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    Livro originalmente publicado pela APF Associaode Professores de Filosoa, Coimbra, 1992,

    e republicado pela on-line LUSOSOFIA.NET comautorizao da Direco da mesma APF

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    Covilh, 2011

    FICHA TCNICATtulo: Heidegger pensador da terraAutor: Fernando BeloColeco: LUSOSOFIA: PRESSDesign da Capa: Antnio Rodrigues Tom

    Composio & Paginao: Filomena S. MatosUniversidade da Beira InteriorCovilh, 2011

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    Heideggerpensador da terra

    Fernando Belo

    ndice

    Heidegger, entre Husserl e Derrida 4Heidegger nazi 6O ideal losco 8Husserl: a intencionalidade da conscincia 10A diferena entre Husserl e Heidegger 14A anlise do ser-a 16A questo das cincias (entre Derrida, Husserl e Heidegger) 20A questo da viragem 24O II Heidegger: o pensamento do dom (a Terra) 27O II Heidegger: o pensamento do dom (o Ereignis) 33A viragem e o nazismo 39A habitao e a tcnica 43A habitao e a arte 48O retorno s coisas 52Post scriptum 54

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    memriade Jos Manuel Geraldes Barba

    e do seu lho Manuel

    que foram de destinos frgeis

    Heidegger, entre Husserl e Derrida

    1. Martin Heidegger (1889-1976), de origem catlica, abandonouos estudos de teologia em 1911 para se dedicar s questes los-cas. Tambm abandonou a f crist: dir muito mais tarde que se af o interpelasse, teria que fechar o seu atelier de pensador. Numdia qualquer, a seguir talvez guerra de 1914-18, soube que morre-ria um dia, soube-o angustiadamente. Avaliou retrospectivamenteo seupassado, soube que poderia ser diferente do queera, podia es-colher mudar o seu viver e que, escolhesse o que escolhesse comovida, as outras possibilidades no seriam nunca. Uma tal experin-cia, muitos humanos a tinham j feito antes dele, como a literaturaocidental testemunha. Mas o lsofo que ele era concluiu dela quea diferena entre o que ele era e o que ele ia ser correspondia aoque na tradio greco-europeia se chama ser , e que a sua carac-terstica essencial era a temporalidade prpria do ser humano. Queeu saiba, nunca contou esta experincia, mas ela organiza em pro-fundidade o livro que publicou em 1927 com o ttulo Ser e Tempo,

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    o qual se veio a impr como um dos maiores textos de losoa daEuropa ocidental. A problemtica deste texto se veio a chamar o IHeidegger (entre 1927 e 1930, digamos).

    2. Uma anedota pessoal, se se me permite. Conversava umdia com o meu amigo Augusto Joaquim a respeito do movimentomonacal entre o Imprio Romano do Ocidente e a Europa me-dieval, dizendo que se tratava de intelectuais que no tinham outramaneira de se sustentarem enquanto tal, a no ser pela reunio emmosteiros, preservando a cultura antiga que a mais ningum inte-ressava. Acrescentei: como se houvesse, agora, uma catstrofede que apenas sobrassem alguns pases do Terceiro Mundo e al-guns intelectuais se refugiassem a para sobreviverem com algunsdos maiores textos do Ocidente. O meu amigo interrompeu-me: a situao em que estamos, a catstrofe j aconteceu, a domi-nao tecnolgica na nossa civilizao. Percebi: teria sido esta aoutra experincia de Heidegger, que desenvolveu em textos publi-cados aps a guerra de 1939-45, na problemtica do II Heidegger.A sua/nossa questo: como habitar, com que arte de poeta, numaterra assim dominada?3. Entre 1930 e 1945 houve uma viragem na problemtica deHeidegger, a qual se deu, pois, durante o tempo em que o lsofofoi nazi, como se tem referido na imprensa nos ltimos anos. Osseus textos no caram irremediavelmente contaminados por essalepra de terror? A suspeita permanece, entre os que defendem eos que atacam. Este texto quereria levant-la, no para inocentaro que no inocente, mas para que a, porventura, mais importantelosoa do sculo XX se no perca para ns, que dela precisamos.Tal importncia ser talvez mais fcil de perceber se se confrontar

    o lsofo com dois outros; um que o precedeu, Edmund Husserl;outro que o continuou com audcia e forando a sua problemticaem confronto com outras, Jacques Derrida. Paradoxalmente, umautor, que partilhou uma ideologia com forte componente anti-semita que martirizou seis milhes de judeus, est envolvido entre

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    dois pensadores de origem judaica (e ainda se poderia acrescentar,na grande proximidade com ele, um terceiro judeu, confessionaleste, Emmanuel Lvinas).

    Heidegger nazi

    4. Os principais factos so conhecidos. Heidegger foi eleito em1933 Reitor da Universidade de Friburg com o apoio do partidonazi, ao qual pertenceu, pagando inclusiv as quotas at ao mda guerra, apesar de se ter demitido de Reitor no ano seguinte emantido depois alguma distncia. Pior: aps a guerra, at suamorte em 1976 (com 87 anos), nunca condenou o holocausto deque os judeus foram vtimas. A maneira como o lsofo americanoRichard Rorty falou da questo, numa entrevista ao EXPRESSO de

    18/6/88, parece-me lucidativa, pelo que tomo a liberdade de trans-crever: Acho que til no nos esquecermos de que Heidegger no foi apenas um nazi,foi algum que tentou desesperadamentetomar a dianteira no movimento nazi,fazer esse movimento apoiar as suas ideias loscas. Heidegger queria ser o Fhrer intelec-tual da Alemanha, o dirigente ideolgico da Alemanha, mais oumenos na linha de Fichte, o lsofo que tinha sido a expressoda conscincia da nao. Heidegger levou esse projecto muito asrio, pensou que Hitier lhe daria uma oportunidade; enganou-se,e aom de um ano estava desiludido. No acho que isso, s por

    si, seja assim algo to terrvel, qualquer pessoa poderia ter tidouma ambio destas. Mas acho que o que as pessoas tm razoem no lhe poderem perdoar o facto de ter mentido sobre o as-Sunto durante 40 anos. Acho que, para algum que esteve toligado aos nazis, no se pronunciar de modo algum sobre o des-

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    tino dos judeus inadmissvel. Portanto, no acho que se possadizer o que quer que seja de bom acerca do carcter moral de Heidegger; mas, por outro lado, retiramos muitas ideias de livrosescritos por pessoas moralmente horrorosas, e vamos continuar a retirar muito dos livros de Heidegger, ainda que ele tenha sidoum homem horroroso. O que eu no entendo a ideia de que aaco poltica de Heidegger tenha inuenciado a sua losoa, e parece-me que diversos grandes lsofos cometeram erros polti-cos estpidos: Bertrand Russeli cometeu erros polticos estpidos,Sarire cometeu erros polticos estpidos. A tentativa de aproveitar o movimento nazi foi um erro poltico estpido, e a sua posterior mentira a seu respeito foi m (p.77-R).

    5. Deixarei para depois a questo da incidncia da experin-cia nazi na losoa heideggenana; quereria que casse claro que,apesar do seu pendor tico, como se ver, o homem que a escreveuno era eticamente um exemplo, por muito que isso custe ao idea-lista que serei. H uma histria anterior ao nazismo que sig-nicativa. Para ser nomeado sucessor de Husserl em Friburg, adeciso teria que vir deste. Todas as semanas Heidegger o visitou tarde, amigavelmente, at que a nomeao viesse, em 1928; de-pois, no voltou a pr l os ps. O mnimo de que se pode falar de oportunismo, dele nunca se curou. Passemos agora losoa,comeando justamente pela de Husserl, cuja travessia foi decisivapara Heidegger, como mostra muito limpidamente a tese do meucolega e amigo Joo Paisana1, de cuja inspirao me servirei abun-dantemente. Esclareo apenas que procurarei neste texto um estiloque seja acessvel a um pblico no leitor habitual de losoa, maneira duma iniciao, mais s questes que me parecem fun-

    1 [5] J. Paisana, Fenomenologia explicirariva e Fenomenologia hermenu-tica (a relao entre as Filosoas de Husserl e Heidegger), Lisboa, 1987, tesede doutoramento. Servi-me dela nos 10-24. As citaes de Heidegger do 44so tiradas da conferncia que J. Paisana fez na Faculdade de Letras de Lisboaa 14/2/89 com o ttulo A questo poltica em Heidegger (VERTICE, no 23, IIsrie, Fev. 1990, pp. 35-37).

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    damentais do que ao vocabulrio. E qui ganhe o leitor em leras notas nais s depois do texto, j que algumas ligam aspectosexpostos em lugares diferentes do mesmo.

    O ideal losco

    6. No ser, contudo, intil esboar grosseiramente o panorama dalosoa greco-europeia a partir da qual Heidegger pensa, e contraa qual se bate. A dupla fundamental foi instaurada por Plato eAristteles: o inteligvel da alma, predominando sobre o sensveldo corpo. Esta oposio decisiva abre um espao ideal, no sentidoem que se fala de idealismo, como que dando a medida da alturado homem, acima dos outros animais, espao em que a Europa en-contrar o seu ideal, cristianizado. Sem este ideal, glosando com

    outro sentido do termo, no teria havido Europa. O inteligvel concebido na matriz do olhar sensvel e da luz, o que v-com-os-olhos-da-alma o eidos das coisas ou entes, vivos ou no. Platoconceber a Ideia eterna de que o eidos (forma, aspecto) de cadacoisa cpia, Aristteles denir a ousia, substncia e essncia,idntica nos entes da mesma espcie. O que comum aos doislsofos to diferentes a denio do ente, a sua delimitao dosoutros, a causa dele, Ideia ou ousia, implicar uma Causa original,de ordem divina. A denio, dando univocamente a essncia doente subsistente, implica uma concepo de verdade como exac-

    tido, homoios, igualdade, adequao (como traduziro os latinos)entre a denio e o ente que ela dene.7. Como diremos depois, a Idade Mdia recebe a herana grega

    atravs da Igreja de Roma, com os elementos hebraico-cristo eromano. Atravs do movimento renascentista, a Europa moderna

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    d origem ao projecto das cincias, remodelando em consequnciao espao ideal grego. A oposio inteligvel/sensvel ser substi-tuda pela da razo/experincia e sujeito/objecto. O ob-jecto, comob- como em obstculo (o que est contra), e -jecto como emprojecto (o que se lana em frente), ser o que se lana con-tra o sub -jecto o ego pensante, a conscincia que se assegura dacerteza do objecto (Descartes), que o constitui transcendentalmente(Kant). A oposio interno/externo, com o privilgio do primeirocomo fundamento, da conscincia sobre a realidade sensvel, serainda decisiva nessa losoa que, atravs duma histria complexae polmica, ser a matriz da Europa. Mas as vrias cincias que sevo constituindo os seus domnios prprios, como que os roubando losoa. levaro esta a incidir privilegiadainente na questo dafundamentao duma teoria do conhecimento, sobretudo cient-co. Ao longo do sculo XIX, consolidar-se- a Europa indus-trial e (quase) democrtica, as cincias renegaro a losoa (po-sitivismo), multiplicar-se-o entre si e em especializaes dos seusprprios domnios, fragmentaro os saberes, abriro espaos, sobreo recuo das religies, para o que se chamar irracionalismo(s), emcontraponto com o triunfo cada vez mais bvio das tecnologias queas cincias mais fortes geraram.

