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Bernardino de Almeida Neto
Atrevemos trazer para a ribalta mais um tema que, apesar ser banalizado por muitos, é
uma realidade que a nós devia preocupar.
O nosso (STP) isolamento e pequinês não nos inibe de sermos fustigados por esses
fenómenos (criminalidade organizada, tráfico de droga, terrorismo, etc) que têm vindo
a galvanizar e inquietar o mundo civilizado ou não. Não somos imunes a esses
fenómenos, e como forma a alertar a nossa sociedade traçamos essas laudas na
perspectiva de contribuir com a nossa ciência acerca do caso.
Tendo em conta algumas críticas a que fomos sujeitos, eis que fizemos publicar o
nosso endereço para possível contacto e correcção porque temos a firme consciência
que o tema é de per si inesgotável, controverso e ambíguo.
A POLÍCIA E A SEGURANÇA INTERNA. PRECISA-SE!
I. INTRODUÇÃO E CONCEITO
Os últimos anos têm sido frenética o avalanche de dissertações, acerca de diversos
temas, remetidas para publicação mas, se a memória não nos atraiçoa nenhuma aludiu
à Polícia e/ou Segurança Interna franja pobre do aparelho do Estado são-tomense.
Perdoar-me-ão os falsos crentes ou convencedores mas, de facto, as nossas Polícias
são parentes pobres desde a sua [re]fundação na nova geração de instituições com
relevância superior no nosso Estado.
Quanto nos é dado estudar e saber das Polícias, se formos buscar o que existe de
comum entre as diferentes formas de Polícia, um primeiro atributo a apontar é a
resistência a inovações.
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O apodo Polícia alastrou-se, de forma enganosa, pelos países ocidentais, pois sob o
mesmo signo aparecem instituições com formas e atribuições diversas. Não nos
apetece vaticinar acerca do termo Polícia, mas antes precisar o seu significado
histórico.
A Polícia em linhas gerais que se associa a ideia moderna origina-se das instituições
ligadas ao Estado francês do Século XVII, que se propagou pelas monarquias
absolutistas análogos, como a portuguesa1, posteriormente, a partir da expansão
napoleónica, pelo próprio emprego de forças policiais pelo invasor francês, em seguida
conservadas pelos governos de restauração. Em oposição a essa linha aparece as dos
países anglo-saxónicos, diferenciando-se do modelo francês impondo restrições ao
escopo da acção policial e nos recursos disponíveis pela Polícia no controlo da
população. Desde a sua criação a Policia inglesa tem vindo a reduzir essas limitações.
Dito que fica esta introdução simplista, confessamos sentir certo receio, em avocar tão
controverso tema apesar de termos, dentre outras formações académicas, pós-
graduação nessa área, obtida num dos supernos Institutos Superiores de Formação
(ISCPSI) que, de resto, amoldou a maioria dos novos chefes superiores da PSP são-
tomense. Como compreenderão este receio provém, justamente, do facto de não
virmos a cometer incorrecções “facciosas” ao longo deste conciso trecho.
A sociedade são-tomense depara-se com uma tendência crescente de surgimento de
1 Os Quadrilheiros é o primeiro corpo de Polícia criado em Portugal, remonta ao reinado do Rei D. Fernando I, 1345 à 1383, que por falta de profissionalismos e o aguçar da desordem social, foi criada em 1760 a Intendência Policial da Corte e do Reino cujo objectivo primário era político ao invés de segurança pública. D. Maria II (1734-1816) reforma a organização policial português, titulando de Intendente Geral da Polícia Diogo Inácio Pina Manique, de 1733 à 1805.
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várias formas de delinquências, de ameaças e riscos2 que impendem sobre a
segurança3 do Estado e sobre as pessoas e patrimónios. Esta onda de delitos devem, a
nosso ver, merecer um estudo profundo de forma a pôr termo, sem delongas, a esse
alastrar galopante de criminalidade.
Alguns dirão, certamente, que queremos inventar. Mas não! As novas ameaças e riscos
não constituem a nossa invenção tal-qual da sociedade contemporânea, tendo apenas
mudado o figurino da sua escala (de escala pessoal e local para uma escala global,
onde ameaças e riscos não são facilmente identificados e calculados), a sua magnitude
e as suas consequências.
