View
221
Download
5
Category
Preview:
Citation preview
UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO MARIA DAS GRAÇAS BEZERRA BARRETO
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE MATEMÁTICA DOS PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL E
SEU IMPACTO NA PRÁTICA DE SALA DE AULA
SÃO PAULO 2011
MARIA DAS GRAÇAS BEZERRA BARRETO MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE MATEMÁTICA DOS PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL E
SEU IMPACTO NA PRÁTICA DE SALA DE AULA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Bandeirante de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Educação Matemática. Orientador: Profª. Dra. Maria Elisabette Brisola Brito Prado.
SÃO PAULO 2011
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER
MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A
FONTE.
FICHA CATALOGRÁFICA
Barreto, Maria das Graças Bezerra. A formação continuada de matemática dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental e seu impacto na prática de sala de aula / Maria das Graças Bezerra Barreto. -- São Paulo: [s.n.], 2011. 194f.: il.; 30 cm. Monografia (Pós-Graduação) – Universidade Bandeirante de São Paulo, Curso de Educação Matemática. Orientadora: Profª. Dra. Maria Elisabette Brisola Brito Prado 1. Educação Matemática 2. Formação de Professores 3. Contagem I. Título.
MARIA DAS GRAÇAS BEZERRA BARRETO
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE MATEMÁTICA DOS PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL E
SEU IMPACTO NA PRÁTICA DE SALA DE AULA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Bandeirante de São Paulo para a obtenção do título de
Mestre em Educação Matemática
_______________________________________________________ Profª. Dra. Maria Elisabette Brisola Brito Prado (Orientadora)
Universidade Bandeirante de São Paulo __________________________________________________________
Profª Dra. Maria Tereza Carneiro Soares (Membro Externo) Universidade Federal do Paraná
_________________________________________________________
Profª Dra. Angelica Fontoura Garcia Silva (Membro Interno) Universidade Bandeirante de São Paulo
Biblioteca
Bibliotecário: _____________________________________________
Assinatura: __________________________ Data: ___ / ___ / 2011
São Paulo, ___ de ________________ de 2011
Ao meu amado e amigo Gustavo e aos meus queridos
filhos, Alessandro, Sheila, Marcelo e Vinicius, minhas
fontes de amor, compreensão e alegria.
Agradecimentos
À Professora Maria Elisabette Brisola Brito Prado minha eterna gratidão pela sua dedicação, incentivo, exigência, paciência e carinho com que me ensinou e se tornou em pouco tempo uma grande amiga. Às Professoras Maria Tereza Carneiro Soares e Angelica Fontoura Garcia Silva pela dedicação na leitura e pelas valiosas sugestões oferecidas no exame de qualificação. Ao corpo docente do Programa de Estudos de Pós-Graduação em Educação Matemática, que contribuíram de alguma maneira para ampliar o meu aprendizado, sobretudo, Nielce Meneguelo Lobo da Costa, Ruy Cesar Pietropaolo, Vera Helena Giusti de Souza, Maria Helena Palma de Oliveira e Veronica Yumi Kataoka. À reitoria da Universidade Bandeirante de São Paulo pela bolsa que custeou parte desse trabalho. À amiga Suzete de Souza Borelli, companheira de estudos, trabalhos e incentivadora para a realização desta pesquisa. À grande amiga Ana Maria Gentil, companheira de estudos, pela leitura dedicada e sugestões carinhosas. À querida e grande amiga Marisa Silvestre Moura, amiga nos melhores e piores momentos da minha vida, que apesar de não concordar, respeita meus quereres, é e será sempre meu porto seguro. À Maria Isabel de Souza Santos, Diretora da Divisão de Orientação Técnica de São Miguel Paulista, por permitir a realização da pesquisa. Às Coordenadoras Pedagógicas, pela acolhida carinhosa e pela disposição em ajudar. Às queridas sete professoras, amigas e colaboradoras, peças-chave para o desenvolvimento desta pesquisa. Às amigas, Rosa, Silvana, Denise e Conceição, que me apoiaram direta e indiretamente. À Carmen Valéria de Andrade Barreto, pelo carinho a mim dispensado e competência com que revisou o texto. Aos meus pais João e Julia, mesmo ausentes, muito presentes na minha vida e no meu jeito de ser. À Tia Wilma, meus familiares e amigos, dos quais precisei me afastar para poder me dedicar integralmente ao mestrado.
“Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais. Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe só levo a certeza
de que muito pouco sei, ou nada sei. [..] Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz”. (Almir Sater e Renato Teixeira)
A Formação Continuada de Matemática dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental e seu impacto na prática de sala de aula
RESUMO
Essa investigação teve como objetivo analisar os aspectos da Formação Continuada de Matemática de forma a compreender as relações dessa formação com os processos de mudança das práticas dos professores. Para esse fim, foi realizado um revisitar ao espaço da escola, com o propósito de identificar o que impulsiona o professor dos anos iniciais a superar suas dificuldades e/ou medos da Matemática e conseguir reconstruir sua prática. A pesquisa, de natureza qualitativa, foi realizada com sete professoras que ensinam Matemática em quatro escolas municipais de São Paulo. Para o levantamento de dados foram aplicados questionários e entrevistas semiestruturadas, utilizadas as narrativas sobre a trajetória profissional e os registros de acompanhamento e observação da prática e dos encontros de formação continuada ocorridos na escola. A investigação pautou-se em estudos teóricos centrados nos conceitos de Nóvoa, Imbernón, Ponte, Serrazina, Alarcão e Tardif que abordam, a formação continuada dos professores na perspectiva reflexiva de Schön e Zeichner, bem como as ideias de Shulman e Ball sobre o conhecimento do conteúdo matemático. Especificamente, foram enfatizadas as ideias de Vergnaud, Nunes e Bryant, Lerner e Sadovsky, Brizuela e Panizza sobre o ensino e a aprendizagem do Sistema Decimal de Numeração e o uso das estratégias de contagem por meio de problemas. Os resultados desta pesquisa confirmaram que as professoras foram mostrando de forma gradativa indícios de mudança no discurso e na prática, ampliando a compreensão de como se aprende e como se ensina Matemática. Foi possível constatar que a participação na formação propiciou uma prática diferenciada do anteriormente praticado, demonstrando estarem mais atentas com a aprendizagem dos alunos e preocupadas em investigar como eles pensam e sabem os conteúdos matemáticos. No processo de formação na escola ficou evidenciado que, para provocar mudanças, é preciso que o papel do formador adquira um novo aspecto, envolvendo saberes culturalmente abrangentes, apresentando domínio do conhecimento matemático, demonstrando facilidade em transitar pelos diferentes conhecimentos e reconhecendo as especificidades desse professor, um aprendiz, e ao mesmo tempo, um profissional prático. Nesse sentido, o formador deve assumir o papel de parceiro avançado, avanço em conhecimentos de Matemática, de Didática, de Psicologia, de Didática da Matemática e de Educação Matemática. Enfim, um formador que reconheça a formação como um palco onde os atores possam experienciar situações reais, desvelar seus saberes e se envolver com os prazeres das descobertas que os saberes matemáticos provocam uma dialogicidade entre o ensinar e o aprender. Palavras-chave: Educação Matemática. Formação de Professores. Sistema de Numeração Decimal. Contagem. Mudança nas Práticas.
Mathematics Continuing Education for initial year’s teachers and its impact on classroom practices
ABSTRACT
This investigation aimed to examine aspects of the Mathematics Continuing Education for teachers in order to understand the relationship of this education with the process of changing teacher’s practices in public schools of São Paulo city, Brazil. Envisioning this, there was a revisit to the school space, in order to identify what drives the teacher of the initial years to overcome their difficulties and/or fears of mathematics and be able to reconstruct their practice. The research, qualitative in nature, was conducted with seven teachers who teach mathematics in the early years in four municipality schools. Questionnaires and semi-structured interviews were used to survey data, as well as the narratives of professional life and the records of observance of continuing education meetings, which took place in the school, and the following classroom practice. The research was based on theoretical studies focused on the concepts of Nóvoa, Imbernón, Ponte, Tardif, Serrazina and Alarcão which addresses on the continuing education for teachers in Schön and Zeichner's reflexive perspective, as well as Shulman and Ball's ideas about knowledge of the mathematical content. Specifically, we emphasize the ideas of Vergnaud, Nunes and Bryant, Lerner and Sadovsky, Panizza and Brizuela on teaching and learning decimal number system, as well as counting strategies through mathematical problems. The results confirmed that teachers did gradually change their classroom practices, widening their understanding of how to learn and teach mathematics. It was found that the continuing education provided an improved practice, a more attentive and investigative approach to the student’s way of thinking and knowing mathematics. In the meetings that took place at the school space, it did become evident that, to induce those changes, a new continuing education instructor complexion is needed. A complexion that shows mastery and easy transit in the midst of the mathematical knowledge and content, one that recognizes the dual nature of their pupil-teacher, being an apprentice and a functional professional at the same time. Thus, the continuing education instructor should take the role of an advanced partner, advanced in the mathematical knowledge, didactics, psychology, mathematical didactics, and mathematical education. Finally, an instructor who thinks of continuing education as a stage on which actors can experience real situations, to reveal their knowledge and engage with the pleasures of the discoveries that mathematical knowledge provokes, a dialogue between the teaching and learning. Keywords: Mathematics, continuing education, Problem solving, counting, practices
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Conjunto de formas geométricas. Arranjo A. 76
Figura 2: Conjunto de formas geométricas. Arranjo B. 76
Figuras 3 e 4: Sondagem de números de março/2011 126
Figura 5: Detalhe da figura 6. Números coringa 127
Figura 6: Números coringa 128
Figura 7: Aluno C 129
Figura 8: Aluno D 129
Figura 9: Aluno E 129
Figura 10: Aluno F 129
Figuras 11 e 12: Contagem da Coleção de Tampinhas 134
Figuras 13 e 14: Tabela e gráfico da atividade “Eu sou assim...” 136
Figuras 15 e 16: Gráficos da atividade “Eu sou assim...” 136
Figura 17: Jogo de Trilha 138
Figura 18: Contagem de coleções fixas 139
Figuras 19 e 20: Representação pictórica e contagem na solução dos
problemas 148
Figura 21: Contagem na solução de problemas. Mãozinha. 149
Figuras 22 e 23: Contagem na solução de problemas com estrutura aditiva. 150
Figuras 24 e 25: Representação icônica na solução de problemas. 152
Figura 26: Movimento pendular entre os saberes. 164
LISTA DE TABELAS E QUADROS
Quadro 1 CRONOGRAMA DE PESQUISA – DRE- SMP.................................... 97
Quadro 2 Perfil dos atores da formação.............................................................. 117
Quadro 3 Análise de sondagem de números de março/2011............................ 129
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 13 CAPÍTULO 1.......................................................................................................................... 16
HISTÓRIA DE UMA FORMAÇÃO ..................................................................................... 16 CAPÍTULO 2.......................................................................................................................... 24
PERGUNTAS QUE NÃO SE CALAM... ............................................................................ 24 CAPÍTULO 3.......................................................................................................................... 39
REFLEXÕES À LUZ DA TEORIA: SABERES DOS PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA ................................................................................................................... 39 3.1 NORMAL, MAGISTÉRIO OU PEDAGOGIA: ESPAÇO DE SER E FORMAR-SE PROFESSOR..................................................................................................................... 42 3.2 FORMAÇÃO CONTINUADA DE MATEMÁTICA: EXPLORAÇÃO E DESCOBERTAS50 3.3 PROBLEMAS A RESOLVER: CONTA, RECONTA, REVELA E DESVELA OS NÚMEROS ......................................................................................................................... 67
3.3.1 Da recitação à contagem: um resgate didático ..................................................... 73 3.3.2 Resolver Problemas: o conta e reconta................................................................. 78
CAPÍTULO 4.......................................................................................................................... 84 INVESTIGAÇÃO NA ESCOLA: UMA DINÂMICA DE AÇÃO E REFLEXÃO ................... 84 4.1 FORMAÇÃO CONTINUADA: UM DESPERTAR INVESTIGATIVO DA PRÁTICA DE SALA DE AULA.................................................................................................................. 85 4.2 LER E ESCREVER – CONHECENDO OS DOCUMENTOS OFICIAIS DE MATEMÁTICA.................................................................................................................... 89 4.3 PROJETO INTENSIVO NO CICLO I – PIC.................................................................. 90 4.4 GUIA DE PLANEJAMENTO E ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS PARA O PROFESSOR DO 2º, 3º E 4º ANOS – CICLO I ........................................................................................ 91 4.6 CADERNOS DE APOIO E APRENDIZAGEM - MATEMÁTICA................................... 93 4.7 UM CAMINHO DE INDAGAÇÃO: FORMAR, OBSERVAR E TRANSFORMAR.......... 95 4.8 FORMAÇÃO NO ESPAÇO DE FORMAÇÃO – A ESCOLA ...................................... 100 4.9 NARRANDO CONVERSAS E HISTÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORAS QUE ENSINAM MATEMÁTICA ................................................................................................ 101
CAPÍTULO 5........................................................................................................................ 118 ESCOLA - ESPAÇO DE FORMAÇÃO DA/PARA PRÁTICA.......................................... 118
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 160 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 167 ANEXOS .............................................................................................................................. 176
13
APRESENTAÇÃO
Para melhor compreensão do caminho percorrido por esta pesquisadora, no
Capítulo 1 será encontrado um breve histórico de minha trajetória profissional como
professora de matemática e, posteriormente, como formadora de matemática para
professores que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Momentos diferentes, mas complementares, permitiram tecer minhas crenças e
consolidar minhas verdades no delinear de um caminho envolto por concepções e
valores. Tais momentos desencadearam reflexões e indagações que deram
propulsão e ritmo a esta investigação. No capítulo 2, elucidarei como as questões que brotavam em minha mente e
dinamizavam o meu pensar transformaram-se em objetivos norteadores de metas a
serem alcançadas. O sustentáculo da análise e da argumentação foram as
pesquisas mais significativas dos últimos tempos, que apresentavam uma
preocupação com os saberes matemáticos, a identidade, a trajetória profissional dos
professores que ensinam matemática, bem como a qualidade de sua formação
inicial e continuada com relação ao ensino desta disciplina. A constatação da falta
de pesquisadores matemáticos, que demonstrem interesse pela qualidade do ensino
de matemática realizado por estes professores, tornou-se um alerta de grande
importância a ser considerado pelo mundo acadêmico. Constatei também a
ausência de estudos envolvendo formação de formadores desses professores e
sobre o currículo de matemática que permeia o fazer do professor e o aprender
daqueles que, em um amanhã bem próximo, serão profissionais em nossa
sociedade. As pesquisas apresentadas fortaleceram a certeza de que o caminho
traçado era seguro e promissor sobre a importância de um estudo mais aprofundado
sobre a importância do Sistema de Numeração Decimal e da contagem imbricados
ao resolver problemas, e vice-versa, a importância de resolver problemas para
desvendar os segredos das leis que governam os números decimais. Este assunto
despertou o interesse de algumas investigações, mas parece ainda suscitar de muita
investigação na e da prática que estão ocorrendo nas escolas.
No capítulo 3, apresentarei o embasamento teórico que elucidou e delineou
meu caminho investigativo. Um universo de estudos e investigações acadêmicas
14
das últimas décadas que colocaram-me diante de ideias e análises de Nóvoa, Tardif,
Schön, Imbernón, Ponte e Alarcão, autores que colaboraram para a análise objetiva
da prática do professor na escola, sua reflexão e sua formação. Para destacar a
importância da formação voltada para a realidade escolar e as práticas ali
estabelecidas, abrandei minha sede de saber nos estudos realizados de Serrazina,
Fiorentini, Nacarato e Pimenta. A análise subjetiva, que envolveu uma escuta atenta,
um olhar sensibilizado e relações acolhedoras, foi reforçada e justificada em
pensares filosóficos, estudos reflexivos e teorias advindas de Paulo Freire, Rubens
Alves, D’Ambrosio, Morin, Vergnaud, Nunes e Bryant, Lerner e Sandovsky,
Teberosky, Brizuela, Panizza, Moreno, Machado, Soares e Pinto, entre outros.
No capítulo 4, contarei os caminhos percorridos pela Formação Continuada
de Matemática para os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental da
DRE São Miguel Paulista, da Secretaria de Educação de São Paulo, com relação
aos saberes produzidos, aplicados e narrados pelos participantes. Envolveu também
o delinear da concepção que fundamenta os documentos oficiais utilizados por
esses professores. Esse processo desafiador e motivador despertaram nesta
formadora a curiosidade em saber como estavam as práticas de sete professoras
pertencentes a um dos grupos de formação continuada e deu a oportunidade para a
realização de uma formação continuada de matemática no ambiente escolar.
Formação essa que ocorreu durante os horários coletivos de estudos dos
professores, nos quais estavam as sete professoras envolvidas, e o desenrolar da
pesquisa abarcou observação de sala de aula e intervenção da
formadora/pesquisadora. Sobre a visita à escola narrarei os estudos de matemática
desencadeados pelas necessidades de cada grupo-escola, a organização das
atividades investigativas e as ações observadoras reflexivas sobre a prática.
No capítulo 5, trarei a análise do papel desempenhado e o caminho percorrido
por esta pesquisadora/formadora de professores. Foram momentos importantes de
análise e reflexão e a oportunidade de verificação na prática das teorias defendidas
com clamor pela formadora. Vivenciei papéis que se entrelaçam, difíceis de separar,
em um misturar e confundir. Para observar melhor esses papéis foi necessário um
afastamento sem contaminação, ação privilegiada da pesquisadora. Um afastar
temporário da formadora, atenta e desafiadora quando provoca e aprende com as
professoras e que, ao mesmo tempo, investiga quando observa e interpreta cada
passo dado por cada uma delas.
15
Na conclusão final, será apresentado o resultado de minha pesquisa,
envolvendo não só as dificuldades, os desafios e as conquistas encontrados nas
práticas das sete mulheres, professoras que ensinam matemática nos diferentes
contextos, mas também retratarei as dúvidas que surgiram sobre essa inusitada
experiência que se mostrou, ao mesmo tempo, rica em dados e necessitada de
outros olhares investigativos e acolhedores.
16
CAPÍTULO 1
HISTÓRIA DE UMA FORMAÇÃO
Esse capítulo apresenta um caminho repleto de crenças, saberes e diferentes
quereres que foram constituindo e sendo constituídos a cada observação, a cada
novo conhecimento. Este processo foi gradativamente evoluindo frente aos desafios
enfrentados, estudos do como ensinar matemática e como se dá o aprender
matemática, a cada novo conhecimento teórico-prático e, principalmente, do como
organizar um espaço de reflexão do/sobre o “fazer matemática” na sala de aula.
Este processo, que foi sendo desenhado com traços constituídos por erros e
acertos, alinhavado com incertezas, numa proporcionalidade muito maior que as
certezas, costurado com a agulha do acreditar que todos aprendem matemática e
transpassado pela linha da cor da luta por uma educação mais igualitária é que foi
urdindo a tessitura da minha trajetória profissional.
Desde 1990, venho realizando encontros de formação continuada de
professoras do Ensino Fundamental e Médio que ensinam matemática nas redes
públicas e particulares de várias cidades de São Paulo e de todo o Brasil.
Durante essa minha trajetória profissional, tenho encontrado professores dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, denominado na Prefeitura de São Paulo de
Ciclo I. Estes professores, ao serem questionados sobre sua relação com a
Matemática declararam que, sem sombra de dúvida e sem titubear, não gostavam
dessa disciplina. Afirmaram também que a opção pelo Magistério ou Pedagogia
ocorreu para fugirem de suas garras, como se desconhecessem o fato de não só
terem que estudá-la e também ensiná-la a seus alunos.
Na busca de compreender essa aversão apresentada pelos professores e por
muitos alunos, tenho pesquisado que os motivos para essa relação conflituosa
provêm de diversos fatores. Segundo Davis e Hersh (1988), o fato de a Matemática
ser utilizada como filtro social para a seleção de alunos e profissionais pode ser um
dos motivos. Apontam a atitude contraditória do professor de Matemática dizendo
“para quem ama a Matemática, ensinar Matemática deveria ser uma festa”, (p.108) o
17
que nos ajuda a compreender a postura de sedução pessoal e êxtase particular e
solitário de alguns professores frente à Matemática. Sem compartilhar esse
momento mágico com os alunos, abre-se um abismo na relação professor-
aprendizagem-aluno e colabora-se para que a maioria dos “alunos sintam pouca
atração pela Matemática” (p.108 ).
Por outro lado, Sztajn (2002) em um ato de recordação de seus professores,
faz referência a um em especial, bem humorado, que falava baixinho e quando
escrevia no quadro celebrava sua “festa matemática para um indivíduo apenas”.
Cobria-o “com exercícios, com demonstrações incríveis e com problemas que ele
decidia inventar ali na hora” (p. 17) e todos os conteúdos apresentados giravam em
torno da sua escolha, “criando novos eixos, reescrevendo as equações”. Este
parece ser um exemplo perfeito do modelo de professor de Matemática apontado
pela maioria dos professores dos anos iniciais. No entanto, podemos encontrar
também professores apaixonados por esta área de ensino, que mostram como os
conhecimentos da disciplina fazem parte do nosso cotidiano e até apresentam como
utilizá-los em aplicações mais complexas. Porém, esta atitude mais dinâmica parece
ainda ser insuficiente para proporcionar um ensino que ajude seus alunos a se
apropriar da linguagem matemática, utilizando-a para compreender e transformar a
realidade em que estão inseridos.
Apesar de encontrar diversos estudos e pesquisas sobre o processo de
ensinar e o processo de aprender Matemática, elas me levaram a refletir sobre “o como” a Matemática é ensinada nos anos iniciais. As múltiplas dificuldades e
lacunas do aprender do professor têm aprofundado cada vez mais o abismo de
incertezas no seu ensinar e reproduzem um grande vale de dúvidas no seu
aprender, verbalizada e demonstrada durante as formações.
Será que a lacuna deixada permite que se perpetue o privilégio atribuído a
algumas pessoas serem consideradas como “as escolhidas” por gostarem e
compreenderem com certa facilidade alguns conteúdos matemáticos? São esses
indivíduos “especiais” que acabam sendo definidos socialmente como “sábios” ou
“os melhores”, título validado pelo ensino de muitos professores especializados
nesta área de conhecimento e pelo uso como filtro social das avaliações
classificatórias em seleções muito concorridas.
O desabafo dos professores que ensinam matemática nos anos iniciais tem
repercutido em forma de eco no contexto dos encontros de formação em que atuei e
18
atuo. O depoimento desses professores tornou-se a alavanca impulsionadora do
meu refletir e da busca por novos estudos e caminhos alternativos que
colaborassem com eles para a apropriação dos conteúdos a serem ensinados e a
compreensão da trajetória percorrida por cada aluno em sua aprendizagem.
Considero esta busca mais um desafio que vem se somar a outros que tive
em minha vida pessoal e profissional: trilhei diferentes caminhos, enfrentei
obstáculos, estudei e levantei hipóteses e busquei soluções possíveis de serem
colocadas em prática.
Em 1985, fui eleita coordenadora pedagógica de uma escola municipal de
São Paulo, onde eu exercia até aquele momento o papel de professor de
Matemática. Já nessa época, buscava grupos de formação e estudos que
trouxessem reflexões sobre abordagens diferenciadas para ajudar o aluno a
aprender Matemática, principalmente aqueles que tinham muitas dificuldades. Ao
lidar com alunos que guardavam na memória um caminho de insucesso e
frustrações matemáticas veio a certeza do quanto a minha formação inicial havia
sido precária. Eu me sentia à deriva frente a tantas dificuldades encontradas na
minha prática de sala de aula. Tinha de lidar diariamente com as diferenças de
conhecimento apresentadas pelos alunos, as convicções do desconhecimento e a
consciência intensificada pelo discurso – “você nunca vai saber fazer, pois não faz
nada certo”, ouvido no decorrer dos anos de escolaridade, e também as frustrações
envolvidas pelo cansaço ao lidar com o mito historicamente constituído que abrange
o acertar e o errar nas aulas de matemática.
Essa provocação causada pelo caos pedagógico encontrado na escola
particular e pública possuía uma temporalidade especial, movimentando-se em um
tempo que desconhecia lentidão, que desconhecia passividade, acomodação. Um
tempo que exigia decisões rápidas, novos valores, novas parcerias para novos
estudos que permitiram um mergulho nos mistérios que a Matemática encerra e o
construir de uma nova estrada na qual ela pudesse ser apresentada aos alunos de
uma forma mais agradável, clara, inteligível e palpável. Um ensinar que dialogasse
com o aprender dos alunos, um verdadeiro processo dialógico.
Em 1990, participei de uma seleção no Núcleo de Ação Educativa – NAE 2,
zona norte da cidade de São Paulo, para exercer, em caráter comissionado, a
função de supervisora de ensino. Nessa ocasião, também tive o prazer de participar
de um grupo de estudo de professores que tinha como tarefa implantar o Projeto de
19
Interdisciplinaridade nas unidades daquela região. Esse grupo participava de
encontros semanais na Divisão de Orientação Técnica – DOT - Ensino
Fundamental, para estudar e discutir a formação matemática dos professores do
município de São Paulo. O grupo teve a orientação do então Secretário da
Educação na época, o ilustre Prof. Paulo Freire, em encontros mensais. Foi uma
experiência única, reflexiva, dialógica.
Após alguns anos, pude compreender o verdadeiro sentido da palavra
dialogicidade, ao ouvir embevecida o Prof. Paulo Freire (1990) envolvido por uma
cálida serenidade ao falar, que lhe era peculiar, e pela segurança de um mestre que
pratica com seus discípulos a teoria que defende. Ele explicava pausadamente,
mastigando cada palavra: “É o diálogo onde os dois lados sabem ouvir e estão
dispostos a falar”. É um momento de cumplicidade, no qual cada um se envolve
numa escuta disposta a compreender o que o outro está falando. O saber ouvir
implica momentos intermediários de silêncio, sem pressa, sem atropelo. O saber
falar envolve a compreensão do poder de silenciar, da intenção de complementação,
de ampliação. Muitas vezes, concluía a conversa afirmando convicto que era a favor
“do sonho, da utopia, da liberdade de quem recusa a acomodação e não deixa
morrer o gosto de ser gente”. Esta experiência marcou profundamente o meu gosto
de “ser gente” que lida com gente, que muitas vezes calou a fala do outro, pois
assim era mais fácil se impor, e que, a partir daquele momento, aprendeu a ouvir e a
degustar o silêncio para poder falar.
Em 1996, recebi um convite para trabalhar na DOT – Ensino Fundamental
para atuar na formação continuada de professores e participar da elaboração de
documentos curriculares que norteariam o trabalho nas escolas da rede municipal da
cidade de São Paulo.
Em 2005, ao me aposentar, dei continuidade ao trabalho que fazia na
elaboração de material de Matemática, que compunha o Programa Ler e Escrever Prioridade na Escola Municipal1.
A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, desde 2007, vem
apresentando, em seu projeto de ação para implementar este Programa, momentos
pontuais de formação continuada para os professores de Ensino Fundamental Ciclo 1 Programa Ler e Escrever Prioridade na Escola Municipal é um conjunto de livros destinados aos anos iniciais do Ensino Fundamental, intitulados Guias de Planejamento e Orientações Didáticas para o professor de 2º, 3º e 4º anos e o Projeto Intensivo do Professor no Ciclo I, para alunos e professores dos 3º e 4º Anos.
20
I, nas áreas de Matemática e Língua Portuguesa. Este projeto envolveu encontros
de Formação Continuada de Professores que ensinam Matemática e Coordenadores
Pedagógicos e fui formadora em duas Diretorias Regionais de Educação - DRE (São
Miguel Paulista e Penha). Os percursos compartilhados nos encontros de formação
de professores da DRE São Miguel Paulista deram origem ao contexto da minha
pesquisa. Durante dois anos, fui formadora no Projeto de Formação Continuada, no qual
pude observar que, quando ela ocorre de forma centralizada envolvendo uma maior
abrangência de escolas, é muito mais difícil obter um conhecimento real do impacto
ou da mudança de postura do professor na prática de sala de aula. Pensar uma
formação que atenda a necessidades dos professores com relação à área de
conhecimento e, ao mesmo tempo, garantir uma nova postura na sala de aula eram
grandes desafios a serem vencidos a cada término dos encontros.
O fato era que a exigência de um relatório escrito, reflexivo no qual
esperávamos que seriam descritos todos os momentos do processo de ensino e de
aprendizagem, os diferentes procedimentos apresentados por alguns alunos, os
“erros” apontados por outros no entanto, não cumpria sua função. O relatório
produzido era simples, básico, sem muitos detalhes ou descrições. Ao lê-los, não
conseguia apascentar os devaneios que instigavam a minha curiosidade a respeito
do que havia acontecido na sala de aula de cada uma daquelas professoras: “De
que maneira foram realizadas as atividades propostas?”, “Como a professora
organizou e planejou a aula?”, “Quais consignas foram pensadas?”, “Que
intervenções foram praticadas?”, “Em quais momentos?”.
Essas questões provocavam novas inquirições silenciosas e reflexivas acerca
do caminho, sobre o “como” a formação deveria transcorrer, a fim de sensibilizar o
professor a valorizar cada vez mais os caminhos preciosos de sua prática. Como
muni-lo para que pudesse se sentir capaz de perceber e interpretar o pensar, o
fazer, o agir e reagir, o falar e o silenciar dos alunos? Como transformar seu olhar e
seu ouvir para que estejam atentos e esta atenção facilite o registro de cada
movimento, de cada descoberta e de cada fala ocorrida neste espaço precioso e
produtivo, a sala de aula.
Como as questões não encontravam respostas nos relatos e relatórios,
continuam a “pulular” em minha mente novas indagações: “Como posso conquistar-
21
lhes a confiança para que possam vencer as dificuldades e a vergonha de se despir
pedagogicamente e relatar oralmente e por escrito aulas reais de matemática?”.
Nas reuniões de organização e estudo na DOT, ocorriam discussões muito
interessantes sobre essas questões, mas não suficientes para provocar avanço. A
metodologia do projeto propunha reflexão e vivência pelo professor dos diferentes
momentos de sala de aula. Inicialmente realizavam sequências de atividades nas
quais o seu pensar e fazer a matemática eram colocados em evidência.
Posteriormente, refletiam em grupo sobre cada dificuldade apresentada e,
finalmente, era feito o fechamento com a apresentação dos estudos mais recentes
sobre os procedimentos e intervenções necessários para uma aprendizagem mais
consciente.
As questões e as reflexões sobre o caminho percorrido permeavam os
encontros como se fossem nimbos ou nuvens escuras prestes a se desmanchar em
chuvas. Isso ocorria, embora os professores, durante a formação, estivessem sendo
levados a apurar seus olhares para que percebessem e aproveitassem todos os
momentos relevantes durante a realização das atividades pelos alunos e
convencidos a observarem atentamente o desempenho de cada aluno no grupo
durante a circulação pela sala de aula.
No decorrer dos encontros, os professores cada vez mais narravam
oralmente com entusiasmo as diferentes soluções apresentadas pelos alunos para
uma determinada situação-problema, mas continuavam a esconder suas
dificuldades, a camuflar seus medos, a disfarçar suas inseguranças e receavam,
ainda, explicitar suas dúvidas.
O silêncio recaía sobre suas posturas. Muitas vezes, sua presença no
encontro de formação era silenciosa e pouco participativa.
Tanto nas falas dos grupos durante a realização das tarefas e, muitas vezes,
na ausência de vozes frente aos questionamentos propostos, era possível perceber
as falhas advindas da formação inicial. Elas eram explicitadas, muitas vezes,
durante a conceituação dos conteúdos ou nos procedimentos apresentados como
solução e certamente compreendidos de forma inadequada.
Esta lacuna é um fator preponderante que acentua as dificuldades no ensino
de muitos dos conteúdos de Matemática, principalmente nos procedimentos
utilizados para resolverem problemas. Dificuldade essa que se sobressaía tanto
durante a realização das atividades no decorrer da formação, quanto nas aplicações
22
em sala de aula das atividades sugeridas como tarefas que, no encontro seguinte,
deveriam ser trazidas e compartilhadas no grupo durante as reflexões.
No momento de retomada da “teoria aplicada à prática” eu percebia muitas
vezes que as tarefas acabavam sendo encaminhadas de forma inadequada, e não
atingiam os objetivos propostos. Este fato fez ressurgir novas dúvidas a respeito dos
encaminhamentos realizados durante as atividades em sala de aula e sobre a
validade das tarefas propostas durante a formação.
Dando margem a novas ponderações, surgiu um questionamento: as
dificuldades, dúvidas e incertezas desses professores teriam origem na história de
cada um, com relação à Formação de Matemática durante a Educação Básica e
nos cursos de Pedagogia e/ou na ausência de discussões conjuntas sobre a
disciplina em questão no espaço escolar? Seriam esses fatores motivos
preponderantes na redução da quantidade de aulas de Matemática apresentados na
rotina da sala de aula, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental?
Essa situação também foi constatada por Serrazina (2009)2: os professores
participantes dos encontros de formação coordenados por ela deixavam fora de sua
sala de aula o resultado das reflexões realizadas sobre o ensinar matemática
baseado em estudos inovadores. Os professores que participaram da formação só
voltavam a procurá-la, ou se interessavam pelos procedimentos que exploravam a
forma de ver, pensar e calcular dos alunos através de boas atividades, quando seus
alunos iam participar de avaliações institucionais onde seriam checados os
procedimentos e saberes de cada um.
A professora Serrazina enfatizou que alguns professores, muitas vezes,
participavam da formação continuada apenas para ampliar seu conhecimento, mas
não tinham nenhuma intenção de transformar a própria prática. Afirmou confiante
que, para que isso ocorra, há necessidade de se rever o formato da formação para
proporcionar a real transformação das práticas pedagógicas.
Frente a este panorama, meu trabalho foi o de formar, observar e interagir
com um grupo de sete professoras que ensinam Matemática nos anos iniciais, que
atuam em quatro escolas sob a jurisdição da DRE São Miguel Paulista. Este material
deu corpo, forma e nuance a minha pesquisa. 2 Durante a apresentação da palestra feita no Programa de Pós Graduação em Educação Matemática da UNIBAN, em novembro de 2009, no II SIEMAT – Seminário Internacional de Educação Matemática. A professora Serrazina coordena um trabalho de formação em Portugal, com ênfase no desenvolvimento profissional de professoras de Matemática atuando nas séries iniciais.
23
MINHAS INDAGAÇÕES
A partir dessas considerações, surgem várias dúvidas que não se calam e
precisam ser respondidas com relação ao trabalho de sala de aula do professor que
ensina Matemática nos anos iniciais. Esclarecer os motivos que levam o professor a
buscar novos conhecimentos e novos caminhos para melhorar seu desempenho e o
do aluno na sala de aula é essencial:
• Será que a superação do professor que ousa no fazer está relacionada à
insatisfação com a própria prática e/ou com os resultados de
aprendizagem?
• Esta insatisfação seria a alavanca que o impulsiona a buscar a formação?
• A mudança na forma de ensinar reflete na aprendizagem do aluno?
• Maior conhecimento da área influencia na aceitação da mudança na
prática?
• Diante de novas dificuldades, o professor retornará a algumas antigas
práticas?
Apesar das perguntas serem amplas cercearam meu universo investigativo
como pano de fundo e balizaram os caminhos traçados para elucidar a seguinte
questão:
• Quais aspectos da Formação Continuada de Matemática contribuem para a
compreensão das relações dessa formação com os processos de mudança
das práticas dos professores participantes?
É nesse contexto que está ocorrendo um revisitar ao espaço de formação,
para que seja possível fazer uma releitura desse processo e acompanhamento da
relação teoria-prática presente em sala de aula.
24
CAPÍTULO 2
PERGUNTAS QUE NÃO SE CALAM... Neste capítulo, as perguntas que estimulam o meu pensar e fazer motivaram
a busca por teorias que pudessem ajudar-me a compreendê-las e transformaram-se
em objetivos que nortearam e norteiam o meu estudo e minha pesquisa.
Algumas das questões serão respondidas sob a luz da teoria e muitas outras
pelas observações e análises advindas do contato direto com os professores
participantes no decorrer dos nossos diálogos, numa escuta atenta e observação
sensível as suas ansiedades, conflitos, verdades e mudanças. Falas preciosas que
foram consideradas por esta pesquisadora como o aclamar de vozes estrondosas ou
silenciosas, repletas de verdades ou pedidos de ajuda, clamores tão pouco ouvidos
e valorizados pelas pesquisas.
No meu garimpar teórico tenho encontrado muitos estudos e investigações
acadêmicas, nas últimas décadas, cuja preocupação tem sido a formação de
professores e principalmente, a Formação de Professores que ensinam Matemática.
Pesquisas com reflexões e constatações valiosas, subsídios importantes que
direcionaram o meu foco para a formação do professor que ensina Matemática nos
anos iniciais. Esse professor, é considerado “polivalente” por alguns estudiosos,
talvez por ter a responsabilidade de desempenhar diferentes tarefas sem a
compreensão de sua totalidade. Professor polivalente, segundo os estudos de Lima
(2007), são “sujeitos capazes” de ensinar as diferentes áreas do conhecimento que
compõem o currículo nacional e também “apropriar-se de valores inerentes ao ato
de ensinar crianças pequenas”, interagir e comunicar-se qualitativamente bem com
os educandos” (p.65). Enfim, cabe-lhes a responsabilidade de ensinar todas as
áreas do conhecimento sem serem especializados em nenhuma.
A formação inicial tem oferecido a esse professor conhecimento superficial
sobre todas as áreas, mesmo assim, ele consegue superar suas dificuldades e
ensinar os diferentes assuntos, inclusive utilizando diferentes linguagens. Nessa
complexidade de conceitos e princípios a ser ensinado, um muro se ergue - a
25
Matemática, tratada muitas vezes com excessivo cuidado e cautela, adiada o quanto
for possível, e se puder, até evitada.
Pesquisadores acadêmicos sensibilizados com esse problema têm apurado
seus ouvidos ao clamor dos professores e demonstrado uma preocupação com as
formações e saberes dos docentes que ensinam matemática nos anos iniciais do
Ensino Fundamental.
Com relação a esse assunto encontramos em Nacarato e Paiva (2008) um
convite empolgado aos pesquisadores de Educação Matemática e a evidência da
condição real dos “professores que ensinam matemática”, termo utilizado pelos
educadores matemáticos, para se referirem aos professores polivalentes – aqueles
que ensinam matemática nos anos iniciais. Segundo as autoras, os professores que
ensinam matemática “vêm merecendo pouca atenção dos pesquisadores da área, o
que se nota pelo pequeno número de pesquisas voltadas a esses profissionais”
(p.20).
Essas estudiosas ressaltam ainda a necessidade do olhar acadêmico para a
formação de matemática desses professores e para suas condições de trabalho,
bem como para a formação do formador de professores, seja na formação inicial ou
continuada.
Com relação a essa preocupação, considero Serrazina (1999) a porta-voz do
meu pensar ao alertar sobre a necessidade de investigações contextualizadas. Esta
autora declara que: são necessários mais estudos sobre os professores do 1º ciclo na sua faceta de professores de Matemática, quer no nível da formação inicial quer da formação contínua. Por outro lado, devem ser realizadas investigações que relacionem o conhecimento dos professores com o contexto escolar e a aprendizagem dos alunos”. (SERRAZINA, 1999, p. 126)
Investigações que aconteçam na escola permitindo ao formador/pesquisador
uma leitura da realidade do contexto escolar, repleto de elementos objetivos e
subjetivos, cuja especificidade exige uma postura do investigador mais próxima dos
parceiros e atores da escola.
Para isso, os cursos de formação inicial de professores dos primeiros anos do
Ensino Fundamental precisam ter olhar perscrutador para seus currículos e
direcionar o holofote para a ação investigativa – o estágio, ponte que interliga o
aluno – futuro professor – um investigador/observador e os atores que compõem a
26
realidade do contexto escolar. Trata-se de um processo recursivo e dinâmico que
valoriza o observar e ser observado, o aprender e ensinar, o compartilhar estudos e
o estudar com/no coletivo da escola propiciando uma parceria reflexiva e produtiva
entre as partes envolvidas: instituição – futuro professor – professores e equipe
escolar.
Há necessidade de se ressaltar também a importância de uma proposta
pedagógica bem estruturada e bem desenvolvida, nos cursos de Magistério e de
Pedagogia, para a formação dos futuros professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Esses, além de dominar a metodologia do ensino da Matemática,
precisam também conhecer com profundidade os conceitos e procedimentos
básicos desta disciplina para uma atuação mais segura, eficaz e envolvente.
Os conhecimentos matemáticos abordados no curso de Pedagogia foram
objeto de estudo de Mello (2008). Ao analisar as ementas dos cursos de Pedagogia,
a pesquisadora percebeu que a maioria delas priorizava as questões metodológicas
do ensino de Matemática, como essenciais para a formação do professor dos anos
iniciais. Diante desse fato e com o propósito de verificação e aprofundamento,
escolheu, como estudo de caso, um curso que apresentava a disciplina Metodologia
do Ensino Fundamental II: Matemática e Ciências. Após análise, enfatiza
conclusivamente que: para haver um adequado ensino de Matemática nos anos iniciais, é preciso que o curso de formação inicial ofereça oportunidades para consolidar e aprofundar [...] o conhecimento dos conteúdos matemáticos, didáticos desses conteúdos e conhecimento do currículo de matemática. Além disso, desenvolver atividades práticas que possam levar aos professores a reflexão e teorias que as fundamentem [...] devem levar em conta as experiências anteriores dos professores e favorecer a discussão e reflexão de sua própria experiência, para que o ensino e a aprendizagem de matemática sejam significativos. (MELLO, 2008, p.103)
Após o estudo realizado, a autora assegura que não pode afirmar se os
alunos do curso analisado saem munidos de um conhecimento matemático com
fundamentação suficiente e sólida que possibilite se tornarem bons professores
“ensinadores” de Matemática.
Como podemos perceber, muitas dúvidas pairam ao derredor da Formação
de Matemática. Reflexões e discussões têm sido realizadas sobre os saberes de
Matemática mais adequados que devam compor o currículo oferecido nas
formações inicial e continuada e sobre as práticas eficientes de sala de aula, um
27
conhecimento que vem constituindo e tem constituído a prática atual dos
professores atuantes em nossas escolas públicas e particulares.
No entanto, é na formação continuada que deveríamos fincar nossa bandeira
branca que, ao ser agitada, trouxesse a todos os envolvidos uma tranquilidade e
confiança dos saberes. Que acionasse o impulso para enfrentar as dificuldades e as
diversidades da sala de aula, bem como a segurança do fazer ao ensinar
matemática. Ela deveria representar a propulsão dos “quereres”, das curiosidades,
das descobertas, dos diálogos abertos, das investigações de novos conhecimentos
e de novas metodologias, das práticas reflexivas que subsidiassem fazeres que
deixassem marcas profundas nos educandos, vistos como ser integral e dos
“gostares” em sonhar e conviver com o diferente.
Com base nessas reflexões e em estudos realizados, essa investigação tem
como objetivo principal analisar a Formação Continuada de Matemática de forma a
compreender as relações dessa formação com os processos de mudança das
práticas dos professores participantes.
Dentro desse amplo cenário investigativo focarei a lente para o propósito de
identificar o que impulsiona o professor dos anos iniciais a superar suas dificuldades
e/ou medos da Matemática e conseguir reconstruir sua prática.
Encontrei nos estudos de Esteves (2007), considerações que dialogam com
as minhas observações enquanto formadora, a constatação da precariedade do
conhecimento matemático dos professores e de sua prática, que fizeram parte de
sua investigação, no qual conclui: sem a contribuição dos cursos de formação, tanto inicial como continuada, os professores não aprofundam nem ampliam seus conhecimentos matemáticos, por isso, muitas vezes, buscam em suas experiências como alunos os alicerces para esse ensino, como observado em nossa investigação (ESTEVES, 2007, p. 127).
A metodologia adotada por seus professores, na época em que foram alunos,
acaba sendo o modelo fundante3 às suas dificuldades e incertezas e que revela
marcas antigas deixadas pelas compreensões ou incompreensões matemáticas e
constituindo-se em alicerces a sustentar o ensino dos conteúdos pouco dominados
ou nunca aprendidos.
Muitas vezes, esses alicerces didáticos têm como subsídio vivenciar o ensino
sob um foco tradicional e elaborar compreensões inadequadas de conceitos 3 Fundante utilizado no sentido de fundir, moldar.
28
matemáticos importantes para sua prática. Os professores carregam histórias
recheadas de incertezas e inseguranças e as revelam quando são colocados diante
de desafios que vão além de suas possibilidades e compreensão. Igualmente fazem
histórias, as de seus alunos que, como as suas, explicitam frustração e desânimo
frente às escolhas pedagógicas do fazer e impotência diante do “não-fazer”.
Os dilemas enfrentados pelos professores muitas vezes interferem nas
tomadas de decisões ou intervenções diante das dificuldades apresentadas pelos
alunos, no que se refere ao caminho a ser percorrido ou durante a elaboração de
atividades complementares a serem aplicadas. Estas mesmas situações foram
percebidas em professores no início de carreira investigadas por Silva (2009) que
constatou o que eles apontam como dificuldade: “recriar exercícios”, mas o que mais chamou a atenção foi com relação à didática do ensino da matemática que, de uma maneira ou de outra, a maioria dos sujeitos aponta como dificuldade. Em relação ao conteúdo de Matemática, que os professores tiveram em seu curso de Pedagogia ou Magistério a maioria cita que não tem lembrança do conteúdo trabalhado ou quando se lembra, diz que aplica a atividade, mas não percebe sucesso (SILVA, 2009, p. 122)
O que foi percebido nas formações continuadas é que esses dilemas e
dificuldades não afligem apenas os professores no início de carreira, mas se
perpetuam pelo fazer profissional em muitos professores que já exercem a profissão
há algum tempo.
