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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA Rua Barão de Jeremoabo, nº147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitário Ondina Salvador-BA
Tel.: (71)3283 - 6256 – Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: pgletba@ufba.br
PALOMA MOORE NEVES
SDs NUS NA POSIÇÃO DE OBJETO NO PORTUGUÊS AFRO-
BRASILEIRO DE HELVÉCIA
Salvador
2014
PALOMA MOORE NEVES
SDs NUS NA POSIÇÃO DE OBJETO NO PORTUGUÊS AFRO-
BRASILEIRO DE HELVÉCIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Língua e Cultura, da Universidade
Federal da Bahia, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Letras.
Área de concentração: Variação da Língua
Portuguesa e Teoria da Gramática
Orientador: Prof. Dr. Alan Baxter
Salvador
2014
Sistema de Biblotecas da UFBA
Neves, Paloma Moore.
SDs nus na posição de objeto no português afro-brasileiro de Helvécia / Paloma Moore Neves.
- 2015. 139 f.
Orientador: Prof. Dr. Alan Baxter
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador,2014.
1. Língua portuguesa - Sintagma nominal - Helvécia (BA). 2. Língua portuguesa - Helvécia (BA). 3. Língua portuguesa - Brasil. 4. Língua portuguesa - Gramática gerativa.
5. Sociolinguística. I. Baxter, Alan. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras.
III. Título.
CDD - 469.5
CDU - 811.134.2’364
CDU - 392.8
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA
PALOMA MOORE NEVES
SDs NUS NA POSIÇÃO DE OBJETO NO PORTUGUÊS
AFRO-BRASILEIRO DE HELVÉCIA
Banca Examinadora:
______________________________________________________________________
Alan Baxter
Doutor em Linguística, Australian National University
Universidade Federal da Bahia (UFBA- orientador)
______________________________________________________________________
Maria Cristina Vieira de Figueiredo Silva
Doutora em Linguística, UFBA
Universidade Federal da Bahia (UFBA – Examinadora)
______________________________________________________________________
Norma da Silva Lopes
Doutora em Linguística, UFBA
Universidade Estadual da Bahia (UNEB – Examinadora)
Aos meus pais, por tanto terem torcido por mim.
À Ilza Ribeiro, por ser a linguista mais admirável que eu já conheci.
AGRADECIMENTOS
Agradecer é reconhecer a impossibilidade de realizar algo eficientemente sem que os
outros nos tenham ajudado. É também uma forma educada de admitir quanto dos outros
há em nós. E, nesse caso específico, é compreender que um projeto só segue um curso
de sucesso quando contamos com o apoio, o conhecimento, a experiência, o amor, a
tolerância e a compreensão daqueles que acreditam no nosso potencial.
A Deus, porque Ele é a esperança de que tudo tem uma razão de ser;
Aos meus pais, João Osmário e Mary, por serem a personificação do significado mais
sublime que eu conheço do que é gerar e educar alguém;
Aos meus irmãos, Lara, Ava, João e Luma, por deixarem claro que, na torcida da minha
vida acadêmica, haverá sempre um quarteto presente;
A Professora Doutora Ilza Ribeiro, por ter sido a responsável por me apresentar e me
fazer encantar pela Linguística;
Ao Professor Doutor Alan Baxter, pela seriedade com que conduziu minha dissertação;
Ao Professor Doutor Dante Lucchesi, por ter me apresentado o universo do Português
Afro-Brasileiro e a importância do contato entre línguas na constituição do mesmo;
Aos meus colegas de Mestrado, Camila Mello, Lisana Sampaio, Mailson Lopes e Victor
Cavalcanti Mariano, por terem tornado mais confortáveis os meus dias de mestranda;
Ao Professor Doutor, Danniel Carvalho, por mostrar-se sempre disponível;
A Ramon Arend Paranhos, pela sincera e constante solicitude e pelas discussões que
contribuíram com a realização do presente trabalho;
A Isis Barros, que me incentivou e me instruiu nos primeiros passos a caminho do
Mestrado;
A Sinval Medeiros Junior, por ter me fornecido muitas informações pertinentes e
esclarecido dúvidas sempre que o procurei (e foram tantas vezes!);
A Thiago Rodrigues, por ter sido o meu orientador das burocracias que envolvem o
Mestrado;
A Cristiane Pinto Daltro e Ricardo Luiz dos Santos Júnior pela paciência com que
conduziram minhas dúvidas;
A Adriana Santos Silva Sacramento, pela presteza de sempre;
Aos meus professores de Mestrado por terem contribuído com o meu crescimento
intelectual;
Às informantes de Helvécia, Delfina, Graziela, Porciana, Rofe e Tereza, pelos dados tão
preciosos;
À CAPES, por financiar os meus estudos;
À UFBA, por ser uma respeitável instituição de ensino.
Muito obrigada por participarem deste momento inesquecível.
“A coisa mais perfeita que podemos experimentar
é o misterioso. É a fonte de toda arte e de toda
ciência verdadeira.”
(Albert Einstein)
“O homem venera o saber que o ultrapassa.”
(Do personagem Adrian, do livro
A primeira noite de Marc Levy)
RESUMO
A presente dissertação investiga o Sintagma Determinante (SD) nu em posição de
objeto no Português Afro-Brasileiro de Helvécia, tratando os dados no âmbito da
metodologia e teoria variacionista e descrevendo o sistema de determinante tendo como
base a abordagem gerativista. Para tanto, as possibilidades de realização de SDs nulos e
com determinante da variedade do português dessa comunidade foram sistematizadas e
descritas a partir de um corpus com cinco entrevistas de informantes com mais de 80
anos. Através da quantificação de dados nos moldes da Sociolinguística Variacionista,
traçou-se o perfil adotado pelas falantes mais idosas dessa comunidade. A análise
mostrou que, no Português Afro-Brasileiro de Helvécia, assim como no Português
Brasileiro, o uso do Sintagma Determinante singular nu é permitido, sendo mais livre no
primeiro, onde o mesmo pode ter uma leitura [+Específica] [+Definida]. As gerações
mais antigas de Helvécia teriam adquirido, na segunda metade do século XIX, um
sistema de marcação de definitude e referencialidade diferente daquele do Português
Brasileiro por conta do contato radical com línguas africanas, o que justificaria o
fenômeno da realização de SDs nus definidos e referenciais objetos nessa comunidade.
Assumiu-se que os SDs objetos nus se projetam em SD e possuem determinantes nulos,
pois essa perspectiva é bem adequada considerando-se a realidade sociolinguística da
comunidade onde a situação de aquisição através do contato possibilitou as
transferências paramétricas a partir das L1 africanas presentes. Na análise por pesos
relativos, foi possível apontar que fatores como: referência cruzada, nomes próprios,
nomes contáveis, nomes animados, posses alienáveis, nome singular com leitura de
plural e a presença de outro material que marque referencialidade favorecem o uso do
determinante zero para esse tipo de leitura. Por fim e tendo em vista o caráter
multifuncional dos SDs nessa variedade, mostrou-se essencial considerar a interface
entre o nível gramatical e o extra-gramatical para derivar interpretações corretas,
possibilitando, assim, a leitura [+Específica] [+Definida].
Palavras-chave: Sintagmas Determinantes; SDs Nus Objetos; Objeto Incorporado;
Português Brasileiro; Português Afro-Brasileiro; Gramática Gerativa; Sociolinguística
ABSTRACT
The present work investigates the null Determiner Phrase (DP) in object position in the
Afro-Brazilian Portuguese of Helvécia treating the data according to the labovian
methodological and theoretical approach and describing the determiner system based on
the generative approach. In order to reach this goal, the null and overt Determiner
Phrase usages in the Afro-Brazilian community of Helvécia were systematized and
described from a corpus of interviews with five informants aged 80 or up . On a
quantifying basis along the lines of Variationist Sociolinguistics, the profile adopted by
older speakers of the community was traced. The analysis indicated that in both the
Afro-Brazilian Portuguese of Helvécia and in the Brazilian Portuguese the singular null
Determiner Phrase is allowed, having wider usages in the first, where it can have the
[+Definite], [+Specific] reading. In the second half of the nineteenth century, older
generations of Helvécia acquired a different definiteness and referentiality marking
system from that of the Brazilian Portuguese due to the radical contact with African
languages, which explains the possibility of the defined and referential null DPs in
object positions in this community. It was assumed that null DPs in object position are
projected in DS and have null determiners. This perspective is quite suitable considering
the sociolinguistic reality of the community, where the acquisition through contact
allowed parametric transfers from African L1. In analyzing the relative weights, it was
possible to point out that factors such as cross-reference, proper names, count nouns,
animated names, alienable possessions, singular names with plural readings and the
presence of other material to mark referentiality favor the use of the null determiner to
this kind of reading. Finally, and in view of the multifunctional character of SDs in this
variety, it was fundamental to consider the interface between grammatical and extra-
grammatical levels to derive correct interpretations, what makes the [+ Specific] [+
Definite] reading possible.
Palavras-chave: Determiner Phrases; Null DPs in Objetct Position; Brazilian
Portuguese; Afro-Brazilian Portuguese; Generative Grammar; Sociolinguistcs
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Informantes individuais: uso de determinante com SD objeto de leitura
definida..........................................................................................................................123
Gráfico 2 – Informantes individuais: uso de determinante com SD objeto de leitura
indefinida.......................................................................................................................126
Gráfico 3 - Informantes individuais: uso de determinante com SD objeto de leitura
genérica..........................................................................................................................128
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Variável dependente, variáveis independentes e exemplos...........................77
Tabela 2 – Determinantes em SD objetos – distribuição geral por tipo referencial........83
Tabela 3 – Uso do determinante em SDs com leitura definida, conforme o tipo de
familiaridade....................................................................................................................86
Tabela 4 – Uso do determinante em SDs de leitura definida – efeito do tipo de
substantivo no SN............................................................................................................90
Tabela 5 – Uso do determinante em SDs com leitura definida; efeito do traço
[±Contável] no SN...........................................................................................................92
Tabela 6 – Uso do determinante em SDs com leitura indefinida; efeito do traço
[±Contável] no SN...........................................................................................................94
Tabela 7 – Uso do determinante em SDs com leitura genérica; efeito do traço
[±Contável] no SN..........................................................................................................96
Tabela 8 – Uso do determinante em SDs com leitura definida; efeito do traço
[±Animacidade] no SN...................................................................................................98
Tabela 9 – Uso do determinante em SDs com leitura indefinida; efeito do traço
[±Animacidade] no SN..................................................................................................100
Tabela 10 – Uso do determinante em SDs com leitura genérica; efeito do traço
[±Animacidade] no SN..................................................................................................102
Tabela 11 – Uso do determinante em SDs com leitura definida; efeito do tipo de posse
no SN.............................................................................................................................103
Tabela 12 – Uso do determinante em SDs com leitura indefinida; efeito do tipo de posse
no SN.............................................................................................................................104
Tabela 13 – Uso do determinante em SDs com leitura genérica; efeito do tipo de posse
no SN.............................................................................................................................106
Tabela 14 – Uso do determinante em SDs com leitura definida; efeito da noção de
número no SN................................................................................................................108
Tabela 15 – Uso do determinante em SDs com leitura indefinida; distribuição de acordo
com a noção de número no SN......................................................................................111
Tabela 16 – Uso do determinante em SDs com leitura genérica; efeito da noção de
número no SN................................................................................................................113
Tabela 17 - Efeito sobre os determinantes da presença de outro constituinte que marque
referencialidade em SDs com leitura definida...............................................................116
Tabela 18 – Efeito sobre os determinantes da presença de outro constituinte que marque
referencialidade em SDs objetos com leitura indefinida...............................................118
Tabela 19 - Efeito sobre os determinantes da presença de outro constituinte que marque
referencialidade em SDs objetos com leitura genérica..................................................119
Tabela 20 – Desempenho das informantes individuais: SDs objetos de leitura
definida..........................................................................................................................122
Tabela 21 - Desempenho das informantes individuais: SDs objetos de leitura
indefinida.......................................................................................................................125
Tabela 22– Desempenho das informantes individuais: SDs objetos de leitura
genérica..........................................................................................................................127
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
[±arg] ±A rgumento
[±pred] ±Predicativo
[±I] ± Identificável
[±M] ± Foco nos Membros Integrantes da Classe
[±U] ± Quantificação Universal
[-Pr] ± Não-possibilidade de retomada por pronomes pessoais de mesmo
gênero e número do SD
A Aspecto
CCV Crioulo Caboverdeano
COMP Complementizador
Ds Determinantes
DET Determinante
DETø Determinante Zero
DLP Dados Linguísticos Primários
DPs Determiner Phrases
FF Forma Fonética
FL Forma Lógica
GU Gramática Universal
PABH Português Afro-Brasileiro de Helvécia
PB Português Brasileiro
PE Português Europeu
PM Programa Minimalista
Ns Nomes
NumP Numeral Phrase (Sintagma Numeral)
R Referencial
SDs Sintagmas Determinantes
SNs Sintagmas Nominais
ST Sintagma Temporal
SV Sintagma Verbal
SX Projeção Máxima
T Tempo
TMA Tempo/Modo/Aspecto
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................17
1 SDs: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.................................................................. 20
1.1 O RECENTE INTERESSE PELOS SDs NUS OBJETOS EM PB..........................20
1.2 OBJETIVOS E ORGANIZAÇÃO DO CAPÍTULO...............................................20
1.3 CARACTERIZAÇÃO DOS SDs.............................................................................21
1.3.1 Conceitos fundamentais para o tratamento dos SDs: as contribuições de
Lyons, Baxter e Lopes e mais...........................................................................21
1.3.2 A análise de Longobardi para os SDs nus: uma comparação entre as línguas
Românicas e Germânicas..............................................................................................32
1.3.3 O Parâmetro do Mapeamento Nominal de Chierchia......................................40
1.4 O COMPORTAMENTO DOS SDs NUS NO PB E NOUTRAS LÍNGUAS..........43
1.4.1 A análise de Schmitt & Munn sobre o Mapeamento de Chierchia: por que o
PB não se enquadra.........................................................................................................43
1.4.2 A análise de Saraiva para o PB: SDs nus como objetos incorporados............49
1.4.3 A proposta de Baptista para o CCV: uma comparação com o PB e o PE......57
1.4.4 HV-19 e seu sistema de definitude e referencialidade sob o olhar de Ribeiro65
1.5 CONCLUSÕES DO CAPÍTULO.............................................................................70
2 METODOLOGIA.......................................................................................................72
2.1 OBJETIVOS DO CAPÍTULO..................................................................................72
2.2 OS DADOS...............................................................................................................72
2.3 QUANTIFICAÇÃO..................................................................................................74
2.4 ANÁLISE DA VARIAÇÃO.....................................................................................80
2.5 ENQUADRAMENTO TEÓRICO............................................................................81
3 O SISTEMA DE USO DE DETERMINANTE NO PABH........................................82
3.1 OBJETIVOS E DESCRIÇÃO DO CAPÍTULO.......................................................82
3.2A DISTRIBUIÇÃO GERAL NAS CINCO SUB-CORPORA DE SDs..................83
3.3 SDs OBJETOS COM LEITURA DEFINIDA: GRUPOS DE FATORES QUE SÓ DIZEM
RESPEITO AOS SDs DEFINIDOS.....................................................................................85
3.3.1 O efeito da familiaridade do referente do SD com leitura definida.................85
3.3.2 O efeito do tipo de substantivo em SDs com leitura definida...........................89
3.4 GRUPOS DE FATORES CONTEMPLADOS JUNTO AOS CINCO SUB-
CORPORA......................................................................................................................91
3.4.1. O caráter contável do nome...............................................................................91
3.4.1.1 Caráter contável do nome com referência definida............................................92
3.4.1.2 Caráter contável do nome com leitura indefinida..............................................93
3.4.1.3 Caráter contável do nome com leitura genérica...............................................95
3.4.2 Semântica do nome: Animacidade.....................................................................97
3.4.2.1 Animacidade do nome com leitura definida.......................................................97
3.4.2.2 Animacidade do nome com leitura indefinida....................................................99
3.4.2.3 Animacidade do nome com leitura genérica.....................................................101
3.4.3 Tipo de Posse.......................................................................................................103
3.4.3.1 Tipo de Posse com leitura definida...................................................................103
3.4.3.2 Tipo de posse com leitura indefinida.................................................................104
3.4.3.3 Tipo de posse com leitura genérica...................................................................106
3.4.4 Noção de número no SD.....................................................................................107
3.4.4.1 Noção de número no SD com leitura definida.......................................................108
3.4.4.2 Noção de número no SD com leitura indefinida....................................................110
3.4.4.3 Noção de número no SD com leitura genérica......................................................112
3.4.5 Presença de outro material que marque referencialidade.............................115
3.4.5.1 Presença de outro material que marque referencialidade com leitura
definida..........................................................................................................................115
3.4.5.2 Presença de outro material que marque referencialidade com leitura
indefinida.......................................................................................................................117
3.4.5.3 Presença de outro material que marque referencialidade com leitura genérica.........119
3.4.6 Desempenho individual das falantes.................................................................121
3.4.6.1 Desempenho individual das falantes com SDs de leitura definida......................121
3.4.6.2 Desempenho individual das falantes com SDs de leitura indefinida...................124
3.4.6.3 Desempenho individual das falantes com SDs de leitura genérica.....................126
3.5 OS SDs NUS OBJETOS SINGULARES NO PABH............................................128
CONCLUSÃO.............................................................................................................134
REFERÊNCIAS...........................................................................................................137
17
INTRODUÇÃO
A presente dissertação traz como tema o comportamento dos Sintagmas
Determinantes (doravante SDs) nus objetos no Português Afro-Brasileiro de Helvécia
(doravante PABH), uma comunidade de descendentes de escravos da antiga Colônia
Leopoldina, que ficaram assentados em pequenas roças na região de Helvécia, no
extremo sul da Bahia (Baxter & Lucchesi, 2007). A possibilidade de uso de SDs sem
determinante na posição de objeto no dialeto de Helvécia foi observada, inicialmente,
por Ferreira (1984 (1961)), Baxter (1992, 1998) e Baxter & Lopes (2005, 2009). Em
Baxter (1998), Holm (1992) e Mckinney (1975), se menciona o fato de que essa
variação existe em outros dialetos brasileiros.
Os principais objetivos do estudo são: i) mostrar a distribuição geral dos
determinantes na posição de objeto nessa comunidade dentro da faixa 3 (falantes com
mais de 80 anos); ii) observar os fatores que favorecem o uso de cada um dos
determinantes, principalmente o uso do determinante zero; iii) mostrar o que
possibilitou o estabelecimento do uso de determinante zero singular no PABH.
De acordo com Chierchia (1998), existem três classificações que podem ser
atribuídas aos Sintagmas Nominais (doravante SNs): há línguas cujos SNs são
mapeados como [+arg, -pred], que é o caso do japonês e do chinês; línguas do tipo
[+arg, +pred], que incluem o inglês e a maioria das línguas germânicas; e línguas que
apresentam a configuração [-arg, +pred], que seria o caso das línguas românicas.
O PB deveria, portanto, estar enquadrado neste último tipo de configuração.
Schmitt & Munn (1999) observaram, no entanto, que, diferentemente do que propõe
Chierchia (1998), o PB admite singulares nus na posição de objeto, algo que não é
admitido nas línguas [-arg, +pred]. Os exemplos de (1) a (3) ilustram o comportamento
diferenciado do PB em relação ao espanhol e ao inglês:
1) *1Solamente compré apartamento en este año porque había dinero a la
izquierda. (espanhol)
2) *I just bought apartment this year because there was some money left. (inglês)
3) Eu só comprei apartamento esse ano porque o dinheiro estava sobrando. (PB)
1O símbolo ‘*’representa a agramaticalidade da sentença.
18
Para que as sentenças sejam consideradas gramaticais em (1) e (2), a posição do
D (determinante) deve estar preenchida. Já em (3), temos uma frase produtiva e
aceitável para qualquer falante do PB.
O PABH apresenta a mesma possibilidade de uso visto no exemplo (3), como
mostram dados dos inquéritos do Projeto Vertentes da UFBA. Nessa variedade, também
são encontrados dados tanto [+Específicos] quanto [+Definidos] (de acordo com as
definições de especificidade e definitude propostas por Lyons (1999) e Ribeiro (2010)):
4) se vei' notiça
5) “o sinhô tá ven' diferença, né?” (HV-15).
A configuração do SD, nessas realizações, apresenta-se como mais uma
evidência do processo de transmissão linguística irregular, que contribuiu para a
formação do português afrobrasileiro (Lucchesi, Baxter e Ribeiro, 2009). Trata-se de
um indício de que os dados linguísticos primários (DLP) que atuaram como gatilho para
desencadear a estruturação da gramática dos escravos da Colônia de Leopoldina e seus
descendentes foram diferentes/especiais no sentido de que deve ter havido algum
bilinguismo nas fases iniciais da Colônia Leopoldina (Lucchesi, Baxter e Ribeiro, 2009,
p.87-91) devido à forte presença de escravos africanos. Os DLP para a aquisição de L1
(língua materna) conteriam material de L2 (modelo de português divergente aprendido
pelos escravos – diferente do português falado pelos não escravos) e material das
línguas africanas.
Cabe, portanto, na presente dissertação, descrever o sistema de uso de
determinante do PABH e seus condicionantes, no intuito de apontar para uma possível
causa no perfil da distribuição, levando-se em consideração que, nessa variedade,
objetos nus [+Definidos] também são possíveis
Tendo em vista a afirmação de que o Mapeamento Nominal de Chierchia não se
adéqua ao PB, assume-se aqui que ele também não se adéqua ao PABH.
Na literatura atual, existem duas possíveis hipóteses para explicar os SDs nus
objetos: i) os SDs nus obejtos são objetos incorporados, como sugere Saraiva (1997)
para o PB; ou, ii) os SDs nus na posição de objeto se projetam em SD e possuem
determinantes nulos, segundo proposta de Longobardi (1998) para os SDs nus objetos
19
das línguas em geral. No presente trabalho, assumir-se-á um desses posicionamentos,
observando a distribuição dos SDs nos inquéritos selecionados.
A presente dissertação se organiza da seguinte maneira: no capítulo 1, é feita a
fundamentação teórica, que expõe, inicialmente, as informações sobre o que já se sabe
sobre SDs nus objetos nas línguas em geral. Em seguida, afunila-se o embasamento
teórico ao que concerne ao PB especificamente. O objetivo do capítulo é definir e situar
o leitor quanto aos conceitos básicos e o que há na literatura existente sobre SDs.
O capítulo 2 apresenta a metodologia adotada na dissertação. Para tanto, o
corpus, bem como a comunidade de fala escolhida são apresentados e caracterizados. A
chave de codificação detalhada para o levantamento dos dados, e os programas usados
para quantificar os dados são expostos em seguida. Finalmente, apresenta-se o
enquadramento teórico dentro do modelo da Gramática Gerativa e da Sociolinguística
Variacionista.
No capítulo 3, descreve-se o sistema de uso de determinante das mulheres com
mais de 80 anos, da faixa 3 do corpus Afro-Brasileiro do Projeto Vertentes e do Corpus
do Projeto Traços crioulos em dialetos rurais, a partir da distribuição quantitativa dos
determinantes junto a um conjunto de fatores estruturais e semânticos que serão
estabelecidos no capítulo 1. A contribuição desses fatores para o uso de cada
determinante será avaliada por meio de uma análise por pesos relativos. Por fim, será
feita uma discussão mais específica sobre os SDs nus objetos singulares, no intuito de
mostrar o que causou o comportamento diferenciado do PABH.
20
1 SDs: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 O RECENTE INTERESSE PELOS SDs NUS OBJETOS EM PB
O interesse pelo fenômeno do licenciamento dos SDs nus objetos no PB é
recente e ainda há muito a ser abordado acerca do tema. Isso se deve ao fato de os
trabalhos de tipologia de línguas, como o de Chierchia (1998), por exemplo,
enquadrarem o PB no mesmo grupo das demais línguas românicas quanto ao uso dos
SDs. Se esse fosse o caso, realmente não haveria justificativa para os linguistas
abordarem o PB particularmente nesse aspecto. Tendo em vista que o PB se comporta
de maneira diferenciada das demais línguas românicas no que diz respeito ao
licenciamento dos SDs nus objetos, esse fenômeno passou a ser cientificamente
relevante. Como essa descoberta é recente, a literatura específica existente sobre o PB
não é vasta. Portanto, é preciso verificar o que há de importante na literatura que
concerne às línguas em geral dentro desse tema para perceber o que se pode aplicar ao
PB e contribuir para o avanço do presente estudo. Também será necessário incluir os
trabalhos já publicados, que tratam do PB propriamente dito, pois eles servirão de guia
para a formulação de ideias que levarão a um entendimento sobre o funcionamento dos
SDs nus objetos no PABH e no PB.
1.2 OBJETIVOS E ORGANIZAÇÃO DO CAPÍTULO
O objetivo principal desse capítulo é traçar um percurso teórico lógico, dentro da
literatura linguística moderna, no que concerne ao comportamento dos SDs.
Primeiramente, o leitor será situado com informações indispensáveis quanto ao uso dos
SDs objetos nas línguas em geral e, em seguida, no PB especificamente. O
embasamento teórico que se segue é fundamental para viabilizar o objetivo central dessa
dissertação: a avaliação do comportamento diferenciado dos SDs no PB e,
principalmente, na variedade de português falada pela comunidade de Helvécia.
Dessa forma, ver-se-ão, a partir de Lyons (1999), os conceitos principais que
nortearão a análise que será feita no terceiro capítulo. Também será vista a proposta do
21
Parâmetro do Mapeamento Nominal de Chierchia (1998), um trabalho de grande
importância de tipologia de línguas dentro do tema do SD. Verificar-se-á que o PB não
se enquadra em nenhuma das possibilidades classificatórias que esse autor apresentou.
O estudo de Munn & Schmitt (1999) mostrará os motivos e os exemplos dessa
inadequação. Numa tentativa de explicar o fenômeno, Saraiva (1997) propôs, como será
visto, que SDs nus objetos no PB são objetos incorporados. Uma proposta diferente será
apresentada através de Longobardi (1998), com a afirmação de que os SDs nus podem
se projetar em SD e possuir determinantes nulos. Além disso, verificar-se-á o
comportamento similar entre o CCV e o PB quanto a esse fenômeno no estudo de
Baptista (2007). Por fim, apresentar-se-á uma análise inicial sobre os dados de HV-19
dentro do tema: definitude sob o olhar de Ribeiro (2010).
O capítulo é organizado da seguinte maneira: primeiramente, apresentar-se-ão os
trabalhos que contribuíram de forma mais abrangente para a caracterização dos SDs
como um todo (conceitos fundamentais, definições relevantes, traços semânticos e
sintáticos inerentes aos mesmos, possibilidades de usos nas línguas românicas e
germânicas, dentre outros). O livro de Lyons (1999), o estudo de Longobardi (1998) e o
trabalho de Chierchia (1998), que possuem esse perfil mais geral, aparecerão nessa
ordem no presente estudo. Em seguida, serão apresentadas algumas discussões mais
específicas, que focaram no fenômeno dos SDs nus objetos propriamente ditos em PB e
em outras línguas. Na segunda parte desse capítulo, serão apresentados,
respectivamente, os estudos de Munn & Schmitt (1999), Saraiva (1997), Baptista (2007)
e Ribeiro (2010).
1.3 CARACTERIZAÇÃO DOS SDs
1.3.1 Conceitos fundamentais para o tratamento dos SDs: as contribuições de
Lyons, Baxter e Lopes e mais
O trabalho de Lyons (1999) apresenta conceitos fundamentais para o assunto
central dessa dissertação. Por se tratar de um trabalho extenso e completo acerca do
tema definitude, as noções e os exemplos no que diz respeito à referencialidade,
22
familiaridade, especificidade, genericidade (concepções que parecem estar fortemente
atreladas ao uso dos SDs) aparecem de forma clara e objetiva. Portanto, entendeu-se que
seria essencial adotá-lo como texto base para definir tais conceitos.
Desde já, salienta-se que, por questão de espaço e objetivos, não caberá o
questionamento de tais definições.
É característico das línguas humanas possuírem nomes que podem ocupar tanto
a posição de sujeito como a de objeto. Esses elementos são conhecidos como sintagmas
nominais (SNs) e podem possuir, como acontece em muitas línguas, um elemento que
marca a definitude ou indefinitude do seu núcleo, como aponta Lyons (p.1). O elemento
de marcação pode ser um artigo (como no inglês: the , a) ou um afixo (como no árabe:
al- , -n). No PB, à primeira vista, a marcação de (in)definitude ocorre através do uso dos
artigos: o, a, os, as (definidos) e um, uma, uns umas (indefinidos). No entanto, a
indefinitude também pode ser marcada pelo elemento zero, como em: Comprei carros.2
Há, ainda, outros elementos que podem marcar a (in)definitude no PB e em outras
línguas, como quantificadores (muito, alguns, poucos, muitas, várias, etc.), pronomes
possessivos (meu(s), minha(s), nosso(s), etc.), numerais (dois, cinco, quarenta, etc.),
pronomes demonstrativos (esse(s), essa(s), aquele(s), aquela(s)),entre outros. Esses
marcadores de (in)definitude são conhecidos como sintagmas determinantes (SDs), o
objeto de estudo que nos propusemos a avaliar nesse trabalho.
Limitar-se-á, por hora, à discussão aos SDs definidos simples (como em: the car
– o carro) e dos indefinidos simples (como em: a car – um carro), pois eles são os
elementos-chave para o entendimento do conceito de familiaridade.
Apesar de “the car” (o carro) refererir-se, a princípio, a um carro em particular,
como em: I brought the car to my house this morning (Eu trouxe o carro para a minha
casa nessa manhã), há situações em que “a car” (um carro) também pode ser um
determinado carro e não um carro qualquer para o falante, como em: I bought a car two
days ago (Eu comprei um carro dois dias atrás). A diferença entre elas, segundo Lyons
(p.2) é que, na primeira opção, o carro do qual se fala é de conhecimento também do
ouvinte. Surge, então, (p.3) a chamada hipótese da familiaridade, apresentada por
Chistophersen (1939), mas é o mais recente trabalho de Hawkins (1978) que serve de
base para o texto de Lyons. De acordo com a hipótese da familiaridade, a definitude
está relacionada ao (re)conhecimento do ouvinte em relação ao referente de que o
2 Tendo em vista que o presente trabalho trata, especificamente, dos sintagmas nominais que aparecem na posição de
objeto, a maioria dos exemplos será dada com elementos que ocupem essa posição.
23
falante trata nos diversos contextos. Para tornar o conceito de familiaridade mais claro,
Lyons (p.3), ilustra com exemplos de usos situacionais, anafóricos, associativos, dentre
outros, do “the”(o/a/os/as). Por questão de simplificação, serão dados exemplos do PB:
1) Arrume o armário antes que eu coloque as minhas roupas nele.
2) Veja a cozinha como é pequena.
3) Vi o sol se pôr ontem.
4) Conheci um homem estranho ontem. O homem usava um paletó laranja.
5) Peguei um táxi no meio da Avenida Brasil. O motorista era meio doido.
6) A mulher, que Pedro disse que atendeu, é professora.
Nos exemplos 1 e 2, tem-se o uso situacional do artigo definido, pois, segundo
Lyons (p. 4) o falante e o ouvinte estão numa situação física, que permite que eles
saibam qual é o referente. A sentença 3 caracteriza o que Lyons (p.4) chama de
familiaridade por conhecimento geral, pois ambos o falante e o ouvinte sabem que “sol”
é uma entidade única no planeta. A sentença 4, por sua vez, caracteriza o tipo de
familiaridade que Lyons (p.4) chama de anafórica, pois, no contexto linguístico, o
referente já havia sido mencionado. A sentença 5 representa a familiaridade por uso
associativo ou referência cruzada, pois o ouvinte, de acordo com o que propõe Lyons
(p.4), prevê que haja um “motorista”, já que o “táxi” foi mencionado anteriormente. A
sentença 6 é o que Lyons (p. 5) chama de uso catafórico; o referente recebe uma
explicação posterior, que o torna familiar para o ouvinte.
