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ISSN 2176-1396
TEORIAS PEDAGÓGICAS E DESIGN: CONSIDERAÇÕES SOBRE O
MÉTODO DE PAULO FREIRE COMO GUIA PARA A CONSTRUÇÃO
DE ANIMAÇÕES GRÁFICAS EDUCACIONAIS
Marcia Maria Alves1 - UFPR
Eixo – Educação, Tecnologia e Comunicação
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
A animação gráfica direcionada para a educação constitui um recurso para auxiliar no
aprendizado de determinado conteúdo escolar. Esse recurso vem sendo muito utilizado devido
a evolução da computação gráfica, as vantagens que ele possui enquanto mídia e por ser
apreciado pelos estudantes. Por ser um material didático sua concepção e seu design precisam
acompanhar as teorias e práticas de aprendizado utilizadas pelo professor e facilitar a
aprendizagem do aluno. Dessa forma, a construção da animação pode variar conforme a teoria
adotada por seus desenvolvedores. Por outro lado, além da teoria de aprendizado, a animação
precisa considerar o contexto social, político e cultural do aprendiz para facilitar o
aprendizado. A fim de realizar esse ajuste da teoria pedagógica com o design centrado no ser
humano/aprendiz, analisou-se neste estudo, que foi configurado como uma pesquisa básica,
teórica e bibliográfica, a Pedagogia de Paulo Freire e a sistematização de seu método de
alfabetização como passos que pudessem ser associados ao design de animações
educacionais. Após essa breve análise pode-se recomendar que o procedimento de formação
de objetos geradores, advindo do método analisado, pode ser uma forma de pesquisa acerca
do aprendiz e de seus contextos. Além disso, a proposta de Paulo Freire demonstra uma forma
de alinhar o design da animação às teorias pedagógicas, bem como uma maneira de planejar a
implantação da animação, enquanto tecnologia educacional, em consonância com as teorias
progressistas no contexto das ações em sala de aula. Por fim, foi proposto uma associação das
ações do método Paulo Freire com as ações de planejamento das animações educacionais e,
com isso, pode-se sugerir as possíveis características que uma animação construída sob esse
viés poderia assumir enquanto objeto gerador.
Palavras-chave: Animação gráfica. Objeto gerador. Método Paulo Freire.
1 Doutora em Design pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisa o design de recursos educacionais com foco
no design de animação gráfica educacional. E-mail: alvesmarcia@gmail.com.
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Introdução
As práticas pedagógicas atuais têm adotado teorias progressistas como guia para as
atividades escolares. Nesse contexto, existe uma demanda de atuação mais ativa de aprendizes
e professores, sendo que, esse último, assume a posição de mediador e gerador de situações de
aprendizagem. Com isso, se tem a necessidade de materiais auxiliares mais alinhados a essas
práticas.
Um dos materiais que tem se tornado popular nas salas de aula é a animação gráfica.
Lowe et al. (2008) definem animação como formas ou elementos que se modificam em
relação ao tempo. Essa modificação ocorre de maneira sequencial e contínua. Na animação
pode-se empregar a linguagem verbal, visual e sonora, o que a torna um objeto multimídia e
acessível quando permite o trabalho com esses diferentes canais de comunicação.
Pesquisas realizadas no ramo da psicologia do aprendizado apontam várias funções
para a animação na ação pedagógica tais como: entreter, informar, facilitar, auxiliar, capacitar
e motivar o aprendizado (WEISS et al., 2002; LOWE et al., 2008). No entanto, em muitos
casos, essas animações são produzidas como complemento ao conteúdo e para a transmissão
desse em sala de aula. Elas são praticamente uma cópia do livro didático ou, então, elas se
voltam totalmente para o apelo comercial ou estético se tornando visualmente interessantes
mas com pouca informação ou, ainda, em alguns casos, o conteúdo chega a se perder em
narrativas ilustrativas, o que causa o desinteresse e diminui as chances de aprendizado.
