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Neuropsicologia do Retardo Mental – estudo de caso.
Katiúscia Kelly de Andrade*
Sandra de Fátima Barboza Ferreira**
Resumo: Este estudo apresentou as contribuições da avaliação neuropsicológica no estabelecimento do nível cognitivo, na qualificação de sintomas bem como no delineamento de futuras intervenções terapêuticas e educacionais ilustradas em um caso de retardo mental. Participou do estudo uma adolescente, do gênero feminino, com 13 anos de idade cursando o segundo ano fundamental em escola pública. Foram utilizados testes psicométricos, testes informais e observações naturalísticas. Os resultados apontaram para um funcionamento intelectual significativamente abaixo do seu grupo etário, marcante apraxia construtiva e quadro de disnomia. Discutiu-se a possibilidade de delineamento de programa de intervenção com ênfase em funções cognitivas e inclusão social.
Palavras-chaves: neuropsicologia; avaliação; retardo mental; apraxia; desenvolvimento infantil.
De acordo com American Association on Mental Retardation - AAMR (2006),
abordar o retardo mental a partir de uma perspectiva multidimensional, é considerar a pessoa
com deficiência dentro do contexto dos fatores ambientais e pessoais e da necessidade de
apoios individualizados. O retardo mental caracteriza-se por uma incapacidade marcada por
importantes limitações, no funcionamento intelectual e no comportamento relacionado aos
aspectos conceituais, sociais e práticos.
Decorrem deste conceito cinco dimensões:
1. Habilidades Intelectuais - a avaliação do funcionamento intelectual é essencial
para se fazer um diagnóstico de retardo mental.
2. Comportamento adaptativo, habilidades conceituais, sociais e práticas – o
comportamento adaptativo é a reunião de habilidades que foram aprendidas
pelas pessoas para funcionarem em suas vidas diárias.
3. Participação, interações e papéis sociais – engajamento ativo do indivíduo no
seu ambiente.
4. Saúde (saúde física, saúde mental e fatores etiológicos) – efeitos da saúde
física e mental sobre o funcionamento variam desde amplamente facilitadores
até amplamente inibidores para pessoas com retardo mental.
5. Contexto (ambientes e cultura) – perspectiva ecológica do cotidiano da pessoa
(micro, meso e macrossistemas).
Critérios diagnósticos, estatísticas e etiologia do retardo mental
* Psicóloga, especializanda em Neuropsicologia pela UCG – katiusciaandrade@gmail.com** Psicóloga, Mestre em Psicologia e Doutoranda pela UCG – sandrabarboza@uol.com.br
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De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-IV-
TR™, editado pela American Psychiatric Association (2002), o retardo mental é definido com
base em três critérios: início do quadro clínico antes dos dezoitos anos de idade; função
intelectual significativamente abaixo da média, demonstrada por um quociente de inteligência
(QI) menor que 70; e deficiência nas habilidades adaptativas em pelo menos duas das
seguintes áreas: comunicação, autocuidado, vida doméstica, habilidades sociais/interpessoais,
uso de recursos comunitários, auto-suficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde
e segurança.
Os sistemas de classificação do DSM-IV-TR™, editado pela American Psychiatric
Association (2002), apontam quatro níveis de retardo mental: leve, identificado por QI entre
50 ou 55 e 70. Este grupo constitui o maior segmento, cerca de 85%; moderado, na faixa de
35-40 a 50-55. Cerca de 10% da população; grave, varia de 20-25 a 35-40. Constitui 3-4%
dos indivíduos; profundo, que inclui pessoas com QI abaixo de 20-25. Aproximadamente 1-
2% dos indivíduos com retardo mental e gravidade inespecífica.
“A taxa de prevalência do retardo mental é aproximadamente de 1% a 3% da
população” (BARLOW e DURANT, 2008, p.612).
Os principais fatores predisponentes incluem: “hereditariedade, alterações precoces do
desenvolvimento embrionário, problemas da gravidez e perinatais, condições médicas gerais
adquiridas no início da infância e influências ambientais e outros transtornos mentais” (DSM-
IV-TR™, editado pela American Psychiatric Association 2002, p.77). “Fatores etiológicos
podem ser primariamente biológicos ou primariamente psicossociais, ou alguma combinação
de ambos. Em aproximadamente 30-40% dos indivíduos em contextos clínicos, não é possível
determinar qualquer etiologia para o retardo mental” (DSM-IV-TR™, editado pela American
Psyachiatric Association, 2002, p.77).
