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A POLÍTICA EDUCACIONAL POMBALINA
Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes1
RESUMOA historiografia educacional clássica negligencia a existência de uma política educacional ainda noBrasil Colônia, ou, quando admite, credita méritos à Companhia de Jesus, renegando as reformasgeridas por Pombal em quase sua totalidade. O presente artigo pretende mostrar as ações presentes na legislação pombalina e as reformas promovidas no ensino, bem como o trato com a instrução pública, a história da profissão docente e a reforma na Universidade de Coimbra, em 1772. O estudo permite compreender as finalidades do ensino em atender ao Estado, e mais adiante, na concepção de construção da nacionalidade brasileira pelos egressos da citada universidade. O novo projeto social iluminado era baseado na ideia oposta da decadência e estagnação das sociedades alienadas pela superstição e pelo obscurantismo religioso existente à época. Na concepção de uma soberania nacional, a Universidade de Coimbra é posta no centro de uma produção cultural ou sociocultural que dará formação a uma nova mentalidade que os intelectuais deveriam dispor.
Palavras-Chave: Reformas Pombalinas; Nacionalidade; Políticas Educacionais.
ABSTRACTA classical education historiography neglects the existence of an educational policy even in colonialBrazil, or when she admits, credit merits the Society of Jesus, denying the reforms managed byPombal in its totality. This article highlights the actions of Pombal in legislation and the reforms ineducation, as well as dealing with public education, the history of the teaching profession and reform at the University of Coimbra in 1772. The study provides insight into the purposes of education to serve the state, and later in the design of construction of Brazilian nationality by graduates of that university. The new design was based on enlightened social opposite idea of decadence and stagnation of the companies divested by superstition and religious obscurantism by existing at the time. In the conception of national sovereignty, the PA is placed at the center of a cultural or socio-cultural production that provide training to a new mentality that intellectuals should have.
Keywords: Pombal, Nationality, Educational Policy.
1 Mestre em Administração (Universidad de Extremadura (Espanha, 2002), com titulo revalidado pela UFRN) e Mestranda em Educação (UFS, 2012), professora e gestora acadêmica da Faculdade São Luís de França, membro do GPHELB/CNPq, e-mail: cristiane@fslf.com.br.
Introdução
Sebastião José de Carvalho e Melo, compõe o gabinete do Rei D. José I (1750-
1777) como ministro responsável pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da
Guerra, depois de ter passado pelas embaixadas de Londres e Viena. Após seis meses como
ministro, ele foi nomeado Secretário de Estado dos Negócios do Reino, cargo da mais alta
relevância junto ao rei. Dessa maneira, em 1759 recebe o título de Conde de Oeiras e dez
anos depois, em 1769, torna-se Marquês de Pombal. Tal ascensão pode ser atribuída à sua
contribuição na reconstrução de Lisboa, por conta da ocorrência do terremoto que, em
1755, que devastou a cidade2.
Pombal3 era considerado um “estrangeirado”, - para os portugueses,
“estrangeirado” era aquele que deixou Portugal para viver novas culturas pela Europa,
sendo assim rotulado de forma pejorativa pelos católicos mais conservadores.
Representante do despotismo esclarecido europeu, que promovia o poder do Estado e do
Rei pelos ideais de progresso e reforma, com foco na economia e na educação, ele
vislumbrou no ideal iluminista a concepção de uma nova sociedade e de um novo modelo
de homem “iluminado”, composto pelo intermédio da educação, que desde o início da
colonização do Brasil esteve a cargo da Companhia de Jesus. A proposta consistia ainda em
estabelecer uma educação pública.
O ensino jesuítico se tornou ineficaz para atender às exigências de uma sociedade em transformação, representando, logo, o atraso, a estagnação, a escuridão ao progresso do homem, sendo uma das aquisições da época das Luzes a idéia de que o homem podia ser considerado como um objeto de ciência (FALCON, 1982).
