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Revista institucional celebrando os 21 anos de existência da ONG Espaço da Criança-ARH

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Lécio Wanderley

Presidente (2000-2004)Núbia Mesquita

Presidente Atual (1994 - 1996 |2006 - hoje)

É com muita alegria que pre-facio esta edição comemorati-va dos 21 anos do Espaço da

Criança-ARH. Há exatos 20 anos, vim de Brasília, a cidade onde cresci, para acompanhar minha mãe, Abi-gail Mesquita, que estava em estado crítico de saúde. Na ocasião, tive com ela uma discussão, pois a via cada dia mais doente, e ainda assim, insistin-do em realizar este sonho, a despeito das suas limitações. Lembro-me bem das palavras que ela me disse então: “Se eu morrer e a ARH fechar, então o sonho era meu, mas, se eu morrer e ela continuar, o sonho era de Deus”. Hoje, 21 anos passados desde a sua fundação, apesar de tantos mo-mentos difíceis que o Espaço da Cri-ança-ARH viveu e de outros tantos obstáculos transpostos, é com alegria que ratificamos estas palavras de minha mãe: este sonho é de Deus. É uma realidade que, a cada dia, ganha mais forma, substância e mais união de todos nós que, nesta longa tra-jetória de mais de duas décadas, te-mos acreditado nesse sonho, temos investido não apenas nosso tempo, mas também nossos recursos e nos-sas vidas por um futuro melhor para

essas crianças e suas famílias, acre- ditando que os sonhos de Deus não podem ser frustrados. É a este Deus que agradeço, em primeiro lugar, e também a todos aqueles que fizeram parte e aos que ainda fazem parte da ARH com mui-to amor e dedicação ao longo de to-dos esses anos. Graças a Ele, e a esses heróis e heroínas, temos vivido dias de grandes vitórias e aprendizado, ultrapassando nossos muros para chegarmos não apenas à criança, mais também à família e a sua comu-nidade. Celebramos igualmente a in-auguração da sede própria em 2012. Hoje, através dessa revista, podem-os compartilhar um pouco de nossa missão, nossa origem e história, nos-so trabalho, nossas conquistas, nos-sos parceiros e as famílias transfor-madas pela nossa ação. Louvo a Deus, porque, até aqui, Ele tem nos ajudado e, certa-mente, para sempre o fará! Nesta edição comemorativa dos 21 anos, fica meu sincero agradecimento a to-dos os que, um a um, têm construído e tornado possível nosso sonho. Muito obrigada.

O Espaço da Criança-ARH é um daqueles lugares que marcam a vida, tanto a da

criança que chega ao projeto quanto a de quem se aproxima para ajudar. Ele é realmente um local de restau-ração, refúgio e de esperança para muitos. Embora seja como um pin-go d’água em um copo diante de tanta necessidade e pobreza deste imenso país, é um pingo d’água abençoador que refrigera, que aju-da e que, muitas vezes, transborda. Durante os seis anos em que me envolvi com a Espaço da Cri-ança-ARH, como voluntário e como presidente, percebi a sua importância para as comunidades carentes a que se propõe a ajudar e, em particular, para as crianças que ali são assistidas. Recentemente, estive em uma grande madeireira do Recife e tive a surpre-sa e alegria de encontrar um rapaz que me reconheceu, me chamou pelo nome. “Eu conheço o senhor do Es-paço da Criança. Eu frequentava a es-colinha quando o senhor estava lá”, disse. Hoje, este jovem é responsá- vel pelo departamento de ferragens daquela loja. Que grato e abençoado pingo d’água na vida daquele rapaz! Outro exemplo que posso men-

Nesta longa trajetória de mais de duas décadas, te-mos acreditado nesse son-ho, temos investido não apenas nosso tempo, mas também nossos recursos e nossas vidas por um fu-turo melhor para essas crianças e suas famílias.

