1995 Utopia PT - Emanuel Pimenta

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U 1 C I Aemanueldimasdemelopimenta1 9 9 5ttulo: UTOPIAautor: Emanuel Dimas de Melo Pimentaano: 1995Filosofa, esttca, cognioeditor:ASA Art and Technology UK Limited Emanuel Dimas de Melo Pimenta ASA Art and Technologywww.asa-art.comwww.emanuelpimenta.netTodos os direitos reservados. Nenhum texto, fragmento de texto, imagem ou parte desta publicao poder ser utlizada com objectvos comerciais ou em relao a qualquer uso comercial, mesmo indirectamente, por qualqueis meios, electrnicos ou mecnicos, incluindo fotocpia, qualquer tpo de impresso, gravao ou outra forma de armazenamento de informa-o, sem autorizao prvia por escrito do editor. No caso do uso ser permitdo, o nome do auto dever ser sempre includo. tambm conferncia emProjecto Utopia 1995, CascaisCascais, Portugal, Fevereiro 1995UtopiaEmanuel Dimas de Melo Pimenta4U1CIAemanuel dimas de melo pimenta1995Algunsnotveismalentendidosvmcaracterizandoaideiadeutopia atravs dos tempos.Oprimeiroemaisevidentemalentendidoquetratar-se-iadeum fenmeno tpico dos fnais de sculo.Um engano curioso, pois embora isso realmente tenha acontecido no sculo passado as utopias so antes provocadas pelo aparecimento de novas tecnologias e no com mudanas de sculo!Assim,aRepblicadePlatocoincidecomumrpidoaumentode importaodepapiro,produzidonoEgipto.Opapiro,meiorelatvamente fexvel de armazenamento e transferncia de informao, foi responsvel pela acelerao na comunicao, pela desintegrao das Cidades Estado e pelo brilho do Imprio Romano que se seguiu.5U1CIAemanuel dimas de melo pimenta1995Damesmaforma,maisdemilequinhentosanosdepois,aUtopiade Toms Morus acontece quase que simultaneamente imprensa de Gutenberg. Morusrealiza,noseufamosolivro,umafortereacosmudanassociais queeramdesencadeadas,nomeadamenteagrandecontrovrsiadapoca:a delimitao rigorosa das propriedades privadas.AsutopiasdofnaldosculoXIXcoincidemcomoaparecimentoda electricidade e da fotografa. Eugne Hnard ento um dos mais importantes representantes dos movimentos utpicos aplicados ao urbanismo inventou a cidade sobre estacas- que viria a ser caracterstco de uma parte de Tquio e da Holanda para alm de criar uma teoria do urbanismo subterrneo. Loucura napoca,essateoriatemsidoaplicadacomsucessoemdiversascidadesdo mundo Canad possui bons e variados exemplos.Os projectos arquitectnicos de mega-estruturas, liderados por Paolo Soleri nos anos 1960, coincidiram com os primeiros satlites de telecomunicaes. Eram imensas estruturas destnadas s mais diversas funes. Soleri foi considerado louco por muita gente boa. Os seus revolucionrios conceitos tm, entretanto, caracterizado a maior parte do pensamento sobre a organizao urbana neste fnal de milnio.Soleri estava integrado ao que, poca, era conhecido como uma cultura hippie. Uma nostlgica cultura que reagia s mudanas sociais imprimindo, como Morus, uma volta natureza e a busca de uma pureza ideal da humanidade.6U1CIAemanuel dimas de melo pimenta1995 Aqui,revela-seosegundoengano:queasutopiasseriam,aprincpio, fortes desafos tradio.Antes,pratcamentetodasasutopiassenotodasso,emcerto sentdo e sem que seus autores se dem por isso, reafrmaes da tradio.Um terceiro engano, tpico do senso comum, considerar utopia como algo impossvel. Certamente esta falsa crena se deve ao prprio nome: utopia. A palavra foi sugerida por Morus como a designao de uma terra impossvel: u-topos ou o no-lugar.Curiosamente,utopiassocoisassurpreendentementerealizveis,e nunca impossveis.Agora,poucosmilharesdediasseparadosdeumnovomilnio,vrias pessoas,emdiferentespartesdoplaneta,voltam-separaasutopiasquese desenham.Espciedeactorefexosobreosculopassado.Gestoimediatoque Walter Benjamin certamente afrmaria ser mais um salto de tgre ao passado: um passado carregado de hic et nunc aqui e agora que faz com que as pessoas promovam inconscientes saltos sobre o aparente contnuum da Histria.7U1CIAemanuel dimas de melo pimenta1995Poressavia,deparamo-nosumavezmaiscomnovasutopias. Novamenteeporenquanto,aliciantesnovidadespopulares.Ideiasquefxam hipnotcamenteaatenodetodosdomilionrioaopobre,doartstaao economista, do pedreiro ao neurocirurgio.Fascnio total.Todosfxamolhos,ouvidosepelenonovomundoquemgicae misteriosamente se transforma numa contnua metamorfose.Destavez,todavia,esseuniversoemmutaoocupatodosostempos etodososespaos,simultaneamente.Nomaissetratademegaprojectos isolados como os de Paolo Soleri, das especializadas e urbanas ideias de Hnard, das defesas conceituais de Morus ou de Plato.Pelaprimeiravez,trata-seoplaneta,eleprprio,comoumtodo.Uma utopia localizada em todos os lugares e em lugar nenhum: a desmaterializao da cultura material.frica,Europa,siaeAmricasinteragindoemfelizes,muitasvezes ingnuas, utopias tecnolgicas e catastrfcas utopias demogrfcas. Apocalipses e renascimentos, em constante turbulncia criatva.Hoje, a rede Internet j abriga mais de trinta milhes de pessoas que se comunicam