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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
TEORIAS DA POSSE
LARISSA VEQUI MARTINS
Itajaí, junho de 2011.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
TEORIAS DA POSSE
LARISSA VEQUI MARTINS
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Dr. Álvaro Borges de Oliveira
Itajaí, junho de 2011.
AGRADECIMENTO
Agradeço, inicialmente, a Deus. Em seguida, aos
meus pais, por terem me proporcionado o estudo
universitário e por tudo o que significam para mim.
Agradeço, também, aos meus irmãos, pelo
exemplo de pessoas e de esforço, nos quais eu
sempre me espelhei.
Agradeço, ainda, aos meus amigos de faculdade,
que fizeram desses cinco anos os melhores da
minha vida.
Deixo meu agradecimento ao meu orientador,
professor Dr. Álvaro Borges de Oliveira, por ter
aceitado o meu convite para orientar o meu
trabalho acadêmico.
Meu muito obrigada à Aruani K. Lapolli, que me
ajudou para que esta monografia ficasse nos
mínimos detalhes.
Por fim, quero agradecer ao Dr. Rodolfo C. R. da
S. Tridapalli, pela oportunidade de estágio na
Vara da Fazenda Pública de Itajaí, momento em
que me apaixonei pela matéria do meu trabalho
acadêmico.
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia aos meus pais, Airton e
Anadir, e aos meus irmãos, Lucíula e Fernando,
pelo o que eles representam na minha vida e por
sempre acreditarem no meu potencial.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, junho de 2011.
Larissa Vequi Martins Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Larissa Vequi Martins, sob o título
Teorias da Posse, foi submetida em 8 de junho de 2011 à banca examinadora
composta pelos seguintes professores: Álvaro Borges de Oliveira, Emanuela
Cristina Andrade Lacerda e Luis Felipe Machado, e aprovada com a nota 10,00
[dez].
Itajaí, 8 de junho de 2011
Professor Dr. Álvaro Borges de Oliveira Orientador e Presidente da Banca
Msc. Maria Claudia S. Antunes de Souza Coordenação da Monografia
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Posse
[...] “a posse é o exercício do poder de fato sobre a coisa, praticando o possuidor
os direitos que lhe competem, de uso, gozo e disposição”1.
Propriedade
O poder de direito sobre a coisa.
Turbação
É a perturbação da posse sem a perda dela.
Esbulho
É uma violação e tomada da posse, que pode ser parcial ou total.
Animus domini
É a intenção que o possuidor tem de ser o dono da coisa.
Teoria Subjetiva da Posse
[...] posse é o poder que tem uma pessoa de dispor fisicamente de uma coisa,
acompanhado da intenção de tê-la. Resultando, assim, da combinação dos dois
elementos: o poder físico e a intenção de ter a coisa para si. Sem o elemento
volicional, a posse é simples detenção, posse natural e não posse jurídica.
Acreditando, assim, que, sem o elemento material, a intenção é, simplesmente,
um fenômeno psíquico sem repercussão na vida jurídica2.
1 CORREA, Orlando de Assis. Posse e Ações Possessórias – Teoria e Prática. 5 ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1990, p. 23.
2 CAMPOS JÚNIOR, Aluísio Santiago. Posse e ações possessórias: doutrina prática, jurisprudência. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 17.
Teoria Objetiva da Posse
[...] a posse se revela numa relação de fato da pessoa com a coisa, tal como a
impõe a fim de utilização desta sob o ponto de vista econômico. Essa relação
varia segundo as coisas. Vê-se, então, que a posse é o exercício de um poder
sobre a coisa correspondente ao da propriedade ou de direito real. Não se
reclama a presença de elemento interno, distintamente quanto ao elemento
externo. Ele já integra o poder de utilização econômica da coisa3.
3 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 25.
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................ X
INTRODUÇÃO ................................................................................. 11
CAPÍTULO 1 .................................................................................... 13
POSSE ............................................................................................. 13
1.1 NATUREZA JURÍDICA ................................................................................... 13
1.1.1 POSSE COMO UM FATO .................................................................................... 14
1.1.2 POSSE COMO UM DIREITO ................................................................................ 14
1.1.3 POSSE COMO UM FATO E UM DIREITO ................................................................ 15
1.2 CLASSIFICAÇÃO ........................................................................................... 16
1.2.1 POSSE JUSTA E POSSE INJUSTA ...................................................................... 16
1.2.2 POSSE DE BOA-FÉ E POSSE DE MÁ-FÉ ............................................................ 18
1.2.3 POSSE DIRETA E POSSE INDIRETA ................................................................... 19
1.2.4 POSSE NOVA E POSSE VELHA ......................................................................... 20
1.2.5 POSSE PARA USO DOS INTERDITOS E POSSE PARA INVOCAR A USUCAPIÃO –
POSSE AD INTERDICTA E POSSE AD USUCAPIONEM ................................................... 22
1.3 EFEITOS ......................................................................................................... 23
1.3.1 INTERDITOS POSSESSÓRIOS ............................................................................ 23
1.3.1.1 Ação de Manutenção da Posse .............................................................. 24
1.3.1.2 Ação de Reintegração de Posse ............................................................ 25
1.3.1.3 Ação de Interdito Proibitório .................................................................. 26
1.3.2 BENFEITORIAS ................................................................................................ 27
1.3.2.1 Necessárias ............................................................................................. 27
1.3.2.2 Úteis ......................................................................................................... 27
1.3.2.3 Voluptuárias ............................................................................................ 27
1.3.3 FRUTOS ......................................................................................................... 28
1.3.3.1 Naturais .................................................................................................... 29
1.3.3.2 Artificiais .................................................................................................. 29
1.3.3.3 Civis.......................................................................................................... 29
1.3.4 USUCAPIÃO .................................................................................................... 29
CAPÍTULO 2 .................................................................................... 31
TEORIAS POSSESSÓRIAS ............................................................. 31
2.1 TEORIA POSSESSÓRIA DE SAVIGNY......................................................... 31
2.2 TEORIA POSSESSÓRIA DE IHERING .......................................................... 38
CAPÍTULO 3 .................................................................................... 47
TEORIAS AGREGADAS .................................................................. 47
3.1 FUNÇÃO SOCIAL .......................................................................................... 47
3.2 ATIVIDADE ECONÔMICA .............................................................................. 50
3.3 JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................ 54
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 63
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 65
RESUMO
O objeto da presente pesquisa é o estudo das teorias da posse, verificando qual a
de maior aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a influência
das demais. Para a realização deste quanto à Metodologia empregada, registra-
se que, na fase de investigação, foi utilizado o Método Indutivo; na fase de
tratamento de dados, o Método Cartesiano; e o Relatório dos Resultados
expresso na presente Monografia é composto na base lógica indutiva. A
monografia encontra-se dividida em três capítulos. O primeiro capítulo trata sobre
o instituto da posse, a sua natureza jurídica, a sua classificação, bem como os
seus efeitos. O segundo capítulo aborda as teorias subjetiva e objetiva, quais
sejam a de Savigny e de Ihering, as de maior conhecimento no ordenamento
jurídico. O terceiro capítulo trata das teorias da função social e da atividade
econômica, ou seja, Hernandez Gil e Raymond Saleilles, bem como traz as
jurisprudências brasileiras sobre a aplicabilidade das teorias possessórias.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto as teorias da posse.
O seu objetivo é saber qual a teoria utilizada no
ordenamento jurídico brasileiro, bem como compreender a aplicabilidade das
demais no direito atual.
Para tanto, principia–se o Capítulo 1, tratando sobre o
instituto da posse. Sendo assim, estudou-se a natureza jurídica, que se refere ao
que a posse realmente seria; a classificação, pois nem sempre ela é exercida da
mesma maneira; bem como os seus efeitos, ou seja, a consequência jurídica por
ela transmitida.
No Capítulo 2, trata-se das teorias possessórias mais
conhecidas, quais sejam a Teoria Subjetiva de Savigny, que seria a combinação
dos dois elementos: o poder físico e a intenção de ter a coisa para si, e a Teoria
Objetiva de Ihering, qual seja o fato que a pessoa expressa sobre a coisa.
No Capítulo 3, trata-se das teorias possessórias modernas,
quais sejam a da Função Social, apresentada por Hernandez Gil e a da Atividade
Econômica, elaborada por Raymond Saleilles. Apresentam-se, ainda, as
jurisprudências, que aplicam as teorias possessórias, ou seja, a prática desse
estudo.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre as teorias possessórias.
Foi levantado o seguinte problema de pesquisa:
Somente a teoria possessória de Ihering é aplicada no
ordenamento jurídico brasileiro?
12
Para a presente monografia, foram levantadas as seguintes
hipóteses:
A teoria possessória de Ihering é a única aplicada no
ordenamento jurídico brasileiro.
As teorias possessórias tradicionais, Ihering e Savigny,
ainda são suficientes para justificar a posse.
Quanto à Metodologia4 empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação5, foi utilizado o Método Indutivo6; na Fase de Tratamento de
Dados, o Método Cartesiano7; e o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas do Referente8, da Categoria9, do Conceito Operacional10 e da Pesquisa
Bibliográfica11.
4 “Na categoria metodologia estão implícitas duas Categorias diferentes entre si: Método e
Técnica”. In: PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa iurídica - Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 9. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2005, p. 103. (destaque no original).
5 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica e metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.
6 O referido método se consubstancia em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e
colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral.” In: PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica - Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 104.
7 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,
Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.
8 “REFERENTE é a explicitação prévia do(s) motivo(s), dos objetivo(s) e produto desejado,
delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 62.
9 Categoria é “a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia” In:
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 31.
10 “Conceito Operacional (=Cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica - Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 56.
11 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica e metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.
CAPÍTULO 1
POSSE
1.1 NATUREZA JURÍDICA
Inicialmente, o que é a posse? Segundo Orlando de Assis
Corrêa12 “a posse é o exercício do poder de fato sobre a coisa, praticando o
possuidor os direitos que lhe competem, de uso, gozo e disposição”.
O doutrinador Serpa Lopes13 elaborou três definições que
ajudam a conceituar a posse:
A posse é definida como sendo um poder de fato, pois que o
seu aspecto exterior se manifesta como um puro estado de
fato, em que o seu titular exercita, plenamente ou não, os
poderes inerentes ao domínio;
Não basta, entretanto, esse puro estado de fato, este
comportamento material, objetivo, traduzido pela palavra
corpus, porque, se assim fora, se tornaria indistinguível o
possuidor do simples detentor da coisa alheia, mas cumpre
se considere esse elemento subjetivo – animus – como um
figura distinta ao lado do corpus, como pretende Savigny,
quer seja encarado, como o pretende Ihering, como ínsito
ao próprio comportamento do possuidor, cujo modo de ser
já indica, por si mesmo, esse conceito anímico;
A posse como estado de fato, gerando conseqüências
jurídicas e sobretudo uma proteção, pode ou não
encontrar-se fundada numa situação jurídica, pois, de
qualquer modo, unida ou não ao titular do domínio, é ela
sempre considerada pelo Direito.
Com as considerações feitas acima, chegamos à natureza
jurídica da posse que se trata de uma constante discussão do que ela realmente
12
CORREA, Orlando de Assis. Posse e Ações Possessórias – Teoria e Prática. 5 ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1990, p. 23.
13 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1992, 6v, p. 85.
14
seria. Seria ela, então, um fato ou um direito? As opiniões sobre cada uma são
inúmeras, porém estas basearem-se nas concepções de Savigny e Ihering.
Savigny acredita que a posse é tanto um fato quanto um direito, já Ihering aduz
que ela é um direito.
1.1.1 Posse como um fato
Fato jurídico é um "fato ou complexo de fatos sobre o qual
incidiu a regra jurídica, portanto, o fato de que dinama, agora, ou mais tarde,
talvez condicionalmente, ou talvez não diname, eficácia jurídica”14.
No entendimento que a posse seria um fato, anota o
doutrinador Silvio Rodrigues15:
Não são poucos, entretanto, os juristas que negam à posse a
natureza de um direito. BEVILÁQUIA, entre muitas, e a meu ver
com razão, entende que a posse é mero estado de fato, que a lei
protege em atenção à propriedade, de que ela é a manifestação
exterior. Aliás, não se pode considerar a posse direito real [...].
Esse é meu ponto de vista.
Em igual sentido, pensa Pontes de Miranda16 que entende
que os que “[...] não prestaram atenção a que não há direito sem ser efeito de fato
jurídico e a que todo fato, que tem efeitos, é fato jurídico. Mais exato, Melo Freire
viu que a posse é mais fato [...]”.
1.1.2 Posse como um direito
“A grande maioria dos nossos civilistas reconhece a posse
como um direito, havendo divergência de opiniões no que concerne a sua
natureza real ou pessoal”17.
14
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo I. Campinas: Bookseller, 2001, p. 66.
15 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 22.
