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Apostila do curso
UMA INTRODUO
MUSEOLOGIA SOCIAL ministrado por Mario Chagas
Data: 23/05/2015 a 27/06/2015 Dias e Horrios: Sbados, 10h s 17h. (Dia 6/6 no haver aula)
Realizao:
Centro de Pesquisa e Formao/ Sesc SP Endereo: Rua Dr. Plnio Barreto, 285 - 4 andar, Bela Vista - So Paulo SP. CEP 01313-020 Site: http://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/ E-mail: [email protected] Facebook: https://www.facebook.com/CentrodePesquisaeFormacao Telefone: 11.3254-5600. Horrio de Funcionamento: segunda a sexta, 10h s 22h/ sbados e feriados, 9h30 s 18h30
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UMA INTRODUO MUSEOLOGIA SOCIAL
A coletnea de textos aqui apresentada faz parte do Curso Uma
Introduo Museologia Social ministrado por Mario Chagas e realizado
pelo Centro de Pesquisa e Formao do SESC So Paulo.
Trata-se de um conjunto de documentos que resultaram de trabalho
coletivo e de textos de autores que se dedicaram e se dedicam s reflexes e
prticas da Museologia Social e do Patrimnio Cultural.
O objetivo da coletnea contribuir para a formao cultural, cientfica e
cidad de indivduos que estejam abertos aos afetos, que no tenham medo de
afetar e ser afetados pelos processos museais e patrimoniais de origem
popular e comunitria.
Oxal! Esse material produza benefcios sem conta.
Mario Chagas
Maio de 2015
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SUMRIO
1. Ementa e Programa 4
2. Mesa Redonda de Santiago do Chile 6
3. Declarao de Quebec 15
4. Definio Evolutiva de Ecomuseu 18
5. Definio Evolutiva da Sociomuseologia 20
6. Declarao do Rio MINOM 2013 27
7. Reflexo Sobre A Nova Museologia 29
8. Museus, Memria e Movimentos Sociais 59
9. Museus, Educao e Patrimnio: Tenso, Devorao e Adjetivao 70
10. Museus e Sociedades 78
11. Mensagem do Colegiado de Diretores do Museu de Favela para o livro
Circuito Casas -Tela Caminhos de Vida no Museu de Favela 106
12. Apresentao do livro Circuito Casas-Tela Caminhos de Vida no Museu
de Favela 108
13. Patrimnio o caminho das formigas 111
14. Museu, patrimnio e cidade: camadas de sentido em Paraty 130
15. PATRIMNIO 145
4
Ementa e Programa
O curso objetiva contribuir para a reflexo, o desenvolvimento e a apropriao de contedos, informaes e experincias de Museologia Social ou Sociomuseologia, estimulando o desenvolvimento de prticas e reflexes em dilogo. Haver visita Casa da Pedra, em Paraispolis. Durante longo tempo os museus serviram apenas para preservar os registros de memria e a viso de mundo das classes mais abastadas; de igual modo funcionaram como dispositivos ideolgicos do estado e tambm para disciplinar e controlar o passado, o presente e o futuro das sociedades em movimento. Na atualidade, ao lado dessas prticas clssicas um fenmeno novo j pode ser observado. O museu est passando por um processo de democratizao, de ressignificao e de apropriao cultural. J no se trata apenas de democratizar o acesso aos museus institudos, mas sim de democratizar o prprio museu compreendido como tecnologia, como ferramenta de trabalho, como dispositivo estratgico para uma relao nova, criativa e participativa com o passado, o presente e o futuro. Vale ainda considerar que ele ferramenta e artefato, podendo servir tambm para tiranizar a vida, a histria, a cultura; para aprisionar o passado e aprisionar os seres e as coisas no passado e na morte. Deste modo para entrar no reino narrativo dos museus preciso confiar desconfiando, necessria uma perspectiva crtica: os museus so lugares de memria e de esquecimento, assim como so lugares de poder, de combate, de conflito, de litgio, de silncio e de resistncia; em certos casos, podem at mesmo ser no-lugares. Toda a tentativa de reduzir os museus a um nico aspecto corre o risco de no dar conta da complexidade do panorama museal no mundo contemporneo. O curso voltado a profissionais do campo da cultura, da memria, do patrimnio e dos museus, estudantes de cincias humanas e sociais, educadores, artistas, poetas, militantes sociais e demais interessados no tema. Sero aulas expositivas, debates, leituras coletivas e individuais. Oficinas envolvendo pesquisa de campo, observao, realizao de fotografias e vdeos. Apresentao de vdeos. Estudos, pesquisas e orientaes virtuais. Avaliao coletiva e participativa.
I. Museu, museologia e patrimnio: conceitos bsicos. Museu, museologia e patrimnio como campos de disputa e de ocupao do passado, do presente e do futuro. Museu, museologia e patrimnio em perspectiva diacrnica e sincrnica. Classificao tipolgica de museus: classificar e desclassificar. Museu, museologia e patrimnio do final do sculo XVIII Segunda Guerra Mundial. Museu, museologia e patrimnio aps a Segunda Guerra Mundial.
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II. Memria e Museologia Social: antecedentes e descendentes. Memria em debate. Antecedentes - reflexes e experincias que inspiram e amparam a Museologia Social: Museu do ndio (RJ), Museu de Imagens do Inconsciente (RJ), Museu de Arte Negra (RJ), Museu Nacional da Nigria, Museu de Anacstia, Ecomuseu da Comunidade de Cresout Montceau, Ecomuseu do Seixal, Museu Etnolgico de Monte Redondo, museus comunitrios do Mxico e outros. Descendentes Experincias contemporneas como o Museu do Patrimnio Vivo da Grande Paraba e os museus indgenas do Cear. Dobraduras e desdobramentos da Museologia Social ou Sociomuseologia. III. Museologia Social: prticas e experincias diretas Do Museu da Mar, passando pelo Museu Vivo de So Bento, passando pelo Museu de Favela, chegando aos 12 Pontos de Memria e indo alm. A crise contempornea dos museus sociais e as questes de propriedade do territrio. A Museologia Social e os movimentos sociais: LGBT, MST, Comunidades Indgenas e Quilombolas. IV. A Museologia Social e seus documentos fundadores. Da Mesa Redonda de Santiago do Chile (1972) Declarao do Rio XV Conferncia Internacional do MINOM (2013), passando pela Declarao de Quebec (1984) e pelo Encontro Internacional de Museus no Rio de Janeiro (1992). V. Viagem de estudo: mergulho radical na Museologia Social Haver uma visita tcnica Casa da Pedra, em Paraispolis.
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MESA-REDONDA DE SANTIAGO DO CHILE ICOM, 1972
I. Princpios de Base do Museu Integral
Os membros da Mesa-Redonda sobre o papel dos museus na Amrica
Latina de hoje, analisando as apresentaes dos animadores sobre os
problemas do meio rural, do meio urbano, do desenvolvimento tcnico-
cientfico, e da educao permanente, tomaram conscincia da importncia
desses problemas para o futuro da sociedade na Amrica Latina.
Pareceu-lhes necessrio, para a soluo destes problemas, que a
comunidade entenda seus aspectos tcnicos, sociais, econmicos e polticos.
Eles consideraram que a tomada de conscincia pelos museus, da situao
atual, e das diferentes solues que se podem vislumbrar para melhor-la,
uma condio essencial para sua integrao vida da sociedade. Desta
maneira, consideraram que os museus podem e devem desempenhar um
papel decisivo na educao da comunidade.
Santiago, 30 de Maio de 1972.
II. Resolues adotadas pela Mesa-Redonda de Santiago do Chile
1. Por uma mutao do museu da Amrica Latina,
Considerando:
Que as transformaes sociais, econmicas e culturais que se
produzem no mundo, e, sobretudo em um grande nmero de regies em
via de desenvolvimento, so um desafio para a Museologia;
Que a humanidade vive atualmente em um perodo de crise profunda;
que a tcnica permitiu civilizao material realizar gigantescos
progressos que no tiveram equivalncia no campo cultural; que esta
situao criou um desequilbrio entre os pases que atingiram um alto
nvel de desenvolvimento material e aqueles que permaneceram
margem desta expanso e que foram mesmo abandonados ao longo de
sua histria; que os problemas da sociedade contempornea so
devidos a injustias, e que no possvel pensar em solues para
estes problemas enquanto estas injustias no forem corrigidas;
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Que os problemas colocados pelo progresso das sociedades no mundo
contemporneo devem ser pensados globalmente e resolvidos em seus
mltiplos aspectos; que eles no podem ser resolvidos por uma nica
cincia ou por uma nica disciplina; que a escolha das melhores
solues a serem adotadas, e sua aplicao, no devem ser apangio
de um grupo social, mas exigem ampla e consciente participao e
pleno engajamento de todos os setores da sociedade;
Que o museu uma instituio a servio da sociedade, da qual parte
integrante e que possui nele mesmo os elementos que lhe permitem
participar na formao da conscincia das comunidades que ele serve;
que ele pode contribuir para o engajamento destas comunidades na
ao, situando suas atividades em um quadro histrico que permita
esclarecer os problemas atuais, isto , ligando o passado ao presente,
engajando-se nas mudanas de estrutura em curso e provocando outras
mudanas no interior de suas respectivas realidades nacionais;
Que esta nova concepo no implica na supresso dos museus atuais,
nem na renncia aos museus especializados, mas que se considera que
ela permitir aos museus se desenvolverem e evolurem da maneira
mais racional e mais lgica, a fim de melhor servir sociedade; que, em
certos casos, a transformao prevista ocorrer lenta e mesmo
experimentalmente, mas que, em outros, ela poder ser o princpio
diretor essencial;
Que a transformao das atividades dos museus exige a mudana
progressiva da mentalidade dos conservadores e dos responsveis
pelos museus assim como das estruturas das quais eles dependem;
que, de outro lado, o museu integral necessitar, a ttulo permanente ou
provisrio, da ajuda de especialistas de diferentes disciplinas e de
especialistas de cincias sociais.
Que por suas caractersticas particulares, o novo tipo de museu parece
ser o mais adequado para uma ao em nvel regional, em pequenas
localidades, ou de mdio tamanho;
Que, tendo em vista as consideraes expostas acima, e o fato do
museu ser uma "instituio a servio da sociedade, que adquire,
comunica, e notadamente expe, para fins de estudo, conservao,
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educao e cultura, os testemunhos representativos da evoluo da
natureza e do homem", a Mesa-Redonda sobre o papel do museu na
Amrica Latina de hoje, convocada pela UNESCO em Santiago do
Chile, de 20 a 31 de maio de 1972.
