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6º Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais: Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição Pontifícia Universidade Católica- Minas Gerais (PUC-MG) Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa A ARGÉLIA NO JOGO POLÍTICO DA GUERRA FRIA Thiago Augusto Figliolli Livon Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Belo Horizonte 25 a 28 de julho 2017

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6º Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais: Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição

Pontifícia Universidade Católica- Minas Gerais (PUC-MG)

Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa

A ARGÉLIA NO JOGO POLÍTICO DA GUERRA FRIA

Thiago Augusto Figliolli Livon

Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Belo Horizonte

25 a 28 de julho 2017

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RESUMO: O trabalho objetiva investigar as intermitências do processo revolucionário ocorrido na Argélia em 1962, a partir do acompanhamento do processo de descolonização do país no contexto afro-asiático de não-alinhamento e da posterior verificação dos instrumentos e procedimentos adotados para a incorporação do país no cenário internacional, considerando o paradigma de segurança da Guerra Fria (1947-1991). O método de pesquisa compreende análise bibliográfica e documental, compreendendo a bibliografia especializada sobre a revolução da Argélia e os documentos pós-independência, especialmente as Constituições do país e relatórios/resoluções de organizações internacionais e regionais emitidos no período em recorte. Para a compreensão da forma como a Argélia inseriu-se no panorama internacional após o sucesso do movimento revolucionário de 1962, tomam-se como referência as diretrizes da política externa argelina, desde o programa de Trípoli até o pragmatismo adotado na década de 1980 diante do sistema internacional pautado na divisão Leste-Oeste. As considerações finais ressaltam que, mesmo a Argélia edificando sua soberania com uma vertente socialista, identificou-se uma equidistância argelina entremeada nas instâncias políticas e econômicas frente às superpotências do período.

Palavras-chave: Argélia; Guerra Fria.

1. Introdução

A República Argelina Democrática e Popular é um Estado que se localiza no

Norte da África, integrando a região do Magrebe junto aos países do Marrocos, Sahara

Ocidental e Tunísia. Historicamente, com o desmantelamento do Império Turco-

Otomano, a Argélia foi submetida ao poderio colonialista francês no período que

compreende entre 1830 e 1962. Entre 1954 e 1962, a Argélia estabelece um levante

seguido de consecutivas guerras que foram caracterizadas como Revolução. A partir de

1962, sob a égide dos Acordos de Évian, a Argélia encontrou sua autodeterminação,

libertação e conduziu passos como uma República (YAZBEK, 2010).

Após o reconhecimento de sua soberania, a Argélia agiu como um ator

protagonista e substancial no palco regional. Sua independência foi considerada um

momento marcante dentro dos movimentos de descolonização, pois o país posicionou-

se como porta-voz do terceiro mundismo e promotor das causas de libertação e não

alinhamento (STORA, 2004). O presente objetivo deste trabalho1 busca pontuar o

comportamento adotado pela República Argelina, tanto pela via da política externa bem

como da segurança internacional, no jogo político da Guerra Fria.

1 Este artigo é uma revisão do Capítulo 3 da monografia “A inserção política da Argélia na esfera internacional (1962-1989) ”, apresentada como requisito final do curso de Relações Internacionais na Universidade de Ribeirão Preto em 2016.

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2. A Argélia e a União Soviética no Contexto da Guerra Fria

Em outubro de 1960, Moscou reconheceu a causa argelina por meios oficiais

e legitimou ulteriormente o GPRA2, reproduzindo assim o que os oficiais chineses

fizeram em 1958. Os pretextos vinculantes argelinos e soviéticos se justificaram por

numerosos fatores, no entanto nem todos congruentes. As relações se esmeraram com

os acordos de Évian em que a cooperação militar prosperou. Posteriori à crise de Suez,

Moscou se aproximou relativamente dos países árabes, corroborando para

confiabilidade entre Argélia e os postos soviéticos (GRIDAN e LE BOULANGER, 2007).

Para União Soviética, seu princípio cardeal consistia no afastamento iminente dos

Estados Unidos, considerando que a Argélia se encontra em um território de influência

do Mediterrâneo. Além do mais, as posições de Ben Bella3 com o repertório

anticapitalista, antiocidental e anti-imperialista reforçaram indubitavelmente as

condições favoráveis para a imersão soviética. À parte de alguns desacordos, a Argélia

avançou da oitava posição de beneficiários de armas soviéticas em 1972, para a sétima

posição em 1978 (GRIMAUD, 1984), fato este explanado pelo conflito do Saara

Ocidental.

A Guerra dos Seis Dias4 germinou uma tomada de consciência argelina.

Argel compreendeu que o primeiro objetivo soviético a ser alcançado era a détente, o

apoio militar fornecido aos países árabes não poderia de maneira alguma interpelar uma

intervenção propriamente física. A partir desta premissa, a Argélia iria paulatinamente

diversificar seus fornecedores e as vertentes de cooperação. Os diálogos argelinos

soviéticos tomaram corpo a partir dos anos 1962 e estabeleceram para além das vias

ideológicas. A atmosfera das relações entre Argélia e Marrocos deteriorava no verão de

1963, dado o fato que os oficiais marroquinos declararam amplamente a reivindicação

de uma parte do Saara. No mês de julho, os dois Estados enviaram tropas na região de

Tidouf, tendo levado a Argélia a procurar auxílio do ocidente, particularmente Paris e

Washington, sendo sua demanda refutada em contraparte com auxílio deferido a Rabat.

