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2
Blood
Feud
Livro 2
ALYXANDRA HARVEY
3
Sinopse
A ação e o romance continuam enquanto os Drakes enfrentam um
novo vampiro com um ressentimento de 200 anos.
Passaram-se vários séculos desde que Isabeau St. Croix sobreviveu
à Revolução Francesa. Agora que ela está de volta entre os vivos, deve
enfrentar a última prova, confrontando o malvado britânico que a deixou
morrer no dia em que ela converteu-se em um vampiro. Isso se puder
controlar a atração que sente por Logan Drake, um vampiro cuja mordida
é tão doce quanto a vingança que procura.
Os Clãs se reúnem para a coroação Real de Helena como a próxima
Rainha vampiro, e novas alianças começam a se formar agora que as
desavenças do reinado de Lady Natasha começaram a cicatrizar. Mas
com um novo inimigo em comum, Leander Montmartre: um líder cruel
que espera obrigar Solange a se casar com ele e usurpar o poder do trono.
Os Clãs devem se manter unidos para conservar a paz que ele ameaça
destruir.
Esta segunda aventura dentro das Crônicas dos Drakes, contada
pelas perspectivas de Logan e Isabeau, tem muita ação, traseiros chutado
e romance que chegará a seu coração assim como o humor sarcástico que
os leitores desfrutaram em “Heart at Stake”, como também,
emocionantes novas revelações sobre as Dinastias dos Vampiros que
mantém os leitores voltando por mais.
4
O Guia de Logan da Tribo
“Hound”
Por Logan Drake.
Em primeiro lugar, se você é alérgico a cachorros1, esqueça. É sério.
Você não só vai ser infeliz, como também a Tribo suspeitará
incrivelmente de você. Inclusive poderiam pensar que você é uma maldição.
CWM Mamau:
Cwn Mamaus significa: Os Cães de caça da Mãe no antigo Galês. Eu
procurei, é de um velho conto de Fadas sobre cães fantasmas que percorrem
os céus com o Rei de Annwn (Annwn é o Rei do Mundo Subterrâneo). Se eles
são comandados por uma rainha, são conhecidos como os Cães de caça da
Mãe. De qualquer forma, todos os demais só lhes chamam de HOUNDS. Eles
têm conexão espiritual com os cachorros, quase como Totens2. Tenho ouvido
Lucy falar o suficiente dos animais Totem, para saber que eles agem como
um guia. Portanto, se está entre os Hounds, não chamem seus cães de
animais de estimação, e não mencione as coleiras e guias. Eles pensarão que
você é um bárbaro, o que é irônico já que isso é o que os outros vampiros
pensam sobre eles.
Os Hounds e Montmartre:
Eles só nos toleram porque agora temos um inimigo em comum:
Leander Montmartre.
Montmartre continua atrás de minha irmã mais nova, Solange. Ainda
continua lhe enviando presentes brilhantes, que ele provavelmente 1Lembremos que HOUND neste contexto significa: Cão de caça.
2O Totem pode ser a figura de um animal, de uma planta, de uma pessoa ou mesmo de um objeto.
5
considera que são encantadores. Ele não tem ideia do pouco que os
diamantes impressionam Solange. Se ele tivesse lhe enviado uma jarra de
cerâmica, provavelmente ela teria falado com ele.
Os Hounds odeiam-no também, por toda aquelas pessoas que ele
transformou durante séculos, as deixando lidar com a transformação em
vampiro por conta própria. O que nunca termina bem. Os que sobrevivem, às
vezes são convertidos em Host. Os demais se tornam violentamente loucos e
são chamados de Hel-Blar.
Os Hounds têm o costume de resgatar a maior quantidade possível de
vítimas de Montmartre, antes que a loucura os converta em selvagens ou
que ele volte por eles.
Ele não esta impressionado.
O resto de nós sim.
As Tradições Tribais:
Os Hounds são um povo notavelmente afastado da sociedade com
muito pouco interesse na comunicação intertribal. Vivem em cavernas
remotas sem celulares, internet, ou dispositivos tecnológicos (que só usam
para viagens e batalhas).
Eles não são fieis à uma linhagem particular de vampiro, e sim seguem
à uma Shamanka (Shaman feminina). Podem ser reconhecidos pelos
apetrechos ósseos que usam em seus cabelos. Os poucos privilegiados usam
também os apetrechos feitos das presas de uma Shamanka anterior.
As tranças são parte de sua iniciação. Sete tranças significam um
número de sorte e poder para a Shamanka, cinco para seu aprendiz, quatro
para o garanhão da Tribo, três para o guerreiro comum. O recém-convertido
não usa trança até seu primeiro resgate ou matança e depois usa uma só
trança.
E para todos aqueles que acham que seus ritos e cerimônias são
apenas vagas superstições, deixe-me dizer: Vi muitos de seus poderes para
pensar de outra maneira novamente. Sem sua magia, Solange agora poderia
estar perdida para Montmartre e seus exércitos. E não há simplesmente uma
explicação científica para o que alguns deles podem fazer. Pensam que o
6
resto de nós está louco por pensar que o vampirismo é apenas sobre sangue
e não também sobre magia.
Kala:
Kala é sua Shamanka atual. Tem cabelos grisalhos nas tranças e rasta3
e colocado em um manto ritual de cervo pintado. Tem pelo menos 300 anos
de idade, há rumores de que tem 2000. Passou várias centenas de anos
vivendo sozinha nas montanhas, até que pegou o manto de Shamanka,
quando o ultimo Rei Shaman foi assassinado. O rumor é que Lady Natasha
teve algo a ver com isso.
Os cachorros da bruxa Kala tem a fama de rastrear e encontrar os
vampiros abandonados durante o processo de transformação para
converter-se em Host ou Hel-Blar.
Isabeau St. Croix:
Isabeau (que se pronuncia ee-za-BOH) é a criada de Kala, o que
significa que é uma aprendiza em treinamento para ser Shamanka. Nós lhe
chamaríamos de “Princesa”, mas não há nada como isso para os Hounds.
Viveu em Paris durante a Revolução Francesa antes que fosse convertida em
vampiro. Viaja com um enorme cachorro-lobo cinza, chamado Charlemagne.
Ela é ardente. Ao meu parecer.
3 http://www.marijuana.pl/pt/chapeu-rasta-com-dreadlock-p-4633.html
7
Prólogo
Inglaterra, 1795.
Se Isabeau St. Croix soubesse que essa ia ser a sua última noite de
Natal, ela teria comido uma terceira porção de pudim natalino.
Assim como estava, tratou de evitar os salões. Nunca imaginou que
um salão pudesse estar tão abarrotado e mal ventilado, mas ainda quando
ela o teria mencionado a Benoit, ele só fez rir e lhe disse que esperasse pelo
verão, quando a neblina cobriria a cidade.
— Não pense que não te vejo aí, repolho. — ele comentou secamente.
Era alto e magro com um bigode elegante. Muitos cavalheiros ricos tinham
fugido da França durante a Revolução, portanto cada casa em Londres agora
ostentava um Chef Francês. Não importava se a maior parte desses Chefs
ainda não tivesse aprendido a servir um ovo. Certamente podiam tentar. —
Mais non4, você esta assassinando as minhas cenouras. — ele afugentou um
de seus ajudantes.
Aproveitando-se de sua distração momentânea, Isabeau colocou-se
entre as sombras da barulhenta cozinha. Ela parecia ter melhor critério.
Benoit estava decidido a vê-la dançar com sandálias de seda, como se fosse
filha de algum nobre. Não faz muito tempo atrás, ela teria suplicado por
aquela oportunidade. Antes, ela teria esperado isso com expectativa.
Mas, passar um ano nas ruas de Paris a tinha mudado.
Os vestidos de seda e as perolas, pareciam decadentes agora, assim
também como o se preocupar com a moda e as ridículas fofocas. Benoit
queria pensar que ela preferia sua companhia a opera. Mas ela amava o 4 Mais non: Francês que significa: Sem dúvida não ou Mas não.
8
crepitar da fogueira na lareira, os pesados odores de assar pão e carne.
Nesta noite tinha cascas de ostras, pratos de Foie Gras5, um peru recheado
com castanhas, creme de amêndoa e pequenos pastéis perfeitos, com forma
de sol e folhas de azevinho6
Benoit era a única pessoa com que ela, verdadeiramente podia
conversar. Seu tio era muito amável, assim como sua mulher, mas ele não
tinha vivido na França por quase duas décadas. Benoit tinha vivido em Paris
durante a Tomada da Bastilha. Ele a conhecia. Mas ele não ia deixá-la se
esconder na cozinha durante toda a noite, não importava quanto lhe
implorasse.
— Uma pequena porção de Galette7. — ele deu a ela um prato e um
talher. Era um tradicional Galette Des Rois8, que se servia em cada casa
francesa durante os dias de festa. Ela lhe deu uma generosa mordida. O
segundo pedaço revelou o escondido feijão seco, recheando o pastel. Sugou o
recheio para fora e o deixou cair sobre seu prato.
— Voilá!9— Benoit sorriu abertamente. — Eu sabia que você tiraria o
feijão. Agora você é a Rainha da noite. — ele arrancou o talher de sua mão,
apesar de seus protestos. Ela não tinha terminado de lamber cada grama de
açúcar das pontas da prata. — E é por isso que você deve dançar até o
amanhecer. Allez-y!10
Ela deslizou do banco de madeira, sabendo que já não poderia evitar
as festividades. Seria grosseria de sua parte e ela tinha muitas razões para
estar grata a seu tio. Não tinha sido nada fácil roubar dinheiro suficiente
para a passagem para a Inglaterra e ele poderia tê-la recusado quando ela
chegou a sua porta. Ele nunca a havia visto, além de tudo; ela era a filha de
seu nada amistoso irmão. Seu irmão-nada amistoso-morto, quem não havia
5 Foie Gras: Francês que significa "fígado gordo".
6 http://driller.blogs.com/photos/uncategorized/azevinho_2.jpg
7 Galette: Emapanada.
8 Gallete dês Rois: Empanada do Rei (usualmente recheada de feijões, carne e outros vegetais.). Lembremos que no tempo da Revolução Francesa, comer carne ou legumes era impossível, devido a pobreza na qual França estava.
9 Voilá: Aí esta.
10 Allez-y: Vamos.
9
falado com ele desde antes de Isabeau nascer. E se não fosse por seu tio
Olivier, ou Olivier St. Cross comoera conhecido aqui, ela teria passado este
Natal da mesma maneira que havia passado o anterior: Encolhida debaixo
do toldo de um café, esperando que algum cidadão cedesse ante o espírito
natalino e lhe comprasse uma refeição. Mas não, ela teria roubado as moedas
do bolso de alguém e teria comprado algo, por si mesma. Havia aprendido a
fazer o que se deve, ao viver nos calçadões de Paris durante o “Grande
Terror”.
— Allez, allez. — Benoit lhe instou. — Insisto em que você deve
encontrar um homem jovem e arrojado, para paquerar.
Ela não poderia imaginar que algum jovem pudesse olhá-la, mesmo
com aquele vestido branco de seda que tinha sido obrigada a usar. Ainda
assim, ela sentia-se fraca, faminta, coberta de sujeira e não tinha a menor
noção de como dançar. Apenas confiava em suas habilidades para roubar
comida e encontrar os melhores telhados em que possa se esconder quando
os distúrbios explodiam.
Obrigou-se a deixar a cozinha, especialmente porque o pensamento
das dezenas de convidados, lá em cima, a aterrorizava. Antes de Paris, ela
havia vivido em uma grandiosa fazendo familiar no campo. A casa tinha
pisos de mármore, sofás de seda e vinhedos poeirentos, de onde podia
comer uvas até que seus dedos se machucassem. Mas então seus pais tinham
sido levados.
O que era uma bola de Natal contra a ameaça da guilhotina?
Ela encontrou seu caminho até a sala, onde os convidados tinham se
reunido para a ceia de meia noite. Seu tio havia aproveitado a oportunidade
para recriar suas recordações de sua infância, durante o Réveillon com o
pretexto de fazer sua sobrinha mais confortável. Não estava enganando
ninguém. Todos podiam ver o quão emocionado ele estava, por servir
tourtiere11 e campanha para seus amigos. Colocou-se de pé junto a lareira, a
qual estava coberta de ramos de folha de perenne12, e lírios brancos do
jardim de inverno. Sua cobertura era vermelha de azevinho, apenas
contendo seu alegre perímetro.
11 Torta de pão.
12 http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Lolium_perenne_Engels_raaigras.jpg
10
— Ah! Aqui esta ela. — ele disse.
Isabeau se concentrou em sorrir, em não tropeçar com a dobra de seu
vestido de noite, não secar suas palmas empapadas de suor em suas saias e
em olhar fixamente nos olhos curiosos e compassivos que seguiam seus
movimentos.
— Minha sobrinha Lady Isabeau St. Croix. — seu tio anunciou.
Em Paris ela havia se apresentado como Isabeau Citoyenne. Era mais
seguro.
— Oh! Querida. — uma mulher anciã disse para ela, a pluma de
avestruz em seu cabelo flutuando com simpatia. — Que horror! Que
barbaridade!
— Madame. — ela não sabia o que mais dizer, então fez uma
reverência.
— Esses bárbaros. — continuou a senhora. — Mas isso já não importa
agora, você esta a salvo aqui. Nós, os Ingleses, conhecemos a ordem natural
das coisas. Outra frase para a qual não tinha resposta. A mulher pareceu
sincera, sem dúvida, ela cheirava a essência de menta. Suas luvas de cetim
estavam enfeitadas com laços vermelhos, que ela pode ver quando pegou a
mão de Isabeau.
— Meu sobrinho esta por aqui, em algum lugar, eu tenho certeza que
ele gostaria de ser seu par em um baile.
— Merci13, madame. — ela tinha a intenção de se esconder atrás de
um das pregas de folhas de perenne gigante, antes de aceitar aquele destino.
O salão era mais bonito do que Isabeau podia ter imaginado. Ela tinha
ajudado a colocas as sete taças de pinhas de pinho douradas e a polvilhar as
folhas de azevinho com prata e a unir as tiras ao redor dos ramos de pinho,
as quais estavam presas em cada janela. Mas a noite, com dezenas de velas
ardendo e o vento gelado de inverno que empurravam os cristais, foi mágico.
13 Obrigada.
11
E graças ao ar abafado e azeites florais, enchendo cada canto do cômodo. Ela
se aproximou das portas que levavam até os jardins.
Os rosais e as cercas do teto foram recobertos por um delicado brilho,
como encaixes que tivessem sido lançados de todas as partes. A lua era um
brilho tênue por trás das densas nuvens. Ela tremeu um pouco quando a
neve começou a cair suavemente, mas não voltou para dentro. Podia ouvir
rodas das carruagens moendo a congelada via e a musica vinda do cômodo
em suas costas. A neve fez tudo empalidecer, como uma perola. Ela sorriu.
— Com um sorriso como esse, eu te proíbo de franzir o cenho outra
vez.
Ela virou-se para a voz, seus ombros tensos. Só estava vivendo na
mimosa casa por pouco tempo e já tinha perdido a vantagem da percepção.
Ela deveria ter ouvido seus passos ou pelo menos a porta sendo aberta.
— Perdoe minha intromissão. — ele disse suavemente, inclinando-se.
— E minha impertinência, já que ainda não fomos apresentados
corretamente. Imagino que você deva ser a misteriosa Isabel St. Croix.
— Isabeau. — ela corrigiu suavemente. Ela nunca tinha conhecido um
homem como ele. Parecia estar com seus vinte anos, mas carregava uma
elegância e uma confiança de alguém muito mais velho. Seus olhos eram
cinza, quase incolores, como um jardim no inverno.
— Philip Marshall. Conde de Greyhaven, a suas ordens. — quando ele
beijou o dorso de sua mão, seu toque foi frio, como se tivesse estado de pé na
neve por muito tempo. Repentinamente, ela se sentiu nervosa e
inexplicavelmente presa, como da vez em que tinha ficado presa em um
incêndio provocado nas ruas, para manter os guardas da cidade na baia.
— Eu deveria voltar. — murmurou. Só tinha dezoito anos de idade,
além de tudo e a única razão pela qual havia sido autorizada a assistir a
festa, foi porque era Natal. Provavelmente era impróprio para ela estar fora
sem vigilância, mesmo que ele fosse um Conde. Ela não podia lembrar. Sua
tia havia lhe enumerado tantas regras, até sangrarem juntas. Ela sabia delas,
mesmo antes da Revolução. Agora apenas sabia que sentia um estranho
desejo de estar muito mais perto dele e não apenas porque tinha esquecido
seu agasalho do lado de dentro.
12
Ele soltou sua mão e arqueou uma sobrancelha. A luz tremula da sala,
refletiu nos botões prateados de seu casaco bordado. — Espero que, uma
moça que sobreviveu às multidões francesas, não tenha medo de mim;
certo?
Ela levantou seu queixo defensivamente.
— Mais, monsieur. Je n’ai pas peur14. — tive que me concentrar para
falar inglês; a irritação ou a distração sempre a escorregam de volta ao
francês. — Desculpe. — ela sacudiu a cabeça, irritada com seu engano. —
Não tenho medo.
— Eu gosto de ouvi-lo. — ele assentiu. — Vinho? — ele entregou uma
taça que ela não havia percebido que estava segurando. Benoit não a tinha
empurrado para conversar e paquerar? As moças normais de sua idade
estariam emocionadas por estar de pé junto a um lindo Conde. Ela deveria
beber e comer violetas confeitadas e também deveria danças até que suas
sandálias de seda se desgastassem? Então, aceitou a taça.
— Merci, monsieur. — o vinho estava quente e misturado com canela
e algum outro sabor indefinível, como cobre ou alcaçuz. Ou sangue. Ela
franziu o cenho intimamente. Estava deixando que suas dúvidas a fizessem
ver como boba.
— Você é bonita. — ele disse. — E estou tão cansado destas rosas
inglesas, muito mansas para desfrutar de qualquer coisa, exceto a
contradança e a limonada. Você é uma mudança bem vinda, Senhorita Cross.
Certamente uma mudança bem vinda.
Ela se soltou. O vinho a fazia se sentir quente, atordoada. Era muito
agradável. Os flocos de neve aterrissaram em suas pálpebras e se
dissolveram instantaneamente. Aterrissaram em seus lábios e ela os lambeu
como se fossem açúcar. Seus olhos prateados brilharam como se fossem de
animais, como uma raposa em um galinheiro.
— Se esta fosse uma novela gótica. — ele arrastou as palavras. —
Existiriam os fantasmas e os vampiros, e você teria medo.
14 Mas senhor, eu não tenho medo.
13
Ela pensou nos livros que tinha lido até altas horas da noite na
biblioteca, os contos sensacionalistas como os de Ann Radcliffe15 e os
Mistérios de Udolpho e Lenore Burguer16, cheios de vilões e criaturas não
mortas que vagavam pelas noites, com seu apetite insaciável.
— Não seja bobo. — ela se lançou a rir. — Não acredito em vampiros.
15 Escritora Gótica da década de 1790.
16 Escritora Gótica.
14
Capítulo Um
Tinha sido um inferno de semana.
Limpar a confusão de uma rainha vampira psicótica não foi agradável
na melhor das hipóteses. Era muito pior quando sua mãe era quem tinha
despachado a velha rainha, você e seus irmãos de repente eram príncipes e
sua irmã mais nova estava sendo perseguida por um vampiro homicida de
um século de idade.
Como eu disse, um inferno de semana.
Pelo menos todos sobrevivemos, mesmo tia Hyacinth, cujo rosto
agora estava tão assustado que não iria levantar o véu do chapéu vitoriano
ou sair de seu quarto. Os caçadores de vampiros Helios-Ra fizeram isso com
ela, logo antes de um de seus novos agentes começar a namorar minha irmã
mais nova.
Isso era simplesmente estranho.
Ainda assim, ele salvou a vida dela a menos de duas semanas atrás,
por isso estamos dispostos a esquecer um pouco esse pequeno incidente.
Contanto que eu nunca, nunca tenha que saber sobre isso. Quero dizer, com
certeza Kieran é um cara bom o suficiente, mas Solange é a minha única
irmã. Basta.
— Meio pensativo, Lord Byron. — meu irmão Quinn sorriu para mim,
empurrando-me com o ombro. — Não há meninas aqui para impressionar
com a sua rotina de Príncipe das Trevas.
— Como se eu fizesse isso. — Quinn era quem usava toda a coisa
mística de vampiro para pegar as garotas. Aconteceu de eu gostar de vestir
um fraque velho e camisa de pirata; fato de algumas garotas gostarem foi
acidental. Bem, na maior parte.
— Nenhuma palavra ainda sobre a Princesa Hound? — Quinn
perguntou.
15
— Nada ainda. — papai tinha convidado a reclusa Tribo Hound à
mesa de negociações, agora que mamãe era a nova Rainha dos vampiros,
governante de todas as diferentes Tribos. Soa melodramático e medieval,
mas isso é um vampiro para você.
— Acha que ela é bonita?
— Não são todas elas?
Quinn sorriu. — A maioria.
As cavernas reais atrás de nós haviam sido deixadas em ruínas depois
da batalha que derrubou Lady Natasha. O pó de vampiros estacados foi
varrido e os cacos de espelhos quebrados preencheram caixas inteiras.
Havia ainda pelo menos uma dúzia deles deixados pendurados na parede.
Lady Natasha realmente gostava de olhar para si mesma. Alguns dos
corvos esculpidos em seu trono de espinheiro branco estavam lascados,
alguns decapitados. Todo mundo estava ocupado com uma tarefa ou outra,
limpando, organizando ou apenas olhando para a minha mãe enquanto ela
se sentava no final da sala olhando brava para meu pai, que não parava de
falar sobre os tratados de paz.
A tensão que vibrava no ar era mais difícil de limpar do que as cinzas
de nossos mortos.
Todo mundo estava cuidando de suas costas: os velhos monarquistas
fiéis à Lady Natasha, os leais à Casa dos Drake e à minha mãe e os que
estavam em cima do muro. Lucy estaria correndo em volta com sálvia
branca cantando um mantra védico para purificar nossas auras se estivesse
aqui. Mas ela estava proibida de vir para as cavernas até que o pior da
política tivesse sido resolvido. Ela não deveria ficar conosco também, mas a
volta de seus pais para casa foi interrompida, o carro de seus pais era uma
antiga camionhete que se quebrou na rodovia. Eles estavam presos em uma
pequena cidade e Lucy estava presa conosco. Os seres humanos eram frágeis
na maioria das vezes e a melhor amiga de Solange tinha a auto-preservação
básica de um mosquito. Se havia problemas, ela sempre tomava um passo a
frente. Se não os tivesse começado em primeiro lugar, é claro.
Entre ela e minha irmã, tivemos nossas mãos sempre ocupadas.
Política Vampirica empalidecia em comparação.
— Agora, ela é bonitinha. — Quinn murmurou apreciando enquanto
uma das cortesães arrastava uma caixa do que parecia ser os restos de uma
16
mesa quebrada.
— Só vou ajudá-la. É o certo a um Principe fazer.
— Você é um asno. — eu disse carinhosamente.
— Você está apenas com inveja porque sou muito mais bonito. —
falou por cima do ombro, enquanto ia embora para encantar uma outra
garota. Ele nunca chegou até ela.
Ela se endireitou de repente, subiu em um escabelo17, o que lhe deu
uma boa visão do comprimento da sala e meus pais em particular. Ela puxou
um besta18, carregada com três estacas perversamente apontadas, para fora
da caixa. Não era uma mesa quebrada afinal.
E não importa o quanto você está preparado, ou quão cuidadoso é, há
sempre uma abertura em algum lugar.
Mamãe nos ensinou isso.
A menina apontou e aperteu o gatilho, mal fazendo som. Nós nem a
teríamos notado entretanto, se não estivessemos ativamente olhando para
ela. As estacas assobiaram para fora do arco, lançando-se no ar com precisão
mortal. Ou o que teria sido precisão mortal se Quinn não estivesse perto o
suficiente para agarrar sua perna e derrubá-la do escabelo.
O tiro passou longe, mas não suficientemente longe. Ela caiu para o
tapete bordado à mão, as presas de Quinn sairam tão rápido que foram
capturadas pela lamparina. As minhas próprias picavam minha gengiva,
meus lábios se levantaram do resto dos meus dentes.
Eu não tive tempo para alcançá-la ou aos meus pais.
Só tive tempo suficiente para tirar o punhal no meu cinto e jogá-lo na
trajetória das estacas. Ele pegou uma e dividiu-a em duas partes, as peças
fincaram um enorme armário de madeira, a faca nas costas de uma cadeira.
Minhas narinas queimaram.
Veneno.
Todo mundo parecia estar se movendo em câmera lenta. Guardas se
17Um escabelo é um banco pequeno que serve de apoio aos pés
18Besta (pronuncia-se bésta) ou balestra é uma arma com a aparência de uma espingarda, com um arco de
flechas acoplado no lado oposto da coronha, accionada por gatilho, que projecta dardos similares a flechas,
porém mais curtos.
17
viraram, arregalando os olhos, piscando. Espadas brilhavam, fitas de laço
vibravam e botas colidindo com a parede quando o melhor deles capotou
para fora do caminho das outras duas estacas. Um candelabro de ferro foi
derrubado, derramando os tocos de velas semi-queimadas.
A cera de abelha se juntou ao cheiro afiado e doce do veneno. Uma das
estacas pegou um magro e pálido cortesão no ombro quando ele não
conseguiu se inclinar para trás com rapidez suficiente. Ele gritou e até
mesmo o som parecia lento demais, distorcido. Seu sangue respingou sobre
os azulejos, entre as bordas dos tapetes colocados no chão.
A terceira estaca foi infalível em seu caminho, em linha reta na
direção do coração de minha mãe.
A menina sorriu uma vez, mesmo enquanto lutava para se libertar do
aperto sombrio de Quinn.
O qual foi apenas para mostrar o quão pouco ela conhecia minha mãe.
Meu pai virou-se para colocar-se entre ela e a estaca, enquanto meus dois
outros irmãos, Marcus e Connor, deram um salto mortal ao seu lado para
formar uma grande barreira.
Mesmo quando minha mãe saltou no ar e caiu sobre suas cabeças,
recusando-se a usar um escudo feito de seu marido e filhos.
Ela se lançou um pouco para a esquerda e esticou o braço,
seguramente encerrado em um bracelete de couro e bateu a estaca no ar
para fora da trajetoria. Bateu em uma tapeçaria e caiu em um cesto,
parecendo inofensiva.
Guardas entraram. Estavam rosnando tanto, que as cavernas reais
soavam mais como um recinto do puma no zoológico. Mamãe lutou à sua
maneira para se livrar de seus ávidos guardas enquanto a menina era
arrastada para longe de Quinn.
— Quero ela viva! — papai estava gritando. Tarde demais.
A garota assassina estava claramente preparada, e sabia o suficiente
para não ser capturada e interrogada pelo inimigo. O interior do seu colete
estava equipado com uma fina estaca escondida. Ela puxou um pequeno
pedaço de corda costurada na cava de seu colete e sorriu.
Houve um pequeno som de paulada e em seguida ela se desfez em
cinzas. Suas roupas caíram em uma pilha.
18
Papai amaldiçoou, muito alto e muito criativo.
Mamãe de punhos cerrados. — Quinn, Logan. Comigo. Agora. — ela
jogou um olhar para Marcus e Connor. — Vocês também. Mamãe não
gostava de ser salva por seus filhos.
Nós a seguimos em uma pequena antecâmara privada. A adrenalina
ainda estava correndo através de mim. A mandíbula de Quinn estava tão
rígida que ele se parecia com uma estátua de mármore, pálido e frio. Eu
sabia exatamente como ele se sentia.
Nós tivemos um curto alívio quando papai pegou o rosto de mamãe e
passou as mãos pelo seu pescoço, sobre os ombros. — Helena, você está
ferida?
Ela acenou. — Eu estou bem. — ela sorriu brevemente, então virou os
duros olhos para nós. Cada um de nós deu um passo saudável para trás e
ninguém se sentiu menos viril pela sábia retirada.
— Eu distintamente me lembro, — ela disse suavemente, sua longa
trança preta balançando quando ela cruzou os braços sobre o peito. — após
os acontecimentos da semana passada, de ordenar para nunca ficarem entre
mim e uma arma de novo.
— Mãe. — Quinn gruniu. — Dá um tempo.
Seu olhar poderia ter assado um bife. — Eu não terei meus filhos
mortos por algum assassino de terceira categoria.
— E não teremos a nossa mãe morta por qualquer um. — eu
acrescentei.
Ela fechou os olhos por alguns instantes. Parecia menos com uma
antiga Fúria, pálida como o fogo e tão irritada, quando abriu-os de novo.
— Obrigada, rapazes. — ela disse finalmente. — Estou muito
orgulhosa de vocês. Mas não façam isso de novo. — ela se encostou em meu
pai. — Você também, Liam.
— Calma, querida. — ele disse carinhosamente, beijando o topo de
sua cabeça. Ele olhou para a guarda parada na porta, sob a fileira de
pequenas lanternas de vidro. As velas tremeram. — Bem?
Eu reconheci Sophie quando ela se aproximou. Ela tinha uma massa
de cabelos castanhos encaracolados e cicatrizes no lado do rosto de quando
ela era humana. Ninguém sabia como as tinha conseguido.
19
Ela inclinou bruscamente. — A menina pertencia a Montmartre. Seu
brasão estava costurado no interior do seu colete.
— E?
— E isso é tudo o que sabemos.
— Isso não é o suficiente. — Helena estalou.
— Eu concordo, Vossa Alteza.
Helena suspirou. — Sem Vossa Alteza para mim.
— Sim, Vossa Alteza.
— Espere. — Quinn franziu o cenho. — Ela tinha uma tatuagem.
— Você tem certeza? — mamãe perguntou. — Onde?
— Sob a sua clavícula, acima do peito esquerdo. — para seu crédito,
ele não corou. Exatamente.
Os olhos de minha mãe se estreitaram em seu rosto. — Você estava
olhando para dentro de sua camisa?
Quinn engoliu. — Não senhora.
— Mmm hmmm. Qual era a tatuagem?
— Uma rosa vermelha, com três punhais ou estacas passando por ela.
Eu não consegui uma boa olhada.
Papai franziu o cenho. — Não conheço esse brasão. Eu me pergunto se
é novo.
Ele olhou para Sophie. — Descubra. E dobre o patrulhamento e um
outro conjunto de guardas para minha esposa.
Sophie inclinou-se e deixou a antecâmara logo quando mamãe
começou a dizer.
— Liam Drake, eu posso cuidar de mim.
— Helena Drake, eu te amo, aceite a guarda extra.
Encararam um ao outro. Eu sabia que meu pai iria ganhar. Mamãe era
agressiva quando encurralada, mas meu pai tinha um jeito de cuidar disso,
como uma cobra que hipnotiza a sua comida. Seu olhar suavizou. — Por
favor, amor.
20
Seus dentes alongaram com seu aborrecimento. — Não faça isso. —
ela murmurou, mas nós sabíamos que papai conseguiria de seu jeito. — Só
até a coroação. — ela disse finalmente, com firmeza.
Papai concordou. — Fechado. — ele ia encontrar outro argumento
depois da coroação. O walkie-talkie no cinto balbuciou uma frase ilegível. Ele
apertou o botão. — Repita.
— Você nos pediu para avisá-lo quando fosse meia-noite.
Papai olhou para o relógio. — Certo. — ele disse para o resto de nós.
— A delegação Hound deve estar aqui a qualquer minuto. Logan, você vai
encontrá-los. Se o que sabemos sobre esta Isabeau é verdade, ela foi
transformada logo após a Revolução Francesa. Você será mais familiar para
ela nesse fraque.
— Ok. — ignorei os sorrisos dos meus irmãos. Eles eram estritamente
do tipo jeans e camiseta. Eu não podia fazer nada se não tinham estilo.
— Os guardas de montanha esperam por eles, mas ninguém mais faz.
— acrescentou. — Nós não queríamos drama.
— Tudo o que temos é drama. — revirei os olhos, partindo para fazer
o meu caminho até a entrada da caverna principal. O walkie-talkie do papai
chioou novamente. Sua voz era preocupada quando ele me chamou.
— Logan?
— Sim?
— Corra.
21
Capítulo Dois
Eu não esperava a emboscada. E isso está dizendo algo.
Eu não tinha me tornado uma princesa Hound no ano e meio desde
que eu fui desenterrada porque eu era uma que confiava. Se a Revolução
Francesa não tivesse me curado disso; ser mordida e abandonada por um
dos Host de Montmartre teria.
E eu podia ter sido pega de surpresa, mas não era uma idiota.
Estava, no entanto, armada até os dentes.
Os guardas nos superavam em número. Eu só viajava com outros dois,
Magda e Finn, uma vez que era difícil encontrar um Hound que tivesse
temperamento para lidar com as Cortes Reais de vampiros e com a
implacável arrogância dos associados. O temperamento de Magda era
praticamente estável, mas ela era bonita e justa, o que em sua maioria
equilibrava todo o resto. Finn era sereno como as madeiras de cedro que ele
tanto amava. E eu era apenas eu: solitária e vingativa, mas ainda tão educada
como a Lady francesa a qual eu tinha sido criada para ser. Eu tinha ambos,
dezoito anos e mais de 200 anos de idade. Como se isto não fosse
suficientemente confuso, eu tinha sido puxada para fora da cova por uma
matilha de cães bruxos.
Kala preferia Shamanka à bruxa. A maioria dos Príncipes e pequenos
lordes a respeitavam e desde que ela tinha sido a única a mandar-me para a
reunião, ninguém tinha argumentado ou se oferecidos para tomar meu
lugar. Eu era a sua aprendiz e isto era o suficiente para os outros, mesmo
que eu não tivesse certeza se era suficiente para mim. Eu teria sido mais feliz
sumindo no fundo, mas eu devia à Kala a minha vida, tal como era. Ela me
tirou da loucura e fez com que eu não virasse uma selvagem ou uma presa
de Montmartre. Ela alegou que se eu era forte o suficiente para durar 200
anos em um caixão, era forte o suficiente para não me tornar uma selvagem.
Não me lembrava dos séculos no cemitério, apenas breves imagens antes de
22
perder a consciência. Mas eu, definitivamente, me lembrava da dor de ser
puxada para fora e revivida. E não foi a força de caráter que me fez passar
por tudo, nem mesmo a magia considerável da Kala. Foi a necessidade de
encontrar o Conde de Greyhaven e minha sede de vingança.
Por causa dos estrangeiros, eu tinha sido rotulada como uma
"Princesa" Hound, embora não tivéssemos Princesas e outros nobres. Era
um título muito útil, uma vez que a nova Rainha estaria mais disposta a me
ouvir, mesmo que eles estivessem, provavelmente, esperando uma menina
selvagem com lama no rosto que comia bebês no jantar.
Foi por isso que Kala tinha me enviado para os tribunais para a
coroação de Helena Drake e seu marido, Liam Drake. Isso e o fato de que eu
e os outros Hounds tínhamos mais ou menos salvo a vida de sua da filha.
Infelizmente Montmartre tinha fugido então eu não considerei a missão um
sucesso, mesmo que todo mundo parecesse considerar.
Eu estava aqui para representar o melhor dos Hounds, e eu tinha um
filhotinho wolfhound19 para apresentar como um presente. Os wolfhounds
de Kala eram lendários, eu tinha um adulto como companhia: Charlemagne.
E ele estava roncando baixo em sua garganta, músculos agrupados
sob seu pelo rijo cinza.
— Lá. — murmurei, apontando para ele ficar atrás de mim. Eu não
tinha nenhum problema libertando-o para o ataque, mas só se eu soubesse
que não seria ferido. E agora havia uma lança apontada para a sua garganta.
— Hounds. — um dos guardas zombou. Eu conhecia aquele tom
revoltado e temeroso intimamente. Nós não éramos exatamente famosos
por nossos elegantes modos à mesa. Pouco importava que metade dos
rumores não fosse verdadeiro. Nós os utilizávamos para a nossa vantagem.
Quanto mais os outros desdenhavam de nós, mais eles nos deixavam
sozinhos, o que era tudo o que eu realmente queria, em primeiro lugar.
Deixe-os se preocupar com a política e com os caçadores. Nós só queríamos
as cavernas e a calma.
Bem, a maioria de nós.
19A lébrel irlandês (em inglês: Irish Wolfhound), também chamada wolfhound irlandês, é uma raça canina
oriunda da Irlanda. Considerada a maior raça do mundo.
23
O cachorrinho na cesta pendurada no meu ombro latiu e eu o coloquei
no chão. Tirei a longa e fina espada amarrada às minhas costas, a qual os
guardas não tinham notado ainda. No momento em que toquei o punho,
tanto Magda quanto Finn entrou em ação.
Aprender a lutar não foi diferente do que aprender a dançar valsa, em
minha opinião. Tudo isto é sobre a tensão entre você e seu parceiro, sobre o
movimento dos pés, equilíbrio e timing.
E eu preferia a longa espada mortal a qualquer vestido de seda que eu
já tenha usado. Não estava certa do que isso dizia sobre mim, mas tinha
preocupações maiores. Como a estaca de mogno polido voando pelo ar em
direção ao meu coração.
Eu me inclinei para trás tanto quanto podia. Passou por cima de mim,
perto o suficiente para que pudesse ver as veias da madeira. Acredita que os
malditos da realeza poliam suas estacas até um alto brilho? Nós apenas
amolávamos pedaços de pau.
Movi-me subitamente de novo, para acertar o meu adversário na
lateral da cabeça com o punho da minha espada. Poderia tê-lo transformado
em uma pilha de cinzas, mas Kala tinha nos avisado várias vezes que
estávamos aqui para as negociações.
Alguém poderia tentar dizer isso aos guardas.
Magda pegou um antes que eu pudesse impedi-la. Era difícil sentir
arrependimento uma vez que ele estava a ponto de estourar seu o pescoço.
Charlemagne reclamou, com a necessidade de saltar para a luta.
— Não. — eu disse a ele bruscamente. — Fomos convidados! —
adicionei, gritando quando golpeei com minha bota o calcanhar do guarda.
Ele tropeçou, deixando cair sua estaca.
— Parem! — alguém se meteu na confusão. Ótimo, exatamente o que
precisávamos. Ele saltou entre nós, com seus punhos de renda esvoaçantes.
Ele era bonito, como os meninos que eu tinha conhecido nas festas do
meu tio, mas não tão suave, mesmo em seu casaco de veludo. Suas presas
estavam prolongadas, brilhando como opalas. Eu não sabia quem ele era,
mas os guardas recuaram, com as armas levantas respeitosamente, mesmo
que eles ainda estivessem rosnando.
— Ela matou Jonas. — um deles falou.
24
— Porque ele estava tentando me matar. — Magda cuspiu de volta sem
se arrepender.
O guarda rosnou. O menino se virou para ele, falando suavemente. —
Você não os reconhece? — apontou para mim. — Esta menina salvou a sua
vida, não muito tempo atrás.
Isto dificilmente fez os rosnados pararem.
Ele parecia ter uns dezoito anos, o mesmo que Magda e eu, embora
tecnicamente eu tivesse 232 anos de idade. Só Finn aparentava estar na casa
dos trinta anos, embora tivesse quase 800 anos de idade. Kala o tinha
enviado para nos manter com a cabeça no lugar. Ele não era um Hound,
apenas um vampiro comum, mas está conosco há tanto tempo que nós o
tratamos como se fosse um de nós, especialmente porque ele odiava
Montmartre tanto quanto nós.
— Minhas desculpas. — acrescentou ele, inclinando-se para nós. —
Minha mãe é Rainha há apenas alguns dias e todos estão ainda em estado de
alerta. Alguém tentou assassiná-la a menos que dez minutos atrás. — ele
deve ser um dos lendários irmãos Drake. Havia sete deles, e uma única filha
que tinha acabado de mudar. — Mas você estará segura. — ele apressou-se a
garantir-nos.
— Eu sei. — eu não precisava de sua proteção. Seus olhos eram
verdes como os meus; como o musgo. Eu não gostei do jeito que ele estava
me olhando, como se eu estivesse vestindo um dos meus vestidos antigos, ao
invés de uma túnica de couro com uma cota de malha por cima do meu
coração.
— Isabeau. — disse ele. — Magda e Finn, eu presumo? — ele demorou
em cada uma das palavras. — Sou Logan Drake. — seu cabelo castanho caído
sobre a testa, o formato do seu queixo e o nariz estreito eram nitidamente
aristocráticos. Ele teria ficado mais em casa entre os nobres do meu tempo
do que neste lugar moderno. Isto me fez desconfiar dele e sentir-me
estranhamente atraída. Alonguei a minha espinha. Eu não estava aqui para
admirar lindos rapazes, estava aqui como emissária de Kala. Era
imperdoável me distrair, mesmo que por um instante.
— Estamos aqui para a coroação. — expliquei rigidamente.
— Só é daqui a duas semanas. — afirmou outra guarda.
25
Logan fez um som de frustração. —Calma Jen. — disse ele, antes de
oferecer-nos um sorriso encantador. — Se você me seguir.
Estalei os dedos e Charlemagne saltou para andar ao meu lado. O
cesto cheio com o cachorrinho se contorcendo estava sobre o meu ombro
novamente. Levaram-nos por um corredor esculpido, a pedra cinza quase
encostando sobre as nossas cabeças. Magda estava carrancuda.
— Essas cavernas costumavam ser nossas. — ela sibilou
— Cem anos atrás. — eu sibilei. — Você não tinha nascido ainda,
então não importa. — ela virou-se.
— E daí? Eles ainda roubaram as nossas casas. — sua longa saia
florida fluiu em torno de seus tornozelos, bordados a fio de prata brilhando à
luz das tochas.
— Lady Natasha roubou as cavernas. — Logan disse, sem virar para
nos olhar.
— Você está planejando devolvê-las? — Magda bufou, antes que eu
pudesse impedi-la. Agarrei o braço dela. Ela se esquivou, mas não disse mais
nada. Na verdade, ela disse muito, mas estava resmungando, por isso fomos
capazes de fingir não a ouvir.
A sala ampliou-se e, finalmente, trouxe-nos a uma caverna com
estalactites pingando. Velas queimadas em candelabros de prata e lustres de
ferro20. Havia inúmeros bancos e um palco com os restos de um trono
branco e dezenas de espelhos quebrados.
E os vampiros por toda parte
As conversas foram interrompidas abruptamente. Todos se viraram
para nos olhar, como se fôssemos os cogumelos venenosos crescendo de
repente em um jardim bem cuidado. Eles eram pálidos e perfeitos, com
dentes brilhando e olhos rígidos. Vi todo tipo de roupa, desde couro,
espartilhos e até jeans. Um deles usava um poncho, como Magda muitas
vezes usava. Encontrar conforto no estilo dos humanos jovens era comum a
todos os vampiros. Isto era uma semelhança entre nós, mas quase não era
suficiente para compensar os rosnados e os olhares suspeitos.
20Iron birdcage : são aqueles lustres antigos que eram pendurados no teto, tinham pés. No lugar de lâmpadas,
eram colocadas velas.
26
Até mesmo Finn endureceu e Magda estava praticamente vibrando
com a necessidade de atacar. As orelhas de Charlemagne voltaram-se
quando ele sentiu a tensão, espessa e pegajosa como mel. Só Logan saltou
para frente como se estivéssemos aqui para nada mais do que chá e bolo.
— Trouxe os nossos convidados. — anunciou. Ninguém deixou de
perceber a inflexão na última palavra. E o aviso. As conversas recomeçaram,
mas em sua maioria eram murmúrios e sussurros. Ninguém queria perder a
apresentação entre a Rainha e a Princesa Hound que ajudou a salvar sua
filha. Não vi Solange em nenhum lugar. Coloquei meus ombros para trás e
jurei a mim mesma, mais uma vez, que não iria desapontar Kala.
Logan parou na frente de uma mulher baixa e esbelta, com uma longa
trança. Eu lancei um olhar de inveja aos punhais alinhados em sua alça de
ombro. O homem ao lado dela tinha ombros largos e um sorriso calmo.
— Mamãe, papai, esta é Isabeau St. Croix. — Logan me apresentou
com certa eloquência, eu quase me esqueci e fiz uma reverência. Ele
apresentou-me a eles e não o contrário, sutilmente, alegando que seus pais
tinham um maior prestígio social. Eu tinha certeza que ele tinha feito isso de
propósito, mas fiquei surpresa que alguém nascido neste século soubesse
dessas regras especiais de etiqueta. Elas não tinham sobrevivido ao longo
dos séculos, o que significava que eu tinha de aprender todo um novo
conjunto de regras. Como se não tivesse sido cansativo o suficiente na
primeira vez. — Isabeau, esta é a Rainha Helena e o Rei Liam Drake.
— Bem-vinda. — disse Liam, com sua voz suave e rica como conhaque
cremoso. Eu sabia que eles estavam olhando para minhas presas. Eu tinha
dois conjuntos, afiadas e brancas como a concha de abalone21. Quanto mais
selvagens fossem os vampiros, mais as suas presas cresciam. Até nós
evitávamos os Hel-Blar, que tinham a boca cheia de dentes pontudos como
navalha e pele de cor azul. Antes de Montmartre, eles eram raros. Você
poderia viver a sua vida inteira sem nunca ver um. Eles eram, na sua
maioria, criados por acidente ou ignorância, especialmente séculos atrás,
quando a mudança de sangue era ainda mais um mistério do que é hoje.
Mas agora, por causa de Montmartre, eles eram como formigas de
fogo despejando de um formigueiro, onde costumava haver um agora havia
uma centena. Ele estava tão ansioso para criar o seu próprio exército, que
21Os abalones são moluscos, espécie de caracóis marinhos, que vivem preferencialmente em águas frias.
Pertencem ao gênero Haliotis, da família Haliotidae.
27
devastou as antigas cidades de pedra da Europa durante centenas de anos,
transformando os humanos em vampiros, com uma ganância
indiscriminada.
Porém, isso não era bom o suficiente para ele. Ele queria seu exército
pessoal para ser o melhor, o mais forte e o mais cruel. Ele começou a deixar
as pessoas meio transformadas debaixo da terra para provarem ser capazes
de sobreviver à mudança de sangue sozinha. Aquelas que não morriam,
ficavam loucas com a fome ou eram recrutadas para fazer parte dos seus
Hosts. O resto era abandonado como Hel-Blar.
E Hounds ou CWN Mamau; como chamamos a nós mesmos, não nos
encaixamos facilmente em qualquer lugar. Não somos vampiros normais,
não somos Hel-Blar, e definitivamente não somos Host, fato que tanto irrita
Montmartre. Somos um incômodo para ele, procurando os vampiros que ele
deixou enterrados e reabilitando-os antes que ele possa reclamá-los como
seus.
— É um prazer conhecê-lo. — eu disse educadamente. — Finn, Magda,
gostaria de apresentar Helena e Liam Drake. — a boca de Logan se
contorceu um pouco e eu sabia que ele tinha percebido o que eu tinha feito.
Finn inclinou-se ligeiramente. Magda inclinou a cabeça duramente. Seus
longos cabelos castanhos e roupas leves a faziam parecer uma princesa de
fadas, mas ela era o oposto por natureza, e admitir estar nervosa ou inferior,
em uma Corte Real, especialmente esta, estava totalmente fora de questão.
Coloquei a cesta sobre o tapete e esperava que nosso presente não fosse
aliviar-se nas rosas bordadas à mão. — Trago um presente da nossa
Shamanka, Kala.
O sorriso de Liam era genuíno quando ele se abaixou para ajudar o
cachorro a sair da cesta. Observei cuidadosamente Charlemagne, que estava
estudando cuidadosamente Liam. Quando Charlemagne não rosnou ou ficou
tenso, relaxei. Seus instintos eram investigadores. O cachorro virou, gritou, e
então saltou a seus pés, assustado. Até mesmo Helena sorriu. Isto suavizou
suas feições consideravelmente.
— Os cães bruxos de Kala são lendários. — disse ela.
— Sim, eles são. — concordei com orgulho. Eu não tinha certeza se ela
sabia exatamente o quão lendário eles são. Foram os cães gigantes de Kala
que tinham me cheirado no cemitério e cavaram-me com as suas garras. Eles
têm sido fiéis a mim desde então. E, sinceramente, eu preferia a sua
28
companhia aos da minha própria espécie. Era menos complicado. — E Kala
não é uma bruxa, ela é uma Shamanka.
— Eu peço o seu perdão. Ela diz que o seu dom em treiná-los é
lendário.
Tentei não corar, isto era inadequado para um vampiro. Ainda assim,
Kala não era fácil com os seus louvores e senti-me um pouco acima disso.
— Será nossa convidada em nossa casa. — isto não era um pedido.
Mesmo se tivesse sido, não havia uma forma educada de evitá-lo. Eu não
tinha certeza do que era pior, permanecer nestas cavernas com aqueles que
claramente não nos queriam aqui ou ficar na casa da Rainha. Ela estava
fazendo com que todos soubessem que nós estávamos sob sua proteção, mas
havia outra coisa, além disto, eu tinha certeza. Ela não confia plenamente
nos Hounds, seja o que for que seu marido tenha dito sobre querer tratados
e reconciliação. Isto era um teste.
— Claro. — os amuletos que Kala tinha me dado brilhavam à luz
suave, quando eu levantei meu queixo.
— Logan vai te levar lá para descansar. Seus amigos podem
permanecer aqui e se familiarizar com o pátio.
Outro teste.
— Obrigada. — ignorei a carranca de Magda, ela ficou carrancuda
desde que Kala mencionou pela primeira vez esta visita. Finn cedeu uma vez
e não disse nada, então eu assumi que ele não tinha objeções graves. Eu
ainda não estava acostumada com a atitude cavalheiresca com as meninas
desacompanhadas. É verdade, eu não tinha um acompanhante em Paris, mas
estive vivendo nos becos fingindo não ser uma St. Croix. De qualquer forma,
nós tínhamos assumido que íamos nos separar, e teríamos feito o mesmo se
um grupo de membros da Realeza ou antigos tivessem sido convidados para
as cavernas. Eles ainda podem, se os tratados e as negociações corressem
bem. Isso me deu uma pausa.
— Vou te levar para a casa. — Logan sorriu agradavelmente para
mim. Ele não parecia perturbado pelo meu conjunto extra de presas ou pelas
cicatrizes em meus braços nus e no lado esquerdo da minha garganta. Os
poucos não Hounds que eu conhecia não poderiam evitar ficar olhando
fixamente.
Eu odiava ser encarada.
29
Eu não podia evitar, mas acho que os olhos de Logan estavam
sabendo, como se ele soubesse o que eu estava pensando, quando ele fez
sinal para eu seguir pelo estreito corredor da caverna com uma cortina, uma
tapeçaria de uma floresta enluarada. O bordado era familiar. Nós temos
tapeçarias semelhantes penduradas no castelo para manter os desenhos fora
de alcance. Charlemagne parou suavemente ao meu lado, alerta, mas calmo.
Enfiei os dedos em sua pele com força quando Logan não estava olhando.
— Eu acredito que, pelo seu sotaque, você é francesa?
— Oui. — eu não disse mais nada.
— Vire aqui. É mais rápido. — explicou ele, conduzindo-nos para
baixo, várias passagens mais e para fora em uma clareira. Ele não ia se
intrometer, mas eu podia ver a especulação em seu olhar rápido. Ele teria
mais perguntas em breve, ele e toda sua família. Eu tentei me lembrar de que
eu era emissária de Kala e forte o suficiente para lidar com os Drake, realeza
ou não, ridiculamente bonito ou não. O luar brilhava nos botões de prata de
seu casaco. Ele realmente parecia como se pertencesse a um romance de
Victor Hugo, bebericando vinho claret22 em frente à uma lareira. — E, desta
forma, nós não teremos que descer a montanha.
