30
 Tellus , ano 7, n. 13, p. 73-101, out. 2007 Campo Grande - MS Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé Raynice Geraldine Pereira da Silva Resumo: A língua Sateré-Mawé é falada por uma população aproxima- da de 7.500 pessoas que vivem na Terra Indígena Andirá-Marau, região do médio rio Amazonas (AM). Neste estudo, apresento um esboço da situação sociolingüística e educacional do povo Sateré-Mawé a partir de uma pesquisa feita com os professores indígenas do rio Andirá, na oca- sião do curso de formação de professores indígenas. O levantamento sociolingüístico considera: (i) a facilidade lingüística, (ii) os usos e atitu- des lingüísticas, (iii) os usos orais e, (iv) a le itura e escrita nas comunida- des. Na situação educacional, além dos dados relativos à educação tam-  bém são feitas algumas considerações sobre o material didático produzi- dos pelos professores indígenas. Espero assim contribuir para um me- lhor conhecimento do Sateré-Mawé, língua da região Amazônica. Palavras-chave: Sateré-Mawé, sociolingüística, material didático. Abstract: The Sateré-Mawé language is spoken by approximated 7.500 indians who lives at Andirá-Marau indigenous area; middle Amazon river (AM). In this paper, I present a sketch of the sociolinguistic and educational situation of these indians taking data from a research developed join to the indigenous teachers of the Andirá river during a course of indigenous teachers’ formation. The Sociolinguistic data considers: (i) the linguistic easiness, (ii) the linguistic use and attitudes, (iii) the oral uses and (iv) the reading and written in the areas where research was developed. In the educational situation, besides the relative data to the educational system conside rations are also made about didactic materials produced by the indigenous teache rs. With this paper I hope to contribute for a better knowledge of Sateré-Mawé language, one of the  biggest languages of the Amazon. Key words: Sateré-Mawé, sociolinguistics, didactic material. Doutoranda em Lingüística no Programa de Pós- Graduação do Instituto de Estudos da Linguagem – IEL/ UNICAMP . Bolsista CAPES [email protected]

13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 1/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, p. 73-101, out. 2007

Campo Grande - MS

Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé

Raynice Geraldine Pereira d a Silva

Resumo: A língu a Sateré-Mawé é falada p or um a p opu lação aproxima-da de 7.500 pessoas que vivem n a Terra Indígena An dirá-Marau, regiãodo m édio rio Amazonas (AM). Neste estud o, apresento u m esboço dasituação sociolingü ística e educacional do p ovo Sateré-Mawé a p artir de

um a pesqu isa feita com os p rofessores ind ígenas do rio And irá, na oca-sião do curso d e formação d e professores indígenas. O levantam entosociolingü ístico consid era: (i) a facilidad e lingüística, (ii) os usos e atitu-des lingüísticas, (iii) os usos orais e, (iv) a leitura e escrita nas comu nida-des. Na situação edu cacional, além d os dad os relativos à edu cação tam-bém são feitas algumas considerações sobre o material didático produ zi-dos p elos professores indígenas. Espero assim contribuir para u m m e-lhor conhecimento do Sateré-Mawé, língua da região Amazôn ica.Palavras-chave: Sateré-Mawé, sociolingüística, m aterial d idático.

Abstract: The Sateré-Mawé langu age is spoken by approximated 7.500

indians who lives at And irá-Marau ind igenous area; midd le Amazonriver (AM). In this p aper, I p resent a sketch of the sociolinguistic andeducational situation of these indians taking data from a researchdeveloped join to the ind igenous teachers of the And irá river d uring acourse of indigenous teachers’ formation. The Sociolinguistic dataconsiders: (i) the linguistic easiness, (ii) the linguistic use and attitud es,(iii) the oral uses and (iv) the reading and written in the areas whereresearch w as d eveloped . In th e edu cational situation, besides th e relativedata to the educational system considerations are also made about d idacticmaterials produ ced by the indigenous teachers. With this pap er I hope tocontribute for a better know ledge of Sateré-Mawé langu age, one of the

biggest langu ages of the Amazon.Key words: Sateré-Maw é, sociolingu istics, did actic material.

Doutoranda em Linno Programa d

Graduação do Inst

Estudos da LinguagemUNICAMP. Bolsista raynicemao@yahoo

Page 2: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 2/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 74

Introdução

A língua Sateré-Mawé (também conhecida como Sateré ou Mawé)é um a língu a da região Amazônica, falada por aproximad amente 7.500pessoas que vivem na região do méd io rio Amazonas, ond e se localiza a

Terra Ind ígena Andirá-Marau (doravan te T.I. And irá-Marau) territóriodeste povo. A área, com u m total de 788.528 hectares e hom ologada em1986, fica entre os estados do Amazonas e do Pará.

São mais de trezentos anos de contato com a sociedad e não-ind í-gena. Os relatos atestam qu e o contato com os portugueses foi feito em1669, através da instalação da m issão jesuítica Tup inambarana. A partirdaí, segue-se uma história d e luta d os índios Sateré-Mawé frente à socie-dade nacional. Dois fatos merecem destaque: No período de 1833 a 1839,os Sateré-Mawé p articiparam da “Cabanagem” o que lhes custou mu itas

vidas, devido a epidemias, lutas e perseguições aos povos indígenas quecombatiam ao lado dos cabanos. Já no começo do século XX, os Sateré-Mawé se vêem novamente tendo que defender seu território. Com o de-senvolvimento do “ciclo da borracha” seringueiros, principalmente d aregião de Itaituba no Pará, invadem o território indígena perseguindo ecausando a morte d e vários índ ios em busca de matéria-pr ima. Pereira(1980, p.35) afirma que, por causa desses ataques, pode-se entender aparticipação dos Sateré-Mawé a favor do Amazonas, na demarcaçãodos limites territoriais entre os Estados do Amazonas e d o Pará em 1916.

Segund o levantamento de Teixeira (2005, p. 24), existem 91 aldeiasna T.I. And irá-Marau d istribuídas ao longo dos principais rios e igarapése onde residem 1.600 famílias, correspondendo a 7.500 habitantes. Aregião mais pop ulosa é a do rio And irá. Na região do rio Marau são 37aldeias, 3.300 pessoas e uma média de cinco pessoas por domicílio.

É possível localizar também ind ígenas Sateré-Mawé em outras re-giões e cidades próximas. Em área urbana, o município com maior númerode d omicílios é Parintins/ AM, são 127 com u m total de 512 moradores.Os municípios de Maués e Barreirinha segu em com 48 e 50 domicílios,tendo respectivamente 200 e 276 morad ores. Nova Olinda d o Norte é omu nicípio com menor nú mero d e domicílios, são apenas 3 com um totalde 10 moradores. Teixeira também faz referência à Terra Indígena Koatá-Laranjal, território Mund uru ku, como local de residência p or conta damigração de famílias Sateré-Mawé, principalmente da comun idade deAraticum Novo no rio Andirá desde 1980. São 31 domicílios com 127moradores (Teixeira, 2005, p. 26).

Page 3: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 3/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 75

O levantam ento de Teixeira não faz referência a ind ígenas Sateré-Mawé residentes em Manaus, talvez por conta d a d ificuldade de tal re-censeamento1. Sabe-se que existem d uas aldeias “urbanas” na capital doestado, Manaus, um a no bairro Santos Dum ont, a primeira que foi for-mad a, e uma outra no Tarumã, região rural p róxima à cidad e.

Após a ap resentação destes dad os gerais sobre o povo que utiliza alíngu a Sateré-Mawé, apresento algum as considerações sobre esta língua.Inicialmente trato sua filiação lingü ística para, em seguida, tratar as in-fluências lexicais e fonológicas do Nheengatu na estru tura da língu a.

Filiação genética e lingüística

A língu a Maw é não apresenta um a classificação muito bem defi-nida. Rodrigues (1958), em u m artigo sobre a classificação genética d o

tronco Tupi, inicialmente a classificou como filiada à família Tupi-Guarani. Em 1982, num quadro de classificação para os p ovos indígenasbrasileiros, Rodrigues reviu sua classificação e considerou que ela nãopertencia a essa família. Mais tard e finalmente conclui: “Até agora tantoo Awetí quanto o Mawé vinham send o incluídos na família Tupi-Guarani.O melhor conhecimento de ambos deixa claro, entretanto, que são tãoaberrantes, cada um a a sua maneira, em relação a todas as outras línguasincluídas naquela família, que sua associação com elas deve ser p rocuradaem ou tro p lano” (Rodrigu es, 1984; Rodr igues, 1985).

De fato, os exames feitos por vários autores2 do vocabulário Mawé con-cluem que a língua pertence ao tronco Tupi, porém ela apresenta em suacomposição elementos estranhos a essa formação. Nimuendaju (1963) afir-ma que, “...the Maué vocabulary, however, contains an element that is completely

 foreing to Tupi but wich cannot be traced to any other linguistic family…” (p.246). Já Koch-Grunberg (1932), comparando Mawé, Tupi e Puruborá indicagrand es variações entre estas du as línguas em relação ao Mawé.

Com base em evidências lexicais e fonológicas, Rodrigues e Dietrich(1997, p. 256) levantam a hipótese d e que, inicialmente, existia um únicoramo composto por Mawé-Awetí-PTG3, jun to com outras famílias do

tronco Tup i. Os autores consideram então que hou ve du as separações: aprimeira separand o o Mawé e a segund a entre Awetí e PTG, resultand ona atu al configuração do tronco lingü ístico Tupi.

