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Tutela MP
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA E DIREITO
ROBERTA PONZO NOGUEIRA
O MINISTRIO PBLICO ESTADUAL NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE:
Estratgias de atuao nos conflitos em Niteri-RJ
NITERI 2007
2
ROBERTA PONZO NOGUEIRA
O MINISTRIO PBLICO ESTADUAL NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE
Estratgias de Atuao nos Conflitos em Niteri - RJ
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obteno do ttulo de mestre em Cincias Jurdicas e Sociais.
Orientador: Professor Doutor Wilson Madeira Filho.
Niteri, 2007
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA E DIREITO
3
NOGUEIRA, Roberta Ponzo.
O Ministrio Pblico Estadual na tutela do meio ambiente: estratgias de atuao nos conflitos em Niteri-RJ/ Roberta Ponzo Nogueira, UFF/ Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Direito. Niteri, 2007.
163 f.
Dissertao (Mestrado em Cincias Jurdicas e Sociais) Universidade Federal Fluminense, 2007.
1. Ministrio Pblico. 2. Justia Ambiental. 3. Conflitos scio-ambientais. I. Dissertao (Mestrado). II. Ttulo
4
ROBERTA PONZO NOGUEIRA
O MINISTRIO PBLICO ESTADUAL NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE
Estratgias de Atuao nos Conflitos em Niteri-RJ
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obteno do ttulo de mestre em Cincias Jurdicas e Sociais.
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________________________________
Prof. Dr Miriam Fontenelle
________________________________________________________________
Prof. Dr. Selene de Souza Carvalho Herculano dos Santos
________________________________________________________________ Prof. Dr. Wilson Madeira Filho (Orientador)
Niteri, 2007
5
Dedicatria
Dedico esta dissertao aos meus pais, pessoas fundamentais na minha formao, que eu admiro e amo muito.
6
Agradecimentos
Aos meus pais, Srgio e Valria, pelo total apoio e acolhida na hora que eu mais precisei. O carinho e a dedicao foram fundamentais para o trmino desta fase da minha vida!
s minhas irms, Michelle e Natlia, pela pacincia que tiveram que ter comigo e pela alegria, que ajudou a iluminar minha mente e meus dias.
Ao meu orientador Wilson Madeira Filho, pela confiana em mim depositada desde a graduao e, principalmente, pelos incentivos e ensinamentos durante todo este perodo.
Pri, minha sempre companheira e amiga do Mestrado, pessoa iluminada que eu tive a honra de conhecer e partilhar as angstias e alegrias da vida acadmica.
s minhas amigas irms, Slvia e Renata, que, mesmo distantes, mantiveram-se presentes, dando apoio e alegria.
Paula, um agradecimento muito especial, pela nossa maior proximidade nesse perodo e pelas valiosas ajudas dadas. Valeu mesmo!
A todos meus colegas e amigos do Mestrado, que tambm partilharam das mesmas experincias e que s acrescentaram na minha vida, em especial, Emanuel, Leonardo, Pedro, Ana Cludia, rika, Lus Cludio e Alexandre, pela maior proximidade e afinidade.
Um agradecimento em especial ao Omar Serrano, grande ativista ambiental de Niteri, pelas preciosas informaes e pela vontade, sempre presente, de me auxiliar na construo do meu trabalho.
Aos professores do PPGSD, por me proporcionarem novos conhecimentos e novos olhares sobre o mundo do Direito.
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RESUMO
A presente dissertao tem por objeto analisar a atuao do Ministrio Pblico Estadual atravs da propositura e fiscalizao das Aes Civis Pblicas Ambientais, considerada como instrumento viabilizador do acesso cidadania, bem como, subsidiariamente, a participao de outros atores sociais envolvidos, como os representantes do Poder Pblico e seus entes estatais, e dos vrios segmentos sociais, como indivduos isolados, Organizaes no governamentais ONGs, associaes civis e movimentos ambientalistas.
A redemocratizao do Brasil trouxe importantes conquistas legislativas no mbito dos direitos difusos e coletivos, inclusive o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, alm das diversas legislaes infraconstitucionais regulamentando a proteo ambiental. Paralelo a isso, o Ministrio Pblico tambm ganha um novo formato constitucional, ps Constituio de 1988, havendo uma ampliao do rol de suas funes. Aparece, assim, como instituio reformulada , fundamental na defesa dos interesses difusos, criando Promotorias Especficas com o objetivo de garantir uma atuao mais eficaz e assegurar um contato maior entre a sociedade civil e este rgo, na consecuo de atividades destinadas proteo ambiental.
Pode-se observar que apesar dos problemas enfrentados na prtica, como a demora no andamento das aes, ou mesmo a dificuldade encontrada em condenar judicialmente o prprio poder pblico a reparar os danos causados por suas atividades nocivas/omissivas, a resposta social ainda a de identificar na denncia ao mesmo Estado
via MPE, apesar da pouca capacidade institucional de absoro de novas demandas - sua principal forma de expresso. .
8
SUMMARY
This paper seeks to analyze the Ministrio Pblico Estadual actions, through proposition and supervision of the Environment Public Civil Actions, considered as an instrument helping to access the citizenship. In a second plan, this paper seeks to understand the participation of others social actors, such as: NGO s, Ordinary Civil Associations and Environmentalist Movements.
The Brazilian re-democratization process brought with itself important legislative conquests, relating to diffusion and collective rights, giving constitutional rights and improved the infra-constitutional legislation, controlling the environment protection. At the same time, the Ministrio Pblico also gets a new constitutional shape, after the Brazilian Constitution of 1988. It gets a lot of other important functions. It turns out to be a reformulated institution, which is fundamental in order to defend the diffusion rights; through the creation of Specific Promotorias with the goal to guarantee the effectiveness of its actuation, preserving a bigger contact with the civil society and this Institution, both seeking to do activities oriented to the environment protection.
We could observer that besides the practical problems, such as, the long wait for the processes to be done, or the difficulties to judge the own public power in order to repair the damages caused by the illegal activities, the social answer still is to identify in the State, through MPE , besides the weak institutional capacity in take care of new demands, its main way to express itself.
9
SUMRIO
INTRODUO 014 Aspectos inicias da (re) construo do objeto 015
Aspectos metodolgicos 020
Obstculos na pesquisa de campo 024
1 TUTELA AMBIENTAL: perspectiva jurdica integrada aos debates
scio-ambientais 026
1.1. Os conflitos ambientais nas arenas pblicas o campo judicial 034
2 MINISTRIO PBLICO E NOVOS DIREITOS: do novo formato
institucional reestruturao do seu quadro administrativo 046
2.1. A reestruturao do Ministrio Pblico da vinculao aos Poderes
consolidao do perfil constitucional 048
2.1.1. Interesse Pblico: da Administrao Pblica ou da Sociedade? 050
2.1.2. Independncia Funcional: prximo passo 058
2.2. Organizao do Ministrio Pblico Estadual no Rio de Janeiro 060
2.2.1. Estrutura organizativa do MPE a partir das mudanas institucionais
Internas 064
2.2.2 A especializao da Tutela Coletiva 077
3 PODER PBLICO E SOCIEDADE CIVIL: caracterizao das ACPs
ambientais e estratgias discursivas 080
3.1. As ACPs Ambientais em Niteri 083
3.1.1.Caracterizao das ACPs 084
3.1.2.Ocupaes irregulares: empreendimentos imobilirio versus
favelizao
090
3.2. A participao do Poder Pblico 096
3.3. A participao da Sociedade Civil 105
4 FASES DE ATUAO E ESTRATGIAS DE AO DO MP 115
4.1.Fases de Atuao em Niteri 116
4.1.1. 1 fase (1995-2001) 116 4.1.2. 2 fase (2001-2004) 118
10
4.1.3 3 fase (2004-2006) 120
4.2. Os usos diferenciados do Inqurito Civil, do Termo de Ajustamento de
Conduta e das Percias Ambientais 121
4.2.1. Inqurito Civil 121
4.2.2 Termos de Ajustamento de Conduta 126
4.2.3. Percias Ambientais 130
CONSIDERAES FINAIS 136
REFERNCIAS 141
ANEXOS 149 ANEXO 1. Estrutura das Entrevistas Membros do MPE 150 ANEXO 2. Estrutura das Entrevistas Sociedade Civil 152 ANEXO 3. Tabela de ACPs propostas pelo MPE em Niteri 153 ANEXO 4. Tabela de ACPs propostas por entidades civis 160 ANEXO 5. Tabela de ACPs propostas pelo Poder Pblico 162 ANEXO 6. Tabela de Caracterizao das ACPs 163
11
ABREVIATURAS UTILIZADAS
ACP - Ao Civil Pblica
AFEA Associao de Engenheiros e Arquitetos
APREC - Associao de Proteo a Ecossistemas Costeiros
AMPERJ Associao do Ministrio Pblico Estadual do Rio de Janeiro
AMARU Associao de Moradores do Loteamento Aru
AMAVIP Associao de Moradores da Vila Progresso
ANPPAS Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Ambiente e
Sociedade
APA rea de Proteo Ambiental
APEDEMA- RJ Assemblia Permanente de entidades em Defesa do Meio Ambiente
CAO Centro de Apoio Operacional
CCOB Conselho Comunitrio da Orla da Baa
CCRON Conselho Comunitrio da Regio Ocenica
CEDAE Companhia de guas e Esgotos do Rio de Janeiro
CEHAB-RJ Companhia Estadual de Habitao do Rio de Janeiro
CEJUR Centro de Estudos Jurdicos
CERJ Companhia Estadual de Energia Eltrica do Rio de Janeiro
CIEP Centro de Informao Escolar e Profissional
CLIN Companhia de Limpeza Municipal
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
CONAMP Confederao das Associaes Nacionais do Ministrio Pblico
CONPEDI Conselho Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Direito
COPPE/ UFRJ Instituto Alberto Luiz Coimbra de Ps-Graduao e Pesquisa de
Engenharia
CRAAI Centro Regional de Apoio Administrativo Institucional
EIA Estudo de Impacto Ambiental
EMERJ Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
EMOP Empresa de Obras Pblicas do Estado do Rio de Janeiro
ERB Estao de Rdio-Base
FEEMA Fundao Estadual de Engenharia de Meio Ambiente
FEMPERJ Fundao do Ministrio Pblico Estadual do Rio de Janeiro
GATE Grupo de Apoio Tcnico Especializado
12
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis
IC Inqurito Civil
IEF Instituto Estadual de Florestas
IML Instituto Mdico Legal
INEPAC Instituto Estadual do Patrimnio Cultural
IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
LACP Lei de Ao Civil Pblica
LC Lei Complementar
LPNMA Lei de Poltica Nacional do Meio Ambiente
MP Ministrio Pblico
MPE Ministrio Pblico Estadual
MPF Ministrio Pblico Federal
NEA Ncleo de Estudos Ambientais
NERAGA Ncleo Especial de Referncia Agrria
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
PDBG Programa de Despoluio da Baa de Guanabara
PEST Parque Estadual Serra da Tiririca
PGJ Procurador Geral de Justia
PNMA Poltica Nacional do Meio Ambiente
PUR Plano Urbanstico Regional
ONG Organizao No Governamental
RIMA Relatrio de Impacto Ambiental
SEMADS Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel
SERLA Superintendncia Estadual de Rios e Lagoas
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservao
SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente
SOPRECAM Sociedade Pr Preservao Urbanstica e Ecolgica de Camboinhas
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justia
TAC Termo de Ajustamento de Conduta
TJ Tribunal de Justia
UC Unidade de Conservao
UFF Universidade Federal Fluminense
13
Devastamos mais da metade do nosso pas pensando que era preciso deixar a natureza para entrar na Histria: mas eis que esta ltima, com sua costumeira predileo pela ironia, exige-nos agora como passaporte justamente a Natureza.