Tal cenário propicia a dependência argelina do conjunto bélico soviético (GRIDAN e LE

BOULANGER, 2007).

2 O Governo Provisório da República Argelina (GPRA) foi implementado pela Frente de

Libertação Nacional (FLN) no período da guerra da independência da Argélia. Este órgão foi responsável pela negociação dos acordos de paz com a França, denominados como os acordos de Évian em 1962. 3 Primeira figura política (1963-1965) a ocupar a cadeira presidencial da República Popular Democrática da Argélia após a guerra da independência. 4 A Guerra dos Seis Dias ocorreu em Junho de 1967 que se caracterizou por ser um conflito

bélico entre Israel e uma coalização dos países árabes incluindo Egito, Jordânia e Síria com o apoio internacional da Argélia, Arábia Saudita, Iraque, Kuwait e Sudão.

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No conflito entre Argélia e Marrocos, Moscou endossou a Argélia um apoio

militar indireto a partir de outubro de 1963. De acordo com as embaixadas francesas em

Argel e Havana, uma miríade de armas soviéticas foi entregue pela via de navios

cubanos e egípcios, como também desembarcaram voluntários cubanos para o auxílio

dessas armas. Entre julho de 1962 e abril de 1967, o valor de material abastecido atingiu

1,64 bilhões de francos (GRIDAN e LE BOULANGER, 2007). A colaboração militar

franco-argelina evidenciou que a União Soviética, apesar de ter sido a maior

fornecedora bélica, não possuía uma atividade de monopólio em território argelino.

Considerando a premissa que a Argélia não apresentava a perspectiva de trocar uma

dependência por outra, recorrer às forças do Kremlin incumbia duas táticas argelinas:

adequar a preeminência que a França obteve no setor civil segundamente os acordos

de Évian e autorizar colaborações multimodais no âmbito militar.

O golpe de estado militar que a Argélia sofreu no dia 19 de junho de 1965

surpreendeu Moscou, posto que Ben Bella demonstrou veemência nos pilares

comunistas edificando laços com a União Soviética. A subversão do regime estatal

argelino assinalou ao Kremlin do posicionamento anticomunista do então novo

presidente Boumediene. Para tanto, as bases soviéticas sustam o envio de armas por

diversas semanas como também as peças de troca. No sentido de amenizar as relações

com a margem soviética, o antigo embaixador argelino na URSS, Ben Yahia, foi

endereçado ao Kremlin na função de emissário do Conselho Nacional da Revolução,

órgão atribuído a regências de poderes após o golpe. O secretário geral do Partido

Comunista da União Soviética (PCUS), Leonid Brejnev (1962-1984), o primeiro ministro

soviético, Alexei Kossygin (1964-1980) e o ministro dos Assuntos Estrangeiros, Andrei

Gromyko (1957-1985) encontram Ben Yahia no dia 21 de junho de 1965 (GRIDAN e LE

BOULANGER, 2007), e este capítulo permite suprimir as oscilações sombrias das

relações argelinas soviéticas.

Faz-se imperativo sublinhar que a Guerra Fria apresentava em seu invólucro

um caráter primordialmente político, porém sua força motriz residia em um

embasamento econômico em que a disputa por territórios travestia-se pelos avanços

dos dois blocos do sistema internacional. Seguinte ao golpe de Estado, o então ministro

dos Assuntos Estrangeiros, Abdelaziz Bouteflika (1963-1979) mencionou que as

diretrizes de política externa remanesceriam intactas. Embora o malogro efêmero que

abarcou Alger e Moscou na substituição de poderes, os laços não se infringiram como

exemplificou a visita de Boumediene ao Kremlin do dia 13 a 18 de dezembro em 1965

(GRIDAN e LE BOULANGER, 2007). Em março de 1966, Brejnev e Kossygin expediram

uma mensagem a Boumediene com uma oferta de intensificação militar e econômica.

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Essas entregas promoveram notória consternação de Washington, acompanhadas pela

inquietude dos países magrebinos e indubitavelmente a do Marrocos. A quantidade de

armamentos recebidos ultrapassou as remessas padronizadas, Moscou explicou a

Rabat que um futuro ataque argelino não compreendia suas vias diplomáticas. A

velocidade de entregas bélicas compõe a execução plena do acordo de 1963 e foi

somente contida com o golpe de estado em 1965 (GRIDAN e LE BOULANGER, 2007).

O fluxo de fornecimento de armas soviéticas se justificaria pela lógica que caso Moscou

não venda seus artigos dos quais a Argélia anseia, os Estados Unidos certamente o

faria.

As tensões concentradas em Israel e seus vizinhos árabes conduziram o

presidente egípcio Nasser a barrar a passagem de Tiran, principal via de acesso

israelense ao mar Vermelho. Em 5 de junho de 1967, os oficiais de Tel-Aviv contra-

atacaram o Egito, a Síria e a Jordânia. Em apenas seis dias, o comando israelense

tomou controle do Sinai, Gaza, Cisjordânia e as colinas de Golã (GRIDAN e LE

BOULANGER, 2007). A Argélia tornou-se um importante agente logístico de auxílio

militar soviético ao destino do Egito. No início de julho de 1967, Boumediene enviou

tropas argelinas para o território egípcio junto com entregas de combustíveis. Os

arsenais concedidos pela armada soviética não conseguiram sobrepujar as forças

israelenses. Isso provocou um descontentamento da Argélia, pois se esperava um

engajamento maior dos sovietes e não simplesmente fornecimento de armas seguidas

de apoio verbal (GRIDAN e BOULANGER, 2007).

