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1 TRANSMISSÃO CULTURAL E MERCANTILIZAÇÃO: UMA ETNOGRAFIA DA PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE PANELAS DE BARRO PELAS PANELEIRAS DE GOIABEIRAS Luiz Henrique Rodrigues 1 Resumo Este artigo procura analisar a história das relações sociais da produção das Panelas de Barro de Goiabeiras junto ao grupo de artesãs conhecidas como “As Paneleiras de Goiabeiras”. Este trabalho debaterá o processo histórico, econômico e político da comercialização da panela de barro, um utensílio ícone da cultura capixaba. Descreverei e analisarei também o processo político de criação e organização da Associação das Paneleiras de Goiabeiras e suas relações com as instituições públicas e privadas. Por fim, tratará do reconhecimento do Oficio de Fazer Panela como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Palavras Chaves: Paneleiras, Panelas de Barro, Saberes Tradicionais e Patrimônio cultural INTRODUÇÃO Esse artigo é resultado do trabalho que desenvolvi durante o período de um ano como Agente Local, do projeto Promoart – PROGRAMA DE PROMOÇÃO DO ARTESANATO DE TRADIÇÃO CULTURAL – no Pólo Cerâmica de Goiabeiras situado no município de Vitoria, capital do Espírito Santo, conhecido tradicionalmente como o lugar onde se produz as Panelas de Barro Pretas ou Panelas de Barro de Goiabeiras. Esse Projeto é integrado ao Programa Mais Cultura do Ministério da Cultura e é realizado pela Associação de Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro (ACAMUFEC) e tem apoio do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), Departamento de Patrimônio Imaterial (DIP) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Esse programa tem a finalidade de apoiar grupos produtores de artesanatos tradicionais, bem como desenvolver 1 - Graduando em Ciências Sociais. UFES – Vitória/ES – Brasil. [email protected]

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    TRANSMISSO CULTURAL E MERCANTILIZAO: UMA

    ETNOGRAFIA DA PRODUO E COMERCIALIZAO DE

    PANELAS DE BARRO PELAS PANELEIRAS DE GOIABEIRAS

    Luiz Henrique Rodrigues1

    Resumo

    Este artigo procura analisar a histria das relaes sociais da produo das Panelas de Barro

    de Goiabeiras junto ao grupo de artess conhecidas como As Paneleiras de Goiabeiras. Este

    trabalho debater o processo histrico, econmico e poltico da comercializao da panela de

    barro, um utenslio cone da cultura capixaba. Descreverei e analisarei tambm o processo

    poltico de criao e organizao da Associao das Paneleiras de Goiabeiras e suas relaes

    com as instituies pblicas e privadas. Por fim, tratar do reconhecimento do Oficio de Fazer

    Panela como Patrimnio Cultural Imaterial do Brasil.

    Palavras Chaves: Paneleiras, Panelas de Barro, Saberes Tradicionais e Patrimnio cultural

    INTRODUO

    Esse artigo resultado do trabalho que desenvolvi durante o perodo de um ano como Agente

    Local, do projeto Promoart PROGRAMA DE PROMOO DO ARTESANATO DE

    TRADIO CULTURAL no Plo Cermica de Goiabeiras situado no municpio de

    Vitoria, capital do Esprito Santo, conhecido tradicionalmente como o lugar onde se produz as

    Panelas de Barro Pretas ou Panelas de Barro de Goiabeiras. Esse Projeto integrado ao

    Programa Mais Cultura do Ministrio da Cultura e realizado pela Associao de Amigos do

    Museu de Folclore Edison Carneiro (ACAMUFEC) e tem apoio do Centro Nacional de

    Folclore e Cultura Popular (CNFCP), Departamento de Patrimnio Imaterial (DIP) e o

    Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN). Esse programa tem a

    finalidade de apoiar grupos produtores de artesanatos tradicionais, bem como desenvolver

    1 - Graduando em Cincias Sociais. UFES Vitria/ES Brasil. [email protected]

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    aes que visem salvaguardar os bens culturais imateriais j reconhecidos. Destacando a

    qualidade e a importncia dos saberes tradicionais especficos dos quais o arteso portador,

    ele busca maior reconhecimento e valorizao comercial desse setor visando um mercado

    justo e qualificado.

    1. CERMICA INDIGENA: REFERNCIAS ARQUEOLGICAS E DOCUMENTAIS

    DAS PANELAS DE BARRO

    A arte de fazer cermica na regio do bairro Goiabeiras Velha uma atividade antiga, de

    acordo com os levantamentos arqueolgicos, datam aproximadamente 2500 anos (Perota,

    1997) e era desenvolvida pelos grupos indgenas Tupiguarani, Aratu e Una. O autor afirma

    que a tradio de fazer panelas de barro nessa regio uma herana cultural das tradies

    Indgenas Tupiguarani e Una.

    Pela anlise tcnica da atual cermica produzida na regio de Goiabeiras,

    podemos afirmar que essa uma mistura de tcnicas das tradies cermicas

    [pr-histricas] Tupiguarani e Una, sobressaindo-se as usadas pela tradio Una.

    (PEROTA, 1997. P. 13 e 14).

    Perota analisou que com a presena portuguesa no Esprito Santo, essas tradies ceramistas

    foram sendo aculturadas, mas a base de sua tecnologia foi preservada e teve continuidade na

    feitura da cermica que originou o complexo que foi denominado de "panelas de barro" e sua

    sobrevivncia fruto de uma persistncia de tcnicas indgenas que, ao longo do tempo,

    sofreram poucas alteraes.