Além das citadas ameaças de caris transnacional, internamente, os territórios urbanos,
em consequência do aumento da urbanização, da multiplicação dos espaços de
anonimato e das transformações, sociais, culturais e económicas, são associados a um
conjunto de perigos, dos quais se destaca a criminalidade e a delinquência juvenil e
grupal.
Só com Policias com uma noção diferente de policiamento poderemos debelar esse
2 É «risco» situação da exposição a um determinado perigo, que em um determinado contexto, abrange a possibilidade de ocorrência de algo perigoso para as criaturas, estruturas, ou para o Estado em si próprio ou coligação de Estados e, que como tal, exige o emprego de medidas protectoras para atenuar a probabilidade da sua ocorrência (grau de risco); e por «ameaça» entendemos por uma situação determina pela existência da capacidade (normalmente destrutiva ou potencialmente destrutora) e da querença expressa ou não de a aplicar contra pessoas, estruturas ou contra Estado ou coligação de Estados. É, no fundo, o produto da capacidade pela vontade de a aplicar (capacidade x vontade).Ameaças e riscos podem ser descritos em três dimensões: dimensão espacial, dimensão temporal e dimensão social, sendo a primeira, em que ameaças e riscos, tais como: o terrorismo e a poluição, não conhecem fronteiras; a segunda, em que determinados perigos têm períodos de vida muito longos, como os resíduos nucleares ou organismos geneticamente modificados; e a última em que, em termos juridicamente relevantes, se torna difícil esmerar a responsabilidade subjectiva e/ou objectiva, pois derivam dos efeitos articulados de vários actores estatais ou não estatais.3 Segurança é um bem constitucionalmente consagrado. A Constituição da RDSTP, no art. 36.º, n.º 1 refere que “todos têm direito à liberdade física e à segurança pessoal”. É um bem jurídico colectivo ou supra-individual que não pode ser visto apenas na perspectiva limitativa dos demais direitos fundamentais, mas, tão só e numa visão humanista e humanizante, como garantia da liberdade física e psicológica para o pleno exercício dos direitos fundamentais. Neste sentido VALENTE, MANUEL MONTEIRO GUEDES, Teoria Geral do Direito Policial, Tomo I, Almedina, 2005, p. 50.Convém divisar o conceito de segurança na sua dupla vertente: Segurança Nacional e Segurança Interna. A primeira é a condição da Nação que se traduz pela permanente garantia da sua sobrevivência em paz e liberdade, assegurando a soberania, independência e unidade, a integridade do território, a salvaguarda colectiva das pessoas e bens e dos valores nacionais, o desenvolvimento das funções do Estado, a liberdade de acção política dos órgãos de soberania e o pleno funcionamento das instituições democráticas. Segurança Interna deve-se entender conforme já fixamos no corpo da dissertação.
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fenómeno. Ou seja uma Polícia de caris democrática ao invés de autoritária. Pois, a
profissão de Polícia está sujeita a uma cultura específica, gozando de um importante
grau de autonomia na acção4.
Somos suspeitos5 em garantir categoricamente que, conhecendo como devemos, a
formação obtida por últimos Policias Chefe, se lhes for dado a possibilidade e
condições, SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE conhecerá uma nova dinâmica no combate aos
delitos, ameaças e riscos.
Com toda a panóplia de ocorrências, impõe-se que se proceda à uma aliança global
não apenas para a segurança externa, mas também para a segurança interna.6
A forma de debelar as ameaças e riscos globais é a tríplice: a internacionalização das
políticas de segurança, a intensificação de cooperação e coordenação, a nível nacional
e internacional, e a combinação de meios políticos, militares, intelligence, judiciais,
policiais, diplomáticos, científicos, financeiros e económicos7.
Quando falamos de Policias no sentido de PSP não pretendemos omitir ao desbarato
as outras Policias com funções idênticas ou outras forças constitucionalmente
análogas.
Para que o Estado cumpra com as suas obrigações, foram criadas duas forças, militar e
paramilitar, com distintas funções, sendo estas para garantia de segurança interna e
aquela para garantir a defesa nacional contra ameaças externas. De resto, a lei que as
criou estabelece que as Forças Militares são as Forças Armadas e têm como missão
defender o país contra agressões estrangeiras. As Forças Paramilitares são, a Polícia
Nacional, a Polícia de Investigação Criminal, o Serviço Nacional de Informação, o
Comando autónomo da Guarda Pessoal, os Serviços de Migração e Fronteiras e os
Serviços Prisionais, com a missão de assegurar a ordem e a tranquilidade pública,
garantir o bem-estar dos cidadãos e fazer cumprir a lei definido pelo Governo.
