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JOAQUIM ALVES VINHAS
A IGREJA E O CONVENTO DE VILAR DE FRADES
DAS ORIGENS DA CONGREGAÇÃO DOS CÓNEGOS SECULARES DE SÃO
JOÃO EVANGELISTA (LÓIOS) À EXTINÇÃO DO CONVENTO. 1425-1834
Não inclui o Apêndice Documental.
Barcelos
1998
2
JOAQUIM ALVES VINHAS
A IGREJA E O CONVENTO DE VILAR DE FRADES
DAS ORIGENS DA CONGREGAÇÃO DOS CÓNEGOS SECULARES DE SÃO
JOÃO EVANGELISTA (LÓIOS) À EXTINÇÃO DO CONVENTO. 1425-1834
Dissertação de mestrado em História da Arte
apresentada à Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, em 15 de Julho de 1996
Barcelos
1998
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Aos meus familiares e amigos
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PREFÁCIO
Ao aceitar o convite para prefaciar a obra A Igreja e o Convento de Vilar de
Frades. Das origens da Congregação dos Cónegos Seculares de São João Evangelista
(Lóios) à extinção do Convento 1425-1834, sinto a satisfação de ser dada à estampa uma
obra de merecimento que as minhas obrigações profissionais e a estima que me merece o
autor levaram que a acompanhasse passo a passo. O Convento de S. Salvador de Vilar de
Frades que tinha já merecido a atenção de alguns autores, entre os quais queremos referir
Manuel de Aguiar Barreiros (1919), Luís António de Oliveira Ramos (1965), Maria
Teresa Calheiros Figueiredo de Oliveira Ramos (1990) e Maria do Carmo Henriques de
Lancastre (1991), não havia sido objecto do estudo que merecia no contexto artístico
português. Essa tarefa foi realizada por Joaquim Alves Vinhas.
O Convento de S. Salvador de Vilar de Frades é um magnífico exemplo daquilo
que caracteriza as grandes (e por vezes pequenas) casas monásticas: repositório de estilos
como resultado da sua longa existência, do gosto e das necessidades dos que lá viveram e
moldaram a sua fisionomia. Este somatório de estilos, que nos permite uma leitura e uma
melhor compreensão do seu passado, conseguiu ultrapassar, ainda que com marcas
profundas, todas as vicissitudes que, principalmente a partir de 1834, esses edifícios
sofreram. Em poucos anos, os interesses e a ignorância levaram (e por vezes ainda levam)
à delapidação de todo um património que o passado nos legou.
Edifício beneditino desde a sua fundação até 1425, altura em que passaria para a
Congregação dos Cónegos Seculares de São João Evangelista, vai a partir do século XVI
ser alvo de profundas obras que lhe deram o aspecto que hoje apresenta e para as quais,
numa fase inicial, muito contribuiu o arcebispo de Braga D. Diogo de Sousa (1505-1532).
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A esta insigne figura e a duas suas familiares (D. Leonor de Lemos e D. Teresa de
Mendonça) ficaram os Lóios a dever uma parte da actual igreja.
Se quanto aos mecenas da nova igreja não se levantam dúvidas, o mesmo não
acontece com o responsável pelo seu projecto. Dois nomes disputam essa honra: João de
Castilho e o mestre pedreiro João Lopes. Como o autor nos esclarece, e com ele estamos
de acordo, seria ao responsável pela nova capela-mor da Sé de Braga (1509) que D.
Diogo de Sousa encomendaria o projecto da nova capela-mor da igreja do Convento de
Vilar de Frades. Assim, a traça seria de João de Castilho e a execução de João Lopes, o
que, como tivemos ocasião de referir, se terá passado com o Mosteiro de S. Bento da Ave
Maria (1518) do Porto.
Além da excelente arquitectura da igreja onde no seu interior encontramos bons
exemplares da arte da talha, da azulejaria e do estuque, na sacristia, todo o conjunto
conventual tem a mesma qualidade onde se pode encontrar a lição da tratadística, como
acontece, a título de exemplo, na portada que dá acesso ao terreiro da igreja.
Memória dos Lóios que lá viveram, memória das formas artísticas que o moldaram,
o convento de S. Salvador de Vilar de Frades está mais vivo e mais presente com o
trabalho de Joaquim Alves Vinhas.
Joaquim Jaime B. Ferreira-Alves
Faculdade de Letras. Universidade do Porto
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NOTA PRELIMINAR
O presente projecto de investigação, focalizado na igreja e no antigo convento de Vilar
de Frades, teve o seu início no Outono de 1992, durante o primeiro curso de mestrado em
História da Arte, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Ao longo dos quatro anos que se seguiram, fomos favorecidos pela colaboração de
diversas personalidades, que muito contribuíram para o resultado final. Será pois de toda
a justiça uma palavra de gratidão.
Antes de mais, agradeçemos ao Revmº Padre Aurélio Ribeiro Soares, então pároco
de S. João de Areias de Vilar e ao sacristão Sr. Manuel Pinheiro Ferreira, que nos
receberam sempre de braços abertos aquando das nossas visitas à igreja e ao que resta do
antigo convento; ao historiador e bibliotecário barcelense, Dr. Victor Pinho, pela
disponibilidade com se sempre nos presenteou; aos funcionários dos arquivos e
bibliotecas que frequentámos no âmbito deste trabalho, especialmente ao Sr. Armando
Soares Araújo, à Sr.ª D. Maria da Costa Martins e à Sr.ª D. Leónida Rebelo Gomes,
do Arquivo Distrital de Braga, pela simpatia e empenho profissional demonstrados.
O nosso reconhecimento aos amigos e companheiros, em especial ao Luís Alexandre
Rodrigues, com quem muito dialogámos sobre a matéria em estudo; à Ana Carvalheira;
ao Manuel Pereira; ao João Manuel Fernandes, barcelense que sempre nos
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acompanhou nas visitas a Areias de Vilar, e ao Davide Barbosa, que nos deu um apoio
precioso no domínio da informática.
Uma ajuda especial veio do consagrado investigador bracarense Eduardo Pires de
Oliveira, que nos facultou informações importantes - das quais salientamos as referências
aos contratos da construção da porta da igreja e da varanda do noviciado (1), do
acrescento da capela-mor (2), do douramento do retábulo-mor e sua tribuna (3) - e da
Professora Doutora Lúcia Rosas, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que
nos deu a conhecer a existência, na Torre do Tombo, do inventário de 1834 (4).
Ao saudoso Professor Doutor Carlos Alberto Ferreira de Almeida, que nos
orientou na escolha do tema e que muito nos ensinou, e a todos os Mestres que nos foram
desbravando caminhos e abrindo horizontes, o nosso humilde agradecimento.
À Professora Doutora Natália Marinho Ferreira-Alves, que sempre nos distinguiu
com o saber e o estímulo, a amizade e a compreensão, não podemos deixar de aproveitar
esta oportunidade para lhe prestar a nossa homenagem.
Finalmente, cabe reconhecer na pessoa do nosso orientador científico, o Professor
Doutor Joaquim Jaime B. Ferreira-Alves, uma bela expressão da solidariedade.
Um efectivo acompanhamento do nosso trabalho, uma grande abertura de espírito e de
compreensão, as sugestões metodológicas e um diálogo sempre enriquecedor, a defesa da
honestidade e do rigor científicos, constituíram lições que jamais poderemos esquecer.
Nas horas em que o desânimo espreitava, era um esteio do optimismo científico; nos
momentos mais exaltantes da nossa investigação, era o mestre comovido. Este sentido
(1) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 750, fls. 82-82v..
(2) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 760, fls. 9-10v..
(3) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 765, fls. 103v.-104v..
(4) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças - Cat. nº 439, Cx. 2264.
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humanista da existência não deixou de marcar decisivamente o trabalho que agora se
apresenta a público. A tão ilustre orientador devemos o nosso trabalho!
Finalmente, uma palavra de agradecimento à Exª Junta de Freguesia de Areias de
Vilar. De facto, a publicação deste trabalho fica a dever-se ao empenho do seu presidente,
Senhor Domingos Lopes, patenteado na defesa, valorização e divulgação do património
arquitectónico, artístico e cultural da sua terra. O nosso muito obrigado!
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SUMÁRIO
FONTES MANUSCRITAS
PERIÓDICOS
BIBLIOGRAFIA
ABREVIATURAS E SINAIS
INTRODUÇÃO
CATÍTULO I
A CONGREGAÇÃO DOS CÓNEGOS SECULARES DE SÃO JOÃO
EVANGELISTA (LÓIOS): ORIGENS E DESENVOLVIMENTO
1. O PROBLEMA DOS ANTECEDENTES MEDIEVAIS
1.1. NOTÍCIAS DO MOSTEIRO BENEDITINO
2. GÉNESE DA CONGREGAÇÃO DOS CÓNEGOS SECULARES DE S. JOÃO
EVANGELISTA - LÓIOS
2.1. DO CONVENTO DOMINICANO DE BENFICA E DA IGREJA DOS
OLIVAIS, EM LISBOA, A SANTA MARIA DE CAMPANHÃ, NO PORTO
2.2. DO PORTO A BRAGA, O DESTINO É VILAR DE FRADES
2.3. A IMPORTÂNCIA DE MESTRE JOÃO VICENTE E DE D. FERNANDO DA
GUERRA, ARCEBISPO DE BRAGA
2.4. DAS IGREJAS ANEXAS AO CONVENTO DE VILAR
2.5. A UNIÃO DE S. MARTINHO DE MANHENTE
3. O CARÁCTER REFORMISTA DOS CÓNEGOS LÓIOS
4. CRESCIMENTO E EXPANSÃO DA CONGREGAÇÃO EVANGELISTA
10
4.1. IMPORTÂNCIA DOS BENFEITORES: ARCEBISPOS E PAPAS, NOBRES E
MONARCAS
4.2. OS CONVENTOS DA CONGREGAÇÃO EVANGELISTA: SEU CORPO DE
RELIGIOSOS
4.2.1. CONDIÇÕES DE INGRESSO NOS CONVENTOS
4.2.2. DO NOVICIADO AO SACERDÓCIO
4.2.3. AS NOVE CASAS DA CONGREGAÇÃO
CAPÍTULO II
A IGREJA E O CONVENTO DO SÉCULO XVI
1. AS OBRAS NA IGREJA
1.1. A CAPELA-MOR E O TRANSEPTO MANUELINOS
1.2. DA POBREZA DO CORPO QUINHENTISTA À MAJESTADE DA PORTADA
MANUELINA
2. AS OBRAS NO CONVENTO
2.1. O CLAUSTRO: SUA ESTRUTURA E FUNCIONALIDADE
2.2. DO CONJUNTO CONVENTUAL DE QUINHENTOS
2.3. JOÃO COELHO LOPES, MESTRE PEDREIRO DE GUIMARÃES, NAS
OBRAS DE 1593-1594
CAPÍTULO III
AS OBRAS DO SÉCULO XVII
1. REFORMA E EXPANSÃO DO CONVENTO NO PRIMEIRO QUARTEL DE
SEISCENTOS
2. A CAPELA DE NOSSA SENHORA DO SOCORRO
3. A IGREJA
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3.1. O NOVO CORPO E SEU ABOBADAMENTO: UMA OBRA DE 1620-1658
3.2. O NOVO CADEIRAL DO CORO: UMA OBRA DE ANTÓNIO JOÃO
PADILHA, MESTRE ENSAMBLADOR DO PORTO
3.3. A VARANDA DO NOVICIADO E A PORTA DA IGREJA: CONTRATO DO
MESTRE CARPINTEIRO SIMÃO ANTÓNIO, DO CONCELHO DA MAIA
3.4. A OBRA DE PEDRARIA NA CAPELA-MOR: CONTRATO DE PASCOAL
FERNANDES E JOÃO MOREIRA, MESTRES PEDREIROS DO PORTO
3.5. A TALHA DOURADA DOS FINAIS DO SÉCULO: OBRAS DE ANTÓNIO
GOMES E DOMINGOS NUNES, MESTRES ENTALHADORES DO PORTO
3.5.1. O RETÁBULO-MOR E SUA TRIBUNA
3.5.2. OS ALTARES COLATERAIS E O REVESTIMENTO DAS PAREDES DA
CAPELA-MOR
CAPÍTULO IV
OBRAS NO CONVENTO NOS INÍCIOS DO SÉC. XVIII
1. O DORMITÓRIO DA ALA SUL DO CONVENTO: CONTRATOS DE MANUEL
FERNANDES E ANDRÉ MARTINS, MESTRES PEDREIROS DO PORTO
1.2. ASSINATURA DE NOVO CONTRATO
1.3. ENVOLVIMENTO DE DOMINGOS NUNES E MANUEL MARTINS,
MESTRES DA CIDADE DO PORTO
2. A OBRA DA "EMENDA" E DA FRONTARIA CONVENTUAL
2.1. CONTRATO DE MANUEL FERNANDES DA SILVA, MESTRE PEDREIRO
RESIDENTE NA CIDADE DE BRAGA
2.2. ANTÓNIO CORREIA, MESTRE PEDREIRO DE BRAGA, PRESENTE NA
IMPREITADA DE MANUEL FERNANDES DA SILVA
3. A OBRA DE CARPINTARIA DO NOVO CONJUNTO CONVENTUAL: UMA
EMPREITADA DOS MESTRES MIGUEL MARTINS, DO PORTO E MANUEL DE
SOUSA LEMOS, DE MATOSINHOS
4. CONCLUSÃO DAS OBRAS DOS INÍCIOS DO SÉCULO XVIII
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5. OS CHAFARIZES
5.1. O CHAFARIZ DO CLAUSTRO
5.2. O CHAFARIZ DO TERREIRO DOS CABEDAIS
CAPÍTULO V
A IGREJA DOS SÉCULOS XVIII E INÍCIOS DO SÉCULO XIX
1. A IGREJA BARROCA
1.1. O INTERIOR: REMODELAÇÃO E EMBELEZAMENTO
2. AS OBRAS DOS FINAIS DO SÉC. XVIII E INÍCIOS DO SÉC. XIX
3. REVIVALISMO MEDIEVAL NA FRONTARIA DA IGREJA
4. A IGREJA DE VILAR DE FRADES NOS FINAIS DA ÉPOCA MODERNA
4.1. A CAPELA-MOR
4.2. O CORPO DA IGREJA
4.2.1. O TRANSEPTO: ALTARES COLATERAIS E CAPELA DO SANTÍSSIMO
SACRAMENTO
4.2.2. CAPELAS LATERAIS: LADO DO EVANGELHO
4.2.3. CAPELAS LATERAIS: LADO DA EPÍSTOLA
4.3. OS METAIS PRECIOSOS: SUA IMPORTÂNCIA NA DECORAÇÃO DOS
ALTARES E NO ENRIQUECIMENTO DO CERIMONIAL LITÚRGICO
4.4. O NARTEX INTERIOR E A PORTA PRINCIPAL
4.5. O CORO
4.6. A SACRISTIA
4.7. O CLAUSTRO
4.8. DO FRONTISPÍCIO DA IGREJA
CONCLUSÃO
APÊNDICE DOCUMENTAL
13
FONTES MANUSCRITAS
1. Arquivo Distrital de Braga
1.1. Colecção dos Manuscritos
Mss. 8, 330, 924 e 1054
1.2. Fundo Monástico Conventual
L 1-82
1.3. Notarial de Barcelos
Livros 1-220, 650-711, 763, 771.
2. Arquivo Distrital de Bragança
Edital da Junta do Crédito Público - Lista 344/4-8, de 7 de Fevereiro de 1838.
3. Arquivo da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais - Direcção
Regional dos Edifícios e Monumentos do Norte
Pasta I
- C.D.B., of. 928
- c. do Arcebispo de 23-10-1943
- C.M.B., of. 383
- D.G.F.P./R.P., Proc. nº 3678, Lº 6, of. A-3487-43
Proc. nº 26, Lº 7, of. A-183-44
14
- J.P.A.M.V., c. 1931
- Ofs. nºs 11, 12, 28, 38, 61, 251, 254, 266, 297, 338, 380, 383, 388, 390, 407, 514,
568, 678, 701, 744, 769, 787, 823, 866, 898, 924, 4046
- O.S. nºs 163, 181, 258, 271, 350, 354, 380, 628, 765, 881, 1164, 1414, 2198, 2482,
2995, 3039, 3333, 3391, 3457
- P.A.P. (cinco Propostas de Ajuste Particular)
- P.V., c. 1941
- Procº nº 62, est. 1937;
est. 1944
- Rtº nº 1
4. Arquivo Distrital do Porto
Registo Paroquial de Campanhã - Lº 3 dos Mistos
5. Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Arquivo Histórico do Ministério das Finanças - Cat. nº 439, Cx. 2264, docs. 5, 8, 10 e
2345.
Índice Geographico das Cidades, Villas, e Parochias de Portugal conteudas nos 43
volumes manuscritos do Dicionário Geographico existente na Bibliotheca da Senhora
das Necessidades. Lisboa, 1832 - Vol. 41, Mc. 288.
Vilar de Frades, Convento de São Salvador - Lº 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25.
6. Biblioteca Pública Municipal do Porto
Ms. 1272 - Henrique Duarte e Sousa Reis, Apontamentos para a Historia Antiga e
Moderna da Cidade do Porto, Vol. IV, 1865.
15
PERIÓDICOS
O Comércio de Barcelos
- Ano IX, Nº 442, 21 Agosto 1898
- Ano X, Nº 509, 5 Dezembro 1899
Correio do Minho
- Ano XI, nº 3777, 4 Novembro 1938
Jornal de Barcelos
- Ano V, nº 205, 4 Fevereiro 1954
- Ano VI, nº 263, 17 Março 1955
- Ano VII, nº 309, 2 Fevereiro 1956
- Ano VIII, nº 364, 21 Fevereiro 1957
BIBLIOGRAFIA
16
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1467), Porto, 1978; O Estado dos Mosteiros Beneditinos da Arquidiocese de
22
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Extinção do Mosteiro de Manhente, Separata da Barcelos-Revista, Barcelos,
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ABREVIATURAS E SINAIS
ARQUIVOS
A.D.B. - Arquivo Distrital de Braga
A.D.G.E.M.N./D.R.E.M.N. - Arquivo da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais/Direcção Regional dos Edifícios e Monumentos do Norte
A.D.P. - Arquivo Distrital do Porto
A.H.M.F. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças
A.N.T.T. - Arquivo Nacional da Torre do Tombo
OUTRAS ABREVIATURAS E SINAIS
c. - carta
B.D.G.E.M.N. - Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais
Cap. - Capítulo
C.D.B. - Comissário de Desemprego de Braga
C.E.M. - Companhia Editora do Minho
Cf. - Confrontar
C.M.B. - Câmara Municipal de Barcelos
Conv. - Conventos
C.P.V. - Carta do Pároco de Vilar
Cx. - Caixa
D.G.F.P./R.P. - Direcção Geral da Fazenda Pública/Repartição do Património
dir. - direcção de
doc. - documento
docs. - documentos
Ed. - Editor, edição, edições
est. - estimativa
27
F.C.S.H.U.N.L. - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa
Fig. - Figura
fl. - folio
fls. - fólios
F.L.U.P. - Faculdade de Letras da Universidade do Porto
J.P.A.M.V. - Junta da Paróquia de Areias e Madalena de Vilar
L - Lóios
Lº - Livro
Mc. - Maço
Mc. - Microfilme
Ms. - Manuscrito
Mss. - Manuscritos
Nº - Número
nº - número
nºs - números
Ob. cit. - Obra citada
of.(s) - ofício(s)
O.S. - Ordem de Serviço
p. - página
pp. - páginas
P.A.P. - Proposta de Ajuste Particular
Procº - Processo
Publ. - Publicação, publicações
Rtº - Relatório
Séc. - Século
s/fl.(s) - sem folio(s)
Seg. - Segundo
Sep. - Separata
v. - verso
Vol. - Volume
Vols. - Volumes
28
(...) - Omissão de palavra ou palavras ilegíveis no documento
[...] - Omissão de texto numa citação documental ou bibliográfica
INTRODUÇÃO
O presente estudo teve como objectivo principal, desde que o iniciámos no Outono de
1992, contribuir para um melhor conhecimento da dimensão arquitectónica e artística da
igreja e do antigo convento de Vilar de Frades, a primeira casa-mãe da Congregação dos
Cónegos Seculares de S. João Evangelista - Lóios.
As suas balizas cronológicas coincidem genericamente com a fundação e a extinção
desta Ordem Religiosa: 1425-1834.
Não nos foi possível encontrar todas as respostas para as perguntas que íamos
formulando ao longo do percurso metodológico encetado: umas suscitadas pelo trabalho
de campo realizado - foram inúmeras as visitas à igreja e ao antigo convento -, outras
pelas meias-verdades contidas em fontes manuscritas e impressas, de grande valor, aliás,
porque nos esclareceram sobre diversos aspectos da vida conventual e da mentalidade dos
religiosos.
Como base do nosso trabalho, apoiámo-nos nas fontes manuscritas do Arquivo
Distrital de Braga, designadamente em livros do Notarial de Barcelos e do Fundo
Monástico Conventual, bem como no parcialmente divulgado manuscrito de Jorge de São
Paulo, de 1658 (5); na crónica impressa em 1697, de Francisco de Santa Maria (6), que se
encontra na Biblioteca Pública Municipal do Porto; nos documentos do Arquivo Nacional
da Torre do Tombo, relacionados com o antigo convento de S. Salvador de Vilar de
Frades, particularmente o inventário do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, de
1834 (7); e na existência do valioso conjunto arquitectónico - ainda que maltratado pelo
tempo e pelo Homem -, tão cheio de significações históricas, religiosas e artísticas.
(5) A.D.B. - Ms. 924.
(6) SANTA MARIA, Francisco de - O Ceo Aberto na Terra. História das Sagradas Congregações dos
Cónegos Seculares de S. Jorge em Alga de Veneza e de S. João Evangelista em Portugal, Lisboa, 1697.
(7) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8.
29
Das dezenas de incursões à igreja e ao convento, ficou-nos uma consciência radical da
importância do diálogo directo com os edifícios (8), durante as diferentes fases do seu
estudo.
Da observação e análise dos vestígios materiais ao sentir o lugar da implantação do
conjunto arquitectónico, emergiu uma melhor compreensão do nosso objecto de
investigação e do sentido frequentemente subjectivo dos testemunhos: os cónegos que
escreveram as memórias da Congregação (9) não se cansaram de proclamar a casa de
Vilar de Frades como uma das mais celebres e famosas, quer da região de Entre-Douro-e-
Minho quer de Portugal (10), realçando a monumentalidade arquitectónica e artística da
igreja, mas também a beleza natural do sítio - um "genius loci" especial onde os primeiros
padres lóios (sobre as ruínas da memória dos antigos frades bentos) exprimiram o seu
desejo de independência frente aos arcebispos de Braga, a sua sede de grandeza e de
glória, o seu destino de religiosos famosos, enfim a essência ideológica dos cónegos
seculares evangelistas.
No sopé do monte Airó, junto à margem esquerda do Cávado, o conjunto
arquitectónico da igreja e do convento de Vilar de Frades marcou definitivamente S. João
(8) Só a leitura visual dos edifícios, confrontada com os registos documentais e bibliográficos, nos
permite uma compreensão plena de certas fissuras e cicatrizes que ocorrem no decurso das construções
arquitectónicas, sobretudo nos conjuntos conventuais, cujas obras estão muitas vezes condicionadas pelo
pulsar económico dos encomendadores.
(9) Uma boa parte do que hoje sabemos acerca dos lóios deve-se, sem dúvida, às obras de Jorge de S.
Paulo (1658) e de Francisco de Santa Maria (1697).
(10) "Hum convento admiravel e magestozo mui celebre na provincia de Entre Douro e Minho, e muito
mais nomeado e de maior fama em os mais de Portugal" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 335.
A duas léguas a Ocidente de Braga e a pouco mais de meia para Oriente de Barcelos, "nas fraldas da
serra, ou monte de Ayrò, a pouca distancia do rio Homem, & Cavado, està fundado o convento de Villar,
em sitio o mais alegre, & aprasivel, que póde formar a naturesa, & idear a imaginação. Apparecem no
circuito do convento dilatados campos, nos quaes, a qualquer parte, que se lance a vista, tem muito por
onde se estender, & muito em que se divertir: jà no crystallino das aguas, jà na verdura, e louçanìa das
plãtas, jà no ameno, & frondoso das devesas, compostas de castanheiros, & carvalhos [...] A cerca, &
tapado se dilatão na circunferencia do convento quasi huma legoa, povoada de infinitas arvores [...] Na
cerca ha muitas ruas de parreiras, ciprestes, buxos, platanos, murta, & de todo o outro genero de arvores,
que servem com as sombras para o fresco, com os fruttos para o gosto, com as flores para o olfato, & com
a verde, & inquieta confusão das folhas, & dos ramos para o agrado, & delicia dos olhos. He aqui por
extremo deliciosa em seus tempos a suave armonia dos passarinhos, a cuja musica serve de fundamento o
ruìdoso susurro de huma ribeyra, que atravessa pelo meyo da cerca, com outras fontes, de cuja agua se
alimenta huma dilatada, & fecundissima horta.
Em differentes lugares da mesma cerca ha cappelinhas de varios Santos, cousa muy perfeita, de
conchas, & pedrinhas refulgentes, dispostas com admiravel artificio, & brincadas com engenhoso primor:
a do Presepio he singular entre todas pela valentia, & propriedade das figuras" - SANTA MARIA,
Francisco de - Ob. cit., pp. 373-374.
30
de Areias, dando-lhe uma feição peculiar, histórica, estética e cultural, de inegável
riqueza e que urge conservar.
As qualidades do lugar são elogiadas por toda a bibliografia, depois dos relatos
apaixonados dos cronistas. Ora, como é sabido, o sítio desempenha um papel
fundamental na implantação da arquitectura e, "sem dúvida que um qualquer monumento
arquitectónico marca o lugar onde está implantado, recriando íntimas relações com o
sítio. A sua envolvência faz parte da sua memória histórica e estética" (11).
Sobre a importância do lugar, escreveu Norberg-Schulz:
"Depuis le début des temps, l´homme s'est rendu compte que le fait
de crier un lieu signifie exprimer l'essence de l'être.
L'univers artificiel dans lequel il vit n'est pas seulement un
instrument pratique, ou le résultat d'événements arbitraires, mais il
possède une struture et il incarne des significations qui reflètent sa
manière de ressentir le milieu naturel et la situation existentielle en
géneral" (12).
Ao iniciarmos esta empresa, estávamos conscientes das dificuldades que poderíamos
encontrar, decorrentes da falta de documentos, gerando vazios e angústias.
Inevitavelmente a nossa acção foi dificultada, quer pela escassez de documentos
escritos, quer pela ausência completa de traças ou plantas das obras empreendidas no
quase permanente estaleiro de Vilar de Frades.
Consequentemente, abundam os lapsos de tempo sem memória escrita, sem registos,
sem contratos, sem os nomes dos arquitectos ou mestres pedreiros (13) e dos oficiais e
aprendizes, sem as exigências dos encomendadores.
(11) FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto - Património - Riegl e Hoje, Sep. da «Revista da
Faculdade de Letras», II série, Vol. X, Porto, 1993, p. 410.
(12) NORBERG-SCHULZ, Christian - Genius Loci. Paysage-Ambience-Architecture, Bruxelles, Pierre
Mardaga Éditeur, 1981, p. 50.
(13) É nítida a desvalorização social daqueles que riscaram ou dirigiram as obras (já para não falarmos do
pessoal menos qualificado), pois muito raramente os cronistas registam os nomes dos artistas nas suas
crónicas, cuja finalidade da escrita é destacar a acção despesista de determinados reitores e protectores do
convento e a sobrevalorização da sua igreja.
31
Frequentemente deparámos com os registos de uma memória fantasiada, sobretudo
pela mão dos cronistas particularmente preocupados com enaltecer os feitos dos seus
heróis e dos reitores que mais embelezaram a igreja e enriqueceram o seu convento (14).
Acresce que nem sempre a organização e funcionamento dos arquivos foram factores
facilitadores da investigação. O registo notarial de Barcelos, do Arquivo Distrital de
Braga, encontrava-se deficientemente organizado... dezenas e dezenas de livros do
cartório do extinto convento de Vilar de Frades estavamo espalhados entre as muitas
centenas de exemplares dos vários tabeliães barcelenses. Tanto mais que o que resta do
antigo cartório do convento, disseminado nos fundos notarial e monástico referidos, não
nos fornece a memória completa atinente ao cabal esclarecimento do nosso objecto de
estudo.
Oxalá o futuro possa completar a história arquitectónica e artística da igreja e do
convento de Vilar de Frades que, necessariamente, fica incompleta.
(14) Tivemos sempre o cuidado de tentar distinguir quando os cronistas falavam verdade e quando se
deixavam conduzir pelos esquemas mentais inerentes às suas crenças e às reminiscências da crise religiosa
32
CATÍTULO I
A CONGREGAÇÃO DOS CÓNEGOS SECULARES DE SÃO
JOÃO EVANGELISTA (LÓIOS): ORIGENS E
DESENVOLVIMENTO
que atravessou o século XVI e se projectou no século XVII.
33
FOTO 1
Pormenor do pórtico da igreja românica (adaptação dos inícios
do séc. XIX)
1. O PROBLEMA DOS ANTECEDENTES MEDIEVAIS
Os vestígios da igreja românica de Vilar de Frades, patentes na chamada "torre velha"
(localizada no lado sul da fachada), geraram divergências entre estudiosos e historiadores
de arte (15), quer porque se desconhece, com precisão, a data da sua edificação, quer
porque as adaptações revivalistas dos inícios do século XIX vieram perturbar um olhar
atento e sereno sobre o que resta, possivelmente, dos finais do século XII.
Categórico, o cónego Aguiar Barreiros afirmava em 1919:
"Do que não resta a menor dúvida é de que o portico romanico e
bem assim a primeira archivolta, com as columnas
correspondentes, da janella que lhe fica por cima [...] pertencem ao
seculo XII (presumivelmente aos primeiros annos do reinado de D.
Sancho I) e acusam um estreito parentesco com a portada principal
da Sé de Braga, ficando a favor da portada romanica de Villar, se
não as proporções, ao menos a execução, que pode chamar-se
(15) "Les avis, il est vrai, divergent considérablement, e les dates avancées vont de 1070 au début du
XIIIe siécle. Toutefois, en prenant comme point de repère l'attribution du couto par Sancho Iº (1185-
1211) et en compte des caractéristiques des éléments conservés, qui en font une oeuvre de stlyle roman
avancé, on pourrait considérer le dernier quart du XIIe siècle comme période probable de sa réalisation" -
GRAF, Gerard N. - Portugal Roman, (tradução do alemão por G. Schecher), Paris, Zodiaque, 1987, p.
325.
34
primorosa, e para a qual, apesar dos retoques posteriores, não
concorreu sómente a melhor qualidade da pedra" (16).
Em 1964, o professor Oliveira Ramos defendia que o que restava da primitiva igreja
românica deveria datar do segundo quartel do século XII (17).
Já em 1978, dizia o professor Ferreira de Almeida que o portal de Vilar de Frades, tal
como pode ser observado, “constitui uma adaptação da época românica, como a sua
arcada interior bem mostra [...] possivelmente não são originais algumas impostas" (18). E
acrescentava: "Temos também dúvidas sobre a adaptação da janela alta que aí vemos"
(19).
Não estando completamente ultrapassados os problemas que impedem uma datação
rigorosa, hoje é praticamente certo que, tanto o portal como a janela (20) do antigo
mosteiro beneditino, foram (re)construídos nos inícios do século XIX, aquando das obras
aí realizadas a partir de 1804-1805, data em que o reitor Martinho José de Almeida "deu
inicio a frontaria da igreja" (21).
1.1. NOTÍCIAS DO MOSTEIRO BENEDITINO
(16) BARREIROS, Manuel de Aguiar - A Egreja de Villar de Frades, Porto, Edição Marques de
Abreu, 1919, p. 9.
Informa este autor que, "disseminados pelas hortas e ruinas do Convento encontram-se ainda alguns
capiteis e bases romanicas" - Idem, Ibidem (nota 4).
(17) OLIVEIRA RAMOS, Luís A. de - Uma Arcatura Historiada de Vilar de Frades, Sep. das Actas do
III Colóquio Portuense de Arqueologia, Porto, 1965, p. 6.
(18) FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto - A Arquitectura Românica de Entre-Douro-e-Minho,
Vol. II, Tese de doutoramento apresentada na F.L.U.P, Porto, 1978, p. 150.
(19) Idem, Ibidem.
(20) Admitimos a hipótese desta janela ter como base a reutilização de pedras do possível portal lateral,
que comunicava com o claustro medievo. Quanto ao antigo pórtico axial, é sabido que houve adaptações
nas arquivoltas, nos inícios do século XIX.
(21) A.D.B. - Ms. 924, fl. 780.
35
A inexistência de vestígios materiais anteriores ao período românico e a escassez de
fontes escritas (22), têm impedido os investigadores de descerem às origens do mosteiro
beneditino de Vilar de Frades. Data de 1059 a mais antiga referência que se conhece (23),
embora tenha sido divulgada uma lendária carta do beneditino frei Drumário que,
segundo frei Leão de São Tomás, teria sido escrita em 7 de Outubro de 571, missiva que
dataria a fundação do mosteiro de S. Bento, por S. Martinho de Dume, em 566 (24).
Ao mergulhar a fundação dos mosteiros beneditinos na conturbada Alta Idade Média,
frei Leão de São Tomás põe em relevo o papel de S. Martinho de Dume, prelado da Igreja
de Braga entre 570-583 (25):
"Huma carta de hum Monje nosso chamado Frey Drumario escrita
por nome Frey Frontano, e lançada naquelle livro antigo do
Mosteyro de Pedroso, donde o nosso padre Frey João do Apocalipse
per sua mão propria a copiou, cuja copia tenho em meu poder entre
outras memorias suas, na qual falando o dito Monje de S. Martinho
Dumiense diz assim:
«Fructo ventris sui, posuerunt Deus, e Sanctissimus Pater Noster
Benedictus supra sedes suas. Monasterium scilicet Dumiense,
Antoniuum, Victorium, Tibanense, Villare, Vargense, Magnetense
[...]» - Do fruto de S. Martinho puserão Deus e Nosso Pai
Santissimo S. Bento tantos filhos seus nos mosteiros de Dume,
Antonino, Vitorino, Tibanense, Vilar, Vargense, Manhetense" (26).
(22) Para além de escassas, as fontes de que dispomos não nos permitem um olhar seguro sobre a
fundação do antigo cenóbio de S. Bento.
(23) MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no Século XV, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, 1988, p. 652.
Cf. MATOS, Sebastião - Areias de Vilar. Das suas origens, Sep. da Barcelos Revista, Nº 2 - série II,
Edição da Câmara Municipal de Barcelos, 1985, p. 4.
(24) SÃO TOMÁS, Frei Leão de - Benedictina Lusitana, Tomo I, p. 358v..
(25) A.D.B. - Ms. 1054, fl. 21.
Cf. SENNA FREITAS, Bernardino José de - Memorias de Braga Contendo Muitos e Interessantes
Escriptos Extrahidos e Recopilados de Differentes Archivos, Tomo I, Braga, Imprensa Catholica, 1890,
pp. 80 e 83.
(26) SÃO TOMÁS, Frei Leão de - Ob. cit., p. 358v..
D. Rodrigo da Cunha (arcebispo de Braga em 1627-1635), legou-nos sobre o assunto o seguinte
registo: "Vargense, Magnatense, forão a principio mosteiros, e ambos fundados por S. Martinho; o
primeiro se chamou S. Bento da Varsea, uma legoa de Barcellos: he hoje Igreja parochial unida ao
mosteiro de Villar de Frades, por renuncia, que delle fez o Abbade Vasco Roîz chantre desta Sé varão de
muita virtude, e santos exemplos, foi dos primeiros Conegos Regulares (sic), que neste Reino florescerão,
36
Foi provavelmente o conhecimento que tinha desta carta (caso ela tenha realmente
existido), ou seguindo a sua suposta publicação na obra de frei Leão de São Tomás, que
Jorge de São Paulo (27) defendeu em 1658 (28), que o mosteiro de Vilar de Frades
estivera sob a Regra de S. Bento desde 566 (29) até 714, altura em que este antigo cenóbio
teria sido destruído pelas invasões muçulmanas (30).
A investida destruidora dos mouros teria provocado o desaparecimento dos vestígios
materiais, apagando os testemunhos da existência do mosteiro beneditino anterior aos
inícios do século VIII (31).
Uma vez reconstruído o velho conjunto monasterial, nele voltará a imperar a Ordem
beneditina, entre 1070 e 1425 (32).
A reconstrução dos séculos XI-XIII ter-se-á devido à acção de nobres locais,
designadamente de D. Godinho Viegas e seus descendentes, que se destacaram na luta
pela Reconquista Cristã e pela Independência de Portugal, ao lado dos primeiros
viveo no reinado de Dom Affonso o Quinto, e em Villar de Frades está sepultado. São Martinho de
Manhente se unio tãbem no mesmo tempo, pello mesmo Arcebispo Dom Fernando da Guerra a Villar de
Frades: era então abbadia secular, e nesta fórma persevera hoje, com seu vigairo, que administra os
Sacramentos aos freiguezes: dista pouco espaço do mesmo mosteiro" - CUNHA, Dom Rodrigo da - Da
Historia Ecclesiastica dos Arcebispos de Braga e dos Santos Varões Ilustres, que florescerão neste
Arcebispado. 1634, Braga, 1989, pp. 319-320.
(27) Cronista da Congregação dos Cónegos Seculares de São João Evangelista, vulgo Lóios, Jorge de São
Paulo nasceu em Lisboa, filho de Felicio Rodrigues e Catarina Carvalho e no século tinha o nome de
Jorge de Carvalho - SÃO PAULO, Jorge de - História da Rainha D. Leonor e da fundação do hospital
das Caldas, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Publicidade, 1928, p. 7.
Jorge de Carvalho, tendo "a idade competente entrou na Congregação em 3 de Julho de 1609; e foi
noviço nesta Caza de Villar de Frades. Ja contava 6 annos de habito, quando no de 1615 foi mandado para
o curso de Filozofia, que na caza de Arraiolos leo o padre mestre Manoel da Ascenção" - MAGANO,
Fernando - A respeito e em respeito da congregação de Vilar de Frades - O "Compêndio" do padre Jorge
de S. Paulo (manuscrito da Biblioteca de Braga), in "Boletim do Centro de Estudos Humanísticos"
(Anexo à Universidade do Porto), Vol. III, Nº 1, Porto, 1956, p. 10.
(28) Na sua obra manuscrita, depositada no Arquivo Distrital de Braga: "Epílogo e compendio da origem
da Congregação de Sam Joam Evangelista e do nacimento, vida e morte dos seus três fundadores. Da
dundaçam dos nove conventos, das suas rendas; encargos; e prelados; e dos onze hospitaes da sua
administração; e de outras memorias, composto e escrito pello padre mestreJorge de Sam Paulo sendo
geral o reverendissimo padre Manoel da Madre de Deos, ambos naturaes da cidade de Lisboa corte del
rei Dom João quarto felecissimo restaurador deste reino de Portugal. 1658" - A.D.B. - Ms. 924 .
(29) Ano da suposta fundação, por S. Martinho de Dume - A.D.B. - Ms. 924, fl. 306.
(30) Idem, Ibidem.
(31) "Arruinado pellos mouros sem vestigios de mosteiro - 356 annos. Des o anno de 714 ate o de 1070" -
Idem, Ibidem.
(32) Idem, Ibidem.
37
monarcas, de quem recebem em troca determinados favores e privilégios, entre os quais a
elevação do mosteiro a terra coutada (33).
Aparentemente preocupado com a verdade histórica, mas não menos em afirmar a
qualidade e a antiguidade do sítio religioso do convento de Vilar de Frades, Jorge de São
Paulo, "revolvendo o cartorio deste convento de Villar" (34), encontrou uma "memoria"
do (re)fundador do mosteiro beneditino (no século XII), que integrou na sua crónica, não
deixando no entanto de "dar credito à carta de frei Drumario" (35), para datar a primitiva
fundação na segunda metade do século VI:
"Revolvendo o cartorio deste convento de Villar achei huma
memoria que diz primeiro fundador, e reformador do mosteiro de
São Salvador de Villar foi D. Pero Salvadores, e sua mulher Sancha
Martins, o qual foi fidalgo da caza del rei D. Sancho 1º, e ahi jazem
sepultados. Esta memoria devia ter fundamento em o dito rei D.
Sancho na era de Cezar de 1210, e na de Christo de 1172 coutar ao
convento de Villar por fazer merce a D. Pedro Salvadores e a sua
mulher D. Sancha Martins pello muito serviço que fizera a el rei D.
Afonso Henriques seu pai" (36).
Porém, acrescenta o cronista:
"Quem fez a memoria totalmente se enganou pois hemos dar
credito à carta de frei Drumario na nova fundação pello bispo de
(33) "As concessões de coutos, frequentes entre os séculos IX e XIII como expressão clássica do regime
senhorial (e a que correspondem, além-Pirenéus, as cartas de imunidade), implicavam, como privilégio
mais importante, a proibição de entrada de funcionários régios (juizes, meirinhos, mordomos, etc.) na
terra coutada. Além disso, escusavam-se, em geral, os seus moradores de cumprir serviço militar no
exército do rei, de solver tributos pecuniários ou braçais ao monarca, de pagar multas aplicadas ao fisco,
etc." - OLIVEIRA MARQUES, A. H. de - Couto, in Dicionário da História de Portugal (dir. Joel Serrão),
Vol II, Porto, Livraria Figueirinhas, 1989, p. 225.
(34) A.D.B. - Ms. 924, fl. 307.
(35) Idem, Ibidem.
(36) Idem, Ibidem.
38
Dume São Martinho pellos annos de Christo de 566 (37) e ao infante
D. Pedro pella reedificação por D. Godinho Viegas pellos annos de
Christo de 1070 [...] o que me parece he que este convento de Villar
quando hera governado pellos abbades de São Bento depois da
reedificação tinhão seus padroeiros sucessivos; e o primeiro como
reedificador foi D. Godinho Viegas a que socederão seus filhos no
padroado e netos que seria este D. Pedro Salvadores que por seus
particulares serviços feitos a el rei D. Afonso Henriques pederia em
satisfação a el rei D. Sancho seu filho lhe coutasse o dito convento
de Villar, como consta da carta referida" (38).
A mãe deste protector, Dona Gotinha, filha de D. Nuno e Dona Adosinda (39), terá
contribuída para o crescimento económico do convento, ao fazer-lhe a doação de uma
propriedade rústica de Santiago de Encourados, nos inícios do séc. XII:
"Attendendo à obra pia e santa que tinha feito seu filho quiz
tambem accrecentar a renda do restaurado convento com lhe fazer
doação de huma herdade que possuia em Encourados pellos annos
de Christo de 1104" (40).
A propósito da reedificação dos antigos mosteiros beneditinos medievais, havia dito
frei Leão de São Tomás que:
"No que toca ao de S. Bento da Varzea destruido na entrada dos
Mouros em Hespanha, reedificousse pellos annos de Christo mil e
tantos (sic) por hum fidalgo daquelle tempo chamado Dom Soeyro
Guedes sogro de D. Godinhos Viegas o que reedificou Villar de
(37) Sebastião Matos chama a atenção para o facto desta datação carecer de provas documentais, "pois
nem elementos escritos, nem quaisquer outros vestígios nos permitem concluir por tal antiguidade" -
MATOS, Sebastião, - Ob. cit., p. 2.
(38) A.D.B. - Ms. 924, fl. 307.
Cf. SÃO TOMÁS, Frei Leão de - Ob. cit., p. 406.
Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 362-364.
(39) A.D.B. - Ms. 924, fl. 307.
39
Frades, e irmão de D. Troicozendo Guedes, o que fundou Paço de
Sousa. E ambos elles filhos de D. Guido Arnaldes, e netos de D.
Arnaldo de Bayão, segundo affirma o conde D. Pedro em seu
nobiliario titulo 42" (41).
Apoiados na tradição - que muito valorizamos, mas que nem sempre constitui
certificado de certeza -, o manuscrito de Jorge de São Paulo e toda a bibliografia
tradicional, fizeram recuar até à segunda metade do século VI a fundação do mosteiro de
S. Bento.
No último terço do século XIX, Arnaldo Gama reflecte na literatura o legado da
tradição escrita e oral:
"A primitiva fundação do mosteiro de Villar data, segundo dizem,
da segunda metade do século VI; mas foi sómente desde os
principios do século XV que pertenceu aos padres loyos, os quaes,
apossando-se d'elle, architectaram sobre o acanhado e mesquinho
cenóbio, que os beneditinos tinham abandonado, o magestoso
edificio que ainda hoje se levanta n'aquelle local. D'esta epoca é que
data tambem a sua celebridade. Desde então o mosteiro de Villar
foi sempre tido em conta de um dos mais famosos do Minho. E com
justiça o era, não só em razão da magestade do edificio e do
pittoresco do sitio, mas, e sobretudo, em respeito das grandes
riquezas que possuia, e dos vastos dominios que senhoreava" (42).
Destinados a escrever as primeiras páginas da história multissecular da Congregação
dos Cónegos Seculares de São João Evangelista, no primeiro convento sito na antiga
freguesia de S. Salvador de Vilar de Frades (43), os religiosos que ali estacionaram a
(40) "A qual doação refiro aqui por antiquissima, e por se considerar o latim macarronico uzado nas
escrituras daquelle tempo" - Idem, fl. 306.
(41) SÃO TOMÁS, Frei Leão de - Ob. cit., p. 406.
(42) GAMA, Arnaldo - O Sargento-Mór de Villar, Vol. I, 2ª edição, Porto, 1885, p. 10.
(43) Posteriormente, a fusão das 3 freguesias - Santa Maria Madalena de Vilar, S. João Baptista de Areias
de Vilar e S. Salvador de Vilar de Frades - resultou na que mantém o nome de S. João de Areias de Vilar -
Cf. FONSECA, Teotónio da - O Concelho de Barcelos Aquém e Além-Cávado, (Reprodução fac-similada
da edição de 1948), Vol. II, Barcelos, Companhia Editora do Minho, 1987, pp.27-29.
40
partir de 1425 - no contexto da reforma pastoral e monástica de D. Fernando da Guerra -,
herdaram toda a riqueza espiritual (a riqueza material, como veremos, era reduzida) do
longínquo passado beneditino.
Dirigimos o nosso olhar - interrogado, para não dizer desconfiado -, sobre o passado
opaco do mosteiro medieval, cuja fundação pertenceria ao século de S. Martinho de
Dume, pelo respeito que nos merece a tradição... que também pode falar verdade (44).
O MOSTEIRO BENEDITINO DE VILAR DE FRADES: 665-1425 (45)
DATA
FACTOS
PROTAGONISTAS
566 Fundação S. Martinho, bispo de Dume.
1070 Reconstrução D. Godinho Viegas - descendente de D.
Arnaldo de Baião.
1104 Ampliação (em terras) D. Gotinha – parente de D. Godinho Viegas
1172
Carta de couto
D. Sancho I - a pedido de D. Pedro
Salvadores, descendente de D. Godinho
Viegas.
1302
Doação do padroado e
jurisdição, a D. Geraldo
bispo do Porto.
D. Beringeira Aires - "sendo Herdeira e
padroeira de vários conventos, entre os
quais o de Vilar de Frades, doou em 12 de
Agosto de 1302 o padroado e jurisdição
que tinha sobre este a D. Geraldo, bispo do
Porto".
1400 Passagem a "abadia
secular, sob o padroado
do Arcebispo de Braga".
Arcebispo D. Martinho Afonso Pires.
Cf. MATOS, Sebastião - Ob. cit., pp. 7 e 9.
(44) Não estamos em condições de provar, nem contestar, tal antiguidade.
(45) Cf. FONSECA, Teotónio da - Ob. cit., pp. 29-30.
41
1425 Entrega do mosteiro ao
mestre João Vicente.
D. Fernando da Guerra, arcebispo de Braga
e João Vicente, futuro bispo de Lamego e de
Viseu.
2. GÉNESE DA CONGREGAÇÃO DOS CÓNEGOS SECULARES DE S. JOÃO
EVANGELISTA - LÓIOS
Os primitivos membros da nova instituição religiosa, bem depressa conhecidos por
Bons Homens de Villar (46), baptizaram-na como Congregação dos Cónegos Seculares de
S. Salvador de Vilar de Frades (47), designação que permanecerá até 1461, altura em que
esta nomenclatura será alterada, devido à influência da rainha Dona Isabel e à sua
particular devoção por S. João Evangelista, que fez com que o Pontífice Pio II ordenasse
um novo título: Congregação dos Conegos Seculares de S. João Evangelista (48).
FOTO 2
Parte superior da portada de acesso ao “terreiro dos cabedais”
do convento, com a imagem de S. João Evangelista (séc.
XVII).
(46) "Em quanto aos nomes com que esta Congregação foi, & he conhecida em Portugal; o primeiro que
teve foi o dos Bons Homens de Villar, antonomasia, a toda a luz, gloriosa, da qual se fiserão dignos os
nossos Conegos, & a logràrão por muitos annos, pela virtuosa, exemplar, & santa vida, em que florecèrão
nos seus principios. Achãose ainda hoje muitas doações, & testamentos, nos quaes muitas pessoas de
authoridade, & supposição: Deixam [dizem] aos Bons homens de Villar, tal, ou tal propriedade" -
SANTA MARIA, Francisco de - O Ceo Aberto na Terra, Lisboa, 1697, p. 235.
(47) Idem, Ibidem.
Ver LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - A Igreja do Convento de Vilar de Frades
segundo as Memórias do Padre Jorge de São Paulo (1658), Sep. da Barcelos Revista, Nº 2 - série II,
Edição da Câmara Municipal de Barcelos, 1991, pp. 169-170.
(48) "Depoes pela devoção, que a Rainha D. Isabel, mulher de D. Affonso V insigne protectora nossa,
teve ao Evãgelista, ordenou o Põtifice Pio II à instancia del-Rey D.Affonso V [que pedio esta graça por
contemplação, & respeito da Rainha sua mulher] que se chamasse de S. João Evãgelista, & este he o seu
proprio nome: Congregação dos Conegos Seculares de S. João Evãgelista" - SANTA MARIA, Francisco
de - Ob. cit., p. 235.
42
Todavia, viria a designar-se por Ordem dos Lóios, com a transferência da sede para
Lisboa, em Santo Elói, vindo tal designação popular a merecer o seguinte reparo de
Francisco de Santa Maria: "por abuso he chamada de S. Eloy, costume vulgar deste
reyno, dar às religiões o titulo derivado de algum principal mosteyro" (49).
Por outro lado, os lóios eram também conhecidos por Cónegos Azúis "derivando-se a
estravagancia deste appellido, da singularidade da cor do habito" (50).
Fundada em 1425 sobre as ruínas do antigo mosteiro beneditino de Vilar de Frades, a
Congregação dos Cónegos Seculares de São João Evangelista viria a implantar-se em
várias regiões do território nacional (51), ao longo do século XV e inícios do século XVI,
sob o apoio e protecção de papas e de arcebispos bracarenses (a quem os padres se vão
opor, sempre que os seus direitos e interesses estiverem ameaçados), mas também de
nobres e monarcas.
Como teremos ocasião de verificar, estes cónegos evangelistas, orgulhosos da sua
casa-mãe sita em Vilar de Frades, contam antes de mais com a protecção da Santa Sé e a
benignidade dos arcebispos de Braga, que os beneficiam através da anexação de 13
igrejas à de S. Salvador de Vilar de Frades, entre 1425 e 1510.
Atente-se desde já no seguinte apontamento:
"O nome de Santo Eloi lhe rezultou da caza que tem na corte de
Lisboa; o de Evangelista, he por que tomarão a S. João
Evangelista por seu protector, e o seu verdadeiro instituidor e
fundador foi S. Lourenço Justiniano. Foi este Sancto o primeiro
que se chamou patriarca de Veneza. Tambem o chamão
fundador da Congregação dos conegos nominados de S. Jorge de
Alga de quem somarão o nome os assima ditos. Entrarão, estes
padres neste arcebispado no tempo do arcebispo D. Fernando,
que lhes deu a caza e antigo mosteiro de Villar de Frades, que
inda hoje possuem, e he huma respeitavel collegiada: o seu reitor
(49) Idem, Ibidem.
(50) Idem, p. 236.
(51) Designadamente no Porto, Vila da Feira, Lamego, Coimbra, Lisboa e Évora.
43
elleito em capitulo geral vem colar-se pelo arcebispo
bracharense, e fazer profição da fé e fica paroco de treze igrejas,
cujas curas provê e lhe dá cartas annuais" (52).
FOTO 3
Parte superior do portal do “terreiro da igreja”, com a imagem
de S. Lourenço Justiniano (séc. XVII)
2.1. DO CONVENTO DOMINICANO DE BENFICA E DA IGREJA DOS OLIVAIS,
EM LISBOA, A SANTA MARIA DE CAMPANHÃ, NO PORTO
Preocupados com a "relaxação grãde a que se via lastimosamente redusida a ordem
sacerdotal" (53), cerca de 1420, o mestre João Vicente e os seus companheiros Martim
Lourenço e Afonso Nogueira (54) reuniam-se em casa de Lourenço Anes, prior da igreja
de S. Julião, "outro sacerdote, douto, e virtuoso" (55), onde em conjunto reflectiam sobre
as causas da decadência social e religiosa em geral e do clero em particular (56).
As dificuldades da governação no reinado de D. Fernando, as perturbações políticas e
sociais que se seguiram após a sua morte e as guerras entre Portugal e Castela, enfim a
crise socio-política e militar de 1383-1385 terá estado na origem da corrupção e
dissolução do clero, que deixou de respeitar as "obrigações da sua dignidade, sendo
(52) A.D.B. - Ms. 340, fl. 1v..
(53) SANTA MARIA, Francisco de, Ob. cit., p.209.
Ver LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 171-172.
Ver FERREIRA, Mons. José Augusto - Ob. cit., p. 266
(54) "O primeiro catedrático de Medicina na universidade de Lisboa, o segundo doutor graduado na
sagrada Teologia da mesma universidade, o terceiro graduado também em um, e outro Direito pelo
universidade de Bolonha" - SANTA MARIA, Francisco de, Ob. cit., p.209.
Estes três "illustres sacerdotes propunham-se fazer na ordem clerical uma reforma profunda,
acompanhando, assim, o pensamento organizador de D. João I, na ordem política" - FERREIRA, Mons.
José Augusto - Fastos Episcopaes da Igreja Primacial de Braga (século III - século XX), Tomo II, Braga,
Ed. da Mitra Bracarense, 1930, p. 266.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 170-173.
(55) SANTA MARIA, Ob. cit., p. 209.
(56) Idem, pp. 209-210.
44
géralmente cada Clerigo hum vivo escandalo dos seculares: era lastimosa em quasi todos
a ignorancia, sem reparo a devacidao, & sem freyo a soltura da vida" (57).
Foi neste contexto socio-religioso e psicológico que João Vicente se retirou do século
e vestiu o hábito dominicano no convento de Benfica, animado da vontade de reformar o
clero "em huma nova Congregação" (58).
Este ímpeto reformista encontrou eco entre os companheiros Martim Lourenço e
Afonso Nogueira, que acompanharam o mestre João Vicente, vindo a ser secundados
pelos irmãos Lourenço Anes e João Anes, por João Rodrigues e Rodrigo Amado (que
deixa o hospital de Santo Elói), Afonso Pedro e Martim João, e rapidamente surgiu a
oferta de acolhimento na igreja de Nossa Senhora dos Olivais, pelo prior dela, que cedeu
igualmente uma casa "para em huma, & outra começarem o novo modo de vida" (59).
Nesta igreja experimentaram os religiosos uma vida comunitária, mendicante e
assistencial, dando especial atenção à humildade e à pregação, à penitência e à confissão,
às rezas e orações (60), com evidentes reflexos, segundo Francisco de Santa Maria, nos
diferentes grupos sociais, incluindo a família real (61).
Entretanto, nem tudo estaria a correr bem nos Olivais já que, por obra "do espirito
maligno", o prior da igreja deu ordem de saída aos religiosos que abrigara, o que
constituiu uma ameaça aos progressos dos congregacionistas: João Anes refugia-se do
mundo na serra de Ossa, onde levará uma vida de ermitão até à morte; Lourenço Anes
regressa à sua igreja de São Julião; Rodrigo Amado volta para o hospital de Santo Elói;
Afonso Pedro e Martim João regressaram, enfim, às suas antigas ocupações (62).
Os restantes, porém, irmanados pelo mesmo espírito de reforma e sob a direcção
espiritual de João Vicente, procuram no norte do país o abrigo e a protecção que lhes
faltou no sul.
(57) Idem, p. 210.
(58) Idem, pp. 210-211.
(59) Idem, p. 213.
(60) Especialmente Martim Lourenço ter-se-á celebrado "no pulpito", sem pretensões de fama, nem
"applauso, mas só a conversão do auditorio" - Idem, p. 214.
(61) "Tambem o Mestre João vinha muitas vezes a Lisboa, e ao Palacio por ordem del-Rei, e dos
Infantes", os quais descobriam no religioso dupla utilidade - "porque se de antes era medico dos córpos,
agora com mais alta medicina, curava não menos douta, que piedosamente, as enfermidades d'alma" -
Idem, p. 214.
(62) Idem, p. 215.
45
Foi na igreja de Nossa Senhora de Campanhã, no tempo em que é bispo do Porto D.
Vasco II, entre 1421-1423 (63), que estacionaram os quatro "resistentes" dos Olivais:
Martim Lourenço, Afonso Nogueira, João Rodrigues e o mestre João Vicente (64).
Nesta igreja continuaram os religiosos a obra iniciada na capital: uma vida
comunitária e mendicante, de reza e oração, de pregação doutrinal pelas ruas e praças da
cidade do Porto, confessando os pecadores - "tudo com summo fervor" (65).
Um facto novo veio no entanto perturbar o projecto que poderia irradiar a partir da
cidade invicta. Sendo o bispo do Porto D. Vasco transferido para o bispado de Évora, os
quatro religiosos encontraram a oposição do abade que os tinha acolhido.
Consequentemente, o grupo dos quatro foi obrigado a "evacuar a Igreja de Campanhã por
ordem do Abbade, que, tendo-a cedido em attenção ao Bispo, reconsiderara depois da sua
ausencia" (66).
FOTO/GRAV. 4
Mestre João Vicente, fundador da Congregação dos Cónegos
Seculares de S. João Evangelista (futuro bispo de Lamego e
de Viseu)
2.2. DO PORTO A BRAGA, O DESTINO É VILAR DE FRADES
Acompanhado de João Rodrigues, o médico e mestre João Vicente desloca-se à cidade
de Braga onde é recebido por D. Fernando da Guerra, "o qual tambem lhe era muito
(63) FERREIRA, Mons. José Augusto - Ob. cit., p. 266.
D. Vasco "devia muito" ao mestre João Vicente, desde o tempo em que este "o havia curado de huma
enfermidade perigosa, no tempo que ambos assistião na Corte" - SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit.,
p. 215.
(64) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 215.
(65) Idem, Ibidem.
(66) FERREIRA, Monsenhor Cónego José Augusto - Ob. cit., p. 266.
"D. Vasco offereceu-lhes agasalho em Evora; porém os padres preferiram Braga, onde o Arcebispo
D. Fernando da Guerra lhes deu Villar de Frades no concelho de Barcellos" - Idem, Ibidem.
É neste contexto que, desanimados, Martim Lourenço e Afonso Nogueira regressam a Lisboa,
deixando a promessa de voltarem quando "se achasse morada segura", enquanto o mestre João Vicente
46
obrigado, porque (da sorte que ao Bispo Dom Vasco) sobre huma grande enfermidade lhe
havia ministrado a saude" (67), prometendo ao seu ilustre hóspede a primeira igreja que
vagasse:
"Vagou pouco depoes a de S. Salvador de Villar de Frades,
mosteyro, que fora de religiosos do grande Patriarca S. Bento, &
que ao presente estava destituido de todo o genero de observancia
regular; o Arcebispo lhe mandou, que a fosse ver, segurando, que o
proveria nella, em caso que lhe contentasse. Achou o Mestre João
humas pobres casas, ou chóças, & huma pequena Igreja, tudo em
tal estado, que tinha mais de ruina, que de edificio. Não havia alli
outra renda, senão os poucos frutos, que davão os passaes visinhos,
nem havia na circunferencia (pela muita pobresa da terra) quem
pudesse dar esmola; socorro com que em outras partes supprirão a
falta da renda; tudo isto erão dificuldades, que se oppunhão, e
atravessavão aos intentos, e desejos do varão de Deos; mas elle
superiormente illustrado, entendeo, que naquelle sitio era o Senhor
servido, que a nova Congregação se fundasse, & firme neste
pensamento, declarou ao Arcebispo, que aceitava a Igreja, na qual
logo foi colado" (68).
Reportando-se a um "breve tratado" do padre Paulo (69), escrito em 1468, sobre as
origens da Ordem evangelista (70), Jorge de São Paulo relata-nos como mestre João foi a
Vilar de Frades, a mando do arcebispo D. Fernando da Guerra, "per ver se hera sitio e
conveniente pera fundar a sua nova Congregação" (71).
busca na cidade dos arcebispos o apoio indispensável à fundação da nova Congregação - Cf. SANTA
MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 216-217.
(67) Idem, Ibidem.
A.D.B. - Ms. 924, fl. 331.
(68) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 217-218.
(69) Julgamos tratar-se do cónego que nos aparece como reitor entre 1472-1477 e 1480 - Cf. Lista dos
Reitores do Convento de Vilar de Frades..., no final deste Capítulo.
(70) Ver LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., p. 199.
(71) Idem, Ibidem.
47
João Vicente terá encontrado o antigo mosteiro bento "mui dannificado com a claustra
velhissima que servia de corte de gado [...] e as mais officinas arrazadas" (72), enquanto a
igreja funcionava como celeiro e adega, tal era o abandono em que se encontrava, pelo
que "de todo o edificio antigo nada ficou aos nossos padres para morada sua do que huas
cellas terres, e a igreja velha" (73).
2.3. A IMPORTÂNCIA DE MESTRE JOÃO VICENTE E DE D. FERNANDO DA
GUERRA, ARCEBISPO DE BRAGA
As origens deste novo instituto devem-se à vontade e à acção persistente de três
homens de elevada cultura e espírito religioso reformista: mestre João Vicente, Martim
Lourenço e Afonso Nogueira (74).
Mestre João Vicente (1380-1463), natural de Lisboa, distinguiu-se como lente de
Medicina na Universidade da capital e como médico da corte de D. João I. Tendo cursado
em Filosofia e completado o curso de Teologia, viria a ser nomeado bispo das dioceses de
Lamego e de Viseu, para além de empreender a reforma da Ordem de Cristo (75).
Martim Lourenço (1403-1446) era também natural da mesma cidade. Foi doutor pela
sua Universidade, onde se tornou amigo do mestre João Vicente. Martim Lourenço terá
acompanhado o infante D. Fernando (de quem seria confessor) e a infanta D. Isabel, na
(72) Idem, Ibidem..
(73) Idem, Ibidem
Sobre este assunto, Santa Maria escreve em 1697: "Os dormitorios, & officinas estavão no chão,
sendo agora acervo, o que fora edificio: A cerca, & horta estavão cõvertidas em mato, & finalmente a
Igreja, destinada para o culto divino, servia de abrigo ao gado, sem haver alli outra cousa boa, mais que o
sitio. Neste estado estava o convento [ou não estava, porque só se via o cadaver do que fora] quando o
Arcebispo Dom Fernando da Guerra o deu ao veneravel Mestre João" - SANTA MARIA, Francisco de -
Ob. cit., p. 369.
(74) Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 170-171.
Cf. FONSECA, Teotónio da - Ob. cit., pp. 30-31.
Cf. CASTRO, João Baptista de - Mappa de Potugal, Tomo III, Lisboa, 1747, pp. 145-150.
Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 217-218.
(75) LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 170-1771.
Sobre a biografia de mestre João Vicente ver SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp.551-611
Cf. CORREIA, Fernando da Silva - Um notável médico conselheiro do Infante D. Henrique, in
"Actas do Congresso Internacional de História dos Descobrimentos", Vol. III, Lisboa, 1961, pp. 57-58 e
64.
48
viagem à Borgonha, aquando do casamento desta princesa com o duque Filipe. Mas este
religioso ter-se-á igualmente destacado como eminente pregador (76).
Por seu lado, Afonso Nogueira doutorou-se "in utroque jure" pela Universidade de
Bolonha. Foi a este futuro prelado de Lisboa e de Coimbra que coube a tarefa de trazer a
Regra e o hábito azul dos Cónegos de S. Jorge em Alga (Veneza), que foram adoptados
pelos padres de Vilar, havendo sido o responsável pelas negociações que levaram à
confirmação da nova Congregação pela Santa Sé, através de uma bula do papa Eugénio
IV, datada de 20 de Janeiro de 1431 (77).
Mas a fundação da nova Ordem religiosa deveu-se, fundamentalmente, ao papel
desempenhado pelo mestre João Vicente, que para o efeito se dirigiu ao paço bracarense
em busca de apoios, e por D. Fernando da Guerra (arcebispo de Braga entre 1417-1467),
que acolheu o religioso e lhe entregou a igreja do mosteiro de S. Bento de Vilar de
Frades, no ano de 1425 (78).
Após a entrega desta igreja ao mestre João Vicente, e com a concordância do Cabido
da sua Sé, D. Fernando da Guerra anexou-lhe a igreja do mosteiro de S. Bento da Várzea,
sob determinadas condições, entre as quais a subordinação dos reitores aos arcebispos de
Braga, traduzida na emissão de um competente título de confirmação do cargo, após a sua
eleição pelos religiosos reunidos em Capítulo Geral (79).
Porém, na primeira oportunidade (80), os cónegos de Vilar de Frades pugnarão pela sua
autonomia, fazendo valer os seus interesses e influências: tanto em Roma, junto da Santa
Sé, como em Lisboa, junto da corte régia e junto do conde de Barcelos, vindo a enfrentar
(76) LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., p. 171.
Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 611-638.
(77) LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 171 e 177.
Cf. OLIVEIRA RAMOS, Luís A. de - Uma Arcatura Historiada de Vilar de Frades, Sep. das Actas
do III Colóquio Portuense de Arqueologia, Porto, 1965, p. 8.
(78) A entrega da igreja do mosteiro beneditino de Vilar de Frades, ao mestre João Vicente, verificou-se a
28 de fevereiro de 1425, quando o arcebispo D. Fernando da Guerra "iniciou por aí a visita às paróquias
do termo de Barcelos, que se prolongou durante cerca de um mês", no quadro da reforma religiosa então
empreendida - MARQUES, José, O Estado dos Mosteiros Beneditinos da Arquidiocese de Braga, no
século XV, Separata da "Bracara Augusta", Vol. XXXV, Braga, 1981, pp. 28-29.
(79) FERREIRA, Mons. José Augusto - Fastos Episcopaes da Igreja Primacial de Braga (século III -
século XX), Tomo II, Braga, Ed. da Mitra Bracarense, 1930, p. 267.
(80) João Vicente diligenciou junto da Santa Sé o apoio indispensável à criação da nova Ordem, vindo a
obter dos papas Martinho V e Eugénio IV "a confirmação da sua Congregação ad instar da de S. Jorge de
Alga em Veneza, e os privilegios de S. Jorge e de S. Jeronimo, conferidos pela Bulla Injunctum nobis,
expedida em 18 de Maio de 1431" - Idem, p. 268.
49
o arcebispo (81), com o qual "padecerão" muitos incómodos, "com tantos litigios
teimozos induzidos mais da enveja do seu arcediago e da paixão do seu Cabido, do que
do seu benigno e pio animo" (82).
As veleidades independentistas manifestadas pelos padres constituíram uma afronta ao
prelado da Arquidiocese de Braga, pois os "Conegos azues de Villar fizeram-se
vermelhos, e enveredaram pelo caminho da ingratidão" (83), no quadro de uma luta que
ganhou contornos políticos (84), ao arrastarem para a contenda não apenas a Santa Sé (85),
mas também o monarca D. Afonso V e o duque de Bragança e conde de Barcelos D.
Afonso.
Enquanto vai favorecendo, paradoxalmente, o convento e a sua igreja (anexando-lhe
várias igrejas das redondezas), D. Fernando da Guerra recorre a demandas e ameaças
contra os padres, produz sentenças, alimentando uma longa batalha jurídica pela
manutenção dos seus poderes em toda a extensão do seu senhorio eclesiástico.
No ano de 1461 D. Fernando conseguirá, enfim, vergar os já poderosos cónegos de
Vilar de Frades:
"Afinal em 29 de Abril de 1461 lavrou-se um instrumento, pelo
qual se mostra ter sido dada posse do Mosteiro de Villar de Frades
ao Arcebispo D. Fernando da Guerra, que confirmou em Reitor
João de Nazareth, eleito pela Communidade, e absolveu os
Religiosos das censuras, em que tinham incorrido, por não
(81) "As questões não foram só com D. Fernando da Guerra e com D. Luiz Pires, mas tambem com D.
Diogo de Sousa e até com D. Fr. Bartholomeu dos Martyres" - Idem, p. 267
(82) A.D.B. - Ms. 924, fl. 350.
Reconhece o cronista que D. Fernando da Guerra foi um "mui grande bemfeitor", já que beneficiou
generosamente o convento de Vilar de Frades "primeira cabeça da Congregação unindo-lhe nove igrejas"
que, com os cerca de 10 passais do antigo mosteiro de S. Bento, "rendem hum anno por outro tres mil
cruzados" - Idem, Ibidem.
(83) "Porém tiveram de sustentar com D. Fernando da Guerra, bisneto del Rei D. Pedro I, uma lucta que
durou vinte annos, e no fim submeteram-se" - FERREIRA, Mons. José Augusto - Ob. cit., p. 269.
(84) O poderio do arcebispo chocava com o "grande potentado" do duque de Bragança, D. Afonso, cujo
domínio senhorial se estendia a todos os lugares e vilas da arquidiocese, exceptuando-se as de Ponte de
Lima e de Valença - Cf. FERREIRA, Mons. José Augusto -, ob. cit., p. 270
(85) Cf. FERREIRA, Mons. José Augusto - Ob. cit., pp. 269-270.
50
quererem obedecer á Sentença apostolica contra elles proferida"
(86).
Ficava, pois, definitivamente traçado o futuro da relação institucional de dependência
dos reitores de Vilar de Frades aos arcebispos de Braga, dependência que os reitores
tentarão mitigar ao longo dos séculos seguintes (87).
A obediência ao prelado de Braga não se revestia de um acto meramente formal, antes
devendo manifestar-se num conjunto de atitudes e comportamentos, devidamente
regulados:
"O dito senhor arcebispo, e seus sucessores visitarão a dita igreja
de Villar de Frades, e suas anexas cada ano por si ou por seus
vizitadores, como vizita todos os seos beneficios [...] e o dito reitor e
coneguos virão ao Sínodo, e guardarão, e comprirão as
Constituiçoins Sinodais e vizitaçoins que farão o senhor arcebispo,
e sucessores, e vizitadores forem feitas assi como dito he do dito
colegio, e igreja de Villar, assi tão bem pagarão as anexas [...] e se
alguma das igrejas anexas ao dito colegio, e igreja de Villar vier a
ser de todo despovoada de freguezes, os conegos da dita caza, e
colegio de Villar de Frades não serão teudos de pagar os emcargos
della" (88).
