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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS
FACULDADE DE DIREITO
ASSÉDIO MORAL CONTRA MULHER NO AMBIENTE DE
TRABALHO E O EMPODERAMENTO COMO FERRAMENTA DE
DEFESA
CAMILLA FERNANDA SIQUEIRA PEDROZA
RIO DE JANEIRO
2019/2º Semestre
CAMILLA FERNANDA SIQUEIRA PEDROZA
ASSÉDIO MORAL CONTRA MULHER NO AMBIENTE DE
TRABALHO E O EMPODERAMENTO COMO FERRAMENTA DE
DEFESA
Monografia de final de curso, elaborada no
âmbito da graduação em Direito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como pré-requisito
para obtenção do grau de bacharel em Direito, sob
a orientação do Professor Dr. Ivan Simões
Garcia.
RIO DE JANEIRO - RJ
2019/2º Semestre
CIP - Catalogação na Publicação
Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidospelo(a) autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283.
P372aPedroza, Camilla Fernanda Siqueira ASSÉDIO MORAL CONTRA MULHER NO AMBIENTE DETRABALHO E O EMPODERAMENTO COMO FERRAMENTA DEDEFESA / Camilla Fernanda Siqueira Pedroza. -- Riode Janeiro, 2019. 64 f.
Orientador: Ivan Simões Garcia. Coorientadora: Bruna da Penha de Mendonça Coelho. Trabalho de conclusão de curso (graduação) -Universidade Federal do Rio de Janeiro, FaculdadeNaciona de Direito, Bacharel em Direito, 2019.
1. Assédio Moral. 2. Direito do Trabalho. 3.Descriminação de Gênero. 4. Feminismo. 5. DanoMoral. I. Simões Garcia, Ivan , orient. II. daPenha de Mendonça Coelho, Bruna, coorient. III.Título.
CAMILLA FERNANDA SIQUEIRA PEDROZA
ASSÉDIO MORAL CONTRA MULHER NO AMBIENTE DE
TRABALHO E O EMPODERAMENTO COMO FERRAMENTA DE
DEFESA
Monografia de final de curso, elaborada no
âmbito da graduação em Direito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como pré-requisito
para obtenção do grau de bacharel em Direito, sob
a orientação do Professor Dr. Ivan Simões
Garcia.
Data da Aprovação: ___ / ___ / _____.
Banca Examinadora:
_______________________________________________ Orientador (a)
_______________________________________________ Membro da Banca -
_______________________________________________ Membro da Banca -
RIO DE JANEIRO - RJ
2019/2º Semestre
Dedico este trabalho a minha mãe Sandra e meus
filhos, Raphael e João Vittor. Obrigada por me
manterem de pé.
x
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por até aqui me sustentar e me firmar.
Mãe, Raphael e João Vittor, obrigada pela paciência, suporte e carinho. Sem vocês eu
não teria conseguido trilhar esse caminho tão longo e tão difícil, e chegar até aqui. É por vocês
e para vocês todo esse sacrifício.
Aos amigos / irmãos / sócios Priscila e Alvaro, não sei se eu teria sobrevivido à FND se
não fossem vocês. Nem tenho palavras para agradecer por tudo que fizeram por mim. Para vocês
toda minha gratidão.
Às minhas queridas Fabiana, Beatriz e Erica, que me suportaram e me deram apoio e
alento, obrigada. Por tudo, para sempre.
Agradeço a minha querida professora Rachel Delmás. Obrigada pela
generosidade e pela oportunidade de absorver tanto conhecimento, todos os dias.
Finalmente agradeço a todos os mestres que de alguma maneira reforçaram meu
aprendizado em minha história na Nacional, em especial a Ivan Garcia, meu orientador
e Bruna Coelho, minha coorientadora. Gratidão pela paciência, suporte e boa vontade
nesse período tão conturbado.
RESUMO
O tema desta monografia aborda o assédio moral sofrido pelas mulheres no ambiente de
trabalho e o empoderamento como ferramenta de defesa e como alternativa de sua superação.
A delimitação notabiliza a análise do assédio moral, com o objetivo de verificar as
responsabilidades pertinentes ao empregador e aos envolvidos no assédio, pelos efetivos
danos causados às vítimas, em específico, de gênero feminino. A problemática deste trabalho
objetiva analisar indagações a respeito do assédio moral no ambiente de trabalho,
especialmente no que se refere ao gênero feminino, procurando, através de pesquisas de
literatura, elucidar questões a respeito do referido fenômeno, bem como, demonstrar situações
que possibilitam a ocorrência do assédio, e as consequências por ele trazidas. A pesquisa
possui como objetivo geral, analisar as relações de trabalho demonstrando a importância da
inserção e valorização da mulher no mercado de trabalho. De modo especifico, objetiva
estudar a historicidade, nos âmbitos internacional e nacional, das relações de gênero, das
relações humanas e da participação da mulher no mercado de trabalho.O assédio moral é
matéria de grande importância no contexto atual, momento em que a sociedade atravessa um
cenário de mudanças comportamentais, que partem de um mundo globalizado e extremamente
competitivo, onde os empregadores objetivam, acima de tudo, à produtividade, o lucro,
desprezando o capital humano, muitas vezes ferindo o princípio da dignidade da pessoa
humana.Além disso, traz as práticas laborais nocivas e o patriarcalismo, como um debate
necessário, e por fim tratará das políticas de empoderamento feminino no ambiente de
trabalho: materialização da igualdade de gênero. Diante disso, tratar a questão de gênero, bem
como, o empoderamento feminino é essencial, visto que muitas mulheres ainda não são
conhecedoras de seus direitos, permanecendo inertes diante das situações de assédio nas
relações desiguais no âmbito trabalhista e organizacional.
Palavras- chave: Assédio Moral – Direito do Trabalho – Descriminação de Gênero –
Feminismo – Igualdade - Empoderamento Feminino - Violência moral no trabalho; Tortura
psicológica – Dano Moral
ABSTRACT
The theme of this monograph addresses the bullying suffered by women in the workplace and
codifies it as a defense tool and as an alternative to overcoming it. A demarcation notifies an
analysis of bullying, with the aim of verifying the responsibilities required by the employer and
those involved in the harassment for the actual harm caused by threats, in particular, to females.
A problem of this objective work analyzes questions about respect to bullying in the workplace,
especially with regard to females, seeking, through literature searches, elucidating questions
about the reported phenomenon, as well as showing situations that enable the occurrence of
harassment, and as consequences for it. A research has as general objective, to analyze how the
labor relations demonstrating the importance of the insertion and valorization of the woman in
the job market. Specifically, it aims to study the historicity, internationally and nationally, in
gender relations, human relations and the participation of women in the labor market. Bullying
is the major issue of importance in the current context, when society is going through a scenario
of behavioral change, which comes from a globalized and extremely competitive world, where
employers aim above all for studies, profits, depreciation or human capital, often hurting the
principle of human dignity. , brings as harmful work practices and patriarchalism, as a necessary
debate, and for the treatment of female empowerment policies in the workplace: materialization
of gender statistics. Given this, it is a gender issue as well, or feminine is essential, since many
women are not yet known for their rights, remaining inert in the face of harassment situations in
social relations at work
Key words: Moral Harassment - Labor Law - Gender Discrimination - Feminism - Equality -
Female Empowerment - Moral Violence at Work; psychological torture - Moral Damage
.
Nós, mulheres, precisamos
Pensar coletivamente
Que a guerra que enfrentamos
No passado e no presente
É o quadro cultural
Machista e patriarcal
Que ainda é evidente...
(Clarissa Alves)
[Por favor], apresentem-me a um mundo
onde eu não tenha de sentir falta de mim.
(Leslie Reese, feminista negra)
Desrespeitadas, ignoradas, assediadas, exploradas, mutiladas,
destratadas, reprimidas, exploradas e mortas: a nossa luz não se
apaga. Ninguém nos cala. Tentaram, continuam tentando, e
vimos resistindo. Resistiremos. A alguém que só existe lutando
cabe a resistência.
(Ana Cañas)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 11
1. MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO: A EXPLORAÇÃO DE CLASSES E O
TRABALHO FEMININO ......................................................................................................... 14
1.1. Contexto histórico das relações humanas no ambiente de trabalho ............................ 14
1.2. A divisão sexual do trabalho na atualidade ................................................................. 17
1.3 Mulheres no mercado de trabalho ............................................................................... 21
2. ASSÉDIO MORAL E SUAS CONCEPÇÕES .................................................................. 26
2.1 Assédio moral e suas definições ................................................................................. 26
2.2 O conceito de discriminação de gênero ...................................................................... 31
2.3 O gênero feminino como alvo do assédio moral nas relações de trabalho ................. 36
3. O ASSÉDIO MORAL CONTRA A MULHER NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO ............................................................................................................................ 42
3.1 As leis diante do assédio moral ................................................................................... 42
3.2 Políticas de empoderamento feminino no ambiente de trabalho: possibilidades de
materialização da igualdade de gênero .................................................................................. 51
CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 56
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................... 59
11
INTRODUÇÃO
O tema desta monografia aborda o assédio moral sofrido pelas mulheres no ambiente
de trabalho e o empoderamento como ferramenta de defesa e como alternativa de sua
superação. A delimitação notabiliza a análise do assédio moral, com o objetivo de verificar
as responsabilidades pertinentes ao empregador e aos envolvidos no assédio, pelos efetivos
danos causados às vítimas, em específico, de gênero feminino.
A problemática deste trabalho objetiva analisar indagações a respeito do assédio
moral no ambiente de trabalho, especialmente no que se refere ao gênero feminino,
procurando, através de pesquisas de literatura, elucidar questões a respeito do referido
fenômeno, bem como, demonstrar situações que possibilitam a ocorrência do assédio, e as
consequências por ele trazidas.
A pesquisa possui como objetivo geral, analisar as relações de trabalho demonstrando
a importância da inserção e valorização da mulher no mercado de trabalho. De modo
especifico, objetiva estudar a historicidade, nos âmbitos internacional e nacional, das relações
de gênero, das relações humanas e da participação da mulher no mercado de trabalho.
O assédio moral é matéria de grande importância no contexto atual, momento em que
a sociedade atravessa um cenário de mudanças comportamentais, que partem de um mundo
globalizado e extremamente competitivo, onde os empregadores objetivam, acima de tudo, à
produtividade, o lucro, desprezando o capital humano, muitas vezes ferindo o princípio da
dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, abordar a questão de gênero assim como a ferramento
doempoderamento feminino é fundamental, já que muitas mulheres não se percebem ainda
como cidadã, sujeito de direitos, permanecendo inertes diante das situações de assédio e
humilhação no âmbito trabalhista e organizacional. Dessa forma, é necessário, incentivar
cada vez mais, as práticas de empoderamento feminino, no intuito de superar as
desigualdades de gênero, tanto no ambiente familiar como no ambiente laboral.
12
No âmbito trabalhista, o assédio moral é uma prática inadequada e abusiva, que
normalmente alcança a integridade física e moral da trabalhadora, através de condutass de
perseguição repetitivas e prolongadas, onde o agressor passa a inferiorizar a vítima, a fim de
depreciá-la e hostilizá-la. Entretando, o assédio pode partir de diferentes setores, podendo
surgirr do comando hierárquico (vertical), de colegas da mesma hierarquia funcional
(horizontal), e até da omissão do superior hierárquico diante de uma agressão (descendente).
Dessa maneira é possível perceber que as práticas assediadoras afetam a ordem
imposta pelo constituinte no tocante aos direitos da trabalhadora, uma vez que as atitudes
hostis – como a deterioração intencional das condições de trabalho ou até mesmo o isolamento
– atentam contra a dignidade da vítima. Cuide-se também de ressaltar que a exposição
prolongada das trabalhadoras a esse tipo de situação vexatória, humilhantes, degradantes ou
depreciativas praticadas no ambiente de trabalho pode trazer implicações devastadoras à sua
vida profissional, familiar, profissional, e, principalmente, à sua integridade emocional.
No que se refere ao assédio por gênero, pesquisas especializadas como a tese de
dissertação de mestrado da precursora no tema no país - Margarida Maria Silveira Barreto1 -
demonstram que as mulheres têm liderado o ranking de vítimas do assédio moral. Isso se
deve, entre outros fatores, a crescente inserção do gênero feminino no mercado de trabalho,
bem como a perpetuação da discriminação em razão do sexo.
Não há como falar de direito do trabalho das mulheres sem esbarrarmos no conceito de
igualdade. Ainda que a hipermodernidade2 defenda incansavelmente uma igualdade entre os
gêneros, principalmente no que tange a direitos e deveres, tornar essa premissa uma verdade
absoluta é como deitar sobre uma cama de pregos. É preciso enxergar os vários papéis da mulher
na sociedade contemporânea, aqui muito bem colocado por Maria Eugênia Pinheiro3 (2019, p
13)
1BARRETO, Margarida Maria Silveira. Assédio moral: a violência sutil. Análise epidemiológica e psicossocial no
trabalho no Brasil. 2005. 188 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Pontifícia Universidade Católica, São
Paulo, 2005 2 LIPOVETSKY, Gilles (2004). Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla 3 Silva, Maria Eugênia Pinheiro Sena da S586m AS MULHERES E O DIREITO DO TRABALHO: OS
IMPACTOS DA LEI N° 13.467/2017. / Maria Eugênia Pinheiro Sena da Silva. -- Rio de Janeiro, 2019. 110 f.