Lyons (p. 5) comenta que muitos linguistas preferem perceber definitude como
sendo uma questão de identificabilidade (o uso do “the” (o/a/os/as) faz o ouvinte
acreditar que é capaz de identificar sobre o quê se está falando). No entanto, há
situações de usos do “the” em que não é possível identificar o referente. O mesmo
ocorre em PB, como é possível observar através do exemplo 7:
7) Gostaria de conhecer o médico de plantão hoje.
Os demonstrativos são, na maior parte dos casos, considerados definidos, pois,
mesmo que haja mais de um elemento do mesmo tipo em um contexto situacional, é
possível, através de um gesto, tornar o ouvinte ciente de qual elemento o falante
24
propriamente trata. Na situação de fala: Passe-me aquele livro, por exemplo, pode
haver, como aponta Lyons (p. 17-18), mais de um livro e, um gesto de apontar o objeto
ao qual o falante se refere pode estar acompanhando a sentença, tornando-o familiar
para o ouvinte. Graças à natureza dêitica3 dos demonstrativos é possível fazer a
diferenciação entre os mesmos. O traço dêitico dos demonstrativos é como um guia para
o ouvinte saber qual é o referente da emissão. Assim, o traço [+ Demonstrativo],
segundo Lyons (p.21), está diretamente relacionado ao traço [+Definido] nas línguas em
geral. No PB, no entanto, nem sempre isso se aplica, o que é possível notar em
sentenças formadas nas variedades mais populares, como no exemplo:
8) Quando eu quero pescar, eu pego esse pessoal todo que eu conheço das
redondezas e vou.
Ainda assim, os demonstrativos estão associados de forma mais acentuada à
identificabilidade do que os artigos definidos de acordo com Lyons e é importante
verificar, nos dados do PABH, quais são as leituras possíveis para o demonstrativo.
No presente trabalho e seguindo Lyons, relacionar-se-á definitude à
familiaridade.
Já quando o tema é indefinitude, Lyons (p. 33) questiona se seria uma questão
da presença de certos determinantes indefinidos num sintagma nominal ou,
simplesmente, uma questão de ausência do determinante definido. O artigo “a” do
inglês (um/uma/uns/umas) aparentemente apresenta o traço [-Definido]. Alguns outros
determinantes como “three” (três) e “many” (muitos/muitas), embora sejam
inicialmente caracterizados como indefinidos, não codificam o traço [-Definido], até
porque eles podem co-ocorrer com determinantes definidos. Eles são, portanto, neutros
no que diz respeito à (in)definitude. No caso dos plurais e nomes de massa, a ausência
fonológica do determinante é resolvida pela hipótese de que há uma variante “zero” do
artigo indefinido. Mas a realidade do inglês parece demonstrar claramente que é a
ausência de um determinante definido que torna um sintagma nominal indefinido.
3 A propriedade dêitica relaciona as coisas sobre as quais se fala no contexto espaço-temporal e, particularmente, nos
diferentes contextos como aquele entre o momento e local da emissão e outros momentos e lugares; ou aquele entre o
falante, o ouvinte e outros (LYONS, p. 18)
25
Lyons (p.36-37) aponta, ainda, que existem algumas expressões cardinais que
mostram uma forte preferência pela indefinitude, como “several” (muitos/muitas) ou
incompatibilidade com definitude, como “enough” ( suficiente/s).
O autor (p.40) sugere a possibilidade de nenhum determinante receber a
especificação [-Definido] e de a indefinitude dizer respeito à ausência de um
determinante [+Definido]. Apesar de parecer bastante razoável, não cabe a análise de tal
hipótese no presente trabalho. Assumir-se-á, para o PB, que os demonstrativos e os
definidos são preferencialemente [+Defindos], que há determinantes que podem ser
neutros, mostrar uma forte preferência pela indefinitude ou ser incompatíveis com
definitude.
Os numerais, por exemplo, são neutros quanto à definitude no PB. Os exemplos
abaixo mostram, respectivamente, exemplos de uso de determinantes numerais
marcados como [+Definido] e [-Definido] respectivamente:
9) Tenho dois olhos, uma boca e um nariz. (a familiaridade, nesse caso, será
do tipo Conhecimento Geral, pois todos sabem que todo e qualquer ser
humano possui sempre dois olhos, uma boca e um nariz)
10) Comprei duas canetas baratíssimas. (aqui o determinante é marcado como
[-Definido] e, portanto, não recebe classificação quanto à familiaridade)
Os determinantes que recebem o nome de quantificadores demonstram uma forte
tendência para a marcação [-Definido] no PB, pois tendem a expressar uma ideia
aproximada ou relativa de quantidade, sem compromisso com a exatidão, como é
possível conferir nos exemplos de 11 a 13:
11) Comprei alguns quiabos na feira.
12) Gastei muitas maçãs para fazer a torta.
13) Tenho poucos parentes.
No PB, assim como no inglês, os indefinidos simples estão sempre
acompanhando objetos que aparecem pela primeira vez nas situações de fala e são
incompatíveis com o traço [+Definido], devem ser marcados, portanto como [-
Definido]. Os objetos com determinantes indefinidos podem se tornar familiares para o
26
ouvinte, no caso de aparecerem novamente no contexto, através da anáfora. Nesse caso,
aparecem acompanhados de um determinante [+Definido]. Os exemplos abaixo
mostram as duas opções respectivamente:
14) Levarei uns salgadinhos para a festa.
15) Comprei um carro lindo ontem. Na minha casa, todos adoraram o carro.
A previsão inicial para o determinante zero (ø), em PB4, é que ele também
marca o seu objeto como [-Def], como demonstrado nos exemplos abaixo:
16) Vendo ø canetas na feira de Maceió.
17) Compro ø carro usado.5
Quanto aos pronomes possessivos, Lyons (p.24) comenta que eles apresentam
um comportamento diferente nas diversas línguas. O autor demonstra a diferença de
comportamento dos possessivos do inglês e do irlandês em relação aos do italiano e do
grego. A diferença entre as línguas está na posição estrutural ocupada pelo possessivo.
Nas duas primeiras línguas, os possessivos aparecem no mesmo lugar dos artigos e
determinantes definidos e nas duas últimas, eles aparecem na posição adjetival ou em
outras posições. O PB se comporta como as duas primeiras línguas nesse aspecto. Os
possessivos não são associados com o traço [+ Definido] tanto quanto os
demonstrativos. Em exemplos como: Vou visitar meu primo hoje, o “primo” pode ser
qualquer um dos primos que o falante possui e o ouvinte não é capaz de saber a que
primo ele se refere só através do determinante. Já no exemplo: Abracei minha mãe no
aeroporto, o objeto é marcado como [+Definido], pois é sabido que as pessoas só
possuem uma mãe. No entanto, não é o uso do possessivo que marca a definitude do
objeto e sim o contexto no qual ele está inserido. Portanto, é através da análise do
contexto que se verifica se os possessivos, bem como os numerais, são definidos ou
indefinidos.
O tema dos determinantes possessivos requer um pouco mais de atenção no
presente trabalho, pois há dois tipos de posse: as alienáveis e as inalienáveis. Posses
4 Essa previsão será atestada posteriormente na análise dos dados de Helvécia.
27
inalienáveis são aquelas que não podem ser cedidas, dispensadas ou desfeitas, como
pode ser verificado nos exemplos abaixo:
18) Eu amo meu pai.
19) Eu quebrei meu braço.
Por outro lado, as posses alienáveis podem, a qualquer momento, deixar de
pertencer àquele dono e passar a ser posse de outro. Na sentença abaixo, vê-se um
exemplo desse tipo de uso:
20) Eu curto minha casa.
Da mesma forma que é perceptível a importância da definição do conceito de
definitude, no presente trabalho, uma atenção especial deve ser dada também ao
conceito de especificidade. As definições relacionadas à especificidade também foram
retiradas de Lyons (p. 165). Segundo o autor, a diferença entre sentenças como: I
bought a car (Eu comprei um carro) e Pass me a book (Passe-me um livro) está no fato
de que, o “carro” é “um carro particular” e o “livro” pode ser “um livro qualquer”,
sendo, portanto, arbitrário nesse contexto. A noção de especificidade está diretamente
relacionada à condição do falante de identificar o referente; se o falante particulariza e
identifica o referente em tal sentença, então, o SN é classificado como [ + Específico],
caso contrário, o SN é [- Específico]. Note que, quando se trata de especificidade, a
identificação do SN pelo ouvinte não é levada em consideração. A noção de definitude,
como foi visto anteriormente, é a que leva em consideração a identificação do referente
por parte do ouvinte. Na sentença: Eu comprei um carro, o ouvinte não sabe qual foi o
“carro” comprado pelo falante. O SN “um carro” é classificado, portanto, como [-
Definido], embora seja [+Específico]. Já no exemplo: Eu comprei o carro verde por 25
mil reais, o ouvinte sabe a que “carro” o falante se refere. O SN “o carro verde” deve
ser classificado tanto como [+Definido], quanto como [+Específico]. Dessa forma, os
objetos podem ser classificados da seguinte maneira: [+Específico] [-Definido];
[+Específico] [+Definido]; e [-Específico] [-Definido]. As sentenças abaixo ilustram,
respectivamente, tais opções:
28
21) Encontrei uma velha que vende doces na minha cidade e ela me deu essas
cocadas.
22) Encontrei nosso médico no cinema.
23) Pesco muitos peixes nesse rio, mas não tenho coragem de comer nenhum.
Dentro do tema que está sendo avaliado, outra observação importante diz
respeito ao tipo de substantivo, que pode ser comum ou próprio. Os nomes próprios, a
título de simplificação, são limitados por Lyons (p. 21) àqueles que não possuem
conteúdo semântico-descritivo diferentemente dos nomes comuns. Os nomes comuns
podem ser descritos com características semânticas que o colocam no conjunto dos
elementos que podem ser denominados de uma forma tal. Por exemplo, todo elemento
que seja um animal de quatro patas, que late e é considerado o melhor amigo do
homem, recebe a denominação cachorro em PB. Em outras palavras, se um elemento
apresenta os traços semânticos: [+Animado]6, [+Quadrúpede], [+Que Late], [+Melhor
amigo do homem], ele se enquadra no grupo do nome comum cachorro. Com os nomes
próprios, isso é totalmente impensável. Um ponto de vista comum sobre os nomes
próprios é que eles são absolutamente únicos. Surge, então, no trabalho de Lyons (p. 21-
22), a questão de como diferenciar os nomes próprios dos nomes inerentemente únicos
como “sun”, do inglês (sol). Uma das diferenças é gramatical; enquanto “sun” se
comporta como nome comum (possui traços semânticos que o definem) e leva artigo ou
algum determinante definido, nomes próprios como “John” não são acompanhados de
determinantes e são sintagmas nominais completos. No PB, no entanto, a questão do
artigo ou determinante não se aplica da mesma forma, pois é possível encontrar tanto
nomes próprios acompanhados de determinantes quanto nomes próprios nus. Uma
pergunta interessante na discussão de Lyons sobre os nomes próprios é se eles teriam o
traço [+ Definido] e se sim, onde? Tendo em vista a possibilidade da ausência do
determinante nos nomes próprios, conclui-se que o traço [+Definido] (caso exista) teria
que aparecer no nome. Para Lyons, no entanto, a melhor explicação seria que o traço
[+Definido] aparece sempre no mesmo elemento, ou seja, no determinante (pois,
segundo o autor, é aí que ele aparece nos nomes comuns). Pode-se pensar na
possibilidade de os nomes próprios possuírem determinantes foneticamente nulos (que
carregariam o traço de definitude) ou de esse traço não aparecer nos nomes próprios.
6 Esse traço semântico será tratado neste mesmo capítulo
29
Lyons (1995c) acredita que os nomes próprios em inglês são indefinidos. Assumiu-se,
na presente dissertação que, em PB, os nomes próprios são preferencialmente
[+Definidos], aparecendo ou não acompanhados do artigo definido. Tendo em vista a
possibilidade da existência de um determinante foneticamente nulo nos nomes próprios
e sabendo que essa questão pode estar relacionada e ser útil na explicação da
possibilidade de uso dos SDs nus objetos em PB e no PABH, fica clara a importância de
diferenciarmos os objetos quanto ao tipo de nome.
A definição de genericidade foi outra contribuição de Lyons para o presente
trabalho. Segundo o autor (p. 179), “sintagmas nominais genéricos são aqueles cujas
referências são feitas para toda uma classe, ou, talvez de forma mais precisa, que são
usadas para expressar generalizações sobre uma classe como um todo – a classe em
questão sendo aquela que consiste em todas as entidades que satisfazem a descrição
inerente no nome ou nominal”. Lyons (p. 181) exemplifica com as seguintes sentenças:
I admire an intellectual when he speaks out (eu admiro um intelectual quando fala ) / I
admire the intellectual when he speaks out (eu admiro o intelectual quando fala )/ I
admire intellectuals when they speak out (eu admiro intelectuais quando falam) / I
admire the intellectuals when they speak out (eu admiro os intelectuais quando falam).
Lyons afirma que, apesar de o inglês apresentar uma gama de possibilidades de uso de
sintagmas nominais genéricos, os definidos plurais, em geral, não estão disponíveis para
o uso genérico, como pode ser notado na última sentença dos exemplos dados. No PB,
as possibilidades de uso de genéricos também são muitas, incluindo, além das do inglês,
o SD nu singular, como é possível constatar nos exemplos que se seguem: Sempre amei
macaco/ Sempre amei macacos/ Sempre amei os macacos. Em oposição aos nomes
genéricos, temos os nomes referenciais, que geralmente são acompanhados de um
determinante definido ou demonstrativo, como em: Comprei o livro no shopping /
Encontrei aquele cachorro no parque. Os nomes referenciais são categoricamente
[+Específicos] e, algumas vezes [+Definidos] (como no segundo exemplo). A variável
que diz respeito à referencialidade do SD é indispensável no presente trabalho já que é
preciso verificar se SDs nus objetos são categoricamente genéricos, como sugerem
Schmitt & Munn (1999), o que não parece ser verdade para o PABH.
Tendo em vista que Lyons (p.213) aponta a relação entre o traço [+Animado] e
o traço [+Definido], incluiu-se a animacidade como essencial para a presente análise.
Recebem a classificação de [+Animados] os objetos que são seres vivos, como homens,
30
mulheres, crianças e animais. Os demais são classificados como [-Animados]. Lyons
(p. 213-214) propõe uma hierarquia de animacidade, baseando-se nos trabalhos de
Silverstein (1976), Comrie (1981a) e Croft (1990): 1) pronomes de primeira e de
segunda pessoas; 2) pronomes de terceira pessoas; 3) nomes próprios; 4) nomes comuns
com referências humanas; 5) nomes animados, não humanos; 6) nomes inanimados. O
conceito de hierarquia de animacidade, por ser subjetivo e flexível, apresenta, segundo
Lyons (p. 214), alguns problemas. Um deles é o fato de não ser óbvio o que faz nomes
próprios estarem mais acima na hierarquia do que nomes comuns com referências
humanas. Apesar dos problemas, Lyons (p. 215) afirma que a noção de hierarquia de
animacidade é importante para expressar algumas generalizações reais entre as línguas,
como o fato de que referentes definidos estão mais evidentes na mente humana do que
os indefinidos, pois, por definição, são familiares. Não cabe avaliar a validade dessa
hierarquia e nem aprofundar a pesquisa quanto ao traço da animacidade nesse estudo,
apenas classificar os objetos como [±Animados].
Embora as colocações de Lyons sobre o aspecto número terem sido de pouca
contribuição para o presente trabalho e, apesar de o foco aqui ser nos SDs nus singulares
objetos, decidiu-se levar em consideração a noção de número no SD dentro das
seguintes possibilidades : Singulares, Plurais, Singulares com leitura de plural, e
Singulares com possibilidade de plural, como é possível visualizar, respectivamente,
nos exemplos abaixo:
24) Comprei o apartamento na planta.
25) Comprei uns carros usados.
26) Compro carro usado e revendo.
27) Ela vive tomando remédio.
Um aspecto que deve ser igualmente relevante é a caracterização dos SDs
objetos como contáveis ou não-contáveis. É importante avaliar a distribuição das
tendências do PABH para perceber se os SDs nus objetos são preferencialmente usados
com nomes contáveis (que podem ser separados por unidades, isto é, atomizados), ou
não-contáveis, também conhecidos como nomes de massa. Os exemplos 28 e 29
mostram, respectivamente, usos dessa natureza no PB:
31
28) Vi galinhas ciscando.
29) Doei sangue hoje.
Para facilitar a visualização das tendências do PABH, julgou-se pertinente
considerar a configuração sintática do objeto, com as opções: Foco (objetos que são
deslocados para o início da sentença), Existenciais (para objetos que complementam o
verbo “ter” no sentido de existir) e Objeto (para todos os objetos que não se enquadram
nas duas primeiras categorias). Seguem, abaixo, exemplos dos três tipos de objetos:
30) Laranja, eu chupo quase todo dia.
31) Tem um rio perto de minha casa.
32) Encontrei água no rio.
A partir da leitura de Lyons (1999), foram reunidos os traços linguísticos que
podem possibilitar, interferir ou modificar os diversos usos de SDs no PB e,
possivelmente, no PABH. A análise desses traços trarão pistas para explicar o uso dos
SDs nus objetos no PB e no PABH.
No estudo de Baxter e Lopes (2009), em que os autores tratam do uso do artigo
definido na comunidade de Helvécia do ponto de vista da Sociolinguística, um dos
aspectos levados em consideração foi a presença de outro constituinte capaz de induzir
a referência definida.
Apesar de o presente estudo tratar dos SDs nus na posição de objeto e não do
uso do artigo definido exclusivamente, achou-se pertinente considerar esse aspecto para
verificar a possibilidade de usos referenciais sem o uso do artigo definido e de outros
determinantes.
Assim, como no trabalho de Baxter e Lopes (p. 325), os fatores que serão
considerados são: nenhum outro modificador, oração relativa, adjetivo pré-nominal,
adjetivo pós-nominal, sintagma preposicional, possessivo, e advérbio locativo. Além
desses, incluiu-se o fator aposto. Os exemplos a seguir ilustram respectivamente, essas
possibilidades:
34) Vi o menino correndo depressa.
35) Vendi a casa que eu morava.
32
36) Comprei a mesma farinha.
37) Comprei a farinha mais fina.
38) Eu tomei carreira de vaca.
39) Abracei o pai de Fabrício.
40) Adotei esse cachorro aí.
41) Encontrei a menina, filha de Maria, no mercado.
1.3.2 A análise de Longobardi para os SDs nus: uma comparação entre as línguas
Românicas e Germânicas
Tendo definido os conceitos básicos e formado a chave de codificação (que será
disponibilizada de maneira detalhada no próximo capítulo) com as variáveis baseadas
nos conceitos fundamentais do trabalho de Lyons (1999), entrar-se-á na discussão sobre
o estudo de Longobardi (1994, 1998), que trata dos nomes nus, comparando o seu
comportamento nas línguas Românicas e Germânicas, do ponto de vista das suas
diferenças sintáticas e semânticas, levando em consideração suas propriedades
morfossintáticas.
Longobardi (p.2) aponta para duas propostas na literatura no que diz respeito à
atribuição para a posição de determinantes. A primeira é aquela que localiza os SDs
dentro dos SNs, mais precisamente na sua posição de SPEC: [SN SD[N’ N]]. A segunda
proposta, que, segundo ele, surgiu a partir de uma intuição da parte de Zabolcsi (1983,
1984 e trabalhos subsequentes) e que está registrada no trabalho de ABNEY (1986,
1987), sugere que as construções nominais, como um todo, coincidem com SD e SNs
são complementos do núcleo D: [SD [D’ D SN]].
O autor (p.3) argumenta que se for considerado que, em uma língua, o
movimento pode acontecer de dentro do SN para uma posição dentro do SD (de SPEC
para SPEC ou de N° para a de D°), deve-se descartar a primeira hipótese já que, dentro
da proposta minimalista, o movimento não pode ser feito para nenhuma posição que não
seja c-comando.
Longobardi adota, assim, a segunda proposta como a mais adequada e, para
justificar ainda mais sua escolha, dá exemplos do Inglês, Norueguês, Escandinavo e
Romeno. Nos exemplos do Inglês: A very strange man (Um homem muito estranho) e
33
How strange a man (Quão estranho o homem), Longobardi afirma que, se o par for
relacionado transformacionalmente, o movimento de SPEC do SN para o SPEC de SD
pode ser atestado. Usando os exemplos de Taraldsen (1990), Longobardi (p.3) mostra
uma estrutura dos SNs germânicos (do Norueguês mais especificamente) em que o
sujeito assimetricamente c-comanda o objeto: Hans bøker om sintaks (His books about
syntax / Seu livro sobre sintaxe) e outro exemplo em que o nome aparece no início e o
sujeito também c-comanda o objeto assimetricamente: Bøkene hans om syntaks (Book-
s-the his about syntax / Livro-s-os dele sobre sintaxe). Segundo Longobardi (p.4),
Taraldsen (1990) defende que há aí uma subida de N, corroborando com a análise dos
nominais noruegueses como SDs. Longobardi (p. 4) afirma que a análise adotada por
Taraldsen (1990) pode se estender para a língua escandinava: en book (a book / um
livro)/ Boken (Book-the / livro-o). Uma abordagem similar também se mostrou
adequada, de acordo com Longobardi (p.4), para explicar o uso dos artigos definidos
sufixais do Romeno nos estudos de Grosu (1988) e Drobovie-Sorin (1987).
O autor (p.4) aponta para o fato de ainda não estar claro se a segunda proposta
também serve para as línguas românicas, mas, apesar disso, assume que ela também seja
adequada para essas línguas.
O próximo passo do trabalho de Longobardi é analisar algumas propriedades
semânticas e distribucionais dos Ns e dos Ds. O autor toma o italiano como base para
fazer sua análise e chega à conclusão de que: “uma ‘expressão nominal’ é um
argumento somente se for introduzida por uma posição lexicalmente preenchida.” (p. 6).
(tradução minha)
Quanto aos SDs nus, o autor pontua que esses podem ocorrer na Estrutura
Superficial (doravante Estrutura-S) do italiano somente sob as seguintes condições: “a)
São restritos aos plurais e nomes de massa como muitos outros determinantes; b) estão
sujeitos ao requerimento de governança lexical como qualquer outro núcleo não-
preenchido; c) recebem uma interpretação indefinida correspondendo a um
quantificador existencial não-específico para número e que assume o escopo mais
restrito possível.” (p. 11-12) (tradução minha). Os exemplos que se seguem ilustram
sentenças gramaticais do italiano que mostram as condições acima citadas sendo
atendidas Bevo sempre vino (I always drink wine / Eu sempre bebo vinho) Mangio
patate (I eat/am eating potatoes / Eu como/estou comendo batatas) (p.6-7). Para
contrastar com sentenças bem formadas do italiano, Longobardi (p.5) exemplifica com
34
sentenças agramaticais como: *Ho incontrato grande amico di Maria ieri (I met great
friend of Maria yesterday /Eu encontrei grande amiga de Maria ontem). Essa sentença
só se tornaria gramatical, caso os determinantes un(a) ou il(the) estivesse presente antes
do objeto direto, atendendo ao que foi dito anteriormente sobre as ‘expressões
nominais’. No PB, no entanto, a condição “a)” não se aplica, pois, SDs nus objetos
singulares, como em: Vejo cachorro fazendo suas necessidades no passeio todos os dias
/ Aluguei apartamento na Graça, são muito comuns.
Assumir essas condições específicas para a ocorrência de SDs nus na Estrutura-
S leva o autor a revisar a condição da ocorrência de uma expressão nominal no italiano:
“uma ‘expressão nominal’ é um argumento somente se for introduzida por uma
categoria D”. (p.15) (tradução minha)
Assumindo que a posição D transforma uma expressão nominal em argumento,
uma questão acerca do uso dos nomes próprios em italiano é imediatamente levantada
(p. 16): como é possível que os nomes próprios ocorram livremente em italiano na
função de argumento sem o uso do determinante? Como é sabido, nomes próprios não
designam massa, plural e nem possuem uma interpretação indefinida. Além disso, eles
podem ocorrer numa posição lexicalmente não-governada. A sugestão do autor para
resolver tal problema é assumir que, nas línguas românicas, nos casos em que os nomes
próprios não vêm acompanhados de determinantes (há línguas em que é possível tanto
que eles sejam acompanhados de determinantes como venham “nus”, como é o caso do
PB), a posição deve ser preenchida por meio da subida do nome próprio (p.18).
O movimento de N para D é confirmado na análise sobre os nomes próprios e,
tendo em vista que a segunda proposta para a estrutura dos SDs nus se mostra adequada,
Longobardi (p. 24) reafirma, como apontado anteriormente por Stoweel (1989), que
SDs podem ser argumentos e SNs, não.
Tendo feito a distinção entre SNs e SDs, o autor tenta explicar o licenciamento
de tais categorias de acordo com Chomsky (1986a), que se apoiou na proposta de
Rothestein (1983). Longobardi (p.24-25) afirma que, segundo Chomsky, projeções
máximas tanto podem ser licenciadas como argumentos ou predicados. Na maioria dos
casos, SDs são argumentos e, em algumas situações, podem ser predicados (construções
de cópula ou small-clauses). SNs não podem assumir função de argumento (só se forem
complementos de uma posição D).
35
Para defender a ideia de que uma expressão nominal só é argumento quando
precedida por uma categoria D, Longobardi recorre a exemplos de usos da língua
inglesa. Ao comparar o inglês e o italiano, o autor (p. 30) percebe que o primeiro, com
propriedades radicalmente diferentes desse último, admite e requer a ocorrência de
determinantes nus na Estrutura-S. Em inglês é possível encontrar sentenças como: I
don’t like dogs of this type (Eu não gosto de cães desse tipo). Em italiano, um
determinante seria obrigatório antes do objeto direto para que a sentença fosse
considerada gramatical. Assim, o autor desiste de levar adiante a ideia da generalização
da interpretação existencial default para os Ds nus, que sugere que a leitura existencial
para os Ds nus é atribuída automaticamente pelo sistema linguístico. O autor deixa sem
explicação a ausência de governança lexical em inglês e o aparente comportamento
excepcional dos adjetivos substantivados da língua que admite sentenças como: The
rich are becoming even richer (os ricos estão ficando ainda mais ricos), mas não Ø
Rich are becoming even richer (Ricos estão ficando ainda mais ricos) (p.29).
O passo seguinte do trabalho do autor é tentar encontrar uma resposta teórica
para algumas questões levantadas pelo padrão dos nomes e dos determinantes nas
línguas românicas e germânicas como um todo. O autor (p.30) aponta, inicialmente,
para o fato de que, nas línguas românicas e germânicas, nomes singulares contáveis não
ocorrem na posição de argumento, a não ser que sejam singulares com interpretação de
plural ou nome de massa, como em: I ate beaver (significando: I ate “beaver meat”/ Eu
comi carne de castor) (p.31). Longobardi (p. 35) faz uma generalização para os nomes
comuns, pronomes e nomes próprios entre as línguas. Os primeiros, argumenta ele,
devem sempre ser usados para se referirem a tipos, e podem, assim, prover uma
variedade de determinantes (lexicais ou evidentes) entendidos como operadores; os
segundos não podem ser submetidos a essa interpretação; e os últimos não precisam,
mas podem levar essa interpretação em casos marcados. Em outras palavras, se temos
como exemplo: Eu comprei um carro, o objeto direto carro pertence a um grupo, cujos
elementos possuem características similares e podem ser diferenciados, quantificados,
definidos ou especificados a partir do acréscimo de determinantes na sentença (um, o,
aquele, esse, etc.). Os pronomes não se referem a tipos, pois, a fórmula: Pronome x, tal
que x pertence à classe de Y não pode ser verdadeira. Já os nomes próprios podem ser
interpretados como tipos em exemplos como: Conheci várias Marias. Os pronomes,
segundo o autor, são gerados em D e nunca ocorrem na posição N; os nomes próprios,
36
por sua vez, em algumas línguas como no italiano, ocorrem em D na Estrutura-S; já os
nomes comuns, mesmo em línguas como o italiano, normalmente não sobem para a
posição D. Longobardi resume suas postulações da seguinte maneira: “Um nome, para
se referir a tipo, deve ser o núcleo da projeção N na Estrutura-S”. (p. 35-36) (tradução
minha)
Após analisar alguns exemplos do inglês, Longobardi propõe, finalmente, uma
generalização para a subida do nome: “em línguas e construções em que o nome sobe
do núcleo para uma posição D e substitui o artigo, apenas os nomes próprios podem
subir; em línguas e construções em que a subida adjunge o nome ao artigo, os nomes
comuns também podem subir para D. (p.40) (tradução minha)
Longobardi propõe, então, um parâmetro para distinguir as línguas românicas e
germânicas, tomando como base o italiano e o inglês: “N sobe para D (por substituição)
na sintaxe do italiano, mas não na do inglês”. (p.41) (tradução minha)
O autor aponta para a possibilidade de o italiano não possuir subida de nomes na
Forma Lógica (FL) de maneira alguma, mas a descarta, argumentando que o “Earliness
Principle”7 proposto por Pesetsky (1989) parece mais adequado para dar as diretrizes à
formulação de uma condição geral para a tipologia geral das línguas (crosslinguistics):
“A interpretação existencial default é atribuída aos SDs o quanto antes (na Estrutura-S
ou na FL, dependendo do parâmetro de movimento) e não pode ser mudada no curso da
derivação” (p. 43) Da mesma forma, argumenta Longobardi, a condição de que um
núcleo vazio precisa ser lexicalmente governado é checada o quanto antes no que diz
respeito aos Ds.
A discussão para se chegar a uma teoria paramétrica para os genéricos em
inglês e nas línguas românicas é o próximo passo de Longobardi. Para fazer os testes
que levem a um resultado paramétrico eficiente, o autor sugere que se leve em
consideração dados dos adjetivos substantivados do inglês, que pedem um artigo
definido mesmo na interpretação genérica plural: I visit the poor every year (Eu visito
os pobres todo ano). A conclusão do autor é que “para uma leitura genérica, um artigo
deve ser introduzido apenas para prevenir que a posição D fique vazia na FL” (p.45), se
adequando as postulações anteriormente feitas pelo mesmo autor sobre a interpretação
default e sobre núcleos vazios que devem ser lexicalmente governados.
7 O “Earliness Principle”, como explicado numa nota de rodapé em Longobardi (p. 44), sugere que “o status de ±
WH é atribuído a CPs incorporados o quanto antes (estrutura-S ou Forma Lógica, dependendo do parâmetro do
movimento) e não pode ser trocado no curso da derivação
37
Sobre os SDs genéricos, Longobardi (p. 48) argumenta que são casos em que a
subida do N para o D ocorre na FL, se assemelhando à questão dos nomes próprios
singulares nessa mesma língua. Podemos perceber essa similaridade se analisarmos os
exemplos: I drink pure water/ I drink [water [pure e]] (Eu bebo pura água) e I met old
Mary/ I met [Mary [old e]] (Eu encontrei velha Maria). Na língua inglesa a FL parece
ser o nível mais relevante para a interpretação de Ds e Ns (p.48).