(Eduardo Viveiros de Castro, antroplogo)
14
INTRODUO
Esta dissertao tem como objeto a atuao do Ministrio Pblico atravs da
propositura e fiscalizao das Aes Civis Pblicas Ambientais e de outros
instrumentos jurdicos colocados sua disposio bem como, subsidiariamente, a
participao, nesse processo, do Poder Pblico e dos vrios segmentos sociais, como
indivduos isolados, Organizaes no Governamentais, associaes civis e movimentos
ambientalistas.
Discutir, hoje, meio ambiente e seus mecanismos de proteo jurdica
perpassam, necessariamente, pelo estudo da Ao Civil Pblica, enquanto instrumento
jurdico mais utilizado na tutela ambiental, bem como o estudo do Ministrio Pblico -
enquanto instituio estatal considerada a mais atuante na Tutela Coletiva
tido como
agente gerenciador dos conflitos ambientais.
Para analisar a atuao do Ministrio Pblico na defesa do meio ambiente, h,
inicialmente, uma abordagem sobre a escolha do tema a ser trabalhado e as
modificaes ocorridas na prpria (re)construo do objeto, redefinindo prioridades a
serem analisadas, bem como a metodologia utilizada e os obstculos encontrados na
pesquisa de campo.
A dissertao obedecer s seguintes divises e discusses:
O captulo 1 faz uma abordagem histrica da questo ambiental no Brasil,
enfocando os principais elementos para sua consolidao no debate poltico e jurdico,
bem como as novas abordagens tericas dentro das cincias sociais. Alm disso,
delineia o caminho terico adotado, atravs da discusso sobre o campo judicial como
arena pblica para discusso da questo ambiental.
No captulo 2, h a anlise das mudanas institucionais ocorridas no
Ministrio Pblico, a partir do processo de judicializao da poltica no Brasil,
15
relacionando, portanto, entrada dos novos direitos coletivos, sobretudo o meio
ambiente, no campo jurdico. Em seguida, h anlise da incorporao desse processo no
Estado do Rio de Janeiro, atravs das mudanas internas na instituio, principalmente
atravs das Resolues do Procurador Geral de Justia.
O captulo 3, a partir da pesquisa de campo realizada nos processos judiciais,
faz um estudo sobre as ACPS ambientais no municpio de Niteri, caracterizando os
tipos de conflitos que aparecem no cenrio jurdico. A segunda e terceira partes do
captulo, voltam-se para a relao existente entre o Ministrio Pblico e os outros atores
sociais envolvidos nas demandas ambientais, quais sejam, a sociedade civil organizada
e o Poder Pblico.
O captulo 4, por fim, aps a anlise das ACPs e da relao entre o MP e os
demais atores sociais, faz uma abordagem geral da atuao do MP em Niteri, atravs
da identificao de trs momentos diferenciados de atuao. Para uma melhor
compreenso das estratgias de ao do MP, h a anlise dos elementos identificados
como fundamentais em sua atuao, alm da prpria ACP: o inqurito civil, o TAC e as
percias ambientais.
Aspectos iniciais da (re) construo do objeto e definio do problema
A escolha1 da Ao Civil Pblica Ambiental como objeto de estudo em defesa
do meio ambiente, por via judicial, ocorreu, conforme j citado, a partir da constatao
de que esse instrumento jurdico, dentre todos que o ordenamento jurdico brasileiro
dispe, o mais utilizado para a resoluo dos conflitos ambientais. Em 2001, havia 19
Aes Civis Pblicas Ambientais apenas na cidade de Niteri2. No ltimo levantamento
feito, j a partir dos estudos no mbito do mestrado, so, ao todo, 47 Aes Civis
Pblicas no Municpio.
1 Tambm se faz necessria uma justificativa de ordem pessoal, pela aproximao com a temtica ambiental, bem como pelas especificidades da escolha de Niteri como uma opo da pesquisa de campo. Alm da atualidade e importncia do tema, a escolha do objeto da dissertao se deve, principalmente, proximidade com o tema desde a graduao na Universidade Federal Fluminense, local de concluso do curso de Direito, pela participao no grupo de pesquisa Tutela Ambiental e Polticas Pblicas , onde era realizado o acompanhamento e mapeamento de todas as Aes Civis Pblicas Ambientais, poca, na 4 Circunscrio Regional de Interesses Individuais e Coletivos dos Municpios de Niteri, Itabora, Maric e So Gonalo. 2 Dados retirados do Relatrio Geral do NERAGA
Parte I
Ao Civil Pblica Ambiental em Niteri. Coordenao do professor Wilson Madeira Filho, 2001. Em MADEIRA FILHO, Wilson et alli. Aes Civis Pblicas Ambientais em Niteri. Relatrio PIBIC. Niteri: Universidade Federal Fluminense, 2001.
16
O estudo desses processos se fez de suma importncia para a anlise da
incluso da questo ambiental atravs das prticas jurdicas, enfocando-a como forma
de integrao nos debates atuais sobre direitos e, principalmente, para anlise do papel
que o Estado tem, atravs do Ministrio Pblico Estadual, na prpria construo do
discurso ambiental e nas estratgias de atuao em prol de sua defesa.
Num primeiro momento de definio do objeto, houve a opo, na
apresentao do pr-projeto, pelo estudo das Aes Civis Pblicas Ambientais como
instrumento viabilizador do acesso cidadania, atravs da prtica do discurso
democrtico.
Seriam levados em considerao, nesse primeiro momento de definio, os
atores sociais que dela participam, como os representantes do Poder Pblico e os entes
estatais ambientais responsveis pela fiscalizao, membros do Ministrio Pblico
Estadual e dos vrios segmentos sociais, como indivduos isolados, Organizaes No
Governamentais, associaes, movimentos ambientalistas, entre outros, focando a
anlise na construo do discurso ambiental a partir dos atores ativos nesse processo.
Ocorre que, no decorrer do trabalho, a participao de todos os atores nessa
construo acarretou uma ampliao demasiada do campo de pesquisa, o que poderia
inviabilizar o estudo pela disperso do foco. Ademais, pela prpria incurso no campo
de pesquisa no mbito do mestrado, outras questes fundamentais apareceram,
ocasionando, com isso, uma mudana na construo do problema e na delimitao do
objeto.
O enfoque principal do trabalho, que passou a se centrar na atuao do
Ministrio Pblico, como ator social nesse processo, foi a primeira mudana na
delimitao. A partir da apresentao de um artigo na ANPPAS3, em 2006, as anlises
recaram sobre a participao do Ministrio Pblico na construo, por via judicial e
extrajudicial, da questo ambiental, bem como os instrumentos jurdicos e extrajurdicos
3 O III Encontro da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Ambiente e Sociedade
ANPPAS, ocorreu entre os dias 23 a 26 de maio de 2006, em Braslia. O artigo, em conjunto com o professor e orientador da pesquisa, Doutor Wilson Madeira Filho, foi apresentado no grupo de Trabalho Justia Ambiental, Conflito social e Desigualdade , sob o ttulo Atuao do Ministrio Pblico no
acompanhamento e propositura das Aes Civis Pblicas Ambientais em Niteri . Disponvel emwww.anppas.org. Tambm publicado em MADEIRA FILHO, Wilson; NOGUEIRA, Roberta Ponzo. Meio ambiente e Ministrio Pblico Estadual: uma anlise da efetividade jurdica de proteo ambiental no Municpio de Niteri
RJ. In: Anais do XV Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Ps Graduao em Direito - CONPEDI, ocorrido em Manaus, nov. de 2006. Disponvel em www.conpedi.org.
http://www.anppas.orghttp://www.conpedi.org17
disponveis, por essa instituio, em sua atuao no campo da tutela coletiva, com
nfase no direito difuso meio ambiente.
No incio da pesquisa realizada no Municpio de Niteri, junto 2 Promotoria
de Tutela Coletiva, constatou-se a atuao central do Ministrio Pblico como guardio
dos interesses coletivos e difusos onde, seja atravs de procedimentos administrativos
como inquritos civis e sindicncias, seja atravs da propositura das Aes Civis
Pblicas, encontrava-se o Ministrio Pblico Estadual com uma grande
responsabilidade na proteo ambiental.
Outra questo a ser ressaltada sobre a delimitao do objeto de pesquisa o
recorte em relao aos promotores estaduais, no abrangendo a atuao no nvel
federal4, o que significa excluir da anlise a atuao do Ministrio Pblico Federal e as
demandas ambientais que recaiam sob sua competncia funcional.
A escolha do Ministrio Pblico Estadual deve-se, principalmente, ao fato de
que a grande maioria das demandas ambientais, em Niteri, so de competncia do
MPE e, tambm, pela sua especificidade em Niteri, havendo diferenas na estrutura
organizativa destes dois ramos do MP, apesar de ambos fazerem parte de uma mesma
estrutura institucional.
