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N.° 204
ARMANDO LUCAS
Tuberculose Ganglionar
Tese de doutoramento apresentada á Faculdade de Medicina do Porto
ijo/*/ r- ^
OUTUBRO DE 1924
T U B E R C U L O S E G A N G L I O N A R
i
G A I A Tipografia A P O P U L A R * * Martins & Veloso * * fi. Cândido dos Reis, 271-273
ARMANDO LUCAS W ,° a ° 4
Tuberculose Ganglionar
MONOGRAFIA CLINICA
— Um doente de 2.a clinica medica —
FM de doutoramento apresentada á Faculdade de Medicina do Porto
OUTUBRO DE 1924
Faculdade de Medicina do Porto
DIRECTOR —Dr. José Alfredo Mendes de Magalhães
SECRETARÍO — Dr. Hernâni Bastos Monteiro
CORPO DOCENTE
PROFESSORES ORDINÁRIOS
Anatomia descritiva . . . Dr. Joaquim Alberto Pires de Lima, Histologia e embriologia. . Dr. Abel de Lima Salazar. Fisiologia geral e especial . Vaga. Farmacologia Vaga. Patologia geral . . . . . Dr. Alberto Pereira Pinto de Aguiar. Anatomia patológica . . . Dr. Antonio Joaquim de Souza Junior.
Bactereologia e doenças infecciosas . . . . . . Dr. Carlos Faria Moreira Ra malhão.
Higiene Dr. João Lopes da Silva Martins Junior. Medicina legal Dr. Manuel Lourenço Gomes. Anatomia cirúrgica. . . . Dr. Hernâni Bastos Monteiro. Patologia cirúrgica. . . . Dr. Carlos Alberto de Lima. Clinica cirúrgica Dl. Álvaro Teixeira Bastos. Patologia medica . . . . Dr. Alfredo da Rocha Pereira. Clinica medica Dr. Tiago Augusto de Almeida. Terapêutica geral . . . . Dr. José Alfredo Mendes de Magalhães. Clinica obstétrica . . . . Dr. Manuel Antonio de Morais Frias.
Parasitologia e doenças parasitarias Vaga.
Dermatologia e sifiligrafia . Dr. Luiz de Freitas Viegas. Psiquiatria Dr. Antonio de Souza Magalhães e Lemos. Pediatria Dr. Antonio de Almeida Garrett.
PROFESSORES JUBILADOS
Dr. Pedro Augusto Dias. Dr. Augusto Henrique de Almeida Brandão.
A Faculdade não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação.
(Regulamento da Faculdade, de 23 de Abril de iS.fú, artigo l.jjo).
Aos meus queridos país
Tentarei dar-vos satisfação
que compense os sacrifícios
que por mim fizesteis.
A meu tio
João de Matos Valério
Dedico o mesmo afecto que
a meus país, porque não sei
a quem mais devo: se a eles,
que me deram a vida, se a
vós que nela me encanei
rasteis.
A meu tio
Mateus de Matos Valério
0 meu agradecimento.
A meus irmãos
Regina Alberto
João
A minha amizade.
A' minha noiva
Que Deus nos dê a felicidade que
ambicionamos.
Aos meus condiscípulos
Tendes sempre em mim um
dedicado amigo.
Ao meu presidente de tese
o IIl.mo e Ex.mo Senhor
Dr. Tiago de Almeida
Homenagem ao bom professor,
á sua vasta erudição.
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PROLOGO
Ao apresentar a singela monografia que se segue, eu começo por pedir a benevolência do Ex.'"" Júri que tem de a apreciar. Bem larga tem de ser essa benevolência, eu o reconheço. Tem de estender-se ao modo de escrever, simples e sem preterições, d maneira rápida com que è tratado o assunto, que em verdade se prestaria a tnais vastas considerações.
É provável que algumas faltas mais ela apresente. Eu empreguei toda a minha boa vontade na sua fatura, e isso me desculpa a meus próprios olhos nas faltas que nela existam.
Logo d saída da Faculdade, sentindo a obrigação e a necessidade de trabalhar, e lendo que apresentar uma dissertação d apreciação de um furi, antes que isso me fosse permitido eu confesso que me senti um pouco desconcertado. Faltava-me assunto de interesse, faltava-me o tempo, e sobretudo faltava-me a coragem de apresentar aos viens professores uma dissertação que nada valesse.
H
Na escolha do assunto, valeu-me o Ex."" Senhor Dr. Tiago de Almeida. Aqui fica, por isso, o meu agradecimento ao meu professor de 2." clinica medica, agradecimento que eu quero exprima também o meu muito respeito pelo seu saber e a minha consideração por quem tanto interesse tem pelos seus alunos, de quem faz sempre respeitosos amigos.
Quanto ao tempo, a necessidade não me permitiu alongá-lo, a mesma necessidade me obrigando a ter coragem de apresentar este trabalho que, se nada vale pela maneira como é tratado, alguma coisa vale, pelo menos, pela boa vontade que nele empreguei.
Tuberculose Ganglionar MONOGRAFIA CLINICA
Um doente de 2.a Clínica Medica
CAPITULO I
Apresentação do doente
Nome— José de Araújo. Idade — 13 anos. Entrada — 3 de Janeiro de 1924. Enfermaria — N.° 4. Cama — N.° 6. Registo da clinica — N.° 34. Falecimento — 31 de Março de 1924.
Apresentando a observação deste doente, que me foi distribuído durante a frequência que fiz da 2».a Clinica Medica, eu quero que ela sirva um pouco de base a algumas considerações sobre TUBERCULOSE GANGLIONAR. Aproveito o caso porque algum interesse ele tem; porquanto, se
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o diagnostico foi posto com verdade até certo ponto, não foi completo, o que verificamos pela autopsia e foi justamente não prevendo o ataque marcado, o sistema ganglionar pelo bacilo de Kock, que o diagnostico falhou. Era sobretudo nas regiões mediastinal e mesenterica que as lesões se encontravam em exuberância, e será sobre as adenopatias tuberculosas nestas regiões, por isso mesmo, que incidirá mais particularmente o meu estudo.
Posto isto, começo a descrição do caso desde o seu inicio até terminação pelo falecimento do doente em 31 de Aíarço de 1924, seguindo a seguinte ordem: estado atual em que descrevo a sintomatologia apresentada pelo doente á sua entrada para o Hospital; antecedentes pessoais; antecedentes hereditários; historia da doença; diagnostico; prognostico; tratamento; evolução e autopsia.
Estado atual. — Apresentava a seguinte sintomatologia geral: palidez da pele e anemia das mucosas, emaciaçâo, febre (37°,7), micropolia-deme generalizada com um outro ganglio mais volumoso, astenia e dores no ventre.
