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efensor absoluto da teoria mar- xista, o professor Everaldo de Oli- veira ratifica que é uma meto- dologia avançada na discussão das ciências humanas e dissemina ideias que o socialismo é uma ampliação da democracia.É graduado pela Universi- dade de São Paulo (USP) no curso de história em 1992, mestrado em História Econômica pela mesma em 1996 e especialista em história da América. É autor de diversos livros, entre eles, A Revolução Boliviana e Revoluções na América Latina Contemporânea, onde retrata a participação popular na busca de uma nova perspectiva de vida. Atualmente, coordenador do curso de História na Universidade de Guarulhos (UNG), procura por meio do plano de ensino, conduzir os alunos ao desenvol- vimento da consciência política, social e cultural acima do senso comum. Nesta entrevista, ele faz uma análise minucio- sa do panorama sócio-cultural do Brasil e da América Latina, sempre buscando traçar paralelos entre os povos latinos. De acordo com seus livros, América Latina é um traço comum entre eles. Qual seu interesse em desenvolver esse tema? Acho importante que os brasileiros tenham mais proximidade com a história da América latina. É um esforço que eu realizo tanto como professor e historiador para divulgar e permitir que os estudantes possam conhecer a história latina-americana e também conhecer os problemas que são comuns tanto para os brasileiros quanto para os povos da região. Qual a relação entre Brasil e a América Latina do ponto de vista cultural? Há algo em comum entre esse dois pólos? Na verdade não são dois pólos, e sim, parte de uma mesma civilização. Pois os povos latino-americanos são de ori- gem ibérica, por exemplo, os argenti- nos, os paraguaios, os venezuelanos, Entrevista EVERALDO DE OLIVEIRA MAURICIO PIZANI “Uma suposta democracia” Especialista em história da América afirma que existem ditaduras camufladas e formas de controlar e esmagar a cultura popular, com isso, estabelece-se um rigoroso controle social veja/universidade cruzeiro do sul I 24 DE MAIO, 2011 I 17 D O papel do Estado é ajudar que a cultura floreça, de maneira suntuosa e sem pressão

Páginas amarelas - MAURÍCIO PIZANI

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Page 1: Páginas amarelas - MAURÍCIO PIZANI

efensor absoluto da teoria mar-xista, o professor Everaldo de Oli-veira ratifica que é uma meto-dologia avançada na discussão

das ciências humanas e dissemina ideias que o socialismo é uma ampliação da democracia.É graduado pela Universi-dade de São Paulo (USP) no curso de história em 1992, mestrado em História Econômica pela mesma em 1996 e especialista em história da América. É autor de diversos livros, entre eles, A Revolução Boliviana e Revoluções na América Latina Contemporânea, onde retrata a participação popular na busca de uma nova perspectiva de vida. Atualmente, coordenador do curso de História na Universidade de Guarulhos (UNG), procura por meio do plano de ensino, conduzir os alunos ao desenvol-vimento da consciência política, social e cultural acima do senso comum. Nesta entrevista, ele faz uma análise minucio-sa do panorama sócio-cultural do Brasil e da América Latina, sempre buscando traçar paralelos entre os povos latinos.

De acordo com seus livros, América Latina é um traço comum entre eles. Qual seu interesse em desenvolver esse tema? Acho importante que os brasileiros tenham mais proximidade com a história da América latina. É um esforço que eu realizo tanto como professor e historiador para divulgar e permitir que os estudantes possam conhecer a história latina-americana e também conhecer os problemas que são comuns tanto para os brasileiros quanto para os povos da região.

Qual a relação entre Brasil e a América Latina do ponto de vista cultural? Há algo em comum entre esse dois pólos? Na verdade não são dois pólos, e sim, parte de uma mesma civilização. Pois os povos latino-americanos são de ori-gem ibérica, por exemplo, os argenti-nos, os paraguaios, os venezuelanos,

Entrevista EVERALDO DE OLIVEIRAMAURICIO PIZANI

“Uma suposta democracia”Especialista em história da América afirma que existem ditaduras camufladas e formas de controlar e esmagar a cultura popular, com isso, estabelece-se um rigoroso controle social

veja/universidade cruzeiro do sul I 24 DE MAIO, 2011 I 17

D

“O papel do Estado é ajudar que a cultura

floreça, de maneira suntuosa e sem

pressão”

Page 2: Páginas amarelas - MAURÍCIO PIZANI

“Sempre existiuuma cultura decontestação de

resistência, talveznos anos 80, elaparecesse ligada

a luta contra a ditadura em prolda democracia,

polemizando com avida política. ”

os bolivianos e os mexicanos foram colonizados pela Espanha e os bra-sileiros por Portugal. São povos que tem uma cultura muito próxima, não somente uma raiz católica e uma raiz latina, mas problemas econômicos, sociais e políticos muito semelhantes. Portanto, isso é um ponto de proximi-dade e não pólos que são distantes um do outro, apesar da suposta distância de Portugal e Espanha, fazem parte da mesma nação latino-americana.