Conforme Mattar (2010) um problema que exerce influência no aprendizado está
relacionado a falta de motivação em sala de aula. Para esse autor, uma das causas desse
desinteresse acontece em virtude da lacuna existente entre a vida “real” (grifo nosso) e o que é
aprendido na escola. Ainda conforme esse autor, a escola se dissociou do prazer, o que faz
dela um lugar desinteressante ao aluno.
Isso leva a pensar que a mera introdução de tecnologias não garante a motivação para
aprendizagem. Para Kenski (2007, p. 45), a entrada da tecnologia ampliou as possibilidades
de apresentação dos conteúdos, mas esse processo ainda não foi o suficiente para mudar as
relações dentro das salas de aula. Por mais que as escolas usem os computadores e a Internet,
em muitas situações, as aulas continuam iguais, expositivas, lineares e fragmentadas. Daí
surge a necessidade de alinhamento do material, da linha pedagógica e das necessidades dos
aprendizes por meio da aproximação das aulas e dos materiais ao contexto do aluno.
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No design, uma forma de se projetar que leva em consideração todos os envolvidos no
processo e que destina suas soluções ao atendimento das necessidades dos usuários, neste
caso, os aprendizes, é o Design centrado no ser humano/usuário (ABNT NBR ISO 9241-210).
Essa metodologia possui muitas técnicas de projeto que podem ser aplicadas à educação, no
entanto, nesse trabalho, optou-se por buscar nas próprias teorias pedagógicas os métodos e
práticas que pudessem ser melhor adaptados a esses materiais.
Por isso, gerou-se as seguintes questões: Como projetar um material conforme às
atuais teorias pedagógicas que seja interessante ao aprendiz e que auxilie aos professores em
sua prática de ensino/aprendizagem? Ou: Como projetar um material mais voltado ao
aprendiz? Como conhecer melhor esse aprendiz, o que ele quer e o que ele precisa? ou ainda:
Como utilizar as animações como uma tecnologia educacional dentro das salas de aula para
gerar empatia e motivação para o aprendizado?
A partir da necessidade de aproximação do material escolar à realidade dos alunos,
esse artigo buscou nas teorias pedagógicas uma base para o aperfeiçoamento do design desses
materiais e indicações de como se pode inserir o usuário/aprendiz nesse processo. Para isso,
este estudo adotou a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire que é educador, filósofo e
articulador crítico do pensamento pedagógico brasileiro. Esta escolha se justifica por Paulo
Freire ser conhecedor do contexto do país, por possuir propostas de articulações entre a teoria
e a prática, além disso, esse educador utilizou pesquisas e materiais próprios que levam em
conta o aprendizado dentro de um contexto social e político. Justifica-se, também, por ele ser
um educador que se alinha com as atuais concepções e objetivos educacionais emergentes no
país e no mundo (tais como os 4 pilares de Delors (2000): Aprender a conhecer, Aprender a
fazer, Aprender a conviver e Aprender a ser).
Por meio da análise da pedagogia de Paulo Freire e de sua aplicação encontrou-se
caminhos para a construção de materiais auxiliares ao professor e mais adequados ao seu
público. Por isso, este artigo se apropria do conceito de Paulo Freire de objeto gerador e
propõe essa mesma lógica para o design, a construção e a inserção de animações educacionais
na prática pedagógica.
A Pedagogia de Paulo Freire
Paulo Freire foi um educador brasileiro, natural de Recife, estado de Pernambuco, que
elaborou um programa de alfabetização de adultos que o tornou reconhecido
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internacionalmente. Participava da corrente existencialista, humanista, fenomenológica,
dialética e materialista histórica, ideais que estavam em vigor em sua época de atuação e que
fundamentaram suas ações (LIMA, 1981).
O "Método Paulo Freire" (grifo nosso) ganhou fama em diversos países por envolver o
contexto social como elemento de aprendizagem, por mudar a relação professor/aluno e
estabelecer entre esses uma relação dialógica. Esse método é decorrente de ideais de
socialização das pessoas de modo crítico e ativo. Dessa maneira, ele acreditava em uma ação
pedagógica não mais pautada nas aulas expositivas, verbalistas e verticais em que os
educadores depositavam os conhecimentos em seus aprendizes que, passivamente, recebiam
estes saberes e o repetiam.
