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227 BIOÉTICA E ESPIRITUALIDADE Eliana Rezende Adami 1 Waldir Souza 2 RESUMO As ciências, principalmente, as biomédicas aliaram-se à tecnologia na sociedade pós- moderna, permitindo manipular o ser humano em todas as fronteiras da vida. Com isso surgiu consequências éticas graves que vão de encontro aos valores espirituais. Esse fato é motivado pela força econômica que a ciência e a tecnologia adquiriram na cultura do mundo globalizado. A proposta desse ensaio é discutir as alternativas éticas, por meio da bioética, nos cursos da área de saúde, no exercício da profissão, voltadas para a formação de cidadãos comprometidos com a construção de uma sociedade solidária, justa e, portanto, mais humana não ferindo a dignidade do ser humano. Abrange ainda o comportamento humano e autoconhecimento relacionados a espiritualidade, assim como bioética e espiritualidade, perspectivas da bioética. Na sociedade capitalista globalizada, científica e tecnológica, o paradigma não é o compromisso de servir, mas o de competir, mesmo que para isso se ignore as necessidades e os direitos do outro, desaparecendo, portanto, o conteúdo das condutas humanas. Pretende-se resgatar o elo entre a busca da dimensão interior do ser humano, em sua essência, que é a espiritualidade, visando o bem-estar do outro em sua alteridade, exercendo a ética, dentro da bioética no cotidiano, no profissional e nas pesquisas científicas. Palavras-chave: Bioética. Ética. Espiritualidade. Autoconhecimento. Educação. INTRODUÇÃO De acordo com Goldim (2006), foi Fritz Jahr que utilizou pela primeira vez a palavra bioética em artigo publicado no periódico Kosmos, em 1927. Jahr conceituou a bioética como sendo o reconhecimento de obrigações Éticas, não apenas com relação ao ser humano, mas para com todos os seres vivos. Contudo, foi só a partir da década de 1970 que o neologismo popularizou-se, quando Van Rensselaer Potter, biólogo e oncologista da Universidade de 1 Mestranda em Bioética na PUCPR. Farmacêutica Bioquímica e Bióloga pela PUCPR. E-mail: [email protected] . 2 Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor do PPG em Teologia e em Bioética da PUCPR. Professor de antropologia teológica, bioética e teologia moral no Bacharelado em Teologia da PUCPR. Professor de Temas de Teologia e Bioética e Questões Fundamentais de Teologia do Mestrado em Teologia da PUCPR. Membro do Comitê de Ética e Pesquisa no Uso de Animais da PUCPR. E-mail: [email protected].

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BIOÉTICA E ESPIRITUALIDADE

Eliana Rezende Adami1

Waldir Souza2

RESUMO

As ciências, principalmente, as biomédicas aliaram-se à tecnologia na sociedade pós-

moderna, permitindo manipular o ser humano em todas as fronteiras da vida. Com isso surgiu

consequências éticas graves que vão de encontro aos valores espirituais. Esse fato é motivado

pela força econômica que a ciência e a tecnologia adquiriram na cultura do mundo

globalizado. A proposta desse ensaio é discutir as alternativas éticas, por meio da bioética, nos

cursos da área de saúde, no exercício da profissão, voltadas para a formação de cidadãos

comprometidos com a construção de uma sociedade solidária, justa e, portanto, mais humana

não ferindo a dignidade do ser humano. Abrange ainda o comportamento humano e

autoconhecimento relacionados a espiritualidade, assim como bioética e espiritualidade,

perspectivas da bioética. Na sociedade capitalista globalizada, científica e tecnológica, o

paradigma não é o compromisso de servir, mas o de competir, mesmo que para isso se ignore

as necessidades e os direitos do outro, desaparecendo, portanto, o conteúdo das condutas

humanas. Pretende-se resgatar o elo entre a busca da dimensão interior do ser humano, em sua

essência, que é a espiritualidade, visando o bem-estar do outro em sua alteridade, exercendo a

ética, dentro da bioética no cotidiano, no profissional e nas pesquisas científicas.