A confirmação do cargo de reitor do convento não deixava de constituir uma condição
fundamental, na medida em que o cónego escolhido para o desempenho da função, em
reunião do Capítulo Geral, tinha de aguardar pela decisão do prelado de Braga.
(86) FERREIRA, Mons. José Augusto de - Ob. cit., p. 270.
"Depois d'isto parecia estar tudo acabado; todavia os Conegos de Villar discutiram ainda as custas do
pleito, as quaes foram obrigados a pagar, em virtude da sentença executorial do Auditor apostolico, dada
em Roma aos 25 de Setembro de 1461" - Idem, Ibidem.
(87) Com efeito, a existência de uma série de documentos do século XVIII (treslados e originais), vem
demonstrar-nos a permanência, desde o século XV, de conflitos entre os padres de Vilar e os arcebispos,
relacionados com a apresentação e jurisdição de certas igrejas, como a de S. Miguel de Gemeses e a de Stª
Marinha de Rio Tinto - A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 16.
(88) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 12, 110v..
51
Em 1563, o Geral dos lóios Diogo da Ressurreição, escreve a D. Frei Bartolomeu dos
Mártires (arcebispo em 1559-1590) a pedir a confirmação de Diogo da Purificação como
reitor do convento de Vilar:
"Dioguo da Resureição reitor Geral da Congregação de São
Evangelista (sic) com os padres definidores do Capitulo que se hora
celebrar na nossa casa de São João da cidade de Evora fazemos
saber a vosa reverendissima santidade como no sobredito Capitulo
foi enleito canonicamente ho padre Dioguo da Purificação em reitor
da casa de Vilar de Frades. Apresentamo-lo a vosa reverendissima
santidade pera o que conforme segundo a composição dantre vosa
reverendissima santidade e ha sobredita casa no que receberemos
merce. Noso Senhor conserve sua reverendissima pessoa pera lhe
sempre fazer muito serviço como lhe faz. Feita na sobredita casa de
São João da cidade de Evora e aselada do selo da sobredita
Congregação e asinada per mim aos doze dias de Junho de 1563
annos" (89).
Em 10 de Setembro do mesmo ano, o arcebispo responde ao Geral, investindo o reitor
eleito nas suas funções:
"Reverendissimo Senhor.
Vista a eleiçam do padre reitor Geral e mais padres da
Congregaçam de Sam Joam Evangelista, a confirmamos e
approvamos, e damos por reitor da casa de Vilar de Frades ao
padre Diogo da Purificaçam, e o investimos na dita reitoria per
imposiçam de barrete cometendo-lhe o regimento espiritual com as
mais obrigações deste officio. E pella presente avemos por
prorogada a provisão que o anno passado mandamos passar neste
caso ao dito padre Diogo da Purificaçam, e que serve della ate o
(89) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 12, fl. 106.
52
Penthecoste que bem. Dada em Sam Frutuoso aos dez de Setembro
Francisco de Faria a fez de 1563. O arcebispo primas" (90)
Não obstante as dificuldades de relacionamento motivadas pelo ideal de autonomia
dos padres de Vilar, foi a D. Fernando da Guerra que se deveu a fundação desta nova
Congregação, considerada uma "comunidade de tipo novo" (91), dada a sua natureza
secular.
Como defende o professor José Marques, a Ordem dos Lóios "só conseguiu sobreviver
na arquidiocese de Braga, após os fracassos sofridos em Lisboa e no Porto" (92). Por
conseguinte, em Areias de Vilar nasceu e sobreviveu, com dificuldades mas também com
momentos de glória, o convento de S. Salvador de Vilar de Frades – primeira casa
religiosa dos cónegos seculares evangelistas –, até à data da sua extinção em 1834.
2.4. DAS IGREJAS ANEXAS AO CONVENTO DE VILAR
Para além de entregar a igreja de Vilar de Frades, que havia sido reduzida a igreja
secular (93), D. Fernando da Guerra anexou ao seu convento várias igrejas (94), "e muitas
(90) Idem, Ibidem.
(91) MARQUES, José - D. Fernando da Guerra, Prelado Reformador do Século XV, Sep. dos «Anais», II
série, Vol. 33, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1993, p. 56.
(92) Idem, Ibidem.
Cf. MARQUES, José - Os Itinerários do Arcebispo de Braga D. Fernando da Guerra (1417-1467),
Porto, 1978, p. 31.
(93) FERREIRA, Monsenhor José Augusto - Ob. cit., p. 267.
A redução da igreja beneditina à condição de igreja secular integra-se no quadro de uma reforma
monástica empreendida por D. Fernando da Guerra. Neste contexto, segundo o professor José Marques,
quando o arcebispo "reconhecia que as hipóteses de recuperação" das igrejas monásticas "se tinham
esgotado, não hesitava em proceder à sua extinção canónica, convertendo-os em igrejas paroquiais [...].
Foi através deste processo que os vinte e seis mosteiros beneditinos ficaram reduzidos a treze, sendo
apenas um feminino, e os agostinhos passaram de dezoito para onze" - MARQUES, José - D. Fernando
da Guerra, Prelado Reformador do Século XV, Sep. dos «Anais», II série, Vol. 33, Lisboa, Academia
Portuguesa da História, 1993, p. 56.
(94) De imediato anexou-lhe a igreja de S. Bento da Várzea, "com certas obrigações, especialmente que
seriam os Reitores, eleitos pelos Religiosos, confirmados pelos Arcebispos, que lhes passariam titulo,
pagando de obediencia apenas um real de prata" - FERREIRA, Monsenhor José Augusto - Ob. cit., p.
267.
53
mais annexara se se não quebrara o fio da sua affeição" (95) pelos padres a quem
beneficiou, na sequência de prolongadas demandas movidas pelo arcebispo para pôr
termo ao projecto autonomista dos fundadores da nova Ordem religiosa.
Com efeito, depois de unir em 1425 a igreja e o seu mosteiro de S. Bento da Várzea
ao convento de Vilar de Frades, D. Fernando da Guerra procede a um conjunto de
anexações de igrejas, parecendo ignorar o conflito que desde cedo o opõe aos cónegos
(96).
Antes de mais anexa a igreja de Santa Maria Madalena, que estivera ligada ao antigo
mosteiro beneditino de Vilar mas que havia sido reduzida a abadia secular na sequência
do seu abandono por parte dos monges bentos (97).
Com a renovada união desta igreja ao convento de Vilar, em 1426, o arcebispo ordena
"aos moradores do dito sitio da Madalena a serem freguezes do reformado convento, e
que nelle pagassem os dizimos e primicias" (98). Mais tarde, em 1441, D. Fernando
redigirá nova carta de união, devido a ter-se perdido a de 1426 (99).
Em 1439, D. Fernando da Guerra estabelece uma concordata com o convento, para
tentar "sojeitar os nossos padres à sua obediencia renunciando os seus privilegios da
izenção dos ordinarios" (100). O cronista defende que o arcebispo tentou "contentar" os
padres, ao unir ao seu convento a igreja de S. João de Areias de Vilar "em qualquer
tempo que vagasse ou por morte, ou por rennuncia do abbade que actualmente a possuia"
(101). Acto contínuo, sendo Afonso Anes abade da igreja de Areias de Vilar, logo a ela
renunciou e "se meteo religioso" do convento (102).
Cf. SENNA FREITAS, Bernardino José de - Ob. cit., Tomo IV, pp. 207-208.
Cf. Apêndice Documental, doc. VI.
(95) A.D.B. - Ms. 924, fl. 331.
(96) Para além das 9 igrejas que o prelado anexa ao convento da nova Congregação, nele incorporou o
"mosteiro dos padres Bentos de que não tiverão os nossos padres lucro algum mais que os passaes e a
maior parte delles herão terras incultas e baldias, e por industria nossa são hoje passaes de muita
consideração em tapadas, devezas, vignago" e, num gesto de gratidão, Jorge de São Paulo acrescenta:
"ainda no tempo das controversias não reparou em annexar e consentir na permutação de tantas igrejas, e
assi podemos affirmar nos deu de renda annual hum anno por outro hum conto de reis" - A.D.B. - Ms.
924, fl. 335.
(97) Idem, fl. 333.
Sobre a dependência da Madalena ao antigo mosteiro beneditino e a sua anexação a Vilar de Frades,
ver MATOS, Sebastião - Ob. cit., p. 7.
(98) A.D.B. - Ms. 924, fl. 333.
(99) "E porque se perdeo a carta da união o dito arcebispo a annexou de novo em 4 de Setembro de 1441.
Rende 50 mil reis" - Idem, fl. 334.
(100) Idem, fl. 333.
(101) Idem, fl. 333.
(102) Idem, fl. 333.
54
Mas para que não perdesse a jurisdição eclesiástica sobre o convento, D. Fernando da
Guerra terá utilizado na carta de união a seguinte fórmula: "annexamos à nossa igreja
collegiada de Villar de Frades" (103).
A de Maio do referido ano de 1439, o mesmo arcebispo terá anexado ao convento de
Vilar "fosse per obitum ou por renuncia" (104) a igreja de S. Romão de Fonte Coberta,
com as suas duas anexas, respectivamente S. Salvador e S. João de Silveiros, que distam
duas léguas do convento (105).
No entanto, aos 20 de Dezembro de 1441, talvez porque os padres as desejariam mais
próximas, trocaram estas três igrejas por duas outras - a de S. Pedro de Adães, que fica a
sul mas junto de Areias de Vilar e a de Algoso (106). Esta, por sua vez, será permutada
com a de Santiago de Encourados (107).
Nesta mesma data terá sido igualmente anexada a igreja de Santa Maria de Moure,
na sequência do pedido dos padres "porque na troca com as duas igrejas de Adães, e de
Encourados achavão os padres ficavão lezos se permutassem quatro igrejas por duas"
(108), atendendo a que Santa Maria de Moure estava anexada à de S. Romão (109). A
posse destas igrejas ter-se-á verificado em 1442 (110).
Corria ainda o ano de 1441, D. Fernando da Guerra anexava a igreja de Santa
Leocádia da Pedra Furada, localizada a duas léguas (lado poente) do convento (111).
Esta igreja fora padroado de S. Salvador da Várzea, "insolidum sem alternativa com outro
padroado" (112) e vagou no mês de Janeiro de 1441(113). Por consequência, "como o
convento de Villar em aquelles principios tinha lemitada renda, e as igrejas annexas
estavão deminutas por falta de lavradores freguezes que as guerras e pestes tinhão
consomido" (114), os religiosos pediram ao arcebispo que "houvesse por bem annexalla",
o que terá acontecido no mesmo ano (115).
(103) Idem, fl. 333.
(104) Idem, fl. 334.
(105) Idem, fl. 334.
(106) Idem, fl. 334.
(107) Idem, fl. 334.
(108) Idem, fl. 334.
(109) Idem, fl. 334.
(110) Idem, fl. 334.
(111) Idem, fl. 335.
(112) Idem, fl. 335.
(113) Idem, fl. 335.
(114) Idem, fl. 335.
(115) Idem, fl. 335.
55
Em 1445 foi a vez da igreja de S. Jorge de Airó e a sua anexa S. Martinho serem
unidas ao convento de Vilar de Frades, pelo mesmo prelado de Braga (116).
A igreja de S. Vicente de Areias, abacial de reduzida renda, terá sido anexada em 14
de Maio de 1458, por D. Fernando da Guerra, à igreja do mosteiro de Manhente, que
havia sido reduzida a abadia secular (117), no âmbito da reforma pastoral e monástica
empreendida na Arquidiocese (118).
Por conseguinte, quando a polémica anexação da igreja de Manhente é resolvida em
1480, por D. Luís Pires, a igreja de S. Vicente passará igualmente para a posse dos padres
de Vilar.
No ano de 1466, uma nova permuta, devidamente autorizada pelo prelado bracarense,
levou os cónegos de Vilar de Frades à entrega de três igrejas - S. Romão de Fonte Coberta
e suas anexas S. Salvador e S. João de Silveiros -, enquanto tomavam definitivamente
posse das circunvizinhas igrejas de S. Pedro de Adães e Santiago de Encourados:
"Ficou o convento de Villar com as duas igrejas de S. Pedro de
Adães, e Sam Tiago de Encourados por troca de São Romão de
Fonte Cuberta e São Salvador, e São João de Silveiros suas
annexas, a qual troca e união se fez em 28 de Junho de 1466. Por
maneira que deo o convento tres igrejas por duas ficando perdendo
alguns cem mil reis; porque São Romão, e as duas anexas estão
reduzidas à huma commenda de Christo que rende 300 mil reis
alem dos 20 reis da fabrica, e 40 mil reis do reitor e 20 mil reis para
os dous curas das annexas, e assi duas igrejas rendem 231 mil reis"
(119).
D. Luís Pires (arcebispo entre 1467-1480), será o responsável pela anexação da igreja
de Santa Maria de Góis, na sequência da renúncia do seu abade, Diogo Anes que -
(116) Idem, fl. 335.
(117) Idem, fls. 355-356.
A redução a abadia secular da igreja do mosteiro beneditino de S. Martinho de Manhente data de
1403 - Cf. FONSECA, Teotónio da - Ob. cit., p. 289.
(118) Cf. MARQUES, José - D Fernando da Guerra, Prelado Reformador do Século XV, pp. 55-59.
O cronista salientou o desinteresse do arcebispo, devido a esta igreja possuir uma pequena renda, e
o facto do seu abade Vasco Lourenço necessitar de internamento em Braga, por ter sido contagiado de
lepra - A.D.B. - Ms. 924, fl. 336.
56
"como hera devotissimo dos nossos padres e desejava recolherse com elles querendo
passar o resto da vida em mais apertado serviço de Deus" (120) -, a entregou nas mãos do
arcebispo em 1480, "em favor deste convento" (121), pelo que o chefe da igreja de Braga
procedeu de imediato à sua união "e della tomou posse o padre Paulo no mesmo anno"
(122).
Quanto à igreja de Manhente, sendo a sua jurisdição aparentemente confiada ao reitor
de Vilar pelo papa Nicolau V, através de uma bula de 1448 (e outra de confirmação, em
1450), a sua tomada de posse ter-se-á verificado, efectivamente, em 1480, após o
reconhecimento do documento pontifício pelo novo arcebispo, D. Luís Pires.
Sobre a anexação da igreja de S. Melião de Mariz, vejamos como os padres de Vilar
não recusavam entrar no jogo dos negócios eclesiásticos, fazendo valer os seus interesses,
junto das mais altas instâncias.
Estando o cardeal "Alpedrinha" D. Jorge da Costa, em Roma, e tendo falecido o abade
de S. Melião de Mariz, os cónegos de Vilar propuseram ao prelado a união desta igreja ao
seu convento (123). Aparentemente, o cardeal recusou o pedido formulado e colou na
referida igreja o abade João dos Santos, pela bula de 20 de Abril de 1507 (124).
Atentos aos seus interesses, os conventuais fizeram eleger em Capítulo João dos
Santos como reitor de Vilar, que renunciará a sua igreja, logicamente, a favor do seu
convento.
Para convencer o papa, João dos Santos argumentou as constantes despesas com os
peregrinos e romeiros, que se dirigiam para Santiago de Compustela:
"Sendo este padre abbade de São Melião foi eleito em reitor de
Villar, e renunciou a igreja nas mãos do dito papa Julio 2º em favor
do convento de Villar allegando as muitas despezas que o convento
(119) A.D.B. - Ms. 924, fl. 334.
(120) Idem, fl. 340.
(121) Idem, fl. 340.
(122) Idem, fl. 340.
(123) Idem, fl. 341.
(124) Idem, fl. 341.
57
fazia com os continuos peregrinos e romeiros de Santiago de Galiza
[...] o papa a unio no anno de 1510" (125).
Em síntese, remata Jorge de São Paulo:
"Com esta ultima igreja de São Melião de Mariz dei noticia das
treze que se anexarão e unirão a este soberano convento de Villar
em varios tempos - nove pello arcebispo Dom Fernando da Guerra;
duas de Manhente e Sam Vicente, pelo Papa Nicolao 5º; huma pello
arcebispo Luis Pires; e esta ultima pello Summo Pontifice Julio 2º"
(126).
Assim, entre 1425 e 1510, os cónegos de Vilar de Frades logram a união de 13 igrejas
ao seu convento, duas delas com mosteiro (S. Bento da Várzea e S. Martinho de
Manhente), passando a beneficiar das suas rendas e da influência directa e indirecta sobre
os fregueses, por força da jurisdição temporal e espiritual, ainda que o reitor continuasse a
depender da confirmação do arcebispo de Braga.
IGREJAS ANEXADAS AO CONVENTO DE VILAR DE FRADES, SEGUNDO
JORGE DE S. PAULO (127)
DATA
ARCEBISPOS E PAPAS
IGREJAS
1425 D. Fernando da Guerra S. Bento da Várzea
1426 D. Fernando da Guerra Santa Maria Madalena
(125) Idem, fl. 341.
(126) Idem, fl. 341.
(127) Idem, fls. 331-341.
Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 399-400.
Cf. SENNA FREITAS, Bernardino José de - Ob. cit., p. 207.
58
1439 D. Fernando da Guerra S. João de Areias de Vilar
1441 D. Fernando da Guerra Santa Leocádia de Pedra Furada
1441 D. Fernando da Guerra Santa Maria de Moure
1445 D. Fernando da Guerra S. Jorge de Airó
1445 D. Fernando da Guerra S. Martinho de Airó
1448 Papa Nicolau V S.Martinho de Manhente (128)
1458 D. Fernando da Guerra S. Vicente de Areias
1458 D. Fernando da Guerra S. Pedro de Adães
1466 D. Fernando da Guerra Santiago de Encourados
1480 D. Luís Pires Santa Maria de Góis
1510 Papa Júlio II S. Melião de Mariz
2.5. A UNIÃO DE S. MARTINHO DE MANHENTE
A insuficiência das rendas e os reduzidos proventos dos dízimos auferidos das
primeiras igrejas anexas, juntamente com o facto de aos padres de Vilar não convir o
recurso à mendicidade, por serem cónegos (129), terão feito com que a rainha D. Isabel
(mulher de D. Afonso V) dirigisse à Santa Sé uma súplica, em nome desta "rezão cabal
de pobreza do convento" (130), para que fosse incorporada na casa de Vilar de Frades
mais uma igreja do arcebispado de Braga.
D. Isabel terá alegado ainda a falta de meios materiais "para sostentarem o numero de
religiosos convenientes para o serviço do choro, e do altar" (131), em conformidade com a
grandeza e dignidade da casa evangelista.
(128) Como adiante referiremos, embora a primeira bula da união tenha sido passada em 1448, a serem
verdadeiros os factos narrados, os padres de Vilar apenas tomarão posse da igreja de S. Martinho de
Manhente e do seu mosteiro em 1480.
(129) A.D.B. - Ms. 924, fls. 336-337.
(130) Idem, fl. 337.
(131) Idem, fl. 337.
59
O papa Nicolau V terá respondido favoravelmente, com a anexação da igreja de S.
Martinho de Manhente, através de uma bula de 1 de Junho de 1448, na qual afirmava que,
quando a referida igreja vagasse, por óbito ou por renuncia do seu abade (132), "logo
tomassem posse della", tendo nomeado "por juiz das bullas ao doutor Diogo Serrão
arcediago do Porto, o qual as julgou por boas no anno de 1449" (133).
Como persistissem dúvidas sobre esta anexação, o Sumo Pontífice terá emitido uma
nova bula em 1450, que vinha confirmar a de 1448 (134).
Mas a tomada de posse da igreja de Manhente viria a ser contrariada por D. Fernando
da Guerra.
Com efeito, aquando da tentativa de tomada de posse desta igreja pelos cónegos, para
finalmente "comerem seus frutos" (135), havia falecido o papa Nicolau V e as contendas
entre o arcebispo e os padres de Vilar estavam ao rubro - "estavão no seu auge os pleitos
renhidos" (136), pelo que o prelado de Braga, na óptica do padre Jorge de São Paulo,
prosseguiu "com suas molestias e a vexar aos nossos religiosos" (137), impedindo a
tomada de posse efectiva, "antes collou logo nella a hum seu capellão" (138).
A bula papal era considerada de nulo efeito, mas o "caso Manhente" havia de
continuar, não fossem os cónegos de Vilar de Frades ciosos dos seus direitos e jurisdição
conquistados.
Assim, o capelão colado em Manhente por D. Fernando da Guerra terá acabado por
renunciar esta igreja em Diogo Anes que "por amicissimo dos nossos padres consentio
(132) Idem, fl. 337.
(133) Idem, fl. 337.
(134) Idem, fl. 337.
Jorge de S. Paulo narra um episódio da oposição àquele acto de união, protagonizado por um filho
do abade "que se pos na torre com duas béstas, e hum feixe de vizoces cabeçudos"(sic) aquando da
tomada de posse da igreja, "ameaçando os nossos padres se tomassem posse da abbadia de seu pai com
palavras daquella linguagem antiga" - Idem, fl. 337.
(135) Idem, fl. 337.
(136) Idem, fl. 337.
Em dada altura, a situação era tão difícil para os padres, que só lhes valeu o apoio militar de D.
Afonso conde de Barcelos e duque de Bragança que, "com o poder dos seus vassalos de Barcellos, e
grandes despezas se poz em armas contra o arcebispo Dom Fernando em defensa delle para não serem
expulsos os nossos padres" - Idem, fl. 350.
(137) Idem, fl. 337.
(138) Idem, fl. 337.
60
que o arcebispo Dom Luis Pires [...] a requerimento nosso houvesse as bullas de Nicolao
5º por boas, e por justa a posse tomada" (139).
D. Luís Pires (arcebispo entre 1467-1480), fez despacho deste reconhecimento por
provisão de 1468, embora a tomada de posse efectiva viesse apenas a verificar-se em
1480 (140).
Por conseguinte, o reitor de Vilar passou a deter, a partir de 1480, os seguintes cargos
ou prerrogativas do couto (141) de Manhente: capitão-mor, coudel-mor, repartidor das
armas, alcaide-mor e ouvidor do cível, para além de nomear o juiz do couto "que
conhece do cível e do crime" (142).
Assim, em 65 anos de existência (com a anexação de Manhente) os padres lóios, que
se haviam proposto reformar o clero secular - através de uma vivência espiritual
comunitária, ao serviço de Deus, tão próxima quanto possível da cristandade primitiva -,
não perderam de vista a dimensão temporal (na formação e alargamento do seu domínio
senhorial), vindo a constituir um autêntico potentado (143).
3. O CARÁCTER REFORMISTA DOS CÓNEGOS LÓIOS
A fundação de uma nova Ordem religiosa correspondia a uma grande necessidade de
reforma sentida por diversos sectores no interior da Igreja.
(139) Idem, fl. 337.
(140) Diogo Anes terá trocado de igreja com Diogo Afonso (aquele foi para Góis e este para Manhente),
com a respectiva anuência do arcebispo. Só a morte do abade Diogo Afonso permitiu ao reitor Paulo, em
1480, a tomada de posse da igreja e mosteiro de Manhente e da sua anexa igreja de S. Vicente de Areias -
Idem, fl. 337.
(141) Uma provisão régia de 1335, emanada de D. Afonso IV, é uma das provas referidas telo cronista
para aferir da jurisdição do couto de Manhente, cujas origens remontam a 1128, quando D. Afonso
Henriques, ainda príncipe, terá premiado o abade deste mosteiro beneditino "em lhe coutar o mosteiro de
Manhente na hera de Cezar de 1166, e de Christo 1128" - Idem, fl. 338.
(142) De notar que "do cível se appella para o padre reitor ouvidor; e do crime pera el-Rei" - Idem, fl.
338.
(143) Ao longo da Época Moderna, não cessará de aumentar a riqueza fundiária do convento de Vilar de
Frades. Em 1792, os rendimentos provenientes de "foros cenços e mais miudezas" dizem respeito a cerca
de 126 freguesias, onde os padres possuiam propriedades - A.D.B. - L 78, doc. 65.
61
O século XIV havia sido marcado por uma crise geral, com profundos reflexos na
economia e na sociedade, nos valores e nas mentalidades, tendo atingido largamente as
instituições religiosas e os seus membros, seculares como regulares, que deixavam de
constituir uma referência ética e moral das comunidades civis.
Uma boa parte do clero regular, apanhado nas malhas do vício e da corrupção do
século, abandonava com facilidade a vida de entrega a Deus.
As Ordens tradicionais entraram em declínio, processo que se arrastará ao longo de
todo o século XV, paralelamente ao aparecimento de novas instituições (144). Os
comendatários terão contribuído para a derrocada final (145), não cuidando dos interesses
materiais nem espirituais dos mosteiros onde pontificavam, antes zelando pelos seus
interesses pessoais e imediatos.
Frei Leão de São Tomás afirma que em 1500 "todos os mosteiros de S. Bento de
Portugal que não eram extintos estavam em poder de comendatários que ordinariamente
tratavam mais de si que do espiritual e temporal dos mosteiros" (146).
Sendo um século de descobertas, o século XV foi o tempo da mudança e da vontade de
reforma, particularmente sentida no interior da Igreja católica, que no entanto não
impedirá o eclodir de uma crise religiosa de gravíssimas consequências nos séculos
futuros.
O clamor da reforma, tendo como base a primitiva mensagem dos Evangelhos, levou
João Vicente a uma aventura religiosa, genuína nos princípios mas não isenta de
contradições.
No século XVII, Jorge de São Paulo (147) salienta o carácter reformista do fundador da
sua Congregação (148), ao recordar as condições difíceis em que edificou o primeiro
(144) Nomeadamente os Jerónimos e os Lóios - Cf. SANTOS, Cândido dos - Os Jerónimos em Portugal.
Das origens aos fins do século XVII, Porto, 1980, p. 230.
(145) A comenda, benefício que permitia a um senhor laico ou eclesiástico administrar em proveito
próprio igrejas ou mosteiros, foi introduzida na administração dos mosteiros na segunda metade do
quatrocento, século em que os beneditinos e os cistercienses são gravemente atingidos pela "praga dos
comendatários" - Idem, Ibidem.
(146) SÃO TOMÁS, Frei Leão de - Benedictina Lusitana, Tomo II, p. 411.
Cf. SANTOS, Cândido dos - Ob. cit., p. 230-253.
(147) Este cronista terá recebido o hábito de cónego evangelista no convento de Vilar de Frades em 20 de
Julho de 1609, onde viria a ser mestre em Teologia; é duas vezes secretário da Congregação; foi reitor dos
conventos do Porto e da Vila da Feira e provedor do hospital das Caldas da Rainha em 1653-1654, 1656 e
62
convento e a sua igreja - "em aquelles matos deshabitados vimos reedificado hum
sumptuoso templo" (149), destacando a natureza do lugar daquela que considera ser uma
grande casa de Deus e de toda a corte celestial, construída "naquelle solitario sitio
dezemparado da gente humana" (150). Foi ali, naquela terra quase erma, que "vimos
fundado hum magestozo convento de conegos seculares viventes em commum [...] que de
noite, e de dia havião de estar louvando ao Senhor [...] em aquelle antiquissimo mosteiro
arruinado tantas vezes" (151).
Inspirada na Congregação de S. Jorge em Alga de Veneza, a nova Ordem religiosa de
Vilar de Frades estava especialmente vocacionada para empreender a necessária reforma
espiritual, no interior do clero regular (152).
Segundo Santa Maria, os cónegos de Vilar foram os primeiros que, em Portugal,
reformaram o estado clerical, na perspectiva secular e comunitária da existência religiosa,
"porque forão os primeiros clerigos seculares viventes em commum, que nelle houve"
(153). Muitos religiosos houvera antes mas, "ou erão Conegos Regrantes, ou Monges, ou
Frades, mas não havia, nem houve até o nosso tempo, Conegos, nem Clerigos, que sem o
vinculo de votos perpetuos, vivessem em commum, e os nossos Conegos forão os
primeiros, que em Portugal derão principio a este modo de vida" (154).
O facto de não serem regrantes não significa que os religiosos de Vilar de Frades não
tivessem adoptado os princípios fundamentais das restantes congregações,
designadamente os votos de pobreza, obediência e castidade. A diferença fundamental
residia no carácter não perpétuo dos mesmos (155).
Lembra o cronista que a cristandade primitiva abraçara o ideal da vida comunitária,
mas que os tempos mudaram e com ele os religiosos haviam começado a abandonar este
1662-1664, vindo a perecer a 21 de Maio de 1664 - SÃO PAULO, Jorge de - História da Rainha D.
Leonor e da fundação do hospital das Caldas, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1928, p. 7.
(148) Pela "lei da graça de Deus Nosso Senhor", João Vicente ter-se-á dedicado, sobretudo desde 1425 a
"reformar o estado apostolico" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 370.
(149) Idem, Ibidem.
(150) Idem, Ibidem.
(151) Idem, Ibidem.
(152) Cf. MARQUES, José - D. Fernando da Guerra, Prelado Reformador do Século XV, Sep. dos
«Anais», Série II, Vol. 33, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1993, p. 56.
(153) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 298.
(154) Idem, Ibidem.
(155) "Sem differença das outras religiões", eram exercidas as seguintes virtudes - pobreza, castidade,
obediência, silêncio, clausura, mortificação, humildade, temperança, concórdia, oração, desprezo do
mundo, zelo das almas, entre outras -, "tendo em a nossa o amor, não menos forte, e poderoso vinculo, do
que nas outras o voto perpetuo" - SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 247.
63
costume, sobretudo depois que a "igreja de Treveris em Alemanha, foi a primeira, que
introduzio este novo uso, ou abuso, o qual promptamente foi seguido, e abraçado de quasi
todas as da christandade" (156).
Com Santo Agostinho, retomou-se "outra vez a vida em comum" segundo as regras
antigas (157). Porém, a nova vida comunitária conhecera inevitáveis nuances, que os
religiosos, os papas e o devir histórico foram introduzindo (158).
Mesmo assim, insiste o cronista, os cónegos de Vilar seguiram um modelo apostólico
já que, imitando os irmãos de Veneza (S. Jorge em Alga), "reformarão a vida commum à
maneira dos Santos Apostolos" (159).
Por conseguinte, a Congregação dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista, cujas
origens remontam a 1425 - lembramos que nesta data recebera o nome de Congregação
dos Cónegos Seculares de S. Salvador de Vilar de Frades -, fundada pelo mestre João
Vicente e seus companheiros na actual freguesia de S. João de Areias de Vilar, procede da
"Congregação Apostolica de S. Jorge em Alga de Venesa" (160), pelo seu carácter
apostólico e porque dela também "recebeo a còr, e forma do habito, e algumas
constituições, e estatutos" (161).
A bula da Santa Sé "Injunctum nobis", que veio a confirmar a Ordem religiosa dos
cónegos evangelistas, também chamados "lóios" ou "azúis", com os "privilégios e
regalias" iguais aos do mosteiro e Cónegos Seculares de S. Jorge de Veneza e aos dos
monges eremitas de S. Jerónimo, foi emitida em 18 de Maio de 1431, pelo Sumo
Pontífice Eugénio IV (162).
Respondendo a uma necessidade fundamental, os cónegos da nova Ordem
implementaram a criação de escolas, desde os "principios della", onde se lia Gramática e
Moral, "cadeiras publicas, com grande concurso de ouvintes", sobretudo nas casas de
Vilar e de Santo Elói de Lisboa (163).
(156) Idem, pp. 232-233.
(157) Idem, p. 233.
(158) Idem, p. 233.
(159) Idem, p. 233.
(160) Idem, p. 234.
(161) Idem, p. 234.
(162) Cf. VASCONCELOS, Maria da Assunção J. e ARAÚJO, António de Sousa - Bulário Bracarense,
Braga, Edição do Arquivo Distrital de Braga/Universidade do Minho, 1986, p. 115.
(163) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 255.
64
O colégio de Vilar fora tradicionalmente frequentado por muitos clérigos e estudantes
de Barcelos, Braga e terras circunvizinhas, sobretudo até à abertura de "novos estudos"
no Porto e em Braga (164).
A fama dos padres de Vilar tê-los-á levado a participar em acções que ultrapassaram o
âmbito da sua Ordem religiosa (165), designadamente nas visitações da Arquidiocese de
Braga, na reforma da Ordem de Cristo e no processo de evangelização em África.
Porém, "a mayor gloria da nossa Congregação nesta parte, he a visita, que os nossos
Conegos fiserão em Venesa, por ordem do Santo pontifice Pio V" (166). O breve papal
sobre tão insigne deslocação terá chegado a 5 de Junho de 1568, endereçado a António do
Espírito Santo, Geral dos lóios que havia cessado o seu mandato e que participa agora
nesta empresa reformadora, acompanhado de Francisco da Madre de Deus, Pedro de São
João e Gil da Conceição, "com os quaes se havia de ajuntar o padre Francisco de Santa
Maria, que naquella sazão assistia em Roma" (167).
Quanto às visitações na arquidiocese, diz-nos Santa Maria:
"D. Affonso de Meneses, Arcebispo de Braga, cometeo a visita das
suas ovelhas aos nossos Padres Manuel da Cruz, João dos Anjos, e
Manoel dos Martyres, assistentes em o convento de Villar de
Frades, os quaes divididos pelo dilatadissimo circuito daquelle
Arcebispado, o visitárão todo no anno de 1584 com grande
trabalho, e igual fruto" (168).
A reforma da Ordem de Cristo estivera a cargo do mestre João Vicente:
(164) "Em todas estas obras [...] se seguirão depoes, e as imitárão os muito religiósos, exemplares, e
virtuósos padres da Companhia de Jesu" - Idem, Ibidem.
(165) O padre Diogo Gonçalves, confessor da rainha D. Leonor (mulher de D. João II) "reformou a
Ordem dos Eremitas da Serra de Ossa"; o padre Luís da Conceição visitou em 1544 um mosteiro
feminino, por ordem de D. João III, "que por justos respeitos não nomeamos"; em 1581, por breve de
Gregório XIII, o padre Jerónimo da Cruz, reitor do convento de S. João de Évora, visita e reforma o
convento das religiosas de Santa Mónica, de Évora; finalmente, o padre João de Santo António visita o
arcebispado de Lisboa em 1524-1525-1526, por encomenda do cardeal D. Henrique, quando era
arcebispo de Lisboa" - Idem, p. 289.
(166) Idem, p. 290.
(167) Idem, p. 293.
(168) Idem, p. 290.
65
"O Veneravel Mestre João, nosso Fundador, reformou a Ordem e
Cavallaria de Christo à instancia do Mestre della o Infante Dom
Henrique Duque de Viseu, filho del-Rey Dom João o Primeiro, por
commissão do Papa Eugenio IV como consta das Constituições
antigas da mesma Ordem" (169).
No processo da evangelização africana, os lóios terão participado a convite do rei D.
Manuel, nomeadamente nas terras do Congo (nos inícios do século XVI) onde, segundo o
relato de Damião Góis, fundaram uma igreja:
"Neste anno de M.D.viij [...] no fim delle mandou el Rei hum
religioso, per nome Joam de Sancta Maria, da Ordem do Apostolo,
e Evangelista São João, que se chamão dos azues, com doze padres
da mesma ordem, ao regno de Manicongo, pera la fazerem huma
egreja, e ensinarem, e pregarem a Fé de Nosso Senhor Jesu Christo,
e pera se a egreja fazer mandou officiaes, allem do que deu para
ella ornamentos, e a tolodos que foram com estes religiosos
ordenados pera se la poderem manter honradamente, o que sempre
acostumou fazer em todalas cousas que tocavam a nossa Santa Fé,
da qual foi hum dos mais zelosos reis, de quantos ate seu tempo
ouve nestes regnos" (170).
4. CRESCIMENTO E EXPANSÃO DA CONGREGAÇÃO EVANGELISTA
(169) Idem, p. 288.
(170) GÓIS, Damião de - Chronica do Serenissimo Senhor Rei D. Emanuel, Coimbra, 1790, pp. 419 e
421.
66
4.1. IMPORTÂNCIA DOS BENFEITORES: ARCEBISPOS E PAPAS, NOBRES E
MONARCAS
No crescimento e expansão desta nova Ordem Religiosa, os "benfeitores", eclesiásticos
e civis desempenharam um papel de relevo (171), porquanto criaram as condições
institucionais, religiosas, jurídicas e económicas para a sua sobrevivência e
desenvolvimento.
Tanto Jorge de São Paulo como Francisco de Santa Maria, apresentam a generalidade
dos arcebispos como benignos para o seu convento.
Porém, é dado especial destaque à acção de D. Fernando da Guerra, responsável pela
anexação de 9 igrejas e de D. Diogo de Sousa, arcebispo que, como é sabido, patrocinou
as obras da capela-mor e do cruzeiro da igreja.
Sobre D. João Afonso de Meneses (arcebispo em 1582-1587), diz Jorge de São Paulo
que:
"Mais assistia no nosso convento do que na sua igreja primacial,
perdoando alguns mil cruzados de cahidos pellos 20 mil reis em que
este convento foi cortado para o Seminario em tempo do Arcebispo
Dom Frei Bartolomeu dos Martires reduzindo juntamente o corte
do Seminario a 8 mil reis quada anno, abatendo 12 mil reis
annuaes, e os mil cruzados vencidos" (172).
Igualmente benfeitor foi D. Frei Agostinho de Castro, arcebispo em 1587-1609:
"Quando não fosse em obras do convento foi em lanços de muita
affeição deixando as festas principaes, e a Somana Santa de assistir
(171) Orgulha-se o cronista da "summa gloria da nossa Congregação" basear-se na "grande confiança, que
fiserão sempre dos conegos della, os Sumos Pontifices, os Reys, os Principes, e os Prelados mais illustres,
para as visitas, e refórmas de diferentes religiões, e Dioceses" - SANTA MARIA, Ob. cit., p. 288.
(172) A.D.B. - Ms. 924, fl. 350.
67
na sua Sé para vir acompanhar aos nossos padres no choro, e actos
da communidade" (173).
Amigo dos cónegos de Vilar, terá sido também D. Rodrigo da Cunha (arcebispo em
1627-1635), que igualou os anteriores "no amor e nas vizitas de parte a parte" (174).
O cronista lamenta os descuidos dos reitores, a quem atribui culpas pelo
desaparecimento de um breve do papa Nicolau V, "passado no anno de 1451" (175),
relacionado com a jurisdição espiritual "em que obrigava aos fregueses da Pouza, Areas e
Adães virem à missa, e pregação a este convento de Villar em todas as festas de Christo, e
de Nossa Senhora como consta do cartorio" (176).
Nos finais do século XVII, Santa Maria podia orgulhar-se dos favores, indultos, graças,
isenções e privilégios da sua Congregação, mencionando os prelados da Santa Sé que se
destacaram na sua concessão: Gregório VII, Eugénio IV - papa que promoveu o mestre João
Vicente a bispo de Lamego e "ordenou de seu moto proprio, que o convento de Villar,
ficasse sem dependência do Arcebispo" (177); Leão X, Pio II (178), Alexandre VI, Clemente
VII, Pio V, Sisto V, Clemente VIII, "e em nossos dias Inocêncio XI e Alexandre VIII" (179).
Apresenta como prova dos favores do papado os breves, guardados "em nosso bullario
impresso em Lisboa no anno de 1594 o qual se guarda em todas as nossas casas, e
livrarias" (180).
Jorge de São Paulo lamenta o enfraquecimento da jurisdição temporal do convento,
colocando em destaque os possíveis privilégios constantes do couto atribuído por "El Rei
Dom Sancho no anno de Christo de 1172" (181):
(173) Idem, Ibidem.
(174) Idem, Ibidem.
(175) Idem, fl. 330.
(176) Idem, fl. 330.
(177) Acrescenta o cronista que "não se póde crer, o muito que o Arcebispo se offendeo, & escandalizou
com aquella novidade" - SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 369.
(178) Este Sumo Pontífice terá legalizado a transferência da sede da Congregação, de Vilar de Frades para
Xabregas, através de um breve de 9 de Março de 1461 - Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p.
472.
Devota de S. João Evangelista, a rainha D. Isabel "fez testamento, & deixou nelle ordenado, que se
edificasse hum convento em honra de S. João Evangelista, & que se entregasse aos Bons Homens da
Congregação de Villar de Frades, e & que o dito convento fosse cabeça da mesma Congregação, tomando
esta o nome, & protecção do mesmo Sãto, e que tudo se confirmasse com Breves Pontificios, & que para
os gastos deixava vinte & oito mil coroas de ouro" - Idem, p. 470.
(179) Idem, p. 294.
(180) Idem, p. 294.
(181) Idem, p. 294.
68
"Hera impossivel não ter as mesmas jurisdições de fazer juiz do
couto, alardos, apuração de gente, e todas as mais couzas que
pertencião ao civel, como o couto de Manhente, e todos os mais
coutos dos nossos mosteiros de S. Bento e S. Bernardo que estão no
arcebispado de Braga, e bispado do Porto" (182).
Os poderes temporais (limitados, no entendimento e expressão do cronista), eram por
vezes fonte de conflitos, quer com os senhores laicos que disputavam o poderio ao reitor,
enquanto capitão-mor e senhor donatário (183), quer com os poderes públicos que se
intrometiam nas questões internas das terras coutadas e que, logicamente, gozavam de
importantes imunidades.
Entre os senhores laicos poderosos, com os quais correram "demandas e dissensões",
destacam-se os condes da vila de Prado, sendo vários os episódios narrados sobre a
disputa do comando civil e militar no senhorio de Manhente, de cuja jurisdição os padres
jamais abdicam, não obstante encontrarem amiúde nos senhores de Prado a disposição
para o afrontamento (184).
Mas os cónegos de Vilar tiveram igualmente de enfrentar a Câmara Municipal de
Barcelos:
"Sempre os padres reitores de Villar passados e prezentes tiverão
muitas demandas e dissensões com os senhores, e condes de Prado,
e com a Camara da villa sobre se intrometerem na jurisdição do
couto de Manhente em cujo termo está o dito couto" (185).
"A jurisdição de que temos noticia dos prelados deste convento he
na materia das coimas, tomadias, e penas do conselho, e posturas de
(182) A.D.B. - Ms. 924, fls. 330-331.
(183) A 13 de Março de 1745, ao passar uma procuração, o reitor de Vilar de Frades, põe em relevo a sua
importância socio-política, ao enunciar os seus títulos, cargos e atributos: "Doutor Bento da Expectação
Justiniano mestre jubilado na sagrada Theologia, examinador das tres Ordens Militares, reitor do
convento de Villar de Frades, abbade collado de treze igrejas, ouvidor, capitão mór, e senhor donatario do
couto de Manhente" - A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 73, fl. 412.
(184) Idem, fls. 338-340.
(185) Idem, fl. 338.
69
vinho aos vendeiros, e nas tomadias, e ainda nestas se intrometeo a
Camara de Barcellos em algumas occaziões; e de huma sou
testemunha vir a vreação (sic) em forma de Camara no anno de
1625 sendo reitor o padre João de São Paulo derrubar no lugar de
Encourados huma tomadia que este prelado impôs (?) à certo
lavrador" (186).
Herdeiros da sociedade "trinitária" medieval, com óbvias relações de tipo senhorial e
mesmo feudal, os conventuais, como parte integrante do primeiro estado, gozavam de
determinados privilégios concedidos pela monarquia e que se prolongarão por toda a
Época Moderna.
Ao enunciar a lista dos primeiros benfeitores, alguns dos quais anteriores à fundação
da Ordem, mas cujas benfeitorias tiveram reflexos no plano económico e social, o
cronista estabelece a seguinte hierarquia:
1º - D. Godinho Viegas - considerado o "primeiro reedificador do mosteiro beneditino"
(187);
2º - D. Pedro Salvadores - descendente de D. Godinho, merecedor de grande prestígio
junto do monarca, por serviços prestados, de tal maneira que "a cujo respeito el-rei D.
Sancho Primeiro coutou este convento" (188), no ano de 1172;
3º - Rei D. Sancho I - pelo couto instituído na data referida e "assim o podemos
nomear por 3º bemfeitor" (189);
4º - Rei D. Fernando – reconhecido pelo cronista porque "revalidou o couto em seu
primeiro estado que ja pello decurso do tempo se hia devassando" (190);
5º - Papa Eugénio IV - como representante máximo da cristandade católica, foi
fundamental o seu apoio aos seculares congregados, "principalmente depois deste
convento estar constituído em primeira cabeça da Congregação" (191);
(186) Idem, fl. 331.
Em consequência do acto da vereação municipal, o reitor terá mandado apresentar queixa em Vila
Viçosa, ao duque Dom Teodósio 2º, que de imediato terá mandado passar provisão favorável aos padres
de Vilar, documento que se encontraria depositado na cancelaria de Barcelos (fl. 2) e no cartório das
antiguidades do convento - Idem, fl. 331.
(187) Idem, fl. 349.
(188) Idem, fl. 349.
(189) Idem, fl. 349.
(190) Idem, fls. 349-350.
(191) Idem, fl. 350.
70
6º - Rei D. Afonso V (e rainha D. Isabel) - considerados "protectores delle"
(convento) e de toda a Congregação" (192).
7º - D. Afonso, conde de Barcelos e 1º duque de Bragança (193).
A instituição de missas e capelas (194) constituía um dos processos utilizados pelos
devotos, sobretudo de extracção nobre (mas não só), para garantirem uma sepultura no
interior da igreja ou no claustro e o "descanso eterno" das suas vidas.
O culto funerário no interior das igrejas remontava ao período românico, numa altura
em que se regista "uma maior apetência pelos sufrágios" e se "principia a estabelecer a
missa pelos defuntos" (195), propiciando o aparecimento de capelas edificadas ou
instituídas "a expensas dos fundadores", que deixavam legados constituídos por
propriedades rústicas ou rendas como forma de pagamento do seu culto (196).
Para os padres de Vilar, o extenso rol de missas que celebravam pela alma dos fiéis
defuntos, antigos ou modernos benfeitores - missas quotidianas, semanais e de aniversário
-, constituía a contrapartida de importantes doações (terras, rendas, dinheiro ou géneros),
que vinham fortalecer a comunidade, quer do ponto de vista económico, quer social e
religioso.
Nos finais do século XVII, no capítulo da obrigação de missas, os cónegos lóios
enfrentam a seguinte situação:
"Penção das missas, que esta casa tem conforme o rol das missas,
do triennio do reverendissimo padre Diogo dos Anjos (1680-1682),
he esta caza obrigada a dizer 2.257 missas. Mandou o reverendo
padre Geral 3.893 missas. Vierão do livro do Capitulo 100 missas.
Todas fazem soma, de seis mil, duzentas, e sincoenta. Abatidas seis
(192) Idem, fl. 350.
(193) Idem, fl. 350.
(194) "A instituição de capelas era uma forma comum de articular um investimento fundiário com a igreja.
Garantiam-se missas para salvação das almas e uma boa sepultura, alimentavam-se mais uns quantos
clérigos, havia segurança de que o capital ficava a coberto de tentações mundanais" - MAGALHÃES,
Joaquim Romero - Grandes, Títulos e Fidalgos, in "História de Portugal" (dir. José Mattoso), Vol. III,
Círculo de Leitores, 1993, p. 493.
(195) FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto - A Arquitectura Românica de Entre-Douro-e-Minho,
Vol. II, Porto, 1978, p.11.
(196) "Por vezes, aí se rezava, quotidianamente, missa pela alma de quem a legava" - Idem, Ibidem.
71
mil, cento e sincoenta, e quatro, que se derão aos padres ficão 96,
que o reverendo padre Geral mandará dizer pella alma do mestre
Thomas [...]. Neste rol não entra o padre procurador, por que dis
por obrigação todos os domimgos, e dias santos missa pellos
freguezes" (197).
RELAÇÃO DE DEVOTOS DA IGREJA DE VILAR DE FRADES (SÉCULOS XV-XVI) E
OS CORRESPONDENTES "ENCARREGOS" DOS RELIGIOSOS (198)
DATA
NOME
DOAÇÃO
MISSAS
1466
Vasquiens da Pousa e
sua mulher, “enterrados
neste convento”
Uma Quinta de Minhotães.
Certos bens da “Quinta da
torre de Minhotães e de
Requião”.
Os casais de Nogueira,
termo de Barcelos
Três aniversários: a 25 de
Julho, 11 de Outubro e 21
de Novembro.
Cada um incluindo: três
lições, vésperas, laudes e
missa cantada “com seus
responsos”
1481
Fernão Pereira Torres de
Angeja e sua mulher
Dona Leonor de Lemos,
sobrinha de D. Diogo de
Sousa.
“Muita fazenda”, incluindo
da “torre velha, que esta
abaixo da Requinha”.
Depois de viuvar, Dona
Leonor doou vários casais.
Missa de reqien, rezada á
segunda-feira “na sua
capella; onde jax no
cruzeiro a mão esquerda”.
1483
Pero Vaz da Maia e sua
mulher Margarida
Alvarez.
“Todos os seus bens
moveis, e de rais”, em
especial: as herdades de
Areias de Vilar e de
Santiago de Encourados;
três casas com quintais da
Dois aniversários anuais,
a 25 de Janeiro e a 26 de
Fevereiro, cada um
incluindo: três lições
“como costumamos”,
vésperas, nocturno, laudes
(197) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 100.
(198) A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de São Salvador - Lº 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25.
72
Rua de Cima de Vila –
Barcelos; uma cavalariça
“que esta ao penedo fora
dos muros” e a “deveza do
Caregal”.
e missa cantada.
1512 Pero Bravo Um aniversário e missa
quotidiana.
1524
Bartolomeu Gonçalves e
sua mulher, de Areias de
Vilar.
1555
Nuno Álvares Pereira
2.200 reis de “esmola” e 40
reis de renda de umas casas
de Vila do Conde que “hora
gastão mais na arrecadação
do Val”.
Missa perpétua às terças-
feiras, na sua capela que
está sob a “torre velha” –
da família dos “senhores
de Farelães”.
1574
Inês de Seixas e “seus
defunctos”.
Os seus herdeiros,
“administradores da
capela”, pagam 500 reis,
300 pelas 5 missas e 200
pela missa cantada.
Gonçalo Correia, sua
mulher Margarida de
Prado, “seus defunctos”;
Maria de Prado, irmã de
Margarida.
Um casal.
Um aniversário a 4 de
Março: com três lições,
vésperas, nocturno, laudes
e uma missa cantada.
Miguel Fernandes.
Leonor Vaz. Um casal. Dez missas.
73
RELAÇÃO DE DEVOTOS DA IGREJA DE VILAR DE FRADES (SÉCULOS XV-
XVI) E OS CORRESPONDENTES "ENCARREGOS" DOS RELIGIOSOS (199)
DAT
A
NOME
"ENCARREGOS"
DOAÇÃO
1466
Vasquiens da
Pousa e sua
mulher,
"enterrados neste
convento".
Três aniversários: a 25
de Julho, 11 de
Outubro
e 21 de Novembro.
Cada um incluindo:
três
lições, vésperas, laudes
e
missa cantada "com
seus
responsos".
Uma quinta de
Minhotães.
Certos bens da "quinta
da torre de Minhotães
e de Requião".
Os casais de Nogueira,
termo de Barcelos.
(199) A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de São Salvador - Lº 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25.
74
1481
Fernão Pereira
Torres de Angeja
e sua mulher
Dona
Leonor de Lemos
sobrinha de Dom
Diogo de Sousa.
Missa de requiem,
rezada
à segunda-feira "na sua
capella; onde jax no
cruzeiro a mão
esquerda".
"Muita fazenda",
incluindo da "torre
velha, que esta abaixo
da Requinha. Depois de
viuvar, Dona Leonor
doou vários casais.
1483
Pero Vaz da
Maia
e sua mulher
Margarida
Alvarez.
Dois aniversários
anuais,
a 25 de Janeiro e a 26
de Fevereiro, cada um
incluindo: 3 lições
"como
costumamos",
vésperas,
nocturno, laudes e
missa
cantada.
"Todos os seus bens
moveis, e de rais;
em especial: as herdades
de Areias de Vilar e de
S. Tiago de Encourados;
três casas com quintais
da Rua de Cima
de Vila - Barcelos;
uma cavalariça "que
esta ao penedo fora
dos muros" e a
"devesa do Carregai".
1512 Pero Bravo Um aniversário e missa
quotidiana.
1524
Bartolomeu
Gonçalves e sua
mulher, de
Areias
de Vilar.
75
1555
Nuno Alvares
Pereira.
Missa perpétua às
terças-
feiras, na sua capela
que
está sob a "torre velha"
- da família dos
"senhores
de Farelães".
2.200 reis de "esmola"
e 40 reis de renda de
umas casas de Vila do
Conde que "hora gastão
mais na arrecadação do
val".
1574
Inês de Seixas e
"seus defunctos".
5 missas rezadas em
Setembro e uma missa
cantada de requiem,
pelos finados.
Os herdeiros
"administradores da
capela" pagam 500 reis,
300 pelas 5 missas e
200 pela missa cantada.
Gonçalo Correia,
sua mulher Mar-
garida de Prado
e"seus
defunctos".
Maria de Prado
irmã de
Margarida.
Um aniversário a 4 de
Março: com 3 lições,
vésperas, nocturno,
laudes e uma missa
cantada.
Um casal.
Miguel
Fernandes.
Três lições, missa
cantada
e duas missas no dia de
finados.
Quinta de Midões.
Leonor Vaz. 10 missas. Um casal.
Gonçalo Dias e
Catarina Dias.
Aniversário e missa
quotidiana.
76
Quanto à acção dos monarcas o destaque vai, antes de mais, para D. Afonso V (1432-
1481). Um treslado de uma provisão de 1473, mostra o rol de direitos e isenções que
torna o convento de Vilar de Frades uma instituição tipicamente privilegiada.
O monarca autoriza os padres a possuírem bens de raiz "ata contia de cinquoenta mill
rens brancos desta moeda hora corrente em nossos regnos" (200); enquanto os
procuradores do convento têm direito de se deslocarem através de "besta muar" (201).
Através da mesma provisão, D. Afonso V dita ainda que os padres de Vilar de Frades:
"Sejam escusos, e rellevados, privilegiados, de servirem sem
pagarem em nenhumas peitas, fintas, talhas, pedidos, emprestidos
(sic), que per os concelhos som [...] em nenhuns outros encarregos,
nem servidões delles, nem vão com presos, nem com dinheiros a
nenhuma parte que seja, nem sejão postos por beesteiro de conto se
o ainda nom forem dante que comecem aa dita casa servir, nem
sejam postos por fitores, nem curadores, de nenhuns orfãos salvo
sendo as titorias lídimas a que de direito sejam obrigados, nem lhes
dem, nem mandem das suas casas de morada adegas, nem
cavalariças, nem roupa dellas, a nenhuma pesoa da pousentadoria,
nem lhe tomem pão, nem vinho linho, nem çevada, nem palha, nem
outra nenhuma cousa do seu contra sua vontade, nem bestas, nem
bois" (202).
Mas a protecção senhorial de D. Afonso V, aos cónegos lóios, foi mais além:
"Concedeosse tambem ao convento que certo numero de cazeiros
fossem privilegiados, e que o procurador de fora podesse andar em
besta mual, e fosse escuzo de hir às guerras, e que o convento não
pagasse dizimas, e que pudesse possuir todos os bens de raiz e que
(200) Podem os padres comprar "herdades de pão, vinho, e azeite e quaisquer outros bems de raiz ataa a
contia dos ditos cinquoenta mil rens" - A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 13, fl. 24v..
(201) No documento afirma-se que "aquelle que asi for procurador da dita casa [...] que o leixem andar na
dita besta muar" - Idem, fl. 30.
(202) Idem, fls. 32-32v..
77
os nossos padres pudessem andar em cavallos; e outros privilegios
que se podem ver no cartorio deste convento" (203).
Damião de Góis salienta o papel da rainha Dona Isabel (1432-1455) na fundação do
convento de Xabregas, em Lisboa. O nosso humanista chama ainda a atenção para o
carácter peculiar da Congregação evangelista, apenas igualável em Itália:
"Fundou no Oratorio de S. Bento de Enxabregas o Mosteiro da
Ordem de S. João, a qual chamão dos Azues, e em seu testamento
mandou que se acabasse, e dotasse de 28 mil coroas, que lhe El Rey
D. Affonso seu marido devia de seu contrato, o qual legado elle
comprio inteyramente, comprando lhe muy boas rendas, e
heranças, da qual Ordem ao presente tempo, em que corre o anno
do Senhor de 1556 não ha Mosteyros se não em Italia, e nestes
Reynos de Portugal, nem em minhas longas, e varias
peregrinaçoens os vi em nenhuma outra parte da Europa" (204).
A estreita relação do convento de Lisboa com a família real é evidenciada pela escolha
do seu templo para a última morada. Tendo falecido a infanta Dona Catarina, a 17 de
Junho de 1463, no mosteiro de Santa Clara, em Lisboa (205), foi o seu corpo depositado
"no Mosteyro de Santo Eloy da mesma cidade, em entrando pela Igreja na Capella Mòr da
mão esquerda, em huma sepultura de pedra" (206).
Francisco de Santa Maria afirma que foi D. Pedro, duque de Coimbra e governador do
reino, quem doou aos cónegos de Vilar de Frades o convento de Santo Elói de Lisboa
(207).
Por seu lado D. Manuel I (1469-1521), no convento de S. João de Xabregas, terá
mandado construir para si um quarto à parte, uma "câmara" e "repartimentos" para os
(203) Idem, fls. 347-348.
(204) GÓIS, Damião de - Chonica do Principe D. Joam, Rey que foi destes Reynos, Lisboa, 1724, p. 12.
(205) Idem, p. 72
(206) Sepulcro "que o Cardial de Portugal D. Jorge da Costa seu Mestre, e Capellão que fora, para
gratificar em parte as mercès, que della recebera, alli lhe mandou fazer, a imagem da qual Senhora ainda
hoje em dia està dependurada na mesma sepultura, pintada de cores, em huma pequena taboa quadrada, da
qual se mostra que foy mulher de bom parecer" - Idem, p. 73.
(207) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 307.
78
infantes (208), num edifício que durou "até o tempo em que isto se escreve (cerca de
1692), no qual se começa a desfazer por cauza do dormitorio novo" (209).
D. Manuel terá patrocinado as obras na igreja deste convento dos lóios,
designadamente a capela-mor e um retábulo:
"Mandou fazer a capella mòr, e retabolo da igreja de S. João de
Xabregas, obra para aquelles tempos, igualmente vistosa, e
perfeita" (210).
A infante D. Maria, irmã do infante D. Luís, como devota singular, ofereceu aos
padres lóios o convento e igreja do "S. Crucifixo de Santarém" (sic); mandou fazer na
horta de S. João de Xabregas, a "hermida do Evangelista" e doou ao "referido mesmo
convento a relíquia de S. Bento que nelle se venera" (211).
D. João III (1502-1557), por seu turno, quando esteve nas casas do conde de Basto,
em Évora, tinha um "passadiço" para o convento, onde também assistia na Semana Santa
e, imitando o que vira na sexta-feira maior, introduziu na sua capela real de Lisboa a
"devotíssima procissão do Enterro, a que a nossa Congregação deu principio neste reino"
(212).
Como prova da grande capacidade organizativa dos padres lóios e da influência junto
da Corte, D. João III ter-lhes-á confiado a administração dos maiores hospitais do reino
(213).
D. Catarina (1540-1614), que frequentava muitas vezes a igreja de Santo Elói, em
Lisboa, terá contribuído para a edificação do "coro das rainhas" (214). Levava consigo o
neto D. Sebastião que, sendo pequeno, poderia cair das grades do coro, pelo que se
mandou colocar umas "tiras de ferro, que ainda durão" (215).
(208) Idem, p. 311.
(209) Idem, p. 311.
(210) Idem, p. 311.
(211) Idem, p. 311.
(212) Idem, p. 312.
(213) Idem, p. 312.
(214) Idem, p. 312.
(215) Idem, p. 312.
79
Enquanto rei, D. Sebastião terá mandado fabricar em Santo Elói a torre dos sinos e terá
ordenado que se guardasse, no mesmo templo, "o cofre dos órfãos" (216).
Por sua vez, o cardeal D. Henrique (1512-1580) "passava a sua vida" em S. João de
Xabregas (217), por isso se cantava nas ruas de Lisboa: "Quem quizer fallar ao Cardeal
vá a S. Bento que està das portas a dentro debaixo do laranjal" (218).
Sobre a concessão de privilégios pelo primeiro monarca da dinastia de Bragança o
cronista pouco adianta, optando por celebrar o acto revolucionário de 1640 e a
intervenção dos padres de Vilar na festa de aclamação:
"Chegou a nova, de que o Sereníssimo Senhor D. João Duque de
Bragança havia sido acclamado Rey de Portugal [...] no mesmo
ponto partirão em comunidade com cruz alçada, para a catedral da
villa de Barcellos (titulo dos primogénitos daquella Real Casa) onde
cantarão com grande solennidade de vozes, e instrumentos o Te
Deum laudamus, concorrendo infinita multidão de nobresa, e povo,
que com alegres vivas, e acclamações, fiserão mais plausível aquella
acção, que em tal tempo foi muito estimada, e em que os nossos
Conegos forão unicos naquella Província" (219).
D. João V (1689-1750), monarca que "confirmou os privilégios dos outros reis" (220),
pela "graça de Deus", concede ao convento de Vilar de Frades "o mesmo alvará que
concedera ao Hospital Real de Todos os Santos e ao reverendo cabido da Sé oriental"
(221), instrumento que impunha aos foreiros ou rendeiros que estivessem vinculados ao
convento pelos emprazamentos (os contratos enfiteutas, por três vidas), o rigoroso
respeito por todas as obrigações e as "mais condições costumadas" (222), entre as quais se
(216) Idem, p. 312.
(217) Idem, p. 312.
(218) Idem, p. 312.
(219) Idem, p. 393.
(220) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 13, fl. 63.
(221) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 25, fls. 114.
(222) Idem, fls. 114-116.
80
destacava o cumprimento do prazo de trinta dias para os camponeses requererem o
"encabeçamento do prazo", aquando da mudança de vida (223).
D. Maria I (1734-1816), em 23 de Outubro de 1779 faz mercê ao reitor e seus cónegos
"de huma escola de ler, escrever, e contar" (224), atribuindo-lhe uma dotação anual de
40.000 reis/ano - "com a ordinaria de quarenta mil reis annuos, que cobrará na folha dos
professores, e mestres" (225) do reino.
Pelo mesmo documento, os religiosos são obrigados "a applicar vinte mil reis para
quem reger a dita escola" (226), cargo que deverá ser desempenhado pelo cónego Manoel
de São Bento Carneiro (227), de nomeação régia.
A 17 de Dezembro do mesmo ano, sabendo a rainha que o religioso indigitado se
achava impossibilitado para o exercício do cargo, nomeia o cónego Domingos de São
Francisco Xavier "para exercer o lugar de mestre de ler, escrever, e contar na forma
prescrita nesta carta" (228).
Volvidos seis meses, a 7 de Julho de 1780, o lugar de mestre escola é entregue a José
Plácido de S. Bernardino, já que Domingos de São Francisco Xavier também estaria
impedido de "exercer o referido emprego" (229). Porém, no dia 24 do mesmo mês de
Julho de 1780, a rainha nomeava para professor do Colégio de Vilar de Frades o cónego
Manuel da Conceição Evangelista, sempre pelos mesmos motivos (230).
Por provisão régia de 1782, D. Maria concede aos cónegos de Vilar de Frades os
mesmos privilégios que haviam sido atribuídos ao Cabido da Sé do Porto e aos monges
da Ordem beneditina (231).
Tais privilégios destinavam-se a proteger os interesses económicos do convento,
relacionados com o não pagamento dos laudémios e outros tributos por parte dos caseiros
ou rendeiros (232).
(223) Idem, fls. 114-116.
(224) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 81, doc. 181.
(225) Idem, Ibidem.
(226) Idem, Ibidem.
(227) Idem, Ibidem.
(228) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 81, doc. 181A.
(229) Idem, Ibidem.
(230) Com efeito, José Plácido de S. Bernardino encontrava-se igualmente "impossibilitado" para o
desempenho das funções docentes - Idem, Ibidem.
(231) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 25, fls.126-127.
(232) Idem, Ibidem.
81
Integrado no grupo social dos privilegiados, os padres de Vilar, ao longo da Época
Moderna, não deixaram de ampliar a sua influência sobre centenas e centenas de
fregueses, quer pela acção religiosa a partir das suas igrejas - pela pregação, a partir do
púlpito, considerado "o meio excelente para a educação maciça e para a difusão das ideias
verdadeiras" (233) -, quer pelas relações sociais e de produção que se estabeleciam, por
força dos direitos senhoriais concedidos pela Monarquia e pela riqueza fundiária que
possuíam (234).
Nos finais do século XVIII, o convento de Vilar de Frades constituía um verdadeiro
potentado económico, ao auferir rendas e pensões provenientes das suas igrejas e das
propriedades rústicas que detinha em 126 freguesias.
RELAÇÃO DAS FREGUESIAS QUE PAGAVAM FOROS, CENSOS "E MAIS
MIUDEZAS" AO CONVENTO DE VILAR DE FRADES - ANO DE 1792 (235)
Stº Adrião de Macieira S. Miguel de Corente
S. Bento da Várzea S. Miguel de Laúndos
S. Bartolomeu do Mar S. Miguel de Argivai
Stª Cristina de Algoso da Pousa S. Miguel da Apúlia
Stª Cristina da Falperra S. Miguel das Marinhas
Stª Cristina de Curujães S. Miguel de Gemeses
Stº Estevão de Penso S. Miguel de Roriz
Stª Eulália de Negreiros S. Miguel de Prado
Stª Eulália de Rio Covo S. Miguel de Vila Cova da Moreira
Stª Eulália de Palmeira de Faro S. Miguel de Jezufrei
Stª Eulália de Oliveira S. Miguel de Gemunde
Stª Eulália de Sande S. Mamede de Arcozelo
(233) GOUVEIA, António Camões - O Enquadramento Pós-Tridentino e as Vivências do Religioso, in
"História de Portugal" (dir. José Mattoso), Vol. IV, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, p. 295.
(234) Geralmente contratos enfiteutas, de três vidas, onde os senhores, laicos ou eclesiásticos, ditavam as
obrigações aos camponeses.
(235) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 78, doc. 65, s/fls..
Sobre as freguesias do Concelho de Barcelos no século XVIII, ver MATOS, Sebastião - Os
Expostos da Roda de Barcelos (1783-1835), Barcelos, Edição da Acrav, 1995, pp. 223-227.
82
Stª Eugénia de Rio Covo S. Malheu da Ribeira do Homem
S. Milião de Mariz S. Pedro de Adães
Stº Estevão dos Vilares - Penela S. Pedro de Sá
S. Faustino do Peso da Régua S. Pedro de Fragoso
Stª Eufemia - termo de Guimarães S. Pedro de Alvito
S. João de Areias S. Pedro Deste
S. João de Chavão S. Pedro de Maximinos
S. João de Gamil S. Pedro de Barreiros
S. João da Balança S. Pedro Fino de Gondifelos
S. Julião de Passos S. Pedro Fino de Belinho
Barcelos S. Pedro de Reimunde
Braga S. Pedro de Escudeiros
S. Julião da Lage S. Paio de Midões
S. Julião do Calendário S. Paio de Queral
S. Jorge de Airó S. Paio de Principais de Vilar de Figos
Stª Lucrécia da Ponte do Louro S. Paio de Vila do Conde
Stª Leocádia de Fradelos S. Paio de Moz
Stª Leocádia de Pedra Furada S. Paio de Parada de Tibães
Stª Leocádia de Tamel Pico de Regalados
S. Lourenço de Alvelos S. Romão de Fonte Coberta
Stª Maria Madalena S. Romão da Ucha
Stª Maria de Martim S. Salvador de Silveiros
Stª Maria de Sequeira Salvador de Minhotães
Stª Maria de Moure Salvador de Cristelo
Stª Maria de Viatodos Salvador de Navais
Stª Maria da Estela Salvador de Fonte Boa
Stª Maria de Tarroso Salvador de Pereira
Stª Maria de Arnoso Salvador da Lama
Stª Maria de Góios Salvador de Cervães
Stª Maria de Abade Salvador de Quiraz
Stª Maria de Galegos Salvador do Campo
83
Stª Maria de Lijó Salvador do Souto
Stª Maria de Igreja Nova Salvador de Teboza
Stª Maria de Turiz Salvador de Modivas
Stª Maria de Moz Salvador de Tormariz
Stª Maria de Aborim da Nobrega S. Simão de Vila Frescainha
Stª Maria de Ferreiros S. Tiago de Encourados
Stª Maria de Agram S. Tiago de Sequiade
Stª Marinha de Vicente S. Tiago de Mouquim
Stª Marinha de Remelhe S. Tiago de Amorim
Stª Marinha da Alheira S. Tiago de Creixomil
S. Martinho de Airó S. Tiago de Carapeços
S. Martinho das Carvalhas S. Tiago do Couto
S. Martinho de Courel S. Tiago - cidade de Braga
S. Martinho da Gandra S. Veríssimo de Tamel
S. Martinho de Manhente S. Vicente de Areias
S. Martinho de Galegos Vila do Conde
S. Martinho de Escariz Vila da Póvoa de Varzim
S. Martinho do Lago Vila de Esposende
S. Miguel de Cabreiros Vila Nova de Famalicão
S. Miguel da Carreira
Para além de grandes proprietários de terras (236), os padres de Vilar possuíam várias
casas alugadas em Barcelos, Braga e Vila do Conde, entre outras localidades, cujo
pagamento das rendas era efectuado em dinheiro e géneros (237).
(236) "Tem mais o convento tres quintas, todas à vista: a de S. Martinho, a do Quintorio, e a de Manhente:
nellas vão os nossos Conegos a tempos tomar as suas recreações" - SANTA MARIA, Francisco de - O
Ceo Aberto na Terra, Lisboa, 1697, p. 385.
Por doação, através de testamento "digno de memoria" Maria Pinheiro "instituhio em Barcellos hum
morgado, declarando, que na falta de descendentes" fosse o dito morgado entregue aos "Bons homens de
Villar de Frades" - idem, p. 235.
(237) Por exemplo, o dr. Francisco Xavier de Faria, filho de Alexandre da Costa, pagava 1.350 reis pelas
casas com quintal que "possui na Quingosta da Palha", mais duas galinhas, laudémio, lutuosa e
quarentena, como "consta do prazo feito na Nota Geral em o anno de 1711 aos 27 de Agosto", data a
partir da qual tinha aquela família "pago athé o anno de 1771". Em 1772, entregava o mesmo Francisco
84
Das "casas de Braga" destacava-se um hospício, que em 1814 foi requisitado para
alojamento de um oficial superior das Forças Armadas. Assim, na sequência de ordens
recebidas do inspector dos Quartéis Militares, a fim de se aquartelarem os oficiais do
Regimento de Infantaria nº 15 em casas alugadas mas de preferência públicas, Francisco
da Maia escreve a 1 de Agosto de 1814 ao reitor de Vilar "se digne mandar que a chave
do hospicio pertencente a esse Collegio no sitio do Campo de Santa Anna nesta cidade
seja entregue, visto estar nas circunstancias de poder servir para acomodação de hum
official superior o mencionado hospicio" (238).