“Núbia Mesquita

Palavras da Presidência

Palavras da PresidênciaCom determinação e garra, ela, en-tão, fundou e conduziu esta obra. Ela me chamou para ajudá-la e, em 1993, me mudei com minha família para o Recife. Abigail trabalhou até os últimos momentos de sua vida. Ela tinha um amor imenso por aquelas crianças abandonadas na rua. Quando ela já não pôde mais sair do hospital, me fez prometer que nós não as abandonaríamos. Núbia e eu nos juntamos e con-cordamos que a obra não poderia ser fechada. Chamamos pessoas que se interessavam em ajudar, conseguimos levantar o trabalho, incluindo parcerias com o gover-no e auxílio do exterior através de entidades internacionais e cristãs. Duas épocas marcantes para mim foram quando tínhamos o in-ternato durante a semana para crianças e adolescentes, e quan-do executávamos um trabalho es-pecialmente voltado aos jovens dependentes químicos de cola.Foi um grande aprendizado e inten-sa gratificação trabalhar com Abigail, Núbia e o pastor Lécio Wanderley, que também chegou no momento cer-to, bem como Maria de Lourdes, Edna Monteiro e sua irmã Eliane Montei-ro. Há outros parceiros e não dá para nomear todos aqui, mas sei que estão no coração de Deus. Sou grata pela concretização deste sonho de Abigail, que é um sonho do coração de Deus.

cionar é o de uma criança que residiu e cresceu no internato da Instituição. Hoje ele está envolvido na igre-ja e trabalha para uma concessionária automotiva no Recife. Teve a opor-tunidade de ir para São Paulo para ser treinado. Um pingo d’água que fez a diferença na vida daquele rapaz. Oxalá, que outras pessoas possam ver os desafios do proje-to e queiram investir no Espaço da Criança-ARH, tendo a certeza no coração de que este é um lugar de restauração, de vida e de esperança; acreditando que um pingo de amor, um pingo de aceitação e dedicação vai fazer a diferença na vida de mui-tos que ainda vão passar neste lugar.

Eliane e Edna Monteiro

Vice-presidente e coordenadora atuais

Starla Joy

Presidente (1996-2000 | 2004-2006)

“Nesta caminhada, vi-mos muitas mudanças, realizações e desafios que continuam nos mo-tivando cada dia mais a ver essas crianças com um olhar que redime.

Eliane e Edna Monteiro

Há mais de 10 anos, fomos chamadas para participar de um sonho que nos impactou:

ser um instrumento de mudança na vida dessas crianças, famílias e co-munidade. Hoje, esse sonho atingiu a maturidade e vemos agora que tudo aquilo que foi sonhado se tornou real. É muito gratificante trabalhar com estas crianças e, ao mesmo tempo, aprender com elas. Nós temos o pri- vilégio de ver nossos objetivos serem atingidos com o desenvolvimento e crescimento delas e de suas famílias.Nós nos sentimos felizes em po- der participar com o nosso tra-balho, que é motivar esses peque-ninos a mudarem sua realidade de vida e ajudá-los nesse processo.Fomos abençoadas e aprende- mos a abençoar, a amar e a ser exemplo. Nesta caminhada, vi-mos muitas mudanças, realizações e desafios que continuam nos mo-tivando cada dia mais a ver essas crianças com um olhar que redime. Vislumbramos um futuro de sucesso para nossas crianças e adolescentes.

Quando conheci Abigail Mes-quita, na Igreja de Cristo em Brasília, não sabia que

seríamos tão ligadas uma com a ou- tra nem tampouco que seríamos da mesma família. Trabalhamos juntas na obra social e em outros ministéri-os, até que ela adoeceu e foi da von-tade de Deus que ela voltasse para seu estado para abrir uma entidade a fim de atender a crianças e adoles-centes das ruas do Recife antes que seus dias terminassem aqui na Terra.

O Espaço da Criança -ARH é uma organização não- governamental que tem trabalhado pela proteção

e desenvolvimento de crianças em situação de extrema pobreza, bem como pela capacitação e melhoria da condição de vida de suas famílias.

