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32º Encontro Anual da Anpocs
Número: GT 2 – A metrópole e a questão social
Título do trabalho: A (re)distribuição espacial da população brasileira e possíveis
impactos sobre a metropolização
Nome do autor: José Irineu Rangel Rigotti
A (re)distribuição espacial da população brasileira
e possíveis impactos sobre a metropolização
José Irineu Rangel Rigotti1
Este artigo procura discutir um dos principais fenômenos relacionados aos
problemas sociais metropolitanos, qual seja, a dinâmica das migrações internas brasileiras.
Pretende-se refletir sobre três questões principais: as migrações brasileiras estão
diminuindo ou aumentado? Do ponto de vista espacial, as migrações estão mais
concentradas nas metrópoles ou mais dispersas do que no passado recente? Quais as
principais tendências dos fluxos migratórios brasileiros?
A abordagem proposta será desenvolvida a partir de dois ângulos complementares:
o demográfico e o geográfico. O primeiro coloca em perspectiva a transição demográfica
brasileira, suas conseqüências para o ritmo de crescimento da população e o processo de
envelhecimento, que certamente causará impactos sobre a propensão a migrar, uma vez que
os migrantes são, em sua maioria, pessoas jovens. Além disso, empreender-se-á uma
reflexão sobre a evolução da escolaridade e suas possíveis influências sobre a escolha dos
lugares de destino dos migrantes. A utilização deste indicador se justifica devido a sua alta
correlação com outros atributos do migrante, como renda e categoria ocupacional, por
exemplo. Por sua vez, estas características são decisivas para a inserção em um mercado de
trabalho altamente diferenciado do ponto de vista sócio-espacial.
Estes aspectos estão relacionados ao segundo enfoque, isto é, o geográfico, que irá
ressaltar o papel das metrópoles como as maiores responsáveis pela (re)distribuição
espacial da população brasileira. De fato, estes são os lugares que delimitarão a nova
configuração da população no território brasileiro.
Acredita-se que esta abordagem poderá ser um ponto de partida para a análise da
terceira questão colocada, ou seja, quais seriam as principais tendências dos fluxos
migratórios brasileiros. Pretende-se, portanto, chamar a atenção para alguns aspectos
demográficos e geográficos, que auxiliem a reflexão sobre o futuro das metrópoles no
Brasil.
1 Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
A discussão destes aspectos requer uma delimitação tanto da dimensão temporal
quanto espacial. Seria trivial responder se houve uma difusão da população no território
brasileiro do início até o final do século passado, uma vez que a ocupação do interior do
País foi bastante visível neste período.
Por outro lado, responder se houve alterações substantivas após os anos 1980 e
quais as tendências das próximas décadas já não é tarefa simples. Isso depende também das
unidades geográficas, pois quanto mais desagregadas elas forem, maior a chance de haver
migração. Por exemplo, muitos já trocaram de município de residência, mas quantidade
menor trocou de estado, e um percentual ainda menor mudou de região ou país. Por isso, as
análises enfocarão, em um primeiro momento, as migrações entre todas as microrregiões do
Brasil. Posteriormente, será abordada a migração das pessoas menos escolarizadas e mais
escolarizadas, no nível de mesorregiões.
Além de se abordar as migrações envolvendo todo o País, esta será enfocada tanto
em números absolutos quanto relativos, uma vez que o volume de migrantes pode ser o
mesmo ou maior entre dois períodos, mas proporcionalmente menor.
Com a finalidade de se elencar alguns elementos para a reflexão sobre os rumos das
possíveis tendências das migrações no Brasil, a próxima seção fará um apanhado geral do
processo de transição demográfica e seus possíveis impactos na propensão a migrar. Na
seqüência sintetiza-se o papel das regiões metropolitanas brasileiras na redistribuição
espacial da população, especificando, inclusive, o padrão espacial dos fluxos segundo
níveis educacionais. Finalmente, uma última seção avalia as tendências futuras, à luz dos
aspectos discutidos anteriormente.
A transição demográfica e as migrações no Brasil
Como conseqüências das transições da mortalidade e da fecundidade2, o Brasil
passa por profundas modificações em seu ritmo de crescimento populacional e em sua
estrutura etária. Este amplo processo é reflexo de um conjunto complexo de transformações
sociais, econômicas e culturais que tiveram início em meados no século XX. Neste artigo,
não se pretende uma análise aprofundada destas transformações, mas vale ressaltar alguns
2 Aqui definidas como a transição de altas para baixas taxas de mortalidade e fecundidade.
aspectos que auxiliarão o entendimento da discussão sobre as perspectivas das migrações
brasileiras.
No final da primeira metade do século passado, especialmente na década de 1940, o
padrão demográfico brasileiro, até então secular e caracterizado por um crescimento
moderado, começou a se modificar, como resultado da diminuição das taxas de
mortalidade. Em duas décadas, as taxas brutas de mortalidade recuaram de um patamar de
21 para 10 óbitos por mil habitantes. Vários fatores podem ser listados como responsáveis
por isso: avanços no sistema de saúde pública, expansão da previdência social, melhorias
da estrutura urbana e maior regulamentação do trabalho, a partir dos anos 30. Além destes
fatores institucionais, a maior difusão dos produtos da indústria químico-farmacêutica
também atuaram para a redução da mortalidade (Simões e Oliveira, 1998).