interactvamente em todo o mundo.8U1CIAemanuel dimas de melo pimenta1995Paraalgumasdasquestesapocalptcas,algumasfantstcasrespostas renascentstas: a fabricao de nano-mecanismos auto reprodutveis, escala atmica, podendo operar no apenas dentro de organismos ou sobre a atmosfera planetria,masantes,trabalharenquantoorganismosoumesmoenquanto parte da nossa atmosfera. Prteses de processo, extenses de extenses.Aindanadcadade1970,comeceiatrabalharcomcomputadores, arquitecturaemsica.Atravsdealgunsamigos,mestresecientstasJohn Wheeler, que cunhou a expresso buracos negros; Hans Joachim Koellreuter, antgo aluno de Paul Hindemith, de Marcel Moyse e de Hermann Scherchen; e Gerald Edelman, Prmio Nobel em 1974 comecei a investgar a formao de paterns sinptcos partr de inputs sensoriais.Isto : como a confgurao elctrica em nossos crebros responderia, de alguma maneira no linear ao universo em que estava mergulhado. E, ainda, como nossos outputs sensoriais isto : as nossas manifestaes de linguagem, noseusentdomaisamploseriamimpressosnaquiloquevulgarmente chamamos por mundo real.Mundo real: a nossa maneira de ver as coisas.Logo percebi que o espao que trabalhamos na arquitectura nada mais queumaprojecolgicadopensamento.Alterandoaconfguraolgica doespao,alteraramosaconfguraofsicadenossoscrebros.Assim,pela primeiravez,aartepassavaaacontecerenquantopensamentoenomais como uma expresso dele.9U1CIAemanuel dimas de melo pimenta1995JohnCageresgatavadaNaturezaasuaobradearte.Agora,podia-se recriar a prpria Natureza enquanto processo!DaparaainvestgaosobreRealidadeVirtualeCiberespaofoium breve passo.Sefssemoscapazesdeproduzirumespaoquadridimensionalcom umalgicadiferente,umespaonoqualpudssemosoperacionalizaruma compreensolgicatotalmentediferente,estaramosmaisaptosacritcara nossaperceposensorial,produzindoefcientesarmadilhasparaosnossos sentdos.Rapidamente, partturas musicais e projectos de arquitectura passaram a ser criados em ambientes virtuais.Oolhopodiaagoraadoptarnguloseluminosidadedetodosostpos. Criar um plano no espao passou a signifcar virtualmente voar, podendo alterar nosso tamanho, numa dimenso paralela nossa realidade.Computadoresnuncacomorplicasdosestradores,mascomoespao vital.Aideiaeratransportaressanovalgicaparaouniversodinmicodos edifcios, das cidades, do dia a dia das pessoas.10U1CIAemanuel dimas de melo pimenta1995Omaiordesafosetornou,ento,noserenganadopelacultura quetnhasidoabasedaquiloqueeuconheciacomoeu.Querdizer: somosdurantepratcamentetodootempodenossasvidascontnuae brutalmente bombardeados por regras e ordens de valor de todo o tpo. Tudo automatcamente estereotpado. Tudo tem seu formato especializado.Poressavia,produzimosumailusodeindividualidadeestanque,de verdades e certezas infalveis ou de contedos de coisas.Depoisdealgumtempo,noinciodosanos1980,comeceiatrabalhar sobreumprojectodegrandesdimenses,talvezomaiordeminhavida:um planeta.Um planeta virtual, que pudesse ser o ponto de encontro entre pessoas inteligentes, curiosas. Um local de subverso para nossa, creio, mais pesada e original sina: nossos amigos e as pessoas a quem amamos serem condicionados pela proximidade fsica!Woiksed,oplanetavirtual,foicriadoetemconhecidoseu desenvolvimento. Passo a passo. Ganhou um prmio internacional em 1994 e alguma notoriedade.Paolo Soleri se mudou para o deserto Americano e constri a sua cidade arcolgica uma interessante combinao entre arquitectura e ecologia. Hoje, essa cidade chamada Arcosant possui vrios milhares de habitantes.11U1CIAemanuel dimas de melo pimenta1995Woiksed um planeta dentro de outro planeta. Em pouco tempo estar acessvelatravsdoInternet,ehojejacessvelatravsdevriossofwares comerciais.Woiksedprodutodasredesderedesinformacionais,espalhadaspor nosso mundo superpopuloso.Hvriosanos,osmeusprojectosdearquitecturaoudemsicavm sendo criados em outra dimenso.Tenhovividoamaiorpartedeminhavidaliteralmentedentrode computadores.Passo dias e noites a estudar o logos de Herclito para ele o logos nada maiseraqueumelementodeordenaodascoisas,isto:linguagemos yantras do Oriente, que implicam o desenho de cidades, de edifcios, de tudo; e a formao do mito enquanto directa revelao da nossa existncia ancestral como cardumes de peixes ou simples clulas.As nossas utopias de hoje parecem procurar resgatar a noo de indivduo nummundoquepulverizaadelimitaofsicadascoisas,relembrando-em certo sentdo Toms Morus.Instantaneamente, enquanto escrevo, lembro Paul Valery, Ren Berger e Osris.12U1CIAemanuel dimas de melo pimenta1995Trata-sedaserpenteedanaturezadopensamentoserpent:penser. Valerydiziaqueaserpentecomeaprpriacauda.Massdepoisdeum longo tempo de mastgao que ela reconhece o seu prprio gosto de serpente. Ela pra, ento... Mas ao cabo de um outro tempo, no tendo nada mais para comer, voltaasimesma...Chegaentoatersuacabeaengolida.oquese chama uma teoria do conhecimento. Olho para este mundo virtual e vejo tudo dentro de um lugar no distante.Utopia.O espelho do espelho, na raiz da raiz.