4.2. OS CONVENTOS DA CONGREGAÇÃO EVANGELISTA: SEU CORPO DE
RELIGIOSOS
Na década de 1620, o convento de Vilar de Frades contava com uma população de 50
religiosos (239). Nele havia um modesto colégio, considerado já "antigo e tudo ha mister
feito de novo; e ainda mui pequeno que não tem gazalhados pa os religiozos" (240), numa
altura em que "a igreja se vai reparando que estava pa se vir ao cham" (241) e em que na
"samchristia e culto divino se gasta muito" (242).
Quando escreve (1658), Jorge de São Paulo dá-nos notícia da existência de 55
conventuais em Vilar de Frades (243), enquanto Francisco de Santa Maria, em 1697,
refere-se a 60 religiosos, para além de mencionar quase outros tantos, distribuídos por
Xavier de Faria 2.650 reis de renda, ficando no entanto a dever duas galinhas - A.D.B. - Fundo Monástico
Conventual, L 4, fl. 249.
Outro exemplo: em 3 de Maio de 1753, foram entregues a elementos da família Vilas Boas (José
António e Joana de Vilas Boas) o arrendamento de casas na vila de Barcelos: nas Ruas Direita, da
Misericórdia, da Praça, do Terreiro, de S. Francisco e na "Picota Velha" e ainda umas casas "que vão do
Passeio para os Assougues" - que haviam sido alugadas por dinheiro, pensões e géneros - A.D.B. Fundo
Monástico Conventual, L 5, fl. 51.
(238) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 19, s/fl.
(239) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 162.
(240) Idem, fls. 162-162v..
(241) Idem, fl. 162v..
(242) Idem, fl. 162v..
(243) A.D.B. - Ms. 924.
85
diversas categorias de oficiais e criados (todos a viver no convento), o que denota uma
comunidade em crescimento:
"Mórão neste convento de ordinmario sessenta conegos, e os criados são
quasi tantos, onde ha officiaes de pedreiros, carpinteiros, alfayates,
çapateiros, e ferreiros, para o ministerio da casa, por estar em monte"
(244).
4.2.1. CONDIÇÕES DE INGRESSO NOS CONVENTOS
Para ingressar num convento dos lóios, o jovem candidato deveria possuir
determinados pré-requisitos. Antes de mais, "hade ter desoito annos" (245), podendo, no
entanto, abrir-se excepções, em respeito pela "calidade do sugeito" (246). Caso a posição
social do indivíduo o justificasse, poderia ser admitido antes daquela idade, para o que se
havia de proceder a "inquirições da geração, e da pessoa" (247), após o que "o Géral lhe
passa as ordens necessarias para o Reytor da Casa onde ha de tomar o habito" (248).
Relacionadas com as preocupações do combate às heresias - viessem elas disfarçadas
de sangue mouro, judeu ou cristão-novo -, outras condições de acesso à vida religiosa nos
conventos evangelistas foram regulamentadas e aprovadas pela comunidade conventual,
reunida em Capítulo. Um livro do fundo monástico-conventual, do Arquivo Distrital de
Braga, permitiu-nos saber que entre 1635 e 1677 iniciaram o noviciado em Vilar de
Frades 71 jovens oriundos das mais diversas regiões do país (249).
Os termos de ingresso apresentam sensivelmente as mesmas características:
aparentemente eram recebidos pelo padre reitor, na sua cela, que lhes lia o capítulo 16º
das Constituições da Ordem, relativo aos "impedimentos que há para não poder ser
(244) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 385.
(245) Idem, p. 236.
(246) Idem, p. 236.
(247) Idem, p. 236.
(248) Idem, p. 236.
(249) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 75, fls. 1-71.
86
religioso quem os tiver" (250), bem como uma importante deliberação tomada no Capítulo
Geral de 1595: que os cristãos-novos e os mancebos de origem moura fossem impedidos
de ingressar nos conventos da Congregação e, caso alguém nestas circunstâncias o
fizesse, uma vez descoberto seria imediatamente expulso (251). Pela sua importância, aqui
se transcreve um dos referidos termos de ingresso, datado de 11 de Outubro de 1649:
"Aos onze dias do mes de Outubro do ano de mil e seis centos e
quarenta e 9 annos as tres horas da tarde depois do meo dia
estando eu Antonio de Faria filho, legitimo de Antonio Francisco e
de Maria de Faria moradores em a villa de Torres Vedras na cella
do muito reverendo padre Manoel da Consolação reitor deste
convento de Villar de Frades para me lançar o habito de noviço
desta sagrada Congregação de São João Evangelista por elle me foi
lido o Capitolo desaseis das Constituições da dita Congregação em
que se declarão os empedimentos que há para não poder ser
religioso quem os tiver, dos quais devem estar livres, os que
receberem o abito da dita Congregação, e a pena a que estão
sogeitos de serem lançados do dito habito tendo alguns delles, ou
seija e assi no anno de noviciado, ou em outro qual quer depois de
irmão, mais me leo o mandado do Capitolo Geral feito no anno de
mil, e quinhentos e noventa e sinco, o qual dispoem que toda a
pessoa que tiver raça alguma de christão novo, ou de mouro, e
receber o dito habito, seja logo lançado fora da Congregação em
qual quer tempo que se souber, e perguntando-me o muito
reverendo padre reitor se me obrigava as ditas Constituiçois, e
mandado de Capitolos respondi, que si, e com estas condiçois
queria receber o abito e lhe pedi com muita humildade mo lançasse
para nesta sagrada Congregação servir a Deus, tendo proposito
firme de preserverar nela, ao que estiverão prezentes os reverendos
padres reitor e vise reitor e mais padres abaixo asinados. era vista
(250) Idem, fl. 24.
(251) Idem, fl. 24.
87
supra. Antonio de Faria, Francisco dos Santos, Jeronimo da Graça
vice-reitor, Manuel da Consolação reitor. Francisco da Purificação
escrivão da comunidade" (252).
Uma vez aceitos num dos convento da Congregação, os noviços haviam de
permanecer em período probatório, na estrita condição de seculares, por forma a ser-lhe
observado o comportamento e as aptidões - "o genio, e o talento" (253) -, para a vida de
recolhimento.
Passada esta fase preliminar, e caso o comportamento fosse irrepreensível, o reitor
propunha aos restantes membros do convento a aceitação do candidato, operação "que se
faz por escrutinio" (254), vindo a culminar num simples mas significativo ritual de
iniciação e na entrega do mancebo às mãos do mestre dos noviços:
"Passados estes dias, que chamão de approvação, o propõem o
Reytor, para que os Conegos votem, & determinem se ha de ser
aceito, ou exluìdo, o que se faz por escrutinio com feijões brancos,
& negros, & levando a mayor parte dos primeiros, o vestem de
pardo [em memoria do habito desta cor, que os nossos primeiros
Fundadores usárão nos principios da Congregação] & murça azul,
& o entregão ao Mestre, que tem nelle poder como o Reytor" (255).
4.2.2. DO NOVICIADO AO SACERDÓCIO
Vencido o desafio experimental, o iniciado deveria permanecer na condição de noviço
durante um período de dois anos.
Nesta fase, era suposto que zelasse pelo cumprimento das suas atribuições, entre as
quais destacamos: a frequência obrigatória do coro; um desempenho impecável nos
(251) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 75, fl. 24.
(253) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 385.
(254) Idem, Ibidem.
(255) Idem, Ibidem.
88
ofícios divinos, sobretudo nos de "mayor humildade, & trabalho" (256), quer fosse na
sacristia, quer fosse no refeitório e nas tarefas de limpeza da casa (257). Devia ainda
"servir aos velhos, & particularmente aos enfermos" (258).
Caso o jovem cometesse alguns erros ou faltas, era punido com as chamadas
disciplinas - "rigorosos castigos, como são disciplinas", que incluíam "comer em terra,
beijar os pés aos Conegos, & outros semelhantes, de que usamos" (259).
Vencidos os dois anos de noviciado, o jovem entrava em clausura até perfazer quatro
anos de vida religiosa, altura em que é admitido a "Ordens Sacras" (260).
Finalmente, aos seis anos de hábito sorria-lhe o estatuto de sacerdote, mas só
alcançava o direito de eleger ou ser eleito em Capítulo aos onze anos completos de vida
conventual (261).
4.2.3. AS NOVE CASAS DA CONGREGAÇÃO
Entre 1425 e 1631, os cónegos seculares de São João Evangelista implantam no
território nacional 9 casas, entre as quais um colégio na cidade de Coimbra.
OS NOVE INSTITUTOS DA CONGREGAÇÃO DOS CÓNEGOS SECULARES DE
SÃO JOÃO EVANGELISTA (262)
DATA DA
FUNDAÇÃO
LOCALIZAÇÃO
INVOCAÇÃO INICIAL (263)
(256) Idem, p. 237.
(257) Idem, p. 237.
(258) Idem, p. 237.
(259) Idem, p. 237.
(260) Idem, p. 237.
(261) Idem, p. 237.
(262) CASTRO, João Baptista de - Mappa de Portugal, Tomo III, Lisboa, p. 150.
89
1425 Vilar de Frades São Salvador
1455 Xabregas São Bento
1484 Lisboa Santo Elói
1485 Évora S. João Evangelista
1491 Porto N. Sr.ª da Consolação
1527 Arraiolos N. Sr.ª da Assunção
1560 Vila da Feira Espírito Santo
1596 Lamego Santa Cruz de Vale de Rei
1631 Coimbra S. João Evangelista
A nível nacional, em 1658, havia cerca de 260 religiosos, distribuídos pelas nove casas
da Congregação.
DISTRIBUIÇÃO DOS RELIGIOSOS PELAS NOVE CASAS DA
CONGREGAÇÃO DE S. JOÃO EVANGELISTA - LÓIOS, EM 1658 (264)
INSTITUTO RELIGIOSO
NÚMERO DE CÓNEGOS
S. João Evangelista – Xabregas 35
S. João Evangelista - Vilar de Frades (Barcelos) 55
Santa Cruz de Vale de Rei – Lamego 17
Santo Elói – Lisboa 53
S. João Evangelista – Évora 26
Santo Elói - Porto 35
Nossa Senhora da Assunção – Arraiolos 13
S. João Evangelista - Vila da Feira 10
Colégio de Coimbra 16
(263) Obviamente, as casas da Congregação, embora mantenham a invocação tradicional ou da sua
fundação, têm como patrono comum S. João Evangelista.
(264) A.D.B. - Ms. 924.
90
TOTAL 260
Finalmente, apresentamos a relação dos padres reitores que governaram o convento de
Vilar de Frades, desde a fundação da Congregação, em 1425, até à sua extinção, em 1834.
LISTA DOS REITORES DO CONVENTO DE VILAR DE FRADES (265), DESDE
AS ORIGENS DA CONGREGAÇÃO DOS CÓNEGOS SECULARES DE SÃO JOÃO
EVANGELISTA ATÉ À SUA EXTINÇÃO, 1425-1834 (266)
NOME CRONOLOGIA
João Vicente 1425-1430
Rodrigo Amado 1431-1433
João de Arruda 1434-1439
Martim Afonso 1440-1442
João Rodrigues 1443
Martim Pais 1444-1445
Vasco Gonçalves 1446-1448
João de Arruda 1449-1451
(265) Encontra-se publicada a lista dos padres reitores, relativamente a 1425-1500 por MARQUES, José
- A arquidiocese de Braga no século XV, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1988, pp. 859-860.
Em 1991 foi a vez de Maria do Carmo Henriques de Lancastre tornar público um catálogo mais
completo (1425-1658), in "Barcelos-Revista", Nº 2 - série II, Edição da Câmara Municipal de Barcelos,
1991, pp. 179-181.
(266) A.D.B. - Ms. 924, fls. 368 e 773-778.
A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 78, doc. 82
A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 79, docs. 120-121, 132 e 140-141.
A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 80, docs. 165-169, 170 e 177-179.
A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças. Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8.
91
Martim Pais 1452-1454
Álvaro Vaz 1455-1456
Diogo Álvares 1457
Vasco Gonçalves 1458
Diogo Álvares 1459
João da Nazaré 1460-1471
Paulo 1472-1477
Martim Pais 1478-1479
Paulo 1480
Álvaro de Barros 1481-1482
João Vicente 1483-1484
Paulo 1485-1487
Silvestre Linhares 1488-1490
Manuel de Elvas 1491-1493
Fernão da Nazaré 1494-1496
Bento dos Santos 1497
Pero de São Jorge 1498-1500
João de São Vicente 1501-1503
Afonso dos Santos 1504-1505
Pero de São Jorge 1506-1507
João dos Santos 1508-1510
Manuel de Elvas 1511-1513
Luís de São Miguel 1514-1516
Manuel de Elvas 1517-1519
João de Santo António 1520-1522
Manuel de Elvas 1523-1525
João de Santo António 1526-1528
Simão de São Miguel 1529-1530
Pero de São Miguel 1531-1533
Pero de São João o Velho 1534-1536
92
António do Porto 1537-1539
Pero de São João 1540-1542
Cristóvão da Purificação 1543-1545
Gabriel da Conceição 1546-1548
João da Nazaré 1549-1551
Cristóvão da Purificação 1552-1554
Fernão de Santo António 1555-1557
Vicente da Conceição 1558-1559
João de Santa Maria 1560-1562
Diogo da Purificação 1563-1565
Fernão de Santo António 1566-1568
João de Santa Maria 1569-1571
Gaspar de Cristo Baião 1572-1574
Pero de São João 1575-1577
António do Espírito Santo 1578-1580
Álvaro de Santa Maria 1581-1583
Jerónimo da Cruz 1584-1586
Manuel Baptista 1587-1588
Gaspar dos Anjos do Porto 1589-1591
António do Espírito Santo Cines 1592-1594
Baltazar de Cristo Sodré 1595-1597
Francisco da Madre de Deus 1598-1600
Baltazar de Cristo Sodré 1601-1603
Jerónimo da Assunção 1604-1606
Baltazar da Anunciação 1607-1609
Manuel da Cruz 1610-1611
António de São Bento 1612-1614
Simão de Santa Maria 1615-1617
António da Ascensão 1618-1620
Pero da Conceição 1621-1623
93
João de São Paulo 1624-1629
Filipe da Ressurreição 1630
Manuel Gaspar dos Anjos 1631-1632
Gabriel da Anunciação 1633-1635
Manuel da Anunciação 1636-1638
Bernardo de Cristo 1639-1647
Manuel 1648-1649
Francisco das Chagas 1650-1652
Sebastião da Madre de Deus 1653-1655
António da Ressurreição Vilela 1656-1658
Manuel de São José 1659-1661
António de São Jerónimo 1662-1664
João da Cruz 1665-1667
José de Santa Maria 1668-1670
Cristóvão do Espírito Santo 1671-1672
Francisco da Conceição 1673
António da Conceição 1674-1676
José dos Anjos 1677-1679
Diogo dos Anjos 1680-1682
Bernardo da Madre de Deus 1683-1685
Diogo do Espírito Santo 1686-1688
Francisco dos Santos 1689-1691
Luís da Anunciação 1692-1694
Nuno da Madre de Deus 1695-1697
Jerónimo de Santa Maria 1698-1700
Ambrósio de Santo Agostinho 1701-1703
Manuel de Santa Maria 1704-1708
Luís das Chagas 1709-1711
João da Graça 1712-1714
Inácio de Santo António 1715-1717
94
António da Conceição 1718-1720
José de São Francisco 1721-1723
João da Madre de Deus 1724-1726
Martinho dos Anjos 1727-1729
Lourenço da Anunciação 1730-1732
Lourenço da Graça 1733-1736
José da Purificação 1737-1739
Luís do Espírito Santo 1740-1742
Bento da Expectação 1743-1745
José da Purificação 1746
Lourenço da Graça 1747-1748
José de Santa Maria Lancastre 1749-1751
Francisco de Santa Maria 1752-1754
Francisco de São Bernardo 1755-1758
António dos Querubins 1759-1766
Álvaro da Conceição Trindade 1767
Miguel de São José Pinto 1768-1771
Vitorino de São Carlos da Silveira 1772-1776
Domingos de São José Machado 1777-1780
José de São Bernardo de Brito 1781-1783
Domingos de São Luís Pinto 1784-1786
Manuel de São Bento Carneiro 1787-1789
Joaquim Lopes da Costa 1790-1792
Feliciano da Conceição Barbosa 1793-1794
António Caetano de Meneses 1795
Manuel de São Tiago e Silva 1796-1797
Joaquim Lopes da Costa 1798-1800
Manuel Ribeiro de Brito 1801-1803
Martinho José de Almeida 1804-1805
Joaquim de São Paio 1806
95
José do Nascimento Guedes Pinto 1807-1809(?)
Joaquim Feliciano de Abreu 1810-1813
José Álvares Pinto 1814-1816
Martinho Xavier de Sousa Barros 1817-1819
Manuel Luís Soares de Amorim 1820-1822
Francisco Pereira Marinho 1823-1825
João de Sousa Vieira de Brito 1826-1827
José Duarte Coelho de Amorim 1828-1831
Manuel Joaquim Delgado Álvares 1832-1834
Aquando da extinção das Ordens Religiosas, em 1834, de acordo com o termo "feito
pelo escrivão Domingos José de Faria", viviam no convento apenas 20 religiosos, pois é
natural que o rescaldo político gerado pela guerra civil que opôs miguelistas e liberais
tivesse provocado a debandada.
RELAÇÃO DOS CÓNEGOS LÓIOS EXISTENTES NO CONVENTO DE VILAR
DE FRADES - EM 1834 (267)
Manuel Joaquim Delgado Alves - reitor
Manuel Cenáculo de Sousa Coelho - vice-reitor
António Teixeira de Campos
António Rodrigues Alves
António Manuel de Barros
Martinho Xavier de Sousa Barros
Jerónimo Maria de São Luís
Manuel Falcão de Magalhães
(267) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 2345, fl. 8v..
Cf. Apêndice Documental, doc. XXXII.
96
José Vitorino Salgado
José António Vieira da Mota Gomes
António da Conceição e Azevedo
Joaquim José de Sousa Marinho
Bento José Pereira de Macedo
António Teixeira Guimarães Rola Lobo
Manuel José da Silva Peixoto
António Bernardo Ribeiro
António José Pereira de Azevedo Lobo
José Leite Pereira da Costa
Manuel Martins Pinto
Francisco Joaquim Barbosa
Nos finais do século XIX, um abade barcelense de nome José Rosa, deixou-nos o
seguinte apontamento acerca dos nossos cónegos:
"Estes Conegos de Villar, contavam os velhos, ostentavam mais
fausto e apparato na sua collegial ou collegiada que os Conegos da
metropole bracharense, nas grandes solemnidades, nos seus Te-
Deums, desciam todos á capella-mór, onde cada um, na sua
respectiva cadeira coral, assistia com tocha na mão, cobrindo
riquissima capa d'asperges ou pluvial, que para todos as havia e de
sobra! Depois da sua expulsão, creio, que alguma das suas ricas
alfaias e paramentos foram cedidas à confraria do Bom Jesus da
Cruz" (268).
97
CAPÍTULO II
A IGREJA E O CONVENTO DO SÉCULO XVI
(268) José Rosa, in Jornal "O Comércio de Barcelos", Ano X, nº 510, 10 de Dezembro de 1899.
98
1. AS OBRAS NA IGREJA
1.1. A CAPELA-MOR E O TRANSEPTO MANUELINOS
A igreja do antigo convento de Vilar de Frades, implantada na área da primitiva
construção românica e beneditina (269), surgiu da vontade dos padres evangelistas dos
inícios de quinhentos e do mecenato de D. Diogo de Sousa, arcebispo de Braga em 1505-
1532, que financiou as obras da capela-mor e do cruzeiro (270).
Duas parentes deste prelado, Dona Leonor de Lemos e Dona Teresa de Mendonça
terão, por seu lado, patrocinado os braços do transepto (271).
Quanto ao corpo quinhentista, mais consoante as posses dos religiosos e por isso
desajustado do conjunto manuelino, estava em ruína em 1620 (272) acabando por ser
(269) Aquilo que resta do portal românico, localizado na zona sul da fachada, no entender do cónego
Aguiar Barreiros "assentaria melhor em frente da porta principal, semelhando o antigo nartex, e onde,
presumivelmente, esteve antes da reconstrução do frontespício" - BARREIROS, Manuel de Aguiar - A
Egreja de Villar de Frades, Porto, Ed. Marques Abreu, 1919, p. 6.
(270) A.D.B. - Ms. 924, fl. 350 e 356.
A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de São Salvador, Lº 1, Mç. 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25,
fls. 23-24 e 30. (270) A.D.B. - Ms. 924, fl. 350.
A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de São Salvador, Lº 1, Mç. 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25,
fls. 23-24 e 30.
(272) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, Lº 24, fl. 127v..
99
substituído pelo actual (273), mais espaçoso e belo, em correspondência com as
necessidades da liturgia na Época Moderna.
A traça desta igreja "erudita" tem sido atribuída a João de Castilho ou à sua escola
(274) a partir da análise formal e estilística do conjunto dito manuelino: a capela-mor e o
transepto, o pórtico axial e a nave (275).
Todavia, a descoberta do manuscrito de 1658 gerou dúvidas sobre esta atribuição (276),
pois o seu autor nunca refere o nome do famoso arquitecto biscainho (que muito
trabalhou, sem dúvida, em Portugal) e dá a autoria do projecto ao mestre pedreiro João
Lopes, residente na vila de Guimarães (277).
A figura de D. Diogo de Sousa aparece como o protagonista principal, enquanto
financiador da capela-mor e do cruzeiro.
(273) Erguido cerca de 1620-1640, uma obra iniciada nos começos do mandato reitoral de Pero da
Conceição (1621-1623), conforme o "Epílogo e Compêndio..." de Jorge de S. Paulo - A.D.B. - Ms. 924,
fls. 357 e 363.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - A Igreja do Convento de Vilar de Frades
segundo as Memórias do Padre Jorge de São Paulo (1658), Separata da Barcelos Revista, Nº 2 - série II,
Barcelos, Ed. de C.M.B., 1991, p. 186.
(274) DIAS, Pedro - A Arquitectura de Coimbra na transição do Gótico para a Renascença. 1490-1540,
Coimbra, 1982, p. 377; O Manuelino - in "História da Arte em Portugal", Vol. V, Lisboa, Publ. Alfa,
1986, p. 69.
(275) Chamamos, desde já a atenção para o facto da abóbada da nave não ser do período manuelino, mas
do filipino (construída nas décadas de 1620 e 1630), embora venha a respeitar as características da
cobertura da capela-mor, erguida mais de um século antes, na primeira fase do reinado do Venturoso.
O sucesso dos descobrimentos portugueses, com importantes consequências no plano económico e
na expansão imperialista europeia, abrilhantou a figura de D. Manuel (pelas novas condições socio-
económicas e pelos programas construtivos ao nível arquitectónico, então implementados), de tal maneira
que virá, séculos mais tarde (em 1800), a dar o seu nome ao estilo que, durante o seu reinado, se espalhou
um pouco por todo o território nacional e até ultramarino. Trata-se de "um estilo decorativo surgido em
Portugal no início do século XVI, durante o reinado de D. Manuel e que atingiu o seu apogeu nesta época,
caracterizando-se, fundamentalmente, pelo exagero no emprego de motivos naturalistas que já vinham
sendo utilizados no gótico flamejante, e pela transformação de tradicionais elementos da estrutura dos
edifícios - colunas, colunelos, vergas, arcos de descarga, nervuras das abóbadas, mísulas, chaves, bases de
colunas e pilares, fustes, capitéis, impostas, platibandas, grades, pináculos, etc. - em formas arrancadas à
natureza ou fantasiadas a partir dela. A concepção do espaço é sempre, e ainda, gótica" - Dias, Pedro - A
Arquitectura de Coimbra na transição do Gótico para a Renascença. 1490-1540, Coimbra, 1982, p. 356.
(276) Depois de admitir que D. Diogo de Sousa "encomendou o projecto da igreja de Vilar de Frades a
João Lopes de Guimarães", Lancastre, ao reflectir sobre a presença de João de Castilho no nosso país e
das suas responsabilidades nas obras da Sé de Braga e na igreja de S. João Baptista de Vila do Conde,
questiona: "não será que João Lopes tenha sido colaborador deste grande artista ou tratar-se-á de outro
mestre-de-obras ou arquitecto?" - LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 184 e 186.
(277) A.D.B. - Ms. 924, fl. 356.
Para além de Guimarães, este artista também viveu em Lamego, no Porto e em Viana do Castelo -
Cf. FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - As duas Igrejas do Mosteiro de São Bento da Avé-Maria do
Porto, Sep. das Actas do I Congreso Internacional del Monaco Femenino em España, Portugal y America.
1492-1992, s/d., p. 751, nota 36.
Cf. FREITAS, Eugénio de Andrea da Cunha e - O Mosteiro da Serra do Pilar no século XVI - Notas
de História e de Arte, Sep. de O Tripeiro, Porto, 1964, pp. 38-39.
100
Aliás, inicialmente terá mesmo manifestado a vontade de patrocinar a generalidade do
projecto - a pensar no futuro, pois, tinha "tenção deliberada" de ser a capela-mor de Vilar
"sua propria sepultura" (278) -, incluindo "a fabrica da capella mor, cruzeiro e corpo da
igreja [...] e logo encomendou ao famoso architecto e mestre de obras João Loppes de
Guimarães" a execução de "toda a machina de todo o edificio começando pella capella
mor" (279).
Não sem algum exagero, Jorge de S. Paulo categoriza João Lopes de "homem insigne
na architectura e de maior cabedal no reino" (280), tal era o espanto provocado pela beleza
inolvidável do templo e pelo seu sistema de abobadamento.
Volvido quase meio século, em 1697, Francisco de Santa Maria (o novo cronista da
ordem evangelista, que por vezes limita-se a copiar o manuscrito de 1658), não faz
qualquer referência aos nomes do arquitecto e do empreiteiro deste "grande templo",
erguido "a expensas dos nossos conegos, que nelle gastarão grandes sommas de dinheiro,
ainda em tempo que tudo corria mais barato" (281).
Reconhece, no entanto, "a grande divida, e obrigação" para com D. Diogo de Sousa "a
cuja generosidade se déve a fabrica da capella mòr [...] porque concorreo
liberalissimamente para os gastos della" (282).
Quanto à autoria do projecto quinhentista, não nos parece sensato responsabilizar o
mestre pedreiro de Guimarães pela conceptualização e traça de um edifício que se
encontra, sem dúvida, entre as obras de erudição, ainda que não duvidemos do seu
envolvimento na direcção e execução da obra.
(278) A.D.B. - Ms. 924, fl. 356.
(279) Idem, Ibidem.
(280) Idem, Ibidem.
(281) SANTA MARIA, Francisco de - O Ceo Aberto na Terra, Lisboa, 1697, p. 376.
(282) Idem, Ibidem.
Diz este cronista que D. Diogo de Sousa vinha passar inúmeros fins-de-semana a Vilar de Frades,
deslocando-se aos sábados "sem mandar aviso, e trazia dinheiro com que pagava a feria da semana
precedente, e ficava com os nossos conegos, pelo menos ate o Domingo" - SANTA MARIA, Ob. cit., p.
377.
A.D.B. - Ms. 924, fl. 350.
101
Por um lado, o recenseamento das obras de João Lopes não deixa supor que este artista
tivesse a formação ou a experiência bastante para impressionar o arcebispo de Braga e o
reitor de Vilar, ao ponto de o chamarem para a elaboração do risco (283).
Tê-lo-ão seleccionado, sim, mas para arrematar a obra como empreiteiro e na
qualidade de mestre-de-obras, a exemplo do que acontecerá em 1518, em S. Bento da
Avé-Maria, no Porto (284).
Por outro lado, nos "livros antigos" que buscou no cartório do convento, Jorge de S.
Paulo não deverá ter encontrado mais que relações de receitas e despesas; o nome de
quem arrematou e executou as obras; os pagamentos e donativos dos patrocinadores e os
registos das respectivas obrigações de capelas e missas pelas almas destes e de outros
beneméritos que, com dinheiro e bens de raiz, contribuíram para as obras da igreja e para
o enriquecimento do convento.
O cronista não encontrou o projecto nem o seu autor, tão-pouco descobriu,
lamentavelmente, as datas da colocação da primeira pedra e da inauguração do templo
(285).
Acresce que os Lopes de Guimarães tiveram realmente muita importância nas obras de
pedraria de Vilar de Frades (286).
Ora, sempre que os documentos não falavam, ou simplesmente não existiam, é nossa
convicção que o cronista se apoiava nos "irmãos" mais velhos, depositários da tradição,
que por certo lhe contariam histórias ligadas à presença dos artistas, sobretudo dos quase
(283) Matos Reis refere que João Lopes-o-Velho terá iniciado a sua carreira como "ajudante dos mestres
biscainhos que se sucederam na direcção das obras da matriz de Caminha" e, como executante, trabalhou
na Sé de Lamego, no convento de S. Bento da Avé-Maria e no chafariz do Largo de S. Domingos, na
cidade do Porto, no pelourinho dos Arcos de Valdevez, nos chafarizes de Caminha e de Viana do Castelo,
enfim nas obras da Sé do Porto - REIS, António Matos - Lopes - Uma Família de Artistas em Portugal e
na Galiza, in Revista de Guimarães, Vol. XCVI, 1986, pp. 151-155.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., p. 184.
Cf. OLIVEIRA RAMOS, Maria Teresa Calheiros Figueiredo de - A Igreja Manuelina de Vilar de
Frades (do Arquitecto, dos Cronistas e do Monumento), in Revista de Ciências Históricas, Vol. V, Edição
da Universidade Portucalense, Porto, 1990, p. 99.
João Lopes, de Guimarães, terá ainda construído, em Viana: a casa de João Jacome de Luna, na
esquina da Rua do Poço; as capelas de S. Bernardo (de Fernão Brandão) e do Santíssimo Sacramento, na
igreja matriz - FREITAS, Eugénio de Andrea da Cunha e - Ob. cit., p. 39.
(284) Cf. FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - As duas Igrejas do Mosteiro de São Bento da Avé-
Maria do Porto, Sep. das Actas do I Congreso Internacional del Monaco Femenino em España, Portugal y
America. 1492-1992, s/d., pp. 746-748.
Cf. REIS, António Matos - Ob. cit., p. 153.
(285) A.D.B. - Ms. 924, fl. 359.
(286) E não apenas, como veremos, nos começos do século XVI.
102
lendários Lopes, nas obras da "casa", pois é um facto indesmentível que os reitores do
convento recorriam àquela família de artistas para a execução de obras de pedraria (287).
Assim, estamos convencidos de que o autor do projecto da igreja de Vilar pode ter
sido o famoso arquitecto João de Castilho (288).
O projecto poderá datar dos finais da primeira década do século XVI, numa altura em
que Castilho dava fim às obras da cabeceira da Sé de Braga, em 1509 (289) e se preparava
para trabalhar na igreja de S. João Baptista de Vila do Conde, em 1511 (290), podendo o
projecto da igreja de S. Salvador de Vilar de Frades ter sido concebido entre estas duas
datas (291).
(287) Com efeito, João Coelho Lopes, da então vila de Guimarães e mais que provável descendente de
João Lopes-o-Velho assina, em 18 de Fevereiro de 1593, um contrato com os frades lóios de Vilar de
Frades para a realização de obras de arquitectura na área conventual, designadamente o "cabido novo", a
enfermaria, escadaria, portais, cozinha e "as secretas", no corpo a nascente - A.D.B. - Fundo Monástico
Conventual, Lº 24, fls. 207-212v..
Em 1597, era chamado o mestre pedreiro de Guimarães, Gonçalo Lopes, para o assentamento de um
chafariz de mármore que o reitor António dos Anjos havia encomendado em Lisboa e que será inaugurado
no Domingo de Páscoa daquela data - A.D.B. - Ms. 924, fl. 361.
(288) Indispensável a qualquer estudo de História da Arquitectura peninsular da primeira metade de
quinhentos, João de Castilho (1475/80-1552) constitui "um dos exemplos mais impressionantes de rápida
ascensão cultural e social através do exercício da profissão de arquitecto", desenvolveu a sua notável
actividade criadora, depois da terra natal e de Sevilha, em Braga e Vila do Conde, decerto em Vilar de
Frades e Lamego, entre outras localidades nortenhas onde várias obras lhe são atribuídas, depois em
Lisboa, enfim no complexo estaleiro de Tomar e mesmo em terras de além-mar, conquistando, assim, o
lugar de "figura central do Primeiro Renascimento português, com um papel ímpar na história da
arquitectura quinhentista tanto portuguesa quanto peninsular" - MOREIRA, Rafael de Faria Domingues -
A Arquitectura do Renascimento no Sul de Portugal. A Encomenda Régia entre o Moderno e o Romano,
Dissertação de doutoramento apresentada na F.C.S.H.U.N.L., 1991, p. 408.
Natural da região espanhola da Biscaia, filho de Diego Sanches e Micia de Neiva, João de Castilho
virá a casar em Portugal, em Freixo-de-Espada-à-Cinta, com Maria Fernandes Quintanilha. Este arquitecto
de renome, que trabalhou na Catedral de Sevilha, estaciona no nosso país pelo menos a partir de 1509,
altura em que se encontra em Braga "à frente da campanha que estava a reedificar a cabeceira da igreja
catedral, iniciativa que se deveu ao magnífico prelado humanista D. Diogo de Sousa, sendo a sua abóbada
a primeira que se construiu em Portugal com nervuras curvas" - DIAS, Pedro - A Arquitectura de
Coimbra na transição do Gótico para a Renascença. 1490-1540, Coimbra, 1982.
(289) Um documento de 1529, relativo aos presentes de D. Diogo de Sousa ao monarca D. João III -
agora na Biblioteca Nacional da Ajuda e publicado por Rodrigo Vicente de Almeida, em 1883 -, informa-
nos que foi este prelado quem "mandou derribar a capella mor antiga, e fazer esta nova na forma em que
agora está dos alicerces até cima com seu lageamento e degraos de pedraria e vidraças das frestas, a qual
se acabou no ano de 1509. É esta a primeira capella de abobada de combados e aljaroz de pedraria, que se
fez em Portugal até aquelle tempo" - citado por Pedro Dias - A Arquitectura de Coimbra, p. 373.
(290) DIAS, Pedro - O Manuelino, in História da Arte em Portugal, Vol. V, Lisboa, Publ. Alfa, 1986, p.
52.
(291) Com efeito, uma inscrição epigráfica com a data de 1513, documenta a construção da capela de
Nossa Senhora da Piedade (a norte do claustro da Sé) da responsabilidade de D. Diogo de Sousa, "com o
fim de servir-lhe de jazida, bem como aos capitulares", na sequência dos desentendimentos com os
monges de Vilar, em virtude de estes terem mandado colocar no arco cruzeiro as armas da congregação
evangelista e não as dos Sousas - BARREIROS, Manuel de Aguiar - A Catedral de Santa Maria de
Braga, Braga, Edição Sólivros, 1989, p. 80.
103
D. Diogo de Sousa, com a anuência do reitor, ter-lhe-á encomendado o risco, talvez no
momento em que este arquitecto do país vizinho se encontrava, ainda, a dirigir os
trabalhos na Sé bracarense, onde, como é sabido, introduziu no nosso país a chamada
abóbada de combados (292), um sistema inovador no contexto da arquitectura portuguesa
dos inícios da Época Moderna e cujo esquema será logo aplicado em Vilar de Frades.
Como refere o professor Pedro Dias:
"Este tipo de abobadamento, com perfil muito rebaixado e com os
nervos secundários a organizarem-se como flores de grandes
pétalas... só viria a vulgarizar-se na Península muito tardiamente,
sendo raros os que se podem datar, quer em Portugal, quer em
Espanha, de antes de 1520. Para além da novidade técnica, é
indiscutível o seu magnífico efeito estético. Seria sobretudo João de
Castilho o divulgador entre nós desta nova forma de cobrir
edifícios" (293).
A João Lopes coube, indubitavelmente, a empreitada das obras em Vilar de Frades.
Tratava-se, naturalmente, de um artista de relevo que fizera a sua aprendizagem entre
galegos, na matriz de Caminha, vindo a constituir "uma figura importante da arquitectura
do norte de Portugal na primeira metade de quinhentos" (294).
Não vislumbrámos, infelizmente, o contrato que vinculou as partes envolventes nesta
obra do período manuelino. Desconhecemos, igualmente, os "apontamentos", que ao
longo da Época Moderna eram frequentemente dados aos artistas, através dos quais o
cliente explicitava, em pormenor, as condições fixadas por escritura pública.
A.D.B. - Ms. 924, fl. 350.
(292) Cf. DIAS, Pedro - A Arquitectura de Coimbra, p. 373.
Cf. DIAS, Pedro - A Arquitectura Manuelina, p. 70.
(293) DIAS, Pedro - O Manuelino, in História da Arte em Portugal, Vol. V, p. 48.
(294) FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - As duas Igrejas do Mosteiro de São Bento da Avé-Maria
do Porto, Sep. das Actas do I Congreso Internacional del Monacato Femenino em España, Portugal y
America. 1492-1492, Lion, s/d., p. 748.
104
Porém, é-nos possível imaginar algumas das condições contratuais, escritas ou faladas,
a partir de documentos que encontrámos para obras posteriores (295).
Assim, na realização da obra poderão ter-se envolvido quatro entidades distintas. O
reitor do convento, enquanto encomendador; D. Diogo de Sousa e duas sobrinhas, na
qualidade de financiadores; o arquitecto João de Castilho (talvez o autor do risco) e o
mestre pedreiro de Guimarães, João Lopes, como responsável pela execução do projecto.
Os materiais, como o granito, a madeira, a areia, a cal e o saibro devem ter sido
fornecidos pelos cónegos. Os serventes e oficiais diversos, que trabalhavam a tempo
inteiro no convento, deveriam transportar os materiais para junto do estaleiro e colaborar
na execução de algumas tarefas: abrir valas para os alicerces, transportar os materiais para
o estaleiro, guindar pranchas e blocos de pedra, entre outras.
Ao reitor e ao seu convento deveria caber ainda a responsabilidade pelo fornecimento
de certas refeições e o alojamento, sobretudo ao mestre da obra.
Correspondendo aos anseios dos padres de Vilar, que certamente almejavam uma
igreja moderna e famosa, D. Diogo de Sousa deverá ter encomendado a traça de todo o
edifício a João de Castilho entre 1508 e 1511 (296), aquando da presença deste arquitecto
"montanhês" (297) nas obras de Braga, muito antes da sua partida para Lisboa (298) e
Tomar (299).
(295) Designadamente para obras de 1593-1594, entre outras.
A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, Lº 24, fls. 207-212v..
A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, Lº 22, fls. 416-417v..
(296) Segundo o professor Rafael Moreira, encontra-se "rodeada de obscuridade" a primeira fase da
actividade de Castilho em Portugal, "em que diversas obras são-lhe atribuídas (nomeadamente na área de
Barcelos, como os mosteiros de Vilar de Frades e de Palme)", ainda que "sem qualquer base documental"
- MOREIRA, Rafael de Faria Domingues - Ob. cit., p. 436.
(297) O termo biscainho é considerado "demasiado vago", já que era aplicado a todos quantos provinham
das "terras setentrionais espanholas incluídas no antigo senhorio da Biscaia e banhadas pelo Golfo do
mesmo nome, onde a abundância em pedra e em ferro, junto à pobreza de meios de vida, criara núcleos
secularmente dedicados ao trabalho da pedraria". Atendendo às origens de Castilho, "mais correcto será
designá-lo por asturiano ou santanderino, ou, mais precisamente, 'montanhês' ou trasmierano" -
MOREIRA, Rafael de Faria Domingues -, Ob. cit., p. 416.
(298) A partir de 1517, João de Castilho será o responsável pelas obras em Santa Maria de Belém
(Jerónimos) onde, "juntamente com Nicolau Chanterenne, inicia uma caminhada irreversível na
transformação do gosto e da realidade estética nacional" - HORTA CORREIA, José Eduardo -
Arquitectura Portuguesa. Renascimento, Maneirismo, Estilo Chão, Lisboa, Editorial Presença, 1991, p.
31.
(299) A vinda de Castilho para Tomar ocorre num momento em que D. João III ordena uma profunda
reforma na Ordem de Cristo, com plena expressão na arquitectura do convento de Cristo concebido "à
imagem do Hospital Maior de Milão". A tranferência de João de Castilho para Tomar, "com o arranque
105
Quanto aos montantes pecuniários despendidos na execução da obra, (fixados em
prestações semanais, como sugere o cronista?) eram entregues pessoalmente pelo
arcebispo (300) que "vinha aos sabbados fazer a feria, e quando não vinha mandava" (301)
algum seu representante, pelo menos até ao momento em que deparou com "as armas
nossas da Aguia, postas no cruzeiro" (302) e "que ouvera disso tristeza, porque inda que
elle o não mandasse fazer ajudou com as penas da Relação" (303).
Nesta primeira fase, segundo Jorge de S. Paulo, ter-se-ão despendido 3.250.000 reis,
cômputo que deverá respeitar à totalidade das despesas, suportadas quer pelo convento
quer pelo prelado de Braga e suas parentes, "e sempre lançara mais a barra se se
entalhara no cruzeiro o escudo de suas armas" (304).
Porque o arcebispo "desenfreado parou com a obra" (305), a fase seguinte
corresponderá a alterações no projecto, "não mui correspondente à fabrica da capella e
cruzeiro pois não chegavam as posses a mais que as paredes delgadas que sostentassem
hum forro de madeira" (306).
Aparentemente, as obras passaram a ser financiadas pelo convento.
No entanto, as ajudas do arcebispo não se esgotaram ali, pois, como reza o documento,
também D. Diogo de Sousa "fes as vidraças da capella môr, e do choro" (307), dando-nos
assim uma importante pista sobre a data da construção da nave quinhentista, do pórtico
manuelino e do coro: como o arcebispo perece em 1532, foi antes desta data que se
concluíram as principais obras da igreja, vindo posteriormente a ser retomadas aquando
da reconstrução da torre-norte, iniciada em 1540 (308) e da construção da biblioteca, em
1561 (309).
das grandes campanhas de obras joaninas no Convento de Cristo, representa um virar de página de
extrema importância para a arquitectura portuguesa. Aqui se vai desenhar o ciclo final da evolução
estética daquele que, de pedreiro dos Jerónimos, se transformará no primeiro grande arquitecto português
da Renascença" - Idem, Ibidem.
(300) Todavia, não excluimos as responsabilidades financeiras específicas dos padres de Vilar.
(301) A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de São Salvador, Lº 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25, fl. 30v..
(302) Idem, Ibidem.
(303) Idem, Ibidem.
(304) A.D.B. - Ms. 924, fl. 357.
(305) Idem, Ibidem.
(306) Idem, Ibidem.
(307) A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de São Salvador, Lº 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25, fl. 30.
(308) A.D.B. - Ms. 924, fls. 359-360.
(309) Idem, fls. 361-362.
106
As capelas colaterais terão sido financiadas por D. Leonor de Lemos e D. Teresa de
Mendonça, ambas "devotas sobrinhas" do prelado humanista de Braga (310), "às quais
senhoras devemos o grandioso edeficio das suas duas capellas collaterais, e ao Arcebispo
tio a magestoza capella mor e cruzeiro" (311).
Quanto a D. Leonor de Lemos, que patrocinou a capela do lado do Evangelho, a sua
ligação com os cónegos de Vilar de Frades datava, pelo menos, desde a década de 1480,
quando é instituída uma capela de missas (312), desde o tempo do marido Fernão Pereira
Torres de Angeja em que doaram aos padres muita fazenda e a "sua torre velha [...] que
está abaixo da Requinha" (313).
Nesta capela podemos observar o escudo dos Pereiras, no plano circular e axial da
abóbada, uma cruz que por vezes anda associada ao emblema dos Sousas, como acontece
na face exterior da capela-mor de Sé de Braga junto à imagem de Nossa Senhora do Leite.
Por seu turno, D. Teresa de Mendonça, segundo a tradição, terá financiado a edificação
da capela colateral do lado do Epístola:
"Segundo ouvi, quando seu tio arcebispo dava ajuda pera se fazer a
capella mór fez ella a capella do cruzeiro da parte da sanchristia"
(314).
No centro da abóbada desta capela, é visível o brasão dos Sousas em simbiose com a
águia da Congregação evangelista.
Segundo podia ler-se no seu testamento "que esta no cartorio" (315), esta devota
sobrinha de D. Diogo de Sousa instituiu em 1561 "huma capella de missas rezada,
(310) Influenciado pelo humanismo italiano, D. Diogo de Sousa realiza na cidade dos arcebispos uma
vasta obra digna de um grande mecenas: funda os Estudos Públicos, reforma o clero através da sua
formação e instrução, emprende na Sé e na cidade um conjunto de obras notáveis - Cf. COSTA, padre
Avelino de Jesus da - D. Diogo de Sousa. Novo Fundador de Braga e grande Mecenas da Cultura, Sep.
do livro Homenagem à Arquidiocese Primaz nos 900 Anos da Dedicação da Catedral, Braga, 1993.
(311) A.D.B. - Ms. 924, fl. 350.
(312) O documento manuscrito "Lembranças deste Mosteiro de Villar de Frades", escrito no primeiro
quartel do século XVII (trata-se porventura de um esboço do Epilogo e Compendio..., de 1658?), informa-
nos de que a "capella de Dona Lianor" foi instituída em 1481 e que esta devota, depois de viuvar,
entregou ao convento várias propriedades fundiárias, sobretudo "casais", com "encargo da dita missa
rezada de requiem, a segunda feira, na sua capella, onde jax no cruzeiro a mão esquerda, o retabolo fez a
caza" - A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de São Salvador, Lº 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25, fl. 24.
(313) Idem, Ibidem.
107
quotidiana, e missa cantada todos os dias de Nossa Senhora, e dia dos finados, huma
cantada de requiem, com seu responso offertada pellos seus herdeiros" (316).
A instituição de capelas vinculava o devoto ao cumprimento de obrigações que
passavam necessariamente pelo financiamento de obras, incluindo as de manutenção do
espaço sagrado (317). A eventual recusa gerava, no mínimo, uma relação tensa entre o
reitor e o instituinte:
"A sua capella não tinha vidraças, o padre Vicente da Concepção
(318) sendo reitor, lhe mandou dizer (319) que as mandasse fazer, e
ella se escusou, ao que tornou o padre reitor, e lhe respondeo, que
elle as mandaria fazer, mas que lhe havia de por as armas da
religião, ao que ella acodio, e as mandou fazer" (320).
E o nosso informador acrescenta:
"Eu era ajudador do sanchristão, e assim aconteceu o mesmo na
capella de Dona Lianor da outra banda" (321).
(314) Idem, fl. 23.
(315) Idem, fl. 23.
(316) Idem, fl. 23.
(317) Num documento não datado, possivelmente relacionado com os descendentes dos senhores de
Farelães, pode ler-se: "Pergunta-se, se pode o convento de Villar obrigar ao administrador de huma
capella que está na igreja deste convento, a que lhe ponha retabolo, e ornamento, e que o conserve de todo
o necessario. Estas são as palavras do testamento que ella Isabel Anes ajuntava todos os seus bens de rais,
e moveis para fazer huma capella, e que lhe digão em cada somana tres missas em Villar de Frades com
huma cantada no cabo do anno, e todo o mais que os ditos seus cazaes renderem ficarão a seus
administradores por seu trabalho por ter carrego da dita capella. Diz mais o testamento qu os cazaes e
herdades andarão vinte, e se não poderão vender e que andarão em filho macho, e todo o que for
administrador desta capella terá obrigação de comprar sinco mil reis de bens de rais para á capella, e assi
como a capella crecesse, crecessem tambem as missas, mandando dezer mais que as sobreditas. Diz mais
o testamento, que o administrador fará hum altar (?), em quanto se digão as ditas missas com seus
ornamentos que para isso comprarão. Demandara que tudo se cumpra" - A.D.B. - Fundo Monástico
Conventual, L 13, fl. 219.
(318) Reitor do convento nos anos de 1558-1559, conforme o "Catalogo dos Padres Reitores" inserto no
manuscrito de Braga - A.D.B. - Ms. 924, fls. 368-370.
Cf. Lista dos Reitores do Convento de Vilar de Frades..., Capítulo I.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., p. 180.
(319) Trata-se de D. Teresa de Mendonça, parente de D. Diogo de Sousa.
(320) A.N.T.T. -Vilar de Frades, Convento de São Salvador, Lº 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25, fl. 23v..
108
Já no que toca às obrigações dos cónegos, elas começam a diminuir, por imperativo de
determinações superiores, particularmente quando acontecia que o suporte material que
deu origem às referidas capelas - as doações em dinheiro e bens de raiz -, deixavam de
dar lucros.
Assim, e na sequência do Concílio de Trento que impusera a toda a Igreja Católica a
redução das missas das capelas "que não tem rendimento competente" (322), o Capítulo
Geral dos cónegos seculares de São João Evangelista, reunido "em a nossa casa de Evora"
em 1584, ordenou uma visita à capela de D. Teresa de Mendonça, da qual resultou a sua
redução para metade (323). Porém, todas as missas cantadas, ainda por determinação do
mesmo Capítulo, continuaram a celebrar-se (324).
Tratou-se de uma decisão porventura compreensível, mas injusta relativamente à
memória e à alma de D. Teresa de Mendonça que, para além de ter financiado a capela
colateral do lado da Epístola, "deixou a este mosteiro" vários casais (a exemplo do que
fizera D. Leonor de Lemos, entre outros devotos de extracção nobre) e ainda "as cazas
que temos em Braga, no Campo de Sancta Anna" (325).
As obras da igreja quinhentista, que começaram pela capela-mor e se estenderam ao
cruzeiro e às capelas colaterais, viriam a mudar de rumo no momento em que D. Diogo de
Sousa, que tinha "deliberada tenção continuar o corpo da igreja com a mesma magestade
correspondente ao mais edifício" (326) se apercebe de que, afinal, em vez das suas armas,
o reitor de Vilar mandara esculpir:
(321) Idem, Ibidem.
(322) Idem, Ibidem.
(323) Idem, Ibidem. (323)Idem, Ibidem.
(325) Idem, Ibidem.
De salientar que estas casas deveriam precisar de grandes obras na década de 1620, a avaliar pelo
testemunho do "Epilogo e Compendio..." de 1658: "Ainda que não seja obra contigua ao convento,
pertenceo todavia a elle a que o padre reitor João de São Paulo principiou e acabou em a cidade de Braga
des o anno de 1626 ate 1629 que foram humas cazas sitas no Campo de Santa Ana para os padres reitores,
gerais, e conventuaes se agazalharem quando os negocios e correspondencias de vizitas aos senhores
arcebispos obrigarem hirem à dita cidade". Todavia, estas "cazas" deveriam constituir espaços exíguos,
pois, o referido reitor, para responder àquele "intento" - alojar os padres da Ordem, em Braga, sempre que
fosse necessária a deslocação a esta cidade -, "comprou no Campo da Vinha hum assento em que
principiou o edificio que mais parecia collegio de estudantes, que hospicio de religiosos" - A.D.B. - Ms.
924, fl. 365.
(326) Idem, fl. 350.
109
"No frontispicio da capella mor huma aguia, esperando por suas
boas obras serem as suas proprias dos Souzas, confessando seu
sentimento de lhe tirarem ser aquella sua propria sepultura" (327).
Ao observarmos o frontispício do cruzeiro, constatamos a inexistência de quaisquer
armas, sejam as da Congregação evangelista, sejam as dos Sousas, embora umas e outras
se articulem no fecho da abóbada do transepto, lado da Epístola (328).
As armas de D. Diogo de Sousa aparecem duas vezes representadas na abóbada da
capela-mor. Possivelmente pareceu exagerada mais uma pretensão do arcebispo, pelo que
os cónegos reunidos em Capítulo, decidiram-se, aparentemente, pelas armas da
Congregação:
"Mandarão por hum decreto do Capitulo Geral embeber no
frontispicio do cruzeiro hum tarjão com a aguia armas da
Congregação" (329).
Relativamente à ligação dos dois escudos na capela colateral, Maria do Carmo
Lancastre admite ser o motivo "que deu origem ao citado conflito" (330). Pensamos, no
entanto, que pode muito bem este casamento das armas ter constituído uma simples
cedência dos cónegos à patrocinadora, D. Teresa de Mendonça.
Seja como for, desconhecemos as razões e a data de uma eventual retirada da águia do
mencionado frontispício.
Terá a pedra com o símbolo dos lóios cedido o lugar ao tarjão do remate do arco
cruzeiro, aqui colocado para assinalar as obras de pedraria empreendidas na centúria
seguinte e concluídas nos inícios da década de 1640? (331).
(327) Idem, fl. 350.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 183-184.
(328) Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 184 e 193.
(329) A.D.B. - Ms. 924, fl. 350.
(330) Idem, p. 184.
(331) A.D.B. - Ms. 924, fl. 363.
Nesta tarja poder ler-se a seguinte inscrição: "HAEC EST DOMVS DOMINI".
110
A verdade é que as obras deixaram de ser financiadas por D. Diogo de Sousa, o que
provocou alterações no projecto inicial, para se adequar às possibilidades financeiras do
convento.
Todavia, as modificações resultantes da ruptura com o arcebispo foram sobretudo
evidentes no corpo da igreja - nave e capelas laterais -, porquanto o cronista garante-nos
que o pórtico principal, o arco e a abóbada que sustentam o coro respeitaram o "mesmo
toque da fabrica da Sé de Braga de que era author o referido arquitecto João Loppes de
Guimarães" (332).
Aliás, uma certa capacidade financeira dos monges está patente nas obras que
decorrem ao longo do século XVI: para além de inúmeras obras no convento e no
claustro, no pórtico axial e no corpo da igreja, Pero de São João-o-Velho (reitor em 1540-
1542) terá iniciado a obra da "torre grande" (com a reutilização de pedra oriunda de
Manhente e de S. Martinho de Airó) no alçado principal, a norte, que no entanto só se
viria a concluir no fim do século:
"No anno de 1540 o padre Pero de São João o Velho deu principio
à torre grande de pedra de cantaria bem lavrada que mandou vir
do mosteiro de Manhente e de huma torre antiga que estava junto à
quinta de São Martinho em Airó. Despendeo na obra 205.000 réis.
Entrou em reitor o padre Baltazar de Christo Sodré no anno de
1596. Depois de parar 55 annos em que foi continuando com ella no
seu primeiro triénio com despesa de 211.000 réis ate a por no livel
do telhado do choro. Seguiosse o padre Francisco da Madre de Deos
que a aperfeiçoou com suas ameias e por remate huma fermoza
aguia entarjada e embebida no alto da torre para a parte do poente
com custo de 2.000 réis. Despendendo no tecto da torre, e no
emmadeiramento e escadas 387.000 réis. De sorte que se despendeo
em toda a obra 805.000 réis." (333).
(332) A.D.B. - Ms. 924, fl. 357.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., p.184.
(333) A.D.B. - Ms. 924, fls. 359-360.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 188, 203-204.
111
Finalmente, em 1561 será construída uma biblioteca que correrá sobre as capelas
laterais, do lado do Evangelho (334).
Com a cabeceira voltada a nascente, a igreja desenha uma cruz latina de reduzido
transepto, possui uma nave única, ladeada por 5 capelas laterais intercomunicantes, de
cada lado, separadas daquela por grades de madeira: um modelo que se aproxima do tipo
de igreja criptocolateral, em voga a partir de meados de quinhentos (335).
A capela-mor apresenta um espaço rectangular relativamente profundo (336) e uma
volumetria quase monumental, que contrasta com as relativamente modestas dimensões
do transepto, devido à importância e às funções que a cada espaço sagrado são
historicamente reservadas.
Enquanto os reduzidos braços da cruz se destinavam primordialmente a capelas
particulares (337) e à passagem dos religiosos pela porta que, do lado da Epístola,
comunica com a antecâmara (que dá acesso à sacristia, ao claustro e demais aposentos do
convento, todos localizados a sul) e, por isso, exibem volumes e espaços contidos - já a
altura do cruzeiro, compreensivelmente igual à da capela maior, supera a exiguidade deste
rectângulo espacial; a capela-mor é uma caixa pétrea de grandes proporções, um lugar
destinado à revelação dos mistérios fundamentais da fé católica, onde o Santíssimo se
expõe aquando das solenidades e principais actos litúrgicos, onde o cónego-sacerdote,
coadjuvado pelo "ministro", dirige o culto divino:
"O ministro trabalha quanto possivel por ser presente ao vestir do
celebrante e lhe dara o cordão por detras e elle concertara a alva
que vaa decente hum dedo levantada do chão; tomara o missal e
encostara ao peito hem a mão esquerda o sustentara, e na mão
direita tomara as velas e as accendera na sancristia avendo lume, e
vae diante do celebrante passando pelo altar do Sanctissimo
(334) A.D.B. - Ms. 924, fls. 361-362.
(335) Cf. KUBLER, George - A Arquitectura Portuguesa Chã. Entre as Especiarias e os Diamantes.
1521-1706, Lisboa, Ed. Vega, 1988, p.165.
(336) O desnivelamento pouco acentuado deste espaço fulcral veio facilitar a comunicação com a nave,
aspecto que será igualmente seguido pelas nossas igrejas jesuíticas - Cf. MARTINS, Fausto Sanches - A
Arquitectura dos Primeiros Colégios Jesuítas de Portugal: 1542-1759. Cronologia. Artistas. Espaços,
Vol. I, Dissertação de doutoramento apresentada na F.L.U.P., Porto, 1994, p. 965.
112
Sacramento fara genuflexão, e levantando-se em algum altar por
onde passa ou à vista a hostia ou calix estara de giolhos ate que
acabem de levantar.
Chegando ao altar onde o celebrante ade dizer a missa não subira a
elle primeiro, e ao pee do degrao ou tabuleiro fara genuflexão
contra a crus da mão esquerda do sacerdote o qual subindo ao altar
esse ministro pora o livro sobre o coxim do altar da parte da
Epistola e a vella accesa no castiçal, e decendo o degrao ira à porta
do Evangelho por a outra vela e posto se decera este pora de giolhos
com as mãos levantadas e juntas a mão esquerda do sacerdote e
fara com elle a confissão, e ahi estara de giolhos ate o sacerdote se
mudar pera dizer o Evangelho, porque então se levantara e mudara
o livro com o coxim pera a parte do Evangelho e posto se torna
onde estava e ao Evangelho estara em pee com as mãos juntas e
levantadas e acabado o Evangelho avendo Credo, estara de giolhos
e assi estara sempre salvo no tempo que ministra ao sacerdote e
acabando o sacerdote de lavar as mãos se pora detras delle de
giolhos e ahi dira suspiat dominus etc. e querendo o sacerdote
consagrar accendera elle a vella e depois alevantara as pontas da
planeta ao celebrante quando levanta a hostia e calix e no mais lhe
cobrira com ella os pees quando faz genuflexão, e dara hum
instrumento da pax, respondendo - et cum spiritu tuo, e acabando o
celebrante de consumir mudara o livro pera a parte da Epistola e
tornara a porse de giolhos onde estara ate o fim da missa" (338).
De facto, como palco sagrado por excelência, este espaço destina-se à acção dos
padres-actores que ajudam o celebrante nos ofícios da liturgia, que agitam turíbulos para
incensar toda a igreja e que, dispostos no duplo cadeiral do coro baixo, salmodiam, rezam
e cantam.
(337) O braço direito do transepto deve ter sido posteriormente aumentado, por forma a receber o altar do
Santíssimo Sacramento, possivelmente na altura em que cessou o carácter privado deste espaço.
(338) A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de S. Salvador, Lº 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25, fls. 78v.-
79.
113
É o espaço, afinal, onde tudo começa e não tem fim: porque simboliza a cabeça da
cristandade e do Eterno Redentor da humanidade.
Por isso, no centro do altar-mor será colocada a primeira de todas as invocações:
Cristo Senhor Nosso, com o nome de São Salvador!
A pedra utilizada em toda a construção é oriunda de uma pedreira das redondezas,
situada no monte da Penida, "que atravessa esta parochia" de Areias de Vilar, de onde se
extraía um granito de qualidades excepcionais, "o granito melhor d'esta provincia, tão
alvo e fino que parece marmore" (339).
Tratava-se de uma pedra quase branca e macia (340), de semelhanças com o calcário,
mais fácil de lavrar e proporcionando um elevado efeito estético.
De aparelho regular e blocos rectangulares lavrados, nos muros laterais da capela-mor
rasgaram-se seis grandes janelas, simetricamente distribuídas nas suas linhas de
acentuação vertical e austera, em concomitância com a verticalidade e grandeza desta
estrutura tectónica, reforçada na sua função de suporte pela volumetria dos seus seis
potentes contrafortes.
A relação de proporcionalidade estabelecida entre as frestas e os muros obedece a uma
concepção estética classicista (341), mas também determinada historicamente pelas novas
exigências do culto divino: o triunfo da luz moderna contra a escuridão medieval - uma
luminosidade, porém, ainda mística, filtrada pelo colorido dos vitrais, tão importantes
desde a Baixa Idade Média.
(339) PINHO LEAL, Augusto S. de Azevedo Barbosa de - Portugual Antigo e Moderno, Vol. XI, Lisboa,
1886, p. 1229.
(340) Julgamos tratar-se da mesma pedra referida no contrato da obra de pedraria da capela de Nossa
Senhora da Ponte (Barcelinhos) arrematada pelo mestre pedreiro Manuel Miranda, de Vila do Conde.
Assinada a escritura pública a 20 de Junho de 1664 (na presença do tabelião Luís da Silva) relativa
à "obrigação que fez Manuel Miranda de Vila do Conde a obra de Nossa Senhora da Ponte", o mestre
deveria fazer "de pedra he cal com seus cunhais he frontespíssio de pedra fina da de Villar de Frades",
uma obra que deveria concluir-se até Dezembro do mesmo ano e ficar "a contento dos officiais da
confraria de Nossa Senhora e dos senhores vereadores da Camara desta villa" de Barcelos - A.D.B. -
Notarial de Barcelos, Lº 44, fls. 74v.-75.
(341) Pela valorização das estruturas arquitectónicas e a clareza de linhas, numa busca da
monumentalidade contida, sem pôr em causa o equilíbrio e a harmonia e com recurso, como era inevitável
no início do século, a elementos da gramática do estilo manuelino.
114
Ao exaltar a igreja do seu convento como "huma das grandiósas, não só do Reyno, mas
de Hespanha" (342), o cronista não se esquece da "claridade de muitas, bem rasgadas, e
fermosas janelas, com suas vidraças de varias cores, que a fazem summamente alegre, e
aprasivel" (343).
De modo que:
"Ficou o edificio mais lustrozo com as bellas e apparatozas vidraças
de varias cores que bem mostrão na realidade o animo liberal do
seu autor, ficando em perpetua memoria por ostentação de sua
grandeza" (344).
A harmonia e a plasticidade da capela-mor devem-se à claridade do granito, às mísulas
que suportam as nervuras do tecto, ao friso largo que percorre as paredes ao nível da
meia altura das frestas, envolvendo-as na sua robustez curvilínea.
A introdução deste friso resultou feliz: todo o rectângulo foi atravessado por este
apontamento que se salienta dos muros, abraça a parte inferior das mísulas, envolve em
ritmos curvos e de ângulos rectos as janelas perspectivadas e de pseudo-colunelos à
maneira manuelina.
Com partida e chegada do arco da capela-mor, o friso veio quebrar a monotonia das
paredes desnudadas (pictoricamente decorado, tal como as janelas e arcos de todo o
interior, como ainda se pode ver em vestígios), conter os ímpetos da verticalidade que se
adivinharia excessiva. E o conjunto resultou num notável equilíbrio e numa bela
arquitectura, a que as nervuras da abóbada soberanamente presidem.
O sistema de abobadamento, sem dúvida castilhiano, constitui o elemento estrutural da
igreja mais celebrado por todos.
Francisco de Santa Maria recorda que esta magnífica igreja é toda de "abobeda
enlaçada em varios fechos, com rosas, e flores de pedra polida" (345), que fora
admiravelmente lavrada com "engenho, e miudesa" (346).
Por seu lado, Jorge de São Paulo, ao elogiar a capela-mor, afirma:
(342) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 375.
(343) Idem, Ibidem.
(344) A.D.B. - Ms. 924, fl. 356.
(345) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 375.
115
"Ficou tão aprazível e magestosa com a nova traça da arquitectura
da abobeda sostentada em o lineamento da mesma pedra enlaçada
em varios fechos de rozas mui polidas e bem lanzadas [...] avivando-
se toda a obra em seis fermozos botareos pela banda de fora e pello
concavo em seis chapiteis, frizos e cornijas que mais realção a
maravilhoza obra da capella cujo pavimento consta de lagens
quadradas mui polidas e sem lavores" (347).
Ela anunciava, do ponto de vista técnico, uma novidade, devido ao seu rebaixamento e
às nervuras de combados, pelo que causava enorme admiração, mas também receios,
tanto entre os religiosos como junto de artífices, talvez menos experientes, que temiam o
seu desmoronamento:
"Por esta mesma traça e forma se obrou com tal arteficio nas
abobadas collateraes em forma esferica quazi em plano e o livel sem
concavo em que se segurasse os fechos de aquellas duas capelas, que
por sotil e delicada a traça de todo o edificio espanta aos mais
aventejados na arte affirmando ser singular engenho formar na
fantazia huma ideia tão perfeita posta em execução em receo de
executar huma obra que os artifices a temem espantandose como
permaneceo em pe fora dos simplices" (348).
E, com efeito, esta abóbada de "perfil rebaixado" constituía um dos poucos elementos
estruturais que entrava em ruptura com os esquemas da arquitectura religiosa
quatrocentista.
Enquanto espaço e volumetria, a catedral gótica havia rompido com a arquitectura
tradicional ao inventar o sistema ogival, respondendo assim com soluções técnicas às
novas necessidades da práxis religiosa da Baixa Idade Média.
(346) Idem, Ibidem.
(347) A.D.B. - Ms. 924, fl. 356.
(348) Idem, Ibidem.
116
Como refere o professor Pedro Dias, a igreja gótica "não seria mais o refúgio dos
inimigos ou dos temores do quotidiano, mas o palco onde, preferencialmente, se
demarcavam os estratos sociais e, sobretudo a partir do início do séc. XIII, actuavam os
pregadores, pela voz e pelo gesto" (349).
A solução passaria pela criação de amplos espaços unitários e pela abertura de vãos
que permitissem a entrada da luz. Ora, "a iluminação interior e a unificação do espaço foi
tarefa que coube ao gótico e atingiu o seu apogeu com as igrejas-salão abobadadas,
sobretudo na região germânica" (350).
Importada do país vizinho, a abóbada rebaixada que se constrói em Vilar de Frades,
muito provavelmente nos fins da primeira década de quinhentos ou inícios da segunda,
havia sido introduzida em Braga poucos anos antes, sendo devido a esta inovação técnica
que Vergílio Correia distinguiu o "gótico chamejante iberizado" do chamado gótico
flamejante europeu.
O que, "na verdade, corresponde a uma fase muito importante da evolução
arquitectónica peninsular, que haveria de perdurar simultaneamente com a renascença, o
maneirismo e o próprio classicismo" (351).
Por isso, os sistemas de cobertura da nave única e das capelas laterais da igreja de
Vilar de Frades - seiscentistas -, repetem os esquemas da capela-mor e do transepto,
podendo mesmo induzir em erro quanto à sua datação.
Porém, como demonstraremos adiante, a sua construção está minimamente
documentada.
Quatro mísulas incorporadas em cada muro lateral da capela-mor - um encostado ao
respectivo arco da entrada, outro no ângulo com a parede fundeira (352) e os restantes dois
entre as três frestas -, encarregam-se de, em conjunto com os referidos muros e os
(349) DIAS, Pedro - A Arquitectura de Coimbra, p.344.
(350) Porém, "a perfeição, o verdadeiro espaço unitário [...] só se alcançaria com os esquemas
vignolianos" - DIAS, Pedro - Ob. cit., p. 344.
(351) Idem, Ibidem.
(352) Por este muro corria o friso que cingia toda a capela-mor. Porém, foi demolido em 1698, quando os
padres a mandaram acrescentar para nascente para aí se instalar o retábulo-mor, da autoria dos artistas
portuenses António Gomes e Domingos Nunes.
Cf. FERREIRA-ALVES, Natália Marinho - A Arte da Talha no Porto na Época Barroca (Artistas e
Clientela. Materiais e Técnica), Vol. I, Porto, 1989, pp. 124, 126, 128-129.
Cf. BRANDÃO, Domingos de Pinho - Obra de Talha Dourada, Ensamblagem e Pintura na Cidade
e Diocese do Porto. Documentação I, Séculos XV a XVII, Porto, 1984, pp.832-835.
117
contrafortes (três de cada banda, dois dos quais nos cunhais) que sobressaem
exteriormente, receber e suportar o peso de toda a abóbada.
Uma densa rede de nervuras, organizadas em feixes prismáticos, arrancam destas
mísulas que se situam à meia altura da parede e, por ela acima, sobem ao tecto de pedra,
quase plano, em forma de cruzaria e terceletes, dando origem a inúmeros losangos, a
cruzes e a triângulos: fechos centrais e secundários, os primeiros figurando rosas e
emblemas - o brasão do arcebispo D. Diogo de Sousa é representado duas vezes no tecto
da capela-mor -, os segundos lavrados em forma de rosetas, resolvem as ligações desta
teia complexa de nervos e liernes, resultam plasticamente e contribuem para a unificação
da cobertura, concebida pelo módulo da figura rectangular dos seus três tramos e dão
majestade a todo o espaço arquitectónico.
A mesma ideia e a mesma forma foram repetidas no cruzeiro que se ergueu à altura da
abóbada da capela-mor. Aqui, a abóbada é um rectângulo de modestas dimensões,
nervado, com o fecho axial a exibir a cara do sol ou o rosto de Deus, ou ainda, quem sabe,
o sol monástico da Congregação evangelista. Duas mísulas de cada lado, mais comedidas
que as que se encontram espalhadas pela capela-mor e pela nave, situadas à altura do
friso, definem o espaço rectangular cujo enquadramento se deve, por outro lado, ao arco
cruzeiro (com a nascença ao nível do friso, trata-se de uma estrutura de volta inteira de
tripla forma, onde não faltam uma corda e flores esculpidas) e ao arco da capela-mor.
Quanto a este último, muito ligeiramente apontado, é mais vistoso que o da Sé de
Braga: uma junção de três pseudo colunas de base circular e poligonal, ou mistilínea,
prolonga-se na formação deste trilobado arco, com labores escultóricos e pictóricos,
desde a nascença ao topo, buscados ao naturalismo vegetalista.
Todavia, há que salientar que os temas decorativos não se apresentam ainda em
formas excessivas ou barroquizantes (o mesmo não se dirá do pórtico manuelino), tanto
os que percorrem o arco da capela-mor, como os que se agarram aos trios de colunelos
das frestas.
Embora de forma contida, lembram-nos, mesmo assim, o chamado estilo manuelino.
Convém, entretanto, lembrar a familiaridade, quer deste decorativismo arquitectónico,
quer de elementos estruturais como a coluna, o arco abatido e a abóbada, com a
arquitectura que se fazia no norte da Península.
