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32 ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO Junho 2009 A sua arquitectura é a da essência. Constrói lugares em vez de edifícios e celebra as qualidades únicas dos materiais. As suas obras, esculpidas ao milímetro, têm uma presença forte e intemporal. Prémio Pritzker de Arquitectura 2009. Texto Joana Pinheiro Peter Zumthor PRÉMIO PRITZKER Nuno Coelho

Architecture: Peter Zumthor

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Article published in Arquitectura&Construção, Junho 2009

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A sua arquitectura é a da essência. Constrói lugares em vez de edifícios e celebra as qualidades únicas dos materiais. As suas obras, esculpidas ao milímetro, têm uma presença forte e intemporal. Prémio Pritzker de Arquitectura 2009.

Texto Joana Pinheiro

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> Esboço da Capela de St. Nikolaus von der Flüe, Mechernich, Alemanha, 2007

Trabalho um pouco como um escultor. Quando começo, a minha primeira ideia para um edifício é o material. Acredito que a arquitectura é sobre isto. Não é sobre o papel, não é sobre as formas.

É sobre o espaço e o material.”Na aldeia suíça de Sogn Benedetg, na orla de um caminho que recorta a paisagem verdejante, Peter Zumthor ergueu uma pequena capela em madeira, cujos interiores esculpiu ao milímetro. Paredes e tecto, pavimento, altar e bancos partilham a nobreza de um material que difere na tonalidade, na textura e no cheiro. A luz natural, que entra através dos rectângulos vidrados que percorrem o limiar superior da ermida, ocupa suavemente o interior, criando uma atmosfera que se sente. “O abade e os monges queriam construir algo novo e contemporâneo para as futuras gerações”, explica o arquitecto suíço. Zumthor fê-lo e, no entanto, a capela de Sogn Benedetg (1988), na comuna de Sumvitg, cantão de Graubünden, parece estar lá desde sempre, herança de um tempo imemorial.

“Zumthor tem a incrível capacidade de criar lugares que são muito mais que simples edifícios. Nas suas hábeis mãos, como nas dos experimentados artífices, os materiais, do cedro ao vidro, são usados de uma forma que celebra as suas qualidades únicas, ao serviço da uma arquitectura de permanência”, destaca o júri do Prémio Pritzker, que, depois da dupla Jacques Herzog e Pierre de Meuron, em 2001, voltou a homenagear a arquitectura suíça. Montanha, pedra, uma nascente quente. Para Peter Zumthor estava lá tudo. Só tinha de dar-lhe uma forma. Termas de Vals (1996), cantão de Graubünden, Suíça. Finas lajes de uma rocha vulcânica local cobrem as sólidas paredes de betão do volume paralelepipédico, pautado por aberturas vítreas e vazios geométricos. A água que brota da montanha percorre múltiplos espaços semiexteriores e interiores. Enquanto as pessoas usufruem das termas, a luz atravessa as paredes, através de pequenas fendas, desenhando focos diáfanos nas áreas cerradas. O bronze, que matiza finos corrimões, pequenas portas e enormes torneiras, contrasta com os cinzentos dominantes. Quando os Alpes se cobrem de neve, a neblina desce até às piscinas descobertas, envolvendo quem aí se banha num cenário de mistério. A natureza sai aqui reforçada pelo toque de um homem. Zumthor recorda a história daquela que viria a tornar-se a sua obra-prima. “Em 1983, as autoridades locais adquiriram um complexo hoteleiro falido, edificado na década de 1960, por muito pouco dinheiro, ainda que sem grande entusiasmo. Mas algo tinha de ser feito para salvar os empregos. Disseram-nos que o novo edifício tinha de ser especial, único. Deveria enquadrar-se em Vals e atrair novos visitantes. Em 1991, o projecto foi apresentado e a construção começou três anos depois. Desde então, mais de 40 mil pessoas visitam