O governo de Argel entendeu como uma traição o fato do Kremlin não ter

intervido para que Israel evacuasse os territórios árabes. A guerra dos Seis Dias

determinou cissuras no tocante à cooperação entre Argélia e URSS. As autoridades

soviéticas não pretendiam entrar em um conflito no Oriente-Médio a fim de evitar uma

fronte direta com os Estados Unidos. As relações diplomáticas entre Moscou e Argel

experimentaram uma transição devido à recusa soviética de uma inferência direta na

causa árabe. Em 5 de agosto de 1967, o embaixador Pegov retirou-se da Argélia sem

ter convocado um substituto. Somente após oito meses, em 23 de abril de 1968, o

Kremlin despachou uma carta do embaixador Chevliaguine à Boumediene com intuito

de abrandar qualquer mal-entendido como também de reforçar a presença soviética na

Argélia (GRIDAN e LE BOULANGER, 2007).

Com a visita do ministro da Defesa soviética, o marechal Gretchko, em

Argel, Boumediene reafirmou o desejo de independência de seu país no contexto militar.

O chefe de Estado argumentou que o fornecimento de armas seria bem-vindo, mas não

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sob a condição de um corolário e que eles não estariam dispostos a aceitar o que o

Egito condescendeu. Diante deste contexto, é no campo de formação profissional que

se fez mais visível o distanciamento entre Argélia e URSS. Referente à Armada Nacional

Popular (ANP), os conselheiros militares continuaram com sua presença, todavia o

número de soldados assistiu um declive. A capacitação nas escolas soviéticas,

ressaltadas no acordo de 1963, não eram mais benefícios pertinentes. As demandas

oficiais argelinas à França sob o escopo estratégico de diversificação receberam um

sinal oportuno.

Em decorrência da Guerra dos Seis Dias, uma maior compreensão da

conduta política soviética para o Oriente Médio permitiu que a Argélia estabelecesse

uma política mais vedada balizando entre o não alinhamento e o eixo Leste-Oeste. A

União Soviética procurou substancialmente robustecer seu arsenal marítimo no Oriente

Médio, ainda mais com a repercussão política frente à iminência da 6ª frota americana.

A aquisição soviética de instalações portuárias representaria um avanço operacional em

seu peso estratégico. Tal elaboração militar soviética lhe colocaria como um auxiliar

protetor dos países árabes frente às ameaças israelenses, e por outra via reforçaria as

tensões com a Argélia, vista a preocupação com sua autonomia. O regime argelino

preocupado em não ceder aos anseios de Kremlin se concentrava no recuo soviético no

tocante a ocupação de base portuária de Mers El-Kébir. A questão do Mers El-Kébir foi

evocada diversas vezes pelos oficiais soviéticos em suas visitas à Argel. Boumediene

advertiu sobre a autonomia e independência argelina discorrendo sobre a legitimidade

territorial de Mers el-Kébir (STORA, 2004).

O Egito assinou um tratado de amizade com a URSS em maio de 1971, o

que provocou a desaprovação da Argélia que argumentava que tal memorando

contrariava as aspirações do não alinhamento. No entanto, o ministro soviético Kosygin

realizou uma visita a Argel em outubro de 1971 no sentido de obter o aceite de

Boumediene em expandir a esquadra soviética em território argelino. Para tanto, a

URSS ofereceu condições beneficiárias como créditos favoráveis, dedução de até 40%

nas compras de armas bélicas, entregas mais rápidas, tornando uma negociação

atrativa se comparada aos produtos do Ocidente. O chefe de Estado Boumediene e sua

equipe ministerial assimilaram efetivamente que existia uma emulação e concorrência

das superpotências no arsenal bélico, e que com a condução de uma política imparcial

poderia angariar benefícios para o desenvolvimento e segurança da Argélia. E assim,

foi caracterizada sua política neutra que em seu pragmatismo significou uma

equidistância no jogo da política internacional (STORA, 2004).

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3. Uma breve história da Política Externa da Argélia (1964-1989)

As diretrizes da política externa da Argélia foram embasadas e determinadas

pelo Programa de Tripoli em junho de 1962, na véspera de sua independência, pelo

Conselho Nacional da Revolução Argélia e que promoveu o entrave contra o

colonialismo e suporte aos movimentos de libertação. Tanto a constituição de 1976

quanto a 1986 compreenderam os princípios do não alinhamento e a não intervenção

no território argelino (DAGUZAN, 2015). Em seu plano conceitual, a política da Argélia

recupera a proposta de se situar em três espaços: Magrebino, Árabe e Africano. A

própria constituição de 1963 caracterizou a Argélia como peça integrante desses três

espaços. Somente com a revisão constitucional de 1996 que a Argélia denominou o

Mediterrâneo como um território que designa traços de identificações nacionalistas.

Tendo sido colonizada por 130 anos, A Argélia não tinha opção a não ser se posicionar

como uma vanguardista dos processos de descolonização da África e Ásia. Sua

orientação apresentava uma direção socialista e o reflexo de sua política interna incidia

em seu posicionamento externo (STORA, 2004).

