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  • 109Revista Lngua & Literatura

    R.Lngua & Literatura | Frederico Westphalen |v. 12 | n. 19 | p. 109-114 |Dez.2010

    DIJK, Teun A. van. Discurso e Poder. So Paulo:Contexto, 2008, 281p.

    O livro de Teun A. van Dijk, organizado por Karina Falcone eJudith Hoffnagel, rene oito ensaios que tratam da relao entre discursoe poder, sobretudo do abuso de poder, termo utilizado pelo autor o qualdesigna a dominao exercida pelas elites simblicas. Apreendendo osfenmenos sociais de modo interdisciplinar e fundamentando suas anlisesa partir do arcabouo metodolgico da Anlise de Discurso Crtica, oautor conclui que as elites simblicas controlam a reproduo discursivada dominao da sociedade nas diversas dimenses das prticas sociais,como na poltica, na mdia e na cincia.

    Estabelecendo uma interface entre discurso, cognio e sociedade,van Dijk explicita como certos modelos mentais e cognies sociais soresponsveis por fenmenos sociais como o racismo, por exemplo, namedida em que este no inato, mas aprendido por meio dos discursospblicos controlados pelas elites. Com seu livro, o autor tenta contribuirpara o debate acerca dos fundamentos dos Estudos Crticos do Discurso,a partir do desenvolvimento de noes tericas e aplicao das mesmasem exemplos concretos de anlise crtica de textos escritos e dereprodues de textos falados retirados principalmente da mdia impressainglesa e americana.

    No primeiro captulo, Discurso e dominao: uma introduo,o autor define os Estudos Crticos do Discurso (ECD) como "ummovimento cientfico especificamente interessado na formao de teoriae na anlise crtica da reproduo discursiva de abuso de poder" (p. 9),isto , nas formas de dominao que resultam em desigualdade e injustiassociais. No entanto, salienta, uma vez que a noo de poder se revelabastante complexa, esses estudos devem focalizar aquelas dimensesde poder que so diretamente relevantes ao estudo do uso lingustico, doR. Lngua & Literatura Frederico Westphalen v. 12 n. 19 p. 109-114 Dez. 2010. Recebido em: 03 dez. 2010

    Aprovado em: 20 dez. 2010

  • Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses110

    R.Lngua & Literatura | Frederico Westphalen |v. 12 | n. 19 | p. 109-114 |Dez.2010

    discurso e da comunicao.O estudioso nota que existem muitos conceitos de poder na filosofia

    e nas cincias sociais. Entretanto, define que o poder do qual trata emseu livro o "poder social em termos de controle, isto , de controle deum grupo sobre outros grupos e seus membros" (p. 17). Prope umareflexo muito pertinente ao lembrar que controle tradicionalmentedefinido como controle sobre as aes de outros e que quando o controle exercido no interesse daqueles que detm o poder, em detrimento dosinteresses daqueles que so controlados, observa-se uma situao deabuso de poder. A contribuio capital do primeiro ensaio de Van Dijk a concluso que controlar o discurso algo crucial para as elites eorganizaes poderosas e que estas o fazem, principalmente, controlandoo acesso ao discurso, de modo que o/a analista deve examinar as maneirascomo o acesso ao discurso est sendo regulado por aqueles que estono poder.

    O segundo captulo, Estruturas do discurso e estruturas dopoder, discute o aspecto interacional do poder, na medida em que esteno existe por si s, mas precisa ser legitimado, revelando como asrelaes de poder se manifestam na interao. Destarte, van Dijkdireciona sua reflexo para as relaes entre discurso e poder social,buscando elucidar as formas "como esse poder exercido, manifestado,descrito, disfarado ou legitimado por textos e declaraes orais dentrodo contexto social" (p. 39). O autor salienta que para se ter o controle dasociedade preciso controlar o discurso, e convida os pesquisadores ainquirirem, por exemplo, quem pode falar ou escrever o qu, para quem,em quais situaes; ou, quem tem acesso aos vrios gneros e formasdo discurso ou aos meios de sua reproduo, em busca das estratgiasutilizadas pelos poderosos para manter o poder. Considerando o conceitode "poder simblico", de Bourdieu, van Dijk afirma que o modo de produodo discurso controlado por "elites simblicas" (jornalistas, escritores,artistas, diretores, acadmicos e outros grupos) que do sustentao aoaparato ideolgico que permite o exerccio e a manuteno do poder nassociedades.

