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52 Revista de Estudos sobre Teatro de Formas Animadas MÓIN-MÓIN Página 52: “Bulha dos Assombros” espetáculo do Grupo Menestrel Fazedô de Lages (SC) Página 53: (Superior) “Stop” espetáculo da Cia. Mikropodium de Budapeste (Hungria) Página 53: (Inferior) “Antologia” espetáculo da Cia. Jordi Bertran (Espanha)

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Revista de Estudos sobre Teatro de Formas Animadas

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Página 52: “Bulha dos Assombros” espetáculo do Grupo Menestrel Fazedô de Lages (SC)Página 53: (Superior) “Stop” espetáculo da Cia. Mikropodium de Budapeste (Hungria)Página 53: (Inferior) “Antologia” espetáculo da Cia. Jordi Bertran (Espanha)

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A marionetização do atorValmor Níni Beltrame

Universidade do Estado de Santa Catarina

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Este estudo analisa as principais idéias de cinco drama-turgos e diretores teatrais do século XIX e primeiras décadasdo século XX, considerados pioneiros numa nova concepçãode interpretação teatral tendo como referência a marionete.Destaca as variadas formas com que os artistas, Kleist,Maeterlinck, Craig, Jarry e Meyerhold se apropriam do teatrode marionetes como gênero artístico e da marionete comoreferência para o novo trabalho do ator.

Os últimos anos do século XIX e os primeiros do séculoXX são marcados pelo crescente interesse de dramaturgos eencenadores pela marionete. A marionetização do ator, asubstituição do ator por bonecos e por formas e a, huma-nização de objetos são discussões que animam a produçãoteatral. Em torno dessa discussão estão os artistas que negamo teatro burguês, a estética do romantismo, do melodrama edo realismo enquanto correntes artísticas, e se abrigam sob omovimento simbolista. Tal interesse aparece de forma visívelem duas direções: a marionete como referência para ocomportamento do ator em cena e o teatro de marionetes

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como gênero artístico. Destaca-se desse modo, o fascínio pelamarionetização do trabalho do ator e experimentações emtorno da humanização de objetos.

Encenadores e dramaturgos, decepcionados com aatuação dos atores, seus histrionismos, excessos, caretas econdicionamentos psicofísicos, expressam a necessidade doator assumir outro comportamento em cena e apontam amarionete como referência para seu trabalho. Na raiz dessadiscussão encontra-se a defesa do controle sobre o trabalhodo ator a ser efetuado pelo diretor; a negação do espon-taneísmo, do maneirismo, do vedetismo, predominantes nocomportamento dos atores naquela época; a teatralização doteatro; a necessidade de afirmar o diretor como o maiorresponsável e criador do espetáculo teatral.

Hoje, o ator marionetizado pode ser visto como o “atorperfeito”, o ator que com seus gestos e movimentos precisos,refinados, atingiu o ideal de beleza. É o ator que abandona acondição de vedete, a atuação pautada numa gestualidadecotidiana, deixando de lado as características de seucomportamento diário, os traços marcantes da suapersonalidade, para realizar uma outra experiência, icônica,distanciada das propostas de interpretação realista e naturalista.É o ator que atingiu a capacidade de representar a personagemsem mesclar suas emoções e personalidade. Esse aparente“desumanizar-se”, ao contrário do que pode parecer, revelade modo eficiente a essência humana. Nisso reside o grandeparadoxo do ator marionetizado: ao esconder os traços dasua persona, em particular, revela o que há de comum emtodos os seres humanos. Para a realização do seu trabalhoutiliza recursos técnicos comuns ao trabalho do ator-animador:a economia de meios, a precisão de gestos e movimentos, o

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olhar como indicador da ação, o foco, a triangulação, a partiturade gestos e ações, o subtexto; a idéia de que o movimento éfrase, entre outros aspectos técnicos comumente utilizadosna animação de bonecos e objetos.19

A proposta de interpretação, tendo a marionete comoreferência, foi construída com a colaboração de diversospensadores, dentre os quais é possível destacar o pensamentode Kleist, Maeterlinck, Jarry, Craig e Meyerhold. O presenteestudo traz ao debate aspectos relevantes do pensamentodesses dramaturgos e encenadores, objetivando evidenciarpontos comuns e divergências em relação à idéia demarionetização do ator, tema que ainda gera discussões naprática teatral contemporânea.

O urso de Kleist

Um dos pioneiros desta discussão foi Heinrich Von Kleist,(1777-1811), que publicou o ensaio Sobre o Teatro de Marionetes,em 1810, cujas idéias passaram a repercutir e animar polêmicasjunto a encenadores. Seguramente, as idéias de Kleist sãoinspiradoras do interesse de teóricos e encenadores pelamarionete no princípio do século XX.