HISTÓRICO

Um espaço de restauração

Em 6 de setembro de 1991, a Associação para a Restau-ração do Homem (ARH) abriu

suas portas no bairro da Boa Vista. A casa azul no número 269 da Rua Visconde de Goiana passou a ser o endereço do sonho que a fundadora da entidade, Abigail Mesquita, tive-ra para as crianças, jovens e famílias carentes do Recife. Vinte e um anos depois, a ARH, agora localizada à Rua José de Alencar, ainda é uma casa azul no bairro da Boa Vista à serviço do mesmo sonho: a proteção e o desenvolvimento de crianças em situação de extrema pobreza, bem como a capacitação e melhoria da condição de vida de suas famílias.

Em seus primeiros anos, a in-stituição não atendia apenas cri-anças, mas todo tipo de população

marginalizada da área, funcionado, inclusive, como abrigo de moradores de rua. Contudo, as dificuldades ine- rentes a um escopo de ação tão am-plo fizeram com que, pouco tempo após sua fundação, a associação bus-casse cumprir sua missão de restau-rar o homem resgatando, primeiro, a criança. Esse foco foi traduzido no nome fantasia Espaço da Criança ado-tado pela instituição e mantido até hoje. No início, o projeto educava, alimentava, vestia e amparava mais de 100 crianças e adolescentes em si- tuação de risco. Crianças aban-donadas e órfãs eram acolhidas pela instituição, que funcionou por 15 anos como abrigo e deu atendimento aos jovens dependentes químicos de cola. Em 1994, com o agravamen-to da doença de sua fundadora, a Associação incorreu em dificuldades financeiras e, consequentemente, o número de crianças diminuiu. Enquanto viveu e liderou a obra, Abigail Mesquita a sustentou com sua própria renda, sem patrocínio

Ao longo dos 21 anos de existência, a Associação para a Restauração do Homem atendeu mais de 1.000 crianças e suas famílias.

Por Rafael Mesquita governamental ou de organizações privadas. Quando Abigail faleceu, a entidade contava com apenas 30 crianças. A casa estava em situação precária e as condições de funcion-amento igualmente comprometidas. A presidência passou à filha da fundadora, Núbia Mesquita (1994–1996), em seguida para Star-la Joy, cunhada de Abigail, (1996–2000 e 2004–2006) e para o pas-tor Lécio Wanderley (2000–2004). Com o passar do tempo, empresas, organizações não-governamentais e pessoas físicas foram atraídas pelo chamado solidário da instituição, re-sultando em doações e parcerias que lhe permitiram manter-se funcionan-do até os dias de hoje, sendo presidi-da, desde 2006, por Núbia Mesquita.

CRIANÇAS

O Espaço da Criança-ARH atende atualmente cerca de 100 cri-anças carentes de 4 a 12 anos das co-munidades dos Coelhos, Roque 1 e

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FAMÍLIAS

COMUNIDADE

Cerca de 100 crianças de 4 a 12 anos da comunidade dos Coelhos recebem alimentação, educação e atenção no local.

Parceiros como o NASF tornam possível a realização de eventos de serviço à comunidade como o “Renovação”, que em sua estreia, em 2012, teve mais de 300 participantes.

O mais recente nível de atuação do Espaço da Criança-ARH vem sen-do conquistado pela ação da insti-tuição na comunidade dos Coelhos

2, Coque e entorno. Elas dividem-se em dois grupos de 50 cada, indo à instituição no turno oposto ao da escola. Na casa, os alunos recebem quatro refeições diárias, totalizan-do 200 refeições servidas por dia. Voluntários dão aulas de leitura, arte, dança, recreação, música, re-forço escolar, iniciação à informáti-ca e religião, completando uma carga horária diária de cinco horas. As crianças e suas famílias também recebem o apoio do setor psicossocial, que as acompanha, executa visitas domiciliares, tra-balhos individuais e em grupos operativos. Quando da admissão de um novo aluno na entidade, é feita uma anamnese social e psicológi-ca que compreende a estrutura da família e suas condições de vida, bem como o quadro psicológico dos seus integrantes. A partir dessa sondagem, a equipe do Espaço da Criança-ARH elabora um perfil de atendimento aos infantes e a suas famílias. O setor também promove reuniões men-sais para discutir o desenvolvimen-to das crianças com as suas famílias. Após a identificação das necessi-dades de cada lar, seus membros são encaminhados para unidades espe-cializadas de atendimento, como a Delegacia da Mulher, o Centro de Referência em Assistência Social (Cras), o Centro de Assistência Psi-cossocial (Caps) e outras instituições.

