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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
AVALIAÇÃO DAS INICIATIVAS DO EDITAL ELAS NAS EXATAS
Sandra Unbehaum1
Thais Gava2
Resumo: As pesquisas sobre a educação, ciências e mulheres estão focadas, no Brasil, primeiramente no Ensino
Superior e com algumas experiências no ensino fundamental. O Ensino Médio, momento em que as jovens estão
voltadas para as escolhas profissionais, tem poucas pesquisas e estudos que considerem as categorias que contribuem
fortemente para o preconceito, a construção de estereótipos e a consequente discriminação e desigualdade, como
gênero, raça/etnia. Este trabalho visa apresentar a avaliação de dez iniciativas em parceria com escolas públicas
distribuídas nas cinco macroregiões do país selecionadas pelo edital Gestão para a equidade: Elas nas Exatas, uma
iniciativa do Instituto Unibanco, do ELAS Fundo de Investimento Social e da Fundação Carlos Chagas. Os resultados
permitiram identificar cinco requisitos mínimos para o desenvolvimento de projetos de equidade de gênero nas escolas:
(i) envolvimento da escola na execução das ações; (ii) apoio técnico e teórico à equipe gestora (iii) formação continuada
dos professores; (iv) foco no aprendizado das meninas nas disciplinas das ciências; (v) trabalho estruturado a partir de
parcerias. O objetivo do edital foi contribuir para a quebra da cadeia de valores culturais e históricos pré-estabelecidos
que desestimulam nas mulheres seus talentos e suas aptidões para o campo das ciências exatas, por meio de
sensibilização da comunidade escolar e do envolvimento das alunas e dos alunos de Ensino Médio em diferentes
atividades.
Palavras-chave: gênero, ciências, educação, desigualdade de gênero, equidade.
Apresentação
Segundo o relatório mundial da UNESCO “Gender and Education for All: The Leap to
Equality” de 2003, as adolescentes não buscam as ciências e os estudos técnicos na mesma
proporção que os adolescentes do sexo masculino, embora haja variação por área temática e por
país. Um artigo publicado na Revista da FAPESP, em outubro de 2013, traz artigo publicado por
Bruno de Pierro (2013) no qual ele explora alguns dados de pesquisas sobre a evolução e
participação das mulheres nas publicações de artigos científicos. Mesmo reconhecendo que a
participação das mulheres para a pesquisa cientifica (em todas as áreas de conhecimento) vem
crescendo, observa-se que as áreas onde as mulheres se destacam são aquelas relacionadas à
educação, à sociologia. O estudo realizado pela Universidade de Washington (Projeto Eigenfactor)
mapeou a produção cientifica por meio de um levantamento das/os autoras/es de cerca de dois
milhões de artigos, abrangendo o período de 1665 a 2011, a partir de um repositório digital de
periódicos de vários países conhecido como Jstor (Journal Storage). Os campos de conhecimento
com menor participação das mulheres são a matemática (6.6%) e a economia (9,7%). Infelizmente
1Socióloga, doutora em Educação Currículo pela PUC/SP, pesquisadora e coordenadora do Depto. de Pesquisas
Educacionais da Fundação Carlos Chagas, São Paulo, Brasil. 2 Psicóloga, mestre em Saúde Coletiva pela Unifesp, pesquisadora-bolsista, Fundação Carlos Chagas, São Paulo, Brasil.
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áreas como engenharias e física não foram mapeadas, pois não estariam bem representadas neste
repositório.