As lacunas deixadas pela formação inicial e percebidas no conhecimento
matemático do professor que ensina matemática foram motivos de reflexão e
investigação realizadas também por Pinto (2010), que afirma serem professores sem
a formação específica carregando a grande responsabilidade de ensiná-la. Após
análise, assegura que: as lacunas no processo formativo colocam os futuros professores diante do desafio de ensinar conteúdos específicos, sem o devido preparo. Como não recebem uma base sólida de conhecimentos, as concepções sobre a Matemática e sua prática de ensino ficam comprometidas para a atuação em sala de aula (PINTO, 2010, p.27)
Sala de aula, espaço privilegiado que favorece a percepção do imediato
ocorrido, das descobertas do professor e do aluno, da opção de novos caminhos e
do desabrochar de novas teorias. Na observação atenta desse ambiente privilegiado
se constituirá mais um objetivo, com um olhar minucioso, com um “zoom” mais
específico que balizará o meu foco ao buscar compreender a mudança na prática
29
dos professores. Neste caso, especificamente, o trabalho com problemas,
compreendendo a organização do sistema de numeração decimal e as estratégias
de contagem.
Resolver problemas foi tema bastante explorado e discutido no decorrer das
formações de Matemática, coordenadas por mim. Este tema atendeu as
expectativas da maioria dos professores participantes, pelo fato de gerar muitas
dúvidas e desencadear muitas dificuldades.
Propor um problema envolve desafiar o sujeito a compreender o enunciado,
colocar em prática seus conhecimentos matemáticos relacionados com o enunciado
e fazer escolhas. Para os professores, a causa das dificuldades dos alunos está
vinculada a um único problema: o não saber ler, logo não saber interpretar. Panizza
(2006) refuta esses argumentos quando alega que, com frequência, “se costuma
atribuir a dificuldade dos alunos na interpretação de enunciados a problemas de
‘leitura compreensiva’, como se a compreensão de textos matemáticos fosse uma
‘aplicação’ de uma capacidade geral de leitura” (p.28).
Ler matematicamente envolve a compreensão de um sistema simbólico,
motivo pelo qual optei por investigar a organização do sistema numérico e de seu
funcionamento. A partir daí, delinear um percurso que vai da compreensão das
regras à busca de regularidades para compreender as funções dos diferentes tipos
de números visando quantificar aspectos da realidade e, principalmente, utilizar a
contagem.
Proponho, nas formações, que uma boa prática de Matemática deve trabalhar
com problemas. Partindo dessa premissa, o professor estará propiciando a
construção de diferentes conhecimentos matemáticos (não lineares), favorecendo a
compreensão e a interpretação das relações matemáticas contidas nos enunciados
e despertando a autoconfiança para escolher os cálculos e procedimentos mais
adequados a serem realizados.
Para transformar a prática matemática em uma ação mais envolvente, ao
invés do reforço da já praticada, busquei conhecê-las com mais profundidade, bem
como a qualidade das formações que as produziram ou efetivaram.
Durante o acompanhamento dos profissionais de uma escola pública, Bertucci
(2010), com o propósito de compreender as necessidades formativas e o
desenvolvimento das práticas de aprender e de ensinar matemática, constatou
30
sinais profundos deixados pela matemática nos saberes dos professores que
ensinam matemática, como sendo marcas do tempo de estudante, sendo a maioria negativa em face das experiências que tiveram; por isso, geralmente, não gostam de Matemática. O agravante para o enfrentamento desse desafio é que a maioria dos professores que opta por cursar Pedagogia, e antigamente o Magistério, o fazem por fuga da área de exatas, da Matemática. E, após sua formação, tem que lidar com o ensino desta disciplina. (BERTUCCI, 2010, p. 149)
Nesse sentido, ressalta a necessidade dos responsáveis pelos cursos de
formação inicial, a Pedagogia, revisarem suas propostas com relação à formação do
professor e do gestor e incluírem saberes dos conteúdos matemáticos como objetos
de ensino e de aprendizagem na escola e não apenas suas metodologias.
Apesar de alguns professores mostrarem-se interessados em participar
continuadamente de formação, a autora verificou que “são poucas as oportunidades
de formação na área do ensino de Matemática para os professores que a ensinam
nas séries iniciais” (p. 150). Bertucci acredita e defende que uma prática
diferenciada de formação continuada pode acontecer na escola. Uma escola que
propicie um ambiente formador em seus horários coletivos, mantendo uma relação
diferenciada entre gestores atentos e comprometidos com o ensinar e o aprender e
a universidade. Prática esta ainda não reconhecida e valorizada pelas políticas
públicas. Finalmente, afirma que, a prática pode ser vista como alavanca inicial e
meta final de reflexão, uma responsabilidade de todos os atores da escola:
professores, alunos e gestores. Mas o papel principal cabe à intervenção, que
deverá ser balizada pela teoria, pela reflexão, pelo estudo e pela análise. Somente
assim será possível aportar em um ensino de qualidade e obter um retorno
qualificado, diferenciado e transformador dessa prática e dos sujeitos que a
praticam.
A intervenção gera, na sala de aula, momentos de dúvidas e tensão. Saber o
momento adequado de intervir para que o aluno aprenda e, ainda melhor, saber o
como intervir são questões que pairam sem muitas assertivas advindas do professor.
Em Machado (2009), encontrei reflexões importantes a respeito da
necessidade de uma proposta de formação continuada para professores que
ensinam matemática que ressalte a identidade, valorize a prática, considere seus
anseios diante da formação e construa competências para transformá-los em um
Educador Matemático. Após análise dos dados pesquisados, garante que “a
31
formação continuada é um processo primordial para a profissionalização do
professor. É através dela que o professor passa a ser autônomo, reflexivo e crítico”
(p.84). Afirma que, para que ocorra essa transformação profissional, deve ser
oferecida efetivamente uma proposta pedagógica elaborada coletivamente que
ajude a superar as dificuldades da prática de ensinar matemática e mobilizar
saberes teóricos e práticos. A autora conclui que: formar-se professora é estar em busca do reencantamento da educação por meio de momentos para reflexão sobre a sua prática. Esse reencantamento surgirá sempre em um processo de formação continuada. É nesse momento que o professor que ensina matemática passa a se sentir educador em matemática. O reconhecimento da importância de um processo de formação continuada que [...] possa mostrar ao professor que ensina matemática nas séries iniciais uma matemática com significado e não como um apanhado de regras e técnicas. (MACHADO, 2009, p.85)
O “reencantamento da educação”, retratado pelo autor, convida-nos a refletir
e relembrar os encantamentos despertados pela quimera de “Ser Professor”,
disseminada durante a formação inicial, Escola Normal/Magistério ou Pedagogia.
Tornar-se intelectualmente competente para sermos capazes de determinar o que o
outro deveria aprender e podermos definir futuros repletos de alegrias e realizações.
Porém, muitas vezes, esse processo acaba se transformando em um amontoado de
fracassos e medos. Incutiram em nossas mentes estudantis que o “gostar”
despertado pelo “querer” e temperados pela “curiosidade” de novos conhecimentos,
colocados na forma do “bem” planejado, fariam de cada um de nós - futuros
professores - excelentes e competentes profissionais.
No entanto, ao ir para a sala de aula a realidade se apresentava distinta, bem
mais dura. A prática diária tornava-se, a cada etapa, uma sucessão de desencontros
e desencantos. Um descerrar lento, em doses homeopáticas, da verdade nua e
crua: o quão difícil era e é ensinar. Um ensinar dialogando com o aprender.
Apesar das técnicas aprendidas e praticadas, cada batalha perdida era como
um “anulador” das vitórias e conquistas adquiridas. O cotidiano praticado embotava
a paixão germinada no início de carreira, como um extirpar dos brotos tímidos de
cada fazer e transformava-o em um ensinar que frustrava a tão procurada
competência profissional e amargurava os envolvidos nesse processo - professor e
aluno - provocando desilusão e desgostos.
A motivação inicial apagava-se e o praticado afastava-se pouco a pouco do
diferente, da audácia, da investigação, do diálogo, do acreditar no outro e em si
32
mesmo. O praticado se contentava em fazer igual, em disseminar modelos sem o
compromisso de aprender com alegria e prazer.
A formação continuada é vista por muitos desses professores que,
inconformados com a sua atuação, rebelaram-se contra a estagnação profissional e
buscaram a luz da reflexão, uma maneira de vencer a desilusão. Perceberam que o
espaço coletivo favorecido pela formação, regado por muito estudo e diálogo,
despertava em cada um o re-encantamento e a “fome” do aprender mais e do fazer
diferente.
Para melhor compreender o termo “fome”, foi em Rubem Alves (2004) que
encontrei, com muita galhardia, a explicação metafórica para despertar a vontade, a
motivação, a “fome” do aprender: que para se entrar numa escola, alunos e professores deveriam passar por uma cozinha. Os cozinheiros bem que podem dar lições aos professores. [...] os banquetes não se iniciam com a comida que se serve. Eles se iniciam com a fome. A verdadeira cozinheira é aquela que sabe a arte de produzir fome (ALVES, 2004, p. 20)
O autor consegue explicar com simplicidade e profundidade o cerne da
motivação, termo tão criticado e também tão procurado pelos professores. Em sua
lógica prossegue numa poética “inocente” e sutil: Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. [...] É o eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado. (ALVES, 2004, p. 20)
Muitas vezes, este é um grande problema para os professores, o de como
provocar a “fome” de aprender e fazê-los saborear o aprendizado como se saboreia
uma manga madura que ao escorrer pelos dedos nos induz a lambê-los ávidos, para
não perder nenhuma gota do seu néctar, do aprender, do descobrir. É a busca desta
mágica, deste tesouro perdido que muitos professores se sentem impulsionados a
participar de formações continuadas, principalmente as específicas de Matemática.
Formação rara e escassa em seu oferecimento.
Para eles, os precursos da formação continuada podem ser comparados aos
“caminhos nunca dantes navegados”4, na procura de novas formas de olhar para o
antigo, de outros fazeres, de novos aprenderes e do despertar de novos quereres.
Formação, pensada e repensada na qual a principal intenção é o escutar e o falar.
4 Famosa frase da ilustre poesia “Os Lusíadas”, de Luís Vaz de Camões
33
Falar dos anseios, das dificuldades, das desilusões e de outras coisas que envolvem
o mundo escolar e muitas vezes nossa vida pessoal. Uma formação cujo propósito é
o de despertar e acalentar a alma educadora adormecida com o propósito de
expandir saberes dominados e praticados a fim de poder impregná-los de prazer.
Alguns possíveis fatores que interferem na qualidade da prática foram frutos
da análise de Garcia Silva (2007), explicitados como conhecimento do conteúdo a
ser ensinado, as crenças e concepções a respeito do ensino e aprendizagem, bem
como a reflexão em grupo. A deficiência do conhecimento matemático pelos
professores dos anos iniciais foi motivo de sua reflexão frente aos resultados
apresentados pelos diversos levantamentos realizados durante as formações
continuadas sob sua coordenação e através dos dados de pesquisa e sobre a qual
considera que: na formação inicial de professores há a necessidade de inserir conteúdos específicos da Matemática, contemplando tanto os conhecimentos dos conteúdos como os conhecimentos pedagógicos e curriculares (GARCIA SILVA, 2007, p. 281).
Durante sua investigação, percebeu que, em determinados conteúdos
matemáticos, o conhecimento dos professores se igualava ao conhecimento do
aluno, inclusive apresentando os mesmos erros, situação verificada durante a
realização das atividades pelos professores e através dos testes realizados pelos
alunos. Conclui que a formação deve ser um processo contínuo e o grupo deve ser
potencializado para que produzam mudanças substanciosas e “não apenas
superficiais”, senão todo o entusiasmo e envolvimento inicial perdem-se e rescinde a
continuidade de intenção dos participantes em aprender.
Uma formação que amplie o conhecimento dos conteúdos matemáticos a ser
explorado pelos professores em sala de aula, bem como reflita e investigue o como
os conceitos e procedimentos matemáticos estão sendo abordados pelas
professoras que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Nesse sentido, Poloni (2010) contribui com reflexões a respeito da
importância da formação na escola e da manifestação das professoras com relação
ao estudo de Geometria no “desejo de aprender. Esse desejo vinha imbuído da
vontade de fazer mudanças em suas práticas de sala de aula visando o melhor
aprendizado de seus alunos” (p.185 ).
A estudiosa ressalta que o professor que se vê como aluno – tal qual o
aprendiz, abre-se para o novo, observa com atenção cada detalhe dos
34
acontecimentos no ambiente ao seu redor e seleciona todas as informações úteis.
Esse movimento do aprendizado do novo, desconhecido para ele, torna-o mais
tolerante frente às dificuldades apresentadas pelos alunos. Destaca
conclusivamente a importância da formação continuada na escola favorecendo: reflexão tanto sobre os conteúdos matemáticos quanto sobre a prática das professoras. Em termos de formação, entendemos que seria bastante importante que outras atividades tivessem sido planejadas pelas professoras e aplicadas em sala de aula para posterior retorno às sessões de reflexão (POLONI, 2010, p. 191)
Em muitas situações, percebemos que os professores aplicam as atividades
que lhe são fornecidas pelos pesquisadores e até discutem as facilidades e
dificuldades encontradas ao aplicarem, mas somente ao elaborarem novas
atividades é que eles verdadeiramente avaliam como se deu o apropriar ou não dos
novos conhecimentos.
Sentelhas (2001) investiga se alunos de 5 e 6 anos podem se apropriar do
significado de um número com dois algarismos e do valor posicional de sua escrita.
Apresenta um tripé teórico envolvendo Vergnaud (1994), Lerner e Sandovsky (1996)
e Doaudy (1989) como fontes de sustentação para a observação sobre como o
aluno se comporta frente a leitura, escrita e comparação e uso de regularidades de
números de dois algarismos e a necessidade de memorização da sequência para
justificar resultados. Com relação aos professores, observa que o conteúdo proposto
“não é habitual” na rotina da Educação Infantil e considera que: Tenhamos contribuído aos professores quanto à compreensão de que um trabalho alicerçado em situações bem elaboradas e respaldado por um quadro teórico, que forneça os instrumentos didáticos apropriados para a realização da tarefa de ensinar, garante aos alunos a compreensão de conceitos e procedimentos considerados problemas essenciais na Educação Matemática (SENTELHAS, 2001, p. 128)
Vale ressaltar que, atualmente, alunos com a idade pesquisada pela autora,
encontram-se sentados nos bancos dos primeiros anos do Ensino Fundamental,
onde o brincar é pouco permitido e o estudar é coisa muito séria. Entretanto, o
conteúdo assinalado por ela continua encontrando resistência em ser trabalhado
pelos professores. Ainda é muito difícil os professores perceberem a importância de
ensinar matemática, principalmente durante o início do ano letivo, e raramente com
propostas de ações que atendam as observações destacadas pelos estudos de
Lerner e Sandovsky, Nunes e Bryant, Panizza, Brizuela e outros.
35
Guimarães (2005) identificou dificuldades dos professores-alunos de um
Programa de Qualificação ministrado pela Universidade, com relação à
compreensão da estrutura do Sistema de Numeração Decimal. Os professores-
alunos eram professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Relata que
depoimentos de professores levaram-na a acreditar que era muito marcante a ideia de que os números de unidades, dezenas, centenas etc. que compõem um número corresponde ao algarismo que representa o número de elementos em cada ordem do ábaco. Por exemplo, no caso do número 4382, a ideia mais comum era que ele contém 2 unidades e não 4382 unidades. (GUIMARÃES, 2005, p. 93).
Tais respostas também ouvidas nas formações continuadas em que atuei. A
autora finaliza afirmando que, diante das respostas obtidas nas as atividades
propostas, pode constatar um déficit de formação, deixando claro que os
professores não tinham pleno domínio dos conceitos e conteúdos matemáticos relativos ao Sistema de Numeração Decimal. Sua compreensão [...] era inadequada [...] Tal situação de déficit favorece o uso generalizado e indiscriminado do livro didático, de práticas mecânicas, sem apoio no contexto e no concreto e desconsiderando o potencial construtivo dos alunos (GUIMARÃES, 2005,p.98).
Ampliando um pouco mais os estudos encontrei em Agranionih (2008) uma
investigação sobre as concepções presentes no processo de construção da
compreensão do valor posicional e da apropriação da escrita convencional em uma
interação entre o aluno e a escrita numérica. Ela verificou que os alunos se
aproximavam do valor posicional do número, mas que isso não se dava logo de
imediato, e sim através de “situações didáticas” que provocassem reflexões sobre a
organização e regularidades dos números. Situações que exigissem sucessivas
tomadas de decisão. Enfim, foram necessárias atividades desafiadoras que
colocassem o aluno em conflito e propiciassem que ele explicitasse tudo o que sabia
pois, segundo ela, “ficou claro que as notações, por si só, não são “transparentes” às
crianças” (p.206). Finaliza indicando a necessidade de novas pesquisas para
responder com mais profundidade as análises realizadas, “naturais incompletudes
de um trabalho de pesquisa” (p.207).
Como nossos alunos pensam sobre a organização numérica mediam
questionamentos que têm despertado a curiosidade dos professores atualmente. Até
então, muitos acreditavam que treinar bastante a escrita simbólica dos números era
suficiente para que os alunos os escrevessem convencionalmente. Os cadernos
36
viviam abarrotados de escritas numéricas que tomavam páginas e mais páginas,
como se o treino constante e desordenado fosse ação pedagógica suficiente para a
apropriação das regras que permitiam adentrar os segredos do mundo numérico.
Segredos não desvendados geravam acúmulos de dúvidas e erros diante das
situações-problema propostas.
Na busca de desvendar novos segredos e de encontrar novos parceiros no
aprofundamento do trabalho com números, descobri nos estudos de Grein Santos
(2004) reflexões de como está sendo feito o trabalho com contagem. Segundo ela,
contagem não é ato isolado: Contar não é simplesmente pronunciar números em sequência ou apontar e numerar objetos; é um ato reflexivo, é quantificar, com definição de parâmetros e prioridades; é perceber diferenças e semelhanças entre os elementos da natureza, categorizá-los, compará-los, enumerá-los e classificá-los, definindo os pontos comuns e os divergentes, o que pressupõe a elaboração de critérios, princípios e normas (GREIN SANTOS, 2004, p. 13).
Grein Santos propôs aos educadores aproveitarem o momento de contagem
como um espaço de descoberta, de exploração, de conhecimento. Realizou um
estudo aprofundado das publicações dos teóricos que ressaltam a importância da
contagem para o conhecimento numérico. Enfatizou que número é registro de ações
e descobertas expressas pelo gesto, fala ou escrita. Portanto, a noção de número é
construída na medida em que são proporcionadas situações de contagem, de
comparação e ordenação numérica, e seu aprender é uma construção em processo.
Para a pesquisadora, a “contagem é um meio eficaz de estimular a
descoberta do mundo” (p. 23). A investigação por problemas matemáticos, ou
procedimentos para obter um resultado necessitam de atividades de “colocar, retirar,
comparar, explorar, medir, acrescentar, diminuir, em que se quantificam grandezas,
analisam-se situações, comparam-se possibilidades; aquilatam-se as favoráveis à
mensuração de fatos, circunstâncias e ideias” (p.24). Separar Matemática da vida
cotidiana é impossível, ela possibilita descobrir os segredos e as incógnitas do
mundo ao redor.
Grein Santos assegura que qualquer ambiente permite descobertas
quantitativas, mesmo que ele seja culturalmente pobre. Em contato com as
educadoras participou do planejamento sugerindo atividades de contagem para
serem vivenciadas pelos alunos e observou a aplicação da atividade planejada em
37
sala de aula. Em sua conclusão faz algumas ponderações importantes destacadas a
seguir:
1. o pesquisador deve considerar na realização de um trabalho conjunto, o
conteúdo e o método para seu ensino, o educador, em suas reações e a
interferência do pesquisador.
2. um trabalho conjunto necessita de um tempo mais longo para a realização
para que as transformações ocorridas possam se sedimentar e tornarem-
se mais estáveis.
3. a contagem deve ser intensamente pesquisada, pois pode contribuir para
o enriquecimento das atividades propostas inicialmente e colaborar com a
aprendizagem numérica dos alunos.
Finaliza afirmando: A formação de educadores implica em compreender o sentido de forma e ação (Bicudo, 2003). Esse modelo dual talvez permita compreender a complexidade e importância do trabalho conjunto, entre pesquisador e educador, uma vez que ele envolve ao mesmo tempo esses dois aspectos que se complementam e interdependem. Embora se possam elaborar estratégias para tentar utilizar melhor o tempo é preciso aguardar as mudanças e peculiaridades de cada situação. São elas que devem embasar as novas proposições. (GREIN SANTOS, 2004, p. 216)
A essencialidade ressaltada da contagem na apropriação dos números
revalida o empenho que tenho tido em convencer os professores a resgatarem
atitudes em sala de aula que permitam colocar os alunos cada vez mais diante de
situações diferenciadas de contagem.
No trabalho de Senna e Bedin (2006) encontrei mais uma fonte de reflexão
sobre a importância da contagem, sua relação ao conceito de númerosidade e a
observação do como esse processo ocorre espontaneamente nos alunos. Afirmam
que “a contagem um a um exige utilização da memória imediata” (p. 7) e a
dificuldade que elas encontram em nomear os números cujos nomes não
apresentam lógica e regularidade. Observaram, como muitos de nós, que os alunos
demoram a memorizar certos números, como por exemplo, o número treze e que
lembram-se facilmente do dezesseis (dez + seis).
As autoras concluem que o conceito de númerosidade está associado ao
desenvolvimento da contagem e aos princípios que a envolvem dando grande
abertura para a compreensão das quantidades, que
38
requer da criança que associe a nomeação dos números de acordo com a sua ordem, a coordenação dos nomes dos números com a identificação dos objetos no conjunto e a contagem única de cada objeto. Ao final da contagem, a criança deverá perceber a correspondência com o total de objetos pertencentes ao conjunto (p.11).
Quando os alunos entenderem que o último número falado está relacionado
ao total de objetos do conjunto, neste instante, estará compreendida a quantidade
numérica. Segundo afirmação das autoras, “esta habilidade auxiliará a criança na
tarefa de resolução de problemas aritméticos” (p.12).
Estes estudos e reflexões, aliadas a minha experiência com Formação
Continuada de Matemática para professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, colaboraram na investigação e observação de como as estratégias
utilizadas na Formação Continuada propiciaram, ou não, algum impacto na melhoria
das práticas de sala de aula.
39
CAPÍTULO 3
REFLEXÕES À LUZ DA TEORIA: SABERES DOS PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA
No Capítulo 3 apresentarei os estudos que colaboraram para a re-
organização das minhas verdades e a fundamentação da minha leitura do mundo
percebido e observado durante a pesquisa. Tal conhecimento foi ampliado pelas
análises da condição do trabalho do professor por Nóvoa (1997), pelos saberes
profissionais dos professores ressaltados por Tardif (2000; 2002), da teoria de
Shulman (1986) ampliada pelas investigações de Ball (2008; 2009) e pelas ideias
reflexivas de Nacarato e Paiva (2008). Saberes integrados pelo conceito de
profissional prático-reflexivo de Schön (1997), Alarcão (1996) e Zeichner (1997);
substanciados pela proposta de trabalho contextualizado e de formação permanente
de Imbernón (1998; 2009); baseados na realização do trabalho de grupo e na
valorização do outro no processo de aprendizagem e da reconstrução da prática
realçado por Saraiva e Ponte (2003), Oliveira e Ponte (1997). Nas ideias de
Serrazina (1999; 2002), Oliveira e Serrazina (2002) e Ponte (1995; 1998) a respeito
da ressonância no ensinar das experiências que os professores vivenciam, busquei
colaboração para embasar a observação e a análise das práticas das professoras
participantes. O pensar desses autores e pesquisadores que ressaltam na formação
continuada do professor a qualidade da relação entre teoria e prática, também foram
abalizados e puderam fomentar minhas escolhas metodológicas de ação e de
análise dos dados obtidos nessa pesquisa.
Ao analisar os relatos orais e escritos e as observações da prática mergulhei
na riqueza dos registros das trajetórias das práticas narrativas e de análise das
narrativas advindas de Fiorentini (2003), Freitas e Fiorentini (2007), Fiorentini e
Cristovão. (2006); Fiorentini et al. (2009); na profundidade do poder da palavra de
Paulo Freire (2000) e complementei com a veia poética de Rubem Alves (2004;
2007) com o propósito de despertar uma sensibilidade que favoreceu uma
40
interpretação, organização e narrativa que particularizaram os resultados da
pesquisa.
Ainda resgatei aportes teóricos que tinham a preocupação com um currículo
de Matemática mais adequado para os anos iniciais e enfocavam práticas eficientes
e de qualidade. Finalmente, para favorecer a análise das sequências didáticas,
abordei a importância de despertar no professor um olhar mais atento a estudos
mais significativos a respeito do Sistema de Numeração Decimal e da influência da
contagem para sua compreensão e conceitualização e ainda a necessidade deste
conteúdo para melhorar a própria capacidade e a dos alunos em resolver problemas.
A prática de resolver problemas, abordada não apenas com o enfoque de um
amontoado de contas, mas como um caminho desvelador do saber e desafiador, ao
permitir aos alunos repensarem princípios e leis que regem o universo numérico que
os rodeiam e buscarem outros procedimentos que os ajudem a encontrar uma
solução. As ideias e estudos de Ifrah (1997), Vergnaud (2009), Nunes e Bryant
(1997), Nunes et al. (2005), Brizuela (2006), Panizza (2006), Magina et al. (2008),
Moreno (2006), Machado (1990), Soares e Pinto (2008) ajudaram nessa empreitada.
A prática do professor e sua qualidade têm sido objeto de muitos estudos e
discussões. Quando essa qualidade é percebida pelos seus pares da comunidade
escolar e validada pela sociedade, esse profissional fica com um rótulo de “bom
professor”. No entanto, se o resultado de seu trabalho tiver uma avaliação
insatisfatória, a atenção da sociedade é voltada para a figura do professor, como se
fosse o fazer inadequado de sua prática o único responsável pelo fracasso escolar
dos alunos.
Paralelamente, pude perceber que o mesmo acontece com relação aos
professores que ensinam Matemática nos anos iniciais. Eles sentem seu trabalho
observado e avaliado pelos colegas dos anos posteriores, principalmente, pelos
especialistas, depois, pelos gestores da instituição (diretores, coordenadores
pedagógicos), e, finalmente, em última instância, pelos órgãos administrativos
educacionais. Estes órgãos fundamentam sua avaliação no desempenho
apresentado pelos alunos nas diversas avaliações institucionais ocorridas durante o
ano letivo.
Apesar de terem sido preparados para serem professores “polivalentes”, com
competência em todas as áreas do conhecimento, a lente da avaliação, seja
41
institucional ou da comunidade, está sempre focada para o trabalho realizado na
alfabetização (ler e escrever) e na Matemática (contar e operar).
Uma questão que paira sobre os ares escolares é o porquê do olhar
meticuloso e analítico direcionar sua vigilância apenas para estas duas áreas do
conhecimento. Uma resposta rápida e impulsiva se faz ouvir e incita o pensar: ou as
outras áreas têm uma importância menor. Ou a magnitude de uma delas (Língua
Portuguesa ou Matemática) está relacionada às suas diferenças. Ou há uma
interdependência. Ou existe supremacia de uma delas. No entanto, o discurso mais
ouvido nas escolas extirpa qualquer dúvida que paira: “só é possível aprender
matemática quando o aluno dominar a língua materna”. A supremacia da língua
materna se faz presente.
Com relação à dependência entre elas encontramos nos estudos de Machado
(1998) a afirmação de que: ...a Matemática e a Língua Materna representam elementos fundamentais e complementares, que constituem condição de possibilidade do conhecimento, em qualquer setor, mas que não podem ser plenamente compreendidos quando considerados de maneira isolada ( MACHADO, 1998, p.83).
Asseveração tão importante para o universo educativo, mas que tem sido
esquecida ou desconsiderada. A convicção da dependência entre elas suplanta a
função de complementaridade e permeia a rotina de trabalho de muitos professores,
durante os anos escolares iniciais. A prioridade direciona toda a atenção para o
domínio da base alfabética - o aprender a ler e escrever -, e só posteriormente, é
chegado o momento de contar, operar e resolver problemas. Como se fossem
processos hierárquicos e não paralelos. Como se fossem distintos e não
complementares. Afinal, professor e aluno terão que lidar com dois signos que se
apresentam únicos em suas construções, mas ao mesmo tempo diversos em suas
funções. Diferenciados em sua representação simbólica e imagética, mas também
parecidos em sua estrutura organizacional, recheados de regras e regularidades e,
finalmente, por lidarem com princípios comuns e “um permanente e indissociável
processo de ir-e-vir cuja dinâmica importa cada vez mais investigar” (Machado,
1998, p.124).
Na prática de sala de aula, muitos professores tolhem esse ato mágico que
permite desabrochar o poder da imaginação e da criatividade, retardando ou mesmo
excluindo, o direito do aluno navegar no mundo mágico do falar, ler, produzir e
42
interpretar tanto no código alfabético quanto no campo numérico. Mundo esse no
qual é permitido conjecturar, elaborar as próprias regras, descobrir procedimentos,
refletir sobre os resultados, generalizar e abstrair. Ou um adentrar para melhor
compreendê-los e poder utilizá-los para uma comunicação e participação mais
segura neste mundo cultural impregnado de imagens e de linguagens que nos
envolvem todos os dias. Diferentes linguagens e imagens que carecem por ser
descobertas, despertadas e decodificadas.
Neste momento, o meu devaneio precisa ser calado e a busca de novas
histórias e/ou causas que marcaram profundamente o ensinar desses professores
se faz necessária, para delinear o pano de fundo de minhas convicções.
3.1 NORMAL, MAGISTÉRIO OU PEDAGOGIA: ESPAÇO DE SER E FORMAR-
SE PROFESSOR
Uma história que é preciso desenrolar como se fosse um novelo de fios, no
qual cada ponta apresenta a trajetória de vida pessoal e profissional que constituiu e
constitui o jeito de ser de algumas das sete professoras participantes dessa
investigação: a formação magistério.
Eu os convido a desembaraçar este grande novelo, no qual os fios tecem as
histórias dessas professoras e se entremeiam com as histórias tecidas de outros
profissionais da Educação. Nesse emaranhado de fios e nós, as crenças, os
saberes, as convicções ou as dificuldades se desvelam e modelam o tecer opaco ou
colorido das práticas dos professores.
Segundo Tardif (2002) os saberes profissionais dos professores são
temporais, plurais e heterogêneos, “aprendem a trabalhar na prática [...] raramente
têm uma teoria ou uma concepção unitária [...] utilizam muitas teorias, concepções e
técnicas, conforme a necessidade” (p. 14). Continua categórico em sua reflexão
profunda e verdadeira afirmando que: “os saberes dos professores trazem consigo
as marcas de seu objeto de trabalho” (p.16) – o ser humano. Para ele, o contato
diário com os alunos desenvolve no professor a necessidade de conhecer a si
mesmo, de perceber suas emoções e de reolhar seus valores. O clima da sala de
43
aula deve propiciar a cooperação e estar principalmente impregnado de tolerância e
de respeito pelo outro, firmando uma convivência favorável ao aprender.
Olhando por esse viés, podemos dizer que a formação inicial dessas
professoras apresenta aparência que se assemelha a de uma personagem má das
histórias infantis – vilã e culpada pelo processo de constituição de seus saberes
matemáticos revelados na prática e nos relatos reflexivos.
No transcorrer da formação inicial foram sendo firmadas as concepções e as
crenças, validados os aprendizados e não-aprendizados, dirimidas ou aumentadas
as dúvidas e as incertezas. A cada ano transcorrido foi sendo instituída uma gama
de conhecimentos que se concretizou e transformou-se em ensinos. Ensino que
desencadeou e vem desencadeando novos saberes e crenças. Ensino que vem
formando um amontoado de dificuldades e sendo formado por uma série de dúvidas
envolvendo muitos daqueles que foram ou ainda serão seus alunos.
Algumas das professoras participantes são resultado de uma formação inicial
advinda de um curso Normal, que sofreu transformação legal no nome e na sua
constituição e passou, posteriormente, a ser denominado de Magistério. Outras,
afirmam só mais tarde serem conquistadas pelo prazer de ensinar e, optarem por um
curso superior – neste caso – a Pedagogia.
Como podemos perceber, as trajetórias profissionais do público-alvo dessa
pesquisa indicam duas estradas ladrilhadas com saberes comuns que levam ao
mesmo ponto de chegada: competência profissional em Matemática. Durante a
viagem educativa, foram recheando a bagagem de cada uma das sete professoras,
com experiências diferenciadas marcadas pela concepção de currículo matemático
que cada instituição acreditava ser mais adequado e pela metodologia que mais se
adequasse a ele.
Em uma das estradas, o percurso traçado pelo curso Normal deixou sua
marca na história da Educação brasileira definido como centros de excelência na
formação de professoras. Teve como finalidade, a partir de 1946, “prover a formação
do pessoal docente necessário às escolas primárias. [...] Desenvolver e propagar os
conhecimentos e técnicas relativas à educação da infância” (Decreto-lei n. 8.530/46,
art. 1º, itens 1 e 3). Centros de excelência que atendiam devidamente as exigências
sociais da época. Uma escola tradicional e elitista que refletia os estudos e
pesquisas relacionados às técnicas difundidas na época.
44
Como Nóvoa (1992), não podemos deixar de ressaltar a importância dessa
instituição responsável pela formação de muitos de nossos professores. Para ele, as
Escolas Normais tiveram papel decisivo no processo de profissionalização do
ensino, favorecendo a consolidação da imagem e do papel do professor.
Por outro lado, a excelência atribuída às instituições de formação de
professores dos anos iniciais desconsiderava o conhecimento matemático desse
aluno - um futuro professor. Conhecimento abarrotado de dificuldades e incertezas
matemáticas. Defasagem que vai se compondo e ampliando gradualmente, a cada
etapa não compreendida, constituiu e é constituída pelo medo. A cada dia, o
aprendizado de Matemática se tornava algo distante, repleto de segredos, de
armadilhas, de situações incompreensíveis, de erros, de fracassos, de conceitos
incorretos e de técnicas inadequadas e improdutivas. No entanto, para demonstrar
uma possível qualidade de ensino em suas práticas, nunca puderam deixar
transparecer seus tormentos matemáticos, suas dúvidas, seus saberes reais e
impróprios.
Matemática, cuja fama é de uma disciplina que aniquila e desequilibra, há
séculos, o percurso de toda a educação básica. O que nos causa estranheza é que,
na medida em que os estudos avançam, crescem as dificuldades. Elas vão
gradativamente transformando-se em um monstro matemático de muitas e muitas
cabeças que assombra crianças, adolescentes e jovens, perseguindo-os pela vida
toda, inclusive em suas vidas profissionais e no cotidiano.
Nas constatações assinaladas nos estudos realizados por Nóvoa (2007) e
Tardif (2000), no contato que tiveram com profissionais competentes que ensinam
Matemática nos anos iniciais, durante muitos anos e no decorrer da minha
experiência como formadora de professores, o número de professores que
confessam seus medos, é extremamente significativo, inclusive se expressam com
um “não gosto de Matemática”. No entanto, ao observar o espaço de atuação desse
profissional - a aula de Matemática - pude perceber o quanto eles espelham em
suas práticas uma matemática não-aprendida, repleta de dúvidas e de dificuldades.
Professores formados muitas vezes por outros professores com as mesmas
inseguranças, os mesmos questionamentos, enfim as mesmas dificuldades com
relação à disciplina e a sua didática. Ou por profissionais especializados,
conhecedores de Matemática, impregnados de autoconfiança, mas destituídos de
45
metodologia, de diálogo em uma escuta atenta, de olhar sensível para os saberes ou
os não-saberes de seus alunos – futuros professores.
Essas observações sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática foram
objeto de estudo de Oliveira e Ponte (1997) que convalida minhas reflexões quando
afirmam que: ...o conhecimento dos professores e futuros professores sobre conceitos matemáticos e sobre aspectos da aprendizagem desta disciplina é muito limitado e, frequentemente, marcado por sérias incompreensões. [...] mas o fato é que em certos aspectos essenciais parecem haver lacunas no conhecimento de base dos professores acerca dos assuntos que ensinam e do modo como eles podem ser aprendidos (OLIVEIRA; PONTE, 1997, p.10).
Talvez a causa dessas lacunas esteja centrada no fato de que,
pedagogicamente, eles foram frutos de uma Matemática que para ser bem ensinada
consistia em realizar eficientes processos: dar um bom exemplo, apresentar uma
boa técnica, explicar clara e detalhadamente, treinar bastante, enfim, dar uma “boa
base” e a aprendizagem transcorreria sem problemas e dificuldades. Caso a
aprendizagem se apresentasse insuficiente, era claro que o precário esforço do
aluno era justificativa suficiente para apontar um culpado. O culpado nunca era nem
a metodologia, nem o professor. Afinal, o professor havia feito a parte dele, com
dedicação e profissionalismo, havia feito tudo o que sabia e tinha aprendido nas
instituições. O resultado lógico só poderia ser um ensino com sucesso. Um sucesso
esperado pelo professor, um sucesso que desconsiderava o processo de
aprendizagem de cada aluno – o que sabia, não sabia ou conseguia apropriar-se do
conhecimento apresentado, fosse ele novo ou já trabalhado. A metodologia quase
sempre utilizada não dava suporte suficiente para compreender como seu aluno
pensava. A pedagogia do silêncio era aplicada, aluno em silêncio, o direito de falar
era do professor. Ele falava o tempo todo e ouvia pouco, só o necessário e o que lhe
convinha.
A competência do ensinar era apoiada em um tripé de qualidade: aula bem
elaborada, livro com bons exemplos e exercícios selecionados. Sobre o
conhecimento do conteúdo a ser ensinado nem se questionava, partia-se da
premissa de que se é professor então é competente. Como se somente esses
fatores – tripé de qualidade e conhecimento do conteúdo – fossem suficientes para o
bem ensinar, para proporcionar boas aprendizagens e superar as diversas
dificuldades semeadas na sala de aula.
46
Logo depois, a Escola Normal foi substituída legalmente pelos cursos de
Magistério, curso profissionalizante. Com a mudança da denominação vieram as
mudanças de currículo, os conteúdos do 2º Grau-Ensino Médio eram obrigatórios,
inclusive a Matemática. Novamente vemos a Matemática ser utilizada como filtro
social classificatório, retomando as colocações de David e Herch (1988) para
selecionar os “escolhidos” e tornar-se a causadora de um abalo sísmico
intradisciplinar, deixando grandes crateras de dúvidas e várias rachaduras em seu
conhecimento.
Nesse sentido, é percebido por estudos realizados que a formação dos
professores formados nos cursos de Magistério foi sofrendo um decréscimo
acentuado em sua qualidade, no preparo para a prática. Uma crítica relevante com
relação às mudanças propostas pela reforma educacional é realizada por Frankfurt
(2008/2009). Segundo ela, o trabalho que foi argumento-chave na exposição de
motivos para a profissionalização do 2º grau acabou sendo a causa da
deteriorização da profissão professor. Ela se apóia nos estudos de Warde (1986) ao
afirmar que ...com a descaracterização dos cursos normais, a qualidade da formação dos professores decaiu de tal modo que passou a não haver diferenças entre os professores diplomados e os leigos quanto às condições técnicas para assumir uma classe de primeira série (FRANKFURT, 2008/2009, p. 132).
É percebido que os professores estão chegando às escolas, cada vez mais
despreparados para enfrentar o cotidiano de uma sala de aula, sejam eles com
formação técnica nos cursos de magistério, sejam eles com formação superior, nos
cursos de Pedagogia. A Pedagogia, apesar de ser um curso de nível superior,
contém em sua estrutura diferentes programas curriculares de formação matemática,
contraditórios em seus objetivos e práticas. Os que se preocupam em suprir as
dificuldades matemáticas do futuro professor exageram na seleção dos conteúdos
de Matemática a serem trabalhados, conferindo a professores de Matemática a
responsabilidade de suprir as defasagens dos alunos, futuros professores.
Entretanto, cursos cuja preocupação é o fazer pedagógico, a metodologia, a
didática, os profissionais que assumem, priorizam pouco o estudo do conhecimento
matemático fundamental e necessário para a prática eficiente dos professores
“polivalentes”.
47
Nesse sentido, Serrazina, et al. (2002) assinalam análises profundas e
necessárias que nos obrigam a refletir sobre o quanto a formação inicial deve
envolver “os futuros professores em atividades didáticas parecidas as que se
pretenda que desenvolvam em sala de aula”.(p. 55). Elas propõem um fazer na
formação que possibilite reflexão e ao mesmo tempo liberte os futuros professores
dos elos constituídos por um saber matemático equivocado e proporcione
experienciar um modo diferente de aprender, pensar e ensinar Matemática.
As autoras alertam que, para mudar, há necessidade de apurar o gosto por
tarefas de investigação e pela prática de resolver problemas. Este é um trabalho que
exige investimento individual e interações em sala de aula. Ninguém reflete sozinho.
Reflexão solitária não produz diálogos nem contraponto. Reflexão mais efetiva e
profunda tem necessidade da visão do outro, da relação de cumplicidade, do
compartilhamento, do despertar para o diferente, enfim, do grupo. Os grupos
produtivos, que intensificam práticas e refletem sobre elas, devem ser acionados e o
diálogo deve ser propagado para que os alunos – futuros professores - possam
compartilhar suas descobertas e suas conclusões e, posteriormente, propiciarem
ambientes semelhantes que permitam a seus alunos fazerem o mesmo.
A análise das autoras também caminha para a reflexão de que “não basta a
presença de atividades de investigação e de resolução de problemas nas disciplinas
ligadas à didática ou à metodologia, mas que elas sejam parte da formação
matemática dos futuros professores” (p. 55). Este alerta é um leve “puxar de orelhas”
nas formações iniciais de Matemática, excessivamente formais e precárias de
reflexão. Destituídas de observação e investigação sobre e nos processos de ensino
e de aprendizagem5 de Matemática apropriados aos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Serrazina et al. concluem, com uma constatação tão verdadeira e
atual, que para que a formação dos professores atenda a essas peculiaridades, é
primordial e “necessário que os docentes envolvidos na formação inicial possuam
formação pedagógica adequada” (p. 55). Elas enfatizam que os formadores dos
futuros professores devem estar preparados em Didática Geral, conheçam a
Matemática dos anos iniciais do Ensino Fundamental e, assim, dominem a Didática
da Matemática, e que, principalmente, aprendam a apreciar a Educação Matemática
5 São processos distintos. O processo de aprendizagem tem como sujeito o aluno e de ensino, o professor. Eles se comunicam, mas independem. O processo de ensino é que tem que se adaptar ao de aprendizagem, mantendo um diálogo desafiador, produtivo e evolutivo.
48
para os anos iniciais do Ensino Fundamental. A formação de professores deve
destacar como objetivo principal a constituição de profissionais que colaborem para
o avanço da qualidade dos processos de ensino e de aprendizagem da Matemática.
Para se adequar a uma nova solicitação social, os cursos de Pedagogia, que
sempre tiveram como finalidade a formação muito mais voltada para as habilitações
pedagógicas, sofrem alterações na sua organização curricular “centrando-se a
organização curricular na formação de professores para a educação infantil e as
primeiras séries do Ensino Fundamental, consoante o princípio da docência como
base da formação do pedagogo” (SAVIANI, 2008, p. 650). Os cursos de Pedagogia
acabam praticando um currículo que acaba incorporando disciplinas voltadas muito
mais para a formação de educação, formação dos professores de educação infantil
e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, cuja principal preocupação é a gestão,
não mais administrativa, mas de sala de aula. Por conta dessa transformação, as
relações entre teoria e prática ficaram fragilizadas e os “conteúdos são considerados
formativos em si mesmos, não deixando margem a veleidades pedagógicas”
(SAVIANI,2009, p.149) e os professores oriundos desses cursos se apresentam
ainda hoje, com um embasamento pedagógico insuficiente para uma prática
educativa segura e envolvente. Saviani (2008) afirma que para formar um educador,
que tem a tarefa de cuidar de seres humanos, é “necessário um tempo bem maior
do que aquele que tem sido destinado aos cursos de formação dos profissionais da
educação” (p.653)
No entanto, é visível a diferença entre a gestão de sala de aula de
professores que fizeram escola normal ou magistério daqueles que fizeram
unicamente pedagogia. A prática de sala de aula do professor com formação no
magistério apresenta uma organização muito mais estruturada, que envolve rotina,
preocupação com as relações na sala de aula e com o desenvolvimento de novas
atitudes e diferentes procedimentos ou habilidades. Já o professor pedagogo
apresenta dificuldade em lidar com a relação tempo-espaço da sala de aula. Em
comum, os dois grupos apresentam dificuldades em ensinar matemática. A
alfabetização ainda é o assunto mais explorado, inclusive ocupando um espaço
proporcionalmente maior nos diferentes currículos de formação inicial.
Pesquisas têm demonstrado que o ensinar matemático não tem sido uma
preocupação das instituições que acabam oferecendo essa disciplina em tempo
insuficiente para o aprendizado do conteúdo da Matemática, fato reconhecido e
49
apontado pelos professores. Coincidentemente Nacarato, Mengali e Passos validam
o desabafo dos professores que ensinam Matemática, ao afirmarem que as futuras professoras polivalentes têm tido poucas oportunidades para uma formação matemática que possa fazer frente às atuais exigências da sociedade e quando ocorre na formação inicial, vem se pautando nos aspectos metodológicos (NACARATO; MENGALI; PASSOS, 2009, p. 22).