Decide de uma maneira geral
1. Que necessrio abrir o museu s disciplinas que no esto includas no
seu mbito de competncia tradicional, a fim de conscientiz-lo do
desenvolvimento antropolgico, scio-econmico e tecnolgico das naes
da Amrica Latina, atravs da participao de consultores para a orientao
geral dos museus;
2. Que os museus devem intensificar seus esforos na recuperao do
patrimnio cultural, para faz-lo desempenhar um papel social e evitar que
ele seja dispersado fora dos pases latino-americanos;
3. Que os museus devem tornar suas colees o mais acessvel possvel
aos pesquisadores qualificados, e tambm, na medida do possvel, s
instituies pblicas, religiosas e privadas;
4. Que as tcnicas museogrficas tradicionais devem ser modernizadas
para estabelecer uma melhor comunicao entre o objeto e o visitante; que
o museu deve conservar seu carter de instituio permanente, sem que
isto implique na utilizao de tcnicas e de materiais dispendiosos e
complicados, que poderiam conduzir o museu a um desperdcio
incompatvel com a situao dos pases latino-americanos;
5. Que os museus devem criar sistemas de avaliao que lhes permitam
determinar a eficcia de sua ao em relao comunidade;
6. Que, levando em considerao os resultados da pesquisa sobre as
necessidades atuais dos museus e sua carncia de pessoal, a ser realizada
sob os auspcios da UNESCO, os centros de formao de pessoal
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existentes na Amrica Latina devem ser aperfeioados e desenvolvidos
pelos prprios pases; que esta rede de centros de formao deve ser
completada e sua influncia se fazer sentir no plano regional; que a
reciclagem de pessoal atual deve ser garantida em nvel nacional e
regional; e que lhe seja dada a possibilidade de aperfeioamento no
estrangeiro.
Em relao ao meio rural
Que os museus devam, acima de tudo, servir conscientizao dos
problemas do meio rural, das seguintes maneiras:
a) Exposio de tecnologias aplicveis ao aperfeioamento da vida da
comunidade;
b) Exposies culturais propondo solues diversas ao problema do meio
social e tecnolgico, a fim de proporcionar ao pblico uma conscincia mais
aguda sobre estes problemas, e reforar as relaes nacionais, a saber:
i. Exposies relacionadas com o meio rural nos museus urbanos;
ii. Exposies itinerantes;
iii. Criao de museus de stios.
Em relao ao meio urbano
Que os museus devam servir conscientizao mais profunda dos
problemas do meio urbano, das seguintes maneiras:
a) Os "museus de cidade" devero insistir de modo particular no
desenvolvimento urbano e nos problemas que ele coloca, tanto em suas
exposies quanto em seus trabalhos de pesquisa;
b) Os museus devero organizar exposies especiais ilustrando os
problemas do desenvolvimento urbano contemporneo;
c) Com a ajuda dos grandes museus, devero ser organizadas exposies,
e criados museus em bairros e nas zonas rurais, para informar os
habitantes das vantagens e inconvenientes da vida nas grandes cidades;
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d) Dever ser aceita a oferta do Museu Nacional de Antropologia do
Mxico, de experimentar, atravs de uma exposio temporria sobre a
Amrica Latina, as tcnicas museolgicas do museu integral.
Em relao ao desenvolvimento cientfico e tcnico
Que os museus devem levar conscientizao da necessidade de um
maior desenvolvimento cientfico e tcnico, das seguintes maneiras:
a) Os museus estimularo o desenvolvimento tecnolgico, levando em
considerao a situao atual da comunidade;
b) Na ordem do dia das reunies dos ministros de educao e (ou) das
organizaes especialmente encarregadas do desenvolvimento cientfico e
tcnico, dever ser inscrita a utilizao dos museus como meio de difuso
dos progressos realizados nestas reas;
c) Os museus devero dar enfoque difuso dos conhecimentos cientficos
e tcnicos, por meio de exposies itinerantes que devero contribuir para a
descentralizao de sua ao.
Em relao educao permanente
Que o museu, agente incomparvel da educao permanente da
comunidade, dever acima de tudo desempenhar o papel que lhe cabe, das
seguintes maneiras:
a) Um servio educativo dever ser organizado nos museus que ainda no
o possuem, a fim de que eles possam cumprir sua funo de ensino; cada
um desses servios ser dotado de instalaes adequadas e de meios que
lhe permitam agir dentro e fora do museu;
b) Devero ser integrados poltica nacional de ensino, os servios que os
museus devero garantir regularmente;
c) Devero ser difundidos nas escolas e no meio rural, atravs dos meios
audiovisuais, os conhecimentos mais importantes;
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d) Dever ser utilizado na educao, graas a um sistema de
descentralizao, o material que o museu possuir em muitos exemplares;
e) As escolas sero incentivadas a formar colees e a montar exposies
com objetos do patrimnio cultural local;
f) Devero ser estabelecidos programas de formao para professores dos
diferentes nveis de ensino (primrio, secundrio, tcnico e universitrio).
As presentes recomendaes confirmam aquelas que puderam ser
formuladas ao longo dos diferentes seminrios e mesas-redondas sobre
museus, organizadas pela UNESCO.
Pela criao de uma Associao Latino Americana de Museologia
Considerando
Que os museus so instituies a servio da sociedade, que adquire,
comunica e, notadamente, expe, para fins de estudo, educao e cultura, os
testemunhos representativos da evoluo da natureza e do homem;
Que, especialmente nos pases latino-americanos, eles devem responder
s necessidades das grandes massas populares, ansiosas por atingir uma vida
mais prspera e mais feliz, atravs do conhecimento de seu patrimnio natural
e cultural, o que obriga frequentemente os museus a assumir funes que, em
pases mais desenvolvidos, cabem a outros organismos;
Que os museus e os muselogos latino-americanos, com raras excees,
sofrem dificuldades de comunicao em razo das grandes distncias que os
separam um do outro, e do resto do mundo;
Que a importncia dos museus e as possibilidades que eles oferecem
comunidade ainda no so plenamente reconhecidas por todas as autoridades,
nem por todos os setores do pblico;
Que durante a oitava e a nona conferncia geral do ICOM, que ocorreram,
respectivamente, em Munique em 1968, e em Grenoble em 1971, os
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muselogos latino americanos que estiveram presentes indicaram a
necessidade de criao de um organismo regional;
A Mesa-Redonda sobre o papel dos museus da Amrica Latina de hoje,
convocada pela UNESCO em Santiago do Chile, de 20 a 31 de maio de 1972,
decide:
1. Criar a Associao Latino Americana de Museologia (ALAM), aberta a todos
os museus, muselogos, musegrafos, pesquisadores e educadores
empregados pelos museus com os objetivos e atravs das seguintes maneiras:
Dotar a comunidade regional de melhores museus, concebidos luz da
experincia adquirida nos pases latino americanos;
Constituir um instrumento de comunicao entre os museus e os
muselogos latino americanos;
Desenvolver a cooperao entre os museus da regio graas ao
intercmbio e emprstimo de colees e ao intercmbio de informaes
e de pessoal especializado;
Criar um organismo oficial que faa conhecer os desejos e a experincia
dos museus e de seu pessoal aos membros da profisso, comunidade
a qual eles pertencem, s autoridades e a outras instituies
congneres;
Afiliar a Associao Latino Americana de Museologia ao Conselho
Internacional de Museus, adotando uma estrutura na qual seus
membros sejam ao mesmo tempo membros do ICOM;
Dividir, para fins operacionais, a Associao Latino Americana de
Museologia em quatro sees correspondentes provisoriamente s
regies e pases seguintes:
- Amrica Central, Panam, Mxico, Cuba, So Domingos, Porto
Rico, Haiti e Antilhas Francesas.
- Colmbia, Venezuela, Peru, Equador e Bolvia.
- Brasil.
- Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.
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2. Que os abaixo-assinados, participantes da Mesa-Redonda de Santiago do
Chile, se constituem em Comit de Organizao da Associao Latino
Americana de Museologia, e notadamente em um Grupo de Trabalho composto
de cinco pessoas, quatro dentre elas representando cada uma das zonas
acima enumeradas, e a quinta desempenhando o papel de coordenador geral;
que este Grupo de Trabalho ter como objetivo, no prazo mximo de seis
meses, elaborar o Estatuto e os regulamentos da associao; definir com o
ICOM as formas de ao conjunta; organizar eleies para a constituio dos
diversos rgos da ALAM; estabelecer a sede desta associao,
provisoriamente, no Museu Nacional de Antropologia do Mxico; compor este
grupo de trabalho com as seguintes pessoas, representando suas zonas
respectivas:
- Zona 1: Luis Diego Pgnataro (Costa Rica),
- Zona 2: Alicia Durand de Reichel (Colmbia),
- Zona 3: Lygia Martins Costa (Brasil),
- Zona 4: Grete Mostny Glaser (Chile); coordenador: Mario
Vasquez (Mxico).
Santiago, 31 de Maio de 1972.
III. Recomendaes apresentadas UNESCO pela Mesa-Redonda de
Santiago do Chile
Mesa-Redonda sobre o papel do museu na Amrica Latina de hoje,
convocada pela UNESCO em Santiago do Chile, de 20 e 21 de maio de 1972,
apresenta UNESCO as seguintes recomendaes:
1. Um dos resultados mais importantes a que chegou a mesa-redonda foi a
definio e a proposio de um novo conceito de ao dos museus: o museu
integral, destinado a proporcionar comunidade uma viso de conjunto de seu
meio material e cultural. Ela sugere que a UNESCO utilize os meios de difuso
que se encontram sua disposio para incentivar esta nova tendncia.
2. A UNESCO prosseguiria e intensificaria seus esforos para contribuir com
formao de tcnicos de museus - tanto no nvel de ensino secundrio quanto
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ao do universitrio, como ela tem feito, at agora, no Centro Regional "Paul
Coreanas".