    A produo artesanal da cermica popular de Goiabeiras foi contnua porque

    sempre foi utilitria. Algumas alteraes de carter funcional, corno as alas nas

    proximidades dos lbios das bordas so detalhe raramente encontrado na

    cermica indgena, deve ter sido uma adaptao para uso das panelas em foges

    e, posteriormente, para uso em mesas. (PEROTA, 1997. P. 13).

    A tese de que as panelas de barro uma tradio cultural local transmitida entre vrias

    geraes desde tempos imemoriais, tendo as comunidades indgenas como as primeiras

    protagonistas, ganha reforo com os escritos do naturalista Saint-Hilaire que visitou a regio

    em 1815 e fez as primeiras referncias a essas panelas, descritas como caldeira de terracota,

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    de orla muito baixa e fundo muito raso, utilizadas para torrar farinha e fabricadas num lugar

    chamado Goiabeiras, prximo da capital do Esprito Santo.

    Goiabeiras , portanto, o lugar onde esse ofcio de fabricar panelas ocorre por

    tradio. Ali, foram encontrados stios arqueolgicos cermicos, remanescentes

    da ocupao indgena, no alto da pequena elevao conhecida como Morro Boa

    Vista e nas proximidades do aeroporto de Goiabeiras. (Ofcio das Paneleiras

    de Goiabeiras, 2006. P. 17).

    2. RELAES SOCIAIS E TRANSFORMAES NA PRODUO DAS PANELAS

    Tradio cultural repassada de gerao para gerao a centenas de anos, a produo de

    panelas de barro em Vitria mantm preservada a sua vinculao de gnero, como atividade

    eminentemente feminina, bem como o seu desenho padro e os procedimentos tcnicos que a

    identificam. (ABREU, 2001). Passada de me para filha e para netas a tradio criou o oficio

    das Paneleiras de Goiabeiras dando referncia localidade chamada de Goiabeiras Velha;

    assim so conhecidas as mulheres que fazem as panelas. Embora o trabalho de manusear o

    barro e dar formas aos utenslios era exclusivamente feminino e de caracterstica artesanal

    familiar (PEROTA, 1997), elas sempre contaram com a ajuda dos maridos e filhos para a

    extrao e obteno das matrias-primas que so o barro, tanino e madeira para queima, bem

    como na confeco e comercializao. A partir da segunda metade do sculo XX com o

    adensamento e ampliao do centro urbano da capital e o crescente fluxo turstico, a produo

    ganhou um ritmo mais acelerado para dar conta de abastecer um mercado que cresce

    permanentemente. Dessa maneira, a produo artesanal feminina sofre alteraes

    significativas. Alm de surgir o primeiro ncleo de produo no familiar comandado por um

    homem, tambm houve mudanas nas formas tradicionais das panelas.

    O primeiro "paneleiro" a criar esse novo sistema foi Arnaldo Goes Ribeiro, que

    passou a utilizar algumas artess como empregadas ou sub-empregadas na

    produo e, inclusive, colocando homens na modelagem das panelas, alterando

    algumas formas tradicionais e criando outras de acordo com a necessidade do

    mercado, como por exemplo, a fabricao de peas pequenas para servir de

    cinzeiros, molheiras, etc. (PEROTA, 1997. P. 16).

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    Com o crescimento familiar e a necessidade de moradia, as famlias foram levadas a

    reduzirem seus quintais e muitos j no tm espao para a execuo de todas as etapas de

    confeco das panelas, principalmente a queima que acompanhada do aoite e requer um

    espao livre para armazenar a madeira e fazer a cama (fogueira a cu aberto). Pensando,

    inicialmente, em resolver esse problema que j afetava uma grande parte do coletivo e

    invocadas por um sentimento e conscincia, emergentes, de ser uma comunidade poltica,

    portadora de um patrimnio cultural especifico (WEBER, 2004), as paneleiras em 1987

    organizaram-se em uma entidade que possui o modelo de associao, chamada Associao

    Paneleiras de Goiabeiras (CAMILLETI, 2007. p 81), reivindicaram ao poder pblico um

    galpo que funciona como sede da associao e onde concentra a maior parte da produo

    dividindo as artess em dois grupos: as paneleiras do Galpo e as chamadas paneleiras de

    fundo de quintal.

    2.1 - DIVISO SOCIAL DO TRABALHO E ETAPAS DA PRODUO

    Todavia, mesmo com as transformaes inevitveis, dadas as prprias dinmicas das

    sociedades contemporneas, a atividade de obteno do barro continua ocorrendo quase da

    mesma maneira que outrora. A extrao ocorre na jazida no Vale do Mulemb e uma

    atividade predominantemente masculina, com alguma exceo. A retirada do barro para a

    fabricao das panelas feito em duas etapas principais, sendo a primeira a obteno do

    licenciamento para a explorao da lavra de argila e a segunda a escolha do local onde deve

    ser extrado. Quem obtm a argila o tirador de barro, a ele cabe o trabalho de escolher

    experimentando o barro com os dedos para ver se bom, ento escava e retira o barro com a

    enxada at aproximadamente 1 metro de profundidade. Ele o molha e massageia com os ps,

    divide e armazena em forma de bolas que pesam cerca de 15 KG cada. O barro

    posteriormente recolhido por um caminho da prefeitura do municpio de Vitria e levado

    at as paneleiras que o adquirem mediante ao custo de hum real e cinqenta centavos. Um

    tirador de barro costuma fazer de 140 a 150 bolas de barro por dia. Porm os tiradores vo ao

    barreiro aproximadamente de quinze em quinze dias e o caminho s vezes s uma vez por

    ms. O atraso do caminho pode gerar a falta de barro nos locais de produo, obrigando as

    paneleiras a buscarem outras alternativas para obterem a argila.

