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Disciplina: Linguagem Oral: Gêneros e Variedades
Tópicos: Um início de conversa
Introdução ________________________________________________________________________________________ Alô, professor ou professora! Bem-‐vindo(a) à Disciplina LP006 -‐ Linguagem Oral: Gêneros e Variedades! Esta disciplina enfocará, da forma mais aplicada possível, as características dos textos e dos gêneros orais, em contextos e comunidades diversificados que usam diferentes variedades do Português do Brasil.
Será dada atenção à natureza multissemiótica das práticas orais, às estratégias de construção do texto falado, a uma proposta de continuum de gêneros orais, às marcas da oralidade na escrita e às diferentes organizações da materialidade textual nos interior de diferentes gêneros orais (Tema 1). No campo aplicado ao ensino-‐aprendizagem de Língua Portuguesa, abordaremos a importância de se trabalhar com os gêneros orais formais e públicos na Educação Básica e detalharemos a abordagem de alguns deles, relevantes tanto nas práticas escolares como na vida pública, tais como a exposição oral e o debate. (Tema 2).
Finalmente, enfocaremos os diferentes modos de fala do Brasil, do ponto de vista dos "sotaques", das variedades regionais e sociais (Tema 3). Esperamos que nossa disciplina possa lhe ser útil em sala de aula e que o estudo dos temas lhe seja agradável. Bons estudos! Para ver o vídeo de introdução a esta disciplina, clique aqui1.
1 Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/6X4SK822KO7M/, acesso em 25/03/2011.
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1. O trabalho com gêneros orais: pressupostos teóricos
Tópico 1 -‐ O continuum oral-‐escrito
Ponto de Partida ________________________________________________________________________________________ Muitos professores de Língua Portuguesa reconhecem a importância do trabalho com a oralidade em sala de aula. No entanto, a grande maioria tem muitas dúvidas sobre como fazer este trabalho sem estabelecer um "conflito de interesses" entre práticas orais e práticas escritas.
Em geral, quem reconhece esse "conflito de interesses" possui uma visão de que oralidade e escrita são desligadas e muito diferentes entre si. Mas oralidade e escrita, nas mais diversas práticas de linguagem, encontram-‐se inextrincavelmente conectadas e dependem uma da outra para a realização de textos e de discursos. Nosso objetivo ao longo da disciplina será o de tentar construir, junto com você, professor, com você, professora, um conhecimento básico sobre três pontos:
a) No Tema 1, vamos discutir alguns princípios teórico-‐metodológicos que devem reger o trabalho com a oralidade na escola, com base nos documentos oficiais da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e com base nos PCNs; b) No Tema 2, vamos discutir sobre as principais características e funções de alguns gêneros orais importantes de serem trabalhados na escola, mais especificamente, a exposição oral e o debate; c) No Tema 3, vamos discutir sobre a importância de se trabalhar com alguns aspectos das variedades linguísticas na escola, mais especificamente, com as variedades regionais e com as variedades sociais ________________________________________________________________________________________
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Mãos à Obra ________________________________________________________________________________________ Para isso, vamos precisar de sua atenção em relação aos exemplos abaixo e também em relação aos seguintes pressupostos: (i) o de que não há apenas uma linguagem oral, mas várias; (ii) o de que não há apenas uma linguagem escrita, mas várias; (iii) o de que oralidade e escrita não são opostas entre si, mas se mesclam e se complementam, nas mais diversas práticas de linguagem. Agora, gostaríamos que você assistisse ao vídeo abaixo, prestando atenção nas diferentes oralidades: no texto oral da apresentadora, no texto oral do entrevistador, no texto oral do entrevistado. Essa matéria da TV Cultura com a qual vamos trabalhar está centrada em uma entrevista com o escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa, que fala de sua obra, de seus temas e interesses.
2 Agora, veja a transcrição3 do trecho inicial da entrevista. ________________________________________________________________________________________
2 Fonte: http://www.youtube.com/radarcultura, acesso em 10/03/2011. 3Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_g
eneros_variedades/LP006_POPUP-Transcricao_TM1_Tp1_P2_REV01.pdf, acesso em 10/03/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ Antes de começarmos a falar sobre os três textos produzidos pelos diferentes agentes que participam do vídeo, precisamos falar sobre algumas características dos textos orais.
4 Em geral, pode-‐se dizer que os textos orais são relativamente não planejáveis de antemão. Isso acontece em função de apresentarem uma natureza altamente interacional. Além disso, ao contrário dos textos escritos, para os quais o produtor tem maior tempo de planejamento, podendo fazer rascunhos, proceder a revisões e correções, a grande maioria da produção oral é caracterizada por ser planejada e verbalizada simultaneamente, justamente porque essa produção emerge no próprio momento da interação. Sendo assim, os textos orais apresentam descontinuidades frequentes, que podem ser observadas no fluxo da fala (KOCH, 1997). Mas isso não significa que a maioria de nossa produção oral pode ser considerada como "errada" ou "feia". Ao contrário, a produção oral caracteriza-‐se exatamente por ser assim mesmo, sem nenhum demérito nisso. Na verdade, todas as estratégias de construção dos textos falados contribuem para a sua existência: a hesitação5, por exemplo, tem a função cognitiva de ganhar tempo para o planejamento/verbalização do texto; a inserção6 tem a função cognitiva de facilitar a compreensão dos parceiros; a reformulação7 tem a função de reforçar a argumentação, a repetição, que como recurso coesivo, serve para a manutenção temática e como recurso retórico, serve para "martelar" na mente do interlocutor uma dada informação ou um dado argumento para persuadi-‐lo de sua tese (KOCH, 1997).
4 Fonte: RedeFor 5 A hesitação é uma importante estratégia de processamento do texto oral porque tem a função de ganhar maior tempo
para o planejamento e também de desacelerar o ritmo da fala. Em geral, a hesitação seria considerada como algo "negativo", mas os estudos sobre a oralidade mostram que ela é uma estratégia fundamental para que o texto possa progredir e ir se construindo enquanto é produzido. Ela se manifesta por meio de pausas, preenchidas ou não, alongamentos de vogais, consoantes ou sílabas iniciais ou finais, repetição de palavras de pequeno porte, truncamentos oracionais etc.
6 A inserção se caracteriza pelo fato de o locutor suspender temporariamente o tópico em andamento para introduzir trechos com o intuito de (i) introduzir explicações ou justificativas, (ii) fazer alusão a um conhecimento prévio que pode ajudar na compreensão do assunto em pauta, (iii) apresentar ilustrações ou exemplificações. A inserção também pode ter a função interacional de despertar ou manter o interesse do interlocutor por meio de comentários jocosos ou por meio de avaliações, ressalvas, atenuações, dentre outras.
7 A reformulação pode ser retórica, quando ocorre por meio de paráfrases ou de repetições de trechos anteriormente verbalizados, ou pode ser saneadora, quando ocorre por meio de correções ou reparos, mas também podem ocorrer por meio de paráfrases ou repetições. Essas últimas, as reformulações saneadoras, em geral ocorrem em função de alguma solicitação de esclarecimento por parte do interlocutor (KOCH, 1997).
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ Analisemos agora, com um pouco mais de atenção, o texto oral da jornalista8 que apresenta a matéria/entrevista:
• Seu texto não é produzido nas mesmas condições em que produzimos nossos textos orais cotidianos, que são planejados e verbalizados ao mesmo tempo, ou seja, que apresentam um processamento on line. Em outras palavras, o texto oral da jornalista apresenta um grau diferenciado de planejamento já que sua fala apresenta poucas pausas. A verbalização do texto previamente planejado necessariamente passa por um processo de pré-‐formatação (que tanto pode ser oral como escrita) para que ele, enfim, seja enunciado no contexto de gravação do programa. É neste sentido que falamos que a oralidade9 é uma prática social que está imbricada com a escrita10. O texto oral produzido pela jornalista é um exemplo extremo disto. É um texto de natureza descritiva, já que se concentra em apresentar/tematizar um determinado referente, no caso, o escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa, representante da literatura moçambicana, que está no Brasil para um encontro em São Paulo.
• Apesar de se mostrar um texto bastante fluente, ele apresenta as estratégias características da produção de textos orais: a jornalista faz algumas pausas e apresenta uma certa entonação11, que não está marcada na transcrição, mas que pode ser percebida quando ela fala os enunciados que compõem o texto.
• Uma outra característica do texto oral produzido pela jornalista é o fato de que ele se encontra "emoldurado" por outras linguagens, tais como o olhar (direto, que não se desvia da câmera) e a expressão facial da apresentadora. Essas outras linguagens corporais são ainda "trabalhadas" por uma outra linguagem, que é a do enquadramento da câmera que a filma.
• Por isso, quando falamos de "oralidade", estamos falando de todo um conjunto de informações para além dos conteúdos que se está querendo transmitir. A apresentação que a jornalista faz da entrevista que vai ao ar mostra um tipo de competência comunicativa: falar para o "grande público" sem titubear e passando confiança sobre o que diz.
• Além disso, por meio de sua fala e de sua performance, ficamos sabendo que a jornalista é de um certo lugar do Brasil (São Paulo) e que trabalha em uma certa emissora. Assim, quando falamos, fornecemos informações sobre a nossa identidade social e também sobre as nossas diversas competências em nos comunicarmos com pessoas/ públicos diferentes em situações distintas.
8Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_g
eneros_variedades/LP006_POPUP-Transcricao_TM1_Tp1_P2_REV01.pdf, acesso em 10/03/2011. 9 "Oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características próprias, mas não suficientemente opostas para
caracterizar dois sistemas linguísticos nem uma dicotomia. Ambas permitem a construção de textos coesos e coerentes, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante. As limitações e os alcances de cada uma estão dados pelo potencial do meio básico de sua realização. Som de um lado e grafia de outro..." (MARCUSCHI, 2001, p. 17).
10 "A escrita (enquanto manifestação formal do letramento), em sua faceta institucional, é adquirida em contextos formais: na escola. Daí também seu caráter mais prestigioso como bem cultural desejável." (MARCUSCHI, 2001, p. 18)
11 Variação na altura da voz, durante a fala. Os filmes de ficção científica apresentam robôs que falam numa altura invariável, sem elevações ou quedas. O efeito esperado é o de uma fala não-humana, porque os seres humanos saudáveis não falam nunca daquele jeito. Ao contrário, a altura de nossa voz sobe e desce de maneira estruturada em cada enunciado, e o padrão que resulta disso é o padrão entoacional de cada enunciado." (TRASK, 2004, p. 91)
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________ Já o texto oral do entrevistador12 é constituído de um único enunciado estruturado como uma pergunta. Mas o modo como essa pergunta (que provavelmente consta de um roteiro de perguntas previamente elaborado e provavelmente escrito por Allan da Rosa) é enunciada traz marcas do meio – sonoro – por meio do qual é produzida. Uma marca importante são as pausas. Outra marca importante da natureza oral desse texto é o uso do pronome adjetivo “contigo”, que revela uma interação explícita e dialogal entre um "eu" e um "tu", entre o entrevistador e o entrevistado. Uma outra marca é o uso do marcador conversacional “e”, que não desempenha aqui uma função coesiva, mas apenas auxilia no processo de produção do texto oral. O texto oral do entrevistado13 é estruturado por meio de sequências descritivas, já que coloca em foco a "preocupação literária" do escritor, a de inserir elementos da cultura africana em suas obras. Ungulani: do primeiro livro ... até este ... há sempre um elemento .... da cultura africana .. que de certo modo a primeira república tentou obliterar ... ((corte de edição)) então a minha preocupação literária ... foi no sentido sempre de buscar esses elementos ... trazer esses elementos digamos para ... para ... primeiro pra pra língua portuguesa que é a língua veicular nossa que é a lingua oficial ...e... e segundo fazer com que muitos elementos da nossa tradição ... provérbios ... os contos tradicionais que .... não estão grafados porque num ... a nossa escrita .... a nossa língua ainda não tem uma escrita e::: sedimentada ... é este .... é neste campo onde eu me ( ) de certo modo Ele é um texto muito diferente do texto da jornalista que apresenta a matéria, já que apresenta vários tipos de hesitações14, que se manifestam por meio de pausas não preenchidas, alongamento de vogal, repetições de palavras e de sintagmas etc. Sendo assim, o texto do escritor é um bom exemplo de um texto "que se faz em se fazendo".
12Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_
generos_variedades/LP006_POPUP-Transcricao_TM1_Tp1_P2_REV01.pdf, acesso em 10/03/2011. 13Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_
generos_variedades/LP006_POPUP-Transcricao_TM1_Tp1_P2_REV01.pdf, acesso em 10/03/2011 14 A hesitação é, como vimos, uma estratégia de processamento do texto oral que tem, dentre outras, a função de
desacelerar o ritmo da fala. Em geral, a hesitação seria considerada como algo "negativo", mas os estudos sobre a oralidade mostram que ela é uma estratégia importante para que o texto possa progredir e ir se construindo enquanto é produzido.
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________ No entanto, o texto oral do entrevistado, o escritor Ungulani Ba Ka Khosa, compartilha algumas características com os outros textos orais produzidos pelos dois outros atores sociais que participam com ele dessa interação: o texto oral do escritor também é "emoldurado" por outras linguagens (gestos, expressão facial, e postura corporal). Essas outras linguagens corporais que "emolduram" a fala do entrevistado também são "trabalhadas" pelos diferentes enquadramentos da câmera que o filma. Em outras palavras, a oralidade não se reduz à fala: ela é instrinsecamente multissemiótica. Por fim, o texto oral do entrevistado também revela sua identidade social, já que, ao falar, ele revela de onde é (de um dos países africanos que foram antigas colônias portuguesas) e o que faz (é escritor). Essa breve apresentação dos textos orais que constituem o gênero entrevista televisiva mostra dois tipos de práticas orais que se diferenciam pelos graus de planejamento e de pré-‐formatação a que estão submetidas, mas que compartilham outras estratégias de produção de textos orais. Neste sentido, corroboramos a afirmação de Marcuschi (2001, p. 42): "fala e escrita apresentam um continuum de variações". Em outras palavras, não se pode conceber que oralidade e escrita sejam blocos monolíticos. Cada uma delas vai se mostrar altamente variável, tanto em relação aos gêneros mais ou menos tipicos de cada modalidade, como em relação aos processos/estratégias de produção e de formatação mobilizados. É exatamente porque não se concebe que oralidade e escrita sejam opostas que Marcuschi (2001) propõe a noção de continuum oral-‐escrito que organiza os gêneros de acordo com o modo de produção (se falado ou escrito) e de acordo com critérios outros tais como a distinção entre certos aspectos tipológicos (textos instrucionais, exposições acadêmicas) e discursivos (comunicação pública & privada, diferentes gêneros textuais). Clique aqui15 para ver o diagrama do continuum oral-escrito proposto por Marcuschi (2001).
15 Continuum oral-escrito (MARCUSCHI, 2001)
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Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________ Voltando à nossa entrevista, vamos localizá-la no continuum proposto por Marcuschi, no segundo campo mais próximo da fala, sendo também considerada uma comunicação pública. É importante perceber que Marcuschi se refere ao gênero entrevista como pertencendo a uma "constelação", o que reforça a sua postulação de que há vários formatos para esse gênero, que é um dos gêneros orais formais públicos16 que devem ser destacados numa proposta de ensino do oral em sala de aula de língua materna. A entrevista
televisiva, no continuum oral-escrito proposto por Marcuschi, encontra-se correlacionada a outros tipos de entrevista (de rádio, pessoal) e também a gêneros outros, tais como inquéritos, debates e discussões no rádio e na TV. O que aproxima e o que distancia a entrevista de outros gêneros nesse continuum? Para Marcuschi, os gêneros, sendo um exemplo a entrevista, são mais bem compreendidos se forem observados no interior de um continuum oral-escrito porque, por exemplo:
a) as semelhanças e diferenças entre diversos tipos de entrevista e entre as entrevistas e outros gêneros não se dão de forma estanque ou dicotômica. São semelhanças e diferenças contínuas e graduais; b) as entrevistas, assim como muitos outros gêneros, apresentam-se em contrapartes (oral, escrita ou híbrida); em outras palavras, há entrevistas, como a que vimos neste tópico, que são orais; há entrevistas que são produzidas oralmente e depois transcritas e publicadas (como a de Arnaldo Antunes, discutida na disciplina LP003) e há entrevistas que são produzidas por escrito e divulgadas por escrito (é o caso de quando o jornalista manda perguntas escritas para o seu entrevistado e este responde também por escrito); c) as entrevistas, assim como todos os gêneros, apresentam uma natureza multissemiótica, ou seja, resultam do uso de várias linguagens ou semioses simultaneamente; d) as entrevistas, orais ou escritas, são ordenadas em sua formulação e encontram-se submetidas a normas llnguistícas muito próximas entre si. Para Marcuschi (2001, p. 45), "não há qualquer diferença linguística notável que perpasse o contínuo de toda a produção falada ou escrita, caracterizando as duas modalidades, pois as características de cada uma delas não são nem categóricas nem exclusivas".
16 Os gêneros orais formais públicos são aqueles que são produzidos em situações e/ou contextos razoavelmente formais
em que os interlocutores desempenham papéis previamente definidos. Por exemplo, na situação de debate, temos o público/platéia & convidados & moderador de debate; na entrevista, temos entrevistador & entrevistado & público/leitor); além disso, os gêneros orais formais públicos apresentam uma natureza altamente pré-formatada ou pré-planejada e sua textualidade apresenta marcas desse planejamento prévio.
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Finalizando ________________________________________________________________________________________ Para finalizar, é importante que tenhamos em mente as seguintes distinções de Marcuschi (2001, p. 25-‐26): a) "a oralidade seria uma prática social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais formal nos mais variados contextos de uso (...)". b) "o letramento, por sua vez, envolve as mais diversas práticas de escrita (nas suas variadas formas) na sociedade e pode ir desde a apropriação mínima da escrita, como o indivíduo que é analfabeto, mas letrado, na medida em que identifica o valor do dinheiro, identifica o ônibus que deve tomar, consegue fazer cálculos complexos, sabe distinguir as mercadorias pelas marcas etc., mas não escreve cartas nem lê jornal regularmente, até uma apropriação profunda, como no caso do indivíduo que desenvolve tratados de Filosofia e Matemática ou escreve romances. Letrado é o indivíduo que participa de forma significativa de eventos de letramento e não apenas aquele que faz uso formal da escrita." c) "a fala seria uma forma de produção textual-‐discursiva para fins comunicativos na modalidade oral (situa-‐se no plano da oralidade, portanto), sem a necessidade de uma tecnologia além do aparato disponível pelo próprio ser humano. Caracteriza-‐se pelo uso da língua na sua forma de sons sistematicamente articulados e significativos, bem como os aspectos prosódicos, envolvendo ainda uma série de recursos expressivos de outra ordem, tais como a gestualidade, os movimentos do corpo, a mímica." d) "a escrita seria um modo de produção textual-‐discursiva para fins comunicativos com certas especificidades materiais e se caracterizaria por sua constituição gráfica, embora envolva recursos de ordem pictórica e outros (situa-‐se no plano dos letramentos). Pode manifestar-‐se, do ponto de vista de sua tecnologia, por unidades alfabéticas (escrita alfabética), ideogramas (escrita ideográfica) ou unidades iconográficas, sendo que, no geral não temos uma dessas escritas puras. Trata-‐se de uma modalidade de uso da língua complementar à fala". Assim, pode-‐se dizer que a principal distinção entre fala e escrita é o fato de que cada uma é um modo de representarmos a língua, ou seja, são os aspectos sonoro e gráfico que contam de modo essencial nesse caso.
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Atividade autocorrigível 1 ________________________________________________________________________________________ Marque a alternativa incorreta: a)17 Textos falados apresentam distintos graus de planejamento. Portanto, não podemos dizer que todo texto produzido por meio sonoro é processado online. b)18 A entrevista televisiva é um gênero oral que pode ser concretizado por meio de vários textos. c)19 Fala e escrita são dois modos distintos de se representar a língua. d)20 As hesitações, as reformulações e as inserções presentes no curso da produção de gêneros orais são recursos que devem ser corrigidos e substituídos por outros. e)21 A proposta de considerar os gêneros textuais em um continuum oral-‐escrito é uma maneira de passarmos a ver as relações oral-‐escrito de outra forma, considerando que uma é complementar à outra e que ambas encontram-‐se sempre imbricadas nas práticas de linguagem da maioria das sociedades.
17Correta 18Correta 19Correta 20Incorreta porque a hesitação, a reformulação e a inserção são estratégias de produção do texto oral e vão ser mais ou
menos presentes a depender do grau de planejamento do texto e da situação comunicativa na qual ele é produzido. Como são constitutivos da fala, devemos compreender quando ocorrem e não corrigi-los simplesmente. A proposta é de levar o aluno a dominar os diferentes modos de se produzir um texto oral, considerando principalmente os objetivos, o público e a situação comunicativa.
21Correta
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Tópico 2 -‐ Atividades de retextualização
Ponto de partida ________________________________________________________________________________________ Falamos de forma bem geral, no Tópico 1, sobre o continuum oral-‐escrito. Para isso, analisamos brevemente alguns textos orais. Nossa observação mais detalhada desses textos permitiu que pudéssemos ter uma visão não dicotômica das relações oral-‐escrito e uma visão mais detalhada sobre a natureza do texto oral. O que significa ter "uma visão não dicotômica das relações oral-‐escrito"?
• Significa compreender que os textos e gêneros produzidos na modalidade oral vão resultar de um conjunto de estratégias que viabilizam a sua produção. Essas estratégias (tais como a hesitação, a reformulação, a repetição e a inserção) também podem estar presentes na escrita, mas de outra forma. Essas estratégias não são "defeitos" ou "erros", mas ações que caracterizam a fala e a oralidade.
• Significa dizer que nós não podemos olhar a oralidade de forma a enxergar nela apenas "incompletude", "incorreção" e "imperfeição" e na escrita apenas "completude, "corretude" e "maior perfeição".
• Significa olhar a oralidade não como se ela ela estivesse em oposição à escrita, mas ambas como modalidades linguísticas complementares uma à outra.
• Significa olhar a oralidade (e os gêneros e textos orais produzidos nesse campo) como tão importante quanto a escrita e, ainda mais, como não necessariamente subordinada a ela.
• Significa construir caminhos que nos levem a eleger alguns gêneros orais formais públicos, tais como a exposição oral, o debate e a entrevista, como legítimos objetos de ensino-‐aprendizagem e que são muito importantes, na escola e fora dela.
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Mãos à obra ________________________________________________________________________________________ Como vimos, oralidade e escrita são práticas sociais que se diferenciam basicamente em função do meio em que são produzidas -‐ sonoro ou gráfico, respectivamente. Os textos e gêneros produzidos pelos meios característicos de cada uma delas serão semelhantes e diferentes em função de muitos fatores, como é possível ver neste outro quadro elaborado por Marcuschi (2001)22 sobre a distribuição dos diversos gêneros em um continuum oral-‐escrito. Como podemos ver no quadro de Marcuschi, o autor prioriza pelo menos dois fatores para que possamos pensar sobre as relações de continuidade entre as modalidades oral e escrita da língua nos textos e gêneros: o meio sonoro ou gráfico em que o texto oral ou escrito se materializa e a modalidade oral ou escrita em que se deu sua concepção original. Segundo o autor, isso é que faz a diferença, por exemplo, entre dois gêneros orais que se materializam em meio sonoro como a conversa e a notícia televisiva: uma é concebida ou produzida já inicialmente na modalidade oral (a conversa cotidiana23) e a outra -‐ a notícia televisiva24 -‐ passou antes por vários gêneros escritos e textualizações (a pauta, a notícia redigida, a transcrição no teleprompter). Coisa similar acontece com os gêneros escritos entrevista impressa25, que foi antes realizada oralmente com o entrevistado, e artigo científico26, cuja base, produção e circulação é, desde sempre, escrita. Esses são os gêneros que o autor considera prototípicos das modalidades oral e escrita nos dois extremos do continuum, pois neles as relações entre as modalidades se dão de maneira bastante nítida. Além deles, ao longo do continuum, há uma profusão de gêneros27 que apresentam a mais variada relação entre oralidade e escrita. Por isso, é importante que agora observemos como ocorre o que Marcuschi (2001) denomina "atividades de retextualização". É importante estudar as atividades de retextualização porque fazemos isto todos os dias e a todo o momento. Por exemplo, toda a vez que simplesmente repetimos ou relatamos o que alguém disse, até mesmo quando tentamos reproduzir fielmente a fala de outrem, estamos retextualizando, transformando, modificando e recriando uma fala em outra. Também é importante compreender as retextualizações, porque todos nós (alunos e professores) devemos desenvolver um tipo de conhecimento mais reflexivo sobre as diferenças e semelhanças entre o oral e o escrito e sobre os procedimentos de retextualização, de forma a melhor dominar os gêneros mais característicos de uma ou de outra modalidade da língua.
22Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_or
al_generos_variedades/LP_T1_TP2_P2.JPG, acesso em 26/02/2011. 23 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=gaiTqFiK5_E, acesso em 26/02/2011. 24 Fonte: http://g1.globo.com/jornal-nacional/videos/t/edicoes/v/v/1850146, acesso em 13/02/2012. 25 Fonte: http://veja.abril.com.br/211009/mundo-140-caracteres-p-19.shtml, acesso em 26/02/2011. 26 Fonte: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2007001200026, acesso em 26/02/2011. 27 MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: Atividades de retextualização. São Paulo: Editora Cortez, 2001. p. 41.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ No entanto, antes de começarmos a analisar as operações que estão na base das retextualizações que fazemos, é importante falar da atividade de transcrição. Tanto neste tópico, como no tópico anterior, estamos lidando com transcrições. E o que é transcrever? Para Marcuschi (2001), a transcrição é uma passagem de um código para outro.