A redução da mortalidade teve prosseguimento, mas a fecundidade continuou em
patamares elevados até meados dos anos 1960. Como conseqüência, o país atingiu seu
ápice de crescimento populacional, refletido em uma taxa média anual próxima de 3,0%
nas décadas de 50 e 60. Esta época também foi caracterizada por uma estrutura etária
extremamente jovem.
O que importa é entender como estas modificações da mortalidade e fecundidade
afetaram o ritmo de crescimento da população e o perfil por idade. O padrão de queda da
mortalidade não causou grande impacto na estrutura etária proporcional, embora o ritmo de
crescimento demográfico tenha aumentado – época que ficou conhecida como explosão
demográfica (Carvalho e Garcia, 2003). Entretanto, a partir de meados dos anos 1960, a
fecundidade inicia um duradouro processo de queda. Para o país como um todo, passou de
algo em torno de 6,2 filhos por mulher ao final de seu período reprodutivo, em 1940, para
4,3 filhos em média, em 1980, até chegar próximo ao nível de reposição, nos dias atuais.
A redução da fecundidade é que iniciou o processo de envelhecimento populacional.
Deve-se ter em mente que:
“O envelhecimento populacional não se refere nem a indivíduos, nem a cada geração, mas, sim, à mudança na estrutura etária da população, o que produz um aumento do peso relativo das pessoas acima de determinada idade, considerada como definidora do início da velhice” (Carvalho, Garcia, 2003:726).
Após o início do declínio da fecundidade, a estrutura etária experimenta um
processo de desestabilização, pois as gerações que nascem posteriormente convivem com
aquelas que já eram nascidas. À medida que o tempo passa, a tendência é que se alcance
nova estabilidade, desta feita com estrutura mais envelhecida do que antes. Para as décadas
seguintes ao ano 2000, o que se espera é o estreitamento da base da pirâmide,
concomitantemente ao aumento da proporção de adultos e, principalmente, idosos:
“É este padrão de crescimento diferenciado por idade, baixo ou negativo, no segmento jovem; médio ou baixo, para a população em idade ativa, até 2025, e praticamente nulo no restante do período; muito alto no contingente de idosos, que caracterizará a transição da estrutura etária brasileira durante a primeira metade do presente século” (Carvalho e Wong, 2008: 601).
As mudanças decorrentes da transição demográfica trarão impactos no número
potencial de migrantes. Sabe-se que a população que migra possuiu um perfil etário
caracterizado como de jovens adultos. A Figura 2 mostra a estrutura etária dos migrantes
brasileiros, com 5 anos ou mais de idade, que trocaram de municípios nos períodos 1986-
1991 e 1995-2000.
Brasil: estrutura etária dos migrantes do período 1986-1991
8% 6% 4% 2% 0% 2% 4% 6% 8%
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50 - 54
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80+
Mulheres Homens
Brasil: estrutura etária dos migrantes do perído 1995-2000
8% 6% 4% 2% 0% 2% 4% 6% 8%
0 -4
10 - 14
20 - 24
30 - 34
40 - 44
50 - 54
60 - 64
70 - 74
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Mulheres Homens
Figura 1 – Estrutura etária dos migrantes brasileiros nos períodos 1986-1991 e 1995-2000
Observa-se que os dois gráficos têm em comum o fato de apresentarem uma maior
participação do grupo etário de 20 a 24 anos, e destas idades em diante a estrutura é bem
parecida, diminuindo gradativamente a proporção de homens e mulheres. Deste grupo
etário para baixo é que encontram as diferenças, como a maior participação do primeiro
grupo etário, de 5 a 9 anos, no primeiro período. Isto reflete a constante diminuição da
fecundidade. Os primeiros grupos etários da pirâmide referem-se a crianças que
acompanham os pais migrantes, embora estes também possam ter filhos naturais do
município de destino, que, portanto, não estão representados no gráfico. Em outras
palavras, a estrutura etária dos migrantes experimentou um envelhecimento relativo, assim
como aquela da população total, mas o ápice da migração continuou concentrado nos
jovens adultos.
O perfil dos migrantes pode ser melhor avaliado através das taxas específicas de
migração por idade, que expressam a propensão a migrar. Observa-se que o padrão das
taxas é bem semelhante entre os dois períodos e elas são mais elevadas nos grupos etários
de 20 a 24 e 25 a 29 anos de idade. A curva de 1991 é ligeiramente mais elevada das idades
iniciais até o grupo de 35 a 39 anos e, depois, é praticamente coincidente.
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50 - 54
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1991 2000
Figura 2 – Perfil etário dos migrantes que trocaram de município de residência
entre 1986-1991 e 1995-2000
Pode-se dizer que, de maneira geral, o perfil das curvas de migração é semelhante e
as diferenças em relação à propensão a migrar não são substanciais entre um período e
outro, apesar de ser visível um ligeiro envelhecimeto no decorrer dos períodos. O nível das
taxas foi um pouco maior nas idades mais jovens do período 1986-1991, em relação ao
segundo qüinqüênio. O primeiro destes censos demográficos registrou um total de quase 14
milhões de migrantes, correspondente a 9,5% da população total; enquanto o censo seguinte
informou que quase 15,5 milhões de pessoas trocaram de município de residência, entre
1995-2000, o que representa 9,1% do total de brasileiros em 2000. Portanto, houve um
aumento do número absoluto de migrantes, embora com pequena diminuição relativa, entre
os dois períodos.
