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Modulo 11 – Preamt RPMO DHPN.doc edição de 14 de março de 2008 1. Prematuridade 2. Amniorrexe Prematura 3. DHPN Marcos Vianna Professor Adjunto de Obstetrícia da UERJ, UNIRIO e UNIGRANRIO Alexandre Trajano Professor Titular de Obstetrícia da UERJ e da UNIGRANRIO Coordenador Geral do Núcleo Perinatal da UERJ Flavio M. Souza Professor Adjunto de Obstetrícia da UERJ Giovanni Fraga Lenza Professor Adjunto de Obstetrícia da UERJ e da UFRJ Joelma Jacob Obstetra do Núcleo Perinatal da UERJ Cadernos de OBSTETRÍCIA Alexandre Trajano

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1. Prematuridade

2. Amniorrexe Prematura

3. DHPN

Marcos Vianna Professor Adjunto de Obstetrícia da UERJ, UNIRIO e UNIGRANRIO

Alexandre Trajano Professor Titular de Obstetrícia da UERJ e da UNIGRANRIO

Coordenador Geral do Núcleo Perinatal da UERJ

Flavio M. Souza Professor Adjunto de Obstetrícia da UERJ

Giovanni Fraga Lenza Professor Adjunto de Obstetrícia da UERJ e da UFRJ

Joelma Jacob Obstetra do Núcleo Perinatal da UERJ

Cadernos de OBSTETRÍCIA

Alexandre Trajano

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Parto Prematuro

Introdução

O parto prematuro é um dos mais importantes problemas com que o obstetra se defronta na atualidade. Embora os partos prematuros sejam apenas uma fração de todos os nascimentos, eles contribuem desproporcionalmente para as taxas de mortalidade perinatal e neonatal. Outro aspecto relevante é o fato de que essas crianças nascidas prematuramente necessitam de vultosos recursos médicos imediatos e com freqüência demandam terapêuticas especiais e acompanhamento educacional específico durante o restante de suas vidas. A prematuridade é, ainda hoje, grave problema de saúde pública. Bem documentadas são suas conseqüências: altas taxas de morbidade e mortalidade neonatais. Embora recentes progressos nos cuidados neonatais tenham reduzido consideravelmente os coeficientes de mortalidade, estes resultados envolvem enormes custos, tanto no que se refere aos cuidados imediatos após o nascimento, quanto na manutenção de uma qualidade de vida adequada, principalmente de crianças portadoras de seqüelas neurológicas.

Terminologia

No início do século, a terminologia prematuro foi usada para classificar crianças nascidas antes do final da gestação, principalmente antes do período de 252 dias ou 36 semanas. Contudo, observou-se que algumas crianças, embora nascidas no tempo adequado, tinham peso baixo e apresentavam morbidade e mortalidade elevadas como os prematuros e, portanto, podiam assim ser classificadas. Esta fragilidade, independente da idade gestacional, era atribuída a algum grau de sofrimento intra-uterino. Antecipava-se nesta época a compreensão do desfecho neonatal a visão moderna das relações entre idade gestacional e qualidade de crescimento intra-uterino. Em 1936, a Academia Americana de Pediatria decidiu formalizar esta classificação e adotou prematuridade como terminologia para recém-nascidos com peso inferior à 2500g, independente da duração da gestação. Em 1961, A Organização Mundial de Saúde mesmo Comitê observou que, apesar do uso universal, havia restrições à esta classificação, pois muitos recém-nascidos prematuros nasciam no período gestacional adequado. Por isto, passou a recomendar a terminologia baixo peso ao nascer para recém-nascidos com peso inferior à 2.500 g, reservando prematuridade para a definição cronológica de duração encurtada da gestação.

A Academia Americana de Pediatria, em 1967, recomendou não mais se usar os termos prematuro e imaturo e propôs a seguinte classificação dicotomizada: (1) para idade gestacional, os recém-nascidos seriam classificados em pré-termo, termo e pós-termo, em relação à duração da gestação; (2) quanto ao peso ao nascimento, seria mantida a nomenclatura baixo peso ao nascer para recém-nascidos com peso inferior à 2.500 g. O conceito mais utilizado atualmente, e preconizado pela Organização Mundial de Saúde a partir de 1972, acolhe o critério cronológico baseado na idade gestacional inferior à 37 semanas completas de gestação para conceituar a prematuridade. O limite superior é universalmente aceito, mas o inferior ainda não está bem estabelecido e freqüentemente citado como sendo de 20 ou 28 semanas de gravidez.

O parto prematuro indicado é geralmente associado às complicações médico-cirúrgicas da gestação, capazes de criar um meio intra-uterino desfavorável para o desenvolvimento fetal. O parto prematuro indicado contribui com cerca de 20-30% dos casos de prematuridade.

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Os restantes 70-80% dos partos antes do termo são denominados espontâneos, e tem como causa a rotura prematura de membranas e o trabalho de parto prematuro. É provável que mecanismos comuns possam estar envolvidos no desencadeamento destas duas condições.

Incidência

À luz da discussão conceitual da prematuridade surge a dificuldade de se determinar sua incidência, seja pelos diferentes critérios de definição, seja pela heterogeneidade das populações estudadas. As taxas variam de 5,9%, na Irlanda, a 28%, na Índia. No Reino Unido, o British Perinatal Mortality Survey, relatou que 3,4% dos nascimentos ocorreram antes de 251 dias e que outros 6,1% ocorreram entre 251 e 265 dias de gestação. Nos Estados Unidos da América do Norte, de 1989 até 1996, a taxa de incidência do parto prematuro (medida por 1000 nascidos vivos) sofreu incremento de 0,3 % (de 97,0 para 97,3/1000). Segundo o estudo em questão, houve aumento da incidência de parto antes do termo de 8 % (de 74,8 para 80,8/1000) entre as pacientes de raça branca e diminuição de 10 % (de 180,4 para 162,5/1000) entre as gestantes da raça negra, mantendo-se a taxa neste último grupo duas vezes maior que no anterior. No nosso meio as taxas de parto prematuro espontâneo encontram-se em patamares semelhantes.

Mortalidade e Morbidade Perinatais

As altas taxas de mortalidade perinatal fazem com que o problema da prematuridade seja revestido de forte conotação social, pois o evento contribui com 75% dos casos letais no período neonatal. Demais disso, a morbidade está aumentada no grupo de recém-nascidos que sobrevivem, principalmente relacionada às seqüelas neurológicas. Avaliações a longo prazo do desenvolvimento infantil revelam distúrbios funcionais do sistema nervoso central, sendo mais afetadas as funções neuromuscular, cognitiva e os sentidos especiais da visão e audição.

O parto antes do termo é a mais importante causa isolada de morbidade e mortalidade em recém-nascidos que não apresentam anomalias congênitas em países desenvolvidos. Nos Estados Unidos da América do Norte, as complicações associadas à prematuridade são responsáveis por mais de 70 % das mortes neonatais anuais em conceptos sem malformações.

Seqüelas da prematuridade que surgem a longo prazo contribuem desproporcionalmente para os seguintes complicações: retardo do crescimento, disfunções auditivas e visuais, doença pulmonar crônica e a paralisia cerebral. A simulação que mais se aproxima dos resultados encontrados na literatura, indica que um recém-nascido que nasce pesando menos que 1.500 g apresenta chance 200 vezes maior de morrer no primeiro ano de vida, e se lograr sobrevida, chance 10 vezes maior de ser afetado por déficit neurológico do que a criança que nasce com peso superior à 2.500 g.

Das complicações neonatais imediatas à síndrome de angústia respiratória, ou doença da membrana hialina, é a que mais se destaca, com mortalidade aproximadamente estimada em 19 casos a cada 1000 nascidos vivos. Embora os recentes avanços na área de cuidados intensivos neonatais, particularmente a utilização exógena de surfactante, tenham tido impacto nestas taxas, esta complicação continua sendo a causa mais importante de morbidade e mortalidade no período neonatal. Em recém-nascidos com 23 a 26 semanas de gestação, a incidência da doença da membrana hialina é maior que 90%, declinando esta taxa para 60% na 28ª semana, 30% na 32ª semana e menos de 2% em recém-nascidos com idade gestacional de 36 semanas.

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Outras complicações importantes são: persistência do canal arterial, hiperbilirrubinemia grave, enterocolite necrotizante, fibroplasia retro cristaliniana e hemorragia intracraniana.

As seqüelas do desenvolvimento neurológico que surgem a longo prazo são mais bem documentadas quando contextualizadas no largo espectro das disfunções neuromotoras, cognitivas e comportamentais (Tabela 1)

Diversos outros autores relataram conseqüências identificadas a longo prazo relativas à prematuridade, onde as neurológicas acometem 30% da população nascida com peso inferior a 1500g.

Tabela 1 – Seqüelas do desenvolvimento neurológico da prematuridade

Prevalência estimada

Disfunção População geral Prematuros

Disfunções maiores

Paralisia cerebral

0,1-0,5 % dos N.V.*

1% dos N.V.* <2.500 g

5% dos N.V.* <1.500 g

Retardo mental 2-3% 5-9% dos sobreviventes <1.500 g

20-25% dos sobreviventes <800 g

Disfunções menores

Anormalidades neuromotoras

1-5% aos 5 anos de idade

10-25% aos 5 anos de R.N.** <1.500 g

Desordens do aprendizado, problemas de performance escolar

10-25% 10-25% aos 5 anos de R.N.** <1.500 g

*N.V.: Nascidos vivos

**R.N.: Recém-nascidos

Fonte: Ichord, 1993.

Tabela 2 - Mortalidade e custos da assistência médica em 247 recém-nascidos pesando de 500 a 999g, entre 1977 e 1981, em Providence, Rhode Island

Peso ao nascer (g)

Número Mortalidade (%)

Custos por sobrevivente

500 - 599 15 100 -

600 - 699 38 97 US$ 363.000,00

700 - 799 79 76 US$ 116.000,00

800 - 899 50 62 US$ 101.000,00

900 - 999 65 40 US$ 41.000,00

Total 247 68

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Custos

Apesar das animadoras taxas de sobrevivência descritas por autores americanos na assistência a recém-nascidos de peso muito baixo (<1500g), estes resultados revestem-se de altos custos financeiros. Estudos mais recentes, relataram custos médios de US$ 88.058,00, relacionados aos cuidados neonatais, para cada sobrevivente pré-termo com menos de 1500g . WALKER et al. (1984), em detalhado trabalho, avaliaram o ônus econômico por sobrevivente nas diversas faixas de peso (Tabela 2).

Recentemente, levantamento norte-americano utilizou modelo de análise de custos por absorção, para determinar que 12% dos gastos iniciais do cuidado neonatal em todos os Estados Unidos da América do Norte, no período de 1989 a 1992, foram consumidos por recém-nascidos com idade gestacional entre 24 e 26 semanas, grupo este que apresentou taxa de sobrevida aos 6 meses após o parto de apenas 38%. A distribuição dos custos por sobrevivente nas diversas idades gestacionais, segundo estes autores, estão demonstradas na Tabela 3.

Tabela 3 – Distribuição dos custos por sobrevivente em cada idade gestacional, de 1989 a 1992, nos Estados Unidos da América do Norte.

Idade gestacional Nascidos vivos (%) Sobreviventes (%) Custos por sobrevivente

24 0,087 42,9 US$ 145.892,00

25 0,137 52,8 US$ 121.181,00

26 0,152 66,7 US$ 99.362,00

27 0,221 72,9 US$ 80.264,00

28 0,209 81,3 US$ 63.714,00

29 0,245 91,4 US$ 49.540,00

30 0,364 93,7 US$ 37.569,00

31 0,394 96,1 US$ 27.629,00

32 0,692 96,5 US$ 19.548,00

33 0,767 97,9 US$ 13.153,00

34 1,477 98,7 US$ 8.272,00

35 1,772 99,2 US$ 4.733,00

36 2,945 99,5 US$ 2.362,00

37 8,244 99,8 US$ 989,00

38 14,089 99,8 US$ 441,00

39 19,707 99,8 US$ 544,00

40 27,232 99,8 US$ 1.127,00

41 12,594 99,8 US$ 2.018,00

42 6,304 99,8 US$ 3.044,00

St. JOHN et al., 2000.

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Fatores de risco

A idéia de prevenção em relação ao parto prematuro não é nova. No final do século XIX, Adolphe Pinard, em Paris, observou que as operárias de determinada fábrica não conseguiam manter suas gestações até o termo, a não ser quando submetidas ao repouso durante as últimas semanas de gravidez. Este estudo já evidenciava a natureza social do problema, e sua relação com a atividade física já sugeria possíveis medidas preventivas.

A epidemiologia da prematuridade é atualmente bem documentada. Inquéritos epidemiológicos têm demonstrado que o número de partos prematuros sofre incremento quando o baixo nível sócio-econômico é patente na população estudada, definido em bases educacionais ou financeiras. Os fatores que estão associados à prematuridade ainda não estão claramente determinados. Sabe-se que idade materna, má nutrição, baixo peso materno, profissão, prematuridade prévia e paridade estão constantemente relacionados à freqüência aumentada do parto antes do termo.