No interessante diálogo estabelecido entre a personagem,Senhor C... e o primeiro bailarino da Opera da cidade, Kleist,

19 É possível identificar espetáculos teatrais no Brasil onde se registra esseprocedimento na atuação do elenco: UBU do Grupo Sobrevento; Buster do GrupoXPTO; os primeiros espetáculos dirigidos por Gerald Thomas, como Eletra comCreta, Trilogia Kafka, M.O. R.T.E.. No teatro europeu e norte americano destacam-se espetáculos dirigidos por Ariane Mnouchkine, Bob Wilson, Leszek Madzik.E, recentemente no cinema, atuações como a da atriz Kati Outinem em O Homemsem Passado de Aki Kaurismaki e a da atriz Scarllet Johansson em A Moça comBrinco de Pérola, de Peter Weber.

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diz que a marionete é o verdadeiro artista porque dispõe dequalidades como: euritmia, mobilidade e leveza. Pode realizarmovimentos com graça, impossíveis de serem conseguidospelo ser humano porque o homem não tem controle sobre ocentro de gravidade do movimento. E, outra vantagem decisivaé que a marionete não é “afetada”, como ocorre com a maioriados atores e bailarinos.

O texto de Kleist chama a atenção, inicialmente, porqueas personagens não possuem nomes comuns, são letras:“senhor C...” ou “P...”, “G...” o que remete à impessoalidadee à despersonalização. Sente-se que as particularidades têmpouca significação, justamente o que vão propor,posteriormente, Maeterlinck, Jarry e Craig. O animador dasmarionetes não é denominado bonequeiro ou marionetista,mas “operador”. Além de demonstrar o crescente interesseda época pela máquina, remete ao teatro mecânico, àgestualidade marcada e controlada, insinuando que os gestoshumanos são ineficazes ou até mesmo ridículos no teatro,devendo, por esse motivo, ser superados. Tal postura seevidencia em trechos do ensaio como:

“E qual a vantagem que tal boneco teria diante debailarinos vivos?

A vantagem? Antes de mais nada uma negativa, meu caroamigo, ou seja, que ele nunca será um bailarino afetado. - Poisa afetação aparece, como o senhor sabe, quando a alma (o vismotrix) encontra-se em qualquer outro ponto que não seja ocentro de gravidade do movimento.” (KLEIST,1997:21)

Interpretar, nessa visão, já não depende de inspiração,dom e outras qualidades pessoais, como até então se pensava,

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pois poderia levar à afetação. Controle e técnica são asreferências principais, e, aliás, pouco encontradas nos“bailarinos”, os artistas da cena na época, segundo o autor.Ainda que Kleist não explicite claramente, técnica apurada econtrole dos meios para a realização do trabalho não sãoconseguidos somente pelo “dom”, mas remetem à necessidadede uma formação que possibilite ao ator o domínio das técnicase suprima a afetação.

Depois de discorrer sobre o movimento, sobre osdeslocamentos e sua relação com o centro de gravidade, e deafirmar que estes devem ser conseguidos pelo controle externo,Kleist evoca um ator meio máquina, meio deus, capaz derealizar os desejos da alma e encarnar o homem como criadordo mundo. Aparece, assim, a sugestão do manequim na cena:

“Eu disse que, por mais habilidoso que ele [ator] fosse aoconduzir as coisas em seu paradoxo, jamais me faria acreditarque era possível estar contido mais encanto em um manequimmecânico do que na constituição do corpo humano. Eleobjetou que era simplesmente impossível, para o homem,alcançar o manequim também nisso. Só um deus podia medir-se na matéria nesse campo. E que seria o ponto em que osdois extremos do mundo em forma de anel se juntam.”(KLEIST,1997:27)

Como se vê, a negação da interpretação realista e a idéiade suprimir o ator da cena e substituí-lo por manequim jáaparece no princípio do século XIX e será retomada cem anosdepois por dramaturgos e encenadores do século XX.

Outro trecho do ensaio narra um episódio vivido na Rússiapela personagem, oportunidade em que é levada a lutar com

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um urso, evidenciando que o belo está no artificial e noautômato:

“Quando me vi, surpreso, diante dele, o urso ergueu-sesobre as patas traseiras, com as costas apoiadas a uma escadaonde estava acorrentado, a pata direita levantada, pronta paraa luta, e encarou-me nos olhos: era a sua postura de esgrima.Eu não sabia se estava sonhando, ao ver na minha frente taladversário, mas o Sr. V.G. disse: Ataque! Ataque! E veja sepode derrotá-lo! Investi com o florete, já que tinha merecuperado um pouco da minha surpresa; o urso fez um ligeiromovimento com a pata e bloqueou o golpe. Procurei enganá-lo com fintas, o urso não se mexeu. Investi contra elenovamente, com um golpe tão ágil e veloz que sem dúvidaalguma eu teria acertado o peito de um homem: o urso fezum ligeiro movimento com a pata e bloqueou o golpe. Agora,eu estava quase na mesma situação do Sr. V. G... A seriedadedo urso começou a me roubar o sangue-frio, golpes e fintasse sucediam, o suor escorria: em vão! Não só que o ursobloqueasse todos os meus golpes como o maior espadachimdo mundo, as fintas (coisa que nenhum espadachim do mundofazia como ele) não o enganavam nenhuma vez: olho no olho,como se pudesse ler a minha alma, erguia-se com a patalevantada, pronta para a luta, e quando os meus golpes nãoeram para valer, não se mexia. Acredita nessa história?.”(KLEIST,1997:33-39)

A preparação técnica explicitada na referência à esgrima,o abandono da emoção e o autocontrole, a exemplo do urso,são apontados como princípios fundamentais para o trabalhodo ator. O comportamento natural e humano é negado,

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evidenciando que o autômato é a referência para a obra dearte perfeita. E a marionete é o espelho para sua realização. Ointeresse pelo boneco reside na ausência de psicologia, dandolugar a ações precisas, cálculos matemáticos regidos por umamáquina que a partir de seu centro-motor é a causa domovimento.

O urso, metáfora do ator, apresenta total controle eprecisão nos movimentos, seu comportamento não deixatransparecer emoção, apenas age, não se deixa enganar pelasfintas, apenas faz. Isso é o oposto do comportamentopredominante do ator em cena na época.

O ator desencarnado de Maeterlinck

Maurice Maeterlinck (1862-1949), poeta e dramaturgosimbolista, escreveu nove textos dramáticos com indicaçãopara serem encenados por marionetes (petits drames pourmarionnettes), nos quais se percebe, além de nova concepçãona estrutura do texto dramático, uma visão de mundodiferenciada, pessimista, tediosa, triste, onde predomina a visãofatalista e predeterminada da existência, com seres humanosimpotentes diante de seus destinos previamente traçados.20

Suas personagens parecem mortos-vivos, entregues aoinevitável destino, a morte. A leitura desses textos denota aexistência de duas tendências; de um lado, a negação dainterpretação realista predominante no teatro da época e, deoutro, a busca de uma nova gestualidade para o ator, tendo namarionete a referência ou o modelo de interpretação.

Maeterlinck propõe um teatro que alcance um nível derealidade mais profundo que as enganosas aparências20 Os textos dramáticos são: La Princesse Maleine(1889), L’Intruse e Les Aveugles(1890) Les Sept Princesses (1891) Pelléas et Mélisande (1892) Alladine etPalomides, Intérieur e La Mort de Tintagiles (1894) Ariane et Barbe Blue (1901).

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superficiais, que encarne a natureza interna do homemarquetípico em símbolos concretos, em contraste com adescrição naturalista de indivíduos socialmente definidos(INNES,1992:27); um teatro poético, em que predomine omistério, o sonho, o alusivo. O dramaturgo simbolista apelavapara a palavra pura, em cuja verbalização o ator é quase umaestátua falante, adquirindo uma sobriedade gestual commovimentos obedecendo a princípios de economia, contençãoe elegância, imobilidade e face congelada, explorando ossilêncios. Valorizando a imaginação e negando o realismo, odramaturgo insistia que o espectador, vendo homensmaterialmente representados e personagens se expressandoem linguagem comum, percebia na cena um caso e umindivíduo e não o ser humano universal. E afirmava:

“Talvez fosse necessário suprimir totalmente o serhumano da cena. Não nego que com isso voltaríamos à artedos tempos mais antigos, cujas máscaras dos trágicos gregosforam, certamente, os últimos vestígios... Ou - quem sabe - oser humano poderá ser substituído por uma sombra, umreflexo, projeções numa tela de formas simbólicas ou por umser com toda a aparência da vida, sem ter vida. Eu não seimas a ausência do homem me parece indispensável”(MAETERLINCK in Plassard,1996:-200)21.

É recorrente a substituição do individual e particular pelouniversal, buscando o que há de comum em todos os sereshumanos. As figuras de cera, como referência para asencenações, posteriormente utilizadas por Tadeusz kantor nosanos 70 e 80, já são anunciadas em suas reflexões:21 Citação extraída do artigo Menus Propos, publicado em 1890 na revista LaJeune Belgique.

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“Seria difícil prever que o conjunto de seres sem vidapudesse substituir o homem no palco, mas parece que asestranhas impressões que sentimos nas galerias de cera, porexemplo, poderiam ter-nos posto, há muito tempo, nas pegadasde uma arte morta ou nova. Parece que todo e qualquer serque tenha a aparência da vida sem ter vida apela para potênciasextraordinárias e não se diga que essas potências não tenhamexatamente a mesma natureza daquelas convocadas pelopoema (MAETERLINCK in Jurkowski, 1991:249).

