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Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao - Asphe
Anais do 18 Encontro da Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao
Jean-Jacques Rousseau (1712-2012) modernidade, histria e educao
26 a 28 de setembro de 2012 Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul
Porto Alegre - RS
Anais do 18 Encontro da Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao 26 a 28 de setembro de 2012
PUCRS - Porto Alegre - RS
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Associao Sul-Rio-Grandende de
Pesquisadores em Histria da Educao - Asphe/RS
Associao criada em 11 de dezembro de 1995, em So Leopoldo/RS, que tem por finalidade promover estudos e disseminao de
informaes relacionadas histria da educao. http://asphers.blogspot.com
Diretoria (2011-2013) Claudemir de Quadros - presidente - UFSM Luciane Sgarbi Santos Grazziotin - Unisinos
Carla Gastaud - secretrio geral - UFPel
Conselho Fiscal (2009-2011) Maria Helena Cmara Bastos - PUCRS
Elomar Antonio Callegaro Tambara - UFPel Beatriz Teresinha Daudt Fischer - Unisinos
Revista Histria da Educao
http://seer.ufrgs.br/asphe
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18 Encontro da Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao
JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-2012) MODERNIDADE, HISTRIA E EDUCAO
26 a 28 de setembro de 2012 Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul
Porto Alegre - RS
Apresentao
A Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao -
Asphe - tem procurado, desde a sua criao em 1995, contribuir para com o
desenvolvimento de estudos acerca da histria da educao brasileira. Para tanto, desde
1997, edita a Revista Histria da Educao - RHE/Asphe - e promove de forma contnua,
encontros anuais.
Tanto a revista, quanto os encontros tm se constitudo em espaos de socializao
das pesquisas, de dinamizao da produo historiogrfica e de debates no campo da
investigao histrica.
A Asphe j realizou dezessete encontros, com o apoio institucional das
universidades do Rio Grande do Sul representadas por seus associados e, em alguns
casos, com financiamentos das agncias de fomento, como Fapergs, Capes e CNPq.
Para cada evento so publicados Anais com os resumos e os trabalhos completos
apresentados nas sesses de comunicao de pesquisas.
Em 2012, realizar-se- o 18 Encontro Sul-Rio-grandense de Pesquisadores em
Histria da Educao. O foco temtico do encontro ser Jean-Jacques Rousseau (1712-
2012): modernidade, histria e educao. A programao abranger uma conferncia de
abertura e outra de encerramento, duas mesas redondas, mini-curso e sesses de
comunicao de pesquisas.
Temtica
Jean-Jacques Rousseau (1712-2012): modernidade, histria e educao
Data
26 a 28 de setembro de 2012
Anais do 18 Encontro da Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao 26 a 28 de setembro de 2012
PUCRS - Porto Alegre - RS
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Local
Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul - PUCRS
Avenida Ipiranga, 6681
Prdio 15 - sala 240
Objetivos
a) Refletir acerca da produo em histria da educao, tendo a Asphe como
espao de referncia;
b) acompanhar a produo do conhecimento na rea, considerando o tema
modernidade e educao como objeto de estudo e reflexo;
c) promover a formao continuada de pesquisadores em histria da educao;
d) congregar e oportunizar espaos de relacionamento entre professores,
estudantes e pesquisadores em histria da educao.
Pblico alvo
Associados da Asphe, professores, pesquisadores e estudantes de graduao e de
ps-graduao das reas de educao e de histria.
Programao
Dia 26 de setembro
8h30min. - Credenciamento
9h - Sesso de abertura
9h30min. - Conferncia de abertura
Jean-Jacques Rousseau: trs sculos de histria e educao
Claudio Almir Dalbosco - UPF
12h - Intervalo
14h - Apresentao de comunicaes
17h30-18h30 - Mini-curso:
Las publicaciones peridicas y su relacin con la cultura
material de la escuela.
Silvia Finocchio - UNLP e Flacso, Argentina
Dia 27 de setembro
8h30min - Mesa redonda
Emlio e Nova Helosa: a revoluo das sensibilidades
Antonio Gomes Ferreira - UC, Portugal
Nadja Mara Amilibia Hermann - PUCRS
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10h - Intervalo
10h15min - Mesa redonda
Histria e histria da educao: dilogos possveis
Eduardo Arriada - UFPel
Silvia Finocchio - UNLP e Flacso, Argentina
Dris Bittencourt Almeida - Ufrgs
14h - Apresentao de comunicaes
17h30-18h30min. - Mini-curso
Las publicaciones peridicas y su relacin con la cultura
material de la escuela
Silvia Finocchio - UNLP e Flacso, Argentina
18h30min. - Assemblia geral ordinria da Asphe
Dia 28 de setembro
9 h - Conferncia de encerramento
Jean-Jacques Rousseau e a moral laica
Luiz Carlos Bombassaro - Ufrgs
11h - Encerramento
Promoo
- Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao
- Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul - Faculdade de Educao e
Programa de Ps-Graduao em Educao
Apoio
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Ufrgs
Universidade Federal de Pelotas - UFPel
Universidade de Caxias do Sul - UCS
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos
Fundao Universidade do Rio Grande - Furg
Comisso organizadora local
Maria Helena Camara Bastos, coordenadora
Alice Rigoni Jacques
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Carina Vasconcelos Abreu
Dilza Porto Gonalves
Marcos Villela Pereira
Patrcia Augusto Rodrigues Carra
Raphael Castanheira Scholl
Comisso cientfica
Beatriz Teresinha Daudt Fischer - Unisinos
Dris Bittencourt Almeida - Ufrgs
Eduardo Arriada - UFPel
Giana Lange do Amaral - UFPel
Giani Rabelo - Unesc
Jorge Luiz da Cunha - UFSM
Luciane Sgarbi Grazziotin - Unisinos
Marcos Villela Pereira - PUCRS
Maria Stephanou - Ufrgs
Maria Teresa Santos Cunha - Udesc
Terciane ngela Luchese - UCS
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18 Encontro da Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao
Jean-Jacques Rousseau (1712-2012) modernidade, histria e educao
Anais
ISBN 978-85-88667-68-6
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SUMRIO
A construo da civilidade na infncia: a srie fontes nas escolas
pblicas de Santa Catarina (1925-1950)
Marli de Oliveira Costa ............................................................................ 16
A construo do discurso pedaggico de Jean-Jacques Rousseau:
algumas reflexes histricas
Dnis Wagner Machado
Berenice Corsetti ..................................................................................... 25
A dcada de 1950 e as mltiplas relaes entre os museus e a educao: um estudo sobre o curso de organizao de museus escolares do Museu Histrico Nacional (1958) Ana Carolina Gelmini de Faria ................................................................ 34
A educao de adultos em pginas de jornais do Rio Grande do Sul
(1950-1970)
Greicimara Vogt Ferrari
Beatriz Daudt Fischer .............................................................................. 45
A formao de professores em Santa Catarina e No Rio Grande do
Sul: consideraes de Joo Roberto Moreira nos anos 1950
Elaine Aparecida Teixeira Pereira
Maria das Dores Daros ............................................................................ 57
A formao de professores em So Paulo na primeira repblica: um olhar a partir dos peridicos normalistas (1906-1927) urea Esteves Serra ............................................................................... 69 A formatao de um perfil discente nas Deutsche Schulen urbanas de Rio Grande e Pelotas (1933-1938) Maria Angela Peter da Fonseca Elomar Antonio Callegaro Tambara ........................................................ 79 A instalao dos colgios elementares e dos grupos escolares nos
reltrios do Estado do Rio Grande do Sul
Tatiane de Freitas Ermel ......................................................................... 90
A participao da Escola Municipal de Belas Artes de Caxias
do Sul na fundao da Universidade de Caxias do Sul
Liliane Maria Viero Costa ........................................................................ 104
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A produo da srie de livros didticos linguagem e estudos
sociais: primeiras impresses
Mnica Maciel Vahl ................................................................................. 114
A reforma do ensino tcnico segundo os professores: estudo em
duas escolas tcnicas industriais gachas
Elisabete Zardo Brigo ............................................................................ 127
lbuns de beb dos anos 40 e 50 do sculo XX: representaes de
infncia e famlia
Roberta Barbosa dos Santos ................................................................... 137
Anlise da trajetria social de dois trnsfugas do Curso Clssico do
Colgio Estadual Dias Velho Florianpolis/SC (1951-1960)
Juliana Maus Silva Clarino
Norberto Dallabrida ................................................................................. 145
As culturas escolares em uma instituio de assistncia infncia
pobre e abandonada (Curitiba, 1948-1956)
Joseane de Ftima Machado da Silva .................................................... 154
As prticas de escrita retratadas nos manuais de caligrafia e ensino
da escrita
Patrcia Machado Vieira .......................................................................... 163
Aspectos terico-metodolgicos da pesquisa sobre a escola de
Belas Artes de Pelotas: uma contribuio para a historiografia das
instituies educativas
Clarice Rego Magalhes ......................................................................... 171
Cadernos escolares como documentos para a histria da educao:
o acervo do professor catarinense Victor Mrcio Konder (1920-2005)
Maria Teresa Santos Cunha .................................................................... 183
Colgio Regina Coeli e a histria da educao no municpio de
Veranpolis
Marina Matiello ........................................................................................ 192
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Com a palavra dom Joo Becker: a revista Unitas como
possibilidade de difuso dos ideais catlicos sobre a educao
Cludia Regina Costa Pacheco ............................................................... 203
Contrastando indcios: cenas de escrita na escola
Carolina Monteiro
Maria Stephanou ..................................................................................... 214
Dirios de classe de professoras alfabetizadoras: a recorncia de
exerccios com slabas (1973 -2010)
Gisele Ramos Lima ................................................................................. 228
Dirios de professoras e cadernos de alunos: um estudo acerca da
permanncia dos textos de cartilhas no perodo de 1983 a 2010
Ccera Marcelina Vieira
Fernanda Noguez Vieira
Joseane Cruz Monks ............................................................................... 239
Do Schler-Zeitung ao O Ateneu, marcas da cultura escolar nas
pginas dos peridicos (1964 a 1973)
Luciane Sgargi Graziottin
Joana Frank ............................................................................................ 252