As pesquisas comparativas sobre o tronco Tup i4 parecem confirmara hipótese inicial de Rodrigues e Dietrich. Segund o Dru de (2006, p. 14),através de análise de palavras cognatas a partir da lista de Swadesh5 épossível estabelecer uma filiação. Comparando itens lexicais do subgru po

Page 4: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 4/30

 

Sateré-

Mawé

Nheengatu Sateré-

Mawé

Nheengatu

(1) [awati] ‘milho’ (6) [tupana] [tupã] ‘Deus/divindade’

(2) ‘água’ (7) [kapiwara] [kapivara] ‘capivara’

(3) [tapu  ja ] ‘índio’ (8) [kusiu] ‘macaco-cuxiu’

(4) [muka] [mukawa] ‘espingarda’ (9) [marakaha] ‘gato maracajá’

(5) [pisanã] ‘gato’ (10) ‘caju’

Mawetí-Guaraní 6 com as ou tras línguas do tronco Tupi, verificou-se que aporcentagem de cognatos fica em torno d e 30%, já comparand o os mesmoitens com as línguas do subgrupo, esse percentual sobe para 50%, chegandoa 70% quand o comparado com as línguas da família Tup i-Guaraní.

Drude, porém, discute a configuração das separações postuladas

por Rodrigues e Dietrich. Para este autor, a hipótese de configuraçãomais aceitável, considerando a porcentagem de cognatos entre as línguasdo subgrupo Maw etí-Guarani, é a de qu e as separações foram simu ltâ-neas ou mu ito próximas uma d a outra, tão próximas que não houvemudanças lingüísticas significativas. Drude considera que é pratica-mente imp ossível estabelecer a separação dentro do subgru po, portan -to, os três apresentam m ais ou menos a mesma configuração.

É importante considerar ainda que a l íngua Mawé sofreuacentuada influência lexical do N heengatu 7, principalmen te na r egião

do rio Andirá, desd e o início do século XVII.

Influências do Nheengatu

Uma d as maneiras de se ampliar e/ ou se adaptar o léxico de um alíngu a é através de empréstimos e neologismos. Esses processos ocor-rem geralmente através d e situações de contato entre línguas. No casodo Sateré, o contato com o N heengatu se deu na ép oca que os jesuítasinstalaram a missão Tup inambarana em 1669.

As influências do N heengatu pod em ser facilmente observadas no

léxico Mawé. Basicamente são de dois tipos. A primeira corresponde apalavras qu e foram incorporad as ao léxico sem nenhuma alteração. E asegund a, de palavras que foram adap tadas ao sistema da língua Mawé.

O p rimeiro tipo d e incorporação ocorre em maior nú mero e, peloque pude observar em trabalho de campo, o falante não identifica oempréstimo. Dentre as palavras, temos apukuita ‘remo’, kuia ‘cuia’, jakare‘jacaré’, kumana ‘feijão’, purure ‘enxada’. O segund o tipo é reduzido egeralmente ap resenta a lterações fonológicas, conforme tabela I:

Tabela I: Influências do Nheengatu (alterações fonológicas)

[awa  i]

[ku  iw]

[] [ii]

[tap.ia]

[maraka a]

[pi  ana] [ka u][k a su]

76 Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 

Page 5: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 5/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 77

É interessante notar que as palavras para mukae pisanã fazem refe-rência a conceitos típicos de cultura não-ind ígenas que foram empregadasprovavelmente por mestiços e missionários. Uma outra observação é decomo se deu o empréstimo, dificilmente é possível identificar se a p alavrafoi introduzida na língu a Sateré diretamente do Nheengatu, devido a

história d e contato entre as língu as, ou se foi a par tir do Portu guês. Aspalavras capivara e caju, por exemplo, também são empréstimos da LínguaGeral para Portugu ês, daí a dificuldade de d efinir quais os caminhos queo empréstimo fez.

Observei em trabalho de camp o que certas palavras do Nheengatusão utilizadas norm almente, apesar de existir a denominação em Mawé.Exemp los disso são as denom inações para ‘cap ivara’ e ‘porco-espinho’que podem ser tratados tanto em Sateré  pawato e nu i n, quanto emNheengatu kupidu e kuandu, respectivamente. Talvez, com o tempo,

ocorra u m processo d e especialização em qu e uma forma se especializeem relação à ou tra. Tal processo é comum quand o existe contato entreduas línguas, no caso da língua Mawé, o contato com o Nheengatu existiuna região do rio Andirá durante um certo tempo, hoje em dia já nãoexiste mais, mas as palavras emprestadas permaneceram e se incorpora-ram ao léxico da língu a, não sendo mais possível, em alguns casos iden-tificar a or igem.

Uma última qu estão diz respeito a diferenças lexicais de elementosnão-tupi na língu a Maw é. Rodrigues e Dietrich (1997) ressaltam que alíngu a Sateré-Mawé sofreu acentuada influência lexical do Nheengatudesde o início do século XVII, como já disse anteriormente (como as deno-minações para ‘faca’ k se, ‘chefe’ tuisae ‘gato’ pisanã). Ao mesmo tempo,afirmam qu e mu itas palavras em Sateré não correspond em a nenhumapalavra ou morfema de origem tupi. Um exemplo é a palavra em Saterépara ‘batata’ uriuru que não corresponde ao Proto-Tup i (PT) *wet k 8 ouao Proto-Tup i-Guarani (PTG) * jet k . Sobre isso existe a hipótese d e que aárea cultural indígena do Tapajós-Madeira, classificada pela modernaetnografia como p ertencente à trad ição Tup i, tenha sido palco de movi-mentos m igratórios de p ovos Aruak e mais recentemente Karib, o que

pod eria explicar a p resença desses elemen tos na língua (Mano, 1996).Para melhor comp reensão do assunto que ora trato, apresento um

pou co da situação sociolingüística desse povo a p artir de u ma pesquisafeita com os professores ind ígenas Sateré-Mawé do rio And irá.

Page 6: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 6/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 78

Situação sociolingüística

Rodrigues (2005) ao falar sobre a perda da d iversidad e lingü ísticados povos ao redor do mundo, considera, segundo parâmetros mundiais,que qu alquer língu a falada por menos de 100 mil pessoas tem sua sobre-

vivência ameaçada e p recisa de atenção especial. No Brasil todas as lín-guas ind ígenas têm m enos de qu arenta mil falantes, a língua com maiornúmero de falantes é a língua Tikun a, língua de família isolada, faladana região do rio Solimões com p ouco mais de trinta m il falantes.

O Mawé figura neste quad ro como uma d as línguas amazônicasmais representativas em termos quantitativos. Segund o Teixeira (op.cit),entre a T.I. And irá-Marau e área u rbana são aproximad amente 7.500pessoas que, em sua maioria, falam Mawé. Destes, somente um percentualde 4,1% não apresentam d omínio da língua. Isso pod e demonstrar um a

certa vitalidade, mas, é preciso considerar certos fatores tais como o conta-to com a sociedade envolvente e o crescente processo de escolarização.

A relativa p roximidade da T.I. Andirá-Marau com as cidades deParintins, Barreirinha, Maués e até mesmo a capital Manaus faz comque o fluxo migratório dos ind ígenas seja intenso. Semanalmente barcosde linha fazem o transporte entre as regiões e entre estas com as cidadespróximas o que representa um grande problema e mostra que a situaçãonão é tão homogênea em todos os povos da região.

Com a escolarização, veio a necessidade de dar p rosseguimentoaos estudos, assim, muitos jovens Sateré que terminam a p rimeira fasedo ensino fund amental na terra ind ígena, migram p ara as cidades como objetivo de dar continuidade aos estudos e lá quase sempre permanecempor conta das facilidad es e do fascínio que a sociedad e envolvente exercesobre eles. Em alguns casos, fica ameaçado o sistema de relações do povo,pois os jovens não qu erem m ais respeitar os mais velhos e nem se disporpara as atividades tradicionais, gerando conflitos de gerações que muitasvezes interfere na organ ização social.

Como d ito antes, a maioria da popu lação Sateré-Mawé apresentafluência na língua, homens e mulheres acima de sessenta anos são, em

grand e parte, monolíngües em Maw é. Excetuando as duas primeiras co-mu nidad es do rio Andirá, a primeira língua das crianças é a língua indí-gena. Nestas duas comu nidad es, Guaranatuba e Ponta Alegre, a línguade uso é o Portugu ês e, segund o os professores, as crianças chegam naescola monolíngües em Portugu ês. Essas escolas, estand o dentro d a áreaindígena, têm qu e começar o processo de alfabetização já em Portugu êstornando o Mawé a segunda língua de escolarização. Os professores dessas

Page 7: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 7/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 79

comunidades dizem que atualmente conseguiram um pouco mais de apoiodas famílias. Segundo eles, antes, os pais só queriam que seus filhos apren-dessem Portugu ês na escola porque só assim teriam mais oportunidades.Na verdade, esse discurso, comu m entre as sociedades ind ígenas, é umdiscurso internalizado pelos ind ígenas que assimilaram a forma d e pensar

dos não-ind ígenas em prol de uma sociedade nacional. Enfim, foram assi-milados em sua forma de pensar a edu cação.

Hom ens adultos e jovens são, em sua maioria, bilíngües em Maw ée Português, já as mulheres pod em ap resentar um grau d e bilingü ismovariado, as mais jovens sendo mais bilíngües que as mu lheres mais velhas.Outra var iante é o grau de escolaridade: os mais escolarizados, tantohomens quanto m ulheres, são bilíngües, talvez pelo fato de ter qu e sedeslocar da terra indígena para as cidades próximas no intuito de pros-seguir os estud os. Nas interações entre jovens a adultos é possível verifi-

car facilidad e de fluência em ambas as língu as. Já nas interações destescom os mais velhos, a língua d e uso é o Mawé, apesar da grand e quanti-dad e de palavras emprestadas d o Português. Essa situação de emp résti-mos se reflete também na escrita.

