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Mídia e Judiciário no caso Elisa Samúdio
É notório que mídia e poder judiciário atuam rotineiramente em um
mesmo fato, porém, de formas completamente distintas. Enquanto uma utiliza de
uma forma aberta e subjetiva de regras e valores, o outro utiliza uma legislação
taxativa, com regras fechadas e princípios certos.
A análise em comento será feita a partir da cobertura do possível
assassinato de Elisa Samúdio, jovem que possuía um filho com o goleiro do Clube
de Regatas Flamengo, Bruno Fernandes das Dores de Souza146, pelos meios de
comunicação em massa mais procurados, principalmente pelo portal de notícias
“globo.com”147, ainda mais no que concerne ao site de notícias G1.
A intenção do presente é comparar os enunciados no âmbito judicial, mais
precisamente no Tribunal do Júri, e no âmbito dos media, sobre o referido delito.
Primeiramente, imperioso que se faça uma análise das informações
veiculadas durante a cobertura do fato em comento, fazendo-se uma breve
descrição do ocorrido. Posteriormente faz-se um paralelo entre a dimensão
temporal da produção do discurso na mídia e dentro de um processo judicial. De
um lado, o discurso de duração prolongada de uma marcha processual, sendo que
tudo é previsível ante sua descrição prévia em lei148. De outro lado o discurso dos
media, imediatista, de temporalidade curta a fim de dar a notícia o quanto antes,
pouco previsível, eis que não há rito prévio a ser seguido. Esse contraponto é
elucidativo para a análise da relação entre as duas instituições estudadas.
É latente que, dentro do discurso jornalístico, possui mais valor a fase de
investigações policiais, quando ainda não se fala em processo propriamente dito,
pois sequer existe uma denúncia, ou mesmo foi dado ao réu o direito de defender-
se, enquanto a trajetória judicial dá maior importância ao analisado durante o
146 Ver mais no Capítulo 5. 147 Vide informações no capítulo 1 e nota de rodapé número 5. 148 De acordo com o princípio da anterioridade da lei, assegurado pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXXIX e pelo Código Penal em seu artigo 1º, aduz que somente poderá haver acusação, processamento e condenação se a lei descrever a conduta e seu processamento antes da ocorrência do fato.
76
processo penal, em busca da “verdade real dos fatos”149. Sendo assim, a imprensa
inverte o caminhar processual em sua lógica, atribuindo maior importância ao
inquérito.
O discurso da imprensa é destinado à massa, sendo assim, deve ser de fácil
compreensão e atraente aos olhos de todos, já o discurso jurídico é destinado
somente aos operadores e aos envolvidos naquele processo judicial, fazendo-se
restrito e de difícil compreensão aos que não participam dele.
Por lidar com assuntos sérios, como a restrição de liberdades individuais,
asseguradas pela Constituição Federal a todos os cidadãos brasileiros, o discurso
judicial deve ser descrito e estudado, revisado, de maneira estafante, para que gere
uma punição mais correta possível. Já os jornalistas não estão adstritos a normas
imperativas.
6.1
Caso Elisa Samúdio como chegara ao público
Em 2005 Bruno foi revelado pelo Clube Atlético Mineiro, ganhou
destaque, e em 2008 foi contratado pelo Clube de Regatas Flamengo como goleiro
titular. Bruno era campeão brasileiro e capitão do clube de futebol mais popular
do Brasil em 2009.
Outubro de 2009: Elisa Samúdio alega estar grávida do goleiro e ter
sofrido agressões e uma tentativa de aborto provocado, ela presta declarações em
frente a uma delegacia ao Jornal Extra, ainda alegando que Bruno a teria
ameaçado de morte, com uma arma na sua cabeça, caso fosse à delegacia ou a
qualquer outro lugar.
Março de 2010: Bruno, ao defender o seu companheiro de time, Adriano,
que estava sendo acusado de agressão contra a esposa, dá a seguinte declaração
pública “(...) Qual de vocês que é casado que nunca brigou com a mulher? Quem
nunca discutiu, que nunca até saiu na mão com a mulher, né cara? (...)”150.
149 Vide nota de rodapé número 31. 150 Entrevista veiculada na maioria dos jornais telemidiatizados e redes de internet. Ver mais em: http://www.youtube.com/watch?v=nY9sh3gwZA8
77
Junho de 2010: o mundo acompanhava a copa do mundo de futebol da
FIFA151 em Johanesburgo, na África do Sul, toda a atenção está voltada ao
futebol. Porém, um caso conseguiu retirar toda a atenção da mídia e ofuscar a
atuação do que é tradição entre os brasileiros152, o desaparecimento de Elisa e seu
filho Bruno Samúdio de apenas quatro meses. Denúncia anônima alegara que ela
teria sido morta e enterrada no sítio do goleiro em Esmeraldas, Minas Gerais, e
suas roupas teriam sido queimadas no mesmo local.
A vítima é tida como ex-modelo, protagonista de filmes pornográficos e
ainda acostumada a casos amorosos com jogadores de futebol.
Dayanne, ex-esposa de Bruno Fernandes, é ouvida na delegacia de polícia
sobre a subtração do Bruninho, e liberada após prestar fiança. Alega-se que ela se
contradisse.
A criança foi encontrada no dia 25 do mesmo mês em Ribeirão das
Neves/Contagem na casa de pessoas desconhecidas. A criança teria sido entregue
por Dayanne a um funcionário de Bruno, que teria tentado se livrar da criança. O
bebê, de quatro meses, levado a um abrigo e posteriormente é entregue ao pai de
Eliza, que alega inclusive querer mudar o nome do menino após os
esclarecimentos153.
Policiais vão ao sítio, mas não adentram, pois não têm autorização judicial
para tanto. Já no dia seguinte, adentram e vasculham o local onde a vítima teria
sido vista pela última vez, detectam sangue em paredes e apreendem objetos.
Bruno é afastado do Clube em que trabalhava até o fim das investigações
que figurava como acusado de ser mandante do desaparecimento de Eliza.
Bruno, em entrevista a várias redes telejornalísticas, inclusive ao jornal O
Globo alega que a criança foi-lhe entregue por Macarrão, que alegou que Eliza
teria lhe entregue a criança a fim de resolver uns problemas pessoais. O goleiro
diz que espera que a Elisa apareça154.
O carro do Goleiro é periciado e encontradas três manchas de sangue de
Eliza e objetos pessoais dela. O Goleiro Bruno é declarado suspeito do
desaparecimento de Eliza.
151 Evento que ocorre de quatro em quatro anos de competição de futebol em nível mundial. 152 O futebol. 153 A criança tem o mesmo nome do pai, Bruno. 154 Entrevista veiculada em 01 de julho de 2010. Ver em: http://globotv.globo.com/infoglobo/o-globo/v/bruno-fala-sobre-o-sumico-de-amante/1685005/
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O sigilo telefônico de Eliza é quebrado, e sua família oferece recompensa
para quem der informações sobre o seu paradeiro.
Denúncia alega que o corpo da ex modelo estaria em um lago em Minas
Gerais, mas após buscas nada foi encontrado.
Julho de 2010: Muro da sede do Clube de Regatas Flamengo aparece
pichado atribuindo a Bruno Fernandes a qualidade de “assassino”.
O intitulado “Tio”, alegando que o filho de sua sobrinha, de 17 anos,
também primo de Bruno, disse ter participado do caso e estar tendo visões de
Eliza. Procura a Rádio Tupi a fim de narrar o acontecido. Aduz que o menor Jorge
teria ido a sua casa desesperado e alegou que ele e o Luiz Henrique Romão,
“Macarrão”, teriam levado a Eliza ao sítio de Bruno, no caminho teria acertado
por três vezes a cabeça da mulher com uma arma (“coronhada”), o que a teria
levado à morte. Posteriormente Bruno teria pago R$3.000,00 a Cleiton para
entregar o corpo a um traficante, que desossasse e sumisse com o cadáver.
O menor é ouvido na delegacia e relata um delito vil. Alega que estava
escondido no porta-malas do carro de Bruno, tendo rendido Eliza com uma arma,
sendo que ela reagiu e conseguiu tomá-la, pelo que recuperou a arma e desferiu as
coronhadas. Mas não foi essa a causa da morte de Eliza, porque ela desfaleceu e
foi levada ao sítio de Bruno. No dia seguinte, Sérgio chegou ao sítio para vigiar a
moça. Bruno teria chegado ao sítio e perguntou o que estava havendo, quando
Bruno pediu que Sérgio e Macarrão resolvessem o problema. No outro dia é que
Eliza foi levada a uma casa, onde teve os braços amarrados com uma corda e foi
estrangulada por Marcos Aparecido dos Santos, conhecido como Bola, um ex-
policial civil. Ainda segundo ele, após ter estrangulado Eliza, Bola pediu para que
todos deixassem o local. Após, seguiu em direção a um canil, carregando um saco
que alegou conter o cadáver esquartejado de Eliza. Alegou ainda que viu a mão de
Eliza ser jogada para cachorros da raça Rottweiler.
Sai o resultado da perícia que alega que Eliza teria tomado substância
abortiva quando da agressão no ano anterior.
O delegado Edson Moreira presta informações em uma coletiva de
imprensa155 afirmando que Bruno teria participado do delito, ainda dizendo que
155 Entrevista dada a muitas empresas do ramo da mídia. Ver mais em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CDIQtwIwA
79
houve sofrimento descomunal por parte de Elisa e que a intenção era também
matar a criança e que a materialidade do delito estaria indiretamente comprovada.
O Pai da Eliza, Luiz Samúdio, chora em frente às câmeras alegando perder
as esperanças quanto à vida dela, após depoimento do menor156.
Luiz Samúdio é acusado de abuso sexual de uma criança, sexo feminino,
em Foz do Iguaçu e fora condenado.
