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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM EDUCAÇÃO
UPPs e educação – possíveis impactos da implantação das
Unidades de Polícia Pacificadora na segregação escolar
Karina Riehl de Souza Almeida
Rio de Janeiro
Setembro/2014
Karina Riehl de Souza Almeida
UPPs e educação – possíveis impactos da implantação das
Unidades de Polícia Pacificadora na segregação escolar
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Educação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
Orientador: Profº Drº Marcio da Costa
Rio de Janeiro
Setembro/2014
AGRADECIMENTOS
A minha formação acadêmica e a realização deste mestrado foi possível porque
tive a companhia e ajuda de muitas pessoas. Agradeço aos meus pais e meu irmão por
me apoiarem e acreditarem em mim mais do que eu mesma, obrigada!
Ao meu namorado, Erikson Santos, agradeço por dividir comigo as alegrias e
também as tristezas do caminho. Obrigada pelos incentivos diários, sem eles eu nunca
teria chegado até aqui.
Agradeço ao meu orientador, Prof°. Drº. Marcio da Costa, por aceitar meu
ingresso no grupo de pesquisa em 2007, possibilitando que minha formação acadêmica
se tornasse mais enriquecedora e científica.
Agradeço a Profª. Drª. Mariane Koslinski, o Profº. Drº. Rodrigo Rosistolato e a
Profª. Drª. Ana Prado pelas ajudas e orientações. Obrigado por me acolherem e
permitirem trabalhar com vocês.
Não poderia deixar de agradecer aos integrantes do grupo de pesquisa pelas
oportunidades de aprendizagem em diversos momentos, vocês foram fundamentais na
minha formação. Agradeço em especial a: Iris Medeiros, Mayara Tavares, Fabiano
Cabral, Clotilde Saavedra, Felipe Lopes, Robert Segal e Karina Carrasqueira.
Ao amigo André Regis agradeço pela amizade, conversas, esclarecimentos de
dúvidas e incentivos.
Agradeço em espacial a Eduardo Ribeiro, que além da ajuda com a elaboração
dos bancos de dados, transmitiu seus ensinamentos, esclarecendo dúvidas e oferecendo
sugestões e soluções para os problemas encontrados. Obrigada pela paciência e
amizade.
Não poderia esquecer de agradecer, e muito, à amiga Amanda Moreira.
Continuo afirmando que por mais que as diferenças entre nós sejam cada vez mais
visíveis, mais nos tornamos amigas e parceiras, nos respeitando e nos dando muito bem!
Obrigada pelas conversas, pelos conselhos, pelo apoio, carinho e incentivo constante.
Definitivamente, ter você como companhia no mestrado foi fundamental.
Esta dissertação representa do encerramento importante de uma etapa da minha
vida e algumas pessoas foram fundamentais nessa trajetória, não só no âmbito
acadêmico, mas também fora dele, pois, sempre me dedicaram apoio, carinho, amizade
e inspiração. Meu sincero obrigada por estarem sempre ao meu lado.
Agradeço à Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, pelo acesso aos
dados que permitiram esse trabalho e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) pelos dois anos de bolsa científica.
A injustiça vem do asfalto pra favela
Há discriminação à vera
Chegam em cartão postal
Em outdoor a burguesia nos revela
Que o pobre da favela tem instinto marginal
E o meu povo quando desce pro trabalho
Pede a Deus que o proteja
Dessa gente ilegal, doutor
Que nos maltrata e que finge não saber
Que a guerra na favela é um problema social
Eu não sou marginal
(Igualdade - Moleque Dolores)
6
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
LaPOpE Laboratório de Pesquisa sobre Oportunidades Educacionais
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
FAPERJ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.
UPP Unidade de Polícia Pacificadora
SERFHA Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-Higiênicas
COHAB-GB Cooperativa de Habitação Popular do Estado da Guanabara
CODESCO Companhia de Desenvolvimento de Comunidades
AI-5 Ato Institucional Número Cinco
SMDS Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social
Unicef Fundo das Nações Unidas para a Infância
Proface
Programa de Favelas da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de
Janeiro
CEDAE Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro
Comlurb Companhia Municipal de Limpeza Urbana
PDDCRJ Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro
ACRJ Associação Comercial do Rio de Janeiro
FIRJAN Federação das Indústrias
PECRJ Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro
GEAP Grupo Executivo de Assentamento Populares
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
BOPE Batalhão de Operações Policiais Especiais
BPChoque Batalhão de Polícia de Choque
CPA Comandos de Policiamento de Áreas
PPC Posto de Policiamento Comunitário
DPO Destacamento de Policiamento Ostensivo
GAPE Grupamento de Aplicação Prático Escolar
DETRANRJ Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro
FAETEC Fundação de Amparo à Escola Técnica
CCDCS Centro Comunitário de Defesa da Cidadania
ONG Organizações Não Governamentais
GPAE Policiamento em Áreas Especiais
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
PBP Prova Brasil Padronizada
SME Secretaria Municipal de Educação
NIS Número de Inscrição Social
CEP Código de Endereçamento Postal
GS Segregation Index/ Gorard Segregation
SR Segregation Ratio
7
CNEFE Banco de Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos
LAT Latitude
LONG Longitude
GE Google Earth
PEJA Projeto de Educação de Jovens e Adultos
8
LISTA DE GRÁFICOS, TABELAS, FLUXOGRAMA E MAPAS
Gráfico 1: Taxas de Homicídio (por 100mil) na população total no Estado e Capital
(1989 à 2007)
Gráfico 2: Crescimento populacional cidade/ favela (1991 – 2011)
Gráfico 3 : Perfil dos alunos com informação na variável “escolaridade materna” –
2008 a 2012
Gráfico 4: Perfil dos alunos com informação na variável “Cor” – 2008 a 2012
Gráfico 5: Distribuição da amostra bairro e favela
Gráfico 6: Desvio-padrão da Prova Brasil Padronizada (0 a 10) 5º e 9º ano, segundo a
distância escola-favela, 2005 a 2011
Gráfico 7: Média da Prova Brasil Padronizada no 5° ano
Gráfico 8: Média da Prova Brasil Padronizada no 9° ano
Gráfico 9: Média da Prova Rio de Língua Portuguesa - 3° ano
Gráfico 10: Média da Prova Rio de Matemática - 3° ano
Gráfico 11: Média da Prova Rio de Língua Portuguesa - 7° ano
Gráfico 12: Média da Prova Rio de Matemática - 7° ano
Gráfico 13: Percentual de alunos que tem NIS
Gráfico 14: Percentual de alunos de cor branca, preta e parda – Escolas até 100m de
favela(s)
Gráfico 15: Percentual de alunos de cor branca, preta e parda – Escolas a mais de
100m de favela(s)
Gráfico 16: Percentual de escolaridade materna baixa
Gráfico 17: Percentual de alunos que moram em favela
Gráfico 18: Percentual de alunos que moram em favela ou não- Escola 128
Gráfico 19: Percentual de alunos que moram em favela ou não – Escola 118
Gráfico 20: Percentual de alunos que moram em favela ou não – Escola 126
Gráfico 21: Índice de Segregação 2008 à 2012
Gráfico 22: Índices de Segregação no 1° segmento
Gráfico 23: Porcentagem dos alunos que levam até 30 minutos no deslocamento casa-
escola - 1°segmento
Gráfico 24: Porcentagem dos alunos que levam até 30 minutos no deslocamento casa-
escola- 2°segmento
9
Gráfico 25: Regressão logística para chance (%) de matrícula em escola com baixo SR
em 2008 (todas as escolas)
Gráfico 26 : Regressão logística para chance (%) de matrícula em escola com baixo
SR em 2008 (escolas com SR mais alto ou mais baixo)
Tabela 1: Ordenamento por taxa de homicídios na população total
Tabela 2: Quantidade alunos nas escolas e nas turmas
Tabela 3: Percentual de missing – variável “escolaridade materna”
Tabela 4: Percentual de missing dos dados – variável “cor”
Tabela 5: Quantidade de escolas municipais por segmento – 2012.
Tabela 6: Quantidade de escolas a mais de 100m de favela(s) –2012
Tabela 7: Quantidade de escolas até 100m de favela(s) –2012
Tabela 8: Percentual de missing referente à variável estudada
MAPA 1 – Distribuição das favelas na cidade do Rio de Janeiro
MAPA 2– Implementação das UPPs
MAPA 3 – Localização das escolas na Grande Tijuca
MAPA 4 – Região da Grande Tijuca
Fluxograma 1: Processos de geocodificação
10
RESUMO
ALMEIDA, K. R. S. UPPs e educação – possíveis impactos da implantação das
Unidades de Polícia Pacificadora na segregação escolar. 2014. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 2014.
A proposta desta dissertação é investigar implicações que a nova política de
segurança pública do Governo do Estado do Rio de Janeiro pode ter no aspecto das
oportunidades escolares e da composição discente das escolas municipais de uma região
da cidade. Atrelando a discussão sobre a organização social do território carioca à nova
política de segurança do Estado, e como essas impactam o sistema público educacional,
a questão a ser respondida nesse estudo é: houve mudança na composição
socioeconômica do alunado das escolas a partir da implantação das UPPs?
O objetivo é observar possíveis mudanças de padrão quanto à alocação de alunos
nas escolas públicas municipais, associada à implantação das Unidades de Polícia
Pacificadora - UPPs. A hipótese é que a implantação das UPPs pode impactar a
composição socioeconômica das escolas e que, assim, as escolas tenderiam a ter seu
corpo discente mais heterogêneo. Os alunos residentes em áreas de favelas passariam a
ter maior acesso às escolas localizadas fora das favelas e/ou das áreas que sofriam
domínio dos traficantes de drogas ou milicianos, seja pela redução em processos de
estigmatização, seja pelo aumento na mobilidade dos residentes em áreas antes
controladas pelo crime organizado.
A metodologia adotada implica no tratamento de dados em grande escala,
incluindo o georreferenciamento residencial de uma amostra de alunos, e conta,
predominantemente, com estatística descritiva como recurso para análise dos dados. Foi
escolhida uma série histórica cobrindo o ano de 2008 ao ano de 2012. A região
pesquisada é a Grande Tijuca, na zona norte da cidade. Todas as escolas dessa região
que atendam o 1° 5° 6° e 9° ano, fazem parte da amostra do estudo.
As análises sugerem um efeito discreto, na direção prevista, mas considerem-se
as inúmeras limitações técnicas devidas ao caráter recente do Programa em foco e a
tratar-se de um estudo ainda exploratório, demandando desenhos mais robustos para
afirmação e, sobretudo, maior maturação da experiência de forma a proporcionar maior
segurança na afirmação de resultados.
Palavras-chave: segregação territorial; Unidade de Policia Pacificadora; UPP;
composição social; oportunidades educacionais.
11
ABSTRACT
ALMEIDA, K. R. S. UPPs and education – possible impacts of the implementation of
the Police Pacification Units in school segregation. 2014. Dissertation (Master of
Education) – Postgraduate Program in Education, Federal University of Rio de Janeiro,
2014.
The proposal of this dissertation is to investigate the implication the new policy
of public security of Rio de Janeiro government can have on the aspects of the scholar
opportunities and about the municipal public schools students composition. Tying the
discussion about the social organization of the city territory to the state new public
security policy and how it impacts in the educational public system, the question to be
answered through this study is: has there been any change in the students
socioeconomic composition from the UPPs deployment?
The objective is to observe possible changes in the municipal public schools
students allocation standard, associated to the Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs)
deployment. The hypothesis is that the UPPs deployment can impact in the
socioeconomic schools composition and, so, the schools would have the trend to have
its student composition more heterogeneous. The students who live in slam areas would
start to have more access to schools out of the slams and/or to schools which were one
day under the dealers or “milicianos”’ domain, or by the reduction in the process of
stigmatization, or by the dwellers mobility increase in areas controlled by the organized
crime before.
The methodology adopted implies on the data treatment in large scale, including
the residential georeferencing of a sample of students and counts on a descriptive
treatment predominantly as a resource for the data analysis. A historical series from
2008 to 2012 was chosen. The region researched is Grande Tijuca, in the north area of
the city. All the schools in this region which have classes of 1st, 5
th, 6
th and 9
th series
take part in this sample of the study.
The analysis suggests a discrete effect in the forecasted direction but several
technical limitations are to be considered due to the recent character of the Program in
focus and of being a still exploratory study, demanding more robust draws for statement
and especially more maturation of the experiment so that to offer more assurance in the
results statements.
Key words: racial segregation; Unidade de Polícia Pacificadora; UPP; Social
composition; educational oportunities
12
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente estudo se propõe a investigar as implicações potenciais que a política
recente de segurança pública do Governo do Estado do Rio de Janeiro pode ter em um
aspecto da segregação social. Mais especificamente, este trabalho pretende analisar o
aspecto da segregação que abrange as oportunidades escolares e a composição
socioeconômica das escolas de uma determinada região da cidade.
Esta dissertação é oriunda de projeto de pesquisa desenvolvido pelo Laboratório
de Pesquisa em Oportunidades Educacionais - LaPOpE, que investiga como os aspectos
das desigualdades sociais se relacionam com a estrutura de distribuição de
oportunidades educacionais, analisando os processos de distribuição de alunos com
diversos perfis socioeconômicos e educacionais entre as escolas públicas da rede
municipal da cidade do Rio de Janeiro. O projeto é financiado pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ e pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, e está incluso no âmbito do
“Observatório Educação e Cidade: desigualdades de oportunidades educacionais e
dimensões da alfabetização básica no Estado do Rio de Janeiro”.
Nos estudos da Sociologia da Educação e da Sociologia Urbana, as
desigualdades de oportunidades escolares atreladas à organização social do território
têm se mostrado um importante objeto de estudo1, uma vez que o capital econômico,
social e cultural dos alunos tem influência reconhecida sobre oportunidades, trajetórias e
desempenhos escolares. A localização espacial, ou seja, o território em que residem e/ou
estudam os alunos, vem ganhando destaque por apresentar características que impactam
direta ou indiretamente suas vidas escolares2.
Atrelado ao fator da organização social do território e com as iniciativas de
novas políticas de segurança, buscamos compreender, em parte, como essa relação pode
interferir na composição do corpo discente das instituições escolares. Em 2008, o
Governo do Estado do Rio de Janeiro, através de sua Secretaria de Segurança Pública,
propôs um novo modelo de segurança e policiamento, nomeado de Unidade de Polícia
1 As pesquisas pioneiras realizadas por professores do departamento de Sociologia da Universidade de
Chicago nos anos de 1920 constituiu o que, hoje é conhecido como “Escola de Chicago”. Os estudos
tinham abordagens microssociológicas e etnográficas e tinham a cidade de Chicago como objeto de
exploração (HEINRICH, 2006). 2 Ver estudos Ribeiro e Koslinski (2009); Costa e Nogueira (2009); Koslinski, Lasmar e Alves (2012);
Koslinski e Alves (2012); Costa e Koslinski (2011; 2012)
13
Pacificadora - UPP. A proposta é a ocupação permanente das favelas com uma unidade
policial, desenvolvendo uma estratégia de aproximação entre a população e a polícia, a
inclusão de políticas sociais, retomada dos direitos e acessos a serviços e a incorporação
das favelas e dos seus moradores como parte pertencente à cidade (FLEURY, 2012).
Muito tem se discutido na mídia3 sobre a temática de retomada da segurança e os
benefícios econômicos que o projeto das UPPs trouxe à capital fluminense (CANO et
al, 2012). A implementação das UPPs não tem, declaradamente, por objetivo acabar
com o tráfico de drogas nas favelas ocupadas4. As metas e os impactos almejados pelo
Governo do Estado são a retomada de territórios antes dominados por facções
criminosas, a redução dos conflitos e disputas armadas por pontos de venda drogas entre
facções diferentes, assim como a diminuição da violência e número de mortes devido às
incursões e operações policiais pontuais. Supõe-se, também, a integração das favelas à
cidade formal, com a entrada e a expansão dos serviços públicos e da iniciativa privada,
a formalização das atividades econômicas e dos serviços, assim como o direito de ir e
vir dos moradores.
Os estudos que abordam a cidade do Rio de Janeiro nessa temática, apontam que
os traços característicos da organização social e urbana da cidade configuram uma
organização territorial chamada de “modelo carioca de segregação social”, que se
caracteriza por apresentar combinação entre distância social com a significativa
proximidade geográfica das diferentes camadas sociais (RIBEIRO; KOSLINSKI, 2009;
ALVES et al, 2008).
A presença das favelas distribuídas pela cidade é a expressão mais visível desse
modelo carioca de separação entre a favela e a cidade, com uma perceptível distância
material e simbólica. Nessa perspectiva Ribeiro e Koslinski (2009) argumentam que se
por um lado a presença das favelas nos bairros abastados aproxima os grupos, classes
sociais e os bens urbanos no território, por outro, hierarquizam suas práticas de
interações e filtra o acesso aos bens urbanos através de mecanismos políticos,
institucionais e simbólicos que separam favela e cidade. Deste modo, na cidade do Rio
3http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,prisao-de-nem-e-maior-cartada-em-pacificacao-diz-wall-
street-journal,797431,0.htm Acessado 26/06/2013
http://oglobo.globo.com/rio/segundo-pesquisa-de-percepcao-do-rio-como-vamos-sensacao-de-seguranca-
aumenta-entre-cariocas-2787839 Acessado 26/06/2013
http://www.conversaafiada.com.br/economia/2010/12/19/%E2%80%9Cbancos-privados-tambem-sobem-
os-morros-com-upps%E2%80%9D/ Acessado 26/06/2013 4http://www.upprj.com/index.php/faq Acessado 26/06/2013
http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/acabar-com-o-trafico-de-drogas-e-uma-utopia-diz-
beltrame,e55b169a8c59b310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html Acessado 26/06/2013
14
de Janeiro como outras cidades do Brasil e do mundo, é possível observar uma relação
diferenciada entre o espaço urbano – cidade vs favela – e o espaço social, “havendo
defasagem entre a estrutura urbana e a hierarquia social” (ALVES et al, 2010, pág. 68).
No âmbito educacional, a rede de ensino público proporciona acesso
diferenciado aos alunos, tornando o território um condicionante das oportunidades
educacionais. Tendencialmente, os “mais pobres frequentam as piores escolas, o que
geralmente é determinado pela localização do domicílio e do próprio estabelecimento de
ensino” (ALVES, et al, 2010, pág. 68). Segundo Burgos (2009) o prestígio das escolas é
muitas vezes determinado pela localização da residência do aluno e/ou do próprio lugar
de instalação do estabelecimento escolar.
A segregação territorial pode diferenciar as escolas, funcionários e alunos,
impondo limites no que tange ao trabalho pedagógico e ao processo de socialização.
Burgos (2009)5 argumenta que a instituição escolar tende a ter como principal público
os moradores do bairro/região em que está localizada, portanto, sendo os moradores
isolados socialmente, simbolicamente e territorialmente, a escola pode vir a funcionar
sob o princípio organizacional, pedagógico e institucional de encapsulamento, o que
corroboraria a distância social e a reprodução da situação de segregação territorial já
existente na cidade. Isso, que poderia ser associado com uma espécie de tracking6
informal, reforçando as desigualdades já existentes, uma vez que aqueles que têm
prejuízos quanto às características de origem são agrupados em estabelecimentos
igualmente deficientes, o que leva a uma “baixa heterogeneidade social na composição
social das escolas” (BURGOS, 2009, pág. 68).
Atrelando a discussão sobre a organização social do território carioca à nova
política de segurança do Estado e como essas impactam o sistema educacional, mais
especificamente a rede pública de ensino, uma questão foi formulada para o
desenvolvimento desse estudo: houve mudança na composição socioeconômica e
espacial do alunado das escolas a partir da implantação das UPPs?
O objetivo da dissertação é observar as possíveis mudanças de padrão quanto às
oportunidades de alocação de alunos nas escolas públicas municipais, associadas à nova
política de segurança proposta pelo governo do Estado.
5 A cidade do Rio de Janeiro existe livre acesso as escolas ou ausência de barreiras geográficas. 6 Tracking é a separação dos alunos, em geral bastante precoce, direcionando-os a currículos e trajetórias
bastante diferenciados, em geral de corte profissional ou acadêmico. Ainda que o critério de distinção
para encaminhamento a um tracking seja, em geral, referido ao desempenho acadêmico, essa não é a
única forma.
15
O presente estudo parte do pressuposto de que a implementação das UPPs pode
impactar a composição socioeconômica e espacial das escolas. Isso é, com a execução
do novo modelo de segurança, as escolas tenderiam a ter o seu corpo discente mais
heterogêneo. Já que, os alunos residentes de áreas de favela, provavelmente, passariam a
ter acesso às escolas localizadas fora das favelas e/ou das áreas que sofrem domínio dos
traficantes de drogas ou milicianos. Haveria, também, mudança no comportamento das
gestões escolares quanto ao estereótipo dos alunos favelados, pela redução da
associação imediata à violência e ao tráfico de drogas.
Podemos supor que antes da presença das UPPs, alunos moradores de favela
eram concentrados em determinadas escolas sob a justificativa de que a violência e as
“normas” impostas pelos grupos que controlavam o território dificultavam a mobilidade
para outras escolas e por isso ocorreria a concentração de determinados alunos em
estabelecimentos de ensino específicos.
Almeida e Borges (2005) informam que o tráfico de drogas na cidade do Rio de
Janeiro estava cada vez mais presente nos estabelecimentos de ensino e que a rivalidade
entre as facções criminosas da cidade estava mais presente nos pátios e arredores das
escolas7. Em outro estudo Ribeiro (2009) faz um comparativo sobre a relação entre
escola e favela nos anos de 1950 e nos anos 2000, relata que nos dois momentos
estudados as representações feitas pelos professores sobre a favela e seus moradores são
análogas quanto a um lugar que predominava e predomina a pobreza, promiscuidade,
violência e desestruturação familiar. Entretanto, nos anos 2000 a autora ressalta que a
percepção dos professores sobre violência é mais acentuada nas favelas em que há
tráfico de drogas, o que ocasiona uma “ideia de que a violência presente nesses locais
traria implicações sobre postura dos alunos” (Idem, pág.207).
Entretanto, com a retomada do território por parte da força policial e depois com
o policiamento ostensivo e permanente, o Estado retorna ao território onde já não mais
se fazia presente, ampliando a livre circulação de pessoas. Poderíamos supor que com a
implementação das UPPs os alunos moradores de favelas passariam a ter maiores
chances de escolherem e de acessarem as vagas em diferentes escolas distribuídas pelo
território carioca. Por outro lado, com a retomada do território por parte do Estado
algumas escolas menos “acessíveis” passariam a “permitir” o acesso dos alunos
7 Os autores relatam uma situação que ocorreu com um adolescente de 14 anos, que por causa de um boné
vermelho – a cor da facção rival – foi espancado em frente à escola. O aluno foi identificado como
morador de uma favela dominada pela facção criminosa rival.