As escadas eram grossas e densas, visíveis apenas quando o vento
empurrava folhas e galhos para o teto da catedral. A montanha era uma
sombra negra desmedida atrás de nós. Um lobo uivou em algum lugar
distante. Charlemagne jogou a cabeça para trás e abriu suas mandíbulas
para uivar de volta. Eu estalei meus dedos. — Não. — não estava nem de
perto confortável o suficiente para deixá-lo revelar a nossa localização. Não
tinha uma maneira de saber quem mais andava na floresta conosco. Achava
difícil acreditar que iriam enviar o jovem filho da Rainha com uma Princesa
selvagem sem algum tipo de guarda.
— A casa é através da floresta. Podemos ir pelos túneis, se você
preferir ou...
— Ou o quê?
— Você consegue acompanhar? — seu sorriso era encantador.
— Mais oui. — eu estava imediatamente em guarda. — Eu quero dizer,
é claro.
22Diz-se de um vinho tinto pouco colorido; CLARET (inglês) = CLARETE (francês) - vinho tinto de Bordeaux na
França.
30
— Ótimo. — ele piscou e depois foi embora. As folhas flutuavam.
Charlemagne zuniu animado. Eu me sentia da mesma maneira. Liberei-o
com um movimento com a mão e depois nós dois estávamos correndo pela
floresta, passando por entre enormes carvalhos e bordos, esquivando-nos de
galhos de pinheiro, saltando sobre samambaias gigantes. Eu nunca tinha
visto árvores como estas. Estava acostumada com os jardins imponentes e
antigos vinhedos da minha infância ou, mais recentemente, as cavernas dos
Hounds, árvores gigantescas, tão altas que eu não podia ver seus topos.
Brumas serpenteavam em nossos tornozelos, elevando-se até soprarem um
bafo fresco em minha cintura. Nos trechos limpos, o ar quente de verão batia
contra mim. Meu cabelo se soltou de seus grampos e balançou por trás de
mim como uma bandeira de guerra. Eu teria rido em voz alta, se não tivesse
certeza que Logan sorriria se me ouvisse. De alguma forma ele soube como
me centrar e acalmar novamente. Eu só estava na Corte Real a pouco menos
de meia hora, vigiada por apenas um quarto do seu contingente e já estava
me coçando pelo isolamento das cavernas e pela companhia simples dos
wolfhounds da Kala. Isso era quase tão bom. Eu ri quando Charlemagne
saltou sobre um rio, espirrando em mim sem remorso.
Logan ainda estava à frente. Ele era um borrão e eu estava
determinada a alcançá-lo, se não passá-lo completamente. Eu já conhecia o
seu cheiro, como o incenso que eles usavam na igreja quando eu era uma
menina, reforçado com vinho. Mesmo sob a densidade dos cheiros da
floresta, de barro úmido, vegetação em decomposição e cogumelos, eu
poderia reconhecê-lo.
Minhas botas mal tocavam o chão. Um coelho saltando para a
segurança no meio dos arbustos. Sua voz voltou-se para mim. — Vamos,
Mademoiselle St. Croix, quase lá.
Abri caminho através de um grosso ramo de sempre-vivas e então
podia vê-lo, quase a um metro de distância de mim. Corri mais rápido,
sentindo a minhas pernas queimando, me lembrando de como meu coração
poderia ter batido se eu fosse capaz de me mover tão rápido quando era um
ser humano. Nós pulamos para fora da floresta e para dentro de um campo,
ao mesmo tempo em uma poça de lama escondida sob um tapete de agulhas
de pinheiro e folhas murchas de carvalho. Apenas Charlemagne foi
inteligente o suficiente para navegar direito sobre ela.
Logan suspirou. — Estas calças custam uma fortuna para lavar a seco.
— elas eram negras, brilhantes, como plástico ou couro gasto. Esses
vampiros preocupam-se com as coisas mais estranhas.
31
A lama chupou minhas botas quando eu saí para a grama. Latidos
saíram da casa e eu toquei a cabeça de Charlemagne, sussurrando um
comando. Seus músculos da perna tremeram com a necessidade de
continuar correndo, para enfrentar o desafio, mas ele permaneceu perto
mim. Logan sacudiu a cabeça.
— Eles não estavam brincando quando disseram que você tinha um
jeito com cães.
Eu encolhi os ombros. — Nós entendemos um ao outro.
— Ele não tem sequer uma coleira.
— Não há necessidade. Ele não é meu servo, só meu companheiro, e
isto sempre foi sua escolha.
— Bem, talvez ele possa ensinar aos nossos cães algumas maneiras.
Especialmente Sra. Brown.
— Sra. Brown?
— É um terror. E apenas cerca de quinze libras de pug .
— Pug? — ecoei, apesar de interessada. — Eu acho que nunca vi um.
— Cruze um cão pequeno com um porco e você tem um pug.
— Por que alguém faria isso? — eu me perguntava.
— Lucy afirma que eles são bonitos.
— Lucy é sua namorada...? — agora, por que eu perguntei isso a ele?
De repente, eu estava com vergonha de ter orgulho por ter me lembrado da
palavra moderna em inglês para "namorada".
Ele me olhou de esguelha. — Lucy é a melhor amiga da minha irmã e
praticamente como uma segunda irmã para mim. Ela é uma matraca, difícil
de perder.
— Oh.
— E você? Você é casada com um Príncipe Hound?
— Nós não temos príncipes.
— Mas vocês têm Princesas?
— Não realmente, mas é a palavra mais próxima para descrever a
minha posição entre o meu povo.
32
— Então você vai se casar pela política?
Eu balancei minha cabeça. — Nós raramente casamos e nunca pela
política. Os ossos nos levam a nossos companheiros.
— Os ossos?
— Um ritual transmitido através dos séculos.
— E os ossos já te levaram a alguém?
— Não. — eu não tinha absolutamente nenhuma intenção de dizer-lhe
que os ossos disseram a Kala que eu iria encontrar meu companheiro nas
Cortes Reais. Ou que ela raramente errava nestes assuntos. Afinal, sua magia
era tão forte que ela tinha andado em sonhos para encontrar o meu túmulo,
projetando seu espírito através do oceano para encontrar-me com nada
mais do que um presságio e o fio de um sonho. Ela poderia tê-los ignorado
para trabalhar suas magias para algum propósito, um propósito mais
pessoal. Magia toma tanto quanto ela dá, e uma pessoa simplesmente não
envia o espírito de alguém em uma viagem tão distante e perigosa sem
qualquer custo adicional.
Assim, quando Kala me disse que meu companheiro seria das Cortes
Reais, ela realmente quis dizer isso.
E nenhum Hound no mundo iria desacreditá-la. Isto era uma coisa
para nem pensar.
Nenhuma outra Shamanka ou um servo de alguma Shamanka já tinha
se juntado com alguém de fora da tribo.
Eu prefiro ficar sozinha.
Além disso, presságios ou não, eu estava aqui com outra finalidade.
— Ei, você está bem? — Logan estendeu a mão para tocar em meu
cotovelo, acima de uma cicatriz feita pela boca de um dos cães que haviam
me tirado de minha sepultura. Cheguei para trás. Ele levantou uma
sobrancelha.
— Eu estou bem. — deliberadamente segui em direção à fazenda. O
alpendre era grande, com várias cadeiras e um balanço. Rosas selvagens
cresciam sob as janelas. O latido ficou mais alto, pontuado com rosnados.
Logan pareceu preocupado pela primeira vez desde que evitou que uma
espada perfurasse as minhas costelas.
33
— Os cães nunca conheceram um Hound antes. — disse ele sem jeito.
Mesmo com meu conhecimento limitado sobre ele, eu sabia que, de fato, ele
não era muito ruim. Era agradável, mais que seus sorrisos encantadores.
Subi as escadas com confiança. Cães não escondem os seus humores,
não jogam jogos de costumes ou intriga. A mão de Logan estava na maçaneta
da porta. — Não há necessidade de se preocupar. — eu assegurei a ele.
Senti-me melhor com três enormes Bouviers peludos me rodeando. Se
Benoit ainda estivesse vivo, ele teria mostrado a língua para eles. Eu não
falei com os cães, apenas direcionei-lhes um olhar. Eu apenas mantive minha
posição e deixei-os cheirar-me uma vez antes de estalar os dedos e apontar
para o chão. Três traseiros peludos bateram no chão de mármore.
Logan ficou boquiaberto. — Cara.
Percebi pelo seu tom que ele ficou impressionado. Quando eu tinha
certeza que os Bouviers aceitaram que sou superior na hierarquia do bando,
deixei Charlemagne passar por mim para que eles pudessem se conhecer.
O hall de entrada era espaçoso, cheio de botas, casacos e bolsas. As
lâmpadas e os candelabros ao redor estavam acesos. Tentei não encarar. Eu
ainda estava meio impressionada com a eletricidade. Eu poderia ter
acordado no século XXI, mas eu ainda morava em uma caverna com todas as
comodidades parecidas com as da Idade Média. Recentemente permiti a
Magda arranjar um celular para mim, mas ainda não estou inteiramente
certa de como funciona corretamente. A primeira vez que tocou, tentei
enfiar uma estaca nele.
— Whoa. — uma menina interrompeu a minha inspeção. Assumi que
ela era Lucy, como era a única com batimentos cardíacos. Eu me lembrava
vagamente dela da noite que Solange sofreu a mudança, a qual ficou próxima
a ela e tentou chutar quem se aproximava. Não foi inteiramente bem
sucedida, mas nunca desistiu. — Você deu Hypnos aos cães ou algo assim?
— perguntou ela. Tinha cabelo castanho de corte no queixo e olhos
castanhos por trás dos óculos escuros. Usava uma quantidade excessiva de
joias de prata e turquesa. Tinha uma bolsa pendurada do ombro esquerdo ao
quadril direito. Não era para colocar um telefone celular ou gloss, mas sim
para estacas.
Dois vampiros seguiram-na para fora da sala de estar, Solange, a
quem eu tinha visto pela última vez deitada, pálida e morta nos braços de
Montmartre, e outro de seus muitos irmãos. Os dois pararam, me olhando
34
cautelosamente. Lucy demorou um pouco mais. Ela olhou para eles e então
para mim.
— O quê? O que eu perdi? — ela parecia descontente. Inclinou a
cabeça. — Ei, nós conhecemos você. Isabel, né?
— Isabeau. — eu corrigi rigidamente. Eu odiei quão educada e
pomposa eu soei. É como fui criada, mas eu sabia muito bem que este não
era o jeito das pessoas modernas da minha idade, vampiros ou não.
— Legal. — ela aprovou. — Você não se parece com uma Isabel de
qualquer maneira. Eu sou Lucy, e este é Nicholas. Há muitos deles que às
vezes é difícil de acompanhar. Ela disparou para frente, com os braços
abertos. Eu tropecei para trás, esperando uma estaca, dobrando os joelhos
em um agachamento de luta. — Ah, desculpe. — disse ela. — Eu estava indo
abraçá-la por salvar a vida da minha melhor amiga. Eu acho que você não é
do tipo que abraça.
Parecia que Logan estava reprimindo uma risada. Solange e Nicholas
ainda não tinham dito uma palavra. Lucy voltou a olhar para eles. — O que
há de errado com vocês dois? Ela salvou a vida de Solange. — a ironia de que
a humana estava mais confortável perto de mim do que os outros vampiros
não fazia sentido para mim.
— Sou uma Hound. — eu murmurei.
Lucy deu de ombros. — Você poderia cantar canções de alguma banda
de garotos durante todo o dia que eu não me importaria. — ela estremeceu.
— Não há chances, né? — isso pareceu afetá-la mais do que o fato de que os
Hounds eram acusados de ser assassinos loucos.
Logan revirou os olhos. — Eu não acho que ela tenha visto alguma
banda de garotos, Lucy.
— Mas você usa miçangas de osso. — disse ela, ignorando-o e
balançando as pontas penduradas nas tranças torcidas na nuca do meu
cabelo. — Maneiro. — ela inclinou a cabeça.
— Você não parece louca.
— Você é como um trem desgovernado. — Logan gemeu para ela. —
Você não pode calá-la? — ele pediu suplicante, a seu irmão.
— Como? — disse Nicholas, um pouco desamparado.
— Beije-a, seu idiota.
35
Acontece que aprecio a honestidade, por isso era impossível não
gostar dela. Ela me lembrou um pouco de Magda. — Acho que você também
não parece louca. — disse a ela.
Nicholas resmungou. Ela deu-lhe uma cotovelada no estômago. —
Seja legal.
— Você primeiro. — esfregou o esterno. — Ai.
Solange adiantou-se. — Sinto muito. — disse ela calmamente. — Você
me pegou de surpresa. — lambeu os lábios. Ela ainda parecia frágil, para um
vampiro, de qualquer jeito. Eu me perguntava como ela poderia resistir à
tentação dos batimentos cardíacos de Lucy enchendo a casa. — Obrigada. —
disse ela. — Estou em dívida com você.
— Nós todos estamos. — Nicholas concordou.
— Não foi nada. — desviei o olhar, envergonhada. — Não temos amor
por Montmartre.
— Imbecil. — murmurou Lucy. Ela adiantou-se, quebrando o silêncio
desconfortável, ligando seu braço com de Solange e com o meu;
cautelosamente. Surpreendentemente, eu a deixei.
— Vamos lá. — disse ela, alegremente. — Vocês podem me ver
comendo chocolate.
A porta da frente abriu-se atrás de nós.
— Solange, você está...
Ele não terminou o seu cumprimento.
Era um caçador de vampiros.
36
Capítulo Três
Eu não pensei, só reagi.
Um agente da Helios-Ra não deveria ser capaz de romper a segurança
da casa dos Drake agora que são a família reinante, especialmente quando o
mesmo tinha um braço quebrado. Eu não poderia considerar-lhes a minha
família governante particularmente, mas não ia deixar Solange ser estacada
por um caçador após todas as dificuldades que eu tinha passado para salvá-
la.
Chocante. Eu era a única que se sentia assim.
Se eu tivesse um momento para perceber a reação deles, ou a falta
dela, poderia ter pensado nisso. Eles simplesmente olharam para o intruso e
agora estavam positivamente horrorizados porque eu estava voando pelo ar,
com as presas arreganhadas.
Não gosto de caçadores.
Este foi rápido, eu poderia dizer isso. Ele colocou os clips de nariz que
pendurava em seu pescoço e levou muito menos tempo para perceber que
eu atacava do que os outros. O olhar de surpresa em seu rosto poderia ter
sido cômico se não tivesse tentado alcançar o botão de liberação do pó
Hypnos. Eu sabia que estava escondido em sua manga. Uma vez que o
segredo foi revelado sobre sua nova droga, ele se espalhou como fogo
selvagem através dos informantes.
— Não! — Solange gritou, mas eu não tinha certeza de para quem ela
estava gritando.
Caí na frente do caçador antes que o pó Hypnos elevasse em frente a
ele, só um pouco. Agachei-me e rolei para fora do caminho. Eu nunca tinha
realmente experimentado Hypnos, mas tinha ouvido falar bastante sobre
para querer evitá-lo. Havia sido criado pela Helios-Ra como mais uma arma
em seu arsenal na luta contra a nossa espécie.
37
Os feromônios de um vampiro poderiam confundir os seres humanos,
poderiam fazê-los esquecer o que tinham visto ou feito, e poderiam até fazê-
los sucumbir a nós, sem a menor ameaça de violência, se o vampiro fosse
bastante forte. A Helios-Ra tinha ficado cansada das batalhas terminando
com os seus caçadores vagando perplexos e sem armas, ou simplesmente
mortos, enquanto esperavam humildemente por uma presa ou uma faca.
Certamente nem todos os vampiros eram tão civilizados quanto os Drake
pretendiam ser.
E agora o pó Hypnos estava começando a viajar entre as tribos de
vampiros, tornando-nos vulneráveis de uma maneira que nunca tínhamos
sido antes. Os outros feromônios não funcionavam em vampiros, mas
Hypnos, sim ele funcionava.
Eu não tive tempo de cobrir o nariz e a boca. O pó era tão fino, como o
delicado açúcar de confeiteiro em uma torta envenenada. Tentei alcançar
uma de minhas estacas, com os dedos atrapalhados.
— Não. — o caçador disparou. — Não se mexa. Quieta.
Eu apenas recebia ordens de Kala. Eu tentei pular sobre os meus pés,
mas não consegui. A droga era realmente tão nefasta quanto eu tinha ouvido
falar. Ele ordenou que eu ficasse onde estava, e isso era tudo que eu podia
fazer, nem podia mexer a boca para falar. Mesmo que cada parte de mim
gritasse pela liberação, todos os músculos doíam com a pressão e minha
mente tagarelava como um texugo acuado, com todos os dentes e garras e a
necessidade de violência.
Mas tudo que eu podia fazer era ficar ali.
Charlemagne estava em cima de mim, rosnando, pelos eriçados. Os
cães dos Drake rosnaram em resposta, mas claramente ainda não tinham
decidido quem era o inimigo.
Logan tentou se aproximar de mim, movendo-se devagar e com
cautela. — Isabeau, não entre em pânico.
Não entre em pânico? Não entre em pânico? Eu estava praticamente
presa dentro de meu próprio corpo, incapaz de fazer o que eu queria. Estava
à mercê de vampiros reais e um caçador.
Sou uma idiota.
Não tinha aprendido nada com Kala para me proteger nesta situação
depois de deixar as cavernas dos Hounds. Eu, provavelmente, merecia
38
morrer aqui em uma nuvem de poeira. Mas isto deixaria Greyhaven livre,
minha primeira e segunda morte, totalmente impunes. Inaceitável. Na
verdade, eu rosnava como os cães, com a minha necessidade desesperada de
ser livre.
— Isabeau, me escute. — Logan se agachou para olhar para mim, pois
Charlemagne não iria deixá-lo chegar mais perto. Seus olhos estavam muito
verdes, muito intensos. Sua mandíbula estava apertada. Atrás dele, Solange
tocou o braço do caçador, como se ela estivesse preocupada com ele. Ele
pegou a mão dela em resposta.
Esta família não faz sentido.
— Os efeitos vão desaparecer em breve. — Logan prometeu-me
suavemente, dando-me toda a sua atenção. A luz das lâmpadas fez sua
gravata parecer neve congelada. — Você não corre nenhum perigo. Não vou
deixar nada acontecer a você.
Olhei pra ele, e depois por cima de seu ombro incisivamente. Ele
lançou à sua irmã e seu caçador um olhar breve. — Kieran é um amigo. —
explicou. — Ele não vai te machucar, eu prometo.
Eu queria dizer a ele que eu podia cuidar de mim mesma.
Mas eu não podia.
Eu nunca poderia perdoar a qualquer um deles por me ver assim.
— Sinto muito. — Solange disse a Kieran, e então para mim. —
Realmente. Ele não é como os outros Helios-Ra. — Kieran não parecia
particularmente lisonjeado com isso. Ele usava o dedutível preto como a
maioria dos caçadores. Ele parecia como os outros Helios-Ra para mim. —
Ela é uma Hound? — perguntou ele, parecendo surpreso. Seu braço estava
envolto em um molde macio.
— Ela é uma convidada. — Logan disparou. Lucy agachou ao lado
dele, olhando simpática. Charlemagne não se mexeu. Uma gota de sua saliva
bateu no meu pescoço.
— Eu sei que é uma merda, Isabeau. — disse Lucy. — Kieran fez isso
comigo há duas semanas.
— Merda. — ele murmurou. — Vocês tinham me amarrado a uma
cadeira.
39
Lucy fez um gesto como se isso não fosse uma desculpa suficiente. —
Tanto faz. — ela virou-se para mim. — Você vai se sentir normal novamente
em alguns minutos. Prometo. — ela quis dizer o que disse, eu podia sentir o
cheiro da verdade nela, mesmo que eu não estivesse totalmente convencida.
Eu não podia aguentar o jeito que todos estavam olhando para mim.
Sabia o que deveria parecer em meus couros de batalha, minhas cicatrizes,
minhas presas duplas; e meu cão raivoso do meu lado. Estava orgulhosa por
ser serva de Kala, por ser uma Hound, mas o resto das tribos de vampiros
evidentemente não nos via da mesma maneira.
— Vamos dar-lhe algum espaço. — disse Logan em silêncio, como se
ele soubesse o que eu estava pensando. — Vou ficar aqui. Por que o resto de
vocês não espera na sala.
— Você tem certeza? — Solange perguntou.
— Vão acho que ela vá ficar muito contente quando sair disso. —
acrescentou Kieran duvidosamente.
— Apenas vão. — Logan quase suspirou.
Quando eles saíram, foi um pouco menos horrível. Eu preferiria estar
completamente sozinha. O pensamento de Logan me vendo como uma fraca
não me agradou. Mas, ainda assim, houve certo tipo de conforto com a sua
presença, que não fazia sentido, uma vez que acabara de conhecê-lo. Deve
ser outro efeito do Hypnos.
Tentei me mexer de novo, mas não conseguiu. Eu podia falar,
entretanto, o que foi um alívio. Deve estar começando a passar. —
Charlemagne. — murmurei. — Ça va23.
Ele sentou no meu pé, obediente, mas não convencido. Logan ficou
onde estava.
— Você quer que eu te leve lá para cima ao seu quarto? — perguntou
ele.
— Não. — eu disse duramente. Eu não era uma flor delicada, havia
sobrevivido à Revolução e estive enterrada por mais de 200 anos. Podia
lidar com mais dez minutos deitada no chão. É melhor não demorar mais do
que dez minutos. Embora eu não conseguisse lembrar exatamente o que era
como estar em um caixão, eu imaginava que me sentia um pouco como isso.
23ça va (Frances) significa: tudo está bem.
40
Eu estava contente por ter superado isso, ou deitada em coma durante
séculos. Suor acumulou-se sob o meu cabelo, frio na parte de trás do meu
pescoço. É preciso muito para fazer um vampiro suar. Minha expressão deve
ter sido selvagem, pois Logan amaldiçoou.
— Não é assim que pretendíamos apresentá-la à nossa família. Espero
que você não use isto contra nós por muito tempo. O caçador é um pouco
exuberante. Ele não está acostumado a nós ainda.
Eu bufei quando o controle sobre a minha voz finalmente voltou. —
Eu não posso acreditar que um caçador da Helios-Ra sinta que possa apenas
entrar pela porta da frente.
— Ele e Solange ficaram..., próximos.
— Ela tem um desejo de morte? Nós não a salvamos para entregá-la
aos desejos deles.
Ele balançou a cabeça, seus cabelos despenteados caindo sobre a testa
pálida.
— ...Ele a ama. Bem, ele está apaixonado, de qualquer modo.
Eu não conhecia o termo, mas eu entendi o seu significado bem o
suficiente. Eu suspirei.
— Pensei que ela fosse mais inteligente.
Ele ergueu as sobrancelhas. — Ela é muito inteligente. — ele olhou
pensativo. — Você não acredita no amor, então?
— Não. — eu queria olhar para longe, não podia. — Eu não sei.
Seu sorriso era decididamente dissoluto. Eu tinha visto isso em jovens
aristocratas na casa do meu tio. Eu tentei ignorá-lo. Flexionei meus dedos,
mas não era capaz de fazer muito mais.
Quando a porta da frente se abriu, tanto Charlemagne quanto eu,
ficamos tensos. Lutei para sentar-me, para alcançar uma arma, qualquer
arma. Logan se levantou e ficou entre mim e os recém-chegados. Os quatro
que entraram tinham que ser seus irmãos, as semelhanças físicas eram
muito pronunciadas. Charlemagne resmungou, levantando-se novamente.
Eles pararam no meio da conversa, olharam para a menina selvagem
prostrada no mármore.
41
Eu apertei os dentes. Esta dificilmente era a maneira de fomentar o
respeito pela minha tribo.
— Logan. — um deles demorou. — Sua técnica está declinando se
você precisa de cães para impedi-las de fugir.
— Muito engraçado, Quinn. — Logan murmurou. — Esta é Isabeau.
Eles congelaram olhando um para o outro.
— Isabeau, meus irmãos: Quinn, Marcus, Connor e Duncan. Sebastian
ainda está nas cavernas.
— Un plaisir24. — eu disse secamente. Meu treinamento de Hound
pode não ter me preparado para ser cortês, sob qualquer circunstância, mas
a minha educação aristocrática tinha.
— Prazer em conhecê-la. — Connor piscou. — Por que você está no
chão?
— Hypnos. — disse eu.
Quinn bufou. — Cara, Hypnos e cães? Eu pensei que você era a pessoa
que deveria ser boa com as meninas, Darcy25. — eu reconheci o apelido. Eu
tinha lido vorazmente quando eu tinha me acostumado ao meu novo corpo e
seus apetites. Eu precisava me acostumar com as centenas de anos de
história também.
— Cale a boca. — disse Logan. — Kieran soprou Hypnos sobre ela.
Quinn arreganhou as presas. — Por que diabos ele fez isso?
— Bem, para ser justo, ela tentou chutá-lo na cabeça.
Quinn sorriu para mim. — Eu já gosto de você.
Tentei levantar novamente. Eu não podia ficar lá por mais nenhum
segundo, enquanto eles olhavam para mim com curiosidade. Estava muito
ansiosa para poder retirar as minhas presas duplas. Se eu fosse humana,
teria hiperventilado até agora. Logan olhou para mim, amaldiçoando.
24Um prazer em francês.
25*Ele se refere ao Mr. Darcy de Orgulho e Preconceito de Jane Austin.
42
— Eu vou levar você lá para cima. — ele murmurou. — Chame o seu
cão. — acrescentou ele, escavando-me em seus braços. Charlemagne estava
ali, pressionado os joelhos de Logan.
— Ça va. — eu sussurrei, mesmo que eu não tivesse certeza se
acreditava inteiramente. Charlemagne trotou ao nosso lado quando Logan
subiu as escadas, carregando-me suave e facilmente. Eu fiquei envergonhada
e agradecida. As emoções contraditórias não faziam a atual situação mais
fácil de lidar.
— Eu sei que você disse que não quer que eu faça isso. — ele
sussurrou. — Mas é melhor do que todos os meus irmãos fazendo piadas
sobre sua cabeça; certo?
Eu balancei a cabeça, porque eu não confiava em minha voz. O fato de
que eu pudesse movimentar a minha cabeça o suficiente para concordar com
ele foi animador. Ele percebeu o pequeno movimento.
— A qualquer momento. — prometeu.
O segundo andar da casa cheirava ainda mais como fumaça e água. A
parede em frente estava fracamente queimada. Ele seguiu o meu olhar.
— Esperança. — ele disse de forma sucinta.
Esperança comandou uma unidade perigosa da Helios-Ra, que tinha
raptado Solange e tentou queimar a fazenda de seus pais. Isto só tinha sido
há uma semana no máximo, e os prejuízos ainda eram visíveis.
Logan me levou a um corredor e chutou uma porta aberta para um
quarto de hóspedes. As janelas tinham persianas espessas de madeira com
fortes fechaduras de ferro no interior. Havia uma estreita escrivaninha e
uma cadeira acolchoada perto da lareira. A cama de mogno era enorme e
com aparência macia, com uma geladeira pequena e discreta no final da
mesa. Eu sabia que seria abastecida com sangue. Eu ainda era jovem o
bastante para precisar me alimentar imediatamente ao acordar, algo que
todas as crianças Drake também deviam estar lidando. Isto melhorou
drasticamente a minha opinião sobre as suas capacidades de hospedagem
até o momento.
Logan me deitou suavemente na cama, inclinando-se tão perto que eu
podia ver as manchas verdes mais escuras em sua íris. Engoli em seco.
— Eu sinto como se te conhecesse. — ele murmurou. — Isso é
estranho?
43
Eu não sabia o que dizer. Charlemagne pulou para deitar ao meu lado
na colcha, quebrando o momento antes que eu pudesse encontrar uma
resposta. Logan deu um passo atrás.
— Vou te deixar sozinha. — disse ele. — Quando Lucy saiu do Hypnos,
quebrou o nariz de Nicholas. Eu aposto que você tem um forte impulso e
acontece que eu gosto do meu nariz exatamente onde ele está. Ninguém vai
incomodá-la. — acrescentou ele ferozmente.
— Desça quando estiver pronta. Estarei esperando.
Ele se curvou. — Mademoiselle.
A porta se fechou silenciosamente atrás dele. Quando eu pude ouvir
seus passos descendo as escadas para a sala, permiti a mim mesma um
suspiro muito pequeno. Charlemagne inclinou a cabeça curiosamente.
— Isso não está indo de acordo com os planos. — eu disse a ele.
44
Capítulo Quatro
Meus irmãos são uns idiotas.
Qualquer um pode ver que por sob as cicatrizes e a atitude, Isabeau é
mais frágil do que parece. E como uma solitária Princesa Hound, sua
primeira apresentação à família Real não devia ser com uma dose de Hypnos
e quatro idiotas encarando-a como estúpidos.
Se eu conseguia não fitá-la como um estúpido, certo como um inferno
que eles também podiam fazer; ela era formosa, fera e completamente
diferente de qualquer uma que jamais houvesse conhecido.
Era realmente difícil não fitá-la como um estúpido.
Era muito melhor passear fora da sua porta enquanto um dos nossos
Bouviers26 me observava com curiosidade, sentado no alto das escadas.
— Isto é uma merda, Boudicca. — lhe disse. — Não acredito que a
diplomacia de papai seja hereditária.
Ela colocou sua mandíbula sobre suas patas. E podia ter jurado que
ela rodou seus olhos.
Rondei a porta de Isabeau por outros quinze minutos até que comecei
a me sentir um perseguidor. Solange veio pelo corredor de seu quarto e me
encontrou nas escadas.
— Ela vai ficar bem, Logan.
— Eu sei.
Ela inclinou sua cabeça. — Trocou de camisa?
— Não.
26Bouviers: é uma raça de cão nativo da região dos Flandres, onde é conhecido como Bouvier des Flandres em
francês e Vlaamse Koehond em flamenco. Tradicionalmente usado como um cão pastor de gado e como um cão
de guarda. É um cão grande com o corpo coberto de pelos longos e abundantes.
45
— Trocou sim, totalmente. — ela sorriu. — Pena que sua namorada
tentou matar ao meu namorado.
Bufei. — Pena que ele lhe lançou drogas. E ela não é minha namorada.
Simplesmente a encontrei. E poderia baixar a voz?
Ela arqueou uma sobrancelha. — Nunca tinha te visto dessa maneira.
— Cala a boca, Princesa. — fiz uma careta zombeteira. Ela estreitou os
olhos para o termo "princesa".
— Terá todas as suas camisas tingidas de rosa. — ela ameaçou.
Simplesmente sorri. — Continuaria com bom aspecto.
Ela se deteve na descida, sua expressão se voltou séria. — É certo que
um assassino tentou estacar a mamãe?
— Quem te disse isso?
Ela empurrou meu ombro. Forte.
— Ow. — eu disse, esfregando o hematoma. — Por que fez isso?
— Por pensar que sou uma estúpida e evitar me dar uma resposta.
— Não acredito que seja uma estúpida.
— Então deixe de tentar me proteger, Logan.
— Não.
Ela fez um som de frustração na parte traseira de sua garganta.
Suspirei. — Bem. Sim. Uma garota tentou estacar a mamãe. Ninguém
foi ferido.
— Montmartre?
— Sim, usava uma insígnia dele. — odeio admiti-lo. Especialmente
quando sua cara se voltou dura e seus olhos planos. — Mas estacou a si
mesma antes que pudéssemos obter alguma resposta.
— Merda. — ela esmurrou a parede, sacudindo ruidosamente o
candelabro de cristal em cima de nós. — Está tentando me fazer Rainha
matando a mamãe.
— Assim que parece. — admiti. Coloquei um braço em seu ombro. —
Mas isso não vai acontecer.
46
Ela esfregou seus braços como se tivesse frio. Os vampiros realmente
não sentem frio, assim, era mais hábito do que necessidade. — Espero que
tenha razão, Logan.
— Eu sempre tenho razão.
Ela riu entre dentes, o qual era minha intenção. — Cuidado, logo será
tão vaidoso quanto Quinn.
— Ninguém é tão vaidoso quanto Quinn. — Lucy disse do pé das
escadas. Ela estava carregando um copo de chocolate quente e um montão
de biscoitos. Tomando vantagem de sua estadia conosco, estava se atirando
no açúcar e no fastfood. Ela tinha mais problemas ao pensar na caçarola de
tofu da sua mãe que o fato de todos aqui frequentemente beberem sangue.
— Onde estão todos? — perguntei. O fogo crepitava na lareira, mas a
sala estava vazia. Assim como a cozinha.
— Fixando a parede exterior. — Lucy respondeu.
O lado norte da fazenda era uma bagunça de lenha carbonizada e
estropiada pela água. O contorno da varanda havia pegado o peso do ataque
quando Hope fugiu do quarto e voltou com seus agentes loucos e desonestos
da Helios-Ra.
Bruno passou muito tempo nas lojas de departamentos, desde então,
resmungando em seu celular, para nosso constrangimento, que havíamos
começado a escutar ruídos no bosque, assim, ele permanecia em casa e
patrulhava os perímetros. Hope tinha muito ao que responder. Igual a
Montmartre. Realmente uma merda não termos tido uma oportunidade para
fazê-los pagar horrivelmente e prolongadamente. Frustrar seus planos não
parecia ser o suficiente. Um pouco de vingança poderia ter sido agradável,
apesar do que papai disse em seu discurso de "reconstrução mais forte".
Para dizer a verdade, todos nós estávamos simplesmente contentes que
Solange havia sobrevivido à troca de sangue e às várias tentativas de
sequestrá-la ou matá-la.
Estava feliz porque já não tinha dezesseis anos.
Porque ao ter dezesseis anos em nossa família apenas se pensa em
morder.
— Suponho que deveríamos ajudá-los. — disse relutantemente. O
trabalho manual era brutal em escapar.
47
— Demônios; sim deveria. — Nicholas gritou, surgindo do sótão com
uma caixa de ferramentas extras e uma serra. Lucy lhe sorriu enquanto ele
fechava de novo a porta aberta.
— Cinturão de ferramenta. — ela disse, lambendo o chocolate quente
de seu lábio. — Hmm.
O vento mudou e pude cheirar o sangue quente movendo-se por baixo
de sua pele. Todos nós podemos. Nicholas deu um passo para trás,
parecendo vagamente ferido.
Ela franziu o cenho. — O que acontece com você? Parece como se
tivesse náuseas.
— Estou bem. — ele disse através de seus dentes. — Fique aqui
dentro. Não é seguro.
Ela rodou seus olhos. — Deixe de se preocupar. É perfeitamente
seguro, está você e um zilhão de guardiões.
— Isso não é o que queria dizer. — ele murmurou, voltando para o
exterior, dentro das sombras para se ocupar ele mesmo de um montão de
lenha cortada.
A tensão fez com que os tendões da parte traseira de seu pescoço se
tencionassem. Lucy lhe seguiu com o olhar por um longo momento antes de
fechar a porta atrás dele.
O segui, pegando uma garrafa térmica de aço inoxidável cheia de
sangue da geladeira. Joguei-a. Ele pegou e se voltou para beber. Não é fácil
para um vampiro jovem resistir ao sabor do sangue humano fresco.
Inclusive era mais difícil quando sua nova namorada ficava em sua
casa enquanto lutava para acalmar sua prejudicial sede. Agora que Solange
estava recém-transformada, havia começado a sentar-se no final oposto da
habitação e Lucy havia sido forçada a mudar-se a um dos quartos de
hóspedes, com tranca dentro da porta. Nós crescemos com ela e nunca a
machucaríamos intencionalmente, mas um vampiro jovem era mais animal
que humano em um desses momentos de vigília depois que o sol se põe. Era
um tipo de classe imperativo biológico27. Nosso corpo nos forçava a beber o
que nossos cérebros lutavam contra. Do contrário, morreríamos.
27Os imperativos biológicos são as necessidades dos organismos de vida requerem para perpetuar sua
existência: para sobreviver.
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— Hey, homem, o está fazendo bem. — disse a ele silenciosamente
enquanto ele limpava sua boca com o dorso de sua mão.
— Ela não entende. — disse. — Não realmente.
— Ela entende mais do que ninguém jamais poderia.
— Mesmo assim.
— Sim. — adicionei. — Mesmo assim.
Quinn, Connor, Marcus e Duncan estavam arrancando a parte das
lenhas que era irresgatável. Peguei um martelo e tentei não estar consciente
de Isabeau dentro da casa.
Nicholas passou uma mão por seu cabelo; frustrado. — Quando isso
tudo ficou tão complicado?
— As garotas sempre são complicadas. — lhe disse. — Você sabe
disso.
Ele deu um meio sorriso. — Algumas mais do que outras.
Pensei nas cicatrizes dos braços de Isabeau e o olhar encantado em
seus olhos. — E nisso tem razão.
Colocamo-nos a trabalhar, principalmente seguindo as indicações de
Duncan, porque ele quase tinha uma pista de como levantar uma parede.
Quando precisamos de gesso, por alguma razão que realmente não
pude entender, fui para a garagem encontrar algo. No meu caminho de volta,
me detive, de repente senti arrepios.
Um ruído no bosque.
Algo quieto, sutil.
E não desejado.
Não podia alertar meus irmãos sem alertar a quem quer que estivesse
espreitando no bosque também. Coloquei o balde de gesso em pé e retornei
para a porta principal do outro lado do caminho. Olhei com atenção para as
sombras das roseiras e cedros. A fraca luz da lua refletia no Jeep na estrada.
As lâmpadas queimavam suavemente nas janelas. Senti o cheiro de rosas, os
troncos de carvalho recém cortados, sangue e lírios.
Os lírios nunca eram um bom sinal.
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Montmartre cheirava a lírios. E enquanto duvidava que ele estivesse
vagando pelo bosque fora de nossa fazenda, não tinha problemas em
acreditar que ele havia enviado servos para fazer seu trabalho sujo.
Ele ia atrás de Solange outra vez, justo como ela havia dito.
Ele a queria fazer Rainha, como a velha profecia afirmava e o mais
importante, ele a queria fazer sua Rainha. Ele pensava que poderia mandar
no lugar dela, usando-a como uma suplente sem autoridade. E depois desta
noite, ele aparentemente pensou que se tirasse mamãe do caminho, Solange
tomaria o controle.
Ele não conseguiria as mulheres Drake assim.
Realmente desejava que o estacassem.
Eu estaria encantado de fazê-lo..., se ele simplesmente permanecesse
imóvel por muito tempo.
50
Capítulo Cinco
Quando pó de Hypnos finalmente se dissipou, foi rápido como o
relâmpago de verão. Coloquei-me de pé como se tivesse sido eletrocutada.
Charlemagne latiu uma vez e eu soltei uma gargalhada. A capacidade de
controlar meus membros novamente era embriagadora. Sentia-me como
uma debutante em seu primeiro baile. Até mesmo o celular que vibrava em
meu bolso não me irritou.
— Magda. — sorri para o aparelho receptor. Ninguém mais poderia
estar me ligando.
— Isabeau? É você? — Magda perguntou.
— É claro, quem mais poderia ser? — estiquei-me para me assegurar
de que podia fazê-lo. Depois fiz um salto mortal.
— Você está rindo? — perguntou-me com incredulidade. — O que te
fizeram?
— Hypnos.
Houve uma pausa e uma tosse afogada. — E isso é divertido, por quê?
— Não é. — eu lhe assegurei. — Mas o efeito acaba de desaparecer.
— Está com problemas? O que estão te fazendo? Não sabem que você
é uma Princesa, ou o que seja? Vou buscar Finn.
— Não! — a detive antes que pudesse colocar-se a caminho. — Estou
bem. Foi um acidente.
— Tem certeza? — pressionou-me com receio. — Eles não são como
nós, Isabeau.
— Eu sei. — disse. — Acredite em mim. Mesmo seus seres humanos
são estranhos. — mesmo que eu não tivesse conhecido muitos seres
51
humanos desde que tinha sido tirada do túmulo, mas tinha certeza de que
Lucy era única.
— Têm humanos aí?
— Uma garota e alguns guardas.
— Você provou-a?
— Não acho que isso lhe agrade. — quase podia imaginar a cara de
Nicholas.
— O Hypnos é tão ruim quanto dizem?
— Sim. — esse não era um momento para hesitação. — Pior ainda.
— Bastardos.
— Mantenha a voz baixa. — eu lhe disse. — Supõe-se que nós
devemos estar aqui como Diplomatas. Lembra?
Magda bufou. — Não sou do tipo Diplomata.
Bufei, sentindo-me melhor. — Eu sei. — antes que me aceitasse como
irmã, Magda estava com ciúmes por minha proximidade com sua mentora,
Kala. Tentou cortar meu cabelo em um ataque de ressentimento. Depois eu
quebrei seus dedos, e desde aí, tinha se tornado muito próxima a mim e
imensamente leal desde então.
— Como estão as coisas por aí? — perguntei.
— Os Drake estão bem, até agora. — ela admitiu de má vontade. —
Mas a maioria dos outros cortesões não quer que estejamos aqui.
— Devo ir? — perguntei preocupada.
— Por mais que eu preferisse que você estivesse aqui, estamos bem.
Nós nos vemos amanhã. Vou ouvir o máximo que possa até então.
— Bem. — ela era muito hábil nisso. — Farei o que puder aqui.
— Cuide das suas costas.
— Você também.
Deslizei o celular de volta ao meu bolso e então olhei cuidadosamente
o cômodo, procurando armadilhas, as frestas na persiana de madeira
podiam deixar entrar a luz do sol, nada fora do comum. Inclusive cheirei o
sangue na geladeira, e cheirava bem. Eu parecia uma paranoica, mas nós, os
52
Hounds, estávamos acostumados a cuidar de nós mesmos. Entre
Montmartre, seus Hosts e o desprezo do resto da comunidade de vampiros,
não podíamos nos dar ao luxo de baixar a guarda.
E eu não podia me sentar neste cômodo por muito mais tempo. Tinha
trabalho a fazer. — Vamos. — disse a Charlemagne, empurrando a porta. —
Em frente.
Em um primeiro momento, tinha planejado descer as escadas, mas
mudei de rumo quando ouvi o bater do coração humano de Lucy do lado
extremo da sala, ao redor do canto. Eu a encontrei de pé junto à janela, com
Solange.
— Isabeau. — Solange examinou meu rosto com olhos preocupados.
— Sente-se melhor?
Concordei com a cabeça. — Onde está seu caçador?
Ela estremeceu. — Foi para casa. Pensamos que era o mais
conveniente. — seus olhos passaram de preocupação a alerta. — Está sob a
proteção dos Drake.
— Igual a mim, ou isso me deram a entender.
— É claro que sim. — disse Lucy, com o nariz grudado na janela. —
Foi um mal entendido. Não é grande coisa.
Solange deu-lhe um meio sorriso. — Você poderia tentar formar
frases completas, Lucy.
— Não posso. Ocupada.
Apesar de tudo, estava curiosa. — O que está fazendo?
— Babando. — explicou Solange, com carinho.
— Completamente. — Lucy admitiu sem arrependimento. — basta
olhar para eles.
Lucy ficou de lado para me dar espaço. Ela estava observando cinco
dos sete garotos Drake consertando a parede externa do galinheiro debaixo
da nossa janela. Tive que admitir que era um quadro impressionante,
bonitos, pálidos e sem camisa, os músculos brilhando sob a luz da lua. Não
pude evitar procurar Logan, mas ele, bem nesse momento, estava se
afastando.
Solange apoiou-se contra a parede, aborrecida. — Já terminou?
53
— Maldição, não. — disse Lucy. Ela tinha deixado vestígios de seu
nariz no vidro. Nicholas sorriu-lhe satisfeito. Ela corou. — Ooops, pega.
— Eu te disse que podia ouvir as batidas de seu coração. — disse
Solange. — Mesmo daqui de cima.
— Não posso evitar. Mesmo todos eles sabendo que são charmosos e
insuportavelmente arrogantes. — acrescentou falando mais alto. — Podem
ouvir isso?
— Sim.
— Bem. — ela me olhou. — Gostosos, não é?
— Tenho certeza que Isabeau prefere se recuperar, e não comer meus
irmãos com os olhos. — disse Solange. — Lembra-se de como você ficou mal
depois do Hypnos?
— Por favor. — Lucy riu. — Isso foi totalmente bobo.
Quando Lucy finalmente se deixou levar para longe da janela,
descemos para a sala principal. Uma das janelas estava fechada com madeira
e o cheiro de fumaça era espesso também. Lucy falava sem parar, o que foi
uma benção. Solange parecia tão reservada quanto eu, e sem a alegre
humana, eu teria me sentido desconfortável e tímida.
— Suas tatuagens são magníficas. — disse. — Estou desesperada para
conseguir uma, mas minha mãe está me fazendo esperar até que eu faça
dezoito anos. — ela fez uma careta. — Escolhem as coisas mais estranhas
para ser restritas. Quero dizer, mamãe tem três e papai uma. Não é
exatamente muito justo de sua parte, não é?
Meu vestido sem mangas deixava meus braços descobertos, os quais
tinham tatuagens escuras. Não tinha sido fácil conseguir que fossem
permanentes. Tinha tido que refazê-las em três ocasiões. O dom de cura
rápida dos vampiros eliminava a tinta e o carbono vegetal.
— Nunca vi um trabalho como esse. — ela continuou. — Você não foi
a um estúdio de tatuagens, certo?
— Não, Kala fez estas com carbono e uma agulha. — a maioria delas
foi feita no ritual que me colocava a seus serviços. Na primeira delas, haviam
feito antes que eu despertasse totalmente, depois que os cachorros me
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encontraram. Era um Galgo28 circulando meu braço esquerdo, prendendo
seu rabo em sua boca e estava enfeitado com um nó celta.
Todos os Hounds tinham uma igual. — Ouch. — Lucy fez uma careta
de dor ante o pensamento do lento processo da tatuagem. A maioria das
outras tatuagens também era de cachorros que perseguiam uns aos outros,
em meus braços, acentuados com enfeites de videiras. — Sem dúvida são
totalmente geniais.
— Eu não te dou medo. — não foi uma pergunta e sim uma
declaração. Ela se mostrou surpresa pelo que eu havia dito.
— Não. Deveria? Você salvou Solange.
— Até mesmo os vampiros, ficam nervosos quando estão perto dos
Cwn Mamau. — assinalei. Não estava certa do porque queria que ela tivesse
medo de mim. Pensei que era porque nunca tinha tido experiência com a
aceitação incondicional, pelo menos, não com os Revolucionários em Paris e,
não com os outros vampiros. Senti a necessidade de acotovelar a estranha
experiência, como se, se tratasse de uma dor de dente.
— É porque você usa ossos, faz rituais estranhos nas cavernas e tem
barro em seu rosto? — ela perguntou sorrindo. — Por favor, meus pais
fazem isso o tempo todo. Estão totalmente imersos em rituais shamânicos e
dançam nus sob a lua cheia.
— Isso explica tudo, certo? — Solange me olhou com um sorriso
tímido, convidando-me a desfrutar do momento.
— Ela é única... — eu concordei.
— “Ela” está bem aqui. — Lucy jogou sua queixa com bom humor. —
E inclusive com embananado ouvido humano, eu posso ouvi-las.
Era tudo muito surrealista. Como se minha vida tivesse dado um giro
diferente e o normal fosse estar sentada com as namoradas, usando vestidos
de seda fina, bebendo chá e comendo frangos. Assim como as coisas
estavam, nunca tinha feito isto antes. Perguntei-me o que estaria fazendo
Magda neste momento, se ela estava percorrendo as cavernas ou discutindo
com um guarda.
Apostaria que estava discutindo com algum guarda.
28 Os Galgos, também conhecidos como Lebréis, são cães esguios, originários de um tipo de cão primitivo
chamado Canis Familiaris Leineri, que tinha sua estrutura anatômica similar à das atuais raças de Galgos.
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— Posso te dar um conselho? —Lucy perguntou.
— Suponho que sim.
— Você tem um grande sotaque francês. Se um homem te pede que
use uma roupa de serviçal francesa, dê-lhe uma patada na canela.
— Especialmente se for um de meus irmãos. — concordou Solange.
Charlemagne começou a rosnar. Eu franzi o cenho para ele, avaliando
rapidamente todo o espaço em busca da fonte de alarme. Não pude
encontrar nada, até que houve uma batida na porta principal. Corremos pelo
vestíbulo, Lucy consideravelmente mais devagar atrás de nós. Solange olhou
pela vigia, e depois alcançou a maçaneta.
— Outro presente. — ela suspirou. — Honestamente, pensei que uma
vez que o pior dos feromônios se desvanecesse após a troca de sangue eles
desistiriam.
Na escada de entrada tinha um pacote envolto em papel laminado
vermelho, as pétalas de uma rosa branca espalhados ao seu redor. Ela
agachou-se para pegá-lo, mas eu segurei seu braço.
— Não. — disse. — É de Montmartre. Posso cheirá-lo nele. — me
aproximei dela, tentando alcançar minha espada. — Vá para dentro.
Não esperei para ver se ela tinha escutado, só chutei a porta em seu
rosto. Estava caminhando até a varanda quando uma sombra pálida estava
de repente ao meu lado.
Por pouco estive a ponto de decapitar Logan. Ele se inclinou para o
lado, fora do alcance de minha espada, com a graça de um bailarino. Seu
lindo rosto era sombrio.
— Há alguém no bosque. — ele disse.
— Eu sei. Host. — adicionei. Eu conhecia o cheiro, apenas perceptível,
o sangue, os lírios, e o vinho. O exercito pessoal de Montmartre sempre
cheirava igual.
— Fique aqui. — me ordenou.
— Sou um Hound. — eu lhe disse. — Isto é o que eu faço. Você fique
aqui.
— Como um inferno.
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— Então fique fora do meu caminho.
— Como um inferno. — repetiu.
Nós nos movemos como a fumaça entre os cedros e as árvores que
cobriam o caminho, até os campos que bordeavam do bosque. Mantive
minha espada muito baixa para que a luz da lua não emitisse reflexo algum
na lâmina e delatasse nossa posição. Charlemagne corria suavemente ao
meu lado, ansioso, mas em silêncio. As árvores se levantavam sobre nós com
seus vestidos de musgo, galhos coroados com folhas, corujas e falcões
adormecidos. O solo era mole sob nossos pés, as samambaias tocavam
nossas pernas e nosso caminho. Mesmo os insetos ficaram em silêncio, nem
um só grilo ou gafanhoto revelou sua posição. Apenas o rio cantava em voz
baixa, à distância.
Logan parou, sacudiu sua cabeça para a direita, com força. Segui seu
olhar e assenti para lhe dizer que vi o que ele viu.
Uma pétala de rosa branca, pisoteada no lodo.
Para alguém que usava punhos de renda quando não estava com o
torso nu, Logan sabia como rastrear. O vento mudou e queimou meu nariz. O
cheiro dos lírios com sangue era mais forte agora, espesso como o incenso.
Nós o seguimos, nos dividindo com um acordo tácito, no bosque de
carvalhos. Logan foi para a esquerda, eu fiquei à direita. Isto, pelo menos, era
algo com que eu me sentia confortável. Rastrear o Host era comum para
mim. Isto aderiu em minha pele, muito mais fácil que uma cortês conversa
de política real. Estava quase o desejando.
Havia dois deles que tinham ido, embora cheirasse como se tivesse
tido mais. Eram rápidos, mas não o suficientemente rápidos. Logan se
adiantou para bloqueá-los enquanto eu rastejava atrás deles. Um deles
sibilou.
— Você os ouve...
