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O PECADO DE CADA UM Janet Dailey Green Mountain Man Publicado originalmente em 1978 ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL Ninguém perdoa dez anos de sofrimento! Como então, Jonas se atrevia a querer que Bridget voltasse aos seus braços? Tinha sido um lindo amor de adolescência, em Vermont, a pequena comunidade rural da Inglaterra, onde Bridget e Jonas moravam. Mas um dia Jonas foi embora, estudar medicina nos Estados Unidos, e Bridget sofreu muito. Com o tempo conseguiu refazer sua vida. Dez anos depois, Jonas voltou a Vermont, a procura de Bridget. Ela estava viúva, tinha uma filha e uma vida perfeitamente organizada. Mesmo assim, quase desmaiou ao se encontrar com Jonas, compreendendo que seu coração ainda estava cheio de amor por ele. Mas ela jamais poderia aceitar de novo aquele homem sem escrúpulos, que já a fizera sofrer tanto! CAPITULO 1 Os pneus rangiam na estrada ao deslizar sobre a neve comprimida e congelada. Dos lados da estrada acumulava-se a neve que o caminhão- compressor empurrara para as beiradas. Ao virar no trevo que conduzia para fora da estrada principal, Jonas sentiu uma onda de nostalgia quando deparou com a vista da pitoresca cidadezinha aninhada no vale. Visto dali, o conjunto de telhados parecia formar uma colcha de retalhos. Perto das chaminés a neve estava derretida. A torre branca da igreja estava invisível contra o fundo de montanhas e campos cobertos de neve, mas Jonas sabia de memória onde ela ficava. Grinaldas de neve cobriam as árvores, os ramos cheios das sempre- vivas e os galhos nus das outras árvores que perdiam as folhas no inverno. No topo da ladeira que era a entrada da cidade o sinal de trânsito fechou. Foi difícil parar o carro na subida com a rua derrapante como estava. Jonas resmungou baixinho, para si próprio. — Continua do mesmo jeito! O sinal abriu e as rodas derraparam um pouco até que conseguiram se firmar e movimentar o carro. Jonas continuava com um ricto nos lábios, um meio-sorriso que não era expressão nem de alegria nem de achar graça. Era mais um esgar de cinismo. Tudo continuava do mesmo jeito, nada mudara! Pelo menos na superfície, era essa a impressão. A

046 Janet Dailey - O Pecado de Cada Um (Julia 46)

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O PECADO DE CADA UMJanet Dailey

Green Mountain Man

Publicado originalmente em 1978ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL

Ninguém perdoa dez anos de sofrimento! Como então, Jonas se atrevia a querer que Bridget voltasse aos seus braços?

Tinha sido um lindo amor de adolescência, em Vermont, a pequena comunidade rural da Inglaterra, onde Bridget e Jonas moravam. Mas um dia Jonas foi embora, estudar medicina nos Estados Unidos, e Bridget sofreu muito. Com o tempo conseguiu refazer sua vida. Dez anos depois, Jonas voltou a Vermont, a procura de Bridget. Ela estava viúva, tinha uma filha e uma vida perfeitamente organizada. Mesmo assim, quase desmaiou ao se encontrar com Jonas, compreendendo que seu coração ainda estava cheio de amor por ele. Mas ela jamais poderia aceitar de novo aquele homem sem escrúpulos, que já a fizera sofrer tanto!

CAPITULO 1

Os pneus rangiam na estrada ao deslizar sobre a neve comprimida e congelada. Dos lados da estrada acumulava-se a neve que o caminhão-compressor empurrara para as beiradas. Ao virar no trevo que conduzia para fora da estrada principal, Jonas sentiu uma onda de nostalgia quando deparou com a vista da pitoresca cidadezinha aninhada no vale. Visto dali, o conjunto de telhados parecia formar uma colcha de retalhos. Perto das chaminés a neve estava derretida. A torre branca da igreja estava invisível contra o fundo de montanhas e campos cobertos de neve, mas Jonas sabia de memória onde ela ficava. Grinaldas de neve cobriam as árvores, os ramos cheios das sempre-vivas e os galhos nus das outras árvores que perdiam as folhas no inverno. No topo da ladeira que era a entrada da cidade o sinal de trânsito fechou. Foi difícil parar o carro na subida com a rua derrapante como estava. Jonas resmungou baixinho, para si próprio.

— Continua do mesmo jeito!O sinal abriu e as rodas derraparam um pouco até que conseguiram se firmar e

movimentar o carro. Jonas continuava com um ricto nos lábios, um meio-sorriso que não era expressão nem de alegria nem de achar graça. Era mais um esgar de cinismo. Tudo continuava do mesmo jeito, nada mudara! Pelo menos na superfície, era essa a impressão. A região de Vermont também estava coberta de neve quando ele partiu há dez anos. Tudo na cidadezinha de Randolph parecia exatamente igual a como era então. Mas Jonas ia repetindo para si mesmo que não era possível estar tudo igual depois de dez anos, isso era só aparência.

Entrou na rua principal que conduzia ao centro e foi dirigindo devagar, cruzou a ponte e chegou ao centro comercial. Com os olhos semicerrados via de relance rostos familiares entre as pessoas superagasalhadas que passavam pelas calçadas. Enquanto isso, conversando com seus botões, ele se perguntava por que tinha voltado e repetia para si, pela enésima vez, que era porque precisava de um descanso. Queria acreditar nisso, não queria admitir o verdadeiro motivo. Achou uma vaga diante da estação, manobrou o carro e estacionou-o lá. Jonas tinha dito a Bob e Evelyn Tyler que viria na sexta-feira, mas eles estavam pensando que ele só chegaria no fim da tarde, portanto tinha bastante tempo para dar uma volta pela cidade e observar as mudanças.

Junto ao meio-fio havia neve amontoada e foi difícil abrir a porta do carro e sair por um espaço tão pequeno, já que ele era alto. O ar estava gelado e sua respiração formava uma nuvem de vapor como se ele estivesse fumando. Curvou-se e pegou o sobretudo de pêlo de

carneiro que estava no banco ao lado da direção. Vestiu-o de qualquer jeito e bateu a porta do carro. Deu um passo por cima do monte de neve e subiu na calçada. Nem se preocupou em abotoar o agasalho, enfiou as mãos no bolso, mantendo assim o sobretudo fechado na frente, e começou a andar pela rua. Sem se importar com a temperatura gelada e o céu cinzento, foi andando ao léu, passando diante das lojas, olhando as vitrines e as pessoas que cruzavam com ele. Reconheceu várias delas, mas evitou-as e não parou para falar com ninguém.

Um floco de neve flutuou bem diante dele e, num gesto instintivo, tirou a mão do bolso e estendeu a palma para apanhá-lo. Era um hábito há muito já esquecido, algo que ele costumava fazer quando estava com Bridget. Parou bruscamente e ficou olhando o floco se derreter na palma da mão. Os músculos de seu rosto se contraíram. Não podia mais deixar de admitir, era melhor enfrentar a verdade. Era por causa dela que tinha voltado e estava ali, naquele momento, vagando pelas ruas, esperando a remota possibilidade de encontrá-la. Fechou a mão com força como se quisesse esmagar o floco de neve e as lembranças que ele trouxera. Continuou a andar, mais devagar, com as mãos afundadas nos bolsos, sentindo uma ligeira irritação. Durante esses dez anos que estivera fora de Randolph, Jonas se desligara completamente, não mantivera o menor contato, principalmente depois que Bob lhe escreveu, um ano depois de sua partida, para lhe contar que Bridget tinha se casado.

Foi totalmente por acaso que encontrou Bob em Manhattam, um pouco antes dos feriados de Natal. Foi um encontro rápido e Jonas prometeu vagamente ir visitá-lo. Entretanto, não tinha a menor intenção de voltar lá e ir vê-lo. Passou dezembro, janeiro, fevereiro e finalmente, quando chegou março, Jonas começou a fraquejar na resolução. Apegou-se à desculpa de que precisava descansar, que seria ótimo mudar um pouco de ares e ambiente nem que fosse por um fim de semana. Apertou os lábios com raiva de si próprio por ter-se iludido e ter-se convencido de que o único motivo dele voltar a Randolph era a necessidade de descansar e relaxar um pouco. Na semana anterior Jonas fizera contato com Bob para lhe dizer que aceitara o convite, afinal, mas pediu a ele que não contasse a ninguém a respeito de sua visita. Disse que queria passar um fim de semana calmo, sem festas nem reuniões. Não, ele não queria festas, não queria encontrar Bridget no meio de outras pessoas, não queria que sua mente estivesse anuviada pelo álcool quando a visse de novo. E era justamente por isso que estava ali... para rever Bridget. Ele se xingou mentalmente, frustrado, odiando-se por ter cedido à fraqueza de voltar.

Parou diante de uma vitrina meio embaçada pelo frio, fitando-a com olhar ausente. Como era mesmo que eles tinham dito? Que o primeiro amor nunca se esquece? Talvez ele tivesse voltado para enterrar esse primeiro amor, ou pelo menos a imagem que tinha de Bridget. Quando soube que ela se casara, um ano depois de sua partida, Jonas tentara imaginá-la com três ou quatro filhos, com o corpo transformado, sem mais aquela cintura fina e as cadeiras bem-feitas... uma dona-de-casa, desleixada como mulher, cheia de bobes no cabelo, preparando o jantar e esperando o marido. Jonas não conhecia o homem com quem ela se casara, nem mesmo lembrava o nome dele. Mas só de pensar naquele estranho que se deitava ao lado de Bridget, tocava a pele macia dela, sentiu um ódio imenso que se refletiu num brilho frio em seus olhos cinza-esverdeados.

Nesse momento sentiu alguém tocar em seu ombro.— Desculpe-me, mas você não é...Jonas se virou e afastou-se depressa, sem se preocupar em identificar a idosa senhora.— A senhora deve estar enganada — disse ele, apenas.Com passos largos e impacientes chegou ao fim do quarteirão. Em vez de atravessar a

rua resolveu virar a esquina e sair da avenida principal para evitar que naquele vaivém de pessoas alguém pudesse reconhecê-lo. Andando mais devagar, Jonas passou a mão pelos cabelos castanho avermelhados e respirou fundo, enchendo os pulmões com aquele ar frio, tentando controlar a onda de raiva que o invadira. Estava tenso, os músculos e nervos contraídos, e achou que um trago de alguma bebida lhe faria bem. Olhou em volta, procurando um bar, e sentiu o olhar atraído magneticamente por um vulto dentro da loja perto da qual estava parado. Através da porta de vidro olhava fixo para aquela figura de cabelos

castanho-claros. O sangue ferveu em suas veias e ele quase perdeu o fôlego ao reconhecê-la. Era Bridget. Ele teria reconhecido aquele rosto, aquele perfil, em qualquer lugar do mundo, mesmo através de uma porta de vidro embaçada. Ele sempre achara que ao revê-la depois de dez anos só sentiria curiosidade e talvez a lembrança de um desejo antigo. Mas agora que a estava vendo, sentia-se abalado. Ele não esperava essa reação ardente de seu corpo.

Ela se movimentou escapando de sua vista, e Jonas sentiu que precisava vê-la de perto, sem aquele vidro embaçado entre eles. Assim ela parecia não ter mudado nada durante os dez anos. E não era isso o que ele queria. Queria vê-la mudada, transformada em outra pessoa que ele não mais amasse. A porta ao abrir fez soar um sininho. Ele entrou. Bridget estava de costas para a entrada e Jonas parou, observando-a e sentindo como se o tempo tivesse voltado para trás. Bridget usava uma malha de lã grossa, verde escura, que escondia um pouco suas formas, mas Jonas desceu o olhar e a elegante calça comprida branca que ela vestia revelava as ancas esbeltas e a curva suave e arredondada das nádegas firmes. O corpo dela não mudara nada, talvez tivesse aumentado alguns centímetros em todos aqueles anos. Ela se virou de lado e Jonas a examinou melhor. Nem mesmo a malha grossa e um pouco larga conseguia esconder o volume dos seios maduros e bem-feitos. Era como se corresse fogo em suas veias e ele maldisse em pensamento o desejo que a presença dela estava provocando nele. Não era o que queria sentir. Queria ter ficado indiferente a ponto de poder achar estranho que ela algum dia o tivesse atraído tanto. Ergueu o olhar para o rosto oval dela e não pôde deixar de admirar sua beleza clássica.

Ela parecia um pouco mais pálida, e a expressão de ingenuidade desaparecera, mas o frescor da juventude estava lá. Um ligeiro traço de tensão apareceu em seus lábios quando ela forçou um sorriso para a mulher que estava diante dela. Jonas lembrou como os olhos castanho-claros de Bridget costumavam brilhar, cheios de amor, e quando olhou para eles achou-os luminosos e bonitos, mas sem aquele brilho, sem aquela chama que costumavam ter. Depois de alguns instantes, Jonas percebeu que ela não estava olhando para a mulher diante dela e sim para um espelho no canto da loja que permitia ver quem entrava, e onde a imagem dele se refletia. Jonas se deu conta, então, de que ela o vira entrar.

Ficaram se olhando pelo espelho, por um momento, até que ela se virou bruscamente. Imaginou que Bridget fosse falar com ele, pois vira no seu olhar que ela o reconhecera, mas ela não fez o menor gesto, não o chamou, nem demonstrou tê-lo reconhecido. Toda sua atenção estava concentrada na mulher que estava com ela. Era com ela que Bridget falava e Jonas podia ouvir o timbre quente e grave da voz que ele jamais esquecera. Refreou o impulso de correr para ela e forçar um confronto. Achou melhor esperar. Jonas franziu a testa quando viu Bridget se encaminhar para a caixa registradora, apertar as teclas e depois embrulhar uns novelos de lã que entregou para a mulher. Só então entendeu que ela trabalhava na loja.

— Não se esqueça de me avisar quando chegar aquela outra lã maravilhosa, Bridget! — pediu a mulher, enquanto pegava a sacola e se dirigia para a porta.

— Pode ficar sossegada —- respondeu Bridget.Jonas percebeu que estava bloqueando a passagem e se afastou para deixar a mulher

sair. Os sininhos da porta tocaram de novo. Todos os outros pensamentos se apagaram em sua mente. A única coisa que sabia é que estavam um diante do outro, não havia outros fregueses na loja, estavam a sós, e Bridget não podia continuar a ignorá-lo.

— Oi, Jonas.A voz era fria e controlada. Jonas ficou furioso com a calma que ela demonstrava. Era

como se estivesse cumprimentando um conhecido qualquer e não o homem a quem jurara amor eterno, a quem prometera amar para sempre. Mas era evidente que ela deixara de amá-lo. Isso estava mais do que confirmado por aquela aliança de ouro que ela usava na mão esquerda. Jonas sentiu outra vez ódio do homem que colocara a aliança naquele dedo e com isso se tornara dono de certos direitos sobre Bridget que ele não podia reivindicar.

— Oi, Bridget. — Ele foi até a caixa registradora onde ela estava.— Você está com ótima aparência — disse ela formalmente, sem estender a mão para

um cumprimento caloroso.

Pensando bem, Jonas achou que era melhor assim. Um aperto de mão seria um gesto grotesco para quem tinha tido um relacionamento intenso como eles. Continuou com as mãos nos bolsos, sentindo-se um feixe de nervos.

— E você também — disse ele, devolvendo o elogio, enquanto a envolvia num olhar avaliador.

Percebeu que ela se retraiu ligeiramente com essa atitude de intimidade. Quase de imediato Bridget se controlou e voltou à postura de calma indiferença.

— O que o traz de volta a Randolph, Jonas?Ele observava os lábios dela se movimentarem enquanto ela falava. Lembrou-se de

como eram suaves e macios e de como correspondiam a seus beijos. Sob aquela aparência de calma exterior havia uma fogueira de paixão que ele sabia muito bem como acender. Ele tinha sido o homem que conscientizara Bridget do desejo latente que há em toda mulher. Já ia responder que voltara por causa dela, quando se conteve, lembrando-se de que outro homem assumira a doce tarefa de ensiná-la a fazer amor.

— Vim visitar Bob, vou passar o fim de semana com ele — explicou.— Bob Tyler? Ah é, ele comentou mesmo que tinha encontrado você antes do Natal. —

Bridget balançou a cabeça e um reflexo dourado brilhou em seus cabelos. — Ele disse que você prometeu vir fazer uma visita, mas eu não pensei que você viesse de fato.,

— Não mesmo? Por quê? — desafiou Jonas, que não gostou da insinuação que percebeu no comentário.

Ele tivera muitas dúvidas naquela época, mas os fatos vieram provar que ele fizera bem em ir embora há dez anos. Nesse momento os sininhos da porta tocaram de novo e Jonas se virou, irritado com aquela interrupção, mas as duas menininhas passaram por ele sem ligar para a expressão carrancuda. Estavam apressadas e quase sem fôlego.

— Mamãe, posso ir à casa de Vicki? — perguntou afobada a menina menor.Jonas franziu as sobrancelhas e semicerrou os olhos, observando a garotinha corada

que falava com Bridget. Uma mecha de cabelo castanho escapava do gorro de lã, listrado de verde e marrom. O cabelo era um pouco mais claro que o de Bridget, mas a menina tinha os mesmos traços clássicos e os mesmos olhos castanhos, luminosos. A semelhança era bem marcante. Era óbvio que ela era filha de Bridget.

— Se você tem certeza de que não vai atrapalhar a mãe de Vicki, pode ir.A permissão foi recebida com gritinhos e exclamações de alegria e a outra menina

garantiu que a mãe dela estava de acordo.— Está bem, então passo por lá um pouco depois das cinco para pegar você. Fique me

esperando pronta.— Fico sim, mamãe — prometeu ela, eufórica.Só quando as duas se viraram para sair é que notaram a presença de Jonas e pararam.

Ele percebeu os olhos castanhos e infantis que o examinavam com curiosidade e ficou olhando para a garotinha, também, procurando através dela imaginar a figura do pai.

— Molly, este é um velho amigo meu, Jonas Concannon — apresentou Bridget, depois de certa relutância. — Jonas, esta é minha filha Molly e Vicki Smith, a amiguinha dela.

— Oi, Molly, oi, Vicki — cumprimentou ele sem se atrever a dizer qualquer outra coisa.— Oi — responderam as duas em coro.— Agora é melhor vocês tratarem de ir andando! — Bridget sorriu, e as duas dispararam

porta afora.Jonas ficou olhando para Molly até ela desaparecer de vista, depois lentamente virou-se

para Bridget.— Ela se parece muito com você!— Eu... — Bridget sorriu. — Para mim isso é um elogio!— E é mesmo — confirmou ele. —- Que idade ela tem?— Oito anos. É claro que se você perguntar a ela, Molly fará questão de frisar que já

tem quase nove. Engraçado como quando, a gente é jovem sempre quer parecer mais velho!Bridget ergueu a mão e afastou os cabelos compridos, o primeiro gesto nervoso que

Jonas percebeu nela e sentiu uma satisfação íntima ao constatar que ela não era tão

controlada e indiferente quanto queria parecer. Ele queria que ela se sentisse perturbada com a presença dele. Só Deus sabia o que ele estava sentindo naquele momento! Cerrou os punhos com força.

— Você tem outros filhos? — perguntou com voz gutural.— Só Molly. Ela é uma criança alegre e saudável e eu estou contente e satisfeita.Bridget forçou um sorriso e seus lábios tremeram ligeiramente. Jonas ficou imaginando

se ela estava pensando a mesma coisa que ele, se estava pensando que Molly podia ter sido filha deles dois. Infelizmente, não era. A paternidade pertencia a outro homem...

Jonas sentiu aumentar a amargura do ciúme e do ódio.— Como vão seus pais? — perguntou ele, mudando de assunto bruscamente.— Muito bem! — Ela evitava olhá-lo nos olhos. — Está chegando a época em que eles

ficam superatarefados, é a temporada de colher a seiva. Você não reconheceria a plantação de bordos. Papai instalou uma canalização, é mais eficiente do que transportar em barris.

— O genuíno licor de bordo de Vermont! — Jonas inclinou a cabeça, numa expressão de quem está recordando algo. — Há anos que eu não bebo isso!

Jonas estava se lembrando de um fim de semana, há onze anos, em que ele se ofereceu para ajudar Bridget e o pai a recolher a seiva. Caminhavam pela neve molhada, através da plantação, Bridget a seu lado e os dois de mãos dadas, apesar de estarem de luvas. O pai vinha atrás do trenó, que era puxado por uma égua em cujos arreios tilintavam guizos. O céu estava límpido e azul, o sol radiante projetava sobre a neve a sombra rendada dos galhos das árvores de bordo. Tudo estava tão nítido em sua mente que parecia ter acontecido na véspera.

— As árvores de bordo precisam ter uns quarenta anos e são necessárias quatro delas para encher um barril de seiva — Jonas imitou o tom professoral com que o pai de Bridget explicara a ele naquele dia —, e cada barril de seiva dá um galão de licor. E não é num passe de mágica que vira licor. Não, meu caro... é preciso ferver até que fique com uma consistência espessa, é preciso conseguir o ponto exato de densidade. Depois tem que se filtrar, apurar, engarrafar e rotular. É uma ciência! — Ele encarou Bridget, com um sorriso terno. — Você se lembra desse dia?

— E como poderia esquecer? — O brilho voltou a seus olhos castanhos, iluminados pela magia das recordações. — Você me bombardeou com bolas de neve!

— Mas foi em legítima defesa! Você estava enfiando neve pela gola da minha malha, lembra?

O olhar dele se deteve nos lábios dela, entreabertos num sorriso triste. Ela devia estar se lembrando de como o provocara naquele dia. A guerra de neve tinha sido só o começo... o resto viera depois que Bridget caíra na neve enquanto tentava fugir dele. Ela ficara lá, deitada, rindo, sem fôlego para continuar a fuga. Ele se deitou com ela naquele leito de neve, e silenciou o riso com um beijo. O primeiro beijo foi inocente, mas o segundo, o terceiro e os outros já não tinham nada de inocente, o fogo da paixão os incendiava e Bridget se abandonou com um gemido suave, quase inaudível. Jonas lembrava-se bem da ansiedade com que lutava contra todas aquelas pesadas roupas de inverno, até atingir a forma esguia e feminina que elas escondiam. Só que não chegou a haver prazer. Ele queria ficar ali, sentir a maciez e o calor do corpo dela, mas nesse momento ouviram a voz do pai dela, chamando por eles, e os guizos dos arreios da égua tilintando, avisando que estavam perto.

Bastou um olhar para o pai saber que houvera mais do que uma brincadeira inocente, mas ele não falou nada. Essa foi a primeira das muitas vezes em que Bridget deixou Jonas fora de si, a ponto de perder o controle. Às vezes ele achava que ela gostava de deixá-lo maluco de desejo. Sentia prazer em provocá-lo. Isso fora o começo e tudo que começa tem um fim. Jonas pensara que tudo já estivesse acabado. Mas estava muito enganado, pois naquele momento ele a desejava mais do que nunca, mais do que a desejara no passado.

Afastou o olhar dos lábios trêmulos dela e percebeu que ela sentia o mesmo que ele. Era visível nos olhos dela o doce tormento do desejo, da atração física.

— Bridget... — ele falou em voz baixa, em tom de súplica. Ela desviou o olhar, respirou fundo e suspirou.

— Isso foi há muito tempo, Jonas.— Será que foi? — perguntou ele, com raiva por ela conseguir controlar as emoções,

enquanto ele não tinha essa facilidade.— Olhe... chegou uma freguesa, preciso atender, com licença. Bridget estava de novo fria e controlada. Aquele breve instante de entrega terminara.

Jonas olhou impaciente para a porta de vidro e viu uma mulher que ia entrar, depois virou-se rápido para Bridget, sério e exigente.

— Mande-a embora — ordenou ele — diga que vai fechar mais cedo, hoje!Ela ergueu o queixo, como uma menina teimosa.— Não vou fazer isso, Jonas. Note bem que eu disse "não vou*' e não "não posso".A porta da loja se abriu e fechou, produzindo o som dos sininhos.— Oi, Bridget. Que frio! Parece que vai nevar... você ouviu a previsão do tempo? —

disse a mulher, passando um lenço no nariz vermelho, depois cumprimentou Jonas educadamente.

— Não, não ouvi.— Mas eu sei que vai nevar — insistiu a mulher e depois olhou para as prateleiras da

loja. —- Onde é que está a juta?Jonas movimentou-se, irritado, desejando que a mulher achasse logo a juta e fosse

embora depressa. Ficou observando Bridget que atendia a mulher com toda a calma, ignorando-o totalmente.

— Está ali, naquela prateleira atrás dos novelos de lã... que tipo a senhora deseja?— Não sei bem... — A mulher colocou a mão no bolso e retirou um pedaço de papel. —

Foi minha irmã quem pediu para comprar, sabe. Ela escreveu aqui o que deseja. Eu não entendo nada disso.

— Pode deixar que vou ajudá-la.Bridget saiu de trás da caixa registradora e dirigiu-se para a prateleira que indicara,

seguindo a mulher. Jonas virou-se quando ela passou por ele e deteve-a, segurando-a pelos ombros. Ela se empertigou, resistindo, e lançou a ele um olhar cheio de ressentimento.

— Jante comigo hoje! — A frase era uma ordem e um pedido ao mesmo tempo. E ele acariciou sensualmente os ombros dela, que estava segurando. — Em nome dos velhos tempos...

A vontade era de puxá-la para si, encostá-la contra seu corpo e beijá-la com ardor, mas Jonas não podia fazer isso... não assim, depois de dez anos, depois das circunstâncias que envolveram sua partida, isso sem contar o que ficara provado assim que ele se ausentara.

— Não é possível, Jonas. — Bridget afastou as mãos dele de seu ombro com fria determinação e, com um sorriso altivo e distante, acrescentou: — Espero que tenha um bom fim de semana. Sei que Bob e Evelyn vão adorar sua visita.

E ela se afastou dele, encerrando o assunto. Jonas ficou olhando até que ela sumiu atrás da prateleira, e xingou mentalmente aquela aliança na mão esquerda dela, que tolhia seus desejos. Ele tinha sido um louco em voltar! Já fazia mais de dez anos que partira e as cinzas já deviam ter esfriado. Era tarde demais para tentar reavivar a chama. Talvez só outro homem conseguisse isso.

Jonas saiu feito um furacão da loja, batendo a porta, frustrado. Por que fora deixar que ela tomasse conta de seus sentimentos daquele jeito? Como não percebera que ela tinha voltado furtivamente à sua circulação sanguínea, como se fosse uma doença? Era mesmo uma doença e ele tivera uma recaída. Por que nesses dez anos ela não se tornara gordona, disforme, desmazelada e frígida?

Já estava quase chegando ao carro e o ar frio abrandara um pouco seu humor. Quando estava com as chaves na mão, abrindo a porta, viu os esquis amarrados no bagageiro em cima do carro. Imediatamente mudou de idéia e entrou na estação de ônibus, onde havia também uma lojinha. Foi até o telefone público, folheou a lista telefônica até que encontrou o número que procurava. Colocou a ficha e discou.

Uma voz de homem atendeu do outro lado da linha e Jonas falou, meio brusco:— Oi, Bob, aqui é Jonas.

— Jonas! Que bom! Evelyn já arrumou o quarto de hóspedes para você e estamos esperando você para jantar. Onde está? Evelyn está dizendo aqui que, se telefonou para dar alguma desculpa, pode desistir! Hoje não tem desculpa. O jantar já está pronto!

— Olhe, sinto muito, Bob — interrompeu Jonas, impaciente — mas surgiu um imprevisto, não vai dar mesmo!

— Você não pretende que eu acredite nessa história, não é? — Bob riu. — Esse imprevisto é loiro ou moreno? Aposto como é aquela moreninha boazuda que vi com você em Nova Iorque!

Jonas não confirmou nem negou o fato de haver mudado de idéia por causa de uma mulher.

— Vamos deixar para outra vez, Bob. Se o convite continua em pé, vou visitá-lo outro dia — mentiu Jonas.

— Você sabe que será sempre bem-vindo!— Você tem meu telefone, não tem? Se for a Nova Iorque outra vez, não deixe de me

telefonar, está bem?— Talvez eu vá no mês que vem. Evelyn está louca para ir, desde que eu voltei daquela

viagem... Cuide-se bem, meu chapa!Poucos minutos depois Jonas estava ao volante, saindo da cidade, e só então percebeu

que não se encontrara mais com a moreninha de que Bob falou desde que decidira ir a Randolph, há três semanas. Era a lembrança de Bridget que já começara a dominá-lo desde aquele dia. Apertou com força a direção gelada, sentindo uma enorme frustração.

CAPITULO 2

Bridget acabou de tomar banho e estava se enxugando quando ouviu um barulho na sala. Ficou à escuta, intrigada. Pendurou a toalha e vestiu apressada o roupão de algodão sem mesmo acabar de se enxugar. Saiu cautelosamente no corredor, amarrando o cinto enquanto andava. Não havia ninguém na sala, estava tudo calmo e nesse momento ouviu barulho na cozinha. Puxou os cabelos para trás e franziu a testa, preocupada.

— Quem está aí? — falou em voz alta, aproximando-se da porta da cozinha.Uma mulher de cabelos escuros virou-se, sorrindo, e acenou para ela, de perto da pia.— Sou eu!— Mamãe! — Bridget suspirou, irritada. — Mas o que faz aqui?— Eu trouxe um pouco de cebolinha e de alface da minha horta. Sabe que na próxima

semana acho que os tomates já estarão no ponto de colher? Eu adoro verduras e legumes frescos, que a gente mesmo planta, e você sabe que seu pai adora plantações! — Ela começou a abrir as portas dos armários. — Trouxe umas rosas também. Onde você guarda vasos, Bridget? Puxa, acho que você devia deixar a porta da rua trancada, afinal você mora sozinha nesse lugar afastado e nunca se sabe quem pode entrar!