É notório saber que o campo de estudos sobre gênero e educação vem se ampliando ao
longo das últimas décadas. Alguns destes estudos, particularmente os estudos de Marília Carvalho
têm chamado atenção para as desigualdades no processo de escolarização de meninos e de meninas
(CARVALHO 2001, 2004, 2012; SENKEVICS & CARVALHO, 2015). É importante sempre
relembrar que a questão de gênero “não se limita somente ao que afeta as meninas e as mulheres,
sendo um conceito relacional e, quando associado a outras categorias sociais, como raça e etnia,
classe, orientação sexual, a desigualdade de gênero atinge também aos meninos” (CARVALHO,
2001). Essa autora tem insistido em seus estudos com a precariedade de análises sobre o
desempenho escolar entre meninos e meninas no ensino fundamental e médio. Chama atenção
particularmente para os dados de evasão e de repetência ou de defasagem série-idade que afetam
mais os meninos do que as meninas. A abordagem dessa pesquisadora não se refere às aptidões de
aprendizagem, mas aos critérios usados pelas professoras de avaliação escolar, que conduzem um
maior número de meninos do que meninas para atividades de recuperação. A autora argumenta que
as estatísticas de desempenho escolar podem ser intermediadas por vários fatores, pelas políticas
educacionais e por pressões variadas:
(...) que podem, por exemplo, levar a fortes pressões pela diminuição drástica do número de
reprovados, ou mesmo de indicados para atividades de recuperação; pelo relacionamento
entre professores, professoras, alunos e alunas, sempre perpassado por um conjunto de
desigualdades sociais como aquelas decorrentes de relações raciais, de classe e de gênero;
assim como pelos critérios de avaliação adotados explícita ou implicitamente, mais ou
menos conscientemente pelos encarregados de avaliar e atribuir conceitos ou notas aos
alunos. (CARVALHO, M. 2001, p.555).
Sabe-se que meninas e meninos chegam à escola com oportunidades e dificuldades distintas
em razão do processo de socialização que tende a atribuir comportamento e atitudes diferentes
conforme o gênero. A escola tem um importante papel na sociedade, como um dos principais
espaços de socialização, formação, disseminação e produção de valores. Uma das maneiras de
refletir sobre esse contexto é pelo viés de gênero na educação, ou seja, pelos preconceitos e
discriminações de gênero existentes já no início da escolarização e nas relações sociais
estabelecidas no espaço escolar.
Em artigo recente, Vianna e Unbehaum (2016) apresentam um balanço crítico sobre a
agenda de gênero nas políticas educacionais brasileiras e concluem que, apesar da pujança da
produção acadêmica no tema gênero e tema correlatos como diversidade sexual, sexualidade,
existem várias lacunas presentes, uma das quais os estudos sobre a inserção das mulheres nas áreas
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das ciências e das tecnológicas, predominantemente ainda masculinas, sobretudo nas profissões
mais valorizadas socialmente. Outra importante lacuna refere-se à inter-relação gênero e raça ou
pesquisas específicas sobre os diferentes níveis de ensino. Existem mais estudos de gênero focados
na educação infantil e no fundamental e quase nada sobre o ensino médio, a não ser que a temática
prevalente seja a da sexualidade. Ou seja, estudos sobre as desigualdades de gênero no ensino
médio são menos frequentes.
É importante compreender o contexto social e político em que determinadas demandas
sociais ganham relevância. Nina Madsen (2008) enfatiza o fato de que a educação foi um tema
central para a agenda feminista no final do século 19, como estratégia de emancipação e de acesso
ao mercado de trabalho. No entanto, com a conquista de direitos fundamentais e a educação sendo
um deles, deixa de ser um ponto crucial tanto de luta quanto de pesquisa. Como os dados censitários
disponíveis vinham destacando o sucesso das meninas e das mulheres no acesso à escola e, destas
últimas, no acesso ao mercado de trabalho, enfraquecia-se o argumento da desigualdade de gênero
na educação.
Outra abordagem dos estudos de gênero tem destacado os processos de exclusão ou de
discriminação de jovens que não se enquadram em modelos tradicionais de gênero. Apontam para a
cristalização de estereótipos e a dificuldade em lidar com outras possibilidades de expressão de
masculinidades e feminilidades. Esses estudos estão particularmente relacionados à diversidade
sexual, à educação em sexualidade, ao enfrentamento da discriminação e da homofobia. Essas
pesquisas são importantes por chamar atenção para os processos de exclusão e de discriminação e
para a identificação da diversidade de sujeitos de direitos não contemplados pelo sujeito universal
que tende a reger a formulação das políticas públicas. (UNBEHAUM; GAVA, 2015).