Não terminou sua pergunta. Em vez disso, ele virou com um pé para
mim com um olhar lascivo. Não perdeu tempo olhando de lado para trás, de
um só salto, eu lhe ataquei com minha espada que brilhava sob a lua.
— Um cachorro Hound. — cuspiu. — Um pouco longe de casa, não
acha?
— Não mais do que você.
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Virou com um punho pronto, confiante em sua força. Dancei para trás,
levantando uma sobrancelha em sua direção.
— Estar aos serviços de Montmartre te deixou gordo e pesado. — me
safei dele. Com seu rosto manchado de raiva, ele rugiu, atacando de novo. A
raiva lhe deixou desajeitado e fácil de evitar. Eu me movi rapidamente ao
seu redor como um colibri. Charlemagne estava ao meu lado, esperando um
comando.
Logan atacou seu companheiro antes que pudessem unir forças. —
deixe de brincar com ele e o destrua. — grunhiu, agachando-se enquanto
evitava uma adaga.
O Host que estava fazendo todo o possível para me quebrar; tinha
uma adaga similar, curvada e quase tão longa quanto uma espada. Não
tinham arsenais, nem sequer uma arma carregada com balas de água benta.
Essa era uma das armas favoritas dos Hosts, que as tinham copiado dos
Hélios Ra.
No entanto, estavam vestidos para caçar e se infiltrar, não para lutar.
Percebi estes detalhes indiferentes, enquanto me concentrava em mexer
meus pés. Nossos movimentos ficaram mais rápidos, mais cruéis, até que,
provavelmente, parecíamos como um borrão no ar, só uma secessão de cor,
como manchas de tintas em um lenço unido. Logan despachou seu oponente,
as cinzas voaram para as samambaias mais distantes. Agachou-se para pegar
algo da roupa que ficou para trás.
Esquivei-me de uma punhalada em meu coração, o remendo
costurado, de malha elástica, em meu casaco caía debilmente sobre meu
peito. Apontei para sua cabeça, me movendo com uma lentidão deliberada e
enganosa. Ele me bloqueou, se lançando para trás instintivamente. Tomei
vantagem de sua posição e me balancei, fazendo um corte em sua perna. Eu
o peguei de surpresa e ele cambaleou para trás, xingando. O sangue saiu
descendo por sua perna, espirrando no mato. Tentei dar-lhe um golpe fatal,
mas ele já havia ido embora, correndo pelo bosque. Provavelmente poderia
persegui-lo, seguindo o rastro dos pingos de sangue.
— Qual era o ponto? — Logan limpou o sangue de sua ferida no braço,
negando com sua cabeça. — Você é tão boa como dizem que é. — disse. —
Surpreende-me que não o tenha transformado em pó.
— É melhor dar-lhe um pouco de dianteira, por alguns minutos.
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— Por quê? Sua mãe não te ensinou que é grosseiro brincar com a
comida?
— Eu não beberia dele nem se estivesse morrendo de fome. Ele está
ferido e já vai voltar para seu esconderijo. Se tivermos sorte, o corte não
curará até que nos leve até lá.
Logan ficou me olhando, depois dirigiu seu olhar para o mata verde.
Ainda que devagar, o Host movia-se rápido o suficiente para não deixar
traços. Não voava, exatamente, mas sem dúvida flutuava, devido a sua
velocidade melhorada, o que era difícil de rastrear.
Muito mais difícil foi seguir o rastro de seu sangue, principalmente em
um denso bosque com diversos cheiros e as marca de vampiros e animais.
— Definitivamente estou impressionado. — pegou o celular de seu
bolso. — Permita-me fazer uma ligação e depois seguiremos o bastardo. Que
diabo queriam desta vez? Solange já se transformou.
— Montmartre. — disse categoricamente. — Deixavam um presente
para sua irmã na porta principal.
— Filho da puta. Isto é um símbolo dos Host? — mostrou-me o
pequeno disco de madeira que tinha arrancado das cinzas de seu atacante.
Estava gravado com uma rosa e três adagas. — A assassina que tentou fazer
pó da minha mãe esta noite, tinha uma tatuagem como esta.
— Nunca vi antes. — eu disse.
— Há algo mais acontecendo aqui, algo que nos escapa. — falou
secamente no celular e depois afastou o cabelo dos olhos. — Vamos.
— Eu posso fazer isto sozinha. — lhe assegurei. — Sou muito capaz.
— Mmm-Hmmm. — murmurou sem se comprometer.
Fugimos velozmente, mas não com tanta rapidez para nos delatar ao
que fugia, antes que tivesse tido a oportunidade de nos levar a nenhum lugar
interessante. Era um trabalho sem complicações.
A surpresa chegou em forma de pedaço de pano, cravado em uma
árvore de vidoeiro29 estreito, pálido como a neve brilhante. A seda era de cor
anil, antigo, desbotado pelos anos e com bordados de prata. A delicada
29O vidoeiro ou bétula é uma árvore até 25 m de altura, com ritodoma branco, destacando-se em anéis. Folhas
ovadas a triangulares.
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costura mostrava uma flor de lis e em uma ponta havia uma desgastada e
rasgada fita.
Conhecia aquele pedaço de seda, eu o conhecia intimamente.
Estremeci, buscando minha espada novamente.
60
Capítulo Seis
O closet de sua mãe era o lugar favorito de Isabeau em todo o
chateau30. Ela amava esse lugar, inclusive muito mais que aos cachorros e os
estábulos, mais até que a dispensa onde o cozinheiro escondia os preciosos
pedaços de chocolate e os frascos de violetas confeitadas. Não a deixavam
entrar em nenhum outro lugar, assim que tratou, com todas as suas forças,
de ficar quieta e discreta; sentada sobre um banquinho azul de seda
enquanto as criadas de sua mãe revoavam entrando e saindo com os
cosméticos e os diversos trajes de noite.
Sua mãe, Amandine, estava sentada em frente à sua penteadeira,
aplicando pó compacto em suas bochechas. Seu cabelo estava recolhido
debaixo de uma elaborada peruca branca da qual caiam cachos em espiral e
enfeites feitos de miçangas e plumas reais. Isabeau havia escutado algumas
histórias sobre a beleza de Maria Antonieta e do visual incrementado de
suas perucas, algumas delas tão altas que ela tinha de se inclinar para passar
pelas portas. Isabeau não imaginava a rainha sendo mais bela que sua mãe,
ao menos, nessa noite. A roupa de baixo de Amandine estava cheia de tela
branca e seda enfeitada com pequeninos laços de cetim. O traje de noite que
ela havia escolhido para o baile dessa noite era da cor anil, como um céu de
verão ao entardecer. Os botões eram feitos de pérolas e os bordados de
prata, uma flor de lis31 rodeava o decote. O baile anual da Sra. Croix era
famoso em todo lugar; aristocratas viajavam de longe, inclusive de fora de
Paris, para assistir a ela. Em seus dez anos, Isabeau era muito jovem para se
integrar ao grupo, mas finalmente era suficientemente grande para, por
exemplo, se livrar da atenção de sua babá. Ela já havia encontrado um lugar
perfeito, dentro de um armário pintado com o olho de fechadura quebrado.
Ela poderia ver todos os finos trajes de noite, os broches de diamante e os 30Castelo em francês.
31A flor de lis (pré-AO 1990: flor-de-lis) é uma figura heráldica muito associada à monarquia francesa,
particularmente ligada com o rei da França. Ela permanece extra-oficialmente um símbolo da França, assim
como a águia napoleônica.
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cachorros com coleiras de ouro. Deu pequenos saltos, devido sua agitação. A
olhada que sua mão lhe dirigiu a fez, então, ficar quieta em um instante.
— Está muito bonita mamãe. — ela disse.
— Obrigada, chouette32. — Amandine sorriu para ela pelo espelho,
abotoando um colar com três fileiras de diamantes, pérolas e uma safira do
tamanho de um ovo de um pintarroxo33. Ela tomou um gole de vinho tinto,
secando seus lábios delicadamente com um guardanapo. — Acho que você é
mais bonita que a rainha e que nossa casa é melhor que Versalles. —
Amandine parecia divertida.
— Verdade que pensas assim, chouette?
— Todo mundo diz isso. — Isabeau assegurou-lhe com orgulho.
— Dizem que os nobres fazem xixi atrás das escadas, mamãe! Nós
nunca urinaríamos no piso. — Amandine riu. — Tem toda razão, Isabeau.
— Com exceção de Sabot. — ela se sentiu obrigada a admitir. — Mas é
só um cachorro.
A criada principal de Amandine tirou o traje de noite do cabide.
Madame Amandine se pôs de pé para que outra de suas criadas lhe
colocasse e abotoasse o corpete. O vestido deslizou por sua cabeça. Isabeau
se reclinou rapidamente para alçar a barra, assim ela não se prenderia na
borda da mesa. Era surpreendentemente pesada e ela se perguntou como
sua mãe podia suportar e se manter reta debaixo de tanto peso. Sua peruca
inclinou precariamente para um lado, logo ela a corrigiu com uma mão
muito cuidadosa.
— Francine. — disse. — Precisaremos de mais alfinetes.
— Sim Madame.
Quando a peruca foi presa novamente, Amandine virou para se
admirar no grande espelho móvel de corpo inteiro. — Oh, mamãe. —
sussurrou Isabeau. — Você é a mulher mais bela!
Quando fosse adulta, ia colocar cor em seus lábios e um pouco de cor
em suas bochechas assim como sua mãe.
32Coruja em francês.
33Pequeno pássaro da família do tentilhão. O pintarroxo comum vive na Europa e no norte da Ásia. Via de
regra, é castanho, com listras escuras no dorso.
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Amandine sorriu. — Lembro-me de ter visto a sua avó se preparando
para os bailes. — ela tratou de alcançar um pedaço de tecido da cor do seu
vestido. — Aqui, pequenina. Não vou precisar disso depois de tudo. Pode
guardá-lo.
Isabeau o pegou surpresa, mas ampliou seu sorriso. — Merci. — ela
passou o tecido em sua bochecha respeitosamente. Seguiu sua mãe por seu
quarto até que ela começou a descer a escada de mogno, ficando assim atrás
das criadas. Seu pai, Jean Paul St. Croix, esperava ao pé da escada. O duque
estava perfeitamente arrumado, desde sua peruca enrolada até as fivelas de
ouro que sustentavam seu sapato de salto.
— Ma Chere. — cumprimentou Amandine. — Espetacular como
sempre.
Isabeau manteve-se perto das criadas, escondendo-se atrás de uma
árvore que estava em um vaso, quando a abandonaram para cuidar de
outros afazeres. Ela correu para o salão de baile assim que pôde,
esquivando-se de todos os lacaios que carregavam jarras de vinho e
espumante e dos serventes que levavam canastras e vasilhas douradas de
frutas açucaradas. Ela entrou sigilosamente no armário, no qual usualmente
se armazenavam os mantimentos excedentes. Cada unidade havia sido
necessária para a mesa de Buffet no fundo da sala e o salão de jantar que
ficava na sala principal, de modo que o armário estava vazio. Ela encaixava
perfeitamente em seu interior, já que havia puxado seus joelhos contra o
peito. Deixou a porta aberta, só um pouquinho, já que era melhor ver por ali
do que pelo olho da fechadura.
Não passou muito tempo para que os primeiros convidados
chegassem. Ela só podia imaginar os bonitos coches subindo o caminho de
pedra calcário, puxados por magníficos cavalos com penachos em suas
crinas. Os lacaios atravessaram em toda velocidade o salão de baile,
acendendo as últimas velas e lamparinas. Os candelabros de cristal
brilhavam intensamente sobre as mesas, nas quais havia todo tipo de
delicias: morango, aves de maçarão, cascas de laranja açucaradas, ganso
assado, ostras, galinhos de lavanda, doces e chocolate com glacê. Isabeau
esfregou o estômago, o qual grunhia ao ver tantos pratos. Ela havia perdido
seu jantar, escondendo-se de sua babá. Mas esqueceu de sua fome no justo
momento que os convidados começaram a entrar através da porta. As
mulheres riam por trás de seus leques de renda pintada, os homens se
inclinavam em uma reverência com precisão bem definida. Ela podia sentir o
passar dos perfumes se misturando com o que estava sendo servido em
63
bandejas de prata. O champanhe fluiu como rios de primavera. A orquestra
começou a tocar e a música encheu todos os cantos, até o espaço escuro no
armário. Ela disse para si mesma que a música dos anjos deveria soar
daquela maneira, todo piano, harpa e a voz que pairava no ar, uma voz
etérea como a do cantor de ópera.
Seus pais se uniram à multidão assim que as mesas de jogos
começaram a encher. As cartas pintadas e as moedas mudavam de mãos. O
cachorro poodle de alguém grunhiu para o cantor. Isabeau sentiu que seu
estômago faminto voltava a reclamar avidamente e se perguntou se seria
capaz de fugir do seguro esconderijo. Se fosse apanhada não só seria
mandada direto para a cama, o que era muito mortificante, como também
nunca mais poderia usar o armário como esconderijo de novo. Ela mordeu
seu lábio inferior, pensando. Finalmente o cheiro de toda a comida chegou a
ser forte demais, uma tentação.
Abriu a porta alguns centímetros, esperando para ver se havia sido
descoberta. Um casal passou perto, entrelaçado. Fizeram uma pausa, se
beijaram apaixonadamente. Isabeau fez uma cara de nojo. O homem parecia
como se estivesse tratando de comer a cara da mulher. Não era uma visão
confortável. Ele deveria comer algo no jantar já que estava tão faminto.
Saiu imperceptível, caminhando depressa para se esconder atrás do
vestido da mulher. Seus alforjes eram notáveis a cada lado dela, ela era da
largura de três pessoas. Nem ela nem seu companheiro a notaram. Parecia
que estavam com dificuldade para respirar, como se tivessem corrido uma
maratona ao redor do jardim. Isabeau os deixou, dirigindo-se para as
grossas cortinas, saltando de uma janela para a outra. A maior parte dos
convidados ria alto demais, bebendo champanhe adornado com morangos e
pedindo dinheiro com grandes gritos nas mesas de jogo. Ninguém a notou.
Sentiu-se como se estivesse dentro de um caleidoscópio, com redemoinhos
de cores, sons e odores.
Acalmou-se um pouco e se alegrou com a relativa segurança das
mesas do Buffet. Ela rolou debaixo da primeira mesa que pode alcançar, bem
escondida atrás dos enfeites flutuantes brancos. Desse ângulo, o efeito do
espumante se mostrou nas marcas de arraste dos pés com sapatos finos e
também nas gotas de cera das velas que caiam no chão. Ela nunca tinha visto
tantas sapatilhas de seda e fivelas de prata em sua vida. Não podia esperar
para ser anfitriã de suas próprias festas, iguais à essa. Ela deslizou sua mão
até a parte superior da mesa que estava quase contra a parede, e pegou um
64
punhado sem ver. Havia esperado poder "colher" um cupcake34 ou uma
massa folheada recheada de creme. A ostra era grudenta e viscosa, apesar de
sua concha ser muito bonita. Talvez pudesse mantê-la em seu quarto e exibí-
la como um de seus tesouros: uma pedra com um buraco perfeito no centro,
um talho de lavanda seca e Sabot, seu cachorro.
O segundo punhado foi muito mais valioso que o risco de ser
descoberta. Os bolos eram leves e estavam untados com creme de
framboesa. As pontas dos seus dedos estavam tingidas de vermelho, como o
sangue. Pensou que seus dentes deveriam estar tingidos também e os deixou
descobertos como um animal sorrindo abertamente. Tinha que se lembrar
desse truque da próxima vez que brincasse com Joseph, um dos jovens
moços da quadra. Assustaria esse tonto e ela se vingaria da brincadeira que
ele havia pregado nela mês passado com esse balde de água fria.
Comeu até ficar cheia, sonolenta e com dor de estômago devido a
todos os doces. Encolheu-se em uma pequena bola e encostou suas
bochechas em suas mãos, como se fossem almofadas. Um dos cachorros a
cheirou e se recostou junto a ela, lambendo o que restava da cobertura de
framboesa em seus dedos. Um a um os pequenos cães a encontraram,
arrastando-se de baixo da mesa com seus colares de diamantes para lamber
sua cara e se acomodar entre os outros para dormir junto à ela. Sorrindo, ela
ficou ali dormindo debaixo de sua manta canina, abraçando o pedaço do
vestido de sua mãe.
34É um bolo pequeno projetado para servir uma pessoa, muitas vezes cozido em uma forma de papel pequena
e fina ou num copo de alumínio. Pode ser confeitado.
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Capítulo Sete
O Host conduziu-nos através da floresta em um ritmo confortável.
Estava tropeçando o suficiente para deixar um rastro de galhos quebrados e
sangue. Recuperou-se rapidamente e pelo tempo em que parou em uma
clareira na sombra, ainda havia cheiro de sangue, mas só muito vagamente.
Logan assentiu com a cabeça a um emaranhado de arbustos de amora-preta.
Os espinhos iriam rasgar e arranhar, mas oferecia a melhor proteção, todo o
resto eram samambaias plumosas e delicadas. Nós ficamos agachados em
silêncio, esperando. Tentei não me lembrar de como minha mãe tinha
amado tortas de amora mais que tudo, eu tentei não sentir os resíduos
desgastados da seda queimando em meu bolso. Rangi os dentes tão alto que
Logan me cutucou, franzindo a testa.
Atei-me firmemente ao presente, com foco na lama sob nossos pés, o
emaranhado de folhas, as flores brancas brilhando na beira do campo, o Host
em pé na grama alta.
O mármore brilhando e arabescos dourados do palácio de minha
juventude desapareceram lentamente. Empoeiradas uvas tornaram-se
amoras maduras, música de piano tornou-se o silêncio dos grilos
sensoreando predadores nas proximidades, campos de lavanda tornaram-se
uma floresta escura.
O Host não ficou sozinho por muito tempo, logo mais dois se juntaram
a ele na direção das fazendas dos Drake.
— Eles têm Nigel. — um deles cuspiu. Estava pálido o suficiente para
brilhar na luz do luar, como se tivesse sido coberto de pérolas esmagadas.
— Têm-me também. — aquele que tinha rastreado murmurou. —
Isabeau me apunhalou, a cadela. Rasgou a minha maldita camisa. Desde
quando as cortes têm filhotes Hound como suporte?
— Tudo está mudando, Jones. — o terceiro Host encolheu os ombros
de forma pragmática. — O presente de Montmartre foi entregue?
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— Na porta. — Jones confirmou. — Como solicitado.
Os lábios de Logan se separaram; suas presas salientes, mas não fez
nenhum barulho. Fiquei impressionada com seu controle. Eu tinha assumido
que os irmãos Drake eram muito selvagens; indisciplinados, sendo da família
real e tudo. Teria sido fácil esquecer-se de sua fina educação por terem sido
exilados da corte real desde que Solange nasceu e fortemente
desencorajados a participar há pelo menos um século antes. Todos eles
comportaram-se com certo charme e confiança.
Jones estava completamente curado e agora fazendo um buraco no
chão.
— Alguma palavra de Greyhaven?
O nome me bateu com tanta força que estremeci como se tivesse sido
atingida, então fiquei imóvel como um leão faminto espiando uma gazela.
Uma névoa vermelha cobriu meus olhos, como se eu olhasse através de uma
névoa de sangue. Se tivesse uma batida de coração, teria sido tão alta quanto
um martelo de ferreiro na sua bigorna. O tempo parecia andar para trás,
acelerar, e depois parar completamente.
— Ele está com Montmartre, esperando o momento certo.
— Nós esperamos por muito tempo, não é? — Jones resmungou.
— Ele quer que tudo seja perfeito neste momento. Sem surpresas.
O primeiro sorriu. — Bem, não para nós de qualquer maneira. Os
Drake ficarão muito surpresos.
Eu sabia que eles ainda estavam falando, mas suas palavras eram mal
registradas. Tudo o que eu ouvia era uma palavra. Greyhaven.
Greyhaven.
Meu crânio parecia um sino de igreja, tocando o mesmo som
repetidamente.
Assobiei, com a intenção de pular para fora dos arbustos, minha
vingança mais perto do que nunca tinha estado antes. Eles sabiam onde
estava Greyhaven, poderiam levar-me a ele, assim poderia matá-lo por me
assassinar.
Eu nunca saí da minha posição.
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Logan estava sobre mim, rápido como uma vespa. Sua mão apertou
minha boca, os olhos queimando um aviso em cima de mim. Ele estava perto
o suficiente para que eu pudesse tê-lo mordido, se não tivesse meus
maxilares travados juntos. Seu corpo prendendo o meu no chão. Ele era mais
forte do que eu tinha considerado, mas eu era mais rápida e poderia tê-lo
jogado em uma árvore mais próxima.
Somente a percepção de que estava prestes a nos entregar me fez
parar.
Mesmo Charlemagne era inteligente o suficiente para ficar quieto,
apesar de ele tremer com a necessidade de me proteger. Eu queria brigar
com Jones, com todos eles, mesmo que isso significasse perder a nossa única
vantagem tática: a mera sugestão do plano sussurrado por um grupo de
Hosts na floresta. Não era muito, mas era certamente mais do que nós
tínhamos tido no início da noite.
E eu não me importei. Teria jogado tudo isso fora por uma chance
com Greyhaven.
E Logan sabia.
Ele ficou onde estava, esticado como se estivesse me protegendo de
uma chuva de flechas de fogo, uma montanha desabando, um perigo
invisível. Mas o perigo não estava em qualquer lugar, mas dentro do meu
peito, dando voltas como um abutre.
Levou toda a força que consegui reunir para não arremessá-lo de cima
de mim. Forcei meu corpo para suavizar infinitesimalmente, moldando-me
no mato. Mesmo com essa pequena rendição, Logan não se mexeu. Seu
cheiro era forte: vinho, anis, um leve rastro de hortelã. Eu sabia que cheirava
a vinho escaldado e açúcar para ele. Kala me disse que eu cheirava sempre
assim, quando estava furiosa além da lógica.
A fúria fervendo na minha pele não o perturbou. Suas presas não se
retraíram, seu rosto ficou a poucos centímetros do meu. A maioria dos
vampiros se encolhia à alguma distância de uma serva Shamanka, quando
ela estava nesse estado. Logan estava muito ocupado ouvindo os outros se
acovardarem.
— Alguma notícia da velha guarda?
68
— Sim, a maioria dos fiéis à memória de Lady Natasha fugiu quando a
mulher Drake assassinou-a, mas alguns ficaram para trás para um ataque
mais sutil. Vão se juntar a nós quando for a hora.
— Ótimo. Vamos dar o fora daqui. Os meninos Drake provavelmente
ainda estão à nossa procura.
Os Hosts se foram entre as árvores, em direção à montanha.
Logan ficou onde estava e nos olhamos por um momento, muito
estranho. Nas sombras, seus olhos eram da cor limão com açúcar.
Encantador e perturbador, mas não tão perturbadores para mim. Quando os
nossos inimigos estavam longe o suficiente, eu soltei-o de mim com um
safanão violento.
Levantei-me em uma curva, ofegante. Meu corpo podia não precisar
de ar, mas a respiração continuou sendo um hábito, especialmente em
momentos de estresse. Logan bateu no tronco de uma bétula e girou no ar
para a terra sobre a ponta de seu pé direito diante de mim. Ambos
abaixamos, presas a mostra, músculos tensos para o ataque.
Poderíamos ter ficado lá pelo resto da noite, se não fosse por
Charlemagne, que choramingou uma vez, confuso. Era como se uma chama
fosse apagada.
Logan se levantou, toda a graça selvagem e um sorriso irônico. Ele
parecia mais confortável e bonito como um convidado em um dos bailes dos
meus pais, mesmo sem camisa. Eu ainda estava ofegante, quase enjoada do
redemoinho de emoções inundando meu estômago: a antecipação, raiva,
arrependimento, humilhação. O vestido da minha mãe, Greyhaven. Era quase
demais. Eu parei devagar, como uma mulher velha. Charlemagne pressionou
seu nariz frio na palma da minha mão para maior conforto e eu não tinha
certeza se precisávamos de mais conforto.
— Você está bem? — Logan perguntou baixinho.
Concordei com a cabeça irregularmente. — Eu sinto muito. — eu
estava acostumada a ser elogiada por meu foco e controle.
— O que aconteceu? Você conhece esse cara, Greyhaven?
— Oui.
Seus olhos se estreitaram em meu rosto. — Quem é ele? O que ele fez
para você?
69
— O que faz você pensar que ele fez alguma coisa? — saí da moita de
amora, farejando o ar por qualquer vestígio de Host. Estávamos sozinhos.
A expressão de Logan era sombria. — Isabeau, eu vi o olhar no seu
rosto.
Dei de ombros. — Estou bem agora. Devemos voltar.
Virei-me para voltar por entre as árvores, mas ele segurou meu braço.
— Você quase se perdeu lá atrás.
Enrijeci. Não se fazia mais agradável que ele estivesse certo. — Mas
não me perdi.
— Da próxima vez, você poderia colocar em perigo a minha irmã com
o seu temperamento.
Engoli uma réplica quente. — Isso não vai acontecer novamente.
— Eu sei. — ele suspirou, deixando cair a sua mão. Por alguma razão
indiscernível, senti sua ausência. Era como se eu estivesse fria agora, e eu
nunca tenho frio.
Eu não sabia o que era isso com Logan, que me afobava assim. Eu teria
que encontrar uma maneira de ficar longe dele. Ele claramente não era bom
para mim.
— Posso ver que não está em sua natureza se entregar assim. Você
poderia me dizer o que ele fez para você, afinal? Por favor?
Eu levantei meu queixo, recusando a ser merecedora de pena.
— Ele é quem me transformou e me deixou em um caixão debaixo do
solo por dois séculos.
Não falamos novamente no nosso caminho de volta para a fazenda.
Enquanto as missões diplomáticas iam, a minha já era um desastre. Eu
ataquei um amigo da família, tinha sido dopada com Hypnos e quase
enlouqueci com fúria— tudo em uma noite.
Não me admira que esteja tão exausta.
Nós mal tínhamos andado por meia hora, mas tudo isso parecia dias.
Os irmãos de Logan estavam todos vestidos e sentados em círculo ao redor
de um pacote embrulhado na sala.
70
Solange estava franzindo as sobrancelhas para ele, tocando os dedos
sobre os joelhos.
Lucy estava dormindo no sofá, a cabeça apoiada sobre a perna de
Nicholas. Ele tinha um cobertor de lã estendido sobre ela que parecia
pequena e indefesa em um quarto de predadores que não podiam evitar em
escutar a tentação dos seus batimentos cardíacos. Ela adormeceu
absolutamente confiante.
— Você encontrou algum deles? — Quinn rosnou.
— Sim, seguimos um, graças a Isabeau — Logan respondeu cansado,
caindo para sentar em uma cadeira.
— E?
— E temos informações mínimas e nada que já não tivéssemos
adivinhado: traidores e ataques, surpresa.
— Não posso acreditar que o bastardo passou por nossas defesas. —
Quinn continuou a fervilhar. Pôs-se de pé e rondava a sala, sua agitação
acordando Lucy. Piscou com olhos turvos para ele, então para Logan e para
mim.
— Você está de volta. — ela bocejou, olhou para Solange. — Pare de
olhar para ele tão arduamente, vai conseguir uma enxaqueca. — Solange
piscou virando seu olhar para longe com esforço visível, voltando-se para
mim.
— É seguro abri-lo? Quero dizer, Bruno scaneou e tudo, por isso
sabemos que não é uma bomba ou antraz ou qualquer outra coisa, mas ainda
assim.
— O que você acha?
— Eu sempre prefiro saber com o que estou lidando. — eu disse.
Logan gemeu. — Você teria aberto a bomba o tempo todo, mesmo que
ela estivesse fazendo tique-taque para você.
Eu não estava inteiramente certa com o que ele quis dizer. Eu ainda
estava me acostumando com a língua moderna do país, e inglesa, mas
Solange assentiu fervorosamente para mim. — Exatamente. Esses caras só
querem que eu brinque de Branca de Neve cantando em sua pequena casa,
enquanto eles fazem todo o trabalho.
71
Lucy bufou. — Branca de Neve e os Sete Anões. Você poderia dar a
Disney uma ideia para fazer dinheiro.
Nicholas cutucou minhas costelas. — Eu não sou um anão cantor!
— Não, você é um idiota. Não estava prestando atenção? — ela sorriu
e beijou-o rapidamente.
— Vou abrir. — Solange anunciou de repente, pegando o pacote.
Cada um de seus irmãos começou a falar ao mesmo tempo,
expressando a mesma variação de base em dois temas: — Deixe-me! E —
Não!
E ela ignorou e rasgou o papel em seu lugar. A caixa de baixo era de
papelão branco simples, o tipo de transporte para bolos. Ela mordeu o lábio,
parando brevemente.
Nicholas estendeu para tomá-la e ela deu um tapa em sua mão sem
nem mesmo olhar para ele. Ela levantou a tampa, ligeiramente inclinada
para trás, como se esperasse algo pular para fora dela, como um malvado
jack-dentro-da-caixa35. Os irmãos fizeram o oposto e todos se inclinaram
mais perto. Depois ficaram imóveis, como só vampiros poderiam,
preparados para o ataque, preparados para qualquer coisa exceto para o que
estava realmente na caixa.
Lucy estremeceu. — Vocês estão me assustando. Parem com isso.
— Só isso? — Solange perguntou, finalmente quebrando o suspense.
No centro da caixa estava uma almofada de veludo vermelho exibindo um
pequeno caroço envolvido em linha vermelha. Tinha um cheiro forte de água
de rosas e canela. Meu nariz coçava. — O que é isso? — ela perguntou.
Eu sabia exatamente o que era.
— Isabeau? — Logan se virou para olhar para mim. Gostaria de saber
o que o fez tão sensível aos meus humores.
— É um feitiço de amor. — eu disse categoricamente.
— O quê? — Solange recuou. — Eca. Deus. Será que essas coisas ainda
funcionam?
— Às vezes.
35 Brinquedo infantil. Uma caixa de dar corda de onde um palhaço salta.
72
Seus olhos se arregalaram. — Sério? — levantou-se para pôr mais
distância entre ela e a caixa. — Por que ele não me deixa? Eu pensei que isso
iria finalmente parar depois do meu aniversário.
— Ele não parará, nunca. — eu disse. Como uma Hound, eu conhecia
Montmartre e seus Host melhor do que ninguém. — Ele tem a paciência de
uma cobra e é isso que o torna tão perigoso, mais do que sua crueldade,sua
força ou seu egoísmo.
— Ele nunca vai entender isso, que não quero ser Rainha e com
certeza não quero me casar com ele?
— Não. — respondi com sinceridade. — A não ser que você diga a ele
com a ajuda de uma estaca no coração.
Ela estava pressionando as costas contra a parede mais distante, um
pouco mais distante e ela estaria saindo através da janela e no jardim. —
Um, é a minha imaginação, ou eu realmente me sinto engraçada?
— É possível. — levantei-me, farejando o encanto. — É muito forte.
Essas são duas sementes de maçã envolvidas na linha vermelha e uma
mecha de seu cabelo. Ele deve ter conseguido isso naquela noite em que o
detivemos nas cavernas. E isso é um coração de beija-flor, está todo
perfurado.
— O que nós fazemos? — o branco dos olhos dela estava aparecendo
agora, como um cavalo selvagem.
— Não entre em pânico. — Lucy disse suavemente. — E o que há com
vocês e os corações nojentos?
— Lucy, eu não odeio ele neste momento! Não como eu deveria!
— Eu vou odiá-lo o suficiente por nós duas, até resolvermos isso. —
ela prometeu severamente.
— Vamos queimá-lo. — Quinn disse, pegando a caixa e jogando em
direção ao fogo o diminuto coração.
— Não! — gritei, saltando para pegá-lo antes que ele caísse. O encanto
estava preso ao travesseiro do coração, que eu peguei no ar. A caixa
desembarcou na brasa e pegou fogo quase que instantaneamente. Luz
queimava a sala. Todos olharam para mim. — O fogo só o fará mais forte. —
eu expliquei. — O fogo é paixão.
73
— E sobre a água? — Lucy perguntou. — Minha mãe sempre molhava
as coisas na água para purificar, limpar ou algo assim. Ela canta nua no
bosque também.
Logan inclinou a cabeça, considerando36. Eu o ignorei; grata pelos
vampiros não corarem facilmente. — Não, água também não. — eu disse
friamente. — Isso alimentará a emoção amarrada no feitiço: amor.
Solange engoliu em seco. — Podemos fazer algo rápido? Por favor?
— Preciso de sal. — eu disse. — Duas sacolas térmicas, gelo, e linha
branca.
Logan desapareceu e voltou dentro de momentos com o meu material.
— Tem certeza que você sabe o que fazer? — Connor perguntou em
dúvida. — Talvez devêssemos perguntar, fazer mais algumas pesquisas? Eu
poderia procurar online.
— Eu sei o que fazer. Isto é o que significa ser uma serva CWN
Mamau.
— Pensei que isso era sobre chutar o traseiro dos Host.
— Isso também. — eu meio que sorri. — Somos mágicas tanto quanto
somos aberrações e mutação genética. — joguei sal em ambas as bolsas
térmicas. — Certamente, você percebeu o quanto?
— Eu..., acho.
Eu me senti mal por eles, por ter tanto conhecimento e tão pouco
instinto. Magda tinha me dito vezes suficientes que a magia e a oração não
são invocadas no presente século. Parecia um desperdício de ferramentas
para mim. Qualquer um que já tenha visto o trabalho de Kala e sua magia
nunca pensaria de outra forma. Eu não tinha nem perto sua experiência, mas
sabia que poderia lidar com um encanto, mesmo um comprado por
Montmartre. E não havia dúvidas de que ele tinha comprado de uma bruxa,
ninguém mais seria capaz de fazer estes pedaços de corda e cortar uma
maçã desta forma.
— E agora? — Logan perguntou.
A mecha de cabelo de Solange era longa, envolvida e amarrada na
linha vermelha. Eu trabalhei para tirar isso fora com cuidado, puxando
36Logan estava imaginando Isabeau dançando nua no bosque para purificar o feitiço.
74
delicadamente, pacientemente desembrulhando, mesmo quando Quinn
chegou a ficar atrás de mim carrancudo. Logan o cutucou para dar um passo
para trás.
Libertei o cabelo e o coloquei entre dois cubos de gelo. Amarrei-os no
lugar com o fio branco. — Isso irá protegê-la. — murmurei a Solange,
concentrando-me em sentir a magia, como tinha sido ensinada. Imaginei o
segmento tão impenetrável como um escudo, tão forte e afiado como uma
espada, tão implacável como o inverno. — O branco representa proteção e
purificação.
Solange assentiu. — Tudo bem. Use o carretel todo, você poderia?
Quinn rosnou. — Rápido.
Deixei os cubos de gelo em uma das bolsas e selei. Enterrei as
sementes da maçã, o fio da trama vermelha e coração do beija-flor com sal
na segunda bolsa e acrescentei uma camada de cubos de gelo até o topo.
Fechei essa também.
— Eles precisam ser congelados.
Várias mãos esticaram em minha direção. Solange foi mais rápida,
embora pálida e tensa em volta da boca. — Eu vou fazer isso. — ela disse,
seu tom duro, que não admitia discussão.
Ela saiu e a podíamos ouvir resmungar e a bater a porta da geladeira.
Forte.
— Em três dias coloque-o em uma jarra de vinho azedo e sal e
enterre-o em uma encruzilhada. — eu a aconselhei quando ela voltou. — E
não deixe ninguém ver você fazer isso.
— Posso cuspir nele?
— Por todos os meios.
— Obrigada, Isabeau. Esta é a segunda vez que esteve entre mim e
esse traseiro de cavalo.
— De rien37. — bocejei.
37 De nada em francês.
75
Não tinha notado o amanhecer na nossa concentração. Estava exausta
antes do trabalho com o encanto, agora estava além da fadiga, embora ainda
satisfeita por ter me resgatado do meu erro mais cedo na floresta.
Os outros não estavam se saindo melhor, jovens o suficiente para não
ser capazes de lutar contra a letargia que vinha com o nascer do sol. Eu me
senti fraca como a água, me amassando para deitar no tapete. Charlemagne
se enrolou na minha cabeça para proteger o meu sono. Vi Logan bocejar
também e esticar-se no tapete ao meu lado.
Nicholas estava encostado no sofá, Connor caiu desconfortavelmente
em uma cadeira próxima.
Só Marcus conseguiu se arrastar para cima, mas não tinha ideia se ele
tinha chegado a seu quarto. Estava consciente somente o tempo suficiente
para ouvir Lucy resmungar.
— Vampiros, claro que são a vida da festa.
76
Capítulo Oito
Eu não sabia se outros vampiros tinham pesadelos, mas o meu
sempre vinha nesse nebuloso lugar entre o sonho morto e a súbita vigília.
Era o mesmo sonho todo o tempo.
Havia passado uma semana inteira desde a última vez que o havia
tido, o mais longo período passado. Nunca havia dito a ninguém, ainda que
estivesse bastante certa de que Kala suspeitasse. Ela me encontrou uma vez
metida no laço do medo, com olhos muito abertos e lamuriosos, uma
multidão de cachorros me lambendo no rosto e tentando conseguir me
mover. Agora eu era forte o suficiente para me arrancar do sonho, até
mesmo antes que o crepúsculo o fizesse.
Ainda que não me recordasse todo aquele tempo presa sob a terra, o
sonho era sempre o mesmo. Estava dentro do caixão forrado em cetim
branco, com o tecido sujo e com insetos rastejando. A terra desmoronava
através das frestas da madeira e as raízes pendiam como cabelo. Vestia o
traje de noite, de seda, que havia vestido na festa de Natal do meu tio, mas
não o colar que ele havia feito a partir da faixa do vestido de minha mãe. Isso
era tão preocupante quando ser sepultada viva, usava esse pedacinho de flor
de lis de cor anil comigo por todas as partes, inclusive nos becos de Paris.
Vasculhei o caixão e chutei com meus pés até meus calcanhares
estarem machucados, mas não podia encontrar o caminho para fora. Nem
sequer sabia se jazia em um cemitério Londrino ou se estava na França. Não
podia cheirar nada exceto barro, chuva e a escuridão que deveria ser
completa, parecia menos do que deveria. Não podia ver claramente, claro,
mas podia perceber a estranha raiz, um talo branco de cherovia38 e o voo de
besouros de cor azul.
38 Raíz que se usa como hortaliça.
77
Gritei até que saboreei o sangue no fundo de minha garganta e mesmo
assim, ninguém me ouviu.
E não tive fome, nem sequer uma vez.
A sede, no entanto, era enlouquecedora. Arranhava em mim como
uma besta desesperada e em chamas, raspava através de minha garganta,
queimando todo o caminho até abaixo, dentro de minha barriga. Minhas
veias estavam secas em meus braços. Estava para lá de fraca, para lá de viva,
para lá de morta. Neste momento de lucidez, senti a ferida de dentes afiados
em meu pescoço, senti uma boca sugando ali até que estivesse branca como
uma boneca de trapo. E então, o mínimo sabor de sangue enlameando meus
lábios, o qual me fez silenciar, ou teria se houvesse tido a força. E o saboreei
como o vinho que Greyhaven havia me dado.
Greyhaven.
Ele os deixou me enterrar, mesmo sabendo que havia tomado
bastante de meu sangue para me corromper muito além do que qualquer
morte humana normal.
Greyhaven.
Não forte o suficiente para arranhar até sair da terra, nem sequer
havia notado que era o que significada que eu devia fazer. Tudo parecia
como algum acidente horrível, algo tirado de uma história gótica. A terra
enchia minha boca, os vermes rodeavam meus pulsos como braceletes, as
formigas caminhavam por meu cabelo.
Greyhaven.
E os cachorros uivando, arfando, cavando com suas garras.
Aí é quando eu acordo; todas as vezes.
Os cachorros eram suficientemente reais; tinham sido os que haviam
me encontrado e me tirado, mesmo antes que Kala tivesse encontrado o
túmulo certo no Cemitério Highgate.
E o nome de Greyhaven foi meu primeiro pensamento, ainda era meu
primeiro pensamento quando acordava deste pesadelo.
O nariz de Charlemagne levantou meu rosto quando deixei de
choramingar. Odiava esse som, odiava que ele esperasse até que estivesse
suficientemente consciente para controlá-lo.
78
Estava em uma cama, alguém deve ter colocado todos para fora da
sala de estar. As persianas de madeira estavam aparafusadas firmemente
através das janelas. Saí da cama e me arrastei até a geladeira, puxando a
porta aberta. A luz feriu meus olhos e tateei às cegas por uma garrafa de
vidro cheia de sangue, a sede era mais aguda durante a noite, tão aguda que
havia treinado Charlemagne para se defender de mim se eu dissesse uma
determinada palavra. A fome não era facilmente dominada em nossas
primeiras noites. Ainda me fazia engolir o sangue avidamente, da forma em
que uma criança comeria um bolo, mas eu havia me detido energicamente,
ao me preocupar pela segurança de Charlemagne. Esta seria a mesma razão
que Lucy havia resmungado mais cedo sobre ser movida para um quarto de
hospedes com um ferrolho de segurança dupla por dentro e um botão de
alarme conectado a Bruno, o chefe de detalhes de segurança dos Drake. Os
vampiros recém-transformados tinham pouco controle sobre eles mesmos
ao acordar.
Quando tinha bebido sangue suficiente para tê-lo gotejando em minha
barriga, alisei a túnica do meu vestido e deixei a relativa segurança de meu
quarto. Solange e seus irmãos ainda dormiriam uma hora mais, assim, fiz
meu caminho escadas abaixo para deixar Charlemagne ir para fora e eu
vigiar o cachorro.
— Isabeau.
Parei ante a voz desconhecida. A silhueta de uma mulher estava de pé
contra uma alta janela levantada na biblioteca que dava para o jardim. O
rosado da luz do sol caía no quarto. Eu havia esquecido que os vidros na casa
estavam especialmente tratados, as persianas de madeira nos dormitórios
deviam ser para agregar mais segurança e comodidade aos hospedes
vampiros. Certamente eu não teria confiado em uma janela de vidro e
cortinas de encaixe.
A mulher virou seu rosto escurecido atrás de um véu negro fixado no
chapéu de veludo pousado sobre sua cabeça. Ela vestia um antiquado
vestido sobre um espartilho e luvas sem dedos.
— Você é Hyacinth Drake? — perguntei cordialmente imobilizada em
meu lugar. Havia ouvido Connor e Quinn falando dela. Ela era sua tia e tinha
sido ferida por um caçador Helios-Ra. A água benta que usavam, recarregada
com raios UV, tinha queimado seu rosto. Não tinha sarado ainda e ninguém
estava certo se o faria. As cicatrizes eram raras em um vampiro, mas
certamente eram possíveis. Meus braços nus eram prova suficiente disso.
79
— Sim. Eu sou. Enchantee39. — ela deu uma olhada nas cicatrizes
sobre meus braços, depois se virou de volta para a janela. Foi aí que percebi
que ela tinha estado observando Lucy correndo pelo jardim com o cachorro,
que estava latindo com histérico regozijo. O sorriso de Lucy era quase tão
ruidoso. Charlemagne deixou ansiosos traços de nariz sobre a porta de
vidro, então me olhou pateticamente.
— Vá. — murmurei, deixando-o sair para unir-se ao alvoroço. O
cachorro deu voltas no ar por sua excitação. Lucy riu mais alto.
— Tuas cicatrizes não te incomodam. — ela disse. Não era uma
pergunta, era mais uma plena declaração. Encolhi os ombros.
— Não realmente. — as meia luas e círculos desconexos deixados por
dentes afiados, tinham clareado pela brilhante pele pálida, como
madrepérola. — Carrego estas orgulhosamente. — toquei as cicatrizes
perfuradas sobre minha garganta. — Estas eu gostaria de queimar se
pudesse. — já que queimá-las não ajudaria, Kala tinha tatuado esse lado de
meu pescoço com uma flor de lis.
— Eu fui bonita há muito tempo. — ela murmurou.
— Ainda é bonita. — eu disse francamente.
— A pena não é de você, Isabeau. — ela disse e podia ouvir o baixo
sorriso em sua voz. — Acho isso muito reconfortante.
— Minha gente mede a beleza em como você pode caçar em silêncio.
— expliquei. — E por quão bem treina um cão ou com que rapidez você
corre. Temos provas para testarmos a nós mesmos, sermos dignos e
nenhuma delas tem algo a ver com a cor de nosso cabelo ou o formato de
nosso nariz.
— Então quem sabe, eu deveria fugir para viver nas cavernas depois
de tudo. — seu tom mudou, a ironia mostrava a dor. — Mas eu amo tanto
minhas comodidades de criatura.
Lucy estava arquejando no pátio, limpando o suor de seu rosto. Os
cachorros corriam ao redor dela como um carrossel. Quando ela vinha para
casa, Hyacinth retrocedeu imediatamente.
— Foi um prazer te conhecer. — ela me disse, antes de desaparecer
nas profundidades da casa. 39Encantada em francês.
80
— Isabeau, já está acordada. — Lucy exclamou, sobressaltada. A porta
do jardim se fechou atrás dela. Ela trouxe os aromas da chuva de verão,
folhas e sangue fresco bombeando sob a pele. Cerrei meus dentes. — Nem
sequer está completamente escuro ainda. — ela continuou
descuidadamente. Os cachorros acomodaram-se a seus pés.
— Às vezes, acordo cedo. — eu disse. Não tinha intenção de
compartilhar minhas debilidades e a violência de meus pesadelos. Como
Hyacinth, não podia tolerar a pena.
Charlemagne me bloqueou repentinamente ao som da porta principal
se abrindo e fechando. Retesei-me. Lucy inclinou-se para trás.
— Wow, você dá medo quando faz isso com seu rosto.
— Coloque-se atrás de mim.
— Os outros cachorros não estão latindo. — ela disse quietamente. —
Não acho que haja algo com que se preocupar. — um homem calvo e tatuado
em uma jaqueta de couro entrou com passo firme no cômodo, sua mandíbula
fixada sombriamente. Senti sua postura suavizar-se imediatamente. —
Bruno.
— Lassie40. — ele encontrou meus olhos. — Quero falar com você.
— Bruno é o chefe de segurança. — Lucy explicou.
— Mas você é..., humano.
— Sim. Os caçadores gostam do dia com a maioria dos vampiros
dormindo ao redor, esperando ser estacados. Iguala a briga. — mesmo que
discordando com sua expressão, seu sotaque Escocês me tranquilizou; os
Franceses e os Escoceses geralmente tinham sido aliados. E entendi sua
desconcertante frustração. Seu coração estava praticamente atingido com
exasperação. — Temos a melhor segurança, equiparada com a de
presidentes e reis, quero saber porque em uma semana sangrenta, uma
facção de vampiros e uma unidade de canalhas Helios-Ra, ambos tem dado
um grande passo. Isto é ridiculamente sangrento.
— A Montmartre não importa se seus Hosts morram. É considerada
uma honra, uma prova de lealdade. — disse-lhe. — Deduzo que levaria a mal
se sua gente morresse.
40No original Lassie é um termo originário da Escócia, significa menina ou senhorita, mas as vezes é
considerado como um termo ofensivo.
81
— Sim.
— Montmartre apenas faz mais Host. E ontem à noite enviaram
quatro com a finalidade de que somente um deles atravessasse a porta
principal. Se atacassem de imediato, não sei se poderiam pegar você de
surpresa.
Ele suspirou. — Aí você tem razão, Lassie. Estava esperando uma
grande quantidade de violência, não algum presente ijit41. — ele sacudiu a
cabeça. — Ainda assim, não é desculpa. — ele desenrolou desenhos azuis da
fazenda e do composto de mil acres dos Drake com outros edifícios sortidos.
— Mostre-me o ponto fraco, poderia?
Passei os olhos pelos desenhos, combinando-os com o que eu sabia da
topografia circundante. — Eles teriam se movido de uma copa de árvore à
outra. É mais lento, mas mais sigiloso.
— Eles vieram de cima. — ele exalou.
Bruno estava preso em si mesmo quando Solange e seus irmãos
começaram a se mover e se arrastar escadas abaixo.
— Você está pronta? — Logan me perguntou.
Eu assenti. Lucy fez careta para Nicholas. Ele levantou suas mãos
defensivamente.
— Não é minha culpa. — ele insistiu. — Mamãe e papai pensam que
você deve permanecer fora da Corte até depois da coroação.
— Isso é tão injusto. — Lucy disse. — Não é como se não tenha estado
ali.
— Wow, você estava sequestrada por uma malvada Rainha vampiro.
Alo? Não é exatamente um ponto ao seu favor.
— Quando meus pais voltarem para casa na próxima semana, vou
obrigar meu pai a me ensinar a montar sua motocicleta e então já não
precisarei de carona em sua bicicleta fedorenta.
Nicholas sorriu zombeteiramente. — Você acredita que seu pai vai te
deixar pilotar pelo bosque para ficar com um monte de vampiros em uma
caverna?
41Termo escocês que significa idiota.
82
— Ele me deixa ficar com você.
— Porque eu não sou a má influência nesta relação.
Ela pareceu suavizar-se um pouco pela palavra, “relação”. Então
imediatamente endireitou sua coluna vertebral.
— Ainda estou irritada. — Lucy resmungou para ele.
— Você está tão linda também. — ele respondeu; imperturbável. Ele
se encostou a ela e a beijou até que ela estivesse quase estrábica.
Connor tossiu.
— Cara, vai para um quarto.
Nicholas se afastou, sorrindo.
— São sempre dessa maneira? — eu perguntei a Logan quanto
deixávamos a fazenda.
— Você deveria tê-los visto antes que decidissem se gostavam um do
outro.
Era consideravelmente mais fácil ter acesso às Cortes Reais desta vez.
A presença de cinco dos irmãos Drake suavizava o caminho, mesmo que não
apagasse completamente os curiosos ou furiosos olhares suspeitos e
desgostosos. Não me incomodavam, mas notei que Logan estava olhando
com fúria para cada vampiro solteiro que se atrevia, até mesmo a pestanejar
em meu caminho. Era de alguma forma doce, desnecessário. Ele estava perto
o suficiente para que seu braço roçasse no meu.
— Isabeau! — Magda saiu rapidamente de trás de um grupo de
árvores nuas de bétulas em vasos de ouro. Estava vestindo umas anáguas
rosa sob uma antiquada saia cor creme. Ela enfiou seu braço no meu, dando
uma cotovelada em Logan para longe de mim com um silvo. Magda não sabia
dividir. Logan não devolveu o silvo, ele era muito bem educado para isso,
mas, me olhou como se o estivesse considerando. — Está tudo bem? —
83
Magda perguntou, olhando furiosamente para cada um dos irmãos. Quinn
sorriu de forma satisfeita para ela. Ela franziu o cenho mais ferozmente. —
Eles não te injetaram Hypnos outra vez, certo?
— Não, é lógico que não.
Os cortesões se moviam para fora de nosso caminho enquanto
atravessávamos o vestíbulo principal, onde eles haviam trabalhado duro.
Desde a noite anterior, o trono quebrado de couro, que pertenceu a última
Rainha, tinha sido tirado. Havia menos espelhos também, assim não parecia
como se a multidão fosse duas vezes mais do que seu tamanho real. Eu já me
sentia melhor.
— Como foi por aqui? — perguntei-lhe baixinho.
— Bem, eu acho, Finn está em sua glória. De fato ele disse três orações
completas seguidas.
Tive que sorrir com isso. Os longos silêncios de Finn eram
legendários. — Isso é praticamente um monólogo.
