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UMA HISTÓRIA CRÍTICA
DO FOTOJORNALISMO OCIDENTAL
Jorge Pedro Sousa
PORTO
1998
INTRODUÇÃO
O presente livro resulta da ampliação e restruturação de um capítulo da nossa tese de
doutoramento (1997) e pretende contribuir para eliminar uma lacuna no panorama editorial
português na área das Ciências da Comunicação: a inexistência de livros sobre a história do
fotojornalismo, apesar de este assunto ser crucial para a compreensão do actual momento
fotojornalístico.
Neste trabalho, propomo-nos encarar as fotografias jornalísticas como artefactos de
génese pessoal, social, cultural, ideológica e tecnológica. É um ponto de vista que parcialmente
alarga o modelo com que Michael Schudson (1988) procurava explicar por que é que as notícias são
como são e parcialmente se opõe à visão schudsodiana, uma vez que esse autor afirmou
taxativamente que as notícias são cultura, não ideologia (Schudson, 1995, 31).
Por outro lado, estruturámos a nossa visão da história do fotojornalismo em função
de momentos determinantes para a evolução da actividade. A esses momentos demos, à falta de
melhor, o nome de "revoluções" e é com base neles que subdividimos o presente trabalho em
capítulos. Em acréscimo, falamos também da evolução histórica do fotojornalismo em Portugal,
capítulo para cuja elaboração muito contribuiu o livro Uma história de Fotografia, de António Sena,
e referimos alguns dos trabalhos mais recentes no que respeita à investigação científica sobre
fotojornalismo.
Estudar a evolução histórica do fotojornalismo é uma opção complexa. Nascida num
ambiente positivista, a fotografia já foi encarada quase unicamente como o registo visual da
verdade, tendo nessa condição sido adoptada pela imprensa. Com o passar do tempo, foram-se
integrando determinadas práticas, tendo-se rotinizado e convencionalizado o ofício, um fenómeno
agudizado pela irrupção do profissionalismo fotojornalístico. Chegaram, então, os géneros
fotojornalísticos, nomeadamente os géneros realistas, e de um reino da verdade passou-se ao reinado
do credível — como muito bem se pode ler na obra Give Us a Little Smile, Baby, de Harry Coleman,
já no final do século passado se manipulavam as imagens em função de objectivos que em nada
tinham a ver com a verdade, mas, de facto, unicamente com o credível. Ainda assim, na linha da
não-manipulação, nasce o fotodocumentalismo, que, em pouco tempo, à vontade do registo vai
sobrepor a beleza da arte. Chega-se então à ideia de fotógrafo autor e artista, criador, original.
Deste ponto, rapidamente se incorporou no fotojornalismo, em consonância com a visão da época, a
ideia da construção social da realidade, processo que em parte se nutre na acção dos media. Mas
esta foi também a linha de partida para a interpretação fotojornalística do real, até porque as
percepções que dele se têm são dissonantes da realidade em si e, neste sentido, são sempre uma
espécie de ficção. Legitimam-se, assim, os criadores-fotógrafos, que olham para si mesmos como
participantes num jogo que há muito deixou de ser um mero jogo de espelhos, para desembocar no
jogo bem mais elaborado e complexo dos mundos de signos e de códigos, de linguagem e de cultura,
de ideologia e de mitos, de história e tradições, de contradições e convenções.
Nesse âmbito, interessou-nos, neste livro, focalizar o aparecimento e a manutenção
de rotinas produtivas e convenções profissionais fotojornalísticas, um assunto muito bem
aprofundado na obra Seeing the Newspaper, de Kevin G. Barnhurst. No campo oposto, fizemos
uma incursão pelos fotógrafos-autores, aqueles que procuram traçar percursos fotográficos pessoais
ou redireccionar a evolução da fotografia. As obras de Margarita Ledo Andión, particularmente
Foto-Xoc e Xornalismo de Crise e Documentalismo Fotográfico Contemporáneo, constituiram,
neste ponto, uma pista preciosa.
É de referir que o traçado histórico-evolutivo do fotojornalismo que constitui o
presente livro corresponde apenas a uma visão pessoal dessa evolução, pois não há uma história da
fotografia, mas várias, apesar de os diversos compêndios sobre história da fotografia tenderem a
reproduzir as mesmas imagens e a realçar os mesmos fotógrafos. Neste campo, a própria selecção
de fotógrafos que fizemos, embora tanto quanto possível abrangente, não impede que muitos
contributos históricos para o fotojornalismo se mantenham na sombra — a selecção de informações
e personalidades, a este nível, será sempre problemática. De qualquer modo, não foi nossa intenção,
com este livro, fazer história, mas tão só corresponder aos propósitos já definidos, tentando
sobretudo provar a influência das pessoas, dos meios sociais, das ideologias, das culturas, das
histórias e das tecnologias na evolução do fotojornalismo, de onde o relevo dado a vários fotógrafos
de diferentes épocas, embora sem preocupações de exaustividade. Foi também nosso objectivo
contribuir para a reunião de exemplos de temas, actuações e abordagens fotográficas que permitam
ao fotojornalismo português enveredar por um fotojornalismo que, no nosso entender, será mais —e
verdadeiramente— performativo, entendendo a performatividade como matéria associável à geração
de conhecimento.
Realce-se que a própria passagem do tempo relativiza a percepção que se tem das
fotografias e da evolução do medium. Aliás, nem sequer as fotografias que entusiasmaram os nossos
pais ou avós são sempre aquelas que nos entusiasmam: a aventura do olhar é uma aventura
evolutiva. Por exemplo, num estudo de 1980 sobre as mensagens fotográficas eventualmente
patentes nas fotos de Russell Lee da era da depressão ("A study of the messages in depression-era
photos"), Paul Hightower descobriu que pessoas que viveram a depressão não viam uma pobreza tão
intensa nas fotos como aquela que perspectivavam os mais novos. No estudo, o autor coloca até a
hipótese de a credibilidade das imagens diminuir com a passagem do tempo, já que uma das
respostas que obteve sobre uma foto de uma cozinha foi que esta "não podia parecer assim!".
Vemos, assim, que a fotografia de imprensa foi percorrendo, ao longo da história, um
caminho de encontros e desencontros, inter-relacionando-se com o ecossistema que a rodeava em
cada momento e alargando o campo de visão dos seres humanos. Será esse caminho o motivo que
procuraremos descrever neste livro, de forma cronologicamente ordenada, pois essa sistematização
facilita a disposição e apreensão de dados e, consequentemente, as tarefas do autor e do leitor.
A fechar, gostaríamos de explicitar leve e brevemente do que falamos quando, neste
livro, falamos de fotojornalismo.
A noção de fotojornalismo é cada vez mais difícil de precisar, devido à
multiplicidade de fotógrafos que se reclamam do sector, mas que nem sempre apresentam unidade
na expressão e convergências temáticas, técnicas, de abordagens e de pontos de vista. Mais: o
fotojornalismo tem-se mesclado com a própria publicidade, como aconteceu nas campanhas da
Benetton. E mesmo quando se fala do fotojornalismo como a actividade orientada para a produção
de fotografias para a imprensa, repara-se que vários fotógrafos que se reclamam igualmente
jornalistas apostam noutros suportes de difusão.
Devido à complexidade do assunto, julgamos que a melhor forma de abordar o
conceito de fotojornalismo é fazê-lo em sentido lato e em sentido restrito, sendo que, em qualquer
caso, para se abordar o fotojornalismo se tem de pensar numa combinação de palavras e imagens: as
primeiras devem contextualizar e complementar as segundas.
a) Fotojornalismo (lato sensu) — No sentido lato, entendemos por fotojornalismo a
actividade de realização de fotografias informativas, interpretativas, documentais ou
"ilustrativas" para a imprensa ou outros projectos editoriais ligados à produção de
informação de actualidade. Neste sentido, a actividade caracteriza-se mais pela
finalidade, pela intenção, e não tanto pelo produto; este pode estender-se das spot
news (fotografias únicas que condensam uma representação de um acontecimento e
um seu significado) às reportagens mais elaboradas e planeadas, do
fotodocumentalismo às fotos "ilustrativas" e às feature photos (fotografias de
situações peculiares encontradas pelos fotógrafos nas suas deambulações). Assim,
num sentido lato podemos usar a designação fotojornalismo para denominar também
o fotodocumentalismo e algumas foto-ilustrativas que se publicam na imprensa.
b) Fotojornalismo (stricto sensu) — No sentido restrito, entendemos por
fotojornalismo a actividade que pode visar informar, contextualizar, oferecer
conhecimento, formar, esclarecer ou marcar pontos de vista ("opinar") através da
fotografia de acontecimentos e da cobertura de assuntos de interesse jornalístico.
Este interesse pode variar de um para outro órgão de comunicação social e não tem
necessariamente a ver com os critérios de noticiabilidade dominantes.
Em sentido restrito, o fotojornalismo distingue-se do fotodocumentalismo. Esta
distinção reside mais na prática e no produto do que na finalidade. Assim, o
fotojornalismo viveria das feature photos e das spot news, mas também, e talvez algo
impropriamente, das foto-ilustrações, e distinguir-se-ia do fotodocumentalismo pelo
método: enquanto o fotojornalista raramente sabe exactamente o que vai fotografar,
como o poderá fazer e as condições que vai encontrar, o fotodocumentalista trabalha
em termos de projecto: quando inicia um trabalho, tem já um conhecimento prévio do
assunto e das condições em que pode desenvolver o plano de abordagem do tema que
anteriormente traçou. Este background possibilita-lhe pensar no equipamento
requerido e reflectir sobre os diferentes estilos e pontos de vista de abordagem do
assunto. Além disto, enquanto a "fotografia de notícias" é, geralmente, de
importância momentânea, reportando-se à "actualidade", o fotodocumentalismo tem,
tendencialmente, uma validade quase intemporal. De qualquer modo, o
fotodocumentalismo não apresenta uma prática única: os fotógrafos podem ter
métodos e formas de abordagem fotográfica dos assuntos que os distinguem.
O documentalismo social, enquanto forma mais comum de fotodocumentalismo,
procura abordar, mais ou menos profundamente, quer temas estritamente humanos
quer o significado que qualquer acontecimento possa ter para a vida humana ou ainda
as situações que se desenvolvem à superfície da Terra e afectam a mundivivência do
Homem. Enquanto o fotojornalista tem por ambição mais tradicional "mostrar o que
acontece no momento", tendendo a basear a sua produção no que poderíamos
designar por um "discurso do instante" ou uma "linguagem do instante", o
documentalista social procura documentar (e, por vezes, influenciar) as condições
sociais e o seu desenvolvimento. Mesmo que parta de um acontecimento circunscrito
temporalmente, o documentalista social tende a centrar-se na forma como esse
acontecimento revela e/ou afecta as condições de vida das pessoas envolvidas. É
preciso, porém, não esquecer que, como disse Szarcowski (1973) a propósito do
eventual carácter documental da fotografia, tanto se pode mentir num sistema
documental como noutro.
Apesar da tentativa de destrinça, mesmo no sentido restrito o fotojornalismo continua
a ser uma actividade larga e ambígua, já que inclui fotografias de notícia, foto-reportagens e até
fotografias documentais. Apesar de tudo, parece-nos que, mesmo na actualidade, a sua ambição
máxima corresponde à mais antiga vocação da fotografia: testemunhar, com um elevado número de
cópias a preço acessível.
CAPÍTULO I
RUMO A UMA VISÃO HISTÓRICA DO FOTOJORNALISMO NO OCIDENTE(1)
A história do fotojornalismo é uma história de tensões e rupturas, uma história do
aparecimento, superação e rompimento de rotinas e convenções profissionais, uma história de
oposições entre a busca da objectividade e a assunção da subjectividade e do ponto de vista, entre o
realismo e outras formas de expressão, entre o matizado e o contraste, entre o valor noticioso e a
estética, entre o cultivo da pose e o privilégio concedido ao espontâneo e à acção, entre a foto única
e as várias fotos, entre a estética do horror e outras formas de abordar temas potencialmente
chocantes, entre variadíssimos outros factores. E é também uma história que assiste, gradualmente,
ao aumento dos temas fotografáveis, o mesmo é dizer, a uma história que assiste à expansão do que
merece ser olhado e fotografado.
Se na evolução histórica do fotojornalismo notamos essas tensões, também não é
menos verdade que existem interpretações diferenciadas desse percurso. Por alguma razão demos o
título "Uma visão…" ao presente capítulo deste livro e não o denominámos por "A história…". De
qualquer modo, parece-nos que por detrás das diversas histórias do fotojornalismo se esconde a
noção de que, pelo menos algumas fotografias jornalísticas, são poderosas — como a do suspeito
vietcong morto à queima roupa pelo chefe da polícia de Saigão. Essas fotos, se bem que não sejam
o dia a dia da profissão, permanecem como seus símbolos e correspondem às qualidades
convencionalmente tidas por desejáveis nas fotografias de notícias, mostrando também que a cultura
e as convenções profissionais são, em larga medida, transorganizacionais e transnacionais.
De facto, os historiadores, ao desvelarem a história, tendem, concomitantemente, a
impor-lhe um sentido. Por esta razão, mas também pelo facto de o significado dos produtos
fotojornalísticos derivar, em larga medida, dos propósitos e significados que às fotos foram
encomendadas pelo devir da civilização, encontramos versões da história da fotografia e do
fotojornalismo que constroem sentidos diferenciados para esse percurso.
Assim, histórias como a de Gernsheim e Gernsheim (1969), a de Geraci (1973) ou a
de Hoy (1986) propõem, de algum modo, a ideia de que a evolução tecnológica (desde as primitivas
câmaras escuras às actuais máquinas fotográficas) e estética (principalmente a partir da descoberta
da perspectiva linear, que já vem da Renascença) permitiram a representação imagética da realidade
de uma forma cada vez mais perfeita, alimentando, por consequência, a ideia de que a fotografia
seria o espelho da realidade. Eles olham para a história do fotojornalismo como se fosse composta
por fragmentos que levaram a actividade ao sítio onde hoje está, onde seria capaz de cumprir o ideal
da reflexão dos acontecimentos actuais que ocorrem na realidade para um elevado número de
pessoas. Os mais abordados desses fragmentos são os seguintes: as obras dos "grandes" fotógrafos,
elevados, com frequência, a um estatuto quase mitológico (culto dos fotojornalistas); as gravuras
pré-históricas; as câmaras escuras; a utilização de gravuras de madeira; o halftone; as primeiras
coberturas de guerra; a emergência do fotojornalismo como profissão; as revistas ilustradas; o
aparecimento das agências; o serviço de telefoto; as conquistas técnicas, que levaram à diminuição
do peso e do tamanho das câmaras, à melhoria das lentes e dos filmes, à conquista do movimento
(valorização do instantâneo e do espontâneo), ao aumento da definição das imagens e à fotografia
em interiores sem iluminação artificial; o aparecimento do flash de magnésio, a que sucedeu o flash
electrónico; o nascimento do fotojornalismo moderno na Alemanha; os fotógrafos do pós-guerra; a
Life, etc. Os livros mais recentes (e.g., Kobre, 1991) falam também da fotografia digital e do
tratamento electrónico das imagens fotográficas, salientando os perigos da sua manipulação. Outros
focalizam-se na tecnologia, chamando a atenção para a "era do grande formato" ou para a "era do 35
milímetros" (por exemplo, Gernsheim e Gernsheim (1969)).
No campo oposto, as obras de vários académicos, como Mitchell (1992), Snyder
(1980) ou Crary (1990), rejeitam a ideia de que a evolução da fotografia permitiu ao medium a
reprodução da realidade. Pelo contrário, eles sugerem que a história da fotografia é uma história de
substituição e imposição de convenções, uma história ideológica, uma história do domínio e
abandono de determinadas ideias. E mostram também que a noção de que o que cada um de nós vê
com os seus olhos é a realidade não passa de uma falácia, aliás como muitos teóricos —entre os
quais os fenomenologistas— foram advertindo e provando ao longo da história.
Newhall (1982), Freund (1989) e outros abordam o contexto histórico, económico e
social em que a fotografia se desenvolve. Newhall, mais esteta, descreve condições como as que
suportaram a demanda social de fotografias; Freund, por seu turno, dá um grande destaque à
fotografia documental e ao fotojornalismo enquanto interventores na sociedade.
Noutro prisma, Sontag (1986), Sekula (1984), Hall (1981) ou Benjamin (1986)
situaram a fotografia no contexto da cultura, das ideologias, dos mitos e dos valores, questionaram o
seu valor informativo, lançaram um olhar crítico para o papel político, ideológico e económico de
fotógrafos, actantes nas fotografias e organizações fotográficas e abordaram temas como os direitos
de autor, a estética, as técnicas e os usos sociais da fotografia. Na linha desses teóricos, Bolton
(1989) e Guimond (1991), provavelmente influenciados pelos trabalhos de Barthes (1961, 1964,
1984, 1989) e pela ideia de Foucault (1973) segundo a qual a visão pode impor um controle social,
exploram a construção de sentido da fotografia no seio da cultura.
Sociólogos e antropólogos, como Becker (1978) e Worth (1981), questionaram, por
seu turno, até que ponto a fotografia estaria relacionada com a verdade, enquanto historiadores
críticos, como Hardt (1991) e Brecheen-Kirkton (1991), duvidaram da relevância documental do
fotojornalismo, embora este último tenha salientado que os fotojornalistas, mais especificamente os
fotodocumentalistas, elegiam muitas vezes os grupos menos visíveis na cobertura jornalística
dominante como tema do seu trabalho. Os editores podem até, por vezes, segundo Phelan (1991),
escolher imagens que rompem estereótipos, padrões, rotinas e convenções.
As primeiras histórias especificamente devotadas ao fotojornalismo surgiram em
livros de apoio destinados a socializar e aculturar neófitos no ofício e a permitir aos amadores uma
aproximação às convenções profissionais (por exemplo, Kinkaid, 1936; Ezickson, 1938). Ainda
hoje são publicados livros que cumprem a mesma função (Hoy, 1986; Kobre, 1980 e 1991; Keene,
1993). Outros livros, como os do World Press Photo, os da National Press Photographer's
Association, o anuário Fotojornalismo (Portugal), o de Norback e Gray (1980) ou o de Faber (1978)
enfatizam as fotografias premiadas em concursos, frequentemente em concursos internacionais, ou
as fotografias mais "consideradas" pelo colectivo profissional, mostrando as qualidades
convencionais que, em cada momento histórico-cultural, uma fotografia jornalística deve ter para ser
considerada "boa", o que releva também a intensa profissionalização do campo. As colecções de
imagens de nomes grandes do fotojornalismo, como Capa ou Smith, trabalham no mesmo sentido,
bem como livros como o de Lacayo e Russell (1990) e as edições de agências, jornais e revistas.
Não são apenas as publicações impressas, porém, a marcar as qualidades tidas por
desejáveis na fotografia jornalística. Exposições como a The Family of Man, e respectivos
catálogos, já nos longínquos anos cinquenta, ajudaram e ainda ajudam (como as exposições da
World Press Photo) a definir rumos para a fotografia, sejam eles no mesmo sentido das fotos
inseridas nas exposições, seja em sentidos diferentes (por oposição).
Em alguns casos, todavia, é dada atenção a fotógrafos com uma produção alternativa,
como Karen Korr ou Salgado. Estes, por vezes, trazem para o fotojornalismo (entendido numa
forma vasta) a recuperação de antigas ideias ou novas concepções que superam as convenções
existentes e redireccionam a história da actividade.
Os primeiros fotógrafos foram pintores, pelo que não é de admirar que, conforme
Hicks sustenta, as grandes referências que os primeiros fotógrafos de imprensa tinham fossem as da
pintura(2); por outro lado, diz o mesmo autor, imbuídos de uma mente literária, os editores resistiram
durante bastante tempo a usar fotografias com texto, não só porque desvalorizavam a seriedade da
informação fotográfica(3) mas também, julgamos nós, porque as fotografias não se enquadrariam nas
convenções e na cultura jornalística dominante na época. Provavelmente, a associação da fotografia
à pintura e, portanto, à arte, terá sido também uma das razões que levou ao enquadramento das
imagens fotográficas publicadas na imprensa por filetes floreados e outros motivos, como se da
representação de uma moldura se tratasse.
Baynes sugere que o aparecimento do primeiro tablóide fotográfico, em 1904, marca
uma mudança conceptual: as fotografias teriam deixado de ser secundarizadas como ilustrações do
texto para serem definidas como uma outra categoria de conteúdo tão importante como a
componente escrita.(4) Hicks vai mais longe e considera que essas mudanças, ao promoverem a
competição na imprensa e o aumento das tiragens e da circulação, com os consequentes acréscimos
de publicidade e lucro, trouxeram consigo a competição fotojornalística e a necessidade de rapidez,
que, por sua vez, originaram a cobertura baseada numa única foto —a doutrina do scoop— e o
fomento da investigação técnica em fotografia.(5) A investigação teria levado ao aparecimento de
máquinas menores e mais facilmente manuseáveis, lentes mais luminosas e filmes mais sensíveis e
com maior grau de definição da imagem.(6)
Apesar das inovações técnicas, no início do século os fotojornalistas ainda operavam
com flashes de magnésio e as máquinas menores continuavam enormes, quando comparadas às
actuais. Segundo Hicks, o fumo do flash não só tendia também a impedir que se realizasse mais do
que uma fotografia por assunto como também afastava as pessoas do fotógrafo, pois o cheiro do
magnésio queimado era nauseabundo.(7) De qualquer modo, as diversas constrições terão levado,
pela imitação e pela necessidade (competição), ao aparecimento de uma das convenções mais
perenes no fotojornalismo: o cultivo da foto única(8). Esta convenção, segundo pensamos, levou os
fotógrafos a procurar conjugar numa única imagem os diversos elementos significativos de um
acontecimento (a fotografia como signo condensado) de forma a que fossem facilmente
identificáveis e lidos (planos frontais, etc.). Para isso também terá contribuído o facto de no início
do século as imagens serem valorizadas mais pela nitidez e pela reprodutibilidade do que pelo seu
valor noticioso intrínseco.(9)
Conta-nos Hicks que, no início do século, quando o fotógrafo entrava num local para
fotografar pessoas, estas paravam, arranjavam-se e olhavam para a câmara ou, em alternativa,
levantavam objecções a serem fotografadas.(10) De algum modo, o fotógrafo dominava a cena, até
devido à sua reputação de "mal-cheiroso". Hoje, recorrendo à nossa própria experiência
profissional, parece-nos que as pessoas procuram mostrar que estão à vontade e naturais, o que
demonstrará algum domínio por parte do público das actuais convenções profissionais
fotojornalísticas (fotoliteracia), que valorizam o instantâneo e o espontâneo, tal como na viragem do
século XIX para o XX as pessoas dominavam minimamente as convenções então vigentes, pelo que
posavam. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma questão de inserção histórico-cultural.
O moderno fotojornalismo terá visto a luz do dia pelos anos vinte, devido a vários
factores, entre os quais a modificação de atitudes e ideias sobre a imprensa. Barnhurst salienta que,
após a I Guerra Mundial, se valorizou a eficiência e a comodidade.(11) Essa terá sido, em conjunto
com o aparecimento de máquinas mais pequenas e providas de objectivas de boa luminosidade,
como a Leica, uma das razões que levaram à obtenção de imagens sem a cooperação dos sujeitos
fotografados e à "fotografia cândida" (candid photography).
Solomon, Man, Eisenstaedt e os seus companheiros na fundação do fotojornalismo
moderno mudaram quer o modus operandi dos fotojornalistas quer o formato das imagens. Estas
puderam tornar-se menos formais e mais vivas. O valor do espontâneo e o valor noticioso
sobrepuseram-se, quanto a nós, à nitidez e à reprodutibilidade como convenções profissionais,
embora não as substituindo totalmente (a história do fotojornalismo não é apenas uma história de
rupturas, também é uma história de reformulações). Barnhurst releva ainda que se valorizavam
também o pormenor e a emoção.(12) Szarkowski, na mesma linha, caracteriza o fotojornalismo
moderno como sendo franco, favorecedor da emoção sobre o intelecto, enfatizador da
subjectividade, redefinidor da privacidade e marcado pela publicitação da autoria.(13) E Hicks chama
a atenção para as políticas editoriais da Life e da Time, revistas em que as fotografias eram tratadas
como tendo a mesma importância que o texto e onde os editores recusavam o retoque modificador
das imagens e a sua emolduração(14), o que trouxe respeitabilidade e reconhecimento aos
fotojornalistas(15).
Szarkowski vê as fotografias de notícias como um fluxo de rostos particulares em
papéis estruturais permanentes: participantes em cerimónias, os perdedores e os vencedores, as
vítimas, o bizarro, os contestatários e os manifestantes, o jet-set e os heróis.(16) O autor observa ainda
que em parte a forma de cobertura dos acontecimentos dita o formato das fotografias: por exemplo,
na alvorada do século a maior parte das fotografias dizia respeito a cerimónias que ocorriam em
estrados e a acontecimentos planeados que se desenvolviam a cerca de 3,5 metros do fotógrafo.(17)
Aliás, sabemos também da teoria da notícia que a maneira como as organizações noticiosas
organizam a produção afecta o formato do produto, conforme se repara em trabalhos como o de
Gans (1980) ou os de Tuchman (1969, etc.).
Os livros que procuram integrar os neófitos no ofício de foto-repórter também nos
dão pistas para analisarmos a evolução e as rupturas das convenções profissionais e das rotinas. Os
primeiros desses manuais, como o de Price (1932), o de Pouncey (1946) e o de Kinkaid (1936),
advertem os fotojornalistas contra a composição formal das imagens que, segundo eles, era da esfera
da arte e dos académicos. Apesar disso, Kinkaid aconselha uma série de regras que, ao fim e ao
cabo, são regras de composição: motivo centrado, selecção do "importante" em cenários amplos,
manutenção de uma impressão de ordem no primeiro plano, correcção do efeito de inclinação dos
edifícios mais altos (o autor era norte-americano, não o esqueçamos) e manutenção da composição
simples.(18) Se exceptuarmos a ideia de que o motivo deve surgir sempre centrado, grande parte
destas regras mantem-se na fotografia de notícias.
Apesar de alguns teóricos da fotografia sustentarem que no fotojornalismo ainda
vigoram concepções anti-artísticas, como é o caso de Brecheen-Kirkton (1991), os actuais manuais
(Kobre, 1980 e 1991; Hoy, 1986; Associated Press Style Book, etc.) preconizam o aproveitamento
fotojornalístico de regras de iluminação e de composição, nomeadamente da regra dos terços. Estas
ideias, que adviriam da fotografia publicitária e da fotografia artística, ter-se-iam infiltrado no
fotojornalismo a partir dos anos sessenta.(19) Spencer, por exemplo, apela para a combinação de
elementos da arte e do design, de maneira a que as fotografias fossem mais apelativas, contribuindo,
assim, para a circulação e prestígio dos jornais e para bater a concorrência; esses elementos seriam a
enfatização do grafismo visual e a exploração de expressões de dignidade, serenidade, conforto,
prazer e semelhantes.(20)
A partir da inculcação destas últimas convenções, nos anos oitenta vemos já os
manuais a insistir em códigos compositivos baseados na assimetria do motivo (exemplificando com
o aproveitamento da regra dos terços), no enquadramento seleccionador do que o fotojornalista
entende que é significativo numa cena vasta, na manutenção de uma composição simples, na escolha
de um único centro de interesse em cada enquadramento, na não inclusão de espaços mortos entre os
sujeitos eventualmente representados na fotografia, na exclusão de detalhes externos ao centro de
interesse, na inclusão de algum espaço antes do motivo (inclusão de um primeiro plano, que deve
dar uma impressão de ordem), na correcção do efeito de inclinação dos edifícios altos, na captação
do motivo sem que o plano de fundo nele interfira (aconselhando, para tal, usar pequenas
profundidades de campo, andar à volta do sujeito para que não haja elementos que pareçam sair-lhe
do corpo nem fontes de luz indesejadas, etc.), no preenchimento do enquadramento (para o que
aconselham técnicas como a aproximação ao sujeito ou o uso de objectivas zoom), na
"agressividade" visual do close in, na inclusão no enquadramento de um espaço à frente de um
objecto em movimento, na fotografia de pessoas a 45 graus em situações como as conferências de
imprensa, etc. Desses manuais fazem parte, por exemplo, o de Hoy (1986), os de Kobre (1980;
1991), e o de Kerns (1980), embora todos eles, em consonância com Schwartz e Griffin, possam ter
recebido influências da indústria fotográfica, que terá distribuído manuais e livros ensinando as
actuais prescrições compositivas para a realização de boas fotografias.(21)
Em manuais como o de Kerns (1980) ou os de Kobre (1980; 1991) aconselha-se
também os fotojornalistas a antecipar o que fotografar e quando fotografar. Esta pré-visualização
(pre-visualizing), no entender de Barnhurst, ajuda a consolidar as rotinas fotojornalísticas.(22) Mas
não é só esta sugestão que, para nós, promove a consolidação de rotinas de abordagem
fotojornalística dos acontecimentos e a cristalização das convenções profissionais. Nos manuais
atrás citados, tal como no Le Photojournalisme (1992), no Associated Press Photojournalism Style
Book ou no Practical Photojournalism (Keene, 1993), apresentam-se também esquemas de
abordagem de acontecimentos, passíveis de aplicação a incêndios, desastres de carros, conferências
de imprensa, temas sociais e a uma vasta gama de outras ocorrências, que fomentam igualmente a
manutenção de rotinas e convenções, mas que, por outro lado, asseguram também aos
fotojornalistas, sob a pressão do tempo, a rápida transformação de um acontecimento em
(foto)notícia e a manutenção de um fluxo regular e credível (em parte pela aplicação constante do
mesmo esquema noticioso) de foto-informação. Nessa lógica, qualquer reportagem deveria
apresentar um plano geral para localizar a acção, vários planos médios para mostrar a acção, um ou
dois grandes planos para dramatizar e emocionar, etc.
É interessante notar que determinadas práticas de manipulação de imagem,
nomeadamente as possibilitadas pelos processos digitais, já se vão inculcando nas convenções
profissionais, nomeadamente quando se trata de imitações computacionais do que se fazia em
laboratório e quando as fotografias são features photos (fotografias de "situações encontradas",
como a criança que beija outra) ou photo illustrations (fotografias que combinam desenho e imagem
fotográfica ou que são eminentemente ilustrativas, como a fotografia de um prato culinário). A
título exemplificativo, na obra colectiva Le Photojournalisme (1992) aconselha-se o recurso a
processos como a acentuação digital do contraste figura-fundo, o reenquadramento e a combinação
de diferentes fotos para gerar sentido (por exemplo, a integração de uma imagem fotográfica da
mesa de uma conferência numa foto da plateia da mesma conferência). Porém, se excluíssemos os
conselhos quanto ao reenquadramento, os autores passam, concomitantemente, duas outras noções:
1) em primeiro lugar, o público deve sempre perceber claramente que se trata de uma imagem
manipulada ou, em alternativa, o público deve ser advertido do facto; 2) em segundo lugar, a
manipulação só deve ser feita quando, em conformidade com a avaliação do fotógrafo ou com a
interpretação que este faz da realidade, o acto resultar em benefício do público (lembremo-nos das
fotomontagens de Heartfield).
Barnhurst afirma que, seguindo as abordagens estandardizadas, os fotojornalistas
podem, sem intenção, reiterar uma série de crenças sobre as pessoas, dando o exemplo dos heróis,
que actuam, e das vítimas, que se emocionam — "The narrative teaches that the world is not safe,
that when things go wrong, what is needed is a hero to intervene and set them right. And the need
for a hero presumes a victim, someone who waits passively for rescue."(23) Na verdade, isto significa
que, num determinado contexto histórico-cultural, as narrativas convencionais no (foto)jornalismo
contribuem para que seja dado significado social a determinados acontecimentos em detrimento de
outros, promovendo, por consequência, determinados acontecimentos, e não outros, à categoria de
noticías, concorrendo para dar uma aparência de ordem ao caos que é a irrupção aleatória de
acontecimentos e dando inteligibilidade ao real, devido à taxonomização deste em determinadas
categorias. Isto vem, aliás, ao encontro da função remitificadora que Adriano Duarte Rodrigues
identifica nos meios de Comunicação Social: se antigamente as colectividades humanas recorriam
ao mito para explicar as experiências do mundo e dar sentido à vida, hoje teriam transferido para os
media a tarefa de organizar e integrar as experiências aleatórias de vida num todo racionalizado.(24)
O fotojornalista não apenas reporta as notícias, como também as cria: as (foto)notícias são um
artefacto construído por força de mecanismos pessoais, sociais (incluindo económicos), ideológicos,
históricos, culturais e tecnológicos.
CAPÍTULO II
OS PRIMÓRDIOS DO FOTOJORNALISMO
A fotografia nasceu no ambiente positivista do século XIX(25), beneficiando de
descobertas e inventos anteriores, como as câmaras escura e clara, e da vontade de se encontrar um
meio que permitisse a reprodução mecânica da realidade visual. O aparecimento da fotografia,
singularizadora e analógica, provocará, assim, uma crise de readaptação no universo da arte
representacional, "privada" do realismo por um outro realismo.
Nos primeiros tempos, a utilização da fotografia prendeu-se, principalmente, com
demonstrações técnicas, mas, pouco a pouco, por influência dos primeiros fotógrafos, em muitos
casos também pintores, foram surgindo determinados cânones estético-expressivos para o medium.
Estavam criadas as primeiras convenções profissionais, muito semelhantes às da pintura. O
pictoralismo via, assim, a luz do dia como a primeira grande tendência a desenhar-se em torno da
fotografia, constituindo-se como um movimento que visava a integração da fotografia nas artes
plásticas, através de procedimentos mais ou menos forçados, inclusive em laboratório. Essa
corrente vai influenciar o novo medium durante todo o século XIX.
Os pictoralistas consideravam que se a fotografia queria ser reconhecida como arte
tinha de se fazer pintura, pelo que exploravam fotograficamente os efeitos da atmosfera, do clima
(névoa, chuva, neve…) e da luz (crepúsculo, contra-luz…).
A fotografia de retrato, pelo seu lado, também vai copiar as poses forçadas e os
cenários que a pintura usava. Mesmo ao nível técnico, o retoque e a pintura das fotos vão fazer
escola. Tal constitui um indício da ideia então vigente de que a fotografia era como uma extensão
da pintura que, eventualmente, substituiria esta última. Porém, não só a pintura não desapareceu
como também a fotografia a poderá ter ajudado a libertar-se das amarras do realismo.
As primeiras manifestações do que viria a ser o fotojornalismo notam-se quando os
primeiros entusiastas da fotografia apontaram a câmara para um acontecimento, tendo em vista fazer
chegar essa imagem a um público, com intenção testemunhal. Também seria uma questão de tornar
a espécie humana mais visível a ela própria(26) e essa preocupação "(…) has led them to confront
hostile surroundins, censorship, fallible equipment, the conventional tastes of photo editors and
readers, the distorting scrims of their own prejudices, the inherent limitations on what photograph
can convey".(27)
Mais rigorosamente, a fotografia é usada como news medium, entrando na história da
informação, desde, provavelmente, 1842, embora, com propriedade, não se possa falar da existência
de fotojornalismo nessa altura. Aliás, o fotojornalismo necessita de processos de reprodução que só
se desenvolvem a partir do final do século XIX — até meados do século passado, desenhadores,
gravuristas e gravuras de madeira eram intermediários entre fotógrafos e fotografias e os leitores.
(Fig. 1) De facto, a publicação directa de fotografias só se tornaria possível com as zincogravuras,
que surgiriam ao virar do século. Até essa altura, a tecnologia usada envolvia papel, lápis, caneta,
pincel e tinta para desenhar; depois, tornava-se necessário recorrer a madeira, cinzéis e serras para
criar as gravuras.
Um exemplo eloquente é o registo do que aconteceu a uma das primeiras fotografias
de acontecimentos, o daguerreótipo das consequências de um incêndio que destruiu um bairro de
Hamburgo, em 1842, realizado por Carl Fiedrich Stelzner.(28) (Fig. 2) A The Illustrated London
News, revista semanal que durante muito tempo esteve à frente das publicações ilustradas, grandes
artífices da comunicação/informação visual, usou uma imagem, desenhada a partir desse original,
para ilustrar o sucedido(29), pois a reprodução de fotografias constituía um problema com que se
defrontavam os primeiros jornais e revistas desse tipo. De qualquer modo, também é de relevar que
o gosto da época privilegiava o desenho.(30)
Nos Estados Unidos, a primeira fotografia de um acontecimento público foi realizada
em 1844. Trata-se de um daguerreótipo da autoria de William e Fredecrik Langenheim, mostrando
uma multidão reunida em Filadélfia por ocasião da eclosão de uma série de motins anti-
imigração.(31)
A Guerra Americano-Mexicana de 1846-1848 foi, por seu turno, a primeira guerra
para onde jornais enviaram correspondentes, tendo mesmo um daguerreotipista anónimo realizado
uma série de fotos de oficiais e soldados.(32)
Em Abril de 1848, foi publicada no The Sunday Times uma reprodução sob a forma
de gravura de madeira daquele que talvez se possa considerar como o primeiro daguerreótipo
político "publicado" na imprensa: The Great Chartist Crowd.
Em 1849, um ou mais fotógrafos anónimos fotografaram os soldados e oficiais
envolvidos no cerco de Roma, mais um prenúncio da atenção que o fotojornalismo iria devotar à
guerra.
Em meados do século XIX, inicia-se a edição de publicações ilustradas. A The
Ilustrated London News, a primeira revista ilustrada, nasceu em Maio de 1842. O seu fundador,
Herbert Ingram, afirmou, no número um, que a revista daria aos seus leitores informação em
contínuo dos acontecimentos mundiais e nacionais mais relevantes, da sociedade à política, com a
ajuda de imagens caras, variadas e realistas.(33) Entre 1855 e 1860, a tiragem cresceu de 200 mil para
300 mil exemplares(34), o que indicia uma crescente apetência social pela imagem.
Em Paris, começa a ser publicada, em 1843, a Illustration, a segunda grande revista
ilustrada a ver a luz do dia. É também durante esse ano que um funcionário fixa, em daguerreótipo,
a cerimónia de assinatura de um tratado de paz entre a França e a China. Com ele, completa-se a
figura do pré-foto-repórter.(35) As fotografias de um incêndio (o de Hamburgo) e de uma cerimónia
protocolar ficam, assim, para a história, como indícios daquilo que, mais tarde, se conformaria como
alguns dos temas configuradores de rotinas produtivas e convenções no fotojornalismo.
À época, os fotógrafos aventuram-se por vários caminhos. O gosto pelo exótico e a
curiosidade pelo diferente, por exemplo, vão promover a produção e difusão de fotografias de
intenção documental de locais distantes e de paisagens. Na Europa, a atenção vai para a África e o
Oriente, facto a que não é alheia a mentalidade colonial. No entanto, se a "documentação"
fotográfica africana é norteada por finalidades científicas, o "fotodocumentalismo" no Médio
Oriente, sobretudo no Egipto, teve como fim principal a comercialização de postais ilustrados.
Nos Estados Unidos, especialmente após a Guerra da Secessão, os olhares dirigem-se
para o Oeste, povoado por tribos índias, e para onde os colonos se deslocavam, indo provocar um
dos maiores genocídios da história.
Os fotógrafos que empreendiam tais expedições eram autênticos
"fotodocumentalistas"-viajantes, vergados sob o peso de um equipamento de grandes dimensões e
obrigados a transportar consigo —literalmente— o laboratório. Visando dar testemunho do que
viam, encobertos pela capa do realismo fotográfico, começavam a ambicionar substituir-se ao leitor,
sob mandato, na leitura visual do mundo. É já uma retórica da "objectividade" a despontar, mas que
correspondia, de facto, a um discurso fotográfico cujo fim residia na obtenção de imagens sem
censura nem truncagens. De todo o modo, embora esses fotógrafos não carregassem ainda o peso de
uma tradição histórico-cultural manipuladora e censória, não eram raras as ocasiões em que os
gravuristas de madeira acrescentavam pormenores da sua lavra às imagens no momento em que
elaboravam ilustrações a partir dos originais fotográficos.
Paralelamente, desenvolve-se, também, a fotografia de retrato e a fotografia
arquitectónica. Evidencia-se ainda o naturalismo(36), a que sucede a fotografia pictoralista(37), onde as
fotos assumiam, como se disse, uma condição de imitação da pintura. (Fig. 3) Algumas das
tendências compositivas patentes na fotografia pictoralista ainda hoje se repercutem, por vezes, no
campo fotojornalístico. (Fig. 4)
A necessidade aguça o engenho. Sentia-se a necessidade de novas invenções e estas,
como as que "aprisionam o instante", gradualmente, foram surgindo. Mas as tecnologias não são
neutras: emergem num determinado estado de coisas e configuram um novo estado de coisas. É
pois notória a inter-relação entre as possibilidades técnicas e os conteúdos: nas guerras daquele
tempo seria impossível obter spot news das batalhas. As imagens de Fenton, da Guerra da Crimeia,
e de Brady, Gardner, O'Sullivan, Barnard e outros, da Guerra da Secessão Americana, por exemplo,
concentram-se, por isso, mais na paisagem bélica do que nos processos de guerra em si. Assim,
"Depictions of battle were sanitized by distance and time, leaving the viewing public outside the
process of war itself."(38)
As exigências do público, dos profissionais e dos consumidores levam,
consequentemente, a avanços tecnológicos, que permitirão ganhos para o conteúdo das fotografias.
É desta forma que a evolução da temática fotográfica no século XIX é acompanhada por conquistas
técnicas. Entre elas, avulta a diminuição dos tempos de exposição, ligada à melhoria da qualidade
das lentes e à adopção de novos processos, como o do colódio húmido (cerca de 1851).
A técnica do colódio húmido contribuirá para destronar o daguerreótipo. Com o fim
do reinado deste e com a disseminação dos processos negativo-positivo, vão produzir-se mudanças
na cultura, nas rotinas e convenções profissionais. Na fotografia, vai abandonar-se a ideia da obra
de arte única, chegando-se à noção de arte-obra múltipla.(39)
Para o fotojornalismo, a conquista do movimento revelou-se de importância vital,
uma vez que permitiu "congelar" a acção, impressioná-la numa imagem quase em tempo real,
capturar o imprevisto, chegar ao instantâneo e, com ele, acenar com a ideia de verdade: o que é
assim capturado seria verdadeiro; a imagem não mentiria (note-se, todavia, que apesar de o
instantâneo permitir representações fotográficas mais "sinceras" e espontâneas, as fotografias não
deixam de ser representações). O mesmo se passa com a melhoria das lentes — uma maior
luminosidade possibilitará até a obtenção de fotografias em interiores sem recurso à iluminação
artificial, o que facilita, por exemplo, fotografar pessoas sem que elas se apercebam da presença do
fotógrafo, com ganhos para a naturalidade e, assim também, para a verosimilhança.
Nadar (1820-1910), o célebre retratista francês, talvez o primeiro fotógrafo a atentar
nas expressões características de cada pessoa, explorando as potencialidades expressivas do rosto
humano através da máquina fotográfica(40), monta o seu estúdio em 1853. Será a ele que se deverá a
primeira fotografia aérea, em 1858, as primeiras fotografias com iluminação artificial (esgotos de
Paris) e as primeiras fotografias de uma entrevista (as fotos do filho de Nadar à entrevista que o seu
pai fez ao químico Chevreul, por ocasião do centenário deste, em 1886, das quais 12 foram
publicadas no Journal Illustré). (Fig. 5) Segundo Gisèle Freund:"A foto inaugura os mass media
visuais cando o retrato individual fica substituido polo retrato colectivo. De vez, convertese nun
poderoso medio de propaganda e manipulación."(41)
Com a abertura do estúdio de Disderi (1819-1889), também na capital francesa, por
volta de 1854, opera-se uma mudança radical na evolução da fotografia — surge a fotografia "cartão
de visita" e dá-se democratização do acesso à fotografia de retrato por via da diminuição dos
preços. É dado o primeiro passo para a fotografia se tornar um mass medium. Julgamos mesmo,
aliás, que foi através da popularização massiva da imagem fotográfica que se começou a delinear
um mercado para o fotojornalismo.
Os pioneiros da "reportagem" fotográfica assistirão à cerimónia de abertura da
reconstrução do Crystal Palace, em Sydenham, em 1854, e ao baptismo do príncipe imperial em
Notre-Dame de Paris, em 1856.(42) Pelo meio, em 1855, Roger Fenton (1819-1869) parte para a
Guerra da Crimeia, com quatro assistentes e uma enorme parafernália de equipamento, entre o qual
uma carroça-laboratório, indispensável para a necessária revelação imediata das fotografias (usava-
se a técnica do colódio húmido sobre vidro). Ele irá realizar a primeira reportagem extensa de
guerra.
A década de cinquenta do século passado tornou-se uma época de oportunidades para
a fotografia de paisagens, sobretudo no Mediterrâneo, onde fotógrafos britânicos e franceses eram
particularmente activos. Algumas das fotos surgiam na imprensa sob a forma de gravuras, como as
vistas de Constantinopla de James Robertson (?-1865?), publicadas na Illustrated London News.(43)
Também surgiam nos jornais e revistas da época algumas gravuras de fotos que
documentavam o processo de industrialização em curso, como as de Robert Howlett da construção
do maior navio a vapor da época, o Leviathan, publicadas, em 1858, na Illustrated Times.(44)
Entretanto, em 1852, realiza-se uma grande exposição fotográfica em Inglaterra. No
Times escreve-se sobre o potencial "fotojornalístico" da câmara: "It secures precise and charming
representaions of the most distant and the most evanescent scenes. It fixes, by almost instantaneous
processes, the details and character of events and places, which otherwise the grear mass of
mankind would never have brought home to them."(45)
1855 é o ano da grande exposição do Palácio da Indústria, em Paris, onde se inclui
uma secção especial sobre fotografia. Por essa altura, nos meios intelectuais, animados pelo
positivismo, e nos meios artísticos, onde pontifica paralelamente o realismo, alimenta-se uma
polémica sobre a fotografia. O debate em curso "(…) exemplifica o ambiente de contradición
creadora que pulaba polos seus protagonistas e que estimula o camiño da foto como testemuña, o
grande perigo aparecerá vencellado coas correntes pictoralistas, de condición recuada, que
pretenden identificar, forzar, foto igual a imitación da pintura."(46)
É na exposição parisiense de 1855 que, pela primeira vez, são exibidas provas
retocadas de negativos, do fotógrafo Franz Hamfstangel, de Munique. Mas, se Hamfstangel
inventou o retoque do negativo, também abriu as portas à manipulação da imagem fotográfica pela
truncagem. Gisèle Freund afirma mesmo que: "O retoque constituiu um facto decisivo para o
desenvolvimento ulterior da fotografia. É o começo da sua degradação pois, uma vez que o seu
emprego inconsiderado e abusivo elimina todas as qualidades características de uma reprodução
fiel, ele despojou a fotografia do seu valor essencial."(47)
Nessa mesma época, a fotografia estereoscópica (em três dimensões) vai popularizar-
se, chegando quase ao estatuto que têm hoje os videos domésticos. Paisagens, fotos de guerra, fotos
de acontecimentos (frequentemente também inseridas na imprensa), fotos do mundo industrial, fotos
de viagem, todas contribuiam para os lucros das companhias que se dedicavam a esse produto, como
a London Stereoscopic Company, que, no final da década de cinquenta do século passado, havia
vendido 500 mil aparelhos em que podiam ser usadas quase 100 mil fotografias. A
fotoestereoscopicomania durará até à I Guerra Mundial. A este fenómeno, provavelmente, não será
estranho o facto de só a partir dos finais do século XIX os jornais e revistas começarem a editar
fotografias e não gravuras obtidas a partir de fotografias.
Alguns fotógrafos, como o coronel Langlois (1789-1870), autor de Panoramas de la
Guerre de Crimée, 1855) ou Gustave Le Gray (1820-1884), começaram também por essa época a
realizar várias fotografias em sequência espacial, algumas das quais com interesse documental, para
tentar compor panorâmicas. A ideia da panorâmica, hoje em dia, é representada pelas técnicas que
permitem a sua realização, como o Advanced Photo System.
CAPÍTULO III
NASCE O FOTOJORNALISMO: A GUERRA COMO TEMA PRIVILEGIADO
Em meados da década de cinquenta do século XIX, a fotografia já havia beneficiado
dos avanços técnicos, químicos e ópticos que lhe permitiram abandonar os estúdios e avançar para a
documentação imagética do mundo com o "realismo" que a pintura não conseguia. A foto
beneficiava também das noções de "prova", "testemunho" e "verdade", que à época lhe estavam
profundamente associadas e que a credibilizavam como "espelho do real".
As guerras não puderam, assim, deixar de merecer a atenção dos "proto-
fotojornalistas" e dos seus editores. Por um lado, a herança cultural consagrava-lhe atenção artística,
pois a guerra sempre foi um tema sedutor e de sucesso junto das pessoas(48); por outro lado, na
segunda metade do século passado ocorreram numerosos conflitos em que se viram envolvidas as
potências mais industrializadas. Há ainda a acrescentar que se ia formando um público para a
"reportagem ilustrada".
É assim que a participação britânica na Guerra da Crimeia (1854-55), com o
consequente interesse popular, leva o editor Thomas Agnew a convidar o fotógrafo oficial do Museu
Britânico, Roger Fenton, a deslocar-se à frente de batalha, para cobrir "fotojornalisticamente" o
acontecimento.
Todavia, a rudimentaridade das tecnologias vai originar um caso paradigmático de
desfavor do "proto-fotojornalismo". As fotografias da Guerra da Crimeia obtidas por Fenton,
publicadas no The llustrated London News e no Il fotografo, de Milão, em 1855, foram inseridas na
imprensa sob a forma de gravuras, apesar dessas fotos constituirem o primeiro indício do privilégio
que o fotojornalismo vai conceder à cobertura de conflitos bélicos. De qualquer modo, e de acordo
com Marie-Loup Sougez, Roger Fenton foi o primeiro repórter fotográfico.(49)
As fotografias que Fenton obtém na Crimeia não mostram o horror da dor e da morte.
(Fig. 6) Os cerca de 300 negativos que restam são antes imagens de soldados e oficiais, por vezes
sorridentes, posando para o fotógrafo, ou imagens dos campos de batalha, limpos de cadáveres,
embora juncados de balas de canhão.
As fotos da Guerra da Crimeia realizadas por Roger Fenton possuem, de facto, um
condicionalismo que ultrapassa o dos limites definidos pelas tecnologias. Sendo uma expedição
encomendada pelo empresário Thomas Agnew, com a primeira cobertura "fotojornalística" de
guerra nasce a censura prévia ao fotojornalismo.(50) Daí serem imagens que nada revelam da dureza
dos combates. Em vez disso, mostram a "falsa guerra", os soldados bem instalados, longe da frente.
É ainda a guerra vestida com a sua auréola de heroísmo e de epopeia, como tradicionalmente era
representada pela pintura. Por outro lado, porém, há evidentemente que atentar nas limitações
técnicas: a "reportagem" de guerra estava limitada ao "teatro das operações" e às consequências das
actividades bélicas, pois o fotógrafo era incapaz de se posicionar "na acção".
É preciso que se note que as fases iniciais do conflito da Crimeia, que se
desenrolaram nos Balcãs, podem ter sido registadas por Karl Baptist de Szathmari, um amador de
Bucareste, mas as fotos não sobreviveram, pelo que se desconhece o seu conteúdo.
Durante a Guerra da Crimeia salientou-se ainda um outro fotógrafo, também
britânico: James Robertson. Ele, provavelmente, foi o primeiro fotógrafo a fotografar mortos em
combate, quando "reportou" a queda de Sebastopol, ampliando "o universo do mostrável", a
"liberdade de ver".(51) Um outro "proto-fotojornalista" desses tempos foi um associado de Robertson,
Felice Beato (c. 1830-1906). Juntos após 1850, depois do conflito da Crimeia foram para a Índia,
onde Beato fotografará a rebelião dos Cipayos, em 1857.
Da Guerra da Crimeia em diante, todos os grandes acontecimentos serão reportados
fotograficamente, como o conflito que opôs a Áustria à Sardenha (Luigi Sacchi, Berardy e Ferriers,
pai e filho, 1859), a colonização da Argélia (Jacques Moulin, 1856/57), as rebeliões na Índia
(Robertson e Beato, 1857-1858), a intervenção britânica na China, durante as Guerras do Ópio
(Beato, 1860), o ataque da Prússia e da Áustria à Dinamarca (Friedrich Brandt, Adolph Halwas e
Heinrich Grat, 1864), a Guerra da Secessão nos EUA (1861/65) e a Guerra Franco-Prussiana, onde
Disdéri chegou a fotografar as ruínas de St. Claud (1870). De qualquer modo, acontecimentos mais
pacíficos ou até mesmo agradáveis também mereceram reportagens: concursos agrícolas, festas,
exposições universais, grandes construções.(52) A audiência crescia:
"With the press embarking upon a period of quick expansion —the result of increasing literacy and advances in rapid printing that made it possible to produce huge editions— 'the people' were becoming 'the public'. Civil life would be transfomed. Popular prejudices were magnified by the press, leading to a louder clamor and intensified passions."(53)
A exemplo do que aconteceu com as fotos da Crimeia, nos Estados Unidos levantam-
se também problemas tecnológicos na hora de reproduzir em revistas ilustradas (como a Harper's
Weekly, a New York Illustrated News ou a Frank Leslie's Illustrated Newspaper) fotografias como as
da Guerra da Secessão — o primeiro evento a ser "massivamente" coberto por fotógrafos.
Na cobertura desse conflito pontificaram, entre outros, nomes importantes para a
história do fotojornalismo, como Mathew Brady (1823-1896), um freelance que havia sido o
fotógrafo oficial do candidato Lincoln, e os seus colaboradores mais importantes, Alexander
Gardner (1821-1882), Timothy O'Sullivan (activo de 1840 a 1882) e George N. Barnard (1819-
1902).
As práticas de construção imagética tiveram alguma influência durante a Guerra Civil
Americana: Gardner chega a rearranjar um corpo de um sulista na célebre foto de um soldado morto
intitulada "Home of a Rebel Sharpshooter".(54) (Fig. 7) Aliás, esse mesmo corpo pode ter sido usado
não só para essa mas também para outra foto de um morto, desta feita de um soldado da União: "A
Sharpshooter's Last Home".(55)
A associação de Brady (que raramente operava a câmara) com os seus colaboradores
ruiu quando estes começaram a reclamar do facto de Brady assinar todas as fotos, incluindo as
desses últimos, o que deixa adivinhar o despontar da ideia do direito de autoria e assinatura no
fotojornalismo. Devido ao mau estar desencadeado pela actuação de Brady, Gardner, por exemplo,
dissociar-se-á do seu contratante a meio da guerra, publicando, no final das hostilidades, o
Gardner's Photographic Sketch Book of The War. Contudo, independentemente dos seus méritos e
desméritos, Pollack assegura que foi Brady a ter a ideia inovadora de montar a primeira agência
distribuidora de fotos de actualidade, embora se tenha arruinado no empreendimento.(56)
Ao contrário do que sucedeu a Fenton, durante a Guerra da Secessão, sem censura,
começa a revelar-se uma certa estética do horror, que, mais actualmente, dominou obras como a de
Don McCullin ou as de uma parte dos fotojornalistas de guerra, mas que já se adivinhava, por
exemplo, nas fotos de Felice Beato durante as Guerras do Ópio, na China, em 1860. As imagens de
Beato da captura de Tientsin pelas tropas franco-britânicas não teriam sido sujeitas aos
condicionalismos com que Fenton se defrontou, mostrando os cadáveres, por vezes em
decomposição, dos que tombaram na luta.
Pelo estudo de William Thomson, The Image of War, chega-se, todavia, à conclusão
que a cobertura fotográfica da Guerra Civil Americana abrangeu também, especialmente no seu
início, imagens idealizadas de oficiais garbosos a conduzir ordeira e heroicamente os seus soldados
na frente.(57) O retrato duro e cruel das realidades (mortais) do conflito só aparece numa fase
posterior, quando os editores perceberam que os leitores pretendiam notícias "factuais" sobre o que
realmente acontecia aos combatentes.(58)
Brady e outros fotógrafos, por exemplo, devem ter influenciado a opinião dos
públicos, ao dar a conhecer fotos do campo de prisioneiros de Andersonville, onde se dizia que
morria um prisioneiro a cada onze minutos. As gravuras dos "esqueletos humanos" publicadas, em
Junho de 1864, na Leslie's e na Harper's, a partir das fotos, escandalizaram o Norte: não traziam a
emoção visceral, intensa e instantânea das fotos-choque, mas saber que eram desenhos executados a
partir de fotografias potenciava a sua credibilidade e dramaticidade. (Fig. 8)
Os principais aspectos a reter sobre o desenvolvimento do fotojornalismo durante a
cobertura da Guerra da Secessão talvez sejam:
a) A descoberta definitiva, por parte dos editores das publicações ilustradas, que os
leitores também queriam ser observadores visuais(59); a fotografia passa a ser vista
como uma força actuante e capaz de persuadir devido ao seu "realismo", à
verosimilitude;
b) A percepção de que a velocidade entre o momento de obtenção da foto e o da sua
reprodução era fundamental numa esfera de concorrência: o recurso ao comboio para
transportar as fotos até à redacção tornou-se um procedimento de rotina(60), que terá
começado a acentuar a cronomentalidade(61) dos fotojornalistas envolvidos e a tornar
a actualidade num critério de valor-notícia (também) fotojornalístico; por vezes, as
fotografias das batalhas eram publicadas menos de uma semana após a sua
realização;(62)
c) A aquisição da ideia de que era preciso estar perto do acontecimento quando este
tivesse lugar(63), a mesma intenção que alguns anos depois incitará Robert Capa e
muitos outros fotojornalistas, especialmente nas agências noticiosas e nos jornais e
revistas; as fotos das batalhas obtêm-se ainda com o fumo e o odor a sangue a pairar
pelo campo(64);
d) A emergência da noção de que a fotografia possuía uma carga dramática superior à
da pintura e que era nisto que residia o poder do novo medium; essa carga dramática
ser-lhe-ia principalmente outorgada pelo facto de a câmara "registar" o que é focado
no visor; assim, o observador tende a intuir que se estivesse lá veria a cena da mesma
maneira;
e) A guerra é despida da sua auréola de epopeia;
f) Como a cobertura fotográfica da Guerra Civil que assolou os Estados Unidos foi a
"estória" dos exércitos da União, já que a Confederação não possuía jornais ilustrados
bem estruturados(65), evidencia-se que a imagem da guerra é, frequentemente, a
imagem que dela dá o vencedor ou, pelo menos, que, em todo o caso, a imagem final
da guerra é conformada pela imprensa mais forte.
A Guerra da Secessão foi também a primeira ocasião da história em que os
"fotojornalistas" correram perigo de morte ao cobrirem a frente de batalha. Um perigo agravado
pela enorme quantidade de equipamento que necessitavam de transportar consigo, incluindo uma
carroça-laboratório (tal como na Crimeia, usava-se a técnica do colódio húmido, que exigia que as
fotografias fossem reveladas mal fossem obtidas) e câmaras enormes com tripé.
Em 1866, foram publicados dois importantes livros fotográficos sobre a Guerra da
Secessão, o primeiro exemplo de edições fotográficas organizadas pelos fotógrafos para serem
tomadas em conta na hora de se fazer história: o já referenciado Photographic Sketch Book of the
War (de Gardner, embora reunisse contribuições de outros fotógrafos) e Photographic Views of
Sherman's Campaign (de Barnard). Este último talvez seja mais curioso, devido ao seu pendor
ensaístico: trata-se de uma colecção quase obsessiva de fotografias "de paisagens" em que silhuetas
de edifícios esventrados se alinham contra um céu claro. Era, afinal, o que restava da tal marcha do
general Sherman.
Por outro lado, são realizadas várias exposições, nomeadamente por Brady. Livros e
exposições iniciam, assim, um percurso indelevelmente ligado ao fotojornalismo, mostrando que os
processos de difusão de imagem fotojornalística na actualidade têm raízes (também) histórico-
culturais.
Depois da rendição, Brady conseguiu convencer o general Lee a deixar-se fotografar
em casa, na cidade de Richmond. Pela última vez, o general vestiu o uniforme Confederado. O
trabalho de cobertura fotográfica do conflito tinha terminado.
Segundo Karen Becker, além das imagens de guerra, a imprensa ilustrada da época
privilegiava a inserção de imagens de eventos e cerimónias públicas importantes, encetando uma
lógica que configura algumas das rotinas produtivas do fotojornalismo moderno.(66) Porém, mais
importante do que a simples constatação de um facto é reflectir sobre as consequências da
introdução das fotos traumáticas dos acontecimentos violentos nas tranquilas casas burguesas.
Depois da fotografia, a guerra nunca mais seria a mesma. Com o medium emergente, o observador
era projectado num mundo mais próximo, mais real, mas por vezes mais cruel. No mundo da
imprensa, com as fotos, o conhecimento, o julgamento e a apreciação deixaram de ser
monopolizados pela escrita.
É preciso notar-se que os fotógrafos que cobriram esses primeiros grandes
acontecimentos não se viam a si mesmo como fotojornalistas, até porque não existia um corpo
profissional autónomo. Foi apenas por volta da última década do século passado, graças à
emergência da imprensa popular, de que resultou a contratação de fotojornalistas a tempo inteiro por
Pulitzer e Hearst, que o profissionalismo fotojornalístico começou a vir ao de cima(67) — em
definitivo, grande parte da produção fotográfica deslocou-se para a imprensa, abandonando o
estúdio, e muitos fotógrafos deixaram, consequentemente, o seu estatuto de pequenos burgueses.
O estatuto de dependência económica que o fotojornalismo adquiriu com a
profissionalização viria a conformar a actividade, tornando a sua produção algo "popular", uma
tendência que adquiriu maior projecção nos dias que correm com o triunfo da foto-ilustração, do
glamour e do show biz bem como com os fotógrafos paparazzi, que se movem ao faro do
sensacional, do exótico, do escandaloso, e não do documento de valor socio-histórico, e cuja (má)
fama foi relevada com a morte da Princesa Diana.
CAPÍTULO IV
UM LUGAR AO SOL: INVENÇÕES E INOVAÇÕES DESENHAM O ÊXITO DO FOTOJORNALISMO
A agenda fotojornalística na imprensa nos finais do século XIX e princípios do
século XX vai configurando-se no ambiente tenso que resulta das pulsões de sinais contrários que
animavam as discussões sobre fotografia e as práticas fotográficas.
Na mesma época, a procura da fotografia de actualidades aumenta. Encontra aqui,
aliás, justificação o interesse que, em 1889, o British Journal of Photography mostra pela criação de
um arquivo de fotos de actualidade(68), prenúncio do que, mais tarde, jornais, revistas e agências se
veriam forçados a fazer. Hoje em dia, as novas tecnologias facilitam a arquivística fotográfica,
permitindo, entre outros factores, uma melhor conservação (digitalização e armazenamento em
banco de dados), a poupança de espaço, a rápida localização e a inclusão de várias informações em
texto anexo. Porém, as novas tecnologias facilitam também a manipulação imagética, constituindo
uma fonte de preocupação, embora também um desafio a que fotojornalistas, arquivistas e outros
profissionais se rejam pelas pautas da honestidade, da ética e da deontologia.
Na Europa, os grandes acontecimentos que ocorreram no último terço do século
passado mereceram cobertura fotográfica. É interessante referenciar as "reportagens" da guerra
Franco-Prussiana, entre 1870 e 1871, onde se começa a detectar a introdução do conceito de
velocidade na fotografia europeia. É também nesse conflito que são realizadas as primeiras fotos de
soldados lutando no campo de batalha (despontar da estética da próximidade).
A cobertura da Comuna de Paris (1871) também se salienta na história da fotografia,
pois, após o desenlace da revolta, as fotos foram, pela primeira vez, usadas com intuitos repressivos,
para identificar pessoas com vista à instauração de processos criminais que levaram frequentemente
a execuções. De facto, quando, nas barricadas, os revoltosos radicais posavam ingenuamente para
os fotógrafos, certamente estavam longe de pensar nessa nova utilização da fotografia. Hoje, quem
não quer ser reconhecido, tapa a cara — um gesto simples, embora denunciante de fotoliteracia, que
poderia ter salvo vidas entre os revoltosos. Anos mais tarde, curiosamente, um álbum que reunia a
memória fotográfica da Comuna não teve a aceitação do mercado. Tentativas de esquecimento, de
lavar a memória nas seguras regiões da anestesia?
Vai ser também depois da Comuna que surge a informação gráfica truncada, com as
primeiras montagens. O fotógrafo Liébert publicou no livro Crimes de la Commune fotos de
pessoas retratadas sobre fotos de Paris.
Depois de várias experiências de diversos inventores, em Julho de 1871 o jornal
sueco Nordisk Boktryckeri-Tidning publicou uma fotografia impressa conjuntamente com o texto,
graças a uma impressão em halftone com uma trama de linhas. Carl Carleman, o inventor do
processo (que será usado, depois, na imprensa de outros países, como na revista francesa Le Monde
Illustré, a partir de 10 de Março de 1877), sublinhou que seria somente dessa forma que a fotografia
poderia penetrar massivamente no público e tornar-se o meio mais poderoso para elevar
culturalmente a humanidade.
A conquista da travagem do movimento também deu passos largos: beneficiando da
cronofotografia do fisiologista francês Étienne-Jules Marey (1830-1904), que estudava sobretudo o
movimento de pessoas e animais, mas também de alguns objectos, o fotógrafo norte-americano
Edward Muybridge (1830-1904), já bastante conhecido pelas suas fotos de Yosemite Valley,
conseguiu registar —travado— o movimento em trote e a galope do cavalo do governador da
Califórnia, Lelan Stanford. Muybridge obteve uma sequência das fases sucessivas do movimento
usando doze máquinas fotográficas dispostas sequentemente, em bateria, accionadas por obturadores
eléctricos cujo disparo era, por sua vez, accionado pelo cavalo ao tocar em fios que atravessavam a
pista nos locais onde as câmaras se posicionavam.
Nas duas últimas décadas do século XIX surgem revistas de fotografia em vários
pontos do Globo, como a Illustrated American (Estados Unidos, 22 de Fevereiro de 1890),
provavelmente a primeira revista ilustrada concebida deliberadamente para usar fotografias em
exclusivo, a The Photographic News (Reino Unido) e a La Ilustración Española y Americana
(Espanha).
No primeiro número da Illustrated American, que inseria 75 fotografias, o seu editor
proclamava: "(…) o objectivo especial será desenvolver as possibilidades até aqui quase
inexploradas da câmara e dos vários processos que reproduzem o seu trabalho."(69)
Aquelas revistas tiveram um relevante papel inovador: "Por razóns de
periodicidade, de especialización temática ou de público será neste sector da prensa escrita —na
revista— onde irá manifestarse o avance no uso da imaxe, mesmo as súas aplicacións vangardistas,
sector que influirá e propiciará a súa introdución no xornal, no diario."(70)
Na mesma altura, porém, alguns títulos tradicionais, como a The Illustrated London
News, chegam até a manifestar-se contra a substituição da gravura artesenal pelos novos
procedimentos de impressão(71), nomeadamente o halftone, disponível em geral a partir de 1880. Por
um lado, é provável que um público mais conservador continuasse a considerar o desenho como
uma forma de arte, estatuto que não outorgaria à fotografia. Desta forma, o seu gosto privilegiaria o
desenho da fotografia em detrimento da fotografia em si, fazendo-se eco da polémica que os
detractores do novo medium alimentavam quase desde o seu nascimento. Por outro lado, esta
postura é algo anacrónica, pois, ao fim e ao cabo, renegava os novos processos técnicos e invenções
que concorriam para consolidar a fotografia como news medium (lentes anastigmáticas, emulsões
sensíveis, película flexível, câmaras manuais e processos de impressão inovadores).
Não obstante, a informação fotovisual tinha um lugar assegurado na imprensa. Por
isto, as aparições esporádicas da fotografia nas páginas dos jornais e revistas mais não fizeram do
que abrir caminho para a informação fotojornalística sistemática e, assim, para uma informação mais
directa.
De qualquer modo, com as conquistas técnicas e as inovações no uso da imagem,
com o instantâneo e a conquista da acção, com a competição entre as cada vez mais numerosas
revistas ilustradas ("fotojornalísticas"), nasce um novo discurso "fotojornalístico", ligado a uma
retórica da velocidade. Aliás, em 1884, o Illustrierte Zeitung, de Leipzig, consubstancia o espírito
renovador ao publicar dois instantâneos (fotografias que valem mais por existirem do que pela
qualidade que apresentam) de Ottomar Anschütz, em halftone, sobre as manobras do exército
alemão em Hamburgo. Justificando o acto, o director da publicação escreveu: "Pela primeira vez
vemos duas fotografias instantâneas impressas conjuntamente com letra de imprensa (…). A
fotografia abriu novos caminhos. A sua palavra de ordem é agora 'rapidez' em todos os aspectos,
quer ao tirar a fotografia quer ao reproduzi-la. As velhas técnicas estão já ultrapassadas pelas de
hoje (…)."(72) Estas ideias ainda hoje moldam algum fotojornalismo, como o fotojornalismo de
agência noticiosa, o que releva as condicionantes histórico-culturais da evolução da actividade.
A utilização do halftone generaliza-se a partir de 4 de Março de 1880, dia em que o
The New York Daily Graphic publica a sua primeira foto reproduzida através desse processo
(Stephen Horgan, A Scene in Shanty Town, uma fotografia de um bairro de lata).
O halftone veio emprestar ao fotojornalismo a base tecnológica que lhe faltava para
conquistar um lugar ao sol na imprensa. Ulteriormente, tornou-se mais fácil fazer acompanhar os
textos de imagens fotográficas. Na Europa, por exemplo, são publicados dois halftones na Leipziger
Illustriert, em 15 de Março de 1884.
Todavia, a introdução do halftone não originou, inicialmente, a mudança das rotinas
produtivas anteriores. De facto: (a) os repórteres fotográficos ainda necessitavam de desenvolver as
performances "intuitivas" que o seu trabalho implica; (b) nem todas as notícias são fotografáveis ou,
pelo menos, "fotogénicas"(73); e (c) a adaptação tecnológica ao halftone era cara e poderia contrariar
os gostos e expectativas do público.
Assim, os desenhos continuaram a ser a principal fonte de imagens dos jornais, com
excepção dos domingos, em que os suplementos passaram a incluir fotos em grande número.
Consequentemente, os gravuristas de madeira eram mais considerados do que os fotojornalistas,
sendo vulgar que as fotografias fossem apenas usadas como modelo para os gravuristas de madeira,
que chegavam a assinar as imagens nos jornais em detrimento de quem as obtinha. Conforme
explica Karen Becker: "Despite these successes newspapers resisted the costly reorganization of
production and hiring of outside printers to screen photographs. Their investment in engravers also
satisfied standards of visual art and supplied more lively images than the slow photographic
technology was capable of the time."(74)
As fotografias surgiam nos jornais do século XIX como um pouco menos do que
intrusas. O design de imprensa era centrado na letra. Além disso, nos jornais do final do século
passado, como o Boston Evening Trancript, por exemplo, as fotografias surgiam sobretudo para
ilustrar features. Nas páginas de features, era inclusivamente comum a inclusão de fotos de
casamentos, embora separadas do texto por enfeites sóbrios. Frequentemente suprimia-se o fundo
para se destacarem as figuras.(75) O Daily News, o Herald and Examiner e o Post usavam a
fotografia de maneira equivalente.(76)
"This mode of photo use was inspired by the art concepts of picture making, principally from portraiture and landscape genre paiting. These two sometimes joined together in a montage: cutout close shots of the principal faces, mounted on a static landscape taken after the fact, at the scene of events. Montage was used (…) but died out completely during the early 1930s, along with borders and silouettes (…)."(77)
A película fotográfica em forma de tira, um invento de George Eastman e W. Walker
surge também em 1884, como se referiu, o ano de publicação pela Illustrirte Zeitung dos
instantâneos de Ottomar Anschutz das manobras do exército alemão em Hamburgo (hoje em dia as
manobras militares continuam a ser pretexto de foto-reportagens, devido não só ao seu carácter
espectacular mas provavelmente também aos inteligentes serviços de relações públicas das Forças
Armadas). Essa invenção, para além de ter contribuido para o uso da fotografia como self-medium,
virá a facilitar a vida aos fotojornalistas, pois trata-se de um material extraordinariamente mais
manipulável e de transporte mais fácil do que as chapas de vidro ou metal.
Quatro anos mais tarde, em 1888, Eastman inventa e fabrica a primeira câmara
Kodak. Com ela, a fotografia promove-se definitivamente a medium de uso massivo e democratiza-
se — "You press the bottom. We do the rest!" ("Você Carrega no Botão. Nós Fazemos o Resto!"),
sustentava a campanha publicitária da Kodak. A partir deste momento, deixam de ser necessários
conhecimentos relativamente aprofundados sobre os processos de revelação, impressão e
composição imagética para se ser fotógrafo.
Em pouco tempo, a fotografia vai permitir o amadorismo das cabeças cortadas. E
também disseminar as ideias compositivas estereotipadas da foto bonita, lisa e aplanada no sentido,
bem centrada — para o senso comum, estas seriam, em exclusivo, as boas fotografias, inclusive no
domínio do fotojornalismo. Mas, por outro lado, também permitirá ao amador tornar-se num criador
e até mesmo num caçador de imagens, garantindo que os acontecimentos marcantes das histórias
individuais e familiares ganhem uma memória. Baptismos, casamentos, férias, ganham uma
dignidade fotográfica que, para a fotografia tradicional, actua não só como um agulhão espicaçador
mas também como um boião de liberdade.
O caso do pintor Jacques-Henri Lartigue (1894-1986) é exemplificativo da anterior
asserção. De facto, Lartigue veio a ser um dos amadores que usou abundantemente as máquinas
portáteis. Ainda na sua juventude, realizou, a partir de 1904, diversos instantâneos de pessoas,
cheios de graça e ternura, que contrastavam vivamente com a anémica estética pictoralista
dominante, chegando mesmo, por vezes, a roçar a abstracção. Depois, continuou a fotografar a
família, as crianças e as mulheres de estratos privilegiados da população francesa, até 1935,
contemplando a elegância e a doçura de viver.
Na imprensa, a competição derivada da cobertura da Guerra Hispano-Americana
(uma guerra em que os jornalistas não se limitaram a reportar as notícias: fizeram notícias(78)), a
partir de 1898, vai incentivar as empresas jornalísticas dos EUA a uma política de investimentos que
alarga a utilização do halftone e promove definitivamente a fotografia ao estatuto de news medium.
Apesar dos excessos do yellow journalism e do jornalismo sensacionalista(79) praticados na ocasião,
os jornais norte-americanos, com o sensacionalista World, de Joseph Pulitzer, e o "amarelo" New
York Journal, de Randolph Hearst, à cabeça, faziam um "(…) lavish use of pictures, including faked
and inaccurately labeled photographs, contributed to the war fever and increased circulation."(80)
Porém, as associações da fotografia ao jornalismo amarelo terão levado os jornais e as revistas de
elite (quality papers) mais conservadores a adiar a sua adesão ao jornalismo fotográfico.
Entre os repórteres fotográficos que cobriram a Guerra Hispano-Americana podem
destacar-se James Henry Hare (Collier's e New York Journal), James Burton e F. Pagliuchi
(Harper's), John C. Hemment (Leslie's) e William Randolph (World). Hare, provavelmente, foi o
mais famoso de entre eles.
Freelance no Reino Unido, James Hare emigrou para os EUA onde trabalhou no
mesmo regime para a Illustrated American e para a Collier's Weekly. Rapidamente se tornou uma
estrela do fotojornalismo emergente. Contratado por William Hearst, serviu os propósitos deste
barão da imprensa, que teve O Mundo a Seus Pés na Guerra Hispano-Americana, que ajudou a fazer
irromper. Nas suas imagens, Hare visava obter efeitos dramáticos — fossem as lutas de rua ou o
avanço do exército americano nas batalhas de San Juan ou Kettle Hills. Noutras circunstâncias, a
mesma pretensão é visível, nem que fosse a "prova" de que o avião dos irmãos Wright podia voar.
Hare foi também um dos primeiros photoglobetrotters: além de Cuba, esteve no
México a cobrir a revolução de Pancho Villa, na Coreia a fotografar o desembarque japonês durante
a Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905, em São Francisco após o terramoto. Em 1914, rompeu
com a Collier's para poder cobrir a I Guerra Mundial na Europa para a Leslie's Weekly, tendo
escolhido a frente dos Balcãs para fazer o seu trabalho. Antes de se retirar, fotografou os confrontos
polaco-soviéticos pós-armistício. As suas fotos do conflito entre a Rússia e o Japão, tal como as de
James Ricalcon, William Dinwiddic e Robert Dunn, reproduzidas largamente na imprensa
americana, foram também vendidas aos jornais ilustrados europeus, estabelecendo as bases para a
difusão internacional das imagens fotográficas.
Apesar do uso que a imprensa mucracker e amarela faziam das fotos (no New York
Journal, de Hearst, os fotógrafos chegavam a alterar fotos de pessoas conhecidas para que estas
passassem por desconhecidas; as fotos serviam, depois, para ilustrar narrativas diversas, como
crimes(81)), nos anos 90 do século passado a introdução da rotativa e a alteração do conteúdo dos
jornais e revistas, que começam a publicar artigos mais sérios e profundos, levam a uma integração
crescente da fotografia jornalística, mesmo nos órgãos de comunicação social mais clássicos.
Muitas vezes, contudo, as imagens são publicadas até três ou quatro semanas após o acontecimento.
De qualquer modo, nesta mesma época, revistas como a Collier's ajudaram a estabelecer as
convenções da reportagem fotográfica e do profissionalismo, ao usar a fotografia como news
medium, combinada com texto, e ao organizar staffs próprios de fotógrafos, transformando o
fotojornalismo em profissão e em carreira.
À medida que a fotografia começa a ser mais utilizada na imprensa, aparecem os
primeiros repórteres fotográficos profissionais. Estes cedo começam a ser detestados pelas suas
"vítimas" devido ao cheiro nauseabundo e à luz ofuscante dos flashes de magnésio, ao carácter
grotesco com que as pessoas eram fotograficamente representadas e ao facto de os fotógrafos serem
frequentemente pessoas rudes, escolhidas mais pela força física, devido ao peso das câmaras, do que
às suas qualidades, o que até dificultava o seu acesso ao local dos acontecimentos. "O objectivo
destes fotógrafos era (…) o de conseguir uma foto, o que na época queria dizer que a imagem devia
ser nítida e utilizável para a reprodução.""(82)
A fundação da londrina Illustrated Journals Photographic Supply Company, a
primeira agência fotográfica "de facto", em 1894, inaugura uma era de expansão do fotojornalismo.
À Illustrated Journals, outras agências se seguem, como a Underwood & Underwood (EUA), em
1896, e a Montauk Photo Concern (EUA), estabelecida em 1898, que empregou a primeira fotógrafa
americana a fazer nome — Frances Benjamin Johnson. Em 1899, surge em Londres a Illustrated
Press Bureau, que concorre com a Illustrated Journals. Estas agências fornecem fotografias aos
jornais e revistas, entregando-as, regra geral, em mão. Contudo, em 1907 a velocidade de
transmissão das imagens fotográficas aumenta, com o estabelecimento da transmissão à distância. A
partir desse mesmo ano, a National Geographic torna-se poneira do uso da cor na foto-reportagem.
A 8 de Março de 1890, é editada na Illustrated American a primeira reportagem
fotográfica sobre a vida numa prisão (Fig. 9) —um tema que ainda hoje continua a ser abordado e
que é, concomitantemente, um exemplo dos primeiros passos do fotojornalismo— realizada por
S.W. Westmore. Em 1896, o The New York Times começa a publicar um suplemento semanal
fotográfico(83), recorrendo ao halftone, e, em 1914, lançará o suplemento ilustrado Mid-Week
Pictorial, com fotografias de actualidade da guerra na Europa. Também impresso em rotativa, o
New York Tribune converte-se, em 1897, num utilizador regular da fotografia de actualidades.