Vasconcelos (2004), em um estudo referenciado sobre a neurobiologia do retardo
mental (RM), levanta a hipótese que o retardo mental é originado por um defeito da estrutura
e função de sinapses neuronais. “Há várias décadas, sabe-se que o RM está associado a
anormalidades dos dendritos e das espinhas dendríticas” (p. S72). Segundo este estudioso, “as
espinhas dendríticas são elementos diminutos localizados em locais pós-sinápticos das
sinapses excitatórias; como locais de contato entre axônios e dendritos, medeiam a
plasticidade sináptica que fundamenta o aprendizado, a memória e a cognição”
(VASCONCELOS, 2004, p.S72).
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Avaliação do funcionamento intelectual
Avaliação do funcionamento intelectual é essencial para se fazer um diagnóstico de
retardo mental. A inteligência é uma “capacidade mental geral que inclui a habilidade do
indivíduo para raciocinar, resolver problemas, pensar abstratamente, planejar e aprender pela
experiência, e reflete uma capacidade mais ampla para compreender o mundo ao seu redor”
(AARM, 2006, p. 63).
“O funcionamento abaixo da média é um critério necessário, porém insuficiente, para
estabelecer um diagnóstico de retardo mental, a avaliação deve se basear em procedimentos
sólidos e pode, às vezes, requerer informações de várias fontes” (AARM, 2006, p. 72).
A avaliação neuropsicológica oferece grande contribuição para o auxílio ao
diagnóstico do retardo mental, pois além da avaliação do funcionamento intelectual investiga
as funções mentais superiores como a atenção, memória, percepção, praxias e funções
executivas. Fatores que devem ser essencialmente analisados no sentido de planejar
intervenções e para o prognóstico terapêutico da adolescente com retardo mental.
A compreensão das bases da neuropsicologia infantil “sedimenta-se sobre o desafio do
próprio desenvolvimento: crianças crescem física, neurológica, comportamental e emocional
e, conseqüentemente, adquirem maior complexidade nas funções no ponto de vista
ontogenético” (MIRANDA E MUSZKAT, 2004, p. 211). O desenvolvimento infantil deve ser
observado em relação ao seu aspecto maturacional, ou seja, conforme as fases do crescimento
neuronal, mielinização e maturação seqüencial das várias regiões cerebrais.
Para Luria (1984) a tarefa fundamental, não é localizar processos psicológicos
superiores em áreas limitadas do córtex, mas sim determinar mediante uma análise cuidadosa
que zonas do cérebro operando em concerto são responsáveis pela efetuação da atividade
mental complexa, qual a contribuição de cada uma ao sistema funcional e como a relação
dessas partes do cérebro se modifica nos vários estágios do seu desenvolvimento.
A avaliação neuropsicológica na criança de acordo com Lefèvre (2004), “requer
instrumentos específicos e métodos de exame clínico que possam abranger a avaliação das
funções cognitivas (atenção, memória, praxias motoras e ideatórias, linguagem, percepção,
vísuo-construção e funções executivas)” (p. 249).
São vários os recursos utilizados para a avaliação neuropsicológica infantil -
anamnese, testes psicométricos e testes informais e informações provenientes da escola e da
família. “É preciso saber escolher o melhor teste, que sirva para compreendermos as fraquezas
dos pacientes e suas “forças” e que seja especial para a disfunção que consideramos mais
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prejudicada, e que corresponda à necessidade clínica do examinador” (LEFÈVRE, 2004,
p.258).
Em algumas situações as técnicas de neuroimagem não são adequadas para
estabelecer qual será a evolução de um caso. “O fato de a avaliação neuropsicológica se
basear em funções cognitivas mais do que em estruturas permite identificar os recursos
remanescentes e potenciais após a instauração de um quadro, e isso dá mais subsídios para a
formulação do prognóstico” (CAMARGO, BOLOGNANI & ZUCCOLO, 2008, p.107).