As marcas deixadas pelas experiências negativas dos tempos de estudantes
nas aulas de Matemática talvez sejam o principal motivo de muitas opções
estudantis, pelos cursos de Pedagogia ou Magistério, com o intento de fugir das
áreas de Exatas e se distanciar da aprendizagem da Matemática. No entanto, o
destino parece brincar com elas, pois ao se tornarem profissionais da Educação são
elas as responsáveis pelo ensino desta disciplina, tão odiada por uns e amadas por
outros.
Uma forma de superar essa situação artificial e ilusória, pois parece que a
ninguém interessa como se sentem os futuros professores, é a sugerida por
Serrazina (2002), cujo olhar mais abrangente, fortalecido pelas suas investigações e
larga experiência em formação, declara: tratando-se da formação para o ensino da Matemática em níveis de Educação [...] parece-nos que a discussão se deve centrar no que se poderia considerar como essencial ser trabalhado durante a formação inicial. Isto porque a maneira como os futuros professores são envolvidos na atividade matemática durante a formação é determinante na forma como virão a trabalhar a Matemática com seus alunos. Tudo isso, não esquecendo que se trata da formação de professores generalistas, em que a formação matemática é apenas uma das componentes que não pode ser dissociada das restantes (SERRAZINA, 2002, p.7).
Este é um convite a repensar as propostas de formação com relação à
Matemática. Uma formação que permita aos futuros professores ou professores
atuantes vivenciar não apenas a aplicação das atividades, mas compartilhar
situações de elaboração de novas atividades ou adaptações de atividades prontas
para os diferentes anos do Ensino Fundamental. Formação que favoreça momentos
importantes nos quais cada aluno ou professor faça e refaça matemática, pense e
repense matemática ou reflita como os alunos aprendem e vivenciem como atuar
frente à diversidade de conteúdos e procedimentos matemáticos de forma a
promover avanços.
50
3.2 FORMAÇÃO CONTINUADA DE MATEMÁTICA: EXPLORAÇÃO E
DESCOBERTAS
Dada a precariedade de condições encontradas pelos professores nas salas
de aula, a busca pelas formações continuadas tem sido a oportunidade de
ampliação ou transformação de saberes matemáticos, a abertura de possibilidades
para a descoberta de algo mágico que modifique ou remodele um fazer que
incomoda ou apenas uma ocasião favorável de conhecer novas estratégias, que
ajudem a transpor enormes obstáculos para ensinar com prazer, com alegria.
Como podemos perceber, são diferentes as razões que motivam professores
a participar de uma formação continuada de Matemática. O “saber mais para ensinar melhor” é mais uma justificativa a ser considerada, pois o professor procura
colaboração e parceria que o ajude a compreender a lentidão, a insegurança e a
desordem que envolve a construção e reconstrução de seus saberes docentes em
Matemática. A certeza do “não saber” e o desconhecimento de como enfrentar o
“não-entendido”, o inesperado, impede a busca por possibilidades diferentes.
Segundo Morin (2001), temos visto no decorrer da história do homem, que o possível se torna impossível e podemos pressentir que as mais ricas possibilidades humanas permanecem ainda impossíveis de se realizar. Mas vimos também que o inesperado torna-se possível e se realiza; vimos com frequência que o improvável se realiza mais do que o provável; saibamos, então, esperar o inesperado e trabalhar pelo impossível (MORIN, 2001, p. 92).
Mudar é difícil, exige ação. Ação exige escolha de caminho e consciência do
risco a enfrentar. Alguns professores dizem não escolher um determinado caminho
metodológico, eles utilizam vários, eles “mesclam”, ficam à deriva em sua prática, e
não percebem que são escolhidos pela metodologia inculcada nos materiais
aleatórios que utilizam ou nos livros que adotam inconscientemente. Entretanto, é
possível encontrar práticas nas quais a mudança ou a estagnação não é perceptível,
nas quais “quanto mais se muda, mais tudo permanece igual” (Morin, 2001, p.89).
Onde a alienação impera e os quereres vão se esvaindo, morrendo e abafando
pouco a pouco o afã cotidiano.
Nesse sentido, é possível entender quando Saraiva e Ponte (2003) afirmam
que, “ninguém muda ninguém, [...] é necessário que o professor esteja disposto a
51
correr os riscos inerentes às inovações educacionais e a enfrentar a insegurança
das novas abordagens” (p.4). Portanto, mudar seria dar um primeiro passo na busca
de novos conhecimentos e novos caminhos.
A mudança na postura do professor pode ser provocada por uma busca
própria ou incitada por escolas que olham com atenção redobrada para os
resultados escolares apresentados internamente e externamente.
Foi na palestra proferida por Nóvoa (2007)6, que encontrei uma defesa segura
e enfática de que a escola tem que estar centrada na aprendizagem e olhar em
conjunto com o professor os resultados apresentados. Ele enreda o professor em
uma linha tênue de pensamento levando-o a um espaço imaginário e sensível que
permite evidenciar a necessidade de uma constante reflexão, em um processo de
construção e reconstrução do percurso da prática que atenda a necessidade
emergente do seu grupo-classe. Afirma que as formações dos professores devem
reorganizar suas propostas, pois ou elas são “excessivamente teóricas” ou
“excessivamente metodológicas”, sem a preocupação de sanar a necessidade
emergente de seus participantes, o déficit de práticas e de reflexão sobre as
mesmas, de trabalhar com e sobre elas.
Afinal, muitos professores querem saber como fazer de outro jeito e este,
provavelmente, é o motivo que o impulsiona na busca por uma formação continuada,
com o intuito de acalmar a solidão que lhe impõe a profissão e poder compartilhar
suas ideias e seus fazeres com alguém.
Tal qual Nóvoa, tenho encontrado professores que, ao participarem da
formação continuada de Matemática, realizam a travessia da mudança na prática,
por menor que ela tenha sido, sentem dificuldade em retornar às margens do fazer
inóspito, onde estiveram anteriormente ancorados.
Nesse sentido, constatamos que o propósito da formação continuada,
oferecida por instituições públicas ou particulares e por instituições acadêmicas em
seus cursos de especialização, é o de melhorar a competência docente e
profissional dos professores. Para que possam cumprir essa finalidade, Imbernón
(2009) propõe a revisão dos conteúdos e dos processos da formação por eles
propostos, para que não se limitem apenas a uma mera atualização profissional,
mas que possam ser espaços de reflexão e participação. Uma reflexão em que a
6 Palestra proferida no SINPRO SP e disponível em: http://www.sinpro.org.br/arquivos/novoa/livreto_novoa.pdf.
52
teoria subjacente às práticas possa emergir com a intenção de serem analisadas,
recompostas, justificadas ou simplesmente desacreditadas e destruídas. Uma
participação mais efetiva, consciente, audaciosa, subjetiva e coletiva. Participação
na qual a prática é o esteio para novos estudos, novas reflexões, novas ações e
diferentes fazeres.
O autor complementa com novas propostas a serem pensadas e praticadas
na formação permanente do professorado, das quais enfatizo algumas: provocar a
desaprendizagem, desenvolver o pensamento complexo e considerar o
desenvolvimento atitudinal e emocional do professor.
Uma desaprendizagem, para que possa aprender de novo, ”aprender a
desaprender complementar a aprender a prender” (p.43). No entanto, a mudança
esperada na formação é um processo complexo, e não uma simples mudança.
Ensinar sempre foi considerado uma tarefa difícil e, atualmente, essa dificuldade tem
aumentado. A atuação em sala de aula envolve adentrar em um mundo intricado e
estar preparado para manejar o confuso, o inesperado, a incerteza, a ambiguidade e
o imprevisível. Nesse processo conflituoso é que vai se tecendo uma trama
interventiva que compreende e se renova a cada passo dado, a cada ação efetiva.
Entendendo toda essa trama educativa e ampliando o acreditar em uma
formação que não busca respostas, mas novos desafios, Imbernón (2009) encontra
nos princípios da complexidade de Morin7 (1996, 1999), pistas para fundamentar
melhor a formação: a) princípio dialógico – ordem e desordem são dois inimigos, um suprime o outro, mas ao mesmo tempo, em certos casos, colaboram e produzem a organização e a complexidade. [...]está presente na relação conflito/harmonia com o contexto, na forma em que concebe o professor [...] não é desordem, mas sim deve fomentar a criatividade para além dos recursos técnicos [...] respeito à diferença como elemento importante para ver a unidade a partir da diversidade. b) princípio recursivo – processos como produzidos e produtores, o que faz com que se supere a relação causa-efeito e passe a ser um caso particular [...] formação como processo sempre inacabado [...] nos ajuda a desenvolver a auto-organização e as redes de intercâmbio [...] professor se transforma em produtor e é produto numa relação de complexidade necessária em que não importam os processos nem os tempos, e sim os produtos que se inter-relacionam e que são interdependentes.
7 “a complexidade precisa de estratégia (...) o pensamento simples resolve os problemas simples, sem problemas de pensamento. O pensamento complexo não resolve, em si, os problemas, mas constitui uma ajuda para a estratégia que possa resolvê-los”.
53
c) princípio hologramático – não apenas a parte está no todo, mas o todo está na parte. [...] Nem tudo pode ser reduzido às partes [...] perspectiva holística, de compreender o todo, [...] partes estão no todo e o todo estão nas partes. Quando o professor trabalha não pode fazê-lo sem atender a preferências, tendências, satisfações etc. do alunato. [...] o professorado é um reflexo da sociedade que o envolve. d) princípio de autonomia/dependência – toda organização necessita de uma abertura relativa do sistema e de um relativo fechamento (IMBERNÓN, 2009, p.95-97).
Imbernón afirma que o processo da “formação permanente do professorado”
deve ajudar a “compreender e interpretar a complexidade na qual vive e que o
envolve” (p. 97). A formação deve favorecer intercâmbios afetivos, nos quais é
importante o ouvir o outro e ouvir do outro boas práticas, a atenção à diversidade, a
elevação da autoestima e da identidade docente. A formação deve ocorrer no
interior das escolas e possibilitar mudança individual e, principalmente, institucional,
em um processo de cultura colaborativa baseado na reflexão deliberativa e na
pesquisa-ação.
Para que a formação continuada esteja mais presente na escola e possa
agasalhar esse profissional que se apresenta transvestido de diferentes roupagens,
uma delas o “manto” Matemática, ele precisa estar munido de um olhar diferenciado
para a sala de aula, de forma a colaborar para o seu entendimento e dar sentido às
ações praticadas. Na medida em que o professor compreende sua prática vão sendo
elucidados os caminhos escolhidos e as teorias que os subjazem.
Transitando por alguns estudos nos quais as formações continuadas de
professores que ensinam Matemática estão voltadas para o contexto da escola e
cujo foco é investigar a prática do professor, encontrei em Nacarato e Paiva (2008),
formações com formato de grupos de estudos e trabalho, cuja finalidade, além de
discutir Matemática, é a de potencializar o intercâmbio entre professores e
pesquisadores que atuam tanto na educação básica quanto na educação
acadêmica. Com o mesmo propósito, destaco dentre muitos outros grupos
importantes existentes nas universidades e instituições educacionais, o Grupo de
Trabalho – GT7, coordenado por Nacarato e Paiva (2008); o Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Formação de Professores de Matemática – GEPFPM, subgrupo do
grupo de pesquisa PRAPEM – Prática Pedagógica em Matemática, liderados por
54
Fiorentini (2009) e o Programa Observatório da Educação8 - Educação Continuada
de Professores de Matemática do Ensino Fundamental e Médio: Constituição de um
Núcleo de Estudos e Investigações sobre Processos Formativos, coordenados por
Pietropaulo (2009). Nesses grupos acontecem verdadeiros fóruns de discussão e
estudos que são divulgados por meio de publicações periódicas ou artigos em fóruns
acadêmicos. Ressaltamos, ainda, o trabalho de Serrazina e Monteiro (2004), no
Projeto “Professores e novas competências em Matemática no 1º ciclo”, cuja
proposta é perceber como os alunos desenvolvem conceitos matemáticos. Em seu
relatório, as autoras ressaltam o envolvimento de instituições de ensino superior,
responsáveis pela formação inicial de professores do 1.º ciclo, pela implementação
de projetos e destaca o envolvimento de alguns docentes.
Os estudos e pesquisas apontadas indicam a necessidade de repensar as
formações - inicial e continuada de Matemática para professores dos anos iniciais do
Ensino Fundamental, de forma que elas venham a ser um lugar propício na/para
constituição de um profissional reflexivo e para a produção de um saber matemático
com qualidade. Nesse processo, o professor passa a ser aluno e tal qual um aluno
vivencia, investiga e discute atividades didáticas com o propósito de transformar-se
e de transformar seus alunos em investigadores e fazedores reflexivos. Enredados
em uma cumplicidade educativa, na qual cada um dos envolvidos no processo –
professor ou aluno – se torne “aluno-professor” quando colabora e incentiva seus
pares e, muitas vezes, “professor-aluno” do próprio educador/coordenador da
classe, quando apresenta e defende seu pensar diferente ou um novo jeito de fazer.
Nesta forma cíclica, dialógica e dinâmica, em que todos são mestres e todos são
aprendizes, constitui-se a nova prática.
Fomentar no professor a necessidade de uma prática diferenciada, segundo os
estudos de Oliveira e Serrazina (2002), o leva a perceber o seu potencial profissional
e envolve-o em um movimento de vaivém permanente entre acontecer e compreender na procura de significado das experiências vividas. Há, através das práticas, um ganho na compreensão e esta nova compreensão pode fazer surgir um insight sobre o que significa ser professor. (OLIVEIRA; SERRAZINA, 2002, p.5).
8 Este projeto é desenvolvido no Programa de Pós-graduação de Educação Matemática da UNIBAN envolvendo professores de matemática da rede pública estadual.
55
Compreender está ligado a aceitar. Compreender e o ajudar. Compreender e o
ensinar. Pensar com e sobre compreensão é avivado pelo pensar filosófico de Morin
(2001) diante da afirmação de que, é um “processo de empatia, de identificação e de
projeção [...] a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade” (p. 95).
Compreensão pede um aprender e um reaprender constante. Compreensão
abrange atitudes. Compreensão define práticas. Compreensão institui histórias e é
instituída por elas.
Nesse sentido, uma prática reflexiva necessita de professor que olhe para a
sua prática com abertura, com generosidade, com compreensão. Que exercite o
refletir em um movimento do pensar que se volta sobre o seu fazer, como se
estivesse em um autointerrogatório e cujas respostas direcionam-se para si mesmo,
compreendendo-o, transformando-o, mudando-o e, principalmente, reconstituindo a
própria prática. É do conhecimento geral que todo processo de mudança é lento e,
muitas vezes, quase impossível. Ao mesmo tempo, espera-se que o professor
aprenda a dirigir seu olhar compreensivo, generoso e simpático para o movimentar
dos alunos, aprendendo a respeitar e compreender seus tempos, suas falas, suas
falhas e seus aprendizados.
Segundo Saraiva e Ponte (2003), para que haja mudança é preciso despertar o
querer. Mudar esbarra em obstáculos que explicam essas resistências e um deles é
a insegurança pessoal do professor. O novo desperta uma desconfiança com
relação ao resultado obtido. Uma insegurança ao mudar os hábitos com relação ao
uso de ferramentas curriculares e metodológicas que aparentemente vem dando
“certo”, já há algum tempo. Os autores buscam em Day (1999, apud Saraiva e
Ponte) a assertiva para justificar a atitude arredia do professor, de que “é natural que
o professor tenha relutância e receio em abandonar a sua base de segurança, o que
mostra que a mudança não é apenas um processo cognitivo, mas envolve, também,
emoções”. (p.4-5).
Um emocional que muitas vezes desequilibra, desorienta e coloca em risco, o
todo já construído. O construído com/por ele mesmo, sem pensar ou se preocupar
com a construção do aluno. Porém, quando fortalecido se atreve a colocar em jogo o
seu conhecimento, o seu fazer e, ao conseguir driblar o medo, ele cresce, avança e
vence qualquer obstáculo que apareça. Ele toma consciência de sua prática e
podemos perceber o quanto “uma prática reflexiva confere poder aos professores e
56
proporciona oportunidades para o seu desenvolvimento” (OLIVEIRA; SERRAZINA,
2002, p. 29).
Similarmente, o descontentamento com o conhecimento da disciplina
matemática e com o conhecimento profissional interfere na qualidade da prática
diária e abala a confiança dos professores e, por conseguinte, a confiança da
comunidade educativa e da sociedade em geral.
A prática reflexiva está diretamente relacionada a um ensino reflexivo e a um
profissional reflexivo. Esse processo encontra nas ideias de Schön (1997) um olhar
analítico sobre reflexão, como ela se produz, com quem e em que momento ela
acontece ou deve acontecer. Ele propõe uma nova epistemologia da prática
profissional e analisa conceitos como reflexão na ação e a reflexão sobre a ação e
reflexão sobre a reflexão na ação.
Para o autor, o processo de reflexão na ação pode ser desenvolvido em uma
prática de ensino que combina diferentes momentos. Momentos que envolvem a
surpresa frente ao conhecimento do aluno, o pensar e repensar sobre o que o aluno
fala ou faz, o reformular/retomar a situação desafiadora, e realizar novas
experiências para confirmar suas hipóteses sobre o pensar do aluno. Segundo
Alarcão (1996), esses momentos envolvem refletir durante a ação, manter certo
distanciamento para uma reformulação imediata, como se estivéssemos
entabulando “uma conversa com a situação. Se reconstruirmos mentalmente a ação
para tentar analisá-la retrospectivamente” (p. 17), realizamos uma reflexão sobre a
ação, em um despertar da observação e percepção de minúcias até então
desvalorizadas pelo professor. Esse processo cíclico fica mais claro na medida em
que o professor adquire o hábito de registro, anota as situações importantes da sala
de aula para sustentar uma reflexão posterior, reflexão sobre a ação. Pouca
escrita, mas significativa.
Schön complementa que, após essa situação de sala de aula, em um
momento individual ou coletivo, o professor reflexivo realiza uma reflexão sobre a reflexão na ação. Ele pensa no ocorrido, no observado, no significado atribuído ao
fato. Para esse pesquisador, esse processo de “refletir sobre a reflexão-na-ação é
uma ação, uma observação e uma descrição que exige o uso de palavras” (p.83).
Diferente da reflexão na ação, que é um ato que não precisa ser verbalizado,
apenas pensado. Alarcão afirma que essa reflexão ajuda a determinar “ações
futuras, compreender futuros problemas ou a descobrir novas soluções” (p. 17).
57
Reflexão na ação implica estar atento e perceber o momento de ajudar os
alunos utilizando diferentes estratégias, e a lidar com suas emoções cognitivas, a
confusão e a incerteza. Não existe aprendizagem sem confusão e incerteza, é um
processo mútuo. O professor reflexivo é aquele que incentiva e valoriza o instante
rico de confusão do aluno, inclusive a sua própria confusão. Não dar a resposta
pronta, imediata para o aluno é um contraponto à resposta exata, permitindo a
confusão. Professor reflexivo interage com a compreensão do aluno sobre um
determinado problema, e propicia uma relação interpessoal com o grupo classe.
Relação essa que envolve ressignificar o papel do professor como autoridade e
detentor do saber, sem receio de lidar com o erro, sem modelo do saber, mas
desafiando e despertando a curiosidade dos alunos.
Para Schön (1997), uma prática reflexiva tem que estar integrada ao contexto
institucional, a escola, pois, “quando um professor tenta ouvir os seus alunos e
refletir na ação sobre o que aprende entra em conflito com a burocracia da escola”
(p. 87). O professor deve aprender a transformar a escola e a sala de aula em um
espaço de escuta atenta e amorosa às vozes dos alunos.
O autor propõe um modelo de atuação, “practicum” reflexivo, para ser
utilizado pelas formações para que o professor se torne mais capaz de refletir, um
profissional prático-reflexivo. Entende por “Practicum – um tipo de aprender fazendo,
em que os alunos começam a praticar, {...} mesmo antes de compreenderem o que
estão a fazer. Tudo isso tem lugar [...] um mundo virtual que representa o mundo da
prática” (p. 89).
Um espaço formador no qual é permitido fazer experiências, errar,
compreender os erros, realizar tantas tentativas quantas forem necessárias e ter o
direito de fazer de outro jeito. Modelo de formação no qual professores ou futuros
professores podem tomar consciência de sua própria aprendizagem. No entanto,
assinala as dificuldades que as propostas de formação inicial e continuada,
apresentadas pelas universidades, têm em colocar em ação, o modelo practicum reflexivo como currículo formal, pois se encontram longe da prática e suas
investigações sobre as práticas na escola ainda estão distantes da real prática.
Presos a princípios formais, realizam uma prática que não contrapõe o saber escolar
e a compreensão espontânea dos alunos, que não valoriza o saber cultural da
escola, e desconsidera o modo espontâneo como os professores encaram o ensino.
Para Schön, o estágio deve ser mais valorizado nos currículos, um espaço de
58
reflexão sobre a ação aplicada e observada, dando oportunidade de desenvolverem
“novas formas de raciocínio, novas maneiras de pensar, de compreender, de agir e
de equacionar problemas” (ALARCÃO, 1996, p. 25).
O formador em uma prática reflexiva tem sua atuação interpretada e
observada pelo formando. Ela envolve uma estratégia pessoal, heurística, em que a experimentação e a reflexão como elementos autoformativos desempenham um papel de primordial importância e assenta na ideia de que ninguém pode educar o formando se ele não se souber educar a si próprio (ALARCÃO, 1996, p. 18).
O professor ou futuro professor precisa deixar-se enredar pela investigação,
para transmutar seus conhecimentos e ampliá-los, para compreender o que está
sendo feito e poder realizar o proposto recriado e transformado pelo seu jeito de ser,
pela sua marca pessoal. No entanto, para a autora, essas estratégias formativas
exigem do formador ser um facilitador da aprendizagem, sabendo provocar a
reflexão, como também ter “uma extraordinária capacidade de interpretação,
compreensão do outro e capacidade de questionamento” (p. 29), o que se apresenta
como uma tarefa nada fácil.
Alarcão finaliza com esmero ao declarar de peito aberto: “entendo que
ninguém deve ser obrigado a ser reflexivo, embora todos devam ser estimulados a
sê-lo. E o todos começa em cada um de nós” (p. 186). Isto nos alerta para a
responsabilidade da formação, ela nos convida a provocar em todos, alunos e
professores, o querer ser diferente, o educar com e para autonomia, a postura
reflexiva, a prática com responsabilidade e o prazer de ser professor.
Ela nos remete a pensar sobre esse espaço formador, no qual o refletir exige
um registrar e um narrar reflexivamente para que se possa conhecer melhor o jeito
de ser, fazer e pensar do aluno, do formando e do professor. Conhecer para
respeitar. Conhecer para cooperar. Conhecer para instigar para o avanço.
As narrativas precisam ser olhadas por diferentes pontos de vista para que
seja possível perceber sua importância na compreensão do outro e o quanto
colabora na interpretação do conteúdo real que carrega em suas palavras. Desde
pequenos ouvimos dos outros suas histórias e enredamos os outros com nossas
histórias. Essa percepção provocou em Freitas e Fiorentini (2007) motivação para
“compreender e investigar a potencialidade das narrativas nos diferentes contextos
em que a matemática e a educação se fazem presentes” (p.63). Descrevem uso da
59
narrativa como um “modo de refletir, relatar e representar experiência, produzindo
sentido ao que somos, fazemos, pensamos, sentimos e dizemos. [...] como modo de
estudar/investigar a experiência” (p. 63).
A experiência entendida sob o foco de Larrossa (1999, apud Freitas;
Fiorentini, 2007), como fenômeno narrativo comparado com uma viagem aberta, na
qual não são controlados nem os acontecimentos nem o ponto de chegada, não se
sabe o que vai acontecer, onde se vai e nem se vai chegar a algum lugar. Freitas e
Fiorentini (2007) utilizam as ideias de Larossa para explicarem que experiência
formativa é “aquilo que nos passa. Não o que se passa (o que podemos conhecer),
senão o que nos passa (como algo a que devemos atribuir sentido em relação a nós
mesmos)” (p. 64).
Os autores também se basearam em Clandinin, outro pesquisador, que
colaborou na elucidação do uso da narrativa nas formações, através da afirmação o professor, ao narrar de maneira reflexiva suas experiências aos outros, enquanto isso ele aprende e ensina. Aprende, porque ao narrar, organiza suas ideias, sistematiza e dá sentido a elas e, portanto novos aprendizados para si. Ensina, porque o outro, diante das narrativas e dos saberes de experiências do colega, pode resignificar seus próprios saberes e experiências (CLANDININ, 1993, apud FREITAS, FIORENTINI, 2007).
No entanto, os autores asseguram que, ao utilizar a metodologia de narrativa
no contexto de formação, ampliou-se a compreensão a respeito da dificuldade que
os alunos, futuros professores tinham em registrar suas reflexões e observações
nas/das aulas de Matemática. Para eles as narrativas não são meramente relatos de
experiências, elas envolvem reflexão e problematização dos saberes e práticas dos
sujeitos envolvidos, em um diálogo constante e consistente entre teoria e prática.
Com base em práticas de sala de aula que utilizaram a pesquisa narrativa, Freitas e
Fiorentini asseguram que a experiência vivenciada pelo pesquisador não se
apresenta em uma linearidade, processo onde as “informações coletadas e as
interpretações são retomadas em diferentes momentos e o próprio processo
narrativo é uma ‘narrativa’, um ‘historiar’, ‘rehistoriar’ e ‘rehistoriar’ novamente’” (CLANDININ; CONNELLY, 1991, apud FREITAS E FIORENTINI, 2007, p.68 ).
Acredito que a sala de aula deve ser vista pelo professor como um laboratório
de experiências, tal qual a ação de um pesquisador. O uso da narrativa nesse
ambiente, segundo os autores favorece um pulsar com movimentos direcionados
pelo tempo, idas e vindas. A experiência utilizando narrativa permite que tanto o
60
professor quanto o pesquisador, emaranhados com a experiência, em um
experienciar a experiência e também ser parte integrante dela.
Narrando professor ou aluno produz e comunica seus saberes para si e para
os outros. As narrativas envolvem tempo e lugar. Ela abrange em seu texto o
contexto abarcando uma trama em um determinado cenário repletos de saberes,
trocas, reflexões e mudanças. Um contexto de experiências e saberes que vão se
enroscando e transformando, que segundo Alarcão (1996) essas construções
escritas e “construções verbais são fruto de uma reflexão [...] pode ocorrer em
simultâneo com a ação ou retrospectivamente” (p.16).
Saberes mobilizados e produzidos pelos professores que para Tardif (2000)
são temporais, plurais, heterogêneos, personalizados, situados e englobam
“conhecimentos, competências, habilidades (ou aptidões) e atitudes, isto é, aquilo
que muitas vezes foi chamado de saber, saber-fazer e saber–ser” (p.10,11). Afirma
que esses saberes envolvem história de vida e se desenvolve no decorrer da
carreira, são saberes variados advindos de diferentes fontes e a serviço da ação
onde adquirem significado e utilidade. Finalmente, considera que ao mesmo tempo
que os saberes contem valores, histórias, cultura, pensamentos eles carregam a
marca dos diferentes contextos que devem atender.
Para Tardif os saberes profissionais são saberes de ação, saberes do
trabalho, onde os saberes são mobilizados e construídos, logo “o profissional, sua
prática e seus saberes não são entidades separadas, mas, copertencem a uma
situação de trabalho, coevoluem e se transformam” (p.11).
Tardif e Raymond (2000) se interessaram pelos saberes profissionais dos
professores do Ensino Fundamental. Segundo eles, saberes mobilizados e empregados na prática cotidiana, saberes esses que dela se originam, de uma maneira ou de outra, e que servem para resolver os problemas dos professores em exercício e para dar sentido às situações de trabalho que lhes são próprias (TARDIF; RAYMOND, 2000, P. 211)
Essa reflexão, realizada pelos dois autores, colabora para que possamos
compreender o caminho delineado pelas práticas dos professores dos anos iniciais
que, num processo de fazer e refazer, vão reutilizando saberes, aprimorando-os,
transformando-os em novas práticas que, por sua vez, provocarão outros saberes.
Mesmo que, inicialmente, utilizem como modelo práticas dos profissionais que
fizeram parte de sua história de vida e que, muitas vezes, não conseguem
61
reconhecê-las nos fazeres novos e diferentes. O ensinar Matemática diferente de
como lhe foi ensinado. Apesar de valorizarem as técnicas tradicionais do mesmo
jeito que seus professores, consideram que a diferença está pautada no uso de
diferentes estratégias para introduzi-las.
Para eles, a compreensão dos saberes dos professores está vinculada a
“compreender sua evolução, suas transformações e sedimentações sucessivas ao
longo da história de vida e de sua carreira; história e carreira que remetem a várias
camadas de socialização e de recomeços” (TARDIF; RAYMOND, 2000, P. 237).
Concluem que apenas após certo tempo de vida profissional e de carreira é
que o “eu” pessoal do professor emergido e envolvido no universo do trabalho, em
um processo lento, muda e se transforma preparando o surgimento de um “eu”
profissional. Um profissional, que pouco a pouco, vai se modificando, no individual e
na sua relação com o coletivo, com as formações e com a prática, em um apropriar
de teorias e em um enredar nas histórias de vida, sua e de seus alunos, construindo
e se constituindo em um profissional reflexivo.
No entanto, Zeichner (2000) alerta para que se tome cuidado ao tratar de
ensino reflexivo ou práticas reflexivas, a diferença de entendimentos pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes, indo além da simples ideia de que “reflexivo” é sempre bom, porque não é assim necessariamente. Você pode ser mais reflexivo e prejudicar mais as crianças. A pergunta não é se os professores são reflexivos, mas como estão refletindo e sobre o que estão refletindo (ZEICHNER, 2000, p. 12)
Para ele, “o processo de aprender a ensinar começa muito antes dos alunos
frequentarem os cursos para professores” (ZEICHNER, 1992, p. 130), e por esse
motivo é preciso se preocupar e ajudar a elaborar as ideias, regras e saberes que
eles irão aliar as suas experiências. Nesse sentido, é preciso se preocupar com o
material de estudo oferecido, textos fáceis e compreensíveis em uma linguagem que
os alunos-futuros professores possam compreender e se apropriar de teorias
importantes para o seu trabalho diário. Conhecimento base para entenderem, como
outros estudiosos vêm afirmando, que a mudança não se dá por práticas isoladas,
individuais, mas uma mudança assumida por todos na instituição, seja ela a escola
ou a universidade.
Zeichner (2005) lamenta o “isolamento percebido entre os professores nas
escolas e os acadêmicos nas universidades, e reafirma a necessidade da
62
construção de alianças entre eles para a melhoria da educação e, mais
especificamente, para a transformação social” (p. 71). Sugere algumas estratégias
de união entre as partes rompidas, professores na escola e entre escola e
universidade, como sendo maior envolvimento dos profissionais no espaço de
discussão da escola sobre materiais produzidos e a qualidade das investigações
desenvolvidas pela universidade e instituições de pesquisa. Projetos de pesquisas
inovadores realizados em colaboração com os professores nas escolas e, por último,
apoio a projetos de pesquisa-ação que respeitem o conhecimento produzido pelos
professores durante o processo.
Enquanto estas mudanças não acontecem, ato que necessita, segundo o
pesquisador, de uma grande dose de coragem e compromisso por parte dos
acadêmicos, é preciso muito empenho em construir caminhos que integrem os
produtos das pesquisas de professores no ensino nos programas de formação de
professores. A ideia de tratar seriamente o conhecimento produzido pelos
professores como um conhecimento educacional a ser analisado e discutido é uma
ideia que ainda incomoda a muitos acadêmicos.
Zeichner (2000) afirma que, para tal fato acontecer, é necessária uma conexão estreita entre a Formação de Professores na universidade com as escolas e as comunidades. Não deve haver atividades acadêmicas isoladas, em que as pessoas somente vão para as universidades e assistem aulas sobre mudança social. É preciso estudar as coisas em contexto. Talvez seja essa a maior mudança necessária. Para isso, os professores devem sair da universidade e passar mais tempo nas escolas, as quais precisam estar conectadas com as comunidades. (ZEICHNER, 2000, p. 14)
A presença dos futuros professores na escola provocaria, na própria escola,
um reolhar para as práticas vivenciadas em seu domínio; na universidade, a
necessidade de propostas de supervisão mais atuantes; no professor, a
conscientização de que seu ensino pode servir de modelo de prática para futuros
professores e, finalmente, no aluno-futuro professor, a oportunidade de conhecer e
refletir sobre o ensino real que está sendo praticado e não apenas aquele propagado
pelas teorias das universidades.
Todas essas dificuldades apresentadas por Schön, Zeichner e Alarcão
remetem o meu pensar sobre o transitar do conhecimento matemático na escola,
nas formações e nas instituições acadêmicas.
63
Os alunos vêm para a escola com saberes matemáticos, intuitivos e/ou
formais, e a cada ano vão ampliando esses saberes espontaneamente e
formalmente. Os professores frente as suas “confusões” – conflito cognitivo
provocado pelos diferentes conhecimentos espontâneos de seus alunos – acabam
praticando um ensino muitas vezes centrado apenas no saber escolar, no
conhecimento do conteúdo, na valorização da técnica, do passo a passo. Entretanto,
instigados pelas formações participativas, por projetos em parceria com a
universidade, pelos novos aprenderes, pela reflexão, e reforçados pelos estudos
reflexivos na escola, os professores transpõem a valorização do ensino
convencional e se abrem para reconhecer e interpretar os diferentes saberes
produzidos, de modo a recriar a própria prática e vivenciá-la diferentemente.
Para esse salto acrobático, é propagado que o professor que ensina
matemática deve estar seguro o suficiente do conhecimento do conteúdo
matemático, saber que permita um transitar pelos diferentes assuntos inter e
intramatemática, compreendendo-os, relacionando-os e aplicando-os na realidade
local.
Um saber matemático que dê segurança suficiente para provocar diferentes
formas de aprender, que respeite e amplie procedimentos pessoais e formais de
resolver e solucionar problemas. Um saber matemático que dialogue, provoque e
consolide conhecimentos novos ou já adquiridos, em uma prática reflexiva e
investigadora. Um saber matemático que se preocupe com a cidadania.
Para D’Ambrosio (2000), proporcionar “a todos o espaço adequado para o
pleno desenvolvimento de criatividade desinibida que, ao mesmo tempo, preserva a
diversidade e elimina as inequidades” (p.121). Uma educação pautada na ética da
diversidade na qual o respeito, a solidariedade e a cooperação são praticadas em
todas as ações dentro e fora da sala de aula. O grande pensador9 afirma com muita
propriedade que a matemática é um instrumento importantíssimo para a tomada de decisões, pois apela para a criatividade. Ao mesmo tempo, a matemática fornece os instrumentos necessários para uma avaliação das consequências da decisão escolhida. A essência do comportamento ético resulta do conhecimento das consequências das decisões que tomamos. (D’AMBROSIO, 2002).
9 Teleconferência no Programa PEC – Formação Universitária, patrocinado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, 27 de julho de 2002. Disponível em: http://sites.uol.com.br/vello/aprendida.htm .
64
A Matemática praticada com visão desafiadora coloca professor e aluno frente
a situações inesperadas que exigem tomada de decisão imediata, acionando todos
os conhecimentos e entendimentos para que apontem os resultados, sejam eles
certos ou errados. Esse momento de contraponto exige solidariedade, respeito pelos
saberes individuais e, ao mesmo tempo, cooperação para avançarem e superarem
as decisões tomadas.
Para o professor permitir esse movimento proposto, o saber matemático ou o
conhecimento da Matemática que ele precisa dominar, segundo a teoria de Shulman
(1986), é parte do conhecimento do conteúdo necessário para que o professor se
torne um profissional reflexivo e capaz. Shulman categoriza o conhecimento do conteúdo em “conhecimento do conteúdo do assunto, conhecimento pedagógico do
conteúdo e conhecimento curricular” (p. 9).
Transpondo para a Matemática a contribuição do pesquisador, é possível
entender que o conhecimento do conteúdo dos diferentes assuntos matemáticos vai
além de saber fatos e conceitos ou de dominar os tópicos que compõem a
Matemática. Ele envolve compreender a estrutura matemática e possuir argumento
para justificar a escolha de um determinado assunto em detrimento de outro.
Com relação ao conhecimento pedagógico da Matemática, ele abarca
diferentes formas de representação matemática para torná-la acessível, bem como a
compreensão de como se dá as facilidades e dificuldades na aprendizagem de cada
aluno e o conhecimento de estratégias para reorganizar, ampliar ou superar a
compreensão ou incompreensão do assunto.
O autor afirma que o conhecimento curricular envolve transitar lateralmente e
verticalmente pelos programas curriculares. É preciso utilizar uma variedade de
materiais didáticos indicados pelo programa, bem como ferramentas para corrigir,
avaliar e intervir na trajetória do conhecimento matemático dos alunos, conhecer um
conjunto de características que servem como “indicadores e contraindicadores para
o uso de um determinado currículo” (Shulman, p.10).
Segundo Shulman, há uma omissão nos programas de formação de
professores, com relação ao ensino do conhecimento pedagógico e do
conhecimento curricular. Esses conhecimentos necessários para apoiar a tomada de
decisão dos professores que ensinam Matemática frente à diversidade encontrada
na sala de aula e para sustentar a argumentação da opção curricular que acredita.
65
O quadro teórico incitado por Shulman e seus colegas é fonte de estudos
realizados por Ball et al. (2008), que aprofunda a noção do conhecimento do
conteúdo pedagógico e a ligação entre o conhecimento e a prática, no contexto da
Matemática. Conhecimentos esses que são esperados na prática do professor, mas
que pesquisadores têm verificado a ausência ou inadequação desses
conhecimentos nos professores entrevistados. Esses decidem focar no trabalho de
ensinar, ensinar Matemática. Uma teoria com base “na prática do conhecimento
matemático para o ensino [...] preocupada com as tarefas envolvidas em ensinar e
as necessidades matemáticas destas tarefas” (p.395).
Uma teoria que vem contribuir para uma nova visão cujo holofote sai da figura
do professor e ilumina o como acontece seu ensino. Quebra com paradigmas
antigos, nos quais “bom” professor era aquele que falava matematicamente difícil e
apresentava uma postura segura, mesmo que apresentasse uma porcentagem alta
de alunos com conceitos insuficientes.
As pesquisas de Ball e seus colaboradores revelam que um professor precisa
saber mais Matemática e diferentes matemáticas para poder interpretar a fonte do
erro de seus alunos com fluência e eficiência. Para eles, o professor deve Ser capaz de se envolver nesse tipo de diálogo matemático profundo e fornecer respostas matematicamente plausíveis [..] é embasamento fundamental para determinar o que fazer no ensino desta matemática. Professores [...] têm que descobrir o que os alunos fizeram, se o pensamento é matematicamente correto para o problema, e se a abordagem funcionaria em geral. (BALL ET AL., 2008, p. 397) [ tradução nossa]
Ball et al. ampliam as categorias de Shulman e provocam uma reflexão sobre
as tarefas cotidianas de ensino e suas exigências. Perceberam que muitas tarefas
exigem conhecimento, percepção e habilidade matemática “ilustrando o pensamento
matemático especial que professores devem pensar e compreender a fim de ensinar
Matemática” (p. 398). Ensinar exige conhecimento que extrapole aquele ensinado
aos alunos. Ensinar é antecipar as facilidades, as dificuldades e as confusões dos
pensamentos dos alunos. Ensinar é tomar decisão e fazer escolhas da
sequenciação dos conteúdos, dos métodos a serem adotados e dos procedimentos
diferenciados que tenham validades como ferramenta instrucional.
Os estudos realizados apresentam contribuições importantes para realizar a
análise das práticas das professoras que ensinam Matemática e indicam alguns
interesses que conversam com a minha investigação. Eles estão interessados em
66
entender como os professores raciocinam matematicamente e como eles embasam
as decisões e movimentos realizados ao ensinar. Isso inclui, para esses
pesquisadores, “habilidades, hábitos, sensibilidades, formas de raciocínio, bem
como conhecimento” (BALL et al., 2009, p. 98).
Esses autores abordam situações práticas e particulares do ensinar
Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Apresentam o professor
diante da sua dificuldade do conteúdo matemático e a repercussão do problema
frente às diferentes possibilidades que os alunos apresentam, sejam elas erradas ou
não. Além disso, muitas vezes, eles não têm a possibilidade de fazer escolhas
curriculares ou de materiais didáticos e esbarram no seu cotidiano com as propostas
e documentos oficiais que exigem um ensinar diferenciado e o conhecimento de
diversas possibilidades de estratégias e situações investigativas. Ball et al. nos
mostrou o quanto é importante conhecer a Matemática a ser ensinada, e saber
utilizá-la de maneira útil para que ela faça sentido e seja compreensível para o
aluno.
O trabalho realizado pelo professor em sala de aula acaba sendo fruto dos
estudos realizados em suas formações, das experiências vivenciadas por ele e por
seus alunos. O desempenho dos alunos reflete a somatória do conhecimento de
Matemática do professor e do conhecimento do conteúdo pedagógico que ele utiliza
para ensinar Matemática. O professor que assume o papel de investigador em sala
de aula oferecendo atividades desafiadoras percebe que realiza um ensino com
muito mais profundidade e se surpreende com a capacidade de seus alunos em
encontrar soluções diferenciadas.
67
3.3 PROBLEMAS A RESOLVER: CONTA, RECONTA, REVELA E DESVELA OS
NÚMEROS
Muitos professores que ensinam Matemática no Ensino Fundamental
ressaltam as dificuldades que os alunos apresentam ao realizarem situações que
envolvem números. Os números e as operações, na solução de problemas, são
pontos nevrálgicos que afetam a relação de alunos e professores polivalentes com a
Matemática, formando uma rede intrincada pelas dificuldades que prejudicam o
transitar seguro e eficiente por outros conteúdos matemáticos. Para romper os “nós”
formados por esta rede, busquei argumentação concreta e salutar em alguns
autores para compreensão de como as crianças pensam e lidam com os números,
para ampliação do conhecimento histórico que envolve leis e princípios que regem o
funcionamento dos números e, finalmente, sobre a relação entre os números e as
situações-problema.
Inicialmente, falar de Sistema de Numeração Decimal é reconhecer um
sistema que envolve dois princípios: princípio da base dez e princípio de posição.
Base dez, a cada dez unidades de uma ordem nos remete a unidade superior, em
um processo hierárquico e de agrupamento. Dezenas agrupadas se transformam em
centenas e estas agrupadas, milhares e assim por diante.
Segundo o historiador Ifrah (1997), o sistema utiliza para a enumeração
escrita, símbolos que são denominados de algarismos arábicos e representados por
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 0. Os nove primeiros algarismos representam as unidades
simples e são regidos pelo princípio de posição. O valor do número é determinado
pela posição que cada algarismo ocupa no número escrito. Com relação ao “zero” o
autor afirma quanto ao décimo símbolo, ele não representa o que se chama o “zero”; serve para marcar a ausência de algarismos de uma certa ordem, tem também o sentido de “número nulo”, resultado, por exemplo, da subtração de um número dele mesmo (IFRAH, 1997, p. 49).
Com relação ao uso do zero como guardador de lugar, Brizuela (2006)
completa a informação afirmando que o seu significado era utilizado pelos
babilônios, mas à notação atual do zero, “tanto para indicar o número zero como
68
para funcionar como guardador de lugar – parece ser uma invenção relativamente
recente (após o século VI, mas antes do XII)” (p. 28).
Segundo a autora, o aprendizado que envolve números escritos vai além de
aprender a escrever apenas os símbolos isoladamente. Envolve também “aprender
sobre o sistema em si e as regras que o compõem”(p. 27). Sua investigação, tanto
quanto de outros estudiosos, esclarecem-nos como os alunos entendem os números
escritos e as hipóteses que eles criam sobre o funcionamento dos números e de
outras notações matemáticas. Ela verificou que eles apresentam uma complexidade
de pensamento e de compreensões com relação aos números. Os alunos criam
hipóteses, através da interação entre as invenções e as convenções, para justificar
os padrões encontrados na notação numérica.
Inventar e criar tem um papel destacado para a construção de conhecimento
pela pesquisadora, pois tanto as convenções como as criações do indivíduo desempenham um papel na recriação do conhecimento social aceito e na compreensão das convenções matemáticas [...] por meio da interação entre convenções e invenções, as invenções tornam-se mais ricas, e as convenções passam a ter mais significado pessoal para o aprendiz (BRIZUELA, 2006, p. 56, 57).
Diante dessas constatações, é possível avaliar o valor das notações
provisórias dos alunos para a escrita dos números; notação considerada durante
muito tempo pelos professores, como sendo um erro grave, justificado pela
desatenção.
As dificuldades ou facilidades observadas nos alunos durante as aulas têm
um ligação estreita com a ressalva feita por Brizuela ao observar o quanto uma
escrita numérica imperfeita “não reflete as reflexões feitas pela criança sobre o
sistema de numeração” (p.32).
As escritas dos números dos alunos apresentam convenções padronizadas
para justificar partes desconhecidas ou não lembradas, do número proposto.
Números coringas10, utilizados na escrita com maior freqüência – normalmente o 0
(zero) e o 1 (um) – são usados pelos alunos “quando estão cientes de que um
elemento adicional deveria estar incluído em sua escrita, mas não tem certeza de
qual algarismo incluir” ( p.34).
10 Termo denominado por Alvarado e Ferreiro, segundo a pesquisadora Bárbara Brizuela.
69
Outra compreensão importante do sistema, observada pela pesquisadora, é
de que alunos, mesmo os pequenos, diferenciam os números com um algarismo dos
com dois algarismos e compreendem que “números com nomes diferentes precisam
ser escritos de forma diferente e que algarismos conhecidos (1 a 9) fazem parte dos
números de dois algarismos ” (p.35).