16
moradores de favelas, já que estes não estariam mais atrelados à imagem do traficante
e/ou da violência.
Há, ainda, a possibilidade de que a redução do poder do tráfico armado tenha
diluído o fenômeno da identificação de algumas escolas com as facções que detinham
controle sobre os territórios em que se situam, o que pode proporcionar alguma mistura
entre alunos de favelas sob controle de diferentes facções.
Essas são possibilidades analíticas, mas é forçoso reconhecer que ao menos um
efeito em sentido oposto também pode ocorrer: não mais submetidos a um cotidiano de
muita violência e poder do crime organizado, estudantes passariam a não ter mais razões
para buscar escolas fora de suas áreas de residência. É possível que ambos os
movimentos ocorram, mas nesse trabalho, dadas as limitações do alcance e do tempo
disponível, essa hipótese não pode ser testada, ainda que haja informações para que um
modelo analítico específico para esse fim venha a ser montado (RIBEIRO, tese em
andamento).
Nesta dissertação a metodologia adotada implica no tratamento de dados
referentes ao alunado de uma região da cidade e contará com descrições gerais como
recurso para tentar detectar as possíveis alterações no quadro das escolas em foco.
Como a intenção é observar os possíveis impactos que a implementação das UPPs teve
sobre o público escolar, foi escolhida uma série histórica cobrindo o ano de 2008 ao ano
de 2012. A região pesquisada será a Grande Tijuca8, na zona norte da cidade. Todas as
escolas dessa região que atendam o 1° 5° 6° e 9° ano, farão parte da amostra do estudo.
A escolha dessas séries se deu por força de limitações operacionais no geocodificação
dos estudantes. É inevitável a escolha de uma amostra de alunos, de forma a evitar o
esforço de geocodificação de todos os estudantes. As séries iniciais e finais de cada
segmento foram escolhidas por permitirem observarmos alunos de idades bem
diferentes – o que implica em autonomia de deslocamento diferente – com trajetórias
escolares distintas – por conta das diferenças de probabilidade para atraso escolar.
8 Os bairros que integram a área da Grande Tijuca são: Praça da Bandeira, Tijuca, Alto da Boa Vista,
Maracanã, Vila Isabel, Grajaú e Andaraí.
17
1. AS FAVELAS DO RIO DE JANEIRO
Nesse capítulo propomos apresentar e discutir um pouco do cenário das favelas
cariocas. De uma maneira geral, o foco é expor como o termo favela foi introduzindo no
vocabulário social para determinar um espaço da cidade; como ocorreram as principais
intervenções político-administrativas nesses espaços ao longo das décadas; e como as
favelas tornaram-se referências de espaços socialmente violentos e empobrecidos;
sempre buscando um panorama com o lugar que a educação ocupou em cada momento.
Uma característica peculiar da cidade do Rio de Janeiro é que, durante a constituição
de uma grande cidade, no processo de organização dos espaços residenciais, não
ocorreu o isolamento espacial dos grupos e das classes sociais. Nos Estados Unidos, o
“modelo clássico” de separação residencial e social é caracterizado por subúrbios
abastados e “inner-cities” empobrecidas e bastante violentas. Já em algumas metrópoles
europeias a ocupação dos setores mais centrais é feita por camadas médias e grupos
abastados, em contraste com os subúrbios que são ocupados pelas camadas mais pobres
da sociedade (ALVES et al, 2008).
Entretanto, no Rio de Janeiro, no interior dos espaços dominados pelas classes mais
abastadas, há a presença das favelas, o que determina a proximidade geográfica de
diferentes classes sociais, mas não determina que ocorra uma aproximação social. Isso
é, ocorre geograficamente uma aproximação das classes sociais, fazendo com que exista
convívio social em diversas relações, principalmente as trabalhistas, todavia conserva-se
uma distância social entre as classes.
Podemos verificar a partir do Mapa 1 como as favelas estão distribuídas por todos
os bairros cariocas, mesmo nos bairros onde se concentram as classes mais abastadas da
população.
18
MAPA 1 – Distribuição das favelas na cidade do Rio de Janeiro
Legenda: Limite do Município do Rio de Janeiro; Limite dos Bairros; Limite das Favelas.
O surgimento das favelas é parte do processo de expansão das grandes cidades
metropolitanas e de seu entorno. Lago (2000) associa o aparecimento das favelas por
todo tecido metropolitano do Rio de Janeiro à dinâmica imobiliária, à crise do mercado
formal de trabalho e à mobilidade residencial no espaço urbano, já que as favelas, os
loteamentos irregulares e os outros tipos de assentamentos nas áreas abastadas da cidade
são alternativas que se apresentam para a população de baixa renda como oportunidades
de acesso a mercados e a serviços públicos. A presença das favelas nessas áreas da
cidade é vantajosa tanto para os moradores desses espaços, pois permite que eles
tenham acesso aos equipamentos e serviços urbanos (ALVES et al, 2008), quanto para
os moradores dos condomínios e casas abastadas, já que esses passam a ter acesso a
mão de obra mais barata. Tais análises podem ser contrapostas a outras, que não se
aferrem a uma suposta racionalidade econômica da alternativa favela, mas interpreta tal
processo sob perspectiva sociológica, buscando atores, suas articulações, seus jogos
políticos, estratégias, redes de alianças. O slogan consagrado em determinadas
abordagens: “favela não é problema, é solução9” em alguma medida, se esquiva de
discutir a imensa expansão da área e da população favelada em cidades brasileiras sob a
9 Essa frase é usualmente atribuída a Darcy Ribeiro, como vice-governador do Rio de Janeiro, mas não
conseguimos atestar a veracidade dessa informação. (http://www.sonoticias.com.br/coluna/estado-
incompetente ; http://inutilopiniao.blogspot.com.br/2010/05/favela-nao-e-problema-e-solucao.html ;
http://veja.abril.com.br/170310/engolidos-pela-favela-p-094.shtml)
19
influência de populismos que tiveram espaço no país com a redemocratização dos anos
80.
Assim, alegasse que a expansão das favelas no Rio de Janeiro aconteceu com a
redemocratização, quando políticos, como Leonel Brizola, legalizaram as ocupações de
áreas indevidas, criando um programa em que repassava os lotes irregulares a valores
simbólicos, tornando os moradores em proprietários definitivos e com direitos legais
(CAVALLIERI, apud BURGOS, 2006). Burgos (2006) apresenta que no primeiro
governo de Leonel Brizola, em 1983 à 1987, foi desenvolvida uma agenda social
especialmente voltada para as favelas do Rio de Janeiro. Foi nesse período que houve
uma maior expansão das favelas na cidade, uma vez que como o ingresso da polícia nas
favelas foi proibido pelo governo do Estado, ficou mais difícil conter e proibir as
invasões e ocupações de áreas indevidas.
1.1 As intervenções urbanísticas nas favelas cariocas
A definição utilizada por urbanistas para “favela” é a mesma empregada para
"aglomerado subnormal"10
, tratando-se de um conjunto constituído por, no mínimo,
cinquenta e uma unidades habitacionais (barracos, casas de alvenaria), ocupando ou
tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou
particular), dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, tendo sua urbanização
disposta fora dos padrões vigentes (com vias de circulação estreitas e de alinhamento
irregular), e carentes, em sua maioria, de serviços públicos e essenciais (água, esgoto,
iluminação, etc.). Entretanto, favela é uma categoria polissêmica que agrega diversos
tipos de habitação, mesmo aquelas que têm saneamento básico e são legalmente
estabelecidas. Outras são reconhecidas mesmo quando sua estrutura é num prédio11
.
Sagmacs (1960) (apud VALLADARES, 2000) explica que a palavra “favela”
tem seu uso e popularização no Rio de Janeiro a partir da Guerra de Canudos (1896 à
1897). Na cidade baiana de Canudos havia um monte com esse nome, assim, um morro
localizado na zona central da cidade do Rio de Janeiro, recebeu esse nome e passou a
ser habitado por sobreviventes dessa mesma guerra.
10
O IBGE e os urbanistas definem “favela” como “aglomerado subnormal”, prefiro utilizar o termo
“favela”, por julgá-lo menos pejorativo. Mas, “aglomerado subnormal” pode ser também utilizado para
nomear loteamentos, conjuntos habitacionais, além das favelas, como são tipicamente conhecidos alguns
espaços cariocas. 11
Exemplo são as favelas do Amarelinho localizada em Acari, e a favela Alto Simão em Vila Isabel.
20
No modelo carioca, as favelas têm sua localização, predominantemente, em
morros. Todavia, existem muitas favelas em áreas planas, em sua maioria localizadas na
Zona Oeste da cidade. As habitações típicas são de madeira ou alvenaria, dispondo de
infraestrutura e serviços deficientes, como características principais. Desde seu
surgimento nas paisagens cariocas as favelas foram problematizadas, entretanto,
ganharam maior destaque a partir dos anos de 1930 quando passaram a ser questionadas
por médicos, jornalistas, arquitetos e engenheiros como um espaço de proliferação de
doenças e epidemias e, principalmente, como “uma patologia social que precisava ser
combatida” (VALLADARES, 2000, pág.14). A partir desse momento, as favelas se
transformaram em objeto de análises e espaço de intervenções.
Em 1937 o Código de Obras da prefeitura carioca previa a eliminação das
favelas existentes e o embargo de construções de novas favelas. No início da década de
1940 o modelo do projeto de retirada das favelas das paisagens cariocas ganhou novos
ares, o objetivo era transferir sua população para alojamentos temporários, enquanto se
construiriam nos locais das favelas as casas definitivas, de alvenaria, para a população
que lá já morava. “Foram destruídas quatro favelas, sendo 8.000 pessoas transferidas
para Parques Proletários. [...] Anos mais tarde esses Parques Proletários passaram a ser
considerados favelas” (VALLADARES, 1980, pág. 23).
A divulgação dos problemas das favelas pelo poder público e pela mídia não se
deu por uma demanda dos moradores desses espaços, mas sim, pelo incomodo que as
favelas causavam ao cenário urbano da cidade. Por isso, a demanda pela criação do
programa dos Parques Proletários, que tinha como um dos objetivos principais a
resolução dos problemas das condições insalubres desses espaços, além de permitir a
expansão de novas áreas urbana na cidade (BURGOS, 2006).
Em 1946 com um acordo entre a Prefeitura da cidade e Arquidiocese fundou-se
a Fundação Leão XIII, que tinha como objetivo a recuperação das áreas das favelas,
além da implementação de serviços básicos nesses espaços. Criou-se o Centro de Ação
Social, com ambulatórios e escolas. Entre os anos de 1947-1954 a Fundação autuou em
trinta e quatro favelas cariocas. Em algumas delas sua participação era na provisão de
estrutura básica como: água, luz, asfalto e esgoto, antecedendo a urbanização desses
espaços. Nessa mesma perspectiva de recuperação e melhoria nas favelas, a
Arquidiocese fundou em 1955 a Cruzada São Sebastião, que arrecadou fundos e
realizou melhorias de serviços básicos em doze favelas.
21
Em síntese, até 1960 houve disputas e conflitos quanto ao planejamento e
definição do que fazer com as favelas e sua mazela – a pobreza. As intervenções das
organizações públicas e privadas tinham como tendência duas ações: a extinção ou a
introdução de melhorias nas favelas. Entretanto, como ressalta Valladares (1980),
nenhuma dessas ações se concretizou plenamente, não havendo chegado nem a uma
solução para melhorias nas favelas, nem a sua extinção das paisagens cariocas.
Todavia é a partir da década de 1960 que se institui nova forma de tratamento
das favelas. No ano de 1960 o Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações
Anti-Higiênicas - SERFHA, que foi criado em 1956, sofre uma reestruturação, e torna-se
o primeiro programa oficial do governo estadual voltado para a urbanização das favelas.
Este programa era vinculado a Coordenação de Serviços Sociais. Em 1961, criam-se
com o aporte desse programa, as Associações de Moradores nas favelas da cidade.
Em 1962 foi criado a Cooperativa de Habitação Popular do Estado da Guanabara -
COHAB-GB, uma companhia dedicada à remoção de famílias moradoras de favelas. O
objetivo era extinguir as favelas e transferir suas populações para outros locais.
Construíram-se assim, as Vilas Kennedy em Senador Camará, Aliança em Bangu, e
Esperança em Vigário Geral, onde foram alocados os moradores de doze favelas da
cidade, e em 1966 foi ocupada a Cidade de Deus em Jacarepaguá (VALLADARES,
1980). Entretanto, essa remoção não ocorreu de forma pacifica. Os moradores das
favelas criaram resistência e criticaram a remoção, devido ao deslocamento do local de
moradia para áreas distantes dos locais de trabalho, à pouca e ineficiente oferta de
transporte, à ruptura dos laços de sociabilidade desenvolvidos na favela de origem e à
péssima qualidade das casas oferecidas pelo poder público (BURGOS, 2006).
Enquanto a COHAB-GB desenvolvia suas ações de remoção da população das
favelas, a Companhia de Desenvolvimento de Comunidades - CODESCO, criada em 1968,
pelo então prefeito Negrão de Lima, representava uma alternativa à remoção das
favelas, a urbanização das mesmas, através de melhoramentos em infraestrutura básica e
de serviço. Essa imprecisão quanto ao futuro das favelas é descrita por Valladares
(1980) como um cenário político em que as favelas desempenham um papel importante.
As favelas tornaram-se um “campo fértil para a demagogia política, facilitada,
ainda, [...] por suas próprias características físicas” (VALLADARES, 1980, pág. 26). A
favela era facilmente identificada como habitada por um certo tipo de eleitor com
problemas urbanos já conhecidos. O clientelismo político encontrou ali terreno fértil
para proliferar. Somado a esse cenário, o Estado era omisso, raramente realizando e
22
dando continuidade aos projetos de melhorias relacionados às favelas, o que
proporcionou a busca dos moradores das favelas aos políticos que lá estavam presentes.
Os favores iam desde bicas de água e material de construção e favores pessoais –
empregos, vagas em escolas e hospitais.
Os políticos tornaram-se verdadeiros intermediários entre a população local e
o ‘mundo de fora’, de onde provinham os recursos e os serviços. Estabelecia-
se nitidamente relação de troca entre voto e o favor obtido (VALLADARES
1980, pág.27).
Por outro lado, os moradores também tinham interesse na atuação dos políticos,
pois sabiam que ao utilizar a favela como espaço para barganhar, esses eles a
defenderiam de programas de remoção, na medida em que os seus interesses fossem
alcançados. Muitos desses políticos, no decorrer de suas campanhas, tornaram-se
figuras influentes dentro das favelas, e passaram a fornecer materiais de obras para
“reconstrução ou construção de barracos, ou indicando áreas desocupadas passíveis de
serem invadidas, o que favoreceu a implementação de novas favelas ou o
desenvolvimento das já existentes” (VALLADARES, 1980, pág. 27).
Com a criação, em 1961, das Associações de Moradores, os políticos e os
moradores das favelas foram beneficiados, pois a entidade possibilitou a legitimação de
lideranças locais (VALLADARES, 1980). Por outro lado, as lideranças das Associações
utilizavam-se dos apoios políticos em busca de benefícios para os moradores e para as
infraestruturas das favelas.
Com o golpe militar de 1964, o governo do Estado assina em 1968, já no
contexto do Ato Institucional número cinco - AI-5, o decreto E, n° 3.300, que estabelece
as associações de moradores como representantes dos interesses comunitários perante o
governo do Estado, “subvertendo o papel das associações, que de representante dos
moradores passam a fazer as vezes do poder público na favela” (BURGOS, 2006, pág.
35). A realidade é que desde a sua criação as associações de moradores, serviram como
ligação entre o governo – o mundo exterior – e o poder local.
Também na década de 1960, a cidade do Rio de Janeiro deixava de ser Distrito
Federal para se tornar o mais novo estado da Federação Brasileira, o Estado da
Guanabara. O princípio básico da administração pública era a descentralização e, assim,
foram criadas a Secretaria de Serviços Sociais e a Secretaria de Serviços Sociais
Regionais (SANTOS, 2007). A política de ação da Secretaria de Serviço Social era
centrada na assistência social e na remoção das favelas, tendo assim, uma concentração
23
dos trabalhos nessas áreas. Santos (2007) observa que ao mesmo tempo em que as
favelas eram vistas como espaços “clandestinos”, pois, não eram reconhecidos como
parte do Estado da Guanabara, era nesses espaços que concentravam-se as atuações de
trabalho da Secretaria de Serviços Sociais. “Esta contradição reforçava uma ação
ambígua e paliativa prestada por parte do poder público, evidenciando ‘a ausência de
direitos sociais’” (idem, pág.31).
Em 1975 ocorreu no Rio de Janeiro a fusão do Estado da Guanabara com o
Estado do Rio de Janeiro. Com essa nova composição administrativa ocorreu uma nova
organização político-administrativa do Estado do Rio de Janeiro, na qual, a
problemática do Bem Estar Social, passou a ser de responsabilidade do Governo
Estadual. Criou-se então, um Conselho com os Secretários de Estado sob a presidência
do Governador, e eram discutidas as ações no campo econômico e social (SANTOS,
2007). Nesse cenário a Fundação Leão XIII atuava como executor da política social
através dos programas de Assistência Social em Geral e Assistência Comunitária, que
visavam atender a população mais carente do Rio de Janeiro.
Em 1979 o então prefeito, Israel Klabin, nomeado pelo governador Chagas
Freitas criou a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social - SMDS, com o
objetivo de desenvolver serviços assistenciais nas favelas da cidade. A proposta de
criação da SMDS foi estabelecida a partir de uma negociação entre prefeitura e o Fundo
das Nações Unidas para a Infância - Unicef, o que resultou na elaboração do documento
“Propostas para ação nas favelas cariocas”, o qual prevê intervenções nos espaços das
favelas por programas nas áreas de educação, saneamento, saúde e legalização da
propriedade. Também foi organizado pela mesma gestão política, um Cadastro das
Favelas da Cidade do Rio de Janeiro, que daria suporte às ações da SMDS, uma vez que
o objetivo era que o cadastro subsidiasse a organização de políticas públicas nesses
espaços (BURGOS, 2006). A favela ganhou reconhecimento por parte do poder público
quanto ao direito à urbanização, o que possibilitaria a realização de obras, antes só
permitidas e realizadas em espaços públicos ou em áreas de fácil acesso (SANTOS,
2007).
Com a eleição de Leonel Brizola, em 1982, a governador do Estado e com a
estrutura administrativa municipal atrelada ao Estado, o programa desenvolvido pela
SMDS ficou comprometido e dispondo de poucos recursos públicos financeiros, já que,
o novo governo considerava a proposta “tecnocrática, além de ser tomada como uma
ingerência externa em problemas brasileiros” (BURGOS, 2006, pág.46).
24
Entretanto, o governo de Brizola desenvolveu uma agenda social voltada para as
favelas do Rio de Janeiro. O Programa de Favelas da Companhia Estadual de Águas e
Esgotos do Rio de Janeiro – Proface, através da Companhia Estadual de Águas e
Esgotos do Rio de Janeiro– CEDAE, implementou sistema de água e esgoto em cerca
de sessenta favelas, incorporando-as à rede dos seus bairros; a Companhia Municipal de
Limpeza Urbana– Comlurb passou a atuar na coleta de lixo nas favelas depois da
compra de micro-tratores adaptados às condições do terreno; a Comissão Municipal de
Energia iniciou um programa de instalação de iluminação pública nas favelas; e o
Programa Cada Família um Lote, iniciou a regularização da propriedade nas áreas das
favelas (BURGOS, 2006).
No ano de 1985 o cenário político-administrativo do país muda com as eleições
para prefeito das capitais dos estados. Ocorre a cisão entre prefeituras das capitais e
governos dos estados, dando mais autonomia aos prefeitos e fazendo com que os
mesmos se tornem mais próximos dos problemas da população. É na gestão de
Saturnino Braga, entre 1986 à 1988, que se formula o “Programa Quinquenal de
Urbanização das Favelas e Loteamentos Irregulares do Município do Rio de Janeiro”, o
qual enfatiza a necessidade de integrar as favelas à cidade, através da transformação das
favelas em bairros populares (BURGOS, 2006). Entretanto, é apenas em 1992, na
gestão do prefeito Marcelo Alencar, que a ideia de um programa global de integração
das favelas à cidade, é consolidada através do Projeto de Lei Complementar nº16, de 04
de junho de 199212
, que instituiu o Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro - PDCRJ,
que definia “o problema favela como uma questão municipal, fundamental para o futuro
da cidade” 13
(BURGOS, 2006, pág.49).
12
Ver: http://cm-rio-de-janeiro.jusbrasil.com.br/legislacao/287415/lei-complementar-16-92 13
O Projeto de Lei Complementar nº16, de 04 de junho de 1992 no Art. 6º define os objetivos do Plano
Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro:
I - propiciar ao conjunto da população melhores condições de acesso à terra, à habitação, ao trabalho, aos
transportes e aos equipamentos e serviços urbanos;
II - ordenar o crescimento das diversas áreas da Cidade, compatibilizando-o com o saneamento básico, o
sistema viário e de transportes e os demais equipamentos e serviços urbanos;
III - promover a descentralização da gestão dos serviços públicos municipais;
IV - promover a distribuição justa e equilibrada da infra-estrutura e dos serviços públicos, repartindo as
vantagens e ônus decorrentes da urbanização;
V - compatibilizar o desenvolvimento urbano com a proteção do meio ambiente pela utilização racional
do patrimônio natural, cultural e construído, sua conservação, recuperação e revitalização;
VI - estimular a população para a defesa dos interesses coletivos, reforçando o sentimento de cidadania e
proporcionando o reencontro do habitante com a Cidade;
VII - estabelecer mecanismos de participação da comunidade no planejamento urbano e na fiscalização
de sua execução;
VIII - promover o cumprimento da função social da propriedade urbana.
25
O PDCRJ também garantia a participação da população em todas as etapas do
processo de planejamento, assim como o amplo acesso às informações14
. Entretanto,
estas garantias eram vistas pelo governo como um empecilho, que tendia a inviabilizar
as ações do poder público. Houve também por parte da sociedade civil, mais
especificamente por parte da população moradora de favelas, pouca demanda
organizada quanto a participação nas etapas do processo de planejamento (PIRES, 2010;
BURGOS, 2006). Assim, em 1993, já na gestão do prefeito César Maia, a Prefeitura da
Cidade do Rio de Janeiro promoveu um acordo com a Associação Comercial do Rio de
Janeiro - ACRJ e Federação das Indústrias - FIRJAN, para a implementação do Plano
Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro – PECRJ. Deste modo, o PECRJ passou a ser
uma contraposição ao papel regulador da sociedade civil organizada, do Estado e do
PDCRJ (PIRES, 2010).