As justificativas com relao escolha da pesquisa no Municpio de Niteri
so de duas ordens: pelo conhecimento de campo adquirido desde a pesquisa na
Universidade Federal Fluminense, o que possibilitou o acompanhamento nas mudanas
de atuao do Ministrio Pblico na cidade, desde 2001, e, em segundo lugar, pela
especificidade de Niteri na prpria estrutura organizativa do Ministrio Pblico
Estadual, alm de ser sede de um Centro Regional de Apoio Administrativo e
Institucional do Ministrio Pblico Estadual, 4 CRAAI Niteri, concentrando as
demandas de direitos difusos e coletivos em Niteri, Maric e Rio Bonito.
O Ministrio Pblico em Niteri, como ser demonstrado em momento
posterior, passou por mudanas estruturais que redefiniram prioridades no Municpio e
na atuao dos promotores de justia, sendo uma das poucas cidades do Estado, alm da
prpria Capital, a possuir promotores especializados nas reas de Meio Ambiente,
4 A Constituio da Repblica Federativa do Brasil estabelece os ramos do Ministrio Pblico Nacional, que abrange: I
o Ministrio Pblico da Unio, compreendendo: a)o Ministrio Pblico Federal; b)o Ministrio Pblico do Trabalho;c) o Ministrio Pblico Militar;d) O Ministrio Pblico do Distrito Federal e dos Territrios; II
o Ministrio Pblico dos Estados. (grifos nossos). Apesar de serem dois ramos (MPF e MPE) da mesma instituio, possuem Leis Orgnicas prprias e distintas esferas de atuao. O nico ramo, portanto, a ser trabalhado nessa pesquisa compreende o Ministrio Pblico Estadual, atravs da pesquisa em torno dos promotores estaduais com atuao em Niteri.
18
Consumidor e Cidadania. No interior do Estado do Rio de Janeiro j existem
Promotorias de Tutela Coletiva que abrangem regies determinadas pelo nmero de
municpios, mas os promotores de justia destas Promotorias atuam em todas as reas
que envolvam direitos difusos e coletivos, no havendo especializao.
Analisar o Ministrio Pblico Estadual em Niteri, atravs de sua prpria
reorganizao no Municpio e na sua atuao judicial e extrajudicial, longe de querer
impor generalizaes em relao a todo o Ministrio Pblico Estadual na defesa do
meio ambiente, revelou algumas tendncias de atuao e diferenciaes na utilizao
dos instrumentos disponveis, no apenas deslocando a prpria funo da Ao Civil
Pblica, como tambm fazendo reaparecer, nesse cenrio, outros instrumentos-chave na
atuao do Ministrio Pblico e em sua relao com os outros atores sociais.
A anlise, assim, recaiu sobre a atuao especfica do promotor nas Aes
Civis Pblicas, e em sua relao com os demais atores sociais envolvidos, tendo como
primeira hiptese de trabalho a atuao fundamental do Ministrio Pblico na resoluo
dos conflitos ambientais por via judicial.
Num segundo momento de definio do objeto, ao deslocar o foco da pesquisa
para atuao do Ministrio Pblico, as primeiras hipteses levantadas demonstraram um
quadro superficial, onde a problemtica estaria voltada para qual seria o papel social do
Ministrio Pblico Estadual aps a sua reformulao institucional, a partir do novo
status constitucional dado pela Constituio Federal de 1988 e, em segundo lugar, se
sua atuao, via Ao Civil Pblica Ambiental, representaria uma ruptura com um
modelo institucional brasileiro burocrtico-patrimonialista ou continuidade com o
mesmo.
A hiptese central, apresentada na qualificao5, seria, a partir das anlises
preliminares levantadas, que a atuao do Ministrio Pblico, frente aos conflitos
ambientais, via ACP, encontrava-se atrelada a formalidades processuais e ao pouco
engajamento dos promotores estaduais na efetiva resoluo dos conflitos, alm da
existncia precria de fiscalizao dos agentes poluidores, demonstrando, assim, sinais
de colapso de um modelo de cidadania tutelada, que tem como base a cultura de acesso
justia e a prpria juridicidade na tradio brasileira.
O Ministrio Pblico no teria conseguido, portanto, superar os problemas
encontrados no interior das instituies estatais brasileiras, calcadas num modelo
5 A qualificao do Mestrado ocorreu em setembro de 2006.
19
burocrtico e patrimonialista, primando pelos formalismos e pela falta de instrumentos
efetivos na resoluo de problemas, o que nos levaria a pensar num Ministrio Pblico
como continuidade de um aparato institucional burocrtico e legalista.
A partir, ento, de uma anlise de atuao nas Aes Civis Pblicas
Ambientais, num primeiro momento, constata-se que o Ministrio Pblico no teria
cumprido de todo seu papel face s novas atribuies dadas pela Constituio Federal,
como defensor dos interesses difusos e coletivos.
Ocorre que essas primeiras hipteses j seriam prvias concluses, no
levando em considerao outros aspectos que no os estritamente jurdicos. A anlise da
atuao do Ministrio Pblico, via Ao Civil Pblica, valorizavam apenas o processo
judicial, onde as questes ambientais so discutidas, permitindo concluses sem o
devido questionamento de todo o processo de mudana na prpria instituio e nos
instrumentos utilizados.
Outras questes comeam, ento, a ser delineadas, enfocando no apenas as
aes, para resoluo dos conflitos ambientais, mas a participao do Ministrio Pblico
Estadual numa esfera mais ampla de atuao, buscando outras estratgias no decorrer de
sua consolidao institucional. Outros instrumentos jurdicos, possibilitados pela
legislao que fortaleceu o MP, como os inquritos civis e os Termos de Ajustamento
de Conduta, tambm aparecem como elementos definidores da atuao do Ministrio
Pblico na questo ambiental.
Tambm foi levada em considerao a relao do Ministrio Pblico com os
outros atores sociais, mais precisamente as entidades civis e os indivduos que
participam desse processo e o Poder Pblico, este definido como o Poder Executivo
Municipal e Estadual, o Poder Legislativo, abrangendo tambm as pessoas jurdicas e os
rgos de fiscalizao na rea do meio ambiente, que so a eles vinculados e que entram
na redefinio das negociaes em torno da questo ambiental.
Em relao anlise dos outros atores sociais, que aparecia como um dos
objetivos na primeira fase de construo do objeto, no ocorrer aqui, mas apenas as
relaes existentes entre o Ministrio Pblico e os mesmos, como, por exemplo, a
maneira como se d essa relao e como isso retroalimenta a dinmica e influencia na
atuao do Ministrio Pblico.
O objetivo da presente dissertao no , portanto, identificar como os outros
atores sociais envolvidos, como as entidades civis, representadas pelas ONGs
ambientalistas, associaes de moradores, entes governamentais, entre outros, disputam
20
espao e poder com o MP, mas compreender como o MP adquiriu o quase-monoplio
da defesa dos interesses na rea ambiental e quais foram os caminhos que o levaram a
tal gerenciamento nas disputas em defesa dos interesses da rea ambiental.
Alm dos instrumentos jurdicos e extrajurdicos mencionados, as percias
ambientais tambm foram consideradas na anlise, pela importncia que o discurso
tcnico representa nas demandas ambientais e na atuao do Ministrio Pblico. Na
grande maioria das questes ambientais levadas ao Ministrio Pblico e, muitas vezes,
ao Judicirio, elas se demonstram imprescindveis e determinantes no curso da prpria
ao judicial.
Aspectos metodolgicos
O mtodo utilizado, levando em considerao a anlise concreta das Aes
Civis Pblicas e entrevistas realizadas, de natureza emprica e exploratria, para a
compreenso das mudanas relativas s estratgias de atuao do Ministrio Pblico, o
que no decorrer da pesquisa, ocasionou alteraes no prprio processo de coleta de
dados. A pesquisa foi realizada, assim, em trs nveis, que sero explicitados a seguir.
Num primeiro momento, foi necessrio o levantamento das Aes Civis
Pblicas ambientais que foram propostas no Municpio de Niteri. Foi utilizado, no
levantamento inicial feito das ACPs at o ano de 2001, o relatrio de pesquisa
produzido na Universidade Federal Fluminense, atravs da pesquisa Tutela Ambiental
e Polticas Pblicas , orientada e coordenada pelo Prof. Dr. Wilson Madeira Filho.
Aps, foram feitos dois novos levantamentos das ACPs, em 2006, baseados nos dados
levantados na Promotoria de Meio Ambiente e Urbanismo em Niteri.
A partir do levantamento das Aes Civis Pblicas j propostas, houve o
mapeamento e acompanhamento, via processo judicial, no Frum de Niteri,
principalmente na 6 Vara Cvel, onde as Aes Civis Pblicas, em seu maior nmero,
tramitavam. A partir de outubro de 2006, houve um remanejamento das Aes,
passando a novas divises internas, e onde os processos foram redistribudos entre todas
as varas, da 1 a 10 varas cveis.
A inteno inicial, nessa primeira fase do trabalho de pesquisa, era fazer o
acompanhamento no prprio Ministrio Pblico, o que foi impossibilitado no incio da
pesquisa pela reorganizao interna pela qual a instituio passava. Tambm era
previsto o levantamento dos inquritos civis relativos aos danos ambientais, o que no
21
foi possvel pelas dificuldades de acesso aos dados junto ao Ministrio Pblico, estando
os processos ainda dispersos, sem a organizao pela especializao funcional, quais
sejam, cidadania, meio ambiente e consumidor.
No segundo nvel da pesquisa, j com os dados das aes concretas, foram
realizadas entrevistas padronizadas6, com os promotores de justia que atuaram nas
promotorias de justia na rea do meio ambiente.
A escolha dos promotores ocorreu segundo dois critrios: um temporal e outro
pela titularidade na promotoria de meio ambiente. Como ocorreram reorganizaes
internas, que sero explicitadas em captulo posterior, o critrio que prevaleceu foi o
tempo na especialidade meio ambiente. Foram, assim, selecionados cinco promotores
que atuaram por mais de um ano na tutela ambiental em Niteri. Foram excludos das
entrevistas, enfim, os promotores que tiveram passagens espordicas na Promotoria de
Meio Ambiente, seja para suprir frias dos promotores titulares, seja no momento de
remoes dos promotores titulares para outros cargos dentro da instituio.
A seleo, assim, no foi aleatria, pelo contrrio, a partir das atuaes
continuadas nas promotorias puderam-se apreender rupturas e continuidades nas
estratgias de atuao que demandam um conhecimento maior das questes ambientais
que passam pela via judicial no Municpio. J o tempo maior na promotoria permite que
os mesmos atuem em conformidade ou desconformidade em relao atuao dos
promotores anteriores influindo nas estratgias de ao. Isso ir permitir que as
dinmicas de fundo que no podem ser apreendidas por meio dos processos possam ser
descortinadas, a fim de demonstrar as estratgias de atuao utilizadas pelos promotores
nos processos que envolvam a questo ambiental e a forma como eles se articulam com
os agentes externos.
