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TEATRO: CAMINHO DE INCLUSÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL E
PESSOAL
DORACI TEREZA ROSO STOKMANN1
RESUMOComo promover a inclusão de alunos com sérias deficiências mentais independente de serem as escolas públicas eficazmente preparadas nos seus recursos humanos e físicos? Pensou-se nos conteúdos estruturantes de arte e artes para a educação básica, como balizador deste intuito, por entender que a arte é inerente ao ser humano, e como diretriz curricular ter o propósito de superar desigualdades sociais. Este documento trata de breve pesquisa bibliográfica com uma práxis vivenciada, a respeito da contribuição da arte cênica, especificamente dos jogos dramáticos, como caminho de inclusão e desenvolvimento dos alunos com deficiência mental. Foi realizada uma Oficina de Jogos Teatrais por um período de três meses aproximadamente, dentro da Escola de Educação Especial Caminho Feliz- Apae de Capanema, com a participação de alunos da 7ª série do Colégio Estadual Rocha Pombo do município de Capanema – PR. Nesta experiência vivenciada, ficou manifesta a possibilidade de desenvolvimento pessoal, social e de inclusão de alunos com diversas deficiências e não deficientes, através dos conteúdos de arte e do intercâmbio entre as escolas especial e comum.
PALAVRAS-CHAVES: Inclusão. Deficiência Mental. Conteúdos de Artes.
ABSTRACTPromoting the inclusion of students with serious mental disabilities to be independent public schools effectively prepared in their human and physical resources? It was thought in structuring content of art and art to basic education, as marked out of order because it believes that art is inherent to man, and as curriculum guidelines have the purpose of overcoming society inequalities. This document deals with brief literature search with a practice experienced, regarding the contribution of scenic art, specifically of dramatic games, as a way of inclusion and development of students with mental disabilities. We performed an Office of Chat for a period of three months approximately, within the School of Special Education Happy Path-APAE of Capanema, with the participation of students in the 7th grade of Pigeon Rock State College in the municipality of Capanema - PR. This experience, it was obvious the possibility of personal development, and
1* é professora da Rede da disciplina de Artes e Educação Especial. O presente artigo é trabalho final, pré-requisito para obtenção da certificação do PDE - Programa de Desenvolvimento Educacional 2007.
society inclusion of students with various disabilities, not disabled by the content of art and exchanges between schools and special common.
KEY WORDS: Inclusion. Mental Disability. Contents of Gear.
1. INTRODUÇÃO
A função da arte não é a de passar por portas abertas, mas é a de abrir as portas fechadas.
Ernest Fischer
O presente artigo trata sobre o trabalho desenvolvido no PDE –
Programa de Desenvolvimento Educacional do ano de 2007, na área de
Educação Especial. Após um ano de estudo, através de cursos, seminários,
pesquisas e trabalho de grupo em rede on-line, elaborou-se um Plano de
Trabalho para implementação em uma Escola de Educação Especial.
Na discussão de se efetivar a inclusão, parafraseando Rodrigues
(2006), propôs-se um “fazer acontecer desde já”: a inclusão de alunos com
deficiência mental acentuada, por meio dos conteúdos estruturantes afins
da disciplina de Arte na Educação Básica, com a integração da escola de
educação especial e da escola da rede comum de ensino, através de uma
oficina de jogos teatrais.
O compromisso com a inclusão de alunos com deficiência mental
remete os educadores a pensar caminhos que viabilizem uma atitude, de
forma que as pessoas, livres e espontaneamente, experimentem e
assimilem este entendimento e passem a interiorizá-lo como conhecimento
e crescimento humano.
Ao desenvolver a implementação com alunos da escola de educação
especial, buscou-se concordância com as Diretrizes Curriculares para a
Educação Especial Para a Construção de Currículos Inclusivos de 2006 e,
principalmente, tendo como norte, o fundamento de que a inclusão
escolar é um processo em construção e se dá gradativamente de
forma responsável.
Diante deste entendimento, se propôs abrir a escola de educação
especial , alargar suas portas, seus domínios para acesso dos alunos do
ensino comum, a fim de oportunizar ações para o exercício da cidadania e,
2
neste contexto, buscar novos caminhos para a superação de alguns dos
obstáculos presentes no seio social que distanciam os segmentos excluídos
do acesso aos bens e serviços e, no caso específico da inclusão escolar, do
direito à educação.
Para tanto, torna-se importante observar, embasados em estudiosos
como Freire (1982) e Saviani (2005), que a formação de cidadãos
conscientes está no trabalho educativo, que envolve a ação, a práxis das
relações que os fazem pensar, agir, refletir. Assim, os seres humanos
tornam-se capazes de modificar o mundo e mudar-lhe o significado.
Foi intuito fazer da escola especial um instrumento que contribua para
a transformação social, como também o ensino da arte, com seu caráter
artístico e estético na formação do aluno, na humanização dos sentidos pelo
saber estético e pelo trabalho artístico, contemplando o que afirmava as
Diretrizes Curriculares de Arte e Artes para a Educação Básica de 2006, “o
ensino da Arte deixa de ser coadjuvante no sistema educacional e passa a
se preocupar também com o desenvolvimento do sujeito frente a uma
sociedade construída historicamente e em constante transformação” (p.22).
A arte está presente em todas as pessoas, é inerente ao ser
humano. O teatro, através dos jogos dramáticos, permite que o aluno, nas
representações de papéis, possa pôr em evidência o tipo de relação que
estabelece com o mundo que o rodeia, pode jogar o papel do outro, pode
criar papéis imaginados de domínio simbólico, falar do eu a partir dos
outros, a passagem do mundo interior para o mundo exterior, e isso gera
conhecimento, desenvolvimento.
