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MASARYKOVA UNIVERZITA V BRNĚ
Filozofická fakulta
Ústav románských jazyků a literatur
Portugalský jazyk a literatura
Alosan da Goia
O período islâmico em Portugal e o seus vestígios na
toponímia do país
Bakalářská diplomová práce
Vedoucí práce: Mgr. Metoděj Polášek
Brno 2011
Prohlašuji, že jsem bakalářskou diplomovou práci vypracovalsamostatně s využitím uvedených pramenů a literatury.
…………………………………….
2
Poděkování
Na tomto místě bych rád poděkoval vedoucímu své bakalářské práce, Mgr. Metoději
Poláškovi, za veškerý věnovaný čas i věcné připomínky, které mi během jejího psaní
poskytl.
3
ÍNDICE
ÍNDICE __________________________________________________________________ 4
PREFÁCIO_______________________________________________________________6
1. TRAÇADO CRONOLÓGICO DA HISTÓRIA DO PORTUGAL ISLÂMICO______8
1.1. Conquista e o primeiro período do domínio muçulmano (711-828)_______________8
1.2. Segundo período. A autonomia do ocidente peninsular (828-929)_______________10
1.3. Terceiro período. A soberania do califado omíado e o seu desmembramento em
reinos de taifas (929-1086)______________________________________________________11
1.4. Quarto período. A queda do Ocidente islâmico (1086-1250)____________________13
2. COMPOSIÇÃO ÉTNICA E RELIGIOSA__________________________________16
2.1. Árabes________________________________________________________________16
2.2. Berberes______________________________________________________________17
2.3. Hispano-Romanos______________________________________________________18
2.4. Judeus e os Eslavos_____________________________________________________19
3. SITUAÇÃO LINGUÍSTICA_____________________________________________21
3.1. Língua moçárabe_______________________________________________________21
3.2. Árabe_________________________________________________________________23
3.2.1. Expansão do árabe___________________________________________________________23
3.2.2. Dialecto andaluz_____________________________________________________________24
4. DIVISÃO TERRITORIAL E O POVOAMENTO DO PORTUGAL MUÇULMANO
28
4.1. Divisão territorial_______________________________________________________28
4.1.1. Divisão administrativa na época romana e visigótica_________________________________28
4.1.2. Divisão administrativa na época islâmica__________________________________________29
4.2. Povoamento___________________________________________________________31
5. VESTÍGIOS TOPONÍMICOS DA PRESENÇA MUÇULMANA_______________33
5.1. Classificação etimológica dos topónimos árabes______________________________34
4
5.1.1. Nomes comuns______________________________________________________________36
5.1.2. Nomes antroponímicos________________________________________________________41
5.1.3. Nomes de localidades islâmicas_________________________________________________44
5.1.4. Nomes não-árabes que testemunham a presença histórica dos muçulmanos_______________45
5.2. Difusão geográfica dos topónimos árabes_______________________________________46
5.3. Características fonéticas dos topónimos árabes______________________________51
5.3.1. Sistema vocálico_____________________________________________________________52
5.3.2. Sistema consonântico_________________________________________________________54
5.3.3. Fenómenos fonéticos_________________________________________________________60
5.3.4. Fenómenos morfológicos______________________________________________________61
6. TOPONÍMIA PRE-ÁRABE E MOÇÁRABE_______________________________63
6.1. Características fonéticas da toponímia pre-árabe e moçárabe _____________________64
6.1.1. Sistema vocálico_____________________________________________________________64
6.1.2. Sistema consonântico_________________________________________________________65
6.2. Características morfológicas da toponímia pre-árabe e moçárabe_____________________66
CONCLUSÃO____________________________________________________________68
BIBLIOGRAFIA__________________________________________________________70
APÊNDICE ______________________________________________________________ 74 1. Lista dos topónimos de etimologia árabe examinados no trabalho ____________________ 74
2. Tabela comparativa entre os sistemas de transcrição fonética utilizados no trabalho ______ 79
3. Número de topónimos árabes e arabizados na Península Ibérica por 1000 km² __________ 80
4. Mapa do território muçulmano na Península Ibérica até meados do século XI ___________ 81
5
PREFÁCIO
Até recentemente, a época islâmica na história da Península Ibérica era vista como
um período de domínio estrangeiro, marcado pelo contínuo avanço da Reconquista,
percebida como uma guerra santa contra os infiéis e como um esforço por parte dos povos
ibéricos dedicado a expulsar os usurpadores árabes. Embora esta imagem ainda possa estar
bem viva fora do mundo académico, na historiografia foi durante as últimas décadas
gradualmente substituída por uma concepção mais objectiva, que reconhece a civilização
muçulmana na Península como sendo tão legitimamente hispânica quanto a dos
reconquistadores.
O aspecto da época islâmica na história dos povos peninsulares que é mais
entusiasticamente apreciado é o seu legado civilizador, seja científico ou artístico. No
entanto, é inegável que neste ponto os vestígios da presença islâmica na Espanha superam
de longe aqueles que se encontram no território de Portugal. De facto, não existe nenhum
equivalente português da Alhambra granadina ou da Mesquita de Córdova e tampouco
sabemos de qualquer figura muçulmana comparável com, por exemplo, Averróis ou
Maimónides que tenha nascido ou vivido no território desse país. Apesar disso, o legado do
dos muçulmanos em Portugal não é de pouca importância, embora certamente seja de
menor esplendor e à primeira vista menos impressionante.
Uma parte importante do património cultural da humanidade é a toponímia, a qual,
além de ser um elemento indispensável do nosso cotidiano, é também uma excelente fonte
de informações sobre a história e o carácter do povoamento numa dada área geográfica. É
justamente no contexto da toponímia onde o domínio secular dos muçulmanos em Portugal
deixou muitíssimos vestígios, seja sob a forma dos nomes que derivam directamente do
árabe, ou daqueles que, não sendo de etimologia árabe, testemunham a influência deste
idioma durante a sua evolução fonética ou, por fim, daqueles nomes não-árabes cuja
evolução foi marcada pelas condições externas que resultaram da ocupação árabe. No
entanto, devido às várias transformações que estes topónimos sofreram ao passar dos
séculos, na maioria dos casos é preciso recorrer aos métodos científicos de análise para
reconstruir as suas formas originais, ocultas sob uma superfície aportuguesada.
Muitos autores têm-se dedicado à examinação da toponímia árabe e arabizada no
território de Portugal, particularmente a partir do início do século passado, e o seu trabalho
permitiu estabelecer as etimologias de bom número de nomes locais do país. Não faltam,
6
naturalmente, casos em que isso ainda não foi possível e a etimologia e datação do
topónimo estão, por enquanto, sujeitas a conjecturas. Porém, a evidência que já temos à
disposição é suficiente para ilustrar ou completar os nossos conhecimentos sobre o período
islâmico, adquiridos através das fontes literárias ou pela pesquisa arqueológica.
O objectivo principal deste trabalho é, portanto, oferecer uma visão básica da
problemática da toponímia portuguesa de etimologia árabe e arabizada, interpretando as
informações recolhidas de várias fontes relevantes, e aludir à importância deste aspecto da
contribuição árabe-muçulmana ao património linguístico e cultural de Portugal.
O primeiro capítulo é uma resenha da história do Portugal islâmico, destinada a
introduzir ao leitor a temática da presença árabe nesta região e descrever as circunstâncias
políticas em que se desenvolveu nela a cultura islâmica.
O segundo capítulo, que oferece algumas informações básicas sobre a composição
étnico-religiosa do território ocidental da Península, é complementado pelo terceiro,
dedicado à situação linguística durante o período muçulmano, com ênfase na descrição da
gradual disseminação da língua árabe na sociedade peninsular, um processo sem o qual
teria sido impensável o surgimento dos nomes locais de etimologia árabe ou a arabização
dos nomes já existentes.
No quarto capítulo relata-se a história administrativa de Portugal desde a época
romana até o período islâmico e também as características do povoamento que existiu nesta
região naquela época.
O quinto capítulo, a parte fundamental do trabalho, consiste numa análise
etimológica, geográfica e fonética de uma selecção representativa de topónimos árabes,
aproveitando alguns conhecimentos apresentados nos capítulos precedentes e
contextualizando-os.
O último capítulo é dedicado à análise das características principais dos nomes não-
árabes que os muçulmanos e cristãos das regiões meridionais passaram aos
reconquistadores e que os diferenciam daqueles do Norte.
Para facilitar a interpretação das informações analizadas, incluímos no apêndice a
lista de todos os nomes árabes recolhidos, uma tabela comparativa que mostra a
equivalência entre os símbolos dos sistemas de transcrição fonética utilizados neste
trabalho e, por fim, dois mapas: um que mostra a densidade de topónimos árabes e
arabizados em toda a Península Ibérica e outro, que representa as fronteiras do território
peninsular sob o domínio dos muçulmanos no auge do seu poder.
7
1. TRAÇADO CRONOLÓGICO DA HISTÓRIA DO
PORTUGAL ISLÂMICO
Traçar neste trabalho, que tem por objectivo apenas examinar os efeitos do domínio
árabe na toponímia de Portugal, detalhadamente e em integridade a história inicial do
califado1 muçulmano seria um tanto supérfluo, já que nem que tudo o que se passou
durante o turbulento período da expansão do Islão tem alguma relação com a conquista da
Península Ibérica. Por isso descreveremos nos seguintes capítulos apenas a história política
do Portugal islâmico, desde a instalação dos muçulmanos no século VIII até o fim da
Reconquista portuguesa no século XIII.
Para relatar sinóptica e suficientemente a história do território de Portugal no tempo
da dominação árabe, será cabido dividi-la, a exemplo do modelo que utiliza o professor
José Mattoso na sua compreensiva História de Portugal2, em quatro períodos,
caracterizados por umas condições políticas marcadamente distintas.
1.1. Conquista e o primeiro período do domínio muçulmano (711-828)
A conquista do reino dos Visigodos pelos muçulmanos começou imediatamente após
a subjugação do norte da África, terminada no início do século VIII. A sua primeira fase
foi levada a cabo principalmente pelos Berberes, que se tinham recentemente convertido ao
Islão, tendo-se tornado vassalos dos Árabes. Os invasores, comandados pelo chefe berbere
Tariq ibn Ziyad, aproveitaram a relativa fragilidade do estado visigótico, enfraquecido por
violentas lutas entre várias fracções da nobreza.3
Após a derrota do exército visigótico pelas tropas berberes na batalha de Guadalete
em 711, em que faleceu o rei Rodrigo4, os muçulmanos começaram sem qualquer demora a
conquista da Península e tomaram logo a própria capital Toledo que se entregou sem
combate, impedindo a eleição de um novo rei.
Os Árabes, comandados por Musa ibn Nusair, governador da África do noroeste,
chegaram à Península no ano 712. Até o ano 714, conseguiu este chefe militar conquistar a
1 Domínios e dignidade de califa (do árabe ḫalīfa, „sucessor“, título dado após a morte do profeta Muhammad aos soberanos do império islâmico). 2 Mattoso, J.: História de Portugal: Vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores, 1992, pág. 418-429.3 Ibid., pág. 321.4 Rodrigo (? - 711), nobre Godo. Ascendeu ao trono após a morte do rei Vitiza em 710.
8
maior parte da Península, inclusive o actual território de Portugal, cuja conquista foi
efectuada pelo filho de Musa ibn Nusair, Abd al-Aziz, o qual tomou Beja e Ossónoba5 em
712 e aceitou a capitulação de Évora, Santarém, Lisboa e Coimbra em 714.6
A única área da Península Ibérica que não se rendeu aos invasores foi o Noroeste
montanhoso, onde os cristãos, liderados pelo nobre Godo Pelágio7, triunfaram em 722 na
batalha de Covadonga sobre os Árabes, iniciando assim, segundo a tradição posterior, a
reconquista da Península.8 No entanto, seria mais lógico interpretar estes acontecimentos
mais propriamente como uma manifestação da resistência tradicional dos montaheses
asturianos e bascos contra qualquer autoridade externa, fossem os Romanos, Godos ou
Árabes9, fortalecida por várias migrações da nobreza e de soldados para o Norte.10 O seu
resultado foi o estabelecimento do Reino das Astúrias em 739 pelo genro de Pelágio,
Afonso11, o qual conseguiu tomar aos muçulmanos a Galiza e a maior parte das terras a
norte do Douro.
Além das lutas com os cristãos no noroeste da Península, tiveram os muçulmanos
enfrentar um conflito étnico entre os Berberes, que formavam a maior parte das tropas no
exército muçulmano, e os Árabes, que eram a camada dominante. A grande rebelião dos
Berberes em 741, deixara desarmado várias cidades e castelos no Noroeste, facilitando
assim a tomada da Galiza pelos cristãos.12
O evento que mudou decisivamente o curso da história da Península foi a queda da
dinastia reinante dos Omíadas em 750, tendo sido substituída pelo clã dos Abássidas. O
único sobrevivente dos Omíadas, Abd ar-Rahman13, conseguiu escapar aos seus
perseguidores e refugiar-se no ano 756 na Península Ibérica, onde tomou o título de emir.14
Esta mudança política iniciou em 763 uma série de revoltas locais no sudoeste da
Península, ocupado pelas tribos árabes. Além destas rebeliões árabes, esmagadas durante a
segunda metade do século VIII, ocorreram na região ocidental da Península ao longo do
5 Faro.6 Rei, A.: Gharb al-Andalus (711 - 1250): Cronologia [online]. 2011 [cit. 2011-01-13]. Disponível em:<http://iem.fcsh.unl.pt/disponibilizar/cronologias/gharb-al-andalus-711-1250>.7 Em castelhano Pelayo (do latim Pelagius).8 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury. 1.edição. Tradução de I. Hrbek. Praga: Panorama, 1982, pág. 136.9 Ibid., pág. 137.10 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I. Lisboa: Palas Editores, 1985, pág. 53.11 Afonso I das Astúrias (693?—757). 12 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 53.13 Também Abderramão (733-781).14 Príncipe ou chefe árabe (do árabe amīr).
9
século IX também vários levantamentos da aristocracia indígena, principalmente na zóna
de Mérida.15
1.2. Segundo período. A autonomia do ocidente peninsular (828-929)
As revoltas dos cristãos e muçulmanos no ocidente da Península contra o poder
central do emir, instalado em Córdova desde o ano 766, iniciadas nos finais do século VIII,
conferiram a esta região um estatuto de ampla autonomia que deveria durar por mais de um
século.16 Como início deste período é possível estabelecer o ano 828, quando começou uma
grande insurreição dos Berberes e muçulmanos indígenas em Mérida, pacificada em 835
por Abd ar-Rahman II.
Outra revolta local desencadeou-se em 868, tendo sido iniciada por Abd ar-Rahman
ibn Marwan al-Jilliqi17, nobre muçulmano de origem indígena. Apesar de a rebeldia ter sido
logo suprimida, al-Jilliqi conseguiu fugir da corte de Córdova, aonde fora levado, e após
uma estadia temporária no território cristão iniciou outra rebelião em 884, tendo-se
instalado em Idanha-a-Velha. O emir Muhammad I decidiu fazer concessões importantes
aos rebeldes, sobretudo permitir a al-Jilliqi fundar a cidade de Badajoz, receber impostos
das populações locais e exercer autoridade pessoal sobre os habitantes da região.18 Neste
período de lutas internas no território islâmico, os cristãos conseguiram penetrar nas terras
a sul do Douro e no 878 tomaram aos muçulmanos a cidade de Coimbra, a qual
permaneceu na sua posse até os finais do século seguinte.19
Após a morte de al-Jilliqi em 889-890 o poder na área da sua influêcia foi divido
entre três chefes militares, Abd ar-Rahman ibn Marwan, instalado em Badajoz e Mérida,
Abd al-Malik ibn Abu-l-Jawad ,que se apossara de Beja e Mértola, e Bakr ibn Yahya ibn
Bakr, sediado em Ossónoba. A autonomia destes senhores locais foi fortemente
enfraquecida depois da breve incursão do rei galego Ordonho II20 no território muçulmano
em 913, durante a qual foi arrasada Évora. A expedição de vingança organizada no ano
15 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 420.16 Ibid., pág. 421.17 “O Galego” (do árabe al-Ǧillīqī).18 Ibid., pág. 422.19 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 54.20 Ordonho II (cca 871-924), rei de Leão desde 914.
10
916, comandada por Abd ar-Rahman III, quebrou o poder militar dos senhores locais,
subalternizados ao emir.21
A plena submissão do Ocidente foi completada nos anos 929-930 através de uma
campanha militar de Abd ar-Rahman III22, que se tinha recemente proclamado califa. A
tomada de Badajoz, centro do poder autónomo no Ocidente, em 930 assegurou a soberania
do califado omíado nesta parte da Península nos próximos oitenta anos.
1.3. Terceiro período. A soberania do califado omíado e o seu
desmembramento em reinos de taifas (929-1086)
A época da autonomia do Ocidente sob o governo da família de al-Jilliqi foi seguida
por um período de forte centralismo, desempenhado por Córdova, em que os
acontecimentos nas zonas marginais, inclusive o território de Portugal, foram de menor
relevo.
Uma das consequências da consolidacão do califado e da centralização do seu poder
foi o crescimento das competências do hajib, isto é, prefeito do palácio do califa,
particularmente na época do consulado de al-Mansur ibn Abi Amir,23 que conseguiu tomar
todo o poder, deixando ao califa uma importancia apenas nominal. Al-Mansur procedeu a
profundas reformas militares, que consistiram principalmente no recrutamento de um
grande número de Berberes norteafricanos e mercenários cristãos e na sua incorporação ao
excército do califado. Com estas novas tropas, conduziu uma série de campanhas ao
território cristão durante as quais foi reconquistada Coimbra24, destruído o Santuário de
Santiago de Compostela25 e a fronteira entre o território cristão e o califado colocada
novamente no Douro.26 A vinda dos mercenários estrangeiros, embora tivesse contribuído
aos successos militares do califado nas lutas contra os cristãos do Norte, foi também um
dos factores que levaram ao seu desmembramento no século seguinte.27
O período de sangrentas lutas e revoltas, que começara após o assassinato do califa
Hisham II em 1013, resultou no ano 1031 na desagregação total do poder central do
21 Ibid., pág. 423.22 Abd ar-Rahman III (891-961)23 Em português também conhecido como Almançor (938-1002).24 Em 987.25 Em 997.26 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 54.27 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 36.
