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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E
DESENVOLVIMENTO INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
A AFETIVIDADE NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
por
LÍGIA MELLO E SILVA
Professora Orientadora: Diva N. M. M. Maranhão
RIO DE JANEIRO AGOSTO/2003
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E
DESENVOLVIMENTO INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
A AFETIVIDADE NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em psicomotricidade para disciplina de Metodologia da Pesquisa. Por: Lígia Mello e Silva Professora Orientadora: Diva Nereida Marques M. Maranhão
RIO DE JANEIRO Junho/2003
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AGRADECIMENTOS
Pelo estímulo e sugestão de
crescimento, agradeço a professora
Diva Nereida, pela paciência,
amizade e compreensão ao longo do
curso.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha mãe,
Maria José de M. S., ao meu pai
Amaury de M. S., e ao meu
sobrinho, Carlos Eduardo, que tanto
colaboraram para a realização deste
curso.
5
RESUMO
A Educação de Jovens e Adultos, legitimada pela Lei 9394/96, em seus
artigos 37 e 38, garantem Ensino Fundamental e Ensino Médio a todos que não
conseguiram concluir seus estudos em idade convencional, dirigindo este segmento para
jovens e adultos sem limite máximo de idade. Esta afirmação permite visualizar a
heterogeneidade etária existente nas turmas de educação de pessoas jovens e adultas.
Quando se leva em consideração as demais diferenças, constata-se que é comum, nestas
turmas, a presença de alunos, de alunas de diferentes cidades brasileiras. Somados todos
os valores, certezas, religiões, diferenças de gênero, intimidade ou não com a linguagem
dos conteúdos escolares, etc, esta se torna, ainda mais, uma clientela diferenciada.
Diante desta realidade, pensar em uma concepção filosófico-pedagógica para a
Educação de Pessoas Jovens e Adultas exige, necessariamente, uma flexibilidade e uma
prática de reconsiderações das teorias as quais têm regido a escola que, uma vez, já
excluiu o sujeito jovem e adulto interessado em voltar para ela.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................. 07 CAPÍTULO 1 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ............................ 09 CAPÍTULO 2 PAULO FREIRE: PENSAMENTO, POLÍTICA E EDUCAÇÃO .................. 16 CAPÍTULO 3 A AFETIVIDADE NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS .......................................................
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CONCLUSÃO................................................................................................... 35 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 37 ÍNDICE ............................................................................................................. 39 FOLHA DE AVALIAÇÃO ............................................................................. 40
7
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como enfoque principal a Educação de Jovens e
Adultos (EJA), ou seja, o conjunto de processos de aprendizagens, formais ou não
formais, graças aos quais as pessoas, cujo entorno social considera adultos,
desenvolvem suas capacidades, enriquecem seus conhecimentos e melhoram suas
competências técnicas ou profissionais ou as reorientam a fim de atender suas próprias
necessidades e as da sociedade. A educação de adultos compreende a educação formal e
permanente, a educação não formal e toda a gama de oportunidades de educação
informal e ocasional existentes em uma sociedade educativa e multicultural, na qual se
reconhecem os enfoques teóricos baseados na prática. (Art. 3º da Declaração de
Hamburgo sobre Educação de Adultos).
A base teórica perpassa os estudos de Freire (1979), Fuck (1994) e Ferreiro
(2001), as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e um histórico da EJA.
Neste trabalho utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica. Foi
realizado um estudo teórico aprofundado da EJA com objetivo de analisar as políticas
pedagógicas utilizadas na EJA.
Diante dessa temática, propõe-se o seguinte problema: de que forma a
afetividade pode ser utilizada na Educação de Jovens e Adultos do Ensino Fundamental
nas escolas públicas (estadual e municipal) como ferramenta de auxílio no processo
ensino-aprendizagem?
Segundo a problemática abordada, busca-se elucidar as seguintes questões:
- caracterizar a educação básica da EJA, buscando compreender suas especificidades;
- compreender a EJA sob o ponto de vista legal;
- traçar o percurso histórico da EJA;
- destacar as concepções teóricas de Freire (1979), Fuck (1994) e Ferreiro (2001) como
principal enfoque na EJA;
- analisar a importância da afetividade no processo ensino-aprendizagem da EJA
Este estudo busca compreender teoricamente as metodologias e recursos
didáticos utilizados na EJA, visando a atender o princípio da adequação destes à
realidade cultural e subjetiva dos jovens e adultos. Atendendo esse princípio, as
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propostas metodológicas da EJA devem ser diferenciadas no Ensino Fundamental,
considerando que os jovens e adultos têm uma realidade cultural e um nível de
subjetividade bastante diferentes em relação às crianças, sendo necessária, então, a
adequação das metodologias empregadas nessa modalidade de ensino.
Assim, este estudo tem por finalidade contribuir para um repensar do
educador atuante nas classes de EJA, fazendo o mesmo refletir sobre sua prática
pedagógica, especialmente como formador de cidadãos cônscios de seu papel na
sociedade.
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CAPÍTULO 1
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
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1.1 - HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS
Muitas vezes definimos erroneamente Educação de Jovens e Adultos. Por
isso, antes de iniciar nosso estudo, é necessário conhecer um pouco da história dessa
modalidade de ensino.
Segundo Freire (apud Gadotti, 1999, p. 72) em Educação de Jovens e
Adultos: teoria, prática e proposta, os termos Educação de Adultos e Educação não-
formal referem-se à mesma área disciplinar, teórica e prática da educação, porém com
finalidades distintas.
Esses termos têm sido popularizados principalmente por organizações
internacionais - UNESCO - referindo-se a uma área especializada da Educação. No
entanto, existe uma diversidade de paradigmas dentro da Educação de Adultos.
A Educação de Adultos tem estado, a partir da 2ª Guerra Mundial, a cargo
do Estado, muito diferente da Educação não-formal, que está vinculada a organizações
não-governamentais.
Até a 2º Guerra Mundial, a Educação Popular era concebida como extensão
da Educação formal para todos, sobretudo para os menos privilegiados que habitavam
as áreas das zonas urbanas e rurais.
Após a I Conferência Internacional de Educação de Adultos, realizada na
Dinamarca, em 1949, a Educação de Adultos tomou outro rumo, sendo concebida como
uma espécie de Educação Moral. Dessa forma, a escola, não conseguindo superar todos
os traumas causados pela guerra, buscou fazer um "paralelo" fora dela, tendo como
finalidade principal contribuir para o resgate do respeito aos direitos humanos e para a
construção da paz duradoura.
A partir da II Conferência Internacional de Educação de Adultos em
Montreal, no ano de 1963, a Educação de Adultos passou a ser vista sob dois enfoques
distintos: como uma continuação da educação formal, permanente e como uma
educação de base ou comunitária.
Depois da III Conferência Internacional de Educação de Adultos em
Tóquio, no ano de 1972, a Educação de Adultos volta a ser entendida como suplência da
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Educação Fundamental, reintroduzindo jovens e adultos, principalmente analfabetos, no
sistema formal de educação. A IV Conferência Internacional de Educação de Adultos,
realizada em Paris, em 1985, caracterizou-se pela pluralidade de conceitos, surgindo o
conceito de Educação de Adultos.
Em 1990, com a realização da Conferência Mundial sobre Educação para
Todos, realizado em Jomtien, na Tailândia, entendeu-se a alfabetização de Jovens e
Adultos como a 1ª etapa da Educação Básica, consagrando a idéia de que a
alfabetização não pode ser separada da pós-alfabetização.
Segundo Freire (apud Gadotti, 1999, p. 72), nos anos 40, a Educação de
Adultos era entendida como uma extensão da escola formal, principalmente para a zona
rural. Já na década de 50, a Educação de Adultos era entendida como uma educação de
base, com desenvolvimento comunitário.
Com isso, surgem, no final dos anos 50, duas tendências significati-vas na
Educação de Adultos: a Educação de Adultos entendida como uma educação libertadora
(conscientizadora) pontificada por Paulo Freire e a Educação de Adultos entendida
como educação funcional (profissional).