16 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2001, p. 99.
17 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.
15
Ihering18 parte da ideia acima exposta que "os direitos são
interesses juridicamente protegidos, não podendo haver a menor dúvida de que é
necessário reconhecer o caráter de direito à posse [...]”.
Explana, ainda, Ihering19, sobre seu entendimento,
afirmando ter sido a posse um:
Interesse que reclama proteção e é digno de obtê-la; e todo o
interesse que a lei protege deve receber do jurista o nome de
direito, considerando-se como instituição jurídica o conjunto dos
princípios que a ele se referem. A posse, como relação da pessoa
com a coisa, é um direito; como parte do sistema jurídico, é uma
instituição de direito.
No mesmo pensamento acima, é a doutrina de Caio Mário
da Silva Pereira20:
Não deve perturbar a questão a circunstância de em toda posse
assomar um situação de fato, pois que numerosas relações
jurídicas aparentam igualmente uma situação desta ordem, sem
que se desfigurem perdendo a condição de direito. [...] O que
cumpre, então, é enfocar o fenômeno à luz do conceito, e ver que
se lhe enquadra, sem confundir-se com o fato que o gerou.
1.1.3 Posse como um fato e um direito
Na concepção de que posse seria tanto um fato, quanto um
direito, é da doutrina de Renan Falcão de Azevedo21:
A posse pode ser simples estado de fato, quando seu exercício
não é precedido de direito subjetivo que a tenha gerado, e,
conseqüentemente, a legitime. Será estado de direito quando
ocorrer o contrário, isto é, quando seu exercício é precedido de
um direito subjetivo que a gerou e a legítima.
18
JHERING, Rudolf von. Teoria Simplificada da Posse. Tradução: Ricardo Rodrigues Gama. 1ª ed. Campinas: Russell Editores, 2005, p. 40.
19 JHERING, Rudolf von. Teoria Simplificada da Posse. 2005. p. 46.
20 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 21.
21 AZEVEDO, Renan Falcão de. Posse - efeitos e proteção. 1984, p. 40.
16
Por sua vez, expõe Arnaldo Rizzardo22, em Savigny “a posse
é um estado de fato, trazendo efeitos e conseqüências no mundo jurídico. Ela se
estabelece em decorrência de um simples poder de fato sobre a coisa, sem
assentar em regras jurídicas ou sem direito preexistente”.
Para os doutrinadores acima, a posse é um fato. Conforme
Moreira Alves23:
Os que entendem que a posse é um fato, e não um direito, não
negam, em geral, que a posse seja um instituto jurídico, mas
sustentam que ela, pelas peculiaridades que apresenta, não se
configura como direito subjetivo, mas se apresenta [...] como um
estado de fato, o que não é desvirtuado pelos seus efeitos
jurídico.
1.2 CLASSIFICAÇÃO
Necessário classificar a posse, pois nem sempre ela é
exercida da mesma maneira, pois nem sempre os possuidores são movidos pelas
mesmas intenções e nem sempre ela tem a mesma origem. A partir dessas
variações que são definidos os diversos tipos de posse.
1.2.1 Posse Justa e Posse Injusta
É a classificação de maior importância na prática. A posse
justa seria aquela adquirida ou exercida conforme o ordenamento jurídico. Já a
posse injusta é o oposto, ou seja, a que for originariamente violenta, clandestina
ou precária, dessa forma, há ilicitude na sua aquisição. Conforme entendimento
de Benedito Silvério Ribeiro24:
Posse justa em sentido lato é toda aquela cuja aquisição não
repugna ao direito. No caso contrário, a posse se diz injusta. Em
22
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 28.
23 ALVES, José Carlos Moreira. Posse - estudo dogmático. vol. II, 1. Tomo.1999, p. 83.
24 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed, v.II. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 691.
17
sentido restrito, posse justa significa a que é isenta de algum dos
três vícios seguintes: violência, clandestinidade ou precariedade.
Caracteriza-se a violência como a realização de atos de
força ou coação, tanto no aspecto físico, psicológico ou moral. “Posse violenta a
que se adquire por ato de força, seja ela natural ou física, seja moral ou resultante
de ameaças que incutam na vítima sério receio”25.
Já a clandestina é a que se adquire por algum meio de
ocultamente, em relação àquele contra quem é praticado o ato. “Clandestina será
a posse quando a mesma se estabelecer por meio furtivo ou oculto, às escuras,
totalmente à revelia de quem tem direitos sobre o bem”26.
No que diz respeito à precariedade, essa ocorreria “quando
o invasor ou ocupante age com abuso de confiança, ou recusando-se a devolver
o bem após vencido o prazo, ou se apropriando do mesmo apesar de entregue
para determinada finalidade”27.
Importante ressaltar que a princípio se confundiu a posse
justa com a posse civil, pois a palavra justum foi considerada equivalente a civile
ou legitimum, o que, no entanto, não admite mais confusão. Tendo em vista que a
posse civil é aquela jurídica, somadas à justa causa e à boa-fé, ao passo que a
justa abarca qualquer direito, seja a posse jurídica, seja mera detenção28.
Portanto, posse justa será aquela que não possui vícios e
cuja aquisição não se deve à violência, clandestinidade ou precariedade. Ela
também é chamada de jurídica, legítima ou perfeita, deve ser pública, isto é, vista
por atos ou fatos exteriores que se afiguram notórios, e, ainda, contínua,
mostrando o seu exercício, de forma mansa e pacífica, a legitimidade de sua
aquisição.
25
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 23.
26 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 42.
27 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 42.
28 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed., v. I. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 691.
18
Já a posse injusta, por conseguinte, é aquela revestida dos
vícios da violência, clandestinidade ou precariedade, não se converte em posse
justa, pois a ninguém é dado mudar a causa de sua posse, nem mesmo em razão
do tempo, de vez aquilo vicioso de início não pode validar-se com o decurso do
tempo29.
1.2.2 Posse de Boa-Fé e Posse de Má-Fé
Como a posse pode ser viciada objetivamente, isto é, por
fato ligado à própria relação possessória, há vício subjetivo cuja existência, ou
inexistência determina a sua divisão em posse de boa-fé e posse de má-fé.
É o entendimento de Orlando de Assis Corrêa30:
Por posse de boa-fé entendemos aquela da qual o possuidor
ignora qualquer vício, que tenha e a qual desfrute julgando ter
„justo título‟. A posse de má-fé não leva, também, ao usucapião
ordinária, mas, passado o lapso prescricional para a usucapião
extraordinária, ou para o especial, ou ainda para o constitucional
rural ou urbano, a ação pode ser proposta.
A posse de boa-fé pode ser dividida ainda, em posse de
boa-fé real e a posse de boa-fé presumida. “Há boa-fé real quando a convicção
do possuidor se apóia em elementos objetivos tão evidentes que nenhuma dúvida
pode ser suscitada quanto à legitimidade de sua aquisição. Presume-se boa-fé
quando o possuidor tem justo título”31.
Necessário ainda esclarecer que não há coincidência
necessária entre a posse justa e a posse de boa-fé. À primeira vista, toda posse
justa deveria ser de boa-fé e toda posse de boa-fé deveria ser justa. Mas a
transmissão dos vícios de aquisição permite que um possuidor de boa-fé tenha
posse injusta, se a adquiriu de quem a obteve pela violência, pela clandestinidade
29
RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed., v. I, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 691-692.
30 CORREA, Orlando de Assis. Posse e ações possessórias – Teoria e Prática. 5 ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1990, p. 29.
31 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 54.
19
ou pela precariedade, ignorante da ocorrência. Bem como, alguém que possua de
má-fé, embora não tenha posse violenta, clandestina ou precária32.
É possível ainda que a posse de boa-fé passe a ser posse
de má-fé, é o que se vislumbra no art. 1202 do Código Civil, que dispõe: “A posse
de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as
circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui
indevidamente”.
Destarte, a posse de boa-fé será quando o possuidor está
convicto de que a coisa realmente lhe pertence. Já a de má-fé será aquela em
que o possuidor tem ciência da ilegitimidade de seu direito de posse, em razão de
vício ou obstáculo impeditivo de sua aquisição.
1.2.3 Posse Direta e Posse Indireta
“Esta divisão da posse obedece a uma necessidade prática:
determinar quanto às pessoas a extensão da garantia possessória, assinar que
consequências jurídicas se prendam à posse em toda a sua plenitude”33.
O proprietário ou titular de outro direito real pode usar e gozar a
coisa objeto de seu direito, direta e pessoalmente, mediante o
exercício de todos os poderes que informam o seu direito e, nesse
caso, nele se confundem as posses direta e indireta. Pode
acontecer, no entanto, que, por negócio jurídico transfira a outrem
o direito de usar a coisa: pode ele dá-la em usufruto, em
comodato, em penhor, em efiteuse etc. Nestes casos, a posse se
dissocia: o titular do direito real fica com a posse indireta (ou
mediata), enquanto que o terceiro fica com a posse direta (ou
imediata), também chamada derivada, confiada, irregular ou
imprópria.34
32
GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 55.
33 FULGÊNCIO, Tito. Da posse e das ações possessórias, v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 27.
34 MONTEIRO, João Baptista. Ação de reintegração de posse. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, 4v, p. 35.
20
Direta é a posse em que o possuidor pode exercer seus
poderes de forma imediata, sem interferência de terceiros, existindo a tradição
que se dá com a entrega da coisa, devido a um contrato. O titular da posse, que a
usufruiu, por uma convenção, ou mesmo em virtude de lei, transfere temporária
ou provisoriamente o exercício de seus direitos sobre o bem.
Mas também sob seu comando um vestígio da posse, ou
certo poder de disposição do bem, pelo menos no que respeita à vigilância, à
conservação, ou ao aproveitamento de certas vantagens. Esse vestígio, ou a
porção de poder que lhe é assegurada, chamará posse indireta35.
Assim, a posse direta é aquela que existe, concretamente,
nas relações de fato entre o possuidor e o bem possuído, mesmo que decorra de
relação jurídica entre o possuidor e a terceira pessoa, seja ou não o proprietário.
Já a posse indireta não apresenta as relações concretas entre o possuidor e a
coisa possuída: a posse é exercida através de relações jurídica entre o possuidor
mediato e o possuidor imediato36.
Por fim, existirá a posse indireta quando aquele ceder o uso
do bem, e a posse direta quando aquele que recebe o bem, para usá-lo ou gozá-
lo, em virtude de contrato, sendo, portanto, temporária e derivada.
1.2.4 Posse Nova e Posse Velha
Caracteriza-se simplesmente pela decorrência de tempo a
contar do seu início. Tais conceitos de posse nova e posse velha, bem como as
formas de se manter ou não no seu exercício não se mantiveram no Código Civil
de 2002, porém os princípios e valores diferentes devem ser levados em
consideração. A matéria é de cunho processual, regulamentada no Código de
Processo Civil.
35
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 48-49.
36 CORREA, Orlando de Assis. Posse e ações possessórias – Teoria e Prática. 5 ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1990, p. 26.
21
Sendo entendimento de Arnaldo Rizzardo37:
No regime do Código Civil de 1916, se denominava velha a posse
quando estivesse sendo exercida há mais de um ano e dia. Nesta
circunstância, a desconstituição dependeria de vias ordinárias, ou
de ampla discussão, não se procedendo sumariamente. [...] Nova
era tida a posse cujo exercício datasse de menos de ano e dia.
Tal intervalo mencionado acima, de ano e dia, é necessário
para consolidar a situação de fato, purgando a posse dos defeitos de violência e
clandestinidade. E, desde que a posse tenha ano e dia, o possuidor será mantido
sumariamente, até que seja convencido pelos meios ordinários38.
Necessário esclarecer que o disciplinamento especial da lei
processual civil traça o caminho e os requisitos para a concessão da reintegração,
da manutenção e do interdito proibitório liminarmente. Sem tal medida, o
procedimento será ordinário. É condição para o deferimento da liminar nas ações
possessórias é o ajuizamento no tempo de ano e dia da turbação ou do esbulho39.
Esclarece Adroaldo Furtado Fabrício40, a respeito:
As ações possessórias, em verdade, submetem-se sempre ao rito
ordinário; apenas, se a turbação ou o esbulho data de menos de
ano e dia insere-se no procedimento, em sua fase inicial, uma
série de atos estranhos a esse rito, destinados a possibilitar
decisão prévia sobre a reintegração ou manutenção, in limine littis.
É só isso que ele tem de especial, de modo que as ações de força
velha continuam a ter, como aliás sempre tiverem, procedimento
comum.
Desta forma, a conceituação de posse nova e velha dar-se-á
pela decorrência de tempo a contar do seu início.
37
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 54.
38 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 35.
39 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 54.
40 FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao código de processo civil. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, v. VIII, p. 525-526.