Os fatores de risco, dependendo das relações que estabelecem com os efeitos observados, podem ser classificados em três categorias. Denomina-se fator causal aquele que está diretamente relacionado à conseqüência prevista. O fator contribuinte interage de maneira secundária, não direta, com o evento final. Com o fator preditivo a associação se faz através de múltiplos elos, não claramente identificáveis, às vezes complexos, mas que aumentam consideravelmente a possibilidade de ocorrência do evento quando está presente.

PAPIERNIK (1969), pioneiramente, idealizou sistema de escore, consignando pontuação que variava de 1 a 5 aos fatores de risco preditivos do parto prematuro, divididos em quatro categorias: sócio-demográficos, hábitos de vida, história obstétrica e gestação atual. A principal vantagem do sistema é a possibilidade de correlação simplificada das variadas informações colhidas durante as consultas pré-natais. O critério utilizado como indicador do parto prematuro era a idade gestacional inferior a 37 semanas. O ponto de corte situava-se em 10 pontos, acima do qual a paciente era considerada de alto-risco (Tabela 4).

Tabela 4 - Escore de risco para o parto prematuro (Papiernik, 1969)

Pontos Sócio-demográficos História obstétrica Hábitos de v ida Sinais clínicos

1 2 ou mais filhos baixo nível socio-

econômico

1 abortamento prévio Intervalo interpartal ≤ a 1

ano

Trabalho fora de casa Fadiga incomum

2

Solteira Menos de 20 anos Mais de 40 anos

2 abortamentos prévios Mais do que 3 lances de escada sem elevador

Ganho ponderal < 5kg na 32ª semana

Albuminuria Hipertensão

3

Nível sócio-econômico

muito baixo (pobreza) Menos de 150 cm Menos de 45 kg

3 abortamentos prévios

ou mais Útero cilíndrico

Longo deslocamento

diário Exercício físico incomum Trabalho extenuante Viagem extensa

Hemorragia do 1º

trimestre Segmento uterino

adelgaçado

4

Menos de 18 anos Pielonefrite Sangramento do 2º trimestre

Apagamento cervical Dilatação cervical Contrações uterinas

5

Malformação uterina 1 abortamento tardio 1 parto prematuro

Gestação múltipla Placenta prévia Polidramnia

.

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Extensa sucessão de estudos surgiu nas décadas de 70 e 80, tendo como tema a criação de escores de predição da prematuridade.

Entretanto, autores aplicando o sistema de predição do parto prematuro em populações americanas não obtiveram níveis semelhantes de sensibilidade e valor preditivo. Nestas investigações, que incluíram pacientes negras e indigentes, a capacidade discriminatória do escore foi inconsistente.

A utilização dos escores de predição em diferentes populações tem levado à resultados conflitantes, principalmente quando apresentados sob forma comparativa. Fatores de risco com maior poder preditivo podem ser mais ou menos prevalentes em determinadas populações.

O parto prematuro em pacientes apresentando sintomatologia própria, tem sido tradicionalmente prevenido com emprego de substâncias tocolíticas. Essa abordagem seleciona a população alvo passivamente, sendo de responsabilidade inicial da paciente o diagnóstico do trabalho de parto. Embora esta seleção tenha a vantagem de limitar o uso daquelas drogas, somente 10% a 20% das pacientes são candidatas à tocólise, estando as restantes já em adiantada fase de dilatação cervical ou com as membranas ovulares rotas.

Modelos etiológicos

O paradigma tradicional de que o parto prematuro apresenta as mesmas características clínico-laboratoriais do parto à termo, e que apenas ocorre num momento precoce e inadequado, não tem agregado valor aos esforços para a diminuição da incidência do mesmo. Este conceito, baseado em abordagens terapêuticas para a ocorrência de contrações uterinas em época precoce, tal como, a utilização de substâncias tocolíticas, bem como a tecnologia para monitorização ambulatorial da contratilidade, foram amplamente experimentadas. Além destas, o exame ultra-sonográfico do comprimento cervical e a cerclagem também foram testadas como estratégias preventivas para o amadurecimento precoce do colo. O enfraquecimento das membranas ovulares que se segue à inflamação, levando à rotura das mesmas, levaram à implementação do teste de identificação da fibronectina fetal e à utilização de antibióticos.

Nosso entendimento dos mecanismos patogênicos presentes nos processos que desencadeiam o parto prematuro e a rotura prematura de membranas ovulares evoluíram nos últimos anos, com a identificação de diversos fatores implicados na gênese destas ocorrências, tais como:

1. Estresse materno e fetal, que é mediado através do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal-placenta.

2. Infecção ascendente a partir do trato genital ou sistêmica, que causa liberação de citicinas inflamatórias, tais como: interleucinas (IL-1 e IL-6) e o fator de necrose tumoral (TNF-alfa), potentes desencadeadores do trabalho de parto.

3. Hemorragia decidual, que resulta na formação de trombina, e que em combinação com seu receptor celular pode levar à ativação de proteases deciduais e aumento da produção de prostaglandinas.

Marcadores bioquímicos

Essa vias patogênicas tem levado à descoberta e utilização de novos marcadores bioquímicos e biofísicos, que incluem: Hormônio Liberador de Corticotropina (CRH), estriol, estradiol, citocinas inflamatórias, proteínas que degradam a matriz extra-celular cório-decidual (colagenase e elastase) e elementos da matriz extra-celular da interface cório-decidual, cujo mais importante é a fibronectina de origem fetal.

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Existe, na atualidade, significatica evidência clínica e laboratorial de que infecções amniocoriônicas e deciduais estão associadas ao parto prematuro e à rotura prematura de membranas, podendo estes eventos ser considerados verdadeiros mecanismos de defesa contra a infecção. Alguns autores referem que 20 a 30% das gestantes que se apresentam em trabalho de parto prematuro e 55% das submetidas à rotura prematura das membranas evidenciam culturas positivas de líquido amniótico. Efeitos facilitadores da parturição causados pela infecção podem ser mediados por citocinas inflamatórias, tais como, a interleucina-1 e (IL-1) o fator de necrose tumoral (TNF), que estimulam diretamente a expressão de prostaglandinas das menbranas fetais e da decídua. Estes efeitos podem ser amplificados através da produção de interleucina-6, cuja liberação por células coriônicas e deciduais é estimulada pela IL-1 e pelo TNF. Além do mais, a produção de prostanóides é aumentada pela presença de IL-6, interleucina que potencializa os efeitos desencadeadores do trabalho de parto da IL-1 e TNF.

Evidências prévias da associação de infecção intra-amniótica e o parto prematuro, tem levado alguns autores a identificar fatores relacionados à colonização do trato genital inferior que possam estar associados à ocorrência do parto prematuro. Estudos que fazem parte do Vaginal Infections and Prematurity Study Group relataram associações entre parto prematuro e infecções cérvico-vaginais por Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis, Trichomonas vaginalis, vaginose bacteriana e Streptococus do grupo B.

Outro importante marcador bioquímico, já bastante estudado para a predição do parto prematuro, é fibronectina fetal cérvico-vaginal. As fibronectinas são um grupo único de glicoproteínas que são encontradas no plasma e no fluido extra-celular. A fibronectina oncofetal está presente no líquido amniótico e na matriz extra-celular que envolve o trofoblasto extra-viloso na junção útero-placentária. É também encontrada nas secreções cérvico-vaginais antes do início do trabalho de parto, possivelmente devido à ação mecânica das contrações ou à inflamação localizada da interface corio-decidual. Atualmente o teste comercial utilizado para esta finalidade consiste na identificação da fibronectina pelo anticorpo monoclonal FDC-6. Este exame apresenta considerável margem de falso-positivos associada ao sangramento vaginal, à atividade sexual e exame vaginal nas últimas 24 horas.

Estudo sobre meta-análise que analisou o desempenho da fibronectina como fator preditivo do parto prematuro, encontrou variação da sensibilidade de 60 a 80% envolvendo pacientes de alto-risco para o parto prematuro através da anamnese, e entre 30 a 60% para gestantes de baixo-risco.

Marcadores biofísicos

Desde 1965, quando autores pioneiros postularam a importância do encurtamento do colo como fator preditivo para o parto prematuro, especial atenção tem sido dada à este achado clínico precoce.

Na tentativa de diminuir a variabilidade inter e intra-observador, presente na avaliação manual das alterações cervicais, estimativa obtida através de análise ultra-sonográfica transvaginal foi proposta para esta finalidade. O achado mais associado ao parto antes do termo foi a medida inferior a 35 mm, estimada com a ultra-sonografia, com sensibilidade de 76%, especificidade de 59% e valor preditivo positivo de 75%. Estudos mais recentes relataram também os resultados da ultra-sonografia transvaginal para mensuração do colo em pacientes com idade gestacional entre 16 e 24 semanas. O exame ultra-sonográfico foi superior ao manual para avaliar o apagamento e a dilatação do colo uterino, tendo em vista a identificação do melhor fator preditivo para o parto prematuro. Ao utilizarem o ponto de corte de 30 mm, relataram sensibilidade e especificidade de 100% e 55% respectivamente. Embora pareça existir alguma evidência sobre o poder preditivo da mensuração cervical para a ocorrência do parto prematuro, ainda não está

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esclarecido se este tipo de detecção precoce apresente impacto sobre a incidência do parto prematuro e sobre o desenlace gestacional.

Mais recentemente, a identificação das contrações uterinas pela tocodinamometria, ou seja, registro eletrônico da dinâmica uterina ambulatorial, foi utilizada para otimizar a possibilidade do diagnóstico precoce do trabalho de parto prematuro, e demonstrou que as pacientes conseguem identificar apenas 15% das contrações registradas. Esses dados sugeriram qua a tocodinamometria era mais sensível e que poderia detectar a população com risco mais elevado para o parto prematuro mais precocemente, embora esta metodologia quando utilizada de forma ambulatorial, para rastrear as pacientes, não seja econômicamente viável. Outros autores, na década de 90, relataram grande disparidade de resultados obtidos com esta intervenção, principalmente relacionada ao evento final observado: parto prematuro ou trabalho de parto prematuro.

O valor para a prática clínica destes marcadores citados nos parágrafos anteriores, permanece pouco esclarecido. Embora tenham estado associados ao parto prematuro em diversos estudos, esta informação apresenta restrita importância na ausência de estudos concomitantes de estratégias preventivas efetivas. Todos estes testes bioquímicos estão associados à elevadas taxas de falso-positivos. Os marcadores biofísicos, além de carecerem de efetividade comprovada na literatura, não se destacam como opção viável nos países em desenvolvimento devido aos altos custos de sua realização rotineira.

Prevenção Primária

No início dos anos 80 foram publicados estudos que relatavam os resultados de programas de prevenção da prematuridade, os quais criaram grandes expectativas de que uma metodologia efetiva para a prevenção deste evento estivesse delineada. Estes trabalhos selecionaram gestantes com risco elevado para a prematuridade, após a aplicação de escores de predição baseados em fatores de risco, deram ênfase aos seguintes aspectos: educação das pacientes e da equipe médica, modificação de certos fatores de risco, redução da atividade física e licença do trabalho assalariado promovido pelo sistema de seguridade, detecção precoce do trabalho de parto antes do termo e intervenção medicamentosa agressiva para inibir o trabalho de parto como processo de intervenção no grupo de estudo (programa preventivo multicomponente). As comparações foram realizadas com grupo controle histórico e os resultados demonstraram significativas reduções nas taxas de prematuridade nos grupos que sofreram a intervenção.

Estudos pioneiros franceses, relataram declínio na proporção de partos prematuros em Haguenau, de 5,4% para 3,7%, após vários anos de implementação do projeto. Referiram ainda os autores redução de mais de 50% das taxas de parto prematuro no grupo com idade gestacional entre 28 e 32 semanas. Este programa, na França, baseou-se principalmente na modificação dos fatores associados à atividade física, com modificação do estilo de vida das pacientes e até mesmo afastamento do trabalho assalariado, demonstrando compensações econômicas no campo da Seguridade Social.

Nos Estados Unidos da América do Norte, a utilização da mesma metologia preventiva demonstrou diminuição significativa da taxa de prematuridade, de 6,75%, antes da implantação do programa na Califórnia, para 2,4%, após um ano.

Além da razoável efetividade demonstrada pela abordagem preventiva multicomponente nestes estudos, análise realizada no nosso meio, utilizando-se de análise econômica desta intervenção preventiva, demonstrou ser esta estratégia mais custo-efetiva quando comparada à abordagem tradicional do parto prematuro.

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Subseqüentemente, diversos trabalhos surgiram na literatura que avaliaram a efetividade dos projetos de prevenção da prematuridade baseados em múltiplos componentes. Estas análises demonstraram resultados variáveis, e a queda nas proporções de partos prematuros nos grupos estudados foram mais consistentes nos trabalhos em que o grupo controle para comparação era constituído historicamente, embora não estivessem imunes à possibilidade dos vícios de seleção relacionados às diferenças das populações e do cuidado médico, inerentes aos estudos observacionais do tipo pré e pós intervenção.

Alguns aspectos positivos, entretanto, são freqüentemente negligenciados na análise crítica dos estudos de intervenção preventiva com análise dos resultados do tipo “antes-e-depois”. Na verdade os programas são utilizados em populações geograficamente delimitadas, e em períodos de avaliação relativamente curtos no que se refere á mudanças do perfil da população e da prática médica. Além do mais estes trabalhos demonstraram a possibilidade da mudança de comportamento da equipe provedora do cuidado resultar em alteração de indicadores da saúde perinatal ao longo do tempo.