“Nenhum dos exames de imagem superou a eficácia da avaliação neuropsicológica - o
“padrão-ouro” de avaliação de função cerebral – pois é baseada no método clínico, nos sinais
e sintomas do paciente” (M. G. N. BRASIL, comunicação pessoal, 21 de novembro de 2008).1
Apoio às pessoas com retardo mental
“Apoios são recursos e estratégias que visam a promover o desenvolvimento, a
educação, os interesses e o bem-estar de uma pessoa, e que melhoram o funcionamento
individual” (AARM, 2006, p. 141). Aspectos como a fontes (naturais e baseados em
serviços), funções (ensino, ajuda de amigos, acesso ao uso de comunidade, etc.) e intensidade
dos apoios devem ser considerados. Quanto aos aspectos de intensidade, estes variam entre as
pessoas, situações e estágios da vida, podendo ser: intermitentes, limitados, extensivos ou
pervasivos.
Este estudo tem por objetivo apresentar as contribuições da avaliação
neuropsicológica no estabelecimento do nível cognitivo, na qualificação de sintomas bem
como no delineamento de futuras intervenções terapêuticas e educacionais ilustradas em caso
clínico apresentado. Este é um trabalho de final de curso, referente à prática de estágio
obrigatório, que foi apresentado para obtenção do grau de psicóloga pela Universidade
Católica de Goiás.
Métodos
Participante: foi avaliada uma adolescente com idade de 13 anos e 2 meses, gênero feminino,
cursando o 2º ano do ensino fundamental em escola estadual. Encaminhada ao Centro de
Estudos e Pesquisas e Práticas em Psicologia (CEPSI) com queixa de dificuldade de
aprendizagem.
Ambiente: a adolescente foi atendida em consultório do CEPSI, duas vezes por semana. Cada
sessão teve duração de uma hora. Ocorreram também em ambientes naturais (visita
1 M. G. N. Brasil é professora do Departamento de Psicologia e Pós-Graduação na Universidade Católica de Goiás. Neuropediatra do Hospital das Clínicas na Universidade Federal de Goiás.
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domiciliar, acompanhamento ao laboratório, restaurante e supermercado). Os atendimentos
ocorreram durante o segundo semestre deste ano.
Instrumentos: o quadro 1 apresenta o conjunto de instrumentos utilizados na avaliação
neuropsicológica com seus respectivos objetivos.
Quadro1 – Instrumentos utilizados na avaliação neuropsicológica
Instrumento Objetivo
Ficha de Consentimento
Autorização pelo responsável para utilização dos dados
colhidos, gravação das sessões e aplicação de testes na
adolescenteQuestionário para os pais do Centro de
Neuropsicologia Aplicada – CNA, 2008.
Ficha de anamnese
Levantar dados da história do desenvolvimento da
adolescente e informações da família
Hora de Jogo DiagnósticaObservar o comportamento da adolescente em situação
lúdicaEscala de Inteligência Wechsler (3ª Edição)
– WISC III
Produzir uma medida de inteligência geral
Teste Gestáltico Visomotor de Bender –
Sistema de pontuação gradual – [B- SPG],
(Sisto, 2006)
Avaliar a maturidade percepto-motora
Escala de Transtorno de Déficit de
Atenção/Hiperatividade – TDAH - para
professores (Benczik, 2000)
Aplicado aos professores para levantar informações
sobre o comportamento escolar da adolescente em
relação aos seus colegas de classe e sua produção
escolar
Teste de Desempenho Escolar – TDE (Stein,
1994)
Avaliar as capacidades fundamentais para o
desempenho escolar
Produção espontânea – desenho livre em
papel
Observar a projeção gráfica da adolescente
Procedimentos: Realizaram-se entrevistas com a mãe no início, durante e ao final do
atendimento. Durante as entrevistas foram realizados o contrato de atendimento; a autorização
para aplicação dos testes psicométricos e gravação de sessões a serem utilizadas em trabalhos
acadêmicos; levantamento dos dados da história da queixa da adolescente (dificuldade de
aprendizagem) através do questionário para pais e ficha de anamnese e foram utilizadas
também para informar à mãe da participante sobre o processo de avaliação. As sessões
individuais com a participante tiveram inicio logo após as entrevistas. Durante as sessões
foram utilizados testes (formais e informais). As regras de aplicações dos testes foram
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seguidas conforme as instruções contidas nos manuais de cada instrumento. As visitas aos
ambientes naturais (visita domiciliar, acompanhamento ao laboratório, restaurante e
supermercado) foram todas acompanhadas pela mãe. A adolescente realizou durante o
período da avaliação um exame de imagem (Tomografia Computadorizada) que auxiliou nas
investigações acerca de lesões cerebrais. Ao final da avaliação foi realizada a entrevista
devolutiva com a mãe.