Aquela que terá sido a primeira revista a usar a fotomontagem nasceu em França em
1898 — chamava-se La Vie au Grand Air (Fig. 10) e abordava essencialmente temas desportivos.
Esta revista inovou profundamente no campo gráfico, não apenas através do recurso à
fotomontagem como também recorrendo, por exemplo, a planos detalhados sobrepostos a planos
gerais e ao rompimento da mancha gráfica habitual. Nesse ano, publicavam-se já regularmente doze
revistas ilustradas nos EUA, dez no Reino Unido, nove em França, sete na Alemanha e Áustria e
uma ou mais noutros países europeus, como Portugal. Tornavam-se conhecidos os rostos das
figuras públicas e visualizavam-se os acontecimentos que, neste sentido, se tornavam mais
familiares. Na Europa e nos EUA, a fotografia insinuava-se, ou talvez mesmo se impusesse, na
imprensa.
Com a disseminação do fotojornalismo, e beneficiando das suas abordagens do
quotidiano, no sentido inverso ao dos amadores, que persistiam, no início do século, numa via
pictoralista, constroem-se novas formas de representação da realidade e novas grelhas —mais
realistas— de leitura do mundo.(84) De facto, a introdução da fotografia na imprensa abre a primeira
janela visual mediática para um mundo que se torna mais pequeno, caminhando para a familiaridade
da "aldeia global".(85)
Vai ser em França que, a partir de 1910, a fotografia jornalística faz a sua verdadeira
aparição nos jornais europeus, no Excelsior, de Pierre Lafitte. Neste jornal, quatro a doze páginas
eram reservadas à reprodução de fotografias de actualidade usadas como meio de informação, e não
de ilustração. No Velho Continente, isto era novidade. Com o britânico Daily Mirror, L'Excelsior
torna-se um dos pioneiros europeus em matéria de foto-reportagem. A L'Illustration não compete
directamente com o L'Éxcelsior, já que publicava menos fotografias, embora talvez de melhor
qualidade, com os fotógrafos Gervais Comtellemont e Jean Clair-Guyot a pontificarem entre os
colaboradores da revista.
Face aos dados expostos, pode concluir-se que, pelos finais do século XIX, a
fotografia começou a impor-se na imprensa, pelo menos como meio de ilustração directa, graças (a)
à difusão crescente da informação impressa, (b) à adaptação dos processos de impressão
fotomecânicos e (c) ao aparecimento do instantâneo fotográfico, possibilitado pelas tecnologias
emergentes. Todavia, como se verá, só nos anos vinte é que o medium se adaptará realmente à
imprensa.
Até lá, devagar, o fotojornalismo vai encontrando os meios para cobrir com eficácia e
em competição o mais difícil desafio, mas também talvez o mais aliciante: a guerra. É assim que a
Guerra dos Boers, que ensanguentou a África do Sul entre 1899 e 1902, propiciou ao fotógrafo
alemão Reinhold Thiele, entre outros, a obtenção de imagens que mostram a tensão de alguns
momentos do conflito, como o bombardeamento da artilharia naval britânica a uma fortaleza boer,
em Dezembro de 1899. As fotos de Thiele e de outro fotógrafo, Horace Nicholls, foram publicadas
no The Daily Graphic de Londres, em Março de 1900, o jornal que encomendara o trabalho. Com
um senão: nenhuma menção foi feita ao facto de o ataque britânico ter sido um desastre.
As guerras, mais especificamente as revoluções mexicanas, a partir de 1903 e com
ponto alto em 1910, foram também um tema de trabalho de Augustin-Victor Casasola, que fundou a
primeira agência fotográfica mexicana.
Noutra área, Arthur Genthe fotografou China Town, em São Francisco (1897), bem
como a devastação causada pelo terramoto de 1900 na cidade. Dois anos antes, o Graphic tinha
publicado fotografias de Ostanton no Sudão.
Paul Martin, por seu turno, pode considerar-se um dos precursores da candid
photography dos anos vinte, com os seus instantâneos das ruas de Londres —onde também faz
fotografia nocturna— nos anos noventa do século passado. Além das figuras típicas e das cenas do
quotidiano londrino, Martin tem também fotografias de pessoas em férias, com o seu quê de erótico,
como a foto de um casal prestes a abraçar-se na praia.
O fotojornalismo fazia o seu tour du monde.
CAPÍTULO V
INTENÇÕES DOCUMENTAIS E TESTEMUNHAIS NO NASCIMENTO DO FOTODOCUMENTALISMO
A fotografia documental de compromisso social, cujos temas são referenciais, ainda
hoje, para o fotojornalismo, não vai merecer o destaque consagrado pela imprensa da época à
fotografia de guerra e de "pequenos eventos", pelo menos numa fase inicial. Fotógrafos como
Thomson (1837-1921) publicaram as suas fotos em álbuns e Riis (1849-1914) teve dificuldades em
levar os jornais a inserir as suas fotografias, que publicou também em álbuns.
De qualquer modo, porém, os processos de reprodução tipográfica de fotografias que
recorriam à gravação em linha sobre madeira não eram os mais apropriados para a imprensa.
Jornais e revistas teriam ainda de esperar alguns anos pela adaptação para a tipografia da gravação
fotomecânica, pelos clichés de cobre e zinco e, especialmente, pelo halftone, procedimento capaz de
decompor a fotografia numa trama de pontos que, depois de impressos, restituem à foto a sua
identidade: os cinzentos são traduzidos em pontos negros e brancos que o olho humano mistura,
restituindo a sensação do tom original.
Parece-nos que se podem encontrar-se alguns indícios do que viria a ser o
fotodocumentalismo:
a) Na fotografia de viagens e de curiosidades etnográficas de meados do século
passado;
b) Na documentação fotográfica da conquista do Oeste, nos EUA, sobretudo nas
fotos de Gardner, Thimothy O' Sullivan (1840-1882) e William Henry Jackson
(1843-1942), que, em conjunto com a fotografia documental de intenção colonialista,
tem muito a ver com a exaltação de orgulhos nacionais e de processos de subjugação
de povos;
c) Nos levantamentos etnográficos dos índios norte-americanos levados a cabo, no
final do século passado e princípios do século XX, por Edward Curtis (1868-1952) e
Adam Vroman; Edward Curtis fotografou os nativos americanos de 1907 a 1937,
fazendo-os frequentemente posar e recuperar trajos e práticas que tinham
abandonado, evidenciando, assim, que entre a encenação ficcional e a pretensa
objectividade do documentário "não existe uma fronteira de princípio"(86); Vroman,
embora respeitasse os nativos e os seus usos e costumes, o que demonstrou pela
paciência que teve em ganhar-lhes a confiança, era, apesar disso, essencialmente
alimentado pela ânsia de documentar um mundo em extinção, num estilo distante e
frio, de que a boa consciência também está um pouco ausente; as fotografias de
ambos revelaram inexactidões nas representações da cultura índia(87);
d) Na fotografia de intenção documental de orientação colonialista europeia de África
e do Oriente, tal como na fotografia de orientação comercial (para a edição de
postais) do Mediterrâneo africano e oriental; com este tipo de fotografia, pretendia
fazer-se o "inventário do mundo";
e) Na obra pioneira de Henry Mayhew, um dos primeiros britânicos a percepcionar
os efeitos da industrialização; ele publicou London Labour and London Poor, em
1851, em fascículos ilustrados com gravuras de madeira executadas a partir de
daguerreótipos de Richard Beard das ruas de Londres; foi uma das primeiras obras
em que as imagens foram usadas tanto para persuadir como para informar;
f) Nos trabalhos de Carlo Ponti, que realizou uma série de fotografias dos vendedores
das ruas de Veneza, vendidas como recordações aos turistas, e nas obras de outros
fotógrafos que realizaram fotografias de tipos sociais, como sucedeu em Portugal;
g) Nas obras dos fotógrafos da cultura social e na dos pioneiros da fotografia
humanística, como Thomson (em parceria com o jornalista Adolphe Smith) (Fig. 11),
Riis (Fig. 12), Atget (1856-1927) (Fig. 13), Zille, Sander (1876-1964) (Fig. 14), Hine
(1874-1940) (Fig. 15), Peter Henry Hemerson, o Padre Browne (1880-1960), um
jesuíta que fotografa a Irlanda entre 1897 e os anos cinquenta, infelizmente só
revelado ao mundo em 1986, Sir Benjamin Stone, um parlamentar inglês que
documentou as antigas tradições de Inglaterra a partir dos anos noventa do século
XIX, tendo deixado à cidade de Birmingham um espólio de 22 mil fotos, Bellocq,
que no início do século XX fotografou a cultura social das prostitutas de New
Orleans, etc.; é no trabalho destes autores que, julgamos, se pode situar mais
precisamente o nascimento do fotodocumentalismo moderno(88); Riis, Hine, e, mais
tarde, fotógrafos como os da Farm security Administration ou Eugene Smith,
adicionaram à herança da foto-registo o desejo de intervenção social. A via iniciada
por Thomson e, principalmente, Riis e Hine, deixou marcas no fotojornalismo. Na
actualidade, podem identificar-se vários seguidores dessa via (como Sebastião
Salgado) que, nos anos trinta (a década que faz a fotografia realmente descobrir o
mundo), teria um novo impulso com o projecto Farm Security Administration.
Conforme, nos nossos dias, Salgado viria a dizer, mais do que momentos decisivos,
"(…) há vidas decisivas, com toda a sua cultura e toda a sua ideologia".(89)
A intenção dos fotógrafos referenciados é visível: dar ao leitor um testemunho,
mostrar a quem não está lá como é ou o que sucedeu e como sucedeu. Por vezes, exploram um
determinado frame, isto é, um enquadramento contextualizador no processo de produção de
sentidos, como é notório nos fotógrafos do "compromisso social", que tinham uma intenção
denunciante e reformadora, que as fotos deviam consubstanciar, atingindo mesmo os que não
queriam ou não sabiam ver. Se em Thomson esta tendência não é totalmente visível, com Riis, Hine
e o Farm Security Administration já se evidencia essa preocupação denunciante, embora talvez um
pouco constrangida no FSA.
Com o documentalismo estabelece-se uma das grandes motivações da fotografia no
século XX: o desejo de conhecer o outro, de saber como o outro vive, o que pensa, como vê o
mundo, com o que se importa. As palavras eram insuficientes.
É finalmente interessante notar que o documentalismo social na imprensa
(americana) nasce nos tablóides e não nos jornais mais sérios nem nas revistas ilustradas. Mas, se é
interessante, não é, de todo, surpreendente: afinal, as "cruzadas morais" sempre se enquadraram nas
esferas de interesse do jornalismo "sensacionalista".
CAPÍTULO VI
A PRÉ-REVOLUÇÃO NO FOTOJORNALISMO — SÉCULO XX: ABREM-SE AS PORTAS À EXPERIMENTAÇÃO
Eis chegado o século XX. O aumento da consciência política, ligado à alfabetização
e às revoluções industriais, ao aparecimento e difusão de novas ideologias, mas também à miséria
relativa em que se encontrava o operariado um pouco por toda a parte, especialmente quando se
compara a sua situação com a de uma burguesia comercial e industrial em ascenção, favorece a
criação de expectativas. Fervilha-se. Por outro lado, o positivismo e a omnipresença da máquina
fazem crescer o entusiasmo pela técnica e pela ciência.
Na fotografia, são "Anos de sobrevaloración da técnica —a máquina é a que fai ben
ou mal o traballo"(90); no fotojornalismo, nota-se o "Aumento na demanda da foto pra prensa"(91).
Nos EUA, as fotografias do assassinato do Presidente McKinley são destacadas na imprensa. Mas o
aumento da produção, e consequente destaque das fotografias, leva injustamente muitos repórteres
fotográficos ao anonimato, menos ao estrelato. Nos primeiros, pode incluir-se o autor da foto da
sufragista Mrs. Pankhurst, quando se manifestava diante do Palácio de Buckingham pelo voto
feminino. No últimos, Arthur Barret é um dos nomes de referência, inclusivamente na foto de
oportunidade, obtida no "momento decisivo", como no instantâneo de outra sufragista que, em 1913,
protestava contra a inexistência do direito ao voto das mulheres, colocando-se à frente do cavalo do
Rei George.
De facto, no início do século XX, alguns acontecimentos inesperados foram
fotograficamente registados por repórteres e fizeram crescer as expectativas do público face ao novo
medium, ajudando a consolidar o mercado. Além dos referidos, são os casos das fotos do incêndio
do dirigível Hindenburg, em New Jersey, e da tentativa de assassinato de William Gaynor, mayor de
Nova Iorque, em 1910, esta última captada quase por acaso por William Warneke, do World. O seu
scoop atingiu um sensacionalismo nunca conhecido até aí, mas bem ao gosto da imprensa
sensacionalista e amarela: o World publicou a foto a quatro colunas. Nesse mesmo ano, usa-se pela
primeira vez, no Freiburger Zeitung, o rotogravado, um processo de impressão que permite a
tiragem de heliogravuras numa rotativa, como sistema de reprodução. Este sistema subsistirá até à
implementação do offset, nos anos sessenta, que por sua vez dá lugar à infografia nos anos oitenta.
A 18 de Abril de 1912, o padre jesuíta Franck Browne torna-se famoso depois de as
suas fotografias do Titanic, as últimas realizadas a bordo, alguns dias antes do naufrágio, terem sido
publicadas na Europa e nos Estados Unidos. O Padre Browne, aliás, provavelmente só escapou à
morte porque o seu superior o impediu de continuar a viagem. Depois disso, o seu nome
mergulharia no esquecimento até 1986, mais de 25 anos após a morte do sacerdote, ano em que num
colégio dos jesuítas se descobre uma mala com mais de 42 mil negativos seus sobre a vida social na
Irlanda de 1897 aos anos Cinquenta. Este espólio dará origem a livros e exposições, entre as quais
uma no Centre Georges Pompideu, em 1996.
Por outro lado, "A foto afástase do efecto verité único e unívoco. E entra no século
XX coma eido de experiencias técnicas (…) ou compositivas"(92). De facto, se por volta de 1880
nascia o naturalismo e, uma década depois, o pictoralismo, rapidamente se chega ao futurismo(93) e
ao expressionismo.(94) Ao surrealismo.(95) Ao construtivismo.(96) Ao dadaísmo.(97) À Bauhaus.(98)
Todos estes movimentos artísticos tiveram influência sobre a fotografia e, consequentemente, sobre
o fotojornalismo, tal como a teria, noutro plano, a fotomontagem (Fig. 16), que, rompendo com a
tradição mimética da realidade, emprestou à imagem de imprensa o cariz interpretativo e expressivo
que ainda lhe ia faltando.
O início do século na fotografia ficou ainda associado ao movimento da Photo
Secession, que procurava abrir caminhos mais "realistas" e precisos para o medium, emancipando-o
do pictoralismo, tornando-o numa arte autónoma. Esse movimento, fundado por Edward Steichen
(1879-1973) e Alfred Stieglitz (1864-1946) (Fig. 17), a que se associará Paul Strand (1890-1976)
(Fig. 18), promove, nomeadamente através da revista Camera Work, lançada em 1903, uma estética
modernista e especificamente americana, consagrada ao elogio da cidade, da indústria, do progresso
e dos costumes não pitorescos (o que, por exemplo, fez Benice Abbot, em Nova Iorque), que
desagua na straight photography, a fotografia "pura" que recorria unicamente aos meios fotográficos
(enquadramento, luz…) para gerar sentido, recusando os procedimentos "artísticos" —como os
pictóricos—, avaliados como supérfluos. A straight photography é mesmo, talvez, a "invenção"
mais original da fotografia americana.
Porém, a straight photography é uma fotografia percepcionada e registada em função
do ponto de vista, em função da responsabilidade do fotógrafo: não se podendo renunciar à técnica,
podia-se, contudo, tentar neutralizá-la. De uma certa forma, a straight photography retomou as
intenções "realistas" dos primeiros tempos da fotografia, quando o medium se alimentava sobretudo
de demonstrações técnicas, e as intenções da fotografia "documental" dos anos quarenta e cinquenta
do século XIX. A straight photography é, em resumo, uma fotografia pura, mas criativa, apostada
em que o processo de significação da imagem fotográfica se apoie nela mesma, isto é, na autonomia
do medium enquanto sistema de representação visual do mundo.
Os fotógrafos do movimento consideravam também no que faziam os usos social e
pessoal da fotografia, nomeadamente no capítulo dos sentimentos provocados, tendo procurado
fazer com que as imagens fotográficas fossem um instrumento válido para manifestar os sentimentos
humanos.
Alfred Stieglitz foi um precursor do instantâneo fotográfico e de novas formas de
enquadrar (tirando partido, por exemplo, das formas geométricas existentes que permitissem realçar
os elementos, como um edifício que se recorta num espaço entre a folhagem das árvores). Nos
"instantâneos" ele explora uma estética da organização fotográfica e o equilíbrio de elementos
compositivos. São particularmente brilhantes as suas dosagens de branco e negro, como no
"instantâneo" do homem de chapéu branco no porto.
Edward Steichen foi um fotógrafo rigoroso e meticuloso que se tornou um importante
retratista (retratou personalidades tão díspares como o financeiro J. P. Morgan e os actores Charlin
Chaplin e Greta Garbo) e que colaborou com revistas como a Vanity Fair e a Vogue. Durante a
Primeira Guerra Mundial, Steichen viria a comandar os serviços fotográficos do exército
americano. Os fotógrafos sob o seu comando reuniram mais de um milhão de negativos, que se
extraviaram posteriormente. Depois da Segunda Guerra Mundial, publicou A Veteran's
Photographic Combat, uma representação fotográfica da América em guerra onde se evidencia a
preocupação de mostrar quanto a guerra era estúpida. Desse livro venderam-se mais de seis milhões
de exemplares. Nessa época, havia já um grande mercado para a fotografia, alimentado
principalmente pelas revistas fotográficas, nas páginas das quais se inseriam sobretudo "estórias" de
interesse humano.
Paul Strand, que fotografou dos anos dez aos sessenta, foi provavelmente um dos
fotógrafos que mais impulsionou a entrada da fotografia na modernidade, tendo igualmente sido um
influenciador das linhas histórico-evolutivas que permitiram o aparecimento de fotógrafos como
Cartier-Bresson ou Brassaï.
A foto de Wall Street onde Strand fotografa peões, reduzidos face à imensidade da
fachada de um banco —mas sem que os primeiros percam a sua individualidade—, condensa as
tendências da sua fotografia, revelando também que o fotógrafo não se revia —estamos em crer—
na impessoalidade estéril de uma vida rotineira e mecanizada.
Em 1925, um novo movimento não organizado entronca no universo fotográfico, em
termos de objectivos, com os apologistas da straight photography. Este novo movimento nasce da
exposição da Neue Sachlichkeit (Nova Objectividade), em Mannheim, que assinalou um retorno ao
realismo na pintura, num mundo marcado pelo racionalismo, pela ciência e pelo positivismo.
Preconiza-se, assim, a ordem fotográfica, isto é, a nitidez, a precisão, a recusa em mascarar as
características técnicas da fotografia.
Entre as duas guerras, a Nova Objectividade e a straight photography marcaram
todas as estéticas fotográficas, como a do grupo f/64, fundado em 1932, em torno das ideias de
Edward Weston (1886-1958), de controle total da imagem óptica obtida com uma máquina
fotográfica no momento do acto fotográfico, da obtenção do máximo detalhe descritivo do mundo
físico com recurso à maior profundidade de campo possível e, portanto, à menor abertura possível
do diafragma. Porém, é de salientar que a reprodução rigorosa dos objectos e sujeitos, recortados do
plano de fundo, que essas tendências sustentavam, não evita a subjectividade da percepção e leitura
de imagem do observador, mais ou menos independentemente das intenções do fotógrafo, cuja
intervenção própria será sempre necessariamente subjectiva. É um pouco aquilo de que os
surrealistas falavam quando se referiam ao "inconsciente do olhar".(99) Interessante é também
salientar que foi Edward Weston que introduziu a ideia da pré-visualização: o fotógrafo deveria
prever mentalmente o resultado final e o acidental deveria ser evitado.(100)
Na URSS, a abordagem "objectivante" e realista do real preconizada pela straight
photography e pela Neue Sachlichkeit vai servir os objectivos do Estado e do Partido Comunista.
Dá-se, aí, uma negação política do pictoralismo e induzem-se os fotógrafos "proletários" a
glorificarem os "feitos" do Estado Soviético (sobretudo nos campos agrícola e industrial, mas
também da electrificação), os desfiles e os heróis do trabalho, através do realismo socialista. O
grande expoente da fotografia soviética desse período foi Alexander Rodchenko (1891-1956).
Como se sabe, também na URSS o inconveniente não foi mostrado. O realismo
fotográfico soviético trata-se, assim, de um realismo decepado, que dissimula as contradições da
sociedade, que não representa o outro lado da "pátria do socialismo": o gulag, as deportações de
camponeses e populações inteiras, as colectivizações forçadas e todos os crimes contra a
Humanidade cometidos, principalmente, durante o período estalinista. A fotografia é grandiosa,
mas "vazia" em termos de conteúdos. O mesmo sucedeu, aliás, na Itália fascista, na Alemanha Nazi
(com o destaque aos comícios esmagadores e outras manifestações colectivas impressionantes,
muitas vezes fotografadas a cor, o que foi um incentivo ao seu uso) e na Península Ibérica de Franco
e Salazar.
Pode dizer-se que a fotografia russo-soviética evoluiu para um instrumento de
propaganda dos anos da Primeira Guerra Mundial (em que predominavam as fotos dos heróis) até ao
auge da colectivização da agricultura, nos anos trinta. Sob a influência da ideologia e de Estaline,
começou a manipular-se a imagem fotográfica com o intuito de refabricar a história: as personagens
indesejáveis suprimem-se das fotografias oficiais, enquanto outras são acrescentadas. A revista
Sovietskoe Foto inscreve-se, após 1927, nesse espírito manipulador, propagandístico e censório.
CAPÍTULO VII
A PRIMEIRA REVOLUÇÃO NO FOTOJORNALISMO: SURGE E DESENVOLVE-SE O FOTOJORNALISMO MODERNO
Pelos finais do século XIX, os diários encontravam-se atrasados na utilização da
fotografia como news medium. De facto, ao contrário dos semanários e das revistas ilustradas, que
começaram a publicar regularmente fotografias a partir de meados da década de Oitenta do século
XIX, é, por exemplo, apenas em 1904 que surge o Daily Mirror, em Inglaterra, um jornal que
ilustrava as suas páginas quase unicamente com fotografias, beneficiando dos autochromes,
inventados e fabricados pelos irmãos Lumiére; nos EUA, só em 1919 é que surge o Illustrated Daily
News, de Nova Iorque, que seguia as políticas do Mirror. Gisèle Freund explica:
"Esta utilização tardia da fotografia na imprensa é devida ao facto de que as imagens devem ainda ser feitas fora do jornal. A imprensa, cujo sucesso se funda na actualidade imediata, não pode esperar e os proprietários dos jornais hesitam em investir grandes somas de dinheiro nestas novas máquinas." (101)
A publicação de clichés pelo Daily Mirror, a partir de 1904, é sintomática da
mudança cultural operada na imprensa: nas rotinas produtivas da alvorada do século insere-se o
elemento fotográfico informativo, a informação "fotovisual", pese embora a redundância. O público
pede. As empresas adaptam-se. A procura cresce. E, como "a necessidade aguça o engenho", a
técnica avança. O fotojornalismo caminha ao encontro das condições empresariais, culturais e
tecnológicas que lhe possibilitarão "(…) tentar converterse nun elemento informativo independente
e activo, contemporáneo e múltiple, deixando o empirismo oitocentista e o seu recato de fidelidade
ó obxecto real." (102)
Com o aumento da procura da fotografia pela imprensa aumenta o número dos que
optam pelo fotojornalismo enquanto profissão. Em 1913, a Collier's proclamava mesmo que "It is
the photographer that writes history these days. The journalist only labels the characters."(103)
Contudo, o alvor do século é uma época de anonimato para os repórteres fotográficos, que só nos
anos vinte, com a geração de Solomon (1896-1944), vão ver a sua actividade profissional mais
reconhecida. Isto não significou, porém, um reconhecimento total e definitivo da profissão: ainda
hoje, em Portugal, subsiste, por vezes, a ideia de que o fotojornalismo serve essencialmente para
"encher o olho" e ilustrar(104), o que indicia a falta de cultura fotográfica e revela desconhecimento
sobre as virtualidades informativas, interpretativas e contextualizadoras do fotojornalismo.
No século XIX, os habitantes dos países (mais ou menos) industrializados adoravam
o progresso, bem como a ciência e a técnica que o permitiam. Daí o positivismo, que "substituiu"
Deus.
De facto, o progresso era real, visível e globalmente benéfico, apesar das catástrofes,
como a fome na Rússia, em 1910, fotografada pelo representante da Kodak em S. Petersburg, o
amador Nahum Luboshez. Mas dá-se a Primeira Guerra Mundial, e a humanidade sentiu que, por
vezes, o progresso a deixava ficar mal. E vai voltar-se, após o conflito, para a ideologia, surgindo as
crenças no comunismo, nos fascismos e no nazismo, até no freudianismo.
A Primeira Guerra Mundial produziu pela primeira vez um fluxo constante de
fotografias, que tendem a editar-se em suplementos ilustrados dos jornais. À época, alguns meios
impressos dos EUA, Reino Unido, França e Alemanha possuiam já um staff de fotojornalistas, que
cobrem os eventos de rotina e, por vezes, produzem um scoop, a "cácha" fotojornalística, a
fotografia exclusiva, em primeira mão. No final da Grande Guerra, a maior parte dos grandes
jornais já tinha ou estava em vias de ter a sua própria equipa de fotojornalistas. O The New York
Times, por exemplo, instalou-a em 1922.
A The Illustrated London News foi uma das revistas que dedicou várias primeiras
páginas e páginas interiores à informação gráfica sobre o conflito. Por exemplo, a 11 de Dezembro
de 1915 publicou, na primeira página, a fotografia de um soldado britânico usando uma máscara de
gás e fazendo guarda na primeira linha. No dia do armistício, publicou duas páginas cheias de
fotografias da multidão que efusivamente celebrava o acontecimento. Mas não é ainda aqui que se
pode falar de reportagem fotográfica no sentido actual do termo: as fotografias eram publicadas sem
ter em conta o resultado global, tinham todas o mesmo tamanho (provocando a ausência de ritmo de
leitura e não dando pistas para uma leitura mais hierarquizada da informação visual) e eram quase
sempre planos gerais.
Durante o conflito, não raras vezes a fotografia serviu a manipulação e a propaganda,
com o fito evidente de ajudar a controlar as populações e direccionar e estimular, os seus ódios e
afectos. Os ministérios franceses da Guerra e das Belas Artes, por exemplo, criaram o Serviço
Fotográfico do Exército, com os objectivos de registar os tempos de luta que se viviam e, sobretudo,
de controlar a obtenção e difusão de imagens, impedindo a disseminação das fotos-choque, aquelas
que retratavam a face odiosa da guerra (o organismo será ressuscitado na Segunda Guerra
Mundial). Os fotógrafos de guerra tiveram ainda de lidar com a mão-pesada de censores e editores,
que retocaram muitas imagens, impedindo o choque.
Em 1937, numa exposição do Register and Tribune, de Des Moines, sobre o uso
propagandístico da fotografia na Primeira Guerra Mundial, exibiram-se fotografias usadas pelos
Aliados em que alemães pareciam brutalizar crianças belgas e francesas, enquanto crianças e
soldados aliados prisioneiros eram fotografados pelos alemães como se estivessem a receber bons
tratos.
De qualquer modo, ao contrário do que viria a acontecer durante a Segunda Guerra, a
cobertura fotojornalística do conflito de 1914-1918 não necessitou de grande organização e logística
— tratava-se de um conflito centrado nas trincheiras e não na guerra-relâmpago ou em rápidas
movimentações militares. Algumas fotografias sob fogo foram realizadas por fotógrafos integrados
nos exércitos dos antagonistas, mas a sua maioria foi conservada em arquivo até ao início dos anos
vinte.
Além disso, como escrevem Richard Lacayo e George Russell:
"By that time, the nature of news magazine had changed again. The picture magazines had gone into decline with the advent of the war [em favor dos jornais; mas renasceriam brevemente na Alemanha]. The days of the great freelances were —for a time— over. But the notion of photos inseparable from news had been deeply imbedded in the Western psyche."(105)
O primeiro grande conflito mundial ficará também ligado à utilização regular da
fotografia como um método auxiliar de reconhecimento aéreo, um factor que poderá ter contribuído
para a vitória aliada.
Após a Primeira Guerra, durante a República de Weimar (1918/1933), e beneficiando
do seu clima liberal, floresceram na Alemanha as artes, as letras e as ciências.(106) Este ambiente
repercute-se na imprensa e, assim, entre os anos vinte e os anos trinta, a Alemanha torna-se o país
com mais revistas ilustradas e onde irão nascer verdadeiramente os fotojornalistas modernos. Estas
tinham tiragens de mais de cinco milhões de exemplares para uma audiência estimada em 20
milhões de pessoas.(107) Posteriormente, influenciadas pelas ideias basilares das revistas ilustradas
alemãs, fundar-se-iam a Vu, e a Regards, a Picture Post e a própria Life, entre várias outras
publicações.
Formaram-se também, na mesma altura, agências fotográficas independentes (como a
Deuphot) para sustentar as exigências das revistas. Entre estas relevam-se a Berliner Illustrirte
Zeitung (fundada em 1890), a Munchner Illustriert Presse e a Arbeiter Illustrierte Zeitung (uma
"correligionária" da USSR im Bild alemã e que, como esta última revista, começou a usar uma série
de imagens para cobrir um tema). Com base nas ideias basilares das revistas ilustradas alemãs,
fundar-se-iam a Vu (França, 1928) e a Regards (França, 1931), entre outras.
Os foto-repórteres "modernos" nasceram verdadeiramente nos anos vinte, sendo
notáveis os nomes de Erich Solomon e Felix H. Man (1893-1985), bem como os de uma série de
imigrantes húngaros na Europa que contribuiram para trazer aportações originais ao medium
fotográfico: Lászlò Moholy-Nagy (1895-1946) tornava-se um dos mestres da Bahaus; Martin
Munkacsi (1896-1963) chegava a Berlim, em 1927; André Kertész (1894-1985) e Brassaï (1899-
1984) atingiram Paris, entre 1924 e 1925. Um pouco antes destes acontecimentos, em 1917, tinha-
se dado a Revolução Bochevique (onde estiveram presentes vários fotógrafos ocidentais,
especialmente de agências como a Underwood & Underwwod). Fundava-se, então, a URSS. As
ondas de choque revolucionárias propagar-se-iam por todo o mundo.
A forma como se articulava o texto e a(s) imagem(ns) nas revistas ilustradas alemãs
da "nova vaga" permite que se fale com propriedade em fotojornalismo. Já não é apenas a imagem
isolada que interessa, mas sim o texto e todo o "mosaico" fotográfico com que se tenta contar a
"estória", não raras vezes interpretando-se o acontecimento, assumindo-se um ponto de vista,
esclarecendo-se ou clarificando-se, explorando-se a conotação, mesmo que disso se não se desse
conta. As fotos na imprensa, enquanto elementos de mediatização visual, vão mudar.
Além disso, vários são os avanços técnicos que ocorrem no domínio da fotografia.
Em 1925, é inventado por Paul Vierköter o flash de lâmpada. Em 1929, esse flash é aperfeiçoado
por Ostermeier, que introduz um metal reflector na lâmpada. Os fotojornalistas em pouco tempo
adoptaram o modelo, substituindo o flash de magnésio. O novo flash fez a sua estreia nos Estados
Unidos, com a foto do Presidente Hoover assinando a Lei de Apoio aos Desempregados.
Em 1930, uma marca mítica de máquinas fotográficas, a Leica, comercializa pela
primeira vez um modelo dotado de objectivas permutáveis, utilizando um filme de 36 exposições.
Pese embora a resistência à mudança de algumas publicações, como a própria Life, que, em 1936,
ainda insistia para que os fotojornalistas usassem câmaras de grande formato e não a Leica, esta
marca afirma-se no mercado. O fotojornalista, com ela, ganha mobilidade, pode posicionar-se
melhor face ao evento, explorando pontos de vista variados, passa mais facilmente despercebido,
não necessita de usar constantemente flash para fotografar em interiores e tem à sua disposição uma
gama de objectivas permutáveis que pode mudar consoante os objectivos do seu trabalho e a
distância a que tem de se situar.
Se bem que desde a década de Oitenta do século XIX tenham sido comercializadas
câmaras de pequeno formato [estas, por vezes, ficaram conhecidas por "câmaras detective" (spy
cameras)], só em meados do presente século é que a qualidade das câmaras menores melhorou ao
ponto de se tornar possível a sua utilização profissional. A facilidade de manuseamento das câmaras
de pequeno formato encorajou a prática do foto-ensaio e a obtenção de sequências.
Dos vários factores que determinaram o desenvolvimento do moderno fotojornalismo
na Alemanha dos anos vinte podem destacar-se cinco:
1) Aparição de novos flashes e comercialização das câmaras de 35mm, sobretudo da
Leica e da Ermanox, equipadas com lentes mais luminosas e filme mais sensível, o
que permitiu "(…) transportar o observador para a própria cena"(108); mas, por outro
lado, também se vai, de algum modo, devassando a privacidade; segundo Hicks, a
facilidade de manuseamento das câmaras de pequeno formato encorajou a prática do
foto-ensaio e a obtenção de sequências.(109)
2) Emergência de uma geração de foto-repórteres bem formados, expeditos e,
nalguns casos, com nível social elevado, o que lhes franqueava muitas portas;
3) Atitude experimental e de colaboração intensa entre fotojornalistas, editores e
proprietários das revistas ilustradas, promovendo o aparecimento e difusão da candid
photography (a fotografia não posada e não protocolar) (Fig. 19) e do foto-ensaio; as
revistas ofereciam um bom produto a preço módico;
4) Inspiração no interesse humano; floresce a ideia de que ao público não interessa
somente as actividades e os acontecimentos em que estão envolvidas figuras-
públicas, mas também os temas que representam a sua própria vida; as revistas
alemãs começam, assim, a integrar reportagens da vida quotidiana com as quais se
identificava uma larga fatia do público, que também estava ansioso por imagens;
5) Ambiente cultural e suporte económico.
Devido aos factores expostos, a fotografia jornalística ganhou força, ultrapassando o
carácter meramente ilustrativo-decorativo a que ainda era geralmente votada. O fotojornalismo de
autor tornou-se referência obrigatória. Pela primeira vez, privilegia-se a imagem em detrimento do
texto, que surge como um complemento, por vezes reduzido a pequenas legendas. Outras vezes, a
imagem na imprensa vai mais longe. Chega a aliar-se a arte à autoria, a expressão à interpretação e
à assunção da subjectividade de pontos de vista pessoais. É o que acontece, por exemplo, com as
fotomontagens antinazis de John Heartfield (1891-1968). Assiste-se também a um direccionamento
dos conteúdos para a pessoa individual.
Nos primeiros tempos do novo fotojornalismo, para se obter sucesso nas fotografias
em interiores por vezes era necessário recorrer a placas de vidro, mais sensíveis, e proceder à
revelação das placas em banhos especiais. A profundidade de campo também era muito limitada,
pelo que o cálculo das distâncias tinha de ser feito com grande precisão, o que dificultava a vida ao
fotógrafo. Também era preciso usar tripé, incómodo e difícil de esconder. Raramente se
conseguiam obter várias fotos de um mesmo tema, pelo que a que se obtinha devia "falar por si".
Assim, começa a insinuar-se, com força, no "fotojornalismo do instante", a noção do que, mais
tarde, Cartier Bresson classificará como "momento decisivo".
R. E. Kuenzli diz, porém, que, tirando casos como o de Heartfield, que usava as foto-
montagens como "arma anti-burguesa", o uso da inovadora foto-reportagem na Alemanha de
Weimar serviu sobretudo os interesses das classes média e superior, pois as foto-reportagens não
questionavam as estruturas políticas e sociais da República.(110) Para Kuenzli, confrontada com a
poderosa e efectiva construção da realidade operada pelos mass media burgueses, a esquerda radical
lançou as suas próprias publicações de grande tiragem, como a Arbeiter Illustrierte Zeitung, de
forma a contestar as interpretações "burguesas" dos acontecimentos e problemáticas, apresentando
os interesses dos trabalhadores e formando uma esfera pública proletária.(111)
Outro ponto de vista crítico sobre o fotojornalismo alemão da época de Weimar é o
de Hundt. O autor sustenta que a "comercialização da vida" que teve lugar nesse contexto histórico
criou condições para que as fotografias jornalísticas, mais do que os textos, funcionassem como
sonhos substituidores da realidade e agentes fomentadores de sensações de um mundo vazio e
alienado.(112) O fotojornalismo na República de Weimar seria um exemplo de ideologia em prática,
reflectindo, consoante as revistas, ou as ideias de esquerda ou as ideias conservadoras (dominantes);
destas ideias conservadoras fariam parte a celebração do conhecimento técnico como símbolo de
progresso e o encerramento da foto nas noções tradicionais de cultura.(113) Consequentemente, as
revistas ilustradas alemãs teriam principalmente desenvolvido, na óptica do autor, uma visualidade
excitante, mas num estilo ostensivamente apolítico e incontroverso que teria falhado na preparação
dos leitores para as consequências catastróficas das condições políticas prevalecentes então.(114)
Do nosso ponto de vista, esse facto pode ter ocorrido, mas é menos nítido que as
revistas alemãs tenham reflectido dominantemente as ideias conservadoras, não só porque o
ambiente social era agitado, tendo a esquerda comunista e social-democrata bastante força (logo não
nos parece que se possa falar totalmente de uma hegemonia ideológica conservadora), mas também
porque na esfera pública alemã pontificavam várias revistas de esquerda, como a Arbeiter
Illustrierte Zeitung, e porque fotojornalistas como Felix Man não deixaram de expressar o seu ponto
de vista negativo sobre o fascismo. Será, todavia, menos questionável afirmar que a articulação
entre fotografias e textos nas foto-reportagens e foto-ensaios publicados nas revistas ilustradas
alemãs contribuiu para apresentar e construir ficções e referências sobre as pessoas, a sociedade e o
mundo.
Um outro exemplo da utilização político-ideológica do fotojornalismo como arma
política por parte da esquerda é a revista Der Arbeiter-Fotograf. Herbert Hofreither mostra bem que
a fotografia, nessa revista, possuía funções políticas militantes na luta de classes e na luta contra o
fotojornalismo "artístico" e "civil" da grande imprensa ilustrada que o autor denomina de "imprensa
civil", isto apesar de a Der Arbeiter-Fotograf descrever as suas fotos como "sociais".(115) Os temas
principais das representações fotográficas da revista eram o trabalho, a habitação operária, a vida
nas ruas, a vida rural, higiene e saúde, miséria e fome, desemprego, mulheres e crianças, vida
quotidiana e tempos livres.(116) Os temas principais da fotografia "política" eram as greves, as
manifestações, o fascismo e o nazismo e o terror policial.(117) Finalmente, segundo Hofreither, a
esfera das possibilidades formais no fotojornalismo praticado na Der Arbeiter-Fotograf culminou —
transitando da fotografia isolada para o foto-ensaio e a foto-sequência— na foto-"estória" socio-
colectiva da classe operária.(118)
Dos vários fotojornalistas que seguem o caminho aberto pelo "pai" do fotojornalismo
moderno, Erich Solomon, podem destacar-se, de imediato, Tim Gidal (um fotojornalista alemão que
colaborou com a Münchner e a Berliner, mas que é mais importante como autor do primeiro livro de
relevo sobre a história do fotojornalismo, pese embora as reportagens que realizou em todo o
mundo), Felix H. Man (Hans Baumann) e Alfred Eisenstaedt (1898-1995), chefe da secção de
fotografia da Associated Press em Berlim. Moholy-Nagy publicou também várias fotos na
Münchner Illustrierte Presse, entre Fevereiro e Maio de 1929. Na maioria, porém, os fotógrafos são
jovens que trabalham como freelances e redigem eles mesmos os textos e legendas que
acompanham as suas fotografias, sempre assinadas. Outros trabalham para agências como a Dephot
(Deutsche Photodienst), que tem as revistas como principais clientes. Entre estes últimos, figurava
um húngaro de nascença, um tal de Andreas Friedmann, que tinha começado como fotógrafo nessa
agência aos 17 anos. Alguns anos mais tarde, adoptará outro nome — Robert Capa (1913-1954).
Todavia, o primeiro fotojornalista alemão da nova vaga a fazer nome foi Willi Ruge, com as suas
fotos das milícias nazis, comunistas, monárquicas e fascistas em combates de rua.
Erich Solomon é, de algum modo, considerado o progenitor do actual fotojornalismo
porque é principalmente com ele que nasce a candid photography (candid camera foi a expressão
usada pelo director da revista londrina The Graphic para se referir ao novo estilo), a fotografia não
posada, não protocolar, em que o fotografado não se consegue preparar para o ser. Uma fotografia
viva, por vezes bem humorada (Solomon não desdenhava o público), que tenta surpreender as
figuras (públicas) em instantes durante os quais abrandam a vigilância, deixando cair as máscaras e
abandonando os rituais sociais, assumindo posições "naturais". Uma fotografia que procura retratar
o quotidiano. São famosas as fotos informais de encontros diplomáticos realizadas por Solomon.
A par de Erich Solomon, que fazia questão em ser chamado "Herr Doktor", uma vez
que era licenciado em Direito, toda uma nova raça de fotojornalistas rompe com a ideia de que o
repórter fotográfico pouco mais era do que o simples servidor ao qual cabia obter uma fotografia
muito nítida e agradavelmente composta para ilustrar (isto é, pouco mais que decorar) os textos. Os
novos fotojornalistas eram pessoas educadas, muitas vezes aristocratas ou burgueses que, embora
arruinados, mantinham um elevado estatuto social, forte presença e postura. Nalguns casos, isto
facultava-lhes a entrada nos locais "interditos" onde se cozinhavam os negócios de estado, se fazia
política ou até justiça, como aconteceu com Solomon, nas célebre fotografias que, apesar da
proibição vigente de fotografar, realizou no tribunal onde se julgava um estudante acusado de matar
dois companheiros (trabalho com que se estreia como fotógrafo), repetindo a ideia de Arthur Barret,
que, em 1910, tinha também fotografado um tribunal, e aguçando, de certa forma, o voyeurismo do
público.
Apesar do seu status, os fotojornalistas recorriam a expedientes: Solomon, por
exemplo, usava um obturador especial que lhe permitia disparar sem ruído; além disso, não se coibia
em usar subterfúgios, como esconder a máquina e o tripé na roupa (chegou a esconder a máquina
numa bíblia para fotografar um cardeal falecido) ou, nas ocasiões de Estado, ocupar lugares de
dignatários que não tinham aparecido. Aliás, no célebre prefácio ao seu livro Beruhmte
zeitgenossen im unbewachten augenbliken (Contemporâneos Célebres Fotografados em Momentos
Inesperados), publicado em 1931, ele enuncia as qualidades que, na sua óptica, um fotojornalista
deveria ter:
"A actividade de um fotógrafo de imprensa que quer ser mais do que um artesão é uma luta contínua pela sua imagem. Tal como o caçador está obsecado pela sua paixão de caçar, também o fotógrafo está obsecado pela fotografia única que quer obter. (…) É preciso lutar contra (…) a administração, os
empregados, a polícia, os guardas (…). É preciso apanhá-las [as pessoas] no momento preciso em que elas estão imóveis [por causa dos tempos de exposição]. Depois é preciso lutar contra o tempo, pois cada jornal tem uma deadline ao qual é preciso antecipar-se. Antes de tudo o mais, um repórter fotográfico tem de ter uma paciência infinita, e não se enervar nunca; deve estar ao corrente dos acontecimentos e saber a tempo e horas onde é que irão desenrolar-se. Se necessário, devemos servir-nos de toda a espécie de astúcias, mesmo se elas nem sempre são bem sucedidas."
Algumas das considerações de Solomon sobre o bom fotojornalista já estão,
certamente, ultrapassadas, devido aos avanços técnicos. Mas as restantes são ainda hoje válidas e,
entre elas, releva-se o factor tempo, uma das grandes condicionantes do jornalismo, mormente do
jornalismo de agência noticiosa.
Solomon assinava as fotos. O fotógrafo perde, assim, o anonimato, obtendo justo
reconhecimento pelo seu trabalho e, por vezes, atingindo o estatuto de estrela. Nalguns casos,
porém, a luta pelas fotografias "secretas" originada pela competição entre as revistas leva a
encenações, como nas fotos de Erich Solomon das salas de jogo do Casino de Monte-Carlo,
publicadas em Abril de 1929. Nestas fotografias, encenadas, os empregados do casino posaram para
as fotos como se fossem eles os habituais jogadores, as figuras públicas, antes mesmo de abrirem as
salas. A administração do casino não tinha autorizado que se fotografassem os frequentadores
durante o período de abertura. O público desconhecia-o. E as fotos passaram por aquilo que não
eram.
A presença sistemática de Solomon nos acontecimentos públicos trouxe um maior
respeito dos políticos pelos fotógrafos. Consta mesmo que o ministro britânico dos Negócios
Estrangeiros, no início de uma reunião intergovernamental, terá perguntado, com um certo humor:
"Onde está o Doutor Salomon? Não podemos começar sem ele, pois o público pensará que este
encontro não teve importância." E o primeiro-ministro prussiano, Otto Braun, terá dito também que
"Hoje pode ter-se uma conferência sem ministros, mas não sem o Doutor Solomon".
Pela mesma época em que vingava o "estilo" Solomon, Munkacsi fazia nome na
Berliner Illustrierte, tal como Kertész, que também verá publicada, em 1929, no BIZ, aquela que se
considera ser a primeira verdadeira photo story, um ensaio subjectivista sobre a vida monástica no
mosteiro de Notre Dame de la Grande Trappe. Kertész, um dos fundadores da fotografia moderna,
foi, de alguma forma, o mestre da chamada fotografia humanista francesa de Cartier-Bresson,
Doisneau e Brassaï.
As políticas editoriais de Kurt Korff, na Berliner Illustrirte Keitung, e de Stefan
Lorant, na Münchner Illustrierte Presse, foram também importantes para que o novo estilo
vingasse. De alguma maneira, eles quebraram a antiga visão da fotografia como mera ilustração
para lhe atribuir um papel determinante na informação, na interpretação, na contextualização e na
explicação dos assuntos. Além disso, pela primeira vez as fotografias foram paginadas combinando-
se complementar e dinamicamente texto e imagem, recorrendo-se substancialmente ao foto-ensaio
para o efeito. Abalava-se, deste modo, a tradicional publicação de uma única fotografia meramente
ilustrativa por assunto ou de sequências simples, com efeitos quer ao nível das rotinas produtivas,
quer ao nível da obtenção das fotos (inclusão da foto-reportagem aprofundada e do foto-ensaio nos
géneros fotojornalísticos praticados, por exemplo), quer da paginação. O fotojornalismo tornou-se a
pedra angular de uma mudança qualitativa nos conteúdos informativos e nas relações conteúdo-
forma, neste caso através das inovações gráficas que se vão implementando. Cada vez mais, com
propriedade, se podia falar de verdadeira informação visual.
Embora Kurt Korff permitisse a publicação de fotografias encenadas, para
corresponder ao conceito de fotografia "única" e "ultra-secreta" que ele próprio tinha inventado(119) e
que os leitores esperavam, Stefan Lorant recusava a encenação fotográfica. Ele vai, ao invés,
fomentar a foto-reportagem em profundidade sobre um único assunto. Nessas reportagens eram
geralmente apresentadas, ao longo de várias páginas, fotografias detalhadas agrupadas em torno de
uma foto central. Esta tinha por missão sintetizar os elementos da "estória" que Lorant pedia aos
fotojornalistas que contassem em imagens. Para Lorant, "A 'foto-reportagem' devia ter [ainda] um
começo e um fim definidos pelo lugar, o tempo e a acção (…).".(120)
Será também Lorant a incrementar a variedade temática das foto-reportagens. Estas
deixam de privilegiar unicamente as figuras públicas e os acontecimentos que giravam na sua órbita,
para estenderem esse privilégio aos vários assuntos que pudessem afectar o público ou com os quais
este se identificava, como os que diziam respeito à sua vida quotidiana, algo que pode ser ilustrado
pelas foto-reportagens de Felix Man sobre as piscinas populares, os combates de boxe, os
restaurantes e parques de diversões ou até a primeira foto-reportagem nocturna. Esta ideia será,
mais tarde, a base do sucesso da Life.
A metodologia de trabalho no fotojornalismo também foi influenciada por Lorant, em
torno das seguintes linhas:
a) Relação amigável editor—fotojornalistas—redactores;
b) Quer os fotojornalistas quer os editores e redactores podiam apresentar projectos;
c) Debate das ideias de projectos pelos envolvidos no processo;
d) Liberdade para o fotojornalista abordar o assunto como entendia;
e) Ao editor competia especificamente:
e.1) Seleccionar as fotografias apresentadas e pré-escolhidas pelo
fotojornalista;
e.2) Estruturar um layout generalista que consagrava, porém, atenção
aos pormenores, combinando tamanhos e disposição ordenada das
fotografias com as necessárias legendas;
e.3) Rever e refazer a componente textual (títulos, legendas, etc.), de
modo a evitar más partições, cortes nas linhas, etc., e a elaborar um
texto não redundante em relação às fotos, mas que as complementasse,
explicasse, contextualizasse ou até ilustrasse.
A chegada de Hitler ao poder, em 1933, provocou o colapso do novo fotojornalismo
alemão. Muitos dos fotojornalistas e editores conotados com a esquerda tiveram de fugir para não
serem presos e mortos, exportando as concepções do fotojornalismo alemão, que espalham por
vários países, entre os quais a França (Vu, etc.), o Reino Unido (Picture Post, etc.) e os Estados
Unidos (Life, etc.).
Kurt Hutton —Kurt Hübschmann, em alemão— é um dos exemplos desses
refugiados. Ele estava na Dephot e fugiu para o Reino Unido, onde trabalhou para a Weekly
Illustrated e para a Picture Post.
Outro caso exemplar é o do relativamente desconhecido Josef Breitenbach, um
fotógrafo judeu alemão socialista que fugiu de Berlim para Paris, em 1933, e daí para os Estados
Unidos, em 1942, tendo, neste último país, trabalhado para a Fortune. Em muitas das suas fotos,
nomeadamente nas da série Dr. Riegler —onde este surge de fato ao lado de uma rapariga nua num
ambiente doméstico—, não só se revê uma intenção surrealista exaltadora da incongruência como
também se acentua um certo voyeurismo.
Ao refugiarem-se noutros países, os fotojornalistas alemães ou que trabalhavam na
Alemanha exportaram também as concepções do fotojornalismo alemão, que espalham por vários
países, entre os quais a França, o Reino Unido e os Estados Unidos.
Korff fugiu para a Áustria e depois para a América, onde viria a ser conselheiro de
Henry Luce na fundação da Life. Stefan Lorant regressou à Hungria e refugia-se, depois, em
Londres, onde, em 1934, fundou a revista Lilliput. Foi depois editor da Weekly Illustrated e, em
1938, funda a Picture Post, que veio a tornar-se a revista britânica mais significativa das que
privilegiavam o fotojornalismo, tendo-se editado até 1958. Nas palavras de Margarita Ledo Andión
(1988), a revista representa mesmo "a evolución da fórmula pioneira do Münchner Illustrierte Press
e a continuidade de Vu e de Regards."
Na Post, Lorant continuou a publicar, entre outros, ensaios de Felix Man e de vários
fotojornalistas fugidos ao avanço de Hitler, como Capa, que nessa revista e na Life veio a consagrar-
se como repórter de guerra, com a cobertura que fez da Guerra Civil de Espanha até à queda de
Barcelona, em 1939. Não obstante, em 1940, Lorant emigrou, também ele, para os EUA.
Já depois do conflito de 39-45, a Picture Post consagraria o seu editor fotográfico,
Bert Hardy, cujas fotografias conseguem captar a atmosfera dos temas e eventos fotografados e a
expressão das personalidades envolvidas, como ocorre numa foto dos vitivinicultores franceses
numa cave de vinho ou nas fotos sobre os problemas racistas em Liverpool, em 1949. Sob esse
prisma, Hardy apresenta algumas semelhanças com Erwitt e, principalmente, com Cartier-Bresson,
cuja foto Piquenique de Domingo nas Margens do Marne, de 1938, integrada no seu livro Images à
la sauvette (1952), é muito semelhante a algumas das imagens de Hardy.
Na linha das revistas ilustradas alemãs, a L'Illustrazione Italiana, de Milão, publicou,
a partir de Junho de 1924, uma série de photo-stories, como a visita do Rei Humberto de Itália ao rei
Afonso de Espanha ou as fotos do levantamento socialista de Viena, publicadas a 24 de Julho de
1924, nove dias depois dos acontecimentos terem ocorrido.
Durante este período dourado do fotojornalismo, as conquistas técnicas continuaram:
em 1929 aparece o sistema reflex de duas objectivas, com a Rolleiflex; em 1933, surge o o sistema
reflex de uma única objectiva, que é aquele que hoje é mais usado no campo fotojornalístico. O
sistema de reflex directo permitirá enquadramentos mais exactos, facilitará a focagem e facultará ao
fotógrafo uma maior concentração no tema. Em 1936, a Agfa consegue obter um filme de
sensibilidade de 100 ASA (21 DIN).
Podemos dizer que, na Europa e, a partir do Velho Continente, no resto do mundo,
com as revistas ilustradas, o fotojornalismo transformou-se definitivamente e tornou-se seguro de
si. Doravante, não será só o fabrico rotineiro de um produto de rápido consumo a interessar. O
"olha e deita fora", o "boneco" ilustrativo, praticado em grande número de jornais, revistas e
agências, coexistirá, até aos nossos dias, com o fotojornalismo de autor da Life e de outros jornais,
revistas e agências.(121) A picture story ou photo story, introduzida pelo fotojornalismo alemão dos
anos vinte/trinta, não só concretiza as velhas ideias de narratividade que Paul Nadar e o seu pai, o
"grande" Nadar, ensaiaram aquando da entrevista que este último efectuou a Chevreul, como
também fez avançar o fotojornalismo para a liça pela interpretação da notícia e do acontecimento,
pelo triunfo do ponto de vista.
Nessa época, a realidade não deixa de ser, na fotografia, identificada com o
verosímil. Mesmo a escolha de um campo, a assunção de um ponto de vista, algo necessariamente
subjectivo, que se nota, por exemplo, na fotografia de Man, não impede, porém, que o
fotojornalismo dos anos vinte e trinta se baseie dominantemente na foto-descrição, na ilusão da
verdade, na facticidade e na univocidade de sentido. Só a partir dos anos sessenta é que a fotografia
evoluirá, com maior pujança, por um lado, para a polissemia e, por outro, embora não
necessariamente dissociado, para a análise, o comentário, o que se consubstancia na tomada
decidida de posição entre o "justo" e o "injusto", o "certo" e o "errado", o "mal" e o "bem", como é
particularmente visível em McCullin. A honestidade começará, nos anos sessenta, a contrapor-se à
objectividade. A foto "começará a ver".(122)
Os anos trinta viram também surgir um novo fenómeno: surgem várias publicações
sobre fotografia, como a Popular Photography (a 1 de Maio de 1937).
Uma geração mítica
Por volta dos anos trinta, a fotografia destinada à imprensa havia já conquistado um
certo respeito e os fotógrafos obtinham reconhecimento e honorabilidade, ao ponto de alguns deles
se tornarem figuras conhecidas no mundo inteiro. As novas formas de ver o fotojornalismo, porém,
não podem, na nossa opinião, desassociar-se da cultura da imagem que dava os primeiros passos
para se tornar numa cultura dominante: em meados dos anos trinta já existiam sistemas de televisão
em França, na Alemanha, no Reino Unido e nos Estados Unidos. Provavelmente, o espaço
conquistado pela fotografia na imprensa diária dever-se-á tanto ou mais a essa hipótese do que à
intenção testemunhal e documental da fotografia jornalística da época.
Assim sendo, a respeitabilidade adquirida pelos fotojornalistas é, antes de mais, uma
respeitabilidade mediática, conquistada pela própria força da fotografia como intermedium, como
medium convergente noutro medium: a imprensa. Jornais e revistas aproveitavam as fotos para
melhorar o aspecto gráfico ou informarem melhor, obrigando os fotojornalistas a pensarem nas
fotografias, tornando comuns as sequências fotográficas, as foto-reportagens e os foto-ensaios.
Alguns fotógrafos esforçavam-se mesmo por mostrar o quotidiano mais prosaico, como fez Kertész
com os camponeses bretões.
O reconhecimento dos fotojornalistas reafirmou a fotografia de autor, que se vinha
desenhando desde os anos vinte. Este fenómeno adquire maior relevância com as coberturas da
Guerra Civil de Espanha e da Segunda Guerra Mundial. Mais tarde, o mesmo acontecerá durante os
conflitos da Coreia, e, especialmente, do Vietname. As fotos de todos esses fotógrafos demonstram,
primeiramente, um contrato de associação, mesmo de interdependência, entre o fotógrafo e o
medium: antes de qualquer opção mediática e da percepção e recepção da foto por parte do
observador, a fotografia é um acto pessoal.
Na Europa dos anos trinta, "(…) proclamábanse opinións en defensa dunha lectura
comunicativa da foto en conexión coa reserva de signos e coa forma, tirándolle o seu xogo de
imitación do que se vé."(123) Obras sobre fotografia social, como a tese de Giséle Freund, Fotografia
e Sociedade, animariam essa defesa.
Todavia, os anos trinta são também uma década em que os jornais populares
europeus se agarram à foto, que deixará de ser um quase monopólio das revistas ilustradas. Tal
como já faziam o Daily Mirror, o Daily Mail, o Sunday Graphic e o Sunday Pictorial, também
jornais como o Paris-Soir (posteriormente denominado France-Soir) começaram a dar mais atenção
ao fotojornalismo. O número de fotógrafos aumenta, a demanda de fotos também. E isto levou a
uma certa rotinização e massificação da produção fotográfica. Assim, uma corrente paralela, mas de
sentido oposto, à fotografia de autor (concentrada nas revistas), instala-se com relativo à vontade no
campo da imprensa. É a corrente do sensacionalismo, do scoop, da velocidade e da exploração da
verosimilitude. É dentro desta linha que Prouvost, editor do Paris-Soir, anuncia que os leitores do
periódico vão encontrar fotos recentes (põe em evidência a velocidade) e raras (põe em evidência o
scoop).(124)
Da geração de fotógrafos que, a partir dos anos trinta, conquistam relevância
histórica fazem parte Carl Mydans, Capa e Cartier-Bresson (1908-), Margaret Bourke-White (1904-
1971) e Kartész, Brassaï, o fotógrafo de Paris, Munkacsi (1896-1963), Doisneau (1912-1995), David
Douglas Duncan (1916-), George Rodger (1908-1995) e David "Chim" Seymour (1911-1956), entre
outros.
Concentrada predominantemente em Paris, essa geração vai cruzar-se com os
fotógrafos que fugiam da Alemanha face ao avanço dos nazis: Man fica no Reino Unido, a trabalhar
com Lorant. Eisenstaedt e Fritz Goro fixam-se nos EUA, tendo vindo a integrar os quadros da Life,
a partir de 1936 (Eisenstaedt colaborará com esta revista durante cerca de quarenta anos, tendo
publicado mais de mil feature stories). Capa, em 1933, dirige-se para Paris, depois de passar algum
tempo em Viena e em Budapeste. Solomon não teve essa sorte: judeu, apesar de se refugiar na
Holanda, é apanhado pela guerra e deportado, tendo morrido em Auschwitz, em 1944. Na
Alemanha, Heinrich Hoffman, amigo de Hitler, torna-se o fotógrafo todo-poderoso do regime, um
regime que estimula uma fotografia ideológica e algo uniforme.
Irrompendo em 1936 e durando até às vésperas da Segunda Guerra Mundial, em
1939, a Guerra Civil de Espanha foi a primeira guerra moderna a ser amplamente fotografada e
também um laboratório de ensaio, mesmo sob o ponto de vista fotojornalístico, para o conflito maior
da II Guerra Mundial que se avizinhava. A maior parte dos grandes fotógrafos que se deslocaram
para Espanha escolheu, sem hesitar, o lado dos Republicanos-lealistas, pois a sua causa atraía-os, no
que tinha de romântico e desesperado, de utupia e solidariedade. Os casos de Capa, Cartier-Bresson
ou david Seymour são paradigmáticos.
A escolha de um campo por parte dos fotógrafos, a acentuação de um ponto de vista e
a "autocensura" motivada pelo empenho na causa e consequente postura perante o mundo vai levar a
que na produção fotojornalística dessa guerra pouco se veja das atrocidades cometidas pelo campo
em que os fotógrafos actuavam. Por exemplo, as chacinas perpetradas pelos Republicanos e mesmo
as confrontações internas entre comunistas e anarquistas foram ignoradas pelos fotógrafos que
cobriram o conflito desse lado, como Capa. "Pra 'significar' o mundo cúmpre sentirse implicado no
que se encadra a través do visor", explica Cartier-Bresson.(125) Na Segunda Guerra Mundial,
acontecerá algo semelhante e a foto-press será, mais uma vez, usada com fins propagandístico-
manipulatórios. Na Guerra Civil de Espanha anunciam-se, assim:
"(…) as constantes que virán a se consolidar na (…) foto-press no decurso da IIª GM: fotos estimulantes, neutralizadoras do clima psico-social crítico, de espreita, fotos que non trasmiten sofremento senón deber, senso de salvación colectiva, fotos que fuxen do xoc porque pasiviza, fotos-modelo que servirán, con diferentes epígrafes, pra identificar públicos diversos o 'universal' das súas imaxes, ou fotos creadas, construidas prás seccións de guerra psicolóxica, coma instrumentos da contrapropaganda, fotos maniqueistas, de bos e malos, sen trémula."(126)
Vários fotógrafos espenhóis distinguiram-se também durante o conflito que
ensanguentou o seu país. Augustí Centelles, que colaborou com La Vanguardia, de Barcelona e fez
uma cobertura exaustiva da frente de Aragão, e José Suárez —que mais tarde viria a colaborar com
a Life e que realizou o documental Mariñeiros para o Governo republicano— são apenas dois dos
mais conhecidos.
Num estudo curioso de 1992 sobre a cobertura fotojornalística das hostilidades em
Espanha, C. Brothers chegou à conclusão de que as fotografias da vida dos civis espanhóis
publicadas na imprensa francesa e britânica exibiam uma considerável correlação entre os temas
seleccionados para representação. A autora sugere que as razões para estas correspondências foram
predominantemente culturais e que as preocupações ideológicas lhes estavam necessariamente
subordinadas. C. Brothers mantém ainda que a fotografia sobre a Guerra Civil de Espanha tinha
notoriamente fins persuasivos, especialmente porque o conflito provocou intensa polarização
política na Europa; para ela, todas as imagens desta natureza dependem de uma forma fundamental
das crenças colectivas e das suposições da sociedade que as consome. Finalmente, a autora propõe
que o historiador deverá recolocar as fotos nos seus contextos originais de publicação para
compreender as manifestações da imaginação colectiva de uma sociedade particular num momento
histórico determinado e para chegar às noções tão óbvias para essa sociedade que só escassamente
são expressas em palavras.(127)
As aportações que, antes e depois do conflito espanhol, a "geração mítica" traz para o
fotojornalismo são várias. Por exemplo, o pioneirismo de fotojornalistas como Capa na cobertura de
guerra obriga a debater a questão: para informar deve "mostrar-se" ou "sugerir-se"? A resposta
originou duas vias de actuação: Capa, por exemplo, sugere ameaças, como nas fotos dos civis
alarmados pelos ruídos dos bombardeiros que sobrevoavam Bilbao durante o conflito espanhol.
Anos depois, Don McCullin enquadrará a sua produção na estética do horror, que, aliás, o esgotará e
o fará abandonar a fotografia de guerra (em 1988, fotografará as paisagens inglesas, talvez para
exorcisar os fantasmas dos horrores que fotografou). Desse debate outro nascerá: é o conflito entre
o apegamento à realidade, da fotografia entendida antes de mais como ícone, contraposto à
expressividade criativa, à fotografia percebida sobretudo como símbolo.(128)
De Capa ficou ainda o exemplo e a máxima bem conhecida: "Se a tua fotografia não
é boa, é porque tu não estavas suficicientemente perto!" Esta máxima orienta ainda hoje a produção
dos fotojornalistas de guerra e havia de valer a vida Capa, quando, em 1954, após ter coberto
acontecimentos tão relevantes como a fundação de Israel (1948) e as lutas travadas pela nova nação,
bem como cinco guerras em dezoito anos, morre vitimado por uma mina na Indochina francesa,
actual Vietname. Mas dele permanecem as suas fotos, onde, sem abdicar da escolha de um campo,
o que se nota particularmente na Guerra Civil de Espanha, mostra a inumanidade do homem, os seus
instintos de ferocidade animalesca e selvagem, a estupidez e a futilidade da guerra. George Rodger,
tal como Capa, procurava também fotografar perto da acção, com humanismo e sentimento.
O humanismo, por vezes talvez até o humanitarismo, tornava-se o filão dos
concerned photographers (Figs. 21, 22, 23 e 24), cuja produção não apenas era destinada à imprensa
mas também a livros e exposições. Kertész, David Douglas Duncan, Bill Brandt, Capa, George
Rodger, Cartier-Bresson, Munkacsi, Brassaï, Doisneau, Margaret Bourke-White são apenas alguns
dos nomes, vários dos quais já referenciados, que animaram essa geração mítica dos anos trinta, cuja
produção continuará a marcar o produto fotojornalístico ao ponto de ainda hoje se sentir a sua
influência.
Na Guerra Civil de Espanha distinguiu-se também a fotógrafa Edith Tudor, que, em
1938, reporta a saga das crianças bascas refugiadas de guerra para o Christian Science Monitor. Um
ano antes, a fotógrafa companheira de Capa, Gerda Taro, tinha morrido num acidente enquanto
cobria o mesmo conflito.
Tina Medotti é o nome de outra mulher-autora que no campo do fotojornalismo se
distingue na guerra espanhola, embora tenha tido outros palcos de actuação: Hollywood, URSS e
México, onde cobriu o movimento revolucionário.
Outro inovador —e introdutor de debates profícuos na fotografia— foi Henry
Cartier-Bresson, que se tornou notado ainda nos alvores dos anos trinta, com as suas fotos sobre o
México, incluindo as suas prostitutas (1934). O seu primeiro trabalho foi publicado pela Vu e, a
partir daí, o fotógrafo francês colaborou assiduamente na Life, na Paris Match, na Harpeer's Bazar,
na Picture Post, na Epoca, na Realités e muitas outras revistas. Publicou livros como Images a la
sauvette (1952, talvez o mais importante, traduzido em inglês como The Decisive Moment), Les
europeens (1955), Moscou (1955) e D'une Chine à l'autre (1955). Foi também um dos fundadores
da agência Magnum.
A fotografia de Cartier-Bresson tornou-se um dos exemplos mais perfeitos da aliança
entre a arte e o elemento informativo imagético baseado na autoria, iniciando também o que
podemos considerar como uma tradição francesa da fotografia única. Conforme escreve Jose
Manuel Susperregui (1988, 199-200):
"En su proceder la mirada ocupa el lugar primordial por encima de las palabras y comentarios para plantear unas interrogaciones perpetuas. La mirada se ocupa de la comprensión del mundo y la fotografia de la evocación de ese sentimiento de comprensión; la fotografia como fin no le interessa, se sirve de ella para escoger unas imágenes afines a su sensibilidad. Por ello, la fotografia documental no es totalmente válida porque refleja un mundo excesivamente atomizado por unas imágenes resueltas con mayor o menor acierto y que no siempre garantizan una visión penetrante. Desde su posición como fotógrafo entiende la esencia de este medio como una cisión profunda dirigida por la emoción para llegar a unos significados de lo que fotografá garantizando la comunicación. Para ello se debe estabelecer una relación entre el sujeto y el fotógrafo, si no el resultado es superficial.
La fotografia tal y como la entiende no acepta preparativos, y acepta todo salvo una puesta en escena. El secreto está en la sensibilidad y en el conocimiento del fotógrafo ayuado en algunas ocasiones por la intuición. Cartier-Bresson necesita conocer lo que va a fotografiar. (…) Cuando Alfred Stieglitz le perguntó cómo habia aprendido a fotografiar su respuesta fue:'mirando'.
(…) Cartier-Bresson es sinónimo de cámara humana, y se ha comparado su ojo a la de un visor fusionado al mismo. Entiende la cámara fotográfica como un instrumento para prolongar y perpetuar la visión. Esta valoración está en contradicción con la teoria de Moholy-Nagy, para quien la cámara es un instrumento autónomo y capaz de emanciparse de la fisonomia de la realidad."
O olhar fotográfico de Henri Cartier-Bresson é algo vago, subtil, talvez mesmo
metafórico, mas ambiciosamente centrado no real. É um olhar que revela a responsabilidade de um
fotógrafo consciente em relação à influência que as suas imagens podem adquirir. Na sua essência
encontra-se uma brilhante selecção dos locais onde o fotógrafo se posiciona, uma atenção extrema
ao enquadramento e à composição, bem como, evidentemente, a concentração em torno do
momento da exposição, visando o "instante decisivo".
Nem sempre é fácil extrair sentidos inteligíveis das fotografias de Bresson. Ao jogar
com os elementos, que fazia convergir no enquadramento em composições geométricas, ele
conseguia eternizar numa foto o transitório e o contingente, isto é, os instantes onde as
representações da vida se condensam. O mundo é único —parece transmitir a sua fotografia— as
vozes é que são múltiplas.
Após 1974, Cartier-Bresson consagrar-se-á ao desenho, regressando às origens. A
pintura seria, afinal, a verdadeira libertação do artista.
Por seu turno, Munkacsi exprimiu na sua fotografia de reportagem alguns dos
cânones estéticos do modernismo, como a utilização do contra-luz e a captação de sujeitos em
movimento, bem visível naquela que é, porventura, a mais conhecida das suas fotos: os rapazes
congoleses brincando na praia (tirada por volta de 1930). A partir de 1934, Munkacsi converte-se,
porém, à fotografia de moda, trabalhando para a Harper's Bazar, o que fez dele um dos grandes
fotógrafos de moda do seu tempo. As suas fotos de moda mostram a vitalidade dos sujeitos e são
com frequência extremamente plásticas, como acontecia nas suas fotografias jornalísticas. Foi um
dos inspiradores de fotógrafos como Richard Avedon.
Outros criadores-introdutores do novo dessa geração foram Kertész, com o seu
experimentalismo fotográfico (distorções, movimentos em composições abstractas em que por vezes
se notam atitudes que roçam o surrealismo…), e Brassaï, com as suas imagens intrigantes e
permissivas da noite parisiense (editadas no livro Paris de nuit, de 1932). Nestas últimas fotos, por
vezes notava-se a acentuação dos reflexos de uma calçada com o flash; noutras ocasiões, o fotógrafo
usava a névoa e a chuva como filtros que imprimem determinadas atmosferas às fotografias, tal
como o tinham feito os pictoralistas. Em alguns casos, a cidade é fotografada em si mesma, sem os
seus habitantes, como anteriormente o tinha feito Atget. Noutros casos, o motivo é a "fauna
nocturna", os habitantes da escuridão na cidade-luz: as prostitutas, os pequenos marginais, os rufias,
os namorados que se beijam "clandestinamente". Para o fazer, teve de lhes ganhar a confiança.
Como outros fotógrafos, Brassaï realiza fotografias de prostitutas que nos tornam
autênticos voyeurs. Mas, provavelmente para evitar precisamente esse mesmo voyeurismo
indiscreto, só em 1977 é que edita Le Paris secret des anées 30. De qualquer modo, ao contrário,
por exemplo, do que fará Weegee, o que Brassaï fotografa é um mundo agradável, um mundo de
prazer, em que as vítimas do pequeno e grande crime são mais ou menos ignoradas.
Também sobre Paris, a partir de meados dos anos trinta, debruça-se Willy Ronis, um
fotógrafo esquerdista que colaborou na Regards, na Vu e na Vie Ouvrière. A sua obra, que em
certos aspectos se assemelha à de Doisneau, constitui um testemunho importante para a história
social do mundo reivindicativo do trabalho: as greves, os desfiles da Frente Popular, as
manifestações ou até as ocupações dos operários nas primeiras férias pagas.
Kertész é um caso ímpar da fotografia. Influenciado pelo movimento da Nova
Objectividade, ele vai recorrer com frequência a uma prática fotográfica conceptual, na qual joga
com as formas, as linhas, os contrastes de sombra e de volume. As suas fotos parecem transmitir-
nos que o mundo pode representar-se fotograficamente através do rigor do enquadramento, da
precisão dessas linhas e desses contornos, desses contrastes e das distorções. O visível transforma-
se em lisível através da imagem fotográfica, o mundo sofre uma metamorfose que o torna um
conjunto de signos exploráveis através da fotografia, ou seja, da linguagem fotográfica. Na
fotografia de Kertész, o concreto caminha para o abstracto.
Doisneau, pelo contrário, pode não ter sido propriamente um inovador, mas é um dos
protagonistas do fotojornalismo francês à francesa que caracteriza alguma produção do pós-guerra,
sobretudo na Agência Rapho. Esse tipo de fotojornalismo dava uma atenção bem humorada às
pequenas historietas quotidianas e comportamentos vulgares da gente comum.
Baiser de l'Hôtel de Ville (Paris, 1950) é, provavelmente, a foto mais conhecida de
Doisneau. Resultando de uma encenação, não deixa, por isso, de sintetizar o essencial da sua obra,
mormente o humor e a graça com que ele abordava os motivos do dia a dia.
Nesse panorama, Bill Brandt (1904-1983) é um caso particular. Tornar-se-ia
conhecido e influente no pós-guerra, mas o seu projecto fotográfico The English at Home —na
nossa opinião— já em 1936 indiciava algumas das características do documentalismo fotográfico
contemporâneo.
Em 1937, Brandt, um dos fotógrafos da geração da Picture Post, fotografará as
consequências da revolução industrial, os mineiros desempregados, os trabalhadores nos dias
difíceis, as fábricas e as minas em crise. Durante a guerra, cobrirá os bombardeamentos de
Londres. No pós-guerra, a sua obra fotográfica abrir-se-á a formas expressivas renovadoras no
campo fotográfico, mas que já entram, sobretudo, no domínio da arte: jogos de sombra e luz
acentuados por revelações e impressões contrastadas, fotos de praias e falésias em que se visualizam
fragmentos do corpo humano. Estas últimas, principalmente, são fotografias que apelam ao fora de
campo, obrigando o observador a completar activamente a imagem durante a sua leitura (função de
reintegração), para o que terá de activar a sua reserva sígnica.
Margaret Bourke-White começou a sua carreira pela fotografia de arquitectura e
estendeu-a à fotografia da sociedade industrial, que capta de forma dramática, por vezes
esmagadora, como a foto de uma barragem em Fort Peck Dam que fez a capa do primeiro número
da Life, a 23 de Novembro de 1936. Na revista de Henry Luce tornar-se-á uma fotógrafa
conceituadíssima e uma das introdutoras, se não a introdutora, do foto-ensaio nos Estados Unidos,
precisamente com o trabalho sobre a vida em Fort Peck Dam, também publicado no número um da
revista.
Tendo ganho uma forte consciência social a partir de meados da sua carreira,
Margaret viajava frequentemente à URSS, testemunhando o primeiro raide alemão sobre Moscovo,
na Segunda Guerra Mundial. Na América, tinha publicado, em 1937, com o seu futuro marido, o
escritor Erskine Caldwell, You Have Seen Their Faces, um poderoso documento social sobre os
pobres dos estados do Sul e as suas deploráveis condições de vida. Como correspondente da Life na
Europa durante a Segunda Guerra Mundial, Margaret será também a primeira fotógrafa a participar
num raide aéreo da Força Aérea Americana, em 1943, e estava com os fotógrafos que descobriram
os horrores do campo de concentração de Buchenwald, em 1945. Fotografará a campanha de
resistência pacífica de Gandhi e, em 1948, o próprio Gandhi, seis horas antes de o líder indiano ser
assassinado. Fará, posteriormente, a cobertura da Guerra da Coreia. Outra Margaret, Margaret
Monk, socialista, distinguir-se-á como fotógrafa na Picture Post.
David Douglas Duncan foi sobretudo um fotógrafo de guerra. A sua carreira iniciou-
se quando, como amador, fotografou acidentalmente o gangster John Dillinger, em 1934. Mas foi
sobretudo a partir do momento em que se juntou aos Marines, em 1943, que a sua produção
fotográfica começou a notar-se. Fotografou as missões aéreas e os avanços das tropas, evidenciando
tanta coragem e sangue-frio que acabou por ser condecorado com a Purple Heart. Após a Segunda
Guerra, fotografou a Guerra da Coreia, em 1950, com as tropas norte-americanas em retirada, tendo
editado o livro This Is War, que condensa a frustração do conflito. Foi talvez na Coreia que ele
realizou as suas imagens mais memoráveis, representando a dureza, a exaustão e a luta.
Perfeccionista, desgostoso com a forma como a fotografia era tratada pelos editores,
Duncan demite-se da Life, onde trabalhava, em 1955, tornando-se um freelance e orientando grande
parte do seu trabalho para a produção de livros, onde podia fazer o que almejava: controlar o seu
trabalho. Com isto, ajudou a definir as direcções que a fotografia do pós-guerra iria tomar.
A produção de guerra de David Douglas Duncan, a seu modo um outro Capa,
recomeça no Vietname (Indochina), onde fotografa o envolvimento francês em ordem a evitar a
independência da sua colónia. Publica, nessa altura, na Life, The Year of the Snake, um foto-ensaio
sobre esse tema. Alguns anos passados e fotografará o polémico e desastroso envolvimento
americano no mesmo local.
A Vu
Alguns anos antes da Guerra de Espanha, em 1928, o francês Lucien Vogel tinha
criado a revista Vu, seguindo uma fórmula similar àquela que estava a ser praticada com êxito na
Alemanha, baseada na inter-relação de complementaridade foto(s)-texto(s) e, decorrendo do
privilégio outorgado à imagem, em novas receitas gráficas. Todavia, desde o início da Vu que
Vogel associava fotografias de qualidade a textos de qualidade, tendo chamado para a revista não só
óptimos fotojornalistas como também escritores de renome, como Philipe Soupault.
Alguns dos fotojornalistas que vieram a integrar o staff da Vu eram alemães ou
imigrados na Alemanha fugidos às perseguições nazis: Man e Capa estavam entre eles. Vieram
juntar-se a Kertész e Germaine Krull (1897-1985), entre outros. Com a guerra, alguns deles, como o
próprio Kertész, mudar-se-iam para os Estados Unidos. Krull prosseguiu a sua carreira como
repórter de guerra para a França Livre.
A filosofia da Vu colide com a das anteriores revistas francesas ilustradas, como a
L'Illustration. De facto, com a Vu inicia-se um processo de utilização massiva e até espectacular das
fotografias (como a dupla página que ocupou uma fotografia de Margaret Bourke-White de uma
metalurgia de Ohio, em 1931), de tal modo que, no final do primeiro ano de vida da revista, Lucien
Vogel mostra-se orgulhoso de um feito, à época, ímpar: a Vu tinha publicado 3 324 fotos.(129) Sem a
Vu, como mais tarde reconhecerá o fundador da Life, Henry Luce, esta última revista não teria
existido (pelo menos, não teria sido o que foi). "Notre culture est devenue visuel", chega a declarar
o redactor-chefe da Vu, Carlos Rim.(130)
Em 1933, é publicado um número especial sobre a Itália, "O Ano XI do Fascismo", e,
em 1934, um outro sobre a China. Em 1936, porém, Vogel é obrigado a demitir-se da direcção da
Vu pelos patrocinadores da grande indústria, agastados pelas simpatias esquerdistas do editor. A
gota de água é a publicação, nesse ano, de um número especial sobre a Guerra Civil de Espanha
vista pelo lado dos republicanos… e da mais célebre fotografia de Capa, a polémica foto da "morte
de um soldado republicano", que é ainda hoje a "foto de marca" do fotojornalismo de guerra, bem
reveladora da máxima do seu autor — uma boa fotografia é uma fotografia de proximidade; quando
a foto sai mal, é porque não se está suficientemente perto. Mas a foto da morte do soldado
republicano não é só a imagem da morte, é sobretudo "(…) a morte como verosímel", como disse
Margarita Ledo Andión (1988).