No intuito de garantir uma maior efetividade em suas ações de recuperação e formação, a organ-ização trabalha não somente com

as crianças, mas também com suas famílias. Tradicionalmente, a insti-tuição entrega diversos donativos em cada domicílio e, desde 2010, tem estendido às mães e a outras mulheres da comunidade diver-sos cursos semiprofissionalizantes no intuito de capacitá-las para mel-horarem a qualidade de vida de seus lares através da geração de renda. Com apoio da ONG luxem-burguesa Nouvelle Pró-Niños Po-bres (PNP), já foram ofertados dois cursos: confecção de forminhas para doces finos, que formou sua primeira turma em 2011, e auxi-liar de cabeleireira, que já formou duas turmas, totalizando cerca de 30 mulheres capacitadas em um ano e meio. Um terceiro curso, de au-xiliar de cozinha, foi aberto em 2012.

como um todo, que é atendida dire-tamente através de várias iniciativas. Com a ajuda de parceiros públicos e privados, a entidade realiza even-tos comunitários, com distribuição de roupas, cestas básicas e outros artigos; recebe e encaminha os mo-radores da área a serviços públi-cos de saúde; dá orientação legal e conscientiza as mulheres sobre os di-reitos de seus filhos e os seus, em es-pecial acerca da Lei Maria da Penha; e também educa a população com pal-estras sobre problemas como drogas e doenças sexualmente transmissíveis. Através de tais empreitadas, o Espaço da Criança-ARH objetiva le-var serviços e cuidados importantes para um maior número de pessoas, consolidar seu papel social na co-munidade e otimizar os esforços destinados a melhorar a qualidade de vida dos residentes da região.

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Por Rafael Mesquita

Abigail Sève de Azevedo nas-ceu em 17 de setembro de 1936, em Floresta, filha de

José Leite de Azevedo e Arlinda Sève. Aos quatro anos, Abigail se mudou com a família para o Recife, onde ela fez o Curso Normal e trabalhou como professora. Teria ingressado na política, mas abriu mão para se casar com José de Queiroz Mesquita, em 1960. No mesmo ano, o casal se juntou aos demais pioneiros que fo-ram povoar a nova capital: Brasília.Na nova terra, Abigail — agora com Mesquita no final do nome — se formou em direito aos 36 anos na Universidade de Brasília (UnB) e passou no concurso para Procura-dora do Instituto Nacional de Colo-nização e Reforma Agrária (Incra). Foi uma dos primeiros membros e trabalhadora social ativa da Ig-reja de Cristo em Brasília, aberta em 1960 e filiada à mesma missão que a de um missionário conhe-cido de sua família: Virgil Smith. No ano da Seca de 1932, ia o seu pai, José Leite de Azevedo, ne-gociando víveres por entre as ci-dades do Alto Sertão. No mesmo trânsito, ia o norte-americano Vir-gil Smith, que há pouco pregara o evangelho para o próprio Lampião. Do encontro, resultou a conversão

de José Leite, que, anos mais tarde, se tornou pregador e abriu várias igrejas no Recife, inclusive uma no Coque, bairro onde, quase 30 anos depois, sua filha também fundar-ia uma obra de amor ao próximo. Em 1986, em uma de suas via-gens de volta à terra onde cresceu, Abigail encontrou o Recife transfor-mado pela pobreza e suas vias po-voadas por um novo personagem: o menino de rua. Nessa época, teve um sonho. Nele, viu crianças que passa-vam por dentro dela; elas entravam maltrapilhas e saiam homens res-taurados. Daí nasceu a Associação para a Restauração do Homem. De-terminada a transformar esse son-ho em realidade, Abigail vendeu tudo o que possuía em Brasília, se mudou definitivamente para o Recife e, em 1991, inaugurou a ARH. Infelizmente, a fundado-ra não pôde conduzir a obra pe-ssoalmente por muito tempo, con-forme se agravava sua doença no fígado, que, poucos anos depois, a colocaria em estado terminal. Em um almoço de família, sua filha Núbia, preocupada com o es-tado de saúde da mãe, afirmou que se ela continuasse com o extenuante trabalho, acabaria morrendo, a in-stituição fecharia, as crianças conti-nuariam pobres e nada mudaria. Abigail respondeu em tom proféti-co. “Se eu morrer e ela fechar, en-

Após construir carreira em Brasília, Abigail Mesquita voltou ao Recife para abrir a Associação para a Restauração do Homem.