Palavras-chave: Bioética. Ética. Espiritualidade. Autoconhecimento. Educação.

INTRODUÇÃO

De acordo com Goldim (2006), foi Fritz Jahr que utilizou pela primeira vez a palavra

bioética em artigo publicado no periódico Kosmos, em 1927. Jahr conceituou a bioética como

sendo o reconhecimento de obrigações Éticas, não apenas com relação ao ser humano, mas

para com todos os seres vivos. Contudo, foi só a partir da década de 1970 que o neologismo

popularizou-se, quando Van Rensselaer Potter, biólogo e oncologista da Universidade de

1 Mestranda em Bioética na PUCPR. Farmacêutica – Bioquímica e Bióloga pela PUCPR. E-mail:

[email protected]. 2 Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor do PPG em Teologia e em Bioética da PUCPR. Professor de antropologia teológica, bioética e teologia moral no Bacharelado em Teologia da PUCPR. Professor de Temas de

Teologia e Bioética e Questões Fundamentais de Teologia do Mestrado em Teologia da PUCPR. Membro do

Comitê de Ética e Pesquisa no Uso de Animais da PUCPR. E-mail: [email protected].

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Wisconsin, Madison, EUA, publicou o livro Bioethics: a bridge to the future. Para Potter bio

representava o conhecimento biológico, a ciência dos seres viventes, e ética o conhecimento

dos valores humanos. Seu objetivo era prolongar a sobrevivência da espécie humana numa

forma aceitável de sociedade segundo Oliveira, na obra Bioética: uma face da cidadania

(1997).

Em 1998 Potter reiterou suas idéias iniciais propondo uma abrangência maior para que

a bioética englobasse aspectos relacionados ao viver, bem como o pluralismo,

interdisciplinaridade, autonomia, abertura e incorporação crítica de novos conhecimentos.

Em 2001 o Programa Regional de Bioética, vinculado a Organização Pan-Americana

de Saúde (OPAS), definiu bioética como sendo uma disciplina científica que estuda aspectos

éticos da medicina e da biologia em geral, assim como as relações morais do homem com os

outros seres vivos.

Para Barchifontaine e Pessini na obra Princípios da ética biomédica (1998) o campo

de ação da bioética vai muito mais além das questões de biologia, engenharia genética,

biotecnologias e dos dilemas nas áreas médicas, a sua abrangência temática na América

Latina está relacionada com a justiça, a equidade e a alocação de recursos na área da saúde,

diferentemente da abordagem norte-americana e européia, que na maioria das vezes, ignora

questões básicas que milhões de excluídos enfrentam como a fome, miséria, exclusão social, a

falta de saneamento ambiental, de educação e saúde de qualidade, a morte precoce, a

violência, enquanto no primeiro mundo as pessoas morrem depois de ter vivido e desfrutado

da vida com dignidade.

A proposta desse artigo é discutir as alternativas éticas, no comportamento humano e

espiritualidade por meio da bioética, abrangendo as perspectivas dentro da ciência, filosofia e

espiritualidade. Estabelecendo relação entre a busca da dimensão interior do ser humano, em

sua essência, que é a espiritualidade visando o bem-estar do outro em sua alteridade,

exercendo a ética, dentro da bioética no cotidiano, no profissional e nas pesquisas científicas.

ÉTICA E BIOÉTICA

A bioética é um neologismo com características transdisciplinares e combina

conhecimentos biológicos com o conhecimento dos sistemas de valores humanos. O termo

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bioética, em que “bio” representa vida e conhecimentos biológicos, e a “ética” os

conhecimentos dos valores humanos perante as descobertas da biologia molecular, dentro da

sociedade científica e tecnológica.

O compromisso com a preservação da vida dos seres humanos entre si e com o

ecossistema previa os grandes dilemas dos dias atuais no campo da biologia molecular e da

sustentabilidade do meio ambiente.