A mãe da suposta vítima alega que, após ter conhecimento do abuso
sexual por parte do pai, Eliza foi embora para São Paulo. Narrou ainda que
sempre mantinha contato com ela pelo telefone, e que teria tido sonhos sobre a
morte de sua filha, e que lutaria pela guarda de seu neto.
A guarda da criança foi transferida a mãe de Eliza, Sônia.
Ministério Público pede a prisão temporária de Bruno e de mais sete
pessoas, pelo que foi deferido pelo Judiciário e ainda a internação do menor.
Dayanne e mais quatro pessoas foram presas em Minas Gerais,
Sérgio Rosa Sales orienta a polícia em reconstituição do delito. Bruno
Fernandes é indiciado por sequestro.
Bruno e Luiz Henrique, o Macarrão, se apresentaram à delegacia e de
avião foram levados do Rio de Janeiro para Belo Horizonte. Uma gravação de
celular com declarações de Bruno, algemado, foram levadas à mídia onde aduz
que pediu a “Macarrão” para negociar um acordo, sendo que este o teria dito que
tinha dado um dinheiro à Eliza e esta lhe teria pedido para ficar com a criança a
fim de resolver uns problemas. Não sabia do fato, mas “não sabe o que teria dado
na cabeça do ‘Macarrão’”, e que dadas as circunstâncias não sabe mais se poderia
acreditar nele157.
Bruno chega à delegacia sob gritos de “assassino” por uma multidão
enfurecida. E o caso repercute na imprensa internacional.
Defesa alega que o goleiro está estarrecido e que nada tem a ver com o
fato em questão. Em sede policial, Bruno se cala.
A senha do computador de Eliza é divulgada como “Amor e ódio”.
A&url=http%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3DaZtNrUB87CA&ei=03uDUuf6NpTnkAeQ3IHICQ&usg=AFQjCNEB4V-YSOEnWJZXa8cu7uCGpV_kOg 156 Ver mais em: http://www.youtube.com/watch?v=_k5Hh0EC5so 157 Reportagem da Rede Globo disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=uefw0BM68-Q
80
São divulgadas fotos do goleiro em festas após o suposto homicídio,
incluindo a festa de Wagner Love158.
Várias buscas são feitas e corpo de Eliza não é encontrado, inclusive em
sítio do ex-polícial Marcos Aparecido, vulgo Bola.
É divulgada fotografia de Bruno com o uniforme prisional.
Marcos Aparecido afirma não conhecer Bruno.
Divulgada tatuagem no Luiz Henrique que declararia amor ao goleiro
Bruno e vídeos do ex-policial adestrando cães.
Justiça nega o pedido de liberdade dos suspeitos.
Família de Bruno se isola após as prisões, já a família de Eliza recebe o
Bruninho com festa em Mato Grosso.
Inquérito continua com oitivas de muitos funcionários de Bruno. Suposta
“amante” (Fernanda) de Bruno é chamada para depor, motivo pelo qual ele é tido
como possuidor de muitas mulheres.
Delegadas são afastadas das investigações após divulgação irregular de
vídeos.
Uma dentista, carioca, alega ser noiva do goleiro (Ingride, atual esposa).
Comerciantes alegam que faturam cerca de R$ 300,00 por dia com vídeos
pornográficos de Eliza.
Jornal americano diz que o caso Eliza Samúdio parece novela159.
Agosto de 2010: Bruno e os outros suspeitos são denunciados. E a
denúncia é recebida.
Suposta amante de Bruno é presa (Fernanda).
Feita a primeira audiência sobre a suposta agressão sofrida por Eliza no
Rio de Janeiro no ano anterior.
Outubro de 2010: exames comprovam que Bruno é realmente o pai do
filho de Eliza Samúdio.
Feita a primeira audiência sobre o caso Eliza Samúdio.
Novembro de 2010: Retomada a audiência no caso.
Bruno alega que o delegado teria pedido R$ 2 milhões para inocentá-lo.
Sobre o fato diz que Eliza lhe teria pedido R$ 50.000,00, chora ao falar sobre
158 Colega de Clube de Bruno. 159 New York Times, “Brazilian Goalie Is Charged in Ex-Lover’s Killing”, em 30 de junho de 2010.
81
amizade com Macarrão, alegando ainda que este tinha muito ciúme dele. Falou
que Eliza teria ido embora do sítio dele de táxi.
Dezembro de 2010: Bruno é condenado no Rio de Janeiro por cárcere
privado, lesão corporal e constrangimento ilegal contra Eliza Samúdio, sobre o
caso levado à mídia por ela em 2009. O goleiro é condenado a cumprir 4 anos e 6
meses de prisão, o Macarrão foi condenado apenas por cárcere privado, com pena
de 3 anos.
São soltos quatro acusados, entre eles a ex-esposa do goleiro.
Abril de 2011: justiça determina que o goleiro pague pensão ao Bruninho
no valor de 17% do salário do goleiro.
Notícias afirmam que o ex-policial envolvido planejava a morte da juíza e
do delegado que atuaram no caso.
Denúncias alegam que juíza e advogado teriam pedido R$ 1,5 milhão para
liberar Bruno.
Maio de 2012: Bruno reconhece a paternidade do filho de Eliza.
Junho de 2012: a defesa tenta barrar exibição de documentário sobre
Bruno na justiça. Alega que o vídeo da série “Até que a Morte nos Separe”160,
exibido pelo canal de TV paga A&E161 acusava-o.
Agosto de 2012: Sérgio Rosa Sales, testemunha chave do processo, foi
encontrado morto em Belo Horizonte, teria sido perseguido e assassinado por dois
homens em uma motocicleta.
Novembro de 2012: Início do julgamento dos réus do Caso Eliza Samúdio
pelo tribunal do júri, porém, o processo foi desmembrado, tendo sido julgado
apenas Fernanda, a suposta amante do goleiro e Luiz Henrique Romão, e adiado o
julgamento de Bruno e os demais réus.
Imensa plateia se manifesta, sendo que existem inclusive cartazes contra a
violência contra a mulher. Promotor utiliza vídeo veiculado pela imprensa como
provas em acusação feita em plenário.
Fernanda e “Macarrão” foram condenados em júri popular. A primeira
pelo sequestro e cárcere privado de Eliza e do seu bebê a cinco anos, e o segundo
160 Série que versa sobre crimes passionais, de grande repercussão social, que teriam ocorrido no Brasil. 161 Canal de Televisão pago. Rede estadunidense.
82
por homicídio triplamente qualificado e cárcere privado de Eliza a 15 anos de
reclusão.
Ventila-se a hipótese de acordo entre defesas e acusação de Macarrão e
Bruno.
Dezembro de 2012: ex-esposa do goleiro é absolvida do delito de calúnia
contra as delegadas do caso.
Janeiro de 2013: expedida a certidão de óbito de Eliza Samúdio, tendo
como causa da morte a asfixia.
Bruno é oficialmente desempregado, o seu contrato com o Clube de
Regatas Flamengo é encerrado.
Fevereiro de 2013: Jorge alega no programa Fantástico que Macarrão lhe
teria oferecido dinheiro em troca da morte da atual mulher de Bruno, Ingride,
mandou matar Bruninho e foi o verdadeiro mandante do crime, alegou também
não conhecer o “Bola”, mas desconfiava ser ele o autor da execução de Eliza
Samúdio.
Março de 2013: Julgamento de Bruno e Dayanne, quando houve
condenação em 22 anos e 3 meses àquele por homicídio triplamente qualificado,
sequestro e cárcere privado de Bruninho, e ocultação de cadáver e absolvição
desta.
6.2
Discurso Judicial e dos Media e suas Dimensões temporais
Conforme já aduzido, justiça e imprensa produzem as suas verdades em
ritmos diversos. Os jornalistas se preocupam, primeiramente, com a
transformação de fatos em notícias em espaços temporais muito pequenos para,
assim, assegurar a sua circulação diária, utilizando um código extremamente
aberto de valores. Já o judiciário caminha com certa morosidade, eis que existem
prazos a serem seguidos, devidamente tratados por leis anteriormente
estabelecidos.
Analisa-se a seguir o processo judicial contra Bruno e a cobertura da
notícia do caso Elisa Samúdio, para assim analisar as consequências das
diferenças do elo entre mídia e judiciário.
83
6.2.1
Temporalidade no Discurso Jurídico
Qualquer que seja o processo judicial, cível, trabalhista ou criminal, deve
seguir uma sequência de prazos estabelecidos em lei. Muitos desses prazos podem
ser prolongados162, mas nunca suprimidos. Quando se fala em um procedimento
penal, o respeito com relação a esses prazos torna-se mais importante, pois se está
decidindo sobre a liberdade de um indivíduo. No que concerne ao Tribunal do
Júri, ainda deve ser tratado com maior cuidado e minúcia, pela gravidade do delito
julgado.
Retomam-se aqui pontos já tratados no capítulo 3, porém sob outra
perspectiva de análise, pois prima-se neste pelo rito processual, enquanto naquele
por produção de provas. O procedimento para julgar os crimes dolosos contra a
vida encontram-se do artigo 406 ao 497 do Código de Processo Penal.
Dada essa importância, somente poderá haver denúncia contra uma pessoa
se existirem nas provas colhidas indícios suficientes da materialidade do fato, ou
seja, provas de que aquele delito acontecem, e ao de autoria, ou seja, que o
denunciado possa mesmo ser o autor daquele delito. Ao recebimento da denúncia
pelo juiz, põe início a uma ação penal.
Estsas provas de autoria e materialidade são colhidas em sede policial, por
meio do inquérito policial, procedimento sigiloso, inquisitivo163, unilateral, de
natureza administrativa que possui a única exclusiva função de fornecer ao
Ministério Público informações para a feitura e oferecimento da denúncia e início
da demanda penal.