Foram os dois últimos sintomas que o obrigaram a entrar para o Hospital. Por eles foi chamada a minha atenção para o lado do aparelho digestivo por onde principiei, pois, o meu exame conseguindo apurar o seguinte: lingua levemente saburrosa; conservação do apetite; duas a três
à?
dejecções diárias de fezes de consistência pastosa; ventre abaulado, timpanico á percusão nos pontos mais elevados, sub-baço nos pontos de declive, principalmente no flanco esquerdo, que apresentava pequenas variações de sonoridade com a mudança de posição; defeza dos músculos abdominais á palpação que se tornava dolorosa em toda a parede anterior, principalmente nas regiões do flanco esquerdo e hipocondrio direito; rede venosa suplementar muito acentuada; sinal do choque da onda; superficie peritoneal grani-tada e figado de dimensões que me pareciam normais.
Aparelho circulatório. — Ruidos cardíacos sensivelmente normais. Pulso rítmico, taqui-cardico (frequência = 11 o), rápido e com tensão maxima igual a io e mínima igual a 6.
Aparelho respiratório. — Tosse seca. Á auscultação notei : respiração rude em ambos os pulmões, expiração prolongada e broncofonia no vértice direito adiante, atritos pleurais, roncos e sibilos nas regiões das bases.
Sistema nervoso. — Cefaleas; reflexos aquilia-nos e rotulianos normais; ausência do sinal de Kernig e de risca meningea de Trousseau.
Aparelho urinário. — Oligúria ligeira com vestígios de albumina na urina.
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Antecedentes pessoais. — Foi sempre fraco. Ha um ano teve tosse seca e intensa, tosse de esgana, segundo a expressão do doente, e que lhe durou dois mezes. Ha quatro mezes teve um abcesso na parte superior da perna esquerda, que depois de aberto só cicatrizou ao fim de um mez.
Antecedentes hereditários,—-A mãe morreu de parto. O pai, diz o doente que tem uma sciatica. Teve dois irmãos que faleceram quando eram crianças e tem uma irmã viva e saudável. A mãe teve um nado morto e o doente ignora se ela teve abortos.
Historia e evolução da doença.— Desde a tosse intensa que teve ha um ano ficou sempre com uma ligeira tosse seca, e sentindo um enfraquecimento cada dia maior, mas que se acentuou sobretudo ha cerca de quatro mezes. O doente conseguiu trabalhar ainda dois mezes, mas como o seu estado por esta época lh'o não permitiu mais, caiu de cama. Apareceram-lhe então cefa-leas, dores abdominais generalizadas e por vezes intensas, crises de diarrea e obstipação, enquanto que a astenia aumentava. Conservou sempre o apetite, mas alimentava-se mal por causa da sua pobreza. Entrou então para o Hospital apresentando a sintomatologia descrita no estado atual. Em consequência das cefaleas apresentadas, foi-lhe feita uma punção lombar e sujeito o liquido
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cefalo-raquidiano á analise que apresentou as seguintes conclusões: o liquido cefalo-raquidiano apresentado em quantidade muito exigua era límpido, com albuminose normal e sem reacção celular (o,i6 por mm3); ausência de meningite. A reacção de Wassermann foi negativa no sangue.
O doente continuou sempre febril, apresentando a curva térmica pequenas oscilações á volta dos 38o. Teve por vezes diarrea abundante. Em 1 de Fevereiro começou a sentir dores na articulação do joelho esquerdo. A região encon-trava-se tumefacta, oferecendo dificuldade aos movimentos passivos, que se tornavam muito dolorosos e com impossibilidade nos movimentos activos. Todo o membro se encontrava em flexão. Em 3 de Março começou a ter vómitos abundantes, ao mesmo tempo que uma diarrea profusa de treze dejecções diárias e mais. O ventre começou a diminuir de volume e a retrair-se, ao mesmo tempo que os membros inferiores começaram a ter edema maleolar, que se foi estendendo a todo o membro. Apareceram então manifestações dolorosas no joelho direito, que seguiram a mesma evolução que descrevi para o joelho esquerdo.
O doente encontrava-se então com os membros inferiores em atitude de flexão. Os vómitos persistiram até 15 e a diarrea até 9 de Março. Então já a anorexia era grande; começou a ter oliguria, o ventre foi-se retraindo cada vez mais,
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permitindo notar pela palpação a existência de massas arredondadas e volumosas, profundamente situadas. O pulso que foi sempre ta-quicardico desde o inicio da doença, aumentou mais ainda a sua taquicardia, ao mesmo tempo que foi diminuindo de tensão.
A caquexia começou a progredir; o emagrecimento era grande, notando-se bem nos olhos fundamente situados, na base onde os dentes pareciam querer projectar-se para fora num prognatismo alvéolo dentário e no tórax, que parecia ter simplesmente a pele colada aos ossos com ausência completa do tecido celular sub-cutaneo. Os membros inferiores é que se encontravam sempre emaciados; a pele rugosa e seca, des-plissando-se com demora quando lhe fazíamos pugas. O doente sucumbiu aos progressos do seu mal em 31 de Março.
Diagnostico. — Pelo exame do doente, eu pensei numa afecção nos órgãos contidos no abdomen. Esse exame, em que notei a rede venosa suplementar com abaulamento do ventre e choque da onda e sub-macisões nas regiões de declive, por consequência variações de sonoridade com a mudança de posição, revelava-me a existência de liquido na cavidade abdominal. Esse liquido não se encontrava, contudo, completamente livre na cavidade peritonal, porque as modificações de sonoridade só se davam com estas mudanças de posição: pensei que existi-
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riam septos que dividissem a cavidade em varias bolsas.
0 liquido poderia ter varias causas, mas como o doente não apresentava lesões que justificassem a sua presença, senão por um processo irri-tativo da serosa peritoneal, puz o diagnostico de péritonite. Faltava fazer o diagnostico etiológico. O doente apresentava uma sintomatologia geral que me levou a pensar na intoxicação tuberculosa; orientando o exame nesse sentido, fiz o estudo do aparelho pleuro-pulmo-nar, procurando nele lesões de possível origem bacilar. A confirmar a lei de Godelier que diz: que sempre que ha uma péritonite tuberculosa ha participação das pleuras no processo, fui encontrar por auscultação alguns atritos pleurais que me indicavam essa participação por pleu-risia seca.
A tuberculose peritoneal pode apresentar-se sob três formas: ascitica, fibrosa e caseosa. Na forma ascitica o facto que predomina é a existência dum liquido citrino, por vezes um pouco sanguinolento, na cavidade peritoneal; ao mesmo tempo o peritoneu encontra-se semeado de granulações tuberculosas. Esta forma é a mais fre-quente nas crianças e é de todas as formas a mais curavel. Na tuberculose peritoneal dos adultos a primeira faze é quasi sempre uma ascite. A forma fibrosa caracterisa-se pela transformação fibrosa dos tubérculos, que, isolando-os, limita as lesões destrutivas.