4 No mesmo sentido, Gatto, Dominique e Thoenig, Jean-Calude, 1993,5 Suspeito porque temos formação como Inspector de PIC e Pós-graduado em Segurança Interna.6 Igual sentido BECK, Ulrich, O Estado cosmopolita [disponível em www.eurozine.com].7 Beck, diz-nos: Os Estados têm de se desnacionalizar e transnacionalizar para o seu próprio interesse nacional, i. e., abdicar de soberania, para que, num mundo globalizado, possam tratar dos seus assuntos nacionais (…).Max Weber partia do princípio de acordo com o qual as decisões sobre a guerra e a paz se encontram entre as “características essenciais” do Estado.
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Esta dissertação surge na senda do tratamento dado ao caso Milagrosa, aquando da
passada eleição presidencial, no qual com mestria o Comando Policial fez várias
incursões com o propósito de deter, julgo, uns desordeiros locais; a propósito da
última jornada motivada pela Polícia; e o assalto a mão armada à carinha de valores.
Alguns, na altura, interrogaram a forma de actuação policial esquecendo-se-lhes que
frente do Comando Geral da Policia Nacional está um dos quadros promissor da
Polícia, e aliado ao Comando distrital respectivo tal-qualmente um quadro promissor
da nova geração da Policia.
Tendo dentre outras tarefas de manutenção de ordem e tranquilidade pública8, sendo
certo que a ordem pública deve ser visionada essencialmente, entre nós, em quatro
prismas: 1) – no direito privado, como um misto de ordenações imperativas que os
actos jurídicos privados não podem afastar ou alterar; 2) – no direito penal como um
bem jurídico que deve ser tutelado pelas normas; 3) – no direito constitucional como
um pressuposto que pode justificar certas restrições ao regime dos direitos liberdades
e garantias, v.g., estado de sítio, estado de emergência; e afinal 4) – no direito
administrativo com a função da polícia administrativa, decompondo-se na trilogia de
segurança pública, tranquilidade pública e salubridade pública.
Quanto a segurança pública, competência soberana do Estado, pelo que nos é dada
aperceber está[va] em crise apesar de, reconhecido, algum esforço para a sua
inversão. Essa crise, entendemos, estar diametralmente ligada a diversas razões, a
saber: a incapacidade do Estado, perante à procura de segurança; a consolidação das
redes profissionais e especializadas de segurança pública, i. e., a burocratização; a
criação de culturas formais, informais e de grupos de interesses nas instituições de
segurança; a qualidade de resultados alcançados; a escassez dos recursos e a
existência de mercados concorrenciais de segurança emergentes.
Ainda no que tange ao dito caso Milagrosa, basta dizer a forma pacífica e diligente
como procederam, e decisões assumidas que culminaram com a negociação e rendição
dos arruaceiros respondendo desta forma a natureza instrumental da Ordem Pública
no Estado de Direito Democrático pois, apesar da possibilidade do emprego dos meios 8Conjunto de factores externos necessários ao regular funcionamentos das instituições e ao exercício dos direitos individuais.
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coercivos é sempre preferível previr do que reagir, negociar do que reprimir, respeitar
o mais possível as pessoas, funcionando desta feita como um barómetro do Estado de
Direito. Numa frase atrevimos dizer que «A ordem pública é o ponto de equilíbrio entre
a desordem suportável e a ordem indispensável9».
O controlo exagerado estorva o trabalho dos profissionais da Polícia. Se não existir
uma coordenação eficaz por parte das Chefias e da sua própria equipa, a organização
corre forte risco de desintegração institucional e da desarticulação dos trabalhos a
desenvolver.
Não podemos olvidar que o objecto da sua actividade – ordem pública – incorpora
aspectos éticos e morais, religiosos, económicos, sociais, dentre outros aspectos.
Importa dizer ainda que os policiais actuam em terrenos recheados de valores éticos e
morais, tais como: o poder da Polícia, a presunção de legitimidade de acção, a
resolução e a intervenção em conflitos, o uso legítimo da força, o cerceamento da
liberdade, a discricionariedade, e a autuação de condutas ilícitas, entre outras.