— É verdade — concordou Bridget secamente. Foi até o armário que ficava sobre o fogão e pegou um vaso.— Ah, você estava tomando banho! Por isso não me ouviu entrar! Só naquele momento é que Margaret percebeu que a filha estava de roupão, com

mechas de cabelo molhado grudadas no pescoço.— Pois é, mamãe.Bridget estava acostumada com o jeito de ser da mãe. Ela era distraída e nem um

pouco observadora.— Você vai sair hoje? — perguntou a mãe, enquanto arranjava as rosas no vaso.— Vou, sim. Com Jim — respondeu Bridget, num tom suave, lembrando-se de uma

certa insistência. — Deixe que eu arrumo as flores.— Está bem, você faz isso, enquanto eu limpo a alface e a cebolinha.— Não precisa, mamãe — Bridget estava decidida a manter a calma — eu faço isso.

— Você vai sair hoje, não pode ficar com as mãos cheirando a cebola! — Ela abriu a torneira de água fria. — Onde você guarda as facas, Bridget?

Bridget contou até dez para não perder a calma, enquanto abria a gaveta dos talheres e entregava uma faca para a mãe.

— Eu acho que você devia guardar facas numa gaveta separada. É perigoso, assim você está arriscando a cortar a mão quando vai pegar outra coisa... Bom, mas a casa é sua... você guarda onde quiser, não vou dar palpite.

— Obrigada, mamãe — respondeu sarcástica, mas a mãe não percebeu.— Jim é um bom sujeito. Eu gosto dele. Ele seria um bom pai para Molly. É forte,

seguro, digno de confiança e inteligente também. Ele ainda está trabalhando na construção daquela estrada, durante o verão?

— Está sim.— É uma pena! Ele deveria aproveitar os verões para fazer cursos de pós-graduação.

Devia estudar e não desperdiçar a inteligência que tem fazendo serviço braçal... — Margaret suspirou.

— Jim faz isso para poder recuperar o que gastou estudando até agora — comentou Bridget secamente.

— É claro, eu entendo isso. Mas é que eu tenho certeza de que ele tem capacidade para muito mais, em vez de ficar lecionando nessa escolinha aqui! Eu...

— A Escola Técnica do Instituto Randolph é uma escola excelente! — defendeu Bridget.— Eu sei, mas Jim poderia conseguir coisa melhor. É só ele fazer a pós-graduação e

tenho certeza de que consegue uma cadeira em alguma faculdade em Princeton ou Dartmouth. Seria muito melhor para você e para Molly!

— Ora, mamãe, será que ninguém serve para mim simplesmente, do jeito que é, sem precisar mudar? — disse Bridget nervosa, não suportando mais a constante intromissão da mãe. — Será que você precisa estar sempre querendo mudar as pessoas que se aproximam de mim? Querendo moldá-las e transformá-las no que você acha que seria melhor?

— Eu nunca interferi em nada! — Margaret parecia realmente admirada com a acusação. — Seu pai e eu só queremos o melhor para você.

— Não meta papai nisso! — protestou Bridget. —-Você sabe muito bem que ele só faz e diz o que você quer!

— Não é assim. Nós costumamos conversar e discutir o assunto...— Até que ele acabe concordando com o que você já decidiu! Bridget virou-se de costas. Estava perdendo a paciência, estava se descontrolando e

isso era inútil, não levava a nada.— Pode estar certa, Bridget, de que tudo o que fazemos é só depois de pensar no que

seria melhor para você. E isso inclui também os namorados que você arranja. Queremos que você tenha tudo do melhor, e isso não é errado. — A mãe sorriu. — Logo, logo, Molly vai chegar a uma idade crítica e então você vai entender o que seu pai e eu passamos com você! Por falar em Molly, onde está ela? Andando a cavalo?

— Não, ela está me pedindo para dormir na casa de Vicki desde que começaram as férias de verão e, como hoje eu vou sair com Jim, achei que seria uma boa ocasião para deixar Molly ir.

— Vicki? A filha dos Smith? Francamente, Bridget, você não acha que esse relacionamento é...

— Faça um favor, mamãe! — Bridget pressionou as têmporas que latejavam com a tensão. — Ela é minha filha! E eu sou perfeitamente capaz de escolher as amizades dela, embora não decida por ela como você fez comigo há dez anos!

Fez-se um silêncio pesado e a mãe olhou para ela, magoada.— Pelo amor de Deus! Por que é que precisava desenterrar isso, agora?!— Não sei. Não tem nada a ver...Bridget encolheu os ombros, impaciente. Bridget estava tremendo. Sentia um vazio no

peito, uma dor familiar que a consumia há muito tempo. A mãe virou de costas para ela outra vez e continuou a lavar a alface na pia, enquanto falava.

— Ficou provado que seu pai e eu agimos certo, que tínhamos razão para fazer o que fizemos. Afinal de contas...

— Talvez eu não quisesse que vocês provassem ter razão! — Bridget sufocou um soluço. — Eu o amava e isso era a única coisa que me importava. — Ela passou a mão pelos cabelos. — Você já pensou nisso alguma vez, hein?

— Isso tudo pertence ao passado, Bridget. Não devia mais se aborrecer com essas coisas. Agora você tem Jim e....

— Acontece que eu não amo Jim! Ele é muito bonzinho e é ótima companhia, mas é só isso! Portanto, pare de ficar planejando casamentos para mim. Um já foi suficiente!

— Você não pode estar arrependida ou sentida comigo por isso! — A mãe franziu a testa incrédula. — Afinal, você tem Molly e...

— Mamãe, por favor, volte para sua casa. — Bridget foi até a pia e fechou a torneira. — Não quero que fique magoada, mas acho melhor ir embora antes que eu perca o controle.

— Se é isso que você quer... — Margaret ergueu o queixo, escondendo o orgulho ferido num sorriso. — Eu já estava mesmo de saída.

Ela enxugou as mãos, cuidadosamente, num pano de prato perto da pia, enquanto Bridget se sentia invadida por um sentimento de culpa.

— Ah, mamãe... — Bridget suspirou. — Não é que eu não entenda. Eu sei que você gosta de mim e quer meu bem, mas estou com vinte e oito anos! Tenho minha casa e minha família, agora. Eu preciso viver minha vida, cometendo erros ou não! Eu tenho que escolher o que quero e devo fazer. Você não pode continuar me tratando como se eu fosse criança, nem pode querer dirigir minha vida!

— Não estou querendo dirigir sua vida, mas também não posso deixar de pensar que você é minha filha!

— É claro! Eu sempre serei sua filha — concordou Bridget pacientemente. — A única diferença é que agora sou adulta. Por favor, tenha um pouco mais de confiança em mim. Você não acredita que eu possa ter bom senso e inteligência?!

— É claro que sim... sempre acreditei.— Será mesmo? Então por que há dez anos...— Há dez anos você estava cega de amor, com a cabeça cheia de sonhos românticos e

não tinha condições de ver nada por si mesma — retrucou a mãe. — E naquela época eu apenas provei que ele não era o homem certo para você! Não entendo por que fica batendo nessa mesma tecla, agora!

Bridget virou-se de costas. Aquilo não era assunto que pudesse discutir com a mãe!— Preciso me vestir. Jim vai chegar daqui a pouco.— Aonde vocês vão hoje? Parece que você falou qualquer coisa sobre um show em

Montpelier, não foi?— É, a gente ia lá, mas Jim telefonou hoje para mudar o programa — respondeu ela

mecanicamente.— E aonde vão então?Bridget olhou para a mãe com um meio-sorriso nos lábios, misto de raiva e

incredulidade.— Mamãe, você não ouviu uma palavra do que eu disse agora há pouco? Não preciso

prestar contas a você do que faço e de onde vou!— É que é sempre bom a gente saber onde você está... pode ser que aconteça algo a

Molly e a gente precise de você! — argumentou Margaret.Bridget apenas balançou a cabeça e não respondeu nada. Às vezes era mais fácil

entregar os pontos e ficar quieta do que discutir para afirmar sua independência.— Bob e Evelyn convidaram a gente para um churrasco — disse Bridget com um

suspiro. — É lá que nós vamos e a mãe de Vicki sabe onde me encontrar se precisar de mim.— Na casa dos Tyler? — A mãe torceu a boca, desaprovando. — Não sei não... Essas

festinhas deles, dizem que...— Eles são agradáveis e divertidos! Sei que às vezes são um pouco barulhentos —

admitiu Bridget — mas, mamãe, lembre-se de que moramos em Vermont e aqui as casas são

bem distantes umas das outras, separadas por bosques. Agora volte para a sua casa. Papai já deve estar preocupado.

— É para comemorar o que, esse churrasco?Margaret simplesmente parecia ignorar o que não queria ouvir.— Não é para comemorar nada.... é só para reunir os amigos numa tarde de sábado.

Agora preciso ir me arrumar, mamãe! — disse ela, e fez menção de ir para o quarto.— A que horas você vai voltar? Bridget parou, fervendo de raiva.— Não tenho a menor idéia! — Ela olhou por sobre o ombro e respondeu em desafio,

ameaçando, sarcástica! — Talvez eu nem volte para casa. Talvez descubra alguma orgia por aí e peça para Jim me levar para tomar parte!

— Bridget!A mãe ficou atônita e sentiu-se chocada com a resposta. Não achou graça nenhuma.— É melhor você ir, mamãe, ou eu não respondo por mim se você ainda estiver aqui

quando Jim chegar! Deus me livre! De hoje em diante vou deixar a porta trancada e faço questão de que você não tenha uma chave!

— Não sei o que há com você, Bridget! Você anda tão nervosa e mal-humorada, perde a calma por qualquer coisinha! — falou Margaret, indignada.

Bridget correu para o quarto e bateu a porta com tanta força que o batente estremeceu. Imediatamente ela parou e começou a rir. Essa cena de bater a porta do quarto repetia-se com bastante freqüência, desde há muito tempo. Era um modo infantil de descarregar a raiva, mas ela não conseguia deixar de agir assim. Bridget chegou à conclusão de que as pessoas não amadurecem ao se tornarem adultas, elas apenas se tornam inibidas. Quanto ao nervosismo e à preocupação com o passado, da sabia bem a razão. Era uma conseqüência direta daquela sexta-feira, no mês de março, em que Jonas tinha aparecido na loja. Assim que ela o viu, parado diante da porta de vidro, quase perdeu o controle. Felizmente a sra. Dutton estava lá, exigindo sua atenção, senão não sabia o que teria feito. Quando ele entrou na loja, então, não sabia se corria para ele ou se fugia. E acabou não fazendo nem uma coisa nem outra.

Pensando bem, Bridget achou que se portara bem durante o encontro, conseguira aparentar calma e controle apesar do tumulto interior, do turbilhão de emoções. Tinha havido alguns instantes de fraqueza, é certo, mas afinal conseguira manter intacto seu orgulho e dar o fora nele. É que ela já estava convencida de que a lembrança dele era funesta e a perturbara durante todos esses anos. Bridget não conseguira esquecê-lo, mas estava começando a acreditar que podia reconstruir sua vida e até mesmo ser feliz, sem Jonas.

Entretanto, quando o viu de novo, sentiu voltar todo o amor e a paixão que sentira no passado. A mágoa que há dez anos a queimava por dentro, como um braseiro quase apagado, reacendeu-se imediatamente. E não era fácil passar mais uma vez pela agonia de superar tudo e não se deixar abater. Precisava conseguir isso! Quem sabe desta vez levaria menos tempo! Agora, era melhor se preocupar com o presente. Jim estava para chegar e era melhor se aprontar logo. Sorriu, lembrando-se de que ele gostava de brincar com ela, chamando-a carinhosamente de "viúva alegre de Vermont". E naquela tarde Bridget estava decidida a ser exatamente isso, sem nenhuma recordação do passado!

A pessoa mais alegre naquele churrasco seria ela, Bridget O'Shea, viúva do falecido Brian O'Shea! Foi até o armário e escolheu um traje que combinasse com essa sua determinação. Vinte minutos depois ouviu uma voz de homem chamando por ela.

— Oi! Você está pronta?— Oi, já estou indo, Jim — respondeu ela do quarto. Examinou-se pela última vez diante

do espelho, ajeitou o cabelo e foi para a sala. — Que tal, estou bem? — perguntou ela, rodopiando diante de Jim.

Ele estava em pé, parado perto da porta. Era de estatura média, entroncado, tinha cabelos escuros e usava óculos. Examinou-a com ar de aprovação.

— Está maravilhosa. Parece um raio de sol! — Jim sorriu.O sorriso sempre pronto era uma das coisas mais cativantes nele.

— Estou brilhante demais, então, não é? — Bridget riu, olhando para a calça comprida que vestia.

Ela usava um conjunto de calça comprida e jaqueta de manga curta, em tons de amarelo e vermelho. Na lapela, uma flor combinando.

— Está linda! Vamos indo, então?— Será que é melhor levar um agasalho? —- Bridget hesitou.— Depende do que está pretendendo. Se está planejando me levar para um passeio ao

luar, de madrugada, acho que sim — disse ele em tom de brincadeira.— Não brinque, Jim! — Ela sorriu.— Não estava brincando. Eu falo sério, você é que não. — Ele encolheu os ombros e

suspirou significativamente.— Ora, vamos... — Ela percebeu que o assunto ia mudar para o relacionamento deles e

procurou desviar a conversa. — Como é, levo ou não o agasalho?— Acho que é melhor, pode ser que refresque mais tarde. — Então espere aí, vou buscar.— Ande logo, que eu estou levando o chope e preciso chegar cedo! O casaquinho que

ela queria estava pendurado no encosto de uma cadeira, na cozinha. Bridget correu para lá.— Já achei, está aqui — disse, pendurando o agasalho no braço e voltando para perto

de Jim.No breve instante em que passou pela cozinha, percebeu que a pia estava limpa. Não

havia o menor sinal de alfaces ou cebolinhas. Olhou para o vaso de rosas e notou que elas estavam arrumadas de um jeito diferente, não como ela arranjara.

— Puxa vida! — exclamou ela entre os dentes, furiosa. — É inacreditável!— O que é inacreditável? — perguntou Jim, curioso. — Por que essa cara brava? O que

aconteceu?— Nada. É minha mãe... vive achando que precisa cuidar de mim!— Ah, minha mãe é a mesma coisa! Eu sei como é, realmente é de irritar! — concordou

ele, sorrindo. — Vamos? — Ele abriu a porta corrediça, de vidro, que dava para o terraço, e esperou Bridget passar — Não deve ser fácil pra você que mora em frente da casa dos seus pais. Deve dar a impressão de que continua sob o controle deles.

Bridget lançou um rápido olhar para a enorme casa branca do outro lado da rua, bem em frente a seu pequeno chalé.

— Só impressão?! — ironizou, enquanto entrava no carro de Jim. Era um modelo pequeno e econômico. — Puxa, às vezes eu acho que minha mãe passa mais tempo cuidando da minha casa do que da dela!

— Até que é bom ter quem arrume as coisas pra você de graça — disse Jim, procurando ver um lado bom na situação.

— É, quanto a isso você tem razão — concordou ela sorrindo, sem vontade de discutir o assunto a fundo, — E também não posso dizer que não imaginava isso quando me mudei para cá... perto deles.

— Agora você sabe como é! — Jim sorriu e sentou-se ao volante.— Era bem conveniente enquanto Molly era menorzinha. Eu não precisava me

preocupar com o fato de ela sair da escola antes de eu voltar do serviço. Ela ficava ali na casa da avó, do outro lado da rua e era fácil para mim... era só atravessar a rua para ir buscá-la quando eu chegava.

— Molly é uma menina inteligente! — comentou Jim displicentemente. — Ela ficou com a avó, hoje?

— Não. Ela ficou na casa de uma amiguinha dela, e mamãe ficou me azucrinando por isso. — Ela suspirou. — Acho que minha mãe é uma esnobe.

— Sua mãe tem mania de superproteção, que nem a minha — disse Jim — e não só com os filhos. Ela sempre faz o que acha que é certo e bom para uma pessoa, sem considerar o que essa pessoa acha que é certo e bom. Não leva em conta a opinião dos outros, e com isso faz inimigos em vez de amigos agradecidos. Esse é que é o problema.

— Por acaso você é professor de psicologia? — Bridget riu.

— Não, é que conheço bem minha mãe. E pelo que você me conta da sua, acho que elas são bem parecidas! — Jim sorriu.

— Você me faz bem, Jim. Gosto da sua companhia!Bridget se reclinou no encosto do banco, sentindo-se relaxada, sem ligar mais para o

aborrecimento que a discussão com a mãe provocara. Não estava mais chateada.— Podia fazer mais bem ainda se... mas não vamos falar nisso agora — acrescentou

rápido, depois de perceber que Bridget parara de sorrir. — A paciência é uma de minhas virtudes!

— Além da perspicácia e da compreensão — acrescentou ela, pensativa.— Não precisava ser muito perspicaz para perceber que você ficou abalada e triste

quando perdeu o marido.— Brian era um homem bondoso, sensível e compreensivo. Você se parece com ele em

muita coisa.— É por isso que você tem tanto receio? — ele brincou, tentando fazê-la rir, mas no

fundo falava sério.Bridget apenas balançou a cabeça, vagamente, e ficou olhando a paisagem campestre.— Está tudo tão verde! Não é?Jim examinou por um breve instante o perfil dela, sabendo que Bridget mudara de

assunto de propósito. Mas, como já dissera, ele era paciente. Há seis meses ela não aceitava nem sair com ele. Até que já fizera algum progresso de lá para cá.

— É sim. Está muito bonito — comentou ele, apenas.De carro até a casa dos Tyler levava poucos minutos. Aliás, em Vermont tudo era perto

e os caminhos eram lindos. De todos os lugares se viam as colinas, cobertas de bosques em vários tons de verde, os campos com plantações e os prados verdes salpicados de flores e os muros de pedra que separavam as propriedades. Era tudo rústico e bonito, sem poluição e sem os estragos que o progresso às vezes ocasiona. Bétulas, com seus caules brancos, marcavam a entrada da propriedade dos Tyler. Havia um enorme gramado cercando a casa. Quando chegaram já havia vários outros carros estacionados. O som de vozes, risos e música indicava que a reunião estava animada.

— Acho que estão no pátio do fundo — comentou Jim. — Vá para lá que eu vou pegar o barril de chope no porta-malas.

— Está bem. — Bridget sorriu e desceu do carro, assim que Jim desligou o motor.Quando apareceu no quintal foi recebida com estardalhaço pelos seis casais que já

estavam lá. Evelyn tinha arrumado umas mesas de piquenique, sob as árvores, na sombra, e havia uma sortida variedade de comidas. Perto havia uma grelha onde alguns pedaços de carne chiavam nos espetos.

— Até que enfim chegaram! Já íamos comer e não ia sobrar nada para vocês — ameaçou Bob em tom de brincadeira.

— Ah, é? Então iam ficar sem o chope! — respondeu Bridget, rindo.Nesse momento surgiu Jim carregando o barril. Imediatamente os outros homens o

saudaram com vivas e correram para ajudar a instalar a serpentina e o sifão. Com algazarra e muito riso discutiam quem seria o primeiro a beber. Evelyn veio de dentro da casa, saindo pela porta dos fundos, e segurando com panos uma travessa quente. Passou por Bridget e mal a cumprimentou, olhando direto para o marido.

— Bob — repreendeu ela em voz alta —, você devia estar tomando conta da carne.— Puxa, é mesmo! — Ele correu para a grelha, envolta em fumaça. — Minha gente,

espero que todos gostem de carne bem-passada! — Ele riu, alegre.— Ah, ele é pior do que criança! — murmurou Evelyn para Bridget, balançando a

cabeça. — Não se pode deixá-lo sozinho por um minuto, sem que ele apronte alguma!— Posso ajudar em alguma coisa? — Bridget sorriu.— Se quiser, pode preparar a salada e trazer os pratos. Estão em cima do móvel da

cozinha.Os churrascos que os Tyler costumavam oferecer eram sempre reuniões descontraídas,

em que todos ajudavam. A maioria dos casais se conhecia desde criança.

— Pode deixar! — disse Bridget, e dirigiu-se para a cozinha.— Cuidado com o gato! Ele está doido para roubar alguma coisa! — avisou Evelyn.Bridget afastou-se, rindo. Quando entrou, o gato estava de tocaia numa cadeira da

cozinha, olhando com interesse para uma gelatina em cima da mesa. Imediatamente ela o espantou dali. Começou a colocar os ingredientes da salada na travessa e quando estava temperando com azeite ouviu alguém entrar na cozinha. Pensou que fosse um dos três filhos do casal e nem se preocupou em olhar.

— Oi, Bridget.Ela ficou paralisada. Por um instante não conseguiu nem respirar. Depois se virou

bruscamente e encarou o homem que falara com ela e que estava encostado na porta da geladeira. Sentiu fogo correndo em suas veias, mas depois ficou gelada.

— Oi, Jonas! — Não sabia como conseguira falar num tom tão calmo. — Quer dizer que afinal resolveu aceitar o convite de Bob, não é?

Com muito esforço conseguiu não parecer trêmula, enquanto largava a lata de óleo e a colher, mas a presença dele a perturbava, a proximidade dele mexia com todos os seus nervos. O perfume másculo que emanava dele deixava-a desnorteada. O cabelo dele ainda estava molhado, indicando que ele tinha acabado de sair do banho. Vestia jeans e uma camisa esporte, branca, que deixava entrever o peito. As mangas compridas estavam dobradas até os cotovelos.

— Pois é. Em março acabei cancelando a visita — Jonas chegou mais perto e roubou uma azeitona da salada — mas acho que você sabe disso, não é?

— É. Evelyn me contou que você ligou na última hora para adiar a visita — confirmou Bridget.

Seria inútil mentir.— E você não contou que tinha me visto — declarou ele, sem esperar qualquer

confirmação.— Achei que não tinha motivo para dizer. — Ela acrescentou mais azeitonas à salada.

— Eles estavam chateados por você ter desistido de vir... Tenho certeza de que desta vez eles estão contentes por você ter vindo!

Bridget decidiu que a salada estava pronta. Podia acrescentar mais alguma coisa, ainda, mas queria ir lá para fora e ficar longe de Jonas. Pelo menos lá teria a proteção da companhia dos outros convidados.

— Mas você não está — declarou ele.— É claro que estou! — ela mentiu.— Engraçado, não parece! — comentou Jonas secamente.— Sinto muito se não acredita. — Bridget deu de ombros, pegou a travessa de salada e

encaminhou-se para a porta. — Quer fazer o favor de trazer a gelatina? Acho que já vamos começar a comer.

Ele a perscrutou por instantes com um olhar perturbador, antes de se aproximar da mesa, e depois saiu atrás dela. Bridget esforçava-se para manter uma aparência calma e parecia estar conseguindo, pois Jonas estava acreditando.

— Ah, até que enfim aparece o convidado de honra! — disse Bob quando viu Jonas, e ergueu o copo num brinde. — Bem-vindo à terra natal, Jonas!

Todos os outros o rodearam para cumprimentá-lo e fazer brindes. Bridget colocou a travessa junto com as outras e foi até a grelha, onde Evelyn cuidava da carne, em lugar de Bob.

— Deixe que eu seguro o prato — ofereceu-se. ,E retirou-o da mão de Evelyn, que tentava equilibrá-lo, enquanto retirava os espetos já

prontos.— Puxa, Jonas está sendo recebido como um herói, não é? — disse Evelyn, lançando

um rápido olhar na direção do grupo.— Se está!Evelyn não deixou passar despercebido o tom de voz da amiga e olhou preocupada

para Bridget.

— Você não se importa de Jonas estar aqui, não é? — perguntou ela. — Depois que Bob convidou você e Jim eu fiquei pensando se você não ia achar ruim encontrá-lo aqui. Vocês dois terminaram o namoro tão de repente, foi tão inesperado... nunca ninguém soube realmente o que houve. Depois que Jonas foi embora, você também foi, logo em seguida.

— Não, eu não me incomodo — apressou-se Bridget, cortando o assunto. — Pode ficar sossegada! Já faz dez anos que tudo aconteceu.

— Ainda bem. Agora fiquei mais tranqüila! — Evelyn suspirou, aliviada.Mas a verdade era que Bridget sentia como se tudo tivesse acontecido na véspera. As

lembranças voltaram com força e nitidez. Ela procurou Jonas com o olhar. Lembrou-se de como ficara impressionada a primeira vez em que o vira, há onze anos. Ele era alto e vigoroso. Os músculos bem proporcionados tornavam seu corpo esbelto, fazendo-o parecer magro. Os ombros eram largos e os quadris estreitos. Havia algo de primitivo e perigoso nele, naquela época, uma força viril que atraía irresistivelmente. Depois de dez anos, ele não parecia muito mudado, a não ser pela expressão mais severa, um tanto cínica e arrogante. Estava um pouco mais sofisticado, mas continuava a ter o mesmo carisma. Destacava-se com facilidade, em qualquer grupo. Bridget viu que ele estava rindo e lembrou-se como o sorriso dele tinha o poder de derreter seu coração e deixá-la desarmada em qualquer briga. Dez anos não tinham mudado isso também.

— Ah... comida! — Jim chegou perto dela, farejando guloso o prato de carne. Enlaçou-a pela cintura com ar de posse. — Você e eu vamos ser os primeiros da fila!

Bridget ia responder com uma piadinha quando percebeu o olhar severo de Jonas. Descobriu então que nem isso mudara. Ele continuava com aquele misterioso poder de saber sempre onde ela estava e com quem, embora parecesse nem estar notando sua presença. Era desconcertante saber que esse elo invisível continuava com a mesma força, não se destruíra. Mais do que isso, sabia também que Jonas ainda a desejava, só que ela não cairia nessa armadilha pela segunda vez!

Propositalmente virou-se para Jim, sorrindo com afeição e mostrando-se feliz. Sabia que Jonas estava olhando e queria que ele tirasse a conclusão lógica disso. Lamentava estar se utilizando assim de Jim, mas esta noite mais do que nunca precisava dele a seu lado. Ele era seu escudo, sua proteção contra o fascínio que Jonas exercia.

CAPITULO 3

Jonas não fez nenhuma tentativa de testar a eficiência dessa proteção. Nem se aproximou de Bridget enquanto ela estava perto de Jim. Depois do pôr-do-sol, entretanto, os pernilongos começaram a atacar e não foi mais possível ficar lá fora. Resolveram continuar a festa dentro de casa. Num espaço fechado e bem menor tornou-se impossível para Bridget continuar evitando Jonas. Quando ela o viu encaminhar-se para o sofá, onde estava com Jim, encheu-se de coragem e preparou-se para enfrentar uma inevitável conversa. Justamente naquele instante Bob se levantara para buscar uma bebida, deixando vaga a poltrona ao lado do sofá.

— Incomoda-se se eu me sentar aqui?Quando ele terminou a pergunta já estava instalado na poltrona desocupada.— Eu não! — mentiu Bridget. — Mas Bob, pode ser... ele estava sentado aí.— Quando ele voltar a gente disputa o lugar. — Jonas sorriu languidamente.Havia um brilho zombeteiro em seus olhos quando encarou Bridget, depois desviou o

olhar para Jim, que estava com o braço apoiado no encosto do sofá por trás de Bridget.— Você já conhece Jim Spencer? — Ela se achou na obrigação de fazer as

apresentações. — Ele leciona na escola daqui.— E consigo sobreviver trabalhando durante o verão na construção da estrada —

acrescentou Jim, antes que Bridget pudesse dizer qualquer outra coisa. Estendeu a mão a Jonas. — Nós já tínhamos conversado, lá fora.

— É, eu me lembro. — Jonas sorriu amavelmente.Mas Bridget percebeu o olhar de avaliação dele medindo o rival. Ela reconhecia aquele

olhar dissimulado, sagaz e atraente. Olhou a mão bronzeada e elegante que ele estendeu para apertar a de Jim. Depois ele se recostou na poltrona, parecendo relaxado, mas Bridget sabia que ele estava tão tenso quanto ela. Estava uma pilha de nervos, alerta aos menores movimentos dele, como se precisasse se defender. Uma vitrola tocava no canto da sala e as pessoas riam e conversavam, divertindo-se a valer. Bridget desejou poder fazer o mesmo.

— As festas de Bob não mudaram nada desde a época em que nós vínhamos juntos, não é, Bridget? — Jonas comentou em tom casual.

Bridget ficou tensa. Ela não contara nada a Jim sobre Jonas. Não tinha parecido necessário, nunca surgira ocasião, e ali na festa não era o lugar certo para contar a ele que seu ex-namorado estava presente.

— Vocês dois já se conheciam?Jim parecia não ter pensado na possibilidade até aquele momento. Ela olhou para

Jonas, furiosa, e notou o brilho cínico e zombeteiro no olhar dele.— Bridget e eu nos conhecemos muito bem — respondeu Jonas.Ela enrubesceu com o tom insinuante com que ele falou. Jim colocou o braço sobre

seus ombros, como se quisesse afirmar uma posse que até há pouco não achara necessário afirmar.

