13

010 - Tû-Tû (Alf Ross)

Embed Size (px)

Citation preview

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 1/25

 

ALFRossEditora Gnarlier Latin do Brasil

Rua Santo Amaro, 349 - Centro - Sao Paulo

Ph . D . ( L ·p p ., u{ u ), Jur. D. (Copenhugue) . Jur . D. (Oslo)

P ro fe ss or d e D i re it o nu L 'n iL 'e rs id ud e d e Copenhague Editor: Virricius Vieira

F orm ado em A drn inistracao de Em presas pela

Fundacao Cetul io Vargas ~ FG\'-SP

Editora de Texto: Priscila Tanaca

Mestr anda em Dir ei to pel a p c c- sP .

T u - T u

. '

Producao Editorial: Monica A. Guedes

Formada em Letras pe:a FFLCH·lSP

Arte: \\'Ildiney Di Masi

D es ig ne r G ra fi co p el a Fat. O sw al d» C ru z

Revisao: Douglas Dias Fer-reir-a

Prefacio de

Professor . · L<;s o c iado da

F ac ti/da de de D ire tto du l:SP

R os s, A lf

T u - T u . P re fa ci o: A la or C a r r e Alves

-Sao P au lo : Q u ar tie r L at in .:! .O (J 4

Faculdade de Filosofia, Letros e Cieneias Humcmas - L'SP

Tradutor da obra "Diretto e Justica" de A0' RossI. filo sofia do D ireito L T iru lo.

Alaor Caffe Alves

Traducao de

Edson L. j ' . 1 . BiniBibliografia

i~dice para catalogo sistematico:

1. Filosofia do Direito

Editora Quartier Latin do Brasil

Sao Paulo, outono de 2004

[email protected] Contato: [email protected]

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 2/25

 

T u - T u

"TCr:.Tu" e uma pequena obra do jusfi-

16sofo dinarnarques Alf Ross (1899-1979),

mas com urn grande significado para osestudiosos do Direito. Na linha do posi-

tivisrno juridico, de carater realista e anti-

metafisico, Alf Ross tece uma caustica

critica avisao classica do direito subjetivo,

repudiando .s~u. carater jusnaturalista e. . " '" ' :.. . ., ~ , . ..

.metafisico-substancialista, precisamente

na esteira ~e seu trabalho paradigrnatico

"Direito e Justica". 0 autordiscute 0 ceme

da questao com graca picaresca, com hu-

mor efantasia; dando-nos, em poucas pagi- .

'. nas.numa sintese magistral, uma profunda

visao do direito subjetivo sem rnistificacoes,

7

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 3/25

 

AlfRoss Tu-Til

calcado numa analise da linguagem de for-

te sabor neopositivista. Com a misteriosa

expressao "tu-tu", Alf Ross explica com es-

; pirito cornice 0 uso similar na linguagem

juridica das palavras "propriedade", "ere-

dito" e outras (expressoes designativas de

direitos subjetivos), mostrando como pro-

curarnos operacionalizar, com certa maes-

r n a e econornia de esforco, 0 discurso do

direito, rnanipulando de forma tecnica pa-. ., .

Mediante esta atenta e inteligente analise

lingiiistica para esclarecer e explicitar as

sentidos do discurso juridico, a critica,

contribui para desfazer as ideologias que

falseiam a realidade social e juridica em

nome de interesses ocultos e inconfessa-

veis E mais uma pequena peca que a

Quartier Latin apresenta na gigantesca

luta pela maturidade e ernancipacao do

pensamento juridicoem nossasofrida terra.

Iavras sem significado, sern : referencia

semantics alguma. Por isto, ele conc1ui,

por exemplo, que a propriedade, inserida

entre as fates condicionantes e as conse-

qiiencias condicionadas, e , na realidade,

uma palavra sern referenda sernantica ,

que serve somente comb ferramenta de

apresentacao do direito.

Nesse sentido, 0 leiter tern nas maos

urn precioso segmento da teoria do direito,

de extremo valor para diluir as obscurida-

des e as mistificacoes da linguagemjuridica.

Sao Paulo, marco de 200.4·

ALA.OR CAFFE AlVES

. Pro fe sso r A sso cia ao d a

Faculdade de D ireito da U SP

8 9

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 4/25

Tu-Tu

AlfRoss

"T r- : t A"u- U

Kas Ilhas Oasuli, no Pacifico SuI, ha-

bita a tribo Aisat-naf, consideradapor t?-

dos como urn dos povos mais primitivoshoje existentes nomundo. Sua civilizacao

foi recenternente descrita pelo antrop61o-

go Ilirio ~1eugnin, de cujo relato' foi extrai-

. do 0 que se segue.

Essa tribo, de acordo com Meugnin,

acredita que se urn determinado tabu e vio-

lado ~ por exemplo, se um homem encon-

tra-se com sua sogra, ou se mata urn animal

toternico, ou se alguern ingere alirnento

1 ;deugnin, A forma de vida dos Aisat-naf,

Estudos do tabu e "tii-tii" (1950).

13

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 5/25

Alf Ross Tu-Tu

preparado pelo chefe - surge 0 que e deno-

min ado "tu-t u " ,:O s mem bros da tribo di -

ze rn , ade rna is , que quem comete a infracao

seinveste de "tii-tfi". E muito dificilexpli-

car 0que significa isso. Talvez ? mais pr6-

ximo de uma expl icacao sejadizer que

"tu-tu" e concebido como uma especie de

fo rca o u estigma perigoso que recai sobre 0

, culprd? e arneaca toda a comunidade com

o desastre. Par' esse, motive, uma pessoa

que esteja "tu-tu" tern que ser submetida a

'uma cerimonia especialde purificacao.