Resultados
A avaliação neuropsicológica caracteriza-se pelo cruzamento de dados obtidos a partir
de várias fontes de informações: entrevista/anamnese, testes psicométricos, exames
laboratoriais, provas informais a seguir descritos:
1. Dados relevantes obtidos da entrevista/anamnese
A participante nasceu aos oito meses, não chorou e ficou internada na incubadora por
três dias. O parto foi normal, e durante a gravidez sua mãe substituiu refeições por lanches e
sofreu de um “susto” ao saber do acidente vascular cerebral do seu marido. Após o
nascimento, foi internada várias vezes por problemas de bronquite, obtendo melhoras após
transfusão sanguínea. Aos dois anos de idade sofreu um acidente (caiu na fossa séptica) e foi
levada ao hospital ‘desmaiada’ devido ao banho de álcool e vinagre efetuado pela família.
Suas primeiras palavras foram aos três anos de idade e completou frases aos sete quando
entrou para a escola. Mora com seus pais e dois irmãos, é a segunda filha, sendo a mãe não
alfabetizada. A família possui poucos recursos, recebem dois benefícios (sendo um
proveniente da invalidez do pai), freqüentam a igreja protestante e não possuem TV. Realizou
exames complementares como o eletroencefalograma e tomografia computadorizada. Foi
medicada aos sete anos com Piracetan por um período de um ano, atualmente não faz uso de
remédios.
2. Dados obtidos dos testes
Os resultados quantitativos de inteligência geral da adolescente, obtidos através da
Escala de Inteligência Weschsler (WISC III) apresentados na tabela 1 informam os seguintes
índices: QI verbal (QIV) composto pelos sub-testes: informação, semelhanças, aritmética,
vocabulário, compreensão e dígitos; QI de execução (QIE) composto pelos sub-testes:
completar figuras, códigos, arranjo de figuras, cubos, armar objetos, procurar símbolos e
labirintos; QI total (QIT); o índice de compreensão verbal (IRD), composto pelos sub-testes:
informação, semelhanças, vocabulário e compreensão; índice de organização perceptual
(IOP), formado pelos sub-testes: completar figuras, arranjo de figuras, cubos e armar objetos;
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índice de resistência à distração (IRV), formado pelos sub-testes: aritmética e dígitos e o
índice de velocidade de processamento (IVP), composto pelos sub-testes: código e labirintos
.
Tabela 1. WISC-IIII – Resultados de QI/ Índices Fatoriais
QIV QIE QIT ICV IOP IRD IVP<45 <45 <50 46 <48 47 50 ID ID ID ID ID ID ID
Observa-se que a pontuação obtida relativa à habilidades verbais e práxicas, bem
como relativas aos índices fatoriais encontram-se significativamente abaixo da média
esperada.
O WISC-III possibilita comparar os pontos brutos da participante com normas de
idade para cada sub-teste. Abaixo, na figura 1, é possível visualizar a idade cronológica (13
anos e 2 meses) em relação a idade equivalente diante da pontuação bruta da adolescente nos
sub-testes (faixa etária mínima do teste, 6 anos).
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10121416
CronológicaEquiva lente
Figura1 – Comparação entre idade cronológica e idade mental
Observa-se que a adolescente apresenta uma defasagem idade-cronológica/ mental de cerca de
7 anos.
Em relação à avaliação da maturação percepto-motora da adolescente por meio da
análise do teste gestáltico Bender foi encontrado resultado de 21 pontos equivalentes ao
percentil 99, descritos na tabela 2.