— Eu sei. — ela franziu o cenho para um jovem vampiro que ficou
olhando e não saiu do seu caminho rápido o suficiente. — Sinto como se
fossemos algum tipo de show de circo. Alguns garotos pediram para ver
minhas presas. Você pode acreditar nisso? E ele me perguntou se não
pintávamos a nós mesmas, com barro.
Quinn riu baixo atrás de nós. — Isso se chama paquerar.
Ela o ignorou; mesmo sendo de má educação ignorar aos filhos de seu
anfitrião quando estava em uma visita diplomática. Era de pior educação
atacar o namorado de sua filha, portanto, eu não estava em posição de
criticar. Não obstante, me perguntei outra vez, porque Kala havia me
enviado.
Todos, com exceção de Logan e Magda, se afastaram para suas
próprias tarefas. Passamos por vários quartos, cada um mais decadente que
o último. Um estava decorado em seda vermelha e veludo com douradas
pinturas emolduradas na parede. Logan fez uma careta.
— Os gostos de Lady Natasha não eram exatamente sutis. — ele disse.
— Mas conservamos as pinturas e começamos a juntar novas. Eles são uma
linhagem de antigos Reis, Rainhas e o que seja.
84
Havia dezenas de retratos, emoldurados e sem molduras, a maioria
era a óleo, mas alguns eram de aquarela e desenhos em tinta. Havia umas
quantas fotografias próximas do final da linha. Era como estar em um
museu. Reconhecia algumas das casas pelas lendas e historias que Kala nos
havia contado: A família Amrita, a família Joiik, Sebastian Cowan, quem havia
amado um caçador no século dezenove.
— Essa é Veronique DuBois, nossa matriarca. — Logan apontou para
uma pequena pintura de uma mulher que parecia muito digna em um
vestido medieval e uma touca.
— Finn está desenhando um de Kala. — Magda acrescentou
orgulhosamente, para não ser superada.
Mas eu já não estava ouvindo.
No final da fileira abaixo, estava uma pintura a óleo sem moldura, de
um rosto familiar. Eu conhecia o curto cabelo preto, os pálidos olhos cinza, o
sorriso presunçoso.
Philip Marshall, Conde de Greyhaven.
Dei um passo para mais perto, sentindo-me distante de todos. exceto
desse rosto, como se estivesse sob a água. A pintura ainda estava úmida em
um canto, brilhando umidamente. Este retrato tinha sido feito recentemente,
pendurado antes que estivesse completamente seco.
Não sabia o que pensar disso. Senti meus lábios levantar minhas
presas esticadas, senti um grunhido ecoar em meu peito. No principio pensei
que fosse Charlemagne. Levei um momento para perceber que o doloroso
som vinha de mim. Fechei minhas mãos em punhos, desejando não explodir.
— Isabeau? — Logan deu um passo para mais perto, preocupado. — O
que é?
Magda se insinuou entre nós, empurrando Logan ferozmente para
fora do caminho. — Eu me ocuparei dela. — disse-lhe sombriamente,
colocando uma mão reconfortante sobre meu ombro.
— Estou bem. — murmurei, mal reconhecendo minha própria voz.
Estava rouca, mas suave como a água. Forcei-me a dar as costas ao muro de
retratos, mesmo que sentisse os olhos pintados de Greyhaven perfurando
atrás de meu pescoço. Eu precisava de tempo para pensar. Era óbvio para
mim, mesmo sem o quente formigamento dos amuletos em torno de minha
garganta, que alguma coisa estava acontecendo.
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— Vamos. — eu disse, recusando me encontrar com qualquer que um
de seus olhares.
86
Capítulo Nove
Conduzi Isabeau para a antecâmara que meus pais tinham reservado
para as reuniões particulares. Ela parecia pálida, seus dedos pressionavam
os pelos cinza de seu cachorro, como se estivesse procurando algum
conforto. Acho que ela nem sequer sabia que o estava fazendo. Mas eu sim
havia percebido. Algo na galeria de retratos a tinha assustado. Mas eu sabia
que mesmo que perguntasse muitas vezes, ela não me responderia.
Portanto, apenas esperaria pelo momento oportuno.
Por hora, era suficiente me ocupar da imagem de Solange trocando
caricias com Kieran em um canto escuro da sala, onde pensaram que
ninguém poderia vê-los. Entre Solange e seu caçador e Nicholas beijando
Lucy, Isabeau ia pensar que não fazíamos nada além de acariciar e paquerar.
O que parecia muito bom para mim, mas acho que a ela não
interessava. — Oh, amigo... — murmurei enquanto a mão de Kieran passava
por debaixo da bainha da blusa de Solange. O gesso branco em seu braço era
notavelmente forte contra suas roupas pretas. O fato de que tinha um de
seus braços machucado por Solange era a única razão pela qual ele
atualmente não estava se jogando diretamente sobre ela. —... Essa é minha
irmã.
Solange apareceu por sobre o ombro de Kieran. — Vá Logan. Só está
com ciúmes porque não tem ninguém para beijar. Olá Isabeau.
Eu poderia matá-la. Estava se vingando por meu comentário de
“Princesa”, na noite anterior. E Isabeau se assustaria mais fácil do que uma
fêmea de cervo na temporada de caça se pensasse, por um segundo, que eu
queria sentir seus lábios sob os meus. Entrecerrei meus olhos como aviso
para Solange. — Você não deveria estar na reunião?
Kieran se afastou, limpando-se e se arrumando um pouco com
discrição. Não gostei do ritmo dos batimentos de seu coração, ou a direção
em que seu sangue fluía. — Tenho que esperar Hunter. — ele disse. — Esta é
87
a sua primeira vez em território vampiro e eu prometi que não entraria sem
ela.
Solange lhe beijou mais uma vez, simplesmente para me irritar e
depois foi para a antecâmara.
— Pedi um gato para mamãe e papai. — murmurei em suas costas. Ela
me lançou um sorriso sobre seu ombro, ao me ouvir perfeitamente, como eu
havia previsto. Devolvi-lhe o sorriso.
— Os Helios-Ra realmente estão permitidos nas cavernas Reais. —
Isabeau murmurou enquanto caminhávamos atrás de Solange. Ela e Kieran
deram-se um grande abraço.
— É uma loucura. — Magda negou com a cabeça.
Encolhi um ombro. — Meus pais querem fazer as coisas de forma
diferente. Papai é bom com os tratados.
— E sua mãe? — Isabeau perguntou.
— Ela é boa fazendo os homens adultos chorarem. — respondi-lhe
secamente.
O sorriso de Isabeau foi breve e torto, e eu estava praticamente
babando. — Eu gosto dela. — disse. Soltou Charlemagne. — Posso ter um
momento? — disse suavemente. — Estamos sendo aguardados
imediatamente?
Olhei para o relógio de bolso pendurado em minha calça jeans preta.
— Temos uma boa meia hora. Só mencionei a reunião para manter Kieran
longe do rosto da minha irmã.
— Eles estão noivos?
Eu quase engasgo. — Eu desde já..., não acredito. Conhecem-se há
apenas algumas semanas.
— Ah! — ela e Magda trocaram um olhar feminino que eu não tinha a
menor intenção de decifrar. Decidi fingir que não tinha visto.
— Você quer um tour pelas cavernas? — perguntei para nos distrair.
— Oui. Se não for muito trabalho.
— De forma alguma. — estendi meu braço, da mesma forma que
fazem nos filmes de época. Ela suavizou. Teria sido excelente, só se Magda
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não tivesse franzido o cenho para depois colocar-se no meio de nós, a
empurrões.
— Eu também vou.
Teria que me conformar com o consolo de ter vislumbrado um pouco
da suave Isabeau, embora agora mesmo parecesse confusa, como se na
verdade tivesse querido segurar meu braço. Foi repentinamente muito fácil
imaginá-la em uma roupa de noite com anáguas, cachos em seus cabelos e
diamantes em sua garganta. Também me foi fácil imaginar Magda com
chifres e um tridente.
— Voltemos até o salão principal, para começar de lá. — levei-lhes de
volta, evitando a galeria de retratos.
A sala fervilhava de atividades e havia guardas em cada corredor.
Virei para a esquerda atrás de uma tapeçaria com o brasão da família Drake.
Madame Veronique nos enviou-a na noite depois que mamãe matou Lady
Natasha. Foi bordada a mão e tem pelo menos meio século, com a marca
Real de um rubi incrustado em uma coroa por toda a base. Veronique o
havia feito ela mesma, muito antes que Solange tivesse nascido.
Aparentemente prestou mais atenção à política vampiro e nas profecias em
comparação a todo mundo
— Este túnel muda de direção e passa pela maior parte dos cômodos.
— indiquei-lhes; enquanto nos enfiávamos no estreito corredor de pedra.
Estava iluminado com velas, colocadas em cristais vermelhos em forma de
globos que pendiam do teto, mas o piso era simples e as paredes estavam
úmidas. Magda olhou com desconfiança, mas eu a ignorei. — Todas estas
portas que estamos passando conduzem às câmaras dos convidados. —
apontei com a cabeça para uma grade de ferro fechada sobre uma porta
grossa com pesadas dobradiças. — O fornecimento de sangue está ali. —
expliquei. — No caso de um ataque e que fiquemos presos. Foi a primeira
solicitação que minha mãe fez.
— C’est bon42. — Isabeau aprovou. — Temos algo parecido em nossas
cavernas.
— Há muitas salas do conselho por este caminho e um armazém de
armas que atualmente está em fase de inventário.
42 Isto é bom em francês.
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— É lindo. — disse Isabeau educadamente. — Mas onde estão suas
histórias sagradas, suas pinturas? O sangue tem magia, certamente vocês
sabem; certo?
— Temos tapeçarias. — disse, mas não tinha a menor ideia do que ela
se referia.
— É verdade que sua mãe venceu Lady Natasha sem ajuda de
ninguém? — Magda interrompeu, como se não pudesse evitar.
— Sim. — eu disse orgulhoso. — Mais ou menos. Nada disso teria
acontecido se Isabeau não tivesse chegado, bem a tempo.
— Portanto, você está admitindo que todos estão em dívida conosco?
— Magda, cale-se. — disse Isabeau. — Todos nós queremos deter
Montmartre. Agora mesmo ele é muito poderoso.
— E uma dor na bunda. — concordei desagradavelmente. — Sem
mencionar que é um pervertido que rouba crianças. Ele é o que,
quatrocentos anos mais velho que Solange?
Isabeau afastou o olhar. — Tecnicamente eu sou duzentos anos, mais
velha que você.
— Não é a mesma coisa. — disse rapidamente. — Em absoluto.
Merda. Se eu tentasse, talvez pudesse enfiar meu pé com um
empurrão em minha enorme boca. Muita estupidez.
Magda sorriu de orelha a orelha.
Eu não tinha ideia de como recuperar esse território perdido. — Acho
que todos nós estamos em acordo de que você não é como Montmartre.
Isabeau inclinou sua cabeça, um brilho de humor em seus olhos
verdes. — Não quero a coroa. — ela concordou. — Nenhum Cwm Mamau a
quer.
E a coroa era tudo o que, mais ou menos, Montmartre queria. Além de
minha irmã mais nova.
Esta ideia me fez pressionar os dentes, forte o suficiente para que o
ruído assustasse Charlemagne. Relaxei minha mandíbula forçosamente,
graças à minha força de vontade. Depois percebi que havia nos levado à uma
câmara sem saída. Tinha ficado tão distraído pelo perfume de Isabeau, o som
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de sua voz e a maneira em que seu cabelo negro engolia a luz oscilante das
velas, que praticamente iam conosco pela parede.
Difícil de acreditar, mas aparentemente Isabeau tinha gostado de todo
o assunto de meu desastroso flerte.
Ela deu meia volta e notei que ela sorria, um verdadeiro sorriso
surpreso, como se não estivesse acostumada a ele. — Oh, Logan, c’est
magnifique43.
Aparentemente, ela gostava das paredes da caverna, a umidade
pegajosa e o mofo. Então eu percebi que as pontas de seus dedos estavam
tremulando sobre a pintura de um ocre vermelho desbotado. A cor era tão
fraca que eu nunca a teria notado. Portanto, pude somente distinguir a
impressão de uma mão.
— O que é isso? — perguntei.
— É uma historia Cwn Mamau sagrada. — ela explicou. — É mais
antiga do que qualquer coisa que jamais tenha visto.
— Isto é porque os membros da família Real nos roubaram as
cavernas. — Magda sentiu a necessidade de somar.
— Hey, eu só sou parte da Realeza há uma semana. — senti a
necessidade de me defender.
— Shhh. — Isabeau acrescentou suavemente, como se estivéssemos
discutindo por bobagens, como crianças. — Este é um lugar sagrado. Não
podem sentir?
Senti a qualidade do silêncio, o peso de pedra pressionando em todo
nosso redor. E se me concentrasse, os vestígios muito fracos de uma espécie
de incenso.
— Essa mão impressa é a marca de uma Shamanka antiga. E aqui,
estas linhas, representam as treze luas cheias em um ano. — ela sinalizou o
desenho de tal forma que eu pude ver claramente, ver as fracas linhas se
solidificando, ver a dança de luz das antigas tochas, o cheiro dos ramos de
cedro sob nossos pés. Uma onda leve de vertigem me pegou, deixando-me
tenso. Devo ter feito algum tipo de som enquanto olhava os arredores,
porque ela sorriu com um sorriso torto outra vez. — Você os vê agora, não
é?
43 Isto é magnífico em francês.
91
Concordei, voltando a desfrutar das pinturas rochosas e a historia que
contavam. — Vocês fazem isso? — perguntei atordoado. — Mas como?
— É muito simples para uma serviçal. — ela respondeu. — Eu só
tenho que encontrar o fio da história desta Shamanka, a energia que ela
deixou presa nesta pintura. — ela sinalizou o contorno da mão impressa,
feita com manchas vermelhas. — Esta é sua marca.
— Então eu não estou louco?
— Não. — Isabeau respondeu.
Enquanto Magda bufava. — Sim.
— Olhem. — Isabeau nos incitou.
Uma mulher, que assumi ser a Shamanka, brilhou fracamente à nossa
vista. Parecia da mesma idade de Solange, mas com várias e longas tranças
loiras, símbolos em seu rosto e braços com uma espécie de tinta azul. Usava
um colar que era feito com ossos, cristais e garras de cachorros. Tirava a
tintura de ocre vermelho de uma taça de argila e a imprimiu nas paredes.
Cantava enquanto o fazia, mas eu não pude ver ninguém mais do que meia
dúzia de cachorros peludos gigantes aos seus pés, e um que parecia um lobo.
A fumaça do incenso se elevava de um monte de pedras brancas.
Tudo aconteceu tão rápido, até que as pinturas terminaram
abruptamente. Tinha cachorros que pareciam como se respirassem e se
moviam ligeiramente, como se o vento agitasse seus pelos. Havia vampiros
com sangue em seus queixos e uma lua vermelha no alto. Também havia um
coração humano, uma jarra de sangue, uma mulher com uma barriga
enorme, grávida de filhotinhos que se contorciam.
— Cwn Mamau. — explicou Isabeau em um sussurro reverente. — Os
Hound da Mãe
Havia uma percepção religiosa na obra de arte, tão simples e primitiva
como era. Os cachorros pintados levantaram suas gargantas ao mesmo
tempo e deixaram sair um lamentoso uivo, que levantou os cabelos na parte
de trás do meu pescoço.
E depois tudo ficou escuro, exceto por uma marca irregular de luz
vermelha na borda do teto baixo, no canto traseiro. O cachorro ocre pintado
de baixo grunhia.
92
Isabeau desembainhou sua espada. O sentimento santo dentro da
caverna se fez em pedaços em um instante. Tratei de alcançar minha adaga,
mesmo não tendo ideia alguma de onde estava o perigo. Tentei dar um passo
diante de Isabeau para protegê-la. Ela chutou meu tendão de Aquiles e eu
xinguei.
— Eu te atravessarei com minha espada. — disse distraidamente, sem
deixar de olhar para cima, para a luz vermelha. Era pulsante, como um dente
quebrado. Tinha algo de ameaçador nela.
— Isabeau, tenha cuidado. — Magda disse enquanto Isabeau se
aproximava. Fiquei ao seu lado, apesar dela assobiar para mim.
— Que diabo é isso? — perguntei.
— Um aviso. — ela respondeu, baixando sua espada lentamente. —
Quando me conectei com a energia deste lugar rompi algum tipo de feitiço
oculto.
— Feitiço oculto? — repeti. — Isso não soa bem.
— É um feitiço pronto. — ela disse encolhendo os ombros. — Você
pode comprá-lo de qualquer bruxa ou feiticeira.
— Bruxas ou feiticeiras. — murmurei. — Esqueço que acordei em
algum tipo de conto de Fadas.
Ela negou com a cabeça. — Vampiros que não acreditam na magia. —
disse. — Eu nunca os compreenderei.
— Eu não disse que não acredito nisso. — respondi. — É que eu
simplesmente não esperava tantas malditas provas. — eu nem sequer
gostava da percepção da luz em meu rosto. Retrocedi um passo. — Então. O
que é que estava oculto?
— Uma pergunta muito boa.
Ela roçou a luz com aponta de sua espada, como se não quisesse tocar.
Charlemagne grunhiu uma vez. Houve um som de gemido e uma pedra solta,
então outro e depois outro. Uma grande rocha do tamanho de uma melancia
caiu no chão de uma tacada de pó. A estranha luz vermelha saiu, como uma
tocha em uma tempestade de vento.
Não antes de fazer brilhar, intermitentemente, uma abertura estreita
na parede. — Filho da puta. — murmurei, pegando uma vela e colocando-a
93
no interior da abertura. O túnel atrás da abertura era longo, escuro e recém-
feito entre a pedra calcaria.
— Alguém está planejando uma visita não anunciada. — disse Isabeau
com seriedade.
— Montmartre. — cuspi.
— Ele está muito determinado. — Isabeau concordou. — Parece que
tem muitos planos.
Levantei a enorme e redonda rocha e a empurrei em seu lugar,
bloqueando o túnel novamente.
— O que fazer? — Magda perguntou.
— Não quero que saibam que encontramos sua passagem secreta, até
que tenhamos decidido o que fazer a respeito. — respondi limpando as mãos
para me desfazer do pó. Os coletes não são baratos e eu já havia arruinado
um ao correr pelo bosque, enquanto éramos perseguidos pelos caçadores de
recompensas e desertores Hélios Ra, no aniversário de Solange.
— Oh! — Magda disse, soando relutantemente impressionada. — Bom
ponto.
— Temos que voltar. — disse, esperando na entrada regular, para que
passassem através dela. Não quis dar as costas para aquele túnel, mesmo
sabendo que estava vazio. — A excursão terminou oficialmente.
94
Capítulo Dez
Helena, Liam, Finn, e outros dois que eu não conhecia estavam à nossa
espera na antecâmara de uma caverna cheia de estantes com portas de
vidro para proteção contra a umidade inevitável. Uma lâmpada de óleo
queimava sobre uma mesa. Guardas acenaram para nós quando passamos
pela da entrada. Eu mal notei. Estava tentando manter minha compostura,
para ser a serva forte e confiável que Kala tinha me treinado para ser. Este
trabalho é importante, mesmo que não me sentisse adequada para ele.
Mesmo que o pesadelo de mais cedo estivesse circulando no meu cérebro de
novo como corvos sobre um cadáver fresco. Sem mencionar a tentativa de
decifrar o inesperado sonho com as pinturas rupestres. Sinceramente, não
esperava que ele funcionasse tão bem com um vampiro tão inexperiente
como Logan.
Liam levantou-se quando entramos. — Isabeau. — disse
calorosamente. Helena levantou a cabeça das pilhas de papéis e livros à sua
frente. Finn acenou para mim uma vez.
— Liam. — cumprimentei, a minha voz cuidadosamente vaga.
— Eu acredito que você dormiu bem?
— Sim, obrigada.
— Peço desculpas pelo evento infeliz com o Hypnos. — ele adicionou
sobriamente.
— Como eu.
— Agradeço por livrar as nossas florestas dos Host e quebrar o feitiço
contra a nossa filha.
— Disponha.
— Devemos-lhe por isso. — Helena concordou. Empurrou os livros à
distância. — Agora podemos dispensar esta cortesia e começar?
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Liam olhou para ela com tristeza. — Amor.
Ela atirou-lhe um olhar arrependido. — Desculpe. — virou para mim.
— Espero que você não esteja ofendida, Isabeau.
— Não. — assegurei. Na verdade, fiquei um pouco aliviada ao ouvi-la
falar aquilo. Estava começando a me perguntar se isso era parte da razão
pela qual eu fora escolhida: não necessariamente por causa de quem eu era,
mas por causa de quem era Helena Drake. Qualquer outra pessoa, incluindo
Magda, teria assumido que pensava que Hounds não eram dignos do
protocolo habitual. Entendi que ela era muito direta para se preocupar com
os jogos políticos. Fez-me de repente esperançosa sobre a aliança entre
nossas tribos. Estávamos cansadas de jogos e política.
— Estou com um pouco de inveja de você, é verdade. — acrescentou.
Pisquei. — Desculpe?
— Teria gostado de ter perseguido um Host na noite passada. Ao
invés disso estou cercada por tratados, protocolos e guardas hiperativos. —
ela sacudiu a cabeça. — Vou sair esta noite para caçar, Liam, então você vai
ter que fazer todo mundo simplesmente lidar com isso.
Ela não parecia como qualquer mãe que eu já conheci. Minha própria
tinha sido mais interessada em rendas e dançar até o amanhecer.
Logan sorriu. — Não acho que as Rainhas devam caçar; mãe.
— Então eu vou levar Isabeau comigo. — ela direcionou um sorriso
seco em minha direção. — Então não vai ser uma caçada, será
aprimoramento da aliança.
— Nós ainda vamos fazer de você uma política. — disse Liam.
— Não há necessidade de insultar. — ela se sentou em sua cadeira,
sua longa trança negra caindo atrás dela.
— Mãe, nós encontramos um túnel secreto. — Logan disse a ela
seriamente. — Muito novo, atrás das cavernas vazias do outro lado da sala
de armas.
Seus olhos se estreitaram perigosamente. — Mais um?
Ele piscou para ela. — Há mais deles?
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— Dois, que tenhamos encontrado até agora. — respondeu ela. — Seu
pai não vai deixa-me enchê-los com dinamite.
— Prefiro não ter o complexo inteiro caindo sobre nossas cabeças. —
ele disse secamente. — Vou cuidar disso. — falou em seu telefone celular em
um discreto sussurro e logo um dos guardas abriu a porta.
De repente, o quarto parecia demasiado pequeno e restritivo. Hart, o
líder da Helios-Ra, passeava com Kieran e uma menina com longos cabelos
loiros. Seus ombros eram pequenos, a mão pairando sobre uma estaca no
cinto. Ela usava uma calça cargo preta e camisa que praticamente qualquer
outro agente usava quando estava em missão. Procurei pelo frasco de pó
Hypnos que eles prendiam dentro de suas mangas, mas não consegui
encontrá-lo.
— Hart. — Liam cumprimentou o outro homem com um amável
aperto de mão. — Ainda bem que você conseguiu vir.
Eu e a menina loira fomos as únicas que observaram isso como se não
achássemos que fosse totalmente normal. Bem, e Magda, é claro. Ela foi para
mais perto de mim, o segundo conjunto de presas ligeiramente salientes.
Hart era bonito, vestido com uma simples camisa de abotoar cinza e jeans no
lugar das camuflagens. Tinha uma cicatriz em sua garganta.
— Você conhece Kieran, é claro. — disse ele. — Esta é Hunter Wild. —
apontou para a loira. — Os Wild têm sido parte da Liga desde o século XI.
— Como vai você? — Liam murmurou calmamente. — Sente-se.
Hunter concordou com a cabeça rígida, os olhos arregalados. Kieran
pigarreou, empurrando-a em uma cadeira ao lado dele. O resto dos irmãos
Drake acompanharam, roubando a última gota de ar e do espaço deixado no
quarto. Hunter olhou para eles fixamente. De todos na sala, a caçadora de
vampiros era quem eu mais poderia me identificar nesse momento. Meus
olhos saltariam da minha cabeça também se eu os deixasse. Este tipo de
grupo se reunindo pacificamente era sem precedentes, fora as velhas
famílias do Conselho.
— Nós podemos fazer um bom trabalho. — Liam disse calmamente.
— Se nos permitíssemos. Chamamos o Conselho. Eles estarão aqui em dois
dias. Entretanto, Hart já concordou em trabalhar conosco.
— O que, e simplesmente desistir de matar vampiros? — Magda
perguntou. — E você acredita nele?
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Hart meio que sorriu. — Estamos todos aprendendo que um pouco de
discrição é tudo. Temos um inimigo comum, afinal.
— Montmartre? — eu perguntei. Não tinha pensado que Helios-Ra
estavam particularmente interessados na política dos vampiros.
Ele balançou a cabeça. — Não, o Hel-Blar. Algo os tem posto em
corajosa execução. Nós nunca interceptamos tantas chamadas para a polícia
sobre pessoas estranhas usando tinta azul44. Acho que estamos de acordo
que eles precisam ser caçados.
Magda concordou com relutância. Ela não tinha amor pelo Hel-Blar;
nenhum de nós tinha. Era muito fácil para os Hounds lembrar que poderiam
ter sido como eles, mas por um pouco de sorte e um pouco de fortaleza
interior escondida...
— Estamos recebendo relatos preocupantes durante toda a noite
também. — Helena disse. — Os Hel-Blar estão de repente por toda parte.
Magda assobiou. — Eles são como baratas.
— Só que um pouco mais mortais. — Finn concordou.
— Montmartre está por trás disso? — Hunter perguntou. — Não acho
que ele poderia controlá-los. Não é essa a verdadeira razão para sua
existência?
— Não sabemos. — Helena respondeu sombriamente. — Eu
realmente gostaria de alimentá-lo com seu próprio...
— Querida. — Liam a parou suavemente.
— Bem, eu faria. — insistiu ela. — Hel-Blar ou não, precisamos cuidar
disso.
— Concordo.
— Podemos parar Montmartre. — eu disse-lhes com confiança. —
Nós quase fizemos na semana passada. Ele não é invulnerável.
— Essa é a melhor coisa que alguém disse para mim a noite toda. —
Helena me disse. — Mas me diga a verdade, Isabeau, os Hounds se aliariam a
nós?
44Os Hel-Blar são pessoas de pele azul. Daí as pessoas acharem que pintaram suas peles.
98
— Todos nós queremos parar os Hel-Blar. — lhe assegurei. — E
Montmartre.
— E depois que ele for parado?
— Os Hounds não reconheceram ninguém, a não ser a nossa
Shamanka como a nossa líder legítima. — disse eu delicadamente. — Nunca
faremos parte dos tribunais.
Helena levantou uma sobrancelha. — Tenho bastantes vampiros. Eu
não preciso de mais.
— Na verdade, isso é tranquilizador. — Finn murmurou. — Você pode
tentar salientar esse ponto tão frequentemente quanto você queira quando
se trata dos Hounds. Eles estão bastante empenhados no direito de
governar a si mesmos. Acho que você entende isso, dada a sua história.
— Não cederemos à Montmartre ou qualquer outra pessoa. — Magda
concordou fervorosamente.
— Você acha que nossas Tribos seriam capazes de formar uma
aliança? — Liam perguntou. — Uma que reconheça a autonomia de todos.
— Eu acho que sim. — apesar da minha desconfiança natural em
relação aos Tribunais Reais e aos não Hounds em geral, eu realmente gostei
do Drake. Acreditava que eles eram de confiança, mesmo que eu não tivesse
nenhuma prova real dela. Era algo que sentia. — Há muitas superstições e
rituais que são especiais ao nosso povo. — disse. — Alguns Hounds nunca
concordarão em trabalhar com vocês, porque vocês não foram iniciados,
mas eles não vão contra Kala também.
Hunter estava olhando para Magda e para mim tão atentamente que
Kieran a reprendeu.
— Desculpe. — ela murmurou.
— Ela nunca viu Hounds. — disse nos Kieran.
— Eu posso falar por mim mesma. — Hunter disse a ele.
— Bem, você está sendo rude.
Olhei para ele. — Pelo menos ela não me cumprimentou com um rosto
cheio de pó Hypnos.
Kieran ficou vermelho.
99
Quinn sorriu abertamente, descansando em sua cadeira. — Ela lhe
pegou nessa.
— Crianças. — disse Helena, metade acentuadamente, metade com
carinho.
O telefone celular de Hart vibrou discretamente. Ele olhou para o
display. — Desculpe-me, tenho que atender isso. Hart falando. — sua
mandíbula se contraiu. — Quando? — ele olhou para Liam. — Outro Hel-
Blar a vista. está no limite da cidade.
Liam amaldiçoou.
— Temos implantado uma unidade. — garantiu-lhe Hart.
Liam acenou para Sebastian. — Leve um guarda e veja se você
consegue ajudar.
Sebastian saiu pela porta sem dizer uma palavra.
— Eu vou também. — Finn se levantou. — Devemos começar a
trabalhar juntos imediatamente. Além disso, temos um certo conhecimento
neste assunto que ninguém mais tem.
— Mas você não é um Hound, certo? — Hunter apontou;
honestamente confusa. — Você não tem tatuagens ou qualquer coisa.
— Não, mas eu vivo com eles há quase 400 anos. — ele lhe disse antes
de seguir Sebastian. Era estranho não ir com ele, mas eu sabia que era mais
necessária aqui, por muito que pudesse preferir correr e bater em alguns
Hel-Blar.
— Vamos voltar a nos reunir em meia hora. — Liam sugeriu para o
resto de nós. — Podemos comparar anotações e continuar daqui.
— Vamos lá, Buffy. — Quinn falou para Hunter. — Vou te dar um tour.
Aproveitei a oportunidade para deixar a pequena sala. Estava
acostumada a cavernas escuras e isolada, mas as nossas não eram cheias até
a borda com pessoas. Logan e Magda me seguiram, como se eu tivesse um
plano. Estávamos caminhando para fora quando fiz uma pausa, franzindo a
testa. Toquei com meus dedos o amontoado de amuletos na minha garganta.
Eles estavam quentes e vibrando ligeiramente, como se eles sentissem um
tremor de terra que ninguém mais sentia.
— Algo está errado. — eu sussurrei.
100
Eu e Magda estendemos a mão para os nossos telefones, que tocaram
exatamente no mesmo momento. Não me incomodei em atender o meu. A
corrente de meu amuleto quebrou e espalhou os pingentes pelos tapetes. O
dente wolfhound coberto com prata e pintado com um corante azul feito da
planta woad45 quebrou ao meio. Olhei para cima para ver a expressão
selvagem de Magda.
— Kala está machucada. — ela confirmou. — Os Host atacaram nossas
cavernas. — ela silvou. Se ela fosse um gato, sua pele teria levantada em
linha reta para o ar.
Senti-me estranhamente entorpecida. — Tenho que ir. — disse a
Logan, pegando os amuletos e enfiando-os em meus bolsos. Charlemagne
estava ao meu lado antes de eu falar o comando. Os cortesões sussurraram
um ao outro quando corríamos por eles para o outro lado do salão
decorado. — Estaremos de volta para a Coroação.
Logan pegou o casaco pendurado em um cabideiro. — Vou com vocês.
Não tinha tempo para discutir com ele e estava estranhamente
consolada pelo fato de que ele viesse comigo. Mesmo que não precisasse
dele.
E não discuti.
— Diga a meus pais que estamos indo para os Hounds. Sua Shamanka
foi ferida. — ele falou para um dos guardas na entrada.
Eu e Magda já estávamos na descida da encosta. Algo caiu do bolso de
Logan quando nos alcançou. Ele pegou perplexo. — O que é esta coisa?
Ele estava segurando a pata de um cão cinzento, as unhas enroladas
dentro. Foi envolto em fio preto e espinhos de rosa sem flores. Gelei.
— Isso é um encanto de morte. — eu disse. — Um raro feitiço CWN
Mamau. — eu continuei quando ele apenas olhou para mim.
— É a pata de um cão. — ele disse muito claramente, deixando-a cair
no chão. — Isso é nojento. Pensei que vocês gostassem de cães.
45Planta que possui um pigmento azul. Foi muito usada na época medieval para tintura de roupas. Também
usada pelos Pictus para colorirem a pele. Woad eventualmente foi substituído pelo anil mais forte e então por
anil sintéticos.
101
— Ele não foi morto por causa de seu pé. — disse a ele. — Quando os
nossos cães morrem de causas naturais. — eu expliquei — Ou em um
ataque, os usamos no emprego de feitiços, após os ritos de sepultamento.
— Sim, continua sendo nojento. — murmurou ele.
— E vê isso? — eu apontei um disco de osso liso pintado com um
wolfhound e uma flor-de-lis azul. — Essa é a minha marca pessoal. Alguém
está tentando me culpar.
102
Capítulo Onze
Paris, 1793
— Papai, eu não entendo. — Isabeau suplicou. — Porque tenho que
usar este vestido horroroso? Ele me pinica. — o vestido em questão era de lã
cinza sem um pingo de enfeite. Ela podia ser confundida com uma
empregada ou uma garota do povo. Até seu cabelo estava preso para trás em
um complicado redemoinho sem um só enfeite de pérolas ou algum grampo
de diamantes.
— Chouette, já não é seguro. — respondeu Jean Paul.
Ela nunca o havia visto assim antes. Nada o assustava, nem Versalles,
nem os lobos uivando no bosque, nem sequer as enormes aranhas que
entraram no Castelo justo no inverno. Ela o havia visto lutar em um duelo
uma vez, quando se supunha que ela deveria estar dormindo em sua cama.
Agora ele parecia desfigurado e cansado e quase cinza de tristeza. Sua mãe
estava sentada chorando no canto. Não tinha parado de chorar por dias. Seu
cabelo estava perdendo seus cachos, seu rosto estava sem empoar. Isabeau
estremeceu.
— Trata-se do Rei, certo? — sussurrou.
Ele lançou-lhe um olhar. — O que você sabe; chouette?
— Que o povo tomou a Bastilha e que Paris já não é segura,
— Não se trata apenas de Paris. — disse em voz baixa; empurrando
outra rodela de queijo no saco de couro que tinha diante dele. Eles estavam
na cozinha, agrupados junto ao fogo da lareira. Sua velha babá Martine,
estava na porta, com a coluna reta. Usava um vestido de lã marrom e seu
cabelo estava penteado para trás, com um gorro de pano. Isabeau nunca a
tinha visto tão simples e comum antes. Ela estremeceu novamente.
103
— Eles ganharam força e número. Criarão a guilhotina como uma
forca permanente. E o Rei foi executado ontem. A França já não tem realeza
agora.
Ela o olhou surpresa. — Mataram o Rei?
— Você sabe o que isso significa Isabeau?
Ela negou com a cabeça, em silêncio.
— Isso significa que nenhum de nós está a salvo. — envolveu um
grosso manto sobre os ombros dela. — Aqui, mantenha isto. Faz frio agora.
Fechou o cinto com força. — Aonde nós vamos?
— Vamos para a casa de meu irmão em Londres.
— Inglaterra? — repetiu. Sua mãe chorou mais fortemente, afogando-
se em soluços. — Mas você não fala com ele há anos.
Ela foi interrompida pelo som de vidros quebrados vindo da parte
frontal do Castelo. Virou-se para o som. Sua mãe jogou-se no chão, suas
mãos cruzadas sobre a boca trêmula. Seu pai ficou rígido.
— Merde46. Não há tempo. — seus olhos estavam decididos,
profundos quando encontraram os dela. — Isabeau, eu preciso que você se
esconda. Vá com Martine, leve sua mãe. Lembra-se da pedra quebrada que
eu te mostrei?
Isabeau assentiu; seu coração batendo tão rápido que revirou seu
estômago.
— Remova-a e enfie-se dentro. A passagem às levará para fora. Ao
bosque, pelos campos de lavanda. — mais sons de vidros quebrados e
alguma coisa dura tinha sido jogada, contra a porta fechada. Ouviam gritos,
com voz fraca.
— Entendeu Isabeau?
Obrigou-se a olhá-lo. — Oui, papai. — ela entendia perfeitamente.
Tinha dezesseis anos e estava mais bem preparada para proteger sua frágil
mãe.
— Então vá! Vá agora!
46Merde: Francês que significa Merda.
104
— Não. — Amandine gritou, agarrando seu braço com tanta força que
o tecido de sua camisa rasgou sob suas frenéticas unhas. A porta estilhaçou-
se com um forte e agudo rangido, que ecoou por todo o Castelo. O rosto de
Martine parecia assustado enquanto agarrava o ombro de Isabeau.
— Temos que ir. — o ruído de passos ia se aproximando deles. A
multidão gritou, derrubou os quadros da parede, uivou com a fome e a
frustração. Os candelabros de ouro no corredor poderiam ter comprado
alimentos por um inverno para uma família inteira. Mas não importava se
tinham dinheiro suficiente para comprar ou não. A geada de Janeiro cobriu
os campos e as hortas, as colheitas do Verão tinham sido mais fracas do que
o habitual, devido ao mal tempo e a agitação política.
Jean Paul tentou sair do agarre de Amandine, empurrá-la aos
cuidados de Isabeau, mas sua esposa estava louca de medo e não se moveria.
Ele não a deixaria salvá-lo e ele não podia arriscar sua filha. Nem todos
poderiam escapar, seriam perseguidos pelo campo até serem encontrados.
— Cherie47, por favor! — rogou a sua esposa. — Por favor, você tem
que ir.
A multidão estava quase sobre eles. Não havia tempo, não havia mais
opções. Lançou um olhar desesperado a Martine. — Pegue Isabeau.
— Papai, non! Todos nós sairemos! — Isabeau lutava para convencê-
lo, mesmo quando sua mãe caiu completamente inerte em seus braços.
Os irritados aldeões entraram como furações na cozinha, em busca de
alimento, deixando alguns outros para quebrar e saquear o que pudessem.
— O Duque! — uma mulher de cabelo cinza gritou. Ela estava tão
magra, suas costelas eram visíveis por debaixo do vestido rasgado. Alguém
gritou, mais como animal do que humano. As chamas de uma tocha pularam
em uma toalha de mesa que o aceitou de forma instantânea; O cheiro de
tecido queimado misturou-se com óleo de pinheiro em chamas.
Martine empurrou Isabeau para trás e se encaminhou para o escuro
jardim da cozinha antes do amanhecer, antes que ela pudesse resistir.
Caíram no manjericão, amassando os arbustos secos enquanto rolavam para
as sombras da parede de pedra decorada.
— Vem. — Martine puxou sua mão com força. — Je vous en prie48.
47Cherie: Querida.
105
— Meus pais. — disse Isabeau através das lágrimas que obstruíam
sua garganta. — Temos que ajudá-los.
— É tarde demais para eles.
— Non. — mas ela podia ouvir os gritos, o rasgar das mãos através
dos barris de carne salgada e cestas de maçãs frescas. Ela podia ouvir os
estranhos gemidos de sua mãe, como um gato aterrorizado, e os
xingamentos de seu pai, enquanto lutava para protegê-la.
— Seu pai nunca nos perdoaria se você não ficar em segurança. —
Martine disse em voz baixa, com urgência.
Isabeau sabia que ela tinha razão. Martine se aproveitou dessa pausa
para arrastá-la até a beira do bosque. Luzes de tochas brilhavam da janela da
cozinha, assim como mais tecidos queimavam pelo fogo. A fumaça saía pela
porta aberta.
Viu seus pais, da copa alta de uma árvore de carvalho. A multidão os
arrastou até um caminhão de fazenda e os prendeu pelos lados. O pai de
Isabeau olhou para frente, negando-se a procurar por sua filha para não
delatá-la. Isabeau, de alguma forma, sabia que ele podia senti-la ali na
árvore, prendendo sua boca com uma das mãos para não gritar. Martine
segurou-se no tronco ao seu lado, com o rosto banhado em lágrimas
silenciosas.
— Vou para Paris. — Isabeau jurou. — E vou encontrar uma maneira
de salvá-los.
Isabeau esperou até que Martine estivesse adormecida antes de
escapar. Haviam encontrado um refúgio em uma fazenda abandonada, as
tábuas de madeira estavam separadas sob o vento e não havia neve nos
cantos, mas era melhor do que estarem expostas em uma noite de Janeiro.
Fizeram uma pequena fogueira, suficiente apenas para esquentar seus pés
em suas botas caseiras. Isabeau levou os joelhos até o peito e deixou cair um
grosso casaco ao seu redor como uma tenda. Fechou os olhos e fingiu estar à
margem, até que ouviu Martine roncar novamente.
Ela estava tremendo, ligeiramente, e a cinza em seu cabelo parecia
mais aparente, as linhas ao redor dos olhos mais profundas. Isabeau não
podia suportar a ideia de deixá-la para trás, mas também não podia deixar
que sua babá fosse com ela para Paris, era uma armadilha mortal.
48 Je vous en prie: Por favor.
106
Mas não havia modo possível de que ela pudesse ir para outro lugar.
Seus pais tinham sido presos e arrastados. Neste momento, estavam na rua,
condenados por crimes monárquicos e logo seriam executados.
Tinha que defendê-los.
E tinha certeza que Martine tentaria detê-la.
Portanto, o melhor seria que ela se fosse agora mesmo, antes que lhe
fosse ainda mais difícil. Seus olhos estavam ásperos e inchados, seu
estômago estava em chamas pelo nervoso, mas no fundo sabia que estava
fazendo a coisa certa. Deixou a maioria das moedas que seu pai havia
costurado em seu casaco para Martine, ficando apenas com o suficiente para
ir para a cidade. Martine precisava mais do que ela. Poderia ir para a
Inglaterra ou Espanha, ou se hospedar com um aldeão. Talvez alguém se
casasse com ela. Era gordinha, bonita e dedicada, e merecia ser amada e
protegida da mesma forma em que havia cuidado de Isabeau durante toda a
vida. Deveria ter sido trabalho de Isabeau encontrar uma nova colocação
para sua babá, uma nova família para morar, ou melhor, pedir a seus pais
que a mantivessem com ela até que se casasse e tivesse seus próprios filhos.
Nada disso era provável agora. O matrimonio era o mais distante na
mente de alguém. O Rei estava morto, Maria Antonieta está presa e a maior
parte da aristocracia tinha sido assassinada ou havia fugido para fazer
molhos cremosos e pastéis para os ingleses.
Isabeau tinha dezesseis anos e ela era inteligente, engenhosa e faria
tudo o que tinha que fazer. Encontraria seus pais e depois encontraria um
barco para levá-los a alguma parte, em qualquer lugar.
Ela abriu a porta, fazendo uma careta ante o vento frio que entrava no
interior, agitando a resto da fogueira. Martine gemeu e se moveu
desconfortável. Isabeau fechou a porta rapidamente e esperou,
pressionando-se contra o outro lado, ouvindo o som da voz de Martine.
Satisfeita de que sua babá não havia acordado, Isabeau deslizou para
fora da cabana. A noite estava especialmente escura, sem lua para iluminar
seu caminho. Estava sozinha no silêncio gelado com apenas uma capa de
neve como companhia. Ela caminhou tão rápido quanto seus pés frios
permitiram, tropeçando nos galhos, mantendo-se a beira do bosque, pela
estrada.
Caminhou a noite toda e não parou até o amanhecer filtrar-se através
das nuvens. Seus pés e suas panturrilhas doíam, e estava convencida de que
107
nunca recuperaria a sensibilidade na ponta do nariz. Continuou caminhando
com a dor, pelo vento frio e com seu estômago vazio e roncando. Escondeu-
se entre os arbustos quando ouviu o som das rodas de um coche, não
confiaria em ninguém para pedir um lugar na parte de trás de um coche. Ela
podia se misturar com seu casaco de lã e vestido cinza, mas sabia que seu
sotaque era muito culto, muito obviamente aristocrático, e que só podiam
fazer dela um objetivo.
Quanto mais próxima estava de Paris, mais obstruído o caminho se
tornava, especialmente com as pessoas que fugiam para o campo. Apenas os
radicais, os aventureiros e os loucos se dirigiam para a cidade nestes dias.
Colocou o capuz sobre seu cabelo e baixou os olhos, mantendo-se entre as
árvores. Com o tempo, reduziram-se a irregulares arbustos e logo em
campos, para depois passar à periferia da cidade, onde tudo era de pedra
com tetos cinza sob a luz do sol de inverno.
Tinha caminhado durante três dias com muito pouco sono e apenas
água do córrego congelado, que ela derretia e bebia. Sua cabeça nadava e
sentia-se como se estivesse com febre; tudo era muito brilhante ou muito
opaco, muito forte ou muito suave.
Parou o tempo suficiente para comprar comida e um copo de café
forte, para assim se fortalecer. Encolheu-se em seu casaco, tentando não
olhar para todos e tudo. Pequenas casas aglomeradas deram espaço aos
edifícios, torres altas e de pedra cor manteiga. O rio Sena ondulava através
da cidade, mais a frente, as Tuileries49, onde uma vez o Rei havia vivido,
antes que cortassem sua cabeça.
Obrigou-se a ficar em pé e seguiu o rio. A água agitava-se sob uma
grossa camada de gelo quebrado. Esfregou as mãos para esquentá-las, tendo
cuidado de não chamar atenção de ninguém. Os homens acotovelando-se em
grupos consumiam café e distribuíam panfletos, enquanto as mulheres com
flores cobriam seus gorros nas esquinas conversando. Seus rostos estavam
sérios, com um propósito. Isabeau podia cheirar a fumaça persistente e viu
montes de lixo queimados nos distúrbios e nas lutas que se apoderaram das
ruas durante a noite. Ela tinha ouvido seu pai falar de mais e mais,
especialmente no outono passado, quando muitos haviam sido massacrados.
49O Palácio das Tulherias (em francês Palais des Tuileries) foi um palácio parisiense, cuja construção
começou em 1564 sob o impulso de Catarina de Médicis, num local ocupado anteriormente por uma fábrica de
telhas (tuiles). Hoje só existem os jardins, pois o palácio foi demolido após um incêndio.
108
Ela tinha ouvido falar que a guilhotina havia sido estabelecida em uma
das praças da cidade, mas não sabia onde estava. Seus pais não tinham ido à
casa de Paris desde o Natal, quando tinha onze anos. Lembrou-se que passou
pela casa de opera em sua carruagem e também da neve que caia nas ruas.
Ela podia andar em círculos e nunca encontrar o caminho.
Finalmente percebeu que a multidão parecia ir para a mesma direção.
Parou atrás de um grupo de mulheres com as mãos apertadas, embaixo de
um poste apagado. Prestando atenção nas duas senhoras que se
aproximavam lentamente.
— Perdão, senhora?
Uma das mulheres virou a cabeça para olhar-lhe raivosamente.
— Cidadã. — corrigiu ela, sombriamente.
Isabeau se corrigiu. — Perdão, cidadã. Poderia me dizer como se
encontra A Praça da Concórdia?
A mulher concordou com a cabeça. — está visitando Louisette50,
certo?
— Oh! Hm, sim.
— Você não é daqui, não é?
Isabeau deu um passo para trás, perguntando-se se devia colocar-se
rapidamente em segurança no labirinto de vielas. — Sim, eu sou.
A mulher negou com a cabeça, de uma forma pouco amável. — Por
esta rua, vire à direita.
— Obrigada.
— Se você for depressa, pegará a última execução. Só tem que seguir a
multidão e o barulho. Robespierre51 prendeu um Duque e uma Duquesa
muito gordos52. — sua companheira assentiu presunçosamente. Uma delas
cuspiu na sarjeta.
50Louisette: Rua próxima a Praça da Concórdia.
51Robespierre: Foi um político Francês (apelidado de “O Incorruptível” por sua dedicação a Revolução e por
sua resistência aos subornos.) e um dos mais importantes lideres da Revolução Francesa.
52N.T: É uma expressão, como quando dizem: Prenderam um peixe gordo, faz referência ao fato de que eram
pessoas muito importantes.
109
O estomago de Isabeau caiu como uma pedra. Lançou-se a correr, se
esquivando de mesas de café e latidos de cães e carros rodando lentamente
pela rua. Ouviu um clamor de varias ruas mais, mesmo com os batimentos
de seu pulso em seus ouvidos. Os paralelepípedos estavam escorregadios
com o gelo, escorregou e caiu contra o pilar de um grande edifício. Levantou-
se, olhando freneticamente ao redor. Todos os edifícios pareciam iguais, as
mesmas pedras e grandes janelas colunas e calçadas. Respirou lenta e
profundamente. O burburinho ecoou, desta vez mais forte. Em seguida
correu novamente.
Ela chegou ao momento em que a guilhotina caiu, a lâmina brilhante
sob o sol. Houve uma pausa silenciosa e então mais gritos. A terra parecia
tremer com todo o barulho dos pés batendo no chão. A pressão do barulho
fez-lhe ter náuseas. Nunca tinha visto tanta gente em sua vida. Tinha
guardas com baionetas, centenas de cidadãos e cidadãs, bebês, moleques,
trombadinhas e prostitutas com bochechas vermelhas.
Isabeau abriu caminho entre a multidão, fazendo pouco caso dos pés
que pisava e nos xingamentos que jogavam em seu caminho. Lutou contra a
parede de pessoas, dirigindo-se para o cercado no centro da praça. Era
quente, com tantos corpos e tochas acesas em fogareiros. Na parte da frente,
fixada alta e estranha, estava a guilhotina, havia mulheres tecendo, sentadas
em frente a uma grande cesta, para onde rodavam as cabeças. Sentavam-se
muito próximas, o sangue as salpicava. Haviam descoberto há muito tempo,
a distância perfeita e exata. Isabeau podia ouvir suas agulhas batendo
enquanto tentava se empurrar no meio delas. No justo momento em que a
lamina caiu pela segunda vez.
A cabeça de seu pai rolou até a grande cesta, parando boca a boca
com a cabeça de sua mãe. Seus longos cabelos presos juntos. O sangue
filtrava através do vime, a madeira do estrado estava manchada com o
mesmo.
Os gritos de Isabeau foram afogados pelos expectadores
entusiasmados, Gritou até ficar rouca e sentiu a queda, e nem sequer tentou
deter o choque de sua cabeça contra o pavimento frio.
110
Capítulo Doze
Não ia deixar que Isabeau fosse sem mim.
Não me importava desde quando ela conhecia Magda, nem mesmo me
importava que ela fosse voltar à Tribo que amava. Seu escudo havia se
rompido e não podia esquecer o que havia conseguido descobrir sobre ela. E
não havia dito uma frase barata quando lhe disse que sentia como se já nos
conhecêssemos. Algo em mim, alguma coisa reconheceu algo nela.
Mas eu não era estúpido.
Sabia que ela nunca admitiria, e não apenas porque eu era um Drake e
da Realeza. Ainda me sentia estranho ao pensar em mim mesmo como
alguém da Realeza. Eu era um dos muitos garotos Drake, com um rosto
bonito e uma boca inteligente. Não me destacava particularmente, não tinha
habilidade com os computadores como Connor, o gancho direito de Quinn,
ou o dom de Marcus para os negócios. Sou apenas o que se veste melhor.
— Posso assumir que você não está tentando me matar? — perguntei-
lhe enquanto corríamos, deixando a garra de cachorro para trás;
— Não fiz esse encanto. — disse Isabeau. — Mas quero saber quem
está desgraçadamente, tentando sujar meu nome.
— E me matar. — lembrei-lhe secamente.
Ela parecia distante e fria, mas eu podia ver a tensão de preocupação
sob seu delicado rosto. Nunca tinha conhecido ninguém mais autossuficiente
do que ela, correndo junto ao seu cachorro, sua espada presa em suas costas.
Magda me deu um olhar assassino, o qual eu ignorei. Alguém se materializou
ao meu lado.