Assim, ao receber a notícia de um fato criminoso, no caso em questão de
crime doloso contra a vida, a autoridade policial, seja o delegado de polícia, tem o
dever de instaurar um inquérito e concluí-lo em 10 dias se o réu estiver preso e 30
dias se o réu estiver solto, em tese, pois, conforme já tratado, o prazo pode ser
elastecido a depender de peculiaridades do caso.
162 Em alguns casos, o Judiciário defere pedidos de dilação de prazo. 163 Em síntese, sistema que não adota a aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa, e que somente uma pessoa é encarregada de acusar e julgar.
84
Após conclusão, o inquérito é encaminhado ao Juízo164, ficando à
disposição do Ministério Público que, entendendo existirem indícios suficientes
para iniciar um processo penal, oferece a denúncia. Sendo que, para isso, possui
um prazo de 5 dias se réu preso; e 15 dias se solto. Após, o juiz decide sobre o
recebimento dessa denúncia pondo início à ação penal, se afirmativo.
Recebida a denúncia, o acusado é intimado sobre os termos em que foi
denunciado e para apresentar resposta à acusação do prazo de 10 dias. Após, o
juiz decide sobre o prosseguimento do feito ou a absolvição sumária do réu. Se for
pelo prosseguimento do feito, o juiz designará audiência de instrução,
determinando a feitura das diligências requeridas pelas partes, no prazo de 10
dias. Na audiência serão ouvidas as testemunhas, produzidas as provas e
interrogado o réu. Em regra as teses de acusação e defesa deverão ser
apresentadas na mesma assentada, mas a lei prevê que também poderão ser
apresentadas no prazo de 5 dias sucessivos. Após o juiz poderá decidir no prazo
de 10 dias pela pronúncia ou não.
O Código de Processo Penal expõe que o prazo para a conclusão de toda
essa instrução será de 90 dias.
Para que haja prosseguimento, o réu deverá ser pronunciado, mas ainda
não se pode falar em condenação, e para isso precisa tão-somente de provas de
materialidade do fato e de indícios suficientes de autoria. Sendo que dessa decisão
cabe recurso no prazo de 5 dias para manifestação do desejo e mais 2 dias para a
apresentação de razões recursais, sucessivo para contrarrazões ministeriais. É
concluso ao juiz que decidirá se reforma de pronto ou encaminha à instância
superior, em 2 dias165.
Continuando pela pronúncia, intima-se o réu dessa. O juiz, assim, intima
as partes para em 5 dias sucessivos apresentarem as provas que serão utilizadas
em julgamento pelo tribunal do júri. Pelo que será designada a sessão de
julgamento em plenário.
A sessão em plenário é una, todos os atos são concentrados.
Com relação ao processo judicial que Bruno Fernandes das Dores de
Souza, entre outros, figura ainda hoje como réu, que tramitou na Vara de Tribunal
164 Foro ou Tribunal competente ao processamento e julgamento de certo pleito, além da administração do Judiciário daquela localidade. 165 “Recurso em sentido estrito”, artigo 581 ao 592 do Código de Processo Penal.
85
do Júri da Comarca de Contagem/MG, os atos processuais foram praticados em
prazo bastante dilatados, porém, dentro da legalidade. Somente por curiosidade,
na data do julgamento pelo Tribunal do Júri, o caderno processual perfazia mais
de 16.528 laudas e 67 apensos, sem falar nos anexos apensados a ele.
Até o julgamento em plenário, já havia se passado dois anos, oito meses e
doze dias, pois tem-se que a notícia é recebida pela autoridade policial em 24 de
junho de 2010 e a sessão teve fim em 08 de março de 2013.
Minuciosamente, as datas que os atos processuais foram praticados foram
as seguintes. As investigações policiais ocorreram em 35 dias, do dia 24 de junho
de 2010 ao dia 29 de julho de 2010. A denúncia foi oferecida em 04 de agosto de
2010. Bruno, Luiz Henrique, Dayanne, Fernanda, Sergio, Elenilson, Wemerson e
Flávio foram denunciados por homicídio triplamente qualificado166 (motivo torpe,
asfixia, e dissimulação), sequestro e cárcere privado, ocultação de cadáver e
corrupção de menores. E Marcos Aparecido pelo homicídio triplamente
qualificado e ocultação de cadáver. A denúncia foi recebida na mesma data do
oferecimento, tendo todos os réus sido citados e respondido esta em tempo hábil.
Citado em 06 de agosto de 2010, por intermédio de seu advogado, Bruno
apresentou resposta à acusação, no dia 19 de agosto de 2010.
A Juíza, Dra. Marixa Fabiane Lopes Rodrigues decidiu em 20 de setembro
de 2010 pelo prosseguimento do feito.
As audiências de instrução e julgamento foram várias devido à quantidade
de crimes em análise, de testemunhas, de réus e complexidade do processo. A
primeira se deu em 06 de outubro de 2010, sendo que a última se deu apenas em
12 de novembro do mesmo ano, e mais inúmeras outras audiências foram
instruídas em outras comarcas por meio de carta precatória167.
As alegações finais foram apresentadas em forma de memoriais em tempo
correto, sendo a do Bruno apresentada em 06 de dezembro de 2010. A pronúncia
foi proferida em 17 de dezembro de 2010. Apenas Bruno, Luiz Henrique, Sérgio e
Marcos Aparecido foram pronunciados no homicídio. Os réus aviaram recurso em
sentido estrito, tendo o Bruno interposto em 22 de dezembro de 2010, com razões
em 10 de março de 2011, contrarrazões em ministeriais em 22 de abril do mesmo
ano.
166 Expressão popularmente adotada. 167 Instrumento para que se execute ato processual em comarca diversa da que se processa o feito.
86
Acórdão em 10 de agosto de 2011 confirmando a pronúncia de Bruno. A
defesa de Bruno apresentou as provas a serem utilizadas em plenário no dia 21 de
setembro de 2012. Foi a júri em 04 de março de 2013, tendo sido considerado
culpado, condenado a 22 anos e 3 meses.
Com os lapsos temporais trazidos acima, fica claro que o processo judicial
de Bruno Fernandes seguiu um ritmo mais acelerado a princípio e posteriormente
teve um caminho mais vagaroso. Assim, cumpre-se dizer que não está fora da
legalidade ou eticidade, tais fatos são comuns no judiciário, ainda mais quando se
fala em Tribunal do Júri, procedimento moroso, com muitas fases e muitas
peculiaridades168.
Após a pronúncia, quando decidido que o réu irá para júri popular, inicia-
se um novo procedimento, muito mais minucioso que o primeiro. Novamente as
provas são produzidas, testemunhas são ouvidas, réu é interrogado, acusação e
defesa expõem seus pontos e existe novo julgamento. Sendo que este julgamento
deve ser o mais justo e imparcial possível, descabido de qualquer apelo social, por
isso os jurados devem ficar isolados, e completamente incomunicáveis durante
todos os dias de julgamento, o que neste caso perfizeram-se mais de 04 dias, com
início em 04 de março de 2013 e findando-se na madrugada do dia 08 do mesmo
mês e ano.
6.2.2
Temporalidade no discurso Jornalístico
O principal atributo da notícia é a efemeridade. Porém, tipos de notícias
possuem tempos de vida variados. Normalmente, uma notícia simplesmente
informa um fato que ocorreu, e caso tenha importância gerará mais indagações,
curiosidade acerca do fato, interesse em ter conhecimento mais completo sobre o
fato e suas circunstâncias. O fato deixa de ser notícia quando outro mais
interessante é trazido pela mídia e rouba a atenção por ser mais novo, importante
ou emocionante169.
Sendo assim, analisa-se o fluxo de matérias e a fase em que o processo
judicial se encontrava quando esse fluxo oscilava. Dessa feita, é fácil comprovar
168 Assunto tratado no capítulo 3. 169 (Pollak, 1989).
87
que, em dois momentos judiciais, as matérias tiveram uma crescente, seja a fase
de investigação policial e a fase de julgamento pelo tribunal do júri.
Nas investigações policiais, de 24 de junho de 2010 até 29 de julho de
2010, o fato era manchete em todas as principais redes de notícia, não mais se
falava em outo assunto nem mesmo na copa do mundo de futebol, redes de notícia
pela internet postavam mais que de hora em hora o que ocorria no inquérito; em
noticiários televisionados, tal fato era o que mais se enfatizava, em 27 de junho do
mesmo ano, data em que a mídia obteve as principais informações sobre o fato, no
portal de notícias da Rede Globo, o G1, o título da matéria era: “polícia investiga
desaparecimento de ex-namorada do goleiro Bruno”.