3. A UNESCO incentivar a criao de um Centro Regional para a preparao
e a conservao de espcimes naturais, do qual o atual Centro Nacional de
Museologia de Santiago poder se constituir em ncleo original. Alm de sua
funo de ensino (formao tcnica) e de sua funo profissional no campo da
museologia (preparao de conservao de espcimes naturais), e de
produo de material de ensino, este Centro Regional poder desempenhar um
papel importante na proteo das riquezas naturais.
4. A UNESCO dever conceder bolsas de estudo e de aperfeioamento para
tcnicos de museus com instruo de nvel secundrio.
5. A UNESCO dever recomendar aos ministrios de Educao e de Cultura e
(ou) aos organismos encarregados de desenvolvimento cientfico, tcnico e
cultural, que considerem os museus como um meio de difuso dos progressos
realizados naquelas reas.
6. Em razo da importncia do problema da urbanizao na Amrica Latina e
da necessidade de esclarecer a sociedade a este respeito, em diferentes
nveis, a UNESCO dever encorajar a redao de um livro sobre a histria, o
desenvolvimento e os problemas das cidades na Amrica Latina, o qual seria
publicado sob forma de obra cientfica e sob forma de obra de divulgao. Para
atingir um pblico mais vasto, a UNESCO dever produzir um filme sobre esta
questo, adequado a todos os tipos de pblico.
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DECLARAO DE QUEBEC
PRINCPIOS DE BASE DE UMA NOVA MUSEOLOGIA
1984
Introduo
Um movimento de nova museologia tem a sua primeira expresso
pblica e internacional em 1972 na Mesa-Redonda de Santiago do Chile
organizada pelo ICOM. Este movimento afirma a funo social do museu e o
carter global das suas intervenes.
Proposta
1. Considerao de ordem universal
A museologia deve procurar, num mundo contemporneo que tenta
integrar todos os meios de desenvolvimento, estender suas atribuies e
funes tradicionais de identificao, de conservao e de educao, a prticas
mais vastas que estes objetivos, para melhor inserir sua ao naquelas ligadas
ao meio humano e fsico.
Para atingir este objetivo e integrar as populaes na sua ao, a
museologia utiliza-se cada vez mais da interdisciplinaridade, de mtodos
contemporneos de comunicao comuns ao conjunto da ao cultural e
igualmente dos meios de gesto moderna que integram os seus usurios.
Ao mesmo tempo que preserva os frutos materiais das civilizaes passadas, e
que protege aqueles que testemunham as aspiraes e a tecnologia atual, a
nova museologia ecomuseologia, museologia comunitria e todas as outras
formas de museologia ativa interessa-se em primeiro lugar pelo
desenvolvimento das populaes, refletindo os princpios motores da sua
evoluo ao mesmo tempo que as associa aos projetos de futuro.
Este novo movimento pe-se decididamente ao servio da imaginao
criativa, do realismo construtivo e dos princpios humanitrios definidos pela
comunidade internacional. Torna-se, de certa forma, um dos meios possveis
de aproximao entre os povos, do seu conhecimento prprio e mtuo, do seu
16
desenvolvimento cclico e do seu desejo de criao fraterna de um mundo
respeitador da sua riqueza intrnseca.
Neste sentido, este movimento, que deseja manifestar-se de uma forma
global, tem preocupaes de ordem cientfica, cultural, social e econmica.
Este movimento utiliza, entre outros, todos os recursos da museologia (coleta,
conservao, investigao cientfica, restituio, difuso, criao), que
transforma em instrumentos adaptados a cada meio e projetos especficos.
2. Tomada de posio
Verificando que mais de quinze anos de experincias de nova
museologia ecomuseologia, museologia comunitria e todas as outras formas
de museologia ativa pelo mundo foram um fator de desenvolvimento crtico
das comunidades que adotaram este modo de gesto do seu futuro.
Verificando a necessidade sentida unanimemente pelos participantes nas
diferentes mesas de reflexo e pelos intervenientes consultados, de acentuar
os meios de reconhecimento deste movimento; verificando a vontade de criar
as bases organizativas de uma reflexo comum e das experincias vividas em
vrios continentes; verificando o interesse em se dotar de um quadro de
referncia destinado a favorecer o funcionamento destas novas museologias e
de articular em consequncia os princpios e meios de ao; considerando que
a teoria dos Ecomuseus e dos museus comunitrios (museus de vizinhana,
museus locais...) nasceu das experincias desenvolvidas em diversos meios
durante mais de 15 anos. adotado o que se segue:
A - que a comunidade museal internacional seja convidada a reconhecer este
movimento, a adotar e a aceitar todas as formas de museologia ativa na
tipologia dos museus;
B - que tudo seja feito para que os poderes pblicos reconheam e ajudem a
desenvolver as iniciativas locais que colocam em aplicao estes princpios;
C - que neste esprito, e no intuito de permitir o desenvolvimento e eficcia
destas museologias, sejam criadas em estreita colaborao as seguintes
estruturas permanentes:
Um comit internacional Ecomuseus/ Museus comunitrios no quadro
do ICOM (Conselho Internacional de Museus);
17
Uma federao internacional da nova museologia que poder ser
associada ao ICOM e ao ICOMOS (Conselho Internacional dos
Monumentos e Stios), cuja sede provisria ser no Canad;
D - que seja formado um grupo de trabalho provisrio cujas primeiras aes
seriam: a organizao das estruturas propostas, a formulao de objetivos, a
aplicao de um plano trienal de encontros e de colaborao internacional.
Quebec, 12 de Outubro de 1984.
18
DEFINIO EVOLUTIVA DE ECOMUSEU
George-Henri Rivire
Um ecomuseu um instrumento que um poder e uma populao
fabricam e exploram juntos. Este poder, com os especialistas, as instalaes,
os recursos que fornece. Esta populao, de acordo com suas aspiraes,
seus saberes, suas competncias.
Um espelho onde esta populao se olha, para se reconhecer, onde ela
procura a explicao do territrio onde vive, onde viveram as populaes
precedentes, na descontinuidade ou na continuidade das geraes. Um
espelho que esta populao mostra aos visitantes, para ser melhor
compreendida, no respeito do seu trabalho, dos seus comportamentos, da sua
intimidade.
Uma expresso do homem e da natureza. O homem interpretado no seu
meio natural. A natureza interpretada no seu estado selvagem, mas tambm na
medida em que a sociedade tradicional e a sociedade industrial adaptaram-na
sua imagem.
Uma expresso do tempo, quando a explicao remonta a tempos
anteriores apario do homem, passando pelos tempos pr-histricos e
histricos que ele viveu, chegando ao tempo em que ele vive hoje. Com uma
abertura para o tempo de amanh, sem que, no entanto, o ecomuseu se
coloque como quem decide, mas desempenhando um papel de informao e
anlise crtica.
Uma interpretao do espao. Espaos privilegiados, onde parar, onde
caminhar. Um laboratrio, na medida em que contribui ao estudo histrico e
contemporneo desta populao e do seu meio e favorece a formao de
especialistas nestas reas, em cooperao com instituies de pesquisa de
fora.
19
Um conservatrio, na medida em que ajuda na preservao e
valorizao do patrimnio natural e cultural desta populao.
Uma escola, na medida em que associa esta populao s suas aes
de estudo e proteo, em que estimula uma melhor percepo dos problemas
do seu prprio futuro.
DEFINIO EVOLUTIVA DA SOCIOMUSEOLOGIA
Proposta para reflexo
20
Mrio C. Moutinho
A Sociomuseologia traduz uma parte considervel do esforo de
adequao das estruturas museolgicas aos condicionalismos da sociedade
contempornea.
A abertura do museu ao meio e a sua relao orgnica com o contexto
social que lhe d vida, tm provocado a necessidade de elaborar e esclarecer
relaes, noes e conceitos que podem dar conta deste processo.
A Sociomuseologia constitui-se assim como uma rea disciplinar de
ensino, investigao e actuao que privilegia a articulao da museologia em
particular com as reas do conhecimento das Cincias Humanas, dos Estudos
do Desenvolvimento, da Cincia de Servios e do Planejamento do Territrio.
A abordagem multidisciplinar da Sociomuseologia visa consolidar o
reconhecimento da museologia como recurso para o desenvolvimento
sustentvel da humanidade, assente na igualdade de oportunidades e na
incluso social e econmica.
A Sociomuseologia assenta a sua interveno social no patrimnio
cultural e natural, tangvel e intangvel da humanidade.
O que caracteriza a Sociomuseologia no propriamente a natureza dos
seus pressupostos e dos seus objectivos, como acontece em outras reas do
conhecimento, mas a interdisciplinaridade com que apela a reas do
conhecimento perfeitamente consolidadas e as relaciona com a Museologia
propriamente dita.
As preocupaes fundamentais da Sociomuseologia h muito que se
encontram descritas em numerosos documentos elaborados dentro e fora da
Museologia.
A titulo de exemplo pode-se referir a Declarao de Santiago do Chile de
1972, a Declarao de Quebec (MINOM) 1984, a Conveno sobre a
proteco e promoo da diversidade das expresses culturais (UNESCO),
2005, a Conveno para a salvaguarda do patrimnio imaterial (UNESCO)
2003, Conveno do Patrimnio Mundial, A Proteco do Patrimnio Mundial
Cultural e Natural, UNESCO Paris, 1972, Em todos estes documentos
aparece um trao de continuidade que indica claramente o alargamento das
funes tradicionais da museologia e o papel que devero assumir na
sociedade contempornea.
21
1- Entre essas preocupaes deve ser referido o carcter global (planetrio)
dos problemas relacionados com a valorizao e proteco do Patrimnio
Cultural e Natural no quadro de uma viso nacional e internacional no s pela
natureza dos problemas mas tambm pela necessidade de assentar politicas
que ultrapassam os limites nacionais e afectam regies ou em muitos casos
dizem respeito ao prprio planeta no seu todo.
Este entendimento resulta em parte da necessidade de envolver
recursos humanos, financeiros e legais cientficos e tcnicos que ultrapassam
claramente a responsabilidade local ou nacional. (Conveno do Patrimnio
Mundial, A Proteco do Patrimnio Mundial Cultural e Natural, UNESCO
Paris, 1972)
2- O reconhecimento que as questes do desenvolvimento tambm tm
vindo a ser consideradas aos nveis local, nacional e internacional no s pela
natureza das questes mas tambm pelo carcter alargado do princpio da
sustentabilidade que obviamente no s ultrapassa as fronteiras como tambm
exige solues globalmente sustentveis.