    8. Todo o esforo de Heidegger ser o de delimitar o espaodesta dominao das cincias e tcnicas, inscrevendo no da lo-soa aberta por Plato e reformulada pelo sculo XVII. As oposi-es que evocmos, o seu jogo subtil nos diferentes lsofos, sero alvo da sua contestao: o que ele procurar sempre, obstinada-mente, formular um discurso em que tais oposies percam apertinncia e o domnio, imperial por assim dizer, que dissimulada-

    mente exercem sobre ns e sobre a nossa maneira de habitar. Seromper losocamente com Husserl, ser por este, tendo emboraaberto o caminho, ter cado a meio e mesmo ter voltado atrs.

    9. Para evitar que alguns leitores se desencorajem diante de al-guns pargrafos mais ridos, antes de chegar aos que sero porven-

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    tura mais esclarecedores, aqui vai o essencial de tudo o que vai serdito. Cada um de ns, espontaneamente, se se lhe perguntar o que um ser, dir que so as pessoas, os animais e as plantas, as coisas;cada um tem o seu ser. Foi a ideia que Plato e outros depois nostransmitiram, e foi contra ela que Heidegger se levantou. No hnada de nada, coisa nenhuma, que seja, subsista, s por si: noapenas porque tudo resulta de outras coisas anteriores (seres vivosque vm de outros seres vivos, coisas feitas a partir de matrias pri-mas, etc.), mas tambm porque h j um Universo, e, mais perto,a Terra, em que tudo , subsiste no seu tempo de durao e aondedepois se vai (morre, estraga-se, etc.). O ser o que garante, sus-tenta todas as existncias (e isso no se v, no se d por tal:retira-se, abriga-se, como veremos), mas sem ele prprio ser umser, um ente, uma coisa. E tudo se d no tempo: emerge, dura,desaparece. Ora, tambm nunca a losoa tradicional pensou otempo seno como algo de acessrio. A essncia de algo o quedesse algo permanece idntico, xo, invarivel, igual aos outrosalgos da mesma essncia: o que sobra da essncia o que aci-dental; como o prprio termo indica, trata-se de algo que acontecee podia no acontecer, algo que . por denio, temporal; o aci-dental, oposto essncia permanente, o acessrio, casual, que sed no tempo. Entender Heidegger mudar completamente o olhar sobre o que nos rodeia, sobre ns mesmos, e aprender a pensar diferente.

    Husserl: a intencionalidade da conscincia

    10. Edmund Husserl (1859-1936) forma-se em matemtica e lo-soa, numa poca em que as matemticas modernas conhecem

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    grande desenvolvimento, a lgica se formaliza com Frege e a psi-cologia emprica se constitui, procurando ocupar o domnio da teo-ria do conhecimento que a losoa desenvolvera desde o carte-siano sculo XVII. As suas primeiras tentativas, Sobre o conceitode nmero (1887) e sobre a Filosoa da aritmtica (1891), procu-ram fundar a matemtica numa anlise emprica da conscincia,projecto esse a que renunciar por desembocar no cepticismo. Ascincias do seu tempo apresentar-se-lhe-o como divorciadas dalosoa, multiplicando conhecimentos atomizados de factos e de-sembocando numa crise de ordem epistemolgica a que a sua feno-menologia quer dar resposta denitiva e absoluta: enquanto cinciarigorosa da conscincia, ela dever fundar todas as demais cincias.

    11. H que vencer o idealismo losco, separando sujeito eobjecto: a palavra de ordem famosa a do retorno s prpriascoisas. A conscincia conscincia de qualquer coisa de exterior aela, todo o acto de conscincia, como vivncia, intencionalmenteligado a uma coisa, e s depois de explicitada a estrutura dessa in-tencionalidade primordial (actos de primeiro grau), ser possveluma reexo temtica visando tais actos, reexo essa (actos desegundo grau) que ser o cerne da fenomenologia, o seu objectoprprio. que os actos da conscincia so-lhe imanentes, por issomesmo indubitveis, enquanto que os objectos exteriores, trans-cendentes conscincia, so espontaneamente concebidos comoprvios conscincia, existentes autonomamente no mundo, numacrena que os prprios cientistas partilharo, ao esquecerem ocarcter hipottico das suas teorias e julgarem que conhecem ver-dadeiramente o mundo em si mesmo. Para fundar o conhecimentode forma absoluta, necessrio suspender a tese destas crenas

    num mundo existente em si: a epoch que far tal suspenso,reduzindo o objecto que aparece conscincia para reter apenas oseu modo de aparecer (erscheinen), o fenmeno (Erscheinung) aser fenomenologicamente explicitado.

    12. o fenmeno que vivido pela conscincia imanente-

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    cia, ao sujeito e conscincia. Husserl no conseguiu romper comesta losoa moderna, com o idealismo: a oposio sujeito-objectocontinuou, como condio do carcter absoluto da conscincia e doego. Heidegger deixar a conscincia, radicalizar a intencionali-dade alargando-a, se dizer se pode. E aonde se insere o seu temaprimordial em Ser e Tempo3, o do Dasein, o ente humano como ek-sistncia, como sendo sempre-j no Mundo, estruturalmente abertoa ele, af ( Da-) sendo (-sein), ser-a, no Mundo como horizonte.

    18. Ruptura, pois, mas com uma dvida decisiva. Heideggerrecebeu de Husserl a diferena entre o ser e o da cpula do juzo (cf.14). Na intuio categorial, como condio do juzo eda respectiva cpula, ligando sujeito e predicado, dado o sercomo articulando o estado-de-coisas, sem que tal ser seja vistosensivelmente na percepo de cada coisa, de cada ente. E o que justamente permite que o horizonte em que as coisas esto j ar-ticuladas seja prvio a cada uma delas enquanto entes de que odiscurso fala. O ser pois mais largo do que o ente; o que Husserlproporcionou a Heidegger4 foi a ideia de que h algo mais do quea mera diversidade entre coisas, h uma diferena entre elas que

    3 [17] Tradues: francesas (R. Bohem e A. de Waelhens, 1964, Gallimard,parcial; E. Martineau, 1985, Authenca; F. Vzin, 1986, Gallimard); espanhola(J. Gaos, 1951, Fondo de Cultura Economica), italiana (P. Chiodi, 1982, Lon-ganezi); inglesa (J.Macquarrie e E. S .Robinson, 1982, SMP).

    4 [18] Para Husserl, a estrutura enquanto que (13) corresponde signi-cao que os signos expressaro, mas ante-predicativa, prvia ao enunciadoou juzo. Em termos de Filosoa da linguagem, Husserl cou dependente datradio convencionalista, visando a linguagem como signos (ou proposies)que seriam instnimentos ou expresses da conscincia ou do sujeito. Para Hei-degger, a estrutura enquanto que hermenutica, pressupe j o discurso comointerpretao e a pr-compreenso do Mundo adquirida no passado do Dasein;mas essa estrutura pr-objectiva e ela, do ponto de vista de Heidegger, quefunda a estrutura enquanto que husserliana, objectiva e apofntica. A estenvel, o da losoa, da lgica, das cincias, cada termo denido univoca-mente, ao nvel hermenutico a pluralidade possvel dos sentidos constitutiva.A clausura hermenutica permanece, contudo, ao nvel da conscincia quese tem do discurso (oral) lido, privilegia o sentido sobre o jogo de diferenas

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    as articula em horizonte e que se d previamente a elas (Heideg-ger jogar frequentemente com a etimologia da locuo alem paradizer h, es gibt , letra d-se). O ser , pois, uma diferena,mais alm do que o ser dos entes. E ser o lugar decisivo da aber-tura que especica o ente humano: este difere de qualquer outroente, coisa ou animal, por poder interrogar pelo sentido do seu serenquanto tal, enquanto abertura ao mundo no mundo.

    A anlise do ser-a

    19. Esta abertura est como que obturada no humano normal, pelapreocupao (Sorge) que cada um no pode deixar de ter pela suaexistncia humana, melhor dito, na sua in-sistncia preocupadacom a sua manuteno e conservao quotidiana. A si mesmo s

    se apreende como ente no meio dos outros entes, que lhe esto emface e mo. Ou seja, o homem normal no se apreende comototalidade no seu viver quotidiano, no se abre ao ser que o dife-rencia dos outros entes. o que Heidegger designar como modoimprprio de ser (por vezes traduzido por inautntico).

    20. Ora bem, este modo de ser do homem apenas um dosseus modos possveis de ser, sem que ele o saiba. S o des-cobrena experincia da angstia diante da antecipao da morte que umdia lhe vir, justamente como termo da sua vida, como a sua l-tima (im)possibilidade. Tal experincia permite-lhe, ento, a sua

    des-coberta em totalidade, como ente nito: o seu futuro mortald-lhe acesso ao seu passado (como tendo nascido, digamos)5, ao

    entre os signicantes (que so o que permite que haja sentidos a ler), no acedeao texto e sua disseminao inscrita.

    5 [20] nitude do nascimento poder-se-iam acrescentar, ao nvel n-

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    que de determinado houve nele, mas sobretudo des-cobre-lhe queele tem outras possibilidades de viver, de ser, do que aquela quepresentemente tem. Des-coberta, abertura, revelao, ecloso depossibilidades, do que at a lhe fra velado pela preocupao quo-tidiana, pelo divertimento, etc.: o prprio do seu ser poder ser diferentes (embora relativamente determinadas) coisas. Aps talexperincia, o ser humano pode continuar a vida que teve at a,como pode mudar de vida: nada mais ser para ele como dantes.Sabe-se nito, mortal, sabe que h sempre um leque de possibi-lidades no seu destino, e que o seu modo de ser depende da suaresponsabilidade, da sua liberdade. As possibilidades que ele noescolher, no sero devido sua prpria escolha: tambm isso asua nitude.

    21. O que se abriu ao ser-a foi a compreenso do seu modode ser como outro nvel da sua existncia, que Heidegger chamaontolgico, diferente do nvel meramente ntico da sua existnciahabitual. Ser e Tempo consiste fundamentalmente na anlise minu-ciosa e profundamente sugestiva6 da estrutura ontolgica (ou exis-

    tico, as determinaes antropolgicas (parentesco, classe social, civilizaoem que cada um nasce, cresce, educado) que delimitam o seu leque de possi-bilidades. Nesse sentido, num texto ainda indito, li a traduo que Heideggerprops a J. Beaufret de Dasein por tre-le-l ( Letire sur lhumanisme, Aubier,ed. bilingue, 1964, pp.l83-l85), ser-o-a, em perspectiva freudiano -derridianacomo o que permite as marcas da memria-imaginao, sem as quais no somosnada, nada vemos, entendemos, fazemos.

