View
46
Download
1
Category
Preview:
DESCRIPTION
Trabalho de Conclusão de Curso de Comunicação Social, UFMG - "Wikipédia e Jornalismo: Ler O Noticiário em uma Enciclopédia?", apresentado em dezembro de 2013.
Citation preview
Igor de Braga Campos
Wikipédia e Jornalismo: Ler o noticiário em uma enciclopédia?
Orientador: Carlos D’Andréa
Banca Examinadora:Geane Alzamora
Nísio Teixeira
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de Comunicação Social
Belo Horizonte
2013
Agradecimentos
Para Carlos e Geane, que me guiaram na realização desse trabalho.
Para Nísio, Anderson e Hélia, que me aturaram\mantiveram no curso enquanto eu não
acabava.
Para todos que me indicaram obras usadas como fonte nesse trabalho.
Para meus pais, as pessoas mais importantes na minha vida.
E para Marcela e Nazza, com quem compartilhei muitos altos e baixos desse curso e também
estão apresentando nesse semestre.
3
Sumário
1 - Introdução ................................................................................. 4
2 - Produção textual colaborativa na Wikipédia
2.1- Lógica colaborativa ....................................................... 6
2.2 - Sobre a Wikipédia ....................................................... 10
2.3. Eventos recentes na Wikipédia .................................... 15
3 - Sobre a noção de notícia na Wikipédia
3.1. Critérios de noticiabilidade no jornalismo ................... 19
3.2. A noticiabilidade na lógica colaborativa ...................... 22
3.3 A temporalidade da notícia na Wikipedia ..................... 26
4 - A noticiabilidade colaborativa sobre os fatos marcantes de 2011
4.1. Perspectiva metodológica ............................................ 32
4.2. Os terremotos no Japão e Haiti .................................... 34
4.3. Primavera Árabe........................................................... 37
4.4. Mortes ........................................................................... 44
5 - Conclusão ................................................................................ 49
Referências bibliográficas ............................................................ 52
4
Capítulo 1 - Introdução
“A essência do jornalismo está em uma combinação simples: o interesse de uma
coletividade em saber do mundo em que vive e a disposição de satisfazê-la, em certa medida,
por quem possa fazê-lo.”
Jânio de Freitas
Desde que o jornalismo se estabeleceu no século 19, foi ganhando espaço a ponto de
se tornar a principal fonte para que a população fosse informada dos eventos do mundo. Para
cumprir essa tarefa os meios de comunicação massivos passaram por muitas adaptações ao
longo dos anos, revisando técnicas e recursos para incorporar novidades que surgiam. Mas
em suma o jornalismo sempre manteve a mesma missão e trabalho, que seria buscar e apurar
informações para construir recortes dos acontecimentos contemporâneos chamados “notícias”.
O jornalismo se tornou a referência para o que acontecia na atualidade, enquanto os
dados históricos ficavam com as publicações de cunho mais científico, como as enciclopédias.
Porém os avanços tecnológicos, mais especificamente da informática, acabaram por diminuir
essa “delimitação”: uma época em que basta um computador e acesso à internet para
conseguir coletar e repassar informações de qualquer parte do mundo tornou possível um
projeto como a Wikipédia, uma enciclopédia online colaborativa em que amadores
conseguem redigir artigos sobre qualquer assunto (literalmente, visto os mais de 19 milhões
de artigos em mais de 260 línguas), seja o registro do conhecimento humano visto em
enciclopédias tradicionais (tópicos científicos como física e química, relato de eventos
históricos) à descrição de fatos recentes – a morte de uma pessoa leva a página da mesma a
ser editada para noticiar o fato, uma página sobre um terremoto ou atentado terrorista será
criada pouco após o incidente ter ocorrido. O enciclopédico conseguia adentrar o território do
jornalismo ao poder também descrever o que está ocorrendo na atualidade.
Os meios de comunicação em massa e a Wikipédia já fazem uso um da outra
normalmente – as notícias e reportagens se tornam referências nos artigos enciclopédicos, que
por sua vez providenciam material para mais textos jornalísticos. E quando ambos cobrem o
mesmo território, criam-se duas alternativas para se informar: notícia e reportagens sobre um
evento, ou um artigo enciclopédico, que apesar da constante mudança para agregar fatos
novos tenta ser um relato histórico.
Artigos da Wikipédia e notícias jornalísticas podem parecer dois tipos de textos que
exigem processos de redação muito diferentes, mas guardam algumas semelhanças
5
conceituais (pesquisa extensa, atribuição de dados, preferência por um texto compacto,
imparcial e compreensível para leigos, e constante revisão e refinamento) para atender o
mesmo propósito informativo. Inclusive o formato colaborativo das wikis e o jornalismo
convergem em um “projeto-irmão” da Wikipédia, o repositório de notícias WikiNotícias.
Tendo em vista esses fatos, o trabalho tem como intenção fazer uma comparação entre
a atividade jornalística e o projeto enciclopédico da Wikipédia, observando como a
enciclopédia faz a cobertura de eventos de grande impacto ao longo do ano de 2011: a
Primavera Árabe e as revoltas relacionadas, o terremoto no Japão, e as mortes de Steve Jobs e
Amy Winehouse. De artigos curtos feitos para garantir o registro do evento a longos e
detalhados textos que praticamente equivalem a uma reportagem, com direito a disputas sobre
o conteúdo e luta para conter a adição de informações falsas, as páginas da Wikipédia sobre a
atualidade acabam servindo como uma variante do webjornalismo, explorando as
potencialidades da web com a atualização contínua, organização dos fatos, e utilização de
recursos multimídia como imagens, vídeos e hiperligações. Além de observar a contínua
construção e o tratamento dos fatos, haverá uma análise das metodologias e ideologias vistas
no projeto enciclopédico e no jornalístico em busca de semelhanças e diferenças.
6
Capítulo 2 - Produção textual colaborativa na Wikipédia “O primeiro dever da pessoa culta é estar sempre pronta para reescrever a enciclopédia.”
Umberto Eco
2.1- Lógica colaborativa
Na década de 2000, ocorria uma popularização do acesso à internet, com a queda no
preço de aquisição dos equipamentos computacionais e dos serviços de acesso às redes de
computadores. Com maior público na web, ocorreu uma migração da indústria da informática
para a plataforma da internet, investindo em interfaces amigáveis para que o usuário tivesse
uma navegação e comunicação mais fácil. Ao se proporcionar tal aumento de poder e
influência dos usuários, (Lima Jr., 2011) se tornaram comuns websites em que o visitante não
só lia as informações como as submetiam, com o analista Tim O’Reilly cunhando o termo
“Web 2.0.” para descrever tais páginas mais baseadas pelo conteúdo gerado pelo usuário. A
internet que antes era tratada como um “novo canal de TV”, apenas transmitindo informação,
se tornava um meio mais participativo. (VAN VEELEN, 2008)
Do conteúdo mais simplório ao mais sofisticado, volume imenso de conteúdo na
internet era criado por pessoas que não tem expectativa de remuneração: qualquer um poderia
criar um blog para discutir seu assunto favorito, carregar vídeos caseiros no YouTube, e
interagir com internautas do mundo inteiro nas redes sociais. Ocorria uma quebra do
paradigma que estabelece distinções claras entre produtores, distribuidores e consumidores,
com o usuário podendo assumir qualquer um dos papéis simultaneamente: as ferramentas para
gerar e distribuir informações estão disponíveis para todos, e o contato online direto de um
usuário com o outro permite o compartilhamento sem limitações geográficas ou a necessidade
de uma empresa intermediária. A consequência básica foi uma multiplicação de conteúdo
publicado na internet em velocidade vertiginosa. (GABRIEL, 2010, p.78-80)
Embora o modelo da Web 2.0 facilite a produção individual, em alguns casos ocorre
uma mobilização para a criação em conjunto por uma inteligência coletiva, que foge das
ideias e conceitos tradicionais sobre produção de conteúdo. O modelo seguindo a lógica
colaborativa é evolutivo, com grandes comunidades podendo criar algo inédito ou fazer
mudanças em uma base de conhecimentos pré-existente, motivados por algo de interesse
comum ao invés de interesses corporativistas ou de mercado. Os grupos de usuários não
possuem uma hierarquia rígida como na produção industrial, mas uma organização mais
fluida e flexível, que se assemelha mais a uma comunidade social do que uma estrutura
7
governamental: todos tem o mesmo poder, com proeminência e respeito no projeto
dependendo de demonstrações de experiência ou conhecimento, e há uma ausência de
propriedade (que pode levar a manter conteúdo em segredo) permitindo a qualquer
participante observar e acessar de forma igualitária as etapas e o conteúdo do projeto.
(BRUNS, 2008, pp. 1-7; 19-20) A disparidade de uma comunidade ser constituída de
voluntários mundo afora que nunca se conheceram pessoalmente acaba sendo ignorada em
prol da intenção de se encontrar na internet para trocar ideias e compartilhar suas invenções.
(JOHNSON, 2009, p.42)
Tais redes colaborativas dependem de certos fatores para garantir a sua existência.
Uma é a presença de uma comunidade forte, que possua pessoas com maior conhecimento
que comentem e critiquem os desenvolvimentos do grupo, a exemplo dos autores e leitores de
textos acadêmicos. Outro é o fato dos benefícios de publicar os resultados do trabalho coletivo
serem maiores que os poderiam ser conquistados mantendo o conteúdo em segredo – a
vantagem competitiva advém não de manter suas inovações apenas consigo, mas em garantir
sua adoção por toda parte, inclusive na concorrência. (BRUNS, 2008, pp. 11-20) A hierarquia
de tais redes é baseada na conquista de reputação e prestígio em vez de poder, dinheiro e
autoridade, ainda que alguns voluntários usem a experiência colaborativa na expectativa de
que o aprendizado e ganho de reputação se traduza em possibilidades de empregos. Com uma
comunicação em todos níveis e decisões tomadas de baixo para cima, as comunidades acabam
por ser auto-organizáveis, direcionando todas as motivações para um objetivo compartilhado.
(JOHNSON, 2009, pp.41-6)
Esse modelo de inovações amplamente compartilhadas chegou a ser comum nos
primórdios da internet, quando o desenvolvimento de aplicações online era apenas um nicho
sem muitas ambições comerciais da ciência da computação – criando softwares que até hoje
sustentam a maior parte das páginas da web, como o servidor Apache e o programa de envio
de mensagens Sendmail. Ainda hoje, novos protocolos são adotados com mais facilidade
quando sua revelação é gratuita (vide o sucesso do formato MP3) e o formato se mantém
“open source” (literalmente “fonte aberta”, termo derivado do “código-fonte” dos softwares).
Eventualmente chegou a novos patamares que ultrapassam o mero desenvolvimento de
tecnologia de internet, com projetos de larga escala envolvendo inúmeros programadores
desafiando diretamente o trabalho das grandes corporações. (BRUNS, 2008, pp. 37-9)
A produtividade na lógica colaborativa depende do acúmulo de contribuições, então a
preocupação básica nesse sistema é um direcionamento para que todas as colaborações
8
causem um impacto positivo. Um dos métodos é a subdivisão das tarefas beirando a
pulverização, permitindo que mesmo colaborações menores ou fora da produção em si –
como a manutenção da parte técnica do site – contribuam para o progresso. Em condições
adequadas, a produção colaborativa permite um avanço gradual em qualidade, e também
ultrapassar em velocidade o desenvolvimento no modelo tradicional. (BRUNS, 2008, pp. 15-
23) O’Reilly inclusive considerou que as empresas que melhor compreenderam as regras para
ter sucesso na nova plataforma online foram as abriram dados e serviços para uso alheio (e
também aproveitavam para usar o que era criado pelos usuários), e geravam aplicativos e
conteúdos construídos online ao invés de residir em computadores pessoais ou servidores.
O modelo de construção colaborativa não é exatamente o mais harmônico e produtivo
por mais que hajam exemplos bem sucedidos. O conceito de “inteligência coletiva” esbarra no
fato que diferenças entre os participantes costumam emergir, levando a tensões relacionais,
disputas conceituais e eventuais negociações para resolver o impasse. A cooperação e o
conflito não se opõem, e haver comunicação entre os editores não implica uma transmissão
inquestionável e um intercâmbio consensual. (D’ANDRÉA, p. 63-5, 68-9) Não bastasse o fato
de que muitas vezes o envolvimento exige adaptações e ajustes (encontrar horários
disponíveis para colaborar, adquirir os recursos necessários), como os participantes tem
motivações variadas nem todos podem ter o mesmo benefício ou sentimento de realização – e
quando todos decidem agir em prol de seus interesses individuais, acabam não beneficiando
ninguém. Além disso, enquanto na organização tradicional a divisão de tarefas e
responsabilidades leva à minimização da necessidade de comunicação com os outros
participantes, a construção colaborativa acaba exigindo o contato frequente, e a eficiência
pode ser reduzida ao desviar do trabalho para a resolução de conflitos. A união e engajamento
são cruciais, e uma ou duas desistências já acarretam em problemas como atrasos.
Adicionando o fato de que um grupo maior é ao mesmo tempo mais eficaz (visto que adesão
de uma “massa crítica” de usuários é necessária para o sucesso) e mais problemático (mais
vozes discordantes para satisfazer), e muitos potenciais problemas surgem no caminho de um
projeto colaborativo. (GRUDIN, 1994) Apesar disso, as tensões são agregadoras no processo
colaborativo, já que as discordâncias e negociações relacionadas resultam no aperfeiçoamento
das práticas e bens comuns para garantir a progressão do projeto e a prevenção de mais
disputas. (D’ANDRÉA, p. 68-9)
Um dos formatos de página que mais se beneficiaram da lógica colaborativa foi o
wiki, uma base de dados criada em 1995 que através de um editor de texto embutido nas
9
páginas permite a qualquer internauta criar e editar os documentos contidos, e por ter um
código-básico mais fácil que linguagens como o HTML é perfeitamente acessível a leigos – o
que estimula principalmente a interconexão de páginas, já que para criar um hyperlink para
outra página da wiki não é necessário escrever uma tag complexa, basta apenas circundar o
título da página-destino com chaves (ex. [[Wiki]]). Tal formato é inerentemente aberto,
descartando a necessidade de conhecimento técnico ou permissão especial para editar
conteúdo, e colaborativo, expressando os interesses de um grupo com um interesse em
comum. Antes conhecido apenas por estudantes de informática e considerado um sinônimo
de anarquia criativa, na segunda metade da década de 2000 o software wiki se espalhou pela
internet em páginas sobre os mais variados tópicos. O grande responsável pela popularização
foi um website que revolucionaria o conceito de enciclopédia, a Wikipédia. (AYERS,
MATTHEWS, YATES, , 2008, p. 41-2)
10
2.2 - Sobre a Wikipédia
Em 2000, o empresário Jimmy Wales e o filósofo Larry Sanger fundaram a Nupedia,
uma enciclopédia online gratuita que traria artigos escritos por especialistas, com intensa
revisão para garantir alto nível de conteúdo. O projeto já demonstrava adesão aos princípios
do código aberto, contando com o engajamento de acadêmicos que mesmo sem remuneração
poderiam conseguir reconhecimento através da exposição de seu trabalho na internet.