As análises sintáticas do autor levam-no a assumir (p. 50) que, semanticamente
falando, as interpretações fornecidas pelos nomes que aparecem na posição N referem-
se a conceitos universais (tipos) e as interpretações atribuídas aos nomes que aparecem
na posição D referem-se à designação particular de todo o SD, tanto diretamente (ao
atribuir referência a um único indivíduo) quanto indiretamente (ao hospedar o operador
de uma estrutura denotacional).
Após afirmar que, em italiano, um artigo que introduz nomes próprios simples
deve ser sempre expletivo8, Longobardi traz novamente a questão de que, na língua
inglesa, o uso do artigo definido com plurais, nomes de massa e nomes próprios
singulares não é admitido. É exatamente nesses casos que, em línguas como o italiano, o
uso expletivo do artigo ocorre. O autor reforça o fato de que artigos expletivos só
ocorrem com genéricos singulares que não representam nome de massa e adjetivos
substantivados genéricos. O autor propõe, então, a seguinte generalização para o inglês:
“artigos expletivos são licenciados apenas como último recurso” (p. 56). No entanto, ele
deixa claro que dificilmente essa generalização pode ser aplicada às línguas românicas.
O autor mostra exemplos do alemão que apontam para a diferença no licenciamento do
artigo expletivo entre esse último e o inglês, pois, no alemão, é possível encontrar
sentenças como: Der Hans ist angekommen (O Hans já chegou) (p.57). No inglês, a
mesma sentença é agramatical: *The Hans has arrived, sendo sua correspondente
gramatical Hans has arrived. . Parece que as restrições nos usos dos artigos em inglês e
não em outras línguas germânicas e românicas se devem a fatores morfológicos próprios
da língua, pois, como aponta Longobardi, a Gramática Universal (GU) traz como um de
seus princípios que “a realização fonética da posição D é licenciada apenas se expressar
conteúdo semântico ou traços gramaticais, ou como último recurso”(p.58). A mais forte
evidência para promover o suporte morfológico para o uso do artigo expletivo, segundo
Longobardi (p.61), está no estudo de Ebert (1970) sobre o frísio (língua falada na ilha
8 Que pode ser retirada da sentença sem alterar o sentido e a sintaxe da mesma
38
de Föhr). Segundo esse estudo, como afirma Longobardi, o frísio apresenta dois tipos de
artigo não-indefinido (a, at, at (usados com cada um dos três gêneros no singular) e a
(no plural)) e (di, det, det (usados com cada um dos três gêneros no singular) e dön (no
plural)). Os primeiros são sistematicamente usados para acompanhar nomes próprios e
todos os tipos de genéricos (plurais, nomes de massa singulares, singulares contáveis e
adjetivos substantivados) e são chamados de artigos-A. Os outros são usados para
acompanhar nominais definidos específicos e são chamados de artigos-D. O autor (p.63)
explica, ainda, que existem dois tipos de expletivos no dialeto frísio: o dos nomes
próprios e expressões genéricas, que são morfologicamente neutralizados pelo artigo-A,
ao passo que o artigo substantivado definido toma a forma do artigo-D, e apenas sua
leitura específica continua disponível. Fica claro, então, que o artigo-A, é um expletivo
com conteúdo fonético e, dessa forma, não apresenta nenhum problema segundo a
análise de Longobardi, apesar de serem aplicados com adjetivos substantivados e com
nomes contáveis singulares É importante ressaltar que o uso do artigo-A não
corresponde à ocorrência do determinante nu em inglês, como afirma Longobardi
(p.63), pois esse último não pode substituir “the” em dois casos em que o frísio
emprega o a: o dos adjetivos genéricos e dos genéricos singulares contáveis. O que
justifica a ocorrência do artigo definido do inglês nesses dois casos é que ele é um
expletivo e que a leitura contável não é permitida nessas configurações estruturais.
No apêndice do seu trabalho, Longobardi (p.64) traz algumas considerações
acerca das vantagens de uma interpretação minimalista da subida do N. A eliminação do
parâmetro que admite o movimento de X na FL parece interessante do ponto de vista
minimalista. Tendo em vista que o Programa Minimalista (PM) visa eliminar todos os
níveis linguísticos (menos a Forma Lógica (FL) e a Forma Fonética (FF)), a questão
reside em perceber a variação entre as línguas quanto à interpretação de um traço
particular em um nível ou em outro.
Para dar continuidade à sua proposta, Longobardi faz algumas colocações
imprescindíveis: “a) todas as posições D são universalmente geradas com um traço
abstrato ±R (sugerindo referencialidade), que deve ser checado com um dos dois
valores; b) esse traço ±R é forte nas línguas românicas e fraco nas línguas germânicas;
c) +R é universalmente checado se e somente se o D for interpretado como sendo uma
cadeia/CADEIA contendo uma expressão de objeto referente (no sentido explicado no
texto, isto é, um pronome ou nome próprio); d) –R é universalmente checado se e
39
somente se o D for interpretado numa cadeia/CADEIA que não contenha nenhuma
expressão de objeto referente; e) o requerimento de governança lexical de núcleos
vazios se aplica universalmente na FL; f) a interpretação existencial de Ds nus
universalmente se aplica livremente ( é uma regra de “qualquer local”) e, uma vez
atribuída, nem pode ser removida, nem o D pode ser preenchido com qualquer
material”. (p.64)
O autor mostra todas as possibilidades de ocorrência do italiano: Ds checados
como +R: Noi (medici) (We doctors / Nós médicos)/ La Maria (The Maria / A Maria/ A
Maria, uma Maria) (p.65) Ds checados como –R: Il castoro/i castori, (The beavers /
beavers Os castores / castores) (interpretação genérica) – Il castoro/i castori/ogni
castoro/ alguni castori etc., (The beaver/the beavers/every beaver/some beavers / O
castor/os castores/todo castor/alguns castores) (interpretação específica) (p.66), e Ds nus
Castori (Beavers / Castores) (interpretação existencial específica em posições
lexicalmente governadas) (p.66).
Logo em seguida, Longobardi (p.67) resume as conclusões tiradas com sua
análise: 1) se D selecionar um nome comum, a checagem gramatical de +R torna-se
inviável; 2) Se D selecionar um nome próprio, a checagem gramatical – R não se faz
disponível; 3) se a posição D for gerada na base como vazia, a subida do nome próprio é
obrigatória; 4) a subida de um nome próprio deve acontecer antes do SPELL OUT nas
línguas românicas (em que o traço ±R é forte) e atrasada até a FL nas línguas
germânicas (em que o traço ±R é fraco) por meio da “Procrastinação”9; 5) A subida de
um nome comum, nas línguas românicas, terá que se realizar antes do SPELL OUT ,
impedindo qualquer possibilidade de interpretação posterior; nas línguas germânicas, o
processo de “Procrastinação” vai postergar até o componente da FL a escolha entre a
interpretação existencial para D ou o seu preenchimento pela subida de N, o que lhe
dará uma interpretação genérica 6) A “Procrastinação” obrigatoriamente retarda o
movimento para depois do SPELL OUT caso haja qualquer disponibilidade de outras
opção de não-movimento que se enquadrem aos requistos da FF 7) Como consequência
do princípio de “Procrastinação”, a subida de nomes comuns na Sintaxe será
universalmente excluída.
9 A ideia da “Procrastinação proposta por Chomsky (1995) sugere que o movimento depois do Spell-out é “menos
custoso”, já que o movimento “covert”/disfarçado não tem que fazer o pied-piping com os traços fonológicos. O
movimento somente pode ser procrastinado até depois do Spell-out quando traços fracos estão envolvidos, pois traços
fortes são não-interpretáveis na FF e, dessa maneira, devem ser deletados antes do Spell-out
40
O texto de Longobardi apresenta uma proposta bastante interessante para o
funcionamento do D e a interpretação do traço ±R nas línguas românicas e germânicas.
A análise feita pelo autor possui argumentos fortes e de enorme contribuição para os
trabalhos posteriores.
A partir da leitura do texto de Longobardi, assumiu-se, no presente trabalho, que
a atribuição mais adequada da posição do determinante é [SD [D’ D SN]] e não [SN SD
[N’ N]] para as línguas românicas, mais especificamente o PB e o PABH. Além disso,
no capítulo 3, depois de analisar os resultados da distribuição dos dados e dos fatores
que condicionam o uso dos determinantes, pode-se ou não assumir a proposta de que os
SDs nus na posição de objeto em PABH se projetam em SD e possuem determinantes
nulos, como propõe Longobardi (1998) para os SDs nus objetos das línguas em geral.
1.3.3 O Parâmetro do Mapeamento Nominal de Chierchia
O próximo passo é buscar entender o caminho histórico que levou ao melhor
entendimento do fenômeno dos nomes nus objetos e aos resultados mostrados nos
estudos mais atuais sobre o tema. Para tanto, faz-se necessário recorrer à proposta do
Nominal Mapping Parameter (Parâmetro do Mapeamento Nominal) proposto por
Chierchia (1998).
Para mapear as categorias do nome comum (N) e do sintagma nominal (SN),
Chierchia (1998), sugere a existência de um parâmetro semântico, que possibilita que as
projeções máximas nuas sejam tanto predicados, como argumentos, diferentemente do
que havia sido proposto por Longobardi (1994), que aponta que apenas Sintagmas
Determinantes (SDs) podem ser argumentos.
O estudo proposto por Chierchia foi feito do ponto de vista da comparação entre
línguas, mais especificamente o inglês (representando as línguas germânicas) e o
italiano (representando as línguas românicas) e as considerações tipológicas no decorrer
do texto são bastante relevantes para o estudo proposto no presente trabalho.
O caminho percorrido pelo autor apresenta três passos principais (p.340): a)
avaliação do status atual no que concerne aos nomes nus argumentos em inglês; b)
abordagem das diferenças de distribuição entre línguas românicas e germânicas,
41
levando-se em consideração a cobertura das teorias atuais acerca do tema; c) propor
uma visão Neo Carlsoniana de referência de tipo dentro da teoria de argumentos nus que
seja aplicável pelo menos de forma bastante abrangente entre as línguas existentes.
Segundo Chierchia (p.340), Carlson (1977) propunha que os plurais nus em
inglês sempre se referem a tipos. Trabalhos mais recentes como os de Kamp (1981) e
Heim (1982), como apontado por Chierchia (p.340-341), sugerem que os plurais nus em
inglês são ambíguos, podendo tanto receber a leitura de tipos: He buys and sells cars
(Ele compra e vende carros), quanto a leitura de indefinidos fracos: He saw birds flying
over his house (Ele viu pássaros voando por sobre sua casa). Esses trabalhos são
representantes do que Chierchia chama de Ambiguity Approach/Abordagem da
Ambiguidade (o nome é auto-explicativo), mas o autor decide seguir o caminho
proposto por Carlson, apesar de sugerir algumas mudanças que serão vistas
posteriormente.
Chierchia sugere que todas as teorias sobre nominais nus devem abordar alguns
fatos que diferenciam o comportamento das línguas germânicas das românicas. O autor
afirma que “em ambas as famílias de línguas (germânicas e românicas), nomes nus
argumentos são totalmente impossíveis (se o nome não for de massa)” (p. 341)
(tradução minha). O autor afirma, ainda, que, nas línguas germânicas, plurais nus e
nomes de massa são gramaticais, enquanto que, nas línguas românicas, ou eles não o
são (como no francês) ou eles possuem uma distribuição limitada (como no italiano).
Para compensar isso e possibilitar a leitura de existencial de plurais nus, explica
Chierchia (p. 341), algumas línguas românicas usam formas plurais do artigo indefinido
e outras se servem de construções partitivas. O artigo definido, acrescenta o autor (p.
342), é o selecionado para a leitura genérica ou de tipo nas línguas românicas. Tanto as
línguas românicas quanto as germânicas admitem leituras genéricas ou orientadas para
tipo quando do uso do artigo definido singular.
A categoria sintática N é mapeada dentro das interpretações dos traços [±arg]
(argumento), [±pred] (predicativo). O autor (p.353) começa assumindo que qualquer
combinação de [±arg] com [±pred] é possível, com exceção de [-arg, -pred], já que isso
iria impossibilitar NPs de terem qualquer interpretação.
Chierchia caracteriza cada um dos três tipos de interpretação que podem ser
dadas aos SNs e ilustra com exemplos de línguas que fazem parte de cada um dos
grupos. O autor explica (p.353-354), que línguas cujos SNs são mapeados como [+arg, -
42
pred], como o japonês e o chinês, possuem argumentos generalizados; apresentam, de
alguma maneira, a interpretação dos nomes como de massa, o que não quer dizer que
não exista algo que se assemelhe à distinção nome de massa/nome contável em línguas
desse tipo; não possuem a marcação de plural ativa; e têm os sistemas de classificação
generalizado. Já nas línguas [-arg, +pred], acrescenta o autor (p. 355-356), como o
francês e línguas românicas, todos os nomes são predicativos; nominais nus argumentos
não são admitidos; há distinção entre nomes de massa e nomes contáveis; e a marcação
de plural está ativa. Em línguas desse tipo, a expectativa é de que o SN não esteja em
posição argumental sem que haja a projeção de D. Tais línguas podem se comportar de
duas maneiras quanto aos argumentos nus: ou não admiti-los ou possuírem argumentos
nus restritos por condições que, tipicamente, governam a distribuição de elementos nus.
As línguas do tipo [+arg, +pred], como o inglês e a maioria das línguas germânicas, são
aquelas que, como aponta Chierchia (p. 356-357), permitem que os membros da
categoria SN ocorram livremente como predicativos ou argumentos. Elas se
caracterizam por possuírem a distinção entre nomes de massa e nomes contáveis; por
admitirem que os nomes de massa ocorram como argumentos nus e os nomes contáveis,
não; e por admitirem que plurais ocorram como argumentos.
Chierchia (p.383) passa a tratar das línguas românicas quanto à referência a
tipos. Ele mostra sua proposta Neo Carlsoniana para os argumentos nus em línguas
românicas. As línguas [-arg, +pred] possuem, como foi dito anteriormente, a distinção
nome de massa/nome contável e tendem a não admitir argumentos nus. O francês se
adequa perfeitamente a isso, enquanto que o italiano, não. No italiano, argumentos nus
são admitidos em certos contextos. O autor conclui que os argumentos nus do italiano
são SDs com D nulo.
O autor aponta para a presença de uma variação sistemática do funcionamento
dos nomes entre as línguas e defende que questões sobre aquisição são relevantes para
entender melhor essa distribuição. No seu estudo, no entanto, ele não analisa esse
aspecto a fundo, pois esse não está inserido nos limites da sua proposta para esse
trabalho. O autor (p. 400-401) faz apenas algumas considerações iniciais, a saber: 1)
deve-se esperar que a configuração de línguas como o chinês quanto ao Parâmetro do
Mapeamento Nominal seja o inicial na aquisição pelas crianças, já que essa língua
“exclui a existência de plurais morfológicos e quantificadores numerais combinando
diretamente com nomes” (p.400); 2) o fato citado anteriormente ocorrerá porque a
43
criança está, nesse início, falando uma língua “diferente” da do adulto e que admite usos
desse tipo; 3) a criança entende que a configuração inicial não está adequada para a sua
língua sem grande esforço; 4) depois de um tempo, a criança ajusta a sua configuração a
depender da língua a qual está exposta; 5) a segunda configuração que a criança adquire
é a das línguas românicas; 7) caso a criança encontre argumentos nus em posições não
governadas na língua a que está exposta, ela adapta a configuração anterior para o
padrão das línguas germânicas; 8) a criança é capaz de adquirir uma configuração de
uma língua como o francês mais rapidamente que a da do inglês, pois, nessa última, ela
precisa perceber se um nome se refere a tipo ou a um predicado, o que leva mais tempo.
A proposta do Parâmetro do Mapeamento Nominal é indispensável para o
entendimento histórico dos estudos sobre SDs na linguística, bem como para o seu
avanço. Um estudo posterior feito por Schmitt & Munn (1999) veio questionar a
proposta do Parâmetro do Mapeamento Nominal quanto à configuração sugerida para as
línguas românicas, dentro das quais, se encontra o PB. De acordo com o mapeamento
de Chierchia, línguas que apresentam distinção morfológica singular/plural não
admitem singulares nus como argumentos de verbos. O PB, no entanto, que diferencia
morfologicamente singulares e plurais, aceita SDs nus na posição de objeto. Assume-se,
portanto, no presente trabalho, que o PB não se configura dentro do Mapeamento
Nominal de Chierchia (1998), como será visto de forma mais detalhada e argumentada
na próxima seção.
1.4 O COMPORTAMENTO DOS SDs NUS NO PB E NOUTRAS LÍNGUAS
1.4.1 A análise de Schmitt & Munn sobre o Mapeamento de Chierchia: por que o
PB não se enquadra
Para iniciar a discussão acerca dos SDs nus objetos em PB e verificar que essa
língua não se enquadra em nenhuma das possibilidades do Nominal Mapping
Parameter, o texto de Schmitt & Munn (1999) mostrou-se essencial.
Os autores usam dados do PB, mais especificamente, dos nomes nus dessa
língua, para afirmarem que a parametrização feita por Chierchia (1998) através do
44
Nominal Mapping Parameter apresenta problemas conceituais e empíricos. Os autores
(p. 339) argumentam que o PB, diferentemente do que aponta Chierchia, admite plurais
nus e nomes de massa na posição de argumento, demonstrando um comportamento
diferente das demais línguas românicas e similar ao inglês: Piloto aviões faz anos/ Bebo
água diariamente. (os exemplos são meus). Ao contrário do inglês, no entanto, o PB
admite nomes contáveis singulares argumentos: Comprei carro no ano passado.
Os linguistas (339-340) afirmam que tanto na literatura semântica quanto na
sintática há uma assunção comum de que apenas SDs podem ser argumentos. Os SNs
denotam predicativos e os SDs denotam argumentos de tipo ou quantificadores
generalizados. Assim, “para uma categoria predicativa como um SN ser um argumento,
ela precisa ser incorporada dentro do SD.” (p.340).
O trabalho de Chierchia, segundo Schmitt e Munn (p.340), questiona o que foi
dito acima, sugerindo que SNs podem denotar nomes de tipo, que podem ocorrer
livremente na posição de argumento. Chierchia prevê que, já que nem todas as línguas
admitem nomes nus argumentos, deve haver algumas restrições para determinar se uma
língua admite que seus SNs denotem nomes de tipos ou não. De acordo com Schmitt &
Munn, Chierchia sugere, então, como visto na seção 1.3.3, um parâmetro semântico
para determinar se a língua pode admitir que seus SNs denotem nomes de tipos,
predicativos ou ambos.
Schmitt & Munn (p. 341) descrevem o Parâmetro do Mapeamento Nominal;
suas possibilidades, e características e apontam uma língua que caracterize cada uma
das possibilidades. Essa caracterização já foi feita de forma detalhada anteriormente no
presente trabalho, quando da resenção do trabalho de Chierchia (1998) (seção 1.3.3) e,
portnato, não será repetida.
Tendo em vista que nem todas as línguas se enquadram dentro do parâmetro de
Chierchia, o linguista propõe, segundo Schmitt & Munn (p. 342), a existência do
determinante nulo e assume que línguas com o espanhol e o italiano admitem nomes
nus plurais e nomes de massa em contextos sintáticos restritos.
Schmitt & Munn passam a discutir a questão dos nomes nus singulares e plurais
no PB (p.342), tendo em vista que o PB admite plurais nus e singulares contáveis nus na
posição de objeto. Os linguistas afirmam (p. 342-343) que, no PB, leituras genéricas e
existenciais estão disponíveis: Ele comprou computadores/Ele comprou computador
(leitura existencial), Crianças lêem revistinhas/Criança lê revistinha (leitura genérica).
45
Os autores passam a discutir as similaridades entre os nomes nus plurais e
singulares. A primeira observação (p. 343-344) diz respeito à opacidade e ao escopo.
Com verbos intencionais, como querer, tanto o plural nu quanto singular nu só podem
receber o escopo estreito, com leitura opaca: Pedro quer encontrar policiais/ Pedro
quer encontrar policial (p.344). Quanto às negações e aos quantificadores universais,
Schmitt & Munn afirmam que os nomes nus plurais e singulares também só podem
adotar o escopo estreito: (João não viu manchas/mancha no chão / Todo mundo leu
livros/livro sobre girafas) (p.344). Os autores observam, ainda, que a leitura específica
de singulares indefinidos é admitida em sentenças como em: Pedro viu um cachorro no
jardim às 3, 4 e às 5 da tarde, mas não em sentenças como: Pedro viu
cachorros/cachorro às 3, 4, e às 5 da tarde. (p.344). Outra similaridade entre nomes
nus singulares e plurais é o fato de que a leitura genérica versus a existencial depende
do predicativo (344-345): João detesta crianças/criança. (leitura genérica)/ Eu notei
crianças/criança no ônibus. (leitura existencial) (p.345). Os autores também apontam
que os singulares nus, no PB, são tipos canônicos, isto é, “tipos bem estabelecidos, tais
como espécies de animais e artefatos comuns” (p. 345) (tradução minha), como se pode
observar no exemplo dado no seu texto (p.346): No aeroporto em Londres, os policiais
só revistaram naquele dia mulher com mochila velha.
Tendo observado as características similares entre os nomes nus plurais e
singulares no PB, Schmitt & Munn (p. 346) questionam se os singulares nus não seriam,
na verdade, plurais nus sem marcação de plural. Os linguistas descartam essa ideia ao
afirmarem que os singulares nus apresentam diferenças na distribuição quando
comparadas aos plurais nus. Primeiramente, segundo Schmitt & Munn (p.346),
singulares nus soam estranhos na posição de sujeito em sentenças fortemente
episódicas, como em: Greve foi considerada ilegal pelo governo, em contraste com
Greves foram consideradas ilegais pelo governo, que soa perfeitamente adequada no
PB. Os autores (p.346 -347) observam, no entanto, que, a primeira sentença soa
apropriada quando do acréscimo da negação ou do advérbio “sempre”: Greve não foi
considerada ilegal pelo governo. (exemplo meu) Greve sempre foi considerada ilegal
pelo governo (p.347). Uma diferença bastante relevante para o presente trabalho e
apontado por Schmitt & Munn (p. 347) é a questão da anáfora. Os autores afirmam que,
segundo Carlson (1977), leituras genéricas de plurais nus podem anteceder pronomes
com leitura existencial. De acordo com Schmitt & Munn (p347), esse é o caso do PB:
46
Eu comprei batatas. Elas estavam limpinhas. (exemplo meu). No entanto, pronomes
singulares não podem se referir a singulares nus em contextos genéricos; pronomes
plurais devem ser usados nesse caso: Maria detesta coelho porque *Ø/*ele roubou suas
cenouras/ Maria detesta coelho porque eles roubaram suas cenouras. Em contextos
existenciais, diferentemente, essa restrição não existe: Tem criança na sala. E ela/elas
estão ouvindo. (p. 348).
A próxima questão trazida por Schmitt & Munn, depois de verificarem que
singulares nus são diferentes de plurais nus, é a possibilidade de os nomes nus
singulares serem nomes de massa (p.348). Os autores comentam que os nomes de massa
se caracterizam por não poderem ser atomizados: *Ouro pesa duas gramas (é
agramatical, pois o nome de massa “ouro” não um predicativo que requer atomização).
Já a sentença: Ouro é caro não apresenta problemas de gramaticalidade, pois o
predicativo não requer atomização. Essa possibilidade é descartada tendo em vista
sentenças como: Criança pesa 20 quilos nessa idade, em que a restrição de atomização
não se aplica e Tinha livro espalhado pelo chão, em que a leitura universal não se
mostra adequada (p.348). Além disso, outra evidência, de acordo com os autores (p.348-
349), está nos reflexivos e recíprocos, como em: Criança sabe se lavar sozinha/
Criança briga uma com a outra, que individualizam o singular nu. Os linguistas (p.349)
concluem, assim, que nomes nus singulares não são nomes de massa no PB. Dando
continuidade à análise, Schmitt & Munn (p.349) apontam a diferença entre singulares
nus e singulares definidos em contextos genérico; na sentença: A iguana brinca uma
com a outra, a individualização não é admitida. Os autores (p.349) afirmam, ainda, que
predicativos que selecionam tipos não são aceitáveis com os singulares nus: Ninguém
sabe quem inventou roda.
O próximo passo no trabalho de Schmitt & Munn consiste em demonstrar que o
PB não se enquadra na tipologia do Parâmetro do Mapeamento Nominal de Chierchia
(1998). Os autores (p. 349) afirmam que o PB apresenta as seguintes características: 1)
distinção singular/plural; 2) distinção nome contável, nome de massa; 3) os singulares
nus apresentam algumas restrições; 4) não apresenta um sistema classificatório
generalizado. Como o PB apresenta morfologia de plural distintiva e distinção
contáveis/nomes de massa, ele não poderia ser uma língua [+arg, - pred]. De acordo
com Schmitt & Munn (p.349), Chierchia (1998) afirma que línguas que fazem distinção
singular/plural e nome contável/nome de massa admitem apenas plurais e nomes de
47
massa denotem tipo. Se a língua for [+arg, -pred], apenas nomes de massa serão [+arg],
o que não é verdade para o PB. Ainda segundo os autores (p.350), O PB também não
pode ser do tipo [-arg, +pred], pois línguas que apresentam distinção morfológica
singular/plural, na proposta de Chierchia (1998), não admitem singulares nus como
argumentos de verbos e o PB o faz. Se o PB se enquadrasse no tipo [ +arg, + pred],
complementam Schmitt & Munn (p. 350) e de acordo com o parâmetro proposto por
Chierchia (1998), apenas plurais nus e nomes de massa seriam admitidos na posição de
argumento, o que vimos, não se aplica ao PB. Portanto, como afirmam os linguistas (p.
350), o sistema proposto por Chierchia (1998) não admite que singulares nus denotem
tipos, o que deixa o caso do PB sem explicação. Schmitt & Munn (p.350), propõem,
então que, os singulares nus são melhores analisados como SDs com determinantes nus,
sem número.
Schmitt & Munn (p.351) mostram as evidências para a ausência de número nos
nomes nus singulares. A questão da anáfora, discutida anteriormente é uma delas. Um
singular nu não antecede um pronome singular; ao contrário, ele só pode anteceder um
pronome plural. Outra evidência diz respeito às leituras durativas e terminativas que os
objetos diretos podem engatilhar nos verbos. O exemplo dado por Schmitt & Munn é
com o verbo “escrever”. O exemplo: Eu escrevi carta/cartas por duas horas, é
perfeitamente gramatical, por possuir leitura durativa10
. Já a sentença: *Eu escrevi
carta/cartas em duas horas, cuja leitura é terminativa11
, não é admitida no PB. Isso quer
dizer que os nomes nus singulares funcionam em consonância com os nomes nus
plurais, que só são admitidos com leitura durativa e, são, portanto, diferentes dos
singulares indefinidos nesse aspecto, que admitem esse tipo de leitura: Eu escrevi uma
carta em duas horas. Além desse aspecto, os autores apontam para o fato de os nomes
nus objetos funcionarem com os plurais nus objetos no licenciamento do binominal
“cada” e não como os cardinais indefinidos. A sentença: Os países da UE mandaram
um delegado cada, soa perfeitamente adequada em PB, enquanto que: *Os países da
UE mandaram delegado/delegados cada são opções agramaticais. Esses dados, segundo
Schmitt & Munn, mostram que os singulares nus se comportam como os plurais nus no
que diz respeito ao aspecto: quantidade. No entanto, quando do acréscimo da palavra
“diferente” numa dada sentença, eles se comportam distintamente. Eles escreveram
10 A leitura durativa indica o tempo de duração de uma ação que se repete. 11 A leitura terminativa indica o tempo que foi usado para que uma ação terminasse.
48
livros diferentes é gramatical, assim como Eles escreveram um livro diferente, ao passo
que Eles escreveram livro diferente não o é.
Levando-se em consideração que os singulares nus não são, semanticamente,
nem plurais nem singulares e nem nomes de massa, os linguistas (p. 352) apontam a
possibilidade de eles serem SNs e não SDs. Os autores, no entanto, não acreditam que
esse seja o caso, argumentando que em sentenças como: Ele encontrou amigo e parente
no aeroporto, “amigo” e “parente” não podem ser a mesma pessoa. Em: Ele encontrou
o amigo e parente no aeroporto, no entanto, em que há apenas um determinante, a
leitura só pode indicar que o sujeito tenha encontrado uma única pessoa que era tanto
seu amigo quanto seu parente. Já a forma plural com um único determinante: Ele
encontrou os amigos e parentes admite as duas leituras. Para dar sentido a essa
diferença, os linguistas (p. 352) assumem uma estrutura de SD dividida que contém
NumP e a leitura conjunta do predicativo surge com a combinação do SN. A leitura da
existência de dois indivíduos diferentes surge com a combinação NumP ou SD. Se esse
for o caso, a combinação de nomes nus não pode ser uma simples combinação de SN.
Os autores (p.352) sugerem, portanto, que singulares nus são SDs sem projeção de
NumP.
Tendo sido exposta a proposta de Schmmit & Munn, iniciar-se-á a exposição de
uma das hipóteses que também pode ser assumida como possível para o PABH no
capítulo 3: a de que os SDs nus objetos em PB e no PABH são objetos incorporados.
Apresentar-se-á, para tanto, o estudo de Saraiva (1997), que se desenvolve dentro dessa
proposta para o PB especificamente.
1.4.2 A análise de Saraiva para o PB: SDs nus como objetos incorporados
Saraiva inicia sua proposta (p.18) fazendo a diferenciação entre SDs nus e
expressões idiomáticas, apontando que, esses últimos possuem uma interpretação
metafórica, ao passo que os primeiros, recebem uma interpretação mais literal. Na
sentença Ele me deu bola naquela festa, mas fingi que não percebi (p.17), temos um
exemplo de expressão idiomática, cuja interpretação é metafórica, ao passo que em João
alugou apartamento durante vinte anos (p.18), temos uma sentença formada por um
49
SDs nu objeto, que possui interpretação literal. Além disso, Saraiva mostra que
contrastes entre SDs nus objetos versus SDs plenos também objetos não são facilmente
considerados gramaticais quando o objeto de análise fizer parte de uma expressão
idiomática (p.19). Assim, comparando o exemplo dado anteriormente, Ele me deu bola
naquela festa, mas fingi que não percebi, com Ele me deu aquela bola naquela festa,
percebe-se uma formação agramatical na segunda sentença, no sentido de que ela não
preserva a interpretação metafórica da primeira (p.19). Seguindo o critério de James
(1972), a autora (p.21) pontua, ainda, que não se pode separar expressões idiomáticas
pela intercalação de interjeições: *Ela vive de me dar ... ééé ... bola (o exemplo é meu).
Para finalizar, a autora mostra que, nas expressões idiomáticas, a topicalização ou a
clivagem do nome produz sentenças mal formadas: *Foi bola que ele me deu naquela
festa (p.22) Feito isso, a autora possui argumentos suficientes para eliminar as
expressões idiomáticas da sua análise de SDs nus no PB (p.23). Adotou-se o mesmo
posicionamento no presente trabalho.
A proposta de Saraiva para descrever os SDs nus objetos do PB quanto ao seu
comportamento gramatical iniciou-se através de uma comparação entre os mesmos e os
SDs plenos quanto aos fenômenos da clivagem e da topicalização. Os SDs plenos
clivados ou topicalizados são muito mais produtivos em PB do que os SDs nus, segundo
a autora. Na sentença Este apartamento, João alugou durante muitos anos, a
aceitabilidade é inquestionável, ao passo que em Apartamento, João alugou durante
muitos anos, não. (p. 26). A intercalação de constituintes também foi testada nos dois
tipos de SDs. Em exemplos com SDs plenos, como em Gosto de tomar devagar o
cafezinho que você faz, tem-se uma sentença aceitável, apesar de o advérbio devagar
estar entre o verbo e o objeto. No entanto, em Gosto de tomar devagar café, que
também tem um constituinte intercalado, tem-se uma formação sentencial estranha, de
“aceitabilidade degradada”, como aponta Saraiva (p. 26-27). Os exemplos levaram a
autora a afirmar que “na qualidade de argumento interno do verbo, o SN nu elege a
posição imediatamente após esse elemento como a mais natural para a sua ocorrência.”