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Nesta forma encontram-se no peritonei! numerosas aderências. A forma caseosa é a mais grave, porque pode chegar a originar a perfuração dos órgãos sub-jacentes. O peritoneu apresenta então numerosas aderências inter-vis-çerais e viscero-parietais á custa de falsas membranas que circunscrevem bolsas cheias de um liquido seroso ou sero-purulento. Encontra-se também uma verdadeira sementeira de tubérculos amarelados em todos os períodos de amolecimento.
Estas três formas podem encontrar-se combinadas entre si, e é esse mesmo o caso mais vulgar. No doente puz o diagnostico de forma ascitica, mas ficando com a suspeita de que poderia existir algum foco de caseificação.
Como o doente apresentava também cefaleas, violentas por vezes, pensei numa meningite concomitante e da mesma origem. Passados dias os fenómenos meningeos atenuaram-se e mesmo a analise do liquido cefalo-raquidiano indicou que aquelas serosas não estavam atingidas. O mal foi-se estendendo, e a serosa que a seguir foi tomada foi a da articulação do joelho esquerdo. Mais tarde foi atingida a do joelho direito. Era a generalização do processo, que se estendeu a quasi todas as vísceras, dando a granulia a que o doente sucumbiu e que foi observada na autopsia. Quando na ultima faze da doença o ventre se retraiu é que se puderam notar massas volumosas e arredondadas, profundamente situadas
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que julguei serem gateaux peritoneais, e que a autopsia revelou serem ganglios mesentericos muito hipertrofiados e em graus variados de degenerescência, e que comprimindo os vasos abdominais prejudicavam a circulação de retorno, originando o edema dos membros inferiores.
Prognostico. — Embora tivesse sido posto o diagnostico de forma ascitica de tuberculose peritoneal que é a forma mais facilmente curavel, o prognostico tinha que ser sempre mau, senão pelas suas consequências imediatas, pelo menos pelas futuras, de um futuro mais ou menos proximo. Neste caso o prognostico era ainda mais ensombrado pelo estado geral do doente, pela sua prostração, pelos fenómenos dolorosos da cabeça que faziam temer uma extensão ás meninges, o que fez até que o diagnostico ficasse em suspenso durante algum tempo, para não dizer que o mai se estendia somente ao peritonei! e pleuras. Um factor mais de mau prognostico era a aparência do peritoneu que parecia dividido por aderências em varias bolsas dificultando assim o funcionamento dos órgãos sub-jacentes. A diarrea que se estabeleceu, ao ao mesmo tempo que os vómitos, concorreram para uma rápida desidratação do doente, que assim enfraquecia cada dia mais. O prognostico foi pois mau e a evolução da doença o confirmou. A extensão ás meninges não foi observada, mas numerosas serosas foram atingidas assim
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como vísceras e a granulia estabeleceu-se com o seu quadro: emagrecimento, apatia, palidez acentuada e terrosa, lingua saburrosa no centro vermelha e seca na ponta e nos bordos, sensibilidade dos movimentos activos e passivos, tor-nando-se penosa ao doente a menor excitação, oscilações de temperatura de um grau no dia, fotofobia e acolhimento hostil. O estado geral declinou rapidamente e o prognostico foi confirmado pelo falecimento do doente.
Tratamento. — Ao entrar para o Hospital começou o doente por tomar por dia duas hóstias de glicerofosfato de cálcio, doseadas a vinte e cinco centigramas. Em virtude das cefaleas, foi-lhe aplicado gelo na cabeça prevenindo a hipótese de um ataque ás meninges.
No dia 7 de Janeiro começaram a ser-lhe aplicadas papas de linhaça sobre o abdomen; esta aplicação foi suspensa em 15 de Janeiro. Terminou também a medicação pelo glicerofosfato, e o doente começou a tomar óleo de fígado de bacalhau.
De 21 a 28 de Janeiro foi-lhe aplicado gelo no ventre. De 12 de Fevereiro a 31 de Março tomou por dia duas hóstias de teobromina, doseadas a vinte e cinco centigramas. Quando lhe apareceu a diarrea tomou por dia três hóstias de tanigenio, vinte e cinco centigramas; subni-trato de bismuto, cincoenta centigramas ; e ópio em pó, um centigrama.
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Durante o tempo que medeiou de 14 de Fevereiro ao seu falecimento, fez o doente banhos de sol ao ventre.
Autopsia. — Após o falecimento, ao doente foi-lhe feita a autopsia que deu os seguintes elementos:
A' abertura da cavidade toraxica: derrame pleural amarelo citrino á esquerda; exsudato sobre pleura diafragmatica esquerda e medias-tinica do mesmo lado; aderências pleurais á esquerda na parte posterior, muitas e fortes aderências pleurais á direita. Granulia dos dois pulmões, principalmente á direita. Enorme ganglio em degenerescência caseosa no hilo do pulmão direito, aderente ao esoíago e pulmão; numerosos ganglios traqueo-bronquicos, aumentados de volume e muitos em degenerescência careosa. O grupo mais atingido era o inter-bronquico.
Coração de pequeno volume e com um pequeno nódulo numa das válvulas de mitral.
Na cavidade abdominal: Presença de um derrame pouco abundante,
amarelo citrino, superficie do peritoneu com numerosas granulações e algumas aderências. Despertavam bem a atenção numerosos ganglios mesentericos muito hipertrofiados e alguns em degenerescência caseosa.
Figado aderente ao diafragma e com a capsula de Glison, apresentando numerosas granulações. Todo o órgão apresentava uma acentuada
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degenerescência gordurosa. Rins levemente isque-miados.
Baço semeado de granulações brancas, do tamanho de grãos de chumbo.
Conclusão. — O doente sucumbiu á caquexia tuberculosa, apresentando uma granulia acentuada.
CAPITULO II
Tuberculose ganglionar
Frequência, feição clínica, localização, formas gerais, formas localizadas. Frequência das adenopatias traqueo-bronquicas; soa sintomatologia. Frequência das adenopatias mesentericas; sua sintomatologia.
Desde muito tempo que os medicos teem fixado a sua atenção e feito o estudo do ataque da tuberculose ao sistema ganglionar. De entre eles convém destacar os nomes de Wrisberg, Lalonette, Leblond, Becker, Rilliet, Bartez, Gue-neau de Mussy, etc., que a esse estudo dedicaram longos capítulos.