A respeito dos usos orais e escritos das línguas Mawé e do Português,os dad os representativos foram coletados através de questionários apli-cados na ocasião do curso de formação de p rofessores indígenas9 do Pro-

 jeto Pira-Yawara. São qu atro qu estionários. O primeiro permitiu verifi-car a facilidad e lingü ística em relação à língu a Maw é e ao Português. Osegundo verificou o u so das línguas de acordo com os domínios sociais.

Um terceiro questionár io faz referência aos usos orais de cada língu a nacomun idade e um ú ltimo qu e traz o quanto de leitura e escrita existe nascomunidades ind ígenas. Neste último, não pretendo diagnosticar se umalíngua é mais usada que a outra, mas verificar o quanto de leitura eescrita existe na comunidade e qual o grau de imp ortância dado. Ressaltoainda que os questionários foram ap licados aos professores indígenascomo representantes de suas comunidades, mas especificamente ascomu nidad es do rio Andirá. Um levantamento mais abrangente e repre-sentativo teria que ser aplicado em todas as noventa e um a comu nidad es

existentes na T.I. And irá-Marau com todos os seus habitantes.

Facilidade lingüística

O diagnóstico feito com os professores mostra que a maioria enten-de e fala Mawé. Somen te 5,88% marcaram que não falam o idioma, ou-tros ainda d isseram entender um pouco da língua indígena. Quanto a

Page 8: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 8/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 80

ler e escrever, 26,47% dentre os tr inta e qu atro p rofessores declararamsaber ler pouco em Mawé e outros ainda d isseram que tem p ouco domí-nio da escrita em Sateré, somente um professor disse não saber escreverna língua. O levantam ento, em termos p ercentuais, pode ser verificadona tabela II.

Tabela II:Facilidad e lingüística (Sateré-Mawé)

Sateré-Maw é Sim Um pouco Não Nã o respond eram Tota l %

Entend e 88,24 5,88 5,88 100,00

Fala 85,29 2,94 5,88 5,88 100,00

Lê 70,59 26,47 2,94 100,00

Escreve 67,65 29,41 2,94 100,00

A facilidade em relação à língua Portugu esa também d emonstraque, em sua maioria, os professores entendem bem o Portugu ês, apesarde alguns declararem entender u m pouco. Com relação a falar Português,é possível verificar um certo grau d e bilingüismo, pois todos disseramque falam ou falam um pou co Portugu ês. Nenhu m professor declarounão falar Português.

Tabela III:Facilidad e lingüística (Portugu ês)

Portuguê s Sim Um pou co Não Não resp onderam Total %Entende 73,53 26,47 100

Fala 55,88 44,12 100Lê 76,47 23,53 100

Escreve 70,59 29,41 100

Os p rofessores mostram mais familiaridade em ler e escrever emPortugu ês do qu e em Maw é, comp arand o as tabelas II e III é possível

verificar qu e a leitura e a escrita em língua Portu guesa é m ais freqüenteque na língua materna, é possível que isso se deva ao fato da política d eensino anterior que utilizava a língua ind ígena nos primeiros momentosde escolarização para, logo em seguida, substituir esta pelo ensino doPortuguês.

Fazendo uma p rojeção maior e, considerand o o levantamento deTeixeira (2005), somente em relação à região d o rio And irá, verifica-se

Page 9: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 9/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 81

que a p roporção de pessoas que lêem e escrevem em Mawé é maior noalto rio And irá. Nas regiões próximas aos municípios a prop orção dimi-nu i, ver tabela IV.

Tabela IV: Levantamento Teixeira (2005, p. 97) para a região do rio

AndiráLêSub-área

Bem RazoavelmenteNão lê Tota l

Alto Andirá 34,5 25,5 40,0 100,0Baixo Andirá 20,7 29,3 50,0 100,0

Teixeira considera ainda qu e, “quanto à capacidade de escrever oidioma Sateré-Mawé, as informações levantad as são bastante semelhan-

tes às obtidas para a leitura na língua, não d evendo ser, portan to, motivode atenção especial neste relatório” (Ibid., p. 97).

Analisando os d ados verifica-se que, assim como na língu a falada,as habilidades de ler e escrever em Mawé são mais preservadas nas áreasmais afastadas, ou seja, na região do alto rio And irá. Isso é verdad e tam-bém p ara os p rofessores dessa região, foram eles que responderam terpouca fluência no Português escrito/ lido. Numa d as oportunidades quetive de conversar com eles10, verifiquei que tinham dificuldade de m eentender e em alguns momentos tive que lançar mão de u m intérprete epedir ajud a na tradu ção para o Mawé.

Usos e atitudes l ingüísticas

 O segund o questionário observou os usos das línguas de acordocom os domínios sociais. Sua ap licação teve p or objetivo perceber quaisos usos de cada língua nesses domínios e as atitud es dos falantes emrelação a elas. Verificou-se que, a língua Mawé apresenta uma maiorvitalidad e em relação à língua Portugu esa. A maioria d os professores

respondeu qu e têm a língua indígena como p rimeira língua e a u tilizamcomo língua de uso no cotidiano das aldeias e da sala de aula, nesteúltimo caso significa que na m aioria das escolas as crianças chegam flu-entes na língua materna e com pouca ou nenhu ma fluência em Português.

Em relação ao uso no cotidiano das comun idad es, fica bem estabe-lecido o u so do Sateré-Mawé ao falarem entre si, e a língua Portugu esaao falarem com não-ind ígenas, inclusive em situação de rituais, tais como

Page 10: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 10/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 82

cerimônias trad icionais próprias dos Sateré-Mawé como o ritual da tucan-deira e a colheita do guaraná. Em r ituais religiosos não trad icionais, taiscomo missas e cultos evangélicos, a maioria afirma que são usadas asdu as línguas. É importante ressaltar que o novo testamento foi traduzidopara o Maw é na década d e 1960 por m issionários do SIL11 Albert e Sue

Graham. Notei que essa alternância entre Português e Mawé ocorre de-pend endo d e quem é o encarregado (pad re ou pastor) do ritual. Em N ovaSateré, comunidade de maioria evangélica, os cultos são feitos em Saterépelo pastor, que é ind ígena, com leitura do Novo Testamento às quartase sextas. Aos domingos a esposa do p astor, que tam bém é ind ígena, dáaulas do tipo ‘orientação religiosa’ para as mulheres e crianças tambémem Sateré. Já na comunidade de Ponta Alegre, de maioria católica, asmissas e festejos, incluindo procissão, são feitos em Português por padres12

ou indígenas iniciados na religião católica. Os dados referentes aos usos

de acordo com os d omínios sociais são apresentados na tabela V.Tabela V:Usos e atitudes lingüísticas de acordo com os domínios sociais

 Sateré-

MawéPortuguês As duas

não

respondeu%

Qu e língua é usad a com mais freqü ênciaem casa p ara fa la r com os adultos?

73,53 5,88 14,71 5,88 100,00

Qu e língua você fala melhor? 70,59 20,59 8,82 100,00

Qu e língua é usad a com mais freqü ênciaem casa p ara fala r com as cr ianças? 76,47 11,76 11,76 100,00

Qu e língua é usad a com freqü ência par aler livros ou a bíblia? 17,65 82,35 100,00

Qu e língua é usad a com mais freqü ênciaem casa p ara escrever? 5,88 26,47 67,65 100,00

Qu e língua é usad a no tr abalho parafalar com seus colegas?

17,65 8,82 70,59 2,94 100,00

Qu e língua é usad a no tr abalho parafalar com seus alun os? 14,71 11,76 73,53 100,00

Qu e língua é usad a com pessoas d emesma ida de na v izinhança?

79,41 11,76 8,82 100,00

Qu e língua é usad a d urante u macerimônia, um r itual de seu povo?

82,35 17,65 100,00

Qu e língua é usad a quand o reza (ora) naigreja?

14,71 85,29 100,00

Qu al é a língua de suas preces? 20,59 14,71 64,71 100,00

Qu e língua as crianças falam com maiorfreqüência?

88,24 11,76 100,00

Qu e língua os m ais velh os falam commaior freqüência?

97,06 2,94 100,00

Page 11: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 11/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 83

Em relação às atitudes lingü ísticas, é preciso considerar fatos sócio-culturais e políticos nas escolhas feitas pela sociedad e indígena frente àsociedade majoritária. Assim, a atitud e está diretam ente relacionad a àsescolhas lingü ísticas que os falantes fazem d as língu as que utilizam nassituações de conta to. Segund o Grosjean (1982), normalmente em casos

de bilingüismo é seguido o seguinte esquema:

monolingüismo na → bilingüismo n as → monolingüismo na

Língu a m inoritária Língu as minoritária e majoritária Língu a m ajoritária

Analisand o as atitud es lingüísticas dos professores Sateré-Mawéem relação ao Portugu ês e a língua materna, pude observar qu e, ao con-trário do que acontecia anteriormente, as atitud es são positivas tanto emrelação ao Mawé quanto ao Português. Quase todos, 97,06%, respond e-

ram que não existe uma língua mais bonita que a outra.Em relação ao ensino, questionados sobre a preferência de leitura eescrita na escola, também a maioria respondeu que prefere ler e escreverem ambas as línguas, embora o resultado identifique uma ligeira inclina-ção para leitura e escrita em Português. Um resultado que me chamou aatenção foi que, quando perguntados sobre qual língua d eve ser ensina-da n a escola, a maioria respondeu que as duas, mas marcou que a pri-meira deve ser Mawé e a segund a o Português.