22
1.2.5 Posse para Uso dos Interditos e Posse para Invocar a Usucapião – Posse Ad Interdicta e Posse Ad Usucapionem
A posse deve, ainda, ser analisada tanto para efeito de
interditos quando para usucapião. Para a proteção dos interditos, é necessário
que a posse seja justa, ou seja, que não tenha vícios de violência, clandestinidade
e precariedade. Mesmo que o proprietário cometa ameaça, turbação ou esbulho,
ver-se-á amparado por medidas protetórias da posse. Somente os meros
detentores com posse viciada é que não podem valer-se dos interditos41.
Dá-se o nome de posse ad usucapionem àquela capaz de
deferir a seu titular o direito à usucapião da coisa, se preenchidos os requisitos
legais. A posse, nesse caso, é exercida com a ideia de dono. Deverá, ainda, a
posse ser ininterrupta e contínua, sem oposição ou incontestada:
A posse ininterrupta ou contínua é aquela que perdura durante o
tempo determinado em lei, sem sofrer interrupção ou
descontinuidade. Há exceções: o herdeiro continua a posse do
morto (successio possessionis), e o adquirente, se de boa-fé,
pode somar a do alienante, se lhe convier (accessio
possessionis). A posse sem oposição, ou incontestada, deverá ser
conforme o direito, isso é, justa (justa causa possessionis), sem os
vícios da violência, clandestinidade e precariedade42
Destarte, a primeira forma permite a utilização dos interditos
possessórios, devendo preencher os requisitos para garantir a defesa por meio
das ações possessórias, isto é, a prévia existência da posse e a moléstia,
consistente esta na turbação e esbulho.
Já a segunda modalidade, como vista, requer mais
elementos. Sobressai a exigência da boa-fé, ao lado de outros requisitos, como o
decurso de tempo suficiente; o exercício da posse de forma mansa e pacífica; o
41
RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. I, p. 700/701.
42 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. I, p. 702.
23
fundamento em justo título, em não se cuidando de usucapião extraordinária; e a
presença de animus domini43.
1.3 EFEITOS
Efeitos da posse são as consequências jurídicas por ela
produzidas, ou seja, todas as consequências que a lei atribuir.
A posse deve, então, ser protegida por si mesma, não
interessando por qual fundamento. O simples fato de constituir uma realidade
material, de consistir num poder de uma pessoa sobre alguma coisa, merece a
proteção44.
1.3.1 Interditos Possessórios
O direito aos interditos é o efeito que produz
independentemente da qualidade da posse. Assim, a proteção possessória pode
ser invocada tanto pelo que tem posse justa, como injusta, de boa ou de má-fé,
direta ou indireta. Dessa forma, todo possuidor tem direito a ser mantido na
posse, em caso de turbação, e restituído, no de esbulho45.
Assim sendo, é por meio dos interditos que se dá a proteção
possessória, o que constitui a garantia do exercício da posse. Facultando, assim,
ao possuidor propor as ações de cunho possessório conforme a previsão legal.
Importante ressaltar que três são os interditos possessórios:
o de manutenção da posse, quando o possuidor é turbado em sua posse; o de
reintegração de posse ocorre se o esbulho ou a perda da posse; e o proibitório,
no caso de simples ameaça, sem a perda ou limitação parcial no exercício do
direito sobre a posse. Esclarecendo, ainda, que o principal requisito comum às
três espécies é o exercício da posse anterior, ou concomitantemente ao ato de
turbação, ou de esbulho, ou de ameaça46.
43
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 52.
44 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 38.
45 GOMES, Orlando. Direitos reais. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 79.
46 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 103.
24
1.3.1.1 Ação de Manutenção da Posse
Ocorre a ação de manutenção de posse quando o
possuidor, sem haver sido privado de sua posse sofre turbação em seu exercício.
“A turbação é todo ato que embaraça o livre exercício da posse” 47.
Leciona Orlando Gomes48:
Cabe quando o possuidor sofre turbação na posse em razão de
atos violentos de alguém, os quais, todavia, não lhe acarretam a
perda, pois, nesta hipótese, haveria esbulho. Turbação é “todo ato
que embaraça o livre exercício da posse”, haja, ou não, dano,
tenha o turbador, ou não, melhor direito sobre a coisa. Há de ser
real, isto é, concreta, efetiva, consistente em fatos.
Entende Antônio José de Sousa Levenhagen49:
O seu objetivo é garantir principalmente a posse de imóveis e a
quase-posse das servidões. A ação só terá cabimento, portanto,
se houver turbação, de o possuidor for molestado na sua posse,
isto é, se o possuidor, sem perder a sua posse vem a ser
perturbado nela.
Sendo assim, o seu principal objetivo é o de obter mandado
judicial que faça cessar a turbação.
Para a propositura, três os requisitos a serem referidos e provados na
instrução: a) a posse que vem exercendo, e já preexistente ao ato
ofensor; b) a turbação levada a termo pelo réu; c) a permanência do
autor na posse, embora perpetrada a turbação50.
Portanto, a ação de manutenção de posse servirá para
quando existir turbação, ou seja, existe a tentativa de esbulho frustrada, dessa
forma, não consegue ganhar a posse.
47
DAILBERT, Jefferson. Direito das coisas. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 104.
48 GOMES, Orlando. Direitos reais. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 100.
49 LEVENHAGEN, Antônio José de Sousa. Posse, possessória e usucapião. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1982, p. 49.
50 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 104.
25
1.3.1.2 Ação de Reintegração de Posse
Ocorrerá a ação de reintegração de posse em caso de
esbulho.
É o entendimento de Orlando Gomes51:
Seu fim específico é obter a recuperação da coisa. Tem todo
possuidor direito a consegui-la se da posse for privado por
violência, clandestinidade ou precariedade. Também chamada de
ação de força nova espoliativa, pressupõe ato praticado por
terceiro que se importe, para o possuidor, perda da posse, contra
a sua vontade. Se o possuidor não for despojado da posse,
esbulho não haverá. Além da restituição da coisa, a que faz jus, o
possuidor esbulhado tem direito a ser indenizado dos prejuízos
que sofreu com o esbulho.
Dessa forma, o intuito do possuidor esbulhado é de dirigir-se
contra o autor do esbulho ou contra terceiro que recebeu a coisa sabendo que era
esbulhada. Assim sendo, reintegrar equivale a integrar novamente, o que envolve
um restabelecimento de alguém na posse de um bem do qual foi injustamente
afastado ou retirado.
“Três pressupostos sobressaem: a) deverá o possuidor
esbulhado ter exercido uma posse anterior; b) a ocorrência do esbulho da posse
que alguém provoca; c) a perda da posse em razão do esbulho”52.
Desse modo, pratica esbulho quem priva outrem da posse,
de modo violento ou clandestino, ou com abuso de confiança. Salienta-se, ainda,
que para conseguir a reintegração, exige-se que o esbulhado prove os seguintes
requisitos: a) a posse que exerceu sobre a coisa; b) a existência do esbulho; c) a
perda da posse; d) a data em que ocorreu o esbulho, a fim de postular a
reintegração liminar, data que deverá ser de menos de ano e dia.
Por fim, segundo Tito Fulgêncio53:
51
GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 101.
52 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 105.
26
[...] a ação tem por finalidade repor o possuidor no estado ou
condição em que gozava da posse; tornar a por no estado
primitivo a posse, que se achava destruída ou perdida. O
pressuposto legal aqui é diametralmente oposto ao da
manutenção: nesta uma posse atualmente existente, turbada
apenas no seu exercício; no esbulho uma posse atualmente
perdida, donde resulta para uma e outra ação um caráter comum:
fundarem-se numa posse anteriormente adquirida.
1.3.1.3 Ação de Interdito Proibitório
É o remédio possessório concedido ao possuidor que, tendo
justo receio de ser turbado ou esbulhado em sua posse, pretende ser assegurado
contra a violência iminente.
Esclarece sobre o assunto, Caio Mário da Silva Pereira54:
Interdito proibitório é a defesa preventiva da posse, ante a ameaça
de turbação ou esbulho. Consiste em armar o possuidor de
mandado judicial, que a resguarde da moléstia iminente. Não é
necessário que aguarde a turbação ou o esbulho. Pode antecipar-
se ao cometimento da violência, e obter um julgado que o
assegure contra a hipótese de vir a acontecer, sob pena de pagar
o réu multa pecuniária, em favor do próprio autor ou de terceiro
[...] Mas é preciso, ao revés, que o autor tenha fundado receio de
que a violência virá, cumprindo-lhe, pois, provar os requisitos:
posse, ameaça da moléstia, probabilidade de que venha a
verificar-se.
Tem legitimidade para propor a presente ação tanto o
possuidor direto tanto o possuidor indireto. Assim sendo, visa este a proteger a
menos grave forma de violência à posse, que é a simples ameaça de moléstia.
Adverte-se ao possuidor que será desfeita a obra pretendida levar a efeito em um
imóvel55.
53
FULGÊNCIO, Tito. Da posse e das ações possessórias. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. I,
p. 128/129. 54
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 55/56.
55 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 109.
27
1.3.2 Benfeitorias
Benfeitorias são as obras ou despesas feitas na coisa para
conservação, melhoramento, recreio individual. Elas são classificadas em três
tipos: necessárias, úteis e voluptuárias.
1.3.2.1 Necessárias
Benfeitorias necessárias são aquelas imprescindíveis ao uso
da coisa56. Dessa forma, são aquelas precisas para a conservação ou para evitar
deterioração da coisa, como: reparo de telhado, pagamento dos impostos, cercas,
muros, etc.
O possuidor de boa-fé terá direito a ser indenizado por essas
benfeitorias, bem como, tem o direito de reter o valor destas. Desta forma, ele terá
o direito de permanecer na posse da coisa até que o reivindicante o satisfaça,
pela importância destas benfeitorias.
O possuidor de má-fé tem direito a ser indenizado somente
por essas benfeitorias, porém a este não cabe o direito de retenção, ou seja,
permanecer na posse para garantir o pagamento da referida indenização.
1.3.2.2 Úteis
Benfeitorias úteis são as que melhoram o rendimento ou o
aproveitamento da coisa, como acrescentar um andar etc. Dessa forma, são
melhoramentos reais da coisa.
O possuidor de boa-fé tem direito à indenização e à retenção
destas. Já o possuidor de má-fé nada tem direito sobre estas benfeitorias.
1.3.2.3 Voluptuárias
São aquelas benfeitorias que servem para deleite do
possuidor, para seu luxo e seu gozo, mas não acrescentam nenhum
melhoramento à coisa.
56
CORREA, Orlando de Assis. Posse e ações possessórias – Teoria e Prática. 5 ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1990, p. 63.
28
Para mero receio ou deleite, como pinturas, quadros etc.
Não aumentam o uso habitual, ainda que o tornem mais agradável, ou seja, de
elevado valor. Orçamento da coisa57.
O possuidor de boa-fé tem direito a levantar essas
benfeitorias, ou seja, as que lhe não forem pagas e que admitirem remoção sem
detrimento da coisa, já ao de má-fé nenhum direito lhe assiste.
1.3.3 Frutos
“Frutos percebidos são os já colhidos, ao contrário dos
pendentes que são aqueles ainda unidos, à árvore que os produziu”58. Frutos são
então as utilidades que uma coisa, periodicamente, produz, conforme a sua
natureza.
No que diz respeito ao direito à percepção dos frutos, será
da seguinte forma:
O possuidor de boa-fé tem direito aos frutos percebidos
e às despesas da produção e custeio dos frutos
pendentes e colhidos, mas não tem direito aos frutos
pendentes, aos frutos antecipadamente colhidos e
aos produtos;
O possuidor de má-fé apenas tem direito às despesas
de produção e custeio dos frutos colhidos e
percebidos, mas não tem direito a quaisquer frutos. O
direito exercido pelo possuidor à indenização das
benfeitorias úteis e necessárias, bem como o de
retenção pelo valor das mesmas. 59
Os frutos são divididos em três espécies: naturais, artificiais
e civis.
57
FULGÊNCIO, Tito. Da posse e das ações possessórias. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. I, p. 180.
58 LEVENHAGEN, Antônio José de Sousa. Posse, possessória e usucapião. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1982, p. 33.
59 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 83.
29
1.3.3.1 Naturais
Serão frutos naturais aqueles que se renovam
periodicamente pela força da própria natureza, como é o caso das colheitas.
1.3.3.2 Artificiais
São os frutos provenientes da atividade humana sobre a
natureza, tais como os produtos fabris.
1.3.3.3 Civis
São as rendas advindas da utilização da coisa, como, por
exemplo, os aluguéis e os juros.
1.3.4 Usucapião
Como último efeito da posse, tem-se o direito de usucapir.
Seria este, então, um dos mais importantes dos efeitos da posse, direito que não
se funde exclusivamente na posse, tem-na como seu elemento básico. Usucapir é
adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo tempo. A usucapião,
com efeito, constituiu um dos modos de aquisição do domínio60.