    6 [21] Sugeriu o existencialismo de Sartre, a primeira grande moda los-ca do ps-guerra, em que a losoa chegou rua; mas Heidegger, no textocitado na Nota 5, desmarcou-se desse existencialismo, embora fosse o que lhetrouxe a sua urea francesa. Do homem como pro-jecto, lanado sempre j noMundo, dir contra Sartre que este projecto , na sua essncia, um projectolanado [ projet jer ] : o que lana no projectar no o homem, mas o prprioser que destina o homem ek-sistncia do ser-o-a como sua essncia (pp.95-97). Note-se que esta abertura do nvel ntico ao nvel ontolgico que comoque ultrapassa as oposies alma/corpo e sujeito/objecto da tradio, sem, poroutro lado, deixar os humanos entregues ao determinismo cientista.

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    tenciaria) do ser-a, da diferena para o nvel ntico (ou existencial)da preocupao humana.

    22. Se a abertura s se d numa fase j avanada da existn-cia ntica, esta no pode deixar de estar j determinada, quer pelopassado concreto que foi o seu, quer pela tradio que enformouesse passado. Trs momentos da estrutura ontolgica se articularounitariamente na descrio heideggeriana: o encontrar-se j efecti-vamente na existncia ntica, afectado pelas situaes dos entes nomundo em que est lanado, projectado; a pr-compreenso, compressupostos inevitveis, que tal situao ntica implica; a inter- pretao discursiva dessa existncia ntica em que est, ou seja,sempre j enformada pela linguagem. Esta estrutura a de qual-quer ente humano na sua preocupao, no seu ser-no-mundo. Arevelao permite escolher a modicao do seu viver, compreen-dendo as suas possibilidades outras, tematizando a interpretao doseu ser.

    23. O que fundamental perceber que este nvel no temnada de substancial, assim como prvio aos conceitos da mo-dernidade europeia de sujeito e objecto. O ser que se abre ape-nas, se se pode dizer, de possveis, dos quais s um poder serefectivado. O Ser, dir Heidegger paradoxalmente, Nada, subs-tancialmente nada. E ser, isto , trans-cendente7 ao ente do ser-a, -lhe prvio, funda-o. Mas como abismo, isto , sem solo emque se possa construir, no ab-soluto; a liberdade, a possibili-dade de escolher, de metamorfose, que abre ao ser, diferente doque cada humano efectivamente, onticamente. E o tema crucialda diferena ontolgica. Uma era losca nova se abre, com umatarefa precisa, ligada de abrir novos futuros ao pensamento: a de

    destruir a tradio substancialista, da ousia grega, da determinao7 [23] O II Heidegger abandonar a transcendncia e o projecto duma

    ontologia fundamental (cf. QIV , p.62). Destruir a metafsica ser reconhecerque tudo o que esta pensou como necessrio releva do possvel como possvel;a presena do ente sempre eventual, dada historicamente, destinada (cf. G.Vattimo, As aventuras da Diferena, Edies 70, V e VII).

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    ou denio do ser como ser do ente, do sujeito e do objecto, etc.Filosoa da diferena, da nitude, a qual j no apenas limite,denio, determinao, mas tambm indeterminao: nitude eliberdade, se se quiser. isso a temporalidade humana, que co-manda o modo de ser prprio (autntico) do humano aberto.

    24. A antecipao do futuro, a recuperao do passado, a aber-tura no presente, estes trs momentos que se des-cobrem na ex-perincia angustiada da morte, des-cobrem tambm o sentido doser do Dasein: a sua especca temporalidade. A historicidadeque Hegel abrira genialmente losoa europeia do sculo XIXreformula-se agora numa problemtica independente do sujeito-objecto das losoas namoradeiras das cincias clssicas8. Ser eTempo como questes centrais da losoa da diferena ontolgica,no mais sujeitas determinao, ao princpio da contradio e daidentidade (do mesmo como mesmo), tais questes poro rapida-mente em causa o prprio termo de losoa, que tender a serequivalente ao de metafsica, que cobre toda a tradio greco-europeia. Ser o termo pensamento, indicando o porvir, que seimpor a Heidegger e comandar a viragem do seu percurso tex-tual. Faamos no entanto uma pausa.

    8 [24] Ser e Tempo no pe a questo do ser que, na tradio losca, ado ente e convm tambm pedra, planta e ao animal. A questo do sentidodo ser posta pelo Dasein e abre, no s a pluralidade aristotlica dos sentidosdo ser, como tambm os possveis do ser do Dasein, a sua temporalidade.

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    A questo das cincias (entre Derrida, Husserl eHeidegger)

    25. Se o ser transcendente aos entes, quaisquer que estes se- jam, os discursos cientcos sobre estes (incluindo as cincias di-tas em alemo do esprito, sociais e/ou humanas) so semprepossveis de serem feitos, devem ser feitos, mas sabendo que setrata sempre de formas derivadas, secundrias, de discursos quenecessariamente obliteram, cobrem, o nvel ontolgico do ser, aodenirem e determinarem os seus domnios nticos, de-cidindo,isto , excluindo deles partes do horizonte em que eles se articu-lam previa- mente, ou ainda, exercendo violncia sobre o ser paraconstituirem os seus objectos cientcos. Tal violncia, se se podedizer, preocupante. resulta de necessidades utilitrias do exis-tir efectivo dos homens, um modo de ser que escolhe (de-cide),recusando outros modos de ser possveis (os artsticos, como exem-

    plo importante, mas outros tambm), uma resposta abertura doser, que a fecha. E se se trata de violncia, num sentido no tico,mas losco: porque o ser de si mesmo violento, impondo-se,apelando, como que forando sua escuta. Estes ternas dominaroas anlises futuras da tcnica contempornea.

    26. Farei intervir aqui o ps-heideggeriano Demda, cujos pri-meiros textos publicados so consagrados a Husserl9. Num deles,mostra como a percepo originria de Husserl no pode dar contada relao que o instante em que se d tem necessariamente como instante anterior e com o instante posterior, isto , como ela incompatvel com a dimenso temporal. Mostra como essa di-culdade mascarada pelo carcter derivado do signo em relao

    9 [26] Introduction a E. Husserl, L origine de la gomtrie, PUF, 1962,pp.3-171; La voix et te phnomne, introduction au problme du signe dans la phnomnologie de Husserl, PUF, 1967; La forme et le vouloir-dire, Marges de la Philosophie, Minuit, 1972, pp.185-207.

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    percepo, esta fundando o sentido do signo como expresso,pura de tudo o que seja indcio, da ordem do corporal, do sonoro(Derrida dir que toda a fenomenologia husserliana ser coman-dada pela diferena alma-corpo). A crtica derridiana no coincide,pois, com a de Heidegger, no abandona como este a epoch deHusserl, mas como que a desloca: a diferena entre a idealidadepura (em Husserl orientada para a essncia cientca) e o empricodo mundo, entre o aparecer do fenmeno e o objecto aparecendo(cf. 11), ser agora aplicada ao som lingustico para caracteri-zar com rigor o conceito de signicante de Saussure, essencial-mente diferente dos sons ditos e ouvidos. O signicante, nemsonoro nem grco, ser constitudo apenas de diferenas entresignicantes, ou seja, ser radicalmente desontologizado de subs-tncia, em eco, pois, a Heidegger. Mas para que tal seja possvel, necessrio que o movimento que produz as diferenas signi-cantes, no falar como no escrever, seja prvio ao signicante comotal, como produzido j, seja ele prprio temporalizao e espa-cializao, no sentido por exemplo, da linearidade das letras numapgina, da sucessividade dos sons entre boca e orelha. Esse movi-mento, que produz diferenas, diferindo as ainda no produzidase retendo as j produzidas, estruturalmente temporal: Derridacham-lo- diffrance, jogando com os dois sentidos do verbofrancs diffrer (produzir diferenas e diferir). E ainda com odiferendo estrutural entre dois que falam, de-batendo a partir doque o outro diz, falando tambm de outra coisa (o referente do dis-curso), estruturalmente ausente das vozes falantes. A diffranceimplica a relao estrutural ao Outro nestes dois sentidos. E im-plica ainda urna terceira coisa: o traar que deixa vestgios (traces,

    em francs), o que chama la trace, que inscreve, abre sulcos,vias, espaos-tempos. A linguagem oral urna escrit-ura, feita deinscries. Este terna, gramato-lgico (discurso sobre/da escrita),implica a ausncia de um fundamento simples (umsujeito que ex-prime pensamentos ao falar, por exemplo), exige que haja mais do

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    que um de cada vez. E assim a lngua de um povo, que a ningumpertence: cada um a recebeu de outros, sendo condio para queeu diga qualquer coisa que seja. O tema da tradio encontra-seradicalizado em relao a Heidegger. Como a ternporalidade: jno hermenutica, ligada ao logos, ao discurso prprio do queantecipa a morte, mas condio prvia dela. Adiffrance , de jure, prvia diferena ontolgica. Por exemplo, inscreve-se noscrebros humanos (Derrida releu Freud nesse sentido), como, se sepode dizer, memria-e-imaginao vez. E portanto, necessaria-mente tambm, nos crebros animais, maneira deles.

    27. O que seria insuportvel para Heidegger, para a diferenaentre humanos prprios e imprprios (no fundo, contra o queHeidegger pretende. esta diferena da ordem da tica), como paraa diferena entre humanos e animais10. E que Demda radicaliza aguerra heideggeriana contra as oposies metafsicas (corno deter-minaes) e vai conduzi-la, em textos muito diversos, to longequanto puder. Na questo que nos interessa aqui, estende-a opo-sio entre losoa e cincias, que comum tanto a Husserl comoa Heidegger, por ambos herdada do kantismo, que ambos mantm,apesar das diferenas entre eles11, no projecto de fundar losoca-

    10 [27] A oposio losca tradicional, constitutiva do espao ideal daFilosoa (6), entre os homens e os animais, implica que haja a mesma dife-rena entre o homem e o macaco do que entre o homem e a formiga e que, emrelao ao homem, no haja diferena essencial entre o macaco e a formiga.Ora, obviamente que o homem est muito mais perto do macaco do que esteda formiga. Dir-se- que do ponto de vista do corpo. Mas justamente essaa questo: em que medida que o corpo essencial ao homem, esse corpoque ele tem to perto do macaco. Heidegger dir, por exemplo: o salto doanimal que vive ao homem que diz to grande, se no maior, do que o saltoda pedra sem vida ao ser vivo (citado por Dei-rida, De lesprit , pp.83-4). Ouainda, na Letire sur lhumanisme: o corpo do homem algo de essencialmentediferente do organismo animal (p.59), reclamando-se da nossa experincia(s o homem , tanto quanto temos experincia, empenhado no destino da ek-sistncia, p.57), e isto num contexto em que se distancia do humanismo comometafsico.

    11 [27] H no entanto uma diferena importante: para Heidegger, a losoa,

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    mente os discursos cientcos. Enquanto que Derrida se interessapor lingustica como por psicanlise (como por biologia, etc,), en-quanto lsofo, embora desconstrutor.