E obvio que a tribo A is at-n af v iv e na

mais obscura supersticao. "Til-ill" nao e

nada,sup6e-se, ou uma palavra desprovi-

da de qualquer significado. ksituacoes

anteriormente mencionadas de violacao

dotabu decerto dao origem a diversos efei- ,

t05 naturais, tais como 0 sentimento de

terror.iporem, evidenternente, nao sao es-

ses fenornenos.nemalgum outro demons-

travel, 0 que se design a com a expressao

'·"'tu-tu". 0 discurso ace r ca de "tu-tu" epu- ,

ramente destituido de sentido

, Todavia, 0 quee notavel, conforme

, 0 relato de Meugnin, e que pareceque essa

palavra,:adespeito desua carencia de sig- ,

" nificado; possuiurna funcao.a ser cumpri-

'da na l inguagern cotidiana do, povo . O s

enunciados queincluem a palavra "tu-tu"

se afiguram capazes de preencher as duas '

'principais funcoes de toda Tinguagem:

prescrever e descrever, em , para ser mais

explicito, expressar ordens ou regras e fa-

zer afirrnacoes sobre fatos".

Se digo, em tres idiomas diferentes,

"rneu pal morreu", "Mein Vater ist gestor-

ben" e "Mon pere est mort", ternos tres

" frases d ife re nte s, m as uma u nic a a fir rn a-

cao. Apesar de suas diferentes forrnas lin-

giiisticas, as tres frases referern-se a urn

2 Sobre a diferenca entre a linguagem prescri-:

tiva e a descritiva; ver Hare, The language,

cf Morals (1952),- .: ._ ~ .

, 14 15

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 6/25

Til-TV.AljRoss

unico e mesmo estado de coisas (0 fato d~

que meu pai morreu), e este.estado de coi-'" '

sas e afirmado como existente ria realidade,diferenternente dealgo rnerarnente imagi-

nado. 0 estado de coisas ao qual uma frase

se refere chama-s~~"re'feren~i~:~'emantita"':

Pode ser '._efinido, com rnaior pr~~isa~:

como 0 estado de coisasque se relaciona

de tal modo cO,in a afirmacao q~e, se SUPU-

sermos que 0 prirneiro.efetivameriteexiste,entao consideraremos ser verdadeira a se-,

,gunda. A referencia semantics de lima pro-

posicao -dep~ndeni -dos liSOS.lirrgiiisticos

que prevalecem nacomunidaJe'~ De acor-

do com esses usos, urn deterrninado esta-

do de coisas e 0 estirnulo paradizer "rneu

pai mOlTeu": Tal estado de cois~s constitui

a referericia sernantica do enunciado e

pode ser estabelecido com total indepen-

dencia de qualquer ideia que se possa ter

sobre a morte~ por exernplo, que ao se

produzir esta, a alma se separa do corpo.

Por outro lado, se digo ao rneu filho

"Fech~ a porta", esta frase nao e , claramen-

te, a ex-pressacLde urna afirmac;ao."Faz; e

verdade referencia a urn estado de'toisas,• J '

porem,de uma maneira totalmente qiferen-

te Esse estado decoisas,(o fatQ,d_e_1.lu~Y.A-,• • J • ' , • _ . ~~_ • • i

porta, seja fechada) na o e indi~ad(} como

algo que efetivamente exista, mas s imples-

mente e apresentado como uma :?ir~bj"2:

para a conduta demeu filho. Diz-se que tais

declarac;6es sao a ex-pressao de uma pres-

cncao.

Conforme 0 que nos diz :Meugnin, na

comunidade Aisat-nat sao' empregados,

entre outros, os seguintes enunciados:

, (1) Se uma pessoa ingeriu aliment»

do chefe, entao esta "til-til".

(2) Se uma pessoa esta "tu-tu",

dsvcra ser submetida a uma ce-

rimonia de purificaGao.

1617 , '

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 7/25

Al f Ross TV.-Til

Ora, e patente que com total indepen-

dencia do que represente "tu-tuiouain-

da que nao represente absolutarnente

nada, esses dois enunciados, qua~d~ se

ajustam a s regras usuais da logica, expri-

men~ exatamente 0mesmo que 0 scguinte

enunciado:

(3) Se uma pessoa ingeriu ali-

mento do chefe, dever a ser sub-

metida a uma cerimonia de

purificacao.

represente Y , ou mesmo quando nao re-

presente absolutamcnte nada:

Ainda que a palavra "til-til" em si rnes-

' r n a ' · careca de qualquer significacao, os

enunciados nos quais aparece nao sao for-

rnulados casualmente. C6fuo outros enun-

ciados de afirrnacao, s a o prornovidos, em

conformidade com os costumes Iingiiisti-

cb s pred?minantes, por estados de coisas

perfeitarnente definidos. Isso. explica por

que enunciados que incluema.palavra 'tu-

tu" possuem referenciasernantica, ainda

.que a palavra carecade sentido. 0 enun-

ciado afirrnativo '"N.N. esta tu-tu" da-se

claramente em conexao sernantica defi-

nida com uma situacao complexa, em que

podern distinguir-se duas partes:

Esta proposicao e notoriarnente urn

enunciado prescritivo, cheio de significa-

do, sern 0 menor indicio de misticisrno, 0

resuItado nao e de surpreender, pois se

devesimplesmente i!9fato de que estarnos• : . • - -

usando aqui uma tecnica de expressao do

mesmo tipo que esta: "Quando X e igual a

Y eY igual a Z , entaoxs igual a Z", propo-sicao que e valida nao importando 0 que

(1) 0estado de coisas que consis-

te ern queN_N. tenha ingerido ali-

mento do chefe - au matadourn "

animal totemico, au encontrado

18 lQ

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 8/25

AlfRoss "Tu-Tu

com sua sogra etc. - doravante

sera charnado por nos de "Fato I".

tribo Aisat-naf nao estejarn conscientes

disso, e que, ao contrario.iern sua imagi-

.nacao supersticiosa atribuam ao er:.uncia-

do ""~"resencade uma .forca perigosa, 0

"que'c'dnstitui urri~referencia difer~nt~da

-.quetern na;~~lid~'d~.-f;so, 'c~~t~"d~,nao. " . ' . ' .. ,."_ . _ - ~f';· ',,','.

exc1~i ~ possibilidadede se discutirracio-

"' nalmente se uma pessoaem dadascircuns-

tancias estareai~ente·i't~~tU". 0 raciocinio, .-

portanto, \is~ a verifi~arse a pessoa e~

questao cometeu ~madas transg~:ess6es

relevantes ao tabu e se, conseqiientemente,

a norma da purificacao Ihe e aplicavel,

A afirmacao de q u e N.N', esta.;"til-tU".• , . .t-:

(2) 0 estado de coisas que con-

siste em que a norma valida que

obrigaa cerimonia d e puri'flcac;aO','_ . ' ...

seja aplicavel aN.1'\,- au, e,xpres-. . . . . . .

so co m mais precisao:'O""es't~dci'de

coisas que consiste ernque; caso "

N.N, nao sesubmeta it cerirh6"ni~, "

estara, muito provavelments, ex-

posto a uma dada reacao por par':'

te da cdm~~rdade -doravante. "

chamaremos de "Fato 2".'