O trabalho de implementação baseou-se na linguagem artística
como comunicação, interação, ação e relação numa reflexão social para,
conforme Paulo Freire “oferecer aos educandos acesso aos conhecimentos
de cultura para uma prática social transformadora” (Diretrizes Curriculares
de Arte e Artes para a Educação Básica. 2006, p.20).
2. PERCORRENDO UM CAMINHO
3
O Caminho se faz caminhando. Paulo Freire e
Myles Horton
Quando falamos de inclusão, nos vem a idéia de que alunos com
deficiência deixam sua Escola de Educação Especial e integram-se nas
Escolas do Ensino Comum. O trabalho realizado foi de inverter estes papéis.
Sabe-se que as Escolas de Educação Especial atendem alunos com graves
comprometimentos mentais, com síndromes e acentuadas deficiências que
lhes dificultam estarem, atualmente, na rede comum de ensino, no pleno
atendimento das suas necessidades educacionais. Nesta perspectiva,
propôs-se inclusão ao inverso. O trabalho teve como principal objeto a
inclusão de alunos da rede de ensino comum e de alunos com deficiência
mental e associadas da Escola de Educação Especial Caminho Feliz – Apae
de Capanema – PR, através da proposta de uma Oficina de Jogos Teatrais,
contemplando um determinado conteúdo estruturante da disciplina de arte
na educação básica, na área do teatro, realizada dentro da escola especial.
Teve também a intenção de desmistificar a Escola de Educação Especial,
mantida pela APAE, perante a comunidade escolar da rede pública do
município.
Foram convidados alunos da 7ª série A do Colégio Estadual Rocha
Pombo para visitarem e conhecerem a Escola Especial. Este convite foi
aceito por 17 (dezessete) alunos. Após o dia da visita, 14 (quatorze) alunos
decidiram participar da Oficina de Jogos Teatrais juntamente com 7 (sete)
alunos com deficiência mental acentuada da Escola de Educação Especial
Caminho Feliz, mantida pela APAE de Capanema - PR. Os encontros foram
semanais, de duas horas de duração cada um, durante os meses de março,
abril, maio e junho de 2008, para a propósito do que aborda Carvalho, abrir
as portas da escola especial e proporcionar uma oportunidade de
aprendizagem e participação diferente da que está posta.
Refiro-me às oportunidades que qualquer escola deve garantir, a todos, oferecendo-lhes diferentes modalidades de atendimento educacional que permitam assegurar-lhe o êxito na aprendizagem e na participação. A isso chamamos de eqüidade, que no fundo, reconhece as diferenças individuais e a importância do trabalho na diversidade, com espírito democrático, isto é, plural. [...] procuro defender a proposta de educação inclusiva entendida como
4
reestruturação das escolas, mesmos as especiais, de modo a que atendam as necessidades de todas as crianças que dela necessitam (2004, p.17).
A transformação da sociedade, o seu constante desenvolvimento,
com sujeitos de sua própria cultura é defendido por Saviani quando afirma:
O que se chama desenvolvimento histórico não é outra coisa senão o processo através do qual o homem produz a sua existência no tempo. Agindo sobre a natureza, ou seja, trabalhando, o homem vai construindo o mundo histórico, vai construindo o mundo de cultura, o mundo humano. E a educação tem suas origens nesse processo. [...] É, pois na realidade escolar presente que se enraíza a proposta da pedagogia histórico-crítica (2005, p.93-94).
Somente pela Educação, na realidade escolar, nas propostas
pedagógicas, os indivíduos compreenderão e exercitarão mudanças de
atitudes, de valorização da diferença, do convívio harmônico, rompendo
modelos de exclusão social para encaminharem-se para uma sociedade
humanística, responsável, ecológica, idealizada com seres orgânicos.
Por que este caminho de inclusão foi pensado através da Arte?
Como experiência, comprovar o que nos aponta as Diretrizes
Curriculares de Arte e Artes Para a Educação Básica (2006), os conteúdos de
arte visam através de sua práxis, uma sociedade que busca superar
desigualdades e injustiças. Este deve ser ponto fundamental de
compreensão desta disciplina (p.27). Como proposta, apostar no que
defendia o teórico Herber Read, de que a arte possibilita o desenvolvimento
do potencial criador e da humanização (idem, p.19).
Nesta perspectiva, acreditou-se que a função da arte é a de abrir
portas, de ser caminho, instrumento enriquecedor para a inclusão e a
valorização da pessoa com deficiência.
Pois é bem verdade que os alunos com deficiências são valorizados na
suas potencialidades quando, diante da comunidade, participam de
atividades artísticas. A emoção que flui e o aplauso que recebem, endossa a
platéia que pessoas com deficiências são sujeitos com a apropriação de
saberes, dinâmicos, participativos do contexto e do universo que dividem.
Esta manifestação de apreciação do público em geral, para com a
pessoa com deficiência ao vê-la participando de eventos culturais de forma
5
tão intensa, pode ser entendida que as emoções decorrentes da arte
demandam de respostas que envolvem um entendimento cognitivo, vemos
em Vigotsky (2001) a afirmação de que “Poderíamos demonstrar que a arte
é uma emoção central, é uma emoção que se resolve predominantemente
no córtex cerebral. As emoções da arte são emoções inteligentes” (p. 267).
Não se permitiu permear pelo campo das ciências, dos cálculos, e
nem ousar o da filosofia. Desejou-se permitir um trespassar pelo campo das
artes, para aqui, declarar uma possibilidade, onde TODOS os homens se
reconhecem IGUAIS pela sensibilidade, sendo a arte inerente a qualquer ser
humano.