Barety estuda com minuciosidade a anatomia do sistema ganglionar. Parrot no capitulo Adenopatias traqueo-bronquicas, considera estas adenopatias como sendo sempre a consequência de uma lesão pulmonar inicial, mas essa teoria foi demonstrada falsa depois dos estudos de Berhing e Calmette, que chegaram â conclusão de que os ganglios traqueo-bronquicos podem tuberculizar-se por outra via diferente da pulmonar. Depois destes, muitos outros como Marfan, Comby, etc., continuaram o estudo deste
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assunto. E' bem necessário este afinco, porquanto, se a bibliografia vai sendo vasta, a extensão do mal é cada vez maior, chegando a surpreender quem se detenha um pouco a estudar numa clinica de crianças e digo numa clinica de crianças porque é com efeito nos primeiros anos da vida que o bacilo de Kock escolhe de preferencia o ganglio linfático para sua localização.
Esta escolha está subordinada ao facto de ser na criança que o sistema linfático dispende o máximo da sua actividade, enquanto que nos adultos, e principalmente nos velhos, a degenerescência adiposa e a esclerose se combinam para lhe produzir a atrofia.
Algumas vezes até, principalmente em crianças filhas de pais tuberculosos, a actividade do sistema linfático exagera-se ultrapassando os limites do desenvolvimento normal. E' destas crianças que se diz teem o temperamento linfático. Estas crianças teem geralmente lábios espessos, amígdalas exuberantes, os cabelos louros e finos, os tegumentos pálidos e são muito su-geitos a conjuntivites e blefarites.
Ha, contudo, muitos casos de tuberculose ganglionar sem que a criança apresente o temperamento linfático: assim, após um sarampo, uma criança pode contrair uma tuberculose pulmonar por contagio que vai ter a seguir a sua repercursão no sistema ganglionar: é a adeno-patia similar de Parrot.
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A frequenencia desta afecção é enorme, a tal ponto que mereceu ser estudado em capí
tulos especiais por Marfan, Hutinel, Hanshalter que dâo como conclusões nos seus trabalhos o ser a tuberculose ganglionar a forma mais frequente de tuberculose nas crianças.
São os ganglios cervicais os mais frequen
temente atingidos pelo bacilo de Kock. Vêem a seguir os ganglios ■ traqueobronquicos e rae
sentericos, que se tornam muito interessantes pela sintomatologia que determinam o prognos
tico que permitem fazer. A frequência do ataque a estes grupos, excedendo em muito o ataque a quaisquer outros, indicanos uma preferencia subordinada certamente ao seu fácil acesso ao bacilo, porque são eles os órgãos de reacção das vísceras mais frequentemente atingidas: os pul
mões e os intestinos. Está, com efeito, provado que é por inalação e ingestão que o bacilo entra mais frequentemente na economia. Podem, contudo, os ganglios ser atingidos sem que os pulmões e os intestinos o sejam, porque o bacilo pode atravessar as mucosas deixandoas inte
gras como o provaram Berhing e Calmette nos seus estudos. Para os ganglios traqueobron
quicos é Dienlafoy que coloca a lesão inicial nas amígdalas ou em qualquer solução de con
tinuidade de mucosa bucal: daqui o mal esten
dese aos ganglios submaxilares e cervicais que por seu turno, comunicando com os traqueobron
quicos aí conduzem o gérmen da doença.
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Os pulmões podem tuberculizar-se ulteriormente.
Se os grupos que cito são os mais frequentemente atingidos, não quer isto dizer que o sistema ganglionar não possa ser atingido na sua generalidade. E' muito frequente encontrar a micropoliadenia generalizada em tuberculoses crónicas e no doente que apresento essa micropoliadenia era percebida com facilidade.
São variadas as lesões que podemos observar num ganglio atingido pela tuberculose : assim, indo das formas mais simples para as mais complexas, podemos encontrar: hipertrofia simples com induração, hipertrofia com amolecimento, ganglio com sementeira de granulações tuberculosas, ganglios em degenerescência caseosa que pelo amolecimento podem chegar á formação de um abcesso frio ganglionar; enfim ganglios duros, cuja capsula e estroma sofreram a transformação fibrosa.
A hipertrofia simples mostra o ganglio com o tecido normal na aparência, por vezes um pouco descorado; pode conservar-se assim durante muito tempo, pondo em duvida a sua natureza tuberculosa. A hipertrofia com amolecimento mostra-nos o tecido de côr violácea e de consistência mole. Muitas vezes podemos encontrar nestas formas granulações cinzentas, cuja sede se encontra na embocadura dos linfáticos aferentes. Estas granulações podem con-glomerar-se para dar os nódulos que sofrem
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a fusão caseosa e amolecimento, apresentando então todas as formas que nomeei. A tuberculose segue, pois, aqui a mesma evolução que em todos os outros órgãos. No doente que apresento encontrei a micropoliadenia generalizada, ganglios com hipertrofia simples e com amolecimento e numerosos ganglios muito hipertrofiados e em marcada fusão caseosa.
A tuberculose ganglionar não marcha sempre da mesma maneira, como se deduz das noções de anatomia patológica; segundo predomina a tendência para a esclerose ou para a caseifica-ção, assim também são diferentes as consequências e variável o prognostico. O processo pode estender-se além do ganglio, e o abcesso ser intra e extra-ganglionar.
A adenite tuberculosa pode ser mono e pluri-ganglionar; neste ultimo caso, ainda temos que considerar a afecção dos ganglios de um só grupo ou de grupos diferentes; os ganglios podem ainda encontrar-se completamente independentes ou então conglomerar-se, tornando-se aderentes e indistintos por uma ganga de pe-riadenite. Ao principio sentem-se bem as nodo-sidades de resistência elástica e, rolando debaixo dos dedos, mais tarde a consistência diminue quando o ganglio entra em degenerescência caseosa.
Desde este momento o processo pode estender-se aos tecidos visinhos, dando o adeno flei-mão tuberculoso que abrindo para o exterior
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dá origem a fistulas de supuração tenaz, de bordos delgados, irregulares e deprimidos e deixando como restos cicatrizes disformes. Antes de se conhecer a natureza tuberculosa desta afecção, enquadrava-se este todo no chamado escro-fulismo que já não tem hoje a significação vaga de outrora.
Nos indivíduos atingidos por esta doença, nós temos que encarar a sintomatologia geral, interessante como é toda a sintomatologia geral de intoxicação tuberculosa: O doente, geralmente criança, apresenta-se emagrecido e num estado de caquexia particular. A pele é pálida, mate, por vezes amarelada, seca e rugosa.