Dada a existencia destesdois estados

de coisas, 0 enunciado de que:N.N. esta

"tu-tu" e ~onsjderado verdadeiro. Dessa

forma, a cornbinacan dos do i s estados e ,

e m virtude da definicao, a referencia se-

mantica do enunciado. E algo completa-

mente alheio 0 fato de que os membros da

pode, portanto, ser verificada provando a

exi~teDcia do primeiro estado de coisas ou

do segundo; .nao importa qual, pois se-

gundo a ideologiaem vigor na tribe, estes

do i s estados de coisas estao sempre liga-

dos um ao outro. E, assim, igualmente

correto dizer: "N.N; esta [hi-til' porque in-

geriu alimento do chefe (e par isso te-m

20 01

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 9/25

jUj U

que ser submetido a uma purificacao ri-

tual)" , au: " N.N . esta 'tu-tu' porque Ihe e

aplicavel a norma de purificacao (par ter

ingerido alimento do chefe)". Este ultimo

nao elim ina a possib ilidade de dizer tam-

bern, ao mesmo tempo: "A norma de puri-

ficacao e aplicavel a N.N. porque esta

'tu-tu' (porque comeu alimento do che-

fe)" . 0 c ir cu lo v ic io so que aparentemente

ocorre aqui e, na realidade, inexistente,

uma vez que apalavra "tu-tu" nao repr e-

senta nada e, afinal, nao ha relaeao causal

nem logica entre 0 suposto fenorneno "tu-

rn " e a explicacao da norma de purifica-

Gao.Na realidade, os tres juizos - tal como

se indica nos paragrafos entre parenteses

adicionais - expressarn unicamente, cad a

urn a .5.u(1man~tr@,.q\ l~ 2. pessoa que inge-

riu aliment~ do~hef~dev~ra submeter-se

a uma purificacao ritual.

o que aqui foi dito de modo' alginn

contradiz a afirmacao de que "tu-tu" e uma

palavra sem sentido. Somente ao JUlZO

"N.N. esta 'tu-tu:", tornado ern seu conjun-

to, pode-se atribuir referericia semantica.

Porern, nao se pode separar desta referen-

cia uma certa realidade ou qualidade que

possa ser atribuirlaa N.N. eque correspon-

da a palavra "tu-tu". A forma do j U l Z O nao

se a ju sta a o a lu did o pot ele, e essa falta de

ajuste e , sem duvida, conseqiiencia das" ",

crencas superstic:iosas da tribe..-,Portanto, qualquet tenlativa de atri-

buir a palavra "tu-tu" uma referencia se-

mantica )ndependente em proposicoes,

como as que se seguern, esta fadada ao fra-)_ ..

casso.

(1) S e uma pessoa ingeri u alirnen-

to dochefe, entao esta"tU-tU".

(2) Se uma pessoa esta "tu-tu"," .

devera ser submetida a urna ceri-

mania de purificacao,

?? 21

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 10/25

AljRossTil-Til

A tentativa pode obedecer aos 'seguin-

tes carninhos posshieis:

significar alga, ted, que significar a mes-

rna em ainbas.

(a) Na proposicao (I), substituir"tu-tu" par "Fato 2";ena propo-

. " ~ ' .'5iC;30 (2)substituir "tu-til" par

"Fato 1".

"

(b) Em arnbas as propostcoes,

subsntuir "tu-tu"por "Fato '1".

, ,

"_, Isto DaO funciona, ja que nes~:

caso a proposi~ao :"(1 ) torna-s~,

Cada urna adquirira entao urn signi-

ficado proprio'' Mas estasolut;a~ ~ inad-

missivel, porque 'as' duas proposicocs

constituern as premiss as mai~r e.menor

para a conclusao d~q~ue urna pessoa que. I·. ,.-' _ ,

mgenu alirnento do thefe deve s ~ r sub-

metida a uma cerimcnia de purificac;ao.

A palavra "tv-til", can5eqiientemente, se

~ ,".

analiticamente vazia e sem refe-

rencia sernantica alguma, uma

vez que seu sentido sera: "Quan-

do uma pessoa ingeriu alimento

do chefe, a estado de coisas que

existe e que, au ingeriu alimento

do chefe, ou matou um animal to-

temico.ou ...".

(c) Substituir "til-til ', ' por "Fato

2", em ambas as proposicces. Isto

tampouco funciona, porque neste

caso a proposicao (2) torna-se

analiticamente vazia, como pode

ser dernonstrado pela exata ana-

logia com 0 'paragrafo anterior.

3 A proposicao (1) significaria "Se u ma p esso a

comeu do alim ento do chefe, ou. .. , devers

ser sub metida a urna cerim onia de purifica-

c ao ", e a p ro po sir;a o (2) "Se u rn a p es so a co-

m eu do alim entodo chefe ... devera ser sub -

m erid a a u rn a c erirn on ia d e p urifica cao ".