— Isso foi há muito tempo, Jonas — disse Bridget, olhando-o com ressentimento,— Você já disse isso antes — respondeu ele, como se não acreditasse que o tempo

tivesse importância nessa questão.A julgar pelo tumulto interior que provocava nela, Bridget achou que ele podia ter razão,

mas não queria demonstrar isso. Baixou o olhar para o copo vazio que tinha nas mãos.— Quer que eu vá buscar mais chope para você? — ofereceu Jonas.— Quero sim, por favor — ela respondeu, querendo que Jonas se afastasse.— Eu vou buscar, pode deixar.Jim disse isso e pegou o copo, que ela estendia para Jonas, com ar de dono, como se

quisesse deixar bem claro que era ele quem cuidava de Bridget, e não Jonas. Jonas deu de ombros e não insistiu, e Bridget não podia protestar. Só quando Jim se afastou ela percebeu o riso de satisfação dele, mostrando que ele já sabia que a reação de Jim seria essa. Conseguira ficar sozinho com ela, conforme planejara. Ela estava sem proteção e realmente vulnerável.

— Está com medo? — provocou Jonas.— De quê? — Bridget fez um olhar inocente e cândido.— De ficar sozinha comigo — explicou ele, mesmo sabendo que não era necessário. Os olhos cinza-esverdeados tinham um brilho intenso.— Ora, deixe de bobagens, Jonas! — disse ela com raiva por ele poder adivinhar suas

emoções.Os músculos da face se retesaram e a expressão dele se tornou inescrutável. Olhou

para o copo que segurava.— Por que você não me contou que seu marido morreu, Bridget?— Pensei que já soubesse. Todo mundo aqui sabe da morte de Brian.— Só fiquei sabendo depois, quando Bob me contou. — Ele lançou um olhar severo. —

Você não parece muito desconsolada.— Já faz muito tempo que Brian morreu. Você não ia querer que eu andasse de luto o

resto da vida, não é? — Bridget defendeu-se da censura velada que percebeu na voz dele.Ele baixou o olhar de novo, brincando com o copo.— Você o amava?— Isso nem merece resposta! — disse ela, brava, sentindo um nó na garganta. — Se

você acha que eu ia deixar um homem que eu não amasse me engravidar...— Então você o amava tanto quanto dizia me amar? — ele falou com voz suave, mas o

tom era sarcástico.— Não. Desta vez não me deixei enganar! — respondeu ela no mesmo tom.

— Onde é que conheceu esse tal de Brian...— Brian O'Shea... — disse ela e ficou hesitante, sem saber se respondia ou não. Todos

ali conheciam a história. — Depois que você... foi embora, mamãe achou que eu devia me afastar daqui por uns tempos, por isso fui passar uma temporada na casa da irmã dela em Pittsburgh. Brian era sobrinho do marido da minha tia.

— Ah, sei! Tinha que ser coisa da sua mãe! Aposto como ela aprovou Brian.— Aprovou. Ele era um bom sujeito, amável e compreensivo, duas coisas que na época

eu estava precisando desesperadamente.Sem se dar conta, Bridget ergueu-se bruscamente, incapaz de continuar a conversa.

Jonas ergueu-se também para detê-la e segurou-a firme pelo pulso. O contato da mão dele paralisou-a.

— Sei que você sofreu quando eu fui embora, mas parece que não durou muito. O sofrimento nem deixou cicatrizes.

Será que não mesmo? Ela estava com vontade de gritar, de dizer que ele olhasse bem para seu coração, mas não disse nada. Preferiu deixá-lo acreditar que ela superara o sofrimento e o esquecera definitivamente.

— E depois, o que aconteceu? Como é que... Brian morreu? Ele pronunciou o nome com ciúmes e ódio.— Num desastre de automóvel. Morreu na hora.— E daí você correu para a casa da mamãe! — concluiu Jonas, sarcástico.— É, mas fiquei só alguns meses. — Ela ergueu o queixo, orgulhosa, mas não se

atrevia a olhá-lo nos olhos. — Não é nada fácil enfrentar a vida quando a gente é jovem e está sozinha com uma filha pequena. Além disso, tinha saudades de Vermont. Não gosto de morar na cidade.

— E esse sujeito aí, esse Jim? O que ele é para você? — Jonas apertou com mais força o pulso dela.

— Isso tem alguma importância? — disse Bridget, olhando-o furiosa,— Ora, é claro que tem. Puxa! — Ele franziu a testa, irritado, como se estivesse

arrependido de ter confessado. Resmungou baixinho e olhou para ela. — Acho melhor irmos dançar, vamos!

— Não.Mas ele já a estava conduzindo para a sala. Procurou um espaço e envolveu-a nos

braços. Bridget não podia protestar, do contrário criaria um escândalo. Além disso ela sabia que, se protestasse com muita veemência, Jonas ia saber que ele ainda era capaz de abalar seus sentimentos. A mão firme que a enlaçava pela cintura obrigava-a a dançar bem perto dele. Ela sentia os músculos firmes das coxas dele contra as suas. Bridget ficou olhando fixo para o colarinho aberto da camisa de Jonas, lutando contra a sensação vertiginosa e atordoante de estar de novo nos braços dele.

Apoiava de leve a mão no ombro dele, como se temesse sentir o calor daquele corpo através da camisa. A mão dele começou a mover-se lentamente em suas costas, numa carícia íntima que ela conhecia muito bem. Quando ele curvou ligeiramente a cabeça para falar com ela, Bridget fechou os olhos, sentindo a respiração dele em seu rosto. Arrepiou-se toda e sentiu uma moleza no corpo.

— Vamos tentar de novo, Bridget, podemos recomeçar...— Não! — Ela tentou parecer decidida.— Por que não? Você quer... eu sinto isso!— Não, não quero, Jonas — ela insistiu com firmeza. — Se... se eu lhe dou essa

impressão é só porque também sou suscetível às recordações... porque lembrei de como era entre a gente.

— E quem disse que é recordação e não sentimento? Eu continuo querendo você, Bridget...

— Não... O que você quer é apenas uma aventura de fim de semana.Ele encostou os lábios nos cabelos dela, deixando-a trêmula.— Quero muito mais do que isso.

— Você... você não pode voltar assim, depois de dez anos, me tirar para dançar e pretender entrar na minha vida de novo como se nada tivesse acontecido... como se fosse uma continuação — protestou Bridget.

— Posso e vou — ele retrucou, decidido, e curvou mais a cabeça para que ela sentisse na nuca a respiração dele.

Aquela segurança de Jonas chegava a parecer arrogância e isso fazia com que Bridget se lembrasse por que ele a deixara há dez anos. Ela o empurrou de leve, afastando-o de si.

— Não, Jonas! — O tom de voz era frio e isso o desencorajou mais do que a resistência física. — Há dez anos você me disse adeus, me deu o fora. Agora é minha vez. Estou pouco ligando se você for embora para sempre. Portanto, quando você estiver de novo em Nova Iorque, não precisa voltar a Vermont... pelo menos não por minha causa.

O rosto dele ficou sombrio, o olhar frio e implacável.— Sinto muito decepcioná-la, Bridget, mas não vou voltar a Nova Iorque.— O quê?!— Hoje eu passei a tarde na cidade, por isso demorei a chegar na festa... — Ele riu com

malícia da expressão apreensiva dela. — Estava tratando dos documentos da minha nova propriedade, que vai ser meu lar agora.

— Onde?— Comprei o velho sítio Hanson. Somos vizinhos, portanto. Não é uma surpresa

agradável? — ele zombou.Ela teve vontade de gritar, de socar o peito rijo dele, de arranhá-lo e arrancar aquela

expressão do rosto dele. Mas não podia nem queria fazer nada disso. Não queria demonstrar quanto essa notícia a afetara.

— Sem dúvida — mentiu ela corajosamente — fico contente em saber. O sr. Hanson estava tentando vender o sítio dele já faz tempo! Agora ele finalmente vai poder se mudar para a cidade com a irmã. Ê um belo sítio, Jonas. Estou certa de que vai adorá-lo. Meus parabéns.

Ele ficou com raiva da maneira calma e impessoal com que ela respondeu. Bridget viu que ele contraiu os músculos do rosto. Bruscamente ele a largou e foi para a cozinha. Bridget vencera, pelo menos desta vez. Mas não se sentia vitoriosa. Sentia-se apenas como se fosse sobrevivente de alguma batalha. Ninguém pareceu notar que Jonas a deixara sozinha no meio da sala, antes de terminar a música. Bridget juntou-se ao grupo mais próximo, escondendo sua perturbação entre os risos e as vozes alegres. Logo em seguida Jim apareceu com o copo de chope que tinha ido buscar.

Bridget fez um pouco de hora para disfarçar e, quando achou que já passara tempo suficiente, pediu para Jim levá-la embora, pretextando dor de cabeça. Ele concordou imediatamente, olhando de soslaio para Jonas, do outro lado da sala, como se adivinhasse o motivo da dor de cabeça. Mas não fez nenhuma pergunta que a deixasse embaraçada.

Nas duas semanas seguintes à festa, Bridget viu Jonas na cidade só duas vezes, e sempre de longe. Em nenhuma das vezes ele entrou na loja em que ela trabalhava. Não sabia se ele havia desistido ou não. Jonas era imprevisível e ela não conseguia entendê-lo. Houve época em que pensou que o compreendesse, mas isso foi antes do dia em que ele lhe disse que iria embora, ignorando suas juras de amor. A mãe de Bridget ficou furiosa quando soube que Jonas ia ficar morando em Vermont, ainda mais quando descobriu que ele seria seu vizinho, pois o sítio Hanson fazia divisa com o fundo de sua propriedade. Não foi Bridget quem contou. As fofocas se espalhavam rápido num lugar pequeno como aquele.

— Pode escrever o que estou dizendo, Bridget. Esse sujeito não está com boas intenções! — disse Margaret à filha. Ela correu para o chalé de Bridget assim que soube. — Ele está preparando alguma... e você, vê se não vai se envolver com ele outra vez. Espero que tenha aprendido a lição e tenha percebido o tipo de homem que ele é.

— Não se preocupe, mamãe — respondeu ela pacientemente. — A lição valeu, sim.Apesar disso, Margaret resolveu vigiar a filha e, cada vez que a encontrava, a submetia

a um verdadeiro interrogatório e fazia um sermão. Queria saber se ela vira Jonas ou falara

com ele. Isso quase todos os dias, durante essas duas semanas. Margaret parecia não acreditar nas respostas de Bridget, que ia ficando cada vez mais tensa. Bridget estava voltando para casa de carro, angustiada, pensando em enfrentar outro desses interrogatórios. Quando fez a curva na estrada, viu surgir a enorme casa branca dos pais. Diminuiu a marcha e percebeu que Molly estava no jardim, brincando com o avô. Tocou a buzina, aliviada, dando graças a Deus de não ter que entrar para ir buscar a menina. Molly acenou e correu para ela. O cabelo castanho-claro, preso num rabo-de-cavalo, ia esvoaçando enquanto ela corria. Bridget foi direto para sua casa e, assim que desceu do carro, a filha a alcançou, esbaforida.

— Você demorou, hoje... — falou Molly sem fôlego, por ter corrido. — O que aconteceu? Aposto que chegou algum freguês na horinha em que você ia fechar a loja, não é?

— Não... eu parei para fazer compras — disse Bridget, retirando um dos sacos de dentro do carro. — Que tal me ajudar a levar isso tudo para dentro?

— Ah... eu queria ir junto... — disse a menina, pegando um saco de compras.— O que você fez hoje? — disse Bridget, pegando mais dois.— Fiz a vovó subir numa árvore! — Ela riu,— Ah, Molly! — Mas Bridget não pôde reprimir um sorriso. — Aposto que passou o dia

todo atrapalhando sua avó!— Até que não! — Molly suspirou. — Vovó anda de mau humor... por que, mamãe? O

que ela tem?Bridget fechou a porta do carro com um movimento dos quadris.— Todo mundo fica de mau humor de vez em quando — respondeu ela, evitando

explicar o verdadeiro motivo.— Mas ela vive resmungando e falando "aquele homem". Fica perguntando a toda hora

por que "esse homem" teve que voltar e azucrinando o vovô para saber se não tem um jeito de fazer "esse homem" ir embora!

Molly franziu a testa e olhou para a mãe com ar interrogativo, esperando uma explicação.

— Abra a porta para mim, por favor! — pediu Bridget, tentando ganhar tempo.— Hoje eu ouvi ela falando pró vovô que "esse homem" vai fazer você sofrer de novo.

Quem é ele, mamãe? Você conhece ele?— Eu... — começou ela, mas não teve tempo de acabar."Aquele homem" estava na sala de sua casa. Bridget, que já esperava que isso

acontecesse mais cedo ou mais tarde, recuperou-se logo do choque de vê-lo.— O que faz aqui, Jonas? — perguntou ela, ríspida.— Achei que já estava na hora de visitar meus vizinhos — respondeu ele calmamente.

— A porta estava aberta, então eu entrei. É uma bela casa! Tomei a liberdade de dar uma olhada por aí... espero que não se importe.

— E adianta eu me importar agora?— Vizinho? — Molly examinou Jonas com curiosidade, sem reconhecer o homem que

vira rapidamente na loja há alguns meses. — Você é o homem que comprou o sítio do sr. Hanson?

— Exatamente — Jonas confirmou com uma leve inclinação de cabeça. O olhar era frio e implacável.—- Leve as compras para a cozinha, Molly, por favor. Ainda tem mais um saco no carro,

você pega para mim?— disse Bridget, querendo proteger a filha da hostilidade que sentia no olhar de Jonas.

— É claro, mamãe.Molly se afastou e sorriu para Jonas, quando passou por ele, mas ele não retribuiu.— Você vai me desculpar, Jonas, não posso parar para ficar conversando agora. Tenho

que guardar todas estas coisas, sabe como é... — disse Bridget e foi atrás da filha.— Não me importo de esperar. Pode ficar à vontade. Vá fazer o que precisa, eu não

tenho pressa.Ela começou a tirar as coisas do pacote e, quando Molly foi até o carro, aproveitou para

perguntar!

— Por que você veio, Jonas?— Queria ver você.— Pensei ter deixado claro que não queria mais vê-lo.Ela tentava se controlar, enquanto guardava as latarias. Jonas nem tomou

conhecimento do comentário dela.— Não pude deixar de notar que não há nenhuma fotografia do seu marido pela casa.— Quem lhe deu ordem para xeretar dentro da minha casa? — Bridget estava furiosa.Mas ele continuava a ignorar o que ela dizia.— Esperava encontrar uma foto dele pelo menos no seu quarto, no criado-mudo, mas

só vi uma de sua filha.Ela estava a ponto de explodir.— Será que você não respeita a intimidade dos outros?— Por que foge da minha pergunta, Bridget? Há algum motivo para você não ter

nenhuma foto de seu amado e falecido marido? — acrescentou Jonas em tom de zombaria.— Um motivo explicável — retrucou ela. — Ele detestava ser fotografado. A única foto

que eu tenho dele é de quando ainda era criança. Mas pode ter certeza que, se eu soubesse que ele ia morrer tão cedo e que você ia querer ver um retrato dele, eu teria providenciado! Isso responde sua pergunta?

— Responda — disse ele entredentes, depois virou-se e passou a mão pelos cabelos.Nesse momento Molly voltou trazendo o último pacote. E quando Bridget percebeu

como Jonas examinava atentamente a menina, entendeu por que ele fizera a pergunta. Não era por duvidar da existência de seu marido. Era porque ele queria saber como era Brian. Talvez quisesse saber se Bridget escolhera um marido parecido com ele. Que arrogante, convencido! Ficou mais furiosa ainda.

— Pode deixar, Jonas, que eu satisfaço sua curiosidade! Molly tem o gênio do pai: é meiga e sensível. Fisicamente se parece mais comigo, só o queixo dela parece mais com o de Brian!

Ele não desviou o olhar da garotinha que começava a ficar sem jeito com aquele exame minucioso. Molly franziu a testa e olhou para a mãe, sentindo o ambiente pesado mas não conseguindo entender o porquê. O que Bridget dissera confundira-a ainda mais. Depois olhou de novo para Jonas.

— Quem é você? — perguntou ela com petulância. O rosto dele se toldou com uma expressão sinistra.— Por que não vai brincar com suas bonecas? — ele sugeriu com rispidez.— Já estou muito grande pra brincar com bonecas! Isso é coisa de criança. Além disso,

não pode me mandar sair daqui, esta é minha casa!— Ah, ela tem a mesma teimosia que você, Bridget!— Molly, acho que você ainda não deu comida para os cavalos... não está na hora? —

insinuou Bridget.— Eu dou mais tarde!— Não senhora, vai dar agora! — ordenou a mãe com calma.Ela ainda relutou um pouco antes de sair, com um brilho de rebeldia nos olhos

castanhos. Quando estava na porta falou, por sobre o ombro:— Ele é "aquele homem" de quem vovó fala, não é? E correu para fora, sem esperar resposta.— Ela é uma criança, Jonas... não quero que ela seja envolvida em nossa discussão.— Foi você mesma quem a envolveu — ele lembrou.— Confesso que tive uma parcela de culpa — concordou —, mas quero que saiba que

não vou admitir que Molly sofra por causa do que houve entre você e eu há dez... onze anos.— Dez anos, quatro meses e catorze dias! — ele corrigiu.— Está querendo me impressionar com a precisão de sua memória? — ela ironizou com

amargura.— Quer largar um pouco essas coisas? — disse Jonas, arrancando das mãos dela as

latas e jogando-as na sacola de novo.

Ela nem teve tempo de se defender. Ele segurou as mãos dela.— Já que sua memória é tão boa, Jonas, deve se lembrar de que foi você quem me deu

o fora! Eu não me esqueci disso, mas parece que você esqueceu!— Eu não esqueci. E há muitas outras coisas que eu não esqueci também. Talvez você

tenha esquecido.Enquanto Bridget tentava libertar as mãos que ele segurava, Jonas a puxou para si e

abraçou-a, subjugando-a. O calor dos lábios dele sobre os seus provocou uma torrente de recordações. E o fogo da paixão voltou a correr em suas veias. Ela entreabriu os lábios sedentos e se entregou àquele beijo. Uma enorme felicidade invadiu-a por estar sentindo de novo aquele desejo quase selvagem, ao mesmo tempo que ficou assustada com a força do que sentia. Mas era maravilhoso sentir seu corpo todo responder ao apelo daquele corpo viril que a envolvia e a apertava com força. A emoção tomou conta dela. Esqueceu o resto do mundo. Só havia aquela sensação maravilhosa que as carícias dele provocavam e o prazer de senti-lo trêmulo e ofegante em seus braços, no auge do desejo.

— Dez anos não mudaram nada para nenhum de nós dois... — disse ele, beijando-a no ouvido e acariciando os seios dela. — Estou sentindo seu coração bater como o meu.

Quase sem fôlego e ainda entorpecida, Bridget afastou-se lentamente dele. Jonas não tentou impedi-la. Agora tinha certeza do poder que exercia sobre ela. Bridget levou as mãos à cabeça, tentando se recompor e recuperar o equilíbrio.

— Não posso negar que você me desperta desejo, Jonas, mas essa é uma reação puramente física!

— Eu sei que você não acredita nisso...— Acredito, sim. Você já me abandonou uma vez, saiu de minha vida e não vai voltar

mais!— Não afirme com tanta certeza!— Não afirme você! — retrucou ela. — Consegui viver até agora muito bem sem você e

vou continuar assim. Não há mais lugar para você em minha vida. Tenho Molly, meu trabalho e... Jim — ela acrescentou isso de propósito, sabendo que iria alfinetá-lo.

— Você acha que está segura escondendo-se atrás dele, não é?— Estou só dizendo como são as coisas agora — ela mentiu. — Pode interpretar como

quiser.— Entendi muito bem... você não quer dar uma chance para que nosso relacionamento

se desenvolva, se torne algo sério.— A mesma chance que você me deu quando foi embora, Jonas. Isto é: nenhuma! Por

favor... é melhor sair da minha casa.— Eu não vou ser perdoado, mesmo tendo voltado... é isso!— Dez anos, Jonas! Você esperou demais.Ele olhou para ela durante alguns instantes, que pareceram uma eternidade, depois

virou-se e saiu. Nem por um segundo Bridget acreditou que essa seria a última vez que o veria. Assim que ele saiu, ela se apoiou no móvel da cozinha, sentindo-se fraca e esgotada devido à tensão por que passara. Pelo menos até vê-lo de novo poderia descansar! Quanto tempo levaria para que sua resistência terminasse? Para que a persistência dele a vencesse? Já estava começando a sentir uma ponta de dúvida. Ele parecia estar sendo sincero! Mas ela também acreditou nisso, há dez anos, até que a mãe dela fez com que Jonas revelasse seu verdadeiro caráter.

CAPITULO 4

Bridget sufocou um soluço na garganta e engoliu as lágrimas. Jonas já a fizera de boba uma vez, não ia deixar que isso acontecesse de novo. Procurou concentrar a atenção nas compras que estava guardando e, com as mãos trêmulas, continuou a colocar as latas no armário. Ouviu a porta da frente ser aberta.

— Graças a Deus, ele já foi! -— disse Molly com satisfação. — Espero que você tenha mandado ele embora para sempre, mamãe. Ele é o homem que vovó falou, não é?

Os olhos dela brilhavam de raiva. Desta vez não tinha escapatória, ela queria uma resposta definitiva.

— Deve ser, minha filha — admitiu ela.— Como é o nome dele?— Jonas Concannon.Molly pegou uma maçã e começou a comê-la.— Espero que o vovô faça ele ir embora.— Não deve falar assim, Molly.— Por que não? É verdade, eu não gosto dele. E ele não gosta de mim.— Isso você não pode saber — disse Bridget, embora não estivesse bem certa dos

sentimentos de Jonas para com Molly, ele parecia indignado com a existência dela.— Posso sim — disse a menina com absoluta certeza — Você gosta dele?Essa era uma pergunta impossível de responder.— Não sei... Quer me passar o leite, por favor?— Você já conhecia ele, mamãe?Molly pegou o litro de leite e entregou para ela.— Já. Ele morava aqui.— Quando?— Antes de você nascer.Bridget desejou que a filha não fizesse tantas perguntas, mas sabia que ela só

abandonava um assunto depois de satisfazer completamente a curiosidade.— E naquele tempo você conhecia ele?— É, conhecia.— Conhecia como? Bastante?Se ela não respondesse talvez Molly resolvesse perguntar para a avó ou outra pessoa.

E Bridget não queria que ela viesse a saber dessa maneira.— Eu costumava sair com ele.— Marcando encontro? — Molly franziu a testa — Quer dizer que era seu namorado?— Era.— E você amava esse homem?— Não acha que está fazendo perguntas um tanto indiscretas? — Era demais ouvir a

filha dizer aquilo! Por um instante as duas se olharam em silêncio. Depois Bridget achou melhor responder logo, antes que a curiosidade da filha aumentasse a importância da resposta. — Eu achava que sim. Pensei que o amasse.

— E meu pai?— Há muitos tipos de amor, Molly — explicou Bridget pacientemente. — Por exemplo,

você não ama sua avó do mesmo jeito que me ama, não é? Assim é com todas as pessoas. É claro que amei muito seu pai, senão não teria tido você.

Molly parecia satisfeita com a resposta. Deu outra dentada na maçã e foi até a janela que dava para as pastagens do vale. Bridget suspirou baixinho, aliviada, e guardou o resto das coisas.

— Mesmo assim... eu queria que esse homem fosse embora! — falou Molly em tom distraído.

— É, mas nem sempre as coisas são como a gente quer. Jonas tem o direito de morar onde ele quiser.

Bem que Bridget preferia que ele não tivesse escolhido Vermont e o sítio Hanson. Molly virou-se para ela, pensativa, com certo ar de perplexidade.

— Eu ouvi vovó dizer que eles pagaram bastante dinheiro para ele ir embora logo e ela perguntou ao vovô se não deviam fazer isso de novo. Você acha que eles vão fazer isso, mamãe?

Bridget ficou paralisada e sem fala. Precisava conversar com a mãe e lembrá-la de que crianças costumam captar tudo o que ouvem, embora não pareçam estar prestando atenção.

— E o que foi que seu avô disse?Molly mordiscou o canto do lábio e suspirou.— Disse que não acha que vai dar certo a segunda vez.— Acho que seu avô tem razão — opinou ela. — Você tirou o pó dos móveis, hoje?— Tirei. Posso ir com você à cidade, amanhã? Eu queria ir ver Vicki — pediu Molly,

jogando o caroço da maçã no lixo.— Veremos...— Ah, deixa, vá... É tão chato ficar sozinha o dia inteiro!— Você não fica sozinha, minha filha...— Vovó e vovô não contam... — insistiu ela com ar de tristeza.— É... acho que posso levar você. — Bridget sorriu.— Oba! — A expressão de tristeza desapareceu imediatamente. — A que horas vamos

jantar?— Assim que acabar de guardar estas coisas. Enquanto isso, por que não lava as mãos

e ajuda a preparar a salada?— Está bem. — Molly concordou prontamente. Antes de ir até o banheiro ela olhou para

Bridget, imitando um adulto, e falou com voz de desprezo: — Imagine só, ele pensando que eu ainda brinco com bonecas!

— Pois é, imagine só! — respondeu sorrindo, mas só ela sabia a amargura que sentia.

Bridget foi obrigada a adiar a conversa que queria ter com a mãe até o fim da semana. Nos outros dias, quando ela voltava do trabalho, Molly estava sempre por perto e não havia oportunidade. Esperou até que Molly selasse a égua da raça Morgan e saísse a passeio; só então atravessou a rua e entrou no casarão dos pais. Como sempre, a casa estava impecavelmente arrumada, um reflexo de sua meticulosa dona. A mobília reluzia sem uma partícula de pó. Não havia nada fora do lugar. O sol entrava pelas janelas limpíssimas, fazendo resplandecer a alvura das cortinas. O sofá, cheio de almofadas coloridas, parecia nunca ter sido usado. Os livros estavam em ordem nas prateleiras.

Toda vez que entrava lá, Bridget tinha a impressão de que não morava ninguém naquela casa. Era como um cenário para ser fotografado ou filmado. O entusiasmo da mãe por aquela inesperada visita de Bridget não durou muito. Ela logo começou com o costumeiro sermão, até que Bridget à interrompeu para explicar â razão de sua visita. Margaret ficou indignada. Era uma afronta ser repreendida pela filha!

— Seu pai e eu estávamos sozinhos, conversando. Não tinha a menor idéia de que Molly estivesse escutando alguma coisa! — defendeu-se ela. —- É claro que eu não falaria naquele homem perto dela, ora!

— Eu sei, mamãe — retrucou Bridget com paciência. — Estou só lembrando você de que as crianças nessa idade captam tudo o que ouvem e são facilmente impressionáveis. Ela já tirou conclusões das coisas que ouviu e já ficou com preconceito contra Jonas.

— Não vai me dizer que você espera que eu a incentive a gostar dele, vai? — Margaret empertigou-se. — Depois do modo como ele tratou você, pensei que fosse querer que Jonas ficasse longe dela.

— Você não entendeu, mamãe... Não vejo motivo para que Molly fique sabendo do que aconteceu há dez anos! Graças a você, ela já tem uma vaga idéia do que houve, e eu quero que isso pare por aí. Só estou pedindo para que tenha cuidado quando falar de Jonas; não adianta falar com meias-palavras e indiretas, por que Molly entende.

— Pois eu acho que é bom Molly saber que tipo de homem é esse! — A mãe ergueu a cabeça com ar emproado. O cabelo bem penteado não tinha um fio fora do lugar. — Se ele voltou a Randolph com a intenção de conquistar você de novo... aliás, estou convencida disso... pode estar certa de que ele não vai ter escrúpulos em usar Molly para conseguir você. Ele vai tentar ganhar a afeição dela, é claro. Quer melhor meio de sensibilizar você e fazer com que o perdoe?

Era uma teoria bastante plausível, só que não era o caso.— Acho que você está enganada, mamãe.

— Duvido muito! Esse homem é totalmente inescrupuloso. Ele faz qualquer coisa e usa qualquer pessoa para conseguir o que quer! Acho que ele já provou isso, não acha? Você devia ser a primeira a concordar comigo!

— Sei o que você quer dizer, mas... — Bridget hesitou, era difícil verbalizar algo que ela apenas intuía, sentia vagamente. — Acho que Jonas... não aceita Molly; o fato de ela ser filha de Brian o incomoda. Eu percebi isso naquele dia que...

Bridget parou bruscamente. Não tinha pensado em contar à mãe sobre a visita de Jonas.

— Que ele mandou Molly ir brincar com as bonecas — completou a mãe com ar de superioridade. — Ela me contou tudo. Que será que tem mais? Você encontrou com ele depois disso?

— Não, não o encontrei! — respondeu, indignada,Era incrível como a mãe a fazia sentir-se sempre culpada ou errada, como se ainda

fosse uma criança.— É uma vergonha que minha neta tenha que me contar as coisas que você, como

minha filha, é que deveria contar!— Não achei que fosse importante contar. Não houve nada de mais — defendeu-se

Bridget. — Eu pedi a Jonas que fosse embora e ele foi. Só isso.— Se eu fosse você, na próxima vez que ele aparecesse, nem abriria a porta!Com isso Bridget concluiu que Molly não contara que ele já estava na sala quando elas

chegaram. Deu graças a Deus e não fez mais comentários. Tomou o chá em silêncio.— Eu o vi na cidade, outro dia — disse Margaret com displicência — É claro que ele não

me viu, mas eu bem que percebi os olhares de cobiça das mulheres. Precisa ver como olhavam para ele! Diga-me a verdade, Bridget. Você ainda tem atração por ele?

— Ora, mamãe, não conhece o velho ditado: "gato escaldado tem medo de água fria"? — Bridget despistou, para não dizer a verdade. Colocou a xícara de chá sobre a mesa e ergueu-se. — Bem... tenho muito que fazer. É melhor voltar para casa.