Educao e regulao poltica: a legislao estadonovista para as
obras didticas
Dilmar kistemacher .................................................................................. 265
Entre o pblico e o privado: a instruo na provncia de So Pedro
do Rio Grande do Sul do sc. XIX (1822-1889)
Hardalla do Valle
Eduardo Arriada ...................................................................................... 273
Escrevendo e desenhando no lbum de composies de 1939
Alice Rigoni Jacques ............................................................................... 284
Formao de professores no contexto da colonizao de Tangar
Da Serra - MT nos anos 1970
Regiane Custdio
Carlos Edinei de Oliveira ......................................................................... 296
Histria da educao rural: professoras e suas representaes
(1950-1980) Santiago-RS
Cinara Dalla Costa Velasquez
Fabiana Regina da Silva
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Jorge Luiz da Cunha
Josiane Caroline Machado Carr ............................................................ 308
Histrias de educao em uma comunidade de extrema vulnerabilidade social em Pelotas/RS: primeiras aproximaes Jeane dos Santos Caldeira Giana Lange do Amaral ........................................................................... 319
Imagens de 1 comunho, recortes de um rito: uma anlise a partir
do acervo fotogrfico do Colgio Farroupilha de Porto Alegre/RS
Raphael Castanheira Scholl .................................................................... 331
Impresses, ideias e memrias escolares construdas a partir de um
exerccio de ver e olhar imagens, recordar e evocar lembranas:
mediao com memrias pintadas de Flvio Scholles
Andra Cristina Baum Schneck ............................................................... 343
L, na ltima pgina do caderno escolar: prticas de letramento no
autorizadas: pensando a historicidade dos usos deste artefato
Mariana Venafre Pereira de Souza ......................................................... 355
Letra de professora: a educao brasileira oitocentista nos escritos
de Nisia Floresta e nas cartas de Ina Von Binzer
Tafnes do Canto ...................................................................................... 367
Lugares de memria e esquecimento: museu na escola
Maria Beatriz Vieira Branco Ozorio ......................................................... 375
Memria e educao confessional catlica: 100 anos de histria na
sociedade gabrielense
Carlos Alberto Xavier Garcia ................................................................... 379
Memria Faced: implicaes da ditadura-civil-militar no cotidiano da
faculdade
Fbio Freitas Moreira
Thaise Mazzei da Silva
Valeska Alessandra de Lima ................................................................... 386
Memorial Do Deutscher Hilfsverein ao Colgio Farroupilha: um lugar
de memrias da escola (2002-2012)
Lucas Costa Grimaldi .............................................................................. 398
Memrias de formao e prtica em horizontes rurais: o professor
Paulo Plentz (Novo Hamburgo/RS, 1965-1995)
Jos Edimar de Souza ............................................................................ 408
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Memrias de professoras: a formao e a atuao docente no
contexto da italianidade, 1927-1932
Jordana Wruck Timm
Lcio Kreutz ............................................................................................ 420
Modernidade e educao: indcios da educao moderna no Grupo
Escolar Lauro Mller - 1946 a 1951
Carolina Ribeiro Cardoso da Silva
Suzane Cardoso Gonalves Madruga ..................................................... 428
Mveis Cimo S/A: notas iniciais acerca do mobilirio em escolas
primrias catarinenses
Luiza Pinheiro Ferber
Ana Paula de Souza Kinchescki
Gustavo Rugoni de Sousa ....................................................................... 438
Mulheres policiais e as relaes de gnero: um estudo sobre a
formao das primeiras alunas da academia da Polcia Civil de
Santa Catarina (1967 a 1977)
Maria Aparecida Casagrande .................................................................. 449
Na minha casa eu cuidava de crianas: memrias e histrias da
educao infantil em Francisco Beltro/PR na transio do sec XX
para sec XXI
Caroline M. Cortelini Conceio
Beatriz T. Daudt Fischer .......................................................................... 459
Nos arquivos da escola: as lnguas vivas no Ginsio Feminino Nossa
Senhora Auxiliadora (1931-1961)
Marta Banducci Rahe .............................................................................. 473
O Colgio So Carlos e a presena da congregao das irms de
So Carlos Borromeo em Caxias do sul, RS (1936 1971)
Valria Alves Paz
Terciane ngela Luchese ........................................................................ 484
O Colgio Unio Esprita De Pelotas: primeiras descobertas
Marcelo Freitas Gil .................................................................................. 494
O Curso Tcnico de Comrcio no Colgio Farroupilha (Porto Alegre
RS 1949/ 1962)
Pietro Gabriel dos Santos Pacheco ......................................................... 504
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O ensino de matemtica no curso complementar do Instituto Jlio de
Castilhos
Antonio Cesar dos Santos Esperana ..................................................... 513
O ensino profissionalizante de viticultura e enologia no municpio de
Bento Gonalves
Sergio Ricardo Pereira Cardoso .............................................................. 525
O jornal escolar O Estudante Orleanense e o seu lugar na construo da cultura escolar (1951-1973) Giani Rabelo ............................................................................................ 535
O jornal O Mensageiro e a instruo na Provncia de So Pedro do
Rio Grande do sul (1835 1836)
Itamaragiba Chaves Xavier ..................................................................... 546
O Kindergarten do Deutscher Hilfsverein: o jardim de infncia da
Associao Beneficente Alem de Porto Alegre/RS (1911 1929)
Milene Moraes de Figueiredo .................................................................. 558
O mtodo intuitivo e os museus escolares em circulao na revista O
estudo (1922-1931)
Andra Silva de Fraga ............................................................................. 566
O paradoxo da perfectibilidade sobre a formao do homem
segundo os pressupostos de Rousseau
Cleudio Marques Ferreira ........................................................................ 574
O perfil da rede municipal de ensino de Caxias do Sul (1937 a 1945):
as escolas e seus personagens
Paula Cristina Mincato Roso
Lcio Kreutz ............................................................................................ 581
O regime de ctedra no ensino superior: os primeiros professores da
escola de engenharia industrial da cidade do Rio Grande
Vanessa Barrozo Teixeira
Elomar Antonio Callegaro Tambara ........................................................ 593
Os acervos autorreferenciais e sua patrimonializao: fontes para a
histria da educao no ambiente clerical
Cristile Santos de Souza
Carla Rodrigues Gastaud ........................................................................ 603
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Os caminhos metodolgicos do historiador na pesquisa em histria
da educao
Alessandro Carvalho Bica
Berenice Corsetti ..................................................................................... 611
Os carimbos como indcio de circulao de livros didticos nas
escolas: um estudo de caso da Coleo Tapete Verde
Chris de Azevedo Ramil .......................................................................... 622
Os ciclos do ensino privado em Pelotas-RS: sculos XIX, XX, XXI
Helena de Araujo Neves .......................................................................... 634
Os jardins de infncia de Gisela Schmeling (Porto Alegre/RS - 1948-
1971)
Maria Helena Camara Bastos ................................................................. 646
Prticas de arquivamento do eu: o dirio de Malvina Tavares (1891 -
1930)
Dris Bittencourt Almeida
Luciane Sgargi Graziottin ........................................................................ 660
Prticas de leitura de professoras: contribuies para uma histria
da leitura
Carine Winck Lopes ................................................................................ 672
Prticas de correspondncias de mulheres entre 1890 e 1950 Carla Gastaud ......................................................................................... 683
Refletindo a insero masculina no curso de Pedagogia da UFSM
(1974-2011): representaes discentes
Cinara Dalla Costa Velasquez
Fabiana Regina da Silva
Josiane Caroline Machado Carr
Jorge Luiz da Cunha ............................................................................... 690
Revista O Pequeno Luterano: uso pedaggico no testemunho de
professores e redatores
Patrcia Weiduschadt .............................................................................. 700
Sobre a tica do docente matemtico moderno: um processo de
conservao
Wagner Pinto Bonneau ........................................................................... 712
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Sociedade Unio Operria e a educao em Rio Grande/RS
Francisco Furtado Gomes Riet Vargas
Rita de Cssia Grecco dos Santos .......................................................... 725
Trabalhos manuais na primeira repblica: representaes da
educao feminina por meio de imagens
Maria Augusta Martiarena de Oliveira ..................................................... 737
Uma abordagem histrica sobre o ensino da Sociologia na educao
brasileira: 1882-1942
Marcelo Pinheiro Cigales
Eduardo Arriada ...................................................................................... 749
Valorizao parental e concentrao de investimentos: trajetrias
sociais de trnsfugas egressas do ensino secundrio de um colgio
pblico de Florianpolis (dc. 1950)
Letcia Vieira
Norberto Dallabrida ................................................................................. 760
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A CONSTRUO DA CIVILIDADE NA INFNCIA: A SRIE FONTES
NAS ESCOLAS PBLICAS DE SANTA CATARINA (1925-1950)
Marli de Oliveira Costa
Universidade do Extremo Sul Catarinense
Resumo
Os livros de leitura da Coleo Srie Fontes alcanaram as escolas pblicas de
Santa Catarina entre os anos de 1920 a 1950. A Srie foi idealizada pelo Inspetor da
Instruo Pblica do Estado, Henrique Fontes. composta por uma cartilha, chamada
Cartilha Popular e mais quatro livros de leitura. O documento Livro de Leitura permite
perceber tentativas de disseminao de um perfil de criana considerado ideal para esse
perodo e visualizar estratgias de construo de hbitos de civilidade nas crianas. As
noes de civilidade aparecem associadas a prticas de higiene, a postura do corpo, ao
amor da ptria e da famlia.