Outro termo apresentado pela autora, números transparentes, está
relacionado aos números escritos cujos elementos podem ser identificados a partir
dos números falados (seu nome). São os números que seguem, “na escrita e na
fala, uma ordem temporal maior + menor” (p.36). Entretanto, a ordem temporal
oposta deixa o ouvinte no escuro sobre a escrita dos números. Para esses números
no escuro, termo utilizado por Greenberg (1978, apud Brizuela, 2006, p. 36), que
ficou convencionado entre os professores, números opacos. Por exemplo, no
número 19 (dezenove) – dez+nove, 600 seiscentos – seis+cento, o nome possibilita
perceber o número inicial, são números transparentes. Quanto ao número 200
(duzentos), é difícil identificar no nome o dois, afinal, para as crianças o duzentos
está mais parecido com o doze, do que com o dois. Em se tratando dos números
opacos, os alunos, frente às situações desafiadoras de escrita constante aliada a
memorização, vão gradativamente substituindo as escritas inventadas, pelas
convencionais.
A complexidade do valor posicional tem sido considerado uma das
contribuições mais elaboradas da humanidade. A relação que o aluno tem com o
valor posicional tem sido fonte de estudos de muitos pesquisadores. Uma das
primeiras a levantar essa problemática foi Kamii (1986), que alertou sobre a
dificuldade dos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em compreender o
valor posicional. Para apoiar sua afirmação apresenta outras pesquisas (M. Kamii,
1980; Bednarz, Janvier, 1982; Ross, 1986; Cauley, 1988), cujos resultados vieram
corroborar com os percebidos por ela. Para Kamii (1997), é muito importante que
cada aluno compreenda o valor posicional para que no futuro não tenha “sérias
dificuldades em somar, subtrair, dividir e multiplicar grandes números” (p. 35).
Contudo, para Brizuela (2006), apesar de os alunos não compreenderem “por
completo o valor posicional como uma regra que governa o nosso sistema numérico”
(p.37), podem ser capazes de desenvolver ideias sobre a importância da ordem e da
posição dos números. Na comparação de dois ou mais números, a posição faz
diferença durante a análise. A observação recai ou no valor dos números
70
isoladamente ou na soma desses números. Para melhor compreender, ao
compararem os números 23 e 32, para alguns alunos, eles são iguais. Não
consideram o valor posicional, apenas os algarismos isoladamente, os dois números
são formados por 2 e 3. Para confirmarem suas hipóteses, buscam a soma dos
algarismos, no número 23 – 2+3 e no número 32 – 3+2, obtendo o mesmo resultado,
mantém a afirmação.
De forma similar, as situações descritas por Brizuela são também percebidas
nos alunos dos anos iniciais que frequentam nossas escolas. Eles inventam
mecanismos para enfrentar os desafios oferecidos pelos professores e durante a
realização das tarefas é possível perceber o uso de números coringas, e o quanto a
transparência e a opacidade dos números ajudam-nos na aproximação ou não da
escrita convencional. Esse conhecimento tem ajudado a despertar em muitos
professores uma sensibilidade ao compreenderem e aceitarem a quantidade de
conhecimento existente nas escritas não-convencionais, inventadas com criatividade
por seus alunos.
No entanto, a autora apresenta uma situação que aparentemente não foi
encontrada com a mesma constância entre os alunos da nossa escola. Talvez a
causa seja a necessidade de uma investigação mais apurada do que nossos alunos
pensam ao lerem números desconhecidos. Ela apresenta uma invenção infantil para
resolver o conflito do valor posicional na escrita e leitura de números. Muitas vezes,
na escrita, eles não se preocupam com o valor posicional, apenas usam a forma
convencional observando o conhecimento social. Na escrita do número 12, por
exemplo, eles sabem que vem na ordem o 1, antes do, 2. Muitos não construíram a
noção de que o 1 representa 10 unidades.
Diante deste conflito, Brizuela (2006) apresenta um caso no qual Paula desenvolveu a ideia dos números maiúsculos. Seus números maiúsculos reuniam muitas ideias. [...] A posição ocupada pelos números torna-os diferentes de alguma maneira. . [...] se os números estão em posições diferentes, ou são diferentes de alguma maneira, então eles devem ter nomes diferentes. [...] A posição em que os números eram escritos determinava se eram ou não ‘maiúsculos’ e, assim, que número era e como seria lido. Essa hipótese permitiu à Paula começar a ler e escrever sistematicamente números de dois algarismos. (BRIZUELA, 2006, p.54).
Segundo a pesquisadora, é tomado emprestada a terminologia da linguagem
escrita, na qual cada letra tem uma minúscula e uma maiúscula correspondentes.
Apesar de serem iguais, dependendo da posição ocupada na palavra, se tornam
71
diferentes. Ela transfere o percebido na escrita alfabética para solucionar conflitos
com a leitura dos números. Números iguais em posições diferentes são lidos de
forma diferente, as unidades diferentes das dezenas. Só para ilustrar, no número 33
temos um 3 onde se lê trinta e o outro 3, lê-se três mesmo, logo, temos trinta e três.
No sentido de expandir o conhecimento do pensar dos alunos a respeito dos
números, garimpei na pesquisa de Lerner e Sadovsky (1996), contribuições
importantes que pudessem ajudar o professor em sua reflexão e aprimoramento
profissional. Elas realizaram situações como “ditado de quantidades” e utilizaram
jogos para delinear o percurso das hipóteses dos alunos ao escreverem e
compararem números.
Inicialmente, as autoras observaram que alunos, ao comparem números,
mesmo sem conhecerem a denominação oral, levantavam hipóteses da magnitude do número – “quanto maior a quantidade de algarismos de um número, maior é o
número” (p.77). Ao compararem números de um algarismo com números de dois
algarismos estabeleceram uma ferramenta para a comparação de quaisquer
números com quantidade diferente de algarismos.
No entanto, os estudos de Lerner e Sandovsky (1996), como os de Brizuela
(2006), observaram em alguns entrevistados a mesma atitude ao compararem dois
números como: 112 e 89 ou 1110 e 999. Eles parecem abandonar a hipótese de que
a quantidade de algarismos é quem manda e afirmam que 89 e 999 são os maiores.
Como foi apontado em Brizuela, as hipóteses da soma dos algarismos 8+9=17
definem o número maior, ou analisam números formados com algarismos altos, 999.
Lerner e Sandovsky constatam que os alunos, ao compararem números de
mesma quantidade de algarismos, perceberam que a posição dos algarismos
cumpre um papel de destaque no sistema de numeração. Elas sabem que, para
definir o maior entre dois números de quantidade igual de algarismos, “o primeiro é
quem manda [...] sabem que, quando o primeiro algarismo das duas quantidades é o
mesmo, é preciso se apelar ao segundo para decidir o maior” (p.81). Encontraram
conflitos em alunos que utilizaram por diversas vezes suas hipóteses com
segurança, mediante uma situação conflituosa apelam para os algarismos maiores
independente de suas posições. Por exemplo, entre 24 e 16 o maior é 16, pois a
observação recai sobre o último algarismo.
As autoras apresentam mais uma observação, que particularmente, derruba a
justificativa das extensas listas numéricas pedidas pelos professores para que os
72
alunos guardassem a ordem da série numérica. Afirmam que os alunos manipulam
em primeiro lugar a escrita dos “nós”, as dezenas, centenas, as escritas exatas,
para posteriormente elaborarem os intervalos entre eles, indo em um sentido inverso
à escrita convencional. Somente os “nós” eles reconhecem na ordem convencional.
Utilizam esse conhecimento na leitura dos números, partem dos nós para chegar até
o número a ser lido. Para ilustrar, os alunos ao escrevem com segurança 10, 100,
1000, 5000, podem ter dúvidas ao escrever 25. Para o escreverem, inicialmente
pensam no número exato, o 20, e vão contando ou escrevendo todo o intervalo, até
chegarem ao número 25.
Declaram que os alunos elaboram hipóteses “a respeito dos números,
baseando-se nas informações que extraem da numeração falada e em seu
conhecimento da escrita convencional dos ‘nós’ ” (p. 92). Na produção de escritas
desconhecidas, misturam os símbolos que conhecem e os organizam na mesma
ordem da numeração falada. A justaposição de palavras da numeração falada
evidencia uma operação aritmética, aditiva ou multiplicativa. Para ilustrar temos que
duzentos e quarenta e cinco representado por 200405, que é aditiva, e que dois mil
representado por 21000, multiplicativa. Na medida em que os alunos são colocados
em conflito, a insatisfação com as próprias escritas leva-os à correção, aos ajustes.
Numa reelaboração de suas escritas na medida em que percebem as regras
que regem a escrita convencional, que os “dezes” se escreve com dois algarismos,
os “cens” com três, os “mils” com quatro e assim por diante.
Como um sistema posicional se apresenta estruturalmente econômico e ao
mesmo tempo muito menos transparente, exige que os alunos descubram as
regularidades, conforme Lerner e Sandovsky (1996) que afirmam: “elas pensam ao
mesmo tempo sobre os “dezes”, os milhões e os milhares, elaboram critérios de
comparação [...]; podem conhecer a notação convencional de números muito
“grandes” e ainda assim não manipular números menores” (p.113). Alertam que o
ensino da notação numérica iniciava a sequência com a unidade, depois era
introduzido a dezena e os agrupamentos de dez em dez e outros agrupamentos
para avançar a cada nova ordem. Esse ensino tradicional que ainda é visto nas
nossas escolas acaba impedindo descobertas dos diferentes intervalos da
sequência, das regularidades e das regras que organizam o sistema de numeração.
Ao apresentar as contribuições de Moreno (2006), trarei os estudos realizados
por Nunes e Bryant (1977), Vergnaud (2009) e Castro e Rodrigues (2008),
73
realizando um diálogo interativo, apontando os pontos comuns ou diferenças de
nomeações, com a intenção de clarear, despertar e complementar as ideias sobre o
contar e recontar dos números nos anos iniciais.
Moreno parte da premissa de que os alunos trazem para a escola uma
importante bagagem de ideias construídas para iniciar a aprendizagem matemática
e apresenta uma proposta de ensino do número e do sistema de numeração
consolidada por resultados de diferentes pesquisas para colaborar na tomada de
decisões didáticas dos professores.
Nunes e Braynt consideram que, para ensinar Matemática, de forma que
todos se tornem numeralizados11, é preciso observar e saber como os alunos
aprendem Matemática e como eles ampliam seu pensar matemático, indo
gradativamente do simples para o complexo.
Vergnaud garante que a noção de número não é uma noção elementar, mas
a mais importante da matemática ensinada na escola. Afirma que ela se apoia em
outras noções, como as de aplicação, correspondência biunívoca, relação de
equivalência e relação de ordem. A diferença entre a noção de número e as outras
noções é a possibilidade de fazer adição.
Castro e Rodrigues exploram a ideia de sentido de número, como um
componente chave da literacia12 matemática e como evolui e se dá a construção do
sentido de número nos primeiros anos escolares.
3.3.1 Da recitação à contagem: um resgate didático
Moreno (2006) resgata a recitação quando evidencia que os alunos possuem
conhecimentos sobre a série numérica oral, apesar de ela se apresentar de forma
diferente em cada um. A diferença não envolve apenas a “extensão do intervalo
numérico conhecido por eles, mas também nas diversas competências implicadas
na recitação convencional” (p. 55). Para isso, há necessidade de colocar os alunos
frente a diversas situações de recitação, como destacam Parra e Saiz (1992, apud 11 Numeralizada(o), para autora, designa criança ou adulto que domine o sistema numérico e as operações, pensando com conhecimento matemático. 12 Literacia ou numeracia – termo relacionado à alfabetização matemática, a aritmética dentro de uma matemática atual e dinâmica que compreende, analisa e intervém na sociedade atual.
74
Moreno, 2006): recitar a partir do 1 até onde domina; recitar e parar no número
pedido; recitar intercalando palavras; recitar a partir de um número diferente de um;
recitar ascendentemente e descendentemente de 2 em 2, de 5 em 5, de 10 em 10 e
outros.
Em se tratando de sequência numérica, Vergnaud (2009) assegura que os
alunos, quando a enunciam, podem estar situados em dois níveis diferentes. O nível
da simples recitação, canto de números, em que os alunos recitam as palavras na
ordem em que sabem. Mesmo ela se enganando, o que às vezes acontece, não é
possível afirmar que ela saiba contar. De maneira idêntica, Moreno afirma que
“saber recitar a série não é a mesma coisa que saber contar elementos de um
conjunto” (p. 56). No entanto, a recitação colabora para que cada aluno guarde a
palavra na ordem correspondente, se esquece, apoiado pelo grupo-classe, lembra e
prossegue. Outra justificativa da recitação é que ela permite, de forma lúdica,
adentrar nas operações mentais, que consistem em somar de 2 em 2, de 3 em 3,
assim por diante.
No entanto, o outro nível que Vergnaud destacou é o nível da contagem, que
é a correspondência entre objetos a serem contados e a sequência numérica falada,
acompanhada de gestos das mãos e movimentos dos olhos. Para ele, a contagem é
a primeira forma de aplicação numérica, apesar de ainda rudimentar.
Com relação ao saber contar, Nunes e Bryan (1997) afirmam que os alunos,
ao contarem coisas, precisam lembrar a palavra certa (nome do número) em sua
ordem certa e contar cada objeto uma única vez. O número final contado,
denominado número cardinal, se refere ao número de objetos no conjunto.
Na medida em que os alunos recitam a série, vão descobrindo parte do
quebra cabeça, a regularidade e organização do sistema, conforme evidenciam
Moreno, Nunes e Bryant.
Ao recitarem, muitas vezes os alunos falam dez, dez um, ou dezoito,
dezenove, “dezedez”, que ao serem corrigidos, continuam a recitação. Segundo
Nunes e Bryant (1997), os alunos devem aprender para o que serve a contagem,
pois contar é uma das formas de resolver alguns problemas, ou às vezes, a única
forma.
Castro e Rodrigues (2008) apresentam uma análise das pesquisas que
consideram “o conhecimento da sequência numérica e a capacidade de contagem
como o ponto de partida para o desenvolvimento do conceito numérico” (p.121).
75
Os estudos de Guelman e Gallistel (1978, 1983, apud Nunes e Bryant,
Moreno, Castro e Rodrigues) sobre contagem definem que para contar há
necessidade de alguns princípios. Como primeiro princípio, temos o “princípio de
adequação única”, “princípio termo a termo” ou “correspondência termo a termo”13,
que destaca que, ao contar objetos, deve-se contar todos os objetos e contá-los
apenas uma única vez. Contar estabelece uma correspondência termo a termo entre
o objeto e a “palavra-número” (MORENO, 2006, p. 56), e a série contada deve
respeitar a ordem convencional. Além disso, se a mão for mais rápida que a boca,
contar duas vezes o mesmo objeto, pular objetos, não se estabelecerá a
correspondência e o resultado da contagem será um resultado errado.
Um segundo princípio, da “ordem lógica”, “ordem constante” ou “ordem
estável”, mostra que existe uma ordem fixa para dizer os nomes de números da
sequência, a cada vez que for contar. A contagem só altera o total dos objetos a
serem contados se a ordem da palavra falada não respeitar a ordem convencional
da série. Aliás, se um aluno contar as cartas de um jogo 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e outro
colega contar as mesmas cartas 1, 2, 6, 3, 7, 5, 4, os dois alunos chegaram a totais
diferentes para o mesmo conjunto de cartas.
O terceiro princípio é o “princípio da cardinalidade”14, que corresponde o total
de objetos ao último número falado na contagem. Para Nunes e Bryant, “usamos
rótulo em contagem, dizemos até cinco (1-2-3-4-5) então deve haver cinco objetos
juntos na coleção contada” (p. 37). O último termo indica o total de objetos contados.
Contudo, Moreno destaca a situação de um aluno que ainda não reconhece o
princípio, diante da questão “Quantos lápis há?” conta todos os lápis e, se a
pergunta for repetida, ele repete toda a recitação novamente.
No quarto princípio, “princípio de indiferença da ordem” (Moreno, 2006) ou
“Irrelevância da ordem” (Castro e Rodrigues, 2008), é preciso compreender que a
ordem utilizada para contar os objetos não interfere na quantidade de objetos; pode-
se contar de cima para baixo, da direita para a esquerda e vice-versa.
Castro e Rodrigues apresentam um último princípio “Abstração” que define
que em quaisquer situações, com distintos objetos, são utilizados sempre os
mesmos números. Destacam que, na medida em que esses princípios vão sendo
13 Os termos utilizados pelos autores citados: Moreno, Nunes e Bryant, Castro e Rodrigues estão dispostos na ordem em que são citados. Esta ordem é valida para o primeiro e segundo princípios. 14 Termo utilizado por todos os autores citados: Moreno, Nunes e Bryant, Castro e Rodrigues..
76
compreendidos, a possibilidade de lidar com conjuntos numerosos gradativamente
aumenta. As estratégias de contagem ainda são as mais eficientes para lidar com
qualquer situação numérica. Dando continuidade, Moreno (2006) complementa que
resolver problemas é um caminho pelo qual os alunos poderão gradativamente se
apropriar desses princípios e perceber que a contagem é uma boa estratégia para
encontrar soluções.
Vergnaud (2009) observou que a disposição espacial dos objetos interfere na
contagem, levando os alunos a contar duas vezes o mesmo objeto e declarou que,
paralelamente a atividade de contagem, os alunos devem ser colocados frente a
outros aspectos do número. Observou também que a correspondência termo a
termo, na equivalência entre dois conjuntos, não são facilmente observáveis
impedindo os alunos de supor que a grandeza de um conjunto não se altera em
qualquer configuração espacial assumida por ele.
1º Momento:
Figura 1: Conjunto de formas geométricas. Arranjo A Fonte: Adaptado de Vergnaud (2009).
2º Momento:
Figura 2: Conjunto de formas geométricas. Arranjo B. Fonte: Adaptado de Vergnaud (2009).
Vergnaud afirma que alguns alunos frente a essas situações entram em
conflito e a resposta se apoia na ocupação do espaço, tem mais objetos a coleção
que ocupa mais espaço. O autor enfatiza, com certa admiração, que isso foi
observado mesmo que os alunos pequenos vejam a arrumação e tenham afirmado
que na atividade anterior, “é a mesma coisa” (p. 128).
Observo que os alunos declararem seguramente que ambos “são iguais” tem
relação com o fato de eles buscarem a confirmação da igualdade, na contagem. É
A
B
77
percebido que a quantidade de objetos maior e a distribuição no espaço pode levá-
los novamente ao conflito e impulsioná-los a buscar novos recursos para garantir
uma contagem segura e uma resposta adequada. Objetos distribuídos de forma
circular, ou organizados aleatoriamente sobre a mesa, nas coleções fixas arranjadas
na forma circular ou distribuídas aleatoriamente no papel, utilizando formas com
mesma cor ou cores diferentes, são situações muito conflitantes e que exigem
colocar tudo o que sabem na busca da solução.
A contagem de coleções de objetos também foi observada por Nunes e
Bryant (1997) que, com base nos resultados da pesquisa de Fuson(1998), afirmam
que dependendo da idade o princípio de correspondência termo a termo não é
utilizado durante a contagem de objetos distribuídos em linha reta ou outros
arranjos. Esclarecem que elas até respeitam o princípio em filas com espaçamentos
regulares e conseguem encontrar um resultado, mas se perdem em distribuições
aleatórias. Os autores prosseguem: se os alunos adotam a estratégia de mover para
um lado os objetos contados, eles “definitivamente entendem a necessidade do
princípio da correspondência termo a termo” (p.39). Entretanto, se colocados frente
a arranjos em situações fixas, o conflito novamente se instaura, pois precisam
acionar outras estratégias que garantam deixar de lado cada objeto da coleção já
contado. Assim sendo, se o sistema de contagem for utilizado pelos alunos como o
“modo de trabalhar uma solução para um problema específico, podemos estar
razoavelmente seguros de que [...] demonstrou uma compreensão do sistema”
(NUNES; BRYANT, 1997, p. 43).
Na mesma direção encontramos Moreno (2006) com a afirmação de que o
aluno precisa considerar a contagem como uma ferramenta para resolver
problemas. Muitos alunos utilizam esse recurso como procedimento confiável para
resolver problemas. Eles buscam os dedos ou rabiscos como recurso para poderem
confirmar seus resultados, principalmente quando não é claro que a escrita
matemática dá conta de representar o cálculo realizado mentalmente.
78
3.3.2 Resolver Problemas: o conta e reconta
Problema é um conteúdo matemático que tem sido discutido à exaustão, mas
que ainda suscita muita dúvida para o aluno em entender e, para o professor em
resolver e ensinar. Os professores apresentam dificuldades em compreender a
linguagem matemática que os problemas carregam e na escolha dos procedimentos
adequados para resolvê-los. Esse fato presenciado muitas vezes nas formações
continuadas de Matemática trouxe à tona a questão que motivou um querer saber
mais. Como é possível ensinar com segurança algo que encerra no próprio interior
tantas incertezas no seu fazer?
Ao analisarem os saberes nas práticas, Ball et al (2008) apontam a
necessidade de o professor em saber mais, e de forma diferente, o conhecimento
matemático. Mas, além disso, é essencial impregnar esse conhecimento com
conteúdo pedagógico que ajude a ensinar Matemática e que clareie o processo de
aprendizagem de seus alunos e onde estão suas dificuldades. Para dar conta desta
tarefa tão complexa que é ensinar, os professores precisam se apropriar de teorias
diferenciadas e conhecer outras práticas para sobrepujarem suas dúvidas e praticar
um ensino de avanço com foco no fazer e resolver problemas.
Soares e Pinto (2001) destacam a importância de resolver problemas, pois
essa ação favorece o desenvolvimento de estratégias ou procedimentos e permite a
circulação por diferentes conhecimentos matemáticos em situações distintas e
variáveis. Ao resolver problemas os alunos são colocados diante de situações de
aprendizagem que permitem ser estimulados e desafiados, levando-os ao “raciocinar
logicamente para indicar soluções” (p.6).
Entretanto, cabe esclarecer de qual problema estamos tratando por ser uma
atividade muito explorada nas aulas de matemática. Problema é considerado uma
situação em que não disponhamos de procedimentos automáticos que nos permitam solucioná-las de uma forma mais ou menos imediata, sem exigir, de alguma forma, um processo de reflexão ou tomada de decisões sobre a sequência de passos a serem seguidos (ECHEVERRÍA; POZO (1998p.16).
Caso tenha uma forma ou fórmula imediata que leve a solução não mais será
um verdadeiro problema, mas um exercício. A situação precisa ser reconhecida
79
como um problema, pois a mesma situação pode ser problema para uns e exercício
para outros.
Da mesma forma, Nunes e Bryant (1996) propõem envolver os alunos em
situações nas quais possam utilizar a “contagem para resolver problemas e[...]
possam fazer inferências com base na contagem [...] e transformar a contagem
numa ferramenta de pensamento” (p. 53).
Para isso, o professor precisa utilizar situações que sejam verdadeiros
problemas e não apenas exercícios para simples aplicações de contas. Ele precisa
reconhecer a importância de resolver problemas para aprender Matemática,
segundo Soares e Pinto (2001), e exercer um papel de “incentivador, facilitador,
mediador das ideias apresentadas pelos alunos, de modo que estas sejam
produtivas, levando os alunos a pensarem e a gerarem seus próprios
conhecimentos” (p. 7). Para as autoras, é importante que a sala de aula seja um
ambiente onde a cooperação, a exploração e a descoberta permeiem o aprender
dos alunos. Um espaço onde se dinamize as trocas e a circulação de informações e
ainda intensifique a participação ativa de todos os alunos envolvendo todos numa
análise reflexiva de procedimentos e respostas. No entanto, essa proposta dinâmica
e desafiadora de prática encontra certa resistência por parte dos professores.
Moreno (2006) declara que a matemática defendida pela escola produz uma
“aprendizagem aritmética totalmente centrada em um único universo quantitativo de
simbolizações aritméticas universais. O que aprende não é válido para organizar e
resolver quantitativamente os problemas” (p. 63). Para ela, o ensino praticado
prioriza primeiro ensinar a conta, treinar bastante até que o aluno possa dominar o
procedimento para, posteriormente, ter segurança de utilizá-lo ao resolver
problemas. Afirma com propriedade que, se não há um problema a ser resolvido, os
números da conta e do resultado obtido são apenas números. Logo, propor uma
conta cujo resultado não tem significado, é praticar “um ensino que não contempla a
necessidade dos problemas como meio para que os alunos aprendam matemática”.
(MORENO, 2006, p.63).
A autora prossegue em sua análise e permite uma reflexão profunda quando,
ao basear-se em Moreno e Sartre (1986, MORENO, 2006), declara: “na escola, são
o professor e o livro que abstraem e isolam propriedades quantitativas e qualitativas;
na vida, é a criança quem deve abstrair, analisar e organizar toda a informação para
poder decidir como vai proceder” (p. 63). Ela nos mostra que a escola precisa
80
repensar sua postura com relação a ação matemática praticada em seu interior, pois
além de ela estar distante do conhecimento do aluno, ainda não permite que ele
construa seu conhecimento.
Em busca de uma matemática dinâmica e desafiadora, que permita ao aluno
buscar regularidades nas operações melhorando sua notação escrita e elaborando
estratégias mais econômicas, percorri caminhos demarcados por Lerner e Sadovzky
(1996). Elas observaram os procedimentos elaborados por alunos estimulados a
resolver problemas através da produção de procedimentos próprios, sem nenhum
conhecimento antecipado dos algarismos convencionais. As autoras encontraram
diferentes procedimentos pessoais, que envolviam contar nos dedos, contagem um
a um dos tracinhos no total dos objetos que devem ser somados, cálculos com
decomposição em “nós” e, finalmente, encontraram alunos que apresentavam os
resultados rapidamente. Concluem os estudos afirmando que a busca de
procedimentos para resolver problemas requer do aluno, além da “aplicação do que
sabem, a descoberta de novos conhecimentos a respeito das regras que regem a
numeração escrita“ (p. 143) e, do professor, um empenho em conhecer e utilizar
todos os recursos possíveis que permitam a seus alunos avançar em seus
procedimentos até chegarem em estratégias mais econômicas de cálculo.
As autoras apontam a necessidade de o professor estar constantemente
atualizado, a buscar nos estudos individuais e coletivos, nas trocas ou nas
formações continuadas uma forma de se preparar para uma nova proposta de
prática.
Com relação aos procedimentos utilizados pelos alunos, Moreno (2006)
afirma que eles são levados a abandonar a contagem de um em um ao serem
introduzidos nas situações de adição, pois se inicia um processo no qual o contar é
ensinado pelo professor como “guardar um número na cabeça”. O problema alertado
pela autora é que esta não parece ser uma estratégia eficiente, pois os alunos
acabam fundindo um número no outro e perdem a qualidade de entidade
independente de cada número. Exemplificando, em 6 + 7 eles contam a partir do
número 7, e falam 7, 8, 9, 10, 11, 12 encontrando 6 + 7 = 12.
Essa atitude apressada do professor demonstra seu desconhecimento com
relação ao como se dá a aprendizagem dos alunos e as etapas pelas quais passam
para poderem desenvolver procedimentos pessoais de cálculo cada vez mais
econômicos, seja por contagem ou não.
81
Com relação ao uso da contagem para resolver situações de adição, Nunes e
Bryant (1997) perceberam que ela não é suficiente para que os alunos entendam a
complexidade do sistema de numeração e nem sua composição aditiva. No entanto,
constataram que o “uso da estratégia de contar na sequência de adição precede a
compreensão das propriedades do sistema de numeração, que serve como base
para aprenderem a ler e escrever números” (p. 81).
Os autores destacam que os alunos mais novos, frente à situação de adição,
passam da transição de “contar todos” para “contar na sequência” (p. 62). Para eles,
resolver problemas permite aos alunos construir uma base para o seu conceito de
número, mesmo que necessitem usar representações visuais para a contagem.
Ademias, aprender a ler e escrever números abrirá novas oportunidades para o
aprendizado dos alunos, pois precisam pensar sobre a composição aditiva, relação
entre unidades e dezenas, dezenas e centenas e assim por diante.
Castro e Rodrigues (2008) destacam em seus estudos alguns pesquisadores
que afirmam que a contagem é uma estratégia que possibilita encontrar a solução
de problemas aritméticos. Dentre eles, destacarei Fuson (1987, apud Castro;
Rodrigues, 2008) que afirma que o conhecimento da sequência numérica permite
desenvolver uma contagem mais hábil e precisa, favorecendo a solução de
problemas. Vemos isso também, em Baroody (1987, apud Castro; Rodrigues, 2008),
que observou que a habilidade em contagem permite resolver problemas
mentalmente. Ele relaciona o procedimento para resolver problemas com a
observação de “número anterior” e “número posterior” ou a contagem a partir de
certa ordem. As primeiras adições são realizadas pelo uso de apoio que possa ser
contado, dedos ou objetos, e depois utilizam as mesmas estratégias de contagem só
que mentalmente.
Vergnaud (2009) ressalta a importância da adição, por ser ela que diferencia
o sistema de numeração de outros sistemas simbólicos e dá a possibilidade de seus
elementos, os números, de serem adicionados. Esclarece que os alunos, ao
resolverem problemas, aprendem a contar e vão gradativamente utilizando métodos
diferenciados e se aproximam de cálculos mais elaborados.
Inicialmente, ao realizarem problemas de adição utilizam o método de colocar
todos os elementos dos dois conjuntos juntos e recontá-los um e um.
Card (A U B), Vergnaud (2009)
82
Num segundo momento, contam o primeiro conjunto e depois contam o
segundo conjunto e adicionam os dois números obtidos.
Card (A U B) = Card A + Card (B), Vergnaud (2009)
No entanto, encontrei em Magina et al. (2008), em estudos realizados através
de textos escritos por Vergnaud, a afirmação de que os alunos “usam implicações
lógicas sofisticadas, que possuem lógicas correspondentes” (p.13). Apresentam uma
estratégia utilizada pelos alunos quando encontram situações que os impedem de
realizar o ato de juntar dois conjuntos: contam os elementos de um conjunto e ao
contarem o outro conjunto, partem da quantidade obtida com a contagem dos
elementos do primeiro conjunto, obtendo o resultado total. Esta estratégia é uma
estratégia mais sofisticada do que a de juntar para contar. A essas situações
Vergnaud dá o nome de Teorema em Ação.
O processo evolutivo da situação de contagem também foi estudo dos
pesquisadores por Gray e Tall (1994), pois consideram que a “noção de adição
envolve uma série de procedimentos diferentes” (p.123), iniciando por estratégias
envolvendo contagem e avançando para o uso de estratégias mais complexas. O
primeiro procedimento, "conta todos" compreende contar o primeiro conjunto,
contar o segundo conjunto e então contar todos os objetos como se fossem um
único conjunto. Por exemplo: 4 + 5, o aluno para o 4 ( conta: 1,2, 3, 4) e para o 5 (
conta: 1, 2, 3, 4, 5) e junta os dois conjuntos 4 e 5 ( conta: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9).
O segundo procedimento, "sobrecontagem", consideram como uma
estratégia mais sofisticada. O primeiro número é considerado um todo e o segundo
número é interpretado como um procedimento de dupla contagem, envolve a
contagem e ao mesmo tempo o controle dos números extras que estão sendo
contados. Por exemplo: 4 + 5 ou o aluno para o 4 (conta: 1, 2, 3, 4) e para o 5
(conta: 5, 6, 7, 8, 9). Ou o aluno somente conta 5 (5, 6, 7, 8, 9).
O terceiro procedimento, "sobrecontagem a partir do maior", é uma
estratégia mais econômica. O maior conjunto é colocado primeiro e a contagem
envolve o menor número de elementos do segundo conjunto. Por exemplo, 4 + 5 o
aluno conta apenas o 4 (6, 7, 8, 9).
O quarto procedimento é chamado "conhecendo o fato". Os autores
ressaltam a importância do uso de fato conhecido significativo ser gerado por um
pensar flexível, diferente de um fato apenas memorizado, treinado. Por exemplo, é o
aluno saber que 5 e 5 dão dez e que 4 e 4 dão 8 e utilizar esse conhecimento para
83
facilitar os cálculos. O último procedimento, "fatos derivados", envolve composição
e decomposição de partes dos componentes de uma adição. A manipulação de fatos
conhecidos significativos leva a “fatos derivados”. Por exemplo, em 5 + 6 ela sabe
que 5 e 5 dão dez, logo, a resposta é um a mais, resultando onze.
Ressalto a importância de resultados obtidos por pesquisas como as de Gray
e Tall, Vergnaud, Nunes e Bryant , Lerner e Sadovsky, que colaboram com a
melhoria do ensino matemático e servem como sensibilizadores para despertar nos
professores o respeito pelo tempo e saberes de seus alunos.
A proposta de recursos, apresentada por Moreno (2006) para subsidiar o
caminhar do professor em ensinar Matemática, implica uma mudança profunda na
prática. Uma prática que permita utilizar os problemas como situações desafiadoras
para que os alunos reflitam sobre eles; os jogos para que os alunos possam mostrar
seus conhecimentos numéricos; as cartelas numéricas como um recurso didático
para avançar na leitura, na escrita e descobrir as regularidades e organização dos
números. Uma prática que valoriza criar situações investigativas, segundo Nunes
Bryant (1996), ajuda a compreender que o sistema de numeração é portador de significados numéricos – os números, a relação de ordem e as operações aritméticas envolvidas em sua organização –, operar e comparar serão aspectos ineludíveis do uso da numeração escrita. Também será imprescindível produzir e interpretar escritas numéricas, já que produção e interpretação são atividades inerentes ao trabalho com um sistema de numeração (NUNES; BRYANT, 1996, p.118).
Os pesquisadores propõem uma prática que coloque o aluno diante de
situações diversificadas e investigativas, que permita compreender ordenação,
reconhecer e ler números, percebendo e descobrindo regularidades, que propicie
atividades de escrita de números com qualquer grandeza. Tal prática deve constituir
uma base que norteará as escolhas e elaboração das atividades levadas para as
salas de aula.
84
CAPÍTULO 4
INVESTIGAÇÃO NA ESCOLA: UMA DINÂMICA DE AÇÃO E REFLEXÃO
Nesse capítulo, irei discorrer sobre o palco que abriga meus estudos e os
procedimentos metodológicos que os norteiam. Apresentarei os atores que tiveram
papéis marcantes em cada etapa da formação continuada na qual atuei e que,
atualmente, retornam em seus papéis, se despem pedagogicamente e expõem suas
práticas e suas trajetórias de vida e profissional ao meu contemplar reflexivo e minha
atuação investigativa. Para isso, será descrita a história de vida e profissional de
cada professora e como se deu o processo de formação continuada na investigação.
A metodologia desta pesquisa é de natureza qualitativa. Com o intuito de
garantir melhor compreensão e interpretação crítica dos fatos, foram utilizados os
seguintes instrumentos: questionários, entrevistas semiestruturadas, narrativas
sobre a trajetória profissional e as análises dos registros de acompanhamento e
observação com caráter de intervenção, que ocorreram durante os encontros de
formação na escola e na prática em sala de aula.
O entusiasmo de algumas professoras ao falar de suas práticas e o
burburinho provocado, deram-me a certeza de que sentar nos bancos escolares fez
o professor se tornar aluno novamente. Suas atitudes e falas críticas são
semelhantes àquelas que tanto abominam e criticam em seus alunos. No entanto,
ele só se desnuda e se desvela quando acredita no ouvir e no falar do formador.
Quando se estabelece uma relação de confiança, de cumplicidade.
Serrazina (1998, apud Saraiva e Ponte, 2003 ) ressalta a importância desse
estreitamento afetivo que se constrói na relação entre formador e professor, entre
pesquisadora e professores pesquisados, pois “esta relação de confiança revela-se
como um pré-requisito essencial para que os professores sejam capazes de contar
as suas percepções acerca das suas aulas e acerca de novas perspectivas
curriculares” (p. 5). Esta relação de confiança também precisa estar presente na sala
de aula, fecundando um conviver afetivo entre professor e alunos e entre alunos e
alunos.
85
Quando essas professoras percebem que o outro quer realmente ajudar e
colaborar, se revelam lentamente em suas narrativas, se tornando mais reflexivas.
Uma narrativa na qual é possível perceber os esforços, as crenças, o trabalho
realizado com muita garra e coragem, fruto do esforço de quem quer acertar.
Conseguindo dar aula de matemática sem saber muito de matemática.
Essas leituras e um conhecimento mais profundo foram constituindo a certeza
que, em sala de aula, cada professor faz o que sabe e se empenha para fazê-lo da
melhor forma possível. Se esse “fazer” é inapropriado ou inadequado mediante
teorias e concepções inovadoras, a causa principal é puro desconhecimento.
O professor que ensina matemática transita entre o que é certo fazer, o que
esperam que ele faça e o que faz, o que considera inadequado. Esse fazer também
encontra uma barreira que muitas vezes se torna intransponível: o domínio do
conhecimento do conteúdo de Matemática. Um saber matemático, que segundo
Tardif e Raymond (2000), “engloba certo número de conhecimentos, de
competências, de crenças, de valores, as atitudes“ (p. 219), é mobilizado e
construído pela prática do professor e retorna em cada tarefa realizada durante seu
trabalho cotidiano. Nesse sentido, o ser professor, sua prática e seus saberes estão
imbricados, formando sua história profissional.
Essas reflexões que, recheadas de encantamento, fomentaram minha veia
investigativa a respeito do real ocorrido nas práticas de sala de aula das sete
professoras que participaram do Projeto de Formação Continuada de Matemática
para Professoras do Ensino Fundamental, da Secretaria Municipal de Educação de
São Paulo, realizada na Diretoria Regional de Educação – DRE São Miguel Paulista.
4.1 FORMAÇÃO CONTINUADA: UM DESPERTAR INVESTIGATIVO DA
PRÁTICA DE SALA DE AULA
A Formação Continuada de Matemática para professores que ensinam
matemática nas séries iniciais do Ensino Fundamental, da qual fui uma das
formadoras, propiciou ao professor refletir sobre sua prática e vivenciar
procedimentos metodológicos para serem levados à gestão de sala de aula.
Fomentou a reflexão sobre o papel da Matemática no currículo e sua presença no
86
cotidiano das pessoas, valorizando procedimentos pessoais e formais ao resolver
problemas. E, finalmente, apresentou os documentos oficiais e a teoria que o
embasavam para serem conhecidos, compreendidos e melhor aproveitados na
prática de sala de aula.
A participação dos professores nesses encontros se deu por inscrição e
seriam ministrados fora do horário de trabalho. Devido a participação ser optativa, a
composição dos grupos apresentou números variados de professoras entre 12 e 28
participantes. O período de formação transcorreu de março a dezembro de cada ano
(2008 e 2009), distribuídos em encontros quinzenais com duração de 3 horas, em
um total de 56 horas. Seu funcionamento era regido por um combinado didático
discutido no primeiro dia com todos os presentes e complementado ou alterado no
decorrer do ano, com anuência dos participantes.
Primeiramente, informávamos os princípios que norteavam a formação, gerais
e inegociáveis:
- respeito ao horário;
- realização das atividades propostas (individual e em grupo) e das tarefas
propostas ao término do curso;
- o comprometimento em levar a discussão das atividades desenvolvidas nos
encontros com seus pares no horário coletivo, articulando-se com o Coordenador
Pedagógico.
Finalmente, com o grupo-classe foram levantadas regras de bem conviver
em/no grupo. Na ocasião, pude constatar que esses grupos apresentavam
preocupações que iam desde o ouvir à explanação do outro até o compromisso de
cada um em realizar as leituras propostas.
A organização dos encontros abrangeu diferentes momentos. Em um primeiro
instante, com a intenção de propagar e propiciar um ambiente leitor, aproveitávamos
o momento como uma excelente oportunidade para compartilhar textos que
gostávamos e divulgar lançamentos de livros. Eram feitas leituras escolhidas por
mim (formadora), pelo grupo ou sugeridas pelo grupo de orientação DOT -SME15.
Criou-se um espaço de leitura pelo simples prazer de ler e ouvir histórias, sem a
obrigação de interpretar ou opinar, somente para apreciar e degustar.
15 DOT – Diretoria de Orientação Técnica, departamento da SME – Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo
87
Após esse momento precioso de viagem individual e cultural, eu apresentava
a rotina, na qual eram destacados os objetivos, os conteúdos e os materiais
didáticos a serem explorados naquele encontro. Depois, os professores se
organizavam em duplas ou trios, e realizavam as tarefas, para que pudessem
perceber o quanto a ajuda do outro é importante para o nosso aprendizado e que
fazer matemática sozinho é desestimulante e frustrante, principalmente quando se
tem dúvidas. Aproveitava para discutir com elas que um bom agrupamento em sala
de aula favorece o avanço dos alunos.
Ao vivenciar esta experiência considerada um estímulo de reflexão, era
esperado que os professores repensassem a disposição de seus alunos em sala de
aula e passassem a agrupá-los de outra forma: duplas ou trios. Afinal, quando se
organiza um agrupamento com critério, a intenção é provocar discussão das
situações-problema, favorecer a colaboração/apoio entre alunos e estimular que
encontrem outros “jeitos” de representar seus procedimentos, sejam esses oriundos
dos alunos com facilidade ou dificuldade em compreender matemática.
As atividades desafiadoras propostas na formação foram elaboradas com o
intuito de que os participantes pudessem confrontar seus saberes, desvelarem suas
dificuldades e enfrentar suas limitações com relação aos conteúdos matemáticos. A
reflexão provocada levava-os a comparar a metodologia utilizada em sala de aula
com a vivenciada e estudada na formação. Este processo de reconstrução do
conhecimento e de reolhar suas práticas realizado em grupo era registrado e
compartilhado com o grupo-classe. No decorrer da narrativa, uma síntese da
discussão era apresentada contendo as estratégias levantadas, a negociação dos
diferentes procedimentos e seu fruto, enfim, uma única solução representando e
refletindo o pensar do grupo. Fazia parte da tarefa também a especificação dos
conhecimentos matemáticos acionados para se resolver as situações-problema.
Durante a minha circulação pelos grupos, as soluções apresentadas por cada
um deles, numa grande maioria, imperava a técnica e desafiava-os a pensar em
outras soluções, em outros “jeitos” de fazer. Neste momento, estimulante para
alguns e angustiante para outros, em que eram obrigados a deixar desnudo seu
conhecimento ou desconhecimento matemático, era favorável para que eu
apresentasse aos professores outros procedimentos e estratégias de solução. O
compartilhamento no grande-grupo das discussões e dos diferentes procedimentos
de solução tinha como objetivo repertoriá-los para que, na medida em que se
88
sentissem confiantes, pudessem experienciar esse novo “fazer” com seus alunos,
ampliando suas estratégias, intervenções e conhecimento didático.
Ao final do encontro, numa relação entre teoria e prática, os professores
agrupavam-se novamente por ano do Ciclo com o qual trabalhavam, para discutirem
e planejarem a adaptação da(s) atividade(s), anteriormente vivenciadas, para sua
classe. O planejamento envolvia: a reelaboração da(s) atividade(s); o detalhamento
das intervenções necessárias, propiciando avanço na aprendizagem dos alunos; a
relação do(s) conteúdo(s) matemático(s) contido(s) nas atividades propostas e as
expectativas de aprendizagem atendidas, contidas no documento oficial. Alguns
grupos apresentavam dificuldades em identificar conteúdo e estratégia contidos nas
atividades. Após a adaptação da atividade para o grupo-classe de cada participante,
o planejamento elaborado e a análise das atividades propostas pelos presentes
eram levadas como tarefa para serem desempenhadas pelos/com os alunos, nas
escolas.
Nos encontros seguintes, o que diferenciava era que, após os momentos
iniciais da rotina do dia, leitura para todos e apresentação dos objetivos e conteúdos,
a primeira atividade era o compartilhamento da tarefa realizada pelos/com os alunos
através da narrativa, momento rico de análise, apropriação e discussão nos/pelos
grupos. A narrativa era utilizada para desenvolver o hábito de observar, registrar e
também como instrumento poderoso de reflexão e de revisitação. Reflexão para
ajudar o aluno, reflexão para elaborar novas situações de aprendizagem, reflexão
para replanejar numa verdadeira revisitação da prática. Atualmente, percebo que foi
um caminho utilizado e praticado por vários estudiosos (Firorentini, Nacarato, Ponte,
Serrazina e outros) que se apóiam nos princípios da formação de e com narrativas.
A tarefa havia sido detalhada em um relatório reflexivo de como ocorrera o
processo de ensino e de aprendizagem. O professor deveria registrar como se deu a
ação exploratória vivenciada pelos/com os alunos, anotando os diferentes
procedimentos apresentados como solução e como ocorreu a circulação das
informações na sala de aula. Era esperado que relatassem as intervenções
realizadas durante o seu acompanhamento nos agrupamentos. Muitas vezes, as
narrativas orais eram mais ricas que os escritos reflexivos. Essa dificuldade também
foi constatada por Fiorentini(2006) em seu grupo de estudo. Em sua reflexão,
Altrichter et al (2002, apud Fiorentini, 2006) afirma que “escrever é difícil. É
frequentemente difícil colocar as ideias no papel, ainda que elas pareçam claras e
89
lógicas quando pensamos ou falamos sobre elas anteriormente” (p. 21). Reflexão na
ação e reflexão sobre a ação, proposta por Schön (1996, apud Alarcão, 1996), são
momentos ainda tão difíceis quanto registrar para o professor. Refletir durante a
ação exige ao mesmo tempo um distanciamento da ação e sua reformulação
deixando aflorar situações até então não percebidas. Assim transcorreu a formação
continuadamente, durante todo os anos de 2008 e 2009.