Paulo Freire criticava o conceito de conhecimento ensinado nas escolas, normalmente,
proveniente de uma elite dominante, enquanto o conhecimento gerado da prática e da cultura
popular, nas periferias, era ignorado. Para Paulo Freire a escola exercia uma prática
“bancária” (grifo nosso) e dominadora de educação em que os conhecimentos chegavam aos
alunos de forma pronta e fechada e eram “depositados” (grifo nosso) em suas memórias para
que assim pudessem repeti-los e perpetuá-los sem crítica ou reflexão (FREIRE, 1974).
Para Brandão (1981, p. 21) Paulo Freire “pensou que um método de educação
construído em cima da ideia de um diálogo entre educador e educando, onde há sempre partes
de cada um no outro, não poderia começar com o educador, trazendo, pronto, do seu mundo,
do seu saber, o seu método e material da fala dele”. Com isso, Freire anunciava uma nova
forma de ver a relação educador/educando e de construir um material didático dialógico e
integrado.
Paulo Freire buscou uma pedagogia assentada no diálogo entre educador e educando em
que o conhecimento a ser discutido em sala de aula deveria partir da própria população. Para
esse professor não se pode gerar pedagogias para os oprimidos mas, sim, gerar pedagogias com
os oprimidos. Só uma pedagogia gerada com eles e advinda deles é que poderia fazer com que
enxergassem seus benefícios e suas consequências. Com isso, ele propõe que não se é possível
educar as pessoas mas, sim, é possível ajudá-las a aprender por si só e com seus contextos
(FREIRE, 1974).
Para Arroyo (2012, p. 27), Paulo Freire não propõe uma “metodologia para educar os
adultos camponeses ou trabalhadores, nem os oprimidos, mas reeduca a sensibilidade
pedagógica para captar os oprimidos como sujeitos de sua educação, de construção de
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saberes, conhecimentos, valores e cultura”. Com isso, se respeitaria a cultura e os fatores
sociais do educando.
Portanto, a tarefa de organização deste currículo para aprendizagem, conforme Paulo
Freire, deve ser algo a ser pensada em conjunto com o aprendiz por meio dos chamados
“temas geradores” (grifo nosso) retirados das relações sociais do universo dos aprendizes.
Paulo Freire não investigava um sujeito mas, sim, as relações que estão estabelecidas entre os
sujeitos dentro de determinada realidade “o que se pretende investigar, realmente, não são os
homens como se fossem peças anatômicas, mas seu pensamento-linguagem referido à
realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a sua visão do mundo, em que se
encontram envolvidos seus “temas geradores”” (FREIRE, 1974, p. 88).
Nesta perspectiva
“Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da
educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser
depositado nos educandos, mas a devolução organizada, sistematizada e
acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma
desestruturada.” (Idem. p. 83-84).
Para tanto, Paulo Freire estruturou um método que tinha como base inicial a pesquisa
com os aprendizes para levantar o vocabulário e temas específicos da região onde o educador
estava atuando. Esse estudo era realizado até o pesquisador formar seus argumentos e propor
sua ação de alfabetização. O método de Paulo Freire apresenta os seguintes passos (FREIRE,
1967 e 1974):
a) Levantamento de temas juntamente com a população, esses temas geram assuntos
onde emergem as palavras mais utilizadas chamadas palavras geradoras;
b) Após estabelecimento de temas e palavras ocorre a descodificação, ou seja, o
entendimento desses temas e palavras por meio do educador/ pesquisador;
c) Com isso parte-se para a investigação dos temas levantados;
d) Estabelece-se um estudo sistemático dos temas achados;
e) Realiza-se uma síntese chamada de redução temática que considera, ainda, a
inserção de saberes necessários para a comunidade mas que não foram
encontrados nas falas coletivas.
Por meio de uma pesquisa simples, mas que lembrava a pesquisa etnográfica, o
professor/pesquisador identificava o que chamava de palavras geradoras no universo
vocabular dos moradores da região em que atuava. Esta pesquisa não tinha um roteiro fixo,
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conforme Brandão (1981, p. 25) eram feitas perguntas “sobre a vida, sobre casos acontecidos,
sobre o trabalho, sobre modos de ver e compreender o mundo”.