Uma questão que me preocup a quanto ao uso do Mawé é que,cada vez mais a língua está perdendo espaço para o Português em áreaindígena, isso se reflete no ensino bilíngüe e diferenciado. Os professoresadotaram a proposta do Referencial Curricular Nacional para as EscolasIndígenas (doravante RCNEI) sem, sequer, refletir sobre as imp licaçõesque ela pode acarretar na vitalidade d a língua. Apesar da atitud e positivaem relação às duas línguas, há uma certa tendência de se considerar oPortuguês mais aprop riado13. Assim, percebe-se que a sociedad e Sateré-Maw é está, segun do Grosjean, numa situação de bilingü ismo e já, emalgumas comunidad es, de monolingü ísmo em língua Portuguesa. Nestaúltima, como já d isse anteriormente, encontram-se du as comu nidad es

do rio Andirá: Guaranatuba e Ponta Alegre onde só os mais velhos falamSateré-Mawé.

D’Angelis (2005, p. 9) ao tratar sobre a sobrevivência das línguasminoritárias diz que: “quand o o bilingü ismo(...) deixa de ser uma necessi-

dade coletiva do grupo indígena e chega a se tornar u ma necessidadede p raticamente todos os indivíduos de um a comu nidad e, então se estádiante de uma situação irreversível de avanço da língua portuguesa sobre

Page 12: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 12/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 84

os espaços da língua indígena.” Esse ainda não parece ser o caso doSateré-Mawé, mas de qualquer forma a necessidade e a ‘entrad a’ dalíngua portugu esa faz com que esta ocup e alguns espaços sociais de usosorais próp rios do Sateré-Mawé, conforme veremos a seguir.

Sateré-Mawé e Português: usos orais nas comunidades do rio

Andirá

O questionário sobre os usos orais do Portugu ês e do Sateré-Mawéprocurou diagnosticar em quais espaços o Mawé está sendo substituídopelo Português ou ainda, qual a situação real de bilingüismo presente nestasociedade e o quanto esse processo de substituição pode interferir na vita-lidade da língua indígena. Além d os usos sociais, tais como situações docotidiano, situações de rituais tratad os anteriormente, outros relacionados

aos usos orais como reuniões, comércio e relações com outras comunidadesindígenas e não ind ígenas serão abordados mais detidam ente.

De acordo com os dad os, na m aioria dos espaços, antes de uso oralsomente da língu a indígena são, hoje, espaços bilíngü es, são eles: reuniõescomu nitárias, festas e/ ou r ituais tradicionais da cultura Mawé, cerimo-niais de tratamento e cura, além dos eventos esportivos. A língua ind ígenaainda é usada com relativa freqüência nas relações entre as comunidad esdo rio Andirá. Nota-se que, à exceção do curso de formação dos professo-res e os encontros com pesquisadores onde a língua de uso é, evidente-

mente, o Português, todas as outras situações de interlocução d izem res-peito a interações entre ind ígenas dentro da área que grad ativamenteestão se tornand o bilíngües. Isso preocupa na medida que o contato coma sociedade envolvente agrava a situação e torna cada vez mais evidentea entrada d a língua portugu esa na área indígena.

A respeito das interações de usos orais em Mawé, os dados mostramque a língua se restringe cada vez mais a relações internas da comunidade.É usada p rincipalmente nos núcleos familiares, nas atividades de caça,pesca, coleta e nos afazeres dom ésticos de forma geral. Nas interações

familiares com amigos e parentes, usa-se o Mawé a depender do grau deproficiência d os participantes. Como d ito anteriormente, os mais jovensusam menos a língu a indígena que os adultos. Pud e perceber que, casohaja alguém que n ão fale ou que fale pouco Sateré usa-se o Português.Segund o os dados, o mesmo acontece nas reu niões de pais da escola.

D’Angelis (2005) apresenta o processo de avan ço da língua portu-guesa sobre os espaços da língua indígena em três momentos. No primeiro

Page 13: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 13/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 85

mom ento a língu a serve à sua comun idad e de forma p lena e eficiente,sem considerar, neste caso, o número d e falantes. O segund o momento équando a sociedade majoritária envolve a minoritária emprestando, desta,termos e denom inações, aumentan do e enriquecendo seu vocabulário,ao mesmo tempo em que invad e espaços da língua minoritária tornand o,

em d iferentes graus de contato, a língua ind ígena d esprestigiada em rela-ção à língua portuguesa. No terceiro momento, segundo o autor, as ‘mor-didas’ já são praticamente irreversíveis fazend o com que a língu a sejausad a para comu nicação com pessoas de mais idade que não falam, ounão falam bem , o Portugu ês.

No caso do Mawé, embora as ações de revitalização e preservaçãoda língua ocorram d e forma efetiva, aind a não há p or par te das comu -nidades e de seus representantes um a idéia real do quan to esse processopod e estar em estágio avançado. O fato é que cada vez m ais se fala e se

interage em Português na área indígena Sateré-Mawé tornando obilingüismo u ma prática comum entre crianças, jovens e ad ultos. A reso-lução da gravidad e desse caso pode ser considerad a tarde demais, nummomento em que as ‘mordidas’, segundo D’Angelis, talvez já sejamirreversíveis.

Como forma d e ilustração, num d ado momento do curso de forma-ção que me chamou bastante a atenção foi quand o tratamos empréstimos.Percebi que nas interações entre os professores o uso de construções dotipo: i) ui-mamãe (1Psg-‘mamãe’) ‘minha mãe’, e ii) e-titio (2Psg-‘tio’) ‘teu

tio’, eram mu ito comu ns, isso me preocup ou e resolvi então ap roveitar eexplicar qu e certas palavras, tais como relações de parentesco e partesdo corpo não p recisam ser emp restadas porque cada cultura tem u maforma próp ria de se referir a elas sem a necessidade d e empréstimos.Minha preocupação aumentou quando na discussão sobre o tema algunsprofessores já não se lembravam mais como se d izia ‘meu tio’ em Sateré.

Leitura e escrita nas comunidades Sateré-Mawé

Cavalcanti e Maher (2005, p. 30-31) ressaltam que apesar do proces-so de escolarização para os povos ind ígenas ser um direito garantido p orlei, não pode ser obrigatório como o é na sociedade envolvente. A questãoenvolve contextos específicos e diferenciados d as sociedades indígenasonde cada p ovo determina o que é m elhor e o m odo como se deve proce-der. A leitura e a escrita em certos contextos indígenas podem não sertão relevantes quanto o são nas sociedades não-ind ígenas. Isso faz com

Page 14: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 14/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 86

que, ainda segundo as autoras, os caminhos da escolarização sejam nego-ciados com as p artes interessadas. Assim sendo, o p rofessor indígenafigura como o representante que ajuda na tomada de decisão, junta-mente com a comunidad e, esclarecend o as funções sociais da leitura eda escrita tanto em língu a indígena quan to em Português.

Como d ito antes, a ap licação deste último questionário pretendemu ito mais verificar o qu anto d e leitura e escrita é realmente importantee relevante nas comu nidad es ind ígenas Sateré do rio And irá, principal-men te, qual a freqü ência. No levan tamento feito com os professores in-dígenas Sateré-Mawé foram consideradas duas situações: o uso da leiturae da escrita nas relações internas das comun idad es e nas relações com osnão-indígenas.

Nas relações internas entre as comu nidad es o uso, bem como afreqüência, variam. Em Guaran atuba e Ponta Alegre, por exemplo, o

uso de leitura e escrita é maior que nas demais comunidad es do rio Andirápor conta d o grande fluxo migratório com os municípios próximos, princi-palmente Parintins (AM) e Barreirinha (AM), devido a grand e quantidadede ind ígenas residentes nestes municípios que são originários dessas comu-nidades (Teixeira, 2005). Com isso, o uso de leitura e escrita (cartas, bilhe-tes, avisos, etc) é mais significativo. Apesar desse resultad o, pessoalmentepu de verificar que a mensagem transmitida de maneira oral ainda é opr incipal meio de comu nicação.

Em relação ao uso de leitura e escrita com não-ind ígenas, o resu l-tado já era esperado, neste tipo de interação usa-se muito freqüentementea leitura e/ ou escrita. Nas relações com a FUNAI e com as Secretárias(municipais e estaduais) de Educação, leitura e escrita são freqüentes emquase tod as as situações. Nas relações com pesquisadores e com agenteexternos religiosos também . Este último mais em relação à leitura porconta d a tradução da bíblia citada anteriormente.

Retomando Cavalcanti e Maher (2005) e, consideran do os dad osobtidos nesta pesquisa, é possível observar que o uso de leitura e escritaentre os Sateré-Mawé tem importância relativa, pr incipalmente quand ohá necessidade de se comu nicar com não-ind ígenas ou com p arentes

residen tes nos mun icípios próximos. Essa importância relativa dada àescrita pod e, a meu ver, significar que: i) a cultura oral desse povo passa,gradativamente, a perder espaço para a leitura e a escrita, o que p odetambém significar a perd a do espaço da oralidade e, conseqüentemente,mais um processo de adap tação Mawé à sociedade envolvente que valo-riza mais a escrita que a oralidade; ii) uma outra significação leva emconta os u sos escritos e falados do Portugu ês e do Maw é. Apesar d e, a

Page 15: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 15/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 87

princípio, não querer observar é imp ossível não considerar que o uso deleitura e escrita em Por tuguês é muito maior que em Sateré, ou seja, osMawé acabaram associando qu e escrita é em Portu guês e que a línguamaterna só pode ser falada.

O esboço sociolingüístico feito acima a partir dos questionários

aplicados aos professores Sateré-Mawé demonstra que a língua indígenaapresenta-se com u m grau d e bilingü ismo crescente que p reocup a namedida em que professores e comunidades ainda não tomaram consciên-cia d o quanto estão se deixando envolver pelo processo de escolarizaçãoimposto pela sociedade majoritária. Através de empréstimos e de situaçõescotidianas de interação, os Sateré-Mawé cada vez mais dão espaço aoPortuguês em d etrimento d e sua língua ancestral.