Diante da situação que se descortinava em cada formação, reconheci que o
conhecimento do que realmente ocorria em sala de aula se limitava apenas a alguns
relatos orais e aos relatos escritos entregues pelos participantes. Certamente que o
entusiasmo de alguns professores mais audaciosos ao descreverem com detalhes
algumas das descobertas realizadas em suas práticas contagiavam a todos,
inclusive a mim.
Alguns desses grupos de professores acabaram me encantando. Um desses
se destacou, formado por dez professoras do período da manhã. Apesar da
formação acontecer nos primeiros horários, sempre chegavam cheias de energia e
entusiasmo. Nada era empecilho para o envolvimento demonstrado por elas em
cada atividade realizada, leituras partilhadas e leituras teóricas sugeridas. Esse
conjunto de situações apresentadas foi fator preponderante que instigou o meu
querer investigativo e dirigiu o meu olhar em direção a essas professoras que
ensinam Matemática nos anos iniciais e atuam em quatro das escolas da rede
pública municipal, no bairro de São Miguel Paulista.
A seguir, vamos adentrar pelos documentos produzidos na rede pública
municipal da cidade de São Paulo, com a intenção de conhecer o material e verificar
se cumprem o seu papel e propósito nas aulas de matemática.
4.2 LER E ESCREVER – CONHECENDO OS DOCUMENTOS OFICIAIS DE
MATEMÁTICA
Ler e escrever, em todas as áreas do conhecimento, era uma bandeira
agitada aos quatro ventos e acabou despertando o pensar motivador que propiciou a
organização e produção dos atuais documentos. O propósito principal era
desenvolver competências de leitura e escrita em todos os alunos e movimentar
90
todos os educadores da escola para um envolvimento na alfabetização de seus
alunos, sem distinção de área de conhecimento e de ano do Ciclo16. Os documentos
foram amplamente utilizados nas formações continuadas na rede pública municipal
de educação de São Paulo e estudados pelas escolas, nos horários coletivos de
estudo. Os educadores recebem o material17 didático, livro do professor preparado e
organizado com o propósito de colaborar no planejamento diário do trabalho em sala
de aula e de apresentar estratégias de ação e intervenção para o ensino de cada
assunto matemático. O programa é composto por documentos e projetos de ação
formadora. Destaquei apenas os documentos que estão diretamente envolvidos com
minha pesquisa. Ressalto que durante as sessões de formação continuada foram
desenvolvidos estudos e ações tendo como base os princípios educacionais
constantes nestes documentos e o propósito de colaborar na compreensão e
reflexão dos professores.
4.3 PROJETO INTENSIVO NO CICLO I – PIC
O Programa que deu origem ao projeto teve como objetivo inicial recuperar os
alunos com baixo rendimento no final do Ciclo I, utilizando um material pedagógico
desafiador e uma organização de sala de aula diferenciada. O material abrange um
conjunto formado por um livro consumível destinado ao aluno e outro, contendo as
atividades com resultados e a orientação metodológica, para uso do professor.
O PIC 4º Ano foi implantado em 2007 e no ano seguinte, o projeto foi
ampliado para alunos do 3º ano do Ensino Fundamental. Em 2011, o material do 4º
Ano foi reorganizado pela equipe da DOT.
Os autores do PIC 4º Ano18 – Matemática foram Antonio José Lopes Bigode e
Maria Virginia Ferrara de Carvalho Barbosa e, do PIC 3º Ano, Maria das Graças
Bezerra Barreto.
16 O sistema de ensino municipal para o Ensino Fundamental, com duração de 9 anos, distribuídos em Ciclo I e Ciclo II. Ciclo I abrange os quatro primeiros anos do Ensino Fundamental, de oito anos. No ensino de nove anos, os cinco primeiros anos perfazem o Ciclo I. 17 Os materiais estão disponibilizados através dos sites: http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br, ou sme-biblioteca@prefeitura.sp.gov.br. 18 Maria das Graças Bezerra Barreto colaborou com a equipe de elaboração do material.
91
As atividades foram organizadas por blocos de conteúdos: Números,
Operações, Grandezas e Medidas, Tratamento de Informação e Geometria, com a
intenção de garantir ao professor maior flexibilidade e autonomia.
As situações propostas são contextualizadas com a pretensão de uma maior
aproximação das situações vivenciadas pelos alunos no seu cotidiano e de dar
sentido aos conteúdos estudados. As situações permitem que os alunos possam
observar regularidades, elaborar conjecturas e generalizar.
A concepção do material considerou o caráter especulativo do ensino da
matemática com a finalidade de desenvolver a capacidade investigativa e a prática
de um ensino mais instigante, possibilitando um maior envolvimento por parte dos
alunos. A problematização permeará todo o trabalho, pois se espera que os alunos
coloquem em jogo tudo o que sabem e pensam para buscar a solução dos desafios
propostos.
4.4 GUIA DE PLANEJAMENTO E ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS PARA O
PROFESSOR DO 2º, 3º E 4º ANOS – CICLO I
Esse documento teve o intuito de oferecer suporte ao trabalho realizado em
sala de aula e de guiar as práticas dos professores dos 2º, 3º e 4º Anos do Ciclo I.
Por esse motivo, abrange uma diversidade de propostas didáticas e orientações.
O material de Matemática contou com a consultoria pedagógica de Maria
Virginia Ferrara de Carvalho Barbosa, nos volumes 1 e 2, do 2º ano, e de Celia
Maria Carolino Pires, nos volumes referentes ao 3º e 4º anos do Ciclo I.
A metodologia proposta para o ensino da Matemática, além do caráter prático,
utilitário e educativo escolar, também assume o caráter investigativo e especulativo,
permitindo a elaboração de conjecturas, de argumentações, de generalizações e
propicia a constituição de valores estéticos e criativos.
Nesse sentido, as atividades de Matemática estão organizadas de maneira a
abordar os cinco blocos de conteúdo: Números, Operações, Espaço e Forma,
Grandezas e Medidas e Tratamento de Informação. Elas servirão de parâmetro para
atender às necessidades de aprendizagem dos alunos podendo também servir como
modelo para o professor criar suas próprias atividades.
92
4.5 ORIENTAÇÕES CURRICULARES: PROPOSIÇÃO DE EXPECTATIVAS
DE APRENDIZAGEM - CICLO I
Desde 2007, o documento tem o propósito de orientar a organização
curricular explicitando acordos sobre expectativas de aprendizagem e a finalidade
de organização e aprimoramento dos projetos pedagógicos das escolas. Seu
objetivo é o de contribuir para a reflexão e discussão sobre o que os estudantes
precisam aprender e subsidiar as escolas na seleção e organização de conteúdos
mais relevantes a serem trabalhados ao longo dos nove anos do Ensino
Fundamental.
Esse documento foi organizado por especialistas de diferentes áreas de
conhecimento e coordenado pela Diretoria de Orientação Técnica. Na área de
Matemática contou com a assessoria pedagógica de Celia Maria Carolino Pires e foi
submetido a uma primeira leitura realizada por grupos de professores, supervisores
e representantes das Diretorias de Ensino. Na sequência, foi encaminhado às
escolas para ser discutido e avaliado pelo conjunto dos profissionais da rede.
A metodologia proposta está baseada na reflexão sobre o processo de ensino
e aprendizagem em Matemática e nas diferentes contribuições das pesquisas na
área de Educação Matemática, cujos estudos são apontados como necessários de
serem aprofundados pelos professores que ensinam Matemática nos anos iniciais.
O documento discorre sobre algumas descobertas a respeito da construção
de conhecimentos matemáticos pelas crianças, tais como as hipóteses das crianças
sobre números, o estímulo à compreensão dos significados das operações, a
construção de hipóteses sobre o espaço e as formas que as rodeiam e estudos
sobre a facilidade que as crianças têm em lidar com os assuntos referentes ao
tratamento da informação.
A problematização é indicada como um eixo importante no processo de
ensino e aprendizagem em Matemática, na qual conceitos, ideias e métodos
matemáticos devem ser abordados mediante a exploração de problemas
principalmente se estiver atrelado ao trabalho investigativo em sala de aula e ao
recurso das situações cotidianas de vivência das crianças, explorando a história da
Matemática como componente necessária para uma melhor compreensão dos
conhecimentos matemáticos.
93
Com relação às situações cotidianas de vivência dos alunos, a análise das
práticas matemáticas, em seus diferentes contextos culturais, é uma perspectiva
metodológica interessante a ser integrada aos currículos, bem como o uso de
recursos tecnológicos, a leitura e escrita nas aulas de Matemática e as modalidades
organizativas nas aulas de Matemática (projetos, atividades sequenciadas,
atividades permanentes e atividades ocasionais).
4.6 CADERNOS DE APOIO E APRENDIZAGEM - MATEMÁTICA
O Caderno de Apoio e Aprendizagem19, dirigido aos estudantes do 1º ao 9º
anos, é composto por oito Unidades, a serem desenvolvidas ao longo do ano letivo.
Para cada ano do ciclo, o livro consumível do aluno é acompanhado pelo livro do
professor e alguns DVD.
Em cada uma das unidades são propostas atividades relacionadas a um
grupo de expectativas de aprendizagem, retiradas das Orientações curriculares e
proposição de expectativas de aprendizagem (PMSP, Secretaria Municipal de
Educação, 2007), articulando diferentes blocos de conteúdos – números, operações,
espaço e forma, grandezas e medidas e tratamento da informação.
Os autores responsáveis pelo conjunto de nove livros foram Celia Carolino
Pires, Armando Traldi Junior, Célia Maria Carolino Pires,Cíntia Aparecida Bento dos
Santos, Danielle Amaral Ambrósio, Dulce Satiko Onaga, Edda Curi, Ivan Cruz
Rodrigues, Janaína Pinheiro Vece, Jayme do Carmo Macedo Leme, Leika Watabe,
Maria das Graças Bezerra Barreto, Norma Kerches de Oliveira Rogeri, Simone Dias
da Silva e Wanderli Cunha de Lima.
O material tem o propósito de apoiar o trabalho do professor, cuja tarefa é
muito mais complexa do que um simples transmitir de informações: envolve elaborar
boas situações de aprendizagem que mobilizem conhecimentos prévios e que
permitam a construção de novos significados, novas aprendizagens e a socialização.
As atividades propostas não devem ser “aplicadas mecanicamente”, mas de
forma que provoquem discussões entre os professores, a respeito das expectativas
19 Este material apresenta nos dois primeiros anos iniciais, uma variedade de atividades que permite aos alunos desenvolverem estratégias de contagem.
94
de aprendizagem, hipóteses e pressupostos considerados em cada uma delas, e
também as formas de enriquecê-las e ajustá-las a cada turma.
As atividades tiveram como propósito os pressupostos da exploração de uma
diversidade de conteúdos, abordando, de maneira equilibrada e articulada, números
e operações, espaço e forma, grandezas e medidas, além do tratamento da
informação, que aparece de modo transversal. Os conhecimentos matemáticos são
apresentados de forma contextualizada, com base nos problemas encontrados no
cotidiano do aluno, nas demais áreas do conhecimento e no interior da própria
Matemática, ressaltando que as ideias matemáticas sejam sistematizadas e
generalizadas para serem transferidas para outros contextos. A utilização de
diversos recursos didáticos disponíveis, tais como jogos, materiais manipuláveis,
vídeos, calculadoras, computadores, jornais, revistas e os DVD relacionados a cada
ano, devem ser amplamente explorados a serviço da aprendizagem.
Os Cadernos de Apoio e Aprendizagem deveriam ser utilizados pelo menos
em duas aulas por semana e as demais aulas de matemática ficam a cargo do
professor, quanto ao seu planejamento e à seleção das atividades propostas. A
seleção realizada pelos professores deve envolver atividades que explorem a leitura,
a produção escrita e a comunicação oral dos procedimentos e conceitos, utilizando a
investigação e a problematização. As atividades selecionadas muitas vezes são
elaboradas pelo professor ou adaptadas de outros livros e, na maioria das escolas
as atividades complementares são as contidas no livro didático adotado.
O percebido é que o uso do livro didático, na maioria das vezes, acaba se
tornando muito mais um entrave do que mais um complemento pedagógico. Isto se
dá, talvez, pela sua utilização suceder numa ordem linear, geralmente
descontextualizada e cega com relação aos assuntos emergentes do cotidiano da
escola e do aluno, como também dos temas abordados no material oficial. Percebo
um uso automático e acomodado, sem análise e sem reflexão, inibindo muitas
vezes, o lado inventor e investigador do professor, que produz aprendizagem,
desperta a curiosidade e provoca o saber mais. Em contrapartida, o uso deveria
ativar a capacidade criadora e sedutora do professor, deveria cumprir sua tarefa, tal
qual propõe as encantadoras palavras de Rubem Alves (2007) e que faço minhas ao
encerrar uma formação, A tarefa do professor é mostrar a frutinha. Comê-la diante dos olhos dos alunos. Provocar a fome. Erotizar os olhos. Fazê-los babar de
95
desejo. Acordar a inteligência adormecida. Aí a cabeça fica grávida: engorda com ideias. E quando a cabeça engravida não há nada que segure o corpo (ALVES, 2007, p.128).
Um sonho esperado e propagado por mim é acordar a inteligência
matemática adormecida dos alunos e dos professores, para que engordem suas
cabeças com as descobertas matemáticas e o esperado é que esses alunos não
aceitem mais qualquer aula de Matemática, tenham sede de aprender e investigar
coisas novas e diferentes. Aos professores, o prazer de plantar a plantinha, de
ensinar.
Um sonho possível ou impossível, talvez, em um espaço chamado escola.
Escola, lugar em que a fome de aprender pudesse ser saciada com “alimentos
matemáticos” servidos em majestosas bandejas e a sede do saber, fosse saciada
em cântaros cujo frescor do conteúdo satisfizesse do mais simples ao mais exigente
aprendiz.
Esta Formação Continuada de Matemática suscitou reflexões e indagações
que despertaram um querer investigar a prática de sala de aula e observar quais
aspectos desta formação (realizada por mim) contribuiu para o processo de
mudanças das práticas dos professores participantes.
4.7 UM CAMINHO DE INDAGAÇÃO: FORMAR, OBSERVAR E TRANSFORMAR
O projeto de pesquisa inicial consistiu em um contato com dez professoras
para o levantamento de seus interesses e participação voluntária na pesquisa. Para
isso, contei com o apoio, acolhimento e acompanhamento da equipe da Diretoria de
Orientação Técnica - DOT da DRE São Miguel Paulista, na organização de um local
para a primeira reunião de apresentação da proposta. Nessa reunião,
compareceram sete das dez professoras, algumas acompanhadas de suas
Coordenadoras Pedagógicas e outras sozinhas.
Após a apresentação da proposta foi feito um levantamento da disponibilidade
e elaborado um combinado pedagógico de comprometimento para cada fase do
processo. Os encontros de formação desse grupo abrangeriam dois momentos: uma
formação dentro da escola e outra formação fora da escola. Momentos que
96
compreenderiam um movimento dinâmico e autônomo em suas individualidades e
ao mesmo tempo dependentes em sua intersecção, produzindo trocas que
provocariam o estabelecimento de novas relações, comparações, reflexões bem
como novas compreensões.
Uma formação fora do contexto escolar, com uma relação
formadora/pesquisadora e professores e entre professores que permitissem a
ampliação de saberes através das trocas de vivências e informações, que
propiciasse a oportunidade de criar novos caminhos e intervenções e fosse um
espaço coletivo no qual a narrativa oral e escrita favorecessem a circulação das
investigações, descobertas e incertezas de cada participante. Paralelamente,
aconteceria a formação no âmbito escolar20, numa relação mais íntima, mais
próxima do professor, mais interativa, uma interação formador/pesquisador e
professor, segundo afirma Prado (2003), “são fundamentais para que seja
desenvolvido um trabalho em parceria, voltado para a busca de novas possibilidades
de atuação na realidade da escola” (p. 49).
Inicialmente, nas escolas, estariam vinculadas ao horário coletivo cumprido
pelo professor participante, JEIF – Jornada de Especial Integral de Formação, e ao
seu horário de aula. Para isso demandou que cada participante colocasse em um
cronograma, seus dois horários. Esclareci que as visitas na escola seriam para
colaborar e discutir a elaboração e/ou escolha da atividade para a prática e posterior
observação e reflexão sobre essa prática.
Esta proposta encontrou dois fatores primordiais de impedimentos. Em
primeiro lugar, esbarrou no fato da formação proposta ser extraoficial de participação
voluntária, impossibilitando convocar professores dentro do horário de aula. O outro
fator, a formação fora do horário de trabalho, dado os compromissos já assumidos
pelas professoras em projetos dentro e fora das escolas. A proposta sofreu
modificações em sua forma estrutural e, assim, os encontros de formação passaram
a acontecer na escola, com cada professora separadamente.
Os acompanhamentos foram realizados em cada uma das quatro escolas. O
primeiro contato foi utilizado para uma conversa sobre a formação continuada de
Professores com os Coordenadores Pedagógicos e com o grupo de professores que
tivesse a presença do professor ou dos professores destacados na seleção inicial. A
20 No sentido de ser no espaço físico da escola e nas vivências práticas de sala de aula.
97
formação continuada aconteceu em dois momentos: no coletivo, envolvendo todos
os professores participantes da JEIF e no individual, apenas com as sete
professoras.
Inicialmente, os acompanhamentos ocorreram nas 2ª feiras (manhã e tarde)
em duas escolas, nas 3ª feiras e 4ª feiras, uma escola em cada dia. Após alguns
acompanhamentos, fui informada que a escola envolvida na 3ª feira teria, na 4ª feira,
um número maior de professores participantes, passando este a ser o dia do
acompanhamento. Desta forma, a organização dos acompanhamentos foi realizada
em apenas dois dias, 2ª feiras e 4ª feiras, envolvendo duas escolas em um mesmo
dia.
Os horários acertados e combinados foram organizados em um cronograma.
Os participantes da pesquisa e a Coordenadora da escola receberam um
cronograma cada um, permitindo uma organização da escola e uma visualização
geral da formação. O cronograma apresentou os dias referidos aos encontros no
coletivo da escola, os momentos individuais de elaboração das atividades e os
momentos de acompanhamento em sala de aula. A devolutiva com intervenção e
reflexão foi realizada no horário coletivo servindo de fonte de estudo e reflexão para
todos os professores participantes.
Quadro 1 CRONOGRAMA DE PESQUISA – DRE- SMP 2010
DATA/MÊS Atividade local prof. horário Agosto Set. Outubro Nov. Dez.
Escola A
Raquel
8h30 às 10h50 2ª feira
10 16 23 30 20
27 4 18 25 8 22 29 6
Escola B
Roseane Angela
14h às 17h 2ª feira
10 16 23 30 20 27 4 18 25 8 22 29 6 13
Escola C
Cora
8h30 – 10h50 4ª feira
10 17 24 1 22 29 6 20 27 10 17 24 1 8
Visita a Escola no horário coletivo. Visita a Escola para observação da aula. Encontro para devolutiva.
Escola D
Marina Cecilia Lygia
10h30 às 12h25 4ª feira
10 18 25 1 22
29 6 20 27 10 17 24 1 8
98
As escolas participantes foram denominadas por A, B, C e D, cuja
classificação está relacionada com a sequência de acompanhamentos realizados
em 2010. Em 2011, retornei as escolas de forma mais esporádica, para
complementar o levantamento de dados. Para me adequar ao horário das
professoras, a sequência foi alterada.
As sete professoras serão conhecidas pelos pseudônimos de Raquel,
Roseane, Angela, Cora, Marina, Cecília e Lygia, uma homenagem às mulheres
escritoras e/ou poetisas brasileiras que dedicaram-se em escrever para crianças, e
cujos livros são lidos quase diariamente pelas professoras. As escritoras
selecionadas foram: Raquel de Queiroz, Roseane Murray, Angela Lago, Cora
Coralina, Marina Colassanti, Cecília Meireles e Lygia Fagundes Telles.
Somente a professora Angela era atendida individualmente, pois o projeto em
que estava inserida encontrava-se no horário noturno.
O combinado realizado na reunião inicial, com as professoras envolvidas, foi
mantido. Em cada escola, todos os participantes se comprometeram em
compartilhar os momentos de formação e em realizar as tarefas propostas.
Ficou nítida a satisfação dos professores participantes pela formação
continuada ocorrer no local de trabalho, principalmente daqueles que nunca tiveram
a oportunidade de participar de formações fora da escola devido a problemas
pessoais ou acúmulo de cargo. Essa oportunidade foi acolhida com alegria e
entusiasmo, inclusive, posteriormente, com a cobrança de retomada no próximo ano.
Os estudos que permearam as discussões nas Formações tiveram como
aporte teórico o “fazer matemático” definido nos documentos oficiais, aliados aos
conhecimentos oferecidos pelos estudos de pesquisas recentes sobre Educação
Matemática e Formação Continuada, cujo enfoque fosse o ensinar e o aprender
matemáticos nas séries iniciais. As pesquisas recentes foram foco dos meus estudos
e sustentáculo da minha investigação durante a formação continuada realizada na
escola.
Alguns assuntos foram retomados ou aprofundados nos momentos de
reflexão, no decorrer das conversas individuais com as professoras e após a
observação da prática de sala de aula – a intervenção.
Na Formação Continuada, os assuntos solicitados pelo coletivo apontavam
para os problemas emergentes ao ensinar matemática nas séries iniciais utilizando o
material oficial. Elas tinham dificuldade em trabalhar com problemas, algumas
99
dúvidas na interpretação das sondagens de números dos alunos e ansiavam por
caminhos que as ajudassem a lidar com as dificuldades dos alunos com relação ao
SND – Sistema de Numeração Decimal.
Para compreender e analisar a prática e colaborar na observação das causas
que favorecessem a mudança dessas professoras, foram utilizados, como
procedimentos de investigação, a análise da narrativa da trajetória pessoal e
profissional, entrevistas semiestruturadas, os questionários, a elaboração de
sequências de atividades com/pela professora e o acompanhamento e observação
do desempenho da professora nos encontros de formação e na ação em sala de
aula.
A análise da narrativa da trajetória pessoal e profissional permitiu que durante
a escrita cada professora fosse resgatando as lembranças dos caminhos
percorridos, as sensações e os sentimentos envolvidos na história de vida escolar e
na história de vida do ser professora. Segundo Tardif (2002) os saberes docentes
estão contaminados pelo ato discursivo e narrativo das histórias de vida dos
professores e suas experiências de trabalho. A leitura dessas histórias possibilitou à
pesquisadora conhecer os avanços de cada professora e compreender as
fragilidades ou incertezas contidas em suas práticas ao ensinar matemática.
Os questionários e as entrevistas semiestruturadas foram utilizados com o
propósito de dimensionar as crenças, as teorias e a metodologia que embasou o
ensinar de cada professora, o seu saber matemático, a sua visão de educação, de
Matemática e da educação matemática.
O contrato pedagógico elaborado em conjunto com as professoras foi
baseado no modelo utilizado durante as formações de professores da rede pública,
registro escrito que delimitava os diferentes papéis e destacava as
responsabilidades de cada um na relação formador-professor-conhecimento-prática.
Esta prática talvez tenha sido desencadeadora de uma nova postura frente
aos grupos de formação. Ficou nítida a importância de cada participante
comprometer-se e ter o compromisso de todos, durante a realização das atividades,
no convívio grupal, nos estudos realizados no horário coletivo e nas pesquisas
praticadas em sala de aula, dimensionadas pelas tarefas.
Durante as Formações Continuadas de Matemática e em Língua Portuguesa
para professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, fomos repensando e
ampliando essa prática. Na medida em que a formação ia se consolidando, novos
100
princípios surgiam e os contratos pedagógicos eram acrescidos ou sofriam
alterações. O grupo assinalava a necessidade de mudança quando percebia o não
cumprimento de uma tarefa, bem como quando um participante se sentia excluído
ou desrespeitado.
No entanto, era consenso entre os formadores da rede pública que, propiciar
ao professor a vivência de cada etapa do processo organizador do contrato
pedagógico, seja na elaboração ou alteração de combinados, possibilitaria, além de
uma “boa convivência”, a organização de um “espaço formador e educador”.
Constituiria um ambiente capaz de gerar confiança e motivação para incorporá-lo na
prática de sala de aula. Segundo alguns depoimentos orais das professoras, os
combinados permitiram que todos estivessem conscientes dos critérios de
convivência, propiciando melhores relações entre professor – aluno e aluno – aluno.
O material de atendimento ao grupo-escola foi organizado pela
formadora/pesquisadora contendo registros reflexivos das observações e análises
didáticas durante a formação, as atividades elaboradas e algumas atividades
aplicadas em sala de aula, bem como as narrativas sobre os momentos marcantes e
interessantes vivenciados pelas professoras.
4.8 FORMAÇÃO NO ESPAÇO DE FORMAÇÃO – A ESCOLA
O primeiro encontro de formação nas escolas foi significativo para o
levantamento das dificuldades apresentadas e dos temas indicados pelas
professoras, que foram abordados durante os encontros no horário coletivo - JEIF.
As escolas A, B, C e D ficam em bairros periféricos que atendem
comunidades diversificadas e apresentam uma estrutura física bem distribuída e
agradável contendo respectivamente, dezenove (19), quinze (15), doze (12) e vinte e
uma (21) salas de aulas em cada um dos quatro turnos. As escolas têm áreas
externas bastante privilegiadas, com mais de uma quadra esportiva e oferecem
laboratório de informática e sala de leitura. As escolas apresentam um ambiente
acolhedor e organizado. Os alunos parecem gostar das escolas. Nos horários de
intervalos, presenciei alunos sempre alegres e envolvidos em brincadeiras e bate-
papos, no pátio, aproveitando este momento de interação social.
101
Duas das escolas apresentaram aspectos relevantes e diferenciais. Numa
delas, a escola B encontrei um Projeto de Matemática no qual participava uma das
professoras selecionadas. Ele envolvia duas etapas, em dias e horários diferentes: o
estudo e elaboração de atividades práticas como jogos, brincadeiras, desafios e
outros, e o atendimento aos alunos fora do horário de aula, que gostavam ou não de
matemática, para realizar as atividades elaboradas. O projeto, que envolvia estudos
exploratórios de material lúdico para a elaboração das atividades, era orientado por
uma Coordenadora Pedagógica, licenciada em Matemática. Na outra escola, a D, o
horário de intervalo supervisionado com proposta de jogos interativos teve um aparte
da minha atenção: vi os alunos participando de brincadeiras orientadas, outros
jogando pingue-pongue, xadrez, ouvindo música, dentre outras atividades sociais.
Nesse cenário, apresentando diferentes aspectos, é que vamos reconstituir
conversas com as professoras, falas constatativas, atividades pensadas e
organizadas, aulas dadas e assistidas e, finalmente, as intervenções reflexivas.
4.9 NARRANDO CONVERSAS E HISTÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORAS
QUE ENSINAM MATEMÁTICA
Dizem que ao “Contar um Conto se aumenta um Ponto”. Espero que ao narrar
conversas e histórias escritas dos professores participantes desta pesquisa, possa
contar um Conto registrando histórias lidas, relidas à vista do meu ponto de vista e
dos estudos realizados, e possa acrescentar, sim, um ponto, um destaque
ressaltando a alegria, o querer e o afeto que envolve cada prática.
Segundo Freitas e Fiorentini (2007), os professores, ao fazerem narrativas
reflexivas, aprendem e ensinam com elas. Aprendem, pois ao narrar estruturam suas
ideias, sistematizam e dão sentido às experiências e novos aprendizados. Ensinam,
na medida em que ao escutar ou ler narrativas e saberes de outros vão
ressignificando seus saberes e experiências. Para embasar seus estudos buscam
em Clandinin (1993, apud Freitas e Fiorentini) maiores esclarecimentos para validá-
los: Quando nós ouvimos as histórias dos outros e contamos a nossa própria, nós aprendemos a dar sentido às nossas práticas pedagógicas como expressões do nosso conhecimento prático pessoal, que é o conhecimento experiencial que estava incorporado
102
em nós como pessoas e foi representado em nossas práticas pedagógicas e em nossas vidas. (CLANDININ, 1993, p. 66)
Seguimos acreditando que ao narrar sua trajetória profissional e pessoal o
professor vai conscientizando-se de suas crenças, valores e saberes, vai
organizando suas experiências passadas, vai transformando e aprofundando as
experiências atuais e dando sentido aos novos estudos e experiências. É com esse
propósito que trazemos as narrativas reflexivas dos professores para mostrar o
caminho evolutivo de cada professora com relação aos seus saberes matemáticos e
ao seu ensinar.
Iniciaremos com a Professora Raquel21 que trabalha na escola A, com uma
turma de 1º Ano do Ensino Fundamental. Ela afirmou que ingressou no magistério
por vocação e realizou o seu trabalho durante vinte e quatro anos. Sempre sonhou
em ser professora, afinal em sua infância “a brincadeira predileta era brincar de
escolinha”.
Desde a primeira formação, deixou a impressão de ser alguém que gosta de
estar sempre atualizada e para isso lê muito. Sua bagagem conta com a experiência
de 24 anos de atuação em sala de aula e o compromisso com seus alunos. Muito
comunicativa, era uma das professoras que sempre narrava com entusiasmo os
avanços de seus alunos e indagava interessada sobre novos caminhos que
pudessem ajudar os alunos com dificuldades.
Ela gosta de ensinar Matemática, pois sempre foi “ótima aluna, não tinha
dificuldades, participava das Olimpíadas com sucesso”. Gosta de ler e estar sempre
atualizada.
Em nosso reencontro, apresentou-me ao grupo com muito entusiasmo e
orgulho, falando do muito que aprendeu na formação. Inclusive, fez um destaque a
respeito de um artigo que havia lido na Revista Nova Escola acerca da forma
diferenciada de trabalhar com o Sistema de Numeração Decimal. “O artigo está
falando tudo o que eu já tinha visto nas últimas formações com relação ao uso do
quadro numérico e contagem”, foi um dos seus comentários.
Sua preferência de trabalho está voltada para os primeiros e segundos anos
do Ensino Fundamental apoiada no afetivo pois, segundo ela, “as crianças menores
são mais amorosa”. Apresenta como justificativa também, a oportunidade de poder
21 Dados da pesquisa no CD anexo da versão física.
103
acompanhar os resultados do processo de ensino e de aprendizagem de seus
alunos e enfrentar o grande desafio desse processo - a alfabetização. A
alfabetização na língua materna e nos números. Esse processo complexo, mas
motivador, que pode apresentar resultados positivos ou negativos, impulsiona a
busca de novas alternativas pela professora, provocando uma ansiedade em querer
aprender cada vez mais.
Ao ler a narrativa de sua vida pareceu-me que o verdadeiro motivo subjacente
a esse afetivo, presente em sua sala de aula e em sua opção, relaciona-se às
lembranças gravadas em sua memória (palavras dela), por um fato traumático que
ocorreu em seu primeiro dia de aula, cheio de mal entendidos. Neste dia, sua
professora, talvez por inabilidade ou inexperiência, chamou-a “de lenta devido ao
ocorrido. Me senti rotulada pelas outras crianças. Penso que não é fácil para uma
criança com sete anos de idade ser discriminada e rotulada na presença dos
colegas da classe”. O fato deixou marcas profundas, como se fossem marcadas a
ferro. Cicatrizes invisíveis em sua carne e profundas em suas entranhas.
Durante os dois anos de formação, apresentou sempre uma postura atenta e
confiante, desenvolta, rápida ao realizar as atividades e comunicativa ao representar
seu grupo nas apresentações. Frente a esta imagem, foi com surpresa que encontrei
em seus escritos a afirmativa – “meu raciocínio é um pouco lento”, complementando
logo após com a declaração que emerge do fundo do seu ser como se fosse um
lenitivo que acalenta sua alma e liberta-a – “porém quando aprendo ou assimilo é
para sempre”.
Prosseguiu em suas lembranças: “lembro que me adaptei e guardei algumas
passagens que considero importantes que marcaram a minha vida escolar”. Neste
instante, ela recorda sua professora da segunda série, grande inspiradora da sua
prática, e afirma: “não era uma pessoa, mas sim uma fada, rígida, ao contrário da
professora da primeira série22”. Nos seus relatos, ela compara a postura das duas
professoras, destacando a inexperiência de uma frente à competência da outra, que
gestava a sala de aula com rigor, com pulso firme, com disciplina, “ela acolhia seus
alunos de forma carinhosa e trabalhava a Matemática com muita competência.
lembro-me que sua prática pedagógica na Matemática era enriquecida com material
22 Atualmente, corresponde, no Ensino Fundamental de nove anos, ao 2º Ano
104
concreto [...] e jogos para ensinar a conta e fazer os cálculos deixavam seus alunos
seguros e aprendiam mais”.
A professora da segunda série23 deixou germinada em seu ser a semente do
amor pela matemática e gravado em seu coração o modelo de como deve ser uma
boa professora. O elo que as une é tão forte que ela busca um pouco dessa
professora nas formações que participou. Uma eterna procura de metodologias que
indiquem caminhos que deixem seus alunos seguros, confiantes e permitam que
eles aprendam cada vez mais.
No entanto, percebo em sua escrita a respeito do trajeto estudantil que a
experiência matemática vivenciada nos anos posteriores com a maioria de seus
professores era difícil, sem funcionalidade e cansativa. É possível apreender da sua
narrativa que sua atitude ao analisar a postura de seus professores de matemática
foi mais um motivo que a impulsionou a buscar estratégias diferenciadas que
transformassem sua prática e permitissem um aprender com prazer e alegria.
É possível perceber o quanto as referências espaço e tempo são utilizadas
para alicerçar as experiências profissionais e interferem na maneira como o
professor ensina. Conforme afirma Nóvoa (1992, apud Megid, 2009), nossas
dimensões pessoais e profissionais entrecruzam-se na nossa prática docente.
Nesse sentido, a professora Raquel, pensando nos seus alunos, afirmou que
“a realidade é outra. Nossos alunos vivem numa sociedade que exige mais, ou seja,
reflexão, raciocinio prático e criativo para superar os desafios e resolver problemas
no dia a dia”. Por este motivo, considerou o ensino da maioria de seus professores
inadequado para ser reproduzido nos dias de hoje aos seus alunos,
Para atender os alunos, fruto de uma sociedade que se transforma a cada
dia, ela se esforça para ser uma professora inovadora, criativa, expressiva e
problematizadora, mesmo ao ensinar a Matemática que tanto ama. A certeza de que
uma boa professora é aquela que encanta em sala de aula é o agente motivador de
muita garimpagem pelos diversos grupos de formação dos quais participou
ativamente e que pondera: quanto mais ajuda e conhecimento melhor. Em sua
rotina, prioriza aula de matemática em todos os dias da semana.
23 Atualmente, corresponde, no Ensino Fundamental de nove anos, ao 3º Ano.
105
A professora Roseane e a professora Angela atuam, respectivamente, no
2º e 4º anos na escola B, em jornadas de trabalhos com horários diferentes. Elas
pouco se veem ou trocam experiências.
A professora Roseane24, com aproximadamente quinze anos de experiências
na educação, gosta de trabalhar com os primeiros anos, pois considera que os
alunos menores não têm “tantos vícios da escolarização”.
Nunca teve problemas com a matemática, foi boa aluna e apreciava seguir o
traçado tortuoso dos “vários caminhos para chegar a um resultado, comprovando-o”.
Essa “fascinação” como ela mesma diz, foi bastante influenciada pelo pai.
No entanto, a metodologia vivenciada na escola, segundo ela, não era
adequada para ensinar: “era um pouco engessada e valorizava apenas os métodos
econômicos de operar (desvalorizando as diferentes formas de pensar) [...] um fazer
de páginas de números em sequência de um em um”. Apesar de gostar de
Matemática, a metodologia praticada não sofreu influência da vivenciada.
Apresenta uma visão bastante crítica em relação ao seu fazer e ao fazer de
seus professores. Com relação aos professores que fizeram parte de sua caminhada
escolar, em sua opinião, não deixaram nenhuma marca, nenhum registro, nada que
merecesse ser destacado. Para ela, foram simplesmente “dadores de aula”, não
sendo modelos, “nem positivamente, nem negativamente”. Talvez este seja o ponto
em que se apóia para idealizar a sua referência de ser professora. Quer fazer a
diferença na vida de seus alunos, quer deixar sua marca positiva, ser lembrada.
Sendo assim, constituir-se professora teve como ponto de partida sua
participação como monitora-estudantil em um projeto da escola na qual estudava.
Projeto esse em que os alunos com maior facilidade eram convidados a ajudar
alunos com dificuldades em matemática. Nessa época, deu-se o “primeiro contato
com o planejamento e a aula”. É perceptível o quanto estas recordações deixaram-
lhe marcas profundas que são possíveis perceber quando afirma: “percebo o quanto
foi importante esta experiência. Gratificante. De crescimento. Eu me sentia satisfeita
ao ver que meus colegas estavam entendendo o que eu dizia e percebiam minha
dedicação em ajudá-los. Nessa época usava apenas meus instintos para auxiliá-los,
numa tentativa de imitar da melhor maneira possível o que nossa professora fazia (é 24 Dados da pesquisa no CD anexo da versão física.
106
que eu a admirava), mas com uma linguagem mais ‘facilitada’, traduzida para o
mundo pobre de vocabulário que tínhamos, deixando de lado os termos mais
técnicos”.
Ao narrar a sua experiência vivida vai aumentando a impressão deixada e
percebida de sua importância na trajetória profissional reflexiva da professora
Roseane, despertando-lhe o gostar de aprender e ensinar, mostrando-lhe a
importância de se fazer entender para o outro, e a alegria que acalenta a alma ao
constatar que ele aprendeu.
Atualmente, valoriza e trabalha com agrupamento de alunos, como um
caminho colaborativo em que os alunos podem ajudar e ser ajudados, numa
linguagem mais próxima, mais simples, mais acessível e muito mais inteligível.
Outro fator que contribuiu para enriquecer sua vivência pedagógica foi o
trabalho realizado em uma escola no Japão, como “Decassegui [...] Lá eu lecionava
para uma classe de alfabetização de crianças brasileiras[...] Não foi fácil. Além do
método tradicional de ensinar, as questões culturais pesavam muito”.
Apesar de ficar incomodada com uma metodologia mais tradicional, no início
de carreira, tal qual afirma Tardif e Raymond (2000), passa por um período
exploratório que suscita experiências e sentimentos fortes e contraditórios
provocando escolhas provisórias, através de acertos e erros. Nesse sentido, ela
tinha a certeza de que acabou reproduzindo a mesma atitude de seus professores
dos anos iniciais, que criticava. No entanto, percebia que apesar da metodologia ser
a mesma, segundo a professora Roseane “o diferencial é que eu fazia com um
aluno por vez, dedicando mais tempo, o que conferia às aulas resultados mais
positivos”.
Mas, foi no curso de Pedagogia, que conheceu uma nova forma de ensinar e
uma nova forma de olhar para o aprendiz, a metodologia construtivista. Ela se
encanta e confessa extasiada, “Que mundo novo! [...] Tive meus primeiros contatos
com Emília Ferreiro, Délia Lerner, César Coll e tantos outros”.
Ao refletir sobre o seu caminho profissional, o faz através da seguinte
reflexão: “pelas minhas experiências anteriores, posso dizer que hoje em dia estou
de bem com a minha profissão, porque me sinto não uma mera reprodutora de
conhecimentos, mas construtora de uma nova fase da educação. Sinto-me mais
autônoma da minha formação e isto me faz mais plena das minhas decisões e mais
responsáveis pelas intervenções que faça em sala de aula”.
107
Como professora de Matemática, se considera compreensiva e atenta,
respeitando o ritmo do aluno ao pensar matematicamente. Para ela, isso implica
entender e poder ajudar os alunos, quando colocados frente às situações-problema
propostas, quando apresentam procedimentos pessoais ainda incompreensíveis
para o seu entender.
Ao participar da formação continuada de matemática que originou esta
pesquisa, a professora Roseane era questionadora e interessada. Tinha sede de
aprender. Participava ativamente das atividades e observava com atenção as novas
informações. Gostava e continua gostando de desafios, sempre que pode aproveita
as oportunidades para participar de cursos de formação. No entanto, a formação
continuada de 2009 foi a primeira oportunidade de participar de uma formação de
matemática, sobre a qual declara abertamente, “mudou minha visão da Matemática.
Vi a Matemática da vida e da escola”.
Em sua rotina semanal prioriza seis aulas de matemática distribuídas em
todos os dias da semana. Em dois dias da semana alternados utiliza o Caderno de
Apoio e Aprendizagem e nos demais o livro didático adotado pela escola.
Vamos falar agora da Professora Angela25 que tem dezoito anos de prática,
advindos da história de uma menina que sempre brincava de “escolinha” e sonhava
em ser professora. Em sua adolescência, esta certeza se concretizou tendo como
modelo a dedicação e a prática da irmã mais velha, que tanto admirava. Iniciou
como aluna do CEFAM26 vivenciando metodologia inovadora e, ao se formar, foi
professora de uma escola padrão na rede estadual.
Sua opção foi ensinar alunos mais velhos, do 4º ano do Ensino Fundamental
e justifica: “os alunos já têm uma certa maturidade para argumentar”, o que permite
maior aprofundamento de alguns temas trabalhados.
Tornar-se e ser professora dos anos iniciais era a oportunidade em trabalhar
com crianças pequenas e o “encanto” em estar participando e propiciando “as
primeiras descobertas no processo de escolarização” era algo que enchia seu
coração de alegria e de certeza de ter feito uma ótima escolha profissional.
Gosta de matemática, contudo considera ter sido “uma aluna regular” nas
aulas de matemáticas, pois conseguia fazer com certa facilidade alguns conteúdos,
25 Dados da pesquisa no CD anexo da versão física. 26 Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério. Decreto Estadual 28.089D13/01/88. Um projeto especial com período integral e remuneração.
108
e outros, com dificuldade, segundo ela, insuficiente para “os padrões de
aprendizagens apresentados na época”.
Essa avaliação tão rigorosa apresentada sobre seu desempenho escolar tinha
sido produzido pela prática de seus professores, a qual ela reconhece
conscientemente, “não era adequada para a minha da época, nem tão pouco para
os dias atuais, pois não considerava o raciocínio construído pelos alunos e não os
preparava para o mundo externo, isto é, para atuar na realidade de uma sociedade”.
Ela narra sua vivência com uma matemática rígida, centrado numa
metodologia tradicional, e que desconsiderava o que o aluno sabia ou pensava. O
professor era o centro ativo e o aluno passivamente ia assimilando o que era
possível e o que era oferecido. A qualquer questionamento, a resposta não era
obtida. Uma matemática que pratica a metodologia do monólogo, ainda nos dias de
hoje. Um diálogo não praticado. O diálogo provoca em cada um de nós um pensar
nosso e um repensar o pensamento do outro.
Este é o diálogo promulgado por Freire (2000), um ser de comunicação, o
qual “sela o ato de aprender, que nunca é individual, embora tenha uma dimensão
individual” (p.14). Ele nos convida a dialogar mais em sala de aula, um professor
dialogando mais com seus alunos e ajudando a dizer mais sobre seus saberes,
promove também um diálogo entre os alunos dando espaço e valorizando as falas
que ocorrem na sala de aula. Finalmente, permitir um diálogo do professor e alunos
com os saberes matemáticos aprendidos ou não, numa criação e recriação desses
saberes.
Se seus professores não foram modelo para sua vida profissional,
atualmente, a professora Angela ao ensinar matemática se empenha em
“proporcionar atividades que sejam significativas para o grupo e através do escrito e
dos registros, compreender o processo realizado por cada aluno”. Sua intenção é
praticar uma “ensinagem”, uma prática atenta ao conhecimento de cada aluno,
permitindo que eles avancem e ampliem seus saberes e suas experiências. Uma
Matemática mais humana, mais próxima do aluno.
Todas as vezes que ela falava de seus alunos na Formação Continuada o
fazia com muito carinho, com muito respeito. Sempre queria saber mais, mostrava-
se interessada em compreender os diferentes jeitos de resolver problemas, e as
resoluções baseadas em cálculos mentais. Afinal, em sua classe haviam muitos
109
alunos que resolviam os problemas por cálculo mental e depois não sabiam
representá-los por uma escrita matemática, colocavam apenas a resposta.
Segundo sua análise, evoluiu no seu conhecimento, apesar de afirmar que
ainda tem muito a aprender. Hoje valoriza o processo de aprendizagem dos alunos,
os procedimentos pessoais e a circulação das diferentes maneiras encontradas ao
resolverem os problemas propostos.
Ao lembrar seu tempo de estudante deixa emergir um fato que a marcou
negativamente, a professora da terceira série27, cujo nome nunca esqueceu, que
utilizava uma metodologia em que os alunos terminavam suas tarefas e, conforme
ela as corrigia ia determinando seus lugares em fileiras classificatórias. Como
sempre, a fileira A era destinada para os alunos mais inteligentes, aqueles que
acertavam toda a tarefa, e as demais fileiras eram ocupadas de acordo com a
quantidade de erros que eram cometidos. Para ela, essa atitude era vista como uma
forma de humilhação aos alunos que não apresentavam um bom desempenho.
Novamente, encontro uma relação entre a maioria das professoras que
temem matemática com a prática de uma matemática tradicional, classificatória,
passiva, que valoriza o acertar e desprestigia o errar. O errar era proibido.
Minha impressão é que hoje a professora Angela busca nas diversas
formações das quais participou, suprir uma defasagem no conhecimento matemático
deixado pelos seus professores e, inclusive, pela sua formação acadêmica. Ela
busca na formação caminhos que permitam respeitar e valorizar o conhecimento do
aluno, ajudá-los a avançar com autonomia e com confiança aprendendo com alegria
e ampliando cada vez mais seus saberes.
Avalia os assuntos tratados na formação continuada de 2009 como sendo
“fundamentais para melhorar o desempenho do professor em sala de aula,
aprimorando os conhecimentos e conseguindo atingir aos alunos na totalidade”. Sua
participação sempre foi discreta, mas compromissada.
