeira; em 1917, no fim de sua vida, recebeu o título de professor honorário da
Universidade de São Paulo.
Xavier da Silveira Junior (Vice-Presidente da 1ª sessão e relator da 5ª Tese do
Congresso)
Bacharel em Direito; Político; Governador do Rio Grande do Norte de 10/03 a 19/09
de 1890; Deputado (1897-1902); Prefeito do RJ de 11 de outubro de 1901 a 27 de
setembro de 1902 nomeado pelo Presidente Campos Sales; Senador (1912);
Presidente da Ordem dos Advogados; membro do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro.
Esse quadro é revelador do ambiente político-social da época. Observamos
como características gerais dos vinte principais organizadores do congresso, que
estes eram ligados às associações profissionais implantadas ou em implantação no
país; quase todos exerciam cargos públicos ao lado do exercício profissional em
instituições privadas; a presença das formas de legitimação social anterior (as
letras) ao lado das novas formas, pela ciência e como especialistas.
De certa forma, Neves (2010) ratifica tais observações quando indica que,
na Primeira República, a ação do Estado se legitimava por meio da ciência, sendo
esta de competência dos especialistas. Segundo a autora, nesse período, a ação
desses cientistas, apesar das diferentes posições político-ideológicas, apresentava
denominadores comuns, tais como a tendência à onipresença em múltiplas
trincheiras intelectuais e a proximidade e/ou presença nas estruturas do Estado.
95
Por outro lado, Kuhlman Jr. (2010, p.186) aponta que os congressos eram
espaços de circulação de ideias tanto no plano nacional como internacional, nos
quais “configuravam-se representações modelares da sociedade urbanizada e suas
instituições”. Desse modo, os setores intelectuais participantes desses conclaves
visavam à organização do Estado, e com isso propunham uma distribuição de
competências, buscando-se delimitar diferentes campos do saber.
Sem dúvida, no Brasil, no final do século XIX e início do século XX, já
havia uma especialização do conhecimento científico. A engenharia, a medicina e
o direito eram as principais áreas de onde provinham os intelectuais que
circulavam nesses congressos, não só disputando lugares privilegiados como
convergindo interesses através da participação em áreas que viviam processos de
estruturação como a assistência e a educação.
Tabela 1- Membros da comissão organizadora do Congresso Nacional de
Assistência Pública e Privada (1908)
Formação/Ocupação Principal Total %
Médico 9 45%
Bacharel em Direito/Jurista/Diplomata 8 40%
Engenheiro 1 5%
Total Parcial 18 90%
Literato 1 5%
Poeta 1 5%
Total Absoluto. 20 100%
Exercia simultaneamente outras Atividades Profissionais
Político 5 25%
Professor 6 30%
Militar 2 10%
Jornalista 4 20%
Total Absoluto 17 85%
Exercia cargo de gestor público
Total Absoluto 13 65%
Pertencia a sociedades científicas e/ou literárias
Total Absoluto 14 70%
96
Pode-se verificar na tabela acima que 90% dos membros da comissão
organizadora do Congresso de 1908 eram provenientes das áreas da medicina, do
direito e da engenharia. Estes homens eram reformadores sociais, conforme
apontado no capítulo anterior, e representavam a “elite pensante” que discutia um
projeto político de construção nacional.
Eles ocupavam simultaneamente diversas posições profissionais (85%),
sendo que grande parte exercia cargos de gestão pública (65%), o que demonstra a
forte presença de profissionais liberais assumindo a direção política do Distrito
Federal. Aqueles que não atuavam como gestores públicos, influenciavam na
formulação de projetos com suas ideias e seu status de especialistas nos problemas
sociais da época.
Observa-se, também, que a maioria dos membros do congresso pertencia a
sociedades científicas e/ou literárias (70%), as quais se constituíam em espaços de
sociabilidade e/ou de difusão do conhecimento científico, conferindo
reconhecimento sócio-profissional e prestígio social a seus participantes.
Segundo Sanglard (2010), esses espaços de sociabilidade reforçavam o
lugar social do indivíduo e traduziam a hierarquia social existente. No caso dos
membros do congresso, a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Academia
Nacional de Medicina (ANM) e o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil
(IHGB) eram os principais espaços onde esses homens se reuniam com uma
forma de participação bastante variada: membro da diretoria, presidente, vice-
presidente, benemérito, patrono, etc. Portanto, pertencer a esses espaços reforçava
o lugar social de uma nova elite em formação nesse período.
O objetivo do congresso, explicitado pelo prefeito Souza Aguiar no decreto
que deliberou sua realização, era uniformizar os serviços de socorros aos
necessitados, o que deveria resultar em vantagens para o exercício da caridade e
da filantropia social. Fica claro, portanto, que o Prefeito39
defendia a autonomia
das instituições privadas, ao frisar que estas deveriam ser mantidas e respeitadas:
39
Destaca-se que as ideias liberais do Prefeito Souza Aguiar não se restringiam à assistência, pois
delegou à iniciativa privada a construção de casas populares. Ele foi o sucessor de Pereira Passos
97
Da regular organização da assistência privada e oficial, sob as salutares bases da
disciplina e da ordem, só podem resultar vantagens para o nobre exercício da
caridade, encaminhada assim proficuamente a obra meritória da filantropia social, e
respeitada e mantida em sua plenitude a autonomia das associações de caráter
privado, já existentes nesta capital (Prefeitura do Distrito Federal, 1908, p.1).
Portanto, para a organização da assistência no país, Souza Aguiar tinha
como proposta uma aliança entre os serviços de assistência pública e os interesses
da assistência particular. Desse modo, sua concepção de assistência afinava-se
com o pensamento filantrópico da época.
É importante destacar que no mesmo decreto, pelo qual a realização do
congresso foi deliberada, o prefeito também definiu as principais preocupações da
municipalidade com relação à questão social naquele período:
Uma vez organizados convenientemente os serviços da assistência pública, aliada
esta aos interesses da assistência particular, afim de que ambas possam prestar
todos os benefícios ao movimento social contemporâneo, terá a administração, se
não resolvido, ao menos atenuado a situação em que ora se encontram os
indigentes de todo gênero, regularizando-se, portanto, os auxílios devidos à
infância desvalida ou moralmente abandonada, aos enfermos privados de recursos,
à velhice desamparada, à mendicidade verdadeira e, em geral, a todos os
infortúnios da sociedade (Prefeitura do Distrito Federal, 1908, p.2).
Na sessão inaugural do Congresso, realizada no Pavilhão do Distrito Federal
da Exposição Nacional, Souza Aguiar reafirmou em seu discurso que o Congresso
poderia fornecer os pilares para a organização da assistência pública e privada na
Capital e em todo o Brasil:
[...] conto que do cortejo das opiniões de tantos homens competentes, resultem um
sistema de princípios e uma norma de conduta, que facilitem a uniformização e o
aproveitamento racional dos vários elementos dispersos de que já dispõe a
assistência nesta capital e em todo o Brasil (Congresso Nacional de Assistência
Pública e Privada. A Sessão Inaugural, 1908, p.365).
na Prefeitura do Rio de Janeiro, período em que o problema habitacional se agravou em
conseqüência das obras de reforma da cidade realizadas pela administração anterior. PECHMAN e
FRITCH (1985) apontam que em mensagem encaminhada à Intendência Municipal em abril de
1908, Souza Aguiar indicava que a tarefa de construir casas para operários deveria ser deixada a
cargo da iniciativa particular, sendo esta estimulada pela administração municipal com a concessão
de certo número de favores. Sua posição contrária à intervenção do Estado na área habitacional era
justificada pelo alto custo da empreitada (p.166).
98
Entretanto, Benjamin da Rocha Faria, presidente do Congresso, teve uma
posição dissonante em relação à proposta do prefeito, ao defender que a questão
da assistência pública devia ser tratada separadamente da beneficência particular:
“[...] a concepção atual de assistência pública, autônoma, sem entraves, secundada
ou não pela beneficência particular, da qual não deve depender, à qual se não deve
cingir e menos subordinar” (Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada.
A Sessão Inaugural, 1908, p.366).
Segundo o médico, não era a assistência privada que estaria em discussão no
Congresso: “não se trata de repúdio à caridade privada, contudo, não é essa em
substância a assistência que vamos discutir” (Ibid, p.366). Ao dirigir-se aos
congressistas, ele afirmou que a causa que os reunia era a do “bem público”:
Srs. Congressistas, cabe-nos deliberar, em amistosa discussão, sobre assuntos de
maior relevância social; a causa que nos reúne é a do Bem Público, a mais
simpática e grata ao nosso patriotismo e ao nosso coração (Congresso Nacional de
Assistência Pública e Privada. A Sessão Inaugural, 1908, p.366).
Portanto, observa-se no discurso de Rocha Faria a influência das ideias dos
higienistas franceses do século XIX que preconizavam a intervenção no domínio
social em nome do bem público.
Por outro lado, ao se referir ao discurso do prefeito do Distrito Federal, o
médico conclamou aos congressistas que se esforçassem para corresponder aos
seus apelos. Na verdade, suas posições não eram opostas: ao defender a
organização da assistência pública, Rocha Faria não descartava a atuação da
assistência privada, a qual considerava “preciosa” apesar de oscilante, desigual e
improdutiva:
O que urge é organizar a assistência pública, dar execução a esse dever social [...]
atender-lhe as múltiplas exigências de socorro e amparo sem carecer recorrer à
iniciativa particular, aliás preciosa, mas oscilante e desigual por vezes,
relativamente improdutiva (Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada.
A Sessão Inaugural, 1908, p.366).
É importante ressaltar que Rocha Faria não se posicionava contra a
assistência privada ao criticar sua eficiência. Sua aparente ambigüidade apenas
99
demonstrava seu apoio a uma articulação entre a assistência pública e a privada,
baseada em uma atuação maior do poder público em algumas áreas que ele
considerava ser de seu encargo, mas que não comprometia a continuidade das
ações realizadas pela beneficência privada, a qual até defendia que recebesse “um
carinhoso apoio do Estado”:
Essa beneficência privada [...] merece o carinhoso apoio do Estado; é bem
inestimável e sublime, mas é um bem limitado, individualista, não vai além do
sentimento afetivo de quem o pratica ou concede, é do exclusivo domínio do
coração e da bondade, sem nenhuma ligação com o dever da assistência oficial,
administrativa. [...] esses benefícios e dons, por generosos e abundantes, não
podem jamais isentar o poder público da execução de um encargo social que o
dignifica perante a humanidade (Congresso Nacional de Assistência Pública e
Privada. A Sessão Inaugural, 1908, p.366).
Rocha Faria era um médico higienista que inspirava-se nas ideias dos
reformadores franceses do final do século XIX, herdeiros da economia social de
Le Play, referida no primeiro capítulo desta tese. Paralelamente à tutela da
filantropia, ele preconizava um sistema assistencial baseado na intervenção e no
poder tutelar do Estado, de acordo com uma perspectiva moralizadora e de
controle social sobre a pobreza. Percebe-se, portanto, a forte influência do
positivismo no seu discurso, ao ressaltar as dimensões morais da vida social.
Dessa forma, ao defender que a assistência era um ramo da moral social, ele
se contrapunha à concepção de Spencer40
, que segundo ele, teria o limite natural
do interesse individual, opondo-se, assim, à moral pública:
A moral com seus atributos é peculiar ao homem, não como consequência de leis
naturais, biológicas, senão como expoente do Bem, um dever imanente à
civilização e fundamental na organização atual da sociedade. Se a assistência,
como ramo da moral, se ajustasse às linhas da biologia traçadas na concepção
spenceriana, sua esfera de ação teria apenas o limite natural do interesse recíproco,
individual; e a tolerância e proteção dos fracos e doentes seriam a imoralidade.
Dessa falsa moral não pode derivar a assistência que consagra o bem,
desinteressadamente, como dever público [...] (Congresso Nacional de Assistência
Pública e Privada. A Sessão Inaugural, 1908, p.366).
40
O filósofo inglês Herbert Spencer é considerado o "pai" do darwinismo social. Para ele, a teoria
da evolução de Darwin podia ser perfeitamente aplicada à evolução das sociedades. Sua concepção
cientificista tornou-se um argumento a favor do individualismo econômico contra o
intervencionismo do Estado.
100
Com relação à sua crítica ao “spencerianismo”, isto é, ao darwinismo social,
ele coloca que:
[...] o progresso evolutivo da assistência, subordinado ao da moral social, não
condiz nem se ajusta à lei invariável das transformações biológicas, sejam isoladas,
ou coordenadas à adaptação dos atos aos fins, dos mais simples aos mais
complexos, qual a concebeu o grande filósofo inglês e a têm desenvolvido seus
adeptos (Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada. A Sessão Inaugural,
1908, p.365).
Apesar de ser contrapor ao darwinismo social, percebe-se que Rocha Faria
inspira-se ele próprio no evolucionismo ao discorrer sobre a assistência através
dos séculos:
A concepção dela vem sofrendo a evolução lenta e secular da civilização,
paralelamente ao desabrochar da consciência dos povos à luz da liberdade. Essa
evolução demorada [...] tem seguido os passos igualmente tardos e frouxos, através
dos séculos, da moral social. É uma evolução humana, não é, porém biológica
(Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada. A Sessão Inaugural, 1908,
p. 365).
Para ele, o caráter de instituição permanente que a assistência adquiriu era
definidor de sua modernização: “Consubstanciada na caridade cristã [...], mal
exercitada durante longo tempo, nunca teve a assistência na antiguidade o caráter
moderno de instituição permanente” (Congresso Nacional de Assistência Pública
e Privada. A Sessão Inaugural, 1908, p.365).
Rocha Faria também propunha uma distinção entre assistência e
previdência. Na época, esses conceitos ainda não haviam sido bem definidos:
A assistência [...] como instituição permanente, administrativa, deve ser amparada
na lei, que lhe traçará os limites, restringindo-os às justas proporções de seus
desígnios utilitários, sem intuitos de previdência nem de coparticipação nos
acidentes de trabalho, os quais se vinculam a cláusulas contratuais pré-
estabelecidas e de obrigatoriedade legal, adrede promulgada (Congresso Nacional
de Assistência Pública e Privada. A Sessão Inaugural, 1908, p.366).
Portanto, de um modo geral, os discursos dos principais líderes do
Congresso, o prefeito do Distrito Federal e o seu presidente estavam em
101
consonância com o liberalismo vigente no período. Apesar de ser colocada a
necessidade da intervenção do Estado na área da assistência, a ação dos
filantropos era amplamente aceita e louvada.
2.3. As Teses do Congresso
O congresso foi dividido em quatro sessões41
, conforme já descrito
anteriormente, nas quais foram discutidas as cinco teses do congresso, já
previamente definidas no decreto que deliberou sua realização. As teses foram
divididas em áreas distintas e debatidas por especialistas influentes em cada uma
delas. A partir dessas falas oficiais, podemos perceber a postura desses
intelectuais com relação à questão da assistência nesse período. Portanto, foram as
seguintes teses debatidas no congresso:
1ª - Assistência Metódica: meios práticos para obter uma aliança
permanente entre a assistência pública e privada: o problema do Brasil -
Relator: Ataulpho de Paiva42
;
2ª - Assistência Gratuita ao Doente - Relatores: Benjamin da Rocha Faria,
Juliano Moreira e Garfield de Almeida;
3ª - Assistência à Infância, e particularmente o que se refere às medidas a
adotar contra a mortalidade infantil. Educação das crianças deficientes –
Relator: Antonio Fernandes Figueira;
4ª - Assistência à Infância Moralmente Abandonada. Modificações que se
devem fazer na legislação atual. – Relator: João Carneiro de Souza
Bandeira43
;
41
Assistência em Geral; Assistência Médica; Assistência à Infância; Assistência Externa
(PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL, 1908). 42
Esta tese só foi publicada oito anos depois da realização deste congresso. Ela encontra-se em
uma coletânea de textos intitulada, “Justiça e Assistência”, a qual foi publicada por Ataulpho de
Paiva em 1916.
102
5ª - Assistência pelo Trabalho - Relator: Xavier da Silveira Junior44
;
Nos relatórios analisados, observamos a permanência de uma divisão entre
aqueles que defendiam a organização de uma assistência pública e os que
apoiavam uma articulação entre assistência pública e privada. Além desses, havia
os que temiam qualquer mudança que pudesse intervir nos interesses das
instituições privadas.
Para efeito de análise, optamos por subverter a ordem das teses, o que levou
a primeira tornar-se a última tese a ser apresentada. Essa escolha teve por objetivo
dar continuidade ao debate sobre a assistência gratuita, cerne do discurso de
Rocha Faria na sessão inaugural do congresso. Além disso, optamos por agrupar
os relatórios dos médicos Garfield de Almeida e Juliano Moreira tanto por
fazerem parte da mesma tese, “Assistência Gratuita ao Doente”, como por terem
em comum a defesa ao modelo hospitalocêntrico de tratamento médico.
2.3.1. Assistência Gratuita ao Doente: relatórios de Garfield de Almeida e Juliano Moreira
Ressaltamos que nos documentos pesquisados, o médico Rocha Faria,
presidente do congresso, é apontado como fazendo parte da relatoria desta tese.
No entanto, não encontramos nenhum relatório publicado de sua autoria, a não ser
sua fala na sessão inaugural do congresso, já referenciada anteriormente, que de
alguma maneira exprime suas ideias acerca desse tema. Portanto, trabalhamos
com dois relatórios respectivamente: “Assistência Hospitalar”, escrito por
Garfield de Almeida, e “Quais os Meios de Assistência mais Convenientes aos
43
No processo de pesquisa documental, não encontramos esta tese disponível. As informações
sobre a mesma foram obtidas nas “Conclusões Aprovadas no Congresso Nacional de Assistência
Pública e Privada”, publicadas na Revista Brazil Médico (1908). 44
No processo de pesquisa documental, não encontramos esta tese disponível. As informações
sobre a mesma foram obtidas nas “Conclusões Aprovadas no Congresso Nacional de Assistência
Pública e Privada”, publicadas na Revista Brazil Médico (1908).
103
Nossos Alienados?”, apresentado por Juliano Moreira. É importante frisar que
estas eram duas áreas de interesse da assistência pública na época.
Em seu relatório, Garfield de Almeida discorreu sobre a obrigação do
Estado com relação à assistência hospitalar aos pobres que, para ele, devia ser
assumida como um bem público. Assim como Rocha Faria, ele era um médico
higienista que tinha no modelo francês uma referência em suas propostas de
reforma da assistência no país.
Segundo Almeida (1908), o problema dos socorros públicos no Brasil havia
sido excluído da responsabilidade do Estado e, por essa razão, ele pleiteava a
construção de hospitais públicos de urgência no Distrito Federal:
Em questões de hospitalização, a Prefeitura do Rio de Janeiro jamais tocou e toda
sua obra de assistência resume-se, fora das casas de instrução, na manutenção de
um asilo e em subvenções esparsas sem método nem proporcionalidade, e que,
postas a seu exclusivo serviço, seriam de sobejo (pois só essas montam a 180
contos) para criação e manutenção de um vasto e ótimo programa de publica
assistência (Almeida, 1908, p.4)
O médico defendia uma assistência de urgência sob a responsabilidade do
Estado através de um largo programa organizado pelo poder público. No entanto,
considerava necessário delimitar as prerrogativas municipais e federais que,
segundo ele, eram dúbias. O médico questionava qual instância do governo
(municipal ou federal) ficaria responsável por transformar em realidade o projeto
apresentado.
Além disso, ele discordava que o Hospital da Santa Casa fosse utilizado
para a prática clínica dos alunos da Faculdade de Medicina, censurando a dupla
função de professores de medicina como administradores da instituição. Defendia
a transferência da Faculdade de Medicina para um novo prédio e a construção de
um hospital público para as suas clínicas:
De um lado a conveniência absoluta e já hoje inadiável do Governo Federal
promover a construção de um hospital para suas clínicas, dada a irregularidade
patente, e por mim censurável da administração da Santa Casa e dos professores de
clinica senhores da mesma cousa; de outro lado, a já falada transferência da
104
Faculdade de Medicina para um edifício novo, também de alta premência, parecem
indicar que à União competirá a incumbência desse mister (Almeida, 1908, p. 7).
Ao fazer severas críticas ao hospital da Santa Casa do Rio de Janeiro, o
médico apontava que os serviços desta instituição eram demasiadamente
insuficientes para as necessidades da cidade:
A quem o governo concede vantagens enormes para ter a faculdade de manter aí o
serviço de suas clínicas, e basta isso? Primeiro, o Hospital da Misericórdia é hoje
deficiente para as necessidades da população, havendo ocasiões, e não poucas, em
que leitos supra-numerários, no chão, são precisos para comportar a afluência
extraordinária de doentes que procuram internar-se (Almeida, 1908, p. 7)
Em seu relatório, o médico apresentou dados referentes ao número de
atendimentos nos consultórios gerais do Hospital da Santa Casa do Rio de Janeiro
(excluídos os consultórios de especialidades) no período de junho de 1907 a junho
de 1908: 27.761 homens, 23.777 mulheres e 24.764 crianças. Diante desses dados,
o médico fez a seguinte observação: “mal chega ao médico mais que um minuto
para o exame de cada doente” (Almeida, 1908 p. 10).
Ao criticar a ausência de hospitais públicos na capital da República, ele
tomava como referência o modelo de assistência implantado em Paris. Aliás, a
referência ao modelo francês também serviu como argumento para Garfield de
Almeida propor uma segmentação da pobreza que, segundo ele, melhoraria o
atendimento nos hospitais e asilos. Ele citou como exemplo a ser utilizado no
Brasil, o modelo classificatório de um grande asilo de Paris, a Maison de
Nanterre45
.
Almeida (1908) apontava que a maior parte dos doentes internados no
Hospital Geral da Santa Casa do Rio de Janeiro era constituída por doentes
45
Garfield de Almeida descreve o funcionamento do asilo parisiense “Maison de Nanterre”
destinado a adultos e crianças, no qual os asilados eram distribuídos em sessões a partir da
seguinte classificação: mendigos seqüestrados na via pública e processados por delitos; asilados
provisórios (válidos sem trabalho), sendo a maior parte de convalescentes; asilados semi-inválidos
(velhos com menos de 70 anos); inválidos (velhos com mais de 70 anos) que não podiam
abandonar o leito; asilados doentes (instalados na enfermaria); tuberculosos com uma ala própria.
Os asilados doentes só podiam retornar para as suas residências, caso a família pudesse mante-los
em condições favoráveis. Este asilo também possuía sala de operações, sala de curativos, farmácia
e sala de trabalho, na qual os não-inválidos trabalhavam na fabricação de manufaturas, cuja venda
era revertida para o Asilo (50%) e para os asilados (50%). A metade da quantia destinada aos
asilados era aplicada em um pecúlio (ALMEIDA, 1908, p. 10-29).
105
incuráveis e idosos, cuja permanência contribuía para a escassez de leitos. Ele
considerava da maior urgência a fundação de um hospital-asilo, onde uma seleção
desses doentes permitisse interna-los com vantagem própria e dos serviços
hospitalares gerais. A admissão nesse estabelecimento só deveria ser concedida
através de requisição dos demais hospitais, cuja administração ficaria sob a
jurisdição do diretor do Hospital Municipal. O referido asilo deveria ter em sua
equipe, além do pessoal administrativo, um médico, um cirurgião e duas
enfermeiras (Ibid., p. 10-29).
O médico propunha ainda uma separação entre mendigos e doentes
incuráveis, sendo que estes deveriam ser atendidos em instituições com equipe
médica, daí a denominação de hospital-asilo. Sem dúvida, sua proposta visava à
instauração de uma nova área de atuação dos médicos no país: as instituições
asilares.
No entanto, ele também indicava como alternativa a ampliação do Asilo São
Francisco de Assis, instituição por ele criticada ao destinar-se basicamente à
repressão da mendicidade. Percebe-se, portanto, que apesar de propor uma
classificação da pobreza e instituições distintas para o seu atendimento, sua
prioridade era retirar os doentes incuráveis dos leitos hospitalares.
Garfield de Almeida ressaltava que no Distrito Federal não havia um só
hospital público federal ou municipal, excluídos aqueles de moléstias infecto-
contagiosas, os quais eram considerados de hospitalização exclusiva. Dessa
forma, segundo o médico, em matéria de hospitalização pública, esta era
inexistente na cidade do Rio de Janeiro, pois não era lícito contar como hospitais
de urgência, os hospitais de isolamento e os hospitais para cura de moléstias
epidêmicas. Defendia, finalmente, a criação de uma repartição exclusiva de
Assistência Pública, similar a de Saúde Pública, sob a jurisdição do Ministério do
Interior.
Em resumo, Almeida (1908) sugeria que os poderes públicos no Rio de
Janeiro deveriam promover a construção de um hospital para a melhoria geral dos
serviços de urgência, disseminando postos de socorros ou estações centrais que
procedessem ao primeiro atendimento. A construção de um novo nosocômio
106
deveria ser em local mais afastado da cidade, de acordo com os princípios
higienistas de manutenção desses hospitais fora dos centros urbanos. Sugeriu que
o novo hospital fosse construído no terreno onde se encontravam alguns pavilhões
da Exposição Nacional (Ibid., p. 10-29).
Na verdade, a tese de Garfield de Almeida, pela abrangência de suas
propostas, aproximava-se ao desenho de um modelo de política pública de
assistência hospitalar para o então Distrito Federal.
Quanto à área de assistência aos alienados, o médico Juliano Moreira
destacava que esta se humanizara, transformando-se gradativamente de prisão em
depósito e depois em hospital. Segundo o médico, esta evolução se deu quando o
“alienado” foi elevado à categoria de “doente do cérebro”.
Em seu relatório46
, Juliano Moreira, fez severas críticas à situação dos
“alienados” na maior parte do país, uma vez que muitos doentes ainda se
encontravam em cárceres públicos, situação que desrespeitava a Lei Federal,
promulgada em 1903, que estabeleceu novos parâmetros de assistência a esses
pacientes:
[...] ainda estamos na situação dolorosíssima de ver na maior parte do país,
alienados em cárceres públicos com manifesta lesão de uma lei federal que deveria
ser um pacto de honra entre os Estados que a firmaram por intermédio de seus
representantes, e, o que é mais, pondo em dúvida a convicção, que a nós infla, de
termos pleno direito ao título de povo civilizado (Moreira, 1908, p. 1).
Observa-se que Juliano Moreira não insistia em defender à assistência
pública, uma vez que a assistência aos “alienados” já se encontrava sob a gestão
do Estado desde a Constituição de 1891. Logo, sua atenção voltava-se para a
ampliação e a melhoria das condições da assistência pública aos doentes mentais
no país, visando a sua constituição como um campo de saber específico sob a
tutela do Estado.
46
Juliano Moreira reapresentou esse relatório no IV Congresso Médico Latino Americano
realizado em 1909.
107
Entretanto, pleiteava a necessidade da organização de “sociedades de
patronato” que teriam como missão cuidar dos doentes após a alta nos
nosocômios:
Essas sociedades devem ter por missão não somente cuidar dos orates depois da
saída dos asilos, mais ainda dando-lhes assistência se necessário for, procurando,
quanto possível dar combate direto e indireto a todas as causas predisponentes e
ocasionais de alienação e da degenerescência mentais (Moreira, 1908, p. 11).
O médico solicitou aos membros do congresso que estes apoiassem a
fundação de uma sociedade filantrópica, justificando ser “imprescindível onde
quer que haja assistência a alienados a fundação de uma sociedade de proteção aos
indivíduos que tem alta dos manicômios” (Moreira, 1908, p.12). Desse modo,
para Juliano Moreira, ao Estado e suas instituições psiquiátricas caberia a
hospitalização e o tratamento aos doentes mentais, e à filantropia caberia dar
assistência aos indivíduos após a alta médica.
É importante observar que Juliano Moreira referia-se ao doente após a alta
como um indivíduo que, ao deixar de ser um paciente, também deixava de ser
responsabilidade do Estado. Portanto, propunha uma especial aliança entre a
assistência pública e a assistência privada, através da qual a filantropia deveria se
encarregar da assistência para além dos muros dos manicômios. Dessa forma, sua
proposta constituía-se em uma delimitação dos espaços de atuação da assistência
pública e privada, que não descartava, ao contrário, incluía como complementar,
as ações filantrópicas.
O médico defendia dois modelos de atendimento aos doentes mentais: o
hospital urbano em substituição ao asilo fechado, e o hospital-colônia em
substituição ao asilo de portas abertas.
O hospital urbano seria destinado ao tratamento imediato dos casos agudos
de alienação mental. Segundo o médico, a experiência demonstrava que a
proporção dos casos agudos que exigiam admissão urgente era quatro vezes maior
nas grandes cidades do que nas localidades rurais:
108
Toda cidade de mais de 50.000 habitantes tem o dever de manter seu hospital
urbano (com o número proporcional de leitos) para os seus casos agudos de
alienação mental. E quando não o possa, fará ao menos aquilo a que são obrigadas
as cidades menores, isto é, montar no hospital geral uma enfermaria
convenientemente arranjada para o tratamento dos casos em questão. Note-se bem
que me refiro à enfermaria e não as antigas casas fortes existentes em alguns
hospitais gerais (Moreira, 1908, p. 3).
Moreira (1908) inspirava-se no modelo psiquiátrico alemão ao defender a
adoção dos asilos-colônias ou hospitais-colônias: “assim como o asilo fechado vai
sendo substituído pelo hospital urbano para doenças do cérebro, o asilo de portas
abertas tende a ser absorvido pelo chamado hospital-colônia, cujo tipo é Alt-
Scherbitz” (p. 3).
A criação de hospitais-colônias baseava-se na concepção higienista
originária do pensamento europeu vigente na época, a qual preconizava o modelo
das colônias-agrícolas como o mais avançado recurso para tratamento da loucura.
Juliano Moreira, enquanto um dos porta-vozes do pensamento higienista no início
do século XX, defendia a adoção desse modelo para tratar os doentes mentais de
modo mais científico e eficiente possível, de acordo com as mais modernas
conquistas da psiquiatria nesse período.
A ideia central que norteava o modelo assistencial do hospital-colônia era a
de manter os doentes mentais distantes dos centros urbanos, onde sua presença era
incômoda para as elites republicanas, isolando-os em espaços onde o trabalho
agrícola era o principal instrumento terapêutico como alternativa para o
confinamento em hospitais fechados. O trabalho, em lugar da vida ociosa em
hospícios tradicionais, era considerado moralizador e disciplinador, transfigurado
em forma terapêutica, a qual se justificava no resgate do que ainda restava de
saudável nos “alienados”.
Em seu relatório, Moreira (1908) definia o hospital-colônia como uma
instituição que era “ao mesmo tempo um hospital, uma colônia e um hospício”
(p.6). Desse modo, a classificação dos doentes mentais era de extrema
importância para separa-los em pavilhões distintos:
109
Sendo o asilo-colônia, ou melhor, hospital-colônia todo em pavilhões separados,
pode haver um agrupamento cuidadoso dos doentes do modo mais conveniente ao
tratamento deles. Há pavilhões, verdadeiras vilas, maiores ou menores (de 15 a 40
doentes) desiguais e construídos de acordo com a natureza dos pacientes que os
têm de habitar (Ibid., p. 4).
A classificação descrita pelo médico era constituída por três grandes grupos:
1) doentes atingidos por psicoses agudas curáveis ou presumíveis de cura; 2)
alienados crônicos, incuráveis, porém válidos fisicamente; 3) alienados enfermos,
inválidos, entrevados, senis e os idiotas profundos, os quais não podiam trabalhar
(Moreira, 1908, p. 5).
Através desse processo classificatório dos doentes, um bom hospital-colônia
deveria ser organizado da seguinte forma: pavilhões de tratamento e de vigilância
contínua, destinados aos pacientes com doenças mentais agudas; vilas para os
doentes sociáveis, ou seja, aqueles considerados permanentemente tranquilos;
pavilhões de isolamento para doenças contagiosas, ou seja, o lazareto dos asilos-
colônias alemães (Moreira, 1908, p. 6-7).
Inspirando-se no sistema alemão de assistência familiar exercida por
funcionários da colônia (hetero-familiar) ou por familiares dos pacientes (homo-
familiar), Moreira (1908, p.12) propunha que o Estado construísse “casinhas
higiênicas” na periferia do hospital-colônia, “para alugar às famílias dos melhores
empregados que poderão receber pacientes suscetíveis de serem tratados em
domicílio” (Ibid., p.12). No entanto, essa proposta de assistência familiar tinha um
caráter de controle sobre os pacientes:
Construindo o Estado casinhas e dando-as aos seus melhores enfermeiros casados,
fixa-os ao estabelecimento, melhora-lhes a vida dando-lhes habitação mais
confortável, fiscaliza convenientemente o trato dispensado ao alienado
(Moreira, 1908, p. 9, grifo nosso)
Segundo o médico, a construção de casas para alojar enfermeiros e doentes
seria de baixo custo para o Estado em relação à assistência na colônia comum.