Apertando de modo a formar-lhe pregas e abandonando-a depois, demora algum tempo a desplissar-se. Ha desenvolvimento do sistema piloso, que se nota principalmente nos cilios que são longos e sedosos e nos cabelos que são longos e finos. Muitas vezes este hipertricose esten-de-se mais longe havendo doentes que apresentam uma lanugem que se nota principalmente no meio das costas, acompanhando a espinha dorsal e adiante das orelhas, que são brancas e quasi transparentes. As veias formam linhas azuladas debaixo da pele, que parece encontrar-se mais transparente. A' palpação pode encontrar-se o baço debaixo das falsas costelas. Ha uma micropoliadenia que se pode observar pela palpação do pescoço, axilas e virilhas, constituída por numerosos ganglios duros e do tama-
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nho de grãos de chumbo. Existe quasi sempre abatimento, anorexia, mudança de caracter, que se torna apático; podem notar-se ainda perturbações intestinais consistindo em vómitos e diar-rea. A febre aparece por vezes, mas é muito irregular; pode notar-se muitas vezes á tarde, mas pode estar também muitos dias sem aparecer. No doente que apresento a temperatura oscilava quasi sempre entre 38o e 3 8o, 5. De toda esta sintomatologia geral, apresentava o meu doente: abatimento, anorexia por vezes, caracter triste, desenvolvimento do sistema piloso notado principalmente nos cilios, que eram muito negros, longos e sedosos, rede venosa superficial muito nitida e de côr azul, micropoliadenia, magreza que se notava nos olhos fundos e arcadas dentarias, sobresaindo entre os lábios, febre, ta-qui-cardia e perturbações digestivas, apresentan-do-se aqui sobre a forma de crises de diarrea e obstipação. Tinha a pele muito flácida e seca, mas de noite apresentava por vezes suores abundantes. Tinha as mãos húmidas quasi sempre. O branco dos olhos era de um brilho e de uma brancura notável, destacando bem ao lado o tom baço da pele; mucosas descoradas. Tem muita importância esta sintomatologia geral, porque é muitas vezes só por ela que somos levados a fazer o diagnostico de intoxicação tuberculosa, quando ainda não podemos precisar bem o foco da doença. Mas o que é verdade, é que por vezes a sintomatologia geral falta quasi completamente
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e pela autopsia vamos observar numerosas marcas da tuberculose. Por outro lado, esta sintomatologia pode encontrar-se a seguir a certas doenças como o sarampo, gripe, coqueluche, sem que o diagnostico tuberculoso possa ser posto. Contudo, pode ser que os bacilos já existam nesses organismos em estado de infeccionizaçâo momentânea para depois serem vencidos sem que se pudessem observar lesões por eles produzidas.
Adenopatías traqueo-bronquícas
— Sua sintomatologia e forma
A adenopatia traqueo-bronquica manifesta-se por um conjunto de sintomas, uns de ordem física, determinados pelas relações dos ganglios com a parede toraxica, outros de ordem funcional que resultam da compressão dos diferentes órgãos do mediastino pelos ganglios hipertrofiados. Este conjunto de sintomas, bastante vasto, só muito raras vezes se encontra completo.
Sintomas físicos.—Sósepodem observar quando os ganglios adquiram um certo grau de hipertrofia e mesmo então, só quando são atingidos os grupos directamente em relação com a parede toraxica. Assim, os ganglios inter-bronquicos não podem ser facilmente revelados por causa da sua situação profunda.
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Na parede anterior, podemos considerar como zona ganglionar o espaço compreendido pelo ma-nubrio esternal, a parte interna dos primeiros espaços inter-costais e as articulações condro-coternais das primeiras costelas.
Na parede posterior a região compreendendo o grupo ganglionar é o inter-scapulo-vertebral que corresponde ás laminas das quatro primeiras dorsais de cada lado, e é limitada fora pelo bordo espinal da omoplata E' sobre estas duas regiões que deve incidir a nossa atenção. Com a região anterior estão em relação os ganglios do grupo pretraqueo-bronquico que é, segundo Ber-ctry, aquele que mais facilmente se hipertrofia; na região posterior podemos investigar o estado dos ganglios que rodeiam a bifurcação da traqueia e os grossos brônquios. A observação deve ser metódica e feita pela inspecção, palpação, percussão e auscultação. A inspecção só em casos restritos pode fornecer ensinamentos ; podemos, contudo, notar a tiragem supra e infra-esternal, as modificações do ritmo respiratório com o desaparecimento da pausa respiratória e expiração prolongada, atrofia da região escapular, modificações de forma do tórax. A palpação pouco mais adianta, podendo ainda assim notar-se uma ondulação no tórax que se não dilata ao mesmo tempo nas suas duas metades pela desigual entrada do ar em cada pulmão, o aumento de vibrações vocais, que se podem apreciar sobretudo na região dorsal. A percussão e auscultação é
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que nos fornecem mais ensinamentos pela per-eursão podemos encontrar macissez ou sub-ma-cissez nas regiões atraz apontadas, sempre que um ganglio bastante hipertrofiado vem ao contacto com a parede toraxica. Estas modificações de sonoridade que raramente se notam na parede anterior, mas na região inter-scapulo-vertebral podem ser muito intensas.
Podemos encontrar aumento de sonoridade no vértice pulmonar correspondente ao brônquio que sofre a compressão. Pela auscultação, podemos notar a diminuição do murmúrio vesicular, determinado pela compressão de um brônquio ou da traquea e vários sinais, dos quais os mais importantes são: o sinal de Gueneau de Mussy, o sinal de Espine e o sinal de Smith. O sinal de Gueneau de Mussy, também chamado do sopro inter-scapulo-vertebral, deflne-se por si mesmo, consistindo pois na audição do ruido da passagem do ar na parte terminal da traqueia e transmitido pelas massas ganglionares hipertrofiadas. O sinal de Espine consiste na broncofonia e pectoriloquia afona ao nivel do espaço compreendido entre a j . a cervical e as primeiras dorsais até á 4.* ou §!.a. Este sinal tem interesse, porque pode encontrar-se mesmo quando a diminuição de vibrações é muito atenuada, e levando-nos assim a suspeitar um caso de adenopatia latente. .
O sinal de Smith pode notar-se também na adenopatia em inicio. Consiste na audição de um
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sopro muito ruidoso, verdadeiramente vascular devido á compressão venosa feita pelos gan-glios quando estes se elevam pela extensão da cabeça. E' percebido ao nivel do manubrio; a cabeça do doente, na pesquiza deste sinal, deve encontrar-se em extensão forçada. O sopro vai diminuindo de intensidade á maneira que a cabeça vem voltando á sua atitude normal.
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Sintomas funcionais. —- São, como disse, determinados pelas relações dos órgãos contidos no mediastino com os ganglios hipertrofiados. Como esses órgãos são numerosos, convém distinguir os sinais produzidos pela compressão de cada um deles.