118
Encontramos, por exemplo, o mesmo tipo de ornatos (vegetais, mas não só); as formas
circular e poligonal associadas, o mistilíneo, na organização de cestos de capitéis e em
bases de colunas e colunelos - quantas vezes sem função tectónica! -, em peanhas ou
mísulas, designadamente nos portais e frestas da Catedral de Salamanca, em vestígios
arqueológicos expostos no claustro da Sé de Tui (relativos à intervenção dos fins de
quatrocentos e inícios do século XVI, nesta Catedral), entre inúmeros exemplos que
poderíamos apontar em Portugal e Espanha.
O friso que percorre a capela-mor de Vilar de Frades, bem como as rosetas que
decoram a sua cornija e vários elementos do interior desta igreja, encontram-se
igualmente no embelezamento de diversas zonas na igreja dos Jerónimos, especialmente
no friso das naves laterais e do cruzeiro. O próprio friso é semelhante, bem como o
esquema, sobretudo a parte interior da janela "manuelina", muito em voga, aliás, nos dois
países ibéricos.
Da mesma traça, cinzel e mãos parecem os sistemas de abobadamento do corpo e do
transepto dos Jerónimos (obra confiado ao arquitecto João de Castilho, em 1517) e o
tecto da cabeceira de Vilar de Frades.
Particularmente semelhantes às das capelas colaterais de Vilar de Frades são as
nervuras de combado que se organizam em círculos nos braços do transepto em Santa
Maria de Belém (Jerónimos) e que, neste caso, se repetem no cruzeiro onde sete
circunferências, com os seus respectivos fechos, definem a espacialidade e a volumetria
da abóbada.
Quanto às capelas colaterais de Vilar de Frades, salienta-se uma grande mestria na
organização planimétrica das suas abóbadas, nos limites de uma estrutura quase
quadrangular com arranque de pequenas mísulas ou peanhas de óbvio valor iconográfico
e simbólico (353), situadas ao nível do friso que acabou por se impor e envolver toda a
estrutura interna do templo.
(353) Na configuração das peanhas das capelas colaterais pode observar-se uma temática oriunda dos
reinos vegetal, humano e animal, de valor decorativo mas também simbólico, sobretudo a águia dourada
do falso capitel, lado do Evangelho - tema que simboliza a Ordem de S. João Evangelista e que se
119
De cada canto sai um feixe de cinco nervuras, mas apenas duas se vão cruzar no centro
da composição. Os restantes nervos criam vários rectângulos e um pequeno círculo com
oito fechos de rosas nos ligamentos e a chave axial com a cruz como brasão da família
Pereira (o marido de D. Leonor de Lemos chamava-se Fernão Pereira Torres de Angeja)
que unifica, no seu interior, duas cruzes simétricas e os oito rectângulos delas resultantes.
Isto na cobertura da capela colateral, do lado do Evangelho. Porque a do lado da
Epístola, que se organizou a partir do mesmo esquema básico, complexificou-se no centro
da circunferência: para além de criar diversos triângulos, o artista construiu um quadrado
com os lados em forma bamba, dentro da roda granítica e no seu centro contemplou-nos
com uma bela flor de quatro pétalas, resolvida no fecho com a ligação dos símbolos dos
religiosos Evangelistas e dos Sousas. Para acentuar a sublimidade do efeito estético, a
nervura do círculo foi levemente trabalhada e as chaves abriram-se em formosas rosas de
granito.
Duas frestas rasgadas em cada uma das capelas colaterais, uma semi-esférica e outra
dentro do esquema formal do manuelino, mas sem qualquer apontamento escultórico,
permitiam a entrada da luz coada pelos vitrais que certamente exibiam.
Todavia, a evolução do culto motivou alterações, designadamente a restruturação e
ligeiro alargamento do braço norte do transepto - devido provavelmente ao incremento do
culto ao Santíssimo Sacramento e à escolha deste espaço de capela colateral para a
retábulo dedicado a esta invocação (354).
No lado oposto, os vestígios de uma antiga janela, agora entaipada, atravessada por um
friso que ali se intrometeu, sobre a porta que dá para a antecâmara de acesso à sacristia e
ao claustro, demostram sucessivas intervenções pontuais para as quais não dispomos de
qualquer base documental escrita (355).
evidenciará, compreensivelmente, no tecto de madeira do nartex interior e no remate da torre-norte como
símbolo do poder divino e temporal desta Congregação.
(354) Ao descrever as invocações da igreja de Vilar de Frades, em 1697, o cronista não faz qualquer
referência ao Santíssimo Sacramento e situa o culto a S. Lourenço Justiniano, na capela colateral do lado
do Evangelho, pelo que a remodelação deste espaço sagrado deverá datar do século XVIII.
Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., Lisboa, pp. 375-376.
(355) As últimas alterações neste espaço sagrado verificaram-se na década de 1940, aquando da
intervenção restauracionista dos "Monumentos Nacionais", de que resultou a destruição de inúmeros
espécimes de talha dourada (em Vilar de Frades desapareceram ou estão praticamente apodrecidos
belíssimos exemplares de altares nacionais e joaninos e a quase totalidade das sanefas rocaille) e a
transferência para uma igreja de Lamego de um retábulo de estilo nacional (que ocupava o seu lugar no
cruzeiro - lado da Epístola) - uma obra de 1698-1699, dos mestres entalhadores António Gomes e
Domingos Nunes - A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 763, fls. 89-89v.
120
A cabeceira viu aumentar-lhe o rectângulo para nascente em 1697, para receber,
encostado à nova parede fundeira, o retábulo-mor com a respectiva tribuna (356).
Quase dois séculos separam a capela-mor dos inícios de quinhentos deste acrescento
seiscentista. Por isso, aos potentes contrafortes de quinhentos, correspondem as pilastras
austeras mas aparentemente frágeis dos fins do século XVII ; à cornija côncava e
decorada com diversas rosetas, do período manuelino, opõe-se a forma ligeiramente
convexa (que conta com um estreito friso, lavrado nos mesmos blocos) da cornija do
período maneirista (357).
A segurança da construção quinhentista, exigiu o recurso a contrafortes e a paredes
grossas e austeras. Uma apetência para a monumentalidade está-lhe inscrita na
organização formal de todo o conjunto arquitectónico (358).
Sendo um templo para ser fruído apenas do adro (obviamente defronte ao alçado
principal, voltado a poente) e no interior, os cuidados com os aspectos decorativos ou "os
Segundo um depoimento do actual sacristão, o senhor Manuel, o retábulo de Nossa Senhora das
Dores, que se encontra no lado oposto, esteve igualmente em risco de ser removido daquele lugar para
apodrecer ou ser transferido para localidade incerta (o retábulo desmantelado, do lado da Epístola,
deverá encontrar-se na igreja de Almacave-Lamego), situação que foi evitada pela "resistência" do pároco
de então que muito implorou aos "técnicos dos Monumentos" a manutenção deste altar na igreja pela
falta que fazia ao culto.... "e eles deixaram-no ficar com pena que tiveram do coitado Senhor Abade".
(356) Um retábulo que constará de "coatro colunas salamoniquas duas de cada banda muito bem
emtalhadas com sua porta (?) meninos e passaros e no meio das ditas culunas hum pilar [...] as quais
colunas e pillar asentarao sobre hum banco todo emtalhado na forma que a traça o mostra, sobre as quais
colunas asentarao hum frizo todo emtalhado com seus Serafins na fronteira", uma obra realizada pelos
artistas António Gomes e Domingos Nunes, pelo preço de 500.000 reis - BRANDÃO, Domingos de Pinho
- Ob. cit., pp. 833-835.
(357) Depois dos ecos do protesto de Aguiar Barreiros contra "as pavorosas reformas, ou as consolidações
pretenciosamente restauradoras, dos seculos XVII e XVIII" (BARREIROS, Manuel de Aguiar - A
Portada Romanica de Villar de Frades e o seu Simbolismo, Porto, Ed. Marques Abreu, 1920, p. 12), da
denúncia e comiseração geral relativamente ao estado ruinoso e grave insegurança em que se encontrava a
abóbada manuelina, a Direcção dos Monumentos Nacionais intervém em Vilar de Frades a partir de Junho
de 1941, depois de várias hesitações na década de 1930 - uma intervenção por certo imbuída de uma
"nova" filosofia que se desenvolve "à sombra do estado, guiada pelo dever, engrandecida pelo culto da
Arte e da Tradição, aquecida pela mais viva fé nacionalista" - Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e
Monumentos Nacionais, Nº l, 1935, p. 7.
Com efeito, o arquitecto da Direcção Regional dos Monumentos do Norte escreve a 7 de Junho ao
pároco de Areias de Vilar, a informá-lo de que no dia 12 daquele mês teriam início as obras programadas
para a sua igreja, para as quais haviam sido concedidos 50.000$00, acrescentando: "Aquelas obras terão
início com o apeamento total da abóbada de pedra da capela-mór pelo que o culto terá de ser interrompido
temporariamente naquele local" - A.D.G.E.M.N./D.R.E.M.N. - Vilar de Frades, Pasta I, of. 383.
(358) Mas nem sempre os sucessivos remendos respeitaram o conjunto deste templo magnífico. Certos
acrescentos (tanto na fachada, como no interior e no claustro) denunciam incongruências formais e
inabilidade técnica, por certo soluções de "habilidosos" pedreiros, jamais trabalho de arquitectos.
121
efeitos especiais" focalizaram-se na estrutura da fachada, sobretudo no pórtico axial e em
todo o interior, da base ao topo.
Daí que as janelas da capela-mor (porque viradas para as traseiras do edifício) se
apresentem austeras, sobretudo na parte exterior, exibindo um leve apontamento
iconográfico vegetalista nos pseudo-capitéis e os arcos que se insinuam são falsos, de
valor essencialmente arquitectónico.
1.2. DA POBREZA DO CORPO QUINHENTISTA À MAJESTADE DA PORTADA
MANUELINA.
Como o corpo da igreja não contou com o mecenato de D. Diogo de Sousa, os padres
optaram por alterar sensivelmente o projecto inicial, "pois não chegavam as posses" para
completar o templo "correspondente à fabrica da capella e cruzeiro" (359), embora a
planta não viesse a ser grandemente modificada. Acrescenta o cronista a advertência dos
"irmãos", de que "a portada da igreja, arco e abobada para fundamento do choro fosse
obra superior e do mesmo toque da fabrica da Sé de Braga" (360).
Esta segunda fase das obras - construção da nave, pórtico central e a infra-estrutura
para o funcionamento do coro -, terá orçado em cerca de 930 mil reis (361) e deveria estar
concluída antes de 1532, pois, o prelado bracarense ainda custeou as "vidraças" do coro.
Como responsável pela sua execução, deve ter sido e sempre João Lopes, o Velho ou
outro Lopes da mesma família (362).
(359) A.D.B. - Ms. 924, fl. 357.
(360) Idem, Ibidem.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo H. de - Ob. cit., pp. 184 e 200.
Cf. OLIVEIRA RAMOS, Maria Teresa Calheiros F. de - Ob. cit., p.101.
(361) Idem, Ibidem.
(362) Com efeito, não havia motivos para os padres de Vilar chamarem outro mestre e outros artistas, já
que o conflito entre os monges e D. Diogo de Sousa, aparentemente, não teve outras consequências que a
adaptação do projecto às possibilidades financeiras do convento, limitada, aliás, à estrutura do corpo;
122
Em relação a este corpo do século XVI (de cujos vestígios talvez só possamos salientar
o muro setentrional, irregular, com quatro das cinco frestas entaipadas), podemos
imaginar uma estrutura rectangular, de recorte não muito distante do traçado seiscentista e
que ainda existe: uma nave ampla e única, ladeada por cinco capelas de cada banda,
intercomunicantes, a fazer lembrar o esquema europeizado de "igreja-salão" (363).
Tratava-se de uma estrutura frágil, do ponto de vista tectónico, já que as posses dos
padres não davam para "mais que as paredes delgadas que sostentassem hum forro de
madeira" (364).
Ora, cobrir uma nave cujas dimensões não estariam muito longínquas das actuais, sem
o recurso a contrafortes, não nos parece que tenha sido obra fácil, tanto mais que a
espessura dos muros era modesta, não podia oferecer a robustez nem a resistência
exigível para suportar através dos séculos um poderoso travejamento e o respectivo forro.
Por isso, todo o corpo será remodelado, um século depois (365).
Uma vez erguido o corporal, tecnicamente pobre e dentro do esquema tradicional das
naves com cobertura de madeira, era necessário construir a portada principal do templo e
a infra-estrutura para a instalação do coro. De novo, as obras estarão a cargo de João
Lopes, da vila de Guimarães, a quem o cronista volta a atribuir a autoria da traça (366).
Tal como aconteceu para a capela-mor e o transepto, não dispomos de documentação
assaz segura para datar com rigor esta "obra superior" conforme com o estilo manuelino,
decorativamente mais exuberante que o enxerto do mesmo estilo, casado com o
românico, no pórtico axial da Sé bracarense.
porquanto a entrada principal, o arco e a abóbada "para fundamento do choro" haviam de seguir o mesmo
esquema estilístico da cabeceira, uma "obra superior e do mesmo toque da fabrica da Sé de Braga de que
era author o referido arquitecto João Lopes de Guimarães" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 357-358.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 184 e 190.
(363) Ainda que os tectos de madeira destas capelas fossem, tal como hoje os de pedra, muito mais baixos
que os da nave, esta, por si só, apresenta-se como um enorme salão do culto religioso.
(364) A.D.B. - Ms. 924, fls. 357-358.
(365) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, Lº 24, fls. 127v.-128.
A.D.B. - Ms. 924, fl. 375.
A.N.T.T. - Lº 1, Mç. 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25, fl. 13v..
(366) A.D.B. - Ms. 924, fl. 357.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 184 e 200.
123
Socorrendo-nos de novo da crónica do padre mestre Jorge de São Paulo, será legítimo
suspeitarmos de que, por volta de 1523 (367), já toda esta obra estaria concluída, pois a
partir desta data as obras que se vão realizando são em geral referenciadas (368).
É, com efeito, a partir de 1523 que nos surgem inúmeras obras descritas nas memórias
do padre Jorge de S. Paulo, relacionadas com o convento e seu "circuito" (369), com a
torre do lado norte (370), com a instalação de uma biblioteca sobre as capelas laterais
deste mesmo lado (371) e, logicamente, respeitantes ao embelezamento e ao culto no
interior da igreja.
Assim, do mesmo modo que defendemos a data de 1508-1513 para a edificação da
capela-mor e do transepto, estamos convictos de que o corpo da igreja, o portal e o nartex
quinhentistas terão sido construídos em 1513-1523.
Advertimos, no entanto, que até ao momento (e para todo o sempre?), não estamos em
condições de o provar documentalmente.
A organização espacial e a volumetria do corpo quinhentista diferiam, naturalmente,
daquele que será concebido nos anos 20 e 30 de seiscentos (talvez o mesmo, ou herdeiro,
do traçado castilhiano), onde será introduzido um imponente sistema de abobadamento.
Poder-se-ia pensar numa nave única mais estreita e em capelas laterais mais profundas,
pois deste modo era mais fácil às "paredes delgadas" exercerem a sua função tectónica:
segurar o tecto de madeira e o telhado de duas águas.
No entanto, as dimensões do arco que ajuda a sustentar o coro e a permanência de uma
coluna (que deve ter funcionado como suporte do coro quinhentista) embutida na parede,
do lado do Evangelho, fazem crer que, tal como hoje, as capelas poderiam organizar-se a
partir deste ou de um arco semelhante, cujo alinhamento vai ao encontro do arco cruzeiro
(367) Nesta data, já os monges procediam a obras na zona conventual. Com efeito, "o dormitorio do
poente cujas janellas cahem sobre o terreiro dos Cabedaes fes o padre reitor Manuel de Elvas no anno de
1523 que devia custar 200 mil reis" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 362.
(368) Ao noticiar a reforma quinhentista do convento, o cronista omite (porque desconhece) as datas das
obras das primeiras duas décadas: "deviam os padres estarem mal acomodados por falta de apozentos, e
com officinas, e dormitorios mui limitados des o anno de 1425 ate o de 1525, em que acho a reedificação
de todo o convento e seu circuito" - A.D.B. - Ms. 924, fl, 362.
(369) O que nos parece, desde logo, improvável que os monges procedessem à realização de obras na
zona conventual, sem darem por concluídas as principais obras da igreja.
(370) As obras desta "torre grande", principiadas em 1540, só viriam a concluir-se no século seguinte.
(371) Esta biblioteca "mui fermoza assi no casco, como nos volumes", da responsabilidade do reitor
Fernão de Santo António, que a mandou instalar em 1561, tornar-se-ia famosa pelos livros de religiosos
ilustres ali depositados: do doutor Martim Lourenço, "hum dos nossos primeiros fundadores", do mestre
João da Gama, "eclesiastico illustre que se recolheo neste convento na sua ultima idade, e tambem da
livraria do nosso bispo Dom Francisco de Santa Maria", entre outros - A.D.B. - Ms. 924, fls. 361-362.
124
(372), dando-nos, consequentemente, uma organização espacial próxima da que ainda
existe: um grande rectângulo no centro da composição, ladeado por capelas quase
quadradas.
Não podemos, porém, esquecer que toda a zona do nartex passou certamente por
remodelações, o que revelaria, obviamente, uma espacialidade diversa da que nos é dada
hoje a observar.
Sobre as capelas laterais do lado do Evangelho, cujos tectos de madeira andariam ao
nível da antecâmara da torre que dava acesso ao coro pelo norte, corria uma biblioteca ou
"livraria", uma obra mandada executar pelo reitor Fernão de Santo António, em 1561,
com custo de 270.000 reis, relativo ao "casco, bancos estantes" (373).
Tal biblioteca compreendia um espaço rectangular que se estendia até ao braço direito
do transepto, com ligação ao interior da igreja, por via das quatro frestas rasgadas ao
longo do muro:
"Mui fermoza assi no casco, como nos volumes mais comprida que
larga com sua porta no antechoro da parte do pumar, e por sima
das capellas hia entestar na parede do cruzeiro com quatro janellas
rasgadas e suas grades de ferro" (374).
Seguindo a informação fidedigna de Jorge de S. Paulo (este cronista é contemporâneo
da reconstrução do corpo seiscentista), esta biblioteca foi derrubada em 1630 "para se
lançarem os botareos nas costas da nova igreja" (375).
Sobre as capelas do lado da Epístola poderá ter existido um dormitório, disposto entre
a antecâmara do coro (lado sul) e a capela de D. Teresa de Mendonça.
Embora o cronista lhe chame "galilé", era neste espaço que dormiam os monges
ordenados, até à construção do chamado dormitório "da varanda", em 1572, uma
construção da responsabilidade do reitor Gaspar de Cristo Baião:
(372) Este arco pode ter sofrido uma ligeira adaptação, sobretudo no que respeita à forma já que, embora
acuse o mesmo estilo do arco da capela-mor, este é ligeiramente apontado, enquanto o do cruzeiro se
encurvou, aproximando-se do arco de volta inteira das capelas seiscentistas. (373) A.D.B. - Ms. 924, fl. 362 (374) Idem, fls. 361-362. (375) Idem, fl. 361.
125
"Resta o dormitorio da varanda que obrou o padre Gaspar de
Cristo Baião no anno se 1572 para apozento dos irmãos ordenados,
ficando a galilé junto ao choro livre para os noviços. Custou
150.000 réis" (376).
No que respeita aos vãos do corpo quinhentista, para além da entrada principal e de
duas ou três pequenas portas (duas de ligação às torres, como acontece hoje com uma? e
uma a comunicar com o claustro - chamada porta das procissões), cerca de nove ou dez
frestas (377), uma em cada capela lateral que, em número de cinco de cada banda correm
ao longo de toda a nave (378), lavradas nas paredes exteriores, de aparelho irregular,
toscas e rebocadas.
No registo intermédio, sete modestas janelas com gradeamento de ferro, decerto a
condizer com o que ainda se pode ver nas da capela-mor, ajudavam a iluminar todo o
salão: três na parede do Evangelho, à altura do coro e ao longo da biblioteca e quatro do
lado da Epístola, talvez comunicantes com a galilé-dormitório dos "irmãos ordenados"
que ali pernoitaram até à construção do "dormitório da varanda", em 1572, possivelmente
a oeste (379).
À sobriedade e pobreza deste corpo do primeiro quartel de quinhentos opõe-se a
riqueza e majestade do pórtico principal.
Cinco arcos abatidos, organizados em grupos de três pseudo-colunelos cada, dentro de
uma moldura rectangular orientada por dois troncos de árvores esgalhados e decorativos,
compõem este quadro escultórico da entrada da igreja.
Mais do que o desempenho das funções de suporte da fachada, o pórtico de Vilar de
Frades tem sobretudo um valor decorativo (como, aliás, é corrente na arquitectura
manuelina), com o predomínio das formas arrancadas ao naturalismo vegetalista, na
(376) Idem, fl. 362.
O seu aspecto podia ser mesmo o de uma galilé, com as entradas para as celas pelo primeiro andar
do claustro. (377) No lado norte ainda se vislumbram, entaipadas e escondidas, por detrás dos altares setecentistas.
Quanto ao lado sul, desapareceam com as obras do século XVIII. (378) Rasgadas nos muros exteriores do corpo da igreja, os seus vestígios testemunham a sua
familiaridade com o traçado das que se usavam em Portugal e em Espanha nos inícios de 1500. A sua
simplicidade, de acordo com o "estilo chão" justifica-se pelo facto destas janelas, como aliás as de toda a
igreja não se destinarem à fruição estética dos crentes, mas essencialmente à entrada de luz. (379) Deverá corresponder ao que nos é apresentado por Francisco de Santa Maria: um dormitório "que
fica para o poente, e cahe sobre o terreiro, chamado dos Cabedaes" - SANTA MARIA, Francisco de - Ob.
cit., p. 384.
126
expressão de Pedro Dias, professor que reconhece no portal de Vilar de Frades (ao
contrário do que acontece no da Sé de Braga) a introdução de motivos decorativos
renascentistas, por exemplo os "grutescos" (380) misturados com "exuberantes motivos
naturalistas do mais típico manuelino" (381).
Embora não deixe de atribuir o portal manuelino de Vilar de Frades a João de Castilho
ou alguém muito próximo da sua escola, "um dos homens que com ele tivesse trabalhado
nas suas empreitadas minhotas" (382), Pedro Dias salienta as aparentes dificuldades
técnicas ao nível da sua execução, pelo "tratamento de intercolúnio renascentista", que "é
demonstrativo, pelo seu talhe, de um recém-chegado à prática daquela arte" (383).
É que, embora o cronista nos queira convencer de que também o pórtico e o nartex
foram obra do "architecto" João Lopes, a verdade é que este mestre de Guimarães tinha
outras obras a exigir a sua presença (384) e, por isso, se também esta empreitada lhe foi
entrega (e não temos motivos para o pôr em causa), pode ter confiado a sua execução a
algum membro da família ou ter associado a si algum outro mestre que, todavia, não
possuiria a sua experiência.
As obras posteriores, que alteraram sensivelmente o traçado de quinhentos, vieram dar
uma nova fisionomia ao alçado principal, criando um nartex exterior (385) na zona do
pórtico axial, defeituosamente construído ou sujeito a sucessivas modificações na sua
estrutura inicial.
Estamos pois de acordo com Teresa Oliveira Ramos quando sustenta que o portal
manuelino de Vilar de Frades "estaria sobre a fachada e não no interior de um átrio" (386).
Para além do seu remate poder ser ligeiramente diferente, "com outro aspecto... que falta
(380) Encontramos três cabeças de anjo em cada um dos insólitos "capitéis" dos troncos lenhosos,
coroados por uma cabeça de homem - gramática de possível importação italiana veiculada por artistas
espanhóis ou, quem sabe, por algum cónego evangelista que, de terras do Vaticano, trouxera alguma
gravura. Encontramos o princípio da simetria em certos elementos vegetais que, esquemáticos, preenchem
o espaço entre arcos e ajudam a impor um pouco de ordem e clareza num universo ainda barroquizante e
instável do formulário artístico manuelino. (381) DIAS, Pedro - A Arquitectura de Coimbra na transição do Gótico para a Renascença, p. 409. (382) Idem, Ibidem.
João Lopes, de Guimarães, como sugere o padre Jorge de São Paulo, ou algum familiar ou artista
ligado a este mestre nas obras de Vilar? - Cf. Ms. 924, fl. 357 (A.D.B.) (383) DIAS, Pedro - Ob. cit., p. 409. (384) Por exemplo, é sabido que João Lopes trabalha em 1514 nas obras da Sé de Lamego e que, em
1518, se encontra na empreitada do mosteiro de Avé-Maria do Porto. (385) Defeituosamente construído ou sujeito a sucessivas alterações, designadamente nas paredes das
torres, este espaço não dignifica a portada quinhentista e muito menos toda a arquitectura interior dos
séculos XVI e XVII. (386) OLIVEIRA RAMOS, Maria Teresa Calheiros Figueiredo de - Ob. cit., p.105.
127
na parte superior" (387), mais significativa é a existência de um pilar embutido na parede
da nave (do lado do Evangelho) a sugerir uma nave menos desenvolvida.
Consequentemente, a nave do século XVI era de dimensões mais modestas e o coro,
mais pequeno que o actual, estava completamente implantado a partir do pórtico (388).
O pórtico da igreja de Vilar de Frades é o elemento que subsiste mais
caracteristicamente do estilo manuelino (389), quer pelos arcos em sarapanel organizados
sobre conjuntos de colunelos alguns dos quais chanfrados e todos sobre pedestais ou
bases mistilíneas, quer pela exuberância decorativa por vezes simétrica e com recurso aos
temas do reino vegetal e, mais raramente, dos reinos humano e animal.
Misturada na folhagem, a águia dos evangelistas não podia faltar. E, quase escondido
no vegetalismo reinante, um apontamento iconográfico de maior abstracção: dois
triângulos saem dos últimos arcos e um deles rompe axialmente os limites da moldura
rectangular. Do seu vértice emerge uma flor em forma de cruz: trata-se porventura da
Santíssima Trindade, sem limites no espaço e no tempo, coroada pelo sacrifício muito
humano do Redentor da humanidade?
2. AS OBRAS NO CONVENTO
2.1. O CLAUSTRO: SUA ESTRUTURA E FUNCIONALIDADE
(387) Idem, Ibidem. (388) Deveria impor-se a existência de espaços mais amplos, quer da nave, para acolher os fieis de Vilar e
das terras circunvizinhas, quer do coro, para o exercício pleno dos deveres de uma comunidade monástica
em crescimento. (389) Trata-se de um estilo decorativo que, aplicado à nossa arquitectura nos finais do gótico, "teve a sua
origem no choque entre as correntes ornamentais naturalistas europeias e, particularmente, peninsulares,
com a fácies peculiar da sociedade e da cultura portuguesa, num momento em que a febre de construir e
remodelar, fruto de um súbito aumento da riqueza disponível, não encontrou resposta, isto é, não
encontrou técnicos à altura". Seguindo o pensamento de Pedro Dias, "o nível cultural dos encomendantes
não permitiu distinguir o bom do mau, o que tinha qualidade e o que dela carecia, tudo aceitando, desde
que fosse vistoso. As portadas, as janelas, os pelourinhos, os túmulos e as capelas-mores muito decoradas
eram emblemas e a generalidade dos encomendantes estava mais interessada em promover construções
rápidas que em velar pela sua qualidade. O resultado de tudo isto foi a criação de uma corrente decorativa
que cobriu todo o território nacional e que passou além-mar, naturalista, barroca, uma amálgama estranha,
mas pitoresca e vistosa" - DIAS, Pedro, A Arquitectura Manuelina, p. 34.
128
Situado entre a zona residencial e a igreja, o claustro quatrocentista (390) foi
esboroado pelo tempo ou mandado derrubar para dar lugar a uma obra moderna, a partir
de 1555.
Jorge de São Paulo, que calcula o valor da construção em 356.000 reis, refere-se ao
claustro do seguinte modo:
"As varandas e claustro fizerão os dous reitores Antonio do
Espírito Santo e Vicente da Conceição nos seus dous triennios que
começarão no anno de 1555 com suas colunas de marmore lustrado,
e tão polido que parecem alabastros; tem varios portaes em todo o
quadro com seu forro apainelado e huma bem lançada escada que
custou 44.000 réis sendo reitor o padre Manuel da Annunciação no
anno de 1637; e pellos livros antigos me parece custou toda a obra
da claustra e varandas portaes colunas grandes e pequenas 356.000
réis e o padre reitor Gaspar dos Anjos no anno de 1632 achando o
solhado (sic) das varandas dannificado as ladrilhou todas em tijolo
recozido de Lisboa e custo de 180.000 réis: e o lageamento da
claustra mandou fazer o padre reitor Francisco da Madre de Deus
de empreitada por 56.000 réis"( 391).
Na sua descrição, Francisco de Santa Maria defende que "o claustro [que fica entre os
tres primeiros dormitorios, e a igreja] he correspondente em grandesa, e magestade, à
magestade, e grandesa do convento: sostemse [e assim mesmo as varandas] em colunas
de marmore lustroso, e tão polido, que parecem alabastros, tem varios portaes em todo o
quadro, com seu forro apainelado, e sua escada muy bem lançada" (392).
(390) Erguido após 1425, na sequência da entrega do antigo convento beneditino ao fundador da nova
Ordem religiosa, o claustro, tal como a igreja e o convento, seria uma estrutura modesta e frágil,
considerando que "os nossos primeiros padres como tinhão seu trato e modo de viver acapuchado", ou
não possuíam meios financeiros para mais, "tambem derão principio às obras do convento com alguma
lemitação na igreja, claustra, e officinas que mais parecia recoleta de Capuchos de São Francisco do que
de conegos de São João Evangelista" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 356.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., p. 182. (391) A.D.B. - Ms. 924, fls. 360-361. (392) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 384.
129
Ao exaltar a beleza de um chafariz renascentista, mandado construir em Lisboa em
1596, Santa Maria escreve:
"O vão, ou area do claustro he todo de lisonjas de jaspe, e no meyo
se vè hum chafariz de fino marmore, com duas taças de quatro
esguichos cada huma, e a debaixo de vinte palmos em roda,
assentadas sobre pedrestaes da mesma pedra, com seu tanque, e nas
quatro faces, com pedrestaes em fórma de diamantes almofadados,
obra superior, e unica nos conventos de Entre Douro e Minho (393).
O chafariz, cujo paradeiro desconhecemos, foi encomendado em 1596 pelo reitor
Baltazar de Cristo Sodré e a sua inauguração teve lugar em 1597, "em Dia de Ramos pella
menham" (394), com toda a comunidade de Vilar em júbilo, ao integrar a procissão que
então se realiza, com "grande alegria pela novidade do chafariz" (395).
Deveria tratar-se de uma bela peça renascentista (a avaliar pelo testemunho de 1658) -
com um tanque quadrado na base, almofadado e assente num pedestal de "pedra
vermelha", em forma de "diamantes almofadados", é descrito como "hum chafariz
perfeito de marmore polido com duas taças de quatro biquas quada huma com suas
carrancas" (396).
Colocado no centro do claustro por Gonçalo Lopes, de Guimarães, este chafariz veio
ocupar o lugar de uma palmeira, "arvore ordinaria em todas as claustras da Congregação"
(397), para cumprir a sua finalidade estética, concretizada no "regalo dos religiosos" (398),
sem esquecermos a sua função utilitária, já que a água que corria "por alcatruzes de
pedra" era aproveitada para a higiene do convento e a rega das suas hortas (399).
(393) Idem, Ibidem. (394) A.D.B. - Ms. 924, fl. 361. (395) Idem, Ibidem. (396) Idem, Ibidem. (397) Idem, Ibidem. (398) Idem, Ibidem. (399) Idem, Ibidem.
130
Com efeito, depois de subir e descer o chafariz, o precioso líquido seguia por outra
canalização pétrea até à cozinha "pella limpeza della" e, continuando o seu destino, ia
"correndo ao tanque do terreiro dos Cabedaes e dahi ao da horta pera augmento da
hortalisse" (400).
Atente-se na descrição de Jorge de São Paulo:
"Na area da claustra em meio della havia huma fermoza palmeira
arvore ordinaria em todas as claustras da Congregação.
Considerou o padre Sodré seria mais acertado assentar em o lugar
da palmeira hum chafaris para ornato do claustro, e do convento,
regalo dos religiosos e limpeza de toda a caza; de modo que no anno
de 1596 mandou obrar na cidade de Lisboa hum chafaris perfeito
de marmore com duas taças de quatro biquas quada huma com
suas carrancas sobre pedrestaes de pedra vermelha de bom
polimento e bem lavrada com seu tanque de marmore e nas quatro
faces suas almofadas do mesmo toque, e os pedestraes em forma de
diamantes almofadados obra unica nos conventos de Entre Douro e
Minho. Assentousse o chafaris no anno de 1597 em dia de Ramos
pella menham pello mestre Gonçalo Loppes de Guimarães" (401).
Mas o claustro da segunda metade de quinhentos, acabou por sucumbir à vontade
construtiva dos finais do século XVIII, quando Manuel de S. Tiago e Silva (reitor em
1796-1797) "mandou fazer o risco para toda a obra nova da sacristia claustros e frontaria
da igreja" (402).
Última morada de notáveis protectores do convento, o claustro e a igreja cumpriam,
desde a Idade Média, a sua função funerária.
Ao referir as "pessoas illustres que se enterrerão neste convento de Villar", Jorge de
São Paulo esclarece que tais defuntos:
(400) Idem, Ibidem. (401) Idem, Ibidem. (402) Idem, fl. 779.
131
"Escolherão suas sepulturas, huns pella devoção de enterrarem
seus corpos em convento de tantos religiozos entregues
voluntariamente ao serviço de Deus; e outros pellos muitos
suffragios que nelle se fazião pellos defuntos e bemfeitores; porque
a boa opinião dos padres obrigava a huns encomendarense-lhe em
seus testamentos com encargo de missas por suas almas, outros
tomando jazigo em sua igreja, e claustro para serem aceitos por sua
intercessão os suffragios e orações diante da divina magestade"
(403).
Lembra, em primeiro lugar, "os primeiros redeificadores" D. Godinho Viegas, sua
mulher D. Maria Soares e seus descendentes, D. Pedro Salvadores e sua mulher D.
Sancha Martins, isto de acordo com uma memória do padre Miguel da Cruz (404); mas
não esquece também outra "gente muito principal", como os senhores de Farelães, que
terão construído, em 1519, a capela funerária que se encontra localizada na base da
chamada "torre velha" (405).
Uma outra capela privativa e funerária foi fundada em 1529 "junto à porta que vem da
claustra para o corpo da igreja da parte da mesma claustra". Esta fundação deveu-se a D.
Isabel Anes Pizarro de Baltazar de Vilas Boas e destinava-se ao descanso eterno dos "seus
descendentes moradores na villa de Barcellos coudelles mores de todo o dilatado termo
homens nobres dos principais da villa, em que estão suas honradas sepulturas" (406).
(403) Idem, fls. 350-35l. (404) Porém, acrescenta o cronista, "com a reedificação da nova igreja se perderão suas sepulturas, como
a do reverendo abbade Bento do passarinho, de quem diz o padre Paulo fora sepultado na capella do
Salvador, e depois posto na parede sobre cães de pedra; e a de Joanne pobre figalgo catelão, cuja
sepultura estava contigua com as grades do cruzeiro de que hoje não ha memoria dellas" - A.D.B. - Ms.
924, fl. 351. (405) Nesta capela da torre-sul da igreja estariam sepultados "Gonçalo Correa, e sua mulher Dona
Margarida de Prado, e sua cunhada Dona Maria de Prado senhora da quinta da Juncoza; jazem mais na
dita capellla Diogo Correia e sua mulher Dona Izabel e seu irmão Dom Nuno Alvares Pereira" - A.D.B. -
Ms. 924, fl. 351. (406) Idem, Ibidem.
"Estão tambem enterrados neste convento Nuno Aranha, alcaide mor da villa de Pombal sobrinho do
arcebispo Dom Diogo de Souza, e sua mulher Dona Britis de Mello no anno de 1498 que em o
lageamento da igreja se perderão as sepulturas, como tambem pella mesma rezão a de Pero Bravo natural
de Braga e dos principais da cidade. Na capella collateral da parte do Evangelista esta sepultada Dona
132
Após a reconstrução do corpo seiscentista, numa inscrição tumular à entrada desta
capela pode ler-se:
"S.a DE DIOGO DE VILAS BOAS CAMINHA E SEVS SVCESSO-RES DESTE
MORGADO - 1645".
Sobre o arco da capela, muito provavelmente na mesma data, o senhor Vilas Boas
mandou colocar o seu escudo.
Mas outras inscrições podemos ler no pavimento da igreja:
"AQVI IAS HO CORPO DO BISPO (Francisco de Santa Maria) FALECEV EM
BRAGA AOS 6 DE 7BRº DE 1596".
"S.a DE DONA CHRISTINA DA GAMA PRADO MULHER QUE FOI DE
BELCHIOR RISCADO DE RO...".
"S.a DE MANUEL LOPES LOUREIRO DA FREGUEZIA DE MOURE PARA
ELLE E SEUS DESCENDENTES - 1762".
Tereza de Mendonça, e seus descendentes e na outra da parte da Epistola Dona Leonor de Lemos e seu
sobrinho Fernão Pereira. Estão tambem sepultados no convento Diogo Lopes homem commendador de
São Romão e sua mulher Dona Branca de Azevedo; Gaspar Pereira e Bragua da Paz sua mulher Angela
de Sa e seu marido toda gente muito principal. Deixo outras pessoas illustres das gerações antigas dos
Maias, Braguaes, por perecerem suas campas com o novo lageamento da igreja, por ser duas vezes
133
PESSOAS "ILUSTRES" SEPULTADAS EM VILAR DE FRADES, SEGUNDO
JORGE DE SÃO PAULO (407)
NOME PARENTESCO LOCALIZAÇÃO
D. Godinho Viegas Na antiga igreja
românica?
D. Maria Soares Mulher de D. Godinho
Viegas.
Na antiga igreja
românica?
D. Pedro Salvador Filho de D. Godinho
Viegas e de D. Maria
Soares.
Na antiga igreja
românica?
D. Sanches Martins Mulher de D. Pedro
Salvador.
Na antiga igreja
românica?
Bento, o "abbade
do passarinho".
Na capela do Salvador,
"depois posto na pare-
de sobre cães de
pedra", mas "de que
hoje não ha memoria".
Joane, "pobre
fidalgo
catalão".
Contígua às grades do
cruzeiro, mas "de que
hoje não ha memoria".
D. Gonçalo Correia,
senhor de Farelães.
Na capela (erguida
em 1519) da torre
"velha" - lado sul da
frontaria da igreja.
D. Margarida de
Prado.
Mulher de D. Gonçalo
Correia.
Na capela da torre
"velha".
reedificada depois que este convento se unio à congregação. Concluamos com a sepultura authorizada sita
no meio do cruzeiro do nosso bispo Dom Francisco de Santa Maria" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 351. (407) A.D.B. - Ms. 924, fls. 350-351.
Ver Apêndice Documental - doc. VIII.
134
D. Maria de Prado.
Irmã de D. Margarida de
Prado, "senhora da
quinta
da Juncoza".
Na capela da torre
"velha".
D. Diogo Correia. Senhor de Farelães,
irmão
de D. Gonçalo Correia.
Na capela da torre
"velha".
D. Isabel Mulher de D. Diogo
Correia.
Na capela da torre
"velha".
D. Nuno Alvares
Pereira.
Irmão de D. Isabel Na capela da torre
"velha".
D. Isabel Anes
Pizarro de Baltazar
de
Vilas Boas.
Vilas Boas
Na capela lateral
da igreja (fundada
em 1529, por D. Isabel
Vilas Boas), "junto à
porta que vem da
claustra".
Familiares de Dona
Isabel Vilas Boas.
Vilas Boas
Na capela lateral da
igreja, "junto à porta que
vem da claustra".
D. Nuno Aranha,
alcaide mor da vila
de
de Pombal.
Sobrinho do arcebispo
de
Braga, D. Diogo de
Sousa.
No lajeamento da
igreja, em 1498.
D. Brites de Melo. Mulher de D. Nuno
Aranha
No lajeamento da
igreja.
D. Pero Bravo. Natural de Braga "e dos
principais da cidade".
No lajeamento da
igreja
135
D. Teresa de
Mendonça.
Sobrinha do arcebispo
de
Braga, D. Diogo de
Sousa.
Na capela colateral do
lado do Evangelho.
Descendentes de D.
Teresa de
Mendonça.
Familiares de D. Teresa
de Mendonça.
Na capela colateral do
lado do Evangelho.
D. Leonor de
Lemos.
Sobrinha do arcebispo
de
Braga, D. Diogo de
Sousa.
Na capela colateral
do lado da Epístola.
D. Fernão Pereira
Torres de Angeja.
Marido de D. Leonor
de Lemos.
Na capela colateral
do lado da Epístola.
D. Diogo Lopes. Comendador de São
Romão.
D. Branca de
Azevedo.
Mulher do comendador
D. Diogo Lopes.
D. Gaspar Pereira.
D. Braga da Paz. Mulher de D. Gaspar
Pereira.
D. Angela de Sá
e "seu marido".
"Maias, Braguaes". "pessoas ilustres das
gerações antigas".
D. Francisco
de Santa Maria.
Bispo de Fez e de
Braga, antigo cónego do
convento de Vilar
Frades.
No cruzeiro da igreja.
O lajeamento do antigo claustro desapareceu e com ele, certamente, inúmeros
vestígios, quer do período medieval quer do moderno, utilizadas algures na construção de
casas e muros das redondezas.
136
A mesma sorte deve ter acontecido ao formoso chafariz de 1597.
O claustro actual, ou melhor, o sítio dele, já que a sua função está completamente
eliminada (408) serve de recreio da pequenada e de local de passagem para a chamada
residência paroquial (409).
Parte integrante do conjunto classificado em 1910, este espaço tem sofrido de crónico
abandonado pelos poderes públicos.
Costuma clamar-se em defesa da igreja. Aqui se reclama por todo o conjunto!
2.2. DO CONJUNTO CONVENTUAL DE QUINHENTOS
Paralelamente às obras da igreja nos inícios de quinhentos, os cónegos de Vilar de
Frades empreenderam uma reforma geral de toda a área do convento, que viria a
prolongar-se até finais do século. As duas primeiras décadas terão testemunhado a
completa reconstrução do edifício a nascente do claustro, no prolongamento orgânico da
igreja, a partir do seu braço esquerdo do transepto.
Embora por via indirecta, a nossa fonte lança um foco de luz no túnel documental de
Vilar de Frades, relativamente a este período.
Com efeito, a presença do carpinteiro Bartolomeu Dias, residente na cidade do Porto,
nas obras da sacristia e da enfermaria, antes de 1520, atesta a existência de obras de
pedraria nesta área do convento, logicamente anteriores a esta data (410).
(408) Para além de constiuir um espaço de circulação, reflexão e "regalo" dos religiosos e da sua
indiscutível função funerária, o claustro chegou a revelar-se como um espaço de culto, de milagres e de
prodígio. Aconteceu com o famoso "Santo Abbade" que, uma vez morto "o enterrarão no claustro, e
começou a ser venerada a sua sepultura como de homem santo; concorrendo a ella muitas pessoas, e
achando remedio a suas necessidades. Achamos posto em memoria hum admiravel prodígio, e he, que se
acontecia passar algum animal por sima da dita sepultura, logo quebrava huma perna, mostrando o Ceo
por este modo, quanto queria venerado o deposito daquelle veneravel cadaver" - SANTA MARIA,
Francisco de - Ob. cit., p. 367. (409) A vida do sacristão, no âmbito da sua família alargada, tem-se desenrolado entre o claustro e os dois
pisos superiores deste edifício. Para além de constituir uma estimável fonte oral, na linha da tradição
familiar, o senhor Manuel é um dos primeiros defensores do património artístico da igreja de que é
sacristão há mais de meio século! (410) Responsável por toda a obra de carpintaria do mosteiro de São Bento da Avé-Maria do Porto, este
artista residente nesta cidade "viria a falecer antes de Abril de 1527, altura em que a pedido da viúva,
Branca Gonçalves, foi feita vistoria de toda a obra que Bartolomeu Dias executara no mosteiro" -
FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - As duas Igrejas do Mosteiro de São Bento da Avé-Maria do
137
Ao ser contratado em 1520 para realizar as obras de carpintaria no mosteiro de Avé-
Maria do Porto, entre as quais "a caza da emfermaria, que tem de comprido oito braças, e
mea, a saber, cimquo por bamda" (411), o mestre Bartolomeu Dias obrigava-se a executá-
las segundo o mesmo "teor, e ordenança e gramdura, como são os que elle dito
empreiteiro fez na emfermaria do mosteiro de Villar de Frades" (412).
Na mesma data e pelo mesmo contrato (publicado por D. Domingos de Pinho
Brandão), Bartolomeu Dias compromete-se a forrar "a caza da saomcristia [...] pelo teor
dos outros, e far lhe ha seus allmarioz ao travez da caza, os quaes fará pelo teor, e
ordenança, e gramdura dos que elle empreiteiro tem feito na saomcristia no mosteiro de
Villar de Frades" (413).
A notícia da presença de Bartolomeu Dias nas obras de Vilar permite-nos, desde logo,
concluir o seguinte:
1 - que cerca de 1520 as obras do convento, incluindo a sacristia, estavam concluídas;
2 - que a obra de carpintaria de Vilar de Frades - pelo menos a sacristia e a enfermaria
- funcionou como modelo que o mesmo mestre carpinteiro deveria seguir no mosteiro de
Avé-Maria do Porto, para o qual é contratado a 9 de Agosto de 1520 (414).
Graças ao espírito meticuloso de Jorge de S. Paulo e às suas buscas no cartório do
convento, podemos hoje afirmar que as obras se estenderam por todo o século de
quinhentos.
Antes de iniciar a sua descrição da área conventual, o cronista adverte-nos:
"Devião os padres estarem mal acomodados por falta de apozentos,
e com officinas, e dormitorios mui limitados des o anno de 1425
Porto, Sep. das Actas do I Congresso Internacional del Monacato Femenino en España, Portugal y
América. 1492-1992, p. 748. (411) BRANDÃO, Domingos de Pinho - Ob. cit., p. 25. (412) Idem, Ibidem. (413) Idem, Ibidem. (414) Cf. FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - Ob. cit., p. 747-748.
138
(415), ate o de 1525 em que a acho [...] a reedificação de todo o
convento e seu circuito" (416).
Porém, os quatro dormitórios que se construíram ao longo do século XVI, "em quadro
com suas janellas para o nacente, poente e meio dia, não tem nada de grandiosos em que
se possa fundar a fama do convento de Villar e de sua magestade" (417).
Este era um argumento de peso, possivelmente sentido por toda a comunidade e que
explica a profunda remodelação encetada cerca de 1619: "para o edificio ter com a fama
correspondencia intentou o padre reitor António da Ascensão dar com todos os
dormitorios e officinas por terra dando principio á outro edificio mais magestoso" (418).
Manuel de Elvas terá mandado construir o dormitório "do poente", em 1523.
Localizado junto à "porta dos Cabedaes", no sobrado, este dormitório (e outro) ficava
sobre o vão da adega que ainda hoje podemos visitar: uma "adega grande [...] larga e
espaçosa por ser vão dos dous dormitórios" (419 ).
Cerca de 1525, teriam já terminado as obras do referido dormitório, altura em que o
mesmo reitor procede à construção da adega, "assi que ficou facil pera se poder fechar
com duas testeiras em que se abrirão duas portas huma pera a arrecadação dos foros do
vinho, outra para o serviço da adega" (420 ).
Estas duas obras - o dormitório do poente e a adega -, terão orçado em 100.000 reis
(421).
(415) Das edificações quatrocentistas, poucas notícias chegaram até nós. Jorge de S. Paulo refere as obras
da cela dos padres reitores, da portaria e da hospedaria, que terão sido realizadas em 1449, sob o prelado
João da Nazaré, com custo de 350.000 reis - A.D.B. - Ms. 924, fl. 362.
Refere ainda os aposentos dos criados e dos artífices - carpinteiros, alfaiates, sapateiros, ferreiros - e
as estrebarias dos animais, muito possivelmente localizadas a sul, "nas ilhargas do terreiro dos Cabedaes".
Porém [...] por serem obras antigas lhes não busquei authores" - A.D.B. - Ms. 924, fls. 363-364. (416) A.D.B. - Ms. 924, fl. 362. (417) Idem, Ibidem. (418) Idem, Ibidem.
Seguindo a crónica de 1697, "O corpo deste convento consta de quatro dormitorios: hum que fica
para o nascente, e cahe sobre hum jardim com seus canteiros de flores, e chafariz no meyo. Outro, que
fica para o meyo dia, e cahe sobre a horta, e cerca. Outro, que fica para o poente, e cahe sobre o terreiro,
chamado dos Cabedaes. Outro novo, cousa grande, e magestosa, que cahe para o mesmo terreiro, e tem
todas as céllas para o meyo dia: em correspondencia delle se ha de fazer outro, cujos alicerces estão
lançados ha mais de oitenta annos" - SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 383-384. (419) A.D.B. - Ms. 924, fl. 364. (420) Idem, Ibidem.
139
Cristóvão da Purificação terá sido o responsável pelo dormitório do "Vale de
Cavalinhos", erguido em 1543, "todo de pedra de cantaria" e "cellas largas" (422).
Ainda nos anos quarenta, Gabriel da Conceição encomendou, segundo a nossa fonte,
quatro importantes construções: o dormitório "grande", o "colegio" para o funcionamento
de aulas de Filosofia e Teologia, o refeitório novo e a cozinha.
Em 1546 terá mandado erguer o "dormitório grande de pedra de cantaria que cahe
sobre a horta" e "obrou a caza grande que serve de aula de Philosophia, e sagrada
Theologia" (423). As despesas com estas obras terão ascendido aos 360 mil reis (424 ).
Quanto ao refeitório, o nosso cronista infere a sua construção na mesma data, pois por
se tratar de uma "caza antiga" que "se devia obrar quando o padre reitor Gabriel da
Conceição fes o dormitorio grande", tanto mais que "pertencem as paredes do refeitorio
ao dormitorio" (425).
O seu custo, incluindo "o assento, meza e lavatorio podião custar 140.000 réis" (426).
Segundo Jorge de S. Paulo, foi ainda este prelado quem mandou construir a cozinha,
que deveria estar pronta em 1548 (427).
Quando, no final do século, se procede à instalação do chafariz do claustro, esta
cozinha será dotada de dois tanques, uma obra mandada executar pelo reitor Sodré:
estando edificada desde 1548, "entendeo o padre Sodré no anno de 1597 em que se
fizessem dous tanques pera receberem a agoa do seu novo chafaris pera o serviço desta
officina. Custou tudo cento e dous mil réis" (428).
Utilizando uma nota informativa do padre Álvaro da Conceição, Jorge de S. Paulo
atribui os "casorios sitos entre o cunhal da capella mor ate á corrente da levada" (429) ao
reitor Cristóvão da Purificação, casas que tinham "dous portaes mui bem lavrados e seu
lavatorio" (430). Desconhecia-se, no concreto, a especificidade das funções daquelas
dependências, cujo custo é calculado em 500.000 reis (431).
(421) Idem, Ibidem. (422) Idem, fl. 362. (423) Idem, fl. 362. (424) Idem, fl. 362. (425) Idem, fl. 360. (426) Idem, fl. 360. (427) Idem, fl. 360. (428) Idem, fl. 364. (429) Idem, fl. 361. (430) Idem, fl. 361. (431) O cronista sustenta, no entanto, que ali "devia entrar a caza antiga da lavagem dos habitos e, a adega
por serem todos os sinco portaes lavrados sem differença" - Idem, fl. 361.
140
Em 1572, ter-se-á construído o "dormitorio da varanda que obrou o padre Gaspar de
Christo Baião [...] para apozento dos irmãos ordenados" (432). Esta obra terá custado 150
mil reis (433). Mas Gaspar de Cristo Baião terá ainda realizado, em 1574, uma
"maravilhosa obra", materializada "na compra da levada de agoa" e na fábrica de "duas
azenhas dentro dos encerramentos do convento que se numera entre as grandezas de
Villar" (434).
Em 1581-1583 seria a vez da "caza da limpeza", uma obra "que he das melhores, mais
limpas e lavadas de agoas que vi em muitos conventos de outros religiosos" (435) e que
terá corrido por conta do padre reitor Álvaro de Santa Maria, "obra quazi em quadrado
com paredes de cantaria por se aproveitar da agoa da levada para sua limpeza huma
chaminé mui espaçosa para respiração dos ares: consta de duas pias com des camarotes,
he lavada quazi todos os dias com a corrente da agoa das azenhas nos dias vagos" (436).
Ainda em 1583, Álvaro de Santa Maria terá mandado construir as casas da procuração,
do azeite e os celeiros, que terão orçado em 320 mil reis (437).
Finalmente, ao longo do século XVI, várias capelas foram edificadas no interior da
cerca conventual, de acordo com o testemunho de 1658:
"Pella ilharga para o meio dia se fabricarão sinco lindas capelinhas com
seus brutescos, e embrechados, mil lizonjas de conchinhas, mil
variedades de conchas, varios quartões empedrados milhares de
pedrinhas brilhantes, e outras notaveis curiosidades que mais pedião
vista de olhos que pena de descripsões; parece que em tudo a arte e
natureza se esmerarão no ornato desta cerca fresca, alegre, e aprazivel"
(438).
(432) Idem, fl. 362. (433) Idem, fl. 362. (434) Idem, fl. 364. (435) Idem, fl. 362. (436) Idem, fl. 362.
"Como esta caza hera larga sem que as traves podessem sostentar seu pezo se foi corcovando para a
parte inferior de tal sorte que mandou o padre reitor Baltazar da Anunciação no anno de 1607 acudir lhe
com seis pilares de pedra e cal ficando livre de ruina. Em toda esta obra se despenderão 375.000 réis" -
Idem, fls. 362-363. (437) Idem, fl. 364. (438) Idem, fl. 305.
141
Tratam-se de "hermidas edificadas à espertar os animos dos religiosos contemplativos,
obradas todas por arteficio de padres curiosos e de habilidade" (439).
Nestas construções, datadas de 1537, 1583 e 1590, gastaram os padres 452 mil reis
(440).
Teotónio da Fonseca pôde testemunhar-nos que as escavações arqueológicas
empreendidas a sul do edifício conventual evidenciaram, de facto, vestígios de várias
construções" (441), vindo a defender que deveriam constituir "os restos das catorze
capelas do calvário" (442).
Salienta as célebres capelas do "presépio" e do "passarinho", para acrescentar que "de
todas estas as que ainda existiam foram mandadas arrasar pelo seu primeiro proprietário
leigo" (443).
2.3. JOÃO COELHO LOPES, MESTRE PEDREIRO DE GUIMARÃES, NAS
OBRAS DE 1593-1594.
Relativamente às reformas de 1593-1594, operadas no corpo conventual a nascente,
Jorge de S. Paulo apenas refere o nome do encomendador, para o celebrar como
responsável pela obra do cabido: "o padre reitor Cines fes a obra do cabido novo no anno
de 1594 despendendo nella 170.000 réis" (444).
No entanto, os documentos por nós encontrados no Arquivo Distrital de Braga,
relacionados com as obras deste período, dão-nos os elementos fundamentais de toda a
obra de pedraria de 1593-1594, designadamente o nome do mestre que arrematou a obra,
os custos de todo o programa arquitectónico e as condições a que ambas as partes se
obrigaram (445).
(439) Idem, fl. 365. (440) Com efeito, "despenderão os padres reitores Antonio do Porto no anno de 1537, e Alvaro de Santa
Maria no de 1583, e Gaspar dos Anjos do Porto no de 1590 quatrocentos sincoenta e dous mil réis" -
Idem, fl. 365. (441) FONSECA, Teotónio da - O Concelho de Barcelos Aquém e Além-Cávado, Vol. II, Barcelos, 1987,
p. 36. (442) Idem, Ibidem. (443) Idem, p. 37. (444) A.D.B. - Ms. 924, fl. 360. (445) Ver Apêndice Documental - docs. I e II.
142
Por uma escritura pública assinada a 18 de Fevereiro de 1593, o mestre pedreiro João
Coelho Lopes, da vila de Guimarães (446), comprometeu-se a realizar toda a obra de
pedraria, que deveria estar concluída em Maio do ano seguinte, pois era intenção dos
padres evangelistas reunir no convento de Vilar de Frades o seu Capítulo Geral,
necessitando para o efeito de novas e mais cómodas instalações (447).
Para além do "cabido novo", o programa incluía a enfermaria, uma escadaria e dois
portais "romanos", uma casa de "secretas" e o lajeamento da levada (448).
Advertimos, porém, que pelo menos parte das obras ter-se-ão atrasado, na medida em
que só em 21 de Dezembro de 1594 o mestre João Coelho Lopes e o reitor de Vilar
assinam a liquidez do contrato (449).
Um documento sem data, mas obviamente anterior à assinatura do contrato, revela-nos
uma espécie de rascunho ou minuta que veio a servir de base ao texto da escritura
pública. Na sua introdução, o autor (possivelmente o procurador do convento) dá-nos
conta do compromisso assumido entre o convento e o mestre, ao mesmo tempo que nos
revela a finalidade deste tipo de contratos:
"Justo he o que pratiquei com o mestre Joam Coelho Lopes: e
assentamos para contratar. Por obrigação, e por segurança de parte
a parte: pois não sabemos da morte, nem da vida." (450).
(446) Este mestre pedreiro deveria pertencer aos Lopes de Guimarães, que desenvolveram a sua
actividade em todo o norte do país. Tratar-se-ia do filho de João Lopes, o Velho (responsável pelas obras
na igreja de Vilar de Frades, na primeira vintena de quinhentos), nascido por volta de 1530 em S. Julião
de Moreira - Ponte de Lima, a quem são atribuídas várias obras em Viana do Castelo, a torre da matriz de
Vila do Conde (1573) e que também participou nas obras de pedraria do convento da Serra do Pilar? Ou
será outro descendente, porventura "o terceiro João Lopes" que viveu em Guimarães onde viria a casar
(em 9 de Maio de 1603) com Mónica Barbosa, filha do mestre Gonçalo Lopes (que também participa nas
obras de Vilar, designadamente no assentamento do chafariz do claustro) e de sua mulher Mónica Barbosa
e que "trabalhou principalmente naquela então vila, nos fins do século XVI e primeiros anos do XVII e
em S. Gonçalo de Amarante (1606)"? - FREITAS, Eugênio de Andrea da Cunha e - O Mosteiro da Serra
do Pilar no século XVI - Notas de História e de Arte, Sep. de O Tripeiro, Porto, 1964, pp. 38-40.
Cf. REIS, António Matos - Ob. cit., pp. 151-172.
(447) Nos finais do século XVII, diz-nos o novo cronista: "O Cabido he muy claro, e espaçoso: nelle se
venéra huma imagem da Senhora muy devota. O refeitorio, e mais officinas são todas cousa grandiosa, e
perfeita. A livraria, que juntamente serve de aula, onde se lèm Artes, e a sagrada Theologia, he huma
fermosissima casa; nella se celebràrão muitas veses em outros tempos Capitulos Géraes" - SANTA
MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 385. (448) Ver Apêndice Documental - doc. II. (449) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, Lº 20, fl. 212-212v.. (450) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, Lº 24, fl. 54.
143
Segue-se a descrição do programa construtivo e as condições contratuais a serem
cumpridas pelas partes: duração das obras, custos e forma de pagamento, fornecimento
dos materiais, obrigação de pessoa e bens, entre outras (451).
Na presença do tabelião Marcos Veloso e de três testemunhas (452), o contrato foi
assinado na hospedaria do convento, onde:
"Apareceo de prezente o muito reverendo em Christo Padre o
padre Antonio dos Anjos rector do dito mosteiro, e bem asi Juon
Coelo Lopes mestre de pedraria morador na villa de Guimarans e
por elles ambos juntamente e quada hum por si foi dito que elle
padre reitor lhe dava a obra do cabido, e da emfermaria, e escada e
a casa da secreta, e mais lageamento que for necessario a levada
como tinhão contratado por hua minuta, que ficou em poder do
dito reitor" (453).
O mestre deveria construir "hua casa para o Capitullo e para as paredes da casa da
çera, e da fruita ate ho primeiro arquo da levada e se ocupara todo ho mais dos meos e
segurara ho lavamento e ho dormitorio" (454).
Para o acesso à casa capitular seria rasgado "hum portal romano muito fermozo que
repponda a hua vasa fermoza como hade fiquar aquella depois de acabada, em cabido
muito a guosto dos padres" (455); na parede a nascente, "rasguara tres frestas para tres
vidraças da parte dos camteiros de mui fermosa pedraria de squadria da compridão e
largura que a obra demandar" (456).
Certamente contígua àquele espaço seria construída uma pequena "casa de escortinho
au de milhor quadrar lambris muito bem acabados com seu portal para dentro e fresta
(451) Ver Apêndice Documental - doc. I. (452) Respectivamente "João Alvares Milha morador ha Porta do Valle e Dominguos Fellipe de Amilcar
do dito mosteiro e Gomsallo Guonsalves carpinteiro morador na freguesia de São João de Areas" - A.D.B.
- Fundo Monástico Conventual, Lº 20, fl. 212. (453) Idem, fl. 207. (454) Idem, fl. 208v.. (455) Idem, fl. 208v.. (456) Idem, fls. 208v.-209.
144
para vidrasas" (457), aposento que deveria funcionar como sala de apoio aos trabalhos do
Capítulo Geral, nomeadamente no tocante ao apuramento eleitoral dos principais cargos
dos conventos de toda a Congregação (458).
Uma escadaria e um pórtico com arco de volta perfeita deveriam estabelecer a ligação
entre o cabido e o claustro:
"Hum portal tambem da serventia da crasta [...] para serventia da
esquada nova que hade se fazer da avertura e largura que elle
padre reitor quizer ho qual portal sera romano, e lambrim" (459).
Esta escada deveria subir ao piso do dormitório e da enfermaria - "a dar serventia por
ella ha casa do foguo muito fermosa bem acabada com seus descansos e bem largua que
possão hir cepos almofreixes, caixas e todo o mais serviço desta casa tudo sem
impedimento, mas mui follguadamente" (460), para o que "desfara elle mestre a esquada
velha, e fara a nova, e a pedra da velha fiquara para a nova e as mais que elle mestre fara"
(461).
Quanto à enfermaria, deveria erguer-se "cimquo palmos hou seis pallmos acima tudo
em rédondo comvem a saber pella parte do pumar de pedra de squadria com suas capas
conforme vai a outra, e quanto ao mais porllo meo amtre esta emfermaria, e casa do foguo
e a mais que comvir e alevantar sera de alvenarias conforme a outra" (462).
Para a sua iluminação, "fara elle mestre as janellas da emfermaria que forem
necesarias" (463).
(457) Idem, fl, 209. (458) Designadamente os cargos de reitor Geral e reitores dos conventos, conforme se prova com o
"Capitulo Geral, que se celebrou em este convento de São Bento de Xabregas aos 9 dias do mez de Maio
deste prezente anno de 1712", reunião magna dos padres lóios que elegeu por escrutínio os reitores de
todos os conventos e da qual "Sahio eleito em Geral o reverendissimo padre mestre Miguel da Vizitação
com duzentos, e vinte, e dous vottos - 222", num total de 256 monges com direito de voto (note-se que,
segundo os estatutos da Ordem, só se adquiria direito a voto capitular quem tivesse 12 anos de vida
conventual) - A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 3, s/fl.. (459) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 20, fl. 209. (460) Idem, fl. 208v.. (461) Idem, fl. 208v.. (462) Idem, fl. 208. (463) Idem, fl. 208.
145
Também de pedra aparelhada, a "casa da secreta" (464) seria uma obra com dois
"enxanguadoiros", com seus cunhais, cano, janelas e portal. Do sobrado para cima teria a
parede "a grossura que ao padre reitor parecer bem" e "sobira esta casa nova na altura da
parede com a dormitorio e imfermaria" (465).
O revestimento da parede deveria igualar o do dormitório e a cozinha deveria
apresentar uma chaminé bem proporcionada a comunicar com o dito dormitório através
de um segundo portal. As janelas e suas "varandinhas ou eirado", seriam feitas quantas as
necessárias "asi em baixo como na cozinha", todas muito bem lavradas (466).
Será ainda o mestre obrigado “a cobrir a agua que vai para as azenhas” com lajes que
terão de ficar “bem lançadas” (467).
Estabelecido o programa construtivo, o mestre de Guimarães vinculou-se a outras
importantes condições ou obrigações do contrato:
"A quebrar toda a pedra de squadria e alvenaria onde mais perto
for achada e se aleguma outra cousa aqui não fiquar expressa a
qual de necesidade hou equidade e ornamento importe a esta obra e
seja do officio e mister de pedraria elle dito Juon Coelo Lopes seja
obriguado a o fazer como a mais obra principal ja dita, e seraa
obriguado elle dito Juon Coelo Lopes a residir nesta obra quando
se fundar ho aliçeçe de cima da terra e na fabrica do
enxaguoadouro e cano como ao allevantar da emfermaria e tendo
dar ordens e seguire as traves e dormitorios alem en toda seraa
somana (sic) emquanto a obra durar que elle não venha visitar e
por em boa ordem, e mais não hir agora para casa sem deixar
ordem a se quebrar a pedra hou tornar dentro em quinze dias com
os officiaes que nella os hade trazer para isso por que importa ha
homra e guosto e necesidade do padre reitor e mais padres ser isto
(464) Uma estrutura de 45 x 35 palmos que, sob o segundo piso, ligava-se a uma azenha e à respectiva
levada. Situada no edifício a nascente, tratava-se de uma reconstrução "onde hora estao a mesma officina"
entre a enfermaria e a porta do galinheiro" - A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, Lº 20, fl. 207. (465) Idem, 207v.. (466) Idem, fl. 207. (467) Ver Apêndice Documental - docs. I e II.
146
todo feito ate Maio deste que hora a hum anno que embora viraa
que seraa ho de noventa e quatro annos ho qual elle Juon Coelo
Lopes que presente estava disse que se obrigua a fazer no dito
tempo atras declarado sera feita e acabada no dito tempo atras
declarado (sic) para que se possa fazer Capitollo Geral que se hade
cellebrar no Maio de noventa e quatro annos todo limpo e tal que
ate fique aos padres e hos e hos aguasalhe" (468).
Para que não restassem dúvidas e os interesses do mosteiro fossem garantidos, o
mestre "não comprimdo e não fazemdo a obra como atras fica dito e declarado" (469)
obrigou a sua pessoa e os seus bens "moveis e de raiz avidos e por aver" (470) e, caso se
viesse a justificar algum procedimento judicial face a algum incumprimento, este teria
lugar em Barcelos, para o que o artista "renunciou juizes e justiças de seu foro e leis e
liberdades" (471).
Mas porque se tratava de garantir a "segurança de parte a parte", também os padres se
obrigaram "por si e pelo dito seu mosteiro" a pagar ao mestre 320 mil reis pelo custo da
obra, em 7 prestações (6 de 50 mil reis e uma final de 20 mil reis), de acordo com o
andamento dos trabalhos e as necessidades de João Coelho Lopes (472).
Conforme consta da minuta, desde que o mestre entregasse "tudo limpo e tal que
edifique os padres e os agasalhe: e no mesmo cabido celebre seu capitulo (473). E ele
padre reitor e mais padres se obrigão a lhe dar as paguas, segundo a obra for correndo e
elle mestre tiver necesidade, trezentos, e vinte mil reis, em dinheiro do contado ou por
elle ou seu substituto: pão ou outra qualquer cousa com que o mesmo padre reitor
contentar e asentar no preço em diante" (474).
(468) Idem, Ibidem. (469) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 20, fl. 212. (470) Idem, Ibidem. (471) Idem, Ibidem. (472) Ver Apêndice Documental - docs. I e II. (473) Esta assembleia geral da Ordem dos Lóios deveria ter lugar no mês de Maio de 1594, pelo que os
padres de Vilar tinham todo o interesse em ter as obras concluídas nesta data - "por que importa a honra
gosto, e nececidade do padre reitor e mais padres sera isto tudo feito te Maio deste que vem a hum anno
que sera de 94: mui grande caridade sera quererse obrigar te antão ter satisfeito com esta obrigação" - Ver
Apêndice Documental - doc. I. (474) Idem, Ibidem.
147
As condições de pagamento foram claramente fixadas na escritura pública de 18 de
Fevereiro de 1593:
"Diguo que disserão, e declararão que os paguamentos serão pela
maneira seguinte convem à saber ao fazer esta escritura cinquenta
mil reis hos alliceces feitos das secretas e a emfermaria allevantada
houtros cimquoenta mil reis, e as secretas allevantadas outros
cimquoenta mil reis e ho portal feito do cabido outros cimqoenta
mil reis e as escadas feitas e ho portal da crasta feito e as frestas do
cabido e ho vau da levada feito outros cimquoenta mil reis e no
cabo da obra e acabada vimte mil reis as quais obras atras
declaradas ho dito mestre Juon Coelo Lopes daraa acabada de toda
a pedraria, e posta tal acabada conforme o seu officio e com todas
as guarniçons que se querem para obras de seu officio e loguo pare
e não mais se presente ho padre Ambrosio de Sancto Aguostinho
vice reitor do dito mosteiro e Guaspar de Sancta Maria procurador
e Pedro de São Cristovam e Jerónimo (?) do Espirito Santo e
Antonio do Espirito Santo e Andre do Espirito Santo e Antonio de
São João todos padres deputados para hos negocios e causas
toquantes ao dito seu mosteiro" (475).
E, com efeito, as prestações foram liquidadas, mais ou menos em conformidade com o
estipulado no contrato (476).
Seguem-se os respectivos pagamentos:
1º - De acordo com o "rol do que se gastou do paguo de joias para as obras do cabido e
fermaria" foi paga a primeira prestação dos 320 mil reis ao mestre pedreiro, no valor de
50 mil, conforme o fixado na escritura pública:
(475) Ver Apêndice Documental - doc. II. (476) Conforme os registos do escrivão da comunidade, os pagamentos ter-se-ão efectuado não em sete
mas em nove prestações.
A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 20, fl. 212v..
148
"A 18 de Fevereiro de 93 demos a Juon Coelo Lopes [...] de pagua
cincoenta mil reis os quais dis a escritura que elle recebeo" (477).
2º - A segunda prestação, também no valor de 50.000 reis, foi liquidada a 26 de Junho
de 1593, segundo o registo do "escrivão da arca" da comunidade:
"Demos a Juon Coelo Lopes a comta da obra que faz da segunda
pagua a forma da scritura simcoenta mil reis oje 26 de Junho de 93
e elle asinou aqui" (478).
3º - Com a data de 7 de Setembro de 1593, o cónego responsável pelo registo das
despesas do convento afirma:
"Demos a Juon Coelo Lopes a conta da obra que vai fazendo com
terceira pagua simcoenta mil reis, em que entraram vinte mil reis
do pão que tinha recebido da mão do padre reitor" (479).
4º - No último dia do mês de Outubro de 1593 foi entregue mais uma quantia, no valor
de 10 mil reis, desta vez a Bento Fernandes, um provável oficial de pedreiro da confiança
do mestre e que o deveria substituir na sua ausência:
"Demos ao padre procurador para dar a Bemto Fernandes a comta
do Juon Coelo Lopes (sic) por seu mandado dez mil reis oje
deradeiro de Outubro de 93" (480).
