53310467 Emocoes e Sentimentos Segundo Antonio Damasio

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    Emoes e Sentimentos segundo Antnio Damsio

    Iaci MaltaAgosto 2009

    Para Reich e seu seguidor Alexander Lowen, a expresso das emoes um fatorprimordial para a manuteno da sade psquica e fsica do ser humano. Para ambos arepresso das emoes constitui um mecanismo de defesa que visa proteger o indivduocontra experincias emocionais dolorosas e ameaadoras mas pode simplesmente resultarna perda de vitalidade. Em particular os exerccios corporais criados por Lowen paracompor a tcnica corporal da Anlise Bioenergtica tm o objetivo de desfazer ascontraes musculares que impedem ou dificultam - a expresso das emoes. Em seustextos Lowen repetidamente enfatiza a importncia da expresso das emoes.

    No entanto, a reflexo gerada pelas minhas leituras de diversos autores e pela minhaprtica clnica, me levou a pensar que essa nfase no expressar emoes (ou essa forma

    de enunciar a questo) no s no oferecia um bom modelo para a compreenso domecanismo de defesa de represso das emoes, como tambm poderia conduzir a ummal entendimento do tipo devemos liberar aes que descarreguem nossa raiva, aesque expressem nossas emoes.

    A partir dessas reflexes comecei a me referir no importncia de expressar as emoesmas sim importncia de termos conscincia das emoes que nos acometem; importncia de nos liberarmos, nos autorizarmos a sentir essas emoes sem julgamentosde certo e errado. Comecei a adotar a convico de que no podemos realmente reprimiras emoes mas sim apenas a conscincia de suas ocorrncias.

    No podemos controlar a ocorrncia de emoes alm da possibilidade de evitarmosestmulos que as provoquem. Uma vez atingido pelo estmulo, nosso organismo reagirde acordo com uma programao biolgica: com raiva se frustrado, com medo seameaado, com tristeza se vivemos uma perda, com alegria se satisfeito. Mas podemosno ter conscincia dessas reaes, de alguma forma no fazer contato com os eventoscorporais que esto acontecendo: na raiva por exemplo, os vasos sanguneos perifricosse dilatam esquentando o corpo, ficamos vermelhos (da a expresso vermelho deraiva). No medo, ao contrrio, esses vasos se contraem, ficamos mais frios e plidos(da a expresso branco de medo).

    Assim, adotei a forma de descrever o mecanismo de defesa mais primitivo comosupresso da conscincia da ocorrncia de emoes potencialmente vividas comoameaadoras. Nessa formulao, a importncia da expresso das emoes substitudo

    pela importncia da percepo (ou da liberao da percepo) das emoes que nosacometem independentemente de nossa vontade e do nosso controle. Em bioenergticanos referimos a essa conscientizao como estar em contato com o prprio corpo, ou seja,viver num estado de maior integrao corpo-mente.

    Para meus pacientes comecei a falar que as emoes so fenmenos bio-fsicos (seguindoReich que diz, Fundamentalmente, a emoo no mais do que um movimento

    plasmtico (Reich, Anlise do Carter, Martins Fontes, So Paulo 1995 pg. 330).

    Emoes so reaes do organismo vivo, programadas biologicamente, cuja ocorrnciano podemos controlar e que, portanto, no so nem certas nem erradas. No podemos

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    ser responsveis pela ocorrncia de nossas emoes mas sim pelas aes que adotarmosmovidos pelas emoes.

    claro que possvel afirmar que essa fala apenas uma outra forma de dizer o mesmoque Reich e Lowen quando se referem expressar as emoes, ou seja, que se trata

    apenas de uma questo de linguagem mas, no meu entender toda construo terica totalmente dependente da linguagem e portanto, diferentes formas de expresso dopensamento podem gerar diferentes compreenses.

    Observo tambm que falar da supresso da conscincia se aproxima mais da conceituaode Freud, especificamente do mecanismo de recalque, que se refere tornar inconscientea idia que gera um conflito emocional vivido como insuportvel.