A usucapião é, então, um modo de aquisição da
propriedade, aquisição essa pela posse prolongada e qualificada pela boa-fé,
decurso de tempo, pacificidade e pela intenção de dono.
São observados três requisitos para usucapir:
Requisitos pessoais: exigências em relação ao
possuidor que pretende adquirir o bem e ao
proprietário que o perde;
Requisitos Reais: alusivos aos bens e direitos
suscetíveis de serem usucapidos, pois nem todas as
coisas e nem todos os direitos podem ser adquiridos
por usucapião.
Requisitos Formais: compreendem os elementos
necessários e comuns do instituto, como posse
mansa, pacífica e contínua, lapso de tempo fixado em
60
GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.88.
30
lei, sentença judicial, bem como os especiais, como
justo título e boa-fé. 61
Verifica-se, assim, que a usucapião é um dos modos de
aquisição da propriedade, sendo este o principal efeito da posse. Analisou-se até
o momento o instituto da posse. No próximo capítulo, abordar-se-á sobre as
teorias possessórias, quais sejam, de Ihering e Savigny.
61
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.
31
CAPÍTULO 2
TEORIAS POSSESSÓRIAS
2.1 TEORIA POSSESSÓRIA DE SAVIGNY
Frederich Karl Von Savigny, nascido na cidade de Frankfurt
em 1779, e falecido em 1861, esboçou sua teoria na obra “Tratado de Posse em
Direito Romano”, a partir de elementos encontrados no Direito Romano, causando
forte repercussão nos meios jurídicos e influindo no sistema de algumas
codificações62.
Assim, Savigny, aos vinte e quatro anos, publicou o livro
mencionado, o qual influiu profundamente no pensamento jurídico do século
passado, e atingiu as legislações, influenciando tão seriamente os Códigos que,
até hoje, não obstante as críticas que o atingem, encontra defensores63.
Necessário, nesse momento, as palavras de Ruy Barbosa64:
A Teoria da posse de Savigny, não obstante haver assinalado
época, e beneficiado a história, como um vigoroso estímulo a
grandes trabalhos de investigação, franqueando-lhe caminhos
desconhecidos, pouco mais importância tem hoje que a de um
fulgurante meteoro. A teoria da posse, diz, com evidência, o ilustre
professor de Göttingen, não se pode entender sem a sua prátia.
Desprovido desta e influído por idéias preconcebias, Savigny
estreava com esse livro aos vinte e quatro anos, idade cuja
inexperiência o gênio lhe não podia suprir. Destituído assim do
tirocínio preciso para contrastear pela verificação da praxe as
noções sistemáticas formadas no estudo histórico das fontes, o
jovem explorador não fez justiça nem ao direito romano, nem à
62
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 19.
63 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 15.
64 BARBOSA, Ruy. Posse de direitos pessoais. Teoria simplificada da posse. Edição cuidada por Alcides Tomasetti Jr. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 26.
32
importância prática da posse. Daí a brecha imensa aberta pela
crítica nas suas doutrinas, cujos resultadores reais para a ciência
se qualificam hoje de muito medíocres, e muitas de cujas idéias
fundamentais em matéria de posse vieram a incorrer na
averbação de insustentáveis, predizendo o seu grande adversário
que nenhuma, talvez, acabará por vingar.
Desta forma, ele se dedicou a definir a posse, conceituando-
a como a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa com a intenção
de dono, e de defendê-la contra as agressões de terceiros. O fundamento da
proteção possessória seria o princípio geral de que toda pessoa deve ter a
proteção do Estado contra qualquer ato de violência.
Os romanos entendiam a posse como toda relação material
intencional da pessoa com a coisa. Tal relação compreendia a posse
propriamente dita e a detenção, sendo a primeira a verdadeira relação
possessória65.
Savigny acreditava que o corpus está no fato material que
submete a coisa à vontade do homem, cria para ele a possibilidade de dispor
fisicamente dela com exclusão de quem quer que seja. E já no tocante ao animus
pensava que este é a intenção de dono desnecessária a convicção no possuidor
e ser, na realidade, proprietário da coisa66.
Dominava a ideia da posse como exterioridade do direito de
propriedade e a realização de fato deste direito. Possuidores consideravam-se
aqueles que tinham o poder físico sobre uma coisa, inexistindo outro poder
superior67.
65
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 19.
66 FULGÊNCIO, Tito. Da posse e das ações possessórias. 5 ed. atualizada por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense, 1978, v. I, p. 8-9.
67 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 20.
33
Para Savigny dois elementos são indispensáveis para que
se caracterize a posse, pois se faltar o corpus, inexiste relação de fato entre a
pessoa e a coisa; e se faltar o animus, não existe posse, mas mera detenção68.
Para Savigny, o corpus ou elemento material da posse,
caracteriza-se como a faculdade real e imediata de dispor
fisicamente da coisa, e de defendê-la das agressões de quem
quer que seja; o corpus não é a coisa em si, mas o poder físico da
pessoa sobre a coisa; o fato exterior, em oposição ao fato
interior.69
Dessa forma, ele acreditava que o elemento intenção é
preponderante na configuração jurídica da posse, e que sem a intenção de dono,
não se caracteriza posse, mas, apenas, detenção70.
Verifica-se, que a obra de Savigny é uma tentativa de
reconstrução sistemática da elaboração da posse no Direito Romano. A posse
desfigurada, com a presença dos dois elementos, contrapõe-se à posse civil.
Devido a tais características a teoria de Savigny recebeu o
nome de Subjetiva. E dando ênfase ao elemento subjetivo da vontade, da
intenção, Savigny reconhece, também, embora em segundo plano, o fator físico
da detenção.
[...] tem-se a posse de uma coisa quando se tem a possibilidade
não somente de dispor dela fisicamente, mas ainda de a defender
contra toda ação estranha [...]. Não dissocia Savigny o elemento
material (o corpus – poder físico sobre a coisa) do intelectual (o
animus – o intento de ter a coisa como sua: animus rem sibi
habendi). Assim, faltando o corpus, não haveria relação entre a
68
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 80.
69 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 15.
70 LEVENHAGEN, Antônio José de Sousa. Posse, possessória e usucapião. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1982, p. 16.
34
pessoa e a coisa, e ausente o animus, inexistiria posse e sim
mera detenção.71
Portanto, para Savigny não constituem relações
possessórias aquelas em que a pessoa tem a coisa em seu poder, ainda que
juridicamente fundada (como na locação, no comodato, no penhor), por lhe faltar
a intenção de tê-la como dono (animus domini), o que dificulta sobremodo a
defesa da situação jurídica.
No entanto, como os romanos dispensavam a proteção
possessória aos titulares de certos direitos que não podiam ter o animus domini,
Savigny criou uma terceira categoria a que determinou de posse derivada.
Estavam nessa situação o credor pignoratício, o precarista e o depositário de
coisa litigiosa. A causa pela qual a respectiva coisa se achava sob o poder dessas
pessoas não era translativa de domínio, razão por que o seu poder era limitado.
E, assim, devido à causa especial da tradição, eram eles
considerados, também, possuidores, embora não pudessem ter a vontade de
comportar como se sua fosse a coisa. Era, todavia, uma posse anônima. Normal
era a posse civil72.
Savigny carrega no elemento intencional, somente reconhecendo
posse onde há animus domini, sua teoria é qualificada de
subjetividade. As maiores críticas que lhe são dirigidas visam
precisamente ao seu exagerado subjetivismo, que faz depender a
posse de um estado íntimo difícil de ser precisado
concretamente.73
Assim, ao exigir o animus domini como requisito
indispensável à configuração da posse, a teoria subjetiva considera simples
detentores o locatário, o comodatário, o depositário, o mandatário e tantos outros,
que por títulos análogos, têm poder físico sobre a coisa, porém não comporta 71
RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. I, p. 678-679.
72 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 32-33.
73 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 33.
35
rigorosamente, o desdobramento da relação possessória, visto que não admite a
posse de outrem.
“Muitas dificuldades de ordem prática se dissipam, todavia,
diante da presunção estabelecida em lei pela qual o possuidor é tido como
proprietário, se possui esse título”74.
Em síntese, a teoria subjetiva é a posse autônoma e se
configura pela união indispensável do corpus (fato exterior) e animus (fato
interior), sendo também o poder de dispor fisicamente da coisa, com o animus
rem sibi habendi, defendendo-a contra a intervenção de terceiros. Dessa forma,
não outorga a proteção dos interditos aos detentores (locatário, comodatário etc),
por faltar-lhes o animus domini.
Entretanto, apesar de toda a sua reconhecida importância
histórica, a obra de Savigny desencadeou conflitos sem precedentes, e sofreu
inúmeras críticas em todos os seus pontos fundamentais, críticas essas que
culminaram, com o passar do tempo, na superação da teoria subjetiva e na
adoção da teoria objetiva de Ihering nas legislações atuais.
Assim, a teoria subjetiva da posse não encontra, atualmente,
receptividade no mundo jurídico, mas ainda se nota resquício dela em algumas
legislações. No Código Civil de 1916 não havia se desvencilhado dela em todo,
haja vista que no que dizia respeito à aquisição e a perda da posse, porém com a
elaboração do Código Civil de 2002 essa parte desapareceu, adotando
exclusivamente a teoria de Ihering.
Subjetivista, Savigny, para quem só existia a posse com a
coexistência do corpus e do animus. Para este, então, ter-se a coisa, com o
reconhecimento da propriedade alheia, é simples detenção. Não há posse,
portanto, de locactário, de comodatário. Anteriormente, mencionou-se que não
existe muita receptividade desta teoria no direito atual, porém o Código Civil
74
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 33.
36
argentino sofreu a influência savigniana, conforme os artigos 2.351 e 2.352, a
seguir transcritos:
Artículo 2351. Habrá posesión de las cosas, cuando alguna
persona, por sí o por otro, tenga una cosa bajo su poder,
con intención de someterla al ejercicio de un derecho de
propiedad75.
Artículo 2352. El que tiene efectivamente una cosa, pero
reconociendo en otro la propiedad, es simple tenedor de la
cosa, y representante de la posesión del propietario,
aunque la ocupación de la cosa repose sobre un
derecho76.
Destarte, para Savigny, todos os poderes de fato sobre as
coisas podem agrupar-se em duas classes, ou seja, a posse e a detenção. O
poder físico sem o elemento intencional resulta a detenção; com a intenção, ou
como se aquele que o exerce fora seu titular, dá a posse77.
Verifica-se, então, que a posse para Savigny, consistia na
faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa com a intenção de dono,
e de defende-la contra as agressões de terceiros, conforme já fundamentado
anteriormente.
Assim, sendo a posse um poder imediato que tem a pessoa
de dispor fisicamente de um bem com a intenção de tê-lo para si e de defendê-lo
contra a agressão de quem quer que seja, precisa dos dois elementos corpus e
animus domini.
75
Disponível em: http://campus.usal.es/~derepriv/refccarg/ccargent/codciv.htm. Acesso em: 23 de abril de 2011. Tradução feita pela autora deste estudo: Artigo 2351. A posse de coisas, quando algumas pessoas, por si próprias ou de outra, têm uma coisa em seu poder, com a intenção de exercer o direito de propriedade.
76 Disponível em: http://campus.usal.es/~derepriv/refccarg/ccargent/codciv.htm. Acesso em: 23 de abril de 2011. Tradução feita pela autora deste estudo: Artigo 2352. Que efetivamente é uma coisa, mas reconhecendo uma outra propriedade, é simples titular da coisa, e representante da posse de proprietário, embora a ocupação da coisa repousa sobre um direito.
77 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 21.
37
Em síntese, para Savigny a posse é o poder que tem uma
pessoa de dispor, fisicamente de uma coisa, acompanhado da intenção de tê-la.
Resultando, assim, da combinação dos dois elementos: o poder físico e a
intenção de ter a coisa para si. Sem o elemento volicional, a posse é simples
detenção, posse natural e não posse jurídica, acreditando, assim, que sem o
elemento material, a intenção é, simplesmente, um fenômeno psíquico sem
repercussão na vida jurídica78.
Sobre a Teoria de Savigny necessário finalizá-la com as
palavras de Ruy Barbosa79:
Ridícula veleidade seria a de quem pensasse em amesquinhar a
autoridade de Savigny, vulto descomunal, cujo nome domina a
ciência jurídica do século XIX, como o nome de Cujacio dominou a
ciência jurídica da Renascença e o de Bártolo a ciência jurídica da
segunda parte da Idade Média. Nem de lhe faltar com as honras
devidas pode acusar-se o seu grande contraditor, digno, a todos
os respeitos de medir-se com ele, o autor dessas duas obras
soberanas, que se chama o Espírito do direito romano e a
Evolução do direito. Foi Jhering quem escreveu que a Savigny
ficará sempre a glória imorredoura, inexpugnável, de haver
restaurado, na dogmática do direito civil, o espírito da
jurisprudência romana, de modo que, seja qual for, afinal, a soma
dos seus resultados práticos, incólume lhe restará, em todo caso,
esse merecimento.