Caetano (2005) trabalhou com taxas específicas de migração por idade, para cada
tipo de fluxo migratório, em 1991 e 2000, entre as cinco grandes regiões brasileiras (total
de 20 pares de fluxo) concluindo que, de maneira geral, os padrões são semelhantes. Para
os mesmos períodos, contatou-se que:
“Grande parte mantém o pico da migração nas mesmas idades. O que pode ser considerado como a maior mudança ocorrida neste intervalo é, em alguns fluxos, o deslocamento do pico da migração para um ou dois grupos qüinqüenais de idade mais velhos, isto é, observa-se um ligeiro envelhecimento nas idades mais propensas a migrar” (Caetano, 2005:13).
Ainda de acordo com as constatações do autor, observou-se que, quando se trata de
um fluxo de região de expulsão para outra de atração, como do Nordeste para o Sudeste, a
migração se concentra nas idades de 15 a 30 anos, com os maiores percentuais nos grupos
etários de 20 a 24 e 25 a 29 anos; quando os fluxos partem de áreas de atração
populacional, como o Sudeste, para regiões de expulsão, como o Nordeste, o ápice da
migração ocorre depois dos 30 anos de idade. Neste último caso, a migração está associada
aos movimentos de retorno ao local de origem.
Evidentemente, não se pode prever exatamente como será o padrão etário e muito
menos o nível das migrações brasileiras nas próximas décadas, porém, pode-se pensar em
alguns cenários alternativos. Se, por hipótese, considerarmos que a propensão a migrar por
idade não irá mudar substancialmente, pode-se adotar as taxas específicas de 2000 como
curva padrão. Se estas mesmas taxas forem aplicadas à população projetada para o ano
2050, teríamos 19,5 milhões de migrantes trocando de município de residência3. Este
contingente corresponderia a aproximadamente 8% da população naquela data. Portanto,
haveria um montante de 4 milhões a mais de migrantes inter-municipais do que aquele
verificado no ano 2000, ainda que com diminuição relativa quando se compara com os 9%
atuais. A estrutura etária dos migrantes, mantidas as taxas específicas de 2000, também
sofreria um significativo processo de envelhecimento, como mostra a Figura 3.
3 Projeções realizadas e gentilmente cedidas pelo CEDEPLAR/UFMG, a quem o autor agradece a permissão de usá-las neste trabalho.
Brasil: proejção da estrutura etária dos migrantes em 2050
8% 6% 4% 2% 0% 2% 4% 6% 8%
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Mulheres Homens
Figura 3 – Estrutura etária dos migrantes em 2050, mantidas as taxas específicas atuais
Uma hipótese razoável seria a de que haverá prosseguimento do ligeiro
envelhecimento dos migrantes, assim como constatado nas informações dos períodos 1986-
1991 e 1995-2000. Se este for o caso, e mantido o nível da migração nos diversos grupos
etários, teríamos um número maior do que os 19,5 milhões de migrantes projetados no
cenário anterior.
Entretanto, além do processo de envelhecimento dos migrantes, os dois períodos
analisados a partir dos dados censitários de 1991 e 2000 também indicaram uma discreta,
porém visível, diminuição do nível das migrações. Uma simples extrapolação linear das
diferenças observadas nestes dois períodos, isto é, ligeiro envelhecimento e, paralelamente,
discreta diminuição da propensão a migrar, indica que o número de migrantes aumentaria
para 20,7 milhões de pessoas, o que corresponderia a aproximadamente 9% do total da
população, em 2050.
O que estes cenários indicam é que haveria uma grande estabilidade do percentual
de migrantes nas próximas décadas, girando em torno de pouco menos de 10% do total da
população brasileira. Este quadro mudaria caso viesse a ocorrer mudanças mais profundas,
tanto em termos de envelhecimento quanto nos níveis das taxas específicas de migração.
Por exemplo, uma maior formalização do mercado de trabalho, com maior cobertura de
contribuições à previdência social poderia fazer com que migrantes mais idosos se
sentissem estimulados a desfrutar a aposentadoria em suas regiões de nascimento. Vale à
pena lembrar que as migrações de retorno, que adquiriram grande importância a partir dos
anos 1980, são caracterizadas por um perfil etário relativamente mais envelhecido. Cabe
então a pergunta: para onde irão os migrantes? Para discutir esta questão, algumas
características das migrações recentes serão abordadas a seguir.
Distribuição Espacial da População Brasileira e suas principais tendências
Para a análise das principais tendências dos movimentos populacionais em todo o
território brasileiro, optou-se pelo mapeamento dos saldos migratórios líquidos entre pares
de microrregiões de todo o país, nos períodos 1986-1991 e 1995-2000. Esta opção se
justifica, pois como visto anteriormente, a diminuição sustentada da fecundidade implica
em abrupta diminuição do crescimento natural. Sendo assim, as migrações passam a ser a
componente mais importante para a identificação das tendências da distribuição espacial da
população.
Como a Figura 4 indica, a RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) foi a
principal responsável pela configuração dos fluxos migratórios brasileiros, no período
1986-1991. As duas principais direções ocorreram entre a RMSP e a região Nordeste, além
dos fluxos entre a metrópole de São Paulo e as microrregiões à oeste, embora com sentidos
opostos: enquanto a primeira sofreu grandes perdas líquidas, a segunda funcionou como
destino de migrantes procedentes da RMSP. O mapa mostra claramente que tanto o interior
do estado de São Paulo, quanto a região Centro-Oeste (com destaque para o Mato Grosso
do Sul), se estendendo até Rondônia, foram importantes áreas de absorção de migrantes
procedentes da RMSP. Em menor medida, percebem-se também saldos migratórios em
direção ao sul, especialmente ao Paraná.