A arte, em tudo que lhe é significada, alcança todas as pessoas,
sendo elas instruídas ou não, deficientes ou não. Além de ser uma forma de
“conhecimento” a arte é forma de “encantamento”. Todos os homens são
capazes de se expressar, de projetar sua vida interior, construir fantasias,
penetrar nos símbolos, signos da cultura.
Para Loureiro (BRASIL, Ministério da Cultura. Caderno de Textos do
Programa Arte Sem Barreira/Funarte. 2003, nº 3), a arte sem barreiras deve
concretizar-se no chão das relações sociais, e isso representa um gigantesco
passo na quebra da exclusão. Toda produção artística, ainda que pessoal, é
parte do processo social, e por isso, a inclusão artística acontece no decurso
com a inclusão social. Diz o autor “a arte parte do que é possível para
alcançar o impossível possível” (idem, p.16). Como se as pessoas
passassem a ter conhecimento humano a partir da emoção, a partir da
sensibilidade despertada.
Considerou-se igualmente a diversidade cultural e social dos alunos.
Pois a arte, enquanto cultura e linguagem tem na escola democrática um
espaço no qual os envolvidos podem refletir e discutir a realidade de modo
que a prática social seja o ponto de partida das problematizações.
A linguagem artística encerra esta possibilidade de estar junto com o
outro como instrumento cultural, numa perspectiva histórica de sujeito que
significa o mundo, dá sentido a sua existência e a existência do outro.
Padilha (2007) cita Bakhtin que diz: “É preciso considerar a força social na
constituição da consciência. Cognição, linguagem e cultura estão
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inseparáveis na constituição da subjetividade” (p.121). A autora discorre
que o corpo precisa do outro corpo para lhe conceder sentido e lhe dar
forma. É preciso desenvolver, ensinar a consciência de si para poder depois
expressar-se em movimentos, de forma que os próprios movimentos
auxiliem para que o sujeito tome consciência de si. É nas práticas sociais,
no convívio do dia a dia, que o sujeito expressa seus gestos, sua atenção,
suas lembranças, suas vontades e o controle dos seus desejos.
Abordou-se o ensino da arte como linguagem, nas interpretações de
signos verbais e não verbais. As formas de linguagem estão entrelaçadas,
as verbais e os atos sociais de caráter não verbal: gestos e expressões
simbólicas. O papel da linguagem é ser expressiva e de significado para si e
para o outro, quer seja na palavra (som), no ato (gesto, expressão corporal),
no grafismo (escrita, desenho).
As Diretrizes Curriculares de Arte e Artes Para a Educação Básica
(2006) apontam que
Toda linguagem artística possui uma organização de signos que propicia comunicação e interação. Essa organização é estruturada segundo princípios que cada cultura constrói, expressos numa simbologia particular que é determinada histórica, política e socialmente. Essa expressividade artística é concretizada nas manifestações/ produções por meio dos sons, de formas visuais, de movimentos corporais e de representações cênicas, os quais são percebidos pelos sentidos humanos. Tais percepções ensejam leituras pelo sujeito tanto em sua condição de ser social quanto de ser singular, o que lhe abre a possibilidade de transformações em suas relações interpessoais e sociais (p.29).
Pode-se enfatizar tais considerações com palavras de Saviani:
Porque o homem não se faz homem naturalmente; ele não nasce sabendo ser homem, vale dizer, ele não nasce sabendo sentir, pensar, avaliar, agir. Para saber pensar e sentir; para saber querer, agir ou avaliar é preciso aprender, o que implica o trabalho educativo. Assim, o saber que diretamente interessa à educação é aquele que emerge como resultado do processo de aprendizagem, como resultado do trabalho educativo. Entretanto, para chegar a esse resultado a educação tem que partir, que tomar como referência, como matéria-prima de sua atividade, o saber objetivo produzido historicamente (2005, p.7).
Diante do leque de possibilidades que o ensino da arte oferece, optou-
se pelo teatro e pela realização de uma Oficina de Jogos Teatrais. E por que
justamente uma oficina de jogos teatrais?
7
Trabalhou-se com os alunos o conceito de que o teatro é uma
linguagem que amplia a sua visão de mundo, sob a perspectiva de que a
“dramatização é inerente ao homem em seu processo de desenvolvimento”
(Diretrizes Curriculares de Arte e Artes para a Educação Básica. 2006, p.45).
Observou-se que o relacionamento do homem com o mundo tem,
pois, no teatro, um forte aliado neste exercício. Com este entendimento, foi
possível integrar as partes que compõem esse sujeito, desenvolver a
intuição e a razão, por meio das percepções, sensações, emoções,
elaborações e racionalizações, com o objetivo de propiciar ao aluno uma
melhor maneira de conviver consigo e com os outros, valendo-se da
dramatização, que é por natureza, intrínseco no ser humano.
Se espera que pelo reconhecimento do próprio corpo, o aluno com
deficiência se reconheça na relação com o outro e consigo de acordo com
todos os outros que significam sua alteridade. Conhecer a si, aceitar-se
como, aceitar o outro, reivindicar a consideração do outro, para uma relação
integradora.
Vemos em Padilha (2007) que ao citar Bakhtin, afirma que a
consciência corporal é fundamental para a linguagem do corpo. Diz a
autora:
Quando abraçamos o corpo, abraçamos também a alma encerrada neste corpo e que se expressa por ele. A alma tem expressão no corpo. O corpo do deficiente mental, muitas vezes não consegue revelar ou expressar sua alma porque está caído, desarrumado, desarmônico, inexpressivo. É preciso desenvolver a consciência de si para que seja possível expressá-la nos movimentos do corpo, ao mesmo tempo que os movimentos do corpo ajudam a tomar consciência de si (p. 116).