Tabela 2. B-SPG – Teste Gestáltico Visomotor de Bender
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Pontos Percentil Classificação 21 99 Acima do quartil 90 (µ=50-75)
Esses resultados indicam que participante está muito abaixo do esperado no que se
refere à maturidade percepto-motora, pois neste teste a quantidade de pontos está relacionada
à quantidade de erros. Os escores indicam que apenas 1% dos indivíduos ‘erram’ mais que
ela, pois a média está localizada no quartil 50-75.
Esse baixo resultado no Bender foi devido à grande distorção gráfica das formas
apresentadas pela adolescente durante o teste, representados na figura 2.
Figura 2. Cópia do Teste Bender da adolescente avaliada
Na Escala de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, instrumento
utilizado para a interação com a escola; foi identificado, de acordo com as respostas dos
professores, problemas nas áreas de déficit de atenção (percentil 95), hiperatividade e
impulsividade (percentil 66) e problemas de aprendizagem (percentil 82). Quanto ao
comportamento anti-social avaliado na escala, a participante não apresentou problemas em
relação ao seu grupo escolar (percentil 50). Resultados que estão indicados na tabela 3.
Tabela 3. TDAH – Escala de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade
ÁreasDéficit de Atenção
Hiperatividade/Impulsividade
Problemas de aprendizagem
Comportamento Anti-Social
Percenti
l
95
66
82
50
ClassificaçãoRegião de maior probabilidade de apresentar o
transtorno
Acima da expectativa - apresenta mais problemas
que a maioria
Apresenta mais problemas que a maioria
Abaixo da expectativa - apresenta menos problemas
que a maioria
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Quanto aos resultados da avaliação das capacidades fundamentais para o desempenho
escolar, a participante foi classificada no nível inferior (como demonstrado na tabela 4. A
previsão de seus escores brutos em relação à idade é igual ou maior a 119 pontos, porém ela
obteve pontuação zero. Tabela 4. TDE – Teste de Desempenho Escolar
Subteste Escore bruto (EB) Classificação Previsão EB - idadeEscrita 0 Inferior ≥30Aritmética 0 Inferior ≥23Leitura 0 Inferior ≥68Total EB 0 Inferior ≥119
3. Dados dos exames de imagem e neurofisiológicos
Eletroencefalograma (21/10/2005). Conclusão: ondas lentas pós hiperpnéia.
Tomografia Computadorizada (05/11/2008). Conclusão: exames dentro dos limites do
normal.
4. Dados da avaliação comportamental
As provas informais mostraram que a adolescente foi capaz de reconhecer e nomear
corretamente objetos familiares, como por exemplo, os nomes dos objetos eletroeletrônicos de
um encarte comercial, as frutas e verduras, aparelho celular entre outros produtos do
supermercado. Demonstrou incapacidade de nomear mão direita e mão esquerda, mas soube
apontar a mão que usa para escrever (direita). Foi capaz de imitar alguns gestos e apresentou
dificuldades com os movimentos finos dos dedos. Não soube responder sobre local, datas e
horários. No restaurante, seguiu as regras como: ficar na fila, escolher os alimentos, perguntar
sobre comidas desconhecidas. Foi capaz de verbalizar necessidades básicas, como sede e uso
de banheiro. Sempre colaborativa bastante afetuosa. Relatos da mãe revelaram que a
adolescente se irrita quando contrariada, porém logo se desculpa. Em visita domiciliar, foi
observado escassez ambiental que possa contribuir adequadamente para o desenvolvimento da
participante. A família dispõe de poucos recursos. Atividade mais freqüente da participante
foi correr pela vizinhança e seu grupo de amigos caracteriza-se por crianças bem mais novas.
Os seus desenhos foram desorganizados, com presença de perseveração e com significados e
formas bastante distorcidas, tanto para desenhos espontâneos como para cópia de figuras,
números e letras básicas. Apresentou muita dificuldade para a compreensão e reconhecimento
de números e letras tanto na expressão verbal como na expressão motora. Essas observações
informais possibilitaram avaliar o aspecto comportamental da participante tanto no
consultório quanto no seu cotidiano.
