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APRESENTAÇÃO Toda matéria encontrada no universo é composta por elementos quí- micos e seu estudo é fundamental para a compreensão do mundo no qual vivemos. A Química, apropriadamente chamada de Ciência Central, é fun- damental para a compreensão da humanidade e sua ação sobre nosso planeta, incluindo a dinâmica existente entre os seres vivos. As ciências exatas, nas quais está inserida a Química, estão entre as mais antigas áreas do conhecimento humano. A Química estuda a matéria, em suas diversas formas e processos de transformações, para identificar sua natureza e propriedades, além de qualificá-la quanto à aplicabilidade. É a disciplina fundadora da ciência moderna, que contribui de diversas formas para a melhoria da qualidade de vida no planeta. Na história do conhecimento, possui enorme relevância nas transformações sociais e no desenvolvimento cultural da humanidade, em função das grandes desco- bertas científicas e de suas aplicações em prol da humanidade. O estudo da Química sofreu várias subdivisões elaboradas meramen- te com propósitos didáticos e dentre essas subdivisões, encontra-se a Quí- mica Analítica, cujos conhecimentos devem ser usados concomitantemen- te e de forma coerente com informações de outras fontes científicas, para a solução de problemas. Químicos utilizam teorias e práticas no exercício da Química Analítica e suas ferramentas são os materiais e equipamentos desenvolvidos com a finalidade de aperfeiçoar resultados em relação à exatidão e rapidez na identificação e quantificação do analito. Dessa forma, o químico, quando no exercício profissional em área forense, recorre a todos os meios ou ferramentas disponíveis para execu- tar os exames necessários e fornecer subsídios claros e concretos à Justi- ça. Faz uso do “pensar e fazer”, da mesma forma que o químico analítico e é nesse ponto que as características de ambos, químico analítico e quí- mico forense, se fundem de forma indissociável quanto aos predicados

00 QUIMICA iniciais€¦ · APRESENTAÇÃO XI tica possibilitaria o estudo da natureza dos materiais forenses a partir dos átomos e moléculas que os constituem. No capítulo III

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Page 1: 00 QUIMICA iniciais€¦ · APRESENTAÇÃO XI tica possibilitaria o estudo da natureza dos materiais forenses a partir dos átomos e moléculas que os constituem. No capítulo III

APRESENTAÇÃO

Toda matéria encontrada no universo é composta por elementos quí-micos e seu estudo é fundamental para a compreensão do mundo no qual vivemos. A Química, apropriadamente chamada de Ciência Central, é fun-damental para a compreensão da humanidade e sua ação sobre nosso planeta, incluindo a dinâmica existente entre os seres vivos.

As ciências exatas, nas quais está inserida a Química, estão entre as mais antigas áreas do conhecimento humano. A Química estuda a matéria, em suas diversas formas e processos de transformações, para identificar sua natureza e propriedades, além de qualificá-la quanto à aplicabilidade. É a disciplina fundadora da ciência moderna, que contribui de diversas formas para a melhoria da qualidade de vida no planeta. Na história do conhecimento, possui enorme relevância nas transformações sociais e no desenvolvimento cultural da humanidade, em função das grandes desco-bertas científicas e de suas aplicações em prol da humanidade.

O estudo da Química sofreu várias subdivisões elaboradas meramen-te com propósitos didáticos e dentre essas subdivisões, encontra-se a Quí-mica Analítica, cujos conhecimentos devem ser usados concomitantemen-te e de forma coerente com informações de outras fontes científicas, para a solução de problemas. Químicos utilizam teorias e práticas no exercício da Química Analítica e suas ferramentas são os materiais e equipamentos desenvolvidos com a finalidade de aperfeiçoar resultados em relação à exatidão e rapidez na identificação e quantificação do analito.

Dessa forma, o químico, quando no exercício profissional em área forense, recorre a todos os meios ou ferramentas disponíveis para execu-tar os exames necessários e fornecer subsídios claros e concretos à Justi-ça. Faz uso do “pensar e fazer”, da mesma forma que o químico analítico e é nesse ponto que as características de ambos, químico analítico e quí-mico forense, se fundem de forma indissociável quanto aos predicados

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que os qualificam: ambos colaboram na solução de problemas de amplo interesse para a sociedade, quer estejam relacionados ao desenvolvimen-to de pesquisas, quer à solução de problemas ecológicos, industriais ou forenses.

Um aspecto importante da Química aplicada à área Forense é o fato de ela ser um ramo do conhecimento químico voltado para o futuro quando adota técnicas e procedimentos avançados, e, ao mesmo tempo preocupada com o passado, elaborando procedimentos que auxiliam na reconstrução dos fatos e na resolução de delitos ocorridos na sociedade, seja ela contemporânea ou de épocas remotas.

A “Química Forense” foi assim designada porque se utiliza de conjun-tos de métodos e técnicas químicas, selecionados para as análises dos ma-teriais encontrados nos locais de averiguação da ocorrência de um delito ou que possam estar relacionadas a ele. Utiliza procedimentos ou técnicas químicas, simples ou complexas, que devem ser executados com vistas à acurácia e eficácia metodológica, com o máximo rigor, para colaborar de forma direta ou indireta na elucidação de casos pertencentes às áreas cível e criminal. São conhecimentos pertencentes à ciência Química, utili-zados no fornecimento de esclarecimentos à Justiça. Tais conhecimentos químicos quando aplicados como ferramentas para elucidação de um de-lito, da mesma forma como os escolhidos para a realização de análises de um material não forense, são selecionados de acordo com o objetivo de responder às indagações relacionadas ao delito e em função das natureza químicas das amostras coletadas. Dessa forma, todos os procedimentos e técnicas químicas poderão servir para iluminar os casos forenses.

Visto sob essa perspectiva não existe área de estudo, procedimento ou técnica analítica da Química que um dia não possa ser utilizado na área forense. Cada método analítico será selecionado de acordo com o problema apresentado e em função do material coletado. É o pensar e o fazer. Nesse momento, fica demarcada a área de atuação do químico forense, profissional com a atividade específica, que é a de colocar todo o conhecimento da ciência Química a serviço do bem-estar e segurança social, consubstanciado em claros elementos auxiliares na instrução dos processos judiciais.

No rigor da definição, não é a Química que é Forense, mas o quími-co, quando exerce sua atividade profissional na área Forense.

A Química Analítica auxilia várias áreas da Criminalística, fornecendo ferramentas que se prestam à solução parcial ou integral do problema apresentado. Entende-se que a Química não deve ser interpretada unica-

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mente enfatizando o conhecimento dos instrumentos, metodologia e ba-gagem cognitiva, mas sim, fundamentalmente, na capacidade que possui de interagir com outras áreas de estudos forenses, tais como Arqueologia, Física, Biologia e Bioquímica, Toxicologia, Balística, Engenharia Forense, Sexologia Forense, Medicina Legal, Odontologia Legal, Antropologia Fo-rense, Crimes contra a Pessoa, Crimes contra o Patrimônio, Documentos-copia, etc., auxiliando nas soluções dos casos de interesse público.

Nesta obra, elaborada coletivamente, serão apresentadas áreas de estudos forenses relativamente muito novas, introduzidas recentemente no cenário nacional e internacional. São constituídas pela Arqueologia Forense, Química Forense Nuclear e a terceira, em fase de iniciação do campo de aplicabilidade na área forense, Microscopia de Varredura por Sonda – Aplicações na Nanotecnologia Forense. E, em prosseguimento à apresentação da técnica Raman e suas aplicações na Criminalística, tema iniciado no primeiro livro de Química Forense, é agora apresentado o tex-to intitulado Espectroscopia Raman em Perícia Criminal: Estado da Arte e Perspectivas Futuras.

Como título final será apresentado Legislação Processual – Crimi-nal e Cível, cuja decisão de se introduzir um capítulo sobre legislação pertinente aos procedimentos periciais, se deve à preocupação de tornar mais rápido o acesso à legislação vigente no Brasil, aos profissionais da química que iniciam a atividade pericial. A forma condensada e comenta-da servirá de guia a todos que desconhecem os trâmites legais de elabora-ção de perícias criminais e cíveis.

A Arqueologia necessita de conhecimentos de outras ciências, incluindo a Química. Se considerarmos que o estudo dos hábitos hu-manos inclui o complexo estudo das transformações ocorridas no meio ambiente pela participação humana, ficará evidente a necessidade da uti-lização de um conjunto de conhecimentos científicos para identificação dos traços de intencionalidade. E nesse princípio que se baseia a Arque-ologia quando aplicada em meio Forense, também denominada Arqueo-logia Forense.

No capítulo I sob o título Química & Arqueologia, a apresentação de conceitos arqueológicos e da história recente do aparecimento da Ar-queologia Forense induzirá o leitor à análise do cenário e compreensão da importância desse novo estudo forense. São citadas algumas técnicas analíticas, da área de físico química, escolhidas em função da resolução, da quantidade de material requerido para a feitura das análises e pelo fato de serem consideradas não destrutivas ou micro destrutivas, observando

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ainda que estas últimas permitem a preservação dos materiais, sem causar danos significativos

As referências das legislações relacionadas com a arqueologia e a an-tropologia no âmbito brasileiro, incluída nesse capítulo, facilitará a busca por informações dessa natureza.