Sem Vogel e com o interesse diminuído, a revista só durará mais dois anos.
A USSR Im Bild e a emergência de um fotojornalismo soviético
Na União Soviética, inicia-se, em 1930, a publicação da revista USSR im Bild, que
será editada, até à eclosão da Segunda Guerra Mundial, por Maxim Gorki, Michael Kolzow e
outros. Esta revista dota-se de um grafismo avant-garde, quase transportando para o doravante
importantíssimo mise-en-page as tensões dialéticas das teses marxistas, como Sergei Eisenstein
tinha feito no cinema.
A USSR im Bild era publicada em Moscovo em inglês, francês, alemão e espanhol e
registava, com sabor a propaganda, as realizações da indústria, da agricultura e da construção civil
soviéticas. Particularmente interessantes no que respeita ao layout e à fotografia são os números
editados por El Lissitzky e Alexander Rodchenko (1891-1956), entre 1933 e 1936. Lissitzky e
Rodchenko usaram fotos a cores, fotomontagens, e, em termos gráficos, páginas cut-out e fold-out,
de maneira a imprimir maior dinamismo à revista.
Os fotógrafos soviéticos preocupavam-se, sobretudo, em representar, de forma
simultaneamente realista e grandiosa, as realizações relevantes do novo modelo de sociedade que a
URSS se propunha fazer nascer. Boris Ignatovich é o seu precursor, procurando, com as suas fotos,
surtir um grande efeito no público. Depois há o caso ímpar de Rodtchenko. Podemos citar também
Petrusov, Dimitri Baltermans e Anatol Garanin, entre outros. Mais tarde, durante a Segunda Guerra,
tornar-se-á notado outro grande fotógrafo soviético: Evgueni Khadeï.
CAPÍTULO VIII
O DESENVOLVIMENTO DO FOTOJORNALISMO AMERICANO ENTRE GUERRAS
Nos anos vinte, a Europa recuperava da guerra e os Estados Unidos viam a sua
economia crescer, até à crise de 1929. Porém, a década de trinta voltará a ser uma era de
crescimento económico, só interrompido, pelo menos na Europa, pela Segunda Guerra Mundial. É
nessas duas décadas —a dos anos vinte e a dos anos trinta— que o fotojornalismo se afirmará como
vector integrante da imprensa moderna. Além disso, continuarão as conquistas técnicas,
predominantemente nos domínios da cor (a Kodak comercializará o filme Kodacolor, a partir de
1942) e da sensibilidade.
Enquanto no Velho Continente o fio condutor do fotojornalismo envereda pela
fotografia de autor e pelo foto-ensaio nas revistas ilustradas (nos jornais isso não se passa tanto), nos
Estados Unidos é principalmente nos jornais diários que se dão mudanças importantes para o futuro
da actividade. Estas mudanças, à semelhança do caso europeu, afectarão todo o mundo.
Acrescente-se, todavia, que na América surgem também fotojornalistas que cultivam abordagens
próprias do real, como Weegee (1899-1968). E que é também na América que se desenvolve um
projecto exemplar da fotografia documental: o Farm Security Administration, altura em que o
fotodocumentalismo inicia o seu afastamento da ideia de que serve apenas para testemunhar,
quebrando amarras, rotinas e convenções.
A industrialização crescente da imprensa e a ânsia do lucro fizeram estender ao
fotojornalismo o ideal da objectividade face a um mundo em que os factos eram merecedores de
desconfiança (a actuação dos serviços de propaganda durante a Primeira Guerra Mundial
comprovava-o). Não é pois de estranhar que a intenção dominante dos fotógrafos da foto-press nos
jornais americanos e europeus é fazê-la posicionar-se, antes de mais, como documento. Era assim
que eles a consideravam. Mas também desejavam que o público assim a considerasse, "(…) na idea
de verosimilitude como máis terríbel que a verdade mesma."(131)
É na década de trinta que o fotojornalismo vai integrar-se, de forma completa, nos
jornais diários norte-americanos, de tal modo que, no fim da década, e em comparação com o seu
início, o número de fotografias nos diários tinha aumentado dois terços, atingindo a média de quase
38% da superfície em cada número.(132) Alguns jornais, como o New York Evening Graphic, usavam,
nos tempos de crise, para vender, fotomontagens obscenas.
Julgamos que é possível estabelecer conexões entre factores de desenvolvimento
pessoais, sociais e culturais do fotojornalismo e a mutação que o jornalismo diário dos EUA teve e
exportou:
a) Poder de atracção e popularidade das fotografias, suportado pelos rasgos de uma
cultura visual que se desenvolvia com o cinema — "During the twenties,
photography had begun to emerge as a more direct mode of accounting than verbal
narratives, and the introduction of filmes had set up a growing interest in visual
culture."(133);
b) Práticas documentais, como as dos tempos da Depressão (lembre-se o Farm
Security Administration) e as dos fotógrafos do compromisso social; essas práticas
provaram que o documentalismo tinha força e que as fotos podem ser usadas para
fins sociais através da imprensa;
c) Entendimento das imagens como factor de legibilidade/lisibilidade e de
acessibilidade aos textos, por parte do público e dos editores(134);
d) Práticas de fotojornalismo de autor, dirigidas, em muitos casos, aos jornais diários
(recorde-se Weegee (Fig. 25));
e) Mutações notórias no design dos jornais norte-americanos, entre 1920 e 1940, em
inter-relação com a proliferação de fotografias(135);
f) Modificações na edição fotográfica, privilegiando-se frequentemente a foto de
acção única(136);
g) Percepções inovadoras do jornalismo, devido à introdução da telefoto, em 1935;
não obstante, a telefoto suscita discursos de resistência(137) por parte da comunidade
interpretativa dos jornalistas-redactores(138); esses discursos, que podem percepcionar-
se como actos autoterapêuticos(139), tecem-se em três vectores: 1) denúncia da
tecnologia; 2) descontextualização do fotojornalismo, com a sua abordagem como
tecnologia pura, ignorando-se o fotojornalista e argumentando-se que o redactor
poderia assumir complementarmente a obtenção de fotografias; e 3) deflação da
tecnologia, tentando mostrar o fotojornalismo como um mal necessário a que seria
necessária uma adaptação(140);
h) Aumento (lento) do interesse dos fotógrafos pelo fotojornalismo(141); em 1945, os
fotojornalistas americanos associam-se numa organização profissional, ganhando
força, influência, poder de intervenção e status;
i) Elevação definitiva do fotojornalismo à condição de subcampo da imprensa,
devido à cobertura fotojornalística da Guerra Civil de Espanha e da II Guerra
Mundial;
j) Introdução de tecnologias inovadoras, como (1) câmaras menores, (2)
teleobjectivas, (3) filme rápido e (4) flashbulb.
De qualquer modo, as mudanças culturais, mesmo ao nível das culturas profissional e
organizacional, tendem a gerar tensão, devido à resistência à mudança. A tensão pode ser tão forte
que tem repercussões. Repare-se, por isso, no que escreve Barbie Zelizer a respeito da introdução
dos sistemas de telefoto de agência e, ao mesmo tempo, naquilo que se pode aprender com a história
na interpretação de acontecimentos actuais, como a introdução das novas tecnologias digitais de
manipulação e geração de imagens:
"(…) journalists of the time [anos trinta] were so invested in staking out their territory in the face of photography's intrusion into journalism that they only partially considered the shape of technological adaptation to photography as it envolved. (…) I suggest that journalism missed the challenge of adapting to photography by not fully considering its appropriate place in the profession. In that such a challenge was acutely shaped at a time in which wirephoto made it possible to transmit images as quickly as words, the repercussions of this omission continue to permeate contemporary modes of thinking about more recent imaging technologies in news (…)."(142)
A introdução da telefoto, em 1935, pela Associated Press, servindo cerca de 40 dos
1340 associados, tornou possível a utilização de fotografias como um eficaz meio de informação. O
serviço de telefoto desta agência foi inaugurado com a distribuição de uma imagem da queda de um
avião nas montanhas de Adirondack, no estado de Nova Iorque. Um ano passado, e a AP tinha de
competir com a Soundphoto, do grupo Hearst, que fornecia o The New York Times, e com a Scripps-
Howard's NEA — Acme Telephoto. Mas, os serviços de telefotos levaram a uma maior repetição de
imagens nos diversos jornais e revistas. Na década de quarenta, as agências noticiosas eram já uma
das principais fontes de fotografias para a imprensa. Karen Becker explica que os clientes dos
serviços fotográficos das agências noticiosas exigiam sobretudo apenas uma fotografia nítida e clara
por assunto. Os temas mais solicitados eram essencialmente crimes, conflitos, desastres, acidentes,
actos das figuras públicas, cerimónias e desporto.(143) Ainda hoje, as rotinas produtivas de agências
noticiosas como a Lusa orientam a sua produção fotográfica neste mesmo sentido.
Apesar da crescente utilização das telefotos, não foi feita sobre elas uma avaliação
suficiente: "In the case of wirephoto, journalists' interpretive strategies accomplished little in the
way of recognizing photojournalism as an interface between photography and journalism;
journalists' discourse of resistance prejudiced a full understanding of photography and its
practitioners."(144)
Práticas de construção imagética foram mais uma vez utilizadas devido às
imperfeições das telefotos. Estas, quando chegavam às redacções, passavam para as mãos de um
retocador.(145) Na actualidade, em agências como a Lusa, a distribuição de telefotos provenientes da
European Press Photo Association e destinadas aos clientes são também tratadas antes de serem
disponibilizadas on line.
A mudança que ocorreu entre os anos vinte/trinta não foi simples nem linear, mas
"(…) extremely complicated, with considerable meandering and much doubling back on a course
full of conflict and contraditions."(146) De um jornalismo que no século XIX e nos alvores do
presente século se centrava no texto impresso, assumindo as fotografias um papel de intrusas, passa-
se, nos anos trinta, ao aproveitamento do seu conteúdo: as fotos eram mais aproveitadas enquanto
informação e adquiriam maiores dimensões nas páginas, "(…) portraying action and detail."(147). As
fotografias começam também a usar-se profusamente. Estes desenvolvimentos ajudaram a
transformar o fotojornalismo de um instrumento do yellow journalism ou do assunto principal de
features num meio privilegiado para o registo dos acontecimentos públicos.(148)
Na Europa e nos Estados Unidos, a nova percepção das potencialidades do
fotojornalismo origina modificações na conformação no design da imprensa, nos processos
produtivos fotojornalísticos e no aproveitamento das fotos. É assim que, após o advento do
fotojornalismo moderno, se inicia a publicação de sequências dramáticas, como a de um
bombardeamento aéreo a um navio (editada pelo New York Daily News, em 1937), beneficiando-se
das câmaras de pequeno formato. Não obstante, a inserção de sequências imagéticas dramáticas não
era desconhecida: em 1922, por exemplo, o Daily Post aproveitou uma série de imagens de um
filme para reproduzir uma sequência. Verifica-se, desta maneira, que não foram, em exclusivo, as
câmaras de pequeno formato a permitirem o desenvolvimento deste tipo de inserção imagética.
Imagem dramática e eticamente duvidosa, mas única, e, então, foto-prova,
representação do nunca visto, é a da execução de Ruth Brown Snyder, na cadeira eléctrica, em Sing
Sing, pelo assassinato do marido. Foi também publicada pelo sensacionalista New York Daily News,
inicialmente denominado Illustrated Daily News. Essa foto mostra bem, aliás, como a foto-choque
se insinuava nas páginas dos jornais.
Kevin Barnhurst e John Nerone dão alguns exemplos das mutações que o
fotojornalismo norte-americano dos anos trinta atravessou, em relação com as mudanças gráficas
dos jornais:
"In general, the scale of pictures increased over the period. Althought larger photos appeared in the 1920s, the contrast between small and large shots increased over the period. The shots were mostly long and medium range at first. Closer shots (or cropping) got more frequent in the late 1920s, and longer shots declined after 1936. These shifts were consonant with the emergence of modern photojournalism, which valued events and emotive detail."(149)
A maturação do fotojornalismo não evita totalmente a exploração da pose, tal como
era comum no "fotojornalismo vitoriano". Sucediam-se os retratos de casamento, de grupo e de
desportistas famosos, apesar da aparição de algumas fotos de significado histórico.(150)
Porém, em meados dos anos trinta, emerge uma tendência que nos dias de hoje é
dominante e conforma o fotojornalismo de agência: a imprensa norte-americana começa a preferir a
publicação de fotos de acção isoladas, não posadas, mesmo nas páginas de informação noticiosa ou
até na primeira página, algo que até aí apenas se encontrava nas páginas de features, e que em parte
se pode explicar pela insuficiente velocidade de transmissão de telefotos, o que tornava complicado
o envio de mais de uma foto por assunto. Além disso, com a publicação de fotografias de maior
formato e mais detalhadas (beneficiando da aparição no mercado de teleobjectivas de grande
distância focal), com a diminuição do número de fotografias posadas e com o destaque dado à
fotografia em detrimento dos enrolados enfeites que constituíam os seus caixilhos (e a sua prisão), a
imprensa pode apresentar mais-valias de emoção.
Pelos finais dos anos trinta, a proliferação de fotos, maiores e mostrando mais acção,
emoção e detalhe (que substituem as sequências de imagens), não evitou, contudo, que, já na altura,
e mais ainda com o tempo, parte dessas imagens fossem o que designamos por pseudo-fotografias-
jornalísticas, isto é, fotografias encenadas, fabricadas especificamente para serem objecto de
discurso fotojornalístico, especialmente por políticos e seus promotores de notícias (news
promoters), ou fotografias-mediáticas, fotos do mesmo tipo das anteriores mas que retratam
situações que ocorreriam mesmo sem a presença de (foto)jornalistas.(151) São exemplos típicos as
photo opportunities nas ocasiões de Estado (como os apertos de mão encenados e frequentemente
repetidos para os repórteres de imagem) ou algumas das fotos que alimentam o mito do herói nas
sociedades modernas.
Nos anos trinta, recorria-se também, por vezes, à montagem de cartoons e outras
imagens com fotografias. Nos jornais norte-americanos, tal como nos europeus (especialmente nas
revistas ilustradas), começam ainda a aparecer, com relativa frequência, fotos humorísticas, como as
que apanham gaffes dos políticos.(152) A obtenção deste tipo de imagens é ainda hoje uma ambição
de muitos fotojornalistas, inclusive em agências como a Lusa, pois jornais e revistas costumam
publicá-las. (Fig. 26) Na imprensa mais sensacionalista, o poder subjectivo destas fotografias
compensa a falta de autoridade e credibilidade dos jornais e revistas.(153)
Em 1933, a Vogue publicou a sua primeira foto a cores, e virá a ser uma das pioneiras
no caminho que conduzirá, nos dias de hoje, ao domínio da cor nas revistas. Nos anos trinta, as
revistas começaram também a contratar retratistas, num indício dos processos de estrelização das
figuras públicas que os news media promoverão.
Julgamos ter demonstrado que se as mutações na imprensa europeia e na prática
fotográfica orientaram o desenvolvimento do fotojornalismo, não é menos verdade que as
configurações que o produto jornalístico adquire nos anos trinta nos EUA moldam ainda hoje o
jornal moderno (basta pensar no privilégio outorgado às fotos de acção únicas, às spot news).
Similarmente ao que aconteceu há 55/75 anos, a imprensa actual confronta-se por sua vez com
transformações. Mas estas transformações são já de carácter pós-moderno, num certo sentido, "pós-
televisivo".(154) Elas geram tensão, suscitam resistência, modificam e estimulam discursividades.
Por isso, é muito útil aprender-se com a história.
Agências
Noutro campo, de meados dos anos trinta aos anos quarenta, como se referiu, as
agências fotográficas e os serviços de fotonotícia das agências noticiosas sofrem grandes impulsos.
A agência fotográfica Black Star foi fundada em Nova Iorque, em 1935. No mesmo
ano, iniciou-se o serviço fotográfico da Associated Press (AP's Wirephoto Service), servindo cerca
de 40 dos 1340 associados. O serviço de telefoto desta agência foi inaugurado com a distribuição de
uma imagem da queda de um avião nas montanhas de Adirondack, no estado de Nova Iorque. Na
década de Quarenta, as agências noticiosas (news agencies) eram já uma das principais fontes de
fotografias para a imprensa.
Os clientes dos serviços fotográficos das agências noticiosas exigiam sobretudo
apenas uma fotografia nítida e clara por assunto. Os temas mais solicitados eram essencialmente
crimes, conflitos, desastres, acidentes, actos das figuras públicas, cerimónias e desporto.
Um salto para a "Vida"
Em 1937, ano em que os principais jornais de Nova Iorque trazem, pela primeira vez,
fotografias de um grande desastre, o incêndio do dirigível Hindenburg, em Lakehust, New Jersey,
surge a revista Look, que dura até 1972, e que, com a Life, fundada um ano antes por Henry Luce,
forma o duo de ouro do fotojornalismo americano.
A fundação da Life, em 1936, por Henry Luce, seguida pela fundação da Look, deu
início à difusão massiva de revistas fotojornalísticas nos Estados Unidos. Depois de Berlim e de
Paris, é Nova Iorque que se torna a Meca do fotojornalismo.
De entre os fotojornalistas da Life, logo nessa fase inicial incluem-se Margaret
Bourke-White, Eisenstaedt, Peter Stackpole (cujas fotografias da Golden Gate Bridge, em São
Francisco, atrairam a atenção de Luce) e Thomas D. McAvoy (um pioneiro da fotografia de
interiores sem iluminação artificial). Outros se lhes juntariam, como Carl Mydans (cujas fotos mais
conhecidas são, provavelmente, as da Segunda Guerra Mundial, na Europa e no Pacífico), George
Silk ou até Pierre Boulat, que colaborava com a revista a partir de Paris.
A Life pode ter sido uma grande escola de fotojornalismo. Apesar disto, nem sempre
a Life "acertava": Fritz Henle, um freelance que trabalhou para a revista, com a percepção correcta
dos tempos que se viviam empreendeu um projecto sobre a vida em Paris, em 1938, nas vésperas da
Segunda Guerra Mundial. A Life recusou a publicação do trabalho, que só veria a luz do dia no The
New York Times Magazine, já depois da libertação da capital francesa.
A Life, tal como a Look, preferia usar fotografias de grande nitidez e grande
profundidade de campo. Assim, os fotógrafos costumavam usar câmaras de grande formato e, para
fotografar em interiores, nomeadamente para fotografias cândidas, recorriam ao synchroflash, um
flash que podia ser sincronizado com o disparador. Numa fase seguinte, recorriam ao multiple flash,
mais sofisticado e que permitia efeitos de luz menos duros. Mas esta forma de fotografar
brevemente veria o seu fim, por força das políticas de fotografia em interiores sem flash que Lorant
tinha implementado na Weekly Illustrated (que fundou em 1934) e na bem mais famosa Picture
Post. A naturalidade que emanava destas fotos levou a Life a adoptar o estilo, tendo mesmo, em
1945, contratado um fotógrafo da Picture Post, Leonard McCombe, tendo-o contratualmente
proibido de fotografar com flash.
O primeiro número da Life, que saiu a 23 de Novembro de 1936, teve uma tiragem de
466 mil exemplares. Um ano mais tarde, a tiragem da revista ascendia já a um milhão e, em 72,
chegou a mais de oito milhões. Com a audiência que conquistou, foi possível à Life assegurar
confortáveis receitas publicitárias. Até à altura em que a inflação cresceu e as receitas se tornaram
insuficientes para manter a revista, em muitos casos distribuída por assinatura…
A Life adaptou os temas e as técnicas das suas predecessoras alemãs e consagrou o
foto-ensaio como o género mais prestigiante de fotojornalismo. Além disso, consagrou o projecto
ao nível das rotinas produtivas fotojornalísticas nas revistas ilustradas — os foto-ensaios, as grandes
foto-reportagens, podiam dar atenção aos detalhes porque antes de os reporteres partirem para o
terreno era empreendido um trabalho aprofundado de pesquisa e documentação.
A redacção da Life, chefiada por um editor-chefe, dividia-se em 17 secções
principais, agrupadas em divisões chefiadas por um editor e um documentalista. Destes dependiam
vice-editores e vice-documentalistas (os documentalistas eram todos mulheres). Os redactores
foram escolhidos sobretudo entre diplomados universitários, principalmente de Yale.
Todas as semanas as secções apresentavam projectos de reportagem ao editor. Estas
podiam ser imediatamente realizadas, ficar a aguardar nova oportunidade ou nunca ser executados.
O mesmo se passava com as reportagens já elaboradas: algumas eram publicadas imediatamente,
outras nunca viram a luz do dia.
O director do departamento de fotografia coordenava a acção de todos os
fotojornalistas. A sua posição na revista dependia do rendimento que conseguia obter dos foto-
repórteres, que podia contratar e despedir.
Surgida no ambiente do New Deal, com a América em crise de crescimento, para ser
comprada a Life precisava de interessar ao consumidor e dar-lhe, mesmo que ilusoriamente, a
esperança num futuro melhor. O lucro era vital. Uma das facetas do sucesso da Life, que chegou a
ter cerca de 40 milhões de leitores, foi, assim, a atenção que deu aos assuntos que afectavam
diariamente as pessoas comuns, que suscitavam a sua curiosidade, espicaçavam os sonhos e faziam
aspirar a uma vida melhor, tudo embrulhado num invólucro capitalista e patriótico. Todavia, a Life
também promoveu a divulgação da ciência e da arte. Era, sobretudo, uma revista familiar, que não
editava temas chocantes. Luis Gutiérrez Espada identifica-a com os seguintes factores ideológicos:
ética cristã, democracia paternalista, esperança num futuro melhor com o esforço de todos, trabalho
e talento recompensados, apologia da ciência, exotismo, sensacionalismo e emotividade temperada
por um "falso humanismo".(155)
A estrutura da revista originou uma certa necessidade de especialização dos
fotojornalistas (Munkacsi, por exemplo, especializou-se em moda e Goro em ciência). A revista
também não dava aos repórteres controlo sobre a edição do seu trabalho, algo que ainda hoje
preocupa muitos repórteres fotográficos e que, na Life, suscitou críticas de fotógrafos como o
"poeta" da imagem e perfeccionista Eugene Smith (1918-1978), cuja obra se desenrola sobretudo
dos anos quarenta aos anos setenta. A Life recorreu também substancialmente a agências como a
Magnum e a freelances.
A finalidade da Life, segundo o fundador, era fazer ver. É o efeito-verdade a
funcionar, a ilusão de que a fotografia não pode fazer outra coisa senão reproduzir fielmente o real,
sem que se atente no ponto de vista ou noutros suportes de conotação, como Barthes referenciou,
como o texto que com a foto pode jogar, a truncagem ou a sintaxe. Mas é também uma outra escrita
—a fotojornalística— a realizar-se e a advogar-se. Repare-se nas palavras com que Henry Luce
apresentou a revista:
"[A Life surge] Para ver a vida; para ver o mundo, ser testemunha ocular dos grandes acontecimentos, observar os rostos dos pobres e os gestos dos orgulhosos; ver estranhas coisas — máquinas, exércitos, multidões, sombras na selva e na lua; para ver o trabalho do homem — as suas pinturas, torres [edifícios] e descobertas; para ver coisas a milhares de quilómetros, coisas escondidas atrás de muros e no interior de quartos, coisas de que é perigoso aproximar-se; as mulheres que os homens amam e muitas crianças; para ver e ter prazer em ver; para ver e espantar-se; para ver e ser instruído".
Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhavam para a Life 670 pessoas em 320
escritórios em todo o mundo e a revista dominava o mercado publicitário norte-americano. Porém, a
partir dos anos sessenta não só o mercado publicitário americano foi sendo dominado pela televisão
como também subiram os preços do correio (recorde-se que a Life era muito vendida por
assinaturas), o que levou à suspensão da publicação semanal, em 1972. Ainda assim, em 1965, dois
anos antes da morte de Luce (um acontecimento que também poderá estar associado à queda da
revista), a Life venceu claramente a TV na cobertura das exéquias de Churchill e, nos anos finais,
para captar leitores, enveredou mesmo, em certos momentos, por alguns rasgos de yellow
journalism, ou, pelo menos, de jornalismo sensacionalista, fazendo reportagens sobre a Mafia e a
corrupção. Estas, porém, foram do desagrado dos leitores, que protestaram, pois afastavam-se dos
conteúdos familiares, estereotipados e imbuídos da moral dominante que sempre caracterizaram a
revista.
Quando, em 1978, a Life iniciou a publicação mensal, fê-lo já sem possuir um staff de
fotojornalistas, passando a recorrer unicamente aos freelances. Como o número de revistas
especializadas cresceu, o free-lancing surgiu como uma opção atraente de carreira para os
fotojornalistas. De qualquer modo, com o encerramento da Life, em 1972, morreu uma época de
ouro do fotojornalismo.
Na Europa, os tempos não correram melhor. A Paris-Match, fundada em 1949,
tirava, em 1957, cerca de 1,8 milhões de exemplares; dez anos mais tarde, situava-se em quase 1,4
milhões; em Abril de 1972, restringia-se a 810 722 exemplares.
O fotojornalismo foi muito afectado pelas modificações na imprensa ilustrada. Após
a crise dos finais dos anos sessenta/princípios dos setenta, um certo número de foto-repórteres
começou a enveredar por alternativas no mercado de trabalho, como as revistas e relatórios de
grandes empresas, jornais e editoras.
O Farm Security Administration
Na América da depressão dos anos trinta, o presidente Roosevelt, um presidente que
controlou substancialmente os fotojornalistas, começa o seu primeiro mandato em 1933. Iniciou,
então, o programa do New Deal, no âmbito do qual se desenvolve um plano de ajuda aos
agricultores em crise, desencadeado pela Resettlement Adminsitration (uma espécie de secretaria de
Estado que lidava com as reformas rurais), dirigida por Rexford Tugwell. Em 1935, este organismo
vai tomar outro nome, pelo qual também ficaria conhecido um vasto projecto fotodocumental que se
desenvolve no seu âmbito: Farm Security Administration. Este projecto fotográfico, realizado pelo
Farm Security Administration Photographic Corps, tornou-se uma arma importante para despertar
as consciências sociais, devido a algum sentido crítico e denunciante que, independentemente dos
constrangimentos governamentais, alguns fotógrafos, como Evans ou Lange, lhe deram.
Tugwell tinha consciência do interesse dos documentos fotográficos, tanto como
ilustração como suporte de argumentos e análises económicas. De facto, ele próprio tinha produzido
obras que faziam abundante uso da fotografia como ilustração e como suporte de argumentos e de
análises económicas, como a American Economic Life, escrita em 1925 (nesta obra, um terço das
fotos eram de Hine). Por isso, nomeou o seu antigo aluno e colega Roy Stryker para o cargo de
director da Secção Histórica do organismo, com a missão de dirigir um vasto projecto fotográfico,
documentando, com visão histórica, as actividades do plano de apoio aos agricultores e a vida rural
americana.
Assim, a partir de 1935, e até 1942, desenvolveu-se o projecto fotodocumental
conhecido por Farm Security Administration (FSA). Este projecto procurou, especificamente,
retratar os resultados das políticas do New Deal do Presidente Roosevelt: empréstimos a baixo juro
para compra de terra, desenvolvimento de estudos sobre preservação dos solos e criação de quintas
experimentais e de explorações comunitárias, que visavam dar emprego aos trabalhadores errantes.
Em grande medida, assenta na tradição de documentalismo social americano de Riis, Hine e de
outros fotógrafos mais ou menos conhecidos, como James Van Der Zee, que fotografou a subcultura
dos negos ricos na Nova Iorque dos anos vinte, projecto que Aaron Siskind (1903-) irá continuar,
alargando a documentação a todos os estratos sociais, de 1932 a 1950. O projecto FSA teve uma
grande repercussão porque as fotografias foram amplamente divulgadas na imprensa, em livros e em
exposições.
Na altura, a Administração dos Estados Unidos necessitava de distribuir ajudas
financeiras aos milhares de trabalhadores rurais afastados dos seus campos de cultivo, quer pela
esterelidade da "bacia do pó" dos estados centrais, quer devido à competição desencadeada pela
introdução em larga escala de práticas agrículas mecânicas. Além disso, muitos agricultores
trabalhavam uma terra que não lhes pertencia, descurando a conservação dos solos, o que implicou
reduções graduais do rendimento dos proprietários e consequentes despedimentos.
Com efeito, ao longo dos anos vinte, numerosos agricultores, principalmente
pequenos exploradores, tinham sido reduzidos à mais extrema pobreza. Quando se dá o colapso do
stock exchange dos EUA, em 1929, a que se sucede uma crise económica mundial, cerca de oito
milhões de trabalhadores da terra já estavam perto da fome.
Os efeitos da depressão obrigaram muitos pequenos agricultores a deixar para trás a
pequena quinta e a deslocarem-se à procura de trabalho temporário. Esses novos nómadas
disseminaram-se como uma nuvem, especialmente pelos estados do Sul e do Sudoeste, evidenciando
à "outra" América a amplitude da tragédia.
A intenção predominante do Farm Security Administration foi, sem dúvida, registar a
vida na América profunda e rural, apesar da delicadeza da missão, que dependia de critérios
políticos. De qualquer modo, os fotógrafos do projecto souberam, de uma maneira geral, usar
expressivamente a fotografia, por vezes acentuando pontos de vista, abordagemn que se mostrou
importante para que a fotografia se tornasse de tal forma mobilizadora que conquistasse o receptor.
Em conformidade com Keim, são fotos possuidoras de um conteúdo social que ultrapassa a
descrição individual.(156)
Os primeiros fotógrafos a ingressar no projecto, e talvez os melhores, foram Walker
Evans (1903-1975) (Fig. 27), Dorothea Lange (1895-1965) (Fig. 28), Russell Lee (1903-1986), Ben
Shahn (1898-1969), Carl Mydans (1907-) (que rapidamente sairia para a Life) e Arthur Rothsthein
(1915-1985). Depois ingressaram Marion Post Wolcott, Jack Delano, John Vachon, John Collier Jr.
e Gordon Parks (1949-), um afro-americano que esteve no FSA como estagiário e que fotografará a
vida dos negros na sociedade americana. Há ainda a considerar os casos de Theo Jung e Paul
Carter, que estiveram pouquíssimo tempo no FSA, no seu início. Em parte, a imagem que
possuímos dos "anos negros" da América é a imagem transmitida por essa mão cheia de fotógrafos.
Stryker conhecia bem a vida rural e a fotografia documental norte-americana,
especialmente as obras de Riis e de Hine (o mesmo que ele acabou por não contratar). Para tratar
dos problemas técnicos e de instalação do laboratório, contratou o fotógrafo Arthur Rothstein.
Seguidamente, contratou outro fotógrafo, Carl Mydans, que pertencia, na altura, a um diferente
departamento governamental. Só depois se lhes juntou Walker Evans.
O frequentemente autoritário Striker definia os objectivos e o âmbito de cada
"missão". Dava também a conhecer aos fotógrafos o enquadramento socio-económico das mesmas.
Mas deixava-os escolher o equipamento, a técnica e a forma de abordagem. Plasticidade, arte e
autoria (estilo) deveriam conciliar-se com uma profunda ambição documental. Era assim traduzida
a qualidade. E eram assim construídos sentidos, pela pose, pela disposição e simbologia dos
objectos e do vestuário, pelo contraste figura-fundo, pelas texturas, pelos contrastes claro-escuro,
pela utilização expressiva da luz, pelo texto que acompanhava as fotos e pelos suporte de difusão.
Era com base num projecto que os fotógrafos partiam para o seu trabalho, por vezes
durante meses, após estudarem profundamente a documentação disponível e de discutirem a missão
a executar. Dispunham de listas de temas a cobrir em regiões previamente determinadas (ouvir
rádio à noite, ir à Igreja, ir a clubes e salas de jogo, fotografar encontros em determinados espaços
das ruas, etc.; curiosamente, apenas uma rúbrica do documento fazia referência ao principal
problema da época: "Ver os efeitos da depressão nas pequenas cidades dos Estados Unidos"). Por
vezes, pedia-se-lhes também, com fins publicitários, que fotografassem os projectos de recuperação
e reforma agrícolas financiados pelo Estado. Outras vezes, era-lhes solicitada a cobertura de uma
região devastada por uma calamidade natural ou os efeitos do clima sobre a agricultura. Também
não era raro Stryker enviar aos fotógrafos cartas redifinidoras de objectivos ou que avaliavam o
interesse de documentos e fotografias já enviados para Washington. Para Dorothea Lange, que
raramente ia à capital e desenvolvia o seu trabalho no Leste dos EUA, essas cartas eram vitais. Só
nos últimos anos do projecto é que os fotógrafos ganhariam maior liberdade.
Se Evans e Lange foram, provavelmente, os principais expoentes do FSA,
enveredando por uma fotografia com um ponto de vista algo denunciante que lhes acarretou alguns
problemas com Striker, Russell Lee (1903-1986) foi talvez o principal "documentador" do FSA e o
que teve menos problemas com o coordenador. Profissional face a um objectivo preciso —
documentar sem estados de ânimo—, ele assume, desta maneira, uma perspectiva do
fotodocumentalismo que ainda hoje é, no campo fotojornalístico, a dominante. Por vezes, porém,
parece-nos detectar uma certa exploração das situações pelo lado positivo.
Lee organizou uma documentação escrupulosa e detalhada de um amplo leque de
aspectos da vida social na empobrecida América profunda. A sua atenção não se concentra
exclusivamente nos sujeitos e menos ainda na dramaticidade de uma expressão particular, mas na
decoração, nas habitações (exterior e interior), na arquitectura, nos móveis e nos acessórios (como o
rádio), aspectos mais acidentais nas obras de Evans e, principalmente, Lange.
Outro fotógrafo, Shahn, produzirá imagens com alguma vitalidade, mesmo em
assuntos estáticos.
Apesar da qualidade fotográfica do projecto, este cedo foi vítima de problemas
internos e pressões políticas. Por exemplo, em 1936 houve enorme controvérsia sobre a veracidade
dos documentos fotográficos do FSA, uma vez que tinha havido lugar a práticas de reconstrução
ficcional da cena captada — Arthur Rothstein fotografou, nesse ano, um crâneo de boi
embranquecido pelo sol no local estéril e seco onde o tinha encontrado; depois, colocou o mesmo
crâneo três metros ao lado, sobre terra coberta de relva, e fotografou-o novamente. Os problemas
surgiram quando um jornal de província apresentou, lado a lado, as duas fotografias, tendo o debate
alargado-se rapidamente à imprensa nacional. O problema —se é que existe— é que Rothstein
fotografava com elevado sentido simbólico: algumas das suas fotografias de famílias, por exemplo,
funcionam quase como alegorias de todas elas.
Segundo William Scott (1973), a atitude documental da década de trinta, bem patente
no FSA, influenciou numerosos aspectos da vida cultural norte-americana. Para ele, essa atitude
traduzia-se em apresentar ou representar factos verídicos de forma atraente e credível. Ora, o que
acontece é que se por um lado um número enorme de obras da década fazia apelo à apresentação
directa de factos aparentemente irrefutáveis, ansiedade satisfeita pela fotografia, por outro lado a
fotografia servia para reivindicar reformas sociais, acentuando pontos de vista e subjectivdades,
como já o tinha feito Riis e ainda o fazia Hine, o que não deixa de ser um pouco paradoxal.
No Farm Security Administration notam-se alguns dos primeiros indícios do que
viria a ser o documentalismo fotográfico algumas décadas depois, nomeadamente o afastamento da
foto-registo animada pela verosimilitude que alguns fotógrafos, como Evans e Lange, por vezes
apresentam. De facto, independentemente do seu estatuto de fotógrafos-funcionários, os
fotodocumentalistas do FSA conseguiram fazer do projecto uma escola de foto-livre que
influenciará grandes revistas. Contudo, os significados que os fotógrafos procuravam dar à
fotografia tendiam a só minoritariamente coincidir com os que os observadores lhes davam.(157)
Apesar de tudo, o que se revela nas fotografias do FSA é, julgamos, um retrato algo
estereotipado e simplificador da América profunda e dos seus habitantes. Nas fotos, estes
aparentam quase sempre tranquilidade, esperança, calma, resolução, nobreza e heroicidade. Mas
sabe-se que houve muitos momentos de cólera e desespero na América dos anos trinta. Onde estão,
pois, os suicídios? Os conflitos? No FSA não aparecem, porque, afinal, o Farm Security
Administration foi essencialmente um projecto propagandístico e político, talvez até visionário, e
que, por isso, pretendeu divulgar uma versão estereotipada e positiva do homem rural: herói patriota
e puro, que luta nobre e resolutamente contra as adversidades, solidário com os seus compatriotas e
temente a Deus. É um pouco o retrato do "herói rural" enquanto um estereótipo que perdura na
sociedade americana.(158) Por isso, o FSA não satizfaz totalmente a nossa ideia de "testemunho",
porque, a sê-lo, o projecto será sempre um testemunho incompleto e direccionado.
É interessante notar que, embora por outras razões, Dorothea Lange também pôs o
assento tónico nos problemas da visão estereotipada da América que o Farm Security
Administration poderia promover. Ela chegou a queixar-se que a sua foto "Mãe Migrante",
provavelmente a mais difundida do FSA e a que, de algum modo, é a imagem do projecto, se havia
transformado num estereótipo, num elemento de elevado valor simbólico, capaz de ofuscar o resto
do seu trabalho. Ela própria acentuava que procurava representar o que fotografava como parte do
seu ambiente.(159)
De qualquer modo, muitas das fotos do projecto surgiram em revistas como a Life e a
Look, tal como em publicações socio-reformistas, como a Survey Graphic. Outras foram reunidas
em livros colectivos ou consagrados a um determinado fotógrafo. Mas a maioria acabou por ser
publicada nos jornais, já que se tratava de uma fotografia humanista mas feita para grandes
audiências, para a difusão mediática, acompanhada de textos cuja elaboração se inscrevia também
no projecto. Tal dá uma ideia mais exacta da importância que o FSA teve para o desenvolvimento
da fotografia e, mais precisamente, do fotodocumentalismo. Pode dizer-se que, por exemplo, na Life
o trabalho de projecto foi influenciado pelas rotinas praticadas no Farm Security Administration e
que importantes projectos fotodocumentais da actualidade, como os de Salgado, ainda vão beber ao
estilo, à abordagem e à forma de trabalho do FSA.
A resolução de muitos dos problemas do FSA, devido à criação de emprego
resultante da abertura de fábricas de armamento com o despoletar da Segunda Guerra Mundial, as
dotações orçamentais insignificantes e os problemas internos graves levaram à demissão de Stryker,
em 1942, e ao fim do departamento. Os arquivos do FSA, que se encontram na Biblioteca do
Congresso, são constituídos por cerca de 70 mil tiragens e 170 mil negativos, notáveis pela sua
unidade. Cem mil outras fotografias foram censuradas por Striker, que perfurou os negativos, no
que acabou por ser, quanto a nós, o factor mais negativo do projecto. Elas eram, provavelmente, as
fotos do desespero, mas, mesmo na sua falta, as que sobraram revelaram suficientemente à América
as duras condições de vida de muitos dos seus cidadãos.
Na linha do FSA: outros documentalismos
Dentro da linha documental do FSA, mas sem censura, a Liga Fotográfica
Independente de Nova Iorque desenvolveu um projecto fotográfico com o fim de mostrar o
"verdadeiro" aspecto dos Estados Unidos. Entre os seus fotógrafos salientou-se Sid Grossman.
Aaron Siskind, por seu turno, foi, como já se referiu, um fotógrafo documental, pelo
menos na primeira fase da sua carreira. Tal como os fotógrafos do FSA, embora numa dimensão
diferente, representa o que poderíamos considerar como a corrente documental que se opunha à veia
fotojornalística protagonizada por Weegee e a generalidade dos fotojornalistas.
Siskind conhecia a fotografia documental americana dos anos trinta e deixou-se
seduzir pelo trabalho não censurado da Liga Fotográfica, tematicamente semelhante ao do FSA. O
seu objectivo principal foi, assim, contribuir para consciencializar os americanos para as condições
de vida de alguns dos seus concidadãos. Quando organizou o Feature Group, uma espécie de escola
fotodocumental, acedeu à ideia de um repórter negro e empreendeu, a partir de 1932, um vasto
projecto fotodocumental sobre as diferentes facetas das relações sociais em Harlem, de que resultou
o livro Harlem Document.
A fotografia social de Siskind, polarizada quase toda ela em torno de Manhattan,
tecia-se em torno de três vectores: 1) projecto; 2) conhecimento do terreno e do meio socio-cultural
e conquista da confiança dos sujeitos a fotografar, de maneira a permitir tanto quanto possível a
anulação da presença do fotógrafo e a captação das expressões espontâneas e mais representativas
dos fotografados; e 3) monopolização do conteúdo fotográfico pelos sujeitos fotograficamente
representados. Depois, seguia-se a elaboração de artigos, tendo em consideração a informação
fotográfica que os acompanhava.
CAPÍTULO IX
O MUNDO EM GUERRA
Se entre 1920 e 1940 a evolução do fotojornalismo diferiu, nalguns aspectos, da
Europa para os Estados Unidos, a partir dos anos quarenta as culturas fotojornalísticas europeia e
americana convergem mais. Este fenómeno deve-se a factores como (a) o advento da telefoto, em
1935, (b) a emigração de fotojornalistas e editores europeus, fugidos a Hitler, para os EUA, (c) a
cobertura "conjunta" da Segunda Guerra Mundial e dos conflitos posteriores por fotojornalistas de
todo o mundo, (d) a crescente transnacionalização das culturas e da economia e (e) o poderio das
agências mundiais, que, mesmo no domínio do fotojornalismo, vão predominar no mercado e
abastecê-lo, pelo menos até meados dos anos setenta, em que se dá a reacção dos Países Não
Alinhados.(160)
Nas vésperas do conflito, Roman Vishniac fotografou os bairros judeus na Polónia,
elaborando um documento que viria a ter uma mais-valia histórica acumulada devido ao genocídio
dos judeus pelos nazis.
No campo técnico, a invenção mais significativa foi a do fotómetro, logo no início
dos anos quarenta.
A cobertura da Segunda Guerra Mundial, apesar da força que o fotojornalismo tinha
já adquirido, não deixou de ser problemática. De facto, tal como aconteceu com as imagens da
Guerra da Crimeia obtidas por Fenton ou com as fotografias da Grande Guerra, a fotografia
"jornalística" da Segunda Guerra Mundial foi usada com intuitos manipulatórios, desinformativos,
contra-informativos e propagandísticos, mas mais eficazmente: a censura impediu a publicação da
verdadeira face do conflito (os mortos e os mutilados) e encorajou a publicação as fotografias que
apoiavam o esforço de guerra, como os "heróicos" raides aéreos diurnos aliados ou o ambiente
simultaneamente "épico" e cavalheiresco das casernas dos aviadores ingleses.(161) Ou ainda a
fotografia de Cecil Beaton de uma menina ferida num bombardeamento que no hospital se agarra à
sua boneca, "(…) pra que os receptores se sintan culpables —a transferencia de culpa é un dos
tópicos da propaganda (…)."(162)
Logo no início da guerra se adivinhou o controle que os governos das entidades
beligerantes pretenderam fazer sobre a fotografia de combate. Nos Estados Unidos, por exemplo,
várias agências noticiosas, como a International News Photos, a Acme News Pictures e a Associated
Press, tinham planos para cobrir a previsível guerra na Europa.(163) Mas quando a guerra começou,
na Polónia, o Governo alemão impediu que correspondentes estrangeiros visitassem a frente. O
fornecimento de fotografias para a imprensa norte-americana foi, na generalidade, feito pela
Propaganda Kompagnie do Exército alemão ou então censurado pelos alemães. Do lado aliado, os
franceses e britânicos implementaram também um serviço de censura nesta fase da guerra, mas a
guerra da fotopropaganda, em 1939, foi claramente vencida pelos alemães.
Assim, a imagem fotográfica que da campanha na Polónia transpareceu da imprensa
norte-americana foi principalmente a de uma formidável força militar alemã que varria literalmente
a resistência polaca, sendo capaz de acções rápidas e decisivas. Os leitores podiam observar
fotografias de tropas alemãs marchando ao longo das estradas, atravessando rios, construindo
pontes, transportando equipamento militar, esquivando-se aos snipers, bombardeando as posições
polacas, arrasando ninhos de metrelhadoras e —mais raramente— conduzindo prisioneiros polacos
sem os maltratar; esporadicamente, observaram também fotografias (censuradas) de baixas alemãs.
O segundo tema mais tratado foi o de Hitler e o seu estado-maior e só em terceiro lugar surgia a
cobertura de guerra vista do lado polaco, em que se mostram, por exemplo, as caras de
contentamento dos polacos após a notícia da declaração de guerra da França e do Reino Unido à
Alemanha, crianças no meio das ruínas com um olhar confuso e angustiado, mulheres e crianças
polacas transportando equipamento militar para a frente e soldados polacos avançando para a
batalha. (Ver, por exemplo: Sherer, 1984) Aliás, num artigo publicado pouco tempo após o início
das hostilidades, a Life assegurava que o objectivo principal das fotografias censuradas pelos
alemães era não conquistar simpatias mas sim criar a ideia de poderio militar alemão. Num estudo
por nós elaborado pode constatar-se, porém, que em Portugal a cobertura da imprensa, pelo menos
da imprensa diária portuense, foi claramente pró-aliada, designadamente pró-britânica, tendo a
mobilização sido o tema mais tratado.
Todavia, nem sempre se tornou necessário para os Governos o recurso à propaganda
literal. "O endoutrinamento dos próprios fotógrafos era tão forte que eles próprios estavam
persuadidos de estarem a lutar por uma causa justa ao censurarem-se a si mesmos, fotografando
apenas cenas que não pareciam desfavoráveis aos países que representavam."(164) É de novo, em
muitos casos (como nas revistas da "guerra ilustrada"), o retrato de um combate heróico, limpo,
aventureiro, épico, como já Fenton havia feito na Crimeia. A fotografia era, pois, um factor
importante para animar a "moral". Em alguns casos, chegou-se mesmo a programar a altura de
divulgação das fotos de forma a concorrer para um envolvimento pré-definido dos receptores.(165) As
fotos que testemunhavam o preço caro e as atrocidades da guerra, regra geral, apenas foram vistas
no fim do conflito, mesmo que os fotógrafos —como os do Government Issue— as tivessem obtido
em acção. Depois das hostilidades, finalmente, as fotos difundidas dos prisioneiros que regressavam
a casa comoveram e impressionaram.
Conforme salientou John Morris, frequentemente os fotógrafos Aliados de combate
apresentaram uma imagem selectiva da guerra que glorificava a luta do bem contra o mal(166),
identificando-se o fotógrafo com uma causa justa colectiva ("a união faz a força") que o levava a
auto-censurar-se a a auto-impor-se um ponto de vista.
Ao contrário do conflito de 1914-1918, a Segunda Guerra Mundial acarretou
problemas logísticos para os fotojornalistas, uma vez que não se tratava de uma guerra concentrada,
pondo problemas de transporte, alimentação, alojamento e comunicação.
Mesmo assim, a Segunda Guerra Mundial serviu para a imprensa se aperceber
completamente do poder das fotografias, em certas ocasiões maior do que o do texto. Os "(…)
journalists at first avoided the technological adaptation (…) until the events of Second World War
forced them to reconsider their opposition." (167)
Dessa forma, "Photographers —earlier called 'newspaper illustrators' or 'pictorial
reporters'— had become 'photojournalists".(168) Foi também devido à guerra que os fotojornalistas se
tornaram num "(…) experienced, highly organized body of recognized status"(169), tendo mesmo
formado, nos EUA, a sua própria organização profissional, em 1945. Por esta altura, os
fotojornalistas já possuiam "(…) a status equal to that of any reporter".(170)
A telefoto, por seu turno, deu ainda à cobertura fotojornalística da II Guerra novas
possibilidades. Com ela, "Ábrese prá foto-xornalismo o período do seu batismo de lume, do seu
paso a cabaleiro da espada, na procura da sua patente de imprescindible. Ábrese, prá foto, a
guerra ó vivo."(171)
Para as agências, era, portanto, imperioso organizar a cobertura de guerra de forma a
que para todas as frentes fossem enviados fotojornalistas. A telefoto permitia a rapidez de
transmissão, embora também levasse à repetição de imagens entre os jornais e revistas clientes.(172)
Durante o conflito, foram apontadas alegadas práticas de construção imagética. Por
exemplo, foi dito que a premiada fotografia de Rosenthal dos marines içando a bandeira americana
em Iwo Jima teria sido encenada.(173) Para Goldberg, este tipo de questões só mostra que os padrões
de fidelidade são diferentes e que "(…) truthfulness was as much a question of showing people how
war could look as of reproducing what chance puts in the lens's way".(174)
Como já se referiu, muitos foram os fotógrafos que cobriram a guerra. Entre eles
pode destacar-se Capa, principalmente pelo seu trabalho durante a invasão da Normandia, em 1944
(que viria a ser estragado em laboratório, mas não, ao contrário do que se diz, por Larry Burrows,
outro grande fotógrafo de guerra, que se revelará no Vietname), e pela cobertura do avanço das
tropas aliadas rumo à Alemanha; mas também Margaret Bourke-White (frente de Moscovo, raides
aéreos, libertação dos campos de concentração); George Rodger (home front); Cecil Beaton
(repórter oficial da RAF, que fotografa o soldado só, alimentando o mito do herói, mas também
evidenciando, pela solidão, a desgraça da guerra, capaz de apagar existências); Edward Steichen
(que cobre funcionalmente a guerra nas frentes Ocidental e do Pacífico, de forma "limpa" e
distanciada); Eugene Smith (cujas fotografias bélicas da frente do Pacífico são eivadas de um
lirismo que sensibiliza e engrandece o esforço pessoal mas também a solidariedade humana na
desgraça, como na foto em que um marine pega num bebé ferido e abandonado, depois de um
ataque); Ernest Haas (que se concentra nos resultados da guerra, como nas fotos das mulheres
aguardando, apreensivas, transporte em Viena); Werner Bischof (que fotografa a Alemanha e o
Leste europeu em ruínas); Yevgeny Chaldey (o Capa soviético, que acompanha a "Grande Guerra
Patriótica" desde o seu início, coroando o seu trabalho com uma das mais memoráveis fotos da
guerra: soldados russos no Reichstag, com a bandeira vermelha em primeiro plano); e Erich Lessing
(que abandonará o Plano Marshall e a fotografia documental para se dedicar à reportagem). Estes
são, de facto, alguns dos nomes —alguns já referenciados, outros dos quais ainda se irá falar— que
se podem citar enquanto referências na cobertura de um conflito tão alargado quanto a Segunda
Guerra. Cartier-Bresson, internado num campo de concentração alemão durante três anos, terá
direito a uma "exposição póstuma" no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, mas foi libertado a
tempo de cobrir o regresso dos prisioneiros de guerra a casa.
Tal como na Guerra Civil de Espanha, na Segunda Guerra Mundial os fotojornalistas,
integrados ou não em organismos governamentais, alinharam por um lado e contribuiram —pode-se
dizê-lo— para o triunfo ideológico dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, conotado com a
liberdade e a democracia política e também com a instauração de uma nova ordem internacional.
CAPÍTULO X
O PÓS-GUERRA
Após a Segunda Guerra Mundial, cedo se começaram a adivinhar os contornos da
Guerra Fria. A Cortina-de-Ferro, como lhe chamou Churchill, erguia-se na Europa, e as duas
superpotências começavam a disputar o domínio do mundo, como se viria a verificar nas guerras da
Coreia (onde os militares começaram a olhar a imprensa como um mal necessário(175)) e do
Vietname. Pelo meio, dava-se a descolonização, mais ou menos violenta, como nos casos das
colónias portuguesas. Finalmente, os anos setenta assistiram à queda das ditaduras ibéricas e ao
desenvolvimento económico asiático.
As tendências que actualmente são visíveis na fotografia têm origem, como veremos,
em três grandes movimentos que se estabeleceram durante os anos cinquenta: (1) a fotografia
humanista; (2) a fotografia de "livre expressão"; e (3) a fotografia como "verdade interior" do
fotógrafo. Em torno deste último movimento vai debater-se, a partir dos finais dos anos sessenta,
em inter-relação com o Novo Jornalismo, a oposição entre a "foto-testemunho" e a "foto-subjectiva"
assumida.
A fotografia humanista e universal(ista), em certa medida "testemunhal", encontrará
o seu expoente na exposição The Family of Man (1955), da qual adiante falaremos mais
pormenorizadamente.
A fotografia de "livre expressão", que já encontrávamos na Bauhaus (Moholy-Nagy)
ou em Man Ray, será coroada nos trabalhos experimentais de, entre outros, Aaron Siskind ou Bill
Brandt, na sua fase abstracta. O dinamismo libertador deste movimento conduzirá a uma hierarquia
de valores entre a foto como espelho do real, a foto como interpretação pessoal da realidade e a foto
como pura criação, sendo esta última a que animava os fotógrafos da "livre expressão". Mas esta
hierarquização ignora, de algum modo, as contribuições da Photo Secession, que já havia
demonstrado que a realidade primeira da fotografia era a submissão ao real: o objecto é, em última
análise, a causa da fotografia.
Finalmente, na corrente que perspectivava a fotografia como "verdade interior" do
fotógrafo, pode-se inscrever Minor White (1908-1976), que, em 1952, fundou, com Walter Chappell
e outros, a revista Aperture, dedicada ao problema da comunicação em fotografia. A grande
contribuição deste último movimento para o entendimento que temos hoje da fotografia é, talvez, o
de que ela é sempre, num certo sentido, uma testemunha da vida interior do fotógrafo (dos seus
gostos, das suas inclinações, etc.). Walker Evans traduziu bem esta perspectiva no livro que deu à
estampa em 1966, que se chamava precisamente Messages From the Interior. Se bem que não se
possam estabelecer fronteiras rígidas entre esses movimentos ou até entre as ideias da "foto-
testemunha" e da "foto-subjectiva", todos eles, pelo debate que trouxeram, foram proveitosos para o
fotojornalismo (incluindo, como é lógico, o documentalismo).
No campo específico do fotojornalismo (em sentido restrito), os conflitos do pós-
guerra representaram um terreno fecundo, sobretudo no que respeita às agências. As agências
fotográficas, a par dos serviços fotográficos das agências de notícias, foram crescendo em
importância após a Segunda Guerra Mundial. E se por um lado a fotografia jornalística e
documental vai encontar novas e mais profundas formas de expressão, devido aos debates em curso
e a novos autores, por outro lado a rotinização e convencionalização do trabalho fotojornalístico
dentro do contexto da indústria cultural, de que as agências de notícias se tornaram expoentes,
também originou uma certa banalização do produto fotojornalístico e a produção "em série" de fotos
de fait-divers, que pouco mais permitem ao observador do que ver e surpreender-se.(177) Estas duas
linhas de evolução contraditórias virão a coexistir até aos nossos dias, mas após a junção de uma
terceira: a "foto-ilustração", nomeadamente a foto-glamour, a foto-beautiful people, e a foto-
institucional, mas também a foto-tipo passe, que ganha relevo na imprensa, sobretudo após os anos
oitenta e noventa, época que marca o triunfo do design global, por vezes sobre o conteúdo,
principalmente sobre o conteúdo contextual.(178)
As interferências político-ideológicas no campo fotojornalístico agudizaram-se
durante a Guerra Fria. Susan Sontag, em On Photography, chega a dizer que as fotografias da
Guerra da Coreia que mostravam o rosto humano do inimigo não foram publicadas pelos jornais
americanos. Podemos mesmo afirmar que as fotos foram usadas frequentemente de forma
manipulatória, contra-informativa e desinformativa, indo buscar força ao mito do espelho.
O final da década de quarenta e a década de cinquenta foi uma época de ruptura das
fronteiras temáticas e de desenvolvimento da foto-reportagem, na qual, com um conjunto de fotos,
se procura fazer um discurso mais ou menos desenvolvido e compreensivo do assunto. Mas dar-se
uma carga predominantemente informativa, interpretativa e contextualizadora à imagem não
significa que um valor estético não lhe possa conferir uma mais valia: a partir de meados dos anos
cinquenta, aliás, nota-se uma importante evolução estética em alguns fotógrafos "da imprensa" —
documentalistas ou fotojornalistas tout court— que cada vez mais fazem confundir a sua obra com a
arte e a expressão. A nível técnico, é de salientar a disseminação do uso das máquinas de reflex
directo.
Apesar das tentativas de ultrapassar as rotinas e convenções e, assim, do que é
entendido, mesmo sem reflexão, como o correcto e o primeiro passo do profissionalismo, o pós-
guerra é, principalmente, um período em que se assiste a uma crescente industrialização e
massificação da produção fotojornalística. A Reuter, por exemplo, inclui a foto nos seus serviços
em 1946, juntando-se a agências como a Associated Press. O fotojornalismo de autor, criativo,
como o da opção Magnum, protagoniza uma existência algo marginal. A exemplificá-lo, Eugene
Smith, em 1955, abandonará a Life, descontente pela utilização descontextualizada que, segundo ele,
a revista fazia das suas fotografias, mais precisamente, desagradado com as alegadas alterações de
sentido impostas às suas fotografias durante a edição (embora, claro, se possa dizer que a
compaginação pressupõe inevitavelmente a alteração de sentido). Cartier-Bresson,
consubstanciando o espírito Magnum do direito do fotógrafo a ver respeitada a integridade da sua
obra, carimba no verso das fotos que estas não poderiam ser reproduzidas se não respeitassem o
espírito da legenda por ele escrita. E são os fotógrafos-autores que se tornam conhecidos: na lista
ideológica e culturalmente bem americana dos "dez melhores do mundo" de 1958, quatro fotógrafos
adquirem estatuto de vedetas: Cartier-Bresson, Ernst Haas (1921-1986), Eugene Smith e Alfred
Eisenstaedt.
A fundação de agências fotográficas ou a inauguração de serviços fotográficos nas
agências noticiosas é um dos factores que, estamos em crer, promoveu a
transnacionalização/transaculturação da foto-press e o esbatimento das suas diferenças intrínsecas.
Em alguns tipos de documentalismo e mesmo de fotojornalismo, porém, permanecerão vivas as
ideias dos fotógrafos-autores. Mas o fotojornalismo de agência noticiosa, que se especializará na
satisfação das necessidades dos diários, acentua o fotojornalismo de velocidade. Eco histórico desta
asserção é a declaração do France-Soir, segundo a qual pretendia obter fotografias de
acontecimentos em vias de se concretizarem e não depois de terem ocorrido. A
velocidade/actualidade, nas agências e nos jornais, vai tornando-se, cada vez mais, um critério de
valor-notícia.
O número de fotógrafos, a força que representavam, o estatuto que tinham adquirido
e a dinâmica da produção fotojornalística leva, por outro lado, a que a Convenção de Berna-
Bruxelas, no seu artigo 6, bis, alínea 1, reconhecesse formalmente os direitos de autor dos
fotógrafos, ao estabelecer que a fotografia não deveria ser deformada, mutilada ou objecto de outra
qualquer modificação que atentasse contra a honra e reputação do fotógrafo. Era, ao fim e ao cabo,
o reconhecimento de uma velha reivindicação que fotógrafos como os que fundaram a Magnum
insistiam em manter viva.
Pelo final dos anos cinquenta, começaram a notar-se os primeiros sinais de crise nas
revistas ilustradas, provavelmente, como frequentemente é apontado, não só devido aos
investimentos feitos no mercado publicitário televisivo em prejuízo das revistas como também à
acção e emoção superiores do espectáculo televisivo. A Collier's encerra em 1957; a Picture Post
no ano seguinte. Quinze anos passarão e será a vez das gigantes Look e Life.
A emigração para os Estados Unidos dos fotógrafos que haviam feito nome na
Europa, a criação da Life, o sucesso da Vogue, introduzem elementos de originalidade e
concorrência no fotojornalismo, cujas práticas e culturas se vão miscigenando. No final dos anos
quarenta, a imprensa ilustrada começa a publicar regularmente fotografias a cores, obrigando as
agências a adaptar-se a esta nova exigência do mercado. O movimento prosseguirá nos anos
cinquenta e sessenta, com o surgimento e/ou evolução de revistas como a Picture Post, a Paris-
Match, a Fortune, a Look, a Réalités e a Der Spiegel. A concorrência aumenta, mas, de qualquer
modo, e como sempre, a favor da obtenção do scoop fotojornalístico joga a sorte e a arte do
procedimento: estar no momento certo, o tempo certo no sítio certo: é assim que a erupção vulcânica
na Ilha Terceira, nos Açores, é fotografada apenas por um fotógrafo da Paris-Match, Guerard Gèry,
em meia hora, a frequência de actividade do vulcão. Um caso nada abonatório para o
fotojornalismo português.
Por outro lado, a partir do meio do século alguns fotógrafos começaram a abrir, com
os seus trabalhos, novos espaços para a liberdade criativa em fotografia. Basta salientar Les
Américains, de Robert Frank (1958). O estatuto económico e social dos fotojornalistas começa
também a melhorar no pós-guerra. E, após a fundação da Magnum, em 1947, os fotógrafos
começam a revivindicar a propriedade dos negativos e um maior controle sobre a edição do seu
trabalho.
As ideias de emancipação correspondem, de alguma forma, ao estatuto de
independencia que os fotógrafos já tinham possuído no século XIX. As agências de fotógrafos
como a Magnum e o estatuto de freelances que alguns vão preferir possibilitarão também uma maior
liberdade de criação e actuação. Tal permitirá, por seu turno, alguma projecção do projecto
fotográfico independente a médio e longo prazo. O caso de Eugene Smith, que, com grande
prejuízo económico, abandonou a Life, em 1954, e viria a abandonar a própria Magnum, é
sintomático e inscreve-se nessa "cruzada" pela busca de formas de expressão fotográfica mais
profundas que alguns fotógrafos iniciaram (Smith veio a passar quase vinte anos na obscuridade,
trabalhando sobre a cidade de Pittsburgh, até à realização de Minamata). David Douglas Duncan
também romperá com a Life, em 1955, para se tornar freelance, publicar livros e desenvolver um
projecto intimista sobre a vida de Picasso, na casa do pintor, em Vauvenargus. A isto acresce o
impacto do livro de Cartier-Bresson The Decisive Moment (1952). Ele é tal que contribui para
elevar um certo fotojornalismo à categoria de arte. A actividade irá, assim, expor-se mais e ser
estudada com maior rigor e sistematicidade, tendo chamado a atenção dos críticos e dos académicos.
Na mesma altura em que o efeito Robert Frank alastrava, minando a noção de
acontecimento de interesse fotojornalístico e desviando o foco de atenção das pessoas (Fig. 29),
algum fotojornalismo desvia a atenção para as organizações, as lutas cívicas americanas, as
empresas e os subúrbios das grandes cidades. A Fortune e o trabalho paradigmático que Dan
Weiner realizou para essa revista até ao ano da sua morte, em 1959, são exemplares: Weiner, dentro
do espírito da candid photography, consegue representar no espaço fotográfico o que ele parece
considerar como contradições do consumismo, através de fotos de discordâncias e ambiguidades,
como um desfile de moda num comboio suburbano ou um vendedor de detergentes agitando as
prateleiras de um supermercado.
Entre as agências noticiosas com serviço de fotonotícia inicia-se, nos anos cinquenta,
uma era de intensa competição: a United Press International (UPI), por exemplo, surgiu como um
competidor de importância significativa da Associated Press, como resultado da participação da
Hearst's International News Service e da ACME Photo Agency. Começa então uma era de intensa
competição na tecnologia fotográfica entre a AP e a UPI.
Durante a Guerra Fria, os news media foram também palco das lutas político-
ideológicas, mas igualmente surgiram como o "quarto do poder"(179), isto é, como o local onde se
joga grande parte das guerras políticas, mesmo ao nível interno. No Leste, as fotografias dos líderes
são reproduzidas muito ampliadas enquanto os dirigentes caídos em desgraça são apagados das
fotografias oficiais. Noutros casos, colocam-se pessoas nas fotos, como Estaline a falar com Lenine,
pouco antes da morte deste. No Ocidente, entre vários casos conhecidos, em 1951 o senador Millard
Tydings perde o lugar provavelmente devido à difusão de uma fotografia truncada em que se via
Tydings a conversar com o líder comunista americano, Earl Brownder (é a ideia da objectividade,
veracidade e realismo da imagem fotográfica a funcionar para o senso comum); e um jornal tão
"insuspeito" como o The New York Times não se coibiu, a 5 de Outubro de 1969, de seleccionar de
um álbum de David Douglas Duncan as fotografias em que Nixon surgia com as piores expressões
para minar a campanha republicana à presidência dos EUA. Do mesmo modo, o Paris Match
publicou, em Junho de 1966, uma foto-reportagem com fotografias encenadas sobre o alegado
regresso do nazismo à antiga República Federal da Alemanha.(180) Pelo que se vê, a fotografia
influencia e propicia crenças, por vezes substituindo mesmo o consumo das crenças tradicionais.(181)
Há outros pontos interessantes no que respeita aos cenários de desenvolvimento do
fotojornalismo no pós-guerra e anos posteriores. Trata-se da expansão (a) da imprensa cor-de-rosa,
que faz sonhar, (b) das revistas eróticas "de qualidade", que exploram simultaneamente o desejo
sexual e a promoção social, como a Playboy (1953), de Hugh Hefner, (c) das revistas ilustradas
especializadas em moda, decoração, electrónica e fotografia, entre outros temas (que, em muitos
casos, sobreviverão, apesar da concorrência da televisão, como a Photo, apesar de se notar uma
mudança de conteúdos e de grafismo) e (d) da imprensa de escândalos, através da qual se exerce
uma certa vendetta social. A imprensa de escândalos e a imprensa cor-de-rosa vão fazer surgir, nos
anos cinquenta, os paparazzi, fotógrafos especialistas na "caça às estrelas", tornados tristemente
célebres após a morte da Princesa Diana, que se servem dos mais variados expedientes para obter
fotografias tão sensacionais quanto possível de gente famosa.
Por outro lado, estamos convencidos que a aparição de todos esses tipos de imprensa
constituiu um dos motivos para (a) a disseminação e banalização da foto-ilustração (sobretudo a
nível do glamour e do star system, entendido de forma alargada, isto é, incluindo os políticos e o
institiucional), que veio a contaminar os jornais e revistas "de qualidade", bem como para (b) o
fomento do uso da teleobjectiva (que permite ao fotojornalista um maior afastamento —
descontextualizante?— da acção) e para (c) o recurso a técnicas de estúdio, mesmo no campo do que
de uma forma muito vasta poderíamos designar por fotojornalismo.
O World Press Photo é criado em 1956, mostrando não só a importância que os
fotojornalistas e, de uma forma geral, o meio jornalístico, votavam à profissão de foto-repórter, mas
também que havia a necessidade de espaços que propiciassem a reflexão em torno da foto-press. As
categorias premiadas, além da foto do ano (repare-se no valor do instantâneo, da fotografia única),
são: Quotidiano, Retrato, Desporto, Natureza, Artes, Ciências, Instantâneos, Reportagens e
Features.
Apesar do renome desse grande concurso, por uma observação breve deduz-se que
grande parte das fotografias premiadas com o título de "foto do ano" se relacionam com a violência
bélica, mas que outros tipos de representações da violência estão ausentes: os crimes comuns, os
suicídios, a pobreza ou a violência nos subúrbios. Parece verificar-se que há uma violência que
colhe frutos editoriais e outra que não. Assim, podemos concluir que as políticas editoriais e de
empresa (lucrativa) conformam a produção fotojornalística e que os concursos internacionais, como
o WPP, em parte, podem reflectir uma certa interiorização cultural-profissional desses padrões
editoriais e dessas políticas de empresa, privilegiando-os. Além disso, a similiaridade das "fotos do
ano", pelo menos temática, mas também nos conteúdos (veja-se, por exemplo, a valorização das
expressões significativas dos rostos), poderá ser um traço da transnacionalização do fotojornalismo e
da sua transculturalização, até porque as fotos são realizadas por fotógrafos de vários países.
Concretizando, numa breve visualização global é notória —nas "fotos do ano" do
World Press Photo— alguma similitude nos enquadramentos, nos pontos de vista e nas abordagens,
na submissão da informação ao terror, na exploração do tabú da morte como instrumento da luta
concorrencial, o que poderiamos classificar de fotonecrofilia (noutras categorias a concurso as
coisas já não são assim). O sexo, tabú que alguma imprensa tem começado a explorar de há alguns
anos para cá como factor susceptível de elevar as audiências —sobretudo por escrito, mas, por
vezes, com imagens—, também está estranhamente ausente do World Press Photo. É, aliás, um
pouco estranho que o sexo seja tratado nas sociedades ocidentais com maior pudor do que a
violência. A abordagem do sexo é, inclusivamente, centrada nos escândalos sexuais e similares e na
vida sexual de algumas figuras públicas, mas as perversões são ainda um tema proibido.
A edição de livros fotográficos anima-se também no pós-guerra. Mas, na linha dos
livros anteriores, as novas edições que sustentam verdadeiramente uma visão inovadora e criadora
no campo da fotografia tratam-se de trabalhos voluntaristas sobre um tema ou um objectivo preciso.
Neste contexto, dos anos vinte aos anos setenta pode estabelecer-se uma relação entre Sander, que
publicou Antlitz der Zeit, em 1929, Germaine Krull (Cent fois Paris, 1929), Erich Solomon
(Beruhmte zeitgenossen im unbewachten augenbliken, 1931), Brassaï, (Paris de nuit, 1933), Weegee
(Naked City, 1936), Evans e Agee (Let Us Now Praise Famous Men, 1941), Henri Cartier-Bresson
(Images à la sauvette — The Decisive Moment, na versão anglo-americana, 1952), William Klein
(New York, 1956), Robert Frank (Les Américans, 1958) e Lee Friedlander (Self-Portait, 1970).
Em 1967, é apresentada em Nova Iorque a exposição Concerned Photographers, na
linha da The Family of Man. Esse termo apareceu, em 1966, sob impulso do irmão de Robert Capa,
Cornell Capa (1918-), também ele da Magnum. Cornell Capa fundará, um ano depois, o
International Center of Photography, que organizou o referido certame. Pela primeira vez, Bishof,
Kertész, Capa, Leonard Freed, Dan Weiner e David "Chim" Seymour foram reagrupados numa
tradição que, na fotografia de notícias, prolonga um certo humanismo. Em 1973, o Centro
apresentou a segunda exposição, em Jerusalém, reunindo fotografias de Don McCullin, Gordon
Parks, Eugene Smith, Hiroshi Hamaya, Marc Riboud, Ernst Haas, Bruce Davidson e Roman
Vishniac. Estes nomes reuniram-se aos primeiros enquanto nomes relevantes da tradição fotográfica
humanística.
A emergência de várias agências fotográficas, que, em alguns casos, também se
dedicam à distribuição dos produtos de outras agências, contribuiu para a despersonalização
estilística e para a aquisição de um estatuto de natureza informativa que se nota em grande parte da
fotografia de imprensa contemporânea (e que, devido à credibilidade de que esta goza, facilita a
manipulação através, por exemplo, de fotos truncadas). Todavia, a esta linha evolutiva há que
contrapor a reacção das agências e outros órgãos de comunicação social que cultivam o
fotojornalismo de autor, de que a Magnum é exemplo.
Os fotógrafos
Além de fotógrafos como Capa e Cartier-Bresson, activos já antes da Segunda Guerra
Mundial, uma mão-cheia de fotógrafos de grande valor revelou-se nos tempos conturbados da
guerra e do pós-guerra, até que, por alturas da eclosão do conflito no Vietname, se pode falar de uma
nova revolução no fotojornalismo. Entre estes fotógrafos avultam, por exemplo, os nomes de
Eugene Smith (Fig. 30), Werner Bichof (1916-1954) (Fig. 31), Bruce Davidson (1933-), Tony Ray-
Jones (1941-1972), William Klein (1928-), Elliott Erwitt (1928-) (Fig. 32), Marc Riboud (1923-)
(Fig. 33) ou Garry Winogrand (1928-1984). E, num campo que se situa entre o fotodocumentalismo
—apontando já para o moderno documentalismo fotográfico— e a criação artística encontram-se os
trabalhos das retratistas Lisette Model (1906-1983) e Diane Arbus (1923-1971).
Eugene Smith começou a fotografar em 1938, ano em que ingressa na agência Black
Star, onde permaneceu até 1943. Nos anos da Segunda Guerra Mundial, fotografou as operações no
Pacífio para as revistas Flying e Life, sendo ferido com gravidade. Optando pelo que podemos
considerar uma fotografia moral, ele tornou-se depois num dos grandes expoentes do foto-ensaio,
que usou como um género capaz de dar expressão significativa à experiência humana.
Realmente, a vida e a obra de Eugene Smith são tão indissociáveis como modelares
para o fotojornalismo moderno. A sua educação católica fê-lo fazer da fotografia uma arma para a
remissão dos pecados do mundo, enquanto despertadora das "boas consciências", mesmo na sua
produção de guerra. Chegou a ingressar na Magnum, em 1955, uma agência conhecida pela
exigência que põe no controle dos fotógrafos sobre a edição dos seus trabalhos, mas demitiu-se da
mesma três anos mais tarde para se tornar fotógrafo colaborador da cooperativa. Preferiu trabalhar
como freelance.
Íntegro, moralista, profundamente humanista, Smith fundiu estes traços do seu
carácter em fotografias cheias de força expressiva e rigorosismo formal, que roçam o lirismo, a
poesia, o drama, e que evidenciam o perfeccionismo técnico do seu autor. Cada um dos seus
trabalhos enquadra-se no género do foto-ensaio, combinando imagens, texto e grafismo em
abordagens dramáticas, mas multifacetadas, dos temas, tentando sempre colocar o ser humano no
centro do (seu) universo, representando a diversidade e a complexidade das experiências humanas
dentro dos seus contextos. A grande força da sua fotografia talvez tenha mesmo a ver com a
presença forte e com a dignidade com que conseguia representar os seres humanos, mesmo em
situações de sofrimento, ocasiões em que "aprisionava" a emoção e a atmosfera dos acontecimentos.
Foi na Life —onde se manteve até 1954— que Smith se tornou notado. A vida do dr.
Ceriani ganha credibilidade no foto-ensaio "Médico de Província" (1948). Em "Enfermeira-
parteira" (Nurse Midwife), de 1951, manifestou-se contra os preconceitos racistas na Carolina do Sul
e o seu trabalho possibilitou a construção de um dispensário para a enfermeira retratada, Maude
Callen. Para realizar "Aldeia Espanhola" (Spanish Village), em 1950, viveu durante um ano na
povoação de Deleitosa. Neste trabalho, apesar de privilegiar a beleza clássica, consegue erigir uma
crítica demolidora do franquismo. Spanish Village, porém, é interessante por outro motivo:
recentemente, alguns dos habitantes da aldeia revelaram que Smith teria pago a alguns deles para
posarem, encenando situações habituais da vida da localidade. Um dos eventos que Smith
fotografou foi o velório de um homem que, apesar de extremamente doente, ainda estaria vivo
quando foi "velado". A foto seleccionada do velório para o foto-ensaio, não obstante a sua beleza,
devida aos fortes, mas equilibrados, contrastes tonais, desencadeou um processo que demonstra a
força da imagem fotográfica: uma das raparigas presentes, de elevada beleza, veio a receber pedidos
de casamento de todo o mundo, tendo de tal modo a sua vida simples sido afectada que há dois ou
três anos atrás vivia ainda solteira.
Em 1955, Smith começou um grande projecto sobre Pittsburgh, na Pensilvânia, que o
esgotou e lhe trouxe graves problemas financeiros. Em 1957, instala-se num atelier próximo do
Mercado das Flores, em Manhattan, fotografando o que observa da janela. Finalmente, depois de
vários outros trabalhos, entre 1971 e 1975 Eugene Smith desenvolveu o seu último grande projecto,
que permanece como um dos marcos de sempre do fotojornalismo e fotodocumentalismo mundiais:
Minamata. As suas fotografias da vida de uma aldeia piscatória japonesa vítima da poluição
criminosa por mercúrio, entre as quais a impressionante Tomoko [uma menina deficiente devido às
alterações genéticas motivadas pela acumulação de mercúrio] Banhada Pela Sua Mãe (1972),
transformaram-se num dos manifestos ecológios e humanistas que mais difundido foi no planeta,
funcionando como lições sobre o que são a justiça e a injustiça.
Smith vivia frequentemente com as pessoas e como as pessoas que fotografava, para
delas melhor se poder aproximar, para haver menos reacções à sua presença e para conseguir
perceber a sua cultura e a sua história, e, assim, também as suas mundivivências e mundividências.
Este método de "anulação" do fotógrafo é, aliás, frequente nos documentalistas. Salgado, por
exemplo, tenta praticá-lo, tendo já sido visto, em Portugal, a fazer uma peregrinação a pé a Fátima
para melhor fotografar os peregrinos. As expressivas fotografias de Eugene Smith, tal como as de
Salgado, anos mais tarde, mostram as pequenas epopeias do quotidiano dos desconhecidos de uma
forma tal que estimulam a compreensão.
O suíço Werner Bischof, que envereda pelo fotojornalismo em 1945, altura em que
faz um grande trabalho de reportagem pelos países destruídos pela guerra, foi um explorador do
contexto e da beleza: através do belo e do culto da luz fez compreender o sofrimento do outro de
forma pouco brutal. Humanista, a sua fotografia tem o condão de colocar o observador ao lado dos
deserdados do mundo. O seu trabalho foi interrompido muito cedo, com uma morte "em serviço",
nos Andes peruanos, em 1954, quando se dedicava a fotografar a América do Sul, após ter
fotografado a guerra na Indochina francesa para o Paris Match, em 1952.
Entre 1951 e 1952 Bischof realizou aquela que é provavelmente a sua reportagem
mais célebre: Fome na Índia. Como Smith e, mais tarde, como Salgado fará, Bischof conseguia
embelezar o horrível, tornando-o suportável. Recusando a estética do horror, a força da fotografia
de Werner Bischof reside, em grande medida, na clareza e na sensibilidade que enformam o seu
olhar analítico e atento sobre o mundo.
Já Bruce Davidson, activo a partir de 1956, orientou a sua produção para o
fotojornalismo social, ou, talvez mais precisamente, para o documentalismo social, em projectos de
longa duração, nos quais a efemeridade dos instantes se atenua face à perenidade da vida
representada nas várias imagens de uma foto-reportagem. Os instantes "apreendidos" nas suas foto,
porém, traduzem uma atenção selectiva, uma grande capacidade de análise do real social, que
desemboca no detalhe significativo: as mãos, o palhaço que dá uma passa no seu cigarro, os
namorados num banco. Sem chocar, Davidson colocava-se ao lado dos desprotegidos ou
marginalizados, como os negros americanos (Black Americans, 1962-63), tratando os seus sujeitos
com grande rigor moral.
Como Doisneau para os franceses, Tony Ray-Jones foi um fotojornalista inglês à
inglesa. Na sua breve obra, desenvolvida nos anos sessenta, e por vezes carregada de ironia e de
humor britânico, ele representa o espírito e a mentalidade dos ingleses pela atenção que dá aos seus
comportamentos individuais e colectivos, bem como aos gestos dos sujeitos fotografados, que
parecem teatrais ou excêntricos. Num estilo onde se mesclam influências de Frank e Brandt, Ray
Jones fotografa com humor, por vezes recorrendo à encenação, as pessoas empenhadas nas tarefas
diárias, tarefas estas que, por força da acção do fotógrafo, surgem como estranhas, sem sentido ou
até absurdas ao olhar do observador. O conteúdo torna-se, assim, mais importante do que a forma,
sem que esta seja negligenciada.