Fica evidente que o que contrariava o autor era a presença,no palco, de personagens em carne e osso. A presença físicado ator, se mexendo e falando, destruía a ficção e impunha arealidade concreta, material, empobrecida, vazia e limitada dosseres vivos cotidianos, como se a realidade não conseguissedar conta da verdade da existência. E, tudo o que o ator faziaparecia ridículo, inadmissível, intolerável.

As indicações para a nova forma de interpretar ainda sãobastante genéricas, mas fica claro que o ator precisa encontrarnovos meios de expressão, cujas referências estariam, quemsabe, nas marionetes, nas figuras de cera, nos autômatos, nosandróides, nos reflexos, nos objetos e nas máscaras.

O ator boneco de Jarry

Alfred Jarry (1873 - 1907), poeta e dramaturgo francês,foi conhecido principalmente como autor de Ubu Rei 22, textodramático escrito e encenado inicialmente com bonecos,sombras e máscaras. Seus escritos possibilitam perceber que22 Escreveu três artigos, nos quais estão contidas suas principais idéias sobreteatro: Da Inutilidade do Teatro no Teatro, publicado em 1896, em Paris, Questõesde Teatro (1897) e Doze Argumentos sobre Teatro (1897). Também escreveu ostextos dramáticos: Ubu Enchainé; Ubu sur la Butte; Ubu Cocu.

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Jarry foi um dos precursores do retorno ao uso da máscara, àestilização de cenários e à busca de uma interpretação“despersonalizada”, tendo como referência a marionete. Defato, ele propôs um teatro abstrato no qual as máscarassubstituem o retrato sociológico de uma pessoa pela “efígieda personagem” e o “gesto universal” conduza à “expressãoessencial”.23

23 Plassard, D. Théâtre en Efigie. 1996. E. Innes, C. El Teatro Sagrado - el ritualy la vanguardia.1992.

Um dos seus princípios essenciais é estimular a imaginação,a abstração e a síntese, a partir de imagens impessoais. Naestréia da peça Ubu Rei, em discurso para a platéia, Jarry afirma:

“Nestas noites, os atores quiseram tornar-se impessoaise representar cobertos por máscaras demonstrando maisprecisamente o homem interior e a alma das marionetes quevocês vão ver ... Estarão cobertos por uma máscara que nãoterá o caráter de choro, riso (até porque isso não é um caráter)mas o caráter da personagem: o avarento, fraco, sovina,criminoso.” (JARRY;1980:24)

Nessa mesma encenação, ele exige dos atorestransformação física pela qual deveriam reproduzir umagesticulação própria das marionetes; a marionetização daspersonagens conseguida com o uso da máscara que, aoesconder o corpo do ator, faz sobressair o corpo dapersonagem; a busca e a adaptação de uma voz especial,artificial, específica para cada personagem, “uma espécie devoz da máscara se os músculos dos seus lábios pudessemmover-se” (JARRY,1980:107).

O importante é destituir o ator dos traços que identifiquemsua personalidade e o meio adequado para chegar a isso é a

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máscara ou a marionete. Como afirma Abirached, “não parafazê-lo falar uma linguagem mimada convencional, cansativae incompreensível, mas para impor-lhe um comportamentocênico adequado, em todos os seus detalhes, ao da efígie queele deve figurar e não encarnar” (ABIRACHED,1994:182).

Jarry faz a defesa da personagem tipificada, a negação dapersonagem psicologizada e a crítica ao gosto burguês. E,explicita a necessidade de controle sobre o trabalho do atorquando afirma: “Com pequenos acenos de cabeça, de cimapara baixo e de baixo para cima e “oscilações” laterais, o atordesloca as sombras sobre toda a superfície de sua máscara”(JARRY,1980:106).

Referindo-se ao boneco assim como ao ator que usamáscara, salientava que ambos devem se mover pouco e muitolentamente, com o fim de oferecer ao espectador uma imagemambígua, afastada do contexto de onde possam ter surgido.

As referências do teatro de marionetes, presentes naspersonagens da peça Ubu Rei, são evidentes nas mudançasbruscas das suas reações, na rapidez com que mudam deatitudes e opiniões; pela coexistência de atitudes próximas davulgaridade, e pela proximidade entre o bom senso e a idiotice,entre a nobreza e a infâmia.

A convivência de Jarry com encenadores, certamente,alimenta essas preocupações, principalmente com Lugné-Poe24,pois com eles compartilhava a idéia de que o ator “devecompreender que a multiplicidade de gestos é odiosa... deveeconomizar os efeitos ou abandoná-los. Do contrário, seráum criminoso para essa arte” (JARRY apud Carlson,1997:285).