No dia 07 de julho, a exemplo, dia da prisão do goleiro, nas publicações
do portal globo.com foram demasiadamente insistentes e diligentes. Os horários e
as notícias foram respectivamente: 01:02 “MP pede prisão temporária do goleiro
Bruno”; 07:17 “Ministério Público pede prisão temporária do goleiro Bruno”;
08:07 “Advogado nega versão de menor sobre desaparecimento de Eliza”; 08:58
“Justiça do RJ decreta prisão temporária do goleiro Bruno”; 09:26 “ Polícia
prende mulher do goleiro Bruno, diz advogado”; 11:22 “Justiça de MG também
pede prisão e Bruno já é foragido”; 11:24 “Bruno é considerado foragido, diz
delegado em MG”; 11:26 “Mulher do goleiro Bruno é presa em MG, diz
advogado”; 11:28 “Policiais deixam a casa do goleiro Bruno na Zona Oeste”;
11:29 “Policiais chegam à casa do goleiro Bruno na Zona Oeste”; 12:07 “Justiça
do Rio decreta a prisão de Bruno e Macarrão no caso Eliza”; 12:08 “Advogado de
Bruno afirma que não sabe onde ele está”; 12:35 “Advogado de Bruno vai entrar
com pedido de habeas corpus”; 13:28 “MP-RJ: ex-amante de Bruno morreu por
estrangulamento”; 14:08 “Polícia mineira procura corpo de Eliza em casa”; 14:52
“Polícia chega a casa onde estaria corpo de Eliza em MG”; 15:50 “Justiça libera
busca em casa onde estaria corpo de Eliza”; 16:08 “Disque-Denúncia do Rio
recebe 15 ligações sobre localização de Bruno”; 16:46 “Polícia entra em casa
onde estaria corpo de Eliza”; 17h02 “Juiz determina internação de adolescente
primo de Bruno”; 17:05 “Delegado diz que Bruno foi indiciado como mandante
do sequestro de Eliza”; 17:14 “Bruno é indiciado como mandante do sequestro de
Eliza”; 17:26 “Sangue encontrado no carro de Bruno é de Eliza”; 17:26 “Bruno
está na polícia do Rio e vai prestar depoimento”; 17:38 “Amigo de Bruno também
se entrega e será interrogado”; 17:50 “MPRJ diz que menor afirmou que Eliza
88
morreu por estrangulamento”; 17:56 “Polícia fará acareação entre Bruno e
adolescente; 18:14 “Pai de Eliza Samúdio é hospitalizado em Belo Horizonte”;
18:45 “Delegado confirma que Bruno e Macarrão se entregaram à polícia”; 18:57
“Bruno e Macarrão deixam a Polinter do Rio”; 19:14 “Polícia entra na casa em
que estaria corpo de Eliza em MG”; 19:14 “MP denuncia Bruno por sequestro e
lesão contra Eliza”; 19:15 “Justiça emite mandado de busca em casa onde estaria
corpo de Eliza”; 19:16 “Advogado negocia encontro de Macarrão com a polícia”;
19:18 “Objetos encontrados no carro de Bruno são de Eliza, diz polícia”; 19:21
“Bombeiros fazem escavação em casa onde estaria corpo de Eliza”; 19:31
“Vestígios de sangue em carro de Bruno são de Eliza, diz polícia”; 19:34 “Bruno
chega à delegacia em meio a gritos de 'assassino'”; 20:04 “Exclusivo: JN mostra
depoimento de menor envolvido no caso Eliza”; 20:29 “Buscas em casa onde
estaria corpo de Eliza são suspensas, diz delegado”; 20:50 “Pai de Eliza responde
por estupro no PR”; 20:54 “Bruno e Macarrão chegam à Divisão de Homicídios
do Rio”; 21:34 “Bruno e Macarrão serão ouvidos separadamente na madrugada”;
22:04 “Goleiro Bruno do Flamengo entrega-se para a polícia”; 22:08 “’Esperanças
dela acabaram’, diz advogada da mãe de Eliza” 22:08 “Pai de Eliza diz que ficou
aliviado com a prisão de Bruno”; 22:44 “Advogado confirma que pai de Eliza
responde por estupro”; 22:53 “Bruno nega as acusações, diz advogado que
defende o goleiro”.
Do oferecimento da denúncia até a última audiência de instrução e
julgamento da judicium acusationes170, fase que durou três meses e oito dias,
houve uma queda no ritmo de coberturas sobre o fato, mesmo sendo o processo
regado a escândalos envolvendo advogados, delegados e juízes. A primeira
audiência teve início em 06 de outubro de 2010 e a última em 12 de novembro do
mesmo ano, sendo que o fluxo de manchetes não excedia dez diariamente, porém,
quando da oitiva de Bruno, no penúltimo dia de audiência, que durou quase onze
horas, existiram doze manchetes sendo que oito delas traziam em tempo real o que
Bruno informava sobre o caso Eliza Samúdio: no portal G1, às 12:21 “Bruno nega
sequestro, mas admite agressão contra Eliza”; 13:34, “Bruno se refere à
adolescente do caso Eliza como 'psicopata'”; 16:50, “Bruno afirma que Eliza
queria segui-lo o tempo todo”; 19:08 “Bruno nega relação com desaparecimento
170 Primeira fase de julgamento de crimes dolosos contra a vida.
89
de Eliza”; 20:02 “Bruno alega que se sentiu ameaçado por delegado”; 20:38
“Bruno diz que 'jogadores famosos' viram Eliza em SP”; 21:27 “Bruno diz que
tinha que 'administrar ciúmes de Macarrão'”; 22:01 “Em juízo, Bruno diz que
mentiu sobre última vez que esteve com Eliza”; 22:17 “Juíza convoca Macarrão
depois de ouvir Bruno por quase 11 horas”.
Mesmo quando da decisão de pronúncia, pouco se falava do Caso Eliza
Samúdio, no máximo se tinham três manchetes sobre o fato em qualquer que
fosse o meio de comunicação naquele dia. A partir de 18 de dezembro de 2010, a
cobertura foi diminuindo com intensidade, a ponto de possuírem, no máximo, em
um mês a mesma quantidade que existia em um dia de inquérito. Em 2011 até
outubro de 2012, apenas se falava sobre o comportamento do goleiro dentro do
ambiente prisional e dos pedidos da defesa para a sua liberdade, supostas ameaças
de morte à juíza, ao promotor e ao assistente de acusação, decisão do tribunal que
confirmou a decisão de pronúncia, sobre reconhecimento da criança, uma carta
que Bruno teria escrito ao Macarrão, morte de um dos primos do goleiro, Sérgio
Rosa Sales, que foi assassinado na Grande Belo Horizonte, especulações sobre o
paradeiro do corpo de Eliza e informações sobre o julgamento.
Em novembro de 2012, houve uma crescente, pois, até então, o julgamento
em plenário de todos os acusados seria naquela data, com início aos 19 dias
daquele mês. Novamente, as informações eram prestadas quase que de hora em
hora, ao menos nos três primeiros dias. Dia 19 de novembro de 2013: às 09:24
“Curiosos se reúnem na entrada de fórum para júri do goleiro Bruno”; 11:35
“Caso Bruno: juíza que cuida do processo tem 12 anos de magistratura”; 11:47
“Advogados de réus do caso Bruno discutem por lugar no plenário”; 11:47 “'Vai
querer saber como mãe morreu', diz avó sobre o filho de Eliza e Bruno”; 11:49
“Bruno e mais 4 réus são julgados por morte e desaparecimento de Eliza”; 11:50
“Advogados de defesa e acusação debatem teses em frente ao fórum”; 11:51 “'Eu
tenho certeza de que ele vai ser absolvido', diz tia do goleiro Bruno”; 11:52 “Caso
Eliza teve 50 defensores; Bruno vai ao júri com 3º advogado diferente”; 11:53
“Começa julgamento de acusados no caso Eliza Samúdio”; 11:53 “Mãe de Eliza
Samúdio diz confiar na 'condenação de todos os réus'”; 11:55 “Entenda como
funciona o júri popular dos cinco réus no caso Eliza Samúdio”; 11:56 “Saiba
como fica o trânsito no entorno no Fórum de Contagem durante júri”; 11:57
“Júri sem cadáver decide a partir de indícios e testemunhas; veja casos”; 12:01
90
“Ex-namorada de Bruno diz confiar na Justiça e evita 'pensar no passado'”;
12:02 “Lacuna na acusação pode dividir júri do caso Eliza; conheça pontos-
chave”; 12:25 “Protesto tem cruzes com nome de mortas em crimes passionais”;
13:10 “Advogado diz que vai abandonar julgamento do caso Bruno”; 13:29
“Filha de Bola usa camisa com foto do pai e de cães, mortos em 2010”; 14:48
“Advogado de Bruno diz que não abandona a defesa do goleiro”; 15:23
“Advogados de Bola e Macarrão abandonam júri do caso Eliza”; 17:07 “Júri do
caso Eliza Samúdio é formado por seis mulheres e um homem”; 17:07 “Após
defesa de Bola abandonar júri, sessão recomeça com quatro réus”; 17:07
“Macarrão passa mal e deixa plenário a pedido da defesa para se recuperar”;
17:25 “‘Não abandonei o homem, abandonei o plenário’, diz Quaresma”; 18:32
“Réus, Macarrão e Bola, deixam Fórum de Contagem, na Grande BH”; 18:58
“Defesa de Bola comemora permanência de Macarrão no júri”; 20:39 “Dispensa
do júri do caso Eliza Samúdio provoca pesar e alívio”; 21:59 “‘Não tinha motivo
para matá-la’, diz defensor de mãe de Eliza sobre Bruno”; 22:08 “No primeiro
dia, júri do caso Eliza fica com um réu a menos e define jurados”; 22:09 “Sem
algemas, Bruno alterna risos e expressão séria durante 1º dia de júri”.
Tal fluxo prosseguira até a data em que o júri com relação a Bruno foi
remarcado, sendo que apenas dois dos acusados foram julgados naquela
oportunidade.
Após tais fatos, houve uma redução novamente sobre notícias do processo,
sendo pouco comentado, até os preparativos para a sessão de julgamento do
goleiro Bruno, que se deu em 04 de março de 2013. Tal fato apagou os holofotes
para as investigações de outra tragédia que aconteceu em Santa Catarina171,
quando uma boate foi incendiada e muitas pessoas morreram, e outro julgamento
de grande repercussão, o do Gil Rugai172 que teria sido condenado pelo homicídio
do próprio pai.
O julgamento durou pouco mais que quatro dias, tendo a sentença sido
prolatada na madrugada do quinto dia. Em 04/03/2013, primeiro dia, à 01:13
“Dois policiais civis podem estar envolvidos no caso de Eliza Samúdio”; 07:00
171 Incêndio ocorrido na Boate Kiss em Santa Maria/SC, sendo considerada a maior tragédia brasileira em número de vítima em sinistros desta natureza, ocorrido na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. 172 Gil Rugai fora condenado em 22/02/2013 pela morte do pai e madrasta, que teria ocorrido em 28/03/2004 em São Paulo.