— Precisa mesmo ir? — A mãe suspirou.— Preciso, sim.— Então, você e Molly vêm jantar aqui hoje. Combinado? Bridget abriu a boca para recusar mas, sabendo que não ia adiantar, apenas encolheu

os ombros.— A que horas? — disse, resignada.— Às seis está bom ou é muito cedo?— Está ótimo. Até daqui a pouco, então.E saiu depressa, antes que a mãe pudesse inventar qualquer artimanha para detê-la por

mais tempo. Lá fora, parou um pouco para observar a paisagem, o vale e as colinas em vários tons de verde, o céu límpido e azul. Respirou fundo e encheu os pulmões com o ar puro e perfumado de verão. Era uma vista magnífica, que fazia bem à alma. Viu o pai, perto do celeiro, consertando o trator, com as mãos sujas de graxa e a cabeça protegida do sol por um chapéu de palha. Ela sorriu com ternura. Ele era o oposto da mãe. Um homem simples, que gostava de trabalhar na terra e não tinha o menor traço de esnobismo, apesar de ter ganho bastante dinheiro com a produção da fazenda.

— Oi, papai! — Bridget acenou.Ele ergueu a cabeça, surpreso, e limpou as mãos num lenço branco. Bridget pensou

que a mãe teria um ataque quando visse aquilo e sorriu de novo.— Oi, minha princesinha! — Ele sorriu também. — Não sabia que você estava aqui.

Molly veio procurar você ainda agorinha!— Ela não disse o que queria?— Não. Eu... olha ela lá! Perto do seu chalé.Bridget olhou para lá e viu Molly montada no cavalo baio. A filha a viu também e acenou

para ela.— Vou ver o que ela quer. Até mais tarde, papai. Molly veio ao encontro dela na beira da calçada.

— Onde você estava?— Estava tomando chá com sua avó! — disse ela em tom brejeiro. — Papai me disse

que você estava me procurando!— Estava, sim. Queria que viesse andar a cavalo comigo. — Ela se inclinou para frente.

— Por favor, mamãe, venha comigo! É chato andar sozinha...— Bem que eu gostaria, meu anjo, mas tenho uma porção de coisas para fazer em

casa.— Ah... já faz mais de duas semanas que você não vem andar a cavalo comigo! —

Molly insistiu. E era verdade. Desde que Jonas se mudara para lá. — Ah, mamãe, vamos, vá! Depois eu ajudo você no serviço da casa quando a gente voltar.... eu prometo!

— Bem... — Bridget hesitou e Molly já sabia que vencera.— Vá pôr as botas enquanto eu selo o Flash, está bem?Ela nem esperou a resposta da mãe e disparou para a cocheira, atrás do chalé. Bridget

olhou em redor e encolheu os ombros; afinal estava um dia lindo demais para ficar dentro de casa trabalhando. Num instante ela tirou as sandálias e colocou as botas, e quando foi lá para fora o cavalo já estava selado e amarrado na cerca, esperando por ela. Molly, com um risinho matreiro, observava a expressão de surpresa da mãe.

— Ela já estava selada. Eu deixei a égua pronta, assim se você concordasse não perdia tempo — explicou a menina com vivacidade.

— Não se esqueça que prometeu me ajudar quando voltarmos, hein! — Bridget riu, desamarrou o cavalo e montou. — Você escolhe o caminho, tá?

— Tá. Faz de conta que eu sou um guia e você não conhece o caminho. Você tem que me seguir.

Segurou as rédeas e guiou o cavalo para as pastagens verdejantes, salpicadas de flores campestres. Depois atravessou um pequeno riacho e entrou no bosque de bordos. Molly ia em ziguezague por entre as árvores, desviando-se dos galhos mais baixos. Do outro lado do bosque depararam com uma parede de pedras semidesmoronada. Bridget puxou as rédeas do animal para fazê-lo parar, mas Molly fez com que Satin saltasse o obstáculo com graça e precisão. Bridget não pôde deixar de sentir orgulho da filha. Em seguida ela também fez seu cavalo saltar. Molly parara para esperar a mãe e estava eufórica, o rosto radiante de alegria. O cavalo, obediente, esperava o comando, bufando docilmente.

— Está contente de ter vindo? — disse Molly, sorrindo.— O que você acha? Estou com cara de tristeza? — respondeu Bridget, rindo, e parou

seu cavalo ao lado do da filha. — Desde quando está saltando com Satin?— Vovô e eu estamos treinando a égua desde a primavera. Queria fazer uma surpresa

pra você!— E pode estar certa de que fez mesmo!— Vovô disse que Satin é um animal bom para saltar obstáculos. É só treinar. Ela faz

tudo! — Molly acariciou o pescoço da égua.— Quase tudo! — corrigiu Bridget cautelosamente.— É. Quase tudo — admitiu a filha. — Acho que vou me exibir com ela no próximo

verão. Vamos precisar comprar um reboque especial para transportar Satin.— Ora, vejam só! Até parece que custa baratinho!— Nós não podemos comprar um? — ela perguntou com uma expressão séria.— Ora, filhinha! Talvez dê pra comprar as rodas, quem sabe... — Bridget brincou.— Mas, mamãe, vovô disse que...— Você não falou disso com seu avô, falou, Molly?Bridget suspirou. Ela não gostava que os pais gastassem dinheiro com ela e a filha.

Preferia viver somente com o que ganhava.— Falei, sim — confessou Molly. — Ele disse que talvez desse para comprar um usado

e depois reformar.Bridget fez o cavalo andar e foi imaginando quanto custaria uma coisa daquelas.— Seria bom comprar neste verão, assim ficaria pronto até o ano que vem... — disse

Molly.

— Primeiro precisamos saber quanto custa. Não tenho a menor idéia.— Posso falar para o vovô procurar um?— Deixe que eu falo com ele — prometeu Bridget.— Quando?— Hoje vamos jantar lá. Dá para esperar até de noite?Ela riu ao ver os olhos da filha brilharem de contentamento.— Dá, sim, é claro!Os cavalos iam trotando por entre as árvores que filtravam os raios de sol e projetavam

sombras sobre as duas. As folhas secas, no chão, produziam um agradável ruído sob as patas dos cavalos.

— É... ele não perde tempo mesmo! — murmurou Molly.— O quê? — Bridget olhou a filha sem entender.— Já está pondo avisos de "proibido" na propriedade dele! — disse Molly, apontando

para uma placa branca pendurada numa árvore perto da cerca. — Olha lá: "Proibida a entrada. Proibido caçar." Como se alguém fosse estragar a preciosa propriedade dele! — acrescentou a menina, sarcástica.

Bridget empalideceu, percebendo que estavam nas terras de Jonas. Por ali ninguém tinha o costume de levar em conta linhas divisórias. Desde criança que costumava cavalgar por aqueles lados. Os avisos de "Proibida a entrada" não valiam para os vizinhos. Mas com Jonas era diferente, as circunstâncias eram outras.

— Droga! Olha ele lá! — exclamou Molly. — Vamos embora depressa, mamãe, antes que ele alcance a gente.

Bridget mal teve tempo de olhar e ver que era Jonas, montado num cavalo baio, pois Molly tinha esporeado o cavalo dela, que disparou a galope. Bridget tentou chamá-la, mas foi inútil. Ela também não queria ver Jonas, mas fugir assim era infantilidade. Contudo, Molly era uma criança e Bridget não podia deixá-la sozinha. Afrouxou as rédeas e não precisou muito esforço para que seu cavalo galopasse atrás do da filha. Ela nem olhou para trás para ver se Jonas as seguia. No galope em que ia, precisava prestar atenção ao caminho. Era quase certo que ele as tivesse visto e devia estar se divertindo muito com essa fuga precipitada. Alguns metros adiante delas o caminho era bloqueado por uma cerca branca que margeava a estrada intermunicipal. Quando estava se aproximando, Bridget desviou o cavalo em direção à porteira que ficava um pouco mais adiante e foi puxando a rédea para diminuir o passo. Molly, entretanto, continuou em linha reta é preparou-se para saltar sobre a cerca.

— Não, Molly, não! — gritou Bridget, aflita.Mas já era tarde. Cavalo e cavaleira estavam ultrapassando o obstáculo. E do outro lado

havia apenas um estreito acostamento de cascalho na beira da estrada. Bridget ouviu o motor de um veículo se aproximando e gritou, em pânico, para a filha, embora fosse inútil. O cavalo pisou no acostamento no mesmo instante em que uma caminhonete surgia no topo da ladeira. Bridget ainda pôde ver a filha puxar as rédeas com força, querendo segurar o cavalo, enquanto o motorista da caminhonete desviava para o acostamento do outro lado, para evitar o atropelamento. O cavalo escorregou no cascalho e caiu. Bridget ouviu o grito de pavor de Molly, que foi jogada fora da sela, e em seguida ouviu alguém gritando o nome de Molly histericamente, sem se dar conta de que era ela própria chamando a filha.

Levada pelo desespero de chegar onde estava a filha, Bridget fez o cavalo saltar a porteira, sem pensar em mais nada. Molly estava caída no chão, inerte, e Bridget foi desmontando antes mesmo que seu cavalo parasse por completo. A caminhonete parara um pouco mais abaixo e o motorista vinha subindo a pé, aflito, o medo estampado em seu rosto pálido.

— Ah, meu Deus, como isso foi acontecer? Não pude fazer nada... ela surgiu de repente na minha frente... — explicava ele, nervoso. — Ela está muito machucada?

Bridget se ajoelhara perto da filha desmaiada.— Não sei... — A voz tremia de nervosismo e ela estendeu os braços, aflita para erguer

a menina do chão — Molly!— Não mexa nela! — ordenou uma voz conhecida.

Em seguida duas mãos fortes e rudes seguraram Bridget e a afastaram de perto da filha. Bridget estava chocada demais com a visão de Molly estendida no chão, pálida e sem sentidos, por isso nem protestou quando Jonas assumiu o comando. A única coisa que conseguia fazer era rezar baixinho para que nada de grave tivesse acontecido à filha. Jonas apalpava com delicadeza e cuidado o corpo de Molly, para ver se não havia fraturas graves que tornassem arriscado erguê-la do chão. O motorista, um homem já idoso, observava cheio de ansiedade.

— Posso ajudar em alguma coisa? — perguntou ele, solícito. — Não quer que eu chame a ambulância? Há uma casa logo ali e eu ...

— É a minha casa — informou Jonas, sem desviar o olhar da menina. — Mas não vamos precisar de ambulância. Podemos tirá-la daqui. Se o senhor quer mesmo ajudar, ficaríamos gratos se nos levasse até aquela casa. — Depois lançou um olhar frio para Bridget. — Pegue os cavalos e tire-os da estrada!

— Eu quero ficar com Molly! — retrucou ela, atônita.— Acho que um acidente já basta, não? — respondeu ele secamente e voltou a atenção

para a garota, encerrando o assunto.Bridget reconheceu que havia lógica e prudência na recomendação dele, mas Jonas

parecia não ter pena de sua aflição e isso a enfurecia. Apesar disso ergueu-se e foi reunir os cavalos, conforme ele disse. O de Jonas estava logo ali, perto deles. O dela estava do outro lado da estrada e o de Molly estava parado perto da cerca com o joelho sangrando, mas não estava mancando. Juntou os três e, puxando-os pelas rédeas, foi andando de volta para o local onde estava Molly. Quando chegou perto, parou boquiaberta com a cena. Jonas, carregando Molly com todo cuidado, entrou na caminhonete e disse, sem se incomodar com a reação de Bridget:

— Espero você lá em casa. Ponha os cavalos no cercado, atrás da cocheira.Com essas palavras ele bateu a porta da caminhonete e o veículo se afastou. Bridget

ficou furiosa. Como ele se atrevia a levar Molly e deixá-la ali, naquela aflição?! Ela é quem devia estar com Molly e ele levando os cavalos! Mas agora era inútil querer discutir isso. Montou em seu cavalo e foi puxando os outros dois. Naquele momento Bridget odiava Jonas com a mesma intensidade com que o amara no passado.

A caminhonete ia devagar e ela conseguiu se aproximar deles. Atravessou o pátio de entrada e foi para o fundo da casa. Enquanto desmontava para abrir a porteira do cercado, viu de relance Jonas carregando Molly para dentro da casa. A menina ainda estava sem sentidos e inerte nos braços dele. Bridget fez os cavalos entrarem, depressa, fechou a porteira do cercado, e saiu correndo em direção à casa.

CAPITULO 5

Bridget entrou na casa feito um furacão e, orientando-se pelo som das vozes, chegou à sala onde Jonas estava.

— Eu vi tudo, sr. Johnson. Foi uma imprudência da menina saltar aquela cerca que dá para a estrada! O senhor não teve culpa nenhuma — dizia ele, tentando acalmar o homem idoso. — Aliás, foi um milagre o senhor ter conseguido desviar o carro e não atropelar a garotinha.

Molly estava deitada no sofá, ainda desacordada. Jonas estava sentado ao lado dela e o homem idoso em pé ao lado deles, com o rosto ainda tenso e pálido.

— Meu Deus do céu! Quando vi essa menina e o cavalo surgirem diante do meu carro, não sei como não tive um enfarte! — Ele balançou a cabeça. — Você tem certeza de que ela vai ficar boa?

— Não há nenhuma fratura. Só alguns arranhões e o susto, mas ela se recupera logo. — Jonas olhou para Bridget, que correu para o sofá. — A sra. O'Shea e eu lhe agradecemos por ter-nos trazido para cá.

Isso era uma indireta para Bridget, que até então não dissera uma palavra de agradecimento. Ela hesitou por alguns instantes, irritada com a crítica sutil de Jonas.

— Muito obrigada, sr... Johnson — disse ela com muito custo.— Ora, de nada. Se me garantem que está tudo bem e que não precisam mais de mim,

peço licença para ir embora. Minha mulher já deve estar preocupada com a demora.— À vontade, sr. Johnson — disse Jonas. — Até logo. — Até logo — respondeu o velho e saiu.— Puxa! Foi uma sorte danada esse homem não ter tido um enfarte! — Jonas

resmungou assim que a porta se fechou.Bridget se afastou do sofá e foi até o telefone, que estava sobre uma mesinha ali na

sala.— Vou telefonar para o hospital e pedir que preparem um quarto para Molly. Vamos

levá-la para lá.— Não há necessidade.— Como não há necessidade? — Bridget olhou para ele, furiosa. — Você parece estar

esquecendo que Molly é minha filha! Primeiro me proibiu de mexer nela, depois me afastou dela e veio embora me deixando lá com os cavalos!

— Seja sensata, Bridget — disse ele com paciência. — Você não estava em condições de agir racionalmente e verificar a gravidade do ferimento. Era preciso tirar os cavalos da estrada e não acho que o sr. Johnson estivesse em condições de fazer isso. Além disso, a garota é muito pesada pra você agüentar carregá-la. Era mais lógico que eu fizesse isso! Quanto ao hospital, estou só dizendo que acho que não é necessário.

— Eu não tenho que ir atrás do que você diz! — Ela estava mais nervosa ainda. Estava preocupada demais com o estado de Molly para pensar com lógica! — Nada disso teria acontecido se não fosse por você! — acusou. — A culpa é sua! Molly estava fugindo de você! Foi por isso que pulou aquela cerca... estava com medo que você nos alcançasse. Senão ela não teria feito isso! Você é o culpado... você é...

O tapa atingiu-a em cheio na face. Imediatamente Bridget começou a chorar, enquanto ele segurava o pulso dela, que tentara revidar o tapa.

— Você está ficando histérica — disse ele com frieza. — Não havia outra saída. Ou eu a esbofeteava ou a beijava. Como não estava com inspiração para beijar...

Bruscamente ele largou o braço dela e se afastou.— Onde você vai? — perguntou Bridget.Jonas parou e sorriu com um brilho frio e estranho no olhar.— Buscar uma compressa fria para pôr no galo que ela tem na testa, desinfetante para

os arranhões e amoníaco para fazê-la voltar a si.— Não precisa se incomodar! Você não vai encostar a mão nela. Vou levá-la

imediatamente ao hospital, mesmo que você ache desnecessário!— Pelo amor de Deus, Bridget! Sei que você não confia em mim como homem, mas

podia pelo menos acreditar que sou competente em meu trabalho!— Seu trabalho? — Ela olhou para ele, confusa.— Não finja que não sabe! — disse ele com ar de rebeldia. — Você sabe muito bem que

eu sou médico! Ela ficou atônita e sem fala.— Eu... eu não... sabia — conseguiu afinal gaguejar.— Ora, vamos! — Jonas riu, incrédulo. — Todo mundo sabe. Bob, Evelyn, todos.— Menos eu, Jonas. Juro que não sabia! — murmurou ela, tentando se explicar ante a

expressão cética dele. — Nunca falei de você com ninguém... nunca perguntei de você. E ninguém se atrevia a me contar coisas a seu respeito. Acho que com você aconteceu o mesmo. Você não sabia sobre Brian...

Ele respirou fundo e ficou pensativo, comparando as situações. Quando ia dizer algo, Molly gemeu baixinho e ele correu para ela. Desta vez Bridget não o acusou de estar usurpando seu lugar. Deixou que ele se sentasse na beira do sofá ao lado de Molly.

— Mamãe... — chamou num gemido, abrindo os olhos devagar.

— Estou aqui, filhinha — Bridget tranqüilizou-a, ajoelhando-se perto dela.— Como está se sentindo, Molly? — perguntou Jonas num tom calmo e profissional.— Não sei... está doendo.Ela ergueu a mão para apalpar o machucado na testa, mas Jonas a impediu.— Você bateu a cabeça, está com um galo aí. Como é que foi fazer uma tolice dessas?— Queria fugir de você! — disse ela, olhando-o com antipatia.— Quase que você foge para sempre! — Jonas balançou a cabeça. — Por sorte a

caminhonete não atropelou você!— E Satin? — perguntou Molly, alarmada.— Está bem. — Bridget sorriu, os olhos cheios de lágrimas. — Sofreu só uns arranhões,

como você.— Quero ver Satin. — Molly tentou sentar-se, mas Jonas obrigou-a a ficar deitada.— Ainda não. Primeiro vamos limpar esses machucados e desinfetar, depois você vai

ver seu cavalo. — Ele se ergueu e olhou para Bridget. — Tome conta dela, eu já volto.A recomendação era desnecessária. Bridget chegou mais perto da filha e, ainda

trêmula, esboçou um sorriso.— Tem certeza de que está bem, filhinha? — murmurou.— Acho que sim. — Ela também estava trêmula — Eu fiquei com tanto medo, mamãe!— Eu também. Como é que você foi pular aquela cerca, minha filha?— Não sei... não pensei que passasse carro ali. Jonas voltou e Bridget cedeu o lugar.— Esta blusa já está estragada mesmo. Vou cortar a manga dela. Posso? — Olhou de

relance para Bridget.— É claro.— O que ele vai fazer, mamãe?— Vou desinfetar esses machucados no braço e na perna. Estão sujos de terra —

respondeu Jonas.— Não quero que você faça isso! — disse Molly, encolhendo-se no sofá e olhando para

ele com antipatia.— Ele é médico, Molly, deixe-o cuidar de você. — Bridget procurou abrandar a filha.— Estou pouco ligando. Não quero que ele pegue em mim!— Igualzinha a você, não é, Bridget? — disse ele com cinismo. Bridget enrubesceu, mas Jonas nem olhou para ela.— Você não tem querer, Molly. Não adianta reclamar porque eu vou desinfetar isso

tudo. — Ele segurou o pulso dela e começou a cortar a manga rasgada da blusa, expondo a parte esfolada do braço, em carne viva. Molly tentou se desvencilhar. — Acho melhor ficar quietinha... senão posso acabar cortando você, essa tesoura é muito afiada! — ele avisou.

— Você é convencido e mandão! — acusou a menina.— Já me disseram isso — ele respondeu secamente.Limpou o esfolado, que abrangia quase toda a extensão do braço, depois começou a

desinfetar. Assim que o anti-séptico tocou no machucado, Molly encolheu-se e Bridget olhou para ela com pena, sabendo que aquilo ardia muito.

— Está doendo — protestou a garota.— Por acaso pensou que fosse sentir cócegas? — disse ele sem erguer o olhar,

continuando sua tarefa.— Você não é um bom médico! — disse Molly, petulante.— E você não é uma boa cavaleira — retrucou ele.— Sou, sim!— Montando aquele poneizinho malhado? Ah! — zombou Jonas.— Satin não é um pônei! — defendeu Molly, ofendida. — Ela é uma égua da raça

Morgan, muito melhor do que o seu cavalo!— E o que você entende da raça Morgan?

Bridget estava se controlando para não brigar com Jonas. Não era justo falar daquele jeito com a menina. Era demais para ela e só servia para aumentar a antipatia que a filha tinha por ele.

— Muito, se quer saber! — declarou Molly. — Justin Morgan viveu aqui em Randolph... o homem, não o cavalo.

— E o cavalo, onde viveu?— O cavalo viveu aqui também, mas o nome dele não era Justin Morgan.— Você disse que era! — Jonas tentou confundi-la de brincadeira.— Não, o nome do homem era Justin Morgan, o cavalo se chamava Figure. Mais tarde,

quando ficou famoso, começaram a chamá-lo de "o cavalo Morgan" — explicou Molly, sem se deixar confundir.

— E por que ele ficou famoso? O que ele tinha de diferente?— Jonas, o que quer provar com isso? — interrompeu Bridget, brava, sem conseguir se

conter mais.— Fique fora disso — ordenou ele delicadamente. — Essa discussão é entre nós dois,

Molly e eu. Só se ela não souber responder minha pergunta...— É claro que sei! O cavalo Morgan era diferente porque ele fazia de tudo! Ele

trabalhava no bosque com lenhadores, arrastava troncos que nenhum cavalo conseguia arrastar e servia de montaria. Corria mais rápido do que todos os outros.

— Vai ver que ele era feroz e indomado.— Não era. Era manso como um gatinho. E ele foi o reprodutor da primeira raça

americana de cavalos!— É... estou vendo que sabe alguma coisa! — disse Jonas, começando a tratar do

ferimento da perna.— Ainda tem mais — disse ela, animada, achando que o estava impressionando com

seus conhecimentos. — Todas as outras raças americanas de cavalos começaram com um cruzamento de Morgan. O Saddlebred americano, de montaria, o troteador americano Standardbred, ou o marchador do Tennessee.

— E você acha que seu cavalo é assim tão superior, hein?— Satin pode fazer tudo! — afirmou ela com veemência.— Jonas, quer parar de azucrinar a menina? — pediu Bridget em voz baixa, e como

resposta recebeu um olhar de indiferença.— Se o seu cavalo fosse tão inteligente quanto você está dizendo ele não teria saltado a

cerca antes de olhar para ver se não vinha nenhum carro na estrada!— Satin não sabia que tinha uma estrada! — defendeu ela.— Ela devia ter olhado para saber onde iria saltar!— É... mas o salto da égua foi perfeito! — acrescentou a menina, entusiasmada.— Perfeito mesmo! Foi cair bem em frente de uma caminhonete! — comentou, irônico.

— Vou ter que enfaixar seu joelho. Tem um corte feio aí. Vou buscar gaze e já volto.Assim que Jonas se ergueu do sofá, Bridget hesitou por alguns instantes, depois

resolveu ir atrás dele. Antes recomendou à filha:— Fique quietinha aí. Não se mexa!Jonas mal a olhou quando ela se aproximou dele. Continuou a pegar as coisas no

armarinho de metal. Esse alheamento dele deixava-a ainda mais irritada. Com as mãos na cintura olhou para ele, os olhos faiscando de raiva.

— Quer me dizer o que pretendia, confundindo Molly daquele jeito? Azucrinando a menina? — Bridget falava baixo para que a filha não ouvisse, mas o tom era de braveza.

Jonas sorriu com frieza.— Parece que você não aprecia meu modo de cuidar de pacientes.— Achei horrível! Sei que você não gosta de Molly, mas não precisava deixar tão

patente assim, não acha? Ela é uma menina sensível e não admito que você a fique ridicularizando. Será que já não basta o fato de ela ter se machucado por estar fugindo de você? Ou será que você está se utilizando dela para me atingir, porque não quero mais saber de você, hein?

— Olhe aqui, Bridget, você pode não aprovar meu método, mas o fato é que ele deu resultado! Tratei dos machucados e ela nem percebeu. Parou de fazer cena e de não querer deixar eu cuidar dela. Problema seu se está interpretando de outra maneira meu comportamento!

Ele reuniu as coisas que fora buscar e voltou para a sala, passando por ela sem nem olhá-la. Bridget ficou pensativa, parada onde estava. Será que estava imaginando coisas? Mas Jonas não negara quando ela disse que ele não gostava de Molly! Ela suspirou fundo e voltou para onde eles estavam.

— A cabeça está doendo, ainda? — perguntou Jonas.— O que você acha? Pensa que estou sentindo cosquinha, só? — retrucou Molly com

um sarcasmo que Bridget desconhecia na filha.Jonas esboçou um sorriso.— Pois vai fazer cosquinha por algum tempo ainda! Quer ver se consegue andar até o

carro? Vou levar você e sua mãe para casa.Ela se ergueu, recusando a ajuda dele e a da mãe, embora não estivesse bem firme e

os machucados a incomodassem para andar. Parecia estar querendo provar algo a Jonas. Ele acompanhou as duas, observando Molly atentamente. Com determinação e coragem a menina percorreu o caminho até a garagem sem demonstrar o que sentia, mas Bridget ouviu quando ela suspirou baixinho, aliviada, assim que sentou em seu colo, no banco da frente. Jonas não fez comentários. Sentou-se ao volante, em silêncio, e deu a partida no carro.

Ninguém falou nada durante o percurso até que chegaram à bifurcação da estrada. A da esquerda ia dar no chalé de Bridget e a da direita conduzia à cidade. Jonas diminuiu a marcha e olhou de relance para Bridget.

— Quer que eu a leve até seu médico de confiança para que examine Molly?Ela teve vontade de dizer que sim, só para alfinetá-lo, mas reconheceu que ele soubera

lidar com sua filha e respondeu com sinceridade.— Como você mesmo disse, acho que não é necessário.— Bem... não vá dizer depois que não me ofereci! — Ele encolheu os ombros e pegou a

estrada da esquerda.Jonas parou diante do chalé, desceu da perua e foi abrir a porta do outro lado. Bridget

desceu e estava dando a mão para Molly. Ela agora começava a sentir o corpo dolorido e estava com dificuldade para se movimentar. Jonas, impaciente, afastou-a e estendeu os braços para a garota.

— Vou levá-la no colo!— Não! — protestou Molly com veemência, mas já estava nos braços dele.Era como se ele carregasse uma boneca. A menina ficou rígida no colo dele e Jonas

não deu a menor atenção. Quando iam entrar no terraço do chalé, a voz da mãe fez com que Bridget se virasse. .

— Bridget! Meu Deus! O que aconteceu? O que houve com Molly? Margaret vinha correndo, embora mantivesse a pose de dignidade e distinção de uma

dama. Bridget deu uma espiada no estado da filha, que parecia bem mais grave do que na verdade era. Molly estava com um galo na cabeça, um lado do rosto vermelho de mercurocromo. A blusa suja e com uma das mangas cortada, revelando o braço esfolado e cheio de mercurocromo também. A calça comprida estava com uma das pernas cortadas, deixando ver o joelho enfaixado. Realmente, ela parecia muito ferida.

— Ah, lá vem a supermãe! — comentou Jonas, sarcástico, falando baixinho. — Morando logo aí em frente ela pode controlar bem você, não é? Como é, Bridget, ela ainda examina todos os seus namorados para ver se servem?

— Pode ser que minha mãe seja possessiva, dominadora e esnobe... mas ela nunca erra quando julga o caráter das pessoas!

— Você acredita mesmo nisso, não? — Ele sorriu com sarcasmo, mas os olhos estavam cheios de ódio.

— Acredito.Bridget não pôde acrescentar mais nada, pois a mãe já os alcançara.

— Molly... minha queridinha, o que aconteceu? — perguntou a avó, alarmada.— Ela levou um tombo feio do cavalo — respondeu Jonas. — Esfolou um pouco alguns

lugares e provavelmente fique com manchas roxas, mas não houve nada de grave.— Mas ela está num estado lamentável! Meu Deus, Molly... Será que ela não vai ficar

com cicatrizes?— Não tem perigo, sra. Harrison — respondeu Jonas, mal disfarçando a antipatia. —

Todas as marcas vão sumir logo! — Lançou um olhar penetrante a Bridget. — Quer fazer o favor de abrir a porta? Vou levar sua filha para dentro.

Bridget correu para fazer o que ele disse e, quando ia entrar atrás de Jonas, a mãe segurou-a pelo braço e cochichou para ela.

— Não vai me dizer que você o deixou tratar de Molly!— Ele é médico, mamãe!— É, eu sei, mas..— Então por que não contou antes? Podia ter-me poupado uma situação embaraçosa!— Pensei que você soubesse!— Ora, deixa pra lá, mamãe!Bridget balançou a cabeça, exasperada. Agora não adiantava discutir isso, não ia mudar

nada. Virou-se para entrar na casa e a mãe a seguiu. Margaret olhou para a sala e não viu ninguém.