A partir de sua admissão na ONU, em oito de outubro de 1962, a Argélia,

com sua “diplomacia de maquisards”5 se evidenciaram como um importante ator no

sistema internacional. Foi nesta época que se esboçaram paulatinamente os primeiros

rascunhos de uma eminente política exterior da Argélia. Os líderes conduziram este

esboço através da experiência adquirida durante os anos da luta armada e estabelecem

três diretrizes: a luta contra o sistema imperial e colonial, a defesa aos movimentos de

liberação e a cooperação internacional atrelada ao terceiro mundo bem como com as

potências denominadas socialistas (ROCHERIEUX,2001). Como proposto no artigo 2

da Constituição de 1963, a Argélia é parte do Magrebe árabe e praticaria o neutralismo

positivo e não-alinhamento. O país colocou-se em convergência com os ideais do pan-

anarabismo, onde angariou apoio do Egito e suporte militar da URSS e isso não a

impediu de estabelecer laços comerciais com a França, tornando sua primeira

fornecedora e consumidora. Todavia estabelecida a aspiração de edificar um Magrebe

Árabe, as relações se acidularam com Rabat, capital do Marrocos, e culminara em 1963

na “Guerra de Areia” com barreiras fronteiriças no território do Saara.

Os anos 1967 reafirmaram a posição da Argélia na esfera internacional

através do endosso aos países durante a guerra de 1967, como também a ruptura das

relações diplomáticas com os Estados Unidos da América e a recepção ao Grupo dos

5 Os “maquisards” eram membros da Resistência Francesa e aplicavam técnicas da Guerrilha durante a

Segunda Guerra Mundial.

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77 em Argel. A sua prospecção internacional obteve maior visão conjunta com a

participação de diversas organizações como a ONU, a Organização da Unidade

Africana (OUA), A Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e

Desenvolvimento (CNUCED) e Organizações dos Países Exportadores do Petróleo

(OPEP) (ROCHERIEUX,2001).

A Argélia reservou um aspecto importante à problemática do Oriente Médio,

principalmente na questão da causa palestina. Visto seu passado de guerras recentes

e a luta pela libertação, a Argélia tornou-se uma fervorosa defensora das aspirações da

palestina e um centro de fomento para a sua emancipação. Em 1967, o contexto

palestino conduziu a ruptura diplomática entre Estados Unidos e Argélia, e com a

retomada apenas em 1974 com a visita do secretário de Estado americano Henry

Kissinger que reconheceu a forte influência argelina na região, especificamente na Síria.

Kissinger foi ao encontro de Boumediene para apresentar a política

americana para o Oriente Médio no sentido de obter apoio em suas iniciativas, no

entanto, Boumediene manteve sua posição, embora tenha sido um dos poucos Chefes

de Estado que foi mantido a par da política americana para a região do Oriente Médio.

A conversa argelina com os blocos soviético e capitalista serviu para barganhar recursos

que seriam implantados nos setores industriais. Tal desenvolvimento na inserção

internacional era consoante a política interna argelina em reapropriar o patrimônio da

economia nacional. Em 1973, a Argélia cedia a Cúpula do Movimento Não Alinhado. Em

abril de 1974, realizou a convocação de uma Assembleia Geral extraordinária na ONU

para a discussão de matéria prima e desenvolvimento e em março de 1975, participou

da cúpula da OPEP. Entre 1975 e 1977, participou de diversas reuniões da Conferencia

sobre Cooperação Econômica Internacional (CCEI), conferencia denominada como

“diálogo Norte-Sul” (STORA, 2004).

A chegada de Boumediene na chefia estatal coincide com a execução

definitiva dos militares no poder, instaurando um regime em que o Estado remanescente

exclusivamente pela via hierárquica. O declínio do FLN, a forte industrialização, a

estratégia dos hidrocarbonetos, agricultura em declínio, a proposta terceiro-mundista, o

conflito com o Saara Ocidental, a arabizarão e a estatização do Islã são fatores que

compreenderam o período intermitente de 1965 a 1978, com Houari Boumediene no

poder e que reconfiguraram a política exterior do país no sistema de segurança

internacional. (ROCHERIEUX, 2001)

Boumediene era um homem inflexível que demonstrava nenhum apreço

pelo FLN que se encontrava esvaziado de poder. Com o apoio da segurança militar, o

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então Presidente descartou pouco a pouco seus oponentes como Mohamed Khider em

1967 e Belkacem Krim em 1970. Aït Ahmed e Boudiaf, antigos líderes do FLN, se

encontravam em exílio no estrangeiro. O Conselho da Revolução desvaneceu pelas

contingencias e somente Abelaziz Bouteflika conservou suas funções enquanto ministro

de Assuntos Estrangeiros. As bases do novo poder da Argélia foram destinadas a

enquadrar a população. Na Carta Comunal datada 18 de janeiro de 1967, é instaurado

o direito das assembleias comunais, eleitas através de sufrágio universal, de gerenciar

cada comuna. A Carta de Wilaya datada 5 de maio de 1969 instaurou a mesma estrutura

de uma assembleia voltada a administração das Wilayas, das quais seriam presididas

por um wali, cujas funções se assemelhavam a de um prefeito. As empresas também

constituíram uma política adaptada para seguir as normas da “virada socialista”. As

Assembleias Trabalhistas são agrupadas, todavia com um poder concentrador nas

mãos da direção estatal. (ROCHERIEUX,2001)

