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RMC em debate. Terceiro caderno 2 Apresentação Valter Fanini , presidente do Senge-PR Um momento de reconstrução Você tem em mãos o terceiro caderno editado pelo projeto Região Metropolitana de Curitiba em Debate, uma iniciativa do Senge-PR. Com ele, encerramos a primeira fase do programa, abordando a questão do desenvolvimento econômico e social metropolitano e a possibilidade de construção de um novo modelo de gestão para a região metropolitana de Curitiba. Queremos registrar, aqui, o nosso agradecimento às instituições que colaborarão com a publicação dos três primeiros cadernos temáticos sobre a Região Metropolitana de Curitiba: Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-PR), Sindicato dos Arquitetos (Sindarq), Instituto de Engenharia do Paraná (IEP), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e entidades da sociedade dedicadas a questões urbanas, como Ambiens Cooperativa, Fórum da Mobilidade Urbana Sustentável, Observatório das Metrópoles, entre outras. Sabemos que o Brasil deverá sair definitivamente do processo de estagnação econômica crônica que viveu nas décadas de 1980, 90 e na metade da primeira década deste século. Não se trata de exercício de futurologia, mas da simples constatação de que foram removidas as causas externas que nos mantinham naquela situação — a dependência de importação de energia (petróleo) e a crise permanente do balanço de pagamentos (dívida externa). Também removemos o principal motivo interno de nossa estagnação econômica, o processo inflacionário. Porém, se temos condições reais de seguir numa trajetória de crescimento econômico sustentável, devemos ter Este caderno é uma publicação do projeto Região Metropolitana de Curitiba em Debate Organização e coordenação Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR) Assessoria Técnica Ambiens Sociedade Cooperativa Apoio Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Paraná (Crea-PR), Sindicato dos Arquitetos do Paraná (Sindarq), Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), FAE Centro Universitário, Sociedad Peatonal, Movimento Passe Livre Edição Rafael Martins (Reg. Prof. 3.849 PR) Editor Assistente Felipe Pasqualini Reportagem Camila Castro Fotografia e diagramação Alexsandro Teixeira Ribeiro Fale conosco [email protected] Artigos assinados são de responsabilidade dos autores. O Senge-PR permite a reprodução do conteúdo deste jornal, desde que a fonte seja citada. Fotolitos/impressão Reproset Tiragem 4 mil exemplares Esperamos que, ao longo desses três cadernos, tenhamos contribuído para a ampliação do conhecimento de engenheiros, arquitetos e demais leitores consciência da distância que ainda temos a percorrer para preencher o enorme abismo causado pelas demandas sociais não atendidas. Fala- se, aqui, de saúde, educação previdência social, e de uma muito cara a nós, engenheiros e arquitetos — a infraestrutura pública, principalmente a urbana. Se, por um lado, podemos ver isso como uma grande oportunidade profissional, devemos ter em mente que tais demandas — principalmente as que dizem respeito à reconstrução de nossas cidades — não se transformarão em obras se não reconstruírmos as instituições públicas de planejamento e a construção de infraestrutura. Não basta termos recursos financeiros. É necessário que que somente entraremos num ciclo virtuoso de recuperação urbana das cidades metropolitanas com um combate efetivo à degradação ambiental. Para isso, é preciso que façamos a construção de uma nova entidade metropolitana de coordenação, planejamento e programação de investimentos. Sabemos que, por um bom tempo, os recursos financeiros públicos permanecerão concentrados no governo federal. Com isso, seguirá a tendência de criação de programas setoriais de investimentos, pelos quais todos os entes federados competirão. Obviamente, conseguirão mais investimentos os estados que tiverem melhores condições de planejamento, projetos e negociação. Devemos aproveitar as mudanças políticas que se processarão em breve em nossos estados para ampliadas as possibilidades de diálogo com o governo do estado, hoje extremamente limitadas pelo estilo centralizador do governador. Assim, poderemos pressionar pela reconstrução das instituições técnicas de engenharia e arquitetura. Esse foi o objetivo explicitado na publicação dos cadernos do projeto RMC em Debate. Esperamos que, ao encerrar-se o ciclo das três edições inicialmente programadas pelo Senge- PR para o projeto, tenhamos contribuído para a ampliação do conhecimento de engenheiros, arquitetos e demais leitores. Para, quem sabe, habilitá-los ao debate do assunto e a cobrar de seus representantes eleitos a reconstrução das instituições públicas que abrigarão a boa técnica da engenharia e da arquitetura na reconstrução de nosso País. remontemos as instituições técnicas responsáveis por planejar e projetar dentro do Estado — aqui abarcando municípios, estados e União. Temos discutido, ao longo desses cadernos, problemas urbanos metropolitanos que tiveram origem exatamente no binário falta de recursos financeiros públicos/desmantelamento das instituições de planejamento. Praticamente em todos os artigos escritos para o projeto menciona-se

3.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

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Page 1: 3.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Terceiro caderno 2

Apresentação4 Valter Fanini , presidente do Senge-PR

Um momento de reconstruçãon

Você tem em mãos o terceirocaderno editado pelo projeto RegiãoMetropolitana de Curitiba em Debate,uma iniciativa do Senge-PR. Com ele,encerramos a primeira fase doprograma, abordando a questão dodesenvolvimento econômico e socialmetropolitano e a possibilidade deconstrução de um novo modelo degestão para a região metropolitana deCuritiba.

Queremos registrar, aqui, o nossoagradecimento às instituições quecolaborarão com a publicação dos trêsprimeiros cadernos temáticos sobre aRegião Metropolitana de Curitiba:Conselho Regional de Engenharia eArquitetura (Crea-PR), Sindicato dosArquitetos (Sindarq), Instituto deEngenharia do Paraná (IEP),Universidade Federal do Paraná (UFPR)e entidades da sociedade dedicadas aquestões urbanas, como AmbiensCooperativa, Fórum da MobilidadeUrbana Sustentável, Observatório dasMetrópoles, entre outras.

Sabemos que o Brasil deverá sairdefinitivamente do processo deestagnação econômica crônica queviveu nas décadas de 1980, 90 e nametade da primeira década desteséculo. Não se trata de exercício defuturologia, mas da simplesconstatação de que foram removidas ascausas externas que nos mantinhamnaquela situação — a dependência deimportação de energia (petróleo) e acrise permanente do balanço depagamentos (dívida externa).

Também removemos o principalmotivo interno de nossa estagnaçãoeconômica, o processo inflacionário.Porém, se temos condições reais deseguir numa trajetória de crescimentoeconômico sustentável, devemos ter

Este caderno é uma publicação do projeto Região Metropolitana de Curitiba em Debate

Organização e coordenação Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR)

Assessoria Técnica Ambiens Sociedade Cooperativa

Apoio Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Paraná (Crea-PR), Sindicato dos Arquitetos do Paraná (Sindarq),Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), FAE Centro Universitário, Sociedad Peatonal, Movimento Passe Livre

Edição Rafael Martins (Reg. Prof. 3.849 PR) Editor Assistente Felipe Pasqualini Reportagem Camila Castro

Fotografia e diagramação Alexsandro Teixeira Ribeiro Fale conosco [email protected]

Artigos assinados são de responsabilidade dos autores.

O Senge-PR permite a reprodução do conteúdo deste jornal, desde que a fonte seja citada. Fotolitos/impressão Reproset Tiragem 4 mil exemplares

Esperamos que,ao longo dessestrês cadernos,

tenhamos contribuídopara a ampliaçãodo conhecimentode engenheiros,

arquitetose demais leitores

consciência da distância que aindatemos a percorrer para preencher oenorme abismo causado pelasdemandas sociais não atendidas. Fala-se, aqui, de saúde, educaçãoprevidência social, e de uma muito caraa nós, engenheiros e arquitetos — ainfraestrutura pública, principalmentea urbana.

Se, por um lado, podemos ver issocomo uma grande oportunidadeprofissional, devemos ter em mente quetais demandas — principalmente as quedizem respeito à reconstrução denossas cidades — não setransformarão em obras se nãoreconstruírmos as instituições públicasde planejamento e a construção deinfraestrutura. Não basta termosrecursos financeiros. É necessário que

que somente entraremos num ciclovirtuoso de recuperação urbana dascidades metropolitanas com umcombate efetivo à degradaçãoambiental. Para isso, é preciso quefaçamos a construção de uma novaentidade metropolitana decoordenação, planejamento eprogramação de investimentos.

Sabemos que, por um bom tempo, osrecursos financeiros públicospermanecerão concentrados nogoverno federal. Com isso, seguirá atendência de criação de programassetoriais de investimentos, pelos quaistodos os entes federados competirão.Obviamente, conseguirão maisinvestimentos os estados que tiveremmelhores condições de planejamento,projetos e negociação.

Devemos aproveitar as mudançaspolíticas que se processarão em breveem nossos estados para ampliadas aspossibilidades de diálogo com ogoverno do estado, hoje extremamentelimitadas pelo estilo centralizador dogovernador. Assim, poderemospressionar pela reconstrução dasinstituições técnicas de engenharia earquitetura.

Esse foi o objetivo explicitado napublicação dos cadernos do projetoRMC em Debate. Esperamos que, aoencerrar-se o ciclo das três ediçõesinicialmente programadas pelo Senge-PR para o projeto, tenhamoscontribuído para a ampliação doconhecimento de engenheiros,arquitetos e demais leitores. Para, quemsabe, habilitá-los ao debate do assuntoe a cobrar de seus representanteseleitos a reconstrução das instituiçõespúblicas que abrigarão a boa técnicada engenharia e da arquitetura nareconstrução de nosso País.

remontemos as instituições técnicasresponsáveis por planejar e projetardentro do Estado — aqui abarcandomunicípios, estados e União.

Temos discutido, ao longo dessescadernos, problemas urbanosmetropolitanos que tiveram origemexatamente no binário falta de recursosfinanceiros públicos/desmantelamentodas instituições de planejamento.Praticamente em todos os artigosescritos para o projeto menciona-se

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3 Fevereiro de 2010

Atual modelo de gestãodificulta trabalho dosmunicípios, dizem prefeitos

Reportagem

Mais de um milhão de migrantes chegaram à Grande Curitiba desde 1991, eboa parte se instalou nas cidades do entorno. A consequência direta é o aumentoda demanda por serviços básicos, que devem ser sustentados pelas prefeituras.No entanto, na maioria dos casos, os recursos orçamentários disponíveis sãoinsuficientes para oferecer tais serviços com qualidade, alegam os prefeitos.A reportagem é de Camila Castro

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Imagine administrar uma cidade comcem mil habitantes tendo dinheiro suficienteapenas para atender 70% da população.Como oferecer serviços de saúde,educação ou transporte, se a arrecadaçãoé escassa e engessada por leis ambientais,que restringem atividades econômicas e odesenvolvimento municipal? Como criarprojetos que resolvam problemas causadospela proximidade com uma grande cidade,se não há integração regional? Essa é arealidade da maioria das cidades quecompõem a Região Metropolitana deCuritiba (RMC). Realidade agravada peloforte crescimento populacional dos últimosanos – 1,1 milhão de habitantes chegou aRMC entre 1991 e 2007.

A maioria dos migrantes chega em buscade melhores condições de vida em Curitiba,mas acaba por se instalar nas cidades doentorno. A consequência direta é o aumentoda demanda por serviços básicos, quedevem ser sustentados pelas prefeituras. Noentanto, na maioria dos casos, os recursosorçamentários disponíveis são insuficientespara oferecer tais serviços com qualidade,alegam os prefeitos, mesmo com in-vestimentos e parceria firmada com osgovernos estadual e federal.

Em entrevista ao Sindicato dosEngenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR), os prefeitos reclamam por mais apoioda Coordenação da Região Metropolitanade Curitiba (Comec), órgão responsável pela

gestão da RMC, no desenvolvimento deprojetos que possam criar alternativas paraaumentar a arrecadação e capacidade degestão dos municípios. Apesar de todos osesforços, hoje o trabalho da Comec éinsuficiente para auxiliar os municípios aplanejar soluções conjuntas para problemasgerados por uma região que é integrada,argumentam os prefeitos.

Para eles, também faz falta umaavaliação das peculiaridades de cada cidade,o que poderia criar soluções adequadas acada uma. Em vez disso, tomam-se decisõescom base na realidade de Curitiba, sem quese conheça seu impacto nos outrosmunicípios. Caso típico de Quatro Barras,localizada em área de manancial deabastecimento de água e, por isso, deproteção ambiental.

Segundo o prefeito Loreno Tolardo(PDT), isso faz com que “o município sofracom as restrições ambientais, o que impedea realização de muitas ações, entre elas ocrescimento industrial, a revisão da lei dezoneamento e a elaboração de um programahabitacional”. O problema, critica, é que nãohá sugestões para driblar essa dificuldade— muito pelo contrário.

“Na Região Metropolitana, a falta deapoio dos órgãos competentes e amorosidade no parecer de processosdificultam, e muito, a gerência dosmunicípios. É preciso que haja suporte deinstituições responsáveis, possibilitando aosTolardo: falta apoio à gestão dos municípios

AEN

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RMC em debate. Terceiro caderno 4

“Com as restriçõesimpostas pela legislaçãoambiental, não podemos

adotar um modelo dedesenvolvimento

industrial”

Gabriel Samaha,prefeito de Piraquara

municípios encontrarem seu ponto deequilíbrio e desenvolverem suas ações”,afirma Tolardo.

Muita gente, pouco dinheiro

Pela mesma situação passa Piraquara,que fornece a maior parte da água consumidana Grande Curitiba. O município tem umaarrecadação menor que a das cidades doVale do Ribeira, e vê sua população crescerrapidamente, explica o prefeito Gabriel JorgeSamaha (PPS).

Piraquara é responsável por 70% da águaconsumida em Curitiba e 50% do queabastece as cidades vizinhas. O município temmais de mil nascentes, e 75% de seu territórioé formado por áreas de preservação ambien-tal. As restrições ambientais e de uso do soloimpedem Piraquara de adotar o modelo dedesenvolvimento pautado em atividadeindustrial e serviços que impulsionam outrascidades da RMC.

“Nossa arrecadação é precária para darconta dos 100 mil habitantes que temos. Paraque pudéssemosoferecer serviços dequalidade, deve-ríamos arrecadar R$1 mil por habitantepor ano, mas sóconseguimos R$ 680per capita, menos doque a arrecadaçãodas cidades do Valedo Ribeira. A maioriados municípios daregião arrecada maisque Piraquara. Pinhaisconsegue R$ 1,7 milpor habitante por ano,e Adrianópolis arre-cada R$ 1,5 mil.Com as restriçõesimpostas pela legis-lação ambiental, nãopodemos adotar ummodelo de desen-volvimento industrial que nos permitaaumentar a arrecadação”, argumenta o prefeito.