    Outra funo que se manteve quase inalterada a do casqueiro, ele o coletor da casca do

    mangue-vermelho, espcie nativa do manguezal que, portanto, s alcanada de canoa. O

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    casqueiro vai batendo na rvore com um porrete at que a casca se solte2

    . Leva saco e lata

    para carreg-la; traz a casca de canoa at Goiabeiras, onde vende para as paneleiras, a preos

    que variam, no presente etnogrfico do ano de 2010, de quatro a cinco reais a lata.

    Depois do barro j estocado nos fundos de quintais ou no galpo, a produo das panelas de

    barro de Goiabeiras gasta um tempo mdio de cinco dias a uma semana3

    para ficarem prontas,

    devido o processo que compreende inmeras atividades, praticadas em vrias etapas tais como

    a modelagem manual, o alisamento, a secagem, a queima e a aplicao de tintura de tanino

    que por sua vez so realizadas em sub etapas, a saber:

    Primeira etapa Processamento do barro

    Essa etapa realizada pelo escolhedor do barro consiste na limpeza de todas as impurezas que

    ainda possa haver no barro estocado, no pisoteio e adio de gua s bolas de barro de modo a

    transform-lo em massa com boa plasticidade para a modelagem. Geralmente parentes

    homens ou auxiliares pagos realizam essa tarefa para as paneleiras.

    Segunda etapa A modelagem

    Do barro armazenado sobre um forramento de plstico para no perder a umidade, retirada

    uma quantidade a ser trabalhada. Depois de feita a limpeza, ou seja, tirado as folhas,

    pedrinhas, pequenos torres que no se desmancham, ele colocado sobre uma tbua. As

    paneleiras executam a puxada do barro empurrando-o de dentro para fora com uma das mos

    e depois com a cuia de coit. A forma dada com as mos, puxando e levantando o bojo,

    definindo a concavidade e a espessura com a cuia e modelando a borda com as mos. Com a

    faca so retiradas as impurezas e com o arco, os excessos de argila.

    As alas das tampas e as orelhas das panelas so feitas com roletes de barro e fixadas com os

    dedos. As paneleiras utilizam gua para colar as orelhas e dar acabamento s panelas. Isto

    feito, as panelas so postas novamente para secar at o dia seguinte, quando ser trabalhado o

    fundo. Na modelagem do fundo, a panela retirada da tbua e virada; o fundo chato

    arredondado pela remoo dos excessos com o arco; a superfcie externa alisada com a faca,

    utilizada na limpeza retirada de possveis gros de areia que podem no momento da queima

    provocar trincas e acabamento da pea. 2 Por recomendao dos tcnicos do IBAMA e da Universidade Federal do Esprito Santo, os casqueiros s retiram a casca de um lado dos galhos e no tiram dos troncos, para que a casca sempre se renove. 3 Esse tempo pode variar de acordo com a variao climtica. Se o clima estiver chuvoso a secagem lenta e no possvel realizar a queima, pois esta feita a cu aberto.

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    Terceira etapa O alisamento

    As panelas e as tampas recebem o polimento das alisadoras depois de secas e antes da

    queima. Para realizarem o alisamento das superfcies interna e externa das peas utilizando

    uma pedra de rio conhecida como seixo rolado. Essa tarefa geralmente executada por

    parentas ou vizinhas das paneleiras, mediante pagamento.

    Quarta etapa A secagem

    Etapa em que as tampas e as panelas j polidas so dispostas para secar no interior do Galpo,

    ou eventualmente ao sol, enquanto aguardam para serem queimadas.

    Quinta etapa A queima

    As panelas secas so dispostas a cu aberto, emborcadas e apoiadas umas nas outras, embaixo

    as maiores, em uma cama de ripas e tbuas de madeira (sobras de construo). A fogueira

    atinge em torno de 600C, sendo mantida por aproximadamente 30 minutos, variando

    conforme o tamanho das panelas. Aps a queima, as panelas so retiradas do fogo, ainda em

    forma incandescente, pelo tirador de panelas; ele usa uma pina vara comprida com dois

    ganchos metlicos (garras) na ponta para tirar do fogo e depositar as peas junto a quem far

    o acoite com a tintura de tanino. A atividade exige fora, destreza e preciso de movimentos,

    para evitar que as panelas se quebrem e/ou que as paneleiras se queimem.

    Sexta etapa O aoite

    Esta a fase da impermeabilizao e pigmentao da panela com tintura de tanino, tirada da

    casca do mangue-vermelho, aplicada com a vassourinha de muxinga sobre as peas em brasa,

    assim que retiradas do fogo. Confere s panelas de Goiabeiras sua caracterstica colorao

    preta e age como impermeabilizante.