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Discussão
Conforme apresentados na revisão teórica os fatores etiológicos do retardo mental,
segundo o DSM-IV-TR™, editado pela American Psychiatric Association (2002), “podem ser
primariamente biológicos ou primariamente psicossociais, ou alguma combinação de ambos”
(p.77). No caso clínico em discussão, segundo os dados colhidos nas entrevistas com a mãe, a
participante apresentou intercorrências pré, peri e pós-natais (nutrição inadequada, hipóxia e
queda seguida de perda de consciência) sendo estes, fatores de predisposição para o retardo
mental, combinados com um ambiente marcado por escassez material e fraca estimulação
intelectual.
Existem múltiplos fatores que levam a estabelecer um nexo causal entre o baixo
rendimento intelectual e baixo funcionamento adaptativo como o nível do coeficiente
intelectual abaixo da média (QI=50) e limitações nas habilidades adaptativas:
a. Conceituais: prejuízos da linguagem expressiva, dispraxia construtiva para letras e
números o que impossibilitam a aquisição de conceitos para dinheiro e
autodirecionamento diminuído devido uma possível disfunção de áreas frontais
entre outras.
b. Sociais: baixa auto-estima, ingenuidade, vitimização, dificuldades na relação
interpessoal de grupos etários similares, probabilidade de ser enganada. Atribuir
limitações da adaptação social exclusivas à adolescente é reduzir ainda mais suas
deficiências, pois neste aspecto, a sociedade é forte reforçadora do retardo mental.
c. Práticas: não é capaz de se transportar a não ser em locais vizinhos à sua casa, não
lida com dinheiro, não utiliza telefone. Prejuízos relacionados à imaturidade
percepto-motora como dificuldade dos movimentos finos utilizados para digitar o
teclado telefônico, não reconhecimento dos números e nomes, linguagem parca,
dificuldade de memorizar combinações numéricas. Ausência de atividade laboral.
Necessidade de permanente supervisão.
As correlações anteriores, juntamente com os dados colhidos nas entrevistas com a
mãe sobre o desenvolvimento da adolescente oferecem subsídios para a identificação do nível
moderado de retardo mental para a participante avaliada. Segundo o DSM-IV-TR™, editado
pela American Psychiatric Association (2002), o retardo mental moderado é identificado com
QI na faixa de 35-40 a 50-55 e corresponde a 10% da população com retardo mental.
De acordo com a hipótese de Vasconcelos (2004), no retardo mental estruturas
participantes na mediação da plasticidade sináptica estão defeituosas, o que conseqüentemente
prejudica o aprendizado, a memória e a cognição. O que poderia justificar o rebaixamento
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obtido em todas as áreas pela adolescente, como as intelectivas, atencionais, perceptuais,
motoras, de memória, executivas e de linguagem, ou seja, um desenvolvimento maturacional
prejudicado, confirmado por Miranda e Muszkat (2004) sobre o desafio da compreensão das
bases da neuropsicologia no desenvolvimento infantil, devido à maior complexidade nas
funções do ponto de vista ontogenético.
No que diz respeito à habilidade práxica, foi observado através do Teste Gestáltico
Visuomotor Bender- SPG (2006) uma grave distorção das formas indicando uma dispraxia
construtiva em que a participante não foi capaz de construir graficamente os modelos
propostos. Complementando a avaliação desta limitação o WISC-III, avaliou a idade
cronológica da adolescente (13 anos e 2 meses) à idade equivalente nas pontuações brutas de
cada sub-teste da escala geral de inteligência e foi encontrada uma idade inferior a 6 anos.
Resultado que demonstrou o grave atraso de desenvolvimento da participante avaliada, em
sete anos aproximadamente.
É notório que o desenvolvimento da adolescente é muito inferior em relação ao seu
grupo etário, apresentando um prejuízo difuso. Regiões responsáveis por sínteses simultâneas,
das zonas corticais terciárias amadurecem apenas aos sete anos de idade. Teria então esta
participante um entrave na formação destas sínteses, devido imaturidade destas áreas? Ou
estariam as sinapses destas zonas corticais mais prejudicadas em relação ao resto do córtex?
Conforme ponderou Luria (1984), embora os pacientes compreendam o que é dito a eles em
linguagem comum, exibem dificuldades para compreender estruturas lógico-gramaticais.