Para contornar as restrições, Samahadefende a criação de projetos que incentivematividades como o turismo. Ele tambémdefende contrapartidas específicas paramunicípios com áreas de preservaçãoambiental, já que considera insuficiente o quechega via ICMS ecológico – 5% de todo oImposto sobre Circulação de Mercadoriase Serviços recolhido, que são divididos entreos municípios com áreas de preservação ou

mananciais de água.“Sabemos que Piraquara tem vocação

ambiental, não temos a pretensão de ser umpólo industrial. No entanto, precisamos decontrapartidas. Não podemos ficar renegadosao ostracismo. Gastamos muito dos recursosdos quais dispomos para a preservação dasáreas de mananciais. Assim, sobra pouco paraserviços essenciais como transporte escolar,educação, saúde e saneamento básico, queficam prejudicados”, diz Gabão.

Cidade dormitório

Situação parecida vive AlmiranteTamandaré, que também tem áreas comrestrições ambientais em seu território, explicao prefeito Vilson Rogério Goinski (PMDB). “Acidade tem dificuldades para absorver toda aforça de trabalho disponível, se tornou umacidade dormitório. Quem trabalha em Curitibaacaba fazendo suas compras por lá, porque émais prático, e porque dificilmente eles encon-tram o comércio aberto durante a parte do diaem que ficam em Tamandaré”, argumenta.

Isso não exime omunicípio de oferecerserviços básicos a seuscidadãos. O problemaé que, com mais gentevivendo que traba-lhando e fazendo cir-cular a economia dacidade, a arrecadaçãoé insuficiente. “Asrestrições à expansãodo desenvolvimentoindustrial e o comércioprejudicado pelaconcorrência da ca-pital criam um cenárioem que a arrecadaçãomunicipal não condizcom a necessidade deinvestimentos emequipamentos públi-cos e em infraestru-tura, como pavi-

mentação, drenagem urbana, rede de esgotoe outros projetos”, diz Goinski.

Para contornar tais dificuldades, épreciso eleger prioridades, a partir doplanejamento feito pela prefeitura, comapoio de dinheiro dos governos estadual efederal. O município planeja ações paraconter o adensamento populacional eestabelecer o crescimento ordenado dacidade por um período de dez anos. “Temosum orçamento anual de R$ 65 milhões dereais, consideravelmente pequeno para

Para contornaras restrições, o prefeito

de Piraquara defendea criação de projetos

que incentivematividades como o

turismo. Ele tambémpede contrapartidas

específicas paramunicípios com áreas

de preservaçãoambiental, já que

considera insuficienteo que chega viaICMS ecológico

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AEN

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atender uma população de cem milpessoas,”, pondera o prefeito.

Outro problema é a gestão dotransporte público, atualmente nas mãosda Urbs, empresa da prefeitura deCuritiba. Com isso, regiões de AlmiranteTamandaré ainda não tem linhas de ônibusintegradas com Curitiba. “Isso causagrandes transtornos para milhares deusuários”, reclama Goinski. “A Urbsargumenta que não há demanda suficientepara aumentar os ônibus que servem aalgumas linhas, ou fazer a integração como restante do sistema. Com isso, háreclamações de usuários quanto à lotaçãodos ônibus e dos terminais, nos horáriosde pico”, diz.

À Comec, falta fôlego

Para auxiliar os prefeitos a resolverimpasses como esse, a Comec, órgãoresponsável pela gestão metropolitana, precisase fazer presente e ter capacidade de trabalhoe autonomia para tomar de decisões. Porém,ainda lhe falta força suficiente paradesempenhar tal papel. Enquanto isso, asdificuldades continuam, e é fácil saber quemé prejudicado — a população.

A Comec também deveria atuar emsituações comuns à toda a GrandeCuritiba, como falta de recursos nos

Órgãos gestores daRegião Metropolitanade Curitiba precisam

planejar o crescimentodas cidades do entornoda capital, ampliando

a capacidade dasprefeituras,oferecendo

alternativas dedesenvolvimento

adequadas àspeculiaridades decada município,mas pensadas deforma integrada

municípios para obras de infraestruturaurbana e rural, saneamento básico,transporte e merenda escolar, coleta dolixo, controle de zoonoses e manutenção

de unidades de saúde e espaçosesportivos, além de incentivo à práticaesportiva e ao turismo.

É indiscutível que as prefeituras têm suas

obrigações, mas é preciso que as políticassejam executadas de forma integrada, já queas demandas se tornam maiores porque vêmde pessoas que procuram morar emCuritiba. Segundo os prefeitos, taisdemandas são impossíveis de seremsupridas sem suporte da Comec.

“A Comec procura dar suporte às grandesobras planejadas pelo governo do estado, comoo Programa Integrado do Transporte, aconclusão do Contorno Norte e a elaboraçãode projetos para reforma e ampliação determinais rodoviários. Mas ela precisa ampliarseu corpo técnico, para que possa nos ajudarna elaboração de projetos. Muitos municípiostêm dificuldades para contratar e pagar umcorpo técnico desse nível”, diz o prefeito deAlmirante Tamandaré. “O planejamentoregional é complexo. As demandas sóaumentam, e os recursos são cada vez maisdisputados”, afirma.

É neste ponto que devem entrar os órgãosgestores da Grande Curitiba. Eles precisamplanejar o crescimento das cidades doentorno da capital, ampliando a capacidadedas prefeituras, oferecendo alternativas dedesenvolvimento adequadas às peculiaridadesde cada município, mas pensadas de formaintegrada. Só assim é possível que se cheguea uma gestão eficaz, capaz de desenvolverprojetos sustentáveis que atendam comqualidade à demanda da população.

Almirante Tamandaré tem dificuldades para absorver toda a força de trabalho disponível, se tornou uma cidade dormitório, argumenta o prefeito Vilson Goinski

AEN

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RMC em debate. Terceiro caderno 6

Projeto de lei quer implantargestão descentralizada na RMC

Entrevista

O Senge-PR conversou com o deputado Edson Strapasson (PMDB), relator do projeto delei complementar que estabelece um novo modelo de gestão para a Região Metropolitanade Curitiba. A proposta prevê a participação efetiva de prefeitos, estado e sociedadeorganizada no desenvolvimento de projetos de transporte público, destinação do lixo, meioambiente e desenvolvimento econômico e social. Entrevista a Camila Castro

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Um projeto de lei que tramita naAssembleia Legislativa prevê um novomodelo de gestão, mais democrático, para aRegião Metropolitana de Curitiba (RMC).O projeto lei complementar 212/2008 prevêa participação efetiva de prefeitos, estado esociedade organizada no desenvolvimentode projetos de interesse comum — casosdo transporte público, destinação do lixo,proteção ao meio ambiente e desen-volvimento econômico e social.

O projeto já foi aprovado pela Comissãode Constituição e Justiça (CCJ) e apre-sentado em audiência pública pelo presidentedo Sindicato dos Engenheiros no Estado doParaná (Senge-PR), Valter Fanini, emoutubro passado. Fanini foi consultor técnicona redação do texto.

O Senge-PR conversou com o deputadoestadual Edson Strapasson (PMDB),presidente da Comissão de Finanças daAssembleia e relator do projeto.

Leia a entrevista.

Senge-PR – O que o motivou aapresentar um projeto de lei complementarpara reordenar a gestão da RMC?

Strapasson – A vivência como prefeitode Colombo, presidente da Assomec, aassociação que reúne os municípios daregião, como deputado estadual e secretáriometropolitano fundamentaram a apre-sentação deste projeto. Conhecendo arealidade metropolitana, acho que é precisopropor um novo modelo de gestão, orientadopelo princípio de compartilhar. Existe hojeum descompasso muito grande, umadesigualdade muito forte entre Curitiba edemais municípios metropolitanos. Algunsaté tem base econômica forte, comoAraucária e São José dos Pinhais, para fazer

o enfrentamento dos problemas, mas amaioria, não.

Senge-PR – Quais são as carac-terísticas do projeto?

Strapasson – A principal é a formaçãode um consórcio público entre os gestoresmunicipais e o estado, para que se discutamos problemas e se busquem soluções deforma participativa em áreas de interessecomum. Entre elas, cito o sistema viário, otransporte público de passageiros, o meioambiente e a proteção dos mananciais deágua, o sistema de coleta e destinação dolixo, o uso e ocupação do solo, a habitação eo desenvolvimento econômico e social.

Outra inovação é a divisão da RMC emtrês sub-regiões, visando facilitar aintegração do planejamento e a execuçãodos programas. A proposta cria o NúcleoUrbano Central, formado por 13 cidadesconurbadas com Curitiba — AlmiranteTamandaré, Araucária, Campina Grande doSul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo,Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais,Piraquara, Quatro Barras, Rio Branco doSul e São José dos Pinhais, além da capital.

A sub-região Vale do Ribeira serácomposta por Adrianópolis, Bocaiúva do Sul,Cerro Azul, Doutor Ulisses e Tunas doParaná. A terceira sub-região integra osmunicípios localizados ao Sul — Agudos doSul, Balsa Nova, Contenda, Lapa,Mandirituba, Quitandinha e Tijucas do Sul.

Senge-PR – Quais as implicaçõesjurídicas se algum município não aceitarcompor o consórcio, ou se houverconflito com outros poderes, como oslegislativos municipais?

Strapasson – Nossa proposta é umsistema de gestão de ação. Sem ação, nãohá resultado, não há melhora na condiçãoStrapasson é autor do projeto na Assembleia

AEN

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em que vivemos hoje. Os prefeitos são livres,têm autonomia para tomar as decisões deacordo com a legislação e as possibilidadeslocais. Mas o que levaria um município anão querer participar? O consórcio é, semdúvida, o modelo ideal de gestão para aRMC, pois os problemas comuns têm queser discutidos em comum. Caso algummunicípio deixe de participar de umdeterminado programa, por exemplo, dotransporte coletivo, será diretamenteprejudicado. Não posso imaginar que umprefeito fique de fora de ações que visammelhorias para a sua comunidade.

Senge-PR – O controle social doórgão metropolitano, a Comec, seráexercido pelo Conselho Consultivo. Comoserá a relação entre a administraçãometropolitana e outros conselhos setoriais,tais como os das Cidades ou da Saúde?

Strapasson – Todos os conselhos setoriaissão bem-vindos para discutir os problemas ebuscar soluções em conjunto. Acho importanteouví-los, para que também possam colaborarcom nossa proposta de gestão.

Senge-PR – O critério utilizado noprojeto para definir o poder de voto dosmunicípios é populacional. Isso implicaque municípios com populaçãosemelhante, mas com discrepâncias naarrecadação econômica, tenham omesmo poder de voto, como Araucária eAlmirante Tamandaré. Contudo, ofinanciamento deste órgão deadministração metropolitana segue omesmo critério populacional e, destaforma, não indica solução para a

disparidade entre receitas municipais edemandas sociais. Qual o motivo daescolha do critério e quais implicaçõesela pode ter?

Strapasson – É uma questão polêmica,mas tínhamos que buscar um critério edecidimos pelo populacional. As decisõesterão que ser tomadas por voto proporcional,mas sempre focando em toda a região. Porisso é que envolvemos o estado neste

processo, com 40% dos votos. Tambémcriamos as sub-regiões, agrupandomunicípios com características semelhantes,o que deverá reduzir possíveis distorçõesentre os votos. A escolha não foidiscriminatória, mas efetivamenteproporcional, considerando a população, os

problemas e as despesas que cada um teráao participar de um determinado programa.

Senge-PR – Quais as funçõespúblicas municipais que merecemurgentemente um tratamento integradoentre municípios e Estado?

Strapasson – As questões queenvolvem o lixo, a integração do transportecoletivo e a proteção de áreas de mananciais.Discutí-los individualmente é algocomplicado. A gestão integrada deveráfacilitar a busca por soluções viáveis paratodos os envolvidos. Hoje, a gestão do lixocaminha, graças a um consórcio entredezenove municípios. Ou seja, algunsficaram de fora. Já a integração dotransporte coletivo precisa avançar, poisainda há áreas não integradas, como em SãoJosé dos Pinhais, além do caso emblemáticodo Terminal Roça Grande, em Colombo. Apreservação de mananciais acaba travandoo desenvolvimento de alguns municípios, quedevem sim proteger essas áreas, masprecisam de apoio para realizar essa tarefa.

Senge-PR – De que forma o arranjometropolitano proposto pode contribuircom a redução das desigualdades sociaisna RMC, que se caracteriza por áreascom condições urbanísticas, sociais eeconômicas diferenciadas, fazendo comque as piores condições sejamencontradas nas áreas periféricas dosmunicípios periféricos?

Strapasson – Contribui na medida emque nós passamos a ver a RMC por inteiro.Ela foi ocupada em um processo excludente.O cidadão mais humilde migrou para Curitiba,

“O consórcio é, semdúvida, o modelo idealde gestão para a RMC,

pois os problemascomuns têm que

ser discutidosem comum. Caso

algum município deixede participar de um

determinado programa,por exemplo,

do transporte coletivo,será diretamente

prejudicado”

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O presidente do Senge-PR, Valter Fanini, consultor técnico na elaboração do projeto, debateu o texto da lei em audiência pública realizada em outubro do ano passado

Alexsandro Teixeira Ribeiro

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RMC em debate. Terceiro caderno 8

>>mas acabou ocupando sua periferia, que sãoos municípios da RMC. Esse mesmo cidadãomovimenta a economia da capital, ondetrabalha e faz suas compras. A arrecadaçãofica em Curitiba mas, quando ele precisa deatendimento médico, é no seu município quedeve buscá-la. Como mudar isso? Através deuma política regional para a RMC. O foco doprojeto é justamente este: contribuir com aredução das desigualdades sociais. É umaproposta que pretende ver a RMC crescendojunto e com justiça social para todo cidadão.

Senge-PR – Como caminha o projetode lei na Assembleia?

Strapasson – Já foi aprovado pelaComissão de Constituição e Justiça (CCJ).Também realizamos uma audiência pública,através das comissões de Finanças eAssuntos Metropolitanos, de que participaramprefeitos, vereadores e lideranças, além daprópria Comec, para discutir detalhes e colhercontribuições para o projeto. Vamos promoveroutros debates regionais, em parceria comas prefeituras e câmaras municipais, paralevar o projeto ainda mais próximo dosmunicípios metropolitanos.

Senge-PR – É possível haver maioriapolítica para aprovar a lei?

Strapasson – Sim. A proposta está emsintonia com o que pensa a maioria dosgestores municipais. Basta esquecer asdivergência políticas e pensar apenas nosbenefícios para a população. Vamos trabalharpara que seja aprovado em plenário pelaAssembleia Legislativa e buscar oentendimento do governador para que sejasancionado e implantado.