As entrevistas, enfim, foram padronizadas, ou seja, seguiu-se um roteiro
previamente estabelecido, por dois motivos: primeiro, pela dificuldade de acesso aos
promotores de justia e pelo tempo disponvel dos mesmos a dar entrevistas. Como
6A entrevista padronizada aquela em que o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido; as perguntas feitas ao individuo so predeterminadas. Ela se realiza de acordo com um formulrio elaborado e efetuada de preferncia com pessoas selecionadas de acordo com algum plano. O motivo da padronizao obter, dos entrevistados, respostas s mesmas perguntas, permitindo que todas elas sejam comparadas com o mesmo conjunto de perguntas, e que as diferenas devem refletir diferenas entre os respondentes e no diferenas nas perguntas.
In LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia cientifica. 4 edio. So Paulo: Atlas, 2001. p. 197.
22
havia a necessidade de marcar hora no prprio local de trabalho, as entrevistas deveriam
ser objetivas, para que as questes de interesse da pesquisa pudessem ser abordadas.
Em segundo lugar, a inteno na utilizao da pesquisa padronizada era que, a
partir das mesmas perguntas feitas aos promotores, as respostas poderiam significar
diferentes pontos de vista sobre o mesmo assunto, revelando mudanas ou
continuidades nas estratgias de atuao e tambm em relao ao posicionamento com
os outros agentes externos, como as entidades civis, os indivduos isolados e o Poder
Pblico.
A moldura das entrevistas (anexo um) foi estruturada levando em considerao
quatro abordagens7: estrutura organizativa do MP no momento de atuao do Promotor,
estratgias de atuao para resoluo dos conflitos ambientais, relao com a sociedade
civil, relao com o Poder Pblico.
As entrevistas foram feitas com cinco promotores de justia que atuaram nos
perodos de 91 a 2007. Elas foram realizadas entre os meses de janeiro e maro de 2007,
sendo gravadas e transcritas na ntegra. Ao citar a fala dos promotores, sero omitidos
os seus nomes, sendo os mesmos identificados por nmeros e, quando no interferir no
contedo da fala, haver excluso dos locais anteriores de trabalho.
No terceiro nvel da pesquisa, para a compreenso da relao com as entidades
civis que participam das dinmicas de atuao do MPE, tambm foram feitas entrevistas
com representantes de Ongs, Associaes de Moradores e Conselhos Comunitrios.
A escolha tambm no foi aleatria, mas a partir de uma anlise dos casos
concretos relativos s prprias Aes Civis Pblicas, onde o critrio foi estabelecido
pela participao no espordica nos casos envolvendo as questes ambientais. Foram
feitas cinco entrevistas com representantes de duas ONGs, representantes de dois
Conselhos Comunitrios e um representante de uma Associao de Moradores 8.
As entrevistas tambm foram padronizadas (anexo dois), objetivando
apreender as relaes das entidades civis com o Ministrio Pblico e a forma como
ocorria essa aproximao com a instituio e, ao mesmo tempo, o seu afastamento. As
7 O primeiro eixo de perguntas, relativo ao perfil do promotor de justia no foi utilizado na anlise, tendo em vista a delimitao do objeto, a posteriori. 8 As entidades civis entrevistas foram: Conselho Comunitrio da Orla da Bahia - CCOB, Conselho Comunitrio da Regio Ocenica - CCRON, Sociedade Pr Preservao Urbanstica e Ecolgica de Camboinhas - SOPRECAM, Assemblia Permanente de Entidades em defesa do Meio Ambiente - APEDEMA e Ncleo de Estudos Ambientais Protetores da Floresta NEA.
23
perguntas foram feitas em dois eixos9, a saber: estrutura da entidade civil, quem e quais
interesses ela representa, e a relao desta com o Ministrio Pblico. As entrevistas
tambm foram gravadas e transcritas e ocorreram entre os meses de janeiro e fevereiro
de 2007.
Cabe ressaltar o motivo pelo qual essas entrevistas ocorreram to somente no
final da pesquisa de campo e no em conjunto com a anlise das aes concretas. No
decorrer da pesquisa de campo, como explicitado na apresentao do problema e na
construo do objeto, a anlise priorizou o levantamento e mapeamento das Aes Civis
Pblicas, buscando elementos nas aes que pudessem caracterizar posturas de atuao
do Ministrio Pblico por via judicial, atravs das estratgias discursivas presentes nas
aes e na prpria caracterizao do dano ambiental a partir de uma leitura das lutas que
se travavam na esfera jurdica.
Num primeiro momento, as aes serviriam para caracterizar os conflitos
ambientais no campo jurdico, mas deixavam de fora da anlise todo um processo de
negociao extrajudicial e de contatos com os agentes externos que, da mesma forma
que o Ministrio Pblico, participavam das escolhas sobre o que seriam considerados
bens ambientais a serem protegidos juridicamente. Perdia-se, assim, a prpria
construo das estratgias do MP e da relao existente entre este e os outros atores
sociais, ficando a anlise pura das Aes Civis Pblicas como algo incompleto.
A pesquisa qualitativa, priorizando as falas e percepes do Ministrio Pblico
e da sociedade civil organizada, foi necessria a posteriori, j que com o conhecimento
das aes e das respostas do Poder Judicirio aos conflitos, levados tanto pelo
Ministrio Pblico quanto pelas entidades civis e outros legitimados, permitiu que se
direcionassem as entrevistas para apreender elementos-chave nessas articulaes.
Claro que essa escolha, apesar de no ser aleatria, importa em prejuzos
metodolgicos, a partir do fato de que no representativa da viso que a sociedade
civil tem do Ministrio Pblico e no conclusiva a esse respeito. Para isso, a anlise
teria que recair sobre um universo bem maior de entrevistados, desde os que o procuram
isoladamente e incluir, tambm, outras entidades civis que tambm participam
continuamente do mesmo processo, como associaes de classe, movimentos
ambientalistas, entre outros.
9 Tambm foi desconsiderado o 1 eixo de perguntas, sobre o perfil do representante, pela delimitao do objeto.
24
A representatividade dos indivduos entrevistados tambm pode ser
questionada, por no se revelar como significativa da populao niteroiense, mas a
anlise recaiu a partir do dilogo constante dessas entidades com o Ministrio Pblico,
sendo as mesmas sempre ressaltadas nas prprias falas dos promotores de justia, bem
como na anlise das Aes Civis Pblicas e seus respectivos inquritos civis (a anlise
dos inquritos civis referidos no o so na sua totalidade, mas em relao queles que
deram origem s ACPs e que so juntados aos prprios autos da ao).
Obstculos na pesquisa de campo
Escolher fazer uma pesquisa emprica, muitas vezes, torna-se uma tarefa
complexa. Ainda mais quando o objeto de pesquisa envolve anlises abrangendo
pesquisas no campo jurdico e, sobretudo, numa instituio brasileira, com as
dificuldades de acesso que lhes so peculiares.
A primeira dificuldade encontrada serve para uma reflexo sobre o prprio
acesso justia de um pesquisador, dizendo respeito anlise dos processos judiciais
nas varas cveis do Frum, que s foi possvel graas Carteira da Ordem, ao ser o
passaporte de acesso aos processos pblicos privados .
Mesmo com a Carteira da Ordem, como no era parte no processo, a
primeira fase de pesquisa ocorreu em apenas uma vara, onde estavam a maioria dos
processos. Houve a necessidade, ento, de autorizao do escrivo da Vara Cvel para
pesquisar nos processos judiciais.10 Tambm foi dificultado o acesso pelo horrio
delimitado para a pesquisa, apenas na parte da manh (das 10:00 hs. s 11:00 hs.)
Numa segunda fase de pesquisa no Frum, novos obstculos surgiram: as
Aes Civis Pblicas Ambientais haviam sido redistribudas, encontrando-se espalhadas
por todas as Varas Cveis, triplicando o trabalho. Como s havia um passaporte de
acesso jurdico, a Carteira da Ordem, no existia a possibilidade da retirada de vrios
processos para anlise ou para xerox, mas somente queles disponveis em uma nica
vara. Muitas vezes, apenas um processo estava disponvel.
Pelo menos algo de positivo ocorreu com o remanejamento dos processos: o
Corregedor-Geral de Justia editou uma Resoluo para que os funcionrios do Cartrio
liberassem o processo para vista mediante apenas a apresentao da Carteira de Ordem.
10 Alm disso, se quisesse tirar xerox, teria que ser acompanhado por um dos funcionrios do Cartrio.
25
No houve a necessidade, enfim, de se passar por um interrogatrio sobre os interesses
pelo processo e nem a necessidade de um acompanhante para xerocar os autos.
Outra dificuldade foi o prprio acesso ao Ministrio Pblico. A impresso que
se tem a mesma ao entrar numa Vara Cvel. H o funcionrio do cartrio , onde
ficam os inquritos civis, um protocolo, e as salas dos promotores na parte interna do
recinto. Para a entrevista com o promotor h necessidade de preenchimento de um
protocolo com pedido de reunio explicitando os motivos.
Outro obstculo foi em relao aos prprios dados institucionais, os quais
obtive precariamente atravs de informaes conseguidas em conversas informais com
funcionrios, atravs do site do Ministrio Pblico e atravs das entrevistas com os seus
membros.
Ao tentar pesquisar na biblioteca do Ministrio Pblico, localizada no Centro
da cidade do Rio de Janeiro, mesmo com a identificao de pesquisador e mestrando da
UFF, no pude ter acesso j que, desta vez, no havia o passaporte de acesso a esta
instituio pblica (pblica?). Somente funcionrios, Promotores, Procuradores de
Justia, alunos da Femperj11 e Amperj12 poderiam ter acesso ao material da biblioteca.
Outras dificuldades, enfim, fizeram-se presentes, como a falta de acesso aos
processos arquivados, dificuldade de acesso a alguns entrevistados, provocando a
demora na realizao das entrevistas, etc., o que restringiu, mas no impediu a
construo desta dissertao.