Um fotojornalista que se tornou notado como perseguidor de uma estética individual
foi William Klein. Grandes-angulares, flashs brutais, filmes hipersensíveis, grandes planos à
queima-roupa fazendo o enquadramento cortar os sujeitos, de tudo usou Klein ao propor, nos anos
cinquenta, um estilo dominantemente figurativo que rompia com todos os modelos do seu tempo,
incluindo a reportagem. Frequentemente, nota-se na fotografia dos anos cinquenta de Klein uma
tentativa de fixar o traço das formas geométricas em movimento. As suas fotos desta época são, na
maioria, fotos dinâmicas de certos momentos, mesmo parados. Outras vezes, evidencia-se nelas
uma certa rugusidade. As aportações brutais dos instantâneos fotográficos de Klein traduzem, ao
fim e ao cabo, uma aproximação possível ao mundo violento em que vivemos.
Klein trabalhava frequentemente na rua, tentando passar despercebido. A partir de
1955, passou a trabalhar para a Vogue, dedicando-se à fotografia de moda e publicitária. É, porém,
importante considerar que muitos dos fotógrafos de moda podem ter influenciado o fotojornalismo,
e vice-versa, até porque muitos fotojornalistas fizeram ou fazem também fotografia de moda e
publicitária: Richard Avedon (com as suas fotos de moda em ambientes da vida mundana ou
quotidiana), Helmut Newton (que apresenta a mulher em situações que frequentemente roçam a
pornografia) e Irving Penn (a naturalidade do gesto) foram alguns deles. Avedon mostrou-se
também um hábil retratista que busca a identidade dos fotografados colocando-os em atitudes de
oposição ao fotógrafo sob fundos neutros. Estes obrigam o observador a concentrar-se no sujeito
representado e na descoberta da sua personalidade, desvelada camada a camada pela constância na
observação. Outras vezes, retrata os sujeitos captando-lhes expressões caricaturais.
Entre os fotojornalistas-retratistas cujos trabalhos se tornam conhecidos sobretudo no
pós-guerra avulta igualmente Philippe Halsman (1906-1979), um especialista do retrato psicológico,
que nos presenteou com fotos de expressões inesquecíveis de Churchill, Einstein, John F. Kennedy
ou Marilyn Monroe. A sua especialidade, porém, foram retratos dos sujeitos a saltar — o
desequilíbrio do salto despojaria-os das suas posturas mais artificiais, funcionando como um tempo
de libertação.
Um outro nome a reter no "fotojornalismo" de retrato é Arnold Newman (1918).
Newman explora a personalidade do retratado pela natureza do ambiente em que esse se insere e
pelo uso expressivo de objectos identificativos, que não raramente se sobrepõem ao sujeito.
Na fotografia documental do pós-guerra, é justo referir os trabalhos de Garry
Winogrand. Este fotógrafo foi um dos aderentes à revolução que Robert Frank protagonizou na
fotografia, quando lançou The Americans. Assim, entre os anos sessenta e oitenta, Garry
Winogrand tentou realizar snapshots, instantâneos de momentos inconsequentes que simbolizam a
sua visão da sociedade, por vezes com humor e ironia, como acontece nas fotos que realizou em
cemitérios e em jardins zoológicos e que insere em The Animals. Neste caso, Winogrand explorou,
por exemplo, as semelhanças aberrantes, mais inquietantes que humorísticas, entre vários animais e
certos seres humanos, que surgem juntos nas fotos de forma a poderem ser comparados. Noutra
série, Women are Beautiful, o fotógrafo explora o tema "mulheres", fazendo, ocasionalmente,
sobressair as suas contradições e a oposição entre a sua beleza e a miséria. Em ambos os projectos,
Winogrand revela-se um experimentalista, testando novas composições e recorrendo à grande
angular.
Nos anos sessenta, Leonard Freed, da Magnum, publica Black in White America
(1969), reunindo um conjunto de fotos que impressionam pela efemeridade das expressões dos
rostos e pelas composições que os corpos estruturam no espaço. Em 1980, editará Police Work. A
cobertura da guerra do Kippour, do lado israelita, veio a constituir outro ponto central do seu
trabalho.
Apesar de não ser um documentalista puro, Elliott Erwitt viria, com humor, a fazer
algo parecido ao que fez Winogrand, mostrando a similitude entre muitos comportamentos e gestos
dos animais (representados, assim, de forma algo antropomórfica) e dos humanos, com uma ironia
doce, como se o mundo não passasse de um palco para a comédia da vida. De facto, as suas
fotografias mais famosas são, provavelmente, aquelas em que cães e pessoas se misturam de forma
quase incongruente, mostrando que ninguém está a salvo do ridículo, mas também estimulando uma
inquietude orientada, porém, para o humor.
As fotos de Erwitt, pessoalizadas e emotivas, apelam ao divertimento, através do riso
ou sorriso que o inesperado ou as coincidências suscitam. Frequentemente, explora a inocência das
atitudes ou regista com humor os tiques da civilização de uma forma tal que nos faz duvidar das
nossas próprias convicções.
Marc Riboud é um fotógrafo filiado simultaneamente na tradição de Capa e de
Cartier-Bresson. A Capa foi buscar a noção de que seria necessário a um bom fotojornalista estar no
momento certo no local certo, que é sempre perto do acontecimento. A Cartier-Bresson foi buscar o
conceito do "instante decisivo". Desta forma, Riboud não só procurou estar "lá", "em cima do
acontecimento", como nas suas fotos do Maio de 68, em Paris, mas também (re)encontrar na
realidade geometrias significantes, captar os instantes em que a ordem irrompe no caos, como se
torna saliente nas suas famosas séries sobre a China (1957, 1971 e 1994-95) e na que é
provavelmente a mais famosa das suas fotografias: o poder das armas contra o poder da flor. Ao fim
e ao cabo, Riboud, como René Burri, o mais antigo fotógrafo da Magnum em actividade, procurou
encontar equilíbrios entre a forma e o sentido, na grande tradição da fotografia documental. Outro
traço interessante da sua obra é que, a par James Cameron, Riboud foi um dos fotógrafos ocidentais
que cobriram a guerra do Vietname do lado do Norte.
Lisette Model (1906-1983) fixa-se sobretudo nos "tipos" humanos excessivos,
transbordantes, rompendo o enquadramento (que parece não chegar para eles), rumo ao fora de
campo. Diane Arbus (1923-1971), por seu turno, realiza um "álbum" de retratos psicológicos, sem
artifícios, em que é representada uma grande panóplia de pessoas representativas da cultura
suburbana americana e das culturas marginais: nudistas, toxicodependentes, prostitutas, deficientes
mentais encerrados em asilos, frequentadores de hóteis sórdidos, famílias da classe média,
prostitutas e travestis, entre muitos outros exemplos, alinham-se na "montra" da "galeria" de Arbus,
geralmente em planos frontais, por vezes posados, e iluminados por frechadas imoderadas do flash.
Paradoxalmente, na fotografia de Diane Arbus os "instalados" são representados de forma algo
ridícula, nem que seja por um trejeito no semblante, enquanto os deserdados do sistema, "a outra
metade", são-no numa perspectiva dignificadora. Arbus foi uma das influenciadoras do actual
momento fotográfico documental. Algumas das suas ideias, pelo menos temáticas, notam-se, por
exemplo, em Mary Ellen Mark, Bruce Davidson ou Eugene Richards.
Ainda nos anos sessenta, o japonês Shomei Tomatsu fotografa, no seu país, os traços
de uma cultura tradicional confrontada e ameaçada pela cultura dominante, de cariz americano.
Laura Gilpin (1891-1979) começa, em 1946, um levantamento documental dos índios
Navajos, que prolongará até 1968.
Na URSS, emergem também uma série de fotógrafos de renome no pós-guerra, como
Semen Fridland e Dmitrij Baltermane.
Em 1956, Mario de Biasi, com algum perigo, fotografou a sublevação húngara e a
resistência dos húngaros, em camisa, aos tanques e tropas do Pacto de Varsóvia.
Bill Owens (1938-) guarda na sua obra a tradição da reportagem clássica, mas viva.
Em Suburbia, um trabalho de 1973, ele conseguiu mostrar a ambiguidade humana dos pequenos
burgueses dos subúrbios das grandes cidades.
A Magnum
Durante dezenas de anos, a questão da propriedade dos negativos foi
dominantemente percepcionada de forma a remetê-la para o contratante do fotógrafo. Entre outros
casos, no grande projecto Farm Security Administration, por exemplo, os negativos pertenciam ao
Estado contratante, apesar dos protestos e atitudes de Langue ou Evans. Só em 1947 é que, pela
primeira vez, um grupo de autores-fotógrafos exigiu não apenas a propriedade dos negativos mas
também o direito à assinatura, o direito ao controle da edição do seu trabalho à escala internacional e
"ter tempo" para trabalhar nos projectos fotográficos que frequentemente seriam propostos por eles
próprios. Nesse ano, em torno destes pontos de vista, um núcleo duro de uma geração de ouro do
fotojornalismo —Robert Capa, David Seymour (Chim), Henri Cartier-Bresson, George Rodger—
fundou a Agência Magnum Photos. O significado do acto torna-se claro: o fotógrafo afirma-se
como um mediador consciente e não mais um ser resignado.
A Magnum surge também como uma reacção à subalternização dos fotojornalistas
num quadro de jornalismo subjugado ao poder e de desenvolvimento de relações de interesse entre
os poderes e os news media. A fundação da agência é um dos indícios que permitem notar a
evolução do jornalismo para um modelo de tipo cão-vigia. Não obstante, 1947 foi também o ano em
que o secretário da Justiça dos Estados Unidos classificou a Liga Fotográfica Americana, que
nascera nos anos vinte, como organização subversiva. Aliás, em 1951, a Liga morrerá, com o
Macarthismo.
Reunir personalidades tão diferentes, mas tão vincadas, como a dos fundadores da
Magnum foi difícil. Provavelmente, tal só foi possível devido à sintonização que o judeu polaco
fascinado pelo Vaticano, Chim, e o britânico humanista, Rodger (que abandonou momentaneamente
a fotografia depois de se ter descoberto a fazer composições com os cadáveres no campo de
concentração libertado de Bergen-Belsen), conseguiam fazer entre o audacioso caçador de imagens
Robert Capa e o rigoroso Cartier-Bresson(182). De qualquer modo, vai ser às fortes personalidades e à
diversidade de autoria que a agência, quanto a nós, vai buscar força e riqueza. Estamos convencidos
que, ao contrário do que alguns argumentam, se a Magnum de hoje enfrenta problemas,
provavelmente isso deve-se mais ao aspecto económico do que às personalidades expressas quer na
fotografia quer na afirmação de posições sobre o rumo que a cooperativa deve tomar.
A agência Magnum foi organizada como uma cooperativa de fotógrafos. No início
dos anos setenta, a Magnum surgia, com a Gamma, a Sygma e a Contact, no topo das agências
especializadas ou que possuiam serviços especializados em fotojornalismo. Por essa década, cada
uma tinha já cerca de um milhão de negativos em arquivo.
A Magnum é, talvez, a mais mítica das agências fotográficas, pela qualidade
fotográfica, pela fotografia de autor, pela integridade moral e humanista dos seus fotógrafos e
fotografias e pelo espírito que roça a anarquia. Além dos fundadores, por lá passaram também
outros fotógrafos importantes: Werner Bischof, Ernst Haas e Gisèle Freund (uma excelente
fotógrafa mas também uma das mais importantes estudiosas da fotografia, doutorada em Sociologia
com a tese La Photographie en France au Siécle XIX) juntaram-se à agência em 1949. Entre 1951 e
1958, ingressaram na agência, entre outros, Eve Arnold, Erich Hartmann, Erich Lessing, Dennis
Stock, Kryn Taconis, Jean Marquis, Burton Glinn, Elliott Erwitt, Inge Morath, Marc Ribould,
Wayne Miller, Brian Brake, René Burri (o fotógrafo que está há mais tempo na agência), Bruce
Davidson e Cornell Capa, o irmão de Robert Capa, e que, anos mais tarde, fundaria o International
Center of Photography, organismo devotado ao estudo, à divulgação e à premiação na área da
fotografia. Cornell Capa, porém, sem deixar de ter como referente o interesse humano, não trabalha
nos ambientes bélicos em que o irmão se distinguiu.
Depois dessas vagas, muitos outros fotógrafos se associaram à agência: Don
McCullin (que viria a demitir-se da agência), Philip Jones Griffiths, Larry Towell, James Nachtwey,
Eugene Richards, Abbas, Guy Le Querrec, Mary Ellen Mark (que abandonaria a agência em 1981,
para fundar a Archive Pictures), Susan Meiselas, Raymond Depardon, Bruno Barbey, Carl de
Keyser e Sebastião Salgado são alguns dos que o fizeram. Com o indiano Raghu Raï (1942-), o
japonês Hiroshi Hamaya (1915-) ou o americano Leonard Freed (1929-), mantêm viva a tradição da
reportagem e do ensaio de projecto. As reportagens de Freed sobre a polícia em Nova Iorque são
um dos exemplos que poderiamos citar.
Pelos meados dos anos cinquenta, a Magnum atravessou períodos difíceis, devido à
morte em serviço de fotógrafos como Bischof, nos Andes, Capa, na Indochina, e David Seymour
("Chim"), na campanha pelo controle do Suez, em 1956… O mesmo Seymour que, anos antes,
tinha realizado uma série de fotografias de crianças, reveladoras de ternura e compaixão.
Para a "elite Magnum", o fotojornalismo não é apenas uma forma de ganhar
dinheiro. Querem controlar o uso que é dado às suas fotos, sem, com elas, se escusarem a
interpretar o mundo como o percepcionam. São partidários, pois, de uma certa qualidade fotográfica
e da fotografia (humanista) de autor. Da possibilidade de o fotógrafo escrever com imagens que
acentuem o seu ponto de vista. Do nosso conhecimento, há até um caso recente que se passou em
Portugal de controle dos fotógrafos da Magnum sobre a edição do seu trabalho: o Expresso, em
1991, iniciou a publicação de uma série de portfolios destacáveis do projecto Trabalho, de Sebastião
Salgado. A paginação foi feita com a introdução de publicidade pelo meio das fotos e textos.
Salgado obrigou a modificar a paginação, de forma a que a publicidade não se introduzisse no
ensaio. A solução encontrada foi introduzir a publicidade entre dois portfolios. Tal dá também a
ideia do poder que têm fotógrafos da dimensão de Salgado que se associam determinados em
controlar a edição das suas obras.
Nos dias que correm, a Magnum, porém, enfrenta alguns desafios: há fotógrafos que
ganham mais do que outros, fotógrafos que aceitam encargos comerciais e publicitários (de
qualidade e originais) enquanto outros criticam tal prática, e há discussões sobre a selecção
fotográfica para a edição de livros colectivos e individuais e para uma das actividades em que a
agência actualmente investe indisfarçadamente — as exposições. A Magnum talvez já não seja a
"família" que pretendia ser aquando da sua fundação, apesar da anarquia "familiar" numa agência
em que quarenta personalidades fortes de ideias muito definidas querem "mandar". Além disso,
como a agência vive, principalmente, da riqueza da fotografia de autor e dos projectos
individualmente apresentados, e como cerca de 50% dos ganhos dos fotógrafos são para a agência e
há fotógrafos que ganham pequenas fortunas e outros ganham pouco, alguns podem abandonar a
agência por motivos económicos. O economista Salgado já o fez, em 1995, para fundar a sua
própria agência e gerir os seus negócios.
Actualmente, a Magnum tem cerca de 40 sócios, quatro candidatos associados, dois
nomeados, dez colaboradores e quatro correspondentes. A agência tem escritórios em Nova Iorque,
Paris, Londres e Tóquio. Para se ingressar na agência e se ir progredindo até se atingir a qualidade
de membro vitalício, é necessário apresentarem-se vários portfolios de elevada qualidade e ser-se
reconhecido pelo trabalho desenvolvido. Quer a adesão quer a progressão na "carreira" são votadas
pelos fotógrafos sócios, e em certas votações é necessário assegurar maiorias de dois terços.
Algumas das fotografias mais notáveis do século são de fotógrafos da Magnum e
fizeram história: o Dia D, de Capa; a foto de Jackie Kennedy no funeral do marido, de Elliott Erwitt;
as margens do Marne, de Cartier-Bresson; o levantamento do Islão e do Catolicismo no mundo, de
Abbas; a foto de James Dean, de Dennis Stock; a Primavera de Praga, de Koudelka; o Vietname, de
Griffiths; as minas da Serra Pelada, de Salgado; a home front britânica na II Guerra Mundial e a
tribo africana dos Nubas, de George Rodger (que, por se julgar insensível à morte, procurou realizar,
após a Segunda Guerra, estudos fotográficos sobre civilizações da África Ocidental); as fotos
intimistas e exploradoras da personalidade de Marilyn Monroe durante a rodagem de Os
Inadaptados, de Eve Arnold; a fome na Índia, de Bishof; ou as fotos de Ingrid Bergman em
Difamação, de Robert Capa. Entre inúmeras outras imagens da Magnum, estas são fotos que
contribuiram mundialmente para a construção de determinadas imagens mentais da história. O
outro lado do cinema que os fotógrafos da Magnum mostraram ao mundo com a abordagem que
fizeram da rodagem de Os Inadaptados é um exemplo eloquente: representa, um pouco, o canto do
cisne por vedetas míticas. Foi o último filme de Marilyn e de Clark Gable, que morreram pouco
tempo após as filmagens, durante as quais Montgomery Clift atravessou uma fase difícil.
Pese embora os prémios de "foto do ano" no World Press Photo de Larry Towell e
James Nachtwey, desde meados dos anos oitenta talvez a Magnum tenha abandonado um pouco a
cobertura da "actualidade", dedicando-se às exposições, à edição de livros e aos trabalhos para as
empresas. Mesmo assim, a Magnum foi a agência em que Salgado empreendeu Fome no Sahel e
Trabalho e Abbas se debruçou sobre a revolução iraniana e a África do Sul, o mesmo país onde Ian
Berry denunciou o apartheid; foi a agência onde Susan Meiselas realizou uma invulgar reportagem
sobre a revolução sandinista na Nicarágua, onde Bruno Barbey trabalhou sobre a Polónia do
Solidariedade, onde Eugene Richards fez sentir os dramas humanos —como o da sua mulher— nos
hospitais.
Como a Magnum, existem outras agências cujo objetivo principal é assegurar uma
certa qualidade fotográfica, como a Network Photographers (Londres) e a Bildeberg (Hamburgo).
A norte-americana Black Star orienta a sua produção num sentido mais comercial, mas sem perda de
qualidade.
A Magnum pode parecer démodé, mas o que fez e faz é importante.
The Family of Man
Em 1955, Edward Steichen organizou a exposição itinerante The Family of Man,
celebrando a fotografia humanista universal(ista) dos concerned photographers. Tendo estado
inicialmente patente no Museum of Modern Art, de Nova Iorque, veio a percorrer "todo o Mundo",
causando um forte impacto e, nalguns casos, críticas sobre a alegada "estreiteza" de pontos de vista e
o carácter ideológico da exposição. Roland Barthes foi um dos que as fez. Vincou mesmo, no seu
livro Mythologies, lançado em 1957, que a exposição era, na sua essência, um sistema de reprodução
de ideias-feitas e gerais, simples e estereotipadas, sobre a natureza humana.
Em qualquer caso, The Family of Man não deixa de corresponder à coroa de glória do
fotojornalismo e do idealismo na fotografia humanista, que, na década de cinquenta, viviam anos de
esplendor. Foi uma exposição cuja influência se nota, mesmo hoje, em fotógrafos como Salgado ou
Richards, que recuperaram a tradição dos concerned photographers. E foi também uma exposição
que concentrou as atenções e que, portanto, de um certo modo, prefigura a revitalização e o
relançamento do fotojornalismo que ocorreu durante a Guerra do Vietname.
A exibição apresentava 503 fotografias dos dois milhões de fotos reunidas, de 68
países, sobre a vida do homem à superfície do planeta, desde o nascimento à morte, passando pela
juventude, pela idade adulta e pela terceira idade, pelo amor e pelo trabalho, como num álbum de
família. O objectivo de Steichen era mostrar que, ao fim e ao cabo, todos os seres humanos são
iguais e devem auferir da mesma dignidade, que a vida era semelhante em toda a Terra e que os
seres humanos eram uma grande família.
Para que a grande mensagem humanista da exposição produzisse efeito e se tornasse
clara, as imagens, seleccionadas pelo seu valor simbólico (como acontece na foto de um menino
dormindo numa clareira de um bosque, de Wynn Bullock, que simbolizava a criação) foram
agrupadas num circuito sintáctico que fazia o observador percorrer as etapas da vida. Além disto,
por vezes, repetiam-se ritmadamente algumas imagens-chave e, com frequência, as fotografias
foram mais ou menos ampliadas em função, respectivamente, do seu valor épico ou, ao invés,
intimista. De qualquer modo, no sistema significativo da exibição as fotografias foram
complementadas com texto, o que demonstra bem as incapacidades ontogénicas das primeiras.
A exposição começava com uma foto de água e céu a que foram apensos textos
religiosos relativos à criação do mundo: não havendo fotografias de grande parte dos tempos em que
a vida decorre na Terra, as imagens evocadas teriam de ser as literárias. Depois, sucedia-se-lhe uma
foto de um nascimento, seguida de fotos de mães de vários pontos do Planeta com os seus filhos e
de fotos de crianças mais crescidas, de vários locais, jogando e aprendendo. Várias famílias de
diferentes nacionalidades eram mostradas no sector seguinte da exposição, com os retratados
fotografados com expressões suaves. Seguidamente, era a vez do trabalho e da alimentação no
mundo. A seguir vinham as fotos dedicadas à educação e à ciência, cuja série terminava com uma
foto inquietante, mas esperançosa, de uma cidade alemã destruída, onde uma criança, dirigindo-se
para a escola, mostrava que, apesar da estupidez assassina do Homem, nunca é tarde para
recomeçar. A secção posterior dizia respeito à solidão humana, nos seus variados aspectos, e depois
surgiam as fotos representativas dos tempos difíceis que a humanidade vivia (e vive) um pouco por
todo o lado: fome, tirania política, etc. As duas secções seguintes contrastavam, já que a primeira
respeitava ao sufrágio universal e a segunda à guerra. Nesta última eram apresentadas uma foto de
um soldado morto numa trincheira durante a Segunda Guerra e uma foto da explosão de uma bomba
de hidrogénio — a mensagem era clara. Nesta altura, o observador já estava perto do final, que
atingiria após percorrer os sectores dedicados à vida em comum e às Nações Unidas. A penúltima
imagem tratava-se de um retrato de Lewis Carroll da Alice da Alice no País das Maravilhas e a
última era uma bela fotografia de Eugene Smith na qual duas crianças passeavam por um caminho
frondoso, protegendo-se do sol.
As reacções ao tipo de documentalismo social evidenciado em The Family of Man
levaram o fotojornalismo a abrir-se a novos temas (droga, ambiente, família…) e cânones estéticos
mais "artísticos". De facto, a realidade social situa-se muito para além de um nascimento ou de uma
morte geral e abstracta, e tem a ver com a justiça e as injustiças, com a desumanidade e humanidade,
com o desenvolvimento e o subdesenvolvimento e com outros factores inumeráveis. As fotografias
"belas" e habilmente dotadas de uma carga significativa, como as da exposição, e tal como Barthes
faz notar na sua afirmação, correm o risco de bloquear a nossa imaginação, como a foto-choque
faria à significação.
Face ao que foi dito, o uso da cor, no campo da renovação fotográfica pós -Family of
Man, não é, assim, inocente, parecendo até que se procura encontrar para a fotografia uma
linguagem específica da cor.
Outra das reacções à exposição foi a de Otto Steinert, que celebra uma fotografia
subjectiva. Robert Frank começará, por seu turno, as suas deambulações pela América, promovendo
a fotografia de viagem ao estatuto de autobiografia e de local onde se expressam mundividências,
cruzando a visão pessoal com o documento e, de certa forma, emprestando às imagens fotográficas
fixas uma narratividade cinematográfica.
No entanto, um livro com uma selecção de fotógrafos representados na exposição foi
publicado e reeditado várias vezes. Alguns fotógrafos deram-se assim a conhecer, como William
Klein, com um trabalho sobre Moscovo.
Por outro lado, na linha da tradição crítica desencadeada por Roland Barthes a
propósito da The Family of Man, Victor Burgin, debruçando-se sobre as relações entre a arte e a
linguagem, viria a demonstrar, como o faria Barthes na revista Communications, que existiam uma
série de mecanismos que dariam sentido à imagem; e Susan Sontag, em On Photography (Ensaios
Sobre Fotografia), tornou explícito o que se intuía: a recorrência a esses mecanismos está longe de
ser inocente. Aliás, depreende-se das palavras de Sontag que toda a foto é um pouco surrealista:
mesmo a fotografia de família comum, ingenuamente espontânea, mas presa a convenções estreitas,
seria uma entidade bizarra.
1958: Frank e Les Américans
Robert Frank (1924-), um suíço, foi para os Estados Unidos em 1947. Colaborou
com a Harper's Bazar até 1948, ano em que, como freelance, alarga as suas colaborações à Fortune,
à Look, à Life, à Junior Bazaar, à McCall's e ao The New York Times.
Com a recomendação de Walker Evans, em 1955 Frank ganhou a bolsa Guggenheim,
tendo sido o primeiro fotógrafo europeu a recebê-la. Do trabalho subvencionado pela bolsa iria
nascer Les Américains, editado em Paris, em 1958. Este fotolivro tornar-se-ia um dos livros de culto
da fotografia do século XX.
Les Américains trata-se de uma obra quase mítica que causou grandes sensações,
discussões e influências no amplo universo da fotografia e nos mais pequenos mundos do
fotojornalismo e fotodocumentalismo. A influência do seu autor após os anos sessenta será
determinante na evolução do medium e do próprio jornalismo: fazendo com que o real fosse a mesa
onde se servia a sua imaginação, Frank renuncia à objectividade do olhar, revoluciona a reportagem
e, assim, pode até considerar-se um precursor do Novo Jornalismo dos anos sessenta.
Les Américains não era uma reportagem clássica, uma vez que não se debruçava
sobre acontecimentos. Era até uma "reportagem" sem acontecimento(s), que tornou Frank num
arquétipo do fotojornalismo não centrado em acontecimentos. Também não se podia considerar um
foto-ensaio nem sequer uma história em imagens. Longe de procurar registar momentos
convencionalmente significativos, Frank realizou, isso sim, um conjunto de imagens fotográficas
que registam instantes que roçam o absurdo e que quase não têm em si um sentido que não seja
aquele que o observador lhes possa dar. Um conjunto de imagens muito pessoais, subjectivas,
introspectivas, instintivas, entrecortadas, enigmáticas, sensíveis, fluídas, evocativas de
deambulações quotidianas de um europeu pelos Estados Unidos, quase como Sting canta na canção
do englishman que é um alien em Nova Iorque. Muitas das suas fotos eram enquadradas de través,
enquanto noutras Frank nem sequer olhava pelo visor. Talvez por isso, a edição da versão
emericana de Les Américains foi acolhida com críticas ferozes e algum sarcasmo. Aliás, excluindo
a comunidade académica e artística, um estudo de 1984 de Alexander Nesterenko e de C. Zoe Smith
revelava que nos Estados Unidos continuava a não existir grande aceitação da obra de Frank e
menor ainda era a identificação dos americanos que faziam parte da amostra com as fotos de Les
Américains.
Les Americains simboliza a tentativa de superação entre o acto de criação e o seu
autor e o acto de observação do observador. A expressão fotográfica de Frank não visa ascender à
universalidade. É antes uma expressão fotográfica humilde, interna ao fotógrafo ou ao observador,
intimista. Com Robert Frank, começou a perder força a herança ideológica da objectividade que se
havia introduzido nos discursos fotodocumental e (foto)jornalístico. A polissemia fotográfica de
Frank impede a construção de sentidos propositadamente únivoca do documentalismo social
anterior, assente na verosimilitude. Antes dá força a uma corrente mais próxima do documentalismo
fotográfico contemporâneo que já se vinha desenhando desde o projecto Farm Security
Administration: é preciso recordar as fotografias do FSA dos painéis publicitários, sem pessoas, e
algumas fotografias só de casas e haveres.
O que Frank tentou fazer, como afirma Jean Claude Lemagny (1986), foi evidenciar
que não é da natureza da fotografia transmitir significações pré-estabelecidas. Pessoalmente, não
concordamos inteiramente com a alegada visão de Frank. Pelo contrário, julgamos que, por vezes, a
significação "primeira" que o fotógrafo dá à imagem é a significação que passa para o observador,
embora concordemos que o significado das fotos é, em grande medida, outorgado pelo observador.
Em síntese, Robert Frank operou uma autêntica revolução do sentido na fotografia,
captando, enquanto viajante, instantes intensamente poéticos, mas imprevisíveis, em cenas banais,
que brotam descontinuamente do real e aparentam ausência de outro significado que não seja este
mesmo: o da ausência de significado.
Mais do que a presença, nas fotos de Frank o que está em causa é o fluído que ele
capta, a ausência, o fora de campo, para onde o observador é constantemente remetido na tentativa
de encontrar um sentido tranquilizador para imagens de onde este mesmo sentido é eclipsado. Ao
observador quase não é permitido "ver", ficar indiferente, antes é obrigado a avaliar, julgar, gerar
sentido: mais vale que falem mal de mim do que não falem de todo, diríamos, evocando o ditado
popular português. Os temas parecem aparentemente sem importância, subtemas, sub-
acontecimentos representados em sub-fotos: os bares de cowboys, os desfiles por ocasião das festas
em algumas cidades, etc. A fotografia de Frank não mostra ideias gerais, mas as particularidades e a
banalidade de cada situação. Robert Frank explora uma estética do aleatório, do banal, seguindo as
insinuações que William Klein apontava em New York.
Até Frank —explica Victor Burgin (1982)— o fotógrafo via-se a si mesmo como um
caçador de instantes significativos; depois de Frank, o fotógrafo sabe que o significado da foto é, em
grande medida, outorgado pelo observador. Assim, e também em conformidade com Burgin, a uma
prática fotográfica que Robert Doisneau denominou de "fechada" sucede uma voltada para a
polissemia [como é visível no actual documentalismo fotográfico], voltada para todos os sentidos
possíveis, pelo que o importante deixaria de ser o "momento decisivo", mas o interior do fotógrafo.
Robert Frank chegou a dizer que com o seu trabalho tinha procurado produzir
imagens que tornassem todas as explicassões desnecessárias. Talvez por isso, as suas fotos
indireccionadas e não compostas são, mais do que o motivo que as anima, o principal tema da sua
obra: o centro de interesse transfere-se do conteúdo para o formato; melhor dizendo, em Frank o
formato torna-se conteúdo.
Robert Frank foi um inspirador de fotógrafos tão diversificados como Lee
Friedlander, Garry Winogrand, Diane Arbus, William Klein ou o também suíço René Burri, da
Magnum, que publicará Les Alemands quatro anos depois.
Depois dos anos sessenta, na senda do Novo Jornalismo e das inovações trazidas por
fotógrafos como Frank, vários autores tentaram mostrar que, no campo da semiótica e da
epistemologia, uma imagem fotográfica seria sempre subjectiva por natureza, como foi o caso de
Susan Sontag. Esta americana, em 1973, publicou a sua colectânia de ensaios On Photography
(traduzido em Portugal com o título Ensaios Sobre a Fotografia). No livro, a autora chama a
atenção para que a escolha de variáveis como o ângulo e o plano de abordagem já implicam escolhas
subjectivas que, neste sentido, tornam a fotografia num instrumento de interpretação do mundo.
CAPÍTULO XI
A SEGUNDA REVOLUÇÃO NO FOTOJORNALISMO E A EVOLUÇÃO DA ACTIVIDADE DOS ANOS SESSENTA AOS ANOS OITENTA
É pelos anos sessenta que o mundo começa, realmente, a tornar-se a "aldeia
planetária" de que McLuhan falava, pelo menos no sentido de uma maior familiaridade das pessoas
com as ocorrências que agitam o Planeta. A televisão inicia o seu reinado enquanto medium
dominante na Europa, anos após os EUA. Na rádio, é a revolução do transistor que agita as águas,
com a consequente miniaturização e embaratecimento do equipamento que proporciona. Novos
meios de comunicação, de mais fácil acesso e mais baratos do que nunca, começam a surgir ou a ser
investigados.
Os Golden Sixties são também uma década de crescimento económico, mas que
viram surgir muitos movimentos alternativos, de que os hippies são o exemplo mais conhecido.
Atinge-se um nível de vida nunca visto, embora frequentemente à custa do ambiente. Cresce
também a mestiçagem cultural, de dominante americana. O processo de descolonização torna-se
imparável e novos estados tomam lugar na cena internacional. Algumas potências coloniziadoras,
porém, resistem, como é o caso de Portugal (até 1974/75). Na antiga Rodésia e na África do Sul, os
brancos não partilham o poder com os negros. Na América do Sul, guerrilhas, golpes de estado e
ditaduras são o pão nosso de cada dia. Mas a América Latina é também uma incubadora de mitos,
como o de Che Guevara, que morreu na Bolívia, a 8 de Outubro de 1967. A foto do seu cadáver,
cercado de militares e polícias que o exibiam, deu, na ocasião, a volta ao mundo.
Foi também nos anos sessenta que se solidificou nas sociedades europeias a
pluraridade política, de que, nos anos setenta, a Península Ibérica e a Grécia vieram a beneficiar,
com o fim dos regimes de Salazar e Caetano (Portugal), de Franco (Espanha) e da "Ditadura dos
Coroneis" (Grécia).
Porém, pouco tempo depois, com o choque petrolífero, a crise económica começa e,
com ela, o desemprego e a crise social que ainda hoje afecta os nossos países, agravada, esta última,
pelas novas tecnologias. Estas, mercê das suas potencialidades de rentabilização dos recursos
humanos, contribuem para o desemprego (estrutural) em várias áreas, a ponto de se falar da
necessidade de emergência de um novo "grupo" social: os "inactivos pagos".
Na Comunicação Social, a concorrência aumentou, acentuando os aspectos negativos
das concepções do jornalismo sensacionalista de que ainda se notavam indícios. Tal terá provocado,
gradualmente, o abandono da função socio-integradora que os media historicamente possuiam, em
privilégio da espectacularização e dramatização da informação a que hoje se assiste. No
fotojornalismo, esta mudança incrustou-se mais no privilégio dado à "captura do acontecimento
sensacional" e na "industrialização" da actividade do que na reflexão sobre os temas, as novas
tecnologias, as pessoas, os fotógrafos e os sujeitos representados.
Se nos anos cinquenta irrompeu a Guerra da Coreia, nos sessenta os EUA envolvem-
se no Vietname. Nestes conflitos, o fotojornalismo vai ter um papel oposto ao que teve nos grandes
conflitos anteriores. Com menos (auto-)censura, algumas das fotos publicadas na imprensa
ocidental, mormente na norte-americana, em conjunto com a TV, serviram para criar no Ocidente
correntes de opinião contrárias à guerra.(183) O mesmo se passa na guerra civil em Chipre, no Biafra
e em vários outros pontos do globo. Recordem-se, por exemplo, os trabalhos de Don McCullin, um
esteta do horror, ávido de denunciar o mal, que ele afirmava distinguir claramente por trás do
visor.(184) Nessas guerras, tal como em acidentes e em ocasiões dramáticas, o fotojornalismo tende a
explorar os caminhos da sensibilidade, dirigindo-se frequentemente à emoção e utilizando, amiúde,
a foto-choque.(185)
É precisamente por alturas da guerra do Vietname, há vinte/trinta anos, que se opera
a que designamos como segunda revolução no fotojornalismo. Os traços mais relevantes dessa
revolução e da evolução que desencadeou são, a nosso ver, os seguintes:
a) Algumas revistas-dinossauros da imprensa ilustrada, como a Life e a Look,
desaparecem (a Life ressurgiria depois), provavelmente devido (1) à diminuição do
interesse do público face às ofertas da televisão e (2) aos problemas económicos
ligados quer ao aumento dos custos de produção e distribuição quer ao desvio dos
investimentos publicitários para a TV. Falou-se do fim do fotojornalismo(186), mas foi
somente o fim de uma época, já que as agências fotográficas e os serviços
fotográficos de algumas agências noticiosas vão florescer, transformando-se em
autênticas fábricas de fotografias. Além dos jornais, os novos clientes serão,
sobretudo, as revistas semanais de informação geral, como a Time e a Newsweek.
Estas últimas, inclusivamente, vão ceder à imagem parte da relevância que davam ao
texto(187), embora também venham a reduzir o número de fotógrafos contratados
devido aos prejuízos e à necessidade de poupança(188). Por volta dos finais dos anos
setenta, estas revistas começaram a publicar com mais regularidade fotografias a
cores, devido à instalação de tecnologia que permitia a impressão colorida com
rapidez. As grandes empresas começam também a ilustrar os seus relatórios com
fotografias, o que ampliou o mercado à disposição dos fotógrafos;
b) Dá-se uma reacção, especialmente francesa (Fig. 34), mas globalmente europeia,
contra o domínio norte-americano no fotojornalismo. Fundam-se agências como a
Sygma, cujo objectivo era fazer um fotojornalismo francês à francesa, e que, em
1988, era a mais importante agência fotográfica do mercado internacional em volume
de negócios. Com a consolidação gradual das agências europeias, em parte a bolsa
internacional de imagens para a imprensa deixa os EUA para se fixar em Paris(189),
onde já a Magnum possuía serviços, e que já tinha tido o estatuto de capital do
fotojornalismo nos anos de ouro da Vu, antes da II Guerra Mundial. Em 1988,
existiam, assim, em França, 126 agências fotográficas ou com produção
fotojornalística, entre elas a Sygma, a Gama, a Sipa (especialista em cobrir situações
de violência), a Rapho, a Magnum-Paris, a Keystone-France (a mais antiga das
agências de fotos, que, em 1988, tinha nove milhões de clichés nos arquivos), a
Imapress, a Cosmos, a Presse Sports (especializada em desporto) e as secções de
fotonotícia da Associated Press (que domina o mercado global), da Reuter e da
France-Presse (mais tarde integrante da European Press-Photo Association (EPA),
fundada em 1981); nos EUA, actuavam, entre outras, a Black Star (que, em 1988, era
a principal agência americana exclusivamente fotográfica em volume de negócios(190),
apesar de a sua produção se concentrar nos Estados Unidos), a Contact, a JB Pictures
e a UPI. De há alguns anos a esta parte, a secção de fotografia da agência espanhola
EFE contribuiu também para a actual situação europeia no campo do fotojornalismo.
As agências fotográficas emergentes especializam-se, em muitos casos, na produção
para revistas (especialmente a Sygma), deixando para as secções fotográficas das
grandes agências noticiosas a tarefa de fornecer os jornais, principalmente os diários;
c) A Guerra do Vietname, de "livre acesso", talvez a última ocasião de glória do
fotojornalismo, faz nascer vocações. Neste período, nos Estados Unidos, os
fotojornalistas ascendem de dez mil a vinte mil e a Europa assiste a um fenómeno
semelhante(191);
d) Os militares, sentindo a importância que o fotojornalismo poderia ter tido na
sensibilização do público americano contra a Guerra do Vietname, vão, doravante,
estar mais atentos às movimentações dos foto-repórteres. Enquanto alguns
fotojornalistas, especialmente através das agências, procuram formas de ludibriar os
militares, outros acomodam-se à situação. Assim, após o Vietname, a imprensa
tendeu a deixar de seguir os processos globais dos conflitos bélicos, em privilégio de
umas tantas imagens-choque(192) ou até nem isso;
e) Assiste-se ao início de uma forte segmentação dos mercados da comunicação
social e ao aumento da atenção que é dada ao design gráfico na imprensa, tendências
mais notórias já nos anos oitenta. Todavia, apesar da segmentação dos mercados, a
maior parte da oferta no campo da foto-press é relativamente homogénia, devido à
industrialização que também se verifica na produção fotojornalística, principalmente
devido ao domínio produtivo das agências noticiosas com secção de fotografia;
f) Também pelos anos oitenta, o controle sobre os fotojornalistas estende-se a outros
domínios que não a guerra, como a política, através da criação de mecanismos como,
entre outros, (1) o impedimento a fotografar certos eventos ou partes de eventos, (2) a
acreditação, (3) a "sessão para os fotógrafos" (photo opportunities) e a prática das
"fotos de família" nos grandes eventos (o que permite aos políticos não serem
surpreendidos nas situações "impróprias" em que lhes cai a máscara do poder) e (4) o
controle sobre o equipamento (por vezes, os assessores de imprensa chegam a
ordenar quais as distâncias focais de objectivas que podem ser usadas para retratar os
políticos);
g) Aumenta a prática da recuperação, isto é, da aquisição de fotos tiradas por
amadores (quer o scoop, quer mesmo as fotos de família, quando nestas surge gente
ilustre ou por qualquer outro motivo) que depois são difundidas por agências ou
outros órgãos de comunicação social; aumenta também a prática do rafler (levar tudo
para que nada reste para a concorrência);
h) A fotografia entra em força nos museus e no mercado da arte, mas também no
ensino superior. Os americanos, seguidos por britânicos e franceses, são os pioneiros
desta introdução da fotografia no ensino superior, algo que Portugal só viria a assistir
em meados da década de oitenta, designadamente na Escola Superior Artística
Árvore e no Instituto Politécnico de Santarém, a que se seguiriam a Escola Superior
de Jornalismo e a Universidade Fernando Pessoa;
i) Aumenta o interesse pelo estudo teórico da fotografia. Multiplicam-se os ensaios e
outras iniciativas editoriais (designadamente as protagonizadas pelo Centre National
de la Photographie, de Paris, como a colecção Photo Poche). Em 1977, com o
Festival do Outono, em Paris, desencadeia-se uma época de exposições consagradas
ao fotojornalismo;
j) Dos anos sessenta aos oitenta, chega-se à dominação da "comoção sensível" sobre
a "percepção sensível"(193), amplia-se o universo do mostrável com o argumento da
democratização do olhar, devassa-se a vida privada e nivelam-se os gostos pelo
"popular". A foto-ilustração de impacto (nem que seja por mostrar corpos e rostos
belos e famosos), a da informação mínima, ganha, ainda assim, à foto-choque,
mesmo quando se trata de scoops traumáticos, e domina a imprensa, modificando-se
critérios de noticiabilidade e convenções profissionais. Paradoxalmente, no
fotojornalismo premeia-se algo que vende menos, embora não o que pouco ou nada
vende; de facto, os prémios fotojornalísticos vão para as fotografias que representam
a violência, a morte, mas também a fome (afinal, também violentadora da condição
humana), como as séries de Salgado sobre o trabalho manual, ou os emigrantes
mexicanos que clandestinamente tentam entrar nos EUA (Stan Grossfeld, prémio
Pulitzer de 1985, foto publicada no The Boston Globe);
k) Agudiza-se a influência da televisão sobre o fotojornalismo, por exemplo no uso
da cor, que, na altura, foi objecto de críticas por quem o via ser a cedência final à
superficialidade colorida da TV(194); os fotógrafos, de qualquer modo, foram
aprendendo a usar a cor, que invadiu as revistas e, nos anos oitenta, os jornais;
l) A partir dos anos setenta, começa a evidenciar-se uma produção fotojornalística de
feições industriais, que leva à diminuição do freelancing, à estabilização dos staffs de
fotojornalistas nas empresas e à consequente maior convencionalização e rotinização
do fotojornalismo: o mais insignificante dos acontecimentos ou de outros eventos é
coberto por uma míriade de fotógrafos, que enfatizam uma retórica da actualidade
susceptível de criar —como diz Virílio— ansiedade sobre o presente(195); talvez por
isso, como sugere Serge Le Peron, as fotos publicadas nos meios de comunicação
tendem para o estereótipo: o esquerdista, o político, o delinquente, o manifestante,
etc.(196)
Algo que também é indissociável deste período são, a partir dos anos sessenta, as
relações que se adivinham mais pronunciadas entre as revistas ilustradas e a televisão (no Velho
Continente, vai ser nessa década que a televisão vai conquistar o estatuto de medium dominante,
uma década depois dos EUA). Essas relações podem ter sido desvantajosas para revistas como a
Life, que acabaram por desaparecer. Mas, noutros casos, televisão e revistas tiveram relações que
nos parecem quase simbióticas. É o que aconteceu, por exemplo, com a Sports Illustrated, revista
fundada por Henry Luce, em 1954.
A Sports Illustrated mostrou que se a televisão pode matar o fotojornalismo também
pode criar interesse por ele, já que, para além de razões já referenciadas, como a de ser o observador
a determinar o tempo de observação, as fotografias são mais definidas, talvez mesmo mais
dramáticas, até pela definição com que captam o pormenor. Mas, para tal, os fotógrafos tiveram, em
muitos casos, de se adaptar ao mundo colorido da TV, passando, por exemplo, a usar rotineiramente
filmes coloridos de alta velocidade (que possibilitam um maior leque de aplicações). Mas a
televisão também pode ajudar a fotografia a quebrar amarras, levando o fotojornalismo à descoberta
de formas específicas de abordagem da realidade. Harry Gruyaert, da Magnum, aproveitou até a
televisão para realizar um novo tipo de fotografia: fotografou os Jogos Olímpicos de Munique, em
1972, pela televisão, obtendo imagens de forte colorido mas de estranha granulusidade.
Temos algumas dúvidas no que respeita à superação pelo fotojornalismo das amarras
da normalidade realística, já que hoje a actividade é dominada por uma produção rotineira que
continua a perseguir o realismo e que pouco ou nada engloba o criativo, a arte. Mas julgamos que a
inter-relação entre a fotografia e a televisão que nos parece existir prestará um bom serviço ao
fotojornalismo se contribuir para que ele vença as amarras da rotina para mergulhar na autoria.
Não é em forçar o fotojornalismo a ser igual à arte que está a receita para o
jornalismo fotográfico de hoje. Isto é, não deve perder-se o norte da intenção informativa do
fotojornalismo — entendendo-se aqui o conceito de informação de uma forma ampla, no sentido de
gerar conhecimento, contextualizar, ajudar a perceber e fomentar a sensibilidade dignificadora para
com o ser humano e os seus problemas, bem como para os problemas globais da Terra. Mas
estamos convictos de que representará uma mais valia para o fotojornalismo e para o público que a
actividade se abra a orientações criativas, originais, que podem passar pela insinuação da arte na
fotografia jornalística e pela fuga ao realismo. E que devem passar pela autoria consciente e
responsável, mesmo que esta autoria encontre abrigo no realismo.
Nos anos sessenta, fotógrafos como Larry Burrows, da Life, encarregaram-se de
provar que se podia fazer bom fotojornalismo usando a cor. E, apesar do debate estético e até
estético-moral (como representar fotograficamente a miséria, por exemplo, com algo "bonito" como
a fotografia a cores?), a cor passa a dominar as revistas e a imiscuir-se com força nos jornais,
sobretudo nas primeiras páginas, a partir da década de oitenta. De qualquer modo, a televisão tinha
influenciado o fotojornalismo, e isso parece ser inegável.
Os fotógrafos foram aprendendo a usar a cor, o que evidencia já um certo domínio de
uma linguagem específica da fotografia colorida, mais icónica do que a fotografia a preto-e-branco:
basta ver as fotos de James Nachtwey (1948-), talvez o melhor fotógrafo de guerra da actualidade,
na Irlanda do Norte (como aquela que mostra um cocktail Molotov a arder nas mãos de um
manifestante católico, 1981) ou na Nicarágua (como aquela em que se vê uma criança de calças
vermelhas brincando acrobaticamente no canhão de um carro de combate abandonado, 1983) para se
perceber como, através da cor, o observador pode ser levado a concentrar a sua atenção em
pormenores significativos da imagem.
Se fizermos uma cronologia de acontecimentos, a 11 de Julho de 1962 dá-se a
primeira experiência de envio de uma telefoto por satélite (o Telstar), da América para a Europa. A
foto representava os quadros directivos da American Telephon and Telegraph, o que releva, já aí,
que a telefoto por satélite não iria trazer grandes novidades ao fotojornalismo, antes favoreceria a
rotinização. Provavelmente, a telefoto não terá tido sequer a mesma influência que a televisão teve
sobre a produção fotojornalística: basta pensar que a primeira guerra televisionada, a do Vietname,
foi também a última grande ocasião em que os fotojornalistas brilharam, ao ponto de as suas
imagens serem mais recordadas do que as televisivas.
Em 1968, Len Franklin, editor fotográfico de The People, publicou as fotografias de
tranques soviéticos nas ruas de Praga três semanas depois da revolta checoslovaca ter ocorrido.
Uma greve tinha impossibilitado a publicação dessas imagens no Reino Unido, apesar de toda a
Europa Ocidental as ter já visto. Isso mostra que, por vezes, a actualidade é um critério de valor-
notícia menos importante que o "segredo desvelado".(197)
Devido à seca e à guerra em África, o tema marginal da fome regressa aos jornais e
às revistas pelos finais dos anos setenta, após uma década de quase desaparecimento.
Anteriormente, tinham ocorrido já algumas abordagens do tema, entre outros casos por Margaret
Bourke-White (na Índia dos anos quarenta), Nahum Luboshez (na Rússia dos anos dez) ou Werner
Bischof (na Índia dos princípios dos cinquenta).
Pelos anos oitenta, a dominação das câmaras é planetária. Levantam-se, com mais
acutilância, os problemas do direito à privacidade. Cresce ainda mais a dificuldade de definição das
fronteiras do fotojornalismo, dada, por um lado, a qualidade da fotografia amadora de interesse
jornalístico que por vezes os jornais e revistas adquirem, face à produção massiva e —sobretudo—
rotineira e convencionalizada de grande número de profissionais; e, por outro lado, dada a variadade
temática, estilística e de ponto de vista das imagens fotográficas com interesse jornalístico que são
produzidas actualmente, como as fotos do homem na lua, as fotos dos planetas do confim do sistema
solar, as fotos do vírus da SIDA muitíssimo ampliado ou mesmo as fotos-ilustração do
"institucional", por exemplo.
A década de oitenta assistiu também a um renovado interesse das revistas pela
imagem fotográfica. Não só aumenta o espaço consagrado à fotografia, mas também o espaço
dedicado a cada fotografia. E, se grande parte do mercado se orienta para o retrato de celebridades,
para o institucional e para as glamour shots (muito mais, até, do que para a foto-choque), outra fatia,
pelo menos, outorga espaço ao autor e ao projecto fotográfico, ao foto-ensaio complexo e ao
documentalismo social. Isto passa-se sobretudo nos quality papers: veja-se, a título exemplificativo,
os casos portugueses do Expresso, do Público e da revista Visão e o espaço que atribuiram a
Trabalho e Migrações, de Sebastião Salgado, aos ensaios sobre os americanos marginalizados de
Mary Ellen Mark (1940-), na tradição fotográfica social e documental, ou às fotos de Eugene
Richards (1944-) sobre as urgências hospitalares e os viciados em crack de Nova Iorque. Quer o
Expresso quer o Público consagram também espaços regulares a portfolios dos seus fotógrafos.
Mas o documentalismo fotográfico "preocupado" pode também gerar fenómenos censórios que
interessa denunciar.
Outro exemplo da fotografia de qualidade na imprensa diária foi o da política de
imagem de Christian Caujolle, durante os anos oitenta, no Libération. Assim, na eleição
presidencial francesa de 1981, o Libé publicou um suplemento de dezasseis páginas elaborado pelos
fotógrafos da Magnum, entre as quais fotos de Cartier-Bresson sobre a instalação de Miterrand no
Eliseu: pela primeira vez depois de muitos anos, um diário encomendava "actualidade quente" à
mítica agência. Mas o Libé não se ficou por aqui: enviou William Klein para cobrir a peregrinação
de João Paulo II em Londres, Salgado para reportar a fome no Sahel, realizou cadernos especiais
sobre a África do Sul e sobre o sindicato Solidariedade, na Polónia, fez Reza e Manoocher
fotografarem a guerra Irão-Iraque e publicou a correspondência nova-iorquina de Depardon.
A inflação visual patente desde há vários anos pode, por seu turno, trazer problemas
— "Now that every kind of grief has been presented to the camera, which has recorded it from every
angle, pictures of misery only seem to recall to us pictures of misery. (…) It becomes hard to
determinate whether the moral sense is sharpened or coarsened by repeated exposure to
calamity."(198) Para nós, a solução passa pelo contexto e pela criação, enquanto capacidade de
introduzir o novo no acto fotográfico. A tradição dos concerned photographers, por exemplo,
parece reviver, sem se esgotar, na obra de Sebastião Salgado, na de Richards ou na de Mary Ellen
Mark.
Na nossa época, há também sinais contraditórios sobre os limites espaciais do
fotojornalismo. Banidos ou exarcebadamente controlados no Afeganistão, em Granada (de cuja
invasão não houve nos media imagens negativas(199)), no Panamá, no Golfo, na Palestina ocupada,
nas townships negras da África do Sul ou em Tiananmen, os fotojornalistas podem agora,
inversamente, fotografar legalmente em alguns tribunais.
A fotografia do manifestante pró-democracia chinês isolado frente à coluna de
tanques que se preparava para tomar de assalto as posições dos que protestavam em Tiananmen é
um dos indícios que aponta para que parte da foto-informação passa por vezes à categoria de
símbolo após a sua difusão profusa posterior. Aliás, "Un dos aspectos remarcables na definición da
década [de oitenta] é (…) o paso do descritpivo ó simbólico prá foto fixa."(200)
Na União Soviética, a proliferação das máquinas fotográficas leva a que a fotografia
abandone o papel de "olho do regime" (201), algo que é agudizado com a glasnot de Gorbatchev. A
política de transparência vai promover o alargamento das fronteiras do fotografável e o incremento
da importância do fotojornalismo numa altura em que os soviéticos paravam para redescobrir o seu
país após décadas em que as rédeas da curiosidade tinham sido mantidas muito curtas.
É justo também destacar que a manipulação permaneceu associada ao medium. A 6
de Fevereiro de 1982, por exemplo, a Le Figaro Magazine publicou uma foto de Matthew Naython
de cadáveres a serem incinerados pela Cruz Vermelha, na Nicarágua. Na legenda escrevia-se,
porém, que se tratava de "Le massacre des indiens Mosquitos, farouchement anticastristes, par les
'barbudos' socialo-marxistes du Nicaragua" ("O massacre dos índios Mosquitos, ferozmente
anticastristas, pelos 'barbudos' sociais-marxistas da Nicarágua"). O então secretário de Estado dos
EUA, Alexander Haig, chegou a brandir o jornal como prova do vergonhoso regime sandinista.
Mas a verdade foi trazida à tona e a Le Figaro Magazine acabou por ser condenada em tribunal.
As agências noticiosas France Presse e Reuter inauguraram o seu serviço fotográfico
internacional no mesmo ano em que a agência Vu viu a luz do dia: 1985. Se até 1970 as agências
UPI e Associated Press repartiam a cena internacional (a AP tem um serviço fotográfico
internacional a funcionar desde 1960), pelos anos oitenta o cenário altera-se, pois a crise da United
Press International obrigou esta agência a concentrar-se nos Estados Unidos, sendo o seu território
no estrangeiro ocupado mais pela France Press e pela Reuter (que, a partir de 1984, começou a
distribuir as fotos da UPI sobre os EUA) do que pela AP. A Associated Press mantém-se, contudo,
no mercado, que domina, quer perante as restantes agências noticiosas, quer perante as agências
fotográficas e fotojornalísticas.
A concorrência entre as grandes agências noticiosas —AFP, AP e Reuter— deu um
novo sentido à batalha tecnológica que iria permitir a melhoria significativa das condições de
transmissão e edição de imagem, especialmente devido às tenologias digitais. Todavia, não se notou
—pensamos— uma alteração substancial dos padrões de qualidade do acto fotográfico, pois o
fotojornalismo tradicional das agências noticiosas não mudou tão fortemente como isso com a
concorrência, permanecendo um fotojornalismo pouco criativo, em que os fotojornalistas pouco
mais são do que "funcionários da imagem", escravos da "actualidade a quente", que não escolhem os
seus temas e aos quais, regra geral, apenas é encomendada uma foto —frequentemente de qualidade
geral pouco primorosa— por assunto.
No campo técnico, em 1972 a UPI lançou o sistema Unifax. O sistema usava um
processo de registo electrostático para transmitir e receber fotografias com maior qualidade. No
final da década de setenta, os computadores aumentaram as capacidades destas máquinas.
Em 1972, a Pentax lançou o modelo ES com fotómetro incorporado. Em 1977, a
Konica começou a fabricar a C35AF, com autofoco. Surgem, na mesma altura, as objetivas olho de
peixe, os flashs estraboscópicos e os conversores.
Entretanto, em 1974, a Associated Press substituiu a tecnologia wirephoto pela
tecnologia laserphoto, proporcionando maior definição nas imagens transmitidas à distância.
As still-video cameras dos anos oitenta representam uma nova evolução. Elas
asseguram uma maior rapidez da transmissão, já que, não funcionando com filme, mas com um chip
que armazena imagens que podem ser transmitidas para um disco de computador, evitam o
processamento da película tradicional. Mas também apareceram digitalizadores de imagem a partir
dos negativos, o que acelerou o processo de edição e transmissão a partir do tradicional suporte
filme. Por outro lado, a proliferação de computadores portáteis permite uma rápida edição da
imagem. O fotojornalista, para a transmitir, só precisa de chegar ao telefone mais próximo ou, mais
recentemente, de a enviar através dos aparelhos digitais de telecomunicações por satélite.
É ainda pelos anos oitenta que os fotógrafos vão começar a usar generalizadamente o
computador para reenquadrar as fotos, escurecê-las ou clareá-las, mudar-lhes a relação tonal e até
retocá-las. A imagem totalmente ficcional torna-se mais fácil e rápida de criar. Por aqui se vê que
as tecnologias não são neutras: nascidas da necessidade de facilitar a vida aos fotógrafos e editores,
as novas tecnologias de manipulação de imagem potenciam a ficção fotográfica a níveis nunca antes
alcançados.
Os diversos pontos que aqui referimos foram também focados por Karin Becker.
Este autor levou a efeito um estudo exaustivo das mudanças enfrentadas pelos fotojornalistas devido
à introdução de novas tecnologias na década de oitenta, baseando-se na análise do discurso da
revista oficial da National Press Photographers Association, a News Photographer, entre 1980 e
1988. Para ele, quatro áreas de inovação no fotojornalismo podem ser desenhadas a partir do
discurso das revistas, todas elas desafiando os limites do território de trabalho dos fotojornalistas: 1)
introdução da fotografia a cor na imprensa diária; 2) digitalização da imagem fotográfica; 3)
introdução das still video cameras; e 4) novas tecnologias da transmissão de imagem. Os
fotojornalistas tentariam usar estratégias de controle em relação às quatro áreas de inovação para
controlar os parâmetros do seu trabalho.(202) Vejamos, em síntese, o que o estudo sustenta em relação
a cada área:
1) Introdução da fotografia a cor na imprensa diária
À medida que a fotografia a cor conquistava os jornais diários, até mesmo em spot
news perto das deadlines, os fotojornalistas foram perdendo algum controle sobre o
seu trabalho em favor dos editores e pessoal da produção (note-se, porém, que o
estudo diz respeito à realidade americana, diferente da portuguesa, pois em Portugal
não se encontra globalmente instituída a figura do editor fotográfico, pelo menos tal
como ela é entendida noutros países, como os EUA). O discurso na News
Photographer evidenciava este problema e centrava-se na necessidade de retoma do
controle do fotojornalista sobre o seu trabalho.
Inicialmente, as inovações nas rotinas motivadas pela introdução da cor na imprensa
diária prenderam-se com a necessidade de o fotojornalista fotografar a cores e a preto
e branco um mesmo evento, mas o aparecimento dos digitalizadores de negativos
tornou esta tarefa desnecessária, pois podem-se realizar impressões ou difundir fotos
a preto e branco a partir dos negativos coloridos. Os fotojornalistas, na sua maioria,
passaram, assim, numa segunda fase, a fotografar unicamente com filme a cor, o que,
em termos de rotinas, representou uma mudança, visível até porque na fotografia
colorida há a necessidade de controlar mais a quantidade e a qualidade da luz.
Porém, esta última necessidade, acrescida dos maiores custos da utilização da cor,
teria levado os fotojornalistas a rearranjarem frequentemente os motivos. Ainda
assim, a credibilidade fotográfica foi protegida, pois os fotojornalistas costumavam
(costumam?) fazer com que as fotografias em que os motivos tivessem sido
rearranjados aparentassem realmente ter sido construídas e não permitindo que as
spot news e certas feature photos fossem sujeitas a esses processos. Aliás, a situação
teria mesmo feito distinguir entre o valor de uma "fotografia real" e o de uma foto-
ilustração.
As Olimpíadas de Los Angeles de 1984 foram o primeiro grande teste ao
fotojornalismo a cor.
2) Digitalização da imagem fotográfica
Para proteger a credibilidade da fotografia e o estatuto da sua profissão, o discurso na
News Photographer orientou-se para o controle do fotojornalista sobre o seu trabalho
e para a distinção clara entre as imagens que poderiam ser livremente manipuladas
(illustrations e alguns features) e as que só podiam ser manipuladas para realçar mais
o motivo (contraste, brilho, etc.).
3) Introdução das still video cameras
A introdução das still video cameras promoveu sentimentos ambivalentes no seio dos
fotojornalistas, além de ter insuflado desconforto nesse corpo profissional, que via
trespassar para a sua área tecnologias da televisão: por um lado, passando menos
tempo nos laboratórios tornava-se possível aos fotojornalistas dedicarem mais tempo
ao jornalismo; por outro, as still video cameras tiravam das mãos do fotojornalista o
controle de parte do seu trabalho, favorecendo editores e pessoal da produção.
O factor decisivo para o acolhimento da tecnologia still-video ou para a recorrência à
tecnologia tradicional teria sido a qualidade da imagem: para acontecimentos que
exigissem imagens de melhor qualidade, o filme foi mantido; para acontecimentos
que necessitassem de uma transmissão rápida, adoptaram-se as still video cameras,
especialmente nas (grandes) agências noticiosas. Para nós, tal acentuou ainda mais a
cronomentalidade dos fotojornalistas de agência e a retórica da velocidade em
detrimento de uma retórica da qualidade.
4) Novas tecnologias de transmissão de imagem
Os novos sistemas de transmissão de imagem tendem a deixar mais longe o
fotojornalista, que assim perde controle sobre o seu trabalho em privilégio dos
editores fotográficos. Este fenómeno originou resistência por parte dos
fotojornalistas, patenteado nas tendências discursivas da News Photographer.
Na conclusão, Karin Becker afirma que a ambivalência moldou o discurso dos
fotojornalistas às quatro grandes inovações tecnológicas referenciadas: elas tanto foram
consideradas como uma oportunidade de libertação como uma ameaça ao estatuto profissional,
dependendo do sentido de controle que os fotojornalistas possuiam sobre as tecnologias. De
qualquer modo, já não haveria lugar a retrocessos, pois, na versão de Becker, uma vez introduzidas
novas tecnologias, o contínuo desenvolvimento destas e as pressões da concorrência impedem-no.
Por isso, restou aos fotojornalistas acentuarem um discurso em que o controle do fotojornalista sobre
o seu trabalho passou a ser visto como um imperativo ético.(203)
O pontificado francês no fotojornalismo mundial:
dos anos cinquenta aos anos setenta
A partir de meados da década de cinquenta, a criação de quatro agências fotográficas
em França constitui, provavelmente, o primeiro passo para que a capital do fotojornalismo
transitasse de Nova Iorque para Paris, mas também um passo importante para redinamizar e alterar o
fotojornalismo praticado nas grandes agências noticiosas. Essas agências foram a Europress, a Apis
e a Reporters Associés, que desaparecerão sucessivamente em 1970, 1971 e 1973, e a Dalmas. Os
fotógrafos desta última foram, talvez, os mais audaciosos, mas os da Reporters Associés nem sempre
lhes ficavam atrás, como o provou a "competição" entre Hubert le Campion (Reporters) e Philippe
Letellier (Dalmas), durante a Gurra da Independência da Argélia.
A Dalmas e a Reporters viveram sempre um pouco à sombra dos seus mentores:
Vladimir Rychkoff (Lova de Vaysse), filho de um príncipe russo imigrado em Paris, criou, com
Renaud Martinie e André Sonine, a Reporters Associés, em 1954, e tornou-se o seu principal
mentor; Louis Dalmas, Príncipe de Polignac e primo do Príncipe Rainier, um playboy que pertencia
à alta sociedade e que vivia a vida em velocidade (pilotava, até, aviões nas horas vagas) criou a
agência que tem o seu nome em 1958, com o fito de ser sempre o primeiro na caça ao scoop. O
mercado, aliás, absorvia a produção: só em França era preciso contar com a concorrência entre a
Paris Match, a Jours de France, a Radar e a Point de Vue - Images du Monde.
O funcionamento da Dalmas não podia deixar de reflectir a personalidade do seu
fundador. Os meios postos em acção para a cobertura de actualidade eram enormes, em termos
humanos e materiais. Quando a actualidade não era quente, Dalmas não hesitava em mandar os seus
fotógrafos para locais onde pudessem fazer imagens rentáveis. É assim que, em 1960, envia um
jovem repórter ao Sahara. Chamava-se Raymond Depardon (1942-) e foi dar de caras com dois
soldados franceses desaparecidos no deserto, quase a morrer. As fotos de Depardon surgiram depois
no Paris Match, dando início ao caminho do fotógrafo em direção à fama.
Foi também a Dalmas que conseguiu um dos exclusivos mundiais de maior interesse
para Portugal, num exemplo que é igualmente a demonstração dos métodos incomuns que a agência
usava para bater a concorrência: por alturas do sequestro do paquete Santa Maria pelos anti-
salazaristas comandados por Henrique Galvão, Louis Dalmas pensou em fazer descer em
paraquedas Gil Delamare sobre o navio.
As novas agências francesas dos anos cinquenta foram também um viveiro de
fotojornalistas. O caso de Raymond Depardon é paradigmático. Mas o fotógrafo teve, porém, de
demonstrar uma grande capacidade de adaptação às diversas situações: chegou a ter, por exemplo,
de fotografar as starlettes de 1960, como um paparazzi. Tal demonstra, todavia, a polivalência
funcional e a versatilidade que a agência exigia aos seus fotógrafos.
Na Dalmas, os fotógrafos não assinavam nem escolhiam as fotos, não escolhiam as
reportagens e os negativos não eram deles. De alguma forma, apesar dos tempos aventurosos que
Louis Dalmas proporcionou, a agência foi asfixiada pelo seu fundador. O mesmo aconteceu às
restantes agências, que até acabaram por desaparecer, dando lugar a uma segunda geração de
agências francesas, dirigida por um outro tipo de empresários, que subsistiriam até aos nossos dias
com um êxito tal que, pelo final dos anos oitenta, ocupavam, em produção e volume de negócios, os
três primeiros lugares do ranking das agências fotográficas: a Gamma, a Sygma e a Sypa.
A Gamma foi, das três, a primeira a ver a luz do dia. Hubert Henrotte, do Figaro,
Hugues Vassal, do France Dimanche, um especialista em show business, Leonard de Raemy, um
especialista em cinema, e Raymond Depardon, o já famoso fotógrafo da Dalmas, juntaram-se para
fundar essa agência. Ainda em Janeiro de 1967, junta-se-lhes Gilles Caron (1939-1970), um dos
fotógrafos que mais se destacou por seguir a máxima de Capa: estar lá, antes dos outros. Por lá
passaram também, Jean Gaumy, Michel Laurent, Sebastião Salgado, Abbas e David Burnett, entre
outros.
As reportagens de Caron, um fotógrafo que acabaria por desaparecer no Cambodja,
em 1970, são um exemplo de virtuosismo e empenho. Cobriu o Maio de 68, em Paris, e o conflito
do Biafra, no mesmo ano, dando a conhecer à Europa esta guerra civil nigeriana. Esteve no Tchad,
em 1970, e passou também pelo Vietname e por Israel, em 1967. Raymond Depardon, no livro
póstumo que consagrou Caron, disse dele que era um fotógrafo bem informado, engagé e anti-
violência. E Cartier-Bresson sentenciou que Caron era digno de lhe suceder E, como é raro Cartier-
Bresson emitir opiniões tão cáusticas, isto talvez se deva ao facto de, tal como refere Margarita Ledo
(1988), Gilles Caron ter introduzido a foto-símbolo na informação pontual, como acontece na foto
em que polícias de cassetete na mão perseguem manifestantes, durante o Maio de 1968, em Paris.
Uma foto que funciona também como testemunho, como prova, como foto-verdade.
Ao contrário do que acontecia na Dalmas e na Reporters, na Gamma respeitava-se a
autonomia dos fotógrafos quer ao nível da escolha temática (com adiantamento de verbas) quer ao
nível do respeito pelos direitos de propriedade, especialmente no que respeita ao direito de
assinatura e à propriedade dos negativos. De facto, nos objectivos da Gamma inscreve-se, desde a
sua fundação, a dignificação profissional do foto-repórter.
Em 1970, a Gamma era a maior agência fotojornalística do mundo em termos de
produção diária e de volume de negócios. Porém, em 1973 estala uma crise entre o pessoal da
agência, que se revolta contra Hubert Henrotte e a sua direcção essencialmente economicista. Este
sai, acompanhado pelos fotógrafos Leonard de Raemy, Henri Bureau, Alain Dejean, Christian
Simon Pictri, Jean Pierre Bornotte (que regressaria à Gamma), James Andanson e Alain Noguès, e
fundará aquela que, pelo final dos anos oitenta, se tornará a maior agência fotográfica do mundo em
volume de negócios, arquivos, produção e número de fotógrafos, a Sygma. No entanto, ainda em
1973 a Gamma renasce da crise, como o comprova a cobertura do golpe de Pinochet, no Chile,
realizada por Chas Gerretson. Em 1976, Françoise Demulder, também da Gamma, faz, no Líbano,
uma foto que ganha o prémio da "foto do ano" do World Press Photo. As nuvens tinham passado,
pelo menos por uns tempos.
Na Sygma, a orientação será dada pelo mercado. A agência veio, desta forma, a
distinguir-se pela atenção dada ao sector do beautiful people, que, em certa medida, dominará a sua
produção. É, afinal, o que vende: os astros do cinema, os nobres, o jet set, as modelos, os
empresários de sucesso, em suma, algumas figuras públicas. Podemos mesmo dizer que enquanto
agências como a Magnum são agências ao serviço dos fotógrafos, em agências como a Sygma são
os fotógrafos que estão ao serviço da agência.
A produção eminentemente fotojornalística da Sygma não é, no entanto,
negligenciável: em 1974, por exemplo, Henri Bureau fotografou a captura de um agente da PIDE em
Portugal, e, com ela, ganhou um prémio do World Press Photo na categoria das melhores imagens
de actualidade do ano.
A Sygma, atentíssima às oportunidades de negócio, foi também pioneira na
implementação das tecnologias da imagem digital e no tratamento de imagem para a televisão.
Já a Sipa deu os primeiros passos em 1969, por força de Goskin Sipahioglu, um
"talentoso descobridor de talentos". De facto, foi com Sipahioglu que se iniciaram quer futuros
proprietários de agências, como Annie Boulat (Cosmos), Jocelyne Benzakin (JB Pictures) ou Daniel
Roebuck (Onyx, uma agência fotográfica de show business), quer fotojornalistas referenciais, como
Abbas. Em algumas ocasiões os seus fotógrafos distinguiram-se pelos scoops que realizaram, como
a foto de Nick Wheler que, em 1975, permitiu, pela primeira vez, que se visse a cara do terrorista
Carlos.
Guy Le Querrec, Hervé Gloaguen, François Hers, Claude Raymond-Dityvou,
Martine Franck, Richard Kalvar e Alain Dagbert fundaram, a 6 de Janeiro de 1972, a agência
fotográfica Viva. Entre estes fotógrafos, Le Querrec é, talvez, o mais importante, apresentando, à
semelhança de Erwitt, uma fotografia viva, centrada nos comportamentos humanos em sociedade,
por vezes bem estranhos. Porém, Kalvar, Martine Frank e Le Querrec sairam da agência, em 1970,
para ingressarem na Magnum.
A Viva tornou-se notada por, ocasionalmente, os seus fotógrafos tratarem todos um
único tema durante um período determinado de tempo. Assim, em 1973 desenvolveram o projecto
documental Families en France, não publicado nesse país, mas que alcançou algum sucesso em
exposições no Reino Unido, no Canadá, em Itália e nos Estados Unidos.
Em 1977, uma exposição sobre a última década no fotojornalismo integrou quase
somente imagens violentas, à semelhança, aliás, do que ocorreria se fizéssemos, hoje, uma
retrospectiva das fotos premiadas com o prémio da "foto do ano" do World Press Photo ou do
prémio Pulitzer.
Em Dezembro de 1985, Christian Caujolle fundou a agência Vu, depois de ter
passado váarios anos a dirigir a secção de fotografia do Libération, onde, como se disse, levou a
cabo uma política fotojornalística que o fez aproximar qualitativamente dos anos de ouro do
fotojornalismo.
A Vu orienta-se por uma filosofia da linha da Magnum: não interessa a corrida à
produção, a caça ao scoop, tudo cobrir, estar em todo o lado, mas sim diversificar as actividades,
respeitar os estilos e pontos de vista de cada fotógrafo, abordar mesmo o que poderá ser dificilmente
vendável, com rigor e exactidão. Tal como a Magnum faz ou, pelo menos, tal como alguns
fotógrafos da Magnum fazem a nível individual, a Vu não trabalha exclusivamente para a imprensa,
embora esta seja a sua principal razão de existência — a sua actividade é alargada às exposições, aos
livros, à publicidade e à moda. Todavia, há pontos onde a Vu difere da Magnum. Por um lado, é
pouco nítido que a Magnum continue, hoje, a orientar a sua produção preferencialmente para a
imprensa. Por outro lado, embora a afirmação nos pareça limitadora, especialmente no que diz
respeito ao número de fotógrafos identificados, segundo Caujolle, a Magnum sofre de outro
problema: os fotógrafos passaram a olhar-se a si mesmos e não ao mundo.
Os fotógrafos franceses que mais marcaram o fotojornalismo francês dos anos
sessenta em diante foram, provavelmente, Le Querrec, Caron, com os seus instantâneos obtidos no
coração do evento, e Depardon. Em matéria de livros, Raymond Depardon publicou Tchad, em
1978, e Notes, em 1979, com fotos do Líbano e do Afeganistão. Por eles se nota que Depardon
prefere a globalidade de uma história à foto única, o que foi talvez, além da discordância com a
linha de mercado que a Gamma seguia, a razão que o levou à Magnum, o enclave do fotojornalismo
de autor, em 1978.
Pode dizer-se que também Gilles Peress (1946-), ao editar o livro Telex Persan sobre
a revolução iraniana, se juntou a esse pequeno grupo de foto-repórteres influentes. As suas fotos
concretizam a assunção da sua subjectividade, por vezes roçam mesmo a ambiguidade, tal a
polissemia que apresentam. São, assim, fotografias que impedem leituras estereotipadas,
preconceituosas. Mas também que favorecem leituras quase "aleatórias", "desconexas", como os
blips informacionais de que falava Alvin Toffler, em A Terceira Vaga.
Vietname
Embora talvez não tanto como é comum dizer-se, a fotografia jornalística teve algum
papel na construção de correntes de opinião sobre a Guerra do Vietname(204), conflito acerca do qual
se descobriu que a televisão nem em tudo dava o mesmo que a fotografia poderia dar: a TV não se
demorava sobre os acontecimentos tanto quanto um fotógrafo poderia fazer; consequentemente, a
contextualização pela multiplicação de pontos de vista que a fotografia permite tornava-se difícil
para a televisão (envolveria mais meios técnicos e humanos e mais dinheiro; envolveria a
multiplicação de equipamentos significativamente menos dotados de potencial de mobilidade do que
uma máquina fotográfica; implicaria correr o risco de se enfadar o telespectador). Além disso, a
observação de uma fotografia é (pode ser) determinada pelo observador, enquanto a observação de
um documental de comentário televisivo é determinada pelo "emissor", podendo acarretar
problemas ao nível da geração de sentidos por parte do observador.
Podemos dizer ainda que, durante a guerra, se recuperou o papel activo e mobilizador
da foto-press(205), pois vários fotógrafos empenharam-se em mostrar o que queriam modificar,
tornando notórias as suas intenções pessoais ao fotografar e promovendo a fotografia de autor no
campo fotojornalístico. Por outro lado, porém, degradaram-se substancialmente as relações entre a
imprensa e os militares e políticos.(206)
A guerra "aberta" do Vietname, eventualmente devido à influência da televisão,
levou a uma grande procura de imagens, acentuada pela concorrência. A UPI, a AP, jornais,
revistas, rádios e televisões, todos enviavam correspondentes para o país, que se juntaram a dezenas
de freelances. Os editores pediam cada vez mais mortos.(207) Por isso, a utilização das foto-choque
foi frequente, até porque se tratava de um conflito relativamente pouco censurado durante os cerca
de trinta anos em que decorreu, especialmente quando comparado com o que sucedeu no Golfo, no
Panamá ou nas Falkland, locais onde se assistiu a uma autêntica imposição do segredo, a uma
imposição de regula(menta)ção fotojornalística, por parte dos poderes, que reagiam ao que se havia
passado em guerras como a do Vietname.
Muitas das fotos tiradas no Vietname obrigam o observador atento a inquirir-se sobre
se imagens como essas simbolizam o conflito porque resumem e condensam uma característica
representativa, mesmo emblemática, do acontecimento e da sua cobertura, ou se adquiriram a sua
proeminênia simbólica devido a representarem uma faceta da guerra que é única e sensacional.(208)
Dentro deste espírito, Graham Greene chegou a protestar contra fotografias de torturas obtidas no
Vietname do Sul com a permissão dos torturadores, numa carta publicada, a 6 de Outubro de 1964,
no Daily Telegraph. A banalização da violência, do choque, que, na fotografia, remete unicamente
para o campo fotográfico, pode promover a neutralização afectiva, pode insensibilizar, pode
passivisar, independentemente do efeito profundo, visceral, que, num instante passageiro, uma foto-
choque pode ter.