Materiais nucleares são aqueles utilizados na tecnologia nuclear para geração de energia e materiais radioativos possuem em suas estruturas elementares compostos que emitem energia em forma de radiação. Quan-do corretamente empregados são de grande importância para a socieda-de, mas, quando ultrapassam os limites toleráveis de exposição podem se tornar danosos aos seres vivos e ao meio ambiente, causando consequên-cias irreversíveis e fatais.

A metodologia analítica forense nuclear busca as características úni-cas de cada amostra de material que permitam não somente a sua iden-tificação como também o estabelecimento da sua origem, determinando origem geológica ou do processo de fabricação.

Segundo a recomendação do International Technical Working Group on Nuclear Forensics (ITWG), a perícia forense nuclear deve ser conduzida em três etapas, sendo que a primeira, de importância fundamental, é a etapa de avaliação realizada em 24 horas, que começa com a identificação dos níveis de radioatividade presente, suas caracteristicas, e a existência de ameaça imediata para a saúde humana e ao meio ambiente.

SARKIS e ROSA, no capítulo II, que trata da Ciência Forense Nuclear, apresentam a problemática envolvida em casos de acidentes ou atentados terroristas com materiais radioativos e/ou nucleares, é complementada com a citação da metodologia internacionalmente aceita para solução desses casos, minimizando os efeitos danosos.

A sofisticação dos atos criminosos e a criatividade dos infratores ne-cessitam ser combatidas com técnicas e métodos cada vez mais sofistica-dos. Dentro da Química, tais recursos são encontrados de forma abun-dante, face ao alto nível do desenvolvimento científico alcançado e com auxílio das ferramentas tecnológicas hoje disponíveis.

A nanotecnologia nos permitirá estudar a natureza dos materiais forenses, possibilitando detectar substâncias ou materiais presentes em escala nanométricas, uma escala invisível aos olhos humanos ou ao mais sofisticado microscópio ótico. Significa o estudo da matéria numa escala atômica e molecular de estruturas com medidas entre 1 a 100 nanôme-tros. O princípio básico da nanotecnologia quando aplicada à criminalís-

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tica possibilitaria o estudo da natureza dos materiais forenses a partir dos átomos e moléculas que os constituem.

No capítulo III deste livro, redigido sob o título de Microscopia de Varredura por Sonda – Aplicações na Nanotecnologia Forense, NAKA-MURA e TOMA destacam que: “Na nanotecnologia forense, as microscopias ou nanoscopias tem um destaque especial como ferramenta de investi-gação”, afirmativa enfatizada por Faria, no Capítulo IV, intitulado Espec-troscopia Raman em Perícia Criminal: Estado da Arte e Perspectivas Futuras onde cita que tal destaque se deve “principalmente à demanda por métodos eficientes e rápidos no combate ao bioterrorismo e crimes contra a pessoa”.

A química evoluiu profundamente, fazendo com que novas e pode-rosas ferramentas de investigação possam ser hoje empregadas no com-bate aos atos ilícitos, incluindo o terrorismo.

A participação em atos ilícitos de pessoas que se distinguem pelo conhecimento técnico aprimorado é uma constatação nos dias em que vivemos e infelizmente, a sofisticação e inventividade desses atos também tem se aprimorado, lançando novos desafios para as ciências forenses.

O Capítulo IV mostra o uso da Espectroscopia Raman como ferra-menta de investigação criminal, uma vez que ela permite a identificação inequívoca de substâncias químicas ou mesmo de origem biológica e pode ser aplicada a qualquer estado físico da matéria. Adicionalmente apresen-ta vantagens significativas, considerando que não requer qualquer tipo de pré-tratamento, ou contato físico com a amostra, além de que os equipa-mentos portáteis hoje disponíveis permitem análises em campo, necessá-rios para um diagnóstico emergencial.

No Capítulo V, intitulado Legislação Processual – Criminal e Cível, ESPINDULA destaca que a perícia no âmbito da Justiça Criminal Brasileira é função exclusivamente estatal, e toda e qualquer execução de trabalhos periciais destinados à justiça, seja ela cível ou criminal, deve seguir os di-tames da legislação processual. Portanto, é indiscutível a necessidade de que profissionais que desejam atuar nessa área, sejam eles químicos ou de outras áreas conhecimento científico, conheçam as regras legais que necessitam ser observadas no curso de um trabalho pericial. São mostra-dos a rotina e procedimentos do trabalho pericial, regulados pelo Código de Processo Penal e Código de Processo Cível, dando ênfase às atribui-ções e responsabilidades dos peritos que atuam nas duas áreas, como peritos oficiais ou como assistentes técnicos.

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CAPÍTULO I

QUÍMICA & ARQUEOLOGIA FORENSE

REGINA PESTANA DE OLIVEIRA BRANCO SERGIO FRANCISCO SERAFIM MONTEIRO DA SILVA

1. INTRODUÇÃO

A Química, Ciência Central, classificada na área das Ciências Exatas, é frequentemente utilizada por outras ciências como ferramenta analítica auxiliar de pesquisa. Nas investigações científicas aplicadas na área da Criminalística, tal fato ocorre frequentemente, porém, a participação da química nem sempre é notada e essa invisibilidade resulta à magnitude dos problemas comumente enfrentados pelas diferentes áreas forenses (TOCCHETTO, 2005).

O entendimento da dinâmica existente entre as áreas de estudo fo-rense e a Química, sob uma perspectiva sistêmica, indica como essa ciên-cia as auxilia no desenvolvimento das perícias, colocando ao seu serviço as modernas técnicas analíticas, produtos do desenvolvimento científico e tecnológico (BRANCO et al., 2005). No campo das ciências forenses, uma nova área está sendo introduzida no Brasil: a Arqueologia Forense.

Neste texto, é dada ênfase aos recursos da Química aplicados à Ar-queologia em meio forense, onde exerce importante papel na solução dos problemas. São citadas as principais técnicas que podem ser escolhi-das para evitar danos aos materiais estudados: as denominadas “técnicas de análise não invasivas”, “não destrutivas” ou “minimamente destruti-vas”, que respeitam a natureza vestigial, fragmentária e, quase sempre, exclusiva das amostras.

A crescente evolução e utilização de novas tecnologias vêm propor-cionando rápidas respostas às indagações científicas e aos estudos rela-

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cionados principalmente com o meio ambiente e àqueles relativos aos modos de vida dos povos, quer sejam estes do presente ou do passado, fato que nos remete diretamente aos estudos arqueológicos. As técnicas analíticas não destrutivas e micro destrutivas são decorrentes do desen-volvimento tecnológico avançado e muito contribuem para a exatidão dos resultados, proporcionando rápidas e confiáveis respostas aos questiona-mentos forenses.

Com a recente introdução da Arqueologia Forense no cenário da Cri-minalística nacional (ABC, 2009), a apresentação dos recursos analíticos da Química, constituídos por algumas das mais importantes técnicas mi-cro destrutivas e não destrutivas, que proporcionam rápidos e confiáveis resultados, com uma gama de aplicabilidades, poderá servir como infor-mativo prático aos profissionais forenses e/ou estudantes que necessitem do acesso rápido a esses recursos.

É importante, nessa perspectiva, entender a dinâmica existente entre a interação das ciências forenses, que favorece o estudo e a compreensão de questões complexas, impedindo a fragmentação dos conhecimentos, propiciando uma visão global do sistema analisado; apresentar um pano-rama da área técnica forense para melhor entendimento da participação da Química nas principais áreas da Criminalística, sem, contudo esgotar a sua aplicabilidade, em especial na Arqueologia Forense; apresentar as principais técnicas analíticas instrumentais utilizadas pelos laboratórios forenses, citando algumas técnicas mais utilizadas em Arqueologia, em especial as não destrutivas e as microdestrutivas, assim como as vantagens obtidas em relação à preservação dos vestígios arqueológicos.

2. A VEZ DA ARQUEOLOGIA FORENSE

A Arqueologia aplicada aos estudos forenses está relacionada à re-solução de problemas surgidos durante atividades da polícia judiciária, de investigação, e no decorrer dos procedimentos legais em instâncias forenses. Pode ser compreendida conforme suas duas instâncias de apli-cabilidade: a) emprega métodos e técnicas da arqueologia tradicional para resolver problemas forenses atuais derivados de causalidades penais distintas, como homicídios, acidentes, suicídios, catástrofes, no presente (HUNTER, 1996; CONNOR, 2007; DUPRAS et al, 2006; HUNTER, COX, 2005; UBE-LAKER, BLAU, 2007) e b) emprega métodos e técnicas das ciências forenses para resolver problemas arqueológicos tradicionais relacionados aos ca-sos de homicídios, suicídios, acidentes, catástrofes e outros relacionados à violência humana ocorrida no passado. Tanto no presente, quanto no

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3CAPÍTULO I – QUÍMICA & ARQUEOLOGIA FORENSE

REGINA PESTANA DE OLIVEIRA BRANCO – SERGIO FRANCISCO SERAFIM MONTEIRO DA SILVA

passado, a questão da violência humana constitui o problema principal que motivou o surgimento da participação da arqueologia em meio fo-rense. A Química forense, nessa perspectiva, é disciplina extremamente desejável ao arqueólogo, especialmente ao que se dedica à arqueologia em meio forense. A arqueologia forense tem sua origem enquanto disci-plina de caráter científico nos anos 70 e 80, vinculada às escavações das covas de soldados norte-americanos no Vietnã e na busca de cemitérios e valas clandestinas vinculadas a procedimentos de genocídio em massa, homicídios isolados, seriais e similares em países da Europa, Ásia, África e América durante a primeira e a segunda metades do séc. XX.