Palavras-chave: livro de leitura, civilidade, projeto pedaggico.
Introduo
Um dos poucos livros de leitura que alcanou as escolas cidades de Santa Catarina
entre os anos de 1920 a 1950 foi a Coleo Srie Fontes, publicada durante o governo de
Herclio Pedro da Luz (1928-1924). Essa Srie idealizada pelo inspetor da Instruo
Pblica do Estado, Henrique Fontes, marcou durante dcadas o projeto educacional das
escolas pblicas do Estado (VENERA, 2007. p. 121). E, foi composta por uma cartilha,
chamada Cartilha Popular1 e mais quatro livros de leitura.
Encontrei alguns volumes desses livros com a professora aposentada Carmela
Milanez, na cidade de Cricima. A professora os guardou, pois foram livros usados por ela
e sua famlia quando eram alunos e tambm quando a mesma lecionou. Esses
dispositivos pedaggicos, ao serem distribudos a praticamente todas as crianas que
freqentavam a escola em Santa Catarina, marcou, de forma indelvel, as experincias
de leitura dessas crianas.
A fora da impresso da leitura fez com que, muitas crianas decorassem seus
textos, pois preciso lembrar que a leitura, tambm ela, tem uma histria (e uma
sociologia) e que a significao dos textos depende das capacidades, dos cdigos e das
convenes de leitura prprios s diferentes comunidades que constituem, na sincronia
ou na diacronia, seus diferentes pblicos (CHARTIER, 1995, p. 257).
Como por exemplo, o Sr Aldo Pavan2, que recorda principalmente o primeiro livro de
leitura. Esse senhor teve contato com os livros em torno de 1945 quando entrou na
1 As pessoas entrevistadas reportam a essa cartilha como Cartilha do Boi, devido a primeira lio, que
tinha como palavra BOI como estmulo , seguido das slabas formadas pela letra B. 2 Acervo Grupo de Pesquisa Histria e Memria da Educao em Santa Catarina-GRUPEHME-SC.
Cricima, 04/11/2005.
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escola. Lembra que iniciavam os estudos em uma cartilha e depois com um livrinho que
ele denomina de O Trabalho. Em seguida, vinha o Segundo e o Terceiro Livro. A
denominao do primeiro livro como O Trabalho est relacionada com o primeiro texto
do livro que se chama O Trabalho. O trabalho foi um dos temas que aparece na srie
como texto que direciona pelo exemplo e convida ao trabalho. Carla Lourdes
Nascimento diz que Henrique Fontes buscava mostrar as crianas a importncia do
trabalho e a necessidade da criana usar sua energia em algo til. (2003, p. 88)
Dessa forma, de 1920 a 1950, todas as pessoas que foram crianas em Santa
Catarina e que passaram pelos bancos escolares estudaram nos mesmos livros de
leitura. Assim, geraes receberam os mesmos textos, junto com eles as lies de como
ser no futuro um bom cidado, ou como reflete Venera, um homem til. Boa parte
desses textos apresentam a moral crist, evidenciando a aliana entre Estado, Igreja e
Escola na formao daqueles que apontam como futuro da nao.
Esse artigo busca discutir o documento Srie Fontes como um dispositivo
pedaggico preocupado em instaurar modelos de adultos, para as crianas, ou seja,
modelos de bons cidados, modelos de civilidade.
Para tanto, a incorporao de saberes morais e higinicos eram lies inscritas
nesse dispositivo pedaggico, neles,
o aluno convocado atravs das lies de leitura a internalizar o o sentido que
est, diretamente , relacionado a uma demarcao da realidade, ser analisada
enquanto dispositivo disciplinar. Este, por sua vez, demarca prticas normativas,
distribuindo e hierarquizando conhecimentos que se desdobram em poder sobre o
corpo e a mente. (VENERA, 2007. p. 131)
O Primeiro Livro de Leitura da Srie Fontes, apresenta diversos textos construdos
com um linguajar simples e curto, alguns em forma de versos que deveriam ser
decorados diziam que todo menino devia ser desde criana trabalhador, obediente,
educado, corajoso, honesto, prudente e caridoso. Devia evitar as brigas e no podia
chorar. Fica evidente a relao de gnero expressa nesses textos, quem estava sendo
preparado para exercer uma possvel cidadania, nos moldes aceitos pela sociedade
eram os meninos, podemos nos perguntar, que papis, que conselhos eram dirigidos s
meninas? Para as meninas, coloca Carla de Lourdes do Nascimento, o idealizador da
Srie julgava necessrio educar para a vida domstica, pois acreditava que a unidade
familiar levaria felicidade nacional (2003, p. 29.) Para tanto, os textos exprimem trs
comportamentos que se esperava das meninas, futuras mulheres companhia e auxlio,
especialmente aos pais, e coragem, isto , energia moral diante do perigo e da dor.
(Idem, p, 92).
Destaquei dos textos, o que segue, porque acredito que eles fazem uma sntese do
que podemos chamar de preocupao com a alma da criana. Com o ttulo Boas
qualidades e defeitos das crianas, o texto discorre que
O menino aplicado ouve tudo o que diz o professor e por isso aprende com
facilidade. O menino leviano e vadio nunca presta ateno s palavras do
professor; cuida mais de observar as moscas do que de estudar as lies; ficar
por isso ignorante. O menino delicado sabe agradecer s pessoas que lhe fazem
algum favor ou lhe do algum presente; cumprimenta as pessoas mais velhas;
Anais do 18 Encontro da Associao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao 26 a 28 de setembro de 2012
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um menino amvel. O menino grosseiro no agradece os favores que recebe, nem
cumprimenta as pessoas de espeito; um menino desagradvel. O menino
servial gosta de ajudar os outros; o menino egosta cuida s de si. O menino
discreto no fala a torto e a direito e sabe guardar segredos. O menino agradecido
lembra-se sempre do favor que lhe fizeram e amigo da pessoa que lhe fez bem.
O menino ingrato esquece-se dos benefcios que recebe e no gosta do seu
benfeitor. O menino que chega escola hora certa, pontual. O menino
descuidado chega sempre atrasado escola e no prepara as suas lies3.
Percebe-se ento, que de um lado o autor apresenta as conseqncias de prticas
de maldades e em outro as honras das prticas bondosas e ainda, em um terceiro,
compara as duas prticas. O objetivo dessas narrativas poderia ser o de levar os
meninos a praticarem o bem, pois, o bem era sempre recompensado.
Estamos diante da dicotomia das idias bem e mal, belo e feio; nica verdade, idias
crists. A presena forte das idias crists na Srie pode ter sido, talvez, pela formao
do autor Henrique Fontes. Embora ele no assine a Srie, foi seu idealizador e
organizador, selecionando os textos que comporam a obra. Suas convices polticas,
religiosas, ideolgicas aparecem nos volumes. Ele era um homem catlico praticante e
buscou orientar as crianas e os jovens nos princpios da moral crist. (NASCIMENTO,
2003, p. 28)
Para Jos Isaias Venera, a escrita da coleo Srie Fontes deveria produzir o
homem til, que seria dcil para obedecer norma que pode ser entendida como regra
de conduta. (2007, p. 134). Penso que para alm do homem til, esse material tenta
construir um homem civilizado, junto com a idia de civilizado traz as virtudes que
deveriam ser inscritas nas crianas desde cedo. Poderamos dizer que trata-se de
recursos para o bom adestramento (FOUCAULT, 1998,p.143). Os textos desse modo
foram utilizados para garantir a disciplina no intuito de fabricar indivduos , a disciplina
nesse sentido seria a tcnica especfica de um poder que toma os indivduos ao mesmo
tempo como objetos e como instrumentos de seu exerccio (idem)
Carlota Boto (2002), ao referir-se aos educadores da Renascena, enfatiza que a
criana, naquele contexto,
percebida pelo que lhe falta, pelas carncias que apenas a maturao da idade e da
educao poderiam suprir. Frgil na constituio fsica, na conduta pblica e na
moralidade, a criana um ser que dever ser regulado, adestrado, normalizado para o
convvio scia.l (Boto, 2002. p. 17)
A preocupao em construir tratados, cdigos de civilidade especialmente voltados
para a formao de jovens datam, segundo Norbert Elias (1990), do segundo quartel do
sculo XVI com o clssico De civilitate morum puerilium (da civilidade em crianas) de
Erasmo de Rotterdam. Pode-se inferir que os enunciados dos livros da Srie Fontes,
fazem parte de um programa pedaggico que busca tambm a construo da
civilidade, desencadeada a partir do sculo XVI.