    Para minha sorte, me encontrei com o pensamento de Antnio Damsio emEm busca deEspinosa: prazer e dor na cincia dos sentimentos (2004)1 que me forneceu uma falaperfeita para embasar meu discurso:

    As emoes ocorrem no teatro do corpo. Os sentimentos ocorrem noteatro da mente. ([1] pg. 35)

    Mais ainda, nos d claras definies para emoo e sentimento assim como um modelopara a compreenso de seu funcionamento e da participao do pensamento nessesprocessos.

    parte pblica do processo (dos afetos) chamo de emoo e parteprivada de sentimentos... ([1] pg. 35)

    Os sentimentos podem ser, e geralmente so, revelaes do estado davida dentro do organismo. ([1] pg.15)

    Alguns doentes incapazes de ter certos sentimentos eram aindacapazes de exprimir as emoes que lhes correspondiam ou seja,era possvel exibir uma expresso de medo mas no sentir medo. Aemoo e o sentimento eram irmos gmeos, mas tudo indicava que aemoo tinha nascido primeiro, seguida pelo sentimento, e que o

    sentimento se seguia sempre emoo como uma sombra. ([1] pg.14)

    As emoes

    Para Damsio, as emoes foram construdas a partir de reaes simples que promovema sobrevida de um organismo... ([1] pg.37) e constitui um dos mecanismos que compemo que ele denomina de equipamento inato e automtico do governo da vida, a mquinahomeosttica:

    Fenmenos automticos da regulao da vida ([1] pg.38)

    1 De fato, meu encontro com o pensamento de Antnio Damsio j havia acontecido antes, em 1998, comseu primeiro livro sobre o tema, O Erro de Descartes, e posteriormente comMistrios da Conscincia

    mas, mas em Em busca de Espinosa que Damsio organiza e completa sua proposta para a compreensodas emoes e sentimentos. Assim bem provvel que minhas prprias formulaes j tenham seconstrudo influenciadas por Antnio Damsio, embora eu no tivesse clareza sobre isso.

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    regulao metablica (processo de metabolismo: inclui componentes qumicos emecnicos que mantem o equilbrio qumico interior), reflexos bsicos (por exemplomplocolocar o organismo em estado de alerta), respostas imunitrias (sistema imunolgico). Comportamento de dor e prazer Pulses e motivaes (ex: fome, sede, curiosidade, comportamentosexploratrios e comportamentos sexuais Espinosa denomina de apetites essas reaes ede desejos a conscincia da ocorrncia dessas reaes. Emoes Sentimentos

    As reaes regulatrias so as respostas produzidas pelo organismo vivo a um objetoou situao tanto do ambiente (estmulo externo) quanto a do prprio organismo(estmulo interno). ([1] pg.46)

    Uma emoo uma resposta a um estmulo que atinge um organismo vivo e que produzuma alterao temporria do estado do corpo e do estado das estruturas cerebrais quemapeiam o estado do corpo e sustentam o pensamento. Mais precisamente, ([1] pg. 61)

    1. Uma emoo propriamente dita uma coleo de respostas qumicas e neuraisque formam um padro distinto2. As respostas so produzidas quando o crebro normal detecta um estmulo-emocional-competente (um EEC), o objeto ou acontecimento cuja presena real ourelembrada desencadeia a emoo. As respostas so automticas.3. O crebro est preparado pela evoluo para responder a certos EEC comrepertrios especficos. Mas a lista dos EEC no se limita queles que foram prescritos

    pela evoluo. Inclui muitos outros adquiridos pela experincia individual.4. O resultado imediato dessas respostas uma alterao temporria do estado docorpo e do estado das estruturas cerebrais que mapeiam o estado do corpo e sustentam o

    pensamento.5. O resultado do final das respostas a colocao do organismo, direta ouindiretamente, em circunstncias que levam sobrevida e ao bem estar.

    importante salientar que o estmulo que gera uma emoo pode ser tanto externo(presena real) ou interno (memria) ao organismo. Damsio cita Espinosa: Umhomem to afetado, agradavelmente ou dolorosamente, pela imagem de uma coisa

    passada ou futura, como pela imagem de uma coisa presente. (tica, Parte III,

    proposio 28).