A década de 1970 foi o período em que os avanços científicos e tecnológicos,

principalmente no meio médico, se intensificaram e ao mesmo tempo passaram a ser

questionados (UTIS, transplantes, diagnóstico de morte, procriação, diagnóstico pré-natal).

O compromisso hipocrático e a experiência de Nuremberg propiciaram a criação de

comitês de ética, que, em sua essência, fundamentam-se nos princípios da bioética, composto

por: beneficência, não maleficência, justiça, autonomia e possuem composição

multidisciplinar (médicos, farmacêuticos, bioquímicos, enfermeiros, teólogos, juristas,

usuários, entre outros).

A bioética é um desdobramento da ética voltado para os questionamentos morais,

suscitados pelos avanços científicos e tecnológicos, no contexto da sociedade em sua

globalidade (pessoa, meio ambiente, cidadania, aspectos terapêuticos e suas aplicações

legais). Assim podemos dizer que a bioética difere da ética, da moral e da deontologia devido

a sua característica problematizadora e evolutiva.

BIOÉTICA E EDUCAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE

A importância da bioética, na formação acadêmica do estudante de medicina e em

outras áreas da saúde, passa, inevitavelmente, pela cultura humanística. Para isso, é

fundamental que o modelo cartesiano, que privilegia o modelo fragmentado por

especialidades, abra espaço para um ensino voltado para a busca de conhecimento integrado,

considerando a óbvia inseparabilidade entre as partes que constituem o ser humano integral.

Esse modelo flexeriano privilegia a tecnologia e divide a pessoa humana em partes cada vez

menores. É voltado para as especialidades que forma territórios onde os especialistas se

comportam, segundo Morin em Os sete saberes necessários à educação do futuro (2000, p.

99) “como lobos que urinam para marcar seus territórios e mordem os que nele penetram”.

Com isso, a formação acadêmica é atravessada por uma metodologia desconexa de

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disciplinas, prejudicando a visão holística e integral do ser humano na sua complexidade

profissional (SIQUEIRA, 2008).

Desnecessário repetir que a própria universidade, intencionada ou alheia à cultura

técnico-científica da pós-modernidade, foi ficando cativa de um modelo educacional que tem

como parâmetros a eficácia e a rentabilidade econômica, formando profissionais voltados para

a competitividade e prestígio pessoal, alheios aos valores éticos que é o selo de um ambiente

acadêmico.

A bioética, por sua característica interdisciplinar e transdisciplinar, problematiza essa

cultura dominante enfatizando posições éticas que devem ser estabelecidas visando a

transmitir valores, assim como fez Sócrates na Grécia junto aos jovens de Atenas. É crescente

o consenso que a bioética deve figurar nos cursos de formação de profissionais das áreas de

saúde, em todos os anos da formação acadêmica, com intuito de que, no exercício

profissional, o futuro profissional tenha uma formação humanística comprometida com o

exercício pleno da cidadania.

COMPORTAMENTO HUMANO E ESPIRITUALIDADE

Desde os primórdios da humanidade, sempre houve uma preocupação e necessidade

de explicar os fenômenos que envolviam a vida e morte do homem. Começou a ser

desenvolvida uma sociedade, na qual se utilizavam instrumentos, realizava trabalhos artísticos

rústicos, domesticação dos animais e surgindo a agricultura. Ocorreu uma intensificação da

vivência em grupos através da linguagem e essas primeiras civilizações alcançam o sentido do

espírito, buscando entendimento e fazendo sentido da vida, se reconhecendo como seres vivos

que possuem inteligência e consciência. Se auto-organizam, tomam consciência de si, através

de uma autoconsciência, auto-explicação e finalmente se tornam seres vivos conscientes,

espíritos humanos livres, capazes de fazer escolhas.

Após o homem tomar consciência que é um ser vivo consciente, tenta entender a si, o

outro, a sociedade, a cultura, o cosmo, o universo e Deus. Ao tentar entender esse todo, ele

participa de uma cosmovisão, resultando na tentativa de entendimento do todo, permitindo

que tenha mais consciência e mais inteligência, resultando em um conhecimento maior.