Neste contexto as solues implicam abordagens multifacetadas e
assentes no princpio da participao que no so especficas de um s grupo
social mas que ao contrrio assentam na participao e no compromisso
individual e colectivo. Cultura e desenvolvimento so cada vez mais elementos
de uma responsabilidade Social onde assenta a interveno museal
3- Tambm largamente reconhecido que todas as sociedades esto em
permanente mudana pelo que a actuao dos museus dever assentar nessa
prpria mudana sempre que procura deter um papel socialmente
interveniente.
Que o museu uma instituio a servio da sociedade, da qual
parte integrante e que possui nele mesmo os elementos que lhe
permitem participar na formao da conscincia das comunidades
que ele serve; que ele pode contribuir para o engajamento destas
comunidades na aco, situando suas actividades em um quadro
histrico que permita esclarecer os problemas atuais, isto ,
ligando o passado ao presente, engajando-se nas mudanas de
estrutura em curso e provocando outras mudanas no interior de
suas respectivas realidades nacionais; (Mesa-Redonda de
Santiago do Chile, ICOM, 1972)
4- Os museus so cada vez instituies entendidas como entidades
prestadoras de servios, pelo que necessitam crescentemente de envolver os
22
conhecimentos das reas da gesto da inovao, do marketing, do design e
das novas tecnologias da informao e da comunicao. Estas reas do
conhecimento trazem para os museus factores de melhoramento da qualidade
da relao dos Museus com os seus pblicos e/ou utilizadores para a qual se
aplicam as ferramentas de avaliao da qualidade.
Estas abordagens essenciais mas efectuadas parcelarmente encontram
agora numa nova rea de conhecimento geralmente denominada por Cincia
de Servios, Gesto e Engenharia. (SSME). Esta rea prope-se reunir e
articular de forma consistente os trabalhos em curso no domnio da informtica,
da engenharia industrial, da estratgia empresarial, das cincias de
administrao, das cincias sociais e cognitivas e das cincias jurdicas de
modo a desenvolver as competncias requeridas por uma economia orientada
e assente cada vez mais na produo e uso de servios. Esta rea do
conhecimento visa o entendimento transversal de outras reas que por si s
atingiram um desenvolvimento considervel, mas que raramente so objecto
de entendimento articulado e dialctico.
Mais do que uma funo propriamente tcnica que resulta do
entendimento do museu com uma instituio ao servio dos objectos
museolgicos os Museus so cada vez mais entendidos como instituies
prestadoras de servios e neste sentido devendo ser compreendidas como
qualquer outra actividade de Servios. A museologia e os museus (no seio da
economia dos servios culturais) ocupam cada vez mais um lugar de destaque
na economia dos servios em geral, a qual representa actualmente 50 a 70%
do PIB dos pases mais desenvolvidos e um lugar crescente na maioria dos
outros pases.
5- A actuao dos recursos humanos envolvidos nas diversas e ampliadas
funes dos museus carecem cada vez mais de formao aprofundada que
ultrapassa as tradicionais formaes tcnicas que esgotam a actuaes dos
museus centrados exclusivamente sobre as suas coleces. As Curricula
Guidelines for Professional Development actualmente em processo de reviso
no seio do ICOM do claramente conta multiplicidade dos campos de formao
de modo a cobrir todas as reas onde o Museu se afirma como reas de
trabalho. De forma resumida a Declarao do ICTOP de Lisboa 1994 j
anunciava este novo processo de reviso da formao dos trabalhadores dos
museus.
Os programas de formao museolgica devem oferecer
oportunidades de formao que visem o preenchimento das
necessidades imediatas e das expectativas da comunidade
museolgica para a munir de uma programao pr-activa em
vez de uma instruo reactiva; (),
23
Os programas de formao museolgica devem preparar
formandos, a todos os nveis, para desempenharem mais
elevados papis de liderana, estimulando a investigao
intelectual, a interaco imaginativa, e solues corajosas para
aplicar a prticas e actividades museolgicas, bem como
transmitindo um senso de responsabilidade tica, profissional e
social;
(Declarao de Lisboa, Resolues da Comisso Internacional de
Formao de Pessoal de Museus - ICTOP/Universidade
Lusfona, 1994)
Esta proposta de definio da Sociomuseologia mais do que um puro
exerccio gramatical pretende na verdade chamar ateno para toda uma vasta
rea de preocupaes, mtodos e objectivos que do cada vez mais sentido a
uma museologia cujos limites no cessam de crescer. A viso restritiva da
museologia como tcnica de trabalho orientada para as coleces, tem dado
lugar a um novo entender e prticas museolgicas orientadas para o
desenvolvimento da humanidade.
E exactamente para esta realidade, fruto da articulao de reas do
saber que cresceram por vezes fora da museologia mas que progressivamente
se tornaram recursos incontornveis para o desenvolvimento da prpria
Museologia, que a definio de Sociomuseologia se revela poder ser um
contributo que ajuda a compreender processos e definir novos limites.
Assim entendido a Sociomuseologia assume-se como uma nova rea
disciplinar que resulta da articulao entre as demais reas do saber que
contribuem para o processo museolgico contemporneo. Entre o paradigma
do Museu ao servio das coleces e o paradigma do Museu ao servio da
sociedade est o lugar da Sociomuseologia
Lisboa, Setembro 2007
XIII Atelier Internacional do MINOM, Lisboa Setbal
24
ANEXOS
As consideraes de ordem universal onde assentam os princpios defendidos
na Declarao do Quebec 1984 resumem de forma consistente a viso
alargada da funo dos museus na sociedade contempornea.
A museologia deve procurar, num mundo contemporneo que
tenta integrar todos os meios de desenvolvimento, estender suas
atribuies e funes tradicionais de identificao, de
conservao e de educao, a prticas mais vastas que estes
objectivos, para melhor inserir sua aco naquelas ligadas ao
meio humano e fsico.
Para atingir este objectivo e integrar as populaes na sua aco,
a museologia utiliza-se cada vez mais da interdisciplinaridade, de
mtodos contemporneos de comunicao comuns ao conjunto
da aco cultural e igualmente dos meios de gesto moderna que
integram os seus usurios.
Ao mesmo tempo que preserva os frutos materiais das
civilizaes passadas, e que protege aqueles que testemunham
as aspiraes e a tecnologia actual, a nova museologia -
ecomuseologia, museologia comunitria e todas as outras formas
de museologia activa - interessa-se em primeiro lugar pelo
desenvolvimento das populaes, reflectindo os princpios
motores da sua evoluo ao mesmo tempo que as associa aos
projectos de futuro.
Este novo movimento pe-se decididamente ao servio da
imaginao criativa, do realismo construtivo e dos princpios
humanitrios defendidos pela comunidade internacional. Toma-se
de certa forma um dos meios possveis de aproximao entre os
povos, do seu conhecimento prprio e mtuo, do seu
desenvolvimento cclico e do seu desejo de criao fraterna de
um mundo respeitador da sua riqueza intrnseca.
Neste sentido, este movimento, que deseja manifestar-se de uma
forma global, tem preocupaes de ordem cientfica, cultural,
social e econmica.
Este movimento utiliza, entre outros, todos os recursos da
museologia (colecta, conservao, investigao cientfica,
restituio o difuso, criao), que transforma em instrumentos
adaptados a cada meio e projectos especficos.
A titulo de exemplo pelo seu carcter inovador enquanto que politica de
desenvolvimentos museolgicos produzido por um governo de Estado
apresentam-se alguns extractos da Poltica Nacional de Museus, Maio de 2003,
Ministrio da Cultura do Brasil:
25
OBJETIVO GERAL
Promover a valorizao, a preservao e a fruio do patrimnio cultural brasileiro, considerado como um dos dispositivos de incluso social e cidadania, por meio do desenvolvimento e da revitalizao das instituies museolgicas existentes e pelo fomento criao de novos processos de produo e institucionalizao de memrias constitutivas da diversidade scio, tnico e cultural do pas.
A CONSTRUO DA REDE DE PARCEIRAS
A elaborao e a implementao da Poltica Nacional de Museus, a ser coordenada pelo Ministrio da Cultura, dever contar com a participao de rgos dos governos federal, estadual, municipal e do setor privado, ligados cultura, pesquisa e ao fomento, bem como entidades da sociedade civil organizada. A meta a constituio de uma ampla e diversificada rede de parceiros que, somando esforos, contribuam para a valorizao, a preservao e o gerenciamento do nosso patrimnio cultural, de modo a torn-lo cada vez mais representativo da diversidade tnica e cultural do Brasil.
A Poltica Nacional de Museus dever contar com os recursos previstos no Fundo Nacional da Cultura (FNC), com as leis de incentivo fiscal e com os oramentos prprios dos rgos e entidades envolvidos, alm de valorizar a integrao de instncias governamentais e entidades da sociedade civil voltadas para o campo museal, constituindo uma rede de responsabilidades no tocante preservao e ao gerenciamento de bens culturais. PRINCPIOS ORIENTADORES 1. Estabelecimento e consolidao de polticas pblicas no campo do patrimnio cultural, da institucionalizao da memria social e dos museus, visando democratizao das instituies e dos usos dos bens culturais nacionais, estaduais e municipais; 2. Valorizao do patrimnio cultural sob a guarda dos museus, compreendendo-os como unidades de valor estratgico nos diferentes processos identitrios, sejam eles de carter nacional, regional ou local; 3. Desenvolvimento de processos educacionais para o respeito diferena e diversidade cultural do povo brasileiro frente aos procedimentos polticos de homogeneizao decorrentes da globalizao; 4. Reconhecimento e garantia dos direitos das comunidades organizadas de participar, em conjunto com os profissionais, tcnicos e gestores do patrimnio cultural, dos processos de registro e proteo legal, e dos procedimentos tcnicos e polticos de definio do patrimnio a ser preservado;
26
5. Estmulo e apoio participao de museus comunitrios, ecomuseus, museus locais, museus escolares e outros na Poltica Nacional de Museus e nas aes de preservao e gerenciamento do patrimnio cultural; 6. Incentivo a programas e aes que viabilizem a conservao, preservao e sustentabilidade do patrimnio cultural submetido a processo de musealizao; 7. Respeito ao patrimnio cultural das comunidades indgenas e afro-descendentes, de acordo com as suas especificidades e diversidades.