Quando transcrevermos, passamos as palavras pronunciadas para uma formatação escrita, num sistema gráfico que segue, na maioria dos casos, a grafia padrão. [...] A transcrição representa uma passagem, uma transcodificação (do sonoro para o grafemático), que já é uma primeira transformação, mas não é ainda uma retextualização. (MARCUSCHI, 2001, p. 51)
Transcrição é, por exemplo, o que fizemos com trechos da entrevista com o escritor moçambicano, trabalhada no Tópico anterior. Quando transcrevemos, fazemos uma espécie de "neutralização" do texto oral produzido, porque nunca vamos poder reproduzir todos os aspectos extralinguísticos28 que envolvem a produção personalizada de um texto oral. Por isso dissemos anteriormente que, quando falamos, damos outras informações para além dos conteúdos transmitidos. Deixamos transparecer a nossa identidade social, que não pode ser neutralizada, mesmo quando gravada. Nossa identidade social marca as nossas produções textuais orais. Vejamos alguns vídeos em que você pode observar a identidade social de quem fala, sua performance oral (o que envolve a possibilidade de se observar, ao mesmo tempo, texto, expressões faciais e da gestualidade). Clique nas imagens abaixo, para assistir aos vídeos29.
28 Como os gestos, a postura corporal, as vestimentas, as expressões faciais e as entonações ou a prosódia. 29Fonte:http://www.youtube.com/radarcultura#p/a/7F035B2CD749087D/2/2m9oabQ-ugw,;
http://www.youtube.com/radarcultura#p/a/7F035B2CD749087D/1/4FGqUII_ , acesso em 26/02/2011
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ De forma a passar um texto oral para a escrita em um processo de retextualização, algumas atividades que vão além da mera transcrição são necessárias. Vejamos os textos abaixo, retirados de Marcuschi (2001, p. 78): TEXTO: eh... eu vou falar sobre a minha família... sobre os meus pais ... o que eu acho deles ... como eles me tratam... bem ... eu tenho uma família ... pequena ... ela é composta pelo meu pai ... pela minha mãe ... pelo meu irmão ... eu tenho um irmão pequeno de ...dez anos ... eh o meu irmão não influencia em nada ... a minha mãe é uma pessoa superlegal ... sabe? (Narrativa oral de uma jovem de 17 anos; MARCUSCHI, 2001, p. 78) RETEXTUALIZAÇÃO 1-‐ DA FALA PARA A ESCRITA: Bem, eu tenho uma família pequena -‐ meu pai, minha mãe e meu irmão. Tenho um irmão pequeno de dez anos que não influencia em nada. Minha mãe é uma pessoa super legal. (Retextualização escrita feita por um aluno de Letras do 4o.período da UFPE a partir da narrativa oral da jovem de 17 anos). (MARCUSCHI, 2001, p. 78) RETEXTUALIZAÇÃO 2 -‐ DA FALA PARA A ESCRITA: Bem, eu vou falar sobre a minha família, sobre os meus pais, o que acho deles e como eles me tratam. A minha família é pequena, composta pelo meu pai, minha mãe e um irmão pequeno de dez anos que não influencia em nada. Minha mãe é superlegal. (Retextualização escrita feita por uma aluna de Letras do 4o. período da UFPE a partir da narrativa oral da jovem de 17 anos). (MARCUSCHI, 2001, p. 78) Há, em primeiro lugar, as atividades de idealização do texto falado, que envolvem fundamentalmente a eliminação e/ou regularização de certos fenômenos, a partir da ótica da escrita. No exemplo em questão, sobre a narrativa oral da jovem de 17 anos, foram operadas eliminações de quase todas as marcas estritamente interacionais, no caso, hesitações (dois "eh", pausas não preenchidas) e um marcador conversacional ("sabe?").
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________ No entanto, ambos os sujeitos responsáveis por cada uma das retextualizações mantiveram o marcador conversacional "Bem" no início do texto: "Bem, eu tenho uma família pequena -‐ meu pai, minha mãe e meu irmão" (Retextualização 1); "Bem, eu vou falar sobre a minha família, sobre os meus pais, o que acho deles e como eles me tratam" (Retextualização 2). Isso mostra que a escrita pode trazer uma série de elementos da oralidade, sem que isso seja visto como um problema em determinadas situações e contextos de produção escrita. Um segundo tipo de atividade necessária na passagem da fala para a escrita são as atividades de transformação operadas sobre o texto oral. Na primeira retextualização, observamos que o aluno de Letras decide eliminar todo um trecho introdutório em que a jovem diz o que vai fazer ("vou falar sobre a minha família..."). Apesar de manter o marcador conversacional "bem" iniciando o seu texto, ele elimina todo o resto e já começa o texto com a tematização direta da família ("eu tenho uma família pequena") e não com a tematização do próprio dizer ("vou falar sobre minha família"). Na segunda retextualização, observamos que a aluna mantém os conteúdos, mas introduz a paragrafação e uma reordenação: no texto oral ocorria a coordenação de enunciados ("eu tenho uma família..pequena... ela é composta pelo meu pai... pela minha mãe ... pelo meu irmão ... eu tenho um irmão pequeno de ... dez anos") e no texto escrito alguns enunciados/sintagmas ("eu tenho um irmão"; "o meu irmão") são eliminados e, concomitantemente, constrói-‐se uma expressão referencial complexa ("um irmão pequeno de dez anos que não influencia em nada"). É importante ter uma idéia sobre que tipos de atividades são necessárias para a passagem do oral para o escrito, porque tanto as atividades de idealização como as atividades de transformação do texto falado que constituem a retextualização propriamente dita, apesar de revelarem ajustes e, muitas vezes, reordenações mais amplas, não devem afetar os conteúdos fundamentais do texto-‐base. No entanto, sabemos que as modificações operadas transformam um texto em outro texto. No caso em questão, segundo Marcuschi (2001), parece que o que se pretendeu foi tornar o texto mais "disciplinado", com uma aparência mínima de escrita e sem maiores ligações com o seu contexto oral de produção. Também é importante se ter uma idéia mais clara sobre a retextualização porque ter consciência das atividades envolvidas nesse processo é de muita utilidade quando se quer, por exemplo, passar de uma modalidade a outra, como na passagem para a escrita de uma entrevista oral (exemplo explorado por Marcuschi), ou como nas anotações de aula que os alunos fazem.
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________
Na direção contrária (da escrita para a fala), na exposição oral ou no comentário radiofônico, por exemplo, temos que ler, compreender o que lemos e ainda verbalizar este conhecimento oralmente. Para isso, vamos precisar tomar decisões sobre os cortes que iremos empreender no material falado ou escrito e as reordenações que teremos que fazer. Sendo assim, as atividades de idealização e de transformação vão estar presentes na retextualização da escrita para a fala também. É o que vamos começar a ver a seguir. Vamos ler abaixo dois trechos de um texto de um mesmo autor, o cineasta e jornalista Arnaldo Jabor. Texto escrito: "Eu não queria ver o filme 'Segredo de Brokeback
Mountain'. Não queria. Ver filme de viados, eu? (Escrevo viado porque, como disse Millôr, quem escreve 'veado' é viado). Muito bem, eu resistia à idéia mais ou menos como o Larry David (o roteirista de 'Seinfeld') disse num artigo engraçadíssimo, que tinha medo de virar gay se ficasse emocionado". (Arnaldo Jabor. "Brokeback Mountain é um filme sobre heróis machos", texto publicado em 07/03/2006, no Jornal O Globo. Leia o texto completo clicando aqui30. Role a página um pouco para chegar à reprodução da crônica.). Texto falado: "Amigos ouvintes...eu não queria ver esse filme que tá passando aí ... O Segredo de Brokeback Mountain sobre os dois cowboys que ficam amantes um do outro... eu não queria ... ver filme de viado... eu? aliás ... a palavra correta é viado porque gay é palavra americana... (Comentário de Arnaldo Jabor sobre o filme "O Segredo de Brokeback Mountain", falado em 06/03/2006, na Rádio CBN. Ouça o comentário completo, clicando aqui31). O trabalho de Leite (2006), que discute justamente o tema da oralidade em diferentes discursos, analisando integralmente os dois textos produzidos por Arnaldo Jabor -‐ o escrito, publicado em 07/03/2006, e o oral, performado em 06/03/2006 -‐ tem como hipótese que o texto original é o escrito, a partir do qual, Jabor faz adaptações para poder apresentá-‐lo oralmente.
30 Fonte: http://komentarista.blogspot.com/2006/03/uma-ltima-sobre-brokeback-mountain.html, acesso em 10/03/2011. 31 Fonte: http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/arnaldo-jabor/2006/03/06/NAO-QUERIA-TER-VISTO-MAS-
BROKEBACK-MOUNTAIN-SE-IMPOE.htm, acesso em 26/02/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________ A autora apresenta a seguinte pergunta: Será que a mudança de meio de comunicação (de jornal impresso para o rádio) e de modalidade (do escrito para o oral) transforma a mensagem, ou seria apenas uma mensagem em duas mídias diferentes? Ela conclui que os textos são dois textos diferentes entre si, porque apresentam uma orientação argumentativa bastante diversa. Para a autora, uma das razões para que os dois textos sejam considerados dois exemplares diferentes de um mesmo gênero (crônica ou comentário) é o tempo. No rádio, o tempo é o fator limitador. No jornal impresso, o espaço é o fator limitador. O texto oral de Jabor tem 696 palavras e o texto escrito apresenta 1001 palavras. Para a autora, há uma maior exigência de "factualidade" no texto oral transmitido pelo rádio e, por isso, acontecem os cortes efetuados e a inserção de trechos novos. (LEITE, 2006, p. 101) Pelo que já foi possível observar no primeiro parágrafo de ambos os textos, ocorrem modificações de natureza muito profunda. A nosso ver, o texto escrito serve como uma espécie de guia para a elaboração do texto oral. E é exatamente porque o texto escrito é apenas este "guia", ou seja, é exatamente porque é importante manter algumas informações, mas não todas, que os textos são tão diferentes. Para nós, é importante perceber que as atividades de transformação do texto escrito mantém a informação de que o jornalista não queria ver o filme. Mas são duas as formas de informar essa posição (eu não queria ver o filme "O Segredo de Brokeback Mountain") de Arnaldo Jabor aos leitores: Texto escrito: "Eu não queria ver o filme 'Segredo de Brokeback Mountain'. Não queria. Ver filme de viado, eu?" Texto falado: "Amigos ouvintes ... eu não queria ver esse filme que tá passando aí.. o Segredo de Brokeback Mountain sobre os dois cowboys que ficaram amantes um do outro ... eu não queria... ver filme de viado... eu? " Fundamentalmente, o que acontece é que no texto escrito, o referente é enunciado assim:
"o filme 'Segredo de Brokeback Mountain'". Já no texto oral, ocorre uma uma expansão do referente do texto escrito:
"esse filme que tá passando aí O Segredo de Brokeback Mountain sobre dois cowboys que ficaram amantes um do outro"
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Colocando os conhecimentos em jogo 6 ________________________________________________________________________________________ Por que esta expansão acontece? Arnaldo Jabor antecipa informações sobre o referente (é um filme que está em cartaz) e também já dá uma orientação argumentativa32 para a interpretação do referente (um filme sobre dois cowboys que ficam amantes um do outro), por meio da escolha principalmente do item lexical sublinhado a seguir, "ver filme de viado... eu?", que vem depois da introdução exapandida do referente. Essa orientação argumentativa está presente no texto escrito apenas pela enunciação da pergunta "Ver filme de viado, eu?" No texto oral, a pergunta permanece, mas antes dela já vem a apreciação/avaliação de Arnaldo Jabor sobre o tema: "dois cowboys que ficam amantes um do outro". Assim, podemos dizer que, no momento da oralização do texto escrito, houve uma reformulação do modo como Arnaldo Jabor introduz o referente textual, ou seja, houve uma modificação no modo de apresentação do objeto sobre o qual ele vai falar. Além disso, a expansão do referente justifica-‐se pela pressuposição de Arnaldo Jabor de que seus ouvintes poderiam não compartilhar o mesmo conhecimento de mundo: o de que estava em cartaz um filme sobre o romance entre dois homens. Mais especificamente, uma história de amor entre dois cowboys. Esse trecho serve para se ter uma ideia da diferença fundamental entre os dois textos: o escrito, apresenta uma argumentação ambígua, ao mesmo tempo favorável e contrária à homossexualidade; o oral, tendo sido submetido a uma série de cortes de alguns argumentos, também apresenta uma argumentação ambígua, mas menos enfática nessa ambiguidade. Daí a razão de defendermos que os textos apresentam diferenças sutis, constituindo-‐se em dois textos diferentes, apesar de um (o escrito) guiar a produção do outro (o oral) e apesar de manterem as principais informações nas duas versões. Veja este outro trecho da crônica impressa: "O viado sempre encarnou a ambiguidade de nossos sentimentos. Claro que, hoje, os civilizados todos dizem que 'tudo bem', que são contra a homofobia e todo o bullshit costumeiro." e compare com o trecho correspondente do comentário radiofônico: "O viado sempre encarnou a ambiguidade dos nossos sentimentos sexuais... é claro que, hoje, os civilizados todos dizem que 'tudo bem, somos contra a homofobia... somos a favor da liberdade dos homossexuais'... tudo muito politicamente correto". Reflita: Em sua opinião, qual dos dois trechos deixa mais clara a orientação avaliativa de Jabor sobre a questão da homossexualidade? Por meio de que recursos? ________________________________________________________________________________________
32 A orientação argumentativa de um determinado texto ou enunciado pode ser percebida pelo modo como os recursos
linguísticos (por exemplo, encadeamento de enunciados por meio de operadores argumentativos - “ainda”, “já”, “aliás”, “além do mais etc -, seleção lexical - cowboys & homens, viado & gay etc.) são mobilizados, levando o interlocutor a adotar uma determinada posição em relação ao que é dito em detrimento de outra.
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Finalizando ________________________________________________________________________________________ Ao longo deste Tópico vimos que:
a) oralidade e escrita são práticas sociais que se diferenciam basicamente pelo modo de produção: a primeira é produzida pelo meio sonoro e a segunda é produzida pelo meio gráfico; b) oralidade e escrita são práticas sociais que não estão em oposição, mas são complementares entre si; c) oralidade e escrita variam (não são as mesmas); por exemplo, nossos textos orais cotidianos são planejados e verbalizados ao mesmo tempo, ou seja, apresentam um processamento on line; já os textos orais produzidos por certos jornalistas, por atores, por "experts" e por certos politicos, por exemplo, podem apresentar um grau de planejamento diferenciado, sendo, muitas vezes, submetidos a alguma pré-‐formatação que, por sua vez, pode estar relacionada a práticas de escrita; d) os textos e gêneros produzidos na modalidade oral da linguagem resultam de um conjunto de estratégias (tais como a hesitação, a reformulação, a repetição e a inserção) que viabilizam a sua produção; e) as atividades de retextualização (da fala para a escrita e da escrita para a fala) estão presentes em nosso cotidiano; no entanto, dependendo dos gêneros a serem produzidos, essas atividades demandam um maior grau de consciência em relação às operações que estão na sua base; g) as atividades de retextualização pressupõem duas outras operações: a idealização e a transformação. Essas operações/atividades, apesar de revelarem ajustes e, muitas vezes, reordenações mais amplas, não devem afetar os conteúdos fundamentais do texto-‐base; no entanto, os sentidos dos textos vão sempre, em alguma medida, ser modificados na passagem de um texto a outro texto. h) quando falamos, fornecemos informações sobre a nossa identidade social e também sobre as nossas diversas competências em nos comunicarmos com pessoas/públicos diferentes em situações distintas.
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Atividade autocorrigível 2 ________________________________________________________________________________________ Atribua falso ou verdadeiro para as alternativas abaixo e, em seguida, pouse o cursor sobre o marcador da alternativa (letra), para conferir sua resposta: a)33 Oralidade e escrita são práticas sociais que se diferenciam basicamente pelo modo de produção: a primeira é produzida pelo meio sonoro e a segunda é produzida pelo meio gráfico. b)34 Oralidade e escrita são práticas sociais que não estão em oposição, mas são complementares entre si. c)35 Os textos orais cotidianos que produzimos não são planejados e verbalizados ao mesmo tempo; são sim pré-‐formatados, assim como os textos orais produzidos por certos profissionais como jornalistas, atores, "experts", políticos etc. d)36 As atividades de retextualização (da fala para a escrita e da escrita para a fala) não estão presentes em nosso cotidiano e somente podem ser realizadas em situações especiais. e)37 A escrita não pode ser trabalhada para incorporar marcas da oralidade. f)38 Os materiais impressos pensados para serem lidos podem apresentar índices de oralidade em função dos propósitos comunicativos a que estão submetidos. ________________________________________________________________________________________
33 Verdadeiro 34 Verdadeiro 35 Falso 36 Falso 37 Falso 38 Verdadeiro
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Tópico 3 -‐ A presença da oralidade na escrita Ponto de Partida ________________________________________________________________________________________ Como vimos nos tópicos anteriores, oralidade e escrita são práticas de linguagem que ocorrem em um contínuo, uma interpenetrando a outra. Sendo assim, não precisamos ter a visão dicotômica de que essas duas práticas são completamente diferentes entre si. Neste Tópico 3, vamos ver que toda escrita apresenta o que Paul Zumthor39, historiador e filósofo, estudioso das relações entre oralidade e escrita, denomina "índice de voz". Ou seja, para este autor, toda a escrita encontra-‐se "marcada" pela oralidade. É uma visão que está em consonância com a concepção linguistica de que fala e escrita estão conjugadas nas práticas de oralidade e de letramento40. Nosso interesse aqui, com base no estudo de Hilgert (2009), é mostrar alguns outros recursos menos evidentes que mostram como gêneros/textos classicamente concebidos no meio gráfico não escapam da influência da oralidade em função de vários motivos. Pedimos, então, que você leia o trecho abaixo, retirado da revista Ciência Hoje para Crianças 59 e reflita sobre quais são os principais recursos que indicam a presença da oralidade nesse texto:
Como tudo começou Conheça a teoria do Big Bang, que explica a origem dos planetas, do Sol e das estrelas! Você já deve ter olhado para o céu e perguntado: de onde vem os planetas, o Sol e as estrelas? Ou olhado para a Terra e perguntado de onde vieram as rochas, os animais, as plantas e os seres humanos. Para os cientistas, tudo o que existe no universo veio de uma bolha que, há cerca de 10 ou 20 bilhoes de anos, surgiu em um tipo de "sopa" quentíssima e começou a crescer, dando origem a toda matéria que conhecemos. (Trecho retirado de HILGERT, 2009, p. 226).
39 Fonte: http://editora.cosacnaify.com.br/Autor/479/Paul-Zumthor.aspx, acesso em 23/02/2012. 40 Todos já conhecemos as explicações sobre como o discurso direto, por exemplo, é um modo de representar a fala dentro
da escrita. Ou mesmo aquelas explicações sobre como a pontuação não se reduz a uma forma de marcar pausas, que são estratégias de produção do texto oral, como pudemos analisar no Tópico 1.
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Mãos à obra Se observarmos com cuidado, o primeiro parágrafo do texto da revista começa com um enunciado que se dirige diretamente ao leitor por meio do uso do pronome de segunda pessoa do discurso, o "você". Esse recurso marca o texto jornalístico, já que dirigir-‐se diretamente ao interlocutor na modalidade escrita constrói um efeito de proximidade entre o produtor do texto e o leitor, como se o primeiro estivesse "falando" com o segundo. Em outras palavras, mesmo no texto concebido no meio gráfico temos a sensação de que estamos interagindo com o produtor do texto como o fazemos na interação face-‐a-‐face. O recurso de se dirigir ao leitor por meio do uso de vocativos, de verbos conjugados na segunda pessoa e de sequências textuais injuntivas (que fornecem instruções) é muito utilizado por escritores literários. Machado de Assis41 é o mais famoso usuário desse recurso. Muitas vezes, ao longo de seus textos, o escritor dirige-‐se ao leitor, juntando-‐se a ele e/ou interpelando-‐o a tomar determinada atitude:
"Deixemos Rubião na sala de Botafogo, batendo com as borlas do chambre nos joelhos, e cuidando na bela Sofia. Vem comigo, leitor; vamos vê-‐lo, meses antes, à cabeceira do Quincas Borba." (Fonte: http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/romance/marm07.pdf, p. 3) "D. Sancha, peço-‐lhe que não leia este livro; ou, se o houver lido até aqui, abandone o resto. Basta fechá-‐lo; melhor será queimá-‐lo, para lhe não dar tentação e abri-‐lo outra vez. Se apesar do aviso, quiser ir até o fim, a culpa é sua; não respondo pelo mal que receber." (Fonte: http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/romance/marm08.pdf, p.115) "Cuidado, caro leitor, vamos entrar na alcova de uma donzela. A esta notícia o leitor estremece e hesita.(...) Descanse, leitor, não verá neste episódio fantástico nada do que se não pode ver à luz pública. (....) Tranqüilize-‐se, dê-‐me o seu braço, e atravessemos, pé ante pé, a soleira da alcova da donzela Cecília." (Fonte: http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/contos/macn012.pdf, p. 1)
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41 Fonte: http://machado.mec.gov.br/, acesso em 23/02/2012.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ Um outro recurso presente no texto da Revista Ciência Hoje para Crianças é o uso de uma expressão que estabelece uma explicação mais acessível às crianças sobre o ambiente em que surgiu o sistema solar: surgiu em um tipo de "sopa" quentíssima. O uso do termo "sopa" -‐ marcado por aspas -‐ constrói um efeito de informalidade para o texto, já que a expressão não é um termo técnico. A palavra "sopa" funciona, então, como um índice de incorporação da linguagem coloquial /informal característica das práticas orais; o seu uso está intrinsecamente relacionado à própria função do texto, que é a de divulgar um conhecimento produzido no interior uma comunidade interna específica (cientistas) para uma comunidade externa ampla (no caso, crianças). Vejamos como o recurso a palavras não técnicas (quase sempre marcadas por aspas) acontece em um outro texto da mesma revista:
"Durante algumas horas, a Lua passará pela enorme sombra que a terra faz no espaço. Se estivéssemos na Lua, veríamos a Terra "tapando" o Sol durante o Eclipse."
Outros índices da oralidade presentes no texto de divulgação científica publicado pela Revista Ciência Hoje para Crianças são: o uso de expressões típicas da oralidade ("pronto!";), de frases interrogativas (perguntas retóricas) e de frases exclamativas. Esses recursos são de fato estruturadores do texto excrito para crianças, o que acaba por conferir a ele um estilo muito peculiar, marcado pela coloquialidade e pela iteratividade:
"Quando uma pessoa está dirigindo um carro e quer indicar que vai entrar à direita, ela liga o pisca-‐pisca para a direita e pronto! Quem está na rua, pedestre ou automóvel, sabe o que significa aquele sinal." (Trecho retirado de HILGERT, 2009, p. 227) "Você já reparou naquele bichinho que vive piscando à noite? Você sabe porque os vaga-‐lumes piscam?" (Trecho retirado de HILGERT, 2009, p. 226) " O eclipse será visível aqui no Brasil a partir das 17:50. Escolha um lugar em que seja possível ver o horizonte e curta o espetáculo!" (Trecho retirado de HILGERT, 2009, p. 227-‐8)
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________
Com base no estudo de Silva (2009), faremos algumas observações sobre como o trabalho com a oralidade em textos escritos literários é um trabalho que vai muito além do uso de travessões e de aspas. Vejamos o exemplo abaixo:
"À noite, Zeca se sentou na mesa da cozinha e refez as contas. Gás, oitenta e sete e oitenta. Telefone, cinquenta e quatro. Luz, cento e setenta e cinco. Mais isto e mais aquilo. Sempre tinha algo a mais. E se diminuíssemos a carne? Cancelássemos a tv a cabo? Ver meu marido nesse perrengue da porra, recalculando nossas despesas, cortando centavos, acabava comigo." (Trecho do conto "Depilação holandesa" retirado do livro de autoria de Patrícia Melo: Escrevendo no escuro. São Paulo: Rocco, 2011, p. 105)
O trecho acima revela a opção da autora por não marcar os possíveis diálogos, "falas internas" e/ou monólogos das personagens com travessões. A escritora prefere usar apenas certos sinais de pontuação (ponto, ponto e vírgula e ponto de interrogação) para marcar tanto o procedimento de fazer as contas como as perguntas que não se sabe, pelo tipo de marcação feita, se foram feitas pelo marido ou pela mulher -‐ a narradora. No entanto, há escritores, como Luiz Vilela, que são muito detalhistas na reprodução das interações entre os personagens, assinalando todo o tipo de ação típica da interação face-‐a-‐face, tais como a ocorrência de turnos nucleares42 e de turnos inseridos43, a emergência de estruturação sintática típica da fala e a descrição dos cortes/interrupções. Vejamos um exemplo de um trecho de um conto de Luiz Vilela44 em que, no diálogo, aparecem estruturas sintáticas típicas da fala45:
"Claro", diz Maca, "claro que não depende só dele; mas os outros é mais fácil ainda". "Os outros?" "O Souza, o Aderbal, O Nenzinho..." " Você acha que eles...." "O Souza, por exemplo: o Souza, eu dou uma leitoa para ele; o Natal vem aí, quem resiste a uma leitoinha nessa época? Nós rimos. "Já o Aderbal... O Aderbal eu posso dar um peru." (Trecho do conto " Más notícias", de Luiz Vilela, retirado de SILVA, 2009, p. 169)
Clique aqui46 para ver um trecho de outro conto de Luis Vilela que exemplifica o trabalho que o autor faz com os turnos nucleares (TN) e turnos inseridos (TI), assinalados ao final de cada turno.
42 O turno conversacional é uma unidade que diz respeito aos diferentes modos por meio dos quais os interlocutores
participam da construção do diálogo. Os turnos nucleares são aqueles que contribuem para o desenvolvimento da conversação em termos informacionais, ou seja, são os turnos de fala que apresentam conteúdo referencial. (FÁVERO, JUBRAN et alli, 2010, p. 105-108)
43 Os turnos inseridos são aqueles em que os falantes fazem breves intervenções que mostram que ele está atento ao que o outro interlocutor está falando, ou está em concordância com o que está sendo dito, dentre outras funções. (FÁVERO, JUBRAN et alli, 2010, p. 108)
44 Fonte: http://www.tirodeletra.com.br/biografia/LuizVilela.htm, acesso em 23/02/2012. 45 Podemos dizer que uma estrutura sintática bastante usada na fala é a de Tópico-Comentário, que se distingue da
estrutura canônica Sujeito-Predicado. Nas estruturas Tópico-Comentário, desloca-se para o início do enunciado o tipo de informação sobre o qual se quer chamar a atenção. Exemplos: "a bolsa, ela está em cima da mesa", "o Fernando, eu não te falei dele". Com vimos, é possível chamar a atenção tanto sobre o sujeito de uma sentença, como também sobre o objeto indireto. As gramáticas tradicionais analisam essa estrutura como anacoluto, como uma figura de linguagem, mas, na verdade, ela é uma estrutura sintática legítima tanto do português como de outras línguas.
46Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/Preciso_contar_pra_voces.pdf, acesso em 23/02/2012.
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Colocando o conhecimento em jogo 3 ________________________________________________________________________________________ Revendo as observações feitas neste tópico sobre os índices de oralidade presentes nos mais variados gêneros e textos escritos, com base nos estudos de Barros (2002), é possível também dizer que: a) A evocação explícita do destinatário em certos textos escritos pode ter o objetivo de criar o que Barros (2002) chama de "efeito de cumplicidade, de aproximação, de cooperação" entre os interlocutores -‐ por exemplo, no caso dos exemplos de Machado de Assis. b) Há uma série de recursos presentes principalmente no campo da publicidade que conseguem fazer com que gêneros multissemióticos impressos -‐ tais como outdoors e anúncios publicitários em revistas e jornais -‐ "encarnem", digamos assim, práticas de linguagem do campo da oralidade, mais especificamente, aquelas que envolvem a conversação cotidiana, na qual predomina uma certa simetria47 entre os interlocutores. c) Em outras palavras, ao ler esse material, o destinatário tem a sensação de que estão falando com ele. Clique aqui48 para ver apenas alguns exemplos de trabalho com um recurso linguístico (as pessoas do discurso) que promovem os efeitos de identificação, aproximação, objetividade e simetria quando se entra em contato com este tipo de material impresso. É neste sentido que podemos dizer: mesmo por meio do impresso e da escrita, o banco (instituição financeira) parece estar falando diretamente com você, o governo (federal, estadual ou municipal) parece estar falando com você, grandes redes de supermercado, de lojas etc., todos querem criar este efeito de que não há distância entre essas instituições e cada indivíduo, de que eles são seus "camaradas", seus "amigos", seus "velhos conhecidos". No entanto, sabemos que as relações entre os clientes e os bancos, entre os consumidores e as lojas, entre os contribuintes e o governo são assimétricas49 e distantes, justamente o contrário do efeito que se cria com a publicidade e propaganda.
47 As relações sociais simétricas caraterizam-se por apresentar uma distribuição razovelmente igualitária de poder entre os
participantes. São exemplos de relações simétricas, as relações entre amigos, as relações entre pessoas que desempenham funções sociais parecidas, as relações entre colegas de trabalho.
48Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/LP_T1_TP3_P5.jpg, acesso em 23/02/2012.
49 As relações assimétricas se caracterizam pela distribuição não igualitária do poder nas relações sociais. São exemplos de relações assimétricas as relações ente pais e filhos, entre professor e alunos, entre o patrão e seus funcionários, entre chefe e subordinados, entre o estado e seus cidadãos, as relações entre prestadores de serviço e consumidores, entre as forças armadas de um país e a população. Em função disso, leis, estatutos
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________ Gostaríamos ainda de comentar o trabalho feito por muitos escritores sobre o léxico, recurso este que auxilia na criação da verosssimilhança, fundamental nos textos literários. Por exemplo, o uso de um léxico mais presente na oralidade do que na escrita pode indicar o estado de ânimo da personagem, como acontece no exemplo anteriormente mencionado da escritora Patrícia Melo50:
"Ver meu marido nesse perrengue da porra, recalculando nossas despesas, cortando centavos, acabava comigo." (Trecho do conto "Depilação holandesa", retirado do livro de autoria de Patrícia Melo, Escrevendo no escuro. São Paulo: Rocco, 2011, p. 105)
Em certas situações de comunicação relatadas por meio das narrativas literárias, a língua falada "encenada" é um dos recursos para a revelação de conflitos de todos os tipos. Sendo assim, a chamada "presença da oralidade na escrita" não se dá apenas para construir efeitos de aproximação e co-‐operação entre produtor e destinatário de um determinado texto, mas se dá também para que o leitor tenha a sensação de que aquela realidade que está sendo construída é de fato verossímel, verdadeira dentro daquele universo. Romancistas fazem isso magistralmente. Vejamos alguns outros exemplos:
"(...) Eu estava deitado quando tiniu a campainha irritante do telefone. Era Luiza dizendo aborrecida, aquele advogado de nome ridículo anda fazendo perguntas imbecis a meu respeito, coisas da minha vida particular, quer saber se minhas empresas dão lucro, se as herdei, se estou seguindo as passadas de meu pai, até o meu pai o cretino quer meter nessa história? o sujeito é um idiota (...)" (Trecho retirado do livro de autoria de Rubem Fonseca, E do meio do mundo prostituto só amores guardei no meu charuto. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 78)
"Já são sete horas da manhã e Carimbê acorda assustado quando ouve algo: -‐ Essa bosta virou hotel de cachorro agora? Vê que é seu cunhado e responde envergonhado: -‐Oi, é que... eu cheguei tarde e não quis incomodar, sabe né, acordar vocês e... -‐ Tá bom, foi bom mesmo não me acordar porque se não ia ter, mas já que você está aqui, daqui a pouco vai chegar um caminhão de pedra... (...)" (Trecho retirado do livro de autoria de Ferréz, Capão Pecado. São Paulo: Labortexto Editorial, 2000, p. 130)
50 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Patr%C3%ADcia_Melo, acesso em 20/02/2012.
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Finalizando ________________________________________________________________________________________ Por fim, gostaríamos de dar alguns exemplos de como a escrita literária já está fazendo experimentação com uma outra escrita que está literalmente "colada" nas práticas orais: a escrita dos meios digitais. No caso dos trechos abaixo, a escritora Patrícia Melo marca em itálico as sms trocadas entre a protagonista do conto e narradora em 1a. pessoa (Fernanda) e sua amiga (Dani): "Dani me manda sms a toda hora, onde você se meteu?, Estamos fazendo a unha. Pintei as unhas de azul chocante. Estamos em casa nos arrumando. Estamos saindo para almoçar no Demo." E nós dois rodando pelo bairro, e agora o cara vem me dizer que tudo o que tenho que fazer é concordar com ele. (Trecho do conto "Eu te amo", retirado do livro de autoria de Patrícia Melo, Escrevendo no escuro51. São Paulo: Rocco, 2011, p. 65) "Logo que cheguei a casa dele, onde havia pilhas e pilhas de livros de álgebra e um monstro da raça São Bernardo, hibernando num canto, ele me perguntou, depois de me oferecer vinho, se eu era mesmo estudante de Psicologia. Quer fazer o teste do Freud? Perguntei. Ele nem riu. Demo bombando. Todo mundo aqui. Gabizinha, Bel, Lia, Ka, Dedé, Sofi, Nina, Paulinha, até a chata da Nat está aqui com a prima baranga dela, a paulista estressada que brigou com a Gi na hora de dividir o táxi hahaha." (Trecho do conto "Eu te amo", retirado do livro de autoria de Patrícia Melo, Escrevendo no escuro. São Paulo: Rocco, 2011, p. 67) Ainda há muitos outros recursos usados por quem escreve para "invocar" a oralidade em situações de comunicação em que o meio gráfico é aquele utilizado para o estabelecimento da interação entre leitor e produtor, entre consumidor e prestador de serviço, entre o governo e seus cidadãos. Vimos aqui apenas alguns. Vimos também que não há uma única maneira de se marcar os diálogos entre as personagens. Uma boa motivação para fazer os alunos escreverem seria justamente pedir a eles que pesquisassem em textos literários ou em textos publicitários as formas de se "manipular" a oralidade na escrita. Uma última ideia: pedir que eles escrevam diferentes textos procurando trazer a oralidade para dentro da escrita.
51Fonte: http://wp.clicrbs.com.br/mundolivro/2011/10/29/patricia-melo-autografa-livro-de-contos/?topo=13,1,1,,,77,
acesso em 23/02/2012.
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Finalizando o tópico ________________________________________________________________________________________ Ao longo deste Tema vimos que: a) oralidade e escrita são práticas sociais que se diferenciam basicamente pelo modo de produção: a primeira é produzida pelo meio sonoro e a segunda é produzida pelo meio gráfico; b) oralidade e escrita são práticas sociais que não estão em oposição, mas são complementares entre si; c) oralidade e escrita variam (não são as mesmas); por exemplo, nossos textos orais cotidianos são planejados e verbalizados ao mesmo tempo, ou seja, apresentam um processamento on line; já os textos orais produzidos por certos jornalistas, por atores, por "experts" e por certos politicos, por exemplo, podem apresentar um grau de planejamento diferenciado, sendo, muitas vezes, submetidos a alguma pré-‐formatação que, por sua vez, pode estar relacionada a práticas de escrita; d) os textos e gêneros produzidos na modalidade oral da linguagem resultam de um conjunto de estratégias que viabilizam a sua produção; e) quando falamos, fornecemos informações sobre a nossa identidade social e também sobre as nossas diversas competências em nos comunicarmos com pessoas/públicos diferentes em situações distintas. f) quando escrevemos, também podemos trazer a oralidade para dentro da escrita por meio de vários recursos: pontuação, manipulação das fontes das letras, apelo direto ao interlocutor por meio do trabalho com as pessoas do discurso, seleção lexical. g) por isso é possível dizer que toda escrita apresenta o que Paul Zumthor fala: um índice de vocalidade, de oralidade; h) nos gêneros concebidos para serem impressos, também é possível ocorrer a elaboração de identidades sociais em função de propósitos comunicativos específicos. ________________________________________________________________________________________
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Ampliando o conhecimento 1 ________________________________________________________________________________________
Como você pode notar, professor(a), nosso Tema 1 foi bastante baseado no livro de Luiz Antônio Marcuschi Da fala para a escrita: Atividades de retextualização, de 2001. A leitura integral do livro seria indicada. Apresentação: Este livro de Luiz Antônio Marcuschi, pesquisador e professor titular de Linguística da Universidade Federal de Pernambuco, apresenta uma visão nova, rigorosa e sistemática das relações entre fala e escrita e constrói um modelo operacional para o tratamento das estratégias realizadas na passagem do texto falado para o texto escrito. O princípio geral subjacente à obra é a visão não dicotômica das relações entre a oralidade e escrita.
Outra indicação interessante é o material elaborado pelo Centro de Estudos em Educação e Linguagem -‐ CEEL, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), voltado para as práticas dos professores e editado pela Autêntica, em 2005. A coletânea foi organizada por Luiz Antônio Marcuschi e Ângela Paiva Dionísio. Apresentação: A distinção entre fala e escrita vem sendo feita na maioria das vezes de uma maneira ingênua e numa contraposição simplista. As posições continuam preconceituosas para com a oralidade. Por isso, julgamos importante explicitar tanto a perspectiva teórica das abordagens como as noções centrais de oralidade e letramento; fala e escrita, língua; gênero, texto, multimodalidade, interação, diálogo e muitas outras. Tratamos da produção textual falada e escrita e observamos o funcionamento da língua em sociedade. Você pode baixar o livro na íntegra clicando aqui.52
52Fonte: http://www.ceelufpe.com.br/e-books/Fala_Escrita_Livro.pdf, acesso em 10/03/2011.
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Ampliando o conhecimento 2 ________________________________________________________________________________________ WEBGRAFIA Alguns TEXTOS interessantes podem ser obtidos na Internet, tais como:
BOTELHO, J. M. Entre a oralidade e a escrita: um contínuo tipológico. Cadernos do CNLF, Série VIII, nº 7, s/p. Disponível em: http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno07-‐05.html, acesso em 26/02/2011. GALVÃO, A. M. O.; BATISTA, A. A. G. Oralidade e escrita: uma revisão. Cadernos de Pesquisa, v. 36, nº 128, p. 403-‐432, maio/ago 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n128/v36n128a07, acesso em 26/02/2011.
Também alguns VÍDEOS podem interessar: ENTRE A IMAGEM E A PALAVRA -‐ COLEÇÃO LUIZ ANTONIO MARCUSCHI SINOPSE: Trecho do vídeo "Entre a imagem e a palavra: reflexões sobre fala, escrita e ensino", parte integrante da Coleção Luiz Antonio Marcuschi, iniciativa do Programa de Pós-‐Graduação em Letras da UFPE. Direção/Edição: Augusto Noronha e Karla Vidal. Seleção de imagens: Angela Paiva Dionisio. Obras Utilizadas: Programa Mídia Café -‐ TV UNISINOS -‐ São Leopoldo/RS, Fala e Escrita. Realização: Ministério da Educação e CEEL/UFPE; Produção: D7 Filmes; Apoio: UFPE -‐ Recife/PE, III SIGET -‐ Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais. Para acessar, clique nas imagens53:
53 Parte 1. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=XOzoVHyiDew, acesso em 20/02/2012.
Parte 2. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=6y9xK-9bbcw, acesso em 20/02/2012.
Parte 3. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=UqSfGyR1ERA, acesso em 20/02/2012.
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Ampliando o conhecimento 3 Finalmente, para melhor poder acompanhar a comparação entre o comentário radiofônico de Arnaldo Jabor sobre o filme "O Segredo de Brokeback Mountain" e a correspondente crônica escrita e publicada no Jornal O Globo, seria interessante assistir ao filme, não é? Tenho certeza de que você vai gostar, pela delicada abordagem da questão que o filme constrói. Veja alguns dados a respeito:
SINOPSE Dois caubóis se conhecem no interior do Wyoming, onde cuidam de um rebanho de ovelhas. Lá surge um amor mútuo que será compartilhado durante os 20 anos seguintes, em intervalos irregulares, mesmo depois de casados, cada um com sua mulher e filhos. Indicado a oito Oscar 2006. FICHA DO FILME Título original: Brokeback Mountain Diretor: Ang Lee Elenco: Heath Ledger, Jake Gyllenhaal, Michelle Williams Gênero: Drama Ano: 2005 Cor: Colorido Classificação: Não recomendado para menores de 16 anos País: EUA Para ler uma RESENHA, clique aqui54. Veja o TRAILER, clicando aqui55.
54 Fonte: http://www.omelete.com.br/cinema/o-segredo-de-brokeback-mountain/, acesso em 10/03/2011. 55 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ysuEta5MolY, acesso em 10/03/2011.
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Referências bibliográficas ________________________________________________________________________________________ BARROS, D. L. P. Interação em anúncios publicitários. In: D. PRETI. (Org.). Interação na fala e na escrita. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2002, v. 05, p. 17-‐44. FÄVERO, L. L.; JUBRAN, C.C.A.S.; HILGERT, J.G. et alli. Interação em diferentes contextos. In: A.C. BENTES; M.Q. LEITE (Orgs.) Linguística de texto e análise da conversação: panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2010, p. 91-‐158. HILGERT, J. G. A oralidade em textos de divulgação científica para crianças. In: D. PRETI. (Org.). Oralidade em textos escritos. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2009, v. 10, Pp. 217-‐248. KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997. LEITE, M. Q. Oralidade, escrita, gênero e mídia: Entrelaçamentos. In: D. PRETI. (Org.). Oralidade em diferentes discursos. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006, v. 8, Pp. 85-‐110. MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: Atividades de retextualização. São Paulo: Editora Cortez, 2001. 1ª. ed. SILVA, L. A. Oralidade em contos de Luiz Vilela. In: D. PRETI. (Org.). Oralidade em textos escritos. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2009, v. 10, p. 151-‐187. TRASK, R. L. Dicionário de Linguagem e Linguística. São Paulo: Contexto, 2004. Tradução e adaptação de Rodolfo Ilari. ZUMTHOR, P. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte, Minas Gerais: Editora da UFMG, 2010.
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Tema: 2. O trabalho com gêneros orais: teoria e prática
Tópico 1: O trabalho com gêneros orais formais na escola
Um início de conversa ________________________________________________________________________________________
Trabalhar com gêneros textuais na escola é uma das tarefas mais exigidas dos professores hoje. Desde que os Parâmetros Curriculares Nacionais foram publicados, em 1997, os gêneros textuais transformaram-‐se em um dos principais objetos escolares no ensino de Língua Portuguesa Como já vimos na disciplina LP003, os gêneros e os textos que são exemplares de cada gênero são entidades de natureza flexível, maleável, mas também apresentam uma grande estabilidade, porque servem para a organização dos conhecimentos e para a regularização das diferentes práticas de linguagem das diferentes esferas sociais no interior das quais são produzidos. Por isso, neste Tema 2, vamos dar continuidade a algumas das discussões feitas na disciplina LP003, mas agora, com o foco na compreensão da importância do trabalho com gêneros orais. Para tanto, vamos trabalhar com dois gêneros importantes dentro e fora da escola: a exposição oral56 e o debate57. Escolhemos esses dois gêneros porque:
• eles se configuram como gêneros orais formais públicos58; • eles dificilmente podem ser aprendidos e exercitados, em suas versões mais formais, fora da
escola; • eles são um dos mais poderosos instrumentos de inserção social e de exercício da cidadania.
Neste Tema, vamos procurar apresentar alguns procedimentos importantes que podem servir de instrumento para o trabalho com os gêneros orais formais públicos na sala de aula: a) observação dos sujeitos na situação imediata de produção de um determinado exemplar do gênero estudado; b) reflexão sobre os mais importantes elementos do exemplar do gênero estudado. ________________________________________________________________________________________
56 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=hn4isQPqOvA, acesso em 08/03/2011. 57 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=GBe3BVxHh8E, acesso em 08/03/2011. 58Os gêneros orais formais públicos constituem as formas de linguagem que apresentam restrições impostas do exterior e
implicam um controle mais consciente e voluntário do próprio comportamento para dominá-los. São, em grande parte, pré-definidos, “pré-codificados” por convenções que os regulam e que definem o seu sentido institucional. (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004[1998], p. 147)
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Ponto de partida ________________________________________________________________________________________ Nosso principal ponto de partida para o trabalho com gêneros na escola é o seguinte princípio, elaborado por Schneuwly e Dolz (2004[1997], p. 69):
Toda introdução de um gênero na escola é o resultado de uma decisão didática que visa a objetivos precisos de aprendizagem que são sempre de dois tipos: -‐ trata-‐se de aprender a dominar o gênero para melhor conhecê-‐lo ou apreciá-‐lo, para melhor saber compreendê-‐lo, para melhor produzi-‐lo na escola ou fora dela; -‐ e, em segundo lugar, de desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e que são transferíveis para outros gêneros próximos ou distantes.
Ao longo deste Tema, como vimos, discutiremos algumas das complexidades que envolvem a produção de dois gêneros orais formais públicos: a exposição oral e o debate. No entanto, para transformá-‐los em objetos de ensino, é preciso que tenhamos claro que devemos trabalhar com eles com base nas seguintes ações:
• observação do exemplar do gênero em questão; • sistematização de suas principais características; • compreensão dos fatores que possibilitam sua compreensão (intencionalidade59, aceitabilidade60,
situacionalidade61); • conhecimentos prévios dos alunos sobre o gênero; • produção do gênero na sala de aula.
________________________________________________________________________________________
59 A intencionalidade está relacionada ao fato de que, para que uma manifestação linguística qualquer seja considerada
como um texto, é necessário que haja uma intenção por parte do produtor de que ela apresente coesão e coerência. 60 A aceitabilidade é a contrapartida da intencionalidade, já que um texto somente poderá ser considerado como tal se para
os interlocutores ele tiver alguma utilidade ou relevância. 61 A situacionalidade está relacionada à inserção do texto numa determinada situação comunicativa. A situação
comunicativa interfere na maneira como o texto é constituído e o texto, por sua vez, também possibilita determinados impactos sobre a situação comunicativa mais imediata e mais ampla.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ Em geral, quando falamos de gêneros orais formais públicos, não pensamos em um tipo de fala como a de Daniel Godri a que você acabou de assistir. Pensamos logo que uma palestra é um tipo de fala pública muito formal. No entanto, a fala de Daniel Godri, presidente do Instituto Brasileiro de Marketing, formado em Administração e com pós-‐graduação em Metodologia do Ensino Superior, é verdadeiramente uma palestra. E por que não seria? Por que estamos trazendo essa palestra para começar a falar sobre o trabalho com gêneros orais formais públicos na aula de Língua Portuguesa? Em primeiro lugar, porque, apesar de Daniel Godri mobilizar uma série de recursos de forma a criar um ambiente de proximidade entre o palestrante e a plateia, essa fala pode ser qualificada como uma palestra, isto é, a fala de alguém que é especialista em algo e que vai nos transmitir uma série de informações sobre um tema que não dominamos e sobre o qual desejamos saber mais. Sendo assim, um gênero oral formal público como uma palestra pode ser produzido sem criar um efeito de afastamento entre orador e plateia/público. Aliás, é exatamente por isso que alguns palestrantes fazem muito sucesso: porque conseguem criar um ambiente de descontração e, com isso, produzem um grande envolvimento do público, de forma que este pode, então, ficar completamente concentrado em sua performance.
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ É exatamente esse o caso de palestras como de Daniel Godri62. Ele faz com que nos concentremos em sua performance por muitas razões. Vamos falar de algumas delas.
(Clique aqui63 para ver a transcrição dos minutos iniciais da fala) I. Em primeiro lugar, porque ele usa a seu favor (como palestrante) e em favor dos conteúdos que quer passar, toda a natureza multissemiótica da fala. Vamos lembrar o que isso quer dizer neste contexto específico? Quer dizer que ele trabalha, manipula, por exemplo, recursos da voz, que possibilitam que os conteúdos sejam "emoldurados" por sentidos sociais específicos. Assim, enquanto ele fala, ele não apenas fala, mas trabalha, modula sua voz para que ela deixe transparecer suas emoções (alegria, tristeza, empolgação etc.) em relação ao que está dizendo. Daniel Godri também manipula a sua prosódia64, de forma a falar mais devagar ou mais rápido, mais alto ou mais baixo, quando lhe interessa, e ainda dando modulações à sua voz de forma a enfatizar os momentos de transição entre as diferentes partes do texto. II. A natureza multissemiótica da fala também pode ser percebida nessa palestra porque o palestrante, enquanto fala, apresenta variadas expressões faciais e uma gestualidade bastante treinada (ver, por exemplo, os momentos em que ele usa o ato de assoprar o balão como uma forma de pontuar partes do texto e também de enfatizar determinados conteúdos), que complementa aquilo que está sendo falado. Além disso, a movimentação corporal do palestrante é também bastante ensaiada (ver, por exemplo, os momentos em que ele sobe e desce uma escada). III. Todas essas outras linguagens (qualidade da voz, recursos prosódicos -‐ velocidade de fala, ritmo de fala, entoação -‐, gestualidade, expressividade facial e corporal), combinadas com a linguagem verbal, formam esse quadro multissemiótico da palestra. Ou seja, quando falamos, nos damos a ver aos outros e não apenas nos fazemos ouvir. IV. O recurso discursivo mais importante trabalhado por Daniel é a metáfora de pessoas "bola murcha" versus pessoas "bola cheia". Essa comparação, que é trabalhada ao longo do texto, e a caracterização de cada um destes "tipos" por meio de encenações específicas é o principal recurso discursivo que dá a estruturação do texto. Essa metáfora é presentificada pelo objeto balão que fica na mão do orador durante sua fala. ________________________________________________________________________________________
62 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Z9h0lRMlgAI, acesso em 08/03/2011. 63Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_
generos_variedades/Transcricao_daniel_godri_LP006.pdf, acesso em 08/03/2011. 64 "Variações em altura, volume, ritmo e tempo (velocidade de emissão) durante a fala. [...] Os fenômenos prosódicos são
notoriamente difíceis de estudar, mas progressos consideráveis foram feitos no estudo de pelo menos alguns deles. Ainda assim, alguns manuais elementares de fonética e fonologia só raramente discutem os traços prosódicos com algum grau de detalhe." (TRASK, 2004, p. 242) Na sala de aula, um importante trabalho com os recursos prosódicos envolveria o incentivo à auto-observação da velocidade de fala (fala rápida & fala ralentada & fala lenta) e das possibilidades de variação ou modulação da altura da voz nos diferentes contextos de produção de fala. Por exemplo, a velocidade de fala e as variações na altura da voz - entoação - no contexto de leitura de um texto podem e devem ser bem diferentes das de uma encenação/performance do mesmo texto.
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Colocando os conhecimentos em jogo 3
V. O texto oral de Daniel Godri é também muito bem organizado e é construído por meio de alguns recursos que facilitam a sua memorização. A estrutura composicional do texto pode ser descrita como dividida em três partes: a) de como se pode ser um "bola cheia"; b) de como se pode ser um "bola murcha"; e c) de como é difícil se manter um "bola cheia" sem "estourar". VI. Os recursos textuais mais usados por Daniel Godri são as recorrências65 de termos66, de estruturas67 e de conteúdos e as sequências dialogais68 que envolvem um "você" genérico e outras personagens, sendo que o orador coloca em cena ou apenas um deles ou os dois ao mesmo tempo (ver, por exemplo, o diálogo imaginário deste "você" com a mãe, o diálogo entre um "bola cheia" ("você") e um "bola murcha" e as falas de diferentes personagens -‐ o chefe, o colega, o cliente, a mulher, o filho, a sogra -‐ dirigidas ao "você" genérico). Esse "você" genérico é também um recurso textual importante porque cada um dos membros da plateia pode se identificar pessoalmente com ele a cada vez que é enunciado. VII. Por fim, a encenação dos diálogos confere ao texto oral um "ar de conversa" entre o palestrante e o público ("você").
(Clique aqui69 para ver a transcrição dos minutos iniciais da fala)
65 Recurso textual importante para a estruturação dos textos que consiste no uso reiterado/repetido de termos, de estruturas
e de conteúdos. 66 Um exemplo de recorrência de termos presente no texto oral de Daniel Godri é o reiterado uso da expressão "mãe",
iniciando vários enunciados durante um certo trecho do texto. 67 No texto de Daniel Godri, alguns exemplo de recorrência de estruturas são o uso de "você começa a" (cinco vezes) e
também de "o bola murcha não quer que você ...., ele quer que você ..." (duas vezes). 68 Como vimos na disciplina LP003, sequências dialogais são aquelas nas quais "as enunciações encontram-se localizadas
em turnos de fala, que são naturalmente emparelhados sob a forma de intercâmbios bipartidos e ligados, entre si, por uma certa tematicidade. (PASSEGI et al., 2010, p. 294). No caso do texto de Daniel Godri, as sequências dialogais ocorrem quando ele encena esses turnos de fala, performatizando, por exemplo, um diálogo entre "você" e "sua mãe" ou ainda performatizando diálogos entre "você" e um "bola murcha".
69Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/Transcricao_daniel_godri_LP006.pdf, acesso em 08/03/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 4
Voltemos, então, a Schneuwly e Dolz (2004[1997], p. 143): A ação de falar realiza-‐se com a ajuda de um gênero, que é um instrumento para agir linguisticamente. É um instrumento semiótico, constituído por signos organizados de maneira regular; esse instrumento é complexo e compreende diferentes níveis. Eis porque o chamamos de "megainstrumento", para dizer que se trata de um conjunto articulado de instrumentos, um pouco como uma fábrica. Mas fundamentalmente se trata de um instrumento que permite realizar uma ação em uma situação particular. E aprender a falar é apropriar-‐se dos instrumentos para falar em situações de linguagem diversas, isto é, apropriar-‐se de gêneros. Considerando a definição acima, podemos nos perguntar: qual ação Daniel Godri realizou por meio desse trecho de sua palestra? As palestras de Daniel Godri e esta que vimos parece que pretendem fundamentalmente "motivar" a pessoa que a ouve/vê. Por isso, o nome de suas palestras: "palestras motivacionais". É em função desse objetivo principal que os recursos antes descritos são mobilizados, manipulados, manejados pelo orador. Sendo assim, suas palestras não vão implicar em explicações mais técnicas sobre um dado tema, como seria o caso da palestra científica. Seu objetivo maior é o de aproximar e envolver seu público de forma a revelar-‐lhe uma "verdade" e de forma a fazer com que cada um dos seus interlocutores acredite na sua "mensagem": a de que se deve ser um "bola cheia", mas sem se deixar "estourar". Sendo assim, um gênero oral formal público, como a palestra, pode apresentar muitos formatos, de acordo com sua esfera de circulação. No caso estudado, o que chama a atenção são os recursos que possibilitam a aproximação e o envolvimento do público com o palestrante. Chama mais atenção ainda a linguagem informal70 da palestra e mobilização de uma metáfora popular71 como principal recurso de estruturação textual-‐discursiva. No entanto, mesmo não sendo uma palestra prototípica, a palestra de Daniel Godri nos mostra como alguém que se propõe a falar em público por meio de um determinado gênero tem a sua disposição um variado conjunto de recursos de natureza multissemiótica que possibilitam aos gêneros orais formais públicos exercerem um fascínio muito especial em relação àqueles aos quais são dirigidos.
70 No próximo tópico, nos concentraremos em observar a variação linguística que pode acontecer em função de vários
fatores e dimensões sociais. A informalidade na fala derivaria de uma conjugação de fatores tais como o tipo de relação entre os participantes da interação (próxima ou distante) e o status (alto ou baixo) de cada um. Assim, a linguagem informal emerge quando estamos "relaxados" ou "livres de pressões". Na linguagem informal, podemos, por exemplo, fazer uso de contrações ("cê"), de marcadores conversacionais ("né", "aí"), de gírias etc.
71 "Bola murcha" & "Bola cheia"
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Finalizando... ________________________________________________________________________________________ Ao longo desse tópico, aprendemos que: a) Os gêneros orais formais públicos apresentam sempre uma natureza multissemiótica (texto verbal, prosódia, modulação da voz, gestualidade, movimentação corporal, expressões faciais etc.); b) Os gêneros orais formais públicos tais como a palestra apresentam muitos formatos, ou seja, são variáveis, de acordo com sua esfera de circulação; c) Uma palestra, que é um gênero oral formal público, pode apresentar uma linguagem informal; d) Uma palestra é um gênero oral formal público porque é previamente planejada, pensada, sendo que cada um dos recursos que a compõem e que parecem ser tão naturais e espontâneos resultam, na verdade, de um trabalho sobre as diferentes linguagens para um fim específico; e e) O ensino de gêneros orais formais públicos pressupõe que os observemos e que procuremos compreender -‐ para podermos ensinar -‐ como sua natureza multissemiótica contribui para a construção dos sentidos, e por meio de quais recursos e formatações. ________________________________________________________________________________________
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Tópico 2: Trabalhando com a exposição oral Um início de conversa ________________________________________________________________________________________
No Tópico anterior, vimos que um exemplo clássico de exposição oral, como a palestra motivacional de um especialista em marketing pessoal, pode ter um formato pouco canônico, mas, ainda assim, é um gênero oral formal público porque:
• é previamente planejado de forma a conseguir surtir determinados efeitos em seus ouvintes; e
• é produzida por alguém considerado um especialista em um campo específico do conhecimento.
Neste Tópico 2, vamos trabalhar mais especificamente com a caracterização da exposição oral e vamos retomar alguns pressupostos que devem ser considerados ao se trabalhar com a linguagem oral na sala de aula. Para tanto, vamos fazer o seguinte:
• em um primeiro momento, vamos trabalhar com a comparação entre a palestra que vimos no tópico anterior e uma coluna radiofônica de Mauro Halfeld, especialista em Economia que tem um quadro na Rádio CBN; e
• em um segundo momento, vamos retomar alguns pressupostos teóricos sobre o trabalho com a linguagem oral em sala de aula, mais especificamente, o trabalho com a exposição oral.
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Ponto de partida ________________________________________________________________________________________ Vamos ouvir o áudio de Mauro Halfeld, economista que tem um quadro e/ou coluna radiofônico/a na Rádio CBN, na parte da manhã, no qual responde a perguntas dos ouvintes sobre questões de economia doméstica. Vamos acompanhar o áudio72 com a transcrição73 e vamos tentar refletir a partir das seguintes perguntas:
• Quais as principais diferenças entre a fala de Mauro Halfeld e a fala de Daniel Godri?
• Avalie essas diferenças considerando os seguintes
aspectos:
1. A velocidade da fala -‐ Quem fala mais pausadamente? Por quê? 2. A altura da voz -‐ Quem fala mais alto? Por quê? 3. O vocabulário -‐ Quem usa vocabulário técnico? Por quê? 4. Planejamento do texto: Qual texto apresenta uma maior grau de improvisação? Por quê?
72Fonte: http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/mauro-halfeld/2011/03/04/MUDEI-DE-CIDADE-E-VENDI-O-
APARTAMENTO-COMPRO-OUTRO-OU-INVISTO-E-VIVO-DE-ALUGUEL.htm, acesso em 08/03/2011. 73Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_
generos_variedades/TranscricaoHalfeld.pdf, acesso em 08/03/2011.
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Mãos à obra ________________________________________________________________________________________ O que aproxima os dois gêneros orais formais públicos com os quais tivemos contato até agora, a palestra e o quadro e/ou coluna radiofônico/a de Mauro Halfeld na Rádio CBN? Em primeiro lugar, ambos são proferidos por especialistas. Esta é uma primeira característica das exposições orais: o produtor é um especialista que fala, em geral, porque alguém lhe pede uma explicação e/ou instrução sobre um dado tema e/ou procedimento. Em segundo lugar, vejamos o que dizem Dolz e Schneuwly (2004[1998], p. 147) sobre os gêneros orais formais públicos:
Os gêneros orais formais públicos constituem as formas de linguagem que apresentam restrições impostas do exterior e implicam, paradoxalmente, um controle mais consciente e voluntário do próprio comportamento para dominá-‐las. São, em grande parte, pré-‐definidos, "pré-‐codificados" por convenções que os regulam e que definem o seu sentido institucional. Mesmo que se inscrevam numa situação de imediatez, já que muito frequentemente a produção oral se dá em face dos outros, as formas institucionais do oral implicam modos de gestão mediados, que são essencialmente individuais. Exigem antecipação e necessitam, portanto, preparação.
Podemos agora compreender melhor que os dois gêneros formais públicos aos quais tivemos acesso, a palestra de Daniel Godri e o quadro e/ou coluna radiofônico/a de Mauro Halfeld na CBN, possuem uma segunda característica em comum: são previamente planejados.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ Então, tanto a palestra de Daniel Godri como a coluna radiofônica de Mauro Halfeld compartilham as seguintes características: a) são gêneros orais formais públicos; b) são formas de exposição oral, caracterizadas por serem proferidas por um especialista sobre um determinado tópico de interesse do público a quem se destina; e c) são textos de natureza instrucional (seja isso, faça aquilo), mas que mobilizam variados recursos que acabam por não deixar explícita essa natureza instrucional. No entanto, esses dois gêneros se diferenciam em função de alguns aspectos que envolvem a situação mais imediata de produção: a) são veiculados por diferentes meios: o audiovisual (no caso da palestra) e o sonoro (no caso do quadro ou da coluna radiofônico/a); b) discorrem sobre tópicos distintos: motivação pessoal (no caso da palestra) e economia doméstica (no caso do quadro radiofônico); e c) pressupõem diferentes públicos: profissionais em formação continuada, no caso da palestra, e público adulto que quer aconselhamento sobre temas de economia doméstica, no caso da coluna radiofônica. ________________________________________________________________________________________
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ Essas diferenças possibilitam um grande impacto sobre o texto oral produzido. Quais são alguns dos aspectos desse impacto? a) em função dos diferentes meios de veiculação (audiovisual ou sonoro), a fala de cada um dos especialistas apresenta características bastante distintas: fica mais pausada, menos alta e mais planejada no caso do quadro radiofônico; e mais rápida, mais alta e com um grau maior de improvisação, no caso da palestra; além disso, os outros recursos multissemióticos (gestualidade, movimentação e expressividade corporal e facial) são fundamentais para a construção dos sentidos na palestra mas não podem ser mobilizados no quadro radiofônico, materializado em ondas sonoras. b) em função dos diferentes tópicos sobre os quais os especialistas discorrem, o léxico se apresenta bem diferente: na palestra, não há a presença de um vocabulário técnico; bem ao contrário, são mobilizadas metáforas populares e um conjunto de palavras que estão presentes na fala coloquial e/ou informal; no quadro radiofônico, um vocabulário mais especializado é mobilizado. c) em função dos diferentes públicos, os recursos textuais são diferenciados: na palestra, predomina a exemplificação por meio da encenação de diálogos porque se quer envolver e motivar o público; no quadro radiofônico, em função da necessidade de se fazer um esclarecimento para uma dúvida, as sequências são expositivas, nas quais há o predomínio das explicações (é bom comprar uma moradia porque é o melhor investimento).
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________ Considerando que o planejamento prévio é uma das características fundamentais dos gêneros orais formais públicos, podemos dizer que ambos os gêneros analisados envolvem atividades de retextualização. E, provavelmente, na direção da escrita para a fala, mas também da fala para a fala. Essa questão nos leva a perguntar:
• O quanto a fala de Mauro Halfeld é apenas uma leitura de um texto escrito, já que ninguém o está vendo? • O quanto a palestra de Daniel Godri foi previamente "ensaiada"? Na tentativa de responder a essas questões, vamos pensar: Quando vamos fazer uma fala pública (quando somos demandados por nossos amigos, por exemplo, a fazer um pequeno discurso em homenagem a um aniversariante, amigo em comum), ensaiamos antes ou não? Escrevemos algo (um roteiro ou mesmo um texto inteiro) antes ou não?
Provavelmente, a resposta é sim. E provavelmente o nosso discurso de homenagem será uma retextualização tanto do "ensaio" quanto do texto ou do roteiro (caso tenhamos feito um). Por isso é que dissemos, no Tema 1, que não há uma relação de oposição entre as duas modalidades, oral e escrita. Mas sim, que elas são complementares, ou seja, elas contribuem de forma prática para a produção dos textos dos gêneros.
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________ Sendo assim, se considerarmos as observações iniciais dos gêneros que fizemos, podemos levantar alguns pressupostos do trabalho com a oralidade na sala de aula, mas, mais especialmente, os pressupostos do trabalho com os gêneros orais formais públicos:
• Trabalhar a oralidade não apenas como um meio para a exploração de diversos outros objetos de ensino -‐ a leitura, a produção de textos escritos e o tratamento de aspectos gramaticais -‐, mas como um objeto de ensino por si mesmo: ensinar a performar a fala formal e pública (MENDES, 2005).
• Trabalhar a oralidade e, principalmente, os gêneros orais formais públicos, como formas efetivas de comunicação que são, ao mesmo tempo, legítimos objetos de ensino.
• Considerar a oralidade não em termos de diferenças estanques em relação à escrita, mas trabalhando suas diferentes funcionalidades e possibilidades de interrelação entre ambas.
• Trabalhar a oralidade (ou os textos escritos profundamente influenciados pela oralidade) não como um lócus privilegiado para uma reflexão sobre possíveis "erros" ou impropriedades, passando quase que imediatamente à correção desses mesmos erros ou impropriedades. É importante que percebamos que a correção gramatical é usada de forma estratégica nos gêneros orais formais públicos. O melhor exemplo disso é a fala de Daniel Godri, que apresenta uma série de "erros" gramaticais que jamais seriam corrigidos por seu público, já que, sem esses "erros", sua fala não seria considerada envolvente e o efeito de proximidade com o público desapareceria.
• Não enfatizar excessiva e predominantemente o trabalho com o que poderíamos chamar de uma "oralidade higienizada e normalizada", que privilegia o exercício de práticas orais cultas e formais. Se entendemos que os gêneros orais e escritos se situam em um continuum, não há porque trabalhar apenas com as pontas desse contínuo. A chamada "oralidade padrão" é produzida em contextos muito especiais e somente podemos chegar a ela de forma gradual, considerando a relação de aproximação, contraste e/ou conflito com outras práticas orais, mais coloquiais -‐ privadas ou públicas -‐, menos formais -‐ privadas ou públicas (BENTES, 2010; 2011).
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Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________
Uma sugestão de trabalho com a linguagem oral e com a produção gradual e contínua de exposições orais curtas, dependeria da eleição de novos objetos de ensino. Por exemplo, o estudo de Azanha (2008), intitulado "Gêneros televisivos na escola: A co-‐construção dos sentidos nas interações de alunos do ensino médio", mostrou que a exploração dos gêneros midiáticos como notícias, comentários e entrevistas televisivas, com o objetivo principal de fazer com que os alunos construam, de forma colaborativa e conjunta, os conhecimentos sobre os sentidos veiculados nesses e por esses gêneros, contribui para que, em primeiro lugar, os alunos aprendam a ouvir o outro. Trabalhar com o campo da oralidade pressupõe necessariamente a contínua "apuração do ouvido".
Além disso, o referido estudo também mostra que, quando colocados em uma situação de interação mais simétrica (sem a intervenção, mas com a supervisão do professor) e no contexto de um grupo menor de participantes (de quatro a seis pessoas), os alunos passam a ter uma postura diferenciada: envolvem-‐se com a atividade de linguagem proposta, elegem o outro como interlocutor legítimo (o que tem um impacto imediato na maneira como formulam e reformulam sua produção discursiva), apresentam uma atitude colaborativa em relação ao que os interlocutores dizem e também conseguem discordar e/ou entrar em conflito com o(s) outro(s) de forma polida. Sem falar que os alunos passam a, de fato, exercitar e refletir sobre as outras linguagens próprias dessa situação comunicativa específica (direcionamento do olhar, gestualidade e expressão facial). A eleição de novos objetos de ensino -‐ a própria aula, os gêneros midiáticos (radiofônicos, televisivos ou cinematográficos) e digitais (vídeos e áudios da Internet) -‐ é de importância vital para que o trabalho com a fala/oralidade surta os efeitos desejados por todos.
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Finalizando... ________________________________________________________________________________________ Vimos até aqui que, com base em Dolz e Schneuwly (2004[1998], p. 146-‐147) e em Dolz, Schneuwly, De Pietro e Zahnd (2004[1998], p. 185-‐187), podemos dizer que: I. A noção de oral formal adotada até aqui nada tem a ver com prescrições normativas ("certo" ou "errado") em termos de pronúncia, de verbalização de palavras ou de enunciados. "As características do oral formal decorrem das situações e das convenções ligadas aos gêneros." (p. 146) II. Os gêneros orais realizados em público (conto oral, palestra, debate, quadros (radiofônicos ou televisivos) etc.) são diferentes linguística e discursivamente e seus graus de formalidade dependem do lugar social de comunicação no interior dos quais os gêneros se realizam (rádio, televisão, igreja, escola, universidade, administração etc.). (p. 146) III. Os gêneros orais formais públicos devem ser trabalhados na sala de aula de Língua Portuguesa, porque o papel da escola é fazer com que os alunos ultrapassem as formas cotidianas de produção oral, levando-‐os a confrontar essas suas formas cotidianas de produção oral com outras formas mais institucionais. (p. 147) IV. Essas formas orais mais institucionais, fortemente definidas e reguladas do exterior, dificilmente são aprendidas sem uma intervenção didática. (p. 147) V. A exposição oral pressupõe um especialista que vai falar para um público que espera aprender algo com ele. (p. 186) VI. O papel do expositor-‐especialista é o de transmitir um conteúdo, ou, dito de outra forma, de informar, de esclarecer, modificar os conhecimentos dos ouvintes nas melhores condições possíveis, procurando diminuir a assimetria de conhecimentos que distingue o especialista do seu público (p. 186) VII. A exposição oral é altamente planejada (em vários níveis) e exige que o especialista organize o texto de forma a que este apresente uma progressão temática clara e coerente em função da conclusão visada. (p. 187)
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Atividade autocorrigível 3 ________________________________________________________________________________________ Leia com atenção os enunciados abaixo: I. A noção de oral formal proposta pela escola genebrina nada tem a ver com prescrições normativas ("certo" ou "errado") em termos de pronúncia, de verbalização de palavras ou de enunciados. II. Os gêneros orais realizados em público como por exemplo o conto oral, a palestra, o debate etc. são diferentes linguística e discursivamente e apresentam diferentes graus de formalidade. III. O objetivo do trabalho com os gêneros orais formais públicos é o de levar os alunos a confrontarem suas formas cotidianas de produção oral com outras formas mais institucionais. IV. Os gêneros orais formais públicos são adquiridos espontaneamente. V. A exposição oral pode ser feita por qualquer pessoa, mesmo que não esteja preparada para desempenhar tal tarefa. Agora escolha a alternativa correta e pouse o cursor sobre o marcador da alternativa escolhida (letra) para conferir suas respostas: a)74 Apenas II, III e V estão corretas; b)75 Apenas I, III e V estão corretas. c)76 Apenas I, III e IV estão corretas; d)77 Apenas I, II, III e IV estão corretas; e)78 Apenas I, II e III estão corretas;
74 Incorreta 75 Incorreta 76 Incorreta 77 Incorreta 78 Correta porque as alternativas IV e V são incorretas.
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Tópico 3: Trabalhando com o gênero debate Um início de conversa 1 ________________________________________________________________________________________ Neste Tópico, iremos abordar um outro gênero oral formal público, constitutivo das práticas de linguagem das diferentes mídias (televisiva, radiofônica, digital etc.) e também constitutivo das práticas de linguagem de muitas outras instituições (escola, igreja, câmara de deputados, assembléia sindical, fórum criminal etc.): o debate.
Como vimos até aqui, tanto nas disciplinas anteriores como nesta disciplina, um gênero textual, seja ele produzido oralmente, por escrito ou por uma mescla dessas duas (ou de outras) modalidades, seja ele veiculado midiaticamente ou não, pode apresentar formatos bastante distintos, apesar de ser reconhecido, muitas vezes intuitivamente, em função de sua nomeação, de sua rotulação. Vimos que um gênero textual como a palestra pode apresentar uma linguagem bem descontraída e pode estar focada principalmente no envolvimento do ouvinte com o palestrante,
de forma que os conteúdos informacionais novos são concisamente apresentados, como foi o caso da palestra de Daniel Godri que analisamos no Tópico anterior. Vimos também que, tanto na palestra de Daniel Godri como no quadro radiofônico de Mauro Halfeld, determinados recursos prosódicos são manipulados pelos especialistas para que determinados objetivos sejam atingidos (envolver o ouvinte, esclarecer uma questão). Assim, a produção desses gêneros não pode ser desvinculada do domínio desses recursos prosódicos e de outros recursos semióticos que sejam necessários. Vamos trabalhar com o gênero debate e observar como ele é produzido em uma mídia: a televisiva. Analisaremos dois exemplares de um mesmo programa, observando que eles se diferenciam um do outro em função da temática e observando também como essas diferenças causam impactos sobre a linguagem e sobre a produção textual de seus participantes. ___________________________________________________________________________________
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Um início de conversa 2 ________________________________________________________________________________________ Partiremos da proposta de Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004[1998]) para o trabalho com o gênero debate público na sala de aula de língua materna. Os autores concebem esse gênero, dentre outros aspectos, como a explicitação e a negociação dos motivos de cada um em um contexto de defesa de um ponto de vista, de uma escolha ou de um procedimento de descoberta. Para os autores, um pressuposto importante em relação ao trabalho com o gênero debate é o fato de que este gênero, além de ser predominantemente oral, possibilita aos alunos o desenvolvimento das capacidades (orais ou escritas) envolvidas na defesa de um ponto de vista, de uma escolha ou de um procedimento de descoberta. Algumas dessas capacidades comunicativas específicas são: a gestão da palavra entre os participantes; a escuta do outro; a retomada do discurso do outro em suas próprias intervenções etc. Sendo assim, os autores afirmam que:
o debate coloca em jogo capacidades fundamentais, tanto do ponto de vista linguístico (técnicas de retomada do discurso do outro, marcas de refutação etc.), cognitivo (capacidade crítica) e social (escuta e respeito pelo outro), como do ponto de vista individual (capacidade de se situar, de tomar posição, de construção de identidade). (p. 214)
Os autores fazem questão de ressaltar que a sua proposta de trabalho com o gênero debate encontra-‐se fundamentada em numerosas teorias da argumentação (o que implica uma atenção especial em relação aos diversos tipos de argumento, às diversas formas de refutação, ao papel dos conectivos e dos marcadores de orientação argumentativa), mas também sobre estudos que dão importância ao papel exercido pelo mediador e que focam a construção coletiva, interativa dos sentidos. ___________________________________________________________________________________
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Ponto de partida ________________________________________________________________________________________ Como ponto de partida, tomaremos a classificação que Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004[1998]) propõem, com base em vários estudos sobre o gênero debate, com vistas ao trabalho em sala de aula. Os tipos de debates elencados pelos autores são: o debate de opinião de fundo controverso, o debate deliberativo e o debate para a resolução de problemas. O debate de opinião de fundo controverso diz respeito a crenças e opiniões não visando a uma decisão, mas a uma colocação em comum das diversas posições, com a finalidade de influenciar a posição do outro, assim como de precisar ou mesmo modificar a sua própria. Nesse sentido, o debate representa um poderoso meio não somente de compreender um assunto controverso por suas diferentes facetas, mas também de forjar uma opinião ou de transformá-‐la. (p. 215)
O debate deliberativo, no qual a argumentação visa a uma tomada de decisão, é necessário cada vez que há escolhas ou interesses opostos. Nesse caso, o debate pode propiciar a emergência de soluções originais, que integram posições anteriormente opostas. Os exemplos podem ser os seguintes: "Aonde ir na viagem de formatura"? "Que livros ler coletivamente?" "Deve-‐se fazer uma festa para recolher fundos para ajudar na construção de uma escola no Haiti?" (p. 215)
O que está em jogo no debate para a resolução de problemas é a busca de soluções, a partir da gestão do conjunto de saberes distribuídos (em geral, de forma parcial e assimétrica) pelo grupo de debatedores. Exemplos de questões que possibilitam esse debate em sala de aula: "Por que acontece o eclipse lunar?" "Uma maçã é jogada do alto do mastro. Ela cai perto ou longe do mastro?" (p. 216) ________________________________________________________________________________________
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Mãos à obra ________________________________________________________________________________________ Vejamos agora um exemplo de debate televisivo sobre o tema "Namorar ou ficar? Qual a melhor escolha?". O tema é refraseado logo no início pelo apresentador: "Namorar é melhor do que ficar?".
79 O Programa tem por objetivo trazer temas que possam ser debatidos pelo público jovem e que sejam de interesse desse público. Agora, vamos refletir:
• Qual o perfil social dos debatedores que são chamados a participar desse programa? • Qual o perfil social do moderador? • Quais são as razões para que sejam esses os perfis sociais para a composição do programa e para
fazer esse debate? • Como o programa dá voz ao público? • Considere os três tipos de debate apontados por Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004[1998]). Você
classificaria este debate do Programa "Fala aí" como qual dos três tipos? ________________________________________________________________________________________
79 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=hmnXxFvtxnQ, acesso em 08/03/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ Você deve ter respondido que se trata de um debate de opinião de fundo controverso. Pois bem, é com esse tipo de debate que vamos trabalhar, pois ele garante a base central para os outros tipos de debate. De forma a trabalhar com esse primeiro tipo de debate, vamos analisar, de forma bem geral, o formato desse gênero, o programa de debate veiculado pela televisão. Apesar de termos visto apenas 10 minutos de programa, foi possível perceber que o programa se estrutura, em sua parte inicial, da seguinte forma:
(Clique na imagem80 para ampliá-‐la)
Em primeiro lugar, é importante perceber o papel do animador/moderador. É dele a responsabilidade de receber os convidados e de moderar o debate, fazendo perguntas que os "desafiam" a emitirem suas opiniões sobre o tema em pauta. Além disso, ele deve também controlar o tempo de fala de cada um. É também importante considerar que o meio (a televisão) é responsável pela rapidez com que cada parte do programa é executada. Isso é importante de ser ressaltado porque isso implica em habilidades especiais por parte do apresentador/moderador André Marinho, por parte dos convidados e por parte dos jovens que participam do programa: eles precisam falar de forma bastante fluente81, rápida mesmo, sem a presença de muitas pausas (preenchidas ou não). Outro ponto importante de ser ressaltado é que o apresentador/moderador André Marinho mobiliza muitos recursos linguísticos e de organização textual82 de forma a deixar seu texto oral com uma cara menos "formal", assim como acontece na palestra de Daniel Godri. Mas, como já dissemos, os gêneros orais públicos formais não podem ser compreendidos a partir de uma visão normativa (de certo ou errado), mas sim considerando a situação comunicativa implicada e as convenções genéricas constitutivas de sua produção e recepção. ________________________________________________________________________________________
80Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_or
al_generos_variedades/LP_D6_T2_I10_.jpg 81 Vamos nos lembrar do Tópico 1, onde analisamos a fala da apresentadora da entrevista em contraste com a fala do
entrevistado. Percebemos que o tipo de planejamento da fala da apresentadora (o que implica um treinamento profissional) foi o responsável pela diferença entre a fala dela e a do entrevistado, mesmo que ambas as falas apresentassem um grau maior de planejamento do que outras falas em contextos mais cotidianos e/ou informais.