Senge-PR – Considerando que osenhor foi prefeito de Colombo, uma dascidades mais populosas da RMC, quaissão as vantagens e desvantagens de ummunicípio metropolitano?

Strapasson – A principal vantagem éestar próximo do grande centro urbano, queé Curitiba, muito desenvolvido econo-micamente, socialmente e culturalmente,onde há um processo forte de cres-cimento. Entretanto, existe uma cargasocial pesada para os demais municípios,que não têm recursos suficientes paraimplementar políticas públicas neces-sárias ao enfrentamento dos problemassociais. Isso leva a grande desigualdaderegional, já que muitas pessoas vierampara Curitiba em busca de oportunidadede trabalho, mas, como não tiveramcondições de se estabelecer na Capital,ocuparam as regiões mais distantes doCentro e também a Região Metro-politana, que não para de crescer.

As mudanças que podem alterar a forma degerir a Região Metropolitana de Curitiba

O que diz o projeto4

O projeto de lei complementar 212/2008determina que todos os prefeitos passem acompor o Conselho Deliberativo da RegiãoMetropolitana de Curitiba, ao lado derepresentantes do governo do estado. Todoseles irão discutir a gestão compartilhada daRegião, formando um consórcio público. OConselho também terá um representanteindicado pelo Conselho Consultivo, que iráagregar a sociedade organizada e organizaçõesnão-governamentais, cuja missão institucionaltenha relação com as funções públicas deinteresse comum metropolitanos.

O Conselho Deliberativo terá a função deelaborar o Plano de Desenvolvimento Integradoda RMC, executar programas visando àimplementação de políticas vinculadas àsfunções públicas de interesse comummetropolitanas, promover diretrizes para odesenvolvimento da região e aprovar aprogramação anual de investimentos eminfraestrutura na RMC.

Para isso, o Conselho Deliberativo podeformar consórcios públicos e estabelecerparcerias para a realização das atividades eserviços a serem implantados, bem comomonitorar o uso e ocupação do solo,especialmente nas áreas de mananciais deabastecimento de água.

Já o Conselho Consultivo terá comoresponsabilidades avaliar as necessidades eencaminhar planos regionais e programas deinvestimentos nas áreas de interesse comumda RMC, além de acompanhar e auxiliar a gestãodo Conselho Deliberativo.

Papel centralO projeto de lei complementar também

pretende fortalecer a Coordenação da RegiãoMetropolitana de Curitiba (Comec). No novomodelo, o órgão metropolitano passaria apromover, elaborar e controlar o planejamentointegrado da RMC. Também ficaria responsávelpor promover pesquisas que possam embasaros projetos, articular-se com órgãos federaispara o desenvolvimento de políticas nacionaisvinculadas às setoriais, a elaborar e implementarobras, atividades e serviços, estabelecerdiretrizes e normas para os planos municipaisde desenvolvimento, apoiando os municípiosna aplicação dessas ações, e a instituirconvênios ou consórcios públicos para arealização das atividades.

Estas atividades incluem a definição decritérios, realização de estudos e elaboração doplanejamento e dos programas deinvestimentos em infraestrutura do sistemaviário metropolitano e de transporte de

passageiros, incluindo os processos licitatóriospara concessão das operações das linhasmetropolitanas por empresas privadas.

No que se refere à gestão ambiental, seráresponsabilidade da Comec propor a criaçãode Áreas de Proteção Ambiental, parques eoutras unidades de conservação ambiental aserem implantadas nas esferas estadual emunicipal. O órgão também deverá promoverestudos para a criação de um Sistema de Coletae Destinação Final de Resíduos Sólidos naRMC, incluindo a avaliação de locais adequa-dos para o tratamento e destinação do lixo.

A Comec também deverá executar ozoneamento de uso e ocupação do solo nasbacias hidrográficas destinadas aos mananciaisde abastecimento de água, e elaborar o Planode Ordenamento Territorial da RMC, integrandouso e ocupação de solo regional, sistema viárioe transporte público de passageiros. Ao órgãometropolitano caberá ainda avaliarpossibilidades de expansão das áreas urbanasdo Núcleo Central, propondo a criação denovos corredores viários para possibilitar aocupação desses espaços pela população.

Os programas para promoção dodesenvolvimento econômico e social da RMCserão coordenados pela Comec. Para isso,devem-se criar habitações e lotes urbanizadospara as pessoas pobres, normalmente excluídasdo mercado imobiliário, e mecanismos decompensação tributária para os municípios quepossuam elevado grau de restrição àimplantação de atividades econômicas em seusterritórios.

O projeto estabelece que o Fundo deDesenvolvimento pode apoiar a implementaçãode planos e projetos que tenham por prioridadea redução das desigualdades regionais. AComec terá ainda a responsabilidade de propormecanismos de redução das desigualdadesentre os valores das receitas tributárias per capi-tas regionais originárias da distribuição desigualdas atividades econômicas na RMC, bem comode elaborar diagnósticos e formular planos parao desenvolvimento da economia regional emseus setores primário, secundário e terciário.

Para aprovação dos projetos de formaparticipativa, o projeto de lei complementarsugere um regime de votação para o ConselhoDeliberativo fundamentado na divisão do poderde voto entre prefeitos, governador erepresentante indicado pelo ConselhoConsultivo. Assim, fica estabelecido 40% dosvotos para o Estado, 55% para os municípios e5% para o Conselho Consultivo. No caso dosprefeitos, cada cidade terá 0,5%, e o restanteserá dividido proporcionalmente às populações.

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9 Fevereiro de 2010

Por que a gestão metropolitananão se concretiza?

Artigo

A gestão de uma região metropolitana deve ser orientada pelas “funções públicas deinteresse comum a mais de um município e estratégias de desenvolvimento regional”,argumenta a doutora em geografia Rosa Moura . Para isso, ela defende um modelode gestão compartilhada entre setor público, iniciativa privada e a sociedade, deforma a democratizar o poder de decisão. Rosa Moura também é pesquisadora darede Observatório das Metrópoles e do Ipardes e técnica da Secretaria doDesenvolvimento Urbano do Paraná

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Os espaços metropolitanos são definidospela natureza de sua configuração e não pelacondição institucional que assumem; ou seja,não basta a criação de uma regiãometropolitana para que adquira a naturezametropolitana. A condição institucional, pornão ser regida por critérios técnicos quantoao conceito de metrópole, cria unidades quemuitas vezes detêm apenas característicasde aglomerações urbanas. Em 2009, o Brasiltinha institucionalizadas 25 RegiõesMetropolitanas (RMs)1 e três RegiõesIntegradas de Desenvolvimento (RIDEs).2

Dessas unidades, apenas 15 foramreconhecidas como polarizadas pormetrópoles (RIBEIRO, 2009).

Duas finalidades complementaresdevem orientar a gestão das aglomeraçõesmetropolitanas: as funções públicas deinteresse comum a mais de um municípioe as estratégias de desenvolvimentoregional. Enquanto a primeira contemplarelações cotidianas entre municípios damancha de ocupação contínua, a segundase volta ao espaço maior polarizado pelaaglomeração, que muitas vezes transcendeos limites institucionalizados. Emboraclaras, são finalidades que exigemarticulação, integração e cooperação daspartes envolvidas.

De modo geral, a gestão desses espaçosé uma tarefa de difícil concretização. Adespeito do peso econômico, poder,capacidade de geração de riqueza,conhecimento e inovação existentes nosespaços metropolitanos, que marcam ofenômeno da urbanização e se multiplicamna história contemporânea do Brasil, elesse revestem de problemas sociais crescentes

de difícil solução e de uma aparente condiçãode ingovernabilidade. O que faz com que essadificuldade se coloque tão longe de encontrarsoluções? Essa é a questão que orienta asconsiderações a seguir.

Heterogeneidade entre municípios ecorporativização do espaço – Distintos sãoos papéis desempenhados pelos municípiosdas principais aglomerações metropolitanasdo país, como confirmam os diferenciadosníveis de integração na dinâmica dasaglomerações, alguns dos municípios comnotório alheamento da dinâmica principal(RIBEIRO, 2009). Internamente aosmunicípios, próximo a bairros onde osindicadores apontam boas condiçõessocioeconômicas, ocorrem bolsões depobreza, domicílios deficitários, completacarência; contrariamente, há condomíniosde luxo adentrando regiões pobres dasperiferias metropolitanas.

Enquanto nos anos 60 o processo deacumulação do capital industrial foi um dosvetores do desenvolvimento e da expansãofísica da maioria das aglomeraçõesmetropolitanas brasileiras, nos 90, com areestruturação produtiva, o setor de serviçosassumiu um peso expressivo centrado nospólos metropolitanos para a concretizaçãodas novas exigências de uma economiaglobalizada e diversificada. Além daassimetria já existente entre municípiosindustrializados ou não, um novo problemase tornou evidente: a produção corporativado espaço (SANTOS 1990, 1999). Nela, osrecursos investidos voltam-sepreferencialmente à melhoria dainfraestrutura do ambiente urbano, emdetrimento da solução de demandas sociais,A pesquisadora e doutora Rosa Moura

Alexsandro Teixeira Ribeiro

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RMC em debate. Terceiro caderno 10

como habitação, transportes coletivos eoutros. Essa equipamentação da cidadeapenas para as exigências do capitalacentua as desigualdades na aglomeração.

A estratégia dos grandes projetosurbanos também aciona um vetor defragmentação que inibe e substitui aspolíticas urbanas e regionais democráticas,reforçando a produção corporativa dametrópole – a mobilização pela Copa de2012 e pelas Olimpíadas de 2016,conduzidas por interesses do capital,certamente confirmarão isso. Quando sefala em gestão urbana, é preciso pensar nacidade como um todo. Alguns grandesprojetos são pensados para um pedaço dacidade, dissociados do restante, nemsempre incluindo a totalidade daaglomeração, em função da existência ounão de diálogo entre instâncias de governoe sociedade, que é mantida ausente dessesdiálogos. Os grandes projetos não emanamde uma política urbana, mas se tratam deintervenções pontuais. Há teorias queadmitem que algumas dessas intervençõesprovocam efeitos positivos na cidade comoum todo, o que não é verdadeiro, porqueelas induzem a qualificação do espaçoimediatamente vizinho, aumentando ascontradições intrametropolitanas, semretorno compatível para as áreas mais

distantes. São reflexos de interesses bemlocalizados do capital, corporativos, comolembra Milton Santos, e em sua prevalênciase consolida a metrópole corporativa, comsua modernidade incompleta.

Planejamento e gestão democrática

são então necessários – A desigualdadepresente nessas aglomerações resulta,pois, do atual modelo de desenvolvimento,pautado na concentração de inves-timentos, no livre curso do mercado, naacumulação e na manutenção dosinteresses do capital em sentido contrárioaos da coletividade; e na existência demuitas escalas de poder em disputa, comgrande diversidade de atores. Por isso,

exige um sistema de gestão bem articuladoe democrático, que dê espaço à arena deconflitos e mantenha constante o diálogo,o debate democrático e firme pactoslegítimos entre as partes; que trabalhe deforma integrada os interesses dosmunicípios, com políticas públicas voltadasao desenvolvimento regional, privilegiandoquestões sociais, sem fragmentar oterritório entre inseridos e excluídos.

A primeira necessidade é conformararranjos institucionais para gestão de formaintegrada entre setor público – municípios,estados e união –, iniciativa privada e osmuitos segmentos da sociedade. Essesarranjos devem promover açõestransescalares na formulação eimplementação de políticas públicas,pactuadas entre órgãos setoriais, esferasde governo e sociedade, articulando ospoderes de forma eficaz e fluida. Aatribuição da coordenação de um arranjocom esse objetivo pode residir, mas nãoobrigatoriamente, na esfera estadual, quetem competência da instituição das unidadesregionais para planejamento e execuçãodas funções públicas de interesse comum– RMs, aglomerações urbanas emicrorregiões, segundo Art. 25, § 3.º daConstituição Federal. A despeito dessaatribuição, a regulamentação constitucional

A RMC exigeum sistema de gestão

bem articulado edemocrático, que dê

espaço à arena deconflitos e mantenhaconstante o diálogo, odebate democrático efirme pactos legítimos

entre as partes

Belo Horizonte: estrutura mais complexa de gestão com um Grupo de Governança Metropolitana e um Fórum Metropolitano

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Prefeitura de Belo Horizonte

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11 Fevereiro de 2010

e a prática de criação de unidades regionaisnão efetivaram nessa esfera uma instânciacom poder de decisão, de direito e tributação,fazendo com que a instância estadual nãose encontre forte o suficiente para garantira coordenação da gestão articulada.

O modelo atualimplica em um nívelsuperior de arti-culação, mas de-sempodera as uni-dades de gestão,colocando-as su-jeitas à autonomiados municípios, quesão apenas frag-mentos da cidademaior formada pelaaglomeração me-tropolitana, e aopoder de decisão deestruturas adminis-trativas setoriais oude grandes corporações. Órgãos setoriaise alguns municípios, particularmente ospólos, muitas vezes têm mais poder que oórgão metropolitano. Além disso, édescontínuo e difícil o diálogo entregoverno estadual e municipal devido aosdiferentes interesses político-partidários, eentre muitos outros interesses que estãoem disputa. A grande falência do modelovigente é justamente a falta mecanismosque democratizem o poder de decisão,respeitem os interesses dos municípios eregulamentem o controle social.

Não se trata da instituição de um quartopoder, que viria apenas agregar mais umainstância, sem a garantia de que venha aser efetiva, numa estrutura de estado jábastante complexa. Existem dispositivoslegais, mecanismos e instrumentos a seremexplorados na formatação de um pactoefetivo que rompa com a atual estruturade autonomias conservadoras e permitauma articulação maior entre as esferas degoverno e segmentos da sociedade,reforçando uma instância de coordenação.Porém, mais do que a definição do gestordeste novo modelo, é imprescindível pensarações concretamente pactuadas e sob aótica da totalidade do espaço formado pelopólo e pelos municípios da aglomeração.

Entre os dispositivos legais poucoutilizados estão os consórcios, que abrempossibilidades concretas para ogerenciamento articulado de temasreferentes às regiões metropolitanas e quese encontram amparados por legislaçãoadequada. No entanto, poucas experiências

foram colocadas em prática e de-monstraram bons resultados. Um exemplode êxito foi o consórcio do Grande ABC,na Região Metropolitana de São Paulo,mesmo assim, fragmentando a unidaderegional, pois relacionado à parte da RMSP

e não à sua tota-lidade. A dificuldadeem relação aos con-sórcios refere-se aofato de que eles po-dem ser formadospor conjuntos de mu-nicípios que, na bus-ca de defender seusinteresses, o fazemem detrimento deoutros da mesmaaglomeração. Semuma estrutura quearticule os váriosconsórcios e façacom que eles dia-

loguem entre si, apenas serão acentuadasas desigualdades internas às regiões, e maisuma vez não será possível a gestãointegrada. Iniciativas dessa ordem sãoenfraquecidas se não orientadas porestratégias regionais de desenvolvimentoque articulem a ação dos organismosinstitucionais e os recursos necessáriosà implementação das suas decisões. Sãoestratégias que se inviabilizam naausência de uma política nacionalmetropolitana, apoiada em fontespermanentes de recursos.