(FRAUENFELDER, 2000) Mas a equipe dedicada de colaboradores não preveniu a Nupedia
de sofrer com um processo criativo lento e improdutivo causado pelos altos padrões de
inclusão, e ao final do ano apenas 12 artigos haviam sido escritos. Eventualmente Sanger
sugeriu um site-irmão aberto para a criação popular baseado em um formato apresentado a ele
por um programador, o wiki. Wales aprovou a ideia, acreditando que tal projeto poderia atrair
contribuintes novos na Nupedia, e em Janeiro de 2001, entrava no ar a Wikipédia, que geraria
artigos enciclopédicos escritos por qualquer pessoa com vontade de colaborar na redação,
com tal conteúdo depois sendo transplantado para a Nupedia. (POE, 2006)
A ideia acabou indo na direção oposta, com a Wikipédia recebendo os artigos da
Nupedia quando esta acabou extinta em setembro de 2003, com apenas 24 artigos prontos e
74 ainda sendo revisados, em contraste aos mais de 100 mil artigos da Wikipédia na versão
inglesa. O sucesso da Wikipédia levou à internacionalização – em maio de 2001 já haviam
versões em mais treze idiomas, incluindo o português – e ao surgimento de sites derivados,
como o dicionário Wiktionary, o site de citações Wikiquote e o de livros gratuitos Wikibooks
– o que levou Wales a criar em 2003 a Fundação Wikimedia para coordenação geral de tais
projetos. (AYERS, MATTHEWS, YATES, 2008, pp.46-7)
O sucesso do projeto “alternativo” foi um triunfo da lógica colaborativa. A Nupedia
não crescia por exigir muito de seus colaboradores com seu processo de aprovação editorial
de sete passos, e o foco na criação de artigos completos sobre tópicos específicos (em
detrimento ao desenvolvimento paralelo de tópicos variados ou aperfeiçoar o que já estaria no
site). O grupo de especialistas era pequeno, e o contribuinte ainda era afastado do produto
final, reduzindo seu sentimento de envolvimento com o projeto. Por outro lado o formato
mais aberto da Wikipédia, permitindo a edição sem a necessidade do crivo direto dos donos, e
uma abordagem levantando a possibilidade da comunidade visitante ter a capacidade de
contribuir conteúdo útil para o projeto não importasse como (uma edição menor de correção
ortográfica ou transcrever o resultado de uma grande pesquisa tem validade igual) levou a um
11
envolvimento do grande público, que logo queria dividir algum conhecimento ou habilidade
útil nesse projeto colaborativo. (BRUNS, 2008, pp. 103-5) Em 8 meses a Nupedia só tinha
apenas dois artigos completos online. (FRAUENFELDER, 2000) A Wikipédia ultrapassou a
marca dos mil artigos em apenas um mês e dois dias. (AYERS, MATTHEWS, YATES, , 2008,
pp. 46-7)
Hoje a Wikipédia é um dos 10 sites mais acessados no mundo, com 19 milhões de
artigos em mais de 260 línguas (com a maior versão sendo a inglesa, com 3,7 milhões; a
Wikipédia em português é a décima com 693 mil), e a adesão de milhares de colaboradores
(os usuários registrados chegam aos 16 milhões em inglês e 900 mil em português), também
conhecidos pelo termo “wikipedista”. A popularidade garante as contínuas doações que
mantém o projeto gratuito e sem anúncios – em 2009, a Fundação Wikimedia registrou receita
de mais de US$10 milhões – e a disseminação do formato wiki. Diversos serviços de
hospedagem para sites wiki surgiram a partir de 2004, quando Wales ajudou a criar a
WikiCities (hoje rebatizada Wikia, e abrigando mais de 200,000 sites, que vão de um
depositário de letras de música a enciclopédias sobre franquias de cinema, games e
quadrinhos). Frequentemente o website é discutido na mídia pela funcionalidade deste modelo
coletivo, e em quanto os artigos do site são confiáveis visto que a maior parte dos editores são
amadores. (AYERS, MATTHEWS, YATES, 2008, p. 46-7)
O aspecto mais controverso da Wikipédia é sua credibilidade como fonte informativa
visto que a maior parte dos participantes na missão de angariar “a soma de todo o
conhecimento humano” são anônimos. Esse foi o motivo para a saída de Larry Sanger do
projeto, já que ele se sentia desconfortável em ver que a “igualdade geral” não dava
prioridade às contribuições originadas por especialistas em alguma área científica. O ex-
editor-chefe da Encyclopedia Britannica, Bob McHenry, declarou que “não podia ver o que
estavam fazendo [no site] como uma enciclopédia”, dizendo que a Wikipédia era “no máximo
uma compilação da redação aleatória de várias pessoas na forma de artigos enciclopédicos,
mas sem o controle, autoridade ou consistência que sempre associei com a palavra
‘enciclopédia’”, com um processo que mais se assemelhava a um jogo online. McHenry
ressaltou como na Britannica ocasionalmente verbetes levavam anos para ter a qualidade que
os editores achavam adequada para a impressão, mas a divulgação instantânea da Wikipédia
traduz-se no que essencialmente é a publicação de rascunhos. (VAN VEELEN, 2008)
Andrew Keen, um dos maiores críticos da Web 2.0., usa a Wikipédia como um dos
principais indícios de como a democratização dos sites com conteúdo gerado pelos usuários
12
acaba gerando desinformação, superficialidade e ignorância, “solapando a verdade, azedando
o discurso cívico e depreciando a expertise, a experiência e o talento”. Keen acredita que o
fator mais depreciativo da Wikipédia é a falta do “gatekeeping” (termo derivado da palavra
inglesa para “porteiro”, significando o processo da filtragem de informação), visto que há
milhões de verbetes, “nenhum deles editado ou atentamente examinado quanto à sua
exatidão”, e o site tem mais visitantes que bastiões da informação como a Britannica ou a
CNN, “embora a Wikipédia não tenha nenhum repórter, nenhuma equipe editorial e nenhuma
experiência na coleta de notícias”. (KEEN, 2009, p.9-10, 19) . Segundo Keen, a verdade
depende do “gatekeeper” para ser determinada, e em um formato colaborativo a verdade se
torna personalizada e fragmentada - “assume-se que não há uma verdade, mas que cada um
tem sua verdade, e cada um sobrescreve a versão alheia da verdade com sua própria”.
McHenry concorda declarando que por mais que se faça uma correção, “não há uma garantia
que ela continuará na página amanhã”. O próprio Jimmy Wales admite que o site nunca será
100% preciso porque “o conhecimento humano não acredita nesse tipo de perfeição”. (VAN
VEELEN, 2008)
Uma das consequências da liberdade gerada pelos sites da “web 2.0.” é a submissão
sem o menor controle de qualidade, levando a uma necessidade de filtros e validação dos
conteúdos. No caso da Wikipédia, extensivas páginas listam suas políticas para evitar a
inclusão anárquica e não-enciclopédica de dados – motivadas pelos primeiros anos da
enciclopédia terem grandes manifestações disso, com usuários escrevendo páginas inúteis
como autobiografias. Critérios de notabilidade detalhados designam o que merece um artigo,
e uma página lista “o que a Wikipédia não é” (que incluem “repositório desordenado de
informações”, “guia ou manual”, e “blog ou rede social” para demonstrar que apesar da
aparente inconsistência e falta de organização, os objetivos informativos do projeto são
claros). Em contraste com um blog, em que todos dados são submetidos por uma única pessoa
e expressam a opinião apenas do autor, os artigos da Wikipédia são uma construção contínua e
coletiva em prol da neutralidade. (POE, 2006)
Tal neutralidade também diverge de outra característica das enciclopédias, que como
registro do conhecimento tem uma presunção positivista de que só existe uma verdade. No
caso da Wikipédia, a abordagem é construtivista, assumindo que sempre existem variados
pontos de vista, e estes mudam com o passar do tempo. Novos dados e descobertas alteram o
conteúdo enciclopédico não só no nível objetivo de atualizar as informações, como o
13
subjetivo de que a reescrita tem de demonstrar como as novidades endossam teorias e
desmentem opiniões. (STIVILIA, 2008,p. 31)
Analisando o modelo colaborativo que constitui a Wikipédia, ele acaba sendo um
híbrido da “produção leve” (muitos colaboradores, cada um provendo adições mínimas ao
produto como um todo) e “produção pesada” (uma comunidade virtual forte que emprega o
máximo de tempo possível de seus voluntários). Há inúmeros editores eventuais, que
ocasionalmente nem se registram no site para acrescentar conteúdo, e alguns wikipedistas
mais engajados, com inúmeras contribuições, participação nos debates da comunidade e
muitas vezes a eventual ocupação de cargos administrativos do website. (D’ANDRÉA, 2011,
pp.65-68) O grupo de editores não tem uma única abordagem de regulamentação das
atividades – a descrição da estrutura de poder na Wikipédia diz que o projeto é sendo guiado
por “uma mistura de elementos anárquicos, despóticos, democráticos, republicanos,
meritocráticos, plutocráticos, tecnocráticos e burocráticos.” – e está sempre experimentando
métodos para que a comunidade se organize. (BRUNS, 2008, p. 140) Somado ao próprio
caráter heterogêneo da comunidade, não surpreende que nem sempre o processo de redação
de artigos seja harmônico. Os conflitos de interesses levam certos wikipedistas a descrever o
site como sendo um “campo de batalha de ideias”,1 o que é reforçado pela descrição de
atividades com termos bélicos como “guerra de edições” (dois ou mais usuários fazendo uma
contínua reversão das mudanças alheias para garantir a inclusão ou remoção de certos dados).
A principal disputa ideológica da comunidade envolve as discussões sobre que conteúdo
merece figurar na enciclopédia, com as filosofias sendo batizadas “Inclusionismo” (todo
conhecimento é válido) e “delecionismo” (cobertura seletiva, apoiando a eliminação de
artigos considerados desnecessários). (STIVILIA, 2008,2008, p. 16-17)
Assim, um dos recursos mais cruciais para garantir um direcionamento preciso em
torno do melhoramento é a existência de uma “página de discussão” atrelada a todos os
artigos da Wikipédia. Nesse espaço, editores podem discutir o artigo e o processo de redação
do mesmo, debatendo as discordâncias para decidir qual conteúdo permanecerá.
Adicionalmente, é feito um planejamento de reescrita, seja discutindo o texto já existente ou
listando o que ainda é necessário criar. (PENTZOLD, 2009, p. 257) Todo grupo social precisa
de mecanismos que permitam aos participantes reparar ou compensar suas falhas, por mais
informais que sejam, como forma de garantir que as regras sejam consideradas justas e
1 - http://meta.wikimedia.org/wiki/Battlefield_of_ideas
14
eficazes, e assim manter a fé da comunidade em continuar seguindo essas normas. As páginas
de discussão servem esse propósito já que os usuários tem um espaço livre para resolver
conflitos. Após a resolução do conflito, fortalece-se a cooperação, e, por conseguinte a
qualidade do texto. (JOHNSON, 2009, pp.129-133)
A maioria dos “Artigos Destacados” que a comunidade da Wikipédia considera entre
as melhores produções do site, possuem páginas de discussão bem desenvolvidas,
demonstrando que as melhores redações advém de um grupo bem organizado e bastante
interessado em construir um relato de boa qualidade. (STIVILIA, 2008,p. 19) A atividade
intensa e acompanhamento contínuo resultantes da discussão garantem que a comunidade
mantenha-se funcional e os artigos em bom estado. Mesmo as diferenças de engajamento dos
usuários não atrapalham, visto que a coesão e atividade da comunidade são favorecidos pela
construção geral do website ser mais dependente de um número menor de wikipedistas
realmente ativos – na Wikipédia em inglês, 50% das edições vem de 0,7% dos usuários, e
mais de 70% de todos os artigos foram escritos por apenas 1,8% dos wikipedistas.
(D’ANDRÉA, 2008)
Enciclopédias impressas já buscavam o hipertexto através de notas de rodapé e índices
que indicavam outros artigos a consultar. O formato online da Wikipédia explora o hipertexto
em todo seu potencial, com uma organização de dados diferente da mídia impressa, inclusive
de poder fragmentar a informação em vários artigos pequenos ao invés de um grande. O
escopo do website acaba indo além das enciclopédias de papel, sendo ao mesmo tempo
especializada e geral em contraste aos impressos servirem como guias apenas para
determinadas áreas de conhecimento. As conexões também ocorrem entre idiomas, com links
para as páginas sobre o tópico nas outras versões da Wikipédia. (AYERS, MATTHEWS,
YATES, 2008, p. 36-7)
Na produção de uma enciclopédia tradicional, o escopo do conteúdo registrado
acabava esbarrando em restrições do formato físico e do tempo que os especialistas poderiam
gastar na pesquisa e redação. Em meio às decisões sobre o que seria incluído, o foco
geralmente ficava no que o grupo editorial considerava as áreas básicas do conhecimento
humano, em detrimento a áreas da cultura popular. Utilizado um formato aberto e
colaborativo, a Wikipédia contornava as limitações, com a construção através de número
indefinido de voluntários podendo garantir que todas as áreas de conhecimento fossem
cobertas: uma hora gasta pela equipe da Encyclopedia Britannica pesquisando sobre Britney
Spears seria uma hora a menos para redigir sobre Santo Agostinho, mas a pulverização pode
15
dividir os esforços e eliminar tal escassez de tempo. O foco diversificado da comunidade, em
que todos os wikipedistas podem servir como fontes de conhecimento - mesmo para tópicos
que seriam considerados frívolos nas enciclopédias de papel – faz o website poder aspirar em
providenciar uma cobertura igualmente ampla da mitologia ficcional do autor J. R. R. Tolkien
e dos acontecimentos na Inglaterra anglo-saxã. Cada um faz desenvolver artigos na área de
seu interesse, gerando um local que compila todos os interesses da humanidade, do vital ao
trivial. (BRUNS, 2008, p. 120-123) Outro ponto que o formato online colaborativo tem maior
eficácia é no controle de qualidade, que pode levar meses a anos em uma enciclopédia
impressa, mas na Wikipédia leva minutos visto que os mesmos usuários que leem podem criar
revisões para corrigir e complementar o conteúdo. (Stivilia, 2008, p. 33)
Com seu formato juntando as consagradas enciclopédias com as comunidades online
colaborativas, a Wikipédia logo atraiu internautas com conhecimento técnico que gostavam da
perspectiva baseada no software livre, bem como um público em geral atraído pela missão
enciclopédica. Consequências inesperadas demonstrando o poder responsivo das ferramentas
colaborativas acabaram ocorrendo, em especial a rápida atualização de páginas relatando
eventos atuais. (AYERS, MATTHEWS, YATES, 2008, p. 36-7)
2.3. Eventos recentes na Wikipédia
Assim como a internet mudou a interpretação do termo “informação”, também
acelerou o que pode ser considerado conteúdo enciclopédico, que antes era sinônimo de
pesquisas feitas sobre o passado, o “histórico”, mas com a Wikipédia esse passado acabou se
esticando para incluir até eventos que não terminaram de acontecer. (DEE, 2007). As políticas
de inclusão mais amplas da enciclopédia digital garantem artigos sobre eventos recentes,
beneficiados pelo ciclo editorial instantâneo do site. Em 1989, a Encyclopedia Britannica
estava na gráfica quando começou a reunificação alemã, forçando uma interrupção da
impressão e convocar redatores para rapidamente acrescentar os dados resultantes das
mudanças na ordem mundial. Na Wikipédia, basta enviar sua edição para atualizar a página e
a versão nova do artigo fica online na hora. (GLOSSERMAN, HILL, 2010) O site já foi
aclamado como uma fonte de notícias em si, visto que eventos conseguem artigos tão logo os
fatos são relatados nos meios de comunicação massivos, e graças à lógica colaborativa o
artigo pode crescer de uma simples discussão de uma linha para um detalhado relato de 50. O
artigo sobre o terremoto e tsunami na Indonésia em 2004, por exemplo, teve mais de 1000
edições em apenas 48 horas. A frequente edição pode levar à disputa entre contribuintes sobre
o conteúdo merecedor de inclusão no artigo, bem como atrair vândalos que apagam partes do
16
artigo ou acrescentam informações falsas – a ponto de certos tópicos acabarem sendo
“protegidos” para bloquear a edição por usuários não registrados ou com poucas edições. O
formato também consegue algo que nos meios de comunicação tradicional é potencialmente
trabalhoso e caro: revisar e editar as informações já postadas. (FORD, 2011)
Enquanto no jornalismo diário geralmente só existe o hoje – o ontem é o passado
distante, o amanhã um futuro longínquo – buscando a notícia que fica pronta para a próxima
edição, a Wikipédia tenta evitar apenas o agora, com políticas ditando contra criar artigos
sobre um tópico apenas porque está no noticiário (a página ditando que “não há data final”
especifica que “a Wikipédia não é o WikiNotícias e não precisa levar furos para ninguém.”),2
ou dar peso indevido a fatos recentes (como longas seções dedicadas à eleições correntes na
página de um político, ou a um escândalo na página de um famoso), já que os artigos buscam
ser um relato duradouro e devem ser conteúdo escrito de forma equilibrada, especialmente em
uma perspectiva histórica (um dado que parecia importante pode se tornar irrelevante ou ser
desmentido alguns anos depois). A edição dos artigos é contínua e o consenso pode mudar
com o passar do tempo. (LIH, 2004, p.4)
A Wikipédia tem três diretrizes básicas de conteúdo: ter material baseado em dados,
conceitos e análises já publicados antes (“sem pesquisa inédita”) em fontes fiáveis que são
devidamente citadas (“verificabilidade”), e dar no texto um tratamento justo mesmo que seja
um tópico controverso (“ponto de vista neutro”). Apesar do jornalismo fugir de uma das
diretrizes ao reportar as descobertas feitas pelo redator da notícia, as outras políticas são muito
presentes. Lage (2001, p; 179) diz que jornalistas devem basear-se:
A. na reverência diante dos fatos e das verdades científicas;
B. no descompromisso com teorias e versões de fatos; e
C. no respeito às pessoas que, sendo fonte ou público, sustentam tais teorias e
versões.