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 11/25

A/f Ross T t - T u

Meugnin rnencioria urn missionario

sueeo que trabalhou durante rnuitos anos

na tribo Aisat-naf, ernpenhando-se em

consegnir que os natives entendessem que

"tu-tu" nao significa nada, e qu e erer que

adquire realidade a1go rnistico e indeter-

rninavel, porque UTI1 hornem se encontra

corn a sogra, constitui urna abominavel.. .

supersticao paga. Nisto, dado urn desconto ,

Certamente seria possivel omitir corn-

pletam.ente essa palavra sern scntido, e

em lugar da circunlocuc;·ao:

(1 ) Aquele que mata urn animal to-

ternico torna-se "tu-tu",

o born homern tinha toda a razao. Foi, to-

davia, urn excesso de zelo de sua parte

qualificar de pecador pagao todo aquele

que prosseguisse usando a palavra "til-

tu". Ao faze-Io, 0 missioriario esqueceu 0

que foi dernonstrado, isto e, que indepen-

dentementedo fato de a palavra carecer

em si de referenda sernantica e, in de-

peridentemente das ideiasde forcas mis-

ticas coriectadasa palavra, os enunciados

nos quais ela aparece podem atuar, contu-

do, efetivamente como express6es pres-

critivas e descritivas.

.(2) Quem esta "tu-tu" devera sub-

meier-se a uma cerimonia de pu-

rificacao, .

empregar a enunciaQao direta:·

(3) .Aqueleque rnata urnanimal tote-

mico devera submeter-se a uma ce-

rirnoniade purificacao ....

.;'.,

Poperiamos nos perguntar, afinal, se

DaO seria vantajoso seguir essa linha, uma

vez q~~·observamos que "tu-tu" nao passa~ .

de uma ilusao. Entretanto, como tratarei de

demoristrar na seqliencia, esse nao e 0 caso.

2627

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 12/25

AIjROS$

Pelo contrario, s6lidasraz6es, fundamenta-

das na tecnica de forrnulacao, podern ser

aduzidas para prosseguircom 0 ernprego

da estrutura "tu-tu". Mas, ainda que a for-

rnulacao "tu-tu" ofereca cert~ vantagens

do ponto de vista da tecnica, eforcoso ad-, .:> .-'

rnitir que, em certos casos, podeconduzir a, .

resultadosirracionais se, contra urn melhor. . . . ~ .

juizo, permite-se que exerc;a influenc'ia a'

ideia de que " t l T · - t i l " e uma realidide. Se esse

fosse 0 caso, seria tarefa da critiea demons-

trar 0 erro e libertar nosso pensamento da

impureza 'de taisideias irnaginiuias. Entre-• !~.

. tanto, ainda assirn nao haveria.~§z6es para

abandonar a tenninologia " t U - r u ' : '

Contudo, tal_veZtenha chegadn 0 mo-

mento de deixar de lado 'toda dissimula-

c;aoe admitir abertament~ 0 queo leitor ja. .

deve ter descoberto, a saber, que essa ale-

goria refere-s~ a n6s. Trata-se da discus-

sao sabre 0 usa de express6es tais como

"direito subjetivo" e"dever;', enfocadas de

28

Tu-Tu

urn novo angulo." Porque nossas normas

juridicas estao, em g~andernedida, cunha-

das numa terminologia de tipo "til-til".

4 o"rnissionario sueco.da fabu1a"alude ao fa-

lecido professor A.V.Lundstedt. Ao longo de ' .

toda sua obra (Die: Unwissenschojt li chkeit

de r Rechtswissenschqft ,1932), este autor fri-

" 'sou que a unica realidade demonstravel nas

chamadas situacoes de' direito subjetivo coo-

si~tena funcao do mecanisme do direito. Sob

determinadas condicoes, urnapessoa pode,em conformi·dade.ccim 0 direito vigente, ins-

tituir procedimentos e, assim, mobilizar 0

mecanismo do direito, resultando ser 0 poder

publico exercido em seu beneficio. Pode-obter

uma sentenca 'esua execucao por meios com-

pulsorios, criarido paras: urna posicao vanta-

josa, uma possib i l idade de acao, umbeneficio

, e c onomico , E isso e tude. Ate aqui, e possivel; concordar facilmente com 0 autor. Mas de-

pois, em lugar de :prosseguir perguntando

qual e a caracteristica das situacoes designa-

das como direito subjetivo, e de que maneira

o conceito de direito subjetivo pode ser ana-

lisado e utilizado como um instrumento para

a descricao.de tcis situacoes, Lundstedt rea

liza urn giro peculiar em sua analise critica,

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 13/25

Alj Ross Tu-T(_,

(1) Caso se conceda urn ernpres-

timo, e gerado um credito.

U'credito mencioriado em (1) e (2),

porern nao em (3), como ;;tfr-tu", obvia-

'" f0ente nao e uma coisa real: nao e abso-

lutarnente nada, e simplesmente uma

palavra.iuma palavra v~zia e desprovida

de qualquer referenda sernantica. Do

mesmo m o d o , ' nossa afirmacao de que

quem toma 0 ernprestirno torna-se obri-

, gada corresponds a afirrnacao da alegori-

Na linguagem juridica encontramos,

por exemplo, frases como:

(2) Se existe urn credito, sua soma

.l. total deve ser paga no dia do ven-

cimento.

o que e apenas uma maneira in-

direta de dizer.

(3) Caso se conceda urn ernpres-

timo, sua soma total deve ser paga

,nodia do venc:imento., '

ca triboide que a pessoa. que mata urn

animal totemico se torna"~tu-tu'·.