Nessa mesma gestão cria-se o Grupo Executivo de Assentamento Populares -
GEAP, que propõe seis programas na área de política habitacional. São eles: (1) o
programa de Regularização de Loteamento, que visava a regulamentação urbanística e a
construção de infraestrutura; (2) o programa de Regularização Fundiária e Titulação,
que visava a regulamentação dos títulos de propriedades ; (3) o programa Novas
Alternativas, Vilas e Cortiços, que visava a ocupação das áreas livres existentes na
cidade, mas que já dispunham de infraestrutura, e a recuperação de vilas e cortiços
localizados no centro da cidade; (4) o programa Morar Carioca, que visava a melhoria e
a integração à cidade de assentamentos precários e informais, através da implantação de
um sistema de manutenção e conservação das obras. Outra iniciativa do programa era
garantir o acesso à moradia em áreas de interesse da classe média através de Cartas de
Credito; (5) o programa Morar Sem Riscos, que visava o reassentamento de famílias
que moravam em áreas de riscos; e (6) o programa Favela-Bairro, que visava a
implementação de infraestrutura e serviços sociais básicos, a regularização desses
espaços e integrá-lo à cidade (BURGOS, 2006).
14
Lei Complementar nº16, de 04 de junho de 1992, artigo12, §1.
Art. 12 - E garantida a participação da população em todas as etapas do processo de planejamento, pelo
amplo acesso às informações, assim como à elaboração, implementação e avaliação de planos, projetos e
programas de desenvolvimento urbano, de caráter geral, regional ou local, mediante a exposição de
problemas e de propostas de soluções.
§ 1º - A participação da população é assegurada pela representação de entidades e associações
comunitárias em grupos de trabalho, comissões e órgãos colegiados, provisórios ou permanentes.
26
Um dos programas com mais notoriedade midiática, social e política do GEAP
foi o programa Favela-Bairro que tinha a proposta de construir ou complementar a
estrutura urbana das favelas e oferecer as condições para a integração da favela como
bairro da cidade. Seus pressupostos eram definidos na tentativa de ocorrer o mínimo de
reassentamento de famílias moradoras desses espaços, e ter a participação dos
moradores nas obras do programa.
Em janeiro de 1994, começam os trabalhos na realização do Programa Favela-
Bairro. A primeira medida foi a seleção das favelas que receberiam o programa, nesse
caso, as favelas consideradas de porte médio, com 500 a 2.500 domicílios. Depois de
delimitado esse universo, construiu-se um índice que distribuiu as favelas quanto ao
maior ou menor grau de dificuldade de se concluir a sua urbanização (BURGOS, 2006).
O financiamento do programa ocorreu a partir de uma parceria entre Prefeitura e
o Banco Interamericano de Desenvolvimento–BID, firmado em 1995 e renovado em
2000. Na fase inicial do programa atendeu-se a 15 comunidades15
da cidade. Em 2006,
esse número já tinha ultrapassado 143 comunidades, beneficiando 62 mil moradores.
As principais intervenções do programa foram de saneamento básico, sistema de
drenagem, sistema viário, canalização de rios, iluminação pública, coleta de lixo,
construção de creches, construção de equipamentos esportivos, construção de passarelas
ou pontes, entre outras (MENDES, 2006).
No início de 2007, o governo federal, no primeiro mandato do presidente da
república Luiz Inácio Lula da Silva16
, anunciou o Programa de Aceleração do
Crescimento - PAC, que tinha como objetivo promover a execução de grandes obras de
infraestrutura social, urbana, logística e energética do país, colaborando para o seu
desenvolvimento acelerado e sustentável (DOMINGUES et al, 2009). Contribuiu
também para o aumento da oferta de empregos nas áreas relacionadas ao projeto, e na
geração de renda, além de elevar o investimento público e privado em obras de
infraestrutura. Os seis eixos do programa são: (1) Investimento em Infraestrutura; (2)
Estímulo ao Crédito e ao Financiamento; (3) Melhora do Ambiente de Investimento; (4)
Desoneração e Administração Tributária; (5) Medidas Fiscais de Longo Prazo; (6)
Consistência fiscal (TRINDADE, 2009).
15
Parque Royal, Canal da Tachas/Vila Amizade, Parque Proletário do Grotão, Serrinha, Ladeira dos
Funcionários, Caminho do Job, Morro dos Prazeres/Escondidinho, Morro da Fé, Vila
Candido/Guarapes/Cerro-Corá, Chácara de Dell Castilho, Mata Machado, Morro União, Três Pontes,
Conjunto Residencial Fernão Cardin e Andaraí/Jamelão. 16
O primeiro mandato do então presidente foi de 1º de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2006, e o
segundo mandato foi de 1º de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2010.
27
Nessa perspectiva, a cidade do Rio de Janeiro foi beneficiada também quanto à
urbanização e moradia, principalmente nas áreas de favela. Foi lançado como
subprojeto do PAC, o programa Minha Casa, Minha Vida, em 2009, que tem como
objetivo promover a construção e o financiamento de casas para famílias com renda
bruta salarial de até R$ 5.000,00 por mês. O primeiro condomínio do programa foi
inaugurado na cidade no bairro de Senador Camará17
, mas hoje já existem condomínios
nos bairros da Mangueira, Triagem, Bangu, etc. Além de obras no que tange a
mobilidade urbana, como o teleférico do Complexo do Alemão e a passarela projetada
por Oscar Niemeyer na entrada da Rocinha permitindo o acesso mais fácil dos
moradores até o complexo esportivo, também obra do programa18
.
Em julho de 2010, na gestão do prefeito Eduardo Paes, foi lançado o programa
Morar Carioca, que tem objetivo de promover a integração urbana e social da favela
com a cidade do Rio de Janeiro até o ano de 2020. O programa é baseado nas metas e
objetivos do programa antecessor, o Favela-Bairro. Já ocorreram obras de infraestrutura
nas favelas da Providência, Babilônia, Jacarezinho, de acordo com a Secretaria
Municipal de Habitação19
.
1.2 As favelas e a criminalidade
A cidade do Rio de Janeiro tem uma organização geográfica bastante peculiar.
Davidovich (1999) aponta que o município tem um perfil territorial específico devido à
sua centralização e concentração de população, atividades e recursos. As favelas
impõem-se não apenas na paisagem urbana, mas também na vida social, cultural e
política da cidade. Desde o aparecimento da venda de drogas no varejo e seu consumo,
a favela passou a ter associação direta com o comércio de entorpecentes, passando a ser
vista pelo pela sociedade como um espaço de violência e estigmatizado.
Nos anos de 1950 e 1960, ainda que com pouca organização, sofisticação e
infraestrutura a distribuição da maconha na capital fluminense “tinha sua base nas
favelas e a droga era vendida geralmente à uma clientela local pelos membros da
comunidade” (DOWDNEY, 2003, pág.61). Com o crescimento da demanda da classe
17
http://oglobo.globo.com/rio/minha-casa-minha-vida-enfrenta-problemas-como-contas-nao-pagas-
puxadinhos-trafico-11302923 - Visto em 12/03/2014 18
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2010/06/passarela-feita-por-niemeyer-para-rocinha-e-
inaugurada.html - Visto em 12/03/2014 19
http://www.rio.rj.gov.br/web/smh/exibeconteudo?article-id=1451251 – Visto em 12/03/2014
28
média por cocaína, no início dos anos 1980, a estrutura de varejo de drogas com os
pontos de vendas nas favelas foi aprimorada pelas facções criminosas.
Neste cenário, as favelas tornaram-se territórios estratégicos nos quais a venda
de drogas estaria protegida das disputas com facções rivais e das incursões policiais.
Favorecendo, também, a possibilidade de domínio sociopolítico dos traficantes sobre a
comunidade. Nos dois casos, os objetivos econômicos são facilitados (DOWDNEY,
2003).
Nos estudos sobre favela, tráfico de drogas, crime organizado e territorialização,
pode-se caracterizar quatro fases cronológicas dessa problemática e seu início na capital
da cidade: a) 1950: maconha; b) 1970: jogo do bicho; c) 1980: cocaína e o Comando
Vermelho; d) 1990 e 2000: guerra entre facções e a instauração das milícias (Dowdney,
2003). Essa breve cronologia serve como um dos elementos para entendermos como a
favela e os seus moradores adquiriram um perfil estigmatizado e, muitas vezes,
rejeitado, pela sociedade.
a) 1950: maconha
Nos anos de 1950 o varejo de drogas ilegais instala-se na cidade do Rio de
Janeiro para atender a demanda das favelas pela maconha, que tinha sua distribuição
feita de forma independente da cocaína, droga, comumente, consumida pela elite.
Dowdney (2003) ressalta que a maconha consumida na cidade do Rio de Janeiro era
basicamente cultivada no Nordeste do país e era de consumo dos moradores das favelas,
dos prisioneiros e de algumas áreas de prostituição da cidade.
Sua distribuição era relativamente organizada, com uma estrutura não-
sofisticada, pois, embora os membros dessa estrutura andassem armados, utilizavam, no
máximo revólveres calibre 38, mas que camuflavam da vista dos moradores da
comunidade. Esses traficantes armavam-se para se proteger. Entretanto não eram
organizados quanto ao patrulhamento e vigilância dos seus membros e na defesa do
território que dominavam. O autor também destaca que “apesar das diferenças de escala,
de estrutura e de importância para a cidade, as origens do uso das favelas por facções
territorialmente organizadas com pontos de venda estratégicos e possíveis de serem
defendidos” (DOWDNEY, 2003, pág.23) podem ser encontradas desde essa década.
29
b) 1970: jogo do bicho
O controle de pontos e áreas de “jogo do bicho” no Rio de Janeiro, desde a
década de 1940, foi um fator importante para a representação social da violência na
cidade, estabelecendo ligação entre mercado ilícito e corrupção policial. Os jogos de
azar não conviviam pacificamente com os traficantes de drogas, muitas vezes havendo
disputas entre os dois segmentos, por controle de territórios.
A estrutura desse mercado clandestino de jogos e corrupção permaneceu
segmentada em territórios rivais até o final dos anos de 1970, quando uma aliança
estável entre os principais bicheiros da cidade, instituiu a chamada “cúpula do jogo do
bicho”, organizando-se, legitimamente, através da fundação da Liga das Escolas de
Samba, e passando a administrar os desfiles das escolas de samba do carnaval carioca
(MISSE, 2007). O “jogo do bicho” era semelhante a uma loteria federal, entretanto, era
considerado uma contravenção pela legislação penal brasileira, de acordo com o artigo
58 da Lei de Contravenções Penais20
.
O jogo tinha sua estrutura constituída de vários pontos de venda - “pontos do
jogo do bicho” - que contava com a presença de um “apontador”. Assim, o apostador
procurava o “apontador” para fazer seu jogo. Os “pontos do jogo do bicho” eram em
lojas ou em vias públicas, como camelôs. O “apontador” recebia comissão sobre os
jogos que apontava e sobre os prêmios sorteados em seu ponto (MISSE, 2007). O
“banqueiro” ou “dono” era quem controlava um “território”, onde atuavam “seus”
“apontadores” e pistoleiros. Ele era quem pagava o prêmio e recebia o dinheiro das
apostas, e foram eles que se tornaram presidentes ou patronos das agremiações de
samba, após a criação da Liga das Escolas de Samba (MISSE, 2007).
Misse (2007) afirma que a articulação e dominação da rede social do “jogo do
bicho” e a política local transformaram os “banqueiros” do jogo, seus “apontadores” e
clientes “numa organização semelhante à máfia norte-americana do jogo, ainda que em
bem menores proporções” (idem, pág.142).
É necessário ressaltar que o “jogo do bicho” ainda é presente na realidade do
país, logo na realidade do Rio de Janeiro também. Contudo, hoje para a justiça
brasileira, o crime é de lavagem de dinheiro, com penalidades que vão desde reclusão,
em regime fechado ou semiaberto, como a multa21
, e os “bicheiros” ou “banqueiros”
20
Decreto-lei 3 688, de 3 de outubro de 1941 21
Decreto- lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012.
30
passaram desde então a dividir e se submeter ao poder dos grupos organizados
vendedores de drogas.
c) 1980: cocaína e o Comando Vermelho
No começo dos anos de 1980 a comercialização da cocaína em grande
quantidade, fez a capital do Rio de Janeiro passar por transformações, em grande parte,
devido ao lucro imediato da droga (DOWDNEY, 2003). O mercado varejista da droga
foi reestruturado, expandindo sua organização e o uso da violência como instrumento de
dominação. A finalidade era “alcançar metas econômicas e manter a disciplina interna”
(idem, pág.21).
A lucratividade da venda da cocaína resultou na militarização excessiva dos
grupos armados, para controlar e defender os pontos de venda. Mais tarde, passaram a
ser as favelas como um todo – e seus moradores - onde se localizavam esses pontos. A
escalada da violência armada determinada pela “organização sistemática do mercado de
droga a varejo no Rio de Janeiro” (DOWDNEY, 2003, pág.25), fez surgir nas prisões a
primeira facção de droga - o Comando Vermelho.
A criação do Comando Vermelho foi resultante da Lei de Segurança Nacional22
,
de 1969, que foi uma resposta ao número crescente de assaltos a bancos e a instituições
financeiras por grupos de oposição ao regime militar, para financiar atividades
revolucionárias. Deste modo, de 1969 à 1976, prisioneiros políticos e prisioneiros
comuns compartilharam algumas prisões de segurança máxima, inclusive a Cândido
Mendes, na Ilha Grande.
O Presídio Cândido Mendes ocupava cinquenta dos cento e vinte quilômetros
quadrados da Ilha Grande. Lá, residiam quatorze mil pessoas – inclusive os condenados.
De um lado, as casas milionárias de veraneio, do outro, o “Caldeirão do Diabo” - como
ficou conhecido o presídio. No meio, vilas humildes de pescadores que já habitavam a
ilha antes da construção da cadeia (AMORIM, 2011).
Na Galeria B, também conhecida como Galeria da Lei de Segurança Nacional,
juntaram-se homens condenados por atividades revolucionárias e presos comuns. O
governo militar tentou despolitizar as ações armadas dos grupos contrários ao regime,
tratando-as como “simples banditismo comum” (AMORIM, 2011, pág.58). A influência
educativa dos prisioneiros políticos sobre presos de crimes comuns gerou noções de
22
Artigo 27 do decreto-lei 898 de 1969.
31
organização de grupos e de reciprocidade (AMORIM, 2011). Assim, alguns presos por
assalto a banco criaram um grupo, no ano 1979 que viria a ser conhecido por Falange
Vermelha e, depois, Comando Vermelho.
A Falange Vermelha responsabilizou-se pela proteção do grupo e pela
dominação da população carcerária, assim como por obter direitos dentro do sistema
penitenciário (DOWDNEY, 2003). Entretanto, “sua importância real na estrutura
criminosa da cidade surgiu quando seus membros perceberam que sua organização, no
interior da prisão, poderia ser utilizada para organizar o crime do lado de fora”
(DOWDNEY, 2003, pág.25).
No fim dos anos 70, os membros presos do Comando Vermelho começaram a
organizar as atividades criminais no Rio de Janeiro. Isso coincidiu com a chegada da
cocaína, trazida da Bolívia, do Peru e da Colômbia a cidade do Rio de Janeiro para
exportação aos países Europeus e para consumo local. Assaltantes de bancos
pertencentes ao Comando Vermelho perceberam os lucros que podiam ser obtidos com
a venda de cocaína. Assim, “realizaram alguns assaltos a bancos e sequestros para
financiar um movimento organizado rumo ao negócio do varejo de drogas”
(DOWDNEY, 2003, pág. 26).
De uma maneira simplista, podemos imaginar que os presos políticos
“ensinaram” aos presos comuns que eles investiam o dinheiro conseguido nos assaltos a
bancos e a instituições financeiras na compra de dólares e de ações na bolsa de valores,
para financiar as ações contra o governo. Os presos comuns que entenderam a lógica
implementada pelos presos políticos passaram a investir o dinheiro conseguido, na
compra de cocaína, armas e imóveis.
Entretanto como Amorim (2011) ressalta, o crime organizado foi além do que a
luta revolucionária tinha conseguido ir nos anos de 1970, tanto no que se refere à
infraestrutura quanto à disciplina e organização interna.
O bandido comum conseguiu romper o isolamento social que atormentava os
grupos guerrilheiros, desenvolvendo laços de confiança com a população
carente. [...] contam com a colaboração – ou pelo menos o silêncio- que os
protege (AMORIM, 2011, pág. 91).
Nos anos de 1983 a 1986 o Comando Vermelho definiu sua geografia de
atuação, expandindo as tradicionais bocas-de-fumo com venda de maconha, para um
comércio varejista da cocaína nas favelas cariocas. Seus membros começaram a
32
organizar a si mesmo e aos territórios das favelas que dominavam, dentro de uma
estrutura de apoio recíproco e hierárquico, com o objetivo central de proteger os pontos
de venda de drogas e para se defender das incursões policiais ou dos ataques de
“neutros”23
(DOWDNEY, 2003). E é nesse período também que a polícia é proibida
pelo governador do Estado, Leonel Brizola, 1983 à 1987, a fazer intervenções armadas
nas favelas. A proposta de Brizola era desenvolver nas favelas cariocas uma política de
direitos humanos, baseada no respeito aos direitos civis dos moradores das favelas
(BURGOS, 2006). Com isso o crime organizado cresceu, equipou-se e organizou-se,
uma vez que não tinham mais que enfrentar a polícia de modo decorrente.
Na segunda metade da década de 1980 alguns membros importantes do
Comando Vermelho estavam mortos e havia rivalidade crescente entre os traficantes-
chefes do Comando (DOWDNEY, 2003; AMORIM, 2011). A disputa pelo controle
territorial e a disputa interna entre eles fez com que a facção se fragmentasse e torna-se
cada vez mais violenta.
Deste modo, outras facções foram fundadas a partir de discordâncias internas no
Comando Vermelho, são elas: o Terceiro Comando, o Comando Vermelho Jovem e os
Amigos dos Amigos. Como resultado dessa fragmentação “criou-se uma subcultura
militarizada dentro das favelas do Rio de Janeiro, com grupos fortemente armados em
combate intermitente, mas regular” (DOWDNEY, 2003, pág. 29). Esses confrontos
armados entre as facções rivais e contra as incursões policiais tornaram-se rotineiros,
proporcionando aos traficantes de drogas um aumento do seu poder bélico.
d) 1990 e 2000: guerra entre facções e a instauração das milícias
É durante os anos 1990 que a cidade ganha destaque na agenda pública no Brasil
no que diz respeito ao aumento da violência urbana e o crime de associação para o
tráfico de drogas (WILLADINO et al, 2011). A imagem da favela e dos seus moradores
se vinculou ao tráfico de drogas, o que fez uma representação do território não apenas
de moradia de pessoas pobres, mas agora de um território violento e de seus moradores
sendo cúmplices dos traficantes de drogas por viverem sob a “lei” instituída pelos
traficantes e não mais sob as leis que regem o país (LEITE, 2008).
A ineficiência do Estado – não é descartável a possível tolerância ou
cumplicidade de agentes públicos – proporcionou que grupos de criminosos armados,
23
“Neutros” são alguns grupos armados não-alinhados como uma facção, entretanto, também com base
em favelas. (DOWDNEY, 2003)
33
vinculados ao tráfico de drogas, detivessem o domínio territorial. Organizados, esses
grupos passaram a disputar entre si esses territórios que eram fundamentais para
atividade de venda de drogas. Deste modo, aumentaram as disputas armadas entre
grupos de criminosos por controle de território, aumentou o confronto entre a polícia e
esses grupos, houve a difusão do uso de armas de alto calibre e, com isso, a
naturalização da violência (WILLADINO et al, 2011).
As milícias, que se organizaram nas primeiras favelas cariocas a partir da década
de 1990, passaram a ter notoriedade e a se estabilizarem a partir dos anos 2000. As
milícias são compostas por agentes e ex-agentes armados do Estado - policiais,
bombeiros, agentes penitenciários. Com o slogan da “proteção e segurança”, esse grupo
passou a lucrar com o controle monopolista de diversas atividades econômicas
exercidas nas favelas (CANO; DUARTE, 2012).
As milícias assumem para si a função de “proteger” e dar “segurança” em
favelas, supostamente ameaçadas por traficantes. Entretanto, como são militares e/ou
ex-militares utilizam do monopólio da violência garantida pelo Estado, que lhes
forneceu treinamento e armas, para fazer desse serviço de “proteção e segurança” um
lucrativo empreendimento. Os grupos passam, então, a controlar e a cobrar pelas
atividades, também, oferecidas nas favelas, como por exemplo, venda de gás; transporte
alternativo; serviço clandestino de televisão a cabo e de instalação de luz; etc..
A “fórmula” que transformava as milícias em um negócio lucrativo era
constituída pelas taxas de “proteção e segurança”, somada ao monopólio das atividades
de comércio e serviços, mais o assistencialismo (ZALUAR; CONCEIÇÃO, 2007).
Igualmente, somado a essa “fórmula” estava o controle do território, que passa a ser
dominado militarmente, e a participação, legitimada, de integrantes das milícias nos
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (ZALUAR; CONCEIÇÃO, 2007; CANO;
DUARTE, 2012).
Assim, que tomaram notoriedade na mídia, as milícias foram defendidas por
alguns agentes públicos, já que, elas foram consideradas “uma reação dos moradores
destas regiões contra a criminalidade ou, quando menos, como um ‘mal menor’ em
comparação com o narcotráfico. [...] grupos como ‘autodefesa comunitária’” (CANO;
DUARTE, 2012, pág.13). Deste modo, as milícias foram recebendo “legitimidade” e
em 2005, 42 favelas da cidade já estavam sob seus domínios (SANTOS, 2007). Do
outro lado, entretanto, diversos setores criticaram a extorsão praticada pelas milícias
contra os moradores das favelas, que igualavam estes grupos às organizações criminosas
34
de venda de drogas, e o número de homicídio e assaltos nessas áreas não foram
reduzidos substantivamente24
.
Com o apelo da população e da mídia, o Estado reagiu a essa violência que se
tornou constante na cidade com “métodos tradicionalmente utilizados para lidar com
problemas decorrentes da fragilidade social e política brasileira: o uso da força.”
(WILLADINO et al, 2011, p.152). Associado à violência ainda havia o antigo problema
da prática de corrupção e do uso arbitrário e ilegítimo da autoridade. Entretanto, as
sucessivas administrações públicas que buscavam combater a criminalidade através de
enfrentamentos armados entre policiais e traficantes, fizeram com que a taxa de
homicídios da capital ficasse entre as mais altas do país.