    Sob o ttulo Discurso, poder e acesso, no terceiro captulo deseu livro, o pesquisador holands distingue os padres de acesso aodiscurso e a eventos comunicativos como uma dimenso importante dadominao. Nesse sentido, Van Dijk destaca principalmente que para

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    cada domnio social, profisso, organizao ou situao o/a analista podetraar um esboo das condies e estratgias de acesso interrogando"quem controla a preparao, os participantes, os objetivos, a linguagem,o gnero, os atos de fala [...], entre outros aspectos textuais dos eventoscomunicativos" (p. 110-111). Assim, o enfoque dado sobre o acessopreferencial ao discurso pblico, uma vez que este abre espao para ocontrole da mente pblica configurando uma forma fundamental de poder.

    Van Dijk destaca a falta de acesso das minorias mdia comouma das maiores evidncias da dominncia simblica das elites brancas,citando, entre outros aspectos, o fato de que questes e tpicos relevantespara as minorias, como racismo, discriminao ou violncia policialrecebem menos ateno da mdia. Do mesmo modo, observa que huma enorme carncia de estudos sobre questes cruciais para as minoriasrevelando baixos padres de acesso ao discurso educacional e acadmico,concluindo que, quando existem, esses estudos contemplam, em geral,crimes, diferenas e desvios culturais ou problemas educacionais,reproduzindo esteretipos acadmicos dominantes.

    O captulo Anlise de Discurso Crtica traa o percurso dosfundamentos da ADC destacando que esta visa "oferecer um "modo" ouuma "perspectiva" diferente de teorizao, anlise e aplicao ao longode todos os campos" (p.114) e retoma a questo da necessria conscinciados analistas crticos do discurso de seu papel na sociedade. No queconcerne aos campos de investigao da ADC, van Dijk distingue quepesquisas sobre gnero, discurso da mdia, discurso poltico, nacionalismoe questes tnicas como etnocentrismo, antissemitismo e racismo, tmsurgido paulatinamente. Relativamente aos estudos crticos sobre odiscurso da mdia, por exemplo, o autor conclui que estes estudos tmrevelado "imagens preconceituosas, estereotipadas, sexistas ou racistasem textos, ilustraes e fotos" (p. 124).

    Ao final do captulo, o autor reconhece o valor terico emetodolgico da ADC, mas atenta para o fato de existirem "muitaslacunas" a serem preenchidas. Primeiramente, aponta para a ausnciade explicitao sobre a interface cognitiva entre as estruturas do discursoe aquelas do contexto social nesses estudos. Em seguida chama a atenopara o fato de que os estudos mais linguisticamente orientados sobre odiscurso muitas vezes ignoram ora questes acerca do abuso de poder eda desigualdade, ora a necessidade de se desenvolver uma anlise de

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    discurso mais detalhada. Fechando a questo, ressalta a importncia daintegrao de vrias abordagens para que se chegue "a uma formasatisfatria de ADC multidisciplinar" (p. 131).

    No quinto captulo, Discurso e racismo, van Dijk explicita queno mundo contemporneo a escrita e a fala desempenham um papelsalutar na reproduo do racismo e lembra que so as elites que controlamem grande parte o discurso escrito e falado, por exemplo, "em reuniesde gabinete e debates parlamentares, em entrevistas de emprego, emnotcias jornalsticas, na publicidade, em aulas, em livros didticos, emartigos acadmicos, em filmes ou talk shows" (p. 133).

    Desse modo, o discurso desempenha um papel capital para adimenso cognitiva do racismo, na medida em que "as ideologias e ospreconceitos tnicos no so inatos e no se desenvolvemespontaneamente na interao tnica. Eles so adquiridos e apreendidos,e isso normalmente ocorre atravs da comunicao" (p. 135), por meioda conversao cotidiana e dos discursos institucionais. Retomando aquesto do controle social pelas elites simblicas e as estratgias queestas lanam mo para legitim-lo, acrescenta que os discursos pblicosrevelam modelos mentais e representaes sociais compartilhadas pelaselites que se configuram de acordo com os propsitos, funes ouparticipantes envolvidos. Dentre essas estratgias, observa-se a estratgiaglobal de autoapresentao positiva e outroapresentao negativa e apolarizao "ns" e "eles".