    2.2 A TOTALIDADE DOS SABERES TRADICIONAIS E SUA FRAGMENTAO

    Os saberes relativos totalidade das etapas do processo de produo acima descritas so de

    pleno domnio das mestras e mestres do ofcio, mestres porque, embora seja uma atividade

    tradicionalmente feminina, hoje h uma crescente participao de artesos ceramistas que,

    associados ao grupo de paneleiras, integram a categoria de mestres do ofcio. Estes conhecem

    as respectivas matrias-primas e os procedimentos tcnicos que at pouco tempo os

    realizavam diretamente. No presente alguns mestres procuram executar, particularmente, a

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    modelagem designado auxiliares remunerados a realizao das primeiras e ltimas etapas

    como a retirada e escolha do barro, o alisamento, a queima e o aoite da panela.

    Para Simo (2008), no galpo os auxiliares so contratados pelas paneleiras para

    desempenharem atividades secundrias ao ofcio, quando o ritmo de trabalho intenso e os

    prazos de entrega das encomendas bastante exguos. E observa que

    Geralmente, esse ajudante no vem de uma famlia de paneleira, sendo

    considerado uma pessoa de fora. No pode, portanto, ser comparados com

    aqueles que ajudam nos quintais, mesmo porque a relao no galpo

    estritamente financeira. As paneleiras dizem botar os outros para trabalhar, e,

    geralmente, possuem dois assistentes fixos, dependendo do volume de

    encomendas. (SIMO. 2008. p. 196).

    3. A CRIAO DA ASSOCIAO DAS PANELEIRAS

    Dias (2006) observou que as mudanas na geografia e no panorama urbano, alm de

    influenciarem na organizao espacial e social, tambm desabrocharam, nas paneleiras, a

    conscincia de ser um agente sociopoltico de transformao dentro da comunidade. Segundo

    a autora,

    no tempo de suas mes e avs, ou quando comearam a fazer panelas, as antigas

    Paneleiras tinham esta atividade como a nica possibilidade de exercer um

    trabalho extra-domstico. No era escolha; ser Paneleira era talvez um destino,

    sem outras alternativas viveis. Hoje a opo tem um sentido muito mais amplo.

    Alm da questo do trabalho e da possibilidade de exercer-lo conjugando s

    exigncias domsticas, optar por ser Paneleira significa tambm posicionar-se

    poltica e socialmente [...] (DIAS, 2006. p. 89).

    Sensibilizadas pela emergncia da conscincia de ser uma comunidade poltica (WEBER,

    2004) e incentivadas por uma representante do poder legislativo municipal, vereadora Etta de

    Assis, a se organizarem em uma entidade devidamente registrada que representassem seus

    interesses e que pudessem por meio dessa adquirirem recursos junto aos rgos pblicos; as

    paneleiras fundaram sua Associao e construram um galpo no qual puderam concentrar a

    sede da entidade, a produo, o depsito e a comercializao das panelas.

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    A Associao das Paneleiras de Goiabeiras foi criada em 25 de maro de 1987 e teve seu

    estatuto lavrado em Cartrio de Registro Civil, em 07 de julho do mesmo ano. Seu estatuto a

    constitui como uma sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos e de durao

    indeterminada. Tem por objetivos mobilizar, integrar e conscientizar as paneleiras para o

    exerccio de seus direitos, buscando melhores condies de trabalho visando a contribuir com

    a promoo do desenvolvimento da comunidade por intermdio da integrao entre a

    populao local e poderes pblicos. Podem ser scias da associao as pessoas fsicas,

    maiores de 18 anos, que exeram a atividade de paneleiras. Sua Diretoria Executiva

    composta de um presidente; Vice-presidente; 1 Secretrio; 2 Secretrio; 1 Tesoureiro e

    quatro fiscais e eleita para um mandato de dois anos. O fato de ter sido juridicamente

    instituda, com cargos e atribuies definidos em estatuto, dava-lhe um sinal de distino

    (SIMO, 2008).

    A primeira diretoria foi eleita por aclamao durante a assemblia de fundao e teve Dona

    Melchiadia Alves Corra Rodrigues como primeira presidenta, que foi eleita sem voto,

    porque, segundo as suas companheiras, exercia uma liderana na comunidade e o cargo lhe

    parecia bem deliberado (SIMO, 2008). Nas sucessivas eleies que ocorreram sempre houve

    uma paneleira na presidncia ligada por parentesco a Dona Melchiadia. Em 1990 foi eleita sua

    sobrinha-neta Marinete Corra Loureiro, que permaneceu por mais dois mandatos. Em

    seguida, foi eleita outra sobrinha-neta de Melchiadia e irm de Marinete, Berencia Corra

    Nascimento, que tambm ficou na presidncia por mais trs mandatos quando foi substituda

    por Alceli Maria Rodrigues, filha de Melchiadia. Essas sucesses e transmisses de capital

    poltico (BOURDIEU, 1989) entre as integrantes do mesmo grupo de parentesco no

    caracterizam necessariamente um monoplio da direo da entidade, dado que por ser uma

    comunidade pequena acabam as famlias contraindo casamentos entre si. Mas, ao que relatam

    algumas entrevistadas, as pessoas que exerceram os mandatos tiveram alguns benefcios

    pessoais tais como melhor localizao das bancadas de trabalho dentro do galpo e

    preferncia de exposio e venda dos produtos em feiras no circuito nacional de artesanatos e

    isso teve como conseqncia uma insatisfao no grupo, que teria gerado desmotivao e

    maior individualismo, bem como teria dificultado a criao de uma maior cooperao entre as

    associadas.