Evidentemente, a preocupação central da produçãoartística de Jarry e Maeterlinck era a dramaturgia e não a24 Diretor teatral reconhecido por suas montagens experimentais no Théâtre deOuvre, dentre elas Ubu Rei de Jarry.

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interpretação, no entanto, em comum entre eles e os diretoresque encenavam seus textos há a marionete como referênciapara essas encenações, contribuindo, dessa maneira, pararepensar ou redefinir o trabalho do ator, buscando uma novaforma de interpretar.

O ator máscara de Craig

O escritor, pintor, cenógrafo e encenador Edward GordonCraig (1872-1966), faz tão veemente negação à estética realistaque se tem a impressão da impossibilidade de o ator estar emcena, de apresentar-se com aparência humana. Dentre aspolêmicas, provocadas por suas declarações, uma das maisconhecidas se deu quando afirmou: “A representação do atornão constitui uma arte; e é forçadamente que se dá ao ator onome de artista. Porque tudo o que é acidental é contrário àarte” (CRAIG, s/d:87).

O surpreendente dessa afirmação não é o fato de vir deum autor simbolista, mas de um membro da farândola, filhode uma atriz e de um crítico reconhecidos, criado no meioartístico desde a sua mais tenra infância e perfeito conhecedordo meio (ABIRACHED,1994:198).

A publicação do ensaio de Craig, O Ator e a Supermarionete,em 1908, vai expressar toda sua rejeição ao teatro produzidona época. Negava a arte realista como imitação fotográfica danatureza, o teatro em que predominava a submissão ao texto,o teatro escrito, os cenários realistas e a interpretaçãosubmetida aos caprichos e emoções humanas. Dizia que osgestos do ator, a expressão de seu rosto, da sua voz, nãoobedecem a controles e se traem constantemente. Por contada sua constituição, o ator não produz outra coisa que não

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seja o acidental; e a arte é a antítese do caos. Craig querdespersonalizar o ator e para isso se utiliza da marionete. Elança o desafio:

“Suprima-se a árvore autêntica que se colocou em cena,suprima-se o tom natural, o gesto natural e chegar-se-áigualmente a suprimir o ator.

O ator desaparecerá e em seu lugar veremos umapersonagem inanimada que usará, se quereis, o nome de Sur-marionnette - até que tenha conquistado um nome maisglorioso.” (CRAIG,s/d:108-109)

O ensaio evidencia, em diversos momentos, a marionetecomo referência para a produção de um teatro que trate desituações humanas mais universais, poéticas. No entanto, édifícil precisar o que o autor define como Supermarionete, porqueo conceito não está claramente explicitado.

Numa interpretação mais literal, seria possível concluirque quer mesmo substituir o ator pelo manequim ou pelamarionete. Mas, certamente, Craig propõe a marionete comometáfora ou modelo, exigindo do ator do seu tempo a aquisiçãodo rigor e técnica na interpretação, no entanto, isso também épouco claro.25

A marionete que serve de referência a Craig, por vezes, éa que pertence ao teatro visto na rua, mas simultaneamente ocritica dizendo que essa arte vive um tempo de decadência:25 Kantor diz: “Eu não acredito que um manequim (ou figura de cera) possasubstituir o ator vivo como queriam Kleist e Craig. Seria fácil e ingênuo pensarisso... no meu teatro o manequim é um modelo que encarna e transmite umprofundo sentimento de morte, da condição dos mortos, um modelo para o atorvivo” (In Le Théâtre de la Mort, 1977:221).

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“A maioria das pessoas sorri se lhes falam de fantoches.Pensa-se logo nos seus cordelinhos, nos seus braços hirtos,nos seus gestos sacudidos, diz-se: “são bonecos divertidos.”Mas lembrai-vos de que são os descendentes de uma grande enobre família de ídolos, de ídolos feitos, na verdade “à imagemde um Deus” e que há muitos séculos essas figurinhas tinhammovimentos harmoniosos e não sacudidos, sem necessidadede cordéis ou fios de arame e não falavam pela voz nasaladado titeriteiro.” (CRAIG,s/d:116)

Aqui, os ímpetos reformistas de Craig também se dirigemaos marionetistas, quando diz indiretamente que manipularnão é sacudir, e a voz nasalada, comum no teatro de bonecosde rua também não serve.

É da observação e dos estudos que realiza sobre a históriado teatro e, sobretudo, em relação ao teatro egípcio, grego eindiano, que se inspira para criar a idéia da supermarionete(Übermarionnette).

Estudos de Plassard e Jurkowski salientam que o interessede Craig pelo teatro de marionetes foi bastante manifesto, oque se confirma pelos 365 “pequenos dramas” paramarionetes, escritos segundo ele próprio “um para cada diado ano”. Destes, 119 estão publicados em revistas e jornais, oque não é pouco (JURKOWSKI, 1991:293).