Trata-se de uma disciplina científica recente, subordinada à An-tropologia Forense (EUA, América do Sul, Portugal) ou independente (Inglaterra), que emprega métodos e técnicas da arqueologia tradicio-nal para solucionar casos criminais no presente. Constitui um aparato técnico-operacional para os exames perinecroscópicos, do local e do cadáver no local. Tem sido aplicado, comumente, em locais inidône-os de homicídios, suicídios, acidentes ou catástrofes, com presença de cadáveres que passaram por processos transformativos destrutivos ou conservadores. No Brasil, comumente sob o auxílio esporádico da Equi-po Argentina de Antropología Forense (BLAU e UBELAKER, 2009), ainda não possui uma sociedade ou equipe nacional especializada em antro-pologia e arqueologia forenses.

Os direcionamentos assumidos pelos demais países da América Latina quanto à criação de equipes nacionais de antropologia forense resultaram na criação e desenvolvimento de atividades das seguintes estruturas:

a) Asociación Latinoamericana de Antropología Forense (ALAF), uma associação civil, sem fins lucrativos, voltada ao estabele-cimento de critérios profissionais e éticos para a Antropologia Forense, promover a oficialização do uso da Antropologia e da Arqueologia Forenses na América Latina e promover o creden-ciamento dos profissionais em Antropologia Forense por meio da criação de um diretório independente, promover encontros e congressos de Antropologia Forense:

b) Equipo Argentina de Antropología Forense (EAAF);

c) Fundación de Antropología Forense de Guatemala (FAFG); o Centro de Análisis Forense y Ciencias Aplicadas (CAFCA); a Ofi-cina de Derechos Humanos del Arzobispado da Guatemala, Equipo Forense (ODHAG), na Guatemala;

d) Equipo Peruano de Antropología Forense (EPAF);

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e) Asociación Colombiana de Antropología Forense (ACAF).

Todas são financiadoras da ALAF e surgiram em meados das décadas de 1980 e 1990. Nesse contexto, a Arqueologia Forense existe subordina-da à Antropologia Forense. É parte, seção de tanatologia e arqueologia, ou seção de arqueologia forense, enfim, uma área correlata à Antropolo-gia e à Medicina Legal, preocupada com a localização, documentação e recuperação de remanescentes humanos esqueletizados ou degradados, em subsuperfície ou superfície, resultantes de causalidades penais e agen-tes lesivos diversos. Entre 2009 e 2011, a retomada das buscas de corpos de desaparecidos há 30 anos na região do Araguaia, durante os eventos de guerrilha, ocorre com a participação de equipes multidisciplinares de policiais federais, peritos e geólogos, contando, eventualmente, com o acompanhamento de arqueólogo.

A Arqueologia tradicional ou especificamente produzida nas univer-sidades e centros de pesquisa trabalha com princípios básicos, como a es-tratificação, superposição e a fragmentação, relacionados aos objetos de cultura material inumados (artefatos, ecofatos) e os métodos e técnicas de campo e laboratório viáveis para o seu estudo. Essa arqueologia acadê-mica possui uma especificidade na sua produção e reprodução científica que complementa a sua versão forense, e vice-versa.

Uma linha da arqueologia forense desenvolveu-se nos EUA e Inglater-ra entre 1970 e 1990 em decorrência de solicitações de agências policiais referentes ao aumento das demandas para busca, localização e escavação de vestígios enterrados e associados a cenas de crimes: 1 – em investiga-ções de homicídios domésticos (HUNTER, 1994; COX, 2001; HUNTER et al, 1996; MORSE et al, 1976; CONNOR e SCOTT, 2001); 2 – há 15 anos, em investi-gações de crimes de guerra, genocídios e homicídios políticos (EAAF, EPAF, CONNOR e SCOTT, 2001; JOYCE e SOVER, 1991; SCHMITT, 2002; WRIGHT, 1995); 3 – recentemente, em grandes desastres e cenas associadas a atos de ter-rorismo (Gould, 2002, 2003). A EAAF foi criada em 1984, com objetivo geral de aplicar as ciências forenses na investigação e documentação das violações aos direitos humanos.

Outra definição considera a Arqueologia Forense como a aplicação de métodos e princípios arqueológicos em contextos forenses, como a aplicação de princípios e técnicas arqueológicas em um contexto médico-legal e/ou um contexto humanitário, envolvendo evidências inumadas (UBELAKER e BLAU, 2009, p. 21 e 22). Dedicando somente dois capítulos a essa disciplina, esses autores preferem se ater a uma Antropologia Foren-se, investindo em conceitos seminais sobre esta disciplina:

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REGINA PESTANA DE OLIVEIRA BRANCO – SERGIO FRANCISCO SERAFIM MONTEIRO DA SILVA

a) Parte da antropologia física que, para propósitos forenses, lida com a identificação de remanescentes mais ou menos esqueleti-zados, suspeitos ou não de serem humanos. (STEWART, 1979);

b) Um campo multidisciplinar que combina antropologia física, ar-queologia e outras áreas da antropologia com as ciências foren-ses, incluindo a odontologia forense, patologia forense e crimi-nalística (ISCAN, 1981, p. 10);

c) Uma subdisciplina da antropologia física que aplica as técnicas da osteologia e biomecânica em problemas médico-legais (REICHS, 1998, p. 13);

d) A identificação de remanescentes humanos ou similares para propósitos médico-legais (BLACK, 2006);

e) A aplicação de conhecimentos e técnicas da antropologia física para problemas de significância médico-legal (UBELAKER, 2006, p.4);

f) A aplicação da antropologia física em contexto forense (CATTANEO, 2007, p. 185).

Essas definições expressam a complexidade da disciplina e a impor-tância dos aspectos legais do trabalho do antropólogo forense para UBE-LAKER e BLAU (2009). Entretanto, uma distinção deve ser feita: os antropó-logos e arqueólogos forenses aplicam, respectivamente, os princípios da antropologia biológica e da arqueologia em processos da justiça (COX, 2009, p. 29). Tanto a antropologia forense quanto a arqueologia forense podem ser aplicadas nos seguintes contextos: 1) em casos de investiga-ção de crimes domésticos pela polícia; 2) em investigações internacio-nais de crimes de atrocidade; 3) em missões humanitárias relacionadas a crimes de atrocidade; 4) junto ao Ministério da Defesa e em casos de comissões sobre crimes de guerra; 5) em eventos de fatalidade de mas-sa incluindo os antropogênicos (acidentes em transportes de massa ou ataques terroristas) e os desastres naturais; 6) na educação superior e 7) no treinamento profissional para a identificação de vítimas de desastre e crimes de atrocidades.

Para ambas as disciplinas de uso forense, são problemas essenciais: a) a distinção entre remanescentes não humanos X remanescentes huma-nos; b) a distinção entre remanescentes humanos de interesse forense X não forense; c) o problema da mistura de remanescentes ósseos de indi-víduos diferentes.

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Quanto ao problema da distinção entre ossos de seres humanos e não humanos, devem ser considerados a análise morfológica macroscópica do crânio, dentes, coluna vertebral, costelas, pelve, cintura escapular, ossos longos, mãos e pés; a análise microscópica de microestruturas histológi-cas; a análise radiográfica e o emprego de métodos biomoleculares.

Figura 1 – Ossos de canídeo coletados e encaminhados ao Laboratório de Antropologia do Instituto de Identificação de São Paulo na década de 1930 (documento histórico disponível no Museu da Polícia Civil de São Paulo).

Não são incomuns os casos de investigações que acabam por confun-dir ossos de animais com ossos humanos, como mostra a figura 1. Esse problema acentua-se quando os ossos encontrados apresentam-se muito fragmentados e com caracteres morfológicos similares aos de ossos huma-nos. São imediatamente identificados como humanos fragmentos da região da tuberosidade massetérica de mandíbulas de caprinos, molares de suí-nos, ossos de mamíferos e aves imaturos ou em estágios de crescimento (fetos), queimados ou não, entre outros, como costelas, corpos vertebrais e fragmentos de crânios de suínos, caprinos e bovinos jovens. A laminação de amostras e a análise microhistológica comparativa é sempre desejável.