82 No caso dos vários textos de apresentação e de saudação produzidos por André Marinho, podemos chamar a atenção para o uso de marcadores conversacionais ("bom", "olha", "então"), de gírias comuns, de recursos prosódicos (por exemplo, ênfase - maior altura da voz - em determinadas palavras) e semióticos (gestualidade, expressões faciais e corporais).
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ Voltando ao vídeo do Programa "Fala Aí", podemos dizer que a segunda parte do programa é aquela na qual o público e os participantes são convidados a emitirem suas opiniões sobre o tema em questão.
(Clique na imagem83 para ampliá-‐la)
Sobre essa segunda parte, importa dizer, em primeiro lugar, que o papel do apresentador/moderador continua sendo de fundamental importância para a introdução e para a condução do tópico. a) depois da abertura dessa segunda parte feita por Samiro, um jovem de 22 anos, André Marinho fala: "beleza maravilha ( ) a galera tem a oportunidade de expressar sua opinião... então é isso aí brother também concordo acho muito interessante...", retomando a fala do jovem e concordando com ela; b) em seguida, ao fazer a pergunta para o primeiro convidado, retoma novamente a fala do jovem Samiro, fazendo a seguinte paráfrase: "tá certo que o namorar ... primeiro você começa com o ficar..."; c) ao fazer a pergunta para a terceira convidada, a psicóloga Miriam Marsicky, André Marinho fala "exato", concordando com a fala anterior da jovem jornalista; e continua: "doutora... em se tratando de psicologia.. por exemplo.... eu falei/o Nico falou .... aquela questão de de repente beijar duas ou três pessoas na mesma noite ... em se tratando de psicologia ... o que isso pode influenciar na cabeça da juventude?"; aqui podemos observar que, para fazer a pergunta para a psicóloga, o apresentador/moderador retoma um ponto levantado84 por ele mesmo e respondido/comentado por Nico Marcondes. ________________________________________________________________________________________
83Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_or
al_generos_variedades/LP_D6_T2_I11.JPG 84Sobre o comportamento dos jovens de beijar mais de uma pessoa na mesma noite.
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________ Um segundo ponto importante de ser ressaltado é o papel dos participantes (jovens e convidados). Ainda sobre esse trecho do programa "Fala Aí", é possível perceber que todos os convidados explicitam suas opiniões ao longo e ao final de seus discursos. Vejamos um resumo das opiniões do jovem e dos convidados:
(Clique na imagem85 para ampliá-‐la)
Além disso, eles também entram no "clima" de debate proporcionado pelo moderador, respondendo às suas "provocações": Nico Marcondes: .... principalmente para jovens aí a partir de 14 até 18 anos ... você tá num momento de descoberta da vida ... e eu acho que beijar é muito bom muito saudável... então eu acho que ficar limpo ... dar beijinho na boca ... fazer experimentos ... beijar duas ou três mulheres ou vice-‐versa André Marinho: não na mesma noite (risos) Nico Marcondes: então eu acho que o ficar (interrupções de André) eu acho saudável (interrupções do André) pois é.. eu acho saudável na mesma noite ficar... dar um beijinho sem compromisso... ________________________________________________________________________________________
85Fonte:/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/LP_D6
_T2_I12.JPG, acesso em 23/03/2012
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________ Além disso, em geral, tanto o jovem que abre a segunda parte do programa como os convidados procuram fundamentar suas opiniões por meio de sequências descritivas ou expositivas. Vejamos dois exemplos: Samiro: ... na minha opinião ficar é o que há porque a pessoa não pode começar a namorar sem antes ficar com ela pra poder conhecer e tal (sequência expositiva) Miriam Marsicky: ... então tem o ficar o transar e o namorar... então eu acho que o ficar hoje para o jovem é um conhecer ... tá.. se conhecer pra ver se realmente a relação vai dar certo (sequência descritiva) Por fim, eles também procuram marcar suas posições pelo uso de marcadores de refutação86 e/ou de concordância87. Por exemplo, ao responder a pergunta de André Marinho ("Você também pensa assim também, Mayara?"), a locutora de rádio Mayara Gonçalves, começa sua fala assim: Mayara Gonçalves: eu penso mais ou menos assim ... eu acho que o que ele falou é muito importante... No caso do início da fala da jornalista, ela, ao mesmo tempo em que não concorda completamente com a fala do outro convidado ("eu penso mais ou menos assim"), também faz um movimento de valorização dessa mesma fala ("o que ele falou é muito importante"). Todos os exemplos nos mostram que o debate de opinião de fundo controverso é, de fato, um locus muito importante de observação de como os sujeitos negociam e coconstroem os sentidos, de forma a manter ou transformar uma opinião, um ponto de vista. Os procedimentos exemplificados são fundamentais para a caracterização do gênero, como já vimos no contato com os pressupostos de Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004[1998]). ________________________________________________________________________________________
86 A refutação de um argumento pode ser compreendida como a ação de negar (mesmo que parcialmente) ou não
concordar com o argumento exposto pelo outro interlocutor. Uma das marcas de refutação mais explícita é o uso do próprio "não" ou de "não... mas" antes da enunciação do argumento que vai se opor ao argumento apresentado.
87 Os marcadores de concordância estão relacionados à ação de concordar com um argumento exposto pelo outro interlocutor. Um dos marcadores de concordância mais usados é o "isso" ou o "isso mesmo".
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Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________ Agora, vamos ver mais um vídeo do mesmo Programa, sobre outro tema. Interessa-‐nos neste vídeo analisar como a natureza polêmica do tema modifica a interação entre o moderador e os convidados e entre os convidados.
88 Uma primeira diferença entre este programa sobre o tema "Maioridade penal aos 16 anos" e o outro programa sobre o tema "Ficar ou namorar? Qual a melhor escolha?" é o tempo de apresentação do tema. Neste programa, o tema é apresentado durante quase 2 minutos, enquanto que no outro programa, o tema é apresentado em aproximadamente 1 minuto. Uma segunda diferença reside no grau de informatividade do texto inicial do apresentador. No seu texto oral, André Marinho fornece um conjunto de informações mais detalhadas sobre o tema, diferentemente do que acontece no outro programa. O apresentador faz alusão ao um dos importantes direitos do jovem de 16 anos no Brasil, o direito ao voto, contrapondo esse fato ao de que o jovem brasileiro de 16 anos não pode ter carteira de habilitação. Em seguida, apontando um aprofundamento do que ele julga ser uma contradição ("a situação fica mais complicada"), o moderador levanta o problema dos crimes cometidos por jovens com menos de 18 anos. A partir de então, começa a fornecer um conjunto de dados sobre como são as leis em outros países no que diz respeito a essa matéria. Os dados oferecidos já induzem a se pensar que a proposta de redução da maioridade penal é um erro. ________________________________________________________________________________________
88 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=GI4y2vbqsPU, acesso em 08/03/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 6 ________________________________________________________________________________________ É justamente contra essa orientação argumentativa89 implementada já no início do programa que o primeiro convidado, o advogado Ari Friendebach, se insurge, criando um ambiente de posições antagônicas no início do programa, já que vai discordar explicitamente não das informações em si, mas da interpretação dada a essas informações. Vejamos o trecho no qual o advogado explicita a sua crítica ao tipo de informação fornecida pelo moderador na abertura do programa: Ari Friendebach: ... você tem alguns dados que eu achei muito interessante mas me deixa ... meio intrigado ... você diz de que em sete anos de endurecimento de leis nos estados unidos a criminalidade entre jovens aumentou em três vezes ... é ... eu acho assim que esse dado ... falta um pouco de melhor análise dele ... porque assim ... a única leitura que eu posso fazer disso é... então quer dizer que os jovens ficaram bravos porque a lei ficou mais dura? Interrompendo o advogado, André Marinho se posiciona: André Marinho: é porque é na verdade ele se aplica na cultura ... né americana estados unidos ... e talvez ... um dentro daquela cultura deles isso tenha acontecido ... mas não significa que num país como o nosso o Brasil isso também... por causa do endurecimento... isso também deva acontecer.... Em resposta à intervenção de André Marinho, o advogado, então, aprofunda sua crítica: Ari Friendebach: não ... e é exatamente isso o que eu quero dizer ... o que acontece a gente fala dados de vários países ... e cada país tem uma realidade completamente diferente... André Marinho: uma realidade... cultura... formação Ari Friendebach: a gente não pode falar da cultura japonesa comparar com o que acontece aqui no Brasil ... É importante perceber que o tema, os dados fornecidos pelo moderador na abertura do programa e a posição defendida pelo advogado (uma responsabilização penal dos jovens que cometem crimes hediondos) possibilitaram a polêmica90 desse debate inicial entre o moderador e o convidado, mais especialmente, a emergência do "ataque" do convidado ao direcionamento argumentativo implícito do moderador sobre o tema em pauta, ao fornecer os dados91 que forneceu. ________________________________________________________________________________________
89 Como vimos no Tema 1, a orientação argumentativa de um determinado texto ou enunciado pode ser percebida pelo
modo como os recursos linguísticos (por exemplo, encadeamento de enunciados por meio de operadores argumentativos e por meio da seleção lexical) são mobilizados peloprodutor do texto, levando o interlocutor a adotar uma determinada posição em relação ao que é dito em detrimento de outra.
90 É importante pensar que o debate se instaurou de forma mais polêmica (caracterizada pela defesa mais direta e acirrada de posições) e menos colaborativa (caracterizada pela não refutação direta da outra posição) também por um fator emocional: o defensor da responsabilização penal de jovens por crimes hediondos teve sua filha assassinada por um jovem menor de 18 anos que ficou impune. Esse perfil social de um dos convidados cria impactos não apenas sobre a forma como o tema é discutido, mas também na maneira como ele é recebido no programa pelo moderador, que o trata com maior formalidade e menos proximidade.
91 - na maioria dos países (55%) a maioridade é aos 18 anos; - o endurecimento das leis nos EUA apenas fez com que triplicasse o número de crimes cometidos por jovens; - na Europa, a Espanha voltou atrás na decisão de reduzir a maioridade penal e, na Alemanha, além de se ter retornado a maioridade para os 18 anos, está sendo criada uma justiça especializada em crimes cometidos por jovens entre 18 e 21 anos.
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Finalizando o tópico ________________________________________________________________________________________ Neste tópico, trabalhamos com o gênero oral formal público "debate de fundo controverso". Para tanto, procuramos analisar mais detidamente dois programas televisivos destinados ao público jovem que têm por objetivo principal debater temas de interesse desse público. O que ficou para nós desse breve estudo?
1. O debate de fundo social controverso é um gênero oral formal público muito importante para a formação da cidadania;
2. Fazer com que o aluno se interesse por esse gênero somente pode se dar por meio da mediação do professor, como se faz com outros gêneros (orais ou escritos);
3. A observação das competências exibidas pelo moderador e pelos participantes de um debate pode ser uma das maiores motivações para que os alunos se interessem por esse gênero, seja para compreendê-‐lo, seja para (re)produzir um certo tipo de participação -‐ como moderador, como especialista, como um dos que vai defender uma determinada posição;
4. É importante perceber que em um debate, qualquer que seja ele, o tempo é um fator muito importante. As posições e os argumentos precisam ficar explicitados dentro de um determinado tempo (geralmente em um ou dois minutos) e todos os participantes devem ter direitos iguais de participação em relação a esse aspecto;
5. Desenvolver a competência de argumentar em um período muito curto de tempo é um trabalho que exige muita preparação e planejamento;
6. Ensinar o debate pressupõe que observemos a forma como os argumentos são apresentados, quais argumentos são apresentados e quais marcas de refutação e de concordância são usadas;
7. A polêmica é uma forma de se estabelecer/construir o debate. Vimos que um participante-‐especialista iniciou sua fala questionando diretamente os dados fornecidos pelo moderador no início do debate. Não se pode lidar com a polêmica de forma normativa (reprovando-‐a, por exemplo), já que ela é constitutiva do debate. O mais importante é observar como a polêmica se instaura e como os participantes lidam com enunciados e posturas polêmicas.
61
Finalizando o Tema ________________________________________________________________________________________ Os pontos mais importantes deste Tema 2 estão resumidos abaixo:
• Os gêneros orais formais públicos apresentam sempre uma natureza multissemiótica e apresentam muitos formatos, ou seja, são variáveis.
• Os gêneros orais formais públicos devem ser trabalhados na sala de aula de Língua Portuguesa porque se faz necessário levar os alunos a ultrapassarem as formas cotidianas de produção oral e a confrontarem essas formas cotidianas de produção oral com outras formas mais institucionais.
• A exposição oral pressupõe um especialista que vai falar para um público que espera aprender algo com ele. O principal objetivo dessa interação é modificar os conhecimentos dos ouvintes, diminuindo assim a assimetria de conhecimentos que distingue o especialista do seu público.
• A noção de oral formal adotada não está relacionada com "certo" ou "errado", mas decorre fundamentalmente das situações, das convenções ligadas aos gêneros e dos propósitos comunicativos do locutor.
• O debate de fundo social controverso é um gênero oral formal público muito importante para a formação da cidadania e que somente pode ser objeto de reflexão por parte dos alunos se houver a mediação do professor.
• Essa mediação consiste em levar os alunos a observarem o funcionamento do debate: o papel de cada um dos participantes, a forma e o conteúdo da argumentação e a instauração (ou não) da polêmica.
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Ampliando o conhecimento 1 ________________________________________________________________________________________ WEBGRAFIA 1. Links para textos sobre debate regrado e exposição oral: CRISTOVÃO, V. L. L.; DURÃO, A. B. A. B.; NASCIMENTO, E. L. Debate em sala de aula: Práticas de linguagem em um gênero escolar92. Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-‐PR, 2003. P. 1436-‐1441. NASCIMENTO, E. L. Gêneros em expressão oral: Elementos para uma seqüência didática no domínio do argumentar93. Revista SIGNUM: Estud. Ling., n. 8/1, Londrina, jun. 2005. P. 131-‐156. TEIXEIRA, A. P. T.; BLASQUE, R. M. G.; SANTOS, C. D. A exposição oral na sala de aula94. GOULART, C. A exposição oral em seminário: Um gênero escolar muito utilizado, mas pouco sistematizado95. 2. Links para textos com propostas de ensino de debate regrado: Aula do Portal do Professor do MEC sobre "O debate regrado e o bullying"96, de autoria de Walleska Bernardino Silva. Debatendo97. Oficina Pedagógica -‐ DE S.J.Campos/SP, de autoria de Dorothy Bluyus Rodrigues Matias -‐ PCOP/História. Plano de aula da Nova Escola Online sobre "Redução da maioridade penal (de 18 para 16 anos)"98 (debate).
92 Fonte: http://www.celsul.org.br/Encontros/05/pdf/199.pdf, acesso em 10/03/2011. 93 Fonte: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/signum/article/viewFile/3641/2943, acesso em 10/03/2011. 94Fonte:http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:P7tG72h-DR0J:www.uel.br/eventos/sepech/arqtxt/resumos-
anais/AnaPTTeixeiraRobertaGBlasque.pdf+exposi%C3%A7%C3%A3o+oral&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESiHLFfk3rSv6y4UKq14SijXMcMoSkc0sBvaRY7lRjhaerYZkZaxeIMmuPLPTEEUK12VpF8pjXS9it-iGpHPmJVtmSsVaG8g-W9XteL-66VdZ_wpHJwzE_ugGURQljVBHVtYRqWf&sig=AHIEtbRp-e4dfayPK-JZN7-lmS8R2PWu5g, acesso em 10/03/2011.
95Fonte:http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:9ynx-BVZhF8J:www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_307.pdf+exposi%C3%A7%C3%A3o+oral&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESixv0lKc-Vo47JGBPvW0eT6lUtB77plAEmfWLV1ErwlviUTnWIazPknD4GZpVRyx8kN_7cqc7PSfGOxGnk-E4J01_upQAgkMSe6f3KOnOiWasxceIzZtYyYjuoTfBHeQY5eg_oa&sig=AHIEtbRzwfTTCaC55rdbNe6tAfv7jTOmNA, acesso em 10/03/2011.
96 Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=22729, acesso em 10/03/2011. 97 Fonte: http://sites.google.com/site/dorothybluyus/debatendo, acesso em 10/03/2011. 98Fonte:http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-praxis-
pedagogicas/BANCO%20DE%20SUGESTÕS%20DE%20PLANO%20DE%20AULAS/reducao%20da%20maioridade%20penal%20-%20de%2018%20para%2016%20anos.pdf, acesso em 10/03/2011.
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Ampliando o conhecimento 2 ________________________________________________________________________________________ FILMES E VIDEOS
O GRANDE DESAFIO Título original: The Great Debaters Duração: 126 minutos (2 horas e 6 minutos) Gênero: Aventura Direção: Denzel Washington Ano: 2007 País de origem: EUA
SINOPSE: Acredite no poder das palavras. Inspirado em uma história real, o filme conta a jornada do brilhante, mas volátil, professor Melvin Tolson (Denzel Washington) que, usando de seus métodos pouco convencionais, sua visão política radical e o poder das suas palavras para motivar um grupo de alunos do Wiley College, do Texas, a participar de um campeonato de debates na Universidade de Harvard. ELENCO: Denzel Washington (Melvin B. Tolson) Nate Parker (Henry Lowe) Jurnee Smollett (Samantha Booke) Denzel Whitaker (James Farmer Jr.) Jermaine Williams (Hamilton Burgess) Forest Whitaker (Dr. James Farmer Sr.) Dentre outros. Para ver o trailer, clique aqui99. Leia uma resenha, clicando aqui100. Além disso, você pode ver alguns vídeos e textos de opinião sobre os temas tratados no Programas de TV, clicando nos links abaixo: Pé na Rua: ficar ou namorar?101 i9 -‐ Produções -‐ Fala Aí102 (vários programas do Fala Aí da TV da Gente) Debate sobre a maioridade penal no Rio de Janeiro103 Um ombro amigo -‐ Namorar ou ficar?104
99 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Fd7-oKgiFmg, acesso em 10/03/2011. 100 Fonte: http://cinema.uol.com.br/resenha/o-grande-desafio-2007.jhtm, acesso em 10/03/2011. 101 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=1Ftv7nYyjDU&NR=1&feature=fvwp, acesso em 10/03/2011. 102 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=PaXxgAZViF0&NR=1, acesso em 10/03/2011. 103 Fonte: http://opiniaoenoticia.com.br/opiniao/tendencias-debates/debate-sobre-a-maioridade-penal-no-rio-de-janeiro/,
acesso em 10/03/2011. 104 Fonte: http://www.umombroamigo.com/2010/05/namorar-ou-ficar.html, acesso em 10/03/2011.
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Referências Bibliográficas 1 ________________________________________________________________________________________ AZANHA, E. F. Gêneros televisivos na escola: A co-‐construção dos sentidos nas interações de alunos do Ensino Médio. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas. São Paulo: Unicamp/IEL, 2008. BENTES, A. C. Linguagem oral no espaço escolar: Rediscutindo o lugar das práticas e dos gêneros orais na escola. IN: E. RANGEL; R. ROJO (Orgs.) Explorando o ensino: Língua Portuguesa. Brasília, DF: MEC, Vol. 1, 2010. P. 15-‐35. _____. Oralidade, política e direitos humanos: Por uma aula de Língua Portuguesa comprometida com o diálogo e com a construção da cidadania. IN: V. M. S. ELIAS (Org.) Oralidade, leitura e escrita no ensino de Língua Portuguesa. São Paulo: Contexto, 2011. P. 20-‐35. DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita -‐ Elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). IN: B. SCHNEUWLY; J. DOLZ e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004[1998]. P. 41-‐70. Tradução e organização de R. H. R. Rojo e G. S. Cordeiro. DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B.; DE PIETRO, J.-‐F.; ZAHND, G. A exposição oral. IN: B. SCHNEUWLY; J. DOLZ e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004[1998]. P. 215-‐246. Tradução e organização de R. H. R. Rojo e G. S. Cordeiro. DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B.; DE PIETRO, J.-‐F. Relato da elaboração de uma seqüência: O debate público. IN: B. SCHNEUWLY; J. DOLZ e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004[1998]. P. 247-‐278. Tradução e organização de R. H. R. Rojo e G. S. Cordeiro.
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Referências Bibliográficas 1 ________________________________________________________________________________________ MENDES, A. N. N. B. A linguagem oral nos livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental -‐ 3º e 4º ciclos: Algumas reflexões. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUC-‐SP/LAEL, 2005. PASSEGGI, L. et al. A análise textual dos discursos: Para uma teoria da produção co(n)textual do sentido. In: A. C. BENTES; M. Q. LEITE (Orgs.) Linguística textual e análise da conversação: Panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2010. P. 262-‐315. SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Os gêneros escolares -‐ Das práticas de linguagem aos objetos de ensino. IN: B. SCHNEUWLY; J. DOLZ e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004[1997]. P. 71-‐91. Tradução e organização de R. H. R. Rojo e G. S. Cordeiro. TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. São Paulo: Contexto, 2004. Tradução e adaptação de Rodolfo Ilari. Revisão Técnica de Ingedore G.V. Koch e Thais Ch. Silva.
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Tema: 3. O trabalho com as variedades do Português Tópico 1 -‐Trabalhando com as variedades do português: Pressupostos teóricos
Um início de conversa 1______________________________________________________________________________________
__ Neste tópico 1 do Tema 3, vamos trabalhar com uma perspectiva sociolinguística105, para tratar dos elementos linguísticos que constituem os textos e os gêneros. O que é uma perspectiva sociolinguística? É uma perspectiva que tem, como principal interesse, a explicação sobre porque falamos e/ou escrevemos de formas diferentes, em diferentes contextos. Os pesquisadores que estudam estas relações entre língua e sociedade, os sociolinguistas, também buscam entender como a linguagem é usada pelos falantes, de forma a convencionar/marcar significados sociais. Além disso, uma perspectiva sociolinguística pressupõe que encaremos o fenômeno linguístico considerando dois princípios: a) Todas as línguas mudam. b) Todas as línguas variam. Isso significa dizer que a língua de hoje está em processo de mudança e que a língua de ontem apresentou variação106. Em outras palavras, a qualquer momento que quisermos partir para a observação do fenômeno linguístico, vamos encontrá-‐lo em variação e sofrendo mudanças (ambos processos mais ou menos perceptíveis). Ao longo deste tópico, trabalharemos com estes dois princípios, mostrando como eles estão intrinsecamente relacionados. Observemos, por exemplo, o texto abaixo, apontado como "a mais antiga cantiga de amigo107 em Língua Portuguesa, que seria de autoria de D. Sancho I de Portugal108 e teria sido escrita em 1199, numa época em que o príncipe residia na fortaleza da Guarda" (ILARI, 1997, p. 208):
Ay, eu coitada, como vivo em gram cuydado Por meu amigo que hei alongado! Muyto me tarda O meu amigo na guarda! Ay, eu coitada, como vivo em gram desejo Por meu amigo que tarda e non vejo! Muyto me tarda O meu amigo na guarda.
É interessante perceber que, apesar de este texto ser escrito em Português arcaico, do século XII, nós o compreendemos em seu sentido global: o lamento de uma mulher sobre o fato de estar distante de seu amado. No entanto, também percebemos algumas diferenças radicais na grafia de certas palavras: "y" no lugar de "i"; "am" ou "on" no lugar de "ão". ________________________________________________________________________________________
105 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sociolingu%C3%ADstica, acesso em 08/04/2011. 106 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Varia%C3%A7%C3%A3o_(lingu%C3%ADstica), acesso em 08/04/2011. 107 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cantiga_de_Amigo, acesso em 08/04/2011. 108 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sancho_I_de_Portugal, acesso em 08/04/2011.
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Um início de conversa 2______________________________________________________________________________________
__ Há mudanças também no léxico109. Certas expressões que figuram na cantiga ("hei alongado", "me tarda") não são mais usadas com o mesmo sentido. Hoje, usaríamos "está distante", "demora". Mudaram ainda certas estruturas sintáticas110. Na expressão "hei alongado" (algo como "tenho distante") o verbo haver ("hei") é usado como auxiliar de tempo do particípio "alongado" e esta estrutura sintática não ocorre mais no Português contemporâneo. A cantiga de amigo aqui analisada é um dado exemplar para analisarmos a chamada variação diacrônica, ou seja, a variação linguística que se dá através do tempo. Assim, as línguas mudam111 bastante através dos tempos. Mas também variam112 bastante em um mesmo tempo histórico. Para começarmos nossa conversa sobre esse tema, clique nas imagens abaixo, que remetem a gravações das décadas de 40 a meados dos anos 60 do século XX:
[vídeos]113 109 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Léxico, acesso em 08/04/2011. 110 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sintaxe, acesso em 08/04/2011. 111 Portanto, usamos o termo "mudança linguística" para nos referir às transformações das línguas ao longo do tempo
histórico. 112 Portanto, usamos o termo "variação linguística" para nos referir às diferentes formas que as línguas apresentam em um
dado tempo histórico. 113 Cena do programa de TV “Alô, Doçura, com John Herbert e Eva Wilma, 1954. Fonte:
http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/M891AO433Y4M/, acesso em 28/04/2011. Link original disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=vEh7J7hQ4c4, acesso em 19/04/2011.
Anúncio do óleo Saúde, Cacilda Becker e Walmor Chagas, 1962. Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/WW1HAB8D8NUK/, acesso em 28/04/2011. Link original disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=YxQaN0FKA74, acesso em 19/04/2011.