No período seguinte (Figura 5), nota-se que o intercâmbio com a região Nordeste
continuou sendo um grande destaque, juntamente com as trocas líquidas mais próximas da
RMSP. A maioria dos saldos é positiva para São Paulo, mas se percebe algumas regiões do
Nordeste com ganho líquido, casos do Ceará e Rio Grande do Norte. Também se destacam
os saldos da RMSP para microrregiões a oeste e sul, embora neste período tenha ocorrido
um encurtamento das distâncias, ou seja, o raio de abrangências dos fluxos diminuiu.
Figura 4 - Mapa dos saldos migratórios entre pares de microrregiões do estado de São
Paulo e o restante do Brasil – 1986-1991
De forma geral, entre os dois períodos, a RMSP apresentou um enfraquecimento de
suas trocas populacionais, apesar desta ainda ser o maior ponto de redistribuição espacial da
população brasileira. Os fluxos com o Nordeste são muito significativos, mas perderam
força e tiveram o leque de microrregiões envolvidas mais rarefeito. Além disso, uma outra
tendência parece se delinear, pois algumas regiões do Nordeste já apresentam saldos
líquidos positivos com São Paulo, provavelmente relacionados à migração de retorno.
Figura 5 - Mapa dos saldos migratórios entre pares de microrregiões do estado de São
Paulo e o restante do Brasil – 1995-2000
A diminuição nas trocas de população da maior metrópole brasileira ocorreu
também nas direções oeste e sul e, como no período anterior, nestes casos a RMSP é a
grande perdedora líquida de população. Evidentemente, em menor medida, há intercâmbio
também com outras áreas mais próximas, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito
Santo, principalmente.
Figura 6 - Mapa dos saldos migratórios entre pares de microrregiões do do Brasil (exceto o
estado de São Paulo) – 1986-1991
Os mapas seguintes (figuras 6 e 7) mostram a distribuição espacial dos saldos
líquidos entre as outras microrregiões do País, isto é, exceto São Paulo, para os dois
períodos considerados, respectivamente. Em relação ao primeiro período, observa-se que,
em sua grande maioria, os saldos se referem a trocas populacionais que envolvem as
microrregiões das capitais, ou pólos regionais importantes. Em grande parte, estes saldos
são favoráveis aos pólos, constituindo o que se poderia denominar de fluxos regionais.
Figura 7 - Mapa dos saldos migratórios entre pares de microrregiões do do Brasil (exceto o
estado de São Paulo) – 1995-2000
O Distrito Federal desponta com dois tipos de trocas populacionais, isto é, há perdas
com algumas regiões e ganhos em relação a outras. No primeiro caso, os migrantes se
dirigiram, predominantemente, para as áreas vizinhas à oeste, no estado de Goiás (o maior
saldo líquido negativo do período, quando se exclui São Paulo), e também para a região de
Goiânia. Em contrapartida, a capital do País também apresentou ganhos líquidos de
população com áreas distantes, como a metrópole do Rio de Janeiro e, principalmente, com
estados da porção setentrional do Nordeste. A resultante destes dois tipos de perdas e
ganhos foi um saldo migratório global positivo de quase 40 mil pessoas no Distrito Federal.
A região de Goiânia, por sua vez, apresentou dois tipos de padrões espaciais, no
período 1986-1991. As áreas de procedência de muitas das trocas que resultaram em
ganhos líquidos de população coincidem com os mesmos estados nordestinos que perdem
população para o Distrito Federal, além de trocas mais significativas do que este último
envolvendo regiões do Tocantins e do Pará. Por outro lado, a aglomeração de Goiânia
também se destaca pela regionalização de seus fluxos migratórios, isto é, ela também
desenvolve um padrão espacial centrípeto típico dos grandes pólos regionais brasileiros,
que atraem população de grande parte de seus próprios estados.
Na Amazônia Legal intercâmbios abrangendo um extenso raio de influência – como
não poderia deixar de ser, haja vista as grandes distâncias entre os centros urbanos – com
destinos às microrregiões de Manaus e Belém. Todos os outros estados também apresentam
o supracitado padrão espacial centrípeto, sendo que em alguns deles este se repete nos
pólos regionais, ainda que abrangendo um raio menor de influência, como nas
microrregiões de Porto Velho, Rio Branco, Macapá e Boa Vista. Vale destacar também a
grande densidade de fluxos entre a porção oriental do Pará e a parte oeste do Maranhão.
Em relação ao intercâmbio entre a Amazônia Legal e outras grandes regiões, são
bastante visíveis as trocas migratórias entre muitas microrregiões do Mato Grosso e o
extremo oeste dos estados do Sul do Brasil, com destaque para o Paraná. Os três estados
desta Grande Região repetem o padrão centrípeto-regional de curta distância. No entanto, o
estado do Paraná contém outros pólos regionais importantes, além da região de Curitiba,
como Londrina e Maringá, que funcionam como áreas de atração.
Quando se desconsidera o estado de São Paulo, a região Nordeste ainda revela uma
grande densidade de trocas migratórias. Neste caso, pode-se dizer que o padrão não foge às
características das demais regiões brasileiras. As microrregiões contendo capitais
funcionam como pólos de atração, especialmente de seu entorno, embora seja visível a
existência de pólos secundários, abrangendo um menor raio de influência.