Gráfico 1: Taxas de Homicídio (por 100mil) na população total no Estado e Capital
(1989 à 2007)
Fonte: Mapa da Violência
O gráfico 1 apresenta os dados de homicídios por 100 mil habitantes no Estado e
na Capital entre os anos de 1989 à 2007. Apesar de se observar queda da taxa de
homicídios em determinados períodos, tanto o Estado quanto a Capital da cidade do Rio
24
http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/areas-controladas-por-milicias-concentram-homicidios-no-
rio-20501129.html - Visto em 12/03/2014
http://oglobo.globo.com/rio/numero-de-desaparecidos-subiu-em-areas-dominadas-por-milicias-revela-
pesquisa-6279192 - Visto em 12/03/2014
0
10
20
30
40
50
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70
80
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Estado
Capital
35
de Janeiro ocupavam as primeiras posições do ranking quando comparados com outros
Estados e Capitais do país, como mostra a tabela 1.
Tabela 1: Ordenamento por taxa de homicídios na população total
1989 1998 2000
Estado 4° 3° 1°
Capital 16° 5° 4°
36
2. UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA – UPP
Os dados divulgados do Censo 2010 contabilizam 1.332 favelas no estado do
Rio de Janeiro, sendo que 763 somente na cidade25
. Ainda segundo o IBGE,
aproximadamente 6,3 milhões de pessoas viviam na capital fluminense sendo que 1,4
milhões de viviam em favelas, o que representa aproximadamente 22% dos habitantes
da cidade do Rio de Janeiro.
Gráfico 2: Crescimento populacional cidade/ favela (1991 – 2010)
Dados do IBGE/2010.
O gráfico apresenta que a cidade teve em vinte anos um aumento populacional
de 57,9% de população residente em áreas de favelas, enquanto nas outras áreas da
cidade esse aumento foi de 15,5%. Isso significa que a população moradora das áreas de
favela cresceu mais de três vezes seu número comparado a outras áreas da cidade.
A cidade que apresentava números elevados de violência urbana, o processo de
ocupação de territórios por uma forma de “poder paralelo”, liderados por traficantes e,
mais recentemente, por milicianos, que não reconheciam o Estado nem suas instituições
de poder, além de subjugar os cidadãos, proporcionaram que a gestão do governado
Sérgio Cabral, eleito em 2007 para o primeiro mandato e reeleito em 2010, para o
segundo mandato, desenvolvesse uma política pública na área de segurança, objetivando
25
http://oglobo.globo.com/pais/rio-a-cidade-com-maior-populacao-em-favelas-do-brasil-3489272.
Acessado em: 16/04/2013
15,5
57,9
0
10
20
30
40
50
60
70
Cidade Favela
37
a retomada e manutenção da presença do Estado nestas áreas subjugadas. Assim,
delineia-se o projeto das UPPs.
Sem dúvida, o Rio de Janeiro é o primeiro estado a vir à mente quando o
assunto é favela. Numa cidade como mais de mil [favelas], o tema segurança
torna-se assunto diário e sempre dramático. No final de 2008 implementamos
o projeto UPP que recebe forte apoio da mídia e da sociedade. A ideia é
simples. Recuperar para o Estado territórios empobrecidos e dominados por
grupos criminosos armados. Tais grupos, na disputa de espaço com seus
rivais, entraram numa corrida armamentista nas últimas décadas, uma disputa
particular na qual o fuzil reina absoluto. Decidimos então pôr em prática uma
nova ferramenta para acabar com os confrontos: as UPPs. Ocupamos quatro
comunidades em bairros distintos em caráter definitivo. Há uma tremenda
dívida social que vem desde a colonização destas terras. A maioria é de
negro, pardos, mulatos e pobres e muito pobres. Carências tão grandes que é
preciso ajudá-los a pedir, pois lhes é difícil até priorizar as emergências.
Podemos traduzir as causas da violência de diversas formas: desigualdade,
falta de educação, corrupção, falta de assistência, falta de planejamento das
cidades, enfim, inúmeras possibilidades. No Rio, o projeto no qual apostamos
é a UPP e estamos aprendendo com os resultados. Sai o tráfico e entra a
polícia definitivamente. Como tenho repetido sempre que sou interpelado: ou
a sociedade abraça e acolhe estas áreas ou nada vai mudar de fato.
(BELTRAME, Secretário de Segurança do Rio de Janeiro, 2009, pág.1)
2.1 O projeto da UPP
O Governo do Estado do Rio de Janeiro começa em janeiro de 200926
a desenhar
o projeto da UPP, a partir da experiência piloto na favela Santa Marta, iniciada no dia
19 de dezembro de 2008, na Zona Sul da cidade. A força de segurança do Estado, a
polícia, ao invés de fazer incursões periodicamente, estabeleceria uma base policial
dentro da comunidade, com o objetivo de recuperar territórios ocupados há décadas por
traficantes e milicianos, diminuindo os confrontos armados. O contingente policial seria
composto por policiais recém-formados, com a intenção de promover uma política de
aproximação entre a população e instituição policial, embasada nos princípios da polícia
de proximidade. Essa é uma filosofia de estratégia organizacional fundamentada na
parceria entre a população e as instituições da área de segurança pública, sendo o seu
26
Decreto-lei n°. 41.650 de 21 de janeiro de 2009. E o Decreto-lei n°. 41.653 de 22 de janeiro de 2009.
38
objetivo principal, o vínculo estabelecido através do diálogo e respeito mútuo. Polícia e
moradores devem trabalhar juntos para identificar e solucionar problemas como crimes;
tráfico de drogas; desordens; etc., visando melhorar a qualidade de vida na área, e
aumentando a interlocução e favorecendo o surgimento de lideranças comunitárias27
. A
premissa é que os moradores devem exercer um papel mais ativo na segurança e assim a
polícia não arca sozinha com a responsabilidade (RODRIGUES, 2011).
A partir de então, já foram instaladas trinta e sete unidades de Polícia
Pacificadora em mais de quarenta e oito favelas cariocas28
. Essa experiência vem sendo
avaliada pelo poder público, pela mídia e por parte da sociedade carioca e brasileira
como uma iniciativa de sucesso. As pesquisas de opinião pública mostram apoio social
e a participação, engajada, da iniciativa privada, pela primeira vez, num projeto desta
natureza. Os dados divulgados até hoje, apresentam a forte redução dos confrontos
armados e da perda do domínio do território por parte dos grupos armados
(RODRIGUES, 2011; CANO et al, 2012).
27
Site da UPP. http://www.upprj.com/index.php/o_que_e_upp - Acessado em: 16/04/2013. 28
Favelas onde Unidades de Polícia Pacificadora já foram instaladas: Zona Sul - Santa Marta (Instalação:
19.12.2008); Babilônia e Chapéu Mangueira (Instalação: 10.06.2009); Pavão-Pavãozinho e Cantagalo
(Instalação: 23.12.2009); Tabajaras e Cabritos (Instalação: 14.01.2010); Escondidinho e Prazeres (Instalação:
25.02.2011); Rocinha (Instalação: 20.09.2012); Vidigal (Instalação: 18.01.2012); Cerro-Corá (Instalação:
03.06.2013) Zona Norte - Borel (Instalação: 07.06.2010); Formiga (Instalação: 01.07.2010); Andaraí
(Instalação: 28.07.2010); Salgueiro (Instalação:17.09.2010); Turano (Instalação: 30.10.2010); São João, Matriz
e Quieto (Instalação: 31.01.2011); Macacos (Instalação: 30.11.2011); Mangueira (Instalação: 03.11.2011);
Nova Brasília (Instalação: 18.04.2012); Fazendinha (Instalação: 18.04.2012); Adeus e Baiana (Instalação:
11.05.2012); Alemão (Instalação: 30.05.2012); Chatuba (Instalação: 27.06.2012); Fé e Sereno (Instalação:
27.06.2012); Parque Proletário (Instalação: 28.08.2012); Vila Cruzeiro (Instalação: 28.08.2012); Jacarezinho
(Instalação: 16.01.2013); Manguinhos (Instalação: 16.01.2013); Barreira do Vasco e Tuiuti (Instalação:
12.04.2013); Caju (Instalação: 12.04.2013); Arará e Mandela (Instalação: 06.09.2013); Lins (Instalação:
02.12.2013); Camarista Méier (Instalação: 02.12.2013) Zona Oeste - Cidade de Deus (Instalação: 16.02.2009);
Batan (Instalação: 18.02.2009) Centro – Providência (Instalação: 26.04.2010); Coroa, Fallet e Fogueteiro
(Instalação: 25.02.2011); São Carlos (Instalação: 17.05.2011) Baixada Fluminense- Complexo da
Mangueirinha (Instalação: 07.02.2014).
39
MAPA 2– Implementação das UPPs
O projeto das UPPs é estruturado, legalmente, por normativas composta por
alguns decretos29
. O primeiro decreto, do ano de 2009, cria a UPP incluída na estrutura
da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. O segundo decreto, do mesmo ano,
estipula o pagamento de uma gratificação salarial de 500,00 reais mensais para todos os
policiais lotadas nas UPPs. Já o decreto de janeiro de 2011, avança quanto a objetivos,
implementação das unidades, e formação dos policiais que irão atuar nas unidades
(CANO et al, 2012).
No artigo 1°, do decreto nº 42.787 de 06 de Janeiro de 2011, é elucidado o
objetivo principal do programa de segurança pública proposto pela gestão política
vigente, ressaltando as ações que visam “à pacificação e à preservação da ordem
pública, destinam-se a aplicar a filosofia de polícia de proximidade nas áreas
designadas para sua atuação”.
29
Decreto-lei nº. 41.650, de 21 de janeiro de 2009 do Rio de Janeiro; Decreto-lei nº. 41.653, de 22 de
janeiro de 2009 do Rio de Janeiro; Decreto-lei nº. 42.787, de 6 de janeiro de 2011 do Rio de Janeiro;
Decreto-lei nº 5890, de 14 de janeiro de 2011 do Rio de Janeiro; Decreto-lei nº 6096, de 28 de novembro
de 2011 do Rio de Janeiro; Decreto-lei nº 6186, de 28 de março de 2012 do Rio de Janeiro; Decreto-lei nº
6292, de 09 de julho de 2012 do Rio de Janeiro; Decreto-lei nº 6485, de 09 de julho de 2013 do Rio de
Janeiro.
40
No mesmo decreto é esclarecido no artigo 6º (§ 2º) a formação especial dos
policiais alocados nas UPPs, reforçando que essa formação deve ter ênfase em
Direitos Humanos e nos princípios de polícia comunitária, além de ressaltar a
obrigatoriedade dos policiais serem recém-formados na academia de polícia. Em abril
de 2013, o programa contava com efetivo de 8.431 policiais. Em fevereiro de 2014,
esse efetivo atingiu o número de 9.293 policiais e deve chegar a 12,5 mil até o final do
ano de 2014, atendendo mais de um milhão e meio de pessoas nas áreas pacificadas30
.
No artigo 2º do decreto, de 2011, são explicitadas as etapas de implementação
das unidades pacificadoras, são elas:
1°Intervenção tática - ocorrem ações táticas, preferencialmente pelo Batalhão de
Operações Policiais Especiais - BOPE, pelo Batalhão de Polícia de Choque -
BPChoque e por efetivos deslocados dos Comandos de Policiamento de Áreas - CPA,
com o objetivo de recuperarem o controle territorial das favelas dominadas pelo crime
organizado – traficantes de drogas e/ou milícia.
2°Estabilização - período em que são intercaladas as ações de intervenção tática e
as ações de cerco da área delimitada, antecedendo o momento da implementação da
futura UPP. Nessa etapa já ocorre patrulhamento policial.
3° Implantação da UPP – momento em que ocorre a chegada efetiva dos policiais
militares capacitados, de acordo com a filosofia do programa, na favela determinada
pela Secretaria de Segurança. Inicia-se a preparação para a chegada de outros
serviços públicos e privados que possibilitem a reintegração desse território e de seus
moradores, a cidade e a sociedade democrática.
4° Avaliação e monitoramento – período em que as ações da polícia pacificadora e as
ações dos outros atores, prestadores de serviços públicos e privados, passam a ser
avaliados sistematicamente, com o objetivo, aprimoramentos do programa. Essa
etapa não foi plenamente implementada por enquanto.
No projeto também é debatido o que ocorrerá com o tráfico de drogas e a
ostentação de aramas por traficantes para impor domínio aos moradores das favelas.
Tanto para a Secretaria de Segurança do Estado como para os capitães responsáveis
pelas unidades instaladas, “almejar o fim do tráfico de drogas nas favelas seria utópico”
(MATTAR et al, 2010, pág. 77). Para os envolvidos tanto no desenho como na
implementação do projeto, as UPPs não têm como objetivo acabar com o trafico de
30
http://www.upprj.com/index.php/historico Acessado em: 16/04/2013
41
drogas nas favelas, mas sim, minimiza-los ou leva-los a níveis mais aceitáveis. “Existe
tráfico em vários países do mundo, onde a polícia ganha bem, é totalmente aparelhada e
tem apoio da sociedade” (MATTAR et al, 2010, pág. 77). A busca é pela diminuição do
arsenal de armas em poder dos traficantes.
Todavia o projeto das UPPs não é uma experiência de inovação quanto a
policiamento permanente em favela no Rio de Janeiro. No início da década de 1980
surgiram no Estado as primeiras tentativas de implementação de uma política de
policiamento comunitário. O decreto n.º 913 de 27 de outubro de 198231
, determinava a
função do Posto de Policiamento Comunitário –PPC e do Destacamento de
Policiamento Ostensivo – DPO, que seria basicamente o policiamento ostensivo em
locais de difícil acesso e/ou locais de grande concentração populacional, como as
favelas e conjuntos habitacionais, sempre tendo a instituição da Policia Militar
representada por uma equipe de policiais permanentes nesses locais.
Em 1991, durante o segundo mandato do governador Leonel Brizola, foi
implementado o Grupamento de Aplicação Prático Escolar – GAPE, na favela da
Providência, que se situa na zona portuária da cidade. Era um programa que tinha por
objetivo prover segurança pública dentro das favelas cariocas, através da presença
constante da polícia na favela. Os policias envolvidos eram, em sua maioria, novos
recrutas que tinham sido especificamente treinados na metodologia de policiamento
comunitário (MISSE, 2010; RODRIGUES, 2011).
Em 1999, no governo de Anthony Garotinho, ocorreu uma nova tentativa,
denominada “Mutirão da Paz”, que foi implementada na favela da Vila Pereira da Silva,
o Pereirão, em Laranjeiras, na Zona Sul da cidade. O projeto “Mutirão” tinha como
objetivo a atuação da polícia na demanda dos moradores da favela, além de uma
integração com as secretarias de Trabalho; Educação; Saúde; Justiça; Meio Ambiente;
Ação Social; Esporte e Lazer; como a Defensoria Pública; o Departamento de Trânsito
do Estado do Rio de Janeiro- DETRANRJ; a Fundação de Amparo à Escola Técnica-
FAETEC; Centro Comunitário de Defesa da Cidadania – CCDCS; e com a sociedade
civil, através da ONG Viva Rio e Associação de Moradores de Laranjeiras. Entretanto,
essa iniciativa só durou dez meses quando o idealizador do projeto foi exonerado do seu
cargo na Secretaria de Segurança Pública do Estado (MISSE, 2010; RODRIGUES,
2011).
31
Modifica diretriz geral de operações do Decreto n.º 913, de 30 de setembro de 1976 do Rio de Janeiro.
42
Inspirado nesses projetos, foi formulado no ano de 2000 o projeto Grupamento
de Policiamento em Áreas Especiais– GPAE, que também tinha por objetivo também o
policiamento comunitário nas favelas cariocas, inspirado na “filosofia” de polícia de
proximidade, esses pressupostos sugerem uma nova estratégia de abordagem policial
nas favelas, essencialmente preventiva e embasada no diálogo e respeito mútuo. Nesse
sentido, foi fundado visando a participação dos moradores das favelas, o Conselho de
Entidades e Lideranças Comunitárias, para dar suporte ao planejamento de segurança
local. Até 2002 apenas quatro grupamentos foram instalados na região metropolitana da
cidade: nas favelas do Cantagalo/Pavão/Pavãozinho; na favela do Cavalão, em Niterói;
nas favelas da Formiga/Chácara do Céu/Casa Branca, na Tijuca; e na Vila Cruzeiro, na
Penha (MISSE, 2010).
Desde o começo da implantação dos GPAEs ocorreram eventos conturbados de
confronto entre a polícia e os moradores das favelas. Em comum, as áreas que
receberam o projeto tinham elevada taxa de homicídios. Os policiais que foram
selecionados para trabalhar no projeto foram voluntários, isso é, já faziam parte da
corporação e se candidataram para lá trabalhar. Apesar dos cuidados na seleção dos
perfis e com o treinamento do efetivo, no primeiro ano de atuação do GPAE, cerca de
70% dos policiais foram transferidos por desvios de conduta (MISSE, 2010;
RODRIGUES, 2011). O GPAE foi, também, um modelo de polícia de proximidade, que
inicialmente despertou na sociedade carioca a esperança de ver os problemas de
violência das favelas resolvidos, mas que acabou esvaziado.
Entretanto, pesquisas que ocorreram nesses projetos que antecederam o projeto
das UPPs apontaram que o fato de manter os mesmos policiais alocados nos mesmos
lugares assegurava o “controle social mútuo por meio do qual tanto os policiais quanto
os moradores se reconhecem individualmente ao invés de se relacionar por meio de
categorias genéricas, com frequência, estereotipadas” (CANO et al, 2012, pág. 21).
Para o professor Luiz Eduardo Soares, ex-subsecretário de Segurança e
Coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania, do Estado do Rio de Janeiro, entre
janeiro de 1999 e março de 2000, no governo de Anthony Garotinho, a diferença entre o
projeto da UPP para os outros projetos que, também, visavam a lógica da polícia de
proximidade nas favelas, é o grau de apoio e empenho por parte do governo. Para o
mesmo, no governo de Sérgio Cabral ocorre apoio e empenho quanto à elaboração,
implementação e suporte técnico-financeiro para o projeto. O governador acredita na
43
concepção, prática, ganhos e sucesso das UPPs32
, em seu discurso logo após sua
reeleição, em 2010, o mesmo anunciava que,
A mãe de todas as prioridades continuará a ser a segurança. Sem ela, as
outras políticas públicas sofrem. Creches, hospitais, escolas, sofrem sem
segurança. Quero reafirmar que, em 2014, nenhuma comunidade do Rio
estará mais sobre o controle territorial dos marginais. As UPPs trouxeram
melhorias não apenas na vida daqueles que foram libertados do domínio do
tráfico, mas também para o entorno destas comunidades33
Percebe-se que a proposta de governo continua sendo a segurança pública com o
objetivo de recuperar territórios e reprimir a força violenta de grupos de traficantes nas
favelas e bairros periféricos, fazendo com que o Estado se torne presente em lugares
onde já não era mais. A análise de Luiz Eduardo Soares parece não atentar para uma
característica da nova política: o ingresso de uma grande força policial-militar nos
espaços de favela, desalojando ou provocando a real perda de controle territorial por
parte do crime organizado.
***
No dia 25 de julho de 2010 o jornal “O Dia” publica uma matéria intitulada “Um
salto de qualidade na educação”34
em que diz observar como a política de pacificação
das favelas cariocas teve impacto no ensino das escolas públicas nas áreas que têm
UPPs. A equipe de reportagem passou três meses entrevistando diretores, alunos e pais
de alunos, de dez escolas municipais de áreas que já estavam pacificadas. A matéria
jornalística também apresenta os dados do IDEB, das dez escolas, afirmando que dentre
essas oito já atingiram ou ultrapassaram as metas do Ministério da Educação, e que
algumas, a frequência por parte dos alunos quase dobrou. É possível ler o depoimento
de algumas diretoras dessas dez escolas, todas elas exaltando o aspecto positivo da UPP
no cotidiano da favela e com isso impactando diretamente o funcionamento da escola.
Para elas, de maneira geral, os professores não precisam mais disputar com o tráfico e
nem mais com a violência como a de tiroteios e mortes.
32
Entrevista de Luiz Eduardo Soares a René Ruschel (em 1 de dezembro de 2011)
http://www.luizeduardosoares.com/?p=854 - Acessada 23/03/2014 33
Discurso de Sérgio Cabral após ser reeleito ao governo do Estado do Rio de Janeiro. Cf. BRUNO,
Cássio; CABALLERO, Miguel. Reeleito, Cabral anuncia mais UPPs. O Globo, Caderno O País, segunda-
feira, 04/10/2010, p. 22. 34
http://odia.terra.com.br/portal/educacao/html/2010/7/um_salto_de_qualidade_na_educacao_98601.html
Acessado em 20/05/2014
44
Monteiro e Rocha (2011) apresentam um estudo em que analisam o efeito causal
da violência no desempenho escolar de alunos da rede pública, medido através dos
conflitos armados entre traficantes e das notas na Prova Brasil. Os autores buscam
analisar o efeito sobre o desempenho escolar gerado pela violência – confrontos
armados – e não pelas características socioeconômicas dos alunos. Os resultados
indicam que alunos de escolas expostas a esse tipo de violência têm notas mais baixas
nos exames de matemática. Assim, quanto mais próxima dos territórios que apresentam
intensidade de conflitos maior o efeito negativo dessa violência nas notas da Prova
Brasil de matemática, e o efeito diminui com a distância entre a escola e o local de
conflito. O estudo evidenciou também, que os conflitos armados estão
significativamente associados com o abandono e a falta dos professores as escolas, e
com o fechamento “temporário” das escolas – suspenção de aula. Os autores não
analisam nenhum efeito direto das UPPs sobre a educação, buscando apenas o efeito da
diminuição de conflitos armados em volta das escolas, como uma medida específica de
violência, sobre as notas da Prova Brasil de matemática dos alunos que nelas estudam.
Em Butelli (2012) são verificadas mudanças de curto prazo na performance
escolar relacionando à implantação das UPPs, utilizando as notas de exames bimestrais
aplicados pela própria rede municipal de educação. O estudo aponta que o desempenho
nas provas bimestrais dos alunos, particularmente os que cursavam a 5ª e 6ª séries, é
afetado positivamente com a implementação das UPPs. Aponta também os efeitos
imediatos da percepção da redução da violência, o que implica na diminuição de faltas e
abandono por parte dos professores.
No estudo realizado por Burgos et al (2013) buscou-se analisar, através de
entrevistas, as percepções dos moradores quanto ao efeito das UPPs e o impacto das
mesmas no cotidiano da favela. O artigo apresenta que a principal mudança observada
pelos moradores no cotidiano é em relação à diminuição dos confrontos armados. Para
os autores, a diminuição dos confrontos armados é o principal ponto de “aceitação” das
UPPs pelos moradores das favelas. A expulsão do tráfico como centro de poder das
favelas possibilitou a “redefinição de trajetórias por parte daqueles que tinham uma
participação mais secundária no tráfico e que até por falta de alternativa tiveram que
permanecer na favela, buscando no estudo ou no trabalho novas formas de
sobrevivência” (BURGOS et al, 2013, pág 70). Neste caso, houve uma transformação
nessas trajetórias a partir do efeito simbólico.