Além disso, ele ressaltava os ótimos resultados obtidos com a assistência familiar
na Alemanha, a qual “preparava o doente mental para a sua saída do hospital-
colônia” (Moreira, 1908, p. 9-12).
110
Em seu relatório, também destacou que seria de extrema importância para a
“Clínica Psiquiátrica e de Doenças Nervosas” que todo candidato ao diploma
médico obtivesse instrução mais ou menos completa das “doenças do cérebro e do
sistema nervoso”, sendo obrigatória sua freqüência a esta clínica. Também fez
menção à educação profissional dos enfermeiros: “a educação profissional desses
enfermeiros deve ser motivo de especial cuidado por parte dos médicos de cada
manicômio” (Moreira, 1908, p. 12).
Ressalte-se que, em seu relatório, Juliano Moreira fez sérias críticas à
colônia de alienados da Ilha do Governador, em funcionamento na época,
solicitando a rápida remoção dos pacientes que lá se encontravam:
Tenho esperanças de que o Governo obterá, no correr deste ano, verba para
remover para o continente o simulacro de colônia de alienados que entretêm na Ilha
do Governador com prejuízo aos doentes não só da Capital como do resto do país,
por isso que a força do mau exemplo em tal matéria é estupenda (Moreira, 1908, p.
11).
2.3.2. “Assistência à Infância”, mortalidade infantil e educação dos deficientes: relatório de Fernandes Figueira
O médico Antonio Fernandes Figueira, em seu relatório, “Assistência à
Infância, particularmente o que se refere ás medidas a adoptar contra a
mortalidade infantil. Educação das crianças deficientes”, ressaltou que há muito
tempo no país, médicos e filantropos se ocupavam das causas da mortalidade
infantil. Entretanto, durante o regime imoral da escravidão a situação da
mortalidade infantil no Brasil era tão calamitosa que tornava impossível a
comparação com a situação da mortalidade infantil de outros países. Desse modo,
segundo o médico, as pesquisas comparativas com outros países só foram
possíveis de serem realizadas a partir de 1888, e o registro desse dado
demográfico só começou a ser realizado regularmente a partir de 1890.
111
Fernandes Figueira criticava a alta taxa de mortalidade infantil do último
decênio. O médico apontava que apesar das melhorias das condições de
salubridade da cidade do Rio de Janeiro, as crianças continuavam a morrer, no
primeiro ano de vida, ininterruptamente. No entanto, para contrapor essa
devastação contava-se com “a caridade infatigável dos médicos”, “sem outra
recompensa que a tranquilidade do dever satisfeito”, sendo “esse devotamento dos
médicos canalizado por instituições piedosas, a preço vil ou gratuitamente”
(Figueira, 1908, p.403).
O médico destacou que no Distrito Federal a assistência à infância era
exercida sistematicamente pela Santa Casa da Misericórdia, o Instituto de
Proteção à Infância (IPAI) e a Policlínica Geral do Rio de Janeiro, sendo estas as
principais instituições de atendimento à infância.
Baseando-se nos dados fornecidos por Miguel de Carvalho, provedor da
Santa Casa na época, Fernandes Figueira indicou, em seu relatório, que no ano de
1908, 1.031 crianças encontravam-se abrigadas nos vários estabelecimentos da
Santa Casa da Misericórdia, além das consultas diárias para crianças nos vários
hospitais mantidos por esta instituição. Ele apontou como exemplos, o Hospício
N. Srª das Dores que, em 1907, realizou 10.048 atendimentos, e o Hospício de N.
Srª da Saúde que, entre 1902 e 1907, atendeu 27.770 crianças.
Com relação à Policlínica do Rio de Janeiro, apresentou os seguintes dados:
de 1887 a 1889 um total de 2.534 crianças foram atendidas, e entre 1901 a 1905,
foram 1.724 atendimentos. Entretanto, o médico não esclareceu, em seu relatório,
a diminuição do número de atendimentos nesta instituição.
Se por um lado, o médico utilizou esses dados para demonstrar o alto custo
dos auxílios dispensados para o atendimento de um percentual expressivo de
infantes; por outro, ele destacou a elevada porcentagem de óbitos de crianças que
ingressavam na Casa dos Expostos, instituição também pertencente à Santa Casa,
principalmente na primeira semana de vida.
112
Segundo Figueira (1908), o Instituto de Assistência e Proteção à Infância47
(IPAI) foi o que adotou o mais vasto programa, incluindo os consultórios de
especialidades só para crianças, o que não ocorria nos consultórios da Santa Casa,
onde não havia separação no atendimento de crianças e adultos. Segundo o
relatório publicado pelo IPAI em 1908, a instituição atendeu, em 6 anos, cerca de
20.000 indivíduos. (Figueira, 1908, p.404-405).
Portanto, Fernandes Figueira utilizou os dados referentes às instituições
privadas de atendimento à infância para construir sua defesa à assistência pública.
Para o médico, ao Estado competia não apenas prover assistência aos “alienados”,
pois no Brasil a intervenção do poder público também era indispensável no
âmbito da assistência à infância:
Ao Estado, ao que parece, não compete hoje o máximo de assistência. Se a que
toca aos alienados não pode ser dele transferida, todas as outras devem ser
impulsionadas pelas mutualidades e pelas cooperativas. [...] O Poder Público
estabeleça as leis protetoras e equânimes; a coletividade se dirija para o seu próprio
bem estar. Isso – bem entendido – nos países de completo desenvolvimento, o que,
infelizmente, entre nós ainda não acontece. Aqui ainda por muitos anos será
indispensável a intervenção do Estado (Figueira, 1908, p.412).
Figueira (1908) referia-se à Revolução Francesa como argumento de defesa
a uma assistência pública à infância, enfatizando que esta conduziu os homens às
leis protetoras dos infelizes e das crianças: “nenhum filantropo em nossos dias,
47
É importante destacar que o médico e filantropo Arthur Morcorvo Filho apresentou neste
congresso a memória intitulada, O instituto de Protecção e Assistencia à Infância (IPAI), com o
objetivo de divulgar a instituição filantrópica por ele fundada. Moncorvo Filho defendia uma
aliança entre a Assistência Publica e a Assistência Privada. Dessa forma, seu posicionamento com
relação à assistência materno-infantil se diferenciava da proposta de Fernandes Figueira que
propugnava a responsabilidade do Estado no âmbito da assistência à infância. Além da presença de
Moncorvo Filho, seu diretor-fundador, o IPAI levou uma comitiva de representantes da instituição
ao Congresso, constituída por figuras públicas influentes na época: o Deputado Serzedello Corrêa,
os Drs. Domeque de Barros, Almeida Pires, Pedro Luiz Osório, Jayme Quartin Pinto, Alfredo
Bahia e Cunha Gaspar, o Tenente B. Viana, Raul Guedes, Fred Figner, Mario Rache, Octavio
Santos Moreira, Alcides Lobo Vianna, Joaquim Paulo Braga, A. Margarido da Silva, Virgílio
Machado, Archimedes Cunha Campos, Manoel R. Leite e Oiticica, Pedro Campos, Pedro Ignácio
de Almeida, Antonio Teixeira, o industrial Sá Fortes, Elizeu Guilherme da Silva Júnior, Jayme
Pimenta de Pádua e o Ten. Carlos A. do Espírito Santo (MONCORVO FILHO, 1908).
A Associação de Damas da Assistência, entidade apêndice do IPAI, também esteve presente ao
Congresso, representada pelas seguintes senhoras, membros da elite carioca: Myrthes de Campos,
Adelaide M. Vieira de Mello, Maria Clara da Cunha Santos, Guilhermina Moncorvo, Arabella
Cordeiro, Eugenia E. Ennes de Souza, Palmyra Bayma Guimarães, Helena Oscar, Thereza E. de
Moraes e Silva, Maria Adelaide Bernard, Gervazia do Nascimento, Brasilina Guedes, Edina I. de
Oliveira Vaz e Sra. Carlos Gondolo Labouriau (Jornal da Exposição, n°19, setembro/1908).
113
mais largo o liberalismo de suas ideias, excederia em descortino de paz e
misericórdia a célebre Convenção de 28 de junho de 1793” (p.412).
Para fundamentar seu argumento, ele citou três artigos da referida
Convenção, os quais deliberavam:
Art. 1°. A Nação se incumbe da educação física e moral das crianças;
Art. 3º. Haverá em cada distrito uma casa a que se possa recolher e dar à luz a
mulher solteira grávida;
Art.4º. A toda mulher que declare desejar ocupar-se com a amamentação do filho
que traz no seio e que tiver necessidade de socorros da Nação, assistirá o direito de
reclama-los (França, 1793 apud Figueira, 1908, p.412).
Destaca-se que Figueira (1908) considerava ser um erro, tão generalizado,
considerar a criança “como um homem pequeno”, pois ela “é antes de tudo um
frágil ser em evolução” (p.401), ressaltando “a falta de defesa própria das crianças
contra as injustiças sociais” (Ibid., p.401).
Nessa época a assistência à infância dividia-se entre as questões da
mortalidade infantil e da chamada infância “moralmente abandonada”. O médico
Fernandes Figueira preocupava-se com a primeira, apontando ser a
mortinatalidade o problema mais grave e urgente, apontando que o Brasil
colocava-se em condições humilhantes de inferioridade em relação a outros países
da América do Sul.
Ao se preocupar com a mortinatalidade, o médico solicitava que o governo
regulamentasse o serviço das mulheres nas fábricas, garantindo, nos estatutos das
maternidades, um mês de repouso as gestantes antes do parto, além de conservá-
las, sob cuidados médicos, nessas instituições até três semanas depois dele.
Em seu relatório, Fernandes Figueira propôs algumas medidas urgentes a
serem adotadas contra a mortalidade infantil, como base para a assistência e
proteção à criança. A primeira consistia no fim da Roda dos Expostos e sua
substituição pelos registros livres, isto é, a instituição de escritórios onde a criança
seria entregue ao Estado mediante o preenchimento de uma ficha com dados da
criança e declaração daquele que a encaminhasse aos poderes públicos. Segundo o
114
médico, “o filho da miséria ou do crime compra assim o seu direito à vida, é
adotado como filho da nação [...]” (Figueira, 1908, p.413).
O médico defendia que o governo estimulasse o aleitamento materno,
pautando-se nas resoluções do último Congresso das Gotas de Leite, em 1907, no
qual se afirmou que no incentivo “à amamentação materna reside o iniludível
escopo da assistência e da proteção à tenra idade” (Figueira, 1908, p.414). Desse
modo, ele tinha como proposta as seguintes medidas:
1) A obrigação por parte dos estabelecimentos de assistência à infância de
instituírem a amamentação materna até a idade de seis meses, sendo distribuídos
prêmios às mulheres que assim cumprissem seu dever, facilitando-se a elas
refeições a baixo preço, trabalho nas fábricas ou colocação em serviços
domésticos (Ibid., p.412-415).
2) A organização por intermédio dos poderes públicos de um corpo de
inspetores–médicos que fiscalizassem, pelos meios conhecidos na ciência, a
alimentação infantil, “à semelhança do que há muito se pratica nos países
civilizados”. Estes inspetores ficariam, portanto, incumbidos de fiscalizar tanto as
lactantes assalariadas em seus domicílios, como as lactantes que atendiam
gratuitamente em estabelecimentos públicos. Essa proposta tinha por objetivo que
os estabelecimentos de assistência obedecessem a regras uniformes não apenas em
relação à alimentação, como também aos deveres das chamadas “criadeiras” ou
“amas de leite” (Ibid, p.412-415).
4) A fundação do maior número possível de consultórios de lactantes nas
cidades e nas aldeias (Ibid, p.412-415):
O médico também fez um apelo “aos sentimentos das senhoras brasileiras”
para a fundação de sociedades de assistência em domicílio a puérperas e de
proteção à amamentação materna (Figueira, 1908, p.415). Propôs que fossem
criadas instituições beneficentes para o atendimento domiciliar às mulheres em
situação de pós-parto com o objetivo de garantir a amamentação materna.
Portanto, Fernandes Figueira não excluía a assistência privada, porém
delimitava seu escopo de atuação. Partilhando de ideias semelhantes às colocadas
115
por Juliano Moreira, ele defendia que as ações filantrópicas eram bem-vindas no
espaço extra-hospitalar, fazendo uma distinção entre assistência domiciliar (a
cargo da filantropia) e assistência institucional (sob a responsabilidade dos
médicos). Nesse sentido, o médico propunha uma demarcação dos espaços de
atuação entre a assistência pública e a privada enquanto um modelo de assistência
a ser operacionalizado.
2.3.3. “Assistência à Infância Moralmente Abandonada” e a legislação – conclusões aprovadas no Congresso
A infância considerada “moralmente abandonada” era um segmento da
população pobre, no qual os reformadores apoiavam uma intervenção do Estado.
Entretanto, não se descartava os estabelecimentos privados, os quais deveriam ser
fiscalizados pelo poder público.
Com relação à tese “Assistência à Infância Moralmente Abandonada” a qual
teve como relator o jurista João Carneiro de Souza Bandeira, foram aprovadas
medidas referentes a modificações na legislação. Em “conclusões aprovadas” no
Congresso de Assistência Pública e Privada (1908, p. 386-388) identificamos a
aprovação das seguintes medidas:
A organização de uma repartição central de assistência, criada através da
cooperação mútua entre os governos federal e municipal que teria as seguintes
funções: o registro de menores abandonados e as providências necessárias para
assisti-los; a direção geral e a fiscalização dos estabelecimentos de assistência e
instrução particulares; a fiscalização e a inspeção médica tanto dos trabalhos dos
menores nas fábricas e estabelecimentos industriais e comerciais, como do
trabalho exercido pelos menores nas ruas, determinando-se por leis e
regulamentos, as idades e as condições para esses trabalhos.
O trabalho infantil era plenamente aceito, desde que regulamentado e
inspecionado por órgão público de assistência. Nesse caso, a assistência pública
116
assumia um caráter regulador e fiscalizador das condições de trabalho. Dessa
forma, com a intervenção dos poderes públicos, a criança “moralmente
abandonada” seria transmutada para a categoria de “menor assistido”.
Outro ponto importante é a proposta de criação de estabelecimentos
provisórios destinados ao recolhimento imediato dos “menores presos”,
distribuindo-os depois pelos asilos. Esta medida visava à separação de adultos e
crianças, sendo abolido o recolhimento de crianças à prisão comum48
, as quais
receberiam uma assistência asilar.
Desse modo, essa medida, de cunho repressivo, visava à criação de asilos
específicos para as crianças “recolhidas” nas ruas, consideradas delinqüentes,
dentro de uma perspectiva de controle social não apenas sobre o pobre em geral,
mas sobre a criança pobre em particular.
Os congressistas apoiavam “a restituição às respectivas famílias dos
menores que, depois de rigorosa sindicância, for verificado que podem receber
educação conveniente em seus lares” (Congresso Nacional de Assistência Pública
e Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.387). Este item é revelador da estreita
vinculação da proteção à infância pobre com a emergência do modelo de família
burguesa que legitimava a ação do Estado junto àqueles considerados desviantes
das normas sociais vigentes. Os reformadores da época apontavam entre uma
multiplicidade de fatores, as condições de vida familiar como produtoras de
candidatos ao crime desde a infância. Portanto, as famílias pobres deveriam ser
objeto de vigilância e controle por parte do Estado.
As conclusões do congresso diziam respeito tanto a “suspensão ou privação
do pátrio poder” pelo Ministério Público, dos pais incapazes de educar os filhos
por qualquer motivo, como a extinção do “sistema de confiar a famílias estranhas
a educação de menores abandonados, mediante ou não de ‘soldada’” (Congresso
Nacional de Assistência Pública e Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.387-
388).
48
O primeiro Código Penal da República, promulgado em 1890, no que se refere aos dispositivos
relativos à infância, rebaixou a idade penal de quatorze para nove anos. Desse modo, essa medida
tinha por objetivo fazer uma separação entre adultos e crianças que, nessa época, misturavam-se
nas prisões comuns.
117
Estas medidas deixam claro o tipo de reforma que se desejava empreender:
a criança, filha da pobreza, era problema do Estado, o que demandaria uma severa
intervenção dos poderes públicos. Os reformadores, em sua missão moralizadora,
ao buscar intervir sobre o abandono moral, viam a paternidade como um direito
que poderia ser suspenso ou cassado.
As regras e normas propostas aos estabelecimentos de assistência
ratificavam a segmentação da pobreza e a dimensão moralizante no processo
classificatório a ser implementado:
Fundação de numerosos estabelecimentos de observação, assistência e correção
com as respectivas regras: os menores deviam ser separados, segundo suas idades e
grau de moralidade; os estabelecimentos das crianças viciosas ou delituosas deviam
ser completamente separados dos destinados às crianças inocentes; a educação
devia ser mais moral e profissional do que intelectual (Congresso Nacional de
Assistência Pública e Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.388).
Desse modo, os estabelecimentos de assistência voltados para o atendimento
da infância pobre, deveriam ter um viés correcional e de vigilância, sob uma
perspectiva moralizadora das crianças pobres. Assim, a assistência asilar deveria
basear-se na seguinte classificação das crianças: as “viciosas”, seriam aquelas que
haviam cometido algum tipo de delito, e as “inocentes” aquelas que ainda não
ameaçavam a ordem social.
Esse caráter classificatório visava à separação e o atendimento diferenciado
das crianças. Contudo, no geral, à criança pobre era imputada uma educação de
caráter moral e não intelectual, pois o objetivo principal dessas instituições
voltava-se para a formação de trabalhadores disciplinados através de mecanismos
de regulação dos comportamentos considerados desviantes. Portanto, era preciso
tornar o indivíduo propenso e habituado ao trabalho desde a infância.
É importante destacar a proposta de criação de “institutos em que os casais
de operários, obrigados a se ausentar diariamente do lar” pudessem “deixar seus
filhos, a fim de receberem alimentos e educação” (Congresso Nacional de
Assistência Pública e Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.388). Observa-se,
portanto, uma preocupação com a formação de uma força de trabalho em um
118
período de emergência da sociedade urbano-industrial, o que implicava na
implantação de creches para os filhos de operários.
Segundo Kuhlmann Jr. (1991), no início do século XX, foram implantadas
as primeiras instituições pré-escolares assistencialistas no Brasil. O autor aponta
que nos congressos que abordavam a assistência à infância recomendava-se a
criação de creches junto às indústrias, tidas como uma necessidade no que tange à
criação de uma regulamentação das relações de trabalho, principalmente o
trabalho feminino.
Essas instituições, segundo o referido autor, “representavam a sustentação
dos saberes jurídico, médico e religioso no controle da política assistencial que se
elaborava” e que “seus agentes promoviam a constituição de associações
assistenciais privadas” (Kuhlmann Jr., 1991, p. 20).
Nesse período, “salvar as crianças” era uma forte preocupação do governo,
o que a tornou alvo das ações filantrópicas, sendo também incorporada ao projeto
de reforma defendido por Ataulpho de Paiva que propunha uma vinculação da
Assistência à Justiça para o atendimento à infância:
Para cuidar, antes de tudo, da causa sagrada da infância, dos seus direitos e dos
seus interesses, coloca a Assistência Pública ao lado da Justiça, funcionando
diretamente, mas também servindo de auxiliar, a fim de que a criança deixe de ser
um perigo para os seus contemporâneos e se transforme em um elemento de vida,
em uma força social (Paiva, 1916, p.311).
Na Primeira República, como coloca Rizzini (2008), qualquer criança, por
sua condição de pobreza, estava sujeita ao enquadramento da “Justiça-
Assistência”, pois “a tutelarização do Estado por vias jurídicas assumiu uma
dimensão monopolizadora de autoridade e controle” (p.131).
Portanto, do ponto de vista jurídico, percebe-se uma preocupação com o
tema da chamada “infância moralmente abandonada”. Segundo Alvarez (2003),
que estudou o discurso da criminologia na Primeira República, as questões
centrais do debate entre os juristas giravam em torno de: (1) “a relação entre o
progresso da sociedade e o aumento da criminalidade”; (2) “o crescimento da
criminalidade entre segmentos específicos da população, como entre as
119
crianças”; (3) “o problema da convivência das diversas raças” (p.62, grifos
nossos).
Ressalte-se que, na Primeira República, as ideias da antropologia criminal
ou criminologia49
, obtiveram ampla repercussão entre os intelectuais brasileiros.
Desenvolvidas na Europa na segunda metade do século XIX com os trabalhos de
Cesare Lombroso e seus seguidores (Enrico Ferri e Rafaelle Garofalo), essas
ideias deram origem ao movimento que ficou conhecido como “escola positiva de
criminologia” ou “nova escola penal”50
.
Dessa forma, as teorias criminológicas significaram uma redefinição do
papel da justiça, a partir de novos projetos institucionais assentados em ações não
apenas repressivas, mas também disciplinares dirigidas não só aos que cometiam
crimes, mas àqueles considerados potencial e moralmente “perigosos e
desviantes”, como era o caso dos “menores abandonados”.
Por outro lado, a noção de defesa social cunhada pela nova escola positiva
transformou a ação penal em ação de assistência e proteção social no tratamento
jurídico-penal da questão da menoridade, assumindo feições que iam da atitude de
suspeita generalizada em relação aos pobres às claramente tutelares. Aliás, esta
noção serviu de justificativa para a nova escola penal intervir na questão social ao
“situar a política criminal sobre o plano da política social” (Ancel, 1985 apud
Alvarez, 2003, p.151).
49
Alvarez (2003) indica que o termo criminologia foi criado por Garofalo, sendo usado
inicialmente como sinônimo de antropologia criminal. O termo acabou popularizando-se “quando
as teorias naturalistas de Lombroso passaram a ser mais criticadas, e os adeptos da escola positiva
se viram obrigados a considerar também os fatores sociais na etiologia do crime” (p.47-48). 50
Em contraposição ao jurismo clássico, a “escola positiva” ou “nova escola penal” defendia que o
direito de punir deveria orientar-se “por conhecimentos científicos dirigidos não mais para o crime
em si, mas para o indivíduo criminoso” (ALVAREZ, 2003, p.18).
120
2.3.4. “Assistência pelo Trabalho” - conclusões aprovadas no Congresso
No que se refere à tese “Assistência pelo Trabalho”, relatada por Xavier da
Silveira Junior, com base nas conclusões aprovadas no Congresso destacamos as
seguintes resoluções:
Em primeiro lugar, uma medida típica do pensamento filantrópico que se
refere à importância da diferenciação entre os “indigentes válidos e os vadios e
ociosos”. Esse processo classificatório da mendicidade seria determinante no tipo
de atendimento prestado a cada um desses segmentos. A ação social dos institutos
de assistência pública e privada seria voltada aos indigentes válidos, ao passo que
os vadios e ociosos seriam objeto da repressão policial, enquadrados no código de
delitos e contravenções.
Como foi visto no capítulo anterior, a discriminação entre a indigência
válida e os vadios tem sua matriz nos países europeus, sendo o equivalente, no
Brasil, às classes laboriosas e classes perigosas que os reformadores brasileiros
adequaram à realidade do país.
Desse modo, o Estado republicano promovia intervenções no combate à
mendicância, a qual era vista como ameaça a ordem social. Logo, a proposta do
congresso de dar subsídios às instituições de assistência privada voltadas ao
atendimento de indigentes válidos tinha com pano de fundo uma reforma moral
que a elite dominante buscava empreender.
Nesse período, reconhecia-se que a indigência válida desenvolvia-se devido
a uma “desproporção crescente entre a peculiar capacidade exigível para os
misteres e artes úteis e a de que, em geral, dispõem os que nesses misteres e artes
buscam empregar a sua atividade” (Congresso Nacional de Assistência Pública e
Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.388). Buscava-se, portanto, atenuar essa
“desproporção” através do “aprendizado técnico indispensável ao exercício das
profissões que entendem com aqueles misteres e artes úteis” (Ibid., p.388).
121
Portanto, havia uma preocupação com a formação de uma força de trabalho
no período de constituição do capitalismo no Brasil. A proposta encampada pelo
congresso consistia na introdução do aprendizado técnico visando à qualificação
da mão de obra, e consequentemente, a redução da “indigência válida”. A
transformação do homem livre pobre em trabalhador assalariado era o principal
desafio nos primeiros anos do regime republicano, sendo a assistência pelo
trabalho uma ferramenta de disciplinamento moral e introjeção de uma nova ética
do trabalho.
Ficou definido, portanto, que a assistência pelo trabalho devia ser criada “no
desígnio de amparar a validez que se reduz à indigência [...]” (Congresso Nacional
de Assistência Pública e Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.388). Desse
modo, a esfera de ação desse tipo de assistência ficaria restrita àqueles
considerados aptos para o trabalho, ou seja, seria direcionada aos “indigentes
válidos”, daí a necessidade de um processo classificatório da mendicância.
Por outro lado, a assistência privada é convocada a atender aos pobres após
sua saída das prisões e hospícios. Cabia ao Estado, através de sua política
saneadora, apenas a repressão e o recolhimento dos “indigentes” e “alienados”,
deixando para as entidades filantrópicas, “sob a égide do Estado”, ou às patronais,
o atendimento à pobreza egressa das instituições asilares e das prisões:
É urgente organizar-se no Brasil a assistência aos indivíduos que regressam à vida
social, concluído o tempo da repressão, e aos alienados e indigentes que regressam
do Hospício. É preferível seja a assistência organizada pela iniciativa privada, sob a
égide do Estado, mas a impossibilidade de obter-se desde já essa organização, é
admissível a criação do patronato, mesmo com caráter social (Congresso Nacional
de Assistência Pública e Privada. Conclusões Aprovadas, 1908, p.388).
Defendia-se, portanto, a assistência privada para os grupos mais
fragilizados, aqueles considerados “desvalidos” em um contexto de formação de
relações sociais do tipo burguês-capitalista.
122
2.3.5. “Assistência Metódica”: por uma aliança permanente entre a assistência pública e privada – tese de Ataulpho de Paiva
O jurista e filantropo Ataulpho de Paiva compartilhava das ideias do
prefeito Souza Aguiar no que se refere a uma articulação entre a assistência
pública e a beneficência privada:
[...] o Brasil tem necessidade imperiosa, urgente e inadiável de organizar um
serviço regular de Assistência Pública e Privada, que seja fundado sob o rigoroso
método, atendendo aos moldes e aos sistemas já praticados com êxito nos países de
adiantada cultura e civilização, e tenha por base a aliança permanente entre a
Assistência Pública e a Assistência Privada (Paiva, 1916, p. 320).
Em sua tese, “Assistência Metódica: meios práticos para obter uma aliança
permanente entre a assistência pública e privada”, Ataulpho de Paiva apresentou
seu amplo projeto de estruturação da assistência, pelo qual a solução dos
problemas sociais encontrava-se na própria organização da sociedade, através das
fundações, das sociedades benemerentes, das entidades religiosas, das associações
de auxílio mútuo, etc. Ele preconizava a criação de mecanismos de fiscalização e
normatização das instituições assistenciais, a fim de congregar os interesses
públicos e privados:
A intervenção do Estado e a liberdade da Caridade são dois princípios intangíveis.
Daí a necessidade de as conciliar e de estabelecer um acordo, conservando, aliás, o
Estado o direito de vigilância e fiscalização que exerce a respeito dos cidadãos e
das associações (Paiva,1916, p. 286, grifos do autor).
Sua proposta baseava-se na criação de uma Diretoria Geral de Assistência
Pública, no Distrito Federal, a qual teria como atribuições tanto organizar um
serviço modelar de socorros públicos como fornecer proteção à indigência em
geral. Percebe-se que ao atribuir determinadas competências à assistência pública,
o discurso de Paiva era atravessado por ideias higienistas:
123
A assistência pública é tão obrigatória sob o ponto de vista higiênico como sob o
ponto de vista moral; o zelo sanitário da sociedade deve abranger o corpo e a alma.
Os vícios fazem devastações mais tremendas do que as que resultam das epidemias
(Paiva, 1916, p.304).
Paralelamente à função tutelar do Estado com relação aos serviços de
socorros públicos, o jurista, inspirado no modelo francês, propunha a criação do
Ofício Central de Assistência que teria por objetivo congregar e harmonizar os
interesses da assistência pública e privada, porém preservando a autonomia e a
administração interna dos estabelecimentos de beneficência existentes na capital:
O projeto obedece à necessidade de aproveitar os grandiosos recursos já
concedidos pelo Estado, juntando-se aos meios também já organizados pela
caridade individual. Criando no Distrito Federal a Diretoria Geral de Assistência
Pública, a quem competirão os serviços de socorros aos indigentes de todo gênero,
e autorizando a fundação do ‘Ofício Central de Assistência’, com o fim de
aproveitar a ação da beneficência privada, o projeto, se, de um lado, faz convergir
para um departamento do Estado as atribuições da Assistência, com o intuito de as
uniformizar, por outro, confere, a uma associação protegida oficialmente, que
viverá com a representação das associações particulares, regalias e distinções que
muito contribuirão para o seu necessário desenvolvimento (Paiva, 1916, p. 308).
Entretanto, a tese do filantropo causou polêmica. A proposta de criação do
Ofício Central de Assistência foi fortemente contestada pelo Barão de Ramiz
Galvão51
, representante da Irmandade da Candelária, e pelo Conselheiro Nuno de
Andrade52
, participante do Congresso. Esses dois médicos foram figuras públicas
importantes no Império e continuavam a influenciar o debate acerca da
assistência. Eles assumiam posições contrárias aos reformistas, suas ideias
representavam o pensamento conservador da época. Ambos rejeitaram a proposta
de Ataulpho de Paiva no que se referia a uma articulação entre assistência pública
e privada.
51
Benjamin Franklin R. Galvão recebeu do governo imperial o título de Barão de Ramiz Galvão
em 1888. O Barão foi preceptor dos príncipes imperiais, netos de D. Pedro II, médico, membro da
Academia Nacional de Medicina, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia
Brasileira de Letras. Foi diretor do Asilo Gonçalves de Araújo, pertencente à Irmandade do
Santíssimo Sacramento da Candelária, o qual atendia crianças pobres. Era representante dessa
Irmandade no Congresso. 52
Nuno Ferreira de Andrade foi Conselheiro do Imperador D. Pedro II (1886), do qual recebeu
este título honorífico; médico, foi Presidente da Academia Imperial de Medicina; Inspetor Geral de
Saúde dos Portos (o Lazareto da Ilha Grande); Diretor Geral de Saúde Pública (1897-1903). Na
República foi jornalista e o Primeiro Diretor Geral de Saúde Pública (1897-1903).
124
No entanto, o desentendimento entre Ataulpho de Paiva e os dois
congressistas que contestavam sua tese pode ser considerado como uma
compreensão equivocada da proposta de Paiva, uma vez que todos eles defendiam
a permanência da relação público-privado na assistência.
A polêmica resultou na impugnação, por parte do Barão de Ramiz Galvão,
da proposição de Ataulpho Paiva, o qual rebateu com veemência: “antes, porém
devo examinar se assiste razão ao meu ilustre contraditor na impugnação, feita
com tanta concisão como entusiasmo, à aliança da Assistência Pública com a
Privada” (Paiva, 1916, p.328):
Diz, porém o venerando Sr. Barão de Ramiz Galvão que não descobre em que é
que podem ser antagônicos e discordantes os dois gêneros de Assistência - a
Publica e a Privada – e que não tem notícia de conflito algum em que a ação de
uma delas haja embaraçado ou prejudicado os nobres intuitos da outra (Ibid.,
p.331).
Ramiz Galvão era contrário à criação de um Ofício Central de Assistência
por recear que este órgão viesse a exercer funções coercitivas e fiscalizadoras, o
que levaria a perda da autonomia das associações particulares, além dos
privilégios concedidos a elas.
Ataulpho de Paiva respaldava-se nas ideias e conceitos transmitidos nos
congressos científicos da época, chegando a afirmar que sua proposta não tinha
cunho de originalidade, pois representava a opinião das grandes autoridades
internacionais, sendo consagrada em diversos países europeus. De fato, ao
participar do Congresso Internacional de Assistência Pública e Privada realizado
em Paris, no contexto da Exposição Universal de 1889, o filantropo trouxe para o
Brasil uma discussão que já se desenvolvia na França e em alguns outros países da
Europa Ocidental acerca da assistência pública e privada.