    28. O olhar de Derrida sobre a modernidade , por assim dizer,mais alargado. Ele diagnostica a escrita a funcionar essencialmentenas cincias europeias (desenhos, caracteres matemticos, instru-mentos de experimentao e observao, por exemplo), a circun-screver os domnios cientcos variados e os seus objectos teri-cos, a impedir justamente, contra ocogito cartesiano, que um su- jeito substancial corresponda imediatamente ao objecto cient-co, etc. A Fsica de Galileu e de Newton faz trabalhar mate-maticamente diferenas medidas, no domnio do espao, do tempo,das massas, das temperaturas, etc.: no se trata a de entes, nemde substncias, mas, por assim dizer, de diferenas puras, sejamquais forem as interpretaes que os cientistas faam depois sobreo espao, o tempo ou a matria, que variaro com as pocas,como se sabe. E justamente, estamos numa nova poca, desdepelo menos os alvores do sculo XX: a fsica da relatividade oua mecnica quntica, assim como a biologia gentica (ou a lin-gustica saussuriana, ou a psicanlise), no trabalham sobre ob-servveis, no funcionam base de percepes. Como se Husserle Heidegger se tivessem enganado de cincia (o exemplo do lin-gote de oiro no cientco), recebendo dos cientistas a imagemque estes se do da cincia que fazem, no dando importncia aosdebates que entre eles se tm prosseguido sobre determinaes eindeterminaes (Heidegger faz-lhe uma aluso, a Heisenberg, em1953, no texto sobre a questo da tcnica)12, debates que, em Fsicae Qumica, por exemplo, um Prigogine tem retomado de forma ino-

    vadora. Ou seja, nem o objecto da cincia o ente, nem ela temsujeito.

    mesmo a de Husserl, est tambm do lado das cincias, em oposio ao pensa-mento hermenutico.

    12 [28] E.C., p. 31.

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    29. Ora, o que aqui interessa perceber que a maneira comoHeidegger continuou e rompeu com Husserl fundamental para es-tas novas questes cientcas. Trata-se de perceber que as cinciasso lhas histricas e legtimas da losoa, que a separao entreelas durante cerca de duzentos anos foi historicamente necessria,mas que h agora que reatar a aliana entre elas, como alis era odesiderato de Husserl, mas sem oposies nem tentativas hegem-nicas de fundaes (o que no quer dizer sem polmicas, nem ma-lentendidos). E que no fundo, nem Husserl nem Heidegger teriamsido possveis historicamente sem o trabalho, por assim dizer, emsurdina, mas verdadeiramente losco, das cincias europeias. Epois em nome da prpria fecundidade da textualidade losca deHeidegger que h que forar legitimamente a como que clausuraherrnenutica que ele no pode deixar de se dar. Condio obs-cura, como o sabermos hoje?, do que lhe devemos, e ainda da obraque prosseguiu, no perodo do chamado II Heidegger. Fechemos apausa, pois.

    A questo da viragem

    30. Quereria colocar uma questo delicada. Antes de evocar aproblemtica posterior de Heidegger e as condies histricas daviragem, nomeadamente o nazismo, o que que se poder pen-sar que faltava em Ser e Tempo que tenha levado a esta? Porei a

    questo de duas maneiras convergentes.31. O tema da relao estrutural ao Outro que evoquei comoessencial diffrance de Derrida leva a perguntar qual o lu-gar dos outros humanos na estrutura ontolgica de cada um deles?Em Ser e Tempo, h um curto captulo dedicado a essa questo: o

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    ser-a na sua estrutura ontolgica e existencina, essencialmenteser-com ( Mitsein) os outros humanos. Acontece no entanto que talcaptulo orientado na linha, alis clebre, de descrever o modode ser imprprio, o da gente, in-sistente e preocupada, fugindo ideia da morte. Apenas de raspo se fala no modo de ser prprio doser-com-os-outros, na possibilidade de um ser-a j aberto ao seuser, sua temporalidade ontolgica, poder antecipar libertadora-mente outro ser-a ainda no liberto, poder ajud-lo a libertar-se,em suma. Ora bem, no se percebe porque que essa possibilidadeno intervm em mais nenhum lugar da descrio da estrutura on-tolgica do Dasein, j que lhe essencial. Isto : que lugar podeter/tem que ter o encontro com o ser-a j aberto para favorecer aabertura dos que ainda o no so? No se trata apenas de uma con- juntura favorvel no dia a dia, mais ou menos aleatria. Trata-setambm do efeito libertador que Ser e Tempo poder ter nos seusleitores, para que possam continuar o labor hermenutico, o qualno se poder dar seno atravs do encontro (entre dois Dasein)que a leitura.

    32. Mas a questo tambm se pe para o prprio Heidegger.Qual o lugar que tiveram na escrita de Ser e Tempo outros tex-tos que obviamente ele teve que ler? De Husserl, mas de muitosoutros, alguns grandes, como Kant ou Hegel, por exemplo, dosquais seria absurdo supr que tenham vivido todos de modo im-prprio! Ainda que tenham losofado metasicamente, Heideg-ger repete que a destruio ontolgica que preconiza dos grandeslsofos dever libertar as suas questes como grandes questesainda a pensar. Dito de outra maneira, no o gnio de Heideg-ger (como autntico) que detm o segredo da razo pela qual s

    em 1927 foi publicada a revoluo losca que constituiu Ser e Tempo. O que est em questo aqui que esta no permaneacomo que contaminada de subjectivismo (potico, por exemplo,no se trata de diminuir), tenha fora de pensamento para outrem etenha igualmente recebido fora libertadora de outrem. Talvez que

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    esta seja uma como que limitao do texto, que em surdina moverHeidegger para a viragem. para a historicidade do ser: sem rene-gar o que foi feito (pois que o lsofo, para alm de uni ou outroponto auto-criticado, sublinhar a continuidade), o acento que sedesloca. O Dasein, que seria em tiltima anlise o prprio MartinHeidegger, no mais privilegiado, como que se cortando o cordoumbilical que ligava ainda o 1 Heidegger ao sujeito dos moder-nos; o privilgio, se dizer se pode, ser o duma gura misteriosa,o Ereignis13 A paisagem tornar-se- bem diferente, em textos em

    13 [32] Os principais textos do II Heidegger esto editados em francs em:Chemins qui ne mnen: nuile part . 1962 [Cheminsj, Essais et Confrences,1958 [E.C.], Questions I, II, III, IV [QI, II,III, IV] todos da Gallimard. Sobreo Ereignis, o prprio Heidegger indicou os seus textos principais: Lettre sur 1hunanisme; La chose e La question de la technique (E.C.); Identit etDiffrence (Qi); alm do texto Temps et tre (QIV), a que esta indicaopertence (pp.67-68). Sobre alguns dos grandes lsofos da tradio ocidental...Nietzsche: os dois volumes Nietzsche (1961), 1971, Gallimard; Le mot de Ni-etzsche Dieu est mort, (Chemins); Qui est le Zarathoustra de Nietzsche?,(E.C.); Quappelle-r-on penser , PUF, (1954), 1959; em Nierzsche, indicaes

    sobre Plato, Aristteles, Descartes, Leibniz, Kant e Kierkegaard. Plato: Ladoctrine de Platon sur la vrit (1942), (QI); Ce qui fait ltre-essentiel dunfondement ou raison?, (QI). Aristteles: Ce quest et comment se dter-mine la Physis (1940-1958), (QII). Descartes: Quest-ce quune chose?, Gal-limard, (1962), 1971. Leibniz: Le prncipe de raison, Gallimard, (1957), 1962.Kant: o texto citado para Descartes, que tem como subttulo em alemo So-bre a doutrina de Kant da fundao transcendental; Kant et le problme dela mtaphysique, Gallimard, (1929: 1 Heidegger), 1953; La thse de Kantsur ltre (1962), (QII). Hegel: Hegel et son concept dexpnence, (1942),(Chemins); Hegel et les Grecs (1958), (QII); Identit ei Diffrence, (1957),(QI). Heraclito: Heraclite, sminaire, com E. Fink, Gallimard, (1966-7), 1973.Parmnides: Parmnide (1943), Gallimard (em curso de publicao); Mora(1951-2), (E.C.); Quappelle-t-on penser?, citado acima. Bibliograa completaem Heidegger , CAIHERS DE LHERNE, 1983 [Herne]; ver tambm Heideg-ger, questions ouvertes, Col. lntern. Philosophie, 1988, ed. Osiris [Osirisj. Seo leitor percebeu que no sou um heideggeriano (ortodoxo), convm tambmesclarecer que no sou um especialista e que h temas importantes no men-cionados explicitamente; apenas tentei dar uma introduo a questes que meparecem essenciais.

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    geral curtos, conferncias ou artigos (as excepes so cursos emtorno de tal ou tal tema ou lsofo)14. Em resumo: a viragem odeslocamento da temporalidade do ser-a humano para a histori-cidade do ser na, digamos, civilizao ocidental desde o seu alvorgrego.

    O II Heidegger: o pensamento do dom (a Terra)

    33. Em Ser e Tempo, o ponto de partida era o da questo do sen-tido do (seu) ser, colocada pelo ser-a lsofo, por sua iniciativa.Agora, a haver ponto de partida, a manh do pensamento gregoque o d; a iniciativa pertence ao prprio ser na (sua) Histria.A questo deixa de ser entendida como pergunta, interrogao(Frage), para se historicizar, adquirindo a conotao que o termo

    tem entre os juristas, como Sache: caso, disputa. diferendo, o queentra em apelo, ou seja, como algo que acontece e se d prima-riamente escuta. Pensar escutar a voz silenciosa do ser, esteque d a sua prpria questo e as possibilidades histricas que elaabre (pensar uma questo sempre foi, na tradio losca, pensaras respostas possveis a ela); foi o que se deu na lngua loscapor excelncia, a grega, cujos termos os textos do II Heideggerincessantemente meditaro, retraduzindo-os de forma indita em

    14 [32] Ser e Tempo previa no seu plano seis partes, das quais s duas foramescritas. Que a viragem tenha impedido a continuao do texto, do seu plano

    com princpio, meio e m, um sintoma de como o abandono da transcendn-cia (cf. Notas 7 e 20) tambm o do fundamento do discurso, a sua frag-mentao. Como Nietzsche aps a Origem da Tragdia e Wittgenstein apso Tracratus.

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    alemo15, forando as etimologias de ambas as lnguas, com es-cndalo dos llogos (como se estes estivessem despidos de pr-compreenso losca, investidos numa qualquer autoridade neu-tra, no zessem o seu labor na tradio metafsica do Ocidenteque Heidegger questiona). O pensador escuta: se aliarmos o termoao de leitura, no ser esta a experincia essencial do pensamentocomo da escrita, a da meditao escutante dos maiores da tradio,do seu dito e do seu no-dito, condio para que o pensamentovenha, quando ele quer e no quando eu quero, na ironia de Nie-tzsche? Quem nunca fez esta experincia, do pensamento comodom, saber minimamente o que signica a aventura intelectual doOcidente?