Na década de 70, essas duas correntes continuaram a ser entendidas como
Educação não-formal e como suplência da mesma. Com isso, desenvolve-se no Brasil a
tão conhecida corrente: o sistema MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização),
propondo princípios opostos aos de Paulo Freire.
A Lei de Reforma nº 5.692/71 atribui um capítulo para o ensino supletivo e
recomenda aos Estados atender jovens e adultos.
Capítulo IV Do ensino supletivo
Art.24 - O ensino supletivo terá por finalidade: a) Suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não tenham seguido ou concluído na idade própria; b) Proporcionar, mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte. Parágrafo único - O ensino supletivo abrangerá cursos e exames a serem organizados nos vários sistemas de acordo com as normas baixadas pelos respectivos Conselhos de Educação. Art.25- O ensino supletivo abrangerá, conforme as necessidades a atender, desde a iniciação no ensino de ler, escrever e contar e a formação profissional
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definida em lei específica até o estudo intensivo de disciplinas do ensino regular e a atualização de conhecimentos. §1º- Os cursos supletivos terão estrutura, duração e regime escolar que se ajustem às suas finalidades próprias e ao tipo especial de aluno a que se destinam. §2º- Os cursos supletivos serão ministrados em classes ou mediante a utilização de rádio, televisão, correspondência e outros meios de comunicação que permitam alcançar o maior número de alunos. Art.26- Os exames supletivos compreenderão a parte do currículo resultante do núcleo-comum, fixado pelo Conselho Federal de Educação, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular, e poderão, quando realizados para o exclusivo efeito de habilitação profissional de 2º grau, abranger somente o mínimo estabelecido pelo mesmo Conselho. §1º- Os exames a que se refere este artigo deverão realizar-se: Ao nível de conclusão do ensino de 1º grau, para os maiores de 18 anos; Ao nível de conclusão do ensino de 2º grau, para os maiores de 21 anos; §2º- Os exames supletivos ficarão a cargo de estabelecimentos oficiais ou reconhecidos, indicados nos vários sistemas, anualmente, pelos respectivos Conselhos de Educação. §3º- Os exames supletivos poderão ser unificados na jurisdição de todo um sistema de ensino, ou parte deste, de acordo com normas especiais baixadas pelo respectivo Conselho de Educação. Art.27- Desenvolver-se-ão, ao nível de uma ou mais das quatro últimas séries do ensino de 1º grau, cursos de aprendizagem, ministrados a alunos de 14 a 18 anos, em complementação da escolarização regular, e, a esse nível ou de 2º grau, cursos intensivos de qualificação profissional. Parágrafo único - Os cursos de aprendizagem e os de qualificação darão direito a prosseguimento de estudos quando incluírem disciplinas, áreas de estudos e atividades que os tornem equivalentes ao ensino regular, conforme estabeleçam as normas dos vários sistemas. Art.28- Os certificados de aprovação em exames supletivos e os relativos à conclusão de cursos de aprendizagem e qualificação serão expedidos pelas instituições que os mantenham.
A Lei de Reforma nº 5.692, que dedicou, pela primeira vez na história da
educação, um capítulo ao ensino supletivo, foi aprovada em 11 de agosto de 1971 e veio
substituir a Lei nº 4.024/61, reformulando o ensino de 1º e 2º graus. Enquanto a última
LDB foi resultado de um amplo processo de debate entre tendências do pensamento
educacional brasileiro, levando treze anos para ser editada, a Lei de Reforma nº
5.692/71 foi elaborada em um prazo de 60 dias, por nove membros indicados pelo então
Ministro da Educação Coronel Jarbas Passarinho.
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O passo seguinte foi dado pelo MEC quando instituiu um grupo de trabalho
para definir a política do Ensino Supletivo e propor as bases doutrinárias de Valnir
Chagas. O ensino supletivo foi apresentado como um manancial inesgotável de soluções
para ajustar, a cada instante, a realidade escolar às mudanças que se operavam em ritmo
crescente no país e no mundo.
Segundo Soares (2002), o Parecer nº 699/72, do conselheiro Valnir Chagas,
estabeleceu a doutrina para o ensino supletivo. Os exames supletivos passaram a ser
organizados de forma centralizada pelos governos estaduais. Os cursos, por outro lado,
passaram a ser organizados e regulamentados pelos respectivos Conselhos de Educação.
O Parecer nº 699/72 foi elaborado para dar fundamentação ao que seria a doutrina de
ensino superior. Nesse sentido, ele viria a "detalhar" os principais aspectos da Lei nº
5.692, no que tange ao ensino supletivo, facilitando sua compreensão e orientando sua
execução.
A estrutura de Ensino Supletivo, após a LDB de 1971, seguiu a orientação
expressa na legislação de procurar suprir a escolarização regular daqueles que não
tiveram oportunidade anteriormente na idade própria. As formas iniciais de atendimento
a essa prerrogativa foram os exames e os cursos. O que até então era a "madureza"
passou ao controle do Estado, foi redefinido e se transformou em Exames Supletivos. A
novidade trazida pelo Parecer nº 699/72 estava em implantar cursos que dessem outro
tratamento ao atendimento da população que se encontrava fora da escola, a partir da
utilização de novas metodologias.
A Lei nº 5692/71 concedeu flexibilidade e autonomia aos Conselhos
Estaduais de Educação para normatizarem o tipo de oferta de cursos supletivos nos
respectivos Estados. Isso gerou grande heterogeneidade nas modalidades implantadas
nas unidades da federação. Para implementar a legislação, a Secretaria Estadual da
Educação criou, em 1975, o departamento de Ensino Supletivo (DESU) em
reconhecimento à importância crescente que essa modalidade de ensino vinha
assumindo.
Segundo Soares (apud Haddad, 1991), durante o período entre 1964 e 1985,
foi revelado que o Estado procurava introduzir a utilização de tecnologias como meio de
solução para os problemas da Educação.
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Esta idéia de tecnologia a serviço do econômico e do pedagógico perdurou por todo o período estudado. O Estado se propunha a oferecer uma educação de massas, a custos baixos, com perspectiva de democratizar oportunidades educacionais, "elevando" o nível cultural da população, nível este que vinha perdendo qualidade pelo crescimento do nº de pessoas, segundo sua visão. (HADDAD, 1991, p. 189)
Segundo Paiva (apud Gadotti, 1995, p. 31), até a 2ª Guerra Mundial, a
Educação de Adultos no Brasil era integrada à Educação Popular, ou seja, uma
educação para o povo, difusão do ensino elementar. Somente depois da 2ª Guerra
Mundial é que a Educação de Adultos foi concebida como independente do ensino
elementar.
De acordo com Paiva (apud Gadotti, 1995, p. 31), a Educação de Adultos,
em âmbito histórico, pode ser dividida em três períodos:
1º - de 1946 a 1958, quando foram realizadas campanhas nacionais de iniciativa ofi-cial
para erradicar-se o analfabetismo; 2º - de 1958 a 1964. Em 1958 foi realizado o 2º
Congresso Nacional de Educação de Adultos, tendo a participação marcante de Paulo
Freire. Esse congresso abriu as portas para o problema da alfabetização que
desencadeou o Plano Nacional de Alfabetização de Adultos, dirigido por Paulo Freire e
extinto pelo Golpe de Estado de 1964. 3º - O MOBRAL, que foi concebido como um
sistema que visava ao controle da al-fabetização da população, principalmente a rural.
Com a redemocratização (1985), a "Nova República" extinguiu o MOBRAL e criou a
Fundação Educar. Assim sendo, a Educação de Adultos foi enterrada pela "Nova
República".
Em 1989, em comemoração ao Ano Internacional da Alfabetização, foi
criada, no Brasil, a Comissão Nacional de Alfabetização, coordenada inicialmente por
Paulo Freire e depois por José Eustáquio Romão.