11
califado omíado, que se dividiu em vários principados chamados de taifas.28 Embora seja
habitual designar estes estados como „reinos“, os seus soberanos nunca assumiram o título
de califa ou de rei.29
No ocidente da Península, onde os clãs locais mantinham poderes consideráveis
desde o século VIII, surgiram entre os anos 1012 e 1094 seis taifas, cuja existência é
possível interpretar como uma manifestação do desejo de autonomia das populações locais
e uma expressão dos interesses das diferentes tribos árabes.30
A primeira taifa no território de Portugal foi fundada no ano 1012 em Huelva, onde a
dinastia Bahri governou durante quarenta anos, dominando uma faixa de costa que incluía
também a cidade de Ossónoba, então mais conhecida por Santa Maria. Em 1026 separou-se
a parte ocidental da taifa de Huelva que correspondia, grosso modo, à parte oriental do
actual Algarve, para formar um principado independente, governado pela família Banu
Harun, possivelmente de origem autóctone, o qual perdurou até o ano 1052.31
Outra taifa formou-se no vale do Guadiana sob o governo do Berbere Ibn Tayfur,
tendo como a sua capital a cidade de Mértola. Esta taifa manteve-se até o ano 1044, quando
sucumbiu às tropas da poderosa taifa de Sevilha, fundada em 1023 e governada pela
dinastia dos Abádidas, que já havia tomado Lisboa em 1039 e forçara à submissão as taifas
de Huelva e Santa Maria em sucessivas campanhas militares entre 1051 e 1053. No
entanto, nem este principado conseguiu manter a sua integridade e no ano 1048 formou-se
no seu território outra taifa baseada em Silves, compreendendo aproximadamente a parte
ocidental do Algarve moderno. Os seus governadores provinham da família árabe dos Banu
Muzayn, chegada à Península no início do século VIII. A vida da taifa de Silves como uma
entidade política independente foi, contudo, bastante curta e já no ano 1063 foi
forçosamente reintegrada à taifa de Sevilha.32
Após as campanhas expansionistas do reino de Sevilha sob o governo de Muhammad
ibn Abbad al-Mu'tamid33 em meados do século XI, existiam no Ocidente apenas duas taifas
independentes: a taifa de Sevilha e a poderosa taifa de Badajoz. Este principado foi
fundado em 1013 por Sabur al-Amiri, eslavo que nela assumiu poderes autonómicos até à
28 Do árabe ṭā'ifa (“facção”). 29 Em árabe malik. Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 67.30 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 424.31 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 64.32 Ibid., pág. 63.33 Muhammad ibn Abbad al-Mu'tamid (1027-1095).
12
sua morte em 1022. O governo passou subsequentemente para as mãos da familia Banu al-
Aftas, de origem berbere embora já plenamente arabizada nesta época.34
A luta contínua com a taifa de Sevilha, que se arrastou ao longo de várias décadas,
enfraqueceu bastante Badajoz, favorecendo o avanço cristão, até então estagnado. Os
reinos cristãos conseguiram aproveitar a fragmentação política no território muçulmano e
iniciar uma série de campanhas militares contra os reinos de taifas, podendo manter um
exército permanente e superior ao dos muçulmanos.35
A partir de 1055 obrigaram as campanhas do reino de Leão e Castela os governadores
de Badajoz ao pagamento de tributos e permitiram aos cristãos atingir a linha do Mondego,
tomando succesivamente Lamego, Viseu, a importante cidade de Coimbra.36 A perda da
cidade de Coria em 1079 permitiu aos cristãos o acesso ao vale do Tejo e no ano 1085
reconquistaram os cristão a antiga capital do reino dos Visigodos, Toledo. Incapazes de
resistir ao avanço cristão, decidiram os governadores das taifas de Sevilha e Badajoz em
1085 pedir auxílio à dinastia norteafricana dos Almorávidas,37 cujo império se estendia
desde o rio Senegal até a costa do Mediterrâneo.38
1.4. Quarto período. A queda do Ocidente islâmico (1086-1250)
A vinda dos Almorávidas em 1086 marca o início do último período na história do
Portugal muçulmano, em que o centro da decisão transfere-se definitavemente para o norte
da África, cabendo neste contexto aos muçulmanos locais um papel apenas de segundo
plano.39
Logo depois da sua chegada, conseguiram os Almorávidas, liderados pelo emir Yusuf
ibn Tashufin, defrontar e derrotar as tropas do reino de Leão e Castela na batalha de Zalaca
e recuperar o domínio muçulmano a sul do Mondego. No entanto, como os Almorávidos
haviam decidido ficar na Península e reunificá-la sob o seu jugo, os soberanos peninsulares
fizeram uma aliança com o rei Afonso VI.40 As suas tropas foram, contudo, derrotadas e o
governador do reino de Sevilha al-Mu'tamid foi no ano 1092, junto com a sua família, 34 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 424.35 Ibid., pág. 426.36 Em 1064.37 Do árabe al-murābiṭ („guarda de fronteira, eremita, religioso“). 38 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 66.39 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 426.40 Afonso VI de Leão e Castela (1040-1019). Proclamou-se “imperador de toda a Hispânia” (em latim imperator totius Hispaniae) em 1077.
13
deportado para a África. O mesmo destino teve a taifa de Badajoz, ocupada pelos
Almorávidas em 1094.
Após a morte de Yusuf ibn Tashufin, sucede-lhe o filho Ali ibn Yusuf, cujo reinado
seria assinalado pelo gradual enfraquecimento do poder almorávida na Península, devido à
crescente insatisfação dos muçulmanos peninsulares com a intolerância religiosa dos
Almorávidas, ao apertado controle fiscal e ao mesmo tempo à estabilização progressiva dos
reinos cristãos, o que levou a fronteira comum para o rio Tejo.41
A dissolução do poder da nova dinastia resultou, a partir do ano 1144, no
aparecimentodas segundas taifas, embora de carácter somente episódico. Este processo
desenrolou-se simultaneamente com a grande investida das tropas do recém-criado reino de
Portugal para o Sul muçulmano (1139-1147).42
O líder da primeira revolta local no Ocidente foi o sufista43 Abu-l-Qasim al-Husayn
ibn Qasi, que se apoderou em 1144 de Mértola, onde era governador. Este acontecimento
provocou outras duas revoltas na região, uma em Beja, onde governava Abu Muhammad
Sidray ibn Wazir, e outra na cidade de Silves, a qual foi capturada, junto com a Ossónoba,
por Abu Walid Muhammad ibn al-Mundir. Estes governadores submeteram-se inicialmente
a Ibn Qasi, porém Ibn Wazir revoltou-se logo contra o seu soberano, o que levou Ibn Qasi a
recorrer à ajuda dos Almóadas,44 um novo movimento religioso e militar que havia surgido
no norte da África.
Os Almóadas conseguiram derrotar definitivamente os Almorávidas e impor-se na
Península, intervindo a favor de Ibn Qasi, ao qual entregaram em 1147 o poder de Silves,
no mesmo ano em que os cristãos conquistaram Santarém e Lisboa. A soberania de Ibn
Qasi durou, porém, somente até o ano 1151, quando foi assassinado pela população de
Silves.
A morte de Ibn Qasi não marca apenas o fim do período das segundas taifas no
ocidente da Península, mas também o início da fase final da época islâmica na história de
Portugal, o período do irreversível avanço cristão para o Sul. Ao longo do século XI, este
processo ganhou o carácter de guerra santa da reconquista dos territórios outrora cristãos,
radicalizada pela presença de cavaleiros francos e ordens religiosas.45
41 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 427.42 Ibid., pág. 428.43 Do árabe ṣūfī, “pessoa sectária do sufismo” (movimento de ascese mística do Islão). 44 Do árabe al-muwaḥḥid, („monoteísta “). “Almohade”, in Diccionario de la Real Academia Española [online]. 2011 [cit. 2011-01-11]. Disponível em: <http://www.drae.rae.es>.45 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 427.
14
No ocidente da Península, os Almóadas levaram a cabo, entre 1161 e 1195, oito
campanhas militares que não tiveram, porém, nenhum resultado práctico.46 Em 1212 foram
derrotados os muçulmanos na batalha de Navas de Tolosa por um exército coligado de
Castelhanos, Portugueses, Aragoneses e Navarros. Esta victória permitiu aos cristãos
prosseguir a Reconquista e apoderar-se durante os próximos quarenta anos dos últimos
territórios no Ocidente que ainda estavam nas mãos dos muçulmanos. No ano 1229 foi
capturado Badajoz pelos Leoneses, em 1234 seguiu-se a tomada de Beja e Aljustrel pelos
Portugeses e em 1238 conquistaram estes Mértola. Este processo foi levado ao cabo pelo
rei Afonso III de Portugal, que se apoderou em 1249 de Silves e Faro, o último enclave
muçulmano no Ocidente. Este acontecimento marca o fim do período islâmico na história
de Portugal.
2. COMPOSIÇÃO ÉTNICA E RELIGIOSA
46 Ibid., 429.
15
A presença de vestígios topónimicos de origem árabe em Portugal teria sido
dificilmente imaginável sem uma ampla disseminação do árabe no território deste. Para
entender melhor o processo da arabização, que se foi desenvolvendo ao longo dos mais de
cinco séculos do domínio muçulmano no ocidente da Península Ibérica, convirá descrever
primeiramente a configuração étnica e religiosa da sociedade peninsular, resultante da
conquista em 711.
2.1. Árabes
O grupo dominante na nova sociedade eram os Árabes, os primeiros seguidores e
propagadores do Islão. A sua imigração é característica sobretudo para o período inicial da
estabilização do governo muçulmano, até do ano 756.47 No Ocidente é atestada primeiro a
chegada e o estabelecimento dos Árabes iemenitas, vindos com o exército de Musa ibn
Nusayr após 712, instalados nomeadamente na região de Silves48, e depois de novas tribos,
de proveniência síria, vindas para esmagar a revolta berbere em 741. O influxo dos Sírios
provocou conflictos com os Árabes que tinham chegado antes e sentiam-se incomodados
pela presença dos Sírios. Os recém-chegados foram subsequentemente instalados em várias
localidades no sul da Península, para que estivessem longe da capital no caso de revolução
ou intento de sedição.49 No Ocidente, estabeleceram-se os Sírios na região de Beja e no
Algarve.50
Segundo uma estimativa, à chegada de Abd ar-Rahman em 756 a população árabe
contava aproximadamente entre 50 e 60 mil de pessoas e a população indígena entre 5 e 6
milhões de pessoas.51 Apesar de serem minoritários na sociedade peninsular, os Árabes
constituíam o grosso da aristocracia e burguesia muçulmana, dedicando-se ao artesanato e
ao comércio internacional52 e possuindo vastas latifundias no campo.53
47 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 140.48 Stanislawski, D.: The Individuality of Portugal: A Study in Historical-political Geography [online]. Austin: University of Texas Press, 1959, cap. 10 [cit. 2010-12-08]. Disponível em: <http://libro.uca.edu/stanislawski/portugal.htm>.49 Vallvé, J.: La división territorial de la España musulmana. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 1986, pág. 195.50 Ibid., pág. 194 e 197.51Zayed, A. S. M.: Datos dialectales andalusíes (gramaticales y léxicos) en algunos documentos tardíos granadinos y moriscos [online]. Tese de doutoramento. Madrid: Universidad Complutense, Facultad de Filología, Departamento de Estudios Árabes e Islámicos, 1993, pág. 10 [cit. 2010-12-14]. Disponível em:<http://eprints.ucm.es/tesis/19911996/H/3/AH3030101.pdf>.52 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 139.53 Ibid., pág. 140.
16
2.2. Berberes
O numericamente mais significativo componente do exército invasor muçulmano
foram os Berberes, cuja imigração à Península continuou, à diferença dos Árabes, até o
século XII.54 Sendo vassalos dos Árabes, eram instalados nas áreas áridas e montanhosas
do interior da Península, de pouca densidade de povoamento, à diferença das tribos árabes
que se apoderaram das terras mais férteis ao longo do Mar Mediterrâneo e nos vales
fluviais.55 A colocação geográfica das tropas berberes era reforçada pela preocupação em
manter estes soldados temíveis, unidos por fortes laços familiares, afastados da capital e
dos outros centros de poder.56
Embora exista incerteza a respeito deste assentamento berbere, considerando-o alguns
ter sido mais de carácter agricultural do que militar, é possível aceitar a tese oposta,
defendida pelo J. Mattoso, segundo a qual:
“As comunidades camponesas dificilmente aceitariam agregar a si e muito menos integrar um grupo de mercenários estrangeiros. Desmobilizados, a sua diluição ou fixação como grupo homogéneo só era, portanto, concebível no cosmopolita meio urbano.”57
Desta maneira é também possível explicar a rápida arabização dos Berberes nas
cidades, em comparação com aqueles se haviam instalado no campo, conservando até o
século XII as suas tradições e o idioma.58 Nas cidades impuseram os Berberes
massivamente a sua presença durante a época dos Almorávidas e dos Almóadas.59
Como um dos mais elucidativos exemplos da importância dos Berberes para o
estabelecimento do domínio muçulmano na Península e um dos vestígios mais duradouros
da sua presença é possível mencionar a palavra Mouro60, termo utilizado pelos Hispano-
Romanos para designar os habitantes berberes da África do Noroeste, mais tarde extendido
para todos os muçulmanos.61
54 Ibid.55 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 139.56 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 373.57 Ibid.58 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 142.59 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 373.60 Do latim Maurus. Reichert, R.: Denominações para os muçulmanos no Sudão Ocidental e no Brasil [online]. Revista Afro-Ásia, nº 10-11, 1970, pág. 109 [cit.2011-01-07]. Disponível em:<http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n10_11_p109.pdf>.61 Ibid., pág. 110.
17
2.3. Hispano-Romanos
O elemento étnico percentualmente mais numeroso foi, contudo, a população
hispano-romana. Embora existisse nos primeiros anos da administração muçulmana entre
ela e os conquistadores árabes e berberes uma barreira religiosa, esta foi desaparecendo à
medida que um número crescente dos cristãos se foi convertendo ao Islão, sobretudo a
partir do século X. Como nota J. Mattoso:
“Até há pouco, considerava-se que a ocupação massiva da Península Ibérica pelos exércitos de árabes, iemenitas, sírios e berberes tinha imposto rapidamente a lei de Maomé62, massacrando ou empurrando para norte os cristãos humilados e vencidos. Ao admitir-se hoje, pelo contrário, a pouco significativa contribuição das forças militares na islamização do Andaluz63 e o papel decisivo desempenhado pelos caminhos e rotas do comércio oriental, sabemos que a penetração da religião muçulmana foi um fenómeno lento e gradual.”64
Supõe-se, segundo alguns estudos, que por volta do ano 1100, os muçulmanos de
origem indígena, conhecidos como muladís65, constituíssem, junto com os Árabes e os
Berberes, 80 por cento dos habitantes do território que estava na posse dos muçulmanos.66
A adopção do Islão pelos cristãos era motivada por vários factores sociais, culturais e
económicos, entre outras coisas pela possibilidade de serem, desta maneira, isentos do
pagamento da djizya, isto é, dos impostos de capitação, aos quais eram sujeitos os cristãos e
judeus dentro do estado islâmico, em que pertenciam às minorias protegidas, sob a
condição de respeitarem a dominação política do Islão.67
Após a sua conversão, os muladís eram integrados na estructura tribal da sociedade
árabe, tornando-se vassalos de alguma tribo, cujo nome também levavam.68 Apesar deste
processo de assimilação, os agricultores muladís ainda tinham de pagar ao estado um
tributo elevado, chamado kharadj, ou seja, imposto predial, o que acarretou perturbações 62 O profeta Muhammad.63 Do árabe al-andalus (nome dado à Península Ibérica pelos Árabes). 64 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 407.65 Do árabe hispânico muwalladīn, („concebidos por mãe não árabe“). 66 Glick, T. F.: Islamic and Christian Spain in the early Middle Ages [online]. Princeton: Princeton University Press, 1979, cap. 1 [cit.2010-12-07]. Disponível em: <http://libro.uca.edu/ics/emspain.htm>.67 Kemnitz, E.-M. Von.: A construção de uma nova sociedade: o caso específico da minoria moura [online]. Revista de Guimarães, nº 106, 1996, pág. 159-174 [cit.2011-01-11]. Disponível em: <http://www.csarmento.uminho.pt/docs/ndat/rg/RG106_08.pdf>.68 Kaufmann, H. Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 143.
18
sociais e por algum tempo contribuíu à persistência da divisão entre os muladís e os
muçulmanos de origem árabe.69 Neste contexto, é de interesse mencionar que na língua
portuguesa a palavra muwallad deu origem70 ao termo malado, denominação do habitante
de maladia, terra habitada por vassalos solarengos, sujeitos a encargos feudais.71
Os Hispano-Romanos que mantinham a fé cristã eram conhecidos como moçárabes.72
Embora resistissem à possibilidade de adoptar a religião privilegiada do estado e melhorar
deste modo o seu estatuto social, como testemunha a sua denominação, incorporaram à sua
cultura vários elementos árabes. Apesar da gradual arabização, mantiveram os moçárabes
na sua cultura também muitos costumes hispano-visigóticos, inclusive o rito litúrgico, que
foi oficialmente abolido pelos cristãos do Norte em 1080.73 No Ocidente é atestada uma
forte presença dos moçárabes nos meios urbanos de Coimbra, Lisboa e do Algarve.74
2.4. Judeus e os Eslavos
Além dos cristãos e muçulmanos, outro grupo importante na sociedade peninsular
eram os judeus, implantados na Península desde a época romana.75 Como o único grupo
religioso não-católico, foram os judeus duramente discriminados pelo estado visigótico,
após a conversão do rei Recaredo76 ao catolicismo em 589, e por isso não é de estranhar
que tenham recebido positivamente os invasores e que até tenham contribuído a facilitar-
lhes a tomada de algumas cidades importantes.77 No âmbito do novo sistema político e
social gozavam os judeus, assim como os cristãos, do estatuto de protegidos da sociedade
muçulmana, vivendo em comunidades prósperas e abastadas. Embora sujeitos ao
pagamento da djizya, os judeus dispunham, assim como os cristãos, de uma autonomia
bastante ampla, elegendo as suas autoridades privadas, e muitos desempenhavam cargos de
69 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 121. 70 Ibid.71 “Maladia”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [online]. 2011 [cit.2011-01-07]. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=Maladia>.72 Do árabe musta'rab ( „arabizado“). 73 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 409.74 Ibid.75 Ibid., pág. 407.76 Recaredo (?-601), rei dos Visigodos de 586 a 601.77 Pérez, J.: Los judíos en España. [online]. Madrid: Marcial Pons, 2005, pág. 30 [cit.2010-12-07]. Disponível em: <http://www.books.google.cz/books?isbn=8496467031>.
19
responsibilidade e de confiança da corte. Sem embargo, as funções militares e o exercício
do poder eram proíbidas aos não-muçulmanos.78
Na área controlada pelos muçulmanos existiam importantes comunas dos judeus
sobretudo no solo da Espanha actual, nas cidades de Córdova, Granada, Tarragona,
Saragoça, Sevilha e outras79, enquanto que no território de Portugal havia significativas
comunas judaicas nas pricipais cidades portuárias, nomeadamente em Lisboa e Faro.80
Outro elemento étnico na sociedade eram os escravos, provenientes da África
Subsariana e da Europa oriental. Os escravos brancos, nos séculos IX e X maioritariamente
de origem eslava e chamados, portanto, aṣ-Ṣaqāliba81, eram importados para servirem nos
haréns, no exército e na guarda pessoal do califa, mantendo assim equilíbrio entre os
Árabes e Berberes. Estes escravos-mercenários ganhavam logo liberdade, o que lhes abria
portas para a ascensão social, e após o desmembramento do califado omíada no século XI
governaram em algumas taifas no oriente da Península.82
3. SITUAÇÃO LINGUÍSTICA
Do ponto de vista linguístico, caracteriza-se a época do domínio muçulmano no
território de Portugal pela convivência e competição de dois idiomas maioritários, os quais
eram a língua moçárabe e o árabe. Por isso, serão nos seguintes sub-capítulos apresentadas
algumas informações básicas apenas sobre estas duas línguas. Todavia, é preciso
mencionar que o quadro línguístico neste período completava também a presença da língua
berbere, remotamente aparentada com o árabe83, e dos falares românicos do noroeste da
Península, nomeadamente do português. No entanto, como o berbere de facto não deixou
78 Ibid. pág. 31.79 Ibid. pág. 32.80 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 407.81 Em árabe “Eslavos”. Zayed, A. S. M.: Datos dialectales andalusíes (gramaticales y léxicos) en algunos documentos tardíos granadinos y moriscos [online], pág. 10 [cit. 2010-12-13].82 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 148.83 Os dois idiomas pertencem à família afro-asiática.