As atividades de Jogos Teatrais, como linguagem artística, trazem em
seus códigos um conjunto de saberes a serem ressignificados no processo
de ensino e de aprendizagem. A linguagem do teatro pelo ato de “fazer de
conta”, de dramatizar individual ou em grupo, oportuniza aos alunos, a
análise, a investigação e a composição de personagens, espaços, histórias,
permitindo desencadear sua opinião dos conhecimentos trabalhados com
suas realidades socioculturais. A arte gera conhecimento e articula saberes
cognitivos, sensíveis e históricos.
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Foi também, um exercício estético pela combinação dos sentidos, da
relação das artes visuais com as outras linguagens artísticas, pois a
construção de máscaras, de fantoches, de figurinos, de maquiagem, de
trilhas sonoras, propiciou a interligação das linguagens verbais e não
verbais, que contemplou, neste trabalho, alguns alunos, certamente algum
em particular, que tem um ou outro sentido mais aguçado ou menos
presente. E, no conjunto, fez-se uma releitura da obra, que incluiu a
experiência e a aprendizagem pelas formas de receber sensações, uma
releitura de produções híbridas conseqüentes das associações entre o
entendimento da realidade do aluno e os elementos percebidos por ele na
expressão artística.
2.1 - Sobre os Jogos Teatrais
Japiassu (2006), que aborda o sistema de jogos teatrais de Viola
Spolin, atriz, professora e diretora de teatro norte americano, discorre que a
pedagogia do sistema de jogos teatrais criados por Spolin, enfatizou a
dimensão improvisacional do fazer teatro e destacou a importância das
interações intersubjetivas na construção do sentido da representação
cênica e na apropriação de algumas convenções teatrais (p 41). Diz
também que, os sistemas de jogos teatrais de Spolin têm sido utilizados não
apenas no treinamento de atores, mas em programas de estudo para a
conscientização da comunicação não verbal e para dinâmicas de grupo.
Spolin experimentou seu método com estudantes e profissionais de teatro,
com professores e alunos do ensino fundamental e médio, em programas
educacionais de crianças com necessidades especiais, em cursos para o
estudo de idiomas, religião, psicologia em centros de reabilitação de
crianças delinqüentes.
Constatou que seu sistema de jogos teatrais era um processo
aplicável a qualquer campo, disciplina ou assunto por “possibilitar um
espaço possível para interação e comunicação verdadeiras entre sujeitos”.
(idem p.42). Sua técnica permite, sobretudo, reivindicar o espaço do teatro
como conteúdo relevante em si na formação do educando. Este trabalho
9
pedagógico da metodologia de ensino do teatro possibilita que os alunos
experimentem o fazer teatral (quando estão a jogar), desenvolvam a
apreciação e a compreensão estética da linguagem cênica (quando
assistem e outros jogam) e contextualizem historicamente seus enunciados
estéticos, principalmente quando fazem a avaliação coletiva e sua auto
avaliação.
A técnica Spolin (dos jogos teatrais) tem sido pesquisada no Brasil
pelo grupo de pesquisadores em teatro educação da Universidade de São
Paulo sob liderança das professoras Koudela e Pupo (JAPIASSU. 2006, p. 42).
Japiassu (2006), apud Koudela, apresenta uma diferenciação entre
jogo teatral e jogo dramático dizendo que “é preciso lembrar que a palavra
teatro tem sua origem no vocabulário grego theatron, que significa `local
de onde se vê´ (platéia). Já a palavra drama, também oriunda da língua
grega, quer dizer `eu faço, eu luto´. No jogo teatral, o grupo de sujeitos que
joga pode se dividir em equipes que se alternam nas funções de
“jogadores” e de “observadores”, isto é, os sujeitos jogam deliberadamente
para outros que os observam. Na ontogênese, o jogo dramático (faz-de-
conta) antecede o jogo teatral. Essa passagem do jogo dramático ao jogo
teatral, ao longo do desenvolvimento cognitivo e cultural do sujeito, pode
ser explicada como “uma transição muito gradativa, que envolve o
problema de tornar manifesto o gesto espontâneo e depois levar a criança à
decodificação do seu significado, até que ela utilize conscientemente, para
estabelecer o processo de comunicação com a platéia” (p.25).
Japiassu (2006) segue dizendo que, diferentemente do jogo
dramático, o jogo teatral é intencional e especificamente dirigido para uma
platéia que assiste. Porém, tanto no jogo dramático como no jogo teatral, o
processo de representação dramática ou simbólica no qual se envolvem os
jogadores, desenvolve-se na ação improvisada e os papéis de cada jogador
não são estabelecidos a priori, mas emergem das interações que ocorrem
com os indivíduos envolvidos durante o jogo.
O autor afirma que a finalidade do jogo teatral na educação escolar é
o crescimento pessoal e o desenvolvimento cultural dos jogadores por meio
do domínio da comunicação e do uso interativo da linguagem teatral, numa
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perspectiva de improvisação ou lúdica. O princípio do jogo teatral é o
mesmo da improvisação teatral, ou seja, a comunicação que surge da
espontaneidade das intenções entre sujeitos envolvidos na solução cênica
de um problema de atuação.
Japiassu (2006) fala também sobre Augusto Boal, que ao desenvolver
um projeto de alfabetização para o povo proletário no Peru, com o objetivo
de alfabetizar em todas as linguagens possíveis, especialmente artísticas,
como o teatro, a fotografia, o cinema etc, partiu desse pressuposto, para
afirmar que o teatro é concebido como linguagem capaz de ser utilizada por
qualquer pessoa, independentemente de ela ter ou não “talento” para o
palco ( p. 47).