O segundo livro de Leitura da Srie Fontes traz 87 textos. O livro mede 13 cm de
largura por 18 de altura e foi impresso tambm em papel jornal. Dos 87 textos para a
3 Primeiro Livro de Leitura (Srie Fontes) adotado nas escolas pblicas do Estado de Santa Catarina/
Fornecido gratuitamente pelo Departamento de Educao) Imprensa Oficial do Estado/ Florianpolis- 1945.
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leitura das crianas que deveriam estar na antiga 2 srie primria, encontram-se
narrativas, cartas, poesias, ditados, provrbios, hinos, e outros. Sobre o contedo desses
textos encontramos religio, cincias, histria, civismo e diria tambm contedos de tica.
O livro abre com o texto Nossa Ptria seguido pelo poema Meu Brasil,
marcando a lio de civismo que deveria ser construda nas crianas. No final do livro
uma propaganda de venda de mapas do Estado de Santa Catarina. Para construir um
cidado brasileiro era preciso encaminhar discursos que ressaltassem a ptria, assim os
poemas de Antonio Gonalves Magalhes (Cano do Exlio), Olavo Bilac (A Ptria) e os
hinos da bandeira nacional e do Brasil fazem parte do corpo discursivo desse livro que
alcanava crianas entre 8 e 12 anos em todo o Estado de Santa Catarina.
Como no primeiro livro, esse tambm traz muitas lies de civilidade, associados
s prticas de higiene, como por exemplo, o texto nmero 26, intitulado Do Nariz, de D
Antonio de Macedo Costa, que fala das regras de civilidade quanto ao nariz:
-Devem-se observar vrias regras bem importantes:
1 Assoar-se sempre com um leno, com todo o asseio, volvendo o rosto um
pouco para o lado, e sem estrondo.
2 No conservar o leno na mo, nem gesticular com le, nem traze-lo debaixo
do brao, nem p-lo sbre a mesa ou na cadeira, mas dentro da algibeira, que o
seu lugar.
3 Levar a mo ao nariz, ou introduzir o dedo nas fossas nasais desasseio e
grosseria imperdoveis, e alm disso costume perigoso pelos incmodos que
pode acarretar e de que nos podemos ressentir muito tempo depois. Devem, pois,
os pais tratar com desvelo de fazer evitar isto aos meninos.
4 H de se espirrar sem estrondo e guardando o asseio e modstia conveniente4.
Regras de civilidade que podem ser compreendidas como uma manobra para
limitar e at mesmo negar a vida privada. (REVEL, 1991, p. 169)
Em vrios outros textos como os textos de nmero 12 e 13 ( A cabea e da cabea
e das orelhas), 20 ( Os olhos), 30 e 31 ( A Boca e A Boca), 36 e 37( O tronco e Atitude
erecta), 42 (As pernas e os ps), 57 e 58 ( Os braos e Dos braos); o corpo humano
apresentado de forma muito simples, expondo a funo de cada parte. Seguindo a
descrio de alguns, geralmente feita por Trindade Coelho (escritor portugus) aparecem
noes de cuidados com parte do corpo ali enfocada, revelando a importncia da higiene
na sade e no convvio social. Ao investirem no corpo, com suas especificidades para o
livro de leitura, focando a forma como esse corpo deveria se apresentar na sociedade,
os idealizadores do recurso pedaggico Srie Fontes, aproximam-se do que Michel
Foucault, 1987, coloca sobre uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder, no
sculo XVIII. Michel Foucault apresenta a manipulao dos corpos em uma discusso
acerca da disciplina e da fabricao de soldados. No entanto, os discursos que envolvem
a docilidade dos corpos proliferam e alcanam outros corpos, no caso dos livros da srie
Fontes. Podemos inferir que a forma como ofereceu ateno aos cuidados com a postura
e apresentao do corpo, seria mais um investimento da sociedade para construir corpos
dceis. Parece que, embora em outro contexto, h uma repetio de desejos nos
discursos que circulam pelo ocidente, pois, dcil um corpo que pode ser submetido, ou 4 Segundo Livro de Leitura. Srie Fontes. Adotado nas escolas pblicas do Estado de Santa Catarina.
Florianpolis: Tip. Livraria Central de Alberto Entres, 1933.
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pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeioado (FOUCAULT, 1998, p.
118.)
O adulto do futuro precisa saber se comportar na sociedade. O 2 livro traz alguns
conselhos associados ao uso do corpo em pblico no texto No fica bem: assobiar na
rua, rir com estrondo, sorrir ou fazer trejeitos a propsito de qualquer coisa, deixar descair
o lbio inferior(p. 50); [...] Ou, a forma como deveriam expressar-se em Fica mal:
interromper uma pessoa que est falando, discutir calorosamente, pormenorizar demais
durante uma narrativa, falar coisas que no interessam os outros, fazer trocadilhos de
mau gosto, falar mais alto que os outros, ridicularizar algum, ouvir com impacincia as
outras pessoas[...] Ou ainda, Defeitos que se devem evitar na sociedade .
Essas indicaes de modos para se viver em sociedade vm, principalmente, do
sculo XVI, tempo de um intenso esforo de codificao e controle dos comportamentos
(REVEL, 1991. p 169). Pois, durante toda a modernidade percebe-se que se investiu em
procedimentos de controle sociais mais severos, atravs das formas educativas, da
gesto das almas e dos corpos que visavam encerrar o indivduo numa rede de
vigilncia cada vez mais compacta (REVEL, 1991. p. 170) Tratam-se, pois, do que
Norberto Elias coloca como o desenvolvimento do conceito de civilidade na sociedade
ocidental. (ELIAS, 1990).
No terceiro livro de leitura da Srie Fontes, os textos parecem seqncia do
segundo livro, apresentando a regularidade dos discursos para imprimir um desejo de
verdade. H alguns textos que se referem ao funcionamento dos rgos do corpo
humano, bem como algumas regras de higiene e bom comportamento social. Apresentam
tambm ditados, provrbios, poemas e fbulas. Os provrbios trazem sempre uma lio
moral. Mas, as idias da valorizao da famlia e da ptria parecem ser uma marca muito
presente nesse livro.
As referncias ao valor da famlia abordam o Amor filial, as relaes entre os
irmos, a comparao entre o amor de Deus e de nossos pais e tambm uma aluso
queles que no possuem famlia, aos desamparados. (Terceiro Livro de Leitura, 1948.
p. 10, 74, 75, 98, 99)
A maioria dos textos refere-se ao fortalecimento do amor Ptria. Esses variam
desde indicativos s datas comemorativas, como o Sete de Setembro, s aluses aos
heris nacionais e aos smbolos nacionais, principalmente a Bandeira que aparecem em
03 textos, o primeiro A nossa bandeira, trata de uma apresentao da mesma, o
significado de suas cores e desenho, o segundo, na pgina 36 o Juramento a
Bandeira e por ltimo na pgina 14, a Saudao a bandeira. Ensinar as crianas a
respeitar e honrar os smbolos nacionais, no sentido de construo de uma identidade
nacional, tem sido uma das funes empreendidas pelas escolas.(CHAU, 2004).
Alm de reconhecer datas comemorativas, heris nacionais e os smbolos da
ptria, era necessrio tambm mostrar a importncia de ser patriota. No texto O Patriota
coloca que ser patriota no significa apenas servir o pas em tempo de guerra, mas
colaborar para o rpido crescimento das riquezas nacionais, para o aperfeioamento
intelectual e moral de sua Ptria, um patriota, e pratica o verdadeiro, o so patriotismo (
p. 56). Mas, como todo o livro, a presena do pacto com a igreja um atenuante, foi
necessrio repassar de Luiz Guimares Jnior a Orao pela Ptria. (p. 62) e,
associando a Ptria idia de famlia, o texto Ordem e Progresso, de Rita M Barreto,
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ressalta que A Ptria uma grande famlia. Ora, em uma famlia preciso que todos de
casa e, principalmente os chefes, tenham energia e carter para que tudo corra bem.