20
quase nenhuns vestígios linguísticos84 e o português só se instalou na região após a
Reconquista, não serão objecto do nosso interesse.
3.1. Língua moçárabe
Quando os muçulmanos entraram na Península Ibérica, estavam já extintas, com a
excepção do basco, todas as línguas faladas nela no período pré-romano, pois o paulatino
processo da romanização levou à sua substituição pelo latim, que se foi introduzindo nesta
área a partir do século II a.C.85 O tipo do latim falado pelos soldados e comerciantes
romanos diferia, porém, consideravelmente da sua variante literária e por isso costuma
denominar-se como “latim vulgar”, definido como “a língua falada pelas camadas pouco
influenciadas ou não influenciadas pelo ensino escolar e pelos modelos literários”.86 Supõe-
se que o processo do afastamento destas duas modalidades da mesma língua tenha
acelerado a partir do século V, coincidindo com as invasões bárbaras e a quebra do sistema
educativo romano.87
O latim peninsular não era um idioma homogéneo, pois as características do latim
falado nas várias partes do Império Romano correspondiam ao estágio em que a língua
estava na época da sua subjugação de cada região pelos Romanos. O latim falado nas partes
meridionais da Península Ibérica era, portanto, mais arcaico do que aquele no Noroeste,
cuja conquista foi terminada só nos finais do século I a.C.88 Estas diferenças foram
acentuando-se na época depois da chegada dos muçulmanos e do estabelecimento do seu
poder no sul da Península, que causou a isolação do falares utilizados neste território
daqueles que existian na região sob a controle dos cristãos.
À medida que um número crescente dos cristãos se convertia ao Islão e abandonava o
idioma românico, adoptando o árabe, o uso deste idioma foi-se restringindo aos moçárabes
e portanto é habitual denominá-lo como “romance moçárabe”.89 Em comparação com os
falares do Noroeste, como o português e o castelhano, o moçárabe apresentava várias
84 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 140.85 Castro, I.: Introdução à História do Português. Lisboa: Edições Colibri, 2006, pág. 55.86 Ibid., pág. 53.87 Ibid., pág. 53.88 Ibid., pág.56.89 Ibid., pág. 62.
21
características distintas, devido, sobretudo, ao seu carácter conservador e à influência do
árabe. No plano fonético é particularmente90:
a) a preservação dos grupos iniciais PL-, FL-, PL- latinos.
b) a preservação do –E final depois de consoante líquida.
c) a não sonorização de surdas intervocálicas.
d) a preservação dos –L- e –N- intervocálicos.
A documentação escrita do romance moçárabe é relativamente escassa e consiste
sobretudo das assim chamadas hardjas91, isto é, pequenas estrofes românicas incorporadas
em muwashshah92, longos poemas narrativos. No entanto, a interpretação destes artefactos
literários, escritos no alfabeto árabe, que habitualmente não marca vogais curtas, apresenta
várias dificuldades e por isso é de elevada importância o estudo dos topónimos de origem
moçárabe, preservados especialmente nas áreas a sul do Mondego.93
Embora se suponha a existência de diferenças entre o moçárabe falado no Ocidente e
os dialectos das restantes partes da Península, sabe-se pouco das suas características.94
3.2. Árabe
O idioma que se impôs gradualmente como língua maioritária ou, sem dúvida, a mais
prestigiosa, foi o árabe, a língua nativa da classe dominante, constituída pelas tribos
árabes.95 O processo da arabização, tanto cultural como linguística, acompanhou o paralelo
processo da islamização dos Hispano-Romanos, que tomavam os costumes, trajos, nomes e
a língua dos Árabes.96
90 Ibid., pág. 62 e 64.91 Do árabe ḫarǧa („saída“ ) 92 Do árabe muwaššaḥ. 93 Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 64.94 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 27.95 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 374-375.96 Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 61.
22
3.2.1. Expansão do árabe
Além dos Árabes que chegaram à Península nos primeiros anos após a conquista,
continuavam a reforçar o elemento árabe numerosos mercadores, artistas, literatos e
artesões que vinham do Médio Oriente, atraídos pelo esplendor do emirado omíada,
fundado em 756.97 Na disseminação da língua árabe na Península participaram também os
judeus, implantados nas cidades. O professor J. Mattoso comenta da seguinte maneira a
importância dos judeus e dos mercadores orientais na introdução do árabe:
“Se admitirmos que os exércitos e forças militares invasores não são os melhores veiculadores de línguas e cultural e se aceitarmos que os mecanismos de difusão civilizacional passam sobretudo pelos intercâmbios pacíficos do comércio, não será descabido atribuir a grupos de orientais de há muito radicados no Ocidente e às próprias comunas de mercadores judeus os primeiros passos na introdução da língua árabe nos portos hispânicos. (...) Os falares arábicos vão acompanhando o percurso e a fixação destes mercadores nos principais portos marítimos e fluviais e depois nos outros centros urbanos.”98
A expansão do árabe em detrimento da língua moçárabe acelerou notavelmente no
século XI, na época em que o árabe se afirma como língua culta dos meios urbanos. Este
processo parece ter levado à marginalização social e cultural do moçárabe em finais do
século XI e à sua restrição ao mundo rural e, por fim, no século XII o árabe torna-se
exclusivo nos circuitos urbanos. Este fenómeno foi agravado pela intransigência religiosa
das dinastias berberes dos Almorávidas e Almóadas que perseguiram os não-
muçulmanos.99 Nos séculos XI e XII estavam os dialectos moçárabes incontestavelmente
em declínio e não é seguro que a Reconquista os tenha ainda encontrado com alguma
vitalidade.100 Não obstante, alguns traços comuns aos dialectos centro-meridionais da
língua portuguesa parecem resultar de uma influência moçárabe, o que favorece a hipótese
da persistência do moçárabe até a chegada dos Portugueses nos séculos XII e XIII.101
Após a terminação da Reconquista, o árabe continuou a ser falado pelos mudéjaros,
muçulmanos que se mantiveram nos reinos cristãos102, e foi definhando durante quase três
97 Zayed, A. S. M.: Datos dialectales andalusíes (gramaticales y léxicos) en algunos documentos tardíos granadinos y moriscos [online], pág. 47 [cit. 2010-12-13].98 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 375.99 Ibid.100 Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 62.101 Fernandes, M.A.: O dialecto algarvio: abordagem histórica [online]. Tavira: Campo Arqueológico de Tavira, 2008, pág. 8 [cit. 2010-01-11]. Disponível em: <http://www.arkeotavira.com/Estudos/dialecto-algarvio-net.pdf>.102 Do árabe mudaǧǧan (“domesticado”)
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séculos, até desaparecer por completo.103 Além dos vestígios toponímicos, a herança
linguística do árabe na língua portuguesa é constituída por mais de 600 empréstimos de
origem árabe como açúcar, adufe, alfaiate, almofada, azulejo etc.104 Duas destas palavras
emprestadas, os termos algaravia e aravia (derivados do árabe al-‘arabīya, “língua
árabe”), testemunham bem o gradual desaparecimento da língua árabe, cuje nome se tornou
sinónimo de uma linguagem incompreensível ou difícil de entender.105
Como o último estado muçulmano na Península, emirato de Granada106, conseguiu
manter-se até os finais do século XIV, não surpreende que a língua árabe tenha sobrevivido
na Espanha por muito mais tempo do que em Portugal e que tenha desaparecido
definitivamente só no século XVII com a expulsão dos últimos muçulmanos
clandestinos.107
3.2.2. Dialecto andaluz
Assim como no caso do latim, onde coexistia a língua literária com a variante
coloquial, a qual com o passar dos séculos evoluiu numa língua independente, encontrava-
se também o árabe numa situação de diglossia, em que a língua literária coexistia com a
língua coloquial, situação característica para o mundo árabe até aos nossos dias.108 O
padrão desta língua oficial foi derivado dos dialectos conservadores e cofidicado pelos
gramáticos à base do Alcorão e a poesia árabe da época pré-islâmica nos primeiros séculos
do califado.109 Com a expansão do Islão espalhou-se o uso do árabe literário em todos os
países muçulmanos, uma vez que as orações, obrigatórias para todos os muçulmanos,
consistem na recitação dos versos do Alcorão e por isso devem ser efectuadas em árabe.110
103 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 375.104 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 27.105 Nimer, M.: Influências Orientais na Língua Portuguesa [online]. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005, pág.141 [cit.2011-01-06]. Disponível em:<http://books.google.cz/books?isbn=8531407079>.106 Reinado pela dinastia dos Nasridas desde 1238 até 1492.107 Zayed, A. S. M.: Datos dialectales andalusíes (gramaticales y léxicos) en algunos documentos tardíos granadinos y moriscos [online], pág. 47 [cit. 2010-12-14].108 Ibid. pág. 47.109 Versteegh, K.: The Development of Classical Arabic [online]. 1997, cap. 5.1 [cit. 2010-12-14]. Disponível em: <http://acc.teachmideast.org/texts.php?module_id=1&reading_id=17>.110 Haeri. N.: Introduction to Sacred Language Ordinary People [online]. 2003 [cit. 2010-12-14]. Disponível em: <http://acc.teachmideast.org/texts.php?module_id=1&reading_id=1020>.
24
A evolução do árabe coloquial e dos seus dialectos é o problema que mais ocupa os
linguístas que estudam a história da língua arábe e, portanto, têm sido propostas várias
hipóteses que o procuram explicar. Os linguístas alemães Wolfdietrich Fischer e Otto
Jastrow tentaram exprimir o consenso geral com as seguintes palavras:
“One will hardly go wrong if one imagines that the development of New [colloquial] Arabic was connected with dialect mixing in the camps of the conquerors, the influence of the languages and dialects of the conquered, and the formation of regional vernaculars. Later population displacements and constant leveling tendencies through cross-regional contacts between the cities, likewise tendencies toward peculiar developments among the most isolated rural populations, may have been equally important developmental factors.”111
Na época das conquistas muçulmanas os dialectos falados na Península Arábica,
dividos provavelmente no grupo ocidental e oriental112, expandiram para além das
fronteiras da Península, misturando-se e entrando em contacto com as línguas que existiam
nos países recém-dominados. Esta primeira onda migratória deu origem ao surgimento de
novos grupos dialectais, falados principalmente nas áreas urbanas. Mais tarde,
particularmente a partir do século XI, foram os países do Norte de África afectados pelo
influxo de nómadas árabes que se instalaram nas áreas rurais, o que criou nestas regiões a
distinção primária entre os dialectos urbanos e os dialectos rurais, trazidos pelos
nómadas.113
A dicotomia entre o árabe literário e o dialecto, regista-se também na Península
Ibérica, onde o uso do árabe literário alastrava até entre os moçárabes, causando o
abandono do latim como língua culta, o que ocasionalmente provocou lamentos por parte
dos oponentes deste processo.114 Os dialectos dos conquistadores sírios, iemenitas e
egípcios, trazidos na primeira metade do século VII, evoluíram por volta do século IX num
falar hispano-árabe de características próprias, conhecido como “árabe andaluz”115. Este
dialecto recebeu influência do romance nos seus aspectos gramaticais e no léxico116,
embora fosse aparentado estreitamente com os dialectos do noroeste da África, com que
formava o grupo dialectico ocidental.117 Apesar de não sabermos a extensão exacta da
111 Bishop. B.: A History of the Arabic Language [online]. 1998 [cit. 2010-12-14]. Disponível em: <http://linguistics.byu.edu/classes/ling450ch/reports/arabic.html>.112 Versteegh. K.: Dialects of Arabic [online]. 1997, cap. 1 [cit. 2010-12-14]. Disponível em: <http://acc.teachmideast.org/texts.php?module_id=1&reading_id=113&sequence=1>.113 Ibid., cap. 5.114 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 142.115 Do árabe al-Andalus (nome dado à Península Ibérica pelos Árabes).116Zayed, A. S. M.: Datos dialectales andalusíes (gramaticales y léxicos) en algunos documentos tardíos granadinos y moriscos [online], pág. 47. [cit. 2010-12-14].117 Versteegh. K.: Dialects of Arabic [online], cap. 5 [cit. 2010-12-14].
25
contribuição lexical românica no dialecto andaluz, as estimativas oscilam entre os 5 e 10 do
léxico total.118 Este facto resultou de um bilinguismo árabo-românico, existente nos
circuitos urbanos até os finais do século XI.119 Como exemplo deste fenómeno podem
servir os zéjeles120, escritos no dialecto andaluz pelo poeta cordovês Ibn Quzman121, que
contêm numerosas palavras moçárabes.122
A adopção do árabe pelas amplas camadas da população peninsular foi acompanhada
também pela sua diferenciação dialectal, atestada pelos autores árabes, acelerada pelo
contacto com os falares românicos e às variações entre os vários dialectos dos
conquistadores originais. Por exemplo no século XI o escritor cordovês Ibn Hazm123 notou
a marcada diferença entre a fala de Córdova e o dialecto que utilizavam os habitantes da
próxima região Fahas al-Ballut124 e as profundas alterações que sofriam palavras árabes na
boca do “vulgo” andaluz.125 Pelo contrário, no século XII ressaltou o geógrafo al-Idrisi126 a
eloquência dos habitantes da cidade de Silves e dos seus arredores, povoados pelos
Iemenitas e outros Árabes após a conquista, e a “pureza” notável do seu dialecto.127
Uma diferença importante entre os dialectos da África e o dialecto andaluz é que o
dialecto falado na Península não recebeu nenhuma influência dos falares das tribos árabes
chegadas à Africa a partir do século XI e no árabe andaluz nunca existiu, portanto, o
mesmo contraste entre os dialectos urbanos e os rurais, de origem nómada, que se regista
no noroeste da África.128
118 Segundo J. Mattoso rondavam as palavras com origem ou romancismos os 10 por cento do léxico do árabe andaluz (Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 375). Em contrapartida, um estudo recente, citado por I. Ferrando, comprova que a contribuição românica não terá ultrapassado 5 por cento do léxico total deste dialecto. (Ferrando, I.: El árabe andaluz y la clasificación de los dialectos neo-árabes: Parte I [online]. Revista Alif Nûn, nº 18, 2003, pág. 7 [cit. 2010-12-14]. Disponível em: <http://www.libreria-mundoarabe.com/Boletines/n%BA18%20Jul.03-PDF.pdf>.)119 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 375120 Composição estrófica da métrica árabe na Península Ibérica (do árabe zaǧal). 121 Muhammad ibn Abd al-Malik ibn Quzman (1078-1160).122 Capra, D.: Romancismos y oralidad en los zéjeles de Ibn Quzmān [online]. Artifara: Revista de lenguas y literaturas ibéricas y latino-americanas, nº 1, 2002 [cit. 2010-12-14]. Disponível em:<http://www.cisi.unito.it/artifara/rivista1/testi/zejeles.asp>.123 Abu Muhammad ‘Ali ibn Ahmad ibn Sa‘id Ibn Hazm (994-1064), literato, historiador, jurista e teólogo muçulmano.124 A kūra (distrito) de Firrīš e Faḥṣ al-Ballūṭ. Compreendía uma parte das actuais províncias espanholas de Córdova, Sevilha, Huelva, Ciudad Real e Badajoz. Vallvé, J.: La división territorial de la España musulmana, pág. 313.125 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 375.126Abu Abd Allah Muhammad al-Idrisi (1099-1164/65), célebre geógrafo árabe, nascido em Ceuta.Viajou pela Península Ibérica, Norte de África e Ásia Menor e acabou instalando-se na Sicília, onde escreveu a sua maior obra geográfica Nuzhat al-Mushtaq fi Ikhtiraq al-Afaq, a qual contém também um mapa do mundo, conhecido como Tabula Rogeriana.127 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 117.128 Ferrando. I.: El árabe andaluz y la clasificación de los dialectos neo-árabes: Parte II [online]. Revista Alif Nûn, nº 19, 2003, pág. 9 [cit. 2010-12-14]. Disponível em: <http://www.libreria-mundoarabe.com/Boletines/n%BA19%20Sep.03-PDF.pdf>.
26
4. DIVISÃO TERRITORIAL E O POVOAMENTO DO
PORTUGAL MUÇULMANO
Antes de proceder à examinação dos vestígios árabes na toponímia de Portugal, será
altamente útil pelo menos esboçar o contorno básico da divisão territorial do seu território
no período examinado e as características do povoamento que existiu nele, já que a
ocorrência e densidade de topónimos árabes em várias regiões do país têm uma relação
directa com as condições demográficas na época islâmica.
27
4.1. Divisão territorial
4.1.1. Divisão administrativa na época romana e visigótica
À sua chegada à Península Ibérica, encontraram os muçulmanos o reino dos
Visigodos dividido basicamente da mesma maneira como estava no tardio Império
Romano. Sob o governo dos Romanos, a Península foi gradualmente dividida129 em cinco
províncias: Baetica, Lusitania (Lusitânia), Gallaecia130, Tarraconensis e Carthaginensis.
No que toca a Portugal, o seu território pertenceu a duas destas províncias: a região a norte
do Douro fazia parte da Callaecia e o território a sul desta linha natural era incluído na
Lusitania, que se estendia também na actual Extremadura espanhola e no sul era separada
da Baetica aproximadamente pelo rio Guadiana (embora uma parte dos territórios da
margem esquerda pertencesse à Lusitania).131
As províncias constavam ainda de unidades menores, chamadas conventus iuridici,
dos quais a Lusitania englobava os conventus Pacensis (da sua cidade capital Pax132),
Scallabitanus (de Scallabis133) e Emeritensis (de Emerita134), pertencendo a parte portuguesa
da Callaecia ao conventus Bracarensis (de Bracara135). Em cada província existiam vários
núcleos urbanos, os municipia, as coloniae, as prefecturae e as civitates, sendo as últimas,
cujo nome prevaleceu sobre todas as outras como denominação geral, à medida que foram
desvanecendo as distinções entre estes tipos de povoações.136
O processo de divisão administrativa das províncias hispânicas parece ter-se
completado no fim do século I. Esta divisão conservou-se até a época visigoda na
organização eclesiástica, que se tinha sobreposto às antigas divisões territoriais romanas.137
Deste modo, as novas províncias eclesiásticas, estabelecidas no decorrer do século IV,
correspondiam às províncias romanas e as dioceses coincidiam em geral com municipia
romanos tardios, embora nem sempre.138
129 A última maior reorganização destas divisões administrativas na época romana foi efectuada pelo imperador Diocleciano entre 284 e 288.130 Em português também Galécia (daí os topónimos Galiza, Galícia).131 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 236.132 Beja.133 Santarém.134 Mérida.135 Braga.136 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 35.137 Vallvé, J.: La división territorial de la España musulmana, pág. 182.138 Ibid. 183.
28
Os Visigodos não alteraram significativamente este sistema, apesar de ser possível
observar nesta época certos fenómenos que se foram agravando pelo tempo,
particularmente a supressão paulatina da província e do conventus, em benefício da civitas
e do seu território circunvizinho, denominado como territorium, o que testemunha um
enfraquecimento da centralização geral e uma progressiva degradação do sistema
administrativo romano.139
4.1.2. Divisão administrativa na época islâmica
Embora os muçulmanos tenham trazido à Península Ibérica um sistema cultural,
social e religioso marcadamente diferente do que existia antes da sua chegada, também eles
respeitaram as unidades administrativas existentes. Ao constatarmos este facto, temos que
levar em conta que, como nota J. Mattoso:
“Antes dos tempos modernos (...) os limites regionais e territoriais aproveitavam sempre os acidentes ou as pequenas marcas naturais que pontuam as linhas de cumeada ou festos da serra, acatando invariavelmente os costumes antigos do local.”140
Por isso, na época islâmica nota-se a sobrevivência das centenárias divisões regionais,
anteriormente estabelecidas.