Este pagamento será confirmado pelo mestre, aquando do seu regresso às obras de
Vilar de Frades, no momento de arrecadar novo montante.
A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fls. 51-53v.. (477) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 51.
Cf. Apêndice Documental - doc. I. (478) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 51v.. (479) Idem, fl. 52. (480) Idem, fl. 52v..
149
5º - Assim, testemunhando de novo a sua presença nas obras, em 19 de Janeiro de
1594, e opondo a sua assinatura no final de um documento, João Lopes reconhece mais
um pagamento no valor de 50 mil:
"Diguo eu Juon Coelo Lopes he verdade que recebi do padre reitor
Amtonio do Espirito Santo simcoenta mil reis a comta da obra que
vou fazemdo no dito mosteiro conforme a scritura que esta feita e
por verdade e me asinei ao pe desta feita peramte Guaspar da
Assumpção escrivão da arqua oje dezanove de Janeiro de 94" (481).
E confirma a verba recebida por Bento Fernandes ao fixar a sua assinatura sob o
seguinte registo:
"E asi recebeo Bemto Fernandes per seu mandado da mão do
procurador que fazem por todo sesemta mil que tem recebido a boa
comta" (482).
6º - A 21 de Março de 1594 foi entregue ao mestre outra quantia, desta vez no valor de
30 mil reis. Diz o documento que foi entregue ao procurador "pa dar a Juon Coelo Lopes
a vinte e hum de Março a conta da obra que faz trimta mil reis" (483).
(481) Idem, fl. 53.
Outros registos das despesas do convento confirmam o andamento das obras, tanto na área do
convento propriamente dito, como na igreja: em 7 de Setembro de 1593 foram despendidos 5.000 reis
com as "cortinas dos altares do cruzeiro"; entre Setembro e Outubro do mesmo ano deram os padre "a
Gomes Carneiro de gastos que se fez com as cousas que vierão de Lisboa para as obras tres mil, e
seiscentos reis"; entre Setembro de 1593 e Janeiro de 1594, o escrivão da arca da comunidade anota no
"rol do que se gastou do paguo de joias para as obras do cabido e fermaria" que foram entregues "ao
relogeiro quatro mil e dozentos reis que se monta nas grades que fez para a enfermaria que tinha mais oito
mil recebidos que faze doze mil dozentos que se montarão nas que ja feitas [...] demos mais ao relogeiro a
conta das duas grades que tinha para fazer oito mil reis"; foram entregues, diz o escrivão, ao procurador
40.000 reis "pa mandar fazer algumas cousas pa a sacristia de que se dara conta quando bier", dos quais,
afirma-se mais abaixo, "se guastarão trimta seis mil reis em huma capa de damasco hum veo e em hm
pano de pulpito do mesmo"; ao padre sacristão foram entregues 3.600 reis, para vestimenta preta, de
chamelote, para os finados; por fim, "Demos ao padre procurador, pa huma custodia quinze mil reis o
deradeiro de Janeiro de 94" - A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fls. 52-52v.. (482) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 53. (483) Idem, Ibidem.
150
7º - A 20 de Abril efectuou-se mais um pagamento de 10 mil reis. Muito
laconicamente, afirma-se que "demos ao padre procurador oje 20 de Abril dez mil para
dar a Juon Coelo Lopes" (484), talvez para acorrer às necessidades do mestre, já que pela
minuta se concordou que os 320 mil reis seriam pagos "segundo a obra for correndo e elle
mestre tiver necesidade" (485).
8º - A 16 de Junho terá o mestre recebido mais 50 mil, conforme uma nota algo
confusa:
"Tem Juon Coelo Lopes recebido em dinheiro da arqua da
comunidade ate oje 16 de Junho de 94 cimquenta mil reis que elle
oje mesmo dia serão 5º (sic) dozentos e oitenta mil reis" (486).
9º - Finalmente, deverão os padres de Vilar ter acertado as contas com o mestre
pedreiro, nas vésperas de Natal de 1594, em dinheiro ou em géneros, pois nenhuma
referência é feita a esse respeito, limitando-se as partes envolvidas a testemunhar a
liquidez do contrato:
"Digo eu Juam Coelo Lopes (sic) he verdade que me foi por paguo e
satesfeito de todo o dinheiro que o padre reitor Antonio do Espirito
Santo reitor de Villar de Frades que era obriguado a pagar-me
polla obra que me obriguei fazer asima a esta escritura asima dita
paguada a dinheiro acabada e feita e o dito padre se da por
satisfeito como visto o seja sendo todo dinheiro paguo que se me
devia de toda a dita obra dizemos esta obra acabada ho final.
Asinamos todos oje vinte e hum de Dezembro de 94 annos.
Juam Lopes
Antonio do Espirito Santo
Guaspar de Santa Maria" (487).
(484) Idem, Ibidem. (485) Idem, fl. 55. (486) Idem, fl. 53v..
151
Para além do cumprimento desta condição fundamental - o custo financeiro da obra -,
o reitor e o seu mosteiro deveriam fornecer os materiais e participar em várias actividades
relacionadas com as obras. Fornecerá ainda, ao mestre, alimentação e alojamento
condignos (488).
Com efeito, "elle padre reitor e mais padres se obriguão [...] a abrir hos alicecis e
desemtulhar ho cabido e outros entulhos se for necessario e a caretar toda a pedra e agusar
os piquos, e mais feramenta tirando a que for de novo mandar vir hos aparelhos para
allevantar ho jeito da emfermaria dar madeiras para estadas e esquadas e ao dia de
alevantar ho testo lhe dara gente conveniente allem dos officiaes de pedraria que elle
mestre amtão com os que tiver, e quanto ao lageamento não seraa elle mestre a fazer que
ho que hos degraos" (489). E o padre reitor, reza a minuta, obriga-se "a lhe dar gasalhado
muito bom para sua pessoa quer de cama quer de comes" (490).
Finalmente, os padres "obriguarão as remdas" do convento ou "as fazendas desta casa"
(491), como forma de garantirem o cumprimento das suas responsabilidades, no decurso
desta obra dos finais de quinhentos.
Embora se tratasse de uma obra de carácter essencialmente utilitário, os
encomendadores preocupavam-se com as questões de ordem estética, ligadas à nova
corrente "ao romano" que se afirmara no território nacional desde os meados do século.
No seu granito porfiróide, os cunhais, as cornijas, as frestas e portadas constituem
elementos estruturais sólidos, que seguram a alvenaria dos muros, o tijolo e os tabiques
do velho edifício conventual que, nos inícios do século XIX, será parcialmente
reconstruído, aquando das obras na sacristia, no claustro e também no "noviciado".
O valor recebido perfazia 300.000 reis e não 280.000. No valor indicado pelo escrivão não entrava,
por certo, o pão que havia sido dado ao mestre, no valor de 20.000 reis. (487) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 20, fls. 212-212v.. (488) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 55. (489) Ver Apêndice Documental - doc. II. (490) Ver Apêndice Documental - doc. I.
152
A obra de João Coelho Lopes, da última década do século XVI, enquadrou-se, sem
dúvida, numa importante remodelação desta área conventual, localizada a nascente do
claustro e de cuja memória apenas restarão dois portais, a escadaria e eventualmente toda
a zona sul do edifício.
CRONOLOGIA DAS OBRAS NA IGREJA E NO CONVENTO DE VILAR DE
FRADES AO LONGO D0 SÉCULO XVI (492)
DATA OBRA REALIZADA ARTISTA REITOR
1513
(antes
de?)
Capela-mor
João Lopes, de
Guimarães,
segundo
o risco provável de
João de Castilho.
João dos Santos
ou Manuel de
Elvas?
1520
(antes
de)
Forro e armários da
sacristia; camas para
a
enfermaria.
Bartolomeu
Dias, do Porto.
1523
(antes
de?)
Corpo da igreja,
pórtico
axial e nartex.
João Lopes,
mestre pedreiro
de Guimarães.
1523 Início do dormitório
do
poente.
Manuel de Elvas
(491) Ver Apêndice Documental - docs. I e II. (492) A.D.B. - Ms. 924.
A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 20, fls. 207-212v..
A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fls. 54-55.
Cf. Apêndice Documental - docs. I, II e VII.
153
1525 Adega. Manuel de Elvas
1537 Capela(s) da cerca. Padres do convento António do Porto
1540
Início da torre
"grande",
na fachada noroeste
da
igreja.
Pero de São João
o
Velho
1541 Forro, nichos e
cadeiral
do coro.
Pero de São João
o
Velho
1543 Dormitório do "Vale
de
Cavalinhos".
Cristóvão da
Purificação
1546 Colégio, refeitório e
o
dormitório "grande".
Gabriel da
Conceição
1548 Cozinha. Gabriel da
Conceição
1552 Casas entre o cunhal
da
capela-mor e a
levada.
Cristóvão da
Purificação
1555 Claustro e suas
varandas.
Fernão de Santo
António
1560 Órgão. Heitor Lobo,
mestre organista.
João de Santa
Maria
1561 Biblioteca. Fernão de Santo
António
? Grades do cruzeiro.
154
1566
Retábulo-mor.
António Pereira,
mestre entalhador
que vem de
Lamego
Fernão de Santo
António
1572 Dormitório da
"varanda".
Gaspar de Cristo
Baião
1574 Azenhas do interior
da
cerca e sua levada.
Gaspar de Cristo
Baião
1581 Casa da "limpeza". Álvaro de Santa
Maria
1583 Capela(s) na cerca e
casas da
"procuração"
e do "azeite".
Padres do
conventos
e outros.
Álvaro de Santa
Maria
1585 Estofado,
douramento
e pintura do altar-
mor.
António Fernandes,
mestre pintor.
Jerónimo da Cruz
1589
(antes
de)
Entalhamento e
estofado dos dois
altares colaterais.
Bento Loureiro
da Pousa,
entalhador.
Manuel Baptista
1589 Pintura dos altares
mor
e colaterais.
Geraldo do Prado,
mestre pintor de
Braga.
Manuel Baptista
1590?
Altares de Santo
António e São
Sebastião, nas
capelas
laterais.
Gaspar dos Anjos
do Porto?
155
1590 Capela(s) na cerca. Padres do
convento.
Gaspar dos Anjos
do Porto
1593-
-1594
Reforma do edifício
conventual, a sudeste
da igreja e a nascente
do claustro: cabido,
enfermaria, escadaria
e
portais, cozinha e
"secretas"
João Coelho Lopes,
mestre pedreiro de
Guimarães.
António do
Espírito
Santo Cines
1595 Altar do Espírito
Santo,
de capela lateral.
Baltazar de Cristo
Sodré
1597
Chafariz do claustro.
Encomendado a
uma oficina de
Lisboa, foi
colocado
por Gonçalo Lopes,
mestre pedreiro da
vila de Guimarães.
Baltazar de Cristo
Sodré
1589-
-1600
lajeamento do
claustro.
Gonçalo Lopes,
mestre pedreiro
de Guimarães?
Francisco da
Madre
de Deus
156
CAPÍTULO III
AS OBRAS DO SÉCULO XVII
157
1. REFORMA E EXPANSÃO DO CONVENTO NO PRIMEIRO QUARTEL DE
SEISCENTOS
No dia 20 de Janeiro de 1616 deflagrou no país um temporal que viria a atingir com
particular violência o norte e que levou o cronista a chamar-lhe a "notavel, e portentoza
tormenta de Sam Sebastião" (493), por coincidir com o dia da celebração litúrgica daquele
santo.
Observados em Vilar às 20 horas, as chuvas e ventos ciclónicos provocaram grandes
estragos na igreja e no convento, com particular incidência, talvez, nas áreas que não
haviam sido objecto de remodelação aquando das obras de 1593-1594, de tal maneira
que, "a passar, não remanecião mais que as ruinas de todo o edificio obrado em 191 annos
depois de se dar principio á sua ultima reedificação" (494).
Foi neste contexto de destruição e de insegurança que os padres lançaram uma
profunda reforma e expansão da estrutura arquitectónica do convento e da igreja, ao
mesmo tempo que o culto a Nossa Senhora do Socorro se intensifica e se lhe dedica uma
casa própria (495).
Com início na zona conventual, o programa construtivo evidenciou-se ambicioso, pois
não se tratava apenas de reparar o conjunto danificado (496), mas ampliar toda a estrutura
(493) A.D.B. - Ms. 924, fl. 381. (494) Idem, Ibidem. (495) Entretanto organizam-se, desde 1616, preces em honra de santos protectores ou intercessores.
Assim, logo após o vendaval destruidor, os conventuais, "em facto de vizitação ordenarão que todos os
annos se fizesse huma procissão solemne do convento ate a hermida de São Sebastião com missa cantada
e pregação em memoria desta tormenta e para que Deus Nosso Senhor não permitta por sua infinita
misericordia outra semelhante de tam grande tribulação para seus servos, e de tantas perdas nos edificios"
- A.D.B. - Ms. 924, fl. 381.
Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 395-397. (496) Este ímpeto reformista e desejo de grandeza acompanharam os cónegos de Vilar de Frades, desde a
fundação da sua Ordem. Jorge de São Paulo compara a tapada de Vilar à do Duque, no Alentejo, "assi
pella grandeza de seu ambito, como pella quantidade de arvoredo que em si enserra para as cozinhas e
forno", afirmando mesmo a superioridade da cerca dos evangelistas pelos seus "fortes muros de pedra e
158
arquitectónica, respondendo-se assim às necessidades desta comunidade religiosa em
crescimento.
Coube ao reitor António da Ascensão, em 1619, inaugurar o novo estaleiro que se
desenvolve em direcção ao poente, desde o claustro e o frontispício da igreja: define-se
um novo pátio, quadrado, no mesmo alinhamento do claustro mas de maiores proporções
e recorta-se a moderna estrutura do adro (497).
Como justificação das obras, considerava-se:
1 - que "os edificios deste convento" não estavam de acordo com a sua "fama que
corria em toda a província de Entre Douro e Minho de suas grandezas" (498);
2 - que as oficinas que ocupavam "ambas as partes" do terreiro dos Cabedais estavam
degradadas;
3 - quanto aos dormitórios, "sendo quatro nenhum tinha nome de apparatozo" (499);
4 - o refeitório era não só antigo, mas "mui apertado para o grande numero de
religiosos conventuaes, valhacouto de animalejos asquerozos sem ter couza que levasse
os olhos da gente curiosa" (500).
Por tudo isto deliberaram os religiosos "a dar principio à huma obra tão superior que
abatesse todo o mais edificio pondo por terra" (501). E por terra se lançou toda a estrutura
mais arcaica e insegura, "começando da parte das hortas desde a caza da madeira até a
cal". No perímetro dela havia dispendido o reitor Sodré 80.000 reis em 1596, "em cercar o outeiro do
Barco"; em 1606 gastou o reitor Jerónimo da Assunção 230.000 reis com o chamado "muro do pinheiro"
e em 1613, António de S. Bento, 320.000 reis com o muro de "Jorge do monte"; nos seus triénios, Pero da
Conceição (1621-1623) e Manuel da Anunciação (1636-1638) "fizerão o muro da Frecha ate o monte
redondo que custou 105.000 réis". De salientar ainda que em 1607-1609 decorrem várias obras no
convento, todas a cargo do reitor Baltazar da Anunciação, que "fez de novo todos os curraes, palheiros e
caza da recreação no campo da eira e a fonte de São João" onde a comunidade monástica gastou 310.000
reis - A.D.B. - Ms. 924, fls. 364-365.
Ver Apêndice Documental - doc. VII. (497) No final do século todo este espaço será ampliado 30 palmos para poente, uma empreitada
conhecida pela "obra da emmenda, da frontaria, dos dormitorios novo e velho" a cargo do mestre pedreiro
Manuel Fernandes da Silva - conforme documento exarado a 10 de Maio de 1700, pelo escrivão do
convento Lourenço da Anunciação - A.D.B. - L 22, fls. 414-415. (498) A.D.B. - Ms. 924, fl. 363. (499) Idem, Ibidem. (500) Idem, Ibidem. (501) Idem, Ibidem.
159
parede da caza da limpeza, e da parte da igreja devachando o lanço das estrevarias e suas
varandas ate á porta da claustra por onde sahe a via pera o terreiro da Igreja" (502).
As obras deverão ter começado pelo muro fronteiro que se destinava a realizar a
unidade orgânica do convento e da sua igreja: "huma forte parede" construída "no anno de
1619 des o muro do pumar novo", que fica a norte, "ate a frente de São João" (503).
Definitivamente, esta "forte parede" incluiu:
"Duas portas fronhas, e seus portaes bem lanzados de pedraria da
terra, hum para a serventia do terreiro da Igreja com a imagem de
vulto do nosso patriarcha São Lourenço Justiniano outra para a
serventia da porta dos Cabedaes com a efigie do Evangelista patrão
de toda a Congregação" (504).
Embora contemporâneo destas obras, Jorge de São Paulo não nos fornece qualquer
informação relativa aos artistas que nelas trabalharam, preferindo, obviamente, celebrar
os encomendadores.
Salienta a vontade de António da Ascensão em dar continuidade a este projecto de
reforma e expansão do convento (505), que todavia será rapidamente interrompido pelos
seus sucessores, para dar lugar a uma profunda intervenção no corpo da igreja (506).
Com efeito, durante a reitoria deste prelado prosseguiu-se na vontade de reconstruir
todo o casco demolido, "obrando logo alicerses tão largos, e profundos pello lanço da
(502) Idem, Ibidem. (503) Idem, Ibidem. (504) Idem, Ibidem. (505) A esta fase deverá pertencer parte significativa do edifício localizado a norte do chamado terreiro
dos cabedais, com o seu portal clássico de acesso a uma belíssima escadaria interior (constituída por três
lanços e onde foi utilizado o pilar toscano e o arco de volta perfeita) que comunicava com o refeitório do
primeiro piso e com o dormitório situado no piso superior, com o seu amplo corredor servido de
espaçosas e rectangulares janelas, emolduradas pelo granito e, sobre a padieira, uma cornija que empresta
ritmo e beleza ao muro. Duas cornijas acentuam a horizontalidade do edifício, uma sob o telhado e outra a
delimitar o registo superior, na base das janelas e respectivas sacadas de ferro e ao nível dos candeeiros,
que dão cor, luz e estética ao conjunto. (506) Referindo-se à interrupção das obras na área conventual, Jorge de São Paulo esclarece: "ficou esta
obra com os vestígios de vir a tomar corpo de grande magestade se o padre reitor Pero da Conceição seu
socessor não entendera na reedificação da igreja, a que forão seguindo os mais prelados [...] ficando esta
impreza imperfeita até melhor occazião de maré" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 363.
160
horta" (507), ou seja, na ala sul que se estende entre o cunhal do sudoeste e o lado sul do
claustro quinhentista, "que bem pronosticavão serem os dormitorios, e officinas dos
sotãos humas das maravilhas de Portugal" (508).
Neste "monumental" pano de parede, ter-se-ão pronunciado ainda dois portais, porém,
as obras com as quais o reitor gastou 697.000 reis, "não passarão do olivel da serventia"
(509).
Francisco de Santa Maria, ao descrever a estrutura do seu mosteiro, fornece-nos
elementos essenciais destas obras que haviam de permanecer paradas cerca de oitenta
anos:
"O corpo deste convento consta de quatro dormitorios: hum que
fica para o nascente, e cahe sobre hum jardim com seus canteiros
de flores, e chafariz no meyo. Outro, que fica para o meyo dia, e
cahe sobre a horta, e cerca. Outro, que fica para o poente, e cahe
sobre o terreiro, chamado dos cabedaes. Outro novo (510), cousa
grande, e magestosa, que cahe para o mesmo terreiro, e tem todas
as céllas para o meyo dia: em correspondencia delle se ha de fazer
outro, cujos alicerces estão lançados ha mais de oitenta annos. Da
portaria até o sitio, onde se ha de fazer o dito dormitorio, se
levantàrão novamente sinco arcos de muita grandesa, e magestade,
e no meyo delles se vè hum portico sobre colúnas salomonicas, e em
sima hum nicho de pedra bem obrado, com suas quartellas, e nelle
a figura do nosso fundador o veneravel Mestre João, vestido em o
nosso habito, com mitra na cabeça, e bago na mão esquerda, e na
direita as disciplinas, que são insignia sua, e na pedra do frizo se
lèm de letras de ouro estas palavras: V. Joannes virtutibus, e
miraculis insignis, nostra congregationes, e hujus domus institutor,
(507) Idem, Ibidem. (508) Idem, Ibidem. (509) Idem, Ibidem. (510) Este dormitório poderá ter sido construído cerca de 1619-1620.
161
generalis que perpetuus, e primus, lamacensis ecclesia, e visensis
episcopus, ibique honorifice sepultus" (511).
Esta importante obra do convento só pôde concluir-se nos inícios do século XVIII
(512). A longa interrupção a que ficou sujeita foi objecto de críticas, por certo mordazes,
entre os cónegos que, por um lado, almejavam melhores condições no quotidiano das suas
vidas e, por outro, desejavam reafirmar perante Braga e o país a antiga fama e
grandiosidade do moderno instituto de Vilar de Frades.
As alterações no rumo dos planos construtivos impunham-se, pois era forçoso acudir à
igreja que ameaçava ruir, dotando-a de uma nova estrutura, mais vistosa e segura, em
substituição da nave única e das capelas laterais de quinhentos: adequar o novo corporal
ao conjunto patrocinado por D. Diogo de Sousa e suas sobrinhas.
Porém, as obras que se seguiram não se limitaram ao corpo da igreja e ao seu
abobadamento.
Uma nota do escrivão da comunidade (513) dá-nos conta de que o mosteiro gastou em
1625 cerca de 50.000 reis com a manutenção das celas e com a reforma da enfermaria e
da hospedaria (514).
Ainda segundo a relação de despesas do convento, desta mesma data, gastavam
anualmente os padres de Vilar de Frades 200.000 reis com o convento de S. Bento de
Xabregas, nas obras da sua "igreja que se faz todos os annos" (515) e 60.000 reis/ano com
o Colégio de Coimbra "por não ter rendas para sustento dos padres que aí vivem, nos
estudos" (516).
Num outro documento, de 21 de Julho de 1625, encontrámos testemunhada a aquisição
de umas casas na cidade de Braga, pelo preço de 40.000 reis, compradas à confraria de
Santa Ana:
(511) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 383-384. (512) Cf. Apêndice Documental - doc. XIX. (513) Precisamente o futuro cronista: Jorge de São Paulo. (514) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 127v.. (515) Idem, Ibidem. (516) Idem, Ibidem.
162
"Diguo eu Pero Francisco thesoureiro da confraria de Santa Anna
desta cidade de Braga este prezente anno de seis centos vinte e
sinquo que eu reçebi da mão do padre Diogo de Cristo pregador e
relegioso no mosteiro de Villar de Frades trinta e seis mil réis são a
conta da compra das cassas que a ditta confraria vende ao ditto
convento de Villar de Frades por presso de corenta mil réis e os
quatro mil réis que faltão se darão quando se fizer a escritura a
qual os dittos ofeciais ficarão a fazer oje digo todas as vesses que os
padres quiserem (sic) oje vinte e hum dias do mez de Julho de mil e
seis centos e vinte e sinquo annos.
Pero Francisco" (517).
Finalmente, antes mesmo de empreenderem a substituição do corpo da igreja do século
XVI, os cónegos de Vilar de Frades mandam construir uma capela junto à cerca do
mosteiro e que dedicam a Nossa Senhora do Socorro.
2. A CAPELA DE NOSSA SENHORA DO SOCORRO
A capela de Nossa Senhora do Socorro, que se encontra nas proximidades da cerca e a
oeste do convento, foi concebida no Outono de 1619 e inaugurada no Verão de 1620, uma
obra realizada sob a reitoria de António da Ascenção, muito provavelmente na sequência
da tempestade avassaladora de 20 de Janeiro de 1616, geradora da insegurança e pavor da
comunidade.
Nesta capela será venerada uma "devota imagem da sacratissima Virgem" (518) cedida
pelo cónego Baltazar da Anunciação, que "a levou da sua cella onde a tinha em hum
oratorio com notavel veneração" (519).
(517) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 247.
163
Destinada à celebração "quando a devoção o pedisse", esta ermida viria a ser "muito
frequentada de gente devota em todos os dias Santos e Domingos" (520). Porém, o dia da
Mãe de Deus, com o título do Socorro, era particularmente festejado "com muita
solemnidade de muzica e pregação por ordem dos padres vice reitores em a festa das
Neves" (521).
Uma inscrição na padieira da porta lateral - "S. Mª. Svccorre Miseris" - recorda-nos a
insegurança e a necessidade de protecção divina face às forças da natureza. E nada melhor
que a mais santa de todas as santas para interceder junto do Filho, para que este não
permita que os caprichos da natureza, muitas vezes identificados com as forças
sobrenaturais demoníacas (522), coloquem em risco as vidas e os haveres de toda a
comunidade monástica.
Para se proceder à nova edificação era indispensável a autorização do arcebispo de
Braga, D. Afonso Furtado de Mendonça (arcebispo entre 1618-1626).
Um documento não datado, da autoria do reitor António da Ascensão, reconhece a
suprema autoridade do prelado bracarense ao admitir que os frades "não podem érguer
sem particular licença de Vossa Illustrissima Santidade" (523) a capela que querem
construir "para sua consolaçao e elevaçao [...], huma hermida da invocaçao de Nossa
Senhora do Socorro junto, aos murros (sic) do dito mosteiro, lugar publico, e mui
ferquentado, de gente por ser estrada corrente" (524).
Com a data de 17 de Novembro de 1619, o despacho do prelado é lacónico, mas
preciso: "Obrigandose a fabrica da hermida se lhe concedera a licença que pedem" (525).
Embora António da Ascensão venha, em 17 de Janeiro de 1620, a dar satisfação ao
despacho do arcebispo (526), uma nova decisão, que aliás renova a anterior - mas agora de
(518) A.D.B. - Ms. 924, fl. 365. (519) Idem, Ibidem. (520) Idem, Ibidem. (521) Idem, Ibidem.
Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 385. (522) Convicto, o cronista de 1658 conta-nos que "na sesta feira huma mulher endemoninhada natural de
São Miguel de Roriz veio à Barcellos dizendo estava mui cançada de trabalhar toda a noite de quarta feira
ajudando as furias de aquella tormenta, e que ella e seus companheiros pozerão todas as forças para
derrubarem a torre de Villar, mas que não puderão fazer mais que dar com as ameias em terra, e que mais
guardava o sino grande que nella estava" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 382. (523) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 26.
Embora não possua qualquer data, este documento foi escrito no Outono de 1619, antes,
logicamente do despacho de D. Afonso Furtado de Mendonça, datado de 17 de Novembro daquele ano. (524) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 26. (525) Idem, Ibidem.
164
uma forma inequívoca -, datada de 9 de Fevereiro, exige aos monges que "se obriguem
por escritura publica" (527), pelo que nesse mesmo dia seria lavrado e assinado um
"instrumento de hobrigação" na casa da hospedaria conventual, na presença do tabelião
Sebastião de Faria e testemunhado por Gonçalo Fernandes e Pero Pinheiro, o primeiro da
freguesia de Santiago de Encourados e o segundo de São Pedro de Adães, do termo de
Barcelos (528).
Compareceram à chamada, "per san de canpa tangida segundo seu bom e antigo
custume para semelhantes casos ordenados pello dito convento" (529), os reitor e vice-
reitor, António da Ascensão e Gaspar da Ressurreição, o procurador Bartolomeu de Santo
António, os demais padres "deputados" e:
"Por elles todos juntamente e per cada hum delles en solidum foi
dito en seus nomes e do seu mosteiro que elles ordenavão de fazeren
junto do mesmo mosteiro huma hermida da invoqação de Nosa
Sora do Secoro (sic) e que pera efeito de a poderen fazer lhe estava
mandado pello sor arcebispo primas que se obrigasem os beins do
convento a fabrica della e logo por elles foi dito que de comum
consentimento se obrigavão como de feito logo se obrigarão pellos
beins e rendas do dito mosteiro de fabriqarem a dita irmida de todo
o nesesario que ouver mister e pera iso obrigavão os beins do dito
mosteiro e asi o outroguaram (sic) seu tabalião como pesoa
publiqua estepulante e aceitante o estepulei e aseitei" (530).
Desta forma, cumprida a condição essencial exigida pelo arcebispo, a licença formal
para a construção da capela surge a 19 de Fevereiro de 1620 (531), numa altura em que, na
nossa opinião, já as obras estavam a decorrer (532).
(526) Idem, fl. 26v.. (527) Idem, Ibidem. (528) Idem, fls. 27-28. (529) Idem, fl. 27. (529) Idem, fl. 27v.. (530) Idem, fl. 28v.. (531) A data de 1619 poderá ter sido escolhida pelos padres de Vilar como forma de assinalar o início
dos trabalhos, anterior à licença do arcebispo?.
165
Com efeito, cinco meses depois já Pero do Salvador, sacristão e "parocho dos freigeses
deste convento de Villar de Frades" (533) certificava perante o prelado de Braga o fim das
obras da capela para a qual "se pede licença para nella se dizer missa" (534),
considerando-a "huma das mais ornadas e decentes [...] que ha em todo o arcebispado"
(535).
Uma obra de "muita perfeiçam", com o "seu retabolo dourado e outras perfeiçois que
não ha em outras ermidas" (536), feita no curto período de cinco meses, parece-nos
improvável. O mais certo foi a sua construção ter início, pelo menos, em Novembro de
1619, numa altura em que os oficiais de pedraria procediam a obras de remodelação e
ampliação do convento (537).
Quanto ao mestre pedreiro e aos oficiais que trabalharam nesta data em Vilar de
Frades, não possuímos qualquer informação.
Nem o contrato, nem os apontamentos ou outros quaisquer documentos nos dão luz
sobre os artistas que trabalharam na reforma e ampliação do convento depois de 1616
(538), sobretudo no ano de 1619, no novo corpo da igreja e no seu esmerado e sublime
abobadamento, enfim, na capela de Nossa Senhora do Socorro.
Até o cronista, infelizmente, omite a autoria do traçado e da execução das obras. Terão
estado a cargo, ainda, de algum membro da "dinastia" Lopes, de Guimarães? A que se
deve o silêncio de Jorge de São Paulo, contemporâneo e testemunha das obras em Vilar?
São interrogações para as quais não encontrámos respostas seguras.
Com a licença passada pelo arcebispo para a celebração da missa na capela do
Socorro, na sequência da certidão de Pero do Salvador, em 4 de Julho de 1620 (539), a sua
inauguração deve ter ocorrido na primeira semana de Agosto, coincidindo com as
festividades em honra de Nossa Senhora das Neves.
(532) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 29. (533) Idem, Ibidem. (534) Idem, Ibidem. (536) Idem, Ibidem. (537) A.D.B. - Ms. 924, fl. 363.
Cf. Apêndice Documental - doc. VII. (538) Em geral, o cronista menciona as principais obras realizadas e os seus custos, com o objectivo de
tornar célebre o seu mosteiro e pôr em destaque a acção dos religiosos que presidiam aos seus destinos.
166
Das memórias paroquiais de 1758 (540), chegou-nos a seguinte notícia:
"Ha outra capella da Senhora do Secorro que está defronte da caza
de Villar em hum alto, e tem seu rendimento lemitado, he
admenistrada pelos vice reitores de Villar, e vai a mesma
communidade em procissão cantarlhe a missa, e fazer o sermão, e se
lhe fas a sua festa em dia da Senhora das Neves" (541).
Implantada no alto de uma pequena colina, de costas voltadas ao monte e ao Cávado e
com a frontaria debruçada sobre um espaçoso recinto, a sul, junto à entrada da cerca, a
poente, a capela de Nossa Senhora do Socorro desfruta uma paisagem paradisíaca, feita
de arvoredo e monte, nas proximidades do lavradio.
Neste antigo (e actual) espaço de romaria anual (542), um pelourinho de traça
seiscentista, mas não datado, marca simbolicamente neste espaço inferior a convivência
do sagrado com o profano.
Uma escadaria desalinhada e arcaica dá acesso ao terreiro superior, onde a capela se
mostra nas suas linhas arquitectónicas, perfeitas e sobriamente desenhadas.
De pequenas dimensões e realizados ao "gosto moderno" (543), três volumes
logicamente articulados dão ritmo e harmonia a este edifício cultual.
A capela-mor é um quase quadrado de 5 por 5,15 m., aninhado atrás de um corpo mais
alto, de 10,30 por 6,15 m. a que se encostou. Sob a mesma água do telhado, a oeste, uma
sacristia de 8,55 m. por 3,15.
O seu interior é pois um pequeno espaço unitário sobre um pavimento de granito,
ligeiramente soerguido na cabeceira onde o altar é obviamente o mais sagrado deste lugar
de culto, historicamente especial e popular. Um arco de volta perfeita, sobrepujado por
duas pilastras nos seus bem proporcionados capitéis da ordem toscana, estabelece a
(539) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fls. 29v.-30. (540) A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fls. 1769-1772. (541) Idem, fl. 1772. (542) Na crónica de 1697 pode ler-se: "Em hum teso defronte do convento para a parte do poente, se vè
huma Ermida dedicada à Virgem S. N. com o titulo do Socorro, aonde os Conegos vão fazer suas
romarias, e devoções, e no dia das Neves lhe fazem a sua festa com grande applauso, e concurso" -
SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 385. (543) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 20.
167
transição entre a capela-mor e a nave, como que a unir os espaços e a justificar as
diferentes volumetrias.
Um púlpito, essencialíssimo na Época Moderna e um retábulo dourado (dentro, talvez,
da estética maneirista), constituíam as obras de talha da capela; ao longo dos séculos
XVII e XVIII é praticamente certo que o retábulo foi substituído por um outro da estética
barroca, porém, apenas temos conhecimento do exemplar neoclássico mencionado no
inventário de 1834 (544), talvez dos inícios de oitocentos:
"Hum retabulo quasi novo pintado a marmore de varias cores e
com frizos, e mais relevos dourados" (545).
No que respeita à imaginária, duas representações escultóricas de Nossa Senhora do
Socorro, uma de cinco e outra de um palmos, a maior com o Menino ao colo e ambas
com "huma coroa de folha de Flandes" (546) faziam-se acompanhar das imagens de Santo
António, do lado do Evangelho no retábulo e de Santiago, do lado da Epístola, ambas
pintadas (547).
O tecto era uma abóbada de madeira pintada de azul (548).
Na parede a nascente, exteriormente, duas frestas perspectivadas "com vidros pregados
em ferro em forma de grade" (549), uma de cada lado da porta.
Estes vãos, tal como a pequena porta da sacristia e a portada principal, no frontispício,
harmonizam-se com a estrutura arquitectónica global.
O óculo do frontão foi quase escondido pelo alpendre que se colou à fachada, aquando
das obras de beneficiação que ali houve, provavelmente nos começos do nosso século, a
(544) Ver Apêndice Documental, doc. XXXII. (545) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 20. (546) Idem, Ibidem. (547) Idem, Ibidem. (548) Idem, Ibidem. (549) Idem, Ibidem.
168
avaliar pela placa alusiva a uma família de pequenos mecenas que em 1900 terão
oferecido a sineira maior (550), o que originou um remendo na empena da sacristia.
A coroar este pequeno mas interessante templo, três cruzes e três pares de pináculos
(um dos quais substituído, na zona da frontaria e cujo original se encontra no cimo do
escadório, à entrada do pátio) acrescentam plástica, movimento e beleza ao conjunto que,
perene, continua o seu diálogo multissecular com a terra, com o arvoredo verdejante e o
céu de Areias de Vilar.
3. A IGREJA
3.1. O NOVO CORPO E SEU ABOBADAMENTO: UMA OBRA DE 1620-1658
As obras empreendidas no mosteiro nos anos subsequentes à "tormenta de S.
Sebastião" e que, dada a extensão dos alicerces, visavam uma importante ampliação dos
espaços conventuais, foram aparentemente interrompidas com a eleição de Pero da
Conceição para o cargo de reitor, em 1621 (551). O corpo da igreja estava certamente
arruinado, justificando-se plenamente as alterações introduzidas no programa construtivo
que, segundo a nossa fonte, foi inaugurado em 1619 (552) por António da Ascensão.
Ao dar a notícia sobre a reedificação do corpo da igreja, Jorge de S. Paulo refere-se à
interrupção dos trabalhos na área conventual em 1620, pelo que "ficou esta obra com
vestigios de vir a tomar corpo de grande magestade se o padre reitor Pero da Conceição
seu socessor (553) não entendera na reedificação da igreja, a quem foram seguindo os
mais prelados [...] ficando esta impreza imperfeita" (554).
(550) FONSECA, Teotónio da - Ob. cit., p. 37. (551) A.D.B. - Ms. 924, fl. 363.
Cf. Lista dos Reitores do Convento de Vilar de Frades..., Capítulo I. (552) Todavia, esta data apontada pelo cronista pode referir-se às despesas saldadas com as obras que,
entretanto, poderiam ter-se iniciado logo após a tempestade de 20 de Janeiro de 1616. (553) Pero da Conceição havia sucedido no cargo de reitor a António da Ascensão - Cf. Lista dos Reitores
do Convento de Vilar de Frades..., Capítulo I. (554) A.D.B. - Ms. 924, fl. 363.
Ver Apêndice Documental - doc. VII.
169
Este lamento justificava-se, tanto mais que haviam passado 38 anos e o estaleiro
continuava parado (555). Desencantado com a possível inércia dos meados do século, o
cronista duvida "mesmo se se embarcarà nella o principiado edificio, pois dandosse fim à
toda a obra da igreja no anno de 1638 (556), se não continuou a obra referida [...] nem se
deu principio a outra alguma que nesta parrafo podessemos relatar, de modo que são
passados 38 annos que os referidos alicerces permanecem em maré vazia" (557).
Com início em 1621, as obras do corpo da igreja ter-se-ão desenvolvido até finais da
década de quarenta. Nada sabemos, no entanto, quanto aos nomes dos artistas que nelas
trabalharam.
Para além do manuscrito de Braga - que veio sem dúvida desmentir a tradicional
datação, que dava a nave e o seu abobadamento ao século de quinhentos, tal é a harmonia
e a aparente familiaridade com o conjunto do período manuelino -, dois outros
documentos fazem referência ao andamento dos trabalhos, nos anos de 1623-1625.
Nas "Lembranças deste Mosteiro de Villar de Frades" (558), o seu autor, anónimo
(559), indica-nos o lançamento da primeira pedra da abóbada, que começou na zona do
coro:
"Em 17 de Junho de 1623 se assentou a primeira pedra da abobeda
do corpo da igreja, e se comessou logo pelo choro, entre ambas as
(555) Idem, Ibidem.
E parado havia de continuar por muitos mais anos, conforme as memórias de Santa Maria que, ao
referir-se ao chamado dormitório novo, acrescenta que "em correspondencia delle se ha de fazer outro,
cujos alicerces estão lançados ha mais de oitenta annos" - SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p.
384. (556) Numa outra passagem, porém, o cronista refere a data de 1658 (ano em que escreve) para a
conclusão dos trabalhos nas capelas laterais, pelo que a data de 1638 deverá relacionar-se com o fim das
obras na nave. (557) A.D.B. - Ms. 924, fl. 363.
E, mordaz na critica, comenta que a situação era "couza que sentia muito hum religioso simples
com receos de em tanta distancia de annos apodreceriam os alicerces se se não continuasse o edificio que
devia ser irmão em armas na singelicidade um o outro de Evora que foi fazer requerimento à Camara
quando se obrava o chafaris da agoa da prata mandasse por à sombra a taça por não empenar com a força
do Sol" - Idem, Ibidem. (558) Conforme o prólogo deste documento que se encontra depositado no A.N.T.T., trata-se de um
"Memorial de todas as cousas notaveis, que pertencem a este convento de Villar de Frades, onde tambem
se apontão algumas antiguidades desta congregação, e de seu principio, ordenado pelo padre reitor (?)
Baltazar de Christo Sodré natural do Porto, religioso da mesma congregação, e reitor que foi do dito
convento por dous triennios. Anno do Sôr de 1604" - A.N.T.T. - Lº 1, Mç. 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25,
fl. 1.
170
torres, e se cubrio todo o choro de abobeda do dia e mes que assima
digo ate o principio de outro tal mes de 1624 que foi o ultimo anno
do padre Pero da Conçepção da Nobrega sendo reitor e elle
começou esta obra, o coal faleceo tendo cuberto ametade do choro,
e com a outra ametade por elle deixar a maior parte da pedra
lavrada continuou o seu vice rector Domingos da Trindade Faria e
cubrio até o orgão" (560).
Em 12 de Maio de 1625, e na qualidade de escrivão da comunidade de Vilar de Frades,
Jorge de São Paulo, ao apresentar a relação das despesas e receitas do seu convento (561),
refere-se às obras que ora decorrem na igreja, sem contudo nos fornecer mais que
escassos indícios sobre tão importante empreitada (562).
Inicialmente procedeu-se ao reforço da parede exterior do corpo (563), introduzindo-lhe
novos contrafortes, que assegurassem as descargas do peso da abóbada de pedra que se
projectava construir. De seguida iniciou-se o abobadamento, na zona do coro cuja
primeira pedra foi lançada a 17 de Junho de 1623.
(559) Pelo estilo de linguagem e pela ortografia, estamos convencidos de que o seu autor foi Jorge de S.
Paulo. Este manuscrito poderá mesmo ter constituído um esboço, ainda que rudimentar, do "Epilogo e
compendio..." que este cronista redigiu em 1658. (560) A.N.T.T. - Lº 1, Mç. 1, Cx. 1, Conv. Diversos-nº 25, fl. 13v.. (561) Jorge de São Paulo apresenta um saldo negativo de 200.000 reis, relativo ao ano de 1624-1625,
justificado pelas inúmeras despesas da "casa", que obviamente deveriam emperrar o andamento das obras.
Esclarece que viviam no seu convento entre 52 a 55 religiosos "aos quais se dá de vestir perfeitamente
panno de linho, calçado, e vestido de panno e sarjas com toda a pontualidade por assim o detreminar a
Constituição", oscilando esta despesa entre 500.000 e 960.000 reis por triénio; em cada ano gastavam-se
entre 550.000 e 560.000 reis em carne e peixe e 110.000 reis em salários: "em soldadas de criados, que
são muitos, por a caza ser de grangearia e estar em hum monte afastada de povoação muito he assim ter
açalairados todos os officiais necessarios, como carpinteiros, ferreiro, pedreiros, alfaiate, çapateiro e os
mais só em soldadas cento e des mil reis pouquo mais ou menos", isto em dinheiro, porque com os
"ordenados de pão aos officiais açalairados" gastavam-se 675 alqueires de pão destinado a "medicos;
surgioins, letrados, soliçitadores e barbeiros, sangrador e mais officiais necessarios pera a sustentação da
caza" e 70 alqueires/semana "em familios da casa que são muitos por respeito da grangearia e nas esmolas
da porta cotidianas, que são muitas e grandes"; em todos os anos se consumiam 50.000 reis com a
"emfermaria e botica"; entre 110.000-120.000 reis em azeite, porque das rendas não vinha nenhum e
muito se gastava por ser uma "casa de estudantes e ter muitas lampadas obrigadas em a igreja"; 30.000
reis nas "obras" da sacristia e 120.000-130.000 reis nas "mudanças e caminhos" para fora de Vilar por
este convento "estar em o monte e em hum sitio muito humido e frio do qual procurão os religiosos por
respeito das emfermidades mudarsse para outras casas mais sadias"; finalmente, a despesa com as
Visitações e com o Seminário de Braga orçava em 10.000 reis/ano - A.D.B. - Fundo monástico, L 24, fl.
128. (562) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fls. 127v.-128. (563) Dizemos reforço porque estamos convencidos de que se manteve o mesmo muro externo do corpo
quinhentista, do mesmo modo que as frestas nele rasgadas e que viriam a ser entaipadas no século XVIII,
aquando da remodelação barroca no interior da igreja.
171
Testemunha-nos o escrivão da comunidade que "a igreja esta pera cair e foi necessario
sostentarem-na com botareos", sendo "começada huma abobada em ella" (564).
E, preocupado com eventuais atrasos, defende que se não se lhe acudir "com prestesa",
correrá o risco de ruir, "caira a igreja ou pello menos avera sempre perda no comessado"
(565), devido às infiltrações de água que afectavam todo o "mais corpo da igreja que para
continuarem com a abobada se desforrou e assim esta aberto" (566).
Prevê ainda que "pera a qual obra tão neçessaria são neçessarios largos tres mil
cruzados" (567).
Contemporâneo de toda a construção, o mesmo autor fornece-nos elementos mais
completos na crónica de 1658:
"Conservou-se esta obra do corpo da igreja até o anno de 1623 em o
qual considerando os padres não tinha correspondencia alguma
com o edificio da capella e cruzeiro e que o forro hia dando de si,
saltando as peças com o risco dos freguezes se deliberarão a darem
principio à obra proporcionada à capella repartida em seis paineis
e, assi o padre reitor Pedro da Conceição da Barca em 17 de Julho
(sic) do mesmo anno lançou a primeira pedra do corpo da igreja
(568) começando pello primeiro painel do choro e foi-se continuando
este magestoso edificio firmado com altos e fortes botareos com a
mesma abobada enlaçada de porcintas e rozas em correspondencia
igual da capella mor e cruzeiro.
Forão continuando com esta sumptuosa obra os reverendos padres
reitores João de São Paulo, Felippe da Ressurreição, Gaspar dos
Anjos, Gabriel da Anunciação, Manuel da Annunciação e Bernardo
de Christo ate o anno de 1641, despendendo-se nella quatro contos
outocentos e trinta mil réis em o qual anno pararão não se obrando
couza que avultasse até este de 1658 em que tiverão fim as capellas
e seus retabolos que por agencia de hum padre nosso mestre de
(564) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 127v.. (565) Idem, fls. 127v.-128. (566) Idem, fl. 128. (567) Idem, fl. 128. (568) No testemunho da década de 20, o cronista indica o nome de Pero da Conceição da Nóbrega como
reitor e a data de 17 de Junho para a colocação da primeira pedra.
172
obras chegarão a menos despeza da sua estimação que forão
400.000 réis. Por maneira que ficou o edificio de todo este templo
não só magestoso excellente e admiravel; mas mui polido sotil,
fermoso e aprazivel, e obra tao perfeita que depois de posta em
execução se considerava impossível, e poem em admiração a todos
os que entrão nesta igreja, quando penetrão com a vista o todo
deste edifício; e se o corpo deste templo chegara a lograr a perfeição
que tinha insinuado o arcebispo Dom Diogo de Souza conforme a
planta traçada pelo arquitecto da capella maior havia de ser
portentoza, mas nem por isso ficou atrazada conforme a
reedificação do estado em que o temos reprezentado" (569).
O resultado foi sem dúvida feliz:
"Ficou ella tao engraçada na arquitectura; tam majestoza na
fortaleza da abobada e botareos; tam apparatoza com as capellas
collateraes e seus retabolos e tam apprazivel na melodia dos orgãos
que pode competir com os melhores templos de todo o reino" (570).
No essencial manteve-se o espírito dos inícios de quinhentos: uma concepção espacial
ampla, adequada ao acolhimento de um grande auditório e a fim de responder às
necessidades modernas do culto e da pregação, onde os cenários sagrados se
complexificam e a adesão à fé católica se radicaliza frente à ameaça de todas as heresias...
judaica, protestante, reformista.
Uma caixa arquitectónica que materializou ainda o possível projecto castilhiano? Um
projecto que contemplou parcialmente uma gramática renascentista, livremente
interpretada nos arcos das capelas laterais, associada à estrutura tradicional da cobertura e
das janelas? Ou apenas a ideia de fazer corresponder, nas dimensões e nas formas, o novo
corpo à velha capela-mor, ao transepto e ao pórtico manuelinos?
(569) A.D.B. - Ms. 924, fl. 356.
Ver Apêndice Documental - doc. VII.
Cf. Lancastre, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 200-201 e Oliveira Ramos, Maria Teresa
Calheiros Figueiredo de - Ob. cit., p. 112.
173
As três ideias parecem coexistir.
À grandiosidade do corpo, sobretudo da nave única, corresponde a monumentalidade
da cabeceira, quer quanto às espacialidades e volumetrias, quer no que respeita ao
figurino estilístico marcadamente influenciado pela arte de João de Castilho.
O mesmo aparelho no mesmo granito porfiróide; o mesmo esquema de janelas
recortadas no registo superior dos muros da nave (quatro de cada lado), embora neste caso
de dimensões compreensivelmente muito inferiores e despojadas de quaisquer elementos
decorativos, tanto escultóricos como pictóricos, interior e exteriormente; o mesmo friso
contínuo como nota plástica e para evitar a excessiva verticalidade, mais sóbrio na nave, e
dele arrancam as muito semelhantes mísulas que recebem a teia complexa de nervos de
pedra ordenadamente espalhados pela cobertura: feixes prismáticos de onze nervuras
arrancam das dez principais mísulas e elevam-se na planimetria da abóbada, na urdidura
de uma teia complexa de cruzarias, losangos e triângulos, harmoniosamente articulados e
fechados por rosas e rosetas, tecnicamente bem executados e de efeito indiscutivelmente
melodioso (ver Apêndice - fig. 10).
Mas neste traçado epigonal - que aliás demonstra como em história da arte a afirmação
de um estilo nem sempre corresponde a uma determinada época, colocando aos
historiadores de arte problemas de datação sempre que a documentação escrita é escassa
ou não existe, sobretudo em obras cujas cicatrizes evidenciam uma pluralidade de
intervenções -, enxertou-se uma linguagem de sabor renascentista, materializada nos
arcos de volta inteira, das oito capelas laterais da nave, em simbiose com elementos
decorativos tardo-medievais, como sejam os falsos capitéis que se salientam dos três
pseudo colunelos que formam os referidos arcos e que apresentam formas e temas
diversos: bases mistilíneas invertidas, rosas e outros elementos vegetais como folhas e
troncos na configuração de pretensos cestos de capitéis, parras e cachos de uvas na sua
decoração, bem como macacos, um coelho a tocar gaita de foles (?) e crianças nuas em
posições contorcionistas. O arco é clássico, mas a iconografia lembra os finais da Idade
Média!
Acima de tudo, houve a clara intencionalidade de respeitar a traça manuelina, dando
nobreza e robustez ao corpo da igreja, que delas carecia, e que colocava em risco a
própria segurança dos fiéis.
(570) A.D.B. - Ms. 924, fl. 358.
174
As obras de remodelação da igreja, realizadas ao longo do século XVIII, alteraram
profundamente todos os espaços sagrados e, entre estes, todas as capelas laterais.
Os vãos das janelas do registo inferior (porventura sobrevivências da construção de
quinhentos?), foram entaipados no século das luzes, para a instalação dos altares de talha
dourada e branco-dourada. Apenas a capela da pia baptismal (571) manteve a sua fresta
intacta, que denuncia a familiaridade com as restantes janelas do templo, sem no entanto
apresentar qualquer apontamento decorativo.
Na organização espacial destas capelas seiscentistas inscreveu-se um rectângulo quase
quadrado, pavimentado com lajes quadradas e rectangulares dispostas em duas
plataformas, uma ligeiramente mais elevada para aí receber o retábulo e respectivas
invocações (572).
Todas as capelas comunicam entre si, através de duas pequenas portas rectangulares.
Quanto ao sistema de cobertura, obedeceu à organização geral dos restantes tectos da
igreja: um abobadamento de nervuras que se cruzam, formando figuras geométricas,
sobretudo o triângulo e uma cruz rigorosamente simétrica a dominar a composição. Uma
rosa fixou-se no centro do plano, que é o ponto de encontro das nervuras, mais volumosa
que as restantes quatro chaves, igualmente vegetalistas e que marcam as extremidades da
cruz. As nervuras arrancam dos quatro cantos das paredes, a partir de peanhas lavradas
com motivos vegetais.
(571) A pia baptismal constitui um belíssimo exemplar de estrutura octogonal, lavrado à moda manuelina.
(572) Admitimos a possibilidade das "Instructiones Fabricae et Supellectilis Ecclesiasticae", de S. Carlos
Borromeo (1538-1584), terem influenciado directa ou indirectamente a reforma seiscentista da igreja. No
que respeita às chamadas capelas e altares "menores", em primeiro lugar, "cuando sea menester edificar
numerosos altares, y la iglesia, construída en forma de cruz, que conste de ábside y tenga dos como
brazos, entonces por el extremo de uno y otro brazo será el lugar aptamente conveniente donde se
edifiquen dos altares, uno por el lado derecho, otro por el izquierdo [...] Todas las capillas menores
consten de una misma latitud, longitude y altitud; y finalmente, hasta donde sea posible hacer esto,
guarden armonía entre sí, por todos lados. Pero sin embargo las que están en la cabeza de los brazos de la
iglesia que exhibe forma de cruz, por razón del sitio, podrán ser también de forma más ilustre, así como
algo más amplias que las demás, con tal que aquéllas se correspondan entre sí, una a la otra, por todos los
lados [...] El pavimento de las capillas menores debe construirse ocho pulgadas más alto que el suelo de la
iglesia [...] Cada capilla, como se dijo de la mayor, eríjase con obra abovedada. Los altares constrúyanse
en el frente medio de cada una de las capillas, no por los lados" - BORROMEO, Carlos - Instruccions de
la Fábrica y del Ajuar Eclesiástico (Introducción, traducción y notas de Bulmaro Reys Coria e nota
preliminar de Elena Isabel Estrada de Cerlero), México, Universidad Nacional Autónoma de México,
1985, pp. 20-21, 23-25.
175
3.2. O NOVO CADEIRAL DO CORO: UMA OBRA DE ANTÓNIO JOÃO
PADILHA, MESTRE ENSAMBLADOR DO PORTO
Corria o ano de 1682 quando os cónegos seculares de Vilar de Frades procedem a
reformas no coro, mormente modernizadoras desta zona da igreja. Para o efeito,
chamaram o ensamblador António João Padilha, residente na cidade do Porto, na Rua da
Calçada da Relação Velha (573), com o qual celebram um contrato para a construção do
novo cadeiral, com seus espaldares, estante, grades do coro e tribuna do órgão (574).
No seu conjunto, a obra orçou em 3.000 cruzados e deveria estar "toda acabada
assentada e posta em seu lugar" no prazo de um ano, ou seja, "por todo o mes de Abril do
anno que vem de mil e seis sentos e oitenta e tres annos" (575).
No século de quinhentos, com início em 1541, haviam os padres de Vilar realizado
importantes obras de marcenaria e arte da talha na área do coro, onde terão dispendido
226.000 reis no forro, nichos e respectivo cadeiral, obras estas encomendadas pelo padre
reitor Pedro de São João o Velho (576), que mandou dotar o referido coro "de cadeiras
com seus sobreceos de braço estrivados sobre colunetos bem lançados" (577) e que
rematariam junto da cornija com as "suas tarjas appraziveis, e sobre o parapeito hum
modo de nichos cruzados com celagens de fasquias atravessadas" (578), construções tidas
como uma "obra delicada e com muita variedade de graciosas figurinhas" (579).
Em 1560 foi instalado junto ao mesmo coro "em hum fermozo arco de pedra com sua
sacada" um formoso orgão, "assi por ser obra do mestre Lobo, como por ser peça tam
admiravel, tam estimada na provincia de Entre Douro e Minho pella suave melodia dos
(573) Cf. FERREIRA-ALVES, Natália Marinho - A Arte da Talha no Porto na Época Barroca (Artistas e
Clientela. Materiais e Técnica), Vol. II, pp. 413-414. (574) Contrato este publicado por BRANDÃO, Domingos de Pinho - Ob. cit., pp. 548-554.
Ver Apêndice Documental - doc. XII. (575) BRANDÃO, Domingos de Pinho - Ob. cit., pp. 549-552. (576) A.D.B. - Ms. 924, fl. 358.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., p. 190. (577) Idem, Ibidem. (578) Idem, Ibidem. (579) Idem. Ibidem.
176
seus muitos e suaves registos" (580), uma obra encomendada pelo padre reitor Vicente da
Conceição, a quem terá custado 310.000 reis.
Segundo conta Jorge de São Paulo, o organista Manuel da Guerra (581) terá cobiçado o
órgão de Vilar, que pretendeu comprá-lo aos cónegos por "hum conto de reis" a fim de o
vender ao arcebispo de Santiago de Compostela por "tres mil cruzados", tal era a fama
que corria de tão celebrado instrumento musical:
"Fes este orgao o padre reitor Vicente da Conceição no ano de 1560, e
hera de tanta fama que o organista Manuel fa Guerra tanto que soube
se havia de desmanchar do terceiro painel da igreja no ano de 1630
para se assentar de novo no mesmo arco partio da sua terra e
chegando a este convento disse ao padre reitor Felippe da Ressureição,
me prezente faria outro orgão quazi igual pello preço em que se
concertassem e daria logo pello orgão hum conto de reis que tão
celebrado hera no reino e em Santiago da Galiza onde de prezente
morava com partido da mesma Sé. Depois que não achou boa resposta
nos padres e desconfiado da venda lhe perguntei porque dava hum
conto pella peça custando somente 310.000 réis. Respondeu que
300.000 réis naquelle tempo herão hoje 900.000 réis, e que havia de
vender o orgão à Sé de Santiago por tres mil cruzados que os havia de
dar da fabrica o arcebispo e seu cabido com muita liberalidade, por a
peça ser de inestimável valor e nao haver outro mestre Lobo nos
prezentes annos que atine com a tempera dos canos de que resultava
tanta melodia e suavidade e tanta variedade de registos e juntamente
(580) A.D.B. - Ms. 924, fl. 359.
Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 377
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 192, 202-203.
(581) Este mestre organista deveria conhecer bem o orgão de Vilar de Frades, pelo menos desde 1614,
altura em que assina um contrato, a 14 de Agosto, relacionado com a sua manutenção: "Por este por mim
feito e asinado digo eu Manoel da Guerra organista e morador em a vila de Pombeiro bispado de
Coimbra, que eu me obrigo ao convento de Vilar de Frades e ao padre reitor e mais religiosos da dita
casa, a lhe vir afinar e alimpar os orgãos uma vez no anno depois da Pascoa por preço de quatro mil reis
que me dão de salario cada anno como consta do asinado que me fizerão, e me obrigarão que lhe dando
alguma neceçidade urgente pela roda do anno mandando me o padre reitor recado virei consertar o dito
orgão sendo (?) claro que sosedendo (...) a custa do dito convento e não vindo [...] em tal caso poderão
chamar outro oficial a minha custa e por verdade fiz e asinei este oje catorze de Agosto de seis sentos e
catorze annos. Manoel da Guerra" - A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fl. 107.
177
queria ver a caixa do segrego para se approveitar da inventiva da sua
fabrica por ser mestre Lobo homem primo nesta e nella nao teve
segundo e menos o terá nos seculos subsequentes" (582).
O coro obedeceu a um recorte "quarteado em painéis margeados em alto de folhagens
pregado no baixo da porta da igreja" (583).
Esculturada num dos caixotões, uma poderosa águia bicéfala sobreviveu aos séculos...
e ainda pode ver-se neste forro do nartex interior.
Ocupando um vasto espaço organizado em U, o cadeiral desenhava um coro
majestoso, "capaz de alguns 70 religiosos" (584).
Salientando a riqueza e beleza do coro seiscentista (lembramos que foi reformado em
1682-1683), diz-nos Santa Maria:
"Sobre a bem acabada, e majestosa obra da portada, e frontespicio,
se fundou o espaçoso coro, que modernamente se vè ornado com
cadeiras, estante, e grades (a que correspondem as da igreja, e
púlpitos) tudo de rica madeira, bronzeada, obra verdadeiramente
majestosa, e perfeitissima" (585).
Ora, no dia 13 de Maio de 1682 havia sido contratado António João Padilha (586),
artista portuense, para fazer o cadeiral, a estante e as grades do coro, bem como a tribuna
do órgão, conforme consta do contrato transcrito por D. Domingos de Pinho Brandão
(587).
A leitura do contrato permitiu-nos saber os nomes das partes envolvidas; a existência
de uma planta para o cadeiral, porventura idêntica ao do convento da Serra do Pilar e de
(582) A.D.B. - Ms. 924, fl. 359.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 192, 202-203.
Cf. Apêndice Documental - doc. VII.
(583) A.D.B. - Ms. 924, fl. 358.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., p. 190.
(584) Idem, Ibidem. (585) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 377. (586) Quinze anos antes da publicação da crónica do cónego Santa Maria. (587) Ver BRANDÃO, Domingos de Pinho - Ob. cit., pp. 548-554.
178
um rascunho para a estante, que copiará o modelo de Tibães; enfim, as clausulas que
obrigavam o encomendador e o artista ao seu cumprimento.
Pelo reitor e demais religiosos do convento de Vilar de Frades, compareceu ao acto o
procurador João Evangelista, então "irmão" do convento de Vila da Feira, que exibiu uma
procuração passada a 10 de Maio de 1682 (588).
Da outra parte compareceu António João Padilha, Maria Marques "esposa do
ensamblador" como autorga e as seguintes testemunhas: Domingos Ferreira, de
Campanhã (Porto), António Coelho, de Vilar de Frades (Barcelos), ambos aprendizes do
artista e ainda o oficial de torneiro, Serafim Vieira, que trabalhava na casa do mestre
(589).
O novo cadeiral, que seria constituído por 54 cadeiras com os seus respaldos, deveria
construir-se em madeira de jacarandá e "foiquia (sic) amarello e o targelim vermelho"
(590), de acordo com o risco "que para a dita obra se fez em hum planta de papell" (591) e
que segue o mesmo esquema do cadeiral do convento da Serra do Pilar (592). As grades
do coro e a tribuna do orgão "serão de pao preto bronzeadas por ambas as partes [...] do
feitio que aos rellegiozos do dito convento parecer melhor" (593).
Também a estante que o artista se compromete a construir deveria ser de pau preto,
bronzeado, à semelhança da que António Padilha havia ajudado a fazer no mosteiro de
Tibães e conforme o "rescunho que [...] elle padre João Evangelista asinou com elle
mestre" (594).
A estrutura do cadeiral impôs-se ao maciço pétreo, não apenas às paredes (os
respaldos, altos, trepam por elas acima), mas também e lamentavelmente às mísulas cujas
bases foram mutiladas a fim de permitirem o perfeito ensamblamento da obra de talha.
(Este casamento do jacarandá e do pau preto, de elevada execução técnico-artística, com a
pedra clara magnificamente trabalhada seria feliz, não fosse a violência da mutilação).
Na escritura pública-contrato rubricado pelas partes, estabeleceram-se as condições
que incluíam a data da entrega da obra, o seu custo financeiro, a matéria-prima e o
(588) BRANDÃO, Domingos de Pinho - Ob. cit., p. 549. (589) Idem, p. 550. (590) Idem, p. 551. (591) Idem, p. 551. (592) Idem, p. 551. (593) Idem, p. 552. (594) Idem, p. 552.
179
transporte desta, os salários e a alimentação do mestre e seu pessoal, o pagamento,
faseado, da empreitada.
Mais do que garantir os direitos e deveres a ambas as partes (595), este instrumento
público parece destinar-se prioritariamente a assegurar ao encomendador a maior
segurança, quer quanto à execução da obra, quer no que respeita à sua perfeição.
O artista comprometeu-se a dar a obra concluída em Abril de 1683, por um preço total
de 3.000 cruzados (596).
Ficou estipulada a obrigatoriedade de António Padilha fornecer a madeira - jacarandá
e pau preto, bem como os bronzes e todo o restante material, para além de se obrigar a
entregar a obra no prazo previsto e na maior perfeição: caso tal não acontecesse, teria de
reparar "todas as perdas e dannos que por essa cauza lhe rezultarem e (os padres)
buscarão mestre e oficiais que a vista delle Antonio João a fação da maneira sobredita"
(597).
Aos monges coube a responsabilidade pelo "carreto" da referida madeira e pelo
fornecimento ao mestre de "hua resão como a de hu rellegiozo emquanto trabalhar na dita
obra no dito convento ou junto a elle em algua caza particular" (598). Por conta do mestre,
directamente, ficaram os salários e a alimentação dos oficiais e demais assalariados.
No que respeita ao pagamento da empreitada, o montante estabelecido de 3.000.000
reis seria "em dinheiro do contado que he o preço em que elles reverendos padres se avião
contratado com o dito António João Padilha" (599), a saldar em várias prestações, sendo a
primeira no valor de 400.000 reis, ali mesmo entregues no acto da escritura, a qual "elle
Caso os religiosos pretendessem rematar esta estante com a imagem de S. João Evangelista e a
respectiva águia, seria "por conta dos ditos padres" - Idem, p. 552. (595) Como ensina a professora Ferreira-Alves, o contrato era um "elo de ligação extremamente
importante"; era um documento registado notarialmente perante testemunhas, que "vinculava ambas as
partes ao cumprimento de várias clausulas" - FERREIRA-ALVES, Natália Marinho - Talha, in Dicionário
da Arte Barroca em Portugal, Lisboa, Editorial Presença, 1989, pp. 466-467. (596) BRANDÃO, Domingos de Pinho - Ob. cit., pp. 552-553. (597) Idem, p. 552.
Para além de pagar as eventuais "perdas e dannos", o mestre obrigava a sua própria pessoa e
hipotecava os seus bens móveis e imóveis, do presente e do futuro, "para assim aver de cumprir e
guardar", pelo que "disse que obrigava sua pessoa e todos os seus bens moves e de rais havidos e por aver
[...] por expesial ipoteca disse ipotecava ametade de huma caza de moinho alveiro [...] e huas cazas
sobradadas [...] e hum campo [...] e assi mais as suas cazas em que vive [...] que tudo valia mais de dous
mil cruzados as quais propriedades disse tinha livres e desembargadas de toda outra obrigação e ipoteca" -
Idem, pp. 553-554. (598) Ver Apêndice Documental - doc. XII. (599) Idem, Ibidem.
180
António João contou e recolheo emssi dizendo que estavao sertos e bem contados os ditos
coatrosentos mil reis sem erro nem falta algua de que eu tabeliam dou minha fee por elle
os reseber na minha presença e das testemunhas" (600). No que concerne aos restantes
2.600.000 reis, os padres "hirão dando em pagamentos [...] assim como for fazendo a obra
de maneira que acabada ella fique pago e satisfeito dos ditos tres mil cruzados e hira
dando resibos do que for reçebendo para ao dipois o levar em conta" (601).
Parece-nos, pois, que as condições deste contrato visavam claramente, mais que
salvaguardar os interesses das duas partes outorgantes, garantir o cumprimento pleno por
parte do artista (602). A soma era efectivamente elevada, o bastante para justificar a maior
prudência por parte dos cónegos, que ficavam com a possibilidade de ir sobre os bens
hipotecados (praticamente todas as propriedades) e sobre a própria pessoa do mestre.
A sua mulher e o pessoal da sua oficina ficavam implicados, de forma a responderem
face a eventuais ocorrências que impedissem a execução plena e perfeita da obra
contratada.
3.3. A VARANDA DO NOVICIADO E A PORTA DA IGREJA: CONTRATO DO
MESTRE CARPINTEIRO SIMÃO ANTÓNIO, DO CONCELHO DA MAIA
No dia 21 de Abril de 1695, o reitor Luís da Anunciação e demais padres "deputados"
do convento de Vilar de Frades contratam o mestre carpinteiro Simão António, residente
na freguesia de São Lourenço de Lamas, concelho da Maia e termo da cidade do Porto,
para a obra de carpintaria da "varanda da parte do novissiado na forma que esta
emmadeirada [...] na forma e maneira que esta a da parte do coro" (603).
(600) Idem, Ibidem. (601) Idem, Ibidem. (602) Estamos convictos de que a empreitada decorreu com normalidade, a contento dos clientes: dois
anos depois, em 1684, o mestre Padilha era chamado para outro convento da Ordem evangelista - o de
Santo Elói do Porto -, para a construção dos caixões da sacristia da sua igreja - Cf. FERREIRA-ALVES,
Natália Marinho - A Arte da Talha no Porto na Época Barroca, Vol. I, p.242. (603) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 750, fl. 82.
181
Por este mesmo contrato, Simão António comprometia-se também a "forrar a baranda
da parte do coro", tudo no prazo de 3 meses (604), pelo preço de 54.000 reis (605).
Para estas obras, os conventuais forneciam toda a madeira "serrada" , enquanto o
mestre carpinteiro tinha a "obrigação de por por sua conta toda a pregaria" que fosse
necessária (606). Enquanto o mestre "assentar na dita obra", os padres dar-lhe-iam "huma
rezão como aos religiozos da caza" (607).
Escriturado o contrato pelo tabelião José Leite de Faria, testemunharam o acto João
Roiz Penas e Manuel Francisco, ambos da vila de Barcelos (608).
Na mesma ocasião mestre Simão António arremata a construção da porta principal da
igreja, pelo preço de 315.000 reis (609), uma obra que deveria estar concluída no dia de
Todos os Santos do mesmo ano de 1695 (610).
Entre outras condições, estabelece-se que esta porta será em madeira de angelim,
devendo o mestre seguir o modelo da que havia sido feita para a igreja do convento do
Porto:
"Outrossim pello dito Simão Antonio foi mais dito que sob a mesma
obrigação de sua pessoa e bens se obrigava a fazer as portas [...]
prinssipais da igreja deste convento de pau de angelim todas bronzeadas
e bornidas na mesma forma que se fizerão as da igreja de Santo Eloi do
Porto com a obrigação delle Simão Antonio por todas as ferragens abrir
buracos e chunvar e tudo o mais que for nessessario para fazer portas e
fechaduras como por a chave tudo a seu custo tudo por presso de
trezentos e quinze mil reis e lhe davão enquanto travalhar em huma e
outra (obras) a reção na forma assima dito e sera mais obrigado a por no
De salientar que não era a primeira vez que Simão António trabalhava para os padres lóios. Para as
"importantes" obras que se realizam no convento de Stº Elói, do Porto, entre 1681-1697, designadamente
a empreitada de carpintaria do dormitório que ligava a portaria à igreja, sob um contrato de Junho de 1681
- Cf. FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - Aspectos da Actividade Arquitectónica na Segunda
Metade do Século XVII, Sep. da Revista da Faculdade de Letras - História, Porto, 1985. (604) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 750, fl. 82. (605) Idem, Ibidem. (606) Idem, Ibidem. (607) Idem, Ibidem. (608) Idem, fl. 82v.. (609) Idem, fl. 82. (610) Idem, fl. 82.
182
pavimento da igreja duas faixas de bronze para as portas abrirem sobre
ellas na forma que estão as grades do cruzeiro porpocionandosse no
bronze ao presso das portas e que dara acabada as ditas portas acabadas
ate dia de Todos os Santos" (611).
Caso Simão António não cumprisse o contrato dentro do prazo estipulado, havia "de se
avater" (612). O mestre fornecia "o chumvo pau e tudo o mais nessessario de sorte que
pora as ditas portas assentes a sua conta" (613).
3.4. A OBRA DE PEDRARIA NA CAPELA-MOR: CONTRATO DE PASCOAL
FERNANDES E JOÃO MOREIRA, MESTRES PEDREIROS DO PORTO
Entre o final do mês de Março e o Natal de 1697, decorrem obras de pedraria na
capela-mor da igreja (614), levadas a cabo por Pascoal Fernandes, mestre pedreiro
"natural da freguezia de Santo Ildefonso", arrabaldes da cidade do Porto (615), em parceria
com o mestre João Moreira, "da freguezia de Vila Nova da Telha", termo da mesma
cidade (616).