A fotografia no Vietname adquiriu um certo grau de autoridade, uma vez que
propiciou reflexão sobre a insanidade e a insensatez da devastação. Isto passa-se quer através de
algumas spot news quer de algumas foto-reportagens, incluindo foto-ensaios. No dizer de Les
Barry, a Guerra do Vietname teria sido mesmo a escola dos New War Photographers, à semelhança
do Novo Jornalismo.(209) Todavia, como é evidente, os trabalhos dos fotógrafos nem sempre dão
imagens similares da guerra. Thompson, Clarke e Dintz fizeram notar, comparando dois fotógrafos
que cobriram o conflito, que enquanto um se centrou nos aspectos não militares e nas consequências
humanas das hostilidades o outro focalizou-se na performance dos soldados americanos em
ambiente de combate.(210)
Entre os autores que estudaram a cobertura de guerra, Edward Epstein afirma que
antes da ofensiva do Tet, em Fevereiro de 1968, as fotos que o público (americano) observou
representavam principalmente uma guerra tecnológica limpa, com ênfase nas operações de combate
americanas e no equipamento militar; depois do Tet, o foco de atenção dos news media americanos
desviou-se para "estórias" que representavam o caos e a confusão perto do colapso.(211) Expressando
dúvidas de que a guerra poderia ser ganha, a cobertura mediática centrou-se também nas
conversações de paz, na retirada americana do conflito e no que poderia considerar-se como a
"vietnamização" do confronto: começaram a ser cobertas acções das forças armadas do Vietname do
Sul.(212) Susan Sontag especula até que as fotografias do conflito que mostravam a tragédia, a dor e o
sofrimento não foram realizadas até haver manifestações públicas contra a guerra.(213) Gans aponta a
competição como principal razão para que os órgãos de comunicação social norte-americanos
abordassem o mesmo tipo de "estórias": a partir do momento em que começaram a dramatizar a
guerra, ficaram encerrados num sistema do qual nenhum pretendia dar o primeiro passo para sair.(214)
Patterson intui que as fotografias da Guerra do Vietname foram mais fortes e
deixaram impressões mais profundas e duradouras do que a televisão, já que as imagens do conflito
que subsistem na memória das pessoas seriam essencialmente construídas através das fotografias
mais notórias do confronto.(215) Idêntica conclusão assume Jose Manuel Susperregui.(216)
No estudo "Vietnam War Photos and Public Opinion", Michael Sherer conclui que,
nas revistas Time, Life e Newsweek, a cobertura fotojornalística da guerra foi-se modificando em
consonância com as mudanças nas correntes de opinião do público americano: enquanto existiu
apoio público à guerra, as três revistas publicavam principalmente fotos das forças americanas e do
seu equipamento operando em situações relacionadas com combate ou em situações de não
combate, raramente surgindo fotos de situações reais de combate; pelo contrário, quando a opinião
do público se tornou dominantemente anti-guerra, as três revistas começaram a inserir imagens de
situações de combate em tomadas próximas dos eventos.(217)
Michael Sherer efectuou também um estudo comparativo entre a cobertura das
guerras do Vietname e da Coreia na Time, na Newsweek e a Life, que publicou em 1988. Neste
trabalho, o autor constatou que em situações de combate similares, isto é, soldados americanos
enfrentando uma grande ofensiva inimiga, as imagens da guerra diferiam num aspecto substancial:
no Vietname, o público americano pôde observar regularmente imagens que revelavam a face brutal
do conflito (cenas de combate próximas, mortos, feridos, destruição, pessoas enfrentando ameaças
imediatas à vida, etc.); na Coreia, talvez devido à censura imposta pelo general McArthur, a 21 de
Dezembro de 1950, o público americano foi poupado à brutalidade dos combates, em favor de uma
visão mais contemplativa de pessoas simultaneamente chocadas e algo desesperadas mas a salvo das
experiências de combate (fotos realizadas antes ou depois de situações de combate); contudo, não se
registaram grandes diferenças entre quem era fotografado (militares, sobretudo) e as perspectivas em
que o era.(218)
Num estudo de 1984 sobre a cobertura fotojornalística da Guerra do Vietname entre
1968 e 1973 na Time, na Newsweek e na Life, Oscar Patterson III concluiu, aliás como Epstein, que
essas revistas não se concentraram nas fotos de tropas americanas em combate, reportando também
outras ocorências, como as conversações de paz; concluiu ainda que a cobertura da guerra não se
tornou mais sangrenta durante esse período e que apenas cerca de 7% de todas as news stories das
mesmas revistas eram dedicadas ao Vietname; finalmente, afirmou que a percepção selectiva que o
público em geral tem sobre os eventos altamente dramáticos reportados pelos news media leva à
projecção pública desses eventos como representativa de toda a cobertura mediática: as fotos mais
traumáticas do Vietname ter-se-iam, assim, imposto de tal modo que toda a cobertura
fotojornalística da guerra foi com elas identificada, o que seria abusivo.(219)
No fim da guerra, tinham morrido 39 repórteres em missão, o dobro dos que
tombaram durante a Segunda Guerra Mundial. Um fotógrafo da Gamma, Michel Laurens, é, já em
1975, a última vítima.
Depois do Vietname, os conflitos foram, regra geral, fotograficamente representados
em termos de violência sensacional. Os grandes temas contemporâneos tenderam a ser desprezados
para que aumentasse o charco de sangue, a fotonecrofilia(220), ou, no ponto oposto, o glamour, as
fotos da beautiful people e o institucional (devido, neste caso, ao peso das conferências de imprensa
e à asfixiação da liberdade de movimentação dos fotojornalistas nos "corredores do poder").
Paradoxalmente, porém, mesmo da actualidade quente e violenta quase só o scoop se vende(221) e
mesmo este por vezes sem grandes resultados: a fotografia do General Belgrano a afundar-se
durante a Guerra das Falkland, adquirida a um oficial argentino corrupto e difundida pela Gamma,
não fez com que revistas como a Paris Match vendessem mais. O que focaliza mais as atenções
parece serem as caras, os corpos e os ambientes belos. As fotografias das stars e das starlettes
pesam mais do que as news photos e muito mais do que assuntos como as transformações sociais ou
os problemas profundos de um país ou até da humanidade na competição pela definição do que é
publicável. O terriotório do fotojornalismo tende a desviar-se para as pessoas, para o show business,
para o star sistem, dando um peso acrescido aos paparazzi.
A exemplo do que sucedeu na Segunda Guerra Mundial, com a geração mítica de
Capa e Cartier-Bresson, o Vietname viu também nascer grandes nomes do fotojornalismo, como
Don McCullin (1935-) (Fig. 35), Larry Burrows (1926-1971) (Fig. 36), Gilles Caron, Catherine
Leroy ou Philip Jones Griffiths (1936-). Noutros locais, revelaram-se fotógrafos como Koudelka
(1938-) (Fig. 37), Susan Meiselas (1948-) (Fig. 38), James Nachtwey (Fig. 39) ou Yves-Guy
Berges.
O documentalismo fotográfico contemporâneo
A fotografia documental dos nossos dias é a herdeira do documentalismo social dos
finais do século passado e princípios do actual, embora não existam sempre similiaridades evidentes
entre as formas de expressão que usam os documentalistas na actualidade e aquelas a que recorriam
os pioneiros do género. Com efeito, hoje os fotógrafos documentais estão provavelmente mais
interessados em conhecer e compreender do que em mudar o mundo. Assim, o fotodocumentalismo
actual, sem abandonar, por vezes, a acção consciente no meio social, o ponto de vista ou o realismo
fotográfico (que, nalguns casos, estamos em crer, é a melhor opção), promove diferentes linhas de
actuação, leituras diferenciadas do real, enquanto a grande tradição humanista do documentalismo
tende menos para a polissemia no que toca a processos de geração de sentido.
Parte dos documentalistas actuais não perseguem, portanto, a ilusão de uma verdade
universal no processo de atribuição de sentido, antes promovem no observador a necessidade de,
questionando, chegar à "sua verdade", a uma "verdade subjectiva", o mesmo é dizer, a uma visão do
mundo, independentemente das intersubjectividades que, a posteriori, se possam construir. A
compreensão contextual dos acontecimentos e das problemáticas afigura-se aos olhos desses
fotógrafos como essencial para a sua apreensão e para a apreensão do seu significado.
Na contemporaneidade, o documentalismo fotográfico exemplifica o respeito pela
diversidade cultural e pela polifonia enriquecedora, ao fazer proliferar os pontos de vista, ao ser feito
de cumplicidades entre criador e receptor(222), ao estimular as questões, as inquietações, as
incertezas. Neste sentido, é um género fotográfico problematizador das certezas feitas, refutador de
estereótipos e de visões maniqueístas e simplificadoras. A ligação à problematização do real, bem
como as restantes características referenciadas, nomeadamente a reivindicação do direito à
subjectividade no olhar e à ficção assumida (legitimada até porque as próprias percepções que se
têm da realidade já são mediadas e, deste modo, são também uma ficção sobre a realidade), situam o
documentalismo fotográfico contemporâneo numa órbita associada à irrupção do Novo Jornalismo
nos anos sessenta. As revistas que, actualmente, mais espaço consagram ao documentalismo
fotográfico contemporâneo são, provavelmente, a Aperture, a Creative Camera e a Perspektief. A
Afterimage, órgão do Visual Studies Center de Rochester, é importante pelo rigor dos estudos que
publica: aqui os textos têm uma importância tão grande como a imagem.
A nova fotografia documental combina um estudo atento das temáticas com um largo
espectro de estilos e formas de expressão que usualmente se associam à arte, perseguindo mais o
simbólico que o analógico, a subjectividade do que a objectividade, perseguindo mesmo, por vezes,
a invenção, a ficção construída sobre o real, a encenação interpretativa (Fig. 40). Aqui, a prova de
verdade e credibilidade não tem lugar, não o tendo também a inocência.(223) A fronteira entre o
documento, no sentido originário do termo, e a arte estreita-se e esbate-se nesses casos. Os novos
documentalistas desenvolvem mais comentários visuais sobre o mundo do que geram notícias
visuais sobre esse mesmo mundo. Consequentemente, as linhas de trabalho dos fotógrafos
apresentam frequentemente diferenças assinaláveis, acentuadas pela aposta na autoria. Porém, entre
outros autores, como Salgado (1944-) (Fig. 41), Eugene Richards e Mary Ellen Mark, nota-se uma
identificação estilística e temática com os concerned photographers, na tradição da fotografia
documental a preto e branco.
Apesar da diferenciação que identifica hoje o documentalismo fotográfico,
ocasionalmente há também pontos de confluência entre as obras dos fotógrafos documentais.
Exemplificando, a nova fotografia inglesa, saída do thatcherismo, mistura, numa nova estética
documental, o realismo e o inexpressionismo retórico, o que se nota, por exemplo, em Anna Fox e
Martin Parr. Contudo, paradoxalmente mistura-se nessa estética uma subjectividade quase intuitiva
que impele a conotação e o contexto. É como um realismo pós-moderno a despontar em imagens
que parecem espontâneas, mas que nem sempre o são, em imagens que procuram representar
contextualizadamente um pouco da realidade de uma civilização presa ao seu próprio
desenvolvimento. No documentalismo fotográfico contemporâneo subsiste também alguma
coincidência temática.
Verifica-se, pelo que foi exposto, que, tal como qualquer outro tipo de fotografia, o
documentalismo não pode evitar a influência da história, do meio social, da cultura e do momento
civilizacional em que a cultura se reflecte. No actual momento, parece-nos precisa e válida a
sistematização das características do documentalismo fotográfico contemporâneo feita por Margarita
Ledo Andión (1993) no seu livro com o mesmo nome:
1. O fotógrafo parte do discurso; mais, o fotógrafo configura-se como elemento do
discurso;
2. A representação surge como real e como marca do documentalismo;
3. Existe rigor metodológico, de forma a que a fotografia estabeleça relações com o
seu contexto; o observador tem, assim, consciência da sua função;
4. O fotógrafo tem uma visão específica sobre a representação do seu meio social;
5. As linhas de trabalho são heterogéneas, no que respeita à temática, à estilística e à
linguagem, tornando difícil a classificação (a "catalogação");
6. Utilizam-se e inter-relacionam-se diferentes géneros e níveis comunicativos, pré-
codificados ou recodificados; recorrem-se a modelos de composição, a referências de
dominante pessoal e ao uso e recodificação de modelos visuais pré-existentes;
7. Os projectos tendem para a longa duração;
8. Existe grande variedade de influências e de fontes;
9. Há preocupação pela análise e pela teoria;
10. Há consciência de que os media modelam um "imaginário" dissociado do real,
pelo que se afasta qualquer intenção de hegemoneidade discursiva; o fotógrafo
reserva a soberania sobre as modalidades de difusão do seu trabalho, e tal faz parte
integrante do projecto. A utilização de livros e exposições como suportes de difusão
do trabalho, em vez da imprensa, é frequentemente usada, talvez mesmo privilegiada,
pelos documentalistas contemporâneos, o que representa uma modificação histórica.
Uma fotografia inserida num livro ou exposta numa galeria não pode ser desprezada
nem olhada muito rapidamente como o é tantas vezes nos jornais e revistas. Ao
observador é exigido, mercê do suporte, um maior esforço de descodificação e uma
maior atenção.
Assim, as práticas mais representativas do documentalismo fotográfico
contemporâneo inovador seriam, e ainda subscrevendo Margarita Ledo (1993):
1. Procura ou acompanhamento de acções não padronizadas, "(…) paraficcionais,
que condensan significados na súa mesma perda de significación (…)", como os
skinheads de Killip;
2. Elaboração de conteúdos visuais através de códigos fechados de representação;
3. Vidência do real como hiper-real, como falso, como a "foto das cousas", como o
qualificou Umberto Eco.
A produção dos documentalistas contemporâneos não se esgota no ensaio nem num
ponto de vista interpretativo ou opinativo. Vai, de facto, mais longe, jogando nos terrenos da
representação, da ficção e da hiper-significação, sendo o contexto e a historicidade encarados como
os factores determinantes para a compreensão.
Se do debate sobre o fotojornalismo após a Segunda Guerra surgiu a Magnum, as
questões que hoje se levantam a alguns fotógrafos estiveram na origem da fundação da organização
Droit de Regard, em França, em 1990. Nesse ano, a organização, animada, entre outros, por Patrick
Zackmann, da Magnum, lançou o Manifesto dos Fotógrafos-Autores, o seu texto fundador, que em
grande medida sintetiza o que vai na alma dos documentalistas actuais. Entre outros pontos, os
fotógrafos-autores reivindicam o direito à subjectividade, a promoção da noção de autoria na foto, o
controle sobre a edição e o mise-en-page (ou o mise-en-scéne nas exposições), o direito à assunção
da personalidade e do ponto de vista particular de cada fotógrafo no acto fotográfico, o direito do
fotógrafo a implicar-se no fotografado. Ao fim e ao cabo, reivindicam o direito do fotógrafo a
controlar a imagem e a mensagem que ela possa reflectir.(224)
Apesar da diversidade de suportes de difusão procurada pelos fotógrafos
documentalistas, a imprensa de qualidade, especialmente a europeia, parece estar a abrir espaços
para o documentalismo, como provam as séries de Trabalho, de Sebastião Salgado, publicadas pelo
Expresso, pelo El Pais, pelo Grama ou pelo Frankfuerter Allgemeine, ou as séries de Migrações, do
mesmo fotógrafo, publicadas pela Visão, em 1995; ou como o provam as políticas que Caujolle
desenvolveu quando esteve no Libération (talvez um dos principais impulsionadores destas
alterações no campo dos media impressos de qualidade), as políticas de Giovanna Calvenzi, no
Sette, ou de Colin Jaobson, no The Independent. Como se vê, novos editores retomam políticas
editoriais em favor da fotografia de autor, da foto-reportagem, do ensaio fotográfico, do projecto.
São ainda casos um pouco isolados, mas representam um novo pioneirismo editorial, como o que
animou Stefan Lorant ou Karl Korff nos anos vinte e trinta. Além disso, contra o predomínio da
infografia e do design visual do jornal pós-televisivo, assiste-se, nos quality papers, a um certo
retorno às fórmulas clássicas do fotojornalismo na imprensa, como nos casos portugueses do
Público (principalmente) e do Expresso.
Provavelmente, os quality papers sentem a necessidade de oferecer ao comprador um
produto que se distinga dos restantes, razão pela qual surgem estas pedradas de profundidade,
subjectividade, conotação e até ambiguidade no charco do superficial, da espectacularidade, do
glamour-beleza, do institucional, enfim, da "ilustração"; no charco da denotação e da univocidade.
Alguns fotógrafos dos Anos Frios
Nos anos da Guerra Fria, se vários fotógrafos reinventaram o fotojornalismo de
guerra durante o Vietname, outros distinguiram-se em áreas diferentes.
Don McCullin revelou-se um perfeccionista formal, mesmo quando trabalhava na
primeira linha dos campos de batalha do Congo, do Cambodja, do Biafra, do Vietname ou do
Chipre. Ou quando fotografava as vítimas da fome no Sahel ou a construção do muro da vergonha,
o de Berlim, em 1961. Mas o interesse da sua obra reside na utilização desse formalismo: destinou-
se, antes de mais, a mostrar, meticulosa e cruamente, o horror, o martiricídio das vítimas de uma
série de calamidades, em imagens que expressam conceitos, obtidas em sítios tão diferentes e tão
iguais como o Congo, o Biafra, o Líbano, Chipre ou a Irlanda do Norte.
Fotógrafo do Sunday Times, McCullin jogou ao lado dos concerned photographers,
moralistas e humanistas. A sua particularidade residiu na forma como jogava com a estética do
horror para fazer campanha a favor da paz e da solidariedade na Terra.
Phillip Jones Griffiths, da Magnum, esteve no Vietname de 1966 a 1968 e em 1970.
Distinguiu-se pela discrição que colocou no seu trabalho fotográfico, um método cuja
intencionalidade só se percebeu quando publicou uma das críticas mais devastadoras que se fizeram
fotograficamente contra a Guerra do Vietname, o fotolivro Vietname Inc., editado em 1971. As suas
fotos, entre as quais uma de prisioneiros vietcongs ligados por uma corda ao pescoço como se
fossem animais, foram, julgamos, das que mais inculcadas ficaram na memória das pessoas e das
que, provavelmente, mais colocaram o público norte-americano contra a guerra.
Depois da guerra, foi a Àsia que mais seduziu Griffith. A maior parte das fotos do
seu livro Dark Odyssey, editado em 1997 pela Aperture, são desse continente. Mas o álbum também
integra fotos de África, Inglaterra, França, Granada e do Sudão, onde, em 1988, observou a guerra
movida pelos muçulmanos integristas de Cartum aos cristãos e animistas do Sul do país. Neste país,
são particularmente chocantes as graficamente intensas fotografias que realizou num campo vigiado
onde foram internadas crianças que desenvolveram deficiências psíquicas devido à violência. Essas
fotos são, de algum modo, um protesto visual eloquente contra a violência política.
Também no Vietname distinguiu-se o fotógrafo Horst Faas, principalmente pela
ambição e empenho com que desenvolvia a sua caça ao scoop. Fotógrafo da Associated Press em
Saigão, Faas organizou uma rede de informadores e de fotógrafos, mesmo amadores, que contactava
através de cinco telefones instalados no seu gabinete. Os informadores rapidamente o punham ao
corrente das novidades ou enviavam-lhe fotografias, que Faas distribuía.
O inglês Larry Burrows, de quem —erradamente— se conta ter estragado, ao revelá-
lo, o filme de Robert Capa da invasão da Normandia, era um fotógrafo de grande sensibilidade, que
aliava a uma capacidade estético-compositiva uma técnica fora do comum. Era também
formalmente rigoroso: chegava quer a desenhar previamente esboços das fotografias que contava
obter durante as reportagens quer a usar um termocolorímetro na cobertura de guerra. Para uma
reportagem sobre a guerra aérea no Vietname, por exemplo, chegou a fazer doze desenhos para
outras tantas composições fotográficas que ele previa realizar e publicar. Uma dessas estava
concebida para que numa só fotografia se pudessem contemplar o capacete do piloto, os comandos
do avião, a explosão da bomba e a paisagem (a fotografia a funcionar como um signo condensado).
Para conseguir essa imagem singular, provou vários tipos de aviões das forças americanas e
participou em onze incursões aéreas fotografando. Noutra reportagem, colocou uma câmara no
exterior da carlinga do helicóptero para poder captar o soldado com a metralhadora a partir de fora.
Larry Burrows foi um fotógrafo que, não obstante ter-se colocado numa postura de
observador externo da guerra (chegou a recusar trocar a nacionalidade britânica pela americana),
esteve frequentemente perto do sofrimento das populações. Uma das suas reportagens mais
conhecidas reporta o sofrimento de um menino vietnamita ao qual foi amputada uma perna durante
um bombardeamento, enquanto outra narra fotograficamente a saga da readaptação de um menino
vietnamita que tinha estado bastante tempo nos Estados Unidos para ser operado e que havia
esquecido a língua materna, pelo que não conseguia comunicar com os seus familiares. Além disso,
o fosso cultural que separava o menino da sua família era enorme.
Burrows estava em Da Nang a trabalhar para a Life, em 1959, quando os americanos
desembarcam. Na primeira fase da guerra, ele terá sido mesmo o fotógrafo mais inovador,
mantendo sobre a realidade um ponto de vista assumidamente crítico. Viria a ser um dos 39
repórteres mortos em serviço na Guerra do Vietname, quando, em 1971, ao fotografar a invasão sul-
vietnamita do Laos, o helicóptero em que seguia foi abatido por cima dos desvios laosianos da rota
de Ho Chi Minh.
Outros grandes fotógrafos destacaram-se na mesma época, embora por outras
abordagens temáticas e diferentes conceptualizações da fotografia, estilos e pontos de vista. Por
exemplo, as fotografias mais famosas de outro importante fotógrafo, Josef Koudelka (1938-), são,
porventura, as do esmagamento da Primavera de Praga pelas tropas soviéticas e dos seus aliados do
Pacto de Varsóvia, em 1968. Sem recorrer à estética do horror, e estando "em cima do
acontecimento", conforme a máxima de Capa, Koudelka conseguiu representar magistralmente um
povo que se erguia contra a opressão, em imagens que partilham o sentido do heroísmo e a tensão.
Koudelka partiu para o exílio em 1970. Um ano antes as suas fotos tinham sido
difundidas em todo o mundo, sem menção do autor, e Koudelka, como anónimo, recebeu a medalha
de ouro do Robert Capa Overseas Press Club. Será apenas em 1984, após a morte do seu pai, que
tinha ficado na Checoslováquia, que Koudelka reconhecerá a autoria das fotografias. Entretanto, em
1971, aderiu à Magnum.
Antes da série sobre a Primavera de Praga, Koudelka trabalhou num outro projecto,
desde meados dos anos sessenta: a vida dos ciganos. Constituiu um espólio testemunhal que coloca
questões ao observador sobre a vida e o destino desses nómadas, através do equilíbrio de formas
conjugado com as indecisões gestuais dos sujeitos representados. É nesse equilíbrio formal, cuja
harmonia é quebrada pela estranheza singular de motivos insólitos (como na foto de uma ave
pendurada numa corda pelas patas — Irlanda, 1978), que se joga o sentido de algumas das suas
imagens.
Na área do fotodocumentalismo inovador pode salientar-se Lee Friedlander (1934-).
Posicionado no campo do fotografia de "paisagem social" (Social Landscape foi o
nome de uma exposição colectiva em Rochester, em 1966), Friedlander concentra-se nos espaços
urbanos, mas representando-os como uma associação simbólica criptográfica. Mesmo os ambientes
familiares tornam-se, pela sua abordagem, em coisas estranhas, artificiais. Assim, obriga o
observador a conotar, a interpretar, mesmo que essa interpretação seja frequentemente difícil devido
aos signos que, sob a marca da efemeridade, são postos no campo fotográfico: reflexos nas vitrines
das lojas, arranjos artificiais, letreiros ou televisões difundindo imagens que se tornam quase
fantasmagóricas.
Em 1975, um grupo de fotógrafos fotografou os subúrbios de Paris, por incumbência
do governo francês. Com o seu trabalho, procuraram documentar os graves problemas vividos pela
população dessas áreas, constituindo um exemplo recente do fotodocumentalismo europeu.
Pelo final dos anos setenta, a revolução sandinista na Nicarágua permitiu a Susan
Meiselas (1948-) —que, mais tarde, veio a dirigir a Magnum USA— evidenciar-se como fotógrafa.
Sem temer a proximidade da acção, Meiselas realizou, na Nicarágua, uma foto-reportagem recheada
de acção que se distingue pelo uso simbólico da cor. Todavia, na sua reportagem, Meiselas também
representa o dia a dia do homem comum e dos soldados num ambiente de guerra: ela aposta não
apenas no choque, mas também na conotação e no contexto. A ambição é a de testemunhar, mas de
testemunhar com profundidade: é preciso entender para fotografar bem, parece ser a conotação
última que se pode extrair do conjunto da sua obra. O fotojornalista tem de estar informado, tem de
conhecer, tem de se formar e educar, não apenas sobre o seu ofício, mas sobre os problemas que
afectam o mundo e os seres que nele habitam.
O primeiro grande trabalho de Meiselas foi a realização de um projecto documental
sobre as road strippers norte-americanas, que virá a originar o livro Carnival Strippers. Ela
partilhou com as strippers três anos de vida, percorrendo o Nordeste americano durante o Verão,
observando como, por alguns dólares, essas jovens mulheres se despiam, permitindo que as
olhassem, tocassem ou até lambessem. Alojou-se com elas nos hotéis baratos, lavou a roupa com
elas, preparou os espectáculos com elas. Passando despercebida, conseguiu realizar fotografias de
valor inestimável, raramente posadas, que geram fortes empatias entre o observador e as
personagens representadas.
Susan Meiselas esteve também na Argentina, em Moçambique, no Curdistão e em El
Salvador. Neste último país faz uma das suas fotos mais simbólicas: fotografa as sombras de
prisioneiros das forças de segurança, com as mãos na nuca. Foi em El Salvador, mas poderia ter
sido em qualquer outro local do mundo.
Na década de oitenta o mundo começa a ouvir falar de um dos grandes fotojornalistas
da actualidade — James Nachtwey, da Magnum, um dos raros fotojornalistas premiados quatro
vezes com o prémio Robert Capa e duas vezes com a foto do ano do World Press Photo (1992 —
foto de uma mulher somali que coloca na terra o seu filho morto pela fome, embrulhado num lençol;
1994 — Hutu ruandês com a cabeça mutilada). [Outros premiados duas vezes foram David C.
Turnley, da Black Star (1988 — um arménio chora o seu filho morto no tremor de terra que
ensanguentou a Arménia; 1991 — um sargento americano faz um esgar de dor ao saber que o corpo
que repousava junto dele era de um seu amigo, vítima de tiros aliados no último dia da Guerra do
Golfo), e Kyoichi Sawada, da UPI/Bettmann News Photos (1965 e 1966, com fotos da guerra do
Vietname).]
Nachtwey partilha com Capa a proximidade da acção e o facto de ser sobretudo um
fotógrafo de guerra. Na década de Noventa, cobriu os massacres do Ruanda e a intervenção
humanitária na Somália. Em 1989, tinha reunido no livro Deads of War as suas fotos da guerra na
Nicarágua, da luta fraticida na Irlanda do Norte, da acção dos esquadrões da morte na América
Central e da Guerra Civil do Líbano. Trata-se maioritariamente de spot news, geralmente sem
grande atenção à composição, mas brutais e terríficas. Aliás, um esteticismo exagerado pode ser
contraprudecente quanto se trata de representar a brutalidade dos conflitos, embora também possa
funcionar, como o provou Larry Burrows.
Yves-Guy Berges tornou-se conhecido quando fotografou a guerra da independência
argelina, país onde regressou em 1992, para abordar a problemática do terrorismo fundamentalista.
Esteve também no Congo, no Vietname e no Cambodja. Tem ainda fotografias fora do vulgar da
Amazónia. Aqui, ele tentou combinar o humor e a acção numa fórmula pessoal de fotojornalismo.
Todavia, as suas fotos mais conhecidas são, provavelmente, as da sexta-feira negra da revolução
iraniana: foi o único fotojornalista que fotografou os massacres perpetrados pelas forças da ordem
do lado dos manifestantes que pediam a partida do Xá. Nesse dia, morreram 30 iranianos.
Guy Berges é também um dos paradigmas da mobilidade dos fotojornalistas, pois já
esteve na Gamma, na Sygma, no France-Soir e no Le Figaro.
Exemplos de diversidade:
Alguns fotógrafos documentalistas contemporâneos
O conceito de documentalismo fotográfico na contemporaneidade é tão abrangente
que permite a inclusão no género de uma grande multiplicidade de fotógrafos. Três grandes
agências com nome feito congregam alguns desses fotógrafos, a Magnum, a Vu e a Contact, mas
muitos, por opção ou necessidade, trabalham independentemente das agências.
Martin Parr, da Magnum, hoje aposentado, foi talvez um dos fotógrafos mais
inovadores dos últimos tempos. No seu trabalho, nota-se a procura dos padrões culturais da "classe
média" (mais em termos educacionais que económicos) e a busca dos esquemas de consumo dessa
"classe" — nos lares, nas lojas, nas actividades turísticas. Para gerar significação —especialmente
para representar o consumismo, por ele entendido como exagerado—, Parr usa imagens
minimalistas, cheias de cores fortes (com Paul Graham, Paul Reas e outros, Parr é um dos fotógrafos
do movimento new color), quase atingindo a saturação cromática. O kitsch e a ironia são
acentuados pelas representações patéticas das personagens que surgem nas fotos do autor. A obra
de Parr é também um manifesto em favor de uma emancipação social, de abertura em desfavor de
um artritismo social de que enfermaria a sociedade britânica. Nesta linha, ele aproxima-se dos
concerned photographers. No Ano Santo (1993), colaborou no projecto Sobre Santiago: Tres de
Magnum.
Karen Knorr desenvolveu um projecto semelhante ao de Parr, retratando
ironicamente o universo dos gentlemen britânicos e da "nata da sociedade" nos seus ambientes, que
fez acompanhar de frases corrosivas. A sua abordagem das temáticas sociais concretiza-se, assim,
numa crítica ao capitalismo. Uma das suas fotos mais emblemáticas —mas, porventura, também
mais estereotipadas— é, inclusivamente, aquela em que um corvo pousa sobre uma caveira —a
morte— pousada no limbo das moedas (o capitalismo) e das misérias em que este alegadamente
assenta, estas figuradas por um pano negro sobre o chão. Por trás, adivinha-se o peso das
instituições capitalistas devido ao sólido e pesado edifício que surge no plano de fundo. Esta foto é
também, evidentemente, um dos exemplos mais perfeitos da insinuação da arte, do complexo e da
ficção discursiva no campo documental, coisa até há alguns anos atrás impensável.
Na Grã-Bretanha, Nick Waplington, que tal como Parr usa significativamente a cor,
publicou Living Room, na Aperture. É um álbum de imagens, realizadas ao longo de quatro anos, da
vida familiar, das pequenas situações do quotidiano, dos operários londrinos que viviam ao lado do
avô de Waplington num programa de habitação social. Em várias fotos, o humor está subjacente,
mas o observador tende mais a rir-se com as personagens representadas do que a rir-se delas.
Waplington joga frequentemente com a estranha organização das pessoas nos espaços domésticos e
com uma grande intensidade cromática para atingir os efeitos desejados.
Uma fotógrafa documental da actualidade que usa a cor, na linha de Martin Parr, é
Nan Goldin. A sua fotografia é ultra-intimista, uma vez que, com as suas fotos, apenas olha para a
sua vida e a dos seus amigos, que são os únicos sujeitos representados nas imagens, um pouco à
semelhança do que Larry Towell fez com a sua família e Eugene Richards com a sua mulher. A
Aperture já publicou um livro de Nan Goldin, com fotografias realizadas em Nova Iorque,
abordando o sexo, a droga, as despedidas, a violência e a tensão permanente das relações
passionais. São imagens com flash, directas, sem maneirismos, em enquadramentos que aproximam
o observador dos sujeitos fotografados, concretizando, desta forma, um ténue voyeurismo.
O Reino Unido pós-industrial de Chris Killip e In Umbra Res, de Paul Graham, uma
abordagem da martirizada cidade de Belfast, são dois outros trabalhos documentais recentes e
emblemáticos. Graham concentra a atenção no que está perto de si, no lugar onde se desenvolvem
os acontecimentos e onde se despoletam problemáticas, em fotografias intensamente conotativas,
usualmente difundidas em suporte livro.
Jane Evelyn Atwood é outra das fotógrafas que elege temas que vão contra as rotinas
e os news values dominantes na imprensa: os cegos, a prostituição, a SIDA. Jane Atwood não se
preocupa tanto com o número de temas, mas sim com o seu tratamento, feito ao longo de projectos
que duram muito tempo. A fase final do trabalho, a edição, é algo que a fotógrafa não abdica de
controlar, desde o texto ao design e à editoria.
Numa abordagem não estereotipada, Jane Evelyn Atwood representou, por exemplo,
a dor dos doentes e idosos nas camas "da morte", agarrando-se, por vezes, a móveis, tentando
levantar-se, erguer-se para a última centelha de vida, angustiados pela eminência da morte, que,
porventura, não vêem como libertação mas como liquidação. São imagens chocantes, as que a
fotógrafa nos oferece. São imagens que mexem com a consciência tranquila dos bem instalados,
que não querem ver e preferem a ignorância. Para estes, ver talvez não seja apenas um direito, mas
um dever.
Patrick Zackmann é, por seu turno, um incondicional defensor da subjectividade do
olhar fotográfico, o que se demonstra pelo empenho que colocou na fundação da Droit de Regard.
A fotografia de Zackmann oscila entre a exploração dos espaços de intimidade dos
fotografados, partilhados com o fotógrafo, e a atenção aos objectos significativos, como ocorre
numa foto em que o relógio de parede está implantado na escultura do tronco e cabeça de um
culturista musculado.
Patrick Zachmann elegeu a diáspora chinesa no mundo como tema do seu trabalho
após 1986. A sua visão, sendo pessoal e subjectiva, tem, contudo, mais preocupações documentais
do que de intervenção social.
Em Espanha, os casos de Miguel Trillo e do galego Manuel Sendón são expressivos
do documentalismo fotográfico contemporâneo ibérico.
Miguel Trillo debruça-se sobre a cultura urbana, incluindo as culturas juvenis, usando
planos frontais, retratando com contexto, lutando pelos seus frames. Manuel Sendón também
representa a cultura urbana, mas em Paixases faz sentir não só o desejo de natureza que apresentam
os citadinos como também o absurdo que é procurar satisfazer esse desejo através de cartazes
afixados em paredes. Todavia, a representação fotogáfica é, aí, enganosa, pois parece, de facto, que
as pessoas se movem em cenários naturais e em espaços abertos: é a vida na natureza como uma
ficção resultante dos desejos urbanos; é mesmo o mundo estranho das selvas de betão em que a
própria natureza é mostrada pelas suas representações. Trata-se de uma das expressões mais visíveis
de recodificação de modelos visuais pré-existentes.
A exemplo dos outros dois fotógrafos espanhóis, o galego Xurxo Lobato, chefe de
fotografia do Voz de Galicia, atenta no kitsch, nos contrastes entre o urbano e o rural, o beato e o
pagão, na sua pátria. O suporte livro é o seu preferido para a difusão do seu trabalho de projecto,
tendo já editado Retratos e El camiño de Santiago.
Anna Fox também partilha dessa quase obsessão pelo meio urbano, pela vida
encerrada, encaixada, em paredes de betão, mas em que se nota a vontade de sair daí,
preferencialmente a grande velocidade, como nos parece que sugerem algumas fotografias de Work
Stations, nas quais o movimento dos sujeitos é acentuado pela utilização de velocidades lentas
(efeito de arrastamento).
A ficção documental segue adiante com a fotomontagem de Martha Rosler, onde a
cientista norte-americana Ethel Rosenberg, executada com o marido na cadeira eléctrica, em 1953,
por alegada espionagem, figura numa cena doméstica.
Entre o americano Eugene Richards, o brasileiro Sebastião Salgado e a também
americana Mary Ellen Mark nota-se uma identificação estilística e temática. Não só é o ser humano
o centro da abordagem fotográfica como também, nas obras de todos eles, se revela um certo
humanismo, que talvez chegue ao humanitarismo. Trata-se, afinal, de uma revivência do concerned
photojournalism.
Richards usa preferencialmente o preto-e-branco nos foto-ensaios que realiza, entre
os quais avultam um trabalho sobre as emergências hospitalares e outro sobre os viciados em crack
de Nova Iorque. Mas o seu trabalho mais emblemático continua a ser o que fez sobre o sofrimento
da sua mulher, que tinha um cancro num seio. Richards acompanhou-a nas suas visitas ao hospital e
durante os tratamentos, até que, ao fazer uma mastectomia, Dorothea morreu. Juntos tinham
realizado um dos mais belos fotolivros do mundo: Exploding Into Life.
O trabalho de Eugene Richards, da Magnum, tem mais semelhanças com o de Hine
do que com o de Riis, já que a abordagem é manifestamente interventora mas predominantemente
não estereotipada: as pessoas não são categorizadas, não é apenas o negro do subúrbio que é viciado
ou vítima da violência. Não é apenas nos bairros pobres, mas em toda a cidade, que se vêem
pedintes. Não se distinguem arquétipos raciais e de classe nas imagens. E emana também das suas
fotografias uma naturalidade e uma graça cândida que resulta da ausência aparente de efeitos
compositivos: o fotógrafo parece que se anula para deixar que a foto conte a "estória" das pessoas
representadas. Todavia, ao contrário de Ellen Mark, os sujeitos das fotos de Richards aparecem
frequentemente como vítimas, o que, nessas situações, e de certa forma, tende a transformá-los em
arquétipos. O contexto é sugerido pela série global de imagens e pela atenção dada ao ambiente.
A fotografia de Mary Ellen Mark, que possui um master em fotojornalismo, cobre o
mesmo território temático da de Richards, que já tinha sido também o de Riis e Hine: os
marginalizados. Nos anos sessenta, Ellen Mark foi uma das primeiras fotógrafas a cobrir as lutas
pelos direitos cívicos, nos EUA. Contudo, como se referiu, os marginalizados que fotograficamente
representa não surgem dominantemente como vítimas: pensam, agem, e frequentemente agem mal e
pensam mal. Ou bem. O foto-ensaio da fotógrafa sobre os meninos da rua em Seattle é
paradigmático: os meninos têm armas e podem usá-las. Ou não. Na cultura de rua, possuir uma
arma é ter poder, um poder que pode transformar outros em vítimas, um poder ameaçador e
irresponsável de meninos que não fizeram uma socialização integradora e cuja personalidade ainda
está em formação. Tendo problemas, eles também se podem transformar num problema para os
outros.
Num foto-ensaio posterior sobre a Florida, Mary Ellen Mark usa a cor. E é a cor
local convidativa ao descanso e à simplicidade —o céu azul, o pôr-do-sol avermelhado— que vai
contrastar com as figuras dos residentes locais que se pavoneiam empertigaitados pelas ruas, pelas
praias e pela vegetação subtropical. Trata-se, afinal, de mais uma representação da comédia da vida.
Sebastião Salgado (1944-) é um autor humanista, na linha da boa consciência de
Eugene Smith e dos fotógrafos do compromisso social, sobretudo de Hine. E é também um dos
nomes mais marcantes e conhecidos da fotografia documental na actualidade, pois, pela forma como
aborda os fenómenos sociais, as transformações históricas ou simplesmente a vida quotidiana,
obriga o observador a olhar para as suas imagens. A receita de Salgado ainda combina a intenção
testemunhal e a perfeição técnica com o integral respeito pelo tema fotografado.
Os primeiros trabalhos fotojornalísticos de Sebastião Salgado foram realizados em
Portugal, em 1975, durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC), uma época em que
Portugal fazia primeiras páginas nos jornais de todo o mundo, especialmente nos europeus. Já aí se
adivinham a perfeição formal, a estética e a beleza deliberada que tenta dar às suas fotos,
inclusivamente como forma de dignificar os sujeitos representados. Notar-se-á menos a atenção ao
mediato, em vez de ao imediato. Só mais tarde, em Fome no Sahel, é que se destrinça essa
preocupação pela perenidade, pela mudança dos conceitos de temporalidade dos media.
As opções estéticas de Sebastião Salgado também são mais ou menos marginais.
Usando o preto-e-branco, como é tradicional no humanismo fotográfico, Salgado investe na
qualidade dos contrastes tonais, na textura da imagem (predomínio do grão), na utilização frequente
de planos gerais abertos (raros em fotojornalismo, mais polissémicos, mais contextualizadores e
menos "agressivos"). Nestes planos ele espalha composições clássicas, equilibradas e lumínicas
(por vezes a lembrar a pintura religiosa e mística), frequentemente horizontais. Daqui resulta não só
uma certa calma mas também uma certa doçura no olhar, que corresponde a uma intenção
humanitária — a de intervir em prol dos sujeitos fotografados. Se as suas intenções são informar e
testemunhar, também são fazer compreender e consciencializar.
Salgado recusa a estética do horror, mesmo em situações limite. A sua produção
também pouco tem a ver com as dominantes actuais da fotografia de imprensa: o glamour, a foto-
ilustração, o institucional, a foto-choque, as imagens que cheiram a sexo, sucesso, violência e
espectáculo, numa sociedade democrática alegadamente preparada para ver e onde tudo seria
mostrável. Ao invés, ele situa-se sobretudo no que é de importância mediata, no que é profundo e
complexo nas sociedades humanas, sem o reduzir (pelo menos, propositadamente) a versões
estereotipadas — o Trabalho, as Migrações, a Fome no Sahel. Ele consegue sintetizar o âmago de
uma certa parte da sociedade humana, e a foto dispensa a tradução. E é interessante notar que
alguns quality papers abrem as portas à edição dos seus projectos fotográficos. Neste sentido, ele,
de alguma forma, rompe com os critérios dominantes de noticiabilidade, rompe com as rotinas que
nivelam por baixo a edição fotográfica na imprensa.
Em Trabalho, o seu projecto mais ambicioso até agora executado, Salgado aborda o
domínio do trabalho social, a ordem que emerge do caos, as relações entre os trabalhadores e o
trabalho, entre os trabalhadores em si e entre os trabalhadores e a natureza. Neste último caso, o
fotógrafo põe em evidencia quer as relações de domínio quer as de subordinação, embora raramente
as de compreensão (repare-se nos danos irreparáveis dos garimpeiros da Serra Pelada à floresta
amazónica). Trabalho é uma narrativa, uma epopeia, sobre a sobrevivência do trabalho manual num
mundo que avança para a pós-modernidade.
Os aspectos formais adquirem grande importância na fotografia de Sebastião
Salgado. É através deles que o fotógrafo consegue que as suas imagens tenham sentido, pois é
através da forma que Sebastião Salgado explora o real como um signo, usando para o efeito,
também signicamente, a linguagem fotográfica, com base num código gramatical reconhecível.
Como resultado, propõe uma leitura do mundo.
Possuidoras, assim, de uma força plástica arrebatadora e envolvente, simbólicas,
deixando o observador entre a serenidade e o desassossego, as imagens que nasceram do olhar de
Sebastião Salgado sobre o mundo questionam esse mesmo mundo. Deixam o observador entre a
serenidade e a inquietude, impõem-lhe respeito pela eminente dignidade da pessoa humana,
despertam a compaixão e a boa consciência. A opção pelo preto-e-branco, usualmente simbólica e,
por vezes, lírica e poética, reforça o impacto das imagens.
Contrariando as opções de Capa ou, nomeadamente, de Cartier-Bresson, Salgado
afirma que para ele não há momentos decisivos, apenas "vidas decisivas, com toda a sua cultura e
toda a sua ideologia".
Pode dizer-se que Salgado concilia a estética com a informação e esta com o
envolvimento subjectivo do fotógrafo e do observador, procurando ainda dar a entender que a
complexidade de um problema profundo raramente pode ser abordada através de uma só imagem.
Tal como algumas das suas fotografias se transformaram em símbolos, também Sebastião Salgado
se transformou num símbolo de uma fotografia humanista, por vezes mesmo humanitária. E,
mesmo sendo um documentalista, Salgado afirma que os seus livros são um subproduto, uma vez
que em primeiro lugar trabalha para a edição na imprensa. (Do nosso ponto de vista, Salgado tem
razão. As fotos que representam a humanidade não podem ser apenas para os livros ou para as
exposições, já que assim não só jogam a favor da não democratização da cultura e do conhecimento
como também o seu impacto é menor. Elas têm de regressar às páginas dos jornais e das revistas,
têm que estar disponíveis nos ecrãs dos computadores, seja em home pages na Internet ou inseridas
em jornais electrónicos. De facto, é isto: elas têm que regressar.)
A grande tradição documental dos concerned photographers produziu, como se vê,
uma brilhante geração de fotógrafos humanistas, entre os quais também podemos incluir Lam Duc.
O projecto mais conhecido deste fotógrafo é, julgamos, o trabalho da organização Equilibres com as
crianças da Roménia — se a fotografia não consegue mudar o mundo, pode contribuir para
mobilizar a opinião pública, como o provou Lewis Hine, com o seu relevante contributo fotográfico
para a publicação de legislação contra o trabalho infantil nos Estados Unidos.
Sobre o trabalho debruçou-se também Michel Vanden Eeckhoudt, que publicou, em
1996, Les travaux et les jours. Neste álbum, reúne fotografias a preto-e-branco, simbólicas, por
vezes alegóricas, sobre o trabalho, cheias de força poética e calor humano, por vezes mesmo cheias
de humor. Quer temática quer formalmente, Eeckoudt aproxima-se de Salgado.
Pierre Josse e Bernard Pouchèle, que publicaram, em 1996, o álbum La nostalgie est
derrière le comptoir, fizeram uma volta ao mundo, com paragens pelos pontos de encontro que são
os cafés, os bares e os pubs, que fotografaram a preto-e-branco e nos fazem sentir saudades por algo
que não vivemos.
A espanhola Cristina García Rodero é das documentalistas que mais profundamente
prepara os seus trabalhos. Durante duas décadas, Cristina Rodero fotografou os rituais e as festas
religiosas católicas e "pagãs" da Espanha profunda, buscando o autêntico entre o visível. Ela é um
exemplo do fotodocumentalismo europeu actual, que persegue a autoria e não hesita em recorrer a
formas artísticas de expressão para atingir os níveis de significação pretendidos. No
documentalismo fotográfico emergente, o fotógrafo observa o que o rodeia, mas assumindo um
olhar questionador sobre o mundo. O significado das fotos pode, porém, escapar ao observador
numa observação menos atenta ou conhecedora.
O alemão Eberhard Grames, que chegou a ser exibido no Museu de Arte Moderna de
Nova Iorque, preocupou-se, logo após a reunificação alemã, em registar as paisagens da Alemanha
Oriental, que pareciam estar paradas nos anos cinquenta, antes que desaparecessem ao ritmo
imparável do processo. Em França, Yann Arthus-Bertrand empreendeu um vasto projecto
documental sobre animais e os seus donos, visando explorar as relações que entre eles se
estabeleciam.
O brasileiro Claudio Edinger, que trabalha para a Gamma e está radicado nos Estados
Unidos, foi uma das revelações do Visa Pour l'Image de 1991, com o testemunho implacável que
deu ao mundo sobre as condições de vida dos deficientes mentais no Brasil. O polaco Witold
Krassowski notabilizou-se pela documentação que reuniu sobre o povo polaco —os seus
comportamentos, as suas atitudes, as suas acções de rua— nos anos das lutas antiditatoriais e do
pós-comunismo, que condensou no livro Visages de l'Est, editado também em 1991. No ano
seguinte, Carl de Keyser, da Magnum, iniciou um projecto documental sobre os grupos religiosos
americanos, enquanto um ano antes o seu companheiro de agência Guy Le Querrec acompanhou
uma tribo Sioux no gelado inverno norte-americano.
Também da Magnum, o fotógrafo e agricultor canadiano Larry Towell iniciou, em
1993, um projecto na mesma temática de Keyser: a vida dos Menonitas. É um documento pleno de
serenitude, que indicia o amor de Towell pela Terra. O mesmo sentimento detecta-se, aliás, ainda
no seu "álbum de família", um projecto intimista que revaloriza a célula base da sociedade, que está
tão próxima de nós mas em que tantas vezes não reparamos ou até esquecemos.
Entre os novos documentalistas, os jovens Eric Vazzoler, Ute Mahler, Jitka Hanslova
e Thomas Sanders tornaram-se notados a partir do momento em que expuseram na Galeria Poirel,
em Paris, um trabalho sobre a juventude da capital francesa, de Berlim e de Moscovo. Tratava-se de
um conjunto de imagens mais interpretativas e interpelativas que voyeuristas, um conjunto de
imagens que despoletava mais a vontade de agir sobre o mundo do que debater esse mundo. As
fotografias violentas que faziam parte do conjunto pareciam contribuir para exorcizar os fantasmas e
medos das sociedades urbanas. Ou talvez não…
Em 1994, foi apresentado num dos maiores festivais de fotojornalismo do mundo, o
Visa Pour l'Image, um trabalho inovador desenvolvido por Peter Ginter, Peter Menzel, Alexandra
Boulat e Louis Psihoyos, da agência Cosmos. Trata-se de Material World, um projecto colectivo em
que famílias "típicas" (isto é, consideradas "típicas" pelos fotógrafos) dos Estados Unidos,
Argentina, Mali, Japão, Bósnia e Rússia, entre outros países, foram fotografadas em frente às suas
casas, em pose, rodeadas dos seus bens. Uma forma de salientar diferenças e convergências na
visão do mundo e nos estilos de vida de cada povo.
As famílias motivam também o projecto que Uwe Ommer pretende realizar até ao
ano 2000. Este documentalista tem por objectivo fotografar mil famílias de 150 países, nos seus
diferentes ambientes e expressões, para abordar as questões da tradição e da coabitação mundial à
viragem do milénio.
Stephen Dupont, um australiano da agência EPG, realizou, entre Junho de 1994 e
Abril de 1995, um trabalho documental sobre os últimos comboios a vapor na Índia, que nos
mergulha num tempo passado que teimosamente se perpetua no presente devido aos problemas
económicos do país. A Índia surge, assim, aos olhos do observador como um país adiado no tempo,
uma perspectiva que também parece emergir de um foto-ensaio anterior sobre as escolas indianas e
filipinas.
Outro fotógrafo, Philip-Lorca di Corcia tenta desdramatizar a realidade —ou, pelo
menos, lançar uma maior compreensão sobre ela—, conjugando um olhar positivo sobre temas
incómodos com a encenação e o hiper-realismo quase absurdo de figuras estereotipadas em cenários
que não o são. Nas fotos encenadas da série Strangers, por exemplo, ele faz posar prostitutas e
prostitutos pagos num cenário em que a sua actividade marginal adquire um estatuto de
insignificância, perto, talvez mesmo, do zero absoluto. Assim, di Corcia obriga à implicação do
observador na contextualização da imagem, de forma a que este chegue às relações fenoménicas
para as quais pretende chamar a atenção: 1) a prostituição é uma chaga social, mas os profissionais
têm direito à dignidade e compreensão; e 2) é preciso ter em atenção até que ponto a prostituição
desempenha um papel relevante na disseminação de doenças perigosas ou mesmo mortais, como a
SIDA ou a Hepatite B.
Viviane Moos, com as suas fotos das prostitutas do Recife, no Brasil, o indiano
Raghubir Singh, que fotografa as gentes do seu país, desde 1966, o italiano Dario Mitidieri, que, ao
serviço do The Independent e do The Sunday Telegraph, fotografou as crianças das ruas de
Bombaim, com um toque de poesia, e Colin Gray (1956-), com a série Parents, uma reflexão sobre
os laços familiares e ao que ocorre na sua órbita, são a prova de que os temas sociais continuam
presentes, porque são pertinentes, no campo fotojornalístico (documentalístico). Mitidieri,
inclusivamente, prepara já um trabalho documental sobre a religião no mundo.
A Índia, seu país natal, é o grande tema orientador do trabalho de Raghubir Singh.
Este fotógrafo trabalha principalmente em cor, e os seus dois grandes projectos executados até ao
momento, ambos extraordinariamente rigorosos e reveladores de um realismo assumido, já foram
reunidos em livro: The Grand Trunk Road, um fotolivro pretende olhar com atenção para a rota
mítica com o mesmo nome, que atravessa o Norte do país, Bombaim, o Este e o Oeste, fazendo a
ponte entre o moderno e o antigo; e Bombay, uma obra onde Singh tenta revelar ao mundo as
realidades dessa metrópole caleidoscópica.
Gaijin Story, o projecto vencedor do Prémio Niepce em 1996, revelou mais um
documentalista "tradicional", que, sem abdicar da autoria, se insere na linha dos concerned
photographers: Xavier Lambours. O livro evidencia a integralidade do trabalho do fotógrafo, que se
traduz na protagonização de um olhar arrogadamente estrangeiro sobre o Japão. As representações
fotográficas revelam, assim, um país algo estranho, embora fascinante.
Paolo Pellegrin, um italiano da agência Vu, que trabalha na linha dos concerned
photographers, é outro fotógrafo documentalista referencial: fotografou os transexuais em Roma e
abordou as migrações na Europa e os problemas da SIDA na Europa e no Uganda, onde seguiu uma
equipa de médicos tradicionais.
Não obstante ter enveredado pelo freelancing fotodocumental, o francês Alexis
Cordesse tem sido bastante divulgado, talvez porque se pode alinhar, em certa medida, com os
concerned photographers, o que, hipoteticamente, vai ao encontro das expectativas da generalidade
dos leitores de jornais e revistas "de qualidade" ou "sérios". A sua primeira reportagem foi realizada
em 1991, quando acompanhou uma equipa dos Médicos Sem fronteiras nos campos de refugiados
curdos do Iraque. Está agora a trabalhar num projecto sobre a SIDA. Todavia, por vezes a linha de
trabalho de Cordesse é essencialmente fotojornalística (em sentido estrito), como na ocasião em que
fotografou a guerra civil na Somália, onde testemunhou a fome, e na altura em que fez uma
reportagem sobre Kabul sob as bombas, em Janeiro de 1995.
O afro-americano Roy DeCarava (1919-) era um conhecido quase somente dos
especialistas até 1996, ano em que o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque organizou uma
exposição sobre a sua obra que, até 1999, percorrerá os EUA, a partir da Big Apple, e o mundo. No
entanto, as suas fotografias, que se inscrevem na tradição documental humanista, sempre foram
vendidas a preços superiores à média. De facto, ao contrário de outros grandes fotógrafos afro-
americanos, como James van DerZee (o fotógrafo de casamentos que regista para a posteridade o
renascimento burguês do Harlem, e cuja originalidade apenas foi reconhecida no fim da sua vida),
De Carava, um autodidacta em fotografia, atingiu, para os especialistas, o estatuto de mestre
relativamente cedo, tal como outro americano negro, Gordon Parks, o paradigma do sucesso
fotográfico entre os afro-americanos.
A obra de Roy DeCarava impressiona mais pelo negrume sombrio do que pela
temática (a condição dos negros americanos, especialmente em Nova Iorque, particularmente em
Harlem). As imagens finais da exposição revelam, além disso, uma dedicação dificilmente
superável ao trabalho em laboratório, visível na saturação dos negros, nos contrastes e no grão
finíssimo.
Em algumas fotografias de DeCarava, a figura humana está ausente e a sua presença
anterior (e, provavelmente, posterior) nos locais adivinha-se pelos objectos observáveis dentro do
campo fotográfico. São fotos que remetem, assim, para o fora de campo, para a exploração do
contexto. Noutras fotos, alguns rostos são amputados pela metade, o que gera o mesmo efeito
exploratório, pois, pelo menos, o observador é obrigado a reintegrar a imagem. Noutras fotos ainda,
revela-se a composição geométrica, assente em linhas fortes, o que o aproximam de Kertész ou
Cartier-Bresson.
Os seus livros, de que controlou decididamente a edição, revelam-nos, no conjunto, a
figura do autor-artista, que, sem fugir à grande tradição fotográfica documental, não abdica de um
olhar próprio sobre o mundo — mais do que um ponto de vista interventor, é apenas a
subjectividade da vidência e a compreensão do mundo que lhe aparentam interessar. Não publicou
muito, mas o que publicou tem qualidade: The Sweet Flypaper of Life (1955), Roy DeCarava:
Photographs (1981) e The Sound I: The Jazz Photographs of Roy DeCarava (1983). Este último
reunia fotos realizadas vinte anos antes.
Tal como Evans ou Lange, DeCarava trabalha frequentemente com arquétipos,
principalmente com as figuras de rua, concentrando a atenção na pessoa como ser social. Não são,
deste modo, as figuras públicas que lhe interessam, mas a gente comum, próxima dele, mesmo
quando fotografou a marcha pelos direitos cívicos em Washington, a 28 de Agosto de 1963.
Michel Huet, o fundador da agência Hoa-Qui (especializada no documental, embora
também na fotografia de viagens e de lazer), reuniu uma impressionante documentação fotográfica
sobre a vida em África no período historicamente importante da pré-descolonização, os anos
Cinquenta e Sessenta. São fotos acentuadamente "realistas", cuja intenção é, principalmente,
testemunhar, como o fizeram Vroman ou Curtis, e cuja temática incide principalmente nas
manifestações da cultura tradicional.
Em 1995, o prémio W. Eugene Smith em Fotografia Humanista foi atribuído a mais
um documentalista revelado ao mundo, o russo Vladimir Syomin. Syoman realizou um projecto
revelador da sua visão sobre a alma russa, focando a gente comum, que labuta, sofre e alegra-se
longe da ribalta dos políticos russos.
Fotógrafos conhecidos noutras áreas da fotografia que não o documental
enveredaram, em certas ocasiões, por este campo. O fotógrafo publicitário e de moda Jean
Larivière, por exemplo, empreendeu, em 1996, um vasto projecto pessoal sobre a Birmânia. O
resultado é uma série de fotos que o colocam na linha da grande tradição do humanismo fotográfico
a preto e branco: planos gerais, composições equilibradas e lumínicas, contrastes cuidados, grão que
tanto pode ser fino ou grosso, consoante o efeito pretendido, presença do elemento humano, mesmo
que seja preciso descobri-lo na grande paisagem, nos grandes cenários naturais ou urbanos. A
fotografia de Lariviére é, pois, uma fotografia lírica, poética, que, embora sem preocupações de
intervenção, sensibiliza e, assim, cria empatias entre os cidadãos do mundo.
CAPÍTULO XII
A TERCEIRA REVOLUÇÃO NO FOTOJORNALISMO
1989 é o ano de referência no que respeita às mudanças socio-civilizacionais
registadas no Mundo a partir dos inícios dos anos oitenta. É o ano da queda do Muro de Berlim, que
simboliza, talvez, o fim da era das ideologias políticas. Esta, nos escombros da Primeira Guerra
Mundial, havia substituído a era do progresso e do positivismo em que a fotografia nasceu (século
XIX). Por sua vez, as crenças que virão a substituir a era das ideologias políticas ainda se estão a
desenhar, mas talvez tenham a ver com os valores do individualismo, com a visão da economia
como praxologia, com a formulação da comunicação como nova ideologia, e com a "ressureição" de
Deus, isto é, com o Sagrado a invadir, de novo, o Profano, como tão bem soube expressar
fotodocumentalisticamente Cristina García Rodero.
A terceira revolução do fotojornalismo tem, assim, por cenário, o ambiente
conturbado dos anos oitenta e noventa. Nesta época, entre outros fenómenos, dá-se: a) a queda da
Cortina de Ferro, simbolizada na queda do Muro de Berlim e na desagregação da União Soviética, e
a derrocada do poder soviético, visível na retirada do Afeganistão; b) o aumento do turismo, mas
também das migrações (tema do mais recente projecto fotodocumental de Salgado); c) a irrupção em
força das novas tecnologias da comunicação e informação, como as redes globais, e a emergência de
uma certa ideologização da comunicação; a comunicação transnacionaliza-se, internacionaliza-se; d)
o conflito das Falkland, o raide aéreo norte-americano sobre Tripoli, a Guerra do Golfo, a invasão
do Panamá, a invasão de Granada, as guerras na ex-Juguslávia, na Libéria, no Ruanda, e na
Tchéchénia, entre muitas outras, sobretudo locais, étnicas (mesmo se com base política de luta pelo
poder) e fronteiriças; e) a transnacionalização e integração dos mercados e o crescimento em flecha
das economias dos Tigres do Pacífico e da China continental; f) a expansão da democracia e do
respeito (pelo menos teórico) pelos direitos humanos; g) o fim de conflitos locais como o de El
Salvador e o da Nicarágua; h) a redefinição do quadro político-administrativo e militar no Médio
Oriente e nas antigas repúblicas soviéticas; i) o surgimento do direito de intervenção armada
"humanitária", com o caso da Somália; j) a multipolaridade e a emergência dos EUA como a única
superpotência; k) a globalização dos modos de vida; l) a irrupção de nacionalismos e
fundamentalismos, frequentemente de cariz agressivo; e m) o (re)advento dos Estados Unidos e da
sua cultura-miscelânia de vocação planetária, o que, associado à potência da sua economia e das
suas convicções culturais e ideológicas triunfantes (mercado, democracia, direitos humanos…), faz
prognosticar que o próximo século poderá ser americano. Mesmo assim, desde os finais dos anos
oitenta que os olhares do mundo estão concentrados na Europa, devido a acontecimentos como (a) a
queda dos regimes socialistas do Leste e a sua transição para democracias representativas e
economias de mercado, (b) as adesões à União Europeia, antecedidas de referendos, (c) a refundação
política italiana, (d) os conflitos na ex-Juguslávia, (e) o alargamento da NATO e (f) a morte da
Princesa Diana e os respectivos funerais, num acidente alegadamente provocado por paparazzi, que,
inclusivamente, colocou perante a opinião do público aspectos éticos e deontológicos do
fotojornalismo (isto é, se entendermos o fotojornalismo num sentido vasto, de tal forma que inclua a
actividade dos paparazzi).
Neste universo, a terceira revolução fotojornalística liga-se sobretudo aos seguintes
factores:
a) As possibilidades da manipulação e geração computacional de imagens levantam
problemas nunca antes colocados à actividade, no âmbito da sua relação com o real;
sob este prisma, há ainda a contar com as potencialidades abertas pela transmissão
digital de telefotos por satélite, desde Janeiro de 1988, mês em que, durante o rali
Paris-Dackar, a agência France Press transmitiu a primeira; por via disto, a estética
da velocidade e as pressões do factor tempo tendem a redimensionar-se;
b) Existem novas tentativas de controle sobre a movimentação dos (foto)jornalistas,
especialmente em cenários bélicos ou conflituosos, que levam à necessidade de
discutir o "direito a ver"(225). Os primeiros indícios notaram-se na guerra Irão-Iraque,
na invasão americana de Granada e nas guerras das Falkland e do Afeganistão
(embora, neste caso, seja necessário contar com o regime ditatorial soviético), mas os
sintomas apareceram sobretudo durante a Guerra do Golfo. Neste conflito (1991),
cônscios da importância que o fotojornalismo teve na sensibilização do público
contra a guerra do Vietname, os militares de ambos os lados adoptaram estratégias
censórias, como o funcionamento em pools de repórteres fotográficos com outros
jornalistas, guiados por militares através de itinerários previamente escolhidos; a
própria estratégia militar foi programada a pensar nas imagens(226), que, pela primeira
vez na história do fotojornalismo, se concentraram mais na alta tecnologia militar que
no elemento humano. Por outro lado, porém, algumas portas, como a dos tribunais,
vão-se abrindo ao fotojornalismo;
c) As novas tendências gráficas seguidas por grande parte dos jornais, e que se
encontram bem relevadas no pioneiro da sua aplicação, o USA Today, consagram
condições de lisibilidade, pelo que muitas das fotografias inseridas tendem, cada vez
mais, a assumir essencialmente um carácter ilustrativo; é a foto bonita, aplanada, lisa,
a triunfar, e o fotojornalismo a perder, provavelmente devido à influência da
televisão, de todos os media o mais poderoso;
d) Assiste-se a uma industrialização crescente da produção rotineira de fotografia
jornalística, centrada no imediato e não no desenvolvimento global dos assuntos, nos
processos —mais ou menos lentos— de investigação, embora, por contraste, o
fotojornalismo de autor, na linha da Magnum, sobretudo no campo documentalístico,
ganhe adeptos e prestígio.
A produção de fotografia jornalística de autor orienta-se sobretudo para a satisfação
das necessidades editoriais dos quality papers e para a edição de livros e realização
de exposições; alguma fotografia de autor (e não só) encontra-se também disponível
nas redes, como a Internet [o projecto 24 Hours in Cyberspace, por exemplo, foi
lançado na World Wide Web a 8 de Fevereiro de 1996, reunindo o trabalho de mais
de cem fotojornalistas), mostrando que a Net poderá transformar-se numa espécie de
redacção (newsroom) livre e mundial no futuro]. Algum trabalho fotojornalístico de
autor tem sido também publicado em postais ilustrados de grande consumo, um facto
que poderá revelar quer um reconhecimento renovado da qualidade fotográfica e da
mais-valia da diferença (democratização da cultura) quer, por outro lado, uma
transformação de um produto nascido com outros objetivos num instrumento
predominantemente utilitário-lucrativo e, portanto, desnaturalizado;
e) Alguma imprensa, com destaque para os supermarket tabloids, transportou dos
reality shows da televisão para os jornais e revistas a reconstrução ficcional dos
acontecimentos, recorrendo à fotografia (ao fotojornalismo?). A título
exemplificativo, um dos casos foi protagonizado pelo jornal americano National
Examiner, que, em Fevereiro de 1995, recorrendo a recriações computurizadas,
reconstruiu "fotograficamente" os assassinatos de Nicole Brown Simpson e de
Ronald Goldman;
f) Mesmo a foto-choque continua a perder lugar em privilégio do glamour, da foto-
ilustração, do institucional, dos features e dos fait-divers. No campo da imprensa,
parece-nos também que está a assistir-se a uma revalorização da fotografia de retrato
no âmbito do fotojornalismo.(227) Entendemos que um dos factores a que isto se deve
é à valorização da entrevista como género jornalístico — se até há bem pouco tempo
a entrevista valia pelas informações recolhidas, agora ela vale também, não raras
vezes, pelo entrevistado. A esta situação não será alheia a televisão, pois, neste
medium, visualizam-se os entrevistados, promovendo-os e, nalguns casos,
estrelizando-os. O problema é que essas fotografias de pessoas, como já se disse,
consagram soluções de legibilidade e lisibilidade, e não de interpretação, explicação,
contextualização, complemento informativo, como sucede no "verdadeiro"
fotojornalismo. Neste sentido, o fotojornalismo “puro e duro” é perdedor.
Estes factores levam a que, a nosso ver, na actualidade os debates sobre ética e
deontologia do fotojornalismo e, concomitantemente, pelo menos em parte, do design na imprensa,
são os que mais agitem a profissão, especialmente em torno de quatro pontos: 1) direitos de autor e
reserva de soberania da autoria, o que passa pelo direito à criatividade, à inovação e à originalidade,
pelo direito à assinatura e pelo direito e imperativo ético-deontológico do controle dos autores sobre
a edição de imagens fotojornalísticas (o fotógrafo californiano Brett Weston passou o seu 80º
aniversário a queimar os seus negativos, preocupado com a utilização que lhes poderia ser dada após
a sua morte); 2) conduta (o fotojornalismo pode invadir a privacidade, especialmente em ocasiões
em que os assuntos se relacionam com tragédias humanas, escândalos, figuras públicas e casos de
justiça —incluindo fotografia jornalística em tribunais); 3) problemas da implementação de
tecnologias de manipulação (e geração) computacional de imagens bem como de novas tecnologias
para a sua transmissão e difusão, que obrigam os fotojornalistas a um treino constante sob stress; e
4) problemas relacionados com a hipotética influência da televisão sobre o fotojornalismo
(lisibilidade e legibilidade, acção, ritmo, standardização, "grafismo", etc.).
No entanto, fotógrafos como Sebastião Salgado estão a salientar-se devido à sua
presença no campo oposto ao do reino da photo vulgaris. Da mesma maneira, desde os anos setenta
e oitenta que pequenas agências de fotógrafos, mais do que de fotografias, isto é, agências que
consagram o fotojornalismo de autor e de projecto de duração indefinida, têm seguido o modelo
aberto pela Magnum, agência a que Salgado já pertenceu. São os casos das americanas Contact e JB
Pictures e da francesa Vu. Elas contribuem, junto com jornais e revistas "de qualidade", para
ampliar o mundo da fotografia jornalística e para romper as rotinas e os critérios de noticiabilidade
dominantes no fotojornalismo, como a velocidade, a actualidade ou a acção.
Algumas revistas e jornais "de qualidade", os órgãos de comunicação social que se
pautam sobretudo pelo rigor informativo e analítico, também têm recorrido a esse modelo, o que
provocará, estamos convencidos, mesmo no campo das agências noticiosas com secção
fotojornalística, a necessidade de corresponder a estas antigas/actuais exigências do mercado. É
que, se as dominantes actuais do fotojornalismo na imprensa são o glamour, o institucional, o
desporto e a violência, violência esta entendida numa formulação global, urge encontrar outros
caminhos. E que violência global é essa que encontramos nos órgãos de Comunicação Social? Eis
o que escreveu, em 1988, Margarita Ledo Andión, no seu livro Foto-Xoc e Xornalismo de Crise:
"Violencia formal nos tempos e nos ritmos; violencia na sinteticidade dos tratamentos, na reducción a estereotipos; violencia técnica; violencia ó desmembrar o fotógrafo do control de edición e dos pés de foto; violencoa na descontextualización; nas rotinas productivas e na liturxia que fai a 'Un'. Violencia sobre do elemento 'Foto de Prensa' ó convertila nun puro recurso gráfico ou alerta visual agás cando é un elemento de tensión.
Violencia na mesma mecánica profesional —asumida— que prefere o tema da violencia e que escolle, prá lectura, a aproximación do plano ó tope, a morte sen fora de campo, a imaxe mui contrastada, o efecto surpresa, os efectos especiais."
O mercado tem-se tornado também num importante factor de conformação do
fotojornalismo. Reportando-se à situação nos Estados Unidos, Lindekugel argumenta que os
repórteres de imagem em mercados mais vastos e em organizações de maior dimensão orientam
geralmente a sua actividade pela especialização e por vezes perdem controlo sobre o seu
trabalho.(228) Os que trabalham em mercados menores e em organizações de menor dimensão
exercem, usualmente, um maior controlo sobre o seu trabalho, que tende a ser generalista.(229) Eles
desdenham as imagens "rudimentares"(230) e "pseudo-artísticas"(231) e reconhecem que "ter olho" para
a informação visual separaria os "verdadeiros" profissionais das restantes pessoas que se dedicam à
actividade.(232)
Por via de todos os factores reportados, pode falar-se da existência de uma certa crise
no fotojornalismo, mas, por outro lado, essa hipotética crise pode apenas corresponder a uma
adaptação. Mesmo que tal venha a significar um empobrecimento dos conteúdos, a tendência do
mercado é transformar o fotojornalismo numa indústria.
O que se passou na agência Gamma inscreve-se neste universo de tensões que o
fotojornalismo sofre na actualidade. Entre 1973 e 1978, a agência francesa já tinha atravessado um
período de crise, ligada a uma restruturação que teve de ser levada a efeito devido à saída de
Depardon e à entrada de outros fotógrafos, como Salgado e Abbas, que aí permaneceram até
ingressarem na Magnum. Mas depressa recuperou, e, de 1980 a 1992, atravessou uma fase de bons
negócios e inegável qualidade fotográfica.(233) Em 1992, porém, a agência perdeu dinheiro pela
primeira vez em 15 anos, devido à diminuição do volume de negócios. O que aconteceu foi que os
jornais e revistas clientes da agência tiveram de implementar políticas de austeridade devido ao
desvio da publicidade para as televisões.(234) Em 1993, irrompeu um conflito entre a administração e
os fotógrafos, motivado pelas prestações sociais. A administração e os accionistas pretendiam
manter o sistema retributivo baseado numa percentagem nas vendas, enquanto os fotógrafos lutavam
por salários fixos.
Apesar das tensões, é provável que o mercado da imagem fotográfica se alargue:
continuam a surgir novas publicações, frequentemente especializadas. E mesmo nos jornais
electrónicos e interactivos, em que parte das imagens já são pequenos filmes vídeo e não imagens
fixas, as fotos continuam (ainda?) a ter lugar. De facto, mais de cem anos após o começo da
aparição regular da fotografia na imprensa, a conclusão a tirar é a mesma: texto e imagem não são
convertíveis um ao outro e têm ambos lugar no jornalismo — possuem diferentes faculdades,
impressionam de forma diferente, originam percepções diferenciadas e oferecem diferentes tipos de
informação e de conhecimento (ou, pelo menos, familiarizam o observador com o observado de
forma diferente).
Nas questões de significação, assume especial relevância a utilização publicitária de
fotografias de reportagem e documentais, particularmente notada a partir dos finais anos oitenta.
Mesmo na Magnum, supostamente depositária de uma certa tradição fotográfica que colocaria o
conteúdo e o uso acima do lucro, há fotógrafos que permitiram que as suas fotos servissem a
publicidade comercial — é o caso de uma foto de Trabalho, de Sebastião Salgado, usada para uma
campanha da Le Creuset, e de uma foto de nudistas, de Elliot Erwitt, integrada numa campanha da
Levi's. A Benneton é, porém, o caso mais famoso entre as empresas que usam o fotojornalismo
como instrumento publicitário, com a utilização massiva e eticamente problemática de fotografias
jornalísticas chocantes, como por exemplo uma foto de Thérèse Frare sobre a agonia de um doente
com SIDA e uma fotografia sobre o trabalho infantil, obtida por Jean-Pierre Laffont, da agência
Sygma.
A própria imprensa usa o fotojornalismo para se autopromover, como fez o Diário de
Notícias, em 1996, ou o jornal sueco Svenska Daglabet, em 1992, durante uma campanha-choque
realizada com base em fotomontagens em que se recorreu a fotografias de reportagens. Temas:
sexo, morte, casamento, guerra, religião. Por vezes publicitaram-se também fotos truncadas, como
uma em que a imagem de uma criança no ventre materno se sobrepõe a um cenário da Guerra do
Golfo no qual o fumo dos incêndios nos poços de petróleo invade o céu. As fotos eram de Robert
Mapplethorpe, Lennart Nilsson e Henri Bureau, entre outros.
A diluição das fronteiras entre o documentalismo e a arte também teve as suas
consequências. Não só a arte se introduz nos domínios da fotografia documental e jornalística como
também estes géneros fotográficos são frequentemente aproveitados para fins artísticos. Uma das
fotos cuja utilização artística é frequente —e que até se tem divulgado em postais— é a célebre foto
de Abbas realizada, em 1978, numa escola de polícia sul-africana, ainda durante o apartheid: na
imagem, um polícia branco, erecto, fardado, com um bastão, é fotografado contra um fundo de
várias filas de candidatos negros à polícia, alinhados em tronco nú, de calções e sapatilhas.
Notícias "quentes", como alguns dos conflitos bélicos que ocorreram na década de
oitenta, entre eles a Guerra das Falkland (1982) e a invasão de Granada (1983), tiveram uma
cobertura fotojornalística inconsequente. As fotos não eram tão "quentes" como o que
representavam. Por seu turno, acontecimentos como o raid americano sobre Tripoli nem sequer
foram objecto de cobertura fotojornalística. Já a cobertura da guerra na Tchechénia oscilou entre a
cobertura empenhada e a cobertura censurada. Dos grandes combates e dos muitos mortos,
nomeadamente civis, poucas fotos há. Mas há dos refugiados: a foto do ano do World Press Photo
de 1996 (referente a 1995) é marcadamente simbólica: a criança sofredora que parte na velha
camioneta pela rugosa estrada de terra, olhando, de braços erguidos de desalento, para uma terra que
já não é dela da janela do fundo do autocarro (Lucien Perkins, Washington Post).
A essência do fotojornalismo de guerra perdeu-se, entre outras acções militares, nas
Falkland, em Granada e no Panamá. Porém, durante a guerra civil libanesa, embora mais ou menos
pontualmente, notaram-se alguns rasgos dessa vertente essencial do fotojornalismo. Tal é provado
pela foto sobre a desolação dos refugiados palestinianos, de Françoise Demulder, da Gamma, que
ganhou o prémio "foto do ano" do World Press Photo de 1976; ou pela foto dos refugiados, também
palestinianos, de Sabra e Shatila, massacrados por falangistas cristãos, que valeu a Robin Moyer, da
Black Star, a trabalhar para a Time, o prémio da foto do ano do World Press Photo de 1982. Ambas
evidenciam até como determinadas imagens podem funcionar, dentro do sistema, contra o sistema
dominante. Mas, na guerra Irão/Iraque, um conflito que o Ocidente seguiu com atenção, devido ao
petróleo e à ânsia de ver o fim do fundamentalismo islâmico iraniano, não se notou também
qualquer reinvenção ou até mesmo qualquer pequena revivência do fotojornalismo de guerra "à
Vietname".
No conflito das Falkland, a Gamma foi a agência mais beneficiada, já que possuía no
terreno um correspondente na altura da invasão argentina. Mas esta ocorrência nada vai beneficiar a
Argentina: a guerra das imagens foi perdida também por este país, que deixou que se fotografasse a
rendição dos soldados britânicos da pequena guarnição, humilhando os britânicos, exaltando os
ânimos nas terras de Sua Magestade e tornando difícil outra resposta britânica que não fosse a
militar. Um outro acontecimento humilhou, posteriormente, a Argentina e afectou a moral das
tropas deste país que defendiam o terreno conquistado: um oficial argentino corrupto vendeu as
fotografias do afundamento pelos britânicos do navio General Belgrano, uma das glórias da marinha
argentina. Estas fotos tiveram ampla divulgação na imprensa mundial.
Em Granada, no ano seguinte, a vitória na guerra particular das agências pertencerá à
Sygma, que teve sozinho no terreno, durante quatro dias, o fotógrafo Fabian Cevallos. Este só pode
fotografar a guerra de longe, mas teve a vantagem de a sua produção ser exclusiva.
Em 1996, os editores de um semanário do estado americano de Indiana foram
surpreendidos com a reacção negativa de um segmento do público à fotografia da primeira página
em que uma mulher branca beijava um atleta negro profissional. Tal evidenciou que não só as fotos
têm efeitos como também que os seus efeitos podem ser revelar o que vai no âmago de muita gente,
incentivar ódios ou amores, tristezas e alegrias, raiva e calma, solidariedade e desumanidade. Neste
caso, mostrou bem que os sentimentos racistas estão ainda bem à superfície em muitos americanos.
Em 28 de Janeiro de 1996, quando a Associated Press fotografou o Super Bowl
XXX, foi a primeira vez que um grande evento foi fotojornalisticamente coberto recorrendo-se
apenas à fotografia digital. A ocorrência talvez represente o início de uma era para o
fotojornalismo.
Fotógrafos e trabalhos
Há fotógrafos que se vêm distinguindo de há algum tempo para cá, orientando a sua
produção por linhas que por vezes não se podem delimitar como estritamente documentais ou
fotojornalísticas. Marie Laure de Decker, que já se havia distinguido no Vietname, onde se estreou
ao serviço da Paris-Match, elegendo temas algo marginais ao conflito e ao choque, como o da
prostituição em Saigão, é um dos bons exemplos, ao fotografar as revoltas negras na África do Sul
antes do fim do apartheid. Alexandra Boulat, com as suas fotos da ex-Juguslávia, é outro exemplo
(re)conhecido, tal como o são a catalã Kim Manresa, que realizou brilhantes reportagens sobre as
ruas de Barcelona, Georges Mérillon, da Gamma, que fotografou na Roménia e no barril de pólvora
chamado Kosovo, ou Stephane Compoint, da Sygma, que fez a cores e de maneira mais
espectacularizada o que Salgado fez a preto-e-branco: fotografias do combate aos incêndios nos
poços de petróleo koweitianos após a Guerra do Golfo. É justo também referir o marroquino Daoud
Aoulad-Syad, que publicou, em 1991, o livro Marrocains, e que se pode considerar um seguidor de
Cartier-Bresson, quer no que respeita ao "instante decisivo", quer no que respeita à intenção
surrealista que norteia algumas das suas fotos.
Novos valores estão também a despontar no campo do fotojornalismo de guerra.
Patrick Chauvel é um dos fotógrafos que mais perigos corre hoje em dia e é também um seguidor da
máxima de Capa: deve-se estar perto da acção. Foi o que fez no Panamá, em Beirute, em El
Salvador, no Cambodja e no Haiti. Mas também o que fez em Nova Iorque, onde abordou a
violência urbana. Eric Bouvet, da Saga, tornou-se conhecido após a apresentação das suas fotos de
Serajevo, Beirute, Mogadíscio, Angkor e Halabja, no Iraque. Luc Delahaye cobriu, para a Sipa, a
revolução romena, a Infitada, a guerra civil libanesa, a guerra no Afeganistão, a guerra na Bósnia, a
Guerra do Golfo, principalmente a libertação do Koweit, a guerra na ex-Juguslávia, os massacres no
Ruanda e, já na Magnum, a guerra na Tchechénia, tal como o fez o inglês Paul Low. O arménio
Armineh Johannes iniciou-se no fotojornalismo quando cobriu o sismo da Arménia, em 1988,
fazendo depois uma série de reportagens sobre a sua terra, em pé de guerra. São percursos
semelhantes que se repetem nos horrores dos nossos dias, porque estes também se repetem.
Francesco Gattoni (1956-), italiano que trabalha em França, efectuou reportagens na
Roménia, no Egipto e na Sardenha, revelando-se também como retratista de uma série de escritores.
Com o alemão Frank Siberbach (1958-), que pratica uma fotografia humanista na tradição
documental a preto e branco, e o francês Antonin Borgeaud (1967-), que abordou a condição social
dos povos do Sahara Ocidental, do Perú, de Cuba e da Mongólia, são alguns dos jovens talentos do
fotojornalismo contemporâneo que se deram a conhecer sem abordarem conflitos bélicos.