Sendo assim, o sistema educacional centralizado na Companhia de Jesus, que
foi por mais de duzentos anos a detentora absoluta da educação portuguesa e brasileira que
seguiam normas padronizadas pela Ratio Studiorum4, previa a divisão dos “estudos
menores” e dos “estudos maiores”. Em 1759, o modelo vigente sofre uma ruptura histórica 2 2 O prestígio de Pombal também é creditado à ação dele por conta do atentado ao Rei D. José I, em 1758, quando este regressava numa carruagem ao Palácio. Os responsáveis foram perseguidos e punidos por Pombal, dentre os quais estavam membros da alta aristocracia e alguns jesuítas. Sobre o assunto, ver Perfil do Marquês de Pombal, de Branco (1882), que caracteriza Pombal como um tirano sanguinário.
3 Pombal nasceu em Lisboa em 13 de maio de 1699. Depois da morte do rei D. José I, foi condenado e expulso da Corte e faleceu no dia 8 de maio de 1782, com 83 anos.
com a expulsão dos jesuítas5 pelo Marquês de Pombal. Os interesses da fé e da alma dão
lugar aos interesses do Estado, como detentor do poder absoluto, baseado no regalismo, ou
seja, no sistema político que dava aos reis o direito de interferir na vida interna da igreja.
Segundo Carvalho (1978, p. 15), um de seus objetivos era a remodelação dos métodos
educacionais vigentes, pela introdução da filosofia moderna e das ciências da natureza. O
mesmo autor enfatiza ainda que,
É preciso reconhecer, entretanto, que o programa pedagógico do pombalismo traduziu, nos seus fins, o imperativo do regalismo doutrináriodo tempo. As escolas de latim e humanidades deveriam servir, antes de tudo, aos interesses seculares, econômicos, políticos e ideológicos do Estado.
Daí por diante, em todo o discurso pombalino será atribuída à Companhia de
Jesus todos os males e infortúnios da educação na metrópole e na colônia, motivo pelo qual
os jesuítas são responsabilizados pela decadência cultural e educacional imperante na
sociedade portuguesa, como podemos perceber através dos Novos Estatutos.
O espaço para estudar a historiografia do período pombalino, é, pois, um espaço
que pode ser caracterizado como “negligenciado” por parte de alguns estudiosos que por
mero preconceito atribuem a Pombal um vácuo ocasionado com a expulsão dos jesuítas, o
que teria representado, no Brasil, um retrocesso na educação escolar, com o
desmantelamento completo da estrutura educacional brasileira oferecida pelo antigo
sistema de educação jesuítica, tido como melhor estruturado do que as aulas régias
propostas por Pombal. Essa concepção, presente em Fernando Azevedo, através do livro A
Cultura Brasileira, obra de referência para a compreensão do modo como se fazia educação
no Brasil Colônia, foi compreendido por uma série de pesquisadores, como verdade posta e
validada.
Para Azevedo (1996), as Reformas Pombalinas somente desarranjaram a
estrutura seriada mantida pela Companhia de Jesus, para dar lugar ao modelo pombalino de
4 Constituiu-se numa espécie de plano de estudos, sistematizado pela Companhia de Jesus contendo regras pedagógicas a serem adotadas pelo professor.
5 A Companhia de Jesus chega ao Brasil em 1549 para catequizar os índios. A conversão dos indígenas e ainstalação de colégios constituíram na missão atribuída aos jesuítas.
aulas fragmentadas com professores mal preparados. Ele ainda afirma que, mesmo depois
da legislação pombalina, muitos professores continuaram adotando o método pedagógico
jesuítico.
Com a nova proposta educacional estabelecida através do Alvará de 28 de junho 1759, na qual, ao mesmo tempo em que era extinto o ensino dos jesuítas, eram instituídas as aulas régias de latim, grego e retórica, com ênfase ao estudo da língua nacional. Com essa ação, é institucionalizada a profissão docente no Brasil, sendo regulamentadas as Aulas Régias e a seleção e nomeação de Professores Régios, que passam a ser funcionários e representantes do Estado português (OLIVEIRA, 2010, P. 74).
Logo, através do citado alvará, foi criado também o cargo de Diretor Geral de
Estudos, com a atribuição de nomear esses novos professores que seriam admitidos.