    Observo que, no meu entender, no tem 5 o bem estar se refere ao objetivo dasrespostas, a uma inteno do organismo, objetivo esse que nem sempre alcanado jque essas respostas so tambm influenciadas por experincias anteriormente vividasque podem distorcer o evento real sendo experimentado.

    Algumas regies do crebro que participam do processo de produo de uma emoo([1] pg. 65, 66, 70)

    crtices visual e auditivo (receptao do estmulo) amgdala - lobo temporal cortex pr-frontal ventromedial e crtex do cngulo -lobo frontal e rea motora suplementar ( regies desencadeadoras)

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    prosencfalo basal, hipotlamo e certos ncleos do tranco central (regiesprodutoras). ([1] pg. 65, 66)

    Damsio classifica as emoes em 3 tipos: emoes de fundo, emoes primrias eemoes sociais ([1] pg. 52,53,54) Alguns exemplos:

    emoes de fundo: energia ou entusiasmo, mal estar ou ansiedade (se revelam pormanifestaes sutis nos movimentos e nas expresses faciais), msica da voz, cadnciado discurso. emoes primrias: medo, raiva, nojo, tristeza, felicidade emoes sociais: simpatia, compaixo, embarao, vergonha, culpa, orgulho,cime, inveja, gratido, admirao, espanto, indignao, desprezo (componentes dasemoes primrias em diversas combinaes so parte integrante das emoes sociais,assim como comportamentos de dor e prazer)

    Em certos casos as emoes so inteiramente inatas no sentido de poderem ser ativadasno nascimento, enquanto outras requerem um grau mnimo de exposio apropriada aoambiente para serem ativadas, (Por exemplo o medo de cobras em macacos s aparecemdepois do filhote ter visto na me a expresso de medo em relao a cobra). Uma nicaexposio suficiente para a ativao dessa reao que, no entanto no pode serexecutada sem essa primeira exposio. ([1] pg. 55)

    A citao a seguir embasa minha convico de que no podemos controlar a ocorrnciade emoes alm do recurso de evitao de exposio a estmulos que j sabemos resultarem determinada emoo:

    As emoes so reaes automticas da mquina homeosttica e no podem ser

    impedidas frente exposio a um estmulo. No que se refere aos seres humanos, suacapacidade de ter conscincia da ocorrncia dessas reaes (capacidade de sentir) assimcomo de compreender e estabelecer relaes de causa e efeito entre experincias vividas

    permite a ns, seres humanos, termos um controle limitado sobre emoes: evitandoexposio a situaes que gerem emoes que queremos evitar, escolhendo com quem ecom o que queremos conviver.

    Podemos dessa feita nos libertarmos do automatismo tirnico eimpensado da maquinaria emocional ([1] pg. 60).

    Damsio descreve um episdio em que durante um procedimento feito no crebro de uma

    paciente com mal de parkinson, acidentalmente estimulado eletricamente um ponto nocrebro (um ncleo do tronco central) que provoca a ocorrncia de uma emoo (tristezaprofunda) que gera pensamentos depressivos que no fazem qualquer sentido para apaciente ([1] pg. 73). Esse episdio interpretado por Damsio como uma evidncia desua afirmao de que emoes so fenmenos corporais.