Com o fechamento da Fundação Educar, em 1990, o Governo Federal
ausenta-se desse cenário educacional, havendo um esvaziamento constatado pela
inexistência de um órgão ou setor do Ministério da Educação voltado para esse tipo de
modalidade de ensino.
A falta de recursos financeiros, aliada à escassa produção de estudos e
pesquisas sobre essa modalidade, tem contribuído para que essa educação se torne uma
mera reprodução do ensino para jovens e adultos.
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Isso explica o histórico distanciamento entre sociedade civil e Estado no que
diz respeito aos problemas educacionais brasileiros. Hoje, o Governo encontra-se
desarmado teórica e praticamente para enfrentar o problema de oferecer educação de
qualidade para todos os brasileiros. Apesar da vigência da Declaração Mundial sobre
Educação para Todos, do Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de
Aprendizagem, documentos da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, e da
nova LDB nº 9.394/96, o Governo Brasileiro não vem honrando seus compromissos em
relação a tão importante e delicado problema.
Sabemos que a educação é um direito de todos e um dever do Estado. Se
sabemos que a grande maioria da população, principalmente os menos favorecidos, não
tem acesso à educação, até onde podemos levar essa afirmação a sério?
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, constam no
Título V, Capítulo II, Seção V, dois Artigos relacionados, especificamente, à Educação
de Jovens e Adultos:
Art. 37 - A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. § 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e trabalho, mediante cursos e exames. § 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. Art. 38 - Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. § 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: I. no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; II. no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos. § 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames.
No Plano Nacional de Educação, temos como um dos objetivos e
prioridades:
Garantia de ensino fundamental a todos os que não tiveram acesso na idade própria ou que não o concluíram. A erradicação do analfabetismo faz parte dessa prioridade, considerando-se a alfabetização de jovens e adultos como ponto de partida e intrínseca desse nível de ensino. A alfabetização dessa
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população é entendida no sentido amplo de domínio dos instrumentos básico da cultura letrada, das operações matemáticas elementares, da evolução histórica da sociedade humana, da diversidade do espaço físico e político mundial da constituição brasileira. Envolve, ainda, a formação do cidadão responsável e consciente de seus direitos. (Plano Nacional de Educação - introdução: objetivos e prioridades dois).
Apesar de todas essas propostas e segundo Freire (apud Gadotti, 1999, p.
72), a UNESCO nos mostra, através de dados, que o número de analfabetos no mundo
tem aumentado e o Brasil engrossa cada vez mais essas estatísticas.
Esse fracasso, de acordo com Freire (apud Gadotti, 1999, p. 72), pode ser
explicado por vários problemas, tais como: a concepção pedagógica e os problemas
metodológicos, entre outros.
A Educação de Jovens e Adultos deve ser sempre uma educação
multicultural, uma educação que desenvolva o conhecimento e a integração na
diversidade cultural, como afirma Gadotti (1979), uma educação para a compreensão
mútua, contra a exclusão por motivos de raça, sexo, cultura ou outras formas de
discriminação e, para isso, o educador deve conhecer bem o próprio meio do educando,
pois somente conhecendo a realidade desses jovens e adultos é que haverá uma
educação de qualidade.
Considerando a própria realidade dos educandos, o educador conseguirá
promover a motivação necessária à aprendizagem, despertando neles interesses e
entusiasmos, abrindo-lhes um maior campo para o atingimento do conhecimento. O
jovem e o adulto querem ver a aplicação imediata do que estão aprendendo e, ao mesmo
tempo, precisam ser estimulados para resgatarem a sua auto-estima, pois sua
"ignorância" lhes trará ansiedade, angústia e "complexo de inferioridade". Esses jovens
e adultos são tão capazes como uma criança, exigindo somente mais técnica e
metodologia eficientes para esse tipo de modalidade.
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CAPÍTULO 2
PAULO FREIRE: PENSAMENTO, POLÍTICA
E EDUCAÇÃO
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2.1 - PAULO FREIRE: PENSAMENTO, POLÍTICA
E EDUCAÇÃO
Segundo estudos realizados por Gerhardt (2002) e elucidados em seu
trabalho intitulado Uma voz européia: arqueologia de um pensamento, Paulo Freire
nasceu no Recife, na mais pobre área dessa grande nação latino-americana. Embora
criado em uma família de classe média, interessou-se pela educação dos oprimidos de
sua região. Formou-se em Direito e desenvolveu um "sistema" de ensino para todos os
níveis da educação. Foi encarcerado duas vezes em seu país e tornou-se famoso no
exterior. Hoje, Paulo Freire é considerado o mais conhecido educador de nosso tempo.
Paulo Freire dá início a trabalhos com iniciativas populares, quando decide
organizar, juntamente com paróquias católicas, projetos que abrangem desde o jardim
de infância até à educação de adultos, objetivando o desenvolvimento do currículo e a
formação de professores. O resultado desse trabalho foi partilhado com outros grupos:
técnicas como estudo em grupo, ação em grupo, mesas redondas, debates e distribuição
de fichas temáticas eram praticados nesse tipo de trabalho.
Foi a partir do desenvolvimento desse projeto que se começou a falar de um
sistema de técnicas educacionais, o "Sistema Paulo Freire", que podia ser aplicado em
todos os graus da educação formal e da não-formal. Mais tarde, nas décadas de 70 e 80,
no seu trabalho em alfabetização, um elemento do sistema foi interpretado sob a
denominação "Método Paulo Freire" e "conscientização" como um passe-partout para a
revolução. Por essa razão, Paulo Freire parou de usar essas expressões, enfatizando o
caráter político da educação e sua necessária "reinvenção" em circunstâncias históricas
diferentes.
Em 1960, Paulo Freire, trabalhando como coordenador dos projetos de
educação de adultos, apóia a criação do Movimento de Cultura Popular (MCP), mas,
infelizmente, militantes católicos, protestantes e comunistas interpretam suas tarefas
educativas de modo diferente e criam uma cartilha de alfabetização de adultos,
escolhendo uma diretriz política de aborda-gem. Paulo Freire foi contra essa prática,
19
pois a mesma consistia no ensino de mensagens prontas aos analfabetos, a fim de
manipulá-los.
Ele estava convencido da capacidade inata das pessoas, pois já fizera
experiências nos domínios visual e auditivo enquanto elas aprendiam a ler e a escrever.
Contudo, ainda assim faltava o estímulo com que Freire poderia evocar o interesse pelas
palavras e sílabas em pessoas analfabetas. Faltava a "consciência" dos termos
individuais.
A experiência mostrou para ele que não era suficiente começar com uma
discussão intensa da realidade. Analfabetos são fortemente influenciados por suas falhas
na escola e em outros ambientes de aprendizagem. A fim de reduzir esses obstáculos e
provocar um impulso motivador, Freire experimentou verificar a distinção entre as
habilidades de seres humanos e de animais em seus ambientes particulares.
Freire começou a experimentar essa nova concepção na alfabetização, no
círculo cultural que ele mesmo coordenava como monitor e cujos membros conhecia
pessoalmente. Freire relata que na 21ª hora de alfabetização, um participante era capaz
de ler artigos simples de jornal e escrever sentenças curtas. Os slides, particularmente,
criavam grande interesse e contribuíam para a motivação dos participantes. Depois de
30 horas (sendo uma hora por dia, durante cinco dias da semana) a experiência foi
concluída. Três participantes tinham aprendido a ler e escrever. Podiam ler textos curtos
e jornais e escrever cartas. Dois participantes evadiram-se. Assim nasceu o "Método
Paulo Freire de Alfabetização".
Na sua aplicação na cidade de Diadema (SP), nos anos de 1983-86 e,
parcialmente, na tão discutida estrutura do MOVA-SP na cidade de São Paulo (1989-
92), durante a "administração Freire" na Secretaria Municipal de Educação, os vários
passos do método permaneceram os mesmos, embora houvesse mudanças na ordem e
no conteúdo, de acordo com a situação sócio-econômica dos vários locais de
alfabetização.