— Jen, fique aqui. — eu lhe disse. A última coisa que precisava era
alguém nervoso como ela, irrompendo em território Hound. Ela estava
armada até os dentes, estacas lotando a cinta de couro que se ajustava
apertada entre seus peitos e havia adagas em seu cinturão.
111
— Alguém tem que vigiar suas costas. — disse teimosamente.
— Eu vou ficar bem. — insisti irritado. Não era como se eu fosse
Solange com algum vampiro louco de amor vindo atrás de mim, ou um
menininho. Podia cuidar de mim mesmo. Tenho dezoito anos, pelo amor de
Deus!
— Você é da Realeza. — disse me seguindo pelo bosque escuro. — Eu
sou uma Guarda Real.
Suspirei irritado. Não tinha tempo para encantá-la ou tirá-la de cima
de mim. — Muito bem. — rebati. — Mas vamos ser os convidados dos
Hounds, portanto não procure uma briga.
— Contanto que eles não comecem nada, eu também não.
— Preciso que você jure.
Seus olhos azuis brilharam. — Eu juro.
— Menos conversa. — Isabeau nos disse novamente. — Mais ação.
Ela estava correndo como um relâmpago pelo bosque, como um
cometa, sua pele pálida brilhava ligeiramente quando a luz da lua abria
caminho através das grossas árvores. Ela não tinha ideia de quão linda
estava, mesmo sinistra e mortal como estava neste momento.
E provavelmente não deveria ver sua bunda tão detalhadamente, mas
não podia me impedir.
O bosque ficou em silêncio por causa da nossa aproximação. Cinco
vampiros movendo-se rapidamente podiam silenciar até mesmo as cigarras.
Uma coruja piou em uma árvore, mas não voou. Eu não sabia o que esperar
nas cavernas dos Hounds. Ninguém tinha colocado os pés lá em quase um
século, sem ser convidado, mesmo quando eles estavam em cavernas
reservas e não na residência principal. Eu tinha ouvido histórias sobre os
selvagens Hounds desde que era pequeno. Isabeau tinha sido uma surpresa
para todos nós. Finn também, que agora pensando bem, já era tecnicamente
um Hound, absolutamente. Ele tinha optado por aliar-se a eles e eles o
haviam permitido. Eu não tinha certeza qual parte era mais estranha.
Ficamos perto da montanha, beirando os enormes carvalhos. O vento
era quente, inclusive aqui. Agosto quase havia terminado; logo as folhas
mudariam de cor e cairiam. Isto tornava mais difícil permanecer sem ser
detectado no bosque, mas não impossível.
112
— Vocês cheiram algo? — Magda perguntou repentinamente,
parando e franzindo o cenho. Ela cheirou o ar como um gato desconfiado.
Sua expressão estava em branco. — Sangue.
Minhas narinas queimaram. Definitivamente sangue. Muito dele.
Apesar da situação, meu estômago queimou. Minhas presas estenderam-se
instintivamente.
— E mais alguma coisa. — acrescentei, ouvindo um som como gelo em
um copo. — Alguém ouviu isso?
Isabeau assentiu gravemente. Movi-me para mais perto dela, apesar
de Magda tentar me bloquear. Ela agia como se eu fosse uma ameaça, como
se eu estivesse tentando estacar Isabeau quando ela não estivesse olhando.
Como se eu pudesse e como se Isabeau não pudesse me deter. Não sei o que
dizia isso sobre que tipo de classe de pessoa eu havia me transformado que
ela provavelmente poderia chutar meu traseiro se quisesse. Ela podia
parecer uma boneca de porcelana, mas eu sabia por experiência própria, que
era dura como as lanças de ferro. Teria que encontrar uma forma mais
agradável de lhe dizer isso. Eu não acho que esteja acostumada a elogios,
mas eu podia muito bem começar a conseguir que ela se sentisse confortável
com isso, porque eu tinha planejado elogiá-la e muito. Tão logo ela deixasse
de me olhar como se estivesse tentando descobrir alguma coisa, que era o
que eu realmente queria.
Que era ela. Apenas ela.
Quase me queixei em voz alta. Ter uma tia que havia dormido com
Byron53 e insistido em que lêssemos todos os poetas românticos, teria
apodrecido, obviamente, meu cérebro. Meus irmãos não me deixariam viver
se soubessem que eu havia me apaixonado por uma princesa Hound depois
de apenas uma noite, sem sequer beijá-la. E eu ainda não tinha intenção de
dizê-lo. Você não sobreviveria a cinco irmãos mais velhos e uma mais nova,
dando na cara sobre coisas como esta. Era uma habilidade básica de
sobrevivência.
Deslizamos em torno de uma alameda de pequenos carvalhos em um
reduzido espaço. Era o mesmo de onde tínhamos observado ao Host ferido,
depois que Solange recebera o presente de Montmartre. Isso não podia ser
uma coincidência. Vi o brilho de reconhecimento no rosto de Isabeau.
53Lord Byron: Foi um poeta inglês, considerado um dos escritores mais versáteis e importantes do
Romantismo.
113
Mas não tivemos tempo de falar dele.
No inicio, nenhum de nós sabia o que dizer. Eu nunca tinha visto nada
igual. O cheiro de sangue era tão forte, que de fato, tive que tampar meu
nariz até que me acostumasse a ele. Os músculos da parte de trás do meu
pescoço estavam tensos.
A grama alta era uniforme, pontilhada de flores silvestres. A lua a
deixava tudo prateado, como se estivesse molhado. Não havia corpos,
nenhum ser humano ou animal drenado, sem sinais de luta.
Apenas garrafas abertas por toda parte, penduradas em cordas e
arames nos galhos. O som que eu havia escutado era o tilintar do vidro
tocando vidro quando a brisa agitava o macabro vento campestre. Havia
dezenas delas.
— O que diabo é isto? — Jen murmurou.
Cada uma delas, desde as garrafas de vinho verde até frascos de
geleias, estava cheio até a borda de sangue. Fresco, sangue quente. Todos os
nossos dentes estavam para fora agora, os dois de Isabeau, inclusive os
antigos opalas afiados de Finn. Eu dei um passo para perto de uma garrafa
de suco, engolindo um bocado. Daria tudo para prová-lo. A mão de Jen bateu
em meu braço, me forçando a retroceder.
— Poderia estar envenenado. — disse.
Ela estava certa. Todos nós congelamos. Isabeau virou-se fazendo um
circulo lento sobre seu calcanhar. — Cheira familiar, mas não está
envenenado. — disse por último, em espécie de espanto horrorizado em sua
voz francesa.
— Não está? — repeti.
Ela negou com a cabeça. — É uma armadilha. — disse. — Igual a uma
jarra de água com açúcar para atrair as abelhas para longe da cozinha.
Franzi o cenho. — Uma armadilha para quem? Nós?
— Oui. — ela alcançou sua espada justo quando Charlemagne rosnou
com a parte de trás de sua garganta.
Hel-Blar.
Estavam por toda parte. Nós teríamos que tê-los ouvido se não tivesse
sido pelo ar saturado de sangue ao nosso redor. Tinham um cheiro muito
114
característico: putrefação, mofo e fungos. Sua pele azulada os fazia parecer
machucados. Cada dente em sua boca era uma presa, afiada até a ponta
como a ponta de uma agulha. E sua mordida era contagiosa.
E vinham até nós através das árvores como os rios de primavera
correndo no mesmo lago, como besouros azuis mortais na fruta caída.
Maldição, se eles acreditavam que eu ia ser um pedaço de maça madura
esperando para ser devorado.
— Merda. — tratei de pegar uma de minhas adagas. Não havia parado
para pegar uma espada, o que foi estupidez. Tinha pensado que uma adaga e
um molho de estacas seriam suficientes.
Realmente estupidez.
Não tinha sentido correr, já que não havia caminho claro na pradaria.
Podíamos ouvir os grunhidos e assobios, cuspindo como animais raivosos.
Isto fez a minha mandíbula se apertar. O sangue não apenas estava nos
tentando do modo em que estava, estava nos deixando loucos.
— Alguém queria que eles nos atacassem. — disse aos demais. —
Alguém sabia que viríamos por este caminho.
— Host. — Isabeau concordou, com uma voz como inverno nas
planícies. — Quem atacou Kala deve ter planejado isso.
Eu saltei próximo a ela, caindo atrás para proteger suas costas antes
que os Hel-Blar chegassem até nós. Ela lançou-me um olhar, meio surpresa e
meio agradecida. A lua brilhava sobre sua espada e sobre o ferro na malha
costurada no couro de sua túnica sobre seu coração. — Fique perto. — eu
lhe disse.
Ela bufou. — Eu tenho uma espada e você uma faca de manteiga.
Manter-se perto é sua única opção.
E então realmente não havia mais tempo para piadas geniosas.
O desconcertante som que o ar fazia, como se este cortasse ao redor
deles, me fez compreender as velhas superstições sobre vampiros
transformando-se em morcegos. Eu mostrei minhas presas. Tinha toda
intenção de arrancá-los do mesmo céu, se tivesse que fazê-lo. A primeira
onda bateu forte, mas pelo menos a metade deles estava distraída com as
garrafas balançando-se sobre nossas cabeças. Eles as esvaziaram, engolindo
freneticamente como se fossem garotos em uma festa de uma fraternidade.
O sangue escorria por seus queixos, pendendo nas flores. Isto foi apenas por
115
um momento muito rápido e então todos eles queriam matar e não ser
dissuadidos por garrafas de sangue de vaca.
A luta foi rápida e selvagem. Nós tínhamos a habilidade do nosso lado,
mas éramos superados em número. E os Hel-Blar tinham o frenesi da
batalha como arte. Matei um antes que ele pudesse se aproximar demais,
mas perdi minha estaca na grama alta. Estava muito longe para que pudesse
recuperar minha arma sem deixar Isabeau sem vigilância. Mas eu tinha mais
duas estacas.
— Merda, não seja um mártir. — Jen gritou para mim por entre
dentes. Ela me jogou uma de suas espadas. Ainda tinha um na mão e outra
na cintura.
— Obrigado! — peguei-a sorrindo. Já me sentia melhor. Então me
joguei na luta, mesmo sendo um espadachim enferrujado.
— Ameixas reais prontas para ser colhidas. — disse um deles com
desprezo. Uma garrafa vazia estalava sob suas botas. — É esta a forma que
vocês têm para decorar os arredores para suas festas luxuosas?
Então eles não tinham sido enviados apesar de tudo, foram apenas
atraídos e manipulados sem saberem.
Isso era algo a se pensar...
Uma estaca roçou meu ombro esquerdo, deixando uma queimadura
em carne viva em seu trajeto.
... Depois.
— Porra Logan!! — Isabeau gritou. — Presta atenção. Franchement54.
— acrescentou em Francês. Percebi pelo tom que isso não significava
“amante carinhoso”.
Ela ficou rígida e bloqueou o ataque de um guinchante Hel-Blar. O
braço dele, agora solto, navegou pelo ar e aterrissou com um ruído seco. Este
ainda agarrava uma estaca longa encharcada em veneno. Eu podia cheirá-lo,
como sal, ferro e óxido. Afastei-o com um chute.
54Franchement: Francamente.
116
Jen havia despachado dois deles e Magda estava gritando com um
como uma psicótica banshee55. Ela podia parecer como uma Fada das flores,
mas também tinha uma boa pontaria. Poeira levantou-se diante dela e ela
virou-se para o próximo. Jen estava perto, esfaqueando com arrogância letal
em cada golpe.
Uma Hel-Blar empurrou sua adaga para mim. Eu lhe chutei,
quebrando seu pulso. A adaga caiu, ela gritou e então saltou por sobre minha
cabeça. Nós dois caímos no chão. Uma garrafa soltou-se de sua corda e caiu
sobre minha cabeça. O sangue escorreu para o chão.
A Hel-Blar mostrou as presas que brilhavam como agulhas. Eu
encaixei meu cotovelo debaixo de seu queixo e ela quase mordeu sua
própria língua. A saliva caiu em meu pescoço. Lutei fortemente até que me
estabilizei o suficiente para conseguir liberar minha perna para me livrar
dela.
Saltei sobre meus pés. Mais tarde, me sentiria mal por tê-la matado.
Neste momento o ensinamento de minha mãe era muito forte, mais forte até
do que as atenções cavalheirescas que o resto de minha família havia me
incutido. Eu poderia usar Levita e recitar poesia melhor do que as
estatísticas esportivas, mas sabia as regras: lute e sobreviva. E os Hel-Blar
não faziam prisioneiros.
Jen era a prova disso.
Mal tive tempo de me virar e o Hel-Blar que estava lutando com ela,
pegou suas pernas por debaixo e enterrou a ponta afiada de uma estaca em
seu peito.
— Filho da puta! — gritei, usando a espada emprestada de Jen para
arrancar sua cabeça para fora de seus ombros. Então apunhalei seu coração,
empurrando através de sua caixa torácica. Mas Jen estava reduzida a cinzas,
em top de pétalas primaveris e roupa estampada com o brasão Drake. Eu
nem sequer podia parar para chorar por ela ou me odiar por ser a razão pela
qual ela estava aqui em primeiro lugar.
Isabeau estava cansando, eu podia ver o arco em seu braço da espada,
ainda mortal, mas infinitesimalmente mais lento. Magda estava mancando,
segurando a si mesma sobre a espada roubada, com o cabelo sujo de sangue.
Não íamos nos manter neste ritmo por muito mais tempo.
55Fada maligna que anuncia a morte da mitologia escocesa.
117
— Temos que sair daqui. — disse a Isabeau. — Agora. Pulando nas
árvores talvez.
— Charlemagne não pode voar. — disse ela, e eu sabia que esse era o
final de um plano meio arquitetado. Isabeau nunca deixaria seu cachorro.
Ela deitaria no chão e seria estacada antes disso.
— Muito bem — disse, pegando a espada de Jen debaixo de sua roupa
vazia e derrubando sorrateiramente uma garrafa de sangue em minha
camisa. — Então, faremos de outra maneira. — saí do circulo de segurança
que eu, Isabeau e Magda havíamos formado.
Isabeau sussurrou para mim. — O que você está fazendo?
— Salvando seu lindo traseiro. — sussurrei-lhe de volta. Então sorri
com meu sorriso mais arrogante para os Hel-Blar. — Sabiam que o sangue
Real é mais doce? — levei a lâmina até o interior do meu antebraço,
cuspindo um palavrão. Nos filmes ninguém mencionava quanto tinha que se
cortar para abrir uma maldita ferida. Levantei meu braço, o sangue
pingando por meu cotovelo e respingando sobre o chão. A maioria dos Hel-
Blar parou, virando-se para me olhar, famintos.
Para que isso fosse uma missão de resgate e não uma missão suicida,
eu ia ter que me mover rápido.
— Venham e me peguem. — gritei para eles antes de me lançar dentro
das sombras entre as árvores, longe de Isabeau e as cavernas da montanha.
Ouvi sua ladainha de xingamentos, todos em Francês e todos vindos a plenos
pulmões. A maioria dos Hel-Blar me seguiu, impulsionados pela sede de
sangue. Não eram exatamente estúpidos, apenas imbecis quando se tratava
de se alimentar. Apenas alguns poucos ficaram para lutar contra os outros,
com o que, me senti seguro de que eles podiam lidar.
Assegurei-me de que meu sangue pingasse por toda parte, deixando
um rastro que até um cachorro cego e sem olfato pudesse seguir. Um
maldito desperdício de sangue também. Os Hel-Blar se moviam tão rápido
que mal podia ouvir seus passos. Eu os ouvia deslizando como os insetos.
Eram realmente bons na perseguição.
Portanto, eu só teria que ser melhor em escapar.
Empurrei minhas pernas tão rápido quanto pude, até que o bosque
tornou-se embaçado, com manchas de cor verdes e pretas em ambos os
lados. O fedor de putrefação caía pesado no ar quente. Quando estava certo
118
de que estavam distraídos pelo voo, inclinei meu braço e apertei o interior
contra meu bíceps para parar o fluxo de sangue. O corte já estava
formigando bastante, o que significava que estava sarando. Não queria
deixar um rastro sem fim, já era hora parar por aqui.
Desacelerei ligeiramente, no interesse da precisão. Joguei a garrafa
para um lado, me assegurando que esta rolasse pela ribanceira, derramando
seu conteúdo sangrento. Depois fui em direção oposta. Ziguezagueando um
pouco até que estive certo de que estava fora de vista de qualquer um de
meus perseguidores e então subi em uma árvore de carvalho. Movi-me até a
árvore seguinte e seguinte e a seguinte, antes de encontrar um galho grande
o suficiente para ter certa confiança. Olhei para baixo, dentro do verde
escuro, em busca de pele tingida de azul e dentes pontudos.
Havia pelo menos três Hel-Blar movendo-se através das altas
samambaias. Pinhos e galhos rangiam sob seus pés. Eles não estavam
tentando ser silenciosos desta vez. Seus dentes brilhando. Um deles parou,
cheirou o ar de uma forma surpreendentemente delicada.
— Ele está aqui.
Coloquei minhas mãos em minha espada e me movi ligeiramente.
Provavelmente poderia saltar para baixo e cair sobre sua cabeça se
calculasse corretamente.
Em troca, ele chilreou e se transformou em cinzas. Uma estaca caiu na
grama onde ele estava de pé. Seu companheiro se virou e caiu também.
Isabeau abriu passagem pelos arbustos, parando sob minha árvore. Ela me
olhou, seu rosto era ilegível.
— Não volte a fazer isso.
119
Capítulo Treze
Nunca havia visto tantos cães em toda a minha vida.
Embora não soubesse o que esperar, o silêncio; asseguro, não estava
nos meus planos. Havia entradas na caverna, a principal estava guardada
por dois Hound com rottweilers. Os rottweilers pareciam mais felizes de me
ver que os Hound. Eles riram de mim, mas em frente à Isabeau se inclinaram
com respeito.
Dentro havia uma ampla abertura que conduzia à parte traseira e
para várias portas esculpidas na rocha em ambos os lados. Alguns destes
foram resguardados com portões de ferro negro, o tipo que você encontra
nas cavernas da Europa antiga.
— Lares particulares. — explicou Isabeau, com tom cortante. Sua
testa estava marcada pela preocupação. Correu pelo corredor principal,
desceu algumas escadas e logo saltou por uma estranha pedra de borda.
Foi bonito.
Toda a sociedade vampírica havia murmurado sobre os Hound, como
se vivessem em buracos e tocas na terra, como texugos. Mas esse tipo de
caverna parecia saída do set do filme Senhor dos Anéis e encaixava com o
apelido que eles mesmos haviam se colocado, CWM Mamau. As tochas e
fogueiras mantinham a umidade longe e pegavam o brilho das ametistas e
quartzo incrustados nas paredes como vaga-lumes piscando em um frasco.
As pinturas de ocre vermelho de cães e pessoas com chifres sobressaiam sob
as luzes das tochas. À nossa direita, uma cachoeira caindo em uma piscina de
água azul leitosa. Havia pelo menos duas dezenas de cães, que levantavam a
cabeça quando passávamos. Pegamos as escadas irregulares, que foram
esculpidas por um caminho sinuoso. Isabeau praticamente saltou os últimos
degraus, correndo para uma mulher que estava deitada sobre um leito de
peles na piscina subterrânea.
— Kala!! — gritou.
120
Kala era a infame shamanka Hound que, conforme os rumores, tinha
cães bruxos e poderes mágicos. Também era a coisa mais próxima que
Isabeau tinha de uma Rainha, ou uma mãe. Possivelmente ambas as coisas. A
anciã tinha um cabelo comprido branco preso em tranças e rastas; dele
pendiam contas de ossos talhados de rosas e caveiras. Tinha tatuagens azuis
com padrões espirais fortes que iam desde sua fronte esquerda através de
seu braço e clavícula. Seus olhos eram tão pálidos que eram quase incolores.
Havia sangue em seus dentes quando sorriu.
— Isabeau.
Os Hound saíram das grutas e rincões como mariposas que se
convergem para uma chama, para nós. Mantive minha mão sobre minha
espada pronta, mas não a desembalei. Tratei de dar um dos meus mais
encantadores sorrisos.
Nada.
Troquei de posição para não empurrar Isabeau se tivesse que lutar.
— Este é seu homem? — Kala sussurrou com voz rouca. Isabeau me
lançou um olhar.
— Este é Logan Drake. — disse. — Logan, ela é Kala.
— Encantado em te conhecer. — meu treinamento era tal que poderia
me inclinar para fazer uma reverência enquanto, ao mesmo tempo, manteria
o controle sobre minha arma.
Kala riu. Não havia outra palavra para descrevê-lo.
— Eu te disse que os ossos não mentem nunca. — disse. Teria jurado
que Isabeau ruborizou. Magda a olhou bruscamente e depois para mim.
— O que? — perguntei.
— Este não é o momento. — murmurou Isabeau. — E não é assim.
Não sabia do que estava falando mas ante a dúvida, eu estaria de
acordo com ela.
Isabeau retirou uma mecha do rosto de Kala. — Onde você está
ferida? O que aconteceu?
Kala lhe afagou o braço. — Vou ficar bem. É apenas um pouco de
sangue e meu tornozelo já está se restabelecendo. Não tinha que voltar.
121
— Sim, tinha. — contestou Isabeau com firmeza. — Quem te fez isso?
Host?
Ela suspirou. — Sim. Fui colher cogumelos sagrados para o chá e eles
me emboscaram.
Se ela precisava de cogumelos, quase disse, ela bem que poderia ter
conseguido o que queria enquanto vagava pelas ruas de Violet Hill à noite.
Violet Hill não era nada se não um povoado hippie progressista.
— Foi sozinha? — Isabeau franziu o cenho. — Devia ter levado
alguém com você, Kala, você não é boa em uma luta.
Surpreendeu-me ouvir isso. Já que presumi que a líder de uma feroz
tribo seria mortal com todas as armas inimagináveis.
— Apenas porque sou uma vampira não quer dizer que sou uma
guerreira. — disse Kala para mim. Estava claro que tinha outros talentos,
como ler a mente.
— Reconheceu alguns deles? — perguntou Magda.
Kala se endireitou, reacomodando-se contra a parte superior de um
enorme cachorro negro de raça indeterminada. — Não, havia muitos deles.
Suas auras eram estranhas e me distraíram. Os cães os afugentaram antes
que pudesse conseguir uma boa olhada. Oh! Olá, garoto. — adicionou
quando Charlemagne lambeu um lado de seu rosto. — Poderiam ter me
estaqueado. Eles decidiram não fazê-lo.
Isabeau sentou-se sobre os calcanhares. — Merda. — olhou meus
olhos com preocupação. Tive que segurar o impulso de colocar minha mão
sobre seu ombro para confortá-la. Provavelmente ela quebraria meu braço
se o tentasse. Porra, e isso me fazia gostar dela ainda mais. Estava fodido por
completo. — Se não queriam matar a Kala, então sua intenção foi criar uma
distração.
— Para nos tirar das cavernas reais e colocar-nos sobre a armadilha
dos Hel-Blar.
— Não gosto de ser uma marionete. — Isabeau disse sombriamente.
— Não pensei gostasse. — lhe disse secamente.
Ela se colocou de pé. — Está certa de que está bem? — perguntou
Isabeau a Kala.
122
Kala assentiu. — Vou ficar bem.
— Então tenho que ir e pensar. — disse mais para si mesma, antes de
partir, Charlemagne permaneceu a seu lado, como sempre.
Magda ia segui-la, mas Kala a deteve. — Deixe-a. — disse ela, mas seu
olhar se dirigia para mim. — Fedem a vaca. — murmurou Kala para nós. —
Que diabos têm feito?
— Caímos em uma armadilha. — disse Magda com amargura.
Choramingando, virou-se para mim. — Por sua gente.
Todos os Hound se voltaram para mim, mostrando os dentes. Eu
estava dolorosamente ciente do meu único par de presas. Cerrei os olhos
para Magda. Havia sido educado por ser amável com as garotas, mas ainda
assim, tinha vontade de estapeá-la. Estava certo de que Byron ou Shelley56 o
teria desejado também.
— Não colocamos a maldita armadilha. — falei. — Porque dançaria
uma valsa no meio de uma armadilha mortal se sabia que estava ali?
— Não foi feita para você estar ali. — disse. — Sua família pode tê-la
posto sem que você soubesse.
— Os Drake não enviaram os Hel-Blar atrás de vocês. — enfureci-me,
meu temperamento queimava. — Temos tratado-a com muita cortesia. E sou
eu que estou marcado por algum tipo de feitiço assustador de Hounds.
Era curioso como aquele agudo silêncio poderia ser descrito, como
uma agulha raspando sua pele.
Kala se levantou para se sentar em frente à uma grande pedra pintada
com espirais triplos. — Qual feitiço garoto?
— A pata do cão. — lhe disse. Estava começando a sentir verdadeira
preocupação. Não tive muito tempo para pensar nele com o ataque dos Hel-
Blar e no começo pensei que era apenas uma forma de me assustar. Mas
estava esquecendo que essas coisas mágicas realmente poderiam funcionar.
Não é nada agradável, na realidade.
— O tem com você? — perguntou Kala. Seus olhos brilhavam
56Percy Shelley: Foi um escritor, ensaísta e poeta romântico. Shelley é famoso por obras tais como Ozymandias,
Ode to the West Wind, To a Skylark, e The Masque of Anarchy, que estão entre os poemas ingleses mais
populares e aclamados pela crítica.
123
intensamente, como o gelo se derretendo em uma lagoa na primavera.
— Não.
— Isso o fará mais difícil de quebrar, mas não impossível. Está certo
de que estava dirigido para você?
— Isabeau disse que sua marca estava nele.
— Está acusando Isabeau? — Magda perguntou indignada. — Veja o
que a lealdade significa para alguém da sua Família Real. — ela espetou.
— Nunca acusei Isabeau. — gritei. — Eu nem sequer sabia que era sua
marca até que ela me disse.
Mas ela já estava balançando um punho sobre mim que quase colidiu
contra mim. Aborrecido por ter sido pego de surpresa com meus reflexos
lentos. Seu punho roçou meu ouvido, enquanto eu me virava tentando não
lhe dar as costas. Não retribui seus socos, não podia, era uma garota embora
uma louca descabelada. Mas a fiz tropeçar e me senti muito bem por isso.
— Porra. Qual é seu problema agora? — lhe gritei.
— Isabeau é muito boa para você! — ela gritou. — E você a levará
para viver em sua Casa Real estúpida.
Eu estava muito aturdido para me esquivar do próximo golpe. Mas
apenas o senti.
— Levar Isabeau para casa? — repeti. — Ela esqueceu-se de me dizer
essa parte.
— Como esqueceu que os ossos disseram que ia encontrar seu
consorte dentro da Família Real. — tentou me quebrar a rótula com o pé,
mas eu me afastei.
— Está louca! — lhe disse. Não podia negar que estava intrigado, é
claro, não podia negar que gostava da ideia de Isabeau prometendo-se a
mim e eu a ela. Embora soubesse que ela era muito espinhosa e
independente para me amar apenas porque sua shamanka o havia dito. Mas
ainda assim.
— Quer ler os ossos para mim? — perguntei para Kala, esquivando de
uma vasilha que Magda lançou em minha cabeça. Quebrou em pedaços
contra a parede. Um dos cães perseguiu aos fragmentos, com a esperança de
conseguir um bocado.
124
Kala bufou uma risada.
— Vem aqui, menino. — pegou um punhado de ossos pintados de uma
bolsa em seu cinturão. Parecia um cruzamento entre runas e espirais. Não
pude decifrar tudo. Ela as entregou para mim. — Sacuda entre suas mãos em
conchas e depois os jogue no solo entre estes dois cristais. — ela colocou os
dois cristais.
— Kala, você não está bem. — protestou Magda. — Este estorvo Real
pode esperar.
Ela tinha um ponto, por muito que odiasse admitir.
Kala apenas fez gestos com as mãos para se calar. — Jogue-os! —
gritou ela para mim. Os joguei mais por reflexo, o chicote agudo de sua voz
me sobressaltou. Porque todas as senhoras de idade que eu conhecia tinham
uma voz assustadora? Os ossos caíram e se esparramaram no solo poeirento.
Para Kala ao que parece estes ossos contavam uma história. Alguns
dos outros Hound se aproximaram, esticando a cabeça para ver melhor.
Houve murmúrios, um grito de assombro. Magda franziu o cenho como se
houvesse chutado um cachorro. Kala assentiu com ar de arrogância.
— O vê agora? Todos vocês veem. Este é o garoto. — eu não vi nada
absolutamente.
— Vá correr com os cães. — me mandou, como se isso fosse de grande
ajuda. Logo tossiu e cuspiu saliva com sangue entre os lábios.
— Deixe-a em paz agora. — me alfinetou Magda, recolhendo as pedras
de Kala e me dando as costas para me bloquear.
125
Capítulo Catorze
Encontrei Isabeau sentada sobre uma pedra sob as estrelas e um
pinheiro atrofiado. Subi em direção a ela, afastando seixos com minhas
botas. Havia alguém muito grande sentado à sua esquerda, todo pelos e
imensidão.
— Que diabo é isso? — perguntei.
— É um cachorro. — ela respondeu de forma casual.
— Isabeau, isso não é um cachorro, isso é um alce.
Ela meio que sorriu. — É um Mastim Inglês57. Seu nome é Ox-Eye58
Ox-Eye levantou a cabeça. Tinha visto cavalos muito menores.
— Ox-Eye, porque ele se parece com um boi? — perguntei, agachando
ao seu lado.
— Não, é porque ele é como a margarida.
— Você chamou esta besta com o nome de uma flor?
Ela acariciou-lhe a orelha carinhosamente. — Ele é muito educado.
Très sympathique59.
— Claro que é. — disse duvidando. Ela esfregava um pedaço de seda
desbotada entre seu polegar e indicador. Ele estava desfiando nas barras. —
Seu amuleto de sorte? — perguntei em voz baixa.
Fez uma pausa e deslizou o tecido em sua manga. — Sim, acho que
sim. Pensei que tinha perdido há muito tempo. 57Ou mastiff inglês ou simplesmente mastiff (em inglês: English Mastiff) é considerado uma raça de cães
tradicionalmente inglesa. Seu antepassados devem ser buscados entre os mastins assírios, descendentes por
sua vez do mastim do Tibete.
58 Ox-Eye: tradução literal: ‘Margarida’. Faz referencia a uma flor.
59Très Sympathique: Muito simpático.
126
— O que aconteceu Isabeau? — perguntei.
— O que você quer dizer?
— Isabeau. — eu não tinha certeza de como sabia, mas tinha certeza
de que tinha algo mais em jogo. Ela mordeu o lábio inferior, finalmente
parecendo uma garota de dezoito anos.
— Eu usava este amuleto de sorte, como você chama, no dia em que
morri. No dia em que me transformaram e me deixaram morrer, eu diria. —
disse soando triste; amargurada e muito frágil, de uma maneira que eu
nunca pude imaginar. Fez-me querer encontrar o bastardo e arrancar sua
cabeça diretamente de seus ombros. — Não o via desde essa noite.
Franzi o cenho. — Onde o encontrou?
— No bosque, fora dos limites de sua casa. — ela respondeu. —
Quando rastreávamos o Host.
— Merda.
— Oui. Foi deixado para mim.
— Por quem?
— Greyhaven. Ou isso eu creio. Eu o usava na noite que ele me matou.
Remexi-me em meu assento. — Por isso você perdeu o controle
quando eles disseram seu nome ontem à noite no bosque.
— Oui. — disse novamente, com seriedade. — Ele está de volta. E
agora, finalmente, posso matá-lo.
— Isabeau, ele tem o que, trezentos ou quatrocentos anos?
— E?
— Portanto, você é quase uma recém-nascida, por maior que tenha
sido o tempo que foi deixada nesse túmulo. — eu realmente queria arrancar
a cabeça desse cara. — Você ainda não é forte o suficiente.
— Nós não somos como os outros vampiros, Logan. — insistiu
calmamente.
— Sim. Acredite em mim, eu te entendo. — arqueei a sobrancelha em
sua direção. Será que pensava que eu era um idiota?
127
— Antes eu não podia localizar Greyhaven. Sempre se matinha
distante dos assuntos de Montmartre. Não podia me aproximar dele, nem
sequer sabia se ele estava no mesmo continente. — ela voltou a pegar a seda
de cor anil. — Mas agora eu sei. Posso rastreá-lo.
— Como? Sei que você é boa Isabeau, mas ele é um dos principais
Tenentes de Montmartre. Até eu tenho ouvido falar de seu nome.
— Há rituais.
Passei a mão com força pelo meu cabelo. — Aposto que há.
— Agora tenho isto. Posso cheirá-lo nele.
— Mas para que? Simplesmente para ele zombar de você? Há algo
acontecendo aqui.
— Eu sei. — ela admitiu. — Mas não saberei se apenas me sentar aqui
e esperar que ele faça seu próximo movimento. O que eu posso fazer é voltar
para onde encontrei a seda e fazer funcionar o Dreamwalk.
— Dreamwalk?
— É algo assim como um transe. Parecido ao que vimos nas pinturas
rochosas.
— E onde, exatamente, você fará isso?
Ela fez uma careta. — No campo onde colocaram a armadilha.
Minha boca se abriu. — No campo onde enfrentamos os Hel-Blar e
tinha sangue por toda parte? É ali onde você vai deitar e entrar em transe?
— Oui.
— Wow. Essa é a pior ideia que já ouvi. E praticamente conheci Lucy
durante sua vida inteira.
— Você não entende.
Bufei. — Eu entendo completamente. Você está louca.
Ela encolheu os ombros. — Sou a serviçal de uma Shamanka. Isso é o
que eu faço.
— Você já notou que só diz isso quando está prestes a fazer algo
imprudente? — a suave luz da lua brilhou sobre suas inúmeras cicatrizes. —
128
Ele te fez isso? — surpreendeu-me que minha voz soara mais como um
grunhido. Ox-Eye levantou a cabeça com curiosidade.
— Non, os cachorros o fizeram.
Eu a olhei fixamente. — Teus próprios cachorros te atacaram?
— Não. — ela sorriu pela primeira vez, suavizando as apertadas
linhas de seu rosto. — Eles me resgataram. Os cachorros de Kala me tiraram
da terra. Eu nunca seria capaz de fazê-lo por mim mesma. Greyhaven apenas
me deu sangue suficiente para me transformar, não o suficiente para me
reviver. Fiquei inconsciente por séculos nesse caixão.
— Na França?
— Não, eu fui enterrada em Londres, no terreno particular de meu tio.
— E Kala foi atrás de você?
— Não, ela nunca deixa as montanhas, ou este bosque. É seu centro de
poder e os cachorros são seus Totens, por assim dizer. Para todos nós.
A única razão pela qual eu podia entender o que ela estava me
dizendo, era por Lucy e seus pais. Lucy falava de totens e auras e rituais de
lua cheia, da mesma maneira em que as outras pessoas falavam de aulas de
balé e churrascos de verão.
— Então quem te encontrou?
— Ela enviou Finn através do oceano, com três de seus cachorros de
maior confiança. Eles têm uma forma de chamar a outros cachorros para que
se unam. Finn me disse que no momento em que ele me encontrou no
cemitério de Highgate, tinha quase uma centena de cachorros de rua lá
também.
Eu podia imaginar: Névoas no meio da noite em um antigo e luxuoso
cemitério no inicio do século; Londres sob a luz das tochas, o som dos
cavalos e carruagens por cima dos muros. Ela usando uma espécie de traje
de noite com cintura acentuada, pérolas em sua garganta e suas luvas até o
cotovelo.
Ela era feita totalmente para mim.
— Então os cachorros me encontraram e me desenterraram. Lembro-
me do som de suas garras e seus dentes mordendo meus braços. O ar
finalmente era real e podia respirá-lo. Aí foi quando eu percebi que, na
129
realidade, eu não respirava e que não estava despertando de algum pesadelo
na casa de meu tio em 1795. Eram duzentos anos mais tarde e nada tinha
sentido. — ela tremeu, seus olhos estavam distantes.
Eu tinha pensado que nossa transformação era ruim, mas sabíamos
que ia acontecer e nossa família tinha tido muitos séculos para adaptar-se e
preparar-se. Ficávamos doentes e fracos, e alguns de nós, às vezes, ficava a
ponto de morrer; mas normalmente tínhamos sangue perto e melhorávamos
rapidamente. E nos transformávamos em vampiros, e tudo voltava a ficar
bem, muito melhor do que quando não éramos não mortos. De fato, a única
preocupação de Connor tinha sido se ele teria que começar a se vestir como
eu. Eu o havia presenteado com um casaco longo negro de veludo para seu
aniversário neste mesmo ano e ele o tinha pendurado na parte traseira de
sua porta, para que fosse a primeira coisa que veria quando acordasse.
— Finn me deu sangue para beber. — Isabeau continuou. — Pensei
que ele estava doido. Ele teve que me forçar a bebê-lo e eu finalmente acabei
vomitando em suas botas. Depois de uma hora, eu estava tão sedenta que
teria bebido um barril de sangue. Ele me trouxe aqui tão logo fiquei bem o
suficiente para viajar em um barco com um dormitório sem janelas e com
um Capitão que não fez perguntas. Logo que vi Kala sabia que finalmente
estava em casa.
Assobiei. — Então, não é apenas uma história que nos contam para
assustar? — ela negou com a cabeça. Estendi minha mão e passei um dedo
sobre uma de suas cicatrizes em forma de meia lua que estava por cima de
seu pescoço. Esperei o momento em que ela afastasse meu braço, ou ao
menos que se afastasse de mim. Mas ela continuava ali.
— Sua tia acha que minhas cicatrizes são horríveis.
E não é que fossem boas, também. — Você falou com minha tia
Hyacinth? — fiquei boquiaberto. — E com isso eu quero dizer, a tia Hyacinth
realmente falou com alguém?
— Sim. Ela parece..., angustiada.
— Essa é justamente a palavra. Ela mal sai de seu quarto desde que os
bastardos desertores dos Hélios Ra lhe queimaram com água benta e a
deixaram quase morta. Ela não fala com qualquer um de nós e
absolutamente nunca mais levantou seu véu. Nem sequer para tio Geoffrey,
quem é praticamente um médico. Você devia tê-la visto antes do ataque. Era
130
incontrolável, não se assustava com ninguém e era cheia de cortesia e modos
adequados.
— Portanto, é dali que veio.
— O que?
— Sua forma de se vestir, a forma em que se inclina em uma
reverência, como se estivesse no século dezoito.
— Acho que sim. — encolhi os ombros, perguntando-me se isso lhe
agradava ou não. Mas eu não ia perguntar.
— Se você tivesse me desenterrado em vez de Finn, não teria
percebido que não estava mais no século dezoito.
No geral, eu teria tomado isso como um grande elogio; mas com ela,
eu não estava seguro totalmente.
— Entre nossa Matriarca Madame Veronique e as lições medievais de
tia Hyacinth, eu suponho que era inevitável que isso se aderisse em um de
nós.
— Você é diferente de seus irmãos. — Isabeau insistiu. — Eles não se
comportam como você. Percebi isso de imediato.
— Notou isso nas poucas horas em que os viu? — e de nenhuma
forma, eu iria lhe perguntar quem ela achava que era o mais bonito. Quinn
sempre teve êxito com as garotas, ele sabia lidar com elas. Repentinamente
me deu vontade de bater em meu irmão.
— Não, mas você me parece simpático. — ela murmurou e
repentinamente o rosto de Quinn estava a salvo do meu punho. — Você é
como os garotos que conheci na França.
Eu não estava muito satisfeito com a palavra “garoto”.
— Não sei dizer, mas sentia saudade disso. — ela continuou, como se
estivesse surpresa por sua confissão.
Eu nunca antes tinha desejado tanto alguma coisa como naquele
momento, só queria beijá-la. Desejei tanto quanto desejei Christina Ricci
depois de ver Sleepy Hollow60. Eu gostava das garotas com espartilho. O
cabelo longo, preto e grosso de Isabeau, era como a cascata nas cavernas que
60Sleepy Hollow: Filme conhecido na Espanha e América Latina como “A Lenda do cavaleiro sem cabeça”.
131
estavam debaixo de nós, seus olhos verdes, seus braços cheios de cicatrizes e
sua cruel espada. Era quente. Até o último pedaço.
Decidi tomar minha vida em minhas mãos e me inclinei lentamente.
Sem pressa, dei-lhe tempo suficiente para que se afastasse, mas
implacavelmente, a distância entre nós, pouco a pouco foi se fechando. Ela
cheirava a chuva, terra e vinho. Se a tivessem servido em um copo, teria
bebido cada gota, até a última. Agora estava tão perto e ela ainda não havia
se afastado.
Queria enterrar minhas mãos em seu cabelo e trazê-la até mim, mas
sabia que ela ainda não estava pronta para isso. Ela era, um pouco, como um
animal selvagem, indomada, intacta e tão sem correntes, como um falcão no
céu. E eu não queria que isso mudasse.
Coloquei meus lábios sobre os seus e pareceu muito bom, correto.
Beijei-a profunda e lentamente, como se tivéssemos todo o tempo do mundo.
Sua boca se abriu e sua língua tocou a minha, com hesitação e doçura. Tive
que pressionar meus punhos para não tocá-la. O beijo ficou mais profundo,
mais selvagem, um de nós fez um pequeno som, mas honestamente, eu não
soube quem de nós foi.
E de repente, tinha uma cosquinha atrás da minha cabeça, uma onda
de calor ardente sobre meu corpo inteiro. Eu me afastei a contragosto. Sua
boca estava curvada com um de seus raros sorrisos.
— Está amanhecendo. — ela sussurrou
Alisei seu lábio inferior inchado com meu polegar. — Está
amanhecendo. — concordei.
O bosque estava ligeiramente menos escuro do que havia estado. Era
mais cinza do que negro.
— Deveríamos entrar. — ela disse; seus dois dentes sobressaiam
ligeiramente. E isso era sexy como o inferno.
— Você tem algum lugar seguro para que possa dormir? — perguntei.
Ela entrelaçou seus dedos nos meus. — Sim.
132
Capítulo Quinze
— Tenho que voltar a mencionar que essa é a pior ideia? Pela
centésima vez Isabeau girou os olhos. Charlemagne olhou como se estivesse
considerando também.
— Se te dissesse mil e uma vezes te convenceria?
— Não. — se escondeu de baixo de um ramo que se curvava baixo. —
Você me trata pior que a minha velha babá.
— Tenho um pouco de compaixão por sua velha babá — sussurrei.
Era uma bela noite, quente, cheia de estrelas e com o canto dos grilos e das
rãs. Flores brancas brilhavam no pasto. Era uma noite de poesia. Deveríamos
estar nos beijando. Muito. Ao invés disso, estamos saindo às escondidas das
cavernas até uma clareira empapada de sangue onde fomos emboscados, a
apenas vinte e quatro horas atrás. Realmente não era um encontro como
qualquer outro!
— Tudo vai ficar bem, eu garanto. — seu longo e negro cabelo
balançava em suas costas. — Só se trata de transe, nada com que deva se
preocupar.
— Sério? — perguntei sarcasticamente. — É por isso que estamos
escapando sem dizer a ninguém o que estamos fazendo, nem mesmo a
Magda?
— Não quero que se preocupem, e de todo modo ela não entenderia.
— Eu não entendo. — retruquei.
— Eu sei. Mas ainda assim está aqui, me ajudando. E não está
tentando me impedir.
Neguei com a cabeça. — Estou tentando te deter, só que parece que
nenhuma merda adianta.
133
Quando acordei junto á Isabeau em sua cova, sua mão em meu peito,
tinha pensado que essa noite seria muito diferente. Devia ter previsto algo
como isso. Isabeau não era suave nem mesmo nos sonhos. Bom, isso não era
exatamente verdade. Eu havia visto um flash da sua vulnerabilidade, depois
de tudo, um flash que estou certo nem se quer ela saber possuir Ela era a
criada da shamanka, toda guerreira e correta. Mas essa era sua casa e estava
suficientemente cômoda para perder algumas quantas capas de seu duro
exterior.
Seu quarto era simples, quase escasso. Um puff coberto por uma
manta e várias camas de cachorros nos cantos, grossas almofadas e uma
pequena pintura de um vinhedo francês. Não havia pôsteres de shows ou um
armário com vestidos de noite, só um baú com roupas, outro para suas
armas e uma caixa cheia de joias e amuletos de contas de osso. Tudo sobre
ela era diferente. E definitivamente ela havia me arruinado com as meninas
normais. Inclusive agora, enquanto espreitava através do bosque,
hipervigilante seguindo o fedor dos Hel-Blar ou sendo cuidadosa para se
houvesse um ataque de Host.
— Estamos perto. — murmurou.
— Eu sei.
Podia sentir a coceira no nariz, o forte odor de sangue seco. Cristais
vermelhos que brilhavam na vegetação rasteira. Charlemagne cheirou o
caminho a seu redor e logo se sentou; sua língua pendurada no canto da
boca. Era evidente que estávamos sozinhos. Que desperdício de uma noite
de luar! Segui seu olhar até um arbusto pisoteado, havia marcas de patas.
— Charlemagne?
— Não, há muitas e estão frescas.
Fiz um olhar mais atento. — Alguém veio aqui depois de nós só para
adicionar pegadas de cachorro? — e me detive seco, compreendendo. — É
para que acreditem que os Hounds fizeram o ataque, da mesma forma que o
fizeram com o feitiço de morte.
Ela assentiu mecanicamente. — Montmartre, provavelmente.
— Ele não quer que tenhamos um tratado. — estava de acordo. —
Prefere que lutemos uns contra os outros. — suspirei.
— E agora o que?
134
Ela caminhou pelo perímetro como fez Charlemagne, com a cabeça
inclinada, cheirando com o nariz suavemente. — Agora o ritual.
Franzi o cenho. — Está certa disso? Montmartre pode estar em
qualquer lugar. E nem sequer sabia que a magia era real até antes de seu
truque como feitiço do amor.
Ela negou com a cabeça, perplexa. As contas de osso em seu cabelo
ressonaram juntas. — Nunca vou entender como os vampiros podem
desconhecer a magia que está em suas próprias veias, em seus próprios
corpos.
Encolhi os ombros, incomodado.
— Eu posso fazer isso, Logan. — disse com confiança — Kala me
treinou para isto.
— O que acontece se algo sair mal? Não é como se eu pudesse agitar
uma varinha mágica sobre você. Não sou o Harry Potter.
— Quem?
— Não importa. — disse.
— Tudo o que tem que fazer para me acordar é dizer meu nome três
vezes. Se isso não funcionar, enterre minhas mãos na terra.
— Acho que não devia ter perguntado.
— Isso me trará de volta ao meu corpo. Honestamente, o que a sua
família te ensina?
Ela tirou ervas secas de uma bolsa presa em seu cinto e as jogou no
meio do prado. Poderia cheirar a menta, o cravo, a pimenta e algo
desconhecido. Tinha colocado um novo amuleto ao redor de seu pescoço:
esse era banhado de prata e estava enfeitado com sininhos e pérolas
vermelhas61 como gotas de sangue congeladas. Tinha símbolos gravados nas
pontas.
Depois sacou o que pareciam ser tíbias de sua mochila e as enterrou
na terra. Essas eram suaves, polidas e pintadas com mais símbolos. Uma
estava envolta em um fio de cobre e pérolas.
61No original Garnet Beads. São pedrinhas arredondas vermelha com as quais fazem joias.
135
— São de humanos? — franzi o cenho. — Os vampiros não deixavam
osso, só cinzas.
— Cachorro — respondeu. — E lobo.
— Oh. — não sabia o que mais dizer em relação a isso.
Recostou-se sobre os ossos, um estava em sua cabeça, o outro em seus
pés. As árvores que nos rodeavam brilhavam com garrafas quebradas. Seus
braços estavam desnudos como de costume, as cicatrizes eram exibidas com
orgulho, um pedaço de malha cobria o coração. Ela fechou os olhos,
parecendo uma Bela Adormecida selvagem.
Saquei minha espada e caminhei lentamente ao seu redor, escutando
atentamente os barulhos de outra possível emboscada, fazendo com que o
suor fizesse meu cabelo baixar. Ela mudou de posição, parecendo muito mais
cômoda enquanto murmurava algo em voz muito baixa para que pudesse se
escutar.
Permaneceu ali por muito tempo, em silêncio e misteriosamente
quieta.
Justo quando estava começando a pensar que não havia nada mágico
em sua cesta, cada uma das minhas terminações nervosas estremeceu e os
pelos dos meus braços se arrepiaram. Repentinamente, me senti como se
estivesse coberto por eletricidade estática.
Virei-me para Isabeau, minha espada balançando sobre ela de forma
protetora. Estava só e segura. Mas podia jurar que um resplendor de prata
saía de sua pele, fazendo-a brilhar. Ela não parecia preocupada, na verdade
sorria, os cantos de seus lábios estavam elevados ligeiramente.
Admito que isso me aliviou. Mas não estava muito seguro do que fazer
para lutar com um inimigo invisível.
Era evidente que havia deficiências na famosa educação Drake. Só
pude imaginar o que mamãe diria a respeito disso. Então a grama ao seu
redor se planificou em um circulo, com se fosse empurrada por um vento
forte. Quando algo me bateu, retrocedi rapidamente, chocando-me contra a
árvore. Uma garrafa caiu de seus ramos e derramou sangue na grama.
Endireitei-me, amaldiçoando.
Isabeau se colocou de pé. Ela brilhava muito mais que antes. Era algo
espetacular.
136
— Suponho que não funcionou. — disse.
Ela piscou na minha direção. — Na verdade funcionou bem demais.
Comecei a notar que tudo em minha volta parecia não substancial,
descolorido. E que eu parecia um pouco vermelho também, como nesses
filmes sobre a natureza abaixo da superfície do mar.
— Creio que é melhor não saber a que se refere.
— Está comigo no caminhante do sonho, Logan.
— Shiiiu, isso é o que não quero saber.
Ela parecia confusa. — Isso nunca aconteceu antes.
— Sim, isso é o contrário de um consolo. — podia ver através da
minha mão. Não era nada bom.
Tratei de pressionar meus dedos ao redor da espada. Tudo brilhava
nas bordas, como se o céu tivesse tocado em tudo. Por último, o céu parecia
muito mais perto do que devia.
— Guarda isso. — Isabeau me disse. — Não te servirá de nada de todo
jeito. As armas são inúteis quando só um pensamente caprichoso pode matá-
lo.
— Bom, merda, isso é simplesmente genial.
— A melhor arma é um espelho.
— Uh? Estava apenas prestando atenção nela.
— Aqui pode ver o verdadeiro rosto de uma pessoa. É melhor que não
confie nas aparências, Logan, o que te acontecer aqui, te acontecerá em seu
corpo real.
— Oh, genial.
As árvores tinham um esplendor verde, pulsando lentamente, como
uma batida de um coração. No todo, tudo parecia ter uma espécie de aura
brilhante de cor caramelo. — Colocou algo desse chá de cogumelo no sangue
que bebi quando acordei?
— Não, isso é perfeitamente natural. — me assegurou.
— De acordo. — contestei com um ar duvidoso.
137
— Bom, não exatamente normal, se corrigiu, nunca antes havia estado
com mais alguém em Dreamwalk.
— Sinto-se totalmente estranho. — disse a ela, olhando meu corpo,
que estava disparando faíscas.
— Logo se acostumará. No entanto, devemos nos apressar, não é bom
ficar muito tempo em sua primeira viagem.
— Por quê?
— Pode se tornar um sapo.
Fiquei assombrado devido o horror de suas palavras, tentei formular
uma resposta, mas não pude nem sequer foram às palavras. Levou um par
de segundos para me dar conta que ela estava brincando. Um segundo
depois começou a rir em voz alta.
— Sim, claro, agora você ri como uma criança. Tem um humor bem
sádico.