Pombal tinha o objetivo de reforçar a autoridade do estado monárquico. Na concepção do
Estado regulador, está o pensamento mercantilista que supõe a própria política econômica
desse Estado. Falcon (1982) aborda as ideias do mercantilismo como formas de progresso
econômico e desenvolvimento social na vanguarda dessa nova era. O Marquês quis tornar
Portugal menos dependente da Inglaterra, incentivando uma política mercantilista que
pudesse garantir uma proteção aos comerciantes através de uma economia de exploração
colonial. De fato, a expansão comercial passou a tomar novos rumos. As reformas
propostas por Pombal visavam colocar Portugal numa posição de maior destaque na
Europa, seguindo o exemplo da Inglaterra, e transformá-lo numa metrópole capitalista,
além de posicionar o Brasil como importante mantenedor de riqueza. Talvez essa tenha sido
a mais forte motivação para as reformas pombalinas: pôr o reinado português em condições
econômicas de competir com as nações estrangeiras.
Pela proposta de (re)posicionamento de Portugal no cenário europeu e mais
ainda, pela concentração de poder do Estado é que está configurado um projeto de Nação
nas reformas propostas por Pombal. Neste projeto reformista estava a formação superior.
Com a justificativa de decadência e retrocesso em seus estudos, passa a dita universidade
por reformas de caráter filosófico e educacional. Com a educação tutelada pelo Estado, o
papel da universidade se constituiu como força motriz do progresso.
O processo de reforma da Universidade de Coimbra foi formalizado pela Junta
de Providência Literária6, criada com o objetivo de promover a criação dos novos Estatutos,
que ocorreu em 1772. Existiam nesse período quatro cursos: Teologia, Cânones, Direito e
Medicina. De acordo com Carvalho (1978, p. 139),
Seu objetivo superior foi criar a escola útil aos fins do Estado e, nesse sentido, ao invés de preconizarem uma política de difusão intensa e extensa do trabalho escolar, pretenderam os homens de Pombal organizar a escola que, antes de servir aos interesses da fé, servisse aos imperativos da Coroa.
O progresso do Estado era a representação do “novo” contraposto ao “velho”,
representado pelos jesuítas. A atribuição ao caos, desse modo, é dada aos inacianos.
Portanto, outra ordem religiosa recebe crédito, que são os oratonianos8. Quebrava-se o
monopólio jesuítico, mas não o eclesiástico, no campo decisivo da pedagogia (FALCON,
1982, p. 209). Os ideais cristãos continuavam a servir de sólidos alicerces a uma educação
renovada.
No contexto das reformas pombalinas, os adversários dos construtores da modernidade lusitana – que se propunham a reatar uma linha de continuidade com uma espécie de modernidade interrompida no século XVI – são os jesuítas, que se tornam os responsáveis pelo atraso de Portugal em todos os setores – econômico, político e cultural (OLIVEIRA, 2010, p.22).
A reforma da Universidade de Coimbra é a mais conhecida ação reformista, de
cunho educacional, promovida por Pombal, que veio precedida e fundamentada por
documentos que, somados ao Compêndio Histórico atribuem os malefícios ocasionados
pelos jesuítas à nação lusitana. Tratou-se, na verdade, de uma ação contínua que destruiu o
ethos educacional jesuítico. O compêndio é um texto de convencimento explícito de que de
fato e verdadeiramente a educação centralizada nas mãos dos jesuítas representou um
fracasso cultural, um atraso econômico e toda uma desgraça generalizada com foco certo na
Companhia de Jesus7.
6 Para a Junta de Providência Literária, presidida por Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido Marquês de Pombal, os conselheiros escolhidos eram o cardeal da Cunha, um familiar dos Távoras fiel a Pombal, freiManuel do Cenáculo, censor e preceptor do Príncipe D. José; e os irmãos João Pereira Ramos de AzeredoCoutinho e D. Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho, este ocupando já o lugar de Reitor Reformador daUniversidade. Ver, sobre o tema, ARAÚJO (2000, p. 33).
7 Foi fundada em Roma com expansão na Europa, a Congregação do Oratório obteve respaldo nas ideias
A preocupação fundamental dos reformadores da Universidade foi, semdúvida, a elaboração de um programa de estudos secularizados que, sem ferir os ideais da cristandade, correspondesse às necessidades da ideologiapolítica dominante (CARVALHO, 1978, p. 152).