Dessa forma, jamais nenhum autor deverá desmerecer a
teoria de Savigny tendo em vista o quanto esta foi importante para a
compreensão da posse, e o seu marco no direito romano, bem como todo o
direito existente.
78
CAMPOS JÚNIOR, Aluísio Santiago. Posse e ações possessórias: doutrina prática, jurisprudência. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 17.
79 BARBOSA, Ruy. Posse de direitos pessoais. Teoria simplificada da posse. Edição cuidada por Alcides Tomasetti Jr. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 25.
38
2.2 TEORIA POSSESSÓRIA DE IHERING
Rudolf Von Ihering , jurista alemão, nasceu em Aurich em
vinte e dois de agosto de 1818, e faleceu em Göttinngen em dezessete de
setembro de 1892. Expôs seu trabalho em uma obra de quatro volumes de Geist
des römischen Rechts (1852-1865), cuja obra influenciou diversos países em todo
o mundo ocidental.
Ihering mostrou a sua teoria em termos simplificados, após
ter desenvolvido com maior fôlego em outras obras de notável repercussão, que
trouxeram novas luzes à compreensão do instituto da posse80.
Importante, no momento, trazer à baila a doutrina de Ruy
Barbosa81:
Assim, que Jhering vê na posse de direitos uma conquista
irrevogável do direito moderno. Não admite que a evolução ulteior
possa excluir das instituições necessárias à civilização esse
elemento definitivamente adquirirdo. Firmadas estas duas
sentenças, que importa a sua observação de que as leis atuais da
Alemanha ainda não discriminaram com a precisão conveniente
as espécies de direitos, a que se tenha de alargar a noção da
posse?
Assim, para entender o sentido das ideias inovadoras é
preciso compreender o pensamento no esforço de simplificação, pois para Ihering
é necessário estabelecer primeiramente a diferença entre as noções de posse e
propriedade, que são confundidas com grande frequência, pois apresentam com
expressões equivalentes82.
80
GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 33/34.
81 BARBOSA, Ruy. Posse de direitos pessoais. Teoria simplificada da posse. Edição cuidada por Alcides Tomasetti Jr. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 33.
82 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 34.
39
Segundo Orlando Gomes83:
Entre a propriedade e a posse há uma correlação extensiva. Os
limites da possibilidade para a propriedade são os da posse;
posse e propriedade são relações perfeitamente paralelas.
Portanto, onde não se concebe a propriedade, seja porque a coisa
é inapropriável, seja porque a pessoa não tem a capacidade para
ser sujeito desse direito, não é admissível a posse. Mas, onde a
propriedade é possível, a posse também o é.
Diante do exposto, verifica-se, então, a necessidade de
compreender as distinções entre a posse e a propriedade, para que se possa
realmente analisar a Teoria de Ihering.
Necessário que se entenda que a posse e a propriedade são
coisas distintas, porém confundem-se, pois em geral o possuidor de uma coisa é
ao mesmo tempo o seu proprietário. Ressalta-se que a posse é o poder de fato e
a propriedade o poder de direito sobre a coisa.
Esclarece ainda Ihering que a posse é indispensável ao
proprietário para a utilização econômica de sua propriedade, bem como, resulta
deste que a noção de propriedade contenha, necessariamente, o direito do
proprietário na posse.
Verifica-se, ainda, que o direito do proprietário na posse não
poderia existir se o proprietário não estivesse protegido contra a privação injusta
da posse. A proteção jurídica contra todos os atos injustos à posse do
proprietário, os quais consistem na privação ou na pertubação desta última, forma
um postulado absoluto da organização da propriedade.
Explana, ainda, Ihering que o direito de reclamar a
restituição da posse contra terceiros, o Direito romano o estendeu mais tarde a
83
DAILBERT, Jefferson. Direito das coisas. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p.57.
40
outros direitos. Tem estendido a reivindicatio a outras pessoas distintas do
proprietário84:
A importância da posse consiste em ser o conteúdo do jus
possidendi. A posse é o conteúdo ou o objeto de um direito. Se
não tivesse outra importância, do ponto de vista do Direito, andar
a pé ou ir de carro, beber água, prestar serviços, poderiam ser
objeto de um direito. Em tal conceito, uma definição de posse não
seria para o jurista mais necessária do que a de todos esses
outros atos; mas desde logo pode assegurar-se que a coisa não é
tão fácil nem tão simples como parece. A posse, com efeito, deve
ser considerada desses outros dois pontos de vista. Em primeiro
lugar, é a condição do nascimento de certos direitos, e em
segundo, concede por si mesma a proteção possesória (jus
possessionis por opção ao jus possidendi); é, portanto, a base de
um direito.85
Ihering acredita que para utilizar economicamente a coisa
que lhe pertence, o proprietário deve ter a posse, assim, ele frisa a necessidade
que o proprietário tem de exercer a posse, dizendo que a propriedade sem a
posse seria um tesouro sem a chave para abri-lo, uma árvore frutífera sem a
escada para colher os frutos86.
Pensa, então, que a utilização econômica da propriedade é
exercida de duas maneiras a primeira chama-se de imediata ou real, e a segunda
de mediada ou jurídica, ou seja, no primeiro caso a utilização é feita por si mesmo
e na segunda cedendo-a a outrem.
Esclarece Ihering [...] que, embora a propriedade seja
independente da posse, dado que o proprietário conversa o seu
direito, mesmo depois de haver perdido a esta, não pode adquiri-
la sem se imitir na posse. Ela é, assim, uma condição
indispensável para se chegar à propriedade, embora não seja
suficiente. Apresenta-se, por conseqüência, como um ponto de
84
JHERING, Rudolf von. Teoria simplificada da posse. Tradução: Ricardo Rodrigues Gama. 1ª ed. Campinas: Russell Editores, 2005, p. 13.
85 JHERING, Rudolf von. Teoria simplificada da posse. Tradução: Ricardo Rodrigues Gama. 1ª ed. Campinas: Russell Editores, 2005, p. 15.
86 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 34.
41
transição momentânea para a propriedade; uma condição para o
nascimento desse direito. Se não tomo posse de uma coisa, não
me torno proprietário. Por outro lado, a posse serve como
fundamento de um direito, porque o possuidor tem o direito de se
prevalecer dela até que alguém venha tomá-la apresentando-se
com melhor direito. Daí a proteção especial de que desfruta.87
Depois de tecer as considerações preliminares, Ihering se
insurge contra as ideias de Savigny, pois ele retira o animus, característica da
Teoria Subjetiva que difere a posse e a detenção. Não nega, contudo, que para a
caracterização da posse há de existir o elemento intencional.
Sem o animus da permanência, a simples apreensão se
resumiria num contato físico, apenas, da pessoa com a coisa, sem outras
consequências. Todavia, não se exige que essa intenção seja uma manifestação
autônoma, a exprimir isoladamente a vontade de apropriar-se da coisa como sua.
Essa intenção, essa vontade, é inerente ao simples fato de reter a coisa88.
Verifica-se, então, que para Ihering só não prescindia na
posse do corpus, visto que o animus estava naquele incluído. Assim, o que se
deveria extrair do corpus é que o possuidor comportava-se em relação à coisa,
como se comportaria ao proprietário; não precisava ter o ânimo de senhor e podia
até reconhecer o domínio alheio89.
Sendo pensamento de Ruy Barbosa:
É um dos erros mais pejados de consequências e mais fatais, que
se têm cometido na teoria possessória, o haver-se estribado a
sustentação da posse e, com ela, a posse mesma na concepção
da segurança mecânica, do poder físico. A segurança da posse
87
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 34.
88 LEVENHAGEN, Antônio José de Sousa. Posse, possessória e usucapião. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1982, p. 16/17.
89 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade. 3 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 13.
42
descansa essencialmente na proteção jurídica outorgada à
relação de direito do homem sobre a coisa90.
Destarte, para Ihering possuidores também eram os
comodatários, locatários, porque procediam como os proprietários procedem,
utilizando e conservando a coisa, sem se terem como donos. Dessa forma, pode
ser possuidor quem é proprietário como pode, identicamente, sê-lo quem não o
for, como na hipótese de usufrutuário, de enfiteuta91.
Assim sendo, o entendimento de Silvio Rodrigues:
Posse não significa apenas a detenção da coisa; ela se revela na
maneira como proprietário age em face da coisa, tendo em vista
sua função econômica, pois o animus nada mais é do que o
propósito de servir-se da coisa como proprietário92.
Nota-se, então, que o objetivismo da teoria de Ihering, ou
seja, a dispensa da intenção de dono na sua configuração permite caracterizar
como relação possessória o estado do fato do locador em relação à coisa locada,
do depositário em relação à coisa depositada, do comodatário em relação à coisa
comodada, do credor pignoratício em relação à coisa apenhada etc.
E isto não é mera abstração. Verdadeiramente dotado de
efeitos práticos, permitirá a qualquer deles defender-se por via das ações
possessórias ou interditos, não apenas contra os terceiros que tragam turbação,
mas até mesmo contra o proprietário da coisa, que eventualmente moleste aquele
que a utilize93.
Verifica-se, então, que a posse é a exteriorização da
propriedade, ou seja, a posse é a visibilidade da propriedade, assim, só há posse
onde houver propriedade. Já foi dito que o proprietário precisa utilizar-se
90
BARBOSA, Ruy. Posse de direitos pessoais. Teoria simplificada da posse. Edição cuidada por Alcides Tomasetti Jr. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 44-45.
91 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade. 3 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 13.
92 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 18.
93 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 16/17.
43
economicamente da propriedade, seja por si, seja por outrem a quem defere o
poder de fato. É importante, portanto, é o uso econômico, a forma econômica de
sua relação exterior com a pessoa94.
O seu ponto de vista pode ser resumido na seguinte
sentença: só há posse onde pode haver propriedade. O que importa é o seu uso
econômico, a destinação das coisas, a forma econômica de sua relação exterior
com a pessoa. Dessa forma, algumas coisas comportam o poder físico porque
podem ser guardadas e definidas. Outras, porém, não o admitem, porque são
livres e abertas. No entanto, umas e outras podem ser possuídas.
Segue-se que o chamado corpus, no sentido de poder
material da pessoa sobre a coisa, é insuficiente, porque não abrange todas as
relações possessórias, mas, somente, as que incidem em bens que devem ser
guardados. Adotando-se o critério da destinação econômica, será fácil reconhecer
a existência da posse, mesmo sem ter a menor ideia de sua noção jurídica.
Ihering empresta grande valor à possibilidade do imediato reconhecimento da
posse95:
Suponhamos dois objetos que se acham reunidos no mesmo
lugar, uns pássaros seguros por um laço num bosque, ou, num
solar em construção, os materiais, e ao lado uma cigarreira com
cigarros; o mais ignorante dos homens sabe que será culpado de
um furto se tirar os pássaros ou alguns materiais, mas nada tem a
temer se tirar os cigarros; qual a razão desse modo diferente de
proceder? Com relação à cigarreira, cada qual dirá: perdeu-se;
deu-se isso contra a vontade do proprietário, e tornar-se a pô-lo
em relação com a coisa, dizendo-se-lhe que foi encontrada; com
relação aos pássaros e aos materiais, sabe-se que a posição em
que se acham tem sua causa em uma disposição tomada pelo
proprietário; estas coisas não poderão ser encontradas, porque
não estão perdidas: seriam roubadas. „Afirmando-se que a
cigarreira se perdeu, diz-se: a relação normal do proprietário com
a coisa está perturbada; há, portanto, uma situação anormal‟.
Quanto aos pássaros e materiais, a situação é normal. Vê-se,
94
DAILBERT, Jefferson. Direito das coisas. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 37.
95 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36.
44
assim, que qualquer pessoa é capaz de reconhecer a posse pela
destinação econômica da coisa. Sua existência se atesta por
sinais exteriores. Ela torna visível a propriedade”.96
Assim sendo, a posse se revela numa relação de fato da
pessoa com a coisa, tal como a impões a fim de utilização desta sob o ponto de
vista econômico. Esta relação varia segundo as coisas. Vê-se, então, que a posse
é o exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao da propriedade ou de
direito real. Não se reclama a presença de elemento interno, distintamente quanto
ao elemento externo. Ele já integra o poder de utilização econômica da coisa97.
Em síntese, a posse, segundo Ihering, é a exteriorização do
domínio, ou seja, a relação exterior intencional, existente, normalmente, entre o
proprietário e sua coisa. Então, para que exista a posse basta o corpus, o animus
está ínsito no poder de fato exercido sobre a coisa; o que importa é a destinação
econômica do bem.