Alguns pontos críticos do modeloexistente – Estudo realizado peloObservatório das Metrópoles (Obser-vatório, 2009) sobre os arranjos insti-tucionais das áreas metropolitanas bra-sileiras buscou verificar mudanças no estilode gestão: da centralização política etecnocrática, típica do período anterior, àdescentralização e democratização dagestão metropolitana, prevista para operíodo pós-constitucional. Seus resultadosenfatizam as dificuldades existentes nasrelações federativas (união, estado emunicípio) quanto à definição eenfrentamento da problemática metro-politana, e identificam algumas alternativasregionais. Destacam-se experiênciasinovadoras de Minas Gerais, com umaestrutura mais complexa de gestão queinclui Assembléia Metropolitana, ConselhoDeliberativo de Desenvolvimento Me-tropolitano, Agência de DesenvolvimentoMetropolitano, sendo que a de BeloHorizonte se reforça com um Grupo de

A grande falênciado modelo vigenteé justamente a falta

mecanismos quedemocratizem o

poder de decisão,respeitem osinteresses dosmunicípios e

regulamentem ocontrole social

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RMC em debate. Terceiro caderno 12

Governança Metropolitana e um FórumMetropolitano; e de Recife, ondefuncionam, num Sistema Gestor Metro-politano, Conselho de Desenvolvimento,Fundação de Desenvolvimento e secretariaexecutiva de apoio técnico. Os fundosmetropolitanos estão presentes em Belém,Belo Horizonte, Recife, Vitória, Va-le doAço e Maceió. Es-ses modelos foramparcialmente incor-porados em algu-mas legislações es-taduais de novasRMs, porém aindanão avaliados emseu efetivo fun-cionamento.

Inúmeros auto-res apontam entreas dificuldadescentrais da gestãometropolitana aintervenção emuma “porção ter-ritorial dentro da qual se distinguem váriasjurisdições político-territoriais, contíguase superpostas entre si, Estados e muni-cípios” (GRAU, 1978, p.127) parece sera mais reconhecida. Essa observação deGrau remonta a primeira fase deinstitucionalização de RMs, tendoapenas se agudizado com a inten-sificação das relações emanadas dosespaços aglomerados.

Outras críticas recaem sobre asfragilidades do arcabouço legal e provisãode recursos. A ordem jurídico-institucionalencontra limites tanto na fragmentaçãogovernamental – dado que a presença dediferentes instâncias de governo nemsempre envolve relações harmoniosas e asdisputas político-partidárias prejudicam atomada de decisões de âmbito regional –quanto na dispersão de agências setoriaisresponsáveis pelo planejamento eexecução das funções públicas, desen-volvendo, da mesma forma, disputas depoder. Além disso, a prática da gestão sebloqueia diante da superposição de funções,em um horizonte de atuação com poucaclareza na condução de competênciascomuns e concorrentes entre as instânciasgovernamentais. Na essência do problema,mesmo que reconhecidamente esses sejamespaços de expressão econômica e social,não lhes são reservados direitos, pois asunidades instituídas não circunscrevemterritórios aptos a normatizar, tributar,decidir ou exercer poder, situando-se num

hiato entre a autonomia do município, a dasdemais esferas governamentais e osinteresses corporativos do capital.

A inadequação de fontes de finan-ciamentos, as assimetrias provocadas pelastransferências intergovernamentais e aausência de fundos redistributivos derecursos prejudicam municípios de maior

porte populacionaldas periferias metro-politanas, particu-larmente os “dormi-tórios” ou aquelescom funções am-bientais que limitamatividades produ-tivas. Isso, entreoutros motivos, tornao recorte insti-tucional da escala daRegião Metropo-litana internamentefragmentado. As al-ternativas de parce-rias entre municípios

para solução de problemas comuns aindanão representam uma solução adequada, jáque passam ao largo de questões estruturaisafetas à legitimidade de ações deflagradas noconjunto regional. Além do mais, conformeBrandão (2007, p.208), para “aperfeiçoaressas ações que extrapolam a escala local, épreciso pactuar, com definição e registro emcontratos claros, a contribuição de fundos,explicitando a contribuição das partes emtermos de capacidade gerencial, participaçãoda comunidade, com-partilhamento deequipamentos, equi-pes etc.” O que nãoacontece.

Garson (2009)aponta as dificul-dades de se de-senhar mecanismosde financiamentopara os territóriosmetropolitanos, de-correntes da rigidezorçamentária, limi-tações de crédito,falta de instrumentosfiscais de coorde-nação, e fundamen-talmente do cresci-mento das transfe-rências governamentais federais, o queaprofunda a perda de capacidade de coorde-nação dos Estados das políticas de âmbitometropolitano. A dependência desse tipo de

transferência por parte dos municípios commenor capacidade produtiva, alguns“dormitórios”, particularmente do Fundo deParticipação dos Municípios, resulta em umacondição assimétrica da capacidade deinvestimento e sustentação das demandascotidianas, o que exige algum sistema decompensação ou cooperação inter-governamental.

Ribeiro (2004) argumenta que osgovernos vêm se eximindo do papel de atorpúblico capaz de incentivar açõescooperativas. Tal papel teria importanteimpacto na construção de estratégia dedesenvolvimento metropolitano, passívelde induzir mecanismos de negociaçãoentre segmentos econômicos, sociais epúblicos, e superar a concepção localistade políticas públicas inerentes aos modelosde planejamento, formulando políticasfederais de incentivos seletivos àcooperação metropolitana.

As análises convergem ainda quantoà fragilidade das articulações regionais emfunção das diversas escalas territoriais.Nessas aglomerações, os fenômenosacontecem a partir de um universo derelações em redes, com o desempenhosimultâneo de funções locais, regionais,nacionais e globais. Cada fenômeno temescala própria e exprime relaçõesconflituosas, pelos distintos interesses queinteragem na produção do espaço.Portanto, qualquer atuação sobre essesespaços deve obrigatoriamente respeitara dimensão transescalar, seja nas

abordagens ana-líticas seja naconstrução de es-tratégias políticas(VAINER, 2002;BRANDÃO, 2003;2007).

Brandão (2007)argumenta que nãose trata de analisaro mesmo fenô-meno em escalasdiferentes, mas de-finir e caracterizara natureza do pro-blema e suas de-terminações. Oproblema deve serenfrentado a partirda articulação das

esferas de poder pertinentes, sabendo quea escala supralocal é complexa, porémnecessária. Para assegurar o convívioentre escalas, níveis e esferas, deve-se

Os governosvêm se eximindo

do papel deator público capaz

de incentivarações cooperativas,

que teriaimportante impacto

na construção deestratégia de

desenvolvimentometropolitano

Sem uma estruturaque articule os váriosconsórcios e faça comque eles dialoguem

entre si, apenasserão acentuadasas desigualdades

internas das regiões,e mais uma vez não

será possívela gestão integrada

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utilizar variados instrumentos, politizar asrelações, construir cidadania e combateras coalizões conservadoras, que procurampreservar seus privilégios.

Entre o local e o global, a fragilidade daescala institucional da Região Me-tropolitana, pelo fato de ter sido criada parase impor como a escala que tem aatribuição constitucional de conduzir oprocesso de planejamento e execução defunções públicas de interesse comum, e porser esvaziada de poder para isso, mantémum vácuo de ação, já que não conseguesequer articular processos que contemplemas múltiplas dimensões das áreas maisadensadas desses aglomerados.

Nem sempre correlacionadas ao fatourbano que se configura na metropolizaçãodo país, mas delimitadas em função deinteresses territorializados, essas unidadesexpressam o anacronismo de uma escalafixa que se sobrepõe a outras instânciasescalares em movimento, situando-sepremida entre as escalas local e a global.

Na direção contrária à articulação deuma escala regional, a ênfase localista,como se a escala local tivesse poderesilimitados (VAINER, 2002; BRANDÃO,2003), negligencia as questões estruturaisdo País e região, ignorando a existência

Para assegurar o convívio entreescalas, níveis eesferas, deve-seutilizar variadosinstrumentos,

politizar as relações,construir cidadania

e combater ascoalizões

conservadoras,que procuram

preservarseus privilégios

real ou formal do fenômeno metropolitano,e subestima os limites colocados àregulação local, não só estimulandopráticas municipalistas, como transferindoalternativas e discursos locais ao âmbito

dos espaços metropolitanos, numareprodução indevida à densidade derelações desses. Verificam-se, inseridasnos planos metropolitanos, a incorporaçãoda retórica e a definição de medidas

comuns ao planejamento estratégico decidades, simplesmente reproduzidas parao ambiente das aglomerações sem qualquermenção, até mesmo, a compatibilizá-loscom os Planos Diretores Municipais.

Conforme Brandão (2007), no comandodo movimento desmobilizador das escalasintermediárias – incluindo a da RM –, asredes transnacionais assumem arepresentação de novos modos decoordenação e governança, uma novapolítica de relações com uma distintaespacialidade. Enquanto a espacialidadeescalar é associada a relações entreentidades políticas definidas terri-torialmente, as redes perpassam o espaçoem vez de recobri-lo, transpondo asfronteiras definem essas entidades políticas.

Segundo Santos (1999), as relaçõesverticalizadas de um conjunto de pontosadequados às tarefas produtivashegemônicas assumem uma importânciaextrema sob interesses de segmentos queaproximam regiões avançadas, tecno-logicamente capacitadas, inseridas nodiálogo das relações mundiais. Essasrelações se dão num compasso de tempocuja velocidade é incompatível à lentidãode suas áreas circunvizinhas, opondo-se,assim, à sua organização horizontal,>>

Guarituba: intervenção do Governo do Estado garante melhorias em infraestrutura e moradia

AEN

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RMC em debate. Terceiro caderno 14

representativa dos interesses da coletividade.Na perspectiva de ganhos no grau deatratividade, os pactos geridos na escala globalnão vislumbram uma articulação entre oconjunto de escalas que conforma aaglomeração. Assim, pode-se concluir que háuma política de escala que emana de decisõese ideologias alheias a esses espaçosaglomerados, e que são essas, e não tendênciasobjetivas inexoráveis, que produzem ereproduzem a fragmentação, inviabilizando aeficácia da gestão desses espaços.

Heterogêneas,poderosas, desi-guais, o fato comumé que em todas asaglomerações urba-nas, independen-temente de seremmetropolitanas, éque nelas persiste odesafio do plane-jamento e gestão.Desafio inadiávelpara que se viabilizeo lado positivo de uminerente potencialcontido, que pode searremeter na dire-ção de externa-lidades negativas.Reconhecer, assu-mir e gerir democraticamente a aglo-meração metropolitana, como um espaçocomplexo e singular. Esse é o desafio,aparentemente intangível, dado o quadrode segregação, violência, segmentação,caos e agressão ambiental, usualmenterealçado como representativo dos espaçosmetropolitanos, sobrepondo-se àpotencialidade criadora, inovativa e políticasubjacente aos mesmos.

Referências bibliográficasBRANDÃO, C. A. O modo trans-escalar

de análise e de intervenção pública: notaspara um manifesto anti- localista. In:Encontro Nacional da ANPUR, 10., 2003,Anais... Belo Horizonte: ANPUR, maio 2003.1 CD-ROM.

BRANDÃO, C. A. Território &desenvolvimento: as múltiplas escalas entreo local e o global. Campinas: Ed. daUNICAMP, 2007.

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RIBEIRO, L. C. de Q. As metrópoles e asociedade brasileira: futuro comprometido? In:RIBEIRO, L. C. de Q. (Org.). Metrópoles. Entre

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RIBEIRO, L. C. deQ. Hierarquização eidentificação dosespaços urbanos. Riode Janeiro: LetraCapital: Observatóriodas Metrópoles, 2009.

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Técnica e tempo. Razão e emoção. 3. ed. SãoPaulo: Hucitec, 1999.

SANTOS, M. Metrópole corporativafragmentada: o caso de São Paulo. São Paulo:Nobel, 1990.

VAINER, C. As escalas do poder e o poderdas escalas. O que pode o poder local?Cadernos IPPUR: Planejamento e Território:ensaios sobre a desigualdade, Rio de Janeiro,v.15, n.2/v.16, n.1, p.13-32, ago./dez. 2001 –jan./jul. 2002.

Notas1 RMs de Aracaju, Baixada Santista,

Belém, Belo Horizonte, Campinas, Cuiabá,Curitiba, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa,Londrina, Macapá, Maceió, Manaus,Maringá, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio deJaneiro, Salvador, São Paulo, Vale do Aço,Vitória, São Luís e Sudoeste Maranhense.Cabe lembrar que em Santa Catarina foramcriadas seis RMs no final dos anos 1990 eextintas em 2007.

2 Distrito Federal, Teresina e Petrolina/Juazeiro, aprovadas por legislações federaispor agruparem municípios de mais de umaunidade da federação, como dispõe aConstituição Federal.

Heterogêneas,poderosas, desiguais,

o fato comuma todas as

aglomeraçõesurbanas,

independentementede serem

metropolitanas,é que nelas persiste

o desafio doplanejamento

e gestão

Aglomeração urbana é espaço complexo e singular

>>Alexsandro Teixeira Ribeiro

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Grandes aglomerados humanos:uma abordagem territorial

Artigo

A arquiteta e urbanista Rajindra Kaur Singh argumenta que as cidades precisamencontrar maneiras de enfrentar os desafios em infraestrutura, mobilidade e transporte,moradia, meio ambiente e crescimento econômico de forma a possibilitar suacompetitividade e autossustentação. “Para isso devem ser capazes de explorar comeficácia seus potenciais e oportunidades, atendendo às demandas de interesse dosmercados globais, suprindo as necessidades regionais e respondendo positivamente aosanseios locais”, afirma a urbanista, que é superintendente executiva do Paranacidade

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A globalização tem causado grandeimpacto sobre as esferas sociais,econômicas, culturais e políticas, e se assentanum contexto em que a organização doterritório tanto reflete quanto condicionaestas esferas. As circunstâncias atuaisevidenciam o surgimento de tendênciascomuns que têm provocado verdadeirarevolução na vida urbana. Elas permeiamas grandes aglomerações urbanas e serefletem inclusive nas cidades menores: opredomínio do automóvel, o surgimento devastos subúrbios e guetos residenciais, aimplantação mais periférica das unidadesindustriais, a dificuldade de garantir reservasde água potável, o desenvolvimento degrandes centros comerciais próximos aosnós de transportes viários, a localização deatividades de elevada tecnologia próximasaos aeroportos, a proliferação de pólossecundários à volta das grandes metrópoles,a crescente complexidade dos fluxos detransporte nas áreas metropolitanas, adicotomia entre degradação e valorizaçãodo meio-ambiente, etc.