Em sua rotina, dedica oito das 20 aulas semanais, para a matemática.
Números e Operações são atividades constantes e os demais conteúdos são
distribuídos proporcionalmente. Utiliza o Caderno de Apoio e Aprendizagem e o livro
didático em função dos conteúdos a serem trabalhados.
27 Atualmente, corresponde, no Ensino Fundamental de nove anos, ao 4º ano.
110
Na escola C encontrei a professora Cora28 com mais três outras colegas
que haviam participado da formação em 2009. Por problemas particulares das
colegas, ela ficou sozinha nesse processo. Professora guerreira, com 29 anos de
profissão e de trabalho no 1º ano do Ensino Fundamental. Utiliza como justificativa a
facilidade de proximidade e afetividade com os alunos menores e a paixão pelo ato
de ensinar a ler e escrever – alfabetizar.
Apesar de gostar de matemática e de ensiná-la, tinha muita dificuldade ao
aprendê-la, fato este atribuído ao desempenho de seus professores que no seu
modo de ver a situação, “não dominava a sala” e nem a disciplina, a Matemática.
Vivenciou uma metodologia tradicional e ultrapassada, apresentando dificuldade em
assimilar/aprender Matemática. Por esse motivo, ela salienta que não utilizaria a
metodologia com a qual aprendeu, no seu ensinar.
Esta professora, sensível e atenciosa, também tem em sua história fatos que
se repetem nas histórias das outras professoras. Como elas, sua vida traz registro
da conduta de seus professores: foi colocada na classe “fraca” depois de não ter
acompanhado o ritmo da turma mais forte, e escreve deixando transparecer sua
tristeza: “me marcou muito de forma negativa, causando-me um complexo de
inferioridade que só enfrentei devido às condições familiares de amor e apoio.
Superei totalmente esse complexo quando cheguei na 4ª série”. Novamente, a
metodologia tradicional aliada a um rigor profissional deixa sulcos profundos na
trajetória de vida de seus alunos.
No entanto, esse processo de “meditação” reflexiva provocada pela escrita
narrativa encontra nos estudos de Megid (2009) explicações da profundidade que
mergulhamos “podendo trazer à margem os sentimentos, os conhecimentos, as
vivências de um determinado aspecto e, a partir dessa emersão, perceber como
interpretar o vivido e construir o por viver” (p.58) As “meditações” escritas propiciam
conhecer melhor a si mesmo, tendo consciência de seus limites, fragilidades e
potencialidades pessoais e profissionais.
Ao ler as narrativas é possível perceber o quanto as histórias contadas se
entrelaçam às histórias vividas, que se enroscam às histórias praticadas e vão
entrelaçando os fios das histórias de seus alunos na urdidura e tecendo saberes.
28 Dados da pesquisa no CD anexo da versão física.
111
Assim vai se tecendo uma rede de saberes que representa o movimento cultural e
educativo que acontece na instituição-escola.
A professora Cora crescera e estudara em uma cidade muito pequena, que
possibilitava a todos se conhecerem e, ao mesmo tempo, despertava uma
admiração pela posição ocupada pelo profissional professor na sociedade em que
estava inserida. Uma admiração que acordou o seu querer em formar-se professora.
No início da carreira, numa escola rural, enfrentou mil dificuldades, mas também lhe
despertou o gosto pelo ensinar; foi conquistada e declarou “ver aqueles olhinhos
brilharem quando aprendia, mesmo enfrentando o trabalho difícil da roça, isso me
trazia cada vez mais a segurança de que estava no caminho certo, me identificava
com a minha escolha. Hoje tenho certeza disso!!”
Esse processo, de formar-se e tornar-se professora, levou Cora a querer
aprender mais ao participar de Formações Continuadas, sobre as quais avalia que
os assuntos tratados e as atividades propostas foram relevantes e serviram de
motivação para as suas práticas. O gostar de ensinar matemática talvez tenha
refletido em sua rotina: prioriza três ou quatro aulas de matemática por semana.
Atitude que considero sensata e inovadora, tendo em vista, que muitos professores
alfabetizadores relevam o ensinar matemática para um segundo plano.
Na escola D trabalho com três professoras, Marina, Cecília e Lygia.
Observei que a professora Marina29, de todas é a que tem menos tempo de
atividade docente, por volta de uns doze anos. Na Formação Continuada mostrava-
se sempre muito interessada e realizava com eficiência todas as tarefas propostas.
Apresentava-se pouco falante, muito exigente com ela mesma, muito crítica.
Prefere lecionar para os extremos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, o
1º ano ou 5º ano. Com relação ao início confessa que “alfabetizar é muito bom. Você
vê as crianças despertarem para o mundo das letras e números, fazerem
descobertas”. No final, ela se depara com alunos maiores que “buscam as
descobertas, que se sentem desafiados”. Acredita que o papel do professor fica
mais definido no trabalho com estes anos.
Sua trajetória como educadora teve início como alfabetizadora do MOVA-
SP30, trabalho que a encantou e teve forte influência na opção pelo curso de
Pedagogia. Os primeiros anos como educadora permitiu a ela vivenciar 29 Dados da pesquisa no CD anexo da versão física. 30 Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos, criado pelo Prof. Paulo Freire.
112
“experiências fundamentais que até hoje determinam a concepção de mundo e de
educação que carrego”, anos significativos marcados por ensinamentos de Emilia
Ferreiro, Paulo Freire e Mario Sergio Cortella e outros. Aprendeu a enxergar a real
importância da educação para o desenvolvimento de um país. Lembrar do trabalho
docente com adultos trouxe-lhe certezas ao declarar que “aprendi muito com meus
alunos e graças a eles fui me tornando, a cada dia mais, uma educadora que
acredita no que faz”. Este diálogo íntimo, solitário desvela o quanto esta vivência
estruturou seus saberes iniciais e delineou sua prática.
Com relação a sua experiência inicial com crianças, o início também foi
marcado pela alfabetização. Apesar de parecer o mesmo trabalho, o trabalho foi
iniciado “com muitas dúvidas, pois apesar do papel ser o mesmo – educadora – o
olhar é muito diferente, as necessidades e expectativas são outras”.
Encontrou em sua trajetória muita ajuda de colegas, como ela mesma
descreve, “sempre dispostos a estender a mão, a trocar experiências e expectativas
de aprendizagem. [..] À medida que ensinava aprendia também”. Processo não
muito comum dentro de uma escola. A colaboração vivida e ressaltada pela
professora Marina é um fator que precisa ser destacado. O que se encontra
normalmente são professores em início de profissão, sozinhos, abandonados pelos
outros professores e pela instituição.
Nosso olhar para o problema se baseia em Nóvoa (2007) que trouxe à baila
este problema em uma palestra, afirmando “Continuamos a ser uma das profissões
onde se colabora menos, [...] do ponto de vista do gesto profissional, do dia a dia
profissional, da rotina, há um grande déficit de colaboração” (p.14). Para ele o
problema da colaboração com os colegas e integração dos jovens professores é
dramático e deprimente. Alerta para a necessidade de encararmos o problema, de
estabelecermos formas de inter-relacionamento mais colaborativo, mais coerentes,
menos solitária e individualista dos professores jovens, acentuando a tendência dos
profissionais da educação, um fechamento individualista e solitário.
A professora Marina participou de formações que envolvem tanto a
Matemática como a alfabetização, garantindo que foram importantes no
desenvolvimento de seu trabalho na sala de aula e direciona sua prática no
desenvolvimento de atividades que estimulam a criatividade, o raciocínio, o senso
crítico e autoestima.
113
Sempre gostou de Matemática, apresentando um bom desempenho na sua
trajetória escolar, inclusive era procurada pelos colegas para tirar dúvidas. Seu
desempenho nada tinha a ver com a metodologia dos seus professores de
Matemática. Ela como as outras professoras, vivenciaram a ênfase na memorização
e no treino de listas e mais listas com exercícios. As marcas deixadas por vários
professores ótimos se misturaram às poucas vivências negativas encontradas,
delineando o seu próprio caminho.
Falou com entusiasmo da participação na Formação Continuada de
Matemática, do tratamento diferenciado dado aos conteúdos tratados, da reflexão
realizada a respeito do seu trabalho, bem como do compartilhamento propiciado
pela troca de experiências. Para ela, foi uma experiência muito rica, relatando as
mudanças provocadas em sua prática, pois, “após a formação foi procurar entender
melhor o que eles sabem, como eles pensam e quais os mecanismos mentais que
utilizam para solucionar as contas e as situações-problema apresentadas pelo
professor. A partir daí, precisei mudar minha postura frente às dificuldades
apresentadas pelos alunos além da metodologia utilizada”.
Oferece Matemática aos alunos em seis horas-aula distribuídas por quatro
dias da semana, numa rotina que privilegia cálculo mental e problemas. O Caderno
de Apoio e Aprendizagem foi um organizador da sua prática, pois em cada unidade
contempla os blocos de conteúdos: Números e Operações, Espaço e Forma,
Grandezas e Medidas e Tratamento da Informação.
A professora Marina assim finaliza sua narrativa reflexiva: “sei que muitas
vezes a sombra de um modelo tradicional e limitante de educação ainda nos segue,
não permitindo um avanço mais sólido na direção de uma educação transformadora
e inovadora que valorize de fato cada educando, como um ser humano dotado de
diferentes capacidades e potencialidades”.
Ela demonstra seu processo de transição entre o seu fazer seguro de muitos
anos e o fazer novo ainda incerto, cheio de dúvidas, instigado pela formação
continuada. Para abalar ainda mais suas verdades, as atividades praticadas e
relatadas pela professora mostraram-lhe a importância dos saberes que transitam na
sala de aula e a importância de valorizá-los. Como é sabido, mudar é difícil, é um
processo lento e solitário. Segundo Serrazina(1999) mudar leva certo tempo e
precisa de muita persistência dos professores, as mudanças na prática ocorrem
quando
114
os professores ganham autoconfiança e são capazes de refletir nas suas práticas. Isto pressupõe um elevado grau de conscientização que os ajude a reconhecer as suas falhas e fraquezas e a assumir um forte desejo de ultrapassá-las. (SERRAZINA, 1999, p.164)
Esse processo de mudança gradativa na prática de matemática em sala de
aula tem sido regado de muita reflexão e adubado com a conscientização de cada
gesto, permitindo a professora Marina, uma trajetória mais segura e dinâmica. Ela
tem duas características importantes: o querer mudar e o ousar fazer.
A Professora Cecília31 atua em uma turma do 2º ano, na escola D. Sua
formação abrange Magistério e Biologia. Sua participação no curso de formação era
atenta, interessada, mas silenciosa, pouco revelava da sua prática.
A motivação e a vontade de trabalhar com “os pequenos” são motivos fortes
para a não preferência por um ou outro ano do Ensino Fundamental, e declara “só
não lecionei para os 5º anos”.
Uma sementinha plantada por uma tia também professora, no solo fértil de
sua infância, através dos livros, lousas e semanários usados que eram dados para
alimentar a brincadeira, presente na infância de muitos professores, a “escolinha”,
despertou-a para o magistério, para ser professora.
O não gostar de Matemática é algo que ela não esconde e tem resultado em
um aprender Matemática com muitas dificuldades, apoiado na memorização e no
“muito medo de errar [..] as aulas eram chatas, sem a participação do aluno”. A
metodologia utilizada por seus professores, a seu ver, não era adequada nem para
ela, nem seria hoje para seus alunos, ela “era muito tradicional, o professor era o
doutor do saber! Será? O aluno não questionava, ele não tirava as nossas dúvidas,
apenas transmitia seu conhecimento”. Percebo que sua lembrança está
contaminada pela decepção, pela frustração do não aprender, e prossegue narrando
que se lembra de poucos professores, “alguns de forma positiva e outros não tanto”,
apesar de gostar muito de estudar. A escola como oportunidade de conhecer
pessoas e coisas novas é a única lembrança positiva deixada pela sua trajetória
estudantil. A escola vista como espaço social e transmissor do saber, independente
da atuação eficiente ou não dos atores que a institui ou são instituídos por ela.
31 Dados da pesquisa no CD anexo da versão física.
115
O gostar de estudar foi a alavanca que impulsionou o seu buscar por muitos
cursos, como ela mesma declara. É uma professora que, ao ensinar Matemática,
tenta superar suas dificuldades, com muito esforço, com vários cursos, preparando
suas aulas com cuidado e carinho. Tem uma preocupação em fazer o melhor, e
afirma que ainda precisa melhorar e muito.
Entretanto, quando participou da Formação Continuada de Matemática,
realizada sob minha orientação, avalia que os assuntos foram válidos e ricos, o que
interferiu foi o tempo, muito curto. No entanto, ao retornar a sua prática, confessa,
“achei difícil de aplicar em sala, mas, sempre fiquei com aquilo na cabeça, [...]
deveria ser aplicado o que aprendi em prol dos alunos”. O como fazer era algo que
estremecia a segurança e a certeza dessa professora. O mudar a prática para “uma
matemática mais elaborada, mais participativa, mais desafiadora, tanto para mim,
quanto para os alunos”, assustava a professora Cecília. Deixava transparecer o
quanto vencer o medo e a insegurança é fator primordial para os avanços esperados
pelos formadores.
Segundo Paulo Freire (2000), o medo é algo muito concreto e não abstrato.
Medo está relacionado a reflexão sobre a necessidade que “...temos de ser muito
claros a respeito de nossas opções, [..] exige certos tipos de procedimentos e
práticas concretas que, por sua vez, são as próprias experiências que provocam
medo”(p. 69). O autor explica que, na medida em que vai aumentando a clareza
sobre as opções e os sonhos proporcionalmente, vai clareando melhor as razões do
medo e a certeza de que ele precisa de limite. O medo imobiliza ações e a ousadia
rompe os grilhões.
Entretanto, segundo Cecília, muitos grilhões estão sendo rompidos e o medo
restringido pelo uso dos “excelentes Cadernos de Apoio e Aprendizagem” que
fizeram aflorar o aprendizado adormecido, produzindo “um trabalho mais rico”. As
atividades propostas pelo material fazem com que “o professor precise rever seus
conceitos”, e refletir sobre seus conhecimentos. No material, o trabalho com a
Matemática é proposto de maneira mais lúdica e participativa, cujas estratégias
incentivam o aluno a pensar, a buscar caminhos para a solução das mesmas.
Avalia que “os encontros estão sendo ótimos, porque a matemática sempre é
um grande nó, tanto para estudar, quanto para ensinar”.
116
A professora Lygia32 é a única que nunca fez formação de Matemática, mas
mostrou-se interessada. Seus questionamentos sobre a Matemática convenceram-
me a adotá-la e passei a observar suas aulas. Ela tem uma experiência docente de
dezoito anos com alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental.
Professora alfabetizadora por opção, mas com influência de uma família
ligada a educação, inclusive a mãe também professora. Ensinou em todos os anos
iniciais do Ensino Fundamental.
Em sua história de vida narra os diferentes caminhos que seguiu até a sua
opção final: ser professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental, uma professora
polivalente. Foi desde vocalista de banda à professora de Língua Inglesa.
Sua trajetória estudantil foi afastando-a cada vez mais da Matemática,
enquanto a sua trajetória profissional foi aproximando-a desta área do
conhecimento, que declara não gostar. No período escolar foi amparada por um
irmão que tinha um ótimo desempenho em matemática. “Péssima, insegura e meu
raciocínio lógico nunca foi bom [...] fiz o básico para passar de ano e cheguei a ficar
de recuperação, uma vez na vida em matemática!!! Meu Pesadelo!” é a análise
realizada por esta professora que hoje ensina Matemática para seus alunos. Em sua
narrativa aflorou uma empatia relacionada às experiências vividas com uma
Matemática cuja metodologia ela elucidou: “era tudo mecânico, decorativo, dependia
de memorizar esquemas sem entender o que se estava fazendo”. Percebo uma
relação insegura, incerta, receosa em Matemática.
Sua atuação como professora que ensina Matemática demonstrou segurança,
mas não se considerava um modelo de atuação, nem um exemplo. Contou do
contato com o programa de formação – PROFA33, sobre o qual ressaltou sua
qualidade ao afirmar que ele “fez revolucionar meu jeito de ensinar abrindo um leque
de opções para deixar o tradicionalismo guardado na gaveta” e avaliou que os
diferentes investimentos formativos na área de Língua Portuguesa permitiu um rumo
certo com base mais sólida. No entanto, com relação à Formação Continuada de
Matemática só “mais recentemente é que começamos a olhar com maior atenção
para ela”.
32 Dados da pesquisa no CD anexo da versão física. 33 Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, proposto pelo MEC e realizado na rede estadual e municipal. Ser formadora deste Programa foi mais um marco de minha trajetória profissional.
117
Ao ser questionada sobre a ajuda proporcionada pelos assuntos tratados na
Formação Continuada da qual participa afirmou que achou importantíssimos, um
apoio para um trabalho mais significativo em sala de aula, a oportunidade de
aperfeiçoar o seu conhecimento matemático e também ampliar o dos seus alunos.
Salientou ainda que a formação na escola “ajudou muito, pois o que aprendemos
durante a formação inicial nem sempre é suficiente, ou eficiente, para atendermos o
dia a dia na sala de aula. E há sempre algo novo para aprender”.
A sede de aprender que esta professora apresentou superou a dificuldade
que ela declarou ter. Trabalha com matemática apenas três vezes por semana, e
utiliza apenas o Caderno de Apoio e Aprendizagem; tem uma rotina muito bem
estruturada e só lhe falta abrir mais um pouquinho de espaço para esta matemática
que tanto encanta os pequenos.
Para encerrar a narrativa das histórias de vida das sete mulheres, que
compõem uma trama sagaz e intrincada, tecida com fios coloridos e de formatos
diferentes, representando cada escola, apresento o cenário onde os atores
aparecem com roupagens diferentes (formação inicial), mas unidos por uma mesma
causa: saber mais Matemática.
Quadro 2: Perfil dos atores da formação
Formação Relação com a Matemática
Nome do Professor
Escola
Médio Superior Pós-graduação
Tempo de atuação
gostam Desempenho como aluna
Raquel A Normal Pedagogia Psicopedagogia 24 anos sim Ótimo
Roseane B Magistério Pedagogia Alfabetização 15 anos sim Bom
Angela B CEFAM Pedagogia Psicopedagogia 18 anos sim regular
Cora C Normal Pedagogia não 29 anos sim dificuldade
Marina D Médio Pedagogia Psicopedagogia 12 anos sim Bom
Cecília D Magistério Biologia não 25 anos não dificuldade
Lygia D CEFAM Letras Trad. L. Inglesa 18 anos não péssimo
118
CAPÍTULO 5
ESCOLA - ESPAÇO DE FORMAÇÃO DA/PARA PRÁTICA
Nesse capítulo, contarei o desenrolar da tessitura das práticas das sete
educadoras que iniciaram a sua trajetória buscando caminhos alternativos em uma
Formação Continuada de Matemática, fora da escola e, posteriormente, em
colaboração com esta formadora/pesquisadora, dentro da escola. Foram
fortalecendo o ato de tecer a prática, ponto a ponto, em cada trama dos seus
caminhares pedagógicos, do conhecer e reconhecer dos seus saberes e também de
compreender os saberes de seus alunos. Foram, pouco a pouco, mudando seus
conhecimentos provisórios e os de seus alunos, ampliando-os na medida em que
reformulavam ou aventuravam-se por um fazer diferente.
Nesse movimento de observar e de ser observada, também fui revendo o
meu papel de formadora, no qual a emoção, os fazeres, a colaboração e a confiança
se enredavam para responder ao desafio de refletir na ação formadora e sobre essa
ação. Processo de reflexão que teve como fundamento um repensar teorias,
encaminhamentos e planejamentos conjuntos e individuais. Num processo paralelo,
fui desempenhando um novo papel, o de pesquisadora, cujo olhar atento e afastado
tudo observava, sem deixar-se contaminar pelas relações afetivas, mas
extremamente interligada e entrelaçada pelo olhar e ouvir sensível da formadora.
Processo uno e duplo, fusão de papéis desempenhados, de formadora/pesquisadora
e de pesquisadora/formadora. Segundo Morin (2001), para melhor compreendermos
a nós mesmos ou ao outro, é preciso “compreender sua unidade na diversidade, sua
diversidade na unidade. É preciso conceber a unidade do múltiplo e a multiplicidade
do uno” (p. 55).
Nesse sentido, a realização da Formação Continuada de Matemática nas
quatro escolas públicas A, B, C e D, teve como foco de atenção o estudo no coletivo
e a reflexão na e sobre as práticas, bem como, a preocupação em manter um
diálogo com os reais problemas enfrentados pelos professores ao ensinar
Matemática nos anos iniciais.
119
Uma abordagem reflexiva na formação que Pimenta (1999), com base em
Zeichner (1988), afirma ser uma boa estratégia para melhorar a qualidade da
formação de professores, pois permite que seja potencializada a capacidade de
enfrentar a complexidade, as incertezas e as injustiças dentro e fora da escola. A
autora prossegue destacando que a formação envolve um duplo processo: o de autoformação dos professores, a partir da reelaboração constante dos saberes que realizam em sua prática, confrontando suas experiências nos contextos escolares; e o de formação nas instituições escolares onde atuam (PIMENTA, 1999, p. 30)
A Formação na escola foi vista como um espaço para aplicar o conhecimento
das formações iniciais e continuadas e analisar as práticas que ocorrem dentro do
espaço escolar. É a oportunidade que o professor tem de investigar o seu fazer,
compreendendo não apenas os seus saberes, mas também, os dos seus alunos.
Local propício a um repensar de atividades e intervenções, um desvelar de teorias
que sejam base para as diferentes escolhas dos professores e que lhes permitam
compreender as escolhas de seus alunos. Ambiente desencadeador de escuta
atenta, olhar observador, atitude investigativa e espírito desafiador.
Uma reflexão com o mesmo significado atribuído por Oliveira e Serrazina
(2002), que pode “abrir novas possibilidades para a ação e pode conduzir a
melhoramentos naquilo que se faz. A reflexão pode potenciar a transformação que
se deseja e que se é capaz de fazer com os outros” (p.12).
Nesse sentido, foram sendo construídos novos caminhos ou revisitados
aqueles que suscitaram dúvidas ou não produziram os resultados esperados. Muitas
questões foram sendo explicitadas e saberes despertados. Sob olhares
perscrutadores e atentos foram sendo realizadas discussões, negociações e
propostas, apesar das fisionomias envoltas pelas dúvidas. Os resultados foram
sendo construídos em uma trajetória reflexiva e produtiva que narrarei com muito
carinho por todos aqueles, integrantes deste caminhar, e colaboradores que
contribuíram para que esta investigação fosse concretizada.
Os questionamentos e interesses verbalizados pelas professoras
participantes foram delineando um caminho inicial por meio das estruturas e da
organização do SND – Sistema de Numeração Decimal e uma retomada a respeito
de como os alunos constroem suas ideias sobre números. Apesar dos professores
terem estudado os encaminhamentos propostos pelo livro do professor do Caderno
120
de Apoio no horário coletivo, eles ainda apresentavam dúvidas de como lidar com
alunos que:
1) Recitam números oralmente, mas não sabem escrever os que são
propostos.
2) Na sondagem, escrevem quantidades de algarismos que excedem os
números ditados ou solicitados por meio da escrita por extenso.
3) Escrevem números com algarismos invertidos.
4) Ao comparar dois números, utilizam regras desconhecidas para destacar o
maior ou menor.
Muitas dessas dúvidas já haviam sido tratadas por mim durante as formações
continuadas que as sete professoras haviam participado. O esperado era que as
dificuldades fossem apenas das professoras que nunca haviam participado de
formação. Para minha surpresa, era comum a todos.
Por este motivo, o ponto de partida foi olhar para as sondagens realizadas
pelas professoras e cuja análise havia gerado muitas dúvidas. A sondagem envolvia
um ditado de números realizado a cada bimestre para verificar o conhecimento
numérico dos alunos. Frente ao meu questionamento sobre como haviam realizado
a análise, afirmaram que encontraram alunos que ao escreverem números “se
apoiavam na fala” ou utilizavam números com “muitos zeros ou uns” para substituir
alguns algarismos que compunham o número ditado. Inclusive, as professoras que
fizeram uma comparação com as escritas alfabéticas, afirmaram que os “alunos ao
escreverem palavras desconhecidas, registravam muitas letras relacionando a
quantidade de letra ao significado da palavra”. Utilizaram a situação como analogia
para definirem as escritas dos alunos para números desconhecidos e cuja oralidade
dava uma ideia falsa de serem números muito grandes, talvez por isso “eles usavam
muitos algarismos”. Em entonação que transmitia surpresa e ao mesmo tempo
suspeita, declararam algumas professoras que “alguns alunos usam letras quando
escrevem os números desconhecidos, eles não reconhecem e nem sabem ainda os
números e temos alunos que escrevem o número invertido. O que fazer com eles?”
Com relação a esses questionamentos e as diferenças de escritas
encontradas na sala de aula, Tolchinsky (2003) assegura que há diferenças entre a
produção da escrita numérica e o sistema que envolve o número. Para ela ordem, quantidade e repetição de marcas são restrições previsíveis na escrita, enquanto as mesmas restrições são imprevisíveis para a
121
notação numérica. Na notação numérica, a regulação pelo referencial faz com que qualquer combinação seja possível, não existem restrições com relação à repetição ou quantidade de marcas”. Para ela o sistema de numeração decimal é menos limitado sintaticamente que a escrita (TOLCHINSKY, 2003, p. 206).
A autora afirma que a relação entre símbolo numérico (algarismos), seu nome
e o que ele significa são mais fáceis de compreender do que com os símbolos
alfabéticos.
Logo, uma questão pairou no ar, mas deixei-a em suspenso para ser
retomada em um momento oportuno de reflexão: Aluno que escreve letra não sabe o
que é número? Tinha a certeza que os estudos e discussões poderiam responder
essa questão após uma análise comparativa e mais apurada.
Em cada sala de aula observada, percebi que os alunos tinham a sua frente,
logo acima do quadro, o alfabeto e os algarismos de 1 a 9 e por último, o zero. Era
esperado que eles buscassem apoio naquilo que sabem e têm certeza. Como eles
leem o alfabeto diariamente, ele é mais presente, quanto aos números não tinham
uma leitura tão frequente.
Ao analisarmos as sondagens, encontrei o registro das variedades de
produções numéricas apontadas pelas professoras e também um discurso pronto e
seguro baseado nas informações obtidas nas formações anteriores, sobre algumas
das características encontradas nas escritas.
No entanto, ao serem questionadas por mim (formadora) sobre a escolha dos
números ditados em cada sondagem realizada ou, a interpretação das escritas
numéricas de seus alunos, muitas dúvidas eram evidenciadas e perguntas
mencionadas. Diante dessa situação, eu (formadora) percebi que o diálogo ali
instalado. Necessitaria de um estudo profundo, reflexivo e esclarecedor sobre
números. Estudo que seria para uns, apenas uma retomada, e para outros, um
primeiro contato mais profundo, contudo, para ambos, muito mais esclarecedor.
Primeiramente, iniciei um reolhar em conjunto com as professoras, no ditado
de números realizado com os alunos, nas escritas e no acompanhamento da ficha.
Fui problematizando e, ao mesmo tempo, delineando um panorama geral do que
cada aluno sabe sobre números e um diagnóstico dos avanços ou dificuldades
encontrados. A estratégia utilizada teve a intenção de direcionar o olhar das
professoras por outro viés: observar o que os alunos já sabem e como sabem, ao
invés de focar apenas no que eles não sabem. Cada professor foi levado a perceber
122
que compreender o que aluno “tentou fazer, para descobrir qual a natureza do erro
que ele cometeu, exige um olhar mais cuidadoso” (WEISZ, 2000, p. 40), uma atitude
mais observadora. Postura que demanda do professor, segundo a autora “construir
conhecimentos de diferentes naturezas, que lhe permita ter claros os seus objetivos,
selecionar conteúdos pertinentes [...] e construir novos patamares de conhecimento”
(p. 54). Nesse sentido, a análise do material escrito e da fala dos alunos passa a
exercer um duplo papel, de intervenção para que haja avanço e de
planejamento/replanejamento para pensar/repensar estratégias de ação.
Imbuídos do querer saber retornamos a situação geradora de conflito, as
escritas numéricas, pois segundo as professoras “o avanço de alguns alunos se
dava de forma muito lenta”. Inclusive, as sondagens realizadas até aquele momento
apresentavam resultado insatisfatório, com pouco progresso, fato que as
incomodavam. “Os números são muito grandes. Talvez este seja o motivo das
dificuldades encontradas”, concluíam algumas. Outras ficavam caladas, só
aguardando.
As sondagens utilizavam como base o modelo proposto pelo documento
“Guia de Planejamento e Orientações para Professor do 2º Ano (2007, p. 26)”. Para
ilustrar, partimos dos números propostos para serem utilizados na sondagem do
segundo semestre, em agosto: 50, 84, 590, 600, 705, 3068, 6000, 8473. Números
escolhidos pelas escolas desta Diretoria para o diagnóstico dos alunos de 1º e 2º
anos do Ensino Fundamental. Mediante essa situação indaguei: “A escolha desses
números está apoiada em algum critério?”
Apesar das indignações, indagações e concordâncias, algumas professoras
disseram que utilizavam aqueles números para realizar o diagnóstico solicitado pela
Secretaria de Educação e cujo resultado deveria ser tabulado e encaminhado.
Nunca haviam questionado a seleção desses números e não de outros. Afirmaram
que “afinal são propostos por um documento oficial e selecionados para facilitar a
comparação entre as escolas, mas se pudessem proporiam números mais simples”.
Podemos perceber que muitas vezes, muitos dos professores utilizam
recursos pedagógicos como o livro didático, jogos ou sondagens, entre outros, sem
muita análise e muita clareza a respeito dos fundamentos ou critérios que os
embasam.
Após problematizar o assunto e a constatação de como os envolvidos
pensavam, eu/formadora realizei um fechamento sobre a fundamentação que
123
embasava a seleção e organização de um ditado de números bem como os critérios
que as envolviam:
1) Uso de números desconhecidos: as grandezas numéricas devem ir além das
já trabalhadas pela professora, para que não paire dúvida se os alunos
escreveram de memória ou elaboraram um critério próprio no qual tenha
sido colocado em jogo tudo o que sabiam e pensavam sobre a escrita dos
números.
2) O valor posicional: alguns algarismos ocupam diferentes posições em
diferentes números, para se observar como cada aluno compreendeu e
utilizou o princípio do valor posicional. Para exemplificar, vamos nos reportar
para o modelo em destaque e observarmos o algarismo 8 que aparece nos
números 84, 3068, 8473.
No entanto, sabemos que os números 3068, 6000 e 8473 são números
desconhecidos e que ainda não foram trabalhados pelos professores dos primeiros e
segundos anos do Ensino Fundamental. A seleção realizada tinha sido feita com o
propósito de averiguar o conhecimento dos alunos, o que sabiam e como sabiam
além de compreender e utilizar as respostas dadas para a realização de novas
atividades.
Retomei e compartilhei com os professores envolvidos, uma síntese dos
estudos realizados por Brizuela (2006), Nunes e Bryant (1997), Lerner e Sadovsky
(1996), Moreno (2006), entre outros. Constatações que apoiaram os
esclarecimentos realizados, validaram os discursos e subsidiaram minha intervenção
com o grupo. Entendo por intervenção, a ação realizada pelo formador ou professor
frente a uma situação que envolve reflexão, solução e tomada de decisão.
Com relação aos alunos que misturam letras e números em suas escritas
tabulamos uma conversa baseada nos esclarecimentos de Brizuela (2006). Ela
constatou que os alunos em suas escritas utilizam letras ou números, ou só letra ou
todos os números que conhecem para representarem os números ditados ou as
escritas realizadas. Muitas vezes podemos perceber que elas repetem o mesmo
algarismo várias vezes. Frente a essa constatação dos professores a autora
complementa: “a aceitação do uso do mesmo grafismo para representar quantidade,
e sua rejeição para representar linguagem escrita, reflete o fato de que as crianças
fazem distinção entre linguagem escrita e números escritos” (p. 20).
124
Brizuela (2006) busca base nos estudos de Emilia Ferreiro sobre a
aprendizagem do sistema de escrita, com quem corrobora ao afirmar “parto do
princípio de que os sistemas escritos constituem objetos conceituais. Isto é, a
aprendizagem infantil das notações matemáticas não é meramente uma questão de
habilidades perceptivo-motoras”(p.18). Isso nos permitiu refletir a respeito da
validade do preenchimento de folhas e folhas repletas de números, se essas listas
colaboraram para a compreensão da organização do sistema, a percepção das
relações que existem entre seus elementos e sobre seu funcionamento. As
professoras perceberam que fazer números de forma mecânica tinha na verdade o
único propósito de treinar a escrita simbólica, mas quando os alunos eram testados
para escrevê-los a dúvida tomava conta e na escrita apareciam números
desconexos.
Após essa discussão encerramos o assunto, pois esse tema não era algo que
merecia um debruçar mais atencioso, elas já haviam realizado a sondagem e
enviado a análise para os órgãos centrais. A tarefa estava cumprida.
No entanto, o assunto veio à baila novamente no início do ano de 2011, e é
sobre esse momento que vou discorrer. Antes da solicitação oficial, incitei novas
reflexões, e eu/formadora provoquei os professores para que elaborassem um
ditado com novos números, utilizando os critérios já conhecidos. A sondagem teria
outra conotação; seria utilizada com o propósito de diagnosticar o conhecimento
numérico dos alunos no início do ano letivo. Com esses dados em mãos, teriam
condições de planejar ações mais adequadas que consideraria tanto a
complexidade do sistema de numeração como o processo de construção do
conhecimento de seus alunos.
Para Lerner e Sadovsky (1997), a complexidade é inseparável da
provisoriedade. Ela afirmam “ teremos que renunciar a estabelecer no início todas as
relações possíveis, e será necessário optar pela reorganização progressiva do
conhecimento” (p.118). Para elas, a aprendizagem é provisória, na medida em que
os conflitos vão se estabelecendo, o conhecimento atual vai sendo substituído por
novas descobertas e transformando-se em novos conhecimentos.
Nesse sentido, foram retomados os estudos de Brizuela (2006), Moreno
(2006), Lerner e Sadovsky (1996) e Nunes e Bryant (1997) pois, além do coletivo da
escola ter novos integrantes, devido a rotatividade, havia necessidade de novos
conhecimentos ou um estudo mais detalhado para vencer a provisoriedade dos
125
saberes e colaborar na definição das intervenções. O combinado foi que os estudos
seriam realizados em outros momentos de horários coletivos e que seriam
retomados na medida do necessário quando precisassem de maiores
esclarecimentos.
Além do estudo, as professoras do horário coletivo se comprometeram em
realizar as sondagens e trazê-las no próximo encontro. As sete professoras em
horário individual (comigo como formadora) vivenciaram a organização de um ditado
de números diferentes dos propostos nos documentos oficiais:
1. A professora Roseane da escola B elaborou o seguinte ditado de
números: 6, 32, 23, 16, 300, 123, 2000, 5000.
2. O ditado organizado pela professora Cora da escola C para sua turma
envolveu arranjos dos algarismos de 1 até 5, cujo resultado obtido foi
os números: 4, 13, 25, 42, 135, 230, 2000, 5000.
3. As professoras Cecília e Lygia da escola D também optaram por
números de 1 até 5. O ditado envolveu os seguintes números: 2, 5, 24,
43, 54, 243, 300, 304, 2005, 5000.
Com as escritas dos alunos em mãos e a certeza de que “erro é fecundo e
desempenha um papel construtivo na aquisição de conhecimentos” (MORENO,
2006, p.53), encaminhei a discussão para que fizessem um contraponto entre o
discurso incorporado e utilizado com certo orgulho e o observado nas sondagens. A
discussão transcorreu ao redor do que elas achavam que seus alunos já sabiam.
Normalmente, elas desfilavam um grande número de assuntos que seus alunos não
dominavam. A mudança esperada é que elas aprendessem a olhar para os saberes
dos alunos como uma boa parte assimilada e se preocupassem com as estratégias
de ensino para atender o que eles não ainda sabem, assim a organização de tempo
da rotina seria mais eficiente. Analisei com elas diversas escritas, inclusive levei de
uma escola para outras as sondagens significativas que mereciam ser observadas
nos outros grupos-escola, como exemplos reais dos estudos realizados. Para
exemplificar, apresentarei algumas sondagens mais significativas de alunos das
professoras Roseane, Cecília e Lygia.
126
Alu
no A
- P
rofe
ssor
a Ly
gia
Alu
no B
- P
rofe
ssor
a C
ecíli
a
Figuras 3 e 4: Sondagem de números de março/2011 Fonte: Acervo pessoal.
As figuras 3 e 4 representam as escritas de dois alunos com 6 anos e
frequentadores do primeiro ano do Ensino Fundamental. Apresentam saberes
diferenciados com relação à organização dos números, mesmo tendo conhecimento
escolar até o número 30. As professoras Lygia e Cecília haviam iniciado o trabalho
de números e tinham como objetivo avaliar os algarismos do 1 ao 5, distribuídos nas
diferentes posições.
O aluno da professora Lygia foi trazido como exemplo, por dois motivos.
Primeiro que é o aluno que todas as professoras ali presentes gostariam de ter e um
exemplo perfeito para as constatações das autoras mencionadas. Em segundo
lugar, foi analisado se é possível afirmar que ele escreve convencionalmente, e elas
127
identificaram que ao realizar o ditado escreveu quase todos os números na forma
convencional, exceto para os números 304 e 5000. Para 304, apresenta uma escrita
apoiada na fala 3004 e para o número 5000, representou com um zero a menos,
apesar de ter escrito 2005 corretamente. Perguntei a elas: “Será que ele escreveu
2005 de memória, por isso esqueceu um zero na escrita de 5000?”. As professoras
não souberam responder e perceberam que precisariam de novas escritas. Elas
concluíram que este aluno parecia conhecer bastante sobre a organização do
sistema, parecia ter utilizado informações outras, não somente as da escola para
realizar a sua tarefa, inventou ferramentas que o aproximou da escrita convencional,
mas tudo isso eram só conjecturas. Para termos certeza precisaríamos investigar
mais sobre como ele elabora seus procedimentos.
Ao observar a figura 5, parte da escrita realizada pelo aluno da professora
Cecília, ao representar números desconhecidos entrou em conflito e utilizou
números coringas. As professoras destacaram que ele ao escrever o 243, para
representar o 200 em vez de escrever o 2, usa o 1.
Figura 5: Detalhe da figura 6. Números coringa Fonte: Acervo pessoal
No entanto, verificamos que ao representar o 300 na escrita do 304, retornou
ao uso do coringa, o 1, mesmo tendo colocado o 3 na posição correta na escrita do
300. Observamos que na escrita do número 300, apesar de ser um número exato
com nós, ele usou o 1 e 4 no lugar dos zeros e trocou de lugar o algarismo 3 pelo 1
para a escrita de 304 deixando que o algarismo 4, na posição correta. A impressão
deixada por suas escritas é que trocou os algarismos 1, 3 e 4 de lugar, não
demonstrando nenhuma restrição sobre a repetição do mesmo algarismo, o 1, ao
representar números diferentes, o 243 e o 304.
Percebemos que o aluno realizava, conforme Brizuela (2006, p. 53) denomina
“uma rotação de algarismos” que é utilizado como elemento diferenciador, uma
forma observada pela autora de interagir com as regras convencionais do sistema e
128
criar as próprias convenções para compreendê-las. Continuei a nossa reflexão,
destacando que sabemos que para os alunos “não dá para escrever duas palavras
próximas iniciadas pela mesma letra”, ou a “não repetição de grafias vizinhas é uma
das mais fortes restrições” (TOLCHINSKY, 2003, p. 210) impostas pelos alunos para
que uma cadeia de grafias possa ser considerada uma escrita. No entanto, os
alunos utilizaram elementos repetidos em suas notações da quantidade, sobre o que
a autora afirma que trata-se de uma indicação de “diferenciação formal muito
importante com relação à escrita”(p. 211).
Figura 6: Números coringas Fonte: Acervo pessoal
A observação nos permitiu afirmar que o aluno B manteve a escrita do 43 no
243, logo sabe escrever o 43. Entretanto, não nos possibilitou afirmar que para a
escrita de 300 sabe que começa com 3, primeiro pelo conflito apresentado na escrita
do 304 e segundo que precisaria ter sido perguntado no dia da escrita como ele
pensava, fato que não ocorreu.
As professoras, ao serem questionadas sobre o que mais observavam nas
produções escritas, destacaram que na produção do aluno da professora Cecília,
figura 6, foram utilizados os números coringas na escrita dos números 24, 243, 300
e 304. Justificaram: “esses são números opacos”.
Na escrita de 2005 e 5000, as professoras perceberam que o aluno B colocou
os algarismos iniciais correspondentes, e completaram: “lógico, são números
transparentes, dão dica dos números que virão no início, mas o aluno apresentou
129
uma escrita apoiada na fala, apesar de registrar uma escrita invertida para o número
5”.
Após as anotações feitas por mim (formadora) para organizar as falas das
professoras do horário coletivo, permitiu concluirmos que o aluno B da professora
Cecília, através de sua escrita espontânea demonstrou que sabia os algarismos, as
unidades. Conhecia convencionalmente algumas dezenas apesar dos conflitos
apresentados e resolvidos com o uso dos números coringas e a escrita apoiada na
fala. As professoras ficaram admiradas ao perceberem quanto os alunos sabiam,
considerando que esses alunos haviam chegado há pouco tempo no Ensino
Fundamental. Concluímos que eles “já sabem muito” sobre o sistema de numeração
e a cada momento os alunos têm surpreendido a todos com seus diferentes
saberes.
Realizamos a análise de mais algumas sondagens de outros alunos que
exemplificam os saberes dos alunos de escolas diferentes.
Quadro 3 Análise de sondagem de números de março/2011.
Aluno C Profª Cecília Aluno D Profª Lygia Aluno E Profª Roseane Aluno F Profª Roseane
Figura 7: Aluno C
Fonte:Acervo pessoal
Figura 8: Aluno D Fonte:Acervo pessoal
Figura 9: Aluno E Fonte:Acervo pessoal
Figura 10: Aluno F Fonte:Acervo pessoal
Escreveu unidades e
dezenas convencio-
nalmente e para as centenas e
milhares apoiou-se na fala.
Escreveu unidades, milhares e as dezenas até
40 convencionalmente e nas centenas fez uso de “coringas”.
Escreveu unidades, dezenas
e milhares convencionalmentee para as centenas
fez uso de algarismos sem relação com o número ditado.
Escreveu unidades e dezenas
convencionalmente e para as centenas e milhares apoiou-
se na fala.
130
Eu, como formadora/pesquisadora, percebi que as ações combinadas de
embasamento teórico/estudo aprofundado e análise das sondagens de números
provocaram nos participantes de todos os grupos-escola a necessidade da
realização de novas sondagens para que pudessem realmente diagnosticar o que os
alunos sabiam e como sabiam, informação necessária para a realização de um
planejamento e em alguns casos inclusive para que pudessem retomar ações já
realizadas. Os estudos fortaleceram os grupos-escola para a tomada de decisão e a
análise de fatos reais gerou um movimento reflexivo desses grupos, inclusive das
sete professoras para um repensar das estratégias pedagógicas. A incorporação
desses conhecimentos desencadeou uma mudança na forma de selecionar as
atividades para serem realizadas com/pelos alunos. Um cuidado maior na escolha
dos materiais de apoio pedagógico utilizados em sala de aula. Uma nova maneira de
intervenção com cada dupla de alunos ou com cada aluno, de forma a investigar os
saberes e de permitir mais circulação das informações advindas dos pensares dos
alunos.
Retornávamos ao assunto na medida em que ia sendo solicitado pelos
professores participantes. Isso acontecia após a realização das sondagens e
aguardavam a minha presença para compartilharem comigo e com os colegas, o
conjunto de ações realizadas - diagnóstico/análise/dúvidas. A minha intervenção
compreendia problematizar as falas dos professores para todo o grupo por meio de
um diálogo dinâmico e produtivo enredando todas as opiniões, interpretações,
dúvidas que ainda pairavam e certezas a respeito das escritas apresentadas. Uma
atitude mediadora e interventora que assegurava a todos o direito à voz, a
verbalização de seus pensares e pesares, confiantes em um ambiente sem censura,
sem juízo de valor, sem certo ou errado. Ambiente que propiciou a todos os
envolvidos, inclusive à formadora, aprender, trocar e compartilhar o que sabiam,
organizar os conhecimentos adquiridos e acomodá-los em uma verdadeira vivência
da teoria tão propagada de Piaget, aprendizagem em espiral. Nesse processo de
desnudamento eu/formadora fui tomando consciência da dimensão dos saberes das
sete professoras presentes em seus argumentos e opiniões e compreendendo
quando Tardif e Raymond (2000) afirmam que a dimensão dos saberes dos
professores, não são somente adquiridos no e com o tempo, mas são eles mesmos temporais, pois são abertos, porosos, permeáveis, e
131
incorporam, ao longo do processo de socialização, e da carreira, experiências novas, conhecimentos adquiridos em pleno processo, um saber-fazer remodelado em função das mudanças de prática, de situações de trabalho (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 237).
Nesse sentido, cada grupo-escola foi delineando os caminhos a serem
transpostos por eles para que seus alunos pudessem avançar em seus conceitos
provisórios e se permitissem novas descobertas a respeito dos números. O
percebido pelo grupo-escola era o descaso com que se vinha trabalhando com o
sistema de numeração em sala de aula. O destacado era que a solicitação de
escritas de séries numéricas e proposta de agrupamentos e contagem dos palitinhos
de dez em dez e colocados no quadro valor de lugar não estavam colaborando para
que os alunos produzissem e interpretassem números com segurança ou
compreendessem as regras de seu sistema. O sentimento do grupo-escola era que
as dúvidas e as incertezas dos alunos estavam aumentando ao invés de diminuírem.