Para denominar a Península Ibérica, introduziram os Árabes o termo al-Andalus
(Andaluz), documentado pela primeira vez em 716 e de etimologia incerta, ora interpretado
como uma forma da palavra Vandalicia (não-documentada), ora como proveniente do
grego Atlantis (Atlântida).141 A parte ocidental do Andaluz era conhecida como Ġarb al-
Andalus (“o ocidente do Andaluz”) ou simplesmente al-Ġarb (“o Ocidente”), e as suas
fronteiras correspondiam, grosso modo, às da antiga Lusitânia, com a excepção da instável
região entre o Mondego e o Douro.142
Do ponto de vista administrativo, o território do Ġarb al-Andalus, era dividido em
várias kuwar (singular kūra), distritos que coincidiam com os antigos conventus e as
dioceses religiosas. No ocidente da Península sabemos da existência das seguintes kuwar: a
139 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 36.140 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 367.141 Ibid., pág. 363142 Ibid., pág. 368.
29
kūra de Ossónoba (Faro), cuja sede foi posteriormente transferida para Silves, a kūra de
Beja, Évora, Lisboa, Santarém, Mérida e, possivelmente, as kuwar de Coimbra e Egitania
(Idanha-a-Velha). Dentro de cada kūra existiam unidades menores, as mudun (singular
madīna143), que correspondiam, em princípio, às civitates romanas e dispunham de
jurisdição sobre o território que os cingia, com as quran (singular qarya) e os casais, que
eram núcleos de povoamento rural, e finalmente os ḥusun (singular ḥisn144), fortificações
dotadas de administração própria, que incluíam um pequeno território com diversas
quran.145 As necessidades militares levaram à criação de vastas marcas com poderes civis e
militares unificados, englobando várias kuwar na proximidade da fronteira com o território
cristão. No território de Portugal é atestada a existência da marca designada como al-Tagr
al-Adna, ou seja, “a marca inferior”, com sede em Mérida ou Badajoz, agregando as kuwar
a norte de Beja.146
Estas divisões administrativas, resultado de um longo processo de colonização e
repartição das terras por várias ondas de invasores, não deixaram de ter importância nem
no período da Reconquista, quando foram esboçadas as fronteiras entre os reinos cristãos,
vigentes, com alguns ajustamentos, até hoje. Como acrescenta o professor A.H. de Oliveira
Marques:
“Assim quando a “Reconquista começou e a ordem cristã foi gradualmente submergindo todo o ocidente da Península Ibérica, nada de essencial foi mudado nas fronteiras e nas tradições administrativas que, em alguns casos, tinham quase um milénio de existência. Não admira que um tal quadro permanecesse sempre no espírito de reis, senhores, bispos e comunidades, nos seus esforços para organizar, governar ou simplesmente explorar.”147
Deste modo, podemos interpretar algumas campanhas portuguesas contra os
muçulmanos no Ocidente como fruto de um plano para recuperar o antigo território da
província eclesiástica da Lusitânia, englobado nas kuwar e taifas do al-Ġarb muçulmano.148
4.2. Povoamento
143 Em árabe „cidades“.144 Em árabe „forte”.145 Conde, M.S.A.: Ocupação humana e polarização de um espaço rural do Garb-al-Andalus : o Médio Tejo à luz da toponímia arábica [online]. 1997 [cit.2010-12-18]. 146 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 38.147 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 41.148 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 368.
30
Embora possa a intensa arabização e (em menor grau) islamização do Ocidente
durante o período do domínio muçulmano possa dar a impressão de que a conquista
muçulmana foi acompanhada por um influxo maciço de imigrantes árabes que absorveram
o restante da população indígena, uma examinação mais detalhada comprova, pelo
contrário, uma relativa estabilidade demográfica desde a época pré-romana, facto
compreensível, uma vez que as correntes migrátorias faziam-se sentir particularmente nas
zonas de mais intensa urbanização.149
Dito isto, não deveríamos esquecer o facto de que eram justamente as zonas urbanas
que tinham a maior densidade populacional a sul do Tejo. Nesta região, mais intensamente
afectada pela presença dos muçulmanos, os principais núcleos de povoamento eram
Lisboa, Santarém, Sintra, Almada, Alcácer do Sal, Elvas, Évora, Juromenha, Moura, Beja,
Serpa, Mértola, Silves, Loulé, Santa Maria de Faro, Tavira e Cacela.150 Entre os territórios
no vale do Tejo e o Algarve, áreas bem cultivadas, estendiam-se vastas áreas quase
despovoadas do Alentejo e do Ribatejo, alternadas pelas áreas de maior densidade
populacional ao longo do Guadiana e na Península de Setúbal.151
É difícil fazer uma estimativa sobre o número exacto dos habitantes do Ocidente. No
entanto, é possível admitir que fosse entre 300 e 500 mil de pessoas, dos quais mais de
metade terá vivido em cidades ou na sua dependência directa.152 Quanto ao número dos
habitantes das cidades ocidentais, deduz-se que a população de Lisboa não terá
ultrapassado 5 mil de pessoas, mesmo assim superando as demais comunidades urbanas no
Ocidente. 153
Fora das cidades e dos seus arredores, centros do comércio, artesanato e da
agricultura intensiva, estendiam-se grandes territórios interurbanos, onde se conservavam
pequenos grupos agro-pastoris de velho assentamento histórico.154
149 Ibid., pág. 370.150 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 116.151 Ibid., 117.152 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 373.153 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 116.154 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 374.
31
5. VESTÍGIOS TOPONÍMICOS DA PRESENÇA
MUÇULMANA
Após a terminação da Reconquista portuguesa no século XIII, começou o processo do
repovoamento das terras recém-conquistadas. Os colonos, vindos do Norte, traziam
consigo não apenas a religião, a cultura e o sistema feudal, mas também a sua língua, um
idioma românico que tinha evoluído a partir do latim vulgar, falado nos territórios da antiga
Gallaecia. Esta língua, conhecida mais comumente como português arcaico ou galego-
português155 gradualmente suplantou ambos idiomas antes utilizados no extremo ocidente
da Península, o árabe, dominante nas áreas urbanas, e o moçárabe, a continuição natural do
latim falado na Lusitânia. Este processo não significou, porém, uma liquidação dos
vestígios linguísticos da presença árabe, já que no território do antigo al-Ġarb permaneceu
por algum tempo uma grande comunidade de muçulmanos e moçárabes que naturalmente
interagiram com os novos povoadores.156
Já mencionámos o grande número de empréstimos árabes que sobrevivem na língua
portuguesa e que, segundo algumas estimativas, formariam em torno de 25 por cento do
155 Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 73.156 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 456.
32
vocabulário da língua portuguesa antes da sua relatinização durante o período da
Renascença.157 No entanto, a vitalidade desta contribuição lexical na língua contemporânea
é muito variável, pois muitos vocábulos de origem árabe já se tornaram obsoletos (por
exemplo acedrenchado, aljuba, alpergata etc.158). Portanto, é a contribuição toponímica do
árabe, que podemos considerar como muito mais duradoura e não-limitada pelas mudanças
na realidade social ou cultural.
A história da investigação sistemática da toponímia árabe em Portugal remonta aos
finais do século XVIII, quando foi publicada a primeira obra dedicada a esta matéria foi o
livro Vestigios da lingoa arabica em Portugal, escrito por João de Souza159 e publicado
novamente em 1830.160 Deixa, contudo, muito a desejar, particularmente na área da
etimologia. Outro maior trabalho dedicado aos nomes árabes, Toponímia árabe de
Portugal, foi publicado só no ano 1902 na Revue Hispanique pelo professor David de Melo
Lopes,161 o primeiro autor que estudou a toponímia árabe peninsular em bases
rigorosamente científicas.162 Este e alguns outros estudos deste autor sobre a toponímia
árabe e moçárabe foram em 1968 organizados por José Pedro Machado163 numa colectânea,
sob o título Nomes árabes de terras portuguesas. Esta publicação, que inclui algumas obras
de importância primordial para o estudo da toponímia árabe em Portugal, serviu também
como fonte primária deste trabalho. Das demais publicações que serviram de base para o
nosso trabalho, cabe mencionar o texto Arabismos na toponímia lisboeta164 de José Pedro
Machado.
5.1. Classificação etimológica dos topónimos árabes
Um facto que infelizmente dificulta a reconstrução dos topónimos árabes na sua
forma original é a escassez de fontes árabes para o território do Ocidente, à diferença das
157 Houaiss, A.: As Projeções da Língua Árabe na Língua Portuguesa [online]. 1986 [cit.2010-12-18]. Disponível em: <http://www.hottopos.com/collat7/houaiss.htm>.158 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 27.159 João de Souza (1730/35-1812), frade e célebre arabista.160 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas. Lisboa: Sociedade de Lingua Portuguesa e Círculo David Lopes, 1968, pág. 19.161 David de Melo Lopes (1867-1942), professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e especialista de língua e literatura árabe.162 Piel, J. M.: Aspectos da Toponímia Pré-árabe ao Sul do Tejo. Boletim de Cultura da Câmara Municipal de Évora, nº 59, 1976, pág. 44.163 José Pedro Machado (1914-2005), arabista e historiador da língua portuguesa. 164 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta. Lisboa: Sociedade da Língua Portuguesa, 1992.
33
regiões centrais da Península. Como menciona o professor Melo Lopes: “Evidentemente
nunca poderemos haver (sic) tantos textos árabes quantos seriam precisos para estabelecer
as origens da nossa toponímia”.165
Entre os textos árabes relativos à geografia do Portugal muçulmano, os da maior
importância são sobretudo as obras de al-Idrisi, Ibn Ghalib166, al-Himyari167 e al-Razi.168
Dos demais autores merecem aqui registo dois autores do século XIII, Yaqut al-Hamawi e
Ibn Sa’id al-Maghribi, cujos relatos sobre o ocidente peninsular foram só recentemente
traduzidos em integridade para o português.169
A escassez de textos árabes que possam ajudar na interpretação etimológica dos
topónimos é ainda mais evidente no caso de localidades rurais e, por consequência, de
menor importância histórica, o que confirmam com as seguintes palavras os autores de um
estudo recente, no contexto da toponíma algarvia:
“A atestação destes topónimos em fontes islâmicas ou portuguesas medievais é rara. Não são, na sua maior parte, lugares com estatuto político-administrativo ou relevância geográfica que justifiquem a sua menção documental. Trata-se de topónimos viários, relativos à denominação dos caminhos, ou de topónimos de vizinhança, isto é, de lugares indicadores de percurso cuja designação, dispondo-se da chave interpretativa, revela a respectiva função: defensiva, religiosa, de aguada, aprovisionamento ou apoio ao viajante e assentamento rural.”170
Dado que as fontes históricas não constituem um recurso suficiente para podermos
estabelecer as etimologias de muitos topónimos e que a sua forma árabe pode estar opaca
também por causa da evolução fonética posterior, torna-se indispensável o conhecimento
dos factores extra-linguísticos que motivaram as criações toponímicas, sobretudo das
características físicas do território e das suas formas de ocupação.171
165 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 22.166 Muhammad bin Ayyub al-Gharnati ibn Ghalib (o século XII), geógrafo e historiador granadino. Escreveu o livro Farhat al-anfus fi ta’rikh al-andalus, preservado em fragmentos.167 Muhammad ibn Abd al-Mun’im al-Himyari (o século XV), natural de Ceuta, jurista e o autor da obra Kitab al-Rawd al-Mi’tar fi Khabar al-Aqtar, onde reuniu relatos diversos de conteúdo geográfico e histórico, referentes à África do Norte e à Península Ibérica.168 Abu Bakr Ahmad ibn Muhammad al-Razi (888-955), historiador muçulmano, nascido em Córdova. Compôs a obra Akhbar Muluk al-Andalus. Atribuía-se-lhe tradicionalmente a autoria do texto conhecido como Crónica do Mouro Rasis, traduzido para o português nos séculos XIII-XIV, mas trata-se de uma compilação do século XII. 169 Rei, A.: O Gharb al-Andalus em dois geógrafos árabes do século VII/XIII: Yâqût al-Hamâwî e Ibn Sa'îd al-Maghribî [online]. Revista Medievalista, nº 1, 2005, pág. 2 [cit. 2011-01-06]. Disponível em:<http://www.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA1/PDF/GHARB%20AL%20ANDALUS%20pdf.pdf>.170 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online]. São Brás de Alportel: Câmara Municipal, 2007, pág. 44 [cit. 2011-01-10]. Disponível em:<http://www.arkeotavira.com/Estudos/texto-ibn-ammar-finalR.pdf>.171 Ibid., pág. 45.
34
No âmbito do nosso trabalho, procurámos concentrar-nos, em benefício da brevidade,
apenas nos topónimos de etimologia clara (por exemplo: Almançor, Almedina, Alverca,
Fátima) ou generalizadamente aceite (por exemplo: Algueirão, Arrifana, Azoia, Marvão),
excluindo aqueles cuja origem permanece sujeita a conjecturas.
Para classificar os nomes locais de origem árabe do ponto de vista etimológico,
podemos adoptar o método do Prof. Melo Lopes, que estabelece entre eles três classes
gerais172:
1) Os nomes comuns, tornados nomes próprios de povoações.
2) Os nomes de pessoas, convertidos em nomes geográficos.
3) Os nomes geográficos de localidades de países islâmicos, transplantados para
o território de Portugal.
A estas categorias ainda acrescentaremos a quarta, que inclui os topónimos que não
têm etimologia árabe, mas aludem à presença histórica dos muçulmanos numa dada
localidade.
5.1.1. Nomes comuns
Os topónimos formados a partir de nomes comuns são incontestavelmente a categoria
mais numerosa na toponímia árabe de Portugal. Podem resultar sobretudo das condições do
terreno, flora, da presença de templos, pontes e outros tipos de estructuras, unidades
administrativas etc.
Os topónimos que pertencem a esta categoria subdividimos, segundo a sua
etimologia, nas seguintes subcategorias básicas173:
1) Condições do terreno e formações naturais
Alcárcova (“fosso, vala”), Alcúdia (“colina, cabeço, montículo”), Alferrarede (“cascatas”), Alfurja (“buraco, fenda”), Algar (“cova, gruta”), Algés (“gesso”), Aljezur (“ilhas, penínsulas"), Almargem (“pastagem, prado”), Almegue (“vau de um rio”), Almeida (“planura, outeiro”), Almeijoafas (“côncava”), Alqueidão (“tufo calcário”), Arraçário (“cabeça, elevação de terreno entre dois vales”),
172 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 27-28.173 A lista completa dos topónimos recolhidos está incluída no apêndice.
35
Arrife (“parte da terra que está à beira da água, onde existem verdura, água e cultura, flanco da montanha”), Loulé174 (“a alta, a altura”), Xarca (“fenda, terreno despenhado e apertado”)
2) Cursos de água e sítios de aguada Albufeira (“lago”), Algodor (“ribeiros, riachos”), Algudi (“ribeiro, riacho ou lago de águas estagnadas”), Alverca (“lagoa”), Assacaias (“regueiro”), Odesseixe (do étimo wād, „rio“)
3) Fauna Alcolena (“coelhos”), Zêzere (“cigarra”)
4) Flora Adiça (“espécie de junco”), Alcamim (“hortaliça”), Alcolura (“esgalho de cacho”), Alecrim, Alfarrobeira, Alfeizirão (“cana, canavial”), Almaraz (“parreira”), Almeirão (“planta, espécie de chicória”), Árgea (“cedral”), Arroz (“arroz”), Assumar (“junco, junqueira”), Azeitão (“azeitona, olival”), Arrifana (“murta”), Azambuja (“oliveira brava”), Laranjeira, Queluz (“vale da amendoeira”)
5) Estructuras humanas Açouge (“mercado”), Açude (“barreira, tudo o que forma obstáculo entre duas coisas”), Alcaçarias (“bazar, casa grande rodeada de pórticos”), Alcácer (“castelo, casa que atinge grande altura“), Alcáçova (“citadela”), Alcainça (“igreja”), Alcântara (“ponte, parte elevada de um edifício”), Alcalá (“castelo”), Alcoentre (“ponte pequena”), Alfama (“termas, fonte de água quente”), Alfândega (“estalagem, hospedaria”), Alfofa (“porta do postigo”), Almada (“mina, mineral”), Almagede (“mesquita“), Almancil (“estalagem”), Almares (“ancoradouros”), Almazém (“lugar onde se conservam, depositam objectos”), Almixaris (“secadouro”), Almocavar (“cemitério”), Almodôvar (“edifício ou casa redonda”), Almuinha (“casal, herdade”), Alvalade (“estrada, caminho empedrado”), Alvor (“poço”), Alvorge (“pequeno forte, torre”), Arrábida (“convento fortificado”), Arracefe (“calçada, caminho pavimentado”), Asno (“castelo”), Atafona (“moinho”), Atalaia (“sentinela, vigia”), Azinhaga (“rua estreita”), Azoia (“ermida”), Borratém (“poço da figueira”), Chafariz (“cisterna, bebedouro”), Couço (“arco”), Cuba (“pequena torre, cúpula”), Safas (“valado, sebe”)
174 Alguns autores propõem para este nome uma etimologia românica do latim vulgar Olia (“oliveira”). Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 56 [cit. 2011-01-12].
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6) Povoações Alcaria (“aldeia, povoado rural de tipo disperso”), Aldeia (“propriedade fundiária, povoação rústica”), Almedina (“cidade, zona nuclear de aglomerado habitacional”), Almofala (“arraial, aldeia”), Arrabalde (“subúrbios”)
7) Nomes de profissões Adelas (“corrector, leiloeiro”), Alcaide (“conductor”), Alfafar (“oleiro”), Alfaiates, Alferes (“cavaleiro”), Algibebes (“vendedor de aljubas”), Almotacé (“funcionário encarregado da inspecção dos pesos, preços e medidas”), Almoxarife (“inspector, supervisor”), Alvaiázere (“falcoeiro”), Arrais (“patrão de barco”), Azemel (“almocreve”)
8) Objectos do cotidiano Açucenas (nome de unidade de sūsān - lírio), Alcochete (“forno”), Alfinete (“instrumentos para furar, palitos”), Azenha (“roda de irrigação”), Fangas (“medida de cereais, carvão e sal”), Nora , Xadrez
8) Nomes metafóricos Alpeidão (“as brancas”, nome de um escolho), Lafões (“dois irmãos”, nome de dois castelos fronteiros)
8) Nomes que apontam a localização geográfica
Albarrã (“de fora, exterior, camponês”, nome de uma torre), Algarve (“Ocidente”), Almogreve (“Ocidente”)
A análise desta seleçcão de nomes testemunha claramente a significativa contribuição
dos Árabes ao desenvolvimento urbano e económico durante a sua presença na Península,
agudamente contrastante com a decadência geral na época precedente.175 À diferença dos
Visigodos, que não tinham como um povo pastoril as experiências necessárias para manter
a produção agricultural e a ordem administrativa ao nível que tinham alcançado no período
romano, os Árabes reconstruíram as decaídas cidades (Almedina), cercadas de novos
subúrbios (Arrabalde). No centro das cidade edificaram fortalezas (Alcáçova), onde residia
o governador militar (Alcaide), e que serviam como lugar central da defesa do aglomerado
urbano.176 Para as cidades muçulmanas era típica a posição central da mesquita (Almagede)
e do mercado (Açouge). Além da considerável beneficiação arquitectónica (Alcaçarias,
Alfama, Almodôvar, Arracefe, Azinhaga, Cuba), a época islâmica é um tempo em que
175 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 133.176 Matos, J.L.de.: Lisboa Islâmica [online]. Lisboa: Instituto Camőes, 1999, pág. 7 [cit. 2010-12-20]. Disponível em: <http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/doc_download/119-lisboa-islamica-.html>.