    4. A COMERCIALIZAO DAS PANELAS

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    No passado quando no havia tantas estradas as pessoas interessadas em comprar as panelas

    de barro tinham que ir at Goiabeiras Velha a casa de uma paneleira ou a um ponto de venda,

    alguma vendinha no local. Tambm os homens levavam a mercadoria de canoa via margem

    do manguezal at o Mercado da Vila Rubim no centro comercial capixaba onde eram

    entregues aos comerciantes para serem revendidas como feito atualmente. Com o

    desenvolvimento urbano surgiram novos pontos de revenda e a propaganda de boca em

    boca tratou de divulgar a associao entre as panelas e a culinria tpica capixaba e no

    demorou em que essa associao fosse apropriada pelo poder pblico e os empreendimentos

    tursticos como cone da cultura do povo capixaba. Hoje elas so utenslios obrigatrios nos

    bares e restaurantes que servem moqueca e torta capixabas. Diz um ditado local Capixaba

    que se preza s cozinha peixe em panela de barro. Feita por paneleiras de Goiabeiras.

    Essa fuso entre as panelas de barro e os pratos preparados com os frutos do mar,

    principalmente a moqueca, pelo menos no Estado do Esprito Santo, faz parte das tradies

    deixadas pelas comunidades indgenas. Cmara Cascuda em Histrias da Alimentao (1983)

    explica como surgiu essa iguaria to saboreada hoje. De origem do vocabulrio tupi moqueca

    significa, estar acomodado, sem se importar com coisa alguma, isto , como ficavam os

    peixes ao serem assados envolvidos em folhas; eles ficavam embrulhados, agasalhados,

    encolhidos, amoquecados.

    As mesmas moquecas, mas sem caldo ou molho, secas, envolvidas em folhas de

    coqueiro ou bananeira, e assadas em fogo lento ou no borralho, tm o nome

    particular de moqueca, enfolhada [...] A moqueca enfolhada originaria dos

    ndios, como se v desta referncia de um cronista de meados do sculo XVIII, o

    Pe. Simo de Vasconcelos: Os peixes midos embrulham em folhas, e metidas

    embaixo do borralho, em breve tempo ficam cozidos ou assados [...]

    A moqueca nasce desse molho de peixes, embrulhado nas folhas e assado ao

    calor das cinzas quentes. [...]

    Dizemos ainda amoquecado valendo o amontoado, encolhido, arrumado em

    pilha. Hildegardes Vianna, ensinando a fazer moqueca de chicharro (carangida,

    com muita espcies, talvez se trate do Decapterus macarellus, chicharro branco

    ou carapau), recomenda levar-se os chicharros ao fogo em frigideira de barro, p

    de um com cabea de outro, alterando, disposio que traduz exatamente a

    imagem do amoquecado. (CASCUDO, 1983. p 629.).

    O autor nos diz que Desse apanhado de peixes, assados ao brasido, embrulhado em folhas de

    bananeira ou palmas novas, a moqueca veio andando para a promoo dos nossos dias,

    perdendo uns e ganhado outros atributos personalssimos, inclusive o invlucro e ainda que a

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    moqueca indgena perdeu, quase que completamente, o feitio primrio e muitos foram os

    ingredientes inovados em seu preparo como coentro, cebola, pimenta, tomate, limo e outros

    de pendendo da regio. Portanto, as diversas maneiras como so preparados os frutos do mar

    atualmente so aculturaes dos modelos indgenas.

    A relao entre as tradies das panelas de barro e o prato tpico da culinria indgena, como

    podemos perceber, foi re-significada pelas novas geraes e re-apropriada pelo comrcio

    turstico, possibilitando a reconstruo da identidade cultural dos capixabas, como um

    smbolo a ser exibido e uma iguaria a ser saboreada por aqueles que visitam o litoral do

    Estado do Esprito Santo. Nesse sentido, a sobrevivncia das tradies que originou o

    complexo das panelas de barro como analisou Perota (2007) na opinio de Arthur Ramos o contedo formativo do inconsciente, no s da face individual, mas tambm da coletiva,

    independente da fachada superficial do psiquismo consciente (Ramos, 1957 Apud ARAUJO 2002). Em outras palavras isto quer dizer que todo material simblico derivado da cultura

    so arqutipos do inconsciente, realidades psicolgicas, precipitado de uma longa

    experincia coletiva, atravs de geraes e geraes (ARAUJO, 2002.).

    O problema de Perota e de Arthur Ramos, que nunca tiveram engajamento em favor dos

    vivos, mas sempre falaram da cultura dos que j morreram, a cultura sempre

    sobrevivncia, resqucio e parte de um inconsciente coletivo que veio sobrando das

    geraes anteriores para as atuais. Em uma perspectiva menos conservadora e mais

    comprometida com as comunidades vivas, as tradies culturais no so sobras, mas

    invenes e reinvenes, no sentido da anlise de Eric Hobsbown, em A Inveno das

    Tradies e da Reelaborao Cultural de Pacheco de Oliveira.

    A necessidade de preparos variados nas cozinhas do Esprito Santo fez surgir muitos modelos

    e descobrir diversas utilidades das panelas que vo desde os conjuntos para servir as

    tradicionais moquecas e mariscos como tambm para o preparo de sopa, feijoada, galinhadas,

    etc.