Ela sorriu, destemida.
— Não é o primeiro a me dizer isso.
Virei e me vi apoiado em uma árvore, os punhos das minhas mangas
desarrumados, a ponta da minha espada descansando sobre um grupo de
violetas. Tudo brilhava como nas cenas que as pessoas que haviam tido uma
experiência de quase morte relatavam em programas psíquicos. Só que eu já
estava tecnicamente morto. Não me movia e meus olhos estavam abertos
fixando no nada.
— Excelente; isso é simplesmente lúgubre.
— Não olhes a ti mesmo por muito tempo. — sugeriu. — Te dará
náuseas.
— Posso ver por que. — ajeitei-me, voltando ao foco
deliberadamente. — E agora?
— Agora temos que rastrear ondas psíquicas, qualquer coisa que
pareça fora do lugar, qualquer coisa que não brilhe ou tenha um cheiro
estranho.
O sangue das garrafas que havia servido para a emboscada tinha uma
coloração diferente, como se estivesse olhando através de um negativo
fotográfico. Brilhava como a prata derretida e isso fez com que tudo mais
138
tivesse um aspecto mais escuro, mais transparente. Isabeau estava
agachada, vasculhando o mato com os dedos, arrancando pedaços de vidros
soltos como se fossem pétalas de uma flor. Tentei não me distrair pela forma
em que seus olhos havia se tornado verde, como as folhas de menta, a
maneira com que as estrelas pareciam filtrar a luz, nem tampouco pelas
centenas de aranhas, escaravelhos e mariposas que se moviam ao nosso
redor.
Ela se colocou de pé, limpando as mãos. — Nada. — disse frustrada.
Prestei mais atenção ao nosso redor, aos cheiros. Podia sentir a cheiro
de barro, do rio, das agulhas de pinho e o zumbido da pele de Isabeau. E
além do fato de que tudo parecia estar coberto por uma pintura
fosforescente, tudo era bastante normal. Marcas de passos, patas na terra,
pegadas. As marcas de nossa batalha estavam em seu devido lugar.
Exceto.
Fiz uma pausa. O lugar onde Jen havia se desintegrado estava tênue,
como se a brilhante luz houvesse se impregnado de poeira. Senti-me doente
do estomago.
— Isabeau.
Ela apressou-se, surpreendida pelo meu tom. — O que é? — deteve-
se.
— Oh, uma morte violenta pode deixar ondas psíquicas que podem
levar anos para desaparecer. — disse em voz baixa.
— Mas ela não está presa aqui, não é? — perguntei bruscamente. —
Só há essa poeira?
Ela assentiu.
Soltei minha respiração, como se tivesse estado contendo-a mesmo
quando não precisava respirar. — Bem, bom.
Ela tinha uma expressão estranha no rosto, suas fossas nasais se
dilataram. — Isabeau?
— Não me dei conta antes. — murmurou. — Se os vampiros
pudessem se tornar verdes por causa de náuseas ela o teria feito.
— O que houve?
139
— Não há somente sangue de vacas nas garrafas. — disse. — Há
sangue de Montmarte também ali. O suficiente para fazer com que um Hel-
Blar siga seu aroma.
Franzi o cenho. — Sabe, isso parece não ter sentido. Só por uma vez
gostaria de ter as respostas, sem mais perguntas. Sabemos que Montmartre
está atrás de Solange e se ele conseguir fazer com que o resto de nós não
negocie um tratado. Posso assumir que Greyhaven está fazendo o trabalho
sujo aqui, mas isso ainda não explica o porquê de ele está atrás de você.
— Eu realmente gostaria de matá-lo. — disse Isabeau como se
estivesse pedindo um segundo pastel em um café local.
Seus amuletos faziam barulhos. — Hmmm, você parece muito
entusiasmada.
Baixou a vista para seu amuleto e tremeu. O amuleto era como um
dente que cai de nós quando somos pequenos, graças a esse ela havia sabido
do ataque a Kala. Era brilhante e recoberto de prata, com pequenos cristais
que brilhavam como os fogos de artifício de julho.
— OK. — disse tirando o colar e envolvendo-o ao redor de seu punho
para que o dente de cachorro ficasse em cima de seu polegar. Ela esticou o
braço e o girou em círculos, como os ponteiros de um relógio e depois em
sentido contrário. Tinha visto Lucy utilizar o pêndulo da mesma forma só
que ela estava tratando de averiguar onde sua mãe tinha escondido seus
presentes de aniversário.
— Há algo aqui. — disse. — Uma conexão que me falta. — ela
espreitou pelo perímetro com esse propósito, muito concentrada, franzindo
a testa em direção às ervas, árvores e gastando um tempo extra sobre o que
sobrou das garrafas quebradas. Ela se deteve, amaldiçoando com fervor e
fluência. Tudo era em francês, mas não havia dúvida devido o seu tom.
Extraiu um pedaço de cristal verde de uma raiz de carvalho que estava
exposta.
— O que é? — perguntei, agarrando minha espada apesar dela ter me
assegurado ser inútil.
— Conheço isso. — ela disse, descascando a etiqueta pintada de
amarelo com a unha do seu polegar. Seus olhos estavam perigosamente
aquosos, quase se tornando fulminantes. — Isto é a vinha da minha família.
140
Dei um passo em sua direção. — Definitivamente é pessoal. — disse
sombriamente.
— Oui.
— Não deixe, Isabeau. — segurei seus ombros pressionando-os
fortemente até que ela tirou os olhos do fragmento de garrafa de vinho e
piscou para mim. — Não deixe que esse filho da puta ganhe.
Houve um breve momento em que me perguntei o que ela ia fazer
então. Ela era totalmente imprevisível.
— Tem razão. Ele está fazendo isso por um motivo. — ela levantou a
cabeça e novamente era a Isabeau que havia conhecido desde a primeira
vez: feroz, forte e um pouco assustadora. — Tenho que averiguar qual é o
motivo.
— Temos que averiguá-lo. — corrigi com um tom grave. — Você não
está sozinha.
— Mas é claro que estou. — ela sorriu com nostalgia, mas afrouxou
seus dedos em torno do fragmento. O sangue brotou em sua pele, mas era
prateado. Havia assumido que não podíamos ser machucados fisicamente
quando estávamos no meio de uma viagem astral ou que diabos fosse o que
estávamos fazendo.
Parecia justo.
Ela franziu o cenho para o sangue prateado.
— Não. — gritou. Deixou cair o fragmento e freneticamente começou
a limpar suas mãos, limpou os dedos em suas calças até que ficassem em
carne viva.
— Merda.
Mas depois seus olhos ficaram brancos e caiu.
141
Capítulo Dezesseis
Paris, 1793.
Depois que os distúrbios alimentares acabaram Isabeau foi para os
telhados de Paris.
Ela se moveu ate o telhado de uma robusta fromagerie62 para fugir da
multidão de parisienses famintos e dos moradores locais que como eles
invadiram as calçadas das ruas com baionetas, tridentes (pitchforks) e
tochas. Sua patisserie63 favorita, uma que os revolucionários nunca se
preocuparam e que o dono normalmente lhe dava croissants velhos,
queimava ate o chão em questão de minutos. Uma fumaça preta enchia o ar;
tosse e xingamentos enchiam os becos.
O fogo deslocou perto da porta do extrator de dente e rastejou muito
perto do café popular. Baldes de água eram pegos e passados de mão em
mão. Isabeau voltou para o chão para ajudar, colocando sua gola no rosto.
Ela usava uma calça de operários revolucionários e um cocar tricolor no seu
chapéu.
Ela prendeu os cabelos e tentou abafar sua voz quando falava; o que
era raramente. Ela aprendeu a olhar como um menino e gritar “Fraternite”
sempre quando alguém a fazia uma pergunta direta, era o caminho mais
seguro para permanecer despercebida e desinteressante. Uma garota com
sotaque aristocrático, mãos suaves e um cabelo longo nunca sobreviveria.
E seu pai tinha morrido para que ela sobrevivesse.
62 Tipo de queijo.
63 A pâtisserie é um tipo de padaria francesa especializada em bolos e doces.
142
Então ela iria sobreviver.
Por mais que ela quisesse o contrário.
Era no final de fevereiro e as ruas estavam escorregadias com a chuva
e o frio, a fumaça entranhando pelas portas. O fogo ardia assim como a fome
dos desordeiros. Isabeau penetrou para mais perto, fechando seus olhos ao
sentir o calor no seu rosto. Ela não se moveu ate que a viga quebrou e pairou
sobre o beco, caindo queimando a haste e madeira. Suas mãos sentiram
calor pela primeira vez no mês. Mesmo com a queimadura no dedo valeu à
pena.
Ela foi para o lado. Mais água arqueou dentro das chamas que
crepitaram indignamente. Não demorou muito antes que a patisserie
estivesse uma pilha de brasas fumegantes, o proprietário de cabelo escuro
gritando obscenidades do outro lado da rua.
Quando os gendarmes64 chegaram, Isabeau fugiu. Não tinha levado
muito tempo para aprender a evitar qualquer pessoa com poder: policiais,
magistrados e até mesmo o guarda noturno que estava sentado na rua
bebendo vinho ate que caiu no sono, roncos dentro do peito. Os moleques
gostavam de colocar aranhas no seu peito e fugir rindo.
Ela transportou-se novamente para cima de um telhado próximo e se
agachou, ficando fora de vista.
Enfiou os dedos nos punhos desgastados de sua camisa. Estava segura
aqui, quieta. Havia apenas que lidar com pombos e um velho e magro gato.
Ela poderia andar ao longo de um telhado de um ponto extremo da cidade a
outro, desde que ela tomasse cuidado e evitasse as camadas mais pobres
onde o telhado cederia completamente. Podia escutar os revolucionários
gritar amavelmente um com outro no café e as batidas dos tambores da La
Place de La Concorde quando outro prisioneiro era arrastado para a
guilhotina. Ela não poderia ficar olhando as execuções, apenas ouvindo a
multidão gritando e aqueles tambores fazendo-a mal.
Algumas horas mais tarde quando seu estomago roncou mais alto que
os desordeiros inválidos, ela deslizou para baixo e caiu agilmente em um 64 Soldado de uma corporação especial encarregado de manter a ordem.
143
beco que tinha cheiro de urina e água de rosas. Uma vez que o sol se foi, as
prostitutas do salão estavam em um canto, piscando para homens. Ela tinha
uma hora ainda antes que ficasse escuro para que ela pudesse encontrar um
telhado.
Ela encurvou os ombros e manteve os olhos para o chão quando
voltou para a calçada lotada. Cavalos faziam meio giro, andando, seus cascos
clicando nas pedras. Alguém tinha colocado fogo no caldeirão de ferro
dentro do café. Ela diminuiu o seu passo, lançando um olhar oculto nos
pratos abandonados com alimentos não consumidos. Um dos garçons olhou
para ela com raiva e estalou os dedos. Ela estava suja, um menino de rua sem
rosto que afastava os clientes.
Parecia como se fosse anos atrás quando ela estava escolhendo um
vestido novo e perguntando quando ela iria ter um noivo, quem seria e se ele
seria gentil e ainda teria todos seus próprios dentes. Agora ela fedia e
cheirava como telhas mofadas.
Ela fez careta. — Um rosto de menina tão bonito.
Isabeau congelou, então encurvou mais os ombros.
— Você nunca vai passar por um menino se você continuar a andar
assim, chouette65.
Isabeau virou a sua cabeça ligeiramente. A prostituta sorriu.
Um dos seus dentes estava faltando e suas bochechas estavam
vermelhas parecendo maçãs.
— E eu não sei o que você quer dizer. — Isabeau disse com a voz mais
grossa que podia. Ela cuspiu no chão em uma boa distância e mal evitando o
seu próprio pé.
— Melhor. — a prostituta aprovou. — Mas você precisa dar passadas
maiores, como se estivesse pronta para lutar com qualquer um que entrasse
no seu caminho.
65 Coruja.
144
— Eu não quero brigar. — ela protestou, alarmada.
— Você não terá se todo mundo achar que você quer.
— Eu não sei se isso faz sentido.
Ela sorriu. — Sentido não tem muito haver com ser um homem. — seu
peito estava perigosamente perto de escapulir do corpete manchado. Sua
longa saia estava dobrada ate o seu quadril, mostrando meias com vários
furos robustos, e um par delicado de botas. A contradição fez Isabeau piscar.
— Meu nome é Cerise. — a mulher se autoapresentou.
— Oh. — ela não poderia acreditar que estivesse cuspindo e falando
com uma prostituta. A velha Isabeau teria inalado um lenço de rendas
encharcado com óleo de lavanda para disfarçar o cheiro do lugar se ela
passasse com a carruagem da família. Ela nem mesmo teria notado Cerise
com suas mãos frias rachadas e seu cabelo crespo. Isabeau estremeceu com
o vento frio vindo da esquina.
— Você precisa de um casaco.
Ela encolheu os ombros. — Eu estou bem. — ela apertou os dentes
juntos para não conversar mais.
— Mmm hmmm. — Cerise disse secamente. — Se você seguir a
carroça ate o rio, é onde eles despejam os corpos depois das execuções.
Isabeau engoliu seco. Cerise afagou seu ombro. — É melhor que
congelar até a morte.
— Obrigada. — ela respondeu cautelosamente.
Isabeau não estava muito convencida, mas ela foi ensinada para ser
educada.
— Se você for agora, talvez ache algum antes de escolherem os limpos.
Isabeau acenou e puxou sua gola para cobrir a parte de trás do
pescoço.
145
— E Cherie? — Cerise chamou atrás dela. — Fique longe do café no
fim da rua. Não é seguro para jovens garotas ou jovens garotos.
— Obrigada. — ela disse novamente. Mas dessa vez com mais
cordialmente.
Ela se encontrou andando para o rio, mesmo que com o pensamento
de roubar de um corpo decapitado fizesse sua bile subir pela garganta. A
verdade era; ela não tinha um único centavo no seu nome e nada valioso
além de um pedaço de seda do vestido favorito da sua mãe. Isso
provavelmente não era suficiente para comprar uma refeição e mesmo se
fosse ela se recusava a vender. Isso era tudo que sobrou de sua família, sua
casa, sua vida real.
Ela viu a carroça no final da rua, as rodas rangendo quando bateu em
direção ao rio de Seine.
A maioria dos comerciantes nem mesmo se incomodaram em tirar os
olhos do deu trabalho. Crianças e cachorros a perseguiam cantando músicas
que Isabeau nunca tinha ouvido antes. Isso soava como canção de ninar, mas
com palavras obscenas. A carroça sacudiu sobre a calçada quebrada e o
braço escorregou para o lado. Isabeau estremeceu, mas de algum modo
continuou andando. A chuva começou a cair intermitentemente, mais como
pelotas de gelo do que a chuva suave da primavera. Ainda estavam no
inverno. Ela estremeceu violentamente, tentando dizer a si mesma que a sua
blusa era grossa o suficiente para a manter aquecida, ela só tinha que se
acostumar com o frio. Ela era delicada, muito acustumada a lareira, cozidos
quentes e vinho quente a qualquer hora do dia ou da noite.
O rio movia-se lentamente, como se fosse muito frio para ele fazer seu
trabalho bem. Ela sabia que as rodas moinho estariam rangendo mais
lentamente, nas vilas. Existia uma roda exatamente como aquela perto da
casa dos seus pais no seu país. Aqui o rio estava lamacento e emendado com
uma parede de pedra quebrada.
Isabeau não era a única passando nos becos como uma carroça parada
no banco. Ela tentou dizer a si mesma para dar a volta e encontrar um
telhado escondido para que ela pudesse aquecer suas mãos com a fumaça
saindo da chaminé. Em vez disso, ela viu; congelada, como dois homens
começaram a atirar a cabeças decepadas no rio. Sangue escorreu para a
146
sujeira para debaixo da carroça. Corpos estavam rolando para a água
cinzenta. Havia meia dúzia deles. Então o homem levantou-se para a carroça
e bateu no cavalo para começar a andar.
Isabeau pulou a parede e arrastou-se ao longo das pedras quebradas
como dentes podres, andando devagar. A cabeça balançava na água gelada,
girando ao fazer caretas para ela com o olhar grotesco. Ela colocou a mão na
boca para não gritar. Sentiu-se tonta, como se não estivesse no seu corpo.
Ela viu a si mesma abordando um cadáver decapitado preso no banco e virá-
lo. Esse homem tinha sido delgado o suficiente para o casaco caber nela. Ele
era cinza escuro e de lã, já tinha perdido alguns botões. Só tinha um pequeno
rasgo em seu ombro e estava relativamente livre de sangue. O lenço que ele
usava tinha absorvido a maior parte.
Ela não poderia pensar nisso. Só poderia continuar seguindo, como
marionete, consciente apenas do vento frio e que suas unhas estavam
ficando azul de frio. Os outros corpos tinham sido escolhidos por uma
gangue de meninos e uma menina que não deveria ter mais de cinco anos
que continuava pedindo algo brilhante. Ela tinha que ser rápida. Arrancou e
puxou até o casaco estar livre, lágrimas congelando nos seus cílios. Ela caiu e
em seguida correu de volta para as vielas, parando apenas para vomitar em
um beco escuro e transportar-se para um telhado. O sol morreu lentamente,
sangrando a luz vermelha e roxa sobre a cidade.
Na primavera os botões afloram com a proposta de verde em todas as
copas de árvores, Isabeau tinha aprendido as leis das ruas, graças a Cerise,
quais bairros evitar completamente, mesmo a luz do dia. Encontrou um
frasco de azeitonas embalado e folhas de espinafre sobrando no mercado.
Eles só estavam um pouco pisoteados e lembraram–na o molho de espinafre
com alho que o cozinheiro fazia em ocasiões especiais. Ela comeu com os
dedos, agachada no telhado de uma livraria. Tinha parado de ver os corpos
no rio toda vez que fechava os olhos e estava agradecida com o calor do
casaco quando as chuvas começaram.
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Deixou algumas azeitonas e colocou o pacote no bolso, pulando no
chão. Se tivesse tido carnaval por ai, ela gostaria de pensar que poderia ter
sido uma acrobata ou uma equilibrista. Deixou um amplo espaço para o café
conhecido por disputas políticas e abaixou-se para debaixo do cimo
rangendo da farmácia. A cadeira tinha arrebentado na última noite com a
tempestade e o sino estava balançando embriagado, batendo na armação de
madeira em volta da janela. Ela achou Cerise inclinada para fora da janela
com outras cinco prostitutas.
— Fancy a go, citoyen66? — uma mulher magra com hematomas nos
braços sorriu para ela. Isabeau deu um passo para trás.
— Nem pense Francine. — Cerise falou baixo. — Ele está aqui por
mim.
— Você sempre pega todos os bonitos. — Francine fez beicinho, indo
para longe.
Isabeau ficou vermelha até a ponta dos seus dedos. Cerise riu alto. —
Eu esqueço o quão nova você é. — ela disse.
Isabeau fez uma careta para ela e usou a depressão do balcão para
impulsionar-se ate a varanda de Cerise. Era mais uma saliência de madeira
do lado de uma janela quebrada que uma varanda realmente, mas serviu
com um truque.
— O que você trouxe para mim agora? — Cerise perguntou
ansiosamente. As colegas de quarto roncavam alto na escuridão do cômodo
atrás delas. Ela parecia cansada, as linhas em volta dos olhos estavam mais
escuras.
Isabeau algumas vezes esquecia que ela era alguns anos, mais nova
que sua mãe era quando ela nasceu. Amandine tinha uma espécie de
inocência que Cerise havia superado pelo tempo que ela perdeu seu último
dente de leite.
— Aqui. — Isabeau entregou as azeitonas. 66 Quer me seguir, cidadão?
148
Cerise as agarrou. — Eu não como azeitonas há semanas.
— Eu trouxe algo melhor. — Isabeau assegurou, pescando outro
tesouro do seu bolso, embrulhado em um velho papel de embrulho. Ela tinha
roubado do jardim de uma casa chique da rua da casa de seus pais
antigamente.
Cerise arregalou os olhos quando Isabeau puxou o papel de cima. —
Isso é...?
Isabeau confirmou, entregando o pacote nos dedos trêmulos de
Cerise.
— Morangos.
— Eu nunca comi morangos antes.
— Coma-os rápido antes que você tenha que dividir.
Cerise os colocou na boca antes que as colegas de quarto pudessem se
mexer e perguntar sobre o cheiro adocicado. Seus olhos se fecharam como
se ela estivesse comendo mousse de chocolate pela primeira vez.
— Celestial. — ela declarou em uma voz suave. Algumas sementes
presas entre seus dentes.
— Eu sabia que você iria gostar deles. — o sol estava no alto, alto pela
primeira vez desde o outono. Isabeau virou seu rosto para ele.
— Mal posso esperar pelo verão.
— Marc falou para eu te falar que eles estão dando um grande comício
no La Place de La Concorde hoje.
Isabeau a olhou, esperançosa. — Quão grande?
— Ele disse que você poderia trabalhar com seus olhos fechados. Eu
nunca vi alguém com dedos tão hábeis quanto os seus. — ela balançou as
sobrancelhas. — Aposto que ele poderia pensar em algumas maneiras de
trabalhar com as suas mãos delicadas.
149
— Cerise! — Isabeau abaixou sua voz. — Você não falou para ele que
eu sou uma menina, certo?
— Não, chouette. Ele definitivamente pensa que você é um menino.
— Então porque ele estaria interessado em... — ela parou confusa.
Cerise riu tão alto que engasgou. — Não se preocupe, vou te dizer
mais tarde. — ela enxugou os olhos. — Como você sobreviveu tanto tempo?
— Por sua causa. — Isabeau respondeu séria.
Cerise enxugou os olhos com mais vigor. — Você está me fazendo
chorar.
— Por que está me ajudando, Cerise? — Isabeau sempre quis
perguntar, mas não quis assustar o único amigo que tinha. Não se faz
perguntas atrás de becos.
— Eu já tive uma filha uma vez. — Cerise respondeu; sua voz tão
suave que era quase abafada por pombos bicando o mato do lado do edifício.
— Ela teria mais ou menos sua idade agora.
— O que aconteceu com ela?
— Ela teve febre em um inverno quando ainda era um bebê. Eu não
podia pagar um médico. Quando quebrei a janela de uma farmácia para
pegar alguns medicamentos, os gendarmes a tiraram de mim e a levaram
para a Bastille. Ela morreu antes deles me deixaram sair.
Isabeau mordeu seu lábio. — Sinto muito.
Cerise assentiu, tocou os minúsculos brincos de vidro que ela nunca
tira. — É por isso que eu uso eles.
— Isso é vidro da Bastille, não é? — tinha se tornado moda usar
brincos e joias com pedras ou vidro da Bastille, para comemorar o assalto a
prisão quatro anos antes.
150
Ela assentiu com a cabeça fortemente. — Sim, eu nunca estive tão feliz
no dia em que destruíram aquela prisão em pedaços. — engoliu duramente,
sacudiu a cabeça. — Foi o suficiente disso agora, não se vive do passado. —
olhou de soslaio para a direção do Sol. — É melhor você ir para a praça
agora.
Isabeau transportou-se para cima do telhado, virando sua cabeça para
trás.
— O que vai querer hoje, Cerise? — perguntou, forçando uma nota de
alegria na sua voz.
— Uma fita para o meu corpete. — Cerise sugeriu, sorrindo de novo.
Tinha se tornado um jogo, para ver que pequena bugiganga Isabeau poderia
pegar para ela, uma vez que ela tinha acabado trabalhando em amontoando
mercadorias caras.
Isabeau correu ao longo dos telhados, seguindo o barulho do comício.
Como prometido, a praça estava lotada de pessoas, crianças, cachorros e
vendedores esperando vender. A chuva tinha lavado a calçada e as ruas e o
vento levou o fedor de tantos corpos mortos e lixos nos becos. Havia um
homem no palco vestido com calças favorecidas pelos revolucionários em
vez de calças aristocráticas, daí o nome “sans-culottes.”. Ele tinha um cocar
tricolor preso no chapéu, como Isabeau fez.
Quase todo mundo em Paris usava um, como se fosse secretamente
monarquistas. Todo mundo queria evitar atenção indesejada. Foi à única
maneira de sobreviver à guerra da Guarda Nacional e os gendarmes e aos
revolucionários.
Ele estava gritando apaixonadamente sobre Fraternite e Liberte e
ensinando ao publico de crianças. Isabeau não prestou muita atenção no que
ele estava falando. Não estava aqui para se unir à causa ou mesmo lutar
contra isso.
Estava aqui para roubar moedas dos bolsos de anônimos. Ela tinha um
pequeno esconderijo debaixo de um telhado de uma loja de fitas que viu
poucos consumidores esses dias. Em breve, se o verão fosse gentil com ela,
poderia ter dinheiro suficiente para comprar uma passagem para a
Inglaterra. Se ela fosse antes do verão, poderia andar desde a costa ate
Londres, para encontrar a casa do seu tio. Estava tentando convencer a
151
Cerise de ir com ela, mas a mulher se recusava absolutamente a deixar a
França e cuspiu com a menção da Inglaterra.
Isabeau usou a vantagem da visão de cima para descobrir a
movimentação da multidão, onde estavam aglomerados e onde pudesse
descer. Uma vez que ela tinha marcado o melhor ponto de entrada, pulou no
beco, assustando um gato e nitidamente evitando uma poça com um liquido
não identificado. Ela passeou casualmente na direção da parte principal da
praça, olhando para todo mundo como se estivesse prestando atenção no
discurso. Alguém lhe entregou um panfleto.
Ela se deixou ser empurrada, pisando em pés e pedindo desculpa. O
homem deu os ombros, checando seus bolsos.
Eles estavam tão completamente gratificados que a esqueceram,
instantaneamente. O homem do seu lado não pensou em checar os seus
bolsos e ela escondeu o sorriso, deixando cair à moeda de prata do seu
casaco. Ela pendurou um casaco em uma chaminé e praticou por vários dias
até que ela pudesse escolher um bolso sem nem mesmo perturbar os
pombos em cima de si. Ela estava tão orgulhosa de si mesmo, como estava
quando tocou pela primeira vez uma música no piano sem parar ou errar.
Mais orgulhosa até mesmo, quando ganhou elogios do seu professor de
dança.
Qualquer um podia dançar.
Roubar bolsos era a habilidade mais difícil de aprender e
eminentemente a mais útil.
No fim da praça ela conseguiu outra moeda de prata, uma corrente de
cobre com o fecho quebrado, um saco de nozes e uma pena do gorro de uma
mulher. Ela teria que encontrar uma fita vermelha mais tarde. Se ela
continuasse por mais tempo as chances de ser descoberta eram maiores.
Ganância levaria a morte.
Ela viu Marc encostado no pilar, seu rosto sujo meio escondido pelo
chapéu. Ele piscou para ela quando passava, mas não fez nenhum sinal de
que a conhecia. Ela deslizou a corrente de cobre como agradecimento, pegou
um amontoado de uma cesta de rabanete e desapareceu sobre o labirinto de
telhas e chaminés quebradas sobre a cidade.
152
Capítulo Dezessete
— Que diabos é isso? — engasguei quando fomos jogados de volta na
clareira. Já não estávamos em Paris em 1793, mas não estávamos em nossos
corpos. Ambos brilhávamos como fantasmas sobre a erva, nossos corpos
estavam jogados a vários metros de distância. Não pude imaginar a imagem
de Isabeau, abandonada, órfã e em cima dos telhados.
— Isso nunca me ocorreu antes. — Isabeau murmurou surpresa e
envergonhada.
— Sabe, continua dizendo isso.
Tragou saliva, afastando-se um pouco como se estivesse muito
envergonhada para me olhar. Isso definitivamente era algo novo. — Então...
já conhece o que fui.
Pisquei. — Engenhosa; inteligente e autossuficiente. Como agora.
Ela piscou de novo. — Logan, não estava prestando atenção? Eu
roubei dos cadáveres e também roubei carteiras.
— Sobreviveu. — não havia um pingo de censura em minha voz,
exceto talvez a sugestão de que não gostava do que ela pensava, que eu
pudesse pensar menos dela.
— Não fui melhor que Madame Tussaud. — disse desgostosa.
— O que tem a ver isto com os museus de cera?
— Refiro-me a Madame Tussaud que fez máscaras mortuárias. Li que
ela escavou entre os cadáveres das vitimas da guilhotina, para encontrar
cabeças decapitadas e fazer máscaras. De quem você está falando?
— Uma atração turística. Fazem réplicas de cera, de personagens
famosos. Suponho que foi chamado assim por causa da Madame Tussaud.
— Este século é estranho. — murmurou.
153
— Isso vindo de uma garota que sobreviveu à Revolução Francesa.
— Estamos azuis. — ela murmurou. Foi então que notei que a luz que
emanava dos nossos corpos estava mais brilhante, ligeiramente azul ao
redor das extremidades nebulosas. — Não temos tempo a perder, temos
que retornar aos nossos corpos antes que nossos espíritos esqueçam o
caminho.
— Sinto-me um pouco estranho. — como se a atração por meu corpo
estivesse brigando com a necessidade de flutuar para longe.
— Está bem? Ainda tenho que conseguir uma conexão com
Montmartre. — ela ajoelhou-se e passou a mão sobre o sangue prateado. —
A qual eu apenas posso conseguir fazendo isto. — suas mãos estavam
manchadas de uma capa grossa de sangue prateado, como se fosse uma
pintura a óleo. Tinha os dentes apertados, enquanto se untava na testa, entre
as sobrancelhas, com o sangue metálico. Vacilou como se estivesse olhando
através do calor. Estava a ponto de desaparecer de novo e desta vez, eu não
estava tocando-a, o inferno que eu ia ficar para trás e flutuar. Peguei sua mão
e o sangue prateado correu sobre minha pele.
— É perigoso. — ela grunhiu desaparecendo.
— Cale-se. — grunhi em resposta, de repente senti uma sacudida de
vertigem. Isto não era como quando havíamos ido para uma de suas
lembranças, em sua cabeça, isto estava nos levando a um lugar diferente e
não tinha a menor ideia de onde era. Tudo era uma mancha de cores turvas,
de repente negras, para depois sentir um golpe doloroso na cabeça. — Ai,
maldição!
Estávamos em tempo real, pressionados contra o teto de uma casa,
como se a gravidade tivesse se invertido. E tudo o que sabia era que
estávamos ali. Ela praticamente vibrava com raiva. Enquanto eu tentava não
vomitar. Poderia os espíritos incorpóreos vomitar? Era melhor não pensar
nisso.
— Olha. — ela disse, sua voz era quase um eco de dor.
Embaixo de nós havia uma luxuosa sala com um bar que tinha uma
bancada de mármore verde e garrafas de sangue em fila como se fosse vinho
Vintage. Uma mulher humana chorava no canto, agachada em uma bola, o
sangue manchava seus pulsos e a dobra interior de seus cotovelos. Dois
guardas estavam a postos na usual porta principal dos Hosts, recoberta com
couro e outros dois estavam na porta traseira que conduzia a um pátio de
154
telhas. No centro do quarto, Montmartre estava reclinado em uma poltrona
de couro, parecendo como um príncipe escuro de algum filme. Seu cabelo
negro estava recolhido para trás, e seus olhos estavam estranhamente
pálidos. A última vez que o vi, ele tentava sequestrar minha irmã que estava
inconsciente.
Dei um olhar de soslaio a Isabeau, enquanto tentava manter minha
voz suave. — Se continuar a ranger os dentes fará que suas presas quebrem
imediatamente.
Ela não sorriu, mas ao menos já não parecia alguém que estava
tentando quebrar o crânio.
— Pode nos escutar? — perguntei
Ela negou com a cabeça. — Apenas uma bruxa ou um Shamanka
poderia ouvir-nos e nesse momento não alguém assim ali embaixo.
— Finalmente, um pouco de sorte. Rato filho da puta! — sussurrei
para Montmartre. — Cachorro sarnento filho de uma cabra com escorbuto67.
— Isso não faz sentido. — Isabeau murmurou.
— Apesar disso, faz-se se sentir bem. Tente-o.
Ela entrecerrou seus olhos na parte superior do perfeito cabelo de
Montmartre. — Asno, burro! Espero que fique careca.
— Genial.
— Chorão! Fezes de macaco raivoso cheio de pulgas!
— Claramente nota-se que tem talento. — franzi o cenho. — Porque
ele parece tão vermelho?
— Está vendo a sua aura. — Isabeau explicou. — É mais fácil se ver
quando está nesse estado e essa matiz de vermelha é única nele. Vê os
guardas ali? Suas auras são únicas também, mas tem um matiz de vermelho,
no exterior. — ela estava certa. Via-se como um nebuloso caramelo
Jawbreaker68, e havia muitas camadas de cor. — Isso os marca como parte
da tribo de Montmartre.
67No original scurvy goat. É uma aberração, pois o leite de cabra é rico em vitamina C, tornando impossível
uma cabra ter escorbuto.
68Caramelo americano coberto por muitas camadas de caramelos coloridos. Como um arco-íris:
http://chemed.chem.wisc.edu/~tsts/McMahon/McMahonImages/McMahon9thru12/jawbreaker.jpg
155
— Espera. Então todos nós temos isso? — não podia deixar de notar
que a aura de Isabeau e a minha tinham o mesmo e tênue tom azul opala que
rodeava nossos corpos que estavam muito próximos.
— Sim.
— De que cor são a dos Drake?
— Azul Cinzento, como a superfície de um lago quando uma tormenta
está próxima. Lucy é muito, muito rosa, como algodão doce. Os Hel-Blar tem
uma ausência de cor, o que faz com que minha cabeça doa.
— Isto realmente não fica menos estranho, fica?
Os guardas saudaram alguém e se colocaram de lado antes que ela
pudesse responder. Outro homem entrou no quarto, vestido com um traje
desenhado sobmedida ridiculamente caro. Tinha o cabelo castanho escuro e
ingenuamente estilizado, o tipo de estilo descuidado pelo qual tem que
trabalhar muito para conseguir.
Não era muito alto, era muito suave e aristocrático para parecer
ameaçador, se não fosse pelo sinistro poder que emanava dos seus poros.
Aproximei-me mais de Isabeau. E senti a repentina necessidade de protegê-
la, flutuando suavemente por cima dos predadores que já haviam tentado
matá-la mais de uma vez. Não reconheci ao novo vampiro, mas minha mãe
não havia criado a um idiota.
— Greyhaven? — sussurrei.
Ela assentiu com a cabeça uma vez, hesitante, como se tivesse um
colar de madeira no pescoço. Queria abraçá-la, inclusive mais do que queria
voltar ao meu corpo. Nem era uma opção imediata.
Greyhaven misturou algum sangue em seu copo de brandy e jogou o
conteúdo para trás antes de começar a falar. — Os Hel-Blar estão causando
uma agradável distração. — disse. O som de sua voz fez Isabeau dar um
passo atrás, como se ele tivesse tentado estacá-la.
Montmartre não parecia particularmente impressionado. Parecia
esgotado na verdade, quase cinza, devido à fadiga que o rodeava. Isso era
bom. — Colocamos o pacote por pura sorte. — disse. — Não temos tempo ou
homens para atacar a fazendo dos Drake. Precisamos do elemento surpresa
e não podemos fazê-lo, não agora. Já que não soltam a maldita garota.
Falavam de Solange.
156
Ouviu-se um ruído estranho, um grunhido que não me dei conta que
vinha da minha própria garganta até que quase me engasgo devido ele.
— Ela estará na coroação. — Greyhaven assegurou-lhe
tranquilamente. — Você poderá tomá-la ali. E também a Coroa.
— Sim, já que funcionou tão bem da última vez. — disse secamente,
com sarcasmo.
— Se preocupa muito.
— Eles não estarão nos esperando na Coroação. — Montmartre disse
colocando-se de pé. — Vamos ter que agir mais rápido que isso. Posso raptar
a garota uma vez que ela tenha a Coroa. — ele sorriu e isso enviou um
calafrio através de mim. — Tenha seus homens prontos. Vamos enviar os
guardas humanos antes do entardecer de amanhã e os seguiremos.
— Mas... — Montmartre não viu o estranho olhar no rosto de
Greyhaven, mas eu podia ver claramente. E eu não tinha ideia de como
interpretá-lo, estava entre tenso, esperançoso, amargo, feroz, ciumento,
desprezível. Era muito para uma só expressão. E de repente foi banhada por
uma fina camada de pânico. Era evidente que Greyhaven não era do tipo
espontâneo. Não gostava das mudanças de plano.
E já que aqueles planos implicavam em matar a minha família, casar-
se com minha irmã caçula contra sua vontade, ele até poderia tentar69.
— Temos que adverti-los. — disse a Isabeau.
Então de repente uma rajada de névoa pairava sobre nós, esta era
muito incômoda. Eu estava muito furioso e tenso e já me incomodava
continuar flutuando, queria sentir o solo embaixo das minhas botas. Queria
sentir o aperto de uma boa espada em minha mão, também uma boa pegada
sobre uma estaca. Agora mesmo.
Greyhaven franziu o cenho ligeiramente e olhou com receio para os
escuros cantos do quarto.
— Merde. — Isabeau chegou a mim antes que pudesse alcançá-la. Seus
dedos cravaram em meu braço. — Pensa em seu corpo. — sussurrou. sua
boca tão próxima ao meu ouvido que pude sentir um roçar em meu lóbulo. A 69He could bite me ou morda-me, uma expressão muito utilizada nos Estados Unidos para ameaçar ou desafiar
alguém a tentar algo contra você ou terceiros.
157
cabeça de Greyhaven balançou, mas então voltei a sentir um ataque de
vertigem. Não tinha a menor ideia se ele havia nos visto. Nem tinha ideia de
onde estávamos. Fui jogado pelo ar no que parecia ser anos e logo aterrissei
próximo ao meu corpo. Estava muito mais tranquilo do que na realidade
parecia.
Isabeau parecia totalmente exausta, como se seus membros astrais
fossem pesados como pedras. Sua aura piscou, como uma lâmpada a ponto
de explodir.
— Hey. — disse suavemente, me colocando de pé. — Isabeau. — ela
não recuou, nem me olhou, nem respondeu ao seu nome. — Isabeau. —
havia me dito que deveria chamar três vezes por seu nome para que pudesse
retornar ao seu corpo. Eu não sabia se isso ia funcionar nela, e muito menos
em mim. — Isabeau.
Nop. Não funcionou.
Ela permaneceu etérea e ainda parecia como se houvesse engolido a
lua. Senti-me cansado e desorientado.
— Isabeau, droga!
Ela virou a cabeça lentamente para mim. — Logan.
— Merda. Está me assustando. — me queixei, sentindo-me
embriagado. Minha aura parecia avariada, desvanecida.
— Deve retornar ao seu corpo. — disse com urgência. — Agora
mesmo.
— Boa ideia. — sorri lentamente. — Isabeau?
— Oui?
— O que é exatamente que devo fazer, ma belle70? — depois de tudo,
as aulas de francês haviam me servido de algo, e não apenas porque Madame
Veronique exigia um entendimento básico. Se não porque, agora podia usá-
lo para encantar Isabeau em sua língua nativa. Ela me sorriu. Estava certo de
que não havia imaginado. Bom, quase certo.
— Apenas deite em seu corpo, como se estivesse sentado em uma
cadeira.
70Ma belle: Minha bela.
158
— Está bem. — toquei sua bochecha, ou o tentei. Nossas auras se
tocaram, brilhando. — Não sorri o suficiente.
— Flerte comigo mais tarde, Logan. — ela me empurrou e caí, para
trás aterrissando em meu corpo. Meus braços e pernas tremeram, como se a
eletricidade me atravessasse. Senti-me pesado e estranho, depois senti um
estranho formigamento em todas as partes. Charlemagne me cheirou,
deixando uma mancha úmida e fria em meu pescoço. Sentei-me, fazendo
uma careta. — Esse não era o beijo que eu esperava, cão. — disse. Deu-me
uma lambida novamente, e eu congelei. Agora sim, podia ouvi-los. Ruídos de
passos, corpos de vampiros se movendo entre as árvores rapidamente.
Em nossa direção.
Isabeau ainda estava deitada, não estava de volta ao seu corpo ainda.
Algo saltou no ar, e aterrissou de cócoras no espaço livre, com uma estaca
em sua mão. Charlemagne permaneceu próximo à cabeça de Isabeau.
Então relaxou quando viu que os que nos rodeavam eram guerreiros
Hound. Eu não o fiz.
Magda deu um passo à frente, com o rosto ilegível. — Logan Drake,
venha conosco.
— Uma merda.
Isabeau ainda não se movia e eu tinha que advertir aos meus pais, e
tinha que me assegurar de que Solange estivesse a salvo.
— Isto não é um pedido. — havia cães aos seus pés, orelhas erguidas,
que me mostravam os dentes.
Grunhi. — Olha, está na parte inferior da minha lista de prioridades
neste momento, Magda. Tem que pegar uma maldita senha.
— Foi convocado por Kala.
— Ela pode esperar também.
Isabeau se sacudiu uma vez e logo sentou bruscamente. Piscou
aturdida. — Magda? O que está acontecendo?
Magda ajeitou seus longos cachos sobre os ombros. — Ele foi
convocado para os ritos.
— O que? — Isabeau saltou sobre seus pés, e esteve quase a ponto de
bater na minha cara. — Não!
159
Levantei-me lentamente. — Do que ela está falando?
— Não é ele. — Isabeau disse suplicando aos guerreiros.
— Kala voltou a ler os ossos. — disse um deles. — Ele tem que
demonstrar que é digno de você, dos Hounds. Tem que ser o suficientemente
forte para ser um de nós.
— Nunca me disse nada disto. — Magda adicionou, soando ferida.
Isabeau estremeceu. — Eu sei. Mas isso não significa que seja ele. E de
todas as formas, não temos tempo para isto.
— Não podem estar em Handfasted71 sem os ritos. — insistiu outro
guerreiro. — Ele tem que ser iniciado para ser seu Consorte.
— Consorte? — repeti. Olhando-a fixamente. — Consorte? É sério? É
isso que você queria dizer?
Ela corou levemente. — É uma das nossas tradições. — disse em voz
baixa. Moveu nervosamente seus pés, a fadiga havia formado escuras bolsas
debaixo dos seus olhos verdes. — Kala predisse que ia me comprometer com
um vampiro da Corte Real. Com um Drake.
— E eu pensei que você não gosta de mim.
— Não é assim. — ela afastou o cabelo do seu rosto. — Temos que
advertir aos demais. — disse.
— Kala já deu uma ordem.
Minhas presas estavam para fora, meus punhos cerrados. — Deixe-me
pelo menos telefonar para meus pais para adverti-los.
Isabeau parecia cabisbaixa. — Os telefones não funcionam aqui, não
depois de toda a magia que temos feito. É por isso que os telefones não
funcionam bem nas cavernas.
— Então envie alguém para que faça esse trabalho. — rapidamente
disse.
Tentei alcançar suas mãos, e lembrei a magra menina que havia
roubado moedas e havia comido pedaços de pão rançoso. Esta era a mesma
71Vem de handfasting. Nas tradições celtas, pode ser usado tanto no sentido informal noivado, ou pode ser
usado como um casamento legal, completos com licença de casamento. Dura um ano e um dia, renovável
"enquanto o amor durar" e para os outros o compromisso de estar juntos durante todo este tempo da vida, ou
através de muitas vidas.
160
mulher que beijei essa manhã quando o sol havia nascido como uma vela
colocada muito próxima de uma cortina. — Se fizer isto. — perguntei com a
voz rouca. — Me coloco a prova por você?
Ela assentiu com timidez. — Sim, mas...
Cortei-a, me virando para o bando de guerreiros armados. — Vamos.
161
Capítulo Dezoito
A marcha de volta às cavernas foi formal e irritante. Pelo menos
Magda não estava mais com um sorriso de satisfação para mim. Isabeau
estava desconcertada e envergonhada. Eu provavelmente deveria ter me
preocupado mais por meu bem estar, mas estava um pouco feliz de ter a
oportunidade de provar a mim mesmo com ela. Mesmo que este fosse o pior
momento possível. Eu já tinha sido testado antes, por Madame Veronique,
quem preferia o bordado à guerra, mas ainda assim era muito intimidante.
Possivelmente estava subestimando esta prova.
A maioria das tochas tinha sido apagada no interior das cavernas e
apenas algumas velas ficaram ardendo ao longo da borda do lago leitoso.
Kala parecia melhor, sentada sobre uma pedra gasta, seus amuletos e contas
de osso batiam juntas enquanto ela se movia. Os guerreiros se alinhavam
nas paredes juntos a seus cachorros. Só podia ver o brilho de seus olhos. A
terra estava limpa de pedras e pedaços quebrados de estalactites, mas
estava salpicada do que parecia ser sal e erva seca.
— Logan Drake, você veio aos ritos com boas intenções? — Kala me
perguntou, sua voz ecoava de uma maneira que não era de todo
consequência das cavernas.
Tirei a jaqueta e a camisa. — Estas coisas não são baratas. —
murmurei, dobrando-as em um canto.
Alguém riu. Só pude imaginar o que estavam pensando de mim ao me
ver em minha jaqueta estilo pirata e botas com ponta de aço. Era fácil
assumir que um tipo que se sentia confortável usando punhos de renda não
podia distinguir uma espada de um palito de dentes. Eu estava acostumado a
isso. E sabia como usá-lo a meu favor.
Isabeau engoliu em seco e me enviou um olhar que não pude decifrar.
Abriu sua boca com uma advertência, mas o homem junto a ela colocou a
mão sobre sua boca. Eu franzi o cenho.
162
— Você conhece as regras. — Kala disse bruscamente. — Os ossos e
os sonhos não devem ser ignorados.
— Vou estar bem. — sussurrei para ela. Levantei uma sobrancelha
para o Hound que ainda a mantinha em silêncio. — Solte-a. — não podia
acreditar que o estivesse permitindo. Estas tradições deviam ser mais
profundas do que havia pensado. — Agora.
Ele sorriu e deixou a mão cair, mas não se moveu para longe dela.
Charlemagne não parecia como se sentisse a necessidade de morder e
arrancar a cara do homem, então deduzi que eu também não deveria fazê-lo.
Era provável que não seria bom que um cachorro tivesse melhor
autocontrole, quando se tratava de Isabeau, do que eu.
Kala sacudiu um chocalho de sementes, que pendia com um dente de
cachorro. O som era como a chuva sobre o telhado de zinco. Outros seis
Hounds levantaram seus próprios chocalhos e se uniram a oração. Kala
estava cantando em um idioma que soava como o sânscrito, acentuado com
sons guturais do tipo viking. Se eu tivesse fechado os olhos, bem poderia me
imaginar em um lindo templo em meio do deserto..., ou a ponto de ser
destroçado por um navio viking com uma armação de metal.
A canção terminou, os chocalhos silenciaram.
— Comecem. — Kala rosnou.
Fiquei tenso, quase esperando que os vampiros corressem para mim,
gritando. Não aconteceu nada. Estava apenas o frio silêncio das cavernas, o
gotejar constante da água no lago, o movimento dos cachorros. O
inquebrantável momento de tranquilidade era quase pior que um ataque de
entrada e saída, O qual pelo menos eu tinha uma vaga ideia de como lidar.
Isto era desconcertante.
Mas estava destinado a ser.
Levantei o queixo com arrogância, de pé com os joelhos frouxos,
pronto para saltar. Pronto para enfrentar o que seja que eles jogassem para
mim. E um inferno se eu ia deixar-lhes me ver contorcendo e suando.
E então, eu ouvi.
O rugido foi baixo o suficiente que quase pareceu retumbar no solo
sob meus pés.
163
O cachorro era muito grande. Mais até que Ox-Eye era uma generosa
mistura entre Dobermann e Rottweiler. A baba caia até o solo enquanto seus
lábios se despregavam mostrando os dentes que teriam feito um Hel-Blar
sentir-se orgulhoso. Era todo músculo, nem um grama de dobrinhas macias
de cachorro em algum lugar. E ele estava treinado para lutar e matar, com
um colar de couro com pontas armadas para protegê-lo de sua presa. Eu
tinha ouvido que eles costumavam usar cachorros como este nos rings de
gladiadores na antiga Roma e para caçar javalis na Idade Média.
Sabendo que eu tinha apenas uma vantagem sobre ele, no entanto, só
senti uma injeção de adrenalina nas veias. Deveria ter sabido que eles iam
usar os cães. E se o ferisse mesmo para salvar minha própria pele,
provavelmente iam me matar por isso de qualquer modo. Os outros
cachorros reunidos ao redor, rosnaram em resposta.
Teste ou trapaça?
Muito tarde para lamentar minha decisão precipitada agora. Sabia que
não podia me afastar ou fazer contato visual. E não tinha a mão um pedaço
de carne com sonífero, com o que distraí-lo. Apenas meu próprio e
lamentável ser.
Toda esta negociação tribal realmente fedia. Para não mencionar que
isto era para me casar com uma garota que vinha de uma tribo de lunáticos
sedentos de sangue.
O cão moveu-se para mim, a cabeça baixa ameaçadoramente, me
perseguindo. E eu não tinha retrocedido nem corrido como uma gazela
assustada. Isso dificilmente podia lhe demonstrar o meu valor a Isabeau.
Muito possivelmente esta era a noite em que meu complexo de cavalheiro
branco, como Solange havia dito, conseguiria que me matassem. Alguém
teria que escrever um poema sobre isto. Era simplesmente justo.
Mantive meu objetivo na mira. Não tinha nenhum lugar para onde eu
podia escapar, em qualquer caso, estava rodeado por guerreiros e seus
cachorros. A luz brilhava fora dos botões de prata de minha jaqueta no
canto. Se eu tivesse muita sorte, poderia ser capaz de dar a volta e aterrissar
no monte de pedras estreitas e me afastar dele. Olhei novamente para o
baboso cão guerreiro e dobrei ainda mais os meus joelhos, esperando.
Todos os demais retrocederam, a expressão de Isabeau estava
cuidadosamente em branco, a reveladora forma na qual pressionava suas
164
mãos juntas, a luz bruxuleante, o estrondo da cachoeira. Éramos apenas eu,
o cão e a pedra irregular.
Eu tinha uma chance.
Com muito cuidado fiz contato visual e mostrei os dentes. Ele não
desperdiçou um só minuto em latidos e rosnados. Suas pernas se
encolheram para então se jogar sobre mim, todo dentes e olhos
desorbitados. Saltei com graça pelo ar, quase sorrindo.
Na aterrissagem, no entanto, meu sorriso se foi. A ponta de aço de
minha bota prendeu na parede. Não havia espaço suficiente para o meu pé, e
nem aderência suficiente para me manter confortavelmente em posição
vertical. A pedra desmoronou sob meu calcanhar enquanto escorregava
xingando. Escorreguei e cai no chão. A rocha irregular arranhou meus
braços, arrancando rios espessos de sangue. Estive a ponto de perder um
dente ao bater um lado do meu rosto.
Ninguém estava olhando para mim de qualquer modo.
Houve um arranhar de dentes no ar e outro grunhido. Charlemagne
saiu de sua posição aos pés de Isabeau e aterrissou entre eu e o cão
guerreiro. Ele aterrissou com mais poder e graça do que eu havia mostrado.
Raspou seus dentes, rosnando. O cão guerreiro parou, baixou as orelhas e
rapidamente se sentou, gemendo.
Minha boca se abriu.
Kala inclinou a cabeça. — Muito bem. — disse.
Limpei o sangue e a sujeira das minhas mãos. — Que demônios
aconteceu?
— Você passou na primeira prova. — disse ela, como se eu fosse
lerdo, como se este tipo de coisas fossem perfeitamente normais. — E, muito
mais inesperado, já que um de nossos próprios cães te reclamou como seu. O
que não costuma acontecer.