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floresceram intensamente os artesanatos, por exemplo a olaria (Alfafar) ou a alfaiataria
(Alfaiates), assim como o comércio e a administração (Algibebes, Almazém, Almotacé,
Almoxarife, Arrais, Fangas).177
Apesar do peso demográfico da população urbana no ocidente do Andaluz, a vida
económica baseava-se sobretudo na agricultura.178 Para melhorar as tecnicas agrícolas
introduziram os muçulmanos novos engenhos relevantes (Nora, Zenha) e introduziram ou
espalharam o uso de diversas plantas (Alcamim, Alfarrobeira, Alfeizirão, Arroz, Azeitão,
Laranjeira). Como bem nota M.S.A. Conde: “A toponímia arábica sub-regional espraia-se
pela terminologia relativa à paisagem, ao povoamento e às actividades económicas,
primárias e secundárias.”179
Da seguinte maneira relata o Prof. Oliveira Marques o aspecto da paisagem rural no
Portugal muçulmano:
“Todo o país estava coberto de olivais, frequentes vezes à mistura com o trigo. O actual Algarve era então já um dos grandes produtores de figo e amêndoas, objecto de largas exportações. Em redor de cada cidade pomares, acompanhados de fertéis e verdes hortas alimentavam a população local, permitindo algumas exportações também.”180
A paisagem ainda completavam outros resultados da actividade humana como pontes
(Alcântara, Alcoentre), caminhos empedrados (Alvalade181), conventos e ermidas
(Arrábida, Azoia182), estalagens (Almancil) ou minas (Almada) e canteiras donde se extraía
o gesso (Algés), tufo calcário (Alqueidão) e outros minerais.183
177 Kaufmann, H.: Maurové a Evropa: Cesty arabské vědy a kultury, pág. 154.178 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 117.179 Conde, Manuel Sílvio Alves.: Ocupação humana e polarização de um espaço rural do Garb-al-Andalus: o Médio Tejo à luz da toponímia arábica [online]. Revista Arquipélago - História, 2ª série, vol. 2, 1997, pág. 356 [cit. 2010-12-20]. Disponível em:<http://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/474/1/ManuelSConde_p353-385.pdf>.180 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 154.181 A mesma etimologia têm, provavelmente, os topónimos Vale de Beja, Vale de Bordeira, Vale de Mértola, Vale de Silves, Vale de Sines e Vale da Serra, em que o nome comum valede terá sido segmentado em vale de, numa reinterpretação motivada pela existência dessas palavras no léxico português e pelo timbre semi-fechado da vogal final. Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 62 [cit. 2011-01-11].182 Desconheçemos a razão que levou J. Mattoso a incluir nos seus dados cartográficos algumas localidades que levam estes nomes, de etimologia puramente árabe, na área da toponímia moçárabe (Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 457), já que os vocábulos rābiṭa e zāwiya se referem, segundo as nossas informações, exclusivamente às ermidas e conventos religiosos do Islão (“Zawiyah” in Britannica Online Encyclopedia [online]. 2011 [cit.2011-01-08]. Disponível em: <http://www.britannica.com/EBchecked/topic/656054/zawiyah>. ).183 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 390.
38
Os dispersos povoamentos rurais (Alcaria, Aldeia, Almofala), pegados às terras de
cultivo, eram administrados pelos alcaides, representantes do poder central que residiam
nas fortificações mais importantes (Alcácer, Alcalá, Alvorge, Asno).184
Além dos nomes de objectos e instituções, em muitos casos desconhecidos ou pouco
habituais até a chegada dos muçulmanos, os Árabes também deixaram vários vestígios
toponímicos relativos a objectos da natureza e detalhes topográficos (Alcúdia, Alfurja,
Algueirão etc.). Interessantes são particularmente os nomes que se iniciam com o prefixo
Ode- ou Odi-, formados a partir da palavra wād, que designava rio ou vale e que podia
indicar a sua navegabilidade. O étimo wād era anteposto ao nome de um pequeno porto em
que a navegabilidade acabava e que se aplicava também ao rio. Após o período islâmico
este étimo chegou a fazer parte dos nomes das localidades.185 Alguns nomes deste tipo,
comum particularmente no Algarve, são Odeáxere, Odeleite, Odelouca, Odesseixe,
Odivelas etc.
Ao examinarmos os topónimos de etimologia árabe, deveríamos tomar uma atitude
cautelosa no que toca à sua datação histórica, porque nem todos estes nomes remontam ao
período islâmico. É sobretudo o caso dos vocábulos que permanecem no português
corrente186. Um bom exemplo é a palavra „aldeia“, de difusão amplíssima no território do
país187. Outros topónimos baseados em nomes comuns que entraram no léxico português
são, por exemplo, Açude, Almoxarife, Alverca, Arrabalde, Atalaia, Azambuja ou Xadrez.
Tratando-se provavelmente em muitos casos de criações toponímicas posteriores ao
período islâmico, testemunham estes nomes a prolongada contribuição da língua árabe na
formação da toponímia de Portugal, embora já por intermédio da língua portuguesa. Os
nomes gerais que permanecem na língua portuguesa, tendo sido frequentemente tornados
topónimos, atestam a profunda penetração do árabe dialectal nas várias camadas da
sociedade andaluz, inclusive no ambiente rural, em que competiu nos últimos séculos do
período islâmico com a língua moçárabe, totalmente ou quase extinta no meio urbano.188
184 Conde, Manuel Sílvio Alves.: Ocupação humana e polarização de um espaço rural do Garb-al-Andalus: o Médio Tejo à luz da toponímia arábica [online], pág. 185 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 69-70 [cit. 2010-12-20]. 186 Conde, M.S.A.: Ocupação humana e polarização de um espaço rural do Garb-al-Andalus: o Médio Tejo à luz da toponímia arábica [online]. [cit. 2010-12-20]. 187 No território de Portugal registam-se 28 freguesias com este nome ou com as suas variantes. Lista das freguesias [online]. 2005 [cit. 2010-01-05]. Disponível em:<http://www.autarnet.com/pdf/STAPE-LISTA_DAS_FREGUESIAS.pdf>.188 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 375.
39
Um caso interessante é o nome Alcaria, proveniente do árabe al-qarya, que era um
povoado rural de tipo disperso. Durante a transição para o português, este vocábulo mudou
de significado, passando a denominar um habitat rural isolado189, o que explica a existência
de povoações que levam o nome Alcarias, com o sufixo plural românico.190 Embora de uso
muito reduzido no português contemporâneo, encontra-se o nome Alcaria e as suas
derivações (Alcarial, Alcarias, Alcariota) com muitíssima frequência na toponímia.191
Por fim, como um dos melhor conhecidos topónimos árabes em Portugal é preciso
mencionar o nome da província mais meridional do país. O topónimo Algarve provém da
palavra al-ġarb, que significa “o Ocidente”. Como vimos atrás192, este termo geográfico
incluía originalmente o inteiro Ġarb al-Andalus, ou seja, o Ocidente da Península Ibérica,
que compreendía na concepção dos Árabes a maior parte da antiga Lusitânia. Com o
avanço da Reconquista, o território do al-Ġarb foi diminuindo até se tornar reduzido à
actual região do Algarve, o último reduto dos muçulmanos no Ocidente.193 É interessante
que com este topónimo passou à língua portuguesa também o adjectivo algarvio,
proveniente do árabe al-ġarbī (“ocidental, relativo ao ocidente”), um dos raros adjectivos
árabes existentes nesta língua românica.194
5.1.2. Nomes antroponímicos
Como exemplos desta categoria de topónimos árabes traz o professor Melo Lopes os
nomes195:
189 Assim em: Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 62 [cit.2011-01-11]. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define o vocábulo alcaria como “casa campestre para guardar instrumentos de lavoura” (“Alcaria”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [online]. 2011 [cit.2011-01-11].).190 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 62 [cit. 2011-01-12].191 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 123.192 Veja o capítulo 4.1.2.193 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 63. Ao que parece, J. Vallvé supõe o uso do termo al-Ġarb como denominação do Algarve, então compreendido pela kūra de Ossónoba, já na época anterior à Reconquista. No entanto, não apresenta nenhumas informações adicionais que possam corroborar esta suposição. Vallvé, J.: La división territorial de la España musulmana, pág. 182.194 Ribeiro, O.: A formação de Portugal [online]. Lisboa: Ministério da Educação-Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1987, pág. 103 [cit. 2011-01-10]. Disponível em:<http://cvc.instituto-camoes.pt/component/docman/doc_download/112-a-formacao-de-portugal.html>.195 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 28.
40
Faro de Hārūn
Fátima de Fāṭima
Mafamudes de Maḥmūd
Mamede de Muḥammad
Marvão de Marwān
Murça de Mūsā
Soeima de Sulaymān
A esta sequência podemos ainda acrescentar como exemplos os seguintes topónimos
das regiões setentrionais do país196:
Aboadela de Abū ‘Abdallāh
Almançor, Mansores de al-Manṣūr
Almodafa de al-Muẓaffar
Beiúves de Ibn Ayyūb
Maçode de Mas‘ūd
Marame de Maryam
Marou de ‘Umar
Meimão de Maymūn
Moção de Mūsā
Nazes de Nāṣir
Saímes de Sālim
Identificar os muçulmanos cujo nome permaneceu na toponímia portuguesa, pode ser
uma tarefa difícil por causa da já mencionada escassez de textos árabes relativos ao
território do ocidente da Península Ibérica. Não obstante, duas excepções importantes são
os nomes das cidades de Faro e de Marvão. No caso de Faro, julga-se que este topónimo
provenha do nome de ibn Harun197, o primeiro governador da taifa de Santa Maria no
século XI, membro da família Banu Harun198. Quanto ao segundo topónimo, relaciona-se
196 Ferreira, M.S.C.: O Douro no Garb Al-Ândalus: a Região de Lamego durante a presença árabe [online]. Dissertação de mestrado. Universidade do Minho, 2004, pág. 87-104 [cit. 2010-12-20]. Disponível em: <http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/3001>.197 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 58.198 Sa'id ibn Harun (1016-1042).
41
com a figura de Abd ar-Rahman ibn Marwan al-Jilliqi199, governador do al-Ġarb autónomo
no século IX. Além destes dois exemplos, parece razoável estabelecer também uma relação
entre os topónimos Almançor e Mansores e al-Mansur ibn Abi Amir200, célebre político na
época do califado omíada no século X.
Alguns nomes antroponímicos têm origem no patronímico árabe, formado a partir da
palavra ibn ou bin („filho“), acrescentada ao nome do pai. Esta categoria representam, por
exemplo, os topónimos Bencatel e Bensafrim. Da mesma forma são formados vários nomes
tribais, compostos da palavra benī ou banū (“filhos”), e do progenitor da tribo ao que está
acrescentada.201 Como exemplo deste tipo de nomes, abundantes na geografia portuguesa,
podemos citar os seguintes nomes: Bem Amor, Benafim, Benagaia, Benagil, Benalfange,
Benfarras, Bengado.
À categoria dos nomes tribais pertencem também alguns topónimos que não são
formados a partir do patronímico. São, por exemplo, estes do vale do Tejo202:
Alcanena de al-Kināna (tribo de Árabes do norte)
Cains de Qayn (tribo de Árabes iemenitas)
Lobata de Luwāta (tribo de Berberes)
Mistasa de Misṭāsa (tribo de Berberes)
Zorro de Zuhra (tribo de Árabes do norte).
O estudo destes vestígios da presença de grupos tribais é particularmente importante
para o conhecimento da composição étnica do Portugal muçulmano, já que nos podem
servir como indicador da intensidade do povoamento árabe e berbere em várias regiões do
país e complementar assim os relatos de historiadores muçulmanos. O professor Oliveira
Marques oferece as seguintes informações sobre a sua difusão no território de Portugal:
“Tribos berberes e árabes difundiram-se um pouco por toda a parte. A análise dos topónimos começados por Ben- ou Bem- (muitos deles posteriormente latinizados e aportuguesados) revela a abundância desses grupos etno-sociais. Examinando 75 dos mais evidentes, verifica-se que quase uma terça parte se localiza no Algarve, seguido pelos distritos de Beja (15%), Setúbal (12%) e
199 Ferreira, M.S.C.: O Douro no Garb Al-Ândalus: a Região de Lamego durante a presença árabe [online], pág. 88-89 [cit. 2010-01-05].200 Ibid., pág. 88.201 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 170.-171.202 Conde, M. S. A.: Ocupação humana e polarização de um espaço rural do Garb-al-Andalus: o Médio Tejo à luz da toponímia arábica [online], pág. 377-385 [cit. 2010-12-20].
42
Évora (9,5%). Só menos de 10% se situa a norte dos distritos de Lisboa-Santarém-Castelo Branco.”203
Desta maneira, a evidência toponímica testemunha o historicamente atestado
povoamento árabe, concentrado sobretudo no Algarve e no Alentejo.204
No contexto português é notável o topónimo Algoz (do árabe “al-Ġuz”), no concelho
de Silves (distrito de Faro), derivado do nome da confederação tribal turca Oghuz.205 No
território de Portugal é atestada a presença de membros desta etnia em 1191, quando um
grupo participou na reconquista de Silves aos cristãos e possivelmente tenha-se
estabelecido como milícia defensiva nos arredores desta cidade algarvia, ocupando o
espaço que, eventualmente, ficaria com o seu nome sob a forma Algoz.206
5.1.3. Nomes de localidades islâmicas
É a categoria mais rara entre os topónimos recolhidos. O professor Melo Lopes
explica a sua origem como resultado provável da presença de indivíduos provenientes dos
países islâmicos, trazendo os seguintes exemplos207:
Alquerubim de al-Qayruwān (Cairuão, cidade na Tunísia)
Marrocos de Marrākuš (Marrocos ou a cidade de Marraquexe)
Meca de Makka (Meca, cidade na Arábia Saudita)
Ourém de Wahrān (Oran, cidade na Argélia)
Tunes de Tūnis (Tunes, cidade na Tunísia)
Um caso interessante é o nome Almograve, pertencente a uma localidade no distrito
de Beja. Em árabe o termo al-maġrib significa “o Ocidente” e na sua aplicação particular
denomina habitualmente Marrocos, no entanto, no caso do topónimo português conserva
203 Oliveira Marques, A.H. de.: História de Portugal: Volume I, pág. 21.204 Veja o capítulo 2.1.205 Também Oguz (do turco Oğuz). 206 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 16 e 65 [cit. 2011-01-09].207 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 28.
43
ainda o seu sentido genêrico.208 É questionável se o topónimo Marrocos se refira ao país
homónimo ou à cidade de Marraquexe, que lhe deu nome.209
O nome Ceitil, encontrado na toponímia de Lisboa, provém do adjectivo árabe sebtī,
nome relativo do topónimo Sebta (Ceuta, cidade na África do Norte). Era, inicialmente,
nome comum, designativo da moeda cunhada em memória da conquista de Ceuta pelos
Portugueses, em 1415. O topónimo refere-se, talvez, a algum morador ou proprietário
desse lugar, conhecido por este nome.210
5.1.4. Nomes não-árabes que testemunham a presença histórica de
muçulmanos
Além dos topónimos derivados da língua árabe, deixaram os muçulmanos também
um outro tipo de vestígios toponímicos que aludem à sua presença no território de Portugal.
Nos séculos que se seguiram após a terminação da Reconquista, os muçulmanos foram
reduzindo-se a um grupo pequeno, devido à emigração e à absorção na comunidade
cristã.211 A lembrança da sua presença permaneceu, contudo, na memória da população, o
que reflectem vários topónimos derivados da palavra Mouro, designação de muçulmanos
nos idiomas românicos peninsulares.212 No meio urbano pertencem a este grupo
particularmente as assim chamadas mourarias, ou seja, bairros destinados à moradia de
muçulmanos após a tomada das cidades do al-Ġarb pelos cristãos213, sendo o representante
mais conhecido a Mouraria de Lisboa. Outras localidades com este nome registámos
também nos concelhos de Albufeira, Beja, Caldas da Rainha, Évora, Moura e Tavira. A sua
distribuição geográfica coincide plenamente com a historicamente atestada presença de
208 Ribeiro, O.: A formação de Portugal [online], pág. 125 [cit. 2010-12-20]. O. Ribeiro regista este topónimo como “Almagrave”, afirmando que se encontra no concelho de Aljezur (distrito de Faro). Corrigimos as suas informações, ignorando se se trata de um erro ou de uma simples mudança administrativa e ortográfica.209 Segundo Melo Lopes, deve-se este topónimo ao nome da “Cidade de Marrocos” (Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 28.). J.P.Machado relaciona-o com a possível “presença no local de alguém que tivesse andado por aquela região norte-africana”. Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta. pág. 36.210 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 30.211 Oliveira Marques, A.H. de. História de Portugal: Volume I, pág. 290.212 Veja o capítulo 2.2.213 “Mouraria”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [online]. 2011 [cit.2011-01-11].
44
numerosas comunidades de muçulmanos sob o domínio cristão nos arredores de Lisboa, no
Alentejo e especialmente no Algarve.214
Outros topónimos derivados do termo Mouro são, por exemplo, Poço dos Mouros,
Rua dos Mouros e a Quinta da Mourisca em Lisboa, Castelo dos Mouros e o Rio de Mouro
no concelho de Sintra, Algar dos Mouros no concelho de Loulé, São Martinho de Mouros
no concelho de Resende, Vilar de Mouros no concelho de Caminha, e inúmeros outros
nomes locais através do país. Muitos sítios relacionados com “Mouros”, frequentemente
construções antigas, anteriores ao período islâmico ou até pre-históricas como dólmenes ou
mamoas com antas, estão ligados com lendas e contos populares em que os “Mouros” e as
“Mouras” têm carácter de seres sobrenaturais ou míticos, o que faz suspeitar que se trata de
algumas divindades pré-cristãs, só posteriormente associadas com os invasores
muçulmanos.215
À categoria de nomes que aludem à presença histórica dos muçulmanos pertence
ainda o topónimo Mesquita, designativo de edifício em que os muçulmanos practicam as
suas cerimónias religiosas. Supõe-se que em muitos casos este nome, frequente, sobretudo,
para sul do Tejo, se deva à existência ou à tradição da existência de mesquitas nas
localidades em que se encontra.216 Embora a palavra “mesquita” seja de origem árabe (de
“masǧid”), não passou ao português directamente desta língua, como se deduz pela
presença da oclusiva palatovelar surda [k], no lugar da africada pré-palatal sonora [d ͡ʒ].217
Existem diferentes interpretações acerca da língua transmissora, sugerindo alguns autores a
mediatização do nome através do grego bizantino, arménio ou talvez berbere.218 Na
toponímia registámos, por exemplo, o nome Ponte da Mesquita no concelho de São Brás
de Alportel ou a Rua da Mesquita em Évora. A palavra masǧid, com aglutinação do artigo
árabe al-, será a origem imediata do topónimo Almagede219 no concelho de Santiago do
Cacém e, talvez, do nome Almoçageme no concelho de Sintra.220
214 Oliveira Marques, A.H. de: História de Portugal: Volume I, pág. 290.215 Sarmento, F. M..: A Mourama [online]. Revista de Guimarães, n.º 100, 1990, pág. 343-353 [cit.2011-01-11]. Disponível em: <http://www.csarmento.uminho.pt/docs/ndat/rg/RG100_11.pdf>.216 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 36.217 Ibid.218 Fernandes, M. A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 65-66 [cit. 2011-01-12].219 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 37.220 Coelho, C.: A ocupação islâmica do Castelo dos Mouros (Sintra): interpretação comparada [online]. Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 3, n.º 1, 2000, pág. 209 [cit. 2011-01-14]. Disponível em: <http://www.igespar.pt/media/uploads/revistaportuguesadearqueologia/3_1/8.pdf>. J. Mattoso regista este topónimo como moçárabe, em contradição à etimologia acima apresentada (Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 457).