O jurista Paiva retrucou que seus opositores apenas investiam contra a
criação do Ofício Central de Assistência, instituição que imaginava transladar para
o nosso país a fim de que as associações privadas pudessem receber do Estado o
cunho de utilidade pública, respeitando-se a autonomia dessas instituições:
125
É, enfim um aparelho em que a lei apenas deve intervir para lhe dar o cunho de
utilidade pública e para que ele venha a gozar de garantias especiais. Entendo
mesmo, atualmente, como deixei consignado na minha penúltima conclusão, que
ele somente deve funcionar com a representação das mesmas associações, que
traçarão as suas normas (Paiva,1916, p.327).
Apesar do esforço do jurista em frisar que o Oficio Central de Assistência53
seria de caráter inteiramente privado, sendo protegido oficialmente os seus
interesses, seus opositores não aceitaram sua proposta. O Conselheiro Nuno de
Andrade também contestou sua definição de Assistência Pública e Privada, o que
Paiva defendeu ser esta uma fórmula consagrada nos mais importantes congressos
científicos internacionais:
Continuo ainda a acreditar que a definição que dei de ‘Assistência Pública’ implica
a fórmula que ficou vitoriosa constituindo-se em um dogma em questões de
Assistência Pública. Foi essa a definição consagrada soberanamente no Congresso
de Paris em 1889, onde estavam representadas 25 nações. [...] Essa é a fórmula que
[...] representa a pedra angular sobre a qual o Conselho Superior de Assistência de
Paris construiu os seus projetos de reforma (Paiva, 1916, p.344).
Na verdade, Ataulpho de Paiva era um repetidor das ideias que vigoravam
em outros países, principalmente na França. Essa condição de “correia de
transmissão de ideias” foi seu grande trunfo que o levou a integrar diversas
comissões governamentais que tratavam da questão social na Primeira República.
Sempre defensor dos interesses privados, no Congresso de 1908, sua posição de
defesa da complementaridade entre assistência pública e privada levou à rejeição
de suas teses acerca da Assistência Metódica. Seus opositores, ferrenhos
defensores dos modelos da assistência prestada pelas irmandades, não o viram
como aliado.
Por outro lado, os defensores da assistência pública igualmente não se
identificaram com suas posições. Assim, o presidente do congresso, Rocha Faria,
53
Vale ressaltar que o Ofício Central de Assistência se difere da proposta de criação de uma
repartição central de assistência apontada nas conclusões da tese “Assistência moralmente
abandonada”. A repartição central de assistência seria um órgão criado e administrado pelo Estado
que atuaria especificamente no atendimento aos considerados menores abandonados, com funções
relacionadas ao registro desses menores, e a fiscalização tanto das instituições privadas que os
atendiam como dos estabelecimentos industriais e comerciais que os empregavam. Ao contrário, o
Ofício Central de Assistência seria uma associação de caráter privado, cujo objetivo seria a
uniformização e regulação de todos os serviços prestados pela assistência privada.
126
em seu discurso na sessão de encerramento do congresso, se posicionou contra um
acordo metódico entre os dois modos de assistência (pública e particular):
Não foi estéril o congresso: bem o demonstram as sugestões que oferece ao poder
público que o promoveu. Talvez, por se lhe afigurar contestável, não por infenso,
evitou traçar limites gerais entre os dois grandes modos da assistência, e não
desenvolveu as bases do acordo metódico entre eles e suas ramificações, como a
muitos parecera oportuno e proveitoso [...] (Congresso Nacional de Assistência
Publica e Privada. Sessão de Encerramento, 1908, p. 397).
Rocha Faria defendia a soberania da assistência pública, explicitando
abertamente sua oposição ao acordo metódico proposto por Paiva, o qual ele
denominou de “equilíbrio de forças”, apontando que no socorro obrigatório
(hospitais de pronto-socorro), a assistência deveria ser exercida pelo Estado:
[...] as opiniões entre nós, embora divergentes, tendem em sua maioria manifestada
a harmonizar-se nesse acordo metódico, equilíbrio de forças, cujo regime a muitos
parece de resultados seguros na prática da assistência. Não o penso assim, e nas
breves palavras que me foi dado a proferir na sessão inaugural, manifestei-me pela
soberania da assistência pública, a única, a meu ver, que se ajusta à concepção de
um dever social, e que o é de fato, tão somente exercitada no socorro obrigatório,
oficial, imposto e demarcado pelas leis do Estado [...] (Congresso Nacional de
Assistência Publica e Privada. Sessão de Encerramento, 1908, p.397).
É importante esclarecer que o médico Rocha Faria era um defensor da
assistência pública como um dever, e não como um direito social, pois sua
concepção de assistência baseava-se em uma concepção tutelar do Estado com
relação à pobreza, principalmente aos velhos, enfermos e crianças:
[...] a inadiável necessidade da organização regular da assistência pública e sua
preponderância na prestação integral do socorro aos necessitados. Só ela pode dar
execução regulamentar à lei no desempenho de um dos mais sagrados deveres do
Estado com os que, na comunhão social, a todos pertencemos já foram úteis, ou o
deverão ser de futuro: velhos, enfermos e crianças (Congresso Nacional de
Assistência Publica e Privada. Sessão de Encerramento, 1908, p.397).
127
2.4. As Resoluções do Congresso
Em resumo, a tônica do congresso foi propor soluções e medidas de
melhorias tanto da assistência pública como da assistência privada. Quanto à
assistência de urgência, os congressistas declararam que esta deveria ficar sob a
responsabilidade do poder municipal, dando força ao princípio da autonomia dos
municípios, considerada a pedra fundamental do sistema federativo.
Apesar da Santa Casa de Misericórdia ter recebido uma menção de louvor,
os membros do congresso aconselharam os poderes públicos municipais do Rio de
Janeiro a fundarem um hospital público modelo. O Posto Municipal de
Assistência (atual Hospital Municipal Souza Aguiar) foi a primeira instituição
pública de socorro a urgências médicas criada no Distrito Federal. O Posto foi
inaugurado na gestão do Prefeito Souza Aguiar, em novembro de 1907, sendo o
ponto alto de sua administração.
Os congressistas também indicaram a necessidade de ampliação do Asilo
Municipal São Francisco de Assis que abrigava mendigos e idosos. Paralelamente,
foi sugerida a criação de um hospital-asilo para enfermos incuráveis, de acordo
com os “princípios da moderna higiene hospitalar” que indicavam a necessidade
de se fazer uma separação entre os doentes curáveis e os incuráveis.
As propostas de Juliano Moreira com relação aos “alienados” foram
plenamente aceitas, entre as quais destacamos a separação dos doentes mentais
considerados crônicos dos pacientes diagnosticados como “casos agudos”, além
da criação de um hospital-colônia em um subúrbio da capital. Posteriormente, na
segunda década do século XX, o modelo dos hospitais-colônias acabou se
tornando o modelo assistencial adotado pelo Estado brasileiro para tratamento e
custódia de doentes mentais, em substituição ao modelo clássico do hospício do
século XIX.
Portanto, percebe-se que nesse Congresso, os reformadores sociais
brasileiros se organizaram na intenção de difundir concepções e /ou promover
propostas políticas com o objetivo de influir na organização social do país. Eles
128
ocupavam ou queriam ocupar postos nos órgãos do Estado, além de se
constituírem enquanto grupos sociais fundadores de instituições e entidades
filantrópicas.
Sua condição de especialistas, que divulgavam novas ideias técnicas e
políticas apreendidas em congressos internacionais, os levou a participar tanto da
estruturação de um conjunto normativo de leis, voltadas para disciplinar
comportamentos sociais, como na condução do poder público. Sem dúvida, a
experiência de organização e participação em exposições e congressos científicos
abria espaço para essa atuação.
A esse grupo de reformadores sociais pertenciam os filantropos que
proliferaram em diferentes áreas (assistência aos enfermos, assistência materno-
infantil, assistência aos denominados “menores abandonados”, assistência aos
idosos, etc.). Segundo Quiroga (2011, p.11), “eles representavam os interesses de
certa “burguesia” fundamentalmente urbana com ligações com os interesses
fundiários rurais”, e “suas reivindicações, de caráter liberal,” propunham o
respeito à autonomia das instituições privadas, “ainda que com a presença da
proteção jurídica e o apoio financeiro do Estado” (Ibid, p.11).
Quanto à filantropia, nesse período, esta era fundamentalmente uma forma
de relação público/privado onde setores da sociedade civil ligados a elites
políticas buscavam subsídios do setor público para entidades privadas,
legitimados por sua atuação de benemerência junto aos pobres. Aliás, nesse
período, a assistência aos pobres era realizada de forma predominante por
instituições privadas que exerciam funções públicas através da obtenção de
subsídios54
, doação de bens públicos, etc. (Quiroga, 2011).
Observa-se, portanto, que as discussões no congresso giravam em torno de
uma demarcação dos espaços de atuação do Estado e da filantropia na área da
54
Verifica-se, no Edital do Conselho Municipal do Distrito Federal, os subsídios governamentais
destinados a entidades filantrópicas. O projeto n° 110 (artigo 121) relativo ao orçamento da
municipalidade para o exercício de 1909, fixa verba no valor de 26.427:215$000 para as seguintes
instituições: Auxílio a Caixa Municipal de Beneficência (12:000$000), Instituto de Proteção e
Assistência à Infância (12:000$000), Dispensário São Vicente de Paulo (15:000$000), Irmandade
da Candelária (Recolhimento de Nossa Srª da Piedade) 12:000$000, Liga contra à Tuberculose
(quantia ainda não estipulada), etc. (Jornal do Commercio, 3 de outubro de 1908).
129
assistência no país. No entanto, apesar dos discursos a favor da organização e
ampliação de uma assistência pública, esse foi um período de proliferação tanto de
entidades beneficentes (sobretudo aquelas voltadas para a saúde) como de
associações de auxílio mútuo na cidade do Rio de Janeiro. Aliás, essa
controvertida delimitação entre o público e o privado na assistência voltará a ser
abordada nos próximos capítulos.
130
3 A Exposição Internacional e a Sistematização da Assistência em 1922
O ano de 1922 foi emblemático na história do Brasil, pois aglutinou uma
sucessão de eventos, em diferentes áreas da realidade nacional: a Semana de Arte
Moderna, a criação do Partido Comunista Brasileiro, a eclosão do Movimento
Tenentista e a Exposição Internacional de 1922, comemorativa ao Centenário da
Independência do Brasil. Esta mobilizou a intelectualidade do Rio de Janeiro e
São Paulo, principais centros urbanos do país.
Nos preparativos para a comemoração do Centenário da Independência,
políticos e burocratas no poder participaram intensamente da formulação de
interpretações sobre a vida social. Entretanto, foram os intelectuais, na qualidade
de especialistas (médicos, engenheiros, juristas, educadores), que desempenharam
um papel fundamental na construção de uma identidade nacional.
Assim como os dirigentes da Terceira República francesa recorreram aos
símbolos do passado na Exposição de 1889, comemorativa dos cem anos da
Revolução Francesa, os republicanos brasileiros esforçavam-se para construir “um
novo locus produtor de identidade nacional” na Exposição Internacional de 1922,
comemorativa dos cem anos de Independência do Brasil (Motta, 1992, p.7).
Entretanto, a comemoração do marco da emancipação do Brasil estava
associada à tradição imperial. Desse modo, a perspectiva de se criar um novo
modelo de nação brasileira se deu através de uma volta às origens, não mais
negando o passado. Os intelectuais, ao contrário, procederam a uma revisão da
história do Império. Afinal, era necessário entronizar uma imagem que marcasse a
República como a verdadeira entidade representativa da sociedade. Buscava-se,
portanto, desvendar, investigar e mapear o Brasil.
A historiadora Marly Silva da Motta que, em sua dissertação de mestrado,
analisou como a intelectualidade brasileira se empenhou em criar um saber
próprio sobre o país nesse período, coloca que “caprichosamente, a tarefa de
131
construir uma consciência nacional e moderna no Brasil dos anos 20 teria como
contraponto a ser negado a belle époque ‘decadente, ultrapassada e falida’” (1992,
p.27).
Na avaliação da intelectualidade da época, a sociedade brasileira era
marcada pelo atraso, daí a importância de compreender suas causas e formular um
programa de ação para supera-lo. Abre-se um intenso debate sobre a nação
brasileira, no qual entra em cena uma nova elite que julgava-se detentora de uma
ampla visão da realidade do país.
Se por um lado, o centenário da emancipação política do Brasil era visto
como um marco de entrada do país nos moldes do progresso e da civilização, por
outro, representava um artifício para uma re(leitura) da história do Brasil em um
momento de profunda crise política na sociedade brasileira.
Dois meses antes da inauguração da Exposição Universal de 1922, ocorreu a
primeira manifestação do movimento tenentista55
com a revolta dos 18 do Forte
de Copacabana. Nesse sentido, a realização de uma Exposição Universal em 1922
não só buscava testemunhar o nosso grau de civilização, mas também se
configurava como uma iniciativa para “salvar” a República de uma crise que se
instaurava. Segundo Neves (1986), o evento servia tanto à diluição dos conflitos
sociais como identificava o que era ou não “patriótico” segundo os interesses das
elites.
A crise do regime republicano estimulava a criação de um projeto de
salvação nacional: “republicanizar a República” era a palavra de ordem que
comandava a comemoração do Centenário (Motta, 1992, p. 26). Nesse período, o
modelo liberal começava a ser questionado pelos políticos e intelectuais que
defendiam a regeneração da estrutura política do país. Privilegiava-se, assim, a
organização do Estado e o fortalecimento do poder público central. No entanto, a
55
O Tenentismo foi um movimento político de caráter militar que se iniciou na década de 1920,
contestando a ação política dos estados representantes das oligarquias cafeeiras (Minas Gerais e
São Paulo). O movimento defendia reformas políticas e sociais, caracterizando-se por lutar contra
as oligarquias rurais que dominavam o país. A Revolta dos 18 do Forte de Copacabana foi a
primeira manifestação do movimento que ocorreu em 5 de julho de 1922, na então Capital Federal,
quando diversas unidades do exército do Rio de Janeiro se organizaram para realizar um levante
contra o presidente em exercício, Epitácio Pessoa, e o presidente eleito, Artur Bernardes, que
assumiria o cargo em novembro de 1922.
132
ideia de um poder estatal forte baseava-se no pensamento conservador que
ignorava o povo brasileiro, o qual era visto em negativo como coloca Gomes
(2005), e buscava manter sob controle qualquer processo de mudança.
Nesse contexto, segundo Neves (1986), a novidade da Exposição Universal
é que ela apresentava claramente esse projeto de modernidade brasileira articulado
pelo Estado, enquanto expressão de um novo pacto entre as elites. Desse modo, a
principal preocupação era preparar a elite, pois caberia a ela a tarefa de reconstruir
a nação e garantir seu ingresso na nova realidade do pós-guerra. Segundo Motta
(1992) esse momento foi marcado pela tentativa de tornar o país contemporâneo
do seu tempo. “O lema era: tudo por uma nação moderna” (p.30).
A Exposição de 1922 promoveu várias atividades industriais, comerciais e
científicas entre as quais congressos e exposições realizados por diversas
instituições. A estreita relação entre congressos científicos e exposições, já
apontada no capítulo anterior, revela-se mais uma vez durante as festividades do
Centenário da Independência do Brasil.
No âmbito das comemorações foram realizados, na Capital da República,
vinte e seis congressos e conferências56
. Entre estes, destacamos o 1° Congresso
Brasileiro de Proteção à Infância, realizado de 27 de agosto a 5 de setembro, sob a
presidência do médico Moncorvo Filho, e o 1º Congresso Nacional dos Práticos,
realizado em setembro na Policlínica Geral do Rio de Janeiro sob os auspícios da
56
Foram realizados os seguintes congressos e conferências: Congresso Internacional de História
da América convocado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (7 de setembro); XXº
Congresso Internacional de Americanistas (de 20 a 30 de agosto); 2º Congresso Ferroviário Sul-
Americano (de 17 a 30 de setembro); Congresso de Ensino Secundário e Superior (10 de
setembro), sob os auspícios da Universidade do Brasil; Congresso Jurídico promovido pelo
Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros (16 a 31 de outubro); Primeiro Congresso
Brasileiro de Proteção à Infância sob a presidência do Dr. Moncorvo Filho (27 de agosto a 5 de
setembro); 3º Congresso Americano da Criança sob a presidência do Dr. Aloysio de Castro (27 de
agosto a 5 de setembro); 2º Congresso Nacional de Estradas de Rodagem sob os auspícios do
Automóvel Club brasileiro (5 a 10 de novembro); 1º Congresso Nacional dos Práticos sob os
auspícios da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro; Congresso Internacional de
Engenharia; 3º Congresso Nacional de Agricultura e Pecuária; 2º Congresso Americano de
Expansão Econômica e Ensino Comercial; Conferência Internacional Algodoeira; 1º Congresso de
Inspetores Agrícolas; Congresso de Química; Congresso de Carvão e outros combustíveis
nacionais; Congresso Internacional de Febre Aftosa; Congresso Internacional dos Estudantes; 1º
Congresso Brasileiro de Farmácia; 1º Congresso das Associações Comerciais do Brasil; 1°
Congresso de Operários em Fábricas de Tecidos do Brasil; Conferência Americana da Lepra;
Congresso dos Estudantes das Escolas Secundárias do Brasil; 17º Congresso Espírita
Internacional; Congresso Regional Evangélico; Congresso Eucarístico (Livro de Ouro
Commemorativo do Centenário da Independência do Brasil, 1923, p.334).
133
Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Nesse período, os debates
em torno da infância e de uma assistência hospitalar pública ganhavam destaque,
pois a dupla missão de “salvar as crianças, cuidar dos enfermos”57
era o centro das
preocupações de filantropos e reformadores sociais brasileiros.
Entre as atividades científicas, foi de grande destaque a publicação da obra
Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, coordenada pelo jurista e
filantropo Ataulpho de Paiva, a qual se constituía no histórico e no levantamento
estatístico de todas as instituições e associações prestadoras de serviços de
assistência na cidade do Rio de Janeiro. Esta obra se configurou como uma ampla
sistematização da assistência, publicada no âmbito das comemorações do
centenário.
Portanto, neste capítulo temos por objetivo analisar, no contexto da
Exposição Internacional de 1922, a presença da assistência como um dos
elementos da emblemática representação do progresso da nação, constituindo-se
como mais uma vitrine do projeto político das elites republicanas de 1922.
Paralelamente, buscamos averiguar tanto a influência do modelo francês
enquanto referência para os intelectuais brasileiros, como relacionar as propostas
debatidas no Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada de 1908,
apontadas no capítulo anterior, com aquelas apresentadas por Ataulpho de Paiva,
no livro Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro (1922), visando
identificar as mudanças e/ou permanências ocorridas.
3.1. A Comemoração do Centenário da Independência do Brasil
Em 11 de novembro de 1920, pelo decreto n° 4.17558
, foi determinada a
realização de uma Exposição Nacional na Capital do Distrito Federal. Entretanto,
57
Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro (1922, p.61). 58
Fonte: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-4175-11-novembro-
1920-571656-publicacaooriginal-94800-pl.html>. Acesso em 12 jul. 2013.
134
a regulamentação oficial das atividades só ocorreu em 24 de outubro de 1921,
pelo decreto n° 15.06659
, através do qual foi criada uma comissão executiva para
o evento60
. Este, contudo, foi transformado em uma Exposição Internacional pelo
decreto n° 15.56961
, expedido em 22 de julho de 1922 (Brasil, 1922-1923, p.29).
Portanto, a exposição projetada inicialmente como uma mostra nacional,
despertou o interesse de diversos países estrangeiros em participar do certame, o
que levou a uma mudança no caráter do evento, que se transformou em uma
Exposição Internacional:
A grande data em que o Brasil comemora o seu primeiro centenário de nação
soberana não poderia passar indiferente ao governo. Para festeja-la condignamente,
lembrou-se entre outras solenidades e festas, de uma Exposição Nacional, na qual
se pudesse ter uma imagem resumida do progresso que o país tem realizado nestes
anos de vida livre, em todos os ramos da sua atividade. O concurso de diversas
nações amigas obrigou o governo a ampliar o plano primitivo de uma simples
exposição nacional para um grande certame internacional. Assim a Exposição
Nacional que o Decreto de 11 de novembro do Congresso autorizou, constituiu-se
em Exposição Internacional do Centenário da Independência (Guia Oficial da
Exposição do Centenário, 1922, p.5-6).
Embora esse tipo de evento já estivesse em declínio na Europa e nos EUA,
Motta (1992) assinala que a realização da primeira Exposição Universal no Brasil
abria a perspectiva “de expor o país à comunidade internacional num momento-
chave de rearticulação da economia e da política mundial” (p.70), uma vez que
este era um momento em que as nações europeias buscavam se reconstruir após a
Primeira Guerra Mundial. Havia, portanto, um forte interesse econômico dos
países que concorreram para a realização da mostra.
59
Fonte: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=46577>. Acesso em 12
jul. 2013. 60
A comissão do Centenário foi composta por Carlos Sampaio (prefeito do Distrito Federal e
Comissário Geral da Exposição); Joaquim Ferreira Chaves (Ministro da Justiça e Negócios
Interiores e Presidente da Comissão Executiva do Centenário); Alfredo Niemeyer (Diretor Geral
dos Serviços Estrangeiros e diretor da Representação Estrangeira na Exposição); Pires do Rio
(membro da comissão da Exposição Internacional do Rio de Janeiro); J. B. de Mello e Souza
(Secretário Geral da Exposição); Alencar Guimarães (tesoureiro); João Batista da Costa (diretor da
Escola Nacional de Belas Artes); Dr. Ferreira Ramos (delegado geral da Exposição). O comitê
deveria organizar e realizar congressos científicos, literários, históricos, de belas artes, de instrução
primária, secundária, superior, técnica e profissional (Guia Oficial da Exposição do Centenário,
1922). 61
Fonte: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-15569-22-julho-1922-
520364-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 12 jul. 2013.
135
Nesse sentido, Motta (1992) indica que, dois anos antes da exposição, o
representante de um grupo de “capitalistas estrangeiros” no Brasil sugeriu ao
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio a “realização de uma “exposição
internacional de comércio e indústria” para a comemoração do Centenário da
Independência” (p.66-67).
Segundo a referida autora, a exploração do minério de ferro e a instalação de
usinas siderúrgicas já estavam em pauta nos anos 20. Nesse período, a energia
elétrica também se configurava como um elemento importante para o progresso
econômico do país.
Quanto à energia elétrica, Motta (1992, p.70-71) destaca que apesar de
ressaltarem a “capacidade produtiva da indústria nacional”, o moderno sistema de
iluminação utilizado na Exposição de 1922 foi realizado pela empresa americana
General Eletric. Desse modo, na Exposição do Centenário já “buscava-se garantir
a viabilidade da inserção do país no quadro da nova economia mundial do pós-
guerra” (Ibid., p.71).
Figura 8- Prédios iluminados pertencentes à Exposição de 1922. Visão noturna. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.
Ao sediar o evento, a cidade do Rio de Janeiro, deveria ser o cartão postal
do país nas festividades e, portanto, deveria representar o grau de
136
desenvolvimento e progresso da nação. Daí a importância de um processo de
modernização da cidade. Além disso, remodelar a então capital da República
poderia garantir seu ingresso no rol das metrópoles modernas e civilizadas.
A exposição ocupou uma extensa área submetida a profundas intervenções,
as quais implicaram na demolição do Morro do Castelo, arrasado por jatos d'água
pela administração do prefeito Carlos Sampaio (1920-1922).
Figura 9- Desmonte do Morro do Castelo com uso de força hidráulica.
Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.
A demolição foi feita através de um sistema de mangueiras hidráulicas,
auxiliado por trens e vagões que levavam o entulho até a área onde atualmente se
localiza o Aeroporto Santos Dumont. Saneamento e higienização eram as
justificativas do prefeito Carlos Sampaio para a derrubada do morro do Castelo.
Como bem coloca Motta (1992),
A reforma urbana carioca do início dos anos 20, em nome de uma modernidade,
interferiu na natureza, destruiu uma área de ocupação antiga ligada a sólidas
tradições de um passado, e transformou tudo isso num espaço que visava ser a
expressão visual de valores e ideais, garantidores do acesso da nação centenária ao
século XX. (Ibid, p.73, grifos da autora).
137
As medidas saneadoras tinham por objetivo tanto remover a população
pobre da área central da cidade como atrair força de trabalho e investimentos
estrangeiros. Após o encerramento da mostra, a área tornou-se valorizadíssima,
sendo loteada para atender, sobretudo, a necessidades de reprodução do capital.
Portanto, como indica Neves (1986), no Rio de Janeiro de 1922,
“fugazmente erigido em vitrine do progresso universal”, a população pobre foi
vítima desse progresso, sendo uma grande parte literalmente atropelada “pelo afã
oficial em montar o cenário da festa” (p.71).
Figura 10- Ladeira do Morro do Castelo, antes de ser derrubado pelas obras de
modernização da cidade. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.
A Exposição Internacional do Centenário da Independência, com grande
parte das instalações ainda inacabadas, foi oficialmente inaugurada em 7 de
setembro de 1922 na cidade do Rio de Janeiro, no governo do presidente Epitácio
Pessoa (1919-1922). Seu encerramento ocorreu na administração do presidente
Artur Bernardes (1922-1926), em 24 de julho de 1923.
De acordo com o Guia Oficial da Exposição do Centenário (1922), a mostra
foi realizada em uma grande área que se estendia do antigo Arsenal de Guerra e
138
terrenos circunvizinhos até o Palácio Monroe, na Avenida Rio Branco. A
exposição era composta de uma seção nacional e de uma seção estrangeira.
Figura 11- Portal de entrada da Exposição Internacional de 1922.
Fonte: <http://www.dezenovevinte.net/arte% 20decorativa/ad_ruth.htm> Acesso 12 mai. 2013.
A seção nacional localizava-se no trecho entre o antigo Arsenal de Guerra e
o novo Mercado. Esta seção compreendia os seguintes pavilhões: Palácio dos
Estados, Palácio das Festas, Palácio das Indústrias, Pavilhão da Viação e
Agricultura; Pavilhão da Caça e da Pesca; Pavilhão das Pequenas Indústrias;
Pavilhão da Administração e Pavilhão da Estatística. Além disso, uma ala do
Mercado foi completamente transformada e dividida em compartimentos
independentes, os quais foram alugados a expositores para os seus mostruários
especiais. No Palácio Monroe, incorporado à Exposição, ficavam os escritórios
centrais, salões de festas e recepções, e o Bureau Oficial de Informações que
ocupava o seu andar térreo.
139
Figura 12- Pavilhões da Estatística e da Caça e da Pesca (em obras).
Exposição de 1922. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.
Figura 13 - Pavilhão dos Estados e Pavilhão das Indústrias.
Exposição de 1922. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.
A seção estrangeira localizava-se na Avenida das Nações (atual Avenida
Presidente Wilson), estendendo-se do antigo Arsenal ao Palácio Monroe. Nesta
seção encontravam-se os palácios dos seguintes países participantes da mostra:
Bélgica, Dinamarca, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Japão, México,
Noruega, Portugal, República Argentina, Suécia e Tchecoslováquia. Alguns
140
países62
construíram pavilhões especiais para a exposição das suas grandes
indústrias, na área do Cais do Porto (Praça Mauá).
O Guia Oficial da Exposição do Centenário (1922) também aponta que
diversas empresas industriais (nacionais e estrangeiras) ocuparam pavilhões
especiais dentro do recinto da Exposição, entre estas: Indústrias Reunidas
Matarazzo, Cervejaria Brahma, Companhia Comércio e Navegação, Companhia
Antarctica Paulista, Cervejaria Polônia.
Figura 14- Pavilhão da Brahma (em obras). Exposição Internacional de 1922.
Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.
Da grande mostra restam, hoje, apenas os pavilhões da Administração e do
Distrito Federal (atual Museu da Imagem e do Som), da França (a réplica do Petit
Trianon, atualmente ocupado pela Academia Brasileira de Letras), da Estatística
(atualmente Centro de Memória do Ministério da Saúde) e o Palácio das
Indústrias (atualmente Museu Histórico Nacional). Posteriormente, a maior parte
de seus pavilhões foi demolida, como o Pavilhão dos Estados, que abrigou por um
tempo o Ministério da Agricultura.
62
Bélgica, Estados Unidos, França, Itália e Tchecoslováquia.
141
A Exposição Internacional de 1922 constituiu-se, portanto, em um imenso
mostruário das nações, como nunca antes havia sido visto no Brasil. Fora a seção
estrangeira, a parte nacional da exposição concentrou quase 10.000 expositores
brasileiros distribuídos em 25 grupos, que se subdividiam em 131 classes.
No Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência (1923)
encontra-se uma resenha desta classificação com o número aproximado de
expositores em cada classe. Entre os grupos listados, destacamos o Grupo I -
Educação e Ensino, Grupo XVII – Economia Social e o Grupo XVIII – Higiene
e Assistência, o qual era composto por duas classes: 106ª (Higiene) e 107ª
(Assistência Pública e Particular).
Neves (1986) assinala que o discurso da modernidade, do qual a Exposição
de 1922 foi portadora, baseava-se fundamentalmente na apologia ao trabalho, à
educação e à higiene. Concordamos com sua afirmativa, mas acrescentamos a
assistência como mais um elemento da modernidade exposta. Portanto,
selecionamos esses três grupos por serem representativos das principais
preocupações das elites republicanas na época.
Com relação ao grupo I, referente à educação, esta adquiriu um lugar de
destaque no projeto de modernidade brasileira e, consequentemente, também
obteve uma seção especial na Exposição de 1922. A instrução pública foi bastante
valorizada na mostra, sendo destacada sua importância para a formação do
trabalhador. Ao lado da saúde, a educação figurava como elemento fundamental
para a regeneração nacional. No entanto, ao ensino superior reservava-se o papel
de formar uma elite bem preparada para organizar o país, e à instrução pública
cabia formar o povo brasileiro através de uma reforma moral da sociedade,
pautada pelos valores da ordem e do trabalho. Portanto, a educação moral era um
dos componentes do projeto de um Brasil “moderno”.
Uma particularidade da Exposição de 1922 é que a exaltação da riqueza
natural do Brasil, bastante explorada nas exposições anteriores, ficou submetida à
cultura, a qual no discurso dos intelectuais seria imprescindível para que o Brasil
se tornasse um país moderno. No entanto, a noção de cultura veiculada pelos
formuladores do progresso da nação articulava-se à importância do trabalho:
142
Para os formuladores do discurso do progresso brasileiro na década de vinte, a
cultura é saber e arte, certamente, mas é sobretudo TRABALHO, sem o qual a
riqueza natural não faria do Brasil um país integrado à CIVILIZAÇÃO
MODERNA (Neves, 1986, p.64, grifos da autora).
Quanto ao grupo XVII, é importante destacar a seção relativa à Economia
Social63
, na qual foi apresentado um extenso questionário a ser enviado às fábricas
e indústrias com o objetivo de recolher informações acerca do operariado
brasileiro64
. A súmula dessa documentação serviria para a elaboração de um livro,
no qual ficaria registrada a situação da economia social no Brasil. Havia também a
perspectiva de que esse material fosse aproveitado para a criação de um Museu
Social do futuro Departamento do Trabalho.
Segundo o Programa das Seções de Economia Geral e Economia Social
(1922, p.7-10), a documentação a ser obtida através deste questionário referia-se
aos seguintes aspectos:
O primeiro item, Melhoramento das condições de trabalho, relacionava-
se:
a) a remuneração do trabalho (por tempo, por peça, ou por tarefa) e sugeria um
prêmio aos operários que excedessem certo limite de trabalho; ao contrato coletivo
de trabalho (regime do trabalho);
b) a normatização de salários, sobre-salários e bonificações, do salário de mulheres
e menores, do trabalho noturno, do descanso semanal;
c) a questões sobre a regulamentação do trabalho como a jornada de trabalho, a
idade mínima de admissão de menores ao trabalho (proteção à infância operária),
ao descanso das parturientes e auxílio pecuniário prestado pelos patrões e
associações operárias, e a fadiga profissional;
63
Exposição do Centenário. Programa das Seções de Economia Geral e Economia Social (1922). 64
Foot Hardman & Leonardi (1991) indicam que os primeiros proletários foram recrutados entre
as camadas mais pobres da população. Segundo os autores, no período imperial, à medida que
aumentava o n° de fábricas de tecido, muitas crianças eram recrutadas nos asilos de órfãos e
instituições de caridade: “havia inúmeros casos de meninos e meninas de cinco ou seis anos de
idade trabalhando doze horas diárias na indústria têxtil” (p.98). Na Primeira República, “a grande
tecelagem carioca América Fabril ainda mantinha essa prática iniciada mais de meio século antes,
recrutando quinze indigentes de um hospital do Rio de Janeiro” (Ibid., p.98). Os autores apontam
que além das crianças, os proletários eram oriundos do campesinato pobre, e que também ocorreu
a proletarização de artesãos arruinados pela concorrência dos produtos industrializados. No
período imperial, a exploração desenfreada a que foram submetidos fez com que a resistência à
exploração deixasse de ser um ato isolado e ganhasse a maioria dos operários. Surgem, assim, as
associações mutualistas, as quais foram as primeiras organizações do operariado. É o início do
longo processo de sua formação como classe.