    34. Um aluno meu falava h tempos, numa aula, da sensaodesanimadora de ler (o 11) Heidegger: l-se com interesse e en-tusiasmo mas, passados alguns meses, no se j capaz de dizernada do que se leu. Creio que experincia comum a muitos dens. Pareceu-me pois que haveria que enfrentar essa diculdade,pegando no texto que se me deu como o mais claro de todos (masdepois de ler muitos outros!), o dum seminrio de 1940 sobre A phusis segundo Aristteles, comentando a par e passo o primeirocapulo do livro B da Physica desse lsofo grego (dito ser o livrode fundo da Filosoa ocidental). O critrio essencial da phusis(natureza em latim, o que nasce, tem gnese) o movimento,o ser-movido como fundamental do ser. Exemplos de Aristte-les: a planta, o animal, a gua, a terra, o ar, o fogo (em oposios coisas que o homem faz). Releva da Phusis o que tem movi-mento por si mesmo, o que desabrocha ( phuei), se abre a partirdo poder originrio (arch ) da phusis, poder esse que mantm o

    seu domnio sobre o ente vindo presena e que nesta o man-15 [33] Por exemplo, a traduo que ele props do captulo de Physika de

    Aristteles citado no 34 espantosa e irreconhecvel por qualquer especialistade Aristteles: l-se o Aristteles-de-Heidegger. Mas no h critrio nenhumabsoluto para defender uma ou outra traduo, traduzir sempre j uma inter-pretao losca, quer o tradutor o saiba ou no.

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    tm. O fruto, por exemplo, vem presena a partir da or e estavai para a ausncia, como o fruto retornar phusis, dando a se-mente. Est aqui o essencial: o ente que vem presena comoeidos, aspecto, viso (visage) dado vista, pelo movimento (damorph, vulgo forma) que instala o ente e a partir do qual sedetermina o disponvel (hyl, vulgo matria). Este movimento,do que est ainda retido mas apropriado (dunamis, vulgo potn-cia) ao que ser, que produz, traz presena o eidos, acaba-secomo posse no seu alvo ou m (entelecheia, termo decisivo for- jado por Aristteles) ou como ser-em-obra (energeia, vulgo acto).Vem pois o fruto presena, desdobra-se, abre-se, desabrocha, masdesapossando-se (stersis), privando-se da or; este ausentar-seda or na vinda do fruto o que vela, cobre, dissimula a phusis:viver e morrer pertencem ambos essencialmente a esta, o que nasceabolindo o que morre (morrer, supremo acto de viver)16. O que seabre e se cobre: o desdobramento (Wesen, termo alemo que dizcorrentemente a essncia) como essencialmente temporal que es-pecica o ser. Assim a planta, o animal e o homem, entes cujamobilidade (crescer e diminuir, transformarem-se em outros, gera-dos e mortais) releva da phusis, e esta ser, o que tem a iniciativa.Viremos depois aos quatro elementos dos gregos e sua relao phusis; o que quereria agora sublinhar que todo o pensamentodo II Heidegger se desdobra a partir do ser como phusis, aqum detodas as oposies metafsicas entre, por um lado, a natureza e poroutro a cultura, o esprito, a lei, a arte, a tcnica, etc.: aphusis oser e o desdobramento do ente, tudo o que [os Gregos] dizem eque ns podemos ainda ouvir, fala, se tivermos o bom ouvido, da phusis e s dela17

    16 [34] Qualquer ente vivo, com o seu viver, empreende j o seu morrer,e inversamente: morrer ainda viver, sim, pode ser que morrer seja o actosupremo de viver (QII , p.271). Parece que aqui o que Ser e Tempo atribuaao Dasein de certa forma generalizado a qualquer ser vivo, contra outras nu-merosas passagens de textos heideggerianos (cf. Nota 10).

    17 [34] QII , pp.274-5.

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    35. No nal do texto, Heidegger como que desdiz Aristte-les a partir da lngua grega dos lsofos pr-platnicos. Assim, aousia, determinada como substncia e essncia, primitivamente omovimento de vir presena como parousia18. Assim o ente sersempre caracterizado como o que o ser deixa vir presena, nomovimento (temporal) de colocar no aberto, o ser se retirando, seocultando: o ser ama o seu prprio retiro, traduz Heidegger umverso de Heraclito (fragmento 123). E o retiro o abrigo em que oser armou o seu desdobramento. Ser a abertura de descerrar oque a si mesmo se encerra: a phusis, no sentido inicial. O ser o aberto (condio da abertura do ser-a) que deixa se no-ocultaro ente na presena; e este aberto do no-retirado diz-se altheia(que se traduz habitualmente por verdade e que um texto de 1930tinha caracterizado em funo da liberdade do homem como o quese des-cobre, des-vela. ocultando-se, cobrindo-se). Agora, a ver-dade pertence, enquanto altheia, ao prprio ser: phusis altheia,descerrar no aberto19.

    36. Phusis ou ser d-se ao vivo que tem logos ( zon logonechon, clebre denio aristotlica, que a metafsica iatina es-tragu como animal racional). Discurso na traduo corrente, ologos , no legein (vulgo dizer), o re-colher, reunir acolhendo osentes vindos presena no movimento da phusis, mas deixando-os estendidos diante: no dizer humano, as coisas so recolhidas eabrigadas, como se diz no aforismo clebre da Carta sobre o hu-manismo, o logos a casa do ser, o que o abriga no des-ocultar dosentes ditos. O logos est escuta do que se desvela, da altheia, doser dissimulando-se no lths (latente, escondido)20. E pois essen-

    18 [35] Parousia traduzido por Anwesen lassen, deixar viro [ente] presente presena (QIV , pp.l4, 18, 69).19 [35] QII , pp.275-6. De lessence de la Vrit, (1930,1943), QI .

    20 [36] acentuar o carcter recolhedor e unicante do logos que permite aoII Heidegger abandonar o tema da transcendncia de Ser e Tempo (cf. Nota 7)e a viragem: do Dasein como aberto, ao ser como o aberto que d a abertura ao Dasein; do sentido do ser do Dasein verdade do ser como altheia.

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    cial ao ser o retirar-se no abrigo, onde tem como que o seu sustento,o que o faz perdurar, mantendo os entes na durao, no tempo. Oser no pois nada de substancial, categoria essencial de todos ede qualquer ente, do ente em geral como veio a ser determinado,de-nido, de-limitado, na descendncia platnico-aristotlica a quepertencemos, com o consequente desinteresse moderno por essageneralidade que seria o objecto da losoa. E-l uma autono-mia do ser, ele que tem a iniciativa do movimento, da histria, qual o homem pertence essencialmente enquanto ente com logos,aberto abertura do ser como altheia.

    37. Ora, se retornarmos agora os quatro elementos, a gua, oar, o fogo, a terra, corno pertencendo tambm phusis, e no sendono entanto entes vivos, mas tambm no sendo feitos pelo homem,pro-duzindo-se da phusis, h que alargar os entes a que esta diz re-speito ao conjunto dos quatro elementos (incluindo a gua e os ou-tros minerais, as pedras, a atmosfera e o seu clima, o fogo e as com-bustes). J Heidegger dissera cinco anos antes: Esta apario eeste desabrochamento [da rvore, da erva, da guia e do touro, daserpente e da cigarra], e na sua totalidade, os Gregos chamaram-lhes muito cedo Phusis. Este nome aclara ao mesmo tempo aquilosobre o qu e em qu o homem funda a sua morada. Ns chamamosa isso a Terra. Do que esta palavra diz aqui, preciso afastar tantoa imagem material de uma massa material depositada em camadascomo essoutra, puramente astronmica, dum planeta. A terra oseio no qual o desabrochamento retorna, enquanto tal, tudo o quedesabrocha. Em tudo o que desabrocha, a Terra est presente en-quanto o que alberga. Ou seja, a Terra o ser. H que ler os textosde Heidegger como os de um pensador da Terra.

    38. Se este texto sobre a phusis segundo Aristteles for uma es-pcie de chave do II Heidegger, como estou propondo (indo poismais longe do que a maior parte dos seus outros textos), perceber-se- muita coisa que se d frequentemente leitura como bonitae enigmtica. O ser uma dobra ( zwiefalt , pli em francs) do

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    ente e do ser, do que vem presena e do que se oculta e abriganesse vir, que assim se des-dobra abrindo-se no recolhido, reser-vado. Desdobra-se de forma geral como tempo (no sentido mesmodos quinze bilies de anos do universo, da evoluo darwinista davida), como histria ainda no sentido mais habitual. Heideggervisa constantemente a ideia forte de que foi a losoa grega quedeu origem civilizao europeia. s suas cincias, sua tecnolo-gia, s suas instituies variadas, recoberta parcialmente pelo Cris-tianismo e suas representaes (de que Heidegger descona vis-ceralmente, se dizer se pode). A losoa ocidental conheceu vriaspocas, em cada uma sendo dada uma gura do ser, diferentementedeterminada: o ser desdobrou-se em Histria, mas o que especi-ca esta o esquecimento do ser como o que se reserva, se retira,se abriga no que dado. O ser destinou-se, destinou o Ocidente:o termo alemo para destino, Geschick , parente etimolgico dotermo para histria, Geschichte. A histria no uma narrativa( Historie) seno por ser destino destinado desde os Gregos. Creioque h que entender este termo de destino como o contrrio dumafatalidade, duma determinao: como um questionamento dessaideia de determinao, de causalidade. Mas tambm o que evitao extremo oposto, duma histria como sequncia aleatria de aca-sos, de aces de heris e sbios, etc. Ultrapassar esta oposio im-plica uma concepo do destino quase paralela com a das possibili-dades abertas, em Ser e Tempo, pela antecipao da sua morte pelo Dasein: o destino envia possibilidades, d-lhes rumo, e tais pos-sibilidades sucedem, acontecem, nas diferentes pocas da histriaocidental. Cada poca desdobra a possibilidade que assim se lhedeu e abre novas possibilidades que se desdobram por sua vez.

    Uma possibilidade o que pode acontecer , sem nenhuma neces-sidade, e que, ao acontecer, com o que de acasos se implica nosencontros que a zeram, abre novos possveis. Ou seja, destino algo de aberto. Hoje, outro tema forte de Heidegger, deu-se umacabamento das vrias possibilidades do destino europeu. com

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    a dominao da cincia-tcnica, a qual, l iremos, tambm parapensar como destino aberto.

    O II Heidegger: o pensamento do dom ( o Ereignis )

    39. Uma conferncia de 1962 intitula-se signicativamente Tem-po e Ser, a inverso do ttulo do seu primeiro grande livro comoque dizendo que se trata duma panormica do que o II Heideggerprocura pensar como a nossa questo. Pensamento que Derridacaracteriza algures como pensamento do dom. O Ser no , mash, d-se (es gibt ), dado; o Tempo no , mas h, d-se, dado. So dados um ao outro, Ser como Histria, Histria do Ser.E o dom o que se dissimula, a doao pelo destino. E em funodo nosso destino que h que meditar o que os Gregos, ou melhor,alguns deles, Heraclito e Parmnides sobretudo, deram a pensarsem o pensarem expressamente, o que nos destinou e que vem mis-teriosamente, o Ereignis, ainda que a metafsica como tecnologiaperdure por muito tempo ainda.