Prevenção secundária

Grande variedade de intervenções tem sido utilizadas para inibir o trabalho de parto prematuro, embora nenhuma tenha se revelado completamente efetiva.

Repouso no leito

O repouso no leito tem sido utilizado largamente com o objetivo de diminuir a atividade uterina que ocorre prematuramente. A maioria dos estudos bem estruturados sobre a efetividade desta intervenção não demonstrou benefícios conclusivos para prevenir o parto prematuro, associados ao repouso absoluto, quer seja em ambiente hospitalar ou no domicílio.

Hidratação

A hidratação materna é procedimento comum na conduta inicial de prevenção do parto prematuro, e tem sido baseado na evidência de que a hipovolemia pode estar associada à atividade uterina aumentada. Estudos que examinaram a efetividade da hidratação comparada com o repouso ou com a tocólise, não encontraram evidência de ação preventiva independente deste procedimento.

Tocólise

A intervenção farmacológica tem sido a forma mais freqüentemente proposta para prevenção do parto prematuro, em pacientes que apresentam sintomatologia própria desta ocorrência. Grande número de drogas já foi utilizado com o objetivo de inibir a contratilidade uterina que surge precocemente no curso da gestação, com significativa variabilidade nas taxas de sucesso. Apesar deste fato, persiste certo ceticismo em relação à efetividade e segurança destas substâncias. Número extenso de complicações já maternas foram descritas em associação ao uso de substâncias tocolíticas.

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Betamiméticos

Estas substâncias são quimicamente e farmacologicamente semelhantes às catecolaminas, que exercem ação na musculatura involuntária lisa e no coração. Essas drogas estimulam receptores uterinos que causam intenso relaxamento muscular, levando à inibição das contrações cíclicas. Estudos clínicos randomizados, sobre a efetividade dos betamiméticos, demonstraram que estas medicações são úteis para inibir a progressão do trabalho de parto prematuro por curto espaço de tempo. Não existe evidência atual de que a utilização dos tocolíticos seja efetiva para prevenir o parto prematuro.

Dois tipos de receptores beta-adrenérgicos tem sido descritos. Os receptores beta1 são mais prevalentes no coração, intestino delgado e tecido adiposo, enquanto os receptores beta2 predominam na musculatura lisa dos vasos sangüíneos, útero e brônquios. A estimulação destes receptores também causam aumento da produção de glicogênio hepático e da síntese de insulina pelas células das ilhotas pancreáticas. A ação das substâncias beta2 agonistas nos receptores uterinos elevam o monofosfato cíclico de adenosina na célula muscular lisa, que por sua vez diminui a concentração de cálcio livre dentro da célula, inibindo a contração muscular.

É importante ressaltar que os agentes comumente referidos como beta2 específicos são apenas relativamente seletivos, ou seja, mesmo substâncias consideradas farmacologicamente específicas, apresentam atividade agonista nos receptores beta1, que geralmente estão relacionados aos efeitos colaterais destas drogas.

Os betamiméticos são estruturalmente semelhantes à epinefrina e à norepinefrina. As substâncias disponíveis no mercado são: ritodrina, salbutamol, terbutalina, albuterol, fenoterol, hexoprenalina, isoxsuprina e orciprenalina. Nos Estados Unidos são mais utilizados a ritodrina e a terbutalina, enquanto no nosso meio o salbutamol goza de grande aceitação.

Eficácia

Diversos estudos clínicos randomizados endereçados à eficácia dos betamiméticos no tratamento do trabalho de parto prematuro tem sido publicados. A maior parte deles evidencia a capacidade destas substâncias em prolongar a gestação por períodos de 48 horas a 7 dias. A grande maioria dos estudos em língua inglesa sobre a eficácia dos betamiméticos se referem à

Contra-indicações à tocólise

Hipertensão grave

Hemorragia anteparto

Cardiopatia

Hipersensibilidade às drogas

I.G. superior à 35 semanas

Dilatação cervical avançada

Morte fetal

Anomalia cingênita letal (grave?)

Corioamnionite

Sofrimento fetal agudo

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utilização da ritodrina, testada em relação ao uso de placebo. A mais consistente meta-análise sobre o assunto, revelou a capacidade da ritodrina em diminuir à metade o risco de parto prematuro em 48 horas. O efeito mais marcante, no entanto, foi observado no período de 24 horas.

O fato mais importante observado na maioria dos trabalhos, se refere ao fato de que a utilização dos betamiméticos, de uma forma global, não diminuiu a taxa de nascimentos prematuros nem esteve associada à significativas diferenças no que diz respeito ao prolongamento da gestação até 37 semanas.

Administração e Doses

A ritodrina é uma substância de ação rápida e apresenta níveis sanguíneos máximos em cerca de 20 minutos. A taquifilaxia pode ocorrer após alguns dias de uso, mas o miométrio responde satisfatoriamente após alguns pulsos durante a utilização.

A terbutalina pode ser utilizada de forma intravenosa, subcutânea e oral. O uso intravenoso se associa com maior frequência ao edema pulmonar, e deve ser evitada. A forma oral carace de comprovada efetividade. O regime mais aceito é o de 0,25 mg para aplicação subcutânea a cada 20 minutos até 3 horas.

Contra-indicações

Além das contra-indicações já estabelecidas ao uso dos tocolíticos, os betamiméticos devem ser evitados em pacientes cardiopatas, principalmente quando o quadro estiver associado às arritimias cardíacas. Estas medicações devem ser utilizadas com cautela em pacientes diabéticas não controladas e nos casos de hipertiroidismo.

Efeitos colaterais maternos

Durante a utilização dos betamiméticos, os efeitos colaterais são frequentemante fatores que limitam sua continuidade. Os efeitos clínicos mais importantes relatados são: cardiopulmonares (taquicardia, hipotensão, arritimias, isquemia miocárdica e edema pulmonar) e metabólicos (hiperglicemia e hipopotassemia). As pacientes relatam também tremores (15%), palpitações (33%) e ansiedade (10%). Náuseas, vômitos e dor torácica são também notados esporadicamente.

Além dos efeitos inotrópicos cardíacos, os betamiméticos ao estimularem os receptores beta2, causam extensa vasodilatação e queda da resistência vascular periférica, que resultam em elevação da frequência cardíaca, do volume sistólico e do débito cardíaco.

Uma das mais sérias complicações da terapia com betamiméticos é o edema pulmonar. A gravidez múltipla, polihidramnia, administração excessiva de líquidos, anemia e a hipertensão arterial estão associados a um risco aumentado para o desenvolvimento do edema pulmonar. É muito raro sua ocorrência nas primeiras 24 horas de utilização, com mais de 90% dos casos relatados após 48 horas de uso.

A hiperglicemia tem sido observada com a terapia betamimética, 8 horas após o início da infusão. A estimulação pancreática do glucagon resulta em glicogenólise e gliconeogênese. A cetoacidose pode ocorrer, especialmente em gestantes diabéticad insulino-dependentes ou com diabetes gestacional não diagnosticado previamente.

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A relativa hipopotassemia que ocorre com o uso dos betamiméticos, resulta do desvio de potássio para o meio intracelular, embora a concentração de potássio urinário se mantenha em níveis normais. Reposição de potássio não é necessária, a não ser que a queda seja inferior à 2,5 mEq/L.

Efeitos colaterais fetais

A transferência placentária ocorre rapidamente após a infusão dos betamiméticos e induzem ações adrenérgicas no feto. São relatadas a taquicardia, hipoglicemia neonatal, hiperbilirrubinemia e hipocalcemia. Os efeitos metabólicos adversos são mais frequentes quando o parto se dá imediatamente após o início da terapia. Alguns autores relatam menor incidência da doença da membrana hialina associada à tocólise com betamiméticos, e pode estar relacionada ao aumento da liberação de surfactante pulmonar.

Sulfato de Magnésio

Em 1959 foram inicialmente descritas as propriedades tocolíticas do Sulfato de Magnésio, no que se refere à sua capacidade de prolongamento do trabalho de parto. O modo de ação parece estar associado ao antagonismo exercido sobre o cálcio para a entrada dos íons nos miócitos, diminuindo a concentração de cálcio intracelular livre.

Eficácia

O sulfato de magnésio tem sido utilizado com sucesso para a inibição do trabalho de parto prematuro. A taxa de êxito se associa ao grau de dilatação cervical no início da terapia, sendo de aproximadamente 87% dos casos de prolongamento da gestação por 48 horas quando a dilatação cervical é inferior à 2 cm e de 62% com dilatação entre 3 e 5 cm.

Comparações entre o Sulfato de Magnésio e a ritodrina demonstraram efeitos benéficos similares.

Administração e doses

O Sulfato de Magnésio é administrado intravenosamente, com dose de ataque inicial de 4-6 g durante 20 minutos, seguida por uma infusão de manutenção de 2-4 g/h. É recomendável a titulação individual da dose para se obter quiescência uterina e rastrear os efeitos colaterais de intoxicação. Avaliações periódicas da frequência respiratória, reflexos profundos e do débito urinário são indicadas para se evitar a superdosagem. Sempre que possível a mensuração da concentração plasmática de magnésio deve ser realizada. A toxicidade é evitada mantendo-se os níveis séricos de magnésio inferiores à 10 mg/dl.

Contra-indicações

Pacientes com miastenia gravis não devem ser submetidas à tocólise com Sulfato de Mgnésio. Cuidado redobrado deve ser tomado quando se utiliza este tocolítico em gestantes com doença renal.

Efeitos colaterais maternos

O Sulfato de Magnésio é bem tolerado quando comparado com outros agentes toclíticos, especialmente os betamiméticos. Os estudos mais encorpados relatam taxa de descontinuidade da medicação em apenas 2% das pacientes, relacionada aos efeitos colaterais. Os principais são: flushing, letargia, cefaléia, fraqueza muscular, diplopia e náuseas. Efeitos adversos podem

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ser minimizados pela monitorização intensiva dos parâmetros clínicos relacionados aos níveis sanguíneos da droga. O desaparecimento dos reflexos profundos surge com concentrações superiores à 8-12 mg/dl e a insuficiência respiratória com níveis de 15-17 mg/dl. Nos casos de intoxicação por magnésio, o gluconato de cálcio deve ser utilizado de forma intravenosa, na dose de 1g. Esta medicação reverte imediatamente os efeitos adversos relativos à infusão deste agente tocolítico.

Efeitos colaterais fetais

O Sulfato de Magnésio atravessa livremente a placenta, e os recém-nascidos podem apresentar ocasionalmente algum grau de letargia e hipotonia. A desmineralização óssea fetal tem sido relatada quando a utilização da medicação excede 7 dias. Alguns autores referem alterações na cardiotocografia basal e no perfil biofísico de fetos cujas mães estão recebendo o Sulfato de Magnésio. Traçados não reativos foram encontrados em 50% dos casos, e somente 18% dos fetos nestas condições apresentavam movimentos respiratórios durante o exame ultra-sonográfico.

Bloqueadores de canais de cálcio

Antagonistas do cálcio inibem o influxo de cálcio através da membrana celular do miócito e reduzem a resistência vascular uterina. A redução do cálcio intracelular resulta em diminuição da atividade miometrial.

Eficácia

A terapêutica com a nifedipina para a inibição do trabalho de parto prematuro foi investigada inicialmente em 1980. Recentes estudos multicêntricos demonstraram que, em comparação com a ritodrina, a nifedipina obteve taxas de prolongamento da gestação por 48 horas ligeiramente superiores (77% x 63%). Outros autores, comparando a nifedipina com o sulfato de magnésio, encontraram taxas de eficácia semelhantes.

Administração e doses

Diferentes regimes foram utilizados em diversos protocolos de estudos. Mais frequentemente, utiliza-se dose inicial oral de 30 mg de nifedipina, seguida de 10-20 mg a cada 4-6 horas. O início dos efeitos benéficos surgem mais rapidamente com o uso sublingual. A eliminação dos metabólitos desta medicação é realizada pelos rins (70%) e pelo intestino (30%).

Contra-indicações

A hipotensão materna, definida como pressão arterial inferior à 90/50 mmHg, é contra-indicação à utilização dos bloqueadores de canais de cálcio. A utilização concomitante deste tocolítico com o sulfato de magnésio deve ser evitada, devido aos relatos ocasionais de bloqueios neuromusculares e quadros de hipotensão arterial severa.

Efeitos colaterais maternos

Quando comparados com a ritodrina, os efeitos adversos são menos frequentes e severos. Os principais efeitos colaterais associados aos bloqueadores de canais de cálcio são: flushing, cefaléia, tonteira e náuseas. Hipotensão arterial transitória também tem sido descrita.

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Efeitos colaterais fetais

Os bloqueadores de canais de cálcio atravessam a placenta, mas não apresentam alterações hemodinâmicas fetais significativas.

Inibidores da síntese de prostaglandinas

Os inibidores da síntese de prostaglandinas exercem efeito na ciclooxigenase, que bloqueia a conversão do ácido aracdônico livre em prostaglandina. Como as prostaglandinas E e F são mediadores das contrações uterinas, o decréscimo da produção resulta em diminuição da atividade contrátil uterina. A indometacina é o agente mais frequentemente utilizado desta classe de tocolíticos, mas outras drogas, tais como, sulindac e o cetorolac, também foram testados para esta finalidade.