143
d) a organização científica da indústria, aos maquinismos e processos empregados
para elevar a produtividade do trabalho e aos métodos modernos de administração
de empresas; a estatística e resultados das greves; aos organismos permanentes de
aproximação entre patrões e operários e aos meios de dirimir os conflitos de
trabalho (Ibid., p.7-8).
O segundo item, denominado Conforto do Operário, referia-se a:
a) providências que assegurassem alimentação sadia e barata aos operários, horário
e local das refeições dos operários durante o trabalho; higiene e ambiente de
trabalho, precauções contra acidentes de trabalho, assistência médica e
farmacêutica aos operários;
b) habitações operárias; diversões moralizadoras (esportes, cinemas, etc); escolas e
cursos profissionais ou de aperfeiçoamento, mantidos ou subvencionados pelo
Estado, pelas empresas ou pelas associações de classe (Ibid., p.8-9).
O questionário era composto por mais três itens: Segurança contra riscos
sociais, que abordava questões como seguros contra acidentes, assistência aos
operários enfermos e inválidos, creches e câmaras de aleitamento, etc.;
Independência econômica do operário, o qual estava relacionado a instituições
de economia individual, associações de crédito popular, cooperativas de produção,
associações de crédito rural, sindicatos profissionais, etc.; Operariado
Estrangeiro sobre a adaptação do trabalhador estrangeiro ao meio econômico
nacional (Ibid., p.9-10).
Portanto, a preocupação com as questões operárias pode ser observada nesta
seção, uma vez que no Programa das Seções de Economia Geral e Economia
Social (1922, p.7) fica explícito que nela “[...] figurarão todas as instituições e
obras que tem por fim a elevação social da classe operária”.
Este ponto vale uma ressalva. Pode-se verificar que os reformadores sociais
brasileiros adaptaram à realidade nacional, as ideias leplaysianas que serviram de
abrigo conceitual aos fundadores do Museu Social francês, analisado no primeiro
capítulo desta tese.
Portanto, com relação a uma intervenção do Estado no que tange à
regulamentação da produção industrial, observa-se que os reformadores
144
brasileiros, na década de 20, basearam-se nas noções de economia social dos
reformadores franceses integrantes do referido Museu Social. 65
Sem dúvida, a seção de Economia Social da Exposição Universal de 1922
pode ser considerada como o embrião de uma regulamentação trabalhista que viria
a acontecer na década de 193066
.
É importante destacar que, ainda na década de1920, surgiram medidas no
campo do direito social que se tornaram base para a futura elaboração do sistema
de previdência social no Brasil. A mais importante foi a Lei Eloy Chaves, de 24
de janeiro de 1923, através da qual foi criada a Caixa de Aposentadoria e Pensão
dos ferroviários, garantindo a esta categoria benefícios básicos como assistência
médica, aposentadoria, pensão para dependentes e auxílio funeral, logo estendidos
a outras categorias profissionais (Gomes, 1979).
Portanto, relacionamos a inclusão da seção de Economia Social na
Exposição de 1922 tanto à constituição/organização de uma burguesia industrial e
comercial no início do século XX, como a eclosão de greves operárias nos anos
que antecederam à Exposição. Gomes (1979) indica que o Rio de Janeiro foi o
primeiro local do país onde ocorreu uma organização dos interesses industriais de
forma independente do comércio. Ela cita a fundação, no Rio de Janeiro, do
Centro Industrial do Brasil em 1904: “o fato deve-se à importância econômica da
cidade e, especificamente, a seu pioneirismo no campo das atividades fabris”
(Ibid., p.119).
Segundo a referida autora, é possível verificar, já na Primeira República, os
esforços de caráter organizacional da burguesia industrial e comercial do Brasil. A
autora também aponta que a emergência de um movimento operário entre 1917 e
1920 foi “crucial na determinação do debate que a partir daí se desencadeia em
torno da necessidade da transformação e regulamentação das condições do
trabalho urbano no país” (Ibid., p.126).
65
Ressalte-se que as propostas do Museu Social tiveram grande repercussão na América Latina,
tendo sido criado, nesse período, um Museu Social em Buenos Aires. (HORNE, 2004). 66
Na década de 30 ocorreu uma separação entre assistência e previdência. Todavia, pode-se
observar esse processo começando a ser delineado já na década de 20.
145
Entre as greves ocorridas nos anos de 1917 a 1920, destacamos a dos
operários do setor têxtil, organizadas pela União dos Operários em Fábricas de
Tecidos, uma vez que chegaram a reunir o maior contingente de operários da
Capital da República. Sem dúvida, não foi sem propósito que o 1° Congresso de
Operários em Fábricas de Tecidos do Brasil tenha sido realizado durante a
Exposição Internacional de 1922. Este foi o único congresso de operários
organizado no âmbito das comemorações do centenário.
Figura 15 - Pavilhão da Fábrica de Tecidos Nova América. Exposição Internacional de
1922. Ao fundo, vê-se o Morro do Castelo em processo de desmonte. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.
Foot Hardman & Leonardi (1991) apontam que, na Primeira República, “a
presença do proletariado industrial – seja como força de trabalho, seja como força
social e política expressa concretamente pelo movimento operário – já era visível
e se fazia sentir na sociedade brasileira” (p.148). No entanto, a burguesia concebia
o operário como um agitador perigoso ou como um ignorante e “pobrezinho
desamparado”: “bandido ou pobrezinho, era necessário reprimi-lo e controla-lo,
dentro e fora da fábrica” (Ibid., p.148). Portanto, nesse período, o acesso às
liberdades democráticas foi praticamente inexistente no caso de países como o
Brasil:
146
[...] percebe-se que o proletariado estava ainda nos estágios embrionários de sua
formação como classe social distinta. A vida operária era um misto de
superexploração na fábrica, repressão policial nos momentos decisivos e controle
social e ideológico nas ruas e na cidade (Ibid., p.147).
Quanto ao grupo XVIII, de acordo com o Livro de Ouro Commemorativo
do Centenário da Independência (1923, p.67-69), a Assistência Pública e
Particular compôs uma seção ao lado da Higiene, sendo apresentada através de 8
itens:
1°) sistemas de assistência empregados atualmente pelo Estado e pelas instituições
particulares;
2°) proteção e assistência à infância;
3°) assistência aos adultos: aos válidos (assistência mútua, instituições de
beneficência; assistência pelo trabalho, albergues noturnos, asilos de mendigos);
aos doentes (assistência à domicílio, medicação gratuita; hospitais); aos velhos
(assistência familiar, asilos e colônias, hospícios);
4°) assistência aos alienados (asilos públicos e particulares; hospícios e casas de
saúde; assistência nas colônias agrícolas, instituições especiais para crianças
idiotas e para epiléticos);
5°) assistência aos cegos: pela instrução (escolas) e pelo trabalho (oficinas de
cegos);
6°) assistência aos surdos e mudos: pela instrução e trabalho;
7°) Casas de Penhor. Montes de Socorros67
;
8°) Pessoal dos estabelecimentos de beneficência: escolas de enfermeiros e
enfermeiras.
Com relação à Higiene, as historiadoras Araci Alves Santos e Nadja dos
Santos (2012) apontam que o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP),
não só apresentou os resultados dos trabalhos realizados pelo órgão, como
também utilizou o espaço da Exposição para divulgar conselhos sanitários à
população. Além disso, todas as repartições do DNSP participaram da mostra,
67
As Casas de Penhor surgiram no rastro das primeiras instituições benemerentes. O penhor surgiu
como uma modalidade de empréstimo, ou seja, emprestar dinheiro com juros sob penhor. As
primeiras instituições de Penhor em Portugal e no Brasil foram batizadas de Montes de Socorro. A
criação dos Montes de Socorro foi inspirada nos Montes Pios ou Montes de Piedade europeus, e
tinham por finalidade emprestar dinheiro a juros módicos e sob penhor de metais preciosos,
brilhantes e outros valores para a população mais pobre que não tinha acesso a estabelecimentos
bancários.
147
destacando-se as Inspetorias de Profilaxia da Tuberculose, da Lepra e Doenças
Venéreas e da Higiene Infantil. Portanto, a realização da Exposição se configurou
em “um momento propício para a área médica debater questões ligadas à
profissão”, buscando assegurar o papel do médico como profissional responsável
pela saúde do país (Ibid., p.6).
As referidas autoras também indicam que a mostra da Saúde Pública
ocupava a maior parte das galerias do Palácio das Festas, onde o Departamento de
Saúde Pública preparou a exibição de dois museus: o Museu da Sífilis e o da
Tuberculose. Com relação a estes, Neves (1986) comenta que os visitantes de
outros países, ao comparecem aos bailes e saraus realizados nos salões do Palácio,
tinham a desagradável surpresa de deparar-se com esses dois insólitos museus.
Além da exposição organizada no Palácio das Festas, o DNSP realizou uma
mostra no Instituto Oswaldo Cruz. Segundo Santos & Santos (2012), a opção por
organizar duas mostras tinha por objetivo atingir dois públicos distintos: a
população em geral, que visitou a exposição do Palácio das Festas, e os cientistas
e intelectuais que assistiram a mostra organizada no Instituto Oswaldo Cruz.
Desse modo, enquanto a apresentação do DNSP, no espaço da Exposição,
servia para a divulgação de conselhos sanitários que visavam à introjeção de
preceitos higienistas por parte da população, a mostra realizada no Instituto
Oswaldo Cruz pretendia apresentar os avanços científicos na área da saúde a um
público seleto, formado por cientistas.
3.2. A Primeira Sistematização Oficial da Assistência no Rio de Janeiro: aliança entre o público e o privado
No âmbito das comemorações do Centenário da Independência do Brasil foi
publicada a obra Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, pela prefeitura
do Distrito Federal. Esta obra abrange o então “estado da arte” das diferentes
áreas sociais, incluindo tanto concepções e práticas sociais exercidas
148
internacionalmente, como apreciações e diagnósticos acerca das instituições e
formas de intervenção social no Brasil.
Além disso, a obra apresenta o histórico e o levantamento estatístico de
todas as instituições e associações que prestavam serviços de assistência no Rio de
Janeiro. Esse estudo também inclui um “sistema classificatório” das respectivas
instituições/associações, através do qual são apresentados os dados relativos à
fundação e fundadores, receita/despesas e estatísticas de atendimento de cada uma
delas. Para a época, a publicação foi, portanto, um trabalho de peso, pela
abrangência de dados aí organizados e tornados disponíveis.
Obviamente, seu processo de elaboração teve um longo percurso. Em 26 de
junho de 1903, o prefeito Pereira Passos (1902-1906) criou o Ofício Geral da
Assistência, pelo decreto municipal n° 441, que se destinava a sistematizar os
socorros públicos e privados, com o objetivo de fiscalização, sem quebrar a
completa autonomia das associações já existentes (Paiva, 1922).
O governo federal já havia declarado seu interesse em “criar um instituto
que aproveitasse os elementos esparsos da caridade privada ou oficial e lhes
imprimisse sistemática direção com inteira garantia dos fins a que eles se
destinassem” (Paiva, 1922, p. IX).
Entretanto, a medida não foi concretizada. Após quase dez anos, o prefeito
Beto Ribeiro (1910-1914) ressuscitou o decreto e deliberou que se organizasse a
estatística geral de todos os estabelecimentos e instituições de assistência,
públicos e privados.
O então desembargador Ataulpho de Nápoles Paiva foi encarregado
oficialmente de coordenar a pesquisa68
. A escolha deveu-se ao fato do jurista e
filantropo ser um homem público muito articulado no cenário político, sendo
considerado pelos seus contemporâneos como um expert no que dizia respeito aos
problemas sociais que afligiam as elites republicanas da época.
68
Destaca-se que Ataulpho de Paiva assinou apenas a abertura da obra com suas “Reflexões
Necessárias”. Entretanto, o prefácio é de sua autoria, o qual já havia sido publicado, na íntegra, em
1916, numa coletânea de textos intitulada Justiça e Assistência.
149
Paiva relata que após ter iniciado o trabalho, sugeriu à Prefeitura que fosse
acrescentado o histórico das instituições que foram objeto do censo, pois “a obra,
em verdade, não teria significação apreciável se não arrolasse no seu cômputo a
descrição de cada um dos estabelecimentos recenseados” (Paiva, 1922, p.X).
O recenseamento dos institutos e associações foi realizado em 1913, e a
coleta dos dados teve por base o ano de 1912. Os originais do trabalho foram
entregues em novembro de 1914, mas não foram publicados. Antes de deixar o
cargo, o prefeito Bento Ribeiro criou uma Comissão Especial de História e
Estatística da Assistência Pública e Privada69
, de caráter permanente, para que
fosse dado prosseguimento ao trabalho. O levantamento continuou sendo
realizado e as estatísticas dos anos de 1913 a 1915 foram iniciadas em 1916.
Em 1920, o prefeito Carlos Sampaio (1920-1922) deliberou que a obra fosse
publicada como “subsídio de grande valor, destinado a figurar, como documento
da filantropia brasileira, no Centenário da Independência Nacional, prestes a ser
comemorado” (Assistência Publica e Privada, 1922, p.706). No entanto, sua
publicação em 1922 implicou na realização de um recenseamento complementar
entre 1916-1920, através do qual foram inseridas novas instituições.
É importante ressaltar que a organização dessa sistematização de áreas
assistenciais, instituições nelas atuantes e dados internos de cada uma delas,
apresenta desafios para uma análise institucional das mesmas nos dias atuais.
Esses desafios relacionam-se tanto a dificuldades conceituais em relação às áreas
e suas instituições, como às construções estatísticas em si (datas de coleta de
dados, lacunas de informações, etc.).
Outra dimensão a ser destacada refere-se à classificação utilizada pelo autor
no que se refere aos grupos de instituições. Estas foram agrupadas em três grandes
áreas: associações de auxílio mútuo e de beneficência; asilos e recolhimentos;
estabelecimentos de assistência a enfermos hospitalizados. Ainda que pudéssemos
apontar problemas classificatórios no interior de cada um desses grupos, como
assinalaremos posteriormente, o interessante a ser destacado é o início de uma
69
Esta comissão foi criada pelo decreto n° 1.001 de 13 de novembro de 1914.
150
distinção entre a assistência no campo da saúde e a assistência num campo “mais
social”.
Assim, no primeiro grupo, observa-se uma variedade de instituições em que
a assistência e os sistemas de proteção eram os objetivos que as delineavam, seja
em relação a fases da vida (infância, velhice, etc.), às origens étnicas
(trabalhadores imigrantes) ou à grupos de ofícios (socorros mútuos e beneficência
a determinadas categorias de ofícios e profissões). Essas instituições tiveram
enorme desenvolvimento na época e, grande parte delas, estava ligada direta ou
indiretamente ao mundo do trabalho.
O segundo grupo, como o próprio nome indica, abrange mais nitidamente as
organizações asilares, cuja fundação envolvia, em sua maioria, homens ilustres e
filantropos70
, mas a manutenção ligava-se, basicamente, ao Poder Público com
articulações cada vez maiores com a esfera da justiça e do Poder Judiciário.
O terceiro grupo refere-se, especialmente, às instituições públicas e privadas
ligadas ao tratamento de enfermos em geral, ou às vítimas das frequentes
epidemias que assolavam a capital do país.
Um segundo conjunto de observações acerca do uso analítico desta
sistematização refere-se às diferentes datas de coleta de dados e das diferenças
numéricas encontradas entre as mesmas. A diferença numérica em uma análise
comparativa entre as tabelas de 1912 e 1913-1920 nos permitiria perceber as
alterações na assistência na cidade do Rio de Janeiro, tanto no que concerne ao
fechamento quanto à abertura de novas instituições. Contudo, o que percebemos é
que os valores absolutos apresentados nas tabelas não condizem com as listagens
das instituições, ambas publicadas na mesma obra.
Entretanto, mesmo que optássemos por considerar apenas a relação de
instituições listadas, deveríamos agir com cautela uma vez que foram inseridas
instituições que ainda não existiam, ou seja, cuja construção estava em fase de
70
Citamos como exemplo a Casa de São José, fundada pelo Conselheiro Ferreira Viana, como
asilo para crianças com idade máxima de 14 anos. Teve como local de funcionamento uma casa
cedida pelo Conde de Mesquita, e sua manutenção pelo comércio. Posteriormente, foi assumida
pelo poder público, sendo mantida através de impostos sobre bebidas, pela lei n°3396, de
24/12/1893 (Assistencia Publica e Privada, 1922, p.10);
151
planejamento e não, necessariamente, foram levadas a cabo. O Hospital Gaffrée e
Guinle foi incluído na listagem em 1920, mas só começou a ser construído em
1924, sendo inaugurado a 11 de novembro de 1929 (Sanglard, 2008a).
No caso do Hospital da Venerável Ordem Terceira da Imaculada Conceição,
este foi inserido na listagem de 1912 quando ainda era um projeto, o qual jamais
se concretizou. No próprio histórico da instituição, elaborado por Paiva e sua
equipe, encontramos o relato de equipamentos que ainda não haviam sido
construídos:
Por iniciativa do falecido Ministro Jubilado Attilio Bodelli, a quem os relatórios da
Ordem tributam especial gratidão, foi, em sessão de 1° de setembro de 1898,
deliberada a criação de um Hospital destinado ao tratamento dos Irmãos. Esta Nova
dependência da Ordem teve, por generosidade daquele senhor, desde logo o seu
patrimônio constituído por 10 apólices de conto de réis, e não lhe vem faltando o
auxílio pecuniário dos Irmãos. Por isso, o seu patrimônio já se elevava, em 31 de
dezembro de 1912, a importância de 56:769$259, sendo 10:000$000 em apólices e
46:769$295 em moeda corrente. Ainda não foi iniciada a construção de
assistência a enfermos (Assistencia Publica e Privada, 1922, p.557, grifos nossos).
Segundo Ataulpho de Paiva, coordenador do trabalho, foram recenseadas
624 instituições cujas estatísticas foram divididas em duas etapas: primeiramente
são apresentados os dados referentes a 1912 e, posteriormente, os do período de
1913 a 1920.
No entanto, como não é possível refazer o percurso trilhado por Paiva,
optamos por comparar os valores das tabelas com os das listagens das instituições.
A seguir, apresentamos uma reprodução parcial de duas tabelas publicadas na
obra, das quais retiramos os itens “receita” e “despesa”, visando destacar apenas o
quantitativo das instituições:
152
Tabela 2 - Institutos de Beneficência em 1912
Movimento dos Institutos de Beneficência em 1912
Instituições Total
Associações 438
Asilos e recolhimentos 29
Hospitais 29
Diversos 18
Total 514
Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro (1922, p.747).
De acordo com a listagem das instituições referentes ao censo de 1912,
contabilizamos um total de 421 associações de auxílio mútuo e de beneficência;
29 asilos e recolhimentos e 28 estabelecimentos de assistência a enfermos
hospitalizados. Além disso, não conseguimos encontrar nenhuma especificação
quanto ao item “diversos”, mencionado na tabela. Portanto, há uma discrepância
entre o quantitativo de instituições recenseadas (478) e o total de instituições
(514) apresentado na tabela referente a 1912, publicada na obra.
Tabela 3 - Institutos de Beneficência – 1913-1920
Ano
Movimento dos Institutos de Beneficência
Resumo
1913-1920
Associações de
auxílio mútuo e
de beneficência
Asilos e
recolhimentos
Estabelecimentos de
assistência a enfermos
hospitalizados
Total
Absoluto
1913 267 26 29 322
1914 267 26 29 322
1915 267 26 30 323
1916 267 30 30 327
1917 308 30 30 368
1918 322 30 30 382
1919 562 32 30 624
1920 559 32 33 624
Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro (1922, p.750).
Com relação ao movimento das instituições entre 1913-1920, reproduzido
na tabela acima, ressalte-se que não conseguimos compreender a lógica dos dados.
153
Ao compará-los com os das listagens das instituições recenseadas neste período,
chegamos a valores diferentes com relação às associações de auxílio mútuo (342)
e aos estabelecimentos de assistência a enfermos hospitalizados (30), o que perfaz
um total de 404, e não de 624 instituições.
Quanto à classificação das instituições, observamos que o grupo
denominado “associações de auxílio mútuo e de beneficência” é bastante
abrangente, incluindo instituições que, a princípio, não se enquadrariam nessa
definição: Caixas Escolares, Montes de Socorros, Montepios, Maçonaria e até o
Banco do Commercio, o qual deu a seguinte resposta ao pedido de informações
solicitado pela comissão responsável pela estatística:
[...] temos a informar que este estabelecimento não mantém associação alguma de
beneficência ou auxílio mútuo. Possui um pequeno fundo para a criação de uma
caixa beneficente dos empregados, mas que não foi ainda organizada” (Assistência
Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.154).
Com relação às entidades beneficentes, estas atuavam de forma diversa das
associações de auxílio mútuo que visavam à garantia de algum tipo de benefício
para seus associados. Entretanto, Viscardi (2008) ressalta que “filantropia e
mutualismo compunham categorias fluidas, indiferenciadas para os próprios
contemporâneos” (p.120). Várias sociedades criadas desde o final do século XIX
se autodenominavam de “socorros mútuos”, “filantrópicas” ou de “beneficência”,
no entanto, os próprios criadores dessas entidades tinham dúvidas quanto a sua
identidade. A autora indica a seguinte distinção entre essas associações:
As sociedades que não se destinassem a auxiliar os destituídos, mas fossem
estruturadas com base na contribuição mensal de recursos pelos sócios com o fim
de propiciar-lhes alguma pensão ou benefício em caso de dificuldades, chamar-se-
iam de “socorros mútuos” e não de beneficência (Viscardi, 2008, p.120).
Além disso, o grupo “associações de auxílio mútuo e de beneficência”
engloba tanto as associações de socorro mútuo como as associações patronais e as
denominadas sociedades de resistência, as quais eram de natureza distinta.
154
Na Primeira República ocorreu uma expansão das sociedades de socorro
mútuo ao mesmo tempo em que surgiram as sociedades de resistência operária.
Batalha (2010) indica que “algumas das velhas sociedades acabaram incorporando
funções de resistência, do mesmo modo que algumas das novas sociedades de
resistência adotaram práticas assistenciais” (p.47).
No caso das associações patronais, as quais representavam um tipo de
mutualismo bastante defendido por Ataulpho de Paiva, tomamos como exemplo a
Associação Comercial do Rio de Janeiro, a qual era definida “como a reunião das
classes de comerciantes, banqueiros, industriais, proprietários, capitalistas,
armadores e agentes auxiliares do comércio [...]” (Assistencia Publica e Privada
no Rio de Janeiro, 1922, p.105).
Em seu histórico, a gênese desta associação está relacionada à abertura dos
portos do Brasil ao comércio estrangeiro em 1808. O desenvolvimento do
intercâmbio comercial levou os comerciantes a estabelecerem uma Praça do
Comércio no Rio de Janeiro que, posteriormente, passou a denominar-se
Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ). A construção de uma nova sede
de grandes proporções com a ajuda do governo imperial não foi adiante. A obra
ficou paralisada por doze anos e recomeçou com o auxílio do governo republicano
que autorizou um repasse de verbas públicas para a conclusão da mesma.
(Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.104-107).
Percebe-se, portanto, uma forte articulação desta associação com o poder,
uma vez que seus dirigentes freqüentemente ocupavam cargos na administração
pública. Sem dúvida, membros da elite política do Império e, posteriormente, da
elite republicana compunham a cúpula dirigente dessa entidade. Ao adotar
práticas filantrópicas, a ACRJ manteve a Escola da Ilha de Bom Jesus,
responsável pela instrução de trezentos alunos (Ibid., p.105).
Outro exemplo de sociedade mutualista cujos dirigentes pertenciam à classe
patronal é a Associação dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro (AEC), a
qual apresentou uma memória no Congresso Nacional de Assistência Pública e
Privada em 1908, como já descrito no segundo capítulo. Fundada em 1880, no
salão do Jockey-Club, é a associação mais antiga da classe comercial (Ibid.,
p.108).
155
Popinigis (1999) indica que, a imprensa da época, divulgava que a AEC não
cumpria seu papel de “protetora” dos empregados do comércio, chamados então
de caixeiros, os quais reivindicavam a diminuição das horas de trabalho. A autora
aponta que “muitos não confiavam na associação por ali se encontrarem também
os patrões”, passando a organizar-se em outras entidades de classe (Ibid., p.118).
Portanto, apesar das controvérsias quanto à elaboração das estatísticas e à
classificação das instituições, o livro Assistencia Publica e Privada no Rio de
Janeiro (1922) pode ser considerado como a primeira sistematização oficial da
assistência71
, realizada na Cidade Rio do Janeiro, pelo fato de ter sido a primeira
estatística solicitada e publicada pela Prefeitura do Distrito Federal.
Nesta publicação, Ataulpho de Paiva reedita seu projeto de reforma da
assistência, defendido no Congresso Nacional de 1908, o qual ele já havia
publicado em 1916, numa coletânea de textos intitulada Justiça e Assistência.
Em seu plano de reforma, ele propunha uma organização dos serviços de
assistência baseada em uma aliança entre os interesses do Estado e os da
assistência privada, defendendo que esta aliança resultaria na efetividade da
filantropia social:
O Governo, tomando a iniciativa e a deliberação de realizar, sob fundamentos
ponderados, a sistematização de assistência em geral, conta, por isso mesmo,
demonstrar o interesse que liga a ação da beneficência particular, que tantos e reais
serviços presta a nossa população, e tentará por esse meio fazer uma justa e
proveitosa harmonia e aliança dos interesses do Estado com os da Assistência
Privada, na forma das recentes decisões dos Congressos especiais realizados no
mundo civilizado, fazendo com que dessa concórdia resulte a efetividade dos
intuitos que tem em vista a filantropia social (Assistencia Publica e Privada no Rio
de Janeiro, 1922, p.60).
Desse modo, seu projeto propugnava um modelo institucional que
articulasse os poderes públicos e a iniciativa privada, porém sem mexer com a
autonomia desta:
71
É importante destacar que em 1883 foi publicado um livro, Instituições de Previdência fundadas
no Rio de Janeiro, o qual se constitui em uma memória enviada pelo escritor Joaquim da Silva
Mello Guimarães ao Congresso Científico Internacional das Instituições de Previdência, realizado
em Paris em 1878. O trabalho consiste em apontamentos históricos e dados estatísticos dos
institutos e associações existentes no Brasil-Império. (GUIMARÃES, 1883).
156
Como até agora, cumpre sejam respeitadas e mantidas a autonomia e a
administração interna das associações, sociedades, casas pias, asilos e quaisquer
outros estabelecimentos de beneficência e caridade, de caráter privado, existentes
nesta capital (Ibid., p.64).
Paiva defendia a criação de um mecanismo de fiscalização dos serviços a
fim de congregar os interesses públicos e privados, sendo o caráter normatizador
das relações entre o Estado e a beneficência particular o eixo central de seu
projeto. Desse modo, o jurista era defensor de uma concepção de assistência
condizente com o liberalismo vigente na época:
Um Governo que anunciasse que só ele concederia socorros completos aos
indigentes, quaisquer que fossem as idades destes, carregaria um fardo enorme,
aniquilaria a indústria, favoreceria a indolência do rico, do pobre mesmo, e
quebraria a grande mola da sociabilidade - a beneficência privada (Assistencia
Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.60).
Ao fazer sérias críticas ao que ele denominava de “caridade irrefletida”, o
filantropo preconizava uma “assistência metódica” baseada em “preceitos
científicos” para combater o aumento da indigência. Sua proposta revestia-se de
um caráter moralizador, pelo qual a mendicidade ganhava uma conotação de
“preguiça” e “degeneração da raça”, cabendo à assistência promover o “progresso
moral” através da economia e do trabalho (Ibid, p.50). Dessa forma, suas ideias
estavam afinadas com o projeto de modernidade que políticos e intelectuais se
mobilizavam para construir nesse período:
A assistência mal praticada e a caridade irrefletida, sendo de duração efêmera e de
efeitos inteiramente nulos, só conseguem multiplicar o número de indigentes,
fazendo a propagação da mendicidade, que então se converte em um dos mais
graves problemas sociais cuja resolução se impõe nas sociedades modernas, porque
a verdadeira beneficência é a que promove, não a preguiça, o descuido e a
degeneração da raça, mas o trabalho, a economia, o progresso moral e físico das
gerações (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.50).
Como bem resume Kuhlmann Jr. (1991), os eixos da concepção de uma
“assistência científica” em voga na época se constituíam na:
157
Desobrigação do Estado paralelamente ao fortalecimento das entidades privadas,
defendendo um atendimento fracionado em múltiplas instituições, atribuindo ao
Estado um papel de supervisão e subsídio às entidades; a proposição de um
“método” para arbitrar quais seriam os contemplados com o atendimento; calcado
no rígido controle dos demandatários, instaurando um processo de competição
entre eles, mediante inquéritos minuciosos sobre suas vidas particulares, e a
caracterização preconceituosa da população pobre, atribuindo um papel educativo à
assistência a fim de evitar as lutas de classe (Ibid., p. 24).
As ideias de Paiva tinham forte influência dos reformadores sociais
franceses preocupados em desenvolver novas estratégias e novas técnicas, as quais
anteciparam o trabalho social no sentido profissional do termo72
. Ao propor uma
ação racionalizadora nos serviços de assistência, o filantropo defendia a
“necessidade de se traduzir entre nós , em normas hodiernas o exercício da
assistência social [...]” (Paiva, 1922, p. IX).
Portanto, foi com Ataulpho de Paiva que se iniciou um processo de
delimitação de uma nova área de atuação profissional: a assistência social. Ao
buscar agregar uma nova condição à assistência que até então era genérica, ele
começa a delimitar determinadas práticas a um campo: o social. Valendo-se de
uma concepção cientificista, ele preconiza uma organização racional da
assistência social:
[...] a assistência social, encerrando nos seus princípios vitais, e a despeito da
confusão das escolas, a mais nobre e pura das virtudes, carecia de ser esclarecida
pela ciência dos fatos, encaminhada através da observação dos fenômenos sociais,
adaptada às nações e às civilizações diversas para que pudesse alcançar, tanto
quanto possível, o ideal comum, isto é, a organização racional, as conclusões
práticas, os resultados efetivos e permanentes (Paiva, 1922, p.IX).
O filantropo se inspirava nas ideias do reformador francês Paul Strauss73
,
político e integrante do Museu Social, com relação a uma organização “científica”
da assistência social:
72
Entre os reformadores sociais franceses do século XIX cujas ideias influenciaram Ataulpho de
Paiva, podemos citar o Barão de Gérando que propõe, em O Visitador do Pobre, um novo modelo
de assistência que se desenvolveu amplamente, sendo a corrente da Scientific Charity e a tradição
do case work oriundas dessa linha de pensamento (CASTEL, 1998). 73
Costa & Sanglard (2006) indicam que Paul Strauss fazia parte da equipe do Museu Social
francês, composta por profissionais de diversas áreas. Além de médicos havia engenheiros,
158
A arte de fazer o bem não se improvisa, aprende-se: - desse modo e com muita
propriedade se exprimiu o eminente PAUL STRAUSS no preâmbulo da sua
vigorosa obra sobre a Assistência Social. Há regras a seguir, métodos a conhecer. A
Assistência Social, com os seus ramos diversos e os seus compartimentos vários,
abre às curiosidades e aos devotamentos campo largo, perspectivas por assim dizer
ilimitadas (Assistencia Publica e Privada, 1922, p.48, grifos do autor).