As palavras geradoras, conforme Freire (1967, p. 120), são “aquelas que, decompostas
em seus elementos silábicos propiciam, pela combinação desses elementos a criação de novas
palavras”. Paulo Freire utilizava essas palavras tiradas do cotidiano dos próprios aprendizes
como eixo principal para a aprendizagem. Nessa fase os educadores/pesquisadores “Vão
registrando as expressões do povo; sua linguagem, suas palavras, sua sintaxe, que não é o
mesmo que sua pronúncia defeituosa, mas a forma de construir seu pensamento” (FREIRE,
1967, p. 105). Por meio de sons, expressões e de situações conhecidas, utilizadas e vividas pelos
moradores da região, a forma gráfica vai se revelando e o aprendizado vai sendo facilitado.
As palavras geradoras para Brandão (1981) não são somente um instrumento de leitura
da língua, mas constituem leituras da realidade social, elas revelam necessidades gramaticais
da população, adequações verbais realizadas na região, relações sociais e culturais que são
estabelecidas no local. Portanto, figuram como um material coletivo e solidário à comunidade
pesquisada, capaz de carregar carga afetiva e memória crítica típica da região.
Aplicando o que chamava de “círculos de cultura”, conversas informais com os
educandos sobre os mais variados temas, essas palavras eram identificadas coletivamente e
postas em comum como ponto de discussão e aprendizado.
Esses temas eram descodificados pelos pesquisadores e investigados a fim de gerar
situações base para a alfabetização. Por fim, se realizava um estudo sistemático dos objetos
geradores (palavras, temas) e estes eram organizados para serem aplicados pelos educadores.
Esta sistematização permite a concepção e a escolha da forma que o conteúdo terá:
feita a “redução” da temática investigada, a etapa que se segue, segundo vimos, é a
de sua “codificação”. A escolha do melhor canal de comunicação para este ou
aquele tema “reduzido” e sua representação. Uma “codificação” pode ser simples ou
composta. No primeiro caso, pode-se usar o canal visual, pictórico ou gráfico, o tátil
ou o canal auditivo. No segundo, multiplicidade de canais (FREIRE, 1974, p. 116-
117).
Essa forma é determinada pelos achados advindos dos educandos, portanto, “A
escolha do canal visual, pictórico ou gráfico, depende não só da matéria a codificar, mas
também dos indivíduos a quem se dirige. Se têm ou não experiência de leitura” (FREIRE,
1974, p. 117).
Para Freire (1967, p. 7) o que importava na escolha das palavras e na confecção de
desenhos ou elementos gráficos auxiliares “é que estes homens particulares e concretos se
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reconheçam a si próprios, no transcurso da discussão, como criadores de cultura”, que tenham
empatia com o conteúdo e, com isso, “as imagens devem poder expressar algo deles próprios e,
tanto quanto possível, seguindo suas próprias formas de expressão plástica”.
As imagens discutidas por Paulo Freire normalmente apresentavam elementos
cotidianos e cenas de natureza, trabalho, sobrevivência e práxis, pois, ele “aposta na cultura
enquanto resultado da práxis e do trabalho humano em sua relação dialética” (LIMA, 1981, p.
109).
Como exposto nessa perspectiva, o conteúdo que vai ser tratado em sala de aula tem
origem do próprio educando, entretanto, nem todo tema ou assunto é proveniente ou pode ser
encontrado no cotidiano do aprendiz. Nesse caso, o professor se torna responsável pela
inserção de novos temas, não citados pelos círculos de cultura, mas que ele considera de
extrema relevância para os aprendizes. Esses temas são colocados de forma complementar e
conectados aos provenientes dos alunos, chamados de temas dobradiças, por serem temas que
se interligam e fecham os demais (LIMA, 1981, p. 90).