Eficácia

Os inibidores da síntese de prostaglandinas tem se demonstrado efetivos no controle da atividade uterina associada ao parto prematuro.

Indometacina

Ensaios clínicos tem demomonstrado ser a indometacina superior ao placebo para a inibição do trabalho de parto prematuro. Outros autores, em comparações com os betamiméticos, relataram resultados semelhantes em relação à eficácia da indometacina no prolongamento da gestação por 48 horas. A resposta tocolítica do sulindac, em estudos mais recentes, foi semelhante.

Administração e doses

A indometacina é rapidamente absorvida após administração oral e apresenta pico de concentração sanguínea em 1-2 horas. A indometacina deve ser administrada inicialmente por via retal na dose de 50 mg, segui de manutenção oral de 25 mg a cada 4 horas. O sulindac é administrado na dose de 200 mg, por via oral, a cada 12 horas. A terapêutica com os inibidores de síntese de prostaglandinas deve ser limitada a 48-72 horas, pela possibilidade de exercer efeitos deletérios fetais, tais como: oligodramnia e fechamento precoce do canal arterial.

Contra-indicações

Os inibidores da síntese de prostaglandinas devem ser evitados em gestantes portadoras de dano renal ou hepático, doença péptica, asma bronquica, disordens da coagulação e plaquetopenia. Pacientes que apresentam oligodramnia devem receber estes agentes somente após cuidadosa avaliação dos riscos e benefícios.

Efeitos colaterais maternos

Os inibidores da síntese de prostaglandinas são bem tolerados, apresentando mínimos efeitos adversos. Os efeitos mais comuns são as náuseas e a pirose retroesternal. Estas substâncias apresentam efeitos colaterais significativamente menores, quando comparados com o sulfato de magnésio ou com a ritodrina.

Efeitos colaterais fetais e neonatais

As mais importantes considerações sobre a utilização destas medicações se referem aos efeitos fetais e neonatais. A indometacina atravessa a barreira placentária, aparecendo na circulação fetal em 15 minutos após a utilização. Esta substância tem sido associada ao fechamento precoce do canal arterial, que pode resultar na hipertensão pulmonar neonatal, à diminuição da

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função renal, levando à oligodramnia, à hemorragia intraventricular e à enterocolite necrotizante. Entretanto, amaior parte destes efeitos ocorre com a longa duração do uso e após 32 semanas de gestação.

A mais temida complicação neonatal, o fechamento do canal arterial, tem sido relatada em associação ao uso prolongado (> 72 h). A grande maioria das constricções do canal arterial foi revertida 24 horas após a interrupção da utilização. A sensibilidade do canal arterial à estes agentes aumenta consideravelmente após 32 semanas de gravidez, com 50% dos fetos apresentando algum grau de constricção, comparados com as taxas de 5-10% de ocorrência antes de 32 semanas.

A oligodramnia causada pela diminuição do débito urinário fetal, ocorre em 5-10% das pacientes tratadas com indometacina, mas reverte completamente em cerca de 96 horas de descontinuidade da droga. A impotância clínica deste achado ainda não foi bem estabelecida.

A hemorragia neonatal é um efeito deletério potencial após a utilização da indometacina, embora este efeito sobre a função plequetária seja reversível. Relatos sobre esta ocorrência são esparsos.

Outros agentes tocolíticos

Nitroglicerina

A nitroglicerina é um potente relaxante da musculatura muscular lisa. Na literatura existem relatos de sua utilização durante extração manual de plecenta e tratamento da inversão uterina. A interrupção da atividade uterina tem sido relatada com a administração de nitroglicerina em ovelhas. Estudos observacionais sobre a utilização do trinitrato de glicerina na forma de adesivos, tem relatado a utilidade potencial desta medicação como tocolítico. Poucos estudos comparativos tem testado esta substância com o sulfato de magnésio, tendo apresentado eficácia semelhante, embora a taxa de descontinuidade com o trinitrato tenha sido mais frequente, associada à hipotensão e à cefaléia. Pesquisas futuras devem testar diferentes formas de administração e de dosagens.

Antagonistas de ocitocina

O exato mecanismo relacionado ao início do trabalho de parto ainda é desconhecido, embora muitos autores concordem com o papel da ocitocina neste processo. Trabalhos recentes tem relatado a possibilidade de utilização do atosiban , antagonista da ocitocina, como tocolítico.

O atosiban apresentou, em número pequeno de estudos, eficácia satisfatória no prolongamento da gestação por curtos intervalos de tempo.

A dose deste tocolítico que tem se mostrado mais efetiva é de 300 µg / min. A infusão deve continuar por mais 6 horas após o término das contrações uterinas. Outras formas de administração, como a oral e a nasal, não apresentam a mesma eficácia.

Uma das grandes vantagens do atosiban é o pequeno número de efeitos colaterais relatados, não tendo apresentado significativos efeitos cardiovasculares, pulmonares ou atividade no sistema nervoso central. Estudos histológicos não demonstraram aumento do número de receptores uterinas de ocitocina, após a utilização do atosiban. A passagem transplacentária é mínima e nenhum efeito fetal ou neonatal foi relatado até o momento.

Conclusões sobre a terapia tocolítica

Os agentes tocolíticos são efetivos para prolongar temporariamente a gravidez. Estudos de meta-análise demonstraram que estas substâncias diminuem o risco de parto prematuro durante 48 horas em aproximadamente 50% (OR 0,57; 0,38-o,83). Entretanto a terapia tocolítica não é

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uma panacéia, e o agente ideal ainda não foi descoberto. Os obstetras devem usar o julgamento clínico baseado nos riscos e benefícios desta terapêutica para a escolha da medicação a ser individualizada.

A utilização dos tocolíticos reduz significativamente a taxa de partos prematuros nas primeiras 48 horas de uso, e cria possibilidades melhores para o efetivo cuidado neonatal destes recém-nascidos, pois facilita a utilização do corticóide antenatal e a transferência materna para centro de atenção terciário.

Um importante problema associado à abordagem preventiva que caracteriza o uso de medicações tocolíticas, é a dificuldade relacionada à utilização em momento inadequado e ineficaz da droga. Estudos realizados no nosso meio sobre a qualidade da assistência ao parto prematuro na cidade do Rio de Janeiro, relataram que estas substâncias só foram utilizadas em 20% dos casos diagnosticados como trabalho de parto prematuro. Mesmo no sub-grupo de gestantes em que a idade gestacional se situava entre 28 e 33 semanas, a taxa de utilização não alcançou 40% dos casos.

Corticosteróides

A partir de 1972, com o advento da utilização dos corticosteróides para a aceleração da maturidade pulmonar fetal, diversos estudos tem demonstrado os efeitos benéficos desta medicação como método profilático de diversas complicações neonatais associadas à prematuridade.

Ensaios de meta-análise recentes concluíram que a administração do corticóide antenatal, na eventualidade do parto prematuro, esteve associada com significativas reduções da mortalidade neonatal e da incidência da doença da membrana hialina, da hemorragia intraventricular e da enterocolite necrotizante.

Os corticóides exercem grande influência sobre a síntese de proteínas fetais, além de facilitarem a diferenciação celular. Especificamente no pulmão fetal, a principal ação se dá com o aumento da síntese e da atividade de enzimas fundamentais envolvidas na produção do surfactante.

Em 1994, especialistas americanos em perinatologia, elaboraram o Consensus Development Conference on the Effect of Corticosteroids for Fetal Maturation on Perinatal Outcomes, patrocidado pelo National Institute of Child Health and Human Development of the National Institutes of Health, que evidenciou de forma incontestável a importância da utilização dos corticosteróides antes do parto prematuro. Este documento foi atualizado em 2000 e estatuiu as indicações atuais desta terapia durante a gestação.

Doses

As efetivas doses dos corticosteróides mais utilizados são:

� Betametasona – 12 mg intramuscular a cada 24 h no total de 2 doses. � Dexametasona – 6 mg intramuscular a cada 12 h no total de 4 doses

Outros corticóides não são indicados por não atravessarem bem a barreira placentária ou por apresentarem efeito mineralocorticóide excessivo.

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Controvérsias

A maior parte da controvérsia sobre a utilização destas medicações está centrada nos possíveis efeitos deletérios da repetição semanal dos cursos e sobre a utilização em gestantes com rotura prematura das membranas.

Um único ciclo de corticóide antenatal, segundo vários autores, parece ser seguro. Seguimento destas crianças até a idade de 10-12 anos não revelou efeitos no desenvolvimento corporal ou psicomotor.

Até 2008, não existia informação suficiente sobre o s benefícios da repetição dos ciclos de corticoterapia assim como sobre efeitos deletérios sobre o concepto. Atualmente acredita-se que a corticoterapia não deve ser repet ida.

Assim,a terapia com 1 série de corticosteróides es tá indicada em todas as gestantes que se apresentam com risco elevado para o parto premat uro com menos de 34 semanas.

Conduta intraparto

Monitorização fetal

A monitorização intensiva fetal durante o trabalho de parto, é especialmente importante em fetos prematuros. O feto prematuro tolera mal o baixo fluxo interviloso intermitente que ocorre no trabalho de parto.

Anestesia e analgesia

O objetivo do cuidado intraparto é prover ao neonatologista com o feto menos traumatizado, menos deprimido e menos acidótico possível. A analgesia e anestesia epidural oferecem as vantagens do relaxamento muscular pélvico e da manutenção do bem estar fetal que resulta da baixa absorção do anestésico.

Parto

Embora seja de aceitação geral que a fase ativa do trabalho de parto se desenvolva, com o feto prematuro, de forma mais rápida, a asfixia e o traumatismo devem ser evitados sobremaneira durante o período expulsivo. A sobrevida destes recém-nascidos está intimamente relacionada com a ocorrência destes fatores.

Indicaçõs de corticoterapia para aceleração da matu ridade pulmonar fetal

� Idade gestacional entre 24-34 semanas � Efeito maior após 24h da utilização � Nenhum efeito após 7 dias do uso � Mortalidade menor mesmo quando utilizado com <

24h � Preferência pela betametasona e dexametasona

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A episiotomia ampla é recomendável para minimizar a compressão cefálica contra a resistência perineal, apesar de existir escassa evidência deste fato na literatura. Este procedimento se torna extremamente útil durante a assistência ao parto de primigestas.

Alguns estudos demonstraram que fetos prematuros (especialmente com < 2.500g.) apresentaram melhores resultados perinatais quando foram submetidos ao fórcipe profilático durante o desprendimento. Este conceito se baseia na capacidade deste instrumento em abreviar o período de compressão cefálica do período expulsivo, evitando o tocotraumatismo. Na atualidade, as indicações deste procedimento se restringem às indicações obstétricas usuais, sendo sua utilização útil nos casos de período expulsivo prolongado.

Cesariana

A utilização da operação cesariana sistemática para os fetos prematuros não é justificada na literatura atual. Quando se defronta com a apresentação pélvica existem razões intuitivas para a indicação da cesariana: profilaxia da ocorrência de cabeça derradeira e de outras manobras que podem levar ao trauma e à hipoxia. Vários estudos retrospectivos sugerem benefícios da operação cesariana para fetos prematuros extremos (< 1.500 g.) em apresentação pélvica.

Apesar destas considerações sobre as vantagens da cesariana para fetos prematuros em apresentação pélvica, um aspecto crítico é a dificuldade da extração fetal pela cesariana destes fetos pela precária formação do segmento inferior uterino. Embora alguns autores proponham incisão uterina vertical baixa, ou até a incisão clássica, estas indicações dependem da estática fetal e do grau de formação do segmento inferior.

A operação cesariana rotineira para fetos prematuros em apresentação cefálica não encontra suporte na literatura. Diversos estudos encorpados falharam em demonstrar melhorias nas taxas de mortalidade e morbidade neonatais, quando a cesariana foi empregada sistematicamente. A hemorragia cerebral parece ocorrer com freqüência idêntica aos casos acompanhados com parto vaginal.

Alguns estudos separam claramente, sob a ótica da indicação sistemática da cesariana, os fetos prematuros extremos de alto-risco (pré-eclâmpsia, hemorragia severa, alterações cardiotocográficas, etc.) dos de baixo-risco. Embora a cesariana não apresente vantagens para o grupo de baixo-risco, está claramente associada à mais elevadas taxas de sobrevida no grupo de alto-risco.

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Rotura Prematura das Membranas Ovulares

Introdução

Aproximadamente 10% dos nascimentos são complicadas pela Rotura Prematura das membranas Ovulares (RPMO), e quase um terço destes partos ocorrem antes do termo da gravidez. Costuma se apresentar de forma imprevisível e tem modelo etiológico pouco conhecido. É freqüentemente um fator complicador das gestações, tanto de fetos prematuros quanto a termo.

Dentro do período de uma semana da ocorrência da RPMO, na gestação pré-termo, 90% terão suas gestações interrompidas, e no intervalo de 24 horas da mesma ocorrência, 90% das gestantes de fetos a termo terão dado à luz. Estes dados evidenciam a forte associação entre a RPMO e o início do trabalho de parto.

As incidências de trabalho de parto disfuncional, corioamnionite, operação cesariana, endomiometrite e infecção neonatal, são mais elevadas nestas gestações, quando não conduzidas adequadamente. Quase 30% dos partos prematuros são diretamente associados à RPMO. Em situações de RPMO prolongada, quando o trabalho de parto não se inicia nas primeiras 24 horas, se impõe um risco maior de anomalias de desenvolvimento, especialmente quando este evento ocorre antes da 23ª semana de gestação.