O franco-belga Laurent van der Stockt, da Gamma, e o inglês Jon Jones, da Sygma,
estão a tornar-se também nomes importantes do fotojornalismo actual. O primeiro esteve nas
guerras do Iraque, Juguslávia, Sudão, Iémen e da Tchechénia. Esteve também no Afeganistão, onde
fotografou as crianças de Kabul. Por seu lado, foi graças às fotos na Tchechénia que o segundo se
tornou conhecido.
Por vezes, é muito difícil distinguir, no sentido estrito, o que é um fotojornalista do
que é um fotodocumentalista. Não se podem catalogar os fotógrafos, pois é principalmente a sua
actuação, o seu método, que determina o género fotográfico. As fotografias mais bem pagas de
Sebastião Salgado talvez sejam as do atentado ao Presidente Reagan, que são puras spot news. O
mesmo acontece com Dario Mitidieri, que, apesar de ser conhecido essencialmente por projectos
documentais, fez a cobertura das consequências do terramoto de Koba, no Japão.
Um acontecimento marcante: A Guerra do Golfo
Um caso de desrespeito pelo fotojornalismo foi o da Guerra do Golfo, um conflito
onde a manipulação da cobertura jornalística fez notar que o jornalismo pode estar a atravessar uma
crise. De facto, apesar do fascínio público com as "bombas inteligentes" e as tecnologias de ponta, a
cobertura da Guerra do Golfo —em pools organizados pelo Departamento de Defesa dos EUA ou
pelo Governo iraquiano, como já referimos— consistiu principalmente em material banal, como o
decorrente de briefings militares, comentários de "especialistas", entrevistas a militares e políticos
ou exercícios militares. Além dessas limitações, outras existiram: constrangimentos no acesso às
áreas de actividade militar, censura militar e a auto-regulação mantida pelos news media:
Na generalidade, a cobertura fotojornalística do acontecimento foi realizada
conforme os parâmetros temáticos do fotojornalismo de guerra (líderes militares, preparativos de
combate, acções bélicas, avaliação do poder militar, etc.). Um aspecto, porém, foi novo: a enorme
ênfase na catalogação fotográfica (e infográfica) do arsenal bélico dos beligerantes, principalmente
dos americanos. Por um lado, esta situação pode levar-nos a pensar em hipotéticas acções de
propaganda desenvolvidas pelas relações públicas militares com objectivos como o de desviar a
atenção dos custos humanos do conflito; por outro lado, pode levar-nos a reflectir sobre o papel
desempenhado pela indústria bélica e pelos estados que se dedicam à produção e comercialização de
armas, quer nos conflitos em si (crescentemente controlados, como se viu no Golfo, por uma elite
política e económica e por militares profissionais) quer no jornalismo de guerra.
Também Margarita Ledo (1993) se preocupa com o relevo dado à representação
fotográfica dos equipamentos militares, que inscreve em três estratégias centrais de difusão
estereotipada da foto durante o conflito:
— Tecnologia como novo mito;
— O interesse humano transfere-se para a recordação da família, que deve ser
poupada a possíveis desgraças;
— A confiança no triunfo como parte da verdade única e universal (recorde-se a foto
de Diane Walker, da Time, premiada no World Press Photo de 1991, onde Bush se
ergue, orgulhoso, entre os soldados americanos na Arábia Saudita).
Há ainda a acrescentar que, conforme veio a salientar Mike Deaver, do Departamento
de Contra-Informação da Casa Branca, as tácticas da Guerra do Golfo foram desenvolvidas tendo
em vista a cobertura visual do acontecimento, especialmente a cobertura videográfica. Além disso,
a acentuar o carácter problemático da cobertura fotojornalística da Guerra do Golfo, muitas das fotos
obtidas pelos fotógrafos militares ou civis das pools foram distribuídas pelo Departamento de
Defesa americano e não pelos órgãos de comunicação social. Essa distribuição por vezes foi
efectuada para áreas localizadas, como a Europa, impedindo outros pontos do mundo de "ver" o
mesmo. A célebre fotografia de Ken Jarecke de um soldado iraquiano carbonizado na cabine do seu
camião, por exemplo, não foi publicada, durante a guerra, nos Estados Unidos, e a sua publicação na
Europa originou alguns protestos, mesmo por parte do público: por exemplo, alguns leitores do The
Observer, o primeiro jornal britânico a publicar a foto (3 de Março de 1991), insurgiram-se contra a
sua inclusão, pois consideravam que a foto ultrapassava os "limites do admissível". Tal realça o
carácter cultural das fotos, já que durante a história se foram estabelecendo limites ao
fotograficamente visualizável. Um outro elemento em favor desta asserção é que fotos como a
referenciada despem a guerra de toda a auréola de epopeia que ainda possa ter, apesar do
enraizamento histórico-cultural desta noção. Daí, em parte, os protestos.
Quando rebentou a guerra, numa altura em que a imprensa ainda discutia se aceitava
as condições do Pentágono sobre o funcionamento em pools e as ameaças de restrições enormes aos
(foto)jornalistas que não queriam integrar as pools, a France-Presse distribuiu fotos do
Departamento de Defesa dos EUA, funcionando como a sua antena de retransmissão (teria sido por
medo de falta de imagens?).
Através das análises de conteúdo feitas à produção fotojornalística sobre a Guerra do
Golfo, foi visível que esta se orientou para a criação do mito da tenologia. A um nível mais
primário em termos de geração de sentidos, foi visível que o fotojornalismo se orientou para a
criação do mito do armamento inteligente (sabe-se, hoje, que a maior parte das bombas despejadas
sobre o Iraque eram gravitacionais, como as da Segunda Guerra Mundial), através do destaque dado
às fotos de armamento e tecnologia. Conforme também pudemos constatar pela imprensa americana
e portuguesa, das raras fotos em que surgiam soldados a actuar no terreno —o que traduz
negligencia na cobertura dos custos humanos do conflito—, grande parte eram de exercícios
militares e não de confrontações bélicas. Além dessas fotos, a restante produção consiste em
imagens de políticos de visita às tropas, políticos e militares aliados entrevistados (fotojornalismo de
retrato) e aspectos dos briefings militares aliados.
Importante também sobre a Guerra do Golfo foi o que foi negligenciado na cobertura,
especialmente nos EUA: fotografias das baixas aliadas não-americanas, das demonstrações públicas
contra a guerra nas nações aliadas, da vida civil na Arábia Saudita durante o estacionamento das
tropas aliadas, das tropas e baixas civis e militares iraquianas e das baixas civis das nações atacadas
pelo Iraque (Koweit, Arábia Saudita e Israel).
Por seu turno, a Life protagonizou um dos casos mais relevantes da manipulação da
cobertura fotojornalística durante o conflito: a 11 de Março de 1991, publicou uma fotografia do
general Schwarzkopf rodeado por um grupo de soldados, supostamente tirada depois da "vitória".
Só que um dos soldados aí presentes já tinha morrido.
Pelas nossas pesquisas, estamos também convencidos de que a cobertura
fotojornalística da Guerra do Golfo serviu, essencialmente, para estabilizar conceitos algo
estereotipados (superioridade armada aliado-americana e superioridade moral aliada) e para
personalizar a guerra (Bush vs. Saddam, frequentemente colocados em confrontação através das
fotos inseridas nos jornais), o que permitiu uma exploração emocional dos cidadãos através de uma
direccionação facilitada dos ódios e afectos.
Esses e outros dados, como as diferenças entre os fotolivros sobre a guerra, destroem
pela base o mito da objectividade fotojornalística. Por exemplo, entre o livro da Time-Warner,
Desert Storm: The War in the Persian Gulf, que inseria essencialmente fotografias "patrióticas"
(com símbolos que apelavam ao patriotismo) e "iconográficas" realizadas pelos fotógrafos das pools
do Departamento de Defesa, e o livro da Harry N. Abrahams, In the Eye of Desert Storm, que punha
o acento tónico nas consequências humanas do conflito, inserindo fotos mais "gráficas", a distância
é abissal. A ideologia da objetividade, por vezes, esconde mais do que mostra.
Estamos, portanto, de acordo com Margarita Ledo Andión (1993), quando a autora
galega exclama que a Guerra do Golfo veio demonstrar, mais uma vez, a urgência de se discutir o
direito a ver.
O Ruanda
O caso recente dos massacres no Ruanda veio tornar a concentrar a atenção no
potencial sensibilizador da fotografia — será este elevado ou dependerá do observador?
A 6 de Abril de 1994, o avião presidencial ruandês é abatido. As tropas dos hutus, no
poder, desencadeiam de imediato o massacre dos tutsis. A 9 de Abril, a Sygma e a Sipa enviam
respectivamente os fotojornalistas Patrick Robert e Luc Delahaye para a zona. No local
encontravam-se já seis jornalistas americanos que, no entanto, rapidamente foram mandados
regressar aos Estados Unidos. A 10 de Abril, as primeiras fotografias dos massacres começam a
chegar a Paris, mas não despertam as redacções. No princípio de Maio, Patrick Robert vai regressar
à capital francesa sem que a sua agência tivesse vendido uma única foto. Tal, a nosso ver,
demonstra a neutralização afectiva decorrente da banalização da violência, que, preocupantemente,
tem invadido também as redacções. O conhecido critério de valor-notícia da proximidade não
explica (nem justifica) tudo.
Se bem que, a 27 de Abril, o Le Monde tivesse publiado uma reportagem a dar conta
dos massacres, só a 18 de Maio é que o tema vai chegar às primeiras páginas, com o Le Quotidien
de Paris a publicar uma foto chocante na "um", e o pico da cobertura mediática é atingido entre 14 e
20 de Julho. Nesta altura, o Ruanda já pouco interessava e as atenções dos jornalistas
concentravam-se no campo de refugiados de Goma, no Zaire, onde a morte se devia, sobretudo, às
doenças contagiosas. Em Portugal, as coisas passaram-se de forma semelhante. Depois disto,
algumas questões ficam no ar: será que realmente já nem mesmo a violência vende? Terá a foto-
choque perdido o seu espaço? Será que no "fotojornalismo" se tornaram mais importantes as fotos-
ilustração, as fotos-tipo-passe, as fotos-institucionais, as fotos das figuras públicas, a moda ou as
fotos que apelam ao erótico?
A fotografia digital
Foi o embaratecimento das tecnologias da imagem digital que permitiu a sua
popularização. Em 1989, a Canon, a Nikon e a Sony já possuiam as still video cameras, que, não
obstante, eram analógicas. Nesse ano, surgiram no mercado as primeiras câmaras digitais: a Rollei
Digital Scanback, a Fujix Digital Still Câmara e a Kodak Professional DCS. Surge também
software adaptado ao armazenamento, manipulação, edição e visualização de imagens. No campo
da fotografia digital, mudam os processos de capturar, mostrar e imprimir as fotos. Em Setembro de
1990, a Kodak lança o Photo CD e, no ano seguinte, a Philips coloca no mercado um sistema de CD
interactivo, ao mesmo tempo que a Canon, a Xerox e a Kodak põem à venda fotocopiadores
digitais. Hoje, a tecnologia já permite a ligação directa das máquinas aos computadores e/ou a
interfaces próprios, como modems que permitem o envio rápido das fotos.
Porém, alguns casos dos finais dos anos oitenta e princípios dos noventa vieram
renovar o debate sobre as fotos a a sua capacidade de referenciar a realidade, evidenciando,
igualmente, que as novas tecnologias vão provavelmente destruir de uma vez por todas a crença de
que uma imagem fotográfica é um reflexo natural da realidade. As "culpas" recaem sobre a
fotografia digital.
Entre os primeiros casos identificados de manipulação digital de imagens
fotográficas na imprensa, podemos referenciar os seguintes:
a) Apagamento, em 1989, no St. Louis Post-Dispatch, de uma lata de Diet Coke
numa fotografia de notícias, com o argumento de que se deveria destrinçar
publicidade de jornalismo;
b) Enegrecimento da cara de O.J. Simpson numa capa da Time, revista que já em
1989, numa edição especial para coleccionadores, tinha removido a antena de um
walkie-talkie que parecia sair da face da atleta olímpica Mary Decker;
c) Aparecimento, na Primavera de 1994, de várias disposições de sequências
fotográficas da execução de três paramilitares sul-africanos da extrema-direita racista
por tropas negras de um bandustão. Os paramilitares foram executados na frente de
um grupo de fotojornalistas e os jornais aproveitaram diferentemente fotos de grande
parte desses fotojornalistas, apresentando-as em falsas sequências, para criarem uma
imagem do acontecimento. As sequências variaram de órgão de comunicação social
para órgão de comunicação social. O acontecimento foi, assim, recriado
fotograficamente, de uma forma mais espectacularizada do que referencial;
d) A National Geographic "deslocou", em Fevereiro de 1982, uma pirâmide de Gizé
numa fotografia "ao baixo" para que a fotografia pudesse ser colocada "ao alto", na
primeira página;
e) Rotineiramente, os editores de fotolivros e de revistas manipulam digitalmente as
fotografias para a primeira página, pois elas serão vistas mais como ilustração do que
como documento.
f) A Newsweek de 16 de Janeiro de 1989 trazia uma imagem sobre o filme Rain Man
em que Tom Cruise e Dustin Hoffman surgiam como se estivessem a conversar,
apesar de terem sido fotografados separadamente;
g) Em 12 de Agosto de 1990, o The New York Times apresentou uma imagem digital
realizada a partir de uma fotografia da conferência de Ialta, na qual Rambo e
Groucho Marx foram introduzidos;
h) Referindo o carácter "fabricado" da imagem, em 24 de Julho de 1991 o mesmo
The New York Times juntava, numa imagem, Saddam Hussein e James Baker num
pseudo-encontro cordial;
i) A revista Spy, em resposta satírica à capa da Vanity Fair com Demi Moore grávida,
colocou a face de Bruce Willis sobre o corpo grávido da mulher; a TV Guide, por seu
turno, colocou a cabeça de Oprah Winfrey no corpo de Ann Margaret, em 1989;
j) O Washington Post removeu uma actriz secundária de uma foto em que ela surgia
junto com o sujeito principal, Helen Hayes;
k) O New York Newsday publicou uma imagem das patinadoras Nancy Kerrigan e
Tonya Harding aparentemente patinando juntas, quando se tratava de uma ficção
total;
l) A Popular Science criou uma imagem para a primeira página transferindo um
avião de uma fotografia aérea para outra fotografia aérea;
m) Clareamento do mamilo de uma rapariga em 1989, para "não ofender" os leitores,
segundo informação do Guardian Weekly, em 1989;
O que se passa é que as novas tecnologias digitais transformam as imagens em
milhares de impulsos electrónicos. Isto torna possível armazenar fotografias numa disquete ou num
disco, tal como transmiti-las por satélite logo após a sua realização. Trata-se, afinal, de tecnologias
que, a este nível, permitem vencer o tempo e o espaço com maior comodidade e qualidade. Além
disso, o armazenamento em disco permite, por exemplo, quer a visualização da foto em monitores
de TV, com o recurso a um Photo CD, quer a sua reprodução tradicional em papel. Mas também
permite a sua leitura e manipulação computacional quando se recorre a um CD-ROM e a um
computador.
Tal como a fotografia tradicional difere da pintura, a imagem digital difere da
fotografia tradicional quanto à realidade física. Enquanto a fotografia digital vive de processos
analógicos e contínuos (a fotografia é 'análoga' à luz que lhe deu origem), a imagem digital é uma
realidade discreta, codificada num código de zeros e uns, subdividida uniformemente numa grelha
finita de células —os pixels— cuja gradação tonal de cor pode mudar em função do código. Na
fotografia tradicional o suporte é o negativo, que, por vezes, aporta mais informação do que nos
apercebemos à primeira vista. Na imagem digital a resolução tonal e espacial é limitada e contém
uma quantidade fixa de informação. Uma vez ampliada, revela a sua micro-estrutura.
O contínuo espacial e tonal das fotografias analógicas tradicionais não é reproduzível
com exactidão. Transmitidas, digitalizadas ou copiadas são sujeitas a alguma degradação. Porém, a
imagem digital pode ser repetida até ao infinito sem perda de qualidade, mas também é fácil e
rapidamente manipulável através da substituição de dígitos no código binário —de zero e uns— que
a sustenta.
É por essa razão que uma imagem digital pode ser totalmente sintetizada
computacionalmente, ser resultante de uma digitalização de outra imagem, ver a sua perspectiva
alterada através das mudanças da zona de sombras, ser pintada electronicamente ou ser até sujeita a
uma mistura de todos esses processos, possuindo ainda assim coerência interna, um processo que
poderíamos denominar de bricollage electrónico.
Os problemas que para o fotojornalismo se levantam com as novas tecnologias estão
relacionados, portanto, com a forma como a alteração electrónica das imagens se tornou fácil e de
difícil (virtualmente impossível) detecção. Se, num certo sentido, a fotografia é sempre uma forma
de manipulação visual da realidade — pense-se, por exemplo, no controle da exposição, na focagem
e nos procedimentos laboratoriais, como a revelação, a ampliação, a impressão ou o
mascaramento— as tecnologias da imagem digital exponenciaram esse fenómeno. É fácil, por
exemplo, alterar, na imagem, as cores do cabelo, da roupa, dos olhos e da pele, alterar penteados,
apagar objectos e/ou palavras e material gráfico neles inscritas, colocar frente a frente pessoas que
nunca se viram, inserir pessoas em ambientes diferentes, entre várias outras operações. A foto
digital não deixa, porém, de ser um espaço a explorar no que toca à intervenção subjectiva e
produção de sentidos no jornalismo, pois facilita, por exemplo, a truncagem. Mas deverá, em todo o
caso, ser assumida e mostrada como tal.
Não é que o retoque, a alteração, supressão e inclusão de elementos nas imagens
fotográficas seja novo — vimos, no nosso percurso ao longo da história, como isso foi prática se não
comum, pelo menos ocasional, tal como os procedimentos laboratoriais de "melhoria" da imagem
fotojornalística para publicação (aumentar o contraste, semi-máscaras, reenquadramentos, etc.).
Mas Alexander Gardner, por exemplo, só necessitaria agora de um computador e respectivo
software para rearranjar o corpo da foto A Sharpshooter's Last Home, dando lugar à foto Home of a
Rebel Sharpshooter.
As alterações introduzidas nas imagens fotográficas ao longo dos tempos usualmente
acabavam por ser detectadas por especialistas e, algumas vezes, mesmo por pessoas comuns,
quando, por exemplo, se tratava de uma truncagem mal feita ou quando se conhecia o original ou até
o contexto da realização. Porém, a manipulação computacional é diferente devido à virtual
indetectabilidade de procedimentos como a truncagem. Com os computadores, abrem-se as portas à
possibilidade de mentir (fotograficamente falando) de maneiras inimagináveis no passado. Daí que,
na nossa opinião, nos compromissos ético-deontológicos entre fotojornalistas e público se tenham de
inscrever novas regras de confiança. Aliás, neste último campo, Shiela Reaves descobriu que a
tolerância dos editores fotográficos dos jornais diários norte-americanos à manipulação
computacional de imagens depende da categoria das fotos. Seriam intolerantes no que respeita à
alteração de spot news e mais tolerantes no caso de fotografias de soft-news, como as features
photos (tolerância intermédia), e de photo illustrations (tolerância máxima).(235)
Face aos resultados das pesquisas de Reaves, seria, consequentemente, possível
estabelecer uma grelha de previsibilidade em relação à manipulação computaional de fotografias
jornalísticas. Com base nessa grelha, seria possível prever que fotografias essencialmente
ilustrativas, como a de O.J. Simpson na capa da Time, poderiam ser objecto de manipulação,
enquanto outras, como as spot news, dificilmente seriam manipuladas, excepto, eventualmente, no
que respeita ao contraste e pouco mais.
Vemos, assim, que as questões ligadas à geração e manipulação digital de imagens
são das mais relevantes para o fotojornalismo actual, especialmente no campo deontológico, até
porque a tecnologia da imagem digital está a ter cada vez maior utilização e é provável que venha a
suplantar a fotografia tradicional, o que, provavelmente, afectará a nossa percepção do mundo, os
processos de geração de sentidos e a construção social da realidade.
A imagem digital é, em parte, vista como ética e deontologicamente transgressora ou
perto da transgressão. O presidente da NPPA, por exemplo, apregoava, em 1989, que não se podia
usar a tecnologia da imagem digital para criar mentiras.(236) E o crítico de fotografia do The New
York Times, indo mais longe, advertia contra a eventual desrealização do mundo fotografado (perda
dos referentes reais).
Em Portugal ainda não ecoaram com força os ecos do debate internacional acerca das
novas tecnologias aplicadas ao fotojornalismo, talvez porque os fotojornalistas e editores ainda não
se tornaram sensíveis ao problema. Mas, noutros países já se têm produzido algumas propostas:
— A NPPA pediu um código de ética para regular a manipulação digital de imagens,
num congresso sobre fotojornalismo electrónico em Martha's Vineyard, a 6 de
Outubro de 1989.
— A Associated Press adoptou políticas oficiais de não alteração/manipulação do
conteúdo das fotografias;
— A Associação de Jornalistas da Noruega propôs a introdução de um símbolo que,
introduzido nas fotografias digitalmente manipuladas, alertaria as pessoas para o
facto.
De qualquer modo, se bem que se possa distinguir o fotojornalismo da ilustração
editorial, a disseminação das tecnologias digitais impede o controle institucional sobre a
manipulação digital de fotografias, ainda que jornalísticas. Mesmo a questão da propriedade e a
questão do controle económico sobre a imagem digital se tornam problemáticas, pois não existem
negativos. Aliás, a fotografia digital nem sequer permite um acto equivalente à destruição dos
negativos e a própria miscelânia de partes de todos que por vezes se faz na imagem digital torna
igualmente problemática a própria definição de autoria.
Há ainda a considerar que podem estar a surgir novos discursos de resistência à
fotografia por parte da comunidade interpretativa redactorial do campo jornalístico(237), já que se
avolumam suspeições quanto à fotografia na era da geração e manipulação digital de imagens. Na
óptica de Barbie Zelizer, as comunidades interpretativas resistem à introdução de novas
tecnologias.(238) Desta forma, no campo jornalístico podem estar a insinuar-se novas formas de
resistência à fotografia, latentes desde os anos quarenta. Essas formas de resistência, de base
histórico-cultural, seriam principalmente manifestadas, segundo Alter, através de um discurso que
enfatiza o quanto hoje é fácil —recorrendo-se a processos informáticos— mudar a essência da
fotografia, sendo difícil detectar as mutações.(239)
Não é que as práticas de construção imagética sejam recentes. Desde que os soldados
posaram para Fenton, e passando por Gardner, Thomson, Weegee, Rosenthal e, eventualmente,
Smith, entre tantos outros, que a história do fotojornalismo oferece exemplos e desconfianças. O
que parece provado é que os processos de sobreposição de novas e velhas técnicas e tecnologias ao
acto fotográfico "puro" origina resistência. Inclusivamente, apesar de existirem autores, como
Goldberg, que apontam para a existência de diferentes padrões de fidelidade ao real(240), outros
exploram de uma forma denunciante a capacidade de afastamento referencial da fotografia
jornalística em relação ao real por via das técnicas e tecnologias(241).
A crescente aceitação das novas tecnologias de imagem pelos news media traz
rapidez e simplificação de procedimentos, rentabilizando os recursos humanos. O seu maior
problema é que essas tecnologias têm flexibilidade quer para directamente "registar" a realidade,
quer para construir totalmente uma imagem quer ainda para combinar elementos criados com os
"registados". Por vezes, conseguem-se detectar as manipulações, criações e construções de imagens,
mas, noutras ocasiões, a tarefa é difícil ou mesmo impossível. Como já dissemos, esta
impossibilidade virtual é maior no campo das imagens digitais e menor no campo da fotografia
tradicional.
Não é que o ser humano esteja desprovido de defesas contra a manipulação
imagética: a educação, a cultura e a experiência levam as pessoas, julgamos, a não aceitar, hoje, tão
facilmente as fotografias como representações válidas da realidade que tomam parte directa na sua
mundivivência. Nesta matéria, há filmes que mostram como se fazem manipulações e fotos que se
sabe terem sido manipuladas. De qualquer modo, não é por isso que o fenómeno da imagem digital
deixa de levantar questões incomodativas e preocupantes. Num estudo de 1993, James D. Kelly e
Diona Nace, por exemplo, descobriram até que a credibilidade duma foto semelhante às que se vêem
todos os dias na imprensa não se alterava significativamente quando um dos grupos estudados via
antecipadamente um vídeo sobre manipulação digital de imagens enquanto o grupo de controle não
o via.(242) Esta ocorrência pode demonstrar que, por muito grande que seja a literacidade no domínio
da imagem digital, as fotos sujeitas a manipulação, quando esta é desconhecida para o receptor,
tendem a ser tão credíveis como as restantes. No mesmo estudo, os autores chegaram ainda a outra
conclusão interessante: a credibilidade de uma foto pode ser maior ou menor do que a da publicação
em que surge, isto é, a credibilidade de uma fotografia poderá ser semi-independente em relação à
publicação, mas quando a publicação é credível a credibilidade da foto tende igualmente a atingir
maiores níveis de credibilidade, e vice-versa, embora tal dependa da natureza da informação que
aporta: "People believe photos if they make sense —if the information they provide fits comfortably
within their existing understanding of the world— not because they are exact renderings of
reality."(243)
O multimédia tornou-se, de qualquer modo, o medium pós-moderno por excelência:
vive da fragmentação e da interactividade; consequentemente, é extraordinariamente fomentador da
polissemia, mas, por isto, também da indeterminação e da heterogeneidade. E a difusão da imagem
digital pode ser uma oportunidade para levar à desconstrução do mito da objectividade fotográfica.
A introdução das tecnologias de imagem digital nos news media escritos começou na
década de oitenta, numa primeira fase com as operações de retoque, halftoning, correcção cromática
e separação de cores.(244) Nos Estados Unidos, em 1989, o Wall Street Journal estimou que 10% de
todas as fotografias a cor publicadas na imprensa norte-americana eram digitalmente retocadas ou
alteradas.(245)
Tendo vantagens técnicas e económicas, a fotografia digital será difícil de travar no
campo da imprensa e não é nítido, sequer, que deva ser travada, inclusivamente não só porque
podem haver alturas em que a manipulação digital dá à imagem valor acrescentado, mesmo em
temos de interpretação e análise, mas também porque a digitalização facilita a reescrita de legendas
e o arquivo.
A concepção e fabricação de imagens digitais tem processos menos estandardizados
do que a fotografia tradicional, oferecendo mais oportunidades para a intervenção humana. Entre os
principais processos de manipulação digital de imagem contam-se os seguintes:
— Ajustamentos e contrastes tonais: escurecem-se ou clareiam-se as imagens; realça-
se ou atenua-se o contraste;
— Utilização de filtros digitais. Usam-se quer filtros coloridos, que proporcionam
efeitos semelhantes aos dos filtros na fotografia tradicional, quer thresholding filters,
que põem em branco puro todas as zonas claras e em preto puro todas as zonas
escuras, gerando efeitos mais dramáticos e singulares, quer ainda posterization filters,
que simplificam a estrutura tonal de uma imagem num menor número de níveis;
— Reenquadramento;
— Destaque das figuras dos fundos;
— Sombreamento (shading);
— Conversão de positivos em negativos e vice-versa;
— Correcções e alterações cromáticas;
— Realçamento de detalhes (sharpening);
— Efeitos de névoa (smoothing), o que também "remove" pequenos detalhes;
— Realce ou atenuação do "primeiro plano" (foreground) e do "plano de fundo"
(background);
— Extracção das linhas estruturais;
— Retoque e pintura;
— Difusão através da interpenetração de áreas coloridas adjacentes;
— Mascaramentos;
— Acentuação, diminuição, introdução e alteração de texturas;
— Simulacro de iluminação, inclusive de iluminação colorida;
— Projecções de vários ângulos da imagem (alteração dos pontos de vista);
— Mistura de imagens;
— Colocação, substituição e retirada de pessoas e objectos;
— Efeitos ópticos (reflexão, difracção, transparência, refracção, etc);
— Efeitos atmosférios;
— Ampliação e redução;
— Rotação e reflexão;
— Alteração e simulação da profundidade de campo;
— Corte e colagem;
— Efeitos de travagem ou de escorrimento do movimento;
— Combinação de imagens sintéticas e de "registo";
— Replicação da imagem em superfícies de dimensão inferior da própria imagem;
— Distorções.
O Advanced Photo System (APS)
Numa tentativa de atenuar o avanço da fotografia digital sobre a fotografia em
suportes de prata, cujas vendas têm vindo a diminuir, a Kodak, a Fuji, a Minolta, a Nikon e a Canon
desenvolveram conjuntamente uma nova geração de filmes, máquinas e acessórios, que
denominaram Advanced Photo System (APS). Este sistema foi apresentado em Janeiro de 1996.
O filme APS tem 24mm, o que o torna incompatível com o sistema de 35mm. Os
negativos ficam sempre dentro da cassete, para evitar que se deteriorem. Para os acompanhar é feita
uma prova de contacto.
A principal novidade do APS reside na colocação de uma banda magnética no filme.
Nesta banda são gravados 400 bytes de informação sobre dados relevantes para o processamento das
imagens, como o tempo de exposição ou a luz incidente.
A banda magnética pode ser lida automaticamente pelo equipamento de obtenção e
processamento das imagens, que, com automatismos, faz correcções em ordem a "melhorar" a
qualidade das fotos. Mas também facilita leituras por parte do fotógrafo e do processador,
possibilitando-lhes actuações mais performativas.
O sistema também permite a troca de filmes mesmo quando ainda estão a meio. Uma
vez recolocado, o filme é automaticamente levado até onde ainda não está exposto.
As ampliações podem ser executadas em três formatos: panorâmica, tradicional ou
H-HDTV (20,3 por 35,5cm). É possível pedir a realização de impressões, receber as fotos ou
processá-las individualmente através do computador.
Não nos parece que o Advanced Photo System venha a ser um sistema de eleição para
o fotojornalismo. A irrupção da fotografia digital condena-o, à partida, a uma vigência eventual de
alguns anos. Cremos, aliás, que, pelo menos no fotojornalismo, a maioria dos consumidores, a
mudar de sistema, mudará já para o "sistema do futuro" —o digital— e não para um sistema
intermediário, conforme nos parece que é o APS. Além disso, é, realmente, um sistema destinado
sobretudo a amadores, que poucas vantagens traz para o fotojornalismo e até pode reduzir a
implicação do fotógrafo no acto fotográfico, uma vez que o domínio técnico que lhe é exigido
diminui.
CAPÍTULO XIII
FOTOGRAFIA E FOTOJORNALISMO EM PORTUGAL
A divulgação da fotografia em Portugal nos seus primeiros tempos está, em grande
medida, associada a um pequeno número de pioneiros amadores, entre os quais vários estrangeiros.
J. Silveira fotografa Lisboa, entre 1849 e 1856. Frederick Flower (1815-1889) fotografa o Norte
(Porto, termas de Vizela, Guimarães, Gaia — os armazéns de vinho do Porto e os barcos no
Douro—, a vida rural e os equipamentos do campo, como os poços, as noras e as azenhas), de 1845
a 1859, recorrendo ao calótipo. O Barão de Forrester (1809-1861) faz imagens do Douro, um
trabalho praticamente desconhecido, realizado entre 1854 e 1857. Em 1846, William Barclay,
publica Le Portugal pittoresque et architectural déssinée d'aprés nature, cujas litografias devem ter
tido por base daguerreótipos ainda não descobertos.
Provavelmente, Barclay foi o introdutor da daguerreotipia em Portugal, em 1841.(246)
Mas Flower foi talvez um dos mais importantes experimentalistas, fotografando o mesmo motivo
com várias condições de iluminação, fazendo várias impressões da mesma matriz e até recorrendo à
mais antiga aplicação conhecida do teste das tiras.(247)
Entre os finais da década de quarenta e na década de cinquenta, espalham-se por
Portugal vários retratistas-daguerreotipistas, como o checo Wenceslau Cifka (1815?-1883), que
instala um estúdio em Lisboa, em 1848, dois anos após Vicente Gomes da Silva (1827-1906) ter
iniciado, no Funchal, um trabalho de experimentação fotográfica e retrato que se revela importante
para a introdução da fotografia no País. Aliás, o retrato é o grande tema da fotografia portuguesa
nas alturas em que o medium dava os primeiros passos.
Reinava em Portugal D. Maria II, quando, a 16 de Fevereiro de 1839, o jornal
Panorama faz uma análise da daguerreotipia, que é a primeira notícia conhecida sobre fotografia
publicada em Portugal, menos de um mês após a histórica comunicação de Dáguérre à Academia
das Ciências de Paris (7 de Janeiro de 1839, embora a divulgação solene tenha ocorrido apenas a 19
de Agosto). Tal denuncia a grande permeabilidade à cultura francesa que Portugal tinha, pese
embora o peso da comunidade britânica no País, especialmente a Norte.
O livro Excursions Daguerriennes, de Larebours, vendido em Lisboa, em 1843(248),
contribuiu também para que o medium emergente fosse divulgado em Portugal. Mas a primeira
gravura de madeira feita a partir de uma fotografia —mais precisamente, de um daguerreótipo—
publicada na imprensa portuguesa é anterior: surgiu a 13 de Março de 1841, no Panorama — Jornal
Litterario e Instructivo.
Em 1861, é fundado, em Lisboa, o Club Photographico, primeira associação
portuguesa que visava o estudo científico da fotografia e se dedicava à difusão da actividade. Em
1862, começa a ser editada, em fascículos, a Revista Pittoresca e Descriptiva de Portugal, sob a
direcção de Joaquim Possidónio Narciso da Silva. É uma publicação que consagra um grande
espaço à fotografia arquitectónica. Em 1865, Augusto Xavier Moreira começa a editar o conjunto
documental Álbum Lisbonense, e, em 1868, Henrique Nunes edita o levantamento fotográfico
Monumentos Nacionaes.
Ainda na década de sessenta, o amador Carlos Relvas (1838-1894), da Golegã,
começa a fotografar paisagens e a retratar tipos sociais, embora sem preocupações de solidariedade.
Nessa altura, graças às suas frequentes viagens e participações em exposições no estrangeiro,
possibilitadas pela sua riqueza, Relvas tornou-se, provavelmente, no fotógrafo amador português
internacionalmente mais famoso.
A partir deste ponto, a fotografia portuguesa desenvolve-se consagrando atenção
especial às áreas do retrato e do retrato carta-de-visita, paisagens, "gentes" e arquitectura, com o
daguerreótipo a subsistir até um período tardio.(249) No documentalismo paisagístico e etnográfico do
final do século e princípios do século XX virão a distinguir-se o alemão Emílio Biel (que até
fotografa a construção da linha férrea do Douro), Domingos Alvão (1872-1946) e Marques de Abreu
(1879-1958), cuja obra fotográfica e editorial é uma das últimas manifestações portuguesas do
pictoralismo-naturalismo de que Alvão foi o expoente.
Em 1878, sai O Occidente, publicação importante para a expansão da fotografia
documental e industrial do país, que se edita até 1915. A 9 de Fevereiro de 1881, surge, em Lisboa,
o primeiro número do jornal ilustrado português A Illustração Universal. No ano seguinte, publica-
se, também na capital, o Album de Phototypia da Exposição Retrospectiva de Arte Ornamental, de
Carlos Relvas.
A fotografia portuguesa também não escapou à mentalidade colonial da época. No
tempo das grandes explorações portuguesas de África, levadas a cabo por Serpa Pinto, Capelo e
Ivens, e na linha dos primeiros levantamentos fotográficos que marcaram o final do século passado,
Cunha Moraes (1857-1920?), proprietário de um dos primeiros estúdios fotográficos em Angola,
publica, a partir de 1885, África Occidental, Albúm Photográphico e Descriptivo, em quatro
volumes. Esta obra, iniciada em 1877, foi prefaciada por Luciano Cordeiro, e revela um conjunto de
rara envergadura de fotografias de cariz etnográfico e paisagístico em que, curiosamente, as
personalidades coloniais que sustentam o processo de colonização estão algo ausentes. Mesmo os
colonos são representados como desenraizados, enquanto os negros surgem em posturas um pouco
artificiais: a Europa estranha o negro, mas o branco é também um estranho em África. No último
quartel do século passado, Cunha Moraes publica também, em O Occidente, fotografias de Angola e
São Tomé, na mesma época em que Emílio Biel (1838-1915) executa um trabalho de referência de
levantamento e documentação do país, com especial atenção ao Gerês.
Em 1880, o Daily Graphic, de Nova Iorque, publica o primeiro halftone, mas, em
Portugal, as gravuras de madeira continuam por algum tempo. Em 1885, porém, n'A Illustração, de
Marianno Pina, que era impressa em Paris, são inseridas fotogravuras de fotos da capital francesa,
mas só em 1890 é que começam a ser publicadas com regularidade em Portugal fotogravuras em
halftone, principalmente na Revista Illustrada, de António Maria Pereira. Pelo meio, por volta de
1887, Paulo Plantier (1840-1908) choca os lisboetas com os seus "retratos de 'flagrantes'"(250), que
contrastam visivelmente com as poses estáticas habituais à época.
Quase mil fotografias de retrato ficam patentes ao público numa exposição que
decorre em Janeiro de 1890, em Lisboa. No dia 8 desse mês, Fialho de Almeida escreve no jornal
Pasquinadas que "(…) a máchina photographica é o maior caricaturista do mundo, e o mais
arteiramente ironico de quantos observadores tem tido a sociedade".
O primeiro livro sobre técnica fotográfica em português surge no mercado em 1891,
pela mão de Arnaldo Fonseca. Chamava-se precisamente Tratado de Fotografia. José Júlio
Rodrigues introduz o flash de magnésio em Portugal nesse mesmo ano, para fotografar os túneis de
lava da ilha Terceira.
Nos finais do século, a fotografia tinha conquistado até a Casa Real. Surgia no Diário
de Notícias de 15 de Abril de 1894 a seguinte notícia:
"Quando a familia real esteve ultimamente no Porto, por occasião das festas do centenário do infante D. Henrique, os príncipes foram poser á Photographia União.
Um atelier cujos productos tem alcançado os mais honrosos diplomas e melhores premios em diversas exposições nacionaes e estrangeiras.
Tudo isto graças ao bom gosto e pericia do operador, Sr. D. Miguel Fernandes Ferrer, que é director e co-proprietario d'aquelle estabelecimento.
Sem duvida um dos mais afamados da peninsula.
Os retratos que os proprietarios da União tiveram a bondade de nos enviar agora accusam um relevo e uma nitidez nas linhas geraes, uma suavidade nas meias tintas e uma tão feliz escolha de attitude e expressão, que os tornam verdadeiros primores da arte de Niepce."
Os primórdios do fotojornalismo em Portugal
No último quartel do século passado a ilustração —principalmente o retrato— invade
a imprensa, frequentemente por intermédio de artistas como Rafael Bordalo Pinheiro. No inovador
Diário de Notícias, que, ao contrário do estilo dominante de então, dava mais atenção às notícias do
que à opinião panfletária, aparece a primeira ilustração a 14 de Junho de 1877 — um mapa. A partir
de 1901, a reportagem desenhada fez escola no DN e, algum tempo após, é a fotografia passada a
desenho (decalque e contornos) que se vai tornando a forma mais comum de ilustração nos jornais
portugueses —como n'O Século—, cuja evolução no sentido do uso jornalístico da foto é similar à
do Notícias.
Pelo início do século XX, as revistas ilustradas, com a segunda série da Illustração
Portugueza à frente, começam a excluir o desenho para privilegiar as fotografias, nomeadamente a
partir dos anos dez, e, em parte, graças às melhorias nos processos de reprodução. Mas, durante
alguns anos vão coexistir esses dois vectores da reportagem gráfica, quer nas revistas, quer nos
jornais, pelo que, no ano da implantação da República —1910— as fotos ainda rareavam nos
jornais, embora já surgissem na publicidade. As fotografias publicadas na imprensa eram
maioritariamente retratos. As reportagens faziam-se em desenho.
De facto, só no século XX é que é publicada uma foto na imprensa diária portuguesa.
Foi a 2 de Fevereiro de 1907, em O Comércio do Porto. Nesse mesmo ano, o Diário de Notícias
publica, a 27 de Julho, a sua primeira fotografia: tratava-se de um retrato do só por isto lembrado
coronel Caldeira Pires, que ia assumir o comando do regimento de Infantaria 26. E é este último
jornal que vai inserir, a 4 de Fevereiro de 1908, várias fotografias do regicídio, em que morrem o
Rei D. Carlos e o príncipe herdeiro. A partir de meados dos anos dez, generaliza-se o recurso à
fotografia na imprensa portuguesa e os jornais seguem o exemplo das revistas, contratando
repórteres fotográficos próprios. Porém, vai ser preciso esperar até 1940 para que um foto-repórter
conseguisse obter a carteira profissional do Sindicato Nacional dos Jornalistas — André Salgado, do
jornal Novidades.
A I República foi um período em que se registaram no País inúmeras revoltas
armadas —monárquicas, nacionalistas e outras— constituindo acontecimentos privilegiados para a
cobertura "fotojornalística". Foi o que fizeram O Século e o Diário de Notícias, em Lisboa, e, no
Porto, O Primeiro de Janeiro, O Comércio do Porto e o Jornal de Notícias.
Joshua Benoliel (1873-1932) é o primeiro "fotojornalista" português e talvez um dos
fotógrafos desses tempos com obra mais extensa. Trabalhando como freelance, colaborou
sobretudo com a Illustração Portugueza, de 1903 a 1918, e com O Século, o "seu" jornal. Benoliel
"(…) cobriu quase todos os acontecimentos políticos. Mas a sua genialidade estava na forma como
abordava os fait-divers (...): a mesma rua onde se davam as revoluções [a queda da Monarquia, a
instauração da República e a ascenção e queda da I República foram tempos muito agitados] era o
lugar onde se vendiam pentes, o mesmo cais onde se despediam os políticos era o lugar onde se
despedia o soldado. Foi precursor da reportagem moderna dos anos Vinte."(251)
À maneira de Solomon e da geração de fotojornalistas alemães dos anos vinte,
também Benoliel vestia à altura das ocasiões, falava várias línguas, averiguava os horários mais
propícios para estar nos locais onde ia fotografar e chegava a gritar nos comícios "É para O
Século!" para fazer parar as pessoas. Chegou a fazer parar uma procissão da Senhora da Saúde, na
qual participava o Infante D. Afonso, para "sacar" a foto.(252)
Benoliel é uma testemunha da época em que se vendia água fresca e capilé pelas ruas
de Lisboa, os saloios se deslocavam à capital para vender produtos hortículas, os leiteiros
ordenhavam cabras ao domicílio, as varinas apregoavam o peixe, os moços de fretes esperavam os
clientes conversando e encostando-se nas esquinas, transportando, depois, de tudo um pouco, desde
pesadas mercadorias a leves cartas de amor, os miúdos refrescavam-se na água que jorrava das
fontes ou das bocas de água. A atenção que deu a todos esses pormenores da vida na grande cidade
tornam-no um dos precursores do moderno fotojornalismo dos anos vinte, que aproxima as pessoas
daquilo que lhes está próximo, obrigando-as a olhar com outros olhos o que se passa à sua volta.
No campo das revistas, a Illustração Portugueza, de Malheiro Dias, propriedade de O
Século, foi, provavelmente, a revista nacional mais inovadora na sua época, sobretudo na sua
segunda série (1903-1924), altura em que publica quase só fotografias acompanhadas de textos
curtos. A sua paginação quase antecipa, por vezes, a das revistas ilustradas dos anos vinte/trinta.
Sem chegar às receitas que a La Vie au Grand Air já tinha introduzido a partir de 1898, a Illustração
chega a publicar, em Fevereiro de 1909, uma dupla página de Afonso XIII e D. Manuel II
conversando de costas, num plano geral, sem que os Monarcas ibéricos posassem, quase ao estilo da
candid photography; em Outubro de 1910, já instaurada a República, é a vez de uma reportagem
sobre um dia na vida do Presidente Teófilo Braga: a leitura dos jornais, o almoço, a viagem de
eléctrico, etc.
Na Illustração nasceram vários nomes relevantes para o fotojornalismo português,
alguns dos quais exerceram a sua actividade até meados deste século. São os casos de Aurélio Paz
dos Reis (1862-1931), um dos pais do cinema nacional, e Arnaldo Garcez (1886-1964), que fará a
cobertura da I Guerra Mundial, onde esteve empenhado o Corpo Expedicionário Português (embora
o conflito tenha, sob o prisma da fotografia, passado quase despercebido aos jornais e revistas
nacionais). Com eles, a foto-reportagem começa, realmente, a despontar em Portugal, numa linha
que se vai afastando do documentalismo por vezes pictoralista e realista-naturalista que dominava a
fotografia "fora de portas" portuguesa.
Para a autonomização da foto-reportagem, é justo referir ainda os contributos de José
Artur Leitão Bárcia (1871?-1945), da revista Serões, Anselmo Franco (1879-1965), que, depois de
1906, colabora com os jornais República, Luta e O Século, entrando, em 1910, para o Diário de
Notícias, onde fica até à reforma, em 1965, e Alberto Carlos Lima, que, desde o início do século,
trabalhou, até 1949, ano em que morre, para Brasil Portugal, Occidente, Serões e Illustração
Portugueza.
Pelos anos vinte, os jornais diários começaram a organizar arquivos fotográficos. Na
mesma década e na seguinte, Portugal viu surgir um grande número de revistas ilustradas, como a
Vida Mundial, que sobreviverá até aos anos setenta, e a terceira série da Illustração Moderna (1926-
1932), dirigida pelo fotógrafo Marques de Abreu, e na qual participam Álvaro Martins e Miguel
Monteiro, entre outros. As duas séries anteriores dessa revista tinham sido editadas entre 1898-1899
e 1900-1903, tendo ambas sido dirigidas por Marques de Abreu, mas a primeira contou com a co-
direcção de Cunha Moraes.
A agitação da I República fazia com que a classe média ansiasse por ordem. O
marechal Gomes da Costa desencadeia, então, em Braga, a 28 de Maio de 1926, um golpe militar.
Marcha sobre Lisboa, depõe o Presidente Bernardino Machado e instaura um regime ditatorial.
Porém, as grandes dificuldades financeiras do Governo obrigam os militares a solicitar a um
professor coimbrão de Finanças Públicas que ingresse no Executivo como ministro das Finanças. O
professor chamava-se Oliveira Salazar. O resto da história é conhecida. Salazar vai demitir-se,
reingressa posteriormente no Executivo, assume a Presidência do Conselho de Ministros, endireita
as finanças públicas, afasta os militares para segundo plano e instaura um regime ditatorial-
corporativo, baseado na Constituição de 1933.
Com a revolução de 28 de Maio de 1926 e a instauração do regime ditatorial e
corporativista de Salazar (o Estado Novo), as foto-reportagens "(…) perderam em subtileza e
discrição, ganharam em força e grafismo"(253), um pouco à semelhança do que viria a acontecer nas
restantes ditaduras de extrema-direita europeias: a espanhola, a italiana e a alemã. Face à sangrenta
revolta antigovernamental de 1927, a censura endurece e nasce a polícia política. A partir de Julho
de 1932, mês em que Salazar é nomeado Presidente do Conselho, a censura e a repressão agudizam-
se.
Os anos vinte-trinta não deixam, porém, de ser uma época em que em Portugal se
privilegia, suportada pelos serviços de propaganda, a fotografia anedótica, monótona e isolada dos
Salões de Fotografia, baseada na paisagem, nos tipos etnográficos, no registo de casas brasonadas,
castelos, casas típicas, pelourinhos, realizações da engenharia e arquitectura do Estado Novo, etc. É
por essa época que se torna notado o filho de Joshua Benoliel, Judah Benoliel (1900-1968), que, a
partir de 1924, colabora com Pátria, ABC, O Século e Diário Popular, onde fica até à sua morte, em
1968.
A partir dos anos vinte, as grandes revistas ilustradas dos dois mais importantes
diários da capital, O Século e Diário de Notícias vão atrair alguns grandes fotógrafos. Salazar Diniz
(1900-1955), Deniz Salgado (1895-1963), Ferreira da Cunha, José Lobo e Marques da Costa, entre
outros, colaborarão assiduamente com o Notícias Ilustrado e O Século Ilustrado, ambos
beneficiados pela direcção artística de Leitão de Barros.
Os jornais da época cobrem fotojornalisticamente os acontecimentos político-
institucionais e as ocasiões de Estado, os acontecimentos desportivos de particular dimensão, como
o Grande Circuito Hípico de Portugal, em 1925, ou as voltas a Portugal em bicicleta, que se iniciam
em 1927, os acidentes e alguns fait-divers do quotidiano. Os retratos de grupo de pessoas eram
também frequentes, quer em ocasiões de Estado quer em ocorrências como batidas de caça.
Abundam os planos gerais, mesmo nos retratos, e já se notam alguns dos critérios de ponto de vista
que ainda hoje se registam no fotojornalismo, como a preocupação com o "registo", testemunha da
história, que, na actualidade, leva o fotojornalista, por exemplo, a fotografar toda uma mesa numa
conferência de imprensa, mesmo que em várias pessoas só uma intervenha. Pessoalmente, julgamos
até encontrar aqui influências da pintura — lembremo-nos, por exemplo, das "últimas ceias" que os
artistas e a história nos foram dando.
Anos trinta e quarenta
Não obstante os objectivos propagandísticos grandiloquentes do Estado Novo,
ligados à celebração da raça e às virtudes militares e populares, o "modernismo" fotográfico vai,
após 1928, ter algum espaço no Notícias Ilustrado, que edita, algumas vezes, fotos em grandes
formatos, integradas em composições gráficas exaltantes, cheias de vigor e algo inesperadas.
Nas décadas de trinta e quarenta, o Secretariado da Propaganda Nacional publica os
exuberantes álbuns Portugal 1934 e Portugal 1940, que incluem contribuições de vários dos
fotógrafos "modernistas" dos anos vinte: Mário Novaes (1899-1986), SanPayo (1890-1974) —
brilhante retratista que construiu, a partir dos anos vinte, uma autêntica galeria da sociedade
portuguesa— e Judah Benoliel. Entre 1938 e 1939, edita também os cinco volumes de Alguns
Aspectos da Viagem Presidencial às Colónias, 1938-1939, em que a maioria das imagens
fotográficas eram de Marques da Costa. Sobre a obra, escreve António Sena: "Na época do
relançamento do periodismo fotográfico (…) não deixa de espantar a frescura, talvez 'naïve',
combinando o melhor fotojornalismo (…) com imagens, no mínimo, inesperadas, numa edição
oficial."(254) De qualquer modo, o fotojornalismo dos anos trinta e quarenta em Portugal não deixa de
estar, principalmente, ligado à propaganda nacional, pelo que era feito de abordagens grandiosas das
realizações do Estado Novo e de retratos mais ou menos oficiais das figuras do regime.
Durante a II Guerra Mundial, a neutralidade portuguesa e a excelente situação
geográfica do País obrigou a um esforço propagandístico alemão e britânico, tendo circulado no País
várias revistas ilustradas pró-britânicas e pró-alemãs. Estas revistas recorriam profusamente à
fotografia, e o incremento da sua circulação em Portugal foi benéfico para o fotojornalismo
português, até porque lançou dentro de portas o trabalho de grandes fotojornalistas estrangeiros que,
trabalhando para os governos dos seus países, cobriram o conflito.
Entre os fotógrafos portugueses, Raúl Perestrello, um semi-profissional, cobre, na
Madeira, a revolta de 1931. Perestrello —que colaborou com o Diário de Notícias do Funchal, não
se torna notado pela qualidade do seu trabalho, mediana, mas por a sua obra ser uma espécie de
álbum de recordações do poder. Fotografa até hoje, tendo juntado um espólio maioritariamente
constituído por fotos de visitas oficiais à Madeira e de figuras públicas nacionais e estrangeiras em
férias no arquipélago. Todavia, também fotografa fait-divers, como, nos anos cinquenta, o primeiro
avião a aterrar na Madeira.
Em 1947, a primeira mulher fotojornalista portuguesa começa a trabalhar n'O
Século. Chama-se Beatriz Ferreira e ficará no diário até que os excessos "revolucionários" do pós-
25 de Abril fizeram encerrar o grande jornal da capital, em 1977, aquele que foi, durante o Estado
Novo, o diário mais lido na província e, com O Primeiro de Janeiro, do Porto, um dos órgãos de
comunicação social mais independentes face ao regime. Oitocentos trabalhadores ficaram
desempregados. Hoje, Beatriz Ferreira, com mais de 80 anos, subsiste com uma modesta pensão e
com a venda de algumas das suas fotografias. E já teve mesmo de vender duas das velhas máquinas
de cinco quilos que faziam o principal equipamento do fotógrafo à época.
Anos cinquenta e sessenta
A década em que se começa a dar atenção a William Klein e Robert Frank é uma
época de resistências mas também de progressos fotográficos em Portugal, onde, gradualmente,
começam a aparecer nos quiosques publicações estrangeiras, como a Amateur Photographer e a
Life. Além das revistas estrangeiras, é importante salientar o estímulo que para o fotojornalismo e,
de um modo geral, para a fotografia portuguesa, constituiu a exposição The Family of Man. Embora
não tenha estado patente no País, foi exibido o filme da mesma e vendido o seu catálogo. Mas
houve resistências grandes por parte dos fotógrafos de salão, entre outros, pelo que, no Boletim do
Grupo Câmara, se dizia que a exposição abordava "(…) o valor humano, em prejuízo do
artístico."(255) As embaixadas estrangeiras em Portugal também incrementavam a circulação de
exposições e os contactos entre fotógrafos portugueses e os de outros países, como Cartier-Bresson
O projecto fotográfico nacional que na década de cinquenta mais entronca na órbita
das novas tendências da fotografia documental é, provavelmente, Lisboa, Cidade Triste e Alegre,
editado, em 1959, em sete fascículos mensais, tendo sido um fracasso editorial tão grande que, em
1982, nem sequer a Biblioteca Nacional possuía um exemplar.
Lisboa, Cidade Triste e Alegre é o resultado das deambulações de Costa Martins e
Vitor Palla pela cidade, fotografando o seu quotidiano, entre 1956 e 1959. Assiste-se, no álbum, à
celebração de um olhar polissémico, subjectivo e intimista, poético e lírico, sobre o mundo citadino
de Lisboa, mas cujas conotações propositadas talvez sirvam, pela contextualização, para levar o
observador a uma situação mais próxima do real.
O álbum é uma obra assumidamente colectiva, em que as fotos, ao contrário das dos
salões, não são assinadas. O trabalho vive do experimentalismo fotográfico, do desfoque, da foto
tremida, do esfumado e fluído (flou), dos cortes, das sobre-revelações, das sequências, do alto-
contraste, das oposições, das difracções e das variações de tamanho e formatos. É uma Lisboa
humana, vibrante e viva que emerge contra o estatismo das fotos nítidas e "bem" compostas dos
salões, que, sem nada inovar, dominavam a fotografia portuguesa da época. (Fig. 42)
Um outro caso curioso é o de Rosa Casaco, agente da polícia política PIDE e um dos
fotógrafos de salão mais conhecidos, que publica, em 1954, o livro Salazar na Intimidade, um olhar
surpreendentemente intimista sobre o Presidente do Conselho.
A primeira grande exposição representativa dos repórteres fotográficos portugueses
realizou-se na Caixa da imprensa, de 25 de Maio a 1 de Junho de 1956. Na mostra, foram expostos
149 trabalhos de 17 fotojornalistas.
É ainda na década de cinquenta que se destaca, em Portugal, Augusto Cabrita, que
fotografará brilhantemente, mesmo sob o peso da censura, a Guerra Colonial. Deste conflito,
porém, os jornais praticamente só mostram cenas dos embarques e desembarques das tropas.
Manuel Graça, do Província de Angola, que reportou cruamente as matanças atrozes (que envolviam
decapitações e empalamentos) do início da Guerra Colonial, entre 1960 e 1965, especialmente as
cometidas pelos guerrilheiros independentistas, foi, claro está, censurado.
Na imprensa dos anos sessenta, além de Augusto Cabrita, que publicou algumas
reportagens inovadoras —eivadas de lirismo— em O Século Ilustrado, o fotógrafo português mais
importante no jornalismo diário foi, sem dúvida, Eduardo Gageiro (1935-), que ainda hoje continua
a fotografar com mestria.
Gageiro realizou memoráveis instantâneos dramatizados do quotidiano português,
mas instantâneos no sentido da fotografia única, com pouca atenção à contextualização, que quase
somente a foto-reportagem e o foto-ensaio permitem.
Eduardo Gageiro pode considerar-se, assim, um certo continuador da estética da
fotografia de salão, embora dê uma atenção invulgar ao elemento humano e à composição
geométrica. Aliás, é a qualidade estético-composicional o valor humano e a força dramática que
fazem dele um fotojornalista com traços que também se reconhecem em Eugene Smith (lirismo e
perfeccionismo técnico) e Cartier-Bresson ("instante decisivo"). (Fig. 43)
Gageiro foi o único fotojornalista a fotografar o sequestro de atletas israelitas por um
grupo de palestinianos nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. Enviou o rolo para O Século
Ilustrado, perdendo a oportunidade de realizar um bom negócio.
Gageiro é ainda um fotojornalista que se distinguiu não só pela oportunidade, mas
também pela paciência de quem procura ir mais longe no domínio das representações dos
acontecimentos. Foi ele que soube esperar por D. Maria diante da urna de Salazar, até que a
governanta o beijasse na testa. Foi assim que a fotografou, e o resultado foi uma imagem que
representa bem a complexa teia "provinciana" de relacionamentos pessoais que rodeava o Presidente
do Conselho e que restringiam o acesso ao seu gabinete.
Rendido ao retrato, de que é um hábil expoente, Gageiro recorre frequentemente aos
objetos como elemento de conotação da imagem —o cão brincalhão de Cavaco Silva, os brinquedos
de peluche de António Vitorino de Almeida, as luvas de boxe de Champalimaud, Eanes, com uma
lupa de relojoeiro no olho, observando os seus relógios de colecção.
Para além de em O Século e O Século Ilustrado, Gageiro trabalhou no Diário
Ilustrado, de Miguel Urbano Rodrigues, até este fechar. Chegou a ser preso pela PIDE, devido a
fotografias que "(…) davam uma má imagem de Portugal"(256), como a de uma mulher da Nazaré a
trabalhar toda vestida de negro ou a de uma manifestação de estudantes reprimida pela polícia, mas
teve a sorte de, na altura, ser correspondente da Associated Press, pelo que as pressões
internacionais o pouparam ao pior.
Pouco conceptualista, a linguagem do instante que Eduardo Gageiro pratica não
deixa de explorar as significações. É, aliás, dele, a foto que provavelmente melhor sintetiza o que se
passou no 25 de Abril, funcionando como um signo condensado: Salgueiro Maia morde os lábios.
A revolução ia na rua, a tensão era grande, mas a aposta do jovem capitão de Santarém estava quase
ganha.
Em 1996, Gageiro lançou o fotolivro Revelações.
Regressando aos anos sessenta, é nesta década que Sena da Silva (1926-) inaugura,
por seu turno, um estilo fotodocumental que o faz aproximar de Robert Doisneau, graças à atenção
que confere aos gestos, atitudes e comportamentos do quotidiano das pessoas comuns. Na linha
intimista de Vitor Palla e Costa Martins, dá-se ainda conta de Castello-Lopes (1925-) e Fernando
Lemos (1926-). Por essa altura, nas fotografias de Castello-Lopes, que fotografa a partir de 1956,
revive-se a tradição humanista notória em The Family of Man, que começava a ser criticada por
alguns sectores.
Revelado nos Encontros de Fotografia de Coimbra, em 1994, o geógrafo português
Orlando Ribeiro mostrou-se um documentalista amador e inesperado. A geografia humana
impulsionou-o a documentar o País, ao longo de várias décadas, numa série de levantamentos com o
cariz de auxiliares "científicos", mas as suas fotos apresentam um toque humanista e esteticista que
as distinguem do mero documento fotográfico.
No campo específico do fotojornalismo diário, começam a notar-se, pelo seu trabalho
no Diário de Notícias, Fernando Farinha, Eduardo Baião, Ezequiel de Sousa e Acácio Franco (1951-
), que depois esteve na Lusa, onde coordenou a Fotonotícia, estando agora no Tal & Qual.
O desenvolvimento do fotojornalismo português sofreu um atraso provoado, ao que
cremos, pelas condições em que a imprensa se moveu e desenvolveu ao longo da ditadura, num País
pobre, atrasado, analfabetizado, sujeito à "lei da rolha", reprimido. Assim, se na época do Vietname
o fotojornalista era rei, em Portugal as páginas dos jornais raramente concediam relevo ou até algo
mais do que a simples condição de "boneco ilustrativo" às fotografias, e as revistas ilustradas por
vezes pouco melhor eram. Da Guerra Colonial praticamente apenas se publicam fotos dos
embarques e desembarques de tropas. E raras são as fotos —mesmo em arquivo— (autocensura?)
que documentam a campanha de Humberto Delgado para a Presidência da República, em 1958, e as
cargas policiais.
A partir de 1963, o fotógrafo americano George Krause (1937-), professor de Arte na
Universidade de Huston, fotografa a Península Ibérica, especialmente Portugal, mas evidenciando a
irmandade cultural entre os povos ibéricos. Repetirá o tema em 1992/94, numa nova série,
produzindo imagens que tanto dão conta da vastidão da Serra da Estrela como providenciam uma
observação próxima das pessoas que percorrem as ruas de Coimbra. Por seu turno, John Davies
fotografa a Bairrada.
A acção dos fotógrafos estrangeiros que elegeram Portugal como tema foi bastante
benéfica para o arejamento do nosso fotojornalismo e, de uma forma mais vasta, mesmo da
fotografia nacional. Alguns deles, como Krause e Davies, vieram a ser expostos nos encontros de
fotografia e imagem de Coimbra e Braga.
Da Revolução até hoje
O 25 de Abril de 1974 inaugurou não só uma era de liberdade e democracia mas
também de rompimento com os cânones estéticos arcaicos dominantes no Estado Novo. Portugal
abre-se ao mundo e, particularmente, à Europa, e com o País abrem-se, para arejar, as portas da sala
bafienta da fotografia portuguesa. Inclusivamente, o 25 de Abril em si provoca a deslocação a
Portugal de grandes fotógrafos de grandes agências — por cá passam, em trabalho, Salgado, Gilles
Peress, Guy le Querrec e Josef Koudelka, entre outros, e, em 1975, é atribuído pela primeira vez um
prémio do World Press Photo a uma fotografia obtida em Portugal, embora não por um
fotojornalista português. Tratava-se da prisão de um agente da PIDE, durante o período
revolucionário de 1974.
Entre os estrangeiros que reparam em Portugal, contribuindo para abrir o País ao
mundo, mas também para a misceginação da cultura fotojornalística, inscreve-se Georges Dussaud,
que se debruça sobre Portugal e publica Les Portugais, a partir da leitura de Torga. Jean-Claude
Martinez, que fotografa os pescadores de Mira, entre 1991 e 1992, é outro deles.
Depois de meados dos anos oitenta, os Encontros de Fotografia de Braga e de
Coimbra (desde 1980) vão contribuir para esse arejamento da fotografia portuguesa, permitindo o
contacto com a obra de muitos fotógrafos que representam o que de melhor se vai fazendo por esse
mundo fora. A inauguração do Curso de Fotografia da Escola Superior Artística Árvore e, entre
outros, de cursos de fotojornalismo no centro de Formação de Jornalistas e no Centro Profissional de
Formação de Jornalistas, a inclusão de disciplinas de fotojornalismo nos curricula da Escola
Superior de Jornalismo do Porto e da Universidade Fernando Pessoa, bem como a implementação
de políticas de qualidade fotojornalística, principalmente nos quality papers Público e Expresso —
tal como em O Independente, a um nível eminentemente subjectivista e relacionado com as
tendências da fotografia documental contemporânea—, permitiram não só a valorização do
fotojornalismo, mas também a emergência de uma nova geração de fotojornalistas, bem formados,
cheios de garra e francamente bons. Em 1985, inclusive, o Sindicato dos Jornalistas reconhece o
papel relevante do fotojornalismo na informação, mas também a relativa autonomia da actividade,
criando o Núcleo de Repórteres Fotográficos.
Na vaga pós-revolucionária, salientam-se os nomes do "luso-argentino" Alberto Picco
(1950-), d' O Independente, Domingos Caldeira (1953-), José Reis e Luís Carvalho (1954-), que, na
linha do documentalismo fotográfico contemporâneo, operam uma ruptura com o statu quo e com as
rotinas fotojornalísticas na imprensa portuguesa. O mesmo se pode dizer de Jorge Guerra (1936-),
de quem, em 1984, a Fundação Calouste Gulbenkian publica Os Poucos Poderes, um "retrato" da
"sua" Lisboa marcado pela percepção que de Lisboa tem o fotógrafo, assumindo essa percepção,
para si, o estatuto de "real". Trata-se de um trabalho documental que reúne fotos desde meados dos
anos sessenta, altura em que desenvolveu o projecto Lisboa, Cidade de Sal e Pedra, no qual recorre
sistematicamente à teleobjectiva, e cujas fotos foram quase todas obtidas desde à beira-rio para as
Sete Colinas, em planos sobrepostos, onde frequentemente se intrometem personagens solitárias,
mesmo se recortadas no meio da multidão. Luís Palma e Maçãs de Carvalho (que esteve na revista
Kapa) são outros nomes incontornáveis do fotodocumentalismo contemporâneo português.
Em Dezembro de 1974, 16 fotojornalistas portugueses expõem no casino Estoril. Só
em 1989, durante as comemorações do 150º aniversário da fotografia, é que se realizou novamente
uma grande exposição fotojornalística de repórteres portugueses, embora, em 1986, o Centro de
Formação de Jornalistas tenha organizado a exposição "Repórteres do Porto".
Entretanto, em 1981, Luís Pavão (1955-) publica As Tavernas de Lisboa, seguido de
Fotografias de Lisboa à Noite (1983) e, em 1984, Castello Lopes lança Perto da Vista. Foram as
primeiras edições contemporâneas de fotolivros em portugal.
Entre 1982 e 1984, o médico e fotojornalista do Expresso António Pedro Ferreira
desenvolveu o projecto documental de fundo Os Portugueses em França 1982-1984, que o Arquivo
Fotográfico de Lisboa expôs em 1996. São imagens que representam o desenraizamento da primeira
geração emigrante num espaço culturalmente desajustado, a comunidade fechada em que os hábitos
nacionais se mantinham, como as vizinhas a falar à janela, o quintal de couve galega à beira do
prédio, as mulheres, de bata, sentadas a tricotar na relva à beira dos prédios.
O nome mais importante dos anos oitenta e noventa no documentalismo fotográfico
contemporâneo em Portugal é provavelmente Paulo Nozolino (1955-), que teve, inclusivamente,
trabalhos publicados, entre 1987 e 1989, no Libération.
Em 1982, Nozolino publica Para Sempre, onde propõe uma fotografia indefinida, em
que personagens e objectos se tornam vultos, na linha do subjectivismo ficcional de Robert Frank ou
Bill Brandt. Por vezes, porém, parece emergir das fotos um ténue desejo de registar mais
intersubjectivamente o real, mas sem que as imagens deixem de ser polissémicas e comunicativas:
sensibilizam, emocionam, estabelecem cumplicidades entre observador e fotógrafo, fazem
compreender estados de alma, ambientes, e tensões. Fotos, portanto, que apostam no contexto.
José Rodrigues (1951-) é outro fotógrafo português da actualidade que se pode
associar ao documentalismo fotográfico contemporâneo em Portugal, pelo menos durante os anos
oitenta, na primeira fase da sua obra. Habitando na Holanda, Rodrigues ligou-se ao grupo
Perpektief, de Roterdão, tendo chegado mesmo a o publicar na Perspektief nº 14 (1983) o portfolio
Eu e o Tempo. José Rodrigues é mais um dos fotógrafos que faz uma fotografia que oscila entre a
incongruência e a intimidade, sendo, assim, extraordinariamente polissémica. Em território
nacional, um dos seus trabalhos mais notados foi o projecto sobre as minas de São Domingos, no
Alentejo, que realizou a partir de 1987.
Adriano Miranda, outro dos nomes do novo documentalismo fotográfico português,
também escolheu as minas como um tema do seu trabalho, mas, desta feita, as do Pejão. Por seu
turno, o amador Conde Falcão fotografa o ruralismo português, África e o industrialismo,
socorrendo-se de uma técnica pessoal de manipulação laboratorial da imagem (visível e, como tal,
assumida), o que evidencia que os territórios do documentalismo fotográfico contemporâneo são
mais largos e tendem, nalguns pontos, a libertar a foto da sua função testemunhal, de atestado, de
confirmação.
São também de referenciar, neste grupo mais experimentalista e ligado ao
documentalismo fotográfico contemporâneo, o já referido António Pedro Ferreira (1957-), do
Expresso, no ensaio fotojornalístico; Daniel Blaufuks (1963-), que protagoniza uma fotografia onde
mistura espaços e personagens, em géneros que vão da foto de moda à de reportagem; Mariano
Piçarra, cuja fotografia documental é marcadamente simbólica; Rui Fonseca, que trabalhou a linha
de costa; Augusto Alves da Silva (1963-), que lança sobre a paisagem degradada e o ambiente
estragado um olhar subjectivo; Nuno Félix da Costa (1950-), com o seu "desfile de vaidades"
portuguesas; e António Júlio Duarte, com as suas fotos de um Macau de sombras e posicionamentos,
em que o real se tende a confundir com o virtual, a essência com a aparência, por vezes acentuando
o lado irónico de algumas situações, à maneira de Erwitt, outras vezes evidenciando a graciosidade e
preocupações compositivas de Cartier-Bresson. Outros nomes que se podem destacar no novo
documentalismo português são Manuel Miranda (com fotos interessantes sobre a noite) e Henrique
Botelho. Todavia, podendo-se reconhecer influências ou simplesmente semelhanças, quaisquer um
destes fotógrafos não deixa de ser ele próprio na abordagem que faz do real.
Na actualidade, a qualidade fotojornalística portuguesa é globalmente melhor do que
há alguns anos atrás. Teve uma importância decisiva na matéria o nascimento dos semanários
Expresso, nos anos setenta, e O Independente, nos oitenta, e do diário Público —talvez o diário
português com melhor cultura fotográfica e fotojornalística—, nos noventa.
Os novos representantes do fotojornalismo português, em nosso entender, partilham:
a) uma visão que promove o entroncamento do fotojornalismo, em sentido estrito, com o
fotodocumentalismo; b) uma formação teórica e técnica de nível elevado; e c) a assunção de uma
certa subjectividade, que os leva a explorar as tensões e contradições, a composição e o
enquadramento, em suma, as capacidades expressivas do espaço fotográfico, remetendo
frequentemente o observador para o "fora de campo".
Há, pelo menos, uma trintena de bons fotojornalistas, espalhados por várias
publicações e agências, entre eles, por exemplo: Pereira de Sousa (1942-) e Armando Moreira
(Marco) (1936-), o fotojornalista-pintor, no Jornal de Notícias; Fernando Veludo (1958-), no
Público; Alfredo Cunha e Adelino Meireles, que também estiveram no Público; Luís Vasconcelos
(1952-), que esteve no extinto O Diário; Pedro Bettencourt de Azevedo (1965-), Francisco Silva e
Céu Guarda (1960-), que estiveram n’O Independente, semanário onde ainda permanece o hábil
retratista João Tabarra; Graça Sarsfield, também uma retratista de eleição; Luís Carregã, que esteve
no Diário de Notícias; Fernando Ricardo, antigo fotojornalista da Associated Press, da France
Presse e da Gamma; Rui Ochôa (1948-), Sérgio Granadeiro e Luís Carvalho (1954-), no Expresso;
Lucília Monteiro e Inácio Ludgero (1950-), na Visão; Joaquim Proença Lobo, do extinto O Jornal.
Na Agência Lusa, gostamos especialmente de Manuel de Moura (1950-), pela força ou graciosidade
que consegue imprimir à generalidade das suas fotos, mesmo em assuntos triviais, bem como pela
atenção que dá a alguns pormenores significantes.
Em 1995, o fotojornalista Alfredo Cunha, ex-editor fotográfico do Público, publicou
Naquele Tempo, um fotolivro que resume o principal do seu trabalho, desenvolvido a partir dos anos
setenta até hoje, no Século, Século Ilustrado, Vida Mundial, ANOP, NP, Lusa e Público: são fotos
da descolonização, do 25 de Abril, do Processo Revolucionário em Curso (PREC), do incêndio do
Chiado e, entre outras, de Moçambique, (1993). Com um portfolio deste último trabalho, Alfredo
Cunha ganhou uma menção honrosa no Euro Press Photo 94.
José de Oliveira Tavares (1939-), que na altura estava no Diário de Lisboa, obteve
uma das cáchas recentes de fotojornalistas portugueses: foi o único fotojornalista a captar imagens
da tentativa de assassinato do papa João Paulo II, em Fátima. Américo Mariano, que estava no
Público, realizou, em 1992, na Somália, uma das foto-reportagens mais marcantes das realizadas na
década de noventa por fotojornalistas portugueses. 1992 é também o ano em que a revista do
Expresso inicia a publicação de uma série de trabalhos dos fotógrafos da Magnum, como uma
reportagem de Patrick Zachman sobre a Máfia chinesa, saída a 20 de Junho.
Uma nova atenção foi outorgada à fotografia em Portugal, a partir de meados dos
anos oitenta. O medium começou a ter direito a artigos regulares nos jornais e revistas. A 7 de
Outubro de 1989, o Expresso consagrou até a sua revista aos 150º aniversário da fotografia. Julho
de 1993 foi o Mês da Fotografia, em Lisboa, o que, a par dos encontros de Coimbra e Braga, não só
atraiu a atenção de interessados e menos interessados como também contribuiu para divulgar o
fotojornalismo e o documentalismo fotográfico contemporâneos a uma escala nunca vista no nosso
País.
Coroando a qualidade crescente da fotografia portuguesa, vários fotógrafos nacionais
expõem em paris, em Novembro de 1992, durante o Mois de la Photo. Rui Prata apresentou fotos
de esculturas do século XVII da martirologia cristã, José Afonso Furtado expôs fotografias de África
e Manuel Magalhães mostrou imagens de um percurso pessoal através de florestas, montanhas e
jardins. Além destes, estiveram presentes os fotógrafos Fernando Lemos, Aníbal Lemos, José
Maçãs de Carvalho, José Pastor, Sílvia Seova e João Tabarra.
Em 1996, a Câmara de Matosinhos desenvolveu um projecto fotodocumentalístico
que visava representar as diversas faces da vida na cidade. Para tal, sob a coordenação de Teresa
Siza, os fotógrafos portugueses Augusto Alves da Silva e Bruno Sequeira, o americano Larry Fink e
o italiano Gabriele Basilico percorreram diversas zonas da cidade.
A Fink coube a tarefa de representar o quotidiano dos pescadores e das artes da pesca,
uma actividade que está a desaparecer. Nas suas fotos revive-se, mais uma vez, a grande tradição da
fotografia documental a preto e branco.
Basilico, por seu turno, procurou evidenciar a passagem do tempo e as rupturas que
provocou, registando imagens do Porto de Leixões e da zona da indústria conserveira, fixando-se
nos edifícios de diferentes épocas.
Quanto aos portugueses, Bruno Sequeira realizou uma espécie de arqueologia da era
industrial matosinhense, com particular destaque para os indícios da outrora florescente indústria
conserveira. Augusto Alves da Silva deambulou pela zona rural da cidade, mais incaracterística.
Os 16ºs Encontros de Fotografia de Coimbra, realizados em Novembro de 1996,
trouxeram como principal inovação uma aposta importante na produção fotográfica portuguesa
contemporânea e na produção fotográfica sobre Portugal. O projecto colectivo "Sul", que procurou,
precisamente, representar o Sul de Portugal sob o olhar de vários fotógrafos, nacionais e
estrangeiros, reuniu trabalhos de Frédéric Bellay, Giovanni Chiramonte, Hugues de
Wurtstemberger, Martine Voyeux, António Júlio Duarte, José M. Rodrigues (que também
apresentou a série monográfica "Alentejo", dedicada aos vestígios do paganismo), Daniel Schwartz,
Marcello Fortini e Cristina Garcia Rodero.
Vivendo do branco e negro, e, portanto, de uma dramaturgia de momentos singulares,
o projecto oscila entre o documental e o onírico-ficcional, roçando frequentemente a poesia
fotográfica e o apelo telúrico. As paisagens, o povo, os animais, misturados ou isolados,
constituiram o terreno privilegiado da predação visual desenvolvida.
Lisboa também não foi esquecida. O rio, as gaivotas, as pombas, a ponte, as gentes,
as paisagens urbanas, os veículos de todo o tipo, observados do exterior ou do interior, foram os
alvos do trabalho a preto e branco empreendido por Cristophe Bourguedi, Bernard Plossu, Frédéric
Bellay, Giovanni Chiaramonte, Paulo Nozolino e John Davies. E, mais uma vez, foram expostas as
velhinhas fotografias de Joshua Benoliel sobre os trabalhadores da Lisboa da viragem do século.
África, vista por fotógrafos portugueses e africanos, foi também um tema central dos
Encontros, tal como as recordações do velho Império Português, que da Europa se estendia ao
Pacífico, passando pelas ilhas atlânticas, por África, pelo Índico e pela América do Sul. José Maçãs
de Carvalho, Steve Cox, Inês Gonçalves, Mica Costa Grande, António Leitão Marques, Mariano
Piçarra, José M. Rodrigues, Sérgio Santimano, Bruno Sequeira, Fazal Sheikh, Evandro Teixeira,
Pedro Vasquez e Dominique Wade foram os fotógrafos que trabalharam neste projecto, de vocação
essencialmente associada às grandes tradições do fotodocumentalismo humanista a preto e branco,
mas sem rejeição de uma linha representativa da exploração experimental do documentalismo
fotográfico contemporâneo. Duas orientações que se cruzaram mas que, paradoxalmente,
transfiguram as representações fragmentadas e criativamente diversificadas da realidade numa obra
que, embora multiangular e polivisual, é coerente e transmissível como um todo.
Em Novembro de 1996, o Diário de Notícias publicou um pequeno suplemento de
autopromoção que vivia, essencialmente, de fotografias jornalísticas realizadas pelos seus foto-
repórteres e publicadas no jornal. Chamámos aqui esta ocorrência porque é exemplificativa da força
testemunhal que o fotojornalismo ainda tem mas também da força promocional que ele pode ter
numa esfera de luta oncorrencial. Desprezar a fotografia jornalística, nos dias de hoje, poderá
revelar-se fatal para qualquer órgão de imprensa.
Foi conhecido, também em 1996, que o repórter fotográfico do Público Daniel Rocha
tinha vencido a edição portuguesa do Prémio Europeu de Fotografia da Fujifilm, com um trabalho
sobre o baptismo de crianças com Sida.
CAPÍTULO XIV
ALGUNS TEXTOS RECENTES SOBRE FOTOJORNALISMO
Em Portugal, não existem muitas contribuições escritas para o estudo específico do
fotojornalismo, se exceptuarmos uma dissertação de mestrado sobre o foto-repórter lisboeta do
início do século Joshua Benoliel, disponível na biblioteca do Departamento de Comunicação Social
da Universidade Nova de Lisboa, e da nossa tese de doutoramento, denominada Fotojornalismo
Performativo — O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa de Informação, disponível nas
bibliotecas da Universidade Fernando Pessoa (Porto) e da Escola Superior de Jornalismo (também
do Porto). Gostaríamos ainda de salientar que as colecções de revistas e livros na área do
(foto)jornalismo e da comunicação, nomeadamente da comunicação visual, disponíveis nas
bibliotecas portuguesas —mesmo nas bibliotecas das instituições universitárias— são pobres.