Com isso o aprendizado não é reduzido ao mundo do aprendiz, como muitos críticos à
teoria de Paulo Freire propunham, por esse método oferecer a população apenas o que ela
queria e não o que realmente necessitava, impedindo essas pessoas de “mover-se a um mais
alto nível de compreensão da realidade” (FREIRE, 2001, p. 119). Outra crítica se assenta na
posição do professor ao abandonar a prática de transmissão de conhecimento formal. No
entanto, uma forma de entender a teoria de Paulo Freire pode também se assentar em uma
ressignificação da prática vigente de forma ampliada, pois, o professor parte da experiência do
aprendiz e do que precisa ser ensinado pelo conhecimento formal, e amplia ambos ao tornar
essa prática crítica e reflexiva sem deixar de lado as conexões próprias de cada cultura (idem,
2001, p. 119).
Com isso Paulo Freire não criou uma sistematização do conteúdo, mas quebrou
paradigmas e anunciou uma forma de aproximação da prática de sala de aula e dos conteúdos
aprendidos com o educando. Essa aproximação com a cultura popular proporcionou, na
época, um avanço na aprendizagem de adultos (no Rio Grande do Norte em 1963, a aplicação
deste método alfabetizou 300 adultos em 45 dias (LIMA, 1981, p. 90).
Após essa breve exposição do método/procedimento de Paulo Freire, o próximo tópico
aborda o objeto de estudo deste artigo, as animações educacionais e o conceito de objeto
gerador.
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Animações gráficas educacionais como objeto gerador
A necessidade de aproximação dos materiais e das tecnologias educacionais dos
educandos faz com que seus desenvolvedores necessitem de uma pesquisa mais ampla acerca
do objeto a ser construído. Como essa construção envolve muitos profissionais diferentes,
tem-se a necessidade de procedimentos que possam revelar as características do aprendiz. A
pesquisa junto e com os usuários é uma das práticas utilizadas no Design centrado no ser
humano/usuário, porém, a técnica de pesquisa e a maneira com que ela é aplicada varia
conforme as necessidades do projeto.
Em educação tem-se a necessidade de levantar as características não somente relativas
a forma de aprendizado dos usuários, mas envolvem questões culturais e de percepção visual
e cognitiva. Isso tudo tendo em vista o aprendizado do aprendiz dentro de seu contexto social,
político e econômico.
A animação, conforme já mencionado (WEISS et al., 2002; AINSWORTH, 2008,
LOWE et al., 2008), pode: motivar, ilustrar, capacitar e facilitar o aprendizado, no entanto,
essas potencialidades só se efetivarão mediante a ação pedagógica do professor.
A animação se tornou comum entre crianças e adultos por meio da televisão e do
cinema, dados da Ancine (Agência Nacional de Cinema) (SAM, ANCINE, 2010, p. 22)
mostram filmes de animação com altos faturamentos e grandes faixas de espectadores.
A concepção da animação normalmente ocorre de forma linear seguindo etapas de
produção: (1) concepção e desenvolvimento, (2) pré-produção, (3) produção e (4) pós-
produção (BARBOSA JÚNIOR, 2005; WILLIANS, 2009; LAYBOURNE, 1998). Cada etapa
possui uma sequência de ações que vão modificando a animação, onde inicialmente (fase 1)
se tem apenas um texto verbal, um conceito da história, dos personagens e do estilo de
desenho que será produzido e convertido em imagens e, depois, em uma fase 2, de pré
produção, esse texto é transformado em imagens em movimento que são executadas,
intercaladas, filmadas (fase 3) e distribuídas ao público (fase 4).
As modificações mais drástica se dão na primeira e na segunda fases desse processo
onde as decisões principais de conceituação do projeto são tomadas, assim, a questão
educacional e a teoria pedagógica a ser empregada devem ser definidas nessas fases. Nos
modelos comerciais de animação são concebidos nessas fases a forma, o conceito da
animação (visual e verbal), a história, os objetivos da narração, o roteiro e todo o aspecto
visual a ser adotado para a animação. Todos esses elementos na animação comercial se guiam
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pela melhor forma de apresentação da história, pela transmissão de emoções e pelo
entretenimento para um público em geral. No entanto, na animação educacional tem-se um
público mais específico e objetivos mais concretos, por isso, tem-se a necessidade de
conhecimento do espectador para facilitar o aprendizado.