O autor confere que devemos reconhecer que a poética estritamente
brasileira de Boal, mesmo com marcas de mestres consideráveis como
Brecht, Moreno, Viola Spolin, está sendo conhecida e estudada por
pesquisadores que investigam a dimensão pedagógica do teatro
internacionalmente. Sua pedagogia teatral tem inspirado experimentações
e investigações do uso do teatro na educação formal de crianças, jovens e
adultos por todo o país.
Sobre o jogo e sua forma imaginativa, Souza (2003) ao citar Vigotsky,
afirma que esta é uma atividade que desenvolve de maneira especial as
capacidades de pensamento abstrato, por levar a criança a conceber
imaginariamente ações e objetos que não estão imediatamente presentes
na sua percepção do real. O autor diz que o jogo dramático é a
representação de papéis, em que a criança pode pôr em evidência o tipo de
relações que estabelece com o mundo que a rodeia, pode jogar o papel do
outro, pode criar papéis imaginados de domínio simbólico. O
relacionamento do indivíduo com o mundo social efetua-se através do
desempenho de papéis. Todos temos um “papel” a representar em nossa
vida familiar, de trabalho, de relações sociais. A vida social exige que cada
pessoa se situe e seja situado na sua rede de interações e nos diferentes
espaços sociais em que convive. Considera-se este autor quando reforça o
valor do jogo dramático nas palavras:
...falar de expressão dramática é falar do eu e do eu partir para os outros... a nossa função é ir descobrindo e transformando. A
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expressão dramática é um retirar de máscaras, é estabelecer o equilíbrio entre o mundo exterior e o mundo interior do homem, ou seja, é harmonizar a vida social e a essência do homem.... Permite aos jovens exercerem-se, falarem das suas angústias, frustrações, desejos. Não só através do corpo, da voz ou de improvisações. Os exercícios servem para se encontrarem a eles próprios. Encontrando-me comigo, encontro-me com os outros. A passagem do mundo interior para o mundo exterior, eis a função do jogo dramático (p. 20).
2.2 - Os Jogos Teatrais e Alunos com Necessidades Educacionais
Especiais
Nesta abordagem, que inclui o jogo de suma importância para o
desenvolvimento da pessoa, do educando, recorreu-se a Padilha (2007), que
dedicou um trabalho essencialmente focado numa jovem com necessidades
educacionais especiais e que ao abordar a constituição do sujeito simbólico
diz:
...para jogar é preciso seguir regras, compartilhar objetos, fazer das mãos um instrumento cultural dirigido a certos fins. Jogar é brincar, no sentido que Vigotsky afirmou ‘fator muito importante do desenvolvimento; permeia a atitude em relação à realidade’. [...] A essência do brinquedo [jogar é brincar] é a criação de uma nova revelação entre o campo do significado e o campo da percepção visual, ou seja, entre situações no pensamento e situações reais (p.129).
Padilha (2007) afirma que para os educandos com necessidades
especiais, o jogo é, evidentemente, uma rede de experiências de interpretar
e produzir significados que garantem uma participação efetiva na sua vida
social, nas suas relações do dia a dia. Neste mesmo pensamento a autora
segue Vigotsky que determina que a “formação da mente é social” (p.133);
ainda Bakhtin, de que “as formas de comunicação verbal estão
absolutamente entrelaçadas a outras formas de comunicação e se fazem,
num crescendo, no terreno comum da situação de produção e que graças a
esse vínculo concreto com a situação, a comunicação verbal é sempre
acompanhada por atos sociais de caráter não verbal entre os quais estão os
gestos, os rituais e os atos simbólicos” (idem, p.133). Enfim, o jogo tem
múltiplas possibilidades de organizar o pensamento no tempo e no espaço,
12
revelando problemas e as soluções que a cada aluno é permitido
compreender o mundo e fazer-se compreender.
Sobre atividades do jogo teatral para educandos com deficiências
numa perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento, Padilha (2007), ao
citar Vigotsky, diz que as funções psíquicas surgidas no processo de
interação com as pessoas de seu meio são as esferas que permitem
atenuação das conseqüências da deficiência e apresenta maiores chances
de influência educativa. Reforçando tal intenção, a autora continua sua
afirmação ao dizer que
O movimento de produzir significado supõe a ação do outro, acontece com o outro e então é possível produzir sentido com o gesto, o silêncio, a expressão facial, com a prosódia acompanhando a oralidade, e com a lembrança do passado incorporada ao presente. É possível fazer previsões de ação – organização do tempo e do espaço que estão postos na cultura. Pensar sobre si, para si e para o outro, dizer as coisas de um certo modo – é a linguagem organizando, comunicando, nomeando, regulando a ação e o pensamento. O lugar patológico é para Vigotsky um lugar importante para se pensar a relação entre linguagem e cognição, porque, segundo ele, seria impossível haver linguagem fora dos processos de interação entre os homens (p. 49).
Por conseguinte, a idéia da Oficina de Jogos Teatrais com alunos com
deficiência mental em conjunto com os alunos tidos “normais” do ensino
comum, foi pensada nas considerações de Padilha (2007), ao afirmar que as
relações acontecem no encontro do eu com os outros, o simbólico elabora
nossa história e lhe dá significado. A autora cita Vigotsky ao afirmar que o
significado nem sempre é igual ao pensamento expresso em palavras. Mas
não existe signo sem significado, nem significado sem relação dialógica, é
preciso sempre considerar o outro. E compreender o outro significa penetrar
nos motivos, na intenção que o interlocutor expressa.