Na escola de teatro criada em Florença, o programa deensino destinado à formação de atores previa, entre seusconteúdos, “história da marionete e sua manipulação”(ASLAN,1994:103).

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Lamentavelmente, as atividades da escola encerraram-secom a eclosão da Primeira Guerra Mundial e não se conhecea forma de trabalho, a seqüência de conteúdos e osprocedimentos pedagógicos das diversas disciplinas. Mas, aodestacar a importância de o ator saber animar objetos emanipular marionetes, Craig antecipa uma concepção deformação de ator que só começará a ser discutida muito tempodepois.

O pesquisador francês, Plassard, após ter sido autorizadoa manusear os escritos de Craig26 dos anos 1905 e 1906, períodoem que viveu em Berlim, justamente a época em que começaa formular a idéia da Supermarionete, conclui:

“Meus estudos constatam já nas primeiras páginas doCaderno A que a idéia de supermarionete não está separadado ator usando máscara, em parte inspirado no ator do teatroantigo grego. Notas e croquis demonstram o ator inteiramentecoberto, despersonalizado, usando máscara, tornandoimpossível ao intérprete mesclar suas emoções e perso-nalidadena representação da personagem.” (PLASSARD,1992:47-53)

Confirma-se, assim, que Craig lançou as bases de umatendência que só vai se consolidar mais tarde: a teatralizaçãodo teatro, instaurando o monopólio da figura do diretor nacena. Para ele, o ator será sempre a Supermarionete, umamáscara inteira cobrindo, além do rosto, todo o corpo doator.26 Uma série de cadernos manuscritos de Craig pertence ao acervo da BibliotéqueNationale de Paris e só recentemente foram postos à disposição para consultasmediante autorização. Plassard foi um dos primeiros pesquisadores a manuseá-los.

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27 Também foi ator e escreveu textos teóricos sobre teatro. Estudou na escola deArte Dramática de Nemirovich Dantchenko e integrou o elenco do Teatro deArte de Moscou, onde trabalhou com Stanislavski. Dirigiu o Teatro Imperial e,em 1917, engajado na Revolução Socialista organizou espetáculos de massa.Encenou textos dramáticos escritos por Maiakóvski, trabalhando diretamentecom ele nas montagens. Em 1937, acusado de “formalista” e recusando aencenação de espetáculos didáticos na perspectiva do “realismo socialista”, épreso e fuzilado, em 2 de fevereiro de 1940, sob as ordens de um tribunal militar.Até 1955, o nome de Meyerhold foi proibido em todas as publicações russas. Sóem 1968 seus textos são novamente publicados (HORMIGÒN 1992:21-36).

A polifonia meyerholdiana

Vsévolod Meyerhold, (1874 - 1940),27 foi um dos diretoresteatrais e pedagogos mais importantes do teatro do séculoXX. Espetáculos, como Balagan (A Barraca de Feira), deAleksander Blok, e “Inspetor Geral”, de N. Gógol, ainda hoje,são marcos para o estudo da renovação do teatro ocidental,em virtude das inovações introduzidas na cena.

Foi discípulo de Stanislavski, porém insurge contra asidéias do mestre notadamente em relação ao seu teatronaturalista e aos procedimentos na preparação do ator.Criticava o “psicologismo” que norteava a criação daspersonagens e encenações naturalistas e realistas.

“Vai-se inspirar no impressionismo, no cubismo efinalmente no expressionismo alemão para o desenvolvimentoe a pesquisa de valores puramente formais que teriam um papelcrescente na afirmação da tea-tralidade e no seu princípio deum teatro de convenção e estilização”. CAVALIERE, 1996:3)

Meyerhold propôs a Biomecânica, um conjunto de exer-cícios para a preparação dos atores, inspirado, provavelmente,

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na observação dos movimentos do operário soviético. Emconferência pronunciada em 12 de junho de 1922,(HORMIGÓN,1992:229-232), sintetiza a Biomecânica emquatro eixos centrais: eliminação de movimentos inúteis, nãoprodutivos, ritmo, consciência exata do próprio centro degravidade, resistência e ausência de vacilações.28

Trabalhava com princípios da Commedia dell’Arte, negavaa mobilização emocional, interior do ator, dizendo que bastavaater-se aos próprios reflexos físicos. Preparava seus atores paraagir e reagir a esses reflexos.