Com a criação do Movimento de Cultura Popular (MCP), Paulo Freire
passou a ser um dos seus líderes mais atuantes. Como ocorria na prática dos "Projetos"
do MCP, o Projeto de Educação de Adultos desdobrava-se em outros programas ou
projetos de menor amplitude.
20
O "método" teve um irresistível sucesso em todo o Brasil. Era possível
agora tornar os iletrados - eram cerca de 40 milhões nessa época - alfabetizados (como
alfabetizados eles podiam votar) e conscientes dos problemas nacionais. Reformistas e
revolucionários de esquerda investiram em Freire, e em sua equipe, que logo se
encarregou de implementar o Plano Nacional de Alfabetização (1963). Dinheiro surgia
de todas as fontes e, dentre elas, destacavam-se o escritório regional da Aliança para o
Progresso de Recife, os governos reformistas do Nordeste e o Governo Federal
populista de João Goulart.
Conquanto, já coordenador nacional da torrente alfabetizadora, com a rápida
expansão do Movimento Popular de Educação em seu país, Freire estava atento às
armadilhas que a implementação nacional de sua e de outras concepções poderia causar.
A dificuldade expressou-se na campanha-piloto em Brasília, que claramente apontava
para o dilema do mais famoso educador brasileiro, cuja "ação cultural para a liberdade"
encontrava obstáculos para ser implementada no contexto do sistema educacional em
vigor no país.
A derrubada do Governo Federal pelas forças militares brasileiras, em
março de 1964, interrompeu a grande experiência. A segunda chance de Freire (apud
Gadotti, 1979, p. 71), em um alto posto administrativo só ocorreria 25 anos depois e
colocaria o mesmo dilema para si e seus colaboradores.
Encarcerado duas vezes por causa de seu "método subversivo", Paulo Freire
teve a embaixada da Bolívia como a única a aceitá-lo como refugiado político. O
governo boliviano contratou seus serviços de consultor educacional para o Ministério da
Educação. Porém, vinte dias após sua chegada a La Paz, ele testemunhou um novo
golpe de Estado contra a administração reformista de Paz Estensoro. Freire decidiu,
então, buscar refúgio no Chile, onde, através da vitória de uma aliança populista, o
democrata-cristão Eduardo Frei assumira o poder.
Freire permaneceu no Chile por quatro anos e meio, trabalhando no instituto
governa-mental chamado ICIRA (Instituto de Pesquisa e Treinamento em Reforma
Agrária) e, também governamental, "Escritório Especial para a Educação de Adultos",
sob a coordenação de Waldemar Cortéz.
Nesse período, Freire analisou a questão da "extensão rural". Ele opôs o
conceito de extensão da cultura ao de comunicação sobre cultura. Para ele, o primeiro é
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"invasor", enquanto o segundo promove a conscientização. Destacava que a interação
entre os camponeses e os agrônomos deveria promover a comunicação dialógica. Não
se pode aprender, se o novo conhecimento é contraditório com o contexto do aprendiz.
O educador-agrônomo que não conhece o mundo do camponês não pode pretender sua
mudança de atitude. A intenção incipiente era enfatizar os princípios e fundamentos de
uma educação que promove a prática da liberdade. Essa prática não pode ser reduzida a
um simples suporte técnico, mas inclui o esforço humano para decifrar-se e decifrar os
outros.
Em 1967, Freire foi, pela primeira vez, aos Estados Unidos como
conferencista de seminários promovidos nas universidades de vários Estados.
Paulo Freire estava ansioso para "experimentar" a cultura norte-americana,
para descobrir o Terceiro Mundo (guetos, favelas) no Primeiro Mundo. Entretanto, ele
lamentaria a perda de contacto com qualquer tipo de experiência pedagógica nos países
em desenvolvimento. Considerava insatisfatório deixar a América do Sul e só estudar
em bibliotecas. Desse modo, sugeriu que ficaria em Harvard apenas por seis meses.
Somente após 1970, a teoria e a prática pedagógicas de Paulo Freire
tornaram-se reco-nhecidas no Mundo.
No Brasil, antes de 1964, Freire estava ciente das dificuldades e dos custos
políticos envolvidos em seu programa pedagógico. Entretanto, seus postulados
epistemológicos conduziram-no a interpretar tais resistências como algo acidental e
destinado a ser removido por meio de oposição tática a uma dada ditadura e seus
respectivos interesses. Com a adoção explícita de uma perspectiva política nova, seus
postulados teóricos relativos à ideologia e ao conhecimento mudaram. Do "tático",
Freire deslocou-se para o "estratégico". O "processo de conscientização" tornou-se
sinônimo de luta de classes. Integração cultural mudou para revolução política.
Paralelamente a essa mudança do pensamento de Freire, em direção ao
radicalismo revolucionário, um outro deslocamento também teve lugar em relação ao
significado e implicações de um verdadeiro conceito de conscientização. A prática
educativa tornou-se uma práxis mais revolucionária e uma maior ênfase foi colocada no
tema do compromisso para com o oprimido.
Entre 1975 e 1980, Freire trabalhou também em São Tomé e Príncipe,
Moçambique, Angola e Nicarágua, sempre como um militante, e não apenas como um
22
técnico, que combinava seu compromisso com a causa da libertação com o amor para
com os oprimidos. O Estado africano de São Tomé e Príncipe, recém libertado da
colonização portuguesa, confiou a Freire um programa de alfabetização. Os resultados
desse programa superaram as expectativas. Quatro anos depois, Freire recebeu uma
correspondência do Ministro da Educação informando que tanto os 55% dos estudantes
matriculados nas escolas não eram mais analfabetos, quanto os 72% que já tinham
concluído o curso.
Em agosto de 1979, Freire visitou o Brasil durante um mês e seu retorno
definitivo ao Brasil ocorreu em março de 1980. Freire chegou ao Brasil quando o
Movimento de Educação Popular, que ele ajudou a implantar nos anos 60, estava tendo
seu segundo momento de influência. Era uma época de crise econômica, com o
conseqüente desejo dos comandos militares, diante da impopularidade do regime e das
forças armadas, de abandonar o governo. Paulo teve de "reaprender" seu país.
Descobriu logo que os mesmos atores sociais dos idos da década de 60 ainda tinham
influências políticas.
A classe trabalhadora brasileira, que durante a ditadura militar (1964-1984)
tinha suportado o maior ônus do "Milagre Brasileiro" e que ainda sofria a "Crise da
Dívida Brasileira", parecia estar mais organizada e trabalhava nos seus próprios projetos
políticos. Dentre eles, destacava-se a fundação de um novo partido político, o "Partido
dos Trabalhadores" (PT), do qual Paulo Freire tornou-se membro-fundador em 1980.
A classe média - esmagada por consideráveis perdas na renda - mais uma
vez radicalizava, juntando forças com a classe trabalhadora, tornando-se a mais ativa na
proposição da redemocratização do país (1978-1984).
Paulo Freire idealizou e testou tanto um sistema educacional quanto uma
filosofia de educação, primariamente nos vários anos de seu ativo envolvimento na
América Latina. Seu trabalho foi, posteriormente, desenvolvido nos Estados Unidos, na
Suíça, na Guiné-Bissau, em São Tomé e Príncipe, na Nicarágua e em vários outros
países do Terceiro e do Primeiro Mundo.
A concepção educacional freireana centra-se no potencial humano para a
criatividade e a liberdade no interior de estruturas político-econômico-culturais
opressoras. Ela aponta para a descoberta e a implementação de alternativas libertadoras
na interação e transformação sociais, via processo de "conscientização".
23
"Conscientização" foi definida como o processo no qual as pessoas atingem uma
profunda compreensão, tanto da realidade sócio-cultural que conforma suas vidas,
quanto de sua capacidade para transformá-la. Ela envolve entendimento praxiológico,
isto é, a compreensão da relação dialética entre ação e reflexão. Freire propõe uma
abordagem praxiológica para a educação, no sentido de uma ação criticamente reflexiva
e de uma reflexão crítica que seja baseada na prática.