    40. Em alemo corrente, este termo traduz-se por aconteci-mento, mas Heidegger insiste em que no se trata de tal, de nar-rativa a respeito de entes humanos e suas aces, ou seja, do nvelntico. Mas, como Ereignis, acontecimento, o termo utilizado,no ser intil indagar do que aquilo a que chamamos um acon-

    tecimento narrado, algo que sucedeu, que se deu, dizemos justa-mente em portugus. Para que nos guie ao sentido ontolgico doEreignis. H narrativa dum acontecimento quando se d algo deinesperado, de violento, de surpreendente, sendo embora um pos-svel: aleatrio num campo de possibilidades delimitado. As vrias

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    personagens da narrativa encontram-se em sequncias de vriasaces, como se diz, e a narrativa como que as con-juga. numaespcie de constelao, ainda que em diferendos e conitos. Paraque. elas convenham umas s outras, fazendo uma narrativa, h-de haver algo que as apropria em reciprocidade, as liga narra-tivamente, as destina umas s outras; algo que permite o que sedeu, que deixa ser as aces narradas, mas que no aparece comotal. Podia no ser e tinha que ser, se dizer se pode: o que se-duz nas grandes narrativas de co ou da histria, o que nos sur-preende nos nossos destinos pessoais, com tanto de aparentementealeatrio, mas como que com pressentimento de que um destinonos destina. Vrios nveis so possveis para o alcance das nar-rativas, desde as pequenas histrias do nosso quotidiano, at sgrandes fbulas da nossa cultura; desde as histrias das instituiesocidentais at prpria histria do Ocidente, a que nos vem desdeo alvor grego e nos trouxe at actualidade, aberta ainda ao fu-turo que vir, e que no podemos prever (complexidade de factoresque no controlamos, aleatrio da sua conjugao). Digamos que opensamento de Heidegger procura pre-venir, fazer escutar o que se joga no nosso destino como o que digno de ser pensado. Numameditao incessante, difcil e fascinante, ele pre-vine-nos que oEreignis, sem guras narrativas discernveis, o que no releva donarrativo mas o deixa ser, foi-nos destinado desde a manh grega:o Ereignis, como pro-messa, vocao, voz que se quer fazer ouvir, o que deu/d/dar Ser e Tempo, Tempo e Ser, em con-jugaoum com o outro. Comeamos hoje a pensar a vida, a terra, o uni-verso astrofsico, como essencialmente histricos, e isso alis nascincias, com seus instrumentos tecnolgicos, malgr Heideg-

    ger. A pro-messa implica a sua aceitao (o termo alemo Zusagetem estes dois sentidos), a nossa responsabilidade, a nossa respostaao destino, O Ereignis, digamos o (no)Acontecimento (no n-tico, mas ontolgico), o que nos deu a histria (no sentido ociden-tal, em diferena para com as sociedades tribais ditas sem histria,

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    para com as civilizaes asiticas ditas estagnadas), a doao,gratuita como um dom, sem causa determinante: eu proporia quese o entendesse como o que liga cada poca do ser da civilizaoocidental. O que se jogou no passado e abre o futuro, como quenos acenando mais fortemente quando h mutaes daquela. Porexemplo, o que Nietzsche pensou como a morte de Deus (que nomorreu, mas ns o matmos diz o louco aterrado no 125 daGaia Scienza), como o triunfo do nihilismo, o que hoje chamamoscrise da civilizao ou, em termos de Heidegger, crise da habitao,na dominao tecnolgica triunfante em todo o planeta. O Ereignisser ainda a metamorfose da civilizao, se se puder dizer.

    41. H um iia1 entendido possvel a desfazer. O II Heideg-ger bem difcil; encontram-se frequentemente prossionais delosoa para prezar e entender o Ser e Tempo e para desconar datextualidade posterior, nomeadamente da terminologia que revesteum como que acento religioso. No se pode dizer que o que elechama sagrado, dos deuses gregos, esteja afastado do seu hori-zonte (o jogo do Mundo, em que Ser e Tempo se do, dito emcertos textos como o Quadripartido Gevieri dos cus e da terra,dos divinos e dos mortais; ver 56), mas insista-se em que um dosaspectos decisivos do pensamento heideggeriano o seu atesmoem relao ao Deus do Ocidente, por excelncia a gura de enteque mais excluiu o tempo (na eternidade), mais determinou comocausa criadora o indeterminado da phusise dokosmos, por exceln-cia a gura da causalidade. Heidegger representa uma tentativatenaz para impedir a oposio metafsica entre alma e o corpo,o inteligvel e o sensvel, quer grega quer crist, bem como asoposies que quela se ligam: sujeito/objecto da modernidade

    (epistemologizando as cincias), interior/exterior (da conscincia edo mundo), activo/passivo (da imaginao/memria, do masculino/ feminino), da teoria/prtica, e por a fora. E certo que Derridaprocura mostrar como Heidegger ca ainda no bordo da metafsicacuja clausura desenhou, na medida em que o tema hermenutico

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    do logos como o que ajunta, reune (rassemble), unica, sempreprivilegiado em ltima anlise, como apropriao que con-jugao desdobrado, em consonncia com o prprio (ou autntico) dohumano que antecipa a morte. Como tal tema responsvel pelaexcluso da vida e da animalidade do Dasein, ironizando Derrida:o que a morte para um Dasein que no nunca denido deforma essencial como um vivo?21. E o logos que se escuta, a

    21[41] J. Demda, De l esprit, Heidegger et la question, Galile, 1987, p.89,n. 2 (cf. Nota 16). Alm deste, outros textos de Derrida sobre Heidegger: De la

    Grammatologie, Minuit, 1967, pp.32-39; Ousa et grainm, note sur une note deSein und Zeit e Les ns de lhomrne in Marges de la Philosophie, Minuit,1972 (h trad. port.); perons, les stylesde Nierzsche, Flammarion, 1978, pp.59-l02; Restitutions de la vrit en pointure in La vrit en peinture, Flammarion,1978; Envois in La carte postale, de Socrate Freud et au-del, Flammarion,1980; Le retrait de la mtaphore (1978), Geschlecht : diffrence sexuelle, dif-frence ontologique (1983), La main de Heidegger (Geschlecht II ) (1984-5),Comment ne pas parler, Dngations (1986), todos in Psych, Inventions delAutre, Galile, 1987. Sobre o tringulo Nietzsche -Freud-Heidegger . . . acrtica nierzschiana da metafsica, dos conceitos de ser e de verdade a que sosubstitudos os de jogo, de interpretao e de signo (de signo sem verdade pre-sente); a crtica freudiana da presena a si, isto , da conscincia, do sujeito,da identidade consigo, da proximidade ou da propriedade de si, e, mais radi-calmenre, a destruio heideggeriana da metafsica, da onro-teologia, da deter-minao do ser como presena. Ora todos estes discursos destruidores e todosos seus anlogos esto tomados numa espcie de crculo. Este crculo nico edescreve a forma da relao entre a histria da metafsica e a da destruio dahistria da metafsica: no tem nenhum sentido no passar pelos conceitos dametafsica para abalar a metafsica; no dispomos de nenhuma linguagem denenhuma sintaxe nem d nenhum lxico que seja estrangeira a esta histria;no podemos enunciar nenhuma proposio destruidora que no tenha tido jque escorregar na forma, na lgica e nas postulaes implcitas disso mesmoque se quereria contestar. (. . . ) Mas h vrias maneiras de se car preso neste

    crculo. So todas mais ou menos ingnuas, mais ou menos empricas, maisou menos sistemticas, mais ou menos prximas da formulao ou mesmo da formalizao desse crculo. So estas diferenas que explicam a multiplicidadedos discursos destruidores e o desacordo entre os que os tm. Foi nos conceitosherdados da meu4sica que, por exemplo, operaram Nietzsche, Freud e Heideg-ger. Ora, como esses conceitos no so elementos, tomos, orno so tomados

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    palavra (wort, mor) que d o ser ao ente no poema, tambmo privilgio da voz (ainda que silenciosa) sobre o escrito. Ora, natradio, por exemplo no Fedro de Plato, o logos em sua voz oral o que est mais prximo da alma, apagando-se o som na inte-rioridade mental, em que a alma, o sujeito, a conscincia, se ou-vem, se auto-afectam na presena de si a si (que Freud questionoudecisivamente, interpretando os sonhos e a dissimulao essenciala que chamou inconsciente), enquanto que o escrito o perigomortal, remdio e veneno que perdura quando o autor morreu eno pode j responder em logos pelo seu pensamento. No im-pede no entanto que o escritor francs insista em que se no podeprosseguir o caminho hoje decisivo sem passar pela leitura inces-sante das questes do pensador alemo, extremas e subtis, numtexto heterogneo (como, para o prprio Heidegger, o dos grandeslsofos) a desconstruir. Por exemplo maior, abrindo a novidadedo seu pensamento ao que nas cincias actuais22, avaliadas em con-

    numa sintaxe e num sistema, cada emprstimo determinado traz com ele todaa metasica. E por isso que permite ento a esses destruidores destruirem-sereciprocamente, por exemplo a Heidegger de considerar Nietzsche com tantalucidez e rigor como m f e mconnaissance, como o ltimo metafsico, oltimo platnico. Poder-se-ia fazer o mesmo jogo a propsito do prprio Hei-degger, de Freud ou de alguns outros (Derrida, La structure, le signe et le jeudans le discours des sciences humaines, Lcriture er la diffrence, Seuil, 1967,trad. port. in E. Prado Coelho, Estruturalismo, Portuglia, 1968). Sobre a leiturade Nietzsche por Heidegger, alm do texto perons citado, ver in Herne o textode David Farreil Krell (cuja n. 12 faz um balano bibliogrco da discusso).