11 Fundao do Ministrio Pblico Estadual do Rio de Janeiro. 12 Associao do Ministrio Pblico Estadual do Rio de Janeiro.
26
1. TUTELA AMBIENTAL: PERSPECTIVA JURDICA INTEGRADA AOS
DEBATES SCIO-AMBIENTAIS
Antes de partir para anlise do Ministrio Pblico em defesa do meio
ambiente, primeiramente, faz-se necessrio abordar o contexto scio-jurdico da questo
ambiental. O direito ao meio ambiente saudvel aparece inserido num novo plo de
proteo jurdica, chamado por vezes de direitos de terceira gerao - numa leitura
classificatria que, enquanto aponta para uma superao da polaridade civil-social,
mantm, de certo modo, um tom evolucionista dos direitos
e, por vezes, chamado de
direitos difusos13, na medida em que no se destinam especificamente proteo de
interesses individuais, de um grupo ou de um determinado Estado.
Segundo Sanches,
...trata-se agora das coletividades: a nao, o povo, os grupos tnicos ou regionais, em ltima instncia, a prpria humanidade. So, portanto, direitos de titularidade coletiva. Entre os direitos de terceira gerao destaca-se o direito autodeterminao dos povos, consagrado no Pacto Internacional sobre direitos Econmicos, Sociais e Culturais e, ainda, o direito paz, o direito ao desenvolvimento, reivindicado pelos pases do Terceiro Mundo no embate Norte-Sul, o reconhecimento dos fundos ocenicos como patrimnio da humanidade e, finalmente, o direito ao meio ambiente saudvel.(grifo nosso).14
Desde o descobrimento do Brasil em 1500 at, aproximadamente, a segunda
metade do sculo XX quase no havia preocupao com a proteo ambiental. As
primeiras formulaes legislativas disciplinadoras do meio ambiente so encontradas na
13 Conforme preceitua o Cdigo de Defesa do Consumidor, em seu artigo 81, I: interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Cdigo, os transindividuais, de natureza indivisvel, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato . 14 SILVA-SNCHEZ, Solange S., Cidadania ambiental: novos direitos no Brasil. So Paulo: Humanitas FFLCH/USP e Editora Anna Blume, 2000.
27
legislao portuguesa que vigorou at o advento do Cdigo Civil em 1.916, onde
aparecem preocupaes ecolgicas mais acentuadas.
O que havia antes eram poucas normas que visavam assegurar a proteo de
alguns recursos naturais preciosos que se encontravam num acelerado processo de
exaurimento como, por exemplo, o pau-brasil, ou, ainda, colimavam resguardar a sade,
acabando por ensejar algumas das mais antigas manifestaes legislativas de tutela
indireta da natureza.
No obstante, vale registrar que o modelo conservacionista novecentista, ao
importar uma viso que destaca o homem da natureza, atravs do modelo de Unidades
de Conservao, baseado nos moldes da poltica americana de Parques Nacionais, em
especial aquele utilizado no Parque de Yellowstone, influenciou os futuros modelos
polticos brasileiros de gesto do patrimnio natural, acarretando, no raro, grandes
conflitos scio-ambientais15.
Cabe ressaltar que a crise ambiental, conforme acentua Leff16, comea nos
anos 1960, refletindo-se na irracionalidade ecolgica dos padres dominantes da
produo e do consumo , e marcando os limites do crescimento econmico. Desta
maneira, inicia-se o debate terico e poltico17 para valorizar a natureza e internalizar as
externalidades socioambientais ao sistema econmico.
No cenrio mundial, a questo ambiental ganhou grande relevncia, a partir
dos anos 1970, principalmente em pases altamente industrializados, onde movimentos
15 Ver, nesse sentido, em especial o clssico DEAN, Warren, A ferro e fogo: a histria e a devastao da Mata Atlntica brasileira. Traduo de Cid Knipel Moreira. So Paulo: Companhia das Letras, 1996. Outras obras importantes sobre o tema so DIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. So Paulo: Hucitec, 1996, e PDUA, Jos Augusto. Um sopro de destruio: pensamento poltico e crtica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. 16LEFF, Henrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Traduo de Lcia Mathilde Endlich Orth. 4 edio. Petrpolis: Vozes Editora, 2005. p. 15-31. Ver tambm TELLES, Michelle Taveira. Meio ambiente, justificao pblica e democracia deliberativa: A legitimao democrtica das decises sobre risco ambiental. Dissertao de mestrado, UERJ
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. pp. 12-48. 17 H que se levar em considerao a diversidade das teorias ticas ambientais existentes, com diversas concepes sobre a relao homem/meio ambiente. No estudo sobre a (re)construo poltica dos discursos ambientalistas, ao analisar o processo de argumentao dos tericos ambientalistas e as teorias ticas ambientalistas, Michelle Taveira Telles aponta para a falta de coeso da filosofia ambiental, caracterizada por uma multiplicidade de ticas ambientais e a poltica ambiental, no sendo a ltima
incorporada pela filosofia. Esta, portanto, preocupada com a construo de discursos voltados a questes metaticas, buscaria, basicamente, a defesa do valor intrnseco do meio ambiente, no obtendo xito frente s questes prticas e polticas, j que no levaria em conta, enfim, o pluralismo existente na sociedade, principalmente em relao s diversas concepes e verdades sobre a legitimao do meio ambiente. Em TELLES, Michelle Taveira. Meio ambiente, justificao pblica e democracia deliberativa: A legitimao democrtica das decises sobre risco ambiental. Dissertao de mestrado, UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. pp. 12-48.
28
ambientalistas comeam a questionar o modelo desenvolvimentista altamente
prejudicial ao meio ambiente.
Durante a dcada de 1970, em pleno regime ditatorial, o Brasil foi um dos
principais receptores das indstrias poluentes advindas do Norte, devido ao avano da
conscincia ambiental desses pases. Nessa mesma dcada, h a emergncia do
ambientalismo brasileiro, atravs da realizao de campanhas de conscientizao
pblica e denncias, mesmo obtendo pouca repercusso na opinio pblica.
Face s presses dos movimentos nacionais e internacionais e aos prprios
prejuzos visveis causados pela degradao ambiental, realiza-se, em 1972, em
Estocolmo, uma Conferncia Internacional, enfatizando a relao entre a escassez de
recursos e o crescimento populacional, causado pela intensa urbanizao e
industrializao.
Acserald afirma que essa concepo de crise ambiental , no sentido de um
colapso na relao quantitativa malthusiana entre crescimento econmico versus base
finita de recursos - desconsiderando, portanto, o processo que envolve as dinmicas
sociais e da cultura - , ainda, uma das concepes predominantes nos debates
contemporneos, atravs de uma idia de conscincia ambiental una 18.
O Brasil participa da Conferncia de Estcolmo, em 1972, mas impulsionado
pelo perodo de desenvolvimento econmico acelerado, lidera a aliana entre pases
perifricos contrrios a reconhecer a importncia dos problemas ambientais. Como
ressalta Guimares, citado por Leila da Costa Ferreira,
...o modelo de desenvolvimento que estava no seu apogeu em 1972 baseava-se numa forte depleo dos recursos naturais considerados infinitos em sistemas industriais muito poluentes e na intensa explorao de uma mo-de-obra desqualificada e barata 19.
A posio brasileira na Conferncia de Estocolmo e em toda a dcada de 1970
esteve baseada, portanto, na aliana tecnoburocrata militar, priorizando o crescimento
econmico e o princpio da soberania nacional, o ltimo entendido como direito
explorao dos seus recursos naturais.
A partir da dcada de 1980, com o processo de redemocratizao e o
aparecimento de novos movimentos sociais, h o crescimento na participao do
18 ACSERALD, Henri. As prticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In ACSERALD, Henri (organizador). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 2004. p. 13. 19 FERREIRA, Leila da Costa. A questo ambiental: Sustentabilidade e Polticas Pblicas no Brasil. So Paulo: Editora Boitempo, 2003, p. 13.
29
ambientalismo brasileiro, onde o nmero de grupos de base cresce de aproximadamente
quarenta para quatrocentos em 1985, caracterizando-se, segundo Viola e Leis20, pelo seu
carter bissetorial, formado por grupos de base e agncias estatais ambientais, onde h o
predomnio das questes relativas poluio urbano-rural e na preservao de
ecossistemas naturais.
J na segunda metade da dcada de 1980, pela progressiva disseminao da
preocupao pblica com a deteriorao ambiental 21, h uma nova transformao no
ambientalismo brasileiro, passando a ser multissetorial e complexo. O movimento
ambientalista seria constitudo, segundo os autores, por oito setores principais, os dois j
existentes e mais seis novos setores, com diversos graus de interao e
institucionalizao:
O ambientalismo stricto sensu, formado pelas associaes e grupos comunitrios ambientalistas, diferenciando-se em trs tipos: profissionais, semi-profissionais e amadores; o ambientalismo governamental, as agncias estatais do meio ambiente; o scio-ambientalismo, as ongs, sindicatos e movimentos sociais que tm outros objetivos precpuos, mas incorporam a proteo ambiental como uma dimenso relevante de sua atuao; o ambientalismo dos cientistas, as pessoas, grupos e instituies que realizam pesquisa cientfica sobre a problemtica ambiental; o ambientalismo empresarial, gerentes e empresrios que comeam a pautar seus processos produtivos e investimentos pelo critrio da sustentabilidade ambiental; o ambientalismo dos polticos profissionais, os quadros e lideranas que incentivam a criao de polticas especficas e trabalham para incorporar a dimenso ambiental no conjunto das polticas pblicas; o ambientalismo religioso, as bases e representantes das vrias religies e tradies espirituais que vinculam a problemtica ambiental conscincia do sagrado e do divino; o ambientalismo dos educadores (da pr-escola, primeiro e segundo graus), jornalistas e artistas fortemente preocupados com a problemtica ambiental e com a capacidade de influir diretamente na conscincia das massas. (grifos nossos)22
Foi, tambm, a partir da dcada de 1980, sob o influxo da onda
conscientizadora emanada da Conferncia de Estocolmo e pela presso de organizaes
internacionais e nacionais, que a legislao sobre a matria tornou-se mais consistente,
20 VIOLA, Eduardo J.; LEIS, Hctor R. O ambientalismo multissetorial no Brasil para alm da Rio-92:o desafio de uma estratgia globalista vivel. In VIOLA, Eduardo J.; LEIS, Hctor R.; SCHERER-WARREN, Ilse; GUIVANT,Jlia S.; VIEIRA, Paulo Freire; KRISCHKE, Paulo J. Meio Ambiente, Desenvolvimento e Cidadania: desafios para as Cincias Sociais. 4 edio, So Paulo: Cortez; Florianpolis: UFSC, 2002. pp.134-160. 21 Idem, p. 135. 22 Idem, p. 135.