    Como uma das porta-vozes da cultura capixaba, e formadoras de opinio, as paneleiras dizem

    que se pode cozinhar qualquer coisa na panela de barro, mas peixe e marisco s podem ser

    na panela de barro (Ofcio das Paneleiras de Goiabeiras, 2006). Para atender melhor as

    inmeras demandas da clientela que crescente

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    As panelas so feitas de diferentes tamanhos e alturas, com e sem tampa. So

    feitas tambm assadeiras, travessas e outros formatos sob encomenda. As

    paneleiras gostam de vender a panela casada, isto , duas panelas conjugadas,

    sendo a menor dentro da maior me e filha. Constata-se o emprego da tcnica

    em crescente variedade de panelas com outras formas miniaturas, ovais, com

    elementos decorativos alm de outros objetos utilitrios e ornamentais como

    jarros, fruteiras, formas de pizza, cinzeiros e cofres. (Ofcio das Paneleiras

    de Goiabeiras, 2006. P. 37).

    Devido ao tamanho reconhecimento tradicional das utilidades das panelas e um efmero

    esforo por parte da indstria turstica capixaba para divulg-las como artefato cultural de

    uma sociedade, a popularidade das panelas e de suas fabricantes, est obtendo cada vez mais

    notoriedade nacional e internacional. Convidadas a expor e vender seus produtos nas feiras

    nacionais de artesanato, conquistam mais espao e mercado o que obriga um ritmo de

    produo cada vez mais frentico alterando a dinmica de produo e acirrando a competio

    mercadolgica entre as paneleiras. Muito embora exista a Associao, esta no interfere nas

    prticas de comrcio desenvolvidas, dado que cada um responsvel pela sua produo e

    comercializao. Quando so convidadas a expor, a direo da Associao realiza uma

    consulta oral para saber quem gostaria de participar. Se o nmero de interessadas for maior do

    que o disponvel no convite, ento feito um sorteio. Porm essa dinmica pouco funciona,

    visto que na maioria dos convites as despesas so por conta dos expositores. Essa autonomia

    individualizada acaba funcionando como obstculo para muitas, principalmente as que so

    consideradas paneleiras de fundo de quintal, porque em sua maioria so economicamente

    desprovidas e o que ganham com a venda das panelas insuficiente para o sustento

    domiciliar. Dessa maneira, as oportunidades passam a ser disputadas por aquelas que

    financeiramente j esto estabilizadas. Embora no haja um grande lucro com as vendas das

    panelas, esse oficio ajudou e ainda contribui e muito com o oramento domstico como relata

    as paneleiras Ilza do Santos e Inete Ferreira4

    Com a panela de barro nossa me nos criou, fazendo panela de barro,

    cozinhando na panela de barro e comprando as coisas com a panela de barro,

    tudo. Depois que nis passamos aprender a fazer as panelinhas piquinininhas,

    pora nis j fomos se vestindo at hoje, ai que foi que discansou o lado dela.

    (Ilza do Santos)

    um complemento, uma ajuda n. D pra ajud em casa, d pra se vestir...

    no que deixa a gente rica, no (Inete Ferreira) 4- Essas falas foram retiradas do documentrio Plo cermica de goiabeiras Promoart.

  • 12

    5. O RECONHECIMENTO DO OFCIO DE FAZER PANELAS COMO

    PATRIMNIO CULTURAL BRASILEIRO

    Cavalcante e Gonalves em Cultura, Festas e Patrimnio dizem que:

    A Palavra patrimnio transformou-se numa espcie de grito de guerra em

    diversos contextos nacionais e internacionais. Qualquer espao de uma cidade,

    uma estrutura arquitetnica, um monumento, um bairro, festas populares, formas

    de conhecimento tradicional ou objetos materiais podem ser, de uma hora para

    outra, identificados e reivindicados como patrimnio por um ou mais grupos

    sociais. Essas aes envolvem usualmente reivindicaes identitrias, fundadas

    na experincias social de uma memria coletiva ou numa narrativa histrica, mas

    sempre associadas a interesses muito atuais e precisos de natureza social e

    econmica. (CAVALCANTE e GONALVES, 2010. p. 261)

    Assim, reivindicando a identidade social fundada na memria coletiva da comunidade, a

    Associao das Paneleiras de Goiabeiras apresentou ao Presidente do Iphan o pedido de

    Registro do Oficio das Paneleiras em maro de 2001. A demanda pelo reconhecimento das

    panelas de Goiabeiras e do seu modo de fazer, j consagrado como cone da identidade

    cultural do Esprito Santo, se expressava como reivindicao de um bem cultural a ser inscrito

    no repertrio do patrimnio cultural brasileiro.

    O pedido de Registro do Ofcio das Paneleiras de Goiabeiras foi apreciado e aprovado pelo

    Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural na sua 37 reunio, em 21/11/2002. A inscrio

    no Livro de Registro dos Saberes foi feita em 20/12/2002, inaugurando mais que o Livro, o

    prprio instrumento do Registro. Em conseqncia, o Ofcio das Paneleiras foi declarado

    Patrimnio Cultural do Brasil. (Ofcio das Paneleiras de Goiabeiras, 2006).

    O reconhecimento como patrimnio imaterial cultural um enorme passo para a preservao

    da memria e do bem, tambm, como observa Abreu (2001) uma ferramenta valiosa na

    garantia de acesso a matrias-prima e ao mesmo tempo na busca por um barro alternativo com

    as propriedades similares ao do Vale do Mulemb, tendo em vista que esse tem previso de se

    esgotar em aproximadamente 18 anos.