    22 [41] o que Heidegger parece abrir como tarefa num passo do Protocolodo Seminrio sobre a conferncia Tempo e Ser: Quando se trata do passoque conduz da presena ao deixar-vir--presena, no dito nada da presenti-dade caracterstica dos diferentes domnios do ente. Isso permanece uma tarefa

    do pensamento: determinar o no-retiro dos diferentes domnios das coisas(QIV , p.83). Se se tiver em conta os 25-29 acima, poder-se-ia dizer que o queuma cincia prope como discurso terico T ser vlido dentro das condiesdenidas: se se denir assim, excluindo tal e tal..., ento T. Ter em ateno oretiro do ser no seu domnio ser para essa cincia indagar do que inibe a zonaenergtica que destina o campo estudado como lugar de confronto entre entes

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    fronto com este mesmo pensamento tambm, haja de pensamentolosco tambm. Forar Heidegger no que nele ainda restos demetafsica novecentista, separando cincias e losoa, hipertroado logos grego, hermenutica23 que descona do que de escrita, de-

    com possibilidades delimitadas por esse destinar (ex., o campo da gravitaopara a Mecnica, com inibio das foras nucleares do tomo, o da alimentao ereproduo para a Biologia com inibio do programa gentico, o do parentescocom inibio do incesto para a Psicanlise, o da conversa e da leitura com in-ibio do sistema fonolgico para a Lingustica e Pragmtica, o do poltico cominibio ainda do incesto parental para a Antropologia, etc.)... Poder-se-ia de-linear um discurso Geo-Lgico que procurasse ter em conta quer as intersecesdos domnios das vrias cincias, quer as intervenincias complexas que assimse provocaria no campo mais geral dos vrios domnios interligados, quer osenxertos recprocos e no lineares entre os vrios retiros inibidos, O tema dodouble-bind de Derrida (cf. Nota 32) parece-me prestar-se a esta perspectivaGeo -Lgica mas seria necessrio muito trabalho antes de se poder dizer algode minimamente preciso: em todo o caso, pensamento e cincias interviriamnele sem oposies exclusivistas (cf. o meu texto A metamorfose das cin-cias, um jogo entre Prigogine e Heidegger (#), CADERNO DE FILOSOFIAS,Filosoa/Cincias: interseces, no 3-4, Fev. 1991, pp. 103-160). No que se

    refere s cincias histricas e antropolgicas, por exemplo, e tendo em contaa Nota 5, a tese heideggeriana da no existncia de uma essncia do homemque seria a mesma em qualquer poca do ser, como que abre um campo deanlise, com incidncias em questes actualmente prementes, como a consid-erao das chamadas vias de desenvolvimento dos pases ditos do TerceiroMundo, bem como a avaliao do caso da industrializao do Japo e doutrospases da Asia fora da tradio metafsica do Ocidente, etc. A tais cinciasconviria precaverem-se dos conceitos de determinao e causalidade metafsicae indagarem do retiro-destinao do ser no que diz respeito economia, s insti-tuies polticas, ao parentesco, escola, etc.

    23 [41] Ou seja, a hermenutica heideggeriana ainda uma clausura quefecha a abertura ( Da-) que aproxima o Dasein e o ser, que os mantm prxi-mos e apropriados no privilgioda linguagem oral, da auto-escuta da prpriavoz. O tema demdiano de escritura irrompe em e dissemina esta proximi-dade e esta propriedade, forando violentamente a clausura/abertura. Dito deoutra maneira, porventura em Hedegger a diferena ontolgica pensada comooposio, o ontolgico excluindo do pensamento o ntico (cf. Les ns delhomme, cit. Nota 21). J.Greisch, Hermeneurique et grammatologie, 1977,

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    senho, tcnica de instrumentos, energtica, foi, nas cincias, foraque, com a losoa, fez o Ocidente.

    42. O que Heidegger nos d a pensar, na sua exigncia, anossa histria, o nosso destino, o que nela nos ameaa e o que nelase anuncia como o que vem, e para ns pode ser libertao, meta-morfose salutar. Perigo da catstrofe, a tcnica tambm, comoveremos, onde se esconde o que nos pode salvar. Por que nos ad-miraramos que tenha sido a catstrofe nazi o lugar que Heideggerteve que atravessar para entender o que, aqum e mais forte do queHitler e do que a sua sinistra Gestapo, lhes deu possibilidade? Umtal horror, que roa o impensvel puro, tambm uma das possi-bilidades da histria do ser do Ocidente (no diz este literalmenteo Ocaso?), como o foi a no menos sinistra Inquisio, esse santoofcio.

    A viragem e o nazismo

    43. O nazismo um tema doloroso, diante do qual a escrita hesita,com receio de no saber encontrar o tom que lhe seja adequado,que no haja tom para isso. Foi o horror duma poca, resposta auma crise que mal imaginamos, os que no passmos por ela. Ecompreensvel, no entanto, dadas as dimenses da crise, mundial ealem, que, antes mesmo da tomada do poder por Hitler, j o pensa-mento de Heidegger fosse movido pela vertigem da crise ameaa-

    dora: a condio histrica tem que ser pensada losocamente.E foi porventura inevitvel, mesmo se no inocente, que o con-

    ed. CNRS (col. dirigida por P. Ricoeur e D. Tiffeneau), faz um excelente con-fronto entre Gadamer/Heidegger e Derrida.

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    servador (politicamente falando) Heidegger se tenha precipitado,antes de vir a tomar alguma distncia.

    44. Os discursos losco-polticos de Heidegger desta poca,alguns menos circunstanciais do que alguns seus defensores quere-riam, so desastrados, tanto poltica como losocamente. Alis,ele prprio confessa que, entre 1932 e 1933, mudou de conscinciapoltica: um nazi, ao nvel ntico, que neles fala, que mistura ale-gremente, se dizer se pode, temas ontolgicos de Ser e Tempo comtemas ideolgico-polticos do nazismo. Por exemplo: o Dasein, oser-a, converte-se no povo alemo, o Mundo (em que o Dasein o aberto) tomou-se a ptria alem, o movimento poltico que aAlemanha conhece confunde-se com o destino losco dos pen-sadores alemes e da sua lngua, os nicos que se podem compararaos lsofos gregos e sua lngua, a mais losca de todas aslnguas. Pior ainda: a deciso antecipada para a morte corres-ponde agora ao tema nazi do servio das armas e luta, comrisco de morte, dos jovens soldados pela ptria alem; o serviodo trabalho imposto pelos nazis aos estudantes a reconquistapara o povo da sua ligao ao solo, ptria alem, ligando au-tenticamente o jovem ao Estado; o servio do saber, o terceirodos servios dos estudantes, liga estes misso espiritual do povoalemo, j que aprender dar-se a si mesmo, fundando-se naposseoriginria da sua existncia como membro dum povo (Vlkis-ches Dasein) e tomar conscincia de si mesmo como co-detentorda verdade do povo no seu Estado (cf. Nota 1). Ingenuidadepoltica, se se quiser, mas a ingenuidade losca que pareceimperdovel, nomeadamente nos trs ltimos exemplos, emboraobviamente os mais circunstanciais, os que sero abandonados

    rapidamente com a distncia poltica posterior. Quanto aos trsprimeiros exemplos, a avaliao parece dever ser mais circunstan-ciada, se for verdade que, mais do que abandonados, eles foramatravessados e depois trans-formados losocamente, quando aserenidade voltar ao pensador.

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    45. Ele tinha-se precipitado no nvel ntico, mas no voltouatrs depois: o povo alemo foi passagem para a histria greco-europeia como losca, a ptria alem para o futuro problemada habitao na terra tednicizada, ou seja passagem ao nvel on-tolgico em termos de histria do ser. Pode-se acrescentar mesmo:o movimento ntico nazi, enquanto voltado ao futuro para mo-dicar a crise alem, foi passagem ao Ereignis, ao acontecimentoontolgico, quando a crise for compreendida como nihilismo, isto, triunfo da tcnica. Mais sensvel ao problema da Universidade,o reitor Heidegger rapidamente percebeu que os nazis se preocu-pavam apenas com o servio utilitarista e tcnico que aquela lhespodia dar, desprezando os intelectuais e as suas abstraes.

    46. pois no meio da conagrao nazi que a viragem sefar at 1943, desde a apario do tema da altheia como desvela-mento/dissimulao a partir do ser e j no do Dasein (Essncia daVerdade, 1930). Trs inuncias textuais so preponderantes: a doconservador no-nazi E. Junger, a poesia de Hlderlin e a losoade Nietzsche. E com o livro O Trabalhador (1932), do primeiro,que Heidegger encontra o problema losco da modernidade tc-nica e da gura quase metafsica do trabalhador, que assim pro-movida: tema que esclarecer o nihilismo de Nietzsche, a vontadeda potncia como domnio do ente, incluindo o do homem. EmHlderlin, a Verdade -lhe dada como o que vem na histria, apoesia como arte sendo pensada, na esteira de Nietzsche, comoo oposto do nihilismo, a actividade metafsica pura e simples.E Nietzsche o pensador nal da losoa como metafsica, cujoquestionar, com que Heidegger se debate e procura ultrapassar, lhed a fora da viragem. Estud-lo- ancadamente, refutando a in-

    terpretao racista e biologista que dele fazem os nazis; retoma aleitura dos grandes metafsicos, nomeadamente de Plato, que Nie-tzsche procurou inverter; abandona enm a ontologia do Daseincomo projecto metafsico de Ser e Tempo em favor do pensamento

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    da verdade do ser como Histria: o tema do Ereignis aparece-lheentre 1936 e 1938.

    47. Eliane Escoubas24 d particular relevo a um curso que Hei-degger faz em 1943 sobreParmnides, tentando mostrar como Hei-degger se explica com o movimento nazi (sem o nomear) emconfronto com o lugar do imperium romano na histria ocidental.Com a guerra, o nazismo, movimento nacionalista, mostra-se im-perialista, querendo impor-se Europa, comand-la, faz-la cair.Esta possibilidade no grega, mas romana, releva duma rupturahistrica em que a altheia grega foi substituda pela veritas latina:onde aquela desvela e o pseudos dissimula, a veritas comanda, fazcair ( falsum, do verbo fallere, cair, fazer cair) cria a pax ro-mana dos vencidos (veni, vidi, vinci: o que se v do alto, superae vence) xando-lhes ( pango, donde pax, xar solidamente)as fronteiras. O imperium o comando que vem de cima, implicaa intruso da poltica na verdade, as superaes-para-cima, tudotemas europeus e no gregos; tambm o domnio do direito ro-mano, sendo jus forma do verbo jubere, mandar, obrigar. Oimperium instala, dispositivo que toma medidas, cria domnio:cria o Estado hierrquico, romano. Chamar cidade-estado po-lis grega um contrassenso: a polis, cada cidade grega, justa-mente a ausncia dum Estado grego. E mesmo, pode-se acres-centar, o conceito moderno de instituio (incluindo as cinciascomo domnios e dominao) que romano, que nos veio, Europa, atravs da instituio que a si mesma se chama Igreja deRoma. Enquanto instituio, com sua teologia, dogma e direitocannico, ela a traditio recebida pelas tribos brbaras nossas an-tepassadas, cnstianizadas mais ou menos imperialmente, tradio

    contendo, inextricavelmente misturadas, a losoa grega, o im- perium romano e a componente narrativo-prtica hebraico-crist.Voltando a Heidegger e citando-o: o imperial advm na gurado cunal da cria dos papas romanos. Cuja dominao se funda

    24 [47] Osris, pp.173-l88.

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    igualmente no comando. O carcter do comando reside na es-sncia do dogma da Igreja. E por isso que este conta, da mesmamaneira, tanto com o verdadeiro do crente como com o falso dohertico e do no crente. A Inquisio espanhola uma gurado imperium curial romano. Foi pela romanidade imperial-estticae imperial-eclesistica que no Ocidente o pseudos grego se tornoupara ns no falso25. Este texto constitui uma das revelaesmaiores que tive nos ltimos tempos em losoa: tudo na histriadesta a repensar, mesmo que no se seja heideggeriano.