O sistema educacional e a filosofia da educação de Freire têm suas
referências em uma miríade de correntes filosóficas, tais como Fenomenologia,
Existencialismo, Personalismo Cristão, Marxismo Humanista e Hegelianismo, cujo
detalhado enfoque ultrapassaria os limites desse perfil. Ele participou da importação de
doutrinas e idéias européias para o Brasil, assimilando-os às necessidades de uma
situação sócio-econômica específica e, dessa forma, expandindo-as e refocalizando-as
em um modo de pensar provocativo, mesmo para os pensadores e intelectuais europeus
e norte-americanos.
Para decepção de muitos intelectuais acadêmicos tradicionais do Primeiro
Mundo, sua filosofia e "sistema" tornaram-se tão correntes e universais que os "temas
geradores" permaneceram no centro dos debates educacionais da pedagogia crítica nas
últimas três décadas.
Freire experimentou várias expressões da opressão. Ele as usou para
formular sua crítica e análise institucional, dos modos pelos quais as ideologias
dominantes e opressivas estão encravadas nas regras, nos procedimentos e nas tradições
das instituições e sistemas. Fazendo isso, ele permanecerá o utópico que é, mantendo
sua fé na capacidade do povo em dizer sua palavra e, dessa forma, recriar o mundo
social, estabelecendo uma sociedade mais justa.
2.2 - Métodos e Práticas
Há décadas que se buscam métodos e práticas adequadas ao aprendizado de
jovens e adultos, como por exemplo, com Paulo Freire:
Por isso a alfabetização não pode se fazer de cima para baixo, nem de fora para dentro, como uma doação ou uma exposição, mas de dentro para fora pelo
24
próprio analfabeto, somente ajustado pelo educador. Esta é a razão pela qual procuramos um método que fosse capaz de fazer instrumento também do educando e não só do educador e que identificasse, como claramente observou um jovem sociólogo brasileiro (Celso Beisiegel), o conteúdo da aprendizagem com o processo de aprendizagem. Por essa razão, não acreditamos nas cartilhas que pretendem fazer uma montagem de sinalização gráfica como uma doação e que reduzem o analfabeto mais à condição de objeto de alfabetização do que de sujeito da mesma. (FREIRE, 1979, p. 72)
Com isso, notamos que desde os anos 70, ou até mesmo antes, o uso da
cartilha e metodologias inadequadas na educação de jovens e adultos preocupavam os
educadores da época e, infelizmente, essa problemática permeia os tempos atuais:
Que a educação seja o processo através do qual o indivíduo toma a história em suas próprias mãos, a fim de mudar o rumo da mesma. Como? Acreditando no educando, na sua capacidade de aprender, descobrir, criar soluções, desafiar, enfrentar, propor, escolher e assumir as conseqüências de sua escolha. Mas isso não será possível se continuarmos bitolando os alfabetizandos com desenhos pré-formulados para colorir, com textos criados por outros para copiarem, com caminhos pontilhados para seguir, com histórias que alienam, com métodos que não levam em conta a lógica de quem aprende. (FUCK, p. 14 e 15, 1994)
Hoje, como ontem, as posições de Paulo Freire com respeito à busca de
novas práticas educativas ganham força e nos levam a refletir:
Alfabetização é a aquisição da língua escrita, por um processo de construção do conhecimento, que se dá num contexto discursivo de interlocução e interação, através do desvelamento crítico da realidade, como uma das condições necessárias ao exercício da plena cidadania: exercer seus direitos e deveres frente à sociedade global. (FREIRE, p. 59, 1996) A aquisição do sistema escrito é um processo histórico, tanto a nível onto-genético, como a nível filogenético. O sistema escrito é produzido historicamente pela humanidade e utilizado de acordo com interesses políticos de classe. O sistema escrito não é um valor neutro. (FREIRE, p. 59, 1996) A alfabetização não pode ser reduzida a um aprendizado técnico-linguístico, como um fato acabado e neutro, ou simplesmente como uma construção pessoal intelectual. A alfabetização passa por questões de ordem lógico-intelectual, afetiva, sócio-cultural, política e técnica. (FREIRE, p. 60, 1996)
Essa reflexão leva-nos a buscar novas metodologias, adequadas à realidade
do educando, não seguindo a padronização da cartilha que reduz o aprendizado a
símbolos pré-determinados e que não condizem com o contexto:
25
As cartilhas não consideram a peculiar lógica do desenvolvimento cognitivo do aluno, apoiando-se tão-somente na lógica do sistema de escrita de ensinar. (FUCK, p. 14, 1994)
O papel do educador é mediar a aprendizagem, priorizando, nesse processo,
a bagagem de conhecimentos trazida por seus alunos, ajudando-os a transpor esse
conhecimento para o "conhecimento letrado".
A escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural, resultado
do esforço coletivo da humanidade. (FERREIRO, 2001, p. 43)
26
CAPÍTULO 3
A AFETIVIDADE NO PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS
27
3.1- A AFETIVIDADE NO PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS 3.1 - O que é afetividade?
A afetividade é um tema central na obra de Henri Wallon. No entanto, a sua
teoria não se encontra sistematizada, isto é, não é apresentada como conjunto de
conhecimento organizado, já que as informações encontram-se esparsas em diferentes
obras.
A posição de Wallon a respeito da importância da afetividade para o
desenvolvimento da criança é bem definida. Na sua opinião, ela tem papel
imprescindível no processo de desenvolvimento da personalidade e este, por sua vez, se
constitui sob a alternância dos domínios funcionais.
A afetividade é um domínio funcional, cujo desenvolvimento é dependente
da ação de dois fatores: o orgânico e o social. Entre esses dois fatores existe uma
relação estreita tanto que as condições medíocres de um podem ser superadas pelas
condições mais favoráveis do outro.
Essa relação recíproca impede qualquer tipo de determinismo no
desenvolvimento humano, tanto que “… a constituição biológica da criança ao nascer
não será a lei única do seu futuro destino. Os seus efeitos podem ser amplamente
transformados pelas circunstâncias sociais da sua existência, onde a escolha individual
não está ausente.” (Wallon, 1959, p. 288).
Ao longo do desenvolvimento do indivíduo, esses fatores em suas interações
recíprocas modificam tanto as fontes de onde procedem as manifestações afetivas,
quanto as suas formas de expressão. A afetividade que inicialmente é determinada
basicamente pelo fator orgânico passa a ser fortemente influenciada pela ação do meio
social. Tanto que Wallon defende uma evolução progressiva da afetividade, cujas
manifestações vão se distanciando da base orgânica, tornando-se cada vez mais
relacionadas ao social - e isso é visto tanto em 1941, quando ele fez referência à
28
afetividade moral, quanto em suas teorias do desenvolvimento e das emoções, que
permitiram evidenciar o social como origem da afetividade.
Conceitualmente, a afetividade deve ser distinguida de suas manifestações,
diferenciando-se do sentimento, da paixão, da emoção. A afetividade é um campo mais
amplo, já que inclui esses últimos, bem como as primeiras manifestações de tonalidades
afetivas basicamente orgânicas. Em outras palavras, afetividade é o termo utilizado para
identificar um domínio funcional abrangente e, nesse domínio funcional, aparecem
diferentes manifestações: desde as primeiras, basicamente orgânicas, até as
diferenciadas como as emoções, os sentimentos e as paixões.
Embora sejam geralmente confundida, essas formas de expressão são
diferentes. Enquanto as primitivas manifestações de tonalidade afetiva são reações
generalizadas, mal diferenciadas, as emoções, por sua vez, constituem-se em reações
instantâneas e efêmeras que se diferenciam em alegria, tristeza, cólera e medo. Já o
sentimento e a paixão são manifestações afetivas em que a representação torna-se
reguladora ou estimuladora da atividade psíquica. Ambos são estados subjetivos mais
duradouros e têm sua origem nas relações com o outro, mas ambos não se confundem
entre si.