Neste ambiente de transformações, odesempenho das cidades está estreitamentevinculado com sua capacidade de darrespostas às multivariadas demandas dasociedade do século XXI. Se de um ladoseu desenvolvimento depende de umainserção satisfatória no processo deglobalização, de outro é de vital importânciaque a dinâmica econômica local garantaníveis adequados de renda para populaçãoem geral. Para isto, é imperativo ampliar suacapacidade de transformar com agilidadevantagens comparativas em vantagenscompetitivas sustentáveis ao longo de cada

cadeia produtiva que lhe é peculiar, dasredes de infraestrutura e de sua inserçãoharmônica nos corredores regionais emacrorregionais de transporte, comu-nicação e logística. Enfim, seus pontosfortes devem ser fortalecidos, suas fra-gilidades solucionadas, sua identidade localreforçada e garantida sua capacidade deautossustentação.

No mais das vezes, pela falta deplanejamento adequado, governançainteligente e de investimentos infraestruturaiscondizentes - capazes de acompanhar eorientar esse processo de transformação -a maioria das metrópoles se torna poucocompetitiva, com qualidade urbana aquémdo desejável, significativa degradaçãoambiental e escassa capacidade deautossustentação. É neste contexto queestão centrados os grandes desafios atuaisque envolvem a competitividade e autossus-tentação das cidades. Elas desempenhampapel fundamental no desenvolvimento dasociedade, pois, pela sua capacidade decentralidade, de um lado se configuram comofator de mudança econômica e social, e deoutro são reflexos dessa mudança.

Para isso, devem ser capazes de explorarcom eficácia seus potenciais eoportunidades, atendendo as demandas deinteresse dos mercados globais, suprindo asnecessidades regionais e respondendopositivamente aos anseios locais. Devemestar integradas tanto na região envolventecomo na suprarregião que as contém.Devem possuir alto grau de coesão física,social, econômica e da ordem territorial.Devem ser flexíveis o suficiente para seadaptar – sem níveis críticos de stress - àsA arquiteta e urbanista Rajindra Kaur Singh

Sedu - Divulgação

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RMC em debate. Terceiro caderno 16

mudanças demandadas pela evolução dasociedade global. Devem ter capacidadepara atrair e fixar investimentos, atividadesdiversificadas e talentos. Sua dinâmica deveter raízes firmes na exploração adequada decompetências, fatores e recursos humanosque assegurem o desenvolvimento como umprocesso continuado e dinâmico capaz dese auto alimentar.

Como entender,avaliar e criar soluções

Toda atividade humana é passível de sertraduzida pela observação e entendimentode suas relações temporais com o território.Para que o desenvolvimento urbano eregional se alinhe com a evolução dostempos atuais e vindouros é necessário queestes territórios (cidades, regiões e paises)se tornem autossustentáveis e competitivos,questões estas que andam sempre einevitavelmente “pari passu”.

Planejamento estratégico (enfoqueterritorial) – o emprego de mecanismos deplanejamento estratégico com um enfoquefortemente territorial multiescalar emultissetorial tem se revelado de inestimável

valia para o enfrentamento destas questões.Ele obriga a abordagem sistêmica, holísticae por isso se torna mais ágil, hábil, prático eeficiente que a maioria dos mecanismos depensamento linear comumente utilizados. Oplanejamento estratégico, pela sua largacapacidade comoprocesso criativo deações a longo prazo,vem sendo utilizadode forma crescenteno trato das questõesrelativas ao desen-volvimento dos aglo-merados urbanos eregiões complexas.Tem se mostrado uminstrumento eficazcomo facilitador dapercepção dos futuros possíveis de seremalcançados, do estabelecimento de um processocontínuo de tomada de decisões que comportamriscos, da identificação do curso de açõesespecíficas e da formulação de indicadores deacompanhamento dos resultados. E não menosimportante: ele solicita naturalmente oenvolvimento dos agentes sociais, econômicose políticos em todo o processo.

Por outro lado, o enfoque territorialfacilita sobremaneira o entendimento dasestruturas, funções e relações internas eexternas das cidades e regiões. Possibilitade forma objetiva a desfragmentação dasinformações setoriais, fornecendo uma visão

essencia lmenteintegradora dosespaços e suas re-lações nas diversasescalas de inte-resse e também dosatores sociais, agen-tes, mercados, in-vestimentos, polí-ticas públicas de in-tervenção e ações eprojetos setoriais. Oenfoque territorial,sob a ótica do

ordenamento do território, desvela os riscosque ocorrem à sustentabilidade físico-ambiental e revela a expressão espacial dapolítica econômica, social e cultural dasociedade. Sua importância é significativapara avaliar e projetar os arranjos dasestruturas e funções dos aglomeradoshumanos e das redes de relações, com

O desempenhodas cidades estáestreitamentevinculado a

sua capacidadede dar respostasàs multivariadas

demandasda sociedade

Transporte de massa apropriado é imprescindível, pois o desempenho das funções urbanas só se realiza através das redes de acessibilidade.

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Alexsandro Teixeira Ribeiro

Page 16: 3.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

17 Fevereiro de 2010

destaque ao que se refere a comunicações,acessibilidade de cargas, pessoas e logística.Possui também importante papel comoelemento catalizador das políticas setoriaise de integração dos esforços de coesãoeconômica e social para o planejamento,implantação e gestãodo desenvolvimento.

A governançaeficiente das mega-lópoles, metrópoles,regiões, enfim, dosterritórios, exigeatualmente a im-plantação de Siste-mas Integrados deGestão do uso dosolo e das funçõespúblicas de interessecomum, com infor-mações comparti-lhadas e projetos eações harmônicasque funcionem como âncoras com capa-cidade de materializar o futuro planejado. Odesenvolvimento de ações devem ocorrerem redes flexíveis e eficientes, com altacapacidade de mobilização e desmobilização,de acordo com as necessidades requeridas.

Pré-requisitos aodesenvolvimento territorial

A nosso ver, todo e qualquer território,seja um aglomerado urbano, cidade ou regiãopode - com maior ou menor esforço - tornar-se competitivo e sustentável. A magnitudedo esforço a ser empregado para tal fimdepende evidentemente das circunstânciaslocais, do empenho político e da capacidadede tomar decisões acertadas e implementarações integradas. Como primeiro pré-requisito e fator estrategicamentedeterminante da capacidade desustentabilidade está a localização derecursos hídricos, pois o desenho dossistemas de abastecimento de água potáveldeterminam as disponibilidades espaciais queestão na base de todas as ações urbanas.

A seguir é de fundamental importânciagarantir fluidez na rede de relações e demobilidade de pessoas e bens (no caso dasmetrópoles, é imprescindível a garantia detransporte de massa apropriado), pois odesempenho das funções urbanas só serealiza através das redes de acessibilidade,sejam elas físicas ou virtuais.

Como terceiro pré-requisito situamos aindispensável inclusão de conexões

saudáveis de todos os segmentos dapopulação com a cidade formal. A exclusãosocial aliada aos preços imobiliários e acarência de políticas públicas habitacionaistem como efeito direto a fragmentaçãourbana, os assentamentos irregulares, aocupação das áreas de risco e pressões

contínuas nas áreasperiféricas e franjasurbanas. Verdadeiracidades informaissão criadas em pa-ralelo à cidade legal,com espaços subur-banizados onde pre-domina o descom-passo entre a ofertade infraestrutura,serviços e equipa-mentos e a magni-tude da população,onde as pessoas tempouca capacidade

de se inserir nos mercados formais detrabalho e a insegurança é lugar comum.

Ainda neste grupo de fatoresdeterminantes do desenvolvimentoterritorial está inserida a necessidade dapresença de um aparato de gestãocompartilhada, integrada e eficiente doterritório, com flexibilidade para se adaptaràs transformações e demandas. Os di-reitos e responsabilidades constitucionais,institucionais e legais sobre os espaços queaçambarcam as cidades que se espraiamem mais de um município estão distribuídosentre os três níveis de governo, gerandofrequentemente sérios impasses porconflitos de interesse. Os mecanismos degestão metropoli-tana vigentes noBrasil têm mostra-do uma quase totalincapacidade de go-vernança desses es-paços urbanos. Daía premente neces-sidade de recriarmecanismos maisadequados através devontade e esforçopolítico consistente e dotar esses espaçosinstitucionais de especialistas capacitadosno trato das questões territoriais das ci-dades e regiões. O não atendimento destes pré-requisitos aborta qualquer intenção decompetitividade e sustentabilidade dosaglomerados urbanos e regiões.

É evidente que os pré-requisitosmencionados nem de longe esgotam os

Os mecanismos degestão metropolitana

vigentes no Brasiltêm mostrado uma

quase totalincapacidade

de governançados espaços urbanos

fundamentos do desenvolvimento doterritório, especialmente nas cidades ondeos problemas proliferam e se ampliam anoa ano de forma drástica, por falta desoluções implementadas em tempo hábil.Todavia, o cumprimento destes pré-requisitos cria em seu caminho a alavancaque torna possível a implantação desoluções integradas e efetivas que tornema cidade sustentável e competitiva, queofereça a seus cidadãos um bom lugarpara morar, trabalhar, circular e viver. Ascidades metropolitanas brasileiraspadecem de uma tipologia semelhante deproblemas e conflitos que variam apenasem intensidade, o que não causa espanto,pois estão inseridas numa mesmasociedade. De maneira geral, demandamum esforço hercúleo para atingir bonspadrões de sustentabilidade.

Um caso para reflexão

A Cidade Metropolitana de Curitiba, damesma forma que suas vizinhas deCampinas e da Grande São Paulo têm osmais sérios comprometimentos sobre seuspotenciais de desenvolvimento vinculadosaos sistemas de abastecimento de água,que são regulados por mananciais deproximidade.

A sobreposição de usos urbanosintensivos com bacias de mananciaisagrava os conflitos entre urbanização equalidade das águas, entre a cidade formale a cidade informal. As três metrópolessão fortemente impactadas pelos efeitosnegativos desta circunstância.

A situação de acessibilidade ecompatibil idadeurbana da rede detransporte de bens elogística da RegiãoMetropolitana deCuritiba (RMC) én o t a v e l m e n t emenos crítica que nocaso das cidadesmetropolitanas deCampinas e daGrande São Paulo,

que concentram o maior fluxo de mercadoriado Brasil e demandam investimentos multi-bilionários para completar a implantação dosprojetos do sistema multimodal, que deverásolucionar a maior parte dos conflitos comas cidades lindeiras. Na CidadeMetropolitana da Grande São Paulo, amobilidade urbana é péssima e se configuracomo o segundo maior obstáculo ao

As cidadesmetropolitanas

brasileiras padecemde problemas e

conflitos que variamapenas em

intensidade, o quenão causa espanto,pois estão inseridas

numa mesmasociedade

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RMC em debate. Terceiro caderno 18

cidade formal. Um novo urbanismo,absorvendo arquitetura, engenharia etecnologia inovadoras, é fundamentalpara a criação e manutenção de espaçossocial, ambiental e economicamenteeficientes.

No atual processo de crescimento edesenvolvimento das cidades não existemais espaço para soluções de infraestruturaque transportam problemas para áreasremotas porque no dia a dia o distante estáse tornando o “aqui” e o remoto logo estaráno portão de alguém. São necessáriastáticas mais orgânicas de urbanismo. Éimportante encontrar oportunidadescriativas para aproveitar pequenas áreas

As soluções vigentescarecem de táticas

baseadas em maioresconexões entre

ecologia e economiae em intercâmbio

saudável eprodutivo com a

cidade formal

desenvolvimento.Embora a RMC tenha um plano

rodoviário consistente, bem articulado a nívellocal, estadual e federal, careceurgentemente de diretrizes paracompatibilizar os estudos das alternativas deuma nova linha férrea com os espaçosurbanos atuais e em expansão. Precisatambém de diretrizes para instalação dosindispensáveis centros de logística. O fatose repete no arranjo de transporte depassageiros, que necessita da associação denovos modais para responder as demandasde massas, e cuja rede principal de viasnecessita de soluções que proporcionemmaior capacidade e fluidez.

Outro fator determinante da qualidadede vida das metrópoles diz respeito aodéficit habitacional e aos assentamentosinformais. É preciso lançar um olhar novopara a situação. Nesta época em que30% da população mundial vivem emfavelas e as projeções apontam para umcenário de metade da população urbanavivendo em urbanizações informais,somente a adoção de soluções sistêmicas,com táticas inovadoras, podem fazerfrente a este crescente problemametropolitano. As soluções vigentescarecem de táticas baseadas em maioresconexões entre ecologia e economia e emintercâmbio saudável e produtivo com a

remanescentes, espaços degradados evazios urbanos, e também para a práticade níveis altos de densidade urbana. O novourbanismo e a arquitetura das habitaçõesem massa devem estar preocupados coma criação de espaços que facilitem atransformação dos estigmas existentes, ofortalecimento de nova identidade, acriação de subcentros que ampliem asoportunidades de transformar a vida dosmoradores e gerar emprego, que sepreocupem em desenvolver sistemas quegerenciem mais a infraestrutura e o meioambiente localmente: erosão, energia, águapotável, resíduos, águas pluviais, etc. Ecomo fator decididamente crítico para oplanejamento e gestão do uso do solo e dasfunções públicas de interesse comum, osatores da governança das cidadesmetropolitanas, incluindo a de Curitiba, têmnecessidade de enfrentar urgentemente etranspor os seguintes obstáculos:

• Existência de modelo institucional eequacionamento financeiro aquém dasnecessidades;

• Falta de instrumentos de gestão urbanaaptos ao enfrentamento da problemática atual;

• Capacitação técnica aquém dasnecessidades de planejamento e gestão; e

• Insuficiente articulação das açõessetoriais com os diferentes níveis de governoe com a sociedade.

Apesar de ter um plano rodoviário consistente, a RMC precisa de estudos das alternativas de uma nova linha férrea com os espaços urbanos atuais e em expansão.