Sublinhamos, igualmente, que não são do nosso conhecimento nem encontrámos na
pesquisa que fizemos quaisquer estudos aprofundados sobre o fotojornalismo português, se
exceptuarmos a já referida dissertação de mestrado sobre Joshua Benoliel e algumas referências à
sua evolução histórica dispersas em várias publicações, especialmente no livro Uma história de
Fotografia, de António Sena, o qual, como já dissemos, nos foi muito útil para a elaboração da
síntese sobre a evolução do fotojornalismo português que apresentamos neste livro.
Além dos já citados, entre os livros consultados para a elaboração deste trabalho,
avultam o de Susan Sontag, On Photography (Ensaios Sobre Fotografia), e o de Giséle Freund,
Fotografia e Sociedade, entre variadíssimas histórias da fotografia, referenciadas na bibliografia.
Através da pesquisa bibliográfica, verificámos também que são poucos os estudos
publicados sobre fotojornalismo nas principais revistas científicas ou noutros espaços devotados ao
campo jornalístico, especialmente quando comparados com outras áreas da comunicação
jornalística. Alguns parecem-nos, todavia, particularmente pertinentes, pelo que indicá-los será de
alguma utilidade, até para se perceberem quais as preocupações actuais da comunidade académica
no que respeita ao estudo do fotojornalismo.
Em 1984, Kuo-jen Tsang descobriu que as fotografias publicadas na Newsweek e na
Time davam uma imagem tendencialmente negativa do Terceiro Mundo(257), o que vinca as possíveis
distorções que se podem induzir no processo de construção de um real referencial através do
fotojornalismo. Conforme intuiram Michael Singletary e Chris Lamb, no mesmo ano, talvez as
fotografias "negativas" atraiam mais a atenção e possibilitem uma gratificação mais rápida.(258) Estes
autores chegaram também à conclusão de que as fotografias vencedoras dos prémios anuais de
fotojornalismo da National Press Photographers Association dos EUA apresentavam geralmente,
em termos de emoção, um desvio tendencial para a "negatividade": 81% das fotografias vencedoras
nas categorias de news e de features relacionavam-se com acidentes, desastres, crime e violência (a
terceira categoria, desporto, não foi considerada no estudo).(259)
Curiosamente, Evelyne J. Dyck e Gary Coldevin, em 1992, salientaram que a eficácia
persuasiva de uma mensagem que recorresse à fotografia seria maior se a imagem fosse "positiva",
isto é, transmitisse sensações agradáveis, como alegria.(260) Talvez se possa relacionar esta ideia com
a descoberta de James Fosdick, que, em 1966, demonstrou que 65% das fotos publicadas em três
diários do Estado de Wisconsin e no Christian Science Monitor eram soft news sobre
acontecimentos locais (valor-notícia da proximidade em valência). Porém, o autor disse também
que essas fotos não contribuíam para mudanças na consciência política e social do público.(261) De
qualquer modo, no estudo de Dyck e Coldevin e numa série de pesquisas efectuadas anteriormente,
geralmente concluiu-se que, embora atraindo a atenção, as mensagens articulando texto e fotografia
não influenciavam nitidamente a persuasão.(262)
Cremos que a disseminação do conhecimento sobre a ideia de que a eficácia
persuasiva de uma mensagem que recorra à fotografia tende a ser maior quando a imagem é
"positiva" poderia operar mudanças ao nível dos critérios de noticiabilidade e captação de imagem
no fotojornalismo e, assim, modificar as rotinas produtivas. A exemplo do que fazem Sebastião
Salgado e outros fotojornalistas que não enveredam por uma "estética do horror", poderia ser que, ao
nível fotojornalístico, nem sempre as "más notícias" fossem as "boas notícias".
No estudo anteriormente referido, Kuo-jen Tsang evidenciou que, pelo menos
durante os anos que analisou a Time e a Newsweek (1971, 1976 e 1980), as fotografias jornalísticas
sobre os Estados Unidos dominavam ambas as revistas, que apenas incluíam cerca de um terço de
fotos de outros países.(263) Além da construção do real promovida pelo jornalismo, tal facto releva o
valor-notícia da proximidade, mesmo em dois órgãos de Comunicação Social dos mais empenhados
numa estratégia de internacionalização do seu mercado. No mesmo trabalho, o autor demonstra que
as fotografias do estrangeiro publicadas nas revistas eram mais violentas que as dos EUA. Mostra
também que a América Latina, a África e as Ilhas do Pacífico recebiam pouca atenção das citadas
revistas e diz que a maioria das fotos publicadas quer pela Time quer pela Newsweek eram soft news
de interesse humano.(264)
Regressando ao trabalho de Michael W. Singletary e de Chris Lamb, de 1984, sobre
as fotografias vencedoras dos prémios anuais de fotojornalismo da National Press Photographers
Association, dos EUA, os autores concluíram que as mulheres eram actores primários apenas em
cerca de um terço das fotos. Todavia, em mais de metade dos casos eram representadas, por
exemplo, como vítimas necessitando de ajuda, raramente sendo mostradas, por exemplo, como
profissionais.(265) Além disso, apenas 3,7% das news photos e 10,8% das feature photos premiadas
pela National Press Photographers Association haviam sido realizadas por mulheres, apesar destas
atingirem 11,7% dos membros da NPPA.(266) Tal situação parece contrariar as conclusões das
pesquisas de 1979, de Slattery e Fosdick, segundo as quais homens e mulheres fotojornalistas
atingiam índices equivalentes de profissionalismo.(267) De facto, o esperado para o trabalho de
Singletary e Lamb, face às pesquisas de Slattery e Fosdick, seria que homens e mulheres
contribuíssem quer para as news photos quer para as feature photos em proporção com os números
da sua adesão à associação profissional dos fotojornalistas americanos, o que não se verifica.
Recorrendo às ideias de Wilbur Schramm sobre recompensa imediata ou mediata(268),
Lamb e Singletary afirmaram que das 111 fotos vencedoras analisadas apenas uma satisfazia a
recompensa mediata.(269) Além disso, a maioria das fotos premiadas dizia respeito a acontecimentos
locais e regionais, e quase 25% mostravam feridos ou mortos, embora apenas 2,7% fossem tão
detalhadas que mostrassem pormenores como o sangue. Singletary e Lamb concluíram que este
facto provava um auto-policiamento ético e evidenciava que os fotojornalistas eram sensíveis à
relutância dos editores em difundir fotos que pudessem ofender os leitores.(270) Os autores
mostraram ainda que a maior parte das feature photos premiadas eram séries, compostas por um
número médio de 4,4 imagens, e que cerca de 25% dessas fotos eram grandes planos de expressões
faciais; mostraram também que a maioria das fotos analisadas foi realizada durante o dia e que,
contrariamente ao que esperavam, as fotos que obtiveram primeiros prémios não tinham conteúdos
mais positivos ou negativos que as posicionadas em segundo e terceiro lugar.(271) Finalmente,
Michael W. Singletary e Chris Lamb abordaram os critérios de valor-notícia nas fotografias
premiadas, tendo chegado às seguintes conclusões(272):
a) A oportunidade é um critério importante unicamente para as news photos;
b) A proximidade fez com que a maioria das fotos premiadas tivessem unicamente
interesse local;
c) Em termos de proeminência social, a maior parte das fotos representava pessoas
da classe média e trabalhadores;
d) A maioria das fotos premiadas tinha interesse imediato;
e) O interesse humano (critério de difícil definição) é a razão de ser das feature
photos, embora ocasionalmente também estivesse presente nas news photos;
f) As news photos envolvem uma grande componente de conflito; as feature photos
não.
Resumindo, os autores provaram que as fotos do seu universo de estudo poderiam ser
categorizadas em função dos valores-notícia tradicionais e que, regra geral, focavam um pequeno
número desses valores: as feature photos enfatizavam a proximidade e o interesse humano, enquanto
as news photos relevavam a proximidade, o conflito e a oportunidade.(273)
No mesmo campo, Stephen Plunkett, numa tese apresentada em 1975 na
Universidade do Tennessee, fez uma análise semelhante sobre 35 fotografias vencedoras de prémios
Pulitzer. Segundo o autor, estas fotos giravam à volta de oito motivos: 1) distúrbios; 2) segurança;
3) necessidades humanas; 4) violência; 5) ameaças; 6) idolatria; 7) salvamento da morte; 8)
excentricidades e singularidades.(274)
Em 1996, fizemos um estudo semelhante aos de Plunkett, Singletary e Lamb.
Analisámos as trinta e nove fotografias do ano do World Press Photo e chegámos, entre outras, às
seguintes conclusões: a) Quase 90% das fotos premiadas são fotos-choque e estimulam recompensas
imediatas; b) Cerca de metade dos sujeitos principais representados nas fotos são homens, um terço
são crianças e apenas 14% são mulheres, o que evidencia um notório desequilíbrio no tratamento
dos subgrupos sociais; além disto, as mulheres raramente são apresentadas em posturas "activas" no
contexto, mas sim em papéis de solicitadoras de auxílio e similares; c) Cerca de 35% das fotos
mostram mortos ou feridos, mas só duas são detalhadas; d) Só em duas fotos os sujeitos
representados eram figuras públicas nas datas em que as fotos foram realizadas; e) Todas menos
uma das fotos reportam-se directa ou indirectamente à violência, especialmente à violência bélica
(40%); e f) A intensidade, o momento, a consequência, a oportunidade e a negatividade eram os
valores-notícia mais encontrados.(275)
Num estudo editado em 1996, Michael Griffin e Jongsoo Lee, após analisarem 1104
fotografias sobre a Guerra do Golfo publicadas na Time, na Newsweek e no U.S. News & World
Report, concluíram que o espectro tipológico dessas fotografias foi estreitamente limitado,
reduzindo-se sobretudo a imagens que catalogavam o armamento e as tecnologias militares —
sobretudo dos EUA— em detrimento da faceta humana do conflito. Além disso, segundo os
autores, a escassez de imagens que procuravam descrever os acontecimentos em curso no Golfo
contraria a ideia de que a cobertura de guerra foi em "primeira mão".(276)
No campo da imagem das relações raciais criada pelo jornalismo, existem alguns
estudos interessantes, embora respeitem sobretudo aos Estados Unidos. Alguns desses estudos
debruçam-se, privilegiam ou consagram um papel relevante ao fotojornalismo.
Assim, em 1964, Verdelle Lambert descobriu, num estudo sobre a Look, que havia
um aumento das referências não-raciais aos afro-americanos nas notícias, entre as quais as que
articulavam texto e imagem. Concluiu, a partir deste dado, que os editores da Look cada vez mais
ignoravam a visão racial estereotiopada(277), encarando os afro-americanos como quaisquer outros
membros da sociedade.(278)
Da mesma maneira, também Carolyn Martindale, no seu livro de 1986 The White
Press and Black America, após analisar a forma como eram representados os afro-americanos em
245 números de The New York Times, The Boston Globe, The Chicago Tribune e The Atlanta
Constitution, incluindo nas fotografias, afirmou que os editores desses jornais mostravam um desejo
de cobrir mais extensiva e realisticamente a comunidade afro-americana.(279)
Alice Sentman, por seu turno, debruçou-se sobre a cobertura fotojornalística dos afro-
americanos na Life, de 1937 a 1972, tendo concluído que eram dispersamente representados e que,
portanto, a Life não dava à sua audiência a possibilidade de ter acesso a representações da vida
quotidiana dos negros.(280)
Em 1990, Paul Martin Lester e Ron Smith estudaram as fotografias publicadas nas
revistas Life, Newsweek e Time entre 1937 e 1988. Chegaram à conclusão que os afro-americanos
tinham ganho visibilidade com o decorrer dos anos. Esse aumento dever-se-ia mais à cobertura de
acontecimentos dramáticos do quotidiano e de actividades de figuras-públicas, como acontece para
os brancos, do que à apresentação de fotos racialmente estereotipadas no campo do crime, desporto
e artes do entretenimento.(281) Para eles, essa via seria a (politicamente) correcta.(282) Porém, os
mesmos autores descobriram também que, apesar disso, a percentagem de apresentação de fotos
estereotipadas de afro-americanos era maior do que a percentagem de negros na população
americana, tendo concluído que tal mostrava, apesar de tudo, confiança nas coberturas
estereotiopadas.(283)
No mesmo estudo, Lester e Smith descobriram que a percentagem de afro-
americanos na Life excedia em 11% o seu peso percentual na população americana, mas que na
Newsweek e na Time isso não acontecia.(284) Também evidenciaram que na era pré-direitos civis as
representações fotojornalísticas dos afro-americanos eram maioritariamente estereotipadas. Os afro-
americanos eram essencialmente representados como criminosos ou violentos, religiosos, primitivos
e amantes da música, no campo da personalidade, e como serviçais, desempregados, atletas ou
entertainers, no campo ocupacional-profissional.(285)
O mesmo Paul Martin Lester, num estudo editado em 1994 sobre 250 mil fotografias
inseridas nos jornais The New York Times, Chicago Tribune, New Orleans Times e San Francisco
Chronicle, mostra que a cobertura dos afro-americanos aumentou, mas que o preço da visibilidade
tinha sido o aumento das categorias estereotipadas do conteúdo das fotos.(286)
Em revistas mais especializadas, foram também publicados alguns estudos sobre a
"objectividade" do fotojornalismo americano e a confiança que se pode ter nos "registos"
fotojornalísticos. Uma das conclusões globais que podemos extrair desses estudos é que a imprensa
vive frequentemente de imagens fotográficas de substituição: durante a Guerra do Golfo, por
exemplo, foi frequente a inclusão de imagens que, numa leitura menos atenta, passavam por
imagens do teatro de operações, mas que em letras miudinhas anunciavam que se tratava, por
exemplo, de exercícios militares na Califórnia; em outras ocasiões, nem sequer o referiam. A
deturpação da realidade, esta autêntica ficção sobre o real, apenas foi revelada após investigações
académicas, aliás muito pouco difundidas.(287)
No campo da cobertura fotojornalística em função do sexo, Susan H. Miller descobriu
que nas fotos publicadas entre Junho de 1973 e Junho de 1974 nas páginas do Washington Post e do
Los Angeles Times os homens surgem mais vezes do que as mulheres, excepto nas secções de
"sociedade". Assim, a cobertura fotonoticiosa não reflectiria, nesses jornais, os papéis que as
mulheres desempenham na vida em sociedade — eventos largamente participados por mulheres,
como acontecimentos desportivos não profissionais, não eram cobertos. Tal demonstraria, na óptica
da autora, que o fotojornalismo diário vive sobretudo da rotina. Esta consagraria critérios de
noticiabilidade que secundarizariam as mulheres, mesmo quando elas deveriam ser notícia, por
exemplo devido ao impacto das suas reivindicações ou ao impacto do seu trabalho.(288)
Repetindo a pesquisa de Susan Miller, Roy Blackwood, em 1983, descobriu que nos
mesmos jornais as representações fotográficas de homens dominavam ainda mais do que em 1974 as
representações fotográficas das mulheres (2% no Post e 5% no Times). As proporções encontradas,
em 1983, por Blackwood, eram de 4 para 1 no Post e de 3 para 1 no Times. Só nas secções de
"sociedade" é que a relação se tornava equilibrada. O autor chegou, assim, à conclusão de que, em
1983, havia um desfasamento ainda maior entre o real e a sua representação fotográfica nos dois
jornais.(289)
No mesmo campo, D. K. Dodd e colaboradores descobriram, em 1989, que as
fotografias de mulheres publicadas na Time e na Newsweek em 1938, 1953, 1963, 1975 e 1983 se
focalizavam nos corpos, enquanto as fotografias de homens se centravam nos rostos, embora o papel
social dos sujeitos representados tivesse influência mediadora nesta tendência.(290) No mesmo
trabalho, os autores compararam as expressões faciais dos sujeitos retratados em anúncios das
revistas Time, Ms., Fortune e Ebony de 1976, 1981 e 1986, particularmente a posição da boca, tendo
constatado que as mulheres mais do que os homens eram fotografadas com a boca aberta,
presumivelmente, como dizem os investigadores, uma expressão entendida como menos séria.(291)
Ainda no campo do estudo das representações fotográficas das mulheres, G.
Daddario analisou as secções especiais sobre fatos de banho que mostram modelos femininas
posando em praias solarengas e exóticas, inseridas em edições especiais da Sports Illustrated que
vendem quase o dobro dos restantes números. Daddario concluiu que as atletas são marginalizadas
pela sua colocação simbólica em determinadas páginas de informação e pelo maior volume de
imagens consagradas às modelos, e assegura ainda que a revista cria uma associação entre atletismo
feminino e modelos em fatos de banho.(292)
A imagem que resulta das representações fotográficas da Terceira Idade nos anúncios
publicitários editados na Life e na Ebony, entre 1978 e 1987, foi analisada, por seu turno, num
trabalho de 1989, de Sharon Bramlett-Solomon e de Vanessa Wilson.(293) As autoras chegaram à
conclusão de que as pessoas idosas foram representadas numa proporção (menos de dois por cento)
manifestamente inferior ao seu peso na população americana; nestes anúncios as pessoas idosas
foram ainda, regra geral, representadas em conjunto com pessoas mais jovens e de forma a
contribuir para uma visão estereotipada e algo negativa da velhice, devido à sua associação mais a
anúncios sobre laxantes, cuidados ambulatórios, seguros de vida, planos de poupança e equivalentes
do que, por exemplo, a anúncios sobre carros, viagens e lazer.(294) Consequentemente, a Terceira
Idade seria poucas vezes vista como um público-alvo a atingir através dessas revistas.(295)
Uma outra pesquisa interessante é a de Larry Z. Leslie sobre as representações
fotográficas das actividades de McCarthy entre 31 de Agosto e 13 de Setembro de 1954. Nela, o
autor mostrou que, no período sob análise, apenas o Washington Post tinha realizado uma cobertura
tendencialmente neutral das acções do senador, enquanto o Los Angeles Times, o Chicago Tribune e
o Atlanta Constitution fizeram coberturas positivas do mccarthismo.(296)
A cobertura fotojornalística da Time, da Newsweek e do U.S. News and World Report
da campanha eleitoral de 1984 para a presidência dos Estados Unidos foi o tema de um artigo
surgido em 1986, da autoria de Sandra Moriarty e Gina Garramone. As autoras evidenciaram que,
na primeira fase da campanha, a cobertura realizada favoreceu os republicanos, particularmente
Reagan, embora na ponta final se tivesse verificado o contrário, com Mondale a marcar pontos. A
candidata Ferraro, apesar de ter tido direito a quase duas vezes mais fotos publicadas do que Bush,
foi tendencialmente representada de forma mais negativa.(297) Moriarty e Garramone, porém,
sugerem que as diferenças na apresentação fotográfica dos candidatos se podem ter devido mais às
diferenças de postura dos próprios candidatos do que às suas representações mediáticas.(298)
Um sinal das pressões políticas ou, pelo menos, do triunfo das tácticas e estratégias
das relações públicas dos políticos, é o aumento da cobertura fotográfica dos presidentes americanos
(pelo menos) nos jornais New York Times, Atlanta Constitution, Los Angeles Times e St. Louis Post-
Dispatch, ocorrida a partir de 1960 e notada, pelo menos, até 1988 (ano do estudo que o demonstra),
devido à disponibilização interessada, por parte da Casa Branca, de um cada vez maior número de
ocasiões para os fotógrafos fabricarem imagens dos chefes-de-Estado americanos (photo
opportunities).(299)
A presença de fotografias nas primeiras páginas dos jornais também foi várias vezes
analisada. Michael W. Singletary, em 1978, mostrou que de 1936 a 1976, embora tenha aumentado
o total de fotos nas páginas um do Chicago Tribune, do Los Angeles Times, do Philadelphia
Inquirer, do St. Louis Post-Dispatch, do New York Times e do Washington Post, tinha decrescido de
59,4% para 29,9% o número de fotos em grande plano; os temas mais comuns nas fotografias foram
sempre a política e actividades públicas (quase 40% das fotos), o interesse humano (entre 25-30%),
acidentes e desastres (diminuiu de 14,5% em 1936 para 9,7% em 1976) e crime e corrupção
(diminuiu de 9,3% para 5,9%).(300) Notou-se, também, um aumento do respeito pelos direitos de
autor, manifestado no aumento do número fotos assinadas, o aumento da produção própria dos
jornais (12,5% em 1936 e 30,7% em 1976) e um aproveitamento crescente de todas as localizações
para a inclusão de fotografias, o que traduz mudanças gráficas.(301) Em 1936, a Associated Press
forneceu 20,7 por cento das fotos publicadas na primeira página dos jornais, percentagem que
aumentou para 36,7% em 1956 e decresceu para 26,7% em 1976, ficando pela primeira vez abaixo
do índice de produção própria. Se à AP associarmos a UPI, verificamos que as duas agências são
responsáveis por quase um terço das fotos que fizeram a "Um".(302)
Em 1988, Paul Martin Lester mostrou que cerca de metade das fotografias nas
primeiras páginas de 1986 do USA Today, do Chicago Tribune, do New Orleans Times-Picayune, do
New York Times e do Los Angeles Times eram mug shots, isto é, fotos "tipo-passe" (embora podendo
não ser posadas), com particular destaque para o USA Today(303), provavelmente devido às suas
características "pós-televisivas"). USA Today que, aliás, pode ser um jornal dirigido para público
masculino (talvez porque os homens comprem mais jornais), sendo esta situação partiularmente
visível no elevado número de fotografias de desporto que publica.(304)
Ainda em 1988, num outro estudo, Paul Martin Lester provou que, apesar da
proliferação de infográficos, mapas e outro tipo de "informação" visual, as fotografias eram ainda o
principal elemento visual das primeiras páginas dos já referidos jornais, mesmo que combinadas
com outros elementos visuais (em 300 primeiras páginas analisadas, havia 1148 fotografias, 133
ilustrações, 64 infográficos, 40 mapas, dois infográficos combinados com fotografias e um mapa
combinado com uma ilustração); a maioria das imagens mostrava homens brancos (79%) e 87%
dessas imagens só mostravam sujeitos brancos.(305) Um estudo de 1987 punha o acento tónico na
pressão económico-comercial no que respeita ao crescendo de utilização da cor na imprensa
americana (59% dos jornais usavam ocasionalmente a cor e 32% usavam-na sistematicamente).(306)
Em 1974, G. Norman Van Tubergen e David L. Mahsman fizeram ver que a natureza
positiva, negativa ou neutra de uma imagem influenciava as atitudes dos observadores face aos
sujeitos representados; quando estes eram figuras desconhecidas, as fotos contribuíram mais
intensamente para a formação de opiniões sobre a personalidade dos sujeitos representados.(307) Em
1987, L. Lain sugeriu que os editores frequentemente seleccionavam fotos que correspondiam às
ideias que obtinham sobre as pessoas representadas nas "estórias" durante a leitura do texto, pois as
fotos acompanhavam as ideias dos textos(308), o que vai ao encontro das conclusões de Wanta e
Leggett, que verificaram que as jogadoras de ténis eram usualmente representadas nos serviços de
telefoto da Associated Press em posturas emotivas ou dominantes, dando alguma consistência à
ideia de que os editores seleccionam (algumas?) fotos de acordo com estereótipos e preconceitos
pessoais.(309) Na mesma linha de estudos, em 1992, L. B. Lain e P. J. Harwood concluíram que os
leitores que observavam fotografias (em grande plano facial) dos sujeitos das "estórias" eram mais
rápidos a atribuir-lhes características pessoais do que os leitores sem acesso a essas imagens; além
disso, consoante essas fotos fossem negativas, neutras ou positivas também os leitores tendiam a
atribuir características equivalentes aos sujeitos representados.(310)
Um estudo de Anna Banks de 1994 vai bastante ao encontro dos objectivos da nossa
tese. A autora debruça-se sobre a selecção fotográfica que os editores fazem para as revistas,
argumentando que as escolhas são influenciadas quer pelos códigos culturais que as imagens
contêm quer pelas práticas culturais e organizacionais em que os editores se vêem imersos; a
produção fotonoticiosa é colocada, assim, no contexto das rotinas, dos valores profissionais e do
clima institucional enquanto elementos conformadores do conteúdo e da forma das fotografias.(311)
Em resumo, as fotografias de notícias são vistas como uma actividade social e uma produção
cultural, como construções, e não como simples descrições ou reflexos dos acontecimentos.
Perspectivá-las dessa forma permite lê-las como parte das forças políticas, sociais e culturais sob as
quais elas são criadas e distribuídas.(312)
Quando o secretário do Tesouro do Estado da Pensilvânia se suicidou, com um tiro
na boca, frente aos repórteres, a 22 de Janeiro de 1987, as fotografias resultantes criaram, na hora da
sua publicação, um dilema entre ética, (bom) gosto e valor sensacionalístico das imagens. Robert C.
Kochersberger Jr. estudou os jornais da Pensilvânia, de Nova Iorque e da Carolina do Norte, tendo
chegado à conclusão de que nestes dois últimos estados americanos, devido, provavelmente, à sua
menor proximidade da acção, as fotografias foram usadas menos sensacionalisticamente.(313) Mas,
dentro da Pensilvânia, os jornais num raio de cem milhas da cidade natal do governante foram
menos sensacionalistas na publicação das fotos do que os restantes(314), o que poderá ter a ver com
uma maior susceptibilidade em publicar fotos chocantes sobre uma figura-pública da região
(proximidade afectiva e geográfica).
A profissionalidade ou profissionalismo dos fotojornalistas também foi investigada,
infelizmente, como vem sendo hábito, quase em exclusivo nos Estados Unidos.
Karen Slattery e Jim Fosdick, em 1979, compararam o profissionalismo entre os
homens e as mulheres fotojornalistas nos EUA, tendo concluído que poucas diferenças se notavam,
mas que a pequena vantagem era das mulheres.(315) Na década de oitenta, em dois estudos separados,
Barbara Bethune traçou o perfil dos fotojornalistas americanos: jovens, brancos, homens e com
bacharelatos.(316) Outras conclusões do maior desses estudos, que envolveu a maioria dos
fotojornalistas filiados na NPPA, foram que a satisfação laboral aumentava com a idade e que os
fotojornalistas que tinham voz activa na tomada de decisões respeitantes à sua actuação nos seus
órgãos de Comunicação Social apresentavam também maiores índices de satisfação laboral.(317)
Em 1985, Steve Pasternack e Don R. Martin, debruçando-se sobre os padrões de
recrutamento dos fotojornalistas da região Oeste das Montanhas Rochosas, mostraram que os
editores preferem profissionais com capacidade de escrita, capacidade para avaliar o que é notícia e
conhecimentos de direito dos media, além, evidentemente, de domínio da técnica fotográfica e dos
equipamentos.(318)
Finalmente, gostaríamos de salientar que, num estudo a aguardar publicação na
Revista da Universidade Fernando Pessoa, descobrimos que a cobertura fotojornalística do primeiro
mês de beligerância da Segunda Guerra Mundial realizada pelos diários portuenses foi
manifestamente pró-Aliada, ao contrário do que ocorreu em países como os Estados Unidos,
provavelmente devido ao trabalho das embaixadas e consulados franceses e britânicos em Portugal e
ao peso histórico da Aliança Luso-Britânica.
CONCLUSÕES
Presente e inter-relacionada na arte, no jornalismo, na administração, no mundo
militar, na indústria, na edição, no entretenimento, nas ciências da comunicação e informação, a
fotografia é rica, diversificada e complexa. Da mesma maneira, mesmo que curta, a história do
fotojornalismo é, também ela, suficientemente rica, diversificada, viva, mutável e, portanto,
complexa, para merecer a nossa atenção. Conhecê-la é habilitarmo-nos a um conhecimento mais
profundo e contextualizado do actual momento fotojornalístico, entendido num sentido lato,
momento esse também ele complexo e problemático na sua multiplicidade e rápida mutabilidade.
Não foi, no entanto, nosso propósito, ser exaustivos ao escrever este livro, mas tão só
traçar as linhas que permitam uma aproximação histórica suficiente para entender parte das razões
pelas quais o fotojornalismo na actualidade se faz e é entendido de uma maneira e não de outras, até
porque, tal como a fotografia evoluiu, em grande medida, na convencionalidade, também o
fotojornalismo actual se faz, em grande medida, dentro da convencionalidade.
Também esperamos ter fornecido suficientes exemplos de temas e abordagens que
permitam uma reflexão mais proveitosa aos responsáveis pelo fotojornalismo português e aos
fotojornalistas, em termos de política fotojornalística a implementar e seguir. Estamos
convencidos, de facto, que a verdadeira performatividade em fotojornalismo passa por mudanças
que terão de ser impulsionadas através de intervenções primeiras ao nível das culturas de empresa e
das culturas específicas das editorias de fotojornalismo e das redacções.
As mudanças nas culturas de empresa, quanto a nós, devem casar (a) uma esfera de
liberdade/criatividade/responsabilidade que deve ser outorgada aos foto-repórteres, com (b) uma
diversificação produtiva capaz de satisfazer não só o mercado tradicional mas também as novas
exigências dos quality papers, com (c) os novos imperativos ético-deontológicos que emergem no
campo fotojornalístico e com (d) as (novas) necessidades de educação/formação nos campos do
(foto)jornalismo, ciências sociais, técnicas e tecnologias.
É visível, julgamos, que a história da fotografia e do jornalismo condicionou o
fotojornalismo. Para além, evidentemente, da ocorrência de inovações, e não havendo regressos na
história da fotografia, há recuperações, reconversões e reformulações. Consequentemente, pese toda
a diversidade, fomentada, aliás, pela acção pessoal de diversos fotógrafos, notam-se também linhas
evolutivas no estilo, nos pontos de vista, nos géneros fotográficos, seja de Hine a Salgado, de Beato
a McCullin, de Capa a Nachtwey e Chauvel ou da Wirephoto da Associated Press à fotonotícia da
agência portuguesa Lusa. A história do fotojornalismo e os factores que a influenciaram
conformaram a irrupção de rotinas e convenções. Mas também permitiram a fuga a essas rotinas e
convenções.
Sob outro prisma, a televisão e, actualmente, os meios multimédia, reduziram,
provavelmente, a autoridade social do fotojornalismo em matéria de representação e figuração do
mundo. Por isso, importa ao fotojornalismo encontrar novos usos sociais e novas funções, que
reconheçam o que, com o tempo, se tornou evidente: a dimensão ficcional e construtora social da
realidade que a intervenção fotográfica aporta. Nesta linha, aliás, vários fotojornalistas começaram,
como vimos, após a Segunda Guerra Mundial, a reivindicar e praticar o seu direito à subjectividade
assumida, encarando a fotografia não como o "espelho do real", mas mais como uma metáfora ou
até uma metáfora-metonímia da realidade. Por via desta opção, arte, e intenção
documental/propósito jornalístico vão deixando de ser vistos como factores irreconciliáveis no
campo dos news media, embora existam fotojornalistas que insistem na distinção, por influência
socio-ideológico-cultural.
Apesar da evolução histórica, a fotografia jornalística continua, perante o senso
comum, a passar pelo espelho do real tal como este se apresenta perante a câmara num breve
instante, isto é, o que a foto regista "é verdade", aconteceu, e o fotógrafo esteve lá para o
testemunhar. Esta noção da fotografia como espelho do real, imagem reflectida que não mente, está
profundamente vinculada à história cultural da fotografia e, apesar das novas tecnologias da
fotografia digital, estamos convencidos de que terá ecos no futuro. Não é de espantar: lançada num
ambiente positivista, a fotografia desenvolveu-se, inicialmente, numa época histórica em que o valor
do facto era grande, pelo que é com alguma naturalidade que a foto —vista como um registo,
funcionando como prova— se ligou à ciência, aos governos, aos militares, à indústria e,
principalmente, às organizações noticiosas, envolvidas num processo de industrialização que as
levaria, em relação com o positivismo, à adopção da ideologia da objectividade.
O jornalismo foi, assim, uma das primeiras actividades a socorrer-se da fotografia: ao
funcionar como prova, beneficiando do efeito-verdade, a fotografia credibilizaria os enunciados
verbais e as representações da realidade que esses enunciados criavam, acompanhados, agora, pelas
fotos. Segundo Schiller, era comum então, na imprensa britânica e americana —que viria a
influenciar o jornalismo em todo o mundo— encontrarem-se referências ao repórter como "mera
máquina de registar a verdade exacta" e à câmara como metáfora para as actividades dos repórteres.
Mesmo quando eram publicadas gravuras de madeira, a imprensa, para reforçar a credibilidade
destas, não costumava esquecer a menção: "executada a partir de fotografia".(319)
Paradoxalmente, porém, o fotojornalismo foi servindo, mesmo perante o senso
comum, para construir "verdades", sim, mas apenas "verdades" subjectivas ou mais ou menos
intersubjectivas. Contudo, mesmo essas "verdades" foram e são continuamente revistas, devido às
novas aportações imagéticas que o fotojornalismo vai trazendo, momento a momento, aportações
essas que alimentam ou qualificam, modificam e desafiam as ideias, valores, princípios, ideologias,
mitos, crenças e expectativas que transportamos dentro de nós. Vimos aliás, no nosso percurso ao
longo da história, como ao fotojornalismo foram (e são), conscientemente ou não, encomendadas
tarefas estéticas, políticas, culturais, económicas e ideológicas, entre outras. Mudou também, ao
longo da história, o entendimento sobre o papel que nesse campo o fotojornalismo pode ter, mas
mais sob a força dos académicos do que dos fotojornalistas.
Hoje, como salienta Becker, o ideal de objectividade do jornalismo, cuja evolução
entroncou com as crenças que no século XIX existiam sobre o realismo fotográfico, permanece
vivo: "(…) the news form continues to be shaped by professional attitudes that closely correspond to
assumptions about photography's ability to 'tell the truth' in unbiased, accurate accounts of world
events."(320) Assim, no fotojornalismo a ideologia da objectividade tem uma espécie de
correspondência na máquina fotográfica, encarada como um elemento "neutro" por parte dos
fotógrafos, que se esquecem dos procedimentos ópticos, químicos e técnicos que se escondem por
trás da aparência do medium, que se esquecem que o equipamento tanto abre portas (por exemplo, as
teleobjectivas permitem captar pormenores a maior distância) como as fecha (os fotojornalistas, ao
contrário dos redactores, não são admitidos em alguns locais, como em certos julgamentos).
Temos algumas dúvidas acerca da superação pelo fotojornalismo das amarras da
normalidade realística e "objectivante", já que, hoje em dia, a actividade é dominada por uma
produção rotineira que continua a perseguir o realismo e que pouco ou nada engloba o criativo, a
arte e, por vezes, mesmo o ponto de vista. Mas estamos de acordo em que a inter-relação entre a
fotografia e a televisão que nos parece existir prestará um bom serviço ao fotojornalismo se
contribuir para que ele vença as amarras da rotina e da convencionalidade para mergulhar na
autoria. Não é em forçar o fotojornalismo a ser igual à arte que está a receita para o jornalismo
fotográfico de hoje. Isto é, não deve perder-se o norte da intenção informativa do fotojornalismo —
entendendo-se aqui o conceito de informação de uma forma ampla, no sentido de gerar
conhecimento profundo, contextualizar, ajudar a perceber e fomentar a sensibilidade dignificadora
para com o ser humano, a Terra e os seus problemas. Mas, estamos convictos de que representará
uma mais valia para o fotojornalismo e para o público que a actividade se abra a orientações
criativas, originais, com ponto de vista, que podem passar pela insinuação da arte na fotografia
jornalística e pela fuga ao realismo. E que devem passar pela autoria consciente e responsável,
mesmo que esta autoria encontre abrigo no realismo.
As inovações tecnológicas, por seu turno, foram provocando, por vezes
conflituosamente, a necessidade de readaptação constante dos fotojornalistas a novos modelos, a
novas rotinas, tácticas e estratégias profissionais de colheita, processamento, selecção, edição e
distribuição de foto-informação. Actualmente, a fotografia digital e os meios de geração e
manipulação computacional de imagem estão a provocar, novamente, esse tipo de efeitos. Os
fotojornalistas começam a questionar a natureza da fotografia enquanto documento, devido à sua
maior formação, à acção do meio académico e à própria constatação das mudanças. Novos padrões
éticos e novas responsabilidades estão a acompanhar essa revisão nos pontos de vista. Em suma,
com os debates em curso os fotojornalistas parecem estar a traçar as novas fronteiras delimitadoras e
definidoras do seu estatuto e do estatuto do seu trabalho no seio das organizações noticiosas, nesta
nova idade mediática cuja chegada foi anunciada a partir dos anos oitenta.
Como nos parece ter provado também, na história do fotojornalismo há cinco tipos de
forças que se fazem sentir simultanea e interactivamente: a acção pessoal, a acção social, a acção
ideológica, a acção cultural e a acção tecnológica. Elas contibuiram e contribuem para que o
fotojornalismo se conforme e evolua de determinadas maneiras e não de outras.(321) As mesmas
forças que nos parece permitirem explicar por que é que as (foto)notícias são como são permitem-
nos, parece-nos, igualmente explicar a evolução que o fotojornalismo registou até hoje.
a) Acção pessoal
A acção pessoal nota-se na influência individual de alguns fotógrafos, fotojornalistas,
editores, empresários e inventores para a história da fotografia e do fotojornalismo.
Entre eles recorta-se a figura do fotógrafo-autor, de alguma maneira a pessoa de cuja
presença ou ausência depende o curso da história da fotografia.
Assim, é possível considerar a emergência do fotojornalismo, dos seus géneros, das
suas temáticas, das suas tipologias, das tendências compositivas, etc., (também) como
um produto das pessoas e das suas intenções, nomeadamente dos autores. E, se bem
que assistamos a uma crescente industrialização dos processos produtivos em
fotojornalismo, fotografar continua a ser uma actividade que deixa indivíduos
solitários perante o seu objecto.
Neste campo, deve levar-se em importante linha de conta uma acção econo-pessoal,
aferida pelo risco de alguns empresários, fotógrafos e inventores ao lançarem no
mercado novos artefactos técnicos, novas revistas e álbuns ou novas agências, por
exemplo.
b) Acção social
A acção social perspectiva o fotojornalismo como um produto das interacções entre
as pessoas em sociedade (público, editores, fotojornalistas) e, ainda, como o resultado
do trabalho produtivo em grupo e/ou organizações, que são mais do que o somatório
das pessoas que as constituem, que estão sujeitas a constrangimentos e que têm
necessidades. Por isso, o produto fotojornalístico pode ser mais o resultado não
planeado de (1) restrições motivadas pelo que aparenta ser razoável em função dos
objectivos da organização e da vida organizacional, (2) de um grande número de
pequenas escolhas e de influências múltiplas, como dos fotógrafos uns sobre os
outros, e (3) de várias contingências, como as condicionantes tecnológicas da
organização, do que o resultado de um pequeno número de decisões. O
fotojornalismo sofre, assim, a influência das alterações sociais e das mudanças sócio-
organizacionais.
No campo da acção social inclui-se a acção socio-económica, respeitante (1) à
influência do mercado, regulado pela lei da oferta e da procura e por mecanismos
reguladores estatais, (2) à política de investimentos, por vezes associada a
reconversões tecnológicas, e (3) à rentabilização dos investimentos e procura do
lucro, etc.
c) Acção ideológica
A acção ideológica pode verificar-se pelas semelhanças de entendimento do mundo,
do medium e da profissão por parte dos fotojornalistas, tal como são exibidas quer
nas suas afirmações, quer nos seus trabalhos.
A acção ideológica na conformação do fotojornalismo é patente, por exemplo, no
papel das ideologias da objectividade e do profissionalismo enquanto elementos
integradores e coesivos de certas comunidades interpretativas de fotojornalistas, em
função de interesses que no jornalismo se relacionam principalmente, pensamos, com
a legitimação da actividade.
Por outro lado, outras comunidades interpretativas poderão unir-se em torno de
outras ideologias —as da "diferenciação" e da "autoria". Os fotógrafos-autores que
se inserem nas linhas de vanguarda do documentalismo fotográfico contemporâneo,
por exemplo, devem compartilhar certas ideias, valores, crenças e expectativas sobre
as formas de que a fotografia se pode servir para expressar o mundo social ou até as
próprias individualidades dos fotógrafos, em função dos seus interesses, por exemplo
do seu eventual interesse em mudar o mundo ou do seu hipotético interesse em
provar que arte e fotojornalismo ou fotodocumentalismo não são irreconciliáveis.
Em suma, os fotojornalistas fotografam com as ideologias que trazem consigo.
d) Acção cultural, histórico-cultural e socio-cultural
A acção cultural vê o fotojornalismo como um produto da cultura, apesar das
intenções individuais, dos constrangimentos e necessidades organizacionais e da
influência do meio social extra-organizacional. Assim, ao longo da história, as
mudanças socioculturais no meio, a evolução cultural do público e as alterações na
cultura em geral e na cultura profissional, a priori, influenciam o fotojornalismo. O
fotojornalismo faria, então, uso de padrões culturais pré-existentes e os
fotojornalistas fotografariam com a cultura que trazem consigo. Por exemplo, um
brutal acidente de carro só é notícia porque sob um determinado enquadramento
cultural (frame) ele é entendido como notícia; pelo contrário, as defesas de teses de
doutoramento ou mestrado raramente têm a presença de jornalistas, porque
geralmente não são vistas como notícias prioritárias.
Para a globalização da cultura profissional fotojornalística —mesmo para a ânsia pela
diversidade, que também se pode incluir nesse quadro, um quadro que, aliás, reflecte
as transformações por que passa o próprio mundo social— contribui a elevada
mobilidade dos profissionais, que frequentemente transitam de umas para outras
organizações e de país para país. A cultura profissional fotojornalística é, em parte,
deslocalizada.
e) Acção tecnológica
A acção tecnológica perspectiva a fotografia jornalística como um produto da
tecnologia, já que as tenologias não são neutras. De facto, ao longo da história, as
conquistas técnicas trouxeram novos territórios para o fotojornalismo, como, por
exemplo, ao nível da expressão e da estética. Mas as tecnologias também são
limitantes: por exemplo, o uso de uma teleobjectiva traz sempre por acréscimo efeitos
de compressão do tema.
A acção simultânea e interactiva da acção pessoal, da acção social, da acção
ideológica e da acção cultural parece-nos ser notória, por exemplo, na assimilação pessoal, social,
ideológica e cultural de novos temas, novas práticas, novas ideias ou novas técnicas e tecnologias.
Assim, sem prejuízo do facto de a acção pessoal se poder traduzir pela inovação e, deste modo, pelo
desfazer do rotineiro, como no caso da fotografia de autor, o efeito conjugado desses três tipos de
acção leva, geralmente, à conformação produtiva e, deste modo, à irrupção de rotinas produtivas no
fotojornalismo:
a) Ao nível temático, encontramos no fotojornalismo (entendido numa expressão
ampla), como temas valorizados, o crime, os conflitos, a guerra, os acidentes, e, de
uma forma geral, a violência (muitas vezes num universo de foto-choque), as
temáticas sociais, os fait-divers, o desporto, os actos das figuras públicas, o glamour,
o show biz, as cerimónias e os actos protocolares (o "institucional"). Hoje em dia, a
fotografia de figuras públicas encontra também novas expressões, devido quer à
irrupção do "jornal pós-televisivo", quer à revalorização da entrevista no modelo
jornalístico dominante.(322)
b) Ao nível funcional-tecnológico, notamos que as tecnologias não são neutras. Elas
surgem num estado de coisas e conformam outro estado de coisas. Quando emergem
novas tecnologias as rotinas produtivas alteram-se. Foi assim com as máquinas
fotográficas (das pesadíssimas dos primeiros tempos à Kodak, à Ermanox, à Leica, às
máquinas actuais e às digitais da nova geração), com os suportes de imagem (vidro,
chapa, papel, filme, disquetes) e com os processos de impressão (gravuras de
madeira, halftone, etc.). Actualmente, verifica-se a adopção e disseminação das
novas tecnologias de tratamento digital da imagem e de transmissão de fotos à
distância. À velocidade liga-se uma estética da velocidade, expressa, por exemplo,
na utilização rotineira e convencional de grandes-angulares para fotografar
conferências de imprensa, e uma estética da desaparição, que se revela
predominantemente nos novos "prazos de validade" (extremamente curtos) da
imagem fotojornalística, sobretudo nos casos das agências noticiosas, dos jornais e
das revistas, e que se joga num fotojornalismo cada vez mais (falsamente)
performativo, ligado ao consumo imediato de uma imagem “meramente ilustrativa”
que raramente deixa rasto ou memória.
Associado a outros factores (cultural, económico: procura—mercado, etc.), mas
possibilitado pelo novo potencial tecnológico, assiste-se ainda à irrupção do
jornalismo infográfico, identificativo do "jornal pós-televisivo". Este tipo de
jornalismo compete com o fotojornalismo e com os enunciados redactoriais pelo
espaço dos jornais e revistas.
c) Ao nível funcional-processual, encontramos similiaridades histórico-culturais,
quer nas estratégias para obtenção de imagens, quer nos procedimentos internos dos
órgãos de comunicação social. É assim que os paparazzi, se bem com objectivos
diferentes, usam tácticas que não repugnariam a Solomon. E é também assim que
encontramos bem presente a ideia de que o conhecimento público de certos
acontecimentos justifica os meios usados para se obterem as fotos, como nas ocasiões
em que se fotografam locais ou eventos proibidos.
d) Ao nível funcional-performativo, nota-se que em parte significativa dos serviços
fotojornalísticos a (falsa) performatividade se vai consolidando como um critério
fundamental de valor-notícia associado ao raciocínio linear velocidade (rapidez de
obtenção/execução) — lucro.
e) Ao nível ético-deontológico e normativo, ocorrem debates de génese histórico-
cultural a vários níveis. Por um lado, a utilização crescente das novas tecnologias de
tratamento digital da imagem coloca na ordem do dia o debate sobre a manipulação
imagética, agora facilitada, e relança as preocupações sobre uma nova alfabetização e
sobre as consequências do efeito-verdade e da verosimilitude.(323) Por outro lado, as
normas e o sentido ético-deontológico condicionam o que se faz (mesmo em termos
de desvio) e, assim, foram-se consolidando como um factor conformativo das rotinas
produtivas fotojornalísticas.
No campo ético-deontológico há a registar ainda que, devido às tecnologias da
imagem digital, o controle dos fotojornalistas sobre o seu produto cada vez surge
mais não apenas como um direito, mas sobretudo como um imperativo ético que
deverá ter desejável correspondência nos códigos deontológicos, mesmo em códigos
de nível organizacional específico.
Num outro campo, há a considerar as questões relativas à
objectividade/subjectividade do "olhar fotográfico", que conduzem às questões da fotoficção, do
"efeito-verdade" do realismo, do ponto de vista e das relações entre a arte, o fotojornalismo e o
documentalismo.
Em primeiro lugar, pensamos ter provado que nem o documental nem o
fotojornalismo, em sentido estrito, passam necessariamente por abordagens pretensamente
objectivantes, "sem" ponto de vista e realistas: há, neles, espaço, por exemplo, para a encenação
ficcional. Aliás, a encenação é (quase) tão velha como a fotografia (recorde-se, por exemplo, a
fotografia de retrato). No documentalismo fotográfico, as fotos encenadas de Edward Curtis
(recuperação de práticas, trajes e adereços abandonados) ou de August Sander (recuperação de trajes
e adereços aliada à pose) são exemplos de criação ficcional cujas implicações provavelmente
passaram despercebidas mesmo aos fotógrafos, porventura empenhados em realizar descrições
perfeitas do mais puro real. Mas a exploração de novas linhas no documentalismo, como é visível
em Martin Parr, quer nos seus projectos mais antigos quer nos mais recentes sobre decoração
doméstica ou a relação das pessoas com o automóvel, evidenciam a assunção da encenação, da
ficção, do afastamento ostensivo do real, como um dos caminhos susceptíveis de gerar um
conhecimento contextualizado das situações representadas.
Sebastião Salgado, em Trabalho, também trilha os mesmos caminhos, embora com
menor notoriedade: tal é visível, sobretudo, nos retratos posados e individualizados de sujeitos
representativos que fez em várias das séries do projecto. Trata-se, aqui, da "encenação" dos corpos
e dos gestos, tendo por pano de fundo o ambiente e por agasalho as roupas. É preciso que se diga,
porém, que nestas abordagens há sempre o risco (ou a potencialidade?) da estereotipização, como
tinha já alertado Dorothea Lange quando reclamava contra a conversão num estereótipo da sua foto
da mãe migrante que se converteu no "símbolo" do Farm Security Administraion.
Em segundo lugar, pensamos ter demonstrado que a (ilusão da) "verdade fotográfica"
tem com a fotografia jornalística uma relação precária, embora nem tanto para o senso-comum.
Podendo eventualmente existir alguma ancoragem tradicional da fotografia à realidade, a ligação
entre estes pólos não se cristalizou numa tradição única. Quer a fotografia quer a realidade são
fluídas, evoluem ao longo dos tempos, pelo que não o permitiriam.
Em terceiro lugar, a questão dos procedimentos "artísticos" no fotojornalismo e no
documental é uma falsa questão. Proceder segundo cânones estéticos identificáveis com a arte
poderá ser proveitoso caso assim se ofereçam pistas para o observador chegar ao nível das
significações dos acontecimentos e das problemáticas. É o que acontece, entre muitas outras, nas
fotos que tiram partido dos efeitos de arrastamento, da desfocagem ou da angulação. Neste ponto,
até já secundarizamos as regras mais clássicas de composição, que, em si, já são um procedimento
"artístico" cujo significado, frequentemente, também é ignorado ou passa despercebido.
Finalmente, cumpre realçar que a influência histórico-cultural no fotojornalismo
actual se faz sentir transnacionalmente. A fotografia é um dos media que se podem caracterizar
como possuindo uma certa "universalidade" de linguagem, independentemente das práticas e leituras
fotográficas culturalmente mais localizadas que se possam fazer de uma foto — a pose pode, como
alertou Barthes, ser entendida de formas diferentes, e Einstein deitando a língua de fora tanto pode
ser percepcionado como um trocista ou como um homem cumprimentando outro, consoante
estejamos no Ocidente ou numa tribo da Micronésia.
NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) Sem descurar a assunção de uma vertente crítica e a nossa própria visão e conhecimento da história da fotografia, deve salientar-se que um livro como este remete sempre quer para a investigação pessoal quer para dados que são recolhidos durante a pesquisa bibliográfica que qualquer investigação impõe. Entre os livros consultados, avultam, entre outros: Marie-Loup Sougez (1991) — Historia de la fotografia; Helmut Gernsheim (1986) — A Concise History of Photography; Alma Davenport (1991) — The History of Photography. An Overview; Jean-Claude Lemagny e André Rouillé (Dir.) (1986) — Histoire de la photographie. Foram também importantes os artigos de Karin E. Becker (1989) — "Photojournalism", in Erik Barnouw (Ed.) — International Encyclopedia of Communications, vol. 3, 285 - 292; e de Luís Humberto Marcos (1989) — "Dados cronológicos para a história da fotografia e do fotojornalismo", in O Fotojornalismo Hoje — Catálogo da Exposição Comemorativa dos 150 Anos da Fotografia, 9 - 14. Também foram bastante consultadas as obras de Gisèle Freund (ed.: 1989) — Fotografia e Sociedade (a edição original francesa é de 1975) e de Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, e (1995) — Documentalismo fotográfico contemporáneo, bem como os apontamentos dacilografados de Teresa Siza e Paulo Alexandrino (1991) — Apontamentos de Fotojornalismo. Existem também, evidentemente, referências apropriadas a outras obras importantes, que forneceram dados para a contextualização, precisão de conceitos e interpretação crítica da história da fotografia, mais especificamente, da história do fotojornalismo e dos fotógrafos que nela pontificaram.
(2) Wilson Hicks (1952) — Words and Pictures: An Introduction to Photojornalism.
(3) Wilson Hicks (1952) — Words and Pictures: An Introduction to Photojornalism.
(4) Ken Baynes (Ed.) (1971) — Scoop, Scandal, and Strife: A Study of Photography in Newspapers.
(5) Wilson Hicks (1952) — Words and Pictures: An Introduction to Photojornalism.
(6) Wilson Hicks (1952) — Words and Pictures: An Introduction to Photojornalism.
(7) Wilson Hicks (1952) — Words and Pictures: An Introduction to Photojornalism.
(8) Wilson Hicks (1952) — Words and Pictures: An Introduction to Photojornalism.
(9) Wilson Hicks (1952) — Words and Pictures: An Introduction to Photojornalism.
(10) Wilson Hicks (1952) — Words and Pictures: An Introduction to Photojornalism.
(11) Kevin G. Barnhurst (1994) — Seeing the Newspaper, 41.
(12) Kevin G. Barnhurst (1994) — Seeing the Newspaper, 42.
(13) John Szarkokowski (1973) — From the Picture Press.
(14) Wilson Hicks (1952) — Words and Pictures: An Introduction to Photojornalism.
(15) Kevin G. Barnhurst (1994) — Seeing the Newspaper, 43.
(16) John Szarkokowski (1973) — From the Picture Press.
(17) John Szarkokowski (1973) — From the Picture Press.
(18) James C. Kinkaid (1936) — Press Photography.
(19) Kevin G. Barnhurst (1994) — Seeing the Newspaper, 47.
(20) Otha C. Spencer (1966) — The Art and Techniques of Journalistic Photography.
(21) Dona B. Schwartz e Michael Griffin (1987) — "Amateur photography: The organizational maintenance of an aesthetic code", 198-224.
(22) Kevin G. Barnhurst (1994) — Seeing the Newspaper, 54-55.
(23) Kevin G. Barnhurst (1994) — Seeing the Newspaper, 55.
(24) Adriano Duarte Rodrigues (1988) — "O acontecimento".
(25) Talbot, por exemplo, publica The Pencil of Nature em 1844, querendo provar a natureza mecânica e analógica (espelho do real) da fotografia. A câmara seria uma réplica do olho.
(26) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 9.
(27) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 9. (Tradução livre: "(…) conduziu-os ao confronto com ambientes hostis, censura, equipamento falível, gostos convencionais dos editores fotográficos e dos leitores, a distorção das seus próprias pre-conceptualizações, as limitações inerentes ao que a fotografia pode comunicar.")
(28) Veja-se Karin E. Becker (1989) — "Photojournalism". In Erik Barnouw (Ed.) — International Encyclopedia of Communications, Vol. 3, 285. No mesmo sentido, escreve Marie-Loup Sougez (1991) — Historia de la fotografia, 92; Veja-se, porém, Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 17. Neste livro, esta última autora refere que os redactores da Time-Life dizem que o primeiro documento de imprensa ilustrada moderna é uma reprodução de uma gravura ad-hoc que tenta encenar uma tentativa de assassinato da raínha Vitória, também publicada no The Illustrated London News, em 1842. Hermann Biow, um outro fotógrafo de Hamburgo, terá também realizado fotografias do mesmo incêndio desta cidade, que entretanto se perderam. Ver: Richard Lacayo e George Russell (1990) — 150 Years of Photojournalism, 11.
(29) Dizem-no Karin E. Becker (1989) — "Photojournalism". In Erik Barnouw (Ed.) — International Encyclopedia of Communications, Vol. 3, 285; e Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 17.
(30) Teresa Siza e Paulo Alexandrino (1991) — Apontamentos de Fotojornalismo (original dactilografado não publicado), s.p. Os autores adiantam ainda que "Nos primeiros tempos, as imagens (…) eram entregues a gravadores que as reprodziam em madeira (xilografia). Esta técnica (…) envolvia (…) a utilização de uma mão de obra especializada, lenta e relativamente cara (desperdiçando, assim, a vantagem do automatismo). Punha também em causa a 'veracidade' da imagem: com efeito, os gravadores muitas vezes acrescentavam elementos da sua 'lavra' às imagens que reproduziam, chegando até a assiná-las." (s.p.). O The Illustrated London News chega mesmo a manifestar-se contra a substituição da reprodução em desenho artesenal pela fotogravura, conforme revela Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 18.
(31) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 11. (32) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 1 e 11.
(33) Luís Humberto Marcos (1989) — "Dados cronológicos para a história da fotografia e do fotojornalismo". In O Fotojornalismo Hoje — Catálogo da Exposição Comemorativa dos 150 Anos da Fotografia, 10.
(34) Luís Humberto Marcos (1989) — "Dados cronológicos para a história da fotografia e do fotojornalismo". In O Fotojornalismo Hoje — Catálogo da Exposição Comemorativa dos 150 Anos da Fotografia, 10.
(35) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 17. A autora reporta-se, contudo, a BORGÉ, Jacques e VIASNOFF, Nicolas (1982) — Histoire de la photo de reportage. Paris: Ed. Fernand Nathan.
(36) O naturalismo surgiu por volta de 1880, como reacção aos artifícios correntes nos meios da foto-arte, como a montagem de negativos. Os fotógrafos naturalistas procuravam reproduzir a natureza tal como ela é percebida e celebravam o campo nas suas fotografias. Peter Henry Emerson (1856-1936) é talvez o pai do movimento, estatuto que adquire com a publicação de Naturalistic Photography, em 1890.
(37) As bases do pictoralismo são diversas, mas encontram-se condensadas no texto La photographie est-elle un art?, de Robert de la Sizeranne. Os pictoralistas, que recolhem alguma coisa do impressionismo, advogavam que a fotografia deveria ser entendida como uma das belas-artes, mas que para o ser deveria aproximar-se compositiva e tematicamente à pintura.
A estética da representação pictoralista por vezes parece prenhe de algum impressionismo, manifestando-se sobretudo nos efeitos de atmosfera e clima (névoa, neve, chuva), nos efeitos de luz (crepúsculo, contra-luz) e na naturalidade dos sujeitos.
(38) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 31. (Tradução livre: "As descrições das batalhas eram higienizadas pela distância e pelo tempo, deixando o público observador fora do processo da guerra em si.")
(39) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 24.
(40) Sobre Nadar, partilhamos a opinião de Gisèle Freund (ed.: 1989) — Fotografia e Sociedade, 53; e de Luís Humberto Marcos (1989) — "Dados cronológicos para a história da fotografia e do fotojornalismo". In O Fotojornalismo Hoje — Catálogo da Exposição Comemorativa dos 150 Anos da Fotografia, 10 - 11.
(41) Gisèle Freund é citada por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 24.
(42) Robert Delpire, Michel Frizot et al. (1989) — Histoire de Voir. vol. 1, s.p. (43) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 17. (44) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 17. (45) Citado em: Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 10. (Tradução
livre: "Assegura representações precisas e charmosas das cenas mais distantes ou evanescentes. Fixa, por um processo quase instantâneo, os detalhes e características de eventos e locais, que de outra maneira a imensa maioria dos seres humanos nunca poderia levar para casa.")
(46) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 19. A autora dá exemplos da polémica instalada, acrescentando o seguinte, em nota de rodapé: "Abaixo asinados de artistas en contra, como o académico Ingres, por misturar arte e industria; defensas polo espíritu ilustrado —Delacroix— que a entende como unha grande contribuición ó estudo da realidade; Baudelaire —argaña que os franceses non dan tirado— enfrentándoa como instrumento de incultura e trivialización pró público... mentres, na súa defensa da modernidade, descríbea luíndo 'le transitoire, le fugitif, le contingent', liñas na que Jean Clair ve a premonición do foto-reporter, en concreto de Cartier-Bresson." (p. 19, nota 9).
(47) Gisèle Freund (1989) — Fotografia e Sociedade, 75.
(48) Teresa Siza e Paulo Alexandrino (1991) — Apontamentos de Fotojornalismo (original dactilografado não publicado), s.p.
(49) Marie-Loup Sougez (1991) — Historia de la fotografia, 160. Todavia, a autora, em nota de rodapé, reporta-se a Newall, Beaumont (1978) — The History of Photography, 4ª Edição, New York: Museum of Modern Art, pois, segundo Newall, existiram daguerreótipos de soldados da guerra entre o México e os Estados Unidos, em 1848.
(50) O facto de a primeira "foto-reportagem" de guerra ter sido previamente censurada é bastante conhecido. Repare-se, por exemplo, em Gisèle Freund (ed.: 1989) — Fotografia e Sociedade, 108 — "A expedição de
Fenton tinha sido encomendada na condição de que ele jamais fotografasse os horrores da guerra, para não assustar as famílias dos soldados."
(51) Expressões usadas por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 61.
(52) Robert Delpire, Michel Frizot et al. (1989) — Histoire de Voir. vol. 2, s.p.
(53) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 11.
(54) Vicki Goldberg (1992, 16 de Agosto) — "A deliberate, unflinching witness to history", H22.
(55) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 14 e 24.
(56) Peter Pollack (1961) — Histoire mondiale de la photographie. Paris: Hachette. Pollack é citado por Marie-Loup Sougez (1991) — Historia de la fotografia, 165.
(57) William F. Thompson (1994) — The Image of War: The Pictorial Reporting of the American Civil War.
(58) William F. Thompson (1994) — The Image of War: The Pictorial Reporting of the American Civil War.
(59) William F. Thompson (1994) — The Image of War: The Pictorial Reporting of the American Civil War.
(60) William F. Thompson (1994) — The Image of War: The Pictorial Reporting of the American Civil War.
(61) De uma forma geral, uma certa "cronomentalidade" é inculcada nos jornalistas através dos processos de socialização e aculturação na empresa e na profissão. Como defendeu Philip Schlesinger (1977), em "Newsmen and their time machine", os jornalistas são membros de uma cultura ocidental consciente do tempo. Segundo o autor, a consciência que os jornalistas têm da passagem do tempo é maior do que na maioria das restantes profissões, devido, principalmente, à existência de deadlines e ao facto da estrutura de competição definir a notícia como uma mercadoria perecível que exige, para o seu fabrico diário, uma estrutura de produção baseada no valor do imediatismo. Para Schlesinger, a capacidade de vencer o tempo seria mesmo a demonstração mais clara de competência profissional.
(62) William F. Thompson (1994) — The Image of War: The Pictorial Reporting of the American Civil War.
(63) William F. Thompson (1994) — The Image of War: The Pictorial Reporting of the American Civil War.
(64) William F. Thompson (1994) — The Image of War: The Pictorial Reporting of the American Civil War.
(65) William F. Thompson (1994) — The Image of War: The Pictorial Reporting of the American Civil War.
(66) Karin E. Becker (1989) — "Photojournalism". In Erik Barnouw (Ed.) — International Encyclopedia of Communications, vol. 3, 285.
(67) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 11.
(68) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 23.
(69) Teresa Siza e Paulo Alexandrino (1991) — Apontamentos de Fotojornalismo (original dactilografado não publicado), s.p.
(70) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 18.
(71) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 18.
(72) Teresa Siza e Paulo Alexandrino (1991) — Apontamentos de Fotojornalismo (original dactilografado não publicado), s.p. Ver também: Tausk, Petr (1978) — Historia de la fotografia en el siglo XX. Barcelona: GG, referenciado por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 18.
(73) Teresa Siza e Paulo Alexandrino (1991) — Apontamentos de Fotojornalismo (original dactilografado não publicado), s.p.
(74) Karin E. Becker (1989) — "Photojournalism". In Erik Barnouw (Ed.) — International encyclopedia of communications, vol. 3, 286. (Tradução livre: "Apesar disto, os jornais resistiam ao custo da reorganização da produção e contratavam gravuristas do exterior para desenhar fotografias. O seu investimento nos gravuristas também satisfazia os standards da arte visual e fornecia imagens mais vivas do que a rudimentar tecnologia fotográfica da época era capaz.")
(75) John Nerone e Kevin Barnhurst (1995) — "Visual mapping and cultural authority: Design changes in U.S. newspapers, 1920 - 1940", 33.
(76) John Nerone e Kevin Barnhurst (1995) — "Visual mapping and cultural authority: Design changes in U.S. newspapers, 1920 - 1940", 33.
(77) John Nerone e Kevin Barnhurst (1995) — "Visual mapping and cultural authority: Design changes in U.S. newspapers, 1920 - 1940", 34. (Tradução livre: "Este modo de usar a foto era inspirado nos conceitos artísticos da pintura, principalmente da pintura de retrato e de paisagem. Estes dois géneros por vezes juntavam-se numa montagem: destacava-se o assunto principal das fotos em tomadas próximas e montavam-se na foto de uma paisagem estática realizada depois do facto, no cenário dos acontecimentos. A montagem era usada (…) mas morrerá completamente no final da década de Trinta, tal como as silhuetas e os contornos.")
(78) Susan D. Moeller (1989) — Shooting War: Photography and the American Experience of Combat.
(79) Para a caracterização da evolução histórica do jornalismo, reportamo-nos a Jesús Timoteo Álvarez (1992) — Historia y modelos de la comunicación en el siglo XX. El nuevo orden informativo, 50-142. O autor diz que os jornais políticos e jornais de "élite" (que buscavam a precisão informativa) coexistiam, nos anos Trinta do século passado, com a primeira geração de imprensa popular. Para Timoteo Álvarez, estes últimos jornais possuiam: 1) Linguagem e capacidade expressiva adaptada à audiência; 2) Capacidade técnica para aumentos de tiragem e redução dos custos de produção; 3) Mentalidade industrial que identifica o êxito com o benefício económico; 4) Crescimento do mercado devido às grandes concentrações urbanas e às necessidades de informação/formação das pessoas numa sociedade competitiva; 5) Infraestrutura de capacidade crescente tanto no que diz respeito à distribuição do produto (caminhos de ferro) como à recepção de notícias (telefones e telégrafos); e 6) Vontade dos estados e do pensamento liberal triunfante em usar os meios de comunicação como educadores para a democracia. Por volta de 1880, surge, nos EUA e na Europa, a segunda geração de imprensa popular, sensacionalista, com o World, de Pulitzer, à cabeça (tirava 375 mil exemplares em 1892). Quais as características do modelo de Pulitzer, seguido em maior ou menor grau por outros jornais americanos e europeus? a) Preço de venda acessível; b) Linguagem simples, clara, sintética, breve e directa, facilmente assimilável; uso de géneros jornalísticos activos, como a entrevista e a reportagem; c) Sensacionalismo formal, com grandes títulos, grafismo inovador, uso de ilustrações, agressividade e um certo grau de escândalo; d) Autopromoção constante; e) Tomada de posição em agências noticiosas e outras empresas; f) Estabelecimento de um corpo de jornalistas competente e fundação da primeira escola universitária de jornalismo do mundo, na Universidade de Columbia, em Nova Iorque; g) Atenção ao mercado, ao ponto de haver conexões entre os interesses dos leitores e os do jornal; para isso, promovia-se uma informação cuidada, que fosse útil e eficaz, uma ética social clara e populista, a favor da liberdade, da ordem, do respeito e do trabalho e contra a corrupção, os abusos de poder, etc., e recorria-se a um sensacionalismo de conteúdos, através de notícias de "interesse humano" e campanhas sensacionalistas ("I make news!", isto é, "Eu provoco a notícia!") com que os leitores se identificavam. Por volta de 1895, surge, no âmbito da imprensa popular, a imprensa amarela (ou yellow journalism, jornalismo "amarelo"), cujo maior expoente terá sido Hearst. Este empresário começa com o San Francisco Examiner e alarga, mais tarde, a sua actuação ao New York Journal. O jornalismo amarelo partilha das mesmas características do jornalismo sensacionalista (baixo preço, títulos grandes, ilustrações…), mas de forma radical, exagerada e, por vezes, extrema. Chegam a inventar-se notícias, mesmo que fossem desmentidas no dia seguinte, trabalha-se com base no rumor, provocam-se escândalos. Jesús Timoteo Álvares acusa mesmo Hearst de ser o principal instigador da
guerra hispano-americana de 1898 (pp. 65-67). Alguns resquícios de jornalismo "amarelo" perduraram durante o século XX, especialmente na imprensa "cor-de-rosa" ou "do coração", embora de forma menos exagerada do que no modelo de Hearst. Este fracassa por volta de 1901, mas na sua linha evolutiva surgiram os tablóides sensacionalistas da actualidade.
O sensacionalismo e o "amarelismo" de alguma imprensa levaram parte do público americano e europeu a voltar-se para os jornais de elite ou quality papers, como o The New York Times, herdeiros da imprensa industrializada ou "de negócio" do século XIX. Fazendo apanágio do rigor informativo, por vezes da análise, mas procurando destrinçar a opinião da informação, o modelo do The New York Times (e outros jornais), com Ochs, o responsável pela sua imagem institucional, evolui para o culto da objetividade. Este culto tornou-se a marca distintiva dos quality papers até há bem pouco tempo, quando se instala a crise na ideologia da objectividade e se volta novamente a atenção para as metas praticáveis do rigor e da honestidade. Os quality papers evoluem também em dois sentidos: informação especializada (como o Financial Times ou o Wall Street Journal) ou geral (como o The New York Times, o Le Monde, ou os casos ibéricos do Público e do El Pais).
É com a perspectivação da imprensa como indústria editorial que se começa a notar a objectivização da linguagem, do discurso jornalístico, tendo em vista ganhos de audiência que aumentassem os lucros.
Neste campo também é interessante atentar no livro de Paul H. Weaver (1996) — News and the Culture of Lying: How Journalism Really Works.
Weaver, um antigo repórter e editor da revista Fortune, concentra-se, em parte, naquele que ele considera ter sido o importante papel de Pulitzer para o desenvolvimento do que denomina como uma "cultura da mentira" no jornalismo ocidental. Ele sustenta que, com Pulitzer, o jornalismo enveredou por um caminho que conduziu a uma "cultura da mentira": passou a concentrar-se no imediato e não no mediato e permanente, nas informações prestadas pelas entidades oficiais (interessadas) e nos pseudo-aontecimentos e não nos verdadeiros acontecimentos, nas crises fabricadas para terem projecção mediática e nos seus desenvolvimentos dramáticos (que não ocorreriam sem essa projecção) e não nas problemáticas sociais. Acrescenta Weaver que os relações públicas e os jornalistas realizaram um casamento simbiótico de conveniência, em que os segundos vivem em grande medida das informações (extremamente necessárias para se fabricarem as notícias) prestadas pelos primeiros. Só que os relações públicas subordinam as suas acções aos interesses das organizações, pelo que raramente a informação que difundem é de real interesse público e se reporta à governação.
Com Pulitzer, salienta ainda Paul Weaver, a imprensa transformou-se com a adopção de técnicas como a da pirâmide invertida, que enfatizaria certas "estórias" e perspectivas, com a adopção de formas gráficas inovadoras, como os títulos curtos e muito carregados na primeira página, e com a ligeireza e featurização com que temas por vezes importantes são tratados. Além disso, ao patrocinar a criação da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia, Pulitzer teria promovido a separação dos jornalistas do seu estatuto de cidadãos comuns. Os jornalistas teriam, assim, passado a ver-se como profissionais ocupando um estatuto especial enquanto "auto-legitimados" representantes do público e não como cidadãos normais que tomam parte de um sistema democrático. Consequentemente, como profissionais "objectivos" e "desinteressados", teriam passado a identificar o seu dever com a reportação do que as fontes oficiais emitem, sem procurar a "verdade". "When officials script and enact events and simulate sentiments for the media's consumption, they meet the simple dictionary test of misrepresentation. When journalists present these made-for-media impersonations as authentic news, they meet it, too." (p. 4) (Tradução livre: "Quando entidades oficiais preparam eventos e simulam sentimentos para o consumo mediático, elas fabricam uma informação desvirtuada, desnaturada ou mesmo falsa. Quando os jornalistas apresentam estas simulações elaboradas para os media como autênticas notícias, eles também embarcam na desvirtuação e desnaturalização da informação.") Em função da auto-adopção de um estatuto de representantes do público, "auto-legitimados", os jornalistas teriam negligenciado a análise (algo que a imprensa de qualidade, quanto a nós, está a recuperar), em nome do profissionalismo "objectivo", e teriam adaptado formas de news judgement que lhes auto-outorgariam a capacidade de definir o que é importante e significativo, argumentando ao mesmo tempo que nada mais fariam do que reportar o mundo. Ironicamente, como
Weawer sublinha, o processo de selecção noticiosa e os critérios de noticiabilidade são parcialmente subjectivos.
As conclusões de Weaver dirigem-se para o abandono do conceito de profissionalismo e de representação dos cidadãos e para o regresso ao conceito de cidadania participante dos jornalistas pré-pulitzerianos. Para Paul Weaver, também seria necessário que os jornalistas reconhecessem as deturpações oficiais da realidade, que diminuissem a cobertura das crises fabricadas para terem projecção mediática (recorde-se a autêntica telenovela —cheia de conferências de imprensa— protagonizada pelo PS e PSD em Portugal, durante 1996-1998, em torno do referendo sobre a regionalização), que aumentassem a cobertura da governação diária e que regressassem a antigas concepções de newswriting e de layout para evitar julgamentos de importância. Isto passaria, por exemplo, pelo fim da adopção da técnica da pirâmide invertida, pelo fim dos títulos carregados e de impacto, etc. Por exemplo, uma notícia sobre uma conferência de imprensa do Presidente deveria ser, segundo Paul Weaver, unicamente intitulada como "Conferência de Imprensa do Presidente". Para o autor, o ensino do jornalismo também deveria ser reformulado, prestando mais atenção à política, à ética, à história do jornalismo e à (nova-antiga) redação jornalística. Nelson Traquina (1993) dá também um pequeno contributo para o esclarecimento da evolução histórica do jornalismo, em Jornalismo: Questões, Teorias e "Estórias", 23-24:"(...) no decorrer do século XIX [dá-se a] (...) progressiva proeminência da chamada penny press (jornalismo factual) em detrimento da party press (jornalismo partidário). Esta evolução implicou a subordinação da lógica político-ideológica à lógica económica, nomeadamente na procura de públicos mais vastos, crescentes vendas e receitas (incluindo a publicidade) e a apresentação de um produto que privilegia factos e não opiniões e implica um novo conceito de notícia, em termos dos interesses de uma nova classe de leitores. Numa época marcada pelo positivismo, também os jornalistas são levados ao culto dos factos e à tarefa de reproduzir fielmente a realidade, impressionados com novos inventos, como a máquina fotográfica. A expansão da imprensa, com as suas acrescidas responsabilidades, surge acompanhada do conceito de 'Quarto Poder', em que a defesa e vigilância da nova força chamada 'opinião pública' é invocada como dever e actua como legitimadora da nova força social que é a imprensa. O redimensionamento das empresas jornalísticas, com a sua crescente especialização, estimula também uma procura de profissionalização por parte dos jornalistas através da criação de organizações profissionais e clubes, do ensino específico e da elaboração de códigos deontológicos (Schiller, 1986). Isto ainda é mais verdade tendo em conta que a sua competência, ligada à falta de conhecimentos bem específicos, e a sua situação sócio-económica não providenciam a mesma legitimidade de outras classes sócio-profissionais."
(80) Karin E. Becker (1989) — "Photojournalism". In Erik Barnouw (Ed.) — International encyclopedia of communications, vol. 3, 286. (Tradução livre: "(…) generoso uso de imagens, incluindo fotografias forjadas e pouco fiéis, contribuindo para a febre de guerra, mas promovendo a circulação [dos jornais].")
(81) Harry J. Coleman (1943) — Give Us a Little Smile, Baby.
(82) Gisèle Freund (ed.: 1989) — Fotografia e Sociedade, 109.
(83) Richard Lacayo e George Russell (1990), em Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, dizem que foi apenas por ocasião da Grande Guerra.
(84) Klara Tony (S/D) — Histoire de la Photographie de 1900-1945. Surge uma citação deste autor em Margarita Ledo Andión (1988), Foto-xoc e xornalismo de crise, 25.
(85) Familiaridade sobre os acontecimentos e sobre as figuras públicas não significa conhecimento. No mesmo sentido, sobre o discurso jornalístico, apelidado de "jornalês", escreve E. Barbara Phillips (1976), em "What is news? Novelty without change?". Journal of Communication, Vol. 26, 4. Ver também: Robert A. Hackett (1984) — "Decline of a paradigme? Bias and objetivity in news media studies".
(86) Alexandre Pomar (1996, 11 de Maio) — "Fotoficções", 96.
(87) Ver: Joanna Cohan Scherer — "You can't believe your eyes: inaccuracies in photographs of North American Indians".
(88) Gisèle Freund vê unicamente como pais da fotografia documental Eugène Atget e Heinrich Zille — Vd. Gisèle Freund (ed.: 1989) — Fotografia e Sociedade, 93 - 97. Inclusivamente, para ela, "Heinrich Zille é o primeiro fotógrafo 'empenhado', para quem só conta aquilo que vê. Ele é o primeiro de uma linhagem de fotojornalistas incorruptíveis, que o seguiram sem o conhecer a partir dos anos trinta. Para ele, como para eles, a personalidade do fotógrafo deve desaparecer modestamente por detrás da máquina, que não é outra coisa que o instrumento sensível graças ao qual uma situação ou uma personalidade se revela." (p. 95) Quanto a nós excessivamente, parece-nos que Freund vê a principal característica identificativa da fotografia documental na ideia de afastamento sujeito (fotógrafo) — objecto (fotografado); para nós, porém, é fotografia documental a que se desenvolve essencialmente em termos de projecto e que tem em vista, precisamente, documentar a realidade da forma como esta é percepcionada pelo fotógrafo, ainda que acentuando pontos de vista, como no caso dos fotógrafos do compromisso social. Aliás, parece-nos algo contraditório admitir um afastamento objectivante do fotógrafo (Zille) face ao objecto e ao mesmo tempo classificá-lo de "empenhado".
(89) Salgado é citado por: Jorge Calado (1991) — "A última união".
(90) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 25.
(91) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 25.
(92) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 20.
(93) O movimento futurista preocupava-se com a velocidade, o movimento e a energia, procurando traduzir estes elementos nas artes visuais. Assim, os seus temas, escolhidos na vida quotidiana, eram representados em movimento. Na fotografia, tal podia obter-se recorrendo-se à exposição múltipla. A expressão do dinamismo que os futuristas procuravam teve também outra localização: a cronofotografia de Marey, que pretendia estudar o movimento dos seres vivos.
(94) Os expressionistas procuravam representar emoções e sentimentos através das artes visuais. O tema devia, dessa forma, ser escolhido com base na sua adequação à expressão de determinada emoção ou sentimento e os motivos surgiam muitas vezes deformados.
(95) Os surrealistas procuravam explorar o subconsciente. Consequentemente, rejeitavam quaisquer limitações temáticas e criativas, pelo que surgem nas obras de arte surrealista temas tão diversificados como os desejos e fantasias sexuais (eram, por exemplo, feitas fotografias de nús femininos em situações insólitas), a violência, a morte e a guerra, muitas vezes tratados de forma incongruente, como no caso do telefone com auscultador-lagosta, de Dali. Havia autores que "manipulavam" e outros que "não manipulavam" a fotografia. Entre os que a não manipulavam encontramos, por exemplo, Bill Brandt. Entre os que manipulavam a fotografia, Man Ray foi, julgamos, o seu maior expoente, além de ter sido o maior expoente da fotografia surrealista. Neste campo, trabalhou bastante nas fotografias de objects trouvés, nas fotomontagens e nos chamados rayogramas (fotogramas com solarização). Moholy-Nagy também realizou fotogramas, embora algo diferentes dos de Man Ray. Outros artistas plásticos fizeram colagens ao acaso e outros fotomontagens, como Heartfield. Man Ray foi importante também ao dar a conhecer publicamente as fotografias de Atget, outro surrealista.
(96) O movimento construtivista, de concepções abstractas, centrado em Moscovo, visava promover sínteses das artes plásticas (fotografia, pintura, escultura, arquitectura, etc.). A construção do plano fotográfico no momento da visão era talvez a principal motivação do fotógrafo construtivista, que usava frequentemente o picado e o contra-picado para favorecer a abstracção (Germaine Krull (1897-1985) foi uma das mais exímias utilizadoras desta técnica). Entre outros artistas, um dos expoentes do construtivismo, o russso Alexander Rodtschenko (1891-1956), usou fotomontagens para ilustrar poemas de Maiakovsky, em 1923. Rodtschenko pertencia, porém, à tendência produtivista no seio do movimento, que preconizava o privilégio da técnica sobre a arte, sob o alibi da eficácia produtiva.