Já dizia-nos Albert J. Reis 1968 e Dominique Monjardet, 1994 que na profissão de
Polícia é difícil assegurar no terreno uma adequada supervisão e controlo. Ou seja
tendo sido possível, apesar de certo descontrolo, admite-se, obter “bom” desfecho
sem que haja situações repugnantes de maior relevo é obra de profissionalização
daquele que estiver no comando e direcção das incursões.
O êxodo rural e “desenvolvimento” de São Tomé e Príncipe têm que ser seguidos por
uma Polícia mais desenvolvida, com melhores critérios de decisão e de actuação face a
estes fenómenos. Fraseando Chefe da PSP são-tomense Alducino “…o fenómeno
criminalidade em si, tem acompanhado às demais evoluções que temos verificado ao
longo de décadas procurando deste modo vias alternativas para a pratica criminal
(GOMES, Valente, 1998)”10
São Tomé e Príncipe que a bem pouco tempo foi uma sociedade estática de
comunicações arcaicas e lentas, passou para uma sociedade dinâmica, cheia de
alternativas, com comunicações aprimoradas e lestas, de descorrelação étnica e 9 Jean-Marc Berlioz, 199810 Adulcino, In Dissertação da Licenciatura em Ciências Policiais, ISCPSI
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comunitária.
Estando a Polícia também direccionada para a resolução de conflitos, e nas relações
sociais tem que profissionalizar e qualificar-se para cumprir com as suas funções
sociais. Neste contexto, sendo a ordem pública uma produção social, ela não pode ser
monopólio de um actor ou grupo. Daí que as Policias têm que abandonar o modelo
comportamentalista e autoritário que a domina[va], para as forças policiais do mundo
moderno pautando a sua actuação na defesa e no garante da liberdade do cidadão e
na manutenção da ordem e da paz social, com desprezo por uma prática robotizada,
qualificada pela ausência do espaço crítico e de decisão. Pois, o antigo modelo –
Modelo Reactivo – policial não deu resposta a evolução do fenómeno delituoso, o que
obrigou os diversos sistemas policiais e jurídicos a desenvolverem novos modos de
actuação, optando pelos novos modelos preventivos de criminalidade, de caris
puramente policial, aprofundando o estudo do delinquente para a análise profunda da
criminalidade11.
Geralmente se disponibiliza ao policial um pacote pronto e incontroverso, como que se
a sua actividade fosse calculável, mecânica e pudesse ser enumerada num manual a
ser seguido rigidamente. Ela, nos tempos que decorrem, tem que mudar para um
modelo de profissionais mais participativos, com uma visão crítica do seu contexto
social e com uma qualificação que possibilite uma capacidade decisória e de mediação
de conflitos. A par dessa componente tem-se que desenvolver nos polícias uma
concepção jurídica para uma concepção social de se fazer Polícia, o que impõe
daqueles uma visão mais conjuntural da problemática da ordem pública e uma maior
capacitação para discutir com os cidadãos e a comunidade a questão da tranquilidade
pública. O policia deve interagir com a sociedade, recebendo desta informações,
críticas e sugestões e difundindo notas e orientações. Deve ser capaz de desenvolver
estratégias mais qualitativas do que quantitativas.
Caberá, quanto a nós, às Forças e Serviços de Segurança12 aplicar determinadas
11 ROCHÉ, Sebastian, 199812 A segurança é a função primacial do Estado o que impõe não só a organização de uma força capaz de servir os interesses vitais da comunidade política, a garantia da estabilidade dos bens, tal-qualmente a durabilidade credível das normas e a irrevogabilidade das decisões do poder que respeitem interesses justos e comuns. No igual sentido Manuel G. Valente, Teoria Geral de Direito Policial – Tomo I, Almedina, Lisboa, 2005, p. 52.
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modalidades de proacção e reacção, de forma a impedir a pratica e consumação de
acções de potenciais delinquentes, desde logo, procedendo à recolha e análise de
informação/notícia criminal praticado em determinada área, fazendo
concomitantemente análise do espaço conjugando com a realidade criminal de forma
a orientar os dispositivos policiais nas suas acções.
O profissional de Polícia deve, na nossa perspectiva, ser um nato prestador de serviço,
que tenha preocupação com a excelência, trate todos atenciosa e educadamente,
respeite e reconheça as diferenças e a diversidade social, as garantias e os direitos
individuais e a dignidade de pessoa humana, o que exige uma reavaliação das aptidões
obrigatórias para o bom exercício da arte Polícia.