13
Tendo em vista o papel da mulher na sociedade capitalista, patriarcal,
misógina e racista - um papel figurativo no que tange ao trabalho
remunerado, e protagonista em relação às tarefas domésticas e de cuidado,
inescusável para a manutenção e reprodução da força de trabalho -,
algumas questões devem ser colocadas em pauta, por exemplo, a
supervalorização da maternidade e a necessidade do recorte de raça e classe
14
1. MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO: A EXPLORAÇÃO DE
CLASSES E O TRABALHO FEMININO
1.1. Contexto histórico das relações humanas no ambiente de trabalho
O panorama do trabalho cruza na atualidade transformações e desafios
preocupantes. Qual será a função do trabalhador, do homo faber, e do próprio trabalho,
num futuro próximo? Profundas modificações vem atravessando o modo de laborar e de
analisar o Trabalho humano, que parte das eras pré-industriais até os dias de hoje, que
as questões e dúvidas pelo destino do trabalhador atormentam qualquer indíviduo que se
disponha a analisar o problema.
Dessa maneira, esta permanente alternância de papéis acompanha o trabalho
humano através dos tempos, mudando de posições internamente nas sociedades: algumas
vezes menos valorizado do que deveria, outras sendo feito apenas por escravos 4 , na
Antigüidade; pouco depois foi valorizado, na Idade média, ao ser difundido o pensamento
de que “o trabalho dignifica o homem”, dando uma visão poética e romantizada da labuta,
do trabalho braçal. Os servos da idade média muito se diferiam dos escravos. Os
participantes do sistema servil possuiam um pequeno pedaço de terra e, para prover suas
famílias, possuiam ferramentas básicas, porme nada ali cultivado poderia ser vendido,
somente repassado para o senhor da gleba. O sociólogo alemão Max Weber sinaliza a
religião como componente indispensável fundamental no crescimento da valorização do
trabalho. Em seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber assinala que
os protestantes consideravam a dedicação ao trabalho como uma virtude e que essa visão
ajudou o capitalismo a ter sucesso em países protestantes.5
4 Na antiguidade, o escravo não detinha a condição de pessoa (persona), mas de coisa (res), não possuindo
direitos, mas apenas deveres, e o principal destes, o de trabalhar, para que seu senhor pudesse se dedicar ao ócio
criativo, que elevava a alma.
5 WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Antonio Flávio Pierucci (ed.). São Paulo:
Companhia das Letras, 2004.
15
A palavra TRABALHO tem diversos significados, como aqui analisa Suzana
Albornoz6:
Na linguagem cotidiana a palavra trabalho tem muitos significados.
Embora pareça compreensível, como uma das formas elementares de ação
dos homens, o seu conteúdo oscila. Às vezes, carregada de emoção, lembra
dor, tortura, suor do rosto, fadiga, noutras, mais que aflição e fardo, designa
a operação humanda de transformação da matéria natural em objeto de
cultura. É o homem em ação para sobreviver e realizar-se, criando
instrumentos, e com esses, todo um novo universo cujas vinculações com
a natureza, embora inegáveis, se tornam opacas (ALBORNOZ, 1988, p. 8)
Afinal, no inicio do século XVIII, com a agricultura familiar se modernizando, as
famílias que residiam nas zonas rurais migraram para as áreas urbanas, transformando-se em
mão de obra barata. A população começa um crescimento sem precedentes históricos, a base
de precárias condições sanitárias e de moradias em conjunto com baixos salários advindos do
labor nas fábricas. Ao surgir a sociedade industrial, passou a ser, mais uma vez subvalorizado,
hiper explorado, sem proteção alguma no tocante ao trabalhador, As relações produtivas eram
marcadas por precária proteção legal. Na seguna metade do século XIX, a mobilização e a
organização da classe trabalhadora se tornaram fundamentais para a luta por melhores
condições de trabalho.
Dessa maneira explicava Marx:
A forma-valor relativa geral do mundo das mercadorias imprime à mercadoria
equivalente, excluída desse mundo, o carácter de equivalente geral. [A sua própria
forma natural é a figura comum do valor desse mundo; por isso] o tecido é agora
imediatamente permutável por todas as outras mercadorias. [A sua forma corpórea
apresenta-se como a incarnação visível, a materialização comum, social de todo o
trabalho humano. ] A sua forma natural é, portanto, ao mesmo tempo, a sua forma
social. A tecelagem, o trabalho privado que produz o tecido, adquire por isso
mesmo o carácter de trabalho social, a forma de igualdade com todos os outros
trabalhos. As inúmeras equações de que se compõe a forma-valor geral equiparam
o trabalho realizado no tecido com o trabalho contido em cada mercadoria que
sucessivamente é comparada com ele, transformando a tecelagem na forma genérica
de manifestação do trabalho humano [em geral]. Deste modo, o trabalho
objectivado no valor das mercadorias não é representado somente duma forma
negativa, isto é, como uma abstracção em que se diluem as formas concretas e as
propriedades úteis do trabalho real; o que agora ressalta nitidamente é a sua natureza
positiva. É a redução de todos os trabalhos reais ao seu carácter comum de trabalho
6 ALBORNOZ, Suzana. O que é trabalho. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1988 (https://brito964. files.
wordpress. com/2013/06/o-que-c3a9-trabalho-suzana-albornoz. pdf)]
16
humano, de dispêndio da mesma força humana de trabalho. A forma-valor geral
[que representa os produtos do trabalho como simples cristalizações de trabalho
humano indistinto] mostra, pela sua própria estrutura, que ela é a expressão social
do mundo das mercadorias. Revela, por conseguinte, que nesse mundo das
mercadorias o seu carácter especificamente social é constituído pelo carácter
universalmente humano do trabalho.
Hoje em dia, a globalização e os avanços tecnológicos seguem sujeitando o trabalho a
um plano inferior, e por conseguinte, o ser humano. Avanços que foram conquistados através
de revoltas, luta e até mesmo derramamento de sangue, como os direitos trabalhistas, são cada
vez mais espoliados. Velhos questionamentos voltam à cena, numa busca por soluções que
já se pressupunham ultrapassadas.
Ricardo Antunes analisa assim a questão:
Trata-se de uma hegemonia da “lógica financeira” que, para além de sua
dimensão econômica, atinge todos os âmbitos da vida social, dando um
novo conteúdo aos modos de trabalho e de vida, sustentados na
volatilidade, na efemeridade e na descartabilidade sem limites. É a lógica
do curto prazo, que incentiva a “permanente inovação” no campo [. . .] da
força de trabalho, tornando obsoletos e descartáveis os homens e mulheres
que trabalham.
E novos desafios aparecem nessa mudança de foco em relação ao trabalho humano.
Os problemas sociais que surgem com o trabalho sem limites de hoje em dia, com poucas
pausas e quase sem direitos, vem adoecendo e matando ser humano. As enfermidades
convergem da intropescção de possibilidades ainda mais sofisticadas de subjugação e
humilhação do trabalhador: à maquinaria e à exaustão da jornada, juntam-se o controle
psicológico do trabalhador em tempo integral e as doenças que decorrem daí, sejam elas
estresse, depressão ou outras síndromes. A exaustão vem embrulhada em outro pacote.
Porém o pano de fundo continua o mesmo de tempos atrás: a desvalorização do trabalho
humano, apesar da sociedade basear sua estrutura econômica nesse mesmo trabalho, assim
como diz Chiarelli (2006), o alicerce pétreo do mundo constitui-se de cimentadas massas
populacionais dos que, subordinados, fizeram.
Cabe aqui a reflexão de Irani Ferrari, intuindo que: “sejam quais forem os valores
17
que lhe atribuam (degradante ou enobrecedor), o trabalho sempre ocupou o lugar central em
volta do qual as pessoas organizaram suas vidas”. (FERRARI, 2002, p. 22). Essa
centralidade se justifica pela amplitude do estudo dos valores morais do conceito de
trabalho, englobando desde a atividade vital consciente à alienação, desde o trabalho
verdadeiramente livre ao trabalho espoliado e explorado, assim como explica Marx:
O que constitui a alienação do trabalho? Primeiramente, ser o trabalho
externo ao trabalhador, não fazer parte de sua natureza e, por conseguinte,
ele não se realizar em seu trabalho mas negar a si mesmo, ter um sentimento
de sofrimento em vez de bem estar, não desenvolver livremente suas
energias mentais e físicas mas ficar fisicamente exausto e mentalmente
deprimido. O trabalhador, portanto, só se sente à vontade em seu tempo de
folga, enquanto no trabalho se sente contrafeito. Seu trabalho não é
voluntário, porém imposto, é trabalho forçado. Ele não é a satisfação de
uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras necessidades.
Seu caráter alienado é claramente atestado pelo fato, de logo que não haja
compulsão física ou outra qualquer, ser evitado como uma praga. O
trabalho exteriorizado, trabalho em que o homem se aliena a si mesmo, é
um trabalho de sacrifício próprio, de mortificação. Por fim, o caráter
exteriorizado do trabalhador é demonstrado por não ser o trabalho dele
mesmo mas trabalho para outrem, por no trabalho ele não pertencer a sim
mesmo mas sim a outra pessoa.
1.2. A divisão sexual do trabalho na atualidade
É preciso dar um passo atrás na história a fim de entender, na atualidade, de maneira
mais contundente, o processo que envolve a divisão sexual do trabalho. Nogueira, respaldado
pelos pensamentos de Marx e Engels, acredita no seguinte pressuposto:
nos primórdios da divisão sexual do trabalho, tanto a mulher livre quanto a
mulher escrava tinham o seu trabalho pertencente à esfera doméstica, pois eram
responsáveis pela manutenção da subsistência e reprodução, passando por vários
campos, como o da alimentação, higiene dos homens e crianças” (NOGUEIRA,
2010, p. 200).
Daniele Kergoat (2009) destacou, de maneira pertinente, que também na
atualidade tanto mulheres quanto homens podem ser diferentemente espelhados na
sociedade que estão inseridos. E vale salientar que esses contrastes não são consequências
biológicas, mas sim construções erguidas através das relações sociais, que particularizam
18
os papéis, e atualmente se desenhou em uma divisão sexual do trabalho,expressão que
resumiu as relações sociais entre os sexos.
A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social
decorrente das relações sociais de sexos; essa forma é historicamente adaptada a
cada sociedade. Tem por características a destinação prioritária dos homens à
esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a ocupação
pelos homens das funções de forte valor social agregado (políticas, religiosas,
militares e etc.) (KERGOAT, 2009 p. 67).
O pilar então da divisão sexual do trabalho, bem salientado por Maria Eugênia Pinheiro
Sena (2019, p17), era por fim “a naturalização e a valorização das diferenças entre homens e
mulheres, observadas a partir do fator único: o gênero. Para os defensores dessa divisão, a
natureza masculina e a feminina são complementares e essenciais para um equilíbrio social. Há
uma separação de papéis justificada por um fator biológico.”
É de suma importância levantar alguns elementos sócio históricos para se
compreender a divisão sexual do trabalho. Refletir acerca da pressão do patriarcado para
tentar compreender, e se fazer sentir o peso e a marca desse patriarcado na vida das mulheres
de uma maneira geral.
Delphy (2009) considera que o termo patriarcado origina do grego pater, tipificando
uma sociedade em que o território onde o governante é o patriarca, uma figura de orientação
masculina, sendo ele constituído de poder de liderança desse território. Em suma, o
patriarcado é como se fosse o poder e a autoridade de um pai.
Reproduzir a percepção da Christine Delphy coopera para um melhor entendimento
da expressão patriarcado nos dias de hoje e as etapas do desenvolvimento das sociedades
humanas.
“[. . .] com a “segunda onda do feminismo” [. . .]. Nessa nova acepção
feminista, o patriarcado designa uma formação social em que os homens detêm o
poder, ou ainda, mais simplesmente, o poder é dos homens. Ele é, assim, quase
19
sinônimo de “dominação masculina” ou de opressão das mulheres. Essas
expressões, contemporâneas dos anos 70, referem-se ao mesmo objeto, designado
na época precedente pelas expressões “subordinação” ou “sujeição” das mulheres,
ou ainda “condição feminina” (DELPHY, 2009, p. 173).
De maneira a provocar uma maior reflexão, é possível observar no trecho termos
diretamente ligados ao patriarcado, que menospreza a figura feminina e enaltece a figura
masculina, o que leva a inferir que essa cultura do patriarcado nos denota-se implicitamente
que a divisão sexual do trabalho é perpetuada, e junto com ela a violência contra mulher,
trazendo consigo o assédio moral contra a mulher no ambiente do trabalho. Por gerações é
possível analisar as inúmeras desigualdades entre mulheres e homens, admitindo ponderar a
cerca da construção histórica que estabeleceu a ordem masculina como pilar do patriarcado,
gerando controversas consequências à sociedade.
Em seu estudo, Maria Eugênia7 (2019, p20) mostra que:
A maioria das mulheres, em maior ou menor grau, cumprem múltiplas
jornadas de trabalho. Independente da classe social, idade ou raça, as
tarefas reprodutivas, os cuidados domésticos com os filhos e com os idosos
são desempenhados por elas. A impossibilidade da desvinculação das
tarefas de cuidado à figura feminina, de certa forma, impede a autonomia
financeira das mulheres, que, por sua vez, impede a autonomia pessoal
É possível então, a partir desse pressuposto, intuir que o patriarcado se perpetua
através da divisão sexual do trabalho. Diante dos conceitos de entrincheiramento e
insurgência, citados por James Holston8, é cristalina a idéia de que a estrutura patriarcal é o
que dificulta a agência insurgente das mulheres, que se vêem obrigadas a lutar contra o
entrincheiramento de um sistema estruturalmente machista. A cidadania garantida pela
Constituição Federal, igualando homens e mulheres, esbarra na desigualdade baseada apenas
pelo gênero, agindo para que não haja nenhum tipo de abalo ou mudança na estrutura de
7 Silva, Maria Eugênia Pinheiro Sena da S586m AS MULHERES E O DIREITO DO TRABALHO: OS
IMPACTOS DA LEI N° 13.467/2017. / Maria Eugênia Pinheiro Sena da Silva. -- Rio de Janeiro, 2019. 110 f. 8HOLSTON, James. Cidadania insurgente: disjunções da democracia e da modernidade no Brasil / James
Holston ; tradução Claudio Carina ; revisão técnica Luísa Valentini. — 1a ed. — São Paulo : Companhia das
Letras, 2013.