Nos tambern, portanto, expressamo-

nos corno se algo houvesse c~brado exis-

tencia entre 0 fato condicioriante (fato

juridico) e a conseqiiencia juridica condi-

cionada.rlisse algo e urn credito, urn di-

.reito subjetivo que, tal como urn agente

interrnediario au urn elo causal, provoca

umefeifo au' farnece a base para uma

conseqiiencia juridica. Nao podernos ne-

gar, totalmente, que para n6sessa termi-

nologia esta associada a ideia mais ou

dizendo que os direitossubjetivos nao exis-

tern e que seja quem for que utilize esta ex-' ' ' ' ' p ' r e s s a d ' e T $ t a · x d f i 2 ~ ~ ~ a oolicesacerca de algo

que nao existe. Urn ponto devista semelhante

foi sustentado porLeon Duguit (Traite de

Droit Constitutionnel, 3. ed., 1927) e, antes,

por Jeremy Bentham (The Limits of Juris-

prudence Defined, p. 57~88,1945)·

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 14/25

Alf Ross tt-r«

menos indefinida de que urn direito sub-

jetivo e urn poderde natureza incorpo-'" . .

nossacjvilizacao." Mas, por tras de admi-,

.• • i •

tir tars coisas, temos sernpre que nos per-

guntar se e possivel aduzir fundamentos.. ,

ea, uma especie de dominic interno e

I invisivel sobreo objeto do direito subje-

tivo, um poder que sornente se exterio-

. rizano exercieio d,? forca .(sentepGa e

execucao), ~ediante 0 qual o uso e gozo

fatico e. aparente do direito subjetivo. . .~. " -., . ; - ..

solidos, racioriais, a favor da apresentacao

"tu-tu" das regras juridicas, uma forma de

.circunlocucao na qual entre 0 fato juridico. , ... . :. ~. ~: ~"" " - : , : , . . . .

. . -norrzacao.

Dessa maneira - e.preciso.adrniti-lo >,

nossa terminologia e nossas ..deias apre-

sentam uma- 'consideravel"semelhanc;:a

estrutural com 0 p~nsamento'magicopri-.

rnitivo, com respeito a invocacao de po-

tericias sobrenaturais, as quais, por sua

vez, sao convertidas em efeitos faticos,

Nao podemos descartar a possibilidade de

que tal semelhanca esteja enraizada numa

tradicao que, ligada a Iinguagem e ao po-

. der que esta. tern sobre 0 pensamento,

constitui um Ve1ho legado da infancia de

e a conseqiiencia juridica introduzem-se .

direitos subjetivos imaginaries. Se essa

pergunta for respondida afirmativamcnte,

sed. preciso eliminar a proibicao da men-

Qaode direitos-Creio que esse eo caso, e

tomarei como ponto de partida 0 conceito

de propriedade.

ocorre sem corifundir-se com essa exte-

5 Axel Hagestrorn expos argumentos de peso

;em apoio a origem magica das concepcoes

"juridicas romanas. I-Eigestrom, per Ro-

mische Obligationsbegrifi (1927). Investi-

gacoes rnodernas, em sociologia e hist6ria

da religiao, tarnbern apontam no mesmo

seritido. Ver Ross, Tousards a Realistic Ju-

risprudence, 214/44 (1946); Max Weber on

Law in Economy and Society, 106 (Ed.

"Rheinstein" 1954).

32 33

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 15/25

A ~ f R os s Tu-Tu

As normas juridicas que dizern respei-

to a propriedade podem, sem duvida, ser

expressas sem necessidade de empregar

essa palavra. Em tal caso se haveria de for-

mular urn grande numero de normas, que

ligam diretamente as conseqiiencias juri-

dicas individuais com os fatos juridicos

individuals. Por exemplo:

Se uma pessoa adquiriu licitamente

uma coisa mediante compra, devera ser

acolhida aa

< ; 3 . 0 que, para obtencao de sua

entrega, essa pessoa instaure contra G U -

tros que a retern em seu poder.

Se uma pessoa herdou uma coisa, de-

vera ser acolhida a acao por perdas e da-, \

nos que essa pessoa mova contra outros

que, por negligencia, causararn danos a '

coisa.

Se uma pessoa queadquiriu uma

coisa por prescricao obteve urn ernpres-

timo que nao fbi hnnrado em seu venci-

mento, devera ser acolhida a acao do

credor visando a cobranca do devedor

mediante avenda da coisa.

Se umapessoa ocupou uma res nullius

e a nega a outra, a demanda do Iegatario

devera ser acolhida contra asucessao db

testador para a entregada coisa.

Se uma pessoa adquiriu uma coisa

numa execucao, e urn outro dela se apodera,

este ultimo devera ser punido por roubo. I '

Uma versaodesse ripe seria, contudo,

tao ernbaracosa, que se tomariapratica-mente inutil, Cabe ao pensamento juridi-

co conceitualizar as normasde tal maneira

que estas sejarn reduzidasa uma ordem

sisternatica.e, por esse rneio, oferecer uma

versao do direito vigente que seja a mais

clara e c,onveniente possivel. Is50 pode ser

obtido Com 0 auxilio da tecnica de apre-

sentacao que se segue.

Observando urn grande nurnero de

normas juridicasdo tipo da? indicadas,

descobriremos que e possivel selecioriar .

'JA

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 16/25

AlfRoss

dentre elas urn certo grupo que pode ser

ordenado da seguinte maneira:

:F 2 ~ C 2

F2,- C 3

F3 - C1

F3 - C2

F3 - C3

Fp - C1

Fp - C2

Fp - C3

·conseqiiencias juridicas esta ligada a uma

. pluralidade disjuntiva de fatos condi-

cionantes. .

Estas regras juridicas individuais po-

dem·s;er expressas rnais simplesmentee sob

forma mais manejavelmediante a figura:

F1 - C1

I fl- C2

rr- Cn F2 - Cn F3 - Cn . Fp - Cn

h Cl

F 2 C2

F : 3 C3, pr--

o fato coridicionante Ei esta ligadol : -' "

Fp Cn., .

a consequencia.juridica C1, etc. Jsso signi-

fica que cada um dos fates deuma certa

totalidade de fates condiciona'ntes. (Fr -

Fp) esta ligado a cada uma dasconseqiien-. . '. ;:..

cias de urn certo grupo de conseqiiencias.

juridicus (Ci - Cn); ou que e verdade que

cada fato esta ligado ao mesmo grupo de

coriseqiiencias juridicas (C1 + C2 ... + Cn);

ou que uma pluralidade acumulativa de

' " P " (propriedade) representa. sim-

plesmente a Iigacao sistematica de que

tan'to F1 como F2, F3 .. ,Fp trazem dispos-

tos a tota1idadc da, conseqiiericiasjuridi-

cas C1, C2 ... Cn. Como tecnica de

apresentacao, issose expressa estabele-

cendo em uma serie de regras as fates que

"geram propriedade", e em outra serie, as

17

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 17/25

Alf Ross

(2) Se A e proprietario de urn ob- .

jeto, tern (entre outras coisas) 0

direito de obter sua entrega (C1).