Quando se trata da região Sudeste, cada um dos outros três estados (exceto São
Paulo) apresenta suas especificidades. A região metropolitana do Rio de Janeiro é aquela
que mais perde população: para o seu entorno, para a microrregião de Juiz de Fora,
metropolitana de Belo Horizonte e para o Distrito Federal. Difere das outras duas porque
seus saldos mais significativos são negativos e, em parte, interestaduais. O Espírito Santo
concentra ganhos na microrregião de Vitória, cujos migrantes procedem de seu entorno, da
região metropolitana do Rio, do sul da Bahia e do leste de Minas Gerais. Por sua vez, este
último estado é caracterizado por muitos fluxos internos, que se dirigem, principalmente,
para a microrregião metropolitana de Belo Horizonte, com procedência no leste, nordeste e
norte de Minas, em sua maioria. Há também outros pólos regionais receptores, com
destaque para Uberlândia.
O período 1995-2000 (Figura 7), em grande medida, é uma continuação do período
anterior. Mais uma vez, quando São Paulo é excluído, predominam os fluxos de caráter
regional. A maior exceção refere-se a região de Goiânia e Distrito Federal, pois o poder de
atração dessas microrregiões aumentou consideravelmente quando comparado ao período
anterior.
A microrregião de Goiânia não só continua sendo atraente para as regiões do
próprio estado, mas também para áreas distantes, principalmente do Maranhão e Piauí.
Estas regiões do Nordeste são fornecedoras de população inclusive para o Distrito Federal,
que apresenta um padrão espacial muito semelhante ao de Goiânia, em relação às distantes
áreas de origem de seus migrantes.
Assim como no período anterior, uma diferença importante é que o Distrito Federal
não apenas continuou apresentando as maiores perdas líquidas registradas entre pares de
microrregiões quando se exclui São Paulo, mas ainda aumentou o volume dessas perdas.
Portanto, este é um processo semelhante ao que ocorre em muitas metrópoles consolidadas
do País, que perdem população para o entorno mais imediato.
A porção Norte da Amazônia Legal, Amazonas, Acre, Roraima, Amapá e Pará,
além de Rondônia não apresentaram grandes alterações em relação ao período anterior. Em
contrapartida, ocorreu uma mudança substancial no caso do Mato Grosso. Apesar de ainda
existirem trocas favoráveis ao estado, procedentes do Sul – especialmente Paraná –, estes
movimentos se arrefeceram, diminuindo, sobremaneira, a densidade da rede migratória. O
Mato Grosso, então, tende ao mesmo padrão regional da maioria dos estados brasileiros,
embora com um número maior de pólos de atração e mais esparsamente distribuídos do que
a média, como as regiões de Alta Floresta, Matupá, Sinop, além de Cuiabá. Este parece ser
um padrão em evolução nas áreas mais consolidadas da fronteira agrícola e mineral
amazônicas, uma vez que também ocorre em Rondônia.
As outras grandes regiões do Brasil continuam com um padrão bastante semelhante
ao do período anterior. O Nordeste apresenta alta densidade de fluxos, inclusive com perdas
para o Rio de Janeiro e para a região de Vitória, no Espírito Santo. De maneira geral, há um
predomínio de ganhos líquidos de população nas regiões que contêm as capitais
nordestinas, em sua maioria procedentes do interior dos próprios estados. Mas também é
possível identificar saldos menos volumosos para muitas áreas do interior, especialmente da
Bahia e Pernambuco.
Em relação aos estados do Sudeste, além dos fluxos de mais longa distância Rio de
Janeiro-Nordeste, a microrregião da capital fluminense se relaciona com o Distrito Federal,
mas com perdas líquidas. Entretanto, os saldos desfavoráveis à metrópole do Rio ocorrem,
em sua maioria, no interior do próprio estado, diferenciando-o das outras duas unidades da
federação. De fato, tanto a microrregião de Belo Horizonte quanto a de Vitória apresentam,
em sua maioria, ganhos populacionais de outras áreas dos respectivos estados, além de
trocas entre suas áreas limítrofes.
Finalmente, os três estados do Sul experimentaram poucas alterações em relação ao
padrão espacial de seus saldos líquidos, além daquela já citada sobre o intercâmbio com o
Mato Grosso. São áreas com alta densidade de trocas migratórias, onde as regiões das
capitais, em geral, apresentam ganhos líquidos de população, ainda que a região de Porto
Alegre tenha aumentado suas perdas. Mais uma vez o Paraná se destaca como o estado com
o maior número de pólos de atração, cuja procedência dos migrantes encontra-se no próprio
estado.
A evolução da escolaridade e a seletividade dos lugares: o papel das Regiões
Metropolitanas
Além das mudanças estruturais da sociedade brasileira, tais como a rápida
diminuição do ritmo de crescimento da população e as alterações na estrutura etária,
conseqüências da transição demográfica, outros aspectos a ela relacionados devem ser
levados em consideração, pois terão efeitos sobre a redistribuição espacial da população
brasileira. Por exemplo, como as migrações são fortemente vinculadas ao mercado de
trabalho, a evolução da população em idade ativa será fator fundamental para o
entendimento da nova configuração da população no espaço brasileiro. A este respeito,
Carvalho e Wong (2008:601) informam que:
“A população de 25 a 64 anos, em que se concentra a força de trabalho, apresentou até 2005 taxas de crescimento acima de 2%. Seu ritmo de aumento sofrerá forte desaceleração, já no curto prazo, e seu tamanho absoluto deverá se estabilizar por volta de meados do século XXI”.