Na verdade, o mestre Pascoal Fernandes não era natural de Santo Ildefonso, mas sim
da freguesia de Lobão (Vila da Feira), onde nasceu em 15 de Abril de 1648 de António
Francisco e Maria Fernandes, sendo aí baptizado no dia 23 do mesmo mês (617).
Em 1670 Pascoal Fernandes encontra-se radicado na cidade invicta, onde casa na
igreja de Santo Ildefonso com Catarina Fernandes, no dia 13 de Abril (618).
(611) Idem, fl. 82. (612) Idem, fl. 82. (613) Idem, fl. 82. (614) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 760, fls. 9-10v.
Ver Apêndice Documental, doc. XV. (615) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 760, fl. 9. (616) Idem, Ibidem. (617) FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - Pascoal Fernandes, Mestre Pedreiro de Arquitectura.
Alguns Elementos para o Estudo da sua Actividade, in IX Centenário da dedicação da Sé de Braga -
Actas do Congresso Internacional, Vol. II, Braga, 1990, p. 396.
183
Não era a primeira vez que Pascoal Fernandes trabalhava para os lóios. De facto, este
mestre pedreiro que poderá "ter vindo para o Porto, atraído pelo surto de construções que
caracterizava a cidade principalmente a partir do último quartel do século XVII" (619),
havia sido contratado em 7 de Fevereiro de 1685 pelo convento do Porto, da mesma
Congregação, "para fazer a obra do acrescentamento da capela-mor da igreja" (620).
Quanto à parceria com João Moreira, também não era a primeira vez que tal acontecia.
Em 19 de Março de 1691, Pascoal Fernandes fora contratado com Domingos Moreira e
João Moreira, para a construção de uma torre no convento de São Gonçalo de Amarante
(621).
Em 1 de Outubro de 1692, é realizado o trespasse da obra de pedraria e carpintaria "do
corpo da igreja dos Reverendos Religiozos de Sam João Evangelista", do convento da
Vila da Feira, que fora arrematada pelo mestre pedreiro Manuel Martins, que então
morava em Vila Nova de Gaia, na freguesia de Grijó, obra que era agora entregue a
Pascoal Fernandes e João Moreira (622).
Porém, no mesmo dia, estes dois mestres "trespassam a obra para o mestre pedreiro
Domingos Moreira que com eles tinha feito parceria em Amarante" (623).
O contrato relativo ao acrescento da cabeceira da igreja de Vilar de Frades, registado
na forma de escritura pública a 25 de Março de 1697, é assinado da parte dos cónegos
pelo "muito reverendo padre Nuno da Madre de Deus reitor deste dito convento e assim
mais o reverendo padre visse reitor procurador e mais padres deputados" (624) e, da outra
parte, pelos mestres referidos, na presença do tabelião José Leite de Faria (625) e das
testemunhas João Rodrigues Pereira, Domingos Coelho, ambos da vila de Barcelos
(618) Idem, pp. 396-397. (619) Idem, p. 397.
Na cidade de Braga, onde se radicará possivelmente a partir de 1692-1693, Pascoal Fernandes será
contratado para as seguintes obras: igreja de S. Vítor e casa residencial do seu vigário (1686, 1691); parte
da segunda torre da fachada da igreja de Santa cruz (1693); uma casa do chamado reverendo João Velho
(1695); capela da quinta das cónegas, de João Faria Machado (1697); em 1698 é contratado para a
construção da nova sacristia da Sé de Braga, segundo a planta de João Antunes, uma obra que realiza em
parceria com o filho Manuel Fernandes da Silva (1698); em 1706 faz de novo parceria com Manuel
Fernandes da Silva para a obra de pedraria da Casa do Tesouro da Sé de Braga - Idem, pp. 398-399. (620) Idem, p. 397. (621) Idem, p. 402. (622) Idem, pp. 402-403. (623) Idem, p. 403. (624) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 760, fl. 9. (625) Idem, fl. 10v..
184
(homens "achegados" dos padres de Vilar) e Manuel Roiz Lussena, "criado" do convento
(626).
Com o objectivo de colocar o novo retábulo-mor na igreja, as obras de pedraria então
empreendidas visavam o "acressentamento da capela maior e tribuna deste dito seu
convento" (627), aparentemente (628) no respeito pela traça da capela-mor quinhentista
segundo o teor dos apontamentos:
"Primeiramente eles mestres pedreiros João Moreira e Pascoal
Fernandes serão obrigados a fazerem um lanço da boveda na
capela maior para diante de vinte e cinco palmos de comprido mais
palmo ou menos palmo na forma da que esta feita com os mesmos
florões e nassimentos [...] a dita obra levara de cada parte huma
fresta da mesma altura e largura das que estão feitas na mesma
capela com o mesmo feitio das outras goarnessidas pela parte de
dentro e de fora com as mesmas molduras das outras [...] e no fim
deste lanço da abobada se fara hum arco de albenaria ligado com a
meia forma que vai encostada a ele para fazer encontro a dita
aboveda a altura que esta essa feita no cunhal se pora em escadria
na forma dos dois que ficão atras e no lugar aonde se ade acabar o
lanço que de novo se ade fazer se fara hum cunhal que sirva de
repuxo a dita aboveda e mais ao arco de alvenaria o coal tera de
fasse coatro palmos aonde hade continuar a caza para a tribuna
que esta caza de sacada pera tras donde acaba a vobada ate o
respaldo trinta palmos a coal caza sera feita de alvenaria muito
bem desbastada pelos cantos" (629).
(626) Idem, fl. 10v.. (627) Idem, fl. 9.
(628) Na verdade, embora bastante alterado pela intervenção dos "Monumentos Nacionais", o referido
acrescentamento nada teve a ver com a traça quinhentista, antes foi executado dentro do chamado estilo
chão: prolongaram-se os muros laterais e o telhado para oriente, assentaram-se dois contrafortes e duas
pilastras austeras, rasgaram-se duas modestas janelas rectangulares nas paredes laterais (junto à parede
fundeira) e abriram-se pequenas frestas para a entrada da luz na zona de implantação do retábulo-mor e
sua tribuna (como é possível observar numa fotografia do arquivo da D.G.E.M.N./D.R.E.M.N.). (629) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 760, fls. 9-9v.
185
Os mestres, que obrigaram suas pessoas e bens (630), deveriam cumprir com outras
cláusulas e condições, expressas nos mencionados apontamentos.
Antes de mais, a obra deveria ficar segura e perfeita. Para o efeito, um dos mestres
deveria permanecer "sempre na dita obra para que não aja erro [...] pera que não padessa
alguma ruina", porque, "no cazo que a tenha a repararão por sua conta" (631).
Para que não restassem dúvidas, depois de terminada "a obra sera revista por mestres
de pedraria que bem entendão para ver se esta comforme a este contrato" (632).
As paredes laterais do acrescento da capela-mor deveriam ter, nos fundamentos, 10
palmos de largura e 3,5 palmos a partir do nível da escada que serve o altar-mor:
"Que estas paredes tenham de grosso as duas dos lados des o seu
fundamento ate onde vão as escadas des palmos e desde as escadas
para sima ficarão as paredes em tres e meio e a groza digo e a
grossura dos des palmos se entende no lugar aonde forem escadas
ficando estas assentadas na grussura da parede fa digo da parede
da largura de seis palmos e meio" (633).
A escada havia de conduzir ao "segundo patio", devendo ser dotada do seu "propianho
onde assentem as traves do solho que hade assentar a tribuna" (634).
Os mestres eram responsáveis pelo corte da pedra, alguma dela "escodada", com
particular destaque a do envasamento do retábulo e sua tribuna, para o qual haviam de
abrir um alicerce de 8 palmos de largura:
"Mais serão os ditos mestres obrigados a fazerem o corte da
pedraria em que ade assentar o retavolo o coal vam sera feito com
suas vazas e estas vazas e colarenho com suas duas faixas ao redor
(630) "Desserão elles ditos mestres que obrigavão por suas pessoas e bens prezentes e futuros e terços de
suas almas cada hum de per si e hum pelo todo mais comparado de cada hum delles a fazerem a dita obra
na forma dos apontamentos atras com todas as condissões e penas neles declaradas" - A.D.B. - Notarial de
Barcelos, Lº 760, fl. 10. (631) Idem, Ibidem. (632) Idem, Ibidem. (633) Idem, fl. 9v.. (634) Idem, fl. 9v..
186
huma alta e outra refenhada pera fazer o filete da almofada e o
seistal que fas de meio (sic) sobre que assenta [...] a obra de dentro
sera feita de selharia escodada fazendo na parte de diante hum
painel com sua faixa revaixada des baixo deste banco se fara hum
alissesse em toda a largura da capela de oito palmos de largo para
assentar o dito banco" (635).
A necessidade de iluminar este novo espaço, concebido para receber o retábulo-mor,
era satisfeita com duas frestas, uma em cada parede lateral, da mesma altura e largura
"das que estão feitas na mesma capela" (636). De notar que estas janelas deveriam ser "de
peituril e assentos muito ben labrados de escoda" (637).
Embora de dimensões reduzidas, os mestres rasgarão em cada referida parede mais
"tres janelas na caza da tribuna", a saber "duas em as segundas partes donde as escadas
virão e outra no meio do respaldo" (638).
Exteriormente "se fara o entabolamento na forma do que esta feito com as mesmas
ameias e remates dos botareos digo votareos como tambem as duas gargolas na forma das
outras" (639).
Existiam ainda outras cláusulas no contrato, a que os mestres Pascoal Fernandes e João
Moreira se obrigavam, nomeadamente:
. "Correr o presviterio do lugar donde for nessessario e lagear todo o
arco [...] na dita capela" (640).
. "Reparar alguma pedra ou degrau que nesta mudança se quebrar e a
meter no lugar aonde esta encostado o dito presviterio a selharia ate o
pavimento para que corresponda com os mais" (641).
. Proceder à limpeza da capela-mor até "ao arco cruzeiro pella parte de
baixo e de fora que fiqua ao lado" (642).
(635) Idem, fl. 9v.. (636) Idem, fl. 9v.. (637) Idem, fl. 10. (638) Idem, fl. 10. (639) Idem, fls. 9v.-10 (640) Idem, fl. 9v.. (641) Idem, fl. 9v.. (642) Idem, fl. 9v..
187
. O novo arco, que seria igual ao "que esta feito", levaria "hum triangolo
com hum escudo no meio na forma dos outros ou como melhor se puder
acomodar" (643).
. Finalmente, os mestres "serão obrigados a abrir todos os alissesses da
dita obra ate a altura nessessaria e a goarnesser a tribuna pela parte de
dentro e por fora sendo nessessario e tudo o mais que tocar a seu ofiçio"
(644).
Pelo preço de 870.000 reis (645), setenta dos quais pagos no acto da assinatura do
contrato e os restantes oitocentos liquidados em prestações mensais de 100 mil reis, a
obra deveria estar concluída no Natal do mesmo ano de 1697 (646), "com pena de que a
não dando acabada ate o dito tempo perderem (os mestres) da sua fazenda coatro sentos
mel reis" (647), excepto se a culpa não lhes fosse imputada, porquanto "isto cazo que os
reverendos padres faltem de sua parte com a cal pedra ou madeira e saibro sessara a esta
pena" (648).
Para além do custo financeiro da obra, os encomendadores, que "obrigavão os bens e
rendas" (649) do convento, responsabilizaram-se pelo fornecimento da matéria-prima - "as
madeiras cal e saibro e a chegar a pedra que for nessessario e grades [...] e as madeiras
que forem nessessarias para o semples planxas e [...] guendarlas" (650); pelas refeições e
pelo alojamento a um dos mestres - "a hum deles ditos mestres lhe darão todos os dias
huma rezão de frade e de mais almosso e caza digo e cama em que durma" (651); pela
residência e cozedura do pão para todos os oficiais que participarem na obra - "caza para
todos os ofeceais e lhe mandarão cozer a broa para estes" (652).
(643) Idem, fl. 9v.. (643) Idem, fl. 10. (645) Idem, fl. 10. (646) Idem, fl. 10. (646) Idem, fl. 10. (648) Idem, fl. 10. (649) Idem, fl. 10. (650) Idem, fl. 10. (651) Idem, fl. 10. (652) Idem, fl. 10.
188
Despojado de qualquer decorativismo, este acrescento da capela-mor executado sob a
responsabilidade dos mestres Pascoal Fernandes e João Moreira (653) coincide no tempo
com a estética "maneirista" (654). No entanto, sem qualquer base tratadística (655), este
apontamento arquitectónico dos finais de seiscentos enquadra-se no âmbito do nosso
estilo "chão", na feliz expressão de Kubler - uma "arquitectura vernácula, mais
relacionada com as tradições de um dialecto vivo do que com os grandes autores da
Antiguidade clássica" (656).
Um estilo chão que difere do estilo "desornamentado" aplicado no Escorial (entre
1563-1584), já que, emancipado das normas académicas e das formas italianizantes,
surgiu uma geração antes daquele estilo espanhol e sobreviveu-lhe durante gerações (657).
Neste "regresso a formas arquitectónicas austeras", Kubler reconhece que "talvez deva
a sua origem a sugestões fornecidas por arquitectos militares italianos" (658), porém,
acrescenta que o estilo chão português pode ter aproveitado das "muitas outras
possibilidades construtivas do Norte da Europa bem como as que eram peculiares da
tradição portuguesa" (659).
Sobre este assunto, o professor Horta Correia defende:
"De raíz vernácula, marcada profundamente pela prática da
arquitectura militar, mas tendo um mínimo de fundamentação
teórica na tratadística do renascimento, a arquitectura chã,
anterior de mais de uma década ao estilo desornamentado
espanhol, radicaria, no fundo, na grande viragem de gosto do
(653) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 760, fls. 9-10v.. (654) Embora o contrato celebrado entre os encomendadores e os artistas refira expressamente que este
acrescentamento deveria edificar-se em conformidade com a gramática arquitectónica da capela-mor
manuelina, nomeadamente o abobadamento e as janelas que, entretanto, desapareceram com as obras de
1942 levadas a cabo pelos Monumentos Nacionais - Cf. Apêndice Documental - doc. XV. (655) Nunca a documentação relativa a Vilar de Frades nos permitiu estabelecer tais ligações, embora os
reitores recorressem a importantes artistas da escola portuense, como era o caso de Pascoal Fernandes. (656) KUBLER, George - A Arquitectura Portuguesa Chã. Entre as Especiarias e os Diamantes. 1521-
1706, Ed. Vega, Lisboa, 1988, p. 3.
Cf. HORTA CORREIA, José Eduardo - A Arquitectura - Maneirismo e "estilo chão", in "História
da Arte em Portugal", Vol. VII, Lisboa, Publicações Alfa, 1986, pp. 93-94. (657) Segundo Kubler, foi Félix da Costa o teórico do chamado estilo chão português (que escreveu uma
obra, "Antiguidade da Arte da Pintura", em 1685-1696), obra que "pode ser encarada não apenas como
uma exposição da estética do período da Restauração, mas como um documento sobre o gosto artístico de
todo o período compreendido entre os reinados de D. João III e D. João V" - KUBLER, George - Ob. cit.,
p. 4. (658) Idem, Ibidem.
189
tempo de D. João III, correspondendo ainda a uma notória
tendência nacional para a austeridade, clareza, ordem, proporção e
simplicidade" (660).
Uma fotografia patente no arquivo dos "Monumentos Nacionais" - Direcção Regional
dos Monumentos do Norte -, permite-nos concluir que a capela-mor reformada em 1697
apresentava uma volumetria muito superior à que hoje nos é permitido observar.
As paredes e o telhado prolongavam-se largos metros para nascente, sem qualquer
modificação na planimetria quinhentista. Um contraforte de cada banda e uma pilastra em
cada cunhal, sem capitéis nem qualquer labor decorativo, a cornija e as frestas
"desornamentadas" caracterizavam o acrescento da capela-mor, construído de forma
vernacular já que se tratava simplesmente de resolver um problema: o do estrito
alargamento do espaço exigido para a colocação de um retábulo-mor com o seu trono
eucarístico (661) de estilo "nacional", em voga no nosso país nos finais de seiscentos.
No que respeita à intervenção do nosso século em Vilar de Frades, as primeiras
preocupações datam de 1930, embora só na década de 1940 se tenham verificado obras de
restauro.
Em 12 de Dezembro de 1930, o director interino dos "Monumentos do Norte" escreve
ao director geral na sequência de uma fiscalização realizada em Braga, Barcelos e Areias
de Vilar (em 4 de Dezembro), afirmando que:
(659) Idem, Ibidem. (660) HORTA CORREIA, José Eduardo - Ob. cit., p. 94.
Ver, do mesmo autor: Arquitectura Portuguesa - Renascimento, Maneirismo, Estilo Chão, Lisboa,
Editorial Presença, 1991.
(661) "O tema do trono eucarístico enquadra-se no contexto do Decretum de Sanctissimo Eucharistiae
Sacramento, relacionando-se, directamente, com os problemas do culto eucarístico e da presença real,
negados pelos homens da Reforma Protestante [...] Às bases doutrinárias lançadas pelo concílio de Trento
e corroboradas pelos concílios regionais e diocesanos, sucessivamente celebrados um pouco por toda a
parte, correspondeu por parte do povo cristão um forte surto de devoção eucarística [...] Fomentam-se as
grandiosas procissões, com destaque para a procissão do Corpo de Deus que se transforma no símbolo do
triunfo público da Eucaristia. Constroem-se capelas eucarísticas, nas igrejas erguem-se altares com
sumptuosos retábulos, dotados de sacrários e tronos aparatosos" - MARTINS, Fausto Sanches - Trono
Eucarístico do Retábulo Barroco Português: Origem, Função, Forma e Simbolismo, in Actas do I
Congresso Internacional do Barroco, Vol. II, Porto, 1991, pp. 20, 22-23.
190
"A igreja necessita de algumas obras de reparação urgentes, como
sejam as dos telhados, portada, caixilharia e consolidação da
abobada da capela mór que ameaça ruína em virtude do
incompreensível apeamento da parede testeira para dar logar ao
encaixe d'um vulgar altar" (662).
Em resposta o director manda elaborar o orçamento (663), mas aparentemente não
houve sequência. Talvez por isso, a Junta da Paróquia de Areias e Madalena de Vilar
reclama em Junho do ano seguinte (664) a intervenção na igreja, na sacristia e na
residência paroquial, justamente alegando tratar-se de um dos melhores exemplares
arquitectónicos do norte do país (665).
Todavia, apenas a partir de 1936 se verificam novas referências documentais
relacionadas com a tão esperada intervenção. A 28 de Fevereiro comunicava-se a
atribuição de 20.000$00 para as obras da igreja (666), verba que mereceu a seguinte
resposta do responsável pelos monumentos do norte: a verba dotada para o ano
económico de 1836 "é demasiado exígua para começo dos trabalhos, atendendo a que se
tem de apear o altar, demolir e reconstruir paredes e alçapremar a abobada" (667).
Em Março de 1937, o responsável do norte envia ao director geral uma estimativa de
gastos para as obras de que a igreja necessita, a saber:
"Constam estas obras do apeamento do anexo posterior da capela-mór,
da reconstrução da parede fundeira da abside com os gigantes laterais
que vão equilibrar o impulso da abobada que carece de uma
consolidação urgentíssima a fim de se evitar o seu eminente
desabamento, da reparação dos actuais rebocos que se encontram em
mau estado de conservação, da lavagem de cantarias e tomada de juntas,
(662) A.D.G.E.M.N./D.R.E.M.N. - Igreja de Vilar de Frades, Pasta I, Of. nº 823 de 12-12-1930.
(663) Idem, O.S. nº 4.046 de 15-12-1930.
(664) Pela Comissão da Junta da Paróquia assinam: Domingos Lopes Loureiro, Joaquim Matos Dias e
Francisco José Falcão.
(665) A.D.G.E.M.N./D.R.E.M.N. - Igreja de Vilar de Frades, Pasta I, J.P.A.M.V., c. de 23-06-1931.
(666) Idem, Exp. nº 155 de 28-02-1936.
(667) Idem, Of. nº 514 de 06-08-1936.
Entretanto, esta verba irrisória veio a ser diminuída, devido a uma transferência de 10.000$00 para
as obras da Sé de Braga - Idem, O.S. nº 1.164 de 28-09-1936.
191
do rebaixamento dos telhados com o aproveitamento de parte do
madeiramento sendo a cobertura feita com capas existentes e canais
novos, do apeamento do altar principal com nova elevação a que o obriga
a reconstrução da parede fundeira da abside e de dois altares que
ladeiam o arco triunfal, - do consêrto do pavimento e da remoção dos
entulhos que se encontram em depósito sôbre as abóbadas do corpo da
Igreja. Estas obras, sobretudo as da capela-mór, são de urgência
atendendo a que o seu presente estado de conservação ameaça ruína
iminente.
Importa êste orçamento na quantia total de 147.000$00 esc. dos quais
56.000$00 esc. são para materiais e os restantes 90.200$ esc. para mão de
obra.
Pôrto, 1 de Março de 1937" (668).
Este orçamento chega a ser aprovado (669), mas as obras permanecerão adiadas. Um
relatório posterior, ainda que não datado nem assinado, mas elaborado antes do início das
obras em 1941, apresenta dois aspectos à consideração superior - o primeiro dizia respeito
à necessidade premente de remodelar ou substituir os telhados da igreja; enquanto o
segundo tratava especificamente da capela-mór, revelando uma opinião positiva
relativamente ao retábulo:
"A capela-mór, cuja abóbada está abalada e com largas fendas na sua
estructura, resultantes do apeamento da parede fundeira quando lhe
aplicaram o actual altar de talha dourada que no meu entender se deve
conservar por ser peça rica embora contrastanto com o estilo da abside"
(670).
(668) Idem, Est. de 01-03-1937.
Esta memória-estimativa, elaborada por um agente técnico de engenharia, é rubricada por Rogério
Azevedo, arquitecto e chefe da lª Secção (Porto) - Idem, Est. de 01-03-1937.
(669) Idem, O.S. nº 350 de 17-03-1937.
(670) Idem, Rtº nº 1, p. 1.
192
No mesmo relatório faz-se referência ao orçamento de 6 de Março de 1937, no valor
de 147.000$00, havendo que "atender agora à actualização de alguns prêços alterados
com a eclosão da actual guerra" (671).
Em 20 de Abril é a vez do presidente da C.M.B. manifestar a sua preocupação sobre o
assunto: "esta Câmara muito desejava se efectuassem" as obras de restauro programadas
"antes das Festas Centenárias", pois "aquele valioso Monumento Nacional, e
particularmente a sua Capela-Mór, parece ameaçar ruína, pelo que se torna inadiáveis
obras de segurança e reparação, convindo talvez proceder-se a uma vistoria" (672).
Preocupado com o adiamento crónico a que as obras na sua igreja eram votadas, o
pároco Agostinho Matos Lopes de Almeida dirige-se ao director dos "Monumentos
Nacionais" em 31 de Janeiro de 1941 reclamando a intervenção urgente, porquanto a
igreja "se encontra em estado adiantado de ruína e em risco iminente de desabamento,
encontrando-se a parede do altar-mór já fendida em grande extensão e necessitando,
talvez, de ser apeada, a fim de evitar um desmoronamento [...] O próprio culto encontra-
se em circunstâncias precárias, exercendo-se em dependências do templo, mais afastadas
da parte em que as ameaças de ruína são mais iminentes" (673).
Finalmente, entre 1941 e 1945 decorrem as tão esperadas obras, através de várias
empreitadas entregues a Júlio Gonçalves dos Santos, "mestre carpinteiro" de Vila do
Conde, que para o efeito apresenta sucessivas propostas de "ajuste particular", todas elas
aceites pela direcção dos "Monumentos Nacionais".
Com uma dotação inicial de 50.000$00, as obras iniciam-se a 12 de Junho de 1941, em
conformidade com um ofício dirigido ao pároco de Areias de Vilar, a quem o responsável
(671) Pelo que as obras a realizar "neste Monumento de grande interesse artístico e que já foram descritas
na memória que oportunamente acompanhava aquele citado orçamento, são as seguintes: a) Reforma
completa da cobertura com substituição da telha, sendo os canais romanos e capas aproveitadas da telha
velha; b) Limpeza do extradorso da abóbada dos entulhos acumulados e que não façam falta à sua
impermeabilização e isolamento; c) Apeamento do ático sobreposto à beirada e construído posteriormente
sem qualquer interesse artístico e sem necessidade aparente para a segurança e conservação da armação
que é apoiada na abóbada; d) Consolidação da abóbada da capela-mor para supressão das largas fendas
que apresenta. Esta consolidação, deve ser feita com o apeamento de parte da abóbada. É trabalho
dispendioso por obrigar a moldagem e zimbres de grande altura; é todavia indispensavel pelo aspecto de
eminente ruína que patenteia; e) Lavagem de tôdas as cantarias internas. É bom notar aqui que êste
Monumento, tendo riquíssima abóbada artesonada, com os limos e liquens formados ao longo dos seus
paramentos provenientes de longas escorrencias das águas meteoricas, tem um ar desagradavel de caverna
que contrasta com o labor da pedraria e lhe dá aparencias de abandôno que afinal é bem justificado; f)
Reforma de vitrais. Possue em grande parte os vitrais lisos do século XVIII bastante combalidos mas
aproveitaveis" - Idem, pp. 1-3.
(672) Idem, Of. 383 de 20-04-1939.
193
do norte pela conservação dos monumentos esclarece que "aquelas obras terão início com
o apeamento total da abóbada de pedra da capela-mór pelo que o culto terá de ser
interrompido temporariamente naquele local" (674).
Da primeira empreitada, no valor de 20.000$00 (conforme a "Proposta de Ajuste
Particular" datada de 13 de Setembro de 1941), constou o seguinte:
"a) Apeamento completo e cuidadoso da abóbada de cantaria da
capela-mor, compreendendo cambotas e escoramento, arrumação
das cantarias, etc., por 12.000$00 esc.;
b) Apeamento completo do corpo exterior da capela-mor, incluindo
a arrumação e escôlha cuidadosa dos materiais por 3.000$00 esc.;
c) Apeamento cuidadoso do altar-mor de talha, incluindo a sua
arrumação por 2.500$00 esc.;
d) Remoção e transporte de entulhos a 15$00 esc. cada 1,000 m3"
(675).
A dois de Dezembro de 1941, o mestre Júlio Gonçalves dos Santos apresenta a
segunda proposta de orçamento, no valor de 23.837$60, para dar continuidade às obras da
igreja:
"a) Reconstrução completa da parede testeira da capela-mor, em
alvenaria assente em argamassa hidráulica, compreendendo
alicerces, a execução dos dois gigantes laterais, em cantaria
apicoada a fino assente à fiada, sôco e cunhais em cantaria,
andaimes, etc. por 10.000$00 esc.;
b) Reconstrução da abobada nervurada da capela-mor, incluindo a
substituição de frisos mutilados, cinta de betão armado, etc. a
150$00 esc. cada 1,00 m2;
c) Remoção de entulhos a 15$00 esc. cada 1,000 m3" (676).
(673) Idem, C.P.V..
(674) Idem, Of. nº 383 de 07-06-1941.
(675) Idem, P.A.P. de 13-09-1941.
(676) Idem, P.A.P. de 02-12-1941.
194
Datada de 15 de Agosto de 1942, uma terceira "Proposta de Ajuste Particular",
relacionada com os trabalhos da segunda fase, sempre a cargo do mestre carpinteiro de
Vila do Conde, contemplava o seguinte programa:
"a) Reconstrução da abóbada nervurada da capela-mor, incluindo
a substituição de frisos mutilados, cinta de betão armado,
andaimes, escoramentos, etc. a 250$00 esc. cada 1,00 m2;
b) Substituição de cantarias mutiladas, incluindo aberturas de
caixas, andaimes, etc. a 500$00 esc. cada 1,000 m3;
c) Remoção de entulhos a 20$00 cada 1,000 m3" (677).
Em Novembro de 1942, Joaquim Areal, arquitecto de 2ª classe responsável pelos
monumentos do norte, no cumprimento de ordens superiores elabora uma síntese das
obras realizadas (678) e avança com uma estimativa para as que se hão de realizar em
1943 (679).
Em 1943-1945 prosseguiram as obras de restauro no corpo da igreja (680) e na
construção do "muro de vedação do terreno adjacente à igreja" (681).
(677) Idem, P.A.P. de 15-08-1942.
(678) Haviam sido gastos 80.000$00 entre 1941-1942 na consecução dos trabalhos "indispensáveis para a
consolidação geral da capela-mor, os quasi se condensaram no apeamento e reconstrução totais da bela
abóbada artesonada, manuelina, que a cobre. Trabalho de responsabilidade e urgência foi realizado com
os cuidados que requeria, aproveitando-se quasi totalmente os elementos primitivos. Para isso foi
necessário apear o rico altar de talha do século XVIII que agora se pretende reconstruir, em toda a sua
beleza e magnificência" - Idem, Est. de 27-11-1942.
(679) "Préviamente realizar-se-á a restauração completa do interior da capela-mor, procedendo à limpeza
cuidadosa e completa das suas paredes, execução completa de lajeamento no pavimento e outros pequenos
trabalhos de acabamento. Com os trabalhos de regularização do terreno exterior e limpeza das paredes
ficará concluída nos seus elementos principais a consolidação e restauração da capela-mor de um dos mais
belos exemplares da arquitectura portuguêsa do século XVI [...] Refere-se um dos principais trabalhos
incluídos nesta estimativa, cuja importância total atinge a importância de 11.400$00 esc. à execução da
grilhagem em cantaria da capela-mor, cujos elementos se encontraram dispersos, formando parede, ao
proceder-se no corrente ano, à demolição do corpo posterior. Importa esta estimativa na importância
total de 46.468$00 esc. destinando-se a materiais a quantia de 18.135$00 esc. e os restantes 28.333$00
esc. a mão de obra. Pôrto, 27 de Novembro de 1942. O arquitecto de 2ª classe: Joaquim Areal" - Idem,
Est. de 27-11-1942.
(680) Idem, O.S. nº 2.995 de 20-10-1943.
Idem, P.A.P. de 09-06-1944.
Idem, O.S. nº 3.457 de 06-11-1945.
(681) Idem, Est. de 10-05-1944.
195
3.5. A TALHA DOURADA DOS FINAIS DO SÉCULO XVII: OBRAS DE
ANTÓNIO GOMES E DOMINGOS NUNES, MESTRES ENTALHADORES DO
PORTO
3.5.1. O RETÁBULO-MOR E SUA TRIBUNA
António Gomes e Domingos Nunes, residentes na cidade invicta (possuidores de uma
formação profissional polifacetada) são chamados a trabalhar em parceria em Vilar de
Frades (682), nomeadamente na capela-mor e no transepto.
Começam com o retábulo-mor e seu trono eucarístico ou tribuna (683), uma obra
encomendada pelo padre João Evangelista, religioso de Santo Elói, no convento do Porto
(684).
Corria o ano de 1696 quando o contrato foi assinado, a 7 de Agosto, no interior da cela
do padre João, sendo fixado o prazo de 10 meses para a entrega desta obra, pronta e
colocada no seu lugar (685).
O autor do risco não nos é revelado (686), a exemplo do que se passou com António
Padilha. Sabe-se, todavia, que tanto a "traça" como os "apontamentos" são assinados
pelos dois mestres portuenses e pelo encomendador (687).
(682) Ver FERREIRA-ALVES, Natália Marinho - A Arte da Talha no Porto na Época Barroca, Vol. I,
pp. 123-129 e Vol. II, pp. 386 e 406; De Arquitecto a Entalhador. Itinerário de um Artista nos Séculos
XVII e XVIII - in Actas do I Congresso Internacional do Barroco, Porto, 1990, pp. 355-369. (683) Cf. FERREIRA-ALVES, Natália Marinho - A Arte da Talha no Porto na Época Barroca, Vol. I,
pp. 124, 126, 128-129 e Vol. II, pp. 386 e 406.
Cf. BRANDÃO, Domingos de Pinho - Ob. cit., p. 832. (684) Este contrato foi transcrito e publicado por BRANDÃO, Domingos de Pinho - Ob. cit., pp. 832-835.
Ver Apêndice Documental - doc. XIV. (685) BRANDÃO, Domingos de Pinho - Ob. cit., p. 833. (686) A autoria do risco poderia pertencer a um ou a ambos os entalhadores, pois, tanto António Gomes
como Domingos Nunes estavam à altura para o fazer, quer pela qualidade da formação e experiência que
tinham, quer pelo prestígio e fama de que desfrutavam. Ao considerar as funções dos artistas seiscentistas
e setecentistas, diz-nos a professora Ferreira-Alves: "António Gomes e Domingos Nunes são os casos
extremos, já que para além de mestres arquitectos são também apontados como entalhadores, escultores,
imaginários e ensambladores, sendo ainda citado o primeiro como torneiro e o segundo como mestre de
carpintaria" - FERREIRA-ALVES, Natália Marinho - A Arte da Talha no Porto na Época Barroca, Vol.
I, p. 61.
196
Na presença do tabelião António de Paiva Aguiar da cidade do Porto, o custo da obra é
formalmente estabelecido no valor de 500 mil reis, a ser liquidado em 3 prestações, a
saber:
1ª - no valor de 150.000 reis, paga no acto da escritura;
2ª - também no valor de 150.000 reis, a ser entregue em Janeiro de 1697;
3ª - os restantes 200 mil reis, que seriam pagos em Junho do mesmo ano, volvidos os
10 meses estipulados para a realização da empreitada (688).
No contrato faz-se seis vezes referência à "forma que a traça mostra", devendo a obra
ajustar-se "na forma da traça e apontamentos" (689), descrevendo-se com alguma minúcia
a estrutura retabular a erigir, de acordo com o gosto da época, ou seja, dentro daquilo a
que chamamos "estilo nacional": um envasamento suportando dois pares de colunas
pseudo-salomónicas, uma pilastra entre cada par de colunas coríntias, entablamento e
remate do retábulo em arcos de volta perfeita.
Tudo a pedir uma tribuna profunda, em forma piramidal.
Entre as colunas que deveriam sustentar as arquivoltas "se fara hum primeiro corpo
que constara de banco, frizo, e culunas, sahindo no meio para fora a moda de seixtado, no
painel do meio se fara hum sacrario [...] e nos paineis dos lados se fara duas pianhas hum
banco para as duas imagens, sobre este frizo deste primeiro corpo se farao trez vem asi
sobre estes paineis" (690).
Quanto à tribuna propriamente dita, seria constituída por um trono eucarístico cuja
"caza [...] hade ter doze palmos de pilar" e "das portas e respaldo que fiqua por detras
deste trono se fara hum arquo que ocupe todo o vao que fiqua livre do trono e resplandor
e querendo o padre reitor por em sima do trono o Salvador lhe porao o resplandor nas
costas" (691).
De salientar que caso fosse necessário "demenuir ou acrescentar alguma couza na obra
para perfeição della os mestres o poderao fazer", mas com o pareçer favorável do padre
reitor (692).
(687) BRANDÃO, Domingos de Pinho, Ob. cit., p. 833. (688) Idem, pp. 834-835. (689) Idem, pp. 833-835. (690) Idem, pp. 833-835. (691) Idem, p. 834. (692) Idem, p. 834.
197
Para além de se obrigarem a fornecer a madeira, limpa e sã, de castanho, os artistas
comprometem-se a realizar as obras de cantaria, lavrar e assentar a pedra, bem como
erguer os "sobrados" necessários "pella parte detras da obra" (693).
Ao reitor cabia o fornecimento do jantar e da ceia aos mestres António Gomes e
Domingos Nunes e bem assim mandar cozinhar para "a sua gente" - oficiais e aprendizes
- e cozer o pão, embora "comprando elles" (694).
Antes de mais, porém, deveria o padre reitor mandar-lhe "besta para elles hirem e
virem para verem o que he necesario", sendo igualmente "obrigado a mandar comduzir a
obra desta cidade para o dito convento e dar lhe caza donde trabalhem e dois carros de
pam com vinte almudes de vinho" (695). Caso o reitor não cumprisse com o estabelecido,
o encomendador da obra, João Evangelista, assumia perante os artistas toda a
responsabilidade (696).
3.5.2. OS ALTARES COLATERAIS E O REVESTIMENTO DAS PAREDES DA
CAPELA-MOR
A 23 de Março de 1698, António Gomes e Domingos Nunes vão assinar novo contrato
(697), desta vez para a construção de dois retábulos colaterais e de 22 painéis que
deveriam cobrir o registo inferior das paredes da capela-mor.
Com efeito, estes mestres "imaginarios e moradores na cidade do Porto caza da Porta
dos Carros" (698), habituados a trabalhar em parceria, assumem nesta data com o reitor de
Vilar de Frades Manuel Nuno da Madre de Deus e o vice-reitor e demais padres
"deputados", a referida obra "na forma da traça que esta feita" (699): uma obra de talha
(693) Idem, p. 834. (694) Idem, p. 835. (695) Idem, pp. 834-835. (696) Reza o documento que o cónego João Evangelista se obrigou "pello dito reverendo padre reitor a
que elle pague satisfassa aos ditos mestres as couzas comtheudas e prometidas nesta escritura e nao o
fazendo elle tudo pagar de sua fazenda" - Ver Apêndice Documental - doc. XIV. (697) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 763, fls. 89-89v..
Ver Apêndice Documental - doc. XVI. (698) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 763, fl. 89. (699) Idem, Ibidem.
198
"alta e boa na forma dos appontamentos os coais e a planta que vão assenados pello
reverendo padre reitor e pellos ditos mestres" (700).
O preço estabelecido foi 276.000 reis, a ser pago em 3 prestações (701).
Os retábulos contratados deveriam ter os seus sacrários iguais aos dos altares
colaterais de Santo Elói, da cidade do Porto (702).
Do contrato de 23 de Março de 1698 fazia igualmente parte a construção de "huma
vanqueta em talha na forma dos apontamentos comforme a obra da trebuna" (703).
A dita obra, que "em tudo sera feita de madeira de castanho" (704), deverá ser
obviamente perfeita e "acabada por elles ditos mestres assentada e segura neste convento
e nos lugares aonde se ão de assentar com ferros e chumbos sem que o convento lhe de
couza alguma mais que o vaixo declarado athe o ultimo dia do mes do anno de mil e
seiscentos e noventa e nove annos" (705).
Aos padres cabia pagar o preço acordado - 276.000 reis, fornecer aos mestres “toda a
madeira que for nessessaria para as estadas" (706) e dar-lhes "cama em que durmão e caza
em que se recolhão" (707).
Mais se compromete o padre reitor a vender vinho e pão aos mestres "pello seu
dinheiro avendoo no convento para vender, e lhe mandarão cozer o dito pão pellos
forneiros do dito convento" (708).
De notar que aquando da intervenção nos anos quarenta, a direcção dos "Monumentos
Nacionais" com a anuência do arcebispo de Braga procedeu à remoção do retábulo do
(700) Idem, Ibidem. (701) A primeira, no valor de 100 mil reis "ao continuar desta escritura", a segunda, no montante de 76
mil reis, pelo Natal daquele ano de 1698 e a última, os restantes 100 mil, quando da conclusão dos
trabalhos - A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 763, fl. 89. (702) Idem, Ibidem.
Em Vilar de Frades podemos ver ainda o que resta do retábulo colateral do lado do Evangelho, mas
sem o referido sacrário. O do lado da Epístola terá ido para uma igreja de Lamego nos anos 40 do nosso
século, por determinação dos "Monumentos Nacionais". O que ficou, se bem que se trate de uma memória
alterada (e maltratada), ela recorda-nos a familiaridade com a obra do altar-mor (também este com
intervenções posteriores), no seu estilo nacional, soberbamente executados pelo duo António
Gomes/Domingos Nunes. (703) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 763, fl. 89v.. (704) Idem, fl. 89. (705) Idem, Ibidem. (706) Idem, Ibidem.
Porém, "cortandoa elles mestres e fazendoa por sua conta" - Idem, Ibidem. (707) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 763, fls. 89-89v..
199
lado da Epístola e à sua transferência para a igreja matriz de Almacave, Lamego, de
acordo com a documentação que a seguir apresentamos.
A 26 de Outubro de 1943, a Direcção Geral da Fazenda Pública faz saber à Direcção
Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais de que aguarda uma resposta do arcebispo
primaz acerca da consulta que lhe havia feito a 30 de Setembro daquele ano sobre a
eventual "inconveniencia na tranferencia do altar" (709).
Com a data de 23 de Outubro, o arcebispo responde e coloca algumas condições,
designadamente:
a) sustenta que o altar não faz falta ao culto divino; b) admite a possibilidade do
mesmo ser transferido para uma igreja do seu arcebispado;
c) aceita negociar, esperando uma "condigna compensação";
d) defende a realização de obras, quer na igreja, quer na residência paroquial e, neste
caso, não colocava "nenhuma objeção" a que o altar fosse transferido para fora da
arquidiocese de Braga.
"Em Vilar de Frades, consoante pudemos pessoalmente observar, há a
esperança bastante radicada, de que o Estado, que já iniciou o restauro
do formoso templo pela capela-mor, não só o completará, mas até
restaurará também a casa anexa (dependência do antigo convento agora
destinada à defesa e guarda da igreja e habitação do pároco) e, se isso se
fizesse com a possível brevidade, nenhuma objeção se poderia levantar a
que êle, o Estado, leve dali o altar para outra parte, ainda que seja para
fora desta Arquidiocese, sem outra compensação" (710).
Como a decisão não chegava, Joaquim Areal, impaciente, informa o seu director de
que "a transferencia do altar da Igreja de Vilar de Frades para a de Almacave se torna
urgente" (711).
(708) Idem, fl. 89v..
(709) A.D.G.E.M.N./D.R.E.M.N. - D.G.F.P.-R.P., Igreja de Vilar de Frades, Proc. nº 3.678, Lº 6, Of. A-
3.487-43.
(710) A.D.G.E.M.N./D.R.E.M.N. - Igreja de Vilar de Frades, c. do Arcebispo de Braga de 23-10-1943.
(711) Idem, Of. nº 787 de 20-11-1943.
200
Conhecedor das condições do arcebispo D. António, Joaquim Areal informa o
director:
"O altar que se pretende retirar da Igreja de Vilar de Frades para a de
Almacave, é um dos que se encontrava no transepto à entrada da capela-
mor e que foi já apeado para facilitar as obras de restauro daquela
capela.
A sua aplicação na Igreja de Vilar de Frades não pode ser prevista, por
falta de espaço.
Os altares das capelas laterais da nave ficarão, segundo o plano
estabelecido para as obras de restauro, no local em que estão.
As dependências do antigo convento, agora destinadas ao guarda da
Igreja e habitação do Pároco, encontram-se muito arruinadas não se
podendo tornar habitáveis e decentes com uma verba inferior a
12.000$00 esc..
Nesta circunstância afigura-se a esta secção desvantajosa para o Estado a
compensação sugerida pelo Arcebispo Primaz de Braga.
Atendendo ao péssimo estado de conservação de alguns altares laterais
da nave crê esta secção, como compensação suficiente, a sua reparação
pelo Estado" (712).
Em 19 de Janeiro, a D.G.F.P. - Repartição do Património - informa a D.G.E.M.N.
"acêrca da transferência do altar" para Almacave, afirmando que o assunto "mereceu a
aquiescencia do Reverendissimo Arcebispo Primaz de Braga, o qual comunicou já terem
sido dadas as necessárias instruções ao respectivo pároco para a saída do dito altar" (713).
Em 27 de Janeiro de 1944, Joaquim Areal dá conhecimento a Lisboa de que "esta
Secção vai proceder imediatamente à transferencia do altar da Igreja de Vilar de Frades
para a Igreja de Almacave, em Lamego" (714).
(712) Idem, Of. nº 866 de 10-12-1943.
Idem, O.S. nº 3.391 de 27-11-1943.
(713) Idem, D.G.F.P.-R.P., Proc. nº 26, Lº 7, Of. nº A-183/44.
(714) Idem, Of. 38 de 27-01-1944.
201
Regressando ao contrato por nós encontrado no Arquivo Distrital de Braga, ele veio
permitir-nos uma leitura da capela-mor completamente diferente daquela que
imaginávamos.
Tratava-se de criar um espaço interior barroco, deslumbrante, revestido de pinturas e
de talha dourada (715).
De facto, pelo mesmo contrato de 23 de Março de 1698, António Gomes e Domingos
Nunes deveriam executar 22 painéis - com pinturas certamente a óleo sobre tela -, com
narrativas da história sagrada, e com as indispensáveis molduras de talha dourada, feitas
ao gosto da época e em harmonia com o retábulo-mor que os mesmos mestres
entalhadores haviam realizado:
"E outrosim de lhes apainelarem a capela maior do dito convento
de paineis que os ditos padres lhes darão cujo numero consta de
vinte e dous e os paineis que lhe não derem ficarão em razo para ho
pentarem a conta do dito convento os coais paineis telas terão seus
caixelhos a roda os coais serão cobertos de talha e folhage que hade
conrresponder com a obra de trebuna como se declara nos
apontamentos na forma dos coais e asima declarada sera feita a dita
obra que em tudo sera feita de madeira castanho" (716).
Finalmente, e para que o contrato fosse efectivamente cumprido, as partes outorgantes
penhoraram suas pessoas e os seus bens, na presença do tabelião de Barcelos José Leite
de Faria e das testemunhas Domingos Coelho e Manuel Roiz Lucena, "familiares deste
convento" (717), utilizando a seguinte formula:
"Nesta forma desserão elles ditos mestres Antonio Gomes e
Domingos Nunes se obrigavão por suas pessoas e todos os seus
bens avidos e por aver e terços de suas almas cada hum por si e
(715) E que o século XVIII não deixar de completar e alterar, quando lhe juntar os formidáveis Serafins,
os tocheiros e as sanefas de gosto rocaille. (716) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 763, fl. 89. (717) Idem, Ibidem.
202
hum pello outro a dar inteiro comprimento e satisfação a dita
obra na forma atras dita e declarada nos apontamentos e planta
que fica em poder do muito reverendo padre reitor pello coal foi
dito e mais padres deputados que dando os ditos mestres inteira
satisfação a esta obra na forma relatada nesta escritura
obrigavão os bens e rendas deste convento a darem aos ditos
mestres duzentos e setenta e seis mil reis pella dita obra" (718).
CRONOLOGIA DAS OBRAS DO SÉCULO XVII (719)
DATA OBRA
REALIZADA
ARTISTA REITOR
1606 Na cerca: "o muro
do
Pinheiro".
Jerónimo da Assunção
1607-
1609
Fonte de S. João,
casa
"da recreação no
campo da eira",
currais e palheiros.
Baltazar da Anunciação
1613 Na cerca: "o muro
do Jorge do monte".
António de São Bento
1619-
1620
Ala norte do terreiro
dos Cabedais e muro
fronteiro do terreiro
da Igreja e convento.
Alicerces da ala sul
do convento.
António da Ascensão
(718) Idem, Ibidem. (719) A.D.B. - Ms. 924.
A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 763, fls. 89-91.
203
1619-
1620
Capela de Nossa
Senhora do Socorro.
António da Ascensão
1621-
1623
Na cerca: "muro da
frecha".
Pero da Conceição
1621-
1641
Reconstrução do
corpo da igreja.
Vários (720)
1621 Início das obras de
reconstrução do
corpo da igreja.
Pero da Conceição
da Barca
1623,
17 de
Junho
Lançamento da
primeira pedra da
abóbada na zona
do coro.
Pero da Conceição
da Barca
1624,
Junho
Conclusão da
abóbada na zona
do coro.
Domingos da Trindade
Faria
1625
Continuação das
obras no corpo da
igreja. Reforma da
enfermaria e da
hospedaria.
Reparações nas
celas.
João de São Paulo
1630 Demolição da
antiga livraria.
Filipe da Ressurreição
1632 Reforma das
varandas do claustro
com "tijolo cozido".
Manuel Gaspar dos
Anjos
1636-
1638
Na cerca: "muro
da frecha".
Manuel da Anunciação
(720) Ver Lista dos Reitores do Convento de Vilar de Frades..., Capítulo I.
204
1637 Escada de cantaria,
do claustro.
Manuel da Anunciação
1625-
1641
Continuam as obras
de pedraria até à
sua conclusão.
Vários (721)
1646
(antes
de)
Casa dos padres
visitadores.
Bernardo de Cristo
1646 Duas "fermozas
alcobas de pedraria
com seus
cortinados".
Bernardo de Cristo
1658
(até)
Conclusão dos
trabalhos nas capelas
laterais, incluindo os
retábulos.
Vários (722)
1682,
13 de
Maio
Assinatura do
contrato para a
obra de carpintaria
no coro: cadeiral,
estante e grades.
António
João
Padilha,
mestre
ensamblado
r
da cidade
do
Porto.
Diogo dos Anjos
1693
É feita a chamada
Sacra "grande".
Capitão
Manuel do
Couto.
Luís da Anunciação
(721) Idem, Ibidem. (722) Idem, Ibidem.
205
1696,
7 de
Agosto
Assinatura do
contrato
para a obra do
retábulo-mor e sua
tribuna.
António
Gomes
e Domingos
Nunes,
mestres
entalhadore
s
da cidade
do
Porto.
Manuel Nuno da Madre
de Deus
1698,
23 de
Março
Assinatura do
contrato
para os 2 altares
colaterais (do
cruzeiro)
e 22 painéis com as
suas molduras de
talha
dourada para o
revestimento da
capela-mor.
António
Gomes
e Domingos
Nunes,
mestres
entalhadore
s
da cidade
do
Porto.
Manuel Nuno da Madre
de Deus.
1698,
15 de
Abril
Assinatura do
contrato
para a obra do
dormitório "novo",
na
ala sul do terreiro
dos
Cabedais.
André
Martins
e Manuel
Fernandes,
mestres
pedreiros
do Porto.
Manuel Nuno da Madre
de Deus
206
CAPÍTULO IV
OBRAS NO CONVENTO NOS INÍCIOS DO SÉC. XVIII
207
1. O DORMITÓRIO DA ALA SUL DO CONVENTO: CONTRATOS DE MANUEL
FERNANDES E ANDRÉ MARTINS, MESTRES PEDREIROS DO PORTO
Não foi apenas no interior da igreja que os cónegos de Vilar empreenderam
importantes obras no final de seiscentos. A reforma e expansão arquitectónica da área
conventual, iniciada na segunda década do século (723), vai agora completar-se (724) com
a intervenção dos mestres pedreiros André Martins e seu genro Manuel Fernandes (725),
ambos residentes na cidade do Porto (726).
Na presença do tabelião barcelense José Leite de Faria e de duas testemunhas de S.
João de Areias (Domingos Coelho e João Rodrigues Penas da Cunha), André Martins e
Manuel Fernandes assinam com os padres de Vilar o contrato/obrigação "da obra de
pedraria do dormitorio novo" (727) que os religiosos, comandados pelo reitor Nuno da
Madre de Deus, "queriam fazer neste dito seu convento defronte do outro dormitorio
novo para a parte do sul" (728).
De acordo com o contrato celebrado a 15 de Abril de 1698 (729), foram entregues aos
mestres as plantas e os apontamentos (730), que definiam o traçado e o conjunto das
cláusulas e condições a que se obrigavam as partes (731).
O custo financeiro da obra foi acordado em 12.250.000 reis, uma empreitada a ser
realizada no prazo de 6 anos (732).
(723) Recorde-se o testemunho de Francisco de Santa Maria que, ao descrever a estrutura conventual,
salientava a longa paragem das obras, nomeadamente quando se refere ao chamado dormitório "novo"
seiscentista, "cousa grande, e majestosa" e, acrescenta, "em correspondencia delle se ha de fazer outro,
cujos alicerces estão lançados ha mais de oitenta annos" - SANTA MARIA, Francisco de - O Ceo Aberto
na Terra, Lisboa, 1697, p. 384. (724) Aliás, há já algum tempo que deveriam decorrer obras de cantaria, porquanto refere o mesmo
cronista que, desde a portaria do convento "até o sitio, onde se ha de fazer o dito dormitorio, se levantàrão
novamente sinco arcos de muita grandesa, e magestade" - SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p.
384. (725) Conforme registo de Domingos Fernandes, reitor de Campanhã, Manuel Fernandes "filho legittimo
de Domingos Joam e da sua mulher Anna Fernandes moradores na aldeia de São Pedro", casou nesta
igreja a 30 de Janeiro de 1692, com Maria Martins "filha legittima de André Martins e sua mulher Maria
Gonçalves da aldeia de Noeda" - A.D.P. - Paroquial de Campanhã, Nº 319, Lº 3 dos Mistos, fl. 239v.. (726) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 763, fl. 90.
A.D.P. - Paroquial de Campanhã, Nº 319, Lº 3 dos Mistos, fl. 239v.. (727) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 763, fls. 90-91.
Ver Apêndice Documental - doc. XVII. (728) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 763, fl. 90. (729) Idem, Ibidem. (730) Menciona o tabelião que "tamto as plantas como os ditos apontamentos logo na presença das ditas
testemunhas os subscrevi e assenei de meus sinais publico e razo para a todo o tempo constar" - Idem,
Ibidem.
208
Porém, como provaremos adiante, graves erros de construção, que implicaram a
assinatura de um novo contrato e a apresentação de fiadores de renome, por parte dos
mestres, acabaram por suscitar um atraso de cerca de dois anos.
Por consequência, a conclusão dos trabalhos ter-se-á verificado cerca de 1705 e não
em 1704, como a leitura deste documento fazia supor.
Tudo leva a crer que os padres deveriam possuir o risco, que haviam comprado, pois,
"como as plantas estão ja pagas pelo convento ficarão elles mestres libres desta
obrigação" (733).
Aos religiosos cabia satisfazer certas condições de carácter logístico, a saber: fornecer
"a caza em que esta o forno e a torrinha e chão para a orta e naval e lenhas" (734) de que
os mestres necessitassem. Os mestres pedreiros também "se servirão da forge" (735) do
convento e bem assim comprarão o "pão do seleiro [...] pello presso que correr e vinho a
vender tambem pelo presso que se vender" (736), que será moído nas azenhas da
comunidade (737).
Muito provavelmente para se protegerem do sol no Verão e dos rigores do frio e da
chuva no Inverno, "poderão elles mestres fazer hum telheiro para travalharem e seus
oficeais" (738).
Indiciando a existência de obras, antigas ou recentes, no estaleiro de Vilar, reza o
documento que os mestres utilizarão "toda a pedra que se acha no atrio do dito
dormitorio" (739).
É bem natural que ao convento coubesse o fornecimento de toda a matéria-prima:
pedra, areia, saibro, cal, madeira e ferro.
Como elementos da estrutura arquitectónica, apenas se faz referência às janelas, que
deveriam levar gradeamentos - "as janelas do dito dormitorio que se hade fazer" levarão
(731) Ver Apêndice Documental - doc. XVII. (732) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 763, fl. 90. (733) Idem, Ibidem. (734) Idem, Ibidem. (735) Idem, Ibidem. (736) Idem, Ibidem. (737) Idem, Ibidem. (738) Idem, Ibidem. (739) Idem, Ibidem.
209
"grades" e "serão estas por conta do convento" (740), grades que, todavia, seriam os
mestres "obrigados as assentarem por sua conta" (741).
Segundo se declara nesta escritura pública, os artistas terão apresentado uma
procuração (742) através da qual as respectivas mulheres, Maria Gonçalves e Maria
Martins, aparecem como fiadoras:
"Maria Gonçalves consente ao dito seu marido Andre Martins e a
dita Maria Martins a seu marido Manoel Fernandes para poderem
concorer e rematar coaisquer obras de pedraria de que são mestres
pellos pressos que lhe paresser fazendo escrituras e obregar os bens
dellas constetuentes a satisfação e obrigação de tudo como constava
da dita procuraçam" (743).
Por sua vez, os mestres assinam que:
"Em seus nomes e como procuradores das ditas suas molheres
asseitavão este contrato e se obrigavão por suas pessoas e todos os
seus bens prezentes e futuros e terços de suas almas [...] a fazerem a
dita obra de pedraria na forma das plantas e apontamentos [...] a
cumprer e guardar anvos juntamente e cada hum enssoledum
porquanto fiavão hum ao outro e outro ao outro pera que a dita
obra se faça pello mais tempo dado de cada hum delles" (744).
O reitor e demais padres de Vilar obrigaram os bens e as rendas do convento, como
garantia de que pagariam aos mestres "a dita contia dos doze mil cruzados e duzentos e
sencoenta mel reis" (745).
(740) Idem, fl. 90v.. (741) Idem, fl. 90v.. (742) Procuração feita a 13 de Abril de 1698, "sobescreta e assenada em publico e razo por Antonio de
Paiba Aguiar tabeliam do publico na cidade do Porto" - Idem, fl. 90v.. (743) Idem, fl. 90v.. (744) Idem, fl. 90v..
210
1.2. ASSINATURA DE NOVO CONTRATO
Estava a obra em pleno desenvolvimento quando, a 26 de Fevereiro de 1702, uma
nova escritura pública (746) é rubricada pelas partes outorgantes (pela parte do convento
assinam o novo reitor, Ambrósio de Santo Agostinho e o vice-reitor, José de São
Francisco), na presença do tabelião José Leite de Faria e das testemunhas Domingos
Coelho e Afonso Coelho, "serventes deste dito convento" (747), um "publico instromento
de contrato e obrigação e declaração" que põe em evidência a falta de segurança do novo
dormitório em construção, obrigando os mestres a desfazerem o que estava mal feito e a
reerguerem de raiz uma boa parte desta estrutura arquitectónica (748), que andaria em
construção desde a Primavera de 1698 (749).
Por um lado, este documento tem o valor de confirmar que os religiosos "tinhão dado
aos ditos mestres Manoel Fernandes e Andre Martins a obra do dormitorio novo" (750).
Por outro, revela-nos a existência de graves erros técnicos na execução da obra,
"porcoanto na parte do dito dormitorio que estava feito se mostrava aruinado da parte da
orta" (751).
Por conseguinte, eram os mestres obrigados a refazer toda a parede voltada a sul, de
um cunhal ao outro, construir um sólido arco que igualasse o da entrada principal e bem
assim seis portais "toscos", três de cada lado do referido arco, tudo com seis palmos de
largura, pelo menos até à altura das janelas (752).
Vejamos um enxerto do documento:
(745) Idem, fl. 90v.. (746) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 771, fls. 74v.-76. (747) Idem, Ibidem. (748) Ver Apêndice Documental - doc. XXIII. (749) Cf. Apêndice Documental - doc. XVII. (750) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 771, fl. 75. (751) Idem, Ibidem. (752) Idem, Ibidem.
Estava já construída até ao nível superior das janelas do primeiro piso quando a obra deu sinais de
insegurança e que levou à assinatura de novo contrato - "na parte dos alessesses que forem volvidos des o
casco da terra para sima serão elles (mestres) obrigados a dar a cal a sua custa que se entende ate a altura
que oje tem a obra que esta feita que he ate o simo das soleiras das janelas [...] digo ate as padieiras das
janelas que se entende as primeiras janelas" - Idem, fl. 75v..
211
"Elles ditos mestres serão obrigados a fazer de hum cunhal ate o
outro a parede da largura de seis palmos trazendoa dos alissesses e
fazendo os ditos alissesses com toda a segurança bem travada de
juntouros a contento deles ditos reverendos padres e farão hum
arco forte da parte da orta que comreponda (sic) ao da entrada que
hade ser da largura da mesma parede e farão mais tres portais de
huma parte e outros tres da outra toscos na mesma parede e se
continuara tudo na largura de seis palmos athe as soleiras das
primeiras janelas" (753).
Esta obra, a ser entregue dentro do novo prazo estabelecido, "sinco annos dipois",
deveria ser feita "de sorte que se dentro de sinco annos se arruine ou mostre que se
arruinara serão obrigados a segurala a sua custa" (754).
Da parte dos religiosos, que obrigam de novo os bens e rendas do convento, pagarão
aos mestres mais 100 mil reis e comprometem-se a retirar o forro (que já havia sido
pregado) para outra parte, a fim dos artistas "andarem com a dita obra" (755).
Prevendo-se o recurso à justiça, caso algum problema venha a prevaleçer, serão as
demandas resolvidas nas instâncias judiciais de Barcelos (756).
No novo contrato celebrado, os mestres pedreiros de Campanhã, para além de
obrigarem as suas pessoas e todos os seus bens "avidos e por aver" e respectivos "terços
de suas almas" (757), apresentam dois fiadores da cidade invicta (758), através de uma
(753) Idem, fl. 75.
Ao custo inicialmente previsto, acrescerá um valor de "sem mel reis e cal para os alessesses ate o
lastro da terra" - Idem, fl. 75.
Cf. Apêndice Documental - doc. XXI. (754) Idem, Ibidem. (755) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 771, fl. 76. (756) Por conseguinte, "cazo se mova algum litigio sobre esta obra", os mestres desaforavam-se "de juis e
justiças de seu foro leis privilegios e louvor de testemunhas que em seu favor forem" e responderiam
"diante o juis e ouvidor da villa de Barcellos ou aonde os ditos padres os demandar quizerem" - Idem, fls.
75-75v.. (757) Idem, fl. 75. (758) Manuel Martins, filho do mestre André Martins, e o famoso entalhador Domingos Nunes, que havia
trabalhado na igreja de Vilar, em parceria com António Gomes, aquando da construção dos relábulos mor
212
procuração de 21 de Fevereiro de 1702, passada ao oficial de pedreiro Amaro Pinto da
Costa (759), também oriundo da freguesia de Campanhã e que naquela data se encontrava
a trabalhar em Vilar de Frades (760).
1.3. ENVOLVIMENTO DE DOMINGOS NUNES E MANUEL MARTINS,
MESTRES DA CIDADE DO PORTO
Com efeito, Domingos Nunes, morador na Rua Nova do Bonjardim da cidade do
Porto e Manuel Martins (761) e sua mulher Domingas Martins, moradores no lugar de
Noeda, freguesia de Campanhã, da mesma cidade (762), através da competente
procuração, constituem como seu representante "Amaro Pinto ofesial de pedreiro
asistente nas obras do convento de Villar de Frades" (763) através de fiança a favor dos
referidos mestres (764).
Caso os mestres pedreiros não cumprissem o contrato, os fiadores e principais
pagadores, que penhoravam suas pessoas e bens, comprometiam-se "a dar enteiro
comprimento e satisfação a dita obra e contrato e a pagarem todas as perdas e danos"
(765).
Nesta procuração faz-se referência à obra que os mestres André Martins e Manuel
Fernandes "fazem aos reverendos conegos seculares da Comgregação de São João
e colaterais - A.D.P. - Paroquial de Campanhã, Nº 319, Lº 3 dos Mistos, fl. 240; A.D.B. - Fundo
Monástico Conventual, L 22, fl. 421. (759) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 771, fl. 76.
A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22, fl. 421. (760) Idem, Ibidem.
Ver Apêndice Documental - docs. XXI-XXIII. (761) "Manuel Martins, filho legittimo de André Martins e de sua mulher Maria Gonçalves moradores na
aldeia de Noeda" casou a 18 de Fevereiro de 1692 com "Domingas Martins filha de Manuel Martins e sua
mulher Isabel Gonçalves moradores na aldeia da Quinta", todos da freguesia de Campanhã da cidade do
Porto - A.D.P. - Paroquial de Campanhã, Nº 319, Lº 3 dos Mistos, fl. 240. (762) Ver Apêndice Documental - doc. XXII. (763) Ver Apêndice Documental - doc. XII. (764) Usando dos poderes daquela procuração, e em nome dos referidos constituintes, Amaro Pinto "feava
aos ditos mestres Manoel Fernandes e Andre Martins a que dara satisfação a dita obra do dito dormitorio
na forma que declara esta escritura e a do primeiro contrato pellos pressos declarados nas mesmas
escrituras" - A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 771, fl. 75v.. (765) Idem, Ibidem.
213
Evangelista do convento de Villar de Frades em quantia de doze mil e quinhentos
cruzados e sincoenta mil reis, e asim mais a obrigação de huns acresentamentos em preço
de cem mil reis" (766), o que não coincide com o valor apresentado no contrato de 1698 e
que era, como vimos, 12 mil cruzados e 250 mil reis (767).
Estamos convencidos de que foi, de facto, este valor e não aquele. Aliás, aquele
documento, registado no Porto, revela outra imprecisão, como seja a alusão a "huns
acresentamentos", quando na verdade se tratava de refazer uma obra que evidenciava
graves erros de construção (768).
Um documento não datado, mas sem sombra de dúvida relacionado com esta obra,
descreve de forma sucinta mas clara as cláusulas e condições desenvolvidas no contrato
de 26 de Fevereiro:
"O mestre pedreiro sera obrigado a faser de parede de largura se
seis palmos o lanço do dormitorio da parte da orta des de hum
cunhal athe ó outro; trazendoa des dos alicerces, ou fasendo os
alicerces com toda a segurança; bem travada de juntouros a
contento dos padres; e fara hum arco tosco da parte da orta, que
comresponda ao da entrada, que hade ser da mesma largura de
parede; e fara tres portais de huma parte, e tres da outra toscos na
mesma parede, que se continuara na mesma largura de seis palmos
athe às soleiras das primeiras janellas; pera o que os padres lhe
darão alem do preço celebrado cem mil reis;e cal pera os alicerces
athe o lastro da terra; e elles mestres obrigarão suas pessoas, bens
moveis, e de rais, avidos, e por haver, alem da obrigação que tem a
segurar esta, e a de mais obra por tempo de sinco annos, pera o que
daram fiadores chans, e abonados; e se dezaforarão de seus termos,
pera que em cazo que haja algum letigio correra este na villa de
Barcellos. Se entende que bolirão os alicerses a donde não estiverão
capazes" (769).
(766) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22, fl. 421. (767) Cf. Apêndice Documental - doc. XVII. (768) Aspecto que é omitido na referida procuração. (769) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22, fl. 423.
214
Seja como for, a empreitada de André Martins e Manuel Fernandes podia continuar o
seu curso, mas agora sob a fiança de dois homens "chans, e abonados" (770), o mestre
pedreiro Manuel Martins (filho do mestre André Martins) e o grande entalhador do Porto
Domingos Nunes.
Contudo, a obra não terá logrado a perfeição técnica desejada, já que uma intervenção
a cargo de Francisco de Santa Maria, reitor em 1752-1754 (771), permite-nos pensar que
as dificuldades de execução desta obra não foram de todo superadas.
Dando a obra sinais de derrocada, e consequentemente devido ao "perigo em que se
achava" (772) o dormitório da ala sul do convento e os "seus habitadores por se ter a
parede velha da parte da serca apartado em partes tres palmos das madeiras" (773)
Francisco de Santa Maria "lançou abaixo a mesma parede, e renovoua, acressentando-lhe
todos os prepianhos de parede para ligarem com os principais daquelle lado e segurarem
melhor toda a obra; pondo-lhe quatro linhas de ferro" (774).
Uma advertência, desde já, quanto à memória desde conjunto arquitectónico, resultante
do fulgor construtivo dos fins de seiscentos e inícios de setecentos.
Para além da escassa documentação manuscrita - de grande valor para nós, na medida
em que nos permitiu datar com precisão estes espaços utilitários do convento -, subsiste a
memória material, que foi inevitavelmente sujeita a grandes modificações, sobretudo este
dormitório do lado sul e a organização dos espaços internos de todo o conjunto.
Com a nacionalização do convento em 1834 e a sua subsequente venda em hasta
pública (775), os novos proprietários ter-lhe-ão modificado a estrutura interna, adaptando-
(770) Idem, Ibidem. (771) A.D.B. - Ms. 924, fl. 781. (772) Idem, Ibidem. (773) Idem, Ibidem. (774) Idem, Ibidem. (775) Em 1837, o edifício conventual "foi avaliado, em attenção ao que teria importado a sua construcção,
na quantia de 40:000$000", pela Contadoria da Junta do Crédito Público. Porém, a 4 de Novembro do
mesmo ano, o mesmo organismo responsável pela primeira avaliação, propõe à rainha que "todo o predio"
(edifício e cerca) seja vendido por 26:744$000 - A.N.T.T. - A.H.M.F., Cat. 439, Cx. 2264, Of. 190.
A 7 de Fevereiro de 1838, sob o edital nº 352, a Junta do Crédito Público publicitava a venda em
hasta pública, para "arrematação a 2 de Março próximo futuro" de "campo lavradio a que chamam
cerca", da Casa do Salvador dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista, de Vilar de Frades,
propriedade que "consta de arvores de vinho e de fructa, e é murada sobre si - Avaliação 250$000" -
215
a às suas novas funções. Desde então, sucessivos proprietários terão realizado obras de
conservação e novas adaptações foram surgindo.
Um violento incêndio, em 19 de Agosto de 1898, foi certamente a causa mais profunda
das alterações produzidas em todo o espaço interno. Conforme relata um jornal da época,
"O Comércio de Barcellos", quando os bombeiros voluntários de Barcelos chegaram a
Vilar de Frades naquele fatídico dia, depararam com o conjunto conventual dos séculos
XVII e XVIII devorado pelas chamas, restando-lhe as paredes das quatro alas (776).
Eis um enxerto da notícia:
"Pouco depois das 8 horas de sexta-feira principiou a ouvir se
n'esta villa, a nota lugubre d'hum sino de campanario rural... uma
grande e intensa columna de fogo surgira pavorosa por detraz da
cerca, na direcção de Braga, inflammando-se no espaço na sinistra
belleza do seu enorme clarão [...] Formando o juízo de que o
incendio devia ser em Villar, em todos se radicou a convicção de
que o edificio que lhe servia de pasto era o antigo e valioso
convento, propriedade do sr. Joaquim Cardoso, do Porto" (777).
Ao chegaram a Areias de Vilar cerca da meia noite, os bombeiros de Barcelos
depararam com "o velho e vasto edificio" em chamas, "que apenas conservava, mas bem
abaladas, as longas paredes dos seus quatro corpos" (778).
No local do sinistro compareceram também os bombeiros voluntários de Braga (779),
cerca da uma hora da madrugada, bem como o secretário do governo civil, Gaspar
Arquivo Distrital de Bragança - Edital da Junta do Crédito Público, Lista 344/4-8, de 7 de Fevereiro de
1838.
Ver Apêndice Documental, doc. XXXV. (776) Jornal "O Comércio de Barcelos" - Ano IX, Nº 442, 21 de Agosto de 1898. (777) Idem, Ibidem. (778) "A egreja, porem, cujo valor architectonico a elevou á cathegoria de monumento nacional, depois da
visita do sr. Lino da Assumpção, ainda estava illeza, embora bastante ameaçada" -Idem, Ibidem. (779) "Os voluntarios de Braga, visto que o celleiro da casa tinha resistido á poderosa acção das
chammas, devido á segura construção de pedra e abbobada de tijolo que possue, trataram de afastar-lhe o
rescaldo para que, qualquer faulha, não fizesse tambem sevorar o grande numero de carros de cereaes que
ahi se armazenam" - Idem, Ibidem.
216
Malheiro e o comissário da polícia interino, Alfredo Madureira, com onze guardas civis
(780).
A passividade parece ter sido a atitude adoptada por parte da maioria dos populares
que se concentraram frente às chamas devastadoras:
"O povo da aldeia agllomerava-se no largo fronteiro á egreja,
postado em criminosa indifferença na contemplação de tão
horrifico espectaculo escusando se, em sua maioria, ao trabalho que
lhe era solicitado" -, pelo que "a auctoridade presente impoz se,
intimando os lavradores a prestarem o serviço preciso" (781).