Assim está claro como os textos requerem extenso trabalho de apuração e pesquisa, os
dados resultantes tem que ter sua fonte devidamente atribuída, e o relato deve não só evitar a
distorção dos fatos em prol de interesses pessoais, como tentar a neutralidade dando voz a
ambos os lados do evento relatado. Um movimento comunitário acaba implicitamente
aplicando os mesmos parâmetros das geradoras de notícias modernas – ater-se aos fatos,
atribuir fontes e manter equilíbrio. (LIH, 2004, p.4)
2 -http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:N%C3%A3o_h%C3%A1_data_final
17
O universo das notícias é o das aparências do mundo, não perseguindo o conhecimento
essencial que é base dos estudos científicos e bases, mas apenas um recorte dos
acontecimentos da realidade. O que seria relevante para o público garante um espaço no
noticiário, com variados graus de profundidade já que o interesse jornalístico elimina dados
técnicos que só interessariam a especializados para uma maior abrangência do público ao qual
a notícia se destina. (LAGE, 2001) O Manual da Folha de S. Paulo declara (p.47) que “não
existe objetividade em jornalismo”, visto que decisões subjetivas guiam o jornalista na
escolha do assunto, redação e edição, mas ainda assim é necessário que o fato seja encarado
com “distanciamento e frieza” para que leve a um relato de fidelidade, reproduzindo “a forma,
as circunstâncias e as repercussões”.
A abordagem de Wikipédia também não busca ser uma apresentação do conhecimento
do mundo como as enciclopédias tradicionais, mas ilustrar representações de conhecimento,
por mais divergentes que sejam. O grupo editorial da enciclopédia faz um julgamento da
realidade para determinar o que é incluído na publicação, enquanto a política de neutralidade
da Wikipédia abre espaços para todos os pontos de vista que acabam sendo apresentados em
paralelo para a avaliação do usuário. Páginas detalhadas existem tanto para as teorias
consagradas comprovadas como tópicos especulativos e pseudocientíficos, com tanto
“Evolução” como “Design Inteligente” sendo Artigos Destacados. (BRUNS, 2008) Os artigos
da Wikipédia são considerados introduções concisas a um assunto na forma de um sumário
informativo, providenciando ao leitor as principais informações sobre o tópico e referências
externas que garantiriam aprofundamento. (STIVILIA, 2008,2008, p. 18) Uma notícia tem a
mesma linha, descrevendo um evento de forma que os que não estavam lá para presenciar
tenham ideia dos acontecimentos.
Ainda que a Wikipédia proíba a inclusão de informações inéditas e a proposta de ser
uma enciclopédia pressuponha certo distanciamento dos acontecimentos registrados no artigo
para consulta em longo prazo, o site relata alguns fatos novos no calor dos acontecimentos e,
com isso, assume um caráter jornalístico e passa a ter algumas das características dos sites
noticiosos, marcados por um fluxo contínuo de informações e por uma simplificação das
rotinas editoriais (D’ANDRÉA, 2009). Trata-se de “agregação em tempo real”, como afirmou
Mola Pantages, coordenadora de comunicação da Fundação Wikimedia, ao ressaltar a
curadoria de diferentes fontes de informação feita por pessoas (e não algoritmos) como um
dos grande méritos da Wikipédia. É fundamental observar que essa agregação baseia-se em
informações previamente publicadas, e não na apuração direta de informações novas. O
18
registro de acontecimentos recentes em “tempo real” na Wikipédia pode ser marcado por
tensões entre os diferentes usuários. (D'ANDRÉA, 2008) Disputas e argumentações extensas
sobre abordagem e inclusões podem garantir páginas de discussão gigantescas sem
propriamente levar a um artigo de melhor qualidade. (STIVILIA, 2008,2008, p. 19) A página
sobre a política de neutralidade diz que é “uma exigência inegociável e absoluta de tudo que
fazemos”, ao criar artigos que “devem ser imparciais, ou seja, devem ser escritos em uma
forma com a qual ambos (ou todos) os lados envolvidos possam concordar com ele.”
Algumas das decisões em prol da neutralidade acabam sendo similares às das organizações
jornalísticas: a decisão da comunidade da Wikipédia de evitar o termo “terrorista” é similar a
uma das políticas da agência Reuters, ambas evitando caracterizações com juízos de valor.
(LIH, 2004, p. 4)
Se uma enciclopédia tradicional se assemelha ao jornalismo convencional por
providenciar uma síntese de variados pontos de vistas conforme um único autor ou grupo de
criadores, a Wikipédia parece o jornalismo colaborativo ao resumir em uma voz neutra algo
que foi construído através de uma abordagem de múltiplas perspectivas com a liberdade para
que todos os participantes acrescentem algo – desde que providencie uma referência provando
a veracidade dos dados. As políticas da Wikipédia determinam que o critério de inclusão é
“verificabilidade, não verdade”, algo impossível de se ver em uma enciclopédia tradicional, e
novamente se assemelhando ao jornalismo colaborativo em sua intenção de criar notícias a
partir de variados pontos de vista. (BRUNS, 2008, pp. 113-4)
19
Capítulo 3 - Sobre a noção de notícia na Wikipédia
“O jornalismo é um rascunho grosseiro da história”
Philip Graham
3.1. Critérios de noticiabilidade no jornalismo
O conceito de notícia costuma variar por duas definições: fato social destacado em
função da sua atualidade, interesse e comunicabilidade; e compilação de fatos e eventos de
interesse ou importância para leitores do jornal que a publica. Ambas mostram que uma
informação é transcrita em uma notícia quando possui importância e interesse para o leitor, e
as que seriam mais relevantes são as que preenchem diversos fatores da importância para
despertar o interesse geral (trazem conflitos, ineditismo e apelo, como os escândalos políticos)
ou a comoção pública (improbabilidade e empatia, geralmente aliada a proeminência dos
envolvidos, como catástrofes naturais ou mortes trágicas de famosos), bem como servir de
utilidade pública (possuem apelo com o público e dependem da oportunidade em que são
publicadas para terem mais utilidade, como relatos de epidemias e novas leis). (SOUSA
PINTO, 2009, pp.60-61) O repórter por tabela serve como os olhos e os ouvidos do público,
garantindo que o espectador simbolicamente esteja por dentro do acontecimento – mesmo
aqueles em que provavelmente não teria permissão de acesso – ao acompanhar o relato
jornalístico. (LAGE, 2001, p.23) Diante da percepção de que não há espaço nos veículos
informativos para a publicação ou veiculação da infinidade de acontecimentos que ocorrem
no dia-a-dia, é necessário demarcar “valores-notícia” para determinar os eventos
“merecedores” de serem conhecidos pelo grande público.
A temporalidade da notícia é variável, conforme o meio e suas limitações de
divulgação. As restrições do tempo até contribuem para que instituições “geradoras de
acontecimentos” (empresas, políticos) encaixem suas realizações nos horários em que os
meios de comunicação possam cobrir os fatos. (SCHWINGEL, 2009, p. 142-145) No modelo
do jornal impresso, as notícias do dia anterior são consideradas informações satisfatoriamente
“frescas”. Rádio e televisão costumam divulgar notícias horas depois dos fatos – mesmo em
transmissões ao vivo precisa algum tempo para a equipe chegar ao local e começar a operar.
No modelo digital, a distância do tempo entre algo acontecer e ser propagado chega a
minutos, seja por amadores comentando os eventos em redes sociais ou profissionais
escrevendo suas notícias para sites.(GABRIEL, 2010, p. 90)
20
Sempre o exercício do jornalismo esteve ligado aos avanços tecnológicos – o próprio
termo “imprensa” vem da máquina que imprime folhas. Das pequenas publicações feitas com
tipos móveis e utilizadas mais para fins políticos e mercantis, logo viriam os grandes jornais
informativos graças ao surgimento de inventos como a máquina de composição, a impressora
a vapor e o telégrafo, bem como novas plataformas para o jornalismo como rádio e televisão.
(LAGE, 2001, p.21-23) Cada dispositivo novo exigia adaptações para que ocorresse a mesma
unidade discursiva jornalística, não importasse o formato. (Seixas, 2009) Os avanços mais
recentes nos meios de comunicação em massa são relacionados à informática: já na década de
80 o computador chegava às redações, permitindo que o próprio repórter tivesse maior
controle sobre seus textos, reduzindo a importância de revisores e editores. (TRAVANCAS,
2011) A disseminação da internet e redes internas na década seguinte praticamente fez do
repórter o único responsável pelo texto, criando a pauta, escrevendo, editando e postando no
site do veículo noticioso sozinho – o que era ajudado pelo ritmo frenético exigido pelo
formato digital, com um fluxo contínuo de informações que tem de ser acrescentadas
praticamente na hora em que ocorrem. (LAGE, 2001)
A prioridade em meio à adequação da produção jornalística às especificidades
tecnológicas e novas condições organizacionais de funcionamento de sites e portais deixava
de ser grandes reportagens em prol de notas jornalísticas potencialmente contraditórias pelo
fato de que novos dados podem suplantar ou negar o que havia sido divulgado antes. O uso do
meio digital pelo jornalismo também colaborou para a descentralização não só da distribuição
- dando ao público acesso mais fácil à informação por poder acessá-la em diversos
mecanismos (computador, celular) e plataformas (textos, vídeos, áudios, com direito a
“versões atualizadas” de meios tradicionais como o podcast e a webtv) - como também a
produção da notícia, pela possibilidade de integração com o público que participaria da troca e
captura de informações. Era quebrado o conceito básico de que o produto jornalístico entrega
um pacote fechado de informações pela possibilidade de interagir com o público e também de
alterar ou adicionar dados com facilidade, tornando o jornalismo um processo contínuo onde a
informação está em constante movimento e atualização. (cf. D’ANDRÉA e RIBEIRO, 2010).
Uma consequência desse processo é a fragmentação do conteúdo jornalístico em
diversas páginas web, que passam a ser publicadas à medida que novas informações sobre um
acontecimento são apuradas ou recebidas pela equipe editorial. Atualmente, o limite da
velocidade operacional dos jornais em sincronizar e reduzir o tempo dos eventos ao tempo da
publicação dos informes é condicionado pela velocidade das agências no repasse dos serviços.
21
Na lógica da instantaneidade e do fluxo contínuo de publicações, textos mais bem-acabados
muitas vezes dão lugar a sequências de notas jornalísticas que não configuram uma “suíte”,
inclusive por serem contraditórias entre si e sem uma articulação contextual suficiente para a
compreensão dos fatos pelo público, principalmente se consideradas potencialidades do
caráter hipertextual da internet. (D’ANDRÉA, 2009)
Não só a informação deixou de ser apenas ou principalmente um fator de acréscimo
cultural ou recreação para tornar-se essencial á vida das pessoas como agora as informações
ditas necessárias estavam muito além da capacidade de acesso individual do homem comum.
O progresso tecnológico cria diversos especialistas que aprendem a lidar com novas técnicas e
produtos (e o desenvolvimento científico ás vezes é tão veloz que em alguns meses lições se
tornam desatualizadas e superadas), mas tendem a ignorar o que se passa em outras
especialidades e áreas. Assim os veículos de comunicação conteriam as informações que
ajudariam as pessoas em suas decisões, com o jornalista virando um tradutor de variados
discursos e perspectivas para uma língua comum e simplificada, fácil de entender apesar de
não conter a precisão do jargão dos especialistas. As notícias também agregam o
processamento e seleção dos fatos que o repórter faz durante a pesquisa e apuração, de forma
que o produto final permita ao leitor orientar-se diante da realidade, fazendo julgamentos e
tomando suas decisões. (LAGE, 2001)
Visto que a informação chega a ser um valor de troca na sociedade moderna, é
frequente a “construção” de dados para alimentar os meios de comunicação, com
acontecimentos que parecem obedecer à “ordem natural dos fatos” sendo artifícios planejados
por agentes específicos (políticos, empresários, publicitários, assessores, marqueteiros, ou até
mesmo os próprios jornalistas) para responder ou criar uma demanda da sociedade. Apesar do
caráter “artificial”, não significa que seja menos verídico ou real, já que tais dados podem
causar influência na sociedade e assim se tornar objeto de reportagem e crítica. É necessário
um discernimento da parte do jornalista para distinguir fatos construídos de “notícias
plantadas” que podem não passar de rumores (mas ainda assim tem potencial para
consequências concretos: um boato da destituição do presidente do Banco Central pode causar
a queda da Bolsa de Valores). (PUBLIFOLHA, 2011, p. 24)
O jornalista se vê como um profissional que deve dar ao cliente o que ele precisa, não
o que ele quer – acima de tudo porque raramente ele está lá para cobrir o fato que o público
mais precisa saber. Criar uma notícia não só depende da disponibilidade das informações por
parte da fonte usada pelo repórter como do que a companhia que gere o veículo de
22
comunicação quer publicar. Diversos fatores entram em cena, como a quantidade de espaço
que pode ser utilizado pela notícia, e o público potencial. Apesar de cada vez mais informação
ser produzida no mundo, o processo seletivo do “gatekeeping” restringe apenas a tópicos que
atendem interesses comerciais ou políticos da companhia de mídia e seus parceiros, tendo
uma representação parcial dos acontecimentos do mundo em prol do lucro. Por mais que os
jornalistas tenham boas intenções, nem sempre o corporativismo vai aprovar uma notícia
puramente pela relevância da informação para a audiência. (BRUNS, 2008, p. 71-3)
3.2. A noticiabilidade na lógica colaborativa
Pela própria natureza da web, em que não existem limitações físicas para mostrar e/ou
armazenar qualquer tipo de informação, uma infinidade de opções são oferecidas em acesso
permanente, e como oferta e demanda andam juntas, produtos com pouquíssima procura ou
disponibilidade são tão acessíveis quanto os mais populares. (SEIXAS, 2009) Assim, a
combinação da profusão de dados e a interatividade dos recursos digitais permitem a inserção
de usuários comuns na produção jornalística, mesmo sem aprendizado das teorias da área.
(SCHWINGEL, 2009, p. 142-3)
O “jornalismo cidadão” surgiu da mesma forma que os softwares “abertos” – e não por
coincidência ambos tem uma relação direta, emergindo na década de 2000 junto com a
popularização da internet, e com os programas utilizados pelos repórteres amadores tendo
sido desenvolvidos pelos programadores open source - para complementar os meios
tradicionais (no caso em vez da indústria de informática, os grandes grupos de comunicação),
e chegando a desafiar seu equivalente corporativo como fornecedor de notícias e inovações. O
ponto de partida para um jornalismo feito pelo público foram os protestos para a reunião da
World Trade Organization (WTO) em Seattle, em novembro de 1999: prevendo que a mídia
não cobriria as ações adequadamente ou de alguma forma, os ativistas angariaram fundos para
criar a Independent Media Center (Indymedia), registraram um website e montaram uma sala
de imprensa para transmitir os protestos ao vivo online. (BRUNS, 2008, p.69-70)
Produzir notícias através de um “jornalismo aberto” é igual aos softwares open source,
com usuários encontrando um tópico que os interessa e consideram relevante para a
comunidade, e eventualmente desenvolvendo uma história para publicar. A comunidade então
avaliará e discutirá a notícia, agregando novos dados para garantir uma cobertura mais ampla
dos dados, muitas vezes bem mais extensa do que a realizada pelos meios de comunicação
23
tradicionais. Na contramão da imprensa de massa, em vez de “filtrar, depois publicar”, com o
editor limitando os dados a incluir, a produção de notícias pelo jornalismo cidadão é
“publicar, depois filtrar”, com a notícia sendo postada e então reforçada pelas contribuições
dos espectadores. Os participantes do jornalismo colaborativo pedem para não serem
comparados com repórteres e outros profissionais do ramo, mas as comunidades acabam
preenchendo o papel de informar e influenciar tanto quanto a imprensa tradicional. (BRUNS,
2008, p.74-6) Um dos preceitos da construção colaborativa é “Dados olhos suficientes, todos
os erros são triviais". Assim, quanto mais pessoas envolvidas na construção do texto, menos
problemas o produto final terá, e a revisão por uma comunidade pode ser tão precisa quanto a
feita por especialistas. Os “olhos” também se aplicam aos leitores no caso de comunidades
abertas à colaboração externa, visto que se nenhum visitante deseja alterar o conteúdo pode-se
concluir que o artigo tem qualidade técnica e informativa. (STIVILIA, 2008,2008, p. 22)
O foco do produtor independente acaba sendo na produção de textos midiáticos em
vez do consumo. E para o público que apenas lê, não há mais a dependência de receber um
relato “regurgitado” e retrabalhado por diversas mãos visto que a era da informação permite
conseguir o relato de variadas fontes, ás vezes até em primeira mão. A comunicação muda de
ser focada no transmissor – geralmente uma corporação tradicional com maior acesso aos
fatos – para se tornar uma rede espontânea oriunda de fontes no próprio público que recebe.