30
abrangente e voltada para a questo da proteo do meio ambiente e de outros interesses
difusos.
O primeiro grande marco jurdico da legislao ambiental nacional foi a
edio da Lei 6.938 de 31/08/81, que disps sobre a Poltica Nacional do Meio
Ambiente
PNMA e instituiu o Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA. A
lei destaca-se por:
Trazer para o mundo do Direito o conceito normativo de meio
ambiente, como objeto especfico de proteo em seus mltiplos
aspectos, bem como os conceitos de degradao ambiental, poluio,
poluidor e recursos ambientais;
Estabelecer a obrigao do poluidor pagador de reparar os danos
causados, segundo o princpio da responsabilidade objetiva (quer
dizer, com ou sem culpa pelo prejuzo causado ao meio ambiente), em
ao movida pelo Ministrio Pblico;
Propiciar o planejamento de uma ao integrada de diversos rgos
governamentais segundo uma Poltica Nacional para o setor.23
O segundo marco foi a Lei 7.347 de 24/07/85, disciplinadora da Ao Civil
Pblica como instrumento processual especfico para a defesa do ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos, sendo prevista tambm, posteriormente, pelo artigo 129,
III, da Constituio Federal, in verbis:
Artigo 129. So funes institucionais do Ministrio Pblico: (...) III
promover o inqurito civil e a ao civil pblica, para a proteo do patrimnio pblico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (grifos nossos).
Proliferou, assim, uma intensa produo legislativa com vistas proteo
especfica do meio ambiente, consolidando-se com a prpria Constituio Federal, em
1988, que deu peso constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a
outros interesses difusos. A dimenso conferida ao tema vai desde os dispositivos do
captulo VI do Ttulo VIII, at inmeros outros regramentos insertos ao longo do texto
nos mais diversos Ttulos e Captulos. Aps o advento da Constituio Federal, vieram
as Constituies Estaduais, seguidas das Leis Orgnicas dos Municpios, que
dispuseram amplamente sobre a proteo ambiental.
23 Cf. RIBEIRO, Josimar. Percia Ambiental. Rio de Janeiro: Departamento de Ecologia UFRJ, s/d.
31
Novas legislaes24, ampliando o ferramental de gesto iniciado pela PNMA,
caracterizam a mudana legislativa em prol do meio ambiente, como a Lei dos Crimes
contra o Meio Ambiente Lei 9.605 de 12/02/98, a Lei 9.984, de 17/07/2000, que cria a
Agncia Nacional de guas, a Lei 9.985, de 18/07/2000, que institui o Sistema
Nacional de Unidades de Conservao - SNUC, com importantes modificaes na
legislao esparsa e no Cdigo Florestal, e a Lei 10.257, de 10/07/2001, criando o
Estatuto da Cidade e consagrando na legislao, em definitivo, as conquistas relativas
manuteno da qualidade de vida no meio ambiente urbano.
Paralelo a isso, o Ministrio Pblico tambm ganha um novo formato
constitucional, zelando pelos novos interesses da coletividade , como bem ressalta
Viana, ao discorrer sobre o novo Ministrio Pblico , ps Constituio de 1988,
Segundo a Constituio de 1988, o Ministrio Pblico instituio de mximo valor: compete-lhe defender a ordem jurdica, o regime democrtico e os interesses sociais e individuais indisponveis por seus titulares. Tais incumbncias fundamentam sua explcita qualificao como permanente
indicando vinculao ntima com o Estado Democrtico de Direito que se busca instituir (de modo at a vedar sua eventual supresso numa reforma constitucional) e vital para a prpria atividade jurisdicional medida que os sujeitos, cujos direitos se presumem irrenunciveis (para compensar deficincias provveis em seu exerccio...), tenderiam a depender do Ministrio Pblico para sua postulao e conseqente instaurao do litgio indispensvel atuao do Judicirio25.
O Ministrio Pblico tem, assim, ampliado o rol de suas funes, surgindo
como instituio reformulada , fundamental na defesa dos interesses difusos, criando
Promotorias Especficas com o objetivo de garantir uma atuao mais eficaz e assegurar
um contato maior entre a sociedade civil e este rgo, na consecuo de atividades
destinadas proteo Ambiental. Torna-se, assim, um dos principais agentes sociais, no
mbito jurdico, a trabalhar com a problemtica ambiental.
H, assim, no mesmo processo de fortalecimento do MP como instituio
independente, a emergncia da questo ambiental nos assuntos pblicos, principalmente
no campo judicial onde, atravs do MP, so encaminhadas demandas ambientais,
24 Destaca-se tambm a importncia da Lei 8.078/90, que dispe sobre o Cdigo de Defesa do Consumidor, aparecendo como instrumento importante na regulamentao da proteo aos interesses difusos, dentre eles, o meio ambiente. 25 VIANNA LOPES, Jlio Aurlio. Democracia e cidadania: O Novo Ministrio Pblico. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000, p.35.
32
atravs dos instrumentos jurdicos e extrajurdicos disponveis ao Ministrio Pblico
para a resoluo dos conflitos.
No final dos anos 1980, a partir dos resultados do relatrio Brundtland da
Comisso Mundial sobre o Meio Ambiente - criada em 1984 para avaliao dos
processos de degradao ambiental, cujo documento foi intitulado Nosso Futuro
Comum - foram convocados todos os Chefes de Estado Conferncia do Meio
Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92), para aprovao e elaborao de um programa
global para aliar o processo de desenvolvimento sustentabilidade (desenvolvimento
sustentvel).
O Desenvolvimento sustentvel26 pressupe uma harmonia entre os diferentes
elementos constitutivos, vale dizer, investe na alterao da noo convencional de
Crescimento Econmico, compreendido at ento como a preponderncia e prioridade
da acumulao do capital sobre os demais componentes envolvidos no processo. O que
implica na alterao da idia de Consumo, buscando os parmetros de um Consumo
Sustentvel.
Viola e Leis27 ressaltam, na definio da problemtica ambiental, o prprio
processo de preparao da ECO 92, que comea a afetar de modo cada vez mais
intenso os diversos setores do ambientalismo , onde esse movimento no restringe-se
aos grupos ligados defesa do meio ambiente, mas estende-se para alm do
ambientalismo multissetorial, abalando a sociedade e o Estado brasileiros de um modo
geral.
26 Henrique Leff, ao fazer uma crtica ao discurso do desenvolvimento sustentvel - que obedeceria racionalidade do mercado, preparando as condies ideolgicas para a capitalizao da natureza e a reduo do ambiente razo econmica legitimando, portanto, a economia do mercado - sinaliza para uma nova tica ambiental propondo uma revalorizao da vida e do ser humano, expressando-se nas lutas de resistncia a esse tipo de racionalidade neoliberal. Prope, assim, uma nova racionalidade social e produtiva. Para o autor, o discurso predominante de desenvolvimento sustentvel inscreve-se numa poltica de representao , que simplifica a complexidade dos processos naturais e destri as
identidades culturais para assimil-las a uma lgica, a uma razo, a uma estratgia de poder para a apropriao da natureza como meio de produo e fonte de riqueza . O desenvolvimento sustentvel, nessa perspectiva neoliberal apontada pelo autor, busca reconciliar os contrrios da dialtica do desenvolvimento: o meio ambiente e o crescimento econmico Ver LEFF, Henrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Traduo de Lcia Mathilde Endlich Orth. 4 edio. Petrpolis: Vozes Editora, 2005. p. 26. 27 VIOLA, Eduardo J.; LEIS, Hctor R. O ambientalismo multissetorial no Brasil para alm da Rio-92:o desafio de uma estratgia globalista vivel. In: VIOLA, Eduardo J.; LEIS, Hctor R.; SCHERER-WARREN, Ilse; GUIVANT,Jlia S.; VIEIRA, Paulo Freire; KRISCHKE, Paulo J. Meio Ambiente, Desenvolvimento e Cidadania: desafios para as Cincias Sociais. 4 ed., So Paulo: Cortez; Florianpolis: UFSC, 2002., p. 136.
33
A partir da Conferncia, h a criao da Agenda 2128, elencando princpios a
serem seguidos pelos pases participantes. Ressalta-se, tambm, a ocorrncia do Frum
Global, que teve como evento principal o Frum Internacional de Ongs, com a presena
de cerca de 14 mil Ongs participantes.
Apesar de apontar a frustrao de muitas metas no alcanadas, tanto pela
ECO 92, quanto pelo Frum Global, Ferreira29 acentua que o evento tornou-se um
marco na questo ambiental, com a participao de 105 chefes de Estado, significando
uma tendncia sem volta, onde cada vez mais ser um parmetro de planejamento das
linhas econmicas gerais e, nesse sentido, dever haver tambm um crescimento dos
rgos governamentais para a rea ambiental 30. Viola e Leis31 apontam, como sucesso
da ECO 92, o avano em relao ao plano simblico e de conscientizao em relao
proteo ambiental.
Novas perspectivas para o tratamento da questo ambiental passam a ser
reformuladas, revelando aspectos, at ento, ignorados, que no se limitam apenas
degradao da natureza, mas s conseqncias em relao s populaes humanas
atingidas pela poluio ambiental, em seus vrios nveis. repensar o meio ambiente
incluindo a questo da prpria justia social, falando-se agora em justia scio-
ambiental32.