Abigail e José estiveram entre os primeiros habitantes de Brasília, onde foram funcionários públicos por quase trinta anos.

tão era meu sonho. Mas se eu mor-rer e ela continuar aberta, então o sonho era de Deus.” Em 1994, Abigail Mesquita faleceu. Dezoi-to anos após essa data, a ARH ja-mais precisou fechar suas portas.

Tudo começou com um sonho

Graças à mobilização de parceiros de todos os can-tos do mundo, o Espaço da Criança-ARH ganhou

sua primeira sede própria em 2012.

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Por 20 anos, o Espaço da Cri-ança funcionou no mesmo imóvel alugado na Rua Visconde

de Goiana, no bairro da Boa Vista. Havia planos para a con-strução de uma sede própria desde 2001, quando a PNP, que buscava financiar um projeto para crianças de rua na América Latina, fez seu primeiro contato com a institu-ição e doou um terreno de 13 x 45 metros no mesmo bairro. Entretanto, o volume de investimento necessário para construir o prédio fez com que o projeto fosse engavetado. Em vista dessa limitação, a di-retoria da instituição planejava, ao final de 2009, vender o terreno para poder adquirir um imóvel próprio. A presidente Núbia Mesquita foi a Luxemburgo e voltou com a per-missão da PNP para venda em mãos, já sabendo inclusive que casa seria adquirida para a ONG: uma anti-ga escola de dança na mesma rua. No dia da assinatura da transação, Núbia convidou para avaliar o imóvel o engenheiro Alberto Bittencourt, membro do Ro-tary Club Boa Viagem e, junto com sua esposa Helena, parceiros de lon-ga data da instituição. Ele foi acom-panhado do engenheiro Ilo Borba, da ONG FazBem, que prontamente julgou a casa “velha, cheia de cupins

e de mofo”. Vendo prejuízo na tro-ca do terreno por ela, aconselhou: “A melhor coisa a fazer, é constru-ir”. Cinco telefonemas mais tarde, e ele já havia conseguido os projetos e quase todo o material de fundação necessário para a nova casa de 250 m². Em agosto de 2010, a institu-ição foi notificada que deveria de-socupar até o ano seguinte o im-óvel onde funcionou desde sua criação. Iniciar a construção tor-nou-se uma urgência, mas, mesmo de posse das plantas e material de fundação, faltava dinheiro para con-tratar uma construtora. Apesar disso, Núbia determinou que começassem a obra e marcou a data: 17 de setem-bro, dia do aniversário de sua mãe, a fundadora da ONG. “Dinheiro não tenho, mas tenho fé”, declarou. Uma semana depois da ousada de-cisão, a Livraria Bookline e o Rotary Club Laufen tomaram conhecimento da iniciativa e doaram justamente o necessário para iniciar a construção. Nesta época, outra antiga par-ceira da instituição, Vera Magalhães, apresentou Núbia ao recém-criado Mulheres Internacionais do Recife (MIR), grupo filantrópico compos-to por cerca de 30 mulheres de di-ferentes países residindo na capi-tal pernambucana e cuja missão é trazer visibilidade e apoio a proje-tos sociais. Através do MIR, grandes empresas contribuíram com a obra, como a Kraft Foods, 26 Trading, Locavel, Grupo JCPM, Delta Café,