    Reside, entretanto, na organizao das mulheres, a maior fora de valorizao e

    preservao do ofcio de paneleira. Ao solicitar o seu registro enquanto bem do

    patrimnio cultural nacional, a Associao das Paneleiras busca se fortalecer na

  • 13

    luta pela manuteno das condies objetivas de confeco das panelas,

    especialmente a garantia do acesso jazida e a proteo da pureza da argila,

    matria-prima insubstituvel da panela de Goiabeiras (ABREU, 2001. p.128).

    O barro usado pelas paneleiras nico em toda regio dado as suas caractersticas fsicas e

    qumicas que permite a queima a cu aberto sem quebrar as peas, o que j foi testado com

    outras argilas e os resultados no foram aprovados.

    Com a intensificao das relaes entre o patrimnio e o chamado mercado, especialmente, o

    turstico que existe hoje (AGUIAR, 2006. Apud CAVALCANTE e GONALVES, 2010.).

    Cada lugar [ou bens intangveis] que vem a ser reconhecido como patrimnio j ou torna-

    se rapidamente uma atrao turstica (CAVALCANTE e GONALVES, 2010) e com o

    Oficio de Fazer Panelas de Barro de Goiabeiras no foi diferente. Houve um aumento por

    procura dos artefatos, reflexo da campanha de divulgao da panela como um bem

    patrimonial da cultura capixaba. O que acarretou o estmulo do aumento da produo e

    vendas.

    Tal estmulo gerou uma maior extrao do barro e conseqentemente acelerou o esgotamento

    dessa matria-prima. Assim, a manuteno e preservao do Vale do Mulemb geraram uma

    preocupao que exige de todos os setores sociais providncias urgentes na elaborao de

    aes que visem salvaguardarem essa argila.

    Ao que tudo indica, analisando as vrias afirmativas das paneleiras e dos testes j realizados,

    essa argila um dos elementos fundamentais para manter a qualidade e a preservao do

    modo quase original de se obter as peas, se o barro acabar, as panelas at podero continuar,

    mas o saber fazer sofrer mudanas significativas na sua originalidade.

    No sentido de zelar pela manuteno integral do patrimnio e seus realizadores, algumas

    aes, mesmo na direo contraria a sustentabilidade e preservao do barreiro, vem sendo

    realizadas por entidades pblicas e seguimentos privados; a prefeitura de Vitoria est

    construindo um novo galpo em substituio ao antigo, mais amplo e moderno com maior

    nmero de bancadas para confeco, exposio e venda; o setor turstico incluiu o galpo na

    lista de lugares que devem ser visitados; o Iphan mantm acompanhamento e auxilia os

  • 14

    planos de salvaguarda desenvolvido por projetos como o Promoart e o SEBRAE est

    desenvolvendo o projeto de Indicao Geogrfica (IG) que garante, por meio de um selo, a

    indicao de sua procedncia e autenticidade como Panela de Barro Capixaba somente as

    panelas produzidas na comunidade de Goiabeiras.

    Essa identificao se faz necessrio, por parte dos empreendedores da indstria turstica para

    assegurarem o fetiche do produto, e assim, orientar os consumidores a adquirirem produtos

    originais, tendo em vista que h uma ampla comercializao ao longo da Rodovia Federal

    BR-101 e BR-206 (CAMILETTI, 2007) dentro do Estado Capixaba e que nem toda panela de

    barro que abastece o mercado oriunda de Goiabeiras, uma vez que muitas so fabricadas nos

    municpios de Guarapar e Viana. Essas outras localidades empregam tcnicas de confeco

    diferentes como a modelagem em torno e matrias-prima como o barro vermelho e a folha de

    aroeira queimada junto com as panelas nos fornos fechados para dar a colorao preta. Tais

    diferenas so determinantes para a no incluso dessas peas na classificao de originais

    e o no reconhecimento como patrimonio.

    O estatuto do registro lanou um foco de luz sobre uma determinada forma de produzir e de

    consumir as panelas de barro,

    observa-se que muitos consumidores passaram a utilizar este utenslio como

    enfeite, suporte qualquer, mesmo que na maioria das vezes, o uso que se faz dela

    privilegia a sua dimenso utilitria. Ao desloc-la de um lugar especfico, a

    cozinha, para adquirir outros usos e significados, como souvenir ou pea de

    museu, agregam-se a essas peas novos valores. A panela de barro produzida em

    Goiabeiras um bem cultural que ganha status de objeto patrimonial.

    (SIMO, 2008. p. 131, 132).

    A passagem de bem da cultura tradicional para um bem de consumo no mercado mais amplo

    dos restaurantes e do turismo se torna uma contradio, que prpria da produo capitalista

    para o mercado, visto que estimular o crescimento da produo e o rpido esgotamento da

    matria-prima tradicional para a produo da panela de barro.

    CONCLUSO

  • 15

    No perodo que acompanhei as atividades das paneleiras em Goiabeiras pude perceber que

    existem lembranas que alimentam um saudosismo do passado e que contribuem para manter

    viva memria e possibilita a re-invento da tradio no presente. Em seus relatos remontam a

    um tempo em que as famlias eram mais unidas pelos laos sociais de parentesco e havia uma

    solidariedade que possibilitava a cooperao entre elas. Para ilustrar tal afirmao, um

    exemplo estava na atividade de extrao do barro, que era realizado principalmente por

    integrantes das unidades familiares e compartilhavam os tabus, que envolviam o respeito ao

    lugar sagrado que lhes fornecia matria necessria a produo dos utenslios, nas crenas de

    que o barro sempre brota do fundo da terra e que sempre estar l para ser usado por elas.