20
sociedade patriarcal, dificultando os movimentos de libertação feminista.
A padronização, a tecnologia e a uniformização, trazidas pela globalização, a princípio
auxiliaram na melhora e na segurança das condições de trabalho, entretanto também
provocaram o desemprego. No mesmo fluxo, foi possível perceber que o diploma e a formação
profissional, diferenciais na obtenção de promoções, é muito mais sacrificante para as mulheres
que, por via de regra possuem dupla jornada, do que para os homens. Mulheres também
precisam administrar situações de conflitos com subordinados homens, além de possíveis
demissões. Posições de supervisão, gerência e direção são quase inacessíveis às mulheres.
Conforme análise de Amaral e Vieira:
“A complexidade da situação feminina agrava-se, na atualidade, com a
crescente demanda das empresas por maior qualificação do trabalhador, exigindo da
mulher o cumprimento de não apenas duas jornadas de trabalho, mas três, aqui
entendidas como a conciliação das atividades profissionais, familiares e
educacionais. (AMARAL E VIEIRA, 2009, p. 02).”
Com o intuito de dar um reforço à percepção de como foram construídas as relações
entre homens e mulheres, Santos (2010) aborda, baseado em Souza-Lobo (1991) e Saffioti
(1992), a percepção “que a mulher ao alcançar uma posição distinta daquelas ocupadas pela
mão de obra feminina, a mulher não é reconhecida como trabalhadora qualificada tanto quanto
o homem, mas é vista como “mulher excepcional”. Já Saffioti analisa que “homens e
mulheres, mesmo quando pertencentes à mesma classe social, vivenciam de forma
diferenciada os fatos do cotidiano”.
Segundo Helena Hirata:
“O trabalho precário é majoritariamente feminino. Aqui também, como
nos outros aspectos referidos anteriormente, é necessário estabelecer
relação entre desigualdade no mercado de trabalho, entre mulheres e
homens, assim como desigualdades na família e na esfera doméstica
(relação de trabalho, de poder, de saber, relações de dominação)”
Conforme exposto pela própra Helena Hirata9 “para o feminismo materialista o trabalho é
9 HIRATA, Helena. Gênero, Patriarcado, Trabalho e Classe periodicos.uff.br › trabalhonecessario › article ›
download Acesso em novembro 2019
21
central em sua materialidade e enquanto prática social. A divisão sexual do trabalho
profissional e do trabalho doméstico subjacente à divisão sexual do poder e do saber também
é central para essa corrente do feminismo materialista”
1.3 Mulheres no mercado de trabalho
A mudança mais importante nos métodos de produção e meios de trabalho
certamente foi a invenção da máquina a vapor em 1712 por Thomas Newcomen, que no
meado do século XVIII foi aperfeiçoada por James Wall. Essa nova ferramenta foi
fundamental para a aceleração da industrialização da economia, resultando na conhecida
Revolução Industrial, modificando de maneira radical e permanente as relações entre
capital e trabalho.
Desde a escravidão não se via regime de trabalho tão cruel e exaustivo. Os baixos
salários inviabilizavam condições dignas de sobrevivência aos trabalhadores. Grande
parte desses trabalhadores, que nem nos guetos tinham condições de morar, sem o mínimo
de infra-estrutura, instalavam-se nas dependências da fábrica onde labutavam. Eram
nocivas e perigosas as condições de trabalho, expondo os funcionários “a incêndios,
explosões, intoxicações por gases, inundações, desmoronamentos”, além de doenças como
“tuberculose, asma e pneumonia” (MARTINS, 2003, p. 36). As jornadas eram insalúbres
e longas muito além do permitido, algumas por mais de dezoito horas.
As corporações de ofício, formadas por mestres, companheiros e aprendizes
constituiam uma outra forma de trabalho no século XVIII. Sobre esse tema, Russomano
desenvolve o seguinte:
“Dentro das corporações, o trabalho estava distribuído em três níveis, como
é notório: aprendizes companheiros e mestres. Os aprendizes estavam submetidos,
muito estreitamente, à pessoa do mestre. Eram jovens trabalhadores que como sua
designação indica, aprendiam o oficio. [. . . ] os companheiros, tecnicamente, eram
trabalhadores qualificados, que dispunham de liberdade pessoal, mas que sabiam
22
lhes seria, a qualquer preço, vedado o acesso à condição de mestres, por mais
refinada que fosse sua formação profissional. (RUSSOMANO, 2000, p. 14). ”
Acontece que os capitalistas, donos dos meios de produção, passaram a ter um poder
e influêcia que a classe trabalhadora jamais havia se deparado antes, e, o que o tornavam mais
fortes, com o devido apoio e proteção do Estado. Posteriormente, através da prática abusiva
do poder do capital, surgiu uma legislação protetiva aos trabalhadores tão renegados, trazendo
assim o Direito do Trabalho. Estas relações controversas que se estabelecem entre os que
compram e aqueles que responsáveis por vender a força de trabalho levam à divisão das
sociedades capitalistas em duas classes sociais fundamentais, com interesses que são opostos
e não se conciliam entre si. Então se torna o direito do trabalhador responsável “por regular e
organizar as relações entre ambas e ao Estado a manutenção e a perenização destas relações”
10(RAMOS FILHO, 2013, p. 3). Controverso, o direito do trabalho, ainda que se trate de uma
relação desigual e apresente princípios como o da proteção ao trabalhador, ele ainda assim
não se furta de chancelar e regulamentar a exploração.
A partir daí o modo de vida foi a fundo modificado, dando espaço a dois grupos
sociais distintos e posicionados economicamente em esferas inteiramente opostas. Um
grupo dos operários, descritos assim por SEGADAS, 2003, p. 35,
“[. . . ] uma ralé fatigada, sórdida, andrajosa, esgotada pelo trabalho e pela
subalimentação; inteiramente afastada das magistraturas do Estado; vivendo em
mansardas escuras, carecida dos recursos mais elementares de higiene individual e
coletiva; oprimida pela deficiência dos salários; angustiada pela instabilidade do
emprego; atormentada pela insegurança do futuro, próprio e da prole; estropiada pelos
acidentes em reparação; abatida pela miséria sem socorro; torturada na desesperança
da invalidez e da velhice sem pão, sem abrigo, sem amparo. Só a caridade privada, o
impulso generoso de algumas almas piedosas, sensíveis a essa miséria imensa, ousava
atravessar as fronteiras deste inframundo, os círculos tenebrosos deste novo Inferno,
para levar, aqui e ali, espaçada e desordenadamente, o lenitivo das esmolas, quero
dizer: o socorro aleatório de uma assistência insuficiente. (SEGADAS, 1997, p.
35).”
10 RAMOS FILHO, Wilson. Direito Capitalista do Trabalho: história, mitos e perspectivas no Brasil. São Paulo:
LTr, 2012.
23
e por sua vez
“Os capitães da indústria, ocupados com a acumulação e a contagem de
seus milhões e gozo dos benefícios de sua riqueza, não tinham uma consciência
muito clara do que significava a existência deste inframundo da miséria, que fica
do outro lado da vida, longe de suas vistas aristocráticas, e cujos gritos de ódio,
cujas apóstrofes indignadas, cujas reivindicações de justiça eles não estavam em
condições de ouvir e, menos ainda, de entender e atender. (SEGADAS, 1997,
p. 35)”
Analisando a verdadeira situação na época, os operários eram compelidos a se
resignar e se submeter às deliberações dos empregadores para não morrer de fome.
“Instituísse uma nova forma de escravidão, com o crescimento das forças dos privilegiados
da fortuna e a servidão e a opressão dos mais débeis” (SEGADAS, 1997, p. 34), uma vez
que a livre contratação e o princípio da autonomia das vontades, princípios defendidos
pelo Estado liberal somente atendia aos interesses do capital desfavorecendo os
trabalhadores da época.
Naquele período, o Estado, tendo o lema francês do deixar fazer, deixar passar,
portava-se somente como uma figura garantidora da ordem pública, se mantendo distante
da proteção e organização das relações trabalhistas. Essa postura do Estado suscitava uma
instabilidade na sociedade, colocando o Estado liberal em xeque, fazendo com que sua
postura de mero espectador dos elos trabalhistas e garantidor da permissão individual
fosse revisada a o fim de aceitar uma postura coletivista, buscando a construção de um
variado social.
No Brasil, associa-se o Dia da Mulher com o fato histórico do Triangle11, ocorrido um
ano depois da proposição por Zetkin, possivelmente, pela associação do sacrifício das
mulheres na data do feito. Blay destaca que, no início do século XX, houve uma forte
reinvindicação em Nova York, pelo direito ao voto feminino, comandado pela líder sufragista
11 O Dia Internacional da Mulher Trabalhadora é considerado como uma jornada de luta feminista em todo o
mundo em comemoração do dia 8 de Março de 1908, data em que as trabalhadoras da fábrica têxtil „Cotton‟,
de Nova York, declararam greve em protesto pelas condições insuportáveis de trabalho. Na sequência disso,
ocuparam a fábrica e o patrão prendeu-as lá dentro, fechou todas as saídas, e incendiou a fábrica. Morreram
queimadas as 129 trabalhadoras que estavam lá dentro (Victória Sal, Dicionário ideológico feminista, 1981,
apud, A nova Democracia, 2004).
24
Berta Lutz, que se utilizou de um grupo de ascendência da burguesia, para ajudar na
divulgação da demanda (BLAY, 2001).
Foram diversas as maneiras utilizadas ao longo da história pelos homens para expor a
mulher sempre como ser inferior e dependente de suas decisões. Elas eram proibidas de fazer
parte de movimentos e ações decisórias sobre inúmeros assuntos como futuro social, político
ou econômico da sociedade na qual estava inserida e tão pouco tinham chance de se expressar
de qualquer maneira. Seu papel sociedade se resumia sempre a um segundo plano, apenas
responsável pelo bem-estar de sua tradicional família.
Foi possível começar a perceber a mudança a partir da revolução industrial em 1789,
momento onde a força de trabalho feminina passou a ser absorvida pelas fábricas, iniciando
nesse momento uma procura por condições melhores de trabalho, acesso à cultura e o fim da
diferença entre os sexos. Nesse período as mulheres eram submetidas a regime de trabalho
desumano com carga horária de 12 horas por dia, assédios moral e sexual, porém, sob a ótica
do capital, a inserção das mulheres no mercado de trabalho incutia a ideia de redução de gastos,
uma vez que o salário mais baixo era justificado por pressupostos sexistas.
O Androcentrismo termo criado pelo sociólogo americano Lester F. Ward em 190312
está intrinsecamente ligado à ideia de patriarcado, porém não se refere apenas ao privilégio dos
homens, mas também à forma como as experiências masculinas são consideradas como as
experiências de todos os seres humanos e entendidas como uma norma universal, tanto para
homens quanto para mulheres, sem dar o reconhecimento completo e igualitário à sabedoria e
experiência feminina. Tendência essa que reduz a raça humana ao homem, um exemplo
contundente e excludente que consegue bem ilustrar um comportamento androcêntrico.
Esta dinâmica resulta em um cenário onde a conduta das mulheres desde muito cedo
é controlada e, de acordo com as convenções criadas pelo androcentrismo, precisa seguir
certos padrões. Quem se arrisca a se rebelar contra o que é implicitamente (ou explicitamente)
assentado, poderá sofrer duras consequências, sendo isolado ou vítima de maiores pré-
12 De acordo com o sociólogo americano Lester Frank Ward, em seu livro Pure Sociology: A treatise on the
Origin and Spontaneous Development of Society (1903), a teoria androcêntrica é aquela calcada na posição do
sexo masculino como superior e do sexo feminino em segundo plano.
25
julgamentos.
A feminização do campo do trabalho é obviamente um progresso na pretensão pela
autonomia feminina, não obstante esta adição ainda se gera de maneira precarizada e
subalterna, inquirindo a constituição de ligações igualitárias, principalmente no tocante à
dupla jornada de trabalho feminino e a luta contra os distintos tipos de violência contra a
mulher presentes no ambiente feminino.
Nessa conjuntura do trabalho feminino, destacada pelo enfraquecimento e
desvalorização, coopera, e muito, com a precarização do trabalho e a ocorrência de assédio
moral contra as mulheres, assunto desenvolvido a seguir.
26
2. ASSÉDIO MORAL E SUAS CONCEPÇÕES
2.1 Assédio moral e suas definições
São várias as definições que podem ser dadas para o assédio moral. Em uma delas,
Margarida Barreto13 menciona uma que “é um sentimento de ser ofendido, menosprezado,
rebaixado, inferiorizado, submetido, vexado, constrangido e ultrajado pelo outro. É sentir-se
um ninguém, sem valor, inútil, magoado, revoltado, perturbado, mortificado, traído,
envergonhado, indignado e com raiva. A humilhação causa dor, tristeza e sofrimento.” Esta
definição retrata todo o sentimento de uma vítima de assédio moral.