E claro, contudo, que (1) + (2) e s6 uma

reformula<;ao de uma das normas pressu-

postas (Fi - C1), a saber, que a cornpra

como rata ccndicionante implica a possi-

bilidadede obter a entrega como conseqii-

encia juridica. A nocao de que entre a

compra e a possibilidade de obter a entre-

ga foi criado algo que pode ser chamado de

propriedade careee de sentido. Nada se cria

como resultado de que A eB troquem umas >

poucas frases interpretadasjuridicamente

como urn contrato decompta e venda.

Tudo 0 que oeorreu e que 0 juiz tornara

agora este fato em consideracao e senten-

ciara a favor do comprador emum julga-

. m e n t a para obter aentrega da coisa.

'. 0 que foi descrito aqui e urn simples.

exernplode reducao atraves da ra Z3 0 a uma

ordern sistematica. Compete a ciencia juri!

dica, em ultima instaricia, ernpreender esse

processo de simplificacao, mas essa tarefa

foi, em grande meclida, antecipada pelo

CCll1sequencias juridicas que a "proprieda-

dt''' comporta.

Disso resulta claro que a "proprieda-

de introduzida entre as fatos condicio-

nantes e as consequencias condicionadas

e. na realidade, urnapalavra sem sentido,

nrna palavra sem referencia semantica al-

:;UI11.a,que serve somente como urn ins-

trumento de apresentacao. Discursamos

como se a propriedade fosseurn.elo causal

ente Fe C, urn efeito ocasionado ou criado

por cada F, e que, por suavez, e a causa de

uma totalidade de conseqiiencias juridi-

~':1_:::. Dizernos, por exemplo, que:

(1 ) SeA cornprou licitamente ur n

objeto (F2), nasce para ele a pro-

priedade do objeto

.39

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 18/25

AlfRoss T u - T u

pensamento pre-eientifico. A nocao de cer-

tos direitos subjetivos assurniu forma Dum

periodo anterior da historia. E possivel,

certarriente, realizar uma simplificac;ao

sistematica de mais de uIi:1a maneira, e

1S50 explica po~ 'que as cat~~orias dos di-

"reltos mud~malgode urn sistema juridico

para outre, ainda que tal circunstancia

nao reflita nccessariamenteuma diferen-

ca correlati\ianodireito vigente ..._) ", .,-.

. .

A'mesma tecnica deapresentac;ao'.- . ._. .

ligadasao fato de que uma area tenha 0

carater deterrit6rio. Neste exemplo seria

tarnbernpossivel enunciar as relacoes ju-

riditas sern utilizar 0 conceito interpoladoI . .

de~"~emt6no", ainda que urn enunciado

ta l. fqsse . inegave lrnen te cornplicado.

A s vezes, 0 el o interrnediario nao e urn

direito subjetivo isolado, mas uma condi-

cao juridica cornplexa de direitos e deve-

res. Esse e 0 caso, por exernplo, quando,

no d{reito de familia se faz uma distincao

entre as condicoes para contrair matrimo-

nio e os efeitos juridicos do matrimonio;

quando no direito constitucional se faz

uma distincao entre aqu~sic;ao da naciona-

1id~de e os efeitos juridicos da nacionali-

dade, ou, no direito administrative, entre

a criacao do status de fu ncio nario s p ub li-

cos eseus efeitos juridicos. Nestas situa-

coes e em outras semelhantes, e usual. .

falar da criacao de urn status. Qualquer

que seja a construcao, a realidade que esta

pode ser utilizada, corn freqiiencia, sern a

ideia de urn dir~ito subjetivo interrnedia-

rio. N "q D'i;~ito'Internacion~l, par exem-

plo, unfa sene de regras pode cstabeleccr

qual ar~a pertence a urn' estado particular

como seu territ6rio. Que e,~s~.area.tenha 0

carater de "territ6rio" per s~ e destitu.ido

de seritido. Tal"caracterizaGao s6 tern

sentido quando tomada conjuntamente

com outro grupo de regras, que expres-

sem as consequencias juridicas que estao

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 19/25

A(fRoss TU-Tu

por tras del a , e , em cada caso, a mesm~: uma

tecnica quetern enorme importancia, se

pret~ndemos granjear 'cl:Fezae"prdem

nurna s e n e cornplicada d e regrasjuridicas.

: "Propriedade" ,"cr~cfito ~ e outraspa-

lavras, quando sao us~das na'linguagem,

juridjca, tern a' rnesm.a. funcao da p~la\Ta .

"tu-tu": sao palavras.sem significado, sern

'. referencia sernantica algurna, e s o servem~ "

cOIIlouma tecnica de apresentacao. Con-

tudo,e possive1 falar com sentido ace r cade direitos subjetivos, tanto na forma de

prescricoes como na de descricoes.

Com respeito as prescricoes, isso surge _

do anterior. As duas propos icoes-vUma

pessoa que cornprou uma coisa tern a pro-

priedade dela" e "Urna pessoaque tern a

propriedade de uma coisa pode obter que a

entreguem a ~la",t01TIadas conjuntamente,

dao' orig~_~':~';~~i;;'~-;~escriti~a com sentido .

de que u rna pe ss o a que comprou uma coisa

pode obter que a entreguem a si.

Com respeito as descriQiSes, 0 que

segue- ~\!aIidoem exata analogia com a" " " "

exposi5ao feita rnais acirna de jufzos

enunciativoS"tu-tu"j a afirmadio de

·~queA.~.itular da propriedade ·de urna .

coisa,. quando tornadaem Sua integri-

dade, tern referencia semanticaa situa-

.~ao cornplexa de que existe u r n daqueles

fates c9nsideradoscomoque concedem '

propri~dade', e de que _~ pode 0bter a

entrega, dacoisa, reclarnar par perdas edanos, '~tc.E, portan to~;'~possivel dizer

com igual correcao , 0 " "

A e : titular da propriedarl- da coisa

porque a comprou (e pode, consequenr-.

mente, 'obter ~ua entrega, reclamar per-

das, etc).