Pisquei o suor para fora de meus olhos. A língua de Charlemagne
pendia alegremente fora de sua boca.
Kala pulverizou um punhado de ervas secas e o que parecia giz em um
ardente fogo pequeno no banco de pedra calcaria junto ao lago branco.
— Pó de ossos de alguns de nossos cachorros mais sagrados. —
explicou. Apontou as centenas de santuários de pedra que tinham sido
165
cravados na rocha. Cada um deles sustentava uma vela ou algumas urnas de
argila. — Temos que manter todos muito perto, junto com as cinzas de
nossas mães.
Supõe-se que “Mãe” era outro termo para “Shamanka”.
A fumaça do fogo encheu meu nariz e deixei de me preocupar pela
semântica e os ossos no pó. Os Hounds pareciam se desvanecer a um
segundo plano e Isabeau parecia brilhar novamente. Brilhava como as
perolas, as estrelas e a lua. Estava ainda mais linda que de costume, seu
longo cabelo brilhante, sua postura elegante, quase coquete. Ela usava um
justo vestido de cetim com um profundo decote, mostrando uma perna
praticamente até o quadril. Sua perna delgada surgiu enquanto ela dava um
passo em frente. Minha boca secou. Ela não usava nenhuma joia, apenas
essas destemidas cicatrizes. E sorria para mim.
— Logan. — disse em voz baixa, seus olhos verdes brilhando com
diversão e o calor enquanto se aproximava.
— Isabeau. — eu disse. Minha voz se quebrou da forma que não o
havia feito desde que tinha treze anos. Senti-me quase tão suave como o
havia sido desde então. O fogo crepitava junto a nós, enviando cortinas de
fumaça perfumada que subiam ao ar, entre nós e os demais. Poderíamos
estar completamente sozinhos nas cavernas, no mundo inteiro, inclusive.
Ela parou quando esteve perto o suficiente para me beijar, se
inclinasse para frente.
O que ela fez.
Beijou-me tão profundamente que o cão de guerra poderia ter se
colado atrás de mim e mordido minha perna e eu não teria percebido. Sabia
ser doce, como vinho quente com especiarias e condimentos. Sua língua
tocou a minha e eu pressionei-a para mais perto contra meu peito, não havia
mais espaço entre nós, nem sequer para a fumaça subindo. Ela me mordeu
brincalhona para depois se tornar suave e flexível entre meus braços,
aferrando-se a mim e suspirando meu nome.
Isto me deu um momento para pensar coerentemente e me golpear.
Isabeau nunca suspirava, nem tampouco se aferrava desta maneira,
nunca teria enfiado sua mão debaixo de minha camisa, o qual estava fazendo
agora mesmo, enquanto sua tribo inteira estava nos olhando.
Não Isabeau.
166
E isso exigiu de mim uma vontade extrema de poder me afastar. Ela
estava apenas a algumas polegadas de mim, nossos narizes quase se
tocavam. Ela umedeceu o lábio inferior. E eu voltei a perder a linha de meus
pensamentos.
Merda, homem acorda, Drake, eu disse a mim mesmo.
Ela acariciou meu ouvido até que um calafrio desceu por minhas
costas.
— Logan, vamos sair deste lugar. — murmurou. — Deixe os Hounds e
os Drakes com seus assuntos de política. Poderíamos ser apenas você e eu.
Sozinhos.
Provavelmente tinha uma boa razão pela qual eu não deveria estar de
acordo com ela e deixá-la me levar para fora das cavernas. E tão logo quando
o sangue voltasse ao meu cérebro, eu ia lembrar o que era. Mas agora não.
Ela mordiscou o lóbulo de minha orelha e eu sabia que estava em
problemas, sérios problemas. Vampiros megalomaníacos e guerras civis não
tinham nada haver com esta garota.
— Vem comigo, Logan.
Era fisicamente doloroso me separar dela. A fumaça parecia mais
grossa, grudava em meu cabelo e cravava em minha garganta. Ela percorreu
com uma pujante agulha de prata a delicada pele de seu pulso. Pude ver os
rios azuis de suas veias. O sangue quente perfumado se agrupou sobre sua
pele fresca invernal e começou a gotejar de seu braço, até o chão. Elevou seu
pulso, me oferecendo-o.
— Beba Logan. Quero que o faça.
O autocontrole em torno do sangue fresco não era precisamente fácil
para um vampiro muito jovem. Sabia que se não tivesse bebido até me
encher, nesta mesma tarde, eu teria estado totalmente perdido. Isabeau e o
sangue eram simplesmente muito para eu resistir quando se colocavam
juntos. Enquanto tive que manter meus molares retraídos, tentando deter
minhas presas para que parassem de sobressair. Mas mal tinha êxito.
Ela sorriu, lambeu uma gota de sangue de seu dedo. — Eu estou me
oferecendo, Logan.
Grunhi quando minhas presas ganharam a batalha com as gengivas e
minha mandíbula pressionada. Agarrei seu cotovelo e a arrastei para o lago.
167
Ela riu.
Definitivamente não era a verdadeira Isabeau.
A fumaça nos seguiu. Seu sangue deixava faixas rosadas na água
leitosa. — O que você está fazendo? — questionei nervosamente. E ela se
moveu, descobrindo sua perna, tentadoramente.
Mas eu já tinha lembrado o que ela havia me dito antes, quando
estávamos em forma de espírito. O trio de velas de cera piscou a minha
esquerda enviando luz suficiente, que deslizou sobre a superfície perolada
do lago. Tentei aproximá-la um pouco mais, para assim poder ver seu
reflexo.
O lago não podia ser um espelho real, mas estava perto o suficiente.
Vi a fumaça na vaga forma de uma mulher. Era a primeira vez que
tinha chegado tão perto do velho mito de que os vampiros não tinham
reflexo.
Eu a soltei com uma maldição afogada, a empurrando para trás, tão
rápido que a teria feito girar frente a seus pés se tivesse sido real. E de
repente havia apenas fumaça em seu lugar, e eu virei para olhar os Hounds.
Eles já não estavam de pé nas sombras.
Kala não sorria, mas parecia sutilmente satisfeita. — Última prova. —
murmurou.
— O que é exatamente? — perguntei com receio.
— O julgamento pelo combate.
Estive a ponto de suspirar. — Claro que é. — eu disse sem surpresa.
Poderia estar mais preocupado se não estivesse defendendo a mim
mesmo de meus seis irmãos toda a minha vida. Juntem a isso, que eu tinha
uma mãe que pensava que era uma ninja.
— Morgan. — Kala indicou a uma mulher da multidão. Ela parecia
apenas com dezesseis anos, usava um vestido de pelo cinza, que caia a seus
pés descalços. Seu cabelo chegava até os joelhos em três grossas tranças,
todas com barulhentas contas de ossos, alguns pintados de azul, e outros
eram dourados. Ela era delicada, elegante, pequena como uma bailarina.
Não me deixei enganar.
168
Especialmente quando ela saltou para mim, sem sequer um grito de
batalha como advertência, até mesmo o som revelador de sua espada
raspando a bainha enquanto ela desembainhava, libertando-a, foi
inexistente. Eu não ia ser capaz de dançar a minha maneira para sair dessa.
Fui abaixei, rodando sob meus pés antes que ela aterrissasse. Quando me
virei, colocando-me em posição, ela já estava girando para mim.
Tive que saltar para trás para que a ponta de sua espada não
arrancasse meu nariz de imediato. As pulseiras em seus pulsos soaram
lindamente. Desde que gostaria de manter meu rosto onde estava, virei
inclinando-me e a chutei. Eu a acertei no plexo solar, mas não havia lhe dado
com a força suficiente para lhe causar dano real. Ela adiantou-se e saltou
rápido suficiente para evitar o golpe completo do meu calcanhar. Agarrou
minha bota enquanto esta a ultrapassava e empurrou fortemente para longe
dela. Cai para trás, machucando o cotovelo e o ombro na rocha irregular. As
chamas das velas junto à minha cabeça tremeram.
Este era o ritual dos Hounds, não gritavam ou aplaudiam, apenas
cantaram e sacudiram o ocasional chocalho.
Era tão irritante e lúgubre.
Quando ela veio para mim de novo, tirei a perna e tentei derrubá-la,
Ela cambaleou, mas não caiu. Isto me deu uma pausa suficiente para me
afastar. Tirei o cabelo de meus olhos. O sangue manchava as rochas atrás de
mim, pingando por meu braço. Conjuntos de presas duplas e triplas se
estendiam ao meu redor. As narinas de Morgan se abriram.
E então não houve forma alguma de escapar de seu ataque.
Ela se lançou para mim como uma vespa, sua espada extraindo sangue
de meu pulso, braço, peito, músculo. Lutei contra ela, tanto quanto pude,
tentando dar alguns golpes, mas nada era definitivamente o suficiente para
ganhar a luta. E então, de alguma maneira, estava voando pelo ar. Cheguei
aos pés de Isabeau, sua bota pressionava minhas costelas.
Tenho que testar a mim mesmo com ela.
A ponta da espada de Morgan, já manchada com meu sangue, se
apoiou em meu pomo de Adão. Fiquei imóvel e tentei não engolir. Pareceu
uma eternidade antes que Morgan desse um passo para trás, embainhando
sua espada e então se afastou.
169
Engoli saliva compulsivamente. Isabeau se agachou, meio sorrindo —
Isso foi genial.
Isso quase fez com que minha humilhação fosse totalmente
suportável. Coloquei-me de pé, saindo de minha posição desleixada. — Você
perdeu a parte em que ela chutou minha bunda?
Ela encolheu um ombro. — Morgan sempre ganha. Ela é nossa
campeã.
Franzi o cenho. — Eu não entendo.
— Não se trata de ganhar. Apenas dois Hounds conseguiram golpeá-la
nos últimos cento e cinquenta anos.
— Então de que diabo se trata? — levantei minha mão. — Quer saber?
Não importa. Não acho que a resposta me importe.
Kala aproximou-se de nós. — Bom feito, Logan Drake. Nós agora te
consideramos um irmão.
— Sim? Genial.
Ela entregou-me minha camisa, minha jaqueta e uma tira de couro
com o dente de um cachorro envolto em arame de cobre. — Este foi um dos
dentes de leite de Charlemagne. Isto marca você como um de nós e foi
magicamente trabalhado.
Deslizou-o por cima de minha cabeça, enquanto os chocalhos dos
Hounds foram substituídos por tambores. Os hematomas ao redor de meu
olho direito começaram a latejar. — Obrigado.
Os tambores fizeram eco e um fogo se acendeu no centro da caverna.
— Normalmente nós celebramos e dançamos até o amanhecer. — Kala
baixou a voz. — Mas entendo que você tenha assuntos a atender, certo?
Assenti com a cabeça. — Desculpe.
Isabeau virou-se para mim. — Sim, devemos ir. — ela deu-me um
rápido olhar enquanto subíamos os toscos degraus para fora.
— Logan?
— Sim? — estava vestindo minhas roupas novamente apesar de que o
tecido grudava em minhas feridas.
Tudo o que eu tinha feito para tentar mantê-la limpa.
170
— Como você soube que não era realmente eu?
— Você está brincando? Seus olhos podem estar em chamas e você
não bate seus cílios para mim dessa maneira.
171
Capítulo Dezenove
Chegamos à borda quando o latido começou. No início parecia que
estava vindo de longe, ecoando das passagens de pedra. Depois que chegou à
caverna principal, os outros cachorros se juntaram ao coro, latindo,
rosnando, uivando. Os cabelos do meu braço se arrepiaram. Os Hounds
entraram em alerta alto imediatamente, alcançando armas. Esforcei-me para
ouvir além do canto frenético dos cães. Kala bateu palmas e falou uma
palavra de comando, cortante como vidro quebrado. Eu teria que calar a
boca também se eu fosse um cachorro. Inferno, eu teria que calar a boca de
qualquer maneira.
Isabeau inclinou a cabeça. Eu ouvi uma batida leve, três longas, uma
curta, como se algo estivesse batendo na tubulação. E veio para nós, tão
estridente que eu pensei que a água do lago poderia ter ondulado
ligeiramente.
— Ataque. — disse Isabeau, principalmente para meu benefício. Eu
acreditava que todos ali soubessem exatamente o que as séries de sons
queriam dizer. Tudo que eu queria era sair e avisar à minha família sobre o
ataque de Montmartre. — Um aviso para a batalha e... — ela parou
claramente chocada ao ouvir mais dois curtos sons. — E para se esconder. —
ela acrescentou, finalmente, como se tal coisa nunca tivesse ocorrido a
nenhum deles antes.
Odiava pensar no que poderia fazer o grupo inteiro dos Hounds no
seu próprio território e com os seus cães de guerra amarelar.
Não estava ansioso para sair e descobrir.
Discrição era definitivamente a melhor parte da coragem algumas
vezes, mas alguém tinha que salvar Isabeau de si mesma.
172
Eu sabia, de fato, que ela ia saltar para a briga, apesar do perigo.
Fiquei francamente surpreendido que ela ainda não tivesse se matado por
isso.
Morgan estava mantendo guarda perto de Kala, levando a Shamanka
em direção à uma fenda estreita em um dos muros agora, pendurado com
teias de aranha. A maioria dos cães foi com elas. Isabeau estalou os dedos e
apontou para Charlemagne se juntar a eles. Alguns dos mais ferozes ficaram
com os Hound. A forma eficiente que pisaram na formação da batalha teria
trazido lágrimas de alegria aos olhos de minha mãe.
Um grito ecoou em nossa direção. Eu saquei um dos meus punhais.
Isabeau ergueu a espada apreensivamente. Eu ouvi a briga, o grunhido, e
então um Hound sangrando por um ferimento na cabeça tropeçou na borda.
Eu quase o matei. O fato de ele ter caído aos meus pés salvou sua vida e o
futuro da aliança entre as nossas tribos.
— Hel-Blar. — ele borbulhava, sufocando. — Dúzias deles.
— Merda. — eu disse enquanto eu e Isabeau olhávamos um para o
outro com os olhos arregalados. Gelei completamente. — É um truque.
— O que você quer dizer? — ela perguntou enquanto os Hounds se
mexiam para esperar do outro lado do túnel. Alguém arrastou seu
compatriota ferido do caminho para que ele não fosse pisoteado quando o
combate começasse.
— É Montmartre. — eu disse. — Tem que ser. Ele quer desacreditar
nossas tribos uma da outra para garantir que nenhum de vocês venha para
nos ajudar. — fiquei com mais frio, se isso era possível. Não ficaria
totalmente surpreendido se gelo tivesse se formado em minha boca. — Ele
está indo para as Cortes Reais hoje à noite. — eu disse. — Agora. Eles
mudaram o ataque e assim ele vai manter os Hound fora do caminho.
As mãos dela se enrolaram em punhos. — Greyhaven pode ter
percebido que eu estava em Montmartre. Ele sabe a minha assinatura de
espírito. Eles reagiram em consequência.
— Eu tenho que sair. Tenho que chegar até minha família.
Ela assentiu com a cabeça. — Eu sei.
— Mostre-me a passagem mais próxima.
173
— Por aqui. — levou-me para o outro lado da água e deslizou por uma
corda, balançando para trás da outra borda da cortina de água branca.
Quando a corda grossa balançou de volta, eu a agarrei e a segui. A saliência
estava escorregadia e os estrondos da cachoeira abalavam através de meus
ossos. Isabeau alcançou uma lanterna e ligou, emitindo o feixe saltando de
um túnel que não era realmente mais do que uma rachadura na rocha.
— Algumas partes são tão escuras que nem mesmo nós podemos ver.
— ela explicou, entregando-me outra lanterna com uma alça para se
encaixar na minha cabeça. Ela usava a sua própria, como uma tiara. A luz me
cegou ao ver sua expressão. — Você não deve ir sozinho. — ela disse.
O confronto das espadas pairava abaixo, quase inaudível.
Olhei para ela por alguns instantes. — Você vem comigo? — não tinha
esperado por isso, não teria imaginado por um momento único que ela
deixaria os Hounds para me ajudar. Ela virou-se para enfrentar o corredor,
balançando a luz.
— Espero fazer melhor indo com você do que aqui. Kala não me pediu
para acompanhá-la, o que significa que ela quer que eu salve a aliança. Por
qual outra razão ela teria insistido na sua iniciação logo após ter te
conhecido?
Eu realmente não tinha tempo falar com ela sobre isso. — Obrigado.
— murmurei enquanto entrávamos no túnel úmido, pedras raspando nos
meus ombros. Virei-me de lado. Mal havia espaço para passar. Eu realmente
esperava que a fenda nos levasse na direção certa. Todas pareciam iguais do
lado de fora. Realmente não gostava da ideia de ficar preso e morrendo de
fome dentro de uma montanha. Dificilmente uma forma eficaz de parar
Montmartre.
Nós nos arrastávamos lentamente, muito lentamente para os nossos
gostos, mas não havia nada que pudéssemos fazer sobre isso. Não havia
maneira de nos movermos mais rápido, pois o túnel parecia estar ainda mais
estreito, ao invés de ampliar para o céu.
— Espero que você saiba o que está fazendo. — murmurei enquanto
eu raspava outra camada de pele do lado de fora do meu pescoço e as costas
da minha mão. A lanterna iluminando as costas de Isabeau, a queda de seu
cabelo escuro, vislumbres de sua pele pálida. Ela virou a cabeça
ligeiramente, alcançando até a desligar a luz.
174
— Estamos quase lá. Se as mantivermos acesas vamos mostrar nossa
posição à distância.
Desliguei a minha também. Após um momento piscando afastando a
mudança brusca de luz; podia diferenciar todos os tons de preto e cinza. Se
eu ainda fosse humano, teria sido um breu total. Podia sentir o cheiro de
uma mudança no ar também. E ainda estava frio e úmido, mas de vez em
quando um sopro quente de folhas e lama parecia no caminho para dentro,
não demorou muito para que eu pudesse ouvir o vento.
Tropeçamos para fora de uma caverna muito pequena que se abriu
para o brilho das estrelas e com a mudança de ramos de uma árvore
atrofiada perto da abertura. A saliência rochosa relativamente estreita,
teríamos que escalar nosso caminho para baixo. Peguei meu celular.
— Deveria telefonar para os meus pais. Consigo sinal aqui?
Isabeau assentiu. — Você deveria ser capaz. Não é confiável, mas pelo
menos não deveria ser bloqueado pela magia tão longe da caverna principal.
O painel do meu telefone estava quebrado e não ligaria totalmente. —
Só faltava essa. — eu disse frustrado. Não tinha certeza se acreditava na
mágica antes, mas acredito totalmente em maldições agora. Coloquei-o de
volta no bolso, irritado. — Devo ter caído sobre ele quando Morgan estava
chutando minha bunda. É inútil. — meio como eu estava começando a ser.
Não estava ajudando em nada para o meu humor.
Isabeau deu-me seu telefone. — Aqui, tenta o meu.
— Obrigado. — liguei rapidamente, ouvindo com crescente agitação,
uma vez que tocou e tocou. Eu tentei o número da minha mãe, do meu pai,
de Sebastian. Ninguém respondeu. Isso era virtualmente desconhecido a
menos que eles estivessem caçando ou lutando. Alguém sempre respondia.
— Isso não é bom. — eu disse, ligando para a fazenda.
Solange respondeu ao segundo toque. — Olá?
— Sol? O que está acontecendo? Porque não há ninguém respondendo
aos seus telefones?
Houve uma longa pausa, e quando ela falou de novo a sua voz rangia.
— Logan?
— Sim, quem mais? — respondi irritado.
175
— Logan!! — ela gritou tão alto que quase deixei o telefone cair.
— Por que você está gritando? — Isabeau olhou para mim
interrogativamente e eu encolhi os ombros. Não poderia explicar a minha
família na maior parte do tempo.
— Você está vivo! Oh meu Deus.
— É claro que estou...
— Nicholas! É Logan. Ele está bem. Eu não se..., hei, você é uma dor no
meu..., pare com isso!
Eles estavam claramente lutando pelo telefone. Solange ganhou. Eu
podia ouvir os gritos de Nicholas: — Você me chutou!
— Oh, Logan, eu estou tão feliz de ouvir a sua voz. — sua própria voz
vacilou um pouco, como se ela estivesse chorando.
—Ei. — eu disse. — Estou bem. Não chore, Sol. Eu estou bem.
— Ok. — ela fungou uma vez. — Onde diabos você esteve?
Eu tive que colocar o telefone longe do meu ouvido novamente
quando ela ficou estridente. — Estou nas cavernas com Isabeau. Eu disse
para um dos guardas para que vocês soubessem. Jen veio comigo... — eu
parei. — Ela não sobreviveu.
— O que aconteceu?
— Nós fomos atacados por Hel-Blar. Mais ou menos como estamos
sendo agora, por isso não posso exatamente bater papo.
— Logan, todo mundo acha que você está morto. O guarda nunca nos
disse qualquer coisa, exceto que ele encontrou um feitiço da morte com seu
perfume sobre ele e a marca de Isabeau. Papai estava tentando parar mamãe
de atacar os Hounds. Finn foi acalmando-a.
— Merda. Escute, eu realmente não posso falar. Montmartre tem
mandado Hel-Blar sobre todos nós. É desorientador. Ele quer que a gente
lute entre nós, com isso não podemos lutar contra ele. Ele provavelmente
está nos tribunais agora. Você pode se comunicar com Kieran? Se nem a
mamãe ou o papai está respondendo seus telefones vamos precisar de ajuda.
E rápido.
— Vou ligar para ele agora.
176
— Ótimo. Diga a ele que eu vou encontrá-lo lá.
— Você vai encontrar nós todos lá.
— Fique em casa, Solange. Eu falo sério.
— Estou feliz por você estar vivo, mas tente Logan. Eu falo sério.
— Montmartre quer você.
— Duh. Mas se as desorientações têm funcionado tão bem para ele,
podemos fazer a mesma coisa também.
— Eu não estou usando minha irmãzinha como isca. Não depois do
que aconteceu no seu aniversário. Ele quase teve você, Sol. Se não fosse por
Isabeau e os Hounds...
— Vejo vocês em breve. Tchau, Logan.
— Espere; você não pode..., argh! Ela desligou na minha cara. Criança.
— Você não pode esperar que ela se sente em casa enquanto sua
família está sendo ameaçada.
Olhei para Isabeau pensativo. — Talvez você possa ir sentar-se com
ela. Protegê-la.
Ela bufou. — Você é muito transparente, Logan.
— Por favor?
— Non. Absolument pas72.
Eu teria argumentado muito mais, se algo pesado não tivesse atingido
o lado da minha cabeça, me enviando à beira da borda do penhasco. Eu
tropecei para trás, o sangue escorrendo em meus olhos. Dor passou através
do meu crânio. Isabeau virou-se com a espada em mãos para o outro lado,
mas era tarde demais. Hel-Blar desceu do penhasco acima de nós e outros
subiram por baixo. Sua pele era de um tom estranho de azul na escuridão, os
seus dentes como ossos. O cheiro de podridão foi subitamente insuportável.
Isabeau sufocando, amaldiçoou em francês.
72 Não. Absolutamente não.
177
Nós lutamos como gatos mergulhados em água fria. Praticamente não
pensamos, era o instinto e uma necessidade selvagem de sobreviver. Eu não
estava me movendo tão rapidamente como deveria. O ferimento na cabeça
me fez tropeçar, fazendo meus braços parecerem descoordenados e
pesados. Eu joguei uma estaca com mira ruim, mas com raiva suficiente para
catapultar a Hel-Blar fora do lado da montanha. Isabeau pressionou as
costas na minha, cortou um braço azul, uma mão azul.
— Nós estamos em desvantagem. — balbuciei. — E eu estou ferido.
Corra.
— Você não é um cavaleiro branco e eu não sou uma donzela em
apuros.
Ela era tão teimosa, eu assobiei. — Olhe ao redor, Isabeau. Isto
definitivamente se qualifica como apuros. Agora, corra, caramba. Eu só estou
lhe atrasando.
— Cala a boca e luta; Logan.
Toda garota que eu conhecia era totalmente insana. Infelizmente,
Isabeau provavelmente não poderia ter corrido mesmo se ela concordasse
com isso. A fuga só aconteceria se nos lançássemos do penhasco e nós
tínhamos de passar por três Hel-Blar. Minha cabeça parecia uma abóbora
podre, girando e não inteiramente funcionando. Conseguimos matar um dos
Hel-Blar que virou cinza, mas sua morte só serviu para enfurecer seus
companheiros já instáveis.
Eu tropecei, tonto, e quando caí sobre um joelho, outra pedra veio na
minha cabeça. Houve uma explosão de fogo e estrelas e depois nada.
Eu não sabia por quando tempo fiquei inconsciente.
Não poderia ter sido um dia inteiro, já que a minha cabeça ainda
latejava, mas pelo menos não parecia ainda estar rasgada. Os arranhões e
178
hematomas tinham desaparecido. Minhas mãos e pés formigavam,
principalmente porque eles foram presos no local com correntes. Puxei.
Tentei mesmo, mas não se moveram.
— Isabeau. — eu assobiei. — Isabeau!
— Estou aqui. — disse ela. — Atrás de você.
Sua voz tinha aliviado meu sistema como champanhe. Eu poderia ter
ficado bêbado com o sentimento.
— Graças a Deus. Você está ferida? — eu tentei virar, mas não pude
muito de onde eu estava amarrado à cadeira. Raiva e dor substituíram o
alívio e cada um dos meus músculos estavam tensos até que minha
mandíbula ameaçou saltar. Eu testei as correntes novamente.
— Não adianta; Logan. — ela disse suavemente. — Eu tentei.
Se eu virasse um pouco poderia ver o lado do seu rosto e o pescoço
em um pesado espelho pendurado na parede ao nosso lado. Havia
hematomas em sua garganta e sobre sua face. Nós estávamos em uma
pequena sala com correntes na parede e várias cadeiras de madeira pesadas.
Na janela estava pendurada uma espessa cortina, mas eu não tinha dúvida
de que era de vidro comum, não o suficiente para impedir a luz solar de
enfraquecer-nos. Eu era jovem suficiente para que se eles me deixassem no
sol por algumas horas, eu desmaiaria e deixaria que eles me matassem sem
uma única tentativa de luta. Eu chutei o chão com minha bota, nervoso.
Então franzi o cenho.
— Desde quando Hel-Blar têm tapetes persas? Ou deixam as suas
vítimas sem mordê-las?
— Eles não o fazem.
Eu olhei seu reflexo com horror. — Você está me dizendo que um
deles te mordeu? — adrenalina correu por mim. O beijo de um Hel-Blar pode
transformar até mesmo um vampiro antigo. Seu sangue infectando o nosso,
nos faz tão loucos e cruéis quanto eles.
— Não. — assegurou-me Isabeau antes que eu perdesse
completamente a calma.
— Eu só estou dizendo que Montmartre tem melhor controle deles,
que nós tínhamos pensado.
179
— Hypnos. — eu murmurei. — Aposto qualquer coisa que a causa
disso é aquela maldita droga.
Ela estremeceu.
— Eu não vou deixar que eles te levem. — grandes palavras de um
cara coberto com seu próprio sangue seco. Eu devo ter parecido ridículo
para ela. Eu falhei com ela, caramba. Eu deveria ter sido capaz de protegê-la.
— Montmartre nunca deixa um cão sem marcação. Nós somos a prova
que ele não é infalível, que ele não pode controlar tudo. Ele nos teme e diz a
si mesmo que o medo é o ódio.
— Nós o impedimos antes. Nós vamos pará-lo novamente. Desta vez
para sempre. — de jeito algum eu ia deixá-lo por aí ameaçando as pessoas
que eu amo pelos próximos 100 anos.
— Nobres palavras. — uma voz divertida nos interrompeu da porta.
Eu não o reconheci, mas vi todo o sangue do rosto de Isabeau desaparecer, vi
dor quase animal mexer as suas feições. Por um momento ela pareceu a
moça que eu vi lutando para sobreviver nas ruas do Grande Terror73. Esse
medo foi breve, rapidamente coberto por uma sede ardente de vingança.
Que só podia significar uma coisa.
Não foi Montmartre, afinal.
Foi Greyhaven.
73 Na Revolução Francesa, o Reino do Terror, ou simplesmente O Terror, foi um período compreendido entre
31 de maio de 1793 (queda dos girondinos) e 27 de julho de 1794. O partido jacobino, perseguiu e assassinou
seus adversários, um número indeterminado, entre 16.000 e 40.000 pessoas foram guilhotinadas.
180
Capítulo Vinte
Londres, 1794
Levou quase um ano para Isabeau poupar, roubar e esconder dinheiro
o suficiente para comprar uma passagem para a Inglaterra. Mesmo assim,
não sabia o que faria quando colocasse os pés em Londres. Tinha o nome do
seu tio, que seu pai afirmava ser egoísta e arrogante, e os centavos que
deixaram em seu nome. Cerise havia se recusado a acompanhá-la pelo
motivo que a Inglaterra estava cheia de ingleses.
E os portos de Londres não eram como nada que houvesse visto antes.
Londres não era como nada que houvesse visto antes, era algo muito
distante das familiares ruas de Paris. Era cinza, azul e negro manchado de
fuligem e assentado por uma neblina de cor indeterminada que a fez tossir.
— Se acostumará logo, garoto. — tagarelou o senhor que tinha estado
quase toda viagem sentado próximo a ela, empurrando seu cotovelo ossudo
em suas costelas. Pensou que embora tenha mantido seu disfarce de garoto,
seria prudente não parecer como se estivesse viajando sozinha, embora
dificilmente esperasse que um ancião com os dentes podres a protegesse.
Algumas vezes, era a ilusão que contava.
Mas agora que ela estava na doca, sendo empurrada por mercadores
hostis e marinheiros ambiciosos pela cantina e a prostituta mais próxima, se
sentiu mais constrangida do que pensava. Ela tinha estado esperando tanto
tempo por esse momento, a tinha elevado como uma lanterna para ver
através das noites escuras.
A realidade era um pouco decepcionante.
As carroças que rodavam com crianças com roupas sujas e gastas se
enfiavam no barro do Tamisa74 para que as mercadorias abandonadas
pudessem ter um bom preço na rua. Vozes, cascos de cavalos e um
74Rio do sul da Inglaterra que banha Oxford e Londres e deságua no mar do Norte.
181
incontável número de chaminés se amontoavam em uma mistura de sons e
cheiros que a faziam tapar o nariz.
— Você sabe aonde vive as pessoas da sociedade? — perguntou ao
seu companheiro de idade avançada.
— Procurando por luxo, verdade? Eles não são amáveis com os
meninos de rua e batedores de carteira; garoto.
— Eu não estava...
Ele limpou sua garganta. — Eu fui jovem uma vez, meu garoto. Não
tem necessidade de se preocupar pelo que te dão. — ele acenou para o
extremo oeste da cidade. — Mayfair é aonde a sociedade educada reside e
lhe desejo a melhor sorte.
— Obrigada. — ela ofereceu-lhe um de seus centavos. Ele aproximou-
se para comprovar o seu valor e o deslizou dentro do seu bolso com uns
dedos tão ágeis que ela teve que lhe dar crédito por isso. Eram nodosos e
dobrados, mas ainda assim rápidos.
— Preste atenção nos guardas, garoto. — disse se despedindo antes
de sair mancando. Parou o suficiente para colocar seus olhos em uma
verdureira gorda com seu avental sujo. Ela sorriu e voltou a gritar sobre os
peixes e as enguias.
Isabeau ajeitou-se em sua jaqueta e levantou seu queixo com
determinação. Se parecesse com uma presa, o mundo lhe trataria como tal.
Ela caminhou com facilidade e confiança, dando um passo para o oeste como
se soubesse exatamente para onde se dirigia como se vivesse ali toda sua
vida. Ninguém tinha que saber que seu coração estava batendo tão rápido
que a fazia se sentir mal e os músculos atrás do seu pescoço estavam tão
tensos que teria uma terrível dor de cabeça ao anoitecer. Todos tinham que
ver apenas um garoto com o passo rápido e olhar inteligente que poderia
cuidar de si mesmo.
Caminhou por algumas horas, tentando contar os cruzamentos à
direita e à esquerda para não ficar desesperadamente perdida. Havia garotas
com cestas de violetas e laranjas para vender, pães e batatas assadas e lojas
com torres de doces decorados com açúcar em cascatas, chapéus com
plumas amarelas, rosas e verdes, fitas com várias tonalidades, melados de
limão, livros, qualquer coisa que alguém houvesse pensado em comprar,
estava disponível. Não havia pedras queimadas nem janelas quebradas por
distúrbios, não cheirava a fogo ou gritos radicais em cada esquina. Era
182
totalmente estranha, decadente e suave. Mas não podia se dar o luxo de
deixar sua guarda baixa ainda, se alguma vez o fizesse.
Começou a notar o estado das carruagens melhorando, as ruas
estavam mais limpas com garotos com vassouras limpando o caminho de
excrementos de cavalos por uma moeda. As casas se elevavam mais alto, o
cheiro era menos picante. As árvores estavam agrupadas em jardins. Quando
passou pelo enorme parque parou bruscamente. Havia se perdido na grama,
nas árvores de carvalho e flores por toda a parte. Ela não tinha percebido
tudo o que tinha perdido até agora. Pelo menos já sabia onde poderia dormir
esta noite se não encontrasse seu tio. O pensamento deu-lhe mais forças.
— Aqui agora, veja o que está fazendo. — sussurrou um cavaleiro,
quase caminhando em cima da figura imóvel de Isabeau. Ela fechou sua
mandíbula. Escondeu seu rosto nas sombras debaixo da aba do seu gorro e
foi para um lado para deixá-lo passar.
Ela desviou seu olhar longe, para os cavalos e seus muito bem
vestidos cocheiros fazendo seu caminho dentro do parque e seguidos por
suas bem arrumadas carruagens que passavam rodando. Uma grande
quantidade deles se dirigia para a mesma direção e ela levou como um bom
sinal. Ainda era de madrugada, não iriam aos bailes, festa ou comprar um
novo vestido de noite. Ela não pensava que a aristocracia inglesa fosse tão
distinta da francesa, as manhãs eram para longos cafés da manhã,
correspondência, e descansos dos excessos da noite anterior. Mas alguns dos
poucos ocupantes das carruagens provavelmente estavam a caminho de sua
casa já que não haviam ido para cama ainda.
As casas pareciam como palácios, com maçanetas de metal brilhante,
vasos gigantes derramando-se com todo tipo de flores. As criadas
caminhando com pequenos cachorros treinados em suas coleiras e algum
gato, ocasionalmente. Os garotos entregadores, carroças de pescados, e
vendedores de pão faziam seu caminho para as portas traseiras.
Ela parou um homem em farrapos. — A casa St. Croix? — perguntou
em um inglês carregado.
— Você é francesinho? Pode falar alto? — ele tapou o ouvido com sua
mão, parando rapidamente enquanto parava a carroça que puxava. Ela o
ajudou a manobrá-la sobre uma pedra que sobressaía.
— St. Croix? — ela repetiu.
— Quer dizer St. Cross? A casa está no final da rua com uma porta
183
azul. — ele apontou nessa direção e continuou seu caminho sem olhar para
trás. Seu coração começou a disparar novamente.
Parte dela queria correr para lá, outra parte considerava correr na
direção oposta. Nunca deveria deixar que essa parte ganhasse. Forçou si
mesma a acalmar-se para tomar uma respiração.
A casa elevava-se à sua frente, com vários andares altos, com uma
porta frescamente pintada de azul e cortinas de pedras em cada janela.
Carruagens passavam atrás dela. As nozes de uma árvore caíram na rua,
rosas floresciam em urnas de cobre. Um caminho conduzia para a parte
traseira da casa, onde estavam localizadas as hortas, estábulos e entrada dos
empregados.
Subiu as escadas, as quais estavam varridas e limpas de qualquer
pétala. A maçaneta tinha o desenho de um leão com uma cruz na boca.
Isabeau percorreu com seus dedos a marca, antes de bater com os nódulos
dos dedos na porta. Esta se abriu e um homem de cabelo cinzento a viu com
seu nariz levantado para ela. Seu casaco negro estava perfeitamente
ajustado, seu uniforme imaculado.
— Tio Oliver? — perguntou cautelosamente. Ela não havia se
encontrado com ele antes, mas esperava que tivesse um semblante familiar,
as características de seu pai talvez, ou os famosos olhos verdes St. Croix. Este
homem era mais alto que qualquer um dos seus parentes e inalou pelo nariz
de forma desdenhosa.
— O senhor St. Cross não recebe garotos cheios de lama que cheiram
como você. — lhe informou. — Passa daqui. — ele ia fechar a porta. Ela o
impediu com seu pé.
— Attend, síl te plait75! — caindo seu gorro em sua agitação, deixando
seu cabelo se esparramar para fora. Ela sabia que devia ter uma aparência
meio selvagem com seu balbucio em outro idioma e sua imploração, olhos
chorosos. — No! Monsieur76!
— Vá para a porta traseira que a cozinheira lhe alimentará, garoto. E
depois segue seu caminho. — fechou a porta com um empurrão. Ela agarrou
bruscamente a maçaneta, mas estava fechada. Segurou as lágrimas de 75Espere, por favor.
76Não, senhor.
184
frustração. Chorar não ia ajudar. Apenas tinha que encontrar outra forma de
entrar.
O mordomo havia apontado para o caminho ao longo da casa. Ela
passou por ele, recolhendo o barro com suas botas. Uma suave garoa
começou a cair, cobrindo toda a calçada. Uma das janelas estava
parcialmente aberta, as cortinas ondulando com o vento. Ela olhou ao redor
para se assegurar que ninguém a observava antes de se enfiar nas roseiras
para ter uma melhor vista. Os espinhos rasgavam a parte traseira de suas
mãos e lhe puxavam o cabelo. Rosas estúpidas. Pétalas caíram sobre ela,
enchendo seu nariz com o perfume baixo da cálida chuva.
A sala tinha muitas cadeiras com almofadas bordadas e um piano
grande em um canto. O teto estava pintado com querubins. Arrepiou-se.
Como se supõe que uma pessoa pudesse relaxar com bebês gordos flutuando
acima da sua cabeça durante todo o dia? Entre anjos, candelabros dourados
e abajures, o quarto estava excessiva e terrivelmente decorado.
Mas pelo menos estava vazio.
Ela empurrou a janela aberta um pouco mais e logo deslizou sua
perna através da abertura, abraçando o peitoril enquanto se retorcia em seu
caminho para dentro. Cheirava cera de limão e mais rosas. A casa estava
notavelmente tranquila para ser um lugar tão grande. Perguntou-se se teria
algum primo que houvesse sido enviado a uma creche no sótão.
Nenhum cachorro veio saudá-la, nenhum gato saiu à luz debaixo da
mesa. Seu coração voltou a sua tranquilidade regular.
Ela saiu para o corredor, pensando aonde poderia estar seu tio. Se já
havia se levantado certamente estaria em seu escritório. Ali era onde seu pai
passava a maior parte do seu tempo quando não estava a cavalo ou
escoltando a sua mãe em alguma festa. Inclusive a sala era bonita, com
pinturas emolduradas, desenhos dourados, mesas com superfície de
mármore e recipientes de flores. Teve que lutar com a necessidade de
guardar em seu bolso uma pequena tabaqueira de prata.
Virou em um canto e caminhou diretamente para o mordomo.
Ele deu gritos agudos e era muito mais rápido do que ela esperava,
levantando-a dos seus pés pela manga do seu casaco antes que ela pudesse
fugir do seu alcance. Seu instinto era correr e se esconder, mas isso
dificilmente ia levá-la para o que ela queria. O mordomo a sacudiu.
185
— Vou chamar o magistrado. Não nos portamos com bondade com os
intrusos na Inglaterra. Não me importa se é uma garota!
Isabeau fez a única coisa em que pôde pensar.
Abriu sua boca e gritou o máximo que seus pulmões permitiram. —
Mon oncle! Mon oncle77!
O mordomo foi para trás por seu impressionante volume. O
candelabro acima balançava. Lacaios vieram correndo até eles. Uma porta
abriu de um golpe, batendo contra a parede.
— Que diabos esta acontecendo aqui? — a voz tinha alguns fracos
sotaques de Frances. O homem vestia um casaco de seda cinza esticado
suavemente sobre sua barriga. Seu cabelo cinza faltava sobre o alto da sua
testa.
— Imploro seu perdão, sua senhoria. — o mordomo respirou com
dificuldade. — Capturei um intruso.
— Mais non, arrete.78 — Isabeau lutava para sair do agarre. Ela
soprou seu cabelo para tirá-lo do seu rosto. — Sou eu. — ela disse. —
Isabeau St. Croix. Sua sobrinha.
— Minha sobrinha? — ele repetiu em inglês.
O silêncio os cobriu, grosso como fumaça. Seu tio pestanejou para ela.
O mordomo pestanejou para seu tio. Os lacaios pestanejaram para todos
eles. Uma mulher que ela presumia que seria sua tia fez um ruído
estrangulado na outra porta. Ela usava um gorro de corda e traje de manhã
ajustado com flores de seda.
— Sua senhoria? — o mordomo já não estava certo se estava
segurando um criminoso ou transportando a sobrinha de um Conde, pelo
colarinho.
— Solte-a. — o senhor St. Cross disse. — Deixe-me dar uma olhada.
Isabeau endireitou seu amassado e sujo casaco. Seu tio a olhou por
um longo tempo antes de bater ruidosamente suas mãos ao uni-las.
77Meu tio! Meu tio! - em francês.
78Não, pare. - em francês.
186
— Por Deus, é ela!
— Tem certeza? — sua esposa perguntou, com seus dedos passando
por sua garganta. — Nunca a conheceu.
— Não o fiz, mas reconheceria esses olhos em qualquer lugar. São
como os de Jean-Paul. — ele balançou a cabeça. — Notável, onde ele está?
Isabeau tragou. — Está morto.
A boca de Oliver tremeu de emoção, se pôs pálido como a manteiga. —
Non. — escorregou no francês. — Como?
— Guilhotina.
Sua esposa abanou-se furiosamente.
— E sua mãe? — perguntou suavemente.
— Também. — ela engoliu fortemente. Não podia perder sua
compostura agora. Lutou duramente, pelo bem de seu pai, para ser uma
garota forte que havia sobrevivido. A quente palma de seu tio pousou sobre
seu ombro.
— Oh minha querida menina.
Sua esposa abaixou suas mãos trêmulas que tampavam sua boca. —
Senhor meu, olhe-a, está terrivelmente magra.
— Está fraca e ossuda, minha garota. Mandaremos que lhe tragam
chá. Traga biscoitos extras. — disse ao lacaio mais próximo. — Nosso
cozinheiro é francês. Faremo-lo fazer seu prato favorito para o jantar.
— Venha se aproximar do fogo. — chamou sua esposa bondosamente,
guiando-a para a sala. — Vou lhe levar ao banho após o chá.
Isabeau a seguiu, ligeiramente confusa. Esperava mais uma luta.
Sentiu-se fora de lugar, magra como a penugem de um dente de leão. Foi
acompanhada para uma profunda cadeira perto da lareira. O fogo queimava
alegremente. O calor deixou suas bochechas vermelhas, suas pálpebras
pesadas. Estava muito distante do calor dos reservatórios metálicos nas
esquinas, ou as chamas das pilhas de madeira quebrada usadas como
barricadas.
— Acredito que ela ainda está em choque. — sua tia murmurou.
Ele agitou sua cabeça. — Pobre Jean-Paul.
187
— Oh! Esses franceses horríveis.
— Cuidado, amor. Casou-se com um. — brincou.
— Não seja ridículo. Você mal tem sotaque. Apenas um carinho
especial por esse patê horrível.
Isabeau beliscou sua perna para evitar dormir. — Papai estava
planejando nos trazer para cá. Antes que fossemos capturados.
— Não se preocupe querida, nós cuidaremos de você.
— Você não é em tudo como ele disse. — ela murmurou,
desconcertada.
Ele soltou uma risada afogada. — Não, imagino que não. Nós nunca
vimos um ao outro, explicitamente, inclusive pequenos. — ele suspirou. — A
senhora St. Cross e eu não fomos capazes de ter nossa própria família.
— Oliver, seriamente. — a senhora St. Cross murmurou, corando. —
Que coisas você diz.
Ele apalpou seu joelho, seu braço era grande o suficiente para
derrubá-la, mas ela apenas lhe sorriu. Virou para Isabeau. — O que quero
dizer é que será agradável ter uma jovenzinha em casa.
— Oh sim. — exclamou a senhora St. Cross. — Levaremos você a
todos os bailes, querida. Precisaremos de trajes de noite, claro, e um mestre
de baile, uma criada para lhe arrumar o cabelo. — seus olhos brilharam com
entusiasmo. Isabeau não estava certa se deveria estar nervosa.
— Não se preocupe. — seu tio disse alegremente quando a senhora St.
Cross estava distraída com a chegada do carrinho de chá. — Sobreviveu ao
terror, sobreviverá a ser uma debutante.
188
Capítulo Vinte e Um
Greyhaven.
A última vez que eu o vi foi no baile de natal, seu imaculado
sobrecasaca, seu sorriso encantador. Eu não tinha experiência com um
homem como ele, cedendo à magia da noite e muitas taças de champanhe.
Pensei que tivesse visto todos os monstros aos meus dezoito anos:
prisioneiros, rebeldes, guardas com cruel poder, fome, cafetões e Condes
com muito dinheiro.
Mas como defender se contra um monstro que você nunca imaginaria
que pudesse existir?
Ele tinha contaminado meus primeiros mementos reais de conforto,
de confiança na felicidade que senti desde que a multidão tinha invadido o
castelo da minha família.
Eu queria matá-lo de novo.
Lutei contra as minhas restrições, sem me importar com os cortes em
carne viva. Eu estava cavando a minha pele, meu sangue manchando as
algemas de ferro. Logan estava dizendo alguma coisa, mas eu não podia
entendê-lo sobre o barulho nos meus ouvidos. Era como se minha cabeça
estivesse mergulhada embaixo da água.
Greyhaven soou tão culto e suave quanto a duzentos anos atrás. As
cicatrizes nos meus pulsos doíam.
— Um dos príncipes Drake. — ele disse agradavelmente para Logan.
Logan não respondeu. — Há rumores que nossa menina aqui o assassinou.
Logan zombou. — Você está aqui para corrigir esse engano? — ele não
soava assustado, apenas levemente entediado.
Eu era capaz de me concentrar de novo. Poças de sangue em minhas
mãos. Minhas presas picavam minha gengiva, muito extensas.
189
— Certamente não. Você vale muito mais como um refém. Essas
pequenas revoluções não são fáceis de financiar, você entende.
— Eu pago o dobro do que você receber por mim se deixar a Isabeau
ir agora.
Greyhaven riu. — Você tem dezoito anos de idade Logan, e
dificilmente é um milionário. Você não tem recursos para pagar, mesmo se
eu estivesse inclinado a soltá-la.
Logan sacudiu na cadeira. Se movimentasse mais fortemente, iria
deslocar seu ombro.
— Logan, não. — eu disse. Minha voz estava seca, como se não tivesse
falado em anos.
— Ah! — Greyhaven virou-se na minha direção. Eu tentei não me
mover, não me afastar, ou expor minhas presas. Se eu reagisse agora isso só
lhe traria prazer.
E ele nunca iria ter nenhum momento de prazer de mim.
— Isabeau St. Croix. — ele disse — Você provavelmente já me causou
problemas de mais.
Eu não o tinha visto desde aquela noite no jardim do meu tio. Eu não
tinha ideia do que ele quis dizer.
— O que Montmartre quer comigo? — perguntei, mesmo sabendo a
resposta. O mesmo que eu queria com Greyhaven: Vingança. Eu tinha
frustrado seus planos de sequestrar Solange Drake e matei seus Hosts. E era
uma Hound, algo que era uma afronta para o seu senso de poder e direito.
Mesmo que ele me matasse – de novo – eu não estaria triste por isso.
Greyhaven cruzou os braços, inclinando-se negligentemente contra o
papel de parede, como se estivéssemos naquele baile. — Isso não é sobre
Montmartre, é sobre você.
— O que? Ele não está atacando o Tribunal? — Logan perguntou.
— Sim. — Greyhaven sorriu. — Ele está. E provavelmente se
perguntando onde eu estou. Mas eu tinha que parar para ver você. — ele
aproximou-se lentamente. Eu levantei meu queixo desafiadoramente. — Eu
preciso saber se você se lembra de mim.
190
— Difícil esquecer um assassino. — eu cuspi. — Você me deixou no
mesmo caixão por duzentos anos.
— Sim, lamentavelmente. Se eu tivesse alguma ideia o quão forte você
era, eu teria feito mais esforço para recuperá-la. — ele lançou um olhar de
desprezo para a minha túnica e minhas botas altas. — Acho que se vestia
muito melhor em 1795.
Eu rosnei. — Por que me trouxe aqui? Só para se divertir?
Greyhaven balançou sua cabeça tristemente. — Seria tão melhor se você não
tivesse se lembrado de mim. Agora está tudo uma bagunça e eu não posso
suportar uma bagunça. Eu nunca poderia.
Eu estava confusa. Todos os meus sonhos caçando Greyhaven
envolviam uma estaca atravessada em suas cinzas, coração murcho e não
participando de conversas irritantes.
— Você fez tudo isso só para testar a minha memória? — eu perguntei
perplexa. — A fita do vestido da minha mãe. — adicionei lentamente. — A
pintura nos tribunais, a garrafa de vinho. É por isso?
— De fato.
— Não por Montmartre?
— Ele ordenou as armadilhas, certamente. Ele não gosta de você. Mas
eu fiz o trabalho, como o usual. — ele enfatizou. — Então porque não usar
você para meus próprios propósitos?
— Você está perseguindo ela, seu idiota? — Logan bufou, enojado. Eu
sabia o que ele estava tentando fazer. Ele queria deixar Greyhaven com raiva
para tirar o foco de mim. — Patético; você não acha? Especialmente para um
Host.
Seus lábios se ergueram no seu rosto, mas ele não tirou os olhos de
mim.
Ele tinha mais controle que Logan tinha dado crédito.
Não era especialmente positivo, na verdade.
De alguma forma, eu não iria implorar pela vida de Logan. Greyhaven
era perverso o bastante para matá-lo só para me fazer sofrer. Melhor que
Logan fosse valioso para sua ganância.
191
— Aquilo não foi fácil para mim, sabe. — ele disse conversando, quase
se desculpando. — Você foi a minha primeira. Considero-me seu pai.
— Eu tinha um pai. — assobiei entre os dentes, cada palavra como um
punhal arremessado. — Você não é ele.
Ele acenou para o nada. — Eu te dei a vida eterna.
— Deu-me a morte.
— Semântica.
Uma névoa vermelha encheu os meus olhos. Raiva me inundava como
uma monção. O gosto de sangue na minha boca onde eu mordi minha língua.
— Eu não posso ter você andando por aí. — ele continuou, deslizando
uma estaca preta laqueada para fora do bolso interno do paletó risca de giz.
— Fique longe dela! — Logan gritou, as correntes chacoalhavam
freneticamente. — Eu por ela! Eu por ela, maldição!
Senti-me quase hipnotizada pela versão de Greyhaven na nossa
história, como se ele estivesse falando com outra pessoa. Choque emocional.
Eu senti isso na primeira noite na casa do meu tio, tocando seus livros, os
cobertores grossos, comendo demais no jantar. Como se tudo estivesse
finalmente certo, mas nada fizesse sentido. Eu me senti deslocada.
Mas eu ainda podia ouvi-lo, podia ver desapaixonadamente quando
ele aproximou; perto o suficiente para chutá-lo, mas ainda não.