A obedincia e o papel dos lderes se apresentam nesses discursos como
elementos essenciais na construo do adulto futuro, pois o menino obediente, talvez seja
o empregado que trabalhar com afinco, sem reivindicar; os lderes devem conduzir
outras pessoas, mas, desde que no questione o modelo de sociedade que os textos
apresentam, seguindo a ordem e o progresso.
Associado preparao do patriota, o que considero ponto alto desse livro so os
textos aconselhando as crianas (meninos) ao escotismo. Ao todo so cinco textos, os
dois primeiros so bastante sutis, pois aparecem no rodap de outros textos que
apresentam tambm a idia do valor da Ptria, como que completando a idia veiculada
no texto precedente. Por exemplo, depois do texto Amor filial, que fala dos sentimentos
fraternais aparece o enunciado do Cdigo dos Escoteiros O escoteiro generoso e
valente, sempre pronto a auxiliar os fracos, mesmo com perigo da prpria vida. (p. 10). E,
na pgina seguinte aps o texto A Criana e o Dever, que procura mostrar as crianas
seu dever para com a ptria, outro enunciado do Cdigo dos Escoteiros: O escoteiro
sabe obedecer, compreende que a disciplina necessidade de interesse geral (p. 11).
No final do poema A Ptria, um outro recorte do mesmo Cdigo: O escoteiro considera
todos os outros escoteiros como seus irmos, sem distino de classes sociais. (p. 21)
Depois desses pequenos anncios sobre os escoteiros, na pgina 45, eis o convite
em forma de indagao Queres ser escoteiro?. O pequeno texto apresenta uma srie de
prazeres para quem desejar experimentar a prtica do escotismo como gozar das
delcias do campo, como se as crianas daquela poca no tivessem sido criados entre
rios, matas virgens, beiras de lagoas, mares e at as montanhas. O texto mostra que os
escoteiros seriam soldados pequenos Com quatro companheiros forma uma patrulha,
que ser comandada por um dles, que se chamar monitor (p. 45) e ainda no mesmo
texto [...] e assim moo, sers feliz, forte, alegre, honesto, ciente de teus deveres e,
quando homem, sers o escoteiro da Ptria, o defensor da tua amada Bandeira. (46). Eis
a criana como futuro patriota, eis a educao cvica num livro de leitura.
O ltimo texto, mais no final do livro traz o ttulo de O escotismo. Nele a viso de
como os educadores ou aqueles que pensavam as polticas de educao no Estado viam
as crianas:
na infncia que se prepara o homem. [...] os exemplos so moldes nos quais se
deve formar a alma da criana. O que se adquire na infncia -virtude ou vcio-
integra-se, no carter e nle desenvolve-se, tornando-se, com o tempo, hbito ou
feio moral. [...] O escoteiro, assim como se robustece nos exerccios ao ar livre,
apura os sentidos, desenvolve as faculdades e aprimora os sentimentos; torna-se
socivel, fraternizando com os companheiros no convvio que os liga intimamente
pela cadeia da solidariedade. [...] Assim essa instituio herica e generosa a
escola primaria do civismo, na qual se devem matricular todos os meninos
brasileiros que, amando o seu Pas, queiram aprender a vem servi-lo e honra-lo. (
p. 92, 93, 94)
A Srie Fontes desse modo se apresenta dentro de um modelo de dispositivo
pedaggico, disseminado a partir da obra de Erasmo no sculo XVI, pois alm da
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literatura erudita ou semi-erudita, Erasmo recorre a sabedoria das naes -aos
provrbios, mximas, fbulas [...] (REVEL, 1991. p. 171).
A organizao do livro, seu contedo, mostra a forma lenta com que as orientaes
pedaggicas para a educao das crianas modificam-se na histria. Anterior ao tratado
de Erasmo para a civilidade das crianas, a histria reconhece na Idade Antiga e Mdia,
outras manifestaes nesse sentido, como os tratados de educao e fisognomias, de
Aristteles a Ccero, de Plutarco a Quintiliano. E, tambm a produo que houve a partir
do sculo XII, textos que se apresentam como instrues aos prncipes, tratados de
cortesia e conselhos aos jovens. (REVEL, 1991. p. 171).
Consideraes finais
No contexto de um suposto desejo de modernidade, em que certas prticas
cotidianas deveriam ser substitudas por atitudes civilizadas, que envolviam desde a
higiene do corpo s regras de portar-se em sociedade, ainda marcadas por um projeto de
nao, e fortalecimento da identidade nacional, a Srie Fontes parece ter cumprido seu
papel de educadora da infncia por dcadas no Estado de Santa Catarina. No entanto,
embora possamos pensar nas intenes dos editores ou do idealizador, por meio dos
contedos dessa Srie, difcil alcanar as possveis leituras realizadas pelas
comunidades de leitores que eram basicamente as crianas.
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A CONSTRUO DO DISCURSO PEDAGGICO DE JEAN-JACQUES
ROUSSEAU: ALGUMAS REFLEXES HISTRICAS
Dnis Wagner Machado
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Berenice Corsetti
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Resumo
Esta comunicao tem como principal objetivo compreender como se deu a histrica
construo do discurso pedaggico de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Articulando
texto e contexto, relativizamos a vida do filsofo genebrino as suas obras de maior
preponderncia, conectando-as as conjunturas espao-temporais. Para tanto, adotamos
como fundamento terico-metodolgico de nosso trabalho a metodologia histrico-crtica.
Percebemos que a proposta rousseauniana de educao defendia a construo de uma
sociedade emancipadora. O discurso conscientizador de Rousseau sugeria uma ao
contra a servido intelectual e moral, propagada pela soberania francesa. Rousseau
proclamava em seus escritos uma educao fundamentada na emancipao dos povos
com o desgnio de edificar uma sociedade mais justa, democrtica e cidad.
Prembulo
Esta comunicao tem como principal objetivo compreender como se deu a histrica
construo do discurso pedaggico do filsofo, terico poltico e compositor autodidata,
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Para tanto, investigaremos suas obras de maior
relevncia internacional, alm de outros trabalhos desenvolvidos acerca do mesmo.
Conectando autor e produo ao espao e tempo histrico, delimitamos nossa pesquisa
ao perodo de vida do filsofo. Para tanto, adotamos como fundamento terico-
metodolgico do nosso trabalho a metodologia histrico-crtica. Deste modo, articulando
texto e contexto, tratando as obras como fontes histricas, pretendemos perceber como
se deu a construo da proposta rousseauniana de educao. Sabendo que o autor
assinou todas as obras que escreveu, no se valendo de pseudnimos, por acreditar que
estaria fazendo o melhor como cidado de seu tempo. Em seus escritos, Rousseau
divulgava uma educao fundamentada na emancipao dos povos com o desgnio de
edificar uma sociedade mais justa, democrtica e cidad. Sugerindo aes contra a
servido intelectual e moral, propagada pela soberania francesa, Rousseau vai construir
discursos de conscientizao, defendendo a retomada de uma sociedade livre, fraterna e
igualitria.
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Empenhei-me em expor a origem e o progresso da desigualdade, o
estabelecimento e o abuso das sociedades polticas, na medida em que essas
coisas podem ser deduzidas da natureza do homem pelas simples luzes da razo
e independentemente dos dogmas sagrados que conferem autoridade soberana
a sano do direito divino. Conclui-se desta exposio que a desigualdade, sendo
quase nula no estado de natureza, extrai sua fora e seu crescimento do
desenvolvimento de nossas faculdades e dos progressos do esprito humano e
torna-se enfim estvel e legtima pelo estabelecimento da propriedade e das leis.
Conclui-se ainda que a desigualdade moral, autorizada unicamente pelo direito
positivo, contrria ao direito natural todas s vezes em que no coexiste, na
mesma proporo, com a desigualdade fsica; distino que determina
suficientemente o que se deve pensar a esse respeito da espcie de desigualdade
que reina contra a lei da natureza, seja qual for a maneira por que a definamos,
uma criana mandar num velho, um imbecil conduzir um homem sbio e um
punhado de gente regurgitar de superfluidades enquanto a multido esfaimada
carece do necessrio. Jean-Jacques Rousseau. Discurso sobre a origem e os
fundamentos da desigualdade entre os homens. Martins fontes, 1999, p.243
Jean-Jacques Rousseau: Vida e obras
Para auxiliar a narrativa que transcorrer recorremos a dois trabalhos, e para
aqueles interessados, recomendamos duas obras de grande valia utilizadas por ns:
Compreender Rousseau, de Matthew Simpson (Vozes, 2009) e Discurso Sobre a Origem
e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens (Martins Fontes, 1999). O segundo
livro citado tem traduo de Maria Ermantina Galvo e traz uma cronologia da vida de
Rousseau, distribuda em seis momentos distintos, assinada por Jacques Roger. Matthew
Simpson, autor do primeiro livro mencionado, mais enxuto, divide-a em apenas trs
momentos. Coincidentemente, ambos os escritores mencionados so condizentes em
demarcar a primeira fase da vida de Rousseau entre os anos de 1712 e 1742.
Em 28 de junho de 1712, em Genebra, na Sua, nasceu Jean-Jacques Rousseau.