Game Station, Rio Ave e outras. O Rotary Club, do qual Núbia foi membro por cinco anos, também abriu as portas para par-cerias vitais no exterior, com clubes na cidade de Hulst, na Holan-da; Laufen e Arlesheim, na Suíça. O último parceiro a chegar foi o que veio de mais longe: o Governo do Japão. As circunstâncias de sua cooperação também foram únicas. Em maio de 2011, o Espaço da Criança foi vítima de um roubo e atos de van-dalismo, episódio que apressou sua saída do antigo imóvel e o fez alugar um novo espaço na Rua Joaquim de Brito por um ano. O ocorrido foi veiculado na imprensa e chamou a atenção do assessor para projetos sociais, Takesi Konno, que apresen-tou a instituição à possibilidade de parceria com o governo nipônico. O cheque que permitiu a finalização da obra foi entregue em março de 2012 pelo cônsul Tadayoshi Mochi-zuki, que afirmou que apesar das dificuldades que o Japão enfrentava desde que havia sido atingido pelo tsunami um ano antes, “é importante apoiar crianças que se encontram em situações precárias, e isso nos quat-ro cantos do mundo”, completou. A obra de tantas mãos foi con-cluída em junho de 2012, cerca de dois anos após o início da construção. Desde essa data, o número 421 da Rua José de Alencar abriga um pre-sente, feito pelas nações, endereça-do às famílias carentes da Boa Vista.

Um presente de todas as naçõesPor Rafael Mesquita e José Bruno Marinho

Em dois anos, onze organizações de cinco países diferentes se uniram para transformar o sonho de sede própria em uma realidade.

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O apoio de voluntários, empresas e outras orga- nizações ajudaram o Espaço da Criança a atingir

sua maturidade.

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Assistindo simultaneamente as crianças e suas mães, o Espaço da Criança visa promover transformações

duradouras no bairro dos Coelhos.

Família: o alicerce da mudançaNa família Gomes de Oliveira, mãe e filhos atestam a importância do Espaço da Criança no seu desenvolvimento.

Por Tauan Saturnino

Mais que uma creche ou colégio, o Espaço da Criança-ARH é visto como

um lugar restaurador de sonhos e perspectivas pelas famílias assisti-das, como se vê no caso de Tatiane Gomes de Oliveira, 27 anos, esposa de Paulo Gomes de Souza Júnior, 32 anos. O casal tem seus três filhos – Alex Patrick, 12 anos; Thaynan Ma-ria, 10 anos; e Paulo André, 7 anos – participando da instituição desde a mais tenra idade. Moradora da co-munidade dos Coelhos, no Centro do Recife, Tatiane fala sobre a importân-cia da entidade na educação dos filhos e no seu desenvolvimento pessoal, sendo ela uma das aluna de um dos cursos semiprofissionalizantes ofere-cidos. Este é um exemplo de como o Espaço da Criança-ARH tem atuado para transformar a vida de várias

Tatiane, como você conheceu o Espaço da Criança-ARH? Inicialmente, eu conhecia o Es-paço da Criança-ARH pela minha vizinha. Tive dificuldade para con-seguir a vaga para meu primeiro fil-ho, pois muitos buscavam a creche, mas eu consegui. Todos os meus três filhos sempre frequentaram o Espaço. Contando com o mais velho, eles es-tão na creche há cerca de oito anos.

O que você acha do trabalho realiza-do? É um trabalho ótimo. Aqui você tem reforço, computação, recreação e várias outras atividades. É um lugar muito bom para se colocar os fil-hos, principalmente no bairro onde moro. Lá os adultos querem usar as crianças pequenas para serem ‘aviões’, avisar quando os ‘homens’ (policiais) chegam. E depois eles dão

bolsas de crack para elas venderem. Tem muita dificuldade na comuni-dade onde moro por causa disso. Não tem atividade nenhuma para meninos pequenos. Tem comuni-dades por aí que têm atividades de recreação para as crianças, campo de futebol, área de lazer, mas aqui nos Coelhos não tem. Por isso que as crianças precisam estar em colé-gio o tempo todo, para não se mis-turarem com quem não devem.

Quais as dificuldades, em relação a seus filhos, que você sente que a in-stituição tem ajudado a resolver? A creche vem ajudando mui-to quando os meninos têm dificul-dade, principalmente na alimen-tação. Eu não trabalho por causa de um problema de reumatismo, só quem trabalha é meu marido, en-tão fica difícil alimentar três filhos.