Porém a produção em si não é garantia de que haverá uma cobertura consistente e eficaz. O
grupo precisa permanecer focado nos seus objetivos primários, e muitas vezes agregam
processos e ferramentas para um melhor controle de qualidade. Ocasionalmente isso acaba
deixando veículos que seriam um jornalismo cidadão com restrições editoriais não muito
diferentes das do jornalismo tradicional. (BRUNS, 2008, p.70-3) Assim como um grupo bem
motivado e coordenado cria um produto de boa qualidade, conflitos ideológicos entre
participantes e a geração indiscriminada de artigos acabam minando a missão e o rendimento
do projeto, e subsequentemente exigindo mecanismos mais formais de coordenação e controle
para garantir eficácia. (STIVILIA, 2008,2008, p. 33)
Outro diferencial da produção em jornais colaborativos é como a notícia não é o
produto final, mas apenas um ponto de partida, que geraria discussão e permitiria uma
abordagem mais ampla da história ao ver os debates dos leitores. Em contraste ao noticiário
tradicional, com o produto jornalístico sendo uma unidade única contendo os fatos relevantes
que permitem ao leitor saber o básico sobre o assunto – e isso quando não ocorre uma redução
de espaço que pode reduzir a notícia a apenas uma manchete – em detrimento ao contexto e as
24
conexões da história com outras notícias para maximizar o encaixe da notícia nos processos
industriais de produção e transmissão, as notícias criadas pela lógica colaborativa são mais
um processo em constante evolução que um produto finalizado. Ao invés de um jornalista
solitário tentando desvendar a verdade e podendo ser tolhido pelas restrições impostas pelo
sistema que publica suas notícias, o jornalista é apenas uma fração de uma comunidade unida
em esforço para revelar a verdade, todos em constante diálogo e deliberação para desenvolver
algo que a comunidade sabe que nunca estaria completo. O jornalista não é mais “dono da
notícia”, com a produção jornalística pela lógica colaborativa entrando no conceito open
source de propriedade coletiva. (BRUNS, 2008, pp. 81-3)
Jornalismo online não necessita de grandes qualificações para ser feito, e geralmente
os participantes buscam apenas o bem comum e ganhar uma boa reputação em seu
envolvimento ao invés de recompensas financeiras. A participação na criação de notícias sai
das mãos de especialistas profissionalizados para uma base de pessoas de variadas
qualificações, mais proeminentemente pessoas que apenas querem discutir um assunto de seu
interesse e usar seu conhecimento no mesmo de forma jornalística, mas também incluindo
visitantes que decidem comentar sobre o tópico. A qualidade da escrita pode não ser a mesma
da gerada pelos meios de comunicação massivos, porém o aumento da cobertura de um tópico
e incluir a participação social na difusão desse conhecimento acabam por sempre justificar
para os jornalistas amadores manter seu trabalho em atividade. A efetividade do sistema é
comprovada pelos conglomerados de mídia contratando blogueiros e expoentes do jornalismo
cidadão, quando não compram seus sites para fazer parte da rede de páginas do veículo de
comunicação. Nem sempre significa que os recém-profissionalizados são “vendidos” que
largaram o sistema, visto que muitos acabam difundindo os conceitos do jornalismo cidadão
para a sociedade, e estimulando as companhias a buscar o envolvimento do espectador no
processo da criação de notícias. (BRUNS, 2008, pp. 86-93)
O jornalismo participativo acaba sendo uma mudança drástica da mídia de massa
tradicional não só por sua abordagem de construção coletiva, mas por lidarem com o “vão
temporal de conhecimento” que separa os eventos recentes tratados nos noticiários e os fatos
históricos relatados em livros. Enciclopédias tradicionais serviam para esse fim, porém não
eram exatamente a forma mais acessível e funcional por serem publicadas anualmente a um
preço alto. Mesmo as enciclopédias digitais como a Britannica.com trabalhavam em ciclos de
seis meses a um ano. Blogs e wikis mudaram esse panorama ao permitirem uma destilação
das informações pouco após os eventos ocorrerem, e ainda possuírem hyperlinks que
25
permitem o leitor explorar mais a fundo o conteúdo e se possível ser um colaborador. (LIH,
2004, p.5) O uso de mais pessoas para revisar é um recurso único do jornalismo participativo,
que acaba se beneficiando diretamente de ter mais leitores quando estes reagem criticando o
conteúdo ou contribuindo com material. Essa conexão próxima entre leitura e edição contribui
para uma evolução rápida do conhecimento, uma função ausente da metodologia tradicional
dos meios de comunicação. (BRUNS, 2008, p.75-6)
O modelo tradicional de jornalismo é fechado, isolado e potencialmente problemático
na era da informação: esperar para publicar torna a notícia ultrapassada ou impede o
consumidor de conseguir informações que podem ser úteis, e a falta de interação com o leitor
deixam falhas de comunicação serem muito mais fáceis de ocorrerem. Daí o formato wiki em
particular pode ser uma adição significativa para a redação de notícias. Os leitores e editores
tem acesso imediato à história, podem consultar um ao outro para conferir se os fatos
concordam com o que foi coletado e observado, reescrever seções incorretas ou
desatualizadas, e a coordenação entre vários escritores é facilitada pelo fato de todos estarem
trabalhando no mesmo texto. (D’ANDRÉA, 2009) Porém nesse caso é essencial que o editor
tenha a palavra final de distribuição, resolvendo os problemas de imprecisão e vandalismo
comuns em wikis, removendo contribuições disruptivas, e checando a veracidade dos dados e
qualidade da redação. (BRADSHAW, 2007) Tal controle de qualidade é importante para gerar
um conteúdo capaz de cumprir todos os seus propósitos, bem como a presença das políticas
para determinar os critérios de julgamento que todos os artigos devem cumprir. (STIVILIA,
2008, p. 26)
O jornalismo é um trabalho que depende da colaboração para confiança. O público
acredita nas notícias por assumir que o “aparato escondido” responsável pela produção
jornalística garante que as informações são corretas, das fontes confiáveis usadas pelo repórter
aos editores que checam por possíveis erros. Blogs já tinham revertido o conceito ao
conquistar a confiança através apenas dos receptores – leitores, usuários que comentam, e
links em outras páginas. Daí muitos jornalistas considerarem a Wikipédia uma fonte a evitar e
o formato wiki totalmente contra a integridade jornalística: se qualquer um muda a página na
hora que quiser, como confiar? (GLASER, 2004)
26
3.3 A temporalidade da notícia na Wikipedia
Um dos itens da página “O que a Wikipédia Não é” 3 é “A Wikipédia não é um
Jornal”, especificando que a escrita dos artigos foge do estilo de redação jornalístico, o
website não é uma fonte primária, e não só os eventos recentes não merecem maior
importância que outros tópicos, como precisam encaixar nos critérios de notabilidade do
website para ser provado que tem importância histórica suficiente para merecer um artigo
enciclopédico a seu respeito.
A discrepância reforçada pelas políticas oficiais acaba não impedindo que artigos
sobre eventos recentes sempre figurem entre os mais visitados e editados de cada mês, e
ocasionalmente a duração da colaboração pode ser ajudada pelo tempo em que o tópico figura
no noticiário e consequentemente no imaginário popular – a gripe suína ficou dois meses
seguidos como artigo mais editado em 2009. (D’ANDRÉA, 2009, p.194) A construção
colaborativa chega a ultrapassar o jornalismo tradicional: minutos após as primeiras bombas
dos atentados de 2005 em Londres explodirem, já havia um artigo na Wikipédia sobre o
assunto, (FERRON, MASSA, 2011) e até hoje a atividade no verbete do atentado em 7 de
julho de 2005 detém o recorde do número de edições em apenas um dia, com 2,857 revisões
em 24 hours – ocasionalmente beirando 15 edições por minuto. 4
Uma das subpáginas sobre notabilidade da Wikipédia descreve as possíveis condições
em que um evento pode valer sua inclusão, e o escopo da cobertura jornalística cabe na
maioria desses fatores5:
Eventos são provavelmente notáveis se tem uma continua
significância histórica e atendem as políticas de notabilidade gerais, ou se tem
um efeito duradouro significativo.
Eventos também são provavelmente notáveis se tem impacto
muito difundido (nacional or internacional) e foram amplamente divulgados
em várias fontes, especialmente se foram reanalisados em seguida. (como
descrito abaixo)
3- http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:NOT#NEWS
4 -http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Wikipedia_records#Edits
5 -http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Notability_(events)#Inclusion_criteria
27
Eventos com menor cobertura ou escopo podem ou não ser
notáveis; a descrição abaixo providencia orientação para avaliar.
Eventos rotineiros do noticiário (incluindo a maior parte dos
crimes, acidentes, mortes, notícias políticas ou de celebridades, “chocantes”,
histórias sem valor duradouro, e fenômenos virais) – por mais trágico ou
amplamente relatado à época – geralmente não são notáveis a menos que algo
a mais dê um significado duradouro.
Ao contrário de um blog, no qual o texto é de total responsabilidade de um único
autor, nas wikis o texto é fruto de um trabalho conjunto dos colaboradores e a versão final do
material emerge de um consenso negociado pelos envolvidos, demonstrando a importância da
mediação exercida no processo. O formato já foi utilizado para pelo menos um site de cunho
jornalístico: o site-irmão da Wikipédia, WikiNotícias. Experimentos terceirizando textos
jornalísticos para os wikipedistas já foram efetuados pelo editor da Esquire A.J. Jacobs e o
repórter brasileiro Pedro Costa, que submeteram textos à comunidade da Wikipédia com a
liberdade de ajustes e correções. (D’ANDRÉA, 2009) Outros veículos comunicativos
resolveram explorar o potencial informativo do wiki com sites abastecidos com o
conhecimento dos leitores, geralmente de tópicos que não teriam espaço no noticiário regular:
a revista Wired abriu uma wiki com guias de “faça você mesmo”, e o jornal San Diego
Tribune uma enciclopédia para a cena musical da cidade. (BRADSHAW, 2007)
O conceito do formato wiki em tese é contra-intuitivo por não exigir credenciais dos
colaboradores e ainda não ter alguém que revise o conteúdo antes da publicação. Porém a
funcionalidade dos websites é indubitável, estimulando a interação social entre os editores ao
permitir que eles possam “seguir” artigos acompanhando alterações nos mesmos, reverem
mudanças individuais - nenhuma operação é permanentemente destrutiva já que todas as
revisões dos artigos são armazenadas, e reverter alterações maliciosas pode ser feito ao clique
de um botão - e discutir ações para o progresso em páginas especiais para esse fim. (LIH,
2004, p.4)
Mesmo que as políticas da Wikipédia sugiram o WikiNotícias para focar em conteúdo
noticioso, tal projeto sofre tanto de falta de colaboradores (em Abril de 2012, o WikiNotícias
em inglês passou 2 dias sem nada publicado, enquanto a versão portuguesa ficou 6 dias) como
de um consenso de como gerir o site (a ponto de colaboradores insatisfeitos da versão inglesa
se desligarem para criar um website similar, o OpenGlobe), enquanto multidões vem para a
28
enciclopédia querendo editar um único tópico que acabaram de ver no noticiário. (FORD,
2011) O próprio Wales admitiu que o conteúdo do WikiNotícias acaba sendo eclipsado, a
ponto de ser redundante, pelo escopo e importância do gigantesco site-irmão, (DEE, 2007) em
especial quando a cobertura do WikiNotícias acaba consistindo na redação de notícias a partir
dos dados já relatados pela mídia – algo que já é realizado nos artigos sobre eventos recentes
da Wikipédia, onde as contribuições também ajudam a construir uma base de conhecimentos
duradoura em vez de algo tão efêmero como uma notícia. (BRADSHAW, 2007)
Um acontecimento marcante gera na Wikipédia uma atividade de cobertura com
certos paralelos à do jornalismo tradicional. Ambos estão motivados a realizar uma coleta,
síntese e divulgação de informações neutras e confiáveis em tempo hábil e veloz. O
diferencial máximo do trabalho da Wikipédia é ser um trabalho social de construção do
conhecimento, com baixo custo de participação, atividades autônomas e integração da
contribuição coletiva. (KEEGAN, GERGLE, CONTRACTOR, 2011, p. 112) Artigos da
Wikipédia não querem substituir o trabalho dos especialistas, mas providenciar acesso do
público às informações em seus verbetes, com direito às referências e ligações externas que
guiam para onde pode se aprofundar no material discutido. (AYERS, MATTHEWS, YATES, ,
2004) O texto jornalístico é similar, providenciando tanto os dados quanto um caminho de
investigação para o público. (LAGE, 2001) Mesmo com a declaração nas políticas da
Wikipédia de que a escrita dos artigos não segue o estilo das técnicas de redação jornalísticas,
a prosa funcional e concisa está mais próxima do texto jornalístico do que o produzido por
historiadores, que normalmente agregam elementos da prosa literária para tornar seus relatos
de eventos passados mais engajantes. (ROSENWEIG, 2011) A própria guia com conselhos
para escrever artigos melhores declara que embora o estilo jornalístico não seja necessário,
“uma familiaridade com essa convenção pode ajudar no planejamento do estilo e layout de
um artigo”. 6
A construção dos relatos nos artigos da Wikipédia acaba diferindo de como um
jornalista compila, utilizando apenas a síntese e a agregação de dados já publicados em outras
fontes de informação ao invés da apuração direta de informações inéditas. (D’ANDRÉA,
2009) Um jornalista cria sucessivas histórias, possivelmente como relato primário após
consultar em primeira mão uma fonte com os dados - com direito a fazer reportagens focando
em determinados personagens da notícia, que chegam a ganhar espaço para relatos em
primeira pessoa. (SOUSA PINTO, 2009) Os prazos de fechamento implicam que os fatos
6 - http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Writing_better_articles#News_style
29
relevantes – sejam “espontâneos” ou fruto de um cálculo oportunista de determinados agentes
sociais – precisam ser divulgados o mais rápido possível, mas sempre seguindo a objetividade
jornalística e o distanciamento crítico. Mesmo sem tempo de uma apuração completa, o fato
publicado deve ser rigorosamente checado, com o jornalista podendo estender sua
investigação aos dias seguintes se o fato for significativo suficiente. (PUBLIFOLHA, 2011,
pp. 22-25) Em paralelo, os wikipedistas fazem várias versões de uma mesma página
dependendo de já ter sido publicado um relato pronto sobre os acontecimentos em uma fonte
fiável – com o sério risco de defasagem ou contradição com outros veículos – e focando mais
em uma abordagem geral em detrimento a destacar narrativas pessoais (que violam o
princípio de neutralidade por dar peso indevido a uma determinada opinião).