Esse ser vivo consciente, que é o espírito, busca conhecimento através de um senso

comum, de sobrevivência, tomando consciência de suas limitações, tentando significar e

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resignificar a vida, buscando entendimentos que vem através de questionamentos de sua

origem e sua gênese. Faz reflexão sobre o futuro buscando essa compreensão através do

conhecimento religioso (espiritual) e obtém explicações na cultura, no conhecimento

acumulado e descobre que muitas dessas explicações eram místicas, baseadas em rituais e

dogmas devido a falta de entendimento e conhecimento da época.

E, através da cogência dos conhecimentos religioso, filosófico e científico, o homem

busca um sentido, uma razão e propósito para sua vida fomentado na transdiciplinalidade que

visa a unidade do conhecimento, estimulando uma nova compreensão da realidade,

articulando elementos que passam entre, além e através das disciplinas, numa busca de

compreensão da complexidade.

A espiritualidade requer uma ação que permita o desdobramento singular de cada um,

gerando um sistema de idéias, devendo sempre fazer contextualização, crítica e

aperfeiçoamento do entendimento. Interessante observar que se esta fazendo um segundo

olhar e uma resignificação possíveis de mudança que podem - e devem - ser substituídos

quando necessário.

Esta não é, entretanto, uma visão meramente filosófica. A capacidade de atribuir

significado não pode ser artificialmente reproduzida. Penrose, em Dal big bang all'eternità. I

cicli temporali che danno forma all'universo (2006), provou matematicamente que os

computadores não conseguem simular a única característica que define a mente humana, o

significado. De acordo com Goswami, em O médico quântico (2006), a mente não é física,

assim, não é atribuída ao corpo ou ao cérebro, mas sim, extra-físicamente. Assim, reconhecer

a capacidade de distinguir o homem das demais espécies, diferenciando sua mente de uma

máquina, aceitando-a como algo externo ao próprio corpo, é reconhecer a espiritualidade.

Considera-se espiritualidade, então, o conjunto de todas as emoções e convicções de

natureza não material, com a suposição que há mais no viver do que pode ser percebido ou

plenamente compreendido, remetendo a questões como significadas e sentidas da vida, não se

limitando a qualquer tipo de crença ou prática religiosa segundo Volcan, Relação entre bem-

estar espiritual e transtornos psiquiátricos menores: estudo transversal (2003).

Segundo Frei Betto et al, Ética (1997, p. 15-36) a espiritualidade não é uma questão

simplesmente religiosa, é uma questão de educação, de subjetividade, de interioridade. É uma

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forma de reeducarmos para a comunhão conosco mesmos, para a comunhão com a natureza,

para a comunhão com o próximo e com Deus.

AUTOCONHECIMENTO E ESPIRITUALIDADE

O ser humano possui uma propensão a buscar constantemente significado para a vida

por meio de conceitos que transcendem o palpável e o mensurável, que pode ou não incluir

uma participação religiosa formal. Esta busca e crença em um sentido de conexão com algo

maior que si próprio de acordo com Saad et al. (2001), pode ser chamada de espiritualidade.

A busca de sentido e de significado é uma das necessidades fundamentais do ser

humano, que o distingue das demais espécies. O ser humano é um ser em relação: consigo

mesmo, com seus semelhantes, com a natureza, com a divindade. A espiritualidade sempre

tem a ver com o transcender a si mesmo e para transcender a si mesmo é preciso entrar em

relação segundo Ferrer, Medicina y espiritualidad: redescubriendo una antigua alianza

(2002).

O ser humano na busca constante de conhecimento tenta entender a si, o outro, a

sociedade, a cultura, o cosmo e o universo. Ao tentar compreender esse todo ele alcança a

cosmovisão resultando no entendimento da origem, da gênese, significado que remete a Deus,

Creador3 de tudo. O entendimento e compreensão desse todo, juntamente com o

autoconhecimento, aproxima o homem de Deus.