Com o advento da escolarização, o processo parece ter se agravadopor conta d a entrad a de leitura e escrita que, necessariamente, acompa-

nham este processo. Anteriormente o qu e se tinha , principalmente deleitura e escrita, era a trad ução do livro d o novo testamento da bíblia,feita por missionários com o intuito de catequização e cartilhas elabora-das p or estes, que nada tinham d e educação escolar ind ígena. O materi-al apresentava alguns ensinamentos da língua materna, mas esses ensina-mentos eram claramente de transição e privilegiavam o ensino do Portu-guês em detrimento da língua materna.

É imp ortante ressaltar qu e, os atuais professores indígenas, foram,de alguma forma, iniciados na leitura e na escrita por m issionários quevisavam integrá-los através de um ensino que não condizia com sua rea-lidade lingüística e cultural. Em grand e par te, somente há pouco temp oe já como professores ind ígenas, aprend eram a escrever em Sateré-Mawée apresentam grand e insegurança na p rática escrita. Esses professoressofreram ao serem alfabetizados pela obrigação de aprender uma línguaimposta nu m claro processo onde a língua materna serviria apenas deveículo de transição para o aprendizado do Português como língua nacio-nal. Tudo em relação ao seu conhecimento lingü ístico e cultural era des-considerado. Isso faz com qu e nas suas atuações como professores ind íge-nas haja uma n ítida preocup ação no sentido d e que não se repita esse

processo de descaracterização. Mas há aind a mu ito que fazer no sentidode conscientização deles em relação às suas práticas de ensino.

Agora, com a escolarização, os Sateré-Mawé têm um a nova bata-lha que, segund o Melià (1979, p. 60) é seu novo parad igma: “A alfabetiza-ção quer assimilar o índ io; o índio quer assimilar a alfabetização, maspara não ser assimilado”.

Page 16: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 16/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 88

Educação escolar indígena Sateré-Mawé

Os dados relativos à situação edu cacional dos Sateré-Mawé foramextraídos de Teixeira (2005). Neste levan tamento sócio-part icipativo, épossível visualizar os dados que d izem respeito à educação tanto na T. I.

And irá-Marau qu anto nas áreas urbanas. Conforme o au tor, “O quad rosituacional dos Sateré-Mawé, no que concerne à escolarização e à escola-ridade, apresenta elementos que devem ser entendidos não só como resul-tado da ap licação de políticas públicas educacionais, mas também comoexplicitação de estratégias políticas usad as pelos índ ios na negociaçãode visibilidade e reconhecimento n o espaço pú blico brasileiro” (p. 103).

De acordo com os dados, a escolarização não alcança a totalidad edos ind ígenas en tre 7 a 24 anos (59,6%), send o mais significativo até os17 anos. Teixeira associa o alto índ ice de pessoas fora da escola a ausência

de ensino fund amental de 4ª a 8ª série nas comun idad es. Todavia, so-mente 22,5% das pessoas entrevistadas declararam ter concluído a quartasérie do ensino fundam ental.

Avaliand o os dad os, Teixeira considera também que a oferta deuma escola ind ígena com educação escolar específica e d iferenciada supreunicamente as primeiras séries do ensino fundamental com u m percentualde 87,1% da taxa de escolarização não havendo oferta das outras sériesdo ensino fundamental e médio. Fatores como distância, limitação dasséries, falta de recursos financeiros e de transporte são os principais

motivos de desistência escolar. Esses são também fatores de ord em estru -tural u tilizados por aqueles ind ígenas que nu nca freqüentaram a escolae que são, contudo, fatores determinados pelas relações políticas e econô-micas com a sociedad e envolvente.

Em relação ao gênero, as mu lheres são as que menos freqüentam aescola na terra ind ígena: 68% contra 77% de homens. O que é evidencia-do no curso de formação de professores onde há mais homens que mulhe-res. Apesar da superioridade masculina nos cursos de formação de profes-sores, não há diferenças significativas entre homens e mulheres que usamo idioma falado em área ind ígena. Já em relação à leitura e a escrita, 60,3% dos homens lêem e escrevem contra 43,5% de mulheres em idadeescolar.

Page 17: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 17/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 89

Projeto Pira-Yawara

O projeto Pira-Yawara14 de formação de professores ind ígenas tempor objetivo: “assegurar condições de acesso e de permanência na escolaà população escolarizável para o ensino fundamental nas Terras Indíge-

nas, garantindo uma educação diferenciada, especifica, intercultural,bilíngüe, comu nitária e de qualidade que responda aos anseios dessespovos”(p. 01). Ficam, assim, definidas as seguintes ações do projeto emrelação à edu cação escolar indígena d os povos d o Amazonas: i) Forma-ção inicial e continuada d o professores ind ígenas; ii) Formação continu-ada d os técnicos das secretarias municipais e da equipe central do Esta-do; iii) Diagnóstico lingüístico e antrop ológico da realidade ind ígena d oAmazonas; iv) Desenvolvimento e fomento ao uso das línguas indígenasno Amazonas; v) Produção, editoração, publicação e distribuição de

Material Didático específico e diferenciado; vi) Distribuição de mate-rial escolar e didático-ped agógico e vii) Assessoria técnico-pedagógica eadministrativa às Secretarias Municipais SEMED’s.

Uma das orientações do RCNEI, com respeito à formação de profes-sores indígenas, refere-se à atuação e profissionalização desses professorescomo pesquisadores de suas próprias línguas e culturas. O objetivo é,portanto, “incentivá-los à pesquisa lingüística e antropológica e para aprodu ção de material d idático” (p. 42). No projeto Pira-Yawara, preten-de-se que esse material didático-pedagógico corresponda à elaboração delivros de leitura e cartilhas, tanto em língua materna quanto em Português,

por decisão dos próprios professores indígenas que, através de orientaçõescurriculares, procuram adequar o processo de formação à realidade bilín-güe e, muitas vezes, mu ltilíngüe das comunidad es indígenas na atualidade.

Entre os professores ind ígenas Sateré-Mawé, a experiência da p ro-du ção de livros no curso de formação d e professores não só d iz respeitoà sua identificação cultural ind ígena, mas tam bém a experiência de atua-ção como au tores e constru tores de educação efetivamente Sateré-Mawé:

Os livros prod uzidos por n ós foram m uito úteis para n ós e para nos-sos alunos, porqu e esses livros partiram d os nossos conhecimen tos,

por isso nós saberemos usar os livros com os alunos, saberemos valori-zar os livros porqu e nos livros estão todos os nossos conhecimentos,

as nossas lendas, tradições, culturas, está escrito a nossa vida e por-que nós sabemos quanto foi difícil a produção dos nossos conheci-mentos. Nos livros têm todas as disciplinas que precisamos. Profa.Cristina Santos de Souza (Pira-Yaw ara p . 10).

Eu como um dos au tores dos livros, para mim foi um a experiênciamu ito grand e e bonita, esse era o meu desejo de ver frutos que saísse

Page 18: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 18/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 90

de mim, um dia ia valer para o meu povo . Prof. Inácio Cristino daSilva (Pira-Yaw ara p. 10).

Embora existam outros tipos d e produção escrita entre os Sateré-Mawé, estas não serão apresentadas neste trabalho. Aqui, delimita-se aanálise e d escrição d o material d idático-ped agógico p rodu zido p elos

professores indígenas Sateré-Mawé no projeto Pira-Yawara. Do materialprod uzido, não tivemos acesso ao jornal indígena e ao livro chamado‘Histórias de Vida’, ambos serão d escritos somente pela sinopse contidano projeto. Todos foram editados em 1998 na ocasião de formação daprimeira turm a de professores para o magistério ind ígena.

Segue-se a descrição do material, com observações de caráterilustrativo da riqueza lingü ística e visual prod uzida pelos professores.

1 Coleção Seres Vivos

Coleção composta de três volumes ilustrados com desenhos produ-zidos pelos professores ind ígenas. Escritos em língu a portuguesa.

O pr imeiro volum e traz como temática Nossas A ves/Animais da Flo-resta, consta de oitenta e nove páginas, ricamente ilustrado com desenhosde aves e animais que habitam a região dos Sateré-Mawé. Cada desenhovem acomp anhado de u m texto com informações sobre o habitat, a ali-mentação e reprodução. Os professores procuram informar ainda qualutilidade das aves ou dos an imais aos leitores, são informações do tipo:“servem como alimentação e suas penas servem como artesanato na produção

de colares, brincos e pulseiras”. Em relação à conscientização, os escritoresindicam quais as aves e os animais, existentes na área ind ígena, que estãoem processo de extinção, conforme texto reproduzido abaixo:

ARARA

(hanun)

A arara é u ma ave mu ito bonita e também m uito conhecida.

Ela vive no alto das árvores frondosas.

A arara se reprodu z através de ovos.

Para se reprod uzir elas procuram os buracos nas árvores mais altas

que servem como seu habitatSuas penas grand es e coloridas, vermelhas, azuis e amarelas são usa-das para enfeitar flechas, colares, capacetes e luvas d e tucand eiras,além d e outros enfeites.

Existem três tipos d e arara: a arara grand e, a ararinha e a arara karu,de p enas amarelas.

Elas se alimentam de frutos madu ros e sementes.

Page 19: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 19/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 91

A arara é u ma ave que n os fornece alimento.