No dia 19 de junho de 1975, Boumediene declarou a intermitência de um

programa institucional coeso com sua base política e foi redigida uma nova Carta

Constitucional. Posta à plebiscito e com 98,5% de aprovação, a nova Constituição de

1976 é adotada no dia 27 de junho de 1976. A Argélia foi observada como um país

composto por classes sociais e não por etnias, o papel do Estado foi pontuado como o

herdeiro da luta pela autodeterminação e expressão da vontade popular. Boumedine

revelou seus anseios e a crença de que seria possível passar de um estado de

subdesenvolvimento a uma escala industrial. A teoria das “indústrias industrializantes”

arquitetada pelos economistas François Perroux e Gérard Destannes de Bernis, se

tornou o cerne para este plano. Logo, a industrialização foi mencionada como prioridade

e a agricultura seria o carro chefe para a ascensão. As indústrias de base, denominadas

industrializantes, empurrariam a economia nacional através de uma edificação

acelerada e fomentariam o desenvolvimento. Sessenta e seis industriais nacionais

foram instaladas e consideradas a estrutura basilar da economia e do programa de

desenvolvimento inaugurado pelo ministro das indústrias Belaïd Abdesslam (1965-

1979) (ROCHERIEUX,2001).

No escopo econômico, a Argélia pretendeu diversificar seus parceiros

comerciais bem como fornecedores de tecnologia. Como consequência, as relações se

estreitaram com os Estados Unidos, Itália, Espanha e Alemanha. Apesar de suas

ideologias políticas serem discrepantes, Boumediene denotou que não havia nada de

estranho um país socialista procurar desenvolvimento comercial através de um acordo

com uma potência capitalista. Após o período de nacionalização das empresas Mobil e

Esso atribuído ao conflito Árabe-Israelense em 1967, ocorreu uma onda de estatização

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que culminou em 1971. Conhecido como o período da descolonização petrolífera, esta

fase marcou uma etapa da emancipação econômica. Neste contexto, uma lei

promulgada estabeleceu direitos e deveres aos parceiros internacionais no sentido de

se obter uma remuneração mais íntegra nas vendas de hidrocarbonetos. Em 1973, as

receitas do país triplicaram com a crise do petróleo e a tática dos hidrocarbonetos foi

utilizada para aumentar o desenvolvimento da capacidade de produção do petróleo e

gás (ROCHERIEUX,2001).

Os resultados não alcançaram o teto esperado em comparação com as

expectativas iniciais. O sistema produtivo sofreu grandes alterações dadas as diversas

remessas de nacionalização que atingiram o setor bancário no período entre 1966 e

1967. Embora uma malha notável de investimentos fosse feita, o crescimento se

comportou de uma maneira lenta. Em 1981, o PIB atingiu 36,6 bilhões de dólares

posicionando a Argélia atrás da Líbia, porém à frente do Marrocos e Tunísia

(ROCHERIEUX, 2001). As indústrias pesadas alcançaram somente 30% de sua

capacidade de produção, devido ao domínio precário da tecnologia. Em 1972, a

concentração de financiamento para os setores de bens de produção se encontrava

uma profunda dívida afogando o viés orçamentário: 2,72 bilhões no plano doméstico e

um teto de 23,4 bilhões no plano exterior em 1979 (ROCHERIEUX, 2001).

A estratégia desenvolvimentista argelina e sua rápida industrialização só foi

possível pela receita do petróleo e gás. O país naquela altura, possuía a quarta reserva

mundial de gás – seguido pela União Soviética, Irã e os Estados Unidos – e com uma

substancial concentração de petróleo bruto. Se destacava como a sétima produtora dos

derivados do petróleo da África e do Oriente Médio (precedida por Arábia Saudita,

Kuwait, Irã, Iraque, Emirados Árabes e Líbia) e produzia 4% do total bruto da OPEP,

organização que aderiu em 1969 (ENTELIS, 1984). Com o advento do plano “indústria

industrializante”, os mecanismos de produção foram priorizados em detrimento da

agricultura manual do campo. A revolução agrária adotada em novembro 1971 foi

destinada ao fracasso. A imposição autoritária agrícola apresentou como meta central

se adequar às demandas de alimentos do país e prospectar a posição da Argélia no

comércio internacional com as exportações de commodities. (ENTELIS, 1984)

Esta tentativa de reforma encadeada com as cooperativas e o setor privado

resultou em uma incoerência de escolhas e refletiram nas taxas de autossuficiência

alimentar: em 1969 as taxas atingiam uma margem de 70% enquanto que em 1980

representavam 30%. A submissão da lógica do campo à industrialização provocou um

êxodo vertiginoso de cem mil pessoas anualmente. Na década de 1960, a Argélia

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experimentou um surto demográfico e o fator corroborante para tal fenômeno explica-

se pela revolução sanitária, que provocou uma inexorável queda na taxa de mortalidade

que não foi acompanhada por um declínio na taxa de natalidade. Em 1974, na

Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) em Bucareste, a

Argélia se posicionou como um país que negava o malthusianismo afirmando que o

desenvolvimento é o “melhor contraceptivo” (STORA, 2004).