O projeto de reforma da assistência preconizado por Paiva já indicava uma
especificidade no exercício da assistência social, isto é, sua vinculação estreita ao
judiciário. Nesse período, já se pensava em uma Assistência Pública articulada à
Justiça, enquanto órgão auxiliar no atendimento a diferentes segmentos sociais,
com prioridade à infância. O foco das preocupações do governo era a questão da
infância desvalida e dos enfermos: “salvar as crianças, cuidar dos enfermos [...]
essa dupla missão resume, principalmente, a razão de ser do projeto” (Assistencia
Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p. 61).
Em seu modelo de assistência, as obras filantrópicas deveriam passar a se
orientar por preceitos “científicos”, o que levaria a passagem de uma caridade
espontânea para uma filantropia sistematizada. Paiva também criticava o emprego
da ação repressiva da polícia na administração dos problemas sociais:
Vivemos ainda num tal período de rotinas, de imprevidência e de anarquia, que
chegamos ao extremo de apelar para a ação policial todas as vezes que entra em
crise a função tutelar do nosso rudimentar aparelho de caridade e de beneficência.
À mingua de iniciativas, de esforços concatenados e de uma segura orientação da
parte do poder público, é para a Polícia que se voltam todas as vistas, imaginando-
se que unicamente ela pode explicar, resolver e aplanar os casos ocorrentes,
devendo mesmo, em muitas circunstâncias, avocar a direção e superintendência de
certos encargos (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.2).
Portanto, em sua proposta de organização dos serviços de assistência
desatrelados da autoridade policial, a questão social para o filantropo não era caso
de polícia, e sim de tutela e filantropia.
Por outro lado, o discurso de Paiva nos remete a uma fluidez e imprecisão
das noções de assistência e previdência74
. Essas noções foram se definindo e se
arquitetos e políticos. Paul Strauss era deputado e também escrevia para periódicos: a Revue
d’Hygiène e a Revue Philantropique, etc. 74
No livro Instituições de Previdência fundadas no Rio de Janeiro, publicado no período imperial
(1883), já encontramos certa imprecisão em relação às duas noções. Apesar do conceito hodierno
159
construindo historicamente, mas nesse período elas ainda eram intercambiáveis.
Pode-se constatar essa imprecisão quando Paiva, ao criticar a ingerência da polícia
no tratamento da questão social, fez a seguinte colocação:
No estado atual da sociedade, após o lógico evolucionismo por que tem passado a
complicada questão da filantropia nas suas várias ramificações, nem um país se
lembraria de confiar a função da previdência social aos cuidados da Polícia, que
tem uma missão bem diferente, embora muito nobre (Assistencia Publica e Privada
no Rio de Janeiro, 1922, p.2, grifos nossos).
A filantropia criava novas regras de ação prático-normativas as quais
implicavam na classificação dos segmentos atendidos e na preocupação com o
diagnóstico dos problemas sociais, o que se pode verificar no projeto
assistencialista do filantropo Paiva.
Observa-se, no prefácio da obra Assistencia Publica e Privada no Rio de
Janeiro (1922), que ele estabelece a seguinte classificação: assistência à infância
(menores abandonados e delinqüentes); a puericultura; assistência à velhice, à
mulher, aos estrangeiros; assistência ao trabalho (a mendicidade profissional); os
patronatos; assistência em domicílio e assistência hospitalar; assistência aos
alienados, aos tuberculosos; aos leprosos; ao alcoolismo; a avariose (sífilis).
Desse modo, o tratamento da questão social passa a ser segmentado, ou seja,
separado por tipo de problema ou por grupo populacional, e orientado segundo os
valores da filantropia burguesa. Esse modelo classificatório refletia os problemas
sociais que preocupavam as elites intelectuais e políticas da Primeira República,
tendo sido, inclusive, utilizado para nomear as teses debatidas no Congresso
Nacional de Assistência Pública e Privada (1908), já apresentadas neste trabalho.
Isso mostra como o ideário filantrópico foi sendo incorporado nos
congressos científicos, nos programas e instituições oficiais. Percebe-se, portanto,
a importância que o contexto sócio-político conferia à filantropia nesse período,
de previdência não se aplicar a uma sociedade escravista, o documento engloba 117 instituições
dos mais variados tipos: caixas econômicas; Monte de Socorro; Montes Pios, Associações de
Interesses Mútuos, Sociedades de Beneficência, Ordens Terceiras e Irmandades, Maçonaria,
Estabelecimentos Filantrópicos como Asilos e Hospitais, etc. (GUIMARÃES, 1883).
160
ou seja, a formação de uma concepção filantrópica como ideologia de instituições
e também enquanto configuração de um ideário para a sociedade.
Esse período foi fortemente marcado pela preocupação com a infância, uma
vez que as crianças eram consideradas o futuro da nação: “[...] a experiência da
vida econômica moderna ensina que o equilíbrio moral das gerações futuras
repousa, em todos os países, na defesa social da infância desprotegida”
(Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.4).
Alvarez (2003) aponta que o discurso de Paiva é homólogo ao discurso da
nova escola penal inspirada nas teorias criminológicas:
Em ambos os discursos, as preocupações com a defesa social e com a moralização
das populações urbanas se sobrepõem à defesa dos direitos de cidadania, levando a
que sejam procurados dispositivos jurídicos e institucionais que, em vez de
reconhecer a igualdade dos direitos civis, políticos e sociais para o conjunto da
população, limitam o horizonte da cidadania mediante estratégias normalizadoras,
moralizadoras ou assistenciais (Ibid., p.188).
Ao criticar o Código Penal de 1890, formulado a partir das concepções do
jurismo clássico, Paiva baseava-se nas ideias positivistas da Nova Escola Penal,
que surgiu na Europa, na segunda metade do século XIX, a partir dos estudos da
criminologia75
. Entretanto, não se pode caracterizar a recepção dessas novas
teorias criminológicas no Brasil como mero senso de imitação, pois estas
assumiram características próprias, sendo utilizadas para responder às urgências
históricas colocadas pelas transformações sociais e políticas do primeiro regime
republicano.
As críticas à concepção clássica de justiça se adequavam ao projeto político
da Primeira República. Logo, a proposta da nova escola positiva, defendida por
75
A criminologia e a escola positiva de direito penal, se desenvolveram a partir dos estudos do
médico italiano Cesare Lombroso (1835-1909) e de seus seguidores. As ideias de Lombroso
sustentaram um momento de rompimento de paradigmas no Direito Penal. A Escola Positiva
surgiu no contexto de um acelerado desenvolvimento das ciências sociais (antropologia,
psicologia, sociologia), o que determinou de forma significativa uma nova orientação nos estudos
criminológicos. O modelo proposto pelos juristas que se aliaram ao movimento positivista visava
responder às necessidades da nova ordem burguesa. As elites se sentiam ameaçadas pelas “classes
perigosas”, isto é, pelos segmentos sociais pauperizados que, pela ótica dos positivistas,
carregavam o germe da degeneração e do crime. As ideias criminológicas da nova escola penal
tornaram-se um instrumento teórico-prático para afugentar o perigo social que a pobreza
representava, justificando medidas de controle social sobre os pobres (ALVAREZ, 2003).
161
juristas reformadores membros da elite intelectual republicana, como era o caso
de Ataulpho de Paiva, caracterizava-se, segundo Ribeiro Filho (1994), por uma
“modernização autoritária”. Essas ideias ocuparam um lugar de destaque “por
representar ao mesmo tempo uma reflexão sobre a sociedade e uma tentativa de
implementar novas formas de regulação dos comportamentos sociais” (Ibid.,
p.31).
Em um contexto sócio-político onde a maioria da população era mantida na
mera condição de ser reconhecida enquanto “indivíduos” e não como sujeitos de
justiça, as teorias criminológicas embasaram políticas de enquadramento para o
conjunto de indivíduos não incorporados ao novo regime político. Dessa forma, o
discurso da nova escola penal articulava-se ao liberalismo não-democrático
vigente nesse período, não se configurando o campo dos direitos como um
operador de legitimação do Estado na Primeira República.
Ao defender uma grande obra de regeneração nacional, Ataulpho de Paiva
propunha a ação tutelar do Estado como solução para a questão da criança
considerada “moralmente abandonada”: “a função tutelar, consolidada nos seus
próprios fundamentos e constituindo uma grande força de coesão, evita a morte
prematura, a enfermidade e a corrupção moral [...]” (Assistencia Publica e Privada
no Rio de Janeiro, 1922, p. 4).
Dessa forma, os argumentos de Paiva incorporavam a noção de defesa
social, a qual redefiniu “o próprio papel do Estado diante da sociedade, ao assumir
feições claramente tutelares e preventivas” (Alvarez, 2003, p.19).
Em Assistencia Publica e Privada (1922), o jurista tece elogios a Mario
Franco Vaz76
, o qual foi diretor da Escola Premunitória 15 de Novembro77
por
mais de dez anos, e ao prof. João Carneiro Souza Bandeira. Estes intelectuais
eram considerados especialistas na questão do “menor abandonado” na época, e
também participaram do Congresso Nacional de Assistência Publica e Privada
76
Autor do livro A Infância Abandonada, publicado em 1905. 77
A Escola Premunitória XV de Novembro tinha por objetivo servir de internato aos menores
recolhidos na rua pela polícia do Distrito Federal, mas que ainda não haviam cometido delitos e,
portanto, não estavam envolvidos em nenhum tipo de ação penal (Assistencia Publica e Privada no
Rio de Janeiro, 1922).
162
(1908), no qual Souza Bandeira foi, inclusive, relator da tese “assistência à
infância moralmente abandonada”.
Ao discorrer sobre a situação das instituições voltadas ao atendimento à
infância “moralmente abandonada e delinquente”, Paiva coloca que as instituições
de caráter privado ainda não tinham um “programa tecnicamente definido”,
constituindo-se apenas em “simples recolhimentos de menores, limitando o seu
programa à instrução primária e à rudimentar aprendizagem de ofícios diversos
aos asilados”. Por outro lado, ele também critica as ações da municipalidade e do
governo federal, apontando que estas eram escassas e ineficientes (Assistencia
Publica e Privada no Rio Janeiro, 1922, p.9).
Paiva tecia críticas tanto as instituições públicas como as instituições
privadas, isto porque defendia uma aliança entre a Justiça e a Assistência, ou seja,
o desdobramento do discurso penal em discurso de proteção e assistência. Ele
propunha a criação de uma legislação própria para a mendicidade infantil,
enfatizando a importância de abrigos tecnicamente organizados:
Sem leis protetoras, sem abrigos tecnicamente organizados, não pode ser mais
triste nem mais deplorável a sorte da criança brasileira nos tempos que correm. A
vagabundagem nas nossas grandes capitais está acentuada de modo assaz
característico. A mendicidade infantil é o problema do dia. A estatística criminal da
adolescência cresce numa escala de progressiva intensidade. A criança não é mais
objeto daquele solícito e carinhoso desvelo que tanta significação imprime aos
sentimentos do nosso povo [...] (Assistencia Publica e Privada no Rio Janeiro,
1922, p. 8).
Portanto, a ideia de que a solução dos problemas sociais referentes ao
conflito capital e trabalho deveria ser resolvida através de estratégias
assistencialistas, encontrou boa receptividade nas propostas reformistas de Paiva.
De acordo com os preceitos da escola positiva, o jurista associava o abandono
moral à criminalidade, respaldando-se no aumento da criminalidade infantil na
Capital da República:
A educação viciosa e mesmo a falta de toda educação são os elementos que tornam
a criança moralmente abandonada. O abandono moral é a causa primária do crime
e a fonte mais fecunda da criminalidade. [...] Os assassinos precoces são, na maior
parte, moralmente abandonados. Lutar contra o abandono moral é combater a
163
criminalidade (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.5, grifos do
autor).
Não podemos deixar de ressaltar que a nova escola positiva iniciou um
processo de incursão dos médicos no espaço de atuação dos juristas. Segundo
Ribeiro Filho (1994), a crescente participação de médicos-legistas e de psiquiatras
forenses nos julgamentos passou a ter cada vez mais importância no resultado dos
processos criminais. Portanto, na Primeira República estabeleceu-se um diálogo
entre a área médica e a área jurídica, onde a criminologia representou um espaço
de convergência.
Como já mencionado anteriormente, Paiva concebia uma aliança entre
Assistência e Justiça através da complementação de suas ações. Segundo Rizzini
(2008), essa aliança, em consonância com a lógica filantrópica, tornava
politicamente viável o saneamento moral da sociedade pelo enquadramento dos
indivíduos, desde a infância, à disciplina e ao trabalho.
Cabe destacar que, na Primeira República, foram criadas instituições estatais
e filantrópicas destinadas ao público infanto-juvenil que deveria ter seus hábitos
transformados a partir da difusão da instrução e da formação profissional. Essas
instituições visavam atuar na prevenção ou no combate à delinqüência infanto-
juvenil, mantendo crianças e jovens internados, sob constante vigilância.
Verifica-se, portanto, que as medidas indicadas nas conclusões do
Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada de 1908 acerca da infância
“moralmente abandonada” foram incorporadas na proposta de Ataulpho de Paiva
apresentada em 1922.
Na década de 1920, a questão da infância continuava a mobilizar vários
filantropos, médicos e juristas, que justificavam suas preocupações com o alto
índice de mortalidade infantil, a falência da Roda dos Expostos e a presença de
infantes nas ruas. Essas medidas começaram a ser efetivadas com a criação do
164
Juízo de Menores em 1923 e do primeiro Código de Menores em 192778
,
elaborado pelo juiz José Cândido de Albuquerque Mello Mattos.
Outro ponto importante refere-se à extinção da “Roda dos Expostos” 79
pelo
Código de Menores de 1927, o qual determinava em seu artigo 15: “A admissão
dos expostos à assistência se fará por consignação direta, excluído o sistema das
rodas” (Arantes, 2010, p.9). Dessa forma, o Código estabelecia a proteção legal
dos “menores abandonados” que passaram à tutela do Estado.
Ressalte-se que, mesmo excluído o sistema de depósito nas Rodas, manteve-
se a possibilidade da entrega anônima da criança. Segundo Arantes (2010), apesar
do Código de Menores de 1927 ter extinguido as Rodas, algumas continuaram
existindo no Brasil: a Roda de São Paulo, por exemplo, só foi extinta no final dos
anos 1940.
Quanto à puericultura, Ataulpho de Paiva coadunava com as ideias de outro
filantropo, o médico Moncorvo Filho, fundador do Instituto de Proteção e
Assistência à Infância. É interessante a observação de Rizzini (2008) que, entre os
renomados juristas da época, Moncorvo Filho citou apenas Ataulpho de Paiva em
seu livro, Histórico da proteção à infância de 1500 a 1922. A autora comenta: “é
estranho que não tenha feito nenhuma referência a outros juristas com quem
certamente se encontrava” (Ibid, p.127). Consideramos que isso se deve ao fato de
compartilharem ideias muito similares, as quais implicavam na defesa de maiores
subsídios para as instituições filantrópicas no combate à mortalidade infantil.
Em contrapartida, Paiva também citou Moncorvo Filho ao discorrer sobre a
chamada assistência à infância na primeira idade:
78
O Código de menores de 1927 legislava sobre as crianças e adolescentes menores de dezoito
anos que estivessem em estado de abandono. O código qualificava os menores segundo a sua
conduta: “expostos” eram os menores de sete anos; os menores de dezoito anos eram considerados
“abandonados”; os que esmolassem ou vendessem pelas ruas eram classificados de “vadios” e os
que freqüentassem prostíbulos recebiam a denominação de “libertinos”. O Código aboliu
definitivamente a “teoria do discernimento” e, dessa forma, os menores de quatorze anos passaram
a ser considerados inimputáveis (FALEIROS, 1995, p. 63). 79
Assim como era a prática em Portugal, as primeiras iniciativas assistenciais em relação aos
recém-nascidos no Brasil ocorreram através da instalação de Rodas dos Expostos nos hospitais das
Misericórdias ou em prédios anexos. A primeira Roda foi criada em Salvador em 1726, e no Rio
de Janeiro, a “Casa da Roda”, atualmente Educandário Romão Duarte, foi criada em 1738
(ARANTES, 2010, p.6).
165
E o Dr. Moncorvo Filho afirma que a mortalidade infantil no Brasil continua a
crescer, “sentindo-se que as instituições filantrópicas lutam na mais extenuante das
campanhas, conseguindo apenas uma parcela dos resultados que dado seria
colherem se a essas cruzadas fossem proporcionados os recursos com que
pudessem alargar a sua benfazeja ação a toda essa multidão de entes miseráveis
que fenecem aos primeiros alvores da existência pela fome, pelo frio, pela
ignorância ou pela moléstia” (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro,
1922, p.15).
Por outro lado, Paiva também menciona o médico Fernandes Figueira, como
mais uma autoridade na área da puericultura, elogiando tanto seus estudos sobre a
mortalidade infantil no Brasil, apresentados no Congresso Nacional de Assistência
Pública e Privada (1908), bem como seu trabalho na direção da Policlínica das
Crianças, instituição filantrópica, inaugurada em 1909, pertencente à Santa Casa
de Misericórdia.
Cabe ressaltar que no Congresso de 1908, Fernandes Figueira defendia ser
indispensável à intervenção do Estado no âmbito da assistência à infância. Como
já dito no capítulo anterior, ao defender à assistência pública, ele apresentou dados
referentes às instituições privadas que apontavam para o alto custo dos subsídios e
o elevado índice de mortalidade infantil nessas instituições, principalmente na
Casa dos Expostos que pertencia à Santa Casa de Misericórdia. No entanto, um
ano após o congresso, o médico tornou-se diretor de uma instituição que fazia
parte da rede hospitalar da Santa Casa.
Contudo, o que buscamos assinalar aqui não é uma suposta contradição
entre o discurso e a prática médica de Fernandes Figueira, até porque não é nosso
objetivo fazer um estudo específico sobre o referido médico. O que pretendemos
assinalar é que Fernandes Figueira, enquanto diretor de uma instituição
filantrópica, foi elogiado pelo filantropo Paiva que, ao discorrer sobre as
estatísticas sobre mortalidade infantil apresentadas pelo médico, selecionou
apenas os dados comparativos entre o Brasil e países desenvolvidos como a
Holanda e a França.
Sem dúvida, esta comparação discrepante serviu para justificar as altíssimas
taxas de mortalidade infantil no país. No entanto, Paiva não se referiu às críticas
de Fernandes Figueira às instituições filantrópicas nem tampouco ao seu
argumento de que a assistência à infância deveria ser pública.
166
Quanto às instituições que prestavam atendimento à primeira infância, estas
se preocupavam com a mortinatalidade e, consequentemente, com as condições
das mães para cuidarem de seus filhos.
Desse modo, eram instituições de atendimento materno-infantil, nas quais o
puerpério e a puericultura estavam intimamente ligados. Segundo Sanglard
(2008b), essas instituições “apresentavam uma preocupação com a mãe-mulher,
sobretudo com as operárias, e os meios de lhes garantir condições de cuidar de
seus filhos e retornar ao trabalho” (p.75).
Além do IPAI e da Policlínica das Crianças, foram criadas diversas
instituições filantrópicas para o atendimento materno-infantil no início do século
XX: o Hospital São Zacarias (1916), pertencente à Santa Casa de Misericórdia, a
Pro Matre (1918) e a Maternidade de Laranjeiras, a qual foi inicialmente uma
instituição privada, tornando-se, em 1918, a Maternidade Escola da Faculdade de
Medicina (Sanglard, 2008b).
Em Assistencia Publica e Privada (1922), Ataulpho de Paiva também
recupera o debate acerca da “Assistência pelo trabalho” do Congresso de 1908, o
qual dizia respeito à mendicidade e a adoção de um sistema classificatório que
visava separar os indigentes válidos e inválidos.
Paiva reafirma as medidas aprovadas no congresso ao propor uma distinção
entre os “indigentes inválidos ou enfermos”, os “mendigos acidentais” e os
“mendigos de profissão” e, consequentemente, um atendimento diferenciado a
cada tipo: ao primeiro caberia a simples assistência, ao segundo competia o
recolhimento nas estações de socorro em que o trabalho fosse obrigatório, e ao
terceiro caberia a repressão severa para impedir a reincidência (Ibid., p.24).
Desse modo, percebe-se que o jurista tinha uma concepção positivista da
questão social, pela qual a causa da miséria é concebida como um fenômeno
produzido pelo comportamento dos indivíduos por ela atingidos. A partir dessa
perspectiva, as causas da miséria e da pobreza estariam vinculadas a problemas de
ordem moral (tendência ao ócio, alcoolismo, vadiagem etc.). Segundo Paiva, “o
trabalho é o traço característico que discrimina o verdadeiro do falso mendigo.
167
Uma coisa é o indivíduo não querer trabalhar e outra é não poder fazê-lo”
(Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p. 24).
Observa-se, assim, o caráter moralizador do projeto assistencial do
filantropo que propunha enquadrar o comportamento dos indivíduos através da
disciplina do trabalho. Se por um lado, ele criticava a aplicação da lei repressiva
sem critério; por outro, defendia a repressão severa ao que denominava de
“mendicidade profissional”.
A verdadeira “missão” da assistência pelo trabalho, segundo Paiva, consistia
em: “[...] receber e recolher o indivíduo que afirma estar sem trabalho, alimenta-
lo, dar-lhe abrigo, impondo-lhe, em troca, a obrigação de trabalhar algumas horas
durante o dia” (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p. 25).
Paiva aponta que no Brasil não havia uma organização da assistência pelo
trabalho, pois o único estabelecimento que se destinava a receber os mendigos no
Distrito Federal era o Asilo São Francisco de Assis (antigo Asilo de
Mendicidade), o qual, nesse período, se caracterizava como asilo-hospital.
Portanto, podemos inferir que a grande maioria dos internos era constituída pelo
que Paiva denominava de “indigentes inválidos”. Nosso pressuposto é reforçado
pela própria transcrição original que acompanha a foto abaixo.
Figura 16- Asilo São Francisco de Assis. Idosos sentados em bancos no pátio externo
do asilo. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Acessado em 10 de maio de 2013.
168
Ao discorrer sobre a história desta instituição, ele descreve que o Asilo foi
transferido para as dependências do Instituto João Alfredo, pois suas instalações
foram utilizadas para a criação do Hospital São Francisco de Assis. Isto porque,
em 1920, com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, foi
deliberada a criação de um hospital geral, o qual foi inaugurado em 1922, sob a
direção do médico Garfield de Almeida.
Cabe ressaltar que a criação deste hospital já havia sido indicada no
Congresso de 1908. Na tese sobre “Assistência Gratuita ao Doente”, mencionada
no segundo capítulo, os médicos Rocha Faria e Garfield de Almeida já apontavam
para a necessidade de se criar um hospital público no Distrito Federal, devido ao
esgotamento do Hospital da Santa Casa de Misericórdia, a qual se constituía na
maior rede hospitalar em funcionamento na cidade. Assim, na década de 1920, a
saúde vai se tornado uma questão do Estado, apesar do crescimento das ações
filantrópicas na área.
Por outro lado, com relação à assistência à velhice, o filantropo lamentava a
não existência, no Distrito Federal, de um estabelecimento especialmente criado
pelo governo federal ou pela municipalidade para a velhice indigente, a qual
contava apenas com a ação privada de algumas sociedades de beneficência e
ordens religiosas, ainda assim, muito raras.
Mais uma vez, inspirando-se nas ideias dos reformadores franceses, Paiva
defendia a criação de “um serviço público de solidariedade social sob a fórmula
de assistência aos velhos, aos enfermos e aos incuráveis” (Assistencia Publica e
Privada no Rio de Janeiro, 1922, p. 17. grifos do autor).
Segundo Paiva somente a Associação Asilo São Luiz da Velhice
Desamparada foi criada expressamente para o recolhimento de idosos enfermos. O
Asilo foi fundado, em 1890, por iniciativa do visconde Ferreira de Almeida, sendo
mantido por doações de particulares e recebimento de subsídios da prefeitura e de
uma quota das loterias nacionais. Convém destacar que este Asilo existe até hoje.
169
Figura 17 - Asilo São Luís (1913). Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Disponível em <http://portalaugustomalta.rio.rj.gov.br>. Acesso 12 mai. 2013.
No que se refere à assistência aos enfermos, Paiva, inspirado na experiência
francesa, destacava os benefícios da assistência domiciliar:
O dever social da assistência não tem, por conseguinte, meio mais eficaz nem mais
útil do que o socorro em domicílio, metodicamente organizado. Em todas as épocas
a matéria veio apaixonando os filantropos e os sociólogos (Assistência Pública e
Privada no Rio de Janeiro, 1922, p. 31).
No entanto, o modelo de assistência domiciliar não era nenhuma novidade,
pois já havia sido defendido no Congresso de 1908 por vários médicos, como
Juliano Moreira, Garfield de Almeida e Fernandes Figueira. O que Paiva fez
questão de frisar foi o pioneirismo da Liga Brasileira contra a Tuberculose80
no
atendimento domiciliar no Rio de Janeiro,
Desde 1913 a “Liga contra a Tuberculose” instituiu um modesto serviço de
assistência domiciliária aos tuberculosos desta Capital [...]. Pode-se dizer que, pela
primeira vez, um trabalho dessa natureza foi tentado no nosso país, em caráter
permanente e sistemático e com o fim exclusivo de ação especializada (Assistencia
Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.30).
80
Ataulpho de Paiva foi um dos fundadores e presidente perpétuo dessa instituição.
170
O filantropo defendia o modelo de assistência domiciliar justamente por ele
estar vinculado a uma articulação entre a assistência pública e a beneficência
privada, uma vez que os médicos da época concordavam que a assistência a
domicílio deveria ficar a cargo da filantropia. Ao contrário do modelo hospitalar,
o qual era de interesse dos médicos, sendo tema de debate nos congressos
científicos entre aqueles que reivindicavam a construção de hospitais públicos.
Com relação ao hospital propriamente dito, ao mesmo tempo em que
concordava com a necessidade de se construir um hospital público, Paiva defendia
a união de esforços entre o público e o privado na área da assistência à saúde,
apoiando a continuidade das ações das instituições filantrópicas que exerciam
funções públicas.
Cabe destacar que paralelamente a publicação da obra Assistencia Publica e
Privada no Rio de Janeiro, ocorreu o Congresso Nacional dos Práticos durante a
Exposição Internacional de 1922, o qual reuniu 150 médicos que discutiam a
questão da assistência pública na área da saúde hospitalar.
No congresso, debatia-se a importância do Estado assumir a assistência
hospitalar e a necessidade de se construir hospitais públicos na Cidade do Rio de
Janeiro, o que levou à tona a discussão sobre qual instância governamental
(municipal ou federal) caberia a construção dos hospitais. No entanto, apesar de
propugnarem uma intervenção do Estado na assistência médica, a filantropia era
amplamente aceita e elogiada (Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Nacional
dos Práticos em Comemoração do Centenário do Brasil, 1923).
Desse modo, o que se observa nos Anais deste congresso é que os médicos
oscilavam entre uma clara defesa da intervenção do Estado e uma proposta de
demarcação das áreas de atuação da assistência pública e da assistência privada.
As ações filantrópicas eram bem vindas desde que respondessem às demandas da
saúde pública.
Percebe-se, portanto, que na década de 1920 iniciou-se um processo de
mudanças tanto em relação ao papel do Estado na questão da assistência médica
como na demarcação de uma área de atuação específica - a área da saúde –
enquanto campo do saber médico. Por outro lado, verifica-se a formação de um
171
embrião de uma nova área de atuação - a assistência social, na qual a aliança entre
a assistência pública e privada continuou muito presente.
Na década de 1930, se por um lado, a construção e a manutenção de
hospitais tornaram-se uma política de Estado; por outro, Ataulpho de Paiva
conseguiu pôr em prática seu projeto assistencial, quando foi designado para a
presidência do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), órgão criado
oficialmente em 1938, pelo então Ministro da Educação e Saúde Gustavo
Capanema, posto no qual permaneceu por 18 anos. Todavia, essa já é outra
conjuntura política que foge aos objetivos deste trabalho.
O que importa assinalar aqui é que em 1922, após quatorze anos da
realização do Congresso Nacional de 1908, a assistência ainda se constituía por
um conjunto de instituições públicas e particulares, prevalecendo uma ambígua
relação público-privado. Nesta configuração institucional, a Santa Casa de
Misericórdia, uma entidade privada que exercia uma função pública, permanecia
como a principal instituição de atendimento aos pobres na cidade do Rio de
Janeiro.
Paralelamente à Santa Casa, havia instituições menores, que se
configuravam como formas de ação sócio-assistencial de atores privados,
legitimados pela condição de operar “em nome dos pobres”. É justamente sobre
essas instituições, criadas por filantropos e subvencionadas pelo Estado, que
iremos abordar no próximo capítulo.
172
4 Elites urbanas e Poder Republicano: a criação de instituições filantrópicas na virada do século XIX para o XX no Rio de Janeiro
A filantropia se desenvolveu com a dominação política de uma nova elite
urbana, constituindo-se como ideologia de instituições e também como um ideário
para a sociedade na Primeira República. No início do regime republicano, esse
novo grupo social busca legitimar-se na sociedade e ascender politicamente,
utilizando-se da assistência como um poderoso campo operador de sua
legitimação. Essa é, para nós, uma “ideia-base” que conduziu nossos estudos,
conforme enunciamos na introdução desta tese.
Desse modo, é na virada do século XIX para o XX que a filantropia se
desenvolve como um princípio legitimador de uma nova elite fundamentalmente
urbana em formação no país. Sanglard (2010, p.71-72) indica que “na cidade do
Rio de Janeiro, capital republicana, conviviam lado a lado a antiga nobreza
egressa do Império e um grupo de “novos ricos”, cujo enriquecimento datava da
virada do século”.
A referida autora pontua que esse novo grupo social cultivava hábitos
típicos de uma elite salonière. Desse modo, freqüentava salões e prestigiosos
clubes de sociabilidade da época, como o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, a Academia Nacional de Medicina e a Academia Brasileira de Letras,
entre outros81
.
Esse contexto histórico, conhecido como a Belle Époque, para o historiador
Jeffrey Needell (1993), “significou tanto a continuidade do passado colonial
quanto o potencial de mudança do novo período” (p.42). Segundo o autor, os
salões da época também evidenciavam a “transição do ambiente da Corte, do café
81
Com relação aos clubes de sociabilidade, Sanglard (2010) cita os tradicionais Cassino
Fluminense (1845) e o Jockey Club do Rio de Janeiro (1868). Além destes, indica que foram
surgindo novos clubes ligados aos esportes, tais como: o Fluminense Futebol Clube (1902), o
Automóvel Clube do Brasil (1903) e o Iate Clube do Rio de Janeiro (1920), dentre outros.
173
e do comércio rural/urbano para o de um centro urbano em expansão que
favorecia carreiras profissionais, burocráticas e empresariais” (Ibid., p.133).
Needell (1993) acrescenta que, nesse período, “a elite carioca conciliou
mudanças generalizadas com a preservação de uma hierarquia social” (Ibid.,
p.41). Desse modo, as mudanças que ocorreram no período foram acompanhadas
de uma permanência de estruturas duradouras.
Por outro lado, Sevcenko (1998a) aponta que a Belle Époque brasileira foi
um período de afluxo de riquezas, no qual alguns grupos subiam na escala social,
beneficiados com o novo regime republicano. Segundo o autor, após a Revolução
Científico-Tecnológica (1870-1900), seus efeitos na economia e seus princípios
de racionalidade técnica levaram à inserção do país em um contexto
modernizador, o qual propiciou “a gestação de novas elites formadas pelos
modelos de um pensamento científico cosmopolita” (p.35). Portanto, no início da
República, essas novas elites atuaram “como mediadoras na integração do país
aos novos termos da gestão internacional do capitalismo” (Ibid., p.35).
O autor também indica que no período da Primeira Guerra Mundial, o corte
nas exportações de produtos industrializados europeus levou tanto ao
desenvolvimento de novas indústrias nacionais, como a ampliação das
exportações brasileiras para as nações beligerantes. A expansão da indústria
brasileira foi acompanhada pela introdução de novos padrões de consumo nos
principais centros urbanos do país.
A Cidade do Rio de Janeiro configurava-se como metrópole-modelo nessa
época, desfrutando a condição de centro político, comercial, financeiro e cultural
do país. Desse modo, o desenvolvimento dos meios de comunicação (telegrafia
sem fio, telefone, imprensa ilustrada, indústria fonográfica, rádio, cinema, etc.)
potencializou esse papel da capital da República, a qual tornou-se “eixo de
irradiação e caixa de ressonância das grandes transformações em marcha pelo
mundo, assim como no palco de sua visibilidade e atuação no território brasileiro”
(Sevcenko, 1998b, p. 522).