    48. A conexo entre a histria e a verdade, entre a Geschichtee a altheia, d-se em Heidegger neste texto sobre Parmnides, dizE. Escoubas. A viragem consumou-se. O horror do nazismo nose apagar da memria humana, como tambm no o da Inquisioque tantos sculos nos atormentou e castrou, a ns portugueses.E aqui que o tom me falta mais: o nazismo como possibilidademonstruosa da histria humana foi o meio ntico em que se reveloua historicizao essencial do pensamento heideggeriano.

    A habitao e a tcnica

    49. Qualquer tema de Heidegger sempre tratado a partir da ques-to de saber qual a essncia do que se questiona, e tal essncia a do seu desvelamento (altheia), isto , do seu desdobrar-se,como tempo, no movimento de vir presena. Assim os sober-

    bos Ensaios e Conferncias, que ocuparo agora sobretudo a nossaleitura. Neles se trata do modo prprio de ser dos humanos: a suavida habitante na terra. A habitao humana pro-duz-se na terramas a terra, (que tambm pro-duo, como phusis) que d o

    25 [47] Extracto de Parmnides, Osris, p.188.

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    ser da habitao, como cultivar e edicar. Dito de outra maneira, e ponto decisivo, contra toda a nossa tradio europeia, cultura,esprito, tcnica, arte (tudo isto como habitao) no se opem phusis, terra ( natureza), mas so tambm obra sua, a suaobra humana, uma (vrias) outra(s) dobra(s) da terra como o que,retirando-se em sua doao, faz emergir os entes ditos naturais, eentre estes os humanos, cuja natureza, como dizemos, a de sserem como habitantes na terra. Seno, no h homens, estes noso dados. Entender este ponto, o caminho real para entender aimportncia enorme das questes de Heidegger para ns; no o en-tender, ler Heidegger maneira metafsica e arrum-lo na estantedos lsofos.

    50. O termo alemo para construir, edicar, bauen, tambmsignica cultivar e signicou antigamente habitar. Heidegger me-dita assim a ligao destes trs sentidos duma s palavra. Cltivar vigiar o crescimento dos vivos (e poder-se-ia incluir o dos hu-manos, na etimologia de e-duc-ar, trazer emergncia). O traodo habitar o cuidado da morada dos mortais na terra; num sen-tido alargado poder-se-ia dizer, tambm, o cuidado do sustento dosmortais, sabendo-se que a terra quem nos sustenta. Seja um e-xemplo da phusis. O que deixa vir os lhos dos humanos pre-sena, ek-sistncia aberta, so o pai e a me, a casa e a quinta,a agricultura e o gado, os fazeres e os dizeres dos cuidados quoti-dianos na casa e na quinta, a comunidade em que tudo isto susten-tado, a tradio que se transmite, etc., esse territrio, essa regiode terra habitada. E o nascimentoe crescimento doslhos faz-se nohorizonte da morte dos pais, a quem eles sucedero. Tempo e serso dados assim, neste entrelaar de entes, em que nenhum se basta

    a si mesmo, mas todos, a terra retirada, so dados e sustentados,feitos vir presena como morada e, na lngua portuguesa, habitarnela demoradamente. Seja uma mesa que o arteso-marceneiropro-duz, faz vir presena, a partir da madeira que se cortou das r-vores, que a terra por sua vez pro-duziu. Ela posta numa sala (que

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    ainda no de jantar), coberta com uma toalha, pratos e talheres,uma jarra com ores, e depois nela se pem tambm as travessascom os cozinhados na cozinha pro-duzidos, e assim so reunidos oscomensais em torno dela, para comerem, beberem, conversarem.A mesa veio e deu lugar ao espao dos que comem juntos, masretirando-se a madeira das rvores (que deu lugar s pranchas damesa e s suas pernas), os instrumentos do arteso, e este tam-bm; retirando-se, a arte dele em seus materiais que sustenta apermanncia da mesa e a sua capacidade de reunir. Porque nesseretirar-se, tambm a terra, como phusis, como ser, se retirou26, dis-simulando que a mesa sua doao, para nosso sustento. Desvelouvelando-se: altheia, a verdade.

    51. Mas a habitao no diz respeito apenas ao alojamento.Tambm uma ponte construda em vista da habitao: ela reuneas duas margens do rio e as regies suas ans, abre os trajectosdos humanos entre elas, deixa o rio continuar o seu curso e reune volta dela a terra como regio, como lugar que d lugar e es-pao a cada casa, a cada quinta, a cada coisa de cada casa, etc.Ou seja, pro-duz, em grego poisis, um estado-de-coisas em seuhorizonte (lembram-se da ruptura de Heidegger com Husserl?), fazum mundo aberto e sustentado na Terra, o Mundo que os mortaishabitam.

    52. Ns, europeus que fazemos pontes, os nossos engenheirosfazem projectos e clculos, temos uma concepo tcnica da ponte.E esta concepo j nos vem dos Gregos, de Aristteles e de Plato.O primeiro, no texto que Heidegger leu acima, opunha a phusis, osentes que crescem deles mesmos, s coisas feitas ( poioumena) pe-los homens e j no delas mesmas, opunha a phusis techn, arte

    de fazer. que, embora rebelde, Aristteles discpulo de Plato.A meditao do mito da caverna por Heidegger mostra o desloca-mento que se operou na concepo da verdade, com o privilgio

    26 [50] Ver torigine de luvre dart (1935), Chemins, p31 ss., sobretudopp.35-7. Sobre a ponte do 51, ver Btir habiter penser, E.C..

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    do sol e da visibilidade: apenas o que visvel, o descoberto, tido em conta, como eidos (o aspecto que se v), o aparecer nasua e-vidncia, o fenmeno. A ideia o que torna visvel, tomao olho luminoso, d perspectiva sobre a coisa presente, a essn-cia comum de todos os entes que aparecem da mesma maneira,que nessa essncia podem ser conhecidos com exactido. O que seperde a existncia duradoura de cada um, o que os fez vir pre-sena e se retirou no abrigo que o sustenta na presena. A Ideia ea sua exactido como adequao entre a percepo e a linguagem,o juzo27, vencem a altheia antiga, o no-velamento velado. Emqualquer dos dois maiores lsofos (a losoa que comea), osupra-sensvel o lugar do conhecimento do sensvel, lugar de umolhar no-sensvel, em cujo domnio uma Ideia Causa original detodas as ideias, to theion, o divino. O homem que tem tal olharno-sensvel por sua vez ocupa um lugar central no seio de todosos entes. A losoa constitui-se como meta-fsica, teologia e hu-manismo.

    53. Se Heidegger ainda consegue ler na lngua grega os traosdo que se perdeu, por assim dizer forando em anlises minuciosasos textos na sua heterogeneidade (e no a coerncia dos textosa ler a regra de ouro da interpretao escolar dos textos?), com a

    27 [52] Nos modernos europeus, a verdade como certeza e a adequao darepresentao do objecto no sujeito leva ao privilgio da perceptio e da cogila-tio de Descartes a Husserl, o ente ser o objecto. A tcnica perde o objecto e osujeito, mas guarda, no clculo, a exactido: esta, de nvel ntico ou apofntico, para ser avaliada pela habitao, de nvel hermenutico ou ontolgico (nascategorias do I Heidegger). Seja um exemplo de como Heidegger afasta o con-ceito de representao: Se ns todos neste momento pensarmos daqui na velhaponte de Heidelberg, o movimento do nosso pensamento at esse lugar no

    uma experincia que seria simplesmente interior s pessoas aqui presentes. Pelocontrrio, quando ns pensamos na ponte em questo, pertence ao ser desse pen-samento que nele mesmo ele se mantenha em todo o afastamento que nos separadesse lugar. Daqui ns estamos perto da ponte l em baixo, e no, por exem-plo, perto do contedo duma representao alojada na nossa conscincia (E.C .,pp.l86-7).

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    tra-duo em latim tais traos apagam-se irremediavelmente. AEuropa ser resolutamente latina (S. Toms nem conhecia o grego,exemplo maior sem o qual no haveria a Europa que h), alm decrist, isto , reforando o teolgico e o humanismo, juntamentecom a concepo imperial da veritas romana. No se trata de dizermal do que fez a Europa cuja herana recebemos e em que habita-mos, mas de fazer o inventrio dessa herana, aonde ela nos fazdoer: na tcnica.

    54. Qual a essncia desta? A essncia da tcnica no tc-nica, pensa Heidegger, como a essncia da rvore no uma r-vore. E uma pro-duo; no um fabrico, mas um des-velamentouma altheia. S que no se des-vela como uma poisis, mas comouma pro-vocao, no sentido agressivo da palavra, que submete,a phusis, a terra, a (a)comete (bestellt , que diz cultivar, governar,mas tambm requerer, encomendar: e em portugus e francs aindacometer um crime). Submete a terra a ceder energias que soexpropriadas e acumuladas, organizadas em stock em vista dasencomendas. Criando fundos, como se diz em linguagem nan-ceira: o real desvelado como fundo, sem que o homem disponhada no-ocultao em que o real, de cada vez, se mostra e se es-capa, se abriga. Orientada, como no pode deixar de ser, para ahabitao, a tcnica descura, no entanto, o abrigo, des -abrig tantoquanto pode. E a nossa dor: tudo o que fazemos, o que nos sus-tenta, cometido como valor (mercantil) e como mera utilidade. Ens tambm, como empregados, como se diz: desde a escola que,antes mesmo de o sabermos, somos visados para a carreira, parasermos peas, sermos reunidos em tarefas de cometer como fundoo que se desvela. Mal-empregados, pode-se dizer, ainda quando

    nos cabe o luxo de fazermos aquilo de que gostamos, de fazerobra at, no escapamos ao mundo do emprego, da encomenda,que a nossa civilizao. A este apelo que nos reune na pro-vocao da terra, Heidegger chama Ge-stell (digamos dispositivode requisio o tradutor francs diz arraisonnement , a submis-

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    so, o cometimento de toda a realidade razo imperial e impe-rativa28). J a fsica moderna, desde Galileu e Newton, preparou atcnica (pode-se dizer alias que a experimentao fsica tcnicapreparando a tcnica, a razo tcnica est no corao da razo purada fsica). Este o nosso destino, mas h que entender destinopositivamente.

    A habitao e a arte

    55. E encontramos de novo a importncia decisiva do trabalholosco minucioso de leitura dos grandes gregos e europeus queHeidegger operou. Ee comenta um verso de Hlderlin:

    Mas aonde h perigo que tambmcresce o que salva.

    Um destino sempre de possibilidades, o contrrio dum fata-lismo: o perigo a possibilidade que se desvela hoje, mas outrash de salvao, deixadas ao nosso cuidado: na nossa lngua, aonosso desvelo. O destino que envia ao cometimento, encomenda

    28[54] No texto sobre a phusis segundo Aristteles (QII , pp.228, 262), Hei-degger diz da phusis que ela Gestellung, instalao, termo alemo da famlia

    de Gestell. O que permite a ideia exposta no 49, que a tcnica (como a arte e amimesis aristotlica na Potica, a cultura, a linguagem, a sociedade e suas insti-tuies, etc.) seja uma dobra da phusis, tema que de Derrida (La mythologieblanche, Marges de la philosophie, p.283).

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