Por esse motivo peregrinamos pelas propostas de intervenções apresentadas
por Moreno (2006) e por Lerner e Sadovski (1996). Entabulei uma confabulação
tomando como ponto de partida o conhecimento dominado por elas. Utilizei como
argumento problematizador, um discurso pedagógico muito difundido no ensino de
Língua Portuguesa: “Só se aprende a ler, lendo”. “Só se aprender escrever,
escrevendo”. Ao qual dei um toque matemático: “Só se aprende a escrever número,
escrevendo”. “Só se aprende a ordem numérica, recitando”. “Só se aprende a ler
matemática, lendo”. “Só se aprende a quantificar número, contando”. Finalizei: “Só
se aprende operar números, resolvendo problemas e não fazendo a conta pela
conta”.
Esta argumentação, realizada em forma de recitação, com certo ritmo e
envolvida por certo tom de brincadeira, tem sido o tremular de minha bandeira
constantemente.
Só se aprende a ordem numérica, recitando. Resgatar a recitação na sala de
aula, proposta ressaltada por Moreno (2006, p. 56), despertou nas professoras
lembranças de outros tempos. Algumas professoras reviveram seus tempos de
estudantes afirmando que a professora iniciava a recitação e os alunos todos juntos
continuavam, num mesmo ritmo cadenciado sob a batuta do mestre. Uma
professora falou: “Aquele que saía do ritmo ao ouvir o estalar da reguada em sua
carteira, logo voltava”. Outras recordaram seu início da carreira, em que realizavam
132
a recitação com seus alunos, com a proposta de memorização dos números, mas
sem muita clareza de sua serventia, abandonaram esse fazer por considerarem uma
perda de tempo. Afinal, “preencher folhas e folhas de números também ajudava a
memorizar e fazia menos barulho”.
“Recitar para guardar a palavra certa na ordem certa”. Recitar na ordem
crescente ou na ordem decrescente adentrou a sala de aula e passou a fazer parte
da rotina diária de algumas práticas. Recitar a sequência iniciando por números
variados saltando quantidades diferentes, além dos intervalos que regularmente
fazem os de 5 em 5, 2 em 2 e outros. Por exemplo, dizia eu/ formadora, partindo do
número 2, saltem de 3 em 3 até chegarem ao número 40. Ao obter oralmente a
sequência: 2, 5, 8, 11, 14, 17, 20, 23, 26, 29, 32, 35, 38, registrei-a no quadro e
perguntei: “É possível perceber regularidade na sequência? Qual o próximo número
com zero?” Questões que poderiam ser discutidas com alunos dos 3º e 4º anos e
apresentadas tanto para analisar as sequências orais como as escritas.
Outro exemplo foi trabalhado: uma sequência onde os saltos são de 5 em 5,
normalmente iniciamos no 5 e paramos no 50 (treino para os fatos básicos ou a
tabuada do 5). Raramente iniciamos a sequência pelo número 4 e paramos no 50. O
obtido foi a sequência: 4, 9, 14, 19, 24, 29, 34, 39, 44, 49. No início a proposta não
foi apreciada pelos presentes, o que era compreensível. Afinal para fazer essa
atividade com os alunos, algumas professoras precisavam adquirir mais segurança
para encontrar o resultado mentalmente. “Precisavam de mais treino”, segundo elas.
A conversa sobre recitação nos remeteu a outro assunto importante que deve
fazer também parte da rotina dos alunos, os diferentes momentos de contagem. Saber contar vai além de apenas saber recitar uma série numérica. Esses momentos
devem ser vivenciados paralelamente. Contar para quantificar coleções de objetos,
contar para resolver problemas. Colocar os alunos diante de situações variadas que
permitissem um progresso em seus conhecimentos de contagem exigiu de cada
professora um repensar de sua rotina e a escolha de atividades problematizadoras
que possibilitassem observar os conhecimentos de números dos alunos e perceber
como eles lidariam com mais uma dificuldade e que saberes acionariam para
resolver os problemas propostos. Para as professoras, contar era um momento
tranquilo para os alunos, “eles sempre estão contando objetos, coisas em suas
casas” afirmavam algumas delas. O observar como eles contavam é que era a
grande novidade a ser explorada. Para isso, as professoras Raquel, Roseane,
133
Cora, Cecília e Lygia, professoras dos primeiros anos do Ensino Fundamental,
planejaram atividades a serem aplicadas com seus alunos sob minha orientação
individual e durante suas práticas obtiveram resultados inesperados que as
surpreenderam bastante. Emoções que misturaram momentos de confusão e
incerteza, sentimentos que Schön designou de emoções cognitivas, pois “é
impossível aprender sem ficar confuso” (p. 85).
Emoções que envolveram os momentos individuais entre professor e
formadora/pesquisadora. Instantes propícios de estabelecimento de vínculos com as
sete professoras e também espaço ideal para incitá-las a um fazer diferente, em um
coser e recoser de olhares e práticas. Realização de práticas diferenciadas em uma
parceria colaborativa na qual foi discutido e proposto cada uma das atividades de
aprendizagem tanto pela formadora quanto pelos professores. Foi também
viabilizado o uso das atividades ou a sua transformação, a mudança ou a escolha de
outras atividades, em uma situação de estudo, análise e/ou elaboração que permitiu
conhecer os saberes matemáticos dos professores e suas estratégias de ensino.
Uma situação de estudo e análise também verificada por Serrazina, como
sendo um caminho que colabora para um conhecimento mais preciso do professor,
pois cada vez mais, nós, que somos também formadores, devemos nos colocar numa perspectiva não de fornecedores de serviços que “damos” conhecimento aos professores nos cursos, mas como facilitadores que propomos uma série de situações de aprendizagem que organizamos cuidadosamente. Ao trabalharmos assim, os professores refletem sobre a sua própria aprendizagem e nas implicações para as suas práticas pedagógicas. (SERRAZINA, 1998, p. 126)
Ao conhecerem a si mesmos e as suas limitações matemáticas, os
professores perceberam que deveriam ser mais tolerantes e compreensivos com
relação ao tempo de aprendizagem de seus alunos e seus conhecimentos
provisórios e, assim, sentiram-se desafiados a conhecer mais para ensinar melhor.
A contagem foi observada pela professora Raquel, uma professora que
sempre quer fazer diferente em sala de aula e que está a todo momento
entusiasmada em compartilhar a realização da tarefa e o envolvimento de seus
alunos. Encontrei alunos mais seguros em suas descobertas e mais autônomos ao
defenderem suas hipóteses, pois esta não era a primeira vez que observava a aula
134
desta professora. Realizou o projeto Coleção de Tampinhas34 de garrafas pet com
o propósito de analisar como os alunos contam objetos em coleções móveis.
Organizou seus alunos em duplas produtivas35 para a aula de matemática, diferente
das duplas da aula de Língua Portuguesa, atendendo a diversidade a sala de aula.
Contudo, o observado foi muito interessante. Haviam duplas nas quais um
dos parceiros não havia levado tampinhas. Diante do problema, a professora
rapidamente compartilhou-o com a classe, perguntando: “Como era possível fazer a
tarefa, se alguns alunos não haviam trazido tampinhas?” A sugestão recebida foi
que quem tinha bastante daria algumas tampinhas para o colega.
Figuras 11 e 12 Contagem da Coleção de Tampinhas Fonte: Acervo pessoal
Foi nesse momento que o inesperado se fez presente e a atividade acoplou
mais um objetivo. As repartições que se sucederam foram muito interessantes. Em
uma dupla, a aluna que trouxe mais tampinhas resolveu dividir suas tampinhas com
a colega em partes iguais. Para dividir, a contagem era feita por agrupamentos de
seis em seis para cada um, quando o número ficou pequeno foi diminuindo
gradativamente, o agrupamento de distribuição, 3 em 3, 2 em 2 até chegar no 1 e 1.
A divisão não era objetivo da professora. Aproveitou o momento para
problematizar perguntando: “Como foi feito a divisão? Quantas tampinhas cada
aluno ganhou? Houve sobra?” e mostrou-se muito admirada ao perceber que os
alunos tinham noção de divisão, não uma divisão de 1 em 1. Um dividir mais
34 O planejamento detalhado do projeto Coleção de Tampinhas encontra-se no anexo 2 35 Duplas produtivas é um critério de agrupamento de alunos por semelhanças ou diferenças, desde que os envolvidos tenham coisas a ensinar e a aprender com o outro.
135
avançado, apoiado em diferentes agrupamentos baseados nos conhecimentos
adquiridos nos diferentes momentos de recitação feito com a classe, de 2 em 2, de 3
em 3, de 6 em 6 etc. Também em atividades de contagem do Caderno de Apoio e
Aprendizagem (1º Ano), realizando atividade com coleções fixas, realizadas durante
o ano anterior, acabaram constituindo em um repertório que apoiou o pensar de
seus alunos. Os alunos nunca haviam trabalhado com coleções móveis. A alegria da
professora pela descoberta e por perceber que o caminho percorrido estava dando
frutos foi mais um marco que selou a confiança em nossa parceria. Não acompanhei
a continuidade do projeto, mas orientei a elaboração de algumas situações-problema
a serem discutidas com os alunos e as observações necessárias a serem
realizadas.
Outras atividades envolvendo contagem que merecem destaque foram
organizadas pela professora Roseane. Dois momentos, um envolvendo a utilização
de tabelas e gráficos para expressar o representar o resultado de uma pesquisa, o
outro, um jogo de Trilha.
A professora Roseane iniciou conversando com a classe sobre o
levantamento das respostas dadas pelos alunos para a pesquisa “Eu sou assim...”36 realizada em outra aula e que estavam anotadas na tabela apresentada,
na figura 13. Explicou que havia contado as respostas dos alunos e registrado na
tabela. Perguntou: “O que é gráfico? Alguém sabe?”, iniciando uma conversa sobre
gráficos. Distribuiu para cada trio uma filipeta contendo os dados de uma das
afirmações e uma folha quadriculada escrito na linha horizontal, as respostas que
deveriam ser assinaladas: sim, não e às vezes. Os alunos enumeraram o eixo
vertical e ao pintarem as quantidades indicadas nas filipetas recebidas, não as
relacionavam com os números colocados ao lado dos quadradinhos. Ao pintarem,
eles contavam novamente os quadradinhos até obter a quantidade proposta, fato
que se repetiu em todas as duplas (figura 14).
36 O planejamento detalhado encontra-se no anexo 4
136
Figuras 13 e 14: Tabela e gráfico da atividade “Eu sou assim...” Fonte: Acervo pessoal
A professora, após todos os trios terem realizado a atividade, discutiu com os
alunos os gráficos que tinham como resultado em uma das colunas nenhuma
resposta, representada pelo zero. E perguntou para os alunos: “Os números ao lado
ajudaram a pintar o gráfico? Como nós sabemos quantos alunos responderam sim
para este gráfico?”
Figuras 15 e 16: Gráficos da atividade “Eu sou assim...´ Fonte: Acervo pessoal
137
A grande maioria dos alunos afirmou que contaram os quadradinhos,
conforme observado por esta pesquisadora/formadora. Para responderem o total de
alunos da segunda questão, o aluno foi até o gráfico contar novamente os
quadradinhos, desconsiderando a relação numérica. A professora fez menção aos
números novamente e eles observaram-na em silêncio, sem nenhum comentário.
Em outra aula ela irá trazer novamente os gráficos para serem interpretados e
mostrará a função dos números que se encontram na vertical do gráfico. Esta
atividade elaborada pela professora havia sido discutida no individual com esta
formadora/pesquisadora e, posteriormente, em uma reflexão sobre a ação,
concluímos que havia sido uma situação de aprendizagem interessante e
motivadora, pois envolveu todos os alunos na tarefa e exigiu que os alunos
trabalhassem por colaboração. Cada aluno do trio deveria pintar uma coluna com a
colaboração dos colegas para que o gráfico representasse os dados da filipeta. A
professora manifestou seu contentamento com o desempenho dos alunos, pois
pensou que eles teriam muitas dúvidas. Eles realizaram a tarefa com autonomia, sob
o olhar atento de uma professora que realizou uma circulação problematizadora
mantendo seus alunos interessados em realizar a atividade.
Outra atividade que permitiu a observação de como os alunos se
comportavam diante de situações de contagem foi o jogo de Trilha37 do Caderno de
Apoio e Aprendizagem. O jogo foi realizado em grupos de quatro alunos. Eles
contavam os pontos retirados nos dados e recitavam o valor retirado realizando uma
correspondência termo a termo saltando as casas correspondentes no jogo. Foi
possível averiguar que alguns alunos tinham dificuldade em corresponder o número
falado com a quantidade de casas a serem saltadas. Eles recitavam um, dois, três e
tinham pulado apenas duas casas. Outra dificuldade encontrada por eles era que ao
iniciar os saltos, eles contavam a casa que o pino estava, contando duas vezes a
casa em que estavam. A casa era contada uma vez para a chegada e outra vez
quando partiam. As legendas e as instruções contidas no jogo eram ignoradas, afinal
ninguém queria voltar casa ou ficar sem jogar.
37 O planejamento do jogo de Trilha se encontra no anexo 5
138
Figura 17: Jogo de Trilha Fonte: Acervo pessoal
Na medida em que jogavam iam se apropriando da contagem adequada das
casas e adquirindo mais segurança. Nas aulas que se seguiram, a professora leu
novamente as regras e eles tiveram que jogar seguindo todas as regras. Naquela
aula, jogar e contar eram tarefas suficientemente desafiadoras para todos os alunos.
Muitos alunos disseram entusiasmados que iam jogar com os irmãos em casa, como
eles já sabiam jogar e os irmãos ainda não, era um grande sinal de vitória.
As atividades do Caderno de Apoio de Aprendizagem (1º Ano e 4º Ano) foram
utilizadas por diversas vezes pelas professoras Cecília, Lygia e Marina. Ficou
combinado na escola que as duas aulas para o uso do Caderno estariam fixadas na
rotina semanal permitindo uma melhor organização dos alunos e do professor. Para
colaborar com as professoras na compreensão dos encaminhamentos propostos
pelo material do professor do Caderno de Apoio e Aprendizagem para a realização
das atividades, minhas observações em sala de aula ficaram acertadas para as
terças-feiras, um desses dias. Discutimos a escolha da atividade no momento
individual, e as professoras estudaram as estratégias propostas pelo material oficial,
as dúvidas foram discutidas posteriormente.
As professoras Cecília38 e Cora39, apesar de escolas diferentes, realizaram a
mesma atividade do Caderno de Apoio e Aprendizagem (1º Ano, p. 30). Seus alunos
deveriam criar maneiras para garantir a contagem das coleções fixas. O observado
nas duas salas de aulas foram situações semelhantes. Ao contar as bolinhas os
alunos buscaram diferentes caminhos, e quando questionados se tinham a certeza
38 Registro realizado por um aluno da Profª Cecília encontra-se no anexo 7 39 O modelo da atividade encontra-se no anexo 6
139
que haviam contado todas as bolinhas, afirmavam que sim, mas o resultado
encontrado não era o mesmo.
Ao circular pela classe, percebi que mesmo os alunos que tinham riscado a
quantidade ou agrupado contavam de um em um. Muitos contaram e recontaram as
bolinhas muitas vezes e as marcas deixadas pelo lápis acabavam atrapalhando uma
nova contagem. Observei que para os alunos haviam sido muito difícil garantir que
todas as bolinhas haviam sido contadas, já que pulavam bolinhas e não percebiam.
Aluno A Aluno B
Figura 18: Contagem de coleções fixas Fonte: Acervo pessoal
Contar as bolinhas uma única vez também era uma dificuldade para alguns,
porque mesmo marcando as bolinhas como o aluno A, deixavam de contar algumas
bolinhas e não conseguiam identificá-las no todo, levando-os a resultados diferentes
do esperado. Os que riscavam as bolinhas numa certa ordem ou faziam as ligações
com um traço como o aluno B foram os que conseguiram garantir a contagem de
todas as bolinhas.
Na conversa com essas professoras, apontei a necessidade de seus alunos
serem colocados em diferentes situações de contagem, contar objetos em coleções
móveis primeiro, para depois passarem a contarem coleções fixas e somente
depois, coleções onde os objetos estivessem misturados, como era a proposta da
próxima atividade a ser realizada. Contar coleções móveis daria aos alunos a
possibilidade de compreenderem as propriedades de contagem, contar uma única
vez cada objeto. Possibilitaria ainda que utilizassem o agrupamento como um
procedimento para contar quantidades grandes, pondo em prática as recitações
realizadas na classe diariamente de 2 em 2, de 4 em 4 e assim por diante.
140
A professora Lygia realizou uma atividade do Caderno de Apoio e
Aprendizagem (1º Ano, p. 8) na qual os alunos deveriam utilizar contagem e os
números conhecidos. Os alunos trabalhavam em trio e após a professora explicar as
atividades deixou-os trabalhar autonomamente. Desenvolveram as atividades em
cooperação e alguns alunos, ao contarem os colegas na classe, realizaram a
contagem de dois em dois. Ao circular pela classe, investigava as respostas dos
alunos e os desafiava a pensar diferente. Ao final da aula, pediu para dois alunos
que haviam apresentado alguma dificuldade que contassem as revistas para serem
distribuídas, mas para isso, eles deveriam também contar quantos alunos haviam
comparecido naquele dia. Ao ler para os alunos o texto de orientação para a
realização da atividade poderia ter utilizado como atividade de leitura, com
acompanhamento dos alunos, e levantamento das palavras que eles conheciam do
texto. A leitura também deve ser praticada na aula de Matemática, porém essa não é
uma prática comum em sala de aula.
Ao afirmar que só se aprende a ler e escrever números, lendo e escrevendo, nós iniciamos a discussão do assunto com uma conversa para que
elas contassem um pouco sobre como estava acontecendo o uso do quadro
numérico em sala de aula. O modelo do quadro numérico e sua exploração foram
amplamente difundidos pelos documentos oficiais e pelas Formações Continuadas
de Matemática. No entanto, encontrei professoras que ainda não tinham o hábito de
ter o quadro afixado em sala de aula, apresentando inclusive dúvidas com relação a
sua confecção. Perguntas como: “Começamos o quadro pelo 1 ou pelo zero? É para
fazer ele completo até o 100 ou pode ser feito até o 50 para os alunos dos primeiros
anos?”
Para responder as questões busquei em Ifrah (1997) o argumento de que o
início de uma contagem se dá pelo número 1, pois não se conta zero coisas. Logo, a
dedução é que o quadro numérico deva iniciar pelo 1, diferente do quadro de
números sugerido por Moreno (2006, p. 72) que inicia pelo zero. Iniciar pelo zero
favorece a algumas professoras, que se apóiam no conceito de família alfabética e
o transpõe para os números formando as famílias numéricas apresentando aos
alunos a família do dez, família do vinte etc., em vez de trabalharem com intervalos
numéricos.
No entanto, Moreno afirma que o uso da cartela numérica denominado pelo
material oficial de quadro numérico, é um recurso didático que permite aos alunos
141
utilizarem números maiores do que aqueles que já sabem ler e escrever e o
considera “um portador de informação que reflete a organização do sistema” (p. 72).
Em resposta à quantidade adequada que o quadro numérico deva conter, a autora
propõe ao professor que ele “tem que ter mais números do que os alunos sabem
contar, uma vez que isso permitirá descobrir que a série dos números se prolonga
além do que eles sabem, mas sempre com organização” (p. 72). O quadro permite a
problematização com a classe: “Quantos números há entre o 7 e o 17? Que
números estão na coluna do 3 e o que eles têm em comum? Que números estão
entre 30 e 40? O que eles têm em comum?”
As professoras reconheceram a importância do uso do quadro numérico, que
adentrou em todas as salas de aula, fixado em local e altura suficiente para que os
alunos pudessem ler os números, acompanhar com os dedos a trajetória da leitura.
A leitura dos números passou a fazer parte da rotina diária numa alternância com a
recitação oral.
A confecção do quadro numérico e sua afixação foram assumidas por
algumas das quatro escolas, em atendimento à sugestão desta formadora, mas
ainda sendo utilizado de forma restrita. Este quadro era utilizado com tenacidade
para a leitura da sequência numérica pelos alunos, acompanhada pelo professor,
porém, poucas vezes para apoiar os alunos com dificuldade em suas leituras e
escritas. Observei uma atividade prática da professora Raquel que utilizou o jogo do Bingo40 para diagnosticar como os alunos reconheciam e interpretavam os
números. Conversamos sobre o objetivo do jogo que favorece a leitura e a
identificação dos números e para que eles fossem desafiados propus que as
cartelas fossem elaboradas com números desconhecidos (anexo3) e baseadas nos
jogos estruturados prontos. Como seus alunos conheciam até o número 100, as
cartelas foram confeccionadas com os números até o 200. A professora pôde
vivenciar a confecção das cartelas, atividade que segundo ela não foi fácil.
O quadro numérico afixado tinha números do 50 ao 200 e deveria ser o apoio
para os alunos com dificuldade. Os alunos, organizados em duplas, demonstraram
estarem acostumados a trabalharem em parceria. Eles marcavam os números
sorteados e a cada número não familiar, a professora investigava com a classe a
escrita correta e anotava as diferentes sugestões de registro do número na lousa,
40 O planejamento detalhado encontra-se no anexo 3.
142
depois pedia ajuda dos alunos para encontrar no quadro numérico. O jogo aliado a
esse processo de intervenção foi se tornando cansativo, acabou tomando muito
tempo e deixando os alunos pouco a pouco desestimulados. Durante a minha
circulação pela sala, notei que alguns de seus alunos haviam percebido as
regularidades dos números e utilizavam suas descobertas para identificar os
números desconhecidos. Para esses alunos o jogo era um desafio e pareciam
entusiasmados. Para os alunos que apresentavam dificuldades ao encontrar
quaisquer dos números cantados, o jogo passou a ser um problema difícil de
resolver. Eles não tinham o hábito de recorrerem ao quadro numérico e não pediam
ajuda ao colega da dupla. Para esses alunos o apoio confiável ainda era a
professora.
Na análise da prática, ponderei com a professora Raquel a necessidade de
mais atividades nas quais houvesse a interação e a colaboração entre os alunos
garantindo a troca de informação. Atividades em duplas ou trios, que provocassem
discussão nas quais os alunos pudessem perceber a importância das “dicas” dos
colegas e confiar mais nelas, descentralizando a busca pela afirmação da
professora. Que as atividades de jogos tivessem uma única finalidade, o de jogar em
colaboração. Para isso, as cartelas poderiam ser distribuídas uma para cada dupla e
os alunos fariam rodízio para marcá-la. As intervenções e o uso do quadro numérico
seriam realizados em outro momento.
Apesar de a professora mostrar-se interessada e sempre disposta a fazer
diferente, percebeu que mudar a prática não é tão simples. Mudar requer estar
atenta a cada detalhe, ter a preocupação em analisar cada atividade e a clareza do
objetivo inicial para avaliar se foi atingido, senão deve refazê-la de outro modo para
chegar aos resultados esperados.
Conversamos também que cabe ao professor desempenhar em sala de aula
diferentes papéis, o de organizador de conhecimento e o de incentivador de
aprendizagem, desvinculando-se do papel de detentor do saber e informador de
conteúdo – único saber confiável na sala de aula. Este assunto foi discutido com os
grupos-escola envolvendo também a rotina diária nas aulas de matemática e os
conhecimentos acionados pelo uso do quadro numérico.
Entretanto, foi na observação da aula da professora Roseane que encontrei
uma prática que exemplifica toda essa conversa. Ela mostrou um quadro numérico
afixado numa parede da sala, montado com a colaboração dos alunos. Nas
143
conversas individuais, havia sugerido sobre a possibilidade de realização dessa
atividade que, além de diagnosticar como seus alunos interpretavam os números
desconhecidos, permitia observar como acontecia a colaboração entre eles. A
função exercida pela professora seria a de mediar as discussões que ocorressem e
incentivar/incitar a confrontação entre os pensares dos alunos. Ela salientou, “Meus
alunos recitavam sem interferência até o número 30”, por esse motivo, ficou
acertado o preenchimento do quadro até o número 50. Considerando que na classe
haviam mais ou menos 30 alunos, as fichas restantes seriam distribuídas pelos
alunos com dificuldade, alguns poderiam receber até mais de duas fichas.
“Eu não acreditava que eles dariam conta da atividade. Os alunos que sabiam
mais ajudavam os colegas a colar seu número no lugar certo, explicavam com
entusiasmo. Eles não só deram conta da tarefa como querem fazê-la todos os dias.
Eu não tinha ideia de que eles sabiam tanto”, contou Roseane com entusiasmo e
mostrou o quadro numérico feito pelos alunos com orgulho. Cabe ressaltar que a
observação feita na sala da professora seria sobre outro assunto, mas achei que
valeria dar destaque a essa situação. Muitas vezes, sugerimos atividades para
serem realizadas pelos professores com seus alunos e não temos a dimensão da
abrangência da atividade, o quanto e como a situação propiciou ou não, uma
oportunidade de aprendizagem.
A retomada do assunto envolveu também uma olhada pelos materiais oficiais,
desdobrando-se no reconhecimento da existência de muitas atividades de escrita,
leitura e comparação de números utilizando a estrutura do quadro numérico que
antes eram realizadas mecanicamente e que agora, poderiam ser exploradas de
uma outra maneira pelas professoras, tendo claro onde queriam chegar.
Reconheciam que eram situações pensadas e repensadas para que os alunos
pudessem colocar em jogo todos os seus saberes. Perceberam que tinham muitos
desafios a serem vencidos e muitos problemas a serem resolvidos.
E por falar em reflexão: “Onde andam os problemas? Onde anda esse
assunto, que a gente quase não vê em sala de aula? E como será que os alunos
resolvem problemas?” Após essas indagações, um novo diálogo foi desencadeado e
o assunto era problemas.
“Os alunos ao resolverem problemas fazem tracinhos e contam, dando a
resposta sem realizar a operação”, foi a fala de um professor do horário coletivo da
escola D. Isto despertou a curiosidade de todos os professores em querer saber
144
como avançar com os alunos que ainda utilizam, segundo elas, “procedimentos tão
precários”.
Nesse momento, despertamos o interesse para os problemas com estruturas
aditivas, assunto polêmico e gerador de muitas dúvidas entre os professores e
alunos. Havia a necessidade de resgatá-lo por meio de uma atitude
problematizadora e investigativa (o que sabem, como sabem e como fazer
diferente). Estratégia praticada e divulgada por esta formadora/pesquisadora.
Destaco na formação a importância de resolver problemas na Matemática, na sala
de aula, na vida diária. Situações e contextos variados nos quais o aprendiz é
desafiado para colocar em jogo tudo o que pensa e sabe.
Ao serem questionados sobre, qual a forma utilizada ao trabalhar problemas
como um dos caminhos para se ensinar Matemática, recebi muitas das respostas já
esperadas, tais como: as dificuldades encontradas para fazer o aluno compreender
o problema, o uso excessivo de resolver contas pelas contas sem relacioná-las a
problemas e as incertezas com relação à escolha adequada e, principalmente, sobre
as análises dos procedimentos propostos pelos documentos oficiais ou
apresentados pelos alunos.
“Como lidar com os alunos que apresentavam dificuldade em interpretar e
resolver situações–problema?” “Como interpretar os procedimentos propostos por
eles?”, perguntaram alguns professores.
“Vocês têm ideia da causa dessa dificuldade?”, devolvi a pergunta para eles.
Afirmaram sem pestanejar: “Alguns não resolviam problemas pois não sabiam ler
direito, outros desconheciam a conta que ajudava a encontrar o resultado”. Ao
declararem seus pontos de vista, alguns professores ficaram no aguardo da
anuência desta formadora/pesquisadora; no entanto, os que já conheciam um pouco
do meu pensar, sabiam que teríamos uma longa trajetória a percorrer e com certeza
iriam utilizar muitos problemas em sua rotina.
Outra questão alimentou a nossa conversação: “Que elas entendiam por
problema? Poderíamos considerá-lo um texto, ou não? Há diferença entre resolver
um problema de resolver um exercício? A atividade é a mesma?”
Obtive como respostas: “Para ser problema tem que ter números e uma
pergunta”. “Parece um texto, mas não tenho certeza”. [Observei que quanto a ser
um texto, pairava algumas dúvidas...] e prosseguiram com as reflexões: “Podemos
considerar um texto, mas ele tem números”. “Eu nunca pensei em um problema
145
como texto, ele precisa ser interpretado, não é?” “Uma situação que a gente não
sabe a resposta, é preciso pensar, organizar um caminho”. Estas e mais outras
afirmações foram feitas, mas responderam uníssonos: “um desafio”, como se o fato
de ser desafio se diferenciasse de ser um problema, ou fosse um problema especial.
A conversa girou em torno de que problema é ou não, um texto. Todos
concordaram que fosse um texto, logo, como texto exigia algumas estratégias de
leitura para desenvolver uma compreensão leitora matemática. Inicialmente,
deveríamos fazer uma leitura desse texto de forma literal41. Compreensão do que
realmente está sendo dito, sem ler nas entrelinhas (atitude comum na leitura de
textos mais literários), sem extrapolar a informação numérica apresentada (dados do
problema). Uma leitura que permitiria compreender o texto levantando as palavras
conhecidas, destacar os dados numéricos apresentados, resgatar a linguagem
matemática envolvida para que fosse possível escolher dentre os dados somente os
relevantes. Organizar os dados numa escrita numérica e realizar a escolha do
procedimento adequado para chegar ao resultado.
Além disso, elas começaram a entender que ensinar por meio de problemas
deixa os alunos mais autônomos, pois permite desenvolver o “aprender a aprender,
habituando-os a determinar por si próprios, respostas às questões que os inquietam,
sejam elas questões escolares ou da vida cotidiana” (SOARES, PINTO, 2001, p. 1).
A elaboração e escolha dos problemas propostos são tarefas relacionadas ao
trabalho do professor e devem ser situações desafiadoras e motivadoras ao mesmo
tempo; serem possíveis de resolver para que não produza frustração ou desestimule
os alunos e muitas vezes até o professor.
Cabe ao professor compreender, segundo Moreno (2006), que deve “propor
ao aluno situações de aprendizagem para que este produza seus conhecimentos
partindo da busca pessoal dos procedimentos que lhe permitirão encontrar a
resposta para o problema apresentado” (p. 49). Nesta perspectiva, o educador deve
permitir que seus alunos apresentem diferentes “jeitos” de fazer, procedimentos
pessoais, mas sem perder o propósito final, que é progressivamente utilizar
procedimentos mais econômicos até a compreensão e uso das técnicas mais
convencionais.
41 Literal utilizado com o significado conforme a letra, ao texto.
146
Comentei sobre o fato de os professores dos anos iniciais escolherem
problemas com quantidades representadas por desenhos de objetos, modelo
utilizado pelos livros didáticos, como se o desenho concretizasse e encaminhasse
para o resultado. Elas explicaram que “o desenho ajuda os alunos menores a
encontrar o resultado e é menos cansativo fazer a atividade”. Perguntei a elas: “ A
atividade é desafiadora para todos?” Frente ao silêncio explicativo, o diálogo
demandou novas argumentações, cujo fundamento teórico foi os estudos de Hughes
apresentados por Moreno (2006, p. 61-62), de que as crianças apresentam quatro
tipos de representações possíveis ao registrarem as quantidades de objetos
quaisquer:
1. Indossincráticas, as “garatujas” feitas pelas crianças pequenas, não
tem intenção de informar nem o objeto e nem a quantidade.
2. Pictográficas, os alunos usam o desenho para representar fielmente os
objetos e estabelecem uma correspondência termo a termo entre o
objeto e seu desenho, representando a quantidade exata.
3. Icônicas, as marcas utilizadas pelos alunos, não trazem nenhuma
informação sobre o objeto, mas representam exatamente a quantidade
de objetos. É considerado um salto conceitual muito grande na
compreensão matemática centrar a atenção nas propriedades
quantitativas ao invés de nas propriedades qualitativas do objeto.
4. Simbólicas, o uso de símbolos convencionais. Antes de
compreenderem que um número pode representar a quantidade de
objetos, costumam escrever todas as sequências de números que
representam as quantidades de objetos.
A autora encaminha o nosso refletir sobre oferecer aos alunos problemas com
desenhos representando a qualidade e a quantidade de objetos, estaríamos
impedindo os alunos de utilizarem seus conhecimentos ao apresentarem os
diferentes procedimentos de solução, bem como, de vivenciarem etapas necessárias
para compreenderem matematicamente os problemas propostos. Portanto, os
professores devem realizar as escolhas dos problemas a serem propostos com
muito cuidado e refletirem sobre as estratégias utilizadas para ensinar problemas.
Uma estratégia muito utilizada pelos professores ao ensinar problemas é apresentar
um modelo e explicar passo a passo a escolha do cálculo convencional, depois é
apresentado uma lista de problemas semelhantes para que sejam resolvidos pelos
147
alunos. Outra estratégia, se o problema proposto suscitar dúvidas, o professor ajuda
na solução deixando como modelo e apresenta outro problema com os dados
numéricos mudados, mas com o mesmo texto escrito.
No entanto, eu/formador tenho encontrado professores que mediante os
problemas propostos para serem aplicados em sala de aula, alteram os dados
numéricos, como se os alunos menores só soubessem resolver problemas com
números até 10. Essa postura de usar números menores traz a constatação de que
os alunos resolveram rapidamente porque não houve desafio. Frente a esta
preocupação, resolvi propor para as professoras realizarem problemas com números
desconhecidos para seus alunos. As professoras Roseane e Cora aceitaram o
desafio, apesar dos ares de incredulidade. Envoltas em um misto de relutância e
curiosidade elaboraram quatro problemas com estrutura aditiva em que utilizavam a
ideia de juntar, retirar e comparar (anexos 8 e 9). Ao mesmo tempo, ficaram
ansiosas em aplicar os problemas e poder averiguar como seus alunos se sairiam
pela primeira vez ao enfrentarem problemas sem apoio ou desenho e ainda com
números, considerados por elas, grandes. No entanto, seus alunos tiveram uma
postura tranquila, sem apresentarem medo, mas sentindo-se muito desafiados,
afinal a professora havia falado que eles iam fazer uma atividade diferente. Percebi
que eles adoravam a aula de Matemática e utilizaram nos procedimentos de solução
a contagem e a representação pictográfica, ambas para confirmarem seus
resultados. Para exemplificar os procedimentos, relatarei o ocorrido durante a
observação das aulas dessas professoras e as posturas dos alunos.
148
Alu
no A
Alu
no B
Figuras 19 e 20: Representação pictórica e contagem na solução dos problemas Fonte: Acervo pessoal
Os alunos A e B da professora Roseane42 utilizaram a ideia de “juntar todos”
na solução apresentada para o problema com estrutura aditiva apresentados nas
figuras 19 e 20. O aluno A desenhou uma bandeja para cada grupo de sanduíches
separadamente, enquanto o outro, aluno B, representou as quantidades de
42 A atividade completa encontra-se no anexo 8.
149
sanduíches separadas em duas linhas horizontais, sem precisar representar a
bandeja. Os dois alunos tiveram a preocupação em representar os sanduíches com
detalhes. Contaram a primeira quantidade, depois a 2ª quantidade e, finalmente,
contaram todos juntos. No segundo problema, colocaram o todo e retiram
quantidades do total.
Alun
o C
Figura 21: Contagem na solução de problemas. Mãozinha. Fonte: Acervo pessoal
O aluno C43 apresentou uma solução diferente de todos os colegas, pois logo
após a leitura dos problemas realizada pela professora deu a resposta
imediatamente. Só apresentou a representação pictográfica porque a professora
disse que ele tinha que fazer o registro provando que dava aquele resultado. A prova
foi realizada de diversos jeitos. Ao ser perguntado como ele tinha achado o resultado
e o porquê do desenho da mão, explicou que havia contado nos nove dedos e
encontrado 17. Esse aluno apresenta um avanço em relação aos colegas: ele
utilizou a sobrecontagem, partindo do 8 ele só precisou de nove dedos para
encontrar o resultado; por esse motivo ele desenha a primeira bandeja com 9
sanduíches. Depois, verificando que os colegas haviam desenhado duas bandejas,
43 A atividade completa encontra-se no anexo 8.
150
volta a sua carteira e desenha uma segunda bandeja. No segundo problema realiza
sem nenhuma dificuldade, conta todos e corta as bexigas estouradas.
Alu
no A
Alu
no B
Figuras 22 e 23: Contagem na solução de problemas com estrutura aditiva Fonte: Acervo pessoal
151
A maioria dos alunos da professora Cora44 ainda iam completar seis anos e,
para surpresa da professora, resolveram os problemas com contagem. Apenas
alguns alunos apresentarem mais dificuldade. Na atividade de retirar quantidade
eles não tiveram dificuldade, para eles estourar foi representado pelo cortar, apagar
ou deixar sem pintar. Percebi que o aluno A pintou todas as bexigas e depois cortou
as bexigas, o aluno B não pintou as bexigas estouradas e circulou o objeto retirado.
Para a atividade de completar, o aluno A circulou as 8 figurinhas para depois,
acrescentar a outra parte para contar todos. O aluno B, para contar todos, buscou
apoio na enumeração dos desenhos que realizou, utilizou como uma confirmação da
contagem oral e percebeu que havia passado o total, pois ele havia respondido
oralmente o resultado, logo que a professora havia terminado de ler. Ela já havia
feito problemas com os alunos, mas com objetos para serem contados e quando
este aluno respondia ela achava que ele era rápido na contagem dos objetos. Nunca
havia percebido que ele tinha sobrecontagem pelo número maior, primeiro desenhou
o 17, para depois, desenhar o número menor. Observando a sua resolução,
perguntei: “Dá 27, o total de 8 figurinhas mais 17 figurinhas? Ele conta nos dedos e
responde: “Dá 25”. Olha o resultado obtido e apaga as figurinhas excedentes.
As professoras Roseane e Cora ficaram surpresas com o desempenho de
seus alunos e com os procedimentos apresentados pelas duplas. Declararam que o
resultado obtido foi além de suas expectativas.
Essas situações observadas foram também percebidas e analisadas por
Nunes et al. (2005), nas quais os alunos, para resolverem situações-problemas
aditivas utilizaram a contagem como “instrumento de pensamento, para auxiliar sua
habilidade de registrar quantidades, e amplificar sua capacidade de resolver
problemas” (p. 20).
O habitualmente confessado pelos professores é encontrar ainda um grande
números de alunos do período final dos anos iniciais do Ensino Fundamental que, ao
resolverem problemas, também apresentam procedimentos de cálculo apoiados na
fase icônica, situação muito criticada pelos professores e exemplificada por alunos
da professora Angela45, do 4º Ano do Ensino Fundamental de oito anos.
44 A atividade completa encontra-se no anexo 9. 45 A atividade completa encontra-se no anexo 10.
152
Alu
no A
Alu
no B
Figuras 24 e 25: Representação icônica na solução de problemas Fonte: Acervo pessoal
Os alunos utilizaram os risquinhos para apoiarem a contagem e encontrar o
resultado. Esta situação nos leva a concluir que esses alunos tiveram experiências
em que a preocupação deveria ser encontrar o resultado apenas através da técnica
convencional, já que apresentam pouca vivência com a elaboração de
153
procedimentos pessoais e situações de cálculo mental. Conversei com a professora
para que trabalhasse mais com seus alunos o cálculo mental e retomasse os fatos
básicos das operações permitindo que eles elaborassem diferentes procedimentos
de cálculo formando um repertório de cálculos confiáveis.
Outro assunto relacionado a problemas, que veio a baila, é o fato de mudar
os dados numéricos e manter o texto escrito, atitude muito comum entre os
professores de matemática que acaba transformando uma situação-problema
desafiadora em um simples exercício. Para resolver esses problemas os alunos já
sabem antecipadamente os procedimentos. Eu/formadora argumentei que entendo
que os alunos precisam fazer exercícios algumas vezes, os exercícios podem até
apresentarem-se parecidos com a intenção de memorizar e repertoriar, mas que isso
ocorresse em outro momento, em outro dia, não imediatamente. Esclareci ainda que
a crítica se referia a postura imediata de ensinar por meio da facilidade e para evitar
que se torne um hábito constante nas práticas.
Por outro lado, encontrei professores que se empenhavam muito na
explicação das atividades, mas ainda muito reticentes em promover um diálogo
amplo e aberto a respeito do que os alunos pensam sobre o assunto. Ou permitir
que sem nenhuma intervenção deixasse os alunos autonomamente resolver as
atividades e só depois, organizariam seus saberes através da problematização.
As professoras Angela e Marina, talvez por trabalharem com alunos maiores,
foram cerceando o fazer dos alunos, passo a passo. A professora Angela sempre
elaborava situações-problemas para serem aplicados e a professora Marina
aplicava as atividades do Caderno de Apoio. Elas começavam a atividade lendo
para eles, ao invés de deixarem que seus alunos lessem individualmente ou em
duplas. Depois, a cada item da atividade elas iam problematizando a situação,
perguntando, investigando, de tal forma que não sabem como seus alunos pensam,
pois os pensares ficam diluídos ou camuflados pelos saberes daqueles que
respondiam imediatamente. Tanto a professora Angela como a professora Marina
apresentavam um bom domínio da classe. Mesmo apresentando uma organização
de classe em dupla, acabavam não utilizando muito esta organização, preocupadas
em caminhar item a item nas atividades. A professora Angela inicia a aula com uma
leitura literária, pois acredita que ler para os alunos desenvolve a capacidade leitora,
o que é muito bom, ler por prazer. Afirma: “Adquiri o hábito de ler para meus alunos
depois de ouvir suas leituras na Formação de Matemática”. No entanto, ao propor
154
problemas aos alunos, ela volta a ler para eles, ao invés de deixar que eles lessem
sozinhos. Ela assessorou cada etapa da atividade, inclusive o contar as cédulas
monetárias que cada trio deveria retirar. Envolvida em seu fazer, não percebeu o
quanto os alunos estavam ansiosos para mostrarem que sabiam fazer sozinhos. Ao
observar a situação, sugeri que cada grupo enviasse um representante para contar
as cédulas e caso as cédulas não fossem suficientes para todos, discutiria a
situação com a classe, envolvendo-os na situação-problema.
Durante a minha circulação pela classe, enquanto resolviam o primeiro item
do problema, ponderei com ela para que fossem resolvidos os outros itens sem a
sua intervenção, inclusive que eles discutissem a solução proposta. A única
interferência esperada seria a de pedir outros “jeitos” de fazer desvinculando-os um
pouco da técnica convencional. Ao término da atividade, ela acompanharia a
correção realizada pelos alunos, pois ela, a cada atividade, corrigia na lousa. Propus
inclusive, que escolhesse os resultados que ela utilizaria para discutir e
problematizar com a classe, propiciando a circulação de procedimentos. Dado o
avançar do tempo, o término da atividade e a correção ficaram para a próxima aula
de Matemática, no dia seguinte, sem meu acompanhamento.
A “proteção”, tão cantada em verso e prosa pelos professores, acabava
impedindo que os alunos construíssem seus saberes e se tornassem capazes de
enfrentar qualquer situação-problema. Outro termo bastante utilizado como
justificativa pelas estratégias escolhidas é “facilitar a aprendizagem”. Analisamos se
o termo facilidade está relacionado a desafio, ou está ligado ao termo “dúvida” sobre
a capacidade dos alunos. Facilidade e proteção impedem que os alunos enfrentem
desafios, revejam seus conhecimentos e, ainda, evitam que eles estabeleçam
relações, dentro e fora da Matemática. Essa atitude faz com que o professor deixe
passar a oportunidade de ser um mediador do processo de construção dos
conhecimentos gerados nas salas de aula, aquele que mostra e apóia cada
caminho. Tal qual a prática vivenciada nessa formação.
No entanto, para uma investigação, é preciso de um observar pautado no
afastamento imposto pelo papel de pesquisadora. O observar a trajetória e as
estratégias usadas pelo professor. O observar do impacto da formação continuada
na prática. O observar do uso da teoria. O olhar supervisionado, que interpretou com
criticidade as posturas, os olhares, as falas.
155
Essa observação da pesquisadora aconteceu durante as aulas das sete
professoras, um olhar de suas práticas e nos horários coletivos, um observar dos
seus saberes. Nas escolas B e D, a presença da pesquisadora nas aulas enredou-
se com a postura da formadora. Algumas professoras se sentiam amplamente
amparadas e confiantes ao solicitar a ajuda da formadora/pesquisadora durante as
problematizações, um pedido de colaboração na investigação dos saberes dos
alunos. A colaboração era vista por esta formadora/pesquisadora como a
oportunidade de praticar o propagado e tão cantado discurso do formador: desafiar
os alunos a pensarem de forma diferente o procedimento apresentado, sugerir
outros procedimentos, explorar com mais profundidade os procedimentos trazidos
pelos alunos como solução, circular informação pela classe e propiciar aos alunos a
oportunidade de seguir o pensar do colega ao apresentar a solução na lousa.
Situações nas quais ainda essas professoras não conseguiam entender a
sala de aula realizando um movimento em que houvesse confrontação das
diferentes soluções apresentadas pelos alunos, um compartilhar de solução mesmo
que se apresentasse inicialmente inadequada, mas quando compartilhada com a
classe, a análise realizada junto com os colegas permitiu que o aluno percebesse o
próprio erro e corrigisse. Este momento foi orientado e acompanhado pelo
pesquisador/formador. O pedido de cooperação do professor era silencioso,
estampado no olhar, prontamente atendido e que pouco a pouco foi escasseando,
na medida em que essas professoras foram se sentindo seguras em fazer diferente.