Compressão das vias respiratórias.—-A acção exercida pelos ganglios, pode dar-se ou somente sobre a traqueia ou sobre cada brônquio isoladamente. Nos casos de certa extensão, estes órgãos estão atingidos no seu conjunto.
Quando é a traqueia que tem o calibre diminuído pela compressão, nota-se uma dispneia cuja intensidade é proporcional á extensão do aperto. Auscultando, nota-se um ruido sonoro determinado pela passagem do ar atravez do aperto. Este sopro tem em clinica o nome de «cornage». Nota-se, também, a tiragem supra esternal que consiste numa depressão supra esternal a cada inspiração mais forte. Ha também diminuição do murmúrio vesicular. Quando
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é só um brônquio comprimido a diminuição do murmúrio dá-se só no pulmão correspondente.
Compressão das veias. — As veias são facilmente comprimidas em razão da pouca resistência das suas paredes. As perturbações circulatórias são varias, segundo o vaso atingido. A compressão da veia cava superior dá fenómenos de estase na cabeça, pescoço e membros superiores. Esta compressão pode originar o edema da face e é acompanhada de cefaleas, vertigens e epistaxis. Ha também desenvolvimento da rede venosa superficial de porção superior do tórax.
Compressão das artérias. — São mais dificilmente comprimidas do que as veias; contudo alguns casos se descrevem da compressão do tronco braqueo-cefalico e da sub-clavia. Neste caso ha diminuição da amplitude do pulso do lado correspondente.
Compressão dos nervos. — Um dos sintomas mais frequentes determinados pela compressão nervosa é a tosse. Esta tosse é rouca, seca, espasmódica, lembrando a coqueluche, mas distin-guindo-se dela pela falta de «reprise» inspiratória e de expectoração. Por isso lhe chamou Gueneau de Mussy tosse coqueluchoide. A compressão do pneumo-gastrico pode ser a causa de crises paroxisticas de dispnea, simulando a
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asma e de perturbações circulatórias (taquicardia ou bradicardia).
A compressão do récurrente explica as perturbações da voz, aparecendo fora de lesões la-ringeas. A compressão do simpático origina a desigualdade pupilar e o edema da face. As nevralgias inter-costais indicam a compressão dos nervos do mesmo nome pelos ganglios hipertrofiados.
Compressão do esofago. — Raramente se observa, em consequência da moleza e seu fiel deslocamento.
Perante esta enorme multiplicidade de sintomas, é pois fácil de conceber a variedade de formas sob que se pode apresentar a adenopa-tia traqueo-bronquica, segundo o seu predomínio.
Ha formas até em que toda esta sintomatologia falta quasi completamente e em que se é levado a pensar na afecção, pelo simples facto dos sinais de uma intoxicação tuberculosa quando acompanhada de uma pequena parte dos sintomas descritos.
Adenopatías mesenterícas
Depois das adenopatias cervicais e traqueo-bronquicas, são estas as que mais frequentemente se encontram. São quasi sempre secundarias as lesões dos intestinos. O seu diagnostico
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é difícil, por ser restrita a sua sintomatologia. Com efeito os fenómenos da compressão são pouco acentuados por causa da extrema mobilidade nos órgãos visinhos, e só pode ser notada a adenopatia quando os ganglios se encontram extraordinariamente hipertrofiados. Temos a considerar sinais físicos e sinais funcionais:
Os sinais físicos são-nos dados pela inspecção e palpação. A inspecção poucos elementos nos fornece;'são muitos, na verdade, os estados que podem fazer aparecer um ventre volumoso ou um ventre deprimido, sem que esse estado esteja sob a dependência de uma tuberculose mesente-rica. A rede venosa é mais desenvolvida no abdomen e região lombar do que em qualquer outra região. Pela palpação podemos sentir os ganglios mesentericos, mas somente quando se encontram extremamente hipertrofiados, porque o intestino forma uma almofada a impedir a sua percepção.
Quando os ganglios hipertrofiados são em grande numero, podem formar uma massa de empastamento, atravez da qual se podem transmitiras pulsações da aorta abdominal de modo a podermo-las sentir.
Sintomas funcionais. — São determinados pela compressão dos intestinos e dos vasos. A compressão dos intestinos só muito raramente se observa, porque eles pela sua mobilidade se defendem com extrema facilidade. Pode, contudo,
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acontecer que os fenómenos de periadenite provoquem no peritoneu cxudações em tal quantidade que possam vir a formar aderências.
A compressão sobre vasos pode dar-se somente na veia cava inferior e aorta abdominal. A compressão da veia cava inferior traduz-se pelo edema nos membros inferiores, que se encontrava no doente que apresento, e pelo estabelecimento da rede venosa suplementar igualmente existente neste caso.
CAPITULO III
Diagnostico
Elementos de diagnostico, consoante a localização. Formas de diagnostico fácil e formas de diagnostico difícil.
Perante a vastidão da sintomatologia descrita, e dando-se o caso de que muitos desses sintomas podem ser determinados por numerosas afecções, fácil é de prever que o diagnostico se torne por vezes bem difícil, chegando mesmo a nunca ser posto na inteira verdade.
Sendo a sintomatologia diferente, conforme a localização, vou neste capitulo estudar o diagnostico das adenopatias nos dois grupos ganglionares mais frequentemente atingidos: adenopatias tra-queo-bronquicas e adenopatias mesentericas.
Adenopatía traqtieo-bronquíca.—Embora de diagnostico por vezes difícil, é este das adenopatias mais facilmente diagnosticavel.
Na região cervical, o doente pode seguir cada dia o desenvolvimento dos seus ganglios e as varias fazes porque eles vão passando, desde a hipertrofia até ao amolecimento e supuração. E' a forma de diagnostico mais fácil. Na região mesen-
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terica só com imensa dificuldade se pode pôr o diagnostico de tuberculose ganglionar. Nos grupos traqueo-bronquicos, embora se encontrem casos muito avançados sem terem sido diagnosticados como aconteceu no doente que apresento, nós os podemos descobrir um pouco mais precocemente . do que na região mesenterica, porque os ganglios aqui, tendo de hipertro-fiar-se num espaço limitado por paredes resistentes, necessariamente teem que ir comprimir um ou outro orgâo, produzindo então sintomas que nos fazem suspeitar da sua existência. Não quer isto dizer que se encontrem sempre na adenopatia traqueo-bronquica, fenómenos de compressão, porque podem existir grandes hipertrofias sem que os órgãos visinhos sejam impressionados, ou por não serem englobados na zona da periadenite, ou pela situação muito superficial dos ganglios, que vindo somente a contrair relações com a parede toraxica dão sinais físicos e ausência de sinais funcionais.