Este cenário manifesta a importância de se buscar alternativas que possam fomentar a
reflexão sobre a desigualdade, em especial a de gênero no ensino médio. O edital GESTÃO ESCOLAR
PARA EQUIDADE: ELAS NAS EXATAS3, lançado nacionalmente em 2015, surge de uma relação
inovadora entre três instituições consolidadas em seus campos de atuação: uma delas o Instituto
Unibanco, cujo foco das ações tem sido o ensino médio e em 2014 criou uma linha de fomento
denominada Gestão para a Equidade; o ELAS Fundo de Investimento Social, que há 15 anos investe
no protagonismo das mulheres, apoiando projetos de organizações feministas e de mulheres e a
Fundação Carlos Chagas, que há 50 anos atua no campo da pesquisa em educação e tem um grupo
de pesquisa em gênero, raça/etnia e direitos humanos. Com interesse em enfrentar a desigualdade de
3 https://www.facebook.com/ELASnasExatas/
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gênero na educação, o intuito do Edital foi o de contribuir para romper uma cadeia de valores pré-
estabelecidos, que discriminam as meninas na área das ciências exatas4, e promover oportunidades
no campo das ciências e das tecnologias. O Edital, por meio do apoio financeiro e técnico às
iniciativas de grupos, organizações e associações em parceria, ou que representassem escolas
públicas de ensino médio, visou apoiar ações a serem realizadas em ambiente escolar, com foco no
enfrentamento dos estereótipos de gênero e/ou que contribuíssem para estimular maior inserção de
meninas nas áreas das ciências exatas, sensibilizando a gestão escolar e envolvendo as alunas e
alunos do ensino médio de escolas públicas. Foram selecionados 10 projetos, de oito estados
brasileiros, que desenvolveram suas ações ao longo de 2016.
Neste artigo será apresentado um excerto da avaliação realizada com os dez projetos
selecionados, mas naquilo que se refere ao mapeamento das características das organizações e
grupos proponentes como também das atividades por elas realizadas. Foram diversos os desafios
enfrentados pelos projetos e a proposta aqui é refletir sobre os requisitos mínimos que podem
auxiliar no fomento de iniciativas que subsidiem a construção de políticas educacionais para
equidade de gênero na educação, em especial, para a promoção de jovens mulheres nas áreas das
ciências exatas e naturais.
A Metodologia de Avaliação e os Procedimentos
A avaliação empreendeu método misto (quantitativa e qualitativa) que, por conta da
amplitude da proposta do Edital, teve início já no momento da seleção das iniciativas inscritas, uma
vez que os critérios5 utilizados serviram como parâmetros para estruturar a matriz de avaliação. A
metodologia considerou tanto a produção de dados primários sobre o perfil dos jovens das escolas
participantes do Edital, obtidos por meio de um questionário sobre o perfil dos estudantes, sobre
suas percepções em relação a gênero e ciências, como de dados qualitativos, obtidos por meio de
4 Neste edital, o termo ‘ciências exatas’ foi utilizado para se referir à matemática, física, química, estatística,
computação, tecnologia e às ciências naturais. 5Segundo o edital os principais critérios são: (i) pertinência em relação à proposta definida pelo Edital de enfrentamento
dos estereótipos de gênero e/ou na contribuição para uma maior inserção de meninas em carreiras nas ciências exatas e
naturais; (ii) execução da iniciativa no espaço escolar e envolvimento da gestão escolar; (iii) adequação da metodologia;
(iv) adequação da aplicação dos recursos; (v) inovação; (vi) ações comunicativas, impacto social local e na promoção
de diálogos com a sociedade; (vii) potencial de replicabilidade.
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entrevistas com gestores da escola e com as coordenadoras do projeto, além de observação do
ambiente escolar, a leitura de documentos sobre os projetos6.
Realizada em duas etapas – no inicio do processo, uma avaliação diagnóstica voltada para
o estabelecimento das caracterisiticas iniciais com relação às propostas selecionadas no presente
edital e, ao final, a avaliação de resultados, que buscou apreender - à luz dos objetivos
estabelecidos pelos projetos - as condições dadas, os desafios enfrentados e as soluções buscadas.