A América passou por diversos gover-nos ditadores. Quando um país atraves-sa esse momento, pode-se dizer que sofre um obscurantismo cultural? Com certeza, toda ditadura teme a cultura, o conhecimento, a consciên-cia, e principalmente, a liberdade. No entanto, existem ditaduras camufladas e formas de controlar e esmagar a cultura alternativa sob uma suposta democracia. Há varias formas do mercado supostamente livre, por exemplo, dos Estados Unidos que domina o mercado de outra maneira, impedindo um artista que conteste o regime e que não aceita as práticas culturais hegemônicas, possa ter espaço na grande mídia, pois ele é sufocado mesmo no Brasil. Se um artista não tem contatos, não consegue espaço para divulgar sua obra,e isso é outra forma de esmagar a cultura que contrapõe o regime, mesmo na situa-ção de uma suposta democracia.

Como você analisa governos tão re-sistentes a globalização cultural como Cuba e Venezuela? É um pergunta interessante, o que é globalização cultural? Seria você aceitar um padrão único de cultura de mercado hegemonizado pelos Estados Unidos, pelas grandes empresas americanas de produção e cultura de massa. E quando se tenta resistir com uma cul-tura nacional e não aceitar os padrões impostos pela suposta globalização cultural mundial, você é acusado de ter um regime autoritário. Por exem-plo na Venezuela, como é possível chamar de ditadura, se jornais e televisão fazem oposição ao governo abertamente. É preciso tomar cuidado

com alguns termos, pois nos Estados Unidos que rege a democracia, não se podem falar tudo o que pensa, existe um controle velado e também uma pressão psicológica que impedem as pessoas de falar tudo que pensam, tem medo de perder o emprego e medo de perder contatos. Portanto é uma forma controle social sobre a cultura. É mais sofisticado pensar essa questão da globalização com a liberdade total de conhecimento. O Estados Unidos controla a internet, orkut, facebook e tudo mais. As grandes empresas ame-ricanas de comunicação monitoram os acessos a rede e existi uma globa-lização sobre o controle do mercado e isso afeta as culturas nacionais e regionais,enfim é legitimo resistir a essa imposição.

No Brasil há uma diversidade étnica cul-tural marcante. Quais pontos positivos e negativos dessa variedade? Não vejonenhum ponto negativo. Há muito de positivo nessa diversidade étnica cul-tural do Brasil. È um debate compli-cado, por exemplo, as cotas raciais é um passo atrás nessa discussão, aliás é uma discussão importada dos EUA que divide o povo de maneira artifi-cial. É perigoso criar cotas em todos os setores da sociedade, sendo que

o Brasil tem uma cultura construída na diversidade, isso não significa que não exista preconceito. O caminho, porém, não é cotizar tudo e, sim, res-peitar o caráter de mestiçagem.

Segundo especialistas, o brasileiro tem a vocação de valorizar a cultura de fora, discriminando a sua própria. Como você vê essa realidade? Não podemos generalizar, e dizer que o brasileiro em geral valoriza a cultura de fora. Nós brasileiros temos uma capacidade de assimilar a cultura exterior, isso tem um lado positivo, esse comospoli-tísmo, essa capacidade de transformar o mundo, já foi discutido com os especialistas como algo positivo, o problema é se submeter e aceitar essa cultura exterior sem uma leitura na-cional. O Brasil é muito grande e di-versificado, por exemplo, no nordeste a cultura é vista de outra maneira, lá se tem raízes culturais brasileiras mais profundas do que em São Paulo que é mais cosmopolita. Por isso, não podemos generalizar afirmando que o brasileiro, em geral, aceita tudo. De-veríamos fazer uma leitura nacional, a partir de nossos pressupostos cultu-rais e não ficar submetido, sobretudo, aceitar passivamente a tudo que vem de fora, sufocando a cultura nacional.

Você concorda que São Paulo tem a cultura mais americanizada do país? Por quê? A metrópole paulista é cosmopolita e tem mais contato com resto do planeta. No mundo que há uma hegemonia cultura americana, as regiões cosmopo-litas são as mais afetadas pela pressão cultural norte americana, por isso, são mais facilmente adaptáveis aos padrões culturais dos Estados unidos, os padrões de consumo alimentar, de roupas, tele-visão etc. É uma indústria cultural em desenvolvimento desde a década de 30, uma estratégia do Estado para a América Latina. Isto é documentado, têm vários trabalhos de historiadores que estudaram isso, a padronização dos gostos cultu-rais, ajudam vender os produtos ameri-canos. As coisas estão interligadas, as dominações políticas, militar e cultural são partes do mesmo aparato de controle e domínio da sociedade.