Já a definição de Hirigoyen14 a respeito de assédio moral diz que:
[. . . ] toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se, sobretudo, por
comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à
personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma
pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente do trabalho
Existem diversas formas de se classificar o assédio moral, sendo elas direcionadas a
determinados cidadãos ou à coletividade. Será contra um indivíduo específico quando for
dirigida a apenas uma pessoa, e reiterada contra a mesma. Geralmente é direcionada alguma
particularidade da vítima, como trejeito pessoal, deficiência, origem étnica ou até mesmo
capacidade diferenciada para o trabalho. Irá ser dirigida à coletividade quando for focada para
atingir mais de um indivíduo, sem que haja especificação de pessoas, normalmente se relaciona
ao abuso do poder hierárquico de caráter menos pessoal, se configurando pelo excesso de
cobranças gerais, pela tirania. É identificado através de punições vexativas, ordens gerais de
conduta incompatíveis, tratamento desumano e definição de relações além dos paradigmas
concebíveis em um ambiente laboral saudável e ético.
13 BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, Saúde e Trabalho - Uma jornada de humilhações. São
Paulo: FAPESP; PUC, 2000 14 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral: a violência perversa do cotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2000.
27
Maurício Godinho Delgado (2017, p. 1456) apresenta uma clara definição de assédio
moral como
a conduta reiterada seguida pelo sujeito ativo no sentido de desgastar o
equilíbrio emocional do sujeito passivo, por meio de atos, palavras,
gestos e silêncios significativos que visem ao enfraquecimento e
diminuição da autoestima da vítima ou a outra forma de tensão ou
desequilíbrio emocionais graves. 15
Segundo ele, o assédio moral se trata de uma recente construção jurisprudencial e na
doutrina de âmbito trabalhista, criada a partir de uma observação mais cuidadosa das relações
de trabalho e suas dinâmicas que, antes da Constituição Federal de 88, não tinham sido
percebidas. Já Luciany Santos, em sua dissertação16, propôs uma visão mais ampla sobre o
conceito de assédio moral:
O assédio moral é uma forma característica e peculiar de violação dos
direitos da personalidade, à integridade psíquica, em especial, que se
protrai no tempo; é marcado pela sutileza das ações, é sempre bilateral, pois
estão, de um lado, o assediado (vítima) e, de outro, o assediador, ambos
vinculados por uma relação hierárquica ou de dominação deste último em
relação ao primeiro.
O assédio moral tende a acontecer de maneira vertical, no sentido descendente, da chefia
direcionado ao chefiado. Na seara trabalhista, este é o tipo mais comum. Entretanto existem
outros tipos de assédio moral como o horizontal, que consiste na perseguição de colegas em
direção a outro colega.
No que se refere ao fenômeno do assédio moral horizontal, Quadros diz que:
“O fenômeno horizontal está relacionado à pressão para produzir com
qualidade e baixo custo. O medo de perder o emprego e não voltar ao
mercado formal favorece a submissão e fortalecimento da tirania. O
enraizamento e disseminação do medo no ambiente de trabalho, reforça
15 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. Ed. – São Paulo: Ltr, 2017; 16 SANTOS, Luciany Michelli Pereira dos. O assédio moral nas relações privadas: uma proposta de
sistematização sob a perspectiva do bem jurídico e integridade psíquica. 2005, Dissertação (Mestrado em
Direito) – Universidade Estadual de Maringá, 2005. p.239
28
atos individualistas, tolerância aos desmandos e práticas autoritárias no
interior das empresas que sustentam a ’cultura do contentamento geral’. Enquanto os adoecidos ocultam a doença e trabalham com dores e
sofrimentos, os sadios que não apresentam dificuldades produtivas, mas
que ’carregam’ a incerteza de vir a tê-las, mimetizam o discurso das
chefias e passam a discriminar os ’improdutivos’, humilhando-os. ”17
Na mesma linha, Candy Florencio Thome explica sobre o assédio moral
horizontalizado:
Esse tipo de assédio moral, também chamado de assédio moral
transversal, normalmente, é desencadeado por alguma discriminação do
grupo em relação a alguma diferença da vítima entre eles. Também a
intolerância racial, étnica e opção sexual são motivos comuns para a
ocorrência do assédio moral horizontal. [. . . ] Outro motivo para o
surgimento do assédio moral horizontal é uma rivalidade existente entre
dois colegas, diante de uma possibilidade de promoção. Um dos
empregados pode passar a assediar o outro para desestabilizar o colega
que acredita ser seu concorrente”18
Por fim, conforme análise feita por Luiz Gomes Ramos e Rodrigo Galia19, com citação
de Reginald Felker, o assediador apresenta um desenho psicológico aterrador, norteado pelo
prazer em praticar o aviltamento dos demais e em outros aspectos, assim como é possível
observar que ele se mostra uma pessoa arrogante, desmotivadora e amoral, tudo isso com o
intuito de dissimular sua incompetência ao rebaixar o assediado.
O assédio moral vertical pode ser interpretado como infração do empregador e se
enquadra nas situações descritas em três das alíneas do art. 483 da CLT, que descreve as
possibilidades de uma rescisão indireta de contrato de trabalho. Temos, na alínea “a”.
exigência de serviços superiores às forças do trabalhador, defeso por lei, contrários aos bons
costumes, ou alheios ao contrato. Também na alínea “b”. tratamento do trabalhador com
rigor excessivo, por parte do empregador ou superior hierárquico do obreiro. Finalmente,
17 QUADROS, Cármen Sílvia Silveira de; et al., (2008), O que é assédio moral. Disponível em:
<www.assediomoral.org/spip.php?article1>. Acesso em: Nov 2019. 18 THOMÉ, Candy Florencio. O Assedio Moral nas relações de Emprego, 2. ed., São Paulo : LTr, 2009, p. 40 19 FELKER, 2007, apud RAMOS, 2012, p. 52
29
temos a alínea “e”. prática pelo empregador, ou seus prepostos, contra o empregado ou
pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama.
Porém ao se falar em assédio moral horizontal, cometido por colegas contra outro colega
trabalhador, é passível de infração o colega assediador, e quem mais compuser a prática ativa
do assédio, conforme capitulado nas alíneas “b”. in fine (mau procedimento) ou na alínea “j”
(ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa. . .) que
compõem o artigo 482 da CLT. Esse tipo de assédio pode não chegar ao conhecimento do
empregador, reduzindo a chance de se responsabilizar juridicamente o empresário pelo assédio
cometido contra a vítima. Entretanto, é necessário que seja frisado que até mesmo em casos de
assédio moral horizontal, o empregador ainda assim pode ser responsabilizado juridicamente já
que, conforme explicitado nos art 2ª20 caput e 157 da CLT, é competência do empregador criar
e manter ambiente hígido de trabalho.21
O fenômeno do assédio moral vertical descendente, segundo pesquisas, é aquele que
prevalece no que diz respeito aos comportamentos do assediador, apesar de não ser possível
ignorar o índice das condutas de assédio moral horizontal22. Segundo a pesquisadora Marie-
France Hirigoyen23:
os comportamentos agressivos característicos do assédio podem se
apresentar nas mais diversas variações, que podem englobar: a)
deterioração proposital das condições de trabalho; b) isolamento e recusa
20 Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. 21 Art. 157 - Cabe às empresas: (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; (Incluído pela Lei nº 6.514, de
22.12.1977)
II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar
acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; (Incluído pela Lei nº
6.514, de 22.12.1977)
IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente. (Incluído pela Lei nº 6.514, de
22.12.1977) 22 Marie-France Hirigoyen, psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta francesa estudiosa dessa perversa dinâmica de
relacionando, referindo-se a pesquisa sobre o tema, indica os seguintes percentuais:
“ em 58% dos casos, o assédio vem da hierarquia, em 29% dos casos, o assédio vem de diversas pessoas, incluindo
chefia e colegas, em 12% dos casos, o assédio vem de colegas e, em 1% dos casos, o assédio vem de um
subordinado”. HIROGOYEN, Marie – France. Mal Estar no Trabalho – redefinindo o assédio moral. 3. Ed. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 111 23 HIRIGOYEN, Marie-France, Ob. Cit., pag 108-109.
30
de comunicação; c) atentado contra a dignidade; d) violência verbal, física
e sexual.
Outro tipo menos comum é o assédio moral praticado por empregado em face do seu
superior hierárquico, denominado assédio moral ascendente.
Marie-France Hirigoyen explica que o processo do assédio moral possui diversas etapas24,
que têm como ponto em comum a negativa de comunicação. As razões para a ocorrência desse
assédio são as mais variadas possíveis, como a necessidade de afirmar poder diante da
empregada, considerar a mulher apenas como um objeto, entre outros. O agressor nunca aceita
a recusa da mulher e se isso ocorrer, partirá para agressões e humilhações. Segundo a psiquiatra
francesa, as etapas do assédio pode ser:
a) desqualificar: nessa etapa a violência é realizada de forma leve, quase
imperceptível, geralmente através de linguagem não verbal ou mediante
críticas verbais em tons de brincadeira. Muitas vezes, a mulher assediada
acha que está dando uma ênfase maior do que necessária diante de tais atos;
b) depreciar: para que se configure essa etapa basta que seja despendida à
vítima pequenas insinuações, difamações, calúnias, etc.. Diante desses
atos, a vítima fica fragilizada e sem forças psicológicas para se
autodefender, facilitando a ocorrência do assédio;
c) isolar: a etapa de isolamento se dá separando a vítima de todas as
possíveis relações interpessoais existentes no ambiente de trabalho, por
exemplo, deixando de convidar a assediada às reuniões, isolá-la em um
espaço único e só, privá-la de informações básicas para a execução de seu
trabalho, etc.;
[...]
e) incitar a vítima a cometer um erro: nessa fase do processo o agressor de
forma argilosa leva a vítima ao cometimento de uma falta, e logo em
seguida, desqualifica-a e critica seu equívoco.
Restando comprovado a configuração do assédio moral e, principalmente, com a
participação ou conivência do empregador e demais chefias, o contrato de trabalho da vítima é
diretamente atingido, oportunizando a rescisão indireta do contrato de trabalho por motivos de
24 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral. A violência perversa do cotidiano. 5. ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2002a, p. 107-111.
31
infração do empregador, conforme disposto nas alíneas “a”, “b” ou “e” do artigo 483 da CLT.
Além disso, por conta da gravidade do comportamento do ofensor e do impacto que o assédio
provoca na vida do ofendido25 “e o núcleo moral da pessoa humana que vive do trabalho, este
tipo de assédio pode também ensejar indenização por dano moral”26 .
2.2 O conceito de discriminação de gênero
O conceito de gênero surgiu em meados dos anos 70 para estabelecer principalmente a
diferença entre o sexo, categoria analítica marcada pela biologia e por uma abordagem
essencialista da natureza, e o gênero, traços de construção histórica, social e política que
implicaria análise relacional.27
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), através da Convenção 111, versou
sobre a discriminação em relação a emprego e profissão, pactuando discriminação como
sendo: “Toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião
política, nacionalidade ou origem social, que tenha o efeito de anular ou reduzir a igualdade
de oportunidade ou de tratamento em emprego ou profissão”.
Dessa forma a Convenção sobre a eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contras as Mulheres expressou a discriminação sexual, em seu art. 1º, dessa maneira:
25 A recente Lei n. 13.185, publicada em 09/11/2015 instituiu o “Programa de Combate à Intimidação Sistemática
– (Bullying)”, figura que corresponde, de certa forma, a um tipo de assédio moral. O novo diploma normativo
considera intimidação sistemática ou bullying “todo o ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo
que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo
de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as
partes envolvidas. 26 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. Ed. – São Paulo: Ltr, 2017, p. 765
27 A Análise relacional compreende o estudo de gênero por meio da comparação entre o homem e a mulher.
Conforme Scott: Those who worried that women's studies scholarship focused too narrowly and separately on
women used the term "gender" to introduce a relational notion into our analytic vocabulary. According to this
view, women and men were defined in terms of one another, and no understanding of either could be achieved
by entirely separate study. SCOTT, Joan. Gender: a useful category of historical analysis. The American
Historical Review. Journals Chicago, v.91, n.5, dec. 1986. Disponível em:
http://www.direito.mppr.mp.br/arquivos/File/SCOTTJoanGenero.pdf Acesso em: Novembro 2019
32
Toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto
ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher,
independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da
mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
Baseado nesses conceitos, é possível intuir que a discriminação é um comportamento
de diferenciação que atinge de maneia cruel a dignidade do discriminado. Na área trabalhista,
é possível perceber essa discriminação de muitas formas. Quando se refere a mulheres, as
fontes de que as alocam no papel de vítima geralmente advém de assédio moral.
Existem também os que não conseguem lidar com o fato de receber ordens que partem
de mulheres, o que os fazem se sentir inseguros em relaçao a sua masculinidade. (PRATA,
2008, p. 240). Isso porque suas características endógenas de maior sensibilidade são alteradas
e remodeladas como se fossem defeitos pelos misóginos. (PRATA, 2008, p. 242).
É possível perceber dois tipos distintos de discriminação, sendo eles a discriminação
positiva e a negativa. Discriminar, na definição negativa, passa a significar separar, diferir,
segregar, definir diferenças. Porém, analisando em outro sentido, em uma definição positiva
tem significado de proteção dos direitos dos entes vulneráveis do organismo social, neste caso
a figura feminina.