E,A e titular da propriedade da coisa

porque pode obter sua entrega, reclarnar

perdas, etc. (porque a cornprou)_

Esta ultima situa~ao nao impede que

.se possa tarnbern dizer: A pode obter a

42 43

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 20/25

AlfRoS5

entrega da coisa e reclamar perdas porque

tern a propriedade daquela(porque a

compr ou).

Tal como ocorria nas formulacoes "tu-

tu" correlativas, nao ha aqui circulo vicioso,

uma vez que :'propriedade" nada repre-. _ , . , t' "

tentativa de torna-la.rsejacornodesigna-

cao de umfat_ojuridico, seja de conseqiien-

cias juridicas-.ou dcambas- a s ' 'coisas ao.. "": .

mesmo tempo, o!lde qualqueroutra coisa,:; .

esta destinada aornalogro. Considerernos,

por exernplo, psegl1ihtes~lo_gismd':.. . " . :........ :. .',_.:- '. . . . _ ...

senta, em absolute, e nao existerelacao. . ~ .

'.-~.

existencia, Anders.Wedberg chegou a con-

clusoes sernelhantes a s minhas:'_causal ou logicaentre 0 SUP9st~fenomeno

da propriedade e as mencion~'das; conse-

.qiiencias juridicas. Os tresenurrciados -

como indicam ..osparenteses.adicionais

- cada urn a sua maneira; e}..'Pr~ssamuni-

camente que apessoa que comprou uma

coisa pode obtera entrega damesrna, re-

clamar perdas e danos, etc-

Por outro lado, e impossivel atribuir

uma referencia sernantica independente

a palavra "propriedade" nos .raciocinios

que operam com a palavra''. Qualquer

6 Nurn artigo aparecido poueo depois da pu-

blicacao original do presente texto, porern

evidentemente sem conheeimentode su a

., "

"Pede resultar",chqc~·pte.para.o ~:E:nsoco-

mum nao elabor~c1badinft ir tais expressoes

_sern sentido no ~ _ ~ r i c /diseUrso do's cientis-

tas do direito. Contudo, na realidade nao

existe razao alguma p ~ ~ c ique tod~s as ex-

pressoes empiegad~~ num diseurso, 'que. .-' . ;::.. , ., .. .

como. urn todo sejaaltamente 'dotado de

sentido', devamtersentido' par simesrnas.

Parece provavel que muitas expressoes uti-

l izadas por outras ciencias, especialmente

.a s charnadas cienCia~ exatas, carecern d~

interpretaeao e atuarn sorriente como vei-eulos para a sistematica e a deducao. Par

que nao haveria de o~orrer a me~ma situa-

~ao com a. ciencia juridica?" (Wedberg,

Some Problems in th e L og ic al A na ly sis of

Lega l Sc ience, "Theoria", t. 17, pp. 246, 273

(Suecia, 1951).

4445

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 21/25

Alj RossTu-T0.

Hart, Definitions and Theory in Jurispru-

dence , "Law Quarterly Review", t. 70.,p. 37,

41/42,45/49 (1954)·

Tomadas eonjuntarnente, (A) e (B)

expressarn a regra no sentido de que uma

pessoa que comprou uma coisa pode abter

c

~ua entrega. Tal conclusao e valida, qual-quer que seja 0 que possa representar

"propriedade", ou ainda que -nao repre-

sente absolutarnente nada, Porque "pro-

priedade" poderia ai ser substituida por

"queijo.velho" ou "tu-tu", e a conclusao '

eontinuaria senda valida.

Por outro lado, e irnpossivel atribuir

nesta coriclusao uma refer ericia sernan-

tiea tal a palavra "prcpriedade" de modo

que as condus6es (A) e (B), conside-

radas isoladamente, possam adquirir

significado au papel juridico. As possi-

bilidadesconcebiveis de tal tentativa sao

ideriticas as que virnos acirna, na analise

das proposicoes "tii-tu" corresponden-

tes, e os resultados tambern se corres-

ponderri:

(A) Se ha urna cornpra, existe tarn-

bern ptopriedade para 0comprador.

Aqui ha uma compra; eonsequen-

temente, existe tambern proprie-

dade para 0 comprador.

(B J Se existe propriedade, 0 pro-

prietario pode obter a entrega da

coisa. Aqui ha propriedade; con-. . . _

seqiientemente, pode obter-se a

entrega.

H_ LA. Hart expressou um ponto de vista

ssmelhante. "E possivel", sustenta este

autor, "definir um termo tal como 'direito

subjetivo', nao 0 substituindo por outras

palavras que definarn certa qualidade,

processo ou acontecimento, mas apenas

indicando as condicoes necessaries a

verdade de uma proposicao ciaforma 'voce

tern · U Ii - ? d i t ~ i tB i~ '~ F > !g J , . " .

47

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 22/25

AlfRoss TV.-TV.

(a)' Se ern (A) substituimos "pro-

priedade" .jiela totalidade .acu-

mulativa das coriseqiiencias juri-

dicas, e em (B) pela totalidadedisjuntiva das 'condi~oes,(A) e

(B) adquirern, cada UIP-a,sen~~,do, __

mas nao podem ser combinadas-

em u rn silo gisrn o, ja que 0 termo

media nao e 0 mesmo.

maior em (B) -torna-se arialitica-i

mente vazia.. l

Deixarei ao leitor 0 trabalho de verifi-car, por si mesmo, a correcao dessas afirma-

- .

c;6es POI rneio de urna analise exatarnente. ~ '_ • ' • - , _ . " "_ " " " " .p . . •

analoga ados enunciados "til-ill" corres-

pondentes.