A Declarao da cidade de Salvador (Junho 2007) sintetiza de forma
clara o lugar que para muitos sectores da sociedade a instituio Museu pode e
deve assumir no mundo contemporneo
Compreendendo os museus como instituies dinmicas,
vivas e de encontro intercultural, como lugares que trabalham
com o poder da memria, como instancias relevantes para o
desenvolvimento das funes educativa e formativa, como
ferramentas adequadas para estimular o respeito diversidade
cultural e natural e valorizar os laos de coeso social das
comunidades ibero-americanas e a sua relao com o meio
ambiente. e indica como directrizes entre outras Compreender
a cultura como bem de valor simblico, direito de todos e factor
decisivo para o desenvolvimento integral e sustentvel, sabendo
que o respeito e a valorizao da diversidade cultural so
indispensveis para a dignidade social e o desenvolvimento
integral humano; () Compreender os museus como ferramentas
estratgicas para propor polticas de desenvolvimento sustentvel
e equitativo entre pases e como representaes da diversidade e
pluralidade em cada pas ibero-americano; () Assegurar que os
museus sejam territrios de salvaguarda e difuso de valores
democrticos e de cidadania, colocados a servio da sociedade,
com o objectivo de propiciar o fortalecimento e o e a manifestao
de identidades, a percepo critica e reflexiva da realidade, a
produo de conhecimento, a promoo da dignidade e
oportunidades de lazer; () Valorizar a vocao dos museus para
a comunicao, investigao, documentao e preservao da
herana cultural, bem como para o estmulo criao
contempornea em condies de liberdade e igualdade; ()
Reafirmar e amplificar a capacidade educacional dos museus e
do patrimnio cultural como estratgias de transformao da
realidade social; (Declarao da cidade de Salvador, Junho 2007)
27
DECLARAO MINOM RIO 2013 XV CONFERNCIA INTERNACIONAL DO MOVIMENTO INTERNACIONAL
PARA UMA NOVA MUSEOLOGIA (MINOM), REALIZADA NO RIO DE JANEIRO NO MUSEU DA REPBLICA, MUSEU DA MAR E MUSEU DE
FAVELA
Em defesa de uma Museologia com inteno de mudana social, poltica
e econmica, a partir da mobilizao social, por intermdio de um processo de
conscientizao vinculado memria e que reconhece as tenses e os vrios
tipos de violncias sofridas pelos seres e agentes portadores de memria,
consideramos a importncia de:
A) Reafirmar os princpios anunciados nas declaraes de Santiago do Chile,
1972, e Quebec, 1984;
B) Quebrar hierarquias de poder, a fim de que surjam novos protagonistas de
suas prprias memrias.
C) Compreender os museus comunitrios como processos polticos, poticos e
pedaggicos em permanente construo e vinculados a vises de mundo
bastante especficas;
D) Dar relevo atuao dos museus sociais, dos museus comunitrios, dos
ecomuseus, dos museus de favela, dos museus de territrio, dos museus de
percurso e dos espaos museais. Todas essas organizaes tiram e pem,
fazem e desfazem suas memrias, sentimentos, ideias, sonhos, ansiedades,
tenses, medos e vivem sua prpria realidade, sem pedir permisso s
autoridades estabelecidas;
E) Reconhecer que todos esses museus e processos museais assumem seus
prprios jeitos de musealizar e se apropriam e fazem uso dos conhecimentos
do modo que lhes convm;
F) Colocar em destaque a compreenso de que a museologia social consiste
num exerccio poltico que pode ser assumido por qualquer museu,
independente de sua tipologia.
Por tudo isso, recomendamos que as consideraes anteriores passem
a representar os princpios de uma museologia sensvel e compreensiva,
28
constituda de novas formas de afetividade, respeito mtuo e indignao;
recomendamos que estes princpios constituam as bases de uma museologia
que tenha capacidade de escuta e que reconhea:
As diferenas de ritmos, atitudes, tempos, materialidades,
territorialidades e linguagens que favoream os movimentos sociais;
A criao de estratgias libertrias diante das diferentes formas de
opresso;
O carter dinmico da memria e a importncia de dialogar com seu
tempo;
A valorizao dos estudos das memrias numa perspectiva
libertadora e do respeito pela dignidade humana;
A urgncia de concepo, desenvolvimento e consolidao de
polticas pblicas de apoio e fomento, adequadas aos novos
processos museais;
O estmulo pesquisa, produo e difuso desses novos processos
museais, respeitando as peculiaridades de cada experincia museal;
Os saberes e fazeres referenciados nas culturas locais e nos
movimentos sociais;
As instituies educativas e culturais que trabalham com os
protagonismos museais e comunitrias;
O carter democrtico do confronto de ideias, do processo de
construo de memrias e do respeito pelos diferentes pontos de
vista e modos de qualificar e narrar experincias.
Rio de Janeiro, 10 de agosto de 2013.
29
REFLEXES SOBRE A NOVA MUSEOLOGIA
Maria Clia Teixeira Moura Santos
1 INTRODUO
Foi com grande satisfao que aceitei o convite para integrar o corpo
docente do Curso de Especializao do MAE/USP. Acompanhei, durante anos,
o esforo dos profissionais dessa instituio no sentido de instalar um Curso de
Museologia, dando continuidade s aes da Profa. Waldisa Rssia, que, como
pioneira, no estado de So Paulo, iniciou as reflexes em torno da produo do
conhecimento na rea da Museologia, no Curso instalado no Instituto de
Sociologia e Poltica, capacitando vrios profissionais, que, hoje, com empenho
e profissionalismo, vm contribuindo, de maneira significativa para o
enriquecimento da Museologia em nosso Pas.
Quero destacar, em especial, o esforo da Profa. Cristina Bruno,
coordenadora do Curso de Especializao do MAE/USP, que, com entusiasmo
e dedicao, tem trilhado caminhos, at certo ponto tortuosos, do mundo
acadmico abrindo espao para uma relao necessria com outras reas do
conhecimento e, ao mesmo tempo, produzindo e divulgando o conhecimento
construdo em nosso campo de atuao. Tenho certeza que o Curso de
Museologia recm-instalado na USP ser um espao de reflexo e ao, onde
a criatividade, a iniciativa e o desempenho dos seus professores e alunos
sero responsveis por projetos que, com certeza, contribuiro, em muito, para
melhorar a atuao das instituies museolgicas e para incentivar o
desenvolvimento de novos processos museais, tendo como referencial o
patrimnio cultural.
Entretanto, necessrio se faz registrar que a classificao Nova
Museologia no pode ser evolucionista, pois a realidade social
multidimensional. A prtica da Nova Museologia humana e,
consequentemente, no pode ser dissociada de experincias passadas e
embrionrias. Nesse sentido, tentarei, com base nas referncias analisadas, e
30
na experincia vivida, buscar uma aproximao com a nossa realidade e
apontar algumas contribuies ao processo museolgico.
2- CONTEXTUALIZAO E ANTECEDENTES
Falar da Nova Museologia falar de conflitos, contradies, de pocas
marcadas por represso e, ao mesmo tempo, por um acentuado processo
criativo. Os anos 60 foram marcados pelo movimento artstico-cultural, que
destaca o novo, com a participao da juventude, na recusa aos modelos
estabelecidos, prepara o terreno, lana as sementes. O inconformismo com os
esquemas comerciais e com as imposies dos meios de comunicao de
massa, a crtica sociedade de consumo, a recusa a modelos anteriores e a
busca de maior liberdade temtica ou de linguagem e, ainda, a inteno de
provocar a desacomodao ou a desalienao, culminou com o maio francs,
que, segundo (Paes,1993, p. 30) foi o momento maior de contestao do
autoritarismo da sociedade, naquele momento. O Historiador Alain Tourrain
(1983, p. 85) o considera como as ltimas jornadas revolucionrias da poca
industrial e o prenncio dos movimentos sociais e das lutas polticas do futuro.
Talvez possamos apontar O Maio Francs como um vetor no sentido de
lanar as bases necessrias para se repensar o museu e a sua relao com a
sociedade, de maneira mais efetiva, por meio de aes concretas.
Comentando sobre o maio de 68, e sobre a reviso do conceito de
patrimnio, Ren Rivard (1984, p.2) questiona: seria a primeira batalha
organizada contra a instituio museal? Salienta o autor que na Frana e em
outros pases houve uma contestao macia de todas as instituies,
abalando valores, ameaando posies estabelecidas e, ao mesmo tempo,
forando os responsveis dessas instituies a olhar com novos olhos suas
aes e a repercusso sobre a sociedade. Nesse contexto, o conceito de
patrimnio revisto e ampliado, considerando-se o meio ambiente, o saber e o
artefato-o patrimnio integral. Vrios grupos contribuem para essa nova
conceituao, como os ecologistas, os diferentes pases emergentes do
colonialismo, que reivindicam o retorno dos bens pilhados ou expatriados pelas
sociedades ocidentais, os grupos socialistas ou socializantes que reclamam,
31
em nome do patrimnio coletivo, uma acessibilidade aos monumentos, s
colees dos museus, que antes eram patrimnio privado ou reservadas aos
detentores do saber. Rivard (1984 p.3 ) destaca que essa ampliao da
noo de patrimnio ter como conseqncia direta uma reviso dos poderes
que assumem a gesto e a valorizao dos monumentos, stios, museus e de
todo lugar considerado patrimnio pblico.
Depois do vendaval que foram os anos 60, os anos 70 deram incio
gide da fragmentao: desdobramentos da contracultura, movimento
underground, punk, misticismo oriental, vida em comunidades religiosas ou
naturalistas, valorizao do individualismo, expanso do uso das drogas
(Habert, 1992, p.74). Percebe-se um painel de diferentes acontecimentos, de
diversos cortes, marcados pelos golpes e pelas revolues, resultado dos
investimentos dos pases imperialistas, que procuram reagir onda de
contestao e s lutas revolucionrias da dcada de 60, cuja conseqncia a
implantao das ditaduras militares na Amrica Latina, a ampliao da
interveno na Indochina, o reforo aos governos colonialistas e de apartheid
na frica e a sustentao da poltica israelense no Oriente Mdio.