— Para onde ele a levou? — perguntou ela.— Só pode ter sido para o quarto, não acha?— Mas como é que ele sabe onde fica o quarto?— Fácil. Molly deve ter dito a ele, não é?É claro que Bridget não ia dizer à mãe que Jonas havia explorado a casa naquele dia

em que esteve lá.— Claro, você tem razão — concordou a mãe. .Bridget dirigiu-se para a escada e ia subir quando Jonas apareceu no topo. Ele olhou

para ela e hesitou um pouco antes de descer.— Ela está trocando de roupa. Aquela está toda suja! — declarou.— Vou subir para ajudá-la. Ela não pode fazer isso sozinha! — disse Margaret, correndo

para a escada, assim que Jonas desceu.Jonas ficou olhando até que ela desaparecesse de vista, depois se virou.— É pena que sua mãe não tenha nenhuma atividade para preencher o tempo, para

fazê-la sentir-se realizada. Talvez assim ela não procurasse se realizar através de você, conduzindo sua vida! — comentou ele com cinismo. — Ou então devia ter tido uma penca de filhos, assim não teria tempo de se intrometer em sua vida!

Bridget se empertigou, um pouco indignada com o fato de ele expressar sua opinião assim abertamente, mesmo que coincidisse com a sua. Jonas não tinha nada com isso. Era assunto de família. E ele não tinha o direito de dar palpites. Perdera esse direito quando a abandonou, há dez anos.

— Nem sempre ter filhos realiza a mulher — foi o único comentário de Bridget.— Pode ser que Molly tenha dor de cabeça — disse ele em tom frio e profissional,

mudando de assunto. — Se isso acontecer, pode dar aspirina a ela. Se não passar com isso, então você me chama. Ou, se preferir, chame o seu médico.

— Está bem.Ela não disse quem chamaria, mas sabia que Jonas estava muito mais perto, se

precisasse de alguma coisa.— Vou trazer os cavalos mais tarde.Parada no começo da escada, de costas para ele, ela começou a falar.— Acho que ainda não agradeci você por tudo que fez...Mas quando se virou, viu que estava falando sozinha. Ele já havia saído. Ouviu quando

Jonas fechou a porta da frente e sentiu-se subitamente muito fraca.

CAPITULO 6

Bridget estava lavando a louça do jantar quando percebeu, pela janela da cozinha, que havia luz na cocheira. Imaginou que devia ser Jonas que fora levar os cavalos de volta. Ficou parada, olhando indecisa, e de repente enxugou depressa as mãos no pano de prato. Era preciso limpar o cocho e alimentar os cavalos e ela não podia deixar que Jonas fizesse isso. Já lhe devia favores pelo que ele fizera por Molly, aliás precisava agradecê-lo e esclarecer algumas coisas. Bridget deu uma espiada na sala e viu Molly deitada no sofá diante da televisão ligada. Ela estava com um roupão de algodão, da mãe, porque ficava bem largo e não incomodava. Não podia usar nada que esbarrasse nos machucados.

— Molly, Jonas veio trazer os cavalos. Vou lá na cocheira cuidar deles — disse ela, da cozinha, para a filha.

Não houve resposta e Bridget foi até a porta da sala e viu que a menina adormecera. Ficou indecisa, sem saber se a acordava ou não, e resolveu deixá-la dormir. O que ia fazer lá fora era rápido e ela estaria de volta antes que Molly acordasse e chamasse por ela. Saiu em silêncio pela porta da cozinha e correu para a cocheira. Ainda não estava completamente escuro. No céu havia vestígios dourados do pôr-do-sol. Abriu a porta e entrou depressa. O coração batia mais rápido e ela sentia um frio na boca do estômago, uma sensação que costumava sentir antigamente, toda vez que ia se encontrar com Jonas.

Logo viu Flash em sua baia, a cabeça elegante empinada e as orelhas movimentando-se à escuta. Na baia ao lado dava para se ver a parte traseira de Satin. Bridget ouviu o rumor de alguém mexendo na palha e uma voz masculina falando baixinho. Aproximou-se e viu Jonas agachado, tratando da perna dianteira do cavalo. Quando a viu parada ali, Jonas se ergueu. A luz fraca criava reflexos avermelhados nos cabelos dele. Estava com uma jaqueta de brim sobre uma camisa aberta no peito, calça de brim desbotado, justa, que modelava bem as pernas musculosas e longas. Ele possuía uma beleza rude, o corpo elegante e másculo. Jonas a olhou com tal intensidade que por um instante Bridget se esqueceu o que tinha ido fazer na cocheira e não sabia o que dizer.

— Como está Molly? — perguntou ele, abaixando-se para pegar o vidro de desinfetante que estava no chão.

— Está bem — respondeu ela, nervosa.— Dei água e comida para os cavalos e já limpei o cocho — disse ele, acariciando o

dorso da égua enquanto saía da baia.— Não precisava ter feito isso! — ela disse, recuperando o controle e pondo-se em

guarda para não se deixar envolver pelo apelo sensual que a fazia perder a razão. — Eu vim justamente para fazer isso! Pra que ter esse trabalho?

— Não foi trabalho nenhum! — Ele deu de ombros.— Talvez não, mas eu...Jonas interrompeu-a como se não estivesse interessado no que ela ia dizer.— A égua está com a junta da perna direita um pouco inchada. Ê melhor pedir para o

seu pai dar uma espiada nisso, ou chamar um veterinário.— É... vou providenciar.— Gostaria de examinar Molly antes de ir embora.— Ela está bem — garantiu Bridget imediatamente, não desejando que ele entrasse na

casa.— Você se incomoda que eu me certifique pessoalmente?Ele sorriu com um brilho matreiro no olhar. Afinal ele era um médico e era assim que ela

devia encará-lo nesse momento. Precisava aprender a tratá-lo com indiferença, apenas como um profissional. E, depois, ela não estaria sozinha com ele, Molly estava lá e era para vê-la que Jonas ia entrar.

— É claro que não. — Ela encaminhou-se para a porta. — Estava dormindo quando vim para cá.

Jonas seguiu-a e apagou a luz antes de sair. O céu já estava mais escuro. Lá para os lados das colinas surgira uma lua crescente e uma estrela solitária brilhava perto. O ar estava agradável. Tudo estava tranqüilo e sereno, menos Bridget.

— Molly está deitada no sofá da sala — disse ela abrindo a porta da cozinha e entrando.Ele não disse nada, nem ela pôde saber no que ele estava pensando. Parecia distante e

indiferente, escondido atrás da máscara da atitude profissional. Bridget foi na frente, conduzindo-o até a sala onde Molly ainda dormia. Jonas parou perto dela e observou o sono da menina, mas não fez nenhum gesto para acordá-la.

— Ela se queixou de alguma coisa?— Um pouco de dor de cabeça. Eu dei uma aspirina a ela, há umas seis horas, mais ou

menos.— Não se queixou de mais nada?— Do que, por exemplo?— De tontura, dor forte, ou dificuldade de focalizar a vista — disse ele, olhando para o

rosto da menina adormecida.— Não. Nada disso — respondeu ela, um pouco alarmada.— Ótimo!— Acha que... devo acordá-la?— Não é necessário. —- Ele passou a mão pelos cabelos e olhou de soslaio para

Bridget. — Por acaso você não teria um cafezinho para me oferecer?— Tem o que sobrou do jantar, mas precisa requentar.— Não faz mal, está ótimo. — Ele sorriu. — Isto é, se você não se incomoda de arranjar

uma xícara pra mim...— É claro que não — respondeu educadamente.Ele a seguiu até a cozinha e sentou-se enquanto ela preparava a xícara e o café.— Quer com leite ou puro?— Puro e sem açúcar. Você não vai tomar também?Seria indelicadeza deixá-lo tomar sozinho e ficar observando, esperando ele terminar.— Vou sim — ela respondeu, forçando um sorriso.Pegou uma outra xícara e sentou-se à mesa, na frente dele. Jonas estava sentado

displicentemente, com um braço apoiado no encosto da cadeira, olhando com ar ausente para a xícara.

— Eu queria lhe pedir desculpas, Bridget.Essas palavras pegaram-na de surpresa. Arregalou os olhos, mas ele não olhou para

ela, continuou de olhar baixo, com a testa franzida.— Mas por quê? — perguntou ela, confusa.— Pelo modo como me comportei hoje. — Ele respirou fundo, sem olhar para ela.— Não tem importância. Está tudo bem.Ela não queria que a conversa assumisse um caráter pessoal. — Não está, não. — Ele olhou para ela. — Eu não precisava ter sido tão rude com você.— Você já explicou o motivo.— Expliquei por que pedi para você fazer as coisas, mas não por que fui ríspido.— Não tem importância. Já esqueci o que aconteceu — mentiu, encolhendo os ombros.— É, mas eu não esqueci. Era natural que você estivesse preocupada com a sua filha.

Qualquer mãe agiria assim num caso desses. Até que você foi bastante sensata e não entrou em pânico, como acontece com muitas. E eu não levei em conta seu sofrimento. Não considerei seu estado!

— Não faz mal, agora já passou.— Faz, sim. Eu não deveria ter deixado meus sentimentos pessoais interferirem na

atitude profissional. Eu estava com raiva... raiva de você por ter fugido de mim, raiva do modo como tem me tratado desde que eu cheguei aqui...

— Eu não estava fugindo de você! Quem estava era Molly, eu apenas tentava alcançá-la porque fiquei preocupada.

— Não tinha a menor necessidade de ela fugir... eu não estava interessado nela.

— Molly já percebeu isso. Ela sente que você não gosta dela e reage como qualquer criança... demonstrando que também não gosta de você.

O olhar de Bridget encontrou o dele.— Isso torna as coisas difíceis para nós, não é?— Não existe "nós", Jonas! — respondeu ela, desviando imediatamente o olhar e

cortando a conversa. —- Você ainda não me disse... está pensando em abrir um consultório aqui em Randolph?

Ele sorriu com cinismo dessa tentativa de mudar de assunto e fixou o olhar nos lábios dela, que, sem jeito, procurou escondê-los atrás da xícara de café.

— É, vou abrir um consultório, sim. Já aluguei um lugar e na próxima semana serão instalados os equipamentos e a mobília. Contratei uma ótima enfermeira chamada Schultzy e em breve estarei clinicando,

— Quer dizer que está mesmo decidido a ficar aqui, não é? — É. Vou ficar definitivamente. Decidi isso depois de ter visto você em março e de Bob

ter me contado que seu marido tinha morrido.— Não devia ter deixado que isso influenciasse sua decisão.— Talvez não, mesmo.— E seus clientes em Nova Iorque? Seu consultório chique na Madison Avenue? —

Bridget falou com certo sarcasmo.— Eu trabalhava numa clínica, Bridget — disse ele, contraindo os músculos da face

como se estivesse fazendo força para se controlar. — Não tinha clientes ricos. Ao contrário, meus clientes eram pessoas simples, que mal podiam comprar os remédios de que precisavam. Você insiste nessa idéia de que eu sou interesseiro e só penso em dinheiro!

Bridget não queria discutir o assunto, isso implicaria em revolver o passado e cutucar uma velha ferida. Já era difícil demais suportar a presença de Jonas tendo que controlar as emoções antigas!

— Puxa, os remédios são tão caros hoje em dia, que ficar doente é quase um luxo. Só pra gente rica, mesmo. Eu que o diga! Tendo que criar Molly... — Ela sorriu. — Devem ter sentido muito perder você na clínica. Trabalhou lá muito tempo?

— Desde que me formei. Alguns colegas lamentaram, sim, a minha decisão de vir embora, mas entenderam que eu queria fugir da cidade grande e ter meu consultório particular num lugar sossegado. Contrataram um médico recém-formado para me substituir.

Havia um brilho de impaciência no olhar dele, como se achasse uma perda de tempo aquela conversa impessoal. Bridget procurou uma resposta que não a comprometesse.

— Não existe lugar melhor do que Vermont!— Ora, estou pouco ligando para Vermont! — explodiu ele. — Eu voltei por sua causa!

— Antes que Bridget pudesse perceber, ele estendeu a mão sobre a mesa e segurou a dela. — Eu precisava voltar para saber se ainda tínhamos alguma chance de ficar juntos!

O calor envolvente daquela mão a perturbava. Reuniu todas as suas defesas para não se entregar ao apelo da proximidade dele.

— Você é um médico, Jonas, você cura as pessoas, salva os doentes... mas não tem o poder de ressuscitar algo que morreu há dez anos. — Delicadamente, mas com firmeza, desvencilhou-se da mão dele. Depois ergueu-se e sorriu com formalidade. — Quer mais um pouco de café?

Dentro dela havia um turbilhão de emoções, mas sua aparência era de calma e frieza. Ele a perscrutou com um olhar severo.

— Quero sim, por favor. Este aqui já esfriou.Ela pegou a xícara que ele lhe estendeu e foi até o fogão, onde estava o bule. O café da

xícara ainda estava fumegante, mesmo assim ela o jogou na pia e encheu de novo.— Para mim não morreu, Bridget! — Ele se erguera com agilidade e rapidez e estava

atrás dela, bem perto. — Será que tudo aquilo que você sentia por mim morreu mesmo?Tocou de leve os cabelos macios dela e afastou-os do pescoço. Aquele contato deixou-

a paralisada. Depois ele a beijou na nuca, no ponto sensível que conhecia bem. Bridget sentiu-se flutuar, suas pernas amoleceram e ela se deixou apoiar no peito de Jonas e sentiu

os braços dele a envolverem. Mas foi uma fraqueza momentânea. Imediatamente se recompôs, virou-se e afastou-o, decidida. Estendeu-lhe a xícara de café e ele não teve alternativa senão pegá-la.

— Aqui está seu café — disse com um tremor na voz e afastou-se dele.O coração batia com tanta força que a assustava. Nervosa, passou a mão pelos cabelos

seguidamente. Estava dividida por um conflito entre o físico e a mente. Jonas continuava em pé perto do fogão, examinando com atenção a reação dela.

— Bridget... — O tom era grave e insistente.— Eu... — respirou fundo para controlar a voz — eu ainda não agradeci a você pelo que

fez por Molly, hoje. Naturalmente vou pagar pelo seu serviço mas, mesmo assim, obrigada. Afinal você é médico e...

— Ora, Bridget, que diabo! Você acha que vou aceitar seu dinheiro? — Jonas falou bravo e largou a xícara sobre o móvel da cozinha.

— Sou apenas a mãe de uma paciente. E, como tal, pretendo pagar pelo atendimento, é claro!

— Quer que eu diga meu preço, é isso? Pois bem, o preço é você e o pagamento tem que ser feito já!

— Não! — exclamou ela, perplexa.Mas não teve tempo de dizer mais nada. Ele a envolveu nos braços, com suavidade.

Bridget tentou se libertar e se debateu enquanto Jonas observava, com um sorriso matreiro, o esforço vão. Era tarde demais, ela já estava presa nas garras da tentação. O corpo dele estava colado no seu.

— Talvez, se eu tivesse salvo a vida de sua filha hoje, você se mostrasse bem mais agradecida.

— Ora, me solte!Ela estava furiosa e assustada, porque uma parte dela não queria que ele a soltasse.

Ela não ousara erguer o rosto. Jonas inclinou a cabeça e começou a beijá-la de leve na testa, nas sobrancelhas e nos olhos. Sem pressa, ele continuou a explorar aquele território já conhecido. Beijou-a na ponta do nariz, no rosto e na orelha. Quando ele chegou perto dos lábios, Bridget estava trêmula de desejo, querendo ardentemente entregar-se à paixão daquele beijo. Todas as suas defesas caíram por terra à medida que o ataque lento e eficiente avançava. Finalmente os lábios dele tocaram os seus, de leve, como se Jonas saboreasse a doçura de sua boca. Não era um beijo sedento e desesperado, mas quando ela entreabriu os lábios e beijou com paixão ele respondeu com o mesmo ardor. Jonas puxou-a para si com mais força, sentindo a maciez dos seios dela contra seu peito rijo. A chama do amor envolveu os dois e consumiu a razão. Só havia um mesmo desejo violento. Jonas colocou a mão sob a blusa dela e acariciou suas costas. Bridget sentiu uma vontade enorme de libertar-se daquelas roupas que eram uma barreira entre os dois. Quando Jonas começou a desabotoar a blusa dela, soube que ficaria mais perto dele e ficou feliz.

Mas, neste momento, num lampejo de sobriedade, percebeu onde esse abandono a levaria. Não podia se entregar assim. Não podia deixar que Jonas a fizesse sofrer de novo. Se ela cedesse ao desejo sabia que depois iria se arrepender. Porque então ela o amaria intensamente e mais do que nunca. E sofreria muito mais quando ele a abandonasse. Será que ainda não aprendera que ele não merecia confiança? Não bastara a lição? Jonas conseguira o que queria, usara-a e, quando apareceu algo melhor, ele a abandonou. Não, não! Desta vez não se deixaria enfeitiçar.

— Não! — exclamou subitamente.Ela já se entregara a tal ponto que Jonas não esperava mais resistência. Bridget

escapou do abraço mas ele a trouxe de volta. Também para ela a necessidade de satisfazer o desejo era um tormento, uma agonia. Fechou os olhos, sem saber o que fazer.

— Você teima em dizer não quando todo o seu corpo está dizendo sim... — murmurou Jonas, ofegante, com os lábios encostados nos cabelos dela.

As mãos dele percorriam seu corpo e Bridget tentou em vão afastá-las. Jonas beijou-a de novo na nuca e acariciou os ombros dela com beijos leves e sedutores.

— Não, Jonas! — insistiu ela com um soluço. — Não vou deixar que me atinja de novo. Solte-me, por favor!

Sem nem saber como, conseguiu se soltar dele. Desta vez Jonas não tentou trazê-la de volta. Ficou parado, olhando para ela, a respiração ofegante, nos olhos um brilho raivoso de desejo frustrado. Bridget afastou-se um pouco mais, recompondo-se. Nos olhos dela havia o mesmo brilho de frustração e tormento de amor.

— Você sempre gostou de fazer isso comigo! — protestou ele. — Você faz isso com todos os homens, Bridget? Gosta de deixá-los malucos, provoca-os até que percam o controle, e depois os deixa frustrados?

— Eu? Foi você que me provocou, que me seduziu!— Está tentando manter a imagem de pureza e inocência, meu amor? — disse,

sarcástico. — Só que... não acha que essa imagem já está um pouco desbotada?— Graças a você! Ah, meu Deus... Como eu odeio você, Jonas!— Você se sente melhor jogando a culpa em mim?— Sinto, sim. Você se aproveitou da minha juventude e inexperiência há dez anos. Você

conseguiu o que quis e ainda foi pago depois. Ainda pergunta por que eu detesto você tanto assim?

— E você agiu contra a vontade, por acaso? Eu forcei você? Você foi violentada, por acaso, hein? — Jonas a acusava em voz baixa, mas o tom era raivoso. — Sabe, eu tenho uma curiosidade, Bridget, Quantos homens a tiveram nos braços, a beijaram e fizeram amor com você? Quantos homens conheceu depois de mim?

Ela se empertigou e retrucou com frieza:— Não sei... não contei. E você, quantas mulheres teve, Jonas?— Por que fugiu da minha pergunta?— E você, por que fugiu da minha? É sempre assim, é? Você não tem o menor direito

de me censurar pelo que fiz ou deixei de fazer nesses dez anos! De uma coisa estou certa: meu padrão moral é bem mais elevado do que o seu!

— É mesmo? Aposto como foi um modelo de esposa para seu falecido marido. Grande virtude! Você nem sabe o significado de palavras como "lealdade" e "fidelidade"... Não me surpreenderia se descobrisse que seu marido não foi o pai dessa menina de oito anos que está dormindo lá na sala!

A resposta dela foi uma violenta bofetada no rosto dele, que fez doer a palma de sua mão.

— Saia já daqui! — sibilou entre os dentes.Ele semicerrou os olhos ameaçadoramente e fechou os punhos. O tapa estava

estampado em seu rosto em vergões vermelhos. Por um longo instante Jonas ficou olhando a expressão de ódio no rosto de Bridget, depois se afastou lentamente e saiu pela porta dos fundos, batendo-a violentamente. Ela fechou os olhos com força, confusa. Sentia-se fraca e uma dor que não conhecia dilacerava seu coração. Amor-ódio... amor-ódio...

— Mamãe? — chamou Molly, assustada.— Estou aqui... na cozinha.— Que barulho foi esse?— Barulho? — Ela tentava ganhar tempo para responder.— É. Um barulho forte, parecia uma coisa explodindo!— Acho que foi na televisão, filhinha. Como está se sentindo?— Mal, mamãe. Estou toda dolorida... nem sei onde é a dor. Então somos duas, Bridget pensou. Depois perguntou:— E a cabeça, como está? Ainda dói?— Está dolorida, mas a dor de cabeça passou. Estou morrendo de sede, mamãe. Tem

alguma coisa para eu beber?— Quer chá gelado?— Tem limão?— Tem, sim.— Então quero chá gelado com limão.

— Ah, estou vendo que já está bem melhor! — Bridget forçou uma risada.— Tinha alguém aqui, mamãe?Bridget parou, tensa, segurando a porta da geladeira aberta.— Por que pergunta?— Parece que eu ouvi você falando com alguém...— Ah...Bridget não conseguiu responder nada. Temia que a filha tivesse ouvido a discussão

com Jonas.— Vai ver que eu estava sonhando... — disse Molly, não muito convencida.— Só se você ouviu Jonas.— Por que ele veio aqui? — O tom de voz revelava quanto ela não gostava dele.Bridget entrou na sala com o copo de chá.— Ele veio trazer os cavalos.— Você deu comida e água pra eles?Molly sentou-se com dificuldade, fazendo careta e gemendo baixinho conforme se

movimentava.— Já estão tratados, sim — garantiu Bridget, sem dizer quem fez isso.— Eu quero ver Satin. Ela deve estar querendo saber o que aconteceu comigo! — Ela

tentou se levantar, mas não conseguiu. — Estou toda dolorida! Aposto que amanhã vou estar toda cheia de manchas roxas.

— Aposto que vai mesmo.— Você me ajuda, mamãe? Eu quero ver Satin pra ter certeza de que ela está bem.— Não, senhora. Fique quietinha aí sem se mexer. Satin está ótima — disse ela,

lembrando-se imediatamente do que Jonas dissera sobre o inchaço na perna da égua.Bridget entregou o copo de chá para a filha e foi até o telefone.— Pra quem você vai ligar, mamãe? — Para seu avô.— Por quê? Aconteceu alguma coisa com Satin? — desconfiou Molly, os olhos

arregalados de susto.— Jonas descobriu um pequeno inchaço na junta da perna direita. Ele acha que não é

nada sério, mas disse que é melhor seu avô examinar.— E o que Jonas entende de cavalos?— Ah, ele entende alguma coisa... — respondeu ela, discando o número da casa dos

pais.— Se acontecer alguma coisa com Satin, eu morro!Bridget conhecia bem a dor de perder um ente querido. Sabia que não se morria ao se

perder um amor, mas sabia também que viver sem esse amor era pior do que morrer.

CAPITULO 7

Jonas estava em pé sob uma árvore frondosa, na encosta da colina, apoiado no tronco. Sozinho, olhava fixo, obcecadamente, para o chalé de telhado íngreme lá do outro lado da campina. Essa era uma atitude que se repetia com constância. Julho estava no fim. Já se passara quase um mês desde o dia do acidente de Molly e ele passara esse tempo todo se maldizendo, se censurando e se desprezando por ter se portado como um tolo. Um médico, afinal, devia ter um pouco mais de controle sobre suas emoções, que diabo! Não devia ter ofendido Bridget daquele jeito, atacando-a, cheio de ciúmes e raiva! Mas é que se sentiu profundamente magoado com a rejeição dela e quis magoá-la com a mesma intensidade.

Ele a amava mais agora do que há dez anos e queria fazer com que ela o amasse, queria conquistá-la e, com a besteira que tinha feito, conseguiu o resultado oposto. Acabou afastando Bridget ainda mais. De onde estava podia vê-la no quintal lavando roupa. Ficava observando a figura esbelta dela movimentando-se com elegância, mas era um tormento ver

Bridget assim de longe, sem poder tocá-la, sentia um enorme vazio no peito. Queria abraçá-la, acariciá-la e provar a ela, fisicamente, que a amava. Só que essa não era a maneira indicada.

— Diabo! — exclamou e deu um soco no tronco da árvore, sem se importar com a dor que sentiu.

Afastou o olhar daquela casa que o atormentava. Onde estava com a cabeça quando resolveu comprar a propriedade vizinha à dela? Devia estar completamente maluco! Era isso mesmo. Desde que a vira de novo ficara completamente louco! Tudo o que fizera a partir daí tinha sido irracional. Onde já se viu vender a sociedade na clínica para comprar essa terra, logo ali? Olhou para o chão. Ele já formara um caminho até essa árvore com seus passos constantes da casa até ali. Era um lugar estratégico, de onde podia ver tudo o que se passava ao redor do chalé. Passava horas sob aquela árvore, observando e desejando alcançar Bridget. Jonas a via sempre, mas só falara com ela algumas poucas vezes, quando era absolutamente impossível para Bridget evitá-lo. E ele vivia provocando encontros que fingia serem casuais.

No dia seguinte ao do acidente com Molly e das palavras ásperas e rudes que ele dissera a Bridget, Jonas foi até o chalé. Tinha um excelente pretexto... examinar Molly, acompanhar o restabelecimento! Mas Bridget nem o deixou entrar, apenas informou com frieza que o médico da família estava cuidando do caso. Nem teve oportunidade de verbalizar o pedido de desculpas tão bem ensaiado, ela não quis ouvir nada e fechou a porta na cara dele. É lógico que ficou com raiva, mas não podia deixar de dar razão a ela. Sentia-se culpado. Depois disso, encontraram-se algumas vezes, na rua, ou na casa dos amigos que tinham em comum, mas ela sempre o tratava com frieza. E ele reagia sempre emocionalmente. Ou a tratava com sarcasmo e raiva contida, ou com indiferença e altivez.

Uma das vezes Jonas a viu com Jim e ficou quase louco de ciúmes. Estavam na casa de amigos e ele não conseguiu dizer uma só palavra, com medo de explodir. Afinal acabou saindo, foi ao bar mais próximo e se embriagou. Nem mesmo o trabalho ajudava. Ele se dedicava com afinco e trabalhava até a exaustão, mas isso apenas o deixava mais fraco, com menor resistência para lutar contra aquela obsessão e agonia de amar Bridget a distância. Como se fosse atraído por um magnetismo, seu olhar voltou a focalizar o chalé. Ele viu Bridget parada perto da porta da cozinha, com um cesto de roupas apoiado nas ancas. De repente ela ergueu a mão e acenou.

Jonas sentiu um calafrio. Por um breve instante pensou que era para ele. Mas não era possível que ela o tivesse visto. A árvore o escondia e Bridget não tinha a menor idéia que esse era seu posto de observação. Olhou melhor e viu que ela acenava para a menina que estava a cavalo, galopando pelas pastagens, entre o gado. Os músculos do seu rosto se contraíram. Era Molly. Essa menina e aquela aliança no dedo de Bridget eram lembretes constantes da infidelidade de Bridget. Ambos trabalhavam em sua mente, sem que ele percebesse, alimentando o ciúme que o consumia. A aliança era fácil de ser removida e trocada por outra... quem sabe, com o tempo... mas um filho era muito diferente! Por mais que tentasse, Jonas não conseguia superar o ressentimento contra a garotinha. Cada vez que olhava para Molly lembrava-se de que um outro homem fecundara Bridget para que ela nascesse. E esse pensamento o consumia aos poucos, como se fosse uma doença.

Enquanto não superasse isso, Jonas sabia que não seria capaz de controlar o ciúme que sentia de Bridget e, enquanto se deixasse dominar por esse ciúme, não conseguiria fazer com que Bridget o amasse. Só havia uma possibilidade de terminar com isso. Jonas respirou fundo e afastou-se da árvore. Não era de seu agrado e era possível que não desse certo, mas estava desesperado de amor por Bridget e tentaria qualquer coisa. Começou a descer a colina sem perder de vista a menina que cavalgava pelos campos. Ia em silêncio, por entre as árvores, e, quando chegou perto da cerca que separava as propriedades, parou. Afundou as mãos nos bolsos e ficou observando cavalo e cavaleira que se aproximavam. No rosto de Molly não havia mais sinais do machucado, embora no braço ainda houvesse algumas marcas visíveis. Ela ainda não tinha percebido a presença dele e Jonas não fez nada para chamar sua atenção.

A égua galopava com elegância, a cabeça empinada e as orelhas à escuta. Movia-se com vigor e elasticidade, respondendo ao comando seguro da pequena cavaleira. Jonas não pôde deixar de admirar o animal. Em seguida concentrou a atenção na garotinha que o montava. Molly estava olhando com mau humor o aviso de "Entrada proibida", pendurado na árvore. Quando chegou mais perto mostrou a língua para o aviso. Jonas reprimiu um impulso de chamá-la de malcriada. Mas essa não era a atitude apropriada, pelo menos naquele momento.

— O aviso não se aplica a você, Molly! — disse ele, fingindo calma e displicência.Ela puxou as rédeas da égua, olhando para Jonas, indignada por não ter percebido

antes a presença dele. A antipatia era visível no olhar da garotinha e Jonas sabia que tinha sido responsável por isso. Se tivesse se controlado mais e não tivesse demonstrado seus sentimentos em relação a ela desde o primeiro encontro... Afastou o pensamento e concluiu:

— Pode cavalgar por minhas terras como fazia antes de serem minhas! Fique à vontade.

— Muito obrigada, mas não quero — disse ela, puxando as rédeas para fazer a volta.— Espere, Molly!— Esperar o quê?— Gostaria de conversar com você.Ele se esforçava para tratá-la amavelmente, como se fosse amigo.— Conversar o quê?— Parece que Satin se recuperou bem, não é?— É sim, ela está ótima — disse Molly, acariciando o pescoço do animal com tapinhas

leves.— E você, como está?— Muito bem! — Ela se empertigou na sela. — O que você queria conversar comigo?Não era nada fácil conversar com uma criança de oito anos, principalmente uma tão

hostil como Molly. Ele se apoiou no pilar da cerca e procurou um jeito de chegar ao assunto que queria tratar.