(p.27).
Para avaliar o comportamento semântico dos SDs, a autora adota, inicialmente,
três traços: [±I] (identificabilidade), [±M] (foco nos membros integrantes da classe), e
[±U] (quantificação universal) (p.35). Saraiva classifica os SDs nus objetos como [-I], [-
M] e dispensa o traço [±U], ao constatar que esse traço só é pertinente quando a análise
50
do SD for [+M], o que, segundo ela, nunca é o caso dos SDs nus objetos. Com outras
palavras, a autora sugere que SDs nus objetos são sempre não-identificáveis, pois não é
possível identificar exatamente a que ou a quem se refere o SD (p.37). Como exemplo, a
autora sugere a sentença Fui buscar menino no colégio às cinco horas (p.47). Nesse
caso, não é possível saber a que menino se refere o falante, classificando o objeto como
[-I]. Além disso, sentenças com SDs nus objetos nunca focalizam um dado membro da
classe à qual o objeto se refere. Ao contrário, geralmente o destaque da sentença está em
outro elemento, como por exemplo, na ação (p.48). No exemplo dado anteriormente,
Fui buscar menino no colégio às cinco horas (p. 47), o destaque, segundo Saraiva
(p.48) é para o que o falante fez às cinco horas e “não o que aconteceu com a entidade
menino às cinco horas”. O último traço que Saraiva acrescenta para estabelecer o
comportamento semântico dos SDs nus é o [-Pr] (a não-possibilidade de retomada por
pronomes pessoais de mesmo gênero e número do SD). No exemplo *João alugou
apartamento(i) durante vinte anos. Ele(i) oferece mais segurança do que casa, o traço
[-Pr], mostra-se pertinente, pois o pronome ele não pode ser usado para se referir ao
objeto direto da primeira sentença: apartamento. Assim, Saraiva considera adequado
acrescentar o traço [-Pr] para a caracterização dos objetos incorporados (p.53). No
entanto, numa nota de rodapé (p.54), Saraiva aponta que “há casos de objeto
incorporado representado por nome não-contável em que a retomada pronominal é
aceita na posição de sujeito, ou seja, devem assinaladas como [+Pr]”. O exemplo usado
por Saraiva (p.54) para ilustrar esse caso é o que se segue: Não é recomendável tomar
café(i) à noite, pois ele(i) provoca insônia. Em outra nota de rodapé (p. 44), a autora
sugere que a questão da retomada pronominal deve ser melhor investigada. Apesar de
apontar esses senões, a autora conclui que os SDs nus possuem a leitura semântica [-I, -
M, - Pr] e se classificam, gramaticalmente como objetos incorporados (p.60).
Considerar o traço [+-Pr] como apenas semântico, no entanto não parece perfeitamente
adequado, já que as questões relacionadas com concordância são próprias da sintaxe.
A hipótese de que SDs nus objetos são Objetos Incorporados apoia-se no
argumento de que o sentido do nome está tão fortemente associado ao sentido do verbo
que eles devem ser considerados um todo semântico cuja fórmula é: V + SN e o foco,
em sentenças com esse elemento, deve ser o evento em si (p.63). É importante ressaltar
que Saraiva (p.87) utiliza a definição de Baker (1988, p.1) para Objeto Incorporado:
51
“uma palavra semânticamente independente”, que “ vem para ‘dentro’ de outra”,
formando um todo sintático e semântico”.
A autora continua sua análise com a demonstração de que “a leitura incorporada,
típica do SN nu objeto, é incompatível com SNs portando quaisquer elementos à
esquerda do núcleo nominal.” (p. 62; p.85). Por exemplo, a leitura incorporada da
sentença: Papai sempre lia jornal depois do almoço é sempre anulada quando do
acréscimo de qualquer elemento à esquerda do objeto: Papai sempre lia
o/esse/este/aquele/algum/nenhum jornal depois do almoço. Segundo Saraiva, isso
ocorre pois, qualquer um dos elementos destacados que possam ser acrescentados na
segunda sentença descaracterizam o objeto como representante da classe jornal e
passam a se referir ou a delimitar “um subconjunto do conjunto de referência”(p.63). No
entanto, aponta a autora, SDs nus objetos podem apresentar elementos à direita do seu
núcleo, discussão que ela não leva adiante no seu estudo (p.61).
Saraiva apresenta ainda, muitos exemplos com diversos tipos de verbos de
diferentes campos semânticos para mostrar a sistematicidade do fenômeno da
incorporação do objeto em PB e afirma que o mesmo independe de “condicionamentos
léxicos, quer da parte do verbo, quer da parte do nome.”(p.85). A autora adota os verbos
transitivos do português listados por Whitaker Franchi (1989), bem como as definições
sugeridas pelo autor e pontua que, em todos os exemplos dados, com exceção dos
exemplos com verbos associativos, o fenômeno da Incorporação do Objeto pode ser
atestado:
42) Poupei dinheiro para construir casa.
43) Pedro falava mentira quando se tratava do seu estado de saúde.
44) Detesto que ele escreva carta. (p 70-71)
Esses verbos, segundo Saraiva (p.69), pertencem ao primeiro grupo enumerado
por Whitaker Franchi (1989) e “expressam eventos e processos tipicamente humanos,
muitos dos quais possuem, inclusive, um aspecto cultural e institucional, não
envolvendo um objeto afetado ou paciente”.
45) Nos dias de hoje todo mundo sabe inglês.
46) Consegui desconto porque ameacei denunciar o aumento excessivo dos
preços daquela loja.
52
47) Kita merece castigo por chegar tão tarde. (p. 73)
Os verbos acima citados são do grupo que seleciona “complemento objetivo
(não afetado) e sujeito experienciador ou beneficiário (interessado no resultado de uma
ação verbal)” (p.72).
48) Carlos sabe convencer cliente.
49) Pedro caloteava rico para ajudar pobre. (p. 75)
Tais exemplos pertencem ao grupo dos verbos que, segundo Saraiva (p. 74)
“expressam uma alteração no estado psicológico, atribuindo o papel teta de
experienciador ao objeto direto, e verbos que selecionam objeto com a interpretação de
beneficiário”.
50) Antigamente, ipês margeavam estrada em todo o estado. (p.76)
51) Hortência acerta cesta com qualquer bola. (p. 77)
Esse grupo representa os verbos com objeto direto locativos, segundo Saraiva (p.
76).
52) Zeca colocou adubo nas minhas plantas.
53) Pedrinho pôs etiqueta em todos os seus cadernos. (p. 78)
Os verbos acima são chamados de verbos de movimento e selecionam, além do
locativo, um objeto afetado, segundo Saraiva (p. 78).
54) Ele abriu garrafa com os dentes para se exibir.
55) O sol do meio dia só é bom para bronzear perna: no rosto ele provoca
muitas manchas.
56) Zeca lavou carro com sabão de coco. (p.80).
Os exemplos mostram verbos que, de acordo com Saraiva (p. 79), “selecionam
objeto afetado, expressando mudança de qualidade, forma, estado, posição, posse ou
propriedade, etc..”
53
Todos os grupos de verbos citados anteriormente e sugeridos por Whitaker
Franchi (1989) incluem a ocorrência de SDs nus. No entanto, o grupo dos verbos
associativos, que são aqueles que “tomam dois objetos como argumentos e estabelecem
uma relação entre o objeto afetado e um termo de referência para o processo em que
está envolvido” (Saraiva, p.81), não incorporam o objeto: A nova lei igualou
estrangeiro a brasileiro. Nesse caso, a preposição “a” teria a leitura da conjunção “e”,
não permitindo a incorporação. De acordo com Saraiva (p. 82), essa exceção não
descaracteriza o fenômeno da incorporação do SN nu objeto como sistemático no PB,
pois, com a maioria dos verbos considerados, o padrão de licenciamento previsto é
seguido, confirmando a hipótese de que a ocorrência dos SNs nus objetos independe de
condicionamentos léxicos, como exposto anteriormente.
Uma vez que pretende confirmar a sistematicidade da incorporação do objeto em
PB, Saraiva (p.82) recorreu também ao trabalho de Perini (1995), que citou Barros
(1992; 1993) e suas onze diferentes matrizes de transitividade verbal. Em sua
classificação, Barros (1992; 1993) identificou o grupo dos verbos que selecionam objeto
direto e examinou 550 verbos, verificando a porcentagem de ocorrências. Perini (1995),
recorrendo ao estudo de Barros (1992; 1993), escolheu quatro verbos, cuja seleção de
objeto direto é opcional ou obrigatória (comer, encontrar, lembrar e acostumar) para
representar as diferentes possibilidades de transitividade da língua portuguesa. Tendo
em vista que os grupos de verbos representados por comer, encontrar, lembrar e
acostumar incluíram, respectivamente, 57,6%, 22,3%, 5,2% e 2,1% dos itens, então,
suas matrizes de transitividade são seguidas por 87% dos verbos do PB no total.
(SARAIVA, p. 82-83). Saraiva notou que objetos incorporados ocorrem com todos
esses itens, reforçando, segundo ela, a sua hipótese de que SDs nus objetos são objetos
incorporados em PB.
Saraiva (p. 87) adota o quadro teórico da Gramática Gerativa para realizar seu
estudo e se apoia, principalmente, no modelo dos Princípios e Parâmetros de Chomsky
(1981, 1986a e b, 1989). A autora avalia a proposta de Baker (1988; 1993) sobre
incorporação nominal para as línguas polissintéticas e se propõe a verificar se ela pode
se estender aos dados do PB. Saraiva resume a tipologia das línguas polissintéticas
sugerida por Baker através de oito características: “a) vocábulo composto de um radical
nominal nu + raiz verbal + afixos flexionais verbais; b) o item composto equivale ao
verbo principal da sentença; c) o radical nominal corresponde ao objeto direto. Recebe
54
um papel temático da raiz verbal, satisfazendo as restrições selecionais do verbo; d) só
objetos temáticos se incorporam. Sujeitos não o fazem; e) do ponto de vista semântico,
o objeto tanto pode ser referencial como não-referencial; f) o nome incorporado, em
alguns casos, pode ser retomado no discurso subsequente; g) o radical nominal pode ser
modificado por elementos que se encontram fora do vocábulo complexo; h) o nome
subclassifica a ação ou processo expressos pelo verbo, passando o conjunto a designar
um tipo diferente de evento.”12
(p. 95).
Saraiva (p.99-100) explica que, para se incorporar ao verbo, o nome, nas línguas
polissintéticas (como no onondaga (língua indígena, falada no oeste dos Estados
Unidos)), é movido e deixa um traço encabeçando o sintagma nominal objeto. Assim, o
traço recebe o papel-teta do verbo, satisfazendo suas exigências de subcategorização.
Saraiva avalia, então, os aspectos sintáticos e semânticos que são iguais e
diferentes entre os nomes incorporados nas línguas polissintéticas e as dos SDs nus
objetos em PB, o que, segundo ela, foram fundamentais para apoiar uma análise do
fenômeno dos SDs nus no PB alinhado com a proposta da Gramática Gerativa. No PB,
como aponta Saraiva (p.108-109), diferentemente das línguas polissintéticas, a
incorporação nominal é apenas semântica e não morfológica. Além disso, nas línguas
polissintéticas, ao contrário do PB, é possível retomar o objeto incorporado no discurso
que se segue. Outra diferença relevante está no fato de que, em algumas línguas
polissintéticas, como no mohawk (língua indígena falada entre os Estados Unidos e o
Canadá por uma tribo originária da confederação iroquois), o nome incorporado pode
ser semanticamente modificado por um numeral, demonstrativo, adjetivo, etc., ao passo
que, no PB, o objeto incorporado é sempre um SN nu. Por fim, como afirma Saraiva (p.
113), de acordo com Baker (1988, p.78-79), os objetos incorporados das línguas
polissintéticas tanto podem se referir a uma classe não-específica ou genérica, quanto a
um objeto bem específico. No PB, tendo em vista o traço [-I] da matriz adotada por
Saraiva para os objetos incorporados, a leitura deve ser apenas não específica ou
genérica. Essa afirmação será testada no capítulo 3 do presente trabalho para verificar se
ela é verdadeira para os dados de Helvécia. De acordo com a autora, as características
comuns, que foram responsáveis por motivá-la a adotar a proposta de Baker para a
análise dos SDs nus objetos do PB, foram: “ a) a forma dos constituintes em apreço –
nomes em sua forma básica, destituídos das flexões previstas para sua classe nas línguas
12 Grifos de Saraiva
55
consideradas; b) a adjacência estrita do verbo; c) a posição do objeto direto,
ocupada pelo nominal, satisfazendo as exigências de seleção-s do verbo; d) a
interpretação de V + N como uma subclasse da ação ou processo expressos pelo
verbo.” (grifos da autora) ( p. 136-137)
Apoiada no modelo de Princípios e Parâmetros e também adotando como base
teórica as propostas de Fukui (1986) e Fukui & Speas (1986), Saraiva reavalia a
Hipótese do SD (Sintagma determinante) e chega à conclusão de que a projeção
máxima lexical para o objeto incorporado em PB é SN. Segundo a autora (p.134), não
há nenhuma relação gramatical para justificar a projeção D’ou SD para o Objeto
incorporado, diferentemente do que defende Fukui (1986). Segundo Saraiva (p. 131),
para defender a ideia de que o objeto incorporado se projeta até D ou SD, Fukui (1986,
p. 76) assume que “(...) nenhuma posição não-nuclear na estrutura sintática pode ser
licenciada apenas por alguma condição de boa formação como o esquema X-barra.
Assim, para que alguma entidade sintática esteja presente na estrutura sintática, é
necessário que a entidade seja licenciada por alguma relação sintática.” (o destaque
é de Saraiva). No entanto, essa afirmação, de acordo com Saraiva (p. 132), não se aplica
ao fenômeno do objeto incorporado. Seguindo a terminologia de Lucas (1988), Saraiva
(p. 132) afirma que, nos casos dos objetos incorporados apresentados no seu trabalho,
“não existe qualquer relação sintática (especificação, modificação ou determinação) que
justifique uma projeção” desses nomes incorporados “até o nível de SD (ou D’)”. A
autora argumenta, ainda, (p.132-133) que, ao confrontar os exemplos “Zé sempre lia
jornal à noite” e “Zé sempre lia (este, um, algum, seu) jornal à noite”, a marcação do
traço [M] seria [-M] para a primeira sentença e [+M] para a segunda. Sendo assim,
sentenças como as do segundo exemplo destacam os membros integrantes da classe que
o nome descreve. O Objeto Incorporado é favorecido pelo traço [-M], já que é preciso
que o conjunto V + N possua uma ideia unitária. Dessa maneira, os objetos, cujos traços
é [+M], caracterizam-se por possuírem o estatuto categorial SD ou D’. Portanto,
empiricamente falando e de acordo com Saraiva (p.134), não há justificativa para
projetar os objetos incorporados em SD ou D’. A autora afirma ainda que o argumento
teórico de que D é responsável pela marcação de número de N não justifica a projeção
do objeto incorporado em SD ou D’, pois a incorporação no PB ocorre com nomes na
forma básica, isto é, no singular (p. 133-134). Essa proposta será testada no capítulo 3
do presente trabalho e confrontada com a hipótese de que SDs nus objetos não são
56
objetos incorporados e se projetam até o nível SD ou D’. Para fechar sua linha de
raciocínio, Saraiva faz a ressalva de que a manifestação do fenômeno do objeto
incorporado no PB pára no nível da Forma Lógica (FL), e não se apresenta na Forma
Fonética (FF). A autora utiliza exemplos de línguas polissintéticas, em que há tanto a
incorporação semântica, como no português, quanto a sintática, como argumento para a
justificativa anterior. Na língua onondaga, no exemplo dado por Baker (1998,1993) e
reavaliado por Saraiva (1997), observa-se que o SD nu objeto aparece entre a marca de
passado e o verbo:
57) Pet wa? – há – hwist – ahtu - ?t – a?.
Pat PAST -3MS – Money – lost – CAUS-ASP
Pat lost money. Pat perdeu dinheiro. (3 = terceira pessoa, M = masculino, S
= singular, CAUS = morfema causativo, ASP = marca de aspecto ou modo).
No PB, não há nenhuma evidência morfofonológica que caracterize a
manifestação do objeto incorporado na Forma Fonética.
Do ponto de vista descritivo, o livro de Saraiva constitui uma ferramenta de
grande contribuição para a análise do fenômeno dos SDs nus objetos em PB, tendo em
vista que a autora estabelece a diferenciação entre expressões idiomáticas com objetos
diretos (que apresentam interpretação metafórica) e verbos comuns que selecionam
objetos diretos (que possuem interpretação literal). A autora também diferencia os SDs
nus objetos de SDs plenos e daqueles que apresentam determinantes, além de apresentar
usos diversos de SDs nus com diferentes tipos de verbo. Outro aspecto de grande
contribuição diz respeito à demonstração do funcionamento da incorporação nominal
nas línguas polissintéticas (apresentando exemplos de usos dessas línguas). No que diz
respeito à analise do fenômeno quanto ao seu licenciamento, o trabalho de Saraiva
apresenta uma proposta consistente e bem argumentada dentro dos exemplos usados ao
longo do texto.
Levando-se em consideração as propostas sugeridas por Saraiva (1997), as
seguintes questões podem ser formuladas:
I) Os SDs nus objetos no PABH e no PB possuem sempre a leitura [-I, -Pr, -M]?
57
II) A formação de V+ N como um todo semântico possibilitaria o uso dos SDs
nus objetos no PABH e pode ser assumida como uma explicação adequada para esta
variedade?
Depois de verificar os pontos mais relevantes da proposta de Saraiva (1997),
recorrer-se-á, em seguida, à avaliação do uso dos SNs no crioulo de base lexical
portuguesa falada no arquipélago de Cabo Verde, através do estudo de Baptista (2007).
1.4.3 A proposta de Baptista para o CCV: uma comparação com o PB e o PE
O estudo de Baptista (2007) tem como objetivo descrever a estrutura e a
semântica dos SNs no CCV. Abarcando tanto nomes determinados quanto
indeterminados, a autora demonstra as tendências de uso dessa língua crioula, em que as
possibilidades dos determinantes fonologicamente realizados coincidem, muitas vezes,
com aquelas dos seus correspondentes nulos, isto é, do determinante zero (Ø). A autora
compara essas realizações com as alternativas possíveis para SNs em PB e PE.
Há diversos motivos para justificar a comparação do PABH com o caboverdeano
no presente trabalho: 1) os fenômenos linguísticos sugerem que houve uma pretérita
crioulização nessa comunidade linguística, como apontado por Baxter & Lucchesi
(1998). Portanto, é possível verificar a existência de fenômenos estruturais na fala da
comunidade de Helvécia que se assemelham aos fenômenos encontrados em crioulos de
base portuguesa do Atlântico (da Alta Guiné (de Cabo Verde e da Guiné Bissau) e os do
Golfo da Guiné (São Tomé e Príncipe; e Anobom)); 2) Dentre os fenômenos
semelhantes estão: a distribuição da marcação morfológica de número plural (como
apontaram Castro 7 Pratas (2016: 14) e o nome nu (ambos os fenômenos ocorrem nos
crioulos da Alta Guiné e, em menor grau, nos crioulos do Golfo); 3) os antecedentes
substratais de Helvécia são niger-congo: kwa, defoide e bantu, assim como o
antecedentes dos crioulos de base portuguesa do atlântico (somente no caso da Alta
Guiné, se trata do grupo atlântico ocidental da família niger-congo; e 4) o SD do CCV é
mais parecido com o do PB do que o SD do crioulos do Golfo.
58
Baptista inicia o seu estudo, indicando que o CCV possui dois determinantes
realizados: os artigos definidos/demonstrativos13
kel/kes’ (aquele/aqueles) e os artigos
indefinidos un/uns (um/uns). O artigo kel e o Ø cobrem a mesma gama de significados,
podendo, dessa maneira, ocorrer em variação livre, segundo Baptista (p. 70). Os
exemplos abaixo ilustram as possibilidades:
57) Pedru kre kasa k’un/Ø bankeru – ma e ka ta da ku el.
Pedru want to marry with+ a/Ø banker – but he Neg TMA get along with her
Pedru wants to marry with a banker – but he doesn’t get along with her.
Pedro quer se casar com uma banqueira – mas ele não se dá bem com ela. (interpretação
específica referencial)
58) Pedru kre kasa k’un/Ø bankeru – ma a ka inkontra-l inda.
Pedru want marry with a/Ø banker – but he Neg meet-her yet
Pedru wants to marry with a banker – but he hasn’t met her yet. Pedro quer
se casar com uma banqueira, mas ele ainda não a encontrou. (interpretação não
específica/ não referencial)
59) Joana kre da kel/Ø kel jugador kel prezu – ma e kA kre rasebe-l dél.
Joana want give the/ Ø player the prize - but he Neg want receive+it from-
her
Joana wants to give the/Ø prize to the player – but he doesn’t want to receive
it from her.
Joana quer da o prêmio ao jogador – mas ele não quer recebê-lo dela.
(interpretação específica/referencial)
60) Joana kre da kel/Ø kel jugador kel prezu – ma e tem ki spera te fin di jogu.
Joana want give the/ Ø player the prize - but she must COMP wait to the
end of the game
Joana wants to give the/ Ø prize to the player – but she must wait till the end
of the game.
13 Assim como no presente trabalho, Baptista adota a definição de Lyons (1999:4) para definitude, afirmando que
essa diz respeito à identificabilidade (ou familiaridade) por parte do falante e do ouvinte (p. 63)
59
Joana quer dar o prêmio ao vencedor - mas ela precisa esperar para o fim até
o fim do jogo. (interpretação não específica/não referencial) (p. 69-70)
Dando continuidade ao tema dos nomes nus, a autora afirma que é possível que
eles recebam as interpretações: genérica, definida, indefinida, e podem ser singulares,
plurais ou nomes de massa, como pode ser conferido nos exemplos abaixo:
61) Bu tra farelu.
You remove bran.
You remove the bran.
Você remove o farelo. (genérica)
62) Kasa di es aldeia e baratu.
House of this neighboorhood is cheap.
The houses in this neighborhood are cheap.
As casas nessa vizinhança são baratas. (definida específica plural)
63) N odja pasaru riba de kasa.
I see bird top of the house.
I saw birds on the top of the house.
Eu vi pássaros em cima da casa. (indefinida específica plural)
64) O ki nu fase kasa.
When we make home.
When we build houses.
Quando construímos casas. (indefinida não específica plural)
65) N panha fratura na mon.
I took fracture on hand
I received a fracture on my hand.
Eu fiz fratura na mão. ( indefinida específica singular)
66) Si bu ten terenu di fase.
60
If you have terrain to make.
If you have a terrain to make.
Se você tem terreno para fazer (indefinida não específica singular)
67) Pa’ N konta-l storia di kel organizason.
For I tell them story of the organization.
So that I tell them the story of the organization.
Assim eu conto a eles a história da organização. (definida específica
singular)
68) N po midju na pilon.
I put corn in pestle.
I put the corn in the pestle.
Eu coloquei o milho no pilão. (definida não específica singular)
69) Pa nu panha agu.
To take water.
To collect water.
Para pegar água (nome de massa) (p. 71-72)
Baptista (p. 73) questiona a previsão de Chierchia (1998) de que nomes nus que
aparecem na posição de argumento denotam tipos e emergem do léxico com denotações
de massa, já que, em CCV, há evidências de que nomes nus podem distinguir elementos
individuais dos de massa, como mostram os exemplos abaixo:
70) Bu po lenha.
You put wood.
Você coloca lenha. (leitura genérica)
71) Pa’N konta-l storia di kel organizason.
For I tell them story of the organization.
So that I tell them the story of the organization.
Assim eu conto a eles a história da organização. (leitura definida especifica
singular)
61
No CCV, de acordo com Baptista (p. 74-75), os nomes nus ocorrem de forma
ampla e são licenciados como definidos segundo as seguintes condições: 1) se a
unicidade da entidade a torna familiar para o ouvinte e o falante (p.74). Entidades
pertencentes ao grupo dos fenômenos/elementos naturais, como “sol”, “lua”, “chuva”
são exemplos disso; 2) se o indivíduo ou elemento são partes da experiência e
conhecimentos comuns do falante e do ouvinte. No exemplo kuse ki xefri ta konbersa-
m/what COMP chief TMA talk-me/ what the chief is talking to me about, a palavra
“xefri”, que significa “lider”, é conhecido por ambos o falante e o ouvinte.; 3)14
se o
nome tiver sido introduzido anteriormente por um determinante foneticamente
realizado. Essa condição pode ser ilustrada com o seguinte exemplo: El fika k’um
mudjer la(...). Mudjer gosta d’el/ He stay with a woman there(...). Woman like of him/
He stayed with a woman there(…). The woman liked him. Ele ficou com uma mulher lá
(...) Mulher gostou dele.
Recorrendo à Lucchesi (1993), Baptista comenta que o autor observou que,
tendo sido previamente introduzido por um artigo indefinido, um item discursivo pode
aparecer nu, sem a necessidade da marcação do nome pelo artigo definido ou outro
determinante. No entanto, Baptista (p.76) observa que uma prévia introdução do SN
com o artigo indefinido não é necessária nem esperada, isto é, SNs nus no CCV podem
aparecer pela primeira vez no discurso com interpretação referencial. Os nomes nus
definidos singulares, segundo a autora (p.77), tendem a aparecer na posição de sujeito
(como informação antiga), enquanto que os nomes nus indefinidos singulares tendem a
aparecer na posição de objeto (como informação nova). Apesar de essas serem as
tendências mais fortes, também é possível encontrar singulares indefinidos específicos/
não específicos ou genéricos na posição de sujeito.
Baptista observa (p. 77) que Tempo, Aspecto e Tempo Tópico (Topic Time)
podem levar o ouvinte a interpretar de maneira adequada se o nome nu é referencial
(definido/indefinido) ou genérico. No CCV, os nomes nus são interpretados como
referenciais quando o tempo é episódico15
, pois, quando o tempo é genérico, o nome nu
14 A terceira opção foi apontada por Lucchesi (1993: 81) 15 Sentenças episódicas são sentenças com um tempo definido e determinado (presente, passado ou futuro) Ex.: Eu
tomei leite. /1st Person (1ª pessoa) Sing. tomar+PAST (passado) leite. (o nó do tempo é positivo e representado pela
partícula –ei nesse caso). Já as sentenças genéricas são aquelas que expressam uma verdade que independe de tempo
verbal. Ex.: Crianças tomam leite. (o verbo tomar só possui partícula de marcação de terceira pessoa plural –am e
nenhuma marcação de tempo verbal). Assim, o nó do tempo, nesse caso, fica vazio
62
é interpretado como não referencial/ genérico. Baptista ilustra tal afirmação com os
exemplos que se seguem:
72) E trabadja sustenta família, mudjer, fidju, te qui more. (tempo episódico)
He worked support family wife children until COMP died
He worked to support the family, the wife and the children until he died.
Ele trabalhou para sustentar a família, a mulher e as crianças até ele morrer.
73) Si mininu ten brinkedu, el ta fika ketu. (tempo genérico)
If child hás toys s/he TMA stays quiet
If a child has toys, s/he stays quiet. Se uma criança tem brinquedos, ela fica
quieta.
Para dar continuidade à afirmação anterior, Baptista (2007: 78) recorre às
afirmações de Guéron (2006): “ i) a situação que uma dada sentença descreve deve ser
colocada no espaço e tempo do mundo do discurso, isto é, o mundo do falante ou o
mundo em que a gramática torna accessível ao ouvinte; ii) Sintagma Verbal (SV) é visto
como o domínio da interpretação espacial, enquanto Sintagma Temporal ST é o
domínio da interpretação temporal; iii) uma sentença é episódica se o nó de tempo
suporta um índice positivo, e é genérica se o nó de tempo carrega um índice zero ou
nenhum índice; iv) a hipótese básica é que a fixação de on/off (ligar/desligar) do índice
em T é suficiente para distinguir sentenças episódicas e genéricas. Se for assim, nenhum
operador genérico é necessário; v) Aspecto (A) também tem um papel na interpretação
do nome nu e interage com o output constraint (condição do output) dentro de ambos o
SD e o ST. O intervalo de tempo do evento deve ser delimitado para satisfazer (i). Uma
maneira de delimitar o intervalo de tempo é colocar o evento que a sentença denota no
escopo de um tempo tópico delimitado. O tempo tópico pode ser realizado por um
adjunto adverbial ou sentencial; vi) o sujeito de uma sentença é ligado ao mundo do
discurso pela construção anafórica ou não anafórica do seu determinante.” (BAPTISTA,
2007: 78-79). (tradução minha)
Guéron & Hoekstra (1988) afirmam, de acordo com Baptista, que, em línguas
como o CCV, onde o uso de nomes nus prevalece, a cadeia-T estende sua indexação
para o SD. Baptista (p. 80) complementa que se “T carrega um índice Ø e termina
dentro do SV, então D também vai carregar um índice zero se D for preenchido ou não,
63
levando a uma interpretação genérica, não anafórica da sentença. Se, ao contrário, T
carregar um índice 1 ou 2 (presente e passado), então D vai combinar com o índice e a
leitura episódica anafórica vai emergir.”
Tendo em vista o comportamento diferenciado do CCV em relação às línguas
românicas e germânicas, Baptista (p.80) questiona o porquê de o Francês e o Inglês
usarem determinantes na maioria dos casos, enquanto o CCV e outros crioulos
demonstram uma predileção por nomes nus. Segundo a autora, a resposta pode estar na
propensão das línguas a serem econômicas. Se há, no julgamento do falante, informação
situacional suficiente para classificar a natureza dos SDs, então é possível que eles
dispensem a redundância, eliminando o uso de determinantes. Além disso, complementa
Baptista (p.80), levando-se em consideração uma perspectiva histórica, as línguas
parecem desenvolver um uso sistemático de determinantes realizados apenas com o
passar do tempo. Um exemplo disso vem no texto de Chaudenson (2007), cujo estudo,
de acordo com Baptista, demonstrou que havia dialetos do francês do século XV que
usavam mais nomes nus do que no francês contemporâneo.
Podemos resumir os fatos empíricos sobre os SDs no CCV reunidos por Baptista
(p.86) da seguinte maneira:
I) a língua possui determinantes realizados, que expressam (in)definitude;
II) o uso de nomes nus é predominante;
III) os nomes nus podem ser interpretados como genéricos, nomes de massa,
definidos, indefinidos, singulares ou plurais; nomes nus singulares
são preferencialmente (mas não invariavelmente) interpretáveis como
definidos (específicos/ referenciais) em posição de sujeito e
indefinidos (não específicos/não referenciais) em posição de objeto;
IV) a interpretação de nomes nus argumentos é sensível ao tempo ( se é
episódico ou genérico);
V) existe distinção entre nomes contáveis x nomes de massa. (tradução
minha)
Após descrever o CCV quanto ao uso dos SDs, Baptista (p. 87) assume a
proposta de Longobardi (1994) de que os nomes nus são incorporados à estrutura do
SD, com um núcleo D vazio. Essa ideia é motivada, em parte, pelo princípio
minimalista de que apenas SDs podem ser argumentos. Os SNs são predicativos ou
“proposições”, que sobem para D para se transformarem em argumentos de verbo. A
64
posição D possui a função de individualizar o SN, selecionando apenas um exemplo de
todos os que podem ser descritos pelo SN. Essa proposta é complementada, segundo
Baptista, pela ideia de Cheng & Sybesma (1999: 518) de que a relação entre a descrição
dada pelo SN e qualquer que seja a entidade específica que o SN representa no mundo
real é mediada por D, portanto, parece haver uma divisão de tarefas entre o SN (que
descreve) e D (que refere), sendo essa uma propriedade da GU. A autora complementa
que, em línguas com artigos/determinantes, esses elementos são responsáveis pela
função dêitica. Nas línguas em que não existem artigos/determinantes, outros elementos
devem ser responsáveis por essa função, como os classificadores16
, por exemplo. O
CCV possui um sistema híbrido, com morfologia de número e, por isso, não
desenvolveu um sistema de classificadores. Porém, também usa nomes nus que são
interpretáveis como plurais.