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AEN

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19 Fevereiro de 2010

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Arranjo federativo e concentraçãode receitas: impactos sobre gestãometropolitana e direitos sociais

Artigo

O engenheiro civil José Ricardo Vargas de Faria explica como a interdependênciadas cidades que compõem as regiões metropolitanas gera problemas comuns, masque são hoje resolvidos isoladamente. Para ele, a solução passa pela criação de umfundo metropolitano, gerido de forma integrada. Faria também é consultor da AmbiensSociedade Cooperativa, professor do Universidade Federal do Paraná e doutorandoem Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

4

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As regiões metropolitanas agregammunicípios vizinhos num mesmo complexo derelações, configurando densas regiõesurbanizadas em áreas contínuas de ocupação,e integrando uma mesma unidadesocioeconômica. Esta interdependência entremunicípios metropolitanos engendra problemase demandas comuns, especialmente emrelação às questões urbanas, comoplanejamento territorial, habitação, saneamentobásico, uso do solo, transportes e sistema viário,aproveitamento dos recursos hídricos e controleda poluição ambiental1.

A gestão destas regiões ainda constituium desafio significativo, especialmentediante da precariedade e obsolescência deinstrumentos e mecanismos de gestãocondizentes às necessidades das RMs. NoBrasil, três aspectos presentes naConstituição Federal (CF) condicionam aspossibilidades de implementação demecanismos de gestão metropolitana. Emprimeiro lugar, o tratamento das questõesmetropolitanas é atribuição, administrativae financeiramente, do Poder Executivoestadual. O segundo aspecto é aconsolidação da estrutura de planejamentocom base no orçamento público, que seconsolida, instrumentalmente, com o modeloem três etapas: o Plano Plurianual (PPA), aLei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e,por fim, a Lei Orçamentária Anual (LOA),que é o orçamento propriamente dito. E, porfim, como resultado de um forte apelo peladescentralização administrativa querespaldou o movimento municipalista na

Assembléia Constituinte2, foi também coma Constituição Federal de 1988 que osmunicípios foram elevados à categoria deente federativo3. Esse aspecto tem impactoespecial na autonomia financeira dosmunicípios, em especial no que se refere aduas questões4:

a) a instituição e arrecadação dos tributos;b) a aplicação das rendas locais.Assim, [...] o município deverá constituir

a sua própria renda, assim como administrara sua receita e suas despesas, a partir derendas próprias ou constituídas a partir derepasses e doações, considerando-se asrelações estabelecidas entre os municípiose os demais entes da federação5.

Neste arcabouço institucional não seapresentam instrumentos compartilhados degestão fiscal-financeira que permitam ofinanciamento de soluções para estasdemandas comuns, à exceção de poucasexperiências de consórcios entre algunsmunicípios metropolitanos. De modo geral,a autonomia financeira constitui-se comoelemento de concentração de receitas eampliação das desigualdades intrarregionais.Municípios mais pobres e com baixacapacidade de arrecadação arcam comdemandas próprias da inserçãometropolitana muito acima da sua capa-cidade financeira de atuação.

Para demonstrar esta afirmação épossível comparar as receitas per capita dosmunicípios da Região Metropolitana deCuritiba (RMC) com indicadores denecessidades habitacionais, considerando aO engenheiro civil José Ricardo Vargas de Faria

Alexsandro Teixeira Ribeiro

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RMC em debate. Terceiro caderno 20

problemática da moradia como uma dasreferências importantes sobre as demandassociais que apresentam especificidadesdecorrentes da inserção metropolitana. Antesdisso, contudo, é importante compreender adistribuição da arrecadação e das receitasentre as três esferas de governo, quepermitirá compreender mais adequadamenteas possibilidades de solução do finan-ciamento da gestão metropolitana.

Receita e capacidadeinstitucional dos municípios

Um dos aspectos centrais da estruturade planejamento estabelecida a partir daConstituição Federal de 1988, revigoradacom a Lei de Responsabilidade Fiscal, é averificação da capacidade efetiva depagamento, o que coloca a análise da receitaorçamentária como elemento basilar para agestão financeira. Desse modo, a

capacidade de arrecadação, especialmenteno que se refere às receitas tributáriaspróprias, deve merecer atenção especialpara um diagnóstico do desempenhofinanceiro municipal. Quando se observa aevolução da arrecadação nas três esferasfederativas, evidencia-se o aumento daarrecadação dos municípios, contudo, asatribuições constitucionais também seampliaram, implicando em maiorescompromissos sob responsabilidade dosgovernos locais. É significativo observar que,apesar do aumento na arrecadação própriados municípios a partir de 1988 – chegandoa atingir 5,4% do total da arrecadação dosentes federados –, a participação nadistribuição das receitas também se ampliou(conforme gráficos 1 e 2).

Esse fato evidencia a dependência dastransferências intergovernamentais en-frentada pelos municípios, limitando aspossibilidades reais de efetivação da

autonomia municipal para o atendimento dasdemandas locais, idealizada pelaConstituição Federal de 1988. Asdificuldades se ampliam quando con-sideramos a criação, em 1993 com vigênciaa partir de 1994, do Fundo Social deEmergência (FSE), substituído poste-riormente pelo Fundo de Estabilização Fiscal(FEF) e, em seguida, pela Desvinculaçãode Recursos Orçamentários da União(DRU).6 Criado inicialmente com caráteremergencial para promover a estabilizaçãofinanceira da União pela redução de recursosvinculados, a DRU tornou-se permanente,desvirtuando sua função inicial e ampliandoo domínio federal sobre os recursos fiscais.Já no que se refere às receitas tributáriaspróprias, também é necessário considerar umfator decorrente da autonomia fiscal dosmunicípios – válido da mesma forma para osestados – que foi a disseminação da “guerrafiscal” para atração de empresas ou

Fonte: Elaboração própria a partir de informações da Secretaria do Tesouro Nacional, da Fundação João Pinheiro (2000) e do estudo CEM/MCIDADES (2008)

População, Domicílios em Assentamentos Precários, Déficit Habitacional Básico, Domicílios Inadequados,Receita Anual per capita e Gastos Declarados na Função Habitação dos municípios da RMC.

Gastosdeclarados na

funçãohabitação percapita (2007)

0,000,000,000,000,000,000,004,274,330,000,950,9714,31#N/D0,000,000,450,000,000,000,006,470,007,610,000,00

Receita própriaampliada

anual per capita(2007)

1.170,04739,22418,632.448,291.502,28830,01151,99640,94862,64642,17350,83784,30852,09#N/D384,05571,54776,34752,22772,61576,861.212,39682,88786,00898,00929,421.296,80

Domicíliosinadequados

urbanos% dos domicílios

urbanos

36,4%61,4%66,7%31,4%50,9%35,5%26,7%48,1%32,5%38,9%35,6%75,0%15,6%92,5%51,6%54,8%34,0%74,8%20,7%42,3%37,8%48,7%65,8%28,1%86,5%77,9%

23,6%

Déficithabitacional

básico urbano% dos domicílios

urbanos

11,0%5,7%9,8%6,7%5,7%5,3%6,7%5,4%5,5%5,2%6,1%12,1%6,6%14,0%7,5%9,4%6,1%6,7%7,1%6,6%7,7%5,5%9,3%6,8%20,0%8,2%

6,8%

Domicílios emassentamentos

precários% do total de

domicílios

57,7%0,0%20,5%11,0%0,0%17,6%11,5%4,2%19,6%67,3%14,1%11,4%12,1%100,0%6,2%19,9%5,4%14,6%5,8%7,5%8,4%0,0%35,0%2,7%0,0%100,0%

11,5%

Municípios

AdrianópolisAgudos do SulAlm. TamandaréAraucáriaBalsa NovaBocaiúva do SulCampina Grande do SulCampo LargoCampo MagroCerro AzulColomboContendaCuritibaDoutor UlyssesFazenda Rio GrandeItaperuçuLapaMandiritubaPinhaisPiraquaraQuatro BarrasQuintandinhaRio Branco do SulSão José dos PinhaisTijucas do SulTunas do Paraná

Total

População

6.7098.20793.060111.95210.6969.53335.26997.82422.44317.693233.91614.8001.797.4085.95675.00622.02141.67720.408112.19581.31318,13315.90131.456263.63313.0915.921

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21 Fevereiro de 2010

investimentos privados.Segundo estudo elaborado pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE -2006), denominado “Pesquisa de InformaçõesBásicas Municipais”, das 5.564 prefeiturasbrasileiras, quase metade concedeu incentivosfiscais ou não fiscais – como cessão (em1.236) ou doação (em 1.204) de terrenos,isenção do Imposto Sobre Serviços (ISS, em764), isenção parcial (em 747) ou total (em722) do IPTU, entre outros – para instalaçãode empreendimentos. Considerando que osrecursos provenientes de receitas próprias já

Distribuição federativa de arrecadação própria dos entes federados

Fonte: STN (Secretaria do Tesouro Nacional) e Ministério da Fazenda, elaborado pelo autor.

Distribuição federativa dos recusos disponíveis para os entes federados

Fonte: STN (Secretaria do Tesouro Nacional) e Ministério da Fazenda, elaborado pelo autor.

representam uma parcela reduzida das receitasorçamentárias totais, a guerra fiscal se tornaum limitador importante da capacidade deinvestimento dos governos municipais, tendoem vista que uma parcela importante dastransferências governamentais trata-se derecursos vinculados7.

Em estudo desenvolvido para aSecretaria de Desenvolvimento Regional ePolítica Urbana do Estado de Minas Gerais(Sedru), Claudio Paiva adota como um dosindicadores para análise das finançaspúblicas municipais a Receita Própria

Ampliada (RPA), que procura demonstrara capacidade financeira dos municípios paraatender as demandas da municipalidade econsidera “não apenas as receitas tributáriasarrecadadas pela máquina pública no âmbitomunicipal, mas também aquelas cujatransferência é garantida pela ConstituiçãoFederal”8. O autor argumenta que consi-derar as receitas de transferência que nãosão vinculadas é mais consistente no sentidode que esses recursos são considerados noprocesso de planejamento orçamentáriopelos municípios.

Como o objetivo desta análise concentra-se menos na análise do grau de dependênciados municípios em relação aos recursosprovenientes de transferências e mais nacapacidade de enfrentamento das demandasdos municípios metropolitanos, optou-se porconsiderar como Receita Própria Ampliadaa somatória: (i) das Receitas TributáriasMunicipais, (ii) das Receitas de Participaçãona Arrecadação da União e do Estado9 e(iii) das Receitas de Royalties e outrascompensações financeiras. Estes recursoscompõem parte significativa das receitastotais, mas devem ser considerados narelação com a população do município, paraque se avalie com mais consistência acapacidade de atendimento das demandasque se impõem à municipalidade.

Esta análise permite observar, conformeapontam Paiva e Lopreato, que o problemacrônico da má distribuição da renda no paísenvolve não apenas a renda pessoal comotambém a renda institucional. A disparidadeinter e intrarregional de renda é elevada eos mecanismos de equalização são poucoefetivos e estão longe de alcançar um estágiosatisfatório10.

Receita Própria Ampliadaversus moradia: análise daRegião Metropolitana deCuritiba

Quando comparamos a informaçãosobre capacidade financeira com in-dicadores de necessidades habitacionais, atítulo de exemplificar as diferenças entre osmunicipios metropolitanos em relação àsdemandas sociais, é possível delinear umquadro que reforça esta disparidade. Paracumprir tal intento foram utilizados trêsindicadores: (i) a porcentagem de domicíliosem assentamentos precários, (ii) o déficithabitacional básico e (iii) a porcentagem dedomicílios urbanos inadequados11. A análiseconjunta dos indicadores citados pode>>

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RMC em debate. Terceiro caderno 22

fornecer um primeiro subsídio para orientar apriorização de investimentos nos municípiosmetropolitanos para a solução das demandas porhabitação. É importante ressalvar que os dadosde receita apresentados referem-se apenas a 2007e foram utilizados para exemplificar a análise,pois os valores podem apresentar variações quenão representam necessariamente a média dasreceitas nos municípios. Esta análise, propostapor Fabrício Oli-veira12, pode sersintetizada na tabelada página anterior.

De modo geral,pode-se verificarque a média da RPAper capita na RegiãoMetropolitana deCuritiba (R$ 841,30)é menor do que amédia nacional (R$979,23). Mesmoquando se comparaa capital Curitiba(R$ 852,09) com osdemais municípioscom mais de 1 milhão de habitantes, a RPAper capita encontra-se razoavelmente abaixode municípios como São Paulo (R$ 1.345,42),Rio de Janeiro (R$ 929,34) e Porto Alegre(R$ 945,35), e acima de municípios comoSalvador (R$ 465,77), Fortaleza (R$ 524,53)e Belém (R$ 492,19).

Em uma análise mais detalhada dacomposição das receitas, evidencia-se que

quanto menor o município (em número dehabitantes), maior a dependência de recursosde transferência, fato esperado em funçãodo caráter redistributivo do FPM e do FPE.Um estudo do Centro de Estudos daMetrópole demonstra que, em 62,6% dosmunicípios com menos de 10 mil habitantes,as receitas de arrecadação própria(excluídas as transferências constitucionais)

correspondem amenos de 5% dasreceitas totais. János municípios commais de 100 milhabitantes, em 40,6%as receitas de arre-cadação própriacorrespondem amais de 25% dasreceitas totais13. Es-te aspecto explica asRPAs per capitasmais altas em boaparte dos municípioscom menos de 10mil habitantes, pois

nos municípios menores as receitas detransferência são proporcionalmente maissignificativas.

Observando conjuntamente os dados sobrereceita e sobre déficit, inadequação eprecariedade, verifica-se que alguns municípiosapresentam piores relações, entre os quaisItaperuçu, Fazenda Rio Grande, Colombo,Cerro Azul, Campina Grande do Sul e

Almirante Tamandaré. Nestes casos,combinam-se RPAs per capitas muito baixasou baixas – entre R$ 151,99 e 642,17 – eindicadores de deficiência de moradia acimada média. Esta relação indica a dificuldade queenfrenta o município em desenvolver soluçõescom recursos próprios, demandando, destemodo, a sua priorização em termos de políticasestaduais ou federais.

Contudo, a combinação destes fatoresnão é necessariamente considerada paraorientar investimentos das outras esferas degoverno. Uma análise da aplicação derecursos do Plano de Aceleração doCrescimento (PAC)14, do Governo Federal,nestes seis municípios demonstra que osinvestimentos em habitação variamsignificativamente, desde valores expres-sivos, como em Colombo, até a ausência deinvestimentos, como em Itaperuçu e CerroAzul. Contudo, o valor aplicado no municípiosede, Curitiba, está entre os maiores.

Desigualdade de “rendainstitucional”: como superar?

A proposta desta leitura não é ofereceruma conclusão determinante sobre a efetivacapacidade institucional dos municípios emenfrentar seus problemas relacionados àcondição metropolitana. Por um lado, porqueuma análise fiscal-financeira dos municípiosdemandaria mais detalhamento no que serefere à composição das receitas e dasdespesas, à capacidade de arrecadação, aocomprometimento com a folha depagamento de pessoal, entre outros fatores.Ainda assim, a capacidade financeira nãosignifica, evidentemente, que os problemassejam efetivamente enfrentados. Demonstraapenas as condições econômicas que osmunicípios detêm (segundo as informaçõesdisponíveis), sem analisar as condiçõespolíticas e administrativas que influemsignificativamente no desenvolvimento deações e políticas públicas.