45
5.2. Difusão geográfica dos topónimos árabes
Embora não seja possível no âmbito deste trabalho avaliar com precisão a difusão
geográfica dos topónimos árabes em Portugal ou até fazer uma estimativa relativamente ao
seu número total, atreveremo-nos a chegar a algumas concluões com a evidência parcial
que temos à disposição.
Se analisarmos em soma 151 topónimos recolhidos do ponto de vista geográfico,
deixando ao lado os de ocorrência muito frequente, dispersos pelo país, como Alcaria,
Aldeia, Arrabalde, Azenha e Laranjeira, ou os nomes derivados de outros topónimos como
Alcantarilha ou Algueirinho, podemos constatar os seguintes números para cada distrito:
1) Distrito de Lisboa 43 topónimos:
Açucenas, Adelas, Adiça, Albarrã, Alcaçarias, Alcainça, Alcântara, Alcoentre, Alcolena, Alcúdia, Alecrim, Alfaiates, Alfama, Alfândega, Alfarrobeira, Alferes, Alfinete, Alfofa, Alfurja, Algés, Algibebes, Algueirão, Almazém, Almargem, Almoçageme, Almocavar, Almotacé, Alverca, Arraçário, Arrais, Azambuja, Borratém, Ceitil, Chafariz, Fangas, Meca, Nora, Odiana, Queluz, Odivelas, Saloio, Xadrez, Xarca
2) Distrito de Santarém 32 topónimos:
Açougues, Açude, Alcaide, Alcanena, Alcolura, Alferrarede, Algudi, Almares, Almargio, Almegue, Almeirão, Almixaris, Almoxarife, Almuinha, Alvorão, Arrife, Arroz, Asno,Assacaias, Azemel, Azinhaga, Bem Amor, Árgea, Arracefe, Cains, Couço, Fátima, Lobata, Mistasa, Ourém, Safas, Zorro
3) Distrito de Faro 23 topónimos:
Albufeira, Alfeição, Algarve, Algoz, Aljezur, Almancil, Almeijoafas, Alvor, Arrifana, Benafim, Benagaia, Benagil, Benfarras, Bengado, Bensafrim, Loulé, Faro, Mesquita, Odeáxere, Odeleite, Odelouca, Odesseixe, Tunes
4) Distrito de Viseu 13 topónimos:
Aboadela, Almodafa, Almofala, Beiúves, Lafões, Maçode, Moção, Mafamudes, Marame, Marou, Marvão, Nazes, Saímes
5) Distrito de Setúbal 9 topónimos:
46
Alcácer do Sal, Alcochete, Almada, Almagede, Almaraz, Alpeidão, Alvalade, Arrábida, Azeitão
6) Distrito de Beja 6 topónimos:
Algodor, Almodôvar, Almograve, Atafona, Cuba, Marrocos
7)Distrito de Castelo Branco 5 topónimos:
Alcains, Alcamim, Algar, Isna, Meimão
8) Distrito de Leiria 5 topónimos:
Alfeizerão, Alqueidão, Alvaiázere, Alvorge, Azoia
9) Distrito de Évora 5 topónimos:
Alcalá, Alcárcova, Alcáçovas, Benalfange, Bencatel
11) Distrito de Aveiro 3 topónimos:
Almançor, Alquerubim, Mansores
12) Distrito de Portalegre 2 topónimos:
Assumar, Mamede
13) Distrito de Guarda 2 topónimos:
Almeida, Murça
14) Distrito de Coimbra 2 topónimos:
Alfafar, Almedina
15) Distrito de Bragança 1 topónimo:
Soeima
Visto que os dados toponímicos que foram utilizados para este trabalho foram
suficientemente extensos somente no caso dos distritos de Lisboa e Santarém, em
detrimento das demais regiões, seria imprudente fazer uma estimativa acerca da divulgação
47
dos nomes árabes apenas em base destes números. Sem embargo, felizmente dispomos de
outra evidência que os até certo grau completa. Segundo o mapa incluído no livro The
Individuality of Portugal do professor D. Stanislavski221, o número de topónimos árabes e
arabizados por 1000 km² em vários distritos de Portugal é222:
1) Distritos de Faro, Lisboa e Beja:
10.1-20.0 nomes por 1000 km²
2) Distritos de Évora, Setúbal, Santarém, Leiria, Coimbra e Aveiro:
5.1-10.0 nomes por 1000 km²
3) Distritos de Viseu e Guarda:
3.9-5.0 nomes por 1000 km²
4) Distritos de Portalegre e Castelo Branco:
2.9-3.8 nomes por 1000 km²
5) Distritos de Porto, Braga e Viana do Castelo:
1.9-2.8 nomes por 1000 km²
6) Distritos de Vila Real e Bragança:
1.1-1.8 nomes por 1000 km²
Como podemos observar, estes dados correspondem num grau considerável não só
com a anteriormente reproduzida lista dos nomes recolhidos, mas também com o nosso
conhecimento da situação demográfica no Portugal muçulmano em que a maior parte da
população se concentrava no Algarve, no vale do Tejo, na região de Lisboa e Setúbal e em
alguns sítios do Alentejo, de maneira que estas áreas também indicam a maior
concentração de topónimos árabes. Do mesmo modo, estes dados não contradizem às já
mencionadas informações sobre os vestígios toponímicos de tribos árabes e berberes, que
221 Dan Stanislavski (1903-1997), professor da Universidade do Texas de 1949 a 1962 e da Universidade do Arizona de 1963 a 1973.222 Stanislawski, D.: The Individuality of Portugal: A Study in Historical-political Geography [online], Charts: Figure 14 [cit. 2010-12-21]. O mapa está incluído no apêndice deste trabalho.
48
sugerem uma maior difusão destes elementos étnicos no Algarve e nos distritos de Beja,
Setúbal e Évora.
Quanto à relativa escassez de nomes árabes nos distritos alentejanos de Beja, Évora e
Portalegre, em comparação com os distritos vizinhos, parece ser surpreendente numa
região que foi definitavamente reconquistada pelos cristãos só no século XIII, e pode
levantar dúvidas acerca do valor informativo dos dados recolhidos para a região do
Alentejo. No entanto, J.M.Piel223 confirma este facto, oferecendo também algumas
explicações possíveis:
„Evidentemente que não podem faltar nomes árabes, mas estes não desempenham, principalmente no Alentejo, o papel que seria de esperar numa região submetida ao domínio muçulmano durante quatro séculos e meio, e mais sendo menos numerosos, p. ex. que no Ribatejo. É verdade que o Ribatejo e a região ao norte de Lisboa deveriam oferecer desde sempre um povoamento mais denso e consequentemente maior cópia de nomes de lugar, mas não é menos certo que a proporção dos arabismos do léxico comum regional alentejano e algarvio se revela sensivelmente superior à dos arabismos toponímicos. Será, pois, legítimo concluir que deveria ter havido em muitos casos uma substituição, espontânea ou intencional, de denominações primitivamente árabes por novas denominações portuguesas.“224
O que pode captar a nossa atenção é a numerosa ocorrência de topónimos árabes nas
regiões setentrionais, sobretudo nos distritos de Viseu e Guarda. Embora estas áreas
tenham estado na posse dos muçulmanos por menos tempo do que as regiões a sul do
Tejo225, para o centro e o norte do país vinham vagas successivas de moçárabes que traziam
consigo também alguns elementos da cultura árabe que haviam assimilado. Estas
migrações foram particularmente intesas nas décadas centrais do século IX.226 Além dos
moçárabes vinham para o Norte vários muçulmanos renegados ou captivos, reduzidos à
condição servil.227 Como vestígios da sua presença deixaram topónimos derivados dos
nomes das localidades do Sul donde tinham vindo, por exemplo Coimbrões, Cordoveses,
ou os que apontam para a sua origem étnica (melhor dito religiosa), como Vilar de Mouros
ou Sarracenos, e sobretudo vários nomes antroponímicos de origem árabe, por exemplo
Beiúves, Meimão Moção etc.228 Segundo os dados de O.Ribeiro, registam-se no noroeste do
país, particularmente nos distritos de Porto, Braga, Aveiro, Viseu e Vila Real, ao todo, 267
223 Joseph M. Piel (1903-1992), filólogo e linguista alemão.224 Piel, J. M.: Aspectos da Toponímia Pré-árabe ao Sul do Tejo, pág. 44.225 O Porto e Braga foram reconquistadas pelos cristãos cerca de 868, Lamego em 1057 e Viseu em 1058.226 Mattoso, J.: História de Portugal: Volume I, pág. 456.227 Ribeiro, O.: A formação de Portugal [online], pág. 96 [cit. 2010-12-20].228 Ferreira, M.S.C.: O Douro no Garb Al-Ândalus: a Região de Lamego durante a presença árabe [online], pág. 87-104 [cit. 2010-12-20].
49
topónimos relativos à presença dos muçulmanos e moçárabes.229 Com as seguintes palavras
comenta O. Ribeiro a contribuição toponímica destes grupos religiosos nas regiões
setentrionais do país:
„Esta densidade, à primeira vista, poderia parecer significativa de um repovoamento mais intenso; mas como ocorre, por um lado, na região mais povoada do país, por outro lado na de maior disseminação e, portanto, de maior número de lugares, todos os grupos de topónimos que apareçam com certa frequência têm aí sempre larga (ou a mais larga) representação. (…) A toponímia arábica do Noroeste indica um afluxo modesto de povoadores numa região onde só se falavam os dialectos romances; por isso ela está apenas representada pelos nomes próprios que eles trouxeram. A toponímia arábica do Sul tem outra fisionomia: além de mais densa, compreende, como o vocabulário comum da mesma origem, grande variedade de sentidos.“230
Os dados do professor Stanislawski mostram que densidade da toponímia árabe e
arabizada em Portugal é notável até no contexto peninsular, sendo a densidade de nomes
árabes no Algarve, Alentejo e Estremadura igual àquela nas regiões espanholas mais
marcadas pela presença dos Árabes como o sudeste da Andaluzia, Comunidade Valenciana
ou as Ilhas Baleares, superando as demais áreas da Península.231
5.3.Características fonéticas dos topónimos árabes
O português e o árabe, duas línguas que entraram aleatoriamente em contacto após o
século VIII, tendo origem em famílias linguísticas distintas, possuem um sistema fonético
bastante diferente. Por isso não é de surpreender que durante a transição de uma língua
para a outra, os topónimos de origem árabe tenham sofrido várias adaptações fonéticas,
causadas pelo seu aportuguesamento posterior.232
Um problema específico, encontrado durante a escrita deste trabalho, foi a
transliteração fonética de palavras árabes que apresenta várias dificuldades. A língua árabe,
escrita num alfabeto próprio, possui numerosos sons inexistentes no português e na maioria
das línguas indo-europeias e consequentemente têm sido desenvolvidos vários sistemas de
tranliteração que procuram resolver este problema, reproduzindo os sons árabes com
229 Ribeiro, O.: A formação de Portugal [online], pág. 97 [cit. 2011-01-08].230 Ibid., pág. 98.231 Stanislawski, D.: The Individuality of Portugal: A Study in Historical-political Geography [online], Charts: Figure 14 [cit. 2010-12-21].232 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 44 [cit.2011-01-11].
50
exactidão. A maior difusão e aceitação parece ter o DIN 31635, adoptado pelo Deutsches
Institut für Normung (Instituto Alemão para Normatização) em 1982, e utilizado neste
trabalho maioritariamente. No entanto, muitos autores não observam esta norma, nem
utilizam o Alfabeto fonético internacional (International Phonetic Alphabet, IPA), e
frequentemente reproduzem os vocábulos árabes numa forma simplificada e de maneira
pouco sistemática, o que dificulta consideravelmente a identifição e reprodução fonética
destes vocábulos.233 Na seguinte descrição fonética combinaremos os dois sistemas de
transcrição, utilizando o DIN 31635 para a reprodução de vocábulos inteiros e o IPA para
os sons individuais entre colchetes.234
Como os nomes locais de origem árabe preservados em Portugal foram transmitidos
aos falantes do português por intermédio dos falantes do árabe andaluz, que era a língua
espontaneamente utilizada na vida quotidiana, à diferença do árabe padrão (clássico),
restringido ao uso administrativo e literário, é natural que apresentem na sua forma
características deste árabe dialectal. Atenderemos, portanto, a este facto quando for útil,
com base nas informações recolhidas por A.S.M. Zayed.235
5.3.1. Sistema vocálico
Em comparação com o português, o sistema vocálico do árabe clássico é
relativamente limitado, consistindo de três vogais curtas [a], [i], [u], três longas [a:], [i:],
[u:] e dois ditongos [aj], [aw]. Este sistema foi herdado pelo árabe dialectal, mesmo se
fosse com algumas modificações.
1. [a] (vogal central fechada)
O fenómeno que afectou profundamente o sistema vocálico do árabe andaluz e
deixou, portanto, os seus traços também na toponímia foi o imāla, ou seja, a frequente
palatalização do longo [a:], que passa a ser pronunciado como [e:] ou menos
frequentemente como [i:]. Esta mudança não se realizava num contexto consonântico velar
ou faringal e ocasionalmente na vizinhança de [r], [l] e [w]. Na toponímia portuguesa 233 Por exemplo: a transliteração de [tˤ] e [t] como t, [ɣ] como g etc.234 A tabela comparativa entre estes dois sistemas de transcrição fonética está incluída no apêndice.235 Zayed, A. S. M. Datos dialectales andalusíes (gramaticales y léxicos) en algunos documentos tardíos granadinos y moriscos [online], pág. 48-67 [cit. 2010-12-14].
51
podemos observar os efeitos do imāla em vários nomes locais, por exemplo: Açucenas,
Alcanena, Alferes, Almeida, Azemel, Azenha, Loulé, Queluz, provenientes das formas do
árabe padrão as-sūsāna, al-kināna, al-fāris, al-mā’ida, az-zammāl, as-sāniya, al-‘ulyā e qā
al-lūz.
No geral, constatamos a conservação do [a] curto, que não sofre mudanças ao passar
ao português: Alcalá, Alcaria, Alfama, Azambuja, provenientes de al-qal‘a, al-qarya, al-
ḥamma, az-zanbūǧa.
Um facto notável é a preservação do [a] inicial do artigo al-, abundante na toponímia
árabe de Portugal, à diferença dos dialectos árabes do noroeste da África, em que é comum
a aférese da vogal inicial236: Alferes, Algueirão, Almofala, Almargem, Alvalade, de al-fāris,
al-ġeyrān, al-maḥalla, almarǧ, al-balāṭ, embora também tenhamos registado casos
contrários: Lafões, Lezíria, Loulé, de al-’aḫwān, al-ǧazīra, al-‘ulyā.
2. [i] (vogal anterior fechada)
Sabemos que esta vogal podia converter-se em [e] no árabe andaluz.
Nos topónimos recolhidos estão representadas ambas as variantes: Alecrim, Alfurja,
Almagede, Almoxarife, Alverca, Arrábida, Arrife, Ceitil, de al-’iklīl, al-furǧa, al-masǧid,
al-mušrīf (ou al-mušārif237), al-birka, ar-rābiṭa, ar-rīf, sebtī.
As formas Alvor, Alvorão, Borratém, de al-būr, al-būrān, būr at-tīn, devem-se à
existência da palavra būr no árabe dialectal, no lugar da forma clássica bi’r.238
3. [u] (vogal posterior fechada)
Podia converter-se em [o] no árabe andaluz.
Na toponímia encontrámos exemplos de ambas as realizações fonéticas: Açougues,
Albufeira, Almançor, Almotacé, Almoxarife, Almuinha, Alvorge, Arroz, Couço, Cuba,
236 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 25.237 Segundo M. Nimer, a palavra almoxarife provém de al-mušārif, uma variante dialectical do clássico al-mušrif (Nimer, M.: Influências Orientais na Língua Portuguesa [online], pág. 141 [cit.2011-01-06].) No entanto, a primeira forma, registada por D. Oliver, parece mais plausível, já que na palavra portuguesa o acento está na penúltima sílaba, dificilmente explicável se proviesse do étimo al-mušārif (Oliver, D.: Los arabismos del "Libro conplido" y otras huellas árabes [online]. Anuario de lingüística hispánica, vol. 21-22, 2005-2006, pág. 85 [cit. 2011-01-06]. Disponível em: <http://www.anuarioling.files.wordpress.com/2008/12/02_oliver1.pdf>.)238 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 70 [cit.2011-01-06].
52
Lobata, de as-sūq, al-buḥayra, al-Manṣūr, al-muḥtasib, al-mušrīf (ou al-mušārif), al-
munya, al-burǧ, ar-ruz, qūs, qubba, Luwāta.
4. Ditongos
O dialecto andaluz conservou, de maneira geral, os ditongos [aw], [aj], embora
existissem também casos de monotongação. Durante a transição para o português converte-
se o ditongo [aj] frequentemente em [ej]: Albufeira, Azeitão, de al-buḥayra, az-zaytūn. Em
alguns casos é o som [ej] na palavra portuguesa resultado da ditongação da vogal [e] ou [i]
do árabe dialectal: Alpeidão, de al-bīḍān.
5.3.2. Sistema consonântico
À diferença das vogais, o sistema consonântico do árabe é consideravelmente mais
complexo do que o português. Por esta razão, podemos observar nos topónimos árabes uma
simplificação consonântica no caso dos sons que não existiam na língua portuguesa e
portanto foram substituídos pelos sons mais próximos.
1. [b] (oclusiva bilabial sonora)
Na toponímia registámos vários casos de preservação deste som: Algibebes,
Arrabalde, Arrábida, Azambuja, Borratém, de al-ǧabbāb, ar-rabāḍ, ar-rābiṭa, az-zanbūǧa,
būr at-tīn. Frequentemente converteu-se o [b] na fricativa labiodental sonora [v], sobretudo
depois da aproximante lateral alveolar [l]: Alcáçova, Algarve, Almocavar, Alvaiázere,
Alvalade, Alverca, Alvorge, Tavira239, de al-qaṣba, al-ġarb, al-maqabar, al-bayāz, al-balāṭ,
al-birka, al-burǧ, ṭabīra, embora tenhamos encontrado também algumas excepções a esta
regra: Albufeira, Albarrã, de al-buḥayra, al-barrān.
2. [f] (fricativa labiodental surda)
239 Topónimo provavelmente de origem pre-árabe. Ciberdúvidas da Língua Portuguesa [online]. 1997 [cit.2011-01-04]. Disponível em: <http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=407>.
53
Como existia este som também no sistema consonântico da língua portuguesa,
preservou-se nos topónimos em que se encontrava: Alfurja, Arracife, Arrife, Fátima, Safas,
de al-furǧa , ar-raṣīf, ar-rīf, Fāṭima, ṣaff.
3. [m] (bilabial nasal sonora)
Na maioria dos casos não sofreu este som mudanças durante o processo do
aportuguesamento: Alfama, Almedina, Almixaris, de al-ḥamma, al-madīna, al-manšar.