Baptista resume o uso dos SDs nus no CCV da seguinte maneira: 1) nomes nus
definidos plurais envolvem subida de N para D via Num, onde o nome checa um traço
[-Plural]; 2) nomes nus indefinidos permanecem em N se forem não específicos/ não
referenciais, mas projetam SD e NumP, os quais devem checar na Forma Lógica; 3)
nomes nus genéricos são melhor analisados como SDs com determinantes vazios nus,
sem número; nomes de massa também projetam SD (isso ocorre pela possibilidade de
possuírem um status de argumento e apenas SDs poderem ser argumentos de verbo
segundo a teoria minimalista, como assume Baptista (p.92), de acordo com a proposta
sugerida por Longobardi (1994) e sobem de N para D quando definidos (é importante
ressaltar que, pelo fato de denotarem massa, tais nomes são desprovidos de NumP. Tal
análise explica o porquê de os nomes de massa nus aparecerem em posição de objeto,
como qualquer outro tipo de nome nu em CCV. Caso a interpretação for indefinida/não
específica/não referencial, o núcleo do nome vai permanecer em N. (p.92)).
Ao comparar o CCV, o PE e o PB, Baptista (p. 96) afirma que os nomes nus
ocorrem de maneira mais ampla no CCV do que no PE e no PB. O PB, no entanto, se
assemelha ao CCV em alguns aspectos, se comportando de maneira diferenciada do PE.
Os aspectos observados por Baptista que são relevantes para o presente estudo são: a) os
16 “Um classificador nominal é uma palavra ou morfema usado em algumas línguas em conjunto com um numeral
para indicar uma quantidade de algum substantivo. Em línguas que tem classificadores numerais, estes são
frequentemente utilizados quando o substantivo está sendo contado ou especificado. Classificadores não são
utilizados em inglês nem em português (por exemplo, "pessoa" é um substantivo, e para dizer "três pessoas" nenhuma
palavra extra é necessária), mas é comum nas línguas asiáticas a utilização de outra palavra, onde o equivalente à
"três pessoas" é frequentemente "três [classificador nominal] pessoas"”
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Classificador_nominal)
65
nomes nus no PB podem carregar o significado singular indefinido
específico/referencial, como em: Eu comprei computador. (p. 97); b) os nomes plurais
indefinidos específicos/referenciais podem aparecer como plurais nus sem
determinantes, mas com sufixo plural, como em: Ela tem barcos. (p.98), ou
completamente nus, sem determinante ou sufixo de plural, como em: Ela tem barco.
(p.98).
Quanto ao uso dos nomes próprios, a autora observa que eles ocorrem sem
determinantes em CCV tanto na posição de sujeito quanto na de objeto. O mesmo
acontece no PB, como observa Baptista, mas não no PE.
Tendo em vista a análise de Baptista (2007) as seguintes propostas investigativas
podem ser formuladas:
I) observar se a interpretação dos nomes nus no PABH depende do contexto ou
de pistas contextuais pragmáticas e sintáticas
II) verificar as principais tendências de ocorrência de nomes nus objetos no
PABH, apontando se os fatores condicionantes dos mesmos nessa variedade se
assemelham àqueles do CCV
III) avaliar se, quando há informação suficiente para classificar a natureza dos
SDs numa dada sentença do PABH, o uso do determinante é dispensável;
IV) verificar se a proposta da subida de N para D também pode ser assumida
para o PABH ;
Sabendo que a contribuição da análise dos dados do CCV foi indispensável para
a fundamentação teórica do presente trabalho, recorrer-se-á, em seguida, ao estudo
realizado por Ribeiro (2010) e apresentado no VI Encontro da Associação Brasileira de
Estudos Crioulos e Similares na UFBA.
1.4.4 HV-19 e seu sistema de definitude e referencialidade sob o olhar de Ribeiro
O trabalho de Ribeiro (2010) analisa o sistema de definitude e referencialidade
de uma falante afro-brasileira de 103 anos (idade da informante no ano da entrevista
(1994)) da comunidade de Helvécia, identificada como HV-19 no Projeto Vertentes da
UFBA. Os dados desse estudo fazem parte de um dos inquéritos que foram escolhidos
66
para serem inteiramente sistematizados nesse trabalho. O estudo de Ribeiro servirá
como diretriz para que seja possível perceber as particularidades do PABH quanto ao
uso dos SDs objetos, sendo, portanto, de importância específica para a presente
dissertação.
Inicialmente, Ribeiro assume os conceitos sobre definitude e referencialidade
propostos por Givón (1998), Lyons (1999), Laca (1999) e Baptista (2007). Como aponta
a autora (p.1), a propriedade semântica da referencialidade confere, à expressão
nominal, a propriedade de possuir um referente e/ou de ser identificável, como pode ser
visto no exemplo abaixo:
74) Comprei a casa amarela da esquina.
O uso genérico, por sua vez, ocorre quando o falante faz referência “a uma
espécie ou uma classe ou um tipo de objetos ou de fatos” (p.1), como nos exemplos de
75 a 77 :
75) Pesco muitos peixes nesse lago.
76) Chupo laranja todos os dias.
77) Vendo canetas faz muito tempo.
Em se tratando de definitude, Ribeiro (p.1) assume que essa diz respeito à
familiaridade da expressão nominal entre o ouvinte e o falante, exatamente como foi
assumido no tópico 1.3.1 desse capítulo:
78) Chamei a menina da qual te falei.
Para as expressões indefinidas, a autora afirma (p.1), concordando com Lyons
(1999) e, consequentemente, com o que assumiu-se nesse estudo, que elas podem
possuir uma leitura específica ou não específica, como é possível visualizar,
respectivamente, nos exemplos que se seguem:
79) Comprei um vestido lindo.
80) Preciso comprar uma caneta.
67
Os determinantes definidos podem apresentar, como sugere Ribeiro (p.2), o
traço [+ Específico] ou [-Específico]. Os exemplos abaixo demonstram essas
possibilidades:
81) Quero abraçar o perdedor, mas ainda não sei quem ele é.
82) 17Quero abraçar o perdedor, mas não quero deixá-lo constrangido.
Segundo a autora, o falante, precisa de pistas morfossintáticas e pragmáticas
para interpretar os traços de referencialidade, genericidade, definitude e especificidade.
Ribeiro (p. 2-3) apresenta exemplos de usos de determinantes indefinidos na fala
de HV-19 e compara com dados do crioulo de Cabo Verde apresentados por Baptista
(2007:65) e percebe as mesmas possibilidades referenciais (numeral, indefinido não-
específico/singular, indefinido específico singular e quantificador). Ribeiro (p.3)
observa que o determinante Ø pode ser usado como indefinido (no lugar de um) na
gramática de HV-19, assim como no CCV, como apontado anteriormente por Baptista
(2007: 66-7). Ribeiro, recorrendo a Baptista (2007:97), aponta que, no PE, nomes
singulares indefinidos + específicos combinados com o determinante Ø, são
agramaticais, como em Ele comprou Ø apartamento. O PB e a variedade do português
usada por HV-19 também diferem do PE quanto ao uso do determinante Ø sem marca
de plural no nome; o PE não admite uma sentença como em Buscar Ø criança na
escola é chato18
.
Ribeiro (p. 4-5) faz outras observações relevantes sobre o sistema de definitude
e referencialidade de HV-19, a saber: a) a morfologia de plural nunca aparece no nome;
b) expressões indefinidas quantificadas combinadas com o determinante Ø são usadas
com bastante frequência (“jogo Ø água nele”); c) há situações de expressões nominais
na posição de objeto em que o determinante Ø marca a indefinitude plural não-
específica, focalizando a ação ou um evento e funcionando, portanto, como um objeto
incorporado dentro da proposta de Saraiva (1997) (“Na pé de tomate aí, comeno
tomate”) (comendo uns tomates/alguns tomates)19
; d) a informante não faz nenhum uso
do determinante uns durante a entrevista; e) há expressões nominais na função de objeto
17
Os exemplos de 74 a 82 são meus 18 Os exemplos são meus. 19 Essa observação é de Ribeiro.
68
direto cuja leitura é de indefinitude plural não específica, marcada pelo determinante Ø
(“São Batião foi buscá madeira nesse matim ali”20
– nesse caso, como aponta Ribeiro,
citando Saraiva (1997), o foco da sentença é o evento e não a expressão nominal).
Exemplos como o dessa última observação, acrescenta Ribeiro (p.5), podem ser
“resultantes de desenvolvimentos linguísticos de gramaticalização da indefinitude, no
processo de aquisição do português do século XIX aos tempos atuais”. Apesar da
importância da afirmação anterior, essa discussão não será aprofundada, pois o objetivo
desse estudo não é explicar o processo histórico dessas realizações
Ribeiro (p.5) observa que a forma singular dos nomes genéricos com o
determinante Ø, é licenciada tanto em PB, como em CCV e HV-19 (“Fazê ensopado de
tomate” (HV-19)).
Quanto ao uso do demonstrativo, explica Ribeiro (p.5) HV-19 possui um sistema
bastante simplificado em que existe apenas a forma esse para o singular. A marcação de
[±Proximidade] é feita por “partículas adverbiais aqui, aí, lá” (p.6). O esse também
substitui o pronome pessoal ele e ela em algumas situações (“esse é meu neta”). No
plural, a única forma do demonstrativo é esses, como observa Ribeiro (p. 6-7).
Tendo em vista que esse não é o único determinante definido na fala de HV-19,
a autora afirma ser “impossível dizer se o determinante Ø em uma expressão referencial
definida [+Específica] está em variação com o demonstrativo ou com o artigo definido,
embora haja casos em que o demonstrativo e o artigo definido possam estar em
variação” (p. 8).
O uso dos possessivos adjetivais geralmente ocorre sem um artigo antecedente
na fala de HV-19 (p.8). Nos casos em que o possessivo é usado como pronome, ocorre a
variação entre a presença ou não do artigo (p.9). No que diz respeito às posses
inalienáveis, o possessivo pode estar ausente (“Botô mão nas n’água”) (p.9).
No que concerne aos nomes próprios, Ribeiro (p.9) observa que há apenas um
dado em que um nome próprio foi antecedido por artigo (“Tem o Marquinho , tem
João...”), o que pode ser, segundo a autora, uma marca de afetividade sugerida pelo
diminutivo – inho. Os nomes próprios são, muitas vezes, precedidos pelo demonstrativo
esse (quando anafóricos), podendo corresponder a uma “restrição sobre a identificação
do referente” (p.10) (significando: essa pessoa de quem te falei há pouco).
20 Os exemplos desse parágrafo foram retirados do inquérito de HV-19 por Ribeiro.
69
Quanto ao uso dos determinantes definidos, Ribeiro aponta algumas observações
importantes na fala de HV-19: i) o uso do determinante definido quase sempre ocorre
em situações associativas anafóricas (p.10); ii) nem sempre o uso do artigo definido
indica que o elemento é [+Específico] (“Parô o fio! Taí... Oto já me chamo”) (p.11)
(Ela mal aparo o/um filho, já tem outra pessoa chamando ela para fazer outro parto.)21
.
Como apontado anteriormente, HV-19 não realiza os plurais nos nomes e sim
nos determinantes. Assim, as realizações plurais da informante sempre aparecem
acompanhadas de determinantes, independente do valor referencial discursivo do
sintagma nominal. Mesmo nos casos em que a marca de plural não é foneticamente
realizada há a presença de algum determinante, afirma Ribeiro (p.12).
Ribeiro (p.13) explica, de acordo com Lucchesi & Ribeiro (2009: 145), como se
deu o processo de transmissão linguística irregular do português para os escravos
africanos trazidos para o Brasil: I) primeiramente, houve a aquisição de um modelo de
português defectivo do português como segunda língua pelos escravos africanos a partir
dos dados fornecidos pelos colonos portugueses na situação de contato; II) em seguida,
os filhos de escravos adquiriram o português como primeira língua através do modelo
defectivo dos pais; III) depois, os afrodescendentes reestruturaram o português e
transmitiram esse novo modelo do português para os seus filhos. Tendo em vista esse
processo, os usos de HV-19, como aponta Ribeiro, são resultado das simplificações
ocorridas no processo de transmissão linguística irregular e, ao mesmo tempo, da
reincorporação de estruturas gramaticais usadas pelas classes dominantes brasileiras
atuais, já que as interferências de contato entre línguas vêm diminuindo “(sobretudo a
partir de 1850, com o fim do tráfico negreiro) e na medida em que esses indivíduos vão
se integrando e ascendendo na sociedade brasileira” (p.13). Levar em consideração
como se deu o processo de transmissão linguística irregular na comunidade é um
importante passo para entender a distribuição dos determinantes no PABH .
Viu-se que o estudo de Ribeiro (2010), assim como o presente, apóia-se nos
conceitos de Lyons (1999), aplicando-os ao PB e ao PABH. Através da leitura do
mesmo, pôde-se perceber a necessidade de comparar os dados do CCV, do PB e do
PABH para possibilitar a observação das particularidades de cada língua e alcançar o
objetivo proposto. Além disso, é importante levar em consideração os seguintes
questionamentos que surgiram a partir do trabalho da autora:
21 A explicação é minha.
70
i) Quais podem ser as pistas pragmáticas usadas pelos falantes de PABH
para interpretar os traços de definitude?
ii) Como o processo de aquisição influenciou a distribuição dos
determinantes das falantes do PABH, principalmente as mais idosas
como HV-19?
Buscar-se-á responder essas e outras questões no capítulo 3, levando em
consideração todo o embasamento que foi traçado nesse capítulo.
1.5 CONCLUSÕES DO CAPÍTULO
Apesar de a literatura sobre SDs nus objetos e o funcionamento da gramática do
PB no que diz respeito aos mesmos não ser farta, os trabalhos até então publicados para
essa língua e outros estudos acerca do tema SD em geral aqui destacados foram
relevantes e suficientes para embasar teoricamente a presente dissertação. Alguns
questionamentos pertinentes acerca de cada uma das leituras forma apontados ao longo
das seções correspondentes.
Em Lyons (1999) e Ribeiro (2010), viu-se que há traços linguísticos que estão
diretamente relacionados às possibilidades de uso de SDs nas línguas. No intuito de
perceber as principais tendências de uso no PABH, selecionou-se alguns desses traços
para mostrar a distribuição e caracterizar o uso dos SDs nos dados de Helvécia, como
será visto no próximo capítulo, refernte à metodologia. A partir das demais leituras e
das reflexões realizadas sobre SDs nus na posição de objeto em PB, viu-se que há,
dentro dos moldes da gramática gerativa, duas possíveis hipóteses para explicar os SDs
nus objetos: i) a de que SDs nus objetos em PB podem ser objetos incorporados,
segundo propõe Saraiva (1997); ii) a de que SDs nus na posição de objeto em PB
podem se projetar em SD e possuir determinantes nulo, como sugerem Longobardi
(1998) e assumem Schmitt & Munn (1999) e Baptista (2007). Apesar de a presente
dissertação não se propor a analisar a fundo essas hipóteses, no terceiro capítulo, uma
delas será assumida como a mais adequada para o PABH.
71
Os questionamentos apontados no decorrer do capítulo devem ser verificados no
terceiro capítulo, onde acontecerá a análise das tendências de usos de SDs nus e com
determinante em posição de objeto no PABH.
No capítulo que se segue, apresentar-se-ão os aspectos metodológicos que
envolvem a presente dissertação.
72
2 METODOLOGIA
2.1 OBJETIVOS DO CAPÍTULO
Dentro dos objetivos principais do presente trabalho, que são: caracterizar o uso
dos SDs objetos do PABH, mostrando possíveis fatores condicionantes para cada um
dos tipos de determinante (priorizando o SD nu) e encontrar uma possível causa para o
estabelecimento do uso do DET ø singular, foram traçadas, no capítulo anterior,
algumas etapas de desenvolvimento metodológico
Delimitaram-se e registraram-se as ideias que nortearão o presente trabalho.
Situou-se o leitor quanto à natureza dos SDs, mostrou-se quais elementos e
propriedades estão relacionadas à ocorrência de SDs nus nas línguas em geral e, mais
especificamente no CCV, no PB e no PE no intuito de adotar posteriormente, durante a
análise, uma descrição comparativa, típica do gerativismo, que leve à percepção das
semelhanças e diferenças entre essas línguas e o PABH.
O presente capítulo apresentará e caracterizará o corpus, dará uma breve
descrição da comunidade de fala escolhida para a seleção do mesmo, bem como irá
expor a chave de codificação detalhada e os programas usados para quantificar os
dados, já que optou-se não apenas pelo estudo qualitativo dos SDs nus do PABH, como
também pelo estudo quantitativo. Por fim, apresentar-se-á o enquadramento teórico.
2.2 OS DADOS
Tendo em vista a proposta de analisar as possibilidades de usos de SDs nus no
PABH, foram escolhidas, inicialmente, três entrevistas sociolinguísticas recolhidas em
1994 através do projeto Creole-like traces in Afro-Brazilian rural communities, dirigido
pelo Professor Doutor Alan Baxter e patrocinado, entre 1992, 1987 e 1989, pela La
Trobe University Faculty of Humanities Research Committee e, entre 1992 e 1994, pelo
Australian Research Council. Atualmente, essas entrevistas fazem parte do acervo de
73
corpora do Projeto Vertentes22
. Depois, mais três entrevistas que foram recolhidas em
1987 foram adicionadas ao trabalho. Uma destas entrevistas pertence a uma falante cuja
entrevista de 1994 também havia sido incluída23
. Portanto, ao final foram analisadas 5
falantes.
O dialeto de Helvécia, falado nos arredores da vila de Helvécia, no extremo sul
da Bahia, foi descoberto pela Professora Carlota Ferreira em 1961 (Ferreira, 1984).
Trata-se de uma comunidade de descendentes de ex-escravos das plantações de café da
antiga Colônia de Leopoldina que haviam adquirido um modelo divergente do
português através de um processo de transmissão linguística irregular, o que é
perceptível nas características gramaticais típicas desse dialeto, tais como o uso variável
do artigo definido, variação na concordância de gênero, simplificação da morfologia
flexional do verbo, entre outros (Baxter 1992; Baxter & Lucchesi 2009),. Os ex-
escravos permaneceram nas localidades das antigas roças da Colônia Leopoldina após a
abolição da escravatura, e ficaram isolados geograficamente, como comentado por
Baxter e Lucchesi (2009). Esses fatores contribuem para a manutenção de traços de uma
possível crioulização na região, principalmente na fala dos representantes mais idosos.
A pretérita transmissão irregular incorporando DLP (dados linguísticos
primários) de modelos de português L2 é evidente na ausência de certas estruturas
gramaticais do PB (Baxter 1992) ou “pelo aumento na frequência de uso das formas não
marcadas” (Lucchesi, 2009: 71-72) nessa variedade. As gerações mais antigas de
Helvécia teriam adquirido um sistema de marcação de definitude e referencialidade
divergente, o que justificaria o fenômeno da realização de SDs nus definidos e
referenciais objetos nessa comunidade.
Levando-se em consideração, portanto, que o dialeto apresenta uma importância
quanto à identificação de processos de variação e mudança no português do Brasil
(Baxter, 1992 a e b; Baxter & Lucchesi, 1993; Lucchesi & Baxter, 1995; Lucchesi,
Baxter & Ribeiro 2009; Megenney, 1993), dentre os quais se encontra o uso mais livre
dos SDs nus objetos, e que esses processos podem ser mais nitidamente visualizados na
fala dos mais velhos, foram escolhidas três entrevistas labovianas, das três mulheres
22
Para saber mais sobe o projeto, acesse: www.vertentes.ufba.br 23 Como inicialmente não notei que a informante era a mesma, codifiquei os dados da mesma com um novo código
(D). Ao notar que era a mesma pessoa, codifiquei os dados dela novamente com o código que havia usado
anteriormente (C). Por esse motivo, não existe uma informante D. As informantes são, portanto: A, B, C, E e F.
74
mais idosas no corpus recolhido em janeiro de 1994: HV-1924
(uma senhora de 103
anos), HV-15 (uma senhora de 80 anos) e HV-13 (uma senhora de 85 anos). Além disto,
como foi comentado anteriormente nessa mesma seção foram incluídas três entrevistas
realizadas em 1987 (que pertencem ao acervo de corpora do Projeto Traços crioulos em
dialetos rurais) de mais três mulheres idosas: Tereza25
(uma senhora de 83 anos), Roffe
(uma senhora de 89 anos) e Porciana (que é a mesma HV-19 e que tinha, na época desta
entrevista, 96 anos).
2.3 QUANTIFICAÇÃO
Foram identificados e levantados todos os SDs objetos não pronominais nos
cinco inquéritos escolhidos. Ao total, foram 961 dados, entre SDs nus e plenos, com
referência definida, indefinida e genérica.
Com base em observações preliminares que apontaram o uso potencialmente
variável de DET ZERO, artigo definido, demonstrativo, e artigo indefinido junto aos
objetos, formulou-se uma lista de hipóteses de trabalho sobre fatores morfossintáticos e
semânticos que poderiam orientar o uso dos determinantes em contextos de referência
definida, referência indefinida e referência genérica. Preparou-se uma chave de
codificação para classificar cada determinante em termos dos potenciais fatores
condicionantes. Para as finalidades da quantificação das ocorrências em cada um dos
três contextos referenciais, os determinantes são tratados como variantes de uma
variável dependente, e os grupos de fatores potencialmente condicionantes são tratados
como variáveis independentes. As hipóteses sobre os referidos fatores orientadores
foram baseadas em conceitos propostos por Lyons (1999), Ribeiro (2010) e Baxter e
Lopes (2009), resenhados no capítulo 1. A seguir, elencar-se-ão os grupos de fatores
contemplados.
24 HV-19, HV-15 e HV-13 são os códigos utilizados no Projeto Vertentes para identificar as falantes Porciana,
Delfina e Graziela respectivamente. No presente trabalho, usar-se-ão as referências ‘Informante C, B e A” para
identificá-las. 25 Tereza será identificada como ‘Informante E’ na presente dissertação, e Roffe, receberá a identificação ‘Informante
F’.
75
Variável dependente: Tipo de determinante - (Definido, Indefinido, Zero,
Demonstrativo): essa variável constitui a variável principal do estudo.
Variáveis independentes:
1) Configuração sintática do objeto 26
– (Objeto, Configuração de Foco,
Complemento de Verbo Existencial): essa variável foi proposta no intuito de
verificar se as configurações menos comuns no PB (Configuração de Foco e
Complemento de Verbo Existencial) também o são em PABH e, principalmente,
se essas construções menos comuns (des)favorecem o uso do determinante zero.
2) Referencialidade do SN – (Genérico, Referencial): de acordo com a proposta
de Schmitt e Munn (1999), os SDs nus objetos em PB recebem categoricamente
a leitura genérica. Essa variável verificará se essa proposta também é viável no
caso do PABH.
3) Tipo de substantivo – (Nome Comum, Nome Próprio, Forma de Tratamento):
tendo em vista que Lyons (1999) e Longobardi (1998) associam as propriedades
de uso de nomes próprios nus ao uso de SDs nus objetos, propõe-se a avaliar
essas formações, verificando a distribuição dos tipos de nomes com os diferentes
tipos de determinantes, principalmente o determinante zero.
4) Presença do traço [+contável] no nome – (+Contável, -Contável): se,
diferentemente do que propôs Chierchia (1998), o PB admite SDs singulares
contáveis nus objetos (como defendem Schmmit e Munn (1999)), é preciso
verificar se o mesmo ocorre no PABH.
5) Noção de número no SD – (Singular, Plural, Singular com leitura plural,
Possibilidade de Plural): ao passo que Chierchia (1998) assume que o
substantivo contável sem artigo deve denotar massa, Baptista (2007) demonstra
que, no CCV, substantivos contáveis com determinante zero são vistos como
entidades individuais. Baxter e Lopes (2009), observando essa discussão,
26 Inicialmente, previu-se esse grupo de fatores, mas, devido ao fato de a maior parte dos dados pertencer ao fator
‘Objeto’ e haver poucos dados dos outros dois fatores, houve muitas lacunas na distribuição e a inclusão do grupo
não se mostrou operacional na análise quantitativa.
76
propõem a inclusão dessa variável no seu estudo, contrastando a noção de
número com a noção de massa. Incluiu-se a variável noção de número no SD no
presente trabalho, seguindo Baxter & Lopes (2009), no intuito de verificar se a
marcação de plural é refletida no uso dos diferentes usos de determinante.
6) Definitude e especificidade do SD - ([+Def;+Esp], [+Def;-Esp], [-Def,+Esp], [-
Def; -Esp]): visa verificar se é possível encontrar SDs nus objetos com leitura
[+Def; + Esp], diferentemente do que propõe Schmmit & Munn (1999), e
também verificar quais são os contextos de Definitude e Especificidade que
(des)favorecem cada um dos tipos de determinante contemplados.
7) Familiaridade - (Situacional, Conhecimento Geral, Anafórico, Catafórico,
Referência Cruzada): De acordo com Lyons (1999), a definitude está
diretamente atrelada à familiaridade, tratando-se do modo como o ouvinte
identifica o objeto no contexto de fala. É importante verificar, portanto, a
distribuição do modo de identificação pelo ouvinte e se essa variável favorece o
uso do determinante zero.
8) Tipo de Posse - (Inalienável, Alienável): tendo em vista que Lyons (199)
demonstra a diferença entre posse alienável e inalienável definindo a segunda
como um tipo de posse que não pode ser cedida ou desfeita, pretende-se, ao
incluir essa variável, verificar se esse tipo de posse favorece o uso do
determinante zero e também se pode levar uma leitura [+Definida] mesmo
quando da ausência de determinante.
9) Animacidade – (Animado, Inanimado): Lyons (1999) propõe que há uma
relação entre definitude e animacidade. É necessário verificar se isso se aplica
aos dados do PABH. Além disso, Baptista (2007) aponta que, no CCV, há uma
relação entre ausência do artigo definido e animacidade, definitude e flexão de
plural, um aspecto importante de se verificar também no PABH.
10) Presença de outro constituinte que marque referencialidade – (Nenhum
outro modificador, Oração Relativa, Adjetivo pré-nominal, Adjetivo pós-
77
nominal, Sintagma Preposicional, Possessivo, Advérbio Locativo, Aposto): As
línguas crioulas tendem a ser econômicas e, como apontam Baxter & Lopes
(2009), Lucchesi (1993) demonstrou que, no CCV, o uso do artigo definido é
desfavorecido se existe outro elemento para marcar referencialidade. A fim de
verificar se o mesmo acontece no PABH e ainda se o determinante zero é
(des)favorecido quando da presença de outro constituinte que marque
referencialidade, incluiu-se essa variável no presente estudo, seguindo Baxter &
Lopes (2009).
A Tabela 1 apresenta a variável dependente, as variáveis independentes e os
exemplos :
Tabela 1 – Variável dependente, variáveis independentes e exemplos
Variável dependente
Tipo de determinante
Fatores Código Exemplo
Definido D INF (A): vei' a notiça, meu sinhô
Indefinido I INF (C): dá uma xícara de café com leite.
Zero Z INF (A): Tem jacaré [mermo].
Demonstrativo M INF (A): chega tempo de ir pegá esse
dinhêro
Variáveis independentes
1 Configuração sintática do objeto
Fatores Código Exemplo
Objeto localizado à
direita do verbo
O INF (1B): Votô de novamente. Foi fazê a
casa.
Objeto em configuração
de foco
F INF (A): somente uma irmã que eu tenho.
Complemento de verbo
existencial
E INF (A): Lugá que nós morava tem uma
lagoa grande que vai embora
78
2 Referencialidade do SN
Genérico G INF (C): foi buscá ma.. madêra nesse
matim
Referencial R INF (C): Quando eu vô botano o pé assim,
eu vi: tati!
3 Tipo de substantivo
Comum INF (A): chega tempo de ir pegá esse
dinhêro de meu pai
Próprio P INF (B): O senhô conhece Jovelina?
Forma de tratamento F INF (B): O sinhô pega com Deu' pra
num pegá o sinhô.
4 Caráter [+contável] do nome
Contável C INF (A): eu [sempre sei] que cria
galinha
Massa
M
INF (B): Pessoá que num dá, não tem
sangue com ele
5 Noção de número no SD
Singular S INF (B): Votô de novamente. Foi fazê a
casa.
Plural P INF (C): e eu passo os óio assim
Singular com leitura de
plural
L INF (A): Aqui o pessoá pega muito pêxe
6 Definitude e especificidade do SD
+Definido,
+ Específico
+ INF (B): Maria Catarina sabe... sab data
certa!
+ Definido,
- Específico
D Obs.: Todos os dados +Definidos são
também +Específicos no PABH
+ Específico,
-Definido
E INF (A): Ieu tenho porçon de minha
famía lá pra...
- Definido,
- Específico
- INF (B): Esfrergá rôpa
79
7 Familiaridade do objeto
Situacional S INF (C): ind'eu sentia esse pé
Conhecimento geral K INF (C) Esses aí memo alcanço o trem
de ferro
Anáfora A INF (C): Laranja inda num tá bom pra
chupá, puque eu exprementê essas
laranja tá sargad'... é...
Catáfora C INF (A): que teve papé da terra de
finado...
Referência cruzada
X
INF (B): O menino chegô, puxô o braço
8 Posse
Inalienável I INF (C): eu passo os óio assim
Alienável A INF (B): Quemô a casa, eles voltô mais
Não se aplica / INF (B): Ieu num compra adubo
9 Animacidade
+ Animado + INF (B): Quem vai matá um bicho...
feroz daquele?
- Animado X INF (C): Pega a lenha
10 Presença de outro material que marque referencialidade
Nenhum outro
modificador/Zero
Z INF (A) A minha fia pegô esse dinhêro
Oração Relativa R INF (A) Depois ela teve Alicia que é o
caçula
Adjetivo pré-nominal A INF (E) Ah, ele deu o maió grito aí, ó!
Adj. pós-nominal N INF (C) Ele tem...tem um pé cotoco,
né?
Sintagma Preposicional S INF (A) teve papé da terra de finado
Possessivo P Não há dados desse tipo. Ex.: Encontrei
o meu pai
Advérbio Locativo L INF (F) Hum. Agora ele botou essa
cadeira aí
80
Aposto V INF (B) teve ôtro... ININT filho de seu...
de véi Antonho
2.4 ANÁLISE DA VARIAÇÃO
Os estudos prévios sobre o uso do DET Ø em dados do dialeto de Helvécia,
efetuaram as suas análises por meio de uma variável binária, com as variantes DET Ø e
DET realizado. O presente estudo diferiu das análises anteriores em dois sentidos.
Primeiro, tendo observado qualitativamente que a variação envolvia mais de duas
variantes. Em segundo lugar, aplicou-se estritamente a definição de variável proposta
por Labov, no sentido de considerar a variável como formas diferentes de dizer a
mesma coisa; ou seja, assume-se que a alternância entre formas deve ocorrer sem
diferença semântica (Labov, 1972)). Por isso, para observar a variação no uso dos
determinantes, e também para permitir uma comparação mais rica com os estudos
qualitativos sobre os dados codificados foram separados em três corpora: dados de
referência definida, dados de referência indefinida e dados de referência genérica.