Na sequência deste incêndio, segundo Teotónio da Fonseca, "o velho casarão"
conventual foi reconstruído "tal como era exteriormente, menos o lado sul que ficou em
andar baixo", reconstrução que coube ao seu proprietário, sr. Joaquim Domingos Ferreira
Cardoso (782).
Terá sido, logicamente, a ala sul do convento (construída duzentos anos antes, por
Manuel Fernandes e André Martins), a mais atingida na sua estrutura original.
Mesmo assim, alguns aspectos estruturais, porventura os mais importantes, desta
arquitectura marcadamente utilitária podem ainda ser observados no piso térreo,
designadamente: um arco (o mencionado "arco forte da parte da orta"), que deveria
corresponder, embora "tosco", ao do alçado principal (que "comreponda (sic) ao da
entrada que hade ser da largura da mesma parede") e alguns dos portais mencionados na
documentação - "tres portais de huma parte e outros tres da outra toscos na mesma
parede" (783).
(780) Idem, Ibidem. (781) Idem, Ibidem. (782) FONSECA, Teotónio da - O Concelho de Barcelos. Aquém e Além-Cávado, Vol. II, Barcelos,
1948, pp. 35 e 41.
217
2. A OBRA DA "EMENDA" E DA FRONTARIA CONVENTUAL
2.1. CONTRATO DE MANUEL FERNANDES DA SILVA, MESTRE PEDREIRO
RESIDENTE NA CIDADE DE BRAGA
Entre 1698 e 1705, um vasto conjunto de obras no convento de Vilar de Frades
revelam um grande empenho desta comunidade monástica em completar e ampliar as
reformas previstas há longos anos.
A este novo ímpeto construtivo não será alheia a recuperação económica do nosso
país, com evidentes reflexos no campo cultural e artístico:
"Após os anos de penúria, que marcaram a arquitectura portuense
e portuguesa, durante grande parte do século XVII, a que o
domínio espanhol (1580-1640) e a guerra da Restauração (1640-
1668) não foram estranhos, vamos assistir na cidade a partir de
1670-1675 a um recrudescimento gradual da actividade
arquitectónica até finais da centúria e princípios do século XVIII"
(784).
Em simultâneo com a construção do dormitório acima mencionado, uma nova obra
vai desenvolver-se a partir de Maio de 1700, empreitada que será entregue a Manuel
Fernandes da Silva, um importante mestre pedreiro e arquitecto, natural do Porto (785) e
(783) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 771, fl. 75. (784) FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - Pascoal Fernandes, Mestre Pedreiro de Arquitectura.
Alguns Elementos para o Estudo da sua Actividade, in IX centenário da dedicação da Sé de Braga - Actas
do Congresso Internacional, Vol. II, Braga, 1990, p. 397. (785) Embora o documento não faça qualquer referência à biografia de Manuel Fernandes da Silva, trata-
se do filho de Pascoal Fernandes, mestre pedreiro que "desenvolveu uma relevante actividade como
mestre pedreiro de arquitectura no Porto e em Braga" - FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - Ob. cit.,
p. 396.
218
radicado em Braga (786), cidade onde desenvolverá uma intensa actividade construtiva
(787).
Nascido em Abril de 1671 na freguesia de Santo Ildefonso, Manuel Fernandes da Silva
é o filho primogénito de Pascoal Fernandes e Catarina Fernandes, família que se
deslocará para a cidade dos arcebispos nos inícios da década de 1690 (788).
Como filho de um destacado mestre, será "perfeitamente aceitável que Manuel
Fernandes da Silva tenha aprendido o ofício com seu pai, Pascoal Fernandes, mestre
pedreiro de profissão" (789), de quem aliás compreensivelmente depende quando, em
1693, inaugura a sua actividade construtiva em Braga, ao necessitar do consentimento
paterno para arrematar uma obra na igreja da Santa Cruz (790).
Em 1698, Manuel Fernandes da Silva trabalha em parceria com Pascoal Fernandes, na
nova sacristia da Sé de Braga, segundo um projecto do arquitecto João Antunes (791), e
no ano seguinte substitui o mestre Domingos Moreira nas obras da capela de Santa Maria
Madalena do Monte da Falperra (792).
A partir daqui, são inúmeras as obras concebidas e/ou realizadas pelo mestre e
arquitecto de Braga, que ora trabalha em parceria com Pascoal Fernandes, ora concebe o
projecto e arremata a obra, numa superação evidente do saber fazer legado pelo pai (793),
colocando a sua arte ao serviço da hierarquia da Igreja na cidade de Braga (794).
(786) Cidade onde se afirmará como " o grande arquitecto" da primeira metade de setecentos -
FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - Ob. cit, p. 396. (787) Cf. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - A Capela de Santa Madalena do Monte da Falperra, de
Braga, à luz da Documentação Notarial, Sep. do Vol. V da Revista de Ciências Históricas, Porto,
Universidade Portucalense, 1990, pp. 231-269.
Cf. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Manuel Fernandes da Silva Mestre e Arquitecto de
Braga 1693-1751, Vol. I, Dissertação de mestrado na F.L.U.P., Porto, 1995.
Cf. SMITH, Robert C. - A Casa da Câmara de Braga (1753-1756), Braga, 1968.
Cf. SMITH, Robert C. - A Sacristia do Tesouro da Sé Primacial, Braga, 1972.
Cf. OLIVEIRA, Eduardo Pires de - Estudos sobre o Século XVIII em Braga, Braga, Edições
APPACDM, 1993. (788) ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Manuel Fernandes da Silva Mestre e Arquitecto de Braga
1693-1751, Vol. I, pp. 39 e 41. (789) Idem, p. 47. (790) Idem, p. 47. (791) Idem, p. 48. (792) ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - A Capela de Santa Madalena do Monte da Falperra, de
Braga, à luz da Documentação Notarial, Sep. do Vol. V da Revista de Ciências Históricas, Porto,
Universidade Portucalense, 1990, pp. 231-269. (793) "Se o experimentalismo veiculado pela mão do progenitor foi determinante na sua formação,
teoricamente foi levedada pela tratadística" - ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Manuel Fernandes
da Silva Mestre e Arquitecto de Braga 1693-1751, Vol. I, p. 48. (794) Cf. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Ob. cit., Vols. I e II.
219
Para o novo templo do Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos, o arcebispo D. João de
Sousa terá apresentado, em 1701, "cinco possíveis projectos, todos de planta centrada,
três do seu arquitecto bracarense, Manuel Fernandes da Silva, e dois outros do arquitecto
régio João Antunes, para que os promotores da obra lhe escolhessem o que mais lhe
agradasse" (795), vindo a ser escolhido o de João Antunes.
Mas o arquitecto e mestre pedreiro de Braga e das obras da sua Sé (796), que será o
mestre das obras na matriz da Póvoa de Varzim, entre 1742-1751 (vindo a falecer nesta
última data nesta cidade) e que fez o risco para a capela do Senhor Bom Jesus de Fão,
onde trabalha em parceria com Pascoal Fernandes (1710), colocou sobretudo ao "serviço
de D. Rodrigo de Moura Teles e das principais forças da sua Corte" (797), o seu labor
técnico e artístico.
Em Maio de 1700, Manuel Fernandes da Silva assina em Vilar de Frades o contrato
para a realização da obra que visava redimensionar todo o extenso espaço do poente, quer
o adro da igreja quer o "terreiro dos Cabedais", adentro da portaria de seiscentos, e
rematar este conjunto que ficara por concluir havia oito décadas.
Era pois uma obra fundamental, porquanto vinha reorganizar/ordenar os espaços e
resolver vários problemas de ordem técnica e artística: tratava-se da chamada obra da
emenda e do frontispício conventual (798).
Sem o recurso à habitual escritura notarial, os cónegos de Vilar de Frades, pela pena
do escrivão da comunidade, Lourenço da Anunciação, redigem uma declaração/contrato,
onde as testemunhas são dispensadas - o que pode evidenciar uma relação de confiança
com o mestre (799) -, e sem qualquer referência à existência de plantas e apontamentos.
(795) FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto - Barcelos, Lisboa, Editorial Presença, 1990, pp. 64-
65.
Cf. OLIVEIRA, Eduardo Pires de - Estudos sobre o Século XVIII em Braga, Braga, Edições
APPACDM, 1993, p. 51.
Cf. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Manuel Fernandes da Silva Mestre e Arquitecto de
Braga 1693-1751, Vol. I, p. 51. (796) ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Ob. cit., Vol. I, pp. 69-71. (797) Idem, pp. 222-227. (798) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22, fls. 414-415.
Ver Apêndice Documental - doc. XIX. (799) Como filho do conhecido mestre Pascoal Fernandes, com quem aliás terá aprendido a arte de
pedreiro, Manuel Fernandes da Silva pode ter gozado do prestígio de seu pai junto dos cónegos
evangelistas: em 7 de Fevereiro de 1685, Pascoal Fernandes fora "contratado para fazer a obra do
acrescentamento da capela-mor da igreja do convento de São João Evangelista", na cidade do Porto -
FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - Pascoal Fernandes, Mestre Pedreiro de Arquitectura. Alguns
220
Este documento (do fundo monástico do Arquivo Distrital de Braga) funcionou como
contrato, mas também como guia programático desta obra que tinha um carácter
eminentemente técnico e artístico: visava completar, ainda que mexendo no traçado
inicial, uma obra emblemática como era o frontispício de todo o vasto conjunto
arquitectónico, daquele que fora o primeiro convento da Ordem dos Cónegos Seculares
de São João Evangelista.
Curiosamente, o nome de Manuel Fernandes da Silva apenas nos aparece neste
documento, surgindo por várias vezes, como veremos, o nome de António Correia como
"mestre da obra da frontaria" (800), a receber montantes pecuniários "a conta da obra
assima" (801).
Segundo o contrato de 10 Maio de 1700, a obra entregue a Manuel Fernandes da Silva
compreendia o seguinte programa:
"Fazer a obra da emmenda, da frontaria, dos dormitorio novo e
velho; da parte da estrada; pondoa pera fora trinta palmos; ou, o
que elle emtender ser necessario, do dormitorio antigo; e
recolhendo outros tantos, da frontaria do dormitorio novo; de
maneira, que fique as paredes em igual distancia, e comprimento da
parte de dentro, e do pateo sem defeito algum, nesta parte. E
mudara, pera a parte de fora, e do caminho, a frontaria do pateo da
igreja e a tornara a repor na mesma altura: e tambem, mudara o
muro, do pumar novo, athe a quina donde se descobre o cunhal,
lançando o dito muro pera fora o que for necessario, em viagem ao
cunhal novo que se hade por, pera a emmenda do dormitorio [...]. E
Elementos para o Estudo da sua Actividade, in IX centenário da dedicação da Sé de Braga - Actas do
Congresso Internacional, Vol. II, Braga, 1990, p. 401.
Por outro lado, como afirmámos (com prova documental) no Capítulo III, Pascoal Fernandes tinha
trabalhado em 1697 no acrescentamento da capela-mor da igreja de Vilar de Frades. (800) A falta de documentação mais esclarecedora deixou-nos na dúvida acerca da verdadeira autoria da
obra. Parece fora de dúvida ter sido a empreitada entregue a Manuel Fernandes da Silva, porém, não será
menos verdade que o mestre pedreiro António Correia foi o seu principal executante (pelo menos na
frontaria), a quem os padres entregaram vários montantes - A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22,
fl. 415. (801) Ver Apêndice Documental - docs. XIX-XX.
221
a dita emmenda dos dous dormitorios: e galaria, hade levantar, na
mesma forma em que hoje esta: pondo as mesma escadrias e portais
que hoje tem: pera o que antes de entrar na obra se fara medição e
assento das alturas em que esta hoje a dita obra: pera na mesma
altura e gressura as deixar postas e alevantadas: e os cunhais
deixara postos a escadria: e tudo o que for necessario, pera ficar a
obra direita" (802).
Do programa construtivo, minuciosamente apresentado (803), constava ainda o
nobilitado pórtico da frontaria conventual (804), a ser colocado entre "os pés dos arcos que
estam principiados a entrada do pateo" (805), arcos estes que "pora a escadria e asentara
em a altura em que estam" (806).
O arco central, que envolve a portaria (ver Apêndice - fig. 31), contaria com paredes a
fechá-lo, de modo a "que as portas se recebam, na gresura das paredes das ilhargas" (807),
devendo colocar-se "o mesmo portal e nixo que hoje tem: e se fechara com duas paredes,
das ilhargas, a fechar na abobada" (808).
De notar que estas duas paredes laterais do átrio da portaria deveriam ter "dous palmos
e meio de grosso" e seriam pagas "a braça, a vinte, e quatro testois" (809).
A rematar esta zona axial, qual belo quadro clássico-maneirista, deveria construir-se
um arco, que vinha dignificar todo o frontispício do convento:
"E fara o arco na parede fronteira de pedra escodada, do tamanho
que for necessario e separara: a braça, a quatro mil reis e tera de
huma e outra parte cabeça lavrada" (810 ).
(802) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22, fl. 414. (803) Decorrente da reordenação deste espaço defronte do convento e da igreja, a empreitada aponta para
a intervenção na área dos animais: "mudara a parede dos currais des de a porta da heira athe junto da
porta donde entra o gado em que hoje estâ; e compondo os currais, digo a parede de fora somente" - Idem,
fl. 114v.. (804) A data de 1619 que se pode ver na padieira deste pórtico deve reportar-se à construção primitiva,
permanecendo ali como memória de um programa construtivo ambicioso, logo interrompido pela urgência
das obras na igreja. (805) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22, fl. 414v.. (806) Idem, Ibidem. (807) Idem, Ibidem. (808) Idem, Ibidem. (809) Idem, Ibidem.
222
Quanto aos custos, declaram os padres que "pera toda esta obra, excepto o arco da
parte de fora, e as duas paredes laterais da portaria cujos preços asima ficam declarados,
nos obrigamos a lhe dar quatrocentos mil reis" (811).
Manuel Fernandes da Silva tinha direito a uma refeição, sempre que ele ou outro
mestre, em seu nome, viesse ao mosteiro (812).
Os conventuais forneciam ainda a "madeira necessaria para os andaimes" e "fasendo
roda para guindar as pedras lhe daram a madeira ao pé da obra, e tambem lhe mandara o
convento chegar a pedra saibro e cal. E os mais materiais" (813).
Finalmente, a obra deveria ficar concluída por todo o mês de Novembro de 1701 (814).
2.2. ANTÓNIO CORREIA, MESTRE PEDREIRO DE BRAGA, PRESENTE NA
EMPREITADA DE MANUEL FERNANDES DA SILVA.
Quem dirigiu ou executou a obra, pelo menos a parte respeitante à frontaria, terá sido
o mestre António Correia, que recebe das mãos de diversos padres vários montantes
referentes à empreitada que havia sido entregue a Manuel Fernandes da Silva.
PAGAMENTOS AO MESTRE ANTÓNIO CORREIA (815)
DATA
EFECTUADO POR
MONTANTE
(810) Idem, Ibidem (811) Idem, Ibidem. (812) Idem, Ibidem. (812) Idem, Ibidem. (814) No documento apenas se refere o mês de Novembro e não o ano, porém, na medida em que no ano
seguinte à assinatura do contrato deparamos com o mestre António Correia a receber várias quantias
relativas à mencionada obra da frontaria, somos levados a pensar que a data da conclusão dos trabalhos
foi o mês de Novembro de 1701. (815) A.D.B. Fundo Monástico Conventual, L 22, fls. 415-415v..
Ver Apêndice Documental - doc. XX.
223
21-02-1701 Lourenço da Anunciação
- escrivão do convento.
208.070 reis
21-04-1701 Faustino de São João
- procurador do convento.
75.570 reis
27-08-1701 Faustino de São João
- procurador do convento.
72.810 reis
"por varias vezes" José de São Francisco
- procurador do convento.
57.020 reis
TOTAL
413.470 reis
Mas quem era António Correia?
Deverá tratar-se do mestre pedreiro residente no lugar de Coucinheiro, freguesia de
Palmeira (Braga), cuja actividade conhecida datava de 1722-1733 (816). A análise
comparativa das assinaturas orientaram esta hipótese.
Não podemos, no entanto, fazer prova documental que torne a nossa posição
irrefutável, pois duas décadas separam as assinaturas apostas nos documentos escritos
conhecidos e as obras realizadas, só por si, não constituem certificados de certeza.
Tão-pouco sabemos, com rigor, qual a foi a parte da obra executada por António
Correia: apenas sabemos que trabalhou na frontaria, mas desconhecemos a natureza do
vínculo deste artista a Manuel Fernandes da Silva, o mestre que assinou em 1700 o
contrato para a execução de toda a obra da emenda e da frontaria.
Todavia, o montante recebido por António Correia das mãos dos cónegos, 413.470
reis, no decurso de 1701 - verba que ultrapassa os 400 mil reis estabelecidos no contrato
assinado por Manuel Fernandes da Silva, mas que, neste caso, não incluía "o arco da parte
de fora, e as duas paredes laterais da portaria" (817) que seriam pagos "à braça" -, coloca
em evidência a presença deste mestre nas obras da referida empreitada.
(816) Cf. OLIVEIRA, Eduardo Pires de - O Edifício do Convento do Salvador. De Mosteiro de Freiras
ao lar Conde de Agrolongo, Braga, 1994, pp. 91-92.
Cf. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Arquitectura Civil e Religiosa de Braga nos séculos
XVII e XVIII. Os Homens e as Obras, Braga, 1994, pp. 34-35.
224
Embora escassa e lacónica, esta documentação permitiu-nos datar com bastante
precisão as obras que vieram rematar o conjunto de seiscentos, a chamada "emenda" dos
dormitórios e a fachada principal do convento e compreender melhor a data de 1619 -
inscrita na padieira da portaria e encimada por um formoso e clássico friso, sobre o qual
duas aletas enquadram plástica e espacialmente o nicho que acolheu a escultura do
patrono da Ordem, S. João Evangelista -, que recorda as obras que ali se desenvolveram
naquela data e que foram interrompidas aquando da decisão dos padres de construírem o
novo corpo da igreja.
Com 46 m de comprimento e uma altura proporcionada, o muro da fachada de 1701
recebeu em cada cunhal a sua pilastra imponente, da ordem toscana, subtilmente
suavizada por um formoso enrolamento de pedra que desce da cornija e, porque
simétrico, dá a ilusão de prolongar o capitel.
No registo superior, 8 janelas com suas sacadas de ferro (cada qual com duas cornijas,
uma sob a sacada e outra sobre a verga recta do rectângulo), dão dinamismo a toda a
frontaria (ver Apêndice - fig. 32). Duas peanhas sob cada sacada, a que correspondem
outras tantas que olham simetricamente da cornija do telhado, participam nos ritmos da
arquitectura, numa intenção clara de nobilitar todo o muro.
No registo inferior distribuíram-se 10 vãos simples, gateiras e janelas rectangulares,
com a única função de iluminar e ventilar os interiores.
Próxima do centro da composição, mas sem atender ao princípio da simetria, a portaria
ocupa um átrio abobadado com 4,40 m de largura e 4,90 m de profundidade, um espaço
de elevado nível de execução, com um arco de volta inteira (sempre da ordem toscana) no
limiar e outro à entrada do terreiro, abraçando a portada, as aletas e o nicho de S. João
Evangelista.
(817) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22, fl. 414v..
225
3. A OBRA DE CARPINTARIA DO NOVO CONJUNTO CONVENTUAL: UMA
EMPREITADA DOS MESTRES MIGUEL MARTINS, DO PORTO E MANUEL DE
SOUSA LEMOS, DE MATOSINHOS
A fazermos fé noutro documento do fundo monástico do Arquivo Distrital de Braga -
"Apontamentos da obra de carpintaria dos dormitorios novos do convento de Villar" (818)
-, terão sido contratados os mestres carpinteiros Miguel Martins, do Porto e Manuel de
Sousa Lemos, de Matosinhos (819), para levarem a cabo a extensa obra de carpintaria, de
acordo com o programa que nos é apresentado nos referidos apontamentos.
Não encontrámos outra documentação que viesse aferir as intenções registadas neste
documento que o seu autor nem sequer datou (820).
No entanto, a descrição e o detalhe programáticos, as condições a estabelecer entre as
partes contratantes, a fixação do preço da empreitada e a indicação clara da escolha dos
mestres carpinteiros levam-nos a pensar que estes "apontamentos" constituíram o guião
da escritura pública que havia de "ser feita à Miguel Martins, natural da cidade do Porto,
e a Manuel de Souza natural de Mathosinhos" (821), para o que deveriam obrigar-se "hum
por outro, e ambos por hum" (822), na celebração do contrato de toda a obra de carpintaria
que ficará aos encomendadores por 3.150$000 (823).
Para além do custo financeiro, "o dinheiro naquillo que se ajustar com o mestre" (824),
e que será "em preço de tres mil cruzados, e cento e sincoenta mil reis" (825), caberia ao
convento fornecer "as ferragens para as portas e jenellas" e toda a madeira, colocada "ao
pe da obra" (826).
O abate dos castanheiros e toda a parte de serração seria da responsabilidade dos
arrematadores da obra, a quem caberia igualmente fornecer os pregos:
(818) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22, fls. 416-417v.. (819) Idem, fl. 417v.. (820) Embora não datado, este documento deve ter sido elaborado entre 1702-1704, seguramente antes de
1705, já que na Primavera deste ano decorrem as obras do revestimento das paredes das celas e da
escadaria, o assentamento dos telhados e outros acabamentos - A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L
22, fls. 425 e 427. (821) Idem, fl. 417v.. (822) Idem, fl. 417v.. (823) Idem, fl. 417v.. (824) Idem, fl. 417v.. (825) Idem, fl. 417v.. (826) Idem, fl. 417v..
226
"Serão obrigados os mestres a arrancar os castanhos athe o nabo, e
nas primeiras contas se lhe descontará a sarraijem dos tres
pinheiros grandes que estam postos em taboas que custaram
dezanove mil e quinhentos [...]. O mestre que tomar esta obra sera
obrigado a fazella de suas mãos e cortar as madeiras, e serrallas, e
darà os gatos de ferro e todos os pregos, e riscarà os buracos ao
pedreiro, e ajudara a chumbar" (827).
Do programa, minuciosamente apresentado, constavam: o travejamento e o respectivo
soalho dos diversos aposentos; as portas, janelas e paredes divisórias, em tabique, das
celas e de todo o dormitório; os forros da nova área residencial, incluindo as celas, a
hospedaria e a varanda; as "secretas", ou seja, as latrinas; a armação dos telhados.
Deveriam os mestres iniciar pelo travejamento do primeiro andar, "todo de cabo a
cabo, assim cellas como dormitorios" (828), cujas traves se assentariam "direitas pella
banda de sima, para se apontar o solho" (829) e que levariam de "distancia huma de outra
palmo e meio" (830), enquanto as tábuas do soalho seriam abertas "de meio fio" e teriam
um dedo de altura, quer nas celas quer em todo o dormitório, "assim em baixo como no
segundo sobrado, na forma assima" (831).
De forma aprumada e travados, para garantir a segurança das paredes de madeira, "se
faram os tabiques, que vem a ser a repartiçam das cellas" (832). Estes tabiques, que
dividem os aposentos privados dos cónegos, "levaram suas regoas para se emcostarem as
cadeiras" (833).
Os forros das celas "seram todos oitavados" (834), com molduras de meio palmo de
altura e com "huma gulla" de feitio, "com sua meia cana grande, que terá de altura tres
(827) Idem, fl. 417v.. (828) Idem, fl. 416. (829) Idem, fl. 416. (830) Idem, fl. 416. (831) Idem, fl. 416. (832) Idem, fl. 416. (833) Idem, fl. 416. (834) "Tambem levará seus quadrados nas ditas cellas, e topos que façam oitavo" - Idem, fl. 417.
Ver Apêndice Documental - doc. XXVI.
227
coartos de palmo; tambem levará nestes emtabollamentos seu alquitrave para receber
fruta".(835)
Também "se forrarão os dormitorios, de cabo a cabo", segundo o modelo do chamado
"dormitorio novo, que está feito" (836). A exemplo das celas, o forro deveria ser oitavado,
mas "somente no dormitorio de sima pegado a armação do telhado" (837).
A descrição pormenorizada do programa permite-nos, por um lado, conhecer a
extensão desta obra de carpintaria e, por outro, ajuizar sobre a qualidade dos mestres que
a executaram:
"Os dormitorios levaram de huma e outra banda sua cornija e seu
friso, e seu alquitrave, que terám de altura estes emtabolamentos
dois palmos e meio, estas cornijas serão de balanço, e levará suas
cartellas, e seu talámte saltiado sobre as cartellas, levará a cornija
huma gulla com sua meia cana com seus filletes com sua corona
com seu talham, com sua meia cana; e o alquitrave tera de feitio
hum redondo com tres filletes, se entende assim em sima como em
baixo" (838).
Quanto à chamada hospedaria, seria forrada com uma estrutura em abóbada de berço.
No tocante aos pormenores, porém, deveria seguir o mesmo esquema utilizado nos
dormitórios:
"Esta caza se forrará de feitio de forro de berço, que se repartira
na milhor forma que poder ser, e as mulduras destes forros
levaram de altura tres coartos de palmo e de feitio levará dois
redondos e huma meia cana grande; e levará os mesmos
(835) Os "paineis" deste forro das celas serão lisos, e as suas juntas “seram abertas com sepos de
esgravatil, e seram emgragalhados nos frizos, que terá de altura de gragalho huma polgada e os paineis
levarão por detrás nas juntas seos malhetes, que seram collados, e a grossura dos paineis serão de forro e
meio, e levaram seu friso à vista (?) com sua meia cana e seu collarinho; esta obra se entende toda, das
cellas assim em baixo como em sima” - A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22, fl. 416. (836) No entanto, "seram os rompantes mais largos que se entende as mesmas mulduras ditas assima [...] e
o tamanho dos ditos paineis se faram conforme der de si a repartição, e estes ditos paineis levarão seu
friso, à volta com sua meia cana, e seu collarinho" - Idem, fl. 116v.. (837) Idem, fl. 16v.. (838) Idem, fl. 16v..
228
emtabollamentos que levão os dormitorios na mesma forma, e os
rompantes desta obra toda seram guarnecidas as boquinhas com
suas meias canas, e os paineis desta caza seram pello feitio dos do
dormitorio com seu friso à volta, e sua meia cana e seu collarinho, e
seram emgragallados como os ditos paineis assima" (839).
As portas e janelas seriam almofadadas e "estas almofadas seram de feitio com hum
redondo, e hum fillete, e seram emcaixilhadas com caixilhos a roda, com seu meio fio,
assim portas como jenellas; as jenellas das cellas levaram seos postigos de dois rebaixos"
(840). Os armários dos celas levariam igualmente as suas portas almofadadas, de acordo
com o "feitio" das restantes (841).
Denotando a existência de uma varanda, cujos vestígios desapareceram devido a
alterações produzidas pelos novos inquilinos após a extinção do convento, ou na
sequência do incêndio de 1898 (842), deviam os mestres fazer "a varanda de cabo a cabo
na conformidade e feitio do dormitorio novo" (843), com a sua moldura "pella banda do
pateo", de acordo com o entablamento do mencionado dormitório (844).
Do programa de carpintaria constavam ainda as latrinas, "com assentos com seos
tabiques" (845), as portas que davam acesso ao dormitório novo e que "serão de
almofadas", as portas do rés-do-chão, as portas do carro "com suas almofadas o valente" e
que "serão forradas por detrás, levarão sua bandeira em sima, e será fixa sem abrir, e
serão de altura as portas que ham de abrir que caiba hum homem a cavallo" (846).
(839) Idem, fl. 16v.. (840) Nas celas dever-se-ia fazer ainda "huma alesua com seos pilhares refenhidos, com sua cornija, com
seu frizo, e seu alquitrave, com sua barra, e se faram asentos das reixas das jenellas" e sobre o seu peitoril
"levará huma taboa para se emcostar o braço" - Idem, fl. 416. (841) Idem, fls. 416v.. (842) Terá a estrutura organizada em torno do terreiro dos "Cabedais", anterior ao incêndio, contado com
uma extensa varanda, a exemplo do que se passava no velho claustro? (843) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22, fl. 417. (844) Idem, fl. 417.
Caso fosse necessário forrar a escadaria, deveria sê-lo também no estilo daquele dormitório.
Igualmente, "se for necessario alguns falços do dormitorio velho para o novo se farão para ficarem os
telhados direitos; e tudo isto a custa do mestre sem faltar nada, comtanto queira o muito reverendo padre
reitor." - Idem, fls. 417-417v.. (845) Idem, fl. 417v.. (846) Idem, fl. 417v..
229
Finalmente, a armação do telhado deveria ser executada em conformidade com a
descrição pormenorizada dos referidos apontamentos (847).
4. CONCLUSÃO DAS OBRAS DOS INÍCIOS DO SÉCULO XVIII
No início da Primavera de 1705 deviam as obras de pedraria estar em fase de
conclusão, pois encontram-se a trabalhar em Vilar de Frades vários oficiais ligados a
obras de acabamentos.
Domingos Gomes, Agostinho Pedroza e Manuel da Costa formaram uma possível
sociedade para levarem a cabo, talvez, uma subempreitada com André Martins e Manuel
Fernandes relacionada com o revestimento das paredes e da escadaria conventual (848).
O documento, escrito por uma das testemunhas, Agostinho Francisco, a pedido dos
artistas - por nenhum deles saber ler nem escrever -, data de 23 de Março de 1705 (849) e
nele se declara:
"Por este por nos assinado dizemos nos Domingos Gomes e
Agostinho Pedroza e Manoel da Costa todos da freguezia de
Pedrozo que nos estamos asi todos com o mestre Andre Martins e
seu genro Manoel Fernandes pera lhe fazer as gornisonis e
repartimentos das selas asi no dormitorio de sima como tamven no
de vaixo e tamven se gornesera a escada em preso e quantia de
sincoenta e sinco mil reis" (850).
(847) Ver Apêndice Documental - doc. XXVI. (848) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22, fl. 425. (849) Idem, Ibidem. (850) Idem, Ibidem.
230
As referidas "gornisonis e repartimentos" deveriam ficar "muito bem feitas a contento
do senhor padre reitor [...] como tamven o senhor padre reitor lhe dara o dinheiro da dita
obra asim como o for meresendo" (851).
Como testemunhas rubricaram o documento Agostinho Francisco, Sebastião
Fernandes, Manoel de Castro e António do Couto (852).
Oito dias depois, a 31 de Março, deparamos com a arrematação da obra do telhado por
Domingos Gomes e Agostinho Pedrosa que, em parceria, se declaram "ajustados, com o
muito reverendo padre mestre Manoel de Santa Maria reitor do convento de Villar de
Frades, para lhes fazermos todos os telhados do dormitorio novo da mesma forma que
esta o outro dormitorio, correspondente a elle" (853), pelo preço de 50.000 reis (854).
Com um sinal de 9.000 reis pagos naquele dia, as restantes prestações seriam mensais,
"comforme a obra comese" e aos padres cabia o fornecimento do saibro e da cal (855).
Os artistas obrigaram as suas pessoas e "bens movens e de rais", na presença das
testemunhas José Fernandes, João da Silva e António Gonçalves, "da freguezia de São
João de Areas, hoje em 31 de Março de 1705" (856).
No ano seguinte, a 15 de Março de 1706, o oficial Dioniso António será chamado a
Vilar, a fim de proceder ao assentamento de azulejos.
Eis a notícia:
"Por este a meu rogo feito e assegnado digo eu Deonizio Antonio
que eu estou ajustado com o muito reverendo padre Jozeph de
Santo Antonio para lhe ir assentar huma partida de azoleijo a
preço de quatro mil reis cada milheiro dandome mais cama e meza,
e hum home para amaçar a cale e me obrigo a estar lá athé a
Somana Santa e não estando lá neçe tempo podera tomar outro
official para o que tudo me obrigo hoje quinze de Março de mil e
setecentos e seis" (857).
(851) Idem, Ibidem. (852) Idem, Ibidem. (853) Idem, fl. 427. (854) Idem, fl. 427. (855) Idem, fl. 427. (856) Idem, fl. 427. (857) Idem, fl. 240.
231
Com este artista assinaram Pedro de Sousa de Faria (?) e José de São Francisco (858).
Um ano depois, estando concluída a obra, Dioniso António declarava:
"Pago me deu de tudo quanto azuleijo pus neste convento de Villar.
Em 24 de Março de 1707. Dionizio Antonio - José de São
Francisco" (859).
ARTISTAS ENVOLVIDOS NAS OBRAS DO CONVENTO DOS INÍCIOS DO
SÉCULO XVIII
DATA
ARTISTA
OBRA
1698-1705(?)
Manuel Fernandes
e André Martins,
mestres pedreiros
da cidade do Porto.
De pedraria, do chamado
dormitório novo, na ala sul do
terreiro dos Cabedais.
1700-1701
Manuel Fernandes
da Silva e António
Correia, mestres
pedreiros de Braga.
De pedraria, da chamada obra da
"emenda" e do frontispício
conventual.
1702
Amaro Pinto da
Costa, oficial de
pedreiro do Porto
Trabalha na empreitada de
Manuel
Fernandes e André Martins, no
dormitório do lado sul.
(858) Idem, fl. 240. (859) Idem, fl. 240.
232
1702
Manuel Martins,
mestre pedreiro do
da cidade do Porto e
Domingos Nunes,
entalhador da mesma
cidade.
Fazem fiança aos mestres
Manuel Fernandes e André
Martins, através de procuração
passada a Amaro Pinto da Costa,
"ofesial de pedreiro asistente nas
obras do convento".
1704-1706
Mestres de carpintaria:
Miguel Martins, da
cidade do Porto e
Manuel de Sousa
Lemos, de
Matosinhos.
Toda a obra de carpintaria,
relacionada com as obras de
pedraria dos inícios do século.
1705
Domingos Gomes,
Agostinho Pedrosa e
Manuel da Costa.
Contratam o revestimento das
paredes das celas e da escadaria -
em regime de subempreitada?
1705 Domingos Gomes e
Agostinho Pedrosa.
Contratam "todos os telhados do
dormitorio novo".
1706-1707 Dioniso António,
oficial de azulejaria.
Ajusta "huma partida de azoleijo".
5. OS CHAFARIZES
5.1. O CHAFARIZ DO CLAUSTRO
Em 1732 foi edificado um chafariz para o claustro (860), de estrutura octogonal, tanto
no tanque como nas suas duas taças.
A água sobe ao topo do eixo curvilíneo (de temática vegetalista), escorrendo pelas
estrias dum remate em forma de cogumelo, para cair na taça superior; em cada plano do
233
octógono, uma carranca recebe a água que desliza para a taça de baixo; finalmente, oito
águias encarregam-se do retorno do líquido ao tanque.
Alçada nesta composição arquitectónica, uma figura masculina e jovem, de traje
setecentista e de postura teatral, salienta o carácter barroco do conjunto.
Num emblema adossado à peça escultórica pode ler-se a data provável do chafariz:
1732.
Desconhecemos o autor da traça desta interessante peça arquitectónica e escultórica,
concebida para embelezar e dar vida ao claustro, mas cujo destino, talvez definitivo, foi o
de vir embelezar o centro cívico de Barcelos.
De facto, este chafariz foi transferido em 1966 (por doação da Ordem de S. João de
Deus) para a cidade de Barcelos onde se encontra defronte do templo do Senhor Bom
Jesus da Cruz.
O imaginário dos barcelenses que frequentam o Largo da Porta Nova não dispensará
jamais este belo chafariz de Vilar de Frades.
5.2. O CHAFARIZ DO TERREIRO DOS CABEDAIS
Outro chafariz de elevado nível artístico é o que se encontra no pátio conventual -
antigo terreiro dos Cabedais.
No centro do tanque circular ergue-se uma coluna de linhas ondulantes contidas,
rematada por uma coroa real, sustentada por quatro águias, às quais correspondem as
quatro bicas que deixam cair a água.
Tem-se sustentado que este chafariz é dos inícios do século XVII (861), mas
desconhecemos a base documental que conduziu a tal datação.
Julgamos tratar-se de uma obra mandada executar pelo padre reitor Joaquim Lopes da
Costa, entre 1790-1792, prelado que "mandou fazer o chafariz do terreiro" (862).
(860) Cf. FONSECA, Teotónio da - Ob. cit., p. 37. (861) Idem, Ibidem. (862) A.D.B. - Ms. 924, fl. 779.
234
CAPÍTULO V
A IGREJA DOS SÉCULOS XVIII E INÍCIOS DO SÉCULO
XIX
235
1. A IGREJA BARROCA
1.1. O INTERIOR: REMODELAÇÃO E EMBELEZAMENTO
A restruturação do interior da igreja de Vilar de Frades, ligada às novas exigências do
ritual litúrgico e às invocações tridentinas, com destaque para o culto ao Santíssimo
Sacramento (863), foi empreendida desde os finais do século XVII e ter-se-á prolongado
ao longo do século XVIII.
(863) A tribuna ou trono eucarístico do retábulo-mor, construído nos finais de seiscentos, correspondeu à
necessidade de reafirmar "a presença real de Cristo nas espécies eucarísticas" e veio permitir a exposição
do "Senhor" nos dias de maior solenidade. Mas por volta de meados do século XVIII, a capela colateral,
lado do Evangelho, será restruturada e posta ao serviço do culto ao Santíssimo Sacramento, sob a
responsabilidade da respectiva confraria.
236
Renovaram-se ou substituíram-se os altares de talha dourada (864); revestiram-se as
paredes laterais da capela-mor com painéis pintados emoldurados a talha; colocaram-se
gradeamentos e sanefas; enfim, o ouro invadiu vastos espaços do interior do templo.
Nas décadas de 1730 e 1740, revestiram-se a azulejo as paredes de capelas laterais
(865) e em meados do século, como resposta à necessidade de luz do interior barroco,
rasgaram-se sete janelas na nave única, três na parede do lado norte e quatro na parede do
sul (866).
Relativamente à importância da talha dourada no nosso país, nos século XVII e XVIII,
atente-se no seguinte:
"O mundo católico, utilizando a arte como um meio
propagandístico preferencial, encontra nela um dos processos mais
eficazes para divulgar, afirmar e defender os seus princípios
doutrinais.
A talha será, na nossa opinião, uma das expressões artísticas mais
fascinantes e vigorosas da arte portuguesa de Seiscentos e
Setecentos, evidenciando o sentimento religioso dos crentes e
(864) Encarado como "um serviço prestado a Deus", que ultrapassa a visão tradicional de função
decorativa, o douramento ganhou crescente importância a partir da segunda metade do século XVII,
conduzindo "à proliferação da talha no interior das igrejas - retábulos, púlpitos, órgãos, sanefas, cadeirais,
etc.", que levou a professora Ferreira Alves a falar da "força magnética do ouro - indissoluvelmente
associada a Deus", vindo a afirmar-se como "um dado fulcral no espaço sacro" - FERREIRA-ALVES,
Natália Marinho - A Actividade de Pintores e Douradores em Braga nos séculos XVII e XVIII, in IX
Centenário da Dedicação da Sé de Braga - Actas do Congresso Internacional , Vol. II, Braga, 1990, p.
315. (865) Dois excelentes mestres lisboetas, Bartolomeu Dias e Nicolau de Freitas, são responsáveis pelos
azulejos pintados a azul e branco, que revestem as paredes de duas capelas laterais.
(866) Em Junho de 1944, estas janelas de gosto rocócó (a que Aguiar Barreiros chamou de "pombalinas")
serão demolidas pela D.G.E.M.N., que para o efeito contrata o mestre-de-obras de Vila do Conde Júlio
Gonçalves dos Santos e cuja empreitada orçou em 33.272$00. Na proposta de orçamento (que foi aceite)
pode ler-se: "1º - Arranque dos apilarados de cantaria de 7 (sete) vãos das janelas inferiores da nave
central e construção de parede com cantaria assente à fiada em argamassa hidráulica para o entaipamento
dos mêsmos rasgos compreendendo o fornecimento de pedra nova de cantaria, a aplicação de alvenaria
existente no enchimento interior, pranchas, etc., pela quantia de 3.600$00 esc. cada janela dos quais
1.896$00 esc. são para material e 1.704$00 esc. para mão de obra; 2º - Reparação de 150,00 m2 de
armação e cobertura dos telhados das naves laterais da igreja com madeiras e telha nacional existente
compreendendo a reconstrução dos madeiramentos e a substituição das telhas avariadas a 32$00 esc. cada
1,00 m2 destinados a mão de obra; 3º - Remoção de 130,880 m3 de terras e entulhos resultantes da
efectivação dêstes trabalhos para fóra da zôna de protecção da Igreja a 25$00 esc. cada 1,000 m2
destinados a mão de obra" - A.D.G.E.M.N./D.R.E.M.N. - Igreja de Vilar de Frades, Pasta I, P.A.P. de
Junho de 1944; Cf. Of. nº 407 de 15 de Junho e O.S. de 20 de Junho de 1944.
237
exercendo simultaneamente sobre eles um grande impacto
sensitivo" (867)
Na igreja de Vilar de Frades, associados aos altares de talha dourada dos finais do
século XVII (da autoria de António Gomes e Domingos Nunes, na capela-mor e no
cruzeiro), a pintura e o azulejo fizeram a sua aparição no revestimento das paredes,
sobretudo das capelas laterais, dando um contributo decisivo na afirmação do espírito
contra-reformista e barroco, no sentido de que era necessário garantir a adesão dos crentes
à fé católica, através da espectaculosidade do rito e do apelo inevitável aos sentidos e às
emoções.
Uma estratégia que em grande medida fora decidida no Concílio de Trento (868) e que
influenciou decisivamente as variadas formas de expressão do belo, particularmente nos
países onde a Igreja católica tinha o predomínio.
Para completar o ambiente barroco, os cónegos de Vilar de Frades recorreram aos
metais preciosos, sobretudo ao ouro e à prata, à paramentaria de luxo, às sedas e
brocados, aos cortinados de damasco e às alcatifas coloridas (869).
Neste contexto, a palavra arrebatada e convincente do pregador (870), as procissões
solenes nas festividades do calendário religioso e os principais actos litúrgicos
evidenciavam grandeza e dignificavam os intervenientes.
O povo cristão e católico, ao participar nos actos e cerimónias de grande aparato, ao
contemplar os santos da sua devoção num ambiente de luxo divino, ao vibrar ante o
discurso teatralizado vindo do púlpito (871), era atingido nos olhos e nos ouvidos, no
(867) FERREIRA-ALVES, Natália Marinho - ob. cit., p. 313. (868) Cf. FERREIRA-ALVES, Natália Marinho, A Arte da Talha no Porto na Época Barroca (Artistas e
Clientela. Materiais e Técnica), Vol. I, Porto, 1989, pp. 39-47. (869) Ver Apêndice Documental - doc. XXXII. (870) Desde o Concílio de Trento que a prática da pregação ganha uma importância redobrada, entre os
vários sectores da Igreja que tinham consciência de que "a batalha principal contra a Reforma Protestante
se travava no púlpito" - MARTINS, Fausto Sanches - A Arquitectura dos Primeiros Colégios Jesuítas de
Portugal: 1542-1759. Cronologia. Artistas. Espaços, Vol. I, Dissertação de doutoramento apresentada na
F.L.U.P., Porto, 1994, p. 977. (871) A existência de dois púlpitos na igreja de Vilar de Frades pode estar relacionada com a necessidade
de encenação, a exemplo do que se passava com as igrejas jesuítas, que utilizavam um "passo" da Paixão
de Cristo, de forma a "transformar a pregação num espectáculo sensorial". Segundo o professor Fausto
Martins "o hábito de exibir certos instrumentos no momento do sermão poderá explicar a existência de
dois púlpitos na maior parte das igrejas Jesuítas: um, no lado do Evangelho, reservado à pregação e outro
no lado da Epístola, destinado à apresentação de acessórios à matéria dos sermões" - MARTINS, Fausto
Sanches - Ob. cit., pp. 980-981.
238
olfacto e no coração e, consequentemente, sentia que o sagrado o invadia e a salvação da
sua alma estava ao seu alcance.
Os três estilos convencionais da arte da talha do período barroco - o nacional, o
joanino e o rocócó - que, embora maltratados por uns e incompreendidos por outros (872),
sobreviveram até aos nossos dias, constituem a melhor prova documental da profunda
remodelação artística de todo o interior do templo no século XVIII.
Não possuímos documentação que nos permita datar com rigor os altares de talha das
capelas laterais e da capela do transepto, do lado do Evangelho (873). O mesmo se passa
relativamente ao gradeamento, aos castiçais, aos tocheiros e às sanefas.
Nada sabemos, até ao momento, acerca dos nomes e das origens dos entalhadores,
douradores e pintores que neles trabalharam. Apenas sabemos que o retábulo-mor (com
modificações na zona da banqueta, que recebeu três nichos de gosto rocaille para alojar as
imagens de São Salvador, de Nossa Senhora e de São João Evangelista), os painéis
emoldurados das paredes da capela-mor (desaparecidos) e os altares colaterais do
transepto foram realizados por António Gomes e Domingos Nunes, da cidade do Porto.
Na organização espacial da igreja, as grades de madeiras assumiram um papel de
relevo, na medida em que marcavam os diferentes espaços, condicionando a circulação.
À capela-mor tinham acesso obviamente os irmãos celebrantes do culto divino e bem
assim os cónegos que ocupavam o cadeiral do coro baixo, ali localizado. O transepto
estava também demarcado por um gradeamento de madeira, para limitar a circulação
nesta zona, que estaria destinada especialmente aos religiosos e ao desenvolvimento das
celebrações litúrgicas.
Todas as capelas laterais estavam separadas da nave única, através de grades de "pau
preto, e circulos de latão", que deveriam impedir o acesso dos crentes a estes espaços
(872) Em 1919, protestava Aguiar Barreiros contra os maus tratos da igreja "provenientes do prurido
impertinente das reformas classicas do seculo XVII, do detestavel barroquismo do seculo XVIII, da
amaneirada renascença dos alvores do seculo XIX", revelando uma particular incompreensão face às
"sanefas de madeira" que classifica "d'um alarmante barroco, encimando os arcos de granito das capellas
lateraes, tão bem lançados e de galba tão distincta" e questionando "os retabulos aos lados da entrada da
capella mór [...] e, coroando toda esta orgia decorativa, aquelle apainelado de talha plana e desgraciosa,
humilhando, escondendo completamente o garbo e a pujança do arco cruzeiro - tudo isto, dizemos, define,
com a maior nitidez, o detestável ambiente artistico d'uma epocha banal" - BARREIROS, Manuel de
Aguiar - A Egreja de Villar de Frades, Porto, Edição Marques Abreu, 1919, p. 6. (873) O retábulo branco-dourado desta capela colateral, de estilo neoclássico, poderá ter sido construído
em meados do século XVIII, porventura na década de 1750, porquanto o inventário de 1758 descreve-nos
"esta capella do Santíssimo Sacramento, com hum novo, e admiravel retabulo" - A.N.T.T. - Dicionário
Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
239
sagrados (eram locais de culto e de celebração, mas também serviam de confessionários).
Tratavam-se de capelas intercomunicantes, o que facilitava aos padres a circulação rápida
em toda a igreja, desde o transepto à pia baptismal, pelo lado do Evangelho, ou até à porta
"das procissões" que comunica com o claustro, pelo lado da Epístola (874).
Em cada altar havia uma banqueta, constituída por seis castiçais, sendo os do centro
colocados junto ao crucifixo. Cada altar tinha também as suas sacras (875) e a respectiva
pedra de ara.
Um registo de meados do século XVIII, da autoria do "irmão" Manuel da Conceição
Trindade, baseado no "livro de despeza da sachristia" do triénio do padre reitor Luís da
Anunciação, "que foi na era de 1693" (876), mostra-nos a importância de que se revestiam
as sacras:
"Consta custar a sacra grande quatro centos e doze mil duzentos
noventa e sete reis por ter de prata sincoenta e dous marcos, huma
onça e oito oitavas e meia que a sinco mil e seis centos reis na forma
da lei do reino soma duzentos noventa e hum mil, e duzentos reis.
De prata mais fina para os ramilhetes da mesma sacra sinco onças,
e tres oitavas e meia que importão tres mil oito centos trinta e sete
reis. De feitio, veludo, e mais miudezas cento e sinco mil reis. De
gastos, e conduções do Porto para Villar mil seis centos e vinte reis.
Ao capptitam Manuel do Couto de fazer a planta e assestir a fundir
a prata e assentala, quatro mil e oito centos. De dous covados e meio
de baeta baixa a trezentos reis, setecentos e sincoenta, de
molhadura aos offeciais e ourives, tres mil reis. Pello caixão em que
veio novecentos reis. Por huma esteira duzentos e quarenta reis. De
duas maçanetas de bronze para estar a sacra nove centos e
sincuenta reis" (877).
(874) Votadas ao abandono há muitos anos, estas capelas encontram-se hoje profundamente deterioradas,
algumas feridas de morte, na espera melancólica de uma intervenção que as venha restaurar. Enquanto a
vontade política se distrai ou encontra outras prioridades, belíssimos exemplares de talha e a sua
imaginária apodrecem, amontoados, numa sala do velho convento. (875) Cf. Apêndice Documental - doc. XXXII. (876) A.D.B. - Ms. 924, fl. 772.
Ver Apêndice Documental - doc. XXX. (877) Idem, Ibidem.
240
A análise estilística dos diversos altares das capelas laterais, leva-nos a pensar que
terão sido construídos na primeira metade do século (878) - excepto o chamado altar do
Sacramento, neoclássico, localizado no topo do transepto, do lado do Evangelho, que
pode ter sido construído na década de 1750 (879).
LOCALIZAZÃO DOS ALTARES E SUAS INVOCAÇÕES, SEGUNDO O
INVENTÁRIO DE 1758 (880)
LOCALIZAÇÃO
ALTAR/INVOCAÇÃO
Capela-mor Altar-mor, com São Salvador,
Nossa Senhora e São João Evangelista
Transepto, lado do Evangelho - Cruzeiro
Capela
Altar de São Lourenço Justiniano
Altar do Santíssimo Sacramento
Transepto, lado da Epístola - Cruzeiro Altar de Santo António
Corpo da igreja - lado do Evangelho:
Primeira capela
Altar de Nossa senhora do Rosário
Segunda capela Altar do Senhor do Desterro
Terceira capela Altar de Nossa Senhora da Piedade
Quarta capela Altar de São Caetano
(878) Para além dos altares, não podemos esquecer de que outras obras de talha se realizaram e que são
igualmente fundamentais para a compreensão do espírito e da mentalidade barrocas: os belíssimos e
aparatosos tocheiros que se encontram hoje na capela-mor (mas que ocupavam um lugar de destaque no
transepto, à entrada da capela do Santíssimo Sacramento), as imagens da Corte Celestial e dos Santos e
Santas que justificavam toda a arquitectura dos retábulos, os relicários e sacras que estimulavam a fé e a
piedade populares, as credências e estantes que serviam de apoio ao ofício divino, as sanefas que
seguravam e enquadravam esteticamente os ricos cortinados de damasco vermelhos, os castiçais na sua
função de iluminar os espaços e toda a talha que os embelezavam, o órgão donde ecoava a música solene,
os gradeamentos que se destinavam a organizar todo o espaço interno da igreja. (879) No inventário de 1758, faz-se referência a "esta capella do Santíssimo Sacramento, com hum novo,
e admiravel retabulo" - A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770. (880) A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fls.1769-1772.
241
Quinta capela
("serve de pia baptismal")
Corpo da igreja - lado da Epístola:
Primeira capela
Altar da Imaculada Conceição
Segunda capela Altar das Almas do Purgatório
Terceira capela Altar de São Bento
Quarta capela
(Esta capela "he jazigo da familia dos
Villas Boas da villa de Barcellos,
familia nobre antigua illustre")
Altar da Anunciação de Nossa
Senhora
Quinta capela ("serve de porta das procissoes")
Capela sob a torre sul do frontispício
da igreja (esta capela, "com serventia
para os claustros" era jazigo da
caza dos senhores de Farelais")
Nossa Senhora
Em Agosto de 1737 decorriam importantes obras de remodelação do interior da igreja,
nomeadamente na ala sul (881), ligada organicamente ao claustro, quando um achado
"arqueológico" provocou o espanto dos cónegos e motivou o registo do acontecimento,
realizado pelo escrivão da comunidade, Tomaz de Santa Maria:
"Em o sitio onde oje se vê a porta travessa da igreja que he das procissois
ao romper da parede que tem toda a largura da mesma porta em tres
distintas paredes, apareceo huma pedra com o letreiro que no principio
deste papel se vê: estava esta antiga pedra da parte do claustro cuberta
de cal cujo letreiro foi tirado fielmente em papel com o mesmo feitio e
forma de letras, que estava asinado na dita pedra. Os pedreiros
(881) Deveria proceder-se nesta altura às obras nas capelas laterais, para o assentamento dos painéis de
azulejo, sobretudo os da segunda capela, cuja inscrição não deixa dúvidas - de um lado, "Nicolau de
Freitas a pintou" e, do outro, "Bartolomeu Antunes a fez em Lisboa anno de 1736"; na terceira capela
pode ver-se que "Bartolomeu Antunes a fez em Lisboa anno de 1742"
242
desacautelados, quebrarão hua grande parte desta pedra estão tambem
as letras que ficarão cubertas de cal que fica da mesma parte do claustro
junto ao tranqueiro entre este, e o cunhal da torre piquena, que fica
imediata a porta da capela de Farelains da parte da igreja se achava dous
(...) piquenos, e juntos, que bem parecião sepulturas dos templarios, pella
forma, e pequenhês, mas de bôa pedra" (882).
Como é do conhecimento geral, Bartolomeu Antunes (883) e o seu genro Nicolau de
Freitas, que vive em 1703-1745 (dois artistas da capital), pintaram os painéis de azulejo a
azul e branco, com temas relacionados com a história sagrada - que revestem a segunda e
terceira capelas do lado da Epístola -, esta em 1942 e aquela em 1736.
Das mãos do "mestre do ofício de ladrilhador" - Bartolomeu Antunes - terá saído o
painel do Presépio: um belo quadro quer do ponto de vista iconográfico quer estético, um
hino ao nascimento e à divina das divinas famílias, uma composição que veio articular-se
com o valioso retábulo de gosto joanino-rocócó, dedicado às Almas do Purgatório.
A contracenar com o Presépio, uma temática campestre de simbologia religiosa ligada
à Caça - a caça das almas em risco de perdição -, integra-se num cenário movimentado e
festivo, onde não faltam os tradicionais meninos, as grinaldas e festões, os enrolamentos e
concheados, no requintado estilo rocaille.
Embora do período anterior (finais do século XVII?), também pode observar-se nas
capelas laterais do lado do Evangelho o revestimento azulejar a azul e branco (884).
Através de uma figuração estática e monumental, encerrada numa moldura de
enrolamentos vegetalistas, os painéis que preenchem parcialmente os muros laterais
destas capelas destinavam-se à consagração de eminentes figuras da Congregação
evangelista.
(882) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 24, fls. 122-122v..
(883) Natural da freguesia dos Anjos, Lisboa, este notável ceramista viveu em 1688-1735. Da sua oficina
localizada na Calçada do Monte - bairro das Olarias -, "saíram numerosos e belos revestimentos de
azulejos que foram decorar palácios e templos. Dos trabalhos por ele executados destacam-se os painéis
do interior do antigo Convento dos Lóios, em Vilar de Frades", como aliás pode ver-se pela inscrição
azulejar da igreja: «Bartolomeu Antunes a fes en Lxª nas olarias no anno de 1742» - LOPES, Victor Sousa
- O Azulejo no Século XVIII, Lisboa, Direcção-Geral da Divulgação, 1983, p. 44.
Cf. SANTOS, Reynaldo dos - O Azulejo em Portugal, Lisboa, Edição Sul Limitada, 1957.
(884) "No século XVII, o azulejo atingiu a monumentalidade, através da integração nos espaços
arquitectónicos [...] no final do século, surgiram as composições a azul sobre esmalte branco, que vão
perdurar até meados do século XVIII" - LOPES, Victor Sousa - Ob. cit., pp. 6-7.
243
A primeira capela levou as seguintes inscrições (885):
"D. ANTONIO CORARI CARDEAL OSTIENT NEPOTE DO Smº Pº
GREGORIO 12 Q POR SVA MVITA VIRTVDE E SANTIDADE
DEIXOV O PALACIO DE ROMA E SE METEO NA NOSSA
CONGREGAÇÃO" (886).
Na parede do lado oposto:
"O P. AFONSO NOGUEIRA HVM DOS N. Pºs. FVNDADORES O
QVAL FOI A ROMA E ALCANÇOV O HABITO DE QUE HOJE
VZAMOS DIVINALMENTE DADO PELA VIRGEM Mª S. NOSSA E
NOSSAS CONSTITVISOIS BPº DE COINBRA, E ARCEBISPO DE
LISBOA" (887).
Noutra capela, ainda pode ver-se a seguinte memória:
"O P. JOÃO ROIZ 2º GERAL DESTA CONGREGAÇÃO QUE NÃO
ASEITOV O BISPADO DE COINBRA POR SVA MVITA
HVMILDADE SENDO PROMOVIDO NELE POR EL REI D. AFONSO
5º DE SVA MAGESTADE CONFESOR E DA RAINHA D. ISABEL
SVA MOLHER".
Em meados do século XVIII, já os retábulos das capelas laterais estariam todos
entalhados e ensamblados, pelo que as janelas das capelas laterais haviam sido
entaipadas, exigindo-se a abertura de novas janelas nos muros da nave.
(885) Em 1886 Pinho Leal informava que "junto das dictas inscripções estão pintadas no azulejo as
figuras dos individuos, a quem elles se referem; - e o mesmo se dá nas outras capellas" PINHO LEAL,
Augusto Soares de Azevedo Barbosa de - Portugal Antigo e Moderno, Vol. XI, Lisboa, Livraria Editora
de Mattos Moreira & Companhia, 1886, p. 1227.
(886) Cf. PINHO LEAL, Augusto Soares de Azevedo Barbosa de - Ob. cit., p. 1227.
(887) Idem, Ibidem.
244
Assim, em 1752-1754, o reitor Francisco de Santa Maria, natural da cidade de
Lamego, "mandou abrir as grandes frestas da igreja" (888), respondendo desta forma à
falta de luz no interior do templo. Três do lado norte e quatro do lado sul, ao gosto
rocócó, as novas janelas vinham resolver um problema fundamental do interior barroco: a
luminosidade, tão necessária à visualização do ritual religioso, dos santos, dos relicários e
das sacras, dos cortinados, da talha dourada, das telas pintadas e dos azulejos, da riqueza
dos paramentos nos dias solenes e das correspondentes alfaias litúrgicas.
Ainda no seu mandato, Francisco de Santa Maria (889) participa activamente na
remodelação do interior da igreja:
"E se fes o coreto da capella mor, consertandoce todos os ornamentos, da
sachristia, e de todas as igrejas unidas, que pessoalmente vezitou comigo
Manuel da Conceição Trindade [...].
Na igreja se dourarão dous altares o de São Bento, e o de Nossa Senhora
da Piedade sem custarem nada a caza, mas a elle a sua industria e zelozo
cuidado: mandou tãobem fazer em Lisboa quatro estatuas prateadas e
huma crus para o altar mor, dourar o arco da capella do Sacramento e os
frizos della por dentro, fazendo-lhe por as cortinas que hoje tem para
maior veneração daquelle altissimo misterio (890), e poz na mesma
(888) A.D.B. - Ms. 924, fl. 783.
Como vimos, estas janelas foram entaipadas no segundo semestre de 1944. (889) Este prelado realiza uma visitação, acompanhado de Manuel da Conceição Trindade, pela qual
determina "colocar o Santíssimo Sacramento" nas igrejas de São Jorge de Airó, São Bento da Várzea, São
Pedro de Adães e na de Pedra Furada, mas "sem despeza da caza". Na igreja de Pedra Furada, Francisco
de Santa Maria "mandou compor o retabolo, e seu pelanco (sic)". Na sequência de um roubo de peças de
prata da igreja, Santa Maria encomenda em Lisboa, em 1754, dois turíbulos e uma naveta, um vaso para a
comunhão e caldeirinhas para os turíbulos; no ano seguinte, manda fazer "huma crus a romano" que ficará
por 318.675 reis e dois lampadários para a capela-mor. No convento, "guarneceu a serca de novas
parreiras com esteios de pedra, e novas ruas para divertimento e proveito" e "o mesmo fes na quinta de
Manhente"; no rio Cávado, mandou "fazer a nova azenha da parte de Manhente com tres rodas, de que
resultara, e já rezulta huma grande utelidade para a caza"; procedeu a obras no "celleiro da parte que hoje
serve, obra em tudo primuroza, e utilissima"; mandou fazer um alambique e procedeu a obras nos lagares
"que estavão quazi incapazes"; na adega, mandou construir 4 toneis que terão causado a admiração, pela
sua grandeza, "aos naturais da provincia"; finalmente, Francisco de Santa Maria fez obras no chamado
dormitório novo, pelo "perigo em que se achava [...] e seus habitadores por se ter a parede velha da parte
da serca apartado em partes tres palmos das madeiras" - A.D.B. - Ms. 924, fls. 781 e 783. (890) Para a veneração deste "altissimo misterio" da Eucaristia - O Santíssimo Sacramento -, Francisco de
Santa Maria deverá ter mandado construir o altar que felizmente ainda hoje podemos ver no braço direito
do transepto.
245
capella e nas outras o azulejo que se tirou da capella mor para assim
melhor as ornarem" (891).
INTERVENÇÃO DE FRANCISCO DE SANTA MARIA NA REMODELAÇÃO E
EMBELEZAMENTO DO INTERIOR DA IGREJA (892)
* Durante o seu mandato como reitor do convento de Vilar de Frades, entre
1752-1754 (893), Francisco de Santa Maria mandou:
- "abrir as grandes frestas da igreja, padre Joze de São Luis natural de Misam Frio
a sua custa" (sic);
- "fazer em Lisboa quatro estatuas prateadas e uma crus para o altar-mor";
- construir o "coreto da capella mor";
- revestir, com o azulejo "que se tirou da capella mor", as paredes da capela do
Santíssimo Sacramento e de capelas laterais - do lado do Evangelho -, "para assim
Melhor as ornarem";
- dourar os altares de São Bento e de Nossa Senhora da Piedade, de capelas
laterais.
- dourar o arco da capela do Santíssimo Sacramento "e os frizos della por dentro".
- colocar cortinados na capela do Santíssimo Sacramento - "para maior veneração
daquelle altissimo misterio";
- concertar todos os ornamentos da sacristia "e de todas as igrejas unidas"
* Na sequência de um assalto às pratas da igreja, manda fazer na cidade de
Lisboa:
- dois turíbulos e uma naveta de prata - "que pezarão ambos com a naveta quinze
marcos e oitava e meia de prata";
(891) A.D.B. - Ms. 924, fl. 783. (892) Cf. Apêndice Documental - doc. XXX. (893) Francisco de Santa Maria era natural da cidade de Lamego, tendo ingressado na congregação
evangelista a 18 de Dezembro de 1718. Lente de Teologia e Moral, este cónego conquista o grau de
mestre jubilado. Foi reitor no convento de Évora, antes de exercer este cargo em Vilar de Frades - A.D.B.
- Ms. 924, fl. 777.
246
- um vazo para a comunhão - que "pezou este novo quatro marcos e seis onças,
e tres oitavas que a dinheiro a rezão de seis mil e seis centos o marco por ser boa e
finissima emportarão estas pelas todas em cento trinta mil oito centos e quatorze
reis";
- "humas caldeirinhas para os turibolos" - que custaram 960 reis - "e de feitio
de tudo quarenta e nove mil cento e vinte reis";
("alem da obra que ja tinha mandado fazer em Evora sendo la reitor");
- uma cruz "a romano", feita "tãobem na corte", considerada uma obra
"primorozissima
para o altar mor desta igreja" - que tinha de prata "trinta e oito marcos sete onças,
e
quatro oitavas e meia que a dinheiro corrente emporta sendo cada marco a seis mil
e
quatro centos, trezentos e dezoito mil seis centos setenta e sinco reis, entrando
nesta
conta setenta e dous mil seis centos setenta e sinco reis de feitio por levar a mil e
nove
centos por marco e entrando tãobem mil e duzentos reis que custou a madeira, e
trempe de ferro; de sorte que o pezo principal da crus em dinheiro vem a valer
duzentos quarenta quatro mil e oito centos reis, de carretos e condução dous mil
quinhentos e oitenta reis".
Procedeu ainda à aquisição de:
- dois lampadários para a capela-mor - "de tres que havia na capella mor, onde so
ficou o maior, por estarem quebrados e muito incapazes de servirem, e so se
comprarão seis marcos que os mais derão os tais lampadarios";
- umas galhetas de prata;
- duas custódias de prata - "em que algum dia estavão reliquias e por se acharem
furtadas as mandou o dito padre reitor recolher as que pode descobrir
com o seu encanssavel zello, e as mandou fechar em outra costodia, e na piramida
em que hia se achão".
247
Em 1764, sendo reitor António dos Querubins, mandou-se fundir em Braga 3 sinos da
torre da igreja "por quebrarem", com custo de 209.760 reis (894).
Em 1767 continuaram as obras de embelezamento do interior do templo, a cargo do
padre reitor Álvaro da Conceição Trindade:
"Adornou a igreja de cortinados de damasco, mandou fazer as suas
çanefas dos altares colatraes, e deu para a igreja a armação do
Sepulto Diio e a umbrella de shaia de seda (?) e foi a primeira que
se vio neste convento de Villar" (895).
A governação pombalina teve naturalmente os seus efeitos psicológicos no interior da
Congregação: durante o mandato do reitor Miguel de São José Pinto "assustouse o
Capitulo pello Marques do Pombal por isso governou", entre 1767-1771(896).
Este prelado "mandou logo continuar a obra da igreja que acabara com felicidade"
(897).
Em reunião do Capítulo Geral, "que se fes no anno de setenta e sette", foi eleito para o
cargo de geral dos lóios o padre mestre Doutor Manuel de São Bernardino Lemos.
A ele coube "mandou lagear o pateo da portaria" do convento; em 1777-80, governou
o convento o padre mestre Domingos de São José Machado, reitor que "fez a obra da
capella nova e caza dos geraes e o dormitorio"; em 1787-89, sendo reitor o padre Manuel
de São Bento Carneiro, "reparou a quinta de Manhente e mandou fazer a calçada no lugar
do Padrão e outras obras muito uteis"; em 1781-1783, o padre mestre e reitor José de São
(894) A.D.B. - Ms. 924, fl. 785.
António dos Querubins terá continuado as obras de Francisco de São Bernardo que, segundo
Manuel da Conceição Trindade, realizou obras no caminho, na calçada, na abicaria, numa fonte, na
azenha do azeite e na eira. No mandato reitoral de Querubins "fizerãoce os muros de hum e outro tapado
de sima, e de baixo", tendo esta obra envolvido pedra e madeira, cavaletes, areia e cal, com custo de
1.264.630 reis. "Fesce tambem de novo o panel da escada principal, a retocão outros por tudo custou
14.450". Comprou a azenha "chamada do Vau" por 150.000 reis - A.D.B. - Ms. 924, fl. 785. (895) Para além de continuar a obra de embelezamento da igreja, Álvaro da Conceição Trindade "deu
principio ao novo incanamento da agoa que se vai continuando. Renovou o foral desta caza e fes o novo
apontador dos tombos della" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 778. (896) Idem, Ibidem. (897) Idem, Ibidem.
248
Bernardo de Brito, natural do Porto, "mandou fazer a obra da galeria aimetação (sic) da
caza do geral e capella" (898).
Entre 1790-1792, o reitor Joaquim Lopes da Costa, natural da cidade do Porto,
"mandou fazer o ornamento rico de que se uza nas funçois do Evangelista, e outros muito
notaveis" (899).
Na igreja de Manhente, "neste trienio se mandou por retabolo que agora tem por que o
que tinha hera incapaz" (900).
2. AS OBRAS DOS FINAIS DO SÉC. XVIII E INÍCIOS DO SÉC. XIX
Nos finais do século XVIII, novas obras estarão no horizonte dos padres de Vilar, entre
as quais podemos documentar (ainda que minimamente) a intervenção na fachada da
igreja, na sacristia, na zona do noviciado e no claustro.
Com efeito, entre 1796 e 1797, o reitor Manuel de São Tiago e Silva:
"Mandou fazer o risco para toda a obra nova da sacristia,
claustros e fronteira da igreja" (901).
Ainda durante o seu governo, São Tiago e Silva "principiou a sacristia nova e vai
continuando com ella com grande zello da caza" (902), obra que ficará concluída no final
do século, aquando do mandato seguinte (1789-1800), liderado por Joaquim Lopes da
Costa (903).
(898) A.D.B. - Ms. 924, 778-779.
(899) Segundo a nossa fonte, Joaquim Lopes da Costa também "mandou fazer o chafariz do terreiro e
solhar os dormitorios de pinho de Flandes" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 779.
(900) A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 29, s/fls.. (901) Mas este prelado mandou ainda "reformar as cazas de Braga e mandou fazer hum canno tanto no
Pinheiro como na cerca ou horta com grande utelidade e proveito da caza [...] mandou mais envidraçar
todas as cellas do patio da portaria - reformou o cartorio tanto de livros como de estantas e paredes,
envidraçou janellas do dito e outros reparos muitos uteis" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 779. (902) Idem, Ibidem. (903) Idem, fl. 780.
249
Lopes da Costa, que contava no seu currículo quatro triénios como reitor, dois em
Santa Maria da Feira e dois em Vilar de Frades (em 1790-1792 e 1798-1800), para além
de zelar pelos interesses materiais do convento, "fes obras incontaveis, alem das que
acabou, como fosse acabar o refeitorio - a sachristia - o noviciado" (904).
No Capítulo de 1800 foi eleito reitor o padre mestre Manuel Ribeiro de Brito, um
natural do Porto que fora visitador geral, depois de exercer o cargo de vigário em Santa
Maria da Feira, onde jubilou (905).
Da sua acção em Vilar, assinalada entre 1801-1803, o cronista destaca:
"Fes aparamento vermelho, e richo, por todos os altares, dourasse o
altar da sacristia (906), assim como todos os cortinados, comprou a
crus com o Senhor de marfim, fes a cozinha e todas as offecinas, e
comodos dos criados, comprou muita prata, fes muitas mais couzas,
como a grande lata da cerca, meteo a agoa em Manhente, e fes a
credencia para a vigaria deixou em fim na arca sete contos nove
centos e vinte e seis mil dozentos e dezasseis reis" (907).
Embora a traça da nova fachada da igreja tivesse sido encomendada em 1796-1797, o
início das obras ter-se-á verificado apenas em 1804-1805.
Nesta data conduzia os destinos do convento o padre Martinho José de Almeida,
prelado que "fes muitas obras", entre as quais:
(904) Idem, fl 780. (905) Idem, fl. 780.
(906) Este retábulo neoclássico, marmoreado, apresenta no seu coroamento um emblema com o seguinte
texto sagrado: "PROBET AUTEM SE IPSUM HOMO ET SIC DEPA NE ILLO E DAT, ET DE
CALICE BIBAT. Paulus ad cor. Cap. 11". (907) A.D.B. - Ms. 924, fl. 780.