Uma excepção são os finais de sílaba, em que cai e nasaliza a vogal anterior, em
conformidade com a evolução fonética da língua portuguesa: Alcamim, de al-qamīm.
4. [w] (constritiva bilabial)
Dentro da palavra pode estar substituída pela fricativa labiodental sonora [v]:
Almodôvar, Marvão, de al-mudawwar, Marwān, elidida: Azoia, Saloio, de az-zāwiya,
ṣaḥrāwī (através da forma dialectal ṣaḥrōī240), converter-se na vogal [o], como no caso de
muitos topónimos derivados do árabe wād, em que se monotonga o ditongo crescente [wa]:
Odiana, de wādī yāna, e converter-se na oclusiva bilabial sonora [b]: Lobata, de Luwāta.
5. [t] (oclusiva dental surda)
É um som corrente na língua portuguesa. Por consequente, observamos a sua
preservação na maioria dos topónimos árabes: Almotacé, Azeitão, Borratém, Ceitil, de al-
muḥtasib, az-zaytūn, būr at-tīn, sebtī.
6. [d] (oclusiva dental sonora)
Não sofreu mudanças fonéticas: Alcaide, Alfândega, Almeida, Almedina, Odiana, de
al-qā’id, al-funduqa, al-mā’ida, al-madīna, wādī yāna.
7. [tˤ] (oclusiva dental velarizada surda)
240 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 40.
54
Como uma das consoantes enfáticas241 do árabe, não existe na língua portuguesa. Na
toponímia observamos a sua substituição pela oclusiva dental surda [t] ou pela oclusiva
dental sonora [d], particularmente em posições intervocálicas: Alcântara, Alvalade,
Arrábida, Atafona, Fátima, Tavira, de al-qanṭara, al-balāṭ, ar-rābiṭa, aṭ-ṭāḥūna, Fāṭima,
ṭabīra.
8. [n] (alveolar nasal sonora)
Pode ter várias realizações fonéticas: manter-se, por exemplo em: Alcântara, Atafona,
Almançor, Almedina, Arrifana, de al-qanṭara, aṭ-ṭāḥūna, al-Manṣūr, al-madīna, ar-rīḥāna,
converter-se numa vogal nasal em fim de sílaba: Albarrã, Algueirão, Azeitão, Borratém,
Marvão, de al-barrān, al-ġeyrān, az-zaytūn, būr at-tīn, Marwān, cair e desaparecer por
completo após a desnazalização da vogal: Faro, de Hārūn (através das formas intermédias:
Haron Farom Fárão Faro242), e, por fim, converter-se na palatal nasal [ɲ] na
vizinhança do som [j]: Azenha, de as-sāniya.
9. [r] (alveolar vibrante)
Assim como no português, podia ser pronunciado como vibrante múltipla ou simples
na língua árabe. Não observamos, portanto, mudanças significativas nas formas
portuguesas: Alcaria, Almargem, Arrabalde, de al-qarya, al-marǧ, ar-rabāḍ.
10. [θ] (alveolar fricativa surda)
Às vezes convertia-se em [t] no árabe andaluz. Talvez a este facto se deva a sua
ausência nos topónimos examinados.
11. [ð] (fricativa alveolar sonora)
Não tendo equivalente na língua portuguesa, converteu-se, no geral, na oclusiva
dental sonora [d], com que se confundia já no árabe dialectal. Como único exemplo de
241 [tˤ], [dˤ], [sˤ], [q], [ðˤ] e [zˤ].242 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 49.
55
topónimo com este som encontrámos o nome Alcabideche, de al-qibḏāq. Trata-se, contudo,
de um nome de origem pre-árabe.243
12. [dˤ] (oclusiva dental sonora velarizada)
Um som ausente no sistema fonético do português. Converte-se na oclusiva dental
sonora [d]: Aldeia, Alpeidão, Arrabalde, de aḍ-ḍay’a, al-bīḍān, ar-rabāḍ. Quando está
precedido da vogal [a], insere-se antes da oclusiva dental a consoante epentética [l]:
Aldeia, Arrabalde, de aḍ-ḍay’a, ar-rabāḍ.
13. [ðˤ] (Fricativa interdental sonora)
Confundía-se com a oclusiva dental [dˤ] no árabe andaluz.
Nos topónimos examinados registámos apenas um caso da ocorrência deste som, em
que o [ðˤ] converteu-se na oclusiva dental sonora [d]: Almodafa, de al-Muẓaffar.
14. [s] (fricativa predorsal surda)
Na maioria dos topónimos examinados não sofreu mudanças fonéticas: Açougues,
Almotacé, Arraçário, Ceitil, de as-sūq, al-muḥtasib, ar-rās, sebtī. Quando geminada podia
converter-se na fricativa alveolar sonora [z]: Azenha, de as-sāniya. É notável que os
grafemas c e ç, utilizados no caso dos topónimos árabes para a fricativa predorsal, ainda
representavam a africada dental [ts] na grafia do português arcaico.244
15. [z] (fricativa alveolar sonora)
Manteve-se nos topónimos recolhidos: Aljezur, Arroz, Azemel, Azoia, Azinhaga,
Queluz, Zorro, de al-ǧuzur, ar-ruz, az-zammāl, az-zāwiya, az-zinayqa, qā al-lūz, Zuhra.
243 Fuentes, A.G. de.: Toponimia: Mito e Historia [online]. Madrid: Real Academia de la Historia, 1996, pág. 46 [cit. 2011-01-04]. Disponível em:<http://www.books.google.cz/books?isbn=849598394X>.244 Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 144.
56
Assim como no caso dos grafemas c e ç, a letra z tinha um valor fonético diferente no
português arcaico, representando a africada dental [dz].245
16. [sˤ] (fricativa predorsal surda velarizada)
De maneira geral, converte-se em [s]: Alcáçova, Almançor, Arracefe, Asno, Saloio,
Safas, de al-qaṣba, al-Manṣūr, ar-raṣīf, ḥiṣn, ṣaḥrōī (ṣaḥrāwī), ṣaff. Registámos também
um caso, dificilmente explicável246, em que se converteu na africada [tʃ]: Chafariz247, de
ṣahrīǧ.
17. [ʃ] (fricativa pré-palatal surda)
Não sofreu transformações fonéticas durante o processo do aportuguesamento:
Almixaris, Almoxarife, Xadrez, Xarca, de al-manšar, al-mušrīf, šaṭranǧ, aš-šaqqa.
18. [dʒ] (africada pré-palatal sonora)
Passou à língua portuguesa com o mesmo valor fonético, já que o português arcaico
possuía este som, evoluído mais tarde na fricativa palatoalveolar sonora [ʒ]: Alfurja, Algés,
Algibebes, Aljezur, Almargem, Alvorge, Azambuja, de al-furǧa, al-ǧiss, al-ǧabbāb, al-
ǧuzur, al-marǧ, al-burǧ, az-zanbūǧa.
19. [l] (lateral alveolar)
Mantém a sua pronúncia: Alcaide, Almancil, Alverca, Lobata, de al-qā’id, al-manzil,
al-birka, Luwāta. Em alguns casos converte-se em outra consoante através de dissimilação:
Alecrim, Alfinete, de al-’iklīl, al-ḫilālāt.
20. [k] (oclusiva palatovelar surda)
245 Ibid.246 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 30247 Até o século XVIII, o dígrafo ch representava a africada palatal surda [tʃ] na grafia portuguesa. Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 198.
57
Não sofreu transformações fonéticas: Alcainça, Alcains, Alverca, de al-kanīsa, al-
kanā’is, al-birka.
21. [q] (oclusiva uvulovelar surda)
Não existe na língua portuguesa. Na toponímia converteu-se no som mais próximo,
que era a oclusiva palatovelar surda [k]: Alcaide, Alcaria, Alcântara, Alcácer, Alcoentre,
Couço, Queluz, de al-qā’id, al-qarya, al-qanṭara, al-qaṣr, al-qunayṭira, qūs, qā al-lūz, ou
eventualmente também na oclusiva sonora [g]: Azinhaga, de az-zinayqa.
22. [x] (fricativa uvular surda)
À diferença da língua moderna, este som não tinha nenhum equivalente no português
arcaico. Logo costuma estar sistematicamente substituído248 pela labiodental fricativa surda
[f]: Alfafar, Alfarrobeira, Alferrarede, Alfofa, Lafões, de al-faḫḫār, al-ḫarrūba, al-
ḫarrārāt, al-ḫawḫa, al-’aḫwān.
23. [ɣ] (fricativa uvular sonora)
Este som uvular foi substituído pela oclusiva sonora [g]: Algar, Algarve, Algodor,
Algudi, Algueirão, Almogreve, de al-ġār, al-ġarb, al-ġudur, al-ġadīr, al-ġeyrān, al-maġrib.
24. [ʕ] (fricativa faringal sonora)
Não existe no sistema fonético da língua portuguesa e consequentemente caiu nos
topónimos examinados: Alcalá, Aldeia, Almada, de al-qal‘a, aḍ-ḍay‘a, al-ma‘dana
(derivado da forma padrão al-ma‘din249).
25. [ħ] (fricativa faringal surda)
248 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 50.249 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 16.
58
Assim como a fricativa uvular surda [x], este som foi no geral substituído pela
fricativa labiodental surda [f]: Albufeira, Alfama, Almofala, Arrifana, Atafona, Mafamudes,
de al-buḥayra, al-ḥamma, al-maḥalla, ar-rīḥāna, aṭ-ṭāḥūna, Maḥmūd. Quando estava no
início da palavra ou antes de outra consoante podia cair: Almotacé, Isna, Saloio, al-
muḥtasib, ḥiṣn, ṣaḥrōī (ṣaḥrāwī).
26. [h] (fricativa glotal surda)
Assim como nos casos de [x] e [ħ], é habitual a sua substituição pela fricativa [f] na
toponímia de origem árabe: Chafariz, Faro, de ṣahrīǧ, Hārūn.
5.3.3. Fenómenos fonéticos
Além das mudanças regulares descritas acima, podemos também observar outros
fenómenos característicos durante o aportuguesamento dos topónimos. São, sobretudo:
1. Perda da geminação
Com a excepção do som [r], que pode ser articulado como vibrante múltipla, a língua
portuguesa desconhece a geminação. Portanto, os topónimos árabes com consoantes
geminadas perdem este traço: Alfama, Almofala, Atafona, Azemel, de al-ḥamma, al-
maḥalla, aṭ-ṭāḥūna, az-zammāl. Pelo contrário, o [r] geminado manteve-se: Alferrarede,
Arrabalde, Arrifana, de al-ḫarrārāt, ar-rabāḍ, ar-rīḥāna.
2. Epêntese
Os topónimos árabes frequentemente recebem vogais epentéticas que servem para
desfazer alguns encontros consonânticos: Alcácer, Alcáçova, Chafariz, Mafamudes, de al-
qaṣr, al-qaṣba, ṣahrīǧ, Maḥmūd.
3. Paragoge
59
Analogicamente à epêntese, é muito frequente a paragoge na toponímia árabe de
Portugal, particularmente depois de uma consoante dental: Alcaide, Almargio, Alvaiázere,
Alvalade, Alvorge, Arrabalde, Isna, de al-qā’id, al-marǧ, al-bayāz, al-balāṭ, al-burǧ, ar-
rabāḍ, ḥiṣn.
4. Metátese
Nos topónimos examinados registámos também a ocorrência da metátese,
concretamente nas situações em que a alveolar nasal sonora [n] está numa posição
intervocálica: Alcainça, Alcains, Alcoentre, Azinhaga, de al-kanīsa, al-kanā’is, al-
qunayṭira, az-zinayqa.
5.3.4. Fenómenos morfológicos
1. Preservação do artigo árabe
Uma particularidade interessante dos topónimos de etimologia árabe é a conservação
do artigo definido al-, que perde o seu valor gramatical: Alcântara, Alcamim, Alverca, de
al-qanṭara, al-qamīm, al-birka. No caso de palavras que começam com os sons [t], [θ], [d],
[ð], [r],[z],[s], [ʃ], [sˤ], [dˤ],[ tˤ], [ðˤ] , [zˤ], [l] e [n]250, o [l] do artigo assimila-se com a
consoante inicial da palavra seguinte na língua árabe, o que também se reflecte em vários
topónimos: Arrábida, Atafona, Azemel, de ar-rābiṭa, aṭ-ṭāḥūna, az-zammāl.
2. Acréscimo de um sufixo português ao nome árabe
Em vários casos encontrámos na toponímia um nome árabe ao qual foi acrescentado
um sufixo português (diminutivo, sufixo de plural etc.): Alcantarilha, Algarves,
Algueirinho, Almargens, Arraçário, de al-qanṭara (Alcântara), al-ġarb (Algarve), al-
ġeyrān (Algueirão, a terminação –ão, idéntica com um dos sufixos do aumentativo
português, foi neste caso jocosamente substituída pelo sufixo do diminutivo -inho251), al-
250 Em árabe conhecidos como ḥurūf šamsīyya, (“letras solares”), em oposição às ḥurūf qamarīyya (“letras lunares”), que não se assimilam com o som [l] do artigo.251 Machado, J. P.: Arabismos na toponímia lisboeta, pág. 15
60
marǧ (Almargem), ar-rās. Na toponímia do país são também frequentes nomes comuns
derivados de outros substantivos de etimologia árabe através da sufixação e tornados
topónimos, por exemplo: Alfarrobeira, Azambujeiro, Laranjeira, de alfarroba (al-
ḫarrūba), azambuja (az-zanbūǧa), laranja (naranǧa).
61
6. TOPONÍMIA PRE-ÁRABE E MOÇÁRABE
Ao tentarmos avaliar a extensão da influência árabe na toponímia portuguesa, não
podemos restringir-nos apenas aos topónimos que têm origem na língua árabe ou referem
de alguma forma à presença dos muçulmanos. Como já mencionámos antes, a conquista
muçulmana não causou uma ruptura com a época anterior, pois no território do Andaluz
continuou a viver uma grande população cristã, falando a sua própria língua de origem
românica, o idioma moçárabe.
A mesma continuidade é evidente na toponímia da parte meridional do país, em que
encontramos nomes que remontam à época pre-arábe, sejam de origem romana, céltica ou
outra. De origem pre-árabe são, por exemplo, os nomes de todas as sedes das kuwar
islâmicas e de várias outras povoações importantes : Beja, Évora, Coimbra, Idanha-a-
Velha, Lamego, Lisboa, Mértola, Santarém, Setúbal, Silves, Viseu, de Pace252 (de Pax
Iulia), Ebora253, Conimbriga254, Olisipone (ou Olisipo)255, Myrtili256 (ou Myrtilis), Sancta
Irena257 (ou Sancta Irene), Caetobriga258, Cilpes259. Este facto é coerente com o carácter da
conquista árabe, que manteve as unidades administrativas existentes, instalando-se os
novos detentores do poder nas antigas cidades romanas.
Não obstante, a presença árabe deixou a sua marca na forma em que os topónimos
pre-árabes entraram na língua portuguesa, devido às particularidades fonéticas do árabe,
que funcionou como língua transmissora. Como nota o Prof. David Lopes:
“Os antigos nomes geográficos, que os Árabes encontraram na nova conquista, sofreram na sua boca algumas modificações de adaptação, que, em regra, não são profundas. (...) A forma que os Árabes deram a esses nomes é o intermediário que explica a forma cristã posterior”.260
As diferenças fonéticas entre os topónimos românicos do território muçulmano e os
do Norte cristão não se devem apenas à interferência do árabe, mas também às
características da lígua moçárabe, um idioma arcaizante que evoluiu independentemente do
galego-português ou do castelhano, relegado ao uso familiar e rural pela dominância do 252 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 23.253 Ibid., pág. 102.254 Riiho, T.: Evolução linguística interna [online]. Lexikon der Romanistischen Linguistik, vol. VI/2, 1994, cap. 4 [cit.2011-01-14]. Disponível em: <http://cvc.instituto-camoes.pt/hlp/biblioteca/lexicon2.pdf>.255 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 116.256 Ibid., pág. 125.257 Ibid., pág. 113.258 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 67 [cit.2011-01-14].259 Ibid.260 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 23.
62
árabe.261 Embora estivesse o uso do moçárabe em declínio durante a última fase do período
islâmico, dispomos de evidência que indica o surgimento de nomes locais provenientes
desta língua ainda nesses séculos. É, por exemplo, o caso da cidade de Faro, referida no
século XI pelo nome Santa Maria. Esta nova denominação seria impensável sem a
presença poderosa de uma comunidade cristã, que assim homangeava a sua cidade.262
6.2. Características fonéticas da toponímia pre-árabe e moçárabe
Os nomes de etimologia não-árabe, transmitidos através do árabe ou moçárabe,
caracterizam-se por vários aspectos fonéticos e morfológicos que os distinguem dos nomes
locais das regiões setentrionais do país. Para os fins deste trabalho, vamos focalizar nos
fenómenos mais regulares.
6.1.1. Sistema vocálico
1) Substituição das vogais finais -u,-e, e -i do latim263:
As terminações -u,-e, e -i do nominativo latim foram, no geral, substituídas
pela terminação –a, ao passar à língua árabe: Beja, Mértola, Lisboa, de Bāǧa
(Pace), Mārtula (de Myrtili ou Myrtilis), Lušbūna (Olisipone).
2) Apócope da vogal final -o264:
À diferença do português padrão, nos falares moçárabes foi suprimida a vogal
final -o durante a sua evolução fonética. Por exemplo: Aljustrel (do latim
vulgar Oleastrellu, “azambujinha”265), Portel, Sousel, em que a terminação –el
vem do sufixo –elo (do latim –ellu). Esta tendência foi transmitida ao
romance moçárabe do árabe andaluz, o qual apocopava a vogal fina –o das
261 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online], pág. 43 [cit. 2010-12-20]. 262 Mattoso, J.: História de Portugal: Vol. I, pág. 409.263 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 23.264 Piel, J. M.: Aspectos da Toponímia Pré-árabe ao Sul do Tejo, pág. 48.265 Ibid.
63
formas românicas, em virtude de os substantivos masculinos árabes
terminarem em consoante.266
3) Palatalização do longo [a:]267:
O processo da palatalização do longo [a:] (imāla), corrente no árabe andaluz,
afectou também os nomes não-árabes: Beja, Tejo, de Bēǧa (em árabe padrão
Bāǧa), Tēǧuh (em árabe padrão Tāǧuh).
6.1.2. Sistema consonântico
1) Substituição de [g] por [dʒ]268:
O sistema fonético do árabe andaluz não possuía a oclusiva velar sonora [g],
portanto era habitualmente substituída pela prepalatal africada sonora [dʒ]:
Tejo, de Tēǧuh (Tagus).
David Melo Lopes traz como outro exemplo deste fenómeno também a
evolução do nome da cidade de Beja, afirmando que a pronúncia do nome
desta cidade (em latim Pace) deve ter sido Pake ou Pague na época da
conquista muçulmana, no entanto sabemos que a pronúncia habitual do
grafema c antes de i e e no latim tardio era /tʃ/, o que levanta dúvidas sobre
esta teoria.269
2) Substituição de [p] por [b]270:
266 Fernandes, M.A.: O dialecto algarvio: abordagem histórica [online], pág. 17 [cit. 2010-01-11]. 267 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 24.268 Ibid., pág. 69.269 Piel, J. M.: Aspectos da Toponímia Pré-árabe ao Sul do Tejo, pág. 46-47.270 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 104.
64
O árabe não possui o som [p] e substitui-o, portanto, pela bilabial oclusiva
sonora [b]. Daí resultam formas como: Beja, Lisboa, de Bāǧa (Pace),
Lušbūna (Olisipone).
