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INFLUENCIA DA MENSTRUAÇAO SOBRE AS EPILEPSIAS LUIS ΜARQUES-ASSIS * É conhecido o fato do paciente epiléptico exibir certas características próprias no que se refere ao padrão das crises, à sua freqüência e à localização no tempo. Classicamente, no que se refere aos fatores que influenciam a freqüência dos ataques, à menstruação tem sido dado especial realce. No presente trabalho propomo-nos a estudar, do ponto de vista clínico, a influência da menstruação sobre as epilepsias. CASUÍSTICA Β MÉTODOS De um grupo de 3.457 pacientes epilépticas registrados no Ambulatório de Epilepsia da Divisão de Neurologia do Hospital das Clínicas de São Paulo, foram separados 1.770 pacientes de sexo feminino. Destas, 1.574 tinham idade compreendida entre 12 e 50 anos, período considerado como provável no que se refere à capacidade ovulatória da mulher (Tabela 1); 1.261 eram brancas, 110 pretas, 196 pardas e 7 amarelas. Na inves- tigação foram valorizadas as manifestações clinicas, sendo dado espacial realce às convulsões. As pacientes foram estudadas do ponto de vista electrencefalográfico. Procurou-se verificar a influência que a menstruação exercia sobre as crises convul- sivas epilépticas, sendo destacado o aparecimento e/ou exacerbação das crises nos perío- dos pré-menstrual, menstrual e pós-menstrual, sendo referidos também os casos que melhoraram das crises nesses períodos. As pacientes que sofreram influência da mens- Trabalho da Clínica Neurológica do Departamento de Neuro-psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, apresentado no IX Congresso Brasileiro de Neurologia, realizado de 12 a 16 de outubro de 1980 em Curitiba: * Ldvre Docente da Clínica Neurológica.

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  • INFLUENCIA DA MENSTRUAAO SOBRE AS EPILEPSIAS

    LUIS ARQUES-ASSIS *

    conhecido o fato do paciente epilptico exibir certas caractersticas prprias no que se refere ao padro das crises, sua freqncia e localizao no tempo. Classicamente, no que se refere aos fatores que influenciam a freqncia dos ataques, menstruao tem sido dado especial realce. No presente trabalho propomo-nos a estudar, do ponto de vista clnico, a influncia da menstruao sobre as epilepsias.

    CASUSTICA MTODOS

    De um grupo de 3.457 pacientes epilpticas registrados no Ambulatrio de Epilepsia da Diviso de Neurologia do Hospital das Clnicas de So Paulo, foram separados 1.770 pacientes de sexo feminino. Destas, 1.574 tinham idade compreendida entre 12 e 50 anos, perodo considerado como provvel no que se refere capacidade ovulatria da mulher (Tabela 1); 1.261 eram brancas, 110 pretas, 196 pardas e 7 amarelas. Na inves-tigao foram valorizadas as manifestaes clinicas, sendo dado espacial realce s convulses. As pacientes foram estudadas do ponto de vista electrencefalogrfico.

    Procurou-se verificar a influncia que a menstruao exercia sobre as crises convul-sivas epilpticas, sendo destacado o aparecimento e/ou exacerbao das crises nos pero-dos pr-menstrual, menstrual e ps-menstrual, sendo referidos tambm os casos que melhoraram das crises nesses perodos. As pacientes que sofreram influncia da mens-

    Trabalho da Clnica Neurolgica do Departamento de Neuro-psiquiatria do Hospital das Clnicas da Universidade de So Paulo, apresentado no IX Congresso Brasileiro de Neurologia, realizado de 12 a 16 de outubro de 1980 em Curitiba: * Ldvre Docente da Clnica Neurolgica.

  • truafio foram comparadas com um grupo de epilpticos em geral, objeto de publicaes anteriores 11,12, no que se refere idade de inicio da doena (Tabela 2) e ao padro electrencefalogrfico (Tabela 4). No que se refere freqncia das convulses, as pacientes que sofreram influncia da menstrua&o foram comparadas com as pacientes em idade ovulatria (Tabela 3). Finalmente foi registrada a freqncia das convulses em 476 pacientes epilpticos de sexo masculino da mesma faixa etria (12 aos 50 anos), sendo destaca-os os casos com incidncia mensal de convulses, ritmo que pode ser comparado ao perodo ovulatrio da mulher.