O assédio moral é um fenômeno antigo, e também um dos mais relevantes no Direito
da atualidade, e sua importância pode ser vista no grande número de demandas judiciais onde
tal é o objeto principal28. Entretanto apenas a partir da década de 90 é que passou a ser
reconhecido e analisado como um problema social, depois de se comprovar que “a ocorrência
desta prática, não só diminui a produtividade como também favorece o absenteísmo, devido
aos desgastes psicológicos que provoca”29. A condição de trabalhador, homem e mulher, e sua
condição de trabalhador sempre existiu, pois a luta pela sobrevivência em busca de alimentos
ou a necessidade de defesa, fez com que estes viessem a praticar atividades que os manteriam
28 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O dano moral na dispensa do empregado. 3. ed. rev. e ampl. com enxertos
sobre os direitos de personalidade. São Paulo: LTr, 2002, p. 13 29 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral. A violência perversa do cotidiano. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2002a, p. 83
33
vivos e alimentados30. Diante do exposto, o homem, como ser masculino, sempre se definiu
como um ser superior, dono de algum elemento específico que apenas ele teria recebido, e não
a mulher, o que justificaria sua suposta relação de hierarquia na sociedade no que se refere às
mulheres. A clássica distinção de funções, onde mulheres cuidam do lar e os homens
trabalham para manter a casa.
A evolução da mulher no mercado de trabalho é notória, da mesma forma que também
é o espaço que elas conquistaram ao longo do tempo. Entretanto essa conquista, principalmente
no mercado de trabalho, não aconteceu de maneira justa e igualitária. Sua contribuição para
sociedade sempre inegável, contudo essa colaboração não foi valorizada a contento, como Luiz
Carlos Amorim Robortella31 transcreve de Xenofonte:
“Os Deuses criaram a mulher para as funções domésticas, o homem para
todas as outras. Os Deuses a puseram nos serviços caseiros, porque ela
suporta menos bem o frio, o calor e guerra. As mulheres que ficam em casa
são honestas e as que vagueiam pelas ruas são desonestas.”
Alice Monteiro de Barros atribui que tais pensamentos e atitudes, não passam de um
reflexo da cultura enraizada em “estereótipos sexistas”, onde cabe a mulher apenas a posição
de mãe e dona de casa. Para Alice, sexo não é critério para definir encargos a mulher e tão
pouco ao homem, tanto no âmbito do trabalho e na sociedade, se ao contrário for “a igualdade
almejada jamais será atingida”32. A desigualdade de gênero resiste ainda no século XXI,
fornecendo combustível para as práticas de assédio moral contra as mulheres.
Por ser interessante no mundo globalizado, uma vez que seguiu renegada ao posto de
mão de obra barata, a mulher precisou se submeter aos interesses alicerçados pelo próprio
homem a fim de conquistar esse espaço na sociedade. Entretanto as mulheres ainda se deparam
com diferentes condições de trabalho no que se compara à realidade do homem, apesar dos
frutos dessa quebra de barreira já refletirem num contexto contemporâneo.
30 VIANNA, Segadas. Instituições do Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, v.1, 2000, p. 27. 31 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Trabalho da mulher. São Paulo: Manuscrito, 2003, p. 2 32 BARROS (apud VOGEL NETO, Gustavo Adolpho (Coord.). Curso de Direito do Trabalho em homenagem
ao professor Arion Sayão Romita. Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 311)
34
Afirma Rodrigo da Cunha Pereira33 que “o grande grito da contemporaneidade é o da igualdade.
Igualdade dos direitos entre homens e mulheres, das raças, dos estrangeiros, das classes sociais.
Desde a Carta da ONU, em 1948, ficou declarada a igualdade de direitos entre todos os
homens”.
Relata ainda Rodrigo da Cunha Pereira que:
“Em 1998, após longa preparação em todo o mundo, realizou-se na China
a Conferência Mundial de Mulheres. Neste encontro, mulheres de todos os
lugares e culturas do planeta novamente discutiram as violações de seus
direitos, a discriminação e as desigualdades de direitos entre os gêneros.
Demonstrou-se que as mulheres, independentemente da classe social, têm
menor ascensão profissional, atingem menor número de cargos de direção,
recebem salário inferior ao do trabalhador masculino, submetem-se a uma
relação de dependência econômica etc., etc.. Reivindicou-se, como forma
de diminuir estas injustiças e violências, mudanças legislativas. Por outro
lado, constatou-se que, nos países onde há avanços legislativos de proteção
à mulher, falta a implementação institucional pelo aparelho de Estado, que
fragiliza a força normativa das leis reparadoras das desigualdades”.
A discriminação de gênero acontece especialmente por três razões a princípio:
dificuldades de inserção no mercado de trabalho; vulnerabilidade, já que as mulheres encontram
maior para ingressar no mercado de trabalho e menor qualidade do emprego obtido, geralmente
sem o vínculo empregatício e, por fim, a desigualdade na remuneração: os homens,
normalmente, são melhores remunerados do que as mulheres.
A tentativa de equidade de direitos entre homens e mulheres não seria solucionada
apenas por meio de diplomas legais que pregam a igualdade. A Constituição Federal de 88 já
prega e declara essa igualdade. Contudo, de maneira concreta, não existe essa igualdade. Existe
uma grande distância entre o fato e o Direito. O que resta claro é que somente as regras jurídicas
não encurtarão essa distância. Como dito por Marco Aurélio Treviso, os fatos que geram a
exclusão das mulheres na sociedade estão enraizados na própria cultura de nossa sociedade. A
33 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A desigualdade dos gêneros, o declínio do patriarcalismo e as discriminações
positivas (apud Repensando o Direito de Família – Anais do 1º Congresso Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM), Belo Horizonte, 1999, p. 161/173. Disponível em: <http://www.gontijo-
familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Rodrigo_da_Cunha/DesigualGenero.pdf>. Acesso em: novembro de 19
35
simples existência de normas jurídicas proclamando a igualdade não é o bastante para que isso
de fato aconteça34.
Para Rodrigo da Cunha Pereira:
A mulher continua sendo objeto da igualdade, enquanto o homem é o
sujeito e o paradigma deste pretenso sistema de igualdade. Isto por si só já
é um paradoxo para o qual Direito ainda não tem resposta; qualquer
tentativa de normatização sobre esta igualdade terá como paradigma um
discurso que é masculino.
A realidade ideológica da desigualdade de gênero compõe uma conjuntura que coopera
para uma sucessão de episódios de fenômenos discriminatórios, aos quais as mulheres são
submetidas e inferiorizadas, e alguns desses motivos são os que levam as mulheres a serem
assediadas reiteradamente no contexto atual.
É fato notório que a discriminação de cunho negativo colide diretamente com o
princípio da igualdade, eixo primordial da democracia, uma vez que o princípio tem como
pilar dar tratamento igual para aqueles que se encontram em situação de igualdade, bem como
tratar desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade. Por outro lado, a
discriminação positiva tem melhor aceitação já que contribui para a construção de uma
sociedade de alguma maneira mais equilibrada e justa. Nesse sentido, Magano e Mallet
conceituam: “a discriminação negativa é a que resulta na recusa do trabalho de mulheres; a
positiva é a que as favorece, como ocorreria com a companhia de aviação que só admitisse
aeromoças a seu serviço” (1993, p. 166).
Dessa forma, na atual conjuntura socioeconômica, com o cenário de globalização e
neoliberalismo, centro de uma genuína guerra de lucratividade e disputa, viu-se então seus
reflexos e um deles é a figura do assédio moral. Não se trata de fenômeno absolutamente
novo, já que é intrínseco ao funcionamento do capitalismo o controle e a subjugação do
34TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia. A Discriminação de gênero e a proteção à mulher. Disponível em:
https://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_77/Marco_Treviso.pdf . Acesso em: nov 19
36
trabalhador. Trata-se apenas da potencialização e da agregação de formas de controle e de
subjugação cada vez mais apuradas.
O assediado não tem uma representação pré definida e as causas para se atormentar
e assediar uma pessoa podem ser aleatoriamente subjetivas ou somente de caráter
discriminatório, assim como no caso das mulheres.
O assédio moral pode se configurar através de diferentes tratamentos em razão do
gênero, resultando em humilhações. A pesquisa realizada pela psicóloga francesa Marie-
France Hirigoyen confirma que as principais vítimas da coação moral são as mulheres,
salientando que 70% dos atingidos pelo assésdio são do gênero feminino enquanto que os
homens são apenas 30% dos atingidos.
Analisando dessa forma, é possível entender que os superiores hierárquicos
perseguem e provocam inferiorização, a fim de provocar terror psicológico na funcionária. A
integridade psicológica da empregada acaba por ser desestabilizada, uma vez que essas
práticas são reiteradas e abusivas, atingindo de maneira a desestabilizar emocionalmente a
vítima.
De modo a resumir o exposto acima, quando há a perpetuação, de maneira reiterada,
da discriminação de gênero, é nesse momento que o assédio moral surge, através de condutas
sistemáticas, repetitivas e abusivas. Mais adiante esse tema será abordado quando da análise
das decisões judiciais na esfera do Direito do Trabalho.
2.3 O gênero feminino como alvo do assédio moral nas relações de trabalho
Mediante o que foi observado durante este estudo, é possível analisar que a a mulher
foi posta em condição secundária, mantida sempre em um nível inferior em relação ao
homem, repercutindo negativamente junto ao gênero feminino e, consequentemente, ao longo
da História, no trato social entre os gêneros. Dessa maneira, pode-se inferir que o preconceito
de gênero esteja diretamente ligado às causas do assédio moral, principalemte quando se
37
pensa no ambiente de convivência social como o local de trabalho.
A possibilidade de um maior desenvolvimento foi trazida pela globalização35 porém
a competitividade no mercado aumentou, o que gerou o aumento de metas cada vez mais
difíceis e rigorosas aos trabalhadores, a fim de que a produção seja maior e mais ágil. Essa
postura dos empregadores, visando apenas o lucro, sem se conscientizar a respeito dos
empregados e de tudo que gira em torno dessas relações empregatícias, Fontoura destaca:
“O trabalhador, que antes desempenhava uma única função, deve ter um
perfil mais dinâmico, estar sempre pronto para eventuais mudanças, ser
multifuncional desempenhar todas as tarefas que lhe forem designadas e
perseguir sempre a superação em termos de agilidade e qualidade no
desempenho do seu trabalho. Essas exigências transcendem os limites da
fábrica e tais qualificativos são exigidos ou, no mínimo, desejado quando
o assunto é a colação no mercado de trabalho. A necessidade de
envolvimento individual do trabalhador com os objetivos da empresa,
assim como pode ser recebida pelo empregado como fonte de motivação,
também pode acarretar a perda da individualidade e da privacidade.
(FONTOURA, 2011, p. 385)”
Muitos autores já entraram no consenso de que o assédio moral já faz parte de um
processo maior de globalização e reestrutação das relações de trabalho, que se tornaram
tão precárias na contemporaneidade. Na análise de Barreto (2013), ele entende que “é
neste contexto que se exige dos/as trabalhadores/as: motivação, satisfação e que estejam
decididos, atuantes e afinados com as finalidades do capital e flexibilizados
emocionalmente”. E suma, depreende-se que os trabalhadores devem se sujeitar aos
desmandos do capital, porém se mantendo sólidos emocionalmente.
Não é possível negar que o empregador é o agente principal no que se refere as
causas de violência psicológica no local de trabalho, principalmente por ser ele o possuidor
do do poder diretivo estabelecido no art. 2º da CLT e o empregado estar subordinado
juridicamente a ele conforme exposto no art. 3º da CLT. No assédio moral, o que se vê
são as atitudes do agressor extrapolam o poder patronal e atingem a pessoa do empregado
35 Pode ser compreendida como a fase de expansão que o capitalismo atingiu na atualidade, impactando a
economia, a política, a cultura e o espaço geográfico (VELA, 2015).
38
e não a sua atividade36. A partir destes esclarecimentos, é possível verificar que esse
movimento nota-se que esse processo origina a violência no no ambiente de trabalho e são
as mulheres, en sua maioria, as mais atingidas nesse processo.
Desse modo, podemos afirmar que o aumento da inserção feminina no mundo do
trabalho, vem acompanhado de cenário de crescente degradação das condições de trabalho
e aumento no desemprego. Isso foi observado por Nogueira (2006):
“O crescimento das taxas de participação no mundo do trabalho das
mulheres casadas ou na situação de filhas na composição familiar está
claramente associado também ao aumento da taxa de desemprego dos
chefes de família masculinos. As mulheres, mesmo tendo as tarefas
domésticas sob sua responsabilidade, buscam a sua inserção no espaço
produtivo em boa parte para compensar o desemprego masculino. (pag. 125)”
A introdução da mulher no mercado de trabalho brasileiro é uma realidade. Segundo
dados do IBGE37 , no Brasil , no início dos anos 50, menos de 10% das mulheres participavam
do mercado de trabalho, o equivalente a 12% do total da população econômica ativa. No ano
de 2003, as mulheres passaram a constituir 43% da mão de obra. Os pesquisadores estimam
que, daqui onze anos, 64,3% das mulheres consideradas em idade ativa, com 17 a 70 anos,
estarão empregadas ou buscando trabalho. No início dos anos 1990, essa parcela era menor
(56,1%). Já a participação masculina deve encolher de 89,6% para 82,7% nessas
quatro décadas. As projeções foram feitas a partir de dados da Pnad Contínua, do IBGE. Elas
não incorporam os efeitos da provável aprovação da reforma da Previdência que fará com que
os brasileiros se retirem mais tarde do mercado de trabalho. Contudo, até o terceiro trimestre
de 2019, o rendimento médio do trabalho principal dos homens é de R$2.454,00 ao passo que
o rendimento médio das mulheres é de R$1.923,00. (IBGE, 2019)
Patriarcado está associado a violência e é preciso que isso seja compreendido. O
36 DALLEGRAVE NETO, 2010, p. 269. 37IBGE, Pesquisa Mensal de Emprego: Principais destaques da evolução do mercado de trabalho nas regiões
metropolitanas abrangidas pela pesquisa, 2010. Acesso em: 20 nov 2019
39
vocábulo violência vem do latim violentia, remete a vis muito utilizada no sentido de força,
energia, vigor, emprego da força física, dureza, ferocidade e somente quando ultrapassa os
limites estabelecidos pela sociedade é que esta força torna-se violenta (INÁCIO, 2003).