A morte da me durante o parto, o distanciamento crescente do pai e o caos da sua vida
pessoal levaram-no a dezenas de viagens, afetos e querelas. Fugido de casa ainda muito
jovem, viver um perodo rico de autoeducao com ajuda da Baronesa de Warens,
Franoise-Louise de la Tour (1699-1762). Em 1728, meses depois da morte Isaac Newton
(1643-1727), Rousseau rejeitou sua f protestante e tornou-se catlico. Mais tarde,
quando adulto, voltaria a converte-se ao calvinismo. Valeu-se das duas maiores religies
da histria moderna, teve pouco apreo por ambas e foi perseguido pelas duas. As
discusses filosficas, muitas sobre Voltaire (1694-1778) inclinara-o para o cultivo de
seus talentos literrios. Coincide com este momento, a leitura de competentes filsofos e
pensadores franceses do sculo anterior.
Alguns anos mais adiante no tempo, a comunidade onde Rousseau estava inserido
envolveu-se com o amparo das opinies de um bispo catlico chamado Cornelius Otto
Jansen (1585-1638). Este enfatizava a doutrina do pecado original e a incapacidade de
uma pessoa alcanar a salvao sem a graa divina (SIMPSON, 2009, p. 23). Embebido
das ideias de Santo Agostinho (354-430), professava que toda alma humana advinda
depois do pecado original seria corrupta e incapaz de obter salvao por seu prprio
mrito (SIMPSON, 2009, p. 23). Ainda vale mencionar que nesse primeiro perodo
demarcado por Simpson e Roger, Rousseau, em Lyon, exercer o trabalho de tutor para
os filhos de um nobre local. Essa precursora experincia como professor substanciou ao
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genebrino as formulaes acerca de educao que o distinguiriam para o resto de sua
vida.
Matthew Simpson chamar o prximo perodo da vida de Rousseau (1742-1762)
de Ascendncia. Jacques Roger divide-o em dois momentos distintos, Os anos
parisienses (1742-1756) e A solido de Montmorency (1756-1762). De fato, em Paris,
diante de tantos e cobiosos jovens, a chegada de Rousseau, num primeiro momento,
no teve grande alarde. O que lhe ajudou imensamente com certeza foi a rede de
relacionamentos do perodo anterior, que lhe geriu as recomendaes que precisava para
ter acesso aos crculos sociais mais altos da cidade.
Data desse momento tambm, o nascimento dos filhos de Rousseau com Thrse
Levassier (1721-1801), motivo de grandes controvrsias at os dias atuais, pois, que
educao poderia propor algum cujos filhos foram abandonados nas rodas de
enjeitados? Datado desse perodo temos a publicao de O esprito das leis, de Charles
de Montesquieu (1689-1755), considerando que O contrato social de Rousseau levou
cerca de vinte anos para ser escrito, possvel que esse trabalho tenha tido alguma
influncia nas obras subsequentes do genebrino. Mas, segundo Simpson, o evento mais
significativo da vida de Rousseau durante esta fase da sua vida foi o insight que teve em
julho 1749 ao percorrer a estrada para Vincennes a fim de visitar seu amigo Denis Diderot
(1713-1784), preso por defender no livro Carta sobre os cegos uma variante radicalista da
tese de John Locke (1632-1704) acerca da tela em branco.
Diderot argumentou que todas as ideias e as muitas emoes derivam da
experincia e da reflexo, ao invs de ser algo inato na alma. Essa teoria parecia
desafiar a crena ortodoxa de que os humanos so, por natureza, pecadores e
minar as muitas provas da existncia de Deus, que se baseiam na tese de que a
ideia de Deus inata mente (SIMPSON, 2009, p. 30).
O insight de Rousseau recaiu sobre a confiana implcita de que so os vcios que
corrompem o carter das pessoas, as injustias que permeiam seus arranjos sociais e as
infelicidades das quais sofrem vem das escolhas humanas, e no de Deus ou da
natureza (SIMPSON, 2009, p. 183). Este pensamento o impregnou de uma maneira que
acabou marcando profundamente sua filosofia e suas obras dali em diante, a saber,
destacam-se: O Discurso sobre as cincias e as artes (1751), O Discurso sobre a origem
e os fundamentos da desigualdade (1753), e por fim, O contrato social (Do contrato social,
ou princpios do direito Poltico) e Emlio (ambos de 1762).
Em janeiro de 1751 foi lanado O Discurso sobre as cincias e as artes, neste
trabalho, premiado pela Academia de Dijon, Rousseau refletiu sobre a natureza da
sociedade, opondo o progresso da cincia e da arte ao progresso da moral,
argumentando que o admirvel desenvolvimento da Renascena no estaria conectado
ao alargamento da cultura e da felicidade humana. A vida e os seus arranjos sociais
estaria ameaada pela corrupo da moral e dos costumes. Para explicar seu ponto de
vista, Rousseau recorreu a uma reconstruo histrica apresentando a ascenso e queda
de grandes civilizaes do passado (Egito, Constantinopla, Grcia, Roma, entre outras). A
estas, associou a contemplao das artes e cincias a manuteno do luxo e das
riquezas materiais. Amplas geradoras de opresso e tiranias institucionais, seriam elas as
portadoras e divulgadoras do egosmo, da mesquinharia e da desonestidade entre os
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homens. A despreocupao com a moral e a com felicidade humana seriam, portanto,
resultado dos avanos de outros setores da vida concreta. Para ilustrar esse processo de
degenerao (moral, social e poltico), Rousseau recorreu a um delineamento da
passagem do homem do estado de natureza, marcado especialmente por um sentimento
de igualdade para com o prximo, para um estado de civilidade, caracterizado pelas
injustias e desigualdades de sua sociedade.
No ano de 1753 o Rei Lus XV (1710-1774) da Frana dissolveu o parlamento
parisiense por conta de uma polmica envolvendo a doutrina de Cornelius Jansen. A
revolta s no foi maior, pois data desse perodo o primeiro desagrado coletivo acerca de
Rousseau, que acabou chamando para si as discusses que ocorriam em torno da
msica francesa, outro palco a qual Rousseau se dedicar. Lus XV bisneto de Lus XIV,
ascendeu ao trono com apenas cinco anos. O reino teve dois regentes antes de o
soberano atingir a maioridade, quando tal, Lus XV governou sem Primeiro-Ministro,
dirigindo, sobretudo as relaes exteriores. Mas o incio de seu governo marcado
principalmente pela persistente campanha de perseguio aos protestantes que
promoveu. Mais tarde, conhecido por seus caprichos, seu governo destacar-se-ia
principalmente no plano da intelectualidade e das artes. Justamente os principais
domnios das crticas de Rousseau.
Em meio aos tumultos sobre Jansenismo de 1753, a Academia de Dijon anunciou
um novo concurso, desta vez questionando qual era a origem da desigualdade entre os
homens, e se tal desigualdade era justificada pelas leis naturais. Rousseau retirou-se ao
campo e produziu sua resposta, impactante e demasiadamente radical, envio-a a tempo,
mas sabia que ela no teria a mesma aceitao que o primeiro Discurso. Veio a chama-la
de O Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade. No venceu o prmio,
mesmo assim, publicou seu contedo em 1755.
Colocado de maneira mais simples, ele argumentou que a desigualdade est
enraizada na vaidade e na ganncia, o que faz com que as pessoas sintam uma
alegria secreta diante da pobreza e da misria dos outros. Essa tese, contudo, no
era to original, pois, como o prprio Rousseau sabia, j havia sido defendida no
sculo anterior pelo filsofo ingls Thomas Hobbes. A parte revolucionria da
teoria de Rousseau era sua reivindicao de que a vaidade e a ganancia no
eram partes essenciais da natureza humana, mas sim produtos de arranjos sociais
injustos. Consequentemente, foi capaz de ratificar sua teoria da bondade natural
dos homens, at mesmo diante das bvias crueldades e injustias do mundo ao
seu redor. Ele as interpretou como um tipo de corrupo de uma condio humana
original. Quando desenvolveu esse insight, ele no somente influenciou as
cincias da sociologia e psicologia social, mas tambm estabeleceu a fundao
para uma nova filosofia poltica e teoria educacional (SIMPSON, 2009, p. 35).
A Frana se encontrava amarrada ao seu passado medieval e embora se dividisse
em trs estamentos bsicos (clero, nobreza e plebe), outros grupos e categorias sociais
tornavam a sociedade demasiadamente estratificada, demandando atenes
concentradas, caso dos latifndios. O contexto social que Rousseau descreve tem
espelho nos aspectos scio-polticos de sua contemporaneidade. Todavia, os pensadores
mais conservadores se opuseram ao seu trabalho. A doutrina rousseauniana expressa
nesse Discurso pretendia recuperar a conscincia de liberdade individual originria. Um
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dos meios para se buscar isso era demonstrar como o surgimento da desigualdade entre
os homens estava atrelado ao juzo de propriedade e das leis de regimento. Como nos
assegura Streck, a ideia de propriedade vista por ele como fator principal para a
criao das desigualdades (STRECK, 2008, p. 28). Destarte, tambm as distines
polticas levam necessariamente s distines civis. A desigualdade, ao crescer entre o
povo e seus chefes, logo se faz sentir entre os particulares (ROUSSEAU, 1999, p. 235).