A preocupao em aumentar os nveis de produo ou de como gerar
inverso de capital desloca-se para a necessidade de confrontar as bases dos
mecanismos de dominao, atravs do desenvolvimento de uma conscincia
popular. Sendo assim, o desenvolvimento passa a ser compreendido como um
processo global de organizao de setores populares que se tornaram capazes
de enfrentar o Estado e as coalizes dominantes, implicando uma
transformao radical da sociedade. Para tanto, era necessrio um movimento
social organizado que fosse capaz de assumir o controle sobre os processos
produtivos da sociedade, o que implicaria uma conscincia social crescente.
Para alcanar um nvel desejvel de conscincia social, os autores apontam
como ferramentas a educao popular, cujo suporte fundamental a proposta
educativa de Paulo Freire, e a investigao participativa, como alternativa para
oferecer uma nova explicao da realidade. Vrios autores vo se dedicar aos
estudos da pesquisa participante e da pesquisa/ao, especialmente nos
pases de Terceiro Mundo, assumindo o compromisso do cientista social com
32
os diversos grupos populares. (Borda, 1972, Brando,1982, Thiollent,1981,
Silva, 1986, 1986, Schutter, 1980, etc.). Os trabalhos produzidos na Escola de
Frankfurt (Horkheimer, Marcuse, Habermas), do ponto de vista filosfico, vo
retomar o conceito de prxis permitindo acelerar os aspectos de vinculao
entre teoria e prtica, o que representa uma crtica frontal ao positivismo e,
consequentemente, abre perspectivas para a investigao-ao radical (Silva,
1986, p. 31).
Ainda nos anos 70, Paulo Freire era Consultor para Educao do
Conselho Ecumnico das Igrejas, em Genebra, e Hugues de Varine estava
organizando uma ONG internacional denominada Instituto Ecumnico para o
Desenvolvimento dos Povos, que segundo declarao do prprio Varine (
1995, p.17 ), Paulo Freire havia sido convidado para presid-la. Tambm feito
a Paulo Freire convite para presidir a Mesa-redonda de Santiago do Chile.
Nos ltimos vinte anos o mundo passou por transformaes radicais
como a revoluo das comunicaes, os aumentos das produtividades
industrial e agrcola, bem como da urbanizao, alm do surgimento de novos
centros de poder econmico e poltico. Comentando sobre o desenvolvimento,
no Mundo Contemporneo, Tenrio (1997, p. 11) registra que esse mesmo
desenvolvimento produziu o aumento da pobreza, da violncia, de doenas e
da poluio ambiental, alm de conflitos religiosos, tnicos, sociais e polticos e
que em um espao de tempo muito curto o mundo se viu diante de problemas
globais, cujas solues dependem da capacidade de articulao de um
espectro mais amplo de agentes sociais. O autor destaca que a maior
novidade na histria recente a crescente interveno da sociedade civil, que,
de forma organizada, tenta ocupar espaos e propor que os aspectos sociais
do desenvolvimento passem ao primeiro plano.
Como registrei na introduo do presente trabalho, a prtica da Nova
Museologia no pode ser dissociada das experincias passadas. Nesse
sentido, considero que as reflexes em torno do papel social dos museus, e,
mais especificamente, do seu papel pedaggico e da sua relao com o
pblico, foram acontecendo, em um processo gradual, provocadas pelas
33
mudanas na sociedade como um todo, refletindo no interior das instituies,
como a UNESCO, e o ICOM, como pode ser constatado nos documentos
produzidos nos encontros de 1958, e 1971. O seminrio regional da UNESCO
realizado no Rio de Janeiro, em 1958 parte de um projeto que tinha como
objetivo discutir, em vrias regies do mundo, a funo que os museus
deveriam cumprir como meio educativo.
Em 1971, realizada a IX Conferncia Geral do ICOM, em Paris e
Grenoble, com o propsito de discutir o tema: O Museu a Servio do Homem,
Atualidade e Futuro-o Papel Educativo e Cultural. Analisando-se as
concluses elaboradas a partir das reflexes ali realizadas, pode-se identificar
vrios avanos em torno do papel que o museu deve desempenhar na
sociedade, sobretudo se compararmos com a Conferncia de 1958, realizada
no Rio de Janeiro. Em relao aos aspectos pedaggicos, tema principal da
Conferncia do Rio de Janeiro, percebe-se, em Grenoble, uma preocupao
em avaliar a qualidade dos servios oferecidos, destacando-se que a crescente
demanda, havia levado um grande nmero de alunos e professores aos
museus, sem os recursos necessrios ao bom atendimento, aumentado,
consideravelmente o nmero de visitantes, o que tornava invivel a
manuteno dos programas com a qualidade indispensvel ao processo
educacional. Outro aspecto que merece ser mencionado, ainda em relao s
questes pedaggicas, que h uma preocupao, j quela poca, em
transformar a visita guiada em um momento de aprendizado, estimulando o
aluno a comparar, estilos formas, a contextualizar, realizar conexes entre arte
e cincia, velho e novo, entre uma civilizao e outra, chamando-se a ateno
para a necessidade de realizao de exposies, com base na
interdisciplinaridade.
Conforme pode ser constatado, nas concluses da IX Conferncia do
ICOM, os anseios por mudana na instituio museu vieram das mudanas
ocorridas na sociedade. Great changes in socite must lead to great changes in
museums structure, it was said. Era necessrio, pois redefinir a misso dos
museus, seus mtodos de exibio das colees e, talvez, quem sabe, buscar
um novo modelo para a instituio. Alis, naquele evento, reconhecido um
34
novo modelo de museu, denominado neighbourhood museum que tem como
objetivo a construo e anlise da histria das comunidades, contribuindo para
a identificao da sua identidade, colaborando para que os cidados se
orgulhem da sua identidade cultural, utilizando as tcnicas museolgicas para
solucionar problemas sociais e urbanos. O modelo proposto teve como
referencial o trabalho desenvolvido pelo Museu de Anacostia, em Nova York,
apresentado pelo seu diretor, Jonh Kinard.
Nos trabalhos ali apresentados chamam-se a ateno para o fato de que
os museus deveriam deixar de atuar como coletores passivos para se tornarem
participantes ativos. Nesse sentido, sugerem a realizao de exposies que
apresentem os problemas e as contradies da sociedade, destacando,
tambm, as contribuies culturais das minorias. Enfatizam tambm a
necessidade de interao do museu com o meio onde est inserido,
destacando a realizao de programas que abordem os problemas da vida
cotidiana, buscando a realizao de atividades conjuntas com sindicatos,
cooperativas do meio rural, fbricas, etc. Merece destaque, nesse contexto de
inquietaes e busca de avanos, a participao de George Henri Rivre, que,
segundo Almeida (1996, p. 112), no Ps-guerra, revolucionou o mundo da
museologia ao defender que a populao deveria se tornar parte integrante da
instituio museu e da sua organizao os consumidores/visitantes sero os
prprios atores das atividades museolgicas, sendo os grandes motores da
mudana.
Estavam, assim, lanados os alicerces para que, em Santiago, em 1972,
pudessem ser traadas as diretrizes no sentido tornar os museus mais
prximos dos novos anseios da sociedade, colocando em evidncia a
prioridade da ao museal no campo da interveno social, abrindo, tambm,
espao para se repensar a museologia, de forma global, situando-a entre as
cincias sociais. No prximo item, retornaremos Mesa-redonda de Santiago
do Chile, analisando o seu documento bsico, devido a sua importncia, no
sentido de delinear as bases conceituais e filosficas do que se denominou,
posteriormente, Moviemento da Nova Museologia.
35
Vale a pena registrar que tambm em 1972 realizada, em Estocolmo, a
Conferncia da UNESCO sobre Meio Ambiente Humano. Em trabalho
apresentado por Berrueta (1996, p. 3), no Ateli Internacional sobre a Nova
Museologia, realizado no Mxico, o autor chama a ateno para o fato de que
desde os anos 70 o conceito de ecodesenvolvimento trazia elementos
importantes para o atual conceito de desenvolvimento sustentvel,
apresentando-se, tambm, como uma alternativa para a ordem econmica
internacional, priorizando modelos locais, baseados em tecnologias
apropriadas, com destaque para as zonas rurais, procurando romper com as
dependncias tcnica e cultural. Destaca ainda o referido autor que o tema da
questo ambiental introduzido, com muita fora, desde o incio dos anos 70,
por meio de uma reflexo crtica, que condena os esquemas tradicionais do
desenvolvimento econmico latino-americamo, provocando a adoo de
polticas ambientais nos planos de desenvolvimento de muitos paises da
Amrica Latina. Considerei por bem registrar as preocupaes com o meio
ambiente e com o desenvolvimento nesse perodo, pois, como ser analisado
no item posterior, essas tambm sero questes de base da Mesa-Redonda de
Santiago.
Os anos 70 e 80 foram, ento, marcadas por trabalhos museolgicos
inovadores, desenvolvidos em vrios pases, embora ainda no houvesse um
intercmbio internacional entre os diversos projetos naquele perodo e o
reconhecimento e o apoio necessrios. Destacaram-se as atividades de
George Henri Rivire e de Hugues de Varine, presidentes do Conselho
Internacional de Museus, que estabeleciam relaes entre agentes
organizadores de diferentes projetos, em um mesmo pas ou entre pases
diferentes.
Nesse novo contexto, no pode deixar de ser destacado o surgimento
dos ecomuseus, que foram o produto da insatisfao dos profissionais da rea
de Museologia, em busca de transformaes, tentando afirm-lo, em realidades
bastantes diversificadas, como instrumento necessrio sociedade: um
patrimnio global. Bellaigue (s.1. 19...) destaca os aspectos abaixo
relacionados como princpios bsicos para constituio de um ecomuseu:
36
Identificar um territrio e seus habitantes; inventariar as possveis
necessidades e seus anseios;
Atuar, como os membros da comunidade, considerando-os donos
reais do seu passado e atores do presente;
Aceitar que no necessria a existncia de uma coleo para que
seja instalado o museu. Neste aspecto, a concepo da instituio
ser no sentido comunidade-museu e no objeto-museu, como antes
se concebia.
A referida autora chama a ateno para o fato de que necessria a
definio coerente do territrio de modo a permitir a comunicao entre a
populao e o museu, para que o processo de inventrio seja realizado
envolvendo todo o patrimnio cultural e natural, e que a gesto administrativa e
as aes culturais e educativas sejam levadas a cabo atravs da participao
dos tcnicos e dos diversos grupos comunitrios.