Porém a redação é similar, com os meios de comunicação e os verbetes da
enciclopédia usando certa intuição na construção textual, selecionando o que seria relevante
para a inclusão e a melhor organização para as informações, sem deixar de lado a intenção de
um texto claro e compreensível para iniciados e leigos. A diferença é o grau de envolvimento
e a prioridade dada ao ato de resumir, já que os jornalistas podem enriquecer sua redação com
detalhes que comprovam a presença do autor no ambiente discutido, mas seriam considerados
desnecessários na prosa da Wikipédia - não muito diferente de como um redator com acesso
aos dados de um conflito militar será incapaz de produzir um texto tão engajante quanto um
repórter presente no campo de batalha. (LAGE, 2001) Os meios de comunicação podem usar
relatos inéditos, mas não descartam a importância da verificabilidade: manuais de jornalismo
destacam sobre atribuir a informação utilizada na reportagem, bem como apurar e checar os
dados antes que acabe desmentidos ou incompletos. É preciso evitar a reprodução de rumores,
não confiar completamente em pronunciamentos oficiais, confirmar os dados informados pela
fonte e se possível recolher mais de um relato para comparar. (SOUSA PINTO, 2009) O
Manual de Redação da Folha de S. Paulo inclusive nota (p. 26) que o repórter deve ser
cauteloso com informações captadas na internet, visto que “o simples fato de estarem
difundidas em um meio de alcance global não significa necessariamente que sejam
procedentes e verídicas.” As políticas da Wikipédia7 destacam como “qualquer pessoa pode
criar uma página de Internet e assim afirmar-se como um especialista numa determinada área
ou temática” e assim sites pessoais, blogs ou conteúdo gerado por usuários (wikis, páginas em
redes sociais, postagens em fóruns) são largamente vistos como impróprios em termos de
7 –
http://en.wikipedia.org/wiki/WP:IRS#Self-published_sources_.28online_and_paper.29
30
servirem como fontes quando o autor não é alguém comprovadamente relevante na área
discutida ou um profissional do campo jornalístico.
O uso de meios digitais para todas as etapas da produção jornalística – apuração,
composição, edição, e circulação – criou o conceito de Jornalismo Digital em Bases de Dados,
com tais bases tendo diversas finalidades: indexar e classificar peças informativas, integrar
etapas do processo de produção jornalístico (composição, edição e disponibilização do
produto), ordenar e mediar os mecanismos de interação e colaboração informativa. Tal
formato jornalístico tem sete diferenciais: dinamicidade, automatização, inter-
relacionamento/hiperlinkagem, flexibilidade, densidade informativa, diversidade temática e
visualização. (BARBOSA, 2008) Todos estes estão presentes na Wikipédia, que cobre os mais
variados assuntos com o máximo de detalhamento possível, possui um formato intuitivo em
que todos podem editar e as alterações ficam online tão logo são submetidas (e diversas
tarefas repetitivas são executadas por ferramentas automáticas que vasculham artigos, os
“robôs”), e faz uso de recursos que garantem a ilustração do tópico com recursos multimídia
(imagens, textos e sons) e acesso fácil a artigos relacionados por hyperlinks.
Tanto o meio jornalístico quanto a Wikipédia são hierarquizados para coordenar
melhor as funções. Nos veículos de comunicação, os jornalistas se dividem em editorias de
assunto específico conforme seus interesses de cobertura. Apesar da redação de notícia
requerer o entendimento do que está sendo transmitido, um jornalista se especializar em uma
área de cobertura é um plano mais prático que um especialista aprender as técnicas
jornalísticas visto que mesmo as reportagens mais aprofundadas não necessitam ser espelhos
da realidade. (LAGE, 2001). Wikipedistas com interesses comuns também acabam criando
suas próprias subcomunidades na enciclopédia, os WikiProjetos, onde ocorrem discussões e
mobilizações para coordenar a edição de páginas em um mesmo tópico. O cânone de
conhecimento das enciclopédias tradicionais passa a ser dividido por variados grupos
informativos, que ainda assim não trabalham isoladamente visto que certos assuntos acabam
sendo uma “interseção” entre áreas diferentes. (BRUNS, 2008, pp. 116-7) Os jornalistas são
explicitamente divididos em categorias para a melhor coordenação produtiva (pauteiros,
redatores, diagramadores, editores), enquanto embora todos os wikipedistas sejam “Usuários”
com direito de edição que criam e alteram o conteúdo da mesma forma, o desejo de manter a
ordem criou determinadas figuras de autoridade para guiar a manutenção das páginas. Todos
os usuários com determinado tempo de registro e número de edição podem se candidatar ao
cargo de “administrador”, podendo reverter edições, proteger ou eliminar páginas, e bloquear
31
usuários causando problemas na comunidade, enquanto “burocratas” ditam a respeito de
privilégios como administrador e robô. (BRUNS, 2008, pp.140-2)
A igualdade no geral de wikipedistas – reforçada pelo fato de todos acabam se
escondendo e mesclando atrás de nomes de usuário (e em casos extremos, números de IP do
computador utilizado, já que não é obrigatório ser registrado para editar) – reforçada pela
falta de remuneração ou recompensas físicas, torna uma classe que só contribui porque quer,
motivados por se sentirem eficazes e úteis em sua colaboração com o projeto.(JOHNSON,
2009) O jornalista também é uma classe que é mais motivada pelo afinidade à área de
Comunicação e o engajamento à “missão” de informar do que simplesmente a busca por fama
e fortuna (a ponto de serem comum a reclamação do salário ser baixo comparado à quão
extensiva é a jornada de trabalho), ao mesmo tempo em que evita um propósito messiânico de
mudar o mundo com suas notícias. (TRAVANCAS, 2011) Ambos só conseguem o
reconhecimento e promoções de seu serviço com trabalho duro.
32
Capítulo 4 - A noticiabilidade colaborativa sobre os fatos marcantes de 2011
“Talvez a contribuição de histórias mais significativa ocorreu na Wikipédia, a enciclopédia
online. Horas depois da explosão, enquanto o número de mortos continuava a crescer, eles já
atualizavam seus registros de 7 de Julho. Lá, junto da absolvição póstuma de Joana D’Arc em
1456 e o OVNI de Roswell em 1947, estava um relato em tempo passado dos atentados. Em
termos da Internet, a crise em Londres já estava passando para a história.”
Jornal Metro
4.1. Perspectiva metodológica
Dada a proeminência da Wikipédia, ela se tornou um ponto de referência para
informações ligadas a acontecimentos inesperados e de alta divulgação. Tais eventos incluem
desastres naturais, acidentes, e conflitos políticos, e artigos nestes tópicos saturam as listas de
artigos com mais usuários, revisões e visitas do website em qualquer mês desde o
estabelecimento da Wikipédia. O projeto baseado na lógica colaborativa e permitir aos
usuários revisar e acrescentar novos dados conforme eles surgem é bem empregado para tratar
de emergências, com os artigos de desastres como o massacre na universidade Virginia Tech
em 2007 sendo considerados grandes exemplos de abrangência, confiabilidade e atualidade.
(KEEGAN, GERGLE, CONTRACTOR, 2011, p. 105)
A “sociologia dos desastres” estudou as comunidades altruístas que se formam após
tragédias de dano incerto e informação escassa, com a simpatia pelas vítimas cria laços
momentâneos entre pessoas que não se conhecem e passam a tentar criar a ordem a partir do
caos no local do desastre. A era digital contribuiu para que também surgissem tais
comunidades no meio online, seja meramente mandando mensagens de condolências ou se
mobilizando para buscar dados e enviar ajuda. A resposta da Wikipédia a grandes eventos
acaba sendo muito similar a essa mobilização social. Catástrofes como terremotos exigem a
reconstrução do evento bem como a incorporação de informações novas. Diversos editores
com variadas habilidades, conhecimento e motivações se juntam para construir a página-
relato do evento, que inclui desde veteranos da enciclopédia como editores de momento que
não voltam a editar a Wikipédia. Afinal, a integração de dados para fatos ainda presentes nos
noticiários acaba sendo uma grande oportunidade para internautas que apenas estão lendo o
artigo se estimularem a agregar dados novos. (KEEGAN, GERGLE, CONTRACTOR, 2011,
p. 106)
33
A construção das páginas da Wikipédia acaba por ser um meio-termo entre o noticiário
e os depoimentos dos participantes em redes sociais. Em um exemplo da memória coletiva
sendo construída continuamente, diversos editores vão agregando variados acontecimentos
para serem condensados em uma única narrativa. (FERRON, MASSA, 2011) O texto
resultante acaba por expor a visão de pessoas que por mais díspares e dissonantes são unidas
pelo interesse em contribuir seu conhecimento e comoção pelo assunto. Tudo vem de um
processo de negociação, e como a evolução da escrita não é apagada - o sistema guarda todas
as revisões mesmo após a alteração de conteúdo, e a aba de discussão contém os debates do
processo de redação – conseguem-se todas as informações do desenvolvimento do artigo, do
conflito até o consenso. (PENTZOLD, 2009)
Por mais que o jornalista em tese faça seu trabalho sozinho, veículos comunicativos
sempre tentam manter os membros da equipe em contato uns com os outros, principalmente
ao realizar reuniões para o planejamento e edição final, para que a troca de ideias enriqueça o
produto. (PUBLIFOLHA, 2011, p. 19-21, 34-35) A página de discussão da Wikipédia cumpre
essas mesmas funções, abrindo espaço para o debate do que já está no artigo, exposição de
informações novas para determinar se merece inclusão, e o levantamento de tarefas a serem
cumpridas para a melhora da página.
Para as análises a seguir, os exemplos vem primariamente dos artigos na Wikipédia em
inglês, que possui um maior escopo de artigos e tráfego, garantindo mais editores envolvidos
na construção das páginas e engajamento de editores, condições favoráveis para o
desenvolvimento dos verbetes. 8
8 -Os websites utilizados para coleta de estatísticas como popularidade de edições estão
listados na página de referências bibliográficas.
34
4.2. Os terremotos no Japão e Haiti: acontecimentos de magnitude
Em 12 de Janeiro de 2010, um terremoto de magnitude 7 ocorreu no Haiti, com seu
epicentro a 25 quilômetros da capital do país, Porto Príncipe. Ajudado pelos problemas de
infraestrutura da nação subdesenvolvida, o país foi devastado pelo abalo sísmico: cerca de 30
mil prédios foram destruídos, e o governo haitiano estimou um número de 330 mil mortos. Os
danos contribuíram para uma epidemia de cólera que se iniciou em outubro. 9
Um ano depois, em 11 de Março de 2011, um abalo sísmico ainda mais forte,
chegando a 9 na escala de magnitude de momento, ocorreu no Oceano Pacífico a 70 km a
oeste da região japonesa de Tohoku. Embora o terremoto em si tenha sido forte o suficiente
para causar a destruição de rodovias e linhas ferroviárias no Japão, os maiores danos foram
causados pelos tsunamis resultantes, com ondas que chegaram a 40 metros de altura e
entraram 40 km para dentro do país. Mais de 12 mil pessoas morreram, e prejuízos causados
pelos estragos chegavam a US$309 bilhões. Além disso, os danos sofridos por duas usinas
nucleares em Fukushima levaram a uma explosão, espalhando material radioativo e causando
faltas de energia e evacuações.
Relatos da Wikipédia sobre os dois eventos surgiram rapidamente. O artigo do
terremoto no Haiti foi criado em inglês às 22:33 UTC10
, pouco após as primeiras notícias – e
quarenta minutos após o evento em si, ás 21:59. O mesmo usuário que criou o artigo havia
dois minutos antes indicado o ocorrido para uma potencial inclusão em “Eventos Recentes”, e
o fato era relatado na página principal à 1:34 do dia seguinte. Em 24 horas o artigo tinha sido
editado 800 vezes, chegando a 2,745 palavras e 106 fontes e conseguindo 168 mil visitas à
página. (VARGAS, 2010) Já no evento de Tohoku, a Wikipédia em japonês foi a pioneira no
relato criando um artigo às 5:57 UTC, meros minutos após o terremoto de 6 minutos parar. A
versão inglesa fez sua página às 6:18 UTC, já contando com avisos de um potencial tsunami.
Onze minutos depois o artigo era indicado para Eventos Recentes, e até a promoção às 7:58
UTC, 12 editores haviam apoiado a promoção (contra apenas 4 na do Haiti). Nesses 90
minutos, o artigo já tinha 220 revisões por meio de 82 editores. Para fins de comparação,
apesar de a imprensa ter sido avisada do terremoto em minutos, o New York Times não tinha
9 - Conforme http://en.wikipedia.org/wiki/2010%E2%80%932013_Haiti_cholera_outbreak e
http://en.wikipedia.org/wiki/2010_Haiti_earthquake 10
- Tempo Universal Coordenado (Universal Time Coordinates), o equivalente ao horário de Greenwich. O
horário de Brasília é UTC -3.
35
uma notícia sobre o terremoto até as 7:35 UTC. (KEEGAN, GERGLE, CONTRACTOR,
2011, p. 106)
Ambos os eventos atraíram muita colaboração enquanto as consequências estavam
frescas no noticiário. Em um mês os eventos no Japão renderam 4536 edições, enquanto os do
Haiti ficaram em 4131, e os artigos encabeçaram a lista de páginas mais editadas da
Wikipédia nos respectivos meses da tragédia. Verbetes relacionados também geraram muita
atividade, em especial páginas contendo tópicos específicos do desastre para reduzir o
tamanho do artigo principal – nas listas mensais dos vinte artigos mais editados entraram dois
sobre a resposta humanitária no país caribenho, e três páginas envolvendo o incidente nuclear
em Fukushima.
Mesmo artigos já existentes foram muito editados: o verbete sobre o Haiti estava entre
os mais alterados de janeiro de 2010 (o mesmo não ocorreu com o Japão, o que pode ser
interpretado tanto pelo escopo da tragédia – o evento caribenho gerou seções inteiras no artigo
do Haiti por causar pioras consideráveis em um país já muito pobre, mas apesar do drama no
Japão o verbete do país apenas incluiu breves menções ao terremoto e incidente nuclear nas
seções sobre história recente, geologia e tecnologia – como pelas implicações negativas do
formato aberto – constante vandalismo à página do Haiti levou administradores a proteger o
verbete para que só usuários registrados e com edições suficientes pudessem modificar o
conteúdo, algo que já estava instaurado na página do Japão desde 2010), e uma das vítimas
notáveis, a brasileira Zilda Arns, da Pastoral da Criança, teve sua morte inspirando um pico de
edições no artigo a seu respeito na Wikipédia lusófona (145 edições nos três dias que
seguiram o sismo, contra 59 desde a criação da página em 2009), acompanhando e
ocasionalmente ultrapassando a cobertura na mídia brasileira. (D’ANDRÉA, 2011) No caso
do Japão, 64 páginas incluídas na categoria dos incidentes – em sua maioria locais atingidos
pelo abalo sísmico – receberam em um mês 3792 edições por 1140 usuários, um número que
beirava quase a metade das mudanças no conjunto durante toda a década precedente (8074
revisões por 2997 editores entre Julho de 2001 e Março de 2011). (KEEGAN, GERGLE,
CONTRACTOR, 2011, p.107)
36
A cobertura da Wikipédia foi muito além de simplesmente redigir o artigo sobre o
terremoto, com pessoas, locais e tópicos envolvidos no terremoto ganhando páginas próprias.
Além do artigo do terremoto e tsunami em Tohoku, 21 artigos relacionados foram criados
entre 11 de março e 4 de abril de 2011 à medida que os incidentes se desenrolavam, como
relatos dos acidentes nucleares, resposta humanitária, reações internacionais, efeitos da
radiação, evacuações, uma cronologia do evento, e uma lista de cidades afetadas. (KEEGAN,
GERGLE, CONTRACTOR, 2011, p. 107) Gerar artigos sobre o ocorrido Haiti foi uma
atividade mais intensa, comas mesmas 22 páginas sendo criadas em cinco dias, que incluíram
não só artigos diretamente envolvidos no evento - subtópicos como resposta internacional,
vítimas e uma cronologia dos esforços de resgate; locais e pessoas vitimados pelo terremoto
(incluindo a própria Zilda Arns, que não tinha artigo em inglês) – como páginas relacionadas
que só recebem tal atenção em eventos como este – uma grupo que ajudou o resgate com
imagens de satélite, duas falhas geológicas envolvidas no tremor e o último sismo de grande
impacto no Caribe, ocorrido em 1907 na Jamaica. Uma pesquisadora do Google, Krishna
Bharat, citou em um congresso de jornalistas que pelo modo como a comunidade relatou os
eventos no Haiti “a indústria poderia aprender muito com a Wikipédia." 11
A atenção dada ao assunto é paralela à presença no imaginário popular, e assim ocorre
uma expansão desenfreada, causada por editores agregando todos os dados possíveis que
surgiam no noticiário. Entre 11 e 15 de março, o foco em criar páginas sobre o terremoto e
tsunami em Tohoku eram equivalentes, mas quando o foco da imprensa foi para o risco de um
acidente nuclear na usina de Fukushima, logo a geração de novo conteúdo tomava a dianteira.