(97) O dadaísmo foi um movimento artístico negativo saído das cinzas da Primeira Guerra Mundial. Alguns artistas rejeitaram a arte no seio da cultura dominante, pois, segundo eles, só homens impregnados desta cultura eram capazes de provocar catástrofes como o conflito de 1914-1918. Como pretendiam ridicularizar a arte "erudita", jogavam, por exemplo, com o papel do acaso, atirando, por exemplo, pedaços de cartão para uma tela (pintura) ou para um papel que fotografavam (fotografia). Um dadaísta pintou uma cópia da Mona Lisa com bigode, talvez o exemplo mais acabado do que pretendiam os dadaístas.
(98) A importância dos movimentos artísticos para a renovação na fotografia é abordada por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 20.
Quanto ao movimento Bauhaus, o seu nome advém do da escola estatal de arquitectura em Weimar (Alemanha), mais tarde transferida para um edifício construído de raíz em Dessau, no qual se procuraram aplicar os princípios do movimento. Este edifício foi fechado pelos nazis, em 1933. Na Bauhaus, acreditava-se que o design e a função eram inseparáveis. A orientação geral do movimento dirigia-se em prol do racionalismo, da comunidade, contra o individualismo ou mesmo o romantismo. Em grande parte por isso, as diversas artes plásticas eram tratadas subordinando-se à arquitectura. Kandinski, Gropius e Moholy-Nagy (que fundou a New Bauhaus, em Chicago) são alguns dos expoentes do movimento. Este último foi até o introdutor da fotografia no movimento, utilizando, fotogramas (que, sem intervenção óptica, possuiam um rigor técnico que os distinguia do carácter lúdico que Man Ray dá à mesma técnica), fotomontagens, ampliações, exposições múltiplas, planos picados, etc.
É preciso também referir que não foram apenas os movimentos referidos por Margarita Ledo Andión a influenciar as mutações que se dão na fotografia a partir do início do século XX. A partir da segunda metade do século XIX, os impressionistas (que procuravam sobretudo captar as impressões de luz e cor) exerceram alguma influência sobre a fotografia, tendo alguns deles usado as fotos como "apontamentos". Degas, que desenhou um dos cavalos fotografados a trote por Muybridge (um dos principais expoentes da conquista da travagem do movimento, que orquestrou, com uma bateria de câmaras fotográficas, antepassadas do photo finish, um autêntico super-olho humano, a prótese capaz de captar o que olho humano não capta), Gauguin, Cèzanne e Toulouse-Lautrec são alguns dos nomes que se podem citar. Já no início do século XX, os neo-impressionistas usaram também a fotografia como "apontamento", como o fazem muitos outros artistas plásticos hoje em dia.
O impressionismo irá influenciar a obra de fotógrafos como o inglês Cecil Beaton (que fotografou em Portugal, nos anos Quarenta, provocando alguma incompreensão) e, segundo o que Luis Gutiérrez Espada (1980) escreve em Historia de los medios audiovisuales (desde 1926). Cine y Fotografia, 55, o movimento evoluirá, posteriormente, para o glamour, para o culto da beleza humana. No mesmo livro, o autor identifica algumas técnicas de expressão impressionistas em fotografia: desfoque, movimento da máquina, cobertura da objectiva com vaselina.
A avant-guard na fotografia expressava-se, por seu turno, na composição em diagonal, na supressão da linha do horizonte e na exploração dos reflexos na água, entre outras características.
(99) Robert Delpire, Michel Frizot et al. (1989) — Histoire de Voir. vol. 2, s.p. (100) Joan Fontcuberta (1990) — Fotografia: Conceptos y procedimientos. Una propuesta metodológica, 165. (101) Gisèle Freund (ed.: 1989) — Fotografia e Sociedade, 107. (102) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 19. (103) Referido por: Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 31.
(Tradução livre: "Nos dias que correm é o fotógrafo que escreve a história. O jornalista apenas classifica as personagens.")
(104) Para o fundamentar, baseamo-nos na nossa própria experiência profissional na imprensa de Portugal. Aliás, a expressão "boneco", bastante enraízada na cultura jornalística portuguesa para designar a fotografia jornalística, é, quanto a nós, eloquente.(122) Susan D. Moeller (1989) — Shooting War: Photography and the American Experience of Combat.
(105) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 35. (Tradução livre: "Por essa altura, a natureza das revistas noticiosas mudou novamente. As revistas fotográficas declinaram com o advento da guerra. Os dias dos grandes freelances tinham —por algum tempo— terminado. Mas a noção de que as fotos eram inseparáveis das notícias já estava profundamente entranhada na mente ocidental.")
(106) Repare-se em algumas movimentações na Alemanha ou em língua alemã durante a República de Weimar: em 1919, o arquitecto Walter Gropius funda a Bauhaus; em 1921, Einstein recebe o prémio Nobel; em 1924, ano em que morre Kafka, Thomas Mann publica A Montanha Mágica; a psicanálise de Freud e dos seus discípulos faz furor; na música, destacam-se Alban Berg, Paul Hindemith e os maestros Wilhelm Furtwangler e Bruno Walter; na pintura dominam Kandinsky e Franz Marc, entre outros; no teatro, temos Brecht e no cinema Fritz Lang.
(107) Teresa Siza e Paulo Alexandrino (1991) — Apontamentos de Fotojornalismo (original dactilografado não publicado), s.p.
(108) Teresa Siza e Paulo Alexandrino (1991) — Apontamentos de Fotojornalismo (original dactilografado não publicado), s.p.
(109) Consultar: W. Hicks (1952) — Words and Pictures: An Introduction to Photojournalism. (110) R. E. Kuenzli (1989) — "John Heartfield and the Arbeiter Illustrierte Zeitung". (111) R. E. Kuenzli (1989) — "John Heartfield and the Arbeiter Illustrierte Zeitung". (112) H. Hundt (1989) — "Pictures for the masses: photography and the rise of popular magazines in Weimar
Germany". (113) H. Hundt (1989) — "Pictures for the masses: photography and the rise of popular magazines in Weimar
Germany". (114) H. Hundt (1989) — "Pictures for the masses: photography and the rise of popular magazines in Weimar
Germany". (115) Herbert Hofreither (1990) — Arbeiterfotografie als "Soziale Waffe": Zur Fototheoretischen Diskussion der
Inhaltlichen Aufgaben und Motive Sowie des Formalen Genres der "Foto-Reportage" in der Zeitschrift "Der Arbeiter-Fotograf" in der Weimarer Republik von 1926-1932.
(116) Herbert Hofreither (1990) — Arbeiterfotografie als "Soziale Waffe": Zur Fototheoretischen Diskussion der Inhaltlichen Aufgaben und Motive Sowie des Formalen Genres der "Foto-Reportage" in der Zeitschrift "Der Arbeiter-Fotograf" in der Weimarer Republik von 1926-1932.
(117) Herbert Hofreither (1990) — Arbeiterfotografie als "Soziale Waffe": Zur Fototheoretischen Diskussion der Inhaltlichen Aufgaben und Motive Sowie des Formalen Genres der "Foto-Reportage" in der Zeitschrift "Der Arbeiter-Fotograf" in der Weimarer Republik von 1926-1932.
(118) Herbert Hofreither (1990) — Arbeiterfotografie als "Soziale Waffe": Zur Fototheoretischen Diskussion der Inhaltlichen Aufgaben und Motive Sowie des Formalen Genres der "Foto-Reportage" in der Zeitschrift "Der Arbeiter-Fotograf" in der Weimarer Republik von 1926-1932.
(119) Gisèle Freund (ed.: 1989) — Fotografia e Sociedade, 119.
(120) Gisèle Freund (ed. 1989) — Fotografia e Sociedade, 119.
(121) Se em alguns jornais portugueses se pratica ou aproveita essencialmente a fotografia rotineira e burocratizada, esse não é, por exemplo, o caso do Público. Um grito revoltado do fotojornalista João Paulo Pimenta, desse jornal, é indiciático: fotografando uma actividade em que o autor esteve envolvido ("Observar Aves em Serralves"), na Fundação de Serralves, no Porto, em Setembro de 1995, e a um comentário provocador deste — "Então, conseguiste os 'bonecos' que querias?" — Paulo Pimenta reagiu, cáustico e muito sério: "Bonecos não, fotografias!".
(122) Expressão empregue por Margarita Ledo Andión (1995) — Documentalismo fotográfico contemporáneo. Da inocencia á lucidez, 31.
(123) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 29. (124) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 29-30.
(125) Henri Cartier-Bresson (1984, Abril-Maio) — "L'imaginaire d'aprés nature". In Catálogo Expo Primavera Fotográfica a Catalunya, citado por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 31.
(126) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 32-33. (127) C. Brothers (1992) — "The antropology of civilian life: French and British press photography of civilian life in the
Spanish Civil War". (128) Recorremos, aqui, à semiótica peirceana. Por ícone entendemos os signos cujo significante e significado possuem
uma relação de semelhança; por símbolo entendemos os signos cuja relação entre significante e significado é artificialmente imposta, convencionada, e assim aprendida. Para o caso, é interessante notar que passa despercebida a fotografia como índice, ou indício, característica que a fotografia apresenta antes de outras. Como diz Philippe Dubois a propósito desta sistematização: "1) A primeira destas posições vê na fotografia uma reprodução mimética do real. Verosimilitude: as noções de similiaridade e de realidade, de verdade e de autenticidade, compreendem-se e sobrepõem-se exactamente segundo esta perspectiva: a fotografia é concebida como um espelho do mundo, é um ícone. 2) A segunda atitude consiste em denunciar esta faculdade da imagem em fazer-se cópia exacta do real. Toda a imagem é analisada como uma interpretação-transformação do real, como uma formalização arbitrária, cultural, ideológica e perceptualmente codificada. Segundo esta concepção, a imagem não pode representar o real empírico (cuja existência é, de resto, ela própria posta em causa pelo pressuposto que sustém semelhante concepção: não haveria realidade fora dos discursos que a falam), mas apenas uma espécie de realidade interna, transcendente. A fotografia é, aqui, um conjunto de códigos, um símbolo. 3) (...) A terceira maneira de abordar a questão do realismo em fotografia assinala um certo retorno ao referente, mas sem a obsessão do ilusionismo mimético. Esta referencialização da fotografia inscreve o medium no campo de uma irredutível pragmática: a imagem fotográfica torna-se inseparável da sua experiência referencial, do acto que a funda. A fotografia é primeiramente índice. Somente depois pode tornar-se semelhante (ícone) e adquirir sentido (símbolo)." [Philippe Dubois (1992) — O Acto Fotográfico, 47.]
(129) Cartier-Bresson é citado por Robert Delpire, Michel Frizot et al. (1989) — Histoire de Voir. vol. 3, 9. (Tradução livre: "A fotografia é, num mesmo instante, o reconhecimento simultâneo da significação de um facto e da organização rigorosa das formas visualmente percebidas e que exprimem e significam esse facto.")
(130) Margarita Ledo Andión (1995) — Documentalismo fotográfico contemporáneo. Da inocencia á lucidez, 51. (131) Margarita Ledo Andión (1995) — Documentalismo fotográfico contemporáneo. Da inocencia á lucidez, 51.
(132) F. L. Mott (1941) — American Journalism.
(133) Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 80. (Tradução livre: "Durante os anos vinte, a fotografia começou a emergir como um modo mais directo de descrição do que as narrativas verbais, e a introdução dos filmes despertou um interesse crescente na cultura visual.")
(134) Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 80.
(135) John Nerone e Kevin Barnhurst (1995) — "Visual mapping and cultural authority: Design changes in U.S. newspapers, 1920 - 1940".
(136) John Nerone e Kevin Barnhurst (1995) — "Visual mapping and cultural authority: Design changes in U.S. newspapers, 1920 - 1940".
(137) Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence".
(138) Subscrevemos Barbie Zelizer (1995), que no artigo "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence" (p. 79) escreve: "The notion of the interpretive community offers a useful filter throught
which to consider the relationship between technology and journalism (…)". (Tradução livre: "A noção de comunidade interpretativa oferece uma noção de filtro através da qual se pode analisar a relação entre as tecnologias e o jornalismo.") Partindo do princípio de que existem mecanismos de acção colectiva (socio-cultural) que por vezes se sobrepõem à acção individual, o conceito de comunidade interpretativa aplica-se à dinâmica de grupos. Diariamente, as pessoas de um grupo interpretariam o mundo recorrendo a instrumentos partilhados de compreensão desse mesmo mundo. Fish (1980), Radway (1984) e Lindlof (1987) são alguns dos académicos que aplicam o conceito, sobretudo para explicar o comportamento de audiências face a estímulos mediados. Zelizer (1992, 1993 e 1995), porém, dando, entre outros, o exemplo do caso Watergate, aplicou a noção de comunidade interpretativa aos jornalistas — "(…) journalists are seen as constituing a community that is united throught its collective interpretations of the events of public life. Journalists can be found to use informal discourse to adress, challenge, and negotiate what they do as reporters, thereby setting new standards of practice for other members of the profession. For journalists (…) the salience of their shared boundaries for collectively interpreting public events has helped shield them from public scrutinity (...) journalists have demonstrated that they interpret key events in their professional lives in shared ways." (Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 79 — Tradução livre: "(…) os jornalistas são vistos como constituindo uma comunidade que é unida através das suas interpretações colectivas dos eventos públicos. Os jornalistas podem ser encontrados usando discursos informais para endereçar, mudar e negociar o que fazem como repórteres, assim procurando novos padrões para a prática profissional. Para os jornalistas, o realce que é dado à sua esfera profissional compartilhada na interpretação colectiva dos eventos públicos ajudou-os a protegerem-se do escrutínio público (…). [Os jornalistas demonstraram] que interpretam os eventos chave das suas vidas profissionais de forma compartilhada.") Extrapolando, julgamos poder afirmar que que os (foto)jornalistas geram, por vezes, interpretações colectivas e sentidos determinados para a introdução das novas tecnologias na sua vida profissional. Falta explicar como funcionam e que significação geram as interpretações profissionais sobre a introdução das novas tecnologias, as suas ameaças e as suas potencialidades, as dificuldades de aprendizagem e as necessidades de formação, sobretudo no que respeita aos problemas de definição do universo da actividade. A principal ameaça directa aos contornos profissionais poderá ser uma hipotética futura fusão de funções entre fotógrafos e repórteres de imagem-vídeo, já algo presente nas still video cameras.
(139) Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 90.
(140) Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 83 - 88.
(141) Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 81.
(142) Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 78 - 79. (Tradução livre: "Os jornalistas [redactores] dessa época estavam tão interessados em delimitar o seu território face à intrusão dos fotógrafos que apenas parcialmente levavam em linha de conta o que envolvia a configuração da adaptação tecnológica à fotografia. Eu julgo que o jornalismo falhou o desafio de se adaptar à fotografia por não perceber completamente o seu lugar apropriado na profissão. Esse desafio foi delineado numa altura em que a telefoto tornou possível transmitir imagens tão rapidamente como as palavras, mas as repercussões dessa omissão continuam a permear os modos contemporâneos de encarar as mais recentes tecnologias de imagem aplicadas às notícias.")
(143) Karin E. Becker (1989) — "Photojournalism". In Erik Barnouw (Ed.) — International Encyclopedia of Communications, vol. 3, 288.
(144) Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 89. (Tradução livre: "No caso da telefoto, as estratégias interpretativas dos jornalistas [redactores] pouco contribuiram para o reconhecimento do fotojornalismo como um interface entre fotografia e jornalismo: o discurso de resistência dos jornalistas prejudicou uma compreensão completa da fotografia e dos seus praticantes."]
(145) F. Hause (1935) — "News and pictures—cameras and reporters", 64.
(146) John Nerone e Kevin Barnhurst (1995) — "Visual mapping and cultural authority: Design changes in U.S. newspapers, 1920 - 1940", 37.
(147) John Nerone e Kevin Barnhurst (1995) — "Visual mapping and cultural authority: Design changes in U.S. newspapers, 1920 - 1940", 34. (Tradução livre: "O moderno fotojornalismo, que nasceu pela década de trinta, afastou-se da decoração. O crescimento dos tablóides e das câmaras de pequeno formato redefiniram as fotografias como conteúdo. (…) À medida que os fotógrafos ganhavam autoridade, o espaço reservado na imprensa às fotografias foi aumentando de tamanho, mostrando acção e detalhe.")
(148) Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 80. A este respeito, consultar também: K.G. Barnhurst (1994) — Seeing the Newspaper; e J. Szarkowski (1973) — From the Printed Page.
(149) John Nerone e Kevin Barnhurst (1995) — "Visual mapping and Cultural authority: Design changes in U.S. newspapers, 1920 - 1940", 34. (Tradução livre: "De uma forma geral, a escala das fotografias aumentou no período. Apesar de fotos maiores começarem a aparecer nos anos Vinte, o contraste entre pequenas e grandes fotos aumentou no período. No início as fotografias eram sobretudo planos gerais e médios. Mas os grandes planos tornaram-se mais frequentes a partir dos finais dos anos vinte e os planos gerais declinaram a partir de 1936. Estas ocorrências eram consonantes com a emergência do fotojornalismo moderno, que valoriza os eventos e o detalhe emotivo.")
(150) John Nerone e Kevin Barnhurst (1995) — "Visual mapping and Cultural authority: Design changes in U.S. newspapers, 1920 - 1940", 34. (Tradução livre: "(…) algumas fotos de significância histórica".)
(151) Os acontecimentos adquiririam tal estatuto por serem inesperados e se destacarem da superfície da imensidade de factos que fazem o mundo. Adriano Duarte Rodrigues (1988) escreve mesmo em "O acontecimento" que o registo de notabilidade que providencia a transformação do facto em acontecimento se manifesta prioritariamente no excesso (um massacre será notícia pelo excesso), na falha (o avião que cai devido a uma falha mecânica) e pela inversão da normalidade (o homem que morde o cão). A imprensa reporta-se, porém, frequentemente, a "acontecimentos previsíveis", que pela sua própria natureza não podem comparar-se aos verdadeiros acontecimentos, sendo, como diz Boorstin, pseudo-acontecimentos. Daí, como é notório, na designação pseudo-fotografias-jornalísticas adaptámos a terminologia que Daniel Boorstin (1971) usa em "From news-gathering to news-making: A flood of pseudo-events", in W. Schramm e D.F. Roberts (Eds.) — The process and effects of mass communication. No artigo, o autor refere-se aos pseudo-acontecimentos, "acontecimentos" previstos, suscitados ou provocados, por exemplo, por jornalistas com o fito de alimentar uma "estória" encerrada, ou por políticos ou relações públicas, essencialmente com o objectivo de os pseudo-acontecimentos serem objecto de discurso jornalístico, como acontece com as conferências de imprensa. Ao artigo de Elihu Katz (1980) — "Media events: The Sense of Occasion", fomos buscar a noção de acontecimento mediático para conceptualizar as fotografias mediáticas. Os acontecimentos mediáticos são um tipo de "acontecimento" diferenciável do pseudo-acontecimento. Para Katz, os media event seriam acontecimentos igualmente provocados para serem objecto de cobertura jornalística, mas que não ocorreriam sem a presença dos news media. O autor categoriza os acontecimentos mediáticos em missão heróica, ocasião de Estado e disputa.
Ao artigo de Harvey Molotch e Marilyn Lester (1974) — "News as purposive behavior: On the strategic use of routine events, accidents and scandals", fomos buscar o termo promotores de notícias (news promoters), pessoas que, nas suas interações (não determinísticas, mas conformativas) com os jornalistas, tentam fazer passar determinados frames (enquadramentos contextuais) e, portanto, levar a que as notícias adquiram determinados sentidos. Os news promoters seriam, assim, os indivíduos que, para terceiros, identificam uma ocorrência como notória, por algum motivo. No campo dos cultural studies, encontramos uma designação semelhante a news promoters. Trata-se do conceito de primary definers, explorado por Stuart Hall et al. (1973), no artigo "The social production of news: Mugging in the media", in Stanley Cohen e Jock Young (Eds.) — The Manufacture of News. Hall et al. diferem, porém, de Molotch e Lester, ao apontar como crucial e determinística a relação estrutural entre os primary definers e os media, razão pela qual preferimos a designação promotores de notícias.
(152) John Nerone e Kevin Barnhurst (1995) — "Visual mapping and cultural authority: Design changes in U.S. newspapers, 1920 - 1940".
(153) Vd. J. Szarkowski (Ed.) (1973) — From the Picture Press.
(154) Empregamos aqui a expressão no sentido que lhe é dado por Margarita Ledo Andión (1993), no livro O diario postelevisivo. Na obra, a ex-decana da Faculdade de Ciências da Informação da Universidade de Santiago de Compostela caracteriza a imprensa "pós-televisiva", reportando-se ao seu grande expoente, o utilitário e altamente ideológico USA Today (basta ver o ênfase da palavra "Money" a denominar a secção de economia), embora também se reporte às mutações na imprensa galega: "(…) a prensa diaria galega segue a se publicitar a si mesma a través de mitos, como o da independencia ou a obxectividade, proprios dunha fase xa sobrepasada da cultura profesional, encubrindo o temor a unha súa aberta definición verbo da opinión ou a entender que a información se constrúe dende realidades complexas de acordo coas convencións xornalísticas; que o que se publica é evaluativo coma calquera forma de Discurso. Por iso, cando pontualmente lle é necesaria, continúa a botar man de técnicas disimuladas e confusas que non son acordes com papel que hoxe se reclama para a prensa na Europa, e, sobremaneira, com modelos informativo-interpretativos que, no seu conxunto, se sitúan os títulos galegos de xornal." (p. 12) Todavia, o livro desenvolve-se principalmente em torno da influência da televisão, medium poderoso, sobre a imprensa. Esta estaria a consagrar soluções de "lisibilidade" (p. 20), de "deseño global" (p. 9), que por vezes preteririam o fotojornalismo em função do jornalismo gráfico e iconográfico [mas não da fotografia de protagonistas (p. 20), pois o vedetismo é marca da cultura televisiva - "...nos resistimos a lle chamar por este mesmo nome [foto] á expansión da imaxe fotográfica de persoas como centro do mundo dos Media" (p. 40)]. A autora salienta: "(…) novas variables como deseño e infografismo, novos tratamentos tipográficos ou de estilo, seccionalizados, prospectiva de audiencias, imaxe de marca para as cabeceiras de prensa, xa constituíron un vocabulario permanente tanto para enfrontar proxectos de transformación e de actualización da prensa coma para a concepción e creación de novos productos." (p. 11) A influência da televisão, ao nível do conteúdo, levaria a imprensa, por outro lado, a abandonar o modelo informativo-interpretativo. Jornais e revistas privilegiariam a "informação de serviços" (p. 14), o "local" (p. 17) e a "vida", secundarizando a política (p. 26). Tal originou, por exemplo, que o The New York Times, "diario de texto e de política, segundo o estereotipo que mellor vulgariza o modelo en cuestión" (p. 13), titulasse em manchete a abertura da temporada da truta (p. 14). A apetência pelos serviços seria também uma condicionante do desenvolvimento do jornalismo iconográfico e gráfico: basta lembrar os gráficos da secção de economia, por exemplo. Não obstante, fazendo-se eco de Mike Gordon, director de Desenho do Atlanta Journal-Constitution, Margarita Ledo Andión manifesta preocupação "(…) polo sobexo de fragmentariedade que xa se instalou na producción de mensaxes" (pp. 16 - 17) ao tentarem-se descomplexificar artigos complexos segmentando-os em artigos independentes. "É (...) a primeira alerta para o síntoma de incomprensibilidade que adquiriron, xa, os gráficos, en parte pola domesticación e insignificancia a que se veu abocando o seu uso na prática informativa, cunha función sobre maneira de decoración." (p. 17) Para Margarita Ledo, "A foto, a gran perdedora [da Guerra do Golfo], demonstra súa vixencia como necesidade (...). Os infográicos, a imaxe dixital e virtual, esgotan unha historia demasiado curta e deixan entrever, como contradicción, a súa dificultade de lectura cando teñen que funcionar sos. Eis o paradoxo nun xénero que nace ó abeiro das tecnoloxiás punta para prensa e como instrumento de lectura rápida." (p. 36). A autora acusa alguma imprensa de estar a desnaturalizar-se: ao submeter-se a uma política editorial de imitação do ecrã, transforma-se num produto de marketing. Segundo Margarita Ledo, isto representaria um risco para a democracia e, citando Caujolle, para a estrutura da nossa memória histórica. (pp. 36-40) Sistematizando as suas asserções, a autora refere que "A estratexia neotelevisiva neutraliza as posibilidades comunicativas da escrita, elemento diferencial en prensa, ó forza-lo xogo rutinario e redundante de unidades de significación.· A imaxe (foto, ilustración, gráicos) estase a manipular como recurso de sinalización, como insignificante ou como síntese de datos temporalmente efémeros. · Os xéneros desactualízanse e desinfórmanse, organizándose a modo de crónica de costumes. · O tempo de lectura remata no primeiro nivel de achegamento a un medio, substituíndo o eslogan 'primeiro vese, logo lese' polo de 'ollar e guindar'. · O deseño exprésase como stiling e como organizador de materiais e non como unha das compoñentes comunicacionais." (pp. 48 - 49) O que a leva a interrogar-se: "Como recupera-lo estatus que lle tirou xa á foto o visual?". (p. 39) Neste
trabalho, a ex-decana da Faculdade de Ciências da Informação da Universidade de Santiago de Compostela aborda ainda a crise no fotojornalismo. Este género jornalístico, que vive das imagens fixas, estaria a ser derrotado num conflito com a televisão, que vive de imagens animadas. Durante a Guerra do Golfo, o sistema de funcionamento em pools a que as chefias militares obrigaram os jornalistas, estranhamente acomodados, acentuou essa visão:"O conflicto da foto é coa televisión e (...) concluiremos que, sexa cal sexa o contido da información en imaxes, o privilexio - confirmado cos acontecimentos do Golfo - teno a televisión". (p. 36)
(155) Luis Gutiérrez Espada (1989) — Historia de los medios audiovisuales (desde 1926). Cine y Fotografia, 80 e 89. (156) Keim, citado por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 34. (157) Paul Hightower (1980) — "A study of the messages in depression-era photos". (158) Recorde-se que Herbert Gans (1979), em Deciding What's News, identificou o small tawn pastoralism, a nostalgia
pela pequena cidade de província, como um dos valores que eram caros à imprensa norte-americana de expansão nacional (mais precisamente: ABC, CBS, Newsweek e Time).
(159) Robert Delpire, Michel Frizot et al. (1989) — Histoire de Voir. vol. 3, 56.
(160) Fundamo-nos, também aqui, nas pesquisas do Professor Doutor Ricardo Jorge Pinto, da Universidade Fernando Pessoa. Ele segmenta a evolução do jornalismo após a Segunda Guerra Mundial em três fases: 1) Primeira fase da Nova Ordem Internacional da Informação (NOII); 2) Segunda fase da NOII; e 3) Fim da NOII/Período actual.
Assim, após a Segunda Guerra Mundial e até meados da década de Oitenta surge a Nova Ordem Internacional da Informação. As suas raízes encontram-se no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948). Este artigo consagra os seguintes pressupostos:
1) Liberdade de expressão individual;
2) Liberdade de circulação de informação dentro dos estados;
3) Liberdade de circulação de informação entre os estados.
Segundo o mesmo artigo, o direito humano à informação consiste na liberdade que cada pessoa tem de "(…) investigar e receber informações e opiniões e de difundi-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão".
No mesmo sentido, vai o articulado no artigo 10 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, proclamada pelo Conselho da Europa, em 1950: "Toda a pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de receber ou comunicar informações ou ideias sem que possa haver ingerência das autoridades públicas e sem consideração de fronteiras…"
I) Estas ideias levam à primeira fase da NOII (1945 - 197…), caracterizada pelo fosso informativo Norte-Sul, e com as seguintes características:
a) A lei do mercado configura-se como a principal reguladora dos circuitos informativos; estes são essencialmente regulados pelos mecanismos de oferta e da procura; praticam-se as doutrinas do free flow da informação;
b) Sem regulação estatal, as organizações noticiosas dos grandes países desenvolvidos do Hemisfério Norte atingem a hegemonia, controlam os grandes circuitos informativos e gerem os fluxos de informação; as grandes agências noticiosas "internacionais", que já existiam na altura, tornam-se todas-poderosas: France Press, Reuter's, UPI, API e TASS;
c) O sucesso do Norte, o seu potencial tecnológico e científico, a crescente relevância da rádio e da TV nos países desenvolvidos, acentuam o fosso informativo Norte-Sul;
d) Os fluxos informativos fazem-se essencialmente no sentido Norte (anglo-saxónico)—Sul; as grandes agências "substituem-se" às agências nacionais.
II) A conjuntura desenvolvida na primeira fase da NOII leva a uma "revolta" dos países desfavorecidos, logo no início da década de setenta. Entra-se na segunda e última fase da Nova Ordem Internacional da Informação, que duraria até meados dos anos oitenta. A revolta tece-se em dois vectores:
a) Acção da UNESCO, que tenta colmatar as falhas da primeira fase;
b) Movimento dos Países Não Alinhados, que, em 1973, em Argel, denunciou o "colonialismo informativo", reconhecendo que os países membros pouco retribuiam as informações provindas dos países favorecidos. Além disso, devido aos critérios de valor-notícia de proximidade geográfica, os países mais favorecidos privilegiavam as suas próprias notícias. Em 1976, em Nova Deli, elabora-se uma carta onde se prevêm duas soluções:
1) Regulamentação estatal/controle dos fluxos informativos por parte dos estados;
2) Criação de agências nacionais e internacionais de informação no Hemisfério Sul; a UNESCO financia essas agências em África, nalguns países asiáticos, como a Índia, e na América do Sul. Nalguns casos, estas agências, como a Pan-Africana, não funcionaram bem.
III) Fim da NOII, em meados da década de Oitenta, devido a:
a) As novas tecnologias e a necessidade de a elas se recorrer tornam virtualmente impossível o controlo (estatal) dos fluxos internacionais de informação; regressam as doutrinas do free flow da informação (ou, pelo menos, o free flow de facto), acentuadas pelas ideias liberais e pela crença no funcionamento do mercado;
b) Desregula(menta)ção/concentração dos media; ocorrência de fenómenos de concentração vertical e horizontal, mesmo a nível transnacional; a comunicação é encarada globalmente como um sector estratégico;
c) Sinergias intra-oligopólios: aproveitamento das qualidades e capacidades de determinado meio para outro meio, dentro do mesmo oligopólio; isto tem efeitos na fabricação dos discursos jornalísticos e de outros discursos mediados;
d) Os oligopólios ganham por vezes maior capacidade de intervenção que os Estados, adquirindo força política e económica; diluem-se as fronteiras.
(161) Consultar, por exemplo, Gisèle Freund (ed.: 1989) — Fotografia e Sociedade.
(162) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 33. (163) "U.S. Press geared for coverage of war as crises sets new pace", 4-5. (164) Gisèle Freund (ed.: 1989) — Fotografia e Sociedade, 161.
(165) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 33.
(166) John Morris (1972) — "This we remember", 72.
(167) Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 82. (Tradução livre: "(…) os jornalistas [redactores] no princípio evitaram a adaptação (…) até que os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial os forçaram a reconsiderar a sua posição.")
(168) J. Price (1945, 23 de Junho) — "Cameramen launch national organization", Editor and Publisher, 36, é citado por Barbie Zelier (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 82.
(Tradução livre: "(…) Os fotógrafos —antes chamados 'ilustradores de jornais ou 'repórteres de imagem'— tornaram-se fotojornalistas.")
(169) J. Lewinski (1978) — The Camera at War, 136. (Tradução livre: "(…) um corpo experimentado e altamente organizado de estatuto reconhecido.")
(170) Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 82, cita H. L. Kany (1947, Abril) — "Experts eye pictures: Photographer as reporter", The Quill, nº 8, 10. (Tradução livre: "(…) um estatuto igual ao de qualquer repórter.")
(171) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 30.
(172) Leon Sigal escreveu: "(…) a semelhança das suas histórias assegura aos jornalistas que compreendem o que se está a passar no mundo." [Leon Sigal é citado por Michael Schudson (1988) — "Por que é que as notícias são como são?", 23. É uma hipótese a considerar que o mesmo se passe para as fotografias inseridas nos jornais, em muitos casos idênticas ou similares. Além disso, a repetição de fotos (sobretudo de agências) de jornais para jornais poderá dar aos editores a sensação de que, sob as pressões tirânicas do tempo e do espaço, escolheram bem e não erraram, o que, entre outras coisas, lhes permite subtrairem-se às críticas [aplicamos aqui uma ideia da socióloga norte-americana Gaye Tuchman, no célebre artigo: Gaye Tuchman (1972) — "Objectivity as strategic ritual: An examination of newsmen's notions of objectivity"].
(173) Joe Rosenthal (1946, 31 de Março) — "Rosenthal describes his technique on Iwo", 13.
(174) Vicki Goldberg (1992, 16 de Agosto) — "A deliberate, unflinching witness to history", H22. (Tradução livre: "(…) a veracidade é tanto uma questão de mostrar às pessoas como a guerra pode parecer como de reproduzir o que a ocasião coloca à frente da objectiva.")
(175) Susan D. Moeller (1989) — Shooting War: Photography and the American Experience of Combat. (176) Roland Barthes é citado por Robert Delpire, Michel Frizot et al. (1989) — Histoire de Voir. vol. 3, 9. (Tradução
livre: "O revés da fotografia parece-me aqui flagrante: repetir a morte ou a nascença não faz aprender, à letra, nada, [aqui, a fotografia] não faz mais do que eternizar os gestos do homem para melhor os desmontar.")
(177) Christian Zimmer (1984) — Le retour de la fiction. Paris: Ed. du Cerf, é citado por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 37.
(178) Nos dias de hoje, o espaço aberto aos paparazzi pode associar-se ao modelo junkdog journalism (jornalismo vira-latas). Como certos teóricos norte-americanos, de que são exemplo George Donohue, Phillip Tichenor e Clarice Olien (1995), em "A guard dog perspective on the role of media", ou portugueses, como Ricardo Jorge Pinto, julgamos ser válida, em certa medida, a percepção de vários modelos no sistema jornalístico Ocidental pós-1939: 1) Lapdog journalism; 2) Watchdog journalism; 3) Guard-dog journalism; e 4) Junkdog Journalism. Estes modelos não têm fronteiras temporais nítidas e, por vezes, coexistem. Nos modelos lapdog e watchdog, a época em que se tornaram predominantes não coincide nos diferentes países (estados como Portugal e Espanha, que hoje claramente se incluem num contexto Ocidental de jornalismo, viram a sua imprensa ser sujeita à censura durante os anos de ditadura, pelo que, enquanto nas democracias ocidentais o jornalismo enveredava pela lógica da vigia dos poderes, por vezes mesmo por uma lógica de contrapoder, na Península esse modelo só veio a surgir e regular-se após o período mais ou menos conturbado que marcou o fim das ditaduras ibéricas). Além disso, de igual modo podem-se usar todas conceptualizações referidas para se descreverem comportamentos actuais dos news media.
Lapdog Journalism (Dominante no período 1939/40—196…)
Este modelo correlaciona-se com os condicionalismos a que o jornalismo esteve sujeito na Segunda Guerra Mundial e com a existência de mecanismos de censura e auto-censura. Durante o conflito, havia uma disciplina jornalística muito rigorosa, de forma a evitar que os interesses das potências envolvidas fossem colocados em causa. Depois da guerra, esse clima manteve-se e o jornalismo
tornou-se, em grande parte, numa máquina de sustentação das estruturas de poder. Esta forma de actuação foi acentuada pela vigência de um modelo descritivo de jornalismo, que reduz a intervenção do jornalista. Uma das marcas estilísticas deste tipo de jornalismo são as extensas citações directas das fontes do poder que abundavam ao longo dos textos.
Watchdog Journalism (196…-?)
Neste paradigma, ainda dominante ao nível do "jornalismo sério", defende-se que o jornalismo deve servir a sociedade civil, pelo que o seu papel é o de vigia e de controle dos poderes. Pretende-se, mesmo, por vezes, que o jornalismo se integre numa lógica de contrapoder.
Neste modelo, alarga-se o leque das fontes de informação às fontes não institucionais e às fontes alternativas, que anteriormente pouco eram usadas. Passam-se também a cultivar mais as fontes intermédias nas instituições e não somente as estruturas de topo.
Em meados dos anos oitenta, inicia-se o processo de desregulamentação dos media e assiste-se, em vários países da Europa Ocidental, ao alargamento do sector privado à televisão e à rádio (o que ocorria, desde sempre, nos EUA). Com isto, aumenta o número de órgãos de comunicação social e a concorrência, diminuindo a dependência estatal que asfixiava o jornalismo.
A propósito do modelo watchdog, é preciso salientar que o jornalismo ocidental pode estar a deixar de tornar-se num paradigma de contrapoder para se tornar numa miscelânia de junkdog journalism e de palco onde se confrontam todos os poderes. [Francisco Pinto Balsemão, intervindo num debate sobre "Direitos da Pessoa e a Comunicação Social", a 16 de Abril de 1994. Sobre o mesmo tema escrevem François de Virieu (1990), em La médiacracie, e Ricardo Jorge Pinto (1992), em A Revolução Copernicana da Informação, 38-41].
Junkdog Journalism (198…-?)
As tentativas (frustradas?) de controle dos news media sobre os poderes chega a tal ponto que se procura principalmente o "lixo", como os casos amorosos das figuras públicas ou a corrupção, de maneira não só a revelar o mau funcionamento do poder mas também, e, porventura, principalmente, a atrair a atenção do público e seduzir o mercado. Exagera-se e usam-se armas eticamente duvidosas para se conseguir a informação desejada. É por isso que os paparazzi ainda hoje possuem campo de manobra, talvez até mais campo de manobra, na esfera da fotografia de imprensa. Esse tipo de jornalismo seria então um tipo "disparatado" de jornalismo.
A emergência do modelo junkdog coincide com aquele que consideramos ser o fim da Nova Ordem Internacional da Informação, em meados dos anos Oitenta, devido ao processo de desregulação do sector mediático e às novas tecnologias da comunicação. A abertura do leque das fontes, o recurso sistemático a fontes não identificadas e a concorrência entre numerosos órgãos de comunicação social empurraram para o sensacionalismo. Contudo, a par da tendência para a investigação sensacionalista, começou a exigir-se ao "jornalismo sério" a investigação rigorosa e a análise fundamentada. Desta forma, no "jornalismo sério" o papel do jornalista adquire maior relevância e talvez se possa falar num aumento da liberdade de expressão, através de:
1. Maior número de fontes;
2. Aumento da análise nos conteúdos jornalísticos.
Estes factores podem vir a impulsionar novas fases na evolução do jornalismo. Mas a evolução poderá revelar-se perigosa se se subverter a actividade. De facto, postulamos que a concorrência tornou-se um critério de valor-notícia e, num clima de competição, nenhum órgão de comunicação social quer, ou mesmo pode, ficar para trás na divulgação de uma "estória", ainda que seja mais um pedaço de "lixo". A deontologia profissional está em crise e o funcionamento "em matilha" coloca um novo problema: como todos querem ser diferentes apesar da tendencial homogeneidade de conteúdos, o caminho só pode ser o da diferenciação no ângulo de abordagem dos temas, no ponto de vista e no
estilo. Daí até à ficção e à invenção pura, o caminho pode ser curto. (Durante a Guerra do Golfo, as televisões mostraram imagens de aves atoladas em petróleo para ilustrar um "desastre ecológico" ocorrido nessa região devido ao derramamento intencional de petróleo pelos iraquianos no Golfo Pérsico. Todavia, as imagens eram de um desastre de um petroleiro na costa Norte francesa. A imprensa, neste caso, seguiu a televisão, publicando essas imagens, obtidas através dos registos vídeo e não da actividade fotojornalística. Podemos até colocar a questão: será que o fotojornalista do futuro será na essência um técnico de vídeo? Isto é, será que a integração de funções motivada pela necessidade de rentabilização dos recursos humanos devido à concorrência e à concentração horizontal oligopólica não levará a que, no futuro, os fotojornalistas sejam simultaneamente repórteres de imagem-vídeo e operem já não com as clássicas máquinas fotográficas mas sim com câmaras de vídeo?)
Dentro dos diferentes géneros jornalísticos, o que provavelmente melhor exemplifica a actual tendência do jornalismo é a entrevista.
Durante o modelo descritivo, que, conforme Michael Schudson (1988) escreve em "Por que é que as notícias são como são?", regulou o jornalismo a partir dos anos vinte/trinta (EUA), sucedendo a um modelo opinativo, a entrevista sempre foi um utensílio que permitia ao jornalista obter mais informações. O núcleo da notícia eram os factos, as personagens eram um meio para chegar a eles. Só interessava conhecê-las parcialmente. No actual paradigma de jornalismo, analítico-explicativo e especializado, as personagens começaram a tornar-se num aspecto tão central como qualquer outro — surge a construção simbólica de perfis humanizados que se opõem ao jornalismo declaratório do modelo descritivo. A entrevista deixa muitas vezes de ser um meio (de obtenção de informações) para se tornar num fim em si mesmo. Estamos, inclusivamente, convencidos de que este é um dos factores que promove a proliferação das fotografias de retrato na imprensa de hoje, a par do processo de estrelização decorrente das analogias que o jornal "pós-televisivo" tem com a televisão. Contudo, é importante notar que grande parte dessas fotografias não podem ser entendidas como "verdadeiramente" fotojornalísticas, já que funcionam essencialmente como ilustrações. São lisas, aplanadas.
Assim, na actualidade, a entrevista assume ainda um outro papel: promover o entrevistador, que frequentemente chega também a surgir nas fotografias, principalmente quando se trata de entrevistas a figuras-públicas de grande destaque, como o Presidente da República. Nas conferências de imprensa, o destaque que por vezes é dado nos registos fotográficos aos jornalistas também pode ser exemplificativo desta tendência, excepto nas ocasiões em que se intenta guiar o processo de produção de sentidos para significações determinadas.
A TV foi talvez o medium que mais influenciou a alteração do processo de entrevista, uma vez que oferece caracterizações mais "perfeitas" das pessoas (imagem, voz, etc.).
A partir de meados dos anos oitenta, as inovações gráficas do "jornal pós-televisivo", permitidas pelas novas tecnologias, contaminaram os jornais clássicos e romperam com as regras rígidas que condicionavam anteriormente a apresentação do produto jornalístico; a enorme diversidade gráfica dos jornais e revistas (que não corresponde, geralmente, a outra tanta heterogeneidade nos conteúdos) relaciona-se, provavelmente, com as tentativas de conquistar um mercado altamente concorrencial (mostrar dinamismo, culto da diferença, etc.).
Na rádio e na televisão também se dão profundas mudanças, a partir dos anos setenta/oitenta. Na rádio, elas registam-se, por exemplo, na utilização de várias vozes, na proliferação das vozes femininas e na utilização abundante de cenários sonoros. Na televisão, as mutações passam parcialmente pela recorrência à infografia, pelo aumento do ritmo do som e da imagem, pela inovação nos formatos e pela montagem fora dos cânones tradicionais.
Guard-dog Journalism
George Donohue, Phillip Tichenor e Clarice Olien (1995), em "A guard dog perspective on the role of media", colocam ainda a metáfora do jornalismo guard dog, que sugere o jornalismo dependente de
alguns grupos cujo poder e influência é tal que conseguem criar os seus próprios sistemas de segurança mediáticos. Os guard dog media existem sobretudo nas pequenas cidades americanas dependentes da agricultura ou de uma grande empresa, apresentando-se, por vezes, quase como a newsletter dessa empresa ou, então, como community media. O jornalismo guard dog faria a sua aparição nesses media quando forças externas ameaçam o status quo local e a coesão do grupo. Noutras alturas, o "cão-de-guarda" estaria adormecido. Exemplificando, se uma lei colocasse em causa uma empresa poluidora que empregasse a grande maioria dos trabalhadores de uma localidade, seria provável que a imprensa local reagisse contra a lei, argumentando, por exemplo, que os investimentos em tecnologia não poluidora poderiam arruinar a empresa e colocar os trabalhadores no desemprego, atraindo a miséria. Além das metáforas lapdog, watchdog, junkdog e guard dog, existem autores que caracterizam o jornalismo como parte de uma oligarquia de poder (Stuart Hall et al. (1973), em "The social production of news: Mugging in the media", ou Chomsky e Herman (1988), em Manufacturing consent, são alguns exemplos que nos parecem relevantes).
No mesmo campo, Eduardo Prado Coelho (1995, 21 de Outubro), em "Elementos para a crítica da razão jornalística", afirma que a comunicação social dos nossos dias criou a sua própria ideologia, a "razão jornalística", cuja característica principal seria existir no espaço trans-ideológico da "opinião pública". Imbuídos da "ideologia da razão jornalística", os jornalistas cultivariam uma atitude de desconfiança face a quaisquer formas de poder. Esta desconfiança formular-se-ia numa espécie de tese implícita, segundo a qual toda a posição é a dissimulação da defesa de interesses pessoais, pelo que o jornalista deveria arrancar a "verdade escondida" às aparências. Para essa missão ser bem sucedida, o jornalista vê-se como acima de qualquer crítica, que é entendida como decorrente da molestação de interesses e de intuitos censórios e limitadora da liberdade de imprensa. Muito críticos relativamente à "ideologia do sucesso", os jornalistas viveriam na "obsessão" de construirem ídolos e de os destruirem. Aqui se alimentaria o seu "imaginário romanesco". (Não nos parecendo que Prado Coelho seja aqui original, o seu texto não deixa de vir ao encontro das qustões que se levantam num modelo de junkdog journalism. A sua reflexão é útil enquanto exercício de reformulação e reforço de conceptualizações conhecidas no campo das ciências e epistemologia da comunicação social.)
(179) Expressão usada por Ricardo Jorge Pinto (1992) — A Revolução Copernicana da Informação (monografia de licenciatura não publicada).
(180) Sobre manipulação, desinformação, contra-informação e publicidade através do fotojornalismo ou de outras práticas fotográficas podem consultar-se Gisèle Freund (ed.: 1989) — Fotografia e Sociedade, 154 - 162; ou Marc Ferro (1994) — Falsificações da História, 139 - 175 (especialmente), onde este autor relata, por exemplo, os desaparecimentos das personagens caídas em desgraça das fotografias oficiais nos regimes socialistas. Margarita Ledo Andión, por seu turno, refere um caso de utilização da fotografia com fins de manipulação, ocorrido no campo da luta política. Em França, durante 1922, a Oposição ao Presidente Poincaré usou uma fotografia do político a rir num cemitério militar, durante uma cerimónia oficial, para o desacreditar. Marcel Poincaré tinha tido a desdita de não evitar o riso ao reparar num tropeção de um cameraman que filmava a cena. Legenda da imagem: "L'homme qui rit dans les cimitières" — "O homem que ri nos cemitérios!" (segundo KEIM, Jean (1971) — La Photographie et L'Homme. Sociologie et psychologie de la photographie. Tournain: Casterman, referenciado por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 25).
(181) Roland Barthes (ed.: 1989) — A Câmara Clara.
(182) Margarita Ledo Andión (1995) — Documentalismo fotográfico contemporáneo. Da inocencia á lucidez, 23.
(183) É preciso ter aqui em atenção que análises sistemáticas da cobertura televisiva americana da Guerra do Vietname revelaram que a percepção popular de que a Guerra do Vietname foi observada com recurso à TV como se o conflito se desenrolasse à porta de casa, com constante exposição pública ao sangue, é largamente um mito. Ver, por exemplo: Daniel Hallin (1986) — The "Uncensored War": The Media and Vietname.
(184) Don McCullin (1992) — Don McCullin, s.p.
(185) Sobre foto-choque, leia-se o livro que resultou da tese de doutoramento de Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise. Repare-se na caracterização inicial de foto-choque, sustentada, em parte, na definição de Barthes: "A Foto-Xoc defínese, no ámbito da Fotopress, polo seu carácter unívoco, que amosa o traumático de feitos e procesos e que, en que se expressan, 'suspenden a linguaxe e bloquean a significación'. [BARTHES, Roland (1978) — "Le message photographique". In L'Obvie et L'Obtus. Paris: Seuil]. O seu universo de representación abrangue toda a iconografía do anormal, da violencia collida 'ó vivo', dos resultados dunha catástrofe común ou individual. A Foto-Xoc é, asemade, unha das rotinas na política informativa dos Mass-Media, rotinas que teñen que ver non só cos criterios de noticiabilidade imperantes, teñen que ver coas fontes que controlan a oferta de news —instituicións, axencias transnacionais...—, coa mecánica productiva dos propios Media e, obviamente, coa práctica profesional.
O uso da Foto-Xoc, cada vegada máis apresurado e enfático, vai tomando corpo en conxunión con outros elementos que caracterizan o fenómeno comunicación-información na actualidade. No funcional poderáse vencellar á Foto-Xoc coa eficacia do terror informativo —deica efectos psico-sociais de parálise ou de fuxida—; con tendencias inequívocas prá xendarmización das sociedades; con modelos culturais que queren un receptor pasivo a nutrirse, cíclicamente, co maniqueísmo necrófilo das tensións que determina o binomio culpa-purificación." (p. 9)
(186) Michel Guerrin (1988) — Profession photoreporter. Vingt ans d'images d'actualité, 13. (187) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 130. (188) Michel Guerrin (1988) — Profession photoreporter. Vingt ans d'images d'actualité, 117. (189) Michel Guerrin (1988) — Profession photoreporter. Vingt ans d'images d'actualité, 12.
(190) Michel Guerrin (1988) — Profession photoreporter. Vingt ans d'images d'actualité, 35.
(191) Michel Guerrin (1988) — Profession photoreporter. Vingt ans d'images d'actualité, 12. (192) Borgé e Viasnoff, citados por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 43. (193) Expressões usadas por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 75. (194) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 130. (195) Paul Virilio (1994) — The Vision Machine. (196) Serge Le Peron é citado por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 47. (197) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 98. (198) Richard Lacayo e George Russell (1990) — Eyewitness. 150 Years of Photojournalism, 165. (Tradução livre:
"Agora que todos os tipos de sofrimento foram apresentados à câmara, que os registou de todos os ângulos [?!], as fotografias da miséria apenas parecem recordar-nos fotografias de miséria. Tornou-se difícil determinar se o sentido moral é aguçado ou endurecido pela exposição à calamidade.")
(199) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 43. (200) Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 49. (201) Simon Kuin (1996, 20 de Janeiro) — "Olhares russos", 85. (202) Karin E. Becker (1991) — "To control our image: photojournalists and new technology". (203) Karin E. Becker (1991) — "To control our image: photojournalists and new technology", 393-396. (204) Entre outros autores que subscrevem esta posição, Paul Virilio (1994), em The Vision Machine, considera que a
fotografia contribuiu objectivamente para a construção de um sentimento anti-guerra. (205) Margarita Ledo Andión (1995) — Documentalismo fotográfico contemporáneo. Da inocencia á lucidez, 163. (206) Susan D. Moeller (1989) — Shooting War: Photography and the American Experience of Combat. (207) Manuel Leguineche, citado por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 40. Todavia,
pelo estudo de Oscar Patterson III (1984) — "Television's living room war in print: Vietnam in the news magazines", no qual o autor analisa a Time, Newsweek e a Life entre 1968 e 1973, constata-se que a cobertura do conflito, durante esses anos, não se tornou mais sangrenta, pelo menos nessas revistas. Sobre as fotos de My-Lai, ver: Kennick Thompson, Alfred Clarke e Simon Dintz (1974) — "Reactions to My-Lai: A visual-verbal comparison". Este estudo conclui que as pessoas que observaram
fotografias do massacre de My-Lai tiveram reacções mais fortes sobre o evento do que aqueles que não as viram. Isto mostra também que as fotos têm efeitos.
(208) Fazemos nossa a dupla interrogação colocada por Michael Griffin e Jongsoo Lee (1996) — "Picturing the Gulf War: Constructing an image of war in Time, Newsweek and U.S. News & World Report", 814.
(209) Les Barry (1979) — In The Best of Popular Photography. New York: Ziff Davis Publishing Company, citado por Margarita Ledo Andión (1988) — Foto-xoc e xornalismo de crise, 41.
(210) Kennick Thompson, Alfred Clarke e Simon Dintz (1974) — "Reactions to My-Lai: A visual-verbal comparison". (211) Edward Epstein (1975) — Between Fact and Fiction: The Problem of Journalism, 217-219 e 226-228. (212) Edward Epstein (1975) — Between Fact and Fiction: The Problem of Journalism, 226-228; Herbert Gans (1979)
— Deciding What's News: A Study of CBS Evening News, NBC Nightly News, Newsweek and Time, 54.
(213) Susan Sontag (ed.: 1986) — Ensaios Sobre Fotografia, 26-27. A autora argumenta que a razão para que as imagens da Guerra da Coreia fossem diferentes das da Guerra do Vietname era a atitude diferente do público perante os conflitos: não havia um sentimento forte contra a Guerra na Coreia, mas no Vietname, como é sabido, as coisas não se passaram assim. Desta forma, deste último conflito foram apresentadas imagens de sofrimento e tragédia ao público americano, já que iriam ao encontro do sentimento anti-guerra manifestado por grande parte da população americana.
(214) Herbert Gans (1979) — Deciding What's News: A Study of CBS Evening News, NBC Nightly News, Newsweek and Time, 280.
(215) Oscar Patterson III (1984) — "Television's Living Room War in Print", 35. (216) Jose Manuel Susperregui (1988) — Fundamentos de la fotografia, 284. (217) Michael Sherer (1989) — "Vietnam War Photos and Public Opinion", 394. (218) Michael Sherer (1988) — "Comparing magazine photos of Vietnam and Korean wars". (219) Oscar Patterson III (1984) — "Television's living room war in print: Vietnam in the news magazines". (220) Fomos buscar a designação de fotonecrofilia à noção de TV Necrófila que Ignacio Ramonet usou para caracterizar
um certo tipo de telejornalismo, que explora a violência, a morte e a dor, no seminário sobre Retórica Televisiva, leccionado, em 1994, aos alunos do curso de doutoramento em Ciências da Informação da Faculdade de Ciências da Informação da Universidade de Santiago de Compostela. Os constrangimentos da imagem, nomeadamente os seus problemas ontogénicos, levariam à preferência pelo que é "visual" ou "visualizável" e à secundarização do conceptual, que exigiria abstracção. Por vezes, o "visual" ocultaria mesmo o que é mais importante: ver a morte em massa pode ocultar as suas causas, por exemplo. Para conferir mais-valia de emoção à imagem seria, assim, necessário valorizar o dramático, como as situações de sofrimento e morte.
(221) Michel Guerrin (1988) — Profession photoreporter. Vingt ans d'images d'actualité, 147. (222) Margarita Ledo Andión (1995) — Documentalismo fotográfico contemporáneo. Da inocencia á lucidez, 128. (223) Margarita Ledo Andión (1995) — Documentalismo fotográfico contemporáneo. Da inocencia á lucidez. (224) Referido por Margarita Ledo Andión (1995) — Documentalismo fotográfico contemporáneo. Da inocencia á
lucidez, 31. (225) Margarita Ledo Andión (1995) — Documentalismo fotográfico contemporáneo. Da inocencia á lucidez, 19. (226) Referido por Margarita Ledo Andión (1995) — Documentalismo fotográfico contemporáneo. Da inocencia á
lucidez, 16. (227) Pelas pesquisas de Margarita Ledo Andión, abordadas durante o seminário "A Informação Como Produto: A
Irrupção da Infografia", leccionado, em 1995, aos alunos do Terceiro Ciclo em Ciências da Informação da Universidade de Santiago de Compostela, a proliferação da fotografia ilustrativa de pessoas parece ser evidente. Aliás, bastaria lançar os olhos pela imprensa, especialmente pelo USA Today ou outros jornais do mesmo tipo, para concluir de idêntica forma. No jornal "pós-televisivo" e na imprensa contaminada por este prolifera a fotografia de retrato, com cunho meramente ilustrativo, eventual propiciadora e alimentadora de processos de estrelização. Todavia, este processo necessita de uma alimentação constante. A aparição fortuita de fotos de retrato não torna ninguém numa estrela.
(228) D. M. Lindekugel (1994) — Shooters: TV News Photographers and Their Work.
(229) D. M. Lindekugel (1994) — Shooters: TV News Photographers and Their Work.
(230) "Mom and Pop Beercan" no original.
(231) "Artsy-fartsy" no original.
(232) D. M. Lindekugel (1994) — Shooters: TV News Photographers and Their Work. "Ter olho" para a informação visual não deixa, porém, de ser uma expressão dotada de uma certa ingenuidade. Apesar da capacidade individual que possamos reconhecer em cada fotojornalista, no acto fotográfico confluem também variáveis sociais e culturais. Todo o fotojornalista transporta consigo a sua cultura, a sua história, o seu meio social.
No primeiro período do parágrafo, usámos a forma ortográfica "profissionais" entre aspas porque, segundo Najjar, ainda não existe uma conceptualização adequada da ENG photography como profissão autónoma. No dizer de Orayb Najjar, a actividade não cumpre todos os critérios que os sociólogos identificam como pré-requisitos para um estatuto profissional. [Orayb Najjar (1995) — Resenha crítica ao livro de D. M. Lindekugel (1994) — Shooters: TV News Photographers and Their Work. Journalism Quarterly, vol. 72, nº 2, 483.]
(233) "Gamma, Histoire d'une agence en crise", 17. (234) A desregulamentação dos media levou ao aparecimento, na Europa, de uma série de empresas privadas de
televisão, que, para competirem e gerarem lucros, tiveram de implementar tácticas de grande agressividade comercial, baixando os preços da publicidade e desviando, consequentemente, publicidade da rádio e da imprensa.
(235) Shiela Reaves (1995) — "The vulnerable image: categories of photos as predictor of digital manipulation", 706. Shiela Reaves reporta-se à classificação de fotografias da National Press Photographers Association (NPPA).
As spot news são definidas como fotografias não planeadas de acontecimentos (imprevistos); neste caso, a intervenção dos fotojornalistas praticamente reduzir-se-ia a focar: a sua cultura e a sua presença far-se-iam sentir em menor escala no acto fotográfico. Reaves afirma mesmo que a qualidade técnica das spot news é frequentemente pouco importante quando são avaliadas em concursos. O aspecto "bruto" da imagem até pode funcionar para o observador como a ideia de que o fotógrafo não teve tempo para reflectir e compor. (p. 708) As spot news são, assim, associadas à oportunidade (p. 709), no sentido de que são tiradas no momento exacto, antes que a situação se desvaneça.
As photo illustration são fotografias altamente conotativas que combinam as "'possibilidades ilimitadas' do desenho com o realismo da imagem fotográfica, como fotografias de comida, moda e editoriais". Tradicionalmente, nessas fotos usam-se simbolos como os da saúde e do prestígio numa cultura, que confluem numa imagem extremamente "visual", quase táctil, e excepcionalmente detalhada. A sua qualidade técnica é tão importante como o conteúdo. (p. 708) [Sobre as photo illustration, recorre-se aqui à formulação de Keneth Kobre (1980) — Photojournalism. The Professional Approach, 18-109.]
No meio dessas duas qualidades situam-se as feature photos, que a associação profissional dos fotojornalistas dos EUA define como fotos de situações mais ou menos comuns, mas de forte interesse humano. Neste sentido, são "intemporais" e a sua qualidade prende-se com a capacidade de introduzir novidade, frescura e eficácia na abordagem do tema. A fotografia fotojornalística documental vive em grande medida deste tipo de fotos. Segundo LaBelle, uma marca de todas as feature photos premiadas é o cândido e espontâneo momento captado por um fotógrafo paciente e curioso. [Dave LaBelle (1989) — The Great Picture Hunt: The Art and Ethics of Feature Picture Hunting.] Um exemplo de feature photos é o das fotografias de pessoas em actividades exteriores. Por vezes, como revelam Rom Mann e Paul Lester, as feature photos causam controvérsia, pois há fotógrafos que pedem aos sujeitos das fotos para posar ou até que acrescentam adereços à composição, transformando uma situação encontrada numa encenação. [Ron Mann (1985, Janeiro) — "Ethics in Photography: Avoid Preconceived Ideas". ASNE Bulletin, 30-31; Paul Lester (Ed.) (1990) — The Ethics of Photojournalism.] Assim, as feature photos possuem um carácter de espontaneidade que as distingue do fotodocumentalismo, pois, quando se destrinça fotojornalismo de fotodocumentalismo, nota-se que a diferença fundamental reside no método, uma vez que a intenção é a mesma: dar testemunho.
Nota-se, por aqui, que a categorização das fotografias é importante para o fotojornalistas, pois permite-lhes processar rapidamente novos dados em função do seu conhecimento e experiência anteriores. [Inferência a partir de: Edward E. Smith (1981) — Categories and Concepts.] Há até autores que afirmam que, face às deadlines, a categorização é o ponto de partida para os jornalistas classificarem rapidamente os eventos, fabricarem "estórias" e fazerem inferências. [S. Holly Stocking e Paget H. Gross (1989) — How Do Journalists Think? A Proposal for the Study of Cognitive Bias in Newsmaking.] Teoricamente, a semiótica pode ajudar a explicar por que é que os fotojornalistas e editores de imagem categorizam as fotos. A fotografia seria, neste contexto, valorizada sobretudo pelo seu carácter denotativo. Contudo, como já Barthes dizia, a fotografia possui um campo conotativo, em grande medida historio-cultural, e, por isso, rico em simbolismos culturais. Barthes postulava que a fotografia não é neutra nem passiva, antes possui uma grande riqueza em conotações expressivas e simultâneas que podem gerar diferentes sentidos de uma só vez. [Roland Barthes (1984) — O Óbvio e o Obtuso, 13-25.] A propósito, Hartley salienta que enquanto o nível denotativo dá uma aparência "objectiva" à imagem fotográfica, as conotações, especialmente se forem subtis, dão-lhe poder no campo da construção das convenções sociais, das ideologias e mesmo da construção da noção do que é (do espaço) público. [John Hartley (1992) — The Politics of Pictures.] No mesmo sentido, John Berger acrescenta que a fotografia é tão poderosa que pode não só transmitir ideologia política como tornar-se uma arma que se pode usar, mas que também pode ser usada contra cada ser humano. [John Berger (1980) — "Understanding a photograph", 294; John Berger (1980) — About Looking.] Com as potencialidades da manipulação computacional de imagem, a fotografia torna-se numa arma ainda mais perigosa.
Num estudo anterior, de 1993 ("What's wrong with this picture? Daily newspaper photo editors' attitudes and their tolerance toward digital manipulation"), Shiela Reaves havia já concluído que os 511 editores fotográficos inquiridos eram largamente intolerantes em relação às alterações ou manipulações computacionais das imagens que não fossem acentuar o brilho, o contraste e pouco mais.
(236) John Long (1989, 6 de Outubro) — "Truth, trust meet new technology". In The Electronic Times (Publicação do Encontro sobre Fotojornalismo Electrónico em Martha's Vineyard), cit. por William J. Mitchell (1992) — The Reconfigured Eye. Visual Truth in the Post-Photographic Era, 16.
(237) Para nós, os fotojornalistas podem entender-se como uma subcomunidade interpretativa da comunidade interpretativa dos jornalistas. Esta comunidade divide-se em subcomunidades, em função da (a) carga social e da (b) carga cultural e ideológica que esses profissionais transportam. Mais precisamente, a comunidade interpretativa, num plano geral, depende, de uma forma vasta, (a) da cultura profissional e comunitária, bem como (b) da acção do meio social; as subcomunidades interpretativas estabelecem-se essencialmente ao nível organizacional, dependendo (a) da cultura e da ideologia profissionais, mas também das organizacionais, bem como (b) da acção conformadora do meio social, isto é, da "redacção" (para o caso, do sector de fotografia) e da organização.
(238) Barbie Zelizer (1995) — "Journalism's 'last' stand: Wirephoto and the discourse of resistence", 88.
(239) J. Alter (1990, 30 de Julho) — "When photographs lie", 44.
(240) Vicki Goldberg (1992, 16 de Agosto) — "A deliberate, unflinching witness to history", H22.
(241) J. Alter (1990, 30 de Julho) — "When photographs lie", 44. (242) James D. Kelly e Diona Nace (1993) — "Credibility of digital newsphotos." (243) James D. Kelly e Diona Nace (1993) — "Credibility of digital newsphotos." (Tradução livre: "As pessoas
acreditam nas fotos se estas fizerem sentido —se a informação que providenciam for confortavelmente ao encontro da sua compreensão do mundo— não porque são representações exactas da realidade.")
(244) William J. Mitchell (1992) — The Reconfigured Eye. Visual Truth in the Post-Photographic Era, 16-17. (245) Clare Ansberry (1989, 26 de Janeiro) — "Alterations of photos raise host of legal, ethical issues", B1. (246) A. S. Carvalho, citado por António Sena (1991) — Uma História de Fotografia, 17. (247) Alexandre Pomar [199…] — "Uma família inglesa", 80-81.
(248) António Sena (1991) — Uma História de Fotografia, 17. (249) António Pedro Vicente (1984) — Carlos Relvas Fotógrafo. Contributo para a História da Fotografia em
Portugal no Século XIX, 27. (250) António Sena (1991) — Uma História de Fotografia, 44-45. (251) António Sena (1991) — Uma História de Fotografia, 55. (252) Rocha Martins [1933] — Prefácio ao Arquivo Gráfico da Vida Portuguesa, citado por António Sena (1991) —
Uma História de Fotografia, 56-59. (253) António Sena (1991) — Uma História de Fotografia, 84. (254) António Sena (1991) — Uma História de Fotografia, 88. (255) António Sena (1991) — Uma História de Fotografia, 106. (256) Ana Sousa Dias (1996, 24 de Março) — "Eduardo Gageiro: A linguagem do instante", 40. (257) Kuo-jen Tsang (1986) — "News photos in Time and Newsweek". De qualquer modo, é importante salientar que,
como descobriram Galtung e Ruge (1965), a negatividade é usualmente um critério de noticiabilidade [Johan Galtung e Marie Holmboe Ruge (1965) — "The structure of foreign news"]; em conformidade com as pesquisas de Bohle (1986), instalou-se até o sentimento de que as más notícias são mais importantes do que as boas [Robert Bohle (1986) — "Negativism as news selection predictor"].
(258) Michael W. Singletary e Chris Lamb (1984) — "News values in award-winning photos", 106. Apoiamo-nos, aqui, na teoria dos usos e gratificações, segundo a qual as pessoas usam a Comunicação Social para obter gratificações ou satisfazer necessidades (libertação emocional, compensação, informação, etc.). Assim, o consumo dos meios de Comunicação Social seria activo e não passivo; o público faria escolhas, motivadas pelo que desejaria consumir. Conforme assinalou Denis McQuail, se o uso dos meios de comunicação não fosse selectivo, então eles não poderiam ser potenciais instrumentos para a resolução de problemas, e nós julgamos que eles têm essa capacidade. Consultar, por exemplo: Denis McQuail (1991) — Introducción a la teoria de la comunicación de masas, 298-304; Denis McQuail e Sven Windahl (1993) — Communication Models, 133-157; e José Rodrigues dos Santos (1992) — O Que é Comunicação, 112-117. Já a tendência para a negatividade enquanto critério de valor-notícia poderá ser explicada por estudos recentes na área da psiquiatria e neurobiologia. Atente-se, pois, nas conclusões de António R. Damásio (1995), em O Erro de Descartes. Este cientista afirma que são o sofrimento e a dor que nos dão maior protecção para a sobrevivência. A dor constituiria "(…) a alavanca para o desenvolvimento apropriado dos impulsos e instintos, e para o desenvolvimento de estratégias eficazes de tomada de decisão." (p. 268) Para ele, "(…) se a solução proposta para o sofrimento individual ignorar as causas de conflito individual e social, é pouco provável que resulte por muito tempo (…) é a informação associada à dor que nos desvia do perigo iminente (…). É difícil imaginar que os indivíduos e as sociedades que se regem pela busca do prazer, tanto ou mais do que pela fuga à dor, consigam sobreviver. Alguns dos desenvolvimentos sociais contemporâneos em culturas cada vez mais hedonistas conferem plausibilidade a esta ideia". (p. 270) Portanto, o desvio para a negatividade dos news media poderia corresponder a um instinto de sobrevivência. Neste sentido escreve também o psicólogo de Harvard Daniel Goleman (1995), em Emotional Intelligence: "Pensamos que a inteligência é a razão e acreditamos que agimos sempre com lógica, mas é um erro. Aquilo que nos move é o afecto, a decisão vem do sentimento, mesmo quando estamos convencidos do contrário" (Citado por Laurinda Alves (1996, 3 de Fevereiro) — "QE é que é", 25.)
(259) Michael W. Singletary e Chris Lamb (1984) — "News values in award-winning photos", 107.
(260) Evelyne J. Dyck e Gary Coldevin (1992) — "Using positive vs. negative photographs for Third World fund rising", 577. Este estudo, porém, baseava-se numa amostra não representativa da generalidade da população (canadiana).
(261) James S. Fosdick (1966) — "Picture Content and Source in Four Daily Newspapers".
(262) Malcolm Fleming e Howard Levie (1978) — Instructional Message Design: Principles from the Behavioural Sciences, 249.
(263) Kuo-jen Tsang (1986) — "News photos in Time and Newsweek" Roy E. Blackwood, no artigo de 1987 "International news photos in U.S. and Canadian papers", em que analisou as fotografias publicadas
nos jornais New York Times, Toronto Star, Minneapolis Star and Tribune e Winnipeg Free Press, chegou também à conclusão de que os jornais canadianos davam maior atenção aos acontecimentos de carácter internacional ou estrangeiro do que os jornais americanos.
(264) Kuo-jen Tsang (1986) — "News photos in Time and Newsweek"
(265) Michael Singletary e Chris Lamb (1984) — "News values in award-winning photos", 106.
(266) Michael Singletary e Chris Lamb (1984) — "News values in award-winning photos", 106.
(267) Karen Slattery e Jim Fosdick (1979) — "Professionalism in Photojournalism: A Female-Male Comparision".
(268) Wilbur Schramm (1949) — "The nature of news". Schramm fala da recompensa imeditata quando se refere a notícias de crime, corrupção, violência, acidentes, desastres, eventos sociais e interesse humano. Tal pressuporia uma rápida gratificação do receptor mas um menor valor durável. A recompensa mediata adviria das notícias sobre educação, actividades públicas, ciência, saúde, ambiente e problemas sociais, que talvez não ofereçam uma gratificação rápida mas que podem possuir um valor manifesto susceptível de dar reompensas ulteriores.
(269) Michael Singletary e Chris Lamb (1984) — "News values in award-winning photos", 105.
(270) Michael Singletary e Chris Lamb (1984) — "News values in award-winning photos", 105.
(271) Michael Singletary e Chris Lamb (1984) — "News values in award-winning photos", 106-108.
(272) Ver Michael Singletary e Chris Lamb (1984) — "News values in award-winning photos", 108.
(273) Michael Singletary e Chris Lamb (1984) — "News values in award-winning photos", 108.
(274) Stephen T. Plunkett (1975) — Sensationalism in Pulitzer Prize Winning Photographs: A Cluster Analysis.
(275) Jorge Pedro Sousa (1986) — "News values nas 'fotos do ano' do World Press Photo: 1956-1996".
(276) Michael Griffin e Jongsoo Lee (1996) — "Picturing the Gulf War: Constructing an image of war in Time, Newsweek, and U.S. News & World Report".
(277) Podemos definir "estereótipo" como uma imagem mental estandardizada que representa uma opinião simplificadora mais forte do que a razão. Por vezes, porém, os estereótipos ajudam-nos a compreender o real (ou a pensar que o compreendemos).
(278) Verdelle Lambert (1964) — "Negro exposure in Look's editorial content".
(279) Carolyn Martindale (1986) — The White Press and Black America.
(280) Alice Sentman (1983) — "Black and white: Disparity in coverage by Life magazine from 1937 to 1972".
(281) Paul Lester e Ron Smith (1990) — "African-american photo coverage in Life, Newsweek and Time, 1937-1988".
(282) Paul Martin Lester (1994) — "African-american photo coverage in four U.S. newspapers, 1937-1990", 381.
(283) Paul Lester e Ron Smith (1990) — "African-american photo coverage in Life, Newsweek and Time, 1937-1988".
(284) Paul Lester e Ron Smith (1990) — "African-american photo coverage in Life, Newsweek and Time, 1937-1988".
(285) Paul Lester e Ron Smith (1990) — "African-american photo coverage in Life, Newsweek and Time, 1937-1988".
(286) Paul Martin Lester (1994) — "African-american photo coverage in four U.S. newspapers, 1937-1990", 380.
(287) Sobre os aspectos específicos da cobertura fotojornalística da Guerra do Golfo consultar Michael Griffin e Jongsoo Lee (1996) — "Picturing the Gulf War: Constructing an image of war in Time, Newsweek, and U.S. News & World Report". Sobre os debates epistemológicos em curso que se prendem com a questão da confiança nos "registos" fotojornalísticos podem consultar-se os seguintes artigos: Dona Schwartz (1992) — "To tell the truth: Codes of objectivity in photojournalism"; Kent Brecheen-Kirkton (1991, Winter) — "Visual silences: How photojournalism covers reality with the facts"; e Jisuk Woo (1994, Summer) — "Journalism objectivity in news magazine photography". A relevância da literacidade visual para uma correcta leitura da imagem é visível em: Paul Messaris (1994) — Visual Literacy: Image, Mind and Reality.
(288) Susan H. Miller (1975) — "The content of news photos: Women's and men's roles".
(289) Roy E. Blackwood (1983) — "The content of news photos: roles portrayed by men and women".
(290) D. K. Dodd et al. (1989) — "Face-ism and facial expressions of women in magazine photos". O termo "face-ism" foi proposto por Archer, Kimes e Barrios para descrever a tendência para as fotografias e desenhos enfatizarem os rostos dos homens e os corpos das mulheres como parte do processo de reconhecimento [Dana Archer, Debra D. Kimes e Michael Barrios (1978) — "Face-ism".]
R. C. Adams, Gary A. Copeland, Marjorie J. Fish e Melissa Hughes (1980), em "The effect of framing on selection of photographs of men and women", após mostrarem a 40 pessoas fotografias de candidatos a cargos políticos, concluiram que os grandes planos dos homens e os planos médios das mulheres a partir da linha do busto, da cintura ou ligeiramente acima dos joelhos ("plano americano") eram preferidos pelo público. Os autores julgam que o fenómeno poderá estar relacionado com propostas da psicologia contemporânea, segundo as quais os papéis sexuais seriam apreendidos a partir das distinções arquetipais entre as pessoas. Os papéis sexuais seriam assim aprendidos concomitantemente com a aprendizagem de percepções pessoais distintas em função do sexo, no seio de uma determinada cultura.
McCain, Divers et al. observaram, por seu lado, uma interacção significativa entre o sexo e o plano da fotografia, com os homens a serem percebidos como mais dinâmicos (uma das dimensões da credibilidade) em grandes planos e planos médios, enquanto as mulheres eram percebidas como mais dinâmicas (e, consequentemente, mais credíveis) em planos de conjunto ou planos gerais (planos de corpo-inteiro). Os autores também concluiram que quanto mais esguio fosse um corpo mais favorável seria a recepção. [Thomas A. McCain, Lawrence Divers et al. (1973) — "The effects of body type and camera shots on interpersonal attraction and source credibility". ]
(291) D. K. Dodd et al. (1989) — "Face-ism and facial expressions of women in magazine photos".
(292) G. Daddario (1992) — "Swimming against the tide: Sports Illustrated's imagery of female athletes in a swimsuit world". Women's Studies in Communication, vol. 15, nº 1, 49-64.
(293) Sharon Bramlett-Solomon e Vanessa Wilson (1989) — "Images of the eldery in Life and Ebony, 1978-1987".
(294) Sharon Bramlett-Solomon e Vanessa Wilson (1989) — "Images of the eldery in Life and Ebony, 1978-1987".
(295) Sharon Bramlett-Solomon e Vanessa Wilson (1989) — "Images of the eldery in Life and Ebony, 1978-1987".
(296) Larry Z. Leslie (1986) — "Newspaper photo coverage of censure of McCarthy".
(297) Sandra E. Moriarty e Gina M. Garramone (1986) — "A study of newsmagazine photographs of the 1984 presidential campaign".
(298) Sandra E. Moriarty e Gina M. Garramone (1986) — "A study of newsmagazine photographs of the 1984 presidential campaign", 734.
(299) Rodger Streitmatter (1988) — "The rise and triunph of the White House photo opportunity".
(300) Michael W. Singletary (1978) — "Newspaper photographs: A content analysis, 1936-76", 587. Ver também o capítulo 2 sobre história do fotojornalismo para associação dos factos verificados à evolução da actividade.
(301) Michael W. Singletary (1978) — "Newspaper photographs: A content analysis, 1936-76", 587-588.
(302) Michael W. Singletary (1978) — "Newspaper photographs: A content analysis, 1936-76", 587.
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notícias são como são, conforme se encontra expresso em: Michael Schudson (1988) — "Por que é que as notícias são como são?".
(322) Esta afirmação é sustentada pelas pesquisas de um professor da Universidade Fernando Pessoa, Ricardo Jorge Pinto. Para ele, de um paradigma descritivo de jornalismo estaria a passar-se para um modelo analítico, por influência da televisão. Assim, se de 1945 aos finais dos anos oitenta se procurava descrever o discurso jornalístico como tendencialmente neutro, objectivo, imparcial, etc, assente nos géneros eminentemente informativos (notícia, reportagem, entrevista), a partir do início dos anos 90 transita-se para um modelo analítico, em que o jornalista assume a análise (mais do que a opinião). O jornalista passa a preocupar-se com a explicação dos acontecimentos, e não unicamente com o seu relato "factual". Rejeita-se a objectividade, classificada como meta ideal ou até perfeito absurdo, e assume-se a honestidade como o valor fundamental do jornalismo. Além disso, as personagens, incluindo o "homem-comum" (atente-se, por exemplo, na programação televisiva que valoriza a realidade espectacular ou fomenta a espectacularização da realidade, como os reality shows), tornam-se um aspecto central, quase tão central como a informação. Daí a revalorização da entrevista no modelo analítico do jornalismo — ela deixa de ser um meio para tornar-se num fim em si mesma. No
mesmo sentido de Ricardo Pinto, sustentam John Nerone e Kevin Barnhurst (1995), no artigo "Visual mapping and Cultural authority: Design changes in U.S. newspapers, 1920 - 1940", 40: "The modern reporter —the professional journalist— is an identifiable expert and an author. The expert-author explains the news, whereas the old reporter reported it. The virtue of the professional journalist is expertise and discernment, finding the timeless moral of the historical significance of a rush of events; whereas the virtue of the old reporter was in showing that rush, which seems urgent and compelling of itself. One finds sense and historical drama where the other finds profusion and amazement. An inexact measure of these differing journalisms is the use of bylines and signatures, design elements (...). Bylines illustrate in microcosm the way that social control gets mapped in the physical form of newspapers." (Tradução livre: "O repórter moderno —o jornalista profissional— é um especialista e um autor. O especialista-autor explica as notícias, enquanto o antigo repórter as reportava. A virtude do jornalista profissional revela-se no seu discernimento e nos seus conhecimentos de especialista ao ser capaz de encontrar a moral eterna da significância histórica entre um enorme afluxo de eventos, enquanto a virtude do velho repórter estava em mostrar esse fluxo de eventos, que pareciam todos urgentes. Um encontra sentido e drama histórico onde o outro encontra profusão e estupefacção. Uma medida inexacta destes diferentes jornalismos é o uso de assinaturas como elemento de design. (…) As assinaturas ilustram num microcosmos a forma como o controle social é cartografado nos jornais.")
(323) Porém, por exemplo ao nível da Agência Lusa, ao contrário do que ocorre em agências fotográficas como a Magnum, não nos parece que os repórteres fotográficos defendam ou mesmo pretendam um controle directo sobre a utilização das imagens que obtêm. Já a omissão do nome do fotógrafo pelos órgãos de comunicação social que usam as imagens colide frontalmente com as perspectivas dos fotojornalistas sobre o trabalho que efectuam. Aliás, é sempre de colocar a hipótese de o anonimato do fotógrafo afectar negativamente o trabalho produzido, embora tal seja contrabalançado pelo profissionalismo (ideológico). Ver: Jorge Pedro Sousa (1997) — Fotojornalismo Performativo — O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa de Informação (tese de doutoramento).
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FONTES TELEVISIVAS
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[documentário televisivo]. London: BBC TV.