BIOÉTICA E ESPIRITUALIDADE

Bioética e espiritualidade são áreas do conhecimento que se aproximam na medida em

que questões relativas à bioética lidam com a expressão material da vida e também com a

espiritualidade. Partindo do princípio que o objeto de estudo da bioética são as questões

relacionadas à vida, estudando as dimensões morais das ciências da vida e do cuidado da

saúde, utiliza uma variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar.

Os princípios que fundamentam a concepção da bioética estão em absoluta

concordância com as leis naturais que regem o universo e que indicam o que o homem deve

fazer para ser feliz. Essa lei divina ou natural, segundo Kardec no Livro dos Espíritos (2009)

3 Creador do Universo. Crear é a manifestação da essência em forma de existência. Criar é a transição de uma

existência para outra existência (ROHDEN, 2007, p. 11).

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está escrita na consciência humana. O instrumento para distinguir o bem e o mal, é o uso da

inteligência, que permite o discernimento, mediada pela vontade de fazer o bem. A máxima

de amor é capaz de estabelecer novos patamares de relação entre os seres humanos impondo

um novo status evolutivo para a humanidade.

A bioética, de acordo com o modelo explicativo da complexidade, tem as seguintes

características: interdisciplinaridade, o pluralismo, a humildade, a responsabilidade, o senso

de humanidade, dentre outras. Segundo Goldim, Bioética e espiritualidade (2007):

No processo de tomada de decisão o sistema de crenças de uma pessoa tem papel

fundamental. Estas crenças, incluindo-se as religiosas, afetam a sua percepção e

leitura do mundo, o conjunto das alternativas disponíveis e a seleção da ação que irá

ser realizada ou não. Os aspectos religiosos ou espirituais devem estar também

incluídos em uma reflexão bioética, sempre preservando o caráter plural da

discussão e não assumindo uma posição sectária.

PERSPECTIVAS DA BIOÉTICA E ESPIRITUALIDADE

As ciências biomédicas, aliadas à tecnologia na sociedade pós-moderna, permitem

manipular o ser humano em todas as fronteiras da vida, surgindo, em consequência, questões

éticas que vão ao encontro dos valores espirituais. Esse fato é motivado pela força econômica

que a ciência e a tecnologia adquiriram na cultura do mundo globalizado. A perspectiva da

bioética é desenvolver no exercício das profissões, voltadas para a área de saúde, a formação

de cidadãos comprometidos com a construção de uma sociedade solidária, justa e, portanto,

mais humana.

A medicina, alicerçada na ciência com seus avanços tecnológicos e científicos,

representa, para os dias atuais um mundo de descobertas e possibilidades nunca antes

imaginadas na área da saúde. Esse fato permite salvar mais vidas, revolucionando a qualidade

da cura e longevidade das pessoas. Todavia, se torna menos acessível para pacientes menos

abastados ou mesmo para o sistema de saúde governamental.

BIOÉTICA E PESQUISA CIENTÍFICA

No campo da pesquisa, cada vez se torna mais indispensável a formação de comitês de

ética e bioética, com o intuito de modernizar e normatizar condutas que eventualmente

venham ferir a dignidade do ser humano. A pesquisa tem o objetivo de encontrar na pessoa

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espiritualizada um sentido moral e ético buscando seu entendimento e compreensão de sua

realidade como ser, gerando um embasamento de comportamento em relação ao próximo.

Em 1993 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO) criou o Comitê Internacional de Bioética cujo estatuto foi aprovado em maio de

1998. O Comitê tem a missão de manter-se à frente do progresso em genética, procurando

assegurar o respeito aos valores da liberdade e da dignidade humana em relação aos riscos

potenciais de atitudes irresponsáveis em pesquisa biomédica. O surgimento do órgão teve

como objetivo responder às principais preocupações envolvidas no progresso nas ciências

biológicas, em particular a genética e a biotecnologia. O órgão foi concebido como um foro

privilegiado para o debate, as trocas de ideias e informações, com um caráter multidisciplinar.