Pode-se continuar destacando o significado do jogo, especificamente
para o aluno com deficiência mental seguindo Padilha (2007), quando diz
que o ato da criança/aluno jogar para brincar, competir, distrair-se, amplia
as possibilidades de estar com pessoas de sua idade que jogam. O jogo é
uma das esferas do simbólico, é uma das manifestações culturais. É muito
importante que o jogo esteja nos planejamentos de aulas dos professores
muito mais como material didático do que simplesmente como conteúdo de
entretenimento e lazer. A autora cita Fabiany (apud Padilha 2007) que
13
apresentou através de pesquisa o papel do jogo na educação especial para
deficientes mentais com as seguintes conclusões:
a)O jogo como modelador de atitude (para desenvolver hábitos de vida em grupo);b)O jogo como estratégia para o desenvolvimento motor (controle do corpo);c)O jogo como meio para o desenvolvimento cognitivo (explorar o potencial dos objetos);d)O jogo como meio de alfabetização (para ensinar matemática, para ensinar a leitura e escrita);e)O jogo para dominar a vontade:esperar a vez, se colocar no lugar do outro (p.128).
Se as condições de desenvolvimento não são as mesmas para todas
as crianças, sejam elas deficientes ou não, se o meio ambiente pode
favorecer, ou não, a criança, na construção de si mesma, de sua auto-
organização, os educadores devem considerar Vayer e Roncin quando
afirmam que
As condições de um desenvolvimento harmonioso são sempre, quer a criança seja deficiente quer não, vinculadas ao meio que fornece ao sujeito os sentimentos de segurança, de poder agir e de ser autônomo. A única diferença entre uns e outros é que a criança denominada normal consegue encontrar soluções para realizar seu Eu com mais facilidade, mesmo quando o contexto não lhe facilita as coisas, ao passo que para a criança denominada deficiente esse mesmo contexto, especialmente a qualidade do relacionamento com as pessoas, assume um valor vital (s/d, p.29).
Não há dúvidas que o desenvolvimento cultural do aluno com
deficiência mental não acontece de forma natural, em situações nas quais
ele possui domínio, mas nas situações subentendidas. A cidadania de que
podem exercer está no esforço de uma aprendizagem exercitada para a
prática social, no desempenho de diferentes papéis sociais. Saindo do
limites da sua deficiência para entrar num mundo feito de relações sociais.
Padilha (2007), afirma que é imprescindível o papel do outro para que
aconteça a plasticidade cerebral e, dessa forma aconteça simultaneamente
e articuladamente o desenvolvimento das significações, que por sua vez,
mobilizam funções cerebrais. A mesma autora sugere que deve-se ter o
olhar atentamente voltado para ver o sujeito como alguém que vai se
apropriando da cultura e não somente um sujeito que vai somando hábitos,
repetindo modelos. O educador especial deve conceber este ser simbólico
14
que é seu aluno e sempre se indagar: Jogar para quê? Brincar para quê?
Faz de conta para quê?
Portanto, o jogo teatral tem função destacável no desenvolvimento da
pessoa com deficiência. Padilha (2007) se refere a Vigotsky que afirma que
“a validade social é a finalidade da educação” (p.109). E para ele, o que é
cultural é social, os signos são sociais, as ferramentas são sociais, todas as
funções superiores desenvolvem-se de modo social, as significações são
sociais, a base da estrutura da personalidade é social. Portanto, a escola
precisa ser esta possibilidade de desenvolvimento social para que
efetivamente os alunos com deficiência vivenciem atividades que lhes
permitam a integração no sentido amplo da palavra, ou seja, participando
historicamente com apropriação dos elementos culturais.
Este pode ser o papel da escola e da disciplina de Arte: empenhar-se
com recursos diversos de cultura para o desenvolvimento pessoal e social
dos alunos com deficiência.
2.3 - A Experiência Vivenciada
As atividades desenvolvidas durante os encontros da oficina, foram
embasadas em quatro grupos e tiveram como referência e fonte de
pesquisa a professora de teatro, escritora e agitadora cultural, Olga
Reverbel (1989 e 2002). Os grupos de atividades foram os seguintes:
1. Atividades de Relacionamento;
2. Atividades de Espontaneidade;
3. Atividades de Imaginação;
4. Atividades de Observação e de Percepção.
2.3.1 Atividades de Relacionamento
A adaptação de cada aluno ao grupo com o qual irá conviver é de vital
importância. Foram previstos exercícios de apresentação pessoal, contatos
com os companheiros, aquecimento, descontração. Estas atividades
contemplaram a expressão gestual, verbal, corporal, ritmo, expressão
plástica, música.
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Objetivo: Apresentação Pessoal, descontração, relacionar-se com o
grupo.
2.3.2 Atividades de Espontaneidade
Quando a pessoa se comporta espontaneamente e naturalmente ela
se auto-aceita, favorecendo suas capacidades expressivas. Foram previstos
exercícios de expressão gestual, improvisação planejada, improvisação
espontânea, expressão corporal, expressão gestual, expressão verbal.
Objetivo: Desenvolver a espontaneidade, criando cenas a partir de
locais imaginados e conferindo-lhes significados.
2.3.3 Atividades de Imaginação
A imaginação está diretamente ligada à observação, à percepção e à
memória como produto de uma ação do pensamento, sugeridas aqui como
atividades globais de expressão através de: criação de roteiro, jogral, texto
não dramático, charada, construção de personagens, poesia, prosa,
elementos plásticos.
Objetivo: Desenvolver a imaginação através da reprodução de postura
às sensações propostas.
2.3.4 Atividades de Observação e de Percepção
A observação é um ato dramático quando ele possibilita o jogo,
servindo de ponto de partida para a criação. A percepção por sua vez, está
diretamente ligada aos nossos sentidos. A necessidade de comunicação
desenvolve-se paralelamente com a organização da capacidade de
percepção. Percepção em relação a si mesmo e ao mundo que o rodeia.