Portanto, as primeiras décadas do século XX foram marcadas por um afã
modernizador por parte das novas elites urbanas. No que se refere à coexistência
174
entre o tradicional e o moderno, típica desse período de transição, pode-se
observar que o recurso à filantropia denotava a permanência de relações
paternalistas tradicionais, as quais sedimentaram a política brasileira desde o
período colonial.
Após a Primeira Guerra Mundial, Gomes (1998) assinala que a demanda
mundial por modernização foi se redimensionando no país. Dessa forma, a partir
de 1920, passa a dominar, no campo da política brasileira, uma grande questão
identificada como sua principal marca e dilema: a República situava-se na
fronteira entre o público e o privado, caracterizando-se por uma tensão que era
“ao mesmo tempo constitutiva da política nacional e desintegradora de suas
possibilidades de desenvolvimento nos marcos da modernidade ocidental”
(Gomes, 1998, p.496):
De um lado, o reconhecimento de um certo paradigma de política moderna,
entendida como o mundo dos cidadãos racionais e dos procedimentos públicos
impessoais, mundo existente de fato nos países desenvolvidos. De outro lado, a
necessidade de compreensão de uma realidade social que com ele se confrontava,
pois fundava-se em padrões de autoridade tradicionais - personalizada e emocional
- , que não podiam ser ignorados e menosprezados, sob pena de total insucesso
(Ibid., p.499).
Quanto à assistência nesse período, expandia-se a lógica filantrópica,
amparada no cientificismo e numa relação público/privado de concessão e
subordinação que embasava as ações assistencialistas voltadas para as famílias
pobres. Estas ações eram executadas por entidades filantrópicas subsidiadas pelo
poder público.
Este capítulo tem como objetivo analisar as ações dos filantropos enquanto
fundadores de instituições sociais, particularmente na virada do século XIX para o
século XX, na então Capital Federal. No processo de criação dessas instituições
pode-se observar uma articulação entre a legitimação pela assistência de uma nova
elite urbana e o poder político na capital da República.
Consideramos, conforme percebido no segundo capítulo desta tese, que
parte significativa dessa nova elite urbana era constituída por profissionais
(médicos, advogados e engenheiros) que buscavam demarcar, no país, campos de
175
atuação disciplinar (ou) profissional, além de articular-se a outros grupos também
interessados no poder (empresários, industriais, comerciantes).
Esse novo grupo social urbano caracterizava-se pela formação e
participação em esferas sociais e políticas na sociedade, sendo seus membros
formadores de opinião pública. Assim, estavam presentes em diferentes espaços
de publicização de ideias: na literatura, na imprensa, em sociedades científicas e
no jornalismo. Eram, portanto, figuras públicas que se reforçavam como grupo na
criação e/ou vinculação a instituições filantrópicas82
(como membros fundadores,
membros do conselho, da diretoria, etc.), o que lhes garantia prestígio social.
A condição de intelectuais e especialistas os levou a atuar como porta-vozes
de reformas sociais em congressos científicos, a participar da elaboração de um
complexo normativo de leis voltadas tanto para a condução do poder público
como para o disciplinamento de comportamentos sociais. Portanto, havia entre
eles um consenso de ideias em torno de questões nevrálgicas da vida social,
norteadoras de projetos de reforma “social e moral” da sociedade brasileira.
A esse grupo pertenciam os filantropos que atuavam em diferentes áreas
sociais e participavam da criação de diversas instituições filantrópicas que se
expandiram na capital da República. Suas reivindicações de caráter liberal
propunham o respeito à autonomia dessas instituições que contavam com a
proteção jurídica e o apoio do Estado através de subsídios e doações de bens
públicos.
Entre as variadas formas de atuação dos filantropos podemos destacar o
atendimento aos enfermos com doenças consideradas como calamidades sociais
(como a tuberculose), o atendimento à infância percebida como o futuro da nação,
a estruturação do campo jurídico com relação ao “menor moralmente
abandonado” e ao controle do que era considerado “delinqüência” 83
.
82
Sobre instituições de saúde, ver Sanglard (2003, 2008b); sobre instituições ligadas à infância,
ver Rizzini (2008). 83
Citamos como exemplo, o jurista e filantropo José Cândido de Mello Mattos que elaborou o
Código de Menores, promulgado em 1927. Ele também criou a Casa Maternal Mello Mattos em
1924, instituição filantrópica que prestava assistência a infantes e adolescentes considerados
“desamparados”. O Código Mello Mattos voltava-se apenas para o “menor abandonado ou
delinqüente”, estabelecendo sua proteção legal através da tutela do Estado.
176
Neste capítulo, buscamos analisar o quadro de membros fundadores de duas
instituições filantrópicas de destaque nesse período: a Liga Brasileira contra a
Tuberculose (1900) e o Instituto de Proteção e Assistência à Infância (1889).
Estas instituições são apresentadas como exemplos emblemáticos da ação
filantrópica enquanto uma das facetas da elite carioca nesse período.
4.1. A Liga Brasileira contra a Tuberculose
No final do século XIX e início do século XX, a tuberculose não era uma
prioridade para o Estado, apesar do alto índice de mortalidade causado por essa
enfermidade nos principais centros urbanos, principalmente na Capital Federal.
Ressalte-se que esta era uma enfermidade com grande recorrência nos
aglomerados urbanos e fabris, tendo sido registrada nos “berços das cidades
industriais inglesas”. Portanto, era uma doença dos novos modos de viver e de
trabalhar da classe operária e dos moradores pobres das cidades.
Paiva (1916) chega a citar a memória apresentada por Hilário de Gouveia,
no Congresso de Berlim (1902), na qual o médico preconiza que o seguro
obrigatório contra as moléstias, os acidentes e a invalidez para as classes operárias
“era o caminho mais curto, mais perfeito, e mais simples que tinha o Estado para
encaminhar lisonjeiramente a cruzada contra o mal devastador da tuberculose”
(Ibid., p.235-236).
A proposta de criação de uma instituição específica para tratamento de
tuberculosos surgiu em 1899 por iniciativa de Cypriano de Freitas, médico e
professor da Faculdade de Medicina que, contando com a ajuda do médico e
também professor Hilário de Gouveia, convocou a classe médica para apoiar a
causa. A necessidade de impedir a difusão da doença, considerada como uma das
calamidades sociais nesse período, já havia sido apontada no 4° Congresso de
Medicina e Cirurgia no mesmo ano.
177
Foi realizada uma reunião no Conselho Municipal com a presença do
Coronel Numa Vieira, presidente do Conselho, onde compareceram vários
membros da elite da época. A partir desse encontro, as bases para a fundação da
Liga Brasileira contra a Tuberculose foram estabelecidas por um grupo de
médicos que formaram uma comissão composta pelo próprio Cypriano de Freitas,
além de Ismael da Rocha, Carlos Seidl, Guedes de Mello e Azevedo Lima. O
grupo justificava que no combate a uma enfermidade com alta taxa de
mortalidade, o Brasil seguia a “grande corrente científica e civilizadora da época”
(Relatório da Liga contra a Tuberculose, 1901 apud Nascimento, 2001, p.30).
É importar ressaltar que, no contexto de criação da Liga, a única instituição
que atendia pacientes com tuberculose, no Rio de Janeiro, era a Santa Casa de
Misericórdia84
. No início do século XX, o Estado priorizava outras moléstias
causadoras de epidemias que assolavam a Capital Federal. Foi somente em 1913
que o poder público começou a tomar providências, remodelando o Hospital São
Sebastião85
, onde foram construídos pavilhões específicos para tratamento de
tuberculosos. Esse hospital, mantido pelo governo federal, era destinado ao
isolamento e assistência a enfermos de doenças infecto-contagiosas.
Na cerimônia de inauguração, a Liga contou com o prestígio social e
político de autoridades públicas86
, de articulistas de jornais e da Igreja Católica. O
Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Joaquim Arcoverde, presidiu a sessão solene de
84
No Congresso Nacional da Assistência Pública e Privada (1908) ficou determinado um repasse
de verbas públicas, no valor de 350:000$000 à Santa Casa de Misericórdia para auxilia-la na
construção de um hospital-asilo para 200 tuberculosos. Em 1910, o hospital ainda não havia sido
inaugurado, quando o então Ministro do Interior, Rivadavia Corrêa, considerou que essa medida,
após ser concretizada, ainda não seria suficiente, uma vez que só nos hospitais da Santa Casa já se
encontravam em tratamento permanente mais de 400 doentes de tuberculose, em perigosa
promiscuidade com outros enfermos (Assistencia Publica e Privada, 1922, p.310). 85
Foi inaugurado por Dom Pedro II, em 9 de novembro de 1889, construído como hospital de
isolamento, devido ao surgimento da epidemia de febre amarela na capital imperial, no verão de
1849-1850. Foi somente em 1889 que a Academia Imperial de Medicina (hoje Academia Nacional
de Medicina) chegou a um consenso acerca das medidas profiláticas necessárias para o controle da
febre amarela. Ao longo de sua história, o hospital pertenceu à União, à municipalidade e ao
governo estadual. Aos poucos foi deixando de ser um estabelecimento destinado exclusivamente
aos doentes de febre amarela, servindo de isolamento para todos os acometidos de doenças infecto-
contagiosas. Ao longo do tempo, o Hospital São Sebastião passou por diversas reformas, tendo
sido acrescido de muitos pavilhões (PÔRTO et al., 2008). 86
Entre as autoridades públicas presentes na sessão de instalação da Liga destacam-se: o Prefeito
da cidade do Rio de Janeiro, Antonio Coelho Rodrigues, o Ministro da Viação, Alfredo Maia,, o
Diretor da Faculdade de Medicina, Albino Alvarenga e o Diretor Geral de Saúde Pública, Nuno de
Andrade (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922).
178
instalação da Liga que também contou com a presença de Campos Sales, então
Presidente da República. (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922).
Portanto, membros de uma elite que gozava de posição social e política
privilegiada fundaram a Liga Brasileira contra Tuberculose, no dia 4 de agosto de
1900, na cidade do Rio de Janeiro. A instituição, de caráter filantrópico, tinha por
finalidade tanto prestar assistência médica aos tuberculosos como disseminar
informações sobre a enfermidade.
No entanto, apesar da Liga ter recebido apoio financeiro de membros da
elite em sua fase de criação, a instituição só se manteve ao longo dos anos devido
aos subsídios públicos, os quais se constituíam em sustentáculo para esse
empreendimento.
Figura 18 - Prédio da Liga Brasileira contra Tuberculose. Fonte: AGCRJ. Portal Augusto Malta. Acessado em 10 de maio de 2013.
Apresentamos a seguir um quadro composto tanto por alguns membros
fundadores como por membros de sucessivas diretorias da instituição. Apesar de
não apresentarmos a totalidade desses membros, a mostra é representativa de uma
179
intrincada rede de relações que compunha a Liga, formada em sua maioria por
figuras de prestígio nas suas respectivas áreas profissionais.
Quadro 4 - Membros da Liga Brasileira contra a Tuberculose
Nome Formação/Cargos ocupados Posição na Liga
Médicos
A. A. Azevedo Sodré Médico Fundador/membro conselho
consultivo
Alfredo da Graça Couto Médico Fundador/membro conselho
consultivo
Alfredo Nascimento
Silva
Médico Fundador/presidente de
1914a1915
Benjamin da Rocha
Faria
Médico Fundador/membro conselho
consultivo
Bulhões de Carvalho Médico Fundador/membro conselho
Consultivo
Carlos Seidl médico;
Dir.DGSP (1912-18)
Fundador/membro Conselho
consultivo
Henrique Guedes de
Mello
Médico Fundador/membro do conselho
consultivo
Miguel Couto Médico Fundador/membro conselho
consultivo
Cypriano de Freitas Médico Mentor/fundador
Benício de Abreu Médico Fundador/membro conselho
consultivo
Hilário de Gouveia Médico Fundador/secretário perpétuo
A.J. de Souza Lima Médico Fundador/pres. conselho
consultivo
J.J. Azevedo Lima médico/político (Conselho
Municipal de 1899-1902)
Fundador/presidente de 1901-
1911
Nuno de Andrade médico/jornalista Conselho consultivo
Ismael Rocha médico militar Fundador/presidente 1913-
1915
João Baptista dos
Santos(Visconde de
Ibituruna)
médico/título nobiliárquico Fundador/Pres. 1900-1901
Advogados
Ataulpho de Paiva advogado/jurista Fundador/presidente 1912-
13/1919-24; presidente
vitalício
A.J. de Souza Lima advogado/professor Fundador/membro conselho
consultivo
Affonso Penna advogado/político-presidente
da República
Presidente honorário
Manoel Campos Salles advogado/político-presidente
da República
Presidente honorário
Milcíades M. de Sá
Freire
advogado/político (senador) Membro conselho
deliberativo/presidente
180
honorário
Jornalistas
Alcindo Guanabara jornalista/político (deputado e
senador)
Secretário até 1912/secretário
vitalício
Antonio Pereira Leão jornalista/redator Jornal
Commercio
Membro da diretoria
Eduardo Saboya jornalista/redator Jornal do
Commercio
Membro da diretoria
Ernesto Senna jornalista/redator Jornal do
Commercio
Fundador
Militares
Hermes da Fonseca militar/Pres. da República Presidente honorário
Alexandre M. Bayma Militar Fundador/membro conselho
consultivo
José Pereira Guimarães Militar Fundador/membro cons.
consultivo
Numa Vieira Militar Fundador
Engenheiros
A.A.Fernandes Pinheiro engenheiro Fundador/membro conselho
consultivo
A.G.Paulo de Frontin engenheiro Fundador/membro conselho
consultivo
Gabriel Osório de
Almeida
engenheiro Fundador/membro conselho
consultivo
Antonio Paula Freitas engenheiro Fundador/membro conselho
consultivo
Eclesiástico
João Pires Amorim eclesiástico Fundador
Joaquim Arcoverde cardeal; bispo do RJ Presidente honorário
Empresário
Manuel Miguel Martins
(Barão de Itacurussá)
empresário; título
nobiliárquico em 1888;
proprietário de terras
Fundador/vice-presidente em
1901
Fonte: os dados foram coligidos a partir de Nascimento, 2001.
Observamos, portanto, que entre os trinta e sete membros pesquisados,
dezesseis eram médicos (44,4%). Alguns deles tinham outras ocupações
simultâneas, tais como: político (2) e jornalista (1), além de um médico militar.
Aliás, encontram-se entre os membros da instituição, quatro militares.
Apesar de Dilene Nascimento (2001) afirmar que os médicos da Liga
“eram, na sua maioria, militantes da clínica tradicional que ao mesmo tempo
ocupavam a Academia Nacional de Medicina e a Faculdade de Medicina” (p.32),
encontramos um quadro mais amplo. Eles eram, muitas vezes, vozes influentes
nos congressos médicos e reivindicavam esta mesma influência no campo da
política brasileira. Cabe assinalar que o Diretor Geral de Saúde Pública entre 1912
181
a 1918, Carlos Seidl, foi membro fundador e integrante do conselho consultivo da
Liga.
Destacamos a presença dos médicos, Benjamin da Rocha Faria e Alfredo
Graça Couto, que participaram do Congresso Nacional de Assistência Pública e
Privada (1908), objeto de análise no segundo capítulo. Ressalte-se que Rocha
Faria fez um discurso eloqüente em defesa da assistência pública neste Congresso,
apesar de ser membro fundador da Liga na época. Isso mostra como esse período
foi predominantemente marcado pela lógica filantrópica na assistência, e que os
discursos nem sempre correspondiam às práticas desses reformadores sociais.
Entre os cinco advogados, três eram políticos, um professor de direito e o
outro era o jurista Ataulpho de Paiva, cujo trabalho na Liga o levou a tornar-se seu
presidente vitalício. Needell (1993) indica que sua prestigiada imagem pública foi
construída devido a sua grande capacidade impressionar e atrair patronos que o
ajudaram a alcançar posição de destaque na sociedade carioca. Segundo o referido
autor, Paiva foi presidente da Academia Brasileira de Letras sem jamais ter escrito
uma obra literária e ocupou “a mais alta posição no Judiciário mesmo sem ter a
menor reputação como jurista” (p.127). Sua trajetória, portanto, sintetiza as
características do período, principalmente no que diz respeito à interpenetração da
elite carioca com a estrutura do poder na época.
Nos quadros da Liga pode-se também verificar jornalistas, engenheiros e
políticos bastante influentes. Ressalte-se que três Presidentes da República foram
homenageados com o cargo de Presidente Honorário da instituição.
Por outro lado, os membros com títulos nobiliárquicos revelam a
convivência entre a nobreza egressa do Império com uma nova elite que emerge
no início da República. Sanglard (2010) ao analisar a composição da Liga, indica
que entre seus membros havia tanto a presença de uma nova elite carioca,
característica da Primeira República (as famílias Maryrink Veiga, Peixoto de
Castro, Simonsen, etc.), como nomes já tradicionais antiga da nobreza (Barão de
Sampaio Viana, o Barão de Itacurussá e o Conde de Agrolongo).
A administração da Liga era composta por uma diretoria e um conselho
consultivo, o qual tinha por função emitir pareceres técnicos e realizar
182
propagandas que tinham como foco as medidas de higiene consideradas
importantes no combate à tuberculose. Buscava-se, assim, promover a execução
de posturas municipais de cunho higienista:
A intensa propaganda, oral e escrita, da Liga provocou a decretação da lei
municipal de 17 de outubro de 1901, que tornou obrigatórias a notificação dos
casos de tuberculose e desinfecção do domicílio do doente, bem como veda
escarrar em lugares públicos, forçando o uso de escarradeiras higiênicas
(Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.309).
Por outro lado, a composição da Liga era formada por sócios de diversas
categorias (contribuintes, remidos, honorários, protetores e beneméritos) e, através
de seus estatutos, fixava valores diferenciados de pagamento de mensalidades para
cada categoria de sócio. Entretanto, a quantia arrecadada com a contribuição dos
sócios não era suficiente para viabilizar um projeto filantrópico de alto custo.
Após sua fundação, a instituição logo solicitou subsídios dos poderes públicos,
tanto da municipalidade como do governo federal:
Tratou desde logo a Liga de obter auxílios das administrações federal e municipal,
fazendo-lhes sentir o que de útil representa para os cofres públicos e para a
economia social a ação de uma instituição que combate um mal tão pesado à
fortuna pública e privada (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922,
p.309)
Em 1902 a Liga inaugurou seu primeiro dispensário, denominado Azevedo
Lima, em uma instalação provisória no centro da cidade. Dois anos depois, a
instituição conseguiu, do governo federal, a doação de um prédio nas
proximidades da Avenida Rio Branco, ainda em construção na época. O novo
prédio foi inaugurado, em 1907, com a presença do então Presidente da
República, Afonso Penna, entre outras autoridades e políticos87
. Este dispensário
manteve-se, por nove anos, como o único órgão no Rio de Janeiro especializado
no tratamento e profilaxia da tuberculose.
87
Também estiveram presentes, o Prefeito do Distrito Federal, Souza Aguiar, o Presidente da
Câmara, Carlos Peixoto, o Ministro do Interior, Tavares de Lyra, além de figuras importantes da
elite carioca (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.315).
183
Com a inauguração do primeiro dispensário, a instituição começou a receber
subsídios públicos. No orçamento de 1902, a Municipalidade passou a destinar a
quantia de 5$000 por licença para o comércio de bebidas alcoólicas e tabaco. Por
sua vez, os cofres federais passaram a subvencionar a Liga em 1907, quando a
instituição começou a receber uma dotação orçamentária para a sua manutenção, a
princípio no valor de 12:000$000. Este valor duplicou a partir de 1908
(Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922).
A criação de seu primeiro dispensário no Distrito Federal, aliada à
propaganda desenvolvida pela Liga, levou à instalação de instituições congêneres
nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia.
A história da Liga configurava, portanto, uma poderosa articulação entre a
filantropia e os poderes públicos. A instituição, em nome da utilidade social de
suas ações justificava que,
Assim consagradas a iniciativa particular e a intervenção oficial, em ação solidária
contra a peste das civilizações, a Liga verá realizados em benefício da humanidade
os meios de cura e as medidas locais de defesa” (Relatório da Liga Brasileira
contra a Tuberculose, 1901 apud Nascimento, 2001, p.30).
Apesar de manter-se basicamente por subvenções públicas, a Liga não
cumpria de forma eficaz com o seu programa institucional, situação que a própria
instituição admitia em seus relatórios, justificando a baixa adesão de sócios
contribuintes como a causa de seus problemas:
Ao funda-la, esperavam os seus instituidores haurir consideráveis somas das
contribuições dos sócios [...]. Infelizmente, isso não aconteceu. Desde os primeiros
relatórios não escondem os administradores da Liga a decepção que lhes causa esse
retraimento, que coloca a instituição em condições não só de não poder dispensar
as subvenções federais e municipais como ainda de não executar com a desejada e
necessária prontidão algumas partes de seu programa (Assistência Publica e
Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.312).
Apresentamos a seguir três tabelas elaboradas a partir de dados coletados na
obra Assistência Publica e Privada no Rio de Janeiro (1922), referentes ao total de
subvenções federais (1907-1913), municipais (1902-1913) e de quotas da loteria
184
federal (1904-1913) destinadas à instituição. Constatam-se valores bastante
elevados de subvenções nessa intrincada relação público/privado.
Tabela 4 - Subvenções federais destinadas à Liga Brasileira contra a
Tuberculose – 1907-1913
Subvenções Federais destinadas à Liga
Ano Total de Entradas
1907 12:000$000
1908 24:000$000
1909 24:000$000
1910 24:000$000
1911 24:000$000
1912 24:000$000
1913 24:000$000
Total Abs 156:000$000
Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922.
As subvenções federais, apresentadas na tabela acima, eram repassadas por
valores fixos anuais. Em 1907, a Liga passou a ser subvencionada pelo governo
federal. Um ano depois, houve um acréscimo de 100% no valor do repasse de
verba e, nos anos subseqüentes, ocorreu uma estagnação. Na fonte pesquisada,
não obtivemos informações sobre essas subvenções após 1913. É interessante
observar que justamente neste ano, o Hospital São Sebastião foi reformado,
inaugurando pavilhões específicos para tratamento de tuberculosos.
Tabela 5 - Subvenções municipais destinadas à Liga Brasileira contra a
Tuberculose – 1902-1913
Subvenções Municipais destinadas à Liga
Ano Total Novas entradas %
1902 18:635$000 - -
1903 20:780$000 - 2:145$000 + 10,3 %
1904 20:718$680 - 61$320 - 0,29%
1905 20:075$000 - 643$680 - 3,1%
185
1906 19:801$000 - 274$000 - 1,37%
1907 20:465$000 + 664$000 + 3,35%
1908 21:118$000 + 653$000 + 3,2 %
1909 21:145$000 + 27$000 + 0,13%
1910 21:441$000 + 296$000 + 1,4%
1911 22:903$000 + 1:462$000 + 6,8%
1912 24:910$000 + 2:007$000 + 8,8%
1913 26:595$000 + 1:685$000 + 6,8%
Total Abs. 258:586$680
Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922.
Quanto às subvenções municipais, estas provinham de uma porcentagem
das licenças fornecidas pela municipalidade para o comércio de bebidas alcoólicas
e de tabaco. Dessa forma, sofria variações constantes. Verifica-se, na tabela 5, que
em 1903, houve um aumento de 10,3% nas subvenções em relação ao ano de
1902. Porém, entre 1904 e 1906, o repasse de verbas municipais acumulou uma
pequena queda de 4,8%, a qual foi logo recuperada, uma vez que, no período de
1907 a 1913, houve um expressivo aumento de 27,1% nesses sete anos. No
cômputo geral, as subvenções municipais foram muito mais elevadas (62,4%) do
que as federais (37,6%).
Tabela 6 - Quotas da loteria federal destinadas à Liga Brasileira contra a
Tuberculose – 1904-1913
Quotas da Loteria Federal
Ano Total
1904 3:125$000
1905 4:950$000
1906 935$000
1911 7:288$000
1912 18:881$100
1913 19:381$000
Total Abs. 54:560$100
Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922.
186
Na fonte pesquisada, não obtivemos informações com relação ao percentual
das quotas de loteria destinado à Liga. Encontramos apenas o percentual referente
ao sanatório Rainha D. Amélia que apresentaremos ainda neste capítulo.
Entretanto, é interessante observar que este foi um método herdado da
colonização portuguesa. Em Portugal, as quotas de loterias (totobolas) eram
bastante utilizadas para financiar a assistência enquanto “jogos a serviço das boas
causas”.
Apesar de apresentar-se socialmente como uma forma de atuação em
benefício dos mais pobres, o atendimento da Liga era majoritariamente pago. Os
doentes pobres eram encaminhados pelos órgãos que subvencionavam a
instituição, e a isenção de pagamento dependia do parecer do Conselho
Deliberativo da Liga, segundo seu estatuto, artigo 36, primeiro parágrafo:
Ficam isentos do pagamento da diária, os doentes pobres remetidos pelas
instituições, corporações e Poderes Públicos que subvencionarem a Liga, contanto
que essa subvenção seja pelo Conselho Deliberativo julgada suficiente para
esse encargo (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.309. grifos
nossos).
Em 1911, foi inaugurado o segundo dispensário, denominado Viscondessa
de Moraes, em São Cristóvão. Em 1908, o visconde de Moraes doou um terreno
para a sua edificação. Todavia, em 1909, o Governo Federal desapropriou parte do
terreno devido a um projeto de alargamento da rua. No entanto, o Visconde
decidiu doar, em substituição a superfície desapropriada, o terreno dos fundos em
área contígua. O benfeitor também repassou à Liga a quantia referente à
desapropriação.
Com relação à construção do referido dispensário, o “Prefeito Serzedello
Corrêa e o Diretor de Obras Dr. Jeronymo Coelho facilitaram, nas respectivas
esferas de atribuições, a aludida construção, que foi gratuitamente fiscalizada pelo
Dr. Oscar Marques” (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922,
p.317).
187
Figura 19 - Dispensário Viscondessa de Moraes, 1911. Fonte: Acervo Fundação Ataulpho de Paiva apud Pôrto, Ângela et al., 2008.
Em 1913, a liga criou o serviço de assistência domiciliária com o objetivo
de prestar atendimento aos tuberculosos que não podiam se locomover até o
dispensário. Este serviço teve uma longa duração, pois só foi extinto em 1928.
Convém destacar que Ataulpho de Paiva era um defensor da assistência a
domicílio, pois a considerava como a tarefa mais nobre da filantropia ao conciliar
o auxílio material com o auxílio moral:
Ao auxílio material a “visita” permite acrescentar o auxílio moral: o agente
visitador pode e deve ser não somente um portador de esmolas, mas também um
conselheiro e um guia. Pelo seu espírito delicado e perspicaz, ele entretém, com
efeito, não a sentimentalidade vaga e geral, que não se traduz senão pelas
especulações estéreis e perigosas, mas essa emoção sã e fecunda que inspira a
visão da realidade e que conduz a uma ação verdadeira, útil e beneficente (Paiva,
1916, p.212).
É importante destacar que a instituição contava com a colaboração de
articulistas de jornais, membros da Liga, que publicavam informações sobre a
instituição na imprensa. Entre eles, podemos citar Antonio Pereira Leão, Ernesto
Senna, Eduardo Saboya, Alcindo Guanabara e Nuno de Andrade. Também em
188
1913, a Liga editou o primeiro número de sua revista, que seguiu regularmente até
1920, sendo substituída em 1921 por um Almanak.
No final da década de 1910, com a eclosão da epidemia de gripe espanhola e
o diagnóstico da situação calamitosa que se encontrava a saúde no país, vários
médicos e intelectuais passaram a exigir que fosse realizada uma intervenção do
Estado na área da saúde através de uma reestruturação dos serviços.
Na década de 1920, ocorreu a Reforma da Saúde Pública, implementada por
Carlos Chagas, pela qual foram criadas diversas inspetorias, dentre elas, a
Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose. Foi no seio dessas mudanças que a Liga
tornou-se Fundação em 1924. Seus estatutos foram alterados, extinguiu-se a
contribuição dos sócios e a instituição passou a ser mantida exclusivamente por
dotação orçamentária do governo federal destinada às entidades com estatuto de
fundação. Dessa forma, a instituição se adequou às mudanças, garantindo assim
sua permanência através de subsídios públicos.
Nesse período, o conhecimento científico sobre a tuberculose avançou e a
vacina BCG, imunoterápico que protege contra a tuberculose, foi descoberta por
Calmette e Guérin, vinculados ao Instituto Pasteur da França. Esse terapêutico foi
introduzido no Brasil em 1925. O médico Arlindo de Assis, assistente do Instituto
Vital Brasil, foi o responsável pelos primeiros ensaios com a vacina no país.
O jurista Ataulpho de Paiva, presidente da Liga na época, solicitou um
parecer à comissão técnica da instituição sobre a vacina BCG e a conveniência da
Liga iniciar, na cidade do Rio de Janeiro, a utilização do imunoterápico que
protege contra a doença. Apoiando-se no parecer da comissão, Ataulpho de Paiva
instituiu o serviço de vacinação pelo BCG, através de uma portaria, em 15 de
outubro de 1927. Firmou-se um convênio com o Instituto Vital Brasil, mediante o
qual este produziria a vacina e desenvolveria pesquisas biológicas, cabendo à Liga
aplicá-la e avaliar seus resultados.
Em 1927, também foi inaugurado o Preventório Rainha D. Amélia.
Inicialmente, ele foi projetado para ser um sanatório infantil, por sugestão do
Ministro de Portugal que achou oportuno inaugurar, em 1908, uma obra
filantrópica durante a visita ao Brasil do Rei D.Carlos I. A colônia portuguesa
189
formou uma comissão de recepção à sua majestade, mas em virtude do assassinato
do rei em Lisboa, meses antes da visita, a elevada quantia recolhida para a festa
foi doada para a construção do sanatório. Além desse donativo, a União também
contribuiu com a vultosa quantia de 100:000$000 para a sua criação.
Ainda em 1908, a diretoria da Liga continuou captando mais recursos para a
construção do sanatório, adquirindo, assim, um terreno no Leblon, doado pela
firma Ludolf, Santos & Cia. Alguns políticos da época88
também intercederam a
favor da instituição para que esta conseguisse a dotação federal de 100 contos,
consignada na lei do orçamento para 1910. Ainda neste ano, por emenda
apresentada à Câmara pelo deputado Bethencourt da Silva, o sanatório foi
contemplado com uma quota anual de 50 contos, proveniente das loterias federais.
Esse valor aumentou consideravelmente entre 1911 e 1913, como mostra a tabela
a seguir:
Tabela 7 - Quotas de loteria recebidas pelo Sanatório Rainha D. Amélia,
1911-1913
Quotas de Loterias recebidas para o Sanatório Rainha D. Amélia
Ano Total
1911 20:282$750
1912 22:912$050
1913 25:633$900
Total Abs. 68:828$700
Fonte: Assistência Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922.
Em 1912, chegou a ser colocada a pedra fundamental no terreno com grande
festividade, mas a construção não foi iniciada. Ao final, o projeto de sanatório
infantil transformou-se em um preventório destinado ao acolhimento de crianças,
filhas de pais tuberculosos. O prédio projetado não foi construído, e o preventório
foi instalado em uma chácara na ilha de Paquetá, de propriedade do médico
Gustavo Riedel. A compra foi efetivada em 1924, e as obras, para adaptar o local
ao funcionamento do dispensário, foram logo iniciadas.
88
“A propósito desse auxílio federal, os relatórios assinalam a gratidão da Liga ao Deputado
Domingos Mascarenhas e ao Ministro Rivadavia Correia” (Assistencia Publica e Privada no Rio
de Janeiro, 1922, p. 311).
190
Figura 20 - Preventório Rainha D. Amélia, Ilha de Paquetá, [s.d.]. Fonte: Acervo Fundação Ataulpho de Paiva apud Pôrto, Ângela et al., 2008.
A Liga assinou convênios de repasses de verbas públicas com o
Departamento Nacional de Saúde Pública e com a Prefeitura do Distrito Federal
para custeio da internação de crianças encaminhadas pelos órgãos públicos. Estes
convênios demonstram que a articulação entre a assistência pública e a assistência
privada permanecia muito presente na década de 1920.
A partir de 1930, a instituição criou seu próprio laboratório de preparo do
BCG, o qual se tornou o único laboratório privado de produção de
imunobiológicos. Em 1936, a Liga Brasileira contra a Tuberculose passou a
denominar-se Fundação Ataulpho de Paiva, em homenagem ao seu presidente
perpétuo.