Por outro lado, pequenos ganglios ha que podem dar importantes sinais funcionais logo que englobem órgãos que reajam fortemente. De modo que podemos considerar o diagnostico nestas adenopatias ora fácil, ora difícil; fácil, quando o quadro sintomático apresentado é quasi patognomonico; difícil, quando os sintomas são muito atenuados ou isolados ou então quando se encontram somente sinais de compressão que podem ser determinados por numerosas afecções.
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Consideremos o diagnostico diferencial com as afecções com que mais facilmente se pode confundir.
Dizem vários autores que se deve suspeitar sempre da existência da adenopatia traqueo-bron-quica em crianças que tossem habitualmente e são sujeitas a acessos de bronquites de repetição. A tosse apresentada por estas crianças sobrevem por quintos, por vezes acompanhada de injecção das conjuntivas. Pelo modo como se manifesta, semelhando a tosse de coqueluche, se lhe chamou tosse coqueluchoide. Temos, pois, que fazer o diagnostico com esta afecção. Na coqueluche o quinto é mais prolongado, ha um sibilo inspiratório da entrada precedendo o ataque, ha vómitos terminais. Além disso, a coqueluche vai diminuindo de intensidade, enquanto que a tosse da adenopatia tuberculosa continua por longos mezes, com a mesma intensidade.
Pode simular a asma pelos seus acessos dis-pneicos, quando estes sobreveem no meio de uma aparente saúde perfeita; faremos bem o diagnostico, sabendo que a asma essencial é rara nas crianças e ao mesmo tempo investigando pela auscultação os vários sinais que acompanham a adenopatia e que faltam na asma.
A «cornage» expiratória pode confundir-se com a produzida pelas vegetações adenóides, porém nestas o timbre é mais elevado e desaparece com a compressão do nariz.
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Nos casos em que o edema e a congestão da face são muito acentuados parecendo impor o doente como um renal ou um cardíaco, o exame das urinas e do coração bastam para nos afas
tarem do erro. Quanto ás afecções nos órgãos do medias
tino, que pela sua sintomatologia podem simular a adenopatia, temos que fazer o diagnostico dife
rencial com as aneurismas da aorta, com a hiper
trofia do timo, com o cancro do esofago e com as adenopatias não tuberculosas.
O diagnostico com a aneurisma da aorta deve fazerse do seguinte modo : investigando a existên
cia de um abaulamento num ponto determinado da parede toraxica, de um novo centro de pulsações, do duplo sopro percebido pela auscultação, do au
mento da area de macissez nos vasos, do estado ■vertiginoso frequente. Estes sintomas são outros tantos elementos a favor da aneurisma.
. O diagnostico com a hipertrofia do timo é difícil, porque ambas as afecções dão macissez nos mesmos pontos, só com a diferença que a macissez dada pela hipertrofia é mais regular
mente triangular e da base para cima o que se não vê na hipertrofia ganglionar.
O diagnostico com o cancro do esofago deve fazerse pela disfagia, pelos fenómenos de com
pressão do frenico e pelo cateterismo que no caso de cancro nos pode trazer produtos cancerosos. Além disso, o cancro no esofago é muito raro na infância.
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Falta agora determinar se a adenopatia observada é de natureza tuberculosa.
Alguns autores não admitem adenopatias banais, dizendo que quando os ganglios estão hipertrofiados a tal ponto que possam ser revelados ao exame clinico, se pode afirmar a sua especificidade. Outros dizem que esta adenopatia pode aparecer como consequência de anginas, sarampo, gripe e coqueluche. Na pratica devemos observar o estado geral do doente, procurar a positividade da anti-reacção de Von Pirquet, investigar a existência de lesões associadas em outros órgãos. Finalmente, devemos considerar de natureza tuberculosa todas as adenopatias traqueo-bronquicas, que se tornam demoradas em crianças sujeitas a bronquites de repetição.
Tenho falado até aqui somente no diagnostico clinico. Vou dizer agora, embora resumidamente, algumas palavras sobre o diagnostico radiológico, porque a radiologia vem auxiliar a clinica no que ela tem de insuficiente.
Para interpretar com verdade as imagens apresentadas no écran, é necessário conhecer o normal para depois distinguir o patológico.
Normalmente encontra-se no écran uma sombra, destacamos nitidamente sobre o espaço claro dos pulmões e correspondendo á região medio-to-raxica. Ao lado desta sombra aparecem muitas vezes sombras hilares que são interpretadas como produzidas por ganglios hipertrofiados. Temos, contudo, que considerar causas de erro,
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porque muitas vezes nâo condiz a observação radiológica com o que se observa em autopsias dos mesmos indivíduos. Assim, teem-se encontrado no vivo sombras hilares que se in+repre-tam como ganglios, e que tendo falecido o doente e a que tendo sido feita a autopsia, se não encontraram esses ganglios. Parece então que essas sombras que se notavam no vivo eram determinadas pelos vasos engorgitados do sangue, e que na faze agonica se esvasiaram. Estas causas de erro não devem fazer desprezar este meio de diagnostico, que por vezes é o único que revela uma lesão que o exame clinico mais cui-dadoso nunca revelaria.
Adenopatías mesentericas. — Como repetidas vezes tenho dito neste estudo, é esta uma das formas de adenopatia de diagnostico mais difícil; podemos sempre suspeitar da sua existência, mas nunca poderemos senão com dificuldade afirmá-la.
O desenvolvimento dos ganglios profundamente situados, embora por vezes seja grande, nunca se torna perfeitamente perceptível e mesmo quando encontramos na cavidade abdominal massas extranhas teremos que fazer o diagnostico diferencial, porque não é somente a tuberculose mesenterica que assim se manifesta.
Quando haja péritonite tuberculosa com formação do «gateaux» peritoneais, estes podem confundir-se com os ganglios hipertrofiados: o
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diagnostico a fazer é investigar que é a serosa peritoneal atingida pelos outros sinais, que nos revelam o seu ataque. No caso de péritonite, contudo, devemos pensar sempre na existência de uma adenopatia similar.
No caso que apresento, em razão-de ter diagnosticado a péritonite, a ela ligava aqueles nodu^ los que sentia, e só quando notei o edema nos membros inferiores por defeito de circulação de retorno, que se encontrava prejudicada, é que pensei na possível existência da adenopatia, mas ainda assim nunca pensei que ele apresentasse o extraordinário desenvolvimento que notei na autopsia.
Os nódulos podem ainda confundir-se com acumulações estercorais, mas estas são mais moveis, depresiveis e facilmente evacuáveis por meio de um purgante.
A confusão com neoplasias de qualquer ordem, que se encontrem nos órgãos contidos na cavidade abdominal, é afastada pelo estudo ao estado geral e da evolução. A propagação da neoplasia a outros órgãos é decisiva por vezes.