  • RESULTADOS

    Do grupo de 1.574 epilpticas em idade ovulatria, 121 apresentavam crises motoras nfio convulsivas, 41 crises de automatismo, 158 crises sensitivo-sensoriate, 140 crises psqui-cas e 143 crises autnomas; em 1.298 casos foram registradas convulses primrias ou secundrias. Foi observado que 353 pacientes com convule&o sofreram influncia da menstruao (22,4%). Em 38 casos foram referidas melhoras no perodo menstrual e, em 315, aparecimento e/ou exacerbao das convulses. As pioras ocorreram imediata-mente antes do perodo menstrual em 142 pacientes, durante em 44, imediatamente aps em 36, antes e durante em 35, antes e aps em 33, durante e aps em 4 e antes, durante e aps a menstruao em 21 pacientes. A idade de incio da doena das pacien-tes que sofreram influncia da menstruao relativamente ao grupo de epilepsia em geral pode ser observada na Tabela 2. No que se refere freqncia das convulses (Tabela 3), 112 das pacientes em idade ovulatria apresentavam convulses mensais (12%), enquanto tal freqncia foi observada no grupo que sofreu influncia da mens-truao em 74 mulheres (22%). O resultado do electrencefalograma das pacientes que sofreram influncia da menstruao comparativamente com um grupo de epilepsia em geral pode ser observado na Tabela 4. Finalmente o levantamento feito em 476 pacien-tes epilpticos de sexo masculino da mesma faixa etria mostrou que 407 apresentavam convulses, dos quais em 66 a freqncia das crises convulsivas era mensal (16%).

    COMENTRIOS

    Em tratados clssicos de epilepsia tem sido destacada a sua forma menstrual ou catamenial. Lennox e Lennox 6 encontraram alguma relao entre os dois eventos em 48,5% de 656 pacientes de sexo feminino. Livingstone8 tambm chamou a ateno para o problema em pacientes adolescentes. Pesquisa desen-volvida por Almquist 1 (1955) trouxe alguns abalos s teorias que correlacio-navam epilepsia e menstruao; estudando 62 homens e 84 mulheres epilpticos no que se refere periodicidade das crises, mostrou ritmo semelhante dos ataques em ambos os sexos, colocando em dvida a idia do ciclo menstrual como fator determinante de importncia na ritmicidade das crises. Laidlaw 5 (1956) fez abordagem diferente do problema, estudando 50 pacientes epilpticas internadas, em intervalo de 25 anos, no que se refere incidncia de crises maiores relati-vamente menstruao; o autor concluiu haver fortes evidncias estatsticas de que h reduo da freqncia das crises na fase lutenica, com aumento irregular imediatamente antes, durante e aps a menstruao. Tenta explicar o fenmeno por provvel ao anticonvulsiva da progesterona, com exacerbao das crises quando sua secreo cessa.

    A partir da vrios trabalhos em animais 9 e na mulher 2 1 0 realaram o papel que os hormnios desempenhariam sobre as epilepsias no perodo mens-trual, sendo chamada a ateno para o efeito epileptognico do estrognio e ao inibidora da progesterona. Assim sendo, teria importncia na epilepsia catamenial a relao estrognio/progesterona: quanto mais elevada, maior a suscetibilidade e vice-versa. O papel desempenhado pelos hormnios na epilepsia menstrual levou Wieczorek e col . 1 3 a testar a ao de anticoncepcionais na evolu-o das epilepsias menstruais, no tendo sido observados efeitos benficos; pelo contrrio, houve pioras em alguns casos.