Objetivo: Desenvolver a percepção através de atividades que exijam o
reconhecimento de detalhes, percepção e possibilidades corporais,
percepção espacial, seleção e criação.
A partir desses quatro grupos de atividades planejou-se os encontros
que aconteceram sempre com muita receptividade e calorosos
cumprimentos, e ao final de cada um, sentados em círculo, os alunos faziam
uma apreciação das atividades desenvolvidas durante a tarde. Dirigiam-se
algumas perguntas com o intuito de levar à reflexão sobre a atividade
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desenvolvida no sentido de contextualizá-la. Depois, era reservado um
momento de relaxamento, deitados confortavelmente, ouvindo uma música
suave ou uma poesia. O objetivo do relaxamento era de fazer com que o
corpo voltasse à sua situação de funcionamento normal, à calma inicial.
Depois, seguia-se um lanche compartilhado, sempre muito prazeroso
quando se observava claramente entre os alunos, atitudes de “estar junto”
e de “auxiliar” quando se fazia necessário.
O relacionamento entre os alunos foi foco de observação de todo o
trabalho desenvolvido na Oficina de Jogos Teatrais. Nos primeiros encontros,
os alunos da Escola de Educação Especial foram analisados atentamente
pelos outros colegas, percebendo-se nas suas atitudes, a princípio, uma
forte manifestação de compaixão. Depois, com o passar dos dias, eles
foram se envolvendo pelos colegas da escola especial. Nas primeiras
atividades propostas em equipe, os alunos com deficiência mental foram
deixados de lado, talvez pela situação desconhecida, pelo diferente, que se
apresentava entre eles.
Devido a essa manifestação, propôs-se nos encontros subseqüentes,
a técnica de sorteio para formar os pequenos grupos. Desta forma, os
alunos com deficiência, fizeram parte dos grupos de forma natural e
também desempenharam as atividades propostas.
O esforço dos colegas da outra escola em tentar a integração do
colega da escola especial na atividade era visível. Faltava o “como fazer”.
As soluções não foram apresentadas pela professora. Entre eles mesmos foi
surgindo alternativas de envolver os colegas com deficiência do modo como
lhes era possível realizar.
A aluna cadeirante, por não ter movimentos com os membros
superiores e nenhuma comunicação oral, acabava ficando de lado em
muitas situações, como por exemplo, na confecção de máscara e do
fantoche com papel maché. Algumas colegas da escola comum se
prontificavam em ajudar esta aluna, mesmo que entre elas cobravam-se:
“sempre eu que ajudo, hoje ajude você”. O importante era perceber que
havia a preocupação: “quem irá ajudar?” Da mesma forma, havia uma
aluna com síndrome de Down que, com atitudes de teimosia, sempre
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resistia às atividades. Então era abordada por uma colega da escola comum
que calmamente insistia para que ela fizesse sua participação. Por exemplo,
sentava-se ao seu lado e ficava repetindo inúmeras vezes uma frase
simples: “Oba! Que comida gostosa”, até que a aluna com síndrome de
Down pronunciasse a frase e participasse da atividade em que lhe cabia
dizer esta frase.
O prazer de estar junto deve ser a marca registrada deste trabalho. A
alegria expressada na aluna cadeirante com paralisia cerebral, que não
possui nenhuma forma de comunicação reconhecida, foi impressionante. Os
outros alunos com deficiência também demonstravam grande prazer por
estar junto com os alunos da outra escola, todos adolescentes, e
temporalmente na mesma faixa etária, partilhando dos mesmos elementos
culturais. Esta alegria que podia ser interpretada como euforia, como
excitação, chegava a impedir uma concentração maior por parte dos
mesmos no desempenho de alguma atividade.
Com o passar dos encontros, os alunos da escola especial foram
sendo capazes de mostrarem-se mais envolvidos com o personagem ou a
ação assumida no jogo. Os alunos da escola comum deixavam de serem
“visitas” para serem colegas. Esta atitude foi claramente percebida quando,
depois da oficina, sentavam ao redor de uma mesa para compartilhar um
lanche. Nestas horas, formavam-se grupos para conversas informais de
adolescente e os alunos da escola especial estavam naturalmente incluídos
nestes grupos, mesmo que só ouvindo as conversas, só olhando, ou estando
junto simplesmente num espaço em que “eles”, os com deficiência,
sentiam-se “senhores do pedaço”, afinal estavam na sua escola, e não na
escola dos “outros” colegas.
É importante destacar um aluno (com síndrome de Pierre Roban, com
déficit na fala e motor, com deficiência mental moderada e transtornos
específicos mistos do desenvolvimento, F 83), que foi manifestando,
encontro após encontro, uma relação pessoal sempre mais intensa com os
demais, observada através da sua alegria, dos sons que pronunciava que
passaram a ter uma intensidade maior. Este aluno chegava a intervir nas
atitudes dos colegas que se manifestavam em desacordo com o combinado
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durante o jogo ou mesmo durante o momento do lanche. Vimos aqui, sua
significação social manifesta, a consciência de si e dos outros, no controle
da vontade, sua atenção nas práticas e atitudes sociais.
Ficou evidente a limitação dos alunos com deficiência, quando se
observava o desempenho em determinado jogo. Como no caso de um aluno
que caracterizado com alguma fantasia deveria fazer uma cena muda
(mímica) que representasse seu personagem vestido. Um aluno com
deficiência caracterizado de marinheiro andava em círculo sem significação
e lhe foi perguntado: “Quem você é?” E ele respondeu: “Um trem”. É óbvio
que seu significado cultural a respeito de marinheiro é ausente, embora sua
fantasia de marinheiro fosse muito bem caracterizada. Neste caso, coube
todo um trabalho de informação a respeito do que é ser um marinheiro e
um trem, através do diálogo, visualização de gravuras, conversação e
interpretação do grupo.