Portanto, a Liga veio a ser o maior produtor da vacina BCG no Brasil. Com
mais de cem anos de existência, a Fundação Ataulpho de Paiva – Liga Brasileira
contra a Tuberculose – permanece, até hoje, produzindo vacinas BCG e mantendo
o Preventório Rainha Dona Amélia, o qual legitima a sua condição de instituição
filantrópica, garantindo, assim, isenções fiscais.
191
4.2. O Instituto de Proteção e Assistência à Infância
O Instituto de Proteção à Infância (IPAI) foi fundado em 29 de março de
1889, pelo médico e filantropo Arthur Moncorvo Filho, na cidade do Rio de
Janeiro. Foi criado em sua residência e, após dois anos, foi instalado no segundo
pavimento de um prédio alugado na Rua Visconde do Rio Branco, no centro da
cidade.
Um grupo de deputados89
, membros do IPAI, apresentou à Câmara um
projeto que autorizou o governo a pagar o aluguel do prédio onde funcionava a
sede do Instituto, enquanto não lhe fosse dado uma instalação permanente. Desse
modo, o IPAI rapidamente conseguiu ser subvencionado pelo Estado, o que
demonstra uma forte articulação entre a filantropia e o poder político na época.
Em 1914, a instituição obteve por doação do Marechal Hermes da Fonseca,
então Presidente da República, um terreno também localizado no centro da cidade,
na Rua Areal (atualmente Rua Monvorvo Filho). No terreno doado pelo governo
federal já se encontrava edificada a primeira parte do edifício onde foi instalada a
nova sede da instituição. Para finalizar a construção, o industrial Albino de Souza
Cruz, membro benemérito da instituição, doou o material para as obras.
89
O grupo era formado pelos seguintes deputados: Heredia de Sá; José Cândido de Mello Mattos
(1° Juiz de Menores em 1923 e autor do Código de Menores promulgado em 1927), Sá Freire e
Américo de Albuquerque.
192
Figura 21 - Instituto de Proteção e Assistência à Infância ainda em construção, [s.d.] Fonte: Acervo Museu da Imagem e do Som apud PÔRTO, Ângela et al., 2008.
Figura 22 - Fachada do Instituto de Proteção e Assistência a Infância, [s.d.] Fonte: Acervo Museu da Imagem e do Som apud Pôrto, Ângela et al., 2008.
O IPAI foi criado em um período que a grande preocupação dos
especialistas em assistência à infância concentrava-se na questão da mortalidade
infantil como parte integrante do projeto de saneamento que visava atingir a
civilidade e a modernidade.
A puericultura era considerada como a “ciência da família, feita com a
colaboração confiante da mãe e do médico, do amor materno esclarecido pela
ciência” (Assistência Pública e Privada no Rio de Janeiro, 1922, p.14).
193
Martha Freire afirma que o advento do binômio "mãe-filho" como
preocupação social se deu a partir de meados do séc. XIX. Todavia, a virada deste
século para o século XX foi o momento em que,
A maternidade foi alçada à dimensão de questão de ordem pública, devendo ser
amparada e protegida. As justificativas apresentadas para as diferentes propostas
de ações de assistência social que surgiram no período variavam entre questões
demográficas, sanitárias ou patrióticas. Uniam-se, entretanto, em torno de um eixo
comum: a valorização da infância como futuro da nação, e a eleição da ciência
como caminho para a construção da nacionalidade (Freire, 2009; p. 19).
Nessa época, segundo Kulhmann Jr. (1991), a medicina encontrava na
puericultura uma forma de divulgação das normas de cuidados com a infância,
não sendo o atendimento materno-infantil considerado um direito do trabalhador,
mas uma benesse dos filantropos.
Segundo Sanglard (2013), o Instituto foi criado por um grupo eclético,
formado tanto por filantropos que representavam uma nova elite republicana em
busca de prestígio social, como por uma elite tradicional oriunda do Império, a
qual se mostrava muito presente na composição do IPAI. A autora indica que essa
foi uma característica peculiar da instituição.
Entretanto, devido ao elevado número de membros que compunha os
quadros da instituição, selecionamos, para esta análise, apenas seus membros
fundadores que apresentamos no quadro a seguir:
Quadro 5 - Membros Fundadores do Instituto de Proteção e Assistência à Infância
Membros Fundadores do Instituto de Proteção e Assistência à Infância (IPAI)
Nome Formação/Ocupação Posição no IPAI
Abade D. João de Mercês eclesiástico; diretor do Colégio
São Bento 1893-1903
Sócio fundador
Alfredo Velloso - Membro fundador
Alvaro de Coutinho Vilhena engenheiro; diretor geral dos
Telégrafos em 1908
Sócio fundador
André Jorge Rangel advogado; juiz pretor Membro fundador
Ascanio de Oliveira Macedo - Membro fundador
Betim Paes Leme engenheiro; político (deputado) Sócio fundador
Carlos Pereira Sá Fortes médico Membro
benemérito
Domingos Alves Pereira militar (coronel) Membro fundador
Dr. João Coelho de Mello médico; Serviço de Profilaxia da Membro fundador
194
Junior Febre Amarela
Edoardo Loschi - Membro fundador
Ermirio Coutinho médico Sócio fundador
Francisco Marques da Rocha militar (almirante) Membro fundador
General Marcellino Bayma médico militar Sócio fundador
Guilherme do Valle - Membro fundador
Henrique José Alvares da
Fonseca
engenheiro do Min. da Justiça e
Negócios Interiores
Membro fundador
Herminio F. do Espírito
Santo
advogado/político Membro fundador
João Gonçalves Duarte militar (Almirante) Membro fundador
José Xavier Figueiredo de
Brito
militar (Major) Membro fundador
Léo d’Affonseca nobre (Comendador) Membro fundador
Liz Bulcão - Membro fundador
Luiz da Fonseca Ramos militar (Major) Membro fundador
Luiz da Gama Berquó militar (capitão) Membro fundador
Manoel Veloso Paranhos
Pederneira
médico militar; Membro fundador
Moncorvo Filho Médico Diretor-fundador
Moraes Barros médico;político(senador, dep.
Federal); industrial
Sócio fundador
Pedro Antonio de Menezes - Sócio fundador
Raphael de Vincenze - Membro fundador
Rozendo Julio dos Santos - Membro fundador
Vicente Machado promotor público; Juiz de
Órfãos; político (deputado e
senador); jornalista
Membro fundador
Visconde Luiz Augusto
Ferreira Almeida
industrial (dono da fábrica de
tecidos São Lázaro); fundou o
Asilo São Luiz em 1890;
Sócio-fundador
Fonte: os dados foram extraídos da listagem elaborada por Caroline Amorim Gil. Filantropia no Rio de Janeiro: propostas e discussões (1908-1922) - relatório de projeto. 2008, mimeo.
Entre os trinta fundadores listados no quadro acima, não conseguimos
identificar a formação e/ou profissão de oito membros. Contudo, percebe-se que o
grupo de fundadores do IPAI era composto por representantes de vários setores
sociais. Era formado, em sua maioria, por médicos e engenheiros higienistas, mas
além destes, havia advogados, juristas, nobres, eclesiásticos, jornalistas,
negociantes e industriais, sendo que vários membros também ocupavam cargos
políticos. Destaca-se um número expressivo de militares com grande prestígio
político em um período pós-golpe militar de 1889 (presidentes da República e
próceres da República).
Todavia, em um quadro muito mais amplo do que o apresentado acima,
Sanglard (2013) verifica uma forte atuação feminina no IPAI, seja de senhoras da
195
elite que se dedicavam à causa filantrópica, seja de parteiras e enfermeiras. Por
outro lado, no que se refere à presença de médicos e estudantes de medicina na
instituição, a autora aponta que “poucos são aqueles que se dedicaram de fato à
pediatria e, apesar do que afirma Martha Freire (2008), o IPAI não era o espaço da
prática da pediatria da FMRJ, mesmo contando com alunos em seus serviços”
(Ibid., p.242).
É importante ressaltar que além dos sócios fundadores, membros da
diretoria, sócios contribuintes e beneméritos, a instituição também se estruturava
através de diversas comissões que se organizavam para fins específicos (festas,
divulgação, etc.). Entre estas, destacamos a “comissão para obter favores oficiais”,
formada basicamente por militares: Lauro Miller (engenheiro militar),
Thaumaturgo de Azevedo (coronel), Thomé Cordeiro (coronel), Hermes da
Fonseca (general/presidente da República). Esta comissão reafirma a forte
vinculação da filantropia com o poder na Primeira República.
O IPAI era uma entidade filantrópica, de caráter privado, subvencionada por
verbas federais e municipais. Foi reconhecida como instituição de utilidade
pública por decreto municipal em 1909, um ano após a realização do Congresso
Nacional de Assistência Pública e Privada, do qual participou com a memória, “O
Instituto de Protecção e Assistencia à Infância”, apresentada pelo seu diretor-
fundador Moncorvo Filho, com o objetivo de divulgar o trabalho da instituição em
um congresso científico.
Quanto aos dados sobre subsídios públicos, não conseguimos apura-los em
sua totalidade. Na fonte consultada, onde foram publicadas as estatísticas oficiais,
os dados referentes aos atendimentos prestados pelo Instituto eram abundantes, no
entanto, aqueles relativos à receita da instituição eram bastante escassos. Só foi
possível encontrar dados mais específicos referentes ao ano de 1912, além de
informações gerais sobre patrimônio e receita entre 1913 e 1915 que apresentamos
nos próximos quadros:
196
Quadro 6 - Dotação Orçamentária IPAI – 1912
IPAI – Descrição Orçamentária - 1912
Patrimônio Receita
193:952$677 62:119$870
Dotação orçamentária
Federal
30:000$000
Dotação orçamentária
Municipal
5:500$000
Quotas de Loteria 15:053$660
Doações 2:144$710
Mensalidades e
Rendas do Patrimônio
9:421$500
Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922.
No quadro acima, constata-se que a maior parte da receita do IPAI em 1912
(cerca de 80%) era proveniente de verbas públicas (subsídios e loterias). Por outro
lado, observa-se o elevado capital acumulado da instituição, obtido, em grande
parte, através de doações do Estado (terreno, edificação). Também verificamos
uma valorização do patrimônio da instituição através de investimentos apontados
no item “rendas do patrimônio”.
Quadro 7 - Dotação Orçamentária IPAI – 1913 a 1915
IPAI – Descrição Orçamentária – 1913 a 1915
Ano Patrimônio Receita
1913 152:276$844 73:944$118
1914 158:355$400 89:174$340
1915 351:096$892 102:054$020 Fonte: Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922.
No quadro VII, percebe-se uma elevação tanto do patrimônio como da
receita entre 1913-1915. Além disso, pode-se verificar que, em 1915, tanto os
valores de patrimônio como os referentes à receita praticamente duplicaram.
Cabe assinalar que os objetivos do IPAI, segundo seus estatutos de 1913,
constituíam-se em:
Inspecionar e regulamentar a lactação; inspecionar as condições de vida das
crianças pobres (alimentação, roupas, habitação, educação, instrução, etc.);
dispensar proteção às crianças abandonadas; auxiliar inspeção médica nas escolas
e indústrias; zelar pela vacinação; difundir meios de combate à tuberculose e
197
outras doenças comuns às crianças; criar jardins de infância e creches; manter o
“Dispensário Moncorvo”, para tratamento das crianças pobres; criar um hospital
para crianças pobres; auxiliar os poderes públicos na proteção às crianças
necessitadas; criar sucursais nos bairros do Rio de Janeiro; concorrer para que
fossem criadas nos hospícios e casas de saúde, escolas para imbecis e idiotas etc.;
criar filiais nos outros estados; propagar a necessidade de leis protetoras da
infância e também da regulamentação da indústria das amas de leite [...]
(Moncorvo Filho, 1907 apud Kuhlmann Jr, 1991, p.9-11).
Figura 23 - Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro [s.d].
Fonte: Acervo Augusto Malta. Museu da Imagem e do Som, Rio de Janeiro.
Em 1908, o Instituto mantinha o Dispensário Moncorvo, no qual funcionava
um serviço de assistência médica à infância, com uma pequena enfermaria e um
gabinete de microscopia clínica e anatomia patológica. Nesse período, o IPAI já
possuía duas instituições congêneres funcionando sob os mesmos moldes.
Posteriormente, foram criadas outras instituições nos estados da Bahia,
Pernambuco, Paraíba, Pará, Maranhão e São Paulo. Em 1929, o Instituto contava
com 29 filiais em todo o país.
O trabalho do IPAI concentrava-se na puericultura intra e extra-uterinas, ou
seja, um ramo da filantropia que visava à salvação da primeira infância. Apesar de
198
focar nos cuidados ao recém-nascido, crianças de outras faixas etárias também
eram atendidas na instituição (Moncorvo Filho, 1908, p.354).
No serviço de puericultura, voltado para o atendimento e proteção à mulher
grávida pobre, era praticada a puericultura intra-uterina. As gestantes eram
acompanhadas durante a gravidez, sendo assistidas no parto em domicílio, além
de receberem um enxoval para o nascituro.
Outros serviços também eram oferecidos: atendimento ginecológico, exame
clínico infantil, vacinação, distribuição de roupas, exame e atestação de amas de
leite e o Programa Gota de Leite.
No serviço de consulta para lactantes funcionava o programa “Gota de Leite
Dr. Sá Fortes”, em homenagem ao filantropo e industrial Carlos Pereira Sá Fortes,
dono da Companhia Lacticínios de Minas Gerais, a qual fornecia o leite para o
Instituto. Fortemente inspirado no trabalho de organizações francesas como as
Gouttes du Lait, o programa constituía-se na distribuição gratuita de leite
esterilizado e de farinhas alimentícias, no próprio IPAI:
[…] de um lado porque se fomenta com todo interesse o aleitamento materno a um
número não pequeno de mães que conduzem seus filhos à consulta, de outro
porque se fiscaliza a alimentação dos pequeninos seres, aos quais se distribuem,
muitas vezes, farinhas alimentícias, de acordo com a idade. Os dados estatísticos
provam com indiscutível evidência as vantagens do funcionamento do Serviço e os
bons efeitos do leite esterilizado (da Companhia Lacticinios) preparado no Instituto
(Moncorvo Filho, 1908, p.355).
Apesar de Moncorvo Filho dissertar sobre o interesse em fomentar o
aleitamento materno, na prática, ele promovia uma farta distribuição de leite
esterilizado, sendo o programa Gota de Leite considerado o serviço mais
importante do IPAI.
Ao contrário de Fernandes Figueira que propunha a obrigatoriedade do
aleitamento materno, por entender que este deveria ser estimulado pelo Estado,
conforme já mencionado no segundo capítulo, Moncorvo Filho enaltecia seu
programa Gota de Leite como um serviço pioneiro no Brasil. Ele defendia, assim
199
como Ataulpho de Paiva, uma aliança entre a assistência pública e a assistência
privada.
Paralelamente ao programa Gota de Leite, o Instituto promovia concursos
de robustez90
para bebês, premiando em dinheiro às mães que aleitavam seus
filhos e os mantinham em rigorosas condições de higiene.
Os prêmios eram distribuídos em solenidades organizadas pela instituição, e
os jornais publicavam as fotografias das crianças vencedoras. Resta saber se os
bebês mais robustos eram alimentados por leite materno ou pelo leite do Dr. Sá
Fortes e farináceos.
Figura 24 - Os concorrentes do 19° Concurso de Robustez do IPAI [s.d]. Fonte: Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz apud Freire & Leony, 2011.
O IPAI contava com a colaboração da Associação de Damas de Assistência
à Infância que funcionava em espaço anexo ao Instituto. A Associação, instituída
no dia 5 de setembro de 1906, era uma entidade apêndice do Instituto. Formada
por senhoras da alta sociedade carioca, destinava-se a auxiliar na manutenção do
IPAI (Assistencia Publica e Privada no Rio de Janeiro, 1922).
90
Em 1908, já haviam sido realizados 12 concursos de robustez com prêmios às mães que
apresentavam filhos robustos e saudáveis. O concurso era realizado uma vez por ano, no dia 12 de
outubro (MONCORVO FILHO, 1908, p. 356).
200
Um serviço de socorros era mantido por beneméritas senhoras, as chamadas
“Damas da Assistência à Infância” que distribuíam doações de roupas, calçados,
alimentos, brinquedos, etc., para as mães cadastradas pela entidade. Segundo
Moncorvo Filho (1908), “com seu estímulo, com seus atos de profunda filantropia
e benemerência essas senhoras se encontram semanalmente na sede para costurar
e distribuir roupas para as crianças” (p.356).
Esses benefícios aumentavam por ocasião das festas de Natal, Ano Novo e
Reis. Nestas festas, os protegidos do Instituto recebiam donativos e assistiam a
palestras sobre higiene infantil. As palestras eram realizadas em linguagem “ao
alcance de todos” e publicadas depois em várias edições da revista do IPAI. Esse
serviço visava “insinuar no espírito das mães as noções precisas e úteis para bem
criarem os filhos” (Moncorvo Filho, 1908, p.355).
Em junho de 1908, a Associação das Damas da Assistência fundou uma
creche, a qual era mantida sob seus auspícios para atender crianças, em sua grande
maioria, filhos de empregadas domésticas. A creche inaugurou com 10 leitos,
conseguindo alcançar 20 leitos, o que demonstra um quantitativo irrisório, típico
de ações filantrópicas criadas para dar visibilidade social aos seus fundadores,
sendo bastante ineficazes para responder às demandas concretas de atendimento
às mulheres trabalhadoras na época.
Segundo Kuhlmann Jr (1991), as mães burguesas foram as primeiras a
assumir as novas funções maternas, colocadas como aliadas dos médicos na tarefa
de difusão dos novos comportamentos junto às mães trabalhadoras. No entanto, “a
participação da mulher na assistência era entendida pelos homens numa linha
auxiliar de sua intervenção” (p. 21).
Esse movimento ao mesmo tempo de promoção e subordinação da mulher
pode ser verificado tanto na composição do IPAI, onde a participação das
mulheres se restringia, em sua grande maioria, à organização de festas e/ou
arrecadação de donativos, como na denominação da creche fundada pela
instituição, em 1908, “Creche Sra. Alfredo Pinto”, uma vez que o nome da
homenageada ficou à sombra de seu marido, então chefe de polícia do Distrito
Federal (Kuhlmann Jr., 1991).
201
O Instituto também realizou a inspeção médica de “menores” que
trabalhavam em órgãos públicos. Os médicos do IPAI, inclusive o próprio
Moncorvo Filho, visitaram as oficinas da Imprensa Nacional e da Casa da Moeda
para examinar os operários “menores de idade”. Na inspeção, os médicos
encontraram uma alta porcentagem de crianças com tuberculose, as quais foram
inscritas no Dispensário Moncorvo para receber tratamento (Moncorvo Filho,
1908).
O IPAI publicava uma revista denominada “Archivos de Protecção à
Infância”, a qual era o órgão oficial de divulgação dos trabalhos da instituição,
principalmente aqueles voltados à higiene infantil. No entanto, apesar da prática
de distribuição de leite esterilizado realizada pelo Instituto, a revista, segundo
Moncorvo Filho (1908), tinha por objetivo fomentar o aleitamento materno como
uma das mais importantes medidas para a redução da mortalidade infantil, que
apresentava índices bastante elevados não só no Brasil como em todo o mundo.
O IPAI-RJ foi premiado em várias exposições e congressos científicos tanto
nacionais como internacionais. Recebeu o “Grande Prêmio” na Exposição
Nacional de 1908; a medalha de ouro na Exposição de Higiene, em 1909, no Rio
de Janeiro e no Congresso Sul-Americano de Mutualismo, realizado em São Paulo
em 1910; o “Diploma de Honra”, em 1912, na Exposição de Higiene realizada em
Roma. As filiais do IPAI da Bahia e de Pernambuco também receberam o
“Grande Prêmio” na Exposição Nacional de 1908.
Além do IPAI, Moncorvo Filho fundou o Departamento da Criança no
Brasil em 1919, voltado para a produção de informações, estudos e pesquisas
sobre a situação da infância no Brasil, instalando-o no mesmo prédio onde já
funcionava o IPAI. O Departamento da Criança realizou o Primeiro Congresso
Brasileiro de Proteção à Infância e organizou o Museu da Infância, inaugurado em
1922.
Segundo o historiador James Wadsworth (1999), o Departamento da
Criança foi declarado de utilidade pública pelas autoridades municipais em
novembro de 1920, o que o credenciou a receber heranças e donativos. Em 1921,
a referida instituição recebeu uma dotação orçamentária do governo federal no
202
valor de 9.180 mil réis. Em 1923, o deputado federal Metello Júnior obteve a
destinação de uma porcentagem do imposto sobre bebidas alcoólicas para este
Departamento.
Entretanto, o referido autor aponta que Moncorvo Filho sofreu um grave
revés com o veto de uma proposta de lei que previa o reconhecimento do
Departamento da Criança como de utilidade pública nacional. A proposta já havia
sido aprovada pela Câmara dos Deputados, mas foi vetada pelo então Presidente
da República, Epitácio Pessoa, em 29 de janeiro de 1922.
Wadsworth (1999) acrescenta que Moncorvo Filho empenhou-se bastante
para conseguir apoio financeiro do Estado e lamentou a falta de interesse dos
“poderes públicos” em subvencionar o Departamento da Criança, o qual dependia
de auxílio oficial.
Tanto o IPAI como o Departamento da Criança continuaram em
funcionamento até 1938. Aos 70 anos, Moncorvo Filho doou as instalações do
IPAI e do Departamento da Criança à Prefeitura do Distrito Federal. Em 26 de
julho de 1941, pelo decreto-lei 3.472, o Presidente Getúlio Vargas autorizou a
doação do patrimônio estimado em nove milhões de cruzeiros (FREIRE, 2008).
O prédio do antigo IPAI se transformou em Hospital Moncorvo Filho.
Foram lá instaladas clínicas da prefeitura e da Faculdade Nacional de Medicina.
Em janeiro de 1951, as instalações do Hospital Moncorvo Filho passaram a
pertencer a Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil. Atualmente, o
Instituto de Ginecologia da UFRJ continua instalado nas dependências do
Hospital Moncorvo Filho, como uma das unidades hospitalares da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No local funciona
ainda o Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione,
conhecido como Iede (Freire, 2008).
Ao longo deste capítulo, procuramos demonstrar como as elites da Primeira
República se articularam em prol da criação de instituições filantrópicas. Apesar
de termos analisado apenas dois exemplos emblemáticos, o quadro aqui
apresentado, com certeza pode ser ampliado para outras instituições, uma vez que
caracteriza a relação público-privado que singularizava a assistência no período.
203
As duas instituições de assistência, de cunho beneficente, fundadas por
filantropos e subvencionadas pelo Estado, tiveram destinos diferentes. Por um
lado, a Liga se transmudou em Fundação, permanecendo na condição de entidade
filantrópica, o que lhe garante isenções fiscais e subsídios públicos que
possibilitam a sua manutenção e o seu monopólio na fabricação da vacina BCG
no país até os dias atuais. Quanto ao IPAI, a perda dos subsídios do governo
federal levou ao declínio e, posteriormente, ao fim das atividades da instituição.
É importante destacar que mesmo com objetivos ligados ao campo da saúde,
essas instituições se notabilizaram por realizar um trabalho de mobilização social
de famílias, notadamente pobres.
Ressalte-se a influência do higienismo francês, tanto na reforma social na
França do século XIX91
, como nas ideias e ações de médicos e higienistas
brasileiros que, no início do século XX, propunham ações de assistência
relacionadas ao controle tanto da mortalidade infantil como de doenças
consideradas como calamidades sociais. No Congresso Nacional de Assistência
Pública e Privada (1908), já se discutiam propostas reformadoras cujo eixo era a
importância da higiene para a construção de uma nação civilizada e moderna.
O projeto de moralização da sociedade brasileira incluía a formação de uma
nova figura do trabalhador através de múltiplas estratégias de disciplinarização
exercidas dentro e fora das fábricas, uma vez que era urgente integrar o
proletariado e sua família ao universo dos valores burgueses.
Desse modo, o papel atribuído às mulheres em geral e às das classes
populares, em particular, foi um dos aspectos caracterizadores do contexto sócio-
cultural da Primeira República, quando “as famílias pobres tornaram-se objeto de
enormes compêndios de normas de moralização de hábitos e costumes, sendo a
mãe a figura central desta dinâmica” (Quiroga, 2010, p.8).
91
A historiadora Janete Horne, em seu trabalho sobre o Museu Social francês, mencionado no
primeiro capítulo deste trabalho, assinala a forte influência do higienismo no movimento de
reforma social na França do século XIX. Os higienistas franceses produziam inúmeras estatísticas
relacionadas ao modo de vida dos operários e de suas famílias, as quais se configuravam em
instrumentos indispensáveis à viabilização da dominação política da burguesia.
204
Freire & Leoni (2011) apontam que “as estratégias propostas não se
resumiam a ações de assistência, mas abrangiam também a educação das mulheres
de forma a garantir a formação física e moral dos filhos [...]” (p.202).
Entretanto, se na sociedade francesa, esse processo caracterizou o novo
papel das mães burguesas como aliadas do poder médico, no Brasil, o processo
adquiriu outras configurações. Quiroga (2010) indica que a desigualdade que
marca a sociedade brasileira não permitiu o estabelecimento de uma estratégia
única em relação às mulheres-mães. Se por um lado a maternidade as unificava;
por outro, as condições de classe eram de tal forma diferenciadas que tornava
bastante distinta a presença, a comunicação e, consequentemente, o poder médico
sobre as famílias.
A mãe burguesa, ao atuar no mundo da filantropia, estabelecia uma aliança
com o médico, tomando para si a educação higiênico-moralizadora da família
popular, o que implicava na imposição de mudanças nos costumes e hábitos
populares. Tais mudanças implicavam em:
Mudar os hábitos de vida social e cuidado da prole; introduzir formas de controle
sobre seu companheiro e filhos; estruturar uma concepção modelar de maternidade
e vida privada constituíam metas essenciais da “missão civilizatória” de filantropos
e agentes do estado em relação às mulheres e famílias dos grupos populares
(Quiroga, 2010, p.9).
Desse modo, entre palestras e concursos que orientavam às mulheres e
famílias dos grupos populares à adoção de comportamentos mais compatíveis com
a nova racionalidade urbana e capitalista que se expandia na capital da República,
não foram poucas as formas de resistência apresentadas pelas famílias. Observa-
se, no entanto, que grande parte das manifestações de resistência era interpretada
como passividade ou ignorância. Entretanto, essa chave de leitura se constituía em
estratégia de controle sobre as classes populares. Portanto, a família e o cuidado
com a infância eram alvos fundamentais do projeto de normatização da sociedade
que emergiu na Primeira República.
205
5 Considerações Finais
Como buscamos demonstrar ao longo deste trabalho, a filantropia foi o
modelo predominante de assistência na cidade do Rio de Janeiro durante a
Primeira República. Este se impôs como uma nova forma de intervenção social,
representativa de uma abordagem liberal da questão social que emergiu, nesse
período, nos principais centros urbanos do país.
No entanto, para além de uma intervenção com pretensões de maior
eficiência técnica, a filantropia foi indispensável à viabilização da dominação
política de uma nova elite urbana, que obtinha benefícios ao nível da produção de
consensos e consentimentos de dominação através das ações filantrópicas.
Desse modo, a filantropia se desenvolveu como um princípio legitimador
dessa nova elite que, em sua estrutura de legitimação junto à sociedade, manteve
antigos valores e justificações morais, em grande parte originados do universo
judaico-cristão e, ao mesmo tempo, introduziu novos elementos, colocando os
conhecimentos técnico-científicos como o fundamento de sua ação.
Este foi um período onde se privilegiou a reforma social em nome do bem
público. Nesse contexto, evidencia-se uma perspectiva de controle sobre as
classes populares, a qual veio acompanhada de uma série de desqualificações aos
seus modos de vida, além de um tratamento repressivo nos casos de manifestações
coletivas, fossem elas rebeliões populares ou greves e movimentos operários.
Destacamos aqui a importância política da tão evocada moralidade pública
como a base das relações de poder na época, a qual justificava as ações dos
filantropos. Consideramos que as elites produziam um código cultural que se
configurava como um espaço de convergência entre política e moral, pelo qual
questões diversas, como a delinquência, a mendicância, a loucura, etc.,
representavam espaços onde era viável disciplinar condutas, estabelecer regras de
sociabilidade e hierarquizar a proximidade e a distância entre grupos e classes
sociais.
206
A questão da moralidade pública permite entrever como se operou a
privatização dos conflitos sociais e como se impediu a expressão pública das
reivindicações populares. A política moral, portanto, significava trazer as camadas
populares para o aprendizado “civilizado” e “ordeiro”, delineando os contornos de
um modelo singular de governabilidade, centrado no poder tutelar das elites em
relação aos pobres.
Ressalte-se que o gesto filantrópico encontrava sentido e se legitimava na
ideia de “utilidade social”, considerada pelas elites urbanas como um valor, na
medida em que servia como um pano de fundo para justificar as ambições
nacionais e pessoais, já que os interesses privados eram vistos como coletivos.
Dessa forma, acreditamos ser impossível analisar a filantropia, nesse contexto,
sem considerar suas projeções ideológicas e sua poderosa articulação com o poder
republicano.
Outro ponto importante a ser destacado é a importância do saber médico e
do saber jurídico tanto na construção do ideário do chamado “Brasil Moderno”,
como numa constituição embrionária da assistência social na Primeira República.
Posteriormente, na década de 1930, observa-se que a medicina e o direito foram
os dois campos da ciência que tiveram forte presença na constituição da ideologia
do Estado varguista, como também na própria configuração da profissão. Por um
lado, a área da assistência à infância veio a se desenvolver como órgão auxiliar da
Justiça; por outro, o ideário higienista acabou sendo incorporado como base
ideológica do projeto de intervenção do Serviço Social.
Quanto aos filantropos, estes atuavam no que para eles se constituía na
modernização de concepções e instituições sociais, na medida em que eles se
colocavam como inovadores no campo da assistência, ao propugnarem a
necessidade de novas condutas sociais para a garantia da moralidade pública.
Sem dúvida, as ideias dos reformadores sociais franceses, do final do século
XIX, influenciaram os intelectuais brasileiros que participavam dos congressos e
exposições internacionais visando adaptar esse ideário à realidade nacional.
No Primeiro Congresso Internacional de Assistência Pública e Privada,
realizado em Paris, no âmbito da Exposição Universal de 1889, foram lançadas as
207
primeiras bases de uma aliança entre a assistência pública e a assistência privada,
sendo o filantropo Ataulpho de Paiva o maior divulgador dessas ideias no Brasil.
Entretanto, na sociedade brasileira marcada por profundas desigualdades
sociais, essas ideias reformistas assumiram dimensões ainda mais conservadoras,
uma vez que se buscava introduzir novas modalidades de atuação social que
aperfeiçoavam as estruturas do capitalismo que aqui se expandia, sem a
preocupação com a implantação de modelos de cidadania: os segmentos mais
pobres eram “tutelados” pelo Estado e/ou pela filantropia.
Quanto à filantropia, esta era fundamentalmente uma forma de relação
público/privado onde uma nova elite urbana, vinculada às esferas políticas,
articulava-se em prol da criação de instituições privadas, via subsídios do setor
público, legitimadas pela condição de atuar em benefício “dos mais pobres e
necessitados”. Essa nova elite soube manejar os códigos sociais vigentes na
época, utilizando a filantropia como um dos operadores de sua legitimação social.
A apropriação do público pelo privado através de iniciativas filantrópicas
movidas pelo dever moral configurou-se como o modelo de assistência adotado na
Primeira República. Contudo, este modelo foi se reatualizando ao longo do tempo,
e sua presença ainda pode ser observada atualmente, o que exige “vigilância e
alerta quanto às suas reedições, sob novas roupagens, na conjuntura atual de
afirmação do ideário neo-liberal de desconstrução da sociabilidade pública em
favor da primazia do privado” (Raichelis, 2010, p.16).
Ao buscar reconstituir a articulação entre filantropia e poder, identificando
formas de reatualização dessa histórica relação, observamos que o campo da
assistência social ainda é utilizado como uma possibilidade de troca política. Na
Primeira República, a doação de terrenos e a liberação de subvenções para
entidades filantrópicas por parte de governantes e deputados foi um dispositivo
bastante utilizado. Podemos considerar que essa prática política se reatualizou via
emendas parlamentares individuais92
, uma vez que estas representam distribuição
de verba pública para entidades privadas.