Segundo o próprio Inácio, se referindo às palavras violatio, onis, violo e are, é possível
identificar a ligação profunda com a violência na acepção negativa de ofender, insultar,
injuriar, afrontar, ultrajar, etc. Ao aproximar o tema da violência para o universo feminino,
as palavras acima se encaixam perfeitamente na triste situação de humilhação que diversas
mulheres são submetidas a vivenciar diariamente. O ambiente de trabalho, local bem comum
no que se refere a ocorrência de condutas discriminatórias, condutas essas motivadas por
alguns aspectos como pressão no trabalho, hierarquia, reconhecimento e, principalmente, pela
situação familiar, que tem reflexos no ambiente de trabalho, conforme análise de Engels:
“[. . . ] a emancipação das mulheres e sua igualdade com os homens são
impossíveis e assim devem permanecer, enquanto as mulheres forem excluídas do
trabalho social produtivo, e restringidas ao trabalho doméstico, que é privado. A
emancipação das mulheres só se torna possível quando elas são capacitadas a tomar
parte na produção em uma escala ampla, social, ou quando os serviços domésticos
pedem sua atenção apenas numa pequena medida [. . . ]. (ENGELS, 1884, s/p. ).
”
Cita Laufer que a grande diferença entre o trabalho do homem e o trabalho da mulher
se define pela conquista masculina de tempo livre, ou seja, atuar fora do âmbito trabalhista
durante as férias, e, também, pela redução de jornada. Enquanto o gênero feminino, este tem
acesso pleno a cidadania, contudo, é restrito o tempo livre (LAUFER, 2003).
Em pesquisa nacional sobre assédio moral no trabalho realizada Margarida Barreto38, é
possível identificar a prevalência do sexo feminino (63,7%), permitindo inferir que as mulheres
são mais discriminadas e coagidas no ambiente de trabalho que os homens.
38BARRETO, Margarida Maria Silveira. Assédio moral: a violência sutil. Análise epidemiológica e psicossocial
no trabalho no Brasil. 2005. 188 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Pontifícia Universidade Católica, São
Paulo, 2005
40
Tabela 1. Distribuição da população que compõe a amostra estudada segundo regiões e por sexo
SEXO CENTROESTE 5,6%
NORDESTE 12,4%
NORTE 2,5%
SUDESTE 63,8%
SUL 15,7%
TOTAL %
FEMININO 84 193 29 1049 226 1581 63,7
MASCULINO 54 114 34 533 164 899 36,3 TOTAL 138 307 63 1582 390 2480 100,0
Fonte: Pesquisa nacional sobre assédio moral no trabalho. Tese de doutorado. PUC/SP - 2005
Quanto à escolaridade da amostra, podemos inferir, a partir da área de atividade e profissões
relacionadas, que há maior contingente de trabalhadores com segundo e terceiro grau de
escolaridade:
✓ 25% terceiro grau completo
✓ 10% pós-graduação (mestrado e doutorado);
✓ 15% terceiro grau incompleto
✓ 40% segundo grau completo
✓ 10% segundo grau incompleto
Tabela 2. Distribuição da população estudada por regiões, segundo cor/raça.
RAÇA CENTROESTE NORDESTE NORTE SUDESTE SUL TOTAL %
BRANCA 92 180 39 1023 314 1648 66,4
NEGRA 42 120 22 527 73 784 31,6 AMARELA 4 7 2 32 3 48 2,0
TOTAL 138 307 63 1582 390 2480 100,0 Fonte: Pesquisa nacional sobre assédio moral no trabalho. Tese de doutorado. PUC/SP - 2005
A referida pesquisa sobre o mundo do trabalho está estruturada no reconhecimento que a
divisão sexual do trabalho (homens e mulheres) relação muito próxima com a divisão social e
relações sociais (Hirata, 2002). É diária a convivência com práticas discriminatórias apoiadas
nas diferenças sexuais e de raça, sendo ainda forte a presença da “ideologia de gênero” (Saffioti,
2004) em que as diferenças biológicas são convocadas para justificar as desigualdades que
permanecem nas relações entre sexos. Mesmo com a presença cada vez maior das mulheres no
41
mercado, persiste a divisão sexual do trabalho, baseada em atributos femininos e valores
masculinos.
42
3. O ASSÉDIO MORAL CONTRA A MULHER NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
3.1 As leis diante do assédio moral
O princípio da dignidade da pessoa humana é exaltado pela Constituição Federal e elevado
a fundamento da República Federativa do Brasil e, consequentemente, se mostra também como
finalidade da ordem econômica. No art. 1º da CF, a seguir transcrito, é possível se notar o
exposto acima:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: [. . . ]
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Também na Constituição Federal, no caput dos arts. 170 e 193, o valor do trabalho
pode ser identificado em destaque, como a seguir demonstrado:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:
Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo
o bem-estar e a justiça sociais.
Apesar de clara a intenção do legislador em valorizar o trabalho humano e proteger a
dignidade da pessoa humana do trabalhador, constantemente os dois princípios são ignorados
e violados nas relações de âmbito trabalhista, principalmente quande se analisa pela influência
do processo devastador do assédio moral. A análise de Ingo Wolfgang Sarlet (2012, p. 37)
sobre dignidade da pessoa humana diz que “a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em
cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do estado e
da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de
43
propiciar e promover sua participação ativa e responsável nos destinos da própria existência e
da vida em comunhão com os demais seres humanos”.
É clara a percepção de que o princípio da dignidade da pessoa humana é o maior entre
todos os princípios, levando à análise de que, da dignidade da pessoa humana nascem todas as
liberdades e direitos fundamentais e, além disse, infere-se que a finalidade da ordem
econômica é a manutenção da dignidade humana. Portanto a violação ao princípio da dignidade
da pessoa humana como fundamento para a tutela jurídica do assédio moral é válida a partir da
análise e validação do quadro de pressões psicológicas desumanas, condutas abusivas e precárias
condições de trabalho. É preemente notar que o princípio da digniddade da pessoa humana busca
atualmente, além do bem estar econômico, um ambiente de trabalho saudável para o empregado.
Como se vê, a questão envolvendo o princípio da igualdade ultrapassa os limites da
estipulação de regras jurídicas no campo normativo. Na verdade, os fatos que levam a exclusão
das mulheres, na sociedade, estão pautados no cerne da própria cultura de nossa sociedade.
Apesar de existirem normas jurídicas proclamando a igualdade, certo é que a desigualdade entre
os gêneros ainda não está resilida.
No que se refere à tutela jurídica do meio ambiente de trabalho, é possível a aplicação
do art. 225 da Constituição Federal39. Dessa forma é possível perceber que o direito ao meio
ambiente integrado ao direito humano abarca também o meio ambiente do trabalho saudável
e que consiste, por consequência, na tutela da própria vida.
O assédio moral da mulher no ambiente de trabalho já se tornou uma triste e
consolidada realidade no mundo globalizado. Entretanto as leis brasileiras já positivadas são
poucas no que diz respeito aos critérios e definições a cerca do assédio moral e também nas
suas sanções ante a sua prática. Inexiste legislação unificada com o intuito de coibir a prática
do assédio moral em geral, que dirá no que concerne à pratica desse tipo de violência contra
as mulheres.
39
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as presentes e futuras gerações.
44
Esses instrumentos de repressão apenas são ratificados de maneira restrita ainda em
poucas leis estaduais e municipais esparsas. Atualmente tramita no Senado Federal,
aguardando apreciação, um projeto de lei que tipifica a conduta de assédio moral40. Tal projeto
de lei propõe a inclusão no Código Penal Brasileiro do Art. 146-A e, no caso de sua
aprovação, esta terá a seguinte redação:
“Assédio Moral no Trabalho
Art. 146-A. Desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos
ou atitudes, a autoestima, a segurança ou a imagem do servidor público ou
empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral. Pena: Detenção de 3 (três) meses a um ano e multa”
O primeiro município a editar diploma que expressamente legislasse sobre assédio moral
no ambiente de trabalho foi o Iracemópolis, no interior de São Paulo. A Lei Municipal nº 1.
163, de 24 de abril de 2000 regulamenta a cerca da aplicação de penalidades em face da prática
de assédio moral no ambiente da Administração Pública municipal direta por servidores
públicos municipais. Essa lei define em seu parágrafo único do art. 1º o que é assédio moral:
“Parágrafo único. Para fins do disposto nesta Lei, considera-se assédio moral todo
tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a autoestima e a segurança de um
indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente
de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do
funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis, passar alguém de uma área
de responsabilidade para funções triviais; tomar cré- dito de ideias de outros; ignorar ou
excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de
forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar
esforços”
É possível depreender deste dispositivo acima que o critério utilizado por ele para
delimitar o que é assédio moral é muito amplo, possibilitando o entendimento de que este pode
decorrer de gesto, palavra ou ação, a partir do momento que a segurança e auto estima do
empregado sejam abalados e acarretem prejuízo à estabilidade do vínculo empregatício, ao
40 Projeto de Lei no 4.742, de 2001. Introduz art. 146-A no Código Penal Brasileiro - Decreto-lei nº 2.848, de 07
de dezembro de 1940, dispondo sobre o crime de assédio moral no trabalho.
45
crescimento profissional ou ao ambiente de trabalho. Ademais menciona ainda algumas
alternativas de configuração de assédio porém sem um rol taxativo, o que abre um leque de
possibilidades de se identificar incidentes de assédio não explicitados na lei.
O Município de São Paulo, no âmbito da Administração Pública municipal, de maneira
análoga, também legislou sobre o assédio moral. O mesmo conceito de assédio moral utilizado
pela Lei de Iracemópolis é trazido pela Lei Municipal nº 13. 288, de 10 de janeiro de 2002,
porém é possível identificar inovações quanto às penalidades que serão aplicadas. O
Município de São Paulo determinou curso de aprimoramento profissional, suspensão, multa e
demissão como sanção aos assediadores. Além disso, também pode ser aplicada multa de valor
mínimo de 20 UFM (Unidades Fiscais do Município) e limite máximo de metade dos
rendimentos do assediador.
Logo depois o Estado do Rio de Janeiro, através da Lei estadual nº 3. 921, de 22 de
agosto de 200241, também criou legislação a respeito do assédio moral, estabelecendo a
definição e a punição do assédio moral na Administração Pública estadual. A abrangência
dessa lei é maior uma vez que engloba não somente a Administração Pública direta, mas atinge
também o âmbito dos órgãos da Administração centralizada, autarquias, fundações, empresas
públicas ou sociedades de economia mista, do Poder Legislativo, executivo ou judiciário,
também incluindo concessionárias ou permissionárias de serviços estaduais de utilidade ou
interesse público. Nessa lei o conceito de assédio é definido da seguinte maneira:
“Artigo 2º Considera-se assédio moral no trabalho, para os fins do que trata a
presente Lei, a exposição do funcionário, servidor ou empregado a situação humilhante
ou constrangedora, ou qualquer ação, gesto ou palavra, praticada de modo repetitivo e
prolongado, durante o expediente do órgão ou entidade, e, por agente, delegado, chefe ou
supervisor hierárquico ou qualquer representante que, no exercício de suas funções,
abusando da autoridade que lhe foi conferida, tenha por objetivo ou efeito atingir a
autoestima e a autodeterminação do subordinado, com danos ao ambiente de trabalho, aos
serviços prestados ao público e ao próprio usuário, bem como, obstaculizar a evolução da
carreira ou a estabilidade funcional do servidor constrangido. ”
41 Lei nº 3.921, de 23 de agosto de 2002. Veda o assédio moral no trabalho, no âmbito dos órgãos, repartições ou
entidades da administração centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia
mista, do poder legislativo, executivo ou judiciário do estado do rio de janeiro, inclusive concessionárias e
permissionárias de serviços estaduais de utilidade ou interesse público, e dá outras providências.
46
O diploma legal, além de proteger as testemunhas da prática do assédio, também
estabelece o uso de medidas preventivas obrigatórias dos órgãos ou entidades da
Administração Pública estadual, concessionárias ou permissionárias, para evitar o assédio
moral no ambiente de trabalho assim como pode ser visto abaixo:
“Artigo 7º. Os órgãos ou entidades da administração pública estadual, bem
como, concessionárias ou permissionárias, na pessoa de seus representantes legais,
ficam obrigados a tomar as medidas necessárias para prevenir o assédio moral no
trabalho, conforme definido na presente Lei.