A quantificação da distribuição geral da variação foi realizada por meio do
subprograma MAKECELL do Pacote estatístico GOLDVARB (2001). Este
subprograma produz tabelas com números brutos e frequências.
A análise distribucional inicial de cada sub-corpus (objetos definidos,
indefinidos e genéricos), confirmou que os determinantes se distribuem como co-
variantes. Ou seja: podem ocorrer como variantes junto aos fatores das variáveis
independentes. Essa confirmação levou à adoção de um segundo procedimento
estatístico, uma análise de regressão múltipla que visava avaliar a relativa influência
(peso relativo) de cada variável independente sobre o uso dos determinantes. Os
resultados seriam fundamentais para a descrição e teorização sobre a configuração do
SD objeto no PABH. Como a variável dependente, <tipo de determinante> apresenta
mais de duas variantes, em vez de combinar as variantes, para configurar uma variável
binária, optou-se por observar diretamente o comportamento de cada variante, tratando
a variável essencialmente como ternária ou quaternária, conforme a distribuição em
cada corpus. Para esse efeito, foram utilizados dois programas do pacote estatístico
81
VARBRUL (PINTZUK, 1988; SANKOFF, 1988): TVARB (para variáveis dependentes
com três variantes) e MVARB (para variáveis dependentes com mais de três variantes).
2.5 ENQUADRAMENTO TEÓRICO
O presente trabalho é de abordagem gerativista-descritivista, de acordo com o
Programa Minimalista (PM). Adota-se tal perspectiva, pois, além de a maioria dos
estudos dos últimos 20 anos sobre o determinante ZERO terem sido realizados com
base na mesma, esta ainda oferece um modelo consistente e rico no que diz respeito ao
SN e, por conseguinte ao SD.
O PM, conhecido como a mais recente reformulação do modelo da teoria
gerativa, é uma proposta de explicação econômica e otimizada para os fenômenos das
línguas naturais. Sabendo que a proposta aqui é avaliar as diferenças entre o PB e o
PABH do ponto de vista sintático, e que o PM considera a sintaxe um nível de
estruturação autônomo, ele se mostra adequado metodologicamente. Uma das vantagens
desse modelo é que ele se propõe a tratar das gramáticas das línguas particulares, que
atende ao intuito do presente trabalho tendo em vista o comportamento diferenciado do
PB e do PABH no que diz respeito ao uso dos SDs nus objetos.
No presente estudo, o tratamento dos dados é efetuado no âmbito da
metodologia e teoria variacionista de Labov (1972, 1982), enquanto que a descrição do
sistema determinante é enquadrada no modelo teórico gerativista. Portanto, em certa
medida, a conjugação dessas duas perspectivas teóricas segue uma tradição na
linguística brasileira iniciada por Tarallo e Kato (ROBERTS &KATO 1993).
Como foi dito no capítulo 1, assume-se a proposta de ABNEY (1986, 1987) para
as construções nominais, que seriam coincidentes com SD, sendo os SNs, portanto,
complementos do núcleo D: [SD [D’ D SN]].
Tendo introduzido os dados, as hipóteses sobre o seu condicionamento, a
metodologia quantitativa que será usada para avaliar os dados e reforçado o
enquadramento teórico para o tratamento e a interpretação dos mesmos, passar-se-á para
o próximo capítulo, onde os resultados das análises serão comentados.
82
3 O SISTEMA DE USO DE DETERMINANTE NO PABH
3.1 OBJETIVOS E DESCRIÇÃO DO CAPÍTULO
Com a meta fundamental de lançar luz sobre o comportamento do determinante
zero em SDs objetos no PABH, o presente capítulo descreve o sistema de uso de
determinante da faixa 3 do corpus Vertentes (falantes idosas com mais de 80 anos da
comunidade de Helvécia), conforme os resultados das análises quantitativas do corpus,
efetuadas com os grupos de fatores estabelecidos no capítulo 1 e organizados em forma
de tabela no capítulo 2.
No capítulo 1, os tipos de determinantes possíveis no PB foram apresentados:
definidos, indefinidos, Detø, demonstrativos, possessivos, numerais e quantificadores.
O sistema do PABH também apresenta todos esses determinantes. No entanto, estudos
anteriores sugerem que os indefinidos, definidos, demonstrativos e Detø manifestam
alguma variação entre si (Ferreira 1961; Baxter & Lopes 2006). Esses itens, que no
corpus selecionado representam 86.7% dos determinantes, serão priorizados na
descrição a seguir.
Para possibilitar uma melhor visualização da distribuição dos determinantes em
PABH, os dados foram separados por função em três conjuntos: referenciais definidos,
referenciais indefinidos e genéricos. A discussão do uso dos determinantes é feita por
cada sub-corpus e conforme os grupos de fatores contemplados para cada sub-corpus.
Logo a seguir, na seção 3.2, apresenta-se a distribuição geral nas três sub-corpora de
SDs. Na seção 3.3, contemplam-se os grupos de fatores que dizem respeito somente aos
SDs definidos: familiaridade e tipo de substantivo. Em seguida, na seção 3.4, são
apresentadas as distribuições levando-se em consideração os grupos de fatores tratados
junto aos três sub-corpora: o caráter contável do nome, a animacidade, o tipo de
posse, a noção de número no SD e a presença de outro constituinte que marque
referencialidade. Ao longo das referidas seções, inclui-se discussão comparada sobre o
comportamento dos SDs nus e com determinantes no PB e no CCV. O desempenho das
falantes individuais é mostrado no final da apresentação dos grupos de fatores
83
compartilhados pelos três sub-corpora. Por fim, faz-se uma reflexão em busca de uma
causa para o comportamento dos SDs nus no PABH.
3.2A DISTRIBUIÇÃO GERAL NAS TRÊS SUB-CORPORA DE SDs OBJETOS
A divisão do corpus de SDs em três – referenciais definidos, referenciais
indefinidos e genéricos – revelou que os quatro determinantes (Det Ø, artigo definido,
demonstrativo, e artigo indefinido), ocorrem em todos os grupos de fatores
contemplados nos sub-corpora de referência indefinida e genérica, enquanto três
determinantes (Det Ø, artigo definido e demonstrativo) , ocorrem em todos os grupos de
fatores contemplados no corpus de referência definida, como se vê na Tabela 2:
Tabela 2–Determinantes em SD objetos – distribuição geral por tipo referencial
Demonstrativo Artigo
Definido
Artigo
Indefinido
Det TOTAL
DEFINIDA No. 38 70 - 95 203
% 19% 34% - 47%
INDEFINIDA No. 12 12 25 38 87
% 14% 14% 29% 44%
GENÉRICA No. 52 50 82 474 658
% 8% 8% 12% 72%
Nota-se que há uma predominância de uso do DET para a leitura definida,
mas, o artigo definido e o demonstrativo também representam porcentagens
consideráveis de uso.27
Os dados abaixo mostram, respectivamente, essas
possibilidades:
27
O artigo indefinido também apareceu como opção, embora com apenas 14 dados fracamente distribuidos pelos grupos de fatores:
i) Biloca morava lá, ó, nessa porteira grande que o sinhô passô uma porteira de arame, lá que Biloca
morava, lá que é xacra de finado Aleixo (HV-19)
Esses dados não foram incluídos na análise de pesos relativos e não serão contemplados na discussão.
84
1) Vei' a notiça, meu sinhô, se vei' notiça... que vei' gente... no tratamento,
morreu (Informante B)
2) Alcançô. Muito! Esses aí memo alcanço o trem de ferro (Informante C)
3) poque eu num tira esse negoço da cabeça não (Informante B)
Cabe uma observação em relação aos SDs de leitura definida. Como se
comentou no capítulo 1, na seção 1.3.1, nos dados do PABH contemplados aqui, todos
os dados [+Definidos] são [+Específicos], e os determinantes: demonstrativos,
definidos, indefinidos e o zero podem levar uma leitura referencial definida.
Para a quantificação dos determinantes em SDs de leitura definida, foi efetuada
uma análise trinária, por meio do programa TVARB – contemplando as três variantes:
demonstrativo, artigo definido e Det Ø.
No caso dos SDs com leitura indefinida, o levantamento nos cinco inquéritos
revelou uma incidência de dados muito menor do que nos casos de leitura definida e
genérica, com 87 dados. São relativamente poucos e o perfil percentual aponta para
mais uso do Det Ø e artigo indefinido no corpus em análise.
Os exemplos abaixo mostram as possibilidades de uso dos dados com leitura
indefinida:
4) Tenho fiado, minha irmã, eu tenho é fiado (Informante C) – (afilhados)28
5) tem uma... uma casa de vizinha lá, amiga da gente (Informante A)
6) Depoir vortô, não mair vêi a dô (Informante B)
7) Quano vem... vê esse pessoá pega na rede aí, nós compra. (Informante A)
Para a quantificação dos determinantes em SDs de leitura indefinida, foi
efetuada uma análise quaternária, por meio do programa MVARB – contemplando as
quatro variantes: demonstrativo, artigo definido, artigo indefinido e Det Ø.
Os SDs com leitura genérica, por sua vez, foram os mais numerosos, com um
total de 658 dados. Todas as quatro variantes razoavelmente representadas,
prevalecendo o determinante zero, seguido pelo artigo indefinido. Os exemplos abaixo
demonstram tais possibilidades:
28A observação é minha
85
8) porque se o senhô num criá galinha (Informante A)
9) Às vez, fazia uma pomessa (Informante A)
10) Corta o capim (Informante A)
11) merecia esses coisa de banho-de-fôia (Informante A)
Neste caso, também foi efetuada uma análise quaternária de pesos relativos,
através do programa MVARB.
Nas próximas seções, os resultados das análises quantitativas serão comentados.
Como foi dito anteriormente, a discussão começa por dois grupos de fatores que dizem
respeito somente à leitura definida: a familiaridade da referência e o tipo de nome.
Em seguida, na seção 3.4, serão comentados em conjunto os resultados em relação aos
grupos de fatores comuns aos sub-corpora.
Optou-se por apresentar os resultados dessa maneira para obter uma melhor
visualização da comparação dos grupos de fatores compartilhados.
3.3 SDs OBJETOS COM LEITURA DEFINIDA: GRUPOS DE FATORES QUE SÓ
DIZEM RESPEITO AOS SDs DEFINIDOS
3.3.1 O efeito da familiaridade do referente do SD com leitura definida
Como apontado na seção 1.3.1 do capítulo 1, a familiaridade do objeto, isto é, o
reconhecimento do objeto como algo identificável por parte do ouvinte, pode
condicionar a escolha do determinante de leitura definida. A familiaridade é uma
propriedade exclusiva do objeto definido e pode ser de vários tipos: referência cruzada,
anáfora, catáfora, situacional e conhecimento geral. Com o propósito de avaliar se a
forma de identificação do objeto no discurso incide sobre a distribuição dos
determinantes no corpus, foram quantificadas e analisadas as combinações dos tipos de
determinante e o tipo de familiaridade no PABH.
86
A Tabela 3 apresenta os dados processados pelo programa TVARB, para as três
variantes: demonstrativo, artigo definido e Det , mostrando os números crus, as
frequências e os pesos relativos atribuídos a cada fator. Como a análise é trinomial, cabe
relembrar que o limiar, ou ponto neutro, é 0.33. Valores acima desse ponto indicam
favorecimento do uso do determinante com a variante em questão, enquanto que valores
abaixo desse ponto desfavorecem o uso do determinante em questão.
Tabela 3 –Uso do determinante em SDs com leitura definida, conforme o tipo de
familiaridade*
Tipo de familiaridade
Demonstrativo Artigo
Definido
Det TOTAL
cada fator
Referência Cruzada No. dados 2 29 39 70
% 3% 41% 56%
P.R. 0.055 0.409 0.536
Anáfora No. dados 13 18 18 49
% 27% 37% 37%
P.R. 0.454 0.312 0.235
Catáfora No. dados 5 6 7 18
% 28% 33% 39%
P.R. 0.499 0.214 0.286
Situacional No. dados 17 15 25 57
% 30% 26% 44%
P.R. 0.557 0.252 0.191
*análise TVARB; ponto neutro = P.R. 0.33
O DET Ø e o artigo definido são os mais frequentes representantes da
familiaridade por referência cruzada. Nesse caso, pela análise dos pesos relativos, o
DET Ø é bastante favorecido (com P.R. 0.536), seguido pelo artigo definido, com
favorecimento leve (com P.R. 0.409), enquanto que o demonstrativo é fortemente
desfavorecido (com P.R. 0.055). Os dados abaixo ilustram as possibilidades de uso
respectivamente:
12) eu foi, botô mão nas n'água (Informante C)
13) Ele foi... soltô o pé (Informante B)
87
14) com quem morava lá... lugá que nós morava... vendeu... o tereno sem nós
sabê... É, foi ‘brigado... saí. A minha fia pegô esse dinhêro... comprô essa
casa de seu Maurício (Informante A)
No PB em geral, a familiaridade por referência cruzada é representada pelo
artigo definido e, diferentemente do PABH, dados como os do exemplo 12 não soam
naturais. Se o uso do determinante zero é permitido nesses contextos no PABH, isso
indica que a previsão da existência de um elemento pela citação de outro (o que o torna,
automaticamente, familiar para o ouvinte) parece tornar o uso do artigo definido
dispensável. Essa indicação reforça a hipótese de que o contexto pode fazer com que um
SD objeto se torne referencial e, por isso dispense o uso do artigo definido no PABH,
exatamente como sugere Baptista (2007, p.70) para os dados do CCV. Esse fato,
consequentemente, sublinha a ideia de que o uso do determinante nu objeto em PABH é
mais livre do que no PB.
A familiaridade por anáfora é representada igualmente pelo DET Ø e o artigo
definido, seguido pelo demonstrativo. Contudo, na Tabela 3, vê-se pelos pesos relativos
que apenas o demonstrativo é favorecido (com P.R. 0.454), enquanto que o artigo
definido é levemente desfavorecido (com P.R. 0.312) e o Det Ø é moderadamente
desfavorecido (com P.R. 0.235). As possibilidades de uso no corpus são demonstradas
pelos exemplos abaixo:
15) Mar diz que matô essa onça... desisfolô... botô no cavalo (Informante B)
(estavam falando sobra essa onça anteriormente no diálogo)
16) A festa aí é bonito... Quando o padre vem, que faz a festa (Informante A)
17) Aí ele ficô ‘suntano, se danada onça tá... levantô mardita, só roncano
(Informante B)
No PB, o fator familiaridade por anáfora é primordialmente representada pelo
artigo definido, seguido pelo demonstrativo. O artigo indefinido é raro, mas pode
ocorrer nessa função em sentenças como as do exemplo (18) do PABH:
18) Biloca morava lá, ó, nessa porteira grande que o sinhô passô uma porteira de
arame, lá que Biloca morava, lá que é xacra de finado Aleixo (Informante C)
88
No entanto, no PB29
, exemplos como o (17) não ocorrem. De acordo com o que
aponta Baptista (2007, p. 75), a proposta de Lucchesi (1993, p. 81) para o CCV é de
que, uma vez introduzido pelo artigo indefinido, um elemento pode, anaforicamente,
aparecer nu com leitura referencial. No entanto, como visto na seção 1.4.3 do capítulo 1,
Baptista (2007, p.76) observa que o SD nu no CCV pode aparecer pela primeira vez no
discurso e ter uma interpretação referencial. No PABH, como no CCV, a leitura
referencial também pode ser atribuída a um objeto nu que apareça pela primeira vez no
contexto, como demonstrado no exemplo (19):
19) Maria Catarina sabe data. (Informante B)
Nos exemplos encontrados no corpus analisado, a leitura referencial atribuída
aos SDs nus singulares parece estar governada pela familiaridade.
A catáfora, queaparece apenas 18 vezes, é representada por todos os tipos de
determinante, porém com poucos dados em cada caso. A análise dos pesos relativos na
Tabela 3 revela que o demonstrativo é favorecido nesse contexto (com P.R. 0.499),
enquanto que o DET registra um valor quase neutro (com P.R. 0.286), e o definido
émoderadamentedesfavorecido (com P.R. 0.214). Os exemplos abaixo ilustram,
respectivamente, essas possibilidades:
20) comprô essa casa de seu Maurício... (Informante A)
21) Cando saiu o casamento de... de Maria, fia de... de Filiciana, saiu o
casamento esses dia (Informante B)
22) Meu irmão, que era um... que teve aí... que teve papé da terra de finado.
(Informante A)
No PB em geral, o uso do determinante zero para expressar a familiaridade por
catáfora não se assemelhaao uso observado no PABH, como pode ser visto na
agramaticalidade da sentença abaixo:
29No PB, é possível encontrar sentenças em que o objeto anafórico (que, previsivelmente, deveria ter uma leitura
definida) aparece nu. Exemplo: A: - Não acredito que até hoje minha mala, que foi extraviada e que eles disseram
que entregariam aqui, não chegou. B: - Vixe. Esqueci de avisar. Entregaram mala aí hoje de manhã. No entanto, a
previsão da leitura definida não se aplica, pois objetos desse tipo recebem a leitura sugerida por Saraiva (1997) [-
Foco nos membros integrantes da classe] e a junção verbo+objeto representa, na verdade, o evento da chegada de
uma mala e não a chegada de uma mala específica, mesmo que ela tenha sido citada anteriormente no contexto.
89
23) *Conheci menina ontem. Ela chama Maria.
Os demais tipos de determinante são aceitáveis no PB, e, podem expressar
familiaridade por catáfora como no dialeto de Helvécia.
O tipo de familiaridade conhecido como situacional é representado por 57
dados. A análise por pesos relativos revela que apenas o demonstrativo é favorecido
(com P.R. 0.557). O artigo definido é levemente desfavorecido (com P.R. 0.252) e o Det
Ø é medianamente desfavorecido (com P.R. 0.191). Seguem, respectivamente,
exemplos dessas realizações:
24) quando era menino assim, ó, ela caiu, quebrô esse aqui (Informante A)
25) Aí, ói, esse home tá botano a compreça (Informante B)
26) Sabiá, quando cê ficô pateta assim? (riso) Não tá conhecendo vovó?
(Informante C)
Assim como no PABH, todos os tipos de determinantes podem ocorrer no PB
em geral para expressar a familiaridade do tipo situacional. É importante destacar que,
no exemplo (26), “vovó” só pode ser a avó da pessoa com quem se fala e é a própria
pessoa que fala, o que torna o SN único num determinado contexto situacional e,
portanto, referencial. Esse tipo de uso também é permitido no PB em geral. No entanto,
é necessário salientar que essa possibilidade pode ser facilitada pela existência de um
determinante possessivo elíptico, isto é, que não está patente, mas que seria
interpretável, já que se trata de uma posse inalienável.
3.3.2 O efeito do tipo de substantivo em SDs com leitura definida
O grupo de fatores tipo de substantivo demonstrou (Tabela 4) que, dentro do
fator nome comum com leitura definida, a presença numérica em paralelo do DET
(67dados) e o artigo definido (67 dados), que é seguido do demonstrativo (36). Essa
distribuição é bastante diferente do PB em geral, pois o uso do determinante zero em
90
posição de objeto com leitura definida não é possível nessa variedade da língua. A
avaliação das frequências referentes a este fator, no entanto, não traz novidades para a
análise, pois isso já havia sido constatado através da distribuição do grupo de fator tipo
de familiaridade e nos exemplos dados (a grande maioria deles com nomes comuns).
Tabela 4 – Uso do determinante em SDs de leitura definida – efeito do tipo de
substantivo no SN*
Tipo de substantivo
Demonstrativo Artigo
Definido
Det TOTAL
cada fator
Comum No.
dados 36 67 67 170
% 21% 39% 39%
P.R. 0.499 0.338 0.163
Próprio No.
dados 2 3 27 32
% 6% 9% 84%
P.R. 0.181 0.267 0.552
*análise TVARB; ponto neutro = P.R. 0.33
Por outro lado, análise por pesos relativos revela que, com o nome comum, o uso
do demonstrativo é bastante favorecido (com P.R. 0.499), seguido do artigo definido
(com P.R. 0.338). Já o DET zero é bastante desfavorecido (com P.R. 0.163).
Os nomes próprios, no PABH, aparecem predominantemente precedidos pelo
determinante zero, como também acontece no PB em geral. Neste caso, a análise por
pesos relativos confirma que o Det é bastante favorecido (P.R. 0.552), enquanto que
o artigo definido e o demonstrativo registram, progressivamente, pesos desfavoráveis
(P.R. 0.267e P.R. 0.181, respectivamente).
Nas próximas seções, serão apresentados os resultados das análises dos grupos
de fatores que foram contemplados junto aos cinco sub-corpora.
91
3.4 GRUPOS DE FATORES CONTEMPLADOS JUNTO AOS TRÊS SUB-
CORPORA
Junto aos três sub-corpora deSDs objetos – com leitura definida, leitura
indefinida e leitura genérica – foram avaliados seis grupos de fatores: (i) o caráter
contável do nome, (ii) animacidade do nome, (iii) a noção de posse, (iv) a noção de
número no SD, (v) presença de outro material que marque referencialidade e (vi)
desempenho individual das falantes. Esta seção apresenta e comenta os resultados das
análises.
3.4.1 O caráter contável do nome
O grupo caráter contável inclui os fatores nome [+Contável] e nome [-
Contável] e foi contemplado parareavaliar a proposta de Chierchia (1998), pois, como
visto na seção 1.3.3 do capítulo 1, de acordo com esse autor, o PB não admite nomes
singulares contáveis nus na posição de objeto. O estudo de Schmitt & Munn (1999),
veja-se capítulo 1, seção 1.4.1, mostra que, diferentemente do que propôs Chierchia
(1998), os nomes singulares contáveis nus, em função de objeto, podem ocorrer no PB
com leituras existenciais e genéricas. Tendo em vista que o PABH apresenta dados
desse tipo de realização com leitura definida, a inclusão desse fator mostrou-se ainda
mais relevante para o presente estudo. Portanto, serão examinados primeiro e em
seguida os resultados da análise dos SDs objetos comleitura definida, conforme o
caráter contável do nome. Posteriormente, serão consideradosos SDs objetos com
leitura indefinida e leitura genérica, também junto ao grupo de fatores caráter contável
do nome.
92
3.4.1.1 Caráter contável do nome com leitura definida
A quantificação revelou que todos os tipos de determinante ocorrem com objetos
com leitura definida específica cujo núcleo nominal tem o traço [+Contável]. A tabela 5
apresenta os resultados da análise dos dados referenciais definidos.
Tabela 5 – Uso do determinante em SDs com leitura definida; efeito do traço
[±Contável] no SN*
Presença do traço
[±Contável] no SN
DEM Art.def Det TOTAL
cada fator
[+Contável] No.
29 60 60 149
% 19% 40% 40%
P.R. 0.238 0.354 0.408
[-Contável] No.
7 7 4 18
% 39% 39% 22%
P.R. 0.444 0.298 0.259
*análise TVARB; ponto neutro = P.R. 0.33
A análise por pesos relativos revela que o Det Ø é medianamente favorecido
com os nomes contáveis (com P.R. 0.408), sendo que o artigo definido é levemente
favorecido (com P.R. 0.354), enquanto que o demonstrativo é moderadamente
desfavorecido (com P.R. 0.238). As possibilidades referidas estão exemplificadas a
seguir:
27) Eu tamém num sabo fundamento de doença dele que é!( Informante C)
28) Pisô fora... dexô a menina pequena... nem sentano, já ta com sete ano
(Informante B)
29) Comprô essa casa de seu Maurício (Informante A)
Aqui, no exemplo (27), observa-se que o objeto singular nu definido aparece
acompanhado de um sintagma preposicional, que atribui referencialidade ao mesmo,
93
sugerindo que a possibilidade do SN nu singular ser definido no PABH se dá quando da
presença de outro constituinte que atribua referencialidade.
O PB em geral, admite todos os tipos de determinante com nomes contáveis,
com exceção do uso do determinante zero, que não parece natural aos falantes dessa
variedade.
No PABH, os objetos com leitura definida específica com nomes [-Contável],
por sua vez, não foram muito frequentes, à semelhança do que se observa no PB em
geral, onde os nomes [-Contável], geralmente, possuem uma leitura genérica. Apenas18
dados foram encontrados, e a análise dos pesos relativos sugere que o demonstrativo
(com P.R. 0.444) é favorecido com nomes [-Contáveis], sendo que o artigo definido e o
Det Ø são ligeramente desfavorecidos (com P.R. 0.298 e P.R. 0.259 respectivamente).
Os três determinantes do PABH, que podem ser encontrados no PB em geral, são
mostrados nos exemplos 30 a 32 abaixo.
30) governo, num dé esse dinheiro, nós num comi (Informante A)
31) topô onça morto... Chegô lá, tirô... fez... só tirô o côro(Informante B)
32) Prá abençoar dinheiro dele. (Informante F)
3.4.1.2 Caráter contável do nome com leitura indefinida
No caso dos SDs objetos com leitura indefinida, o grupo de fatores presença do
traço [±Contável] no nome apresentou ocorrências com todos os tipos de determinante
em ambos os fatores, como se vê na Tabela 6.
94
Tabela 6 –Uso do determinante em SDs com leitura indefinida; efeito do traço
[±Contável] no SN*
Presença do traço
[±Contável] no
SN
DEM Art.def Art.indef TOTAL
cada fator
[+Contável] No.
3 9 18 28 58
% 5% 16% 31% 48%
0.095 0.322 0.296 0.287
[-Contável] No.
9 3 7 9 28
% 32% 11% 25% 32%
0.513 0.152 0.165 0.170
*análise MVARB; ponto neutro = P.R. 0.25
No fator nomes [+Contáveis], a maioria dos dados veio precedida pelo Det
(28), seguido pelo artigo indefinido (18), artigo definido (9) e o demonstrativo (3). A
análise por pesos relativos revela que o artigo definido, o artigo indefinido e o Det Ø
são favorecidos em ordem de força decrescente, com os pesos relativos 0.322, 0.296 e
0.287, respectivamente. Por outro lado, o demonstrativo é fortemente desfavorecido
(com P.R. 0.095). As possibilidades referidas estão exemplificadas a seguir:
33) Já tem neta moça30
! Tem trêi. (Informante C)
34) Ela me trôxe uma boneca (Informante C)
35) vêi embora! Nunca mais… ININT lá pa abri a porta! (Informante C)
36) sungava aquele vestidinho (Informante A)
Os pesos relativos dos determinantes no fator [+Contável] apontam para uma
diferença notável entre o PB e o PABH, pois enquanto no PB em geral a predominância
de uso com leitura referencial indefinida é feita por artigos indefinidos e definidos, no
PABH, o uso favorecido, nessa amostragem, foi, indiscutivelmente o do determinante
zero.
O fator [-Contável] apresentou apenas 28dados com leitura referencial
indefinida. A análise por pesos relativos indica que o demonstrativo é bastante
favorecido (com P.R. 0.513), enquanto que Det Ø, o artigo indefinido, o artigo definido
30
É importante verificar aqui que o objeto do exemplo 33 vem acompanhado de um adjetivo pós-nominal.
95
são desfavorecidos em ordem de força decrescente, com os pesos relativos 0.170, 0.165
e 0.152, respectivamente. As possibilidades referidas estão exemplificadas a seguir:
37) Quano vem... ININT vê esse pessoá pega na rede aí (Informante A)
38) se sabê c'ô levei dinhêro de ôto pra comprá! (Informante C)
39) tá pegado e prantano um roçado (Informante C)
40) Depoir vortô, não mair vêi a dô... Passô remédio, bem qu'eu num saí de lá
da mania! (Informante B)
No PB em geral, também há ocorrências de nomes com o traço [-Contável] em
posição de objeto com leitura referencial indefinida com todos os tipos de determinante,
como demonstrado nos exemplos abaixo:
41) Eu gastei dinheiro fazendo o enxoval.
42) Não sei onde coloquei o algodão, mas preciso achar.
43) Fui no banco e tirei um dinheiro para mim.
44) Ele diz que me dá esse dinheiro todo mês, mas não vejo um real.
É importante salientar, no entanto, que os nomes [-Contáveis] no PB são
predominantemente genéricos, assim como no PABH.
3.4.1.3 Caráter contável do nome com leitura genérica
Com os SDs de leitura genérica, dentro do grupo de fatores presença do traço
[±Contável] no SN, a quantificação mostrou que tanto o fator [+Contável] como o fator
[-Contável] apresentaram dados com leitura genérica precedidos de todos os tipos de
determinante, como se vê na Tabela 7.
96
Tabela 7 – Uso do determinante em SDs com leitura genérica; efeito do traço
[±Contável] no SN*
Presença do traço
[±Contável]
DEM Art.def Art.indef TOTAL
cada fator
[+Contável
]
No. 42 33 70 275 420
% 10% 8% 17% 65%
P.R. 0.180 0.192 0.466 0.162
[-Contável] No. 10 17 12 196 235
% 4% 7% 5% 83%
P.R. 0.291 0.273 0.113 0.324
*análise MVARB; ponto neutro = P.R. 0.25
No que diz respeito ao fator [+Contável], a análise por pesos relativos revela que
o artigo indefinido é fortemente favorecido (P.R. 0.466), enquanto que o artigo definido
é levemente desfavorecido (P.R. 0.192), bem como o demonstrativo (P.R. 0.180) e o
Det (P.R. 0.162). As possibilidades de uso estão exemplificadas abaixo:
45) Dá uma xícara de café com leite (Informante C)
46) Encheu o balde d’água (Informante B)
47) Pega esses pêxe da água sargada (Informante A)
48) Quem tem porco, mata, quem não tem (Informante A)
Quanto ao fator [-Contável], verifica-se que são favorecidoso Det (P.R.
0.324), o demonstrativo (P.R. 0.291) e o artigo definido (P.R. 0.273). Já o artigo
indefinido é moderadamente desfavorecido (P.R. 0.113).
Os exemplos que se seguem ilustram essas possibilidades:
49) Eu parô de tomá café (Informante B)
50) Ele... ele comprá óvo. Cuzinha esse aroi, bebe esse café. Uma coisa ININT.
Mas de jeito no dá... (Informante F)
51) soltava o côro mesmo (Informante A)
52) faz um fubá gostoso! (Informante A)
97
No PB, as preferências de uso para a leitura genérica quando o nome é
[+Contável] ou [-Contável] são o determinante zero e o artigo indefinido.
3.4.2 Semântica do nome: Animacidade
O grupo de fatores animacidade foi incluído no presente estudo, pois, como
visto no capítulo 1 seção 1.3.1, Lyons (1999, p. 213) havia chamado a atenção para uma
relação entre definitude e animacidade. Tendo em vista que os SNs definidos podem
aparecer nus no PABH, é interessante verificar se a animacidade
possibilita/favorece/inibe esse uso. Baptista (2007, p.86) relaciona a ausência do artigo
definido à animacidade, definitude e flexão de plural no CCV. Baxter e Lopes (2009,
p. 321) observam que, através da afirmação de Lyons de que SNs [+Humanos]
definidos são mais salientes na percepção humana, é possível formular a hipótese de que
a animacidade poderia favorecer a ausência do artigo definido. Assim, esse grupo de
fatores mostrou-se pertinente dentro do presente estudo.