Você notou alguma diferença no

famílias da comunidade atendida.

comportamento dos seus filhos de-pois que eles entraram no Espaço da Criança-ARH? Notei muita diferença, pois aqui tem psicóloga e assistente so-cial, e elas chamam a mãe para con-versar quando ocorrem problemas. Eu nunca tive muita dificuldade em relação ao comportamento dos meus filhos, mas tenho um sobrinho que também estuda aqui que era um menino muito difícil de lidar. Nin-guém aguentava ele, mas agora nem parece que ele tinha esse problema de comportamento quando entrou. Meus filhos tinham mais dificuldade no estudo. Dona Edna (Coordenado-ra da instituição) abriu um espaço para as professoras darem aulas de reforço e elas melhoraram em 100% a dificuldade que eles tinham.

A educação proporcionada pela instituição influencia a comunidade dos Coelhos? A creche influencia mui-to a comunidade dos Coelhos. As mães que têm filhos peque-nos falam muito bem do Espaço.Qual o curso profissional-izante que você faz aqui?Fiz as duas edições do curso de cabe-leireira. No próximo ano vou conti-nuar. É um curso ótimo. Eu ainda não consegui emprego nesta profissão porque tenho uma avó doente de quem preciso cuidar. Pretendo seguir como cabeleireira quando puder, pois gosto muito de mexer em cabelo. Eu escolhi fazer o curso, também, para não ficar sem fazer nada em casa. Não queria que os anos passassem sem ter feito coisas novas para me desen-volver. Pretendo fazer outros cursos.

As outras pessoas que fazem o cur-so tiveram algum retorno em termos de emprego? Tiveram sim. Minha irmã, Fabiana, por exemplo, está trabalhan-do no mercado da Boa Vista. Ela fez os cursos de cabeleireira e culinária e agora atua como ajudante de cozinha. “

A creche influencia muito a comunidade dos Coelhos. As mães que têm filhos peque-nos falam muito bem do espaço.

Tatiane Gomes

Cursos semiprofissionalizantes ensinam a mães e moradoras da comuni-dade habilidades que podem ser usadas para aumentar a sua renda doméstica.

Valores éticos são o principal conteúdo

O Espaço da Criança deve seu sucesso ao trabalho de profis-sionais que dedicam seu

tempo e atenção ao cuidado com as crianças carentes. Dentre estas, as professoras cumprem um papel fun-damental, acompanhando e auxi-liando diariamente os pequeninos em suas atividades. É o caso de Jéssi-ca Lima da Silva, 20 anos. Estudante de Pedagogia, a professora está des-de maio de 2012 na instituição, en-sinando as crianças de 10 a 12 anos do Nível 1, que é o último grupo disponível após a Alfabetização (7 a 9 anos) e Pré-escolar (4 a 6 anos). Segundo Jéssica, o trabalho de um professor do Espaço da Cri-ança não está voltado apenas para o aprendizado acadêmico do aluno. A maior ênfase é dada ao ensino de valores para que a criança aprenda a exercer sua cidadania de forma exem-plar e a tratar seus semelhantes com dignidade. “Em julho trabalhamos, para dar um exemplo, a questão da obediência. Boa parte das crianças não conseguem seguir regras, então nós tentamos o caráter ético e de obediên-cia. É todo um trabalho social”, frisou. As psicólogas e assistentes sociais cooperam com os docentes para gerar essa mudança de atitude. Em alguns casos específicos, as cri-anças atendidas demonstram traços de irritabilidade e desobediência, fruto do meio em que vivem, mas isso é combatido constantemente pelos professores. “Nós fazemos atividades em grupo para que eles aprendam a trabalhar com pessoas diferentes e atividades individu-ais para entender o pensamento de

cada criança. Trabalhamos muito a questão de respeito com o colega. O professor tenta fazer com que os alunos entendam e, nas horas que temos dificuldades, nós contamos com o suporte dos psicólogos e as-sistentes sociais”, ressaltou Jéssica. Segundo a vice-presidente Eli-ane Monteiro, o trabalho tem muda-do a vida das crianças, fortalecendo os valores e princípios que norteiam seu desenvolvimento. “Ouvindo suas necessidades e dificuldades, nós a levamos à reflexão sobre seus atos e, dessa forma, há um proces-so de mudança. Essa abordagem também contribui para a reflexão e conscientização dos professores so-