Parágrafo único. Para os fins de que trata este artigo, serão adotadas, dentre
outras, as seguintes medidas:
I - o planejamento e a organização do trabalho conduzirá, em benefício do
servidor, contemplando, entre outros, os seguintes pressupostos:
a) considerar sua autodeterminação e possibilitar o exercício de suas
responsabilidades funcional e profissional;
b) dar-lhe possibilidade de variação de atribuições, atividades ou tarefas
funcionais;
c) assegurar-lhe a oportunidade de contatos com os superiores hierárquicos,
colegas e servidores, ligando tarefas individuais de trabalho e oferecendo
informações sobre exigências do serviço e resultados;
d) garantir-lhe a dignidade pessoal e funcional; e
II - na medida do possível, o trabalho pouco diversificado e repetitivo será
evitado, protegendo o servidor no caso de variação de ritmo de execução; e nas
condições de trabalho garantia de oportunidades de desenvolvimento funcional e
profissional, no serviço ou através de cursos profissionalizantes.
No período que começou o processo de identificação por parte do Legislativo do que
é assédio moral, foi possível verificar uma preponderância da edição de leis municipais no
estado de São Paulo. Estima-se que isso se deveu a uma grande concentração de indústrias
naquele estado, principalmente as automobilísticas, onde puderam ser observadas diversas
ocorrências do fênomeno, motivo inclusive pelo qual deu lugar à primeira pesquisa sobre
assédio moral no Brasil, realizada pela médica do trabalho Margarida Barreto42.
Em Natal também foi criada lei municipal que dispõe a respeito da prática do assédio
moral na Administração Pública municipal direta, indireta, autárquica e fundacional. Contudo
a Lei Municipal nº 189/02, de 23 de fevereiro de 200243, se restringe somente aos abusos
42
BARRETO, Margarida Maria Silveira. Uma jornada de humilhações. São Paulo: FAPESP; PUC, 2000. 43 NATAL (Município). Lei Ordinária nº 189, de 23 de fevereiro de 2002. Dispõe sobre a aplicação de
penalidades à prática de assédio moral nas dependências da administração pública municipal direta, indireta,
autárquica e fundacional, por servidores públicos municipais nomeados para cargos de confiança. Diário Oficial
do estado do Rio Grande do Norte. Disponível em: <http://www.assediomoral. org/site/legisla/RNnatal.php>.
Acesso em: outubro 2019
47
cometidos por servidores públicos municipais que foram nomeados para cargos de confiança,
assim como pode ser percebido no artigo 1º abaixo transcrito:
Artigo 1º Ficam os servidores públicos municipais de Natal, de qualquer dos
poderes constituídos, nomeados para cargos de confiança, sujeitos às seguintes
penalidades administrativas, pela prática de assédio moral nas dependências dos
locais do trabalho, e no desenvolvimento das atividades profissionais:
I. Advertência escrita:
II. Suspensão, cumulativamente com:
a. Obrigatoriedade de participação em curso de comportamento profissional;
Multa.
III. exoneração.
Já em Porto Alegre, aprovou-se a Lei Complementar nº 498, de 19 de dezembro de 2003,
que inseriu no estatuto dos Funcionários Públicos do Município a proibição ao assédio moral
e suas sanções administrativas, inclusive também estabelecendo que o funcionário poderia
responder, cumulativamente, em ações cíveis ou penais próprias, desde que houvesse amparo
legal.
É possível já identificar em muitos estados e municípios brasileiros projetos de lei em
tramitação que visam coibir a ocorrência do assédio moral no trabalho, diante da conscientização
do efeito negativo que tal conduta gera sobre as vítimas, sobre a sociedade e sobre os governos.
Entretanto, ainda não é possível identificar nenhum diploma legislativo que verse
especificamente sobre a proteção da mulher ante o assédio moral no trabalho, seja na
Administração Pública, seja na iniciativa privada.
Voltando a atenção para o âmbito federal, podem ser identificados alguns projetos de
lei em tramitação no Congresso Nacional versando sobre a prática do assédio moral. O Projeto
de Lei Federal nº 4.742/2001, visa introduzir o art.146-A no Código Penal, a fim de tipificar
criminalmente o assédio moral no trabalho. O referido artigo teria a seguinte redação:
Art. 146-A. Desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou
atitudes, a autoestima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado
em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral.
Pena: Detenção de 3 (três) meses a um ano e multa.
48
No mesmo movimento, o Projeto de Lei Federal nº 5.971/2001 visa acrescentar ao
Código Penal um dispositivo abordando o fenômeno da “coação moral no trabalho”:
Art. 203-A. Coagir moralmente empregado no ambiente de trabalho, através
de atos ou expressões que tenham por objetivo atingir a dignidade ou criar condições
de trabalho humilhantes ou degradantes, abusando da autoridade conferida pela
posição hierárquica.
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
Esses projetos tem por objetivo tipificar penalmente o assédio moral no ambiente de
trabalho. A grande vantagem que é apresentada por eles, no que se compara aos demais
projetos, é que englobam não somente o assédio cometido no âmbito da Administração
Pública, mas também em empresas privadas, uma vez que não existe restrição nesse sentido.
Porém, no que tange ao assédio moral horizontal e ascendente, ocorre omissão a respeito do
assunto.
É importante salientar, de todo modo, que a recente tipificação, pela Lei n.
13.185/2015, da figura do bullying ou intimidação sistemática não altera a vigência, desde
05/10/1988, de indenizações por danos morais em face de assédio sexual e até mesmo de
assédio moral. Na verdade tais indenização advém da tutela constitucional estabelecida pela
Constituição Federal de 88 sobre o patrimônio moral das pessoas humanas, inclusive os
trabalhadores, no que se refere à lesões em face de seu bem-estar, segurança pessoal, sua
igualdade, autoestima e sua dignidade, conforme consta nos incisos I, V e X do artigo 5º da
Constituição Federal.
Um Recurso que teve procedência no pedido, foi o nº 0000322- 88.2013.5.04.030544,
julgado pela 8ª turma, com origem na 5ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo, teve por
prolator da sentença a Juíza Rosane Marlene de Lemos e Desembargador João Paulo Lucena,
44 . Recurso Ordinário Nº0000322-88.2013.5.04.0305. Oitava Turma, Tribunal Regional do Trabalho
da 4ª Região, Relator: João Paulo Lucena, Julgado em: 12/06/2016. Disponível em:<https://www.trt4.jus.br>.
Acesso em: 23 nov .2019.
49
DANO MORAL. CANTO MOTIVACIONAL (CHEERS). ASSÉDIO
MORAL PROVADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Demonstrada a violação
aos direitos personalíssimos do empregado, decorrente de atos que
conformam assédio moral - consistente em obrigatoriedade de
participação do empregado na entoação do cântico cheers, quando
também o empregado deveria dançar e rebolar -, deve o empregador pagar
indenização por dano moral, nos termos do art. 5º, V e X, da CF, bem
assim nos arts. 186 e 927 do CC. [...] [...]ACORDAM os Magistrados
integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:
[...]No mérito, por maioria, parcialmente vencido o Relator, DAR
PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DA
AUTORA para majorar o valor da indenização por dano moral, decorrente
do canto motivacional, para R$ 10.000,00 (dez mil reais). [...]
[...]O arbitramento da indenização por dano moral deve atender à dupla
finalidade da indenização, que ao mesmo tempo deve compensar a vítima
e desestimular e punir o ofensor, pois leva em conta a conduta da
reclamada, os transtornos dela advindos, o bem moral protegido, a
gravidade da conduta, o tempo de serviço prestado à empresa e, ainda, o
princípio da razoabilidade. Tendo em conta esses elementos e
considerando, além disso, a capacidade econômica da empresa e o viés
punitivo e pedagógico do comando, acolho parcialmente o apelo para
majorar o valor fixado a tal título em primeiro grau para R$ 10.000,00.
[...].(RIO GRANDE DO SUL, 2016).
Nesse caso, a Demandante laborava em um supermercado como operadora de caixa,
sob supervisão masculina. Conforme mencionado, foi majorada a indenização e configurada
a prática abusiva do Assédio Moral em razão da reclamante precisar participar do Cântico
Motivacional e rebolar em frente aos demais colegas de trabalho durante o canto desde o
início de sua contratação. Suscitou-se a majoração do valor, mediante alegação de que a
indenização pecuniária inicialmente arbitrada, em R$5.000,00, não cumpriria seu caráter
pedagógico (TRT,RIO GRANDE DO SUL, 2016).
O voto do E. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região transcrito a seguir, demonstra
que o abalo ultrapassa a figura da assediada:
50
“ASSÉDIO MORAL. REPERCUSSÕES SOCIAIS. A questão da
ofensa à moral conflagra um subjetivismo oriundo da própria
condição de cada indivíduo. Não se sente menos constrangido o
trabalhador que escolhe adotar uma postura conciliadora,
preferindo não detonar uma crise no ambiente de trabalho que
fatalmente o prejudicará, pois a questão aqui transcende a figura
do ofendido, projetando as conseqüências pela supressão do seu
posto de trabalho a quem dele eventualmente dependa
economicamente. O fantasma do desemprego assusta, pois ao
contrário da figura indefinida e evanescente que povoa o
imaginário popular, este pesadelo é real. É o receio de perder o
emprego que alimenta a tirania de alguns maus empregadores,
deixando marcas profundas e às vezes indeléveis nos trabalhadores
que sofrem o assédio moral. Exposta a desumanidade da conduta
do empregador, que de forma aética, criou para o trabalhador
situações vexatórias e constrangedoras de forma continuada
através das agressões verbais sofridas, incutindo na psique do
recorrente pensamentos derrotistas originados de uma suposta
incapacidade profissional. O isolamento decretado pelo
empregador, acaba se expandindo para níveis hierárquicos
inferiores, atingindo os próprios colegas de trabalho. [...],
alimentada pela competição sistemática incentivada pela empresa,
relega à preterição a higidez mental do trabalhador que se vê
vitimado por comportamentos agressivos aliado à indiferença ao
seu sofrimento. [...]Ao trabalhador assediado pelo constrangimento
moral, sobra a depressão, a angústia e outros males psíquicos,
causando sérios danos a sua qualidade de vida. Nesse sentido,
configurada a violação do direito e o prejuízo moral derivante”.
(TRT 2.ª Região – RO 01117-2002-032-02-00 – 6ª T. – Rel. Juiz
Valdir Florindo – DOESP 12.03.2004). 45
Entretanto é preciso valorizar o desempenho do Poder Judiciário, que tem sido
relevante no tocante a luta contra essa prática dura, infame e violenta no ambiente de trabalho.
Juízes e tribunais, valendo de normas dispostas na Consolidação das Leis do Trabalho, além
de princípios constitucionais como meio ambiente do trabalho saudável e dignidade da pessoa
humana com o intuito de oferecerem efetiva tutela jurídica ao fenômeno do assédio moral, a
medida que não existirem leis eficazes para a proteção das mulheres nesse sentido.
45 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Disponível em: <http://www.trt2.gov.br>. Acesso
em: 13 nov. 2019
51
3.2 Políticas de empoderamento feminino no ambiente de trabalho: possibilidades
de materialização da igualdade de gênero
A princípio, é preciso revisitar, agora num cenário atual, reflexões a respeito do termo
gênero e o conceito de mulher. Piscitelli conclui que, no início do século XX, ser mulher era
sinônimo de delicadeza, aquela que se restringia aos serviços domésticos, de modo que saber
bordar e costurar, por exemplo, era algo necessário. Durante esse período, não era dado à
mulher a chance de receber uma educação formal. Atualmente, o ser mulheré percebido em
sua complexidade e varia conforme a classe social, o momento histórico e até mesmo o lugar46
(PISCITELLI, 2009).
Girardon dos Santos e Canciani, durante estudos sobre as mulheres e as relações de
trabalho, baseado no princípio da igualdade nas questões de gênero, observam que:
Especificamente, no trato das relações de trabalho, pode-se afirmar que
existem muitas disparidades de aplicações do direito entre os gêneros. O fato de
haver uma atenção maior para garantir o direito do trabalho da mulher, por si só,
pressupõe a existência de uma situação de vulnerabilidade/inferioridade, que exigiu
a normatização específica, na tentativa de superação dessa questão negativa. Existe
uma vasta disparidade ente a previsão normativa, o direito formal, e a realidade
social, de modo que é perceptível a necessidade de um direito do trabalho que garanta
as necessidades biológicas e psicológicas da mulher. (SANTOS; CANCIANI, 2016,
p. 140).
As autoras tratam sobre a dificuldade da situação da mulher no mercado de trabalho,
lugar que demonstra de maneira contundente a disparidade de gênero. O fato de existir
normas legais específicas, específicas para a mulher, pressupõe existência de inferioridade
em relação ao homem. Da mesma forma, mesmo existindo a previsão formal, esta não se
efetiva, e o que se depreende da realidade social é uma conjuntura de disparidade exorbitante
entre os gêneros, destacando a vulnerabilidade feminina. Nesse contexto a frase de Beauvoir
é relevante:
46 PISCITELLI, Adriane. Gênero: a história de um conceito. In. ALMEIDA, Heloisa Buarque de. Diferenças,
igualdade. São Paulo: Berlendis, 2009. p.116 -149.
52
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico,
psíquico, econômico, define a forma que a fêmea humana assume no seio da
sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre
o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem
pode constituir um indivíduo como um outro”47
Para Simone de Beauvoir, a mulher era o “outro” que se distinguia do homem e não
este em relação a ela, ou seja, seu olhar se convergia na construção social da mulher como
o “outro”, identificado como sendo fundamental à opressão feminina:
Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a
fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização
que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que
qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um
indivíduo como um Outro48
O gênero feminino, ou castrado, conforme visão da autora, se torna mulher devido a
intervenção da sociedade na vida humana, talhando a todos, de acordo com suas normas e
princípios que, em várias ocasiosões, não merecem relevância, porém tem o poder de
denominar cada ser, além de ajustá-lo de acordo com os ideais sociais. É de suma importância
destacar a análise de Butler, no seu livro Problemas de Gênero, quanto a questão do gênero
em si,
O gênero é o índice linguístico da oposição entre os sexos. E gênero é
usado aqui no singular porque sem dúvida não há dois gêneros. Há
somente um: o feminino, o “masculino” não sendo um gênero. Pois o
masculino não é o masculino, mas o geral. (BUTLER, 2016 p. 48).