Desde seu surgimento, tem realizado reuniões anuais para estudar os aspectos éticos e legais

de temas como aconselhamento genético, genética de populações, acesso a tratamentos

experimentais, alimentos geneticamente modificados, entre outros. No campo científico,

especificamente aquele envolvido em pesquisa com seres humanos, o bem-estar das pessoas

que se submetem as pesquisas deve sempre prevalecer sobre os interesses da ciência e mesmo

da sociedade. Este pressuposto é apresentado em diversos documentos internacionais como as

Declarações de Nuremberg e Helsinque. A Declaração de Nuremberg é a primeira

normatização sobre ética em pesquisa envolvendo seres humanos, resultado do julgamento

dos crimes nazistas cometidos contra a humanidade. Sua revisão pela Assembléia Geral da

Associação Médica Mundial, em 1964, resultou na Declaração de Helsinque, documento de

referência internacional - atualizado cinco vezes - que estabelece diretrizes para as pesquisas

médicas de modo a preservar a integridade física e moral dos voluntários (MARTIN, Bioética

em pesquisa: uma perspectiva brasileira, 2002).

Segundo Oliveira, na obra Bioética: uma face da cidadania (1997), atualmente

bioética é uma disciplina reconhecida praticamente em todos os cursos na área de saúde e na

maioria dos cursos da área de humanas das universidades europeias e norte-americanas. No

Brasil, muitos cursos de graduação dedicam à bioética uma carga horária mínima.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo de desenvolvimento atual é baseado no consumo exacerbado,

proporcionado pela busca desenfreada de prazer e posses. Esse comportamento vem gerando

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um vazio espiritual que obriga o ser humano a recorrer à interioridade de valores que alimenta

e recompõe permitindo a volta para a espiritualidade. Na medida em que a espiritualidade se

traduz em compaixão, fraternidade e solidariedade, é possível exercer a ética em sua

plenitude, pois possibilitará a comunhão de todos e para com o próximo.

A religiosidade, na medida em que orienta para a busca de princípios e virtudes,

subsidia a espiritualidade, como ensinou Jesus Cristo e, modernamente, como sugere a ética

do Dalai-Lama. A espiritualidade indica que a vida é substancialmente o que não se vê, mas o

que se sente.

A bioética, como um neologismo da ética, é uma área de conhecimento interdisciplinar

de base filosófica e antropológica voltada para os dilemas decorrentes do avanço científico e

tecnológico no que concerne à pesquisa envolvendo os seres humanos e o meio ambiente. É

urgente sua conscientização e vivência em uma “Aldeia Global”, exigindo soluções éticas

permanentes para seus problemas. Como resultado, essa atitude ética universalista impele os

diversos grupamentos humanos a vivenciar novos parâmetros para uma sociedade mais justa e

fraterna.

A bioética representa uma proposta de tolerância e esperança para a pluralidade moral

da humanidade nas suas diferenças de crenças e valores em todos os campos relacionados às

ciências da vida. Pelo seu caráter transdisciplinar, se apresenta como um instrumento valioso

e indispensável para o diálogo que envolve questões éticas levantadas pelas decisões clínicas,

pelos avanços científicos e tecnológicos. E o maior exemplo se manifesta na composição

pluralista e interdisciplinar das comissões bioéticas dos hospitais e universidades.

Diante do avanço científico e tecnológico que permeia todos os setores envolvidos

com a saúde, é importante que o estudante das áreas de saúde e os médicos se conscientizem

que a missão mais importante é a de promover a saúde e não de ser um manipulador de

tecnologia. Infelizmente, muitas vezes esse público se observa comprometido com dilemas

éticos, mas devem procurar entender que a medicina mais humana se distingue da medicina

tecnológica pelas características que envolvem o desempenho do profissional como forma de

avaliação e competência e seu desenvolvimento não pode ir contra a valorização do ser

humano e sua felicidade.

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