Os contextos, dos anos de 60 e 70 propiciaram, portanto, uma avaliao
das instituies, provocada pelo movimento social, atingindo organismos como
a UNESCO e o ICOM, conforme pudemos registrar, anteriormente. Entretanto,
nem sempre as diretrizes e metas registradas nos documentos oficiais se
transformam em aes concretas. O que se observa que, no incio dos anos
80, apesar da existncia de um bom nmero de ecomuseus, museus
comunitrios, museus locais e museus ao ar livre, os profissionais que
desenvolviam aes museolgicas comprometidas com o desenvolvimento
social e com a participao encontram resistncias no sentido de que seus
projetos fossem reconhecidos no universo museolgico. A fala do Prof. Mrio
Moutinho (1995, p. 26) demonstra as dificuldades sentidas nesse sentido, bem
como o descompasso entre o discurso e a prtica, dos organismos oficiais:
Desiludidos com a atitude segregadora do ICOM e em particular do
ICOFOM, claramente manifestada na reunio de Londres, de 1983,
rejeitando liminarmente a prpria existncia de prticas
museolgicas no conformes ao quadro estrito da museologia
instituda, um grupo de muselogos props-se a reunir, de forma
37
autnoma, representantes de prticas museolgicas ento em curso,
para avaliar, conscientizar e dar forma a uma organizao alternativa
para uma museologia que se apresentava igualmente como uma
museologia alternativa.
As aes concretas j realizadas, em diferentes pases, motivaram os
profissionais envolvidos para a busca de intercmbio, com o objetivo de discutir
as experincias de Ecomuseologia, da Nova Museologia, buscando as suas
relaes com a Museologia instituda. Por iniciativa de Pierre Maryand e Ren
Rivard, ambos participantes do grupo de ecomuseus de Quebec, em 1984, foi
ali realizado o primeiro seminrio internacional, destinado a discutir ecomuseus
e Nova Museologia. O referido seminrio tinha como objetivo:
Criar condies de intercmbio para discutir assuntos relacionados
Nova Museologia e Ecomuseologia, em geral;
Definir as suas relaes com a Museologia, em geral;
Aprofundar os conceitos e encorajar as prticas relacionadas com a
Ecomuseologia e com a Nova Museologia.
Moutinho (1995, p. 28), comentando sobre o importante a realar na
declarao de Quebec, registra que:
no de certa forma qualquer novidade conceitual no texto em si,
pois desse ponto de vista retoma, com as devidas atualizaes o
essencial de Santiago, mas sim o fato de ter confrontado a
comunidade museal com uma realidade museolgica profundamente
alterada desde 1972, por prticas que revelam uma museologia
ativa, aberta ao dilogo e dotada agora de uma forte estrutura
internacional. (Os grifos so meus).
Em Quebec, foi criado um grupo de trabalho provisrio com o objetivo de
discutir a organizao das estruturas propostas no ateli, como a criao de
um Comit Internacional/ Ecomuseus/ Museus Comunitrios, e uma Federao
Internacional da Nova Museologia, que poderia ser filiada ao ICOM. Vrias
reunies foram realizadas em Lisboa e Paris, onde, gradualmente, foram sendo
38
estruturadas as organizaes propostas. O Comit Internacional Ecomuseus/
Museus/Comunitrios, que deveria ter sido criado no quadro do ICOM, nunca o
chegou a ser, mas a Federao Internacional de Nova Museologia foi
efetivamente instituda, com o nome de Movimento Internacional para a Nova
Museologia/MINOM, o qual foi, posteriormente, reconhecido pelo ICOM como
uma organizao afiliada.
3 - APROXIMAO COM A REALIDADE BRASILEIRA
A Amrica Latina vive, nos anos 70, uma histria de exlios e exilados.
Os Estados Unidos, principal potncia imperialista mundial, protagonizam a
instalao de ditaduras militares em vrios pases do continente, como Chile,
Argentina, Uruguai, Peru e Bolvia. O golpe de Pinochet, um ano aps a
realizao da Mesa-redonda de Santiago, talvez tenha sido um dos exemplos
mais duros. No Brasil, convivemos com contestao, represso, tortura,
censura e terrorismo oficial. Sob o regime da ditadura militar, acelerou-se o
desenvolvimento capitalista e consolidou-se a integrao do Brasil ao sistema
capitalista monopolista internacional, como pas associado perifrico.
A populao de 99.901.037 habitantes comea a
ser predominantemente urbana 52 milhes na
cidade e quarenta milhes no campo. Metade da
populao ativa ganha menos que um salrio
mnimo e 17,9 milhes so analfabetos maiores de
dez anos. Em 1960, os 5% de brasileiros mais ricos
absorviam 27,3% da renda nacional. Em 1970,
passam a absorver 36,3%. Os mais pobres vem
reduzida sua participao na renda de 27,8% para
13,1%.. o milagre. (Ribeiro, 1985).
Precisamente em 1972, ano da Mesa-redonda de Santiago, a despeito
dos dados apresentados acima, comemorvamos o sesquicentenrio da
Independncia, entronizando os ossos de Pedro I no Monumento do Ipiranga,
depois de terem sido conduzidos pelas principais capitais do Pas,
39
comemorvamos a vitria de Fittipaldi como campeo de Frmula I e
assistamos TV colorida, ingressa no Pas naquele ano.
No contexto de expanso do parque industrial da cultura, em que o
rendimento de uma poltica cultural se mede pelo aumento do ndice de
consumo e no pelo volume de iniciativas, era necessrio reestruturar os
museus para atender aos novos objetivos, dotando-os das condies
necessrias para que viessem a ser visitados pelo maior nmero possvel de
pessoas, retirando-os do ostracismo. Os museus esto presentes no processo
de controle por meio de comisses, conselhos, etc. Uma poltica museolgica
para o Pas tentada, a partir de 1975, com a reunio dos dirigentes de
museus, realizada em Recife, e nas reunies de secretrios de Educao e
Cultura dos estados e dos Conselhos Federal e Estadual de Cultura, realizados
em Braslia e em Salvador, em 1976. Os anos de 64 a 80 foram prdigos em
instalao de museus no Brasil. Foi a grande fase dos memoriais, do culto ao
heri. Busca-se, atravs das atividades de preservao, autenticar a nao,
enquanto uma realidade nacional. As instituies so cristalizadas, percebidas
como independentes dos indivduos que as concebem.
Nesse contexto, era natural que o documento de Santiago e as
iniciativas do Movimento da Nova Museologia permanecessem desconhecidos
ou nas gavetas dos gabinetes. Mais uma vez, por iniciativa individual, os
tcnicos, talvez movidos pelas mesmas razes de tantos colegas na Frana, no
Canad, em Lisboa, no Mxico, etc, comeam a trilhar novos caminhos,
quebrando barreiras institucionais e filosficas, na busca desse processo
museolgico transformador, delineado em Santiago, e do qual sequer tnhamos
conhecimento. No Curso de Museologia da UFBA, somente dez anos depois,
ou seja, nos anos 80, que tivemos acesso ao documento da mesa-redonda
do Chile. O encontro com o documento de Santiago , de certa forma,
sobretudo nos meios acadmicos, a legitimao da nossa ao. A
concretizao dessa aes o atestado de que, na rea da poltica oficial de
cultura, h espaos para produo e reproduo. Compreende-se, entretanto,
que as dificuldades geradas pelos sistemas autoritrios e paternalistas,
implantados na Amrica Latina, dificultam e podam a iniciativa comunitria.
40
Na atualidade, acho que, mesmo nos museus ditos oficiais, as
discusses comeam a ser embasadas pelos princpios da participao, da
relao passado-presente, e pelo engajamento nos problemas da sociedade,
no por iniciativa da poltica oficial, mas pela atuao de tcnicos que procuram
estar atualizados com a evoluo do processo museolgico e que, mesmo
modestamente, tm provocado estas reflexes no interior desses museus, que
no so, em sua concepo, o museu gestado em Santiago, e nem poderiam
ser, mas que hoje esto sendo influenciados pelas diretrizes ali delineadas, o
que, talvez, nos leve a inferir que a questo da insero dos museus na
sociedade no de categoria ou tipo de coleo, mas de concepo e dos
objetivos que so estabelecidos para esses rgos. A aplicao destes
objetivos nas instituies museolgicas, na verdade, deixa transparecer o
conceito que os responsveis tcnico-administrativos tm de museologia e de
museu. Embora reconheamos tambm que, para muitos de ns, os caminhos
apontados pelo Movimento da Nova Museologia sequer comearam a ser
trilhados; s vezes, por absoluta falta de conhecimento das ricas experincias
construdas nesse processo.
Particularmente, estive envolvida, nos ltimos anos, em um projeto de
construo conjunta de um museu didtico-comunitrio, situado no Colgio
Estadual Governador Lomanto Jnior, envolvendo professores, alunos,
funcionrios e membros da comunidade do Bairro de Itapu, em Salvador-BA,
que tem sido um processo de participao, ou seja, de conquista dos diversos
segmentos envolvidos, buscando construir, com qualidade formal e qualidade
poltica, uma ao museolgica comprometida com o exerccio da cidadania e
com o desenvolvimento social. Temos conscincia que alguns princpios ali
adotados foram embasados no conhecimento historicamente construdo, no
campo da museologia, e, portanto, considerando as prticas da Nova
Museologia. O constante processo de ao e reflexo realizado, ao longo do
caminhar, tem nos permitido avanar bastante em relao organizao e
gesto de museus, e em relao construo do conhecimento, nas reas da
museologia e da educao.
41
4- PRINCPIOS BSICOS E CARACTERIZAO
Neste item, pontuarei os princpios bsicos norteadores das aes do
Movimento denominado de Nova Museologia, com destaque para a Mesa-
Redonda de Santigo, por ser considerada, pelos prprios participantes do
movimento, como o referencial bsico, analisando, tambm, os registros de
alguns profissionais que tiveram uma participao ativa, em diferentes
contextos. A partir da anlise efetuada, buscarei, tambm, identificar algumas
expresses-chave, buscando uma melhor compreenso do processo-Nova
Museologia.