Baseado em uma estrutura de natalidade do Terceiro Mundo, a Argélia

atingiu um recorde mundial de 8,1 crianças para cada mulher em 1975. Somente em

1983 que as autoridades se atentaram para as consequências perversas deste tipo de

conduta e instauraram um programa nacional para a tomada de consciência do

crescimento demográfico com responsabilidade (ROCHERIEUX, 2001). Como

consequência, uma considerável escolarização feminina foi posta em voga, tendo em

vista o pouco acesso que as mulheres argelinas possuíam até então. Em 1961, a

margem de indivíduos matriculados apresentava um número de setecentos mil,

enquanto que este número pulou para 2 milhões em 1970 e 4,5 milhões em 1980. Para

o auxílio no campo do ensino educacional, onze mil professores franceses concederam

auxílio. O fluxo de emigração, que marcou seu início após a independência, apresentava

taxas consideráveis atingindo, em 1975, 554.000 indivíduos direcionados à metrópole.

(ROCHERIEUX,2001)

Em 1976, um entrave inter-magrebino se estabeleceu devido a marcha

verde idealizada pelo o rei do Marrocos Hassan II eclodindo no conflito do Saara.

Embora a Argélia demonstrasse anseio na reconciliação com seus vizinhos com o

“Tratado da fraternidade, da boa vizinhança e de cooperação” em 15 de janeiro de

1969”, o cenário era de constantes ameaças entremeadas pela Espanha, Marrocos e o

“Fronte Polissario”6. (ROCHERIEUX,2001). O Marrocos considerava que o Saara

Ocidental era uma extensão de suas províncias sulistas, enquanto que Argélia

reconhecia a República Democrática Árabe do Saara (RASD) estabelecida pelo Fronte

Polissario (FP). A Argélia apoiou o FP e acolheu os refugiados civis em seu território.

Com a morte de Boumedienne em 1978, o conflito não encontrou sua resolução até os

dias de hoje, e de alguma maneira, tal entrave obstruiu o projeto terceiro mundista que

a Argélia estava estruturando. (ROCHERIEUX, 2001)

A Revolução Argelina apresentava o propósito de arabizar novamente a

Argélia esvaziando-a de qualquer traço do antigo colonialismo. Esse desejo de

arabização começou a ser implantado no ensino de base recuperando a cultura berbere

6 Grupo militante espanhol que luta pela retirada das ocupações marroquinas no Saara Ocidental.

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e os antigos poetas. Consequentemente, a Argélia recusou a integração na Organização

Internacional da Francofonia e realizou esforços para a diminuição das reminiscências

da língua francesa. Essa política de arabização provocou diversas consequências.

Primeiramente, ela enrijeceu as oposições entre as elites arabófonas e francófonas que

o sistema educativo reproduzia. Além do mais, no plano ideológico, a propagação da

língua árabe aumentava a influência das correntes pan-arabistas e da política do Islã. A

cultura tornou-se uma ferramenta de propaganda no sentido de contornar a legitimidade

de poder. O manejo da memória discursiva e histórica representaram espaços

simbólicos em que o FLN se apossou para estruturar a Guerra da Liberação. No dia 16

de agosto de 1976, no espírito de ressureição árabe, a sexta-feira foi declarada como

repouso obrigatório. A religião é aplicada como um instrumento de contenção de um

provável avanço de qualquer contestação laica e democrática (STORA, 2004).

Em decorrência do falecimento de Boumediene, Chadli Bendjedid (1979-

1992) sucedeu a cadeira como chefe de Estado. Com a entrada de Chadli, o FLN tomou

força e se reorganizou como partido centralizador dos benefícios estatais. A intervenção

na esfera internacional se multiplicou e a Argélia se envolveu na questão do périplo

africano, na negociação da liberação dos reféns americanos no Irã, e na mediação na

guerra Irã/iraque. No plano econômico, Chadli estabeleceu um plano quinquenal (1980-

1984) que priorizava os setores negligenciados como o agrário, hidráulico e

restabeleceu uma singela capacidade do setor privado (ROCHERIEUX,2001).

Boumediene havia reforçado em plano nacional a corrente árabe-islamita, considerando

que a constituição de 1976 havia omitido qualquer alusão a cultura berbere em

detrimento de um movimento erigido exclusivamente ao islã e arabismo. Em março de

1980, o governo proibiu a palestra do escritor Mouloud Mammeri na Universidade de

Tizi-Ouzou, na oportunidade do lançamento do seu livro “Antigos poemas de cabilas”.

Logo após, uma greve se instalou em Cabília eclodindo na “primavera berbere”

conduzida por Salem Chaker e Said Sadi, desestruturando as ideias constitucionais

argelinos e colocando em panos dúbios a identidade argelina.

A consequência desta “primavera” atingiu um patamar de questionamentos

frente a conduta unificadora dos princípios estatais. A sujeição do islamismo aos valores

oficiais do Estado foi validada pela Constituição de 1986 com uma nova roupa

ideológica. O Estado aplicou uma ordem pública religiosa declarando o islamismo como

a religião do socialismo argelino. Precisamente, esta mesma ideologia foi refutada pelos

movimentos nacionalistas da Argélia, contrariamente ao seu vizinho Marrocos que se

resignou com a legitimidade religiosa. Tal validação religiosa reforçou uma brecha entre

os religiosos e os laicos, principalmente com a instalação do código do estatuto pessoal

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e da família que concebeu a não igualdade entre os sexos, destituindo a mulher de

alguns direitos e permitindo a poligamia. Tal código foi considerado um retrocesso em

comparação com os artigos 39 a 42 da constituição de 1976, que promulgavam a

garantia dos direitos do homem bem como a igualdade entre os sexos (ROCHERIEUX,

2001).