A atividade só começou a dissipar após os riscos voltarem a diminuir em 20 de março,
simultaneamente à volta da energia para geradores que controlaram o resfriamento do
material em fusão. (KEEGAN, GERGLE, CONTRACTOR, 2011, p. 107) O enfoque da mídia
na comoção internacional pelo desastre no Haiti e subsequentes ações de caridade incharam as
seções sobre reação internacional e vítimas a ponto de rapidamente necessitarem páginas
dedicadas (em 14 de janeiro, dois dias depois do terremoto, era criada uma página sobre a
reação internacional - logo rebatizada para “resposta humanitária”, e eventualmente
subdividida para separar as ações de governos, ONGs e empresas - e um dia depois uma
relacionada ás vítimas) e gerar conteúdos disputados. Um editor reclamou do enfoque em
vítimas estrangeiras quando a maioria dos mortos eram haitianos, e logo em seguida
reescreveu a seção para remover as listagens de desaparecidos. A ampla divulgação de ações
11
- http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Wikipedia_Signpost/2010-01-18/News_and_notes
37
de apoio para a reconstrução do país pela internet levava a edições incluindo links para sites
de caridade (alguns dos quais eram removidos imediatamente sob acusações de spam) e uma
discussão sobre qual ativismo merecia ser incorporado ao corpo do texto.
Como o fluxo informativo não se interrompe enquanto os acontecimentos estão em
evidência, os wikipedistas tem de discutir o que incluir, remover conteúdos considerados
irrelevantes, e fazer trabalhos especializados para manter artigos atualizados e organizados.
Um editor da página sobre Tohoku criou uma predefinição que transcrevia nas páginas em que
era incluída o número de mortos e referências que levavam ao relato da polícia japonesa,
fazendo os usuários só atualizarem essa predefinição para manter o dado de fatalidades
atualizado – não era necessário alterar cada página que continha o número. (KEEGAN,
GERGLE, CONTRACTOR, 2011, p. 109) No artigo do Haiti muitas informações excessivas
e datadas foram reduzidas em prol da concisão, como “links externos” com sites de caridades
e blogs dos meios de comunicação.
O mundo online permitiu às pessoas descobrirem rápido sobre os problemas do
mundo, divulgá-los através das redes sociais e criar iniciativas para ajudar as vítimas. O
desenvolvimento das páginas da Wikipédia foi similar, dando enfoque ao que surgia sobre os
eventos enquanto se organizavam os dados para uma cobertura abrangente, fácil de ler e
fazendo algo que muitos meios de comunicação acabaram deixando para trás em meio à
urgência de ter algo para publicar: checando as fontes.
4.3. Primavera Árabe: eventos contínuos, edições em escalada
Em 17 de Dezembro de 2010, o vendedor tunisiano Mohammed Bouazizi, revoltado
com as autoridades locais terem confiscado seu carro de frutas alegando que seu negócio era
ilegal, ateou fogo em si próprio em frente ao prédio do governo de sua cidade. Essa
demonstração de revolta é considerada o estopim inicial de uma série de manifestações
clamando por democracia e melhores condições de vida no norte africano e Oriente Médio,
eventos que seriam unidos sob a alcunha de “Primavera Árabe”. O sucesso da intifada na
Tunísia, onde os protestos incitados pelo ocorrido com Bouazizi fortaleceram a ponto do
presidente Zine El Abidine Ben Ali fugir do país em 14 de Janeiro de 2011, levou a uma onda
de instabilidade na região que influenciou ações similares em Argélia, Jordânia, Egito e
Iêmen, culminando na deposição do presidente egípcio Hosni Mubarak e do iemenita Ali
Abdullah Saleh. Em meio ás rebeliões explodiram duas guerras civis, uma na Líbia que em
38
agosto de 2011 derrubou o ditador Muammar al-Gaddafi – mais tarde executado pelas forças
rebeldes – e outra na Síria ainda em curso, com milhares de mortos e milhões de desalojados.
A internet teve papel forte na Primavera Árabe, com protestos sendo organizados pelo
Facebook, e os manifestantes usando seus celulares para se comunicarem uns com os outros e
também registrarem os eventos com vídeos e fotos. O egípcio Wael Ghonim, um executivo do
Google que foi um dos líderes na organização das manifestações em seu país, chegou a fazer
um paralelo com a “revolução do usuário” ao descrever os eventos como uma “Revolução
2.0”, e dizer que “nossa revolução é como a Wikipédia, todos estão contribuindo conteúdo e
não sabemos a identidade dos contribuintes”. A própria enciclopédia era abraçada pelos
participantes das revoltas, como prova de que o site era parte essencial de registrar e aprender
os eventos contemporâneos. Mais de 1200 voluntários contribuíram com textos e imagens dos
protestos no mundo árabe para compartilhar com o mundo seus dramas e experiências. O que
era efetivamente um trabalho jornalístico acabou até trazendo os meios de comunicação
tradicionais, com o canal Al-Jazeera providenciando vídeos de sua cobertura em Cairo. 12
A página da Wikipédia sobre os protestos na Tunísia, que eventualmente foram
apelidados pela imprensa internacional como “Revolução de Jasmim” (citando a flor-símbolo
da Tunísia; esse epíteto tornou-se o título do artigo na Wikipédia Lusófona) foi criada em 30
de Dezembro de 2010, dois dias após Ben Ali se pronunciar a respeito das manifestações cada
vez mais violentas, inspirando um artigo do The Guardian que até comparava os eventos aos
que em 1989 levaram à deposição do ditador romeno Nicolau Ceausescu. No mesmo dia já
era indicada para os Eventos Recentes, apesar que os acontecimentos só foram divulgados na
página principal em 2 de janeiro. Em apenas 2 dias, o artigo teve 27 edições, fechando 2010
com 909 palavras e 13 referências. Já se incluía uma associação com outros conflitos na
região, mencionando um conflito entre manifestantes e policiais no dia 28 de dezembro de
2010 na capital da vizinha Argélia (onde ao longo de 2010 já haviam ocorrido muitos
protestos contra o desemprego e falta de habitação, mas tiveram seu momento mais agressivo
após o conflito tunisiano).
A atividade continuou intensa ao longo de Janeiro de 2011, com 1050 edições por 216
usuários, qualificando o artigo entre os 10 mais movimentados do mês. A maioria das
alterações envolveu a atualização para incluir as novas ações populares e a reação
internacional aos eventos. O maior pico de revisões ocorreu quando a Tunísia era novamente
parte dos Eventos Recentes em 14 de Janeiro, dia em que Ben Ali fugiu para a Arábia Saudita.
12
- http://meta.wikimedia.org/wiki/Wikimedia_Foundation/Annual_Report/2010-2011/Revolution
39
Atraiu-se também um fluxo de atenção para o artigo do ditador (a ponto de entrar entre as 20
mais ativas do mês e ser protegida por excesso de vandalismo) e a criação de uma página
sobre Bouazizi, que apesar de um editor indicar para possível deleção, acabou mantida por
considerarem que não era uma página criada meramente por recentismo, visto que o sacrifício
do vendedor tornou-o um mártir em seu país e acabou sendo uma referência nas outras nações
(o número de autoimolações nos protestos argelinos chegou a valer criação de artigo próprio).
A onda revolucionária instigava cidadãos insatisfeitos em outros países, valendo
inclusão na seção de “Instabilidade regional” na revolta “original” tunisiana e artigos
próprios, na maioria dos casos pouco depois da exposição dos eventos no noticiário. O artigo
sobre os protestos no primeiro país a seguir o exemplo tunisiano, a Argélia, surgiu em 10 de
janeiro, 24 horas depois de cinco dias de motins na maior parte das cidades da nação. Por
outro lado no mesmo dia em que os cidadãos de Egito e Iêmen realizavam um “Dia da
Revolta” (dias 25 e 27, respectivamente) com grande quantidade de pessoas na rua já eram
criados na Wikipédia inglesa páginas para relatar os acontecimentos. Eventualmente um
usuário sugeriu que as revoltas que vinham sendo listadas no artigo do movimento “original”
da Tunísia poderiam ir para um artigo próprio para constar que eram fenômenos interligados.
No mesmo dia já surgia uma página compilando as manifestações pela democracia e melhores
condições de vida que se iniciavam por vários países, que do título original “Protestos de
2010-11 no Mundo Árabe” precisou passar por várias renomeações até um nome que
satisfizesse toda a comunidade.
Sendo o título a parte que primeiro é vista pelo leitor, o nome de uma notícia ou de um
artigo da Wikipédia tem de ser um resumo satisfatório do conteúdo. As convenções da
Wikipédia consideram13
um bom nome de artigo como reconhecível, natural, preciso, conciso
e consistente, e no Manual da Folha todas essas características se veem na declaração de que
“os títulos devem ser, ao mesmo tempo capazes de tornar claro, em poucas palavras e em
ordem lógica, o objeto da notícia”. (p.36) Exercer esse caráter descritivo ao lidar com uma
sucessão de eventos que expandem seu escopo e impacto como as manifestações no mundo
árabe provou-se complicado. Os artigos de cada país tinham ajustar datas (os protestos da
Tunísia e Argélia começaram ainda em 2010, e em outros países os conflitos se estenderam
para 2012) e o termo descritivo do evento, para demonstrar que de “Protestos” os eventos já
se qualificariam como “Revolta” (“processo político-militar em que um grupo de indivíduos
decide não mais acatar ordens ou a autoridade de um poder constituído”), “Revolução”
13
- https://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Article_titles
40
(“mudança fundamental no poder político ou na organização estrutural de uma sociedade”) ou
“Guerra Civil” (“guerra entre grupos organizados dentro do mesmo estado-
nação ou república”). Já a onda revolucionária era ainda mais problemática de resumir: o
nome precisava descrever sem ignorar tecnicalidades como a variação do grau de
engajamento e conflito em cada país, e o fato das manifestações se estenderem a locais que
apesar de islâmicos não eram árabes, como o Irã. Em Maio, uma votação aprovou a fixação
do artigo sob o título “Primavera Árabe”, um termo cunhado em janeiro por um cientista
político americano (alusão à Primavera de Praga, um período de liberalização política na
Checoslováquia em 1968) que era cada vez mais usado pelos meios de comunicação para
descrever todos os eventos no Oriente Médio e norte africano.
O destaque internacional para a Primavera Árabe ocorreu após os eventos no Egito,
com as multidões do “Dia da Revolta” – mais de 50 mil no centro de Cairo e 20 mil em outras
cidades egípcias – também aparecendo nos Eventos Recentes, e atraindo mais editores
interessados na atualização do artigo do que o incidente na Tunísia. Em apenas uma semana, o
artigo sobre os protestos foi o segundo mais editado de janeiro (atrás da página sobre um
tiroteio no Arizona), e no mês seguinte encabeçava a lista dos mais ativos – incluindo um pico
de edições após a renúncia de Mubarak no dia 11 de Fevereiro. Nos 45 dias após o “Dia da
Revolta”, o artigo da Revolução Egípcia recebeu 6,059 edições por 1,190 usuários diferentes,
uma média de 135 edições diárias, e a separação de tópicos para manter o artigo principal com
um tamanho razoável garantiu uma categoria para a revolução com 21 páginas, incluindo
“Resposta doméstica à Revolução Egípcia de 2011,” “Cronologia da Revolução Egípcia de
2011,” artigos sobre os grupos que articularam o Dia da Revolta, e a subcategoria “Pessoas da
Revolução Egípcia de 2011”, com 36 páginas. (FERRON, MASSA, 2011)
Outro país que atraiu um grande número de editores para redação do artigo sobre sua
incursão na onda de manifestações foi a Líbia, em especial pelas consequências trágicas – o
ditador Muammar al-Gaddafi tentou reprimir violentamente os protestos, e subsequentemente
o conflito escalou para uma guerra civil que exigiu intervenção militar da OTAN – e
mantendo a segunda página mais ativa em fevereiro e março de 2011 (atrás da revolução no
Egito e o terremoto no Japão, respectivamente). Depois de uma primeira tentativa de lançar
uma página sobre os eventos na Líbia no final de janeiro para relatar que um “Dia de Revolta”
estava sendo planejado para o mês seguinte – tornada um mero redirecionamento para a
subseção da Líbia na página da Primavera Árabe que já descrevia esse fato – o artigo
“Protestos líbios de 2011” foi criado em 16 de fevereiro, relatando os planos para os protestos
41
no dia seguinte, as declarações de Gaddafi sobre estar pronto para contra-atacar, e o primeiro
ato rebelde: um protesto em Bengasi incitado pela prisão de um ativista. Após o Dia da
Revolta, muitos usuários surgiram para atualizar os relatos dos protestos e a retaliação
policial. A intensificação do conflito se refletiu com o momento de maior atividade: entre 21 e
23 de fevereiro, quando as revoltas chegaram à capital Trípoli, os rebeldes começavam a
tomar o controle de algumas cidades e Gaddafi se pronunciava na televisão enquanto enviava
bombardeios e mercenários, o artigo recebeu 1113 edições e duas páginas extras para listar a
reação internacional e os oficiais desertores.
A primeira seção sobre os artigos dos protestos em cada país era intitulada “Contexto”,
detalhando as condições locais antes do início do conflito e como servia de instigador para as
eventuais revoltas populares. Mesmo que as páginas não tenham a durabilidade limitada das
reportagens acabaram seguindo um preceito jornalístico:
“É importante partir do princípio que o leitor pode não conhecer, necessariamente,
fatos que precederam que precederam a notícia que se divulga. Assim, é preciso sempre
fornecer a ele contextos claros e uma perspectiva histórica do acontecimento.”
(PUBLIFOLHA, p. 29-30)
Mesmo que existissem páginas separadas para os locais, conceitos e pessoas
envolvidas nos conflitos, era necessária uma contextualização e análise para transmitir “um
sentimento de organização e coesão dos fatos que ele não tem ao consultar informações em
tempo real” (PUBLIFOLHA, p. 30) No caso da página da guerra civil na Líbia, isso levava a
disputas na página de discussão a respeito de uma possível parcialidade do artigo contra
Gaddafi. Alguns usuários reportavam que isso originava do fato de que os noticiários usados
como fonte não ignoravam o histórico negativo do ditador, já outro concluiu que o problema
era com a própria enciclopédia estar assumindo um caráter jornalístico:
Isso não é um problema de neutralidade. Esse é um problema com os bons e
velhos fatos. A Wikipédia não é um noticiário, e tentar ficar atualizado com os últimos
detalhes vai inevitavelmente introduzir erros. Se não é claro o que acontece (algo
bem comum em uma guerra), não devíamos estar reportando ações evento por
evento de fontes primárias. Parece que os grandões dos meios de comunicação nem
conseguem entender direito, e já começaram a espalhar um monte de propaganda
política. Mantenhamos o que temos certeza.
Tudo encaixa no que Lage declara (p. 24) sobre como “agentes humanos, como os
repórteres, tem sua própria tendenciosidade” e sua série de crenças e padrões “nem sempre se
adaptam à tarefa que executam e, principalmente, às intenções daqueles que estão
42
representando, isto é, os leitores”. Para se lidar com a alta concentração e seletividade de fatos
e ideias em meio à dinâmica veloz dos acontecimentos, é preciso encontrar a melhor forma de
associar essas diversas condições, em vez de utilizá-las umas contra as outras.
(PUBLIFOLHA, p. 30) O tratamento dos fatos, por mais limitados que sejam, precisa ser
sólido na fundamentação, apuração e análise para que se cumpra a intenção de ser uma
representação da realidade – seja uma notícia ou um artigo enciclopédico.