Cabe salientar que a ideia foi fazer uma análise dos contextos e das atividades diversas
observadas nas dez iniciativas, para então elaborar os indicadores e critérios para a construção de
parâmetros que possam potencializar a elaboração e realização de projetos educativos que, por sua
vez, não apenas incentivem o interesse e a inserção das meninas nas áreas tecnologicas e exatas,
mas também contribuam para romper com esteriótipos e discriminações de gênero no âmbito
escolar. Dessa forma, este processo avaliativo teve como foco os desafios enfrentados por cada
projeto, naquilo que foi relevante e imprescindivel, e as saídas e estratégias construídas para
garantir que iniciativas como estas, apoiadas pelo Edital, sejam aprimoradas e bem sucedidas.
Natureza das organizações e grupos proponentes
A partir das entrevistas realizadas com as coordenadoras dos projetos7, foi possível organizar
as iniciativas segundo a natureza das organizações e grupos proponentes, isto é, projetos propostos
por organizações da sociedade civil (ONG) e coletivos; projetos apresentados por associações de
pais/mestres ou caixa escolar; projetos submetidos por grupos vinculados às universidades. Esses
três agrupamentos orientam uma primeira organização (ou tipologia) dos projetos e suas
características próprias, cujos efeitos são diversos no desenvolvimento das propostas e nos desafios
a serem enfrentados.
O primeiro grupo - o de Ongs e Coletivos - demonstraram conhecimento nas questões
raciais e de gênero (e de suas implicações nas desigualdades e nas discriminações), mas pouco ou
nenhum conhecimento nas áreas das ciências exatas e tecnológicas; além de pouca experiência em
6 Ao todo foram realizadas dezenove visitas entre os meses de março e dezembro, com entrevistas envolvendo as
proponentes das iniciativas, as/os representantes das escolas participantes e parceiras; além do acompanhamento das
atividades com as/os jovens. Foram aplicados 2.737 questionários em jovens do ensino médio, de ambos os sexos, de
nove escolas públicas. A escola de um dos projetos se encontrava em greve no momento do levantamento dos dados. 7É importante destacar que todas as propostas submetidas ao Edital ELAS nas EXATAS deveriam ser coordenadas por
mulheres. Isto porque o ELAS Fundo de Desenvolvimento Social tem por principio estatutário apoiar e empoderar
projetos realizados por mulheres. A parceria tripartite concordou com esse critério.
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ações na educação formal. Cinco das dez iniciativas selecionadas fazem parte deste grupo. O fato de
o grupo ter conhecimentos sobre a temática feminista e pouca familiaridade com a educação e com
as temáticas voltadas para as ciências e as áreas das exatas, fez com que buscassem parcerias com
outras entidades e/ou grupos ou se debruçassem em pesquisas bibliográficas e teóricas a respeito. A
pouca familiaridade com a rotina escolar trouxe dificuldades na articulação com a gestão escolar e
no envolvimento das/os professoras/es nas ações.
Já o segundo grupo - Associação de Pais e Mestres ou Caixa Escolar - apresentou como
característica principal nenhum conhecimento nas questões de gênero e sua relação com as
desigualdades na trajetória escolar e profissional, mas significativo domínio da dinâmica escolar.
Apenas duas iniciativas foram selecionadas neste agrupamento e ambas coordenações ocupavam
cargos de gestão (diretor e coordenação pedagógica, e docência). Em comum, ambos os projetos
enfrentaram o desafio de envolver os professores da escola nas ações. Essas iniciativas não
apresentam familiaridade com a temática de gênero, tampouco com a discussão sobre o acesso e a
permanência das mulheres nas áreas das exatas.
O terceiro grupo - de projetos submetidos por grupos vinculados à Universidade -,
apresentaram como característica um alto conhecimento sobre as áreas das exatas e tecnológicas,
pois eram desta área; pouco conhecimento sobre as questões de gênero e pouca experiência com
ações envolvendo escola, apresentaram pouca familiaridade com a dinâmica escolar. O interesse
comum pela participação no Edital surge do reconhecimento da baixa representatividade das
mulheres nesta área. Todas as três iniciativas participaram da chamada pública Nº 18/2013
MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras - Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e
Computação, sendo a proposta aprovada pelo Edital ELAS nas EXATAS uma continuidade do
trabalho iniciado anteriormente.