Dessa forma, a doutrina objetiva admite tranquilamente a
posse por outrem, já que não existe a intenção de dono para que alguém seja
possuidor. Permite, assim, o desdobramento da relação possessória como um
processo normal, que resulta da diversidade de formas da utilização econômica
das coisas. Consagra a divisão da posse em direta e indireta, admitindo a posse
dupla, que se objetiva com tríplice finalidade: a de gozo, a de garantia e a de
administração98.
As ideias de Ihering tiveram larga repercussão na Alemanha,
influindo decisivamente na construção legislativa da posse. O Código Alemão foi o
primeiro a regular a posse sem caracterizá-la à base do elemento subjetivo.
Entretanto, este não aderiu integralmente à doutrina objetiva de Ihering, pois se
96
GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36.
97 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 25.
98 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 37.
45
orientou segundo o seu pensamento, sistematizando, sob a inspiração de sua
crítica à doutrina subjetiva99.
O Código alemão orientou-se segundo o seu pensamento,
sistematizando, sob a inspiração de sua crítica à doutrina de Savigny, normas
reguladoras da posse que pressupõem a sua conceituação em termos objetivos.
Sob essa influência, é que os Códigos Civis atualmente vigentes, na maioria dos
países, seguiram a teoria objetiva inspirada em Ihering.
A Suíça, a China, o México e o Peru seguiram, com
pequenas modificações, a orientação do Código Civil da Alemanha. Já Código
Civil da Itália de 1942 não se deixou levar por essa nova corrente, conservando a
conceituação clássica da posse, ou seja, a teoria de Savigny, exceto no que se
refere à distinção entre a posse e a detenção, no que segue a teoria de Ihering.
No Código Civil brasileiro de 1916 preponderavam as ideias
de Ihering, como se visualizava no art. 486, que dizia: “Considera-se possuidor
todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes ao domínio, ou à propriedade”. Da mesma forma, o atual Código, no art.
1196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou
não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”100.
Sendo assim, o Código Civil brasileiro foi um dos primeiros a
aceitar os princípios da doutrina objetiva. “O autor do Projeto confessa a sua
filiação doutrinária ao pensamento de Ihering e proclama a precedência de nossa
legislação na consagração da teoria de Ihering”101.
Verifica-se, ainda, que apesar do depoimento anteriormente
exposto a pátria legislação não adotou a pureza original da teoria objetiva.
Embora esse sistema não se concilie com a doutrina subjetiva, foram feitas a esta
algumas concessões, de sorte que a fidelidade ao objetivismo não foi absoluta.
99
GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 38.
100 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 26.
101 GOMES, Orlando. Direitos reais. 19 ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 39.
46
Assim, o Código Civil brasileiro nem sempre se mostra
coerente, pois às vezes em um capítulo adota um sistema, do qual se distancia
em outro. Mesmo assim, o Código inovou, mas a assimilação das inovações pela
doutrina e pelos tribunais deu-se, com maior facilidade, precisamente pela falta de
uma construção sistemática que se levantasse sobre um conjunto ordenado de
preceitos legais.
Assim, o valor teórico do sistema objetivo sem dúvida se
inspira em razões de ordem social, suficientemente ponderosas para justificar a
aceitação de suas consequências práticas, sendo esta teoria a de aplicação mais
abrangente nos Códigos Civis.
Destarte, sobre Ihering, explana Ruy Barbosa:
Extraordinária é a extensão [...] que a posse dos direitos tem
recebido no desenvolvimento do direito moderno. Precedeu-o,
neste caminho, o direito canônico e a praxe das justiças
eclesiásticas, que reconheceram posse a todas as regalias,
dignidades, funções, benefícios e dízimos da Igreja102.
Estudou-se nesse capítulo as teorias possessórias
tradicionais, e, no seguinte, estudar-se-á as teorias agregadas a posse, bem
como, a aplicação na prática de todas, utilizando-se de jurisprudências.
102
BARBOSA, Ruy. Posse de direitos pessoais. Teoria simplificada da posse. Edição cuidada por Alcides Tomasetti Jr. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 31.
CAPÍTULO 3
TEORIAS AGREGADAS
3.1 FUNÇÃO SOCIAL
Em meados do século XX, Antonio Hernandez Gil
apresentou seu estudo sobre a posse, a qual acredita que fosse vista como um
inegável fenômeno social. Em 1969, publicou sua obra La función social de la
posesión, na qual acusa a importância de seus ensinamentos na busca de uma
compreensão contemporânea do fenômeno possessório103.
Ele acreditava que os fatos estão mais evidentes na posse
que em outros direitos existentes, e isso somente vem salientar o estreito liame
entre o aludido instituto e os interesses da coletividade. Nas palavras do autor, “la
regulación posesoria está muy ligada a la realidad social en un grado superior a la
de los demás derechos [...]. A nuestro juicio, la posesión es La institución jurídica
de mayor densidad social”104.
Pensava que o reconhecimento de uma importância singular
a posse conduz a um pensamento destinado a sua emancipação de outro
instituto, a propriedade. Dessa forma, Hernandez Gil se opõe aos fundamentos
das teorias de Savigny e Ihering.
Não é difícil visualizar o que seria a primeira discórdia
levantada por Hernandez Gil, qual seja, a acepção de Ihering que a posse é a
aparência da propriedade e, de outra parte, também denuncia Savigny por ter
atrelado sua doutrina possessória à propriedade o que já não se mostra tão
103
OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.
104 GIL, Antonio Hernández. La función social de la posesión. Madrid: Alianza, 1969, p. 52.
48
aparente, porquanto, nessa concepção se reconhece certa autonomia à posse,
isto é, não se afirma que esta é uma exterioridade de outro direito. Contudo,
Hernandez Gil aponta que o pensamento dos juristas alemães, malgrado
seguirem caminhos diversos, padecem da mesma insuficiência105.
Sobre a teoria subjetiva Hernandez Gil aduz que “para
discernir cuándo existe uma relación posesoria – y no mera tenencia – es
indispensable querer ser propietario. La propiedad opera en un plano psicológico
a modo de actitud o inclinación individual”106. Verifica-se, então, Savigny recorre à
propriedade para demonstrar a existência de relação possessória.
De outra forma, Jhering não acredita na necessidade de um
elemento volitivo, a intenção de querer ser proprietário, mas a ligação de seu
pensamento com a propriedade é, notadamente, mais evidente, pois apresenta
esse direito como “la ratio de las normas protectoras. La propiedad está siempre
en la base. Y se manifiesta, bien en profundidad, como título, o bien en la
superficie, como posesión”107.
Necessário, assim, trazer a citação de Hernandez Gil108
sobre sua análise sobre as teorias objetiva e subjetiva.
La propiedad es, por ello, el punto de contacto entre ambas
teorías. Aunque se presenten como antagónicas, hay entre las
mismas una conexión. Sin embargo, la conexión no quiere decir
coincidencia porque las funciones asignadas al mismo concepto
son divergentes. Savigny acude a la propiedad como guía para el
descubrimiento de los poseedores; la sitúa en el supuesto
descriptivo de la norma para verla reencarnada en el portador del
animus. Jhering hace descansar sobre ella todo el régimen
jurídico posesorio. No inquiere, ciertamente, el factor dominical,
pero lo da pose supuesto. [...] Por eso las dos teorías […]
105
OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.
106 GIL, Antonio Hernández. La función social de la posesión. Madrid: Alianza, 1969, p. 72.
107 GIL, Antonio Hernández. La función social de la posesión. Madrid: Alianza, 1969, p. 72.
108 GIL, Antonio Hernández. La función social de la posesión. Madrid: Alianza, 1969, p. 72.
49
adolecen de la misma quiebra: la necesidad de La propiedad para
entender la posesión cuando esta es una institución socialmente
primaria, antepuesta109.
Ao discorrer sobre a função social da posse, Hernandez Gil
volta a criticar a posição em que é colocada a posse em relação à propriedade e,
para tanto, argumenta que aquele instituto precede este último e representa uma
necessidade básica de apropriação110.
Em suas palavras:
El fenómeno humano y social del uso y la utilización de las cosas
es anterior a la institucionalización que representa la propiedad
privada. Podría no ser todavía ese uso primario e inevitable lo que
llamamos posesión. Sin embargo, está más cerca de ella que la
propiedad. Mientras la propiedad privada viene determinada por
[…] considerable número de factores de La estructura
socioeconómica y política que la hacen variable en su contenido,
en la posesión hay lo que he llamado en otras ocasiones una
densidad social primaria presente en cualquier sistema de
convivencia.111
Acredita-se, então, que o pensamento de Hernandez Gil age
como uma nota de tensão clamando por outra que lhe proporcione um adequado
109
Tradução feita pela autora deste estudo: A propriedade é, portanto, o ponto de contacto entre as duas teorias. Embora apresentado como antagônicas, há uma conexão entre elas. No entanto, a conexão não significa coincidência, porque funções atribuídas ao mesmo conceito, são divergentes. Savigny vai para a propriedade como um guia para a descoberta de seus detentores, os lugares de descrição do curso da regra para ver reencarnou na transportadora animus. Jhering faz todo o resto sobre a migração legal posse. Pede não, na verdade, o fator de domingo, mas dá posse é claro. [...] Assim, as duas teorias [...] sofrem com a mesma falência: a necessidade de compreender propriedade quando se trata de uma instituição social fundamental, que o precede.
110 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.
111 GIL, Antonio Hernández. La función social de la posesión. Madrid: Alianza, 1969, p. 38-39. Tradução feita pela autora deste estudo: O fenômeno humano e social do uso e aproveitamento da matéria é antes a institucionalização da propriedade privada representa. Não podia ser inevitável que o uso principal que chamamos de posse. No entanto, está mais próximo da propriedade. Enquanto a propriedade privada é determinada pelo número substancial [...] de fatores, estrutura socioeconômica e política que torna variável no conteúdo, na posse é o que eu tenho chamado em outras ocasiões, um presente de densidade social principal em qualquer sistema vivo.
50
repouso. Mas, vale alertar que dificilmente isto ocorrerá, aliás, nem é o que se
busca. Demonstrar, nesta matéria, a cacofonia existente entre o que é, por vezes,
posto como dogma e a realidade social e jurídica brasileira já será o suficiente112.
Importante, então, nesse momento citar o entendimento de
Odilon Carpes Moraes Filho113:
Admitir a função social da posse é admitir direito subjetivo ao não-
proprietário de, através da terra, obter uma vida digna,
assegurando um patrimônio mínimo, ou seja, uma existência
autônoma. Ao contrário, negar a função social da posse, é
continuar acreditando que apenas os proprietários têm direito
subjetivo sobre a terra, e, de certa forma, respaldar as doutrinas
tradicionais clássicas que entendem, na função social, apenas seu
caráter negativo.
O entendimento de Hernandez Gil de que a posse exerce
uma função social, não é uniforme entre os doutrinadores, tendo em vista que
muitos acreditam que a posse não tem essa função, tendo em vista que quando
inserida no ordenamento pátrio não possuía essa qualidade.
3.2 ATIVIDADE ECONÔMICA
Sobre a atividade econômica destacou-se a teoria de
Raymond Saleilles que trouxe novas concepções em relação à teoria de Ihering
impregnado-a com um caráter econômico, batizando sua reformulação como
teoria da apropriação econômica. Para o jurista francês o corpus se manifesta
112
OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.
113 MORAES FILHO, Odilon Carpes. A função social da posse e da propriedade nos direitos reais. Disponível em: http://www.direito.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/odilon-carpes-moraes-filho.pdf. Acesso em: 23 de abril de 2011.
51
como “uma relação durável de apropriação econômica, uma relação de
exploração da coisa a serviço do indivíduo”114.
O próprio Saleilles traça a distinção entre a sua tese e as
anteriores, primeiro, a de Ihering que funda a posse na relação de exploração
econômica; aqui todo detentor é possuidor, salvo exceção expressa da lei. A
segunda, no extremo oposto, a teoria de Savigny, teoria dominante que funda a
posse na relação de apropriação jurídica, e para quem não há possuidores senão
os que pretendem a propriedade115.
Por fim, a terceira, num grau intermediário entre as duas
teorias mencionadas, segundo Saleilles, funda-se a posse na relação de
apropriação econômica e declara possuidor aquele que, sob o ponto de vista dos
fatos, aparece como tendo um gozo independente e ainda como aquele que de
todos tem uma relação de fato com a coisa, considerado assim, a justo título,
como senhor de fato da coisa116.
A semelhança da tese de Saleilles com a de Ihering,
portanto, reside no fato de ambos considerarem a posse como a relação de fato
entre a pessoa e a coisa, sendo que ambos divergem quanto à concepção do
corpus, ou, melhor dizendo, do animus que a ele aplicam, que, para o primeiro,
não engloba a vontade de deter a coisa e dela fruir, mas a vontade de se
assenhorear da coisa.