Fez diversas encenações vinculadas aos princípios daestética simbolista,29 fase importante na sua trajetóriaprofissional, justamente porque é nesse período que vaiamadurecendo princípios que estarão sempre presentes noseu trabalho, quais sejam: a negação ao naturalismo e aorealismo, o teatro de convenção, o grotesco, a teatralizaçãodo teatro e a teatralidade.30

28 Duas pesquisas recentemente concluídas no Brasil oferecem rico material paraa compreensão da Biomecânica: A dissertação de Yedda Carvalho Chaves, ABiomecânica como Princípio Constitutivo da Arte do Ator, ECA-USP, 2001 e atese de Maria Thais Santos Lima O Encenador como Pedagogo, ECA-USP, 2002.29 Nessa fase, encenou diversos espetáculos, dentre eles, Sor Béatrice (1906) ePelléas et Melisande (1907), ambos de Maurice Maeterlinck.30 Teatralidade compreendida como “(...) tudo o que é especificamente teatral,isto é, tudo que não obedece à expressão através do discurso, das palavras, ou sese preferir, tudo que não está contido nos diálogos...”(ARTAUD, 1984:50) Ateatralidade “se opõe, até mesmo, às vezes, à narrativa de uma fábula logicamenteconstruída” (PAVIS,1999:372); ou ainda, está relacionada com “o usoprogramático da ferramenta cênica, de uma maneira a que os componentes darepresentação se valorizem reciprocamente e façam brilhar a teatralidade e afala”(idem, p.373).

Posteriormente, inspira-se em elementos do teatropopular, conforme estudos de Cavaliere:

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“Meyerhold vê nos princípios do teatro de feira, nas suasmarionetes e no poder mágico das suas máscaras, arevitalização do teatro contemporâneo, apoiando-se,principalmente, na idéia de que a arte do ator deve estarfundada, antes de tudo, no jogo das máscaras, dos gestos edos movimentos que sempre encantou em várias épocas opovo das praças públicas com suas bastonadas, suas acrobaciase brincadeiras. Tomando como elemento de análise o teatrode marionetes, Meyerhold constata que o que diverte o públicoessencialmente é o fato de que os movimentos e as situaçõesdramáticas das marionetes, a despeito da intenção dereproduzir a vida no palco, não apresentam absolutamentenenhuma verossimilhança com aquilo que o público vê navida. Porém, o que fascina o público não é a reprodução darealidade tal como ela é, e, sim, a instalação de um mundoencantatório, com gestos tão expressivos, ainda queinverossímeis, submetidos a uma técnica particular, umaespécie de mágica cênica e que resultará numa harmoniaplástica, dona das leis específicas da composição.”(CAVALIERE,1996:89)

A análise de peças de Maiakóvski, tais como: Mistério Bufo,O Percevejo e Os Banhos, encenadas por Meyerhold,31 revela queesses trabalhos utilizam recursos característicos da linguagemdo teatro de animação: é possível constatar a existência doboneco como alegoria que contribui na realização da hipérbole,da ridicularização e do grotesco; a humanização de objetos,demonstrando assim a inumanidade dos homens e, ainda, orecurso dos “nomes falantes”. “Nome Falante” é uma formasintética de caracterização da personagem. O nome contribui31 Meyerhold dirigiu Mistério Bufo, tanto na versão de 1918 quanto na de 1921,ocasião em que o texto sofreu acréscimos. O Percevejo foi dirigida em 1929 e OsBanhos em 1930.

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para identificar seu caráter e comportamento. A explicitaçãodo seu nome é suficiente para diferenciar sua maneira de serdas demais personagens. (BELTRAME, 2003: 53)

O teatro de bonecos popular russo, o Petrushka, éreferência importante em certos momentos do trabalho e paraa preparação do seu elenco. O diretor via na síntese dosmovimentos, na expressão do corpo do boneco, e não naexpressão facial, conquistas que seu elenco deveria fazer e oboneco servia de modelo. O ator Igor Iliinski conta comoeventualmente o diretor propunha exercícios ao elenco, usandoo boneco de luva:

“Meyerhold apreciava altamente a expressividade docorpo. Fazia a demonstração com um boneco de guinhol:introduzindo os dedos, obtinha os efeitos mais diversos. Apesarda sua máscara parada, o boneco exprimia quer a alegria - osbraços abertos, como a tristeza - a cabeça caída, ou ainda oorgulho - a cabeça inclinada para trás. Bem manejada, a máscarapode exprimir tudo o que exprime a mímica.” (ILIINSKI apudMeyerhold, 1980:189).

Assim, o boneco é referência importante na superaçãoda interpretação psicológica, colaborando para a expressividadedo gesto, precisão e síntese do movimento.

Em seu estudo, O Teatro de Feira (1912), começa a seevidenciar o abandono da estética simbolista em sua carreirae recorre ao grotesco, às formas de teatro popular, com adefesa da teatralidade e da estilização, da marionete e damáscara, com insistência no imbricamento entre forma econteúdo. Nesse texto, o diretor russo confronta as posiçõesde dois diretores de teatro de marionetes para reafirmar oteatro de convenção. Descreve as intenções de um diretor que

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se propõe a substituir o boneco pelo homem e de outro queaposta no boneco. Meyerhold valoriza este último, pois aindaque identifique falhas nos mecanismos da construção e mani-pulação do boneco, não se separa dele porque “consegue criarum mundo tão encantador, com gestos expressivos, servindo-se de uma técnica especial e mágica” (MEYERHOLD apudPlassard,1996:231).