Natureza das iniciativas relacionadas
O Edital ELAS nas EXATAS estimulou a submissão de propostas que utilizassem diversos
tipos de linguagem e modalidades de ações. As iniciativas poderiam fazer uso da arte, das
tecnologias, do esporte etc. Isto possibilitou uma variedade de projetos, cujas estratégias
metodológicas são pouco comuns nas áreas das exatas, sobretudo nas escolas. Levando esse aspecto
em consideração foi possível criar quatro grupos e caracterizar os projetos tendo como referência a
natureza das atividades propostas. Esses agrupamentos tiveram como referência o estudo de LOPES
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e colegas (2014), no qual analisaram temas recorrentes nos congressos Ibero-americanos de
Ciências, Tecnologia e Gênero, bem como nas Jornadas Latino-americanas de Estudos Sociais da
Ciência e da Tecnologia:
(I) Trajetória histórica das mulheres em ciências e tecnologia: quatro das dez iniciativas
planejaram ações visando discutir a sub-representação das mulheres nas áreas das exatas,
dando visibilidade às mulheres que efetivamente se destacaram em diferentes profissões das
ciências e tecnologia. Três iniciativas incluíram um recorte específico para as questões
raciais.
(II) Carreiras de mulheres em áreas científicas e tecnológicas: todas as dez iniciativas, em
algum momento do projeto, fizeram uso desta estratégia, apresentando dados estatísticos e
das diferentes possibilidades profissionais para as estudantes participantes dos projetos.
(III) Transmissão de tecnologia e conhecimentos sobre as áreas das ciências naturais e
exatas: essas iniciativas partiram do pressuposto da necessidade de se transmitir
conhecimento e saber técnico para as/os professoras/es e estudantes para que elas/es possam
dar continuidade do trabalho e até ampliar as ações para outros grupos. Transmitir e
socializar conhecimentos específicos da área das ciências naturais e das exatas pode ser uma
importante estratégia, sobretudo se envolver os professores das escolas, por possibilitar
eventual continuidade das ações sem haver necessariamente uma participação direta das
proponentes num momento posterior à conclusão do projeto. No entanto, os projetos, de
modo geral, tiveram maior interlocução com as estudantes do que com os professores da
escola, revelando significativa dificuldade com a inserção do tema no cotidiano escolar.
(IV) Eventos de valorização da participação das mulheres: estes eventos têm como objetivo
estimular o protagonismo das meninas. A maioria das dez iniciativas propôs algum tipo de
atividade desta natureza para apresentar tanto atividades de processo como de resultados
para a comunidade escolar, com destaque para a participação das mulheres jovens, as feiras
de ciências são um exemplo.
Pontos para reflexão e aprofundamento.
As pesquisas sobre gênero e as ciências estão focadas primeiramente no ensino superior e
com algumas experiências no ensino fundamental. O ensino médio, momento em que as
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adolescentes e jovens estão voltadas para as escolhas profissionais, tem poucas pesquisas e estudos
que considerem as categorias que contribuem fortemente para o preconceito, a construção de
estereótipos e a consequente discriminação e desigualdade, como gênero, raça/etnia.
(UNBEHAUM; GAVA, 2015). O Edital ELAS nas EXATAS recebeu 173 projetos, um número
certamente significativo para uma iniciativa pioneira em sua temática e que, ao ter como um dos
seus critérios a adoção de uma perspectiva de gênero na proposição das ações, articuladas a áreas
das ciências exatas, cujas ações deveriam envolver a gestão escolar e ocorrer no espaço escolar,
colocou um enorme desafio para os grupos e coletivos proponentes. Trata-se de uma expertise não
consolidada como intervenção. A educação e mais especificamente a escola não tem
problematizado o suposto “desinteresse” das meninas pelas ciências como um dado social. Ainda
assim, os dez projetos cumpriram seus objetivos considerando as condições objetivas para a sua
concretização. Houve sensibilização para o tema e conscientização do problema, ainda que mais
para os grupos proponentes do que para a gestão escolar em si; mais para as jovens envolvidas, do
que para as/os professoras/es das escolas participantes.