Conforme a autora49, o homem, enquanto sexo masculino, é posto como centro das
atenções, detentor do poder e das atenções positivas, de modo que ao falar em homem, tem-
se um significado geral no contexto, qual seja, de homem e de mulher, por isso cita-se a
existência de somente um gênero. Dessa maneira, é mister citar a manifestação de Hélder
47 BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo II: a experiência vivida. São Paulo: DIFEL, 1970, p. 9 48 Idem, p. 9. 49BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da Identidade. 11ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2016, p. 48
53
Duarte Baticã, ao que tange sobre o empoderamento:
Empoderar, significa ter a capacidade e a autonomia de conduzir e moldar a
sua vida. A falta de oportunidade e o poder de tomada de decisão é uma das
principais barreiras que impedem as meninas e mulheres de realizar os seus direitos
e escapar aos ciclos de pobreza. Isso pode ser superado por uma estratégia de
capacitação. O fortalecimento das meninas perante as suas capacidades de fazer
escolhas sobre o seu futuro e desenvolver senso de meninas, a autoestima e sua
crença na sua própria capacidade de controlar suas vidas. (BATICÃ, 2015, p. 13).
O termo empoderar vai muito além de apenas atribuir domínio, também significa
asseverar a autossuficiência para que as mulheres tenham condições de tomar decisões por si
mesmas e definir quais os caminhos a percorrer, é auxiliá-las numa preparação para o futuro,
mas sempre acreditando na própria habilidade. A conduta de empoderar-se e trilhar seu
próprio caminho de realização resulta da vontadade única e individual de cada mulher afinal,
a mudança que se busca começa pela aceitação de ser quem é, bem como, no momento que se
auto-define forte e capaz de lutar e responder por si só. Entender que o patriarcalismo
subsiste e persiste, e que ele acarreta em diversos danos para as mulheres, assim como
entender que as relações de gênero são desequilibradas, é vital para que o ato individual exista.
As leis, para tanto, são uma proteção imprescindível, uma vez que visam oportunizam, na
maioria dos casos, o acesso ao Poder Judiciário em caso de seu descumprimento, em busca de
socorro.
Em se falando em proteção, priorizando a mulher trabalhadora, o que se espera é que tal
proteção não vise, conforme entendido por Regina Célia Rufino50
“somente à proteção da jornada de trabalho, do salário e demais direitos
materiais trabalhistas. Luta-se, outrossim, pela proteção dos direitos à
personalidade da trabalhadora, bem como por sua maior liberdade e
satisfação no ambiente do trabalho, para que não seja discriminada, mas
50 RUFINO, Regina Célia Pezzuto. O Assédio Moral em Face da Discriminação da Mulher Trabalhadora. In:
SANTOS, Sidney Francisco dos; LACERDA, Carmem Miranda de. (Coords.). Debate Interdisciplinar sobre os
Direitos Humanos das Mulheres. Florianópolis: Insular, 2010, p. 133.
54
tratada de forma igual, a fim de resguardar sua dignidade, evitando-se o
tratamento que expressa um tipo de violência.”
Mulheres e homens podem desempenhar muitas atividades, dentro e fora de casa, com
a mesma qualidade. À mulher deve ser assegurado o direito de escolher, de se manifestar
ativamente, ser empoderada, ter seu espaço de posição, contestação e decisão. Nesse sentido,
ressalva-se a Cartilha Princípios de empoderamento das mulheres, desenvolvida,
conjuntamente entre ONU Mulher e a Rede Brasileira do Pacto Global, que traz os seguintes
princípios do empoderamento:
1- Estabelecer liderança coorporativa de alto nível para a igualdade de gênero;
2- Tratar todos os homens e mulheres de forma justa ao trabalho e apoiar os
direitos humanos e a não – discriminação;
3- Garantir a saúde, a segurança e o bem-estar de todos os trabalhadores e as
trabalhadoras. 4- Promover educação, capacitação e desenvolvimento profissional para as
mulheres. 5- Apoiar empreendedorismo de mulheres e promover políticas de
empoderamento das mulheres através das cadeias de suprimentos e marketing. 6- Promover a igualdade de gênero através de iniciativas voltadas à
comunidade e ao ativismo social. 7- Medir, documentar e publicar os progressos da empresa na promoção da igualdade
de gênero. (ONU- MULHERES, 2016).
Analisando as mudanças da divisão sexual do trabalho, verifica-se a importância de
tal processo porque aponta para uma diversidade muito grande de formas de trabalho no
momento atual . O processo de globalização tornoua diversidade mais nítida e descortinada,
pois justamente nesse processo as desigualdades entre os sexos, entre classes sociais e entre
raças aparecse tornam mais visível. Elas são fatores importantes a serem analisados quanto
aos movimentos de precarização, pois convergem para um movimento simultâneo de
aumento da pobreza e concentração de riquezas. É preciso dar incentivo à mulher para se
inserir no mercado de trabalho ou abrir o seu próprio negócio. Ratificar que possuem total
capacidade de alcançar a igualdade entre homens e mulheres, acabando com o terrível
fenômeno da discriminação de gênero e da submissão. Girardon dos Santos e Canciani
dispõem que:
“[. . . ] as desigualdades de gênero ainda são latentes, de modo que o princípio
da igualdade se manifesta como um instrumento imprescindível para transformar,
55
totalmente, a realidade, positivando a percepção e a posição das mulheres na
sociedade, em todas as suas esferas. Nesse sentido, a partir do destaque de algumas
ações afirmativas, veiculadas pela necessidade da materialização da previsão –
formal – do princípio da igualdade, é possível se visualizar a necessidade dessas
mudanças e as possibilidades concretas de sua ocorrência.”
Diante do exposto, é explícito que existem desigualdades em relação ao tratamento
de gênero, de maneira que se faz indispensável reafirmar o princípio da igualdade como
principal agente responsável pela transformação da sociedade e a aceitação das mulheres com
o seu justo reconhecimento em todos os ramos da sociedade. As leis, em muitos casos,
representam a elaboração, e planejamento e a execução de políticas públicas, em que o Estado
atua para reduzir as desigualdades. Da mesma forma, é possível pensar em atividades que
podem ser realizadas no meio laboral e que proporcionem segurança a mulher, como
elaboração de plano de carreira, equiparação salarial e valorização como um todo.
Esses movimentos atuam de maneira que propicie um ambiente onde a mulher tenha
condiçoes de produzir seu trabalho com dignidade, no desempenho de suas habilidades e
competências sem ser alvo de ameaças, violências laborais, ou qualquer conduta de Assédio
Moral. O respeito às mulheres e as salutares relações de gênero são condição de possibilidade
de se ter uma sociedade mais equilibrada, justa e, consequentemente, no âmbito do trabalho,
o aumento da produtividade e os resultados da empresa.
56
CONCLUSÃO
O objetivo deste trabalho foi uma tentativa de demonstrar que a discriminação de
gênero quando cometida por meio repetido e prolongado, pode resultar em assédio moral e de
que maneira o empoderamento feminio pode ser usado como ferramenta de libertação e
afirmação contra a violência do assédio. O assédio nada mais é do que uma forma de violência
psíquica praticada no local de trabalho, caracterizada pela conduta; comportamento e atos
atentatórios aos direitos de personalidade; além da prática reitarada e sistemática dessa
conduta; bem como compreensão do agente ao realizar as condutas abusivas e reiteradas de
conteúdo ofensivo.
As práticas reiteradas de atitudes hostis, degradantes e abusivas terminam por
desestabilizar emocionalmente a vítima. O assédio, decisivamente, mina as resistências físicas
e morais do assediado, trazendo consequências nefastas à sua vida pessoal, profissional,
familiar, e, principalmente, à sua saúde física e mental. O ato violento do assédio não possui
uma causa específica, podendo se justificar por vários motivos como deficiências na
organização geral do ambiente do trabalho; competitividade excessiva e busca pela
lucratividade; carência de uma política de relações humanas; rivalidade dentro do setor até
mesmo por uma postura incentivada pela própria empresa. Contudo, restou claro pelo estudo
que, devido á discriminação em razão do gênero, as mulheres se tornam as maiores vítimas do
ato de assédio.
Foi constatado, através do literatura estudada que, a despeito da participação feminina
crrescente no mercado de trabalho, a desigualdade e o preconceito de gênero são muito fortes
e encontram amparo no cenário atual. Os preconceitos pelas características físicas e biológicas
ainda perpetuam, em regra, de forma velada (às vezes nem tanto) e astuta, uma vez que o
tratamento discriminatório é proibido pelo nosso ordenamento jurídico.
Com base nas decisões e nos diplomas legislativos estudados, foi possível perceber
toda a prática sexista durante o curso profissional, inclusive no período pré-admissional da
mulher. Perante esse cenário, o crescimento profissional feminino fica comprometido, já que
em muitas situações a mulher se vê renegada a funções laborativas de menor remuneração e
importância.
57
O terror psicossocial constitui evidente violação à dignidade do trabalhador, com graves
consequências à sua moral e à sua saúde, comprometendo dessa forma o estado ideal de vida
digna, que deve ser buscado e respeitado por todos e pelo estado. Esse terror psicológico não
só compromete a saúde da vítima, como também os custos operacionais da empresa, já que a
qualidade do serviço e a produtividade são reduzidos pela falta de motivação e de concentração
bem como aumenta a possibilidade de erros no trabalho. A terrível prática de assédio produz
transtornos econômicos para o Estado e, conseqeuntemente, para toda a sociedade.
O ordenamento jurídico brasileiro construiu a dignidade humana como pilar do
Estado Democrático de Direito, tornando sólida a proteção à pessoa humana e, por
conseguinte, a própria mulher trabalhadora. Nesse sentido, deve o Estado garantir a
manutenção de um ambiente de trabalho sadio e com condições dignas. Os valores sociais do
trabalho e a dignidade da pessoa humana, princípios constitucionais, fundamentam o direito
do trabalhador a ser respeitado e a ter um ambiente de trabalho saudável, em todos os aspectos,
inclusive, o emocional.
Para que a igualdade formal disposta no art. 5°, I, da Constituição Federal seja
alcançada, é preciso que a legislação defina benefícios para aquelas que estão em condições
desiguais. Estes “benefícios legislativos” firmam as chamadas ações afirmativas. Existe
claramente a necessidade de se criar instrumentos normativos para frear o assédio moral contra
mulher, uma vez que não temos em nosso ordenamento nenhuma legislação específica para
esse tipo de assédio. De maneira alguma pode ser afirmado que que essas ações afirmativas
como essas violariam o princípio constitucional da igualdade dos gêneros. A própria
Constituição Federal permite tratamento diferenciado quando estabelece, por exemplo,
aposentadoria para a mulher, cinco anos antes do homem. Estas discriminações são positivas
pois constituem, na verdade, princípios para compensar as diferenças.
O assédio moral tem as mulheres como suas principais vítimas, é um tipo de agressão
silenciosa, que deixa poucos rastros mas traz graves consequências. O fato das principais
vítimas do assédio serem mulheres é intrínseco ao panorama da cultura patriarcal, que a situa
subjulgada ao homem. Esse pensamento é reafirmado e alimentado pelo capital que, apesar
disso, precisa da força da força de trabalho da mulher, porém se apodera de sua dupla jornada,
58
para garantir sua reprodução. O assédio moral é um processo lento e silencioso, que pode
comprometer a saúde física e psicológica da vítima e, portanto, precisa ser denunciado e
combatido. Entretanto, no que diz respeito ao assédio à mulher, a luta contra esse ato violento
transcorre as esferas trabalhista e jurista, uma vez que esse comportamento está arraigado de
maneira mais profunda na sociedade, alicerçada pelo patriarcado. É imperativo que o debate
a respeito das possibilidades de assédio que atingem as mulheres (e todos os seus
desdobramentos) sejam massivamento discutidas, fomentadas e difundidas, a fim de que haja
a participação de todos os atores envolvidos no combate dessa forma de violência
O conceito de igualdade se relaciona de maneira particular com o Direito,uma vez que
ele está ligado a idéia de justiça. A justiça é o que rege e organiza uma sociedade e é o que dá
o valor moral e respeito a todas as outras regras. Pensando dessa forma, infere-se que é a
questão da justiça que abre a possibilidade de se pensar a igualdade. A igualdade, aqui
particularmente a de gênro, é colocada, então, como uma regra de juízo. Para efetivar essas
propostas, as mulherer precisam estar protegidas por um sistema verdadeiramente igualitário,
assinalado por conceder as mesmas oportunidades concedidas aos homens, fato que apenas se
torna possível a partir da outorga dos mesmos direitos políticos. É preciso exigir espaços onde
a participação de todos seja possível, sem a exclusão de homens e mulheres, que isso seja uma
realidade, a fim de que se possa alcançar ou, pelo menos, promover consensos políticos justos
que diminuam a violência e articulem a democracia. É imperativo também que se promova a
educação, de maneira a demonstrar os erros cometidos pela sociedade patriarcal e ensinar
como não repetí-los. É preciso que a sociedade evolua e supere conceitos tão arcaicos que ainda
continuam entranhados em sua estrutura. Nesse contexto, o papel da educação é, no mínimo,
fundamental.
59
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