Antes das ações previstas para se configurar uma animação educacional tem-se a
escolha do tema, do conceito e dos objetivos que normalmente partem dos educadores e das
necessidades de aprendizado dos aprendizes. Tendo em vista que essas ações podem-se
associar aos passos da teoria de Paulo Freire, a primeira fase de concepção da animação
educacional e os procedimentos propostos por esse educador, podem ser formas de alimentar
as várias etapas do processo de inicial de produção (Figura 1).
Figura 1 – Possibilidades de aplicação do método de Paulo Freire para o desenvolvimento das animações
Fonte: Elaborado pelo autor, com base em Barbosa Júnior, 2005; Willians, 2009; Laybourne, 1998.
Para se construir o conceito de uma animação pode-se adotar a mesma sequência de
ações estabelecidas para a descoberta das palavras geradoras (levantamento, descodificação,
investigação, sistematização e redução). Por meio dos círculos de cultura e do envolvimento
ativo do professor/pesquisador na comunidade em que está trabalhando, pode-se levantar
temas e assuntos presentes, bem como, gerar requisitos de projeto ligados a empatia e à
aproximação do material ao cotidiano da comunidade. Por exemplo, podem ser analisadas:
palavras típicas, personagens cultuados, hábitos culturais, cores, formas simbólicas utilizadas
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pela comunidade, o uso de objetos, as tecnologias, os aspectos sociais e econômicos presentes
na região podem se tornar base para a elaboração do material didático.
O levantamento das situações próprias do local pode tornar as narrativas realizadas por
roteiristas e educadores mais verossímeis e mais próximas do contexto do educando por meio
da inserção da linguagem, elementos gramaticais e discursos típicos da cultura local.
Educadores, designers e desenvolvedores em geral, mediante a proposta do objeto
gerador, poderiam elaborar a descodificação destes achados e, assim, construírem juntos os
materiais. Para os educadores, essa pesquisa possibilitaria o levantamento de temas, situações
e subtemas conhecidos pelos educandos onde os conteúdos escolares fundamentais poderiam
ser inseridos. Para os designers, seria possível analisar a forma gráfica, a arte e os
personagens da região que poderiam se tornar personagens da animação, assim como aspectos
da fauna, flora e da cultura material da comunidade, tais como vestuários, artesanatos e
demais elementos que podem constituir os cenários e padronizações para a animação.
Para os programadores, a pesquisa demonstraria os usos, os equipamentos utilizados e
as relações que são estabelecidas com as tecnologias presentes na comunidade, isso geraria
dados que informariam esses profissionais sobre o que estas pessoas já sabem e utilizam em
seu cotidiano. Esse conhecimento interfere na construção da interface, na escolha do formato
para a animação e na análise dos requisitos para que a animação funcione adequadamente no
local e contexto do usuário.
Com isso se teria um estudo sistemático dos temas achados e uma “redução ampliada”
(grifo nosso), ou seja, uma síntese realizada sobre um arcabouço ampliado de conhecimentos.
“Redução” por estabelecer uma linha temática e um conteúdo, e “ampliada”, por analisar
outras discussões, não somente pela via do conteúdo ou do tema a ser estudado, mas dos
temas paralelos que podem ser discutidos, conectados e apresentados por meio da animação.
A animação pode ser o ponto de partida para a discussão e reflexão e, como objeto
gerador, pode fomentar a reflexão e se posicionar como argumento inicial da ação
pedagógica.
Diferente dos recursos propostos por Paulo Freire, que estavam permanentemente em
construção mesmo após apresentados em sala de aula, a animação é apresentada como um
produto acabado que pode fomentar discussões, sendo que essas discussões poderiam ser
construídas e modificadas conforme cada impressão obtida em sala de aula.
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A animação já assumiu em seu percurso histórico a veiculação de valores e a
doutrinação (as animações geradas por Walt Disney durante o período de guerra e os
personagens que ajudaram a perpetuar o American way of life), pois ela é sensível ao seu
contexto e às histórias deste contexto, por isso, se torna capaz de ser um objeto gerador. Na
figura 2, tem-se uma síntese das relações possíveis entre o conceito de objeto gerador e a
concepção da animação gráfica.