Há um contraste, entretanto, mais forte: enquanto Ihering
remete à lei o critério de distinção entre posse e detenção, Saleilles o encontra na
observação dos fatos sociais, ou seja, configura posse a relação de fato que é
bastante para estabelecer a independência econômica do possuidor.
114
ALVES, José Carlos Moreira. Posse: evolução histórica. Rio de Janeiro : Forense, 1997. v. 1, p. 236.
115 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.
116 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.
52
Importante salientar que a utilização econômica dessa tese
não se confunde com a apresentada por Ihering, tendo em vista que para este a
posse era condição à destinação econômica da propriedade que, por sua vez,
consistia no usar, fruir e consumir117.
Verifica-se, ainda, que Saleilles em relação à atividade
econômica não representa apenas um meio de incorporar o corpus à vontade
interna, exteriorizada legalmente pela forma jurídica da propriedade, mas exige
uma consciência social que se projeta exteriormente. Sendo assim, necessário
refletir sobre a legitimidade da proteção à posse, não em homenagem ao direito
de propriedade, mas, como um direito decorrente apenas da posse em si mesma.
Nessa teoria os aspectos externos da posse ganham maior
relevância para identificação do possuidor, quando substitui o elemento anímico
individual pela consciência social. Para Saleilles a posse assume uma importância
maior do que a que foi atribuída por Savigny ou Ihering. Para Saleilles, portanto,
não se deduz a posse a partir da propriedade, ou esta é protegida somente para
atuar como salvaguarda de outro direito, o de propriedade.
A posse é o seguinte:
[...] refere-se a uma vontade do indivíduo que deve ser respeitada pela
necessidade mesma de todos de apropriação e exploração econômica
das coisas, desde que esta vontade corresponda um ideal coletivo,
segundo os costumes e opinião pública118
.
Forte no trabalho de Saleilles é o escopo de conceder certa
autonomia à situação possessória, refutando a compreensão que deve se
proteger a posse por ser a guarda avançada do direito de propriedade, como
apregoado pela doutrina objetiva, mas sim em razão da própria posse “porque ela
117
OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.
118 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.
53
representa os fins do „organismo social‟, constituindo um vínculo econômico e
social, decorrente de um estado normal do indivíduo na sua relação com a vida
coletiva”119-120.
Fernando Luso Soares condensa o aspecto basilar da ideia
de Saleilles, “a posse é a apropriação econômica das coisas, sem relação alguma
com a possível existência de um direito sobre a coisa”121.
Concernente a diferenciação entre possuidor e detentor
também não se filiou ao posicionamento de Ihering que aduzia que tal distinção
deveria ser pautada unicamente pela lei122.
Saleilles acredita “o critério para distinguir a posse da
detenção é o de observação dos fatos sociais; há posse onde há relação de fato
suficiente para estabelecer a independência econômica do possuidor”123.
Deter a coisa, para Saleilles, “é exercer, sem dúvida, um
senhorio de fato, mas não uma destinação econômica. Possuir é realizar uma
destinação econômica das coisas de acordo com sua destinação individual”124.
Explica Saleilles125 que o:
119
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à situação proprietária, p. 130.
120 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.
121 SOARES, Fernando Luso. Ensaio sobre a posse como fenómeno social e instituição jurídica. In: RODRIGUES, Manuel. A posse: estudo de direito civil português. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1980, p. 130.
122 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. MACIEL, Marcos Leandro. Estado das Artes das Teorias Possessórias. Revista Jurídica, Furb, v.11, n. 22, 2007. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/viewFile/697/613. Acesso em: 23 de abril de 2011.
123 ALVES, José Carlos Moreira. Posse: evolução histórica. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 1, p. 237.
124 ALVES, José Carlos Moreira. Posse: evolução histórica. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 1, p. 239.
125 ALVES, José Carlos Moreira. Posse: evolução histórica. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 1, p. 239.
54
[...] criado detém a coisa que seu amo lhe confiou, assim como
aquele que hospeda um amigo detém os objetos que o hóspede
trouxe consigo, mas nenhum deles, o criado ou o amigo, possui
tais coisas, porque nenhum deles incorporou-as economicamente
para um fim individual.
Verifica-se, então, que a teoria de Saleilles foi a de libertar a
posse do direito de propriedade, trazendo novamente a sua finalidade econômica
e social imanente e dependente apenas dos costumes sociais e das diferentes
relações jurídicas que unem o homem à coisa que explora.
3.3 JURISPRUDÊNCIA
Nos capítulos anteriores, bem como nos itens deste,
procurou-se explanar sobre as teorias existentes sobre a posse, bem como sobre
o instituto da posse. Importante, então, exemplificar a aplicabilidade da posse no
nosso ordenamento jurídico, o que será demonstrado a seguir.
A jurisprudência catarinense a seguir exemplifica como a
posse é vista no ordenamento brasileiro, que nada mais é, do que a Teoria
Objetiva de Ihering.
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DAS COISAS. [...] III -
"A posse subsiste enquanto o possuidor se comporta em face
da coisa como o faria normal e regularmente o proprietário, e,
portanto, cessa, quando ele deixar de se portar como dono
em face da coisa. [...] Quem quer que não mostre este
interesse e se desligue de algum modo da coisa perde
a posse, porque, se bem que ele seja e continue proprietário,
não é atual e visível como tal, e a posse consiste
precisamente nisto - na parte visível da propriedade - a
diligência do proprietário é uma condição indispensável
da posse" (in: FULGÊNCIO, Tito. Da posse e das ações
possessórias. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 191) IV -
Não ostenta a condição de detentora aquela que exerce, em nome
próprio, um dos poderes inerentes à propriedade. Desse modo,
considerando que a ré, há cerca de vinte e dois anos, reside no
imóvel e, nesse período, intitula-se proprietária do bem, efetuando
o pagamento do imposto predial e territorial urbano respectivo e
das contas de luz - a primeira lançada em nome de sua parente e
55
a segunda em nome próprio - fica claro que a ocupação desborda
a mera permissão a que aludem os arts. 1.208 do Código Civil de
2002 e 497 do Código Civil de 1916. (grifo nosso) 126
Verifica-se então, que o Relator para fundamentar a sua
decisão utilizou o pensamento de Ihering, ou seja, aquele que tem de fazer seu
interesse, ordena-o, e é precisamente esta circunstância que faz com que se lhe
reconheça como aquele a quem a coisa pertence. O interesse testemunhado no
fato pela maneira de se servir da coisa, de cuidar dela, de protegê-la e garanti-la é
o indício do verdadeiro proprietário.
Assim sendo, a diligência do proprietário é uma condição
indispensável da posse. Demonstrando, ainda, o que foi mencionado, em casos
práticos, traz-se as jurisprudências do nosso estado a seguir, no mesmo
poscionamento:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC NÃO DEMONSTRADOS.
DISCUSSÃO DOMÍNIO IRRELEVÂNCIA. TEORIA OBJETIVA
ILHERING. POSSE ESTADO DE FATO. SENTENÇA EXTINÇÃO
ART. 267, VI, CPC. ADEQUAÇÃO DISPOSITIVO LEGAL DO
ART. 269, I, DO CPC. RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO
CONHECIDO E IMPROVIDO. Tratando-se de ação possessória,
não se discute o domínio do imóvel, mas apenas a posse, que é
o estado de fato sobre a coisa, conforme se observa da teoria
objetiva de lhering, teoria esta adotada pelo nosso
ordenamento civil. Incumbia aos apelantes a prova anterior da
sua posse sobre a área, bem como a prova do suposto esbulho
praticado pelos apelados, a sua data e a consequente perda da
sua posse, nos moldes do art. 927 do CPC, uma vez não
comprovados os requisitos para o deferimento da ação
possessória, impõe-se sua improcedência, com resolução do
mérito. (grifo nosso) 127
126 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2007.054601-9, de Lages.
Relator: Des. Henry Petry Junior, julgada em 14/4/2011. Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 9 de maio de 2011.
127 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2006.029431-3, de São Carlos. Relator: Juiz Saul Steil, julgada em 03/08/2010. Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 9 de maio de 2011.
56
APELAÇÃO CÍVEL - DEMANDA DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE - PEDIDO DE ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL
FORMULADO EM GRAU DE RECURSO - POSSIBILIDADE -
AGRAVO RETIDO NOS AUTOS - ALEGAÇÃO DE
CERCEAMENTO DE DEFESA SOB DUPLO FUNDAMENTO -
INOCORRÊNCIA - POSSE DO AUTOR ANTERIORMENTE
CARACTERIZADA PELA DESTINAÇÃO ECONÔMICA DA COISA
- OCUPAÇÃO POR FAMÍLIAS - ESBULHO CONFIGURADO -
CONCESSÃO DO INTERDITO REINTEGRATÓRIO - SENTENÇA
CONFIRMADA - APELO DESPROVIDO. A assistência tem lugar
em qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus de
jurisdição, podendo o adquirente ou cessionário intervir no
processo, assistindo o alienante ou cedente. O empregado, à
guisa de regra, não é suspeito para depor, cabendo à parte
adversa demonstrar elementos concretos que façam supor
interesse na solução do litígio. Não sucede nulidade pela ausência
de vista dos documentos juntados se eles são ou deveriam ser de
conhecimento da parte contrária, cabendo-lhe agitar o defeito na
primeira oportunidade que tiver para falar nos autos. A posse é
uma situação de fato juridicamente tutelada, que exterioriza
alguns dos poderes inerentes ao domínio e revela a
destinação econômica da coisa, conforme a teoria objetivista
contemplada em nosso ordenamento jurídico. (grifo nosso) 128
Na jurisprudência catarinense seguinte, verifica-se que o
Relator, para fundamentá-la, utilizou-se das teorias objetiva (Ihering) e da
subjetiva (Savigny), demonstrando, assim, que em certos momentos existe a
aplicabilidade das duas, mesmo que a teoria objetiva seja a utilizada pelo nosso
ordenamento jurídico.
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE -
AUTORA - MANDATÁRIA COM PODERES DE
ADMINISTRAÇÃO DO IMÓVEL - PODER SOBRE A COISA
EXERCIDO EM NOME DE OUTREM E EM CUMPRIMENTO DE
ORDENS E INSTRUÇÕES SUAS - MERA DETENÇÃO QUE NÃO
GERA OS EFEITOS JURÍDICOS PRÓPRIOS DA POSSE -
ARTIGO 1.198 DO CÓDIGO CIVIL - ILEGITIMIDADE ATIVA -
RECONHECIMENTO EX OFFICIO - ARTIGO 267, INCISO VI E §
128
BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível n. 1997.011774-4, da Capital. Relator: Des. Monteiro Rocha, julgada em 20/03/2003. Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 9 de maio de 2011.
57
3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - EFEITO TRANSLATIVO
DO RECURSO - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE
MÉRITO - RECURSO PREJUDICADO. Detentor não é
possuidor, seja por lhe faltar animus (segundo a teoria de
Savigny), seja porque o ordenamento desqualifica sua
relação de poder sobre a coisa à mera detenção (conforme
a teoria de Ihering). Sob um ou outro fundamento, o que se pode
afirmar, peremptoriamente, é que os efeitos jurídicos próprios da
posse não são produzidos na relação de detenção, de tal maneira
que ao detentor não é conferido o exercício de direitos e
pretensões possessórias em nome próprio. (grifo nosso) 129
Buscando em outros tribunais brasileiros, verifica-se também
a aplicabilidade da teoria objetivista, a utilizada pelo nosso ordenamento jurídico.
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - SERVIDÃO DE
PASSAGEM - POSSIBILIDADE DE PROTEÇÃO POSSESSÓRIA
- SÚMULA 415 DO STF - DEMONSTRAÇÃO - AUSÊNCIA -
MERA TOLERÂNCIA.- O ordenamento jurídico assegura ao
possuidor diversas formas para a proteção da sua posse, entre as
quais se pode citar o manejo dos interditos possessórios. A
proteção possessória, em regra, somente deve ser concedida na
hipótese de se comprovar a posse, a qual deve ser compreendida
como o exercício de fato, pleno ou não, de alguns dos poderes
inerentes à propriedade, conforme a teoria de Ihering,
esposada pelo direito brasileiro.- Nos termos da Súmula 415 do
STF, ""servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente,
sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se
aparente, conferindo direito à proteção possessória"". - ""Não
induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância [...]"" (art.
1.208 do CC/2002), razão pela qual, inexistente a servidão, não se
pode considerar provado o esbulho, o que conduz à
improcedência do pedido formulado na inicial. (grifo nosso) 130
Analisando o acórdão acima, verifica-se que o Relator ao
tratar de servidão aparente, utilizou a teoria objetiva. Demonstrando, ainda, que a
129
BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2008.074288-9,de Biguaçu. Relator: Des. Subst. Jaime Luiz Vicari, julgada em 03/12/2009. Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 9 de maio de 2011.