Ao ler as páginas de discussão dos artigos ligados à Primavera Árabe, consegue-se
ver os momentos em que a redação enciclopédica beira o trabalho jornalístico. Fora ações
individuais, como um usuário iemenita avisando que postava suas fotos dos protestos
enquanto perguntava se poderia incluir seus relatos em primeira mão, o debate se assemelha à
edição de um noticiário impresso, “um processo dinâmico, organizado e coletivo que se
enriquece à medida que é discutido e desenvolve na prática os resultados”. (PUBLIFOLHA,
2011, p. 35) Na discussão do artigo sobre a Revolução Egípcia, subseções intituladas com
jargão da imprensa como “Breaking News” (Últimas Notícias) e “News Desk” (Redação)
relatavam o que era divulgado nos meios de comunicação sobre a revolta para analisar os
dados e incorporar as novidades no artigo, como que na revisão das notícias a serem incluídas
no jornal. Ocorria até um equivalente ao repórter-correspondente, que “está onde o leitor,
ouvinte, ou espectador não pode estar”, e cumprindo alguns propósitos – autonomia, operando
sem intervenção direta do contratante; habilidade social, interagindo com outros agentes;
reativo, percebendo o meio em que atua e respondendo aos padrões de mudança; e a
capacidade de tomar a iniciativa para cumprir sua tarefa – é considerado o melhor autor de
textos sobre conflitos, pois ao sentir o clima dos acontecimentos consegue melhor ordenação
das informações e julgamento do que seria relevante. (LAGE, 2001, p. 23-27) Este seria o
usuário “The Egyptian Liberal” (O Liberal Egípcio), criador do artigo e subsequentemente seu
editor mais ativo. Tal wikipedista demonstrava o engajamento pela causa falando sobre a
revolução em si e os rumos a serem tomados pelo artigo, (FERRON, MASSA, 2011) usando
seu conhecimento na condição de nativo do país da revolta para julgar certos dados ou fontes
como aceitáveis. The Egyptian Liberal até expressava insatisfação em não estar no Egito e
incapaz de retornar durante boa parte da revolta, reclamava de se sentir praticamente
escrevendo o artigo sozinho (como um repórter sobrecarregado), e pedia ajuda a outros
usuários antes que seu engajamento levasse a edições parciais – novamente vindo ao
problema do repórter que deve evitando a militância em prol da objetividade.
43
Também se via o equivalente do projeto gráfico dos jornais, com wikipedistas
debatendo os nomes das seções e a hierarquização do artigo, e os adendos textuais (tabelas) e
visuais (mapas) que no jornalismo são referidos como “textos de apoio”. Textos de apoio são
cada vez mais usados no jornalismo pelo seu caráter “explicativo, didático e analítico” que
ajuda a complementar as informações do texto em um “mundo de especialização e
segmentação de interesses”. (PUBLIFOLHA, p. 23) As políticas da Wikipédia endossam essa
ideia declarando que os elementos gráficos extras ajudam a melhorar o conteúdo e facilitar a
leitura deixando os artigos mais “limpos”. O mais comum desses elementos no site é a
“infocaixa”, uma tabela de formato fixo colocada no canto superior direito do artigo que visa
apresentar um resumo com aspectos relevantes e facilitar a consulta de outros artigos
relacionados, (AYERS, MATTHEWS, YATES, , 2004) e traduz bem o que o Manual de
Redação da Folha declara (PUBLIFOLHA, p.32) sobre a informação visual ser “uma
possibilidade complementar e suplementar à informação textual”, que tem mais funções que
“arejar a página”, “valorizar a notícia” e “preencher eventuais vazios”. Apenas no artigo da
Primavera Árabe, existe uma infocaixa (que até tenta dar uma informação visual, com uma
montagem juntando fotos dos protestos em vários países), um mapa do mundo árabe
colorindo os países que embarcaram na onda revolucionária conforme o grau de impacto
(protestos, queda de governo), e uma tabela que expandia as informações listadas no mapa ao
detalhar datas de começo e fim dos protestos, resultados da ação popular e número de mortes
em cada país envolvido. Nas páginas de cada revolta podem se achar gráficos ressaltando
fatores causadores de conflito – a composição étnica da Síria, a pirâmide populacional do
Egito – e mapas que, no caso dos países que escalaram para a luta armada, ajudavam a dar
ideia das dimensões do conflito – ressaltar locais de batalhas, destacar regiões que estiveram
ou estão sob o controle de determinada facção.
Conflitos de importância internacional sempre atraem a atenção do público, e assim
merecem uma cobertura contínua dos acontecimentos por mais que existam desafios e
problemas inerentes em relatar esse tipo de fato. Assim a cobertura da Wikipédia para a
Primavera Árabe, divulgando eventos pouco após ocorrerem, com um julgamento extra para
determinar a validade dos dados e a colaboração de pessoas diretamente envolvidas nas
manifestações, mais a utilização de vários recursos complementares para reforço do conjunto
de informações, resultavam em artigos enciclopédicos abrangentes, atualizados e eficazes que
não deixava muito a desejar às grandes reportagens que os meios de comunicação escreveram
sobre os protestos e confrontos na África e Ásia.
44
4.4. Mortes: alterando um artigo já existente
Eventos que geram grande comoção pública tem valor de notícia à medida que os
leitores passam a compartilhar de uma situação que lhes seria possível viver de alguma fora,
embora tenha acontecido com outras pessoas. Um exemplo disso envolve a morte de pessoas
conhecidas. (PUBLIFOLHA, p. 22) O problema é quando a abordagem do óbito entra em um
viés sensacionalista e exploratório. A simpatia humana por pessoas que sofrem uma perda
sempre existiu, e especialistas já analisaram o fato disso permitir uma experiência coletiva, de
união no sentimento de dor e perda. Mas em tempos mais recentes o interesse dos meios de
comunicação em fazer uma cobertura contínua dos eventos ligados a uma morte, bem como a
da população em lamentar um falecimento, chegou a níveis que beiravam o exagero, levando
a mídia britânica a cunhar os termos “mourning sickness” (“doença do luto”14
) e “grief porn”
(“pornografia da tristeza”) para descrever esses comportamentos. A reação à morte da
princesa Diana em 1997 é considerada um ponto determinante desse tipo de comoção popular,
que a internet ajudou a espalhar ao abrir espaço para pessoas comuns expressarem luto por
falecidos que nunca conheceram. A imprensa também aumentou o espaço dado a falecimentos
de destaque, relatando de forma quase voyeurística, estendendo a cobertura artificialmente e
manipulando as emoções do público em prol de mais audiência.
O impacto das mortes pode ser visto na Wikipédia quando se tem de atualizar a página
de um recém-falecido. As adições tem encaixar nas políticas oficiais para guiar a redação de
artigos biográficos – essencial no site pelo fato da maior categoria da Wikipédia é “Pessoas
vivas” – que demonstra o tom a ser seguido como uma frase do próprio Jimmy Wales: 15
“Estão envolvidas pessoas reais, que podem ser ofendidas por vossas palavras. Não somos
jornalismo de tabloide, somos uma enciclopédia.”
Mesmo com recém-falecidos, alerta-se para evitar material controverso ou
questionável que pode ter implicações negativas para família e amigos.16
Já usando o exemplo
das publicações sensacionalistas como um modelo a ser evitado, as políticas acabam ditando
por textos que não difamem ou exaltem demais a pessoa sendo discutida, e que não façam
alegações que não possam ser comprovadas:
“As biografias de pessoas vivas deviam ser escritas de forma responsável,
conservadora, e em um tom neutro e enciclopédico. Embora uma estratégia de
14
- O termo em inglês também faz um trocadilho com “morning sickness”, enjoo matinal. 15
-http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:Biografias_de_pessoas_vivas 16
- http://en.wikipedia.org/wiki/WP:BDP
45
eventualismo possa ser aplicada noutras áreas, as biografias de pessoas vivas mal-escritas
deviam ser reduzidas a esboços ou simplesmente eliminadas. O artigo deve documentar, sem
tomar partido, o que fontes fiáveis independentes publicaram sobre o assunto e, em algumas
circunstâncias, o que o próprio sujeito possa ter publicado sobre si. O estilo de escrita deve ser
neutro e factual, evitando tanto a deficiência quanto o exagero. Biografias de pessoas vivas
não devem conter secções de curiosidades, mas, em vez disso, afirmações com fontes.”
Porém a utilização apenas de fatos atribuídos nem sempre consegue ser implementado
quando a “era da informação” facilita as pessoas a descobrirem e divulgarem dados, muitas
vezes antes dos meios de comunicação fazerem o mesmo. Uma suposta morte de uma figura
proeminente logo será discutida nas redes sociais antes de uma notícia confirmar o fato – e
após ser oficial, a população continuará sendo informada das circunstâncias do falecimento e
dados sobre a vida e legado da pessoa por meio da cobertura jornalística. O interesse popular
mantém o falecido como tópico de discussão, e no caso da Wikipédia, influencia fluxos de
edições para atualizar o artigo sobre o morto. Tal atividade repentina é um fato tão
proeminente que os maiores picos de visitas em artigos da Wikipédia são de celebridades
recém-falecidas, com mais de 1 milhão de visitas em apenas uma hora: a cantora americana
Whitney Houston (1963-2012), a cantora inglesa Amy Winehouse (1983-2011) e o empresário
americano Steve Jobs (1955-2011). 17
Apesar de liderar em popularidade, as edições no artigo
de Houston não tiveram o imediatismo característico de uma cobertura jornalística (a primeira
alteração para acrescentar a informação da morte foi postada mais de uma hora depois do
primeiro tweet de uma agência de notícias) e assim não serão analisados a seguir.
As notícias sobre a morte de Winehouse, ocorrida no dia 23 de julho, relatam que os
paramédicos entraram no apartamento da cantora em Londres para descobrir seu corpo
inconsciente ás 15:54. A BBC publicou uma notícia sobre o fato depois de 40 minutos, mas já
vinte minutos depois rumores se espalhavam no Twitter sobre o falecimento, e os tópicos mais
buscados no Google eram relacionados à suposta morte da cantora. O artigo de Winehouse viu
a primeira citação de sua morte ocorrer às 16:20, para ser revertido dois minutos depois com a
acusação de falta de fontes (inclusive o responsável pela exclusão acrescentou um pedido
escondido de não acrescentar nada sobre o falecimento a menos que uma fonte fiável tivesse
relatado o caso). Menos de vinte minutos depois, ás 16:39, com a morte já noticiada nos
jornais ingleses e alguns IPs aproveitando a ocasião para relatar o ocorrido vandalizando a
página, um administrador deixava a página como “semi-protegida”, restringindo a edição para
17
-http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Wikipedia_Signpost/2013-02-04/Special_report
46
usuários registrados. Nos 30 dias após a morte da cantora, o artigo teve 919 edições, com as
851 ao longo de julho (apenas sete realizadas antes do óbito) suficientes para figurar o artigo
entre os dez mais alterados do mês e o terceiro em número de editores envolvidos (atrás de
um atentado na Noruega no dia anterior e seu responsável).
A inclusão rápida do acontecimento de óbito também ocorreu no artigo sobre Jobs,
com o acréscimo da morte ás 23:37 do dia 5 de outubro, apenas um minuto depois de um
tweet da Associated Press sobre o falecimento e três de um release da Business Wire (ambos
seguindo um comunicado da empresa de Jobs, a Apple, que substituiu sua página principal
por uma homenagem a seu fundador). Três minutos depois, as edições eram revertidas sob a
acusação de que faltavam fontes. Como nesse espaço de tempo obituários surgirem em
variadas publicações, as próximas inclusões da informação de morte foram aceitas mesmo que
uma citação só surgisse após cinco minutos (justamente o release da BW que acabou sendo o
primeiro relatório). Como o artigo de Jobs já era protegido desde setembro de 2010 por
constante vandalismo, nenhuma edição foi registrada por IPs, que ainda assim faziam pedidos
para inclusão de material na página de discussões. Essa restrição a apenas usuários
cadastrados não impediu a página de ser a que atraiu mais editores ao longo de outubro, com
454 realizando 1431 revisões – nenhuma precedendo o óbito. No dia 5 de novembro, se
contabilizavam 1505 edições em 30 dias.
Espelhando como no jornalismo a publicação de notícia sobre falecimento de
personagem não deve omitir a causa da morte, mas esta “só deve ser publicada se o jornal
estiver seguro a seu respeito”. (PUBLIFOLHA, 2011, p.86-7), ambos os artigos não quiseram
cair em conclusões apressadas mesmo com indícios de que hábitos e doenças precedentes
tiveram parte no óbito dos retratados. Embora a maior parte das notícias especulasse que
Winehouse tivesse morrido de overdose, visto seu histórico de consumo excessivo de drogas,
os wikipedistas envolvidos na página removiam inclusões desse boato por não considerarem
relatos definitivos. Mesmo que a luta de Jobs com um câncer de pâncreas tivesse sido bem
documentada na mídia, a falta de confirmação da conexão direta do tumor com a morte levava
a reversões – editores removiam frases atribuindo o falecimento à doença e inclusões do
artigo na categoria de “Mortes por câncer pancreático”. Outra disputa por falta de
confirmação envolveu o local de falecimento do inventor – notícias relataram Jobs “cercado
por sua família”, mas alguns wikipedistas consideravam vago demais para concluir que
faleceu em casa – enquanto não houvesse uma declaração definitiva em uma fonte fiável
(eventualmente o local e a causa mortis se resolveram com o boletim de óbito no dia 10).
47
Tão logo uma celebridade morre, amigos expressam suas condolências à imprensa, e
os meios de comunicação também abrem espaço para declarações de outras figuras de
destaque que tiveram influência do falecido ou simplesmente se comoveram com os
acontecimentos. Winehouse e Jobs valeram muitas mensagens de luto na mídia, e em meio ao
desejo de expandir a cobertura da morte e eventos subsequentes tais declarações eram
incluídas nos artigos da Wikipédia, eventualmente causando desconforto na comunidade por
dar tanto espaço a esse sentimentalismo que só estava no artigo por causa do recentismo. A
contínua remoção da “seção de luto” na página de Winehouse chegou a beirar a quebra da
“regra das três reversões”, que prevê punições a editores que executem mais do que três
reversões em uma única página dentro de um período de 24 horas. Um editor acusou a
subseção de condolências de parecer "O Programa do Culto a Steve Jobs", e revisões cortaram
inicialmente as frases ditas por pessoas sem relação direta com Jobs, para em seguida eliminar
todas as declarações considerando-as desnecessárias. Outra disputa envolveu a inclusão de
uma imagem com o obituário de Jobs publicado no site da Apple, que foi eventualmente
deletada visto que a comunidade considerava não ser uma imagem “historicamente
relevante”, não se encaixando na política de conteúdo visual “relevante para o artigo em que
aparece, e significante e diretamente relacionado ao tópico do artigo”.18
A sociedade geralmente trata os mortos com reverência, expressado pelo ditado que
“Não se deve falar mal dos mortos” (derivado de um aforismo em latim, que data desde o
século 6 A.C.). Assim geralmente nos meios de comunicação os obituários e notícias sobre
mortes são elogiosos e costumam ignorar os aspectos mais controversos da vida do falecido.
(SCHWARTZMAN, 2001) O artigo da Wikipédia sobre Steve Jobs viu um exemplo disso em
uma desavença a respeito da imagem que encabeçava a página. Um editor trocou uma foto de
Jobs em 2010 por outra dele em 2007, declarando que considerava a alternativa “mais
respeitosa” com a imagem do inventor, por ilustrar um Jobs menos desgastado pela doença
que eventualmente o matou. Porém a mesma página inspirou uma discussão sobre se a
reverência estava presente em excesso, com críticas ao fato do artigo pular os aspectos mais
controversos de Jobs - a começar pela remoção de uma citação ao programador e ativista do
software livre Richard Stallman, que escreveu em seu blog sobre a influência negativa de Jobs
ao exercer pesado controle corporativo sobre o software e hardware do consumidor.
Eventualmente o artigo incorporou visões contrastantes aos obituários positivos, com
18
- https://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:IMAGE_RELEVANCE
48
Stallman e um artigo do Los Angeles Times descrevendo como Jobs e a Apple eram hostis
contra jornalistas.
Já os editores do artigo de Winehouse tiveram de remover fatos de veracidade ou
relevância dúbia que emergiram na cobertura da morte da cantora, como um tabloide
publicando que Winehouse era “abertamente bissexual”. O que mais gerou discussão foi um
dado bastante discutido pelos noticiários: Winehouse morreu aos 27 anos, idade em que vários
outros músicos conhecidos também faleceram, dando origem a uma lenda urbana. Esse
factoide era incluído na seção sobre a morte de Winehouse, bem como um link para o artigo
do “Clube dos 27”. Embora essas menções tenham sido eliminadas por considerar um dado
insignificante, o maior impacto foi na página do Clube dos 27, que chegou a ser protegida em
meio a reversões e extensas discussões sobre se Winehouse merecia inclusão no artigo. A
página descrevia o conceito como “um grupo de artistas de rock influentes que morreram na
idade de 27”, levantando vários pontos de contenção, em especial Winehouse não ser do
gênero musical listado, e os editores não a considerarem uma artista com impacto comparável
aos membros mais célebres (Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison e Kurt
Cobain), descrevendo como alguém que só estava em evidência pela morte recente. O próprio
caráter simbólico da lista era levantado, com os debates sobre mérito dos artistas sendo
rebatidos com o fato que o Clube não era um “hall da fama”, mas uma mera associação feita
pela cultura popular diante de um número de coincidências. Eventualmente o debate levou a
uma reescrita completa do artigo, removendo a divisão que punha os cinco casos mais
infames em destaque, e exigindo que a lista só incluísse casos que foram listados em fontes
notáveis como sendo parte do “fenômeno”.