92
Cada deputado estadual tem o limite de 800 mil reais para destinar, via emenda parlamentar,
verbas a serem distribuídas entre as áreas de saúde, educação e assistência social. Essas emendas
208
Como indica Raichelis (2010), a forma de relação constituída entre as
entidades assistenciais e o Estado viabilizou o seu acesso ao fundo público, por
meio de um padrão de regulação a serviço de interesses particulares e até de
práticas de corrupção divulgadas pela imprensa, como a denominada “Operação
Fariseu” 93
.
Por outro lado, se na Primeira República, a subvenção social foi o de relação
do Estado com a filantropia que alimentou a assistência desenvolvida por
entidades privadas, esta se configurou, posteriormente, como o eixo de ação do
Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), criado em 193894
, cabendo a este
órgão arbitrar essas subvenções.
Em uma breve retrospectiva da trajetória da assistência social no Brasil,
podemos citar a criação, em 1931, da Caixa de Subvenções a instituições
filantrópicas, a qual foi extinta em 1935, sendo substituída por um conselho de
caráter consultivo, vinculado à Presidência da República, que ampliou o universo
de instituições beneficiadas, incluindo as de saúde e educação.
No entanto, a primeira grande regulação estatal ocorreu em 1938, com a
criação do CNSS que consolidou, via filantropia, a estratégia de aliança do Estado
com as organizações privadas de assistência. Esta foi reafirmada, posteriormente,
por um decreto de 1943 que estabeleceu a isenção de imposto de renda a várias
instituições (Mestriner, 2008).
Num período de expansão capitalista, o Estado passou a exercer um sistema
de dupla regulação: aos trabalhadores do mercado formal pela via da previdência,
e à grande massa de não integrados ao mundo do trabalho pela via da filantropia
podem ser individuais ou compartilhadas, ou seja, quando os deputados agrupam em determinado
valor para destinar a alguma entidade. No caso de deputados federais e senadores, esse limite pode
chegar até 15 milhões de reais. Maiores informações sobre emendas parlamentares individuais,
consultar:
<http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/orcamentobrasil/orcamentouniao/estudos/2011/ar
tigo022011.pdf>. Acessado em 10 ago. 2013. 93
“A Operação Fariseu, da Polícia Federal do Brasil foi deflagrada em 13 de março de 2008 e
buscou desmontar um esquema de fraude na concessão de certificados de filantropia emitidos pelo
Conselho Nacional de Assistência Social” (RAICHELIS, 2010, p.15). 94
Em pleno regime do Estado Novo, Getúlio Vargas decretou a criação do Conselho Nacional de
Serviço Social (Decreto Lei nº525). Vinculado ao Ministério de Educação e Saúde, o órgão era
composto por sete membros que deveriam estar ligados ao Serviço Social, com o objetivo de
opinar sobre questões sociais e subvenções a obras sociais.
209
subvencionada e controlada pelo governo. Foi com a expansão do movimento
sindical, mesmo que atrelado ao Estado, que o campo dos direitos ganhou
significação. Todavia, enquanto os trabalhadores formais foram transformados em
sujeitos coletivos pelos sindicatos, os informais e os desempregados foram
“sujeitados” a ações assistencialistas, dentro de um quadro de cidadania
incompleta ou “regulada” 95
.
A retomada do processo de democratização e o surgimento de novos
movimentos sociais (moradores urbanos, trabalhadores rurais, movimento de
mulheres, movimentos anti-discriminação, etc.) aumentaram as pressões por
maior participação social nos processos deliberativos das políticas públicas, as
quais o processo Constituinte de 1988 buscou responder.
Nesse longo processo, a Constituição Federal de 1988 foi um marco no
campo da assistência social, uma vez que a instituiu como política de seguridade
social não contributiva. Esta passou a constituir o campo da seguridade social, ao
lado da saúde e da previdência social, enquanto política de proteção social.
Entretanto, muitos obstáculos ainda se colocavam para serem enfrentados.
Apesar da Constituição ter consagrado o direito à participação popular como um
direito constitucional, a relação do Estado com a população demandatária dos
serviços de assistência permaneceu, majoritariamente, mediada pelas organizações
filantrópicas. Além disso, a lei favoreceu as entidades beneficentes ao isentá-las
de contribuição para a seguridade social, o que acabou também se tornando
instrumento para conceder vantagens às entidades assistenciais, ficando a garantia
de direitos à população prejudicada.
Posteriormente, o certificado de fins filantrópicos fornecido pelo CNSS foi
recolocado como requisito para a obtenção da isenção de contribuição à
seguridade social. A regulamentação das instituições continuou a ocorrer mais em
função do interesse das mesmas pelas isenções e subvenções, e nem a Lei
95
O sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos denomina de cidadania regulada aquela “cujas
raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação
ocupacional. [...] A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos
direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, reconhecido como tal em lei. Tornam-se pré-
cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece” (SANTOS, 1979, p.75).
210
Orgânica da Assistência Social (LOAS)96
, aprovada em 1993, enfrentou o
problema: os certificados de utilidade pública e de fins filantrópicos continuaram
a perpetuar um sistema de privilégios, criando distorções pela possibilidade do seu
uso indiscriminado.
Em 1994, foi criado o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)
com o propósito de deliberar e exercer o controle social da Política Nacional de
Assistência Social (PNAS). Entretanto, ao assumir as antigas atribuições do
extinto Conselho Nacional de Serviço Social, o CNAS acabou se tornando um
órgão burocrático de análise do mérito filantrópico de instituições em desacordo
com a proposta constitucional de seguridade.
Portanto, o padrão de relação público/privado construído historicamente
permaneceu, na medida em que os certificados de utilidade pública e de fins
filantrópicos continuaram a possibilitar o acesso a vantagens e privilégios por
intermédio da legislação, e a assistência social continuou comportando-se como
um setor colonizado (Mestriner, 2008).
Na segunda metade do século XX, práticas históricas foram reiteradas,
como o princípio da subsidiaridade e a separação da assistência social de sua
condição de direito público, o que impossibilitou sua constituição como política.
Instaurou-se, como aponta Mestriner (2008), uma “filantropia democratizada”,
sinalizando “a permanente tensão para a assistência social constituir-se como
política e realizar-se como pública” (Raichelis, 2010, p.17, grifos da autora).
Em 2004, foi instituída a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), a
qual consolidou princípios, diretrizes, objetivos e ações da assistência social, já
definidos pela Lei Orgânica de Assistência (LOAS). A PNAS elevou a assistência
social ao patamar de política social pública, e a Norma Operacional Básica (NOB-
SUAS/2005) estabeleceu um comando único das ações através do Sistema Único
de Assistência Social (SUAS), baseado na descentralização político-
administrativa.
96
Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá
outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm>.
Acesso em 12 jul. 2013.
211
Raichelis (2010) assinala que esse movimento reformador ganhou uma
perspectiva de ruptura com o histórico conservadorismo que atrelou a área da
assistência social à filantropia. Segundo a autora,
Estes avanços possibilitaram o enfrentamento do núcleo duro da relação público-
privado na assistência social, expresso pelo extinto certificado de filantropia,
substituído pelo atual Certificado de Entidade Beneficente-CEBAS, num duro
confronto entre forças de conservação e forças de superação (p.19).
Por um lado, a assistência social tornou-se política pública (PNAS), base
para o financiamento e controle social dos serviços socioassistenciais, o que
implicou no desafio de construção da participação dos usuários nas instâncias
deliberativas dos Conselhos de Assistência Social. Por outro, a realidade mostra
que, nessas instâncias de deliberação da política, o espaço coletivo ainda é
majoritariamente ocupado e dominado por entidades filantrópicas que buscam
manter antigas prerrogativas e privilégios, e não pela população demandatária de
suas atenções.
A estruturação do campo da assistência no Brasil foi pautada por uma
intrincada relação público-privado. Essa configuração institucional foi a base de
assentamento da filantropia na Primeira República, e ainda se faz presente nos
dias atuais, na área da assistência social, evidentemente, através da atuação de
novas forças sociais, que refazem seus referenciais e assumem novas posturas e
novas proposições no campo social. Portanto, a filantropia foi (e ainda
permanece) como uma forma de relação público-privado fundamentalmente
política.
212
6 Referências Bibliográficas
ABONG. Entidades de Defesa de Direitos. Brasília, DF, agosto de 2005. mimeo.
_______. Entidades e Organizações de Assistência: regulamentação do Artigo
3° da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Disponível em:
<www.abong.org.br>. Acessado em: 27 set. 2009.
ABREU, L. O Papel das Misericórdias dos ‘lugares de além – mar’ na formação
do Império Português. Revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Rio de
Janeiro, v.8 (3), out./dez. 2001.
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Disponível em:
<www.acabemia.org.br>. Acesso em 25 fev. 2013.
ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA. Disponível em: <www.anm.org.br>.
Acesso em 24 fev. 2013.
ACTAS E TRABALHOS do Primeiro Congresso Nacional dos Práticos em
Comemoração do Centenário do Brasil. Rio de Janeiro: Publicações Científicas,
1923.
ADORNO ABREU, S. F.; CASTRO, M. M. P. A Pobreza Colonizada. Revista
Serviço Social e Sociedade. São Paulo, ano VI, n.17, p.49-71, abr. 1985.
ADORNO, S. A Gestão Filantrópica da Pobreza Urbana. São Paulo em
Perspectiva, 4(2), p.8-17, 1990.
ALENCASTRO, L. F. de. Vida Privada e Ordem Privada no Império. In:
NOVAIS, F. A.; ALENCASTRO, L. F. de (Orgs.). História da Vida Privada no
Brasil, v. 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
ALMANAQUE BRASILEIRO, Distrito Federal, 1903-1910.
ALMEIDA, G. A. P. Assistência Hospitalar: Relatório apresentado ao
Congresso Nacional de Assistência Publica e Privada. Rio de Janeiro:
Typographia do Jornal do Commercio, 1908.
ALMEIDA, M. de. Congressos e Exposições Científicas: tema e fontes para a
história In: HEIZER, A. e VIDEIRA, A. A. P (Orgs.). Ciência, Civilização e
República nos Trópicos. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2010.
213
ALONSO, A. Ideias em Movimento: A Geração de 1870 na Crise do Brasil-
Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
ALVAREZ, M. C. Bacharéis, Criminologistas e Juristas: saber jurídico e nova
escola penal no Brasil. São Paulo: Editora Método, 2003.
ARANTES, E. M. de M. Arquivo e Memória sobre a Roda dos Expostos do Rio
de Janeiro. Pesquisas e Práticas Psicossociais. 5(1), São João del-Rei,
janeiro/julho 2010.
ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Exposição de
Hygiene e Assistência Pública. Congressos Científicos e Artísticos, 3-26. 1908.
ASSISTENCIA PUBLICA E PRIVADA NO RIO DE JANEIRO (Brasil): história
e estatística. Comemoração do Centenário da Independência Nacional. Rio de
Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1922.
BACKX, S. de S. Serviço Social: reexaminando sua história. Rio de Janeiro: CJ
Editora, 1994.
BATALHA, C. H. de M. Relançando o debate sobre o mutualismo no Brasil: as
relações entre corporações, irmandades, sociedades mutualistas de trabalhadores e
sindicatos à luz da produção recente. Revista Mundos do Trabalho, v. 2, n.4,
2010.
_______. de M. Sociedades de Trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX:
algumas reflexões em torno da formação de classe. Cadernos AEL, v.6, n.10/11,
1999.
BENJAMIN, W. Paris, Capital do século XIX In: BOLLE, W; MATOS, O. C. F.
(Orgs.). Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2006.
BOLLETIM COMMEMORATIVO da Exposição Nacional de 1908. Rio de
Janeiro: Typographia de Estatística, 1908.
BRASIL. Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, v. I, 1909.
_______. Ministério da Justiça e Negócio Interiores. Relatório dos Trabalhos -
Exposição Internacional do Centenário, Rio de Janeiro, 1922-1923.
_______. O Imperio do Brazil na Exposição Universal de 1876 em
Filadelphia. Comissão Brasileira na Exposição Universal da Filadélfia. Rio de
Janeiro: Typ. Nacional, 1875.
214
BRAUDEL, F. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 2007.
BRESCIANI, M. S. Londres e Paris no século XIX: O espetáculo da pobreza.
(Tudo é história, 52). São Paulo: Brasiliense, 2004.
_______. A Cidade das Multidões, a cidade aterrorizada. In: PECHMAN, R. M.
(Org.). Olhares sobre a Cidade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994.
BRUNHOFF, S. de. Estado e Capital: uma análise da política econômica. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1985.
BURITY, J. Desigualdades e a Abolição Inconclusa. Impulso Piracicaba, n.17
(43), p.21-31, 2006.
CARVALHO, J. M. O Povo do Rio de Janeiro: bestializados ou bilontras. Revista
Rio de Janeiro, Niterói, v.1, n. 3, mai/ago.1986.
CASTEL, R. As Metamorfoses da Questão Social: uma crônica do salário. Rio
de Janeiro: Vozes, 1998.
CATÁLOGO RESUMIDO OU SYNTESE dos Mostruários da Exposição
Nacional de 1908. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908.
CHALHOUB, S. Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996.
_______. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de
Janeiro da belle époque. São Paulo: Brasiliense, 1986.
COHN, A. A Questão Social no Brasil: a difícil construção da cidadania. In:
MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem Incompleta: a experiência brasileira
(1500-2000): a grande transação. São Paulo: SENAC, 2000.
COSTA, R. da G.; SANGLARD, G. Oswaldo Cruz e a Lei de Saúde Pública na
França. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 13, n.2, p. 493-507,
abr./jun. de 2006.
DAHMER, L. P. Política Educacional Brasileira e Serviço Social: do
confessionalismo ao empresariamento da formação profissional. Tese de
Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRJ. Rio de
Janeiro, 2007.
DISTRITO FEDERAL. Álbum da Exposição: órgão de propaganda nacional.
Rio de Janeiro, Coleção (1), 1908.
215
DONZELOT, J. La Invención de lo Social: ensayo sobre el ocaso de las pasiones
políticas. Buenos Aires: Nueva Visión, 2007.
EXPOSIÇÃO DO CENTENÁRIO. Programa das Seções de Economia Geral e
Economia Social. Rio de Janeiro, Papelaria Americana, 1922.
FALEIROS, V. de P. Infância e Processo Político no Brasil. In PILOTI, Francisco
e RIZZINI, Irene (Orgs.). A Arte de Governar Crianças – História das
Políticas Sociais, da Legislação e da Assistência à Infância no Brasil. Rio de
Janeiro: Editora Universitária Santa Úrsula, 1995.
FIGUEIRA, A. F. Assistência à Infância e particularmente o que se refere ás
medidas a adoptar contra a mortalidade infantil. Educação das crianças
deficientes. Relatório apresentado ao Congresso Nacional de Assistência Publica e
Privada. Revista Brazil Medico, anno XXII, pp. 401-405; 411-415, 419-420,
1908.
FOOT HARDAMN, F. Trem Fantasma: a modernidade na selva. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
FOOT HARDAMN, F.; LEONARDI, V. História da Indústria e do Trabalho
no Brasil. São Paulo: Ática, 1991.
FREIRE, M. M. de L. Hospital Moncorvo Filho e Instituto Estadual de Diabetes e
Endocrinologia Luiz Capriglione (Iede). In: PORTO, A. et al. História da saúde
no Rio de Janeiro: instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958). Rio de
Janeiro, Ed. Fiocruz, 2008.
_______. Mulheres, mães e médicos - discurso maternalista no Brasil. Rio de
Janeiro: Ed. FGV/Edur/Anpuh; 2009.
FREIRE, M. M. de L.; Martha M. de L.; LEONY, V. da S. A caridade científica:
Moncorvo Filho e o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de
Janeiro (1899-1930). História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro,
v.18, p.199-225, dez. 2011.
GANDELMAN, L. M. A Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro nos
séculos XVI a XIX. Revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Rio de
Janeiro, vol.VIII(3), set./dez. 2001.
GIL, C. A. Augusto Malta e a assistência à infância na Primeira República – entre
o público e o privado In: Anais do XV Encontro Regional de História da
ANPUH. Rio de Janeiro, 2001.
GOMES, A. de C. A Invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 2005.
216
GOMES, A. de C. A Política Brasileira em busca da Modernidade: na fronteira
entre o público e o privado In: SCHARCZ, Lilia Moritz e NOVAES. Fernando A.
(Orgs.). História da Vida Privada no Brasil, vol. 4. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
_______. Burguesia e Trabalho: política e legislação social no Brasil, 1917-
1937. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
_______. História, Ciência e Historiadores na Primeira República In: História,
Ciência e Historiadores na Primeira República. In: HEIZER, A.; VIDEIRA, A. A.
P. (Orgs.). Ciência, Civilização e República nos Trópicos. Rio de Janeiro:
Mauad X: FAPERJ, 2010.
_______. O 15 de Novembro In: GOMES, A. C. et al (Orgs.). A República no
Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Editora FGV, 2002.
GUIA OFICIAL DA EXPOSIÇÃO DO CENTENÁRIO. Bureau Oficial de
Informações - Palácio Monroe. Rio de Janeiro, Typ. do Annuário/ Almanak
Laemmert, 1922.
GUIMARÃES, J. da S. M. Instituições de Previdencia fundadas no Rio de
Janeiro, apontamentos históricos e dados estatísticos. Colligidos e coordenados
para serem entregues á primeira sessão quinquennal do Congresso Scientifico
Internacional das Instituições de Previdência effectuada em Paris em julho de
1878. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1883.
HARTOG, F. Tempo, História e a Escrita da História: a ordem do tempo. Revista
de História, n.148, 2003.
_______. O Tempo Desorientado: tempo e história. “Como escrever a história da
França?”. Anos 90, v.5, n.7, Porto Alegre, julho de 1997.
HERSCHMANN, M. M. A Arte do Operatório. Medicina, Naturalismo e
Positivismo-1900-37. In: HERSCHMANN, M. M.; PEREIRA, C. A. M. (Orgs.).
A Invenção do Brasil Moderno: Medicina, Educação e Engenharia nos anos 20-
30. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
HORNE, J. Le Musée Social. Aux origines de l’etat providence. Paris: Belin,
2004.
IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. de. Relações Sociais e Serviço Social no
Brasil. São Paulo: Cortez; [Lima, Peru]: CELATS, 1986.
IANNI, O. A Questão Social. São Paulo em Perspectiva, 5(1), p.2-10, jan./mar.
1991.
217
IANNI, O. (Org.). Karl Marx. Coleção Grandes Cientistas Sociais, n°10. São
Paulo: Ática, 1994.
JORNAL DA EXPOSIÇÃO. Exposição Nacional de 1908. Período 1908/09/06 a
1908/11/14. Coleção 1908 set.(6-30); out. (1-7,11-14, 16, 18, 25).
JORNAL DO COMMERCIO. 3 de outubro de 1908. Edital do Conselho
Municipal do Distrito Federal. 1908.
_______. Exposição Nacional de 1908. Notícias dos Diversos Estabelecimentos
Mantidos pela Santa Casa do Rio de Janeiro. Rio de janeiro, Typ. do Jornal do
Commércio, 1908.
JUNQUEIRA, J. R. As Comemorações do Sete de Setembro em 1922: uma
re(leitura) da História do Brasil. Revista de História Comparada, Rio de
Janeiro, 5-2: 155-178, 2011.
JUSBRASIL. Disponível em: <www.jusbrasil.com.br>. Acesso em: 10 fev. 2013.
KOSELLECK, R. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos
históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Editora PUC-RIO, 2006.
KUHLMAN JR., M. Congressos Profissionais no final do século XIX e início do
século XX: ciência e política In: HEIZER, A.; VIDEIRA, A. A. P (Orgs.).
Ciência, Civilização e República nos Trópicos. Rio de Janeiro: Mauad X:
FAPERJ, 2010.
_______. Instituições Pré-Escolares Assistencialistas no Brasil (1899-1922). Cad.
Pesq. São Paulo (78): 17-26, agosto 1991.
KURY, L. Auguste de Saint-Hilaire, viajante exemplar. Revista Intelléctus. n.1,
ano II, 2003. Disponível em: <www.intellectus.uerj.br>. Acesso em: 10 dez. 2010.
LIVRO DE OURO COMMEMORATIVO do Centenário da Independência do
Brasil e da Exposição Internacional de 1922. Editora Annuário Brasil/Almanak
Laemmert, Rio de Janeiro, 1923.
LÖWY, M. A Escola de Frankfurt e a Modernidade, Benjamin e Habermas.
Novos Estudos Cebrap, n. 32, mar. 1992.
MATTOS, H. M. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de
Janeiro: Zahar, 2000.
MESGRAVIS, L. A Santa Casa da Misericórdia de São Paulo-1599? – 1884:
Contribuição ao Estudo da Assistência Social no Brasil. São Paulo: Conselho
Estadual de Cultura, 1976.
218
MESTRINER, M. L. O Estado entre a Filantropia e a Assistência Social. São
Paulo: Cortez, 2008.
MISKOLCI, R. Diferença e Desigualdade na Primeira República. Revista de
Sociologia e Política, Curitiba, n.23, nov./2004.
MONCORVO FILHO, A. O Instituto de Proteção e Assistência à Infância.
Memória apresentada no Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada.
Revista Brazil Médico, anno XXII, pp. 354-357, 1908.
MOREIRA, J. Quaes os meios de assistência mais convenientes aos nossos
alienados? Relatório apresentado ao Congresso Nacional de Assistência Pública e
Privada In: Jornal do Commercio, 1908.
_______. Quaes os melhores meios de assistencia aos alienados? In: Archivos
Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, ano VI, n.3 e 4, 1910.
MOTTA, M. S. da. A Nação faz cem anos: a questão nacional no centenário da
independência. Rio de Janeiro: Ed. da Fundação Getúlio Vargas/CPDOC, 1992.
NASCIMENTO, D. R. Fundação Ataulpho de Paiva – Liga Brasileira contra a
Tuberculose: um século de luta. Rio de Janeiro: Quadratim/FAPERJ, 2001.
NAXARA, M. Natureza e Civilização: Sensibilidades Românticas em
Representações do Brasil no Século XIX. In: BRESCIANI, S.; NAXARA, M.
(Orgs.). Memória e Ressentimento: Indagações sobre uma questão sensível.
Campinas: Unicamp, 2001.
NEEDELL, J. D. Belle Époque Tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de
Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
NEVES, M. de S. As Vitrines do Progresso. Relatório de Pesquisa,
Departamento de História/PUC-RIO – FINEP. Rio de Janeiro, PUC-RIO, 1986.
_______. Ciência, civilização e República In: HEIZER, A.; VIDEIRA, A. A. P.
(Orgs.). Ciência, Civilização e República nos Trópicos. Rio de Janeiro: Mauad
X: FAPERJ, 2010.
NOGUEIRA PINTO. M. D.; HERMELY, J. V. Modelos de Filantropia: A Santa
Casa e a Filantropia Higienista. In: Modernização e Novas Configurações do
Social, Relatório de Pesquisa, ESS/UFRJ – CNPq. Rio de Janeiro, 2001.
OLIVEIRA, F. de. Privatização do Público, Destituição da Fala e Anulação da
Política: o totalitarismo neoliberal In: OLIVEIRA, F.; PAOLI, M. C. Os Sentidos
da Democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis: Vozes;
Brasília: NEDIC, 1999.
219
PAIVA, A. de N. Assistência Metódica: meios práticos para obter uma aliança
permanente entre a assistência pública e privada: o problema do Brasil. In:
Justiça e Assistência. Rio de Janeiro: Typographia. do Jornal do Commercio,
1916.
_______. Justiça e Assistência. Rio de Janeiro: Typographia. do Jornal do
Commercio, 1916.
_______. Reflexões Necessárias. In: Assistência Pública e Privada no Rio de
Janeiro (Brasil): história e estatística. Comemoração do Centenário da
Independência Nacional. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1922.
PALOMO, F. A Contra Reforma em Portugal: 1540-1700. Lisboa: Livros
Horizonte, 2006.
PECHMAN, S.; FRITSCH, L. A Reforma Urbana e o seu Avesso: algumas
considerações a propósito da modernização do Distrito Federal na virada do
século. Revista Brasileira de História, v.5, n. 8/9, set.1984/abr.1985.
PEREIRA, M. da S. A Exposição de 1908 ou o Brasil visto por dentro In:
PEREIRA, M. da S. (Org.). 1908 Um Brasil em Exposição. Rio de Janeiro:
Editora Casa 12, 2010.
POLANYI, K. A Grande Transformação - as origens da nossa época. São
Paulo: Campus, 2000.
POLLAK, M. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, v. 2, n. 3, 1989.
POPINIGIS, F. As Sociedades Caixeiras e o “Fechamento das Portas” no Rio de
Janeiro (1850-1912). Cadernos AEL, v.6, n.10/11, 1999.
PÔRTO, A. et al. História da Saúde no Rio de Janeiro: instituições e patrimônio
arquitetônico (1808-1958). Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008.
POSSOLLO, A. Assistência privada. Conferência realizada na Associação dos
Empregados do Comércio do Rio de Janeiro em 16 de junho de 1908. Rio de
Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1908.
PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL. Congresso Nacional de Assistência
Publica e Privada. Rio de Janeiro: Typ. do Instituto Profissional Masculino, 1908.
QUIROGA, A. M. Assistência e Poder: revendo uma articulação histórica.
Revista Praia Vermelha, n.18, Rio de Janeiro, 1° semestre, 2008.
220
QUIROGA, A. M. Assistência Social no Rio de Janeiro Oitocentista:
desqualificação dos atendidos, racismo científico e filantropia. In: Anais do XIV
Encontro Regional da ANPUH-Rio. Rio de Janeiro, julho de 2010.
_______. Assistência Social no Rio de Janeiro: experiências e permanências
históricas. In: Anais do XII Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço
Social (ENPESS). Rio de Janeiro, dezembro de 2010.
_______. Caridade, Filantropia e Justiça e os Modelos de Ação Social. Revista
Praia Vermelha, n. 5, 2° semestre, Rio de Janeiro, 2001.
_______. Pobreza e Assistência na Construção do Brasil. Rio de Janeiro, 2011.
mimeo.
RAICHELIS, R. Prefácio. STUCHI, Carolina Gabas et al (Orgs.). Assistência
Social e Filantropia: novo marco regulatório e o cenário contemporâneo de
tensões entre o público e o privado. São Paulo: Giz Editorial, 2010.
RAINHO, M. do C.; HEYNEMANN, C. B. A Cidade de Portos Abertos In:
PEREIRA, M. da S. (Org.). 1908 Um Brasil em Exposição. Rio de Janeiro:
Editora Casa 12, 2010.
RANCIÈRE, J. O Desentendimento. São Paulo: Editora 34, 1996.
RANGEL, R. F. A Laicização da Assistência Social na Primeira República. In:
Anais do XIV Encontro Regional da ANPUH-Rio. Rio de Janeiro, julho de
2010.
_______. A Insurgência da Memória: a assistência no Rio de Janeiro da Primeira
República. O Social em Questão, n. 24, Rio de Janeiro: PUC-Rio. Departamento
de Serviço Social, 2010.
REVISTA BRAZIL MEDICO. Congresso Nacional de Assistência Pública e
Privada. A Sessão Inaugural, anno XXII, 1908, p.365-368.
REVISTA BRAZIL MEDICO. Congresso Nacional de Assistência Pública e
Privada. Conclusões Aprovadas, anno XXII, 1908, p386-388.
_______. Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada. Sessão de
Encerramento, anno XXII, 1908, p.395-397.
REVISTA DA SEMANA. Ano XVI, n. 8, 3 de abril de 1915, pp.15-17.
REVISTA KÓSMOS, anno v, n.3, março de 1908.
221
REZENDE DE CARVALHO, M. A. República Brasileira: Viagem ao Mesmo
Lugar. Dados – Revista Brasileira de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol.32,
1989.
RIBEIRO FILHO, C. A. C. Clássicos e Positivistas no Moderno Direito Penal
Brasileiro: uma interpretação sociológica. In: HERSCHMANN, M. M. e
PEREIRA, C. A. M. A Invenção do Brasil Moderno: Medicina, Educação e
Engenharia nos anos 20-30. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
RIZZINI, I. O Século Perdido: raízes históricas das políticas públicas para
infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2008.
ROCHA, L. A. Caridade e Poder: A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia
de Campinas (1871–1889). Dissertação de Mestrado. Departamento de Política e
História Econômica - UNICAMP, São Paulo, 2005.
RODRIGUES, R. L. O Estado Atual dos Estudos em Torno dos Processos de
Confessionalização (séculos XVI e XVII) In: Anais do Encontro de Pós-
Graduação da FFLCH/USP. Nov. 2009. Disponível em:
<www.fflch.usp.br/eventos/epog/textos/Rui%20Luis%20Rodrigues.pdf>. Acesso
em: 10 mai. 2010.
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos: a Santa Casa da Misericórdia
da Bahia, 1550-1755. Brasília: Universidade de Brasília, 1981.
SÁ, I. dos G. As Misericórdias nas Sociedades Portuguesas do Período Moderno.
Cadernos do Noroeste, Série História. 15(1-2), p. 337-358, 2001b.
_______. As Misericórdias Portuguesas de D. Manuel a Pombal. Lisboa:
Livros Horizonte, 2001a.
SALES, T. Raízes da Desigualdade Social na Cultura Política Brasileira. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, n.25, ano 9, p. 26-37, 1994.
SANGLARD, G. A Primeira República e a Constituição de uma Rede Hospitalar
no Distrito Federal. In: PÔRTO, A. et al (Orgs.). História da Saúde no Rio de
Janeiro: instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958). Rio de Janeiro:
Editora FIOCRUZ, 2008b.
_______. A sociedade civil e a construção de hospitais na cidade do Rio de
Janeiro. In: SANGLARD, G et al. História urbana: memória, cultura e
sociedade. Rio de Janeiro: Ed. FGV/Faperj, 2013.
_______. Ataulfo de Paiva na Academia Brasileira de Letras. Revista Brasileira
(Rio de Janeiro, 1941), v.63, p.282-304, 2010.
222
SANGLARD, G. Cultura, Sociedade e Saúde no Rio de Janeiro In: SANGLARD,
G.; MARTINS, W. de S. (Orgs.). História Cultural. Ensaios sobre Linguagens,
Identidades e Práticas de Poder. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010.
_______. Entre os Salões e o Laboratório: Guilherme Guinle, a saúde e a
ciência no Rio de Janeiro, 1920-1940. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008a.
_______. Filantropia e Assistencialismo no Brasil. Revista História, Ciências,
Saúde – Manguinhos, v.10(3), Rio de Janeiro, 2003.
SANTOS, A. A.; SANTOS, N. P. dos. A Exposição do Centenário e a Saúde
Pública em Busca de Uma Nação Ideal. In: Anais do 13° Seminário Nacional de
História da Ciência e da Tecnologia, São Paulo, 2012. Disponível em:
<http://www.sbhc.org.br/.../1345062489_ARQUIVO_ARACIALVESsaudepubl>.
Acesso em: 03 abr. 2013.
SANTOS, W. G. dos. Cidadania e Justiça: a política social na ordem brasileira.
Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1979.
SCHWARZ, R. Ao Vencedor as Batatas. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34,
2000.
SEVCENKO, N. A Capital Irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: NOVAIS,
F. A.; SEVCENKO, N. (Org.). História da Vida Privada no Brasil, v. 3. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998b.
_______. Introdução: o prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do
progresso. In: NOVAIS, F. A.; SEVCENKO, N. (Org.). História da Vida
Privada no Brasil, v. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998a.
SPOSATI, A. Cidadania ou Filantropia: um dilema para o CNAS. Relatório de
Pesquisa elaborado pelo Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC/SP,
1994.
SPOSATI, A. de Oliveira. Vida Urbana e Gestão da Pobreza. São Paulo:
Cortez, 1988.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso
em 12 mar. 2013.
VISCARDI, C. M. R. Experiências da prática associativa no Brasil (1860-1880).
Topoi, v.9, n.16, p.117-136, 2008.
_______. Pobreza e Assistência no Rio de Janeiro na Primeira República. Revista
História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v.18, p.179-197, dez.
2011.
223
WADSWORTH, J. E. Moncorvo Filho e o problema da infância: modelos
institucionais e ideológicos da assistência à infância no Brasil. Revista Brasileira
de História. São Paulo, ANPUH/Humanitas Publicações, v. 19, n. 37, 1999.
YAZBEK, M. C. A Escola de Serviço Social no período de 1936 a 1945.
Cadernos PUC, n.6, dez. 1980.
YAZBEK, M. C. Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu
enfrentamento. Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, n.110,
p.288-322, São Paulo, abr./jun. 2012.
Recommended