Esta performance diferenciada no ritmo de crescimento populacional, por grupos de
idade, abre, ao País, aquilo que está sendo chamado de “janela de oportunidades” (Carvalho
e Wong, 2008:604). Isso significa que as mudanças da estrutura etária podem ser altamente
benéficas ao Brasil. A diminuição do tamanho das gerações de crianças e jovens permite,
pelo menos em tese, um maior investimento per capita em educação e saúde e,
conseqüentemente, grande retorno dos recursos investidos.
Em que pese as constantes e bem fundamentadas críticas à qualidade da educação,
não há dúvidas de que o País aumentou a cobertura do sistema de ensino, sobretudo a partir
dos anos 1990. De maneira geral, com a diminuição da repetência e da evasão, a
escolaridade média se elevou. Está aberta a oportunidade para o salto qualitativo dos níveis
de ensino fundamental e médio, em um contexto de redução do peso da população jovem.
Evidentemente, não se devem desconsiderar as desigualdades regionais, que
refletem e são refletidas nos níveis de escolaridade da população brasileira. Rigotti (2001)
procurou mostrar que o país tem passado por um processo de transição da escolaridade,
paralelo e relacionado à transição demográfica. Os diferenciais regionais do ingresso
escolar nas primeiras séries do ensino fundamental têm diminuído, mas o ritmo desta
diminuição é bem menor nas séries subseqüentes. O ingresso na última série do ensino
médio tem aumentado mais rapidamente justamente nas regiões mais desenvolvidas,
intensificando as desigualdades entre as regiões, em termos de escolaridade média.
No processo de transição demográfica a fecundidade caiu em todas as classes
sociais e todas as regiões do País, porém com início e ritmos diferenciados. Analogamente,
em relação ao sistema de ensino, a repetência e evasão também seguem uma tendência
geral de redução, embora esta tenha início, primeiramente, nas regiões mais desenvolvidas
e, além disso, em um ritmo mais veloz do que nas áreas menos desenvolvidas. Isso explica
porque o ingresso e conclusão nas séries mais avançadas do ensino médio são bem maiores
nas regiões Sul e Sudeste, quando comparadas ao Norte e Nordeste.
Estas constatações sugerem que nas próximas décadas haverá aumento geral dos
níveis de escolaridade, medidos pelo número de séries concluídas, mas até que seja atingida
a estabilidade no sistema de ensino, as regiões menos desenvolvidas continuarão em
situação de desvantagem.
Em um cenário de elevação geral da escolaridade, porém com persistência das
desigualdades regionais, para onde irão os migrantes? Para tentar responder a esta questão,
o enfoque em algumas características dos fluxos migratórios dos mais escolarizados e dos
menos escolarizados pode lanças algumas luzes ao debate.
Rigotti (2006) trabalhou com duas categorias de fluxos populacionais entre as 137
mesorregiões brasileiras, nos períodos 1986-1991 e 1995-2000: dos mais escolarizados e
dos menos escolarizados4. Os primeiros eram aqueles que tinham, pelo menos, um curso
superior completo, enquanto os segundos tinham, no máximo, 4 anos de estudos. Trata-se,
portanto, dos dois extremos da pirâmide social brasileira.
Nos mapas das Figuras 8 e 9, percebe-se que, entre os dois grupos de migrantes, há
um aspecto que permeia todos os casos abordados. As mesorregiões que contém as regiões
metropolitanas ou as grandes aglomerações urbanas, em geral as capitais dos estados, são
tanto as principais origens quanto os principais destinos dos migrantes. Sem dúvida, todo o
processo de redistribuição espacial da população brasileira passa, portanto, pelas grandes
áreas metropolitanas e aglomerações urbanas.
4 Considerou-se apenas os migrantes com 25 anos ou mais de idade. Para maiores detalhes, ver: Rigotti, 2006 e Rigotti e Vasconcellos, 2005.
Figura 8 – Principais origens e destinos dos migrantes com menos de 4 anos de estudo e
mais de 15 anos de estudo, segundo mesorregiões do Brasil – 1986-1991
O padrão dos fluxos de pessoas com menor escolaridade está mais próximo da
média brasileira, uma vez que a população com curso superior completo é composta por
uma seleta minoria. Portanto, o primeiro grupo reflete mais aproximadamente o padrão
atual das migrações no Brasil, enquanto o segundo pode fornecer indícios de um possível
comportamento migratório futuro da população, se se considera que a tendência é de
aumento do número médio de estudos no País, devido à maior cobertura do sistema de
ensino, menores repetência e evasão, além do próprio envelhecimento populacional.
Figura 9 – Principais origens e destinos dos migrantes com menos de 4 anos de estudo e
mais de 15 anos de estudo, segundo mesorregiões do Brasil – 1995-2000
Em relação aos movimentos daqueles menos escolarizados, destaca-se a RMSP
como destino dos procedentes do Nordeste, bem como origem para aquela região. A
interação entre estas duas regiões, nos dois períodos considerados, forma a mais densa
malha de fluxos migratórios do Brasil. Entre os dois períodos, observa-se um ligeiro
estreitamento do leque de origens do Nordeste, com destino para a RMSP. Em
contrapartida, isso não ocorreu quando se trata de origem na RMSP para o Nordeste. Como
alguns estudos têm apontado, uma das tendências do processo migratório, principalmente a
partir dos anos 1980 é o movimento de retorno, com destaque para antigas áreas de
emigração, como o Nordeste.