Figura 2 – Passos de formação do objeto gerador e da concepção de animações educacionais
Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.
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Espera-se que a animação, enquanto objeto gerador, seja capaz de gerar discussão
crítica e fomentar a reflexão para a liberdade como previa Paulo Freire. E, além disso, ao
situá-la como objeto gerador, já se está indicando a posição que essa tecnologia pode assumir
no contexto escolar: a animação como ponto inicial de apresentação do conteúdo, o qual
posteriormente é discutido e aprimorado pela ação do professor. Na Figura 3 estão algumas
características na animação enquanto objeto gerador.
Figura 3 – Resumo das características da animação enquanto objeto gerador
Fonte: Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.
Considerações finais
A falta de conhecimento acerca do aprendiz durante o processo de desenvolvimento
dos materiais pode implicar em perdas significativas para o aprendizado e para o conteúdo.
No entanto, ainda necessita-se de muitos estudos sobre a maneira de levantamento, tratamento
e aplicação desses dados.
A proposta de Paulo Freire está ligada à época e ao contexto social em que ele viveu,
diferentes dos atuais, e, não podem ser transplantadas para a atualidade sem o devido cuidado,
no entanto, seus métodos servem de exemplo para os desenvolvedores que projetam os
materiais atuais.
A sistematização e a forma de pesquisa social e antropológica realizada por Paulo
Freire pode auxiliar na expansão das pesquisas realizadas por educadores/autores e pelos
designers que trabalham com o design centrado no ser humano/usuário, pois, ao abordar as
questões sociais e culturais do aprendiz, ele expõe uma forma de projeto e um modo de
inserção de elementos advindos desses aprendizes no contexto da aprendizagem.
A maneira de trabalho de Paulo Freire auxilia no levantamento de requisitos para o
projeto e pode ajudar o designer e os professores a projetarem materiais ligados não somente
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ao conteúdo, mas às questões sociais envolvidas no aprendizado desse conteúdo. No entanto,
as críticas a sua teoria também fazem um alerta de que não se pode apenas utilizar os
conhecimentos advindos dos aprendizes, mas, sim, discuti-los e amplia-los com os
conhecimentos necessários a educação formal, ou seja, associar o conhecimento prático e o
popular com o teórico e acadêmico.
Seu método não era destinado apenas à alfabetização e nem somente para adultos, nem
mesmo era considerado, por ele, como um método, mas, eram passos para a educação
assentada no diálogo e construída junto ao educando na busca de aliar os conhecimentos da
escola à prática e à vida.
Paulo Freire trouxe aos debates sociais a questão da diferença e da necessidade da
educação focada no aprendiz conforme a realidade em que cada pessoa está inserida. Sua
principal luta era o combate ao ensino bancário, massificado e uniformizado para todos. Essa
denúncia do conhecimento deslocado da realidade proporciona uma reflexão sobre o processo
de design dos recursos educacionais.
Paulo Freire propõe um trabalho que não desloca o aprendiz, mas, sim, desloca o
conteúdo e o objeto de aprendizagem e faz com que o objeto e o conteúdo sejam trabalhados e
se adaptem para o aprendizado do aprendiz e não o contrário. Por isso, o material didático,
conforme seus preceitos, poderia ser um ponto de diálogo e interação com o educando.
Tal pesquisa pode ser considerada por muitos como utópica em razão dos custos e do
tempo que uma proposta com tal intuito poderia levar para ser efetivamente executada. No
entanto, o deslocamento teórico proposto por este pesquisador pode servir de inspiração e
exemplo sobre como deve ser o uso de tecnologias nas salas de aula e de como produzir
materiais educacionais voltados para o aprendizado do aprendiz e compatíveis com sua
cultura em nosso tempo.
Agradecimentos
A PUC-PR e a professora Dr. Pura Lúcia Oliver Martins por ter permitido o meu
acesso à disciplina de Teoria da Educação do programa de Doutorado.
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