45
Entretanto, a “aceitação” não significa ausência problemas entre moradores e
policiais das UPPs. Uma das maiores reclamação apresentada no estudo foi o
cancelamento de certas atividades de lazer, em especial o baile funk. Também é
possível observar no estudo que com a chegada das UPPs a capacidade dos moradores
para reivindicar melhorias é “potencializada”. Isso é, com a chegada da UPP houve
oportunidades para transformar e retomar a identidade cidadã da favela.
Outro aspecto importante do efeito UPP que o estudo observou refere-se ao
mercado imobiliário, com a implementação do projeto houve uma grande valorização
dos imóveis nas favelas e do seu entorno. Houve também ações voltadas para a
regularização dos serviços públicos como acesso à água e à energia elétrica35
, e a
eventual necessidade de se pagar o Imposto Predial. Os moradores ressaltaram um
sentimento dúbio, uma vez que, reconhecem que esse processo tende a fortalecer a
identidade cidadã, integrando a favela e seus moradores à cidade, mas por outro lado,
temem o aumento das despesas e que com isso não consigam permanecer no local,
levando à mudança do local de residência.
Com base nesses estudos percebemos que as UPPs, aparentemente, têm impacto
no cotidiano das favelas e do seu entorno, e assim podemos pensar em como esses
estudos nos ajudam a ponderar o impacto dentro das escolas, quanto a composição do
alunado.
35
Ver estudo Cunha e Mello (2011) “Novos conflitos na cidade: A UPP e o processo de urbanização na
favela.”
46
3. SEGREGAÇÃO URBANA E SEGREGAÇÃO ESCOLAR
Nesse capítulo iremos discutir como ocorre a segregação urbana, e como o seu
arranjo possibilitaria o acesso de alunos de origem social desfavorecida a oportunidades
escolares vantajosas. Contudo, antecedendo a esse objetivo iremos explicar a diferença
entre segregação e segmentação, tentando abranger, também, os aspectos da
diferenciação da segregação urbana e da segmentação urbana, uma vez que, organização
territorial está intimamente vinculada a fragmentação social da população.
Na dinâmica da produção de espaços na cidade, os lugares vão se diferenciando
e produzindo uma segregação residencial e social cujos efeitos devem ser
compreendidos, para que nesse sentido, o entendimento das consequências de um
território autossegregado possa ajudar na compreensão das implicações que o mesmo
impõe à educação (RIBEIRO; KOSLINSKI, 2009).
Em suma, os processos de segregação urbana influenciariam o desempenho, a
trajetória educacional e as oportunidades escolares de estudantes. A ideia é que
características da organização do território pode muitas vezes aumentar ou diminuir a
segregação entre as escolas.
***
Os estudos no campo da Sociologia da Educação tiveram um grande progresso
na década de 1960, que culminou na divulgação dos resultados do Relatório Coleman
nos Estados Unidos. O estudo empírico resultou nas teses de que: (a) o desempenho
escolar estava fortemente associado à origem socioeconômica dos alunos; (b) a
qualidade da escola não estava diretamente associada a quantidade de insumos
escolares; (c) alunos com backgrounds diferentes quando frequentavam escolas com
composição social heterogênea apresentavam desempenhos bastante variados
(COLEMAN, 2008).
As evidências encontradas apontaram que a composição social do meio escolar e
o background familiar eram os aspectos que mais fortemente apareciam correlacionados
com o sucesso no desempenho escolar dos alunos. Esses achados, que culminaram na
elaboração do relatório, repercutiram com a afirmativa de que “a escola não faz
diferença”. Entretanto, por mais que o Relatório sobre “Igualdade de Oportunidades
Educacionais”, realizado por James Coleman, tenha sido tão frustrante quanto ao papel
da escola na vida dos alunos, foi de suma importância para a formulação de políticas
públicas que vislumbravam heterogeneidade dentro das escolas. Madaus et al (2008)
47
apontam que essas descobertas forneceram um fundamento lógico para a política de
dessegregação, incluindo o transporte coletivo para todos os alunos (bussing), que
foram desenvolvidas nos Estados Unidos no começo da década de 1970.
A conclusão de que a composição social da escola interfere no desempenho
acadêmico dos alunos oriundos de meios desfavorecidos fez com que o meio acadêmico
norte-americano passasse a acreditar “que o desempenho do aluno está profundamente
relacionado com as aspirações e background dos outros alunos da escola.”
(COLEMAN, 2008, p.31). Deste modo, os pares têm efeitos nas trajetórias escolares; a
heterogeneidade no ambiente escolar é positiva para os alunos de classes populares.
As críticas subsequentes aos achados do Relatório Coleman culminaram numa
sequência importante de estudos que não só se preocupavam em relativizar a conclusão
de que “a escola não importa”, mas, sobretudo, consideravam os processos de
aprendizagem (ALVES; SOARES, 2007). Contrapondo-se à ideia de que a escola não
impacta a vida escolar do aluno, esses novos estudos buscavam enfatizar que “as
diferenças nos resultados escolares não devem ser buscados apenas na família e no
contexto extra-escolar do aluno” (SOARES, 2009, p.8).
Os resultados apresentados nessas novas pesquisas fizeram com que a
Sociologia da Educação se interessasse pela temática do chamado “efeito-escola” e
“eficácia escolar” para melhor compreender como os estabelecimentos escolares
poderiam reduzir ou ampliar os efeitos das desigualdades sociais dos alunos durante a
sua trajetória escolar. Foram esses estudos, preocupados com a “caixa-preta” do
estabelecimento escolar, que atentaram para a importância da escola na mobilidade
social dos alunos menos favorecidos, apresentando resultados sugestivos de que os
estabelecimentos escolares como organizações institucionais poderiam reduzir a
influência que a origem socioeconômica dos alunos tem sobre o seu desempenho
escolar (SOARES, 2009).
Já no início dos anos de 1990 ocorre o ressurgimento de uma geração de estudos
do campo sociológico que passou a abordar a Sociologia da Educação relacionada à
Sociologia Urbana, retomando a tradição criada pelos famosos estudos da chamada
Escola de Chicago. Essa, que desenvolveu estudos nas décadas de 1920 e 1930, aliando
nomes como Robert Park, Roderick McKenzie, Louis Wirth e outros, recebe esse nome
por ser a cidade de Chicago o “laboratório” dos estudos e por que seus fundadores eram
professores da Universidade de Chicago do departamento de Sociologia (FREITAG,
48
2006). Os estudos tinham “enfoque microssociológico, tendo a cidade por objeto de
observação” (HEINRICH, 2006, pág. 40).
Sobrevém uma retomada do debate sobre a relação entre território e desempenho
escolar, na tentativa de compreender como a organização territorial pode influenciar a
estrutura de acesso a oportunidades escolares, impactando diretamente na reprodução
das desigualdades sociais. A reflexão sobre o efeito do lugar de moradia ganha
destaque, novamente, no âmbito acadêmico, uma vez que a finalidade é entender qual o
papel desempenhado por instituições sociais e o território, e como eles se relacionam.
Com maior destaque na literatura americana, o conceito de “efeito vizinhança”
foi difundido para explicar as tomadas de decisões – individuais ou coletivas - e o
contexto sócio-espacial em que vive determinado grupo, e como tal efeito é percebido
em diversos aspectos da vida dos indivíduos (CHRISTÓVÃO et al, 2008).
A partir de duas teorias, o conceito de “efeito vizinhança” foi estruturado: (i)
teoria de isolamento social, em que um grupo de indivíduos marginalizados, seja por
questões de cor, religião, condições econômicas, etc., se isolam - geograficamente e/ou
redes sociais fechadas – da sociedade; e (ii) teoria de desorganização social, quando a
comunidade local não consegue promover valores comuns aos seus integrantes,
passando a existir um enfraquecimento dos valores coletivos do grupo no
comportamento individual. Em suma, as duas teorias ressaltam quanto uma vizinhança
pobre pode ser prejudicial ao indivíduo, ocasionando situações socialmente indesejadas.
Christóvão et al (2008) apontam que Wilson (1987) foi precursor dos estudos
sobre “efeito-vizinhança”, investigando como uma vizinhança pobre poderia afetar as
oportunidades na vida de indivíduo. A partir do dos guetos norte-americanos o autor
conseguiu observar que o efeito da concentração da pobreza numa vizinhança pobre,
aumenta a probabilidade de fatores como desemprego, evasão escolar, envolvimento
com crimes e gravidez precoce.
As pesquisas que sucederam este trabalho buscavam testar os efeitos da
vizinhança sobre estes fatores. Christóvão et al (2008) destacam Wacquant (1996,
2001, 2004) sociólogo que também estuda guetos norte-americanos e como o “efeito-
vizinhança” afeta as oportunidades desses moradores, argumenta que na escola ocorrem
princípios de organização pedagógica e institucional que distancia mais os alunos
moradores desses guetos dos alunos que não pertencem a ele, o que reproduz uma
situação de baixa expectativa social, tanto nos planos objetivos, como mobilidade
49
social, como nos planos subjetivos, como cidadão integrante da sociedade
(CHRISTÓVÃO et al, 2008).
Já, para Christóvão et al (2008) foi Small (2001, 2004) através de um estudo de
caso de Villa Victoria, em Boston, buscou analisar como uma vizinhança pobre poderia
afetar o capital social dos indivíduos. Já que escolhas, anseios e preferências podem
resultar de tomada de decisões, as famílias que dispõem de certos valores e informações
podem ter acesso a mais alternativas de escolhas e optar pela que consideram a melhor.
O capital social seria suas redes de contato para obter essas diferentes alternativas de
informações, uma vez que, as relações sociais estabelecidas pelos indivíduos podem ser
a forma de se obter recursos para desenvolver estratégias de mobilização de benefícios e
informações.
De modo geral, tais estudos sobre “efeito-vizinhança” serviram para indicar que:
(a) a vizinhança afeta as chances na vida do indivíduo; (b) a vizinhança afeta as
oportunidades de escolhas durante a infância e adolescência; (c) os efeitos da família
afetam mais que os efeitos da vizinhança; (d) as redes sociais, que muitas vezes estão
relacionadas à vizinhança, por vezes as transcendem, tornando-se decisivas
(CHRISTÓVÃO et al, 2008).
A organização territorial pode ser uma variável que tende a desencadear vários
mecanismos efetivos de bloqueio do acesso a estruturas de oportunidades fornecidas
pelo Estado, pelo mercado e pela sociedade civil. Nessa perspectiva, precisa-se entender
como ocorre a segmentação e a segregação territorial, e como essas afetam as
oportunidades escolares.
A segmentação territorial é a distribuição desigual das condições de acesso
gerada pelo sistema de transportes, isso é, a capacidade de mobilidade das pessoas no
território metropolitano. Muitas vezes a oferta de mobilidade é afetada em razão da
escassez de transportes públicos disponíveis, ou em razão da alteração do preço das
passagens para que ocorra o deslocamento (RIBEIRO, 2008).
O fenômeno da segmentação nas metrópoles brasileiras, mais especificamente
na cidade do Rio de Janeiro, é interessante de se observar, pois apresenta um cenário
com grande concentração de oferta de emprego nas áreas centrais, ao mesmo tempo em
que, devido ao aumento de preço das habitações faz com que cresça a população
moradora das áreas de periferias e subúrbio, o que acaba por gerar um sistema
insatisfatório de transportes coletivos, proporcionando a expansão dos chamados
50
“transportes alternativos” ou “transportes clandestinos”, e da capacidade de regulação
tarifaria dos agentes prestadores deste serviço (RIBEIRO et al, 2008).
Kaztman (2008) aponta que a segmentação implica em barreiras de acesso às
oportunidades, uma vez que, a dificuldade de mobilidade implica em disponibilidade de
tempo e de dinheiro, além de constituir uma barreira quanto a acesso de oportunidades,
isso é, a emprego, a informações, a contatos pessoais.
Em resumo, podemos entender que a segmentação territorial são as condições
que regulam o acesso a oportunidades e as dificuldades de deslocamento (mobilidade)
devido à estrutura de transporte da cidade. Em contrapartida, a segregação territorial
seria a organização quanto às disposições dos grupos sociais no território.
Na capital fluminense o território se organiza a partir de distâncias e oposições
simbólicas dos grupos sociais. O espaço social é caracterizado pela autosegregação das
camadas superiores da estrutura social, isso é, por mais que tenhamos distâncias físicas
ínfimas quanto a organização do territorial, assim classes com maior poder aquisitivo
convivendo no mesmo espaço físico com classes populares, é notável a segregação
social dos grupos. É fácil identificar a diferença de localização de um grupo em relação
ao outro no espaço social.
3.1 Segregação escolar e território na cidade do Rio de Janeiro
Na cidade do Rio de Janeiro as oportunidades educacionais estão distribuídas de
maneira singular, uma vez que, a relação entre o espaço urbano e o espaço social não
“dialogam” de forma equivalente, existindo diferença entre a estrutura física urbana e a
hierarquia social. Há no interior dos espaços que concentram as classes mais abastadas,
espaços geográficos para as classes populares, gerando assim, uma proximidade física
de grupos que ocupam posições sociais distintas (RIBEIRO, 1996).
A organização territorial da capital fluminense pode ser um condicionante ativo
das oportunidades educacionais. Uma vez que a disposição geográfica pode moldar as
escolhas das famílias e da gestão escolar, produzindo um sistema educacional
estratificado, com a composição social das escolas cada vez mais homogêneas,
concentrando os alunos pobres nas piores escolas e não convivendo com outro tipo de
realidade a não ser a sua. No cenário da cidade esse acontecimento é determinando
muitas vezes pela localização tanto da residência do aluno quanto do próprio
estabelecimento escolar. Essa separação reforçaria as desigualdades já existentes, já que
51
os discentes com déficit social são agrupados em escolas igualmente deficientes
(ALVES et al, 2010; BURGOS, 2009).
Segundo Burgos (2009) o prestígio das escolas é muitas vezes determinado pela
localização da residência do aluno e/ou do próprio lugar de instalação do
estabelecimento escolar
Considerando que a maioria das escolas públicas de ensino fundamental
recruta seus alunos no próprio território onde está instalada, o lugar simbólico
da escola – tão importante para determinar o alcance de seu papel
institucional - passa a ficar atrelado ao status do território no mapa de
prestígio sócioespacial das cidades. Donde se conclui que um território
segregado por razões econômicas e/ou culturais, tende a segregar a escola
que o atende, marcando negativamente seus alunos, professores e
funcionários, e impondo consequências de enorme significado tanto para o
trabalho de instrução quanto para o de socialização. (Id., 2009, pág. 3)
Deste modo, a segregação territorial diferencia as escolas, funcionários e alunos,
impondo limites no que tange ao trabalho pedagógico e ao processo de socialização. O
autor também argumenta que a instituição escolar tende a ter como principal público os
moradores do bairro/região em que está localizada. Portanto, sendo os moradores
isolados socialmente, simbolicamente e territorialmente, a escola tende a funcionar sob
o princípio organizacional, pedagógico e institucional, de encapsulamento e
estigmatização, o que contribuiria para a distância social e para a reprodução da situação
de segregação territorial já existente na cidade.
A população carioca dispõe através da mídia e da própria secretaria municipal de
Educação, de sinais de classificação hierárquica das escolas públicas – IDEB, Prova
Brasil, Prova Rio – e os utiliza na busca por estabelecimento de ensino para seus filhos.
No entanto, como Costa et al (2010) apontam estes sinais disponibilizados para tal
classificação hierárquica das escolas não são inequívocos. As gestões escolares e as
administrações educacionais de nível intermediário – Conselhos Regionais de educação
(CRE) – não apenas regem a demanda discente, elas participam ativamente do processo
de matrícula, moldando a oferta e limitando as possibilidades de escolha e acesso dos
responsáveis36
.
Nessa perspectiva, o trabalho de Bruel (2014) analisa a política de matrícula do
referido município. O estudo indica que cada CRE possui autonomia para definir se as
escolas devem pedir às famílias que indiquem os estabelecimentos de ensino de
36
Ver dissertação de Carvalho (2014) “Segregação escolar e a burocracia educacional: uma análise da
composição do alunado nas escolas municipais do Rio de Janeiro”. E dissertação de Moreira (2014)
“Escolha e acesso às escolas municipais do Rio de Janeiro: um exercício de navegação social”
52
preferência ou se as próprias instituições – as escolas e as CREs – são as que definirão
o estabelecimento de ensino de destino dos estudantes. A autora evidencia que ambas as
situações estão amparadas por regulamentação de normas de matrícula, entretanto,
produzem efeitos diferentes. Enquanto, em uma das situações os pais têm maior poder
de decisão sobre a vida escolar dos filhos, na outra situação é burocracia educacional
que assumem esse poder de decisão sobre qual estabelecimento escolar de destino.
A matrícula online foi inserida no contexto municipal de educação pública a
partir de 2010. Entretanto, houve muitas solicitações pelas famílias por matrículas em
escolas onde não haviam vagas. Por esse motivo, a partir de 2011 a SME restringiu a
escolha dos responsáveis às escolas que de fato possuíam vagas. Entretanto, em 2013 a
administração municipal estabeleceu que todas as instituições deveriam oferecer pelo
menos uma vaga para cada ano/série e turno que a escola possuía, mesmo que isso
implicasse permanecer com alunos excedentes em algumas turmas37
(BRUEL, 2014).
A busca por vagas nas escolas municipais através da matrícula online é
realizada, desde 2011, em dois momentos. O primeiro momento ocorre no final do ano
letivo e o segundo momento no início do ano seguinte, antes das aulas começarem. Os
dois momentos apresentam diferenças em relação aos critérios de alocação e
disponibilidade de vagas nos estabelecimentos escolares.
No primeiro momento de matrícula online os pais ou responsáveis devem
cadastrar no site da SME, além de informações sobre o aluno, um conjunto de no
mínimo três e no máximo cinco opções de escolas, por ordem de preferência38
. Em
seguida, uma vez feito o atendimento aos alunos que se enquadram nas prioridades
legais39
, a distribuição das vagas ocorrem de forma aleatória, por sorteio, sem
considerar a ordem de inscrição realizada pela internet. Além das prioridades
estabelecidas, também considera-se a distância entre a residência do aluno, a escola
atual e a escola escolhida pela família. Feita a distribuição das vagas, as famílias
recebem a confirmação da vaga em que foram alocados pela SME. O resultado é
enviado para os pais por meio de carta, e-mail e/ou mensagem de texto pelo celular,
além de ser disponibilizado no próprio site da SME. As famílias devem, em seguida,
37
Portaria E/SUBG/CP Nº 28, DE 09 DE OUTUBRO DE 2012, 38
Para os anos de 2010 e 2013, os pais poderiam escolher qualquer um dos estabelecimentos de ensino da
rede municipal, pois todos estavam disponíveis para receber solicitações de matrícula, diferente dos anos
2011 e 2012 cujas opções eram limitadas às escolas que possuíam vagas disponíveis. 39
Descritas na Portaria E/SUBG/CP Nº 28, DE 09 DE OUTUBRO DE 2012.
53
realizar a matrícula na escola em que foram alocados dentro de um prazo determinado
pela SME (BRUEL, 2014).
O segundo momento da matrícula online é realizado início do ano letivo, antes
das aulas começarem, e destina-se as famílias que perderam o prazo do primeiro
momento de inscrição online, ou para as famílias que não foram alocadas nas escolas
escolhidas ou que não confirmaram a matrícula realizada no primeiro momento.
Contudo, os critérios de alocação e disponibilidade de vagas apresentam algumas
mudanças, são disponibilizadas como opção de escolha apenas as escolas que de fato
possuem vagas. E diferente do primeiro momento de inscrição, as famílias indicam
apenas uma opção de escola que imediatamente é retirada do banco de vagas e fica
reservada para a família que a solicitou. A distribuição das vagas não ocorre de forma
aleatória e a ordem de inscrição faz a diferença nesse momento (BRUEL, 2014).
Após os dois momentos de matrícula online, os pais podem buscar por
transferências internas nas escolas desejadas durante todo ano letivo. Isto é, os
responsáveis que não conseguiram vaga pelo sistema informatizado ou que não
participaram destes momentos por algum motivo, podem procurar vagas escolares indo
direto às escolas desejadas ou, ainda, podem recorrer à CRE, as direções das escolas,
nessa fase, efetuam diretamente as matrículas na própria escola. Pode-se tentar também,
ao longo do ano escolar, diretamente nas escolas a verificação de vagas ociosas e assim,
realizar a transferência do seu dependente da escola onde estava para esta escola.
A regulamentação para a matrícula escolar define-se, sistematicamente, em
quatro momentos (BRUEL, 2014; MOREIRA, 2014). Sendo o primeiro a “primeira
matrícula ou matrícula online” que é o período específico destinado aos alunos novos na
rede, aqueles que nunca estudaram em escolas municipais. Neste caso, a matrícula é
realizada pela internet num período específico e determinado pela SME ou direto na
escola desejada, após o período de matrícula online.
O segundo é conhecido como “renovação automática” que é o período
específico destinado aos alunos que já fazem parte da rede e que continuarão a estudar
na escola que estão matriculados. Ao final do ano letivo a matrícula do aluno é renovada
automaticamente bastando a escola oferecer a série/ano seguinte.
O terceiro momento é conhecido como “remanejamento” e ocorre quando a
escola não oferece o segmento seguinte, sendo necessário remanejar/transferir os alunos
em bloco para outra escola que ofereça o próximo segmento. Esse momento é
caracterizado por transferir os alunos em blocos para escolas “conveniadas”. Caso o
54
responsável, por algum motivo, não queira que seu dependente estude na escola
sugerida no remanejamento, ele pode optar por outra escola através da matrícula online
ou pode buscar vaga direto na escola que deseja fora do prazo de matrícula online.
E o quarto e último momento é o de “transferências internas” sendo o único
momento que pode ocorrer durante todo o ano letivo para alunos que desejam fazer
transferências para escolas da rede municipal. Esse momento pode ser realizado online
num período específico e determinado pela SME ou direto nas escolas desejadas, após o
período específico de matrícula.
Com esses “quatro momentos” podemos observar que o processo de matrícula é
minimamente regulado, com regras e procedimentos formais estabelecidos. Porém,
vemos que em todas as etapas é permitida a procura por vagas escolares direto na
instituição escolar. A atuação da direção escolar, na distribuição de vagas escolares, vai
além das regras formais, a própria lei abre “brechas” para práticas não republicanas ao
permitir que a direção escolar exerça um domínio pessoal e arbitrário no acesso dos
alunos às escolas que elas administram. A regulamentação da Portaria E/SUBG/CP Nº
28, DE 09 DE OUTUBRO DE 2012 assegura que “as diretoras tenham maior poder
diante da distribuição de vagas escolares, mantendo e ampliando o poder institucional”
(MOREIRA, 2014, pág.58).