Devido à incompreensão destas estruturas lógico-gramaticais a adolescente não adquire
habilidades para leitura. As alterações de funções executivas também se mostram flagrantes
na dificuldade de planejar, manter o foco na tarefa, efetivar ações e monitorar seu
comportamento. Cabe ainda destacar o pronunciado prejuízo práxico marcado pelas
dificuldades de planejamento e efetivação do gesto motor adequado para a realização de
tarefas que envolvem controle motor fino e noções de espacialidade. A natureza dos déficits
apresentados aponta para disfunção de áreas frontais, bem como parieto-occipitais,
produzindo uma desarmonia difusa no comportamento geral da participante.
Mas como inaugurou Luria (1984) o cérebro opera em concerto, e quando se fala em
déficits estes coexistem com potencialidades. Apesar do grande atraso de desenvolvimento
apresentado pela adolescente avaliada, ela pode se beneficiar de apoios na área de
desenvolvimento humano, como as habilidades motoras finas, ter acesso a locais
educacionais, ser incentivada nas atividades da vida doméstica e da vida comunitária, ter
acesso aos serviços de terapia. Contextualização dos seus interesses e de suas preferências e a
12
intensidade devem várias para cada treino de habilidade. Durante a avaliação demonstrou
motivação para colaborar e expressão emocional.
Os exames de neuroimagem não podem fotografar o funcionamento complexo
cerebral, portanto a avaliação neuropsicológica de acordo com Brasil (21 de novembro de
2008, comunicação pessoal) se faz um instrumento de investigação de função mental bastante
eficaz. Contribuindo para o auxilio diagnóstico e para o planejamento das intervenções
terapêuticas.
Um sistema de apoio viável para a participante avaliada demanda diversas
intervenções em variados contextos. Delineamento de programas de reabilitação com ênfase
no treino de funções práxicas e verbais, bem como intervenções no ambiente escolar e
familiar e a articulação de uma rede de apoio voltada para a inclusão social.
REFERÊNCIAS
13
AMERICAN ASSOCIATION ON MENTAL RETARDATION. (2006). Retardo mental: definição, classificação e sistema de apoio. Porto Alegre: Artmed.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. (2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV-TR™. Porto Alegre: Artmed.
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BENCZIK, E. B. P. (2000). Manual da Escala de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade:versão para professores. São Paulo: Casa do psicólogo.
CAMARGO, C. H. P.; BOLOGNANI, S. A. P. & ZUCCOLO, P. F. (2008). O exame neuropsicológico e os diferentes contextos de aplicação. In D. Fuentes, L. F. Malloy-Diniz, C. H. P. Camargo, R. M. Cosenza (Org(s).), Neuropsicologia: teoria e prática (pp.103-118). Porto Alegre: Artmed.
CENTRO DE NEUROPSICOLOGIA APLICADA. Questionário para os pais. Disponível em
< http://www.neuropsicologia.net/images/stories/questionarios/quest_pais_072607.pdf>. Acesso em: 30/08/2008.
LEFÈVRE, B. (2004). Avaliação neuropsicológica infantil. In V. M. Andrade, F. H. dos Santos & O. F. A. Bueno (Org(s).), Neuropsicologia Hoje (pp. 249-263). São Paulo: Artes Médicas.
LURIA, A. R. (1984). Fundamentos de neuropsicologia. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo.
MIRANDA, M. C. & MUSZKAT, M. (2004). Neuropsicologia do desenvolvimento. In V. M. Andrade, F. H. dos Santos & O. F. A. Bueno (Org(s).), Neuropsicologia Hoje (pp. 211-224). São Paulo: Artes Médicas.
SISTO, F. F. (2006). Teste gestáltico visomotor de Bender: sistema de pontuação gradual (B-SPG): manual 2ª ed. São Paulo: Vetor.
14
STEIN, L. M. (1994). Teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo.
VASCONCELOS, M. M. (2004). Retardo Mental. JORNAL DE PEDIATRIA, 80 (2) supl, S71-S82.
WECHSLER, D. (2002). Escala de inteligência Wechsler para crianças: manual 3ª ed. (WISC-III). São Paulo: Casa do Psicólogo.
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