  • Das 1.574 pacientes epilpticas estudadas no presente trabalho, em 22,4% foi observada influncia da menstruao ou, pelo menos, alterao do ritmo das crises nesse perodo. As pioras observadas predominaram nos perodos pre-menstrual e menstrual. Por outro lado, relativamente idade de incio da epilepsia (Tabela 2), quanto mais avanada a idade, menor a chance de haver influncia da menstruao. O estudo da freqncia das convulses (Tabela 3) mostrou que a incidncia mensal nas pacientes que sofreram influncia da menstruao (22%) foi quase o dobro da observada nas pacientes em idade ovulatria (12%). Tal achado compreensvel, pois corresponde s epilpticas que apresentaram convulses apenas no perodo menstrual; da se infere que as pacientes em idade ovulatria que apresentaram convulses mensais e que no foram includas nas que sofreram influncia da menstruao, apresentaram ritmicidade semelhante, porm com incidncia mensal de crises fora do perodo menstrual. Cumpre notar que o estudo do grupo de pacientes em idade ovula-tria, independentemente de terem sido ou no influenciadas pela menstruao, mostrou incidncia mensal de crises em 14% dos casos. Por outro lado, levan-tamento feito em 476 de sexo masculino da mesma faixa etria, dos quais 407 apresentaram convulses, evidenciou que em 66 casos a freqncia das crises era mensal (16%). Evidentemente no homem no h c ciclo biolgico que caracteriza a mulher em idade ovulatria. Portanto a comparao do ritmo mensal de crises no sexo masculino (16%) com o mesmo ritmo nas mulheres (14%), considerados ambos na mesma faixa etria, no mostra dife-renas significativas. Tal fato depe a favor dos achados de Almquist1 sendo lcito, a partir dos dados fornecidos pela presente investigao, colocar em dvida a correlao entre dois eventos cclicos, quais sejam, as crises epilpticas e os perodos menstruais.

    As pesquisas electrencefalogrficas referidas na literatura 3 4. 7 referem-se atividade bioeltrica cerebral durante o perodo menstrual. O estudo do padro electrencefalogrfico de nossas pacientes relativamente a um grupo de epilpticos em geral (Tabela 4) mostrou menor predominncia das disritmias temporais nas pacientes cujas crises se exacerbaram no perodo menstrual e maior incidncia de outras anormalidades focais.

    A propsito dos fatores que podem influenciar a exacerbao das crises epilpticas no perodo menstrual, alm do papel desempenhado pelos estrgenos e pela progesterona, como foi referido acima, no se pode desprezar a possibi-lidade dos hormnios interferirem no metabolismo das drogas antiepilpticas explicando, pelo menos em parte, esses fenmenos.

    RESUMO

    De um total de 3.457 pacientes epilpticos foram estudados clinicamente 1.574 mulheres em idade ovulatria. Os resultados obtidos permitiram ao autor chegar s seguintes concluses: 1) Em 353 pacientes (22,4%) as epilepsias sofreram influncia da menstruao. 2) A exacerbao das crises predominou nos perodos pr-menstrual e menstrual. 3) O ndice percentual das pacientes em idade ovulatria e com frequncia mensal de crises comparado com os

  • 394 ARO- NERO-PSIQIATRIA (SO PAULO) VOL. 39, * h, DEZEMBRO, 1981 mesmos ndices de pacientes de sexo masculino da mesma faixa etria, no mostrou diferenas significativas; tal fato coloca em dvida a correlao entre crises epilpticas, de um lado, e ciclo menstrual, de outro. 4) Nas pacientes que sofreram influncia da menstruao houve predomnio das disritimias focais no temporais.

    SUMMARY The influence of menstruation on the epilepsies. From 3.457 epileptic patients, 1.574 females from 12 to 50 years old,

    considered probably in ovulatory age, were studied regarding the influence of menstruation upon epileptic fits. The females were compared with a group of epilepsies in general and with a group of male epileptic patients (476 cases) of same age exhibiting monthly seizures, a rhythm similar to the menstrual cycle in woman. The results led the author to the following conclusions: 1) In 353 epileptic females (22,4%) the epilepsy was influenced by the mens-truation. 2) The exacerbation of fits predominate in the premenstrual and menstrual periods. 3) No significant differences was observed when compared females in ovulatory age exhibiting monthly seizures (14%) with male of similar age and similar frequency of seizures (16%); this fact is against the correlation between the cyclical events represented by epileptic fits and menstruation. 4) Focal non-temporal abnormalities predominate in the females that was influenced by menstruation.