O aspecto chave que se defende nestaanálise é que os arranjos institucionais degestão metropolitana conhecidos dificilmenteenfrentam um dos problemas principais parao desenvolvimento de políticas públicas pelosmunicípios: a desigualdade de “rendainstitucional”. No exemplo apresentado,verificou-se que parte dos municípios queapresentam os indicadores mais elevados dedeficiências habitacionais são justamenteaqueles que dispõem de poucos recursospara realização de investimentos. Sendoassim, torna-se premente estabelecercritérios para redistribuição de recursos

Com exceção dastransferências

constitucionais, a formacomo os recursos federaissão distribuídos privilegia

municípios melhorestruturados

institucionalmente ouque despertam maiorinteresse dos setores

imobiliários e daconstrução civil

Regiões e cidades mais empobrecidas recebem menos recursos para infraestrutura que as grandes metrópoles

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Alexsandro Teixeira Ribeiro

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23 Fevereiro de 2010

municipais, estaduais e federais, com oobjetivo de ampliar as possibilidades de umaefetiva gestão metropolitana. Com exceçãodas transferências constitucionais, a formacomo os recursos federais são distribuídos,porém, privilegia municípios melhorestruturados institucionalmente – portantomais capazes de formular projetos paracaptar recursos de fundos federais – oulocais que despertam maior interesse dossetores imobiliários e da construção civil,especialmente no que se refere ao acesso auma parcela significativa dos recursos doPrograma Minha Casa Minha Vida,destinada aos empreendimentos privados.

A solução para este problema passa,portanto, pela constituição de fundosmetropolitanos que, por um lado, sejamadministrados de forma compartilhada pelosdiversos municípios que compõem as RMse pelo Governo Estadual, ente políticoconstitucionalmente responsável pelasquestões metropolitanas; e, por outro lado,recebam aportes significativos de recursodas esferas federal e estadual, tendo emvista que, mesmo considerando algunsmunicípios com melhores condiçõesfinanceiras, a arrecadação no nívelmunicipal está aquém dos compromissosao encargo dos governos municipais.

Referência bibliográfica:1 MOURA, R.; DELGADO, P.; DESCHAMPS,

M.; CARDOSO, N.A. “A realidade das áreasmetropolitanas e seus desafios na federação Brasileira:diagnóstico socioeconômico e da estrutura degestão.” Apresentado no Seminário Internacional“Desafio da Gestão das Regiões Metropolitanas emPaíses Federados”, promovido pelo Ministério dasCidades, Câmara dos Deputados e Fórum dasFederações. Brasília, 30 e 31 de março de 2004.

2 O sentimento dominante associavademocracia à descentralização e acreditava que odomínio dos recursos tributários pelos estados emunicípios permitiria avançar sobre o outro pilar desustentação dos trabalhos constitucionais, qual seja,o resgate social da parcela da população brasileiraalijada dos ganhos do desenvolvimento no períodomilitar. cf. PAIVA, Claudio Cesar & LOPREATO,Francisco Luiz. Evolução das finanças públicas daRegião Metropolitana de Campinas – tendências eperspectivas. In: CANO, Wilson; BRANDÃO, A.Carlos. A região Metropolitana de Campinas –urbanização, economia, finanças e meio ambiente.Vol. 2. p.255-334. Campinas: Editora Unicamp, 2002.

3 Esse entendimento é controverso. Há autoresno campo do Direito Constitucional e Administrativoque entendem que os municípios, apesar de teremganhado mais autonomia com a CF 88, não foramelevados à categoria de ente federativo.

4 “Art. 30. Compete aos municípios: [...] III –instituir e arrecadar os tributos de sua competência,bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo daobrigatoriedade de prestar contas e publicarbalancetes nos prazos fixados em Lei” (CF. 88)

5 PONTES, Daniele; VARGAS DE FARIA, JoséRicardo. Direito Municipal e Urbanístico. Curitiba:IESDE, 2008. p.29

6 Em Novembro de 2009 foi promulgada a EmendaConstitucional 60 que extingue a incidência daDesvinculação das Receitas da União (DRU) sobreos recursos federais destinados à educação. Contudo,este fator não afeta os repasses de Fundos deParticipação e não invalida o argumento apresentado.

7 IGC & IPPUR. Estudo sobre os ImpactosOriundos de Iniciativas Localizadas no Eixo Norteda RMBH e Definição de Alternativas deDesenvolvimento Econômico, Urbano e Social parao Município de Belo Horizonte. Vol. II Macro-Diagnóstico Econômico, Urbano e Social. BeloHorizonte: Maio de 2008.

8 IGC & IPPUR, 2008. op.cit. p.459 FPM, ITR, IOF Ouro, ICMS, IPVA, IPI

Exportação, CIDE.10 Cf. Paiva & Lopreato, 2002. op.cit.11 O primeiro indicador foi elaborado pelo Centro

de Estudos da Metrópole (CEM), em parceria com oMinistério das Cidades, e explicita o número dedomicílios em setores censitários do IBGE que sãodefinidos como subnormais ou que apresentamcaracterísticas similares, caracterizados pelaprecariedade habitacional e de infraestrutura, altadensidade e ocupação de terrenos alheios. Osegundo indicador refere-se à necessidade deconstrução de novas moradias estimadas pelaFundação João Pinheiro com base nos dados doCenso de 2000 elaborados pelo Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE). Por fim, o terceiroindicador contabiliza o percentual de domicíliosurbanos que apresentam uma ou mais característicasde inadequação, segundo estudo da Fundação JoãoPinheiro, a partir dos dados do Censo do IBGE 2000.

12 IPPUR. Documento Preliminar de InsumosGerais para o Macrodiagnóstico e de Análise dasFinanças Públicas Municipais. Estratégia deDesenvolvimento da Cidade (CDS), com foco naredução da desigualdade social e da pobreza, para oVetor Norte e Área de Influência do Contorno ViárioNorte da Região Metropolitana de Belo Horizonte(RMBH). Belo Horizonte, 2009. (mimeo)

13 ARRETCHE, Marta (coord.); VAZQUEZ,Daniel; FUSARO, Edgard. CapacidadesAdministrativas, Déficit e Efetividade na PolíticaHabitacional. Brasília: CEM/CEBRAP eMINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008. Disponível emhttp://centrodametropole.org.br/mc/assets/pdfs/capacidades_web.pdf

14 Brasil. 7º Balanço: janeiro a abril de 2009. Paraná.Disponível para acesso em http://www.brasil.gov.br/pac/.arquivos/relatorioPR_300709.pdf.

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RMC em debate. Terceiro caderno 24

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Histórico e perspectiva paraum novo arranjo institucionalpara a Grande Curitiba

Artigo

O engenheiro civil Valter Fanini explica a construção desordenada das regiõesmetropolitanas brasileiras e o desmonte de suas instituições de gestão sob ahegemonia do Estado mínimo. O resultado é o caos urbano brasileiro, tão evidentenestes primeiros dias de 2010. Fanini, que também é presidente do Senge-PR eservidor público estadual, vê na proposta de um novo arranjo institucional para a RMCum primeiro passo para que saiamos do buraco em que nos encontramos. Mas, paraisso, é preciso que os atores políticos e sociais que possuem representatividadesocial ou delegação de poder para trabalhar a questão se mobilizem

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A transformação da economia brasileira— de puramente agrária a uma baseada naforte participação do setor industrial, a partirdos anos 1930, no que se convencionouchamar de “Era Vargas” — impôs radicaistransformações na distribuição da populaçãosobre o território nacional.

O processo de industrialização, que é porsua natureza urbano, produziu umatransferência maciça de pessoas da área rural,principalmente que trabalhavam em regimede subsistência, para as cidades, onde otrabalho prometia melhores salários, além devantagens no acesso a serviços públicos e dapossibilidade de ascensão social.

Foi assim que o Brasil começou aexperimentar com maior intensidade oprocesso de êxodo rural. Num primeiromomento, ele se deu de forma equilibrada,com crescimento das atividades industriaisdando conta de empregar todos os que, porqualquer motivo, abandonavam o campo.

No entanto, a primeira e a segunda crisesdo petróleo, na década de 1970, deramorigem a um profundo desequilíbrio no balançode pagamentos externos. Isso levou o governobrasileiro a adotar uma política de rápidacapitalização das atividades rurais, para suatransformação em um setor exportador decommodities agrícolas. Esse processoobviamente excluiu o pequeno proprietário deterra, bem como os que trabalhavam emqualquer forma de parceria com os

proprietários rurais. Nesse sentido, éimportante frisar o abandono de quase todasas políticas públicas ligadas ao financiamentoe à assistência técnica ao pequeno produtoragrícola a partir de 1980.

A inviabilização da produção rural empequena escala, o avanço da subsidiadaagricultura de exportação e a histórica faltade uma política de reforma agrária levarama uma intensificação do processo de êxodorural no Brasil. Tal processo só encontraparalelo, na história de outras nações, quandoconsequência de grandes catástrofes naturais.

Já na década de 1960, sob João Goulart,o governo federal expressava preocupaçãocom a rápida transferência de pessoas docampo para as cidades e a formação dosgrandes aglomerados urbanos, principalmenteno Rio de Janeiro e em São Paulo. Ao longodas décadas seguintes, criaram-seinstrumentos de fortalecimento da ação doEstado para o enfrentamento dos problemasurbanos no Brasil, em especial dos quemanifestavam-se nas regiões metropolitanas.

Em 1973, uma lei complementar criouas primeiras 14 regiões metropolitanas doBrasil. A partir daí, construíram-semecanismos institucionais e financeiros parao planejamento e a implantação de políticaspúblicas voltadas às áreas urbanas, com focoespecial nas regiões metropolitanas. Cito aseguir os principais:

g Fundo Nacional de Desenvolvimento

Alexsandro Teixeira Ribeiro

O presidente do Senge-PR, Valter Fanini

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Urbano (FNDU), constituído por impostosvinculados ao consumo de combustível quedava sustentação financeira as políticasurbanas do governo federal;

g Empresa Brasileira de TransportesUrbanos (EBTU), entidade dedicada àestruturação dos sistemas de transportesurbanos das grandes cidades brasileiras;

g Banco Nacional da Habitação(BNH) e Fundo de Garantia por Tempo deServiço (FGTS), voltados ao financiamentoda habitação e da infra-estrutura urbana;

g Conselho Nacional de PolíticasUrbanas, com responsabilidade nasformulações estratégicas dedesenvolvimento urbano no Brasil.

A partir da década de 80, porém, vimosrecrudescer o processo de êxodo rural, e asregiões metropolitanas passaram a ter as maisaltas taxas de crescimento demográfico doPaís. Iniciou-se, paralelamente, adesestruturação dos mecanismos institucionaise financeiros de atuação do governo federalsobre as cidades, e principalmente sobre asregiões metropolitanas.

A Constituição de 1988 jogou uma pá decal sobre as responsabilidades do governofederal na condução de políticas públicasurbanas quando se limitou a transferir aosestados a responsabilidade por instituirregiões metropolitanas. Segundo a carta,essas seriam microrregiões criadas com afinalidade de integrar o planejamento e aexecução das funções públicas de interessecomum dos municípios.

O novo ordenamento constitucional parao tratamento das questões metropolitanas ea nova realidade econômica que o Brasilexperimentou nas décadas de 80 e 90 foramos ingredientes principais para odesmantelamento do instrumentalinstitucional e financeiro sob qual seoperacionalizavam as políticas públicasurbanas do governo federal até então.

Também contribui para este processo, asensível redução da capacidade financeirado setor público em fazer frente àsdemandas por políticas públicas nos maisdiversos setores da vida social e econômicada nação brasileira. A isso, combinou-se avisão neoliberal no comando político eeconômico do País, a preconizar asubstituição da ação do Estado pela açãoorientada pelo ganho individual e pelo lucro,mesmo naquilo que é de natureza pública,como a organização e a gestão das cidades.

O Plano de Desenvolvimento Integrado daRegião Metropolitana de Curitiba (RMC)resume bem as fases porque passou o processo

de gestão de regiões metropolitanas no Brasil.Para isso, ele o divide em três fases distintas:

“Em linhas gerais, observadas aspeculiaridades de cada região, verifica-se que o processo de evolução da gestãometropolitana teve um roteiro muito similarem todas elas, que pode ser sintetizadoem três períodos.

“A primeira fase coincide com aspolíticas nacionais de planejamentointegrado,coordenando as ações dosdiversos níveis de governo nas áreasurbanas. Revela o caráter ideológico deuma política centralizada na União e decontrole social, em que o planejamentoassume as características de uminstrumento indutor e controlador dodesenvolvimento econômico.

“A segunda fase é marcada pela

abertura política e as transformaçõeseconômicas da década de 1980, quando osórgãos metropolitanos perdem espaçogradualmente, chegando ao final da décadacom poucas instituições em funcionamento,muitas extintas e a maioria esvaziada. A suafunção é questionada, sendo encaradacomo resquícios decentralização eautoritarismo do período anterior.

“A terceira fase, atual, iniciada nadécada de 1990, traz novas atribuições àsinstituições, com a retomada doplanejamento como instrumento de gestão.A inclusão cada dia mais forte das questõesambientais na agenda política e dasociedade, o crescimento populacional dasregiões metropolitanas e a premência deações conjuntas dos municípiosmetropolitanos propiciam a rearticulaçãodessas instituições, porém com perspectivasmais claras de sua atuação. A proposta derevisão da ação do poder público, em fasede implementação, traz esse tema

novamente à discussão, conferindo ao poderpúblico o caráter de regulação e indicandoa necessidade de uma interação cada vezmaior com a sociedade no processo detomada de decisão”(PDI/2006 pg 28)

No entanto, deve-se ressaltar aconscientização política da necessidade daretomada do planejamento metropolitano, bemcomo da criação de instâncias de gestão paraas funções públicas de interesse comum demunicípios das regiões metropolitanas. Issose dá a partir dos estados, que passaram, deforma ainda muito tímida, a reconstruir suasestruturas de gestão urbana.

Não se pode observar nenhum movimentoconsistente do governo federal na promoçãode uma política de desenvolvimento urbanopara o País, dotada de instrumentos eficazesde formulação e implementação, comooutrora existiram.

A criação recente do Ministério dasCidades, bem como algumas ações deinfraestrutura, delineadas pelo Plano deAceleração do Crescimento (PAC), e dehabitação, em programas financiados pelaCaixa, não representam nem de longe aspossibilidades e as necessidades departicipação do governo federal na soluçãodas questões urbanas brasileiras.