A reforma da universidade visava modernizar as faculdades de teologia e de lei
canônica, incorporar o estudo de fontes portuguesas no currículo da faculdade de direito e
atualizar a faculdade de medicina, pouco procurada por alunos, fazendo voltar o estudo de
anatomia por intermédio da dissecação de cadáveres, antes proibida por questões religiosas.
Os cursos jurídicos tiveram redução de oito para cinco anos de duração.
Como finalidade do ensino, havia tanto a preparação para o exercício das profissões correspondentes a cada uma das faculdades como também a necessidade de fazer progredir os conhecimentos na prática das ciências. Com a reforma educacional, foi criado um programa pedagógico que se definiu como uma doutrina contra o sistema adotado nas escolas jesuíticas (CARVALHO, 1978, p. 47).
Assim sendo, a reforma, dentre os aspectos mercantilistas a que se destinou,
procurou a investidura do progresso das investigações através da experiência, da vivência
do pesquisador, com o objetivo de se chegar a novas conclusões a partir da gestação
experimental do outro. O método que passou a vigorar foi o “sintético-demonstrativo”,
mostrando que “quem estuda sem ordem, adianta-se pouco na Estrada das Ciências”8. Tais
reformas foram incorporadas nos Novos Estatutos de 1772 da Universidade de Coimbra.
O projeto da Nação Brasileira
iluministas, logo, servindo de oposto ao modelo jesuítico.
8 Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra (1980, p. 245). Os outros documentos que deram corpo ao Compêndio Histórico são duas obras anteriores: a Dedução Cronológica e Analítica, concebida em forma de memorial acusatório contra os jesuítas e a Cúria Romana, sendo enviado a todas as partes do reino e domínios ultramarinos, e Origem infecta da relaxação moral dos denominados jesuítas, livro editado anonimamente pela Régia Oficina Tipográfica. Todas elas serviram de fundamentação para a elaboração dos Novos Estatutos. Ver ARAÚJO (2000).
A referência do papel exercido pela intelectualidade brasileira formada em
Coimbra na construção do Estado-Nação no Brasil é solidificada pela via da Independência.
Outras universidades européias também foram berço dessa intelectualidade,
mesmo em menor proporção, a exemplo de Montpellier, Edimburgo, Paris e Estratsburgo9.
O próprio José Bonifácio de Andrada e Silva10, considerado o Patriarca da Independência,
foi egresso de Coimbra, bem como muitos brasileiros que foram fundamentais ao
movimento em 1822, como José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu. Segundo Gauer
(2007, p. 192), a questão da nacionalidade diz respeito à separação da metrópole, ficando
claro que não existia nenhum tipo de consciência nacional antes da Independência do
Brasil.
Desse modo, a contribuição de Coimbra para a formação da nacionalidade
brasileira deve ser analisada através da ação dos egressos da Universidade de Coimbra nos
movimentos em favor da Independência. Esse corpo técnico de brasileiros, conforme
Gauer, desempenhou tantas funções políticas, culturais, profissionais, obtiveram tantos títulos de
nobreza de honraria e títulos eclesiásticos, assumiram tantos cargos públicos e políticos que dão
conta da grande atividade desenvolvida pelos Egressos.
Assim, compreendemos a contribuição dos egressos de Coimbra na formação da nacionalidade brasileira, em todas as funções políticas, culturais e científicas em que estiveram envolvidos. No caso dos juristas, esse corpo esteve ligado diretamente à montagem do Estado-Nação brasileiro, pois eles atuaram como deputados, senadores, ministros e conselheiros, além de presidentes de Províncias (GAUER, 2007, p. 234).
A partir de 1808, foram criados cursos e academias destinados a formar
burocratas para o Estado e especialistas na produção de bens simbólicos; como subproduto,
formar profissionais liberais (CUNHA, 2007, p. 63). Já no Império, com a instalação dos
Cursos Jurídicos no Brasil, em 1827, nas duas cidades consideradas, à época, capazes de
recebê-los – São Paulo e Olinda, toda a formação jurídica passou a ser voltada para as
9 Ver DIAS (2005, p. 39).
10 O brasileiro José Bonifácio foi filósofo, advogado, professor, intelectual, cientista e político. Catedrático demineralogia em Coimbra; deputado, vice-presidente da Província de São Paulo, ministro do Império; exiladopolítico, tutor do imperador Pedro II e articulador da independência brasileira.Fonte: educacao.uol.com.br/biografias acessado em 11/07/2010.
questões brasileiras, direcionadas às características e problemas do país. Os dois cursos
foram implantados em casas religiosas. Em São Paulo, no Convento de São Francisco, e em
Olinda no Mosteiro de São Bento, onde permaneceu até 1854, quando foi transferido para o
Recife.