250
"Deu principio a frontaria da igreja, comprou os calices ricos, pos a
estante no coro de baixo pintou os dormitorios e pos vidraças em
todos elles [...] reformou as cazas de Braga" (908).
Em 1806, Joaquim de São Paio "continuou a frontaria da igreja", mas - sinal dos
tempos -, "era enconstante em tudo e por sua enconstancia se introduzio a livandade por
lhe não chamar de laxação de cuja inda hoje seus restos ainda vive" (909).
Cerca de 1807-1809, o novo reitor, padre mestre José do Nascimento Guedes Pinto,
terá continuado as obras cujo risco havia sido realizado em 1796-1797, designadamente
na zona do claustro: "Fes o quarto reitural e alguma couza do claustro, comprou
munta prata" (910).
Entre 1810-1813, é reitor Joaquim Feliciano de Abreu, natural da "antiga villa do Pico
de Regalados" (911).
Durante o seu governo "compozerão-se as igrejas" anexas e realizam-se as portas do
coro da igreja de Vilar (912).
3. REVIVALISMO MEDIEVAL NA FRONTARIA DA IGREJA
De acordo com a descrição de Jorge de São Paulo, em meados do século XVII já o
coro da igreja estava "fundado entre duas torres que servem de repuxos para firmeza da
sua abobada e de ornato para a entrada da igreja" (913)
(908) Idem, Ibidem. (909) Idem, Ibidem. (910) Idem, Ibidem. (911) Idem, fl. 787. (912) Idem, fl. 787. (913) Ver Apêndice Documental - doc. VII.
251
A torre do lado sul, que teve um relógio até 1629 e era mais pequena que a "torre
nova", havia sido alçada pelos primitivos padres lóios que a remataram em forma
piramidal:
"A pequena he antiga obrada pellos nossos primeiros padres em
forma piramidal sobre os quatro angulos de pedraria com o
corucho de tijolo pregado em lugar de telha, obra antiga e de
permanencia; servia de relogio ate o anno de 1629 em que o padre
reitor Felippe da Ressureição o mandou passar pera a torre maior;
não consta do custo della, porem dous pedreiros peritos a pozeram
em 600.000 reis" (914)
Quanto à torre do lado norte, a sua construção teve início em 1540, com a reutilização
de pedra oriunda do mosteiro de Manhente e de uma torre antiga de São Martinho de Airó
(915).
Ao referir-se ao frontispício, em 1697, Francisco de Santa Maria testemunhava
igualmente que:
"Tem a portada da igreja duas torres em correspondencia, com
suas ameyas, que as fazem mais vistósas, onde està o relogio, e
despertador (feito este com engenho singular) e seis sinos,
igualmente fermósos na grandesa, e suaves na consonáncia" (916).
Em 1919, Manuel de Aguiar Barreiros, depois de lembrar que das "duas torres
ameadas, subsiste apenas a torre Norte, e essa mesmo alterada, na parte superior, com um
acrescimo dos principios do seculo XVII" (917), interroga-se sobre "o que succederia á
outra sua irmã, denominada a torre velha, em cuja quadra os Senhores de Farellães,
(913) Idem, Ibidem.
(914) Cf. Apêndice Documental - doc. VII. (916) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit. p. 377. (917) BARREIROS, Manuel de Aguiar - A Egreja de Villar de Frades, Porto, Edição Marques Abreu,
1919, p. 5.
252
descendentes de D. Payo Peres Corrêa, mandaram construir uma capella mortuaria com a
porta para o claustro?" (918).
À interrogação retórica, não deixa o autor de responder:
"Naturalmente foi sacrificada á plethora reconstructora de quasi
todos os grandes conventos durante o seculo XVIII e principios do
XIX (haja em vista o que aconteceu a Tibães, Rendufe, Pombeiro, e
tantos outros); tanto mais que é voz corrente, entre os mais velhos
das cercanias, elles ouvirem dizer a seus paes que a expulsão dos
frades obstou á conclusão d'aquella torre, apenas principiada, e
que a que hoje existe tinha de ser substiuida por outra em tudo
egual á que andava em construcção!" (919).
A confiarmos na tradição, a fachada revivalista que se projectou nos finais do século
XVIII (e cujas obras se concretizaram no plano axial nos inícios do século XIX,
prevalecendo aliás graves defeitos na reelaboração do átrio), deveria ilustrar as chamadas
páginas "gloriosas" da nossa história arquitectónica: uma elaboração goticizante
(evidenciada na rosácea e nas janelas de arco apontado) no centro do frontispício, ladeado
por duas torres de feição românica, já que a do lado sul (incompleta) seguiu um traçado
deste estilo (aproveitamento de vestígios do pórtico do século XII... e duas arquivoltas
construídas no primeiro quartel do século XIX, que confundiram historiadores e
estudiosos do nosso século) e a do lado norte, que "tinha de ser substiuida por outra
em tudo egual á que andava em construcção" (920), caso os tempos que corríam não
fossem adversos.
(918) Idem, Ibidem. (919) Idem, Ibidem.
Cf. FONSECA, Teotónio da - ob. cit., p. 33.
Apesar de lamentar as intervenções dos séculos XVIII e XIX, Aguiar Barreiros defende que "das
reformas d'essa epocha algo de bom perdura ainda. Os constructores, ou porque desejassem fazer constar
da antiguidade do convento, ou porque os ferisse o remorso d'uma natural gratidão por um passado
artistico glorioso, houveram por bem respeitar o suggestivo e admiravel portico da anterior egreja
romanica, dando-lhe o logar que hoje occupa, descabido, é certo, pois melhor assentaria em frente da
porta principal, semelhando o antigo nartex, e onde, presumivelmente, esteve antes da reconstrucção do
frontespicio" - BARREIROS, Manuel de Aguiar - Ob. cit., pp. 5-6. (920) BARREIROS, Manuel de Aguiar, Ob. cit., p. 6.
253
4. A IGREJA DE VILAR DE FRADES NOS FINAIS DA ÉPOCA MODERNA
As forças liberais, saídas vitoriosas da guerra civil de 1832-1834, procedem à extinção
das Ordens religiosas e à nacionalização dos seus bens que posteriormente vendem em
hasta pública.
Antes de mais, os novos governantes ordenam a inventariação dos principais bens
nacionalizados, revestindo-se de particular importância os inventários do recheio das
igrejas ligadas aos conventos e mosteiros, já que nos permitem conhecer relativamente
bem (devido às descrições pormenorizadas) o interior destes edifícios religiosos.
O inventário da igreja de Vilar de Frades (921) foi realizado em 11 de Junho de 1834
pelo inventariante António José de Matos Cardoso, na presença do "vigario geral da
comarca de Barcellos", o licenciado Manuel José Ferreira Tinoco (922). Da parte do
convento foi nomeado o cónego Manuel do Cenáculo de Sousa Coelho, "para servir de
inventariante na descripção das sagradas imagens, e nos mais ornatos, e paramentos
pertencentes ao culto divino da igreja" (923), depois de jurar pelos Santos Evangelhos, sob
as ordens do referido vigário geral:
"Por elle ministro lhe foi definido o juramento dos Santos Evangelhos em
forma devida, e lhe encarregou que bem, em a verdade descrevesse neste
inventario todas as sagradas imagens, e ornamentos dos altares, assim
como todos os ornamentos, e paramentos pertencentes ao culto divino
que na dita igreja, e sacristia se achassem pera de per si, e toda a
comunidade ficar sugeito as penas dos infieis inventariantes, e dos
detratores da real fazenda" (924).
(921) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fls. 1-23v..
Ver Apêndice Documental - doc. XXXII. (922) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 1. (923) Idem, fl. 2.
254
4.1. A CAPELA-MOR
Graças à descrição do inventariante, ficamos a saber que a capela-mor dos finais da
Época Moderna tinha uma decoração sensivelmente diferente da seiscentista e da
actual(925).
As paredes estavam revestidas a estuque (926) e, entre as janelas, havia "famozos
quadros", embora "já safados, e arruinados" (927).
Como já suspeitávamos, "no cimo de cada frésta" havia "huma linda sanefa com talha
dourada" (928), da qual pendia um cortinado vermelho:
"Doze pernas de cortinas de damasco vermelho com seus galoens de
ouro, que pendem das sanefas de pau pintadas, e douradas, que tem
cada huma das seis frestas. Item o arco cruzeiro de damasco
vermelho com seus galoes de ouro, e pernas da mesma forma o qual
se figura novo assim como todas as cortinas da capella mór" (929)
O pavimento de pedra estava coberto por um soalho de madeira (930) revestido com
alcatifas floridas. Conjuntamente com os cortinados vermelhos, sobrepujados de sanefas
de talha dourada de gosto rocaille, as alcatifas da capela-mor contribuíam para a
decoração e o enriquecimento do interior do templo barroco:
(924) Idem, fl. 2. (925) Porém, nada é dito neste inventário dos objectos de prata (muitos deles roubados em meados do
século XVIII) que no passado houvera nesta igreja: "de prata são os tres alampadarios da cappella mòr,
tão grande o do meyo, como o mais alto homem, e a esta proporção os outros: ha muitos castiçaes ricos,
thuribulos, tocheiros, custodias, e Cruzes, e a maior tão pesada, que dà que fazer ao mais valente, e em
todas estas peças, sendo de prata fina, e antiga, he sem duvida mais preciosa a obra, que a materia: o cofre
do Sacramento he joya preciosissima" - SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p.378. (926) Este revestimento deve ter-se realizado por volta de 1752-1754, quando o reitor Francisco de Santa
Maria mandou colocar "o azulejo que se tirou da capella mor" nas capelas do Santíssimo Sacramento
(transepto) e laterais (lado do Evangelho) - A.D.B. - Ms. 924, fl. 783. (927) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 6. (928) Idem, Ibidem. (929) Idem, fl. 8 (930) Em 1697, o cronista da Ordem dava notícia de que "o pavimento he todo de lisonjas de fino
marmore" - Santa Maria, Francisco de, Ob. cit., p. 375.
255
"O pavimento athe os segundos degráos do altar mór esta coberto
com huma alcatifa de ramos esverdiados, e flores vermelhas = Athe
as grades da capella mór segue outra alcatifa com ramos
amarellados" (931).
O retábulo-mor e o trono eucarístico (932) mereceram o seguinte apontamento:
"Item o retabulo formando todo o arco em volta do camarim de
talha antiga muito recortada, e toda élla dourada.
Item dentro do camarim hum trono com sete degráos lizos pintados
de branco, e azul-claro, e em cada huma moldura dourada, e sobre
elle huma cúpe (sic) formada sobre quatro colunas de baixo da qual
se expôem o Santissimo Sacramento pintado de branco, e dourado.
As costas do camarim finge huma seda vermelha com ramos de
ouro. Roda a baza do camarim hum arco de damasco vermelho com
suas bandas do mesmo" (933)
Entre o trono eucarístico e a mesa do altar, três nichos de talha dourada "com huas
pequenas sanefas de veludo vermelho em bom uzo com bandas de damasco vermelho
muito uzadas" (934), construído ao gosto rocaille, abrigam as imagens de São Salvador,
Nossa Senhora com o Menino e São João Evangelista:
"A imagem do meio he de Sam Salbador orago da collegeada, está
pintada de branco acinzentado com borlas douradas, está sobre
huma peanha bonita, e dourada. A do lado direito reprezenta huma
imagem de Nossa Senhora com huma imagem do Menino Jezus no
collo. A do lado esquerdo reprezenta São João Evangelista, éstas
duas imagens que terão de alto cinco palmos estão pintadas de
(931) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. Nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 7v.. (932) Em 1697 tinha a capela-mor "hum rico retabolo de excellentissimas pinturas" - Santa Maria,
Francisco de - Ob. cit., p. 375. (933) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 6v..
256
huma só cor sobre o escuro com ramos vermelhos, e dourados, e são
feitas com tal delicadeza que a arte a pouco mais pode chegar"
(935).
Por "detras da tribuna" havia:
* uma imagem do "Senhor deitado, em hum féretro figurando morto" (936);
* uma imagem do "Senhor da Cana Verde" (937);
* "quatro imagens dos quatro Evangelistas de pau todas pratiadas" (938);
* "tres boas alcatifas dos altares lateraes" e um docel "de seda branca com
ramos de ouro" (939).
No altar-mor podia ainda observar-se:
* catorze castiçais, seis defronte dos referidos nichos; outros seis "com suas
aparadeiras" que constituíam a banqueta, e "mais dous castiçaes de pau pintados e já
velhos entre a mesma banqueta" (940);
* três sacras envidraçadas, com seu "caixilho dourado" (941);
* duas toalhas de linho, uma com "folhos de talargaige" sobre a outra, "sem
eles" (942);
* uma pedra de ara e, no camarim, um frontal vermelho de um lado e branco do
outro, de ambos os lados "de seda passada a ouro" (943).
Na zona da capela-mor havia duas credências. Uma colocada do lado da Epístola, em
castanho, "com duas gabetas pintadas com toalha de Guimarães em volta" (944), coberta
com outra toalha de linho de folhos e nas gabetas depositavam-se um missal e um livro
das Epístolas e dos Evangelhos.
(934) Idem, fl. 6v.. (935) Idem, fl. 6v.. (936) Idem, fl. 18. (937) Idem, fl. 18. (938) Idem, fl. 18. (939) Idem, fl. 18. (940) Idem, fl. 7. (941) Idem, fl. 7. (942) Idem, fl. 7. (943) Idem, fl. 7. (944) Idem, fl. 7.
257
Sobre esta mesa podia ver-se um vaso de estanho "com sua vacia para o labatorio" e
uma pequena toalha de linho remendada e uma campaínha de bronze (945).
A outra, no lado do Evangelho, era "de pau, toda de ramos, felores tambem de pau
pintada, e dourada" e tinha também duas toalhas, uma das quais era de linho com folhos.
Deste lado encontrava-se ainda um banco de madeira pintada "com huma espécie de
entalha dourada, e felorões tãobem dourados" (946) e oito mochos também pintados com
almofadas de damasco vermelho (947).
No meio da capela-mor havia três estantes, uma maior, de forma quadrada "de grade
toda de latão com varão de ferro, e o pedestal de pau pintado, e dourado", e duas mais
pequenas, de madeira pintada de vermelho (948).
4.2. O CORPO DA IGREJA
4.2.1. O TRANSEPTO: ALTARES COLATERAIS E CAPELA DO SANTÍSSIMO
SACRAMENTO
Na zona do transepto, encontravam-se três altares (949) com as suas invocações: dois
colaterais, encostados às paredes do cruzeiro, voltados para a entrada da igreja e onde se
celebrava o culto a São Lourenço Justiniano (ainda presente em 1758) e a Santo António
(950) e outro no topo do lado do Evangelho, dedicado ao Santíssimo Sacramento, cujo
(945) Idem, fl. 7v.. (946) Idem, fl. 7v.. (947) Idem, fl. 7v.. (948) Idem, fls. 7v.-8. (949) Em finais do século XVII, na zona do transepto havia "quatro capellas: a primeira da parte do
Evãgelho, he do Sãto Christo: a segunda de S. Lourenço Justiniano: a primeira da parte da Epistola he
dedicada ao mysterio do Nascimento: a segunda he de S. Giraldo Arcebispo de Braga" - SANTA MARIA,
Francisco de - Ob. cit., p. 375. (950) De notar que em 1697, quando escreve Santa Maria, o culto a Santo António observava-se na
segunda capela do corpo da igreja, do lado do Evangelho - Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit.,
p. 375.
258
enquadramento espacial e decorativo decorria da exigência de solenidade e "decencia" na
veneração do seu culto (951).
Atente-se na descrição de 1758:
"No cruzeiro ha dous altares hum da parte do Evangelho dedicado
a São Lourenço Justiniano, o da parte da Epístola a Santo António,
e no fim do mesmo cruzeiro da parte do Evangelho esta a capella do
Santissimo Sacramento, com hum novo, e admiravel retabulo,
separada das mais, e adornada com duas lampadas de prata que
continuamente ardem, e dous fermozos anjos com suas tochas nas
mãos, tudo debaixo de humas cortinas de ceda, para com mais
decencia ser venerado a quanto maior dos misterios de nossa
redemssão" (952).
Entre 1758 e 1834, o culto a São Lourenço Justiniano é substituído pelos cultos ao
Senhor Crucificado e a Nossa Senhora das Dores, no altar colateral do lado do
Evangelho:
(951) O treslado de um "Capítulo de Vezitação", embora não datado nem assinado, mostra-nos os
cuidados a ter com o mistério dogmático do Santíssimo Sacramento e as penas que recaíam sobre os
infractores:
"Constou-me que o Santíssimo Sacramento estava posto no sacrario desta igreja de novo, de tempo
de hum mes a esta parte pouco mais ou menos. E vezitando pessoalmente achei estava em hum vazo de
prata sem fecho, ou cobertura de prata por cima e como tal por cauza desta falta endeçente sen capas, de
se conçervar nelle o Senhor com perseverança.
E porque esta falta não he obra que padeça ou sofra dilação, ou demora alguma mando ao reverendo
parocho desta igreja note suspensão aos rendimentos dos frutos desta igreja que en tempo de hum mes
com pena de excomunhão maior ipso facto im currenda entregue por conta dos fructos desoito mil rés, que
se lhe abaterão no pagamento da renda os quais o reverendo parocho debaixo da pena sobredita remetera
com certidão do theor deste capitulo en tempo de oito dias depois do reçibo ao thezoureiro, ou secretario
da caza do despacho para que por ordem do reverendo doutor superintendente da mesma caza do
despacho se dé a execução esta obra com a brevidade que requer a necesidade della, e não obedeçendo os
ditos rendimentos dentro do dito termo os decláre na estação da missa por publicos excomungados e
proceda contra elles athe de partiçipantes e de tudo o referido nestes dois capitulos debaixo da dita pena
de suspensão cobrara recibo, e certidão da caza do despacho; estendera certidão ao pé deste provimento o
que se entende se por parte do reverendo doutor a quem toqua a obrigação desta obra e fabriqua pellas
vezitaçoins passadas se não der inteiro comprimento a esta obra en termo de vinte dias contados des o dia
da era deste provimento" - A.D.B. - Fundo Monástico Conventual, L 22, fl. 56. (952) A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
259
"Item no altar colateral do lado do Evangelho huma imagem
grande do Senhor Crucificado com seu resplandor de prata = De
baixo dos pes desta imagem hum oratorio com suas vidraças
pintado, e dourado com huma imagem de Nossa Senhora das Dores
vestida de seda vermelha, com seu manto azul claro com
resplandor, ou coroa, e sete espadas de prata tudo de prata (sic)
imagem esta muito linda que a arte não pode aprefeiçoar mais, com
hum fio de contas de ouro pendentes em huma das espadas do lado
esquerdo" (953).
Este altar de talha dourada, de estilo nacional, com a sua sanefa feita ao gosto rocaille,
era "igual ao do outro altar" colateral do lado da Epístola (ambos realizados por António
Gomes e Domingos Nunes) que não se encontra no seu devido lugar desde 1944, mas que
em 1834 mantinha como invocação Santo António (954).
ALTARES COLATERAIS - EM 1834 (955)
ALTAR DO SENHOR CRUCIFICADO
- LADO DO EVANGELHO
ALTAR DE SANTO ANTÓNIO
- LADO DA EPÍSTOLA
(953) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 8v.. (954) Idem, Ibidem. (955) Idem, fl. 8v.-9.
260
.Altar - "de entalha com sua sanefa dourada
igual ao do outro altar com duas pernas
de cortinas com galoes de ouro tudo ja
uzado".
.Imagem "grande" do Senhor Crucificado
.Imagem de Nossa Senhora das Dores,
dentro de um oratório.
.Quatro castiçais "de pau pintados com
frizos amarellos".
.Duas "andarellas de latão que servem de
porem as vellas quando se diz missa".
.Uma estante do missal.
.Tres sacras "com seos vidros, e caixilhos
dourados".
.Quatro ramos, dois "dentro do oratorio
contrafeitos, e outros dous da parte de
fora na banqueta".
.Um crucifico pequeno, "pregado na
sacra do meio".
.Duas toalhas de linho, uma "sem folhos, e
outra por cima com elles de talagaige
em bom uzo".
.Um manusterge.
.Uma pedra de ara.
.Altar - "todo de entalha dourada de
gosto ao antigo com huma sanefa
de pau tambem dourada donde pendem
duas cortinas de damasco vermelho com
seus galoes de ouro, e ja uzadas".
.Uma imagem "grande" de Santo
António.
.Quatro castiçais e "hum crucifixo
sobre a banqueta os quaes são
de pau pintados de branco com frizos
- e flores amarellos - mais duas
andarellas de latão".
.Três sacras com "suas vidraças cujo
caixilho he de pau dourado".
.Duas toalhas de linho, uma por baixo
sem folhos, "ja uzada" e outra por cima
com "folhos em bom uzo".
.Uma pedra de ara.
.Uma estante do missal.
.Um manusterge.
No que diz respeito à capela do Santíssimo Sacramento, localizada no braço direito do
transepto, notou o inventariante:
"Item a capella do Sacramento de entalha moderna pintada de
branco, e dourada com colunas a fingir marmore, tem huma
261
tribuna de cinco degraos do mesmo gosto com seu nicho em cima
em forma de sacrario, o camarim tem huma cortina de damasco
branco que encobre a tribuna = O sacrario pintado de branco com
seos ramos, e frizos dourados ao gosto moderno, tem hum pavilhão
de seda com seus ramos de cores, e galõens, e franjas de retroz
amarello - outro por cima deste mesmo o qual he de seda branca
com ramos a fingir ouro, com galoens, e franja de ouro ja uzado, no
cimo do pavilhão está hum carneirinho, com huma bandeirinha
sobre o livro dos sete sellos = Seis castiçaes de pau de entalhe
pintados de branco, e dourados, com hum crucifixo pequeno em
huma cruz, e peanha de pau pintada de preto, e quatro vazas de
pau com seus ramos contrafeitas em bom uzo = Huma toalha de
pano de linho sem folhos, e outra por cima tãobem de linho com
folhos de talagaige, e por cima hum veo de seda verde velho, hum
vazo de estanho com sua toailha para a comunhão - do lado do
Evangelho hum grande quadro em que se acha pintado o banquete
da Cea de Jezus Christo aos Apostolos = Do lado da Epistola outro
dito em que esta pintado o Lava Pedes por Jezus Cristo aos
Apostolos = Hum arco, e sanefas, com seu cortinado de damasco
vermelho com galoens, e franjas de ouro uzado na boca ou arco da
capella do Sacramento" (956).
O acesso dos crentes a esta capela estava formalmente vedado, através duma grade de
madeira pintada, colocada à sua entrada (957).
Os dois púlpitos, "que são de pau preto em forma de grade, com chapas de metal
dourado" (958), situam-se nas paredes da nave única, entre o cruzeiro e a primeira capela
intercomunicante.
(956) Idem, fls. 9-9v.. (957) Idem, fl. 9v.. (958) Idem, fl. 9v..
262
O acesso a estes locais, realizava-se através de uma escada de granito que, de uma e
outra banda do transepto, conduziam o padre pregador a estes pequenos palcos de base
pétrea.
Como cenário da pregação e solenidade decorativa, "dous cortinados de damasco
vermelho com seus galoens ja uzados, os quaes prendem em huma sanefa de pau de
entalha dourada" (959).
A sermonária, na qual os cónegos de Vilar se esmeravam, desempenhou ao longo de
toda a Época Moderna um papel fundamental no exercício do culto divino:
"São muy frequentes entre nós os exercicios do pulpito, e
confessionario, e na perfeição, e attenção das ceremonias no Officio
Divino, forão sempre os nossos Conegos esmeradissimos, e por tais
conhecidos e acclamados" (960).
4.2.2. CAPELAS LATERAIS: LADO DO EVANGELHO
A primeira capela do lado do Evangelho é dedicada a Nossa Senhora do Rosário,
sendo acompanhada por uma imagem de São Geraldo, antigo arcebispo de Braga (961) e
outra de São Caetano (962). O seu altar era de talha "antiga, e dourada" e a imagem de
Nossa Senhora era de "estatura mediana", com um "rozario de vidro" (963). Nas paredes
laterais, várias pinturas provavelmente a óleo, com suas molduras em talha dourada,
enriqueciam o espaço:
(959) Idem, fl. 9v.. (960) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 238. (961) Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 375. (962) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 9v.. (963) No altar desta capela existiam - "Seis castiçaes com hum crucifixo tudo de pau de entalhe pintados
de branco, e dourados - tres sacras com caixilho de pau dourado, huma estante para o missal - huma toalha
de pano de linho sem folhos, e outra por cima tãobem de linho com folhos de talagage - huma pedra de ara
263
"Na parede do lado do Evangelho hum grande quadro de São
Domingos e Nossa Senhora em grande caixilho de pau pintado, e
dourado = Do lado da Epistola outro quadro do mesmo feitio com a
pintura de São Domingos, Nossa Senhora e hum Anjo" (964).
Sobre o arco da capela, havia uma sanefa "de pau de entalhe toda dourada" (965) e dela
pendiam duas cortinas de damasco vermelho com seus galões dourados. Uma grade
separa fisicamente este espaço da nave única - "a capella esta fechada com huma grade de
pau preto, e circulos de latão" (966). A segunda capela apresentava um retábulo "pintado
de amarello, e dourado nos relevos", exibindo uma imagem de "hum Santo Arcebispo
com huma cruz de duas astes na mão esquerda" (967). A entrada era igual à de todas as
capelas laterais desta igreja: um sanefa rocaille sobre o arco seiscentista, donde pendiam
cortinados de damasco vermelho com seus galões de ouro, e um gradeamento de pau
preto com seus circulos de latão (968). A terceira capela do lado do Evangelho tem um
retábulo de talha dourada "de gosto antigo" e um "grande oratorio com sua vidraça ja
quebrada onde esta Nossa Senhora das Dores com huma espada, e coroa de folha da
Flandres, o vestido de seda vermelho e a capa de seda azul clara" (969).
No mesmo altar podia ver-se:
"Do lado do Evangelho esta sobre huma pianha Santa Magdalena de
estatura mediana, e do lado da Epistola esta São João Evangelista do
mesmo tamanho, e trabalhado ao mesmo gosto = Aos pes [...] do oratorio
de Nossa Senhora das Dores esta outro com vidraça onde esta o Senhor
Morto" (970).
= Duas andarellas de latão aos lados do retabulo" - A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das
Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 9v.. (964) Idem, fl. 10. (965) Idem, fl. 10. (966) Idem, fl. 10. (967) Tinha ainda uma banqueta com seis castiçais "feitos ao torno"; uma cruz sem crucifixo (tudo isto
pintado de branco, com os frisos dourados); duas toalhas de linho, uma com e outra sem folhos "de
talagage em bom uzo"; uma pedra de ara - Idem, fl. 10. (968) Idem, fl. 10. (969) Idem, fls. 10-10v.. (970) E ainda "seis castiçaes na banqueta feitos ao torno, e huma cruz sem crucifixo os quaes estão
pintados de branco com os frizos amarellos = Huma toalha sem folhos, e outra com elles de talagage em
bom uzo, huma pedra de ara" - Idem, fl. 10v..
264
A quarta e última capela deste lado do Evangelho, que "fica debaixo do orgão", tinha
também o seu retábulo dourado "antigo", a enquadrar a seguinte imaginária: Nossa
Senhora, o Menino Jesus e São José, "de estatura mediana" (971); São Pedro, de três
palmos de altura (972); Santo Amaro, de igual dimensão (973); "duas figuras de meio
corpo, e hum buraco no peito talvez servissem para relicarios" (974). Como se pode aferir,
regista-se uma evolução do culto, com alterações nas invocações, ao longo da Época
Moderna. Segundo Francisco de Santa Maria, em 1697:
"O corpo da Igreja tem sinco cappellas por banda: a primeira da parte
do Evangelho, he dedicada a Nossa Senhora do Rosario: a segunda a
Santo Antonio: a terceira ao Espirito Santo: a quarta às onze mil
Virgens: na quinta està a Pia" (975).
De acordo com o Dicionário Geográfico da Torre do Tombo, em 1758:
"No corpo da igreja por banda ha sinco capellas a primeira capella da
parte do Evangelho e separada do Santissimo he dedicada a Nossa
Senhora do Rosario, a segunda ao Desterro, a terceira a Nossa senhora
da Piedade, e quarta a São Caetano, e a quinta serve de pia baptismal"
(976).
A pia baptismal que ainda se encontra na quinta capela lateral (ou na primeira à
esquerda de quem entra na igreja), de traçado manuelino, foi possivelmente ali colocada
no século XVII, aquando das obras de remodelação do corpo quinhentista. Esta capela
obedece às mesmas características das restantes:
(971) Idem, fl. 10v.. (972) Idem, fl. 10v.. (973) Idem, fl. 10v.. (974) Tinha ainda uma banqueta com seis castiçais de madeira feitos no torno, uma cruz sem crucifixo,
"tudo pintado de branco com os frizos amarellos" e duas toalhas da mesa do altar iguais às restantes -
Idem, fl.11. (975) SANTA MARIA, Francisco de - O Céu Aberto na Terra, Lisboa, 1697, pp. 375-376. (976) A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
265
"Item segue-se outro lugar em forma de capella onde esta a pia
baptismal elevada sobre tres degraos de pedra, esta fechada com
huma grade de pau preto, e circulos de latão" (977).
4.2.3. CAPELAS LATERAIS: LADO DA EPÍSTOLA
A primeira capela do lado da Epístola, que nos fins do século XVII estava dedicada a
Cristo Senhor Nosso "no passo do Ecce Homo" (978), desde meados do século XVIII que
tem como principal invocação Nossa Senhora da Conceição (979):
"A primeira (capela) da parte da Epistola he dedicada a
Immaculada Conceiçam da Senhora com huma lampada de prata,
que em todos os sabbados; e dias festivos e festa da Senhora arde
com renda que tem para isso" (980).
Mas outras invocações integravam o retábulo, em 1834: Santa Ana e Nossa Senhora,
do lado do Evangelho, "de tres palmos de alto, e adiante hum pequeno arco de damasco
vermelho com galoes de retroz amarelo" (981); Santa Luzia, do lado da Epístola, "e
adiante hum pequeno arco de damasco vermelho com seus galoens de retroz amarello"
(982); São Pedro de Alcântara, com três palmos de altura colocada "em huma especie de
oratoria", aos pés de Nossa Senhora da Conceição (983); Senhor Crucificado "com huma
cruz de pau pratiada", integrada na banqueta que tinha, como as dos restantes dos altares
(977) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 11. (978) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 376. (979) A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 11. (980) A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770. (981) A.N.T.T. - A.H.M.F., Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 11. (982) Idem, Ibidem. (983) Idem, Ibidem.
266
laterais, "seis castiçaes de pau feitos ao torno, pintados de branco, e frizos de amarello"
(984).
A segunda capela, dedicada às Almas desde o século XVII (985), mantém esta
invocação até aos nossos dias.
Na descrição de 1758 pode observar-se que esta capela das Almas do Purgatório tinha
irmandade, que alem dos sufrágios que mandava oferecer a Deus por vivos e defuntos ao
longo do ano "e na morte de cada hum dos irmaos", comemorava o seu aniversário "com
despeza maior, e sermão no dia seguinte ao de Santo Andre" (986).
No inventário de 1834, para além das Almas, surgem-nos outras invocações,
nomeadamente Anjos e a Família Celestial, Santa Quitéria e Santa Rita de Cássia:
"Item segue-se outra capella cujo retabulo he de gosto antigo de
entalhe todo dourado, e nelle mesmo estão em levantados relevos as
Almas do Porgatorio, os Anjos e a Família Celestial - ao lado do
Evangelho está a imagem de Santa Quiteria de quatro palmos de
alto - e ao lado da Epístola esta a imagem de Santa Rita de Cássia
no meio do retabulo tem hum arco de damasco vermelho com
galoes de ouro" (987).
A terceira capela, que serviu "de porta das Procissões" (988), em meados do século
XVIII "he dedicada ao patriarcha São Bento" (989), invocação que mantém em 1834,
rodeada pelas imagens de São Luís Rei de França e de Santa Bárbara :
"Item segue-se outra, capella cujo retabulo he antigo de entalhe
todo dourado, tem no altar a imagem de São bento da estutura
mediana, e adiante hum arco de damasco vermelho com seus
galoens de ouro ja uzados - ao lado do Evangelho tem a imagem de
São Luis Rei de França do mesmo tamanho - e do lado esquerdo a
(984) Idem, Ibidem. (985) Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 376. (986) A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770. (987) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 11v.. (988) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 376. (989) A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
267
imagem de Santa Barbara da sobredita altura e todos bem feitos"
(990).
A quarta capela do lado da Epístola "he dedicada à Senhora no mysterio
d'Annunciação", em 1697 (991), invocação que se manterá nos séculos XVIII e XIX (992).
Em 1758, é afirmado o seu carácter funerário, ligado à família barcelense dos Vilas
Boas, cujo brasão está patente no topo do arco desta capela: (993).
Em 1834, mantém o carácter funerário, já que "no meio da capella tem seis tocheiros, e
huma grades, que serve de tumulo nos aniversarios de defuntos" (994).
Em todas estas capelas houvera no século XVII "retabolos dourados, com excellentes
pinturas, e imagens muy devotas" (995), que no entanto foram substituídos no século
XVIII (porventura na primeira metade), por retábulos barrocos "ao moderno,
excelentemente dourados com suas imagens mui devotas" (996).
Nos finais de seiscentos, a "quinta capela" servia para "se recolher nella alguma fabrica
da Fréguesia" (997). Em meados do século XVIII funcionava como "porta das procissoes
para o claustro" (998) e em 1834 é descrita do seguinte modo:
"Item segue-se em cemetria defronte da pia baptismal outro lugar
onde estão as grades para a armação da Eça, e varias madeiras de
armaçoens, esta fechada com huma grade de pau preto, e circulos
de latão" (999).
(990) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12. (991) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 376. (992) A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12-12v.. (993) Com efeito, a quarta capela do lado da Epístola "he jazigo da familia dos Villas Boas da villa de
Barcellos, familia nobre antigua illustre" - A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770. (994) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12v.. (995) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 376. (996) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12v.. (997) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 376. (998) A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770. (999) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12v..
268
ALTARES DAS CAPELAS LATERAIS E SUAS INVOCAÇÕES - EM 1834 (1000)
CAPELA/ALTAR
INVOCAÇÕES
1ª capela: lado do Evangelho
- Altar de Nª Srª do Rosário
Nossa Senhora do Rosário,
São Geraldo - do lado do Evangelho,
São Caetano - do lado da Epistola,
São Domingos, Nossa Senhora e um Anjo - num
quadro "em grande caixilho de pau pintado, e
dourado".
2ª capela: lado do Evangelho
- Altar de São Geraldo (?)
São Geraldo (?) - "hum Santo Arcebispo"
3ª capela: lado do Evangelho
- Altar Nª Srª das Dores
Nossa Senhora das Dores,
Santa Madalena, "de estatura mediana",
São João Evangelista, "do mesmo tamanho",
Senhor Morto - num oratório.
4ª capela: lado do Evangelho
- Altar da Sagrada Família
Nossa Senhora, Menino Jesus e São José, "de
estatura mediana",
São Pedro - do lado do Evangelho, "de altura
de tres palmos",
Santo Amaro - do lado da Epístola, "do mesmo
tamanho".
(1000) Idem, fls. 9v.-12v..
269
1ª capela: lado da Epístola
- Altar de Nª Srª Conceição
Nossa Senhora da Conceição, "bem feita e de
forma grande",
Santa Ana e Nossa Senhora - do lado do
Evangelho, "de tres palmos de alto",
Santa Luzia - do lado da Epístola,
São Pedro de Alcântara, "de tres palmos de
altura"
- aos pés de Nª Senhora, "em huma especie de
oratorio",
Senhor Crucificado, numa "cruz de pau
pratiada".
2ª capela: lado da Epístola
- Altar das Almas
Almas do Purgatório,
Anjos e a Família Celestial, "em levantados
relevos",
Santa Quitéria - do lado do Evangelho, "de
quatro
palmos de alto",
Santa Rita de Cássia - do lado da Epístola.
3ª capela: lado da Epístola
- Altar de São Bento
São Bento, "de estatura mediana",
São Luís Rei de França - do lado do Evangelho,
"do mesmo tamanho",
Santa Bárbara - do lado da Epístola, "da
sobredita
altura"
4ª capela: lado da Epístola
- Altar de Nª Srª Anunciação
Nossa Senhora da Anunciação.
270
4.3. OS METAIS PRECIOSOS: SUA IMPORTÂNCIA NA DECORAÇÃO DOS
ALTARES E NO ENRIQUECIMENTO DO CERIMONIAL LITÚRGICO
Os metais preciosos assumiam grande importância na decoração dos altares e no
enriquecimento do cerimonial religioso.
As alfaias litúrgicas, as cruzes e os relicários, as coroas e os resplendores das imagens
sagradas, com o predomínio da prata, por vezes dourada ou associada ao ouro, as pedras
preciosas, etc., contribuíam decisivamente para o embelezamento dos altares e para a
riqueza e aparato de todo o interior do templo.
Do inventário de 1834 consta uma relação das "pratas" existentes na igreja:
I - CUSTÓDIAS
Duas custódias, uma "grande, e riquissima", com quatro palmos e meio de altura, "toda
muito bem trabalhada, e os raios são dourados", outra "toda de prata dourada, e bem
trabalhada, mas o seu pe he hum caliz" (1001);
II - VASOS
Três vasos de prata, um "todo dourado, e todo cheio de labores", outro "pequeno"
dourado com o pe de latão perfumado a ouro" e outro "todo de latão perfumado a ouro o
qual esta no sacrario" (1002);
III - RELICÁRIOS
Quatro relicários, dois de "prata perfumados de ouro, que terão dous palmos, e meio de
alto, e tem a figura de costodia" e outros dois "do mesmo feitio, que os cima referidos
mas são de latão perfumados a ouro" (1003);
IV - CÁLICES
Seis cálices, um "riquissimo", de prata dourada, "e cheio de labores. A volta do copo
mostra os martírios do Senhor, e no pé a figura de hum ainho = Huma urna, e duas aguias,
(1001) Idem, fl. 18v.. (1002) Idem, fl. 18v..
271
tudo em bem levantados relevos, e admiravelmente lavrados = Tem patena, e colherinha
tambem de prata dourada". Outro "com o pe de latão e o copo de prata perfumado de
ouro, o qual serve de pé a segunda custodia acima referida, tãobem tem patena, e
colherinha de prata". Mais quatro cálices "com o pe de latão, e os copos de prata
perfumados a ouro somente pór dentro, e cada hum com a sua patena, e colherinha
perfumada a ouro" (1004);
V - TURÍBULOS
Um turíbulo de prata com sua naveta também de prata (1005);
VI - COROAS
Sete coroas de imagens sagradas, "huma grande", de prata, de Nossa Senhora do
Rosário, "cercada de pedras azuis, e vermelhas", e um resplendor "com huma pedra
vermelha no meio o qual pertence ao Menino da mesma Senhora" (1006); outra "grande
cercada de pedras vermelhas, azuis, e verdes, a qual pertence a Senhora da Abbadia, que
esta na capella mór" (1007); outra mais pequena, do mesmo feitio, "a qual pertence ao
Menino da mesma Senhora" (1008); outra "cercada de pedras vermelhas, azuis, e verdes
toda aos pedaços, a qual pertence a Senhora da Conceição"; outra "cercada de pedras
vermelhas, azuis, e verdes com huma pedra azul no meio da cruz a qual pertence a
Senhora do Secorro"; uma outra, nova, "sem cruzeiro a qual ignora-se o santo, a que
pertence"; finalmente outra coroa "pequenina nova de prata a qual pertence a Senhora do
Rozario, que he da confraria" (1009);
VII - RESPLENDORES
Seis resplendores de prata, um grande "redondo que tera quazi dous palmos de
diametro com huma pedra verde no meio, e pertence a imagem de São João Evangelista"
(1003) Idem, fl. 18v.. (1004) Idem, fl. 18v.. (1005) Idem, fl. 18v.. (1006) Esta "coroa grande, com o resplandor do Menino pertence a confraria da Senhora do Rosario" -
Idem, fl. 19. (1007) Idem, fl. 18v.. (1008) Idem, fl. 18v.. (1009) Idem, fls. 18v.-19.
272
(1010); outro "com duas pedras vermelhas nos lados o qual pertence a imagem do
Salvador" (1011); outro "com os raios estreitos, e tremidos o qual pertence a imagem de
São Pedro Apostolo" (1012); outro "do mesmo tamanho com raios mais largos o qual
pertence a imagem de São Pedro de Alcantara; mais dois "grandes de prata ja velhos,
ignora-se o santo, a que elles pertencem" (1013); uma cruz de prata com "hum Santo
Christo a qual pertence a confraria do Subcino" (1014);
VIII - GALHETAS
Quatro pares de galhetas de vidro "com cinco pratinhos de estanho, e hum de vidro
com ramos dourados" (1015).
4.4. O NARTEX INTERIOR E A PORTA PRINCIPAL
Ao entrarmos na igreja deparamos com "hum anteparo de madeira todo pintado" (1016)
e "no meio da sanefa em cima huma águia de duas cabeças levantada em relevo" (1017) -
no forro de madeira, em caixotões decorados com suas rosetas e molduras.
Encostadas à parede deste nartex interior, encontram-se duas pias de pedra para a água
benta, que já existiam em 1834 (1018).
A porta da igreja tem gravada a data de 1694.
Porém, como tivemos ocasião de referir no Capítulo III, o contrato para a sua
realização é assinado em 21 de Abril de 1695, entre o reitor Luís da Anunciação e o
mestre carpinteiro Simão António, da Maia, devendo a empreitada estar concluída até ao
dia de Todos os Santos do mesmo ano (1019).
(1010) Idem, fl. 19. (1011) Idem, fl. 19. (1012) Idem, fl. 19. (1013) Idem, fl. 19. (1014) Idem, fl. 19. (1015) Idem, fls. 19. (1016)Idem, fl. 12v.. (1017) Idem, fl. 12v.. (1018) "Item segue-se para o lado de dentro duas pias de pedra para agua benta" - Idem, fl. 12v.. (1019) A.D.B. - Notarial de Barcelos, Lº 750, fls. 82-82v..
273
No inventário de 1834, pode ler-se:
"Item a porta principal he de carvalho (1020) bem groça de gosto
antigo, com suas almofádas tambem de carvalho, e toda chapeada
de latão fingindo caras de leões, e tudo pela parte de fora" (1021).
4.5. O CORO
O cadeiral do coro que hoje encontramos em Vilar de Frades, num estado deplorável
(1022), data de 1682, uma obra levada a cabo pelo mestre ensamblador residente no Porto,
António João Padilha (1023), responsável igualmente pela estante, que é semelhante à da
igreja do antigo mosteiro de Tibães, o gradeamento e a tribuna do órgão (1024).
Os inventariantes de 1758 (1025) descreveram este espaço seiscentista do seguinte
modo:
"Sobre a porta principal deste famozo templo esta situado o
espaçozo choro, chamado de cima com ademiraveis cadeiras para
os conegos e estante dourada de bronze tudo com o maior aceio, e
nas grades huma devotissima imagem do Christo Crucificado:
immediato ao choro esta hum grande, e suavissimo orgam com que
o Creador se louva, e as criaturas se recrião: segue-se a caza dos
(1020) A madeira utilizada não foi o carvalho mas o angelim, de acordo com o contrato de 1695 - Idem,
fl. 82. (1021) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12v.. (1022) Enquanto a madeira do cadeiral, da estante e do gradeamento vai apodrecendo, várias
misericórdias têm sido roubadas, apesar da esmerada vigilância do actual sacristão, senhor Manuel. (1023) Ver Capítulo III. (1024) Idem, Ibidem. (1025) Os padres do convento José de Santo Tomás, José Barbosa e Lourenço Lopes - A.N.T.T. -
Dicionário Geográfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1772.
274
livros em que em estantes estão collocados os do serviço do choro
todos de finissimo pergaminho e muito bem emcadernados" (1026).
Neste coro, "magnificamente trabalhado pintado a fingir madeira com suas piramides
por cima douradas" (1027), conserva-se, para além do cadeiral lamentavelmente arruinado,
a estante e uma imagem de Cristo:
"Item no meio do coro huma grande estante de madeira com seus
frizos, e lampeamentos de latão = No meio da grade do coro está
huma imagem de Santo Christo em huma cruz pintada toda de
preto com seus grandes, e largos raios de madeira dourados, e esta
debaixo de hum arco de entalhe ou alpendre pintado de branco, e
dourado nos relevos" (1028).
Como elementos fundamentais de apoio ao ofício do coro (1029), nesta zona
fundamental das igrejas conventuais, havia ainda:
. um breviário anual "em folio todo esfarrapado, e escancellado" (1030);
. outro breviário em dois tomos, "tâobem rotos, e escancellados" (1031);
. "hum martirologio em quarto e hum pequeno suplemento ao mesmo" (1032);
. onze "grandes" livros impressos em pergaminho, "e com letra gotica que servem para
a cantoria na estante do coro" (1033);
. outro livro "de cantoria que serve para as antifonas" (1034);
(1026) Idem, fl. 1770. (1027) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12v.. (1028) Idem, fl. 12v.-13. (1029) Ofício fundamental, o funcionamento do coro marcava o quotidiano da vida conventual: "Em todo
o anno se tange as Matinas pela huma hora depoes da meya noite, & desde a Pascoa até a Cruz de
Settembro, se tange à Prima pelas sinco horas da manhã, à Terça pelas oito, a jãtar pelas déz, à Noa pela
huma depoes do meyo dia, à Vespora pelas tres, à Completa pelas sinco, à cea pelas seis, à benção, & a
recolher pelas oito. Da Cruz de Settembro até a Pascoa se tange à Prima pelas seis, à terça pelas nove, a
jantar pelas onze, à Noa pelas doze, à Vespora pelas duas, à Completa pelas quatro, à cea pelas sinco, à
benção, & a recolher pelas sette" - SANTA MARIA, Francisco de - O Ceo Aberto na Terra, Lisboa,
1697, pp. 237-238. (1030) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 13. (1031) Idem, Ibidem. (1032) Idem, Ibidem. (1033) Idem, Ibidem.
275
. duas "pequenas estantes que servem no meio do coro" (1035).
Mas junto ao coro há ainda a registar:
"Hum grande orgão de quatro oitavas com quatorze rezistos da
mão direita digo da mão esquerda, e dezasseis da direita fechado
com sua grade do mesmo feitio que a do coro" (1036).
4.6. A SACRISTIA
A sacristia do século XVI, possivelmente acanhada (1037), foi demolida nos finais do
século XVIII para dar lugar a um espaço mais amplo e iluminado, no âmbito de um
programa de reforma arquitectónica que incluiu a zona residencial do noviciado, o
claustro e a frontaria da igreja (1038).
Uma reforma empreendida a partir de 1796-1797 pelo reitor Manuel de São Tiago e
Silva, que encomendou o risco da "obra nova da sacristia, claustros e fronteira da
igreja"(1039).
Aliás, ainda no seu mandato, este reitor procedeu ao início das obras da "sacristia nova
e vai continuando com ella" (1040), ainda que a conclusão dos trabalhos venha a verificar-
se entre 1798-1800, sob o comando do novo reitor, Joaquim Lopes da Costa (1041)
(1034) Idem, Ibidem. (1035) Idem, Ibidem. (1036) Idem, Ibidem. (1037) Santa Maria informa-nos que "A Sancristia não he grande, mas muy ornada, e tem huma janela,
que a faz clara, e alegre com a vista de hum jardim, sobre que cahe. Tem via sacra, e lavatorio muy bem
obrado no polimento das pedra, com esguichos de bronze embebidos em carrancas com sua taça tudo obra
muy perfeita [...] Ha na Sancristia ricos ornamentos de télas, e borcados, e tudo o que se costuma ter, e se
póde desejar para a perfeição, e ornato do culto divino" - SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 378. (1038) A.D.B. - Ms. 924, 779. (1039) Idem, Ibidem. (1040) Idem, Ibidem. (1041) Idem, fl. 780.
276
A construção da nova sacristia obedeceu certamente às necessidades da evolução do
ritual litúrgico, que atinge grande complexidade no século das luzes.
De facto, desde os inícios do século XVII que o cerimonial na Ordem dos lóios
ganhara grande importância, tendo sido objecto de determinações no Capítulo Geral
reunido no convento de Évora, em 1603 (1042).
Desse corpo de decisões, vejamos o "tratado" e os "capitulos" relativos à preparação do
sacerdote para a celebração da missa:
"Tratado primeiro, da missa rezada e da preparação do sacerdote.
Preparado o sacerdote convenientemente, pera aver de celebrar, entrando na
sanchristia, toma o missal, e regista a missa que lhe for dada, e aprovera, e isto feito,
lavara as mãos dizendo a oração competente, e logo prepara o calix, pondo nelle
purificatorio: patena, hostia, pala, veu, de seda, e bolça da cor do ornamento, com
seu corporal.
Capitulo segundo das vestes sacerdotaes.
O sacerdote, tendo commodidade de sobrepelix, se vestira nella, e depois tomara o
amitto por ambas as pontas, com ambas as mãos, e beijando o no meio, o pora na
cabeça: e logo o deçera abaixo ao pescoço, cobrindo o collar do vestido proprio e
com as fitas: se singira atando-as diante, e tomando a alva a metera primeiro pela
cabeça, e logo vestira o braço direito, e depois o esquerdo, e se singira com o cordão,
que o ministro lhe dara por detraz, e acomodara a alva de diante convenientemente.
Tomara o manipolo com a mão direita, e beijara nelle a crux: e o pora no braço
esquerdo junto ao cotovelo: e com ambas as mãos tomara a estola; e beijando a crux
no meio a lançara ao pescoço, e deitara a ponta da estola da parte esquerda para a
dereita, e sobre ella a ponta direita para a esquerda, ficando em crux, atando as com
extermidades do cordão, e juntamente tomara a planeta dizendo ao vestir dela, e das
mais sobreditas vestes as orações competentes.
Capitulo 3º do modo de vir da sanchristia para o altar.
(1042) Em 1604, um religioso do convento de Vilar de Frades inicia o registo das determinações de
Évora, com a seguinte título: "O cappitulo do anno passado, de 1603, que se fez em a nossa caza de
Evora, se approvarão as cerimonias seguintes, e se mandou, que todas as nossas cazas as uzassem" -
A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de S. Salvador, Lº 1, Cx. 1, Conv. Diversos- nº 25, fl. 63.
277
Vestido o sacerdote como dito he tomara o calix preparado na mão esquerda e
pondo a mão direita sobre a bolça, sahira da sanchristia com os olhos baixos,
religiosamente composto, precedendo o ministro com o missal, e mais couzas
necessarias; passando o sacerdote para o altar môr onde esta o Santissimo
Sacramento, fara genuflexão, mas onde não estiver o Santissimo Sacramento lhe
fara reverencia inclinando somente a cabeça, e se passando por outro qualquer
altar, e nelle levantarem o Santissimo Sacramento estando assi de joelhos tee
levantarem o calix; e passando por outro qualquer altar, alem dos sobreditos, não
fara reverencia.
Chegando ao altar fara funda inclinação, a crux, e se ahi estiver o Santissimo
Sacramento fara genuflexão, a qual feita subira ao meio do altar e pora o calix da
parte do Evangelho, e tirando o corporal da bolça o extendera sobre a pedra de ara,
e sobre ella o calix cuberto; e a bolça deixara ficar da parte do Evangelho, e havendo
de consagrar mais hostias ou particulas, que pela quantidade não possão estar sobre
a patena, as pora sobre o corporal diante do calix, ou em outro calix, ou vazo
consagrado, o qual cuberto com outra patena, pora detras do calix; isto feito ira o
saçerdote á parte da Epistola, e abrira o missal, que o ministro lhe tera posto sobre o
coxim da cor competente, e acommodara os registos em seus lugares; e sendo cazo
que se vista no altar fara o mesmo, antes que deça a começar a missa; feitas todas
estas sobreditas couzas tornara ao meio do altar para começar a missa, e se o altar
não tiver degraos, senão tabernaculo que tem diante sobre elle fara a confissão"
(1043).
A sacristia que ainda podemos admirar corresponde, na sua estrutura, à que nos é
descrita em 1834: um espaço amplo, com "quatro frestas com suas grades de ferro, e
vidraças por dentro" (1044).
Cada uma destas janelas estava decorada com "duas bambinelas de fazenda de algodão
lavrado com suas franjas, e borlas as quaes fazem por todas oito" (1045).
Ao entrarmos pela larga e alta porta, de recorte axial e proporcional às dimensões deste
espaço rectangular dos inícios de oitocentos, os nossos olhos são imediatamente atraídos
(1043) Idem, fls. 63-64. (1044) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fl.14v. (1045) Idem, fl. 15.
278
pelo belíssimo retábulo neoclássico, uma composição marmoreada, em obediência ao
requinte e gosto da época:
"O altar he de entalhe pintado de branco com raios azuis claros e
os relevos, ou frizos dourados por diante de hum retabulo de pedra
pintado a fingir marmore [...] Item o painel do altar he da imagem
de Nossa Senhora, na banqueta tem quatro castiçaes e hum
crucifixo de entalhe pintado de branco, e dourado nos relevos, mas
o Santo Christo he de marfim, no altar que he em forma de urna
tem huma toalha de pano de linho em bom uzo com seus folhos de
caça ja rotos" (1046).
Duas portas laterais ao retábulo, de dimensões mais contidas, dão serventia "para
segunda sacristia" e ambas têm "huma sanefa de pau de entalhe pintado de branco, e
dourada nos relevos" (1047).
Acto contínuo, o nosso olhar é chamado a observar o belíssimo tecto de estuque, com
as suas "bem formadas silvas, e flores" (1048) e demais delicada iconografia, que inclui: a
representação do Espírito Santo e o divino sol, bustos divinamente modelados, o Agnos
Dei, o símbolo do arcebispado envolvendo a águia dos lóios, arranjos de volutas e jarrões
de flores, fitas serpenteadas, grinaldas e festões.
O pavimento "he de pedra marmore em chedres com pedras azuis" (1049), e no seu
centro permanece "huma meza cujo pé he de pedra marmore assim como tãobem a taça
cuja forma he oitavada" (1050).
No embelezamento da moderna sacristia, para além da talha e do marmoreado, o
mármore e o estuque, os padres de Vilar de Frades recorreram aos espelhos e à pintura a
óleo.
(1046) Idem, fls. 14v.-15. (1047) Idem, fl. 15. (1048) Idem, fl. 14v.. (1049) Idem, fl. 14v.. (1050) Idem, fl. 14v..
279
Os seis "grandes e ricos tremós" que existiam, três entre as janelas e outros três entre
os quatro quadros, criavam a ilusão de um espaço ainda maior e faziam entrar na sacristia
o ambiente natural do exterior.
As telas, com as imagens dos quatro Evangelistas (ainda existentes), dão majestade e
contribuem para a sacralização do espaço onde o sacerdote se prepara para o culto divino:
"Item defronte de cada huma das frestas estão os quatro quadros
dos Evangelistas com seu caixilho de entalhe todo dourado com sua
especie de sanefa feita no mesmo caixilho o qual he do mesmo feitio
que o das bambinelas. Item seis tremós cujo vidro tem cinco palmos
de alto e dous e meio de largo com seu caixilho de entalha dourado,
e tem acima do vidro, e no mesmo caixilho hum painel em forma
redonda" (1051).
O mobiliário dos paramentos, mesas e cadeiras, faziam parte do recheio da sacristia:
"Item hum vestuario por dentro de castanho, e por fora de pau
preto, e tem doze gabetoes com suas ergolas, e espelhos de
fechaduras de latão, e dous armarios hum em cada lado cuja porta
he de entalhe e esta collocado, hum do lado das frestas, e outro do
mesmo feitio do lado dos quadros = Duas mezas cada huma com
duas gabetas, e tem a volta hum pano de damasco velho, e roto =
Dous noutros de pau (sic) = Huma meza de pedra marmore
oitavada no meio da sacristia = Duas cadeiras antigas de couro com
seus balmazes grandes, alias tres cadeiras" (1052).
(1051) "Note bem: forão comprehendidos no inventario civil, por não serem objectos do culto religiozo" -
Idem, fl. 15. (1052) Idem, fl. 15.
280
4.7. O CLAUSTRO
Como afirmámos no Capítulo II, o claustro da segunda metade de quinhentos deve ter
sido derrubado, para dar lugar à nova construção dos finais do século XVIII, da
responsabilidade de Manuel de S. Tiago e Silva, reitor em 1796-1797 (1053).
Tanto a fachada da igreja como o claustro, cuja reconstrução foi ordenada por este
reitor, ficaram incompletos.
Mesmo assim, a partir da obra feita, é possível imaginarmos toda a estrutura do
claustro que se projectou edificar: uma planta rectangular, próxima do quadrado, definida
no espaço contíguo ao corpo da igreja, a sul, com a qual comunica através de uma porta
rasgada na última capela do lado da Epístola (1054); oito arcos a norte e a sul, dez a
nascente e a poente, todos de volta inteira , marcariam o nível térreo e organizariam um
corredor de três metros de largura, a correr pelas quatro bandas (1055) .
Do que foi construído, neste espaço fundamental que realiza a unidade orgânica entre a
igreja e o convento, destacamos as arcadas térreas - da ordem toscana - que se encontram
a nascente e a norte, a escadaria que nos leva ao piso superior com os seus vãos
rectangulares, em correspondência com os maciços arcos do rés-do-chão cujos pilares
são de secção igualmente rectangular.
Estes pilares apresentam uma imposta que recorda o antigo capitel dórico, têm dois
metros de intervalo entre si e deles arrancam os arcos de volta inteira. Nos cunhais
existentes, dois arcos de cantaria, abatidos, saem das suas impostas e terminam cada qual
na sua mísula que se salienta do muro ao mesmo nível daqueles. Dos restantes pilares sai
um apontamento de arco abatido, em alvenaria, de acordo com os dos cunhais, dividindo
assim o tecto do corredor-norte (os restantes deveriam ser iguais, não ficasse a obra
incompleta) em sete tramos com o respectivo abobadamento de arestas cruzadas (1056).
(1053) A.D.B. - Ms. 924, fl. 779. (1054) Esta capela funcionava como espaço de passagem de procissões, como a do Enterro do Senhor que
saía da igreja e dava a volta ao claustro "com grande pausa, modestia, e compunção" - SANTA MARIA,
Francisco de - Ob. cit., p. 302. (1055) Porém, apenas subsistem os lados nascente e norte, este com um sistema de abóbadas de arestas
cruzadas (em alvenaria revestida de estuque e tecnicamente imperfeitas) e aquele com o travejamento e
respectivo soalho da varanda desnudados, denotando abandono, ruína ou obras por concluir. (1056) As obras na parede, em meados de setecentos (?), vão obrigar a que alguns destes arcos - que não
têm função estrutural mas plástica - rompam com a simetria exigível ao desviarem-se do seu rumo
original, devido aos vãos ovalados que se abriram no muro.
281
Para além da porta "das procissões", mais três vãos rasgados na parede-norte
permitem: entrar e sair do claustro pelo adro, comunicar lateralmente com a capela
funerária da "torre velha" e subir ao primeiro andar do claustro, através de uma escada em
cantaria que veio possivelmente substituir a que havia sido construída em 1637 (1057), em
substituição, por sua vez, da escada de madeira da segunda metade de quinhentos.
Três portadas estabelecem a ligação entre o claustro, a sacristia e a igreja, mas também
com o vasto edifício conventual, que ainda apresenta alguns vestígios das obras da última
década do século XVI, realizadas por João Coelho Lopes, de Guimarães (possivelmente
parte da estrutura do edifício a sul, o portal e a escadaria deste mesmo lado).
Caso as obras do claustro se completassem, na zona do primeiro andar deveria correr
uma varanda ao longo dos seus quatro lados (fechada, com oito grandes vãos
envidraçados, sempre rectangulares, tanto a norte como a sul (1058), dez a nascente e a
poente), criando assim a unidade orgânica de todo o convento em torno de uma extensa
zona de circulação.
Este isolamento térmico vinha proteger a comunidade dos rigores do frio e da chuva
no Inverno e todas as dependências que se organizariam, desse modo, à volta de um pátio
central: a sala capitular e do cabido, a cozinha e o refeitório, as latrinas e a "casa do fogo",
a enfermaria, a capela do noviciado e o dormitório (no edifício a nascente); o coro da
igreja e a antiga galilé-dormitório (a norte); o dormitório do meio dia, próximo talvez das
"secretas", voltadas para a horta e a levada; enfim os demais dormitórios, a "casa da
procuração", a hospedaria e as oficinas diversas, o colégio das aulas de Filosofia e
Teologia, voltados a sudoeste.
Os elementos estruturantes da parte construída do claustro, obedecem a um
despojamento formal, a um classicismo frio e austero, que contrasta flagrantemente com a
exuberância decorativa do pórtico principal da igreja e mesmo com o seu interior. As
(1057) Quando esta "bem lançada escada" foi construída, pelo preço de 44.000 reis, era reitor do convento
o padre Manuel da Anunciação - A.D.B. - Ms. 924, fl. 361. (1058) Deste lado sul resta-nos, todavia, uma parede incaracterística, com as portas e outros vãos
entaipados, a lembrar-nos várias soluções de improviso com o objectivo de separar este antigo e belo
espaço arquitectónico da zona rural contígua. (Com a extinção das ordens religiosas em 1834 e a
consequente venda do convento em hasta pública, os novos proprietários que se foram sucedendo em
Vilar de Frades poderão ter procedido a profundas alterações na zona do claustro que se articulava
directamente com a zona rural (a sul) e o conjunto arquitectónico (a oeste); porém, a demolição desta área
poderá ter começado em 1619, aquando da tentativa de se proceder a uma profunda remodelação nos
espaços conventuais, voltados a sul e a poente - Cf. Ms. 924, fl. 362 (A.D.B.).
282
únicas notas de plasticidade são-nos dadas pelas chaves salientes dos arcos no rés-do-
chão (esquema que se repete nas vergas das janelas do primeiro andar); pelos labores das
impostas que imitam o capitel da ordem toscana; pelos portais "ao romano" dos finais de
quinhentos e pelas linhas das duas cornijas que, ao cumprirem a sua função estrutural,
encarregam-se de quebrar a monotonia visual e de dar a necessária ilusão de
horizontalidade.
Mas nada há ali de escultórico: é tudo arquitectura!
Quanto ao chão, que fora morada de religiosos e pessoas de primeiríssima estirpe
falecidas (1059), subsiste a terra e alguns vestígios de sepulturas (1060) reveladoras da sua
importante função cemiterial, desde os tempos beneditinos até ao século passado.
4.8. DO FRONTISPÍCIO DA IGREJA
Em 1834, a frontaria da igreja apresentava o aspecto que hoje lhe conhecemos.
Uma torre a norte, edificada na segunda metade do século XVI e na primeira metade
do século XVII, com suas ameias e a águia como símbolo de São João Evangelista, mas
também como símbolo do poder, prestígio e força dos cónegos de Vilar de Frades. Desta
torre, o inventário que temos seguido dá-nos a seguinte notícia:
"Item dous grandes sinos, mais outro pouco mais pequeno - mais
outro, ainda mais pequeno. Item hum relogio de torre fechado com
sua barraça digo barraca = E huma campainha na torre que serve
de dar signal para se tangerem os sinos = E mais outra sineta em
cima da torre" (1061).
(1059) Segundo o cronista de 1697, "sendo tantos os que morrião com fama de varões excellentes, que até
os nossos tempos se conserva a tradição, de que os claustros de Villar de Frades, estão cheyos de córpos
de homens santos: rasão, porque se tem por indecencia, e se castiga como culpa o passear sobre elles" -
SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 390.
Cf. Apêndice Documental - doc. VIII. (1060) Sobretudo no corredor do lado norte, nestas sepulturas foram encontradas urnas e ossadas, no
âmbito das escavações arqueológicas que se realizaram em 1995 sob a responsabilidade do IPAAR. (1061) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fls. 13.
283
O corpo central, erguido sobre o pórtico manuelino, possui elementos goticizantes
resultantes da intervenção dos finais do século XVIII e inícios do século XIX (1062).
Sobre as duas colunas que enquadram o nartex exterior, uma sacada percorre as três
janelas deste corpo:
"Item huma grade de ferro a moderno que principia desde a
sobredita torre por diante das tres grandes vidraças do coro athe
a torre do lado esquerdo" (1063).
Sobre esta torre, que se localiza no lado sul, tendo na base a antiga capela dos senhores
de Farelães, apenas a confirmação de que a mesma "esta por acabar" (1064).
E por acabar ficou até aos nossos dias.
CONCLUSÃO
Desde os inícios da Congregação dos Cónegos Seculares de São João Evangelista que
os padres de Vilar de Frades experimentaram uma relação de tipo conflitual, por vezes
tensa, com os arcebispos de Braga.
Talvez por esta razão a igreja rivalize, desde cedo, com a Sé bracarense, tanto no
sentido estético como na grandiosidade da sua arquitectura.
Detentores da jurisdição eclesiástica em toda a arquidiocese, os prelados de Braga e o
respectivo cabido, tiveram de enfrentar a teimosia dos reitores lóios, que ousaram
(1062) Admitimos, porém, a possibilidade de terem sido utilizados elementos da estrutura seiscentista,
porventura o mesmo tipo de frestas e talvez a rosácea e as empenas. Embora desconheçamos a antiga
fisionomia deste pano axial do frontispício, construído aquando da edificação do novo corpo da igreja e
seu abobadamento, na década de 1620, ela não deveria ser muito diferente da actual, tanto mais que as
alterações nesta estrutura tectónica poderiam pôr em risco a segurança da abóbada na zona do coro. (1063) A.N.T.T. - Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Cat. nº 439, Cx. 2264, doc. 8, fls. 13-13v.. (1064) Idem, fl. 13v..
284
reivindicar a completa autonomia, apelando junto do papa e do rei, vindo a contar com
importantes apoios, quer da Santa Sé, quer da família real.
D. Afonso conde de Barcelos e duque de Bragança, participou com armas ao lado dos
cónegos, contra a ameaça de despejo de D. Fernando da Guerra.
Não obstante uma certa instabilidade na relação entre os reitores e os arcebispos de
Braga, D. Fernando da Guerra (com quem os padres entram abertamente em conflito) terá
anexado ao convento de Vilar de Frades nove igrejas, num total de treze unidas ao
convento entre 1425-1510.
D. Diogo de Sousa, prelado humanista que muito contribuiu para o desenvolvimento
cultural e artístico da cidade de Braga, patrocinou a primeira fase das obras da igreja
quinhentista, no primeiro quartel do século, designadamente a capela-mor e o cruzeiro,
enquanto duas parentes - D. Leonor de Lemos e D. Teresa de Mendonça -, terão
financiado os braços do transepto.
Irritado com os padres por estes lhe recusarem o exclusivo das armas dos Sousas no
cruzeiro, D. Diogo de Sousa retira o apoio financeiro das obras, inviabilizando desta
forma a imponência da igreja quinhentista.
A autoria da traça manuelina deverá pertencer a João de Castilho, ainda que Jorge de
São Paulo tenha remetido o nome do arquitecto biscainho ao silêncio, ou desconhecesse a
sua intervenção (hipótese mais provável) e se limite a celebrar o mestre pedreiro João
Lopes, de Guimarães, como o arquitecto das obras do primeiro quartel de quinhentos.
Como mestres pedreiros, os Lopes vimaranenses tiveram realmente importância nas
obras do convento de Vilar de Frades: na última década do século XVI, são ainda
contratados elementos desta família de artistas para as obras do edifício conventual a
nascente - João Coelho Lopes - e para o assentamento de um chafariz no claustro, que os
cónegos mandaram vir de Lisboa - Gonçalo Lopes.
Entre 1619 e 1658 realizam-se importantes obras de pedraria, com início na construção
da capela de Nossa Senhora do Socorro (1065) e na expansão da área conventual para o
poente.
(1065) Edificada em 1619-1620, a capela de Nossa Senhora do Socorro pode dever-se à necessidade de uma
invocação que intercedesse directamente junto de Deus, diminuindo-lhe a ira que se traduzia nos temporais
tormentosos, que ciclicamente abalam a vida das criaturas.
285
Porém, a reforma e expansão arquitectónica do convento será interrompida para dar
lugar à reconstrução do corpo da igreja (1066) que havia entrado em ruína, provavelmente
agudizada com a "tormenta de S. Sebastião" - um temporal de razoáveis dimensões
ocorrido em 1616.
Da importante remodelação da nave única e das capelas laterais quinhentistas,
encetada a partir de 1621 e concluída cerca de 1658, permanece ainda intacta toda a
estrutura arquitectónica: os muros e as janelas, os arcos das capelas laterais (1067) e todo o
abobadamento.
Em 1682 procede-se à obra de carpintaria do coro, a cargo do mestre portuense João
Padilha. Em 1695 é colocada a nova porta da igreja, uma obra do mestre carpinteiro da
Maia Simão António, que na mesma ocasião trabalha nas varandas do noviciado e junto
ao coro.
Nos três últimos anos de seiscentos encontramos a trabalhar na capela-mor e no
transepto da igreja mais quatro artistas do Porto: os mestres pedreiros Pascoal Fernandes
e João Moreira, no aumento da cabeceira no sentido longitudinal; os mestres entalhadores
António Gomes e Domingos Nunes, que realizam em parceria o retábulo-mor, com a sua
tribuna, vinte e dois painéis emoldurados para o revestimento das paredes laterais da
capela-mor e os altares colaterais, localizados no cruzeiro.
Paralelamente, trabalham na ala sul do convento mais dois mestres pedreiros da cidade
invicta: André Martins e seu genro Manuel Fernandes.
Mas outros artistas de renome no contexto regional são chamados ao estaleiro de Vilar:
o arquitecto Manuel Fernandes da Silva, natural do Porto (filho do mestre pedreiro
Pascoal Fernandes) e António Correia (de Palmeira, Braga), serão os responsáveis pela
frontaria conventual, edificada por volta de 1702, no respeito por uma linguagem
arquitectónica maneirista.
Entretanto, ao longo do século XVIII e inícios do século XIX, inúmeras obras - na sua
maioria não datadas -, foram realizadas e das quais nada sabemos acerca dos seus
tracistas e construtores.
Contudo, uma parte da sua memória, felizmente, permanece viva.
(1066) Iniciadas a partir de 1618, as obras de expansão do convento (consideradas pelos cronistas como
grandiosas) haviam de interromper-se para darem lugar à reconstrução do novo corpo da igreja, que estava
em risco de derrocada. (1067) Os altares de talha que ainda se conservam nalgumas destas capelas, pertencerão ao século XVIII.
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Do incompleto claustro e do vasto conjunto conventual à bela e maltratada igreja,
ficam-nos as pedras e a gramática arquitectónica de várias épocas - do românico ao
manuelino e ao estilo chão ou maneirismo, do barroco ao neogótico e ao neoclássico -;
restam-nos alguns dos altares de talha dourada e a imaginária a eles associada, como
testemunhos do culto divino e da cultura dos nossos antepassados, que alguns do presente
teimam em preservar. Bem hajam!
Representativos da nossa história artística multissecular, a igreja e o convento de Vilar
de Frades exigem de todos nós a responsabilidade política e cultural da sua preservação.
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