Por desigualdades preciso ter em mente que a questo no se pretendia limitar
as razes econmicas. Rousseau por sua vez, vai entender que as questes monetrias
eram paralelas a outras questes, como as polticas, e que unidas, constituam o
verdadeiro pice da cadeia hierrquica. Como professou Rousseau a riqueza, a nobreza
ou a posio, o poder e o mrito pessoal so em geral as principais distines pelas quais
os homens se medem na sociedade (ROUSSEAU, 1999, p. 237). O direito divino, por
exemplo, to providencial aos monarcas, seria apenas uma das possibilidades de origem
das desigualdades. Ao negar veemente que Deus concedeu a estes o direito de governar
sob os outros, portanto, o direito de uns poucos de mandar e o dever submisso de outros
tantos de obedecer, Rousseau concebeu que as instituies estavam formando o tipo de
pessoa que mantinha o status quo. No a atoa que mais tarde, no Emlio, Rousseau
afirmar que no poderia encarar as instituies pblicas como colgios. Rousseau
colocar tambm que os cidados s se deixam oprimir na medida em que, arrastados
por uma cega ambio e olhando mais para baixo do que para cima de si, passam a
apreciar mais a dominao que a independncia (ROUSSEAU, 1999, p. 236).
Rousseau, na verdade, reformulou a pergunta feita pela Academia propondo-se
assim a responder por que existem pessoas de diferentes posies polticas, sociais e
econmicas e essas desigualdades so moralmente justificveis? (SIMPSON, 2009, p.
88). No difcil imaginar a recepo da resposta de Rousseau, principalmente entre as
classes mais abastadas, sobretudo na corte de Lus XV. A desigualdade no era nada
mais do que uma vaidade, uma construo humana, este era o ponto nefrlgico para o
genebrino. Conforme Simpson, Rousseau conseguiu explicar a origem da desigualdade
atravs de uma teoria de como a humanidade se movia (ou deveria ter se movido) do
estado da natureza, no qual no havia desigualdade, para os arranjos atuais das coisas
em que a desigualdade difusa (SIMPSON, 2009, p. 95). Usando uma analogia retirada
das cincias fsicas o estado da natureza de Rousseau era bastante parecido com o
mbito do fsico das entidades reais e interaes. Isto uma abstrao que nunca poderia
existir como tal, mas que ajuda a explicar o que realmente existe (SIMPSON, 2009, p.
105).
Concluindo, a uno dos dois Discursos produzidos por Rousseau procurou
demonstrar a gradativa corrupo da natureza humana enquanto parte de uma
sociedade. Contudo, Rousseau teve presente tambm um outro pensamento, a de que
os indivduos mudam medida que suas sociedades mudam, e que a sociedade muda
medida que seus membros mudam, tudo numa relao causal complicada com o clima,
agricultura e o mundo material de um modo geral (SIMPSON, 2009, p. 99).
No muito distante no tempo e no espao (1755), Portugal foi abalada por um
assombroso terremoto, onde morreram, segundo registros histricos, milhares de
pessoas. Inclume, Voltaire escreveu a sua famigerada Carta sobre o terremoto de Lisboa
onde argumentou que tal evento prova que no existe um Deus providencial cuidando da
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vida humana (SIMPSON, 2009, p. 37). Impvido, Rousseau respondeu escrevendo a
Carta a Voltaire sobre a Providncia, argumentando que os seres humanos, e no Deus,
decidiram que as pessoas deveriam morar em prdios altos e em cidades densamente
povoadas, at mesmo onde os terremotos so ocorrncias comuns (SIMPSON, 2009, p.
38). Deste modo, Rousseau questionava se um terremoto ento destri a cidade e as
pessoas so feridas por causa das suas prprias escolhas, como isso pode deixar de
provar a existncia de Deus? (SIMPSON, 2009, p. 38). A carta veio a pblico em 1759,
respondendo esse questionamento, Voltaire escreveu a obra Cndido, ou o Otimismo.
Pensando em encontrar um meio para exerccio da bondade natural do homem,
Rousseau escreveu duas prolas: O contrato social e Emlio. Publicados com apenas dias
de diferena um do outro, em 1762, ambos foram sumariamente banidos da Frana. O
primeiro um reforo ao debate em torno da natureza e dos limites das obrigaes de
ordem poltica e legitimidade dos domnios de opresso, iniciado em seu segundo
Discurso. Neste novo escrito, oferece uma alternativa ideal a um sistema poltico, no qual
todos os cidados seriam tratados como iguais e livres, um sistema que mereceria a
fidelidade de seus cidados, pois expressaria seus desejos e promoveria o bem de todos
(SIMPSON, 2009, p. 40). Emlio foi obra mxima que Rousseau destinou ao tema da
educao. Neste, apresentou uma plano detalhado dos princpios a serem seguidos em
cada etapa do desenvolvimento infantil e juvenil com vistas a formar um cidado ao
mesmo tempo disciplinado e livre (ROUSSEAU, 2011, p. 7). Tentando provar um ponto,
que tudo que se origina da natureza bom, mas degenera nas mos do homem,
Rousseau questionava a validade de se depositar nas mos dos homens o problema da
educao. Deste modo, propunha que as crianas tivessem a oportunidade de serem
educadas livre e espontaneamente.
A educao - segundo Rousseau - no deve ter por objectivo a preparao da
criana com vista ao futuro ou model-la de determinado modo; deve ser a prpria
vida da criana. preciso ter em conta a criana, no s porque ela o objecto da
educao - a pedagogia da essncia estava pronta a fazer certas concesses
neste sentido -, mas, primordialmente, porque a criana a prpria fonte da
educao. a partir do desenvolvimento concreto da criana, das suas
necessidades e dos seus impulsos, dos seus sentimentos e dos seus
pensamentos, que se forma o que ela h-de vir a ser, graas ao auxlio inteligente
do mestre. Os educadores no podem ter outras pretenses; seriam
absolutamente nocivas. A existncia do homem tornou-se o fulcro da sua
educao (SUCHODOLSKI, 1984, p. 39-40).
Se em O contrato social Rousseau pretendeu descrever uma organizao poltica
ideal, no Emlio que o genebrino se esfora em mostrar as formas de se projetar uma
emancipao por intermdio da educao. Como nos apontar Streck o contrato social
est colado educao [...] e toda educao do Emlio conduzida para que ele possa,
no fim, viver numa sociedade regida pelo contrato (STRECK, 2008, p. 27). Comparando
o segundo Discurso de Rousseau e o Emlio, a principal diferena que se obtm na
escala, como nos aponta Simpson, ambos descrevem um processo de mudana e
desenvolvimento do carter humano, o Discurso explica em termos da humanidade em
geral e Emlio sobre o desenvolvimento de um nico jovem (SIMPSON, 2009, p. 149).
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A liberdade do estado de natureza, sistematizada no Discurso da desigualdade, ou
a liberdade da infncia de Emlio, caracteriza-se pela total independncia do
homem em relao aos semelhantes. A liberdade moral ou civil, conquista de
Emlio na adolescncia e do homem social por ocasio do pacto social legtimo,
representa uma mudana qualitativa na medida em que a simples independncia
da vida solitria substituda pela autonomia no convvio social. Rousseau
articula, portanto, a liberdade natural como significando independncia e a
liberdade moral ou civil como autonomia (HARTAMANN, 2001).
Com o lanamento de O contrato social e Emlio, em 1762, Rousseau tornou-se
inimigo pblico. Suas obras foram proibidas, apreendidas e queimadas, pois incitavam a
falta de respeito para com os reis ao mesmo tempo em que lanava crticas demolidoras
religio crist. Errante, em 1766, temendo pela vida, refugiou-se na Inglaterra a convite de
David Hume (1711-1776). A parceria no foi benfica e o genebrino voltou Frana. Nos
seus ltimos anos de vida tornara-se testemunha da histria: em 1773 foi suprimida a
ordem dos Jesutas; em 1774 faleceu o rei Lus XV da Frana e em 1776 foi declarada a
independncia das colnias inglesas da Amrica. Jean-Jacques Rousseau vem a falecer
em 1778 e por muito pouco no testemunhou a queda da bastilha, em 1789.
O sculo de Rousseau o mesmo em que a responsabilizao pela educao se
deslocou da Igreja para o Estado. Tambm o sculo das luzes, do enciclopedismo, do
esfacelamento da razo, da revoluo industrial, da produo em larga escala e do
liberalismo econmico professado pelo economista e filsofo escocs Adam Smith (1723-
1790). Mas o genebrino, como Diderot e Voltaire, no falava para reis, nobres ou mesmo
para o clero, estes comeam a falar em nome de uma nova categoria social que surge
naquele momento histrico: o povo (STRECK, 2008, p. 19).
Originalidade de pensamento
Numa primeira leitura, Rousseau aparenta continuar a pedagogia idealizada por
Comenius (1592-1670), pois ambos empregaram a noo de natureza da criana.