Havia uma expectativa em relação ao Edital ELAS nas EXATAS: identificar o potencial das
ações apoiadas de serem ampliadas, disseminadas e quiçá tornarem-se uma política educacional.
Essa questão não é facilmente respondida porque envolve uma série de desafios e discussões,
necessidade de mais pesquisas. No entanto, como um exercício, fruto dos resultados da avaliação,
foi possível elaborar cinco parâmetros, considerados como condições mínimas necessárias para
ações no espaço escolar que visem o enfrentamento das desigualdades de gênero e uma gestão
escolar para a equidade:
Envolvimento da gestão escolar em todas as etapas do projeto
Considerando uma gestão escolar para equidade, a incorporação das discussões de gênero na
escola deve implicar ampla participação e compromisso da equipe gestora e da comunidade
escolar, como condição para uma nova cultura institucional de enfrentamento das
desigualdades ou discriminações causadas por razão de gênero, raça e etnia, diversidade
sexual. Neste sentido, o envolvimento da comunidade escolar no processo de elaboração
do projeto e no planejamento das ações a serem realizadas é de fundamental
importância. Assim como, vincular a iniciativa à dinâmica escolar, ao planejamento
pedagógico e envolver as/os professoras/es das áreas das ciências naturais e das exatas.
O tema gênero é complexo e não está amplamente integrado ao currículo escolar da
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educação básica brasileira, tampouco está consolidado no currículo de formação docente,
sobretudo, nas licenciaturas das áreas das ciências exatas.
Apoio técnico e teórico em gênero e gestão escolar para equidade
Estruturar um projeto que relacione as temáticas gênero e educação, com foco para gestão
escolar para a equidade, é um desafio que pode ser atenuado se for facilitado o acesso a
informações técnicas e oferecido subsídios teóricos. Daí a importância de se ter desde o
início canais de comunicação entre os envolvidos e de consulta para que as ações do
projeto possam ser potencializadas.
Troca entre as/os professoras/es de tecnologias e de conhecimentos para subsidiar
uma prática pedagógica de promoção da equidade de gênero
O envolvimento amplo das/os professoras/es e outras/os profissionais de educação é
fundamental para a sustentabilidade do projeto. Considerando que a formação docente deve
ser continua, e dada a ausência das questões de gênero nos currículos de formação inicial, a
troca entre profissionais da educação sobre o sentido de buscar uma equidade de gênero em
sala de aula, bem como os meios para alcança-la, é imprescindível para alcançar os objetivos
de ações como as propostas pelo Edital. Além disso, as ações desenvolvidas desde as séries
iniciais do ensino médio apresentam maior chance de continuidade e de criarem estruturas
para uma mudança da cultura escolar em relação às discriminações de gênero, já que elas
possibilitam um trabalho, em longo prazo, com o envolvimento das/os estudantes.
As ações propostas devem contribuir para o aprendizado de jovens de ambos os
sexos nas disciplinas das ciências naturais e exatas
Empoderar as meninas para as áreas das ciências naturais e exatas significa também
fortalecê-las nos conteúdos destas áreas. Os dados mostram que as meninas apresentam pior
desempenho que os meninos nas áreas das ciências naturais e exatas, além disso, há uma
predisposição a não gostarem destas disciplinas, particularmente a matemática considerada
difícil e chata. Essa predisposição é compartilhada pelos meninos também. A avaliação
mostra que tão importante quanto discutir as questões relacionadas às inequidades de gênero
(tais como o sexismo, machismo, assédio etc.) é criar estratégias e ações para fortalecer
os/as estudantes nas disciplinas de matemática, química ou física. O resultado pode refletir
uma melhora na relação dessas/es jovens com o processo de conhecimento e valorização de
sua escolarização, ampliando possibilidades de escolha profissional.
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Construção de parcerias e apoio
Estruturar os projetos com especial atenção para a construção de parcerias (articulação com
Secretarias Municipais, Universidades, instituições e outros grupos locais) pode contribuir
para uma maior capilaridade do trabalho e para uma eventual continuidade e consolidação
das ações.