Existem evidências (COSTA; KOSLINSKI, 2009; COSTA et al, 2010;
ALMEIDA, 2011; CARVALHO, 2011) de que as escolas “selecionam” seus alunos,
uma vez que, a burocracia escolar dispõe de recursos para conduzir o ingresso de alunos
nas escolas, seja por seleção direta de vagas, seja através do remanejamento. Isso pode
ser uma importante explicação de porque de algumas escolas tenham tão poucos alunos
moradores de favela no seu quadro discente em comparação com outras escolas.
No estudo realizado por Costa et al (2010), os autores apontaram que “através de
simples visita às escolas, observa-se ausência de aleatoriedade. As escolas tendem a
uma certa homogeneidade socioeconômica” (Id., pág. 13 e14). Já o estudo de Alves et al
(2010) buscou ilustrar os efeitos das escolhas das famílias por escolas. Os resultados
indicaram que as famílias que buscaram escolas com qualidade relativa melhor para
seus dependentes, mesmo estes estabelecimentos sendo distantes do local de sua
residência, obtiveram efeitos positivos quanto à aprendizagem em comparação as
famílias que optaram por matricularem seus filhos numa escola próxima a sua
residência sem considerarem como fator principal a qualidade relativa da escola. A
partir desses resultados, podemos perceber que o território pode ser um condicionante
55
na estratificação escolar, isso é, na disposição das oportunidades escolares, mas, a
capacidade de resistência e de adaptação dos atores - nesse caso as famílias - também
deve ser avaliada e considerada.
56
4. METODOLOGIA
O desenho da pesquisa se baseia na ideia de que é possível a ocorrência de
alterações na composição socioespacial e socioeconômica nas escolas da região
estudada. Para tal, será acompanhada a evolução dos indicadores educacionais e sociais
dessas escolas antes e depois da implantação das UPPs. Entretanto, temos uma
dificuldade operacional, pois não dispomos de uma série histórica longa. Não se trata de
um estudo longitudinal, posto que limites de tempo e operacionais impõem que as
escolas sejam tomadas como unidade básica de análise, não os alunos.
O recorte do estudo será a Grande Tijuca. Os bairros que integram essa área são:
Praça da Bandeira, Tijuca, Alto da Boa Vista, Maracanã, Vila Isabel, Grajaú e Andaraí.
São importantes bairros localizados na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. A
escolha dessa área é devida a apresentação de características propícias para a realização
do estudo, já que, tem sua organização socioespacial bem delimitada em termos de
favelas e áreas de urbanização regular. Além disso, a Grande Tijuca tem grande
concentração de favelas, mas também contrastes marcantes com a população “do
asfalto”.
Os anos estudados serão de 2008 à 2012, pois, em 2010 houve a implementação das
UPPs na região da Grande Tijuca sendo esse o ano “marco” para o estudo. Optamos
por analisar os dois anos anteriores a essa implementação e os dois anos posteriores,
para poder observar se há alguma tendência de mudanças significativas na composição
das escolas sob influência potencial de tal política. A adoção de uma série histórica
curta se deve a que os dados disponíveis, a partir de dados de cadastro da Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro, tem qualidade bem inferior conforme se
retrocede no tempo. Por outro lado, não seria possível trabalhar apenas com dados do
período após a implantação das UPPs, desde que estes não registrariam mudanças que já
estivessem ocorrendo no fenômeno estudado. O desenho geral se inspira na ideia de
séries temporais interrompidas, ainda que uma série curta apresente inevitáveis
problemas.
Os alunos a serem estudados são os do 1°, 5°, 6° e 9° ano do ciclo básico. A
pretensão com tais séries foi a de tomar estudantes com trajetórias escolares distintas,
idades bem variáveis, cobrindo os dois segmentos do ensino fundamental e,
potencialmente, apresentando autonomia de deslocamentos espaciais bem variadas.
Como a hipótese testada trata de mudanças na composição de escolas, essa condição de
57
mobilidade espacial pode ser um dos fatores associados. Um tratamento mais preciso
para nossa análise exigiria que todos os estudantes municipais moradores das favelas da
região fossem incorporados às análises. Todavia, isso exigiria a geocodificação de todos
os alunos do município que, ao longo dos cinco anos, apresentassem registro de
endereço que sugerisse residência na área em foco. Essa localização deveria ser, então,
confirmada por meio de geocodificação, o que implicaria em capacidade operacional
bem acima da disponível para o alcance de uma dissertação. Portanto, a amostra incluiu
apenas os alunos das escolas da região, mesmo que moradores de áreas fora da mesma,
mas não os moradores da região que estudam fora dela.
Iremos trabalhar com duas bases de dados, a primeira está disponibilizada no site do
Inep e contém informações sobre o desempenho das escolas medido através da
avaliação externa - Prova Brasil- e sobre o perfil socioeconômico dos alunos.
Entretanto, para esse estudo foram utilizadas, apenas, as notas dessa Prova Brasil, uma
vez que, o sistema apresenta dados apenas dos alunos presentes na data e nas séries do
teste. A partir desse banco, foram construídas as variáveis sobre a Prova Brasil
Padronizada para uma escola de 0 a 10 - PBP, para a prova de língua portuguesa e
matemática dos anos de 2005, 2007, 2009 e 2011. Tais medidas não compõem o foco
central desse estudo, dedicado a observar possíveis alterações composicionais nas
escolas, mas ajudam a ilustrar um panorama geral de impactos potenciais das UPPs. A
segunda base de dados é da Secretaria Municipal de Educação - SME e é composta por
informações relevantes como: i) cadastro de alunos e características das famílias; ii)
alocação e movimentação educacional dos alunos; iii) características das escolas.
Nossa expectativa na realização do trabalho analítico é investigar se houve
mudanças na composição socioespacial e socioeconômica dos alunos das escolas da
região estudada. Testaremos a evolução dos indicadores de composição das escolas e do
território - favela e não favela. Nessa etapa, usaremos o recurso operacional de
geocodificação40
da residência dos estudantes. Utilizando a estatística descritiva para
cada ano e para cada escola para analisarmos as possíveis mudanças do corpo discente
de cada estabelecimento ao longo de cada ano.
A ideia geral é verificar se há impacto das UPPs em processos de segregação -
aqui entendida como a distribuição desigual de alunos com características semelhantes
em diferentes escolas - e se tal impacto pode ser observado através de alguns
40
Geocodificação pode ser definida como a associação de coordenadas geográficas a dados geográficos
em forma textual como endereços e CEPs. Utilizamos como recurso o software ArcGIS.
58
indicadores simples, mas expressivos de diferenças categóricas em meio ao alunado.
Para o cálculo de alguns índices de segregação, há necessidade de dicotomizar as
variáveis.
Recorremos a quatro variáveis que podem indicar tais diferenças e, portanto,
tendências no processo de segregação: 1) Pobreza, medida através da existência de
Número de Inscrição Social (NIS) entre as informações dos alunos41
; 2) cor; 3)
educação da mãe; 4) local de moradia.
A variável utilizada para medir a situação de pobreza dos alunos foi uma proxy,
o registro social nacional (NIS - Número de Inscrição Social). Os alunos ou
responsáveis que têm esse registro tendem a ser aqueles que recebem ou receberam
algum beneficio através de programa de transferência de renda do poder público42
. A
variável cor é colhida conforme as categorias do IBGE e foi, para algumas análises,
recodificada em duas variáveis dicotômicas: 1) alunos pretos ou não, 2) alunos brancos
ou não43
. Em relação ao indicador “educação dos responsáveis”, utilizando a variável
‘escolaridade da mãe’, duas foram as dicotomizações adotadas, quando necessário: 1)
até ensino fundamental completo, ou mais; e 2) até ensino médio completo, ou mais. Já
as informações do “local de moradia” foram dicotomizadas segundo o critério de
residência ou não em favela. A partir dessas variáveis construímos também os índices
Segregation Index (GS) e Segregation Ratio (SR)44
.
41
Há uma variável nos bancos da SME aos quais tivemos acesso que permitiria identificar se o aluno é
beneficiário de alguma bolsa do tipo Bolsa Família ou Bolsa Família Carioca. Esse será nosso indicador
de condição de pobreza. Contudo, a condição de beneficiário será aferida pela existência de informação
acerca do NIS de aluno e sua mãe/responsável no banco. Tal informação é um indicador mais seguro
acerca da condição de beneficiário de programa de transferência de renda, dados alguns problemas com o
preenchimento das informações diretas sobre a concessão de bolsa. Há limites, pois alunos podem entrar e
sair dessa condição de “bolsistas”, o que não deve ser acompanhado do registro de alterações no cadastro
dos alunos. Assim, é provável que tenhamos casos de falso positivo entre os alunos identificados como
“pobres”, ou bolsistas, em um ou outro ano. Não há como contornar tal problema, mas é possível afirmar
que não há falsos negativos. Todos os alunos que são ou foram bolsistas em algum momento,
inevitavelmente têm seus NIS registrados no sistema. 42
Desde 1990, o Governo Federal do Brasil, juntamente com as administrações estaduais e municipais,
implementou uma série de políticas sociais, na tentativa de diminuir a pobreza. Estas políticas têm como
uma das ações a transferência de dinheiro para as famílias em situação de pobreza. 43
A diferença está no agrupamento dos alunos pardos, maioria da amostra, junto aos brancos, ou junto
aos pretos. Indígenas e amarelos, também segundo a categorização do IBGE, apresentam percentuais
desprezíveis. 44
As estratégias de organização e análise dos dados dos estudantes, conforme princípios dicotômicos,
geradores de índices simples de segregação, replicam procedimentos adotados na tese de Tiago Lisboa
Bartholo “School Segregation in Public Schools of Rio de Janeiro: Causes and Consequences”, 2014,
também integrante de nosso grupo de pesquisa.
59
4.1 Os índices: Segregation Index (GS) e Segregation Ratio (SR)
Os índices de segregação expostos por Gorad, Taylor e Fitz, (2003): Segregation
Index (GS)45
e Segregation Ratio (SR) foram desenvolvidos para medir segregação
como a distribuição desigual de alunos com características semelhantes entre escolas
diferentes. Os dois índices foram formulados em meio a debates sobre como diferentes
grupos sociais ou étnicos eram distribuídos na região do estudo, nesse caso na
Inglaterra, e se havia evidências de que esses grupos sofriam segregação.
O índice GS foi construído para medir segregação a partir das diferenças entre
cada indivíduo observado, em um conjunto de escolas. O índice GS calcula que
percentual de alunos deveria ser transferido em um conjunto de escolas, de modo que
houvesse equilíbrio entre as escolas em termos de uma característica específica do
alunado. Tal índice só tem significado para grupos de escolas. Não resulta, portanto, em
um índice referente a uma escola específica, dado que ele indica qual o percentual exato
de alunos que precisariam trocar de escola, no conjunto observado, para que o sistema
apresentasse uma segregação igual a zero, hipotética e virtualmente impossível de ser
observada em termos reais. O indicador é especialmente útil para permitir observar as
tendências ao longo do tempo, referidas a um padrão “ouro”, hipotético. Por exemplo:
(...) um sistema de ensino com 2 escolas e 200 alunos, divididos em número
igual entre eles. Se a escola "A" tinha apenas meninos (100 alunos) e da
escola "B" apenas meninas (também 100 cem), seria possível argumentar que
este sistema de ensino teve total segregação por sexo. É importante notar que,
se 20 meninos da escola "A" simplesmente deixarem a escola, ainda teríamos
total segregação por sexo. (BARTHOLO, 2013, pág.11)
Com o GS pode-se gerar índices de segregação para qualquer característica
tomada dicotomicamente e, nesse estudo, foram consideradas as anteriormente
descritas. A partir dele faremos uma análise de tendências ao longo do tempo de 2008 à
2012. Sua fórmula pode ser descrita como (GORARD; TAYLOR; FITZ, 2003):
GS = 0.5 * {Σ │ Fi / F - Ti / T │}
45
Este índice foi criado pelo primeiro autor, em meio a embates e polêmicas acerca da identificação dos
processos de segregação no Reino Unido. Acabou sendo batizado com seu nome, Gorard Segregation
Index, GSI, ou simplesmente GS.
60
1) "Fi" é o número de alunos potencialmente desfavorecidos na escola i, onde i varia de
1 ao número de escolas;
2) "F" é o número total dos alunos potencialmente carentes em escolas públicas
municipais do Rio de Janeiro;
3) "Ti" é o número total de alunos na escola i, onde i varia de 1 até o número de escolas,
4) "T" É o número total de alunos nas escolas públicas municipais do Rio de Janeiro.
Em contrapartida, o índice SR representa uma tendência de segregação entre as
escolas em um ano específico. Ele resulta em um escore para cada escola, variando
potencialmente entre 0 e infinito, com o valor 1 representando uma distribuição perfeita
de alunos com a característica em foco entre as escolas do conjunto analisado. Contudo,
uma característica particular dessa medida é que o SR de uma escola é mutuamente
determinado pelos níveis relativos de segregação de outras escolas (Bartholo, 2013).
Sua fórmula pode ser descrita como (Gorard; Taylor; Fitz, 2003)46
:
SR = (Fi / F) / (Ti / T)
1) "Fi" é o número de alunos potencialmente desfavorecidos na escola i, onde i varia de
1 ao número de escolas;
2) "F" é o número total dos alunos potencialmente carentes em escolas públicas
municipais do Rio de Janeiro;
3) "Ti" é o número total de alunos na escola i, onde i varia de 1 até o número de escolas,
4) "T" É o número total de alunos nas escolas públicas municipais do Rio de Janeiro.
Tanto o SR quanto o GS, portanto, auxiliam a registrar a ocorrência do
fenômeno da segregação e aspectos de sua evolução. São medidas simples, que não
demandam estatística sofisticada, mas adequadas ao tratamento das diferenças de
oportunidades quanto a características discretas da população.
46
Em outros termos, o SR não pode ser usado para comparações ao longo do tempo, dado que não é
invariante, sendo afetado por alterações na proporção do indicador para o conjunto das escolas. Para
discussão técnica sobre indicadores de segregação, ver Gorard, S (2009) e Gorard, S., & Taylor, C. (2002)
61
4.2 Geocodificação
O termo geocodificação pode ser definido como a associação de coordenadas
geográficas a dados geográficos em forma textual como endereços, enquanto o termo
georreferenciamento significa a localização de objetos geográficos em um sistema de
coordenadas com dado sistema de referência47
.
O objetivo do processo de geocodificação48
no estudo é localizar os endereços
dos alunos da região estudada com a maior exatidão espacial possível, o que implica,
numa localização com o endereço completo, isto é, considerando o nome e o tipo do
logradouro, assim como seu número de porta. Entretanto, os endereços localizados nas
favelas, são os mais difíceis de serem localizados, devido a falta de dados nos bancos
disponíveis, assim, muitas vezes localizamos a favela que o aluno mora e não o local
exato, isto é, seu endereço completo com logradouro e número de porta.
O processo de geocodificação adotado no trabalho consiste de três etapas: (1)
Autogeocoder; (2) Geocodificação manual; (3) Banco de Cadastro Nacional de
Endereços para Fins Estatísticos- CNEFE. Depois de cada etapa os endereços achados
são separados e colocados em uma pasta e os endereços que não foram encontrados
entram na etapa seguinte até se esgotar a possibilidade de encontrá-los.
Fluxograma 1: Processos de geocodificação
47
Algumas etapas desse trabalho foram baseadas no manual interno de geocodificação do projeto
“Observatório de Educação e Cidade” desenvolvido pelos pesquisadores Caio Victer e Wolfram Lange
(2011). 48
Nessa etapa do trabalho pude contar com a ajuda e colaboração dos bolsistas de iniciação científica do
projeto “Observatório de Educação e Cidade”.
62
4.2.1 Autogeocoder
O AutoGeoCoder é um programa que utiliza tabelas em formato Excel 1997-
2003 e Excel 2007 (*.xls) para executar a busca das coordenadas geográficas de acordo
com os propriedades que a tabela contém como endereço, bairro, cep, cidade, estado,
etc. O programa busca os dados geográficos de maneira automática consultando o
mesmo banco de dados geográficos do Google Earth/Google Maps, por isso necessita
que o computador que esteja realizado o trabalho fique conectado a internet.
4.2.2 Geocodificação manual
A principal ferramenta da geocodificação manual é o Google Earth (GE). Nessa
tentativa o objetivo também é geocodificar por rua e número, mas se não for encontrado
o número também pode-se geocodificar por rua/CEP e só rua ou só CEP. Muitas vezes
o grupo utilizou o “Street View”, um recurso do GE que permite explorar lugares
através de imagens panorâmicas, em 360°, no nível da rua.
Nessa etapa o grupo procurou os endereços não encontrados pelo AutoGeoCoder,
um a um. Copiando e cole o endereço da tabela no campo de busca do GE. Por
exemplo, o endereço a ser geocodificado é: RUA HADDOCK LOBO, 300, Tijuca, Rio
de Janeiro. Se o GE achou diretamente o endereço e visualizou o ponto encontrado no
mapa, basta tomar as coordenadas do endereço achado.
4.2.3 Banco de Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos- CNEFE
Nessa última etapa do trabalho, a principal ferramenta é o Banco de Cadastro
Nacional de Endereços para Fins Estatísticos - CNEFE do IBGE, juntamente com a
base dos Setores Censitários do Censo 2010 do IBGE e o Google Earth (GE).
Setor Censitário é unidade territorial de coleta das operações censitárias,
definido pelo IBGE, com limites físicos identificados, em áreas contínuas e respeitando
a divisão político-administrativa do Brasil. O setor censitário é a menor unidade
territorial, com limites físicos identificáveis em campo, com dimensão adequada à
63
operação de pesquisas e cujo conjunto esgota a totalidade do Território Nacional, o que
permite assegurar a plena cobertura do país49
.
Nessa terceira etapa o objetivo é geocodificar por área, mais especificamente
observar se o setor censitário se refere a uma área de favela. Para isso utilizamos uma
base de dados juntado as informações da base do CNEFE como a da base dos Setores
Censitários de todo o município do Rio de Janeiro.
Quando o banco encontra o endereço pedido, acompanhado dessa informação vêm
outras informações como: código de área de ponderação, bairro, cep, código do
município, código de geocodificação, etc. E a variável que fornece o código de
geocodificação é a que é referente ao setor censitário do endereço procurado.
Após essa procura abrimos o GE com as delimitações de todos os Setores
Censitários do município do Rio de Janeiro50
. E com o número do código de
geocodificação da base de dados, copiado, o GE automaticamente aponta no mapa o
setor referente aquele endereço. É importante ressaltar que a maioria dos endereços
buscados nessa etapa eram referentes a favelas.
4.3 Problemas encontrados e dados missing
O primeiro problema detectado no tratamento dos bancos de dados se refere a
uma certa instabilidade nas informações referentes a algumas escolas da região
estudada. Ao longo dos recortes nos bancos de dados para que pudéssemos obter quais
escolas estudaríamos e depois quais alunos dessas escolas fariam parte da nossa
amostra, percebemos alguns problemas em relação a quantidade de alunos em sete
escolas, nas turmas do 1º ano do ciclo. A tabela abaixo apresenta o número de alunos
em cada escola “problemática” nos cincos anos estudados.
49
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/defaulttab_agregado.shtm - Visto em setembro de
2014. 50
Essa base eu consegui com o pesquisador Eduardo Ribeiro da UERJ, a quem gostaria de agradecer pela
ajuda e suporte técnico no trabalho de geocodificação.
64
Tabela 2: Quantidade alunos nas escolas e nas turmas
Escola
2008 2009 2010 2011 2012 Quantidade de turmas no 1º ano
1º
ano
1º
ano
1º
ano
1º
ano
1º
ano nas escolas
120 23 20 21 13 57
● 2 turmas de 1º ano em 2008
● 3 turmas de 1º ano em 2009
● 3 turmas de 1º ano em 2010
● 3 turmas de 1º ano em 2011
● 2 turmas de 1º ano em 2012
129 20 20 18 27 16 ● 2008 à 2012 uma turma de 1ºano
130 19 28 27 16 16
● 1 turmas de 1º ano em 2008
● 3 turmas de 1º ano em 2009
● 2 turmas de 1º ano em 2010
● 1 turmas de 1º ano em 2011
● 1 turmas de 1º ano em 2012
131 21 21 22 11 19
● 1 turmas de 1º ano em 2008
● 3 turmas de 1º ano em 2009
● 2 turmas de 1º ano em 2010
● 1 turmas de 1º ano em 2011
● 1 turmas de 1º ano em 2012
144 18 20 13 11 45 ● 2008 à 2012 uma turma de 1ºano
156 27 20 21 9 72
● 3turmas de 1º ano em 2008
● 3 turmas de 1º ano em 2009
● 3 turmas de 1º ano em 2010
● 2 turmas de 1º ano em 2011
● 3 turmas de 1º ano em 2012
158 23 20 13 8 27 ● 2008 à 2012 uma turma de 1ºano
Na escola 120 nos anos de 2008 à 2010 e nas escolas 130 e 131 nos anos de
2009 e 2010, a quantidade de alunos é considerada baixa para a quantidade de turmas
registradas, entretanto esses números equivalem ao total de alunos nas escolas e na série
do 1º ano do ensino fundamental disponibilizado no cadastro do banco de dados da
SME. O número de turmas apontado no sistema pode estar errado, podendo ser menor.
Já nas escolas 129 no ano de 2012 e na escola 130 nos anos de 2011 e 2012, o
número de alunos é considerado baixo, mas não insuficiente para abrir uma turma numa
escola. A explicação pode ser também algum erro no preenchimento de tal informação
no sistema do banco de dados da SME, ou o remanejamento desses alunos que
poderiam compor “turmas de projetos”.
Uma última razão para a instabilidade apresentada nessas escolas seria de ordem
demográfica. Dada a demanda decrescente nas séries iniciais, é plausível imaginar que
65
algumas escolas enfrentem oscilações e haja remanejamento entre turmas de escolas das
mesmas regiões.
Em relação aos dados missing das variáveis utilizadas, não há problemas quanto
às variáveis “tem NIS” e “morar ou não em favela”. Nessas duas, pela própria
arquitetura de construção da amostra, não há a possibilidade de ocorrência de dados
faltantes. O registro do NIS, quando existe, significa que o estudante foi ou é
beneficiário de algum programa de transferência condicional de renda. Na inexistência
dessa informação, assume-se que não é beneficiário. A amostra de alunos incluídos no
processamento se restringiu a aqueles que possuíam algum registro de endereço em seu
cadastro, o que afasta a possibilidade de missing na amostra e vem a ser a quase
totalidade dos casos.