28 Principal documento da Conferncia, tem como finalidade, a promoo de aes tanto para o Poder Pblico como para a sociedade civil de forma a se estimular a integrao entre o desenvolvimento econmico, a justia social e a proteo ao meio ambiente . Ver MIRANDA, Napoleo. Remdio pra in-digesto: por uma Agenda 21 participativa. In MADEIRA FILHO, Wilson. Direito e Justia Ambiental. Niteri: PPGSD-UFF, 2002, pp. 295-302. 29 Leila da Costa Ferreira, ao falar das frustraes da Eco 92, ressalta que, em termos normativos, ao analisar os Tratados assinados e sua implementao, a questo ambiental abordada ainda de forma descritiva, tratando muitas questes do desenvolvimento e preservao ambiental de maneira pouco concisa e desarticulada, citando o exemplo do Tratado da Biodiversidade. Sobre a Agenda 21, ressalta tambm o seu contedo vago, sem definio de prazos e compromissos. Ver FERREIRA, Leila da Costa. A questo ambiental: Sustentabilidade e Polticas Pblicas no Brasil. So Paulo: Editora Boitempo, 2003. pp. 89-109. 30 FERREIRA, L.C. Op. Cit., p. 96. Em relao ao Frum Global, aponta tambm seus aspectos positivos, principalmente o significativo aumento de pessoas envolvidas na questo ambiental, sendo fundamentais para o enfrentamento das questes, a mdio prazo. 31 Em relao ao ambientalismo brasileiro, a Conferncia do Rio fez com que o mesmo acelerasse sua expanso e consolidao ideolgica e organizativa, mas levou-o a sobredimensionar suas capacidades e possibilidades reais, criando-lhe a iluso de que teria um papel decisivo em uma Conferncia decisiva. O que no aconteceu nem em um caso nem no outro . Isso levou a um processo de desorientao do ambientalismo brasileiro com o fim da ECO-92, fruto da rpida perda de seu principal marco de referncia simblico e organizativo na conjuntura . Em VIOLA, Eduardo J.; LEIS, Hctor R. O ambientalismo multissetorial no Brasil para alm da Rio-92-o desafio de uma estratgia globalista vivel. In: VIOLA, Eduardo J.; LEIS, Hctor R.; SCHERER-WARREN, Ilse; GUIVANT,Jlia S.; VIEIRA, Paulo Freire; KRISCHKE, Paulo J. Meio Ambiente, Desenvolvimento e Cidadania: desafios para as Cincias Sociais. 4 edio, So Paulo: Cortez; Florianpolis: UFSC,2002, p. 142. 32 O surgimento das questes referentes justia ambiental tem seu marco nas lutas do movimento negro norte-americano e de diferentes etnias, pelo maior prejuzo suportado em virtude da poluio ambiental.
34
O conceito de justia ambiental parte do pressuposto de que as classes
marginalizadas, os setores mais pobres da populao, terminam por sofrer mais as
conseqncias da poluio ambiental como um todo. Segundo Herculano33, deve-se
compreender como justia ambiental
...o conjunto de princpios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos tnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqncias ambientais negativas de operaes econmicas, de polticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausncia ou omisso de tais polticas.
A autora complementa o entendimento ao conceituar a injustia ambiental,
como mecanismos pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos
ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populaes de baixa
renda, grupos raciais discriminados, populaes marginalizadas e mais vulnerveis .34
1.1. Os conflitos ambientais nas arenas pblicas o campo judicial
Deve-se levar em considerao que a pesquisa realizada parte de uma
conceituao de meio ambiente como algo dinmico, refletindo as disputas e interesses
divergentes entre atores sociais diferentes. Vai de encontro a uma conceituao de meio
ambiente delimitado biologicamente, construdo aprioristicamente, mas, pelo contrrio,
aponta para um meio ambiente construdo a partir do debate e das necessidades dos
grupos envolvidos. J no mais possvel ver o meio ambiente sem levar em
considerao a dinmica social no processo de construo desse meio.
A perspectiva adotada no presente trabalho, que tem como objeto principal a
atuao do MP - atravs dos recursos argumentativos utilizados nas ACPs ambientais,
bem como suas estratgias de ao nas disputas judiciais - levar em considerao, na
anlise, os conceitos de arenas pblicas e disputa utilizados por Fuks, relacionando a
atuao do MP aos outros atores sociais envolvidos.
Fuks, ao estudar as disputas jurdicas ambientais ocorridas no Rio de Janeiro e
procurando caracterizar as ordens de justificao que tendem a vigorar na questo
Sobre o surgimento do conceito de Justia Ambiental e sua repercusso no Brasil, ver ACSERALD, Henri; HERCULANO, Selene;PDUA, Jos Augusto (Organizadores). Justia Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 2004; MADEIRA FILHO, Wilson (Organizador). Direito e Justia Ambiental. Niteri: PPGSD, 2002. 33HERCULANO, Selene. Riscos e desigualdade social: a temtica da Justia Ambiental e sua construo no Brasil, 2002. p.2. Disponvel em: www.anppas.org.br. Acesso em 10/12/2006. 34 Idem, p.2.
http://www.anppas.org.br35
ambiental, trabalha os conflitos ambientais como construes histricas, mediadas por
dispositivos culturais e estratgias sociais 35, procurando compreender, assim, o
processo social complexo e heterogneo por meio do qual bens culturais intangveis
(crenas, idias e valores) so disseminados e assimilados 36.
Levando em considerao a questo ambiental como problema social
construdo atravs de processos sociais responsveis pela emergncia de um novo
assunto pblico 37, o autor utiliza o conceito de sistemas de arenas pblicas como o
local onde ocorre, entre outros fenmenos, as atividades reivindicatrias de grupos, o
trabalho da mdia, a criao de novas leis, os conflitos processados pelos tribunais e a
definio de polticas pblicas .38
Para o autor, o processo de definio das questes ambientais como problemas
sociais ocorreria nas duas dimenses presentes nas arenas pblicas, quais sejam, o
debate e a ao, onde haveria uma interao permanente entre os dois, assumindo a
forma de reforo recproco.
O processo ocorrido dentro das arenas pblicas emerge da disputa sediada em
espaos especficos, entre uma (virtual) pluralidade de verses, embora as condies
diferenciadas de participao impliquem vantagens para certos atores e silncio dos
outros . O campo judicial aparece como uma arena especfica na qual a questo
ambiental ser tratada, no desconsiderando, todavia, a possibilidade de interao entre
as outras arenas pblicas.
O autor trabalha a entrada da temtica ambiental nas arenas pblicas de ao,
ressaltando as lutas simblicas e as divergncias em torno dos prprios interesses
presentes no debate ambiental. Assim,
(...)nesta arena em que o meio ambiente emerge e evolui como problema social, h possibilidade de consenso ou, at mesmo, de uma universalidade socialmente construda, mas nunca como resultado dos reflexos imediatos de condies objetivas ou de uma universalidade deduzida, a priori, a partir de conceitos e princpios39.
35Trabalhando com a perspectiva da questo ambiental como problema social, sua finalidade reside em fazer uma abordagem original do processo de incorporao social da questo ambiental, investigando no mbito dos conflitos judiciais, a emergncia e a disputa pela definio do meio ambiente no Rio de Janeiro e destacando os contornos locais desse novo tipo de problema social. Ver FUKS, Mario. Conflitos Ambientais no Rio de Janeiro: ao e debate nas arenas pblicas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001. p. 11. 36 Idem, p. 15. 37 Idem, p. 15. 38 Idem, p. 15. 39 Idem, p. 44.
36
Os recursos argumentativos, no campo jurdico, vo ter um importante papel
na dinmica que envolve a definio dos assuntos e problemas pblicos, partindo de
uma compreenso do direito de acordo com a qual aqueles princpios, valores e idias
mais gerais que o constituem agem por dentro , no sentido de que so eles que, em
grande medida, organizam os argumentos gerados no mbito das instituies
pblicas 40.
Em relao pesquisa nos processos judiciais, Fuks utiliza o conceito de
disputa, em vez de litgio, pela sua amplitude - tendo em vista a incorporao de outras
modalidades de conflitos e possibilitando a investigao de fenmenos mais gerais
que, direta ou indiretamente, interagem com a dinmica do processo judicial - j que
mais relevante do que o processo judicial em si o contexto argumentativo que ele se
insere 41.
Sobre a atuao do Ministrio Pblico, Fuks destaca sua importncia na arena
de debate pblico, afirmando que este o principal responsvel pelo contnuo recurso
aos meios judiciais de proteo ao meio ambiente no Rio de Janeiro sendo, tambm,
alm do principal ator das Aes Civis Pblicas, o plo catalisador do encaminhamento
de denncias ambientais. H, portanto, um processo de interao entre representantes do
MP e a populao que o procura para a definio do conflito ambiental.
Em relao ao conceito de sistema de arenas pblicas utilizada pelo autor, h
uma aproximao com os elementos do campo jurdico, extrada da construo terica
dos campos42, de Pierre Bourdieu. Considera-se campo jurdico como um campo de
lutas onde as prticas e os discursos jurdicos obedecem a uma lgica especfica,
duplamente determinada:
...por um lado, pelas relaes de fora especficas que lhe conferem a sua estrutura e que orientam as lutas de concorrncia ou, mais precisamente, os conflitos de competncia que nele tm lugar e, por outro lado, pela lgica interna das obras jurdicas que delimitam em cada momento o
40 Idem, p. 64. 41 Idem, p. 30. 42 O campo, em Bourdieu, um universo intermedirio, um espao ou microcosmo relativamente autnomo, dotado de leis prprias, onde esto inseridos os agentes e as instituies que produzem, reproduzem ou difundem seu objeto prprio, como o caso do campo literrio, artstico, jurdico ou cientfico. O que determina a existncia dentro de um campo so os interesses especficos, atravs dos agentes dotados de habitus e das instituies, no interior do campo. Em BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da cincia: por uma sociologia clnica do campo cientfico. So Paulo: Editora UNESP, 2004. p. 20.
37
espao dos possveis e, deste modo, o universo das solues propriamente jurdicas43.
Bourdieu descarta, assim, tanto uma viso internalista do direito - onde o
mesmo visto como cincia pura (teoria kelseniana), independente de fatores
externos, como constrangimentos e presses sociais - como a viso externalista, oposta
primeira, onde o direito seria o reflexo direto das relaes de fora existentes, ou
como instrumento de dominao da classe dominante, a partir da anlise marxista
estruturalista.
As duas abordagens, enfim, descartariam a existncia, no campo jurdico, de
um universo social relativamente independente em relao s presses externas, no
interior do qual se produz e se exerce a autoridade jurdica, forma por excelncia da
violncia simblica legtima cujo monoplio pertence ao Estado 44.
No campo jurdico h, como nos outros campos, lutas pela deteno de maior
capital, este entendido como capital econmico, cultural, social e simblico que confere
aos agentes e instituies maior poder dentro do prprio campo. O capital simblico45
seria uma espcie de sntese dos demais, correspondendo ao conjunto de rituais de
reconhecimento e prestgio social.
H, assim, uma luta travada dentro dos campos, pelos que detm maior capital
e, conseqentemente, maior poder simblico, assegurando a prevalncia dentro do
campo e contribuindo para assegurar a dominao de uma classe sobre a outra
(violncia simblica) 46.