Discurso de Getúlio Vargas, no Dia do Trabalho de 1951. Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/7U3XX2YKWS31/, acesso em 28/04/2011. Link original disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=LQCV1iFegZg, acesso em 19/04/2011.
Discurso de Luís Carlos Prestes, em Comício do PCB em 1945. Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/B7HHXX3UYX8A/, acesso em 28/04/2011. Link original disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=kUKJMdCdynA, acesso em 19/04/2011.
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Ponto de partida ________________________________________________________________________________________ Agora, reflita
• Quais diferenças, em termos de linguagem, você pode notar entre os filmes de diferentes gêneros (discursos de palanque filmados, cena de série brasileira, anúncio comercial televisivo)?
• Considerando os gêneros observados, podemos fazer uma divisão entre aqueles mais formais e os mais informais?
• O que você considera que mais se modificou: a linguagem, os cenários (vestimentas, comportamentos etc.) ou ambos?
Retomando nossa conversa sobre as relações entre linguagem e sociedade, podemos dizer que a variação linguística é um fenômeno constitutivo de todas as línguas. Consiste no que Camacho (2001) denomina "caos organizado", a saber, a existência de formas linguísticas alternativas para se dizer a mesma coisa.
A variação pode se dar no nível lexical. Ilari e Basso (2006, p. 164-165) afirmam que a mesma realidade, conforme a região, pode ser expressa por palavras diferentes: lanternagem/funilaria; macaxeira/aipim/mandioca; negócio/venda; geleia de frutas/chimia. Ou, ainda, que duas variedades regionais têm palavras com a mesma forma, mas com sentidos diferentes: quitanda (em geral, mercearia, tenda; em Minas Gerais, conjunto de iguarias doces e salgadas feitas com massa de farinha); feira (em geral, reunião de vendedores; na região Norte, sacola em que se transportam gêneros). A variação pode ocorrer no nível fonético-fonológico114. Considerando as diferenças de fala entre sujeitos oriundos de diferentes grupos sociais, pode-se dizer que há variação, por exemplo, na pronúncia115 de "folha" que pode se pronunciada com "lhe" antes da vogal final; ou com "i" ("foia"); ou que há variação na pronúncia de "constância", que pode também ser pronunciada "constança", ocorrendo a monotongação do ditongo crescente em posição final "ia". A variação pode ocorrer no nível sintático. No português de Portugal, a condição é expressa pelo modo indicativo ("Se eu sabia, eu vinha"). No português do Brasil, esta construção é estigmatizada e a construção preferida é expressa pelo modo subjuntivo ("Se eu soubesse, eu viria"). ________________________________________________________________________________________
114 "A Fonética e a Fonologia são as áreas da Linguística que estudam os sons da fala. Por terem o mesmo objeto de
estudo, são ciências relacionadas. No entanto, esse mesmo objeto é tomado de pontos de vista diferentes em cada caso. A principal preocupação da Fonética é descrever os sons da fala. (...) Por sua vez, a Fonologia procura interpretar os resultados obtidos por meio da descrição fonética dos sons da fala em função dos sistemas de sons das línguas e dos modelos teóricos disponíveis." (CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001, p. 105-106).
115 "A Fonética e a Fonologia são as áreas da Linguística que estudam os sons da fala. Por terem o mesmo objeto de estudo, são ciências relacionadas. No entanto, esse mesmo objeto é tomado de pontos de vista diferentes em cada caso. A principal preocupação da Fonética é descrever os sons da fala. (...) Por sua vez, a Fonologia procura interpretar os resultados obtidos por meio da descrição fonética dos sons da fala em função dos sistemas de sons das línguas e dos modelos teóricos disponíveis." (CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001, p. 105-106).
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Mãos à obra ________________________________________________________________________________________ Essa diversidade de formas, no entanto, não é usada aleatoriamente pelos falantes. Os usos linguísticos são influenciados por fatores sociais específicos, refletindo a influência de um ou mais dos componentes abaixo: Os participantes: Quem está falando? -‐ A idade da pessoa que fala, o grupo ou classe social ao qual ela pertence, o sexo da pessoa. Com quem a pessoa está falando? -‐ A idade da pessoa com quem se fala, o grupo ou classe social ao qual ela pertence, o sexo da pessoa. O contexto social da interação: Onde e em que época eles estão falando? O tópico: Sobre o que se está falando? A função ou finalidade: Por que ou para que eles estão falando? Nos vídeos a que você acabou de assistir, a linguagem dos participantes muda justamente em função da conjunção de alguns dos fatores acima. Vejamos:
Na cena116 em que Eva Wilma e John Herbert desempenham o papel de marido e mulher, o uso da expressão "meu bem" como forma de tratamento (usada tanto por ele como por ela) marca justamente o tipo de relação (conjugal) que mantêm e a proximidade entre eles. Outro aspecto importante de ser ressaltado é a entoação de Eva Wilma quando fala com John Herbert. Perceba a forma como ela implementa um ritmo especial à sua fala no trecho: "ah eu vi uma coisa TÃO bonitinha pra homem na cidade que eu não resisti... comprei pra você... adivinhe o que é? ... um chaveirinho na forma de sapinho meu bem... um amor meu bem ... pra você...". Aqui também percebemos o uso do diminutivo, que pode ser considerado
como um marcador de gênero no Português brasileiro. Todos esses recursos conjugados conferem um caráter informal e próximo às falas dos participantes dessa interação. ________________________________________________________________________________________
116 Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/M891AO433Y4M/, acesso em 28/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________
• No anúncio comercial televisivo117, do qual participam Cacilda Becker e Walmor Chagas, são justamente as funções desempenhadas por Cacilda118 -‐ de mulher explicando para o marido ("é por isso, querido") a diferença no uso de dois óleos de cozinha, em um plano, e a de atriz explicando para o público feminino ("é verdade, amiga") porque deve usar/comprar um determinado produto, em outro plano -‐ que exercem influência sobre a sua velocidade de fala (pausada ou mais rápida) e sobre o fato de o texto ser estruturado principalmente por meio de sequências descritivas119 e explicativas120.
• Já os discursos de palanque121 de Getúlio Vargas122 e de Luís Carlos Prestes123 revelam a influência do contexto social na produção da linguagem. São produções primeiramente escritas e, como tal, previamente planejadas, formatadas na variedade padrão124 do Português brasileiro.
• Uma das principais características da fala do ex-‐presidente Getúlio Vargas é a forma de tratamento de seus interlocutores. Ele se dirige a seus interlocutores por meio da segunda pessoa do plural ("vós", "convosco, "vosso"). Hoje em dia, mesmo em discursos formais, a segunda pessoa do plural não é mais usada, tendo sido substituída, quase que categoricamente, por "vocês", ou, em contextos mais formais, por "os(as) senhores(as)". Outra característica da fala do ex-‐presidente é a pronúncia do /l/ pós-‐vocálico; normalmente, nesses contextos de palavras, vocaliza-‐se o /l/, pronunciando-‐se /al/ como /au/, /il/ como /iu/, /el/ como /éu/ e /ol/ como /ou/. No entanto, Getúlio Vargas pronuncia o /l/ como um som alveolar125, como nas palavras "BrasiL", "voLtei", "nacionaL", "leaL", "irresistíveL", "iguaLdade sociaL". Essa variação, que podemos ver e ouvir ao termos acesso a essa gravação de um discurso de palanque de mais de 50 anos atrás, não é produtiva hoje, já que poucas pessoas pronunciam o /l/ dental. No entanto, naquela época, essa pronúncia marcava a regionalidade da fala da pessoa, sendo característica dos falantes do Sul do País, especialmente, do Rio Grande do Sul, terra de nascimento do ex-‐presidente Getúlio Vargas. (LEITE; CALLOU, 2002). Se uma pessoa hoje pronuncia o /l/ assim, provavelmente tem uma idade mais avançada e mora no extremo Sul do Brasil. Para nós, essa pronúncia alternativa das palavras "Brasil", "voltei", "nacional", "leal", "iressistível", "igualdade social", marca um tipo de pronúncia distante no tempo e específica de determinada região do País.
________________________________________________________________________________________
117 Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/WW1HAB8D8NUK/, acesso em 28/04/2011. 118 Fonte:
http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=personalidades_biografia&cd_verbete=708&cd_item=20, acesso em 05/04/2011.
119 "esses óleos estão aquecendo há bastante tempo... aqui tem óleo comum ...aqui tem o tradicional Óleo Saúde...” 120 "... o Óleo Saúde não faz fumaça porque não tem impurezas para queimar... e é por isso... querido... que com o Óleo
Saúde a gente sente o gosto dos alimentos não do óleo... é verdade amigas... o teste da fumaça prova a superior qualidade do tradicional Óleo Saúde...”
121 Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/7U3XX2YKWS31/, acesso em 28/04/2011. 122 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Get%C3%BAlio_Vargas, acesso em 05/04/2011. 123 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_Carlos_Prestes, acesso em 05/04/2011. 124 A variedade padrão é geralmente aquela associada aos gêneros escritos de prestígio (literários, jornalísticos, científicos
etc.) e que passou por processos mais sistemáticos e duradouros de regularização e codificação por meio da elaboração de gramáticas e de dicionários. É reconhecida como uma variedade de prestígio por uma comunidade e é usada para funções altas, tais como a escolarização e a elaboração de leis e de procedimentos administrativos. Pode-se dizer que apenas uma minoria de línguas do mundo possuem escrita e uma parcela menor ainda passou por processos de codificação e/ou regularização.
125 Som que é produzido com a ponta da língua tocando a parte posterior dos dentes incisivos superiores.
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________
O trecho do discurso de Luís Carlos Prestes também reflete o contexto sócio-‐histórico126 mais amplo, principalmente se observarmos o uso de determinadas expressões referenciais:
1. Relacionadas ao campo da política da época: "trotskistas127", "fascistas128", "quinta-‐colunistas"129, "comunistas"130; "Stalinistas"131.
2. Relacionadas ao campo de estudos das Ciências Sociais: "realidade econômica, social e política", "proletariado", "trabalhadores das cidades e do campo".
Retomando a nossa discussão sobre a variação intrínseca a todo fenômeno linguístico, podemos dizer que as línguas variam em função de fatores e dimensões sociais. Os fatores sociais são os que apresentamos anteriormente. As dimensões sociais envolvidas na variação linguística são as que se seguem:
1. A escala de distância social132 definida pelo relacionamento entre os participantes. 2. A escala de status133 definida pelo relacionamento entre os participantes. 3. Uma escala de formalidade134 definida pelo cenário e pelo tipo de interação. 4. Duas escalas funcionais135 relacionadas ao propósito ou ao tópico da interação.
A escolha das expressões referenciais elencadas acima revela que a fala de Luís Carlos Prestes é influenciada tanto pela dimensão da formalidade quanto pelo status social de quem fala. É uma fala que evoca conhecimentos do campo político da época e também conhecimentos científicos, revelando o status social de Prestes, um homem estudado, experiente nas questões políticas, que desempenha uma função alta dentro de seu Partido, um líder político nacional (veja, por exemplo, a quantidade de pessoas mobilizadas para escutar o seu discurso). Por isso, podemos dizer que sua fala se situa na parte superior da escala de status, revelando que o "dono da voz" pertence a um grupo social mais prestigiado socialmente. Em função do contexto em que é enunciada, sua fala é marcada pela formalidade também, porque exibe determinadas construções sintáticas (o uso do presente do subjuntivo, como em "organizemos, pois, o nosso povo"; "marchemos ..."; o uso do verbo "haver" como auxiliar na construção "é o que nós, comunistas, havemos de fazer, havemos de fazer com o apoio do povo e particularmente com o proletariado de São Paulo", que só aparecem na escrita formal ou em textos oralizados previamente redigidos, como é o caso dos discursos de Prestes e de Getúlio. ________________________________________________________________________________________
126 Fonte. http://educacao.uol.com.br/biografias/luis-carlos-prestes.jhtm, acesso em 05/04/2011. 127 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trotskismo, acesso em 19/04/2011. 128 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fascismo, acesso em 19/04/2011. 129 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Quinta_coluna, acesso em 19/04/2011. 130 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Comunismo, acesso em 19/04/2011. 131 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Stálin, acesso em 19/04/2011. 132Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral
_generos_variedades/LP_D6_T3_I35.jpg, acesso em 19/04/2011. 133Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral
_generos_variedades/LP_D6_T3_I36.jpg, acesso em 19/04/2011. 134Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral
_generos_variedades/LP_D6_T3_I37.jpg, acesso em 19/04/2011. 135Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral
_generos_variedades/LP_D6_T3_I38.jpg, acesso em 19/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________ A partir de agora, procuraremos exemplificar como a manipulação de elementos de uma das variedades não padrão136 do português brasileiro, no interior de um texto (um roteiro de cinema) predominantemente escrito na variedade padrão, somente foi bem-‐sucedida na passagem do escrito para a encenação, porque contou com o conhecimento prático de um falante dessa variedade não padrão, que deu assessoria aos roteiristas e diretores. Para tanto, vamos trabalhar com um trecho do roteiro do filme nacional "O Invasor"137, de autoria de Marçal Aquino, Renato Ciasca e Beto Brant, de forma a compará-‐lo com o trecho da transcrição da cena do filme, feita pela pesquisadora Alessandra Brum (2003), em sua dissertação de mestrado intitulada O processo de criação artística no filme "O Invasor". Segundo a pesquisadora, o filme "O Invasor" foi concebido a partir de uma novela que ainda estava sendo escrita por Marçal Aquino138, que interrompeu o seu processo de criação literária para desenvolver o roteiro. De qualquer forma, antes de observarmos o trecho em que ocorrem transformações na linguagem, na passagem do roteiro para a encenação propriamente dita, é necessário que tenhamos acesso a algumas informações relevantes. A linguagem desenvolvida por Marçal Aquino na produção desta novela, que depois se transforma em roteiro de filme, é assim caracterizada em entrevista concedida à pesquisadora Alessandra Brum:
"... queria pensar um pouco essa coisa da violência urbana, no sentido de que tinha algumas coisas que eu estava vendo nas ruas. Eu gosto muito da rua, a minha literatura vem da rua, a mágica vem dali..." (Marçal Aquino, em entrevista concedida a Alessandra Brum, 2003, p. 167).
136 As variedades não-padrão em geral se caracterizam por serem faladas por pessoas das camadas populares e que
possuem pouca ou nenhuma escolarização. Fala-se de variedades não-padrão no plural, porque elas vão ser influenciadas por fatores tais como região geográfica, faixas etárias e níveis de escolarização. Mas existem traços comuns entre elas, tais como o fato de serem estigmatizadas, de veicularem conteúdos de tradição oral e de não serem submetidas a processos de regularização e oficialização.
137 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Xkq6wsFFOK0, acesso em 05/04/2011. 138 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mar%C3%A7al_Aquino, acesso em 05/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________ Sobre o gênero roteiro, a pesquisadora Alessandra Brum afirma que Marçal Aquino o concebe como "um instrumento para a realização de um filme que garante, de maneira organizacional, a estrutura narrativa que o material deve conter" (BRUM, 2003, p. 31). Para a pesquisadora, é importante percebermos que o roteiro é um dos elementos da linguagem cinematográfica, já que "o verdadeiro roteiro é aquele que não pretende, por si só, afetar o leitor de forma completa e definitiva, mas que foi criado tão somente com o objetivo de se transformar em um filme e só a partir daí adquirir sua forma final" (TARKOVSKI, 1998, apud BRUM, 2003, p. 31). Sobre a passagem do escrito para a encenação, foi muito importante a participação do rapper139 Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage140. Como o filme trata das relações entre centro e periferia em São Paulo, capital, as falas de Anísio, o assassino contratado por dois sócios (Ivan e Gilberto), para matar o terceiro membro da sociedade (Estevão), já eram, segundo Brum (2003), uma preocupação dos roteiristas ao escreverem o texto, porque eles não tinham conhecimento suficiente do universo da periferia para criar verossimilhança em relação à linguagem dessa personagem.
"... no caso do Anísio a coisa era grave porque eu sabia que era um personagem da periferia, vindo da periferia que vai para o centro, logo, a fala dele não é igual a dos outros caras, ele tem gírias que estão colocadas no roteiro se você olhar, de maneira tênue, mas está lá dita a intenção do que ele vai dizer. Quando o Beto incorpora ao Invasor o Sabotage, foi uma grande oportunidade, porque o Sabotage é o homem da linguagem, é um rapper, é um cara que domina essa linguagem." (Marçal Aquino, em entrevista a Alessandra Brum, 2003, p. 181).
139 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ikUnmoSxIHU, acesso em 05/04/2011. 140 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sabotage_%28cantor%29, acesso em 19/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________ Roteiro Cena: Interior de bar de periferia - Dia ANÍSIO (se dirigindo a Ivan): E você, não fala nada? Ivan continua calado. Para quebrar o desconforto, Gilberto fala: GILBERTO (para Anísio): Você trabalha sozinho? ANÍSIO (para Gilberto): Eu e Deus Filme Cena: Interior de bar de periferia – Dia ANÍSIO (se dirigindo a Ivan): e::: e aí... e o cara aí ... não fala nada? que que é? é cana? é ganso? qual que é? GILBERTO (para Anísio): ele é meu parceiro... meu sócio ... também tá pagando. ANÍSIO (para Ivan e Gilberto): eh:::... porque se não for... é o seguinte... ninguém sai daqui... Observando os trechos acima (para ver a redação completa da cena no roteiro, clique aqui141; para ver a cena inicial do filme, clique aqui142), podemos perceber que a situação comunicativa e a linguagem do roteiro foram transformadas na filmagem da cena, que retrata uma situação imediata de muita tensão: dois sócios vão a um bar de periferia para encontrar e contratar um assassino profissional, que será incumbido da missão de matar o terceiro membro da sociedade. Para que a cena tenha verossimilhança, a linguagem precisa evidenciar essa tensão. Mais do que isto, conhecendo um pouco mais a história, o diálogo em questão está exibindo tanto o desconforto de Ivan com o que está prestes a fazer (representado por sua mudez), como a desconfiança de Anísio (que faz as perguntas que faz e da forma que faz) de que alguma coisa ali estava errada. Interessa-nos olhar, com especial cuidado, a retextualização da primeira pergunta que Anísio faz, quando os sócios chegam ao bar. Ao ser formulada na cena, a pergunta é feita em uma situação diferente daquela do roteiro: nele, Anísio se dirige diretamente a Ivan ("E você, não fala nada?"), que continua calado; na encenação do filme, Anísio não se dirige diretamente a Ivan, mas sim faz a pergunta para Gilberto sobre Ivan: "e o cara aí...não fala nada?". Esta mudança ocorre porque a encenação toda mostra que quem está no comando da situação é Gilberto. Anísio fala com quem está no comando da situação que ali se instaura.
141 AQUINO, M. O Invasor. São Paulo: Geração Editorial. 2002. p. 145-146. 142 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=73PFcyyDYDc, acesso em 21/02/2012.
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Colocando os conhecimentos em jogo 6 ________________________________________________________________________________________ Ao ser encenada, a pergunta de Anísio ("e o cara aí...não fala nada?") é precedida por uma pausa preenchida (e:::) e por uma saudação informal ("e aí?"), estratégias típicas de uma oralidade informal143. O dado apresentado, o qual nos faz perceber as diferenças entre o que estava escrito no roteiro e a fala realmente encenada no filme, é interessante porque mostra que a fala do personagem precisa "casar", "combinar" com sua identidade social -‐ ele é um fora-‐da-‐lei, um marginal e, nesta condição, precisa ser muito precavido. Daí a pergunta sobre a atitude de silêncio de Ivan. Logo depois da pergunta feita, Anísio enuncia sua desconfiança de que Ivan seja um policial, alguém trazido por Gilberto para testemunhar a contratação de um assassinato. E faz isso por meio de uma série de perguntas, sendo as duas primeiras sobre a identidade social de Ivan ("é cana? é ganso?") e a última de caráter mais geral ("qual que é?"), que pode ser traduzida por "quem é ele, afinal?" e/ou "o que está acontecendo aqui?". Neste tópico, estivemos interessados em entender como as línguas humanas são fenômenos dinâmicos, mutáveis e variáveis. É esse pressuposto que nos possibilita dizer que a fala de Anísio não pode ser vista como igual às falas de Gilberto e de Ivan. Eles pertencem a universos sociais diferentes e hierarquicamente opostos -‐ os dois (engenheiros e donos de uma construtora) estão no topo da escala de status e Anísio está na base dessa escala. Pertencem a classes sociais radicalmente diferentes e suas profissões também nada têm em comum. Neste sentido, a fala de Anísio traz as marcas do que chamamos de variedades não padrão, principalmente no nível lexical. Gilberto é tratado de "cara" e é acusado de talvez ser um "cana" ou ainda um "ganso". Se as duas primeiras expressões podem ser consideradas como gírias comuns144, podendo ser usadas por pessoas de diferentes grupos sociais em situações informais, a terceira é um pouco diferente, remetendo ao universo da periferia, onde os delatores (os "gansos") são duramente penalizados, muitas vezes, com a morte. "Ganso" é, pois, uma gíria de grupo145. O exemplo de retextualização que ocorre na passagem do texto escrito (roteiro) para o texto falado (filme) mostra que o domínio sistemático de variedades muito contrastantes (variedade padrão & variedades não padrão) pelo mesmo sujeito é uma tarefa muito difícil. Por isso, os roteiristas e diretores do filme necessitaram da assessoria de um falante da variedade não padrão em questão (Sabotage), para conseguir construir a identidade linguística de Anísio, o matador profissional.
143 Neste contexto, a informalidade da linguagem é marcada pelo uso de gírias, marcadores conversacionais, hesitações,
repetições etc. No entanto, no contexto da cena, a informalidade da linguagem não está relacionada a uma situação de "relaxamento" entre os interlocutores; ao contrário, está servindo à afirmação de relações de poder entre o assassino e os empresários.
144 "A gíria comum é a vulgarização da gíria de grupo. Essa vulgarização ocorre quando a gíria quebra seu papel de isolamento e exclusão e invade a sociedade em geral, passando a ser usada por todos os seus segmentos”. (PATRIOTA, 2009, p. 39).
145 “A gíria de grupo são os vocábulos usados por setores da sociedade que conscientemente mantêm um aspecto de distanciamento em relação à sociedade em geral, seja pelo inusitado, seja pelos conflitos entre estes setores e a sociedade. A partir daí, seus usuários criam um mundo particular e esse isolamento é levado à linguagem por meio de vocábulos específicos, também de caráter isolado e fechado”. (PATRIOTA, 2009, pp.39-40)
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Finalizando... ________________________________________________________________________________________ Sobre este Tópico 1, podemos dizer que:
1. Todas as línguas do mundo apresentam uma natureza dinâmica, mutável, variável. 2. A variação diacrônica é a variação linguística que se dá através do tempo (mudança linguística). 3. As línguas sofrem influências de fatores, tais como: quem fala, com quem fala, o contexto em que
as interações ocorrem, os tópicos sobre os quais se fala e, finalmente, a função comunicativa que está em jogo (variação linguística).
4. A produção de linguagem também é influenciada por dimensões sociais, tais como o status de quem fala, a distância social entre os participantes e o grau de formalidade da situação.
5. As línguas humanas podem ser definidas cada uma como um conjunto de variedades, que podem ser de natureza social, geográfica, temporal e estilística.
6. A variedade padrão é uma das variedades de uma língua e é associada à escrita e a práticas de linguagem (orais ou escritas) de prestígio social. A variedade padrão passa por processos de regularização e oficialização e serve para ser usada em funções altas, tais como a escolarização, a elaboração de leis e documentos oficiais e a administração pública.
7. As variedades não padrão são aquelas usadas pelos falantes mais pobres e marginalizados da sociedade. Elas também apresentam variações geográficas e sociais. É por meio delas que são veiculados conteúdos de tradição oral. Não sofrem processos de regularização e de oficialização. São associadas à práticas de linguagem (orais ou escritas) de pouco prestígio social.
8. A variação linguística está presente nos textos (orais e escritos) e nos gêneros textuais.
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Atividade autocorrigível 4 ________________________________________________________________________________________ Escolha a única alternativa correta e depois pouse o cursor sobre o marcador da alternativa escolhida (letra) para conferir sua resposta: a)146 Apenas algumas línguas do mundo apresentam uma natureza dinâmica, mutável, variável. b)147 As línguas sofrem influências de fatores tais como: quem fala, com quem fala, o contexto em que as interações ocorrem, os tópicos sobre os quais se fala e, finalmente, os propósitos comunicativos que estão em jogo. c)148 As línguas humanas podem ser definidas, cada uma, como um conjunto de variedades, variedades estas que não são influenciadas por fatores de natureza social, geográfica, temporal e estilística. d)149 A variação diacrônica é a variação linguística que ocorre em função do fato os falantes serem de origens geográficas distintas. e)150 A variação diatópica é um tipo de variação linguística que se dá através do tempo.
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146 Incorreta. Todas as línguas do mundo são dinâmicas, ou seja, variam e mudam. 147 Correta. Todos esses fatores exercem enorme influência sobre as línguas do mundo. 148 Incorreta. As variedades linguísticas, como vimos, são classificadas como sociais, geográficas, temporais e estilísticas. 149 Inocrreta. A variação diacrônica decorre do fato de que as línguas se modificam com o tempo. 150 Incorreta. A variação diatópica está relacionada ao fato de os falantes serem de origens geográficas distintas.
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Tópico 2 -‐ Trabalhando com variedades regionais
Um início de conversa ________________________________________________________________________________________ No tópico 1, fizemos uma breve apresentação de como uma perspectiva sociolinguística possibilita a compreensão de alguns aspectos das relações entre linguagem e sociedade. Vimos que o fenômeno linguístico e as práticas de linguagem são bastante afetados por fatores e dimensões sociais, tais como a identidade social do falante, o tipo de interação entre o falante e seu interlocutor, o tópico e o contexto social e histórico mais amplo, no interior do qual determinada produção de linguagem ocorre. Vimos, também, que os fatores que estão em jogo, quando começamos a perceber de maneira mais reflexiva os diferentes modos de fala, nada têm a ver com o "certo" e o "errado", mas com o fato de que as línguas humanas são fenômenos variáveis e que essa variação pode ser explicada e descrita. Neste tópico 2, primeiramente, iremos tratar da língua portuguesa no mundo e das diferenças de funcionamento e peso social do português nos diversos países africanos, em países da Ásia e da Oceania, em Portugal e no Brasil. Em seguida, trataremos de algumas variedades regionais do português brasileiro. Denomina-‐se variação diatópica o fato de as diferenças linguísticas entre os falantes serem atribuídas a suas origens geográficas distintas.