(c) Se em ambos as 'casos subs-

tituimos "propriedade" pela totali-

dade acumulativa das conseqiien-

cias juridicas, entao a prermssa

As obscrvacoes que formulamos aqui

sao adequadas para esc1arecer uma centro-

versia sumamente interessante ~ ocorrida

recentemente na literatura escandinava,

entre Per Olof Ekelof e lvar Str ahl>- acer-

ca do significado concedido ao conceito

de direito subjetivo quando empregado

no;' raciocinio juridico. Ekelof iniciou a

discussao na tentativa de desco bI-iTqual

estado de coisas pede substituir, dentro

de tal raciocinio, uma expressao cunha-

da em termos de direitos subjetivos. Essa

tentative equivale a uma busca da refe-

rencia sernantica do termo. E interessante

(b) Se em ambos as cases subs-

tituimos "propriedade'lpela to-

talidade _disjuntiva dos _ fatos- - -~

condicionantes, a premissa.rnaior

em (A) torna-se analiticamente

-vazia e, pOT isso, sem referencia

sernantica alguma.

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 23/25

seguir 0 curso da.polernica, na medida

. ern que ela ilustra amenamente a corre-

cao do que foi aqui sustentado.- '.'.> , , . \

.Muito sumariamente, 0 desdobra-

mento da disputa fo i como se seg;,ue.

No in ic io , E ke lo f aceito~' como' pateI1 te ., .' '. -.

que ~. termo "credito" (estae a pala~vTa,

com a qual opera em seus exernplos, os

quais, a proposito, sao completamente.J.. '

analogosas formulacoes (A) e (B), apre-

sentadas acima) nao representa a rriesrna

coisa em (A) e (B), mas a conseqiiencia

juridica e 0 fato juridico, respectiva-.

mente. 1sso corresponde exatamente a

possibilidade (a) da prova feita mais aci-

rna. Strahl contestou com 0 poderoso ar-

.. gumento de-que -tal- intcrpretacao era

inadrnissivel, ja que 0 termo tinha que

ser forcosarnente usado com urn e rnes-

mo ·sentido, tanto na proposicao C A ) . ·'. .

como na proposicao (B), porque estas

constituern as prernissas de uma conclu-

_, sao. 'Strahl adotou a posicao 'de que 0

concerto de direito subjetivo em arnbas. . \ '. '. .

as proposicoes represerita 0 fato juri-

dico,a:"tatalidade disjuntiva dos fatos

condicionantes. Esta posicao corres-

ponde apossibilidade aludida mais aci-

rna, em (b). A isto Ekelofrcspondeucom, . . ! '_'-

. . . . . . . . . . :- ;

o argurriento de q u e ; s~j assim, a pre-

missa maier no cas a (A) torna-se analiti-

carnente vazia,

Ernseguida Eke16f adotou ateoria d~

Strahl; de que a palavra tern querepre-

.sentar 0 mesrno estado .de coisas tanto

ern (Ajcorno em (B), porern sustentou

que nab ha razao alguma que obrigue a

concluir que esse estado de' coisas co-

mum a ambas tenha deser 0 fato condi-.

7 ~'Adiscu's~~6"t~t~";p6renario as ravistas ju-

ridicas escandinavas Tidskri ft jor Rettri-

tenskap e Svenk Juristtidning, entre 1945 e

1950. cionante. Descobriu que a conclusao que

5Q 51

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 24/25

AlfRossTil-Til

corresponde a (A) e (B) subsiste como.

valida, nao importa 0 que coloquemos no

lugar do conceito "direito subjetivo" -

seja 0 fato juridicc, seja a conseqiiencia

juridica, sejam ambos conjuntamente.

Mas deteve-se ai, Nao se den, conta de.', . . '.:.. " '{i~ ". : -~.~~~~

que a conclusao Iiaveria de eontinuar

sendo valida, ainda que no lugar do con-

ceito de "direito subjetivo" colocassernos

>:queij 0 velho" ou "tu-tu".

Nessa polernica, quem est eve mais

proximo da verdade foi Strahl, ao afir-

mar que 0 conceito de direito subjetivo. ,. '.

no caso (A) e empregado paradesignar a

circunstancia que no caso(B) serve como

f a to ju ri d ico , e prosseguiu caiacterizan-

do isso como urn artificio que serve a

tecnica deapresentacao. Entretanto, 0

que Strahl nao viu foi que 0 conceito de

direito subjetivo nao designa "circuns-

tancia" alguma, e que 0 "direito subje-

tivo" como fato nao e em absoluto urn fato,

e quea te~tativa de atribuirurn significa-

do as premissas maiores nos silogismos

·(A) e (B)~quando sao corisideradas iso-

'.ladarnente, e uma tarefa va, Po;-que· "0

artificio que serve a teenica de apreseri-

·.tacao" significa qu'~~s' duas proJ!;():?i<;6es

tern senti do uni~amente~riquari.to frag-

·mentos de ~m todd:ih~is ampI6,';;em que,. - .. ". ..~

aparecernarnbas, (J a~efaz'que bi~oncei-

to .de direito subjetf\rb como tertn'o' me-I", "

", dio cornum num silggistn~ desapareca,

porque completam::r1te desprovido de

sentido .

~~oformular est~s;·bbserva<;~es"'criti-

cas, nao pretendo, d~ rtlodo algum, dimi-

.nuir 6 valor da investigacao empreendida

par Ekelof e Strahl. Pelo contrario, penso

que 0 metodo de substituicacdeEkelofconstitui uma linha feliz, alern de ter apri-

morado as questoes: e considero necessa-

rio acrescentar que, foi seguindo essa

linha, que cheguei ao ponto de vista que

5253

 

5/11/2018 010 - Tû-Tû (Alf Ross) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/010-tu-tu-alf-ross 25/25

.fll] KOSS

julgo verdadeiro, a saber, que 0 conceito

de direito subjetivo e urn instrumento

para a tecnica de apresentacao que serve

exc1usivarnente a fins sisternaticos, e que

em si nao signifies nem mais nern menos

"tf tu" 8ue u- 11 .

8 Empenhei-me, em outra parte, em demons-

trar como a conceito de direito subjetivo

pode conduzir a erros e a postulados dog-

maticos se fortpR1,aao, erroneamen te, como

sendo uma "substancia" independente e

nao simplesmente a unidade sistematica de

urn conjunto de regras juridicas. Ross, op.

cit., supra, nota 5, p. 189/202.

54