Próximas a RMSP, a região de Campinas e o Sul-Sudoeste de Minas também
absorvem migrantes menos qualificados, com procedência em todo o oeste do estado de
São Paulo, no primeiro caso; e oriundos da própria Campinas e RMSP, do Noroeste de
Minas e da Nordeste do País, no segundo.
Em praticamente todo o território nacional, percebem-se movimentos populacionais
de pessoas com baixa escolaridade de e para as regiões metropolitanas ou mesorregiões de
capitais. Quanto mais densa a rede de cidades, mais próximos são os fluxos e vice-versa.
De qualquer forma, este fato não deve ser generalizado. Muitas vezes, os movimentos
migratórios do passado estabelecem redes de migração, caracterizadas por trocas recíprocas
(Rigotti, 2006). Um bom exemplo refere-se aos fluxos da população do Rio de Janeiro para
o Nordeste, certamente relacionados aos movimentos de volta à terra natal. Quando o
retorno completar seu ciclo, uma nova fase pode se estabelecer.
Os fluxos daqueles mais escolarizados, apresentam especificidades que os
diferenciam dos demais. Neste caso, a quase totalidade das principais origens possui uma
região metropolitana ou capital de unidade da federação (96% das origens identificadas).
Isso é compreensível, pois são estes os locais que concentram as universidades, centros
tecnológicos e de pesquisa, centros financeiros, etc. Paralelamente, estes locais também são
aqueles que mais acolheram os migrantes altamente qualificados. E este aspecto foi
reforçado no segundo período, 1995-2000. No entanto, as áres que fazem parte destes
desolocamentos estão localizadas em pontos específicos do território nacional
A RMSP tanto recebe quanto envia migrantes altamente qualificados, interagindo
com o interior do estado e áreas limítrofes dos estados vizinhos. Boa parte dos migrantes
que saem da RMSP se dirige para a mesorregião de Campinas. Aliás, este padrão também
ocorre no sul dos País, haja vista que muitos deixam a mesorregião de Florianópolis para
residirem no Vale do Itajaí, enquanto as regiões de Maringá e Londrina atraem pessoal
qualificado das áreas vizinhas.
A mesorregião do Rio de Janeiro exerce uma função particular, uma vez que
extrapola os fluxos entre áreas próximas, enviando e recebendo migrantes qualificados das
principais regiões do Norte do País. Entretanto, o papel do Rio de Janeiro como aborvedor
de migrantes altamente escolarizados diminuiu sensivelmente no segundo período, uma
função que passou a ser exercida por Manaus, além de Belém.
As trocas populacionais entre a região do Rio de Janeiro e o Nordeste sempre foram
muito importantes, mas no caso da migração de pessoal altamente escolarizado, isso não
ocorreu no segundo período. Tudo indica que o Nordeste tem adquirido maior autonomia
quando se trata de fluxos de pessoas mais escolarizadas e/ou as regiões que lhe ofereciam
trabalhadores qualificados já não desempenham o mesmo papel. Reforça esta hipótese o
fato da RMSP não desempenhar papel importante na rede de migração de pessoas de alta
escolaridade, principalmente como destino de nordestinos, ao contrário do que ocorre na
rede de migrantes de baixa instrução.
Assim, entre os dois períodos analisados, observa-se uma tendência à regionalização
dos fluxos. À semelhança do que ocorreu em relação ao Rio de Janeiro e Nordeste, o
Centro-Oeste, também experimentou um enfraquecimento de sua interação com a
mesorregião da área metropolitana de São Paulo. Nesse sentido, as regiões das capitais da
porção central do Brasil tendem a fornecer os migrantes mais qualificados para o interior da
região, ao mesmo tempo em que também os recebem, embora neste caso, algumas áreas do
Norte do País completem a rede de fornecedores de pessoal mais escolarizado.
O final da década de 90 parece iniciar uma tendência de maior regionalização e, ao
mesmo tempo, fragmentação dos fluxos. De fato, mesmo as regiões dos maiores centros
urbanos do País experimentaram um enfraquecimento do campo de atração e repulsão das
mesorregiões. Isso é bem mais evidente no caso dos fluxos da população de maior
escolaridade, sugerindo que os novos requisitos locacionais favorecem a redefinição dos
papéis e a especialização de algumas regiões, ao mesmo tempo em que cria novas
economias de aglomeração no território nacional.
Considerações Finais
Apesar do vertiginoso processo de redução da fecundidade e, consequentemente,
diminuição do ritmo de crescimento populacional associado ao envelhecimento, algumas
simulações sugerem que o número absoluto de migrantes continuará aumentando no Brasil
durante as próximas décadas. Um cenário possível seria aquele no qual este contingente
acompanharia o crescimento natural da população, especialmente daquela em idade ativa.
Em termos relativos, o confronto das taxas atuais de migração com as projeções de
população para as próximas décadas mostrou que, para ocorrer uma mudança substancial
da proporção de migrantes, serão necessárias alterações profundas, por exemplo, no
mercado de trabalho e nos mecanismos de seguridade social. Neste caso, uma maior
formalização da previdência social pode levar ao aumento da migração de retorno das
pessoas idosas. Neste caso, as áreas que desempenharam papel histórico de fornecedoras de
mão de obra seriam os destinos naturais.