91
“Goleiro Bruno será julgado hoje (4) em Contagem (MG)”; 07:30 “Confira os
destaques do Bom Dia Brasil desta segunda-feira (4)”; 07:30 “Bom Dia Brasil -
Edição de segunda-feira, 04/03/2013”; 07:30 “Julgamento do goleiro Bruno
começa nesta segunda-feira (4) em Minas Gerais”; 07h52 “Advogado
criminalista comenta julgamento do caso Eliza Samúdio”; 08:00 “Bruno e a ex-
mulher do goleiro já estão no Fórum de Contagem”; 08:00 “Goleiro Bruno é
levado da penitenciária para o Fórum de Contagem, em Minas Gerais”; 08:14
“Goleiro Bruno e ex-mulher vão a julgamento pela morte de Eliza”; 08:19
“Começa nesta segunda-feira (4) o julgamento do goleiro Bruno”; 09:12 “Bruno
segue para o Fórum de Contagem às 07h45”; 10:00 “Começa o julgamento do
goleiro Bruno e da ex-mulher Dayanne Rodrigues”; 10:00 “Julgamento do goleiro
Bruno deve durar entre três e cinco dias”; 10:00 “Goleiro Bruno vai a júri popular
2,5 anos depois do desaparecimento de Eliza Samúdio”; 10:00 “Atestado de óbito
pode influenciar jurados no julgamento do goleiro Bruno”; 10:19 “FOTOS: Veja
imagens do júri do goleiro Bruno em Contagem”; 11:57 ““Atestado de óbito pode
influenciar jurados no julgamento”, diz advogado”; 12:00 “Mãe de Eliza Samúdio
faz apelo ao goleiro Bruno”; 12:10 “Veja no JH: Moradores de São Paulo passam
sufoco para se deslocar pela cidade no metrô”; 12:12 “Júri sem cadáver é decidido
por indícios e testemunhas; veja casos”; 12:14 “Homem preso à cruz protesta em
fórum onde será júri do caso Eliza”; 12:15 “Lacunas podem dividir júri do caso
Eliza Samúdio; entenda pontos-chave”; 12:27 “Saiba como fica o trânsito e a
segurança para júri do goleiro Bruno”; 13:13 “Julgamento do goleiro Bruno e da
ex-mulher dele começa no Fórum de Contagem”; 13:18 “Goleiro Bruno se
emociona e chora durante júri em Contagem”; 13:20 “Jornal Hoje - Edição de
segunda-feira, 04/03/2013”; 13:20 “'Fantástico' mostra ligação de outros dois
homens na morte de Eliza Samúdio”; 13:20 “Começa o julgamento do goleiro
Bruno e da ex-mulher dele”; 13:24 “Semana começa com tempo abafado na
Região Metropolitana de Belo Horizonte”; 13:28 “Goleiro Bruno e ex-mulher,
Dayanne Rodrigues, entram no plenário para serem julgados”; 13:39 “Goleiro
Bruno chora no primeiro dia de julgamento no Fórum de Contagem”; 13:54
“Começa em Minas o julgamento do goleiro Bruno e da ex-mulher dele”; 14:00
“Goleiro Bruno fica sem testemunhas no primeiro dia do julgamento”; 14:07
“Julgamento do goleiro Bruno deve durar uma semana”; 15:39 “Bruno e ex-
mulher Dayanne vão a júri popular por morte de Eliza Samúdio”; 15:46 “Edson
92
Moreira fala sobre investigação de novos suspeitos do caso Eliza”; 15:54
“Advogado de Bruno vai alegar no júri que Eliza Samúdio não morreu”; 15:55
“Assistente de acusação acredita em acordo para confissão de Bruno”; 15:57 “
Pintada de vermelho, artista aproveita caso Eliza para protesto silencioso”; 15:58
“Goleiro Bruno chega ao Fórum de Contagem para júri do caso Eliza”; 16:01
“Saiba quem são os réus do caso Eliza; Bruno e ex vão a júri em MG”; 16:02
“Entenda como funciona o júri popular do goleiro Bruno no caso Eliza”; 16:44
“Com dispensa de testemunhas, júri de Bruno deve durar até quarta, diz TJ”;
17:00 “Começa o julgamento do goleiro Bruno e da ex-mulher, Dayane
Rodrigues”; 17:00 “Globo Notícia para o G1 - Edição da tarde de 04/03/2013”;
17:16 “Assistente de acusação acredita que choro de Bruno no júri seja ‘cena’”;
17:44 “Advogado de Bruno diz que não haverá acordo para confissão”; 18:18
“Bruno chora durante júri popular que decide se ele planejou morte de Eliza”;
18:21 “Após dispensas e ausências, Bruno fica sem testemunhas no júri em MG”;
18:27 “Veja os destaques do MGTV 2ª Edição desta segunda-feira (4)”; 18:40
“Começa o júri popular de Bruno e da ex-mulher Dayanne por morte de Eliza”;
18:41 “Cinco mulheres e dois homens julgarão goleiro Bruno e ex por morte de
Eliza”; 19:13 “MP aponta policial aposentado como novo suspeito no caso Eliza”;
19:25 “Família do goleiro Bruno que mora no Piauí assiste a julgamento e o
considera inocente”; 19:40 “Movimentação é grande no Fórum de Contagem no
1º dia de julgamento do goleiro Bruno”; 19:47 “Goleiro Bruno chora durante
julgamento em Contagem (MG)”; 19:51 “Goleiro Bruno chora no primeiro dia de
julgamento no Fórum de Contagem”; 19:54 “Delegada Ana Maria Santos é a
primeira a depor no júri popular em Contagem”; 20:30 “Começa o julgamento do
ex-goleiro Bruno em Minas Gerais”; 20:32 “Falta de testemunhas pode dar
margem ao adiamento do julgamento, diz especialista”; 21:35 “Goleiro Bruno
mostra sinais de apreensão em julgamento”; 22:00 “Goleiro Bruno e sua ex-
mulher vão a júri popular em Minas Gerais”; 23:18 “No 1º dia de júri, goleiro
Bruno chora e dispensa testemunhas”; 23:30 “Goleiro Bruno chora em primeiro
dia de julgamento em Minas Gerais”.
Nos segundo, terceiro e quarto dias de julgamento, as manchetes saíam
com a mesma intensidade, porém a partir da madrugada do dia 08/03 do mesmo
ano é que houve a maior crescente, quando foi proferida a sentença, sendo que por
uma ironia do destino, foi no dia da mulher. As manchetes tiveram o seu início à
93
00:00 com a seguinte chamada: “Juíza define na madrugada desta quinta-feira (8)
o julgamento de Bruno e Dayanne”; 00:58 “Jurados se reúnem para decidir pena
de goleiro Bruno e sua ex-esposa”; 02:00 “Bruno é condenado e sua ex-mulher é
absolvida”; 03:00 “Defesa de Dayanne se diz satisfeita com o resultado do
julgamento”; 03:00 “Juíza condena Bruno a 22 anos e três meses de prisão”;
03:16 “'Estou muito chateado com o resultado', diz advogado de defesa do
goleiro Bruno”; 05:30 “Bruno é condenado a 22 anos e três meses de cadeia”;
06:30 “Bruno é condenado a 22 anos e três meses de prisão”; 07:00 “Júri
considera Bruno como o mandante do assassinato de Eliza Samúdio”; 08:02
“Bruno é condenado a 22 anos e 3 meses de prisão pela morte de Eliza”; 08:05
“Advogado criminalista analisa veredicto final do julgamento do caso Eliza
Samúdio”; 08:16 “Advogado fala das possibilidades de redução do tempo de
cárcere de Bruno”; 09:03 “Goleiro Bruno é condenado a 22 anos de prisão e
Dayanne é absolvida”; 09:03 “Ex-goleiro Bruno condenado a 22 anos de prisão
pela morte da ex-amante”; 09:12 “Ex-goleiro Bruno é condenado a 22 anos por
assassinato de Eliza”; 09:12 “Ex-goleiro Bruno é condenado a 22 anos por
assassinato de Eliza”; 09:57 “Chega ao fim julgamento do goleiro Bruno e da ex-
mulher Dayanne Rodrigues”; 10:00 “Mãe de Eliza Samúdio diz que vai recorrer
das sentenças do julgamento”; 10:00 “Especialista comenta resultado do
julgamento do goleiro Bruno”; 10:19 “Anúncio polêmico cita goleiro Bruno para
homenagear mulheres”; 10:58 “Fotos: julgamento do caso Eliza Samúdio em
MG”; 12:00 “Veja os destaques do Bom Dia Minas desta sexta-feira (8)”; 12:02
“Mãe de Eliza Samúdio quer pena maior para ex-goleiro Bruno”; 13:20 “Goleiro
Bruno é condenado a 22 anos pela morte de Eliza Samúdio”; 13:20 “Veja no JH:
Goleiro Bruno é condenado a 22 anos e três meses de prisão”; 13:29 “De cabeça
baixa, Bruno ouve sua sentença.”; 14:35 “Goleiro Bruno é condenado a 22 anos
pela morte de Eliza Samúdio”; 14:55 “Goleiro Bruno pode obter semiaberto 2
anos depois de Macarrão”; 15:01 “Goleiro Bruno é condenado a 22 anos e 3
meses; ex-mulher é absolvida”; 15:14 “Mãe de Eliza acredita que Justiça nunca
dará guarda do neto a Bruno”; 15:38 “Advogado diz que Bruno recebeu bem
notícia de condenação”; 15:41 “Promotor diz que vai recorrer para tentar pena
maior para Bruno”; 15:46 “Juíza acertou na fixação da pena de Bruno, avalia
integrante da OAB-MG”; 15:49 “Criminalista avalia condenação do goleiro
Bruno e detalhes do júri”; 15:50 “Quaresma afirma que houve acordo para
94
redução de pena de Bruno”; 15:51 “Ex-advogado diz que Bruno nunca admitiu
morte de Eliza para ele”; 15:52 “Para mãe de Eliza Samúdio, justiça foi
‘parcialmente’ feita”; 15:54 “Bruno é condenado a 22 anos e 3 meses de prisão
pela morte de Eliza Samúdio”; 16:00 “Bruno poderá sair da prisão em três anos”;
16:01 “Promotor diz que Bruno pagou R$ 70 mil a Bola para matar Eliza”; 17:00
“Promotores querem que pena de Bruno seja aumentada”; 17:50 “A cada hora,
dez mulheres denunciam agressões pelo Ligue 180”; 19:06 “'Esse é o cara', diz
delegado do caso Eliza Samúdio sobre Bola”; 19:10 “Defesa recorre de sentença
que condenou Bruno a mais de 22 anos”; 19:42 “Advogados de defesa e acusação
não ficaram satisfeitos com a sentença do goleiro Bruno”; 21:18 “Bruno é
condenado a 22 anos, mas poderá voltar às ruas em cerca de 3”; 22:00 “Defesa e
acusação estão insatisfeitas com pena imposta ao goleiro Bruno”.