No campo jurdico, como no conceito de arenas pblicas em Fuks, h
interao com os outros campos (j que o campo, em si, relativamente autnomo),
como o campo do poder (metacampo) e o campo social, devendo-se levar em
considerao,
43 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simblico. Traduo de Fernando Tomaz. 8 edio. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 211. 44 Idem, p. 211. 45 THIRY, Hermano Roberto. Pierre Bourdieu: a teoria na prtica. In: Revista de Administrao Pblica, ISSN 0034-7612, v. 40, n. 1 Rio de Janeiro jan./fev. 2006. Disponvel em www.scielo.br. 46 Segundo Bourdieu, o poder simblico o poder quase mgico que permite obter o equivalente daquilo que obtido pela fora (fsica ou econmica), graas ao efeito especfico de mobilizao, s se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrrio (...) O Poder simblico, poder subordinado, uma forma transformada, quer dizer, irreconhecvel, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder . Em BOURDIEU, Pierre. O Poder Simblico. Traduo de Fernando Tomaz. 8 edio. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 15.
38
o conjunto das relaes objetivas entre o campo jurdico, lugar das relaes complexas que obedece a uma lgica relativamente autnoma, e o campo do poder e, por meio dele, o campo social no seu conjunto. no interior deste universo de relaes que definem os meios, os fins e os efeitos especficos que so atribudos ao jurdica47.
O conceito de arenas pblicas adotado por Fuks, todavia, mais abrangente
que o conceito de campo jurdico, j que incorpora, dentro das arenas pblicas, outros
atores sociais que interferem diretamente nos recursos argumentativos presentes nessa
esfera, como os setores da sociedade civil, a mdia, entre outros. J no campo jurdico,
que o lugar de concorrncia pelo monoplio do direito de dizer o direito ,
encontram-se agentes investidos de competncia social e tcnica para interpretar,
atravs das normas e doutrinas, a viso do direito que ir prevalecer.
Pelas prprias caractersticas do campo jurdico - a retrica da autonomia, da
neutralidade e da universalidade, atravs do uso da linguagem jurdica, tendente ao
tecnicismo e impessoalidade, diferenciando-se da linguagem popular - h um
distanciamento dos profanos , ou leigos, legitimando apenas os agentes com
competncia, ou capital especfico, entrada e permanncia no campo. Deslegitima,
portanto, a entrada no campo de quem no possui o saber tcnico, especializado,
deixado aos detentores do capital/poder para dizer o direito.
Acserald48, ao trabalhar os conflitos ambientais, destacando os processos
sociais, polticos e simblicos, que contribuem para a construo dos sentidos
hegemnicos da questo ambiental, parte da perspectiva de Bourdieu, ao tratar das lutas
de diferentes agentes e com diferentes capitais49 dentro do campo social, pela
apropriao material e simblica do meio ambiente.
O meio ambiente, para o autor, uma construo histrica, varivel no tempo
e no espao, onde as sociedades apresentam diferentes significados culturais e lgicas
47BOURDIEU, Pierre. O Poder Simblico. Traduo de Fernando Tomaz. 8 edio. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.p. 241. 48 ACSERALD, Henri. As prticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In ACSERALD, H. Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Relume-Dumar. 2004. pp. 13-35. 49 Para a questo ambiental, o autor trabalha o conceito de capital material na distribuio de poder. Capital material resultaria tanto da capacidade de influncia dos sujeitos sobre os marcos regulatrios jurdico-polticos do meio ambiente, como da operao de mecanismos econmicos de competio e acumulao ou do exerccio da fora direta . ACSERALD, Henri. As prticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSERALD, H. Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Relume-Dumar, 2004. p. 23.
39
prprias de apropriao do mundo material50. Mais que lutas por recursos ambientais,
so lutas por sentidos culturais, valorizando, portanto, a luta simblica em sua definio.
O autor parte da anlise do meio ambiente como terreno contestado material e
simbolicamente. Ao trabalhar com o meio ambiente como objeto poltico, ele torna-se,
assim, um campo de foras, com a disputa pela legitimao do discurso sobre o seu
significado e sua abrangncia, bem como pela sua apropriao material.
O que vai prevalecer, portanto, em termos do que ou no ambientalmente
benigno, depender das lutas simblicas, atravs da legitimao/deslegitimao das
prticas de apropriao da base material da sociedade .51
Destaca os conflitos ambientais como uma quebra no acordo simbitico que
se d entre os agentes e grupos envolvidos, desequilibrando o campo e as relaes. Os
conflitos ambientais seriam
...aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriao, uso e significao do territrio, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriao do meio que desenvolvem ameaada por impactos indesejveis
transmitidos pelo solo, gua, ar ou sistemas vivos
decorrente do exerccio das prticas de outros grupos52.
No interior do campo, atravs das lutas pelos sentidos culturais do meio
ambiente, de fundamental importncia as diferentes estratgias discursivas abordadas
pelos atores sociais, utilizadas para legitimar e universalizar causas parcelares,
remetendo importncia da luta simblica, expresso das prprias tenses existentes
nos processos de reproduo dos modelos de desenvolvimento.
As estratgias discursivas fazem parte, portanto, das lutas simblicas para
definio do meio ambiente ocorrendo a ecologizao das justificaes, ou seja, o
argumento ambiental integrar distintas ordens de justificao , que universalizam
causas parcelares 53. O autor acha importante a construo dos discursos para
legitimao da apropriao, mas esta no seria suficiente, j que deixa de lado as
mudanas nas condies de luta por apropriao do territrio.
50 Henri Acserald distingue trs prticas de apropriao do mundo material, a apropriao tcnica, social e cultural. A forma tcnica, mais direta, integralmente condicionada pelas prticas sociais, atravs das opes da sociedade e pelas prticas culturais, atravs dos modelos culturais prevalecentes. Idem, p. 15. 51 Idem, p. 19. 52 Idem, p. 26. 53 Citando outros autores que trabalham a temtica, Acserald complementa que mais importante que a atestao cientfica dos argumentos, tornam-se mais decisivas as estratgias discursivas de persuaso, enquanto pretenso a tornar gerais objetivos determinados . Idem, p. 19-20.
40
Na definio da questo ambiental, Acserald, como Fuks, leva em
considerao os projetos culturais dominantes de assimilao de conceitos e prticas,
atentando-se para as lutas constantes, dentro do campo, j que o mesmo dinmico e
depende da (re)distribuio do capital (tanto social, econmico, poltico, material) entre
os agentes.
A perspectiva do autor levar em considerao o papel da diversidade
sociocultural e o conflito entre distintos projetos de apropriao e significao do
mundo material, j que os modelos e polticas dominantes, adotados para a questo
ambiental, refletem a distribuio desigual de capital, privilegiando agentes com maior
capital simblico, ao impor, atravs das estratgias discursivas e pela apropriao
material, pontos de vista dominantes que induzem a uma concepo nica e vlida do
meio ambiente. S assim seria possvel o delineamento de um quadro analtico capaz de
orientar polticas pblicas ambientais com atributo de efetividade e legitimidade
democrtica54.
As estratgias discursivas, portanto, so utilizadas para legitimar situaes de
desigual distribuio de poder entre os agentes, refletindo-se nos prprios argumentos
presentes na definio da questo ambiental.
J, por exemplo, no pensamento de Habermas, inserido na tradio de uma
teoria da argumentao, a finalidade garantir um espao pblico discursivo, atravs da
tica do discurso 55.Busca-se, atravs do agir comunicativo, um consenso vlido
racionalmente, atravs do tlos lingstico do entendimento, onde no sero vlidos os
consensos baseados em interesses de determinados grupos ou interesses individuais.
O agir comunicativo, fundamental na teoria de Habermas, situa-se entre o
discurso e o mundo da vida56, onde o mecanismo utilizado o entendimento lingstico.
O agir comunicativo vai explicar como possvel a integrao social atravs de
energias aglutinantes de uma linguagem compartilhada intersubjetivamente , obrigando
54 O que seria, segundo o autor, de vital importncia na questo ambiental so as estratgias discursivas de persuaso, onde a defesa do todo ambiental construdo a partir da defesa de projetos parcelares. 55 FARIAS, Jos Fernando de Castro. tica, Poltica e Direito. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2004, p. 73. 56 O mundo da vida habermasiano vai ser constitudo por elementos de cultura, da sociedade e da personalidade, o que, no processo de modernizao capitalista global, com todos os riscos inerentes do mercado, acabou por coloniz-lo . O autor tenta, assim, resgatar o potencial emancipatrio da razo ao afirmar que a modernidade um projeto inacabado: a soluo seria, assim, o agir comunicativo, abolindo com a colonizao do mundo da vida atravs de uma perspectiva dialgica.
41
os sujeitos a utilizar os critrios pblicos de racionalidade de entendimento, em vez de
levarem em conta apenas seus interesses estratgicos57.
Quem age comunicativamente, assim, no se depara com o ter que
prescritivo de uma regra de ao e, sim, com o ter que de uma coero transcendental
fraca (derivado da validade deontolgica de um mandamento moral, da validade
axiolgica de uma constelao de valores proferidos ou da eficcia emprica de uma
regra tcnica), no oferecendo nenhuma orientao concreta do que o sujeito deve fazer
como a razo prtica se propunha.58
Nesse processo de entendimento e utilizao da linguagem para tal, o
participante utiliza-se do enfoque performativo ao invs do enfoque objetivador, onde
enquanto no primeiro traduz a idia do agir comunicativamente, o segundo traz a idia
da busca pelos seus prprios interesses, o individualismo, o prprio sucesso do
participante. Quando o participante assume o papel do enfoque performativo as energias
de ligao da linguagem podem ser mobilizadas para a coordenao de planos de ao.59
Essa idia de enfoques performativo e objetivador traz similaridade noo
de dilogo em Cham Perelman60, outro importante autor da teoria da argumentao.
Em Perelman, quando este trabalha o conceito de dilogo, distingue o dilogo erstico
do debate heurstico.
No debate heurstico, que representaria na teoria habermasiana o enfoque
performativo, o dilogo visto no como um debate, onde cada participante tenta
defender seus pontos de vista e suas teses, mas como uma discusso, onde os
interlocutores buscam honestamente e sem preconceitos a melhor soluo de um
problema controvertido. A discusso seria vista, assim, como uma busca sincera da
verdade. J o debate erstico, onde a busca dos interlocutores a vitria, aproxima-se
do conceito de enfoque objetivador.
57 HABERMAS, Jurjn. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janei
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