A visão que, ainda hoje, perdura na nossa sociedade é a de que a Polícia é usada como
barreira, guarda-robô, paspalhão vivo para garantir a tranquilidade pública, protecção
localizada, visibilidade de polícias e detenção de delinquentes, sem que houvesse
necessidade de realização de um trabalho mais qualificado, o que impõe que tenha
coragem, força, submissão, conduta motora e reacções quase automatizadas. Essa
Polícia, na sua grande maioria, não tem a formação adequada de forma a dar-lhe a
capacidade de decisão na prestação de serviço, sendo treinado para limitar-se a
adoptar as providências já padronizadas, de acordo com a ocorrência que se lhes
envolve, e como tal não possui condições para facilitar interacção com a sociedade.
Denota-se que este modelo de Polícia está obsoleto.
São Tomé e Príncipe necessita de uma Policia com novas atitudes, que sejam
transversais a toda a hierarquia, em harmonia com as suas atribuições, a saber:
capacidade de decisão e reflexão crítica, forte capacidade de iniciativa, inteligência
emocional, diálogo e visão abrangente das circunstâncias viventes. Pois, os “novos”
profissionais da Polícia, precisam, mais do que nunca de interagir com a sociedade e
com os afectados por prestação de serviço.
Embora haja imperiosa necessidade de existir uma base de orientação de
atendimento, muitas vezes, precisa de ter aptidão/capacidade de descobrir soluções
diversas dos protótipos. A assimilação no atendimento é condição sine qua non a boa
prestação de serviço realizado pelos Policias.
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A par disto questiona-se que tipo de Policia para SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE?
Ao longo dos tempos os decisores são-tomenses jamais encararam a problemática de
segurança com a devida e merecida atenção que o caso merece. Não por ausência de
sinais claros que impõem a soluções futuras mas, sim, por laicismos e por laissez faire,
laissez passer próprios de criaturas com falta de cultura de segurança, esquecendo-se-
lhes que a paz social que perdurou durante muitos anos está conhecendo, pausada e
de forma aprimorada mutações substanciais. Urge, por isso, definir com exactidão o
papel de Polícia Nacional face aos novos desafios de “desenvolvimento” do país, de
forma a afiançar a modernização das Forças e Serviços de Segurança para a restituição
da autoridade do Estado e o normal funcionamento das suas instituições. Pois, a
Polícia são-tomense é de carácter generalista que completa com as Forças de
Seguranças o que cria zonas cinzentas, enquanto Serviço Nacional de Informações,
Serviço de Migração e Fronteira, Polícia Fiscal, Serviços Prisionais e Comando
Autónomo da Guarda Pessoal constituem Serviços de Segurança. Ou seja, são Forças
de Segurança a Polícia Nacional (PN) e a Unidade de Polícia Fiscal Aduaneira (PFA). E os
Serviços de Segurança são-tomenses, a Polícia de Investigação Criminal (PIC), os
Serviços de Migração e Fronteiras (SMF) e os Serviços Nacional de Informação (SINFO).
Face essa disparidade e criação de zonas cinzentas a que aludimos, é nossa convicção
que o melhor seria partimos para criação de uma Polícia integral, cuja Unidade de
Polícia Fiscal Aduaneira (PFA)13, o Serviço de Migração e Fronteira (SMF)14, Unidade de
Protecção de Dirigente de Estado (UPDE)15 e outras Forças e Serviços de Segurança
fossem integradas na PNSTP sob chefia do Comandante-Geral, e na dependência do
Ministério da Defesa e Ordem Interna. Ideia que, de resto é corroborado por antigo
Comandante Geral da PSP, Gilberto Andrade, quando se referia, numa entrevista, que
“temos que adoptar uma estrutura que melhor sirva os interesses do país, e definir
uma política de segurança interna séria, uma política que de facto possa nos ajudar
13 A Polícia Fiscal aduaneira tem função específica nos postos alfandegários (aeroporto, portos e postos de fronteiras), para fiscalização de desvios e contrabando de material diverso, e de mercadorias que entram nos portos e aeroportos. Também abarca a área marítima, pois, zela pela segurança marítima de São Tomé e Príncipe.14 Cinge a sua tarefa no controlo da entrada e saída de cidadãos nacionais e estrangeiros no território nacional, i.e., controlo fronteiriço.15 Tem a missão de proteger altos dirigentes, inclusive o chefe de Estado e as altas entidades, bem como a protecção de edifícios das altas entidades.