6.2.3
Comparação das temporalidades processual e midiática
Após detida análise nos ritmos em que imprensa e judiciário atuaram no
caso em questão, é notório que grande parte das notícias sobre o fato se deram em
uma fase em que ainda não havia o que se falar em processo judicial, seja a fase
de inquérito policial.
Após o recebimento da denúncia, quando tem início o processo judicial, as
notícias continuaram, mas em um ritmo bastante inferior, e à medida que o
processo marchava, as manchetes eram reduzidas, até um ponto em que não mais
era notícia, seja porque a imprensa já dera seu veredicto condenando socialmente
e moralmente Bruno, seja porque, durante as instruções processuais reafirmavam-
se as provas já produzidas em fase policial.
As notícias apenas voltaram a ser lançadas em grande número no dia do
julgamento pelo Tribunal do Júri, pois, nele se confirmaria o que a imprensa já
relatara.
Quanto à ênfase dada à fase policial, conclui-se que é tratada dessa forma
por ser a fase mais próxima ao acontecimento do delito, quando ainda estava
“ardente” o crime, e ainda quando da prisão dos acusados173, por isso atende
173 (Nucci, 2008, p. 102)
95
melhor os requisitos de noticiabilidade jornalística, e ainda, aplica-se
completamente às necessidades organizacionais dos jornalistas em que
rotineiramente deve produzir notícia174.
Importante salientar que tanto a polícia quanto a imprensa são
independentes, ou seja, atuam per si, com meios próprios, desconhecidos do
público em geral, para que seja demonstrada a culpa dos que praticaram a conduta
ilícita. Também isto faz com que a imprensa dê maior atenção ao ocorrido em fase
policial que o acontecido em fase processual.
Ainda, principalmente por haver uma exigência por meio da população, e
porque a polícia exerce um papel de repressão e prevenção à prática de crimes e
violência, a fim de manter a ordem pública, aquela deve dar uma prestação de
contas, e o faz pela imprensa. Dessa forma, além da prestação de contas, a polícia
ganha apoio popular. Como uma via de mão dupla, a imprensa também precisa da
polícia como fonte de notícias, assim, as meras evidências colhidas como provas
policiais se transformam em “fatos”, antes mesmo que sejam consideradas provas
processuais.
A produção de prova processual é feita perante dois preceitos legais, sejam
o contraditório e a ampla defesa. As provas são questionadas e contraditadas a fim
de medir a sua veracidade e a confiabilidade, além de que é imperativo que se
juntem provas em contrário. Tendo em vista o imediatismo em que a imprensa
labora, não pode esperar para que sejam tais indícios degustados pelo judiciário.
Assim, a imprensa reproduz somente as conclusões policiais do fato.
A Imprensa volta os seus olhares para um potencial delito como um fato
de imenso valor noticioso, assim, o jornalista se interessa por divulgar o fato de
forma mais detalhista possível, e mais dramática, a fim de prender o seu público.
Como se estivesse sendo escrita, dia após dia, uma verdadeira estória. O jornalista
se vê como alguém que revela ao público algo ocultado dele, e que se não fosse
ele, nunca saberia. Como um personagem necessário, o jornalista elabora, a cada
manchete, um espetáculo, e assim, julga, acusa, penaliza, para que sejam
caracterizados os seus personagens.
Dessa feita, os casos de julgamento antecipado, denúncias descabidas,
violação de direitos e garantias fundamentais, antes mesmo de se falar em invasão
174 (Tuchman, 1980)
96
por parte da imprensa em casos de competência exclusiva do judiciário, são a
resposta da comunicação e da relação entre dois sistemas diversos de produção de
verdade. Ao tratar do assunto, a imprensa dá maior valor ao inquérito policial que
ao processo judicial propriamente dito, pelo que inverte o sentido da marcha em
que a verdade jurídica é alcançada.
6.3
Dimensão Discursiva Jurídica
As exposições tratadas acima trazem uma série de conclusões sobre a
relação estabelecida entre a Imprensa e o Judiciário. É notória essa relação,
quando se demonstra o papel político que a Imprensa adotou no nosso país. Resta
claro que a imprensa não tem a intensão pura de tratar de justiça, mas de
reanalisar o fato de forma a exercer o seu papel.
Por ser técnico, o discurso jurídico tem prévia descrição legal. Ao
contrário, o discurso jornalístico deve ser o mais simples possível para que se
torne inteligível, pelo que se baseia em um “código” genérico175 em que somente
se prima pela narrativa. Isto é importante para o trabalho em questão, pois será
demonstrado que o jornalismo apropriou-se do discurso jurídico quando da
reconstrução no suposto assassinato da Eliza Samúdio pelo goleiro Bruno.
Conforme o princípio penal da intervenção mínima, principalmente por
envolver moral e liberdade, o direito penal somente deve tutelar os bens de maior
relevo, aqueles mais importantes à vida social, como, por um exemplo, a vida.
Para tanto, utiliza-se se preceitos primários e secundários do tipo penal, sejam a
descrição da conduta como delituosa e posteriormente a aplicação da pena
correspondente a ele. Sendo assim, a pena equivale a uma conduta coercitiva
àqueles que burlam um mandamento estatal para a proteção social.
Ademais, o Direito Penal possui um caráter subsidiário, também
tecnicamente chamado de ultima racio176, e somente pode ser acionado quando os
demais ramos do direito, seja civil, constitucional, administrativo, empresarial,
175 No sentido de serem normas pré-fixadas. 176 O Direito Penal, como última razão somente será invocado quando não se puder, de qualquer outra forma, resolver o conflito.
97
tributário e outros, não são hábeis a fazer a repreensão dessa conduta e não trazem
a solução para a questão.
Nas palavras de Beccaria, no capítulo XLII de sua obra intitulada Dos
Delitos e Das Penas, dizia, “Para que cada pena não seja uma violência de um ou
de muitos contra um cidadão privado, deve ser essencialmente pública, eficaz,
necessária, a mínima das possíveis nas circunstâncias dadas, proporcionada aos
crimes, ditada pelas leis.”177.
Essas são as concepções clássicas do Direito Penal, que historicamente se
obtevem por uma resposta burguesa contra a dureza do sistema penal
absolutista178.
Porém, na década de 90, passou-se a primar por outro modelo de direito
penal no Brasil, completamente contrário ao modelo clássico, sendo que passou a
ser simbólico, promocional, completamente intervencionista. Foi promovido pela
chamada “esquerda punitiva” 179 do Legislativo brasileiro nesse decurso de tempo.
Isso fez com que o Direito Penal perdesse a sua característica subsidiária e
mínima, tornando-se imediatista, espetacularista e primário. Estudiosos do Direito
Penal chamam de Direito Penal Simbólico, que fora dissipado pela “esquerda
punitiva”, no movimento denominado “de Lei e de Ordem”. Nele patenteava-se a
criação de novos tipos penais e o aumento excessivo das penas como forma de
prevenir os delitos. Nesse ínterim foram criadas algumas leis, como: a Lei nº.
8.072/90, Lei de Crimes Hediondos, e a Lei nº. 9.034/95, Lei do Crime
Organizado entre outras180.
Analisadas as abrangências do Direito Penal, passemos à análise de crime.
Os adeptos da teoria tripartite181 (maior corrente) entende como crime um fato
típico, antijurídico e culpável. O agente pratica um fato que leve a um resultado
descrito previamente como crime, não está sob nenhum ato legitimado pelo
Estado, e estava em condições de entender estar praticando fato proibido, gerando
assim o dever do Estado de puni-lo182.
Os crimes são classificados a partir do bem jurídico em que tutelam,
como, por exemplo, o Código Penal que possui a seguinte disposição em títulos:
177 (2008, p.143) 178 (Batista, 1996, p.84) 179 (Karam, 1998) 180 (Batista, 1996, e Karam, 1998) 181 Teoria que adota como conceito analítico de crime o fato típico, anti-jurídico e culpável. 182 Aplicação do jus puniendi estatal.
98
crimes contra a pessoa art. 121 ao 154, crimes contra o patrimônio art. 155 ao
183, crimes contra a propriedade imaterial, art. 184 ao 196, crimes contra a
organização do trabalho, art. 197 ao 207, crimes contra o sentimento religioso, art.
208 ao 212, crimes contra a dignidade sexual, art. 213 ao 234, crimes contra a
família, art. 235 ao 249, crimes contra a incolumidade pública, art. 250 ao 285,
crimes contra a paz pública, art. 286 ao 288, crimes contra a fé pública art. 289 ao
311, crimes contra a administração pública art. 312 ao 359.