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Ponto de partida 1______________________________________________________________________________________
__ Sabemos que um falante do português de Portugal não fala como um falante do português brasileiro. Voltemos a observar, mais atentamente, a fala do escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa, na entrevista que concedeu para a TV Cultura, texto brevemente analisado no Tema 1. Clique aqui para ver o vídeo151 novamente. Clique aqui152 para ver a transcrição do trecho inicial entrevista. Vendo e ouvindo novamente o vídeo, com mais atenção, vamos começar a observar algumas diferenças entre a maneira de se pronunciar as palavras no português de Portugal (PP) e no português do Brasil (PB).
Uma primeira diferença entre o PP e o PB possível de ser observada é a da pronúncia do /l/. Na fala do escritor moçambicano (assim como na fala de Getúlio Vargas), o /l/ é um som alveolar, não sendo vocalizado como em "oficiau", que é o que ocorre generalizadamente no PB. Uma segunda diferença é a realização das vogais. Por exemplo, na fala de Ungulani Ba Ka Khosa, o /e/ inicial átono (como em "sedimentada") é pronunciado como /i/ ("sidimentado"). Também ocorre na fala do escritor moçambicano o fenômeno da redução das vogais /a/ e /e/. Um exemplo deste fenômeno é quando o escritor fala "que".
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151 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=X9K6H5qRXzo, acesso em 12/05/2011. 152Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/mod
ulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/LP006_POPUP-Transcricao_TM1_Tp1_P2_REV01.pdf, acesso em 12/05/2011.
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Ponto de partida 2 ________________________________________________________________________________________ Uma terceira diferença entre o PB e o PP é a realização/pronúncia do /s/ antes de consoantes surdas ("posto") ou no final de palavras. No PP, ocorre o fenômeno do "chiamento", ou seja, o /s/ se realiza como "ch". Por exemplo, na fala do escritor moçambicano, os /s/ finais pronunciados, como, por exemplo, em "estes elementos", "os contos", "não estão apagados", são "chiados". No PB, este é um traço de diferença regional interna ao Brasil. Variedades regionais, tais como a carioca e as variedades faladas em estados do Norte, do Nordeste e do Sul (Santa Catarina), compartilham o traço do "chiamento" do /s/ final ou de meio de sílaba. Sendo assim, vimos que algumas diferenças linguísticas se devem ao fato de o português ser falado em diferentes lugares do mundo. Essas diferenças acabam sendo reproduzidas dentro do espaço geográfico do Brasil por razões históricas e sociais. Pode-‐se dizer, ainda, que em países africanos, como Angola, Moçambique, Guiné-‐Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e em países da Ásia e da Oceania, como Goa e Timor Leste, em que o português também é falado, a situação de seu uso é bem diferente daquela no Brasil e em Portugal. Se aqui e em Portugal o português é a língua nacional153 e a língua materna da esmagadora maioria da população, nos outros países, são diferentes as funções desempenhadas pela língua portuguesa em relação às outras línguas. No entanto, nos países africanos (Angola, Moçambique, Guiné-‐Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde), no Brasil, em Portugal e no Timor Leste, a língua portuguesa154 é a língua oficial155 de todos. A este respeito, veja informações sobre a formação da CPLP156 (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). ________________________________________________________________________________________
153 "É a principal língua de um país. (...) É a língua usada por praticamente todo mundo para quase todos os fins. O status
de língua nacional pode ser sancionado em lei, como na França, ou não, como nos Estados Unidos da América, mas todo país, quer tenha ou não uma língua nacional, é obrigado a reconhecer uma ou mais línguas oficiais em que são processados os negócios oficiais. Esse é o status da língua portuguesa no Brasil, de acordo com a Constituição de 1988." (TRASK, 2004, p. 172)
154 Fonte: http://www.observatorio-lp.sapo.pt/pt, acesso em 19/04/2011. 155 Uma língua que pode ser usada para tratar de questões oficiais em determinado país. (...) Cada governo de cada estado
nacional determina uma ou mais línguas em que serão tratados os assuntos relativos ao envolvimento dos sujeitos com as autoridades do país (certidão de nascimento, carteiras de habilitação e passaportes, formulários oficiais, escrituras etc.) Mas em muitos países, como por exemplo, a Espanha e a Bélgica, a questão da escolha de uma ou mais línguas oficiais é uma questão de disputa política até hoje. (TRASK, 2004)
156 Fonte: http://www.cplp.org/, acesso em 19/04/2011.
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Mãos à obra ________________________________________________________________________________________ Nas páginas anteriores, preocupamo-‐nos em comentar brevemente o fato de o português brasileiro, em função de sua relação histórica157 com o português de Portugal, ter desenvolvido diferenças linguísticas exatamente porque é falado na América do Sul e não na Europa. Assim, foi possível observar algumas diferenças linguísticas (no nível fonético-‐fonológico158) entre os "falares de lá" e os "falares de cá". Muitos estudiosos da língua (como gramáticos, filólogos e linguistas) assumem a posição de que há uma íntima relação entre o PP e PB. Esta relação foi estabelecida devido a fatores geopolíticos, sociais e culturais. Mas tratar duas línguas nacionais como variedades de uma mesma língua (a língua portuguesa159) é e será sempre uma questão polêmica. No entanto, não há como negar as mútuas influências160 linguísticas e socioculturais entre Brasil e Portugal, principalmente hoje, no momento em que o Brasil se eleva à posição de nação economicamente poderosa e politicamente ativa na comunidade internacional.
A partir de agora, vamos nos ocupar dos "falares de cá", ou seja, vamos nos debruçar sobre as variedades regionais do português brasileiro. Conhecer um pouco dessas variedades é sempre conhecer também as diferenças culturais e sociais que estão na base da constituição de qualquer sociedade, muito mais a brasileira, que tem um histórico de formação multicultural e multilíngue. É importante começarmos, então, com uma consideração: o português brasileiro não conta com uma pronúncia padrão definida.
________________________________________________________________________________________
157 Fonte: http://www.comciencia.br/reportagens/linguagem/ling03.htm, acesso em 19/04/2011. 158 "A Fonética e a Fonologia são as áreas da Linguística que estudam os sons da fala. Por terem o mesmo objeto de
estudo, são ciências relacionadas. No entanto, esse mesmo objeto é tomado de pontos de vista diferentes em cada caso. A principal preocupação da Fonética é descrever os sons da fala. (...) Por sua vez, a Fonologia procura interpretar os resultados obtidos por meio da descrição fonética dos sons da fala em função dos sistemas de sons das línguas e dos modelos teóricos disponíveis." (CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001, p. 105-106).
159 Fonte: http://www.linguaportuguesa.ufrn.br/pt_index.php, acesso em 19/04/2011. 160 A respeito dos dados estatísticos (que envolvem o número de falantes, as políticas internacionais de difusão da língua,
a produção editorial de uma forma geral - traduções, número de livros, tiragem de jornais - e a produção cultural - músicas, filmes, novelas etc.) sobre a posição do Português no mundo, mais especialmente do Português do Brasil, recomendo a leitura de Noll (2008).
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Colocando os conhecimentos em jogo 1______________________________________________________________________________________
__ Vamos escutar, com bastante atenção, os falares dos vídeos161 abaixo:
Agora, vamos refletir: 1) A fala de Pitty revela sua origem regional. Quais seriam os traços que você elencaria como característicos da fala de uma soteropolitana (nascida em Salvador)? 2) Quais as semelhanças e/ou diferenças que você consegue perceber na realização/pronúncia dos segmentos /s/, /t/, /d/, nas falas dos entrevistados Riane Brandão, Eli Marques, Abraão e Jean, todos cineastas paraibanos que foram entrevistados e que estavam concorrendo ao prêmio "Andorinha digital", durante o 4º Cineport162, Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa, realizado em João Pessoa, Paraíba, em 2009?
161Entrevista com Pitty. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=LRXPWym22GE, acesso em 19/04/2011. 4º
CINEPORT. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=fWJLefAGUYU&feature=player_embedded#at=49, acesso em 19/04/2011.
162 Fonte: http://www.festivalcineport.com/2009/default.asp, acesso em 19/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ Podemos dizer que a fala de Pitty apresenta uma das principais características gerais da fala nordestina:
• a pronúncia aberta do /e/ em posição pré-‐tônica, como em "lÉvantado" ou "fÉlicidade", "mÉnor ideia", "rÉservada", "pÉsar".
Conforme apontam Leite e Callou (2004), em sua obra Como falam os brasileiros, as vogais pré-‐tônicas têm sido consideradas um foco de diferenciação não só entre os falares brasileiros, mas também entre o português do Brasil e o português de Portugal. Nesse estudo, as autoras mostram que as vogais pré-‐tônicas grafadas "e" e "o" estabelecem uma linha divisória entre os falares do Norte e do Sul. Os falantes da região Norte e Nordeste optam pela realização aberta (como em "intÉresse", ou em "cÓração"), enquanto os falantes da região Sul e Sudeste preferem a realização fechada ("intÊresse", "cÔração). Outra variação na pronúncia, que marca diferenças regionais, é a realização da consoante /s/. Clique aqui163 para ver o mapa da distribuição da variação do /s/ no Brasil. Na fala de Pitty e dos cineastas paraibanos entrevistados, por exemplo, o /s/ é predominantemente não chiado, sendo sibilante. Ele também é sibilante na fala do paulista Abujamra, o entrevistador do programa Provocações. No entanto, sabemos que, no Nordeste (e a fala de alguns cineastas entrevistados e da primeira jornalista mostra isto), o /s/ em contexto pré-‐consonantal pode ser sibilado, como em "busca", "expectativa", na fala de Riane; ou pode ser chiado (pronunciado como "ch"), como em "liSta", também na fala de Riane. A variação livre do /s/ também pode ocorrer em final de sílaba -‐ na fala da jornalista que apresenta a matéria, ela disse "vêS", mas também disse "literários". Ou seja, ocorre uma variação livre entre o /s/ chiado e o /s/ sibilante em diferentes contextos (pré-‐consonantal ou final de sílaba) na fala de baianos (menos do sul), sergipanos, alagoanos, pernambucanos, paraibanos, potiguares (nascidos no Rio Grande do Norte), cearenses, maranhenses e piauienses. Já o /s/chiado ocorre de forma generalizada e predominante em Belém e em Santarém (PA), em Macapá (AP), em Parintins (AM) e na Baixada Cuiabana (MT). Já em Manaus, capital do Amazonas, volta a acontecer a variação entre o /s/sibilante e o /s/ chiado, tal como ocorre em vários estados do Nordeste. O chiamento do /s/ também é mais ou menos generalizado no Rio de Janeiro, na cidade de Santos (SP), no litoral catarinense e também (tendencialmente) em Recife (NOLL, 2008).
163 (NOLL, 2008. p. 65)
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________
A pronúncia do /t/ e do /d/ é também um divisor de águas para os diferentes falares/sotaques brasileiros. Mais especificamente, a pronúncia do /t/ e do /d/ antes de /i/ encontra-‐se em variação. No Brasil, esses dois segmentos sonoros consonantais podem ser realizados de duas maneiras:
• da maneira como a realizam os falantes de vários estados e regiões do Nordeste (inclusive os cineastas paraibanos entrevistados), os falantes do interior de São Paulo e os falantes de Santa Catarina. Todos produzem o /t/ e o /d/ antes de /i/ sem a chamada "palatalização". Portanto, o /t/ de palavras como "tia" (/t/ em início de palavra) e "prestigiado" (/t/ depois de uma consoante) é produzido como um som dental165 ou alveolar166.
• da maneira como a realizam os falantes da maior parte do Brasil, inclusive Pitty, pronunciando o /t/ e o /d/ palatalizados, ou seja, como sons alveopalatais167, como em "tchia" ou "djia". A transcrição fonética168 aproximada para essa pronúncia é [t∫ia] ou [dζia].
A pronúncia do /r/ é também outro traço marcante de diferenciação entre os falares brasileiros. Observemos a
variação do /r/ apenas em contexto final de sílaba. A fala de Abujamra, o ator que entrevista Pitty, é marcada pela realização de uma vibrante simples, como em "lugaR", "poR", "tentaR". Também ocorre em posição intervocálica como em sua pronúncia de "caRne". Essa realização do /r/ é característica de São Paulo (capital) e da região Sul. No resto do Brasil, há a predominância do fenômeno da velarização avançada do /r/ em muitos territórios: no Norte, no Nordeste, no Rio de Janeiro, em grande parte de Minas Gerais e no Espírito Santo. A velarização é uma espécie de "enfraquecimento" do /r/, já que ele deixa de ser produzido com a ponta da língua tocando a parte posterior dos dentes incisivos superiores (o /r/ de Abujamra), e passa a ser produzido com o dorso da língua tocando o palato mole (o /r/ de Pitty e dos cineastas paraibanos). Outro /r/ é marca de diferença regional e social: o /r/ caipira (retroflexo), realizado por falantes do interior de São Paulo, do sul de Minas, do Sul e do Centro-‐Oeste; a pronúncia deste segmento sonoro é bastante estigmatizada e seus falantes, via de regra, sofrem muito preconceito. Temos, então, grosso modo, três tipos de /r/: o vibrante simples (de "coração"); o velar (de "rio", "rato"); o "caipira" ou retroflexo, realizado principalmente no interior do Sudeste e do Sul do País, tanto em contexto de final de sílaba como em contexto pré-‐consonantal.
164 (NOLL, 2008. p. 68) 165 Som produzido com a ponta da língua entre os dentes incisivos superiores e inferiores, ou com a ponta da língua contra
a parte posterior dos dentes incisivos superiores. 166 Som produzido com a parte da frente da língua em direção aos alvéolos dos dentes incisivos superiores. 167 Som produzido na região imediatamente anterior à região onde se articulam os sons palatais. 168 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfabeto_fonético_internacional, acesso em 19/04/2011.
Clique no mapa para visualizar164 a distribuição da pronúncia de /t/ e /d/ no Brasil
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________ Trabalhar com a variação regional em sala de aula pode ser uma experiência muito significativa. Pode fazer com que os alunos reconheçam, de forma reflexiva e respeitosa, os diferentes modos de fala. O modo de fala de alguém representa uma das mais fortes marcas de identidade social daquela pessoa. Quando as crianças começam o seu processo de aquisição da linguagem, vão adquirindo os traços que caracterizam a fala de seu grupo social e de seu lugar de origem. É possível que elas variem ou mudem a pronúncia dos segmentos sonoros, mas é muito comum que mantenham os traços identitários originais que permitem que seja reconhecida como pertencendo a um grupo social e geográfico, e que outros sujeitos de fora do seu grupo também a reconheçam como tal. O importante é que os alunos percebam que todas as variedades têm seu valor e que entre os diferentes modos de fala pode não haver uma hierarquia preestabelecida. Assim, o status social de maior prestígio conferido a uma determinada pronúncia é sempre provisório e, em geral, não faz sentido para quem produz uma pronúncia diferenciada daquela à qual se atribui maior status social. Vejamos os áudios e vídeos abaixo: Áudio da Música Vaca Estrela e Boi Fubá169 Vídeo de Almir Sater contando um causo170 Vídeo Cordel do Fogo Encantado -‐ Música "Preta" (Cantada por Lirinha)171 Vídeo "Ai Se Sesse" (Performance de Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado)172 Videorreportagem de Rappin Hood com MV Bill (Rappers)173 De forma a nos sensibilizarmos para a presença do fenômeno da variação linguística nos mais diferentes contextos, tipos de interação e gêneros, gostaríamos de propor o seguinte exercício, que deverá ser feito com base na leitura das páginas anteriores:
(Clique na imagem para ampliá-‐la)174
169 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ra4c-zdEsgM&feature=related, acesso em 19/04/2011. 170 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=RByO8cpoTeM&feature=related, acesso em 19/04/2011. 171 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=IxY2nvAvEYQ, acesso em 19/04/2011. 172 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ReVVuq0SnlY, acesso em 25/04/2011. 173 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ZbfWXxugj1s, acesso em 19/04/2011. 174Fonte:/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/_LP00
6_T3_TP2_P8_11.jpg, acesso em 19/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________ A observação sistemática da ocorrência do /r/ nos diferentes dados de fala nos leva a refletir sobre os seguintes pontos:
1. Voltar a atenção para apenas um único traço linguístico, que funciona como um "marcador" de identidade linguística regional, nos faz perceber a variação na fala de cada indivíduo; em outras palavras, passamos a perceber que a fala individual (o idioleto175) também está sujeita a variação; por exemplo, em um dos vídeos que vimos, Almir Sater não fala o mesmo /r/ ao longo de sua narrativa, um fenômeno que afeta mais marcadamente os falantes do estado de São Paulo, de certas regiões de Minas Gerais, do Centro-‐Oeste e do Sul do Brasil. 2. Voltar a atenção para apenas um ou dois traços linguísticos, que funcionam como "marcadores" de identidade linguística regional, nos faz perceber que é possível que o falante controle a sua fala, exacerbando, em certos contextos, determinados traços e deixando à sombra esses mesmos traços em outro contexto; por exemplo, o sotaque de Lirinha (o intérprete e compositor do grupo Cordel do Fogo Encantado) pode ser percebido no seu todo (muitos traços o caracterizam e não apenas a palatalização de /t/ e /d/), quando ele declama o poema; já quando ele canta, o traço mais proeminente é apenas um, justamente o da palatalização de /t/ e /d/. Este fenômeno é definido na literatura sociolinguística como estilização176. 3. Voltar a atenção para um único traço da fala, que funciona como um "marcador" de identidade linguística regional, pode nos levar à conclusão de que este traço, percebido como marcador da fala de um grupo social e/ou regional específico, na verdade, é característico do chamado vernáculo177, a fala que a maioria de nós produz cotidianamente quando não está prestando atenção à própria fala; no caso da fala vernacular brasileira, uma de suas características é o apagamento do /r/ em final de palavra, traço este bem marcante na performance da música Vaca Estrela e Boi Fubá, mas que é um traço da fala da maioria dos brasileiros178 em contextos de situação informal. 4. Voltar a atenção para um ou dois traços da fala, que funcionam como "marcadores" da identidade linguística regional, pode nos levar a perceber que isso, de forma alguma, impede a interação entre os falantes das diferentes variedades linguísticas. Apesar de Rappin Hood e MV Bill exibirem diferentes falares, isto não impede que eles conversem, interajam, mesmo percebendo as diferenças linguísticas existentes entre eles. Essas diferenças estão relacionadas ao fato de ambos terem nascido e vivido durante muito tempo em diferentes lugares (Rio e São Paulo), apesar de pertencerem a universos sociais semelhantes (a periferia das grande cidades).
175 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Idioleto, acesso em 19/04/2011. 176 Vamos tratar deste fenômeno no próximo tópico. 177 O termo vernacular, como já dissemos anteriormente, geralmente refere-se à variedade mais coloquial do repertório
linguístico de um falante. Isto não significa que essa variedade é falada apenas em situações informais. Por exemplo, a fala de Daniel Godri é construída como predominantemente vernacular, mas é produzida em uma situação formal, na qual ele é o palestrante, um especialista que fala para um público atento e com o qual estabelece uma relação assimétrica.
178 Excetuando-se, é claro, os falantes de variedades regionais do Sul do Brasil que pronunciam o /r/ plenamente em final de sílaba.
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Finalizando 1 ________________________________________________________________________________________ Neste tópico 2, vimos que:
1. A variação diatópica é um tipo de variação linguística que ocorre porque os falantes são de origens geográficas distintas. Esse tipo de variação está na base do fato de línguas nacionais distintas, como o português de Portugal e o português do Brasil, apresentarem diferenças linguísticas importantes, mesmo que seus falantes possam se compreender mutuamente. É esse tipo de variação que está na base da emergência de diferentes "sotaques" de uma mesma língua. 2. Um dos principais traços de diferença entre as variedades regionais é o da pronúncia ou realização dos segmentos sonoros (sons), estudados pela fonética e pela fonologia. 3. Um traço linguístico marcador de diferenças linguísticas regionais no Brasil é a pronúncia aberta de vogais pré-‐tônicas como em: "lÉvantado" ou "fÉlicidade", "mÉnor ideia", "rÉservada", "pÉsar". Os falantes da região Norte e Nordeste optam pela realização aberta, enquanto os falantes da região Sul e Sudeste optam pela realização fechada (CALLOU e LEITE, 2002). 4. Uma outra variação na pronúncia que marca diferenças linguísticas regionais no Brasil é a realização da consoante /s/. O /s/ não chiado é realizado por falantes do sul e sudeste do Brasil (Espírito Santo, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul) e em Goiás. O /s/ com chiamento mais ou menos generalizado é realizado por falantes do litoral de Santa Catarina, cidades de Santos, Rio de Janeiro, Recife (tendencialmente), Baixada Cuiabana e região de Belém do Pará, com continuação na área do Rio Amazonas. No Nordeste, de forma geral, ocorre uma variação livre entre o /s/ chiado e o /s/ não chiado em posição pré-‐consonantal. Em posição final, o /s/ não chiado é o mais pronunciado no Nordeste brasileiro (NOLL, 2008).
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Finalizando 2 ________________________________________________________________________________________ 5. Outro traço divisor de águas dos falares brasileiros é a realização de /t/ e /d/ antes de /i/. Nos falares de várias regiões do Nordeste e de alguns estados do Sul e do Sudeste, por exemplo, /t/ e /d/ não são palatalizados. Nas demais regiões, o /t/ e o /d/ antes de /i/ tendem a ser palatalizados. 6. Por fim, há pelo menos três diferentes /r/: o vibrante simples (de "coração"); o velar (de "rio", "rato"); o "caipira" ou retroflexo, realizado principalmente no interior do Sudeste e do Sul do País, tanto em contexto de final de sílaba como em contexto pré-‐consonantal. 7. As diferenças linguísticas que podem ser percebidas na observação das diferentes variedades regionais brasileiras e na observação do PB, em comparação com o PP, não parecem impedir definitivamente a comunicação e a interação entre os falantes, já que estamos, inevitavelmente, imersos nesse contínuo de falares ou "sotaques".
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Tópico 3 -‐ O trabalho de estilização das variedades sociais e regionais
Ponto de partida_____________________________________________________________________________
___________ Neste último tópico do Tema 3, iremos trabalhar com o tema da estilização das variedades linguísticas. Vimos que as línguas são fenômenos variáveis, dinâmicos, mutáveis. A concepção de língua que adotamos ao longo do Tema 3, é a de língua como conjunto de variedades. No tópico 2, fizemos uma abordagem breve do fenômeno da variação linguística, enfocando principalmente a questão das diferentes pronúncias dos falantes, o chamado sotaque. Neste último tópico 3, vamos nos dedicar à observação de como os falantes manipulam de forma consciente e deliberada os diversos recursos das diferentes variedades linguísticas, de forma a obter determinados efeitos (humorísticos, poéticos, retóricos, interacionais etc.) Para isso, precisamos saber: o que é estilização? Antes de respondermos a esta pergunta, vamos ver e ouvir atentamente os vídeos abaixo:
(Clique nas imagens para assistir aos vídeos)179
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179 Vídeo Matuto no Cinema, de Jessier Quirino. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=wamnabxSnKM, acesso em
19/04/2011.
Vídeo da performance de Matuto no Cinema, por Jessier Quirino. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Vf03ZYyMrF0, acesso em 19/04/2011.
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Mãos à obra_________________________________________________________________________________
_______ A estilização das variedades linguísticas é um recurso fundamental para os "poetas populares", como se autodenomina Jessier Quirino. A ação de estilizar a linguagem está relacionada ao fato de o poeta e/ou artista popular poder manipulá-‐la de forma propositalmente indisciplinada e organizada, como nos diz Bakhtin (1988).
Ao observamos a linguagem do matuto180, personagem criado por Jessier Quirino, tanto em sua performance ao vivo como no vídeo de animação, vamos logo perceber que ele mistura traços linguísticos de diferentes variedades, para compor a fala e a identidade nordestinas de seu personagem. Suas performances têm como principal objetivo falar de diferentes temas de forma irreverente e, ao mesmo tempo, poética.
Vejamos alguns elementos que marcam a fala do personagem como uma fala "nordestina": • Léxico: "cabra", "embira", "cuscuz com leite"; • Pronúncia: /t/ e /d/ não palatalizado; vogais pré-‐tônicas abertas; variação entre /s/ chiado e o /s/
não chiado; pronúncia do /s/ final como /i/ como em "rapai"; • Metáforas: "perigoso, que só buxada de bode"; "invocado, que só um fiscal de gafieira".