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também a adoptar mecanismo que contribua para que possamos desempenhar um
serviço de segurança de qualidade para os nossos concidadãos”. Tal-qualmente, numa
entrevista em 02/2008, Samuel António mostrava-se receptível que “deveríamos
adoptar um modelo novo, de acordo com a nossa realidade, em que a PN, PIC, SEF,
UPDE e outras Forças e Serviços de Segurança tivessem só uma Direcção”. Todavia,
com necessária peculiaridade de que a PIC continue a ser um Serviço de Segurança
autónomo do sistema organizacional da PNSTP, tutelada por Ministro da Justiça,
devendo, no entretanto, dentro da sua orgânica haver maior consolidação de
cooperação, essencialmente, dirigida à área de prevenção e combate a criminalidade e
investigação criminal.
Há uma grande necessidade de reformular as estratégias e o Sistema de Segurança
Interna para o trabalho policial em São Tomé e Príncipe, pois, existe uma grande
descoordenação entre as diversas polícias, pondo em causa o sucesso das suas
actividades. No seguimento e o reforço desta afirmação, João Raposo refere que o
“elevado número de forças e serviços de segurança para um território e uma população
como os nossos, a inerente diversidade de dependência hierárquica e as dificuldades de
coordenação da respectiva actuação – factores que, por vezes, criam indesejáveis
problemas em termos de operacionalidade e eficácia”16.
Somos peremptórios em assegurar que o melhor tipo de Polícia que serve os nossos
interesses é uma Policia Mista, monista e centralizado por razões que temos vindo a
citar.
Esta na voga a globalização do terrorismo, a construção de sociedades violentas, e a
transnacionalidade criminal. Assim, não podemos estar neutrais a estas novas
realidades. Considerar que as ferramentas que aplicamos agora têm capacidade de
resposta para estes novos tipos de crime seria um erro crasso cujo preço a pagar seria
elevadíssimo. Nem na sociedade tida como evoluída se pode dar a esse luxo. São
fenómenos recentes e que além de uma evidência, são incontornáveis nos tempos
futuros.
Existem basicamente três modelos de Polícias. Primeiro, com uma panóplia de órgãos 16 Entrevista concedida ao discente são-tomense por Senhor Doutor João Raposo, Docente de Direito Policial no ISCPSI, Abril de 2008.
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de Polícia Criminal, com tarefas que se acamam, outras que se confundem propiciando
alargadas zonas cinzentas. Esse é modelo vigorante em São Tomé e Príncipe. Segundo,
assenta na ideologia de uma Polícia de cariz civil, na forma de uma Polícia Nacional que
congrega todos serviços e especialidades. Terceiro, que compreende uma polícia de
cariz civil fundida num Corpo Nacional de Polícia e uma vertente de cariz militar
fundida numa espécie de Gendarmerie/ Guarda Nacional.
Importa que se debruce, seriamente, sobre o modelo a adoptar, convocando e
direccionando análises que, desde logo, dêem soluções convincentes aos eminentes
desafios com que confrontamos – a tendência de aumento da criminalidade violenta,
criminalidade transnacional e globalização do terrorismo –.
A nossa Polícia é de sistema monista imperfeito por ser de competência administrativa
geral e territorial tutelada do Ministério da Defesa e Ordem Interna que na sua
estrutura funcional a Polícia de Investigação Criminal (PIC) é dependente do Ministério
da Justiça.
Sem querer discorrer mais acerca da Polícia dizemos, sem corrermos “desmedido”
risco de errar que, em última análise, o sistema policial são-tomense pode ser
classificado de pluralista, em virtude de existir várias forças com tarefas de polícia
administrativa geral, de carácter preventiva e de Segurança pública, sobretudo a PFA, a
PNSTP e a PIC, conquanto esta exerça a sua acção na área de investigação criminal.
Somos defensores de Polícia Única por várias razões pois, ela enquadra-se melhor nas
realidades de São Tomé e Príncipe, a saber: direcção única, a existência de única base
de dados, modelo de formação uniforme, maior eficiência na compra e gestão de
material e bens, implementação total no território nacional, e concentração da
investigação criminal. Este modelo é aquele que do ponto de vista economicista é a
que mais convém nos tempos que decorrem no qual o factor economia é o alicerce de
qualquer realização.