Na atualidade, com melhores expectativas de sobrevida de recém-nascidos com idades gestacionais mais precoces, a maior parte das pacientes acometidas pela RPMO é acompanhada intensivamente no ambiente hospitalar. Na tentativa de minimizar os efeitos deletérios associados à esta condição, várias intervenções têm sido propostas: antibióticos, corticosteróides, amnioinfusão, etc.

Terminologia

A RPMO é definida como a rotura das membranas que ocorre pelo menos 1 hora antes do início do trabalho de parto. Pode acometer gestações antes do termo (RPMO pré-termo) ou a termo. Esta terminologia não deve ser confundida com as denominações imputadas à rotura das membranas que ocorre durante o trabalho de parto: precoce (no início do trabalho de parto) ou tardia (durante o período expulsivo).

Estrutura do âmnio e do cório

O âmnio deriva do ectoderma e é formado por única e espessa camada de células colunares (0,08-0,12 mm). Esta membrana é avascular e desprovida de terminações nervosas. A resistência do âmnio se baseia na presença de desmossomas, interdigitações entre as células e da membrana basal composta por fibras colágenas dos tipos IV e V.

O cório por sua vez deriva do mesoderma, apresentando atrofia vilositária longe do sítio de implantação. É constituído por várias camadas de células poligonais (0,4 mm). O cório é vascular, e os nutrientes distribuídos por seus vasos encontram o âmnio por difusão.

As membranas e o líquido amniótico apresentam funções críticas para a proteção e o desenvolvimento fetal. O líquido amniótico permite ampla movimentação fetal e crescimento ideal do aparelho músculo-esquelético. A deglutição e a entrada do mesmo na árvore respiratória são etapas importantes no desenvolvimento dos sistemas digestivo e respiratório. O líquido amniótico

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também protege o concepto contra o trauma e a compressão do cordão umbilical, durante a movimentação fetal e as contrações uterinas.

Incidência

A incidência da RPMO varia em diversos estudos de 3 a 18,3%. Esta variação se deve às diferentes populações estudadas e às diversas definições utilizadas. A incidência média em vários países ocidentais é de 8-10% dos partos. A RPMO pré-termo contribui com 25% do total de casos.

Conseqüências

A RPMO pode resultar em morbidade e mortalidade neonatais elevadas pelo risco maior de ocorrência da prematuridade, da infecção, da hipoplasia pulmonar e da síndrome de compressão fetal.

Prematuridade

Trabalhos retrospectivos têm demonstrado que o período médio de latência, quando a RPMO ocorre entre 26 e 34 semanas de gravidez, é de 7-12 dias. Cerca de 55% destes recém-nascidos apresentam a Doença de Membrana Hialina e 57% são acometidos por outras complicações neonatais relacionadas à prematuridade. Independentemente das condutas ou procedimentos adotados diante da RPMO antes do termo, a associação entre o parto prematuro e a RPMO tem sido relatada em várias revisões sistemáticas da literatura.

Infecção

Um significativo subgrupo de pacientes com RPMO desenvolve infecção materna ou fetal, sendo que na maioria dos casos o processo infeccioso é impossível esclarecer seu papel: etiologia ou conseqüência.

O risco de sepsis neonatal é inversamente proporcional à idade gestacional, na presença ou não de RPMO. A corioamnionite clínica ocorre mais freqüentemente entre as gestantes que deram à luz antes do termo, com membranas íntegras (6%), quando comparadas com partos de gestações à termo (1,7%). Em gestantes com RPMO, o mesmo achado é evidenciado (26% nos prematuros e 7% nos partos à termo). A mortalidade neonatal, em diversos estudos, esteve associada à presença de corioamnionite.

A morbidade neonatal também está aumentada com a corioamnionite. Concentração elevada de leucócitos tem sido demonstrada dos recém-nascidos de mães com corioamnionite, e à pneumonite resultante tem sido imputada importante causa de doença pulmonar crônica.

Hipoxia e asfixia

A RPMO tem sido associada ao prolapso do cordão em diversos estudos. Mesmo na ausência do prolapso, a compressão umbilical ocorre muito mais freqüentemente após a RPMO, secundariamente à oligohidramnia. Existe correlação íntima entre a presença de ologohidramnia e a ocorrência de desacelerações variáveis desfavoráveis, levando à hipoxia e ao sofrimento fetal agudo.

Hipoplasia pulmonar

A hipoplasia pulmonar (Figura 1) é uma complicação importante da RPMO e está associada com taxa de mortalidade de cerca de 70%. O risco de ocorrência desta complicação é claramente relacionada à idade gestacional no momento da rotura e à presença de oligohidramnia. Além deste fato, a incidência de morte neonatal devido à hipoplasia pulmonar em recém-nascidos acometidos pela RPMO, também está associada à idade gestacional na época da rotura.

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Figura 1 – Conseqüência grave da oligodramnia prolo ngada desde idades gestacionais precoces é a hipoplasia pulmonar. Observe os pulmõe s extremamente pequenos ao lado do coração neste caso.

Síndrome de compressão fetal

Geralmente, quanto mais precocemente a RPMO ocorre, maior a probabilidade de conseqüências graves neonatais estão presentes. Embora a hipoplasia pulmonar seja rara após 26 semanas de gestação, inicia-se nesta época as deformidades fetais denominadas “seqüência da oligohidramnia”, que incluem mão espalmadas, flexão por contratura dos cotovelos, dos joelhos e dos pés. Estas deformidades resultam da imobilidade e da compressão que o meio intra-uterino exerce sobre o feto.

Etiologia

Fatores de risco

Muitos fatores de risco e doenças concomitantes foram historicamente associados à chance maior de ocorrência de RPMO. Estudos caso-controle prévios, evidenciaram que a história de parto prematuro, o tabagismo e a hemorragia anteparto, dobram as taxas de risco para RPMO. Algumas doenças maternas também foram fortemente relacionadas à RPMO, tais como: deficiência de alfa 1 antitripsina e doença falciforme. Trabalhos mais recentes, referem que a incompetência istmo-cervical, vaginose bacteriana e a hiperdistensão uterina que acompanha a gestação múltipla e a polidramnia são fatores de risco independentes para a ocorrência de RPMO.

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Todos estes fatores influenciam as membranas, quer por alterarem a estrutura das fibras de colágeno levando à menor resistência, ou por expor as membranas ao microrganismos do meio vaginal.

Atividade enzimática

A elasticidade e a robustez das membranas amnióticas estão relacionadas ao elevado teor de fibras de colágeno do tipo III como componente da membrana e do tipo I, presente na matriz extracelular.

Algumas enzimas, como a colagenase e a tripsina, que são encontradas na placenta e no líquido amniótico, apresentam intensa ação colagenolítica e estão elevadas ao final da gestação e nos casos complicados pela RPMO. Além destas enzimas, outras que também atuam na destruição do colágeno, podem ter ação sinérgica e estar associadas à RPMO.

Independentemente destas alterações do colágeno, com o evoluir da gestação, aumentam as forças mecânicas oriundas da maior atividade uterina, que contribuem para o enfraquecimento das membranas de duas formas distintas. O amadurecimento cervical aumenta a distensão do polo inferior das membranas e o aumento da capacidade de reter líquido das mesmas.

Envolvimento bacteriano

De todas as possíveis causas da RPMO, a infecção bacteriana ainda é a que apresenta maior probabilidade de estar relacionada à este evento. Estudos prospectivos que envolveram pacientes com RPMO antes do termo, demonstraram que aproximadamente 40% tinham diagnóstico clínico de corioamnionite e 70% apresentaram critérios histológicos para este diagnóstico.

As taxas de culturas de líquido amniótico positivas, nestas gestantes, foi de 30%.

Dentre as várias formas de colonização das membranas pela flora vaginal, diversas outras infecções tem sido associadas à RPMO, tais como: Streptococcus do grupo B, Neisseria gonorrhoeae e a vaginose bacteriana. Esta última, se presente, confere elevado risco de ocorrência de RPMO e parto prematuro (30-45%).

Estudos in vitro tem investigado os efeitos de proteases, colagenases e elastases bacterianas nas membranas amnióticas. Algumas bactérias são capazes de produzir enzimas que degradam diretamente o colágeno e sua matriz.

Fatores do hospedeiro

Há necessidade de interação in vivo entre as bactérias e o meio ambiente, para que exista destruição da trama matricial das membranas. Estudos histológicos mostram que a infecção nem sempre resulta em enfraquecimento das mesmas. Alguns fatores do hospedeiro, como o tabagismo, elevam o risco de ocorrência de RPMO, possivelmente através da mediação de fatores nutricionais e de disponibilidade de oxigênio, que transformam as membranas propícias à ação bacteriana.

O âmnio, por si próprio, também pode responder à invasão bacteriana produzindo citocinas IL-6 e IL-8. Esta síntese aumentada de citocinas induz à produção de prostaglandinas pelas células amnióticas, aumentando a atividade uterina e elevando a probabilidade de ocorrência de RPMO.

A etiologia da RPMO é multifatorial, e é provável que enzimas maternas, forças mecânicas, conteúdo corio-amniótico de fosfolipídios, destruição de colágeno, citocinas das células amnióticas e fosfolipases e colagenases bacterianas exerçam importantes e interrelacionadas funções neste processo. Os complexos mecanismos defensivos e a variabilidade biológica fazem com que um tratamento único para a RPMO seja impossível.

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Diagnóstico

O diagnóstico acurado é crucial para o planejamento da conduta diante da suspeita de RPMO. Mais de 80% dos casos podem ser diagnosticados pela anamnese e exame físico. Deve-se ter em mente outras causas plausíveis de perdas líquidas vaginais, tais como:

• incontinência urinária,

• leucorréia,

• cervicite,

• perda sangüínea,

• sêmen,

• duchas vaginais.

O diagnóstico de RPMO é confirmado pela detecção de fluido claro que drena do colo uterino , ou pelo acúmulo do mesmo no fórnice posterior da vagina .

Se após a inspeção, o diagnóstico ainda for duvidoso, o pH vaginal deve ser avaliado. O pH da vagina é geralmente inferior à 4-5, enquanto o líquido amniótico usualmente apresenta pH superior à 7. O teste mais utilizado é o do papel de Nitrazina, que torna-se azul com pH maior que 6-6,5, apesar de estar associado ao achado falso-positivo decorrente de contaminação com sangue ou sêmen, anti-sépticos alcalinos e a vaginose bacteriana. Eventualmente o resultado falso-negativo pode ocorrer com perda líquida prolongada e mínimo fluido residual na vagina.

Na seqüência de testes de testes confirmatórios da RPMO, pode-se obter informação sobre a presença de líquido amniótico com o exame da cristalização em lâmina do mesmo, após coleta com swab do fórnice posterior da vagina. A presença de arborização sob a visão microscópica (aspecto semelhante a samambaia) confirma o diagnóstico (Figura 2), pois o muco cervical não apresenta esta característica durante a gestação.

Figura 2 – Imagem de cristalização “em samambaia” d o líquido recolhido no colo uterino em um caso de rot ura prematura das membranas ovulares.

Ainda através do exame microscópico pode ser também avaliada a presença de elementos fetais , tais como, lanugem e células fetais da epiderme, que se coram de laranja (orangiófilas) após a aplicação de Sulfato Azul do Nilo a 1%.

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A avaliação ultra-sonográfica tem sido descrita como ferramenta diagnóstica útil, se ainda houver dúvida quanto à perda líqüida vaginal, através dos testes anteriormente descritos. A ocorrência de oligodramnia na ausência de malformação do trato urinário ou restrição do crescimento fetal sugere rotura das membranas, na presença de suspeita clínica após anamnese (Figura 3). Devemos nos lembrar, no entanto, que pode haver oligodramnia sem rotura das membranas e que um volume normal do líquido amniótico pode estar associado às roturas pequenas com pouca perda líquida.

Figura 3 – Ultra-sonografia mostrando oligodramnia acentuada em caso de rotura prematura das membranas. Não se observa qualquer bolsão de lí quido amniótico.

O exame clínico deve ser realizado de forma a minimizar o risco de introdução de microrganismos na cavidade uterina, principalmente se o parto não ocorrer em curto prazo. O exame digital aumenta o risco de infecção, e acrescenta pouca informação quando comparado com o exame especular. Este último pode confirmar o diagnóstico e permite a realização do diagnóstico diferencial, bem como a avaliação da presença de prolapso do cordão umbilical e da dilatação cervical.

Diagnóstico da RPMO

Exame especular

Avaliação do pH vaginal

Teste da cristalização

Células fetais (orangiófilas)

Lanugem fetal

Oligohidramnia súbita ao USG

Toque vaginal deve ser evitado

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Conduta (Figura 4)

Avaliação Inicial

A avaliação inicial da gestante acometida pela RPMO inclui:

• estabelecimento correto da idade gestacional,

• identificação do trabalho de parto,

• identificação do sofrimento fetal agudo e

• rastreamento da infecção intra-uterina.

Figura 4 – Resumo da conduta clínica e obstétrica n os casos de rotura prematura das membranas ovulares.