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anualmente as Termas de Vals.” Para os críticos, a obra criou um “efeito Vals”, semelhante ao “efeito Bilbau”, suscitado pelo Guggenheim basco do arquitecto Frank Gehry. Protegido pelo cantão de Graubünden, o edifício, que atesta “o raro talento de Zumthor para combinar um pensamento claro e rigoroso com uma dimensão verdadeiramente poética, num trabalho que nunca cessa de inspirar”, nas palavras de Thomas J. Pritzker, presidente da Hyatt Foundation, que atribui o galardão, é um dos maiores trunfos da arquitectura contemporânea suíça. Museu de Arte de Bregenz (1997), Vorarlberg, Áustria. Um prisma de betão e aço envolto em paredes de vidro fragmentadas, que na escuridão da noite se iluminam para esbater os limites físicos do corpo de quatro andares. O museu não tem janelas e, no entanto, a luz diurna está em todos os espaços. Um espaço vazado, no limite superior de cada piso, capta a luminosidade que chega dos quatro lados. A luz bate no tecto de vidro e é deflectida para baixo, incidindo sobre cada galeria expositiva. O arquitecto suíço não constrói um mero objecto fixo, “antecipa e coreografa a experiência do movimento através e em torno do edifício”, realça o júri do Nobel da Arquitectura. A obra valeu-lhe o conceituado Prémio Mies van der Rohe para a Arquitectura Europeia, em 1999. No final da década de 90, ficam concluídas as três obras fundadoras que definiriam a essência da arquitectura zumthoriana: a sensibilidade ao lugar, o respeito pelo tempo, o culto do espaço, dos materiais e dos detalhes, o apelo aos sentidos, o trabalho sobre a luz

> Termas de Vals, cantão de Graubünden, Suíça, 1996

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e a ênfase na disciplina. Nos primeiros anos do século XXI, a gramática zumthoriana enriquece-se com dois projectos fundamentais, a Capela de St. Nikolaus von der Flüe e o Museu de Arte Kolumba.Dedicada a um santo suíço, conhecido como irmão Klaus, a Capela de St. Nikolaus von der Flüe (2007), em Mechernich, na Alemanha, conquistou os aplausos da crítica. A cofragem é formada por 112 troncos de árvore configurados em cone, cobertos por betão. Paulatinamente, durante 24 dias, as camadas de cimento foram sendo vazadas sobre a estrutura. Depois, durante três semanas, um fogo lento foi mantido no interior para que os troncos secassem e pudessem ser facilmente retirados da concha de betão. A ermida adquiriu uma calidez inesperada. Sentir a textura daquelas paredes, pisar o chão coberto de chumbo, derretido no próprio local e ali manualmente derramado, e olhar, lá no alto, a única abertura que deixa entrar a luz natural é uma experiência transcendente. Há uma figura de bronze da autoria do escultor Hans Josephsohn a habitar o espaço. De novo, “a presença forte e intemporal dos edifícios de Zumthor”, preconiza Thomas J. Pritzker.

O Museu de Arte Kolumba (2007), na cidade alemã de Colónia, eleva-se sobre as ruínas da igreja gótica de St. Kolumba, destruída durante da II Guerra Mundial. O térreo acolhe uma ampla área de escavação arqueológica, pelos três pisos do edifício distribuem-se as “peças da colecção permanente da Arquidiocese de Colónia, que vai da Antiguidade tardia à actualidade”, contemplando “esculturas românicas, instalações, quadros medievais, ‘pinturas radicais’ e objectos de uso quotidiano do século XX”, conta Peter Zumthor. Das obras que mereceram ser citadas pelo júri do Prémio Pritzker, esta colheu particular entusiasmo: “A sua arquitectura expressa o respeito pela primazia do lugar, o legado da cultura local e as inestimáveis lições da história da arquitectura.O Museu Kolumba não é apenas uma obra contemporânea surpreendente, está completamente confortável com as suas múltiplas camadas de história. Aqui, Zumthor produziu um edifício que emerge das ruínas de uma igreja bombardeada, na mais lírica das formas, entrelaçando lugar e memória num palimpsesto inteiramente novo.” Porque é um arquitecto de poucos projectos, pode reclamar a autoria de todos, da concepção geral ao último