3.4.2.1 Animacidade do nome com leitura definida
A avaliação dos dados do PABH revelou que todos os tipos de determinante
ocorrem com objetos de leitura definida específica com o traço [+Animado]. A Tabela
8 apresenta os resultados da análise:
98
Tabela 8 – Uso do determinante em SDs com leitura definida; efeito do traço
[±Animacidade] no SN*
Animacidade
DEM Art.def
Det TOTAL
cada fator
[+ Animado] No. 9 11 39 59
% 15% 19% 66%
P.R. 0.300 0.253 0.446
[- Animado] No. 29 58 55 142
% 20% 41% 39%
P.R. 0.350 0.415 0.235
* análise TVARB; ponto neutro = P.R. 0.33
A análise por pesos relativos indica que, com nomes animados, o Det Ø (com
P.R. 0.446) é medianamente favorecido, sendo que o demonstrativo (com P.R. 0.300) é
levemente desfavorecido, e o artigo definido (com P.R. 0.253) é moderadamente
desfavorecido. Os exemplos abaixo mostram, respectivamente, as opções acima citadas:
53) Non! Pai num conhecê fio, fio num conhecê pai.( Informante C)
54) Mar diz que matô essa onça... desisfolô... botô no cavalo (Informante B)
55) Aí ele pegô de nôte a menina com...com... com... a Luiza, a minha fia
(Informante A)
É interessante observar que o uso majoritário do determinante zero no PABH
para se referir a SNs [+Definidos] e [+Animados] no corpus selecionado pode estar
relacionado ao fato de que muitos desses objetos são nomes próprios (como foi visto na
seção 3.2.2 do presente capítulo). O uso do determinanteø com nomes próprios objetos
é majoritário em PB.
A análise por pesos relativos do fator [–Animado] (Tabela 8) revela que ambos
o artigo definido (com P.R. 0.415) e o demonstrativo (com P.R. 0.350) são favorecidos
por nomes inanimados, enquanto que o Det Ø (com P.R. 0.235) é moderadamente
desfavorecido. Os exemplos abaixo demonstram as possibilidades de uso:
56) Cando saiu o casamento de... de Maria, fia de... de Filiciana (Informante B)
57) É, com oito mêi, ind'eu sentia esse pé! (Informante C)
99
58) Ih… meu pé tá… ficô com cãmbra, eu foi, botô mão nas n'água (Informante
C)
A inclusão do fator animacidade no presente estudo mostrou, de acordo com a
distribuição que foi vista na tabela 8, que o traço [+Animado] privilegia, entre as formas
alternativas de D, o uso de zero, enquanto que o traço [-Animado] parece privilegiar,
entre as formas alternativas de D, o uso do artigo definido. Os dados do PABH estão de
acordo com o que foi sugerido por Baptista para o CCV, pois a autora relaciona a
ausência do artigo definido à animacidade, como foi apontado na seção 3.4.2. Assim,
se o artigo definido é desfavorecido e o DET zero é favorecido com nomes
[+Animados] e, se o artigo definido é favorecido e o DET zero é desfavorecido com
nomes [-Animados], então, a animacidade do nome está relacionada à sua definitude no
PABH.
No PB em geral, o uso do determinante zero para a leitura [-Animada],
[+Definida] não é possível (diferentemente do que ocorre no PABH) e a predominância
de uso é do artigo definido (assim como nos dados encontrados no corpus selecionado).
3.4.2.2 Animacidade do nome com leitura indefinida
O PABH apresentou todos os tipos de determinante com leitura indefinida tanto
no fator[+Animado], quanto no [–Animado], como pode ser visto na Tabela 9, que
registra a distribuição.
100
Tabela 9 –Uso do determinante em SDs com leitura indefinida; efeito do traço
[±Animacidade] no SN*
Animacidade
DEM Art.def Art.indef Det TOTAL
cada fator
[+ Animado] No.
3 2 6 16 27
% 11% 7% 22% 59%
P.R
.
0.328 0.123 0.187 0.362
[- Animado] No.
9 10 19 21 59
% 15% 17% 32% 36%
P.R
.
0.158 0.422 0.277 0.143
* análise MVARB; ponto neutro = P.R. 0.25
No fator [+Animado], em termos númericos, o Det Ø prevalece, com 16 dados,
seguido do artigo indefinido (6 dados), do demonstrativo (3 dados), e do artigo definido
(2 dados). A análise por pesos relativos indica favorecimento moderado do Det Ø (com
P.R. 0.362) e do demonstrativo (com P.R. 0.328), enquanto que são desfavorecidos, e o
artigo indefinido (com P.R. 0.187) e o artigo definido (com P.R. 0.123). As
possibilidades de uso são mostradas nos exemplos abaixo:
59) esses canto tudo aí, eu tenho parente (Informante A)
60) Ma foi in avoroço pá... pá... pa me terá esse homem. Diz que a venda de
sentido noi deitô, ficô, tá esperano de sinhá vinha desceno. (Informante F)
61) Tem um doente, que fazia pomessa, que meorava... Quando chegava nesse...
[com a] data, pagava (Informante A)
62) Documentador: A senhora pegô muito bebê? Muito filho? Informante: Já
filho... N’é fio, eu tá falano caçô esse todo mundo aí! Documentador: A
senhora que aparô?Informante: Parô...Parô o fio! T'aí… ôto já me chamô!
(Informante C)
No PB em geral, as mesmas possibilidades podem ser atestadas.
No fator [–Animado], o determinante zero também é prevalente em termos
numéricos, seguido pelos artigosindefinido, definido, e o demonstrativo. A análise por
101
pesos relativos indica favorecimento moderado do artigo definido (com P.R. 0.422), e
favorecimento leve do artigo indefinido (com P.R. 0.277). Por outro lado, o
demonstrativo (com P.R. 0.158) e o DET (com P.R. 0.143) são moderadamente
desfavorecidos. As possibilidades referidas estão exemplificadas a seguir:
63) Ali chegô, dotô tirô o pano, que esse já tinha prensado tudo assim, soltô,
quando olhô...( Informante A)
64) E lagoa do escondido tem um paredão mais alto de que essa mesa aí, ó!(
Informante A)
65) Esse santo vinha, dormia na casa da gente... gente pegava esse dinhêro, de
manhã cedo, dava o santo...Santo ia... pessoá de santo ia embora.(
Informante A)
66) Eu tomei informações… foi no mês que meu fio morreu. Minha nora se
‘badonô… com ôto lá! Eu também num sobe como. (Informante C )
Os mesmos usos são encontrados no PB em geral.
Comparando as duas distribuições, mas tendo em conta as limitações numéricas
dos dados, o Det Ø está mais associado com o traço [+Animado], enquanto que, com os
dados [-Animado], nota-se o papel dos artigos definidos e indefinidos.
3.4.2.3 Animacidade do nome com leitura genérica
O grupo de fatores animacidade apresentou dados com todos os tipos de
determinante em seus dois fatores: [+Animado] e [– Animado], como também ocorre no
PB em geral. A tabela 10 apresenta os resultados da análise:
102
Tabela 10 –Uso do determinante em SDs com leitura genérica; efeito do traço
[±Animacidade] no SN*
Animacidade
DEM Art.def Art.indef TOTAL
cada fator
[+Animado] No. 19 11 15 66 111
% 17% 10% 14% 59%
P.R
.
0.313 0.253 0.235 0.199
[-Animado] No. 33 38 67 406 544
% 6% 7% 12% 75%
P.R
.
0.194 0.241 0.259 0.306
* análise MVARB; ponto neutro = P.R. 0.25
Dentro do fator [+Animado], o demonstrativo e o artigo definido são favorecidos
(com P.R. 0.313 e 0.253, respectivamente). Por outro lado, o artigo indefinido é
levemente desfavorecido (com P.R. 0.235) e o DET (P.R. 0.199) é moderadamente
desfavorecido. Essas quatro variantes são mostradas nos dados que se seguem:
67) qu'eu vejo essas mulé que tá chêa de fio (Informante A)
68) Num agradece as partêra (Informante B)
69) eu vô pegá uma caranguejo (Informante C)
70) Num tem marido não (Informante A)
No caso do fator [-Animado], o Det Ø é moderadamente favorecido (P.R.
0.306), seguido do artigo indefinido (P.R. 0.259), com um valor quase neutro.Em
contrapartida, o artigo definido e o demonstrativo são desfavoráveis: desfavorecimento
leve no artigo definido (com P.R. 0.241), e desfavorecimento moderado no caso do
demonstrativo(com P.R. 0.194). Os dados abaixo ilustram essas quatro variantes,
respectivamente, com nome não animado:
71) quando eu andeu tomano remédio(Informante B)
72) E bota uma fruta (Informante B)
73) ‘ocê vê que ‘ocê puxa aenxada, isso tudo sacode, né? (Informante A)
74) vai botá esses negoço de farinha (Informante B)
103
3.4.3 Tipo de Posse
3.4.3.1 Tipo de Posse com leitura definida
O resultado da quantificação dos dados do grupo de fatores tipo de posse está
apresentado na tabela 11:
Tabela 11 –Uso do determinante em SDs com leitura definida; efeito do tipo de posse
no SN*
Tipo de posse
DEM Art.def Det TOTAL
cada fator
Inalienável No 6 26 27 59
% 10% 44% 46%
0.313 0.457 0.230
Alienável No. 8 10 14 32
% 25% 31% 44%
0.225 0.328 0.447
* análise TVARB; ponto neutro = P.R. 0.33
Dentro do fator posse inalienável, a análise por pesos relativos revela que, em
contato com um objeto que se caracteriza como posse inalienável, o artigo definido é
moderadamente favorecido (P.R. 0.457), enquanto que o demonstrativo e o Det Ø são
levemente desfavorecidos (P.R. 0.313 e 0.230 respectivamente).
Os dados abaixo ilustram essas possibilidades:
75) Trato os braço (Informante B)
76) Quando olhô assim, que essa cobra suspendê cabeça (Informante B)
77) É, com oito mêi, ind'eu sentia esse pé! (Informante C)
No PB em geral, todos os usos acima citados são realizáveis, com exceção do
determinante zero.
104
Dentro do fator posse alienável, a análise por pesos relativos revelou que o Det
é medianamente favorecido (P.R. 0.447), enquanto que o demonstrativo registra um
valor de desfavorecimento muito leve (P.R. 0.328), e o artigo definido é
moderadamentedesfavorecido (P.R. 0.225). Os dados abaixo exemplificam essas
possibilidades:
78) Telefonava pra Aliça, mandô retrato dos menino (Informante A)
79) É, foi ‘brigado... saí. A minha fia pegô esse dinheiro...( Informante A)
80) Votô de novamente. Foi fazê a casa.( Informante B)
O único uso não realizável no PB em geral é aquele que vem precedido pelo
determinante zero.
3.4.3.2 Tipo de posse com leitura indefinida
Com os dados de SDs indefinidos, nogrupo de fatores tipo de posse ambos os
fatores apresentaram mais dados precedidos pelo determinante zero, mas houve
relativamente poucos dados dos outros determinantes. A distribuição está apresentada
na Tabela 12.
Tabela 12 – Uso do determinante em SDs com leitura indefinida; efeito do tipo de posse
no SN
Tipo de posse
DEM Art.def Art.indef TOTAL
cada fator
Inalienável No. 2 2 4 14 22
% 9% 9% 18% 64%
P.R. 0.214 0.283 0.329 0.174
Alienável No. 4 3 5 14 26
% 15% 12% 19% 54%
0.275 0.208 0.179 0.338
* análise MVARB; ponto neutro = P.R. 0.25
105
A distribuição dos determinantes no fator posse inalienávelsugereque o uso do
determinante é dispensável no PABH quando a leitura é [+Específica] [-Definida], ou
seja, o fator inalienável pode estar diretamente relacionado com especificidade no
PABH. Contudo, e tendo em conta as limitações numéricas dos dados, a análise por
pesos relativos revelou que o artigo indefinido e o artigo definido são medianamente
favorecidos, com P.R. 0.329 e 0.283, respectivamente. O demonstrativo é levemente
desfavorecido (com P.R. 0214), enquanto que o Det é medianamente desfavorecido
(P.R. 0.174).
Os exemplos abaixo ilustram as possibilidades de uso junto ao fator posse
inalienável:
81) Mãe Lica de Celestino, tem quatro, cinco, já tem um homi mai alto, ININT
mai alto do que o sinhô e tem uma moça, tem outro chegano, é. (Informante
C)
82) Parô o fio! T'aí… ôto já me chamô! (Informante C) (Assim que ela acabou
de aparar o filho de uma pessoa, a outra já a havia solicitado para fazer outro
parto)31
83) É aprovado que ela non tem essa idade.(Informante F)
84) Ela tem neto… já tem neto .(Informante C)
O fator posse alienável também apresentou relativamente poucosdadospara cada
tipo de determinante, sendo, novamente, o Det que apresentou a maioria dos dados.
Desta vez, a análise por pesos relativos revelou que o Det é medianamente favorecido
(com P.R. 0.338), junto com o demonstrativo com um leve favorecimento (P.R. 0.275).
Em contrapartida, o artigo definido e o artigo indefinido foram medianamente
desfavorecidos, com P.R. 0.208 e P.R. 0.179, respectivamente.
Os exemplos abaixo mostram aspossibilidades de distribuição:
85) Mas o que pra mim vai levá dinhêro dos’oto (Informante C)
86) Ela foi recebê esse negócio que nói recebe aí! (Informante F)
87) chegô, dotô tirô o pano, que esse já tinha prensado (Informante A)
88) Ela me trôxeuma boneca (Informante C)
31A observação é minha
106
Todos os usos apresentados tanto dentro do fator posse inalienável quanto do
fator posse alienável são possíveis no PB em geral.
3.3.3.3 Tipo de posse com leitura genérica
A quantificação dos dados para o grupo de fatores tipo de posse revelou um
KNOCKOUT no caso da posse inalienável, pois o demonstrativo não foi representado.
No entanto, a distribuição sugere que os objetos com leitura genérica são,
primordialmente, precedidos pelo determinante zero na fala dessas cinco informantes
idosas, como mostra a tabela 13.
Tabela 13 – Uso do determinante em SDs com leitura genérica; efeito do tipo de posse
no SN
Tipo de posse
DEM Art.def Art.indef TOTAL
cada fator
Alienável No. 11 13 16 84 124
% 9% 10% 13% 68%
Inalienável No. 0 3 1 32 36
% 0% 8% 3% 89%
Dentro do fator posse alienável, todos os quatro determinantes estão
representados, com notável prevalência do Det Ø. Os tipos de uso citados podem ser
vistos nos dados que se seguem:
89) tempos d'agora, não criano galinha, a gente tá à toa (Informante A)
90) Eu tava aí ‘fregano a... uns pano de panela aí (Informante A)
91) Chegava só tirava o...camisa fora (Informante C)
92) Onde mais que vai lavar essa roupa? (Informante F)
107
No PB em geral, o uso do Det Ø e do artigo indefinido também são prevalentes
para posses alienáveis com leitura genérica e os demais determinantes também são
possíveis
Nos dados analisados, o fator posse inalienável também apresenta uma
prevalência de dados com Det Ø (32), enquanto que o artigo definido apresenta 3 dados
e indefinido apenas 1. Os exemplos abaixo ilustram, respectivamente, esses casos:
93) Helena disse que ela num vai apará fio de ninguém mais (Informante B)
94) Chega lá moiado, pega esse frio, ININT troca de roupa. Pegô um bocado de
fio! (Informante C)
95) eles prendia a cabecinha de gente aí (Informante A)
No PB em geral, os mesmos usos obervados no PABH são permitidos para
posses inalienáveis.
3.4.4 Noção de número no SD
Baptista (2007:73-74) aponta que, no CCV, substantivos contáveis com
determinante zero são tratados como entidades individuais, enquanto que Chierchia
(1998) atribui uma denotação de massa (como “tipo” ou “classe”) ao substantivo
contável sem artigo. Baxter & Lopes (2009, p. 321), contrastando essas duas visões,
propõem a inclusão da variável “contabilidade do substantivo” no seu estudo para
verificar a influência da mesma sobre as variantes do artigo definido. No presente
estudo, seguindo Baxter & Lopes, inclui-se a variável noção de número no SD para
visualizar se a marcação do plural é refletida no uso dos diferentes determinantes ou
não.
108
3.4.4.1 Noção de número no SD com leitura definida
Inicialmente, previa-se um grupo de três fatores: SD singular, SD singular com
leitura de plural e SD plural. No entanto, a quantificação revelou que havia muito
poucos dados deste último fator: apenas 7, sendo 3 com demonstrativo e 4 com artigo
definido, e nenhum dado de Det Ø. Portanto, apenas dois fatores revelaram variação
com todas as variantes da variável dependente: SD singular, com a esmagadora maioria
dos dados, e SD singular com leitura de plural, com apenas 15 dados. Evidentemente,
esse último fator, tão limitado numericamente, difculta a leitura dos resultados a análise.
A tabela 14 apresenta a distribuição, e os pesos relativos:
Tabela 14 – Uso do determinante em SDs com leitura definida; efeito da noção de
número no SN*
Marcação de número
no SD
DEM Art.def Det TOTAL
cada fator
Singular No. 37 65 85 187
% 20% 35% 45%
P.R. 0.418 0.351 0.230
Singular com
leitura plural
No. 1 5 9 15
% 7% 33% 60%
0.250 0.297 0.453
* análise TVARB; ponto neutro = P.R. 0.33
Nos SDs singulares, predomina o uso do DET , seguido pelo artigo definido, e
o demonstrativo. Porém, a análise por pesos relativos indica que o demonstrativo é mais
favorecido (P.R. 0.418) do que o artigo definido (P.R. 0.351), enquanto que o Det Ø, é
medianamente desfavorecido (P.R. 0.230). Os dados abaixo ilustram os dois fatores
contemplados:
109
96) O menino vem drumi mais eu. É Antonio, vem da comadre preta, afiado, io
fico é de dia, mas de noite tem companhia. (Informante C)
97) Votô de novamente. Foi fazê a casa.( Informante B)
98) Quand’ela num leva essa menina não, ela vai embora cedo (Informante A)
O predomínio do uso do Det Ø e do artigo definido com leitura definida, com
números próximos, difere do PB em geral, em que o Det Ø na posição de objeto não
seleciona uma interpretação referencial, a não ser que seja um nome próprio.32
Baxter & Lopes (2009, p. 324) observaram que, em dados de 18 informantes da
comunidade de Helvécia, distribuídos em três faixas etárias, o SN singular desfavorece
ligeiramente o uso do artigo definido no PABH. Nesse caso, deve-se ter em conta que
Baxter & Lopes trabalharam com uma variável binária (determinante zero e artigo
definido), e não contemplaram dados do demonstrativo. No estudo atual, acredita-se que
a inclusão dos demonstrativos não dêiticos, junto com a desproporção na distribuição
dos dois fatores contemplados, e a paucidade de dados por variante no caso do singular
com leitura plural, tenham contribuido para o resultado registrado aqui.
No presente estudo, que trabalha apenas com mulheres da faixa etária mais
avançada, a análise distribucional aponta para o Det Ø ser apenas do domínio do SD
sem marcação de plural, enquanto que dentro desse fator o Det Ø concorre
principalmente com o artigo definido, e em menor grau com o demonstrativo.
A análise por pesos relativos do fator singular com leitura plural, com apenas 15
dados, sugere um favorecimento do Det Ø (P.R. 0.453), desfavorecimento leve do artigo
definido (P.R. 0.297) e desfavorecimento moderado do demonstrativo (P.R. 0.250).
Finalmente, como se comentou acima, houve dados do fator plural (com marcação
plural), mas apenas 7 dados e com KNOCKOUT. Os seguintes exemplos demonstram
esses dois fatores:
99) tratô os braço (Informante B) (plural)
100) O menino chegô, puxô o braço... tratô o braço... o braço tudo ficô
machucado, tratô os braço (Informante B) (singular com leitura de plural)
101) puque eu exprementê essas laranja (Informante B)(plural)
32Na tabela estão incluídos os nomes próprios que são, no total, 32
110
No PABH, de acordo com o estudo de Baxter & Lopes (2009, p. 323-324), o
fator plural favorece o uso do artigo definido. Isso acontece porque, na maioria das
vezes, a marcação de número ocorre apenas no determinante, o que ocorre de forma
semelhante no CCV. No corpus contemplado aqui, não houve nenhum dado de
referência definida com marcação de plural no nome, o que sugere que, em fases
anteriores desse dialeto, a marcação de plural não se efetuava no N. Isso reforça os
achados do estudo de Baxter (2009) sobre a concordância de número na comunidade de
Helvécia e na comunidade africana dos tongas.
No PB em geral, os usos do determinante vistos nos exemplos de 99 a 101
também são possíveis na variedade não padrão.
3.4.4.2 Noção de número no SD com leitura indefinida
Dentro do grupo de fatores noção de número no SD com leitura indefinida,
previa-se, inicialmente, o mesmo grupo de três fatores (SD singular, SD plural, e SD
singular com leitura de plural) previsto para a análise dos dados de referência definida.
Contudo, isso não foi viável, pois a quantificação dos dados revelou que havia
KNOCKOUTs em todos os fatores menos no do SD singular. Portanto, não foi possível
efetuar uma análise por pesos relativos. A Tabela 15 apresenta a distribuição observada.
111
Tabela 15 – Uso do determinante em SDs com leitura indefinida; distribuição de acordo
com a noção de número no SN
Marcação de número
DEM Art.Def Art.Indef Det TOTAL
Singular No
de
dados
12 10 26 28 76
16% 13% 34% 37%
´Plural´ No
de
dados
0 2 0 1 3
- 67% - 33% -
Singular com
leitura de plural
No
de
dados
0 0 0 10 10
- - - 100% -
Observa-se que, quando se contempla apenas a noção de presença/ausência de
marca de plural (ou seja, singular + singular com leitura de plural), a grande maioria
dos dados com Det ocorre em SD morfologicamente singular. Portanto, novamente, o
Det parece estar associado aos SDs morfologicamente singulares.
Na Tabela 15, nos dados para o fator singular, o nome foi antecedido
principalmente pelo determinante zero (28 dados) e pelo artigo indefinido (26 dados),
enquanto que o demonstrativo e o artigo definido também registram números
semelhantes entre si. Os exemplos abaixo mostram tais possibilidades:
102) inda lá tem mata grande (Informante C)
103) E lagoa do escondido tem um paredão mais alto de que essa mesa aí
(Informante A)
104) Quano vem... ININT vê esse pessoá pega na rede aí, nós compra.(
Informante A)
105) Nós rompemo a sambambaia ININT báxa assim não enxerga!
(Informante C)
112
No PB em geral, o artigo indefinido é prevalente na leitura referencial
indefinida, diferentemente do PABH, que apresentou para o fator singular, nos dados do
corpus contemplado, uma distribuição quase equivalente de dados precedidos pelo
determinante zero e pelo artigo indefinido, o que parece sublinhar que o fato de ser
singular privilegia o uso do determinante zero.
O fator singular com leitura de plural, por sua vez, apresentou apenas 10 dados,
todos antecedidos pelo determinante zero. O dado abaixo representa esse grupo:
106) Tenho fiado, minha irmã, eu tenho é fiado! (Informante C) (fiado =
afilhados – a observação é nossa)
Dentro do fator plural, foram encontrados apenas 3 dados. Desses dados, 2
ocorreram com o artigo definido e 1, com o determinante ø. É preciso ressaltar que a
baixa representatividade desse fator pode ser um ‘acidente’ da amostra. Os dados abaixo
ilustram, respectivamente, as possibilidades de uso:
107) Agora, ele vem chamá os menino pa cava (Informante C)
108) Eu tomei informações… foi no mês que meu fio morreu. (Informante C)
No PB, dados como os do exemplo 107 são encontrados na variedade não
padrão e dados como os do exemplo 108 são encontrados tanto na variedade padrão
quanto na não padrão.
3.4.4.3 Noção de número no SD com leitura genérica
Para os dados com leitura genérica dentro desse grupo, previu-se o mesmo grupo
de fatores daqueles previstos para a leitura definida e indefinida: SD singular, SD plural,
SD singular com leitura de plural. Esses três fatores foram incluídos na análise por
pesos relativos. A Tabela 16 apresenta os resultados dessa análise:
113
Tabela 16 – Uso do determinante em SDs com leitura genérica; efeito da noção de
número no SN*
Marcação de número
DEM Art.Def Art.Indef Det TOTAL
Singular No. 16 31 75 343 465
% 3% 7% 16% 74%
PR 0.039 0.109 0.503 0.349
Plural No. 17 8 3 1 29
% 59% 28% 10% 3%
PR 0.607 0.252 0.124 0.016
Singular com
leitura de plural
No 19 11 4 129 163
% 12% 7% 2% 79%
PR 0.154 0.134 0.059 0.653
* análise MVARB; ponto neutro = P.R. 0.25
Como se vê, a distribuição do SD singular e do SD singular com leitura de plural
manifesta uma forte predomínio do Det Ø. Porém, no caso do SD singular, a análise por
pesos relativos indica que o artigo indefinido (com P.R.503) é mais favorecido do que o
Det Ø (com P.R. 0.349), e os outros determinantes são desfavorecidos, o artigo
definido, medianamente, com P.R. 0.107, e o demonstrativo fortemente, com P.R.
0.039. Os dados que se seguem ilustram as quatro determinantes variantes junto a SD
singular:
109) quano chega um santo, né, mei que reza.(Informante B)
110) Até lá… vô tentando tomá banho.( Informante C)
111) Gente... uai... ‘ocê vê que ‘ocê puxa a enxada, isso tudo sacode, né?(
Informante A)
112) Chega lá moiado, pega esse frio (Informante C)
Os mesmos usos são observados no PB em geral.
O segundo fator mais eminente em números é o SD singular com leitura de
plural. Os resultados da análise por pesos relativos confirmam um forte favorecimento
114
do DET (com P.R. 0.653), enquanto que o artigo indefinido é fortemente
desfavorecido (com PR 0.059), e o demonstrativo e o artigo definido são medianamente
desfavorecidos, com P.R. 0.154 e P.R. 0.134, respectivamente. Os dados seguintes
mostram dados com os quatro determinantes:
113) De noite, corta... pega pêxe grande todo! (Informante A)
114) Porque tano na roça, 'ocê pranta uma prantinha, um aimpim, uma
batata, um milho, um fêjão...(Informante A)
115) eles prendia a cabecinha de gente aí, assim, ó (Informante A)
116) esses bebida assim manso ieu pego, mas esse brabo... ah... ieu num bebe
não (Informante A)
Todos os usos encontrados no PABH para o fator SD singular com leitura de
plural são encontrados no PB em geral. O uso do exemplo 116 é típico da variedade não
padrão.
O fator plural registrou apenas 29 dados, e a análise por pesos relativos revelou
um forte favorecimento do demonstrativo (P.R.0.607), um efeito neutro para o artigo
definido (0.252), um desfavorecimento mediano do artigo indefinido (P.R. 0.124) e
desfavorecimento forte do Det Ø (P.R. 0.016). Os diferentes determinantes usados com
esse fator são ilustrados pelos dados abaixo:
117) vai botá esses negoço de farinha, essas coisa...(Informante B)
118) Num agradece as partêra. (Informante B)
119) não como amendoins… (Informante C)
120) Eu tava aí ‘fregano a... uns pano de panela aí (Informante A)
No PB, é posível encontrar os usos observados nos exemplos 117, 118 e 120 na
variedade não padrão. Dados como os do exemplo em 119 são usados na variedade
padrão.
115
3.4.5 Presença de outro material que marque referencialidade
No intuito de notar se a presença de outro constituinte que marque a
referencialidade do objeto inibe o uso de um determinante patente/foneticamente
realizado, esse grupo de fatores foi incluído na quantificação dos dados. As línguas
crioulas, em geral, tendem a ser econômicas, e, de acordo com Baxter & Lopes (2009,
p. 326), o estudo de Lucchesi (1993) sugere que o CCV apresenta evidências de que o
uso do artigo definido é inibido quando da presença de outros constituintes atribuidores
de referência, principalmente os sintagmas preposicionais. Já segundo o estudo de
Baptista (2007, p.70), o contexto imediato, o discurso anterior e a animacidade do nome
(opção que foi discutida na seção 3.4.2 do presente capítulo) podem marcar a definitude
do SN no CCV, dispensando o uso de um determinante.
No PABH, viu-se que os dados definidos podem apresentar outros constituintes
que marquem referencialidade. Se não houver nenhum elemento além do nome e do
determinante ocupando a posição de objeto, o dado será marcado como zero dentro
desse fator.
3.4.5.1 Presença de outro material que marque referencialidade com leitura definida
Na análise da distribuição dessa variável, inicialmente foram
contemplados 7 fatores estruturais no que diz respeito à presença de outro material
capaz de induzir referencialidade: oração relativa, sintagma preposicional, adjetivo pré-
nominal, adjetivo pós-nominal, possessivo, advérbio locativo e aposto. Contudo, como
houve poucos dados distribuidos pelos últimos cinco fatores citados anteriormente,
optou-se por conflacionar todos os fatores em um único fator: presença de outro
materialem contraste com o fator ausência de outro material.
116
Tabela17 – Efeito sobre os determinantes da presença de outro constituinte que marque
referencialidade em SDs com leitura definida*
Outro material
Demonstrativo Artigo
Definido
Det TOTAL
cada fator
Ausência No. 26 41 58 125
% 21% 33% 46%
P.R.. 0.414 0.314 0.272
Presença No. 12 29 37 78
% 15% 37% 47%
P.R. 0.260 0.344 0.396
* análise TVARB; ponto neutro = P.R. 0.33
Os exemplos abaixo demonstram as opções dentro desses dois fatores:
Ausência de outro material
121) O menino chegô, puxô o braço (Informante B)
122) o sinhô tá ven' diferença, né? (Informante B)
123) quando eu conheci esse Conceição (Informante C)
124) conhece um tal de Dica? (Informante C)
Presença de outro material
125) se vei' notiça... que vei' gente... no tratamento, morreu (Informante B)
(oração relativa)
126) Eu tamém num sabo fundamento de doença dele que é! (Informante C)
(sintagma preposicional)
127) Conheci finada Rosa tamém... (Informante F) (adjetivo pré nominal)
128) dexô a menina pequena (Informante B) (ajetivo pós-nominal)
129) Dexá roça dele dexá tudo pa ficá no lugá dele.( Informante F)
(possessivo)
130) Aí, ói, esse home tá botano a compreça (Informante B) (advérbio
locativo)
131) Reumatismo, coluna, o joelho dela. Que ela num anda, tem uma carrim
que, ela só anda no carrim. É hoje que ela tá doente, aí ela... ‘posentô logo...
presentô esse dô (Informante B) (aposto)
117
Na análise por pesos relativos, vê-se que a ausência de outro material favorece a
presença do demonstrativo (P.R. 0.414), desfavorece levemente o artigo definido (P.R.
0.314) e desfavorece moderadamente o Det (P.R. 0.272). Por outro lado, a presença
de outro material capaz de atribuir/incrementar a referencialidade do SN em posição de
objeto favorece o Det (com P.R. 0.396), desfavorece o uso do demonstrativo (com
P.R. 0.260) e exerce um efeito favorecedor muito leve sobre o artigo definido, que
registra um peso neutro (P.R. 0.344). Embora o favorecimento do Det neste caso seja
semelhante à situação no CCV, observa-se que o peso neutro do artigo definido parece
indicar que esse determinante ainda está em processo de integração no SD dessas
informantes. Portanto, pode-se dizer que, no PABH, a presença de outro constituinte
que atribua referencialidade possibilita a realização do objeto singular nu com leitura
definida.