A análise fidedigna da idade gestacional é fundamental para o planejamento da conduta frente à RPMO, já que a causa mais freqüente de morte no período neonatal é a prematuridade. Torna-se necessária atenção especial à anamnese no que diz respeito à data da última menstruação e início dos movimentos fetais. O exame ultra-sonográfico para esta finalidade, realizado no primeiro trimestre da gestação, corrobora e estabelece com exatidão a idade gestacional.

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É possível encontrarmos, durante o primeiro exame clínico após a RPMO, a gestante já em trabalho de parto, o que faz com que diversos procedimentos e medicações tornem-se desnecessárias. Avaliação pormenorizada da atividade uterina e das modificações cervicais, pode ajudar a descartar esta possibilidade.

A realização da cardiotocografia é útil para a identificação dos sinais de compressão do cordão umbilical, causada pela oligohidramnia. A presença de desacelerações variáveis ao exame cardiotocográfico eleva sobremaneira a probabilidade da existência do sofrimento fetal agudo.

O rastreamento da infecção do meio intra-uterino é fundamental, pois a corioamnionite exige conduta mais agressiva e planejamento da antecipação do parto. Em apenas 25% das pacientes que apresentam corioamnionite histológica são encontrados achados clínicos ou laboratoriais de infecção da cavidade amniótica. Deve-se realizar, no momento da internação, minuciosa anamnese e exame clínico com o intuito de se identificar sinais de infecção, tais como: febre, secreção cervical purulenta e palpação uterina dolorosa. Está indicada a realização de leucograma e da velocidade de hemossedimentação. Outros testes para o rastreamento da infecção são ainda controversos para a utilização prática.

Conduta na RPMO antes de 32 semanas

A maioria das gestantes com RPMO são submetidas ao parto num curto espaço de tempo após a rotura. Em aproximadamente 75% das pacientes tratadas de forma expectante, o parto ocorre dentro de 1 semana. Entretanto, particularmente em gestantes com RPMO muito antes do termo, existe um potencial para o prolongamento significativo da gravidez em alguns casos.

A corioamnionite clínica complica, em geral, 10-15% dos casos, e a infecção puerperal 9-12% das gestações com RPMO. Com a utilização de apropriada terapia antimicrobiana e realização do parto em curto período de tempo, seqüelas maternas e neonatais são pouco comuns. Sendo a latência entre a RPMO e o parto, geralmente curta na gestação à termo, o resultado gestacional quase sempre se mostra favorável. Mesmo assim, persiste grande controvérsia sobre a relação entre a duração do período de latência e a incidência de infecção.

Diversos estudos tem demonstrado que as principais causas de mortalidade neonatal, em gestantes com RPMO antes do termo, são relacionadas à prematuridade. Nestas pacientes a complicação neonatal mais comum é a síndrome de angústia respiratória do recém-nascido, embora alguns autores tenham relatado, no passado, que a RPMO teria o potencial de acelerar a maturidade pulmonar fetal. Outras causas de morbidade neste período são: enterocolite necrozante, hemorragia intraventricular e sepsis.

Avaliação inicial

Estabelecer idade gestacional

Afastar a corioamnionite

Afastar o trabalho de parto

Afastar o sofrimento fetal agudo

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Conduta ativa e conduta conservadora

Após a avaliação inicial, os riscos e os benefícios da conduta conservadora ou da mais agressiva devem ser avaliados. As gestantes com evidência de infecção intra-uterina ou comprometimento do bem estar fetal, devem ser tratadas com o parto imediato.

Se o risco associado à ocorrência das complicações relativas à prematuridade for mínimo, o que ocorre na maioria dos centros após 32 semanas de gravidez , a indução do parto deve ser considerada. A conduta expectante nesta situação, não oferece benefício, apenas o potencial de desenvolvimento da corioamnionite, da compressão do cordão a aumenta a possibilidade de tratamento neonatal para infecção.

Nas pacientes com quadro clínico estável, longe do termo, a conduta expectante é a mais indicada, com o objetivo da redução dos riscos de morbidade e mortalidade neonatais.

Acompanhamento durante a conduta conservadora

• Internação

A hospitalização e o repouso no leito, são geralmente indicados após a RPMO. O reconhecimento de que o período de latência pode ser encurtado e que o feto pode apresentar sinais de infecção ou asfixia por compressão do cordão umbilical, o acompanhamento intensivo materno e fetal é necessário. Em situações muito específicas, dependendo do nível sociocultural da gestante, este acompanhamento pode ser feito no domicílio.

• Rastreamento da corioamnionite

Os sinais clínicos de corioamnionite ocorrem, com muita freqüência, tardiamente no curso desta infecção, e se manifestam em apenas 25% das pacientes. Alguns autores referem não haver diferença no aparecimento de febre entre os grupos de gestantes com culturas amnióticas positivas e negativas. Em vista disso, diversos testes laboratoriais tem sido utilizados para a identificação a infecção uterina assintomática ou inicial. As recomendações mais recentes incluem a utilização de avaliações sangüíneas maternas, testes realizados no líquido amniótico e testes biofísicos fetais.

A contagem de leucócitos acima de 15.000/mm3, tem demonstrado ser um teste útil e custo-efetivo para esta finalidade. A freqüência de realização deve ser em dias alternados. O uso do corticóide pode elevar esta cifra artificialmente.

A velocidade de hemossedimentação e a proteína C reativa materna são testes associados à infecção, porém com expressivo percentual de resultados falso-positivos, pois se elevam em diversas outras situações. A dosagem de interleucina 6 (IL-6), tem se mostrado sensível para o diagnóstico precoce da infecção intra-uterina. Estudos prospectivos são necessários para melhor avaliação deste teste na prática clínica.

Dos testes realizados no líquido amniótico, a cultura, o teste de Gram e a concentração de glicose, já foram propostos para o rastreamento da corioamnionite. A cultura do líquido amniótico, apesar de aparentemente ser o melhor parâmetro, o tempo prolongado para se obter o resultado e a dificuldade de interpretação clínica dificultam sua utilização. A bacterioscopia, ou teste de Gram, apresenta baixa sensibilidade e não identifica a totalidade de microorganismos, tal como o micoplasma.

Vários estudos avaliaram a baixa concentração de glicose no líquido amniótico, como teste preditivo da infecção uterina. Este teste não se evidenciou como eficiente para esta finalidade, demonstrando amplas variações em suas dosagens.

Os testes realizados no líquido amniótico ainda apresentam a dificuldade de necessitarem da amniocentese, procedimento que não é isento de riscos, e as vêzes, de difícil execução na RPMO.

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• Avaliação do bem-estar fetal

Baseado na existência de riscos potenciais de compressão funicular e da infecção, as pacientes com RPMO antes do termo devem ser submetidas à avaliação fetal seriada. A cardiotocografia basal tem se mostrado método fortemente associado ao comprometimento fetal, na RPMO. A presença de desacelerações variáveis desfavoráveis na presença da oligohidramnia, são indicadores do risco aumentado para o sofrimento fetal agudo. Este exame tem sido utilizado também para o diagnóstico da infecção intra-uterina. Diversos autores tem relatado a associação da taquicardia fetal e do traçado não reativo com a corioamnionite. Outros estudos encontraram também relação entre o perfil biofísico fetal alterado e culturas positivas de líquido amniótico.

• Antibióticos

Grande seqüência de ensaios clínicos randomizados sobre a utilização de antibióticos na conduta expectante da RPMO tem sido publicada. Estes estudos estão sumarizados em duas recentes meta-análises, que demonstraram a associação com significativo prolongamento da gestação e redução da incidência de infecção neonatal. Apesar deste fato, o regime terapêutico ideal para esta finalidade ainda não está claro. A utilização oral de agentes de amplo espectro não se associou à um melhor resultado perinatal. Estudos multicêntricos demonstraram bons resultados no prolongamento da gestação, com o uso de ampicilina na forma intravenosa, durante 48 horas, seguido por mais 5 dias na forma oral. Nenhum dos estudos de revisão sistemática conseguiu identificar o melhor agente, e principalmente, a duração ideal do tratamento. A indicação mais aceita ainda é a forma profilática, durante o trabalho de parto ou operação cesariana, seguido por mais duas doses.

• Profilaxia da sepsis por streptococcus do grupo B

Recém-nascidos de baixo peso ou prematuros apresentam risco aumentado para o desenvolvimento de sepsis por streptococcus do grupo B. Este risco ainda é maior diante da RPMO. A profilaxia intraparto é sugerida para gestantes submetidas ao parto prematuro, com febre intraparto e RPMO prolongada, na ausência do resultado de cultura vaginal recente. Esta abordagem inclui a utilização de penicilina G (5 milhões de Unidades, seguido de 2,5 milhões a cada 4 horas).

• Corticóides

A utilização dos corticóides para promover a maturação pulmonar fetal é uma das mais efetivas intervenções obstétricas para reduzir a morbidade neonatal, embora este uso na RPMO tenha sido controverso. Alguns autores argumentam sobre a possibilidade da própria RPMO exercer efeito na aceleração da maturidade pulmonar e sobre o risco de infecção neonatal associado à esta prática.

Duas meta-análises e um recente ensaio clínico apontam no sentido de haver significativa redução da incidência da doença da membrana hialina, sem elevação das taxas de infecção, em gestantes com RPMO antes do termo. O Consenso Norte-americano, em 1994, recomenda a utilização dos corticóides, nos casos de RPMO antes de 32 semanas, quando a conduta conservadora for assumida.

• Tocólise

A maioria dos estudos relatam boa efetividade dos tocolíticos, na RPMO, para o prolongamento da gestação por 48 horas, embora não tenha havido diferenças nas taxas de prematuridade e de morbimortalidade perinatais. A atividade uterina pode muitas vezes estar relacionada à infecção da cavidade amniótica, com subseqüente aumento da produção de prostaglandinas. A indicação da utilização de tocolíticos na RPMO, atualmente, está restrito ao curto prazo, para permitir o uso de corticóides.

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Conduta na RPMO antes de 26 semanas

Atualmente, devido aos avanços nos cuidados intensivos neonatais, recém-nascidos com 26 semanas alcançam sobrevivência de quase 50% em Unidades Neonatais providas de recursos. A ocorrência de RPMO antes deste período é uma complicação obstétrica grave, que afeta 0,6-0,7% das gestações. Revisão sistemática recente, que reuniu 12 estudos sobre RPMO antes de 26 semanas, concluiu que além da elevada incidência de corioamnionite (39%), outros estados de morbidade materna foram: endometrite (14%), descolamento prematuro da placenta (3%) e retenção placentária com hemorragia pós-parto (12%). A sepsis materna ocorreu em 0,8% dos casos, com elevada mortalidade materna. A sobrevivência neonatal, nestes estudos, foi inferior à 20%. A hipoplasia pulmonar foi a causa mais comum de morte neonatal, e freqüentemente acompanhada da síndrome de deformidade fetal.

Diante da RPMO antes da viabilidade fetal, deve-se indicar a indução do parto, com a utilização de prostaglandina vaginal (misoprostol) ou altas doses de ocitocina intravenosa. Este procedimento deve ser realizado com a permissão do casal, após ter sido informado sobre os riscos maternos e fetais associados ao prolongado período de latência. Quando a opção for a conduta conservadora, o acompanhamento será similar ao dispensado às pacientes com RPMO antes de 32 semanas.

Conduta na RPMO após 32 semanas

Na maioria dos centros de cuidado obstétrico, onde a taxa de sobrevivência de recém-nascidos com mais de 32 semanas é superior à 95%, a antecipação do parto é a conduta indicada nesta situação. Durante a avaliação inicial após a rotura, deve-se obter informação acerca da maturidade cervical. Apesar dos riscos potenciais, não comprovados, de carrear microrganismos durante o toque digital intracervical, o exame pélvico pode ser realizado. O próprio exame especular, muitas vezes, pode informar sobre o grau de apagamento e dilatação do colo uterino.

Se a paciente se apresenta com colo favorável, nenhum benefício se obtém com o prolongamento da gestação, e o parto deve ser induzido em tempo hábil. Deve-se aguardar o início espontâneo do trabalho de parto por período de 8-12 horas, iniciando-se a indução com ocitocina após este período. A indução medicamentosa do trabalho de parto deve durar no máximo 4-6 horas. Não havendo êxito com a indução, a operação cesariana se torna método preferencial para a antecipação do parto em período total máximo de 18-20 horas. A utilização profilática de antibióticos se torna necessária.

Em gestantes com colo uterino desfavorável à indução, o plano de conduta pode ser temporariamente mais conservador, com objetivo de diminuir a elevada taxa de cesariana associada à indução sistemática de colos imaturos. Estudos retrospectivos, na década de 80, demonstraram diminuição das taxas de cesariana em pacientes com RPMO que não foram submetidas à indução do parto imediata, sem elevação das complicações maternas e neonatais. Subseqüentes trabalhos prospectivos e randomizados corroboraram esta idéia.

Mais recentemente, diversos relatos tem aparecido na literatura sobre a utilização de prostaglandinas na forma intravaginal (gel de PGE2, supositórios de PGE2 e tabletes de misoprostol), com o intuito de amadurecimento cervical. A maior parte destes estudos referiram boa efetividade destas substâncias, sendo inclusive superiores à ocitocina, demonstrando capacidade de diminuir o intervalo indução-parto, a freqüência de infecções maternas e neonatais e as taxas de cesariana. Do ponto de vista da eficácia específica, não existe evidência suficiente para que um tipo de um tipo de prostaglandina seja recomendada em detrimento de outra. Entretanto, a utilização do misoprostol se associa à um custo muito inferior e apresenta menor freqüência de efeitos colaterais, quando comparado com outras preparações de PGE2.