— Estou com um problema, Molly...— Você? — disse ela, num tom que deixava transparecer certa satisfação.Ele controlou a irritação e procurou mostrar-se cortês.— É, eu sim. E tem muito a ver com você. Não acha melhor desmontar pra gente

conversar?— Comigo? — Ela estava mais desconfiada ainda. — O que eu tenho a ver com seus

problemas?— Desça daí e eu explico direitinho — repetiu ele. Era constrangedor ter que olhar de baixo para cima para falar com uma garotinha de

oito anos.— Você não gosta de mim — disse Molly, olhando-o acusadoramente. — Você olha pra

mim como se me odiasse!— Eu sei que parece verdade, mas...— E é verdade.— É justamente isso que quero explicar — retrucou Jonas com extrema paciência. —

Mas é uma longa história e um pouco complicada, por isso estou pedindo pra você descer do cavalo. Vou lhe contar tudo.

Molly ficou indecisa, mas afinal a curiosidade acabou vencendo a antipatia que sentia por Jonas e ela desceu do cavalo, puxando-o pela rédea até a cerca, onde o amarrou. Depois parou perto de Jonas e o encarou com firmeza.

— Vamos sentar ali, na sombra daquela árvore.Molly pulou a cerca, recusando a ajuda dele. Mantinha uma certa distância, como se

não confiasse muito nele. Jonas achava graça na atitude dela. Quando chegaram ao lugar indicado, ela se sentou com as pernas cruzadas em posição de ioga e inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos, atenta, esperando Jonas se sentar e começar a história.

— Eu conheci sua mãe há muito tempo...

— É, eu sei. Ela me contou — interrompeu ela, impaciente.— O que ela contou pra você?— Mamãe disse que você era namorado dela e que ela achava que amava você. É claro

que isso foi antes de ela conhecer meu pai.Ele desviou o olhar para que ela não visse o ódio que ele sentia à simples menção

dessa palavra.— Continue sua história — pediu ela.Jonas respirou fundo, procurando se acalmar, e recomeçou.— Eu amava muito sua mãe, naquela época também. Queria casar com ela.— Ainda bem que ela não casou com você! Não queria que você fosse meu pai!— Como é que você pode saber se eu não seria um bom pai? — disse ele, fazendo

esforço para se controlar.Ela fez uma careta de descrença e arrancou uma folhinha de grama que ficou

examinando, interessada. Jonas quase estragou o que tinha planejado, mas decidiu ir até o fim.

— Como estava dizendo... — continuou ele — há dez anos eu amava sua mãe e queria me casar com ela. Mas Bridget era muito jovem, não tinha feito dezoito anos ainda e eu também precisava completar meu estudo de medicina. Tinha ainda muitos anos de faculdade pela frente.

— Você não era médico naquela época?— Não. Eu estava aprendendo a ser médico... — Jonas fez uma pausa, escolhendo as

palavras. — Minha família não tinha muito dinheiro. Eu precisei trabalhar desde cedo, inclusive para pagar meus estudos. Os pais de sua mãe, seus avós, já eram muito ricos. Bridget sempre teve tudo o que quis.

— Foi por isso que você não casou com ela?— Essa foi uma das razões... —- Jonas procurava um jeito de explicar. — Sua mãe dizia

que me amava, mas eu não tinha certeza porque ela era muito jovem e podia ser apenas um sonho romântico. Além disso, havia o problema do dinheiro. É difícil viver com pouco dinheiro quando a pessoa está acostumada a ter muito. Sua mãe nunca precisou se preocupar com dinheiro e eu tinha medo de que ela não se acostumasse a uma vida difícil, tendo que fazer economias...

— Aposto como ela se acostumaria! — Molly suspirou, — Ela vive dizendo que o dinheiro não dá para comprar isso ou aquilo, alguma coisa que eu peço. Eu queria que ela comprasse um reboque especial para transportar Satin para a demonstração de saltos, mas mamãe disse que custa caro e não dá pra comprar nem um usado. Vovô disse que me daria um, mas mamãe não quer.

Jonas se admirou com essa demonstração de independência de Bridget. Talvez ele a tivesse subestimado. Mas, é claro, não podia se esquecer que ela estava dez anos mais velha, já fora casada e, naturalmente, tivera de aprender a administrar uma casa.

— Mas, além de tudo isso, seus avós não aprovavam o casamento. Sabiam que ainda ia demorar para me formar e não poderia proporcionar uma vida confortável para sua mãe até me tornar médico... e acho que a sua avó não acreditava que eu conseguisse terminar meus estudos.

Jonas e Margaret nunca tinham se dado bem, mas ele não achava necessário tocar nesse assunto com a menina. Ela não tinha maturidade para entender essas coisas ainda.

— Vovó também não gosta de você. Ela queria arranjar um jeito de fazer você ir embora outra vez.

— Desta vez ela não vai ter a mesma sorte — retrucou ele secamente.— Você não vai embora?— Não. Não vou. Molly suspirou, resignada.— E o que isso tudo tem que ver com a história de você não gostar de mim?Jonas franziu a testa com ar pensativo.— Essa é a parte mais difícil de explicar. Não sei como fazer pra você me entender.

— Por que eu preciso entender? — Molly deu de ombros, mas estava ansiosa para saber.

— Se sua mãe e eu tivéssemos casado naquela época, poderíamos ter uma filhinha como você... — Jonas fez uma pausa e perscrutou-a. — Mas em vez disso eu fui embora e ela se casou com o seu pai.

— Ela amava meu pai!— Eu sei. — Ele passou a mão pelos cabelos, nervoso. — Acontece que cada vez que

eu olho para você eu me lembro disso e fico com ciúmes. Com ciúmes da sua mãe ter amado outro homem, e não eu, e de ter tido uma filha dele, e não de mim. Será que você entende o que estou dizendo, Molly?

— Acho que sim...— É mesmo? — Jonas riu, meio cético. Achava impossível que uma criança pudesse entender a profundidade de sua emoção.— Quer dizer... não é de mim que você não gosta... é de quem foi meu pai — ela

conseguiu verbalizar com dificuldade.Jonas arqueou as sobrancelhas, surpreso, e examinou-a com mais atenção.— Você é bem mais esperta do que eu imaginava.— Vovó diz que eu pareço mais velha do que sou.— Ah... sua avó pensa que sabe tudo! — disse ele secamente.— Ela sabe bastante coisa — defendeu Molly. — Ela diz que você vai fazer mamãe

sofrer de novo.— Eu amo Bridget. Não ia querer fazê-la sofrer.— Sempre que alguém diz seu nome mamãe fica gelada. Ela não quer nem que a vovó

fale de você.— Espero que algum dia sua mãe volte a me amar, Molly. Eu ainda quero casar com

ela.— Mas ela não quer casar com você!— Talvez. Mas quem sabe as coisas mudam!— Eu não quero que ela case com você.— Por que não? Se eu puder fazê-la feliz...— Você ia querer que eu fosse embora para você não se lembrar do meu pai...— É... pode ser. Mas isso traz um outro assunto que eu queria discutir com você.— O que é? — perguntou ela, desconfiada de novo.— Parece que o único jeito da gente acabar com essa antipatia que há entre nós, é a

gente tentar se conhecer melhor.— E isso ia adiantar?— Eu espero que, conhecendo você melhor, descobrindo como você é, eu acabe vendo

você como uma pessoa, e não apenas como filha de outro homem que amou sua mãe. Quero ver você como Molly O'Shea, um ser humano. E você pode acabar achando que eu não sou tão ruim assim como pensa.

— Você acha isso, mesmo?— Não vai ser fácil.— E como é que a gente ia fazer isso?Ele não pensara nisso. Fez uma pausa, tentando ganhar tempo.— Acho que a gente devia se encontrar de vez em quando e conversar.—- Conversar sobre o quê?— Não sei... — Jonas desviou o olhar, procurando uma resposta. — Talvez sobre

cavalos. As coisas que a gente gosta de fazer e as coisas que a gente não gosta.— Você não sabe muita coisa sobre cavalos Morgan... devia ir até a Fazenda Morgan

Horse, em Weybridge, para aprender alguma coisa.— Acho que farei isso. Vou estudar sobre eles e depois a gente se encontra... vejamos,

depois de amanhã, está bem?— Não sei... talvez mamãe...— Acho que você não precisa contar pra sua mãe.

— Quer que eu esconda dela? — Ela franziu a testa.— Não é isso... acho melhor você não contar enquanto a gente não descobrir se vai dar

certo ou não.— É... acho que você tem razão — concordou ela com certa relutância — mas ela não

gosta que eu saia sem falar onde vou!— Você sempre sai com Satin a essa hora, não sai?— É... a essa hora é mais fresquinho. No fim da tarde.— Pois então, é simples. Diga à sua mãe que você vai andar a cavalo, vai sair com

Satin, o que não deixa de ser verdade... só não precisa acrescentar que vai encontrar comigo.Ocorreu a Jonas, de repente, que ele estava ensinando Molly a mentir. Mas não havia

outra solução.— Onde vou encontrar você? Aqui na cerca?Jonas olhou em redor. Ali onde estavam podiam ser vistos do chalé e, se Bridget

descobrisse, podia proibir Molly.— Não. Está vendo aquela árvore copada, sozinha, ali perto do topo da colina? — Ele

apontou para o seu local de observação. Molly virou a cabeça para olhar. — Pois vou ficar lá esperando você a essa mesma hora, a não ser que tenha que atender algum chamado de emergência, ou que esteja chovendo.

— Está bem.Com agilidade Jonas ergueu-se, dando a conversa por encerrada. Molly olhou para ele

e ergueu-se também. Bateu no traseiro da calça para sacudir gravetos e folhinhas. Havia uma certa ansiedade em seu rosto. Apesar de ter concordado, ela parecia não saber se estava agindo certo ou não. Jonas estendeu a mão para ela.

— Estamos combinados, então?Eles trocaram um aperto de mão para selar o pacto. Ela já ia embora quando parou e

olhou para ele, hesitante.— Pode ser que eu não pare de não gostar de você — disse ela com sinceridade

infantil.— Pode ser que eu também não mude meu sentimento em relação a você — admitiu

ele. — Mas só vamos saber se tentarmos.— Então tá certo — disse ela e foi até a cerca.Jonas não se ofereceu para ajudá-la a pular a cerca. Já do outro lado, Molly desamarrou

o cavalo e montou. Olhou para ele uma última vez antes de tomar o rumo das pastagens. Enquanto isso Jonas começou a subir a colina, ruminando suas dúvidas. Quando chegou perto da árvore, onde marcara o encontro com Molly, parou e olhou para o chalé. Ficou imaginando o que Bridget estaria fazendo e sentiu uma profunda solidão.

Da janela da cozinha, Bridget observava Molly se aproximando de casa. Estava sentindo um nó na garganta. O que será que Molly estava conversando com Jonas? Só podia ser Jonas. Mesmo àquela distância, ela o reconhecia. Olhou para a colina do outro lado do vale, procurando, ansiosa. Jonas desaparecera na encosta. Aquela cena a deixara inquieta e apreensiva. Bridget lembrou-se de que a mãe lhe dissera que Jonas não teria escrúpulos em usar Molly para chegar até ela. Mas lembrou-se também do que ele sentia pela menina e da antipatia que a filha tinha por ele. Como é que estavam conversando, então? Tinha que haver uma explicação plausível para aquilo. Impaciente, foi até a porta da cozinha e depois parou. Não, ela não devia correr até a cocheira e dizer a Molly que a vira conversando com Jonas e enchê-la de perguntas; isso só atiçaria a curiosidade da filha a respeito do seu relacionamento com Jonas.

Voltou para a pia e começou a enxugar os pratos, uma tarefa que era da filha, mas Bridget precisava se ocupar com alguma coisa para preencher o tempo. Molly ainda ia demorar a entrar. Precisava desarrear o cavalo, limpar a cocheira e dar comida a Satin. Quando afinal entrou, Bridget já guardara toda a louça. Assim que a filha viu o escorredor vazio sobre a pia, sorriu.

— Obrigada, mamãe.— De nada. Foi bom o passeio? — tentou especular sutilmente.

— Foi sim. Posso pegar um pedaço de bolo?— Tem maçã na geladeira. É melhor comer uma primeiro. Molly fez uma careta e foi até a geladeira, enquanto Bridget a observava, tentando achar

um jeito casual de puxar o assunto. Parecia não haver nenhum.— Será que eu vi você conversando com Jonas, ou foi impressão minha? — Molly riu e

deu uma dentada na maçã. — Você falou com ele? — insistiu a mãe.— Falei. Conversamos um pouquinho.— Sobre o quê?— Ele perguntou como eu estava e disse que Satin estava bem recuperada... nada de

importante.— Parece que você ficou com ele bastante tempo para terem dito só isso.— Ele disse que nós podíamos andar a cavalo pelas terras dele, como costumávamos

fazer quando eram do sr. Hanson. Disse que aquela placa era só para estranhos.— Pensei que você não gostasse dele.— E não gosto, mas ele é nosso vizinho. Além disso, as terras dele ficam nas colinas e

para Satin é bom subir a encosta. Esse exercício fortalece os músculos! E, afinal, Jonas não é tão ruim assim... pelo menos ele parou de me tratar como se eu fosse um bebê!

Molly foi para a sala, comendo maçã. Bridget ficou observando-a por alguns segundos, depois virou-se e passou o pano úmido no móvel da cozinha pela terceira vez. A explicação da filha parecia bastante aceitável, mas ela continuava apreensiva. Molly disse que não achava Jonas tão ruim assim, embora continuasse a afirmar que não gostava dele. Mas, de qualquer forma, a atitude dela parecia ter abrandado. Isso criava um outro dilema para Bridget. Não queria que a filha odiasse Jonas, mas também as coisas seriam muito mais difíceis para ela se Molly começasse a gostar dele.

Não havia mais nada a fazer na cozinha, contudo Bridget relutava em ir para a sala e fingir uma despreocupação que estava longe de sentir. Por isso saiu pela porta dos fundos, em silêncio, sentindo necessidade de ficar sozinha. O sol estava se pondo e o céu estava cor-de-rosa e dourado. O vale parecia sereno e silencioso. A temperatura refrescara. Bridget sentiu a doce paz que a envolvia. Mas, em seu íntimo, os problemas continuavam a tumultuá-la. Foi andando devagar até a cerca do pasto. Estava perto da cocheira e podia sentir o cheiro do estábulo e ouvir os cavalos movimentando-se nas baias, resfolegando e batendo as patas no chão de vez em quando. Lá no vale, o gado malhado de branco e preto pastava tranqüilamente. Olhou para a colina do outro lado do pasto, na propriedade de Jonas. Por um instante pensou ter visto algo se movendo no topo. Sentiu um frio na boca do estômago, firmou a vista, mas não pôde ver nada. Bridget suspirou e cruzou os braços, sentindo uma solidão que chegava a doer.

— Por que fui me apaixonar por você outra vez, Jonas? — disse ela baixinho para si mesma.

CAPITULO 8

— Molly! — Bridget suspirou, exasperada. — Eu não disse para você pôr a calça azul?— Ah... mas esta branca está limpinha e é mais bonita! — retrucou Molly com um

muxoxo de rebeldia.— Justamente por isso vai ficar toda manchada de terra. Vá trocar depressa antes que

Jim chegue! — ordenou ela.— Ah... mamãe! — resmungou ela, depois parou na porta da cozinha, antes de ir para o

quarto — Por que Jim vai levar a gente no piquenique?— Porque ele convidou a gente pra ir com ele — respondeu Bridget, arrumando a cesta

de comidas.— É, eu sei. Mas ele sempre convida você pra sair com ele e você não quer ir. Por que

resolveu ir, hoje?

— Porque Jim está de partida. Ofereceram a ele um bom cargo numa outra escola e ele vai embora daqui.

— Mas ele não é professor da Escola Técnica?— Ele era, mas pediu demissão pra aceitar esse outro emprego, e já mudou. O

piquenique de hoje é uma espécie de festa de despedida para ele.— Pensei que o piquenique era por causa do Dia do Trabalho.— Molly, chega de conversa. Vá trocar a calça comprida primeiro e depois você pode

falar quanto quiser!Molly olhou para ela, enfezada, e correu para o quarto. O sorriso de Bridget murchou.

Estava preocupada com a reunião daquela tarde. Ela sabia que Jonas tinha sido convidado, também, e sua intuição lhe dissera que ela não devia ir. Jonas não era amigo direto de Jim, mas era amigo de todos os outros da turma e não seria justo deixá-lo de fora. Por outro lado, ela também não podia recusar o convite de Jim. Durante todo o verão, desde que Jonas voltou, ela nunca mais aceitou os convites para sair com Jim. Não lhe parecia direito sair com ele, pensando no outro.

Bridget sabia que Jim ficara confuso com aquela súbita mudança de atitude, mas ela não explicou nada a ele. Não podia. Ninguém podia saber o que estava acontecendo em seu íntimo. Contudo, desta vez seria indelicadeza recusar o convite, pois era uma reunião de amigos para a despedida dele. Bridget tinha encarado a verdade a respeito de Jonas. Ela continuava a amá-lo, apesar daquela longa separação. A única diferença é que não tinha mais confiança para demonstrar esse amor. Tinha muito medo. Não conseguia perdoar nem esquecer o fato de que Jonas preferira ficar com o dinheiro dos pais dela, há dez anos, e a abandonara por isso.

Um carro parou na entrada e tocou a buzina.— Molly! É Jim. Está pronta?— Estou indo!A estrada era ladeada de árvores cobertas de folhas avermelhadas. O sol estava

radiante, e o céu, azul. As colinas e as montanhas ao longe começavam a se adornar com seu traje de outono em vermelho e dourado de vários tons. O caminho até Brookfield era pitoresco e bonito. A torre branca de uma pequena igreja destacava-se contra o fundo colorido. Quanto mais se aproximavam do Parque Estadual Allis, mais calada Bridget ficava, fingindo estar absorta na contemplação da bela paisagem. Jim fingia não perceber a atitude dela, conversando com Molly que, muito animada, não parava de falar e fazer perguntas.

Quando entraram em Brookfield, Jim diminuiu a marcha. Era um vilarejo de construções antigas, muito bem conservadas. Bridget ficava cada vez mais tensa e Molly cada vez mais irrequieta.

— Nós vamos mesmo passar pela ponte flutuante? — perguntou ela.— Vamos sim, a não ser que você prefira descer e atravessar o lago a nado — brincou

Jim.Depois da curva, no fim da descida, lá estava a ponte. Era construída sobre cilindros

flutuantes em forma de barris,— Faz um tempão que a gente não passa por aqui! — disse Molly, eufórica, sem

conseguir ficar parada.— Se você não parar de saracotear, vamos cair da ponte! — disse Jim em tom de

caçoada.O carro entrou devagar na ponte de tábuas, que afundou ligeiramente com o peso. A

água cobriu a madeira e molhou as rodas do carro. Jim ia dirigindo lenta e cautelosamente. Do outro lado do lago, no topo da colina, avistava-se a torre de observação do Parque Estadual Allis. Eles foram uns dos primeiros a chegar para a reunião, na área de piqueniques, mas os outros chegaram logo depois. Bridget tentava controlar a ansiedade provocada pela expectativa da chegada de Jonas. Cada carro que se aproximava fazia, seu coração bater mais rápido. Todos já haviam chegado e não havia nem sinal dele.

— Ué... onde está Jonas? — perguntou Evelyn com ar de preocupação. — Ele não chegou ainda?

— Eu não o vi por aqui! — respondeu alguém.— Você falou com ele, não falou, Bob? — Evelyn virou-se para o marido. — Ele não

tinha dito que viria?— Pelo menos foi o que ele me disse naquele dia...— Não seria melhor esperarmos por ele, para começarmos a comer? — murmurou

Evelyn com ar distraído.— Ah, mamãe... estou morrendo de fome! — exclamou o filho menor dela.— Vamos dar a comida das crianças antes — sugeriu Mary. — Se Jonas não chegar até

elas terminarem de comer, aí a gente começa sem ele mesmo.— É... a gente guarda alguma coisa pra ele — concordou Evelyn. Chamaram as crianças e Molly correu para a mãe.— Nós vamos ter que comer junto com esses pirralhos? — reclamou ela.Bridget olhou para Molly e para a filha de Mary que estava com ela. As duas já estavam

na quinta série e, sem dúvida, eram bem mais velhas do que as crianças menores.— Não é necessário... Você e Patty podem pegar a comida e escolher um lugar só para

vocês duas. — As meninas suspiraram, aliviadas. — Mas antes é bom falar com Mary, pode ser que ela queira que Patty tome conta de Tommy.

— Está bem — prometeu Molly e saíram correndo.Um pouco depois Bridget viu as duas sentadas sob uma árvore, longe dos outros. As

crianças já haviam comido e até aquele momento nem sinal de Jonas. Os adultos resolveram comer também. Uma hora depois estavam todos sentados conversando quando ouviram bater uma porta de carro. Bridget não se virou para ver quem era. Adivinhou que era Jonas antes que os outros o cumprimentassem.

— Pensamos que não viesse mais, Jonas! O que aconteceu? Por que demorou tanto?Ele se aproximou da mesa rústica sob as árvores.— Desculpem o atraso.— Guardamos comida para você! —- Evelyn sorriu.— Obrigado. — Jonas sorriu, com ar de cansaço.Bridget não pôde deixar de notar a aparência desalinhada dele. A calça e a camisa

estavam amarrotadas como se ele tivesse dormido vestido. O cabelo estava despenteado e o rosto parecia mais magro, sombreado pela barba por fazer. Ele estava realmente abatido.

— Pela sua cara, parece que esteve numa tremenda farra, ontem! — comentou Bob, em tom de brincadeira.

— Não foi farra — respondeu Jonas, sentando-se, visivelmente cansado. — Estava atendendo uma parturiente. Um caso difícil.

— Quem é que teve nenê? — perguntou Mary.— Ninguém daqui do lugar. É um casal jovem, de Massachusetts, que veio passar o fim

de semana em Lake Champagne. A mulher começou a ter contrações à uma hora da madrugada. Eu estava de plantão no hospital.

— O que ela teve, menino ou menina?— Menina. — Ele fez um esforço para sorrir. Depois virou-se para Bob. — Por acaso

sobrou cerveja?— Vamos ver se deixaram algumas latas na caixa de isopor — disse ele rindo e

piscando um olho.— Não quer comer alguma coisa? — ofereceu Evelyn.— Um cachorro-quente está bom.Ele olhou para Bridget e depois para Jim, que estava ao lado dela, mas sua expressão

era apenas de resignação. Bob trouxe a cerveja, e Evelyn, um prato com sanduíches e batatas fritas. E a conversa se generalizou outra vez. Jonas terminou o primeiro cachorro-quente e estava pegando outro, quando ouviram uma buzina. Ele respirou fundo e largou o sanduíche no prato de papel.

— Com licença — disse ele, erguendo-se pesadamente.Chegou até o carro no momento em que a buzina tocava pela segunda vez. Bridget o

observava discretamente. Sentia um aperto no coração ao vê-lo assim tão sem energia. Logo

ele, tão cheio de vitalidade! Jonas sentou-se de lado no banco do motorista, com a porta do carro aberta, e Bridget viu quando ele colocou o fone no ouvido, atendendo o chamado.

— É melhor a gente começar a reunir as coisas — sugeriu Connie, arregaçando a manga da malha.

— À vontade, não vamos atrapalhar nem um pouco — disse Bob, rindo.— Bem que vocês, homens, podiam ajudar — disse Evelyn.— É... poderíamos! — enfatizou ele, rindo, e saiu da mesa junto com os outros maridos,

deixando o serviço para as mulheres.Poucos minutos depois, Jonas voltou, aborrecido, esfregando a testa. Não se juntou aos

outros, ficou afastado de todos, encostado numa árvore, com expressão ausente.— Bridget... — falou Evelyn, baixinho, olhando para Jonas — por que você não leva

esse prato para ele? Ele não comeu nada e está tão abatido!Bridget concordava com ela mas não podia dizer. Ficou indecisa. Também não podia se

recusar, pois não havia nenhuma razão plausível. Acabou pegando o prato e foi devagar para onde Jonas estava.

— Jonas... — ela murmurou e ele se virou, mas olhou-a com ar ausente. — Você não acabou de comer.

Ele olhou para o prato que ela lhe estendia e afastou o olhar.— Não estou com fome.— Realmente não está muito jeitoso, assim frio, mas acho que você está precisando se

alimentar — Bridget falava com calma.— Talvez — disse ele, indiferente, e passou a mão pelo queixo. — Eu esqueci de fazer

a barba.— Esqueceu de comer, também. Por favor, Jonas, coma! — Ela ofereceu o prato a ele.

Jonas olhou-a nos olhos por um instante, depois pegou o prato, hesitou por um breve segundo e devolveu-o a ela.

— Jonas... — disse Bridget em tom de protesto.— O bebê morreu. Não consegui salvá-lo — declarou ele repentinamente, em voz baixa

e com ira. Bridget não conseguiu dizer nada, apenas deixou escapar uma exclamação que parecia um gemido. — Era uma menina, mas o parto foi prematuro.,. ela não pesava nem dois quilos. Fizemos tudo o que podíamos. Tínhamos todo o equipamento necessário e não conseguimos salvá-la...

Bridget sentiu a frustração dele, o desalento, a sensação de impotência diante de algo mais forte, e desejou de todo coração consolá-lo.

— Tenho certeza de que você fez tudo o que era possível, Jonas.— É... — ele continuava com o olhar ausente — mas não foi suficiente, não é? —

Fechou os olhos e respirou fundo, depois abriu-os e olhou-a nos olhos. — Eu precisava falar com alguém... contar isso. Não sei por que cargas d'água fui escolher logo você que não liga a mínima para o que me acontece!

As palavras dele atingiram-na como um punhal. Ela sentiu uma dor lancinante, ainda mais quando Jonas fez menção de se afastar. Instintivamente estendeu a mão e segurou o braço dele para detê-lo.

— Isso não é verdade, Jonas, é claro que eu ligo.— É... talvez, mas não do jeito que eu gostaria. Com licença.E se afastou sem que ela pudesse impedi-lo. Bridget ficou olhando de longe enquanto

ele se juntou aos homens e recusou a lata de cerveja que Bob lhe ofereceu. Voltou para a mesa de piquenique com um nó na garganta, contendo o choro. Evelyn se aproximou.

— Ele não quer comer?Bridget balançou a cabeça, esforçando-se para falar.— Disse que não estava com fome e eu não consegui convencê-lo a comer — disse ela,

guardando segredo da tristeza dele.Ajudou as mulheres a reunir as coisas e a juntar o lixo, mas não parava de vigiar Jonas,

furtivamente. Ele estava exausto, mas não se sentava. Ficava se movimentando, andando de cá para lá. Bridget percebeu que não era de nervosismo, mas sim porque ele temia

adormecer se parasse e relaxasse o corpo em algum lugar. Teve vontade de ir até ele e convencê-lo a descansar um pouco, tirar um cochilo, pelo menos. Mas lembrou-se de que sua tentativa de fazê-lo se alimentar fracassara. Provavelmente não teria sucesso desta vez também. Assim que as mulheres acabaram de limpar tudo e guardar as coisas nos carros, foram se unir aos homens. Quando Jonas viu Bridget se aproximando, afastou-se do grupo.

Imediatamente ela parou e ficou observando aonde ele ia. Ficou perplexa quando o viu encaminhar-se para a mesa onde estavam Molly e Patty ouvindo rádio de pilha. Bridget ficou alerta e se aproximou um pouco mais. Viu quando ele chegou perto das duas, que estavam distraídas e nem notaram a presença dele. Depois viu quando ele girou o botão do volume e as duas olharam assustadas.

— Não acham que esse rádio está alto demais, meninas? — Ele piscou um olho, sorrindo. —- Assim vão pensar que vocês são surdas!

— Jonas!O tom alegre com que Molly o recebeu surpreendeu Bridget. A última vez que falou

sobre ele com a filha ela lhe garantiu que o detestava. E isso fazia um mês mais ou menos. Bridget não entendeu, mas sentiu uma certa satisfação ao vê-los juntos tratando-se como amigos.

— Puxa, que cara! Você parece estar morto de cansaço! — disse Molly, preocupada.— Estou tão mal assim? — Um sorriso afetuoso e indulgente estampou-se nos lábios

dele.— O que aconteceu? — perguntou Molly.— Estou sem dormir. Fui atender um caso de emergência no hospital. Passei a noite

toda lá e vim direto para cá.— Caso de emergência? Foi um desastre de automóvel? — Molly olhava para ele,

atenta, os olhos bem abertos.— Você é de uma curiosidade impressionante! — Jonas riu.— Os professores sempre dizem que é perguntando que a gente aprende! — declarou

Molly com ar de importância. — Quem sabe se eu não vou resolver ser médica que nem você... você bem que podia ir me ensinando as coisas, assim quando eu fosse estudar já saberia bastante.

Bridget arregalou os olhos. Não estava entendendo nada, mas estava vagamente apreensiva. Jonas agachou-se entre as duas meninas.

— Outro dia precisei ir a Weybridge — disse ele. — Depois, na volta, estava com tempo disponível, então parei na Fazenda Morgan Horse.