Por Tauan Saturnino e Rafael Mesquita

bre a realidade social das crianças, contribuindo para a melhoria do ensino e aprendizagem”, comenta. O trabalho tem surtido efeito, como se vê no depoimento do alu-no Alex Patrick, de 12 anos. Como os demais estudantes que atingem o limite de idade atendido, Alex será encaminhado para uma outra ONG parceira que dê continuidade ao trabalho. O Espaço da Criança, ele afirma, vai deixar saudades. “O Espaço representou muitas coisas boas. Eu passei os melhores mo-mentos da minha vida dentro deste lugar”, declara o pré-adolescente.

Alex, doze anos, teve sua vida impactada pelos anos vividos no Espaço da Criança - ARH, como outras mil crianças que, ao longo de vinte e um anos, passaram pela instituição.

Progresso e carências dividem o mesmo espaço ur-bano na região assistida pelo Espaço da Criança -ARH

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2000), quase 40% das crianças pernambucanas vivem em condição de indigência.

Um bairro de constrastesPor Núbia Mesquita

A citação em epígrafe está loca-lizada no vestíbulo do Hospi-tal Pedro II, um dos prédios

mais antigos dos Coelhos, construí-do entre 1847 e 1861 no coração do bairro. O Espaço da Criança-ARH hoje atende a região e, a despeito dos anos transcorridos desde esta in-scrição, adota o mesmo pensamento. A ONG está situada no bairro da Boa Vista, dentro da Região Político-Ad-ministrativa 1 (RPA 1), que com-preende também os bairros do Recife, Soledade, Cabanga, Santo Antônio, Ilha do Leite, Paisssandú, Santo Am-aro, Joana Bezerra, São José e Coelhos. Aproximadamente 78 mil pessoas vivem na região; des-tas, 40,93% são miseráveis, segun-do o censo do IBGE do ano 2000. A RPA 1 abriga extensos con-juntos de favelas, como o Coque, Jo-ana Bezerra e João de Barro, onde, segundo dados do IBGE 2010, esti-ma-se que habitem mais de 23 mil pessoas. Essas áreas sensíveis reg-istram grande precariedade, como os Coelhos. Neste bairro, que toma seu nome da família Coelho Cin-tra, a quem pertenciam as terras onde se originou o núcleo habitac-ional, residem hojecerca de 7,6 mil habitantes e o rendimento nominal mediano é inferior a R$180,00 por domicílio, segundo o IBGE. Coque

“Não há vidas inúteis: a mais obscura, que ainda traga ac-eso e quente o mais malogra-do coração, é ainda um bem inestimável e insubstituível, único no gênero, necessário à harmonia do universo..

Gustavo Corção. Homenagem dos médicos de 1954 ao Indigente.

e Joana Bezerra também registram o maior índice de mães adolescentes, com 30,21% das mulheres de 15 a 17 anos tendo ao menos um filho. Os bairros da Ilha do Leite, Coelhos e adjacências têm experi-mentado em anos recentes um ver-dadeiro boom de investimentos imobiliários. A construção civil per-nambucana investiu cerca R$ 150 milhões nos últimos seis anos em novos empreendimentos voltados para as atividades do Pólo Médico da área, como clínicas, consultórios, centros empresariais e escritórios. Por outro lado, de acordo com o Atlas do Desenvolvimento Huma-

no no Recife, elaborado em 2005 pela Prefeitura de Recife em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (versão do IDH adapta-da aos indicadores regionais) é o da área conjunta formada por esta mes-ma região, nos bairros integrantes da RPA 1 da capital Pernambucana. Assim, a distância de poucos metros que separam as duas faces desta mes-ma região é, do ponto de vista do de-senvolvimento humano, tão grande quanto a que distingue a Noruega, campeã mundial do IDH, de países da África subsaariana, como o Gabão.