Os cursos que preparavam os burocratas para o Estado eram as academias
militares e os cursos cirúrgicos. Dessa forma, a chegada dos cursos de direito vieram
legitimar o cumprimento das atividades cotidianas de elaborar, discutir e interpretar as leis,
como tarefa principal do aparato jurídico, fundamental para a concepção da identidade
nacional através de um Estado forte e soberano. Segundo GEARY (2005, p. 51),
Tanto em Estados fortes e hegemônicos como em movimentos pela independência, afirmações como “nós sempre fomos um povo” são, no fundo, apelos para que se tornem povos – apelos sem base histórica que na verdade são tentativas de se criar a história. O passado, como sempre foi dito, é um país estrangeiro, e nunca nos encontraremos lá.
O ideal de nação, portanto, não apareceu da noite para o dia, nem nasceu de
uma consciência nacional. A definição de uma consciência nacional é fenômeno bem
posterior e só há de refletir-se na literatura, no movimento romântico de meados do século
XIX (DIAS, 2005, p. 77). Podemos considerar que a cultura ilustrada progressista e
modernizadora, baseada em uma ciência mais pragmática, foi se incorporando lentamente
na mentalidade dos intelectuais brasileiros, pela obra que vislumbravam realizar para o
progresso de sua terra.
Neste sentido, as instituições de ensino tiveram uma importante função. Depois
da independência, formaram-se dois setores, o do ensino estatal (laico) e o do ensino
particular (religioso ou laico) CUNHA (2007, p.78).
Dessa forma, instituições educacionais se tornaram o lócus da criação doEstado-nação, tanto com a imposição da ideologia nacionalista como, deforma mais sutil, com a disseminação da língua nacional, na qual estavaimplícita essa ideologia (GEARY, 2005, p. 46).
Outro egresso de Coimbra, José da Silva Lisboa (1756-1835), conhecido por
Visconde de Cairu, bacharelou-se em Cânones e foi autor de importantes tratados sobre
economia, sendo ainda escolhido mais tarde senador do Império. Os estudos universitários
despertavam nos estudantes o senso crítico e a tomada de consciência da posição do Brasil
em relação a Portugal, paradoxalmente conscientes também do papel da economia
brasileira como mola propulsora da economia portuguesa, por isso mesmo eram adeptos ao
rompimento com a metrópole.
De acordo com os estudos pioneiros de Laerte Ramos de Carvalho (1978) as
reformas pombalinas foram iniciadas em 1757 com a Lei do Diretório, na imposição do
idioma nacional. A partir daí, o Estado passa a ser o responsável pela educação – e não
mais os jesuítas. Esse Estado centralizador, ao impor uma língua oficial impõe também aos
índios a civilidade e a dominação. Assim, as discussões talvez tenham sido provocadas pelo
“Verdadeiro Método de Estudar”, obra publicada em 1747 por Luis António Verney, que
aponta a Gramática Latina como requisito fundamental para se estudar as demais línguas –
inclusive a portuguesa.
Segundo DIAS (2005, p. 48) o papel da política de Estado nesse movimento de
estudiosos, dedicados em sua maioria às ciências naturais, merece realce particular por suas
múltiplas implicações, tanto na orientação dos estudos como na mentalidade dos principais
políticos da Independência. O que corrobora com a afirmação de que em Coimbra há muito
já se firmavam entre seus acadêmicos, propósitos claros de retornar ao Brasil com a missão
de tentar contribuir nos movimentos em prol da Independência.
É ponto pacífico que o nacionalismo, no caso do Brasil, é oriundo da
Independência. Assim, a nossa nacionalidade nasceu em 1822. Antes disso, o nacionalismo
era apenas uma ideologia, um objetivo a ser alcançado, que foi possível pela ruptura da
submissão a Portugal.