— Ah, é? E o que você achou? — perguntou Molly, ansiosa para saber a resposta.— Fiquei impressionado!— É maravilhosa, não é? Com todos aqueles cavalos Morgan maravilhosos! E os

reprodutores então... são lindos! Você não achou bonitas aquelas construções antigas?— Achei. Não sei como você ainda não quis fazer o curso de treinamento que eles têm

lá! Do jeito que você é fanática por cavalos Morgan...— Ah, mas eu quero, sim. Eu adoraria fazer, mas... — Molly ergueu as mãos, num gesto

expressivo — é difícil saber escolher o que a gente vai ser quando crescer.— Você tem bastante tempo para isso.— Acho que sim. — Molly suspirou e ergueu a cabeça com ar pensativo. — Gostaria de

ter visitado a fazenda com você. Faz muito tempo que eu não vou lá.Bridget estava atenta à conversa. Eles pareciam ter um relacionamento sólido, não

podia ser algo que acontecera da noite para o dia.— Talvez eu... — Jonas parou. É que ele tinha visto Bridget escutando. Imediatamente

sua expressão se transformou como se ele usasse uma máscara. Toda a suavidade se esvaiu. — Talvez sua mãe leve você — disse ele, mudando a resposta, e ergueu-se.

Molly ficou intrigada com essa súbita mudança e seguiu a direção do olhar dele. Quando viu a mãe, ficou sem jeito, sentindo-se culpada, e olhou para Jonas, ansiosa. Ele foi até onde estava Bridget, com passos largos e decididos, e parou diante dela.

— Acho que está esperando uma explicação, não é?

Bridget sentiu-se trêmula. Estava com raiva da calma dele.— Acho que mereço — respondeu ela, ríspida,Jonas olhou para o grupo lá adiante e ela também. Ninguém notara que eles tinham se

afastado.— Então vamos andar um pouco — sugeriu ele.— Está bem.Ela preferia mesmo que a conversa fosse a sós, sem o perigo de alguém escutar algo.

Os dois se afastaram, andando lado a lado. Molly ficou observando-os, apreensiva. Quando chegaram a um lugar onde não podiam ser vistos, Jonas parou. Pegou o cigarro no bolso e ofereceu a Bridget, que recusou, e depois acendeu um para ele. Ela esperava em expectativa. Ele deu uma tragada funda e soltou uma baforada de fumaça. Bridget controlava-se para não ceder à compaixão de vê-lo assim tão abatido e desolado. Já estava ficando nervosa. Afinal ele resolveu falar.

— Devo confessar que tenho me encontrado com Molly.— Desde quando?— Faz um mês ou mais. Desde o fim de julho.— Mas por que, Jonas? — Ela cruzou as mãos, apertando-as, evitando olhar para ele.— Eu queria conhecê-la. Achei que era a única coisa lógica.— Mas por que escondeu de mim?— Achei que você não aprovaria a idéia.Bridget olhou para ele, furiosa, mas a expressão dele era enigmática.— E estava certo quanto a isso. Não aprovaria mesmo. E ainda por cima incentivou

Molly a não me contar sobre os encontros clandestinos de vocês!— Se você soubesse, eles não seriam clandestinos... e além disso tenho certeza de que

você poria um fim neles assim que descobrisse. Por isso sugeri a Molly que não contasse a você.

— Vocês se encontravam quando ela saía a cavalo, não é? — Ele fez que sim com a cabeça e Bridget desviou o olhar. —- Quer dizer que admite que incentivou Molly a mentir para mim... isso foi desleal e sujo da sua parte, Jonas.

— Talvez. Mas, se eu tivesse sido sincero e confessado minhas intenções, você teria atrapalhado tudo e eu não teria conseguido nada.

— E acha que isso justifica sua atitude? Ora! — Ela riu com amargura. — Afinal, não sei por que estou tão admirada! Você sempre conseguiu o que quis sem se importar se com isso feria alguém. .. você sempre achou que estava certo e que tudo se justificava. Essa sua atitude baixa de agora não devia me surpreender. Já era de se esperar!

— Você está exagerando, Bridget — disse ele com paciência.— Será?— Espero que não culpe Molly por isso. A idéia foi exclusivamente minha.— Estou sabendo.— Ainda bem. Molly sempre lhe dizia aonde ia quando saía a cavalo, não era mentira, a

única coisa é que ela não contava que ia encontrar comigo.— Mesmo assim, estou decepcionada. — Depois olhou para ele, furiosa. — Por que fez

isso, Jonas? O que esperava ganhar?— Já lhe disse... queria conhecer Molly.— Sim, mas por quê? Queria persuadir Molly para que ela me fizesse mudar de opinião

a seu respeito? Ela é uma criança, Jonas! — A voz dela tremia. — Você acha que eu me deixaria influenciar por ela? Molly não tem a menor idéia de como você pode ser cruel e desalmado, mas eu tenho. Não é possível que você acreditasse mesmo que eu daria ouvidos a ela! Então, por que fez isso? Por quê?

Jonas não respondeu imediatamente. Deu a última tragada no cigarro, jogou-o no chão e apagou-o com o salto do sapato, soltando a fumaça pelo nariz. Bridget sentiu que ele estava tenso.

— Eu estava quase odiando sua filha, Bridget — ele falou baixo e pausadamente. — Sintoma de uma doença chamada ciúme. E eu já estava perdendo o controle sobre isso.

Cada vez que via Molly, lembrava dela ou via essa aliança no seu dedo, perdia a razão e acabava dizendo coisas pra você que não tinha a menor intenção de dizer nem era o que estava sentindo.

— Se era isso o que você sentia por ela, então... — começou, mas ele interrompeu.— Por que eu inventei esses encontros, não é? — ele terminou a pergunta, com um

meio-sorriso e um brilho sarcástico no olhar. — Naturalmente você já pensou numa resposta. Mas está muito enganada. Não foi para criar discórdias entre vocês duas, para provocar discussões a meu respeito entre você e ela.

— Então por que foi?— O rancor que eu tinha por Molly não era por ela ser sua filha, mas por ser filha "dele".

O único modo de superar isso era conseguir encará-la não como filha de fulano ou sicrano, mas como uma pessoa, um indivíduo com personalidade própria e independente disso tudo.

— Pelo que eu vi agora há pouco, parece que conseguiu.Ela umedeceu os lábios, nervosa. Ela queria acreditar que o motivo tinha sido tão nobre

como Jonas acabara de explicar, mas ainda estava cheia de dúvidas, mágoas e rancores do passado para que pudesse acreditar realmente na sinceridade dele.

— A nossa amizade é uma coisa à parte. Não tenho a menor intenção de usá-la contra você, Bridget.

— Não mesmo? — caçoou, cética, sabendo que a simples existência dessa amizade já dava a Jonas uma grande vantagem que ela não queria que ele tivesse.

Jonas se aproximou e segurou-a de leve pelos ombros, virando-a e forçando-a a encará-lo.

— Não quero que Molly seja usada, que seja um joguete em nossas mãos. Com o que fiz espero tê-la colocado fora do perigo de se sentir magoada com o que quer que haja entre nós. Aconteça o que acontecer entre você e eu, ela está fora disso. Não quero que ela odeie nenhum de nós.

O contato da mão dele em seus ombros a fazia esquecer de todos os pensamentos e dos motivos que tinha para não se entregar. Ficou parada, mas sem opor resistência à proximidade de Jonas.

— Não pense que eu desisti, Bridget — disse ele, olhando-a nos olhos com intensidade. — Nem por sonho. Continuo a querê-la e ainda amo você. Talvez algumas coisas tenham mudado, mas isso não mudou. Existem coisas que a gente não pode esquecer.

Ele inclinou a cabeça e beijou os lábios dela com ternura, de leve, várias vezes seguidas, enquanto a envolvia num abraço suave e carinhoso. Bridget queria que o tempo parasse e aquele momento se tornasse eternidade. Mas ele afastou o rosto e o calor do beijo se esvaiu, o coração parou de mandar e a razão reassumiu o comando.

— E eu não esqueci — disse ela com frieza. — Aliás, existem coisas que eu me lembro melhor do que você. O modo como você me abandonou, por exemplo...

— Você era muito jovem, Bridget. Jovem e mimada demais pelos seus pais. Eu ainda tinha diante de mim vários anos de faculdade. Expliquei por que não podia casar com você, naquela época, antes de ir embora.

— E eu teria acreditado no que me explicou — sorriu ela com amargura — se não tivesse ficado sabendo da história do dinheiro.

Ele respirou fundo e afrouxou o braço.— Eu passei todo esse tempo tentando me convencer de que você ficou muito magoada

com minha partida e se casou por vingança, só para me ferir. Lembra do que eu lhe disse antes de ir embora? Disse que ia voltar, disse pra você me esperar. Mas assim que eu parti você se casou com outro. A verdade, Bridget, é que se você me amasse de verdade teria esperado por mim. E isso eu não posso esquecer. Só Deus sabe como eu tentei.

Ela olhou para ele. Estava paralisada. A dor que aquela afirmação provocou era tão grande que ela não conseguiu falar, nem se mover. Nunca vira as coisas do ponto de vista dele. E isso lhe trazia uma dúvida diferente. Jonas olhou-a nos olhos por mais alguns instantes, depois desviou o olhar e, com uma expressão distante de indiferença, consultou o relógio.

— Desculpe, mas preciso estar no hospital às quatro horas. Com licença.Ele se virou e foi para o carro. Bridget levou à mão à cabeça, que doía. Estava muito

confusa. Jonas parecia ter sido tão sincero... mas ela temia acreditar nele.— Mamãe!Bridget virou-se, tentando esquecer o conflito interior, e esboçando um sorriso. A

expressão de Molly era um misto de ansiedade e culpa.— Jonas contou pra você? — perguntou ela, receosa.— O quê?— Que eu ia encontrar com ele, lá na colina, sempre que saía a cavalo... — explicou

ela, meio insegura, sem saber se devia contar ou não.— Contou, sim.— Desculpe, mamãe. Eu devia ter contado a você, mas... — Molly parecia relutar em

explicar o motivo.— Eu sei por que você não contou. Jonas achava que eu não iria aprovar — Bridget

explicou por ela.— E ele tinha razão? — Molly olhava-a com ansiedade.— Não — respondeu ela, depois de breve hesitação.— Quer dizer que você não se importa de eu me encontrar com ele de vez em quando?

— Molly se surpreendeu.— Não, não me importo. Mas não quero que esconda mais coisas de mim, está bem?

Isso não é certo.— Nunca mais, mamãe. Não vou mais ter segredos para você — prometeu Molly e,

depois de uma pausa, acrescentou com veemência: — Sabe, mamãe, ele é muito bacana, depois que a gente conhece melhor!

— É, eu sei.Bridget tinha vontade de aconselhar a filha a não se apegar demais a ele para não

sofrer uma desilusão, mas não conseguia fazer isso. Ela própria não seguia esse conselho. Além do mais não tinha mais certeza de que Jonas não era digno de confiança.

CAPITULO 9

O outono avançava e cada vez mais árvores mudavam de cor, cobrindo as colinas com diferentes matizes de vermelho e dourado. Só as sempre-vivas não mudavam nem perdiam suas folhas. Da janela da cozinha Bridget olhava para as colinas, mas não estava apreciando as mudanças, nem as cores outonais que agora tomavam conta das encostas. Estava pensando no homem que morava na casa da fazenda, escondida no outro flanco da colina mais próxima. Estava pensando em Jonas. Desde aquela conversa no piquenique, há quase três semanas, ele não saía de seu pensamento. Aquilo que ele dissera dera margem a uma série de dúvidas e perguntas que a atormentavam, porque não conseguia achar as respostas. Só Jonas podia dar as respostas.

Nessas três semanas ela o tinha visto algumas vezes e até mesmo conversado com ele, mas sempre havia outras pessoas por perto, nunca estavam sozinhos. Jonas não pediu para falar a sós com ela, nem sequer insinuou ou arranjou algum pretexto para afastá-la do grupo. E Bridget não teve coragem de tomar a iniciativa. Agora estava começando a perceber que, se não ficasse sabendo as respostas daquelas perguntas que martelavam em sua cabeça sem parar, acabaria ficando louca. Não sabia se agia assim por orgulho ou se pela educação que tivera. O fato é que algo a impedia de falar com ele e esclarecer as coisas. Mas, fosse o que fosse, teria que superar isso e dar o primeiro passo.

Bridget lançou um olhar para o telefone e imediatamente riscou a possibilidade de ligar para ele. Isso não era conversa para ser travada por telefone. Queria ver o rosto de Jonas quando ele respondesse suas perguntas, queria olhar nos olhos dele. Portanto, só havia uma única solução. Pela primeira vez, depois de muitos anos, deixou-se levar por seu impulso.

Pegou no armário um casaco e jogou-o sobre os ombros de qualquer jeito, depois correu para o carro. Deu partida e saiu apressada, fazendo os pneus derraparem no cascalho antes de pegar a estrada. Depois de três semanas de espera estava afobada, com pressa de chegar. Em poucos minutos percorreu a distância até a casa dele. O caminho descrevia um semicírculo que atravessava o vale e saía do outro lado da colina, onde ficava a casa.

Mal desligou o motor e já desceu do carro, correndo para a entrada dos fundos. Bateu na porta e esperou um pouco, mas ninguém atendeu. Bateu de novo com mais força e continuou sem resposta. Quem sabe ele estava ocupado, atendendo o telefone ou fazendo qualquer outra coisa. Poderia demorar um pouco, mas viria abrir a porta. A caminhonete dele estava na garagem, portanto ele devia estar em casa! Experimentou abrir o trinco e descobriu que a porta não estava trancada. Empurrou-a devagar e entrou. A casa estava em silêncio. Primeiro ficou parada à escuta, depois começou a percorrer os aposentos, chamando:

— Jonas... Jonas...Neste momento alguém abriu a porta dos fundos e Bridget, que estava na cozinha,

virou-se num sobressalto. Seu coração quase parou de bater quando viu Jonas caminhando em sua direção. Ele a olhava com ar intrigado, franzindo a testa de leve.

— Bridget! — disse ele como se não acreditasse no que estava vendo. — Quando vi você saindo de carro, nem imaginei que estivesse vindo para cá! O que aconteceu?

A presença dele lhe trazia um enorme alívio. Sentiu relaxar a tensão. Em breve todas as suas dúvidas seriam dissipadas, todas as perguntas respondidas, e finalmente poderia saber se o julgara mal ou não durante todos esses longos anos.

— Ah... Jonas! Que bom que você está aqui ~— disse ela, sentindo-se fraca, depois de ter suportado tanta tensão.

Ele interpretou errado o motivo desse comportamento. Seu rosto se anuviou com uma expressão sombria e ele a segurou firme pelos ombros, sacudindo-a de leve.

— Aconteceu alguma coisa com Molly? O que houve?— Não, não. Molly está ótima! — assegurou ela com um riso trêmulo.— Então por que... — Ele a olhou, confuso, um brilho estranho no olhar,— Eu precisava ver você — explicou ela com o coração palpitando. — Por quê? Para

quê? — ele perguntou, mas então encontrou o olhar dela e reconheceu o brilho do amor nos grandes olhos castanhos. — Ora, pró diabo o motivo! Que me interessa saber por que está aqui...

Mergulhou os dedos nos cabelos macios dela e fez com que Bridget erguesse o rosto para receber nos lábios seu beijo. Foi como se houvesse uma explosão. Ela sentiu-se devorada pelas chamas da paixão. Suas mãos se insinuaram sob a jaqueta de brim que ele usava e Bridget o puxou para si, encostando seu corpo no dele. Estava na ponta dos pés e sentia-se tão leve que mal tocava o chão. Estava segura e protegida dentro da fortaleza daqueles braços que a envolviam. Ali era seu mundo. Nada mais existia. O cheiro do corpo dele era másculo e afrodisíaco e a excitava terrivelmente. A sede de carícias era insaciável nos dois. Os beijos ficavam cada vez mais intensos, saboreando, mordiscando, como se suas bocas estivessem fazendo um reconhecimento mútuo. Os corações pulsavam no mesmo ritmo. Lentamente ele se afastou dos lábios dela para outras regiões de seu corpo, avançando e explorando com suavidade até vencer qualquer resistência e conseguir a entrega total. Beijou-a na orelha, acariciando com a língua, depois a nuca, os ombros...

As mãos dele percorriam seu corpo de leve e com sabedoria, afastando as roupas que atrapalhavam as carícias. Desta vez Bridget não o impediu, ao contrário, até ajudou, depois tirou a jaqueta dele, que caiu no chão em cima do casaco dela. Num gesto ágil ele a ergueu no colo e Bridget passou os braços pelo pescoço dele, extasiada. Ele lançou um olhar cálido, examinando aquele rosto que refletia amor, antes de beijá-la de novo. Carregou-a até o sofá e sentou-se com ela no colo. As carícias dele não esqueciam um único pedacinho do corpo dela, deslizando suaves, despertando o desejo. Era como um ritual, preparando o momento culminante.

— Esperei tanto por esse momento... — murmurou Jonas, ofegante, entre um beijo e outro — para ter você em meus braços, de novo, assim...

Ele ergueu a cabeça, afastando-se um pouco para admirá-la. E aquele olhar penetrante, cheio de desejo, deixou Bridget quase sem fôlego.

— Eu sei...Ela acariciou o rosto que tanto amava, traçando os contornos devagar. Quando chegou

aos lábios ele beijou a mão dela, com ternura. Depois Jonas se curvou e beijou-lhe o rosto e o pescoço.

— Mas valeu a pena tanto tempo de espera à espreita...— À espreita? Ó que quer dizer com isso? Andou me vigiando, é? — murmurou Bridget,

rindo baixinho, sem a menor curiosidade.Suas mãos desceram pelo pescoço dele e se insinuaram pelo colarinho aberto da

camisa, seus dedos começaram a abrir os botões um a um, devagarinho, até que ela chegou ao peito musculoso, sentindo na pele o roçar dos pêlos e o calor que aquele corpo irradiava.

— É. Ali da colina, atrás da casa... — ele admitiu. — Ficava observando você de longe, que nem um adolescente apaixonado...

Ele a beijou de novo e ela entreabriu os lábios. E foram se inclinando devagar até ficarem deitados no sofá. O peso do corpo dele sobre o seu era suave e excitante. Bridget desejou que o tempo parasse. Os dois saboreavam sem pressa o prazer de estarem juntos e deixavam-se consumir lentamente no ardor daquela paixão que ficara contida tanto tempo. Afinal podiam saciar o desejo e entregar-se totalmente um ao outro, com carinho, amor e sensualidade. Estremeceu de leve quando Jonas abriu os botões de sua blusa e ela sentiu o contato quente da mão dele sobre os seios. Ele admirou a beleza das formas maduras e em seguida aproximou os lábios. Bridget fechou os olhos e arrepiou-se toda. Aquele toque tão íntimo e delicado fez seu desejo chegar ao auge.

— Onde está Molly? — perguntou Jonas de repente.— Molly?Bridget estava completamente atordoada, não conseguia concatenar as ideias para

responder. O corpo era uma brasa ardente de desejo e a razão adormecera.— É... Molly. Ela está em casa? Porque você não vai voltar tão cedo, meu amor... —

murmurou ele, afundando os dedos nos cabelos dela que se espalhavam na almofada do sofá.

— Não, ela... está numa festinha,.. — Bridget perdeu a fala, pois ele estava beijando seu pescoço num ponto sensível — uma... uma festa de aniversário de uma amiga...

— A que horas você tem que ir buscá-la?— Eu não tenho que ir.— Alguém vai levá-la para casa, então?— Não, ela vai passar a noite na casa de Vicki.Ela percebeu que Jonas relaxou a tensão e voltou a acariciá-la, buscando reavivar seu

desejo.— Você também vai passar a noite fora... — murmurou ele,. ofegante — aqui comigo.A frase teve o efeito de um freio em suas emoções. De repente, Bridget recobrou a

lucidez. Quando Jonas foi beijá-la de novo, ela colocou a mão sobre os lábios dele, impedindo-o.

— Jonas, espere... — implorou ela.— É só o que eu tenho feito desde que voltei. — Ele a perscrutou com um olhar

sombrio, tentando descobrir o motivo daquele súbito esfriamento. Há apenas um segundo ela estava totalmente entregue, vibrando com as carícias e querendo mais. — Eu amo você, Bridget!

— Eu acredito. E eu também amo você — ela admitiu pela primeira vez, depois de tentar negar a si própria durante tanto tempo —, mas...

— Mas o quê? — Jonas franziu a testa. —- Ah, meu Deus... até parece que é a primeira vez!

— Não é isso!— Então o que é?— É que... eu queria lhe perguntar umas coisas antes... foi por isso que vim aqui!

Jonas desviou o rosto, fechou os olhos e suspirou fundo, contendo a raiva. Depois ergueu-se bruscamente e afastou-se dela. Ficou em pé, passando a mão na nuca com gestos nervosos. Bridget ficou em silêncio, observando, sabendo que ele estava bravo com ela. Ficou chateada consigo mesma por ter cedido à tentação e ter esquecido o motivo de sua visita. Inesperadamente ele se virou e fez menção de sair da sala.

— Aonde você vai? — Bridget se sentiu confusa.— Buscar café — respondeu Jonas, brusco, sem esconder a irritação e a frustração. —

Se a coisa mudou, e vamos ter uma daquelas conversas mais do que batidas, preciso ficar sóbrio e recuperar minhas faculdades mentais.

Bridget ficou ouvindo o bater de portas de armário e o tilintar de xícaras sobre pires. Trêmula, ela se sentou e se recompôs, enquanto ouvia os passos impacientes dele, que vinha voltando. Bastou olhar para aquele rosto, carrancudo e intransigente, e Bridget se arrependeu de novo de ter deixado que os primeiros beijos a afastassem de seu propósito. Ele vinha trazendo uma bandejinha com duas xícaras de café. Quando chegou na sala, colocou-a sobre a mesinha baixa diante do sofá, pegou uma das xícaras e foi sentar-se na poltrona em frente, como se achasse necessário manter uma distância entre eles.

— Trouxe café pra você também — disse ao sentar-se.Bridget pegou a outra xícara, esperando que o café a ajudasse a superar aquele

momento difícil. Que lhe desse coragem e firmeza para dizer tudo o que a afligia, pois o ambiente de repente se tornara frio e constrangedor.

— Pois bem, que perguntas quer me fazer? — disse ele, respirando fundo, tentando ser paciente e controlado.

— É sobre... o dinheiro.Bridget ficou olhando fixo para o café sem coragem de enfrentar o olhar dele.— Ah... o dinheiro! — Jonas falou asperamente, irritado. — Sempre volta à baila, não é?— É...Bridget se perguntava como é que Jonas, tão inteligente, não podia entender uma coisa

dessas! Era natural que o fato dele ter se vendido, de ter feito tamanha traição, a atormentasse durante todos esses anos!

— Quando você não tem mais do que me acusar, volta a desenterrar isso! — Ele bebeu o café, nervoso, sem ligar para o fato de estar superquente.

— Acho que o motivo devia ser óbvio para você, não é? — retrucou ela, agitada.— Não. Que diabo! Não é nada óbvio!— Então me diga o que faria se estivesse na minha situação, se os papéis fossem

invertidos. E se os seus pais é que tivessem me oferecido dinheiro? E se eu tivesse aceitado e tivesse ido embora? O que você teria pensado de mim por eu ter agido assim? Acha que isso é algo que você poderia esquecer? Acha que poderia passar por cima disso e me receber de braços abertos, sem rancor nem ressentimentos, dez anos depois?

— Não, não poderia — respondeu brusco. — Mas acontece que o caso não foi bem assim, não é?

— Como não foi? Não foi isso o que você fez comigo?— Você sabe que as circunstâncias eram totalmente diferentes! — Ele recolocou a

xícara na bandeja, num gesto decidido.— Não eram coisa nenhuma! — Ela largou a xícara e ergueu-se, agitada. — Você

aceitou o dinheiro e foi embora!— É, eu peguei o dinheiro e fui embora, sim... — Jonas ia continuar, mas Bridget o

interrompeu.— Então como é que pode dizer que foi diferente?— Porque foi! Eu disse que amava você e disse que ia voltar! — Jonas falava baixo e

controlado, como se estivesse decidido a evitar que aquilo se transformasse numa discussão, cheia de acusações ofensivas, que não levariam a nada a não ser um maior afastamento.

— Você me amava! Que piada! — Bridget riu com amargura e incredulidade. — Vai ver que foi por isso que recebi tantas cartas suas! — disse ela com ironia, depois mudou de tom. — Nem uma carta, Jonas! Você nunca me escreveu uma linha que fosse! Já esqueceu disso

também? Nem uma palavra, nada! Você foi embora de Randolph há dez anos, disse que me amava e prometeu voltar. Mas saiu daqui com o bolso cheio de dinheiro... que meus pais deram a você para que me abandonasse. Como é que ainda queria que eu acreditasse que você ia voltar? Sabendo que meus pais tinham comprado você... que você preferiu o dinheiro deles a meu amor? E que nunca me escreveu?! Não, eu não podia acreditar!

— Você sabe muito bem que essa foi uma das condições que seus pais impuseram quando ofereceram o dinheiro. Nada de cartas! — disse Jonas com rispidez.

— Condições? De que está falando? Eles apenas lhe deram o dinheiro e pediram que me abandonasse e saísse da cidade!

Ele semicerrou os olhos, com uma expressão sinistra.— Não, Bridget, não foi bem assim. Houve outras coisas mais!— O que, por exemplo? — ela desafiou, jogando os cabelos para trás e cruzando os

braços.— Parte do acordo era que eu não devia tentar nenhum contato com você durante seis

meses, nem por telefone, nem por carta, nem pessoalmente.— Acordo? — Bridget franziu a testa.— Pois é. Sua mãe estava convencida de que você não me amava de verdade. Que era

apenas romantismo da adolescência. Achava que você era jovem demais para se casar, e quanto a isso eu concordava com ela. Então ela propôs que nós ficássemos seis meses, longe um do outro, sem o menor contato. Depois desses seis meses, se nós ainda sentíssemos a mesma coisa um pelo outro, ela prometeu não se intrometer mais, nem atrapalhar nada.

— Foi isso o que ela disse? — Bridget tomou fôlego.— Vai me dizer que você não sabia? — Ele arqueou uma sobrancelha, com expressão

de zombaria.— Não sabia, não.— É possível... — Jonas aceitou com um suspiro de descontentamento, lembrando-se

da personalidade de Margaret.— Mas então por que depois de seis meses você não me procurou? Por que esperou

tantos anos para fazer isso?Bridget passou a mão pelos cabelos em desalinho, totalmente confusa. Não que

duvidasse dele, mas não estava entendendo nada.— Agora é você quem está esquecendo um detalhe importante. — disse ele com ironia.

— Eu não estava em contato direto com você, mas sabia de tudo a seu respeito através de amigos que me informavam. Eu pedi que fizessem isso. Fiquei sabendo que logo depois que eu fui embora de Vermont você também foi. No fim de seis meses ouvi comentários de que você estava casada ou ia se casar com outro. E foi exatamente o que fez, não foi, senhora O'Shea?

— Jonas, eu...— Daí de que adiantava eu procurar você? Sua mãe tinha provado que estava certa.

Não era amor o que você sentia por mim. Se você me amasse de verdade, teria esperado os seis meses. Talvez você fosse jovem demais, mesmo, para se ater a um compromisso. Não sei como é que se casou... ainda bem que seu marido morreu logo, antes de descobrir a besteira que fez ao se casar com uma criança!

— Isso não é verdade! — Bridget não queria falar de Brian por enquanto. — Tudo o que diz parece bastante sensato, mas tem uma coisa que ainda não me explicou.

Jonas recostou-se na poltrona, numa atitude calma e descansada, mas os olhos estavam atentos e nos lábios havia um esgar de ressentimento. Bridget desejou que não houvesse mais nada para se discutir. Desejou poder estar nos braços dele. Mas enquanto essas perguntas sem respostas estivessem entre eles, atrapalhando o caminho, impossibilitando a aproximação, ela sabia que por mais que o amasse seria impossível confiar plenamente em Jonas. Era preciso eliminar as dúvidas, ou então confirmá-las, para que houvesse paz de espírito.

— Qual é a coisa? — perguntou ele, esforçando-se para ter paciência.

Ela olhou-o nos olhos com firmeza.— Por que você aceitou o dinheiro? Ele riu baixinho e balançou a cabeça.— Do jeito que você fala, até parece que é um dinheiro sujo. Não sei por que sempre

fala assim!— Porque é exatamente o que eu acho — retrucou Bridget em voz baixa e cheia de

mágoa. — Você me vendeu. Você vendeu nosso amor! Mesmo que eu soubesse da condição de esperar seis meses, como é que poderia querer você de volta, sabendo disso? Como poderia esquecer que você aceitou todo aquele dinheiro? E foi um dinheirão que você exigiu. Uma quantia grande!

— Ora, Bridget, que diabo! Não foi um suborno! — Jonas ergueu-se da poltrona num sobressalto e parou diante dela, controlando uma explosão de raiva, embora fosse visível que ele estava furioso. — Não foi uma esmola ou um presente!

— Então foi o quê? Que nome prefere usar? Naturalmente nesses dez anos deve ter achado uma explicação convincente para isso. Deve ter tido tempo de achar um nome melhor.

— Não, eu não tenho uma explicação convincente e bem elaborada — disse ele em tom grave e ameaçador. — Eu tenho apenas a verdade, se quiser ouvir.

— E qual é essa verdade?— O dinheiro foi um empréstimo.— Um empréstimo? Ah... essa não! — Bridget riu com amargura, depois ergueu a

cabeça e ficou olhando para o teto com ar ausente. — Será que não podia arranjar uma desculpa melhor, hein?