II. As políticas públicas de segurança
Não se nos afigura que durante as décadas da nossa independência, tenha havido
políticas públicas de segurança, gerando uma confusão entre os conceitos e realidades
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mais ou menos afins. As que houveram, caracterizaram por gradualismo,
descontinuidade e fragmentação, pela sua natura micro e normativa, revelando falta
de visão e de uma estratégia global.
A noção de segurança interna é clara de gizar, definindo-se, stricto sensu pela doutrina
comparada, como “a actividade desenvolvida pelo Estado para garantir o normal
funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e
liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade, visando, em
particular: manter a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas; proteger as
pessoas e bens removendo os perigos que os ameacem; prevenir a criminalidade, em
especial a organizada e a prática de actos de espionagem, sabotagem e terrorismo;
prevenir a infiltração no território nacional e desencadear a expulsão de estrangeiros
que ponham em perigo valores e interesses legalmente estabelecidos”17.
Nesta esteira descrevemos a “política pública de segurança” como sendo um corolário
de medidas e acções desenvolvidas pelo Estado dirigidas à prossecução de um
conjunto de finalidades (garantir o normal funcionamento das instituições
democráticas, assegurar o exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos
cidadãos e o respeito pela legalidade) contra determinadas ameaças e perigos (a
criminalidade violenta ou altamente organizada, sobretudo sabotagem, espionagem
ou terrorismo), mas também, contra os acidentes e crises, e, em menor grau, as
incivilidades, que geram um insegurança difusa mas real, quando proliferam num
bairro ou comunidade18.
Embora haja o amadurecimento das instituições democráticas, existe um longo
caminho a percorrer no sentido de se adequar o modelo de segurança interna às
necessidades do País, à evolução da criminalidade, ao novo espaço intracomunitário
(CPLP) de segurança interna e aos novos desafios da segurança e defesa.
As apostas do Estado têm virado para a principal força de segurança pública, recaindo
17 No mesmo sentido, Lima, Marçal, in Primeiras Jornadas da Polícia Nacional, Agosto 2007, define segurança interna como “actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática”.18 Wilson, J. Q.; Kelling, G.L., Broken Windows: The Police and Neighbourhood Safety, revista “Atlantic” Março de 1982, pp. 29-38.
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em reformas parcelares, vertidas em “forte” investidas nos efectivos e recursos
materiais, sendo continuamente retardada as reformas do modelo de segurança
interna, ao nível dos actores político-estratégicos e operacionais.
São Tomé e Príncipe deve seguir o caminho da modernização dos sistemas de
segurança interna, com respeito, na medida do possível, a sua matriz histórica, política
e institucional.
III. CONCLUSÃO
Sem querer maçar mais os leitores pois, da experiência anterior, denotamos que
poucos são aqueles que se interessam em fazer leitura de, pelos menos 10 laudas.
Assim, vimo-nos na contingência de concluir dizendo, em síntese, que:
1. Face às novas ameaças e riscos nacionais e transnacionais, a revisão dos
conceitos e estratégias de segurança e defesa, as reformas nos sistemas de
segurança interna e ao processo de construção da cooperação policial deve ser
o caminho a trilhar por São Tomé e Príncipe, no médio e longo prazo na
aprofundação da reforma do seu sistema de defesa de ordem pública e
segurança interna.