— Eu tenho feito um grande esforço, planejado e sido paciente por
quase um século agora. Quando eu me uni pela primeira vez, o Host era
forte, organizado, poderoso. Subi de posto, paguei minhas dívidas. E ainda
assim Montmartre negava-me meus próprios aprendizes. Como se ele
pudesse me parar para sempre. Eu merecia meu próprio exército; meu
próprio Host.
— Há quanto tempo você tenta fazer isso? — Logan perguntou,
horrorizado, quando ele entendeu o que Greyhaven estava realmente
dizendo. — Você está fazendo Hel-Blar.
— Eu admito que tentei. Mas Hel-Blar são restos fracos e erros. Agora
eu tenho uma escolha melhor. Sou inteligente o suficiente para não repetir
os erros de Montmartre.
192
— Inteligente? É disso que estamos te chamando agora?
— Você está me irritando, garotinho. E você não vai acabar com a
minha paciência. Mas se você não parar com essa birra infantil, eu vou
amordaçá-lo. — ele jogou a estaca em Logan e atravessou um pouco a manga
do seu ombro, o prendendo na cadeira.
— Agora, onde nos estávamos? — Greyhaven ainda não tinha parado
de olhar para mim, nem por um momento. Eu teria tremido se não estivesse
flutuando dentro da minha cabeça, desnorteada com memórias e ódio. —
Desculpe-me se eu ainda não cheguei a você Isabeau. Perdoa-me?
Isso afastou meu atordoamento. Ele tinha que estar brincando. Minha
resposta foi um monte de palavrões que aprendi com Cerise. O ar deveria ter
empolado.
— Eu só não posso deixar você andando por aí. Não quando eu estou
tão próximo. Se Montmartre descobrir antes de eu estar completamente
preparado… — ele parou com um tremor delicado. — Bem, como eu disse,
prefiro que as coisas sejam limpas e arrumadas. A batalha será nos meus
termos e os Hosts sobre o meu comando. — ele pegou outra estaca,
apontando para mim. — Você pode fazer suas orações, se quiser. Você
sempre foi a minha favorita. Você nunca esquece a sua primeira vez.
Quando ele estava perto o bastante para eu sentir o cheiro da sua
colônia cara e ver o grão na madeira envernizada da sua estaca, Logan
conseguiu enganchar seu pé em volta do banco de madeira do seu lado.
Balançou o pé com um estalo e o banco bateu sobre a sua cabeça. Isso travou
Greyhaven na parte de trás do joelho. Ele tropeçou, fúria formando no seu
rosto ossudo e pálido. Um pequeno disco gravado com uma rosa e três
adagas caíram do seu bolso. Um exatamente como nós tínhamos encontrado
na noite em que Solange recebeu o feitiço do amor. Ele não tinha mentido.
Ele realmente tinha seus próprios homens.
Eu o chutei o mais forte que eu pude.
Logan deu um grito de alegria. Ele soava como uma criança abrindo
seus presentes de Natal. Eu o chutei de novo. Meu único objetivo era fazer as
coisas mais difíceis possíveis para Greyhaven.
— Eu estava para te oferecer uma morte rápida e honrosa. — ele
disse. — Mas agora vocês irão sofrer. — estava com a estaca na sua mão de
novo, mas antes de cumprir sua promessa, a porta foi arrancada pelas
193
dobradiças. — Greyhaven, pare de brincar com seu novo animal de
estimação. Você é necessário.
Greyhaven virou–se inclinado para o recém-chegado com um olhar
fervoroso. — Não vê que estou ocupado, Lars?
— Isso pode esperar. — Lars garantiu; sua voz fria e calma. —
Montmartre não pode. Você vai por tudo a perder porque não pode adiar
por uma pequena satisfação. A guerra começou e seu tenente está treinando
garotinhas. Isso não parece bom.
Greyhaven enrijeceu sua mandíbula, parecia como se pudesse rachar.
Então ele sorriu para mim. — Apenas um alivio momentâneo, eu asseguro.
— ele falou sombriamente. — Vigiem as portas. — ele disse aos guardas
antes de sair, batendo a porta atrás dele e de Lars.
— Essa foi malditamente perto. — Logan murmurou. — Essa será a
nossa única chance. Parece que a maioria dos Hosts está no tribunal. — ele
levantou-se. As correntes estavam penduradas no teto, não dava para ele
levantar muito seus braços. Ele puxou, então balançou com o peso do seu
corpo inteiro. Nada.
Eu estava bem, inspecionando as fechaduras das correntes. — Talvez
eu possa abrir uma dessas. — eu disse. — Mas preciso de algum pino ou algo
assim. — eu ia começar a usar presilhas de cabelos de novo o mais rápido
possível, assim que eu desse o fora daqui.
Nós procuramos pela sala: utensílios de lareira, almofadas, lâmpadas,
uma pilha de revistas. Nada útil.
— Você está usando sutiã? — Logan perguntou de repente.
Eu olhei para ele. — O que?
— Um sutiã. — ele repetiu. — Você está usando?
— Sim.
— Você pode tirar?
— Eu acho que sim. Mas como isso vai ajudar?
— O arame que vem por dentro. Nós podemos usar.
Eu estava realmente começando a gostar dele mais do que deveria.
194
Eu tentei mover minhas mãos para as costas. Meus músculos gritaram
depois de alguns minutos. Eu era uma não morta, não uma desossada.
— Não consigo alcançar. — Disse finalmente.
— Vire-se. Deixe-me tentar. — ele rolou os olhos para a minha
expressão. — Eu não estou tentando ter uma sensação antes de morrer,
embora a ideia tenha mérito. — ele se esticou, jurando. — Não consigo
alcançar também. Suba na cadeira.
Eu subi na cadeira, tentando não me sentir ridícula. Suas mãos
tocaram minhas costas.
— Continue assim. — ele disse como se estivesse concentrando-se
mais do que se concentrou em toda sua vida. Seus feromônios de vampiro de
repente estavam fortes, inundando o quarto com cheiro de erva-doce e
incenso. Isso não estava me afetando, claro, mas isso cheirava bem. Ele
trabalhou rápido com o laço da parte de trás da minha túnica, expondo
minha pele nua. Seus dedos eram gelados e gentis na minha pele, estendeu a
mão para o meu fecho, abrindo em segundos.
— Você é realmente bom nisso. — eu disse secamente.
Ele empurrou minha túnica para baixo para puxar as alças. Eu me
senti quente de repente, formigando. Tinha que me lembrar de que nós
estávamos presos, acorrentados e sobre sermos mortos. Eu o ouvi engolir. E
então sua boca estava na parte de trás do meu pescoço. Ele pressionou um
beijo quente ali. Queimando dentro de mim.
Ele deu um passo para trás brutalmente.
— Você consegue alcançar agora? — ele perguntou com a voz rouca.
Eu assenti silenciosamente e não me virei. Eu não poderia olhar para
ele agora. Eu sabia que meu rosto estava vermelho, meus dedos tremendo.
Meus joelhos estavam moles quando desci do banco. Alcancei a abertura da
minha túnica sem mangas e puxei a alça do sutiã para baixo e fiz a mesma
coisa com o outro lado. Um tímido barulho; e o sutiã deslizou para baixo,
oscilando na minha mão. Era de renda branca, um presente de Magda. E por
alguma razão o ter depois que Logan o viu, me fez corar ainda mais.
Eu usei minhas presas para morder um furo no tecido e então tirar o
arame fino de um dos bojos. Logan estava me observando atentamente; suas
195
bochechas vermelhas. Eu não era a única a corar sobre um pedaço de renda.
De alguma forma isso me fez sentir melhor.
Coloquei o final do arame na fechadura da algema no pulso direito e
me sacudi delicadamente, virando a minha cabeça para ouvir melhor o som
de metal com metal. Quando ouvi um delicado, quase inaudível ruído, sorri
fracamente. Outra virada e as algemas estavam abertas. Desci a minha mão e
repeti o mesmo processo na outra fechadura.
— Legal. — ele disse. — Você tem que me ensinar esse truque.
Os guardas ainda estavam quietos no outro lado da sala, mas nós não
demoraríamos muito tempo. Eu corri e destranquei as fechaduras para
libertá-lo também.
— Você vem? — Logan pegou a estaca que Greyhaven tinha
descartado fora no tapete e olhou por cima dos ombros quando não me
movi. — Você está bem?
— Eu estou bem, Logan. — respondi calmamente.
— Bem, eu não estou. — ele murmurou. — Nós temos que dar o fora
daqui.
— Ele não vai atrás de você, não tem nada com que se preocupar
sobre isso.
Ele sugou sua respiração, para expressar emoção tanto quanto ele
precisava de oxigênio. Quando falou, sua voz estava um pouco rouca. — Eu
não estou preocupado comigo.
Eu não sabia o que fazer com essa preocupação, o jeito que ele me
olhava, como se eu fosse importante. Eu precisava ser forte, focada e fria. Eu
não poderia me dar ao luxo de colocá-lo no meio do caminho. Eu estava
muito perto agora. Esperei um longo tempo pela minha chance.
E quando Greyhaven voltasse para me matar adequadamente, eu
tinha minha chance.
E não poderia me arrepender de não ter uma oportunidade de
explorar a conexão que eu sentia por Logan.
E eu sentia isso.
196
Em poucas noites, ele tinha quebrado algumas das minhas defesas,
tinha me feito coisas que eu achava que eram impossíveis.
Ele era romântico, charmoso e amável. E convencido
Eu sabia que se dissesse uma única palavra de como ele me fazia
sentir, ele não levaria nem um minuto me convencendo que nós tínhamos
uma chance.
Mas seu tipo de vida simplesmente não tinha lugar para alguém como
eu, não importa o que o oráculo de ossos de Kala tivesse dito. Sua família era
civilizada. Eu era orgulhosa de ser uma Hound, mas não existia como negar
que eu era de uma raça de vampiros diferentes: selvagens, primitivos,
supersticiosos. Sem mencionar desdenhosos e temidos por outros vampiros.
E pensei que Logan tinha passado no seu teste, tinha sido iniciado
como um Hound, eu não poderia saber ainda se ele realmente entendeu o
que isso significava.
Assim como ele não poderia saber que fazer Greyhaven pagar tinha
sido a única coisa que me me fez atravessar meus primeiros dias como
vampira.
Como eu poderia desistir disso, agora que estava ao meu alcance?
— Eu tenho que ficar. — eu finalmente disse sem emoção. — Você
deveria ir embora.
— Não seja estúpida. Eu não vou sem você. — ele argumentou. — E se
você não vier comigo, meus pais..., droga, minha família inteira pode morrer.
Você conhece Montmartre e sabe como andar furtivamente dentro das
cavernas do tribunal. Eu preciso de você, Isabeau.
— Eu não posso. — eu disse de forma entrecortada. — Eu tenho que
matar Greyhaven. Eu preciso.
Ele estava me pedindo muito.
— Se você ficar irá morrer. Ele vai te matar.
— Provavelmente.
— Então, o que? Eu supostamente devo te deixar cometer suicídio?
— Isso não tem nada haver com você, Logan.
197
— Covarde. — ele se enfureceu comigo, o charme jovem
desaparecendo. O seu predador, normalmente disfarçado em rendas e
roupas antiquadas, se libertou.
Em vez de ficar com medo, me inclinei para ele inconscientemente.
— Eu não posso. — sussurrei de novo, voltando para trás.
— Você tem. — ele disse com veemência. — Você é uma sobrevivente.
Eu vi o que você viveu; então você pode muito bem viver com isso também.
Sobreviva, Isabeau. Por favor.
— Você não entende.
— Eu entendo isso. E é estúpido. Agora, estou dando o fora daqui e
espero que você escolha lutar em vez de desistir. — seus olhos queimaram
com verde fogo. — A Isabeau que eu conheço nunca desistiria. Não agora.
Não quando sua tribo está lutando lá fora.
Ele estava certo. Insuportável, mas certo.
— Sua escolha. — ele disse finalmente.
198
Capítulo Vinte e Dois
Minha opção era ficar e obter minha vingança, e possivelmente
morrer. Ou lutar e apenas eventualmente morrer.
Logan faz isso soar tão simples.
— Conheço você há apenas três dias. — disse. — E está me pedindo
que te escolha.
Perfurou-me com seu olhar. — Não estou pedindo que sinta por mim
o que sinto por você. Simplesmente peço que escolha a você. Não a
Greyhaven.
Não era tão forte como pensava que era. Porque parte de mim
realmente queria ficar. Era mais fácil, mais limpo e doía menos.
Mais fácil.
Greyhaven pensava dessa forma. Eu não.
Mas se eu não fosse a garota que derrotaria Greyhaven, quem eu
seria? Havia construído minha nova vida, nova identidade, essa era a única
meta. Mas este era um tipo diferente de batalha, uma que não poderia
ganhar com uma espada ou um feitiço. Do contrário, ele continuaria
ganhando, mesmo sem perceber. Havia sobrevivido a ele uma vez, mas
levava isso e deixava que me machucasse uma e outra vez. E essa parte era
sobre mim.
E esta era a única parte de toda essa bagunça, das emoções e
necessidades borbulhando dentro da caldeira do meu peito, que poderia
controlar.
Assim, eu estava malditamente disposta a controlá-la.
— Je viens79... — disse com firmeza. Quando me olhou fixamente,
79Eu vou.
199
repeti a expressão em inglês. — Eu vou... — algo quebrou dentro de mim e
houve dor e tristeza e em seguida, surpreendente leveza. Ironicamente, era
como se eu pudesse respirar novamente.
Logan se aproximou de mim e deslizou suas mãos pelo meu cabelo,
pegando minha nuca, o colar suspenso entre seus dedos. Não me beijou, mas
me olhou com uma espécie de chama ardente que me senti queimada por
todas as partes.
E nua.
— Vamos nos apressar. — disse com voz rouca. — Assim poderei te
beijar por uma hora ou duas.
Foi surpreendentemente, um bom incentivo.
— A janela. — disse enquanto ele se afastava. — Soa como se a
maioria dos Hosts estivessem ocupados com Montmartre. Não poderíamos
pedir uma melhor oportunidade.
Arrastamos silenciosamente uma cadeira para a porta e muito
cuidadosamente a inclinamos para ficar prensada entre a maçaneta e o chão.
Movemo-nos com cuidado estudado já que os guardas nos ouviriam tão bem
como nós a eles. Quando ninguém deu o alarme, pegamos uma mesa e
colocamos debaixo da janela. Logo subimos nela. Podia apenas alcançá-la.
Logan me afastou para o lado e colocou sua cabeça para fora, olhando para a
direita e logo para a esquerda.
— Limpo. — articulou antes de se arrastar para fora. Manteve-se
abaixado no gramado, estendendo-se para me pegar. Nós ficamos lado a lado
por um tempo, apenas escutando. A noite era inofensiva, grilos, sapos e uma
coruja em algum lugar no bosque. Levantei o olhar, observando as estrelas.
— Estamos ao leste dos tribunais. — disse. — Terão guardas
posicionados apenas entre as árvores.
— Podemos passá-los?
— Talvez.
— Estamos tratando de um resgate sem armas. — ele murmurou. —
Nos deixaram nus.
— Eu sei. — estava muito consciente da bainha vazia presa as minhas
costas e dos laços nus em meu cinturão. Eles tinham tomado até a adaga
escondida em minha bota.
200
— Está pronta?
Assenti sorrindo sombriamente. Tinha frustração suficiente
acumulada e tinha que extravasar com os guardas Host; e isso apenas
parecia ser um passatempo relaxante. Quase tão bom quanto um banho de
espuma.
Conseguimos nos arrastar até a árvore de Lilás antes que notássemos
alguém. A casa estava silenciosa, as janelas lançando quadrados amarelos de
luz sobre o gramado. Havia uma cocheira atrás do edifício principal, mas
estava escura. Estávamos pressionados sobre o barro, aguardando o vento
mudar as folhas. A luz da lua brilhou no zíper de metal da jaqueta de um
vampiro Host. Estava inclinado contra uma árvore, aborrecido. Estiquei-me
pegando um ramo da árvore. Não era exatamente uma arma sofisticada, mas
era melhor que minhas mãos nuas.
Logan pegou meu pulso, apontou com a cabeça para o pátio traseiro,
aonde a piscina fazia flutuar vapores de cloro até nossos narizes. Tive que
pressionar a língua contra o céu da boca para evitar um espirro. Dois
guardas mais vieram em nossa direção de trás do galpão da piscina.
Ficamos imóveis, dobrados contra as raízes. Viraram para a direita,
seguindo um caminho lajeado que virava para longe de nós. Esperamos um
pouco mais antes de descer da cobertura entre nós e o bosque. O guarda
bocejou, movendo-se na cerca, assustando um pássaro adormecido o
suficiente para perceber quando um predador que se move.
Logan pegou uma pedra grande, pesada em sua mão.
— Pronta? — murmurou em meu ouvido tão baixo que foi mais uma
cócega que um som real. Assenti, mudando a posição de cócoras. Jogou a
pedra para baixo, mas longe o suficiente para cair entre os arbustos na
esquerda do guarda. As folhas zumbiram.
O guarda saltou em ação, indo em direção ao som. Nós nos lançamos
em uma corrida, em direção à borda do bosque em seu extremo direito
enquanto ele estava momentaneamente distraído.
Ele não era o problema.
Um grito veio da casa, seguido de um raio brilhante de luz que
repentinamente passou sobre o gramado, brilhante como um raio de sol.
Cada folha de grama crescendo em relevo acentuado, a casca da Bétula, a
água da piscina de ondas azuis.
201
Nós.
— Diabos. — Logan murmurou, pegando minha mão. — Corre!
Meus pés apenas tocavam o chão. A julgar pelas vozes, não havia
tantos Hosts atrás de nós como havia pensado.
Mas certamente o suficiente para nos assassinar.
Parei, dando a volta, jogando ramos para o alto. Logan caiu na terra.
— Está sorrindo? — perguntou incrédulo.
— Apenas um pouco.
— Bem, bom, poderia correr e sorrir ao mesmo tempo? — os guardas
saíram em demandada da casa, correndo através dos jardins para o bosque e
para os campos atrás da cocheira.
— Preferia lutar.
— Sim, eu entendo. — empurrou-me, obrigando-me a tropeçar para
trás. — Correremos assim mesmo.
— Ali! — alguém gritou. — Eu os vejo.
Logan continuou me empurrando até que tive que correr ou tropeçar
sobre meus próprios pés. Pulamos um tronco caído, nele floresciam fungos e
musgo. Ramos batia contra nós, bagunçando meu cabelo. As folhas caíam
sobre nós. Lançamo-nos ao redor das árvores, ziguezagueando para fazer
mais difícil seguir nosso rastro. Corremos, separando-nos em um momento e
nos reencontrando do outro lado, obscurecendo ainda mais nosso rastro.
Um coelho se precipitou em nosso caminho e logo estávamos
verdadeiramente no escuro secreto do bosque.
A salvo.
Eu estava perversamente decepcionada.
Logan me deu um sorriso de cumplicidade. — Animo. Pode cortar
alguém em pedaços muito em breve. — balançou a cabeça quando me
iluminei, encorajada.
Fiquei ainda mais animada quando ouvi um uivo lastimoso de um cão.
Parei. A mudança abrupta de uma corrida máxima para uma parada morta
me fez sentir tontura brevemente. Quando Logan se deu conta que não
estava mantendo o ritmo, se voltou sobre seus passos. Sustentei minha mão
202
no alto antes que pudesse dizer algo, escutando com mais atenção. O uivo se
repetiu, arrastando-se para o final.
Conhecia esse uivo.
Sorrindo e com os olhos mareados ao mesmo tempo, coloquei meu
polegar e dedo indicador na boca e assoviei. Atravessou o bosque, o
suficientemente estridente para deixar uma careta de dor em Logan.
— Meus ouvidos estão sangrando. Obrigado por isso. — disse. — E
tanto que fizemos para nos ocultar.
— Deixamos os Hosts a milhas atrás. — lhe assegurei, assoviando
novamente. Uma série de lamentações, responderam. E logo, latido do outro
lado do rio. Um uivo diferente desde a ladeira da montanha.
Não passou muito tempo antes que Charlemagne viesse correndo
para mim de entre as árvores. Pulou em mim, sua língua suspensa em
felicidade. Passou-a sobre minha bochecha, balançando seu rabo
furiosamente. Logan lhe deu uma palmadinha em forma de saudação e, em
seguida, inclinou-se alegremente contra mim, cambaleei sob seu peso.
— Bom menino. — cocei suas orelhas, logo passei uma mão sobre seu
pelo, em busca de feridas. Ele estava sem marcas.
Mais cães vieram a nós de todas as direções até que estávamos
rodeados. Logan levantou suas sobrancelhas, impressionado. Havia seis ao
lado de Charlemagne, três deles eram cães Rottweiler enormes, treinados
para a guerra.
— Finalmente. — Logan comentou. — Temos armas novamente.
Exceto por esse que parece querer mastigar minha perna.
— Provavelmente o quer. — disse alegremente, estalando meus dedos
para chamar a atenção dos cachorros.
Logan levou o pacote onde ele marcou o encontro com seus irmãos e
irmã. Os cães farejadores à nossa frente, correndo atrás de nós, e de cada
lado.
Senti-me mais parecida comigo do que fazia a muito tempo.
203
Capítulo Vinte e Três
Solange, Nicholas, Connor e Quinn nos esperavam. Connor andava de
um lado para o outro, Quinn estava agachado entre as samambaias. Ele se
levantou quando nos viu e Solange veio correndo até mim. Os cachorros se
giravam ao redor de nossos pés.
— Logan! — ela me abraçou tão apertado que grunhi, me libertei
depois de puxar-lhe carinhosamente o cabelo.
— Eu estou bem, pequeno diabinho. Oof. — falei entre dentes,
tropeçando em um dos ansiosos cachorros.
— Eu te disse que os rapazes Drake são mais duros de matar do que
isso. — Quinn sorriu zombeteiramente e me socou ruidosamente no ombro.
Nicholas e Connor fizeram o mesmo. Observaram Isabeau, cautelosamente.
— Isabeau! — exclamou Solange, educadamente.
Eu a golpeei com meu ombro. — Ela não me assassinou; como você
pode ver, portanto relaxe.
Solange se mostrava um pouco envergonhada. — Desculpe.
— Eu entendo. — Isabeau respondeu quietamente. — Alguém poderia
me emprestar um celular?
Solange lhe deu o seu e Isabeau discou rapidamente. — Magda? Estão
todos bem? Kala?
Pude ouvir a resposta de Magda. — Kala está bem. Enviamos alguns
dos cães soltos para te encontrar.
— Eu sei. Encontramos um ao outro. Livraram-se dos Hel-Blar? —
Isabeau perguntou.
Ouvimos sem pretensão de fingir não o fazer.
204
— Sim, mas só agora. — respondeu Magda. — E não tivemos
oportunidade de voltar para as cavernas e nos certificar que nenhum deles
esteja escondido perto.
— Escuta, Montmartre fará sua jogada nesta noite, neste momento,
contra os Drake. Temos que detê-lo.
— Por quê? — Magda perguntou bruscamente. Isabeau me lançou um
olhar, estremecendo. — O que pode me importar o que acontece nas Cortes
Reais? Já temos muitos problemas nós mesmos esta noite, para o caso de
você não ter percebido.
— Acredite em mim, eu notei. — Isabeau devolveu o tiro. — E se você
quer saber por que, é porque nós somos os próximos.
— Maravilha. — ela se queixou.
— Eu te manterei informada. — Isabeau terminou a ligação.
— Onde está Lucy? — perguntei aos demais.
— Na fazenda. — Nicholas respondeu com sombria satisfação.
— Como você conseguiu mantê-la lá?
— Ela está em um armário. — Solange colocou os olhos em branco.
Cravei os olhos em Nicholas. — Você trancou sua namorada em um
armário? Sem problemas.
— Ela vai estripar ele. — Quinn acrescentou alegremente.
— Sim, bem, pelo menos estará viva para fazê-lo. — Nicholas replicou.
— E isso é todo o cuidado que terei neste momento.
— O que aconteceu os outros? Mamãe e papai se encontram na Corte?
Connor negou com a cabeça. — Não e não voltaram para casa. Falta
pouco para a saída do sol, portanto devem ter ficado presos no meio.
Sebastian e Marcus estão com eles.
Revisei meu relógio de bolso. — Não podem ter sido emboscados há
muito tempo. Ainda devem estar vivos. Tem que estar. — olhei para Solange.
— Você ligou para Kieran?
— Sim, mas os Helios-Ra não podem nos ajudar.
205
— Porque diabos não? Qual é a vantagem em namorar um caçador se
não pode utilizá-lo?
— Eles têm as mãos ocupadas. — Connor explicou. — Os Hel-Blar
estão muito perto do povoado para causar verdadeiros problemas.
— Greyhaven. — respondi enojado.
— O que tem ele a ver com isso?
— Ele tem criado vampiros às escondidas. — respondi. — Garanto
que a maioria se tornou selvagem. Os que não, estão lhe ajudando a planejar
um golpe para tirar Montmartre do poder, enquanto os demais são
utilizados como distração.
— Merda. — Quinn exclamou. — Ele é um bastardo.
— Você não tem ideia. — olhei para Isabeau, mas sua expressão
estava cuidadosamente em branco. — Portanto, agora o problema é, como
estão mamãe e papai neste momento.
— Posso ajudar com isso. — Isabeau disse confiante. — Mas preciso
de alguma coisa deles. Um pedaço de roupa seria o ideal.
— Magia?
Ela negou com a cabeça, meio que sorrindo. — Cachorros.
— Oh! Concordo.
Solange e meus irmãos olharam um ao outro e agitaram suas cabeças.
— Não temos nada conosco e não há tempo para ir a casa e pegar. — Quinn
explicou.
— Um momento. — Solange abriu um pacote. — Tenho algo que
pertencia a Montmartre. Foi deixado esquecido nos limites da propriedade
perto do bosque. Os encontramos quando vínhamos para cá. — ela extraiu
uma fina e delicada coroa de prata, cravejada de diamantes e rubis. Franziu o
rosto. — Ele não aposta em metáforas sutis, certo?
— Ele te deu esta tiara? — fiz uma careta. — Que brega.
— Eu sei. ok?
— É perfeito! — Isabeau exclamou, pegando-a bruscamente nas mãos.
— Gwynn. — chamou um dos cães de caça. Era enorme, mais alto que
Charlemagne com um porte real. Ele se apoiou suavemente contra ela e ela
206
lhe estendeu a coroa. — Cheire-a. — Isabeau mandou. Obedientemente ele
farejou o adorno cuidadosamente enfeitado, os rubis do tamanho de um ovo
e as perolas. — Bom menino. Agora, encontre Montmartre.
O cachorro latiu uma vez e pregou o nariz no chão, farejando através
da folhagem. Isabeau certificou-se que os demais cachorros recebessem as
mesmas instruções, dando-lhes uma boa dose do cheiro da tiara. —
Encontrem Montmartre! — ela repetiu.
— Seus cachorros “procurarão Montmartre” a seu mando? —
perguntei.
— Sim. — me respondeu com um sorriso sombrio. — Você se esquece
de quanta aversão temos por ele.
Arrastamo-nos atrás dos cães e não demorou muito antes que Gwynn
levantasse uma pata e logo voltou a farejar, mais ferozmente desta vez.
— Ele tem um rastro. — Isabeau murmurou.
— Muito bem. Vamos chutar alguns traseiros. — Quinn disse,
retirando uma das estacas guardadas na faixa de couro que atravessava seu
peito.
— Hey, dê-me uma dessas. — peguei uma de Connor também e a dei
para Isabeau. Ela tinha jogado fora o ramo de Lilás quebrado mais cedo.
— Esperem. — Isabeau exclamou intempestivamente enquanto
corríamos atrás dos cachorros. — Precisamos de um plano.
— Os encontramos, matamos os bastardos, resgatamos nossos pais.
— Quinn explicou sucintamente.
— Você não pode apenas correr para dentro e esperar que
Montmartre tropece com sua própria estaca. — Isabeau respondeu. — Ele é
realmente bom neste tipo de coisa, está fazendo isso há séculos e nós..., não.
Há unicamente seis de nós e a maioria de nós é recém-nascido. Uma vez que
o sol nasça ele pode continuar lutando. Nós não podemos.
— Precisamos unicamente distraí-lo. — replicou Solange
insistentemente. — Dar a mamãe, papai e os demais uma possibilidade de
contra atacar.
— Já é alguma coisa. — Isabeau concordou. — Mas não é suficiente.
Temos os cachorros. — ela disse enquanto aumentávamos nossa velocidade.
207
— Enviarei os cães de caça em diferentes direções uma vez que saibamos
onde estão e poderão nos alcançar a tempo.
— Não podemos esperá-los. — Quinn discutiu.
— Eu sei. Só que nós não podemos irromper no que seja que esteja
acontecendo. — insistiu.
— Mas talvez possamos usar um de seus truques contra ele. Como
está o equilíbrio de vocês?
Nós a olhamos como se ela tivesse perdido o juízo.
— Nosso equilíbrio? Não nos unimos ao circo aqui.
— Apenas ouçam. Enviamos os cachorros para dentro e neste
momento ingressamos, mas do alto. Se pudermos nos mover de árvore em
árvores, teremos uma vantagem e o elemento surpresa.
— Não tenho me balançado em um trapézio ultimamente. — Quinn
replicou secamente, mas ele sorria abertamente. — Mas foda-se, eu aprendo
muito rapidamente. Você é ardilosa e cruel, Isabeau. — acrescentou. — Acho
que eu gosto de você.
— Acho que se dirigem à clareira entre os pântanos. — Connor
franziu o cenho, olhando no GPS de seu celular. — Estou enviando as
coordenadas a todos os que conhecemos neste momento.
— Envie também para Magda. — Isabeau deu-lhe o número. Dois
breves assobios suaves fizeram os cachorros moverem-se mais
silenciosamente, com as orelhas erguidas.
— Quase lá. — disse Connor.
— Subamos. — ela sugeriu. Quinn e Nicholas se afastaram, rodeando a
clareira até ficar do outro lado. Podia cheira os Host e suas vitimas agora, o
bosque estava encharcado em feromônios e sede de sangue. As presas se
estenderam por todas as partes. A de Isabeau não havia se contraído desde
que tínhamos sido emboscados. Ela balançou encima de um olmo,
assustando um esquilo no oco de um tronco. Avançou ligeiramente por um
galho alto, caindo embaixo, em um galho próximo de um carvalho e saltando
até outro olmo.
Usamos uma cortina de folhas para nos esconder enquanto
avaliávamos a situação abaixo. Um circulo externo de guardas Host com
208
casacos marrons patrulhava com bestas80. Havíamos conseguido evitá-los
até agora. Tinha mais no interior da clareira e um grupo deles no centro
onde Montmartre estava de pé, uma flecha apontava o peito de mamãe.
Papai estava de joelhos, rosnando, a ponta de uma espada raspava sua
jugular. O sangue gotejava de um corte em sua têmpora. Sebastian e Marcus
estavam de pé, muito quietos. Montmartre sorria agradavelmente.
Greyhaven esperava atrás dele, impacientemente. Desejei ter minha própria
besta. Mas isso teria que esperar.
— Merde81. — Isabeau disse bruscamente. — Você não é o único
Drake com um complexo de mártir.
Solange atravessou o prado, com as maldições abafadas que vinham
das copas das árvores enquanto Nicholas, Quinn e Connor lutavam para não
se revelar. Só a mão de Isabeau em meu braço me impediu de afastar da
árvore.
— Montmartre. — Solange gritou, girando a coroa na ponta do dedo, a
fraca luz da lua brilhava com a luz tênue nos diamantes. — Vamos fazer um
trato.
80A arma. No original crossbows.
81Merda em francês.
209
Capítulo Vinte e Quatro
Montmartre levantou os olhos, seu sorriso se alargou. — Solange
querida. Eu me alegro em ver que se recuperou.
Helena fechou os olhos brevemente. — Solange, não.
— Mantenha-se desgraçadamente longe da minha filha. — Liam
adicionou, enfurecido. Montmartre sacudiu sua mão com desdém. Solange
deu outro passo para frente, longe da proteção das árvores.
— Pequena idiota. — Logan soltou, — Da última vez que se entregou
por nós, quase morre.
— Eu sabia que voltaria a seu juízo. — Montmartre disse
amavelmente, seu cabelo longo caindo atrás de suas costas.
— Se você deixar minha família ir ilesa. — disse, enrolando suas mãos,
para esconder o tremor de seus dedos. — Eu ficarei com você.
— O inferno que você fará isso. — Logan gritou; finalmente se
balançando para dentro da clareira. Seus irmãos seguiram seu exemplo,
como macacos loucos. Mal tive tempo de assobiar para os cachorros para
que atacassem.
Cada um dos irmãos Drake era louco.
Não tínhamos ideia se os Hounds estavam próximos o suficiente para
nos ajudar; tínhamos armas suficientes entre nós e um traidor abaixo. O que
uma senhorita faria? Pulei para a briga, é claro.
Estaquei uma guarda ao aterrissar e ela se transformou em pó. Peguei
sua espada antes que caísse no chão com suas roupas vazias. Cravei o
fragmento de garrafa manchada com o sangue de Montmartre no chão. Os
Hel-Blar seguiram sua essência até nós. Fariam as coisas pior, não havia
dúvida sobre isso, mas atacariam a Montmartre e aos Hosts, pelo menos
tanto quanto atacariam a nós.
210
Os Hosts não hesitaram, nem sequer esperaram pelas ordens. Helena
também não hesitou. No mesmo instante em que Montmartre olhou para sua
filha, ela chutou a besta de sua mão. Não poderia fazer muito mais do que
isso, havia muitos deles. Liam pulou aos seus pés, Sebastian e Marcus
viraram para lutar com seus captores. Os cachorros rosnaram e abriram seu
caminho através dos Hosts a mordidas. Nicholas e Connor estavam lutando
de costas a costas e Quinn estava abrindo caminho para o lado de Solange.
Greyhaven estava no meio disso tudo, com flores absurdamente ao redor de
seus joelhos. Eu o vi abrir seu celular e gritar uma ordem nele. Havia muitos
sons de luta para ouvi-lo corretamente, mas podia ler seus lábios.
Já é hora.
Ele estava chamando seus homens para o golpe.
E então, repentinamente essa era a última de nossas preocupações.
O cheiro de fungos nos golpeou primeiro, e um dos cachorros deixou
sair um grunhido que nos avisou dos Hel-Blar. E um minuto depois, estavam
em todas as partes, como besouros azuis comendo tudo em seu caminho.
Chamá-los tinha parecido uma boa ideia naquele momento. Bem, não
precisamente uma boa ideia, simplesmente a única que tínhamos.
Mas não era suficiente. Nem perto.
Lutei meu caminho até Logan, usando a espada e a estaca,
Charlemagne se manteve perto, atacando o joelho de um Host, o qual estava
muito perto. Ficou embaixo, agarrando sua perna. Pulei sobre ele, estacando
a outro Host, e consegui que me apunhalasse no braço esquerdo, para meu
desgosto.
— Logan. — chamei.
Seus olhos se estreitaram ante meu ferimento. — Está ferida,
maldição.
Encolhi meus ombros, fazendo com que mais sangue corresse por
meu antebraço. Esquivou-se de uma estaca, me agarrou e nos jogou no chão,
quando uma flecha roçou nossas cabeças.
— Preciso fazer o Dreamwalk. — eu lhe disse.
— O que? Agora?
211
— Não podemos ganhar; não deste modo.
— Diabos. — ele disse, mas eu sabia que estava concordando comigo.
— Ali, — apontou um nicho de samambaias. Não estava completamente
escondida, mas era o melhor que, razoavelmente, podíamos esperar.
Charlemagne colocou-se sobre minha cabeça. Logan estava aos meus pés.
— Rápido. — grunhiu; estacando um Hel-Blar que estendeu sua
mandíbula.
Fechei meus olhos, o qual era um ato de vontade em si mesmo,
permanecer quieta e vulnerável como estava enquanto uma batalha rugia ao
meu redor, era a coisa mais difícil que eu havia feito; quase tão difícil quanto
abandonar minha vingança.
Dei três profundas respirações, contei-as lentamente, focada
intensamente na sensação do ar em meus pulmões, que não precisavam; era
o ritual isso que importava. Cantei as antigas palavras, então me sentei,
deixando meu corpo para trás, jazendo com cicatrizes e estranhamente
quieta nas samambaias.
O sangue prateado empapava a grama, cinzas estavam presas nas
pétalas de flores e as raízes expostas das nodosas árvores de carvalho. Os
Drakes somente tinham trazido três guardas com eles quando deixaram as
cavernas de sua casa e dois deles já estavam transformados em cinzas. O
terceiro estava gritando, sua pálida pele e cabelo, praticamente brilhando.
Montmartre espreitava Solange. Connor tentou bloqueá-lo e foi jogado
contra Nicholas. Ambos aterrissaram fortemente, quase deixando sem
sentido a Marcus no processo. Solange, de olhos selvagens, jogou sua última
estaca. Foi longe e somente bateu no pescoço de Montmartre. Jogou a Coroa
de sua cabeça, era a única coisa que lhe restava.
— Pela última vez, eu não quero a maldita Coroa. — gritou.
— Você pode parar toda essa batalha. — ele disse. — Se vier comigo
agora.
— Não se atreva, Solange Rose. — Helena gritou. — Ele não pode
controlar os Hel-Blar, e ele com certeza como o inferno, não vai cumprir sua
palavra.
212
— E já não passamos por isto antes? — Quinn grunhiu; batendo seu
punho contra o globo ocular de um Host. — Não pode tê-la na semana
passada e não poderá tê-la agora.
Nós estávamos ficando sem tempo.
Flutuei sobre a campina e forcei a energia de meu espírito
resplandecente no ar, visualizei minha própria energia transformando-se em
névoa, visualizei-a se agarrando a um Host e um Hel-Blar, eu a visualizei
asfixiando Greyhaven com um brilho de luz. Visualizei tudo isso, tão forte
que até meu corpo astral gotejava suor. Estava usando minha própria
energia, empurrando e empurrando, até que fiquei fraca pelo cansaço e a
névoa tremulou sobre a clareira. Eu a enviei contra nossos inimigos,
apertando meus dentes astrais, devido a dor que atravessava meus dois
corpos. Nunca tinha sido capaz de sustentar a névoa por longos períodos de
tempo antes, era muito avançado, muito esgotante.
Não havia solução para isso.
— O que diabo é isto? — Greyhaven bateu na névoa a medida que caia
sobre ele. Não era espessa o suficiente ainda, ele ainda podia ver os outros.
Para que isto funcionasse adequadamente, tinha que fazer com que rodeasse
também os Hosts, para que assim eles não pudessem nos ver, mas sim, nós a
eles.
Pelo menos o avanço de Montmartre sobre Solange tinha sido
retardado, não só pela estranha névoa, mas também pelos Hel-Blar
enlouquecidos por sua essência. Logan estava esgotado, mas se negava a
render-se. Sabia que me protegeria até que virasse pó. Eu não tinha intenção
de deixar que isso acontecesse. Tinha que voltar ao meu corpo, e rápido.
Mas primeiro tinha que criar um pouquinho mais de névoa. O cabo de
luz, unindo meu espírito a mim mesma, diminuía e eu sabia que, quanto mais
ficasse incorpórea e usando esta quantidade de energia mágica, mais me
arriscava a ficar assim para sempre. Juntei um pouco mais de névoa e estava
dizendo a mim mesma que acreditasse um pouco mais, quando notei o
brilho de vagalumes entre os galhos e ao nosso redor.
Não eram vagalumes.
Eram Hounds.
213
Para a visão de meu espírito, eles chegavam através das árvores como
faíscas de luz, como fogos de artifício explodindo.
Mas era muito cedo para comemorar.
Porque da outra direção, podia ver as faíscas manchadas de vermelho
que eram as auras dos homens de Greyhaven aproximando-se também. Não
podia separar a visão mágica da visão simples neste estado. As auras
mudavam, brilhavam e faiscavam, como aquarelas sobre um desenho em
carbono.
— Hounds! — Liam gritou com seriedade. — E quem diabos são
aqueles tipos?
— Greyhaven está tentando derrubar Montmartre. — Logan gritou.
— O que? Agora mesmo?
Os Hosts ainda leais a Montmartre estavam paralisados pela surpresa,
vendo alguns de seus irmãos se voltarem e ajudar aos recém-chegados
contra eles. O golpe inesperado os sacudiu.
Era vantagem suficiente para nosso lado, talvez nem todos nós
morrêssemos horrivelmente depois de tudo.
Vi o momento exato quando Greyhaven notou Logan, e quando viu
meu braço caído inerte nas samambaias.
Ele foi mais rápido que eu.
Lançou uma estaca para Logan e acertou-lhe bem do lado de seu
coração. Logan tremeu, a dor contorcia seu lindo rosto. O sangue escorria
através de seus dedos, manchando sua camisa. Ficaria louco pelo estrago em
sua roupa mais tarde.
Se sobrevivesse a noite.
Mais lhe valia sobreviver, já que ele tinha me forçado a fazê-lo.
Eu me lancei até meu corpo, mas estava tão cansada, era como me
mover através do mel. Não percebi que estava gritando até que Magda
levantou os olhos.
Greyhaven tinha chegado a Logan, que estava procurando uma estaca
com seus dedos úmidos. A que estava em seu peito ainda continuava ali,
presa em músculos e ossos. Charlemagne rosnou; seus lábios trêmulos.
214
Greyhaven mostrou seus próprios dentes e estendeu sua mão, rápido
como uma vespa, para empurrar a estaca que já perfurava Logan. Ele a
empurrou mais fundo. Logan gritou. Greyhaven o golpeou forte o suficiente
para fazê-lo cair. Logan sacudiu a cabeça, gemendo e tentou se arrastar
entre Greyhaven e meu corpo indefeso.
Eu só podia flutuar inutilmente, muito devagar para impedir
Greyhaven de me assassinar novamente.
E a Logan.
Este pensamento foi o suficiente para me impulsionar à ação. Mas era
muito tarde. A espada de Greyhaven brilhou quando chutou as samambaias
para o lado, expondo-me completamente. Charlemagne saltou, mas
Greyhaven era um borrão de traje grife e espada.
Se ele machucasse meu cachorro, eu encontraria um modo de matá-lo
duas vezes. Magda foi mais rápida do que todos nós, sua espada bloqueou a
de Greyhaven bem quando cortou uma samambaia, roçando a malha sobre
meu coração.
— Ela é minha. — Greyhaven cuspiu.
— Vá para o inferno.
Os olhos dela encontraram os meus enquanto voava sobre eles. E
então conduziu sua espada através do coração de Greyhaven, girou-a e
retorceu.
Greyhaven teve tempo de parecer surpreso e então rompeu em cinzas.
Um de seus homens berrou.
Logan se arrastou ao meu lado, tirando a estaca da carne com uma
selvagem maldição.
Os Hounds desceram ao mesmo tempo e com algum sinal de Finn,
caíram em formação, despachando os Host e Hel-Blar, e aos homens de
Greyhaven, todos tropeçando cegamente na névoa. Os Hosts tinham a
dificuldade adicionada a lutar com seus próprios irmãos renegados. Tentei
afastar um pouco da névoa para os Hounds e os Drakes, mas estava muito
fraca.
— Retirada! — Liam gritou para a sua família. — Isto é uma ordem!
215
Montmartre deu ordens, mas seus Hosts estavam muito afastados
para ajudá-lo. Tropeçou em Helena, meramente por acaso, bem quando ela
estava jogando seu braço para trás para estacar um Hel-Blar. Ele prendeu
sua mão e jogou seu outro braço ao redor de sua garganta, seus dentes
saltados. Ela foi surpreendida em um ângulo estranho, meio oculta pela
névoa. Todos estavam muito ocupados, muito feridos, ou muito longe para
ajudá-la.
Exceto Solange.
Ela acotovelou Montmartre na orelha, forte o suficiente para
arremessar sua cabeça para um lado. Ele virou-se rosnando. Mas ela já
estava pegando a Coroa descartada na grama, coberta de cinzas.
Solange enfiou os pedaços quebrados em suas costas, bem sobre o
coração. Não era suficiente para perfurar seu coração inteiramente. Helena o
girou e terminou o trabalho, empurrando uma estaca através de seu peito.
Ele gemeu e se desintegrou, deixando mãe e filha olhando uma para a
outra com as botas cheias de cinzas.
Quinn deu uma gargalhada triunfante e Magda virou como uma fada
louca, jogando as estacas de sua mão. Os Hosts, vendo seu líder derrotado,
tropeçaram em busca de fuga.
E eu ainda não estava dentro do meu corpo. Eu tinha ficado fora dele
muito tempo. A névoa estava desaparecendo, a batalha estava terminando e
eu pendurada sobre mim mesma, como se um painel de vidro proibisse
minha volta. As veias sob minha pele pareciam muito saltadas, minhas
presas muito afiadas. Minhas cicatrizes eram como sabão. Eu estava
desorientada, confusa.
Não era forte o suficiente para controlar a magia. Ela estava
controlando a mim.
O sol saiu, enviando flechas de luz entre as árvores. Os Hel-Blar
uivaram, em busca de refúgio. Os Hosts se dispersaram. Logan me recolheu,
correndo através das samambaias. Pássaros começaram sua canção matinal.
O céu ficou da cor da opala. Liam abriu-se diante de sua família enquanto
Helena abria uma porta de madeira escondida sob um arbusto. Sebastian
estava levando Solange, quem sendo a mais jovem, já havia desmaiado. Meu
espírito seguiu atrás deles, muito devagar, observando meu corpo ser levado
para longe do meu alcance.
216
Os Drakes caíram dentro do túnel, um por um. Logan me entregou a
um de seus irmãos enquanto o sangue continuava escapando de sua ferida.
Senti sua boca roçar meu ouvido.
— Isabeau. — soava frenético, furioso. — Isabeau. — disse
novamente. — Isabeau!
Ele havia lembrado o que eu havia dito sobre repetir um nome para
retornar seu espírito a seu corpo.
Eu o teria beijado, se pudesse.
Aterrissei tão repentinamente e com tal violência que tremi sem
controle, meus olhos rodando atrás da minha cabeça.
217
Epílogo
Na noite seguinte encontrei Isabeau sentada no teto da fazenda,
observando as estrelas que sobressaiam por cima do bosque. Ainda usava
seu vestido, um pouco rasgado na barra, mas limpo da lama. Não pude
deixar de me lembrar da visão que havia tido dela percorrendo os tetos de
Paris com seu casaco roubado. Sentei ao seu lado, sobre as telhas que ainda
conservavam o calor do sol. Ela não me olhava, como se não soubesse como
estar próxima a mim. Ia tomar aquilo como um bom sinal.
— Como se sente? — perguntei-lhe. Suas veias estavam
anormalmente azuis, seus olhos vermelhos, esses eram os efeitos
secundários de quase ter se consumido na magia.
— Ça va82. — ela respondeu. — Obrigada. — adicionou; tão
formalmente que um momento depois se sentiu desconfortável pelo feito.
Sorri um pouco. — Esse foi um bom truque com a névoa.
Ela assentiu. — Há tantas coisas que ainda não sabemos sobre nossa
magia. Não estava muito certa de poder manejar esse feitiço. Então não pude
simplesmente deixar de usá-lo, uma vez que já havia começado. Teria ficado
presa na minha forma de espírito se não fosse por você.
— Você se arrepende de não ter chegado a matar Greyhaven você
mesma? — perguntei calmamente.
Ela pensou e finalmente negou com a cabeça lentamente. — Não.
Suponho que isso não me faz uma guerreira melhor; certo?
— Eu não diria isso. — bufei. — Os cães e a magia com a névoa são um
inferno de estratégia de batalha. — tentei alcançar sua mão, entrelaçando
meus dedos com os dela. — Ficará para a Coroação?
— Oui.
82Ça va: estou bem.
218
Eu a olhei. Ela suspirou um pouco. — Como faz isso?
— Fazer o que?
— Ninguém jamais no mundo me olhou da maneira que você me olha,
nem sequer Kala. Você viu o meu passado. Como era anteriormente. — sabia
que ela estava se lembrando das imagens nos telhados também. — E ainda
assim, continua me olhando como se eu importasse, como se de certa forma
eu fosse bonita.
— É bonita. — insisti. — Teimosa, muito reservada e excessivamente
independente, mas bonita.
— Oh!
Pensei que pudesse corar. — Eu te amo, Isabeau. — ela
definitivamente ia corar agora mesmo. Piscou para mim. Eu a observei
pacientemente. — Vamos, os ossos disseram que éramos feitos um para o
outro. — eu a lembrei.
— Quem te disse isso?
— Magda. Ela já não me odeia tanto quanto fazia.
— Ah!
Sorri. — Não se assuste Isabeau.
— Não me assusto. — ela insistiu indignada.
— Oh, por favor. Um pouco de 'eu te amo' te assusta. Nenhuma
espada, estaca ou besta pode conseguir que fique tão pálida e dura.
Ela parecia ter uma luta interna, uma que apenas pude observar. Não
tinha as armas para ajudá-la. Apenas ela as tinha.
— Tem um bom ponto, suponho. — ela apertou nossas mãos. — E o
que é um guerreiro se não alguém, que também é capaz de enfrentar aos
seus medos e derrotá-lo? — ela engoliu. — Je... — ela engoliu novamente. —
Je t´aime83.
Nunca havia conhecido esse tipo de satisfação que chegava
profundamente até os ossos, como nesse momento. Levantei nossas mãos
83Je t´aime: Eu te amo.
219
unidas para minha boca, e beijei seus dedos.
— Não foi tão difícil, não é? — perguntei roucamente.
Ela sorriu. — Suponho que não.
Ela se encostou a mim, nossas laterais se tocando, seu cabelo
tremulante sobre meu braço, cheirando a frutas. Nós ficamos encostados sob
as estrelas por muito tempo.
— Me visitará nas cavernas? — ela sussurrou finalmente. — Depois
que as cerimônias e as reuniões do conselho terminarem.
— Claro.
— Mesmo que todo mundo desaprove?
Apoiei-me sobre meu cotovelo. Seus olhos estavam tão verdes que
quase brilhavam. — Não me importa o que os demais pensam. — abaixei
minha cabeça, minha boca cobrindo a dela. — Além do mais... — sorri
lentamente. — Pensa nisso como se fossem negociações de nossas tribos.
Ela tocou meu queixo, sorrindo, suavemente, rapidamente. — Como
criada, é meu dever promover uma boa relação entre os Cwn Mamau e a
Família Real.
— Exatamente. — fechei a última polegada entre nós e a beijei.
E quando ela devolveu o beijo, já não éramos nem um príncipe, nem
uma criada, nem sequer um Drake e um Hound, nós éramos apenas Logan e
Isabeau.
Juntos.
Fim
220
A série continua em:
Out For Blood
Hunter Will é a mais jovem de uma longa linhagem de caçadores de
vampiros de elite, um legado que é uma benção, assim como também uma
maldição na secreta Academia dos Helios-Ra, onde ela se sobressaía em quase
tudo.
Graças a sua amizade com Kieran Black, Hunter recebe um convite especial
para assistir a coroação de Helena Drake, e pela primeira vez, ela vê a diferença
que há entre os vampiros — que devem ser caçados — e os vampiros que podem
chegar a ser amigos — ou inclusive mais.
Quando os estudantes da academia são vitimas de uma misteriosa doença,
Hunter suspeita que eles estejam sendo atacados do interior. Ela precisará de
alguém em quem confiar para que a ajude a salvar o futuro dos Helios-Ra... Ajuda
que surpreendentemente vem na forma de Quinn Drake, um vampiro-morto
maravilhoso.
Quem disse que o último ano ia ser muito mais fácil?
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Sobre a autora
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