A datação dos remanescentes, objetivando a diferenciação dos mate-riais de interesse forense e não forense deve considerar as análises morfo-lógicas; químicas; as análises imunológicas: atividade serológica residual da proteína do osso, decréscimo de lipídeos do osso; exames histológi-cos, análises por colorimetria e cromatografia; a verificação das condições ambientais: fatores bióticos e os estudos de radioisótopos (isótopos ra-dioativos). Nesse sentido, a química forense é extremamente importante

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7CAPÍTULO I – QUÍMICA & ARQUEOLOGIA FORENSE

REGINA PESTANA DE OLIVEIRA BRANCO – SERGIO FRANCISCO SERAFIM MONTEIRO DA SILVA

para a Arqueologia, em diversas instâncias operacionais, de pesquisa bási-ca, aplicada e geração de produtos, e está sempre estabelecendo relações inter e multidisciplinares.

O problema dos remanescentes humanos em covas coletivas, com mis-tura de elementos anatômicos pode ser solucionado a partir da considera-ção dos aspectos seguintes: a proporção das escalas do incidente: pequena (não há muitas porções de corpos dissociadas e o número de indivíduos é pequeno – remanescentes articulados) ou grande (grande número de indivíduos e extrema fragmentação com mistura de partes – remanescentes desarticulados); a recuperação e documentação em campo: documenta-ção e retirada controlada dos remanescentes em ordem, para preservar a evidência contextual de campo; a triagem laboratorial; a triagem (parea-mento, articulação, eliminação, DNA) pela reconstituição e início do pro-cesso de segregação por elemento tipo, lateralidade, tamanho, critério de idade, estabelecimento do perfil biológico (idade, sexo e estatura – sinais de envelhecimento), pareamento (D-E) visual pela associação de homólo-gos (pareados e não-pareados), verificação dos graus de articulação: graus de congruência – forte (crânio/mandíbula, vértebras, 5L/sacro, úmero/ulna, osso do quadril/sacro, tíbia/tálus, ulna/rádio, metatarsianos, metacarpianos, tarso, metatarso), moderada (crânio/atlas, tíbia/fíbula, fêmur/tíbia, osso do quadril/fêmur, patela/fêmur, navicular ou escafoide /radio, carpo, carpo/me-tacarpo) e fraca (costelas/vértebras torácicas, manubrium/clavícula, úmero/escápula); uso de base estatística sólida de segregação de ossos por com-primento e largura (comparação osteométrica com modelos de regressão eficazes); tipificação da robustez e gracilidade corporal; identificação das alterações tafonômicas; uso do processo de exclusão ou eliminação (em pequenas escalas); estabelecimento do perfil do DNA (nucDNA para Short Tandem Repeat – STR, mtDNA); quantificação: MNI (minimum number of individuals) e MLNI (most likely number of individuals).

Outros problemas relacionados aos procedimentos antropológicos em meio forense e que se relacionam tangencialmente à arqueologia em meio forense, temos a determinação da ancestralidade, diagnose de sexo, estimativa da idade, cálculo da estatura, traumas, tafonomia, queima e o problema da análise do sistema maxilo-mandibular, objeto específico da Odontologia Forense.

A determinação da ancestralidade (ou, segundo ÍSCAN e LOTH, 1997, o grupo racial) pode considerar as análises da morfoscopia craniana: cranioscopia, da morfometria craniana: craniometria, das funções dis-criminantes, análise diferencial de caracteres dentários (epigenéticos) e

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diferenciação osteométrica (caracteres epigenéticos, morfológicos carac-terizadores de grupos de ancestralidade distintos).

O problema da diagnose de sexo, sob a perspectiva da antropologia forense, considera as técnicas empregadas para a estimativa de sexo a par-tir dos traços dimórficos observáveis a partir da macromorfoscopia da pel-ve: vista ventral, púbis (arco ventral, concavidade subpúbica, ramo isquio-púbico, tubérculo púbico, escaras de parto, incisura isquiática maior); da macromorfoscopia e macromorfometria do crânio: 5 caracteres relativos a relação robustez/gracilidade ou masculinidade/feminilidade; e da mor-fometria dos ossos longos, com o diâmetro máximo da cabeça (fêmur, úmero, rádio); assim como a identificação da amelogenina, pelas análises bioquímicas, entre outros, como adornos pessoais e dispositivos contra-ceptivos intrauterinos, entre outros.

A estimativa da idade à morte ou idade biológica considera os seguin-tes problemas teóricos e práticos: a) estimativa de idade em subadultos1 e adultos; b) idade fisiológica x cronológica (sínfise púbica, superfície auricular, suturas cranianas, morfologia das costelas e uso de técnicas de análise dentária – odontogênese, oclusão, desgaste, perda); c) análise es-tatística de mudanças relacionadas à idade em esqueletos; d) combina-ção de informações de múltiplos dados indicadores de idade (método de GUSTAFSON, 1950; TOOD, 1920; AIELLO e MOLLESON, 1993, entre outros); e) perspectiva populacional/cultura é força que afeta e interage com a bio-adaptação ou modo humano de adaptação que estabelece método para testar hipóteses que envolvem interação entre elementos biológicos e culturais adaptativos – a bioarchaeology de BUIKSTRA (1977); f) novas tec-nologias de imagens 3D e micro TC scans podem refinar os métodos tra-dicionais de cálculo etário; g) revisão de métodos de estimativa etária pe-los dentes: técnicas macroscópicas, exame da microestrutura do esmalte, anulação do cemento e racemização da dentina por aminoácidos, todos objeto da Odontologia Forense; g) a paleodemografia traz contribuições para a compreensão da idade em esqueletos: temas como subadultos x adultos e sua estimativa de idade, idade cronológica X idade fisiológica, incluindo a variabilidade intra e interpopulacional, análises estatísticas, gradação e combinação de indicadores etários, indivíduo X população; h) estimativa da idade pela histologia: fatores que afetam a idade – variância

1 O termo subadulto vem sendo alvo de críticas no sentido de que possui estágios re-lativamente distintos e passíveis de identificação. A permanência de terceiros molares inclusos e de dentes decíduos em adultos seriam indicadores de caracteres de suba-dultos nos mesmos e casos de craniosinostose (patologia) em subadultos poderiam indicar característica de senilidade nos mesmos. Existe imprecisão terminológica.

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REGINA PESTANA DE OLIVEIRA BRANCO – SERGIO FRANCISCO SERAFIM MONTEIRO DA SILVA

nas remodelações, variação populacional, variação específica para sexo, atividade física em vida, diagênese (fatores tafonômicos que afetam a inte-gridade estrutural e bioquímica e aparência do osso), variáveis intrínsecas e extrínsecas afetam a histomorfometria dos ossos e não são controláveis no contexto forense.

O cálculo da estatura durante a vida pode aceitar, com adaptações, em esqueletos completos os seguintes métodos: método anatômico (DWIGHT, 1894), que considera a somatória da altura basion-bregma em cm, as alturas anteriores dos corpos vertebrais (C3 até L5), altura anterior da S1, comprimento bicondilar do fêmur, comprimento fisiológico da tí-bia e altura do tálus/calcâneo orientados de acordo com o ângulo de cur-vatura do arco longitudinal do pé somados aos valores sugeridos em uma tabela (FULLY, PINEAU, 1960, p.145); em ossos longos completos: método matemático (PEARSON, 1899); em ossos longos fragmentados: fórmulas de regressão atuais. O cálculo (estimativa) da estatura é um importante com-ponente na identificação forense e o emprego desses métodos oferece re-lativa acurácia, considerando-se os efeitos da idade, sexo e ancestralidade nas fórmulas de regressão e a sua relação com as amostras em estudo e os métodos de obtenção e processamento estatístico dos dados obtidos.

A observação de traumas na área forense inclui, em geral, a distinção entre aqueles causados ante mortem, peri mortem e post mortem. Nos casos de traumas ante mortem são consideradas as seguintes abordagens: o estudo das injúrias do tecido ósseo: fratura, tumores, infecções, desor-dens genéticas; estudo da patogênese das fraturas: normais e patológicas; os tipos – acidental, intencional, cultural, terapêutico; os tipos de fratu-ras: por tensão ou tração, compressão, rotação ou torção, flexão e cisa-lhamento; a presença de reações ósseas ao trauma: consolidação normal, consolidação anormal e reações secundárias dos ossos; e as questões que determinam as formas de análise dos traumas ante mortem: a) o trauma foi causado post mortem ou não? b) Caso seja uma alteração verdadeira, foi causada ante, peri ou post mortem? c) caso seja ante mortem, é de etiologia morfológica ou patológica? d) Como alteração patológica, é de etiologia traumática? e) quando de etiologia traumática, é possível inferir quando a fratura ocorreu – ao longo do tempo antes da morte ou imedia-tamente depois?; a interpretação de evidências de remodelação do osso e sua relação com a cronologia: quanto à natureza e severidade do trau-ma, quanto ao tempo decorrido desde o trauma, montante, grau e tipo de cura, existência/inexistência de infecção, a presença/ausência de sinais de tratamento e a determinação médico-legal do valor dos traumas ante mortem para a antropologia forense.