> Museu de Arte de Bregenz, Vorarlberg,

Áustria, 1997

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dos pormenores. “Declinando a maioria das encomendas, só aceita um projecto se sentir uma profunda afinidade com o programa, e a partir do momento do compromisso a sua dedicação é completa. Zumthor é um arquitecto magistral, admirado pelos seus colegas de todo o mundo pelo seu trabalho focado, sem compromissose excepcionalmente determinado”, elogiam os jurados do Pritzker. Peter Zumthor nasceu a 26 de Abril de 1943, em Basileia, na Suíça. Cresceu na oficina de carpintaria do pai, Oscar Zumthor, que continua a citar como uma das referências do seu trabalho, onde aprendeu a construir os seus próprios brinquedos. Entre os 15 e os 19 anos, foi marceneiro, uma experiência que deixaria marcas em todas as suas obras, mesmo nas que não são em madeira. De 1963 a 1967, estudou Arquitectura e Design na Kunstgewerbeschule, Vorkurs e Fachklasse e no Pratt Institute de Nova Iorque. Foi aqui que se terá deixado fascinar pelo Movimento Moderno. Trabalhou no Departamento para a Preservação de Monumentos, através do cantão de Graubünden, oficiando nas áreas de arquitectura e restauro. Estabeleceu ateliê próprio

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Fontes: The New York Times, Chicago Tribune, The Architects’ Journal e El País

> Capela de St. Nikolaus von der Flüe, Mechernich, Alemanha, 2007

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em 1979, na remota aldeia de Haldenstein, nos Alpes suíços, onde ainda trabalha com uma pequena equipa, que oscila entre as 15 e as 20 pessoas, consoante os projectos em curso. Soma três décadas dedicadas à arquitectura. O essencial da sua obra está construído na Suíça, mas elaborou projectos para a Alemanha, Áustria, Holanda, Inglaterra, Espanha, Noruega, Finlândia e Estados Unidos. Professor na Accademia di Architettura da Università della Svizzera Italiana, em Mendrisio, desde 1996. Entre os diversos prémios que recebeu, destaque para o Praemium Imperiale, da Japan Art Association (2008), a Medalha de Arquitectura da Fundação Thomas Jefferson da Universidade da Virgínia (2006) e o Carlsberg Architecture Prize (1998). Aprecia muito o sossego e o silêncio das montanhas, ao mesmo tempo lugar de refúgio e fonte de inspiração. Levanta-se cedo e toma descansadamente o pequeno-almoço na cozinha, local de eleição na casa que projectou para a família. Em madeira, betão e vidro, conjuga o léxico zumthoriano com a herança modernista, rodeando-se de um exuberante jardim. Tanto trabalha em casa como no seu estúdio, as fronteiras entre os dois mundos são difusas. Casado com Annalisa Zumthor-Cuorad, que dirige as célebres Termas de Vals, tem três filhos, Anna Katharina, Peter Conradin e Jon Paulin, e dois netos. Apesar dos seus 66 anos, todos os dias joga ténis. Gosta de música erudita contemporânea, com que principia as suas conferências, admira o cineasta russo Andrei Tarkovsky, respeita o trabalho de Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura. Trabalha como um compositor compõe a sua música, um escritor escreve o seu livro, um pintor pinta o seu quadro. Porque o seu trabalho é de autor, recusa fazer obras sem enunciados. Exige um interesse genuíno, proximidade, respeito e paciência de quem lhe encomenda um projecto. Prefere tarefas de carácter humanista, social ou artístico. Almeja a perfeição e isso implica tempo. “Ser premiado com o Prémio Pritzker é um reconhecimento maravilhoso do trabalho arquitectónico que fizemos nos últimos 20 anos. Que um corpo de trabalho tão pequeno como o nosso seja reconhecido no mundo profissional faz com que nos sintamos orgulhosos e deve dar muita esperança aos jovens profissionais. Se procurarem arduamente a qualidade, o vosso trabalho poderá tornar-se manifesto sem qualquer promoção especial”, afirmou Peter Zumthor, que em Buenos Aires, na Argentina, a 29 de Maio, recebeu o galardão. Porque ainda há uma necessidade real de uma arquitectura da essência. ■