(Elaboração: Inácio Cristino da Silva, Aldeia Ind ígena Santa Maria / Rio Uru pad i)

Os textos normalmente apresentam u ma linguagem acessível àscrianças, ao que parece, por ser d irecionado aos alun os indígenas das

séries iniciais do ensino fund amental.URUBU

(uruwu)

O uru bu é um a ave que não serve de alimento para n ós.

Mas o uru bu tem sua u tilidade d oméstica, que conhecemos comoanimal lixeiro.

Vive para comer carniças e alimen tos estragad os.

Seu h abitat é onde há m ais facilidad e d e encontrar alimentos p araeles. É o único animal que não caça por si, mas depende de outros

animais para sobreviver.Adivinhação: Quem sou eu?

Vida para mim é tristeza!

E morte para m im é alegria!

(Elaboração: Inácio Cristino d a Silva, Aldeia Santa Mar ia / RioUrupadi)

Além da arara e do urubu, o primeiro volume traz informaçõessobre onze espécies de aves e vinte e dois animais da floresta.

O segundo volume trata os Nossos Peixes/Pequenos Animais. Neste

ainda são dad as, nos desenhos, informações sobre as partes do corpo e aforma como se pesca ou pega os pequenos animais. Entre os peixes estãovinte e duas espécies que habitam a região e mais dez espécies de p eque-nos animais.

O terceiro e último volume da coleção Seres Vivos traz informa-ções sobre treze tipos d e árvores da região e da p lanta do Guaraná. Estaúltima intimamente ligada ao povo Sateré-Mawé e, por isso, tratada m aisdetidam ente pelos professores. Na p arte do guaraná é tratado o modode plantio, a colheita, o beneficiamento e todas as informações impor-

tantes sobre a planta.A coleção toda é de natu reza didática e procura dar ao aluno umpou co de conhecimento sobre a cultura e a natu reza que os rodeia sem,contudo, usar u ma linguagem que fuja à comp reensão destes.

No que d iz respeito à orientação do RCNEI sobre a atuação doprofessor-pesquisador ind ígena fica claro que, para a elaboração destese de ou tros livros, o professor ind ígena em formação teve que pesquisar

Page 20: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 20/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 92

 jun to à comu nidad e as informações presentes nos livros bem como ela-borar desenhos e textos que mostrassem o tipo de informação veiculadanos livros.

2 Tupana ewowi urutowepy

Entre os livros prod uzidos em língu a materna tem um de cantoscompostos por d ois professores e compositores Sateré-Mawé. Os cantossão religiosos e recreativos. O livro está dividido em duas partes: Na pri-meira são canções escritas pelo prof. Euzébio José Torquato e na segund apelo prof. Ocivaldo Batista Guimarães. O livro contém vinte e uma páginascom u ma apresentação de agradecimento dos professores ind ígenas, aosdocentes do curso pelo apoio e incentivo na d ivulgação de seus talentos.

3 Histórias, lendas e mitos Sateré-Mawé

O livro é constitu ído de histórias, mitos e lendas. São histórias pes-quisadas e escritas pelos professores indígenas nas etap as do curso deformação du rante as au las de p rodução textual. São dezoito históriasdas quais algumas são de autoria dos professores e outras forampesquisadas com os mais velhos das comu nidad es. Além das histórias, olivro contém ilustrações bem desenhadas mostrand o os eventos contadosatravés da escrita. A versão que figura no livro é a dos professores e nãomais ricamente especulativa quand o narrada oralmente por aqueles quecontam o surgimento, as origens do p ovo Sateré-Mawé e da naturezaque os rodeia. Apesar d isso, o livro atende ao critério didático a que sedestina, mas é p reciso considerar que além d a versão escrita no livropelos professores, mesmo quando as h istórias foram pesquisadas, existemmu itas outras versões de um a mesma h istória. A riqueza e a diversidadedas formas d e se contar u ma m esma história é arte do narrad or, cujopapel deve ser considerado e valorizado principalmente nas culturas ind í-genas trad icionalmente orais.

4 Sateré-Mawé mowe’eg     hap

Escrito em Mawé para leitura e acompanham ento de atividadesde comp reensão de textos. Como os ou tros, é mu ito bem ilustrad o comtextos curtos sobre fatos do d ia-a-da e acompanhad o de atividad es parafixação da leitura e comp reensão dos textos. Traz exercícios de silabifi-cação, caça-palavras, complementação de frases curtas entre outros. Émuito mais uma cartilha do que um livro de leitura que possa ser utilizado

Page 21: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 21/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 93

fora d e sala de aula. Ao final, o livro traz u ma h istoria em quadrinhosque conta a história do macaco e da m ucura , produ zida pelo professorind ígena Inácio Cristino da Silva. É o ún ico livro d o material que trazesse tipo d e linguagem através de histórias em quad rinhos.

5 Sateré-Mawé wemahara hap ko’i

Outro livro escrito em Mawé que traz brincadeiras, recreações eformas de lazer p raticadas pelas crianças, jovens e adultos Sateré-Mawé.São dezoito atividad es que contam sobre corridas, pescarias, competiçõesde arco e flechas, algumas até originárias de emp réstimos d a sociedad eenvolvente como a p ata-cega e a brincadeira de rod a. É, sem d úvida, umlivro de leitura lúd ica que procura levar às crianças brincadeiras e ativida-des que dizem respeito não só ao povo, mas também muitas outras quepossam contribuir no processo de formação dos alunos. Assim como os

outros, também é bem ilustrad o e rico em informações sobre a cultura ea língua.

6 Os Sateré-Mawé e a arte de construir

Neste livro os professores ind ígenas escrevem textos que mostramcomo p rodu zir artefatos e a arte de constru ir Sateré-Mawé entenda-seque a ‘arte de constru ir’ não se refere somente à constru ção de casas ehabitações, refere-se também a toda forma de criação artesanal dos Sateré-Mawé. Considero um dos mais bem ilustrad os, contém desenhos ricosem detalhes dos artefatos. Ao que tud o ind ica, os professores ind ígenasprocuram passar tod as as informações possíveis, não só na escrita dostextos, através de explicações bem d etalhad as de como prod uzir e/ ouconstru ir, mas também através das figuras do livro. São d ezoito itensdescritos em Português e ilustrados p elos professores indígenas.

7 Sateré-Mawé – as plantas que curam e Sateré-Mawé mikoi mohag    wuat  waku rakaria set ko’i

Duas cartilhas p rodu zidas pelos professores ind ígenas. Uma emPortugu ês e a outra em Maw é que explicam o uso, o preparo e o pod ercurativo de plantas e ervas medicinais conhecidas por eles. O volume emPortuguês traz sessenta e quatro receitas de u so e preparo d as mais varia-das plantas e ervas com ilustrações e nomes em Português e em Sateré-Mawé ind icados tanto nos desenhos d as plantas como nos textos. Apósuma série de receitas, a cartilha pede, como exercício, que os alunos

Page 22: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 22/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 94

descrevam outros remédios que eles conhecem a partir daquelas plantascitadas anteriormente.

No volume em Mawé as receitas e as atividad es se repetem e sãoacrescidas de algum as outras que enriquecem aind a mais este volume.Ainda são ap resentados os nomes das receitas em Português para, logo

em seguida, virem d enominadas em Mawé entre parênteses.Essa coletânea é interessante pela p reocup ação de vir em dois vo-

lumes, um em Português e o ou tro em Sateré, o que permite a leitura emambas as língu as. Outro aspecto a considerar é que serve também dematerial de p esquisa porqu e nas d uas cartilhas, é solicitado aos alunos(ou a outros eventuais leitores) que descrevam outros tipos de remédiosque não estão contidos nos livros.

8 Huhu’e hap (Jornal)

Um jornal indígena, ond e os conhecimen tos lingü ísticos dos profes-sores são amp liados a partir de textos produzidos em língu a materna.É um instrum ento ped agógico-edu cativo que veicula a divulgação denot ícias (...). É seu objetivo servir d e instru mento d e uso e ap erfeiçoa-men to d a língua escrita (Pira-Yawara p . 10).

9 Histórias de vida

É uma obra ilustrada produzida em língua portuguesa. Apresentatextos que falam das experiências e de fatos marcantes ocorridos comos p rofessores ao longo de suas vidas (Pira-Yawara p . 11).

Do material didático-pedagógico prod uzido pelos professores ind í-genas Sateré-Mawé, trato aqueles descritos anteriormente como materialrepresentativo do p rocesso de prod ução escrita dos professores que pas-sam a ser au tores e responsáveis pelas informações contidas neste mate-rial. De acordo com os referenciais de formação de p rofessores ind íge-nas: “Os materiais didáticos prod uzidos pelos professores ind ígenas oupor outros membros de suas comunidad es como parte dos programas deformação deverão conter créditos dos au tores, dos ilustradores e d osdemais colaboradores ind ígenas” (p. 67).

Essa iniciativa d os professores indígenas d e escrever sobre a reali-dad e que os rodeia inaugura u ma nova forma de transmissão de conheci-mento qu e agora, através de registro, não é mais apenas rep assada oral-mente, como é comu m nas sociedad es ind ígenas ou d e tradição eminen-temente oral. Os livros d irecionados para a alfabetização fixam, no papel,um saber trad icional que antes não era escrito e nem lido.

Page 23: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 23/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 95

A prod ução escrita dos professores Sateré-Mawé representa a auto-imagem do povo ap resentada por eles que p rocuram , através da escrita,uma forma de transmitir aos alunos o modo de vida e de ser Sateré-Mawé. Neste sentido, o material d idático produ zido, se molda aos pres-sup ostos exigidos pelo Referencial Curricular de saber tradicional, socie-

dade eminentemente edu cativa e de formação de professor-pesquisadorde sua p rópr ia língua e cultura.