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10 QUÍMICA FORENSE – AMPLIANDO O HORIZONTE DA PERÍCIA REGINA PESTANA DE OLIVEIRA BRANCO

Os traumas peri mortem referem-se a alguma injúria ou lesão ocor-rida no corpo durante o momento da morte e que pode ter afetado o osso e/ou os tecidos moles (ROBERTS, 1991, p. 226). Envolve o estudo da biomecânica das fraturas ósseas; da propagação, extensão e morfo-logia das fraturas; das formas de fratura craniana: LE FORT I, II e III; das características gerais dos traumas peri mortem: classificação puntifor-me, cortante, contundente, perfurante e contundente e da distinção dos pseudotraumas e pseudolesões.

Os estudos tafonômicos envolvidos tanto na Arqueologia quanto na Antropologia forense incluem a verificação da presença de fatores ambien-tais (externos: a cova, geotafonomia); fatores comportamentais (externos: agentes do delito); fatores individuais (internos: o corpo, biotafonomia); localização dos remanescentes: ambientes de florestas, áreas de cultivo e agricultura, áreas urbanas, entre outros; e a descrição e proposta de mé-todos de recuperação dos remanescentes, histórico da região, descrição detalhada das condições físicas dos remanescentes humanos no labora-tório (todas as modificações foram identificadas?), conhecimento dos fa-tores tafonômicos relevantes que ocorrem em vários ambientes (como o local difere de outros?), observações ecológicas comparativas.

Quanto ao problema dos remanescentes humanos queimados e esqueletizados, convém considerar o contexto arqueológico dos mes-mos; o desenvolvimento dos métodos e técnicas: mudanças naturais na estrutura dos cristais de hidroxiapatita da matriz inorgânica do osso; a adoção de técnicas inovadoras de microscopia; a observação de mudan-ças pelo SEM (scanning electron microscopy), imagens por ressonância magnética; e as implicações da queima intencional para a efetiva identi-ficação da vítima.

A Odontologia forense, disciplina relativamente recente e certamen-te independente da Antropologia e da Arqueologia em meio forense, con-sidera a durabilidade das estruturas dentárias nos locais inidôneos; a pre-sença de evidências de tratamentos dentários, registros odontológicos, nomenclaturas e notação; a possibilidade de estimar a idade biológica pelo estudo dentário; a identificação e comparação de traços de paren-tesco em dentes e na dentição; e a relação entre a advocacia e os Direitos Humanos com a Odontologia forense.

Sob a perspectiva da Antropologia Forense nos EUA, a partir da con-tribuição contínua de antropólogos físicos no sistema médico-legal gera-da pela necessidade de experts em análises de esqueletos, instituiu-se a Physical Anthropology Section da American Academy of Forensic Sciences

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REGINA PESTANA DE OLIVEIRA BRANCO – SERGIO FRANCISCO SERAFIM MONTEIRO DA SILVA

(AAFS), estabelecida em 1972. O foco estava concentrado nas característi-cas biológicas humanas de uma população e no isolamento de cada ser humano como uma única entidade (ÍSCAN e LOTH, 1997). Os centros de prática da antropologia forense para estudar os vários aspectos de rema-nescentes esqueletais humanos encontrados em contextos médico-legais voltam-se ao estabelecimento da identidade e, quando possível, da causa da morte e circunstâncias envolvidas no evento: análise de imagens da face, reconstrução, identificação e comparação de dados ante mortem e post mortem. São significativas a identidade individual e a produção de um atestado de óbito.

Especificamente sob a égide da Antropologia Forense, ÍSCAN e LOTH (1997) sugeriram e destacaram as seguintes instâncias de competência:

a) Identificação humana: os graus de certeza sugeridos incluem a identificação possível, indeterminada (inconclusiva) e a positi-va;

b) Fatores tafonômicos: incluem o tempo desde a morte e a análise de ossos queimados;

c) Características demográficas (big four): idade, sexo, ancestrali-dade (raça), estatura (e conformação, como robusticidade, fra-gilidade, entre outros);

d) Identificação pessoal: individualização, superimposição de ima-gens faciais, comparação fotográfica e reconstrução facial;

e) Causa da morte (causa mortis): traumas e doenças.

A Antropologia Forense de ÍSCAN e LOTH (1997) se expande dramati-camente nos passos do desenvolvimento tecnológico da nossa época e desconsidera a existência dos arqueólogos forenses. A visão de grupos raciais caucasóide, mongolóide e negróide permeiam as concepções an-tropológicas dos autores. Até mesmo, a retirada de esqueletos de campo é sistematizada, mas somente a partir da evidenciação e das etapas ante-riores, de competência dos arqueólogos forenses.

Nesse sentido, ÍSCAN e LOTH (1997) estabeleceram uma sequência e direção para a retirada dos ossos em campo, sob o viés da observação do médico legista, desconsiderando as especificidades do contexto ar-queológico e da deposição mortuária. Convém, para os autores, retirar o esqueleto de campo na seguinte ordem: 1) ossos dos pés, no sentido proximal-distal; 2) ossos das mãos, sentido proximal-distal; 3) patelas; 4) tíbias, no sentido proximal-distal; 5) fíbulas, retiradas lateralmente; 6) fêmures, dos terços proximais para os distais; 7) rádio e ulna; 8) úmero,

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12 QUÍMICA FORENSE – AMPLIANDO O HORIZONTE DA PERÍCIA REGINA PESTANA DE OLIVEIRA BRANCO

do terço proximal para distal, lateralmente; 9) epífise ilíaca (crista ilíaca em indivíduos imaturos); 10) crânio e mandíbula; 11) clavículas; 12) es-terno; 13 ) costelas; 14) osso do quadril (coxal ou ilíaco); 15) vértebras coccígeas; 16) sacro; 17) vértebras lombares (da L5 até L1); 18) escápu-las; 19) vértebras torácicas (da T12 a T1); 20) vértebras cervicais (da C7 a C1). A partir desses dados, podemos considerar a principal preocupação de ÍSCAN com o corpo humano, independentemente do seu contexto de deposição. É evidente que a antropologia forense não caminha sob os mesmos parâmetros da arqueologia forense, tornando-se, ambas, com-plementares em muitos dos aspectos descritos acima.

Nesse sentido, o emprego exclusivo de técnicas arqueológicas de campo reduz o potencial da aplicação da arqueologia, enquanto disciplina científica, durante uma investigação criminal: abre-se um campo aos não profissionais de arqueologia, os técnicos e aos procedimentos periciais de assistentes, assessores, sempre em caráter ad-hoc, essencialmente com-plementar e, eventualmente descartado no decorrer das investigações. O conceito “contexto arqueológico” é pertinente à teoria da arqueologia e a sua abordagem técnica prévia ou a posteriori, está relacionada aos con-ceitos da disciplina. Assim, uma Arqueologia preocupada com problemas forenses considera aspectos teóricos, juntamente com os da prática de campo e laboratório: os equipamentos surgem para instrumentalizar o arcabouço teórico envolvido, as problemáticas e suas possibilidades de resolução. A investigação criminal apresenta uma dinâmica própria, que finda com a resolução do caso e das implicações forenses subsequentes, de natureza civil e penal.

No início do próximo milênio, a arqueologia forense mostrar-se-á como uma pequena e promissora ciência (CONNOR, 2007). Essa Arqueolo-gia do combate ao crime (Archaeological Crime Fighters) se destaca pela aplicação do conhecimento arqueológico as situações forenses, para além das séries de TV (CSI, Bones, entre outros) e da filmografia de Indiana Jo-nes, motivos geradores do interesse pela sistematização de procedimen-tos forenses em locais inidôneos de encontro de remanescentes huma-nos esqueletizados, em especial no Brasil. Aqui, a arqueologia, em pleno desenvolvimento, acabou sendo considerada possível em meio forense nas décadas de 1980, 1990 e, finalmente sendo aceita no interior da insti-tuição policial judiciária entre 2004 e 2009, ainda como um agregado de técnicas de uso viável a qualquer especialista criminal, de qualquer área da ciência, como os peritos criminais e os médicos legistas, desvinculada de um substrato teórico mínimo e desconsiderando a existência de uma arqueologia forense independente, como a entomologia forense.

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13CAPÍTULO I – QUÍMICA & ARQUEOLOGIA FORENSE

REGINA PESTANA DE OLIVEIRA BRANCO – SERGIO FRANCISCO SERAFIM MONTEIRO DA SILVA

Inicialmente com ênfase na Antropologia Forense trazida pelo Dr. DOUGLAS UBELAKER, em curso ministrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2002, e nos empenhos de pesquisadores da FIOCRUZ, uma Antropologia se sobrepõe como disciplina secular para uso em meio fo-rense, próxima da medicina legal e das técnicas da antropologia biológica e suas correlatas, a bioarqueologia e a paleopatologia. A partir de 2004, com a criação e aceitação de um curso especial de arqueologia forense na polícia judiciária de São Paulo e um estudo sobre o estado precário das perícias antropológicas nas capitais brasileiras mais violentas empreendi-do por LESSA (2005), inicia-se um promissor período de contatos e trocas de experiências entre arqueólogos e profissionais forenses. Inexistentes até o momento, simpósios brasileiros de Arqueologia Forense seriam im-portantes veículos de comunicação de conhecimentos e experiências e estabelecimento de intercâmbios entre os profissionais afins e a socieda-de, assim como ocorreu com a Entomologia Forense, a qual está repre-sentada pela Associação Brasileira de Entomologia Forense.