3) Preservação de [l] e [n] intervocálico no moçárabe271:
À diferença do galego-português, o moçárabe preservou as [l] e [n]
intervocálicas, o que se também reflecte na toponímia das regiões centro-
meridionais: Fontana, Grândola, Madroneira, Mértola (de Myrtilis), Molino.
6.2. Características morfológicas da toponímia pre-árabe e moçárabe
A situação de bilinguismo árabo-românico no sul de Portugal levou a
criação de vários topónimos híbridos que combinam elementos de ambas as
línguas.
1) Aglutinação do artigo árabe à palavra românica272:
Em muitos casos foi o artigo definido do árabe adicionado al-, aglutinado com
uma palavra moçárabe, especialmente quando se tratava de um nome
comum273: Alcabideche (do latim caput aquae274), Alfontes (do latim vulgar
fontes275), Almoster (do latim monasterii276), Almourol (do latim vulgar moru,
“amoreira”277), Alpalhão, Alpan, Alpontel, Alportel (do latim vulgar portēllu-,
“passagem”278), Arruda (do latim ruta279).
271 Castro, I.: Introdução à História do Português, pág. 64.272 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 26.273 Ibid., 104.274 Fuentes, A.G. de.: Toponimia: Mito e Historia [online]. 1996, pág. 46. [cit. 2011-01-04].275 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online]. 2006 [cit. 2011-01-09].276 Melo Lopes, D. de.: Nomes árabes de terras portuguesas, pág. 26.277 Ibid., pág. 166.278 Fernandes, M.A., Khawli. A., Silva, L.F. da: A viagem de Ibn Ammâr de São Brás a Silves [online]. 2006 [cit. 2011-01-08].279 Ibid., pág. 26.
65
2) Aglutinação do termo wād ao hidrónimo românico280:
Em alguns casos addiciona-se a um hidrónimo românico a palavra wād (“rio,
vale”): Odeáxere, Odeleite, Odelouca, Odesseixe, Odivelas.281
CONCLUSÃO
Vista superficialmente, a contribuição da civilização islâmica na formação da cultura
portuguesa pode parecer relativamente minúscula. Por causa dos infortúnios políticos, a
evolução da distintiva cultura islâmica no solo português foi terminada violentamente e
durante três séculos após o fim da Reconquista extinguiu-se nele por completo o uso da
280 Ibid., pág. 27.281 Veja o capítulo 5.2.3.
66
língua árabe. Não obstante, a evidência toponímica comprova, sem qualquer sombra de
dúvida, uma ampla difusão deste idioma semita, que tinha, pelo visto, as melhores
condições para se tornar a língua nativa de todos os habitantes do Ġarb al-Andalus, tal
como aconteceu na maior parte da Áfrice do Norte.
O processo da arabização foi, contudo, muito gradual e é questionável se se já tinha
completado pelo menos nas partes mais meridionais do país, que permaneceram nas mãos
dos muçulmanos até o século XIII. A toponímia pre-árabe e moçárabe preservada nas
regiões centro-meridionais testemunha uma longa e pacífica convivência dos cristãos e
muçulmanos e uma continuidade demográfica desde o período romano. Visto que o
domínio islâmico isolou os conservadores dialectos românicos no sul da Península dos
setentrionais, muitos nomes locais nas partes meridionais de Portugal podem ser na sua
forma fonética mais arcaicos do que aqueles no Norte, na área primitiva do galego-
português.
Como mencionámos na parte histórica, a invasão muçulmana consistiu
principalmente na chegada de contingentes de soldados e administradores, pertencentes a
várias tribos árabes e berberes, que se espalharam pela Península, estabelecendo a nova
ordem, um facto corroborado pela difusão dos seus nomes tribais através do país. No
entanto, analisando a evidência toponímica, podemos plenamente apoiar a conclusão que a
contribuição dos muçulmanos foi sobretudo civilizadora e não militar. A maior parte dos
nomes locais que examinámos neste trabalho tem evidentemente alguma relação com
artesanatos, objectos arquitectónicos e, particularmente, com a agricultura, atestando o grau
do desenvolvimento urbano e económico na época islâmica.
A análise geográfica, mesmo que apenas aproximativa, mostra que os topónimos
árabes estão difundidos por todo o país, com a maior concentração nas regiões da
Estremadura, do Ribatejo, Algarve e do Alentejo, nas partes do país que permaneceram na
posse dos muçulmanos até os séculos XII e XIII. A densidade dos topónimos árabes e
arabizados que observamos nestas áreas não é considerável só no contexto português, mas
é comparável àquela nos centros do Andaluz islâmico no sul e oriente da Espanha.
Na parte linguística procurámos descrever as alterações fonéticas que os nomes
árabes sofreram durante a sua adaptação pelos falantes do português, língua com um
sistema fonético considerávelmente diferente do árabe, o que explica o aparente abismo
entre muitos destes topónimos e a sua forma original no árabe. Se abstrairmos de alguns
casos particulares, fica claro que muitas destas alterações são relativamente regulares, o
que facilita a reconstrução etimológica dos topónimos árabes.
67
Embora Portugal tenha nascido principalmente como resultado da Reconquista, o
estudo da história do Portugal islâmico mostra que sob outras condições históricas podia ter
surgido um Portugal muito diferente, arabofono e estreitamente aparentado com as culturas
dos países da África do Norte e do Médio Oriente. A toponímia árabe permanece como o
mais evidente vestígio deste processo nunca concluído.
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APÊNDICE
1. Lista dos topónimos de etimologia árabe examinados no trabalho
Como este trabalho não teve a ambição de registar todas as localidades com nomes árabes no território de Portugal, a seguinte lista toponímica tem, sobretudo, um valor ilustrativo. Visto que alguns nomes locais têm várias ocorrências, escolhemos sempre apenas uma localidade (no geral, a primeira indicada pelo autor), omitindo as demais. No caso de alguns nomes frequentíssimos e de emprego generalizado na língua portuguesa (por exemplo Aldeia ou Laranjeira), não está indicada a sua localização geográfica. Em contrapartida, incluímos na
72
lista alguns topónimos que têm a mesma etimologia, mas seria útil reproduzir todas as variantes, devido às particularidades da sua forma fonética (por exemplo Alvalade e Vale de Beja). Durante a selecção foram escolhidos preferivelmente os nomes cuja forma árabe podia ser reconstruída e transliterada. Nos casos em que isso não foi possível, a forma árabe está indicada em aspas, tal como foi encontrada no texto original. Quando não foi possível encontrar nos recursos o seu significado ou a forma árabe de algum topónimo, está indicado como “ignorado“.
Nome Distrito Forma árabe SignificadoAboadela Viseu Abū ‘Abdallāh Nome pessoalAçougues Santarém as-sūq “Mercado”Açucenas Lisboa as-sūsāna Nome de unidade de
sūsān (lírio)Açude Santarém as-sudd “Barreira, tudo o que
forma obstáculo entre duas coisas”
Adelas Lisboa ad-dallāl “Corrector, leiloeiro”Adiça Lisboa “ad-dīçâ” “Espécie de junco”Albarrã Lisboa al-barrān “De fora, exterior,
camponês”Albufeira Faro al-buḥayra “Lago”Alcaçarias Lisboa al-qayṣarīya “Bazar, casa grande
rodeada de pórticos”Alcácer (Alcácer do Sal)
Setúbal al-qaṣr “Castelo, casa que atinge grande altura”
Alcáçovas Évora al-qaṣba “Citadela”Alcaide Santarém al-qā’id “Conductor”Alcainça Lisboa al-kanīsa “Igreja”Alcains Castelo Branco al-kanā’is “Igrejas”Alcalá Évora al-qal‘a “Castelo”Alcamim Castelo Branco al-qamīm “Hortaliça”Alcanena Santarém al-Kināna Nome de uma tribo
árabeAlcântara Lisboa al-qanṭara “Ponte, parte elevada de
um edifício”Alcantarilha Faro Idem IdemAlcárcova Évora (ignorado) “Fosso, vala”Alcaria Vários al-qarya “Aldeia, povoado rural
de tipo disperso”Alcochete Setúbal “al-coxete” “Forno”Alcoentre Lisboa al-qunayṭira “Ponte pequena”Alcolena Lisboa al-qunīna ou al-
qullīna“Coelhos”
Alcolura Santarém “al-qalula” „Esgalho de cacho“Alcúdia Lisboa “al-kudīīâ” “Colina, cabeço,
montículo”Aldeia Vários aḍ-ḍay‘a “Propriedade fundiária,
povoação rústica”Alecrim Lisboa al-’iklīl “Alecrim”Alfafar Coimbra al-faḫḫār “Oleiro”Alfaiates Lisboa al-ḫayyāṭ “Alfaiate”Alfama Lisboa al-ḥamma “Termas, fonte de água
quente”Alfândega Lisboa al-funduqa “Estalagem, hospedaria”Alfarrobeirra Lisboa al-ḫarrūba “Alfarroba”
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Alfeição Faro al-Ḥusayn ou al-Haiṯam
Nome pessoal
Alfeizirão Leiria “al-fēzeran“ “Cana, canavial”Alferes Lisboa al-fāris “Cavaleiro”Alferrarede Santarém al-ḫarrārāt “Cascatas”Alfinete Lisboa al-ḫilālāt “Instrumentos para
furar, palitos”Alfofa Lisboa al-ḫawḫa “Porta do postigo”Alfurja Lisboa al-furǧa “Buraco, fenda”Algar Castelo Branco al-ġār “Cova, gruta”Algarve Faro al-ġarb “Ocidente”Algarve (A travessa dos Algarves)
Lisboa Idem Idem
Algés Lisboa al-ǧiss “Gesso”Algibebes Lisboa al-ǧabbāb “Vendedor de aljubas”Algodor Beja al-ġudur “Ribeiros, riachos”Algoz Faro al-Ġuz “Oghuz“ (confederação
tribal turca)Algudi Santarém al-ġadīr “Ribeiro, riacho ou lago
de águas estagnadas”Algueirão Lisboa al-ġeyrān “Covas, grutas“Algueirinho Lisboa Idem IdemAljezur Faro al-ǧuzur “Ilhas, penínsulas”Almada Setúbal al-ma‘dana
(derivado da forma padrão al-ma‘din)
“Mina, mineral”
Almagede Setúbal al-masǧid “Mesquita, lugar de prosternação”
Almancil Faro al-manzil “Estalagem”Almançor Aveiro al-Manṣūr Nome pessoalAlmaraz Setúbal “al-moarrax” “Parreira”Almares Santarém al-marās “Ancoradouros”Almargem Lisboa al-marǧ “Pastagem, prado”Almargio Santarém Idem IdemAlmazém Lisboa al-maḫzan “Lugar onde se
conservam, depositam objectos”
Almedina Lisboa al-madīna “Cidade”Almegue Santarém “al-megta’a“ “Vau de um rio”Almeida Guarda al-mā’ida “Planura, outeiro”Almeijoafas Faro al-miǧwafa “Côncava”Almeirão Santarém “al-mirun“ “Planta, espécie de
chicória”Almixaris Santarém al-manšar “Secadouro”Almoçageme Lisboa al-masǧid “Mesquita, lugar de
prosternação”Almocavar Lisboa al-maqabar “Túmulo, sepulcro”Almodafa Viseu al-Muẓaffar Nome pessoalAlmodôvar Beja al-mudawwar “Edifício ou casa
redonda”Almofala Viseu al-maḥalla “Arraial, aldeia”Almograve Beja al-maġrib “Ocidente”Almotacé Lisboa al-muḥtasib “Funcionário
encarregado da inspecção dos pesos, preços e medidas”
74
Almoxarife Santarém al-mušrīf ou al-mušārif (da forma padrão al-mušrif)
“Inspector, supervisor”
Almuinha Santarém al-munya “Casal, herdade”Alpeidão Setúbal al-bīḍān “As brancas” (nome de
um escolho)Alqueidão Leiria “al-qeddān” “Tufo calcário”Alquerubim Aveiro al-Qayruwān “Cairuão”(cidade na
Tunísia)Alvaiázere Leiria al-bayāz “Falcoeiro”Alvalade Setúbal al-balāṭ “Estrada, caminho
empedrado”Alvaledes Faro Idem IdemAlverca Lisboa al-birka “Lagoa”
Alvor Faro al-būr (da forma padrão al-bi’r)
“Poço”
Alvorão Santarém al-būrān (da forma padrão al-bi’rān)
“Dois poços”
Alvorge Leiria al-burǧ “Pequeno forte, torre“Árgea Santarém arzīya “Cedral”Arrabalde Vários ar-rabāḍ “Subúrbios”Arrábida Setúbal ar-rābiṭa “Convento fortificado”Arraçário Lisboa ar-rās “Cabeça, elevação de
terreno entre dois vales”Arracefe Santarém ar-raṣīf “Calçada, caminho
pavimentado”Arrais Lisboa ar-ra’īs “Patrão de barco”Arrifana Faro ar-rīḥāna “Murta”Arrife Santarém ar-rīf “Parte da terra que está
à beira da água, onde existem verdura, água e cultura, flanco da montanha”
Arroz Santarém ar-ruz (da forma padrão al-’aruz)
“Arroz”
Asno Santarém ḥiṣn “Castelo”Assacaias Santarém as-saqāya “Regueiro”Assumar Portalegre (ignorado) “Junco, junqueira”Atafona Beja aṭ-ṭāḥūna “Moinho”Atalaia Vários aṭ-ṭalāya‘ “Sentinela, vigia”Azambuja Lisboa az-zanbūǧa “Oliveira brava”Azambujeiro (Vale dos Azambujeiros)
Santarém Idem Idem
Azeitão Setúbal az-zaytūn “Azeitona, olival”Azemel Santarém az-zammāl “Almocreve”Azenha Vários as-sāniya “Roda de irrigação”Azinhaga Santarém az-zinayqa “Rua estreita”Azoia Leiria az-zāwiya “Ermida”Bem Amor Santarém Banū ‘Āmir Nome de uma tribo
árabeBenafim Faro (ignorado) IdemBenagaia Faro Idem IdemBenagil Faro Idem IdemBenalfange Évora Idem IdemBencatel Évora Idem Nome pessoal
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Benfarras Faro Idem Nome de uma tribo árabe
Bengado Faro Idem IdemBensafrim Faro Idem Nome pessoalBorratém Lisboa būr at-tīn (da
forma padrão bi’r at-tīn)
“Poço da figueira”
Cains Santarém Qayn Nome de uma tribo árabe
Ceitil Lisboa sebtī Nome relativo do topónimo Sebta (Ceuta, cidade na África do Norte)
Chafariz Lisboa ṣahrīǧ “Cisterna, bebedouro”Cuba Beja qubba “Pequena torre, cúpula”Couço Santarém qūs “Arco”Fangas Lisboa “fanga” “Medida de cereais,
carvão e sal”Faro Faro Hārūn Nome pessoalFátima Santarém Fāṭima IdemIsna Castelo Branco ḥiṣn “Castelo”Lafões Viseu al-’aḫwān “Dois irmãos” (nome de
dois castelos fronteiros)Laranjeira Vários naranǧa “Laranja”Lobata Santarém Luwāta Nome de uma tribo
berbereLoulé Faro al-‘ulyā “A alta, a altura”Maçode Viseu Mas‘ūd Nome pessoalMafamudes Viseu Maḥmūd IdemMamede Portalegre Muḥammad IdemMansores Aveiro al-Manṣūr IdemMarame Viseu Maryam IdemMarou Viseu ‘Umar IdemMarrocos Beja Marrākuš “Marraquexe” (cidade
em Marrocos)Marvão Portalegre Marwān Nome pessoalMeca Lisboa Makka “Meca” (cidade na
Arábia Saudita)Mesquita (Cerro da Mesquita)
Faro masǧid “Mesquita, lugar de prosternação”
Mistasa Santarém Misṭāsa Nome de uma tribo berbere
Murça Guarda Mūsā Nome pessoalNazes Viseu Nāṣir IdemNora Lisboa na’ūra “Nora“Odeáxere Faro (ignorado) Formado a partir do
étimo wādī (“rio, vale”)Odeleite Faro Idem IdemOdelouca Faro Idem IdemOdesseixe Faro Idem IdemOdiana Lisboa wādī yāna IdemOdivelas Lisboa (ignorado) IdemOurém Santarém Wahrān “Oran” (cidade na
Argélia)Queluz Lisboa qā al-lūz “Vale da amendoeira“Safas Santarém ṣaff “Valado, sebe“Saímes Viseu Sālim Nome pessoal
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Saloio Lisboa ṣaḥrōī (da forma padrão ṣaḥrāwī)
“Do deserto, do campo”
Soeima Bragança Sulaymān Nome pessoalTunes Faro Tūnis “Tunes” (cidade na
Tunísia)Vale de (Vale de Beja)
Beja balāṭ “Estrada, caminho empedrado”
Xadrez Lisboa šaṭranǧ “Xadrez”Xarca Lisboa aš-šaqqa “Fenda, terreno
despenhado e apertado”Zêzere Vários (rio) (wādī?) zēz “Cigarra”Zorro Santarém Zuhra Nome de uma tribo
árabe
2. Tabela comparativa entre os sistemas de transcrição fonética utilizados no trabalho
O alfabeto utilizado no trabalho para a transliteração de nomes árabes é o DIN 31635, que goza, provavelmente, da maior aceitação no mundo académico. A única modificação efectuada concerne às assim chamadas “letras solares” (t, ṯ, d, ḏ, r, z, s, ʃ, ṣ, ḍ, ṭ, ẓ, l, n), com que se assimila o –l do artigo definido al-, quando estão no início da palavra. Nas nossas transcrições decidimos reproduzir as palavras árabes na forma que resulta desta assimilação fonética, em vez de indicar o -l ortográfico (por exemplo: aṭ-ṭāḥūna em vez de al-ṭāḥūna).
Consoantes VogaisDIN 31635 IPA DIN 31635 IPAb [b] a [a]d [d] ā [aː]ḍ [dˤ] e [e]ǧ [dʒ] ē [eː]
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ḏ [ð] i [i]ẓ [ðˤ], [zˤ] ī [iː]h [h] o [o]ḥ [ħ] ō [oː]y [j] u [u]k [k] ū [uː]l [l]m [m]
n [n]
ṯ [θ]
q [q]
r [r]
s [s]
ṣ [sˤ]š [ʃ]t [t]ṭ [tˤ]w [w]
ḫ [x]
ġ [ɣ]
z [z]
‘ [ʕ]
’ [ʔ]
Fonte:
<http://transliteration.eki.ee/pdf/Arabic_2.2.pdf>.<http://www.lingfil.uu.se/afro/semitiska/forskarutbildning/transcription-of-arabicEN.pdf>
3. Número de topónimos árabes e arabizados na Península Ibérica por 1000 km² (sem hidrônimos)
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Fonte:
Stanislawski, D.: The Individuality of Portugal: A Study in Historical-political Geography [online]. Austin: University of Texas Press, 1959, Charts: Figure 14 [cit. 2011-01-12]. Disponível em: <http://libro.uca.edu/stanislawski/portugal.htm>.
4. Mapa do território muçulmano na Península Ibérica até meados do século XI
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Fonte:
Ferreira, M.S.C.: O Douro no Garb Al-Ândalus: a Região de Lamego durante a presença árabe [online]. Dissertação de mestrado. Universidade do Minho, 2004. [cit. 2011-01-12]. Disponível em: <http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/3001/34/anexos-Mapa%20do%20al-%C3%82ndalus.pdf>
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