Leite (1994, p. 202), ao analisar a trajetória d e prod ução do mate-rial didático Tikuna, prop õe duas questões básicas que considera rele-vante: a visão de mundo própria indígena que, necessariamente é d ife-renciada de povo para povo, e a pertinência sócio-pedagógica ou polí -

tica. Em última análise, em relação à segund a qu estão, se o un iverso dereferência é aprop riado para um povo como étnica e culturalmente d ife-renciado.

Analisando toda a produção acima descrita pode-se dizer que todasdizem respeito à visão de mu ndo Sateré-Mawé. A “coleção Seres Vivos”e “Plantas que Curam”, por exemplo, trazem informações sobre a r icafauna e flora da área ind ígena em que se encontram os Sateré-Mawé.Além de fazerem referência ao meio físico em que se inserem, trazemtambém informações importantes coletadas e pesquisadas pelos professo-res ind ígenas no processo de formação.

É importan te ressaltar que, a concepção de escola está claram entedefinida a partir dos aportes trad icionais do ensino de escolas não-ind íge-

nas. Apesar d e ricos em informações sobre o un iverso Sateré-Mawé, omaterial didático vem num a linguagem que não cond iz com o linguajar,ou seja, o dialeto local da região. Por exemplo, ao falar do m ergu lhão otexto diz: “É um animal vertebrado porque possui ossos na coluna vertebral.É um animal ovíparo porque se reproduz através de ovos...”. Ora, essa certa-mente não é a lingu agem usada p elos ind ígenas para definir qualquertipo de animal. Acred ito que, mesmo que venha com textos escritos emPortugu ês, que veicule com uma linguagem mais próxima do Portuguêsusad o na região. O mesmo ocorre com os ou tros volumes da série. A

versão em Sateré-Mawé d as “Plantas que curam” m ud a um pouco aordem d e apresentação, por conta d a organização alfabética adotada.Do mais, é igual àqu ela escrita em Por tuguês, inclusive nas ilustrações.

O universo de referências no material didático prod uzido pelosprofessores são as relações sociais e as atividad es econômicas e, é claro, aconcepção de escola e do meio físico em que os contextos são apresentados.Os livros “Os Sateré-Mawé e a arte de construir ”, “Sateré-Mawé wemahara

Page 24: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 24/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 96

hap ko’i” e “ Histórias, Lendas e Mitos Sateré-Mawé ”, trazem, por exemplo,informações sobre o modo de ser Sateré, os dois primeiros tratam relaçõessociais e atividades coletivas muito importantes para o sentido de um aun idade inclusiva maior Mawé, tratam a caça e a pesca, as construções,os traçados próprios da sociedad e Sateré-Mawé informand o aos leitores

sua identidade étnica e culturalmente diferenciada. Em “ Histórias, Lendase Mitos Sateré-Mawé” vemos a delicada relação desses índios com seumeio físico e sua relação com a natureza. Os textos versam sobre as ori-gens, a partir da planta do guaraná (importantíssima no universo dereferência Sateré-Mawé), é de onde se originou todos os clãs, sobre tiposde cultivo importan tes para a subsistência e para as relações econômicas,como a m and ioca, o cará e a laran ja, sobre animais ligados a cosmologiaMawé... Enfim, sobre o quanto é forte a relação deste povo com a naturezae com o meio físico em qu e vivem.

Por fim, e aind a considerando o universo de referências dos Sateré-Mawé, destaco o livro “Tupana ewowi urutuwepy”, que apresenta umpou co da comp osição artística d este povo. Considero este livro mu itoimportante porque mostra, também, a estreita relação deles com a musi-calidade próp ria dos povos ind ígenas, mas pou co divulgada n o Brasil.Penso que esta seria um a forma d e se prom over a modernização que,nas p alavras de D’Angelis (2005, p. 26), “é no conjunto d e possibilidadesque as comunidad es poderão encontrar gêneros que se ap liquem às suasnecessidades, ou que as inspirem para produzir alguns (ou alguns)gênero(s) escrito(s) próp rio(s)...”.

Considerações finais

A prática lingüística de transmissão oral de conhecimento é reali-zada pelos povos indígenas desde sempre. Esses saberes são transmitidose circulam nessas sociedad es com funções e figuras p rópr ias que são res-ponsáveis pela narrativa, pelas práticas de caça, pesca e coleta de ali-mentos, pelos ritos sociais e religiosos que, normalmente, são d elegados

aos mais velhos e pelos papéis sociais definidos de homem e mu lher trans-mitidos oralmente através das gerações. Forma-se um conhecimento me-morial que d ita as regras de organização social e política de um p ovo, deuma sociedad e. Nas sociedad es sem escrita, as funções sociais e de memó-ria se ligam através de uma cultura oral. Ong (1982) quando fala d eculturas narrativas e orais, afirma que “o saber e o discurso surgem daexperiência humana e que a maneira elementar de processar verbalmente

Page 25: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 25/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 97

é dand o conta de como realmente ela nasce e existe, contido no fluxo dotempo”15 (p. 138). Assim, as culturas de trad ição oral utilizam p rincipal-mente narrativas para guardar, organizar e comu nicar seus saberes eassim reúnem conhecimentos e m anifestações que seguramente serãorepassados através dos tempos entre os membros dessas sociedades.

Do contato entre os povos surgem situações de emp réstimos e denecessidad es nunca antes imaginadas. Com isso, as formas de transmis-são oral vão, gradativamente, perd endo espaço para a linguagem escritaque vem, necessariamente, com o p rocesso de escolarização e d e escola-ridade. A escola nas sociedad es ind ígenas é um advento novo, emprestadodos ‘brancos’ e imp osto como institu ição social. A escola traz com ela aescrita e a leitura qu e passam a ter funções sociais e, também, relativaimportância dentro das comunidad es.

Aos professores ind ígenas cabe a d ifícil tarefa d e definir até ond e é

importante ler e escrever em suas línguas e na língua da sociedadeenvolvente. Cabe a eles também não deixar que a escola interfira nasfunções trad icionalmen te definidas e já estabelecidas, como as funçõesde narradores e contadores de histórias, pajés, curandeiros, pessoas encar-regadas de d eterminados conhecimentos, como o p escador e o caçadorque conhece a arte e a ciência de pescar e caçar. É uma tarefa complexae d ifícil de executar.

Após considerar toda a trajetória dos Sateré-Mawé penso que, comoMano (1996), eles são sobreviventes em constante processo de adapta-

ção. Tentam a todo custo se manter com sua língua e cultura bem d efini-das, apesar d as várias tentativas de d escaracterizá-los enquanto socie-dade ind ígena. É certo que m uito se perdeu, eles já não m oram mais emcasas coletivas, morad ia comu m entre os povos d e origem tup i, mas seespalham ao longo dos rios de sua terra em comu nidad es, parecendomu ito mais comunidad es ribeirinhas presentes em toda a região Amazô-nica. Fora a língu a e o fato de estarem em terra ind ígena se assemelhammu ito aos caboclos da região.

A situação sociolingü ística dos Sateré-Mawé é claramente bilíngü e

e cada vez mais dão espaço ao Portugu ês em d etrimento de sua línguaancestral. Essa situação é preocup ante à medida qu e os espaços sociaisde usos orais da língua indígena já não são mais tão definidos. Em relaçãoao uso da leitura e da escrita percebe-se um a leve preferência ao Portu-guês e isso, como já disse, também é preocupante uma vez que é precisocriar espaços e funções sociais relevantes para a escrita em Sateré-Maw é.Acred ito que a possibilidad e da escrita e a leitura d evam servir para

Page 26: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 26/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 98

garantir a p reservação da memória coletiva, para a reescritura d e fatoshistóricos de contato na perspectiva indígena, já que até agora, só foicontada sob a persp ectiva d os ‘brancos’.

Com a escolarização veio a produção d e material didático específi-co e diferenciado feito pelos professores ind ígenas que visa à valorização

da língua e da cultura Sateré-Mawé. É claro que neste primeiro momento,o material atende as expectativas propostas pelas várias instituições gover-namentais, mas m e parece que faltam ainda alguns ajustes. É precisoque se entend a que, apesar de d idáticos ou parad idáticos, os livros nãoprecisam ser infantilizados ou feitos numa linguagem qu e não condizcom a realidad e lingüística local. A temática, claro, deve considerar simmu itas referências ind ígenas d e trad ição e cultura , mas d eve-se ter ocuidad o de não tornar a p rodu ção desinteressante cheia de informações

 já conhecidas porque fazem p arte do seu d ia-a-dia dentro da un idad e

comunitária.D’Angelis (2005), ao tratar a possibilidad e de escritores em línguas

indígenas levanta a qu estão: como formá-los? Acred ito que seja p recisoque a escrita traga d esafios aos escritores e que abram novos horizontesde p esquisa e novas possibilidades de escrita e de p rodução. De todosesses materiais apresentad os somente um me p areceu p róximo a isso.Um pequeno livro de músicas comp ostas pelos professores Sateré EuzébioJosé Torquato e Ocivaldo Batista Guimarães. O d esafio da composição eda escrita o torna d iferenciado entre todos os outros.