A economia se encontrou a deriva na década de 1980, os planos

industrializantes geravam um alto grau de endividamento público e o desequilíbrio fiscal

ameaçou o sistema produtivo. Chadli foi obrigado a cessar seu plano quinquenal

encorajando o setor privado e privatização da agricultura. Os resultados foram

desfavoráveis e a tão sonhada independência econômica da Argélia se desvaneceu.

Em 1982, as planilhas revelavam uma dívida externa de 40,2 % do PIB atingindo 68%

do PIB dez anos posteriores. A ríspida queda dos preços do petróleo em 1983 já

anunciava tempos nebulosos no campo econômico argelino. A Argélia, estrangulada

nas receitas orçamentárias, se viu obrigada a aplicar um plano de austeridade em 1985

(ROCHERIEUX,2001). Em mais de 20 anos desde a sua independência, a sociedade

da Argélia já não era mais a mesma. O repentino movimento de urbanização revelou,

como em muitos países do Terceiro Mundo, em uma crise dos centros urbanos. A taxa

de urbanização atingiu a margem de 50% em 1980, acompanhada por uma crise

habitacional, de infraestrutura e saneamento básico. Enquanto alguns projetos de

desenvolvimento obtinham a receita do gás e petróleo, a produtividade agrícola

encontrava seu declive. Tendo sida uma exportadora com relativo sucesso, a Argélia se

viu obrigada a importar commodities para o alimento de sua população.

A política externa da Argélia, sob o comando do presidente Bendijid, é

frequentemente apontada como “pragmática” e menos ideológica. A Argélia

gradualmente assumia um perfil mais discreto, todavia mais decisivo no palco

internacional. O período entre 1979 e 1991 foi regido por uma normalização

considerando que suas evoluções internas conduziram sua política externa. Os

agravantes problemas econômicos e sociais, juntamente com a queda dos preços dos

hidrocarbonetos e declive do dólar atingiram desfavoravelmente sua política externa.

(ROCHERIEUX,2001). A problemática do diálogo Norte-Sul e do Não Alinhamento

compunham prioridades da cena internacional. A Conferência do G 77 apresentou seu

declínio em junho de 1977 devido a um desacordo de cooperação e a última

manifestação importante neste quesito aconteceu em Cancun, em 1981, reagrupando

somente 22 Estados, incluindo a Argélia. O Movimento Não Alinhado enfraqueceu sua

estrutura com a guerra Irã Iraque e não encontrou mais vias de coerência.

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Sobre a questão do Saara Ocidental, a Argélia reestabeleceu laços

diplomáticos em maio 1988 e foi participante na organização de primeira conferência a

discutir questões magrebinas na cidade de Zéralda em junho de 1988. A realização

desta conferencia deu fruto a União do Magrebe Árabe (UMA) em fevereiro de 1989 em

Marraquexe, tendo reunido a Argélia, Líbia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia. Era capital

que o conflito do Saara obtivesse uma resolução para a construção magrebina. O

ministério de Relações Exteriores assistiu a perda de seus funcionários mais

experientes, seja pela via trágica como no exemplo da queda do avião do ministro

Benyahia na Turquia, seja pela via da restrição orçamentária ocasionada pela política

de austeridade que reduziu, consideravelmente, a eficiência executiva das embaixadas.

Diversos avanços marcaram o novo posicionamento da Argélia frente ao seu

pragmatismo. No início de 1980, a Argélia obteve papel fundamental nas negociações

entre as autoridades americanas e iranianas para que reféns americanos fossem

libertados em Teerã. (ROCHERIEUX,2001)

A nova roupagem de Chadli referente ao princípio do não-alinhamento se

configurou com a visita do chefe Estado na Iugoslávia, China e India deixando claro que

presumia-se o restabelecimento de um maior balanceamento entre o eixo Argel-

Belgrado-Nova Delhi do que o antigo modelo de Boumediene com o eixo Argel- Hanoi-

Havana. Em seu discurso em Belgrado, Chadli lembrou o contexto que todas as

questões do Terceiro Mundo eram designadas de acordo com os problemas vivenciados

pelas superpotências. Subvertendo a lógica, ele observou que o Movimento Não

Alinhado serviria de base para a redução do conflito Leste/Oeste e assim facilitou as

resoluções internas dos países subdesenvolvidos. Em setembro de 1983, o então vice-

presidente dos EUA W.H. Bush (1989-1993) realizou uma visita à Argélia que permitiu

um mútuo estabelecimento de afinidades. Em abril de 1985, Chadli visitou os Estados

Unidos, sendo o primeiro chefe de Estado da Argélia a pisar oficialmente em território

americano. Tal visita permitiu com que a Argélia se inscrevesse na lista de países

beneficiários das armas americanas.

O não alinhamento na presidência de Chadli significou um princípio ativo em

que a política conduziria determinação decisória de seu plano doméstico. Se

Boumediene conservava uma política neutra com alguns aspectos que pendessem ora

para o Oeste ora para o Leste, Chadli herdou esta tática, porém com uma maior

veemência na prática de equidistância (ROCHERIEUX, 2001). A visita oficial de uma

delegação americana em Argel, causou alvoroço soviético declarando que esta postura

de equidistância havia ido longe demais. Tal conduta argelina era coerente com os

objetivos de pluralizar as relações econômicas e de comércio no cenário popular.