A afetividade, com esse sentido abrangente, está sempre relacionada aos
estados de bem-estar e mal-estar do indivíduo. A afetividade se desenvolve, podendo ser
identificada, em duas etapas, sendo a primeira de base mais orgânica, e a outra de base
mais social. Quando os motivos que provocam os estados de bem-estar e mal-estar estão
primordialmente ligados às sensibilidades interoceptivas, proprioceptivas e
exteroceptivas, temos uma etapa em que a afetividade é de base orgânica - a chamada
afetividade orgânica.
Quando os motivos que provocam os estados de bem-estar e mal-estar já
não são limitados às sensibilidades íntero, próprio e extero, mas já envolvem a chamada
sensibilidade ao outro, a afetividade passa para um outro patamar, já que de base
fortemente social - a chamada afetividade moral, na terminologia usada por Wallon em
1941. Assim, a afetividade evolui para uma ordem moral e seus motivos são originados
das relações indivíduo-outrem, sejam relações pessoais ou sociais.
Analisando a teoria do desenvolvimento, podemos identificar, em cada
estágio, os tipos de manifestação afetiva que são predominantes, em virtude das
29
necessidades e possibilidades maturacionais. O estágio impulsivo é marcado pelas
expressões/reações generalizadas e indiferenciadas de bem-estar e mal-estar; o estágio
emocional pela diferenciação das emoções - as reações ou atitudes de medo, cólera,
alegria e tristeza; no estágio personalista e no da adolescência e puberdade, por outro
lado, evidenciam-se reações sentimentais e passionais, sendo o sentimento mais
marcante neste último estágio.
Assim, podemos afirmar a existência de manifestações afetivas anteriores ao
aparecimento das emoções. As primeiras expressões de sofrimento e de prazer que a
criança experimenta com a fome ou saciedade são, do nosso ponto de vista,
manifestações com tonalidades afetivas primitivas. Estas manifestações, ainda em
estágio primitivo, têm por fundamento o tônus, o qual mantém uma relação estreita com
a afetividade, durante o processo de desenvolvimento humano, pois o tônus é a base de
onde sucedem as reações afetivas.
Com a influência do meio, os gestos lançados no espaço, de manifestação
basicamente orgânica, transformam-se em meios de expressão cada vez mais
diferenciados, inaugurando o período emocional. Agora, os movimentos não são
carregados de pura impulsividade, nem baseados nas necessidades orgânicas, mas são
reações orientadas resultantes do ambiente social; é o momento em que as reações
emocionais se diferenciam. A vida afetiva da criança, inaugurada por uma simbiose
alimentar, é logo substituída por uma simbiose emocional com o meio social. Com a
emoção, as relações interpessoais se intensificam; é ela que une o indivíduo a outrem,
possibilitando a participação do outro e, conseqüentemente, a delimitação do eu infantil.
Há que se destacar que, de todas as manifestações afetivas, a emoção é a
mais explorada por Wallon. Em seu livro Les origines du caractère chez l’ enfant, o
autor analisa a emoção em sua gênese, apresentando as modificações que sucedem
desde o seu aparecimento até o estágio personalista. Para ele, a emoção é uma forma de
exteriorização da afetividade que evolui, como as demais manifestações, sob o impacto
das condições sociais. É interessante perceber a relação complexa entre a emoção e o
meio social, particularmente, o papel da cultura na transformação das suas expressões.
Se, por um lado, a sociedade especializa os meios de expressão da emoção,
transformando-os em instrumentos de socialização, por outro lado, essa especialização
tende a reprimir as expressões emocionais. As formas de expressão tornam-se cada vez
30
mais socializadas, a ponto de não expressarem mais o arrebatamento característico de
uma emoção autêntica.
Na história da humanidade, a emoção foi responsável pela agregação dos
indivíduos; como afirma o autor, nas emoções “ se baseiam as experiências gregárias,
que são uma forma primitiva de comunhão e de comunidade” (1994, p. 127). As
emoções revelam-se como o elo entre o indivíduo e o ambiente físico, tanto quanto
entre o indivíduo e outros indivíduos. Estes laços interindividuais iniciam nos primeiros
dias de vida e se fortalecem a partir das emoções, antes mesmo do raciocínio e da
intenção.
Ao se defender que a afetividade em seus primórdios é basicamente
orgânica, chama-se a atenção para o fato de que, mesmo nos períodos em que o
desenvolvimento do ser humano sofre limites de seu aparato fisiológico, o domínio
afetivo está iniciando seu desenvolvimento. E o limite fisiológico vai ser superado pelo
importante papel desempenhado pelo meio social na evolução da criança.
A importância das relações humanas para o crescimento do homem está
escrita na própria história da humanidade. O meio social é uma circunstância necessária
para a modelagem do indivíduo. Sem ele a civilização não existiria, pois foi graças à
agregação dos grupos que a humanidade pôde construir os seus valores, os seus papéis,
a própria sociedade. Cruzando psicogênese e história, Wallon demonstrou a relação
estreita entre as relações humanas e a constituição da pessoa, destacando o meio físico e
humano como um par essencial do orgânico na constituição do indivíduo. Sem ele não
haveria evolução, pois o aparato orgânico não é capaz de construir a obra completa que
é a natureza humana, que pensa, sente e se movimenta no mundo material.
No decorrer do desenvolvimento, seja em virtude das condições
maturacionais, seja em virtude das características sociais de cada idade, a criança
estabelece diferentes níveis de relações sociais e estas interferem na construção do
campo afetivo. Por exemplo, no estágio personalista, as relações sociais da criança são
intensas e sua autonomia é conquistada nos conflitos que mantém com o outro. No bojo
dessas relações, vão sendo despertados sentimentos e paixões, manifestações afetivas
que parecem estar diretamente relacionadas a um outro indivíduo.
Num processo de autonomia crescente, o adolescente atravessa
transformações e experimenta, para consigo e para com o outro, os mais diversos
31
sentimentos, que se alternam e se combinam, numa fase de ambivalência de atitudes e
sentimentos. Outrossim, o adolescente é suscetível a paixões. Quando chega a
puberdade, é no campo da moralidade que operam as relações do adolescente com o
mundo que o rodeia. O adolescente passa a questionar os valores e relações sociais
existentes, os quais podem passar a ser origem de manifestações afetivas, ao lado
daquelas diretamente relacionadas a outro indivíduo.
Um fato nos chamou a atenção ao analisar as manifestações afetivas que
ocorrem nos estágios do desenvolvimento. Pôde-se perceber que, em alguns estágios,
predominam uma determinada manifestação afetiva. Quanto ao fato de os sentimentos
se evidenciarem mais nos estágios personalista e da puberdade, isso ficou claro pela sua
dependência da representação. As paixões não apareceram como predominantes em
nenhum estágio, bem como também conseguimos saber pouco sobre essa categoria
afetiva.
Já as emoções são manifestações suscetíveis de aparecer em qualquer fase,
muito embora Wallon não as mencione no decorrer dos estágios personalista e da
puberdade. Será que o sentimento e a paixão, por serem formas mais evoluídas de
manifestações afetivas, são mais predominantes quanto mais velho se torna o
indivíduo?. Ou melhor, se a socialização tem efetivamente sobre as expressões
emocionais uma ação inibidora, isto significaria que, quanto mais culto o indivíduo,
menos emocional, e mais passional e sentimental ele se torna? Estas são questões que
sugerem a necessidade de novos estudos.