— Eu disse que é a verdade! — Ele a pegou pelos ombros e forçou-a a encará-lo. O olhar dele era penetrante. — Você deve saber que estudar medicina custa caro. Confesso que quando seus pais se ofereceram para me emprestar o dinheiro eu estranhei, a coisa me pareceu no fundo um suborno. Mas não podia acreditar que fosse mesmo. Não queria fazer mau juízo. Para mim o dinheiro era um investimento para o nosso futuro. Seu e meu. E foi pensando nisso que aceitei. Nunca me passou pela cabeça que em menos de seis meses você pudesse encontrar outro homem e se casar, embora eu tivesse medo de que você me esquecesse nesse meio tempo. Apesar de tudo, continuei a considerar o dinheiro como um empréstimo.

— Isso é verdade, mesmo? — Bridget franziu a testa.Jonas largou os ombros dela, num gesto de desgosto e ressentimento.— Eu já paguei tudo, Bridget, saldei a dívida!— O que? — Ela quase perdeu a fala.— Tive muita sorte — disse ele com uma ponta de ironia. — Consegui arranjar uma

bolsa de estudo depois de algum tempo e nem cheguei a usar todo o dinheiro. Paguei o empréstimo total há dois anos, antes de saber que você estava viúva.

— Você pagou? Devolveu o empréstimo?— É, paguei. Agora aposto como você vai me acusar de ter feito isso por ter a

consciência pesada por ter aceitado o dinheiro! Não duvido nada... — Jonas virou-se de costas e balançou a cabeça.

Bridget tinha passado dez anos guardando rancor, imaginando que sabia o motivo dele ter ido embora. Pensou que soubesse tudo, todos os detalhes, e agora descobria que não sabia nada. Só sabia o que seus pais tinham lhe contado. Mas parece que eles tinham deixado de contar muitas coisas! Percebeu naquele momento que o julgara com parcialidade, baseada só no que ouvira dos pais, sem ter todos os elementos, sem conhecer todos os fatos. Sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.

— Eu acredito em você. Sei que está dizendo a verdade.— Mas não deve acreditar só na minha palavra.— Eu...Bridget queria dizer que isso bastava a ela, que estava satisfeita com a explicação, mas

Jonas a interrompeu.

— É sério, Bridget, não quero que aceite minha palavra sem provas. Pergunte a seus pais. Só uma pequena sugestão: se eu fosse você, perguntaria a seu pai. Não tenho muita certeza de que sua mãe seria capaz de lhe dar uma resposta imparcial e sincera.

— Mas eu...— Vá para casa, agora — disse ele com firmeza e decisão. — Vá e pergunte, vamos!Bridget ficou olhando fixo para os ombros de Jonas, que continuava de costas. Sentia o

coração transbordar de amor. Um amor infinito. Queria tocá-lo, abraçá-lo, mostrar a ele de algum modo quanto o amava e como seu amor era profundo! Como estava arrenpendida de ter pensado mal dele e de não ter confiado!

— Eu acredito em você, Jonas — murmurou ela com ternura. — Não é necessário que meus pais confirmem sua história. Não quero, não preciso disso!

— Mas eu quero que você ouça a confirmação. — Ele se virou e ficou de frente para ela, encarando-a com uma expressão resoluta e irredutível. — Quando você vier a mim, Bridget, quando aceitar casar comigo, quero que venha de alma leve, não quero que traga dúvidas ou incertezas. Não quero desconfianças entre nós.

Ela quis protestar, argumentar, mas Jonas a silenciou com um beijo. Quando Bridget ia abraçá-lo, ele se afastou e segurou-a pelos ombros, mantendo-a longe.

— Vá para casa, Bridget — disse ele, ordenando delicadamente e encaminhando-a para a porta da cozinha.

Bridget foi embora, não porque estivesse cumprindo uma ordem de Jonas, mas porque sabia que ele tinha razão. Por mais que acreditasse na palavra dele, sempre haveria a possibilidade de uma situação no futuro que fizesse aflorar uma dúvida escondida lá no fundo. E isso só serviria para causar mágoas e desentendimentos. Para evitar um sofrimento desnecessário mais tarde era melhor esclarecer tudo, dissipar qualquer sombra de dúvida de uma vez por todas, para sempre. Só depois poderiam ser felizes. Assim que entrou no chalé, correu para o telefone e discou o número da casa dos pais. Jonas tinha razão também a respeito de outra coisa: era melhor falar com o pai, pois sabia que ele lhe daria a versão certa, sem parcialidade ou preconceitos.

Se tivesse ido pessoalmente até a casa deles, podia ser que não tivesse chance de conversar com o pai a sós. Telefonando para ele, ela pretendia convencê-lo a ir até seu chalé, sozinho, sob um pretexto qualquer. Mas foi a mãe quem atendeu o telefone.

— Alô, mamãe, papai está em casa?— Não, ele foi a um leilão. Acho que vai demorar. Por quê? Aconteceu alguma coisa?— Não, não aconteceu nada.— Ué, então por que está telefonando?— É que ouvi falar de um reboque especial para cavalos que está à venda — mentiu

Bridget. — O preço me pareceu razoável e eu queria pedir a papai que desse uma olhada para ver se vale a pena. É só isso. Eu falo com ele amanhã, então.

— Eu falo com seu pai quando ele chegar. Molly está louca para ganhar esse reboque, não é? — comentou a mãe.

— É, está sim.Bridget ainda levou alguns minutos para conseguir desligar o telefone. A mãe, como de

costume, desandou a falar e não parava mais.

Só depois de quatro dias é que Bridget conseguiu falar a sós com o pai. Todos os dias ia levar Molly para a escola de manhã cedo, depois passava o dia trabalhando na loja e, no fim da tarde, quando voltava para casa, era difícil despistar a mãe e a filha e conseguir ficar sozinha com o pai sem chamar a atenção. Por isso demorou tanto. Já não agüentava mais de aflição. Quando afinal conseguiu conversar com ele, o pai confirmou tintim por tintim a história de Jonas. Aliás, ela já esperava por isso. Tomara essa atitude apenas por desencargo de consciência. Depois correu para a casa de Jonas, mas não o encontrou lá. Tentou falar com ele três vezes, sem sucesso, e então desistiu e resolveu esperar até o dia seguinte para telefonar para o consultório dele, na cidade, da loja onde trabalhava.

O telefone tocou várias vezes antes que a enfermeira atendesse.

— Por favor, queria falar com o dr. Concannon — disse Bridget.— A senhora quer marcar uma consulta? — retrucou a enfermeira em tom profissional.— Não, eu só queria falar com ele.— Qual é o assunto? A senhora é cliente dele?— Não. Não sou, e a conversa é sobre assunto particular — explicou ela.— Ele está com uma cliente agora. Um momentinho, por favor, que vou ver se ele pode

atendê-la. Como é o nome da senhora?— Bridget O'Shea.— Ah! — A voz da enfermeira imediatamente se tornou calorosa. — É claro que o

doutor pode atendê-la! Espere só um instantinho que vou passar a ligação para ele.Bridget ficou esperando, ansiosa, olhando para a porta da loja e desejando que não

entrasse nenhum freguês naquele momento. Queria poder falar com Jonas sossegada. Agora que sabia que não havia mais nada atrapalhando a união deles, que podiam finalmente ficar juntos para sempre, ela sentia o coração leve. Estava muito feliz.

— Oi, Bridget — disse ele com voz calma e sem emoção quando atendeu, como se aquele não fosse um momento importante.

Ela, ao contrário, tinha ficado subitamente nervosa e agitada enquanto esperava. Aquela era uma ocasião muito especial.

— Jonas! — disse ela, aliviada e cheia de emoção ao ouvir a voz dele. — Estou lhe telefonando para dizer que só ontem à noite consegui conversar com meu pai em particular.

— E então?— Ele me repetiu exatamente o que você tinha me contado.— Ótimo! — disse ele como se estivesse encerrando o assunto.— Quando penso nas coisas horríveis que eu disse a você, em todas aquelas

acusações... no que eu pensei de você durante todos esses anos. Ah, Jonas, eu...— Não precisa se desculpar — interrompeu ele delicadamente. — Você não tinha

conhecimento de todos os fatos. Eu devia ter-lhe contado tudo, logo, desde o início. Você não tem culpa de ter interpretado mal a situação. Com os elementos que tinha era natural que pensasse o que pensou.

— Talvez não tenha culpa, mas eu... Ah, Jonas, quando vou ver você de novo? — perguntou ela, confiante, certa de que iria encontrá-lo naquela noite mesmo.

— Olhe, vou ter que ir a uma convenção médica, por isso estarei fora da cidade durante este fim de semana — ele falou em tom impessoal e ela o sentiu distante. — Vamos marcar um encontro para daqui a uma semana, no próximo sábado, está bem?

— Tanto tempo assim? — Bridget ficou intrigada. — O que houve, Jonas? Há algo errado?

— Não, nada de errado. Não aconteceu nada. — Ele fez uma pausa, depois continuou: — Bridget, eu quero que você tenha tempo para pensar bem. Quero que pense seriamente a nosso respeito... Nós esperamos mais de dez anos, portanto podemos esperar mais uma semana, não acha?

— Eu amo você, Jonas.— Quero que diga isso no sábado que vem — disse ele com voz sorridente e desligou.Só depois dele ter desligado é que Bridget se lembrou que o próximo sábado seria

aniversário de Moily e que ela havia prometido à filha dar uma festinha. Não era a ocasião ideal que ela sonhara para o encontro definitivo, adiado por tanto tempo, mas resolveu deixar assim mesmo, conforme tinham combinado. Afinal não precisaria ficar o tempo todo na festa pajeando Molly e os amiguinhos.

CAPITULO 10

— O bolo vai ficar lindo, mamãe! — exclamou Molly animada, debruçando-se sobre a mesa para olhar melhor.

— Se você continuar na minha frente, fazendo sombra, duvido muito! — avisou Bridget pacientemente.

Obediente, Molly se afastou e ficou observando de longe enquanto a mãe acabava de enfeitar o bolo com cobertura colorida. Ela fez uma pausa para encher o tubinho de confeiteiro com mais glacê azul.

— Já posso pôr as velinhas em cima, mamãe? — perguntou Molly, impaciente.— Espere até eu terminar — respondeu ela, sorrindo com a animação da filha.Estava retomando o trabalho de enfeitar o bolo, quando ouviram bater na porta. Bridget

se sobressaltou e errou na quantia de glacê. Xingou baixinho e pegou uma faca para retirar o excesso,

— Vá ver quem é, Molly — Bridget pediu e continuou atenta ao que fazia.— Deve ser Kathy. Ela ficou de trazer uns discos para a festa — disse a filha, correndo

para a porta da cozinha. — Mas por que trazer agora e não na hora da festa?— Kathy e Vicki ficaram de vir bem antes para me ajudarem a fazer a pizza — explicou

Molly, abrindo a porta, mas, quando viu quem era, exclamou entusiasmada: — Jonas!Bridget virou-se imediatamente e viu-o entrar. Ele estava com um casaco de camurça

forrado de pêlo de carneiro. Como sempre, a figura dele, de uma beleza viril, irradiava vitalidade e força. O inesperado daquela presença provocou um frio na boca de seu estômago e uma fraqueza nas pernas. Mas logo percebeu que Molly a estava observando, apreensiva, como se não tivesse certeza se Jonas seria bem-vindo ou não. Parecia temer que a mãe o mandasse embora.

— Puxa, está um gelo lá fora! Parece que vai nevar — disse Jonas, fechando a porta atrás de si.

Bridget deu uma espiada no céu cinzento, através da janela, e tentou aparentar calma e falar com naturalidade:

— Já estamos no fim da primeira semana de outubro. A neve deve estar por aí... logo vamos ter a primeira nevada.

— Pois é, você tem razão.Ele a olhou da cabeça aos pés.— Pensei que você só viesse mais tarde — disse Bridget que, com aquele olhar,

lembrou-se de que deveria estar com uma péssima aparência.Queria recebê-lo bem arrumada. Queria ter se preparado cuidadosamente, antes dele

chegar. Ter posto seu melhor vestido, ter feito uma maquilagem caprichada. Mas lá estava ele e ela não tinha feito nada disso. Sem jeito, afastou os cabelos do rosto com as costas da mão, as pontas dos dedos sujas de glacê.

— Você sabia que Jonas vinha? — perguntou Molly, surpresa.— É... eu não contei pra você?Bridget largou a faca. Sabia muito bem que não dissera nada à filha porque ainda não

estava preparada para dar explicações. Um tanto embaraçada e ruborizada, disfarçou, voltando a mexer no bolo.

— Só que eu pensei que ele só viesse à noite. Nem tive tempo de me arrumar um pouco...

— Ora, você está ótima! — garantiu Jonas. Ele falava com certa reserva, como se estivesse mascarando os sentimentos.— Você está sempre linda, mamãe! — disse Molly num tom diferente, querendo que a

mãe aceitasse a presença de Jonas.— Creio que devo me desculpar por ter chegado tão cedo, mas é que lembrei que hoje

é aniversário de Molly. Ela me disse uma vez.Ele mostrou um pacote com papel de presente que estivera escondendo atrás das

costas desde que entrara.— Pra mim? — Molly gritou, eufórica.— Ou será que tem mais alguém aqui que faz anos hoje? — brincou Jonas, rindo, e

entregou a ela o presente.

— Posso abrir agora? — perguntou Molly à mãe, agarrando o pacote. Os olhos brilhavam de entusiasmo.— É claro. Vamos, abra! — disse Jonas e Bridget fez que sim com a cabeça.Com um cuidado extremo, Molly desamarrou o laço de papel celofane, e foi

desembrulhando devagarinho, os olhos brilhantes, em expectativa. Bridget ficou até comovida com a imagem da filha. Sem rasgar o papel ela o retirou e abriu a tampa da caixa.

— Uma manta pra pôr debaixo da sela! — exclamou ela, extasiada.— Cuidado... — avisou Jonas quando ela fez menção de puxar a manta da caixa. —

Pode ser que tenha mais alguma coisa embrulhada aí...Ela arregalou os olhos, curiosa, e começou a desdobrar cautelosamente o pano azul de

tecido grosso. De onde estava, Bridget não podia ver o que havia no fundo da caixa, mas podia ver a expressão da filha. Ela franziu a testa, primeiro, depois caiu na risada.

— O que é? — perguntou Bridget, não resistindo à curiosidade.— Uma boneca! — disse Molly, erguendo uma linda boneca com rosto de porcelana.— Eu acho que toda garota deve ter uma dessas, mesmo que não tenha mais idade pra

brincar com ela! — afirmou Jonas, com um sorriso nos lábios.— Mas é maravilhosa! — Molly riu. — Os dois presentes são lindos e eu adorei.

Obrigada, Jonas.— Ora, não há de quê! — Ele inclinou a cabeça levemente, num gesto cortês, ainda

sorrindo, e piscou um olho.Neste momento o telefone tocou.— Deixe que eu atendo! — disse Molly.— Então atenda na extensão lá da sala —- disse Bridget e a filha correu para lá.Ela atendeu e gritou lá da sala.— É pra mim, mamãe.Lentamente Jonas se aproximou de Bridget, deu uma espiada no bolo sobre a mesa. — Está muito bonito — comentou ele.— Eu esqueci de dizer a você que eu tinha prometido dar uma festinha para Molly, hoje.

Ela convidou uns amiguinhos da escola...Bridget falava com ele, meio sem jeito. Jonas estava com uma expressão enigmática e

ela não conseguia saber o que ele estava pensando ou sentindo. Isso a deixava confusa, sem saber como agir.

— Vai demorar muito a festa?— Bastante. Eu prometi a Molly deixar que umas amigas dela dormissem aqui, hoje.— Você está brincando! — Ele riu.— Não, não estou. — Bridget sorriu, sem graça.Ele estava bem perto dela, bastava erguer a mão para tocá-lo, mas ela não fez nenhum

gesto. Só a proximidade de Jonas já lhe dava a sensação calorosa e delirante de estar nos braços dele. Sentiu se arrebatar por uma onda de ternura e amor.

— Você mudou de idéia? — perguntou ele baixinho, olhando-a nos olhos.— Sobre o quê? — balbuciou ela, sentindo a atração que aquele corpo másculo exercia

sobre ela.— Sobre mim. Você teve mais de uma semana para pensar bem e decidir se quer ou

não casar comigo. Para saber se você me ama de verdade. — Eu amo você há mais de dez anos, Jonas — respondeu Bridget com uma calma

inesperada. — Há muito tempo que tenho certeza disso. Não foi nessa semana que descobri.Ele a enlaçou pela cintura e ela se sentiu quase desfalecer com aquele contato.

Abraçou-o e ergueu o rosto para receber o beijo, que era uma doce promessa de amor e paixão. Mais do que nunca Bridget sentiu que ali era seu lugar... nos braços dele! Jonas era seu verdadeiro par. Com ele se sentia segura e protegida. Jonas a amava e precisava dela com a mesma intensidade que ela. Sentia que tinham sido feitos um para o outro.

— Eu amo você, Bridget — murmurou Jonas, com ardor, em tom grave, com o rosto bem perto do dela.

— Eu amo você — respondeu ela, selando a jura de amor.

Estava com os braços apoiados nos ombros dele e já ia abraçá-lo quando percebeu que ainda estava segurando o tubo de confeiteiro de onde escapava glacê azul, sujando o casaco de camurça.

— Ai, meu Deus, olha o que eu fiz no seu casaco! — exclamou ela, rindo. — Espere aí que vou limpar.

Ela se desvencilhou do abraço dele, largou o tubo sobre a mesa e pegou o pano de prato, que umedeceu na pia, Jonas a observava com um sorriso langoroso, enquanto ela esfregava, enérgica, o pano molhado no ombro do paletó.

— Já está bom, chega — disse ele depois de alguns instantes, tirando o casaco e pendurando-o no encosto de uma das cadeiras da cozinha.

— Mas ainda não saiu direito... preciso limpar melhor... — protestou Bridget.— Não estou nem um pouco preocupado com isso — disse Jonas, aproximando-se dela

e abraçando-a de novo. — Aliás, hoje é o dia mais feliz da minha vida... estou inspirado para outro tipo de coisa, isso sim.

O olhar dele refletia o mesmo que o de Bridget. A mesma chama envolvia os dois. Jonas inclinou a cabeça e beijou-a de leve na testa e no rosto. Ela respirou fundo, sentindo com prazer o perfume da loção de banho que ele usava e o cheiro especial da pele dele, que tanto a excitava. O calor daquele corpo era inebriante.

— Vamos nos casar o mais depressa possível — disse ele com os lábios encostados na pele macia do rosto dela. — Assim que os papéis ficarem prontos, está bem?

— Está.— Você acha que dá tempo de preparar tudo? Olha, Bridget, eu quero um casamento

de verdade! Com festa e muitos convidados. Nada de cerimônia simples e escondida. Eu amo você e quero que todos saibam disso. Só que a gente vai ter que dar um jeito de preparar tudo em pouco tempo, porque quero que seja o mais breve possível.

— É claro que dá tempo! — Bridget sabia que ia ser uma correria louca, mas não estava disposta a prolongar o prazo de espera. Também ela não agüentava mais esperar. Subitamente um pensamento invadiu sua mente, fazendo murchar seu sorriso. — Jonas, eu quero lhe contar uma coisa, quero lhe falar sobre Brian e meu casam...

— Não! — Jonas cobriu os lábios dela com a mão, impedindo que terminasse a frase. — Nesta semana que passou, refleti muito sobre nós e nossos erros. Nós ficamos mais de dez anos separados e é natural que muita coisa tenha acontecido a cada um de nós, nesse tempo todo. Não quero que me explique nada sobre seu falecido marido, nem sobre seu casamento. Eu não tenho nada com isso e não é assunto meu. Além disso, pertence ao passado. Nossa vida em comum começa a partir deste instante e é a única coisa que importa. Tudo o que não disser respeito ao nosso relacionamento daqui por diante não interessa. O que passou, passou.

— Mas, Jonas, tem...— Eu sei — interrompeu ele. — Tem Molly, e é preciso considerar a questão. Acontece

que eu gosto muito dela, meu amor, ela é uma menina surpreendente! — Bridget reparou que ele falou dela como se não estivesse vinculada a seu passado. — Depois que nos casarmos eu quero adotá-la legalmente, se você e Molly concordarem, é claro!

— Acho que quanto a isso não haverá problema, mas, olhe, Jonas, eu quero lhe dizer...— Não vamos mais falar do passado. Agora só falaremos do futuro — insistiu ele,

decidido.— Jonas... — disse ela com um sorriso misto de complacência e exasperação — conte

as velinhas que Molly separou ali em cima do móvel da cozinha pra pôr no bolo.— O quê? — Ele franziu a testa, intrigado com tal pedido.— Conte as velinhas! — repetiu Bridget.Ainda com ar intrigado Jonas olhou para o móvel e fez o que ela pedia.— Dez velinhas brancas e uma azul. — A ruga na testa dele se acentuou e Jonas se

virou bruscamente para ela. — O que significa isso?— Significa que Molly está fazendo dez anos hoje. A velinha azul é para dar sorte —

explicou ela.

— Dez anos? — Ele semicerrou os olhos e fitou o rosto sorridente de Bridget.— Molly é sua filha, Jonas — Bridget confirmou o óbvio, com voz paciente e cheia de

amor. —- Você se lembra daquele dia... — ela ajeitou o colarinho dele, num gesto carinhoso — aquele sábado em que saímos para esquiar e acabamos achando uma cabana abandonada? Lembra que estávamos morrendo de frio e resolvemos entrar para nos aquecermos um pouco e...

Ele apertou o abraço.— Por acaso você acha que eu esqueceria a primeira vez em que fizemos amor? Nós

passamos o dia inteiro naquela cabana. O sol já estava se pondo quando fomos embora. Quase não conseguimos voltar antes de escurecer...

— Então... pouco depois, você foi embora. Não fazia ainda um mês desde esse dia na cabana. Algumas semanas mais tarde, descobri que estava grávida... que ia ter um filho seu.

— Mas por que não me avisou? Meu Deus do céu, como é que me deixou sem saber uma coisa dessas? — disse ele, bravo.

— Como podia avisar? — explicou ela, sem rancor. — Você nunca me disse para onde ia. Não tinha à menor idéia de onde você estava nem de como poderíamos nos comunicar. Além disso, eu tinha plena certeza de que você me abandonara e não queria mais saber de mim. Quando soube que você tinha recebido dinheiro de meus pais para ir embora, fiquei certa de que você queria se desligar de mim e, portanto, não tinha o direito de saber da existência de nosso filho. Ele seria só meu.

Jonas virou-se e afastou-se dela, agitado, passando a mão pelos cabelos várias vezes seguidas, com gestos nervosos.

— Eu devia ter pensado nessa possibilidade! Como não me passou pela cabeça que isso poderia acontecer? — disse ele se autocensurando. — Que falta de consciência, meu Deus! Não era de se admirar que você me odiasse tanto quando eu voltei.

— É, mas não foi fácil odiá-lo, porque eu ainda o amava — disse ela com voz calma. — Quer dizer que foi por causa da gravidez que você saiu de Vermont logo depois de

mim... é claro! — concluiu ele.— É, foi por isso, sim. Quando contei a meus pais, mamãe combinou com a irmã dela e

eu fui para a Pensilvânia ficar na casa de titia — Bridget continuou a explicação.— Esse tal de Brian, seu ex-marido... lembro que você me falou que ele era

compreensivo e carinhoso. Deve ter sido mesmo muito compreensivo para casar com você e aceitar a filha de outro homem. Agora entendo por que você o admirava tanto! Tinha razão de gostar dele... — Jonas suspirou fundo, passando a mão pela nuca.

— Brian... — ela hesitou um instante — Brian O'Shea nunca existiu.— Como é? O que você disse? — Jonas virou-se de frente num movimento brusco e

encarou-a com olhar penetrante.— Ele foi um simples produto da imaginação de minha mãe. Foi ela quem inventou

Brian. Ela queria que eu tivesse o nenê e desse para alguém adotar. Não queria que eu ficasse com a criança, mas quando Molly nasceu eu não quis largá-la de jeito nenhum. Era minha filha e eu não iria abandoná-la, acontecesse o que acontecesse. Daí minha mãe... bem, ela não queria que os outros soubessem que eu era mãe solteira... então ela arranjou uma certidão de casamento falsa, que mostrava pra todo mundo, para provar que eu tinha me casado e que estava viúva. Eu aceitei a farsa porque queria ficar aqui em Vermont e assim era mais fácil para mim... Depois, também, porque devo confessar que me sentia um pouco envergonhada. — Bridget respirou fundo e olhou para a aliança em seu dedo, outro detalhe da farsa que representava para a comunidade onde vivia. — Além disso, não queria que você soubesse da existência de Molly. Não queria que ficasse sabendo que ela era sua filha. Se você voltasse, eu estava decidida a lhe dizer que ela era filha de outro homem. Eu tinha medo que você se sentisse responsável, se soubesse, e resolvesse casar comigo só por causa da filha. Isso era a última coisa que eu queria: que você ficasse comigo por obrigação, sem amor. Não era assim que eu queria você de volta!

— Bridget... — Jonas a abraçou e acalentou-a de leve, como se quisesse confortá-la da dor e da angústia por que passara, sozinha, sem seu apoio, há tanto tempo. — Eu amo você.

Pelo menos a única coisa boa disso tudo é que você tem certeza de que eu amo você, que eu a pedi em casamento antes de saber a verdade a respeito de Molly. E acho que amo você mais ainda agora que sei... se é possível amar mais do que eu já amava.

— Estou feliz... — murmurou ela, apenas, sem palavras para descrever a intensa emoção que a invadiu.

Aconchegou-se nos braços de Jonas e apoiou o rosto no peito dele.— Mal posso acreditar! — murmurou Jonas com os lábios encostados nos cabelos dela.

— Sei que é um pouco tarde para isso... mas estou quase estourando de orgulho! Sou pai! Ê como se estivesse na maternidade e acabasse de receber a notícia. Estou com vontade de sair por aí oferecendo charutos e contando pra todos. Eu tenho uma filha. Nós temos uma filha!

Bridget ergueu a cabeça para olhar para Jonas, Ficou emocionada com o brilho que viu no olhar dele e o sorriso que iluminava aquele rosto de uma beleza rude.

— Pois é... nós temos uma filha — repetiu ela, com voz trêmula de emoção. — Molly não sabe, é claro, mas eu vou contar tudo a ela.

— Nós dois juntos vamos contar a ela — prometeu Jonas. De repente seu rosto se anuviou com uma súbita preocupação. — Como você acha que ela vai reagir? Será que vai entender?

— Nós explicaremos tudo direitinho. Ela já tem idade suficiente para entender. Molly gosta muito de você, Jonas. Pode ser que no começo seja um pouco difícil ela se acostumar com a idéia, mas acredito que não vai demorar para se adaptar à nova situação. Ela acaba aceitando você e vai sentir orgulho de saber que é sua filha.

— Idade suficiente! — Ele riu baixinho. — Você me disse que Molly tinha oito anos, quase nove, e eu acreditei. Bem que eu a achava esperta demais para a idade. Às vezes ela me parecia tão amadurecida que me surpreendia com as atitudes... Não era pra menos!

Jonas estava com o rosto encostado no de Bridget e ria baixinho, os lábios perto dos dela. Bridget virou a cabeça devagarinho para beijá-lo na boca.

— Já terminou o bolo, mamãe?Molly começara a perguntar em voz alta e animada, enquanto vinha correndo da sala,

mas, quando chegou na porta da cozinha e viu os dois abraçados, a voz quase sumiu. Ficou parada, de olhos arregalados, sem saber se entrava ou saia.

— Venha cá, Molly! — disse Jonas, afastando os braços que envolviam o corpo de Bridget.

— Eu ia pôr as velinhas no bolo... — explicou a menina, indecisa e sem jeito.— Já está quase pronto, filha — avisou Bridget, pegando de novo o tubo de confeiteiro e

voltando ao bolo. — Só falta mais um retoque aqui neste canto. Pode esperar que não vai levar nem um minuto!

— Tá bom, mamãe — disse Jonas em tom de brincadeira, com voz alegre. — Acho bom acabar logo mesmo, e capricha aí, porque hoje é o aniversário da menina mais linda que conheço.

Molly se aproximou, observando os dois com uma expressão de curiosidade. Jonas apoiou-se na mesa e ficou vendo Bridget completar o trabalho. Quando ela já estava no fim, ele, numa atitude infantil, passou o dedo na tigela de glacê. Bridget deu um tapinha de leve na mão dele.

— Tire a mão daí!— Ah... você já usou bastante, deixe esse restinho pra gente! — retrucou Jonas.— É... eu já terminei, mas...— Não tem "mas". Venha cá, Molly, pegue duas colherinhas que nós vamos raspar a

tigela — disse ele, pegando o recipiente e levando-o para a outra ponta da mesa.Molly pegou as colheres na gaveta, rindo com alegria, e foi juntar-se a ele. Bridget parou

o que estava fazendo, esquecendo momentaneamente o bolo, a festa e tudo o mais, e ficou apreciando a cena. Os dois estavam sentados bem juntinhos, com as cabeças inclinadas sobre a tigela, rindo e se deliciando com o resto de glacê. Ficou olhando-os com amor, embora não pudesse ver os rostos. Só via os cabelos deles, em dois tons de castanho. Eles

eram uma família perfeita. Uma família de três pessoas. Bridget sabia que podia haver outros momentos mais felizes em sua vida, mas tinha certeza de que jamais esqueceria aquela cena.

FIM