Notas

1 Devido ao contato, alguns Sateré-Mawé e até mesm o outros povos ind ígenas quemigraram pra Man aus, não se identificam como ind ígenas por conta do p reconcei-to da p opu lação em relação ao fato de “ser ind ígena”.2 Kock-Gru nberg, 1932; Mense, 1974: Rodr igues, 1982 e 1984/ 85; Nimuend aju, 1948.3 Proto-Tup i-Guarani – PTG.4 Tupi Com parative Project – TCP, sed iado n o Mu seu Emilio Goeldi em Belém.5 A lista de itens lexicais de Swad esh contém 100 itens que geralm ente são usados

nos estud os históricos comparativos, basicamente são listados itens tais como: par-tes do corpo, termos d e paren tesco, cores primárias, num erais, ou seja, itens quenormalmente não são emp restados.6 Nom e dad o pelos pesquisadores ao subgrupo formado p elo Mawé-Awetí-Guaraní 7 Nh eengatu é u ma língu a classificada como d a família Tup i-Guaraní e tambémconhecida como Língu a Geral Amazôn ica – LGA. Foi utilizad a am plam ente pelosmissionários para estabelecer contato com os indígenas na Am azônia espalhan do-

Page 27: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 27/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 99

se por tod a a região. De acordo com docum entos da época, ela só deixou de serutilizada com língu a d e intercomu nicação com a chegada dos n ordestinos na épo-ca do ciclo da borracha, portan to, no início do séc. XX.8 As palavras marcadas p or asterisco (*), são formas reconstru ídas p ara o Proto-Tupi e o Proto-Tupi-Guarani.9

Agrad eço enorm emente a colaboração de todos am igos professores e técnicos daSEDUC/ AM qu e me ajudaram na ap licação d os questionários, principalmente aoprof. Ademir Ramos, a profa Helenssandra Costa e ao prof. Raimu nd o Batista (com-pan heiro de curso d e formação continuad a). Um agradecimento mu ito especial aJesuéte Brandão Pacheco, Gerente da Educação Escolar Indígena no Amazonas quemu ito gentilmen te viabilizou a elaboração deste diagnóstico.10 Na ocasião do curso de formação continu ada dos p rofessores ind ígenas Sateré-Mawé em jun ho/ 2006.11 Sum mer Institu te of Lingu istic.12 Ressalta-se qu e a m issão católica m antém , no rio An dirá, a escola agr ícola São

Pedro, que é d irigida e m antida financeiramente pela Igreja.13 Pud e constatar isso na ocasião d o curso de formação continuad a em jun ho/ 2006ond e alguns p rofessores preferiram o Portugu ês ao Mawé. Nas exposições dostrabalhos, apesar de eu ter d ito que não teria problemas apresentar em Sateré-Mawé,eles preferiram expor em Portu guês justificando que assim todos entenderiam , mes-mo com o argum ento de que o m esmo aconteceria se fosse em Sateré.14 Em Nheengatu o termo é utilizado para d enominar genericamente as espécies debotos da região Amazônica.15 Tradu ção livre: el saber y el discurso su rgen d e la experiência humana y qu e laman era elemental de p rocesar verbalmente la experiencia hu man a es dando cuentade ella más o menos como realmen te nace y existe, contenida en el flujo del tiempo”.

Referências

ALKMIM, Tânia Maria. Sociolingüística. In: MUSSALIM, Fernanda & BENTES,Ann a Christina (Orgs.). Introdução à Lingüística: domínios e fronteiras. v. 1. SãoPau lo: Cortez, 2001.

BATISTA, Aden ise Oliveira et al. Sateré-Mawé mikoi mohag     wuat waku rakaria set ko’i.Manau s: SEDUC/ IER/ AM, 1998.

______. Sateré-Mawé, as plantas que curam. Manaus: SEDUC/ IER/ AM, 1998.

______. Seres vivos. v. 2. Nossos p eixes, pequen os animais. Manaus: SEDUC/ IER/ AM, 1998.

BRAGGIO, Silvia Lucia. O p apel d a p esquisa sociolingü ística em projetos de ed u-cação, vitalização d e língua e cultura: relatos sociolingü ísticos iniciais dos Avá-Canoeiro de Minaçu .  Revista LIAM ES , Cam pinas, n. 3, p. 113-33, 2003.

BRASIL. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI). Brasília:SEF/ MEC, 1998.

Page 28: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 28/30

 

Raynice Geraldine Pereira da SILVA. Esboço sociolingüístico Sateré-Mawé 100

BRASIL. Referenciais para a Formação de Professores Indígenas. Brasília: MEC/ SEF/ DPEF. Coord enação Geral de Ap oio às Escolas Ind ígenas, 2002.

CAVALCANTI, Marilda; MAHER, Tereza Machado. O índio, a leitura e a escrita o queestá em jogo? Linguagem e letramento em foco. Campinas: CIEFIEL/ UNICAMP,2005

D’ANGELIS, Wilmar da Rocha. Línguas indígenas precisam de escritores? Lingu ageme letramen to em foco. Camp inas: CEIFIEL/ UNICAMP, 2005.

______. A Língua Kaingang, a formação de professores e o ensino escolar. In:ALBANO, Eleonora (Org.). et al. Saudades da Língua: a lingü ística e os 25 anos d oIEL. Camp inas/ SP: Mercado d as letras, 2003.

DRUDE, Sebastian. On the position of the Aw etí langu age in the Tupi family. In:DIETRICH, Wolf; SYMEONIDIS, Haralambos (Eds.). Guaraní y “Mawetí-Tupí-Guaraní”. Lit Verlag: Berlin, 2006.

GROSJEAN, François.  Life with two languages: an introduction to bilingualism .Cambrid ge: Harvard University Press, 1982.

KOCH-GRÜNBERG, Theodor . Wörtelisten Tup y, Maué und Pu ruborá. Journal de laSociété des Américanistes, Paris, n. 24, p . 31-50, 1924.

LEITE, Arlind o Gilberto de Oliveira. Edu cação Ind ígena Ticuna : Livro d idático eiden tidad e étnica. Dissertação (Mestrado em Edu cação) – UFMT, Cuiabá, 1994.

MANO, Marcel. Etno-história e Adaptação Mawé : Uma contribuição para a etnografiaTupi da área Mad eira-Tapajós. Dissertação (Mestrad o em Antrop ologia Social) –FFLCH/ USP, São Pau lo, 1996.

MELIÀ, Bartom eu. Educação Indígena e A lfabetização. São Pau lo: Edições Loyola, 1979.

MIQUILES, A. B. et al. Histórias, mitos e lendas Sateré-Mawé . Manau s: SEDUC/ IER/ AM. 1998.

NIMUENDAJÚ, Curt. The Maw é and Arapiun . In: STEWARD, Julian. Handbook of South American Indians, v. 3. New York: Cooper Squ are p ublishers, 1963.

OLIVEIRA, E. et al. Sateré-Maw é mow e’eg    hap . Manaus: Governo do Amazonas –SEDUC/ IER/ AM. 1998.

ONG, Walter. Oralidad y Escritura. Tecnologías de la palabra. Lond res: Methuen &Co. Mexico: Fond o d e Cultura Econôm ica, 1982.

PACHÊCO, Jesuéte Bezerra. Os p ercalços da Educação Escolar Ind ígena no Ama-zonas e a formação de professores ind ígenas. In: COLE, 16, VII SEMINÁRIO “LEI-TURA E ESCRITA NAS SOCIEDADES INDÍGENAS”. Cam pinas, 2006. [texto nãopublicado]

PEREIRA, N. Os Índios Maués. Manaus: Editora Valer e Governo do Estado doAmazonas, 2003.

RODRIGUES, Aryon Dall’Igna; DIETRICH, Wolf. On the lingu istic relationsh ipbetween m awé and tupi-guarani. Diachronica, Amsterdam , n. 14, v. 2, p . 265-304,1997.

RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. Die Klassifikation des Tupi-Sprachstammes. In:INTERNATIONAL CONGRESS OF AMERICANISTS, 32, 1956. Proceedings…

Page 29: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 29/30

 

Tellus , ano 7, n. 13, out. 2007 101

Copenh agen , 1956, p . 679-684. tradução: Classificação do tron co lingüístico tupi.12, p. 99-104, 1958a.

______. Classification of Tupi-Guarani. International Journal of American Linguistic,Los Angeles, v. 24, p . 231-34, 1958b.

______. Relações intern as na fam ília lingü ística Tup i-Guarani. Revista Antropológi-

ca, São Paulo, v. 27/ 28, p. 33-53, 1984/ 85.______. Sobre as línguas ind ígenas e su a pesqu isa no Brasil. Ciência e Cultu ra, SãoPau lo, v. 57, n. 2, 2005.

SANTOS, Deolindo d os et al. Nossas aves, animais d a floresta. Seres vivos. v. 1.Manau s: SEDUC/ IER/ AM, 1998.

SATERÉ, Aristides Michiles et al. Wemahara hap ko’i. Manau s: SEDUC/ IER/ AM,1998.

SEDUC. Projeto Pira-Yawara d e formação de p rofessores ind ígenas do Estad o deManaus.

SILVA, Raynice Gerald ine Pereira d a. Estudo fonológico da língua Sateré-Mawé . Dis-

sertação (Mestrad o em Lingü ística) – IEL/ UNICAMP, São Pau lo, 2005.SOUZA, Brito Ferreira et al. Os Sateré-Mawé e a arte de construir . Manaus: SEDUC/ IER/ AM. 1998.

SOUZA, Cristina Santos d e et al. Nossas árvores, o guaraná. Seres vivos. v. 3. Manaus:SEDUC/ IER/ AM, 1998.

TEIXEIRA, Pery. Sateré-Mawé : Retrato de u m p ovo ind ígena. Diagnóstico sócio-participativo. Manau s: Universidad e Federal do Am azonas, 2005.

TORQUATO, Euzébio José; GUIMARÃES, Ocivaldo Batista. Tupana ewowi urutuwepy.Manau s: SEDUC/ IER/ AM, 1998.

Recebido em 19 de julho de 2007.

Aprovado para publicação em 24 de agosto de 2007.

Page 30: 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe

5/11/2018 13 - Esboco Sociolinguistico Satere-Mawe - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/13-esboco-sociolinguistico-satere-mawe-55a0cb0822e7e 30/30