Tendo em vista os resultados referidos na literatura, sobre a efetividade e os custos associados às novas preparações de prostaglandinas para o amadurecimento cervical, e a

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contínua pressão para a diminuição do tempo de hospitalização obstétrica, a conduta expectante para gestantes com RPMO e colo imaturo é muito menos atraente quando comparada com 10 anos atrás.

A recomendação atual, para pacientes com RPMO após 32 semanas e colo imaturo, é favorável à administração imediata do misoprostol vaginal (25 µg intravaginal a cada 4 horas). Uma vez que a fase ativa do trabalho de parto se inicie, a ocitocina deve substituir o misoprostol, pela maior facilidade de titulação da dose. O número de exames intravaginais deve ser minimizado, particularmente na fase latente do trabalho de parto. A utilização profilática de antibióticos com espectro para microorganismos da flora vaginal, deve ser realizada, abordagem que geralmente atua também como prevenção da infecção neonatal por streptococcus do grupo B.

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Doença Hemolítica Perinatal

A doença hemolítica perinatal (DHPN) afeta o feto e o recém nascido, sendo conseqüência da agressão às hemácias do concepto provocada por anticorpos maternos. Os anticorpos podem surgir por aloimunização1 materna depois de contato com antígenos encontrados em hemácias incompatíveis com as suas. Este contato pode ser resultado de passagem de sangue do feto para a mãe (transfusão feto-materna) ou de hemotransfusões2.

A passagem destes anticorpos através da placenta para a circulação fetal acaba por provocar hemólise no feto, se seu sangue for incompatível com o da mãe. A anemia hemolítica resultante leva à produção e identificação no sangue periférico fetal e do recém-nascido de hemácias jovens e imaturas, os eritroblastos . Por isso, esta doença também é conhecida como eritroblastose fetal .

A anemia também motiva o aparecimento de focos de eritropoiese fora da medula óssea do feto, o que pode ser acompanhado de hepatoesplenomegalia, insuficiência hepática, hipoproteinemia, insuficiência cardíaca e anasarca. Por fim, o óbito do feto ou do recém-nascido pode ocorrer.

O fator Rh é o antígeno de superfície das hemácias mais importante na gênese da DHPN, principalmente pela magnitude da hemólise que ele provoca. No entanto, outros antígenos de superfície, incluindo o sistema AB0 e antígenos que formam anticorpos irregulares (Kell, E, Cellano, Duffy, Kidd etc.), também podem causar a doença.

Na incompatibilidade Rh, os anticorpos anti-Rh presentes em mães Rh negativo previamente aloimunizadas por contacto com sangue Rh positivo atingem a circulação fetal e, caso ele seja Rh positivo, destroem suas hemácias.

Em 98% dos casos, a DHPN é provocada pelos sistemas AB0 e Rh. O sistema AB0 é o que responde pela maioria dos casos (65%) embora a doença seja de menor gravidade quando comparada àquela provocada pelo sistema Rh. Os demais 2% dos casos são secundários a outros antígenos citados acima, que levam à formação de anticorpos irregulares.

A prevalência de pessoas Rh negativo na população mundial varia segundo a raça: 15% na branca, 8% na negra e 1% na amarela.

ETIOPATOGENIA

Para haver DHPN, é necessário que (Figura 1):

• Haja incompatibilidade sangüínea entre a mãe e o feto que está sendo gerado

• A gestante esteja aloimunizada

• Os anticorpos circulantes na gestante cheguem à circulação fetal e

• Estes anticorpos destruam as hemácias do bebê.

1 Aloimunização é a produção de anticorpos contra antígenos de indivíduos da mesma espécie que possuam genótipos diferentes.

2 Há a possibilidade de sensibilização pela microtransfusão que pode ocorrer quando do uso de drogas ilícitas compartilhando seringas e agulhas.

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Mãe Rh negativo

Contato com hemácias Rh positivo

Produção de anticorpo anti-Rh (IgG)

Transfusão incompatível, abortamento, parto, prenhez

ectópica, amniocentese, placenta prévia , DPP etc.

Passagem transplacentária

Feto Rh positivo Feto Rh negativo

Hemólise Nada ocorre

Figura 1 – História natural da Doença Hemolítica Pe rinatal pela incompatibilidade Rh

Incompatibilidade sangüínea entre a mãe e o feto

A incompatibilidade sangüínea materno-fetal ocorre quando algum antígeno está ausente na superfície da hemácia materna (por exemplo, mãe Rh negativo) e presente na fetal (Rh positivo, por exemplo).

O fator Rh é a expressão de três pares de genes situados no braço curto do cromossoma 1 (pares C, D e E). O par “D” é o mais importante, por ter maior poder antigênico. Na maior parte das vezes, o anticorpo anti-D é utilizado para a tipagem do fator Rh. Quando se afirma que o indivíduo é Rh positivo ele, na verdade, é “D” positivo, podendo ser homozigoto (“DD”) ou heterozigoto (“Dd”); se for Rh negativo, ele será “dd” e não terá antígeno D na superfície da hemácia.

Observou-se que em algumas pessoas portadoras do alelo “D”, o teste habitualmente realizado para a determinação do Rh (anticorpo anti-D) exibia resultado negativo. O indivíduo era, então, classificado como Rh negativo. No entanto, ao se fazer teste mais apurado3, constatava-se que o indivíduo possuía, na realidade, o alelo “D” apresentando expressão fenotípica fraca, o que implicava em resultado falso-negativo. Estas pessoas são classificadas, então, como possuindo o fator D u. As pessoas com fator Du positivo se comportam, portanto, como pessoas Rh positivo, já que possuem o antígeno “D” na superfície das hemácias e não produzem anticorpos anti-D. Todas as gestantes Rh negativo devem ser submetidas à pesquisa do fator Du que, se positivo, indica que a gestante se comporta, na realidade, como indivíduo Rh positivo.

Aloimunização materna

A aloimunização materna se caracteriza pela formação de anticorpos contra antígenos de superfície das hemácias e desenvolvimento de memória imunológica. Várias situações podem

3 Este “teste mais apurado” é realizado utilizando técnica de Coombs. Não confundir, porém, com o “teste de Coombs” que será discutido mais adiante.

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promover a entrada na circulação materna de antígenos por ela desconhecidos. Podem ser diretas e óbvias, como a transfusão de sangue incompatível, ou menos evidentes, como a gestação de conceptos com sangue incompatível com o da mãe.

Passagem de sangue fetal para a circulação materna

As hemácias fetais são produzidas a partir de 8 semanas de gravidez e a possibilidade de passagem de sangue do feto para a mãe aumenta com o evoluir da gestação. É no parto, no entanto, que se observa com maior freqüência a passagem de hemácias do feto para a circulação materna. Estima-se que em 99,5% das vezes o volume transfundido seja de, no máximo, 0,2 mL.

Alguns fatores que podem aumentar o volume da transfusão feto-materna são:

• Gravidez gemelar.

• Traumatismo abdominal.

• Extração manual da placenta.

• Síndromes hemorrágicas da gestação (abortamento, prenhez ectópica, doença trofoblástica gestacional, descolamento prematuro da placenta, placenta prévia, rotura uterina).

• Operação cesariana.

• Procedimentos invasivos (biópsia do vilo coriônico, amniocentese, cordocentese).

A hemácia fetal pode ser identificada na circulação materna melo Teste de Kleihauer & Betke que permite diferenciar a hemoglobina fetal da materna. Este teste permite estimar o volume de sangue transfundido.

Detecção do antígeno pelo sistema de defesa da mãe

Para que a aloimunização ocorra, é necessária a presença de apenas 0,01 mL de sangue fetal na circulação materna. No entanto, só 1 em cada 23 gestantes Rh negativo gerando filhos Rh positivo forma anticorpos.

Quando há incompatibilidade AB0 simultaneamente à incompatibilidade Rh, a incidência de aloimunização materna pelo fator Rh é menor. Isto ocorre pelo provável efeito protetor que o sistema AB0 confere à imunização Rh, já que os anticorpos naturais anti-A e anti-B, característicos de mulheres do grupo 0, eliminam as hemácias fetais do grupo A, B ou AB antes que elas possam ser detectadas pela memória imunológica da mãe.

Formação de memória imunológica (aloimunização) mat erna

Uma vez identificados pelos sistemas de defesa da mãe, os antígenos são fagocitados pelos macrófagos e inicia-se a produção de anticorpos do grupo IgM (resposta imunológica primária). Os anticorpos IgM são moléculas grandes que não atravessam a barreira placentária. A seguir ocorre a formação de memória imunológica definitiva (aloimunização) contra o antígeno, com síntese de IgG. A IgG é uma molécula menor e passa a barreira placentária, podendo atingir o feto. A IgG pode ser detectada, na mãe, pelo Teste de Coombs Indireto .

Passagem dos anticorpos maternos para a circulação fetal

A incompatibilidade sangüínea materno-fetal raramente atinge fetos de mães que iniciaram a gravidez não aloimunizadas: é pouco comum a passagem do sangue do feto para a circulação materna durante a gravidez (acontecimento mais freqüente no parto) e a resposta imunológica primária que ocorre quando há transfusão é a produção de IgM, imunoglobulina que não atravessa a placenta.

Quando ocorre um segundo contato, os anticorpos IgG já presentes cruzam a placenta e provocam hemólise. Além disso, se houver contato com sangue incompatível, por menor que

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seja a transfusão, a resposta imunológica materna secundária (anamnésica) leva os seus linfócitos B a aumentar a produção de IgG em resposta ao antígeno identificado.

Ação dos anticorpos maternos sobre as hemácias feta is

Ocorre formação de complexo antígeno-anticorpo na parede das hemácias dos fetos Rh positivos quando há anticorpos anti-Rh em sua circulação (Figura 2). As hemácias serão, então, destruídas pelo baço. Isto provoca anemia fetal em graus variados, presença de eritroblastos na circulação periférica (Figura 3) e focos extramedulares de hematopoiese. A intensidade da anemia será em função da quantidade de anticorpos e da hemólise por eles provocada. A doença pode se manifestar de forma leve , moderada e grave .

Figura 2 – Anticorpos aderindo aos antígenos de superfície da hemácia.

Figura 3 – Eritroblastos no sangue periférico do recém-nascido. Os eritroblastos são hemácias jovens e ainda nucleadas.

Forma leve

• Cerca de 50% dos casos.

• Anemia fetal discreta e icterícia neonatal de fácil resolução.

• Não necessita de tratamento intra-uterino.

Forma moderada

• 25 a 30% dos casos.

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• Anemia fetal que, na maioria das vezes, exige tratamento intra-uterino.

• Polidramnia e edema placentário (placentomegalia) podem estar presentes.

• Icterícia neonatal acentuada, em especial à custa de bilirrubina indireta, já que o fígado fetal é incapaz de conjugá-la por deficiência de glucoroniltransferase.

• Necessidade de exangüinotransfusão freqüente.

• Pode haver surgimento de kernicterus, complicação grave do recém-nascido (impregnação dos núcleos da base pela bilirrubina livre, causando seqüelas neurológicas importantes).

Forma grave

• Conseqüência de anemia fetal grave (hemoglobina <9g/dL) ocorrendo em 20 a 25% dos casos.

• O acometimento fetal pode ser precoce, a partir de 18 semanas de gravidez.

• Estão presentes icterícia, polidramnia, placentomegalia e anasarca do concepto (hidropsia fetal imune , Figura 4), causadas pela própria anemia, pela hipoproteinemia e por dano celular hepático.

• O fígado do feto se mobiliza para a produção de hemácias, dando origem a “ilhas” de eritropoiese, ocorrendo insuficiência de suas funções normais (insuficiência hepática), culminando na hipoproteinemia e na hipertensão porta.

• A placenta aumenta de tamanho por proliferação dos vilos secundária à hipoxia.

• Há esplenomegalia já que o baço está ocupado em destruir as hemácias (hemólise) e também em produzir novas hemácias.

• A instabilidade hemodinâmica (insuficiência cardíaca secundária à anemia intensa) pode levar ao óbito do feto, mais freqüente que o do recém-nascido.

Figura 4 – Hidropsia em feto morto no segundo trime stre de gestação.

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DIAGNÓSTICO

Inicia-se pela identificação das gestantes de risco: aloimunizadas (com Teste de Coombs Indireto positivo) ou que possuam tipo sangüíneo passível de sensibilização (grupo 0 no sistema AB0 ou Rh – grupo D – negativo). A história de acometimento de fetos em gestações anteriores alerta para a possibilidade de aloimunização (icterícia neonatal grave, anemia, exangüinotransfusão, hidropsia com morte intra-útero ou neonatal precoce etc.). Títulos altos (>1:8, o que é o mesmo que ≥ 1:16) ou crescentes do teste de Coombs indireto, ou aparecimento de sinais ultra-sonográficos suspeitos (polidramnia, placentomegalia etc.) reforçam a suspeita da doença e indicam propedêutica especial para o diagnóstico do acometimento fetal.