Os fatos vistos nessa seção se diferenciam do PB em geral pelo fato de que nem
a presença de outro constituinte que atribua referencialidade ao objeto
licencia/possibilita o uso de objetos singulares nus com leitura definida. Como foi
mencionado anteriormente, essa é a grande diferença no uso de objetos em geral entre o
PB e o PABH, o que potencializa a necessidade de buscar uma resposta para esse
licenciamento na variedade falada em Helvécia. De acordo com o que foi visto até
então, e levando-se em conta as considerações feitas por Baptista (2007) para o CCV, é
possível afirmar que o PABH se comporta de maneira similar ao crioulo caboverdeano
já que precisa de outro elemento que atribua referencialidade, podendo ser ele um
constituinte acoplado ao objeto, como visto nessa seção ou através da anáfora, catáfora
ou referência cruzada, que são partes do contexto.
3.4.5.2Presença de outro material que marque referencialidade com leitura indefinida
Na análise da distribuição dessa variável junto aos dados de referência
indefinida, assim como na análise dos dados definidos, inicialmente foram
contemplados os mesmos fatores estruturais relativos à presença de outro material capaz
de induzir referencialidade. Neste caso também, houve poucos dados distribuídos pelos
fatores apontados na seção anterior (como pode ser visto na Tabela 18), portanto optou-
118
se por conflacioná-los em um único fator: presença de outro material em contraste com
o fator ausência de outro material, como foi feito com os dados definidos.
Tabela 18 – Efeito sobre os determinantes da presença de outro constituinte que marque
referencialidade em SDs objetos com leitura indefinida*
Outro material
Demonstrativo Artigo
Definido
Artigo
Indefinido
Det TOTAL
cada
fator
Ausência No. 9 9 9 23 50
% 18% 18% 18% 46%
P.R. 0.328 0.328 0.124 0.220
Presença No. 12 12 25 38 87
% 14% 14% 29% 47%
P.R. 0.163 0.163 0.432 0.242
*análise MVARB; ponto neutro = P.R. 0.25
Os dados abaixo mostram as realizações desses dois fatores no corpus:
Ausência de outro material
132) É Texêra... esses canto tudo aí, eu tenho parente...(Informante A)
133) Agora, ele vem chamá os menino pa cavá (Informante C)
134) prantei ININT se tá pegado e prantano um roçado (Informante C)
135) eles prendia a cabecinha de gente aí, assim, ó... sungava aquele
vestidinho, ó... cortava no côro. Agora, esses d'agora que tem uma sorte...
(Informante A)
Presença de material adicional33
136) dotô tirô o pano, que esse já tinha prensado tudo assim, solto
(Informante A) (oração relativa)
137) eu tive um sonho com cobra (Informante C) (sintagma preposicional)
138) Já tem neta moça! (Informante C) (ajetivo pós-nominal)
139) uma sobrinha que o marido dela... que tem roça pra lá no faiado
(Informante A) (advérbio locativo)
33Não houve nenhum dado com adjetivo pré-nominal e com possessivo
119
140) deu remédio ... comprimido (Informante B) (aposto)
A análise por pesos relativos revela que a ausência de outro constituinte favorece
o uso de duas das variantes: o demonstrativo e o artigo definido (os dois com P.R.
0.328). Os outros fatores são desfavorecidos: o Det (P.R. 0.220), levemente
desfavorecido e o indefinido, registrando ainda mais desfavorecimento (P.R. 0.124). Em
contrapartida, a presença de outro constituinte favorece bastante o artigo indefinido
(com P.R. 0.432), e exerce um efeito quase neutro sobre o Det (com P.R. 0.242),
enquanto que o demonstrativo e o artigo definido são medianamente desfavorecidos
(ambos com P.R. 0.163).
3.4.5.3 Presença de outro material que marque referencialidade com leitura genérica
Aqui também houve poucos dados de referência genérica distribuídos pelos
fatores apontados na seção 3.4.5.1, o que levou, novamente, à junção de todos os fatores
em um único: presença de outro materialem contraste com o fator ausência de outro
material. A distribuição dos dados pelos fatores previstos nesse grupo está apresentada
na tabela 19, junto com os resultados da análise por pesos relativos:
Tabela 19 – Efeito sobre os determinantes da presença de outro constituinte que marque
referencialidade em SDs objetos com leitura genérica
Outro material
Demonstrativo Artigo
Definido
Artigo
Indefinido
Det TOTAL
cada
fator
Ausência No. 33 39 52 350 474
% 7% 8% 11% 74%
P.R. 0.166 0.333 0.228 0.273
Presença No. 18 11 30 123 182
% 10% 6% 16% 67%
P.R. 0.353 0.176 0.257 0.214
*análise MVARB; ponto neutro = P.R. 0.25
120
Os dados que se seguem mostram as realizações desses dois fatores no corpus:
Ausência de outro material
141) Gente de hoje não quer trabalhar! Não tá vendo o serviço, não foi prá
lavar... (Informante F)
142) Tá caro e nem mais nada barato tem! Inda mais você encontrá vestido!
(Informante C)
143) 'ocê pranta uma prantinha, um aimpim, uma batata, um milho, um fêjão
(Informante A)
144) É pa todo remedo... pa reumatismo... Agora esses pessoá que conhece
essas coisa (Informante B)
Presença de material adicional34
145) quando eu vô num lugá, qu'eu vejo essas mulé que tá chêa de fio
(Informante A) (oração relativa)
146) A pessoa num sobé cozinhá uma carne de caça (Informante B) (sintagma
preposicional)
147) Se eu dô o senhô má criaçon, eles me dão um coro chateado... quando
‘cabá, dá o senhô, que eu dô má criaçon, pa surrá ôtra vez. (Informante A)
(adjetivo pré-nominal)
148) Bota açúca... faz um fubá gostoso! (Informante A) (adjetivo pós-
nominal)
149) Ele matô uma onça, lá dexô no mato (Informante B) (advérbio locativo)
150) Adora qu'eu vá na ardeia! É assim, povo! Tambô bateno ININT Botô
lelão, assado de… porco nos’ôto... tamém, chega de manhã, ‘cê não acha
ruim de ‘cabá tudo! (Informante C) (aposto)
A análise por pesos relativos revela que, em contexto de leitura genérica, a
ausência de outro constituinte com referencialidade favorece o artigo definido (P.R.
0.333) e o Det (P.R. 0.273), e desfavorece levemente o artigo indefinido (P.R. 0.228)
e, moderadamente, o demonstrativo (P.R. 0.166).
A presença de outro constituinte marcador de referencialidade favorece de forma
moderada o uso do demonstrativo (P.R. 0.353), enquanto que oartigo indefinido registra
34
Não houve nenhum dado com possessivo
121
um valor quase neutro (P.R. 0.257). Por outro lado, são desfavorecidoso Det (P.R.
0.214), levemente, e o artigo definido (P.R. 0.176), moderadamente.
3.4.6 Desempenho individual das falantes
No comentário dos resultados apresentados até agora, considerou-se o
desempenho do grupo de mulheres da faixa etária com mais de 80 anos. Nesta seção,
faz-se uma breve consideração dos desempenhos individuais, globais, com o intuito de
ver até que ponto há tendências compartilhadas pelos indivíduos. Tendo em vista que
três das informantes do grupo estudado, as informantes C, F e E, têm uma média de 14
anos de idade a mais do que as informantes A (85, anos) e B(80 anos), a inspeção do
desempenho individual poderia fornecer informação útil sobre o desenvolvimento do
sistema de determinantes entre as falantes idosas.
3.4.6.1 Desempenho individual das falantes com SDs de leitura definida
A Tabela 20 apresenta os resultados da análise por pesos relativos dos
desempenhos individuais no uso dos determinantes com SDs objeto de leitura definida.
122
Tabela 20 – Desempenho das informantes individuais: SDs objetosdeleitura definida
Falante
Demonstrativo Artigo
Definido
Det TOTAL
cada fator
A No. 9 11 3 23
% 39% 48% 13%
P.R. 0.473 0.457 0.070
B No. 4 21 14 39
% 10% 54% 36%
P.R. 0.172 0.496 0.332
C No. 8 11 34 53
% 15% 21% 64%
P.R. 0.257 0.204 0.539
F No. 11 13 25 49
% 22% 27% 51%
P.R. 0.364 0.195 0.442
E No. 6 14 19 39
% 15% 36% 49%
P.R. 0.311 0.262 0.427
*análise TVARB; ponto neutro = P.R. 0.33
Na Tabela 20, a forte preferência pelo Det , fica bastante clara. Porém, para
melhor visualizar o significado desse perfil, os pesos relativos foram ordenados a partir
dos valores para Det , e configurados no Gráfico 1:
123
Gráfico 1 – Informantes individuais uso de determinantes com SD objeto de leitura
definida
O resultado dessa distribuição é bastante interessante, porque a sequência C, F e
E corresponde em ordem decrescente às idades relativas dessas informantes (C é a mais
velha, F é a segunda mais velha (com 7 anos de diferença de C) e, E é a mais nova das
três (com 13 anos de diferença de C). As informantes B (com 80 anos) e A (com 85
anos) estão ainda mais separadas no que diz respeito à faixa etária de C : B, com 23
anos de diferença e A, com 18 anos de diferença.
Tendo em conta a afirmação de Baxter & Lopes (2009) de que a variação no uso
dos determinantes no PABH, em dados de referência definida, apresenta um perfil etário
de mudança, com redução do uso do Det e gradual incorporação do artigo definido, o
Gráfico1 permite visualizar melhor as evidências de um sistema em desenvolvimento no
desempenho das cinco mulheres idosas.
Contemplando o perfil de C para A, nota-se uma relação sistemática entre os
valores de Det e Artigo Definido: a supressão do Det é inversa ao crescimento do
Artigo Definido. Progressivamente menos desfavorecido de C para E, o artigo chega ao
favorecimento em B e ao ponto neutro em A. Uma segunda tendência que se nota é
queem três informantes (C, F e E), o demonstrativo está mais em evidência do que o
artigo definido. Isso sugere que o demonstrativo constituiria uma fase intermédia no
desenvolvimento do sistema determinante e, para essas informantes, o demonstrativo
seria incorporado antes do artigo definido. Por outro lado, a informante B já ultrapassou
essa fase, enquanto que a informante A concede preferência tanto ao demonstrativo
124
quanto ao artigo definido, parecendo não ter diferenciado esses dois, embora tenha
suprimido fortemente o Det .
O perfil em C, F e E corresponde às realidades de situações de contato radical
que produziram línguas crioulas, onde Det e Demonstrativo são soluções comuns
(Bickerton 1981, 1988). Na realidade, desde a perspectiva aquisicional, em uma
situação de contato linguístico, o artigo definido não é um bom gatilho para
inicialização de um mecanismo de marcação de referência definida na gramática
incipiente, porque ele não é fácil de detectar/decifrar/notar em dados linguísticos
primários. Por isso, o demonstrativo, com mais peso fonológico, é incorporado como
marcador referêncial. Com mais contato com a língua lexificadora, o artigo definido
consegue se inserir.
3.4.6.2 Desempenho individual das falantes com SDs de leitura indefinida
No que diz respeito aos dados de leitura indefinida, a Tabela 21 apresenta os
resultados da análise por pesos relativos do uso individual. Neste caso, os resultados são
de menos confiança, sobretudo no caso do informante B, devido à paucidade dos dados
individuais. No caso do SD objeto de leitura indefinida,os dados da informante E foram
omitidos do processamento, por serem poucos e incompletos.
125
Tabela 21 – Desempenho das informantes individuais: SDs objetos:leitura indefinida
Falante
Demonstrativo Artigo
Definido
Artigo
indefinido
Det TOTAL
cada fator
A No. 3 4 5 5 17
% 18% 24% 29% 29%
P.R. 0.252 0.354 0.261 0.132
B No. 2 1 1 5 9
% 22% 11% 11% 56%
P.R. 0.265 0.289 0.109 0.337
C No. 1 5 9 13 28
% 4% 18% 32% 46%
P.R. 0.105 0.336 0.324 0.235
F No. 6 2 10 15 33
% 18% 6% 30% 45%
P.R. 0.380 0.078 0.288 0.254
*análise MVARB; ponto neutro = P.R. 0.25
É notória a frequência do Det em todas as informantes, que se aproxima
razoavelmente à frequência geral dessa variante no SD objetocom leitura indefinida:
44%. Novamente, uma visualização gráfica (Gráfico 2) oferece uma avaliação
facilitada. Para configurar o gráfico, manteve-se a mesma ordem das informantes do
Gráfico 1.
126
Gráfico 2 – Informantes individuais – uso de determinante com SD objeto de leitura
indefinida
Neste caso, o artigo indefinido é favorecido por três informantes (C, B, A),
sendo que a informante F manifesta bastante desfavorecimento dessa variante. O Det ,
curiosamente favorecido medianamente pela informante B, a mais jovem dessas três,
registra um valor quase neutro no caso da informante F, e é desfavorecido pelas
informantes C e A. Nota-se que o desfavorecimento nesses últimos dois casos
corresponde a um favorecimento do artigo indefinido, e do artigo definido, sugerindo
uma tendência para reconfiguração do sistema.
3.4.6.3 Desempenho individual das falantes com SDs de leitura genérica
Finalmente, no que diz respeito aos SDs objetos com referência genérica, A
Tabela 22 apresenta a análise em pesos relativos, do desempenho individual no uso dos
determinantes.
127
Tabela 22– Desempenho das informantes individuais: SDs objetos; leitura genérica
Falante
Demonstrativo Artigo
Definido
Artigo
indefinido
Det TOTAL
cada fator
A No. 7 12 15 75 109
% 6% 11% 13% 69%
P.R. 0.154 0.285 0.360 0.201
B No. 7 10 15 57 89
% 6% 11% 14% 69%
P.R. 0.208 0.266 0.345 0.181
C No. 2 7 20 100 129
% 2% 5% 16% 78%
P.R. 0.153 0.207 0.349 0.291
F No. 33 13 28 173 247
% 13% 5% 11% 70%
P.R. 0.585 0.103 0.160 0.153
E No. 3 8 4 69 84
% 4% 10% 5% 82%
P.R. 0.202 0.357 0.083 0.358
*análise MVARB; ponto neutro = P.R. 0.25
Aqui, as altas frequências de uso individual do Det aproximam-se da
frequência de grupo: 72%. Novamente, uma visualização gráfica (Gráfico 3) ajuda a
leitura. Para configurar o gráfico, manteve-se a mesma ordem das informantes dos
gráficos anteriores.
128
Gráfico 3 – Informantes individuais – uso de determinante com SD objeto de leitura
genérica
Fica evidente o perfil comum das informantes B e A, que são as mais jovens do
grupo, ambas com favorecimento mediano do artigo indefinido (P.R. 0.345 e 0.360,
respectivamente) e favorecimento leve do artigo definido (P.R. 0.266 e 0.285,
respectivamente), mas com desfavorecimento mediano do demonstrativo (P.R. 0.208 e
0.154, respectivamente) e Det (P.R. 0.181 e 0.201, respectivamente). Nota-se que a
informante E compartilha com elas o favorecimento do artigo definido e o
desfavorecimento do demonstrativo. Em contrapartida, no grupo das mais idosas, as
informantes C e E apresentam perfis parcialmente semelhantes, no sentido de
favorecimento mediano do Det e desfavorecimento mediano do demonstrativo. A
informante F, por sua vez, compartilha com A e B o desfavorecimento moderado do Det
.
3.5 OS SDs NUS OBJETOS SINGULARES NO PABH
Ao longo do presente capítulo, viu-se que as falantes idosas com mais de 80
anos da comunidade de Helvécia apresentam os SDs nus objetos singulares definidos
como possibilidade de uso.
129
Em SDs de referência definida, constatou-se que o DET é o mais usado para a
leitura definida em termos frequênciais, com uma distribuição geral de 47%, e um P.R.
input de 0.709 na análise com TVARB (neutro = 0.33), enquanto que o artigo definido
registrou uma frequência geral de 34%, e um P.R. input desfavorável, de 0.211. Na
análise por pesos relativos, os fatores que favoreceram o DET foram: referência
cruzada (dentro do grupo familiaridade); nomes próprios (dentro do grupo tipo de
substantivo); nomes contáveis (dentro do grupo caráter contável do nome); nomes
animados (dentro do grupo animacidade); posses alienáveis (dentro do grupo tipo de
posse); singular com leitura de plural (dentro do grupo noção de número no SD);
presença de outro material (dentro do grupo presença de outro material que marque
referencialidade); e falantes C, F e E (dentro do grupo falantes).
Constatou-se também que a principal diferença entre o PB e o PABH, é que, no
primeiro, não é possível encontrar núcleos nominais definidos singulares precedidos
pelo determinante zero. Portanto, a possibilidade deste uso no PABH merece uma
atenção especial no presente trabalho.
Primeiramente, é necessário apontar que falantes que são submetidas a situações
radicais de contato entre línguas configuram estruturas e funções com base no que
podem decifrar nos DLP e na GU (isto é, nas restrições /exigências cognitivas sobre as
possibilidades de estruturação). Isso pede ser observado claramente no PABH onde a
transmissão linguística geracional ocorreu a partir de dados linguísticos primários
(DLP) que continham material do português L2. A configuração do SD e sua
distribuição no PABH apresentam-se como evidências do processo de transmissão
linguística irregular, no processo de formação do português afrobrasileiro (Lucchesi,
Baxter e Ribeiro, 2009). As gerações mais antigas de Helvécia teriam adquirido, na
segunda metade do século XIX, um sistema de marcação de definitude e
referencialidade diferente daquele do PB contemporâneo, o que justificaria o fenômeno
da realização de SDs nus definidos e referenciais objetos nessa comunidade. Cabe
referir que a composição etnolinguística da Colônia Leopoldina incluiu falantes de
línguas kwa, do grupo gbe (ex. gêge), e iorubá, além de línguas bantu (angolanas e
moçambicanas), e que dados demográficos da colônia demonstram que prevaleceram
escravos africanos durante, pelo menos, duas das décadas iniciais do estabelecimento
(Baxter & Lucchesi 1998; Lucchesi, Baxter, Alves & Figueiredo 2009). Inclusive,
parece significativa a presença na comunidade do sobrenome Gêge (Baxter 1992),
130
termo geralmente usado no Brasil para se referir a falantes de línguas da sub-família
gbe. Ionin et alii (2008) chamam a atenção para três fatores na aquisição dos artigos em
L2: transferência, GU e natureza do input, enquanto que Schwartz & Sprouse (1996)
sublinham o papel da transferência paramêtrica em fases de aquisição de L2, e Lefebvre
(1999) apresenta fortes evidências a favor da transferência paramétrica na formação do
crioulo haitiano. Se é uma característica das línguas crioulas do Atlântico o fato de
apresentarem sistemas com DET e, como os crioulos de base lexical portuguesa dessa
região incorporaram também DET e o demonstrativo como marcadores de referência,
caberia levar em consideração o potencial daquelas L1 africanas que não têm artigos
para influenciar a forma do sistema de determinantes em L2 emergente. As línguas gbe,
e muitas línguas bantu, permitem indicaçao de definitude via nome nu e demonstrativo,
além de outros mecanismos (Hyman & Katamba 1993; Nurse & Philippson 2003:9;
Aboh & DeGraff 2014; Iorio 2011:58). Aliás, nas línguas gbe, o nome nu pode ser
interpretado como [±Definido] e [±Plural] (Aboh 2004:76-77).35
Evidências a favor da
hipótese de um sistema semelhante podem ser atestadas na seção 3.4.5, quando
apresentou-se e discutiu-se o sistema de uso de determinante de cada falante
especificamente e notou-se, na seção 3.4.5.1, que as falantes mais idosas (C, F e E)
apresentavam uma preferência pelo uso do DET com leitura definida, enquanto que
as falantes mais jovens (A e B) preferem o artigo definido para esse tipo de leitura.
Além disso, as falantes C, F e E usam mais o demonstrativo do que o artigo definido
com SDs singulares objetos de leitura definida. Em se tratando de aquisição de
linguagem, pode-se dizer que as falantes C, F e E adquiriram o português a partir de
dados que apresentavam um pedomínio do DET e, em seguida, o demonstrativo para
marcar definitude. Essas falantes também adquiram o artigo definido, que parece ter
tido uma representação minoritária nos DLP, mas não o adotaram como preferencial
para a leitura definida. Já o perfil da informante B, mostrou um maior equilíbrio de uso
entre os três tipos de determinante, o que sugere uma maior aproximação do sistema de
uso de determinante da língua lexificadora. A informante A, por sua vez, apesar de
parecer não diferenciar o artigo definido do demonstrativo, apresenta um perfil de uso
do DET muito inferior ao das outras quatro informantes, demonstrando uma
aproximação maior em relação à língua lexificadora. A diferença de idade entre C, F e E
35 Contudo, cabe sublinhar que, nas línguas Gbe, o nome [+específico] requer a presença de um marcador de
especificidade (Aboh 2004:77).
131
e A e B reforçam a ideia de que as três primeiras falantes foram expostas a DLP
divergentes e tiveram pouca exposição posterior a variedades mais próximas do padrão.
Apesar da diferença entre a distribuição no uso dos diferentes determinantes
pelas cinco falantes, todas apresentam usos do SD singular definido, diferenciando-se
do que é permitido no PB.
Que proposta se deve, então, assumir dentro do Modelo Minimalista para
explicar a possibilidade de SNs nus definidos singulares no dialeto falado em Helvécia?
Na seção 1.3.3 do capítulo 1, viu-se que, para classificar as línguas quanto ao
uso de sujeitos e objetos, Chierchia (1998) sugeriu o Parâmetro do Mapeamento
Nominal que, como foi demonstrado, não é adequado para o PB já que essa língua
admite plurais nus e nomes de massa nus na posição de objeto, possibilidades que a
distingue das demais línguas românicas. Sabendo que o PABH também se comporta
dessa forma, considera-se a proposta de Chierchia (1998) inadequada para esse dialeto.
Sendo assim, é possível assumir uma das duas propostas que foram apresentadas
na introdução e reforçadas ao longo do capítulo 1? Seriam objetos incorporados de
acordo com o que sugere Saraiva (1997) para o PB ou se projetariam em SD e
possuiriam determinantes nulos, de acordo com proposta de Longobardi (1998) para
os SDs nus objetos das línguas em geral?
Segundo a proposta de Saraiva (1997), o nome e o verbo formam um todo
semântico em que o objeto é incorporado ao verbo. A junção desses dois elementos
representa um evento, que é classificado como [-I] (não identificável), isto é, não
definido, [-M] (foco no evento) e [-Pr] (não possibilidade de retomada pro pronome
pessoal de mesmo gênero e número do sintagma nominal, na posição de sujeito e
objeto). Tendo em vista que os SDs nus singulares objetos em PABH podem receber a
leitura [+Definida], isto é, [+Indentificável], então a explicação de que eles seriam
objetos incorporados é inválida. Além disto, nos dados do PABH, o foco do conjunto
verbo/objeto não é no evento, mas no membro integrante da classe, como se vê no
exemplo 151 em ambos os objetos:
151) Pessoá que saiu no... no... da festa de casamento de Maria, tudo foi
embocano aí... Maria Catarina sabe data. Eu num sei se foi dia seis... de
abril... Maria Catarina sabe... sab data certa! (Informante B) (leitura
[+Definida]) (foco em data)
132
A análise de Saraiva apresenta, ainda, outro problema: se o objeto é incorporado,
ele não deveria poder se dissociar do verbo. No entanto, a separação do verbo e do
objeto não parece comprometer a gramaticalidade das sentenças acima, como pode ser
visto nos exemplos abaixo:
152) Pessoá que saiu no... no... da festa de casamento de Maria, tudo foi
embocano aí... Maria Catarina sabe, com certeza, data.
153) Eu num sei se foi dia seis... de abril... Mas data certa quem sabe é Maria
Catarina.
Entende-se, portanto, que os SDs nus objetos singulares com leitura definida não
são objetos incorporados no PABH e assume-se que eles se projetam em SD e possuem
determinantes nulos. Essa perspectiva se encaixa bem com a realidade sociolinguística
histórica da comunidade, assumindo que o sistema determinante do PABH teria se
constituído em uma situação aquisicional de contato, havendo transferências
paramétricas a partir das L1 africanas presentes.
Viu-se, ao longo do capítulo 3, que SDs nus permitem as leituras definida,
indefinida e genérica no PABH. Para finalizar o capítulo, e tendo em vista o caráter
multifuncional dos SDs nessa variedade, é essencial considerar a interface entre o nível
gramatical e o extra-gramatical para derivar interpretações corretas. Assume-se, de
acordo com o estudo de Alexandre e Hagemeijer (2007) sobre o São Tomense (ST), que
o nível extra-gramatical se refere ao nível do discurso e da pragmática que é requerido
para que se obtenha uma interpretação adequada de SDs nus. Os exemplos abaixo
mostram a importância desta interface nos dados do PABH:
154) O menino vem drumi mais eu. É Antonio, vem da comadre preta, afiado, io
fico é de dia, mas de noite tem companhia. (Informante C) (aqui a repetição
do referente no contexto permite a leitura definida)
155) Qondo caminhou mai um pedaço bom tá enxergano copa de minha casa
(Informante E) (nesse dado, o acréscimo do possessivo ao objeto o torna
familiar para o ouvinte)
133
156) E esse home que tá em pé aí minha gente, poque non manda ele sentá,
botou cadeira aí, ele encostou. (Informante F) (nesse caso, o acontecimento
de colocar a cadeira num dado lugar na cena da conversação torna o objeto
familiar para o ouvinte)
Se as sentenças 154 e 155 não estivessem contextualizadas a partir do acréscimo
dos elementos que foram citados anteriormente, os SDs nus objetos não poderiam ter
uma leitura definida, como pode ser visto com as modificações feitas nas sentenças
abaixo:
157) Sempre vem alguém dormir comigo. De dia, eu fico sozinha, mas de
noite tem companhia.
158) Qondo caminhou mai um pedaço bom tá enxergano copa.
A interface entre o nível gramatical e o extra-gramatical para que a leitura
definida nos SDs nus no PABH seja possível ocorre a partir de estratégias lexicais e
contextuais variáveis usadas pelas falantes da faixa 3 como o uso da anáfora, a situação
propriamente dita, o acréscimo de um possessivo ou de algum outro elemento, como foi
visto nos exemplos. Levar adiante o esgotamento dessa questão tornaria a presente
discussão muito extensa. Portanto, finaliza-se, assim o capítulo com a observação da
existência dessa interface como dispositivo para resolver a ambiguidade de leitura em
SDs constituídos por meio de aquisição de L2 e L1 no contexto de contato entre línguas
que ocorreu na história do PABH.
134
CONCLUSÃO
A presente dissertação tratou do tema dos SDs nus no PABH no intuito de
descrever o funcionamento do uso mais livre dos mesmos nessa variedade do português
do que no PB. Na primeira parte da dissertação, apresentou-se o conteúdo atual da
literatura sobre o tema dos SDs em geral e dos SDs no PB. Esse embasamento teórico
mostrou que, dentro da perspectiva da teoria gerativa, existem duas possibilidades de
explicação para o uso de SDs nus singulares e isso possibilitou que, no terceiro capítulo,
fosse assumida uma dessas propostas para os SDs nus obejtos no PABH. O primeiro
capítulo também possibilitou compreender que o Parâmetro do Mapeamento Nominal
de Chierchia (1998) não se aplica ao PB e tampouco ao PABH. As definições e
classificações de referencialidade, definitude e especificidade encontradas em Lyons
(1999) foram essenciais para a elaboração da chave de codificação dos possíveis
condicionantes do uso dos tipos de determinante no PABH. Finalmente, a consideração
do funcionamento do SD no CCV, uma língua formada pelo contato linguístico radical,
facilitou que, no capítulo 3, fossem feitas as comparações desta língua crioula com o
PABH.
No capítulo da Metodologia, apontou-se e justificou-se a seleção dos grupos de
fatores que poderiam condicionar o uso dos tipos de determinante e justificou-se
também a escolha dos inquéritos das falantes mais idosas da comunidade de Helvécia
como corpora. Nesse capítulo, ficou claro que os SDs nus objetos e o seu uso mais livre
seria melhor visualizado a partir das falantes que estiveram envolvidas numa situação de
contato mais radical.
No terceiro capítulo, apresentou-se a distribuição sistemática dos SDs objetos no
PABH e foram identificados os fatores favorecedores de cada um dos tipos de
determinante. Uma atenção especial foi dada aos dados com SDs nus singulares objetos
com leitura definida, pois, constatou-se que, indiscutivelmente, a maior diferença entre
o sistema de uso de determinantes objetos entre o PABH e o PB é justamente que,
enquanto o primeiro admite esse uso, o segundo não o faz. Propôs-se, que a origem
dessa opção de uso pode ser encontrada no processo de aquisição e configuração do
sistema de determinante pelos antepassados dessas falantes idosas. As línguas africanas
kwa, dos grupos gbe, e iorubá e também as línguas bantu compunham a formação
135
etnolinguística da antiga Colônia Leopoldina, o que possibilitou a transferência, ou pelo
menos a orientação paramétrica do DET ø e do demonstrativo como marcadores de
definitude para o sistema de determinantes desenvolvido pelos falantes do PABH na
segunda metade do século XIX. No desempenho das cinco falantes contemplados no
estudo atual, os perfis dos pesos relativos do uso dos determinantes em SDs de
referência definida são sugestivos de um sistema dessa natureza. Na análise desses
perfis, as falantes mais idosas C, F e E mostraram uma preferência pelo uso do DET ø e
do demonstrativo em SDs de leitura definida. As falantes menos idosas, A e B,
apresentam um uso mais acentuado do artigo definido, embora também apresentem o
DET ø e o demonstrativo como opções de uso para a leitura definida. Concluiu-se,
então, que as falantes C, F e E herdaram características do DLP mais diretamente
associadas ao PABH de meados do século XIX, e tiveram pouca exposição posterior a
variedades mais próximas do padrão.
Ainda no terceiro capítulo, demonstrou-se a inadequação da proposta de Saraiva
de que SDs nus objetos seriam objetos incorporados (1997) tendo em vista que SDs nus
objetos podem receber a leitura [+Específica] [+Definida] e também a partir de alguns
testes de dissociação do nome e do verbo. Assumiu-se, então, de acordo com proposta
de Longobardi (1998) para as línguas em geral, e tendo em vista a realidade
sociolinguística histórica da comunidade de Helvécia, que SDs nus se projetam em SD e
possuem determinantes nulos. As implicações trazidas por essa proposta, no entanto,
não foram levadas em consideração na presente dissertação e podem ser avaliadas num
estudo futuro.
O terceiro capítulo também mostrou que a leitura definida dos SDs nus objetos
no PABH é possível pela interface entre os níveis gramatical e extra-gramatical que
geram as interpretações adequadas para os mesmos, já que eles possuem um caráter
multifuncional nessa variedade.
Seria interessante verificar, em estudos posteriores, o comportamento das
falantes das outras faixas da comunidade de Helvécia para comparar os resultados da
análise quantitativa das mesmas com os resultados quantitativos dos dados das falantes
idosas aqui contempladas. É provável que as falantes mais jovens apresentem um
sistema de uso de determinantes mais próximo do PB, pois não participaram do
processo de contato radical e a comunidade não está mais isolada como antigamente.
136
Outro caminho para ampliar a análise do sistema de uso de determinantes no
PABH é analisar os SDs na posição de sujeito na fala das mesmas falantes idosas do
presente estudo para ver até que ponto os mesmos são similares aos SDs na posição de
objeto.
Um estudo mais formal também poderia surgir a partir das análises do presente
trabalho, considerando as implicações de se adotar a explicação de que SDs nus objetos
se projetam em SD e possuem determinantes nulos.
Além disto, a questão da interface entre os níveis gramatical e extra-gramatical
para interpretar derivações corretas dos SDs nus objetos no PABH pode ser mais
amplamente explorada em uma futura investigação.
Essas e outras questões constituem um vasto e significativo campo de pesquisa
para os linguistas que se interessam pelo tema dos SDs no PABH.
137
REFERÊNCIAS
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