Recorre, ainda, à marionete para marcar a diferença entreo “ator da interioridade” e o ator de uma linguagem cênicaoriginal. Para ele, o primeiro “só busca revelar seu estado dealma pessoal. Recusa-se a obrigar sua vontade a dominar osprocedimentos técnicos.” Ao segundo, pergunta: “ele devesubstituir a marionete e perseguir esse papel auxiliar, que lherecusa toda liberdade de criação pessoal, ou deve fundar umteatro análogo ao que a marionete soube conquistar, negando-se a se submeter à vontade do diretor de modificar a suanatureza?” (MEYERHOLD apud Plassard, 1996:232)

Demonstra conhecer o teatro de marionetes como lingua-gem artística e isso é visível quando responde ao questi-onamento lançado:

“A marionete não quer se identificar completamente aohomem, porque o mundo que ela representa é o maravilhosomundo da ficção, porque o homem que ela representa é umhomem inventado, porque o tablado onde ela evolui é o espaçode harmonia onde se encontram os fios de sua arte. Sobreseus tablados, é assim e não de outra maneira, não de acordocom as leis da natureza, mas porque essa é a sua vontade, eporque o que ela quer não é copiar, mas criar.”(MEYERHOLD, idem)

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A idéia de marionetização em Meyerhold apresenta-se demaneira diferenciada, eventualmente, o boneco é referênciapara que o ator elabore o que o diretor russo consideraessencial: a construção de uma técnica particular fundada naexpressividade do gesto e do trabalho corporal. O ator, criadordessa nova forma de interpretar, distancia-se da cópia pura esimples da natureza para chegar à harmonia plástica e, assim,à criação artística. Usa o boneco na cena com freqüência,porém, mais como alegoria, figuração, um artifício, metáforada personagem que representa. Conforme Krisinski(1992:19),“Meyerhold propõe um teatro sincrético e polifônico queintegre o boneco, sem outorgar-lhe a função primordial desímbolo absoluto”.

Considerações finais

Com Maeterlinck, Jarry, Craig e Meyrhold é possívelperceber a existência de eixos para analisar o trabalho do atormarionete. São tendências que por vezes se apresentamprofundamente imbricadas e noutros momentos parecemtomar rumos distintos.

Com Jarry, o ator é boneco com comportamento cênicoe inclui uma gestualidade desconcertante. Nega, assim, ainterpretação realista e busca uma nova forma de interpretar.O boneco é referência tanto para a construção da personagemem seus textos dramáticos como para a interpretação.

Craig explora, através da marionete e suas múltiplasformas, as condições de reorganização do jogo teatral emlinguagem única, numa totalidade plástica homogênea na qualo ator é tão somente parte integrante de uma totalidade mais

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ampla que é o espetáculo. E, o ator inteiramente mascarado équem pode concretizar essa forma de interpretar no novoteatro.

Já, Maeterlinck desenha o perfil de um ator mediado pelovisível e o invisível. O ator é o ser desencarnado, símbolo dohomem submetido ao servilismo absoluto de normas sociaisestabelecidas, as quais, ainda que questione sua existência, asexecuta automaticamente.

Para Meyerhold, o teatro de bonecos popular russoeventualmente é referência para a encenação e para a formaçãodo elenco. O diretor buscava a teatralidade e, assim, tornarelativa a função do boneco e o integra à simultaneidade deoutros recursos, fundindo-o e fazendo com que colabore coma polifonia cênica em que se constituíam seus espetáculos.

Percebe-se, assim, um eixo comum nos autores estudados:a marionete sempre aparece como síntese dessa nova formade teatro, em que o espetáculo se aproxima do cálculomatemático, obedecendo a regras e normas de visibilidadecênica, compreendendo movimento, cores, gestos, sons eritmo. É a espetacularidade no teatro apoiada na marionete,num momento da história em que o teatro se rebela contra aencenação realista e a interpretação psicológica. Nos drama-turgos e diretores, vale insistir, a marionete é referência, porvezes síntese da perfeição para essa nova forma de interpretare conceber a arte do teatro.

Percorrer as trajetórias desses dramaturgos e diretores,personalidades importantes do teatro do século XX, tambémtorna evidente a importância do teatro de marionetes comoreferência na formulação das propostas para um novo teatro.Tais propostas passaram a exigir do ator a busca permanentede novos conhecimentos para o exercício da profissão e aindahoje essa discussão não está esgotada.

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