    REFERENCIAS 1. ALMQVIST, R. The rhythm of epileptic attacks and its relationship to mens-

    trual cycle. Acta psychiat. neurol. scand., 1955 (supl. 105). 2. BACKSTRN, T. Epileptic seizures in woman related to plasma estrogen and progesterone during menstrual cycle. Acta, neurol. scand. 54:321, 1976. 3. CREUTZFELDT, O. D.; WILHELM, H. & WUTTKE, W. EEG changes during spontaneous and controled menstrual cycles and their correlation with psycholo-gical performance. Electroencephal. Clin. Neurophysiol. 40:113, 1976. 4. GAUTRAY, J. P.; GARREL, S. & FAU, R. Electroencephalographic correlates of the human menstrual cycle. II Results and discussion. Acta Europ. Fert. 2:15, 1970. Resumo em Epilepsy Abstracts 4:146, 1971, ref. 826. 5. LAIDLAW, J. Catamenial epilepsy. Lancet 271:1235, 1956. 6. LENNOX, W. G. & LENNOX, M. A. Epilepsy and Related Disorders. Little-Brown Co., Boston, 1960. 7. LIN, . Y.; GREENBLATT, M. & SALOMON, H. C. A poligraphic study of one case of petit mal epilepsy: effects of medication and menstruation. Electroencephal. Clin. Neurophysiol. 4:351, 1952. Resumo em Epilepsy Abstracts 1:417, 1947/1967, ref. 2935.

    mesmos ndices de pacientes de sexo masculino da mesma faixa etria, no mostrou diferenas significativas; tal fato coloca em dvida a correlao entre crises epilpticas, de um lado, e ciclo menstrual, de outro. 4) Nas pacientes que sofreram influncia da menstruao houve predomnio das disritimias focais no temporais.

    SUMMARY

    The influence of menstruation on the epilepsies.

    From 3.457 epileptic patients, 1.574 females from 12 to 50 years old, considered probably in ovulatory age, were studied regarding the influence of menstruation upon epileptic fits. The females were compared with a group of epilepsies in general and with a group of male epileptic patients (476 cases) of same age exhibiting monthly seizures, a rhythm similar to the menstrual cycle in woman. The results led the author to the following conclusions: 1) In 353 epileptic females (22,4%) the epilepsy was influenced by the mens-truation. 2) The exacerbation of fits predominate in the premenstrual and menstrual periods. 3) No significant differences was observed when compared females in ovulatory age exhibiting monthly seizures (14%) with male of similar age and similar frequency of seizures (16%); this fact is against the correlation between the cyclical events represented by epileptic fits and menstruation. 4) Focal non-temporal abnormalities predominate in the females that was influenced by menstruation.

  • 9. LOGOTHETIS, J.; HARNER, R.; MORREL, F. & TORRES, F. The role of strogens ln catamenial exacerbations of epilepsy. Neurology (Minneapolis) 9:352, 1959.

    10. LONGO, L. P. & SALDAA, L. E. G. Hormones and their influence in epilepsy. Acta Neurol. Latinoamer. 12:29, 1966.

    11. MARQUES-ASSIS, L. Consideraes a propsito do tratamento medicamentoso de 1217 pacientes epilpticos. I Estudo em relao ao tipo de epilepsia e ao electrencefalograma. Arq. Neuro-Psiquiat. (So Paulo) 27:312, 1969.

    12. MARQUES-ASSIS, L. Tratamento medicamentoso de 1217 pacientes epilpticos. II Estudo em relao idade de Incio, ao tempo de doena e freqncia das crises. Arq. Neuro-Psiquiat. (So Paulo) 28:44, 1970.

    13. WIECZOREK, V.; BOCK. R. & KLUGE, H. The use of ovulation inhibitors in female epileptics and psychiatric patients. Munch. Med. Wschr. 111:254, 1969. Resumo em Epilepsy Abstracts 2:97, 1969, ref. 597.

    Clinica Nenrolgica Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo Caixa Postal 3461 01000 So u, SP Brasil.