Ainda em relação aos sentimentos, Wallon oscila no que diz respeito à
angústia, afirmando estar ela ora relacionada à paixão (o ciúme), ora dizendo tratar-se
de um sentimento ligado a uma emoção, o medo. Quanto ao fato de ser a angústia
sentimento ou paixão, não obtivemos dados suficientes para defini-la. No entanto, essa
oscilação dá margem à seguinte questão: Será que a angústia é inicialmente um estado
emotivo que se transforma em um sentimento? Indo mais longe ainda, ao longo do
desenvolvimento humano seriam certos estados emotivos transformados em
sentimento? Novamente, essas são questões que apontam para a necessidade de novos
estudos.
Na obra walloniana, a afetividade constitui um domínio funcional tão
importante quanto o da inteligência. Afetividade e inteligência constituem um par
32
inseparável na evolução psíquica, pois, embora tenham funções bem definidas e
diferenciadas entre si, são interdependentes em seu desenvolvimento, permitindo à
criança atingir níveis de evolução cada vez mais elevados.
A afetividade, assim como a inteligência, não aparece pronta nem
permanece imutável. Ambas evoluem ao longo do desenvolvimento; são construídas e
se modificam de um período a outro, pois, à medida que o indivíduo se desenvolve, as
necessidades afetivas se tornam cognitivas. É mais salutar para uma criança de quatro
anos ser ouvida e respeitada do que ser simplesmente acariciada e beijada.
Por exemplo, no estágio personalista, em que o comportamento dominante é
o afetivo, a função dominada, a inteligência, pactua com as conquistas da afetividade,
preparando-se para sucedê-la no próximo estágio. A evolução da inteligência é
incorporada pela afetividade de tal modo que outras relações afetivas emergem. O
advento da representação, uma conquista do campo intelectual, permite à criança ter
relações afetivas mais complexas, como a paixão e o sentimento.
Quanto a essas duas manifestações de afetividade, os sentimentos e paixões,
Wallon traz menos informações do que as relativas às emoções; no entanto, o autor
deixa claro que são posteriores às emoções, só aparecendo mais tarde, quando começam
a atuar as representações. O progresso das representações mentais dá sustentação ao
surgimento dessas duas manifestações afetivas. A relação de interdependência dos
domínios afetivo e cognitivo mais uma vez se evidencia, pois ao desenvolvimento do
campo da racionalidade relaciona-se a ampliação do campo afetivo, com outras
manifestações de afetividade, além das emoções.
Wallon sem dúvida foi o autor que soube muito bem privilegiar a relação
entre os domínios afetivo e cognitivo, na medida em que criou uma teoria de
desenvolvimento da personalidade. Ocupando-se em estudar a passagem do orgânico ao
psíquico, verificou que, nesse processo, ocorre concomitantemente o desenvolvimento
de ambos os domínios. O desenvolvimento da personalidade oscila entre movimentos
ora afetivos, ora cognitivos, que são interdependentes; em outras palavras, à medida que
a afetividade se desenvolve, interfere na inteligência e vice-versa.
Dentro do princípio dialético, Wallon identifica a relação entre a
inteligência e uma das manifestações da afetividade - a emoção. A relação que elas
mantêm é de caráter dialético, pois, se, por um lado, não existe nada no pensamento que
33
não tenha surgido das primeiras sensibilidades, por outro lado, a luz da razão dá às
sensibilidades um novo conteúdo. Para Wallon, concebê-las como elementos estanques
é incorrer no erro antigo da separação corpo e alma, pois para ele “entre as duas não
param de desenrolar ações e reações mútuas que mostram como vãs as distinções de
espécies que os diferentes sistemas filosóficos fazem entre matéria e pensamento,
existência e inteligência, corpo e espírito” (1963, p. 65).
É de se notar que entre a emoção e a atividade intelectual existe
interdependência, mas também oposição, pois, ao mesmo tempo em que ambas estão
presentes na unidade do desenvolvimento, a emoção se esvai diante da atividade
intelectual. Em nossas vidas, freqüentemente, somos surpreendidos pelos surtos
emotivos que nos deixam incapazes de perceber a situação à nossa volta de modo a
reagir de maneira corticalizada.
Nesses momentos, há ausência de interconexão entre a emoção e a razão, ou
seja, não se dispõe de estado de equilíbrio entre ambas, pelo menos por um determinado
tempo, prevalecendo os surtos emocionais. Se observarmos o comportamento humano,
verificamos falta de linearidade. Ao contrário, observamos que estados de serenidade
são intercalados por crises emotivas, sendo que a intensidade dos contornos de cada um
desses momentos depende de como cada indivíduo integra a relação emoção e
inteligência.
Assim, existe entre a emoção e a inteligência uma relação antagônica; sua
relação de interdependência não anula a incompatibilidade de seus paroxismos. No
entanto, se esse antagonismo é claro, no que se refere à relação inteligência-emoção,
não obtivemos muitas informações sobre as relações inteligência-sentimento e
inteligência-paixão. Como vimos, essas manifestações afetivas são de natureza
representacional, diferentemente da emoção; se são de natureza representacional, não
apresentam incompatibilidade com a inteligência. Portanto seria estranho supor que o
antagonismo presente na relação emoção-inteligência também ocorra nas relações
inteligência-sentimento e inteligência-paixão.
Ao contrário, as informações disponíveis nos textos analisados são
indicativas de que essas duas últimas manifestações afetivas necessitam do
desenvolvimento da inteligência, levando-nos a acreditar que o antagonismo se
conserva apenas na relação inteligência-emoção.
34
O exposto até o momento permite-nos concordar com Heloysa Dantas
(1992) sobre a possibilidade de haver etapas de desenvolvimento da afetividade, pois
Wallon parece propor uma evolução da afetividade que, segundo interpretamos, inicia
nos primeiros dias de vida e se prolonga no processo de desenvolvimento,
diferenciando-se em suas formas de expressão sob a influência social.
Acreditamos que essa proposição é plausível, na medida em que os estados
de bem-estar e mal-estar apresentam-se primitivamente, já com conotações afetivas,
relacionados às sensibilidades orgânicas e posteriormente diferenciam-se em
manifestações diversas, como as emoções, os sentimentos e as paixões. Essas
manifestações vão aparecendo em períodos diferentes da evolução infantil, e vão
incorporando as conquistas realizadas no domínio cognitivo, modificando suas formas.
Embora a análise realizada no presente trabalho não apresente informações
suficientes para permitir delimitar os estágios de desenvolvimento da afetividade do
indivíduo, Wallon sugere sua evolução ao mostrar que a afetividade se desenvolve em
um processo que, se inicialmente tem forte componente orgânico (a chamada
afetividade orgânica), posteriormente incorpora cada vez mais o fator social (a
afetividade moral). De fato, Wallon sugere uma evolução da afetividade. No entanto,
sua proposta não permite vislumbrar muito além das formas infantis de afetividade, pois
não fornece dados suficientes relativos ao adolescente e ao adulto.
Parece-nos que a afetividade é, ainda, um campo aberto para investigações.
Wallon indica caminhos a serem trilhados para estudos complementares ao estabelecer
nítida diferença, em sua obra, entre a afetividade e suas manifestações e ao identificar
que, no desenvolvimento humano, existem estágios que são predominantemente
afetivos. Cremos que, se pudéssemos separar os estágios predominantemente afetivos
dos demais, apenas para efeito de análise, já teríamos, possivelmente, um caminho,
mesmo que incipiente, a ser trilhado. Por conseguinte, acreditamos que uma
aproximação cada vez maior com a proposta walloniana da afetividade permitirá uma
compreensão dos possíveis desdobramentos e limites nela existentes.
35
3.2 Afetividade e a educação de jovens e adultos
Fernández explicita que a aprendizagem, o pensamento, o desejo e a emoção
ocorrem concomitantemente em um mesmo nível, pois “não pensamos por um lado
inteligente e depois como se girássemos o dial, pensamos simbolicamente” (1990, p.
67). Ao mesmo tempo, o sujeito que aprende passa por uma significação simbólica e
pela organização lógica do objeto de conhecimento.