O Paraná foi um dos estados que maispreservou a estrutura de gestãometropolitana, quando manteve funcionando,mesmo que em condições precárias, aCoordenação da Região Metropolitana deCuritiba (Comec). Por outro lado, hoje é oestado mais retardatário na retomada e naconstrução de um novo modelo de gestãopara as suas metrópoles.

O que tem se assistido é o des-mantelamento contínuo da Comec,principalmente pela falta de renovação deseus quadros técnicos e pela manutençãode um modelo organizacional centralizadono poder do governo do estado, muitoadequado aos anos da ditadura militar.

Neste sentido, a Assembleia Legislativa,dada a inação do governo do estado, tomou ainiciativa de propor um novo modelo de gestãopara a Região Metropolitana de Curitiba. Eleestá dado no projeto de lei 212/2008, de autoriado Deputado Edson Strapasson (PMDB).

Tal novo modelo vem sanar alguns dosmais graves problemas dos modelos degestão metropolitana criados à época daditadura militar e que, no meu ponto de vista,são os seguintes:

g a exclusão do poder municipal docentro das decisões sobre a formulação daspolíticas públicas de interesse dos municípios,

A Constituiçãode 1988 jogou umapá de cal sobre asresponsabilidades

do governo federalna condução de

políticas públicas urbanasquando se limitou a

transferir aos estadosa responsabilidade

por instituir regiõesmetropolitanas

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RMC em debate. Terceiro caderno 26

que estão arroladas no projeto de lei comosendo Sistema Viário, Sistema de TransportePublico de Passageiros, Meio Ambiente eProteção dos Mananciais de Água, Sistemade Coleta e Destinação Final de ResíduosSólidos, Uso e Ocupação do Solo Regional,Habitação de Interesse Social eDesenvolvimento Econômico e Social;

g a inexistência de mecanismo dedivisão do poder decisório entre governo doestado e prefeituras municipais;

g a inexistência de canais de parti-cipação da sociedade, via diferentes formasde organização;

g a inexistência de canais dearticulação interinstitucional entre entidadespúblicas que detêm poder de intervençãosobre serviços e infraestruturas regionaismetropolitanas;

g a imprecisão na definição dascompetências da Comec no planejamento ena gestão das funções públicas de interessecomum dos municípios metropolitanos;

g a indefinição de um modelo organi-zacional desenhado para a produção técnicadas diversas políticas setoriais metropolitanas;

g a figura jurídica de autarquia estadual,que dá poderes exclusivos ao estado de geriro órgão metropolitano, e na proposta de lei ésubstituído por um consórcio público entre ogoverno do estado e municípios.

Finalmente, e muito importante, o novomodelo de gestão para a RMC preconizadopelo PL 212/2008 contém os elementos dearticulação e ordenamento das ações deatores técnicos e políticos que possuemdelegação legal ou constitucional de governosobre as funções públicas de interesse demais de um município da RMC. Ou seja— tal modelo somente será construído àmedida que estes atores tomem consciênciade qual é o seu papel neste novo arranjoinstitucional proposto.

Por outro lado, temos de ter consciênciade que, entre a apresentação de um projetode lei e a efetiva implantação de um novomodelo de gestão para a RMC, certamenteexiste um longo caminho a percorrer, quedepende de dois grandes passos iniciais.O primeiro é a aprovação do projeto delei pela Assembleia Legislativa; o segundo,sua implantação por governo do estado eprefeituras municipais.

Estes dois grandes passos somente serãodados se os atores políticos e sociais quepossuem representatividade social oudelegação de poder para trabalhar a questãose mobilizarem, fizerem acontecer. Nessesentido, julgo que o Senge-PR está cumpridoo papel que lhe cabe.

A pobreza mora aolado: exclusão sociale dimensões dapobreza na RMC

Artigo

A economista Michelli Stumm e o professor universitárioArtur Coelho relembram como o processo de urbanizaçãolevou à concentração de pessoas e atividades econômicasnas regiões metropolitanas e, assim, problemas em setorescomo meio ambiente, saneamento, saúde, habitação etransporte. Segundo eles, é preciso criar uma forma degerir as regiões metropolitanas que “busque tratar demaneira diferente situações essencialmente diferentes”.Micheli tem mestrado em Sociologia e Coelho mestradoem Desenvolvimento Econômico. Os dois são consultoresda Ambiens Sociedade Cooperativa

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A urbanização certamente foi ofenômeno mais importante do século XX,pois conseguiu, em escala mundial, mudarradicalmente a organização socioe-conômica, territorial, cultural e familiar. Alémdisso, a urbanização forneceu o suporte idealpara o desen-volvimento das no-vas etapas do ca-pitalismo a partir dorearranjo das áreaseconômicas, o queproporcionou maiortroca de bens eserviços, ratificandoo papel histórico dascidades como prin-cipal centro dasatividades econô-micas. A carac-terística principal deste processo foi ametropolização, ou seja, a concentraçãoenorme de pessoas, atividades econômicase poder político em territórios muito pequenos.

No Brasil, a metropolização foi tão

relevante que, ao invés de ter uma ou duasregiões metropolitanas, como na grandemaioria dos países, temos 26 regiõesmetropolitanas. Segundo o InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),há 83% de brasileiros vivendo em áreas

urbanas. Dessapopulação, mais de50% vivendo emáreas metropoli-tanas. A escala des-sa concentração po-pulacional e deatividades econô-micas em uma pe-quena parte doterritório mostratodo tipo de impactoque esse padrão decrescimento urbano

tem causado sobre o meio ambiente, aorganização territorial, as lógicas deapropriação do espaço, dos recursos e delocalização de atividades, sobretudo nasáreas de saneamento, saúde, habitação e

Não há como resolverproblemas metropolitanossomente pela ação local. Aresposta não se esgota nasoma de ações locais; é

necessário se pensar umaforma de responder demaneira integrada aos

problemas comuns

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27 Fevereiro de 2010

transporte. Esses problemas também sãodemonstrados no estudo do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (IPEA) -Radar Social (2005) que, entres outrasanálises, apresenta uma síntese dosproblemas da moradia no Brasil causadospelo processo de metropolização.

O principal ponto de convergência é oentendimento de que essas são áreas cruciaispara o desenvolvimento da população e, poresse motivo, não podem continuar a seremtratadas tão somente pela ação isolada degovernos estaduais ou locais, sob pena deagravamento das condições atuais.

Em todas as partes do mundo, aregião metropolitana é vista comressalvas. Isso porque se tornou umespaço de tensão entre os poderes locale estadual, e entre interesseseconômicos na forma de apropriaçãodos recursos. Há distr ibuição edependência desiguais dos benefícios daurbanização entre os municípiosenvolvidos nesse processo e suascomunidades – alguns municípiosfuncionam como cidades-dormitóriospara que outros sejam centros industriaisavançados. Outros são locais depreservação de recursos hídricos paraabastecimentos de terceiros, e unspoucos possuem a totalidade de sua áreaclassificada como áreas de preservação,sem que haja formas de compensá-losfinanceiramente pelo ônus de não poderfazer política econômico-territorial parasua própria comunidade porque ascomunidades de outros municípiosdevem ser atendidas.

Nesse cenário, o processo demetropolização tem lógica própria à medidaque desrespeita limites geoadministrativos,tradicional e constitucionalmente re-conhecidos, seja pela conurbação físicadaqueles limítrofes a outros, seja pela redede trocas fundamentais, que fazem comque uma área urbana, mesmo que nãocontígua a outra em termos econômicos,somente exista em função daquela,verificando-se a lógica da relação centro –periferia, que tem sido o fundamento dasregiões metropolitanas.

Essa relação tem sido historicamenteresponsável pelo fenômeno da exclusãosocial, aqui entendida como um fenômenoque articula a relação entre múltiplas einúmeras dimensões e inclui todos os gruposcom algum nível de integração social.Especificamente na região metropolitana,verifica-se o conceito de Mendes et al(2004)1 referente às três dimensões da

exclusão social: a social, a política e aeconômica.

A dimensão social remete à participaçãonas redes primárias, instituições eorganizações, além da participação naconstituição de normas e valoressocialmente aceitos como válidos. Osexcluídos sofrem da falta de re-conhecimento em termos de valoresconstruídos e são proscritos do universosimbólico. Desse modo, a exclusão socialnão quer dizer ausência de relação social,mas falta de participação nos espaçossocialmente legitimados. A dimensãopolítica vincula-se aos direitos civis2 ,políticos3, sociais4 e econômicos5. Significao reconhecimento de que o outro é um sersemelhante, sujeito de direitos e, sobretudo,alguém que tem o direito de ampliar seusdireitos. A terceira e última dimensãorefere-se fundamen-talmente aodesemprego estrutural e à precarizaçãocrescente das relações de trabalho, queprovocam processos de não integração ao

mundo do trabalho, trazendo, comoconsequência, uma ruptura progressiva dainserção social e econômica.

Assim, a situação de escassez derecursos de que um indivíduo ou famíliadispõem para satisfazer suas necessidadesconsideradas mínimas acentua o aspectodistributivo do fenômeno de exclusão socialpresente na região metropolitana. Esseprocesso vem sendo intensificado peladeterioração contínua da rede de amparosocial do município, Estado e União, poisestes não conseguem gerar bens e serviçossociais em número suficiente para atendera crescente demanda. Percebe-se dessemodo, uma distinção entre as concepçõesde exclusão social e de pobreza. Enquantoa pobreza constitui uma categoria analíticaaferida quantitativamente relacionada ànoção de capacidade aquisitiva, de carênciade acesso a bens e serviços, a exclusãosocial, ainda que possa estar associada àpobreza, constitui-se em um fenômeno deoutra complexidade. >>

Fonte: IPEA - Radar Social (2005)

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RMC em debate. Terceiro caderno 28

Nas sociedades modernas, contudo,pobreza e exclusão reforçam-se mutuamente.A exclusão do mercado de trabalho gerapobreza, e esta impede o acesso a bens eserviços socialmente relevantes6. Dessemodo, a pobreza é uma das dimensões, talveza mais visível, da exclusão social. No entanto,empiricamente, a utilização difusa do termoexclusão social tende, em alguns discursos, asubstituir o de pobreza.

Essa dinâmica é facilmente reproduzidana Região Metropolitana de Curitiba(RMC), pois sua aglomeraçãocaracteriza-se por ter uma mancha deocupação derivada de conurbação eperiferização, envolvendo municípioslimítrofes contíguos com grande populaçãourbana – cujo ápice de crescimentoocorreu entre os anos 1980 e 1990 (figuraao lado) –, densidade demográfica elevada,forte articulação econômica e intensosfluxos de polarização regional.

Nesse contexto, o conjunto de municípiosda RMC revela grande diferença em suasestruturas sociais e econômicas. Essadiferença pode ser facilmente verificada pelaespacialização geográfica, pois algunsmunicípios de pequeno porte e distantes dopólo metropolitano apresentam as situaçõesmais precárias no que se refere aosindicadores de renda e educação.

Essa dinâmica própria faz com que osmunicípios sejam atropelados por umprocesso que tem lógica própria e que osune de maneira indissociável, criandoproblemas comuns que só podem serresolvidos de maneira coletiva. Não hácomo resolver problemas metropolitanossomente pela ação local. A resposta nãose esgota na soma de ações locais; énecessário se pensar uma forma deresponder de maneira integrada aosproblemas comuns.

No geral, verifica-se a necessidade deestruturar ações estratégicas para aplicaçãode políticas públicas em áreas periféricas,colaborando significativamente para que odesenvolvimento humano nos municípios daRMC alcance índices melhores do que osdo presente. Porém, continua o desafio dacriação de mecanismos efetivos departicipação e engajamento da sociedade emum projeto que busque alternativas

inovadoras de gestão metropolitana, de formaa proporcionar diminuição dos impactos daconcentração de renda, das desigualdadessócioespaciais, das pressões de ocupação eusos sobre o ambiente natural, para aconquista do desenvolvimento equânime dosmunicípios da RMC.

O grande desafio que se coloca éencontrar um modelo que reflita a naturezado processo urbano-territorial que criou asregiões metropolitanas. Isso exigeplanejamento socioeconômico, controle douso solo e ordem institucional. A análise dasituação da RMC nos leva a pensar emexcluir a possibilidade de um modelo únicoque trate de maneira idêntica situaçõesessencialmente diferentes. É um modelo queainda não foi criado, muito provavelmente,devido às tensões políticas existentes. É um

modelo que tem que ser construído naspráticas socioeconômicas de gestão, e quebusque tratar de maneira diferente situaçõesessencialmente diferentes.

Notas1 MENDES. J., M. R (et. al.). A Exclusão Social

com uma das Manisfestação da Questão Socialno Contexto Brasileiro. In: BULLA, L. C.;MENDES. J., M. R; PRATES, J. C. (Orgs). AsMúltiplas Formas de Exclusão Social. PortoAlegre: EDIPUCRS, 2004, pg. 31-51

2 Proteção, acesso a justiça, igualdade.3 Participação, tomada de decisões4 Garantia de acesso a bens e serviços

básicos – proteção social, saúde, educação,habitação

5 Emprego e trabalho.6 Habitação, saúde, lazer

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REMETENTE

Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná - Senge-PRRua Marechal Deodoro, 630, 22.º andar, Curitiba

CEP 80010-912. Tel.: (41) 3224 7536.www.sen ge-pr.org.br - [email protected]

Fonte: Comec

Page 28: 3.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

29 Fevereiro de 2010

Publicação do Projeto Região Metropolitana de Curitiba em DebateSindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná. Fevereiro de 2010

Projeto de lei que propõe um novo modelo de gestão para a Grande Curitiba acende

o debate sobre a necessidade de revitalizar as instituições estatais de planejamento,

como a Comec, e trazer municípios e sociedade organizada para as instâncias de decisão

EM BUSCADE UMAGESTÃOMETROPOLITANADEMOCRÁTICA

EM BUSCADE UMAGESTÃOMETROPOLITANADEMOCRÁTICA

Reportagem4 Prefeitos pedem novo modelo de gestão para a a Região Metropolitana Página 3

Entrevista4 Edson Strapasson, deputado estadual, autor de projeto de lei quecria consórcio público entre gestores municipais e o estado na Grande Curitiba Página 6

Artigos4 Rosa Moura (Ipardes) Página 9 Rajindra Kaur Singh (Paranacidade) Página 15 José Ricardo Vargas deFaria (Ambiens) Página 19 Valter Fanini (Senge-PR) Página 24 Michelli Stumm e Artur Coelho (Ambiens) Página 26

Projeto de lei que propõe um novo modelo de gestão para a Grande Curitiba acende

o debate sobre a necessidade de revitalizar as instituições estatais de planejamento,

como a Comec, e trazer municípios e sociedade organizada para as instâncias de decisão