    Salientando que a negao do racismo uma das caractersticascentrais do racismo contemporneo, no sexto captulo, O discurso e anegao do racismo, van Dijk procura examinar as estratgiasdiscursivas de vrias formas de negao do racismo em diferentes gnerosdiscursivos. O autor observa que a negao do racismo assume formasvariadas de acordo com situaes especficas ou gerais, pessoais ougrupais. Dentre as variadas formas de negao, destaca a defesa (nocaso de acusaes explcitas ou implcitas, usa-se o argumento da nointencionalidade, como "eu no queria dizer isso"); as mitigaes(amenizao, minimizao ou emprego de eufemismos ao descrever asprprias aes, como "Eu no o ameacei, apenas fiz uma advertnciaamigvel"); ou a reverso (contra-ataque direto e agressivo, como "Nsno somos racistas, eles que so os verdadeiros racistas"). Esse tipode discurso pode ser encontrado em todos os nveis da sociedade e em

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    todos os contextos sociais.O stimo captulo,Discurso poltico e cognio poltica, explora

    magistralmente a interface entre poltica, cognio e discurso, levandoem considerao que o estudo da cognio poltica trata dasrepresentaes mentais compartilhadas pelas pessoas enquanto atorespolticos e que estas representaes so adquiridas, transformadas ouconfirmadas pelo discurso durante nossa socializao por meio daconversao, da educao formal e da mdia.

    Sua teoria sobre a relao entre discurso poltico e cognio polticatem um elemento crucial que a diferencia de outros estudos sobre oassunto, a saber, os "modelos mentais, que servem como a interfacenecessria entre as cognies polticas socialmente partilhadas, de umlado, e as crenas pessoais, do outro (p. 202). Assim, van Dijk trata devrios conceitos basilares que compem a "memria episdica" (formadapor experincias pessoais e modelos subjetivos), e a "memria social"(formada por conhecimento, atitudes, ideologias, normas, valores emodelos socialmente compartilhados) que entram em jogo na construodo discurso poltico. O autor conclui que a fala e a escrita polticas serelacionam ao contexto e ao evento poltico imediatos, porm o que temum peso capital so os modelos que os participantes constroem docontexto interacional e comunicativo.

    Discurso e manipulao, o ltimo captulo do livro, examina comgrande lucidez como, por exemplo, os polticos e a mdia manipulam seuseleitores e leitores por intermdio de algum tipo de influncia discursivailegtima. Van Dijk associa manipulao com abuso de poder e atentapara a necessria conscincia que esse tipo de controle perpassainicialmente o controle da mente das pessoas (por meio de crenas,conhecimentos, opinies e ideologias) para, consequentemente, atingir ocontrole de suas aes.

    O autor segue argumentando que o lugar em que a manipulaose realiza o discurso, "em um sentido amplo, incluindo caractersticasno verbais como gestos, expresses faciais, layout de texto, imagens,sons, msica" (p. 251) e analisa diversas dimenses discursivas damanipulao a partir do exame de um pronunciamento de Tony Blairlegitimando a guerra contra o Iraque. A investigao minuciosa do textorevela que, para manipular a opinio pblica, o ento primeiro-ministrobritnico utiliza estratgias como a polarizao ideolgica (Ns/

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    democratas versus Eles/ditadores); a autoapresentao positiva,evocando a superioridade e credibilidade moral britnica; e aoutroapresentao negativa, com acusaes que promovem a difamaodo inimigo, bem como a descredibilidade de seus opositores polticos.

    Enfim, o livro Discurso e poder, de Teun A. van Dijk constituiuma leitura capital para estudantes e profissionais da Anlise de Discurso,pois problematiza questes de extrema relevncia para as relaes sociaiscontemporneas sob o olhar da lingustica crtica, apontando como asrelaes de dominao se concretizam nas prticas de linguagemcotidianas. Os oito ensaios que compem o livro oferecem aos analistasmodelos de investigao e temas de pesquisa que podem contribuir paraa formao de leitores e ouvintes crticos e conscientes do papel dodiscurso na sociedade, sob uma tica at ento de certa formanegligenciada, a cognio social.

    Ana Cludia Barbosa GiraudDoutoranda do Programa de Ps-Graduao em Lingustica -

    Universidade Federal do Cear (UFC)