    Hoje o trabalho foi profissionalizado e a concorrncia para atender o mercado ficou mais

    acirrada, a produo que se desenvolve no galpo ganhou um ritmo empresarial com maior

    visibilidade publicitria, enquanto as paneleiras de fundo de quintal se queixam de ficarem

    ofuscadas comercialmente depois que o galpo ganhou notoriedade.

    As paneleiras que trabalham em seus quintais atendem um pblico relativamente pequeno se

    comparado com aquele que freqenta o galpo, por esse motivo, s produzem de acordo com

    as encomendas feitas por seus clientes fieis que tem o nmero inalterado, conseqentemente

    os ganhos financeiros no so to significativos quantos os recebidos no galpo.

    Essa rentabilidade insuficiente para cobrir os gastos domsticos cotidianos faz com que

    muitas paneleiras sejam obrigadas a desenvolverem outras atividades no mercado formal de

    emprego como servio geral, faxineira, empregada domstica, manicure, etc.

    Os mais jovens ao observar que o trabalho desgastante e no rentvel, esto cada vez mais

    buscando postos de trabalho com remunerao fixa no se interessando pelo ofcio das mes

    ou avs. Isso no futuro, associada falta da argila, tambm, poder comprometer a

    sobrevivncia dessa cultura. Talvez por perceberem essa ameaa sua tradio, as paneleiras

    se colocam a disposio para ensinar a qualquer pessoa que se interessar em aprender o oficio

    sem necessariamente ser parente ou mesmo morar no bairro.

    Assim, em meio preocupao de transmitir a cultura secular para as novas geraes e as

    exigncias de mudanas impostas pela insero na modernidade mercantilizante deste e de

    outros bens culturais produzidos pelas comunidades tradicionais, as paneleiras vo

    resignificando sua arte e transformado o que era no tempo das comunidades indgenas apenas

  • 16

    um utenslio domstico para torrar farrinha, em um produto comercial amplamente consumido

    e transformado em um smbolo representativo do Estado do Esprito Santo e reconhecido

    como um dos bens do patrimnio cultural da nao, isto , do Brasil.

    REFERNCIAS

    ABREU, Carol de. PANELA, CALDEIRO E FRIGIDEIRA: O OFCIO DAS PANELEIRAS DE

    GOIABEIRAS. Revista TB, Rio de Janeiro, 147: 123/128, out-dez, 2001

    ARAUJO, Fernando Cesar de. DA CULTURA AO INCONSCIENTE CULTURAL:

    psicologia e diversidade tnica no Brasil contemporneo. Psicologia cincia & profisso., dez.

    2002, vol.22, no.4, p.24-33.

    BOURDEU, Pierre. In___ O PODER SIMBOLICO. 7 Ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil. 2004.

    CAMILETTI, Giovana Gava. In___ Modernidade e tradio Esculpida no Barro: Uma reflexo da

    Associao Paneleiras de Goiabeiras. Tese de mestrado em Administrao. UFES. 2007

    CAVALCANTE, Maria L. v. de Castro e GONALVES, Jos R. S. Cultura, Festas e

    Patrimnio. IN___ Horizontes das Cincias Sociais no Brasil. So Paulo: ANPOCS, 2010. p.

    259 a 292

    CASCUDO, Luis Cmara. Tcnicas Culinrias. In___ Histria da Alimentao no Brasil. Ed.

    Itatiaia. So Paulo. 1983.

    DIAS, Carla. PANELA DE BARRO PRETA: A Tradio das Paneleiras de Goiabeiras, Vitria

    ES. RJ: Mauad X: FACITEC, 2006.

    Documentrio Plo Cermica de Goiabeiras Promoart. 2010 HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence (orgs.). A inveno dastradies

    . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. Pgs. 9-23.

    OFCIO DAS PANELEIRAS DE GOIABEIRAS. Braslia, DF: Iphan, 2006. 70 p.: il. color, 25 cm.

    (Dossi Iphan; 3) isbn 85-7334-031-2. Bibliografia: p. 54-58. 1. Patrimnio Cultural. 2. Patrimnio

    Imaterial. 3. Paneleiras-ofcio. I. Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. II. Srie.

    Iphan/Braslia-DF

  • 17

    PEROTA, Celso In__ PANELAS DE GOIABEIRAS. Texto e pesquisa: Celso Perota, Jaime

    Roy Doxsey, Roberto A. Beling Neto; fotos Edson Chagas Vitoria: Secretaria Municipal de

    cultura, 1997. 40 p.: Il.; 21 cm (Memria Viva).

    SIMO, Lucieni de Menezes. In___ A SEMNTICA DO INTANGVEL. Consideraes

    sobre o Registro do ofcio de paneleira do Esprito Santo. Tese de Doutorado em

    Antropologia. UFF. 2008

    WEBER, Max. Relaes Comunitrias tnicas. In___ ECONOMIA E SOCIEDADE Fundamentos da

    sociologia compreensiva. Braslia, DF: Ed. UNB. So Paulo, 2004.

    Luiz Henrique RodriguesP0F PResumo