Os editores da Wikipédia fizeram a atualização dos artigos de Jobs e Winehouse para
relatar os falecimentos praticamente ao mesmo tempo em que os meios de comunicação
descobriam e relatavam os óbitos. Além desse dinamismo, a redação colaborativa também
decidiu empregar um alto grau de julgamento e apuração para garantir que apenas os fatos
essenciais e confirmáveis ligados às mortes fossem incluídos nos artigos. Conclusões
apressadas sobre a causa mortis foram evitadas, e uma incursão ao sentimentalismo logo foi
removida por irrelevância. O jornalismo pode ocasionalmente explorar uma morte de maneira
excessiva e perturbadora, mas os wikipedistas provaram que às vezes a cobertura de uma
perda não precisa ser muito alongada para demonstrar o que ocorreu e fatos subsequentes de
um modo bastante informativo.
49
Capítulo 5 - Conclusão
“Na era da mídia, todos eram famosos por 15 minutos. Na era da Wikipédia, todos podem ser
especialistas em cinco minutos.”
Stephen Colbert
Qualquer pessoa com acesso à internet pode exercer a função jornalística na Web 2.0,
que providencia várias plataformas para divulgar os relatos informativos gerados a partir das
descobertas, análises e relatos dos cidadãos comuns. Alguns sites com conteúdo gerado pelo
usuário ainda se destacam nesse âmbito ao estimular a criação coletiva, com as colaborações
de várias pessoas se complementando para resultar em páginas de grande precisão e
abrangência que não deixam muito a desejar aos noticiários tradicionais.
Uma comunidade produtiva só tem eficácia garantida quando todos estão engajados
em suas missões, e os possíveis conflitos de interesse gerados pela heterogeneidade do grupo
conseguem ser superados. Na internet isso já resultou em vários softwares e sites criados por
usuários que às vezes nunca se viram, mas mantinham a lógica colaborativa em pleno
funcionamento, deixando a tarefa coletiva ser a prioridade mesmo quando os interesses
individuais eram muito diferentes para cada participante. O jornalismo muitas vezes é uma
tarefa coletiva mesmo quando emerge do trabalho de um único repórter, já que editores
revisam a notícia e uma equipe de apoio colabora na construção e divulgação. Daí não haver
muito problema em reconhecer a missão jornalística nas ações de um grupo redigindo artigos
enciclopédicos.
Apesar da missão da Wikipédia envolver um trabalho informativo mais abrangente
que o realizado nos meios de comunicação, quando os artigos da enciclopédia digital
adentram os mesmos assuntos que estão sendo relatados no noticiário percebe-se como a
metodologia de redação segue os mesmos caminhos. Diante de um acontecimento que à
medida que se prolonga, se desdobra em novas consequências, os usuários da Wikipédia
tentam aproveitar as vantagens do formato aberto para atualizar os artigos ligados do evento
com as últimas informações disponíveis. E como a presença do assunto no noticiário mantém
o interesse do público, páginas sobre eventos recentes atraem grande volume de contribuintes,
mantendo o fluxo contínuo de novos dados.
Durante a construção de um artigo da Wikipédia ocorrem as mesmas dúvidas e
problemas que surgem no trabalho jornalístico: confiabilidade das fontes informativas, como
escrever o texto de forma totalmente neutra, os detalhes que merecem inclusão, e
apresentação para o público na escolha de título, imagens e materiais de apoio. Nas páginas de
50
discussão dos artigos, os wikipedistas fazem suas “reuniões de pauta” levantando os serviços
a realizar no artigo e divulgar as últimas notícias sobre o tópico, e ao mesmo tempo a “edição
final” debatendo a inclusão ou remoção de conteúdo, já que ao contrário dos noticiários
tradicionais a redação da Wikipédia é um processo de publicação instantânea. Ao mesmo
tempo debater o material disputado garante que os participantes resolvam seus conflitos
ideológicos em torno dos rumos do artigo antes que os confrontos atrapalhem a produtividade
– afinal, a enciclopédia só funciona a partir da soma das realizações de todos, não importa
qual atividade determinado usuário priorize (geração de conteúdo, revisão ortográfica, exercer
as funções de controle e administração da comunidade).
Um artigo da Wikipédia tem a mesma missão do relato jornalístico, sintetizar dados
em uma nova narrativa mais condensada. A grande diferença reside nas políticas do site
advogarem contra a pesquisa inédita, significando que todo o texto depende de material já
publicado em outras fontes, ao invés dos relatos inéditos dos furos jornalísticos. Mesmo
assim, é possível ver como a agilidade dos wikipedistas consegue superar os profissionais de
comunicação, criando o artigo sobre o terremoto no Japão antes do primeiro relato no New
York Times, e a atualização das páginas de Amy Winehouse e Steve Jobs para falar das mortes
de ambos antecipando a divulgação na mídia. No caso da Primavera Árabe até haviam
“correspondentes” na forma de editores locais que carregavam suas fotos dos protestos e
conflitos e incluíam dados divulgados na imprensa local.
O exercício do jornalismo sempre teve de se adaptar às novas tecnologias de
comunicação, com a migração para o meio digital abrindo espaço para a inclusão de recursos
multimídia, mas também induzindo à exigência de escrever e publicar relatos sobre
acontecimentos tão logo eles ocorressem para se adequar ao ritmo frenético da Internet. Uma
notícia pronta virava uma sucessão de notas que se complementavam para dar uma ideia geral
– e a Wikipédia, além de já ser um projeto nessa linha, com as edições do artigo equivalendo à
publicação de “esboços sucessivos” que vão se complementando, também realiza a separação
de determinados tópicos em páginas próprias apesar do site não ter as restrições de espaço e
tempo da imprensa tradicional. Conteúdos como as cronologias que surgiam ao tentar manter
a atualização diária dos acontecimentos contínuos ligados aos terremotos e revoltas eram
migradas para um artigo próprio enquanto um resumo mais conciso permanecia no artigo
principal sobre o acontecimento. Mesmo páginas já existentes, como as dos países atingidos
pelos sismos e os líderes derrubados pelas revoluções, sofriam alterações para expressar como
os acontecimentos recentes já tinham mudado a história dos envolvidos.
51
Diversos conflitos emergiram durante a elaboração dos artigos analisados nesse
trabalho, como era de se esperar em uma criação coletiva sem restrições para contribuir, e
assim envolvendo um grupo bastante variado. Debates até chegar a um consenso foram
necessários para alvos de discussão como o tom do texto, a abordagem de determinados
tópicos, a utilização de imagens e títulos que preenchessem as políticas do site e ainda
respeitassem determinadas tecnicalidades ligadas aos eventos, e se determinados conteúdos
eram inclusões válidas. Este último se deve ao fato de que a exploração de um evento pelo
jornalismo pode ter abordagens dissonantes com a missão enciclopédica da Wikipédia. Todos
os artigos acabaram esbarrando no problema da reação e comoção de figuras notáveis aos
acontecimentos receber muito espaço nos meios de comunicação – e enquanto a resposta
internacional a uma tragédia ou conflito até acaba por merecer separação em um artigo
próprio, mensagens de luto por uma celebridade falecida logo se tornam um detalhe
desnecessário em um relato histórico, forçando a exclusão das condolências menos relevantes.
A Wikipédia é considerada um destaque na “nova Internet” que o internauta comum,
além de consumir conteúdo, também o gera. A devoção da comunidade em desenvolver
páginas informativas sobre praticamente todo assunto logo credenciaram o site como uma
fonte de conhecimento, mesmo com a maior parte dos envolvidos com a redação dos artigos
sendo amadores. A enciclopédia digital até adentra o campo jornalístico pelo fato dos eventos
da atualidade também ganharem espaço no site. Embora os usuários não possam relatar
descobertas como um repórter, a dedicação destes, aliada às políticas em prol da qualidade
dos artigos, resulta em relatos históricos sobre acontecimentos repentinos e inacabados unindo
o “primeiro impacto” do noticiário e a densidade informativa da enciclopédia.
52
Referências bibliográficas
Websites ligados à Wikipédia
Wikipédia (http://wikipedia.org/) – Artigos, histórico de edições, páginas de discussão
Wikirage (http://www.wikirage.com/top-edits/672) – Lista dos artigos mais editados por mês (número de
revisões)
Wikipedia Zeitgeist (http://stats.wikimedia.org/EN/TablesWikipediaEN.htm#zeitgeist) – Lista dos artigos mais
editados por mês (número de editores)
Wikipedia page history statistics (http://vs.aka-online.de/cgi-bin/wppagehiststat.pl) – Históricos de revisões,
analisando edições e contribuintes
Wikichanges (http://irlab.fe.up.pt/p/wikichanges/) – Gráficos a partir do histórico de edições
Livros
AYERS, Phoebe; MATTHEWS, Charles; YATES, Ben. How Wikipedia Works And How You Can Be A Part Of It.
São Francisco: No Starch Press, 2008.
BRUNS, Axel. Blogs, Wikipedia, Second Life and beyond: from production to produsage. Nova York: Peter Lang
Publishing, 2008
GABRIEL, Martha. Marketing na Era Digital. São Paulo: Novatec Editora, 2010
LAGE, Nilson. A Reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record,
2001
KEEN, Andrew. O culto do amador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009
SCHWINGEL, Carla, ZANOTTI, Carlos A. (org.) Produção e Colaboração no Jornalismo Digital. Florianópolis:
Insular, 2010.
SOUSA PINTO, ANA ESTELA DE. Jornalismo Diário: Reflexões, Recomendações, Dicas e Exercícios. São
Paulo: Publifolha, 2009
TRAVANCAS, Isabel S. O mundo dos jornalistas. 4ª Ed. São Paulo, Summus, 2011.
Vários colaboradores. Manual da Redação - Folha de S. Paulo.14ª Ed. São Paulo, Publifolha, 2011.
Trabalhos acadêmicos
BRADSHAW, Paul. “Wiki Journalism Are wikis the new blogs?” In: FUTURE OF NEWSPAPER
CONFERENCE, 2007, Cardiff.
D'ANDRÉA, Carlos F. B. “Wikipédia como espaço de interações e a redação coletiva de artigos sobre o voo
TAM 3054”. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO (INTERCOM),
XXXI, 2008, Natal. Anais..., Natal: UFRN, 2008.
_____________________. “Colaboração, edição, transparência: desafios e possibilidades de uma “wikificação”
do jornalismo.” In: SOSTER, D. e FIRMINO, F. Metamorfoses jornalísticas 2 – a reconfiguração da
forma. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009a. p.73-89.
_____________________. Fragmentacao e wikificacao: a morte de Zilda Arns na cobertura
do G1 e da Wikipedia em portugues. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIENCIAS DA
COMUNICACAO (INTERCOM), XXXIII, 2010, Caxias do Sul. Caxias do Sul: UCS, 2010a.
_____________________. “Processos editoriais auto-organizados na Wikipédia em português: a edição
colaborativa de Biografias de Pessoas Vivas”. Belo Horizonte, 2011
D´ANDREA, Carlos F. B.; ESTEVES, Bernardo. “Disputas, vandalismos, reversões: a dinâmica de edições dos
artigos sobre a gripe suína na Wikipédia em português.” In: SIMPOSIO NACIONAL ABCIBER, III,
2009, São Paulo: ESPM, 2009.
D'ANDREA, Carlos F. B.; RIBEIRO, Ana Elisa. “Retextualizar e reescrever, editar e revisar: Reflexões sobre a
produção de textos e as redes de producao editorial”. Veredas Online (UFJF). Juiz de Fora (MG), n.1,
p.64-74, 2010.
FERRON, Michela, & MASSA, Paolo. “WikiRevolutions: Wikipedia as a Lens for Studying the Real-Time
Formation of Collective Memories of Revolutions”. International Journal of Communication, 2011.
GRUDIN, Jonathan. “Groupware and social dynamics: eight challenges for developers” Communications of The
ACM - CACM , vol. 37, no. 1, pp. 92-105, 1994.
JOHNSON, Telma S. P. Redes colaborativas na Internet: interações, conflitos e organização social na Wikipédia
Lusófona. Belo Horizonte, 2009
KEEGAN, Brian, GERGLE, Darren, CONTRACTOR, Noshir S. Hot off the wiki: dynamics, practices, and
structures in Wikipedia's coverage of the Tōhoku catastrophes. WikiSym’11, pp. 105-113, 2011.
LIH, Andrew. “Wikipedia as Participatory Journalism: Reliable Sources? Metrics for evaluating collaborative
media as a news resource”. Hong Kong, 2004
53
LIMA JR. Walter Teixeira. “Neofluxo: Jornalismo e Base de Dados”. In: SOSTER, Demétrio; LIMA JR., Walter
(org.) Jornalismo digital: audiovisual, convergência e colaboração. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2011
PENTZOLD, Christian. Fixing the floating gap: The online encyclopaedia Wikipedia as a global memory place”.
Memory Studies, v. 2, nº2, pp. 255–272, 2009.
SEIXAS, Lia . Como o dispositivo prepara para o gênero jornalístico?. In: SOSTER, Demétrio; FIRMINO, F.
(org.) Metamorfoses jornalísticas 2 – a reconfiguração da forma. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009.
SCHWINGEL, Carla . O processo de produção do ciberjornalismo perante às teorias jornalísticas e a proposição
de um sistema de apuração. In: SOSTER, Demétrio; LIMA JR., Walter (org.) Jornalismo digital:
audiovisual, convergência e colaboração. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2011
STIVILIA, Besiki, et. Al. Information quality work organization in Wikipedia. JASIST, v. 59, nº 6, pp. 983–
1001, 2008.
Notícias
DEE, Jonathan. “All the News That’s Fit to Print Out” The New York Times (2007). Acessado em
http://www.nytimes.com/2007/07/01/magazine/01WIKIPEDIA-t.html?_r=1
FORD, Heather. “Wikipedia Isn't Journalism, But Are Wikipedians Reluctant Journalists?” PBS (2011).
Acessado em http://www.pbs.org/idealab/2011/10/wikipedia-isnt-journalism-but-are-wikipedians-
reluctant-journalists290.html
FRAUENFELDER, Mark. "The next generation of online encyclopedias". CNN (2000). Acessado em
http://edition.cnn.com/2000/TECH/computing/11/21/net.gen.encyclopedias.idg/
GLASER, Mark. “Collaborative Conundrum: Do Wikis Have a Place in the Newsroom?”. Online Journalism
Review (2004). Acessado em http://ojr.org/ojr/glaser/1094678265.php
HUME, Mick. “After Soham - mourners and 'the mob'”. Spiked (2002). Acessado em http://www.spiked-
online.com/newsite/article/8389#.UnOvnvnZgQc
POE, Marshall. “The Hive” The Atlantic (2006) Acessado em
http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2006/09/the-hive/305118/?single_page=true
SCHWARTZMAN, Hélio. “Os Mortos”. Folha de S. Paulo (2001). Acessado em
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u356330.shtml
VARGAS, Jose Antonio. “The Web Is Flat -- The World Responds to Haiti's Earthquake Online”. The Huffington
Post (2011). Acessado em http://www.huffingtonpost.com/jose-antonio-vargas/the-web-is-flat----the-
wo_b_422394.html
WHITE, Michael. “The pornography of grief – and the devalued poignancy of the poppy”. The Guardian,
(2009). Acessado em http://www.theguardian.com/politics/blog/2009/nov/11/pornography-of-grief-
poppy-michael-white
“'Mourning sickness is a religion'”. BBC (2004), Acessado em http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/3512447.stm
Filmes
The Truth According to Wikipedia. Dir. Ijsbrand van Veelen. VPRO Backlight. Holanda, 2008.
Truth in Numbers?. Dir. Scott Glosserman, Nic Hill. Underdog Pictures. EUA, 2010.
Recommended