Entretanto, o genebrino diferencia-se por enxergar a mesma de forma emprica, sem
imposies ao homem, onde este deveria estar liberto dos regimes que o trancafiariam,
podendo ento retornar ao estado natural, pois a realidade que interessava a Rousseau
era a de uma natureza boa, prtica e til ao homem, onde se prevalecesse
independncia pessoal, onde a educao tivesse um papel preponderante dentro desse
aspecto, e finalmente, onde se promulgasse a bondade das pessoas.
Tendo como ideia central que na sociedade o nico lugar em que o homem
natural poderia se tornar moral, o grande dilema de Rousseau girou em torno da questo:
formar um homem ou formar um cidado para a sociedade?
Segundo Bogdan Suchodolski a pedagogia de Rousseau foi primeira tentativa
radical e apaixonada de oposio fundamental pedagogia da essncia e de criao de
perspectivas para uma pedagogia da existncia (SUCHODOLSKI, 1984, p. 40). Influente,
Rousseau concebeu as bases reflexivas deste novo posicionamento, contribuindo para os
debates vindouros que adviriam da oposio das duas tendncias basilares uma
pedagogia baseada na essncia do homem e uma pedagogia baseada na existncia do
homem (SUCHODOLSKI, 1984, p. 8).
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Passados trezentos anos do nascimento do genebrino, a pergunta de Danilo
Streck, feita em 2004, parece ainda mais retumbante: onde est Rousseau hoje?
Arriscamos supor que esteja onde o prprio Streck indicar, numa educao inconforme,
numa educao que possa estar em toda parte, mas (tambm) nas margens (pois l
que) ela parece ter o habitat original, porque a partir das necessidades concretas que a
sociedade se reinventa (STRECK, 2008, p. 85).
Talvez Rousseau esteja nos movimentos de protesto e ocupaes que tomaram as
ruas do mundo de 2011 para c. Reunindo estudantes, artistas e ativistas, da Grcia ao
Chile, todos reivindicando, de liberdade educao, todos se expressando com
linguagens que ainda no foram completamente decifradas. Se as respostas de
Rousseau j no respondem as nsias de nosso tempo, olhemos ento, como nos
recomenda Streck, para suas perguntas e assim procuremos indcios que nos faam
avanar. Qual ser o nosso insight?
Rousseau pode no ter estado presente fisicamente, mas seu esprito de
emancipao se fez sentir na Amrica Latina. No obstante, pontos de vista e graus de
influencia podem variar, mas inegveis so as conexes possveis entre Rousseau e Jos
Mart (1853-1895), ou ainda, entre Rousseau e Paulo Freire (1921-1997). O pargrafo-
citao na primeira pgina, por exemplo, poderia muito bem ter sido escrito por Manoel
Jos do Bomfim (1868-1932). Sabe-se que o sergipano, assim como Simn Bolvar
(1783-1830), leram Montesquieu, Voltaire, Rousseau entre outros pensadores europeus.
Boleslao Lewin em Rousseau en la independencia de latinoamerica se esmera em
apresentar uma rica documentao que infelizmente no poder ser delineada aqui.
Ademais, o livro Rousseau & a Educao de Danilo Streck tambm se dedica a tal
empreendimento.
Consideraes finais
De modo geral, a voz de Jean-Jacques Rousseau compartilha semelhantes desafios
ao dos professores e professoras da contemporaneidade. Salvas suas determinaes
temporais, denunciar as sociedades as quais faziam parte, apontando as convenes, os
formalismos e as legitimidades causadoras das desigualdades. Humanitrio, talvez
proftico, Rousseau vislumbrava as possibilidades emancipadoras dos sujeitos ao
acreditar que a autonomia destes provinha no da mera possibilidade, mas sim de uma
vlida obrigao.
A distino de Rousseau frente aos demais pensadores do seu perodo foi
marcante. Enquanto estes viam o povo como classe emergente, mais especificamente,
como burgueses, Rousseau privilegiar na sua compreenso o povo empobrecido
(STRECK, 2008, p. 19). Rousseau foi e ainda um soberbo pensador utpico, pois para
este, como bem colocou Danilo R. Streck, a possibilidade da utopia baseada no
potencial humano de perfectibilidade que, por seu turno, deriva da capacidade de auto
realizao (STRECK, 2008, p. 28).
Rousseau acreditava que a mudana teria de vir do povo e que um dos caminhos
essenciais para isso acontecer seria pela via da educao. A riqueza cultural da Europa
proporcionou-lhe a uma incomum formao histrica e cultural que acabaram por
transformar os marcos tericos de sua autoeducao, forjando para si, um pensamento
com qualidades prprias.
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Este trabalho buscou verificar as bases do discurso pedaggico de Jean-Jacques
Rousseau, construindo uma narrativa permeada por um fio condutor que explicitasse as
contribuies e ambivalncias deste pensador. A intencionalidade, o vis poltico, no
poderia estar esvaziado, do contrrio, alimentou-se dos conflitos e tenses da vida
contempornea de um Brasil, de um mundo, que continua abrigando enormes
desigualdades entre ricos e pobres.
Referencias
HARTAMANN, Mauri. A liberdade enquanto tema central que unifica o pensamento
de Rousseau. 2001. 106 p. Dissertao (Mestrado em Filosofia). Programa de Ps-
Graduao em Filosofia. Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, RS, 2001. Disponvel em: <
http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese=200115242005019004P0 >
Acessado s 18h09min de 17/07/2012.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da
Desigualdade Entre os Homens. 2 Ed. So Paulo: Martins Fontes, 1999.
______. O contrato social. Porto Alegre: L&PM, 1762/2011.
SIMPSON, Matthew. Compreender Rousseau. Petrpolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
STRECK, Danilo Romeu. Sobre permanncias, mudanas e cidadania (Pedagogia
histrico-crtica). In: STRECK, Danilo Romeu. Correntes Pedaggicas - uma abordagem
interdisciplinar. Petrpolis, RJ: Vozes / Rio Grande do Sul: Celadec, 2005. p. 87-106.
______. Rousseau & a educao. 2 Ed. Belo Horizonte: Autntica, 2008.
SUCHODOLSKI, Bogdan. A pedagogia e as grandes correntes filosficas: a
pedagogia da essncia e a pedagogia da existncia. 3. Ed. Lisboa: Horizonte, 1984.
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A DCADA DE 1950 E AS MLTIPLAS RELAES ENTRE OS MUSEUS E A EDUCAO: UM ESTUDO SOBRE O CURSO DE ORGANIZAO DE MUSEUS
ESCOLARES DO MUSEU HISTRICO NACIONAL (1958)
Ana Carolina Gelmini de Faria Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Resumo
O presente estudo tem por objetivo analisar a importncia da dcada de 1950, em
especial no ano de 1958, para os estudos do campo dos museus sobre o potencial
educativo destas instituies, apresentando publicaes - nacionais e internacionais - e
evento realizado pela rea museolgica que contriburam para debates intelectuais sobre
a relao museu e Educao, dando nfase nas visitaes escolares. Nesta perspectiva
investigada uma experincia ocorrida no Museu Histrico Nacional em 1958 por
solicitao do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP): o Curso de
Organizao de Museus Escolares, atividade que envolveu tanto o desejo de profuso de
museus escolares em diferentes Estados do pas, como o desafio do Curso de Museus de
ministrar seus contedos a fim de aplic-los na perspectiva de museus escolares.
MUSEU HISTRICO NACIONAL:
A CONSTRUO DO PONTENCIAL EDUCATIVO DA CASA DO BRASIL
Nos estudos sobre a histria dos museus, diversas cincias, alm da prpria
Museologia, colaboram nas investigaes da prtica museal. Gonalves (2007) aponta
que a Antropologia, a Sociologia e a Histria so algumas das abordagens que somam no
processo de reflexo. Por ser um instrumento aplicado para usufruto da sociedade, o
museu possibilita ilimitadas interfaces, e um campo de investigao que tem muito a
contribuir a Histria da Educao.
A Histria da Educao capaz de abranger estudos que vo do ensino
institucionalizado aos processos de aprendizagem e socializao no-oficiais, tornando-se
um campo de mltiplas pesquisas (STEPHANOU; BASTOS, 2005). Embora tenha como
destaque a cultura escolar, a Histria da Educao permite ultrapassar este limite,
explorando, como Dominique Julia aponta, modos de pensar e de agir largamente
difundidos no interior de nossas sociedades, modos que concebem a aquisio de
conhecimentos e habilidades (2001, p.11).
Os dilogos entre a Museologia e a Educao tm um potencial inestimvel e as
relaes entre ambos j se manifestam h tempos. No Brasil, por exemplo, o Museu Real
- atual Museu Nacional de Histria Natural - alm de ser um apoiador e promovedor das
atividades de ensino desde sua fundao, em 1818, declarou sua tendncia educativa em
regulamento em 1916, desenvolvendo atendimentos escolares que culminaram na criao
de um servio educativo especfico para os visitantes na dcada de 1930 (LOPES, 1997).
Este apenas um exemplo da apropriao dos museu