Quanto à redistribuição espacial da população, embora haja, em grande medida,
uma reprodução do padrão dos saldos migratórios líquidos entre os dois períodos
considerados, uma análise mais detalhada permite a visualização de mudanças, indicativas
de novas tendências. Em linhas gerais, o estado de São Paulo, em especial sua região
metropolitana, é o maior responsável pela redistribuição da população brasileira e tudo
indica que continuará sendo nas próximas décadas. Entretanto, um fenômeno ainda
incipiente – pelo menos em uma perspectiva de décadas de atração populacional –, refere-
se ao arrefecimento, esparsamento e algumas poucas, mas sintomáticas, mudanças de
sentido dos saldos migratórios entre as microrregiões do Nordeste e a RMSP. Em um
contexto de crescente retorno para os estados nordestinos, isso deve estar indicando um
cenário que tende a se consubstanciar nas próximas décadas. Além disso, a metrópole
paulista já é responsável pelo envio de migrantes para o oeste do estado, assim como para o
Mato Grosso do Sul, Paraná e Sul-Sudoeste de Minas Gerais.
Este cenário é paralelo à clara regionalização dos fluxos, isto é, uma tendência
espacial centrípeta em pontos selecionados – regiões metropolitanas ou grandes
aglomerações urbanas contendo uma capital de unidade da federação – cujos centros
urbanos são áreas de maior dinamismo econômico, não raras vezes associados à exploração
de recursos naturais, como a disponibilidade de terras e água, trazendo alterações
substanciais ao uso do solo, assim como novos desafios ambientais.
Este tipo de ocupação ocorre no Sul do País, mas sobreturdo no Centro-Oeste, com
grande destaque para o estado de Goiás e sua capital. Afora a conhecida expansão do
entorno de muitas das grandes metrópoles brasileiras e a atração por elas exercida sobre o
interior dos seus estados, a porção central do Brasil é, juntamente com o interior de São
Paulo, o maior centro de atração brasileiro (Rigotti, 2005). Esta é uma tendência que
provavelmente deve continuar, haja vista a inserção do País nos mercados mundiais, como
grande fornecedor de matérias-primas, grãos e carnes, entre outros.
De fato, o Distrito Federal e Goiânia passaram a ser opções para aqueles
procedentes do Nordeste; o Mato Grosso adquiriu uma dinâmica própria, com vários
centros receptores dentro do estado, fato que também ocorre em Rondônia, em menor
medida. Por outro lado, antigas áreas emissoras de população para áreas de fronteira
agrícola, como o Paraná e Minas Gerais, também experimentaram a emergência de novos
pólos regionais importantes, absorvedores de suas respectivas populações.
A configuração dos fluxos migratórios das pessoas mais escolarizadas permite
algumas considerações sobre possíveis comportamentos futuros de uma parcela da
população que tende a adquirir maior participação no total de migrantes. Este
comportamento mostrou que as regiões metropolitanas e grandes aglomerações urbanas
desempenham papel primordial como reorganizadoras da distribuição espacial da
população, de maneira ainda mais decisiva do que aquele desempenhado em relação aos
fluxos das pessoas de mais baixa escolaridade. As principais origens e principais destinos
estão, em sua quase totalidade, nas grandes capitais e regiões metropolitanas.
Contudo, neste caso as alterações entre os dois períodos analisados foram mais
visíveis e podem ser indicativas das tendências para as próximas décadas. Algumas das
principais regiões metropolitanas do País passaram a não exercer o mesmo poder de atração
do passado, quando se trata de fluxos de pessoas altamente qualificadas. Neste caso, o raio
de influência da RMSP é bem menor, restringindo-se às trocas com o interior do próprio
estado ou áreas limítrofes de estados adjacentes. Portanto, a região metropolitana e o estado
ainda responsáveis pela maior malha de fluxos migratórios do país, não funcionam nem
como absorvedores nem emissores principais, quando se trata de população qualificada.
Chama a antenção o fato de que os migrantes de maior nível de escolaridade do Nordeste
preferem mudar de residência dentro dos próprios estados, sempre envolvendo as regiões
metropolitanas ou as regiões das capitais como origem e destino desses fluxos.
Uma das características mais notáveis das migrações do primeiro quinqüênio
analisado, foi a enorme distância que envolvida os fluxos do Rio de Janeiro, em relação a
população altamente qualificada. Porém, no período 1995-2000, Manaus e Belém tiraram a
função do Rio como absorvedor de migrantes altamente qualificados, procedentes do Norte.
Além disso, a população com alto grau de escolaridade da região Centro-Oeste passou a
interagir com algumas capitais da região Norte, formando um novo corredor de migração.
Fato semelhante ocorreu nas trocas migratórias do Nordeste com o Rio de Janeiro, pois este
deixou de ser um destino importante para os nordestinos mais escolarizados.
Em que pese a dificuldade de indenficar cenários, quando se trata de distribuição
espacial da população brasileira, as informações reunidas neste trabalho parecem apontar
para uma tendência do que foi aqui chamado de padrão de regionalização centrípeta dos
fluxos migratórios, o que implica no encurtamento das distâncias. Os grandes êxodos da
época de intensa industrialização e urbanização a partir dos anos 1950, das áreas rurais para
as urbanas, deram lugar às trocas dentro de uma mesma unidade da federação, ou próximas
aos limites administrativos. No entanto, uma mudança significativa é a emergência de
novos centros regionais que se espalharam no território brasileiro, tornando-o mais
fragmentado. Há novas metrópoles/capitais que desempenham a dupla função de atrair ou
enviar migrantes, tanto para as áreas do próprio estado ou áreas limítrofes quanto para áreas
distantes, especialmente áreas dinâmicas do Centro-Oeste e Norte brasileiros. Estas
parecem desempenhar, de forma contundente, papel central como novas reorganizadoras da
distribuição espacial da população brasileira.
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