Entretanto, encontramos missing nas variáveis “cor do aluno” e “escolaridade da
mãe”. Os missing vão diminuindo conforme os anos passam, isso é, ocorre uma melhora
quanto ao preenchimento dos dados ao longo dos anos. Em seu estudo que analisou os
padrões de segregação da rede municipal do Rio de Janeiro, Bartholo (2014) indicou
que os casos de dados missing não estão distribuídos aleatoriamente nesses bancos de
dados, há uma maior proporção de alunos em potencial desvantagem dentro do grupo de
missing. De acordo com o autor, a maior parte dos alunos que não apresentam
informação sobre escolaridade dos pais é constituído por alunos de cor preta, por
exemplo, ou é beneficiária de programa de transferência de renda..
Em nosso caso, existe maior concentração de dados missing na variável
“escolaridade materna”, apesar de irem diminuindo ao longo dos cinco anos estudados,
como mostra a tabela 8. Deste modo, decidimos fazer um cruzamento entre essa
variável e as variáveis “morar ou não em favela”; “ter NIS” e “ser preto ou não” para
ver qual o perfil dos alunos, ao longo dos anos que não tem informação quanto a
escolaridade da mãe. Tal procedimento é indispensável pois, como a proporção de
missing cai consideravelmente com o tempo, novos casos vão sendo integrados à análise
e esses podem inserir um viés de seleção não desprezível, ameaçando a interpretação de
resultados encontrados.
Tabela 3: Percentual de missing – variável “escolaridade materna”
2008 2009 2010 2011 2012
23% 21% 18% 16% 15%
66
Gráfico 3 : Perfil dos alunos com informação na variável “escolaridade materna” –
2008 a 2012
Os gráfico 3 apresenta a variação no tempo da associação entre alunos com
informação acerca da escolaridade da mãe e outras características com a informação
existente. Ele revela que, com o forte incremento na informação sobre escolaridade, não
há alteração substantiva nas proporções dos alunos de cor preta ou residentes em favela.
Apenas um crescimento de cinco pontos percentuais se observa para alunos com NIS,
de 2011 para 2012, o que deve ser explicado pelo crescimento dos programas de
transferência condicional de renda, não estando, portanto, associado com o aumento do
número de indivíduos com informações mais completas. De certa forma, afasta-se o
risco de termos progressivamente mais alunos incluídos, para essa amostra, em
condições de desvantagem, nos modelos de análise multivariada.
Os dados missing referente à variável cor, também foram calculados,
considerando os casos em branco, isso é, que não constavam resposta e os casos que
continham a informação “não declarado”, como sendo dados missing. Assim, como na
variável “escolaridade materna”, na variável cor os dados missing vão diminuindo ao
longo dos cinco anos, como a tabela 7 apresenta.
Tabela 4: Percentual de missing dos dados – variável “cor”
2008 2009 2010 2011 2012
8,4% 8% 7,4% 6,3% 5,9%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
2008 2009 2010 2011 2012
Alunos pretos Alunos que moram em favela Alunos que tem NIS
67
Gráfico 4: Perfil dos alunos com informação na variável “Cor” – 2008 a 2012
Da mesma forma como na análise de missing para a “escolaridade da mãe”, nossa
principal variável de interesse, a residência em favela, não parece alterada pela inclusão
de mais informações sobre a cor dos alunos. A elevação da proporção de indivíduos
com informação do NIS pode ter a mesma interpretação anterior e a queda na proporção
de mães com baixa escolaridade pode estar associada a uma elevação tendencial na
escolaridade geral da população, ou a uma mudança no perfil dos residentes da região,
mas em sentido inverso ao anterior. Apesar de maior proporção de pessoas com NIS,
mais pessoas adultas com escolaridade mais elevada passam a constar de nossa amostra,
o que pode indicar mudanças no perfil dos moradores da região, o que pode, também,
estar associado a mudanças no mercado imobiliário - um possível efeito das UPPs51
.
51
http://oglobo.globo.com/rio/efeito-upp-na-valorizacao-de-imoveis-chega-15-11021226 ;
http://www.upprj.com/index.php/acontece/acontece-selecionado/proprietarios-de-imoveis-em-areas-com-
upp-estaeo-rindo-a-toa-com-a-valoriza/ - Visitado em setembro de 2014.
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
2008 2009 2010 2011 2012
Tem NIS
Mora em favela
Baixa escolaridade
materna
68
5. ANÁLISES DE COMPOSIÇÃO SOCIAL DAS ESCOLAS
Este capítulo analisa as possíveis mudanças na composição socioeconômica e
espacial do alunado nas escolas a partir da implantação das UPPs. O objetivo é observar
se ocorre mudança de padrão quanto à alocação de alunos nas escolas estudadas, assim,
vamos considerar uma série histórica cobrindo o ano de 2008 ao ano de 2012. A
hipótese é que a implementação das UPPs pode ter impactado a composição discente
das escolas. Deste modo, as escolas tenderiam a ter seu corpo discente mais
heterogêneo, isso é, os alunos residentes em áreas de favelas passariam a ter maior
acesso às escolas localizadas fora das favelas e/ou das áreas que sofriam domínio dos
traficantes de drogas ou milicianos. Destacamos que há sempre a hipótese alternativa de
que as UPPs tenham favorecido a um fenômeno oposto ao de nossa hipótese principal:
alunos das áreas estudadas, sob influência das UPPs passariam a ter menos razões para
se deslocarem em busca de escolas fora de seu contexto imediato de residência, dado
que o “esfriamento” desses ambientes reduziria a busca por espaços mais tranquilos.
Para testar essa hipótese, seriam necessários procedimentos analíticos que não estavam
ao alcance no tempo disponível para o desenvolvimento dessa dissertação. Por exemplo,
seria possível observar os movimentos de estudantes de áreas de favela estudando
distante de suas residências para as escolas próximas de suas residências, o que exigiria
um tratamento longitudinal ao nível dos estudantes.
5.1 As escolas
A rede municipal de educação é constituída por cerca de mil e trezentas escolas,
sendo aproximadamente mil as que oferecem o Ensino Fundamental. A população anual
de alunos é de cerca de oitocentos mil, considerando todos os níveis, da creche, até a
educação de jovens e adultos. Em 2013, 1004 escolas ofertaram o Ensino Fundamental
– 1° ao 9° ano – totalizando cerca de 647 mil crianças e adolescente atendidos nas
escolas municipais (Guia da Matrícula, 2014).
A região da Grande Tijuca foi escolhida para o estudo, pois é contemplada por um
número significativo de escolas municipais distribuídas nas favelas e no asfalto –
quarenta e seis52
escolas municipais que oferecem o 1° e o 2° segmento do ensino
52
Entretanto, tivemos que retirar uma escola do nosso universo, pois a mesma apresentava, a partir da
base da SME, números insignificantes de alunos nos cinco anos estudados. 2008 (1º ano = 6 / 5º ano= 9);
69
fundamental – e por apresentar uma demanda significativa – 36.679 mil53
– de alunos
em idade escolar54
. A presença de número expressivo de favelas em uma região de
classe média, supúnhamos, asseguraria a observação de contrastes.
Tabela 5: Quantidade de escolas municipais por segmento – 2012.
Apenas 1º
segmento
Apenas 2º
segmento
1º e 2º
segmentos
Total de
escolas
22 7 16 45
Em primeiro lugar, dividimos as escolas de acordo com sua localização territorial,
isso é, em um grupo de até 100 metros de favela(s) e outro a mais de 100 metros de
favela(s). Depois, dividimos dentro desses grupos as escolas por segmento que
oferecem. Esse critério adotado para distinguir a localização das escolas é um tanto
arbitrário, pois sabemos que uma escola que se localiza a uma distância até 100 metros
de uma favela não significa que esteja, necessariamente, sob influência direta dessa
favela, ou que seus alunos sejam oriundos dessa favela. Entretanto, trata-se de uma
primeira abordagem, supondo um efeito territorial difuso. Já, a distinção entre
segmentos pode ser relevante, pois supõe diferenças na autonomia de mobilidade
espacial dos alunos.
2009 (1º ano = 6 / 5º ano= 12); 2010(1º ano = 3 / 5º ano=5); 2011 (1º ano = 1 / 5º ano= 4); 2012 (1º ano =
17 / 5º ano= 2) 53
Dados Censo 2010 http://www.censo2010.ibge.gov.br/apps/areaponderacao/index.html Acessado:
24/06/2014 54
Idade escolar aqui é considerado de 5 a 14 anos.
70
Mapa 4 – Localização das escolas na Grande Tijuca55
Tabela 6: Quantidade de escolas a mais de 100m de favela(s) –2012
Apenas 1º
segmento
Apenas 2º
segmento
1º e 2º
segmentos
Total de
escolas
13 5 16 34
Tabela 7: Quantidade de escolas até 100m de favela(s) –2012
Apenas 1º
segmento
Apenas 2º
segmento
1º e 2º
segmentos
Total de
escolas
9 2 0 11
É possível observar que a maioria das escolas que se localizam até 100 metros
de favelas atendem apenas ao 1º segmento da educação básica. Já as escolas um pouco
55
Não foi possível, nesse mapa, destacar as áreas não habitadas, no caso, as regiões de mata e montanha,
o que reduziria consideravelmente a impressão de que a área urbanizada ocupada pelos bairros, o
“asfalto”, é muito maior que a ocupada pelas favelas.
71
mais afastadas das favelas são mais diversas quanto à oferta escolar, provavelmente
expressando o histórico de ocupação urbana mais antiga. Contudo, não se deve
desprezar que, conforme o gráfico 5 demonstra, para todos os anos de nosso estudo as
amostras de alunos das escolas municipais da região sempre apresentaram mais de 60%
de alunos residentes em favelas. A proporção de alunos residentes em favelas,
considerando também os residentes fora da região da Grande Tijuca, onde se localizam
as escolas estudadas, se mantém estável ao longo dos anos.
Gráfico 5: Distribuição da amostra bairro e favela
Uma das maneiras de analisar o quanto o grupo de escolas, dividido de acordo
com a localização e o segmento escolar que atendem, é heterogêneo em relação a
alguma característica, é considerar o valor de suas medidas de dispersão. Essa é uma
forma de verificar como os alunos estão distribuídos. Como ponto de partida para
observarmos a heterogeneidade dos alunos nas escolas mais próximas ou mais afastadas
das favelas, optou-se por indicadores de desempenho. Apesar de não estar em foco em
nosso estudo, por exigir outras abordagens mais complexas para supostos efeitos entre
implantação de UPPs e alterações no desempenho escolar, é interessante apresentar
alguns resultados simples nesse nível, para efeito de ilustração do contexto.
Utilizamos as notas da Prova Brasil Padronizada (PBP) do 1º e 2º segmento.
Esta variável refere-se ao desempenho escolar dos alunos medido pela média
padronizada da Prova Brasil nos anos de 2005, 2007, 2009 e 2011. Segundo o site do
50%
26%
54%
25%
52%
26%
52%
26%
53%
25%
16%
7%
15%
6%
15%
7%
15%
7%
14%
7%
Favela Não
Favela
Favela Não
Favela
Favela Não
Favela
Favela Não
Favela
Favela Não
Favela
2008 2009 2010 2011 2012
Tijuca Não Tijuca
72
Ministério da Educação (MEC)56
a Prova Brasil tem o objetivo de avaliar a qualidade
do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e
questionários socioeconômicos. Além de realizarem as provas de língua portuguesa
(com foco na leitura) e matemática (com foco na resolução de problemas), os alunos
também respondem a um questionário socioeconômico sobre fatores de contexto que
podem estar associados ao desempenho. Entretanto, estes fatores não costumam ser
analisados ao se avaliar a nota da escola.
O gráfico 6 representa o desvio-padrão das notas da Prova Brasil Padronizada do
1º e 2º segmento, separadamente por grupo de escolas que se localizam até 100 ou a
mais de 100 metros de favelas. Como se observa, as escolas mais próximas das favelas
são mais homogêneas, quanto ao desempenho de seus alunos nesse teste57
. Mais
homogêneas e com desempenho médio mais baixo.
Gráfico 6: Desvio-padrão da Prova Brasil Padronizada (0 a 10) 5º e 9º ano,
segundo a distância escola-favela, 2005 a 2011
Nos gráficos 7 e 8 utilizamos a série histórica das médias das notas da PBP e
podemos perceber que houve uma tendência de elevação das médias para os dois grupos
de escolas. Entretanto, no gráfico referente ao 9° ano, as escolas que se localizam mais
próximas de favelas tiveram média semelhante às escolas a mais de 100 metros de
56
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=210&Itemid=324
Acessado: 09/09/2014. 57
O desvio-padrão das escolas de 9º ano que ficam a menos de 100 metros das favelas, nesse caso, não
deve ser considerado, pois tratam-se, a partir de 2007, de apenas duas escolas nessa condição. Em 2005,
era apenas uma.
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
1,4
1,6
Escola até 100 m de
favela
Escolas mais de 100
metros de favela
73
favela(s) no ano de 2011. Como se tratam de apenas duas escolas naquela condição,
esse resultado não pode ser considerado como fruto de algum processo no escopo dessa
análise.
Gráfico 7: Média da Prova Brasil Padronizada no 5° ano
Gráfico 8: Média da Prova Brasil Padronizada no 9° ano
Nos gráficos 9, 10, 11 e 12, utilizamos a série histórica das médias das notas da
Prova Rio (2009, 2010, 2011 e 2012) dividida por segmento, utilizando o 3°ano como
representante do 1° segmento e o 7°ano como representante do 2° segmento, e por área
de conhecimento – Português e Matemática.
0
1
2
3
4
5
6
7
2005 2007 2009 2011
Escolas até 100m de
favela(s)
Escolas a mais de
100m de favela(s)
0
1
2
3
4
5
6
7
2005 2007 2009 2011
Escolas até 100m de
favela(s)
Escolas a mais de
100m de favela(s)
74
Gráfico 9: Média da Prova Rio de Língua Portuguesa - 3° ano
Gráfico 10: Média da Prova Rio de Matemática - 3° ano
110
120
130
140
150
160
170
180
190
2009 2010 2011 2012
Escolas até 100mfavela(s)
Escolas a mais de100m favela(s)
110
120
130
140
150
160
170
180
190
2009 2010 2011 2012
Escolas até 100mfavela(s)
Escolas a mais de100m favela(s)
75
Gráfico 11: Média da Prova Rio de Língua Portuguesa - 7° ano
Gráfico 12: Média da Prova Rio de Matemática - 7° ano
Os resultados não parecem sugerir algum padrão nítido seja das diferenças entre
os dois grupos, seja ao longo do tempo. Isso pode ser decorrente de uma instabilidade
ainda existente na Prova Rio, com menos acúmulo de experiência que a Prova Brasil, a
qual deriva diretamente do SAEB.
O percentual de alunos que tem NIS, também foi calculado, uma vez que, essa
variável é utilizada para medir a pobreza dos alunos e sua família, já que ter o número
de inscrição social é necessário para que o aluno tenha acesso a programas de
180
190
200
210
220
230
240
2009 2010 2011 2012
Escolas até 100mfavela(s)
Escolas a mais de100m favela(s)
180
190
200
210
220
230
240
2009 2010 2011 2012
Escolas até 100mfavela(s)
Escolas a mais de100m favela(s)
76
assistência como: Bolsa Família, Cartão Família Carioca, etc. Essa variável é utilizada
como um indicador de pobreza.
Gráfico 13: Percentual de alunos que tem NIS
É possível observar que as escolas localizadas em até 100 metros de favela(s)
têm percentual maior de alunos que tem NIS, provavelmente participando de algum
projeto assistencial, do que as escolas localizadas a mais de 100 metros de favela(s).
Uma explicação razoável para a ampliação do percentual total no ano de 2012 é o
aumento do número total de famílias atendidas pelo programa. Desde que começou, em
2003, o programa Bolsa Família cresceu de 6,5 milhões de famílias assistidas para 14,1
milhões em 2013, considerando todo o país. O governo estima que mais de meio milhão
de famílias serão incluídas em 2014. Estes números indicam que cerca de 25% de toda a
população é assistida pelo programa, e que o aumento do número total de beneficiários
foi acompanhado pelo crescimento econômico e os baixos índices de desemprego.
Dados indicam que em 2013 o programa Bolsa Família assistia 242.926 famílias no
município do Rio de Janeiro (BARTHOLO, 2014).
Calculamos, também, a distribuição de cor dos alunos, para os três principais
grupos: brancos, pardos e pretos. Optamos por analisar a categoria cor dessa forma, uma
vez que, como destacado pelos autores Silva e Hasenbalg (1990) no estudo sobre raça e
oportunidades educacionais no Brasil, os estudantes pertos e pardos têm suas trajetórias
educacionais expostas a desvantagens vinculadas especificamente à sua origem racial,
48% 46% 43% 44%
51%
23% 23% 23% 24% 27%
0%
20%
40%
60%
2008 2009 2010 2011 2012
Escola até 100 m de favela Escolas mais de 100 metros de favela
77
mas que não seria adequado fundir as categorias preto e pardo, dadas relevantes
diferenças em suas características socioeconômicas – e educacionais.
É possível observar que as escolas que se localizam até 100 metros de favela(s)
têm mais de 70% do seu público discente da cor preta e parda, contrastando com as
escolas que se localizam a mais de 100 metros de favela(s) que tem pouco mais de 50%
do seu público declarados dessa cor. Esse cenário não varia muito durante os anos
estudados.
Gráfico 14: Percentual de alunos de cor branca, preta e parda – Escolas até 100m
de favela(s)
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
2008 2009 2010 2011 2012
Branca Preta Parda
78
Gráfico 15: Percentual de alunos de cor branca, preta e parda – Escolas a mais de
100m de favela(s)
Em relação à variável escolaridade materna, dividimos em alta e baixa, sendo
baixa, mães que são analfabetas, que tem primeiro grau completo e incompleto, e alta,
mães que tem segundo grau e ensino superior. O banco de dados não especifica se as
mães que declararam segundo grau e ensino superior concluíram ou não essas
modalidades de ensino.
É possível observar que o maior percentual de mães com escolaridade mais
baixa é encontrado no grupo de escolas que se localizam até 100 metros de favela(s).
Entretanto, nos dois grupos de escolas esse percentual não varia ao longo dos cinco
anos. A literatura nacional apresenta que o desempenho médio dos alunos está
diretamente relacionado com a escolaridade dos pais, além das chances do aluno
concluir o ensino básico aumentam quanto mais sua família for escolarizada.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
2008 2009 2010 2011 2012
Branca Preta Parda
79
Gráfico 16: Percentual de escolaridade materna baixa
Para observar o cenário do nosso estudo, calculamos o percentual de alunos que
moram em favelas, dividindo as escolas em até 100m de favela(s) e a mais de 100
metros de favela(s), entretanto, não separamos os segmentos. É possível perceber que a
distribuição ao longo dos anos permanece estável. Isso pode indicar que em relação a
escolha e acesso de alunos moradores de favelas em escolas de asfalto não foi
impactada pela implementação das UPPs.
Gráfico 17: Percentual de alunos que moram em favela
Entretanto, em algumas escolas é possível perceber a mudança na composição
do alunado em relação ao lugar em que residem. No gráfico 18, nota-se que a escola
89% 90% 88% 88% 86%
69% 69% 69% 65% 66%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
2008 2009 2010 2011 2012
Escolas até 100 de favela(s) Escolas a mais de 100 de favela(s)
90% 91% 89% 91% 90%
58% 62%
57% 59% 62%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
2008 2009 2010 2011 2012
Escola até 100 m de favela Escolas mais de 100 metros de favela
80
passou a ter mais alunos moradores de favela. Essa escola faz parte do grupo de escolas
que se localizam a mais de 100 metros de favela(s).
Gráfico 18: Percentual de alunos que moram em favela ou não - Escola 128
Gráfico 19: Percentual de alunos que moram em favela ou não – Escola 118
Já no gráfico 19 que descreve o cenário da escola 118, ocorreu o contrário, a
escola passou a ter menos alunos não moradores de favela na sua composição discente.
Isso é, se tornou mais ainda o que consideramos como “escola de alunos favelados”,
ainda que a mesma se localize a mais de 100 metros de favela(s).
16% 18% 19%
27%
35%
84% 82% 81%
73%
65%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
2008 2009 2010 2011 2012
Sim Não
72% 71% 71% 74%
83%
28% 29% 29% 26%
17%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
2008 2009 2010 2011 2012
Sim Não
81
No gráfico 20 é possível observar que mesmo a escola se localizando em até 100
metros de favela(s), a mesma passou a receber mais alunos que não moram em favelas.
Gráfico 20: Percentual de alunos que moram em favela ou não – Escola 126
5.2 Segregação geral na região
Neste procedimento analítico, passamos a não mais distinguir as escolas por
distância das favelas, mas tratamos todas as escolas da região, em conjunto. Utilizamos
o índice GS que é uma medida precisa para pensar no nível de segregação da unidade de
análise em questão (escolas).
Calculamos esse índice considerando todas as escolas estudadas e para todos os
cinco anos, com objetivo de verificar a porcentagem de alunos que deveriam ser
transferidos para outra escola para que o grupo de escolas estudadas ficasse mais
próximo de uma distribuição equilibrada de alunos que moram em favela. A equação
para realização deste cálculo é a que foi apresentada anteriormente:
GS= 0,5 (∑ |Fi/F - Ti/T|)
Para o cálculo do GS das escolas, incluímos todos os alunos, em que (Fi)
representa o número de alunos que moram em favela na escola i; (Ti) representa o
número total de alunos na escola i; (F) representa o número total de alunos que moram
em favela em todas as escolas estudadas; e (T) representa o número total alunos em
todas as escolas estudadas.
96% 100% 89% 91% 93%
4% 0%
11% 9% 7%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
2008 2009 2010 2011 2012
Sim Não
82
O gráfico 21 apresenta o GS das escolas estudadas referente a características do
alunado como: ter NIS; morar em favela; mães com escolaridade baixa e cor preta.
Gráfico 21: Índice de Segregação 2008 à 2012
O primeiro comentário diz respeito a um dado que pode parecer surpreendente.
O “fator favela” surge como o de menor impacto na segregação, comparado aos demais.
É necessário, porém, lembrar que, pelo próprio método de cálculo, o GS é afetado pela
proporção de pessoas em desvantagem para o fator em foco. Assim, o fato de mais de
60% dos alunos serem residentes em favelas faz com que sua distribuição seja
tendencialmente mais homogênea que, por exemplo, a distribuição dos alunos de cor
preta, que estão em bem menor proporção na amostra. De qualquer forma, nessa análise
ainda descritiva, a residência em favela se mostrou o fator mais fraco de segregação nas
escolas em foco, mesmo considerando a escolaridade baixa de mães, algo com também
elevada proporção na amostra. Observa-se alguma flutuação no GS, mais para baixo,
mas nada que possa ser registrado como uma tendência clara a redução na segregação.