A partir dos anos 90, a música bra-sileira sofreu uma transição, que foi de canções de protesto para músicas que retratam as banalidades. Como você enxerga essa mudança? Sempre existe uma cultura de contestação de resistência, talvez nos anos 80, ela parecesse ligada a luta contra a ditadura em prol da democracia. Se analisarmos nos anos 90, até mesmo hoje, tem o rap e outras músicas que continuam discutindo questões sociais, polemizando com a vida política. Ela se deslocou de um ambiente de classe média para um ambiente mais popular, por isso a grande mídia não dá tanto destaque a esse tipo de produção cultural, mas continua existindo.

Os olhos do mundo se voltam para o Brasil com a Copa de 2014 e a Olimpía-da de 2016. Como o Brasil pode difundir sua cultura através desses grandes eventos? Naturalmente vamos expor nossos sucessos e debilidades. O próprio evento esportivo, infelizmen-te, tornou-se um grande negócio. A cultura que se pretende divulgar, ela é intermediada pelo mercado. Tem esse obstáculo que pode filtrar a realidade brasileira e acabar reforçando estere-ótipos que pensam do Brasil. Esse é o grande perigo, por exemplo, achar que o Brasil é só mulata, sol e futebol. Esse é o estereótipo que vem de fora. O Brasil é muito mais que isso, nosso grande desafio é superar esses estere-ótipos e mostrar a diversidade cultural brasileira e até da América Latina, pois o Brasil é visto como referencia na América do Sul.

Como você avalia a política sócio-cul-tural brasileira atualmente? A política sócio-cultural durante o governo Lula permitiu a ampliação da renda da população mais pobre, e ao mesmo tempo, privilegiou o desenvolvimento da indústria nacional, ou seja, consti-tuindo uma série de contradições que não foram resolvidas. Culturalmente existe um esforço do governo, diri-gido pelo PT e outros partidos, para diversificar a produção cultural para o cinema, literatura, teatro etc. No

entanto, é preciso fortalecer a cultu-ra popular, a produção que o povo realiza e não tem espaço no mercado, por exemplo, muitos grupos de teatro, artistas que não conseguem espaço por não ter nenhum recurso. E o papel do Estado é ajudar que a cultura flore-ça de maneira suntuosa e sem pressão que impeça de criar livremente.

Observando a sua biografia e suas pesquisas desenvolvidas ao longo de sua trajetória, fica evidenciado uma política de esquerda. Você segue uma tendência marxista? Eu procuro nas minhas obras e nos meus trabalhos desenvolver um ponto de vista que favoreça a interpretação marxista da história contemporânea que conside-ro uma metodologia mais avançadas para discutir as ciências humanas, os problemas, e as perspectivas de transformações da humanida-de. Do ponto de vista da história, o marxismo é conjunto suntuso de conhecimento que possui uma larga margem para discussão teórica, e permiti avançar nos estudos de questões, não somente de política e economia, mas também de assuntos pouco explorados como cultura, pelos cientistas sociais brasileiros atualmente.

Quais são seus pontos preferenciais de sua obra A Revolução Boliviana? Bom, esse livro faz parte da minha dissertação de mestrado e o objetivo dele era discutir a revolução boli-viana de 1952, que foi uma das mais importantes revoluções da América no século XX. Essa revolução é pouquís-simo conhecida no Brasil e a questão principal é discutir a capacidade de um povo que foi esmagado em uma situação tão difícil como a dos boli-vianos, e que tiveram a capacidade de criar uma perspectiva nova para o país deles. Então, a revolução de 52 discu-tiu a participação popular dos campo-neses, dos operários e dos mineiros na construção de um projeto alternativo que visava modernizar a Bolívia e tira – lá da miséria e do atraso que se encontrava e encontra-se até hoje.

Qual seria a instrução cultural ideal para uma sociedade socialista? Seguindo a experiência histórica do movimen-to socialista, que não é uma receita pronta e acabada como os adversários dizem, socialismo é a perspectiva histórica que exige a consciência da maioria dos trabalhadores de ter direito a uma vida melhor. Não é sinônimo de ditadura, nem de autori-tarismo, pelo contrário, é a ampliação da democracia e dos direitos sócio culturais. Isso requer consciência. Portanto o caminho é de discussão, debate, organização e luta dos traba-lhadores para difundir essa cultura de igualdade para uma sociedade mais humana.

Quais são seus pontos preferências em sua obra A Revolução na América Latina Contemporânea? É uma obra que procura discutir e comparar três processos revolucionários na América Latina contemporânea no México, Bolívia e Cuba e procura mostrar que há diversos aspectos comum entre essas revoluções. A mexicana em 1910, a boliviana 1952 e a cubana em 1959 que á defesa da nação, dos valores nacionais fazendo frente a política intervencionista e o imperia-lismo praticado pelos Estados Unidos da América.

Entrevista EVERALDO DE OLIVEIRA

“Deveríamos fazer uma leitura

nacional, a partir denossos pressupostos

culturais e nãoficar submetido,

sobretudo, aceitarpassivamente a tudo

que vem de fora,sufocando a cultura

nacional”

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