A educação formal é reconhecida como um espaço dinâmico, de acesso a conhecimentos –
mesmo controlados, previamente definidos – que permitem ampliar a visão de mundo, desabrochar
novas ideias e, portanto, ser também um espaço potencial de transformação social. Por outro lado,
muitos descrevem a escola igualmente reprodutora de normas e valores tradicionais, mantenedora e
veiculadora de estereótipos e de relações hierárquicas. Tanto o campo da educação quanto os
estudos de gênero debatem sobre o caráter conservador bem como sobre seu potencial de
transformação, de resistência. Essa ambivalência torna a educação ferramenta de disputa, de
controle e de rebeldia, um espaço estratégico para os Estados e para a sociedade, e por essa
conjugação de forças as mudanças nem sempre ocorrem no ritmo necessário (STROMQUIST,
2007).
Certamente essa visão está inserida em um contexto político mais amplo, a partir do qual é
possível apreender os marcos normativos presentes nas agendas e nas políticas públicas em geral
que, por sua vez, compõem um complexo sistema de regulamentos e orientações, ações e propostas
de implementação (AÇÃO EDUCATIVA; CARREIRA, 2011; MADSEN, 2008; VIANNA;
UNBEHAUM, 2006). A política de universalização da educação básica colocou e tem colocado
muitas pessoas nas escolas, mas ainda assim o investimento não atinge a todas as pessoas de
maneira igualitária (ROSEMBERG; MADSEN, 2011). Não se pode dizer, neste sentido, que a
educação brasileira incorporou totalmente o princípio da igualdade de gênero. Pode-se sim afirmar
que a desigualdade de gênero foi reduzida no que diz respeito ao acesso e à permanência de
mulheres em todas as etapas do processo educacional, mas permanecem diferenças nos modos
como mulheres e homens acessam, definem suas carreiras profissionais e acadêmicas. Um problema
de pesquisa seria investigar em que momento do percurso escolar e de que modo essas diferenças se
estabelecem. ANDRADE FRANCO & CARVALHO (2004) verificaram que a diferença de
desempenho em matemática das mulheres jovens com relação aos homens aumenta em especial
após os quatro primeiros anos de escolarização. Além disso, apresentam que essas diferenças não
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são as mesmas em todas as escolas, pois quanto menor o nível socioeconômico da comunidade
escolar, maior a diferença de desempenho entre os jovens.
O Edital ELAS nas EXATAS e os dez projetos apoiados e executados podem e querem
contribuir para a problematização e para a produção de conhecimento sobre um importante aspecto
das desigualdades de gênero ainda muito resistente, considerando os avanços das mulheres em sua
escolarização. Estatisticamente temos melhor desempenho, mais anos de escolaridade, avançamos
exponencialmente na pós-graduação, mas isso não se reflete nos ganhos, na ocupação de cargos de
comando e ainda estamos concentradas em carreiras e áreas de conhecimento menos valorizadas.
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Title: Evaluation of the Initiatives of the Call “Elas nas Exatas”
Abstract: Research on science education are primarily focused on higher education and some
experience in elementary school. The high school, at which adolescents and young people are
focused on the professional choices, have little research and studies that consider the categories that
contribute greatly to prejudice, stereotyping and consequent discrimination and inequality, such as
gender, race / ethnicity. This paper presents the evaluation of ten initiatives in partnership with
public schools distributed in the five macro-regions of the country, selected by the call Gestão para
a equidade: Elas nas Exatas, an initiative of Unibanco Institute, ELAS Social Investment Fund and
the Carlos Chagas Foundation. The results showed five minimum requirements for the development
of gender equality projects in schools: (i) school involvement in the implementation of actions; (ii)
technical and theoretical support to the management team (iii) continuing education of teachers; (iv)
focus on the learning of girls in science subjects; (v) work structured around partnerships. The
purpose of the notice is to help break the chain of pre-established cultural and historical values that
discourage women their talents and skills to the field of exact sciences, through awareness of the
school community and the involvement of students and students of high school in different
activities.
Key words: gender, sciences, education, equity.