2. As ameaças e riscos que caracterizam a nova ordem internacional impõem a
[re]definição do conceito de segurança, alargando o seu espectro a outros
actores, públicos e privados, de âmbito local, nacional e internacional,
inaugurando uma outra forma de governança de segurança;
3. A necessidade de melhorar a capacidade de resposta a essas novas ameaças e
riscos, num contexto de redução do papel interventor do Estado e de redução
da despesa pública, impõe a emergência de reformas dos sistemas e das
organizações policiais, procurando maior eficiência, eficácia e economia, sem
perder de vista que o Estado, enquanto detentor do monopólio do uso legítimo
da força física, nas palavras de Max Weber, deve continuar a zelar pela garantia
do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que serve;
4. A segurança e a aplicação da lei e da ordem, enquanto parte do núcleo das
funções soberanas de qualquer Estado, devem ser prestadas com elevados
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padrões de qualidade, como condição para a qualidade de vida dos cidadãos e
para o desenvolvimento do país;
5. As reformas dos sistemas policiais e das organizações policiais devem ir ao
encontro desse desiderato, resistindo as lógias conservadoras, corporativas ou
puramente economicistas;
6. As políticas públicas de segurança, em São Tomé e Príncipe, devem emergir de
um processo de construção, numa lógica reactiva, com diversas medidas,
acções e projectos, intercalando orientações de prevenção social com opções
mais securitárias, que derivem de um modelo conexo e um fio condutor;
7. É premente a definição de uma estratégia nacional, da qual sucederá em
cascata, entre outras, uma estratégia sectorial no domínio de segurança
interna, que deverá ser ajustada à realidade moderna e aos novos desafios,
passando a integrar, de uma vez por todas, os seguintes eixos estruturantes:
a) a segurança interna e intra-comunidade (CPLP);
b) a segurança e a protecção e socorro;
c) a prevenção, a segurança e a ordem públicas e a investigação criminal;
d) a segurança e a justiça criminal;
e) a segurança interna e a defesa nacional;
f) os actores de segurança pública e privada;
g) os actores de segurança centrais e locais.
8. Algumas medidas promovidas ao longo das últimas décadas acabaram por
conferir alguma solidez ao actual sistema de segurança interna, especialmente:
a natureza dual do modelo policial; a necessidade de reforçar os mecanismos
de coordenação e cooperação; e, sobretudo, o modelo tendencial de
policiamento de proximidade e os programas de prevenção criminal.
9. A importância das questões de segurança e de defesa justifica a celebração de
um pacto de regime, entre os partidos do arco de governação, que caucione a
estabilidade e coerência das políticas e medidas, além dos ciclos político-
eleitorais.
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10. No actual quadro internacional e pátrio defendemos uma concepção holística
de segurança, que integre os sistemas de segurança e defesa numa perspectiva
reformista e gradualista, tendo como desiderato a simplificação, maior
eficiência, eficácia, economia e ética (4 E’s) do nosso sistema de segurança
interna.
11. E, por mais risível que pareça, o estudo e implementação de políticas,
estratégias, programas, medidas e acções, no âmbito de segurança interna
como em todos os outros âmbitos de governação a adoptar, deve ter sempre
por base um trabalho empírico e uma justificação cientificamente escorada,
tornando-se imune às pressões políticas, mediáticas ou corporativas; e deve ter
em conta as boas práticas de concepção e execução de um processo de
reforma, que defenda o seu êxito a prazo.
12. O mais proveitoso sistema policial, e para melhor combater a criminalidade,
entendemos imperioso vincar melhor o modelo centralizado integrando vários
serviços e forças de segurança na PNSTP, pois haveria mais efectivos e áreas de
intervenção, melhoria na quantidade e qualidade de serviço prestado a
comunidade, mais investimento por parte do Governo, polivalência dos agentes
policiais e, todos os serviços estariam interligados, articulados e direccionados
ao mesmo objectivo, i. e. para São Tomé e Príncipe o mais proveitoso sistema
policial é centralizado por nele integrar diversos serviços e forças de segurança
na PNSTP, pois haveria mais efectivos e áreas de intervenção, melhoria na
quantidade e qualidade de serviço prestado a comunidade, mais investimento
por parte do Governo, polivalência dos agentes policiais e, todos os serviços
estariam interligados, articulados e direccionados ao mesmo objectivo, para
isto São Tomé e Príncipe deve abandonar o sistema pluralista que o caracteriza,
por existir vários organismos policiais dependentes de órgãos distintos.
Esperamos ter contribuído com alguma clarificação sobre a Polícia e Segurança Interna
em e para São Tomé e Príncipe face aos novos adventos de criminalidade que se vêm
manifestando na praça são-tomense e em outras paragens. Pois, apesar de serem duas
ilhas conhecidas pela sua paz social e homogeneidade étnica, o que reduz as
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probabilidades dos tradicionais conflitos étnicos existentes na região começa-se a
sentir fenómenos jamais vistos que põem em risco a própria soberania, e o Estado de
Direito democrático que tanto almejamos.
(…)
Bernardino Almeida NetoMestre e Doutorando em Direito
Pós-graduado em Segurança [email protected]
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