Não existia a constituição de um Estado-Nação no Brasil. Havia um território
dominado por Portugal. Por isso mesmo não poderia haver uma espécie de “consciência
nacional” até porque o vínculo com Portugal foi se desfazendo gradualmente, sem maiores
traumas, sem grandes movimentos de guerra de libertação. A maioria da população aceitou
uma independência negociada (OLIVEIRA, 2010) uma vez que Portugal acatou a
independência do Brasil mediante o pagamento de uma indenização de 2 milhões de libras
esterlinas.
Chegou-se ao fim do período colonial com a grande maioria da população excluída dos direitos civis e políticos e sem a existência de um sentido de nacionalidade. No máximo, havia alguns centros urbanos dotados de uma
população politicamente mais aguerrida e algum sentimento de identidade regional (CARVALHO, 2010, p. 25).
A construção do Estado nacional nasceu em Coimbra, centro formador da elite
colonial brasileira, pelo grupo que seria mais tarde egressos, e que se consolidariam como a
elite intectual da colônia, visto que a nacionalidade foi herança dos intelectuais e dos
acadêmicos, em um contexto que não existia a noção de igualdade entre todos.
Com as reformas pombalinas inicia-se o processo de colocar o Estado como
fomentador de apurada mão-de-obra que emanava dos cursos de Coimbra. A Universidade
não escondia sua condição de formadora de recursos humanos qualificados para o aparelho
estatal, isto é, de que ela era peça importante no projeto de ação política governamental. Em
seu interior, o que se pretendia, era a preparação e o treinamento de uma única elite
lusobrasileira, modernizadora e ilustrada, em favor de uma política previamente estipulada
pelo Estado, cujo fim era tirar Portugal do lugar secundário em que se encontrava no
cenário das nações européias.
A socialização do papel político da escola esteve presente nos ideais
pombalinos. Por isso que é fundamental compreender o sentido da difusão das luzes da
razão, presente nas reformas e na concepção desse ideal de progresso coletivo e de
perfeição individual. A função da Universidade era essa, por isso que o ensino superior foi
fundamental na consolidação de uma identidade nacional, fomentada nos bancos
portugueses de ensino.
Ao reformar a Universidade de Coimbra, e, portanto, estabelecer um cânone do
ensino superior, Pombal vislumbrou modernizar as faculdades de teologia e de lei canônica,
incorporar o estudo de fontes portuguesas no currículo da faculdade de direito e atualizar a
faculdade de medicina, pouco procurada por alunos, fazendo voltar o estudo de anatomia
por intermédio da dissecação de cadáveres, antes proibida por questões religiosas. Também
foi implantado o estudo da higiene, adotar as descobertas de Harvey relacionadas com a
circulação do sangue; as teorias de Albinus em anatomia, as de Boerhaave em patologia e
as de Van Swieten em farmacologia. Os cursos jurídicos tiveram redução de oito para cinco
anos de duração. Além disso foram criadas duas novas faculdades, a de filosofia e a de
matemática (MAXWELL, 1996, p. 110).
Segundo DIAS (2005, p. 79), a mentalidade pragmática dos iluministas foi-se
enraizando entre os brasileiros. Esses ilustrados dos fins do século XVIII foram geradores
de profissionais fruto de uma elite letrada e assim a representação e a importância das
instituições de ensino, notadamente de ensino superior, configura-se como o berço que
abrigou a nacionalidade brasileira, embalada pelos intelectuais e cientistas que buscaram na
formação européia ilustrada a inspiração para serem úteis à sua terra de origem,
contribuindo na constituição de um Estado-Nação.
A reforma da Universidade de Coimbra, em 1772, modificou a formação do
corpo técnico brasileiro, composto por um grande número de egressos da Universidade de
Coimbra Reformada, que foram sustentáculo para a construção da legislação do Estado-
Nação, seja através do acúmulo de cargos e funções, seja pela organização dos grandes
códigos do Império e das Academias Científicas, dos primeiros cursos superiores, das
primeiras sociedades culturais. O legado desse grupo de cientistas possibilitou a formação
da identidade nacional brasileira.
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