Assim, no processo de aprendizagem, a inteligência, tomada aqui como
faculdade de compreensão, tende a objetivar, a buscar generalidades, a classificar, a
ordenar, a procurar o que é semelhante. Ao contrário, o movimento do desejo, da
emoção é subjetivante, tende à individualização, à diferenciação, ao surgimento do
original de cada ser humano em relação ao outro. Mas em qualquer sujeito que
observamos, só podemos discriminar o processo objetivante (lógico-intelectual), do
subjetivante (simbólico-desejante) teoricamente: a soma de ambos os processos é o ato
que resulta, ou seja, a aprendizagem.
Por isso é importante, ter em vista que o valor que a escola possa ter para
esses jovens e adultos transcende a mera aquisição de conhecimentos ou novas
conquistas intelectuais.
Oliveira (1999) bem define esta questão, pois a EJA não se refere a todo e
qualquer jovem ou adulto:
O tema "educação de pessoas jovens e adultas" não nos remete apenas a uma questão de especificidade etária, mas, primordialmente, a uma questão de especificidade cultural. Isto é, apesar do corte por idade (jovens e adultos são, basicamente, "não crianças"), esse território da educação não diz respeito a reflexões e ações educativas dirigidas a qualquer jovem ou adulto, mas delimita um determinado grupo de pessoas relativamente homogêneo no interior da diversidade de grupos culturais da sociedade contemporânea (OLIVEIRA,1999:1).
Nesta perspectiva é que hoje discute-se, cada vez mais, a ampliação do
conceito de alfabetização, buscando-se apreender o processo de interação dos sujeitos
(pertencente a um grupo étnico específico) com a língua escrita, dentro de contextos
também específicos.
Nos últimos anos, desenvolveu-se no ambiente acadêmico e pedagógico o
termo “letramento” que exprime uma ampliação da noção de alfabetização. Essa nova
36
conceituação, o Letramento, expressa uma visão bem mais complexa do fenômeno da
alfabetização. O conceito de letramento integra tanto a dimensão psicológica, relativa ao
domínio de certas habilidades cognitivas, quanto a dimensão sociológica, relativa às
práticas sociais de uso da escrita e às ideologias de que se investem. Do ponto de vista
do indivíduo, já não é tão simples estabelecer uma única linha de corte entre o que é ser
ou não alfabetizado.
A pesquisa sobre a psicogênese da escrita mostrou que indivíduos que
vivem em culturas letradas constroem espontaneamente conhecimentos sobre a escrita
antes mesmo de receber instrução sistemática ou dominar a decodificação das letras.
Contudo, mesmo não participando de uma aprendizagem planejada e sistematizada, os
‘analfabetos’ deparam-se cotidianamente com objetos gráficos, frente aos quais
estabelecem uma relação própria e subjetiva. Ou seja, apesar de não terem passado por
um processo de aprendizagem escolar, possuem uma concepção, mesmo que
“rudimentar”, sobre a língua escrita.
A "mudança" das relações em sala de aula não se processa sem que o
educador vislumbre esta possibilidade, o que só pode ocorrer se o professor colocar seus
alunos como sujeitos do processo de aprendizagem. Dessa forma, recupera-se, seja o
conhecimento, seja a experiência de vida do aluno, que passam a constituir elementos
do processo educativo, uma vez que educadores e educandos os tomam como material
para sua reflexão.
Paulo Freire (1987) expõe uma interpretação dessa situação:
O educador problematizador re-faz, constantemente, seu ato cognoscente, na cognoscitividade dos educandos. Estes, em lugar de serem recipientes dóceis de depósitos, são agora investigadores críticos, em diálogo com o educador, investigador crítico, também. (p. 69)
Assim, a maneira do aluno ver o mundo deve ser um ponto de partida no
processo ensino-aprendizagem para a apropriação do conhecimento acumulado
historicamente. Cabe, portanto, à escola, como um espaço que tem função educativa,
criar as condições para que o aluno estabeleça as relações entre a vida cotidiana e o
conhecimento que vem sendo construído por intermédio das gerações. Esta é uma forma
de valorizar o conhecimento do aluno, adquirido por sua experiência de vida para, a
partir daí, com base nessa mesma experiência, proporcionar a recriação do
37
conhecimento formalmente elaborado pela escola. Este processo de construção e
reconstrução do conhecimento é tarefa do aluno e do professor.
Educar é formar o ser humano, trabalhando além do cognitivo, os aspectos
relacionados com a afetividade, com a ética, com a formação da cidadania, enfim, com
todas as dimensões do ser humano. Ao assumir este papel, a educação se coloca diante
da sociedade, como um agente importante de mudanças.
38
CONCLUSÃO
Com base em nosso estudo, pudemos concluir que toda a teoria sobre a EJA,
que perpassa décadas e décadas, ainda continua em um contexto baseado em políticas
pré-existentes, apesar dos educadores dessa modalidade terem este conhecimento e
discurso embasados teoricamente.
O que impede esses educadores de colocar a teoria em prática? O que esses
profissionais apontam como impedimento para uma prática educativa coerente com a
realidade cultural de seus educandos é a falta de suporte de cunho financeiro e
institucional, tais como: a falta de material específico, o apoio devido do Município e a
cobrança indevida da direção da instituição.
A acomodação dos educandos é um outro fator que colabora para o estado
de mesmice dos educadores, pois esses se acostumaram com a cartilha como sendo o
único meio de aquisição da leitura e escrita.
Pensamos como seria a reação e a desenvoltura desses educandos
freqüentadores da EJA ao se tornarem partícipes de projetos que atualmente estão sendo
propostos como a alfabetização digital. Será que não ocorreria uma resistência ao novo,
ao diferente em uma clientela com pouca oportunidade de estudo? Ou será que, sendo
trabalhado de forma eficaz, conseguiria despertar o interesse em se utilizar as novas
tecnologias, que a cada dia que passa compõem mais e mais o nosso cotidiano?
A partir dessas conclusões, temos em vista também algumas considerações
no sentido de recomendar que sejam feitos cursos regulares de capacitação para os
profissionais atuantes nas classes da EJA, para que os mesmos possam refletir sobre sua
prática e criar estratégias para modificar essa prática descontextualizada; o investimento
por parte do Município e/ou do Estado, subsidiando materiais didáticos para que se
possam criar ambientes estimuladores do processo da aquisição da leitura e da escrita; a
parceria dos familiares e da própria instituição de ensino, em dar credibilidade à atuação
dos educadores, no sentido de não cobrar que a cartilha seja utilizada e preenchida em
um tempo mínimo fixado e, por fim, poder contar com a disposição, boa vontade e
entusiasmo dos professores em assumir esse compromisso de mudança, para que esse
espírito de transformação contagie e motive os educandos das classes da EJA, para que
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os mesmos também lutem para ser partícipes de uma prática educativa coerente com a
realidade cultural por eles vivenciada.
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BIBLIOGRAFIA BRASIL. MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Disponível em:
<http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10 março 2003.
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VÓVIO, Cláudia Lemos. Viver, aprender: educação de Jovens e Adultos (Livro 1). São
Paulo: Ação Educativa; Brasília: MEC, 1998.
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO................................................................................................. 07 CAPÍTULO 1 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ............................ 09 CAPÍTULO 2 PAULO FREIRE: PENSAMENTO, POLÍTICA E EDUCAÇÃO . 16 2.1 Métodos e Práticas ...................................................................................... 23 CAPÍTULO 3 A AFETIVIDADE NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS .......................................................
24
3.1 O que é afetividade? ................................................................................... 24 3.2 Afetividade e a educação de jovens e adultos ............................................ 35 CONCLUSÃO.................................................................................................... 38 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 37 ÍNDICE ............................................................................................................. 42
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FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
Projeto A Vez do Mestre
Pós-Graduação “Lato Sensu”
TÍTULO DA MONOGRAFIA: “A afetividade no processo de aprendizagem”
Data da entrega: _______________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Avaliado por:_______________________________Grau______________.
Rio de Janeiro_____de_______________de 20___
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ANEXOS
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