No início de 2009, o empenho da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça do Brasil gerou, via portaria ministerial nº 187, de 9/02/2009, a criação do grupo de trabalho para a criação da Unidade Nacional de Antropologia e Arqueologia Forenses (UNAAF). Sob a perspectiva de uma força tarefa, o GT1 iniciou seus trabalhos em maio do mesmo ano. Assim como o GT para a criação da UNEF (Unidade Nacio-nal de Entomologia Forense), ocorrida anos antes, contando com dois simpósios brasileiros de entomologia forense e a criação de uma Associa-ção para a área, o novo GT deverá resultar na criação efetiva de unidade federal ou unidades regionais de antropologia e arqueologia forenses, simpósios e associações na área. A questão dos desaparecidos durante o período da repressão política no Brasil retoma a pauta com a questão da Guerrilha do Araguaia e as covas clandestinas de presos políticos no cemitério de Perus, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Sob o viés da bus-ca de inumações clandestinas resultantes de atos de terrorismo de Esta-do, similarmente as intensivas atividades da EAAF (Equipo Argentina de Antropología Forense), isoladas ações de acadêmicos do Rio de Janeiro mostraram-se insuficientes diante do problema.

Mais especificamente, ainda buscando distinguir as especificidades entre a antropologia forense e a arqueologia forense, são atributos ou competências da primeira os conhecimentos que se seguem (DUPRAS et al., 2005):

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a) Estudo do perfil biológico: indicadores esqueléticos de sexo, idade da morte, ancestralidade e estatura;

b) Estudo das características esqueléticas individuais únicas ou va-riação genética e adquirida do esqueleto;

c) Estudo do crescimento do esqueleto humano (ter familiaridade com remanescentes ósseos de fetos, infantis e juvenis);

d) Estudo do desenvolvimento dentário, morfologia e variação;

e) Conhecimento de patologia esqueletal e dentária;

f) Identificação de remanescentes humanos e não humanos;

g) Análise de traumas: distinção entre modificações ante mortem, peri mortem e post mortem;

h) Conhecimento dos processos tafonômicos como a decomposi-ção, ação da água e atividade animal, essa informação pode ser usada para determinar o tempo ou intervalo post mortem;

i) Determina contextos dos remanescentes ósseos humanos: dis-tinção entre procedência arqueológica, histórica, de cemitério e anatômica;

j) Experiência na análise de remanescentes queimados;

k) Conhecimento sobre análise radiográfica e demais recursos da imaginologia médica de dentições, ossos e objetos;

l) Teoria e metodologia associadas com o uso do DNA mitocon-drial e nuclear para a identificação;

m) Anatomia dos tecidos moles;

n) Outras técnicas de identificação como a reconstrução facial.

Sobre os níveis de conhecimento e técnicas associadas à Arqueologia Forense, segundo DUPRAS et al. (2005), temos:

a) Métodos de pesquisa no terreno (mudanças ambientais associa-das com enterramentos);

b) Técnicas de prospecção (bússola, teodolito, estação total);

c) Métodos de pesquisa geofísica (GPR, prospecção eletromagnéti-ca, detectores de metais);

d) Análise e descrição da formação do sítio/local;

e) Técnicas de mapeamento;

f) Controle espacial (estabelecimento de datum, GPS, setorização e quadriculamento);

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15CAPÍTULO I – QUÍMICA & ARQUEOLOGIA FORENSE

REGINA PESTANA DE OLIVEIRA BRANCO – SERGIO FRANCISCO SERAFIM MONTEIRO DA SILVA

g) Uso de equipamentos pesados (quando o uso é apropriado e como podem ser empregados durante as escavações);

h) Técnicas de escavação (incluindo triagem);

i) Conhecimento básico de anatomia de esqueletos humanos e não humanos;

j) Coleta, documentação e preservação de artefatos;

k) Registro de campo (moldagem de marcas de evidências, fotogra-fia e filmagem digitais, documentação);

l) Coleta de amostras de campo (solo, botânicas, entomológicas);

m) Coleta e preservação de remanescentes ósseos humanos e evi-dências associadas.

n) Estabelece sequência e datação dos eventos;

o) Providencia evidências para a identificação do morto;

p) Identifica grupos étnicos, religiosos e/ou culturais;

q) Auxilia na determinação do modo para a determinação das cau-sas da morte;

r) Determina onde a morte ocorreu;

s) Determina o local para onde o corpo foi movido após a morte;

t) Auxilia na reconstituição do local de crime;

u) Relaciona locais de crime e eventos associados;

v) Determina ações do delito;

w) Determina evidências para identificar os agentes do delito.

A arqueologia empregada em meio forense também apresenta os se-guintes objetivos auxiliares:

a) Reconhecer solos revolvidos;

b) Remover solos mantendo a matriz estável;

c) Indicar a aplicação correta de maquinários para remoção de solos;

d) Registrar a localização de objetos em 2D ou 3D e representá-los em plantas, imagens digitais e fotografias;

e) Apresentar conhecimento e competência na escavação de rema-nescentes humanos;

f) Reconhecer quando outros profissionais devem participar, como geólogos, botânicos, químicos e outros;

g) Definir os processos de escavação e recuperação de evidências em contextos de locais de crimes;

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h) Divulgar conhecimento arqueológico;

i) Delimitar a extensão do local de crime a ser escavado;

j) Identificar os fatores formativos do depósito relacionado a even-to criminoso que afetaram suas características no decorrer do tempo;

k) Expor a estratigrafia dos eventos específicos relevantes para a investigação do local;

l) Identificar as evidências físicas no interior do depósito, como fios, cabelos, fibras e outras e demonstração de suas relevâncias para o caso;

m) Identificar as evidências físicas na superfície do depósito, como fios, cabelos, pegadas, fibras, e suas relevâncias para o caso;

n) Identificar as influências tafonômicas nas evidências e no corpo;

o) Determinar estratégias para otimizar/potencializar o registro e recuperação de cada evidência;

p) Apreciar acumulações de evidências em exames restritos a se-quências de características arqueológicas e depósitos que refli-tam movimentações no decorrer do tempo;

q) Identificar os níveis de conservação das evidências recuperadas;

r) Enfatizar que as formas de planejamento, registro, mensuração e custódia são imprescindíveis para produzir dados arqueológi-cos competentes para a Justiça.

Abaixo, CONNOR (2006) identifica os principais métodos usados para localização de remanescentes humanos em subsuperfície ou submersos, suas vantagens, limitações e custos:

Método Vantagens LiMitações Custo

Fotografia aéreaVisualização de

amplas áreas e locais inacessíveis

Não contempla todas as escalas, prejudicada pela vegetação,

nuvens, não detecta evidências de subsuperfície

Alto

Cães farejadores Rápidos e eficientes Nem todos os cães e treinadores estão aptos

Baixo, voluntariado

Resistividade elétrica

Depende da composição do solo

Baixa sensibilidade em áreas com metais e fios Médio

EM (prospecção eletromagnética)

Detecta objetos no subsolo e é

um equipamento relativamente pequeno

Suscetível a interferência por objetos com propriedades

magnéticas e elétricasMédio

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17CAPÍTULO I – QUÍMICA & ARQUEOLOGIA FORENSE

REGINA PESTANA DE OLIVEIRA BRANCO – SERGIO FRANCISCO SERAFIM MONTEIRO DA SILVA

GPR

Uso universal, mensuração contínua

e penetração em subsolo (depende da

antena)

Pouco eficaz em solos pedregosos e argilosos, em áreas muito

perturbadas e misturadas, uso ruim em locais topograficamente

desfavoráveis

Alto

Magnetômetro

Uso universal, eficaz em subsolo,

relativamente simples de operar, muitos

modelos são portáteis

Complexa interpretação, sensível a objetos metálicos em superfície

e objetos pequenosAlto

Detectores de metais

Rápido e simples de operar

Pouca penetração e detecta somente objetos metálicos

Pode estar disponível para

a Polícia

Varredura sistemática por caminhamento

(prospecção por caminhamento)

Rápida e simples

Anomalias de superfície podem não ser observadas, pessoas não

treinadas podem não observar anomalias no solo e na vegetação ou estruturas construídas, pisos,

etc.