Outro exemplo, numa atividade de “jogo das profissões”, um aluno
com deficiência mental não conseguiu fazer nenhum gesto que identificasse
a profissão que lhe havia cabido: a de mecânico, pela ausência de
significado que esta atividade representava para ele. Incapacidade que não
se alude a limitações motoras, quadro que não lhe é conferido, mas sim, de
significado cognitivo.
Um aspecto importante a destacar é em relação à limitação e ao
déficit do reconhecimento do esquema corporal que os alunos deficientes
mentais possuem. Ficou manifesto a dificuldade de caracterizar as partes
do corpo humano quando foram feitos os bonecos de papel maché. Para
realizar esta atividade, a professora preparou um suporte para moldar a
cabeça e muitos foram auxiliados nesta tarefa. Porém, na hora de colorir,
cada aluno fez o seu boneco, a sua cara. Os alunos com deficiência não
foram capazes de destacar com tinta, usando uma cor diferente, ou com
uma forma diferente, para definir os olhos, a boca, e outras partes do rosto
do boneco.
Os alunos da escola de educação especial nunca faltaram, como
nunca faltaram os alunos do ensino comum, mesmo nos dias de muito frio e
chuva, já que a oficina aconteceu também durante o inverno. Os próprios
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pais dos alunos com deficiência se manifestaram dizendo que sabiam
perfeitamente o dia que acontecia a oficina na escola. Nesse dia, na hora do
almoço, já começava a excitação para regressarem no período da tarde à
escola. Era visto o reflexo da oficina na rotina de vida desses alunos.
3. CONCLUSÃO
O trabalho realizado possibilitou que os alunos do ensino comum
participassem da escola especial, ao contrário do que se pratica
normalmente, ou seja, o aluno com necessidades educativas especiais sai
da escola especial para a inserção no ensino comum. Este exercício de
inclusão foi oportunizado para que, em primeiro lugar, aqueles alunos com
graves comprometimentos mentais que, atualmente, não estão no ensino
comum sejam envolvidos no processo; e em segundo lugar, para aqueles
alunos do ensino comum que depois de terem conhecido a escola especial
sentiram-se motivados em participar e integrar um ambiente que lhes foi,
até então, desconhecido: a escola de educação especial. Foi permitido a
esses alunos, interagir com colegas com comprometimentos intelectuais
mais acentuados da sua comunidade.
Propôs-se que o convívio, a troca de experiências, o acesso aos
conhecimentos de artes cênicas e a aprendizagem pela imitação do outro,
significassem em ganhos de desenvolvimento pessoal, cognitivo e,
principalmente, de interação e cooperação. Almejou-se, sobretudo, uma
nova visão de uma parcela da sociedade, mesmo que seja com os poucos
indivíduos envolvidos, pois o importante é que o processo se faça para uma
prática social transformadora.
Mudanças de atitudes, desenvolvimento pessoal e social foram
claramente percebidos nos alunos envolvidos nesta implementação, mesmo
sendo de curta duração, pois no total foram contados 14(catorze) encontros
realizados, nos quais os alunos do ensino comum e da escola de educação
especial, nunca faltaram. A presença persistente dos alunos foi sinal de
avaliação positiva na realização e intenção da oficina.
Socialização, cooperação, a preocupação e a responsabilidade
expressa de auxiliar o colega com deficiência pelo colega do ensino comum
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na realização das atividades propostas foi também um aspecto significativo
observado durante a realização da oficina, e destacamos especialmente, os
esforços em que se imbuíam para encontrar soluções e efetivar, de algum
modo, a participação de todos, indiferentemente das limitações pessoais.
Vimos aqui, o potencial criador e de humanização entre os envolvidos.
Pode-se ainda avaliar o resultado da proposta de implementação
através do desejo expresso pelos alunos do ensino comum em querer
continuar vindo na escola especial uma vez por semana,
independentemente de a pesquisadora estar presente, para não perder o
vínculo com os novos amigos e com o ambiente da escola especial.
A possibilidade de inclusão através da disciplina de Arte pode se
fortalecer nas escolas públicas do estado do Paraná, se for levado em conta
que professores de Artes são mantidos/cedidos pela Secretaria do Estado de
Educação para atuarem nas escolas de educação especial desde que
mantenham convênio de amparo técnico e financeiro com o governo.
O projeto foi importante para os alunos com deficiência e para os que
não são deficientes, pela possibilidade proposta do conviver consigo e com
o outro, de aceitar-se como, de ser considerado pelo outro, de alteridade.
Ficou claro que a prática não discriminatória não se dá em função dos
espaços que as pessoas ocupam em comum, mas sim, em função da
capacidade que possuem de conviver de forma respeitosa e fraterna. As
pessoas agrupam-se mais pelas diferenças afetivas do que intelectuais. Os
sentimentos direcionam as ações sociais.
Espera-se que esses alunos que aceitaram o convite de estar na
escola especial, façam na escola comum, o diálogo, relatando a experiência
vivenciada dentro da escola especial.
O assunto a respeito da inclusão de alunos com deficiência, ou de
alunos com sérias necessidades educacionais especiais, nunca estará
fechado, pronto, definido. Pelo contrário, deve ser amplamente discutido,
em todos os municípios, em todas as escolas. Muitos caminhos devem ser
pensados, sugeridos, experimentados. Este foi apenas um pequeno
trespassar. O caminho é longo e fecundo. Muitas outras experiências devem
21
ser vivenciadas para fundamentar e efetivar a inclusão responsável de
alunos com necessidades educacionais especiais.
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