No presente feito reza-se por um crime contra a pessoa, o que, nesse caso,
é de maior interesse. Sendo assim, estes são os crimes contra a vida: as lesões
corporais, os crimes da perclitação da vida e da saúde, a rixa, os crimes contra a
honra e os crimes contra a liberdade individual. Aqui, ainda se atenha aos crimes
contra a vida.
São, pelo Código Penal Brasileiro, crimes contra a vida, o homicídio em
todas as suas formas, induzimento, instigação, ou auxílio ao suicídio, infanticídio
e o aborto. Dentre estes, somente são de competência para julgamento pelo
Tribunal do Júri, os dolosos, ou seja, aqueles que o agente possuía a intenção livre
e consciente de fazê-lo ou assumiu o risco que tal resultado fosse produzido.
Ainda, apenas interessa ao presente feito o delito de homicídio, que pode
ser compreendido como “ocisão da vida de um homem, por outro homem”183.
Existem três formas do homicídio doloso, sejam: a simples, tratada do caput do
artigo, com pena de 06 a 20 anos; a chamada de privilegiada, tratada do parágrafo
primeiro do mesmo artigo, com uma redução de pena entre um sexto a um terço
sobre a pena do caput; e a forma qualificada tratada no parágrafo segundo com
todos os seus incisos, cuja a pena é de 12 a 30 anos. O homicídio culposo estampa
o parágrafo terceiro do artigo 121 do Código Penal e não é de competência do
Tribunal do Júri.
Sobre a pena do homicídio pode incidir a causa de diminuição denominada
privilégio se o delito for praticado por: relevante valor social, quando se prima por
um interesse da coletividade; relevante valor moral, quando o valor, embora seja
individual, levando-se em consideração o interesse do agente, é importante; ou
quando for praticado sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida injusta
provocação a vítima, quando o agente, completamente perturbado afetivamente,
183 (GRECCO, 2012, p.274)
99
no “calor” da emoção, pratica a ação, após a vítima ter incorrido em mera
provocação injusta.
O homicídio é qualificado quando nas suas circunstâncias estão presentes
as características descritas nos incisos do parágrafo segundo do artigo 121 do
Código Penal, sejam: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro
motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo,
asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo
comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso
que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a
execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime.
A primeira forma qualificada é o motivo torpe, sendo o motivo abjeto que
causa repugnância, nojo, sensação de repulsa pelo fato praticado pelo agente. É o
motivo reprovável moralmente, como a exemplo da paga e a promessa de
recompensa para a prática do crime.
Já o motivo fútil é aquele insignificante, fazendo com que a conduta do
agente seja desproporcional do ponto de vista de um homem médio. Como
exemplo, matar alguém que negue a entregar um copo de água.
O meio insidioso é aquele utilizado sem que a vítima tome conhecimento;
o meio cruel, aquele que causa sofrimento desnecessário à vítima; e o perigo
comum abrange um número indeterminado de pessoas.
A traição traduz-se em enganação; emboscada é também conhecida como
tocaia; dissimulação é quando a pessoa oculta a intenção homicida a fim de
facilitar o seu intento; ou qualquer meio que torne diminuída a forma de defesa do
indivíduo, como a exemplo matar quem dorme, ou quem está amarrado.
Quando se fala em assegurar a execução, ocultação, impunidade ou
vantagem de outro crime, tem por bem, ressalva-se que deve haver uma relação
do homicídio com outro delito, que pode ser outro delito de homicídio. Importante
salientar que, ao contrário do senso comum, a premeditação não qualifica o delito
de homicídio em si, podendo o juiz, ao aplicar a pena, observá-la. No que se
refere ao procedimento imprimido ao processamento judicial desses delitos, é
matéria processual penal. O Direito Processual Penal, assim como o Direito Penal,
é um ramo do direito público. Traz em seu bojo regras de procedibilidade,
marcha, e fim de um procedimento penal. Expondo, por isso, sobre as provas que
podem ser utilizadas nele.
100
Para que haja a responsabilização de alguém por alguma prática tida como
criminosa, é necessário que durante um trâmite processual haja a colheita das
provas a fim de garantir uma punição correta e necessária, com provas concretas
de que o fato delituoso ocorrera realmente e que o acusado fora realmente o autor
do delito, ou seja, provas cabais de materialidade e autoria delitivas. Essa busca
pelas provas é incessante para que o juiz se convença do ocorrido para no
processo jugar com maior justeza, isto é a chamada busca pela verdade real dos
fatos.
Mesmo que no ponto 2.1 tenha-se explanado sobre a produção de prova
em processo Penal, mister se faz que esse assunto volte a comento, com a vertente
trazia a matéria aqui explanada. É na instrução processual que são colhidas as
provas, podendo elas serem produzidas pelas partes, por terceiros (no caso de
testemunhas, peritos, ...) ou pelo próprio juiz, em caso de dúvidas, a fim de chegar
a uma conclusão do que deveras ocorreu. Desta feita, provar e demonstrar a
verdade dos fatos é produzir uma certeza na consciência do julgador sobre a
materialidade do fato ou autoria delitiva, ou ainda sobre a existência de alguma
situação de relevo para a decisão judicial ou a resolução do processo.
Dentro de um processo penal, além da determinação do fato criminoso e
sua autoria, ainda existem circunstâncias que podem influenciar a
responsabilização penal de alguém, bem como na aplicação da pena. São essas as
circunstâncias, de ordens objetivas e subjetivas, como, por um exemplo, uma
legítima defesa, ou mesmo um privilégio. Por causa disso tudo, deve ser analisado
dentro do procedimento penal.
Com relação às provas, do latim probatio e probus, ideia de verificação,
exame, aprovação, ou confirmação, ideia de busca do conhecimento verdadeiro184.
Dentro do processo penal, há uma distinção entre prova e elemento informativo.
Prova é aquela colhida sob o crivo do contraditório e ampla defesa, ou seja,
durante o curso processual, e com a participação das partes e na presença de um
juiz. O elemento informativo é colhido em fase de investigação, sem a
necessidade de presença das partes, por isso não possui o mesmo valor.
As provas podem inclusive ser classificadas em diretas e indiretas. As
diretas são aquelas que dão conhecimento sobre o fato a partir de uma única
184 (LIMA, 2012, p. 819)
101
operação inferencial, como, por exemplo, a testemunha que alega ter presenciado
o fato, o documento que comprova as alegações. Já as indiretas são aquelas
colhidas por no mínimo duas operações inferenciais, como, por exemplo, a
testemunha que viu o acusado sair do local com uma arma de fogo e a roupa suja
de sangue, mas não presenciou os disparos185.
As provas também podem ser classificadas reais ou pessoais. São reais as
provas documentais e materiais, como, por um exemplo, os laudos, auto de corpo
de delito, objetos para a prática do crime etc. São pessoais as que trazem
conhecimento de um sujeito, como exemplo a testemunha, o perito, o
reconhecimento, a acareação, o interrogatório do réu etc.
Como o princípio que vigora essa produção é o da busca da verdade real
dos fatos, não pode haver limitação dos meios de prova, pois a finalidade do
processo é o bem social e o interesse público, sendo que a obtenção dessa verdade
caminha para uma maior justeza na aplicação da lei. Sendo assim, não existe um
rol taxativo de provas, mas sim um exemplificativo, nos artigos 158 a 250 do
Código de Processo Penal.
Tendo em vista a determinação constitucional da presunção do estado de
inocência, e que o ônus da prova incumbe a quem alega, apresentada a denúncia,
pelo Ministério Público, este deve provar a materialidade do fato e a autoria
delitiva, bem como todas as circunstâncias por ele trazidas na inicial, seja causa
de aumento de pena, agravante, ou qualificadora.
À defesa cabe a demonstração de que os fatos não se deram como na
acusação ou sobre a existência de excludentes de tipicidade (erro de tipo, coação
física, princípio da insignificância e da adequação social, e teoria da atipicidade
conglobante), ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular
do direito e estrito cumprimento do dever legal), culpabilidade (menor idade do
agente, doença mental, embriaguez, erro de proibição, coação moral irresistível e
obediência hierárquica) ou o afastamento da punibilidade (morte do agente;
anistia, graça, indulto; pela retroatividade de lei que não mais considera o fato
como criminoso; pela prescrição, decadência ou perempção; pela renúncia do
direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; pela
retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; pelo perdão judicial, nos
185 Idem (p.826)
102
casos previstos em lei), bem como as minorantes, sejam causas de diminuição de
pena, atenuantes e privilégios.
A defesa também tem o dever de provar sobre a falta de materialidade do
fato, e as causas subjetivas em favor do réu. Porém, restando dúvidas quanto a
qualquer circunstância ou elemento do fato, prevalece a presunção do estado de
inocência e o in dubio pro reo, onde o réu deverá ser tido como inocente.
Passe-se então à análise de alguns dos meios de prova em específico. O
Código de Processo Penal elenca alguns desses meios em direito admitidas,
porém nesse atém-se apenas a examinar, mesmo que rapidamente, algumas, como
o interrogatório, as provas testemunhais e os exames de corpo de delito e outras
perícias.
O exame de corpo de delito é feito em todos os vestígios deixados pela
infração penal, não apenas no cadáver proveniente de um homicídio. O exame do
corpo de delito é uma espécie de perícia, sendo a mais importante do processo
penal. Mas não é a única, visto que pode haver, por exemplo, um exame de
sanidade mental do réu.
A perícia é produzida por pessoa com conhecimento técnico ou científico
nos vestígios deixados pela infração para a comprovação de materialidade,
autoria, circunstâncias ou condições do delito. Elas podem ser determinadas pela
autoridade que conduz o procedimento, ou seja, pelo delegado de polícia durante
o inquérito ou pelo juiz durante o processo, ou até mesmo requerida pelas partes.