    Os sentimentos

    Para Damsio sentimentos so percepes. Mais precisamente,

    um sentimento uma percepo de um certo estado do corpo,acompanhado pela percepo de pensamentos com certos temas e

    pela percepo de um certo modo de pensar. ([1] pg 92)

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    Em muitas circunstncias, especialmente quando h pouco ou nenhumtempo para reflexo, os sentimentos so de fato constitudos pela

    percepo de um certo estado do corpo. Noutras circunstncias,contudo, os sentimentos envolvem a percepo de um certo estado do

    corpo e a percepo de um certo estado de esprito, Temos imagensno s de um certo estado do corpo mas tambm, em paralelo,imagens de uma forma de pensar. ([1] pg.96)

    ... quando temos a experincia de um sentimento positivo, a menterepresenta mais do que bem-estar, a mente representa tambm bem-

    pensar... Por outro lado, sentir a tristeza no diz respeito apenas aomal-estar. Diz respeito tambm a um modo ineficiente de pensar,concentrado em torno de um nmero limitado de idias de perda.([1] pg.96)

    Segundo ele, a origem dessas percepes o fato do corpo estar continuamente sendomapeado em certas estruturas cerebrais, sendo que seu contedo (das percepes) so osestados do corpo retratados nesses mapas cerebrais. ([1] pg. 93)

    Resumo do mecanismo: um estmulo emocionalmente competente (externo objeto ousituao externa , ou interno lembranas, pensamentos) afeta o organismo que reageemitindo sinais que chegam ao sistema somatossensitivo que por sua vez constri mapasdo corpo: podemos imaginar esses mapas como colees de correspondncias entretodo e qualquer ponto do corpo e as regies somatossensitivas ([1] pg.122). Esse mapa que atinge a conscincia.

    Damsio salienta que devido interferncia de outras regies cerebrais na transmissodos sinais ou na atividade das regies somatossensitivas, esses mapas que refletem oestado real das regies somatossensitivas, podem no refletir o estado real do corpo, isto, podem ser mapas falsos ([1] pg. 123)

    Dado que a nica fonte de imagens conscientes sobre o corpo constituda pelos padres de atividade das regies somatossensitivas,qualquer interferncia no mapeamento resulta em mapas falsos.

    Ou seja, as regies somatossensitivas esto continuamente produzindo um mapa do

    estado do corpo mas em algumas circunstncias o mapa perde a fidelidade ([1] pg, 121)Essa possibilidade de construo de mapas falsos vista por Damsio como umrecurso defensivo e nela que podemos apoiar um modelo para a compreenso domecanismo de defesa que permite a supresso da conscincia da ocorrncia de umaemoo vivida como conflitante (por exemplo, a raiva em direo a algum que amamos(ou devemos amar) e de quem dependemos).

    Como exemplo de ao defensiva desse mecanismo, Damsio apresenta a situao emque um organismo ferido no sente a dor resultante desse ferimento, provavelmente

    porque o sentir a dor poderia impedir reaes necessrias sobrevivncia desse

    organismo. Mais ainda, afirma que drogas como a morfina atuam exatamente dessa

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    forma, isto , interferem na atividade do sistema somatossensitivo que gera um mapafalso do estado do corpo que no contm a informao que seria sentida como dor.

    Damsio vai mais alm:

    bem provvel que certas condies psicopatolgicas faam usodesse mecanismo normal. As chamadas reaes histricas ou deconverso, que permtem aos doentes no sentir uma parte do corpoou no ser capaz de a mover, podem ser decorrentes de uma alteraotransitria mas radical dos mapas corporais. De um modo geral, asdoenas psiquitricas ditas somatoformes poderiam ser explicadascom base nessa idia. A propsito, uma simples variao nessesmecanismos poderia levar supresso da recordao de situaesque no passado tivessem causado grande angstia. ([1] pg, 125)

    importante destacar que, como nos informa o prprio Damsio em O erro de

    Descartes, a hiptese de que as emoes so fenmenos corporais e que os sentimentosso percepes devida a William James (1842/1910).

    Bibliografia[1] Damsio, A.:Em busca de Espinosa: prazer e dor na cincia dos sentimentos;

    Companhia das Letras, So Paulo (2004).[2] _______: O erro de Descartes; Companhia das Letras, So Paulo (1996).[3] _______: O mistrio da Conscincia; Companhia das Letras, So Paulo (2000).[4] Reich, W.:Anlise do Carter, Martins Fontes, So Paulo (1995).

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