Compreender Santiago, olhar, tambm, para os seus bastidores, ou
seja, para a sua preparao. Nesse sentido, me foram de extrema utilidade os
depoimentos do Prof. Hugues de Varine, quando da sua participao no
Encontro sobre a Museologia Brasileira e o ICOM: convergncias e
desencontros?, realizado em So Paulo, em 1995, quando se discutiram os
documentos bsicos da Museologia Contempornea, permitindo fazer mais
uma leitura, no sentido de melhor compreender os objetivos daquele evento:
As lies dos bastidores
A escolha dos expositores, todos latino-americanos, cada um
comprometido com a sua realidade, demonstra, por parte dos organizadores,
uma abertura, no sentido de ouvir, de deixar aflorar as necessidades concretas
daqueles que deveriam tomar para si a responsabilidade de atuar, refletir e
transformar as suas mltiplas realidades.
A escolha dos temas, abordando questes-chave do desenvolvimento:
educao, meio ambiente e urbanismo. No nosso entender, uma das maiores
lies de Santiago. Enfim, conseguamos enxergar alm dos museus, para
compreender, modificar as aes no seu interior e definir um novo conceito de
museu, levando em considerao a totalidade dos problemas da sociedade.
O convite ao Prof. Paulo Freire, um dos maiores pedagogos dos nossos
tempos, expulso do nosso pas naquela poca, demonstra a coragem dos
42
organizadores do evento, como tambm, em propor um encontro daquele teor
em um pas da Amrica Latina, quando os pases imperialistas procuravam
reagir onda de contestao e lutas revolucionrias dos anos 60, investindo na
implantao de ditaduras militares em nosso continente. Com a ausncia do
prof. Paulo Freire perderam os participantes, perdeu a museologia, que, com
certeza, seria enriquecida com as suas reflexes. Entretanto, ressalto que,
apesar da sua ausncia, os temas mais marcantes da sua obra, ou seja: a
conscientizao e a mudana, que levam o educador e todo profissional a se
engajar social e politicamente, comprometido com um projeto de sociedade
diferente, estiveram e ainda esto presentes, ou melhor, so o cerne das
proposies de Santiago.
Em Santiago, dado o pontap inicial para uma ao museolgica que
considera o sistema lingstico empregado pelas comunidades, reconhece que
o ser humano move-se em um mundo essencialmente simblico e
compreende, tambm, que o cotidiano no apenas um resduo. A vida
cotidiana passa a ser considerada entre as mltiplas realidades, como a
realidade por excelncia, que no se esgota na presena imediata, mas
abarca fenmenos que no esto presentes aqui e agora, o que significa que
a experimentamos em diferentes graus de aproximao e distncia, espacial e
temporal. A cultura e a identidade sero consideradas, pois, fenmenos
construdos e reconstrudos em processos de interao, em um jogo
diferenciador, constrativo, dinmico, concretizado na dinmica do dia-a-dia. O
conhecimento da nossa cultura passa, portanto, inevitavelmente, pelo
conhecimento de outras; a nossa cultura ser uma cultura possvel, dentre
tantas outras.
Na noo de museu integral, inicialmente delineada em Santiago, alm
da concepo de museu, que leva em considerao a totalidade dos problemas
da sociedade, acreditamos, tambm, que ali dado um outro enfoque aos
problemas da relao do homem com a natureza, abrindo espao para uma
sociologia da natureza e para uma biologia que no concebe mais a vida como
uma qualidade restrita aos organismos e no se encerra mais nos processos
fsico-qumicos, mas abre-se aos fenmenos sociais. O organismo ento
43
contextualizado em seu meio, sendo que a prpria idia de meio tambm se
transformou: um sistema global de interferncias biopsicossociais.
ecolgico e etnolgico.
Nos anos 70, como j foi registrado anteriormente, comeamos a
conceder uma importncia concreta ao fato de o homem ser, ao mesmo
tempo, o produto e o criador de sua sociedade e de sua cultura (Bordenave,
1988,p.7). Portanto, comea-se a delinear, em Santiago, talvez de forma no
intencional, o que, no nosso entender, o marco mais significativo da evoluo
do processo museolgico na contemporaneidade: a passagem do sujeito
passivo e contemplativo para o sujeito que age e transforma a realidade. Nessa
perspectiva, o preservar substitudo pelo apropriar-se e reapropriar-se do
patrimnio cultural, buscando a construo de uma nova prtica social.
Comentando sobre o essencial, o mais inovador, de Santiago, Hugues de
Varine, (1995, p. 18) destaca duas noes bsicas:
A de museu integral, que leva em considerao a totalidade dos
problemas da sociedade;
A de museu, enquanto ao, enquanto instrumento dinmico de
mudana social.
Alm disso, chama a ateno para o fato de que esquecia-se assim,
aquilo que havia se constitudo, durante mais de dois sculos, na mais clara
vocao do museu: a misso de coleta e conservao. Chegou-se, em
oposio, a um conceito de patrimnio global a ser gerenciado no interesse do
homem e de todos os homens. Ao analisarmos o papel ativo do sujeito na
construo do processo museolgico, no poderamos deixar de ressaltar,
como afirma Kosik (1976, p.22), que:
... a dialtica da atividade e da passividade do
conhecimento humano manifesta-se sobretudo no fato
de que o homem, para conhecer as coisas em si,
deve primeiro transform-las em coisas para si; para
conhecer as coisas como so independentemente de
si, tem primeiro de submet-las prpria prxis; para
44
poder constatar como so elas quando no esto em
contato consigo, tem primeiro de entrar em contato
com elas. O conhecimento no contemplao. A
contemplao do mundo se baseia nos resultados da
prxis humana. O homem s conhece a realidade na
medida em que ele cria a realidade humana e se
comporta antes de tudo como ser prtico.
A atuao do sujeito, submetido aos diversos condicionamentos,
sobretudo s determinaes sociais, introduzindo no conhecimento uma viso
da realidade socialmente transmitida, tem sido, portanto, um dado marcante no
processo de construo do conhecimento museolgico, no mundo
contemporneo, principalmente a partir de 1972, aps a realizao da Mesa-
Redonda de Santiago do Chile e do I Seminrio Internacional, para discutir o
Ecomuseu e a Nova Museologia.
As propostas do seminrio de Quebec tiveram como base o extrato da
declarao de Santiago, a seguir:
Que o Museu uma instituio a servio da sociedade na qual
parte integrante e que possui em si prprio os elementos que lhe
permitem participar na formao das conscincias das comunidades
a que serve. (UNESCO, 1992)
Como resultado do Seminrio de Quebec, os participantes firmaram os
seguintes pontos:
Museologia atua com vistas a uma evoluo democrtica das
sociedades;
A interveno dos museus no quadro dessa evoluo passa: por um
reconhecimento e uma valorizao das identidades e das culturas de
todos os grupos humanos inseridos no seu meio ambiente, no quadro da
realidade global do mundo; por uma participao ativa desses grupos
no trabalho museolgico; (o grifo meu)
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Existe um movimento, caracterizado por prticas comuns, que pode
assumir formas diversas, em funo dos pases e dos contextos, que
devero conduzir surgimento de um novo tipo de museu correspondente
a estas novas perspectivas;
Nestas condies, a interdisciplinaridade e a funo social conduzem a
uma mudana do papel e da funo do muselogo, o que implica uma
formao nesse sentido.
Comentando sobre os princpios bsicos da Nova Museologia,
Moutinho (1989, p.31) recomenda que ela deve ser considerada, pelas pessoas
integradas nesse processo, como meio (agente, instrumento), a par de outros,
de desenvolvimento integral das populaes e com as populaes. Considera
que o que h de novo nas prticas da Nova Museologia a demonstrao da
capacidade (e a prtica disso) das populaes se auto-organizarem para gerir
o seu tempo e o seu futuro. Destaca o referido autor que:
A concepo, o desenrolar e a avaliao dos projetos da Nova
Museologia dependem sempre de uma percepo correta das
condies histricas e ambientais locais, em que a interveno se
realiza.
Considerando os aspectos acima mencionados, a Museologia,
concebida nessa nova perspectiva, tem um papel fundamental no resgate do
mundo vivido, descrito por Habermas (citado por Freitag, 1990, p.2) e
caracterizado como:
... a maneira como os atores percebem e vivenciam sua realidade
social. Compe-se da experincia comum a todos os atores, da
lngua, das tradies e da cultura partilhada por eles. Ela representa
aquela vida social, cotidiana, na qual se reflete o bvio, aquilo que
sempre foi, o inquestionado.
A proposta bsica da Nova Museologia est pautada no dilogo, no
argumento em contextos interativos, sendo, portanto, o mundo vivido o
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espao social onde ser realizada a razo comunicativa. De certa forma, a
proposta da Nova Museologia sugere uma libertao da razo instrumental
a que os museus estavam e, ainda, continuam submetidos, atrelados ao
Estado racional legal, calcado em um sistema jurdico e em uma burocracia
efetiva, etc., o que pode ser evidenciado, atravs da poltica de preservao
paternalista, imposta pelos governos, onde a deciso do que deve ser
preservado, a coleta e a guarda das colees esto sempre nas mos dos
mais poderosos.
Os princpios bsicos que norteiam as aes da Nova Museologia
podem, ento, ser resumidos nos seguintes pontos:
reconhecimento das identidades e das culturas de todos os grupos
humanos;
utilizao da memria coletiva como um referencial bsico para o
entendimento e a transformao da realidade;
incentivo apropriao e reapropriao do patrimnio, para que a
identidade seja vivida, na pluralidade e na ruptura;
desenvolvimento de aes museolgicas, considerando como ponto de
partida a prtica social e no as colees;
socializao da funo de preservao;
Interpretao da relao entre o homem e o seu meio ambiente e da
influncia da herana cultural e natural na identidade dos indivduos e dos
grupos sociais;
ao comunicativa dos tcnicos e dos grupos comunitrios, objetivando o
entendimento, a transformao e o desenvolvimento social.
Pode-se, ento, identificar, a partir das reflexes acima realizadas, algumas
expresses-chave :
Patrimnio Global o homem - o meio ambiente - o saber e o artefato.
Ou seja, o real, na sua totalidade: cultural, natural, material e imaterial, em suas
dimenses de tempo e espao. Um patrimnio criado, importado ou
transmitido. O patrimnio integral.
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Museu Integral o museu que tem a nfase no homem - sujeito do ato
de conhecer e de transformar o conhecimento e o mundo - na sua relao com
o meio, que aborda a totalidade dos problemas da sociedade, tendo como
elementos bsicos:
Um territrio - limites geogrfcos e afinidades culturais, u