Existem no direito penal os delitos que deixam vestígios186 e os que não
deixam, como, por exemplo, o crime de calúnia. Nos que deixam, o Código de
Processo Penal obriga que haja o exame de corpo de delito para que haja prova da
materialidade do fato, conforme artigo 158. Porém, caso essas provas
desapareçam, pode ser suprido pelos depoimentos testemunhais, conforme artigo
167187.
O Código de Processo Penal não prevê prazo para a feitura desse exame,
porém traça regras para a elaboração, principalmente quando se refere ao exame
cadavérico, trazendo algumas exigências, como a necessidade de fotografias no
encontro do cadáver.
186 Chamados de crimes não transeuntes (GOMES, 2007. p. 531). 187 Auto de corpo de delito indireto, vide ponto 8.1.
103
Com relação ao interrogatório, é o momento processual por meio do qual o
juiz ou delegado ouve o acusado sobre a acusação que lhe é feita na denúncia ou
notícia do crime e sobre algumas informações subjetivas.
Todos os atos processuais são públicos, para que seja garantido inclusive
ao réu que os seus direitos serão respeitados e as provas serão colhidas de forma
legal, com algumas exceções previamente trazidas na lei, conforme artigo 5º, LX,
cumulado com artigo 93, IX da Constituição Federal188.
O interrogatório é personalíssimo, ou seja, somente o réu pode prestá-lo,
pessoalmente. Em fase judicial, deve ser prestado para um juiz, porém as partes
podem intervir também fazendo perguntas por meio dele, por força do princípio
do contraditório judicial. O réu não é obrigado a dar nenhuma informação sobre o
fato e pode permanecer em silêncio durante seu interrogatório, sem que isso seja
utilizado contra si, conforme artigo 5º, LXIII da Carta Magna.
Por força do mesmo artigo é dada ao réu a autodeterminação, ou seja, não
pode haver nenhum meio que o obrigue a expor sobre seus atos de forma diversa
da pretendida por ele. E, por esses motivos, além de um meio de prova, o
interrogatório também é tido como meio de defesa, eis que o Magistrado pode
servir-se de elementos colhidos nele para tirar conclusões sobre o fato. O réu pode
também negar-se a se expressar ou até mesmo negar a verdade pelo princípio
nemo tenetur se detegere189.
A confissão é a aceitação por parte do réu da imputação do ilícito penal
que lhe é feita, perante a autoridade policial ou judicial. É conhecida como
testemunho duplamente qualificado, pois é maléfico aos interesses de quem
confessa, no campo de vista objetivo e do ponto de vista subjetivo, vem do
próprio acusado e nunca de outrem.
Para que seja válida a confissão, é necessário que se façam presentes
alguns requisitos: deve ser feita perante autoridade competente; ser livre,
espontânea e expressa; versar sobre o fato principal; ser verossímil; ter
compatibilidade com as demais provas processuais. Em ditado popular é a rainha
das provas, o que não ocorre no processo penal, visto que se dissociada das
características acima expostas não obtém nenhuma validade, conforme artigo 197
do Código de Processo Penal.
188 Vide ponto 2.1. 189 Princípio que se traduz em: ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.
104
Ainda detém outras características, a confissão é retratável, ou seja, pode a
versão dos fatos ser modificada pelo acusado, e é divisível, ou seja, o acusado
pode confessar um fato e negar cometimento do outro, ou confessar todos os
delitos a ele atribuídos, bem como negar circunstâncias dos fatos.
Com relação à prova testemunhal, é mister esclarecer que testemunha é
uma pessoa desinteressada, capaz de depor perante autoridade sobre os fatos que
deram início ao ato processual, com informações percebidas por seus sentidos, e
que interessam à resolução de certa demanda. Assim, a prova testemunhal tem
como objetivo trazer ao processo dados que derivam do sistema sensorial da
pessoa que é intimada190 a depor.
Qualquer pessoa pode ser ouvida como testemunha, desde que possua
capacidade física para tanto, a incapacidade jurídica é irrelevante. Pode servir
como testemunha até mesmo os menores de 18 anos ou doentes mentais, desde
que tenha capacidade de interlocução.
Algumas são as principais características das provas testemunhais, como a
judicialidade (deve ser produzido perante uma autoridade judicial), oralidade
(deve ser prestado oralmente), objetividade (não pode emitir nenhum juízo de
valor, somente deve-se ater aos fatos, salvo circunstâncias processuais),
retrospectividade (somente sobre fatos passados e nunca a fatos futuros), e
individualidade (são ouvidas separadamente, evitando que as que já foram
ouvidas tenham contato com as que não foram).
Contrariamente ao tratado no interrogatório, a testemunha não tem o
direito de permanecer silente ou de faltar com a verdade sobre os fatos, salvo
algumas exceções191, pois a testemunha deve cumprir com a obrigação de
contribuir para a resolução do ato processual. A testemunha que não se faz
presente, mesmo que intimada ao ato processual, é conduzida coercitivamente à
presença do juiz. E além, a testemunha que mentir pode responder pelo delito de
falo testemunho (artigo 342 do Código Penal).
O depoimento testemunhal tem a natureza jurídica de prova,
principalmente por conta do compromisso que a testemunha presta em dizer a
verdade, e ante o contraditório judicial, em que as partes estarão presentes, e por
190 Chamada a um ato processual. Tratando-se de testemunha, tem o dever de comparecer, sob pena de responder pelo delito de desobediência, ou ser conduzida coercitivamente ao ato. 191 “Pessoas que em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo”. Vide artigo 207 do Código de Processo Penal.
105
força do cross examination podem fazer as perguntas para as testemunhas
diretamente.
O reconhecimento é outro meio de prova, no qual uma pessoa identifica
outra pessoa ou objeto como já visto, perante autoridade policial ou judiciária,
respeitados procedimentos legais.
Conforme artigo 226 do Código de Processo Penal, primeiramente, a
pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa
ou coisa que deva ser reconhecida. Após, a pessoa ou coisa, cujo reconhecimento
se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem
qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a
apontá-la.
Ainda outro meio probatório é a acareação. Ela é feita quando houver uma
divergência quanto informações prestadas por dois ou mais acusados,
testemunhas, ofendidos, já ouvidos, confrontando-as a fim de que seja obtido o
convencimento por parte do julgador sobre a verdade dos fatos. Acarear é pôr em
presença uma da outra, face a face, as pessoas que divergem em suas declarações.
Também do mesmo modo do reconhecimento, a acareação tem procedimento
trazido em lei. Porém, entende-se que ela dificilmente leva à solução de
divergência entre os relatos, sendo assim, que ela detém pouca eficácia.
Feitos tais apontamentos, conclui-se primeiramente que o discurso jurídico
é técnico e completamente científico, eis que advém de estudos pré-feitos, além de
que são exaustivamente tratados em textos legais, mesmo que mutáveis, ante a
constante alteração social e histórica, porém, mesmo assim, são estabelecidos
anteriormente ao fato tratado como delituoso.
A explicação para tamanha precisão e rigor, conforme já tratado, é
proveniente do princípio da subsidiariedade, em que o direito penal protege
somente os bens jurídicos de maior relevo. Também explica-se pelos princípios da
humanidade da pena192 e da presunção do estado de inocência193, eis que a
penalidade deve ser imposta somente quando houver certeza quanto ao delito e a
sua autoria. E a lei exigir uma condenação, a pena deve ser proporcional ao mal
192 Tal princípio está embasado no artigo 5º, XLVII, da Constituição Federal: “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.” 193 Princípio também estampado na Constituição Federal, artigo 5º, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
106
causado. Ainda levando em consideração que apenar criminalmente implica em
cercear a liberdade de outrem, que é um bem jurídico de grande importância.
Por ser um discurso pautado na busca constante à verdade real dos fatos, é
predominantemente documental, dando mais valor às provas materiais, sejam
dados objetivos, como as perícias, exames de corpo de delito, laudos, ou
subjetivos, como os depoimentos testemunhais.
6.4
Dimensão Discursiva Jornalística
Para alcançar o público, os jornalistas utilizam-se de um discurso que seja
compreensível por uma massa diversificada. Para tanto, parte-se do pressuposto
que se utiliza da narrativa.
Sendo assim, a narrativa não é vista apenas como forma de interpretação,
mas como uma arma poderosíssima. É por meio dela que os jornalistas se
legitimam autoridades morais e reais sabedores da realidade, articulam, reforçam
e constroem valores morais com a intensão de distinguir o que é certo do
errado194.
Assim, examina-se como os jornalistas se valeram dessa autoridade moral
no Caso Eliza Samúdio, utilizando-se da narrativa para dar sentido ao conjunto de
fatos que desencadeariam na morte de Eliza. Isoladamente, tais fatos não
formariam o melodrama tão bem quisto pela mídia, e que é o mais aceito pelo
público em geral.
A cobertura do caso em tela demonstra o exposto acima, não somente pelo
geral sentimento de indignação popular, mas também pelo suposto mandante do
delito se r uma celebridade internacionalmente conhecida.
Para dar um sentido ao acontecimento, os jornalistas utilizaram de uma
narrativa que negritava uma natureza monstruosa da situação e explicava
atribuindo a Bruno Fernandes essa natureza. Acompanhava-se cada passo durante
as investigações, processo, julgamento e até o cumprimento da pena. Tal
cobertura foi criada através de um perfil psicológico dos envolvidos na trama, e
não em dados processuais.
194 (Ettema e Glaser, 1998)
107
Para melhor compreensão do tema proposto, é necessária uma análise
mais perfunctória acerca de narrativa e suas estruturas, além de sua utilização no
discurso jornalístico aplicado ao Caso Eliza Samúdio. Fazem-se tais análises no
Capítulo 6.