Prognostico
A tuberculose ganglionar não marcha sempre da mesma maneira, como facilmente se vê estudando a sua anatomia patológica: segundo predomina a tendência para a esclerose ou para
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a caseificação, assim também as consequências são diferentes e o prognostico variável. Nos casos em que haja tendência para a esclorose redu-zem-se naturalmente as complicações e o doente curará clinicamente enquanto que, quando o processo caminha para a caseificação, todas as complicações se podem produzir e algumas rapidamente mortais. O prognostico varia também conforme a sede: no pescoço deixa como restos cicatrizes disformes e por vezes repugnantes aos seus portadores; no tórax são tão numerosas e tão graves as complicações que, a pensar nas suas consequências, estas seriam sempre fatais quando a evolução fosse para a caseificação. Com efeito, a perfuração da traquea, do esofago, dos brônquios, da artéria pulmonar são de um prognostico reservadíssimo.
A tuberculose mesenterica só raramente dá complicações tão alarmantes, e por isso o seu prognostico fica reduzido ao prognostico da tuberculose ganglionar quasi unicamente.
O prognostico ainda varia, conforme o ataque ganglionar é primitivo ou secundário, e lesões noutros órgãos é quando é primitiva, a tendência para a cura tem muito maiores probabilidades.
Todavia, qualquer que seja a forma, devemos pensar sempre que uma adenopatia tuberculosa, mesmo latente, é um deposito de bacilos que de um momento para o outro podem distribuir-se por todo o organismo, produzindo numerosas lesões viscerais e mesmo numa inteira gene-
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ralizaçâo. Esta generalização manifestasse então por tuberculoses agudas, granulia, etc.
Além disso, doentes portadores de tuberculoses ganglionares latentes adquirem uma sensibilidade especial em frente do bacilo, de modo que uma infecção da mesma espécie, vinda dó exterior, dá muitas vezes uma evolução aguda ao processo. - . :---:
Temos que considerar também a influencia funesta de certas doenças, como o sarampo a coqueluche e a gripe que, sobrevindo nestes portadores de bacilos, apressam a sua acção, preparando o terreno ao ataque pela inferiorização orgânica que produzem.
CAPITULO IV
Tratamento
O tratamento da tuberculose ganglionar pode ser medico ou cirúrgico. Aqui é o tratamento medico que tem a primazia, porque tem que ser feito sempre qualquer que seja a forma porque se manifeste a tuberculose. Com efeito, a tuberculose é uma infecção geral com manifestações locais £ a estas somente se dirige o tratamento cirúrgico.
O tratamento medico compreende uma terapêutica higiénica e uma terapêutica medicamentosa.
A terapêutica higiénica é profilática quando afasta as crianças facilmente tuberculisaveis (de temperamento linfático, descendentes de pais tuberculosos), de outras que já estão atingidas. E' curativa quando utilisando o bom ar, a luz solar, a alimentação cuidadosa e o repouso, eleva as faculdades de defeza no organismo de maneira a que ele melhor resista ao ataque.
A cura de ar deve fazer-se afastando a criança da cidade, onde o ar respirável é mau, para o campo e preferivelmente para a beira-mar, numa região temperada e abrigada dos ventos.
As vantagens do ar marinho são múltiplas: pobreza em baterias, maior quantidade de oxige-
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nio e ozono oferecido a cada inspiração, existência no ar de princípios salinos e maior regularidade na temperatura.
Por tudo isto, os climas marítimos são aqueles que mais notável influencia exercem sobre a nutrição geral. Muitos indivíduos ha, contudo, que sendo nervosos e sensíveis passam mal nestes climas, que muito os excitam.
A luz solar tem também uma notável influencia sobre as tuberculoses ganglionares. Atua, beneficiando o estado geral do doente por modificação de nutrição e multiplicação da hemoglobina. Mas a sua acção não se limita a isto, porque ele parece ter ainda uma influencia electiva e -resolu-tiva nas lesões ganglionares.
A terapêutica medicamentosa visa a levantar o estado geral, modificando-lhe as faculdades de nutrição ou modificando a constituição dos humo-res e a combater certos sintomas produzidos pela adenopatia.
Como medicação geral, podemos utilizar: o óleo de fígado de bacalhau, o iodo sob a forma ou xarope iodo-tanico, os fosfatos, os arsenicais, os sais de cálcio, etc.
Como medicação especifica, podemos utilizar as tuberculinas.
A medicação sintomática visa principalmente a combater a tosse coqueluchoide e os acessos dispneicos. Contra a tosse usam-se os medicamentos anti-spasmodicos, tais como a beladona, o aconito, a codeína. Contra os acessos dispnei-
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cos usa-se o brometo de potássio, a beladona, a antipirina, as ventosas secas, etc.
A disfagia combate-se por uma alimentação escolhida e pelos analgésicos.
Tratamento cirúrgico
Pode ser sangrento e conservador. O tratamento sangrento visa á extirpação dos ganglios atingidos. Só se pode fazer na região cervical, cujos ganglios são facilmente acessíveis. Pede bastante habilidade do operador, porque muitas vezes os ganglios estão envolvidos numa forte ganga de periadenite, que os tornam aderentes aos vasos do pescoço o que torna difícil o seu isolamento a extirpação.
O tratamento conservador, aplicado nas ade-nopatias supuradas, consiste na punção do gan-glio caseifícado e seguidamente de injecção na cavidade deixada, de substancias que favoreçam a formação de tecidos fibrosos. Destas substancias, as mais preconizadas teem sido o iodofor-mio e o naptol canforado.
Calot que é quem mais defende este processo de cura usa a seguinte formula de injecção modificadora :
Iodoformio dez gramas. Éter sulfúrico trinta gramas. G a i a c o 1 1 35 cinco gramas. Creosota . . ) Azeite puro esterilizado . . . setenta gramas.
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A punção deve sèr feita por uma agulha esterilizada, cuja penetração se deve fazer em tecido cuja vitalidade se não encontre comprometida para evitar a formação de fistulas. A aspiração pode fazer-se com o aparelho de Calot. A quantidade de substancia que se injecta a seguir á punção deve ser pequena a principio, para estudar a tolerância do doente. As injecções devem fazer-se com o intervalo de cinco dias, pelo menos.
V I S T 0 - PODE-SE IMPRIMIR.
Tiago de Almeida, Alfredo de Magalhães, Presidenta. Director.
E R R A T A S
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LINHA ONDE SE L Ê
9 base 17 pugas 23 raacisões 30 estas 7 infecionisação 5 coternais 13 Berety 11 fiel » anti-reacSo
24 e 30 numa 25 baterias
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