Custo de pessoal

Trados Rápidos, simples e eficazes

Presença de rochas no subsolo, dano eventual aos remanescentes

humanosBaixo-médio

Testes no solo (Zinco/Cobre,

fosfato)

Pode detectar áreas de subsuperfície com presença de

remanescentes ósseos

Os elementos podem não estar em acúmulo significativo e

contrastante no terrenoBaixo

Topografia e vegetação Rápido Anomalias podem não ser

observáveis macrosco picamente Baixo

TrincheirasÉ um método de prospecção de subsuperfície

Pode danificar evidências se não for efetuado sistematicamente, é

invasivo

Depende dos equipamentos empregados

Testemunhas

Podem indicar a exata localização, estão

envolvidas direta ou indiretamente com o

caso

Fiabilidade, memória Baixo

Fonte: adaptado de Connor, (2006).

Assim, os arqueólogos forenses são muito mais flexíveis em suas abordagens, adaptando seus métodos de acordo com o local de crime (HOSHOWER, 1998). Cabe aos arqueólogos forenses, a priori: 1º – Utili-zar métodos e técnicas arqueológicas para compreender e interpretar as transformações na prolongada história de um crime, os eventos ta-fonômicos que afetaram um sítio desde a sua formação; a interpretação dessas transformações é vital durante as intervenções arqueológicas; 2º – Reconstruir e interpretar os eventos que ocorreram desde que o

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local de crime foi criado e o corpo depositado, mantendo o controle das intervenções por uma cadeia de custódia.

A aplicabilidade em meio forense da antropologia e da arqueo-logia justifica-se em: a) Locais inidôneos ou não preservados: os ves-tígios produzidos pela prática do evento não foram mantidos em sua originalidade, no espaço e tempo decorridos da sua produção e a chegada dos peritos criminais. Ocorreu uma deterioração qualitativa e quantitativa dos vestígios por ações antrópicas, biológicas, climato-lógicas, geológicas e alterações, no caso dos cadáveres, decorrentes da decomposição. Os exames de corpo de delito diretos e indiretos ficam prejudicados; b) nas exumações de cadáveres que sofreram processos redutivos, sucessivos, referentes a homicídio com ou sem ocultação do corpo, morte natural e suicídio, em catástrofes, genocídios e crimes de guerra e políticos.

Desse modo, tanto a Arqueologia quanto a Antropologia em meio forense podem ser empregadas nos casos de exumações, a saber as exumações lícitas descritas por ARBENZ (1988) e SILVA (2000): a) Exu-mação administrativa; b) Exumação judicial ou judiciária; c) Exuma-ção canônica; d) Exumação científica. São consideradas finalidades das exumações lícitas: a) transporte dos ossos para ossário ou columbário; b) mudança de sepultura de terrenos temporários para definitivos; c) reverificação da identidade; d) reverificação da causa mortis; e) veri-ficação de circunstância específica relacionada à morte; f) para fins ca-nônicos: beatificação ou santificação; g) para estudos arqueológicos* e paleoantropológicos.

A legislação relacionada com a arqueologia e a antropologia no âm-bito do caso brasileiro inclui os seguintes instrumentos:

a) Resolução SSP/SP – 194, de 2/06/1999 (Estabelece normas para coleta e exame de materiais biológicos para identificação huma-na);

b) Resolução SSP/SP – 382, de 1/09/1999 (Dispõe sobre diretrizes a serem seguidas no atendimento de locais de crime);

c) exumação judiciária e correlatos no CPP, arts. 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170;

d) Resoluções em andamento e votação da SSP/SP(sobre cadeia de custódia);

e) a Lei nº 3.924, de 26/07/1961, art 2º e correlatos constitucionais e infraconstitucionais;

f) legislação atual divulgada pelo IPHAN sobre a intervenção sistemá-tica e em depósitos arqueológicos históricos ou pré-históricos;

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g) legislação geral prevista no Direito Funerário sobre exumações lícitas – administrativas, judiciárias, canônicas e científicas e as ilícitas – vilipêndio, etc. (SILVA, 2000).

Ainda, sob o ponto de vista eminentemente arqueológico, isto é, em relação à atividade dos arqueólogos tradicionais ou vinculados às univer-sidades, sem inserção forense, temos as seguintes normas constitucionais e infraconstitucionais (AZEVEDO NETO, 2003):

naturezainstruMento

Identificação Descrição

Constitucional

Artigo 20, linha X Sobre cavidades naturais e sítios arqueológicos

Artigo 23, linha III Sobre proteção de monumentos, obras de arte e sítios arqueológicos

Artigo 216, linha VSobre conjuntos urbanos; sítios de valor histórico paisagístico, paleontológico e

arqueológico

Legislação

Decreto-Lei nº 25 Constituiu o Spahn (atual Iphan)

Lei nº 3.924/61 Dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos

Lei nº 7.542/86Dispõe sobre a pesquisa e exploração

de bens submersos, afundados ou encalhados

Portarias

06/79 – Interministerial

Aprova normas para condução de pesquisa e exploração de bens

submersos, afundados ou encalhados

07/88 – Ipahn

Estabelece os procedimentos para licenciamento de pesquisas em sítios

arqueológicos

230/02 – Ipahn

Estabelece os procedimentos para licenciamento de pesquisas em projetos

de salvamento arqueológico

Resolução Conama 01

Estabelece os fundamentos dos estudos de impacto ambiental em qualquer

forma de empreendimento e inclui o patrimônio cultural e arqueológico

Fonte: Azevedo Neto, 2003.

Atualmente, o Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Educação Superior, estabeleceu em março de 2010, como um dos te-mas abordados na formação dos alunos, dentro de referenciais curricula-res nacionais dos cursos de bacharelado em arqueologia, a Arqueologia Forense. Não computamos nestes primeiros passos da disciplina no Bra-

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sil os reflexos, ainda muito ínfimos, da portaria do Ministério da Justiça, estabelecendo o grupo de trabalho para a formulação de uma Unidade Nacional de Antropologia e Arqueologia Forenses, publicada em 2009 e a disciplina de arqueologia forense ministrada na Academia de Polícia Civil de São Paulo desde 2006.

3. CONTRIBUIÇÃO DA QUÍMICA PARA A ARQUEOLOGIA TRADICIONAL E EM MEIO FORENSE

São bastante expressivos os questionamentos sobre a intervenção humana no ambiente natural ao longo da história e o impacto por ela causado, pois existe a necessidade de se compreender as relações estabe-lecidas entre os membros da espécie e sua historicidade.

A Arqueologia é uma ciência que se dedica ao estudo das sociedades humanas através de seus vestígios materiais e das modificações que impri-miram no meio em que viveram, alterando a paisagem, fauna e flora (PAULA, 2005). Portanto, pode-se dizer que usa métodos próprios, mas necessita de conhecimentos de outras ciências, como a Biologia, as Geociências, a Físi-ca, a Genética e a Química, além de necessitar também de conhecimentos oriundos das áreas da Engenharia e Arquitetura e suas variantes forenses.

Entre os conhecimentos dos quais a Arqueologia lança mão está a arqueometria que consiste no emprego de métodos físicos e químicos, ou a associação destes, em análises de materiais arqueológicos. (PAULA, 2009). A arqueometria é uma área recente, estabelecida nos anos 60, embora os primeiros indícios de estudos arqueométricos datem de 1786 e tem prestado valiosos subsídios ao campo da identificação de objetos deixa-dos por sociedades antigas. Essa possibilidade de identificar por meio da comparação das composições químicas, chegar à caracterização e alcan-çar a origem dos materiais faz da arqueometria uma técnica analítica, de extrema utilidade no campo da criminalística.

Fica evidente a necessidade da utilização de um conjunto de conhe-cimentos, se consideramos que o estudo dos hábitos humanos implica o complexo estudo das transformações ocorridas no meio ambiente, provo-cadas por causas não naturais, isto é, pela participação humana e a iden-tificação dos seus traços de intencionalidade. Tal participação é caracteri-zada por uma dinâmica tão complexa quanto os conjuntos multiculturais dos povos e as interações ocorridas entre eles.

Segundo SILVA (2005, p. 27), “é através de escavações que são orga-nizados os dados para a interpretação do evento passado”. Os materiais encontrados em escavações são recolhidos, examinados e registrados sis-

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tematicamente com identificação e indicação das posições espaciais relati-vas que ocupavam. Como a observação representa o princípio da produ-ção do conhecimento arqueológico, é possível obter informações sobre artefatos e ecofatos utilizados por uma civilização, seus hábitos alimen-tares, vestimentas, festividades, etc., através das análises dos resquícios desses objetos, grãos ou fibras, presentes no solo (PAULA, 2005).

Os bens culturais estão sujeitos aos fatores ambientais que provocam alterações ou degradação em suas estruturas. Inicialmente, pela observa-ção, seja macro ou microscópica, é possível planejar a execução da con-servação do bem cultural, ou verificar sua procedência. As degradações provocadas pelos fatores ambientais, bem como suas extensões poderão ser avaliadas e, uma vez determinadas as alterações sofridas, torna-se pos-sível promover a restauração e conservação do material, minimizando ou impedindo que o processo de degradação continue. Na reconstrução de fatos históricos, os conhecimentos da química e seus métodos analíticos podem colaborar para o entendimento do ocorrido.