130 BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n. 1.0514.06.022537-2/001, de Pitangui/MG. Relator: Des. Elpídio Donizetti, julgada em 09/02/2010. Disponível em http://www.tjmg.jus.br/juridico. Acesso em 9 de maio de 2011.
58
posse pode ser provada, cabendo ao seu titular invocar, em seu favor, os
interditos possessórios de reintegração, manutenção ou proibitório, sempre que
se sentir cerceado no exercício dos seus direitos. Tais remédios não são
utilizáveis se a servidão não for aparente, discutindo-se se há ou não posse das
servidões aparentes, mas descontínuas, tais interditos possessórios foram
assuntos do capítulo primeiro desse estudo.
Demonstrando, ainda, a aplicabilidade da Teoria de Ihering
traz-se as jurisprudências a seguir:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
REQUISITOS DO ART. 927, DO CPC, NÃO ATENDIDOS.
AUSÊNCIA DE PROVA DA POSSE. TEORIA OBJETIVA DE
IHERING. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DE EXERCÍCIO
FÁTICO SOBRE ÁREA. 1. Tendo o direito civil pátrio adotado
a Teoria Objetiva de Ihering, considera-se posse o exercício
pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade,
conforme o art. 1.196, do CC/02. 2. Para a demonstração da
posse é necessária a prova do exercício de poder fático sobre a
coisa, sendo que, salvo casos pontuais, tal prova não se faz com
documentos, demandando, assim, dilação probatória. 3. Os
autores buscam o êxito do pedido possessório com base no
domínio. Contudo, em sede de ação possessória deve ser
mantido na posse aquele que tiver a melhor posse sobre o bem
discutido, independentemente da propriedade. Afinal, as ações
possessórias não servem para discutir propriedade, ainda que
possível a discussão sobre o domínio, porém nos termos
restritivos da Súmula 487 do STF, que não é o caso. 4. Não há
fungibilidade entre ações possessória e petitórias. APELAÇÃO
DESPROVIDA. (grifo nosso)131
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. CESSÃO DE
DIREITOS POSSESSÓRIOS. AUSÊNCIA DE POSSE
QUALIFICADA. PROVA DOCUMENTAL QUE, EM REGRA, NÃO
É HÁBIL PARA, ISOLADAMENTE, DEMONSTRAR POSSE.
CARÊNCIA DE AÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO
DO MÉRITO. SENTENÇA DECLARADA. 1. Tendo o direito civil
131
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70029051034, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, julgado em 23/04/2009. Disponível em http://www.tjrs.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.
59
pátrio adotado a Teoria Objetiva de Ihering, considera-se
posse o exercício pleno, ou não, de algum dos poderes
inerentes à propriedade, conforme o art. 1.196, do CC/02. 2.
Para a demonstração da posse é necessária a prova do exercício
de poder fático sobre a coisa, sendo que, salvo casos pontuais, tal
prova não se faz com documentos, demandando, assim, dilação
probatória. 3. Os autores buscam o êxito do pedido de aquisição
originária com base em documentos, que isoladamente não se
prestam para tal finalidade, porquanto a posse necessita de prova
do poder fático sobre a coisa. 4. Tendo em vista que os autores
propuseram a demanda sem a implementação dos requisitos da
usucapião pretendida, são carecedores de ação, devendo ser o
feito extinto, sem resolução do mérito, declarando-se a sentença.
APELAÇÃO DESPROVIDA. (grifo nosso) 132
Fica claro pelo acórdão exposto acima que o direito civil
brasileiro adotou a teoria objetiva de Ihering, que nada mais é que a posse tem o
exercício pleno, ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade. Sendo
assim, esta será sempre a de maior aplicabilidade do nosso ordenamento jurídico,
demonstrado, ainda, pelas jurisprudências a seguir.
ACÓRDÃO "POSSESSÓRIA - Manutenção de posse - Hipótese
em que a requerida-apelante usufruía do bem por força da sua
convivência marital com o 'de cuius', pai da requerida - Existência
de instrumento público outorgando ao 'de cuius' procuração para
mera administração do imóvel, caracterizando-se, assim, como
mero detentor - arts. 487 do CC/16 e 1 198 do CC/02 - Recurso da
autora improvido. POSSESSÓRIA - Manutenção de posse -
Requerimento da requerida de indenização pelos prejuízos
decorrentes da indevida retenção do imóvel - Inadmissibilidade -
Hipótese em que a obra já vinha sendo realizada desde junho de
1 996 pelo 'de cuius", não logrando a ré demonstrar qualquer
inovação Segai ou abusiva ao estado de fato do imóvel em
questão - Pretensão da requerida para reaver as rendas
provenientes de alugueres e outras atividades da natureza rural
do imóvel - Admissibilidade, eis que, a partir do falecimento do pai
da requenda, a autora deveria abster-se de receber tais verbas -
Caracterizada a moléstia à posse, devendo reembolsar a ré os
132
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70028911071, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, julgado em 02/04/2009. Disponível em http://www.tjrs.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.
60
valores recebidos indevidamente a tais títulos, além de perdas e
danos a serem fixados em liquidação de sentença - Recurso da
requerida parcialmente provido." [...] "Ora, como já demonstramos,
não há dúvida de que quanto à conceítuação da posse - e,
portanto, quanto à distinção entre ela, a detenção e a mera
justaposição material da coisa ã pessoa -, o Código Civil
brasileiro se orientou pela teoria objetiva de Ihering. Com
efeito, depois de definir, sem qualquer alusão ao elemento
subjetivo, o que vem a ser possuidor (art. 485 Considera-se
possuidor...), estabelece ele, no art. 487, quando não há
possuidor, ou seja, quando há detentor: 'Art. 487. Não é
possuidor aquele que, achando-se em relação de
dependência para com outro, conserva a posse em nome
deste e em cumprimento de ordens ou instrução suas.'....
Nessa hipótese - as previstas nos arts. 487, 497, 520, III in
fine, e 522 -, ter-se-ia posse se não existissem esses
dispositivos legais que declaram que, em tais casos, ela não
se configura, de onde decorre, implicitamente, a ocorrência,
neles, de detenção." ("POSSE- ESTUDO DOGMÁTICO" - 2a ed.
- vol. II, tomo I - págs. 61 e segs. - FORENSE - 1 997 - Rio) [...] Se
o art. 487 do velho Código fornece-nos o conceito de quem "não é
possuidor", o art. 1 198 citado, o de "detentor". Quem utiliza o bem
em nome de outrem, por ordem sua ou em seu único interesse,
"posse não possui". [...] (grifo nosso) 133
AÇÃO DE REINTEGRAÇAO DE POSSE. AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO DE POSSE ANTERIOR. ESCRITURA DE
CESSÃO DE DIREITOS AQUISITIVOS DA QUAL NÃO CONSTA
CESSÃO DA POSSE. CONTRATO VERBAL FIRMADO EM DATA
ANTERIOR À LAVRATURA DA ESCRITURA DE CESSÃO DE
DIREITOS ADQUITIVOS. ALEGAÇÃO DE COMODATO NÃO
COMPROVADA. REFUTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES INICIAIS.
LIMINAR INDEFERIDA. PROVA ORAL INSUFICIENTE PARA
COMPROVAÇÃO DA POSSE ANTERIOR DA AUTORA. - Ponto
controvertido que passa necessariamente por digressão a respeito
das formas de aquisição da posse, versando única e
exclusivamente a respeito de matéria possessória (jus
possessionis). Adoção pelo ordenamento civil
da teoria objetiva de Ihering. - Autora que em momento algum
133
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. 9182425-76.1999.8.26.0000, 4ª Câmera, Campinas/SP. Relator: J. B. Franco de Godoi, julgada em 05/05/2004. Disponível em http://www.tjsp.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.
61
comprova que tinha posse anterior, relativamente ao imóvel
reintegrando, não servindo para esta finalidade a escritura de
cessão de direitos aquisitivos acostada aos autos. Ausência, na
referida escritura, de cláusula constituti, que caracterizaria
eventual transmissão da posse, a justificar a alegação de
empréstimo gratuito. Autora residente e domiciliada em Petrópolis,
enquanto que o imóvel reintegrando é situado em Rio das Ostras.
- Contrato de comodato firmado em data muito anterior à da
escritura de cessão de direitos aquisitivos e firmada por pessoa
diversa da ré. Prova oral que ratifica a posse da ré, não
comprovando eventual posse anterior por parte da autora. - Não
comprovada posse anterior da autora, não se configura o alegado
esbulho possessório, não fazendo jus a autora a utilização dos
interditos possessórios. Viabilidade da reivindicatória, desde que
comprovada a propriedade do imóvel.- PROVIMENTO DO
RECURSO. (grifo nosso) 134
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC COMPROVADOS. AÇÃO
PROCEDENTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
MANUTENÇÃO. LIDE SECUNDÁRIA. AUSÊNCIA DE PEDIDO
DE NOVA DECISÃO (ART. 514, III, DO CPC). NÃO
CONHECIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO E NÃO
CONHECIDO O APELO REFERENTE À LIDE SECUNDÁRIA.
- "Segundo Ihering a posse é a exteriorização ou visibilidade
do domínio, ou seja, a relação exterior intencional existente
normalmente entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a
função econômica desta. O importante é o uso econômico ou
destinação econômica do bem, pois qualquer pessoa é capaz
de reconhecer a posse pela forma econômica de sua relação
exterior com a pessoa. Por exemplo, se virmos alguns
materiais junto a uma construção, apesar de ali não encontrar
o possuidor, exercendo poder sobre a coisa, a circunstância
das obras e dos materiais indica a posse de alguém."-
Honorários advocatícios corretamente fixados atendendo a
critérios de eqüidade (art. 20, § 4º, do CPC).
- "O recurso de apelação é um todo, sujeito ao princípio
processual da regularidade formal. Faltante um dos requisitos
formais da apelação exigidos pela norma processual, o Tribunal a
134
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n. 0000046-72.2003.8.19.0068, do Rio de Janeiro. Rel. Des. Carlos Santos de Oliveira, julgada em 05/10/2010. Disponível em http://www.tjrj.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.
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quo não poderá conhecê-lo. Recurso não conhecido" (STJ, REsp
263424). (grifo nosso) 135
Verifica-se, então, com esse estudo, que a teoria de
aplicabilidade no nosso ordenamento jurídico é a objetiva, porém, em alguns
momentos, será utilizada como exemplo a teoria subjetiva. Demonstrou-se, ainda,
na prática, a utilização desta nos dias atuais.
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BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível n. 0552840-7, de Curitiba/PR. Rel. Des. Stewalt Camargo Filho, julgada em 27/05/2009. Disponível em http://www.tjpr.jus.br. Acesso em 9 de maio de 2011.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente monografia teve como objeto o estudo das
Teorias da Posse.
No decorrer da monografia, verificou-se que existem duas
teorias possessórias que têm predominância nos ordenamentos jurídicos, quais
sejam a Teoria Possessória de Savigny e a Teoria Possessória de Ihering, sendo
que a segunda é a de maior aplicabilidade, bem como é a utilizada pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
Para se chegar à conclusão acima, foi necessária a
elaboração de três capítulos. O primeiro capítulo preocupou-se em tratar sobre o
instituto da posse, levantando uma questão bastante controvertida, que é a sua
natureza jurídica, estudando, ainda, a sua classificação e os seus efeitos.
O segundo capítulo abordou a Teoria Possessória de
Savigny, ou seja, a Teoria Subjetiva da Posse e a Teoria Possessória de Ihering,
ou seja, a Teoria Objetiva da Posse. Já o terceiro capítulo abordou sobre as
Teorias Agregadas, quais sejam a da Função Social e da Atividade Econômica,
bem como a aplicabilidade jurídica das teorias, por meio de jurisprudências do
direito brasileiro.
Analisados os capítulos desta monografia, passa-se, agora,
à confirmação ou não das hipóteses levantadas na introdução:
Primeira hipótese: A teoria possessória de Ihering é a única aplicada no
ordenamento jurídico brasileiro.
Essa hipótese foi parcialmente confirmada, tendo em vista
que a teoria possessória de Ihering é a adotada pelo ordenamento pátrio, porém,
em determinados julgamentos, utilizam-se as outras teorias, como a de Savigny,
para fundamentar as decisões.
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Segunda hipótese: As teorias possessórias tradicionais, Ihering e Savigny, ainda
são suficientes para justificar a posse.
Essa hipótese não se confirmou, pois, para justificar a posse
atualmente, é necessário que se utilizem as teorias da Função Social e da
Atividade Econômica, conforme abordou-se no terceiro capítulo.
Verificou-se, então, a importância do estudo das teorias
possessórias, tendo em vista que estão em constante mudança e é necessário
que se aprofunde no que diz respeito a esse assunto.
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