Ao contrário da sensibilização Rh, a incompatibilidade AB0 acomete 40 a 50% dos conceptos na primeira gestação e se manifesta com sintomas brandos e prognóstico favorável (Tabela 1).

Tabela 1 – Comparação entre a incompatibilidade Rh e a AB0

Parâmetros Rh AB0

Grupo Sangüíneo Mãe

Concepto

Negativo

Positivo

0

A ou B

Aspectos clínicos Ocorrência no primeiro filho

Gravidade progressiva em gestações subseqüentes

Natimorto/hidrópico

Anemia grave

Anemia tardia

Grau de icterícia

Hepatoesplenomegalia

5%

Usualmente

Freqüente

Freqüente

Freqüente

+++

+++

40 a 50%

Não

Rara

Rara

Rara

+

+

Exames laboratoriais Teste de Coombs direto no recém-

nascido

Anticorpos maternos

Esferocitose

+

Sempre presentes

Ausente

+ ou –

Não detectáveis

Presente

Tratamento antenatal Sim Não

Tratamento pós-natal (exangüinotransfusã

o)

Freqüência

Tipo de sangue

70%

Rh negativo

10%

Rh igual ao RN

Somente Grupo 0

Profilaxia Sim Não

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CONDUTA

Acompanhamento

A rotina de investigação da gravidez com risco para a DHPN está resumida na Figura 5.

Figura 5 – Rotina de investigação da doença hemolít ica perinatal.

Todas as pacientes com fator Rh negativo deverão ter história médica detalhada colhida e, especialmente, a história obstétrica. A investigação inclui relatos de transfusão, uso de drogas ilícitas injetáveis, interrupções de gestações (abortamento provocado ou espontâneo), partos operatórios, recém-nascidos anteriores acometidos por enfermidades, características de Rh da prole, uso de imunoglobulina anti-Rh em gestações anteriores depois do parto, abortamento ou propedêutica invasiva.

Deve-se verificar o tipo sangüíneo (AB0 e Rh) e teste de Coombs indireto da gestante. Investiga-se também o grupo sangüíneo e fator Rh do pai da criança que está sendo gerada (embora seus resultados só sejam realmente relevantes se tivermos certeza da paternidade, o que não se pode garantir na maior parte dos casos). Pai Rh negativo afasta a possibilidade da doença fetal e dispensa cuidados adicionais já que o concepto será, necessariamente, Rh negativo. A tipagem AB0 é informação complementar, já que a incompatibilidade materno-fetal nesse sistema atua como fator atenuante da aloimunização pelo fator Rh.

Sendo a mãe Rh negativo e o pai Rh positivo, o protocolo de acompanhamento será diferente se a mãe for isoimunizada. A isoimunização (ou aloimunização) materna é identificada pelo teste de Coombs indireto.

Gestante não aloimunizada

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São aquelas com teste de Coombs indireto negativo. Deve-se:

• Repetir o teste de Coombs indireto com 28, 32, 36 e 40 semanas para o diagnóstico de possível sensibilização durante a gestação.

• No pós-parto imediato solicitar teste de Coombs direto e fator Rh do recém-nascido e teste de Coombs indireto da mãe, para orientar a profilaxia.

Gestante aloimunizada

As gestantes com teste de Coombs indireto positivo deverão seguir rotina especial para avaliação do acometimento fetal (Figura 6). Nestes casos observa-se a titulação do teste de Coombs.

• Teste de Coombs indireto com título inferior a 1:16 (o que significa exatamente o mesmo que título menor ou igual a 1:8): repetição mensal até o parto. Se a titulação permanecer estável, é provável que o feto seja Rh negativo.

• Teste de Coombs indireto igual ou superior a 1:16 (o que significa exatamente o mesmo que título superior a 1:8): é necessária propedêutica adicional para investigação do concepto. Podem ser utilizados procedimentos invasivos (amniocentese ou cordocentese) e métodos biofísicos (Dopplerfluxometria, ultra-sonografia e perfil biofísico fetal).

Figura 6 – Investigação do acometimento fetal e con duta em gestantes Rh negativo sensibilizadas.

Amniocentese

A análise do líquido amniótico colhido por amniocentese permite avaliar o comprometimento do feto pela investigação da quantidade de bilirrubina presente no líquido amniótico. Estima-se esta concentração ao se verificar, pela espectrofotometria, a diferença de densidade óptica (∆DO) do líquido no comprimento de onda de 450 nm (Figura 7). Utiliza-se

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então a curva de Bowman 4 (Figura 8) para, através da ∆DO observada, alocar o concepto em uma de suas três zonas com condutas e prognóstico distintos:

• Zona 1 - doença leve ou feto Rh negativo. Acompanhamento mensal.

• Zona 2 – doença moderada. Acompanhamento quinzenal.

• Zona 3 – doença grave. Feto com hidropsia ou a caminho dela, com indicação de tratamento imediato.

Figura 7 – A forma de se medir a diferença de densidade óptica a 450 nm para avaliação da quantidade de bilirrubina fetal no líquido amniótico (∆DO 450nm).

Figura 8 – Curva de Bowman modificada. A conduta em conceptos acometidos pela DHPN depende da ∆DO a 450 nm. Zona 1 – acompanhamento mensal. Zona 2 – Acompanhamento quinzenal. Zona 3 – Tratamento imedi ato (parto se IG ≥ 35 semanas ou transfusão intra-uterina, se IG<35 semanas).

4 A curva utilizada classicamente para avaliação do acometimento do concepto na DHPN através da espectrofotometria do líquido amniótico era a de Liley & Freda. A curva de Bowman é superior à original de Liley por estender sua estimativa até 15 semanas de gestação.

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O estudo do líquido amniótico permite também determinar o tipo sangüíneo do concepto pela técnica do PCR (Polimerase Chain Reaction). Se optar-se pela amniocentese no acompanhamento da DHPN, a seguinte rotina é seguida:

• Primeira gestação após a aloimunização materna: amniocentese entre 30 e 32 semanas.

• Recém-nascido anterior atingido pela doença: amniocentese com 28 semanas.

• Recém-nascido anterior natimorto ou hidrópico: amniocentese entre 20 e 24 semanas.

Cordocentese

A cordocentese no acompanhamento rotineiro de gestantes aloimunizadas é criticada por possibilitar aumento da aloimunização, já que facilita a transfusão feto-materna. Ela se presta ao diagnóstico do grupo sangüíneo, do grau de anemia e dos níveis de bilirrubina fetais. A cordocentese atualmente só é indicada quando houver necessidade de transfusão sangüínea intravascular (TIV).

Propedêutica biofísica

A ultra-sonografia (USG) seriada permite avaliar sinais de alarme do acometimento fetal, tais como (Figuras 9 a 12):

• Espessamento e perda da estrutura da placenta, sugerindo edema.

• Sinal do duplo contorno da bexiga fetal, indicando ascite inicial.

• Aumento da circunferência abdominal compatível com hepatoesplenomegalia.

• Derrame pericárdico e pleural.

• Polidramnia.

Associada à cardiotocografia (CTG) e ao perfil biofísico fetal (PBF) a USG permite classificar a doença do feto de acordo com as anormalidades observadas (Tabela 2).

Tabela 2 – Classificação do acometimento fetal na D HPN de acordo com a propedêutica biofísica

Classe Ultra-sonografia

Placentomegalia e/ou polidramnia

Ascite Derrame pleural e/ou pericárdico. Anasarca

PBF <4

CTG anormal

1 - Anemia - - - -

2 – Hidropsia leve + + - -

3 – Hidropsia grave

+ + + -

4 - Terminal + + + +

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Figura 9 – Exame ultra-sonográfico de feto hidrópic o em corte transversal do abdome. Observa-se volumosa ascite.

Figura 10 – USG mostrando edema do couro cabeludo, em corte longitudinal.

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Figura 11 – USG mostrando edema do couro cabeludo, em corte transversal.

Figura 12 – USG em corte transversal, onde se obser va volumoso derrame pleural (área escura em volta do coração).

A Dopplerfluxometria vem sendo utilizada atualmente na condução da DHPN, tendo a grande vantagem de avaliar o grau de acometimento fetal sem a utilização de métodos invasivos. Analisa-se o pico da velocidade do fluxo sangüíneo na artéria cerebral média , variável que parece guardar boa relação com o grau de anemia fetal (hematócrito). Para classificar os conceptos em quatro grupos com prognósticos e condutas diferentes, utiliza-se a curva de Mari et al. (Figura 13):

• Grupo A – tratamento fetal imediato.

• Grupo B – repetição do exame entre 5 e 7 dias.

• Grupo C – repetição do exame entre 7 e 10 dias.

• Grupo D – repetição do exame entre 2 e 3 semanas.

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Figura 13 – Curva de Mari et al., modificada. A conduta em fetos acometidos pela DHPN depende da análise da velocidade do fluxo sangüíneo da artéria cerebral média avaliada pela Dopplerfluxometria. Grupo A – Tratamento imediato (parto se IG ≥ 35 semanas ou transfusão intra-uterina, se IG<35 semanas). Grupo B – Repetição entre 5 e 7 dias. Grupo C – repetição entre 7 e 10 dias. Grupo D – repetição entre 2 e 3 semanas.

Tratamento

A interrupção da gestação é o melhor tratamento para a DHPN. Separando-se o feto do ambiente hostil, elimina-se a passagem do anticorpo anti-Rh. No entanto, os fetos muito prematuros apresentam elevado risco neonatal decorrente da prematuridade e, nos casos de idade gestacional inferior a 34 semanas, deve-se avaliar a necessidade de instituição de terapia intra-uterina. A transfusão sangüínea intravascular (TIV) intra-uterina é o tratamento de escolha,

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quando se punciona a veia umbilical do concepto através de acompanhamento com USG em tempo real5. Deve-se utilizar a TIV quando:

• Espectrofotometria do líquido amniótico se situar na zona 3 ou região alta da zona 2 da curva de Bowman, ou

• Dopplerfluxometria avaliando o pico da velocidade de fluxo da artéria cerebral médica se situar no grupo A da curva de Mari, ou

• Ultra-sonografia mostrar hidropsia fetal, ou

• Hematócrito abaixo de 30% e hemoglobina abaixo de 10 g/dL em amostra obtida por cordocentese.

Na TIV utiliza-se concentrado de hemácias do grupo 0 com Rh negativo, com 80% de hematócrito, na tentativa de elevar o hematócrito fetal para valores próximos de 45%. Quanto mais precoce a transfusão, melhores os resultados perinatais. Em casos de hidropsia fetal, é prudente transfundir-se quantidades menores de sangue em punções múltiplas para que o risco de falência cardíaca seja reduzido.

Profilaxia

Todas as gestantes Rh negativo não sensibilizadas (com teste de Coombs indireto negativo) que deram à luz feto com Rh positivo (variante D positiva ou fator Du positivo) devem receber profilaxia da DHPN (Figura 14). Para tal, administra-se 300 mcg de imunoglobulina anti-Rh (imunoglobulina anti-D) pela via intramuscular. Esta dose é suficiente para neutralizar cerca de 30 mL de sangue fetal transfundido para a circulação materna no momento do parto.

A imunoglobulina anti-Rh é a mesma imunoglobulina naturalmente produzida quando a mulher se sensibiliza. É obtida de voluntários Rh negativo do sexo masculino, que são submetidos a transfusão de sangue Rh positivo. Quando utilizada na mulher antes que seu organismo adquira memória imunológica, impede a formação desta memória.

5 Atualmente está em desuso a transfusão sangüínea fetal intraperitoneal. Reserva-se a atitudes heróicas em casos de gravidade extrema em que, pela pequena idade gestacional, está contra-indicada a cordocentese.

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Figura 14 – A profilaxia da doença hemolítica perin atal.

Quanto mais precoce for a administração, melhores os resultados. Embora o prazo para a profilaxia se esgote com 28 dias de pós-parto, os melhores resultados são conseguidos com a administração até 72 horas depois do nascimento.

Além do parto, deve-se efetuar a profilaxia em mulheres Rh negativo nas situações abaixo, mesmo quando for impossível saber o Rh do concepto:

• Sangramento importante durante a gravidez (ameaça de abortamento, placenta prévia, sangramento do seio marginal etc.).

• Interrupção precoce da gestação (abortamento, gravidez ectópica, parto prematuro, gestação molar).

• Procedimentos obstétricos (amniocentese, cordocentese, biopsia do vilo corial, versão externa etc.).

As gestantes Rh negativo não sensibilizadas, ao completarem 28 semanas de gravidez, podem receber imunoglobulina anti-Rh como profilaxia adicional, já que uma pequena proporção de mulheres se sensibilizam no 3º trimestre da gravidez. O custo desta dose não é coberta pelo SUS.

O teste de Coombs indireto tende a se positivar após a aplicação da imunoglobulina, já que este teste visa exatamente investigar a presença desta imunoglobulina na circulação materna. No entanto, sua rápida negativação pode denunciar hemácias fetais ainda presentes na circulação materna, já que toda a imunoglobulina pode ter sido consumida na destruição das hemácias circulantes. Este fato pode ser confirmado pelo teste de Kleihauer & Betke, que identifica a hemoglobina fetal e exige a administração suplementar de imunoglobulina.

Pode-se avaliar a eficácia da profilaxia quando uma puérpera tem seu teste de Coombs indireto positivado depois da administração da imunoglobulina anti-Rh e negativado este teste depois de 6 meses do parto