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Considerando o contexto magrebino, o rei do Marrocos, Hassan II,

tradicional aliado dos Estados Unidos, assinou um acordo de união com o líder militar

libiano Kadhaf, para o descontentamento e desprezo dos americanos. Por outro lado,

houve uma modificação sensível da Argélia concernente ao meio oficial americano. Nos

anos 1970, a Argélia era denominada como radical pelos Estados Unidos, sendo

considerado país amigo e peça integrante e complementar da política americana nos

anos 1980.As relações comerciais também se acentuaram com os países europeus

dentro da política de equidistância de Chadli. Especificamente com a França, as

relações apresentaram um comportamento cíclico de altos e baixos. Nos últimos anos

durante o mandado do presidente francês Valéry Giscard d’Estaing (1974-1981) são

denotadas uma considerável melhoria nas relações bilaterais no sentido de

estabelecimento de laços disciplinados. (ROCHERIEUX, 2001)

Em outubro de 1988, em decorrência da crise urbana, Chadli realizou

esforços de liberalização econômica, com cada vez menos intervenção estatal nos

setores de produção. Em 1989, foi inaugurada uma nova Constituição estabelecendo

uma margem ao pluripartidarismo, em que o FLN não se distinguia mais como o único

partido em território argelino. Neste cenário, o Front Islamique du Salut (FIS) surgia

como porta-voz do descontentamento popular e que posteriormente, com a

reivindicação da sharia, ganhará espaço de debate com o FLN entre 1990 e 1991

(VERMEREN, 2016).

Chadli também ficou conhecido por suas políticas de enfraquecimento dos

aparelhos repressivos do Estado. O presidente debilitou a Direction Générale de la

Sûreté Nationale (DGSN) que se ocupava nas questões morais, civis bem como dividiu

a Segurança Nacional em três departamentos. Alguns autores apontam que, em certa

medida, esta política de afrouxamento de Chadli foi um dos fatores que corroboraram

para guerra civil argelina que ocorreu entre 1991 e 2002 (VERMEREN, 2016). Se todos

esses fatores, como a liberalização econômica, pluripartidarismo e uma iminente guerra

civil argelina coincidiram ou não com o desmantelamento da URSS, tal hipótese

problemática valeria outro estudo a ser abordado.

4. Considerações finais

As considerações finais revelam grandes transições que a Argélia

experimentou em um período consideravelmente curto. O desligamento da Argélia dos

entraves imperialistas da França propiciou ao país uma posição notória no regionalismo

do Magrebe bem como no Oriente Médio. Como ator internacional, a Argélia aderiu a

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processos que reivindicaram voz aos Estados recém-independentes nos setores

desenvolvimentistas econômicos, especialmente no diálogo Norte/Sul. Se Ben Bella era

atrelado às margens ideológicas comunistas representando um aporte seguro à URSS,

já Boumediene recorreu à equidistância como ponto estratégico. Embora sua política

apresentasse uma roupagem neutra, foi a partir desta tática que, em certa medida,

angariou recursos para a segurança estatal e sua legitimidade, estruturando assim uma

atuação influenciadora na esfera árabe. A aderência ao Movimento Não Alinhado, de

fato, se traduziu pragmaticamente como um método de barganha argelina frente às

superpotências.

Boumediene apresentava um poder concentrado nos pilares nacionalistas,

executou a estatização das empresas, que fomentou o boom das indústrias

“industrializantes”. Já Chadli Bendjedid não era observado como um nacionalista

entusiasmado, tampouco praticou uma política nas vias estatais. Todavia pautou-se no

pluralismo e multilateralismo, liberalizando os setores econômicos com o embasamento

nos valores democráticos. Todos esses fatores que compreendem o recorte entre 1962

e 1989, corroboraram para a inserção da Argélia na esfera internacional. O país se

encontrou no âmago de muitos ciclos que abarcam questões do Magrebe, Saara, África,

Europa e do mundo árabe. Tendo uma vocação universal, o país árabe se engajou em

movimentos que postulavam a situação do Terceiro Mundo pautados em uma maior

distribuição de riqueza, direitos humanos e civis, como também um maior alcance no

acesso à informação.

A partir de 1989 a Argélia assistiu à ascensão do Front Islamique Du Salut

(FIS), abrindo pela primeira vez, após a revolução, um contexto multipartidário que,

posteriormente, esses fatores culminariam em uma guerra civil. Por um lado, as

recorrentes adoções de três constituições desde 1962 até 1989, limite do período

objetivado deste trabalho, pontuam uma sensível fragilidade no campo político

doméstico de um país que engatinhava para estabilidade de governança global. O

desfecho do presente trabalho angaria a preocupação do lançamento de um maior

debate sobre o tema proposto, visto a precariedade bibliográfica e o difícil acesso às

informações mais detalhadas e precisas tanto a nível nacional como internacional. A

literatura do tema se concentra respectivamente na França, Canada e Estados Unidos.

Há muitas lacunas teóricas sobre a Argélia e de uma literatura com um tratamento

didático. Destarte, realiza-se um convite para estudos posteriores que tratem a Argélia

através de uma perspectiva contemporânea, principalmente considerando a guerra civil

(1991-2002) juntamente ao desmantelamento da União Soviética, bem como uma

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análise da Guerra Civil Argelina (1992-2002) sob o escopo dos estudos da Segurança

Internacional.

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