Ao chegar à sala, eu pesquisadora/formadora vivenciava uma relação de
carinho, pois era apresentada como “a professora da professora”. Muitos alunos
achavam interessante essa relação e faziam alguns comentários. Sentava-me numa
carteira ao fundo da sala de forma que pudesse observar o movimentar dos alunos e
da professora. Somente em uma das professoras acomodava-me em sua mesa,
como se estivesse oferecendo um lugar de destaque, o da professora.
O observado é que a relação entre as sete professoras e a
formadora/pesquisadora foi se firmando em uma relação de colaboração, respeito,
amizade e confiança. Além disso, tanto elas como os alunos foram se acostumando
com a minha presença, cobrando a minha ausência, na semana posterior.
Foi sendo mantido um diálogo que permitiu à formadora cumprir o seu
propósito principal, o de desequilibrar, de desafiar, e que foi, aos poucos,
construindo com as professoras novos caminhos. Dando a informação necessária
156
que elas precisavam para se sentirem novamente apoiadas e dispostas a
enfrentarem mais um desafio: ensinar por meio de problemas. Para que o problema
fosse visto como um ensino investigativo, houve necessidade de enfatizar alguns
aspectos, tais como:
1- compreender como se resolve problemas diferenciados;
2- analisar os textos de diferentes tipos de problemas para entender quais
permitiriam aos alunos colocarem em jogo os seus saberes numéricos e
3- finalmente, analisar os procedimentos realizados por elas mesmas ou
exemplos apresentados por mim/formadora, para que descobrissem como
haviam sido realizados e quais deles se aproximavam dos procedimentos
pessoais desenvolvidos por seus alunos.
Assim, foram sendo constituídos os saberes de todas as professoras do
horário coletivo das quatro escolas, inclusive respondido os questionamentos de
algumas professoras mais interessadas e que também, foram fazendo diferente.
Essas professoras traziam suas atividades para serem analisadas e inclusive
cobravam a observação de suas práticas. Apesar de dar a atenção a elas, mantive o
meu foco somente nas sete professoras. No entanto, não deixei de utilizar o espaço
de formação como um espaço de esperança. Segundo Freire (1997), a origem da
esperança é a mesma da educabilidade do ser humano: o inacabamento de seu ser de que se tornou consciente. Seria uma agressividade contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, o ser humano não se inserisse num permanente processo de esperançosa busca. Este processo é a educação (FREIRE, 1997, p. 114).
Como o autor, acredito na esperança de uma educação melhor. Numa
educação para todos, em saberes enredando professores e alunos. Que mudar,
mesmo que seja difícil, é necessário acreditar que não é impossível. Para mudar é
preciso querer ou pelo menos se deixar convencer. Freire nos convida a não deixar
que o amanhã se reduza a quase uma cópia do hoje, do agora, do momento vivido
e praticado, e complementa precisamos dar o primeiro passo. Acreditando que o
primeiro passo deve ser dado por nós ou conosco, defendo nas formações o direito
de sonhar e fazer diferente. Precisamos acreditar que tudo é possível e acreditar na
esperança de uma educação melhor. É preciso lutar pela utopia, pois só assim a
gente testa, erra, melhora e cria novas teorias e pratica um fazer matemática
157
diferente. Uma educação matemática e uma matemática na educação praticada em
todas as salas de aula.
Uma formadora que procurou ser uma incentivadora e pesquisadora de
práticas e uma pesquisadora que buscou compreender as relações da formação
com os processos de mudança nas práticas das sete professoras.
Um fazer diário apoiado em práticas conscientes, a minha e a delas e que, na
medida em que estas práticas foram sendo constituída, fomos desempenhando a crítica sobre ela, mesclada com observações e reflexões teóricas, vai nos dando elementos para aprimorá-las. Essa nossa prática, por sua vez, vai solicitar e alimentar teorizações, que vão, por sua vez, refletir em sua modificação. O elo entre teoria e prática é o que chamamos pesquisa” (D’AMBROSIO, 2000, p.91).
Um pesquisar na e sobre esse espaço tão promissor, a sala de aula. Um
apelo a sermos juntas formadoras/pesquisadoras. Elas, professoras, pesquisarem
as teorias em suas salas de aula. Eu, formadora, a oportunidade de acoplar o papel
de pesquisadora, observadora do meu fazer e nos fazeres das sete professoras, a
reflexão de minha prática.
Sete professoras que de forma gradativa foram mostrando indícios de uma
evolução no discurso e na prática, percebido tanto na relação com o grupo e no
individual com a formadora/pesquisadora, bem como nas estratégias em sala de
aula, observadas e refletidas. Elas foram ampliando a compreensão de como se
aprende e como se ensina Matemática.
Formadora/pesquisadora e professores construíram uma relação profissional
baseada no respeito, na confiança, no acreditar, mesmo que o inicio tenha sido
marcado por olhares desconfiados, incrédulos e ensimesmados. Foi sendo
constituído um vínculo no respeito pelo tempo e pelo jeito de ser de cada um. Pelo
reconhecer desta formadora /pesquisadora de seus saberes e práticas instituídas e
que na medida em que novos aprendizados iam sendo adquiridos e acreditados,
seriam incorporados e praticados.
Eu, formadora/pesquisadora, percebi que, afinal, ter uma pesquisadora na
sala de aula exigia que as sete professoras lidassem com seus saberes, com seus
medos e incertezas. Reconheciam que ser professora/investigadora era algo mais
profundo, exigia lidar com seus tabus, com crenças e valores arraigados de que
alunos de professor/investigador são “cobaias” de uma prática desconhecida.
158
Elas se esqueceram que práticas desconhecidas já haviam feito parte de suas
trajetórias profissionais. Pensar: “eles são ou não cobaias”, como elas asseveram,
remete-nos a recordar quantos alunos foram cobaias do nosso aprender a ensinar
matemática? Passamos em nossa trajetória por fases de ensinar tradicionalmente
até hoje, um ensinar mais avançado e investigativo. Os questionamentos durante o
processo de formação e observação foram permeados por um refletir conjunto desta
formadora/pesquisadora com os professores das quatro escolas, em cada encontro.
Nesse sentido, os olhares interrogativos foram sendo amenizados.
Na medida em que caminhamos, íamos reconstruindo um saber fazer mais
dinâmico e o experienciar das escolhas de atividades a serem realizadas com
consciência do ponto de partida e do ponto chegada. Iniciávamos uma travessia
repleta de descobertas, encantamentos e desencantamentos que alimentavam os
fazeres. Nesse processo, as professoras foram percebendo que poderiam confiar
nas sugestões dadas por mim/formadora e a minha presença em sala de aula foi
sendo avaliada por elas. Algumas me confidenciaram certa ansiedade com a minha
presença, fato que estranhei, pois se apresentavam muito firmes, com pleno domínio
da classe. Deparei-me com falas como a da Raquel: “durante a observação
apresento insegurança. Por que, não tenho hábito de trabalhar com outras pessoas
observando” e da Cora, deixei-a “receosa, palpitante, mesmo assim, proveitosa”.
Fiquei incrédula diante da manifestação de Lygia, cuja expressão foi “o medo bobo
de errar em algum ponto da aula, depois a sensação de alívio pela sua ajuda que
veio quando eu não consegui extrapolar nas estratégias para ajudar os alunos”.
Fiquei surpresa diante de afirmações como de Roseane, professora que
sempre deixava muito claro seu posicionamento nas formações: “Às vezes me senti
insuficiente. Ver um aluno tirar suas dúvidas com outra professora, mais experiente,
lembrou-me que não sou onipresente. [...] Isso me fez lembrar nossa conversa (o
que me deixou mais tranquila): tenho que oportunizar a autonomia dos alunos [...]
Não posso nem devo ficar o tempo todo ‘cercando’ os alunos”. Declarações como a
de Cecília que “a primeira impressão era de fiscalizadora, avaliadora da minha
prática, mas com o passar do tempo, [...] foi muito favorável e agradável, tanto para
a professora (que aprendi), quanto para os alunos, através de suas interferências
corretas e eficazes”.
Falas como as de Angela envolvida pelo carinho, “a presença foi
maravilhosa, após dois anos em processo de formação, criou um vínculo afetivo, o
159
que acredito ser fundamental para que o professor possa sentir-se à vontade [...]. As
intervenções realizadas [...] ajudaram na administração do tempo, autonomia dos
alunos e algumas dicas para o desenvolvimento da atividade”. Finalmente, uma
acolhida afetuosa como a de Marina, “uma visita muito tranquila, tanto para mim
quanto para os alunos. É claro que no início criou-se certa expectativa, mas que logo
foi quebrada pois você nos deixou muito à vontade. Ao entrar em sala você entrou
como uma parceira, alguém que chegou para somar. Auxiliou os alunos sem inibi-
los”.
Fomos, gradativamente, tornando-nos aliadas e transformando-nos juntas em
professoras/formadoras investigadoras, cuja segurança para proporcionar aos
alunos momentos de descobertas, encantamentos, criatividade e consciência da
construção dos seus saberes foram se firmando. Um fazer diferente que quebrava
todas as regras. As perguntas se calaram e a segurança em sugerir foi aumentando,
se tornaram protagonistas e autoras desse processo, o fazer educativo.
Percebi que a cada fazer observado havia um reconhecimento das
professoras valorizando a problematização e o diálogo envolto pelo hábito de
circulação e exploração dos diferentes procedimentos ao resolver problemas. Este
movimento dinâmico em sala de aula que favoreceu aprendizagens e firmou
relações de confiança e cumplicidade entre professor-aluno, entre aluno-aluno e
formador/investigador-professores/alunos. Os fazeres e as argumentações das sete
mulheres professoras e investigadoras expressaram o crescer de seus
conhecimentos teóricos e um perceber da necessidade de uma reflexão diária na e
sobre a prática. Afirmaram que não conseguem mais trabalhar de outra forma, pois o
que era óbvio e prático passou a ser questionado. Foram a cada encontro dando
mais sentido aos saberes dos alunos e declararam: “Agora sim, parece que
entendemos o como”. Mostravam-se cheias de esperança e declararam que se
deslumbraram por um novo horizonte, ao vislumbrarem o amanhecer de um novo
dia, de uma nova matemática, na qual é possível descobrir infinitas possibilidades de
fazer. Uma experiência que deixou sensações diferentes frente ao diálogo entre o
ensinar e o aprender Matemática, em sete professoras e uma
formadora/pesquisadora.
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No meu caminhar pelas quatro escolas que proporcionaram a oportunidade
de conhecer melhor e ser conhecida pelas sete mulheres professoras tive a
oportunidade de garimpar seus fazeres e influenciar nos seus quereres. Os seus
saberes carregavam a influência da Formação Continuada de Matemática percebido
em seus discursos e nos conhecimentos que apresentavam. A teoria havia sido
incorporada, mas algumas propostas para o fazer diferente ainda estavam sendo
reavaliadas para serem aplicadas. Constatei que após terem participado da
formação não faziam mais igual, mostravam mais atenção com a aprendizagem dos
alunos, se preocupavam em perguntar como eles pensavam e como sabiam.
Nessas atitudes eram perceptíveis a influência das formações continuadas nas
práticas dessas professoras.
No entanto, esta pesquisadora/formadora focou sua lente mais atenta nessas
práticas para poder compreender com mais profundidade os indícios dessas
mudanças. Uma preocupação de como ela estava acontecendo e como os
conhecimentos matemáticos estavam sendo elaborados. Estar no interior da escola
e poder participar dos momentos de estudos formativos, observando as influências
provocadas no coletivo da escola pelos seus novos saberes e fazeres foi permitindo
uma reflexão sobre as práticas dessas professoras e desta formadora.
Observei e analisei como as professoras trabalhavam com os números e
organizavam ou selecionavam situações-problema para que os alunos refletissem
sobre seu uso e percebessem as regras que regem a organização do SND- Sistema
de Numeração Decimal e reavaliei/reelaborei com elas outras situações
desafiadoras de ensino. Acompanhei como os alunos elaboravam suas estratégias
de contagem e os procedimentos de solução dos problemas propostos e analisei
com as professoras novos encaminhamentos. Constatei no real vivido em sala de
aula as teorias ressaltadas pelos estudiosos e pesquisadores a respeito do ensinar e
do aprender Matemática, momentos experienciados de grandes aprendizados e
infinitas reflexões.
O fazer do professor está pautado na confiança que ele deposita nas
propostas a serem praticadas e a transformação do fazer do professor está
161
proporcionalmente relacionada às oportunidades de refletir sobre o aprendido e de
repensar o praticado. Foi possível colaborar com o professor para que ele
observasse com mais atenção para as fendas abertas deixadas em seus
conhecimentos e naqueles que constituíram sua trajetória profissional. Muitas vezes,
ele tem a certeza de que está trilhando caminhos seguros não percebendo os fios
tênues que entrelaçam e enredam seus saberes. Muitas vezes, os professores
praticam tudo aquilo que está sendo veiculado, sem momentos de reflexão e sem se
aperceberem da importância do “como fazer” para que haja mudanças nas práticas.
Percebi que para provocar mudanças é preciso que o papel do formador
adquira um aspecto diferente, que envolve saberes culturalmente abrangentes,
apresente domínio do conhecimento do conteúdo da disciplina que vai explorar e
demonstre facilidade em transitar pelos diferentes conhecimentos. O formador
assume o papel do parceiro avançado, avançado em conhecimentos, sejam da
Didática e da Psicologia, da Didática de sua disciplina e da dialogicidade entre o
ensinar e aprender.
Foi na escola, na formação continuada nos horários coletivos e no contexto
de sala de aula que fiz meu palco de estudo, investigação, reflexão e prática.
Percebi que é preciso compreender que os professores que procuram uma formação
continuada são levados por fatores merecedores de atenção. Alguns fatores
verbalizados em suas expectativas se referem a compreender e/ou reelaborar seus
conhecimentos matemáticos, a conhecer novas estratégias para ensinar
matemática, a buscar novas “mágicas” e a segurança do ensinar Matemática, entre
outros. A necessidade de um fortalecimento para enfrentar as dificuldades e as
diversidades da sala de aula são motivos que impulsionam os professores em busca
de uma Formação que esperam ser colaborativa e parceira.
Constatei através da convivência e do relacionamento com os professores a
necessidade de Formações que desempenhem o seu principal papel, o de fomentar
a curiosidade, a descoberta e a investigação adentrando as práticas e colaborando
em suas mudanças para que possam deixar marcas profundas nesse profissional
prático e em seus alunos. Marcas não esculpidas pelo medo, mas delineadas pelo
prazer, fazer, gostar, acreditar, sonhar, conviver e constituir saberes.
Formações iniciais ou continuadas que contemplem a sala de aula como um
ambiente privilegiado do imediato ocorrido, de descobertas, de novos caminhos, de
novas teorias e práticas. O espaço de vencer desafios e suplantar dificuldades,
162
mesmo que sejam as que envolvam compreender a organização do sistema de
numeração decimal e o uso das estratégias de contagem através de problemas com
estrutura aditiva.
A análise dos dados levantados demonstraram que as condições de práticas
que ocorrem na escola estão diretamente relacionadas as propostas de formações
inicial e continuada que estão sendo praticadas. A análise dos relatos descritos me
levou a inferir, provisoriamente, que as formações dessas professoras nas diferentes
áreas e níveis de ensino não se preocuparam com os saberes e não-saberes de
seus alunos; desconsiderou as vivências presentes em suas histórias de vida
pessoal e até profissional e, principalmente, não valorizou a reflexão nas práticas e
sobre as práticas ocorridas em ambientes reais de entrelaçamento entre o ensino e
a aprendizagem.
As reflexões conjuntas realizadas a respeito da observação sobre a prática
possibilitou a explicitação das teorias que subjazem às práticas matemáticas e a
compreensão na prática de norteadores como a investigação, a problematização dos
procedimentos e dos problemas como possibilidades de uma ação educativa
considerando o ideário e o imaginário dos professores com relação a matemática.
Nesse processo de descobertas, a aprendizagem foi sendo constituída na
medida em que foram confirmados os saberes, transpostos os desafios e
desconstruídas as normas e regras rígidas e essas professoras foram se tornando
confiantes nas propostas apresentadas por esta pesquisadora/formadora.
Eu, formadora/pesquisadora, compreendi que não basta apropriar-se dos
conteúdos, das propriedades e das técnicas. É preciso estabelecer uma relação de
cumplicidade com a Matemática para poder mergulhar em sua realidade, tal qual o
artista penetra na obra de arte para sentir o fluir da obra. Este processo de
construção e reconstrução dos conhecimentos matemáticos vividos pelos
professores nas formações poderão ajudá-los em sua trajetória delineando um
profissional reflexivo e confiante.
As narrativas das sete professoras demonstraram que o “não acreditar” de
muitos professores na capacidade dos alunos está relacionado às experiências
demonstradas nas histórias de vida de cada um, nos diversos momentos vividos de
desacreditar e de serem desacreditadas. A investigação dessa trajetória possibilitou
à formadora compreender a necessidade que as professoras tinham em querer
simplificar as atividades dos alunos, para torná-las fáceis. Parecia-me anteriormente
163
um desacreditar nas capacidades dos alunos e percebi o quanto enfrentar “desafios”
era algo a ser suplantado por elas em primeiro lugar, para depois ser incorporado
como um mobilizador de saberes provisórios e reformulador de conhecimentos.
Por esse motivo, não conseguem encontrar um coser e recoser matemático
para ensinar e aprender com problemas e precisam de ajuda para pensar e analisar
procedimentos pessoais ou econômicos de soluções apresentados pelos alunos, ao
invés de apenas as técnicas convencionais. Elas entram em conflito diante da
capacidade dos alunos em inventar procedimentos pessoais, em criar soluções ou
realizar cálculos mentais, e ao vislumbrarem o assunto, se retraem, se distanciam de
um fazer problematizador, não permitindo o aflorar de novos conhecimentos em
suas práticas. Conhecer teoria não é sustentação suficiente para amparar às
práticas.
Diante de todas essas averiguações concluo que os professores precisam de
muitas informações matemáticas, culturais e teóricas para amparar o saber fazer,
mas para saber fazer diferente é necessário um apoio mais próximo, mais
acolhedor, tal qual é propagado que ele proporcione ao aluno. Ele precisa discutir
suas práticas e dúvidas matemáticas e um amparo para ajudá-lo a ver e ouvir os
“sussurrares” da sala de aula e ter segurança em provocar saberes e suscitar
dúvidas, produzindo novas teorias e novas formas de pensar, gerando em sua
prática um movimento dinâmico e prazeroso.
Para adquirir essa capacidade o professor precisa compreender como ele
aprende matemática para depois, investigar e analisar como seu aluno aprende.
Essa compreensão perpassa por perceber a relação entre os conceitos matemáticos
e suas aplicações, como um movimento pendular.
O movimento pendular decorre do processo de tradução das relações das
conceitualizações provisórias que se tem dos conteúdos em um extremo do pêndulo
e o movimento leve, imperceptível de sua aplicabilidade, no extremo oposto. As
aplicações dos conceitos em situações-problemas, investigativas, exigem uma
reavaliação dos conhecimentos provisórios provocando novamente o movimento
para o outro extremo levando conceitos reconstruídos, desequilibrando o já
aprendido e transformando-o em novos conceitos. Os desafios enfrentados nos
extremos do pêndulo são processos de incerteza e provisoriedade do conhecimento,
mas de muitas construções e aprendizados. Para muitos dos professores dos anos
164
iniciais esse processo precisa ser vivenciado, enfrentado e compreendido para
depois, possibilitá-lo em seu ensinar.
Percebi que, apesar das muitas pesquisas abordando o ensino e a
aprendizagem do Sistema de Numeração Decimal, na escola dentro das salas de
aula ainda pairam muitas dúvidas com relação ao conteúdo e intervenções
investigativas que possam propiciar avanços e compreensão sobre tão complexos
conceitos. Ensinar o Sistema de Numeração Decimal, SND envolve compreender
sua organização e regras, perceber as regularidades e a importância da contagem
em todo esse processo.
Figura 26: Movimento pendular entre os saberes. Fonte: Acervo pessoal.
Esse processo de ensino deve possibilitar que os alunos utilizem os
procedimentos de contagem para refletir sobre os números e elaborar
procedimentos de cálculos ao resolver problemas e resolver problemas para avançar
no conhecimento de números e na elaboração de novos procedimentos de
contagem, onde cada lado do pêndulo sofre em seu interior uma relação de
organização, desorganização e reorganização e constituem sistemas de
conhecimentos complementares e concorrentes. O movimento é dinâmico e permite
galgar outros patamares de compreensão do sistema de numeração e de
procedimentos para resolver problemas.
Para o professor olhar para as produções dos alunos, interpretá-las e
compreender com sensibilidade o que eles já sabem e ter a possibilidade de
165
identificar os conhecimentos provisórios e os já compreendidos e superados há a
necessidade de uma cumplicidade parceria que ofereça a sedução do fazer sem
impor uma linha divisória entre o proibido e o permitido, entre o errar e o acertar.
Uma parceria que reconheça a sala de aula como um espaço de formação repleto
de diversidades de saberes e não saberes. Lugar de aprendizagem e “ensinança”
que exige investigar como o outro pensa mantendo um misterioso entendimento
entre quem ensina e quem aprende sem ousar intervir abertamente, mas cerceando
o seu fazer. Espaço de formação que para ouvir/escutar e olhar/observar para
assumir posturas desafiadoras e investigativas, mas ao mesmo tempo afetuosa e
acolhedora, onde estratégias diferenciadas são pensadas com o propósito de
cooperação e colaboração para ultrapassar dificuldades e ressignificar problemas. A
sala de aula, espaço de formação onde carece garantir as falas e a circulação de
conhecimentos, onde todos são responsáveis por ensinar e por aprender com prazer
a Matemática. Um fazer que assuma um enfoque diferenciado, que realize treinos
através de atividades investigativas, que valorize o simples e reconheça o
desafiador, o complexo. Práticas que explorem novos caminhos e novas teorias,
momentos gratificantes para nós pesquisadores, educadores e alunos.
As especificidades que envolvem esses professores que ensinam
matemática, por não serem especialistas, necessitam de um formador/formador que
conheça o real acontecido na sala de aula para colaborar na busca de soluções que
possam superá-los. Um formador que investigue a sala de aula e as verdadeiras
necessidades desses professores, ao invés de oferecerem formações formatadas e
acabadas. Um formador que tenha em sua prática o fazer diferente, que revitalize
práticas, que propicie as participações dos professores em atividades a serem
aplicadas para que revejam seus conhecimentos e os compreendam e os organizem
para poderem ensiná-los. Um formador que domine o conteúdo de Matemática a ser
ensinado nos anos iniciais do Ensino Fundamental, que conheça a Didática da
Matemática, a Psicologia e a Didática e esteja sempre atualizado com relação às
investigações ocorridas na Educação Matemática. Um formador que reflita na prática
e sobre sua prática avaliando os caminhos a serem seguidos e considere os saberes
constituídos pelas histórias (vida e profissional) dos professores envolvidos. Um
formador que pratique uma escuta atenta, um olhar perceptivo e um diálogo
acolhedor, no qual os professores possam ancorar suas angústias e medos, não
saberes e os quereres diferentes, mas também que possibilite a cada
166
professor/aluno reencontrar o prazer no fazer, no trocar, no desafiar e no reconstruir
caminhos que despertem a alegria no aprender.
Nesse sentido, a formação deve ser o palco que os atores envolvidos tenham
a clareza de seus papéis e possam vivenciar diferentes situações de ensino e de
aprendizagem, reconhecendo neles processos independentes e ao mesmo tempo
interrelacionados. Processos que necessitam do adubo da afetividade, da tolerância
e da generosidade para germinarem novas teorias, novos fazeres e saberes.
167
REFERÊNCIAS
AGRANIONIH, N. T. Escritas numéricas de milhares e valor posicional: concepções iniciais de alunos de 2ª serie. 2008. 218 f. Tese (Doutorado em Psicopedagogia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. ALARCÃO, l. Formação reflexiva de professoras - Estratégias de supervisão. Porto: Porto Editora, 1996. 189 p. ALVES, R. Cenas da Vida. 12 ed. Campinas : Papirus, 2007. 128 p. ______. O Desejo de Ensinar e a Arte de Aprender. Fundação EDUCAR DPaschoal: Campinas:, 2004. 64 p. BALL et al. Content Knowledge for Teaching: What Makes it Special? New York: Journal of Techer Education, v. 59, n. 5, p. 389-407, nov./dec. 2008. Disponível em: http://jte.sagepub.com/ Acesso em: 15 de ago. de 2011 ______. A practice-based theory of mathematical knowledge for teaching. Thesseloniki: PME 33, p. 95-98. jun. 2009. Disponível em: http://www.pme33.eu/pme33/index.php?page=announce. Acesso em: 25 mai. 2010. BERTUCCI, M. C. S. Formação continuada de professores que ensinam Matemática nas séries iniciais: uma experiência em grupo. 2009. 169 f. Dissertação (Mestrado em Educação) –Universidade Federal de São Carlos, Centro em Educação e Ciências Humanas, São Carlos, 2009. BRASIL. Lei Orgânica do Ensino Normal. Decreto-Lei N. 8.530, de 2 de janeiro de 1946. Disponível em: www.soleis.adv.br/leiorganicaensinonormal.htm. Acesso em: 10 ago. 2011. BRIZUELA, B. M. Desenvolvimento matemático na criança: explorando notações. Porto Alegre: Artmed, 2006. 136 p. CASTRO, J. P.; RODRIGUES, M. O sentido de número no início da aprendizagem. In: BROCARDO, J., SERRAZINA, L., ROCHA, I. (org.) O Sentido do Número: reflexões que entrecruzam teoria e prática. Lisboa: Escolar Editora, 2008. Cap. 9, p. 117-133.
168
D’AMBROSIO, U. Educação Matemática: Da teoria à prática. 6 ed. Campinas: Papirus, 2000. 121 p. ______. Etnomatemática. Concepção Antropologica de Matemática. Site Oficial Disponível em: http://sites.uol.com.br/vello/ubi.htm Acesso em: 20 ago. 2011 DAVIS, P.J.; HERSH, R. O Sonho de Descartes. O mundo de acordo com a Matemática. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. 320 p. ECHEVERRÍA, M. D. P. P.; POZO, J. I. Aprender a Resolver Problemas e Resolver Problemas para Aprender. In: POZO, J. I. (Org.) A solução de Problemas: aprender a resolver problemas e resolver problemas para aprender. Porto Alegre: Artmed, 1998. cap. 1, p.13-42. ESTEVES, A. K. Números Decimais na Escola Fundamental: Interações entre os conhecimentos de um grupo de professores e a relação com sua prática pedagógica. 2007. 153 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Campo Grande, 2007. FIORENTINI, D. Grupo de Sábado: Uma historia de reflexão, investigação e escrita sobre a prática escolar matemática. In: FIORENTINI, D.; CRISTOVÃO, E. M. (Org.). Histórias e Investigações de/em Aulas de Matemática. Campinas: Editora Alínea, 2006. 244 p. FIORENTINI, D.; CASTRO, F. C. Tornando-se professora de Matemática: O caso de Allan em Prática de Ensino e Estágio Supervisionado. In: FIORENTINI, D. (org.) Formação de professoras de Matemática: Explorando novos caminhos com outros olhares. Campinas: Mercado de Letras, 2003. FRANKFURT, S. H. Implicações da formação profissional na escola. Revista USP, São Paulo, n.80, p. 125-133, fev. 2009. Disponível em http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?download&format=EndNote&pid=S0103-99892009000100014. Acesso em: 11 ago. 2011. FREIRE, P. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000. 134 p. FREITAS, M.T.M.; FIORENTINI, D. As possibilidades formativas e investigativas da narrativa em educação matemática. Itatiba: Horizontes, v. 25, n.1, p. 63-71, 2007. Disponível em:
169
http://www.saofrancisco.edu.br/itatiba/mestrado/educacao/uploadAddress/Horizontes_25_1_06%5B11067%5D.pdf. Acesso em 26 ago. 2011. GARCIA SILVA, A. F. O desafio do desenvolvimento profissional docente: análise da formação continuada de um grupo de professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental, tendo como objeto de discussão o processo de ensino e aprendizagem de frações. 2007, 308 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática ) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. GUIMARÃES, A. P. S. Aprendendo e Ensinando o Sistema de Numeração Decimal: uma contribuição à pratica pedagógica do professor. 2005. 106 f. Dissertação (mestrado em Ensino de Matemática e Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005 GREIN SANTOS, D. O simples e o complexo no contar e recontar. 2004, 253 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2004. IFRAH, G. História Universal dos Algarismos: A inteligência dos homens contada pelos números e pelo cálculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, vol.1, 1997. 735 p. IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: forma-se para a mudança e a incerteza. 7 ed. Coleção Questões de nossa época. São Paulo: Cortez, 2009. ______. Formação Permanente do professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009. 118 p. KAMII, C. Aritmética: Novas Perspectivas – Implicações da teoria de Piaget. 6 ed. Campinas: Papirus, 1997 237 p. KAMII, C.; DECLARK, G. Reinventando a aritmética: Implicações da teoria de Piaget. Campinas: Papirus, 1986. 308 p. LERNER, D.; SADOVSKY, P. O sistema de numeração: um problema didático. In: PARRA, C.; SAIZ, I.. Didática da matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. cap. 5, p. 73-155 LIMA, V. M. Formação do professor polivalente e saberes docentes: um estudo a partir de escolas públicas. 2007. 280 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação de São Paulo, São Paulo, 2007.
170
MACHADO, N. J. Matemática e língua materna: análise de uma impregnação mútua. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1990 169 p. (Coleção educação contemporânea, 59) MAGINA, S. et al. Repensando Adição e Subtração: Contribuições da Teoria dos Campos Conceituais. 3. ed. São Paulo: Ed. PROEM, 2008. 64 p. MELLO, B. C. K. Análise dos conhecimentos matemáticos desenvolvidos em um curso de Pedagogia: um estudo de caso. 2008. 276 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) – Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2008. MORENO, B. R. O ensino do número e do sistema de numeração na educação infantil e na 1ª série. In: PANIZZA, M. (Org.) Ensinar matemática na educação infantil e nas séries iniciais: análise e propostas. Porto Alegre: Artmed, 2006. cap. 3, p. 19-33. MORIN, E. Os setes saberes necessários à Educação do Futuro. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2001. 118 p. NACARATO, A. M.; PAIVA, M. A. V. A formação do Professor que ensina matemática: perspectivas e pesquisas. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. NACARATO, A. M.; MENGALI, B. L.S.; PASSOS, C.L. B. A Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental: tecendo fios do ensinar e do aprender. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2009. 158 p. NÓVOA, A.(Coord) Formação de professores e profissão docente. In ____ Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, Instituto de Inovação Educacional. p. 77-91, 1992. NÓVOA, A.(Org.). Vidas de Professores. 2ª ed. Portugal: Porto Editora, 1992. 216 p. NÓVOA, A. Desafios do trabalho do professor num mundo contemporâneo. Livreto 21 p. São Paulo: SINPRO SP - Sindicato dos Professores de São Paulo, Jan. 2007. Disponível em: http://www.sinpro.org.br/arquivos/novoa/livreto_novoa.pdf. Acesso em: 23 mar. 2010. NUNES, T.; BRYANT, P. Crianças fazendo matemática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. 244 p.
171
NUNES et al. Educação Matemática1: números e operações numéricas. Sã Paulo: Cortez, 2005. 206 p. OLIVEIRA, H.; PONTE, J. P. Investigação sobre concepções, saberes e desenvolvimento profissional dos professores de matemática. Actas do SIEM VII. Lisboa: APM, p. 3-23, 1997. Disponível em: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte/artigos-por-temas.htm. Acesso em: 18 jan. 2011. OLIVEIRA, I.; SERRAZINA, L. A reflexão e o professor como investigador. Lisboa: APM, p. 29-42, 2002. Disponível em: http://apm.pt/files/127552_gti2002_art_pp29-42_49c770d5d8245.pdf. Acesso: em: 12 ago. 2011. PONTE, J. P. Da formação ao desenvolvimento profissional. In Actas do ProfMat 98 (pp. 27-44). Lisboa: APM, 1998. Disponível em: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte/docs-pt/98-Ponte(Profmat).rtf. Acesso em: 18 jan. 2011. ______. Perspectivas de desenvolvimento profissional de professoras de Matemática. In J. P. Ponte et al. Desenvolvimento profissional de professoras de Matemática: Que formação? Lisboa: SEM-SPCE, p. 193-211,1995. Disponível em: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte/docs-pt/03-Saraiva-Ponte(Quadrante). Acesso em: 13 dez. 2009. PANIZZA, M. (org.) Reflexões gerais sobre o ensino da matemática. In:___. Ensinar matemática na educação infantil e nas séries iniciais: análise e propostas. Porto Alegre: Artmed, 2006. cap. 1, p. 19-33. PIMENTA, S. G. Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999. 246 p. PINTO, V. L. L. S. Formação matemática de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental e suas compreensões sobre os conceitos básicos da Aritmética. 2010. 174f. Dissertação (Mestrado em Ensino das Ciências na Educação Básica) – Universidade do Grande Rio, Duque de Caxias, 2010. POLONI, M.Y. Formação do Professor do Ensino Fundamental – Ciclo I: uma investigação com o uso do software cabri-géomètre para a ressignificação de conceitos geométricos. 2010. 242 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Universidade Bandeirante de São Paulo, São Paulo, 2010
172
PONTE, J. P. Didácticas específicas e construção do conhecimento profissional. In J. Tavares et al. Investigar e formar em educação: Actas do IV Congresso da SPCE. SPCE,Porto, p. 59-72, 1999. ROSA, I. L. R.; CUNHA, J.L. Reflexões sobre o sentido e o significado da Escola Normal. II SENAF - Seminário Nacional de Filosofia e Educação : Confluências. Santa Maria, 2006. Anais [recurso eletrônico] Disponível em: http://www.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/031e5.pdf . Acesso em: 8 ago. 2011. SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Projeto Intensivo no Ciclo I, v. 3º e 4º Ano – Livro do professor e do aluno. São Paulo: SME/DOT, 2011. _______. Guia de planejamento e orientações didáticas para o professor do 2ºAno - Ciclo I. São Paulo: SME/DOT, v. 1-2, 2008. _______. Guia de planejamento e orientações didáticas para o professor do 3ºAno - Ciclo I. São Paulo: SME/DOT, 2008. _______. Guia de planejamento e orientações didáticas para o professor do 4ºAno - Ciclo I. São Paulo: SME/DOT, 2008. _______. Orientações Curriculares: Proposição de Expectativas de Aprendizagem para o Ensino Fundamental: Ciclo I. São Paulo: SME/DOT, 2007. _______. Cadernos de apoio e Aprendizagem: Matemática. Programa de Orientações Curriculares. Livro do Professor e Aluno. São Paulo: Fundação Anchieta, v. 1-9, 2010. SARAIVA, M.; PONTE, J. P. O trabalho colaborativo e o desenvolvimento profissional do professor de Matemática. Quadrante, 12(2), 25-52, 2003. Disponível em: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte/docs-pt/03-Saraiva-Ponte(Quadrante). Acesso em: 13 dez. 2009. SAVIANI, D. O curso de Pedagogia e a formação de educadores Florianópolis: Revista Perspectiva, v. 26, n. 2, 641-660, jul./dez. 2008 Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/viewFile/12168/11439. Acesso em: 25 ago. 2011 ______. Pedagogia e Formação de Professores no Brasil: vicissitudes dos dois últimos séculos. Anais do IV Congresso Brasileiro de História da Educação, Goiania,
173
p. 1-10,2006. Disponível no site: http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/coordenadas/eixo01/Coordenada%20por%20Dermeval%20Saviani/Dermeval%20Saviani%20-%20Texto.pdf. Acesso em: 25 ago. 2011 ______. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Caxambú: 31ª Reunião Anual da ANPEd, p. 1-21, 2008. Disponível no site: http://www.anped.org.br/reunioes/31ra/5trabalhos_encomendados/trabalho%20encomendado%20-%20gt15%20-%20dermeval%20saviani.pdf. Acesso em: 25 ago. 2011 SCHÖN, D. A. Formar Professoras como Profissionais Reflexivos. In: Nóvoa, A. (Coord.). Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, Instituto de Inovação Educacional. p. 77-91, 1997. SENTELHAS, M. S. B. O estudo de numeração com alunos de 6 a 7 anos da rede municipal de Santo André. 2001. 142 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001. SENNA, M. T. T. R.; BEDIN, V. Formação do conceito de número em crianças da Educação Infantil. In: 30 Anos Anual da Anped – Associação Nacional de Educação, Caxambu, p.1-13, 2007. SERRAZINA, L., MONTEIRO, C.. Professores e novas competências em Matemática no 1º ciclo. Projeto Competências de cálculo e sentido do número no Primeiro Ciclo, 2004. Disponível em: http://fordis.ese.ips.pt/conúmero/textos/novas_comp_prof.pdf. . Acesso em: 18 jan. 2011. SERRAZINA, M. L., VALE, I., FONSECA., H, PIMENTEL, T. O papel das investigações matemáticas e profissionais na formação inicial de professores. Actas do SIEM- XI , APM: Lisboa, p.41-58, 2002. SERRAZINA, L. A formação para o ensino da Matemática na Educação Pré-escolar e no 1º ciclo do Ensino Básico. Portugal: Porto Editora, 2002. p. xxx. ______. Reflexão, conhecimento e práticas lectivas em matemática num contexto de reforma curricular no 1º ciclo. Quadrante: Revista teórica e de investigação, Lisboa , n. 8, 139-168,1999.
174
______. O professor e a Matemática. Mirandela - Caminhos para a investigação em Educação Matemática em Portugal. Bragança: SPCE, p. 111-127, 1998. SHOR, I.; FREIRE, P. Medo e Ousadia - O Cotidiano do Professor. 8 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2000. 224 p. SHULMAN, L. S. Those who understand: knowledge growth in teaching. Education Researcher, v. 15, n. 2, p. 4-14, feb. 1986. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/1175860. Acesso em: 15 ago. 2011. SILVA, S. Professores das séries iniciais em inicio de carreira: dificuldades, dilemas e saberes em relação ao Ensino da Matemática. 2009. 152 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. SILVA MACHADO, I. F. Formação Continuada de Professoras que Ensinam Matemática. 2009. 98f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Oeste de Santa Catarina, Joaçaba, 2009. SOARES, M. T.C.; PINTO, N.B. Metodologia da Resolução de problemas. Caxambu: Anped, G19, p. 1-9, 2001. Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/24/tp1.htm. Acesso em: 16 ago. 2011. SZTAJN, P. O que precisa saber um professor de matemática? Uma revisão da literatura americana dos anos 90. Educação Matemática em Revista, Ano 9, Ediçao especial, 17-33, 2002 TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Educação, nº13, p. 5-24, 2000. TARDIF, M., RAYMOND D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Campinas: Educação & Sociedade, anoXXI, nº 73, p. 209-243, 2000 VERGNAUD, G. A criança, a matemática e a realidade. Curitiba: Editora UFPR., 2009. 322 p. _______. A teoria dos Campos Conceituais. In: BRUN, J.(Org.) Didática das Matemáticas. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. Cap. 3, 155-191 (Coleção Horizontes Pedagógicos)
175
WEISZ, T.; SANCHEZ, A. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2000. 133 p. ZEICHNER, K. Novos Caminhos para um practicum: uma perspectiva para os anos 90. In: NÓVOA, A. Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, Instituto de Inovação Educacional. p. 115-138, 1997. ZEICHNER, K.; DINIZ-PEREIRA, J. E. Pesquisa dos educadores e formação docente voltada para a transformação social. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, p. 63-80, maio/ago. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742005000200005&lng=en&nrm=iso Acesso em: 19 ago. 2011 http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742005000200004 ZEICHNER, K. Formação de professores: contato direto com a realidade da escola. Belo Horizonte: Presença Pedagógica, v. 6, n. 34, p. 5-15, jul/ago. 2000. Disponível em: http://www.presencapedagogica.com.br/capa6/entrevistas/34.pdf. Acesso em: 19 ago. 2011
176
ANEXOS
177
Anexo1
Parecer da Comissão de Ética da UNIBAN
178
Anexo 2
Projeto Coleção de Tampinhas Professora Raquel A professora realizou o projeto Coleção de Tampinhas de garrafas PET: Expectativas de Aprendizagens/Objetivos:
1. Realizar a contagem de objetos em coleções móveis pelo uso da
sequência numérica oral.
2. Escrever o número de tampinhas obtido pelas duplas e o total da
coleção das duplas (situações- problema do compor/juntar).
3. Realizar as situações-problemas utilizando os dados indicados na
tabela de resultados das duplas (ideias decompor/ juntar e comparar)
Duração: seis semanas.
Encaminhamento:
1. Após organizar a turma em duplas, entregar as fichas com tabelas para
preenchimento durante a atividade.
2. Comente que os alunos deverão contar as tampinhas e fazer o registro
na tabela.
3. Terminada a contagem, peça para realizar a soma e registrar na tabela
abaixo: NOME DA DUPLA
DATA
QUANTIDADE DO DIA TOTAL
4. Após o registro individual, faça uma tabela (resultado das duplas) na lousa ou no papel kraft enumerando as duplas e registre em conjunto os resultados obtidos.
179
Resultado das duplas
Data 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Total
6/4 11 60 11 14 20 37 10 7 1 18 10 20 219
Total
As duplas, ao terminarem a tarefa, guardam suas tampinhas para uma nova contagem na próxima semana.
A sugestão é que os dados da tabela (resultado das duplas) sejam amplamente utilizados em diferentes situações-problema, tais como:
1-Para obter 100 tampinhas posso juntar as quantidades de quais duplas? .
2- Qual dupla tem mais? Qual tem menos? Quais duplas estão com a mesma quantidade de tampinhas?
180
Anexo 3
Jogo do Bingo - Professora Raquel
Expectativas de Aprendizagem/Objetivos:
Utilizar os conhecimentos sobre o sistema de numeração, dentro de um intervalo previamente definido.
Materiais Necessários:
• Dois cartazes com o quadro numérico do 50 até 100 e outro, do 100 até 200;
• Fichas com números para o sorteio em um saco e
• Uma cartela para cada aluno, conforme modelo abaixo:
Encaminhamento:
Distribuir as cartelas e orientá-los que façam um x com lápis em cada número sorteado, caso o tenha na sua cartela.
Comece o sorteio cantando o número. Espere alguns instantes e marque o mesmo no quadro numérico para que os alunos acompanhem o jogo e marquem em suas cartelas, caso não se lembrem.
Ganha o jogo quem primeiro preencher a cartela.
Observação: Numa conversa individual com a professora, após escolha do jogo, conversamos sobre como seria a organização do material, o planejamento das atividades a serem exploradas após o jogo e elaboramos o modelo de cartela abaixo. A professora ficou encarregada da seleção de outros números e a elaboração das demais cartelas.
57 90 115 129 170
63 88 101 120 146
56 92 118 150
65 85 109 121 135
75 98 111 117 199
181
Sugestão de atividades:
1- Marque com um X no quadro abaixo os seguintes números ditados pela
professora: Sessenta e dois, quarenta e sete, cinquenta e cinco, trinta e
nove e oitenta e quatro.
15 28 47 66 102
19 34 51 74 104
20 39 82 112
21 41 55 84 115
26 43 62 93 120
2- Circule a peça do Bingo que tem o número setenta e três.
17 37 73 33
182
Anexo 4
Pesquisa “Eu sou assim” - Professora Roseane
Realizou-se uma pesquisa com seus alunos, em aulas anteriores, e utilizou-se os dados recolhidos para trabalhar o conteúdo Tratamento da Informação.
Expectativas de Aprendizagem/Objetivos:
Escrever a sequência numérica na folha quadriculada e realizar a contagem para organizar os dados recebidos em um gráfico.
Encaminhamento:
O preenchimento da pesquisa foi realizado individualmente.
Após recolher todos os dados, organizar com os alunos uma tabela geral. Preparar filipetas com os dados para cada trio realizar o gráfico, conforme modelo abaixo.
183
Gráficos da atividade “Eu sou assim”
Fonte: Acervo pessoal
Gráficos da atividade “Eu sou assim”
Fonte: Acervo pessoal
Gráficos da atividade “Eu sou assim”
Fonte: Acervo pessoal
184
Anexo 5
Jogo de Trilha - Professora Roseane
Expectativas de Aprendizagem
Fazer contagem oral em escala ascendente e em escala descendente, contando de um em um.
Número de Jogadores: 4
Material: 4 pinos coloridos e 1 dado por grupo.
Regras: Começa o jogo quem tirar o maior número no dado, seguindo a mesma ordem para os demais.
Cada jogador, na sua vez, lança o dado, que indica quantas casas o pino deve avançar. Se o pino parar na casa amarela, verde ou azul, o jogador deve seguir a instrução da legenda e continuar o jogo.
Ganha quem atingir primeiro a CHEGADA.
Encaminhamento:
Leitura da regra para os alunos.
Na aula anterior foi realizada a confecção dos dados com os alunos. Cada aluno tinha o seu dado para poder jogar em casa.
185
Anexo 5: Atividade de Contagem, Profa. Roseane. Fonte: Caderno de Apoio e Aprendizagem 2010.
186
Anexo 6
Atividade de Contagem, Profª Cora. Fonte: Caderno de Apoio e Aprendizagem, 2010.
187
Anexo 7
Atividade realizada pelo aluno da Professora Cecília
188
Anexo 8
Problemas de estrutura aditiva do aluno A da Profa. Roseane
189
Problemas de estrutura aditiva do aluno B da Profa. Roseane
190
Problemas de estrutura aditiva do aluno C da Profa. Roseane
191
Anexo 9
Problemas de estrutura aditiva do aluno A da Profa. Cora
192
Problemas de estrutura aditiva do aluno B da Profa. Cora
193
Anexo 10
Problemas de estrutura aditiva do aluno A da Profa. Angela
194
Problemas de estrutura aditiva do aluno B da Profa. Angela
Recommended