O estudo de um local arqueológico descoberto, por acaso, nos anos de 1930, nas ruínas de Dura-Europos, fortaleza romana situada à beira do rio Eufrates, atualmente região da Síria, chamou a atenção da comunida-de arqueológica (Pesquisa revela uso de armas químicas contra romanos. O Estado de S. Paulo, 16.01.2009). Foram encontrados esqueletos de sol-dados romanos empilhados nas ruínas de Dura-Europos, durante as esca-vações. Tais esqueletos se encontravam em uma galeria, e o que chamou a atenção foi que havia no local grande quantidade de enxofre cristalizado e os soldados portavam suas armas, quando morreram.

A hipótese levantada pelo arqueólogo S. JAMES, que a apresentou em um encontro no Archaelogical Institute of America, considera que a posi-ção dos corpos e o encontro de cristais de enxofre sugerem que os solda-dos morreram devido à intoxicação causada pela queima de substâncias com produção de fumos tóxicos. Textos históricos mencionam o uso de produtos fumígeos e tóxicos na antiguidade e JAMES considera que a des-coberta de Dura-Europos é uma evidência arqueológica do uso de armas químicas que aconteceu por volta do ano 256 D.C.

A compreensão dos métodos de preparação das tintas usadas pelos antigos mestres da pintura durante a Idade Média e o Renascimento, por exemplo, somente torna-se possível pela análise química do material pictó-rico. Não existem registros históricos detalhados sobre o preparo daquelas tintas e aqueles que foram encontrados são insuficientes para permitir a reprodução de toda a gama de cores e texturas utilizadas nas diferentes

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épocas da história da humanidade (BELTRAN, 2008). As informações sobre a constituição das misturas utilizadas na feitura das tintas são preciosas para o restauro de obras de arte, possibilitando que seja feito com tintas de mesma composição que as utilizadas pelo autor da obra. Identificar e re-produzir as cores de antigos objetos de arte ou pinturas somente é possível devido ao avanço da ciência e das associações tecnológicas que permitem a análise química com alto grau de certeza nos resultados. O mesmo ocorre para a identificação de obras de arte ou materiais arqueológicos quanto à sua autenticidade, originalidade ou eventual falsificação.

A identificação do tipo de fibra utilizado na confecção de vestimentas e paramentos poderá ser um dos indicadores dos diferentes níveis de complexidade das culturas humanas (FINKIELSZTEIN, 2008). No século XX iniciou-se o uso da terminologia “fibras naturais”, devido ao surgimento das “não naturais” e “mistas”, produto do desenvolvimento industrial. A análise química da fibra permite a identificação de sua constituição quími-ca e sua classificação e esses resultados podem ser comparados com os de outras, para verificação ou determinação da origem e procedência.

O estudo das cerâmicas é um dos mais importantes dentro da arqueo-logia porque elas são produtos muito resistentes às intempéries, qualidade essa que permite o estudo sobre a procedência do objeto fornecendo im-portantes informações sobre a interação ocorrida entre os povos no passa-do. (LATINI, 2001). As cerâmicas são feitas com argila e as composições das massas utilizadas para sua feitura são características de cada região, sendo muito difícil de serem encontradas duas regiões com solo de composições iguais, com as mesmas proporções dos elementos essenciais. Na massa pre-parada para a feitura da cerâmica são agregados componentes típicos da cultura que a produz, o que caracteriza o material quanto à sua composição química, imprimindo-lhe identidade. Como exemplos a serem citados, po-dem ser agregados à massa da cerâmica, materiais provenientes de casca de árvores, folhas de arbustos, conchas, pedras, espongiários, cinzas, óxidos, cerâmica moída, etc. A identidade entre dois objetos cerâmicos, recupera-dos em diferentes sítios arqueológicos pode revelar um processo migra-tório, diversificação dos modos de subsistência ou processo de interação comercial entre os povos (LATINI, 2001).

A arqueometalurgia é o estudo que reúne os métodos e os concei-tos científicos da área da metalurgia, agregando-os aos conhecimentos da arqueologia e história. Tem por objetivo estudar objetos de interesse cultural, em busca da identificação de grupos sociais para conhecimento dos aspectos econômicos e tecnológicos desenvolvidos por esses grupos.

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Os processos corrosivos observados em objetos metálicos de origem ar-queológica, tais como: estatuetas, moedas e armas poderão ser estudados através do conhecimento dos mecanismos e dos agentes de corrosão a que foram submetidos. A determinação do tipo de ataque sofrido pelas peças indicará a melhor técnica que deverá ser utilizada na estabilização e monitoramento do processo corrosivo (SOLORZANO, 2006).

A maior parte dos objetos metálicos encontrados em escavações ar-queológicas é constituída por ferro e o contato desse metal com o solo produz uma camada de oxidação conhecida por ferrugem. A oxidação ocorre em materiais metálicos e não metálicos decorrentes da reação de ataque do oxigênio presente no meio que está em contato com a peça, aos elementos ou moléculas que constituem a superfície da mesma. (COSTA et al.,1975). A eliminação das camadas oxidadas e das impurezas presentes na superfície dos objetos faz parte dos procedimentos de recuperação, mas quando o objeto é introduzido novamente na atmosfera, o processo de oxidação continua (SOARES, 2004).

Provavelmente a técnica analítica mais lembrada quando se fala em quí-mica e arqueologia, é a datação pelo Carbono 14. Essa técnica, desenvolvida por FRANK LIBBY em 1946, gerou o trabalho responsável pela concessão do Prêmio Nobel ao autor, em 1960. A técnica do Carbono 14 é bastante eficien-te na datação de materiais que contenham carbono em suas composições e eficaz para períodos compreendidos entre 40 e 50.000 anos (FARIAS, 2002).

Por meio da datação são elaborados estudos para compreender os aspectos mais significativos das atividades humanas ocorridas no passado. A datação pode ainda ser efetuada por outras técnicas escolhidas em fun-ção do material estudado. Citamos como exemplo a termoluminescência, técnica analítica empregada para analisar materiais que não possuem res-tos orgânicos, que representa mais uma possibilidade a ser considerada, quando o Carbono está indisponível ou insuficiente.

Entretanto, quando os estudos são voltados para a arqueologia fo-rense os intervalos de tempos que devem ser considerados são irrisórios, comparando com os intervalos temporais observados nos estudos das ci-vilizações antigas. Na arqueologia forense, a questão é determinar o que é mais antigo e criar uma sequência cronológica entre os fatos, por meio do estudo dos materiais questionados. Nesse caso, a química dos processos oxidativos colabora de forma importante.

Do mesmo modo como ocorre em estudos de sítios arqueológicos, certos tipos de locais, onde aconteceu um crime, por exemplo, necessitam do emprego de técnicas da Arqueologia para o estudo e entendimento do

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modo como ocorreu o fato. Os remanescentes humanos e todos os vestí-gios a eles associados são estudados sob a ótica da investigação criminal e esse conjunto de procedimentos é denominado “Arqueologia Forense” (SILVA, 2005). A Arqueologia Forense cuida, por exemplo, dos aspectos legais e jurídicos, metodológicos e técnicos relacionados à recuperação e registro do contexto da deposição de remanescentes humanos em locais inidôneos e configura-se como importante instrumento para auxiliar na determinação de caracteres do modus operandi e causa mortis de uma pessoa envolvida em uma causalidade penal específica, no passado e no presente. SILVA (2005) considera que “um aspecto relevante da arqueologia forense é constituído pelo estudo do intervalo de tempo decorrido entre a deposição e decompo-sição de corpos humanos e objetos, até as suas descobertas”.

Sem a utilização de procedimentos sistematizados ocorrerão dificulda-des em se identificar a natureza do material encontrado, para que seja rela-cionado ou não ao estudo do caso forense, isto é, se o contexto é relativo à prática de crime ou se é um achado referente à arqueologia. Entre os pro-blemas principais da arqueologia e da antropologia forenses está em saber se um vestígio é de interesse forense ou arqueológico e antropológico.

4. TÉCNICAS ANALÍTICAS COMUMENTE UTILIZADAS NO ESTUDO DE MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS E FORENSES

As técnicas de identificação dos objetos de estudo através de amos-tras não podem introduzir alterações significativas, causar destruição ou inutilizá-las, sendo inadmissível esse tipo de ocorrência. As modernas técnicas utilizadas mostram eficácia, baseadas em princípios da ciência moderna associados aos equipamentos de última geração tecnológica.

Nesse novo universo tecnológico, estão à disposição técnicas analí-ticas não destrutivas e as técnicas analíticas microdestrutivas, estas assim chamadas porque necessitam de quantidades ínfimas de material para fei-tura da análise e obtenção dos resultados, sem causar danos.

4.1. Cromatografia Gasosa (CG)

O uso das técnicas de cromatografia gasosa (GC), assim como a cro-matografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (GC-MS), possibi-lita a detecção da presença e a caracterização dos lipídios em fragmentos de cerâmica. A presença de lipídios é comumente encontrada em frag-mentos de cerâmica, ossos e outros objetos, decorrente do fato da grande resistência dessas substâncias à reação de degradação (HANSEL, 2004).

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