Agora, alguns elementos que também aparecem na fala do personagem, mas que são caracterizadores de variedades vernaculares ou não padrão do português brasileiro:
• desnasalização da desinência de 3ª pessoa do plural, do pretérito perfeito -‐ passa de "amarraram" para "amarraro"';
• queda parcial do plural: "estados unido"; "dois artista"; • o alteamento da vogal pré-‐tônica -‐ passa de polícia para "puliça"; na mesma palavra, a
monotongação do ditongo final -‐ passa de "polícia" para "puliça" ________________________________________________________________________________________
180 Fonte: http://charlezine.files.wordpress.com/2010/11/jessier-quirino.jpg?w=300, acesso em 19/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ Vejamos agora o trabalho de estilização da linguagem feito pelo rapper Criolo181. Comparemos duas letras do rapper: "Subirosdoistiozin"182 (clique aqui183 para ver a transcrição da letra) e "Não existe amor em SP"184 (clique aqui185 para ver a letra). As duas músicas fazem parte do álbum Nó na Orelha186, disponível para download na Internet. Vejamos as principais características textuais-‐discursivas da letra "Subirosdoistiozin": a) Do ponto de vista estrutural, a letra não é uma narrativa. Ela procura reconstruir cenas do cotidiano da periferia. Por exemplo, nos versos, "má quem qué pretá/ má quem qué branca/ todo azulê/requer seu rejuntin", o autor tematiza a procura por drogas na favela, por meio de metáforas (cada freguês escolhe a droga que lhe apetece ("todo azulê/requer seu rejuntin") e por meio de gírias. Outras cenas são descritas: a movimentação de pessoas desocupadas na periferia ("os perreco vem/os perreco vão"), as crianças da periferia andando armadas com metralhadoras ("a criança daqui tão de HK"), os saraus que acontecem na periferia hoje em dia ("leva no sarau/salva essa alma aí"), a periferia vigiada pelo tráfico ("o sol tá de rachá/vários de campana/aqui na do campin"), uma reunião de rappers/ativistas em uma casa ("só função187 no doze"), o sofrimento escondido de um menino ("eu cresci no mundão/onde o filho chora/e a mãe não vê") b) Ainda na letra, o autor revela uma parte de sua visão de mundo. Por exemplo, nos versos "Aqui a lei do cão/quem sorri puraqui/qué vê tu caí", fala-‐se de um tema bastante recorrente em muitos raps: o de que não se pode confiar em ninguém nesses ambientes. Em outros versos, fala dos que prejudicam a periferia ("E covarde são/quem tem tudo de bom/e fornece o mal/pra a favela morrê"). O rapper também brinca: quem se dá bem na vida acaba virando/se parecendo um "chinezim". Ele também fala metaforicamente da postura diante da vida daqueles "que acham que são mas nunca vão ser". Sendo assim, essa letra não nos conta uma história, mas permite que adentremos o universo social da periferia visto por um rapper. As características textuais e discursivas da letra e o trabalho sobre as variedades linguísticas empreendido permite conferir a ela um estilo bem marcado. Do ponto de vista linguístico, esse estilo é reforçado pela manipulação dos seguintes recursos: (i) ausência de concordância nominal em alguns sintagmas nominais; (ii) pronúncia forte do "r" vibrante em contextos de início ("riquer", "Rornet" e meio de palavra ("arrastá" "sorri", "perreco"); (iii) redução de palavras -‐ as terminadas em inho ("campinho>campim"; "chinesinho>chinesim") e outras ("mas>má" e "licença>cença").
181 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Criolo_(cantor), acesso em 21/02/2012. 182 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=IQXUlxsnQ9o, acesso em 21/02/2012. 183
https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/Subirudoistiozin_Criolo.pdf
184 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=f35HluEYpDs, acesso em 21/02/2012. 185 Fonte: http://letras.terra.com.br/criolo-doido/1857556/, acesso em 21/02/2012. 186 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nó_na_Orelha, acesso em 20/02/2012. 187 Fonte: http://letras.terra.com.br/dexter/456319/, acesso em 20/02/2012.
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ Podemos considerar que Criolo, como os outros poetas anteriormente apresentados, é um poeta popular. E como tal, vai fazer uso de variados recursos na elaboração de suas poesias. Vimos que a letra "Subirusdoistiozin" é bastante trabalhada, tanto do ponto de vista da forma (recursos linguísticos e textuais) como do ponto de vista dos conteúdos, com o objetivo de mostrar a linguagem e os pontos de vista (como em um caleidoscópio) de parcelas significativas das periferias brasileiras. No entanto, o rapper também compõe "Não existe amor em SP"188, uma letra criada por outra persona. Nesta letra, os versos do poeta são escritos sem as principais marcas linguísticas e discursivas presentes em "Subirosdoistiozin", ou seja, recursos linguísticos socialmente estigmatizados e fragmentação dos conteúdos. Na letra de "Não existe amor em SP", o tema é enunciado no título e explicado (Por que não existe amor em SP?) de várias maneiras ao longo das estrofes. Além disso, a variedade linguística mobilizada é a culta, com todas as suas marcas: concordância nominal e verbal e ausência de manipulação da pronúncia das palavras. Na letra de "Não existe amor em SP", podemos perceber que: a) para justificar que o título da música, a cidade de São Paulo é descrita. A descrição da cidade é feita por meio de metáforas: SP é como "um labirinto místico onde os grafites gritam"; SP é como "um buquê". Em seguida, a aproximação entre SP e um buquê é feita por meio de outra descrição: "Buquê são flores mortas num lindo arranjo feito para você"; b) nesta letra, como em "Subirusdoistiozin", há a descrição de uma cena: os bares cheios. Mas, segundo o poeta, estão "cheios de almas tão vazias". No entanto, se isso guarda alguma semelhança com a outra letra do poeta, esse é um item que também marca a diferença entre esta letra e a outra: o número de cenas descritas/ encenadas em "Subirusdoistiozin" é muito maior do que aquele em "Não existe amor em SP"; c) também como na letra "Subirusdoistiozin", o poeta revela o seu ponto de vista sobre a cidade por meio de afirmações genéricas: um lugar onde "a ganância vibra", "a vaidade excita" e onde "ninguém vai para o céu"; d) por fim, como na letra "Subirusdoistiozin", o poeta revela o seu ponto de vista sobre a vida: "Não precisa morrer para ver Deus", "Não precisa sofrer para saber o que é melhor pra você". Assim, podemos dizer que cada letra de música constrói um estilo: um mais popular ("Subirusdoistiozin") e o outro mais culto ("Não existe amor em SP"). ________________________________________________________________________________________
188 Fonte: http://letras.terra.com.br/criolo-doido/1857556/, acesso em 20/02/2012.
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________
Vejamos mais um exemplo de estilização de variedades linguísticas. Vamos ver e ouvir atentamente a performance de Marco Luque, ator paulistano que encarna um motoboy. Quais traços das variedades linguísticas do português brasileiro estão sendo estilizados? Podemos dizer que a identidade social em jogo, aqui, para a qual o trabalho de estilização da linguagem precisa dar corpo é a do motoboy191, um tipo social das grandes metrópoles (como diz o personagem), que exerce a profissão de entregador veloz de objetos e documentos. Por se deslocar na cidade, o motoboy é um sujeito que transita por diferentes redes sociais, vendo e sendo visto, observando e sendo observado. Os traços linguísticos mais marcados na linguagem do personagem (um motoboy paulistano) são os que se seguem: a) a inserção de (i) em sílaba tônica em palavras como "nós" que passa a "nó(i)s"; b) a queda do /r/ final de verbos e substantivos ("aproveitá(r)", "retrovisô(r)"); c) a assimilação de /nd/ em /n/ em palavras como "in(d)o" e "vin(d)o";
d) perda do -‐s (e de suas variantes) da desinência de plural: "nóis prolifera", "nóis quér", "nóis viemo", "(vo)cês queria etc.; em outras palavras, a ausência de concordância. A estilização desses traços específicos, e não de outros, constrói para o motoboy a identidade linguística de falante de variedades populares ou não padrão, em especial paulistanas, dado que esses traços são caracterizadores dessas variedades (RIBEIRO, 2002; CASTILHO, 1997; NOLL, 2008; ILARI; BASSO, 2006). Mas, nesse dado, também podemos perceber o fenômeno da estilização justamente em função do fato de que alguns dos traços acima não são sistematicamente utilizados, tal como o traço da não concordância. Um exemplo desse uso não sistemático (e, portanto, estilístico) de um certo recurso linguístico é justamente a ocorrência da concordância nos enunciados "eu ouço todas as minhas" e "as avenidas são as artérias". A respeito da variação estilística em falantes do mesmo grupo social (no caso, em fala de rappers), ver Bentes (2009). Outro traço linguístico-‐discursivo marcador dessa identidade social são as metáforas ou "ditos". Na performance de Marco Luque, o personagem insta a plateia a "flexionar" (estilização do verbo "refletir") sobre dois "dilemas": "o que a gente não pode detê-‐los... junte-‐se a eles" e "a cidade é uma ferida incrustrada na crosta terrestre", trabalho de estilização de uma enunciação proverbial e de uma enunciação metafórica (NOGUEIRA, 2010). ________________________________________________________________________________________
189 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=RRsyD24HC74, acesso em 19/04/2011. 190Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/mod
ulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/Transcricao_de_performance_de_Marco_Luque.pdf, acesso em 19/04/2011.
191 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Motoboy, acesso em 19/04/2011.
(Clique aqui189 para ver a performance
e aqui190 para ler a transcrição)
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________ Vejamos, agora, outros exemplos do trabalho de estilização da linguagem de textos jornalísticos da mídia impressa. Trabalharemos com duas notícias veiculadas no mesmo dia: uma no Jornal Notícia Já192 e outra no Jornal Correio Popular193, ambos da cidade de Campinas, São Paulo. "GRANA CURTA NÃO BRECA MAIS SONHO DE DAR ROLÊ LÁ FORA" (Manchete da primeira página) "Só alegria. Galera que ganha de 3 a 10 salários mínimos virou figurinha fácil nos aeroportos do País; a chamada classe C decola pro mundo nem que for pra pagar a viagem a perder de vista."(Lide da matéria que remete à página 3 do Jornal Notícia Já, de 17 de abril de 2011) "EMERGENTES DA CLASSE C JÁ MIRAM VIAGENS INTERNACIONAIS" (Uma das chamadas da primeira página) "Mais da metade (52%) dos brasileiros que planejam uma viagem ao exterior nos próximos 12 meses pertence à classe C -‐ conhecida como a nova classe média brasileira. São pessoas que possuem renda entre três e dez salários mínimos e já fizeram a primeira viagem de avião, dentro do País. Buenos Aires, Miami e Nova York são os destinos mais procurados pelos novos turistas internacionais." (Lide da matéria que remete à página B9 do Jornal Correio Popular, de 17 de abril de 2011) É possível perceber que o trabalho de estilização da linguagem aqui incide sobre o léxico, principalmente sobre os referentes (do que se fala?) textuais.
(Clique na imagem194 para ampliá-la)
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192 Fonte: http://midiablog.wordpress.com/2007/03/28/novo-jornal-popular-em-campinas/, acesso em 19/04/2011. 193 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Correio_Popular, acesso em 19/04/2011. 194Fonte:/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/LP_D6
_T3_I28.PNG, acesso em 19/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________ Vimos que a observação da primeira página de cada um dos dois jornais nos leva a perceber uma diferença muito grande na forma de se nomear o principal referente textual, no caso, a Classe C. O Jornal Notícia Já prefere categorizar esse grupo por meio de nomes usados em situações informais de fala, tais como "galera" e "figurinha carimbada". São dois termos que podem ser considerados gírias comuns. Já o Jornal Correio Popular mobiliza expressões mais genéricas e menos marcadas, tais como "pessoas" e "turistas internacionais" para categorizar o mesmo grupo. Além disso, no Correio Popular, a "classe C" também é recategorizada por meio de um vocábulo mais técnico, originado do campo dos estudos socioeconômicos: "emergentes". Ambos os jornais referem-‐se ao grupo social tematizado como "classe C", expressão esta acompanhada ou de determinante ("chamada", no Notícia Já) ou de modificador ("conhecida como a nova classe média", no Correio Popular). Se a forma de categorizar o grupo tematizado revela uma interlocução específica de cada jornal com diferentes grupos sociais, a forma de tematizar a questão também reforça esta interlocução diferenciada. No Jornal Notícia Já, o foco recai sobre o fato de que, mesmo tendo "grana curta", a chamada classe C pode viajar porque tem crédito. Nas palavras do Jornal, essa classe "não breca mais esse sonho". Novamente aqui, o uso de um vocábulo de natureza gíria (o verbo "brecar"). O Jornal Correio Popular tematiza o fato de que os emergentes da classe C "miram" ("têm por objetivo") as viagens internacionais, numa clara diferença de ponto de vista: para o Notícia Já, as pessoas da classe C "sonham" com isso; para o Jornal Correio Popular, essa classe tem objetivos precisos (verbo "mirar") e calculados. Por fim, a recategorização de viagem internacional pela expressão "rolê lá fora", feita pelo Notícia Já, revela não apenas o uso de uma linguagem mais informal e considerada "oral" na escrita jornalística, mas, principalmente, a "naturalização" de um fato: viajar para o exterior passa a ser algo corriqueiro, banal, um simples "rolê" para esse grupo social. ________________________________________________________________________________________
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Finalizando o tópico_______________________________________________________________________________
_________ Neste tópico 3, tivemos o objetivo de:
1. Mostrar que estamos imersos em um mundo discursivo repleto de objetos artístico-‐culturais, organizados de forma a estilizar (manipular) as diferenças linguísticas, com fins de entreter e, ao mesmo tempo, de afirmar e valorizar identidades sociais (é o caso das performances e das letras de canção analisadas) e de privilegiar certos modos de fala na configuração de práticas de escrita. (Jornal Notícia Já).
2. Evidenciar que a manipulação consciente de traços das variedades linguísticas é um procedimento muito usado por todos aqueles profissionais da linguagem (poetas, escritores, atores, jornalistas, publicitários etc.), procedimento este que fica registrado nos produtos culturais e é reconhecido e compreendido pelo público ou pela audiência.
3. Compreender, de forma mais reflexiva, as atividades de estilização empreendidas pelos diferentes profissionais, de forma a valorizar este trabalho e aprofundar o nosso olhar em relação a práticas de linguagem que parecem muito banais, mas que, na verdade, resultam de intensa e contínua elaboração consciente das diferentes variedades linguísticas.
4. Reforçar a ideia da íntima relação entre língua e sociedade, entre língua e identidade social, entre língua e poder.
Neste tópico, vimos que:
1. A estilização é a atividade de manipulação dos recursos linguísticos das diferentes variedades e dos diferentes modos de fala, com fins específicos.
2. As atividades de estilização podem ter o objetivo de (re)afirmar identidades sociais e/ou distanciar-‐se delas, já que um dos efeitos da estilização é transformar a linguagem em um objeto a ser observado, ou seja, é dar um foco especial sobre a linguagem, fazendo com que seu público e/ou plateia prestem atenção especial a ela.
3. A estilização de certos traços linguístico-‐discursivos está inescapavelmente relacionada a certos tipos de interação ou a certos temas. Certas construções metafóricas ocorrem, por exemplo, em narrativas populares de natureza cômica, humorística.
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Finalizando o tópico_______________________________________________________________________________
_________ Neste tópico 3, tivemos o objetivo de:
5. Mostrar que estamos imersos em um mundo discursivo repleto de objetos artístico-‐culturais, organizados de forma a estilizar (manipular) as diferenças linguísticas, com fins de entreter e, ao mesmo tempo, de afirmar e valorizar identidades sociais (é o caso das performances e das letras de canção analisadas) e de privilegiar certos modos de fala na configuração de práticas de escrita. (Jornal Notícia Já).
6. Evidenciar que a manipulação consciente de traços das variedades linguísticas é um procedimento muito usado por todos aqueles profissionais da linguagem (poetas, escritores, atores, jornalistas, publicitários etc.), procedimento este que fica registrado nos produtos culturais e é reconhecido e compreendido pelo público ou pela audiência.
7. Compreender, de forma mais reflexiva, as atividades de estilização empreendidas pelos diferentes profissionais, de forma a valorizar este trabalho e aprofundar o nosso olhar em relação a práticas de linguagem que parecem muito banais, mas que, na verdade, resultam de intensa e contínua elaboração consciente das diferentes variedades linguísticas.
8. Reforçar a ideia da íntima relação entre língua e sociedade, entre língua e identidade social, entre língua e poder.
Neste tópico, vimos que:
4. A estilização é a atividade de manipulação dos recursos linguísticos das diferentes variedades e dos diferentes modos de fala, com fins específicos.
5. As atividades de estilização podem ter o objetivo de (re)afirmar identidades sociais e/ou distanciar-‐se delas, já que um dos efeitos da estilização é transformar a linguagem em um objeto a ser observado, ou seja, é dar um foco especial sobre a linguagem, fazendo com que seu público e/ou plateia prestem atenção especial a ela.
6. A estilização de certos traços linguístico-‐discursivos está inescapavelmente relacionada a certos tipos de interação ou a certos temas. Certas construções metafóricas ocorrem, por exemplo, em narrativas populares de natureza cômica, humorística.
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Finalizando o Tema ________________________________________________________________________________________ Recapitulando o Tema 3, temos que:
1. Todas as línguas do mundo apresentam uma natureza dinâmica, mutável, variável. 2. As línguas sofrem influências de fatores tais como: quem fala, com quem fala, o contexto em que
as interações ocorrem, os tópicos sobre os quais se fala e, finalmente, os propósitos comunicativos que estão em jogo.
3. A produção de linguagem também é influenciada por dimensões sociais, tais como o status de quem fala, a distância social entre os participantes e o grau de formalidade da situação.
4. As línguas humanas podem ser definidas, cada uma, como um conjunto de variedades, que podem ser de natureza social, geográfica, temporal e estilística.
5. A variação diacrônica é a variação linguística que se dá através do tempo. 6. A variação diatópica é um tipo de variação linguística que ocorre porque os falantes são de origens
geográficas distintas. 7. Um dos principais traços de diferença entre as variedades regionais é o da pronúncia ou realização
dos segmentos sonoros (sons), estudados pela fonética e pela fonologia. 8. A variedade padrão é uma das variedades de uma língua e é associada à escrita e a práticas de
linguagem (orais ou escritas) de prestígio social. Ela passa por processos de regularização e oficialização e serve para ser usada em funções altas, tais como a escolarização, a elaboração de leis e documentos oficiais e a administração pública.
9. As variedades não padrão são aquelas usadas pelos falantes mais pobres e marginalizados da sociedade. Elas também apresentam variações geográficas e sociais. É por meio delas que são veiculados conteúdos de tradição oral. Não sofrem processos de regularização e de oficialização. São associadas a práticas de linguagem (orais ou escritas) de pouco prestígio social.
10. A variação linguística está presente nos textos (orais e escritos) e nos gêneros textuais. Na fala e na escrita das pessoas e nas mais diferentes práticas de linguagem, os traços linguísticos diferenciadores e/ou marcadores de pertencimento social e/ou regional coocorrem, ou seja, ambos os tipos de traços formatam a produção de linguagem simultaneamente.Todos os exemplos aqui trabalhados são exemplos da influência simultânea de fatores sociais e regionais sobre a produção de linguagem.
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Atividade autocorrigível 5______________________________________________________________________________________
__ Leia atentamente os enunciados abaixo e atribua falso ou verdadeiro a cada um deles (confira a resposta passando o cursor do mouse sobre o número das alternativas): 1195. A estilização é a atividade de manipulação dos recursos linguísticos das diferentes variedades e dos diferentes modos de fala, com o único objetivo de desconstruir a identidade social daquele a quem se atribui a fala estilizada. 2196. As línguas sofrem influências de fatores tais como: quem fala, com quem fala, o contexto em que as interações ocorrem, os tópicos sobre os quais se fala e, finalmente, a função comunicativa que está em jogo. 3.197 A variação diatópica é a variação linguística que se dá através do tempo. 4198. Em geral, apenas um traço linguístico é estilizado nas produções artístico-‐culturais. 5199. A estilização da variedade não padrão é a característica principal dos dois dados analisados: a cena do filme "O Invasor" e a performance de Marco Luque. 6200. Tanto o fenômeno da variação linguística como as atividades de estilização das diferentes variedades incidem sobre os diferentes níveis: o fonético-‐fonológico, o lexical, o sintático e o semântico. 7201. A variação linguística e as atividades de estilização das diferentes variedades ocorrem na fala e na escrita. ________________________________________________________________________________________
Ampliando o conhecimento 1
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Os diversos textos que compõem o livro, escritos por pesquisadores altamente gabaritados em suas respectivas áreas de especialização, cobrem as diversas ramificações da Linguística, aqui entendida como a ciência da linguagem verbal humana, desde as mais tradicionais, o chamado "núcleo duro" dessa ciência, do qual fazem parte a fonologia, a morfologia e a sintaxe -‐ até as que, paulatinamente, foram sendo incorporadas -‐ como foi o caso, entre outras, da psicolinguística, da sociolinguística, da análise do discurso, da linguística textual, da neurolinguística. (Ingedore Koch -‐ UNICAMP)
195 Falso. As atividades de estilização podem ter os mais variados objetivos e não apenas o objetivo de desconstruir a
identidade social alheia. 196 Verdadeiro 197 Falso. É a variação diacrônica que ocorre através do tempo. 198 Falso. Como vimos, nas produções culturais, vários são os traços linguísticos manipulados para se atingir determinados
efeitos em relação ao público e/ou à audiência. 199 Verdadeiro. 200 Verdadeiro 201 Verdadeiro
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O português do Brasil é falado por mais de 170 milhões de pessoas em um imenso território, mas muita gente teima em afirmar que ele não existe ou, pior, não deveria existir. Ilari e Basso, seguindo uma tradição iniciada nos anos 20 por Mário de Andrade e Amadeu Amaral, oferecem-‐nos, em O português da gente, um estudo da língua que nós falamos e que pouco a pouco vai conquistando seus direitos. Este é um livro para ler, estudar e discutir, na sala de aula e fora dela. (Mário A. Perini -‐ PUC-‐Minas)
Nossa tradição educacional sempre negou a existência de uma pluralidade de normas linguísticas dentro do universo da língua portuguesa; a própria escola não reconhece que a norma padrão culta é apenas uma das muitas variedades possíveis no uso do português e rejeita de forma intolerante qualquer manifestação linguística diferente, tratando, muitas vezes, os alunos como "deficientes linguísticos". Marcos Bagno argumenta que falar diferente não é falar errado e o que pode parecer erro no português não padrão tem uma explicação lógica, científica (linguística, histórica, sociológica, psicológica). Para explicar esta problemática, o autor reúne então n'A língua de Eulália as universitárias Vera, Sílvia e a esperta Emília, que vão passar as férias na chácara da professora Irene...
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Ampliando o conhecimento 2
________________________________________________________________________________________ Sinopse Estevão, Ivan e Gilberto são companheiros desde os tempos de faculdade. Além disso, são sócios em uma construtora de sucesso há mais de 15 anos. O relacionamento entre eles sempre foi muito bom, até que um desentendimento na condução dos negócios faz com que eles entrem em choque, com Estevão, sócio majoritário, ameaçando deixar o negócio. Acuados, Ivan e Gilberto decidem, então, contratar Anísio (Paulo Miklos), um matador de aluguel, para assassinar Estevão e poderem, assim, conduzir a construtora do modo como bem entendem. Entretanto, Anísio tem seus próprios planos de ascensão social e, aos poucos, invade cada vez mais as vidas de Ivan e Gilberto. Clique aqui202 para ver o trailer.
Sinopse Laranjinha (Darlan Cunha) e Acerola (Douglas Silva) são amigos, que cresceram juntos em uma favela do Rio de Janeiro e agora estão com 18 anos. Acerola
202 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Xkq6wsFFOK0, acesso em 26/04/2011.
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tem um filho de dois anos para cuidar, mas sente-‐se preso pelo casamento e lamenta a paternidade precoce. Já Laranjinha está decidido a encontrar seu próprio pai, que não conhece. Paralelamente, o morro em que vivem é sacudido pelo mundo do tráfico, já que Madrugadão (Jonathan Haagensen), primo de Laranjinha, perdeu o posto de dono do local para Nefasto (Eduardo BR). Clique aqui203 para saber mais sobre o filme e ver o trailer. ________________________________________________________________________________________
Ampliando o conhecimento 3
________________________________________________________________________________________ Webgrafia Você pode navegar e obter textos sobre os temas abordados, acessando os seguintes links: Sociolinguística204 A Sociolinguística e seu papel metodológico no ensino da linguagem oral205 Sociolinguística educacional: Teoria e prática nas aulas de Língua Portuguesa206 O passado, o presente e o futuro da Língua Portuguesa207 Cineport 2009 -‐ montagem produção e programação208 ________________________________________________________________________________________
Referências Bibliográficas 1 ________________________________________________________________________________________ ALKMIM, T. Sociolinguística -‐ Parte I. IN: F. MUSSALIM, A. C. BENTES (Orgs.) Introdução à Linguística: Domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. P. 21-‐47. AQUINO, M. O Invasor. São Paulo: Geração Editorial, 2002. BAKHTIN, M. M. Questões de literatura e de estética. São Paulo: Hucitec, 1988. BENTES, A. C. Contexto e multimodalidade na elaboração de raps paulistas. Investigações. Vol. 21, no. 2, julho /2008, p. 199-‐220. Disponível em: http://www.revistainvestigacoes.com.br/volume-‐21-‐N2.htm, acesso em 21/02/2012.
203 Fonte: http://www.cidadedoshomens.com.br/, acesso em 26/04/2011. 204 Fonte: http://ecs.futuro.usp.br/docs/Sociolinguistica.pdf, acesso em 19/04/2011. 205 Fonte: http://www.webartigos.com/articles/9229/1/A-Sociolinguistica-E-Seu-Papel-Metodologico-No-Ensino-Da-
Linguagem-Oral/pagina1.html, acesso em 19/04/2011. 206 Fonte: http://www.unigran.br/revistas/interletras/ed_anteriores/n10/edicao/vol10/artigos/14.pdf, acesso em 19/04/2011. 207 Fonte:
http://www.filologia.org.br/iijnlflp/textos/O_passado_o_presente_e_o%20futuro%20da%20l%C3%ADngua%20portuguesa%20-%20ANA%20CRISTINA.pdf, acesso em 19/04/2011.
208 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=vHTdoED-Epc, acesso em 19/04/2011.
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________. "Tudo que é sólido desmancha no ar": Sobre o problema do popular na linguagem. Revista Gragoatá (UFF), v. 27, 2009. P. 12-‐47. Disponível em: http://www.uff.br/revistagragoata/, acesso em 21/02/2012. BRUM, A. O processo de criação artística no filme "O Invasor". Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP: Instituto de Artes, UNICAMP, 2003. BAGNO, M. A língua de Eulália: Uma novela sociolinguística. São Paulo: Contexto, 1997. CASTILHO, A. de. O Português do Brasil. IN: R. ILARI (Org.). Linguística Histórica. São Paulo: Editora Ática, 1997. P. 237-‐272. CAMACHO, R. Sociolinguística -‐ Parte II. IN: F. MUSSALIM, A. C. BENTES (Orgs.) Introdução à Linguística: Domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. P. 49-‐75. CAGLIARI, L.C.; MASSINI-‐CAGLIARI, G. Fonética. IN: F. MUSSALIM, A. C. BENTES (Orgs.) Introdução à Linguística: Domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. P. 105-‐146.
Referências Bibliográficas 2______________________________________________________________________________________
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