Os dados apresentados sugerem que, de maneira geral, não existe uma grande
variação na porcentagem de alunos nas características analisadas, que deveriam trocar
de escola para que o grupo de escolas estudado fosse mais equânime. Contudo, esse
indicador já era especialmente baixo, considerando padrões internacionais, ou mesmo o
conjunto do município do Rio de Janeiro, quando calculado para outras variáveis, como
cor, escolaridade dos responsáveis, pobreza ou atraso escolar.
0%
5%
10%
15%
20%
25%
2008 2009 2010 2011 2012
NIS Cor preta Favela Escolaridade baixa
83
Certamente, os indicadores de segregação se elevariam, caso todas as escolas
fossem incluídas no cálculo do índice de segregação, isso é, escolas da rede municipal,
escolas da rede privada e escolas da rede federal. Os dados do Censo Escolar indicam
que 25% dos estudantes que estudam no ensino fundamental regular da cidade do Rio
de Janeiro estão em escolas privadas (ALVES et al, 2010). Certamente, dada forte
presença de uma população com maior renda na região, esse percentual deve ser bem
mais elevado,
Calculamos também o GS separadamente por segmento como o gráfico Y
apresenta. O GS um pouco mais elevado no primeiro segmento é esperado. Trata-se de
fenômeno estatístico. O número menor de escolas de segundo segmento torna quase
inevitável que os alunos desse segmento estejam mais “misturados”.
Gráfico 22: Índices de Segregação no 1° segmento
Uma explicação para esse cenário descrito no gráfico 22 é que estima-se que em
torno de 80% dos alunos de 1° segmento da rede pública de ensino do Rio de Janeiro
moram até 1 km de suas escolas (ALVES et al., 2010). Estudos sobre a influência da
vizinhança na escola ressaltam que o local em que a escola está localizada pode ser um
dos fatores que influenciam a composição do seu corpo discente, já que, as escolas
tendem a receber alunos que residem próximos a ela (SKYES, 2011; BURGOS, 2009).
Deste modo, os alunos que moram em favela tende a estar concentrados nas escolas
localizadas mais próximas das favelas.
0%
5%
10%
15%
20%
25%
2008 2009 2010 2011 2012
NIS Favela Escolaridade materna Cor preta
84
Carvalho (2014) analisa o impacto que a segregação residencial pode ter sobre a
distribuição de alunos entre um grupo de escolas, a partir de decisões burocráticas. A
autora aponta duas explicações para a segregação encontrada, uma é que os pais tendem
a matricular seus filhos em escolas mais próximas, e isso tem impacto na distribuição de
alunos. A outra explicação refere-se à possibilidade dos diretores das escolas evitarem
selecionar alunos residentes de em áreas de mais pobres.
Para verificar como ocorre essa aproximação casa-escola, utilizamos a variável
disponível no banco de dados da SME que é “tempo de deslocamento entre casa e a
escola”. Consideramos a média dos alunos que levam até 30 minutos nesse
deslocamento, separando por segmento e, também, por localização da escola, dividindo
as escolas em dois grupos: I- Escolas localizadas a mais de 100 metros de favela(s); II-
Escolas localizadas até 100 metros de favela(s). Essa variável apresenta problemas
quantos aos dados missing, sendo eles 18% no ano de 2008, diminuindo ao longo dos
outros anos e chegando em 2012 com um percentual de 12%, como a tabela 8 apresenta.
Tabela 8: Percentual de missing referente à variável estudada
2008 2009 2010 2011 2012
18% 17% 15% 14% 12%
Gráfico 23: Porcentagem dos alunos que levam até 30 minutos no deslocamento
casa-escola - 1°segmento
49% 49% 48% 43%
49% 49% 49% 49% 44%
48%
0%
20%
40%
60%
2008 2009 2010 2011 2012
Escola até 100 m de favela Escolas mais de 100 metros de favela
85
Gráfico 24: Porcentagem dos alunos que levam até 30 minutos no deslocamento
casa-escola- 2°segmento
Observa-se que nos dois segmentos a proporção de alunos que mora até 30
minutos da escola é semelhante. Isso é, em ambos os segmentos há mais de 40% dos
alunos, tanto no grupo de escolas a mais de 100 metros de favela(s) quanto no grupo das
escolas localizadas até 100 metros de favela(s), residindo próximo à escola,
confirmando os estudos anteriores (SKYES, 2011; BURGOS, 2009; CARVALHO,
2014).
5.3 Análise das tendências de segregação – um modelo multivariado
Calculamos o índice SR que representa um indicador de segregação entre todas
as escolas estudadas a cada ano. Esse índice não é muito adequado a estudos
longitudinais, por ser afetado pela variação na quantidade geral e proporção de alunos
em desvantagem. O índice indica, com valor 1, a distribuição perfeita de alunos com
uma determinada característica entre as escolas do conjunto analisado. A sua resultante
é um escore para cada escola, variando entre 0 e infinito.
Num primeiro momento, calculamos esse índice para todas as escolas estudadas
no ano de 2008, com objetivo de verificar quais escolas apresentavam índices com
maior discrepância referente à variável “morar ou não em favela”. A equação para
realização deste cálculo é a que foi apresentada anteriormente:
R = (Fi / F) / (Ti / T)
Para o cálculo do SR das escolas, incluímos todos os alunos, em que (Fi)
representa o número de alunos que moram em favela na escola i; (Ti) representa o
49% 49% 48% 43%
49% 49% 49% 49% 44%
48%
0%
20%
40%
60%
2008 2009 2010 2011 2012
Escola até 100 m de favela Escolas mais de 100 metros de favela
86
número total de alunos na escola i; (F) representa o número total de alunos que moram
em favela em todas as escolas estudadas; e (T) representa o número total alunos em
todas as escolas estudadas.
As escolas que apresentaram índices variando até 0,55 (um desvio-padrão abaixo
da média geral, sempre igual a 1) foram escolhidas como as que apresentaram menor
concentração de alunos moradores de favela no ano de 2008. A partir dessa
identificação das escolas mais segregadas quanto à menor presença de alunos favelados,
fizemos regressões logísticas com todos os cinco anos estudados, estimando as razões
de chance para cada um dos fatores de desvantagem, quanto à presença nessas escolas.
Explicando de outra forma, a partir da definição de escolas com menor
proporção relativa de alunos favelados para o ano-base de 2008, passamos a tentar
observar quais as chances de um aluno favelado ingressar nessas escolas, nos anos
subsequentes, controlando por outros fatores reconhecidos de desvantagem.
Uma possível objeção a esse procedimento seria que poderia ter havido alguma
alteração em quais escolas receberiam menores proporções de favelados, com o SR
mais baixo se “deslocando” para outras. Se isso fosse verificado, a definição da linha de
base, em 2008, das escolas mais segregadas imporia o risco de que a redução da força
segregadora da residência em favela indicasse não uma redução real do fenômeno, mas
uma espécie de causalidade espúria. A forma de controle adotada para essa ameaça foi o
cálculo da matriz de correlações (rho de Spearman) entre as posições das escolas em um
ranking do SR. Esse cálculo mostrou que as posições relativas das escolas, comparadas
quanto a seu SR referente à condição de moradia em favela, é extremamente estável, de
2008 a 2012 (rho sempre superior a 0.9). Isso é, as escolas com maiores índices de
segregação foram basicamente as mesmas ao longo do período. A mesma matriz de
correlações, calculada para as três outras variáveis indicadoras de desvantagem, mostrou
tendência menos estável, ainda que sempre com coeficientes também elevados, como
esperado.
Dois modelos comparativos foram adotados. No primeiro, as escolas com SR
mais baixo foram confrontadas com as demais. No segundo, foram isoladas as escolas
de SR mais baixo e confrontadas com as de SR mais alto, ou seja, as com menores e
maiores proporções relativas de alunos favelados em 2008. A ideia foi, no segundo
procedimento, maximizar os efeitos das condições de desvantagem, comparando apenas
as escolas mais e menos segregadas, nove em cada grupo.
87
Gráfico 25: Regressão logística para chance (%) de matrícula em escola com baixo
SR em 2008 (todas as escolas)
Escolaridade da mãe: ordinal crescente (1 a 5); Cor: preta
Gráfico 26 : Regressão logística para chance (%) de matrícula em escola com baixo
SR em 2008 (escolas com SR mais alto ou mais baixo)
Esses modelos multivariados alimentam alguma “esperança” para a hipótese
inicial da pesquisa e parecem justificar o interesse em um estudo dessa natureza, como
-350,00
-300,00
-250,00
-200,00
-150,00
-100,00
-50,00
0,00
50,00
100,00
150,00
2008 2009 2010 2011 2012
Ter_NIS Morar em favela Cor (preta) Baixa escolaridade materna
-2500
-2000
-1500
-1000
-500
0
500
2008 2009 2010 2011 2012
Ter_NIS Morar em favela Cor (preta) Baixa escolaridade materna
88
um ensaio para futuros estudos mais robustos. Nos gráficos 25 e 26, as razões de chance
já estão convertidas para percentuais. Todos os coeficientes apresentados são
significativos (p<0,001). Assim, observa-se uma discreta redução na desvantagem dos
alunos favelados para matrícula nas escolas mais seletivas quanto a essa condição, no
ano base de 2008. Ainda que, como previsto, a probabilidade relativa de um aluno
residente em favela estar matriculado em uma escola com baixa presença de outros
alunos favelados, seja sempre inferior à dos demais fatores, a força “negativa” dessa
variável vai se reduzindo, com uma tendência diferente das variáveis associadas à cor
ou escolaridade da mãe.
A comparação com essas duas variáveis é mais pertinente que a comparação
com a variável que indica a presença do NIS no registro do aluno, já que, como
mencionado e demonstrado, o percentual de alunos com NIS cresce consideravelmente
nesse período. As causas são duas: os programas que exigem tal registro se alastram
pelo país e no Rio de Janeiro; e o registro do NIS tem um caráter cumulativo. Uma vez
inserido no sistema de informações, tal registro não é mais é apagado. Assim, mesmo
que deixe de ser beneficiário de programa, o registro do NIS permanece. Com um
número fortemente crescente, o NIS, inevitavelmente, enfraquece enquanto marcador de
um fator de segregação. Já, as variáveis indicativas de residência em favela,
escolaridade de mãe e cor, permanecem estáveis em suas proporções de valores
indicativos de desvantagem, mesmo que reduzidas quanto ao número de informações
ausentes. Por isso, pode-se considerar a bem discreta tendência à redução da
desvantagem relativa para matrícula de alunos favelados em escolas mais “exclusivas”,
detectada em um modelo multivariado, com controles para outros fatores importantes de
desvantagem como uma possível consequência de alterações introduzidas a partir das
UPPs, sobretudo porque essa tendência se manifesta após a o evento de criação das
mesmas.
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados apresentados nessa dissertação buscaram contribuir para o debate
sobre as implicações do programa das UPPs e as oportunidades educacionais no sistema
de ensino municipal no Rio de Janeiro. Por ser uma política de segurança relativamente
recente e considerando as inúmeras limitações técnicas de um estudo ainda exploratório,
os dados sugerem cautela aos serem analisados. Entretanto, percebe-se um possível
efeito, ainda que bem discreto, quanto aos impactos das UPPs nas escolas, tornando o
grupo de escolas localizadas a mais de 100 metros de favela(s) um pouco mais
heterogêneas, quanto ao seu corpo discente, no ano de 2012 quando comparadas no ano
de 2008.
Há uma ameaça à nossa hipótese, já que, a partir de 2010, coincidindo com a
implantação das UPPs, a SME inaugurou um programa com potenciais efeitos
dessegregadores: a matrícula online, com escolha dos pais e aleatorização de parte da
distribuição das vagas entre as escolas. Se esse programa tem, de fato efeito
dessegregador concorrente com um possível impacto das UPPs, tal tendência deveria se
manifestar em todos os indicadores de potencial desvantagem, o que não se manifestou.
Existe, também, o fato, de o desenho desse programa de matrícula online ser mais
efetivo a partir de 2012/2013, o que excede o período aqui estudado.
Assim, as análises de modelo multivariado feitas nesta dissertação indicaram
que, de maneira geral, houve uma discreta tendência à redução da desvantagem relativa
para matrícula de alunos favelados em escolas que, em 2008, eram consideradas mais
“exclusivas”/ “seletivas” para esse público. Essa consideração é plausível, uma vez que
controlam-se os outros fatores importantes de desvantagem, que não deveriam ser
afetados diante de alterações introduzidas a partir das UPPs.
Como possíveis estudos subsequentes demanda-se a observação de série
histórica mais longa e desenho longitudinal, em nível de alunos, analisando não só
aqueles matriculados nas escolas da região, mas também os moradores da área, e
comparando áreas com UPPs e áreas que não foram pacificadas. Já que, os dados
explorados ficaram restritos a uma região específica da cidade, não podendo ser
generalizados. Todavia, o resultado encontrado é estimulante para aguçar pesquisas
educacionais que vão além da escola e alunos, observando com políticas públicas
externas também podem impactar as oportunidades educacionais e o cotidiano escolar.
90
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95
ANEXOS
96
DESCRIÇÕES DO CAMPO - A GRANDE TIJUCA
A Grande Tijuca compreende os bairros da Tijuca, Praça da Bandeira, Alto da
Boa Vista, Grajaú, Andaraí, Vila Isabel e Maracanã, com 371.120 mil moradores
residentes58
. No começo do século XX, após obras de drenagem e saneamento, foi
iniciada a configuração espacial urbana que, atualmente, corresponde a esses bairros
(SANTOS et al, 2003).
MAPA 4 – Região da Grande Tijuca
TIJUCA
O nome Tijuca é uma definição da paisagem física que nos remete à natureza.
Os indígenas cunharam o termo “ti’yug” para descrever áreas com acumulação de
“líquido podre, lama” (SANTOS et al, 2003).
No início do século XVIII, a população urbana que habitava a parte central
Cidade do Rio de Janeiro, realizava passeios até a serra da Tijuca, assim, no início do
século XIX, a região da Tijuca passou a ser ocupada por uma população de hábitos
urbanos que aos poucos foi transformando suas casas de campo em residências
permanentes. No ano de 1812 ocorreu uma intensa ocupação da área e, a partir de 1818,
o governo começou a tomar medidas para coibir o desmatamento.
No início do século XX, os morros do bairro da Tijuca começam a ser ocupados,
surgindo as primeiras favelas Salgueiro, Borel e Formiga.
58
Dados do Censo 2010 - IBGE.
97
A partir dos anos 1930 e 1940 a Tijuca começou a ser ocupada por uma classe
média com valores tradicionais e conservadores, destacando-se dos demais bairros da
Zona Norte por seu passado aristocrático, cujo extremo de identidade coletiva levou a
população a criar o uso da expressão “tijucanos”, que não encontra equivalente em
nenhum outro bairro da cidade até hoje (IPP, 2014).
Salgueiro
O morro que inicialmente foi denominado de “Morro dos Trapicheiros”
começou ocupação por volta de 1885, com escravos fugidos de propriedades existentes
no Alto da Boa Vista. No entanto, somente a partir de 1901, a ocupação se consolidou,
com os migrantes do interior do estado e do Nordeste do país (CUNHA ET AL, 2006).
A origem do nome Salgueiro advém de um português chamado Domingos Alves
Salgueiro, que, no início do século XX, era proprietário de uma fábrica de conservas
que existia na rua dos Araújos. Entretanto, antes de ter a fábrica, ele cultivava café e
havia construído alguns barracões para os escravos. Com a abolição da escravatura, os
escravos libertos passaram a alugar os barracões para morar (CUNHA et al, 2006).
Borel
A favela do Borel, tem sua entrada localizada na rua São Miguel, uma principais
vias de acesso entre a Tijuca e o Alto da Boa Vista. É uma das comunidades mais
antigas da região da Grande Tijuca e começou a ser habitada ainda em 1921.
A origem do nome da comunidade vem da marca de cigarro da antiga Fábrica de
Fumos e Rapé de Borel & Cia, que funcionava no mesmo morro que existia a favela.
Essa marca de cigarro trazia um pavão-real azul e amarelo-ouro estampado no maço,
que acabou virando o símbolo de uma das mais tradicionais escolas de samba da região,
a Unidos da Tijuca, fundada na rua São Miguel, em 31 de dezembro de 1931 (CUNHA
et al, 2006).
Formiga
O morro foi inicialmente ocupado por imigrantes de Portugal e da Alemanha em
1911, mas essa ocupação foi intensificada a partir de um loteamento que se estendeu
pelas encostas, principalmente entre as décadas de 1940 e 1960. Com o loteamento, a
área começou a ser urbanizada pela prefeitura, entretanto os trabalhadores contratados
98
para fazer as obras de calçamento acabaram se encantando pela vista do morro e lá
decidiram construir suas próprias casas (CUNHA et al, 2006).
Cunha et al (2006) num estudo realizado sobre as Histórias de favelas da Grande
Tijuca narra que a origem do nome do “Morro da Formiga” tem várias histórias, mas
que a mais contada pelos antigos moradores é que o surgimento desse nome se deve a
época em que a Prefeitura abriu as ruas 2 e 3, quando então houve uma proliferação de
formigas no morro, aparecendo grande quantidades de formigueiros. Deste modo, os
funcionários da Prefeitura que tentavam solucionar o problema diziam que, quando para
lá se dirigiam, iam para o “morro das formigas”.
PRAÇA DA BANDEIRA
Em 1853 foi construído o antigo Matadouro da Cidade. Evoluindo em volta do
matadouro público, a Praça da Bandeira, conhecida inicialmente como Largo do
Matadouro, tornou-se o cerne para o adensamento dos bairros adjacentes, pois, passava
por ali o caminho para se chegar ao bairro de São Cristóvão (IPP, 2014).
O bairro foi urbanizado no início do século XX, após transferência do Matadouro, em
1881, para a antiga fazenda dos Jesuítas, em Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade
(Santos et al, 2003). Outro fator que impulsionou a evolução do bairro foi a
proximidade com os bairros do Estácio e Cidade Nova, dois bairros centrais que
sofreram acentuada ocupação a partir da chegada de D. João VI (IPP, 2014).
ALTO DA BOA VISTA
O nome do bairro Alto da Boa Vista tem origem na bela paisagem que se admira
das suas encostas. Entretanto com as plantações de café que desmataram os morros e
alteraram a vazão de rios da região, influindo no abastecimento dos bairros da planície,
D. Pedro II determinou o reflorestamento de toda área em 1861. Após o plantio de cerca
de 100.000 mudas de árvores, nascia o maior parque urbano do mundo.
Depois de ocupado por alguns hotéis e tendo abrigado residência de alguns
membros da elite, o bairro consolidou-se como parque urbano e suas florestas são
objetos de permanente esforço para sua preservação, incluindo a Floresta da Tijuca, no
bairro se situam dois setores do Parque Nacional da Tijuca (IPP, 2014).
99
GRAJAÚ
Em indígena, “uirá-ya-hú”, ou a corruptela “grajahú”, em alusão ao formato da
Pedra de mesmo nome, semelhante ao cesto que os índios usavam para levar as aves
caçadas vivas.
Na década de 1920, iniciou-se a urbanização de toda a região, abrindo as ruas do
aprazível bairro, centralizado pela Praça Edmundo Rego.
Destaca-se, no bairro tradicionalmente residencial, o Parque Estadual do Grajaú, muito
procurado por praticantes do montanhismo. O Parque tem 550.000 metros quadrados
dos quais 30.000 são destinados ao lazer da comunidade (IPP, 2014).
ANDARAÍ
O nome do bairro do Andaraí pode ter procedência no antigo nome do rio Joana,
que se chamava ANDARA-HY AÇU, ou “rio Grande dos Morcegos”, ou no Pico do
Andaraí, cuja tradução do tupi para o português seria “empinado para cima”.
Em meados do século XIX, concentrando algumas fábricas surgiram as
primeiras vilas operárias e favelas - Arrelia (1891), Morro do Andaraí (1930) - na área,
em torno das ruas Leopoldo e Barão de Mesquita. (SANTOS, 2003; IPP, 2014)
VILA ISABEL
Todas as terras de Vila Isabel eram da Fazenda do Macaco, limitada pelo Rio
Joana, pelo Caminho do Cabuçu (atual rua Barão do Bom Retiro) e pela Serra do
Engenho Novo. Dom Pedro I a presenteou à Imperatriz D. Amélia de Beauharnais,
Duquesa de Bragança, sendo freqüentes os passeios do casal ao local. Com a volta de
Dom Pedro a Portugal, a fazenda ficou abandonada, sendo atingida pela epidemia de
cólera meados do século XIX.
O Barão João Batista de Viana Drummond, reconhecendo o potencial comercial
da área, procurou o Ministro do Império, Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira,
solicitando permissão para estabelecer uma linha de ferro-carril ligando a Fazenda do
Macaco ao Centro da Cidade. Em 1872, o Barão de Drummond comprou a fazenda e
fundou em sociedade com o Visconde de Silva, o Barão de São Francisco Filho,
Bezerra de Menezes e Temístocles Petrocochino a “Companhia Arquitetônica de Villa
Izabel” para a promoção de loteamento. Assim, em 1873, nascia o primeiro bairro
planejado da cidade. Com treze ruas projetadas, uma grande avenida arborizada, o
100
“Boulevard” 28 de Setembro e uma praça central, a Sete de Março - atual Barão de
Drummond. O nome “Villa Izabel” é em homenagem à Princesa Isabel.
Entre 1873 e 1875, a Companhia Ferro-Carril de Vila Isabel estendeu as linhas
de bonde para Vila Isabel, inicialmente de tração animal. Em 1909, foi inaugurada a
Estação de Bondes de Vila Isabel, já com tração elétrica. Também abrigou uma das
fábricas mais antigas da Cidade, a Companhia de Fiação e Tecidos Confiança,
desativada em 1964 (IPP, 2014)
MARACANÃ
O nome do bairro do Maracanã é oriundo dos indígenas e significa “Papagaio”.
O bairro apresenta aspecto peculiar, uma vez que seu adensamento populacional,
desenvolvimento urbano e processo de verticalização foram condicionados pelo leito do
rio que dá origem ao seu nome.
O bairro que hoje tem como marco arquitetônico o estádio de futebol Jornalista
Mário Filho, mais conhecido como “Maracanã” ou “Maraca”, construído em 1950 para
a Copa do Mundo, na área do antigo hipódromo Derby Clube.
No local da antiga favela do “